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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e préhistória da África EDITOR J KIZERBO UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e pré história da África Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África Coleção História Geral da África da UNESCO Volume I Metodologia e préhistória da África Editor J KiZerbo Volume II África antiga Editor G Mokhtar Volume III África do século VII ao XI Editor M El Fasi Editor Assistente I Hrbek Volume IV África do século XII ao XVI Editor D T Niane Volume V África do século XVI ao XVIII Editor B A Ogot Volume VI África do século XIX à década de 1880 Editor J F A Ajayi Volume VII África sob dominação colonial 18801935 Editor A A Boahen Volume VIII África desde 1935 Editor A A Mazrui Editor Assistente C Wondji Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro bem como pelas opiniões nele expressas que não são necessariamente as da UNESCO nem comprometem a Organização As indicações de nomes e apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país território cidade região ou de suas autoridades tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e pré história da África EDITOR JOSEPH KIZERBO Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura História geral da África I Metodologia e pré história da África editado por Joseph Ki Zerbo 2ed rev Brasília UNESCO 2010 992 p ISBN 9788576521235 1 História 2 Pré história 3 Historiografia 4 Métodos históricos 5 Tradição oral 6 História africana 7 Culturas africanas 8 Arqueologia 9 Línguas africanas 10 Artes africanas 11 Norte da África 12 Leste da África 13 Oeste da África 14 Sul da África 15 África Central 16 África I Ki Zerbo Joseph II UNESCO III Brasil Ministério da Educação IV Universidade Federal de São Carlos Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil SecadMEC e a Universidade Federal de São Carlos UFSCar Título original General History of Africa I Methodology and African Prehistory Paris UNESCO Berkley CA University of California Press London Heinemann Educational Publishers Ltd 1981 Primeira edição publicada em inglês UNESCO 2010 versão em português com revisão ortográfica e revisão técnica Coordenação geral da edição e atualização Valter Roberto Silvério Preparação de texto Eduardo Roque dos Reis Falcão Revisão técnica Kabengele Munanga Revisão e atualização ortográfica Cibele Elisa Viegas Aldrovandi Projeto gráfico e diagramação Marcia Marques Casa de Ideias Edson Fogaça e Paulo Selveira UNESCO no Brasil Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO Representação no Brasil SAUS Quadra 5 Bloco H Lote 6 Ed CNPqIBICTUNESCO 9º andar 70070912 Brasília DF Brasil Tel 55 61 21063500 Fax 55 61 33224261 Site wwwunescoorgbrasilia Email grupoeditorialunescoorgbr Ministério da Educação MEC Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade SecadMEC Esplanada dos Ministérios Bl L 2º andar 70047900 Brasília DF Brasil Tel 55 61 20229217 Fax 55 61 20229020 Site httpportalmecgovbrindexhtml Universidade Federal de São Carlos UFSCar Rodovia Washington Luis Km 233 SP 310 Bairro Monjolinho 13565905 São Carlos SP Brasil Tel 55 16 33518111 PABX Fax 55 16 33612081 Site httpwww2ufscarbrhomeindexphp Impresso no Brasil V SUMÁRIO Apresentação VII Nota dos Tradutores IX Cronologia XI Lista de Figuras XIII Prefácio XXI Apresentação do Projeto XXVII Introdução Geral XXXI Capítulo 1 A evolução da historiografia da África 1 Capítulo 2 Lugar da história na sociedade africana 23 Capítulo 3 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral 37 Capítulo 4 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral 59 Capítulo 5 As fontes escritas anteriores ao século XV 77 Capítulo 6 As fontes escritas a partir do século XV 105 Capítulo 7 A tradição oral e sua metodologia 139 Capítulo 8 A tradição viva 167 Capítulo 9 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação 213 SUMÁRIO VI Metodologia e pré história da África Capítulo 10 Parte I História e linguística 247 Parte II Teorias relativas às raças e história da África 283 Capítulo 11 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas 295 Capítulo 12 Parte I Classificação das línguas da África 317 Parte II Mapa linguístico da África 337 Capítulo 13 Geografia histórica aspectos físicos 345 Capítulo 14 Geografia histórica aspectos econômicos 367 Capítulo 15 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra 387 Capítulo 16 Parte I Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África 401 Parte II Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África 417 Capítulo 17 Parte I A hominização problemas gerais 447 Parte II A hominização problemas gerais 471 Capítulo 18 Os homens fósseis africanos 491 Capítulo 19 A Pré História da África oriental 511 Capítulo 20 Pré História da África austral 551 Capítulo 21 Parte I Pré História da África central 591 Parte II Pré História da África central 615 Capítulo 22 Pré História da África do norte 637 Capítulo 23 Pré História do Saara 657 Capítulo 24 Pré História da África ocidental 685 Capítulo 25 Pré História do vale do Nilo 715 Capítulo 26 A arte pré histórica africana 743 Capítulo 27 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas 781 Capítulo 28 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã 803 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada 833 Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África 853 Dados Biográficos dos Autores do Volume I 855 Abreviações e Listas de Periódicos 859 Referências Bibliográficas 865 Índice Remissivo 927 VII APRESENTAÇÃO Outra exigência imperativa é de que a história e a cultura da África devem pelo menos ser vistas de dentro não sendo medidas por réguas de valores estranhos Mas essas conexões têm que ser analisadas nos termos de trocas mútuas e influências multilaterais em que algo seja ouvido da contribuição africana para o desenvolvimento da espécie humana J KiZerbo História Geral da África vol I p LII A Representação da UNESCO no Brasil e o Ministério da Educação têm a satis fação de disponibilizar em português a Coleção da História Geral da África Em seus oito volumes que cobrem desde a préhistória do continente africano até sua história recente a Coleção apresenta um amplo panorama das civilizações africanas Com sua publicação em língua portuguesa cumprese o objetivo inicial da obra de colaborar para uma nova leitura e melhor compreensão das sociedades e culturas africanas e demons trar a importância das contribuições da África para a história do mundo Cumprese também o intuito de contribuir para uma disseminação de forma ampla e para uma visão equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da África para a humanidade assim como para o estreitamento dos laços históricos existentes entre o Brasil e a África O acesso aos registros sobre a história e cultura africanas contidos nesta Coleção se reveste de significativa importância Apesar de passados mais de 26 anos após o lança mento do seu primeiro volume ainda hoje sua relevância e singularidade são mundial mente reconhecidas especialmente por ser uma história escrita ao longo de trinta anos por mais de 350 especialistas sob a coordenação de um comitê científico internacional constituído por 39 intelectuais dos quais dois terços africanos A imensa riqueza cultural simbólica e tecnológica subtraída da África para o conti nente americano criou condições para o desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus africanos das populações originárias e posteriormente de outras regiões do mundo se combinassem de formas distintas e complexas Apenas recentemente tem se considerado o papel civilizatório que os negros vindos da África desempenharam na formação da sociedade brasileira Essa compreensão no entanto ainda está restrita aos altos estudos acadêmicos e são poucas as fontes de acesso público para avaliar este complexo processo considerando inclusive o ponto de vista do continente africano APRESENTAÇÃO VIII Metodologia e pré história da África A publicação da Coleção da História Geral da África em português é também resul tado do compromisso de ambas as instituições em combater todas as formas de desigual dades conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 especialmente no sentido de contribuir para a prevenção e eliminação de todas as formas de manifestação de discriminação étnica e racial conforme estabelecido na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 Para o Brasil que vem fortalecendo as relações diplomáticas a cooperação econô mica e o intercâmbio cultural com aquele continente essa iniciativa é mais um passo importante para a consolidação da nova agenda política A crescente aproximação com os países da África se reflete internamente na crescente valorização do papel do negro na sociedade brasileira e na denúncia das diversas formas de racismo O enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no país e a educação para as relações étnicas e raciais ganhou maior relevância com a Constituição de 1988 O reconhecimento da prática do racismo como crime é uma das expressões da decisão da sociedade brasileira de superar a herança persistente da escravidão Recentemente o sistema educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorização da contribuição africana quando por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB e com a aprovação da Lei 10639 de 2003 tornouse obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afrobrasileira no currículo da educação básica Essa Lei é um marco histórico para a educação e a sociedade brasileira por criar via currículo escolar um espaço de diálogo e de aprendizagem visando estimular o conheci mento sobre a história e cultura da África e dos africanos a história e cultura dos negros no Brasil e as contribuições na formação da sociedade brasileira nas suas diferentes áreas social econômica e política Colabora nessa direção para dar acesso a negros e não negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenças socioculturais presentes na formação do país Mais ainda contribui para o processo de conhecimento reconhecimento e valorização da diversidade étnica e racial brasileira Nessa perspectiva a UNESCO e o Ministério da Educação acreditam que esta publica ção estimulará o necessário avanço e aprofundamento de estudos debates e pesquisas sobre a temática bem como a elaboração de materiais pedagógicos que subsidiem a formação inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos Objetivam assim com esta edição em português da História Geral da África contribuir para uma efetiva educação das relações étnicas e raciais no país conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino da História e Cultura Afro brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação Boa leitura e sejam bemvindos ao Continente Africano Vincent Defourny Fernando Haddad Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educação do Brasil IX NOTA DOS TRADUTORES NOTA DOS TRADUTORES A Conferência de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife rente daquele que motivou as duas primeiras conferências organizadas pela ONU sobre o tema da discriminação racial e do racismo em 1978 e 1983 em Genebra na Suíça o alvo da condenação era o apartheid A conferência de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas entre os quais vale destacar a avaliação dos avanços na luta contra o racismo na luta contra a discriminação racial e as formas correlatas de discriminação a avaliação dos obstáculos que impedem esse avanço em seus diversos contextos bem como a sugestão de medidas de combate às expressões de racismo e intolerâncias Após Durban no caso brasileiro um dos aspectos para o equacionamento da questão social na agenda do governo federal é a implementação de políticas públicas para a eliminação das desvantagens raciais de que o grupo afrodescen dente padece e ao mesmo tempo a possibilidade de cumprir parte importante das recomendações da conferência para os Estados Nacionais e organismos internacionais No que se refere à educação o diagnóstico realizado em novembro de 2007 a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação SECAD MEC constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan tes que concordavam no tocante a Lei 106392003 em relação ao seu baixo grau de institucionalização e sua desigual aplicação no território nacional Entre X Metodologia e pré história da África os fatores assinalados para a explicação da pouca institucionalização da lei estava a falta de materiais de referência e didáticos voltados à História de África Por outra parte no que diz respeito aos manuais e estudos disponíveis sobre a História da África havia um certo consenso em afirmar que durante muito tempo e ainda hoje a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e eurocêntrica do continente africano desfigurando e desumanizando especial mente sua história uma história quase inexistente para muitos até a chegada dos europeus e do colonialismo no século XIX Rompendo com essa visão a História Geral da África publicada pela UNESCO é uma obra coletiva cujo objetivo é a melhor compreensão das sociedades e cul turas africanas e demonstrar a importância das contribuições da África para a história do mundo Ela nasceu da demanda feita à UNESCO pelas novas nações africanas recémindependentes que viam a importância de contar com uma his tória da África que oferecesse uma visão abrangente e completa do continente para além das leituras e compreensões convencionais Em 1964 a UNESCO assumiu o compromisso da preparação e publicação da História Geral da África Uma das suas características mais relevantes é que ela permite compreender a evolução histórica dos povos africanos em sua relação com os outros povos Contudo até os dias de hoje o uso da História Geral da África tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos usada pelos professoresas e estudantes No caso brasileiro um dos motivos desta limitação era a ausência de uma tradução do conjunto dos volumes que compõem a obra em língua portuguesa A Universidade Federal de São Carlos por meio do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros NEABUFSCar e seus parceiros ao concluir o trabalho de tradução e atualização ortográfica do conjunto dos volumes agradece o apoio da Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade SECAD do Ministério da Educação MEC e da UNESCO por terem propiciado as condições para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado do continente africano para nossa formação social e cultural XI Cronologia Na apresentação das datas da pré história convencionou se adotar dois tipos de notação com base nos seguintes critérios Tomando como ponto de partida a época atual isto é datas BP before present tendo como referência o ano de 1950 nesse caso as datas são todas negativas em relação a 1950 Usando como referencial o início da Era Cristã nesse caso as datas são simplesmente precedidas dos sinais ou No que diz respeito aos séculos as menções antes de Cristo e depois de Cristo são substituídas por antes da Era Cristã da Era Cristã Exemplos i 2300 BP 350 ii 2900 aC 2900 1800 dC 1800 iii século V aC século V antes da Era Cristã século III dC século III da Era Cristã CRONOLOGIA XIII Lista de Figuras Figura 21 Estatueta em bronze representando o poder dinástico dos Songhai Tera Níger 27 Figura 41 Baixo relevo do Museu de Abomey 71 Figura 51 Manuscrito árabe verso n 2291 fólio 103 Ibn Battuta 2a parte referência ao Mali 102 Figura 61 Facsímile de manuscrito bamum 106 Figura 62 Facsímile do manuscrito vai intitulado An Early Vai Manuscript 134 Figura 81 Músico tukulor tocando o ardin 179 Figura 82 Cantor Mvet 179 Figura 83 Tocador de Valiha O instrumento é de madeira com cordas de aço 194 Figura 84 Griot hutu imitando o mwami caído 194 Figura 91 Microfotografia de uma secção da fateixa de cobre pertencente ao barco de Quéops em Gizeh 217 Figura 92 Radiografia frontal do peito da Rainha Nedjemet da 21a dinastia Museu do Cairo 217 Figura 93 Bloco de vitrificação mostrando a superfície superior plana as paredes laterais e uma parte do cadinho ainda aderente ao lado direito 227 Figura 94 Base de uma das colunas de arenito do templo de Buhen Nota se o esboroamento da camada superficial devido à eflorescência 227 Figura 101 Estela do rei serpente 271 Figura 102 Récade representando uma cabaça símbolo de poder 272 Figura 103 Récade dedicada a Dakodonu 272 Figura 104 Leão semeando o terror 272 LISTA DE FIGURAS XIV Metodologia e pré história da África Figura 105 Pictogramas egípcios e nsibidi 273 Figura 106 Palette de Narmer 273 Figura 107 Amostras de várias escritas africanas antigas274 Figura 108 Primeira página do principal capítulo do Alcorão em vai 275 Figura 109 Sistema gráfico vai 276 Figura 1010 Sistema gráfico mum 278 Figura 1011 Sistema pictográfico 278 Figura 1012 Sistema ideográfico e fonético silábico 278 Figura 111 Mulher haratina de Idélès Argélia302 Figura 112 Marroquino 302 Figura 113 Mulher e criança argelinas 302 Figura 114 Voltense 304 Figura 115 Mulher sarakole Mauritânia grupo Soninke da região do rio 304 Figura 116 Chefe nômade de Rkiz Mauritânia 304 Figura 117 Mulher peul bororo Tahoura Níger 306 Figura 118 Criança tuaregue de Agadès Níger 306 Figura 119 Mulher djerma songhay de Balayera Níger 306 Figura 1110 Pigmeu twa Ruanda 308 Figura 1111 Grupo San308 Figura 1112 Pigmeu do Congo 308 Figura 1113 Mulheres zulu 311 Figura 1114 Mulher peul 313 Figura 1115 Mulher peul das proximidades de Garoua Boulay Camarões 313 Figura 1116 Jovem peul do Mali 313 Figura 121 Mapa diagramático das línguas da África 338 Figura 131 África física 347 Figura 141 Os recursos minerais da África 385 Figura 161 Gráficos mostrando analogias entre isótopos de oxigênio ou variações de temperatura e a intensidade do campo magnético da Terra em um testemunho de fundo de mar para os últimos 450000 anos 418 Figura 162 Gráficos mostrando analogias entre temperaturas indicadas pela microfauna e a inclinação magnética para os últimos 2 milhões de anos 419 Figura 163 Mapa das isotermas da água de superfície do oceano Atlântico em fevereiro 18000 BP 426 Figura 164 e 165 Mapa mostrando diferenças na temperatura da água de superfície entre a época atual a 17000 BP Figura 164 inverno Figura 165 verão 427 Figura 166 Evolução relativa da razão pluviosidadeevaporação nos últimos 12000 anos na bacia do Chade 13 18 de lat N 433 Figura 167 Variações dos níveis lacustres nas bacias do Afar 434 Figura 168 Mapa das localidades fossilíferas do Plio Pleistoceno da África oriental 438 XV Lista de Figuras Figura 169 Cronologia radiométrica e paleomagnética do PliocenoPleistoceno da África oriental do sudoeste da Europa e do noroeste da América 439 Figura 1610 Cronologia e ritmo da evolução das civilizações durante o Pleistoceno com relação à evolução dos hominídeos 442 Figura 1611 Tendências gerais do clima global para o último milhão de anos 443 Figura 171 Reconstituição do meio ambiente do Faium há 40 milhões de anos Desenhos de Bertoncini Gaillard sob a direção de Yves Coppens 450 Figura 172 Depósitos eocênico e oligocênico do Faium Egito 450 Figura 173 Os dados paleontológicos 454 Figura 174 Garganta de Olduvai Tanzânia 455 Figura 175 Crânio de Australopithecus africanus Da direita para a esquerda perfil de criança Taung Botsuana e de adulto Sterkfontein Transvaal 455 Figura 176 Garganta de Olduvai Tanzânia 457 Figura 177 Sítio do Omo Etiópia 457 Figura 178 Sítio do Omo Etiópia 458 Figura 179 Crânios de Australopithecus boisei sítio do Omo Etiópia 458 Figura 1710 Sítio de Afar Etiópia 459 Figura 1711 Crânio de Cro Magnoide de Afalu Argélia459 Figura 1712 Canteiro de escavações em Olduvai 461 Figura 1713 Crânios de Australopithecus robustus à direita e Australopithecus gracilis à esquerda 461 Figura 1714 Homo habilis 463 Figura 1715 Os sítios de Siwalik no Norte do Paquistão expedição D Pilbeam 465 Figura 1716 Reconstituição do crânio de Ramapithecus 465 Figura 1717 Esqueleto de Oreopithecus bambolii com 12 milhões de anos encontrado em Grossetto Toscana por Johannes Hürzeler em 1958 465 Figura 1718 Reconstituição do meio ambiente do Homo erectus de Chu Ku Tien ou Sinantropo China 400 mil anos 466 Figura 1719 Homo erectus de Chu Ku Tien reconstituição 466 Figuras 1720 e 1721 Detalhe do solo olduvaiense observam se vários objetos entre os quais poliedros e um grande osso de hipopótamo 475 Figura 1722 Uma das mais antigas pedras lascadas do mundo 479 Figura 1723 Uma das primeiras pedras lascadas do mundo 479 Figura 181 África alguns dos sítios mais importantes de hominídeos492 Figura 182 Crânio de Homo habilis KNM ER 1470 Vista lateral Koobi Fora Quênia 499 Figura 183 Crânio de Homo erectus KNM ER 3733 Vista lateral Koobi Fora Quênia 499 Figura 184 Crânio de Australopithecus boisei OH5 Vista lateral Garganta de Olduvai Tanzânia 503 Figura 185 Mandíbula de Australopithecus boisei KNM ER 729 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia 503 XVI Metodologia e pré história da África Figura 186 Crânio de Australopithecus africanus KNM ER 1813 Vista lateral Koobi Fora Quênia 505 Figura 187 Mandíbula de Australopithecus africanus KNM ER 992 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia 505 Figura 191 A pré história na África Oriental 1974 512 Figura 192 África oriental principais jazidas da Idade da Pedra 1974 523 Figura 193 Garganta de Olduvai Tanzânia setentrional 530 Figura 194 Early Stone Age primeira fase utensílios olduvaienses típicos seixos lascados 530 Figura 195 Early Stone Age segunda fase instrumentos acheulenses típicos vista frontal e lateral 1 picão 2 machadinha 3 biface 533 Figura 196 Isimila terras altas da Tanzânia meridional Vista da ravina erodida mostrando as camadas onde foram encontrados utensílios acheulenses 535 Figura 197 Concentração de bifaces machadinhas e outros utensílios acheulenses a pequena colher de pedreiro no centro serve como escala 535 Figura 198 Middle Stone Age e utensílios de transição o exemplo da direita é uma ponta fina podendo ser encabada talvez como ponta de lança 537 Figura 199 Olorgesailie no Rift Valley do Quênia Escavações em um sítio de ocupação acheulense 537 Figura 1910 Late Stone Age lâmina com bordo de preensão retocado à direita segmento de círculo no centro raspador e micrólito à esquerda feitos de obsidiana no Rift Valley do Quênia 540 Figura 1911 Apis Rock Nasera Tanzânia setentrional As escavações sob o abrigo bem visível à direita revelaram uma sucessão de ocupações humanas da Idade da Pedra Recente 540 Figura 201 Localização dos depósitos fauresmithienses e sangoenses na África austral 554 Figura 202 Depósitos de fósseis humanos do Pleistoceno Superior e alguns do Pós Pleistoceno na África austral 554 Figura 203 Principais depósitos de fauna e fósseis humanos do fim do Plioceno ao início do Pleistoceno na África austral 556 Figura 204 Localização dos principais depósitos acheulenses na África austral 556 Figura 205 Acheulense Inferior Sterkfontein biface lasca cuboide e dois núcleos 563 Figura 206 Utensílios do Acheulense Superior de Kalambo Falls datados de mais de 190000 anos BP 563 Figura 207 Utensílios provenientes dos depósitos de Howiesonspoort 563 Figura 208 Utensílios da Middle Stone Age provenientes de Witkrans Cave 572 Figura 209 Utensílios do Lupembiense Médio de Kalambo Falls 572 Figura 2010 Distribuição de lâminas e fragmentos de lâminas utilizadas com relação a estruturas de blocos de dolerito no horizonte primário em Orangia 572 Figura 2011 Civilização sangoense de Zimbabwe variante do Zambeze 578 Figura 2012 Indústrias da Middle Stone Age provenientes de Twin Rivers Zâmbia datadas de 32000 a 22000 anos BP 578 XVII Lista de Figuras Figura 2013 Indústrias de Pietersburg e Bambata provenientes da gruta das Lareiras Cave of Hearths no Transvaal e da gruta de Bambata em Zimbabwe Instrumentos característicos das regiões de arbustos espinhosos e do bushveld 578 Figura 2014 De 1 a 12 utensílios em sílex e calcedônia das indústrias wiltonienses da província do Cabo na África do Sul De 13 a 20 utensílios das indústrias de Matopan Wiltoniense de Zimbabwe provenientes da caverna de Amadzimba Matopos Hills em Zimbabwe 580 Figura 2015 Utensílios de madeira provenientes de depósitos do Pleistoceno na África austral 580 Figura 2016 Lasca enxó em forma de crescente feita de sílex negro montada por meio de mástique sobre um cabo de chifre de rinoceronte proveniente de uma caverna da baía de Plettenberg no leste da província do Cabo 580 Figura 211 Variações climáticas e indústrias pré históricas da bacia do Zaire 592 Figura 212 Monumento megalítico da região de Buar na República Centro Africana 603 Figura 213 Acheulense Superior República Centro Africana rio Ngoere Alto Sanga 603 Figura 214 Vaso neolítico de fundo plano República Centro Africana Batalimo Lobaye 610 Figura 215 Zonas de vegetação da África Central 616 Figura 216 Mapa da África Central com os nomes dos lugares citados no texto 619 Figura 221 Evolução da Pebble Culture para as formas do Acheulense 639 Figura 222 Biface Acheulense o mais evoluído da jazida de Ternifine Argélia ocidental641 Figura 223 Machados de riolito do Acheulense encontrados no sítio de Erg Tihodaine 643 Figura 224 Ponta do Musteriense El Guettar Tunísia 643 Figura 225 Esferoides facetados de Ain Hanech 643 Figura 226 Ateriense do Uede Djouf el Djemel Argélia oriental 647 Figura 227 Indústria do Capsiense típico 647 Figura 228 Indústria de armaduras do Capsiense superior 647 Figura 229 Indústria do Capsiense superior 647 Figura 2210 Neolítico de tradição capsiense do Damous el Ahmar Argélia oriental Mó e moleta Traços de carvão e ocre Fragmentos de conchas de Helix 654 Figura 2211 Pequena placa calcária gravada Capsiense superior do Khanguet el Mouhaad Argélia oriental654 Figura 2212 Ain Hanech seixos com lascamento unifacial chopper ou bifacial chopping tool 655 Figura 2213 Perônio humano em forma de punhal Capsiense superior Mechta el Arbi Argélia oriental escavações feitas em 1952 655 Figura 231 Principais sítios de pinturas e gravuras rupestres saarianas 661 Figura 232 Machado plano com entalhes Gossolorum Níger 661 Figura 233 Machadinha de Ti n Assako Mali 661 Figura 234 e 235 Seixos lascados Pebble Culture Aoulef Saara argeliano 666 XVIII Metodologia e pré história da África Figura 236 Biface do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 666 Figura 237 Machadinha do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 666 Figura 238 Grande ponta dupla bifacial ateriense Timimoum Saara argeliano 670 Figura 239 Pontas aterienses Aoulef Saara argeliano 670 Figura 2310 Ponta dupla bifacial ateriense Adrar Bous V Níger 670 Figura 2311 Cerâmica neolítica Dhar Tichitt Mauritânia 675 Figura 2312 Cerâmica de Akreijit Mauritânia 675 Figura 2313 Pontas de flechas neolíticas In Guezzam Níger681 Figura 2314 Machado com garganta neolítica Adrar Bous Níger 681 Figura 2315 Machado polido neolítico região de Faya Chade 681 Figura 241 Zonas de vegetação da África ocidental 686 Figura 242 Cerâmica do Cabo Manuel Senegal 696 Figura 243 Brunidor de osso encontrado no sítio neolítico do Cabo Manuel 696 Figura 244 Mó feita de rocha vulcânica encontrada no sítio neolítico de Ngor 700 Figura 245 Pendentes de pedra basalto do sítio neolítico de Patte dOie 700 Figura 246 Machados polidos de Bel Air em dolerito 704 Figura 247 Cerâmica neolítica de Bel Air do sítio de Diakité no Senegal 704 Figura 248 Vaso de fundo plano da Idade do Ferro 709 Figura 249 Círculo megalítico Tiekene Boussoura Senegal o túmulo do rei aparece em primeiro plano 711 Figura 2410 Estatueta antropomórfica encontrada em Thiaroye no Senegal 711 Figura 251 O Vale das Rainhas 720 Figura 252 Pontas de dardos em sílex de Mirgissa Sudão 720 Figura 261 Rinoceronte Blaka Níger 749 Figura 262 Gazela Blaka Níger749 Figura 263 Bovino Tin Rharo Mali 749 Figura 264 Elefante In Ekker Saara argelino 749 Figura 265 Pintura rupestre Namíbia 754 Figura 266 Pintura rupestre Tibesti Chade 754 Figura 267 Pista da Serpente pintura rupestre 760 Figura 268 Dama Branca pintura rupestre 760 Figura 269 Detalhe de uma gravura rupestre Alto Volta 764 Figura 2610 Pintura rupestre Namíbia 764 Figura 2611 Pinturas rupestres planalto do Tassili nAjjer Argélia 766 Figura 2612 Cena erótica Tassili 770 Figura 2613 Cena erótica Tassili 770 Figura 271 Zoneamento ecológico latitudinal 785 Figura 272 Diferentes ecossistemas 785 Figura 273 Os berços agrícolas africanos 791 Figura 274 Mapa geoagrícola da África 791 XIX Lista de Figuras Figura 275 Aspecto de urna queimada após a combustão Futa Djalon Pita Timbi Madina 794 Figura 276 Terra lavrada com o Kadyendo pelos Diula de Oussouye Casamance antes do replantio do arroz 794 Figura 277 O Soung ou pá entre os Seereer Gnominka pescadores rizicultores das ilhas da Petite Côte no Senegal 796 Figura 278 Arrozais em solos hidromorfos sujeitos a cheias temporárias na estação das chuvas rizicultura de impluvium Casamance aldeia bayoyy de Niassa 798 Figura 279 Ilhas artificiais para a cultura do arroz em arrozais aquáticos muito profundos onde o nível da água não baixa o suficiente 798 Figura 281 Túmulo de Rekh mi re em Tebas 827 Figura 282 Túmulo de Huy parede leste fachada sul 827 Figura 283 Navalha Mirgissa Sudão 827 Figura 284 Túmulo de Huy 829 Figura 285 Estátua de cobre de Pépi I Antigo Império 831 Figura 291 Australopithecus boisei jazidas do Omo 842 Figura 292 Laboratório destinado às pesquisas sobre o remanejo do delta do Senegal RossoBethio Senegal 842 XXI Prefácio Durante muito tempo mitos e preconceitos de toda espécie esconderam do mundo a real história da África As sociedades africanas passavam por sociedades que não podiam ter história Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius Maurice Delafosse e Arturo Labriola um grande número de especialistas não africanos ligados a certos postulados sustentavam que essas sociedades não podiam ser objeto de um estudo científico notadamente por falta de fontes e documentos escritos Se a Ilíada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como fontes essenciais da história da Grécia antiga em contrapartida negavase todo valor à tradição oral africana essa memória dos povos que fornece em suas vidas a trama de tantos acontecimentos marcantes Ao escrever a história de grande parte da África recorriase somente a fontes externas à África oferecendo uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos mas daquilo que se pensava que ele deveria ser Tomando frequentemente a Idade Média europeia como ponto de referência os modos de produção as relações sociais tanto quanto as instituições políticas não eram percebidos senão em referência ao passado da Europa Com efeito havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram através dos séculos por PREFÁCIO por M Amadou Mahtar MBow Diretor Geral da UNESCO 19741987 XXII Metodologia e pré história da África vias que lhes são próprias e que o historiador só pode apreender renunciando a certos preconceitos e renovando seu método Da mesma forma o continente africano quase nunca era considerado como uma entidade histórica Em contrário enfatizavase tudo o que pudesse reforçar a ideia de uma cisão que teria existido desde sempre entre uma África branca e uma África negra que se ignoravam reciprocamente Apresentavase frequentemente o Saara como um espaço impenetrável que tornaria impossíveis misturas entre etnias e povos bem como trocas de bens crenças hábitos e ideias entre as sociedades constituídas de um lado e de outro do deserto Traçavamse fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e aquelas dos povos subsaarianos Certamente a história da África nortesaariana esteve antes ligada àquela da bacia mediterrânea muito mais que a história da África subsaariana mas nos dias atuais é amplamente reconhecido que as civilizações do continente africano pela sua variedade linguística e cultural formam em graus variados as vertentes históricas de um conjunto de povos e sociedades unidos por laços seculares Um outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado africano foi o aparecimento com o tráfico negreiro e a colonização de estereótipos raciais criadores de desprezo e incompreensão tão profundamente consolidados que corromperam inclusive os próprios conceitos da historiografia Desde que foram empregadas as noções de brancos e negros para nomear genericamente os colonizadores considerados superiores e os colonizados os africanos foram levados a lutar contra uma dupla servidão econômica e psicológica Marcado pela pigmentação de sua pele transformado em uma mercadoria entre outras e destinado ao trabalho forçado o africano veio a simbolizar na consciência de seus dominadores uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior a de negro Este processo de falsa identificação depreciou a história dos povos africanos no espírito de muitos rebaixandoa a uma etnohistória em cuja apreciação das realidades históricas e culturais não podia ser senão falseada A situação evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial em particular desde que os países da África tendo alcançado sua independência começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercâmbios a ela inerentes Historiadores em número crescente têm se esforçado em abordar o estudo da África com mais rigor objetividade e abertura de espírito empregando obviamente com as devidas precauções fontes africanas originais No exercício de seu direito à iniciativa histórica os próprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer em bases sólidas a historicidade de suas sociedades XXIII Prefácio É nesse contexto que emerge a importância da História Geral da África em oito volumes cuja publicação a Unesco começou Os especialistas de numerosos países que se empenharam nessa obra preocuparamse primeiramente em estabelecerlhe os fundamentos teóricos e metodológicos Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificações abusivas criadas por uma concepção linear e limitativa da história universal bem como em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível Eles esforçaramse para extrair os dados históricos que permitissem melhor acompanhar a evolução dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural Nessa tarefa imensa complexa e árdua em vista da diversidade de fontes e da dispersão dos documentos a UNESCO procedeu por etapas A primeira fase 19651969 consistiu em trabalhos de documentação e de planificação da obra Atividades operacionais foram conduzidas in loco através de pesquisas de campo campanhas de coleta da tradição oral criação de centros regionais de documentação para a tradição oral coleta de manuscritos inéditos em árabe e ajami línguas africanas escritas em caracteres árabes compilação de inventários de arquivos e preparação de um Guia das fontes da história da África publicado posteriormente em nove volumes a partir dos arquivos e bibliotecas dos países da Europa Por outro lado foram organizados encontros entre especialistas africanos e de outros continentes durante os quais se discutiu questões metodológicas e traçouse as grandes linhas do projeto após atencioso exame das fontes disponíveis Uma segunda etapa 1969 a 1971 foi consagrada ao detalhamento e à articulação do conjunto da obra Durante esse período realizaramse reuniões internacionais de especialistas em Paris 1969 e AddisAbeba 1970 com o propósito de examinar e detalhar os problemas relativos à redação e à publicação da obra apresentação em oito volumes edição principal em inglês francês e árabe assim como traduções para línguas africanas tais como o kiswahili o hawsa o peul o yoruba ou o lingala Igualmente estão previstas traduções para o alemão russo português espanhol e chinês1 além de edições resumidas destinadas a um público mais amplo tanto africano quanto internacional 1 O volume I foi publicado em inglês árabe chinês coreano espanhol francês hawsa italiano kiswahi li peul e português o volume II em inglês árabe chinês coreano espanhol francês hawsa italiano kiswahili peul e português o volume III em inglês árabe espanhol e francês o volume IV em inglês árabe chinês espanhol francês e português o volume V em inglês e árabe o volume VI em inglês árabe e francês o volume VII em inglês árabe chinês espanhol francês e português o VIII em inglês e francês XXIV Metodologia e pré história da África A terceira e última fase constituiuse na redação e na publicação do trabalho Ela começou pela nomeação de um Comitê Científico Internacional de trinta e nove membros composto por africanos e não africanos na respectiva proporção de dois terços e um terço a quem incumbiuse a responsabilidade intelectual pela obra Interdisciplinar o método seguido caracterizouse tanto pela pluralidade de abordagens teóricas quanto de fontes Dentre essas últimas é preciso citar primeiramente a arqueologia detentora de grande parte das chaves da história das culturas e das civilizações africanas Graças a ela admitese nos dias atuais reconhecer que a África foi com toda probabilidade o berço da humanidade palco de uma das primeiras revoluções tecnológicas da história ocorrida no período Neolítico A arqueologia igualmente mostrou que na África especificamente no Egito desenvolveuse uma das antigas civilizações mais brilhantes do mundo Outra fonte digna de nota é a tradição oral que até recentemente desconhecida aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituição da história da África permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no espaço compreender a partir de seu interior a visão africana do mundo e apreender os traços originais dos valores que fundam as culturas e as instituições do continente Saberseá reconhecer o mérito do Comitê Científico Internacional encarregado dessa História geral da África de seu relator bem como de seus coordenadores e autores dos diferentes volumes e capítulos por terem lançado uma luz original sobre o passado da África abraçado em sua totalidade evitando todo dogmatismo no estudo de questões essenciais tais como o tráfico negreiro essa sangria sem fim responsável por umas das deportações mais cruéis da história dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas forças vivas no momento em que esse último desempenhava um papel determinante no progresso econômico e comercial da Europa a colonização com todas suas consequências nos âmbitos demográfico econômico psicológico e cultural as relações entre a África ao sul do Saara e o mundo árabe o processo de descolonização e de construção nacional mobilizador da razão e da paixão de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena atividade Todas essas questões foram abordadas com grande preocupação quanto à honestidade e ao rigor científico o que constitui um mérito não desprezível da presente obra Ao fazer o balanço de nossos conhecimentos sobre a África propondo diversas perspectivas sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história a História geral da África tem a indiscutível vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras sem dissimular as divergências de opinião entre os estudiosos XXV Prefácio Ao demonstrar a insuficiência dos enfoques metodológicos amiúde utilizados na pesquisa sobre a África essa nova publicação convida à renovação e ao aprofundamento de uma dupla problemática da historiografia e da identidade cultural unidas por laços de reciprocidade Ela inaugura a via como todo trabalho histórico de valor para múltiplas novas pesquisas É assim que em estreita colaboração com a UNESCO o Comitê Científico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito de aprofundar algumas questões que permitirão uma visão mais clara sobre certos aspectos do passado da África Esses trabalhos publicados na coleção UNESCO História geral da África estudos e documentos virão a constituir de modo útil um suplemento à presente obra2 Igualmente tal esforço desdobrarseá na elaboração de publicações versando sobre a história nacional ou subregional Essa História geral da África coloca simultaneamente em foco a unidade histórica da África e suas relações com os outros continentes especialmente com as Américas e o Caribe Por muito tempo as expressões da criatividade dos afrodescendentes nas Américas haviam sido isoladas por certos historiadores em um agregado heteróclito de africanismos essa visão obviamente não corresponde àquela dos autores da presente obra Aqui a resistência dos escravos deportados para a América o fato tocante ao marronage fuga ou clandestinidade político e cultural a participação constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independência americana bem como nos movimentos nacionais de libertação esses fatos são justamente apreciados pelo que eles realmente foram vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito universal de humanidade É hoje evidente que a herança africana marcou em maior ou menor grau segundo as regiões as maneiras de sentir pensar sonhar e agir de certas nações do hemisfério ocidental Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil passando pelo Caribe e pela costa do Pacífico as contribuições culturais herdadas da África são visíveis por toda parte em certos casos inclusive elas constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da população 2 Doze números dessa série foram publicados eles tratam respectivamente sobre n 1 O povoamento do Egito antigo e a decodificação da escrita meroítica n 2 O tráfico negreiro do século XV ao século XIX n 3 Relações históricas através do Oceano Índico n 4 A historiografia da África Meridional n 5 A descolonização da África África Meridional e Chifre da África Nordeste da África n 6 Etnonímias e toponímias n 7 As relações históricas e socioculturais entre a África e o mundo árabe n 8 A metodologia da história da África contemporânea n 9 O processo de educação e a historiografia na África n 10 A África e a Segunda Guerra Mundial n 11 Líbia Antiqua n 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na evolução política e social da África de 1900 a 1975 XXVI Metodologia e pré história da África Igualmente essa obra faz aparecerem nitidamente as relações da África com o sul da Ásia através do Oceano Índico além de evidenciar as contribuições africanas junto a outras civilizações em seu jogo de trocas mútuas Estou convencido de que os esforços dos povos da África para conquistar ou reforçar sua independência assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem enraizarse em uma consciência histórica renovada intensamente vivida e assumida de geração em geração Minha formação pessoal a experiência adquirida como professor e desde os primórdios da independência como presidente da primeira comissão criada com vistas à reforma dos programas de ensino de história e de geografia de certos países da África Ocidental e Central ensinaramme o quanto era necessário para a educação da juventude e para a informação do público uma obra de história elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os problemas e as esperanças da África pensadores capazes de considerar o continente em sua totalidade Por todas essas razões a UNESCO zelará para que essa História Geral da África seja amplamente difundida em numerosos idiomas e constitua base da elaboração de livros infantis manuais escolares e emissões televisivas ou radiofônicas Dessa forma jovens escolares estudantes e adultos da África e de outras partes poderão ter uma melhor visão do passado do continente africano e dos fatores que o explicam além de lhes oferecer uma compreensão mais precisa acerca de seu patrimônio cultural e de sua contribuição ao progresso geral da humanidade Essa obra deverá então contribuir para favorecer a cooperação internacional e reforçar a solidariedade entre os povos em suas aspirações por justiça progresso e paz Pelo menos esse é o voto que manifesto muito sinceramente Restame ainda expressar minha profunda gratidão aos membros do Comitê Científico Internacional ao redator aos coordenadores dos diferentes volumes aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realização desta prodigiosa empreitada O trabalho por eles efetuado e a contribuição por eles trazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a serviço da verdade de todos os homens podem fazer no quadro internacional oferecido pela UNESCO para lograr êxito em um projeto de tamanho valor científico e cultural Meu reconhecimento igualmente estendese às organizações e aos governos que graças a suas generosas doações permitiram à UNESCO publicar essa obra em diferentes línguas e assegurarlhe a difusão universal que ela merece em prol da comunidade internacional em sua totalidade XXVII Apresentação do Projeto A Conferência Geral da UNESCO em sua décima sexta sessão solicitou ao Diretor geral que empreendesse a redação de uma História Geral da África Esse considerável trabalho foi confiado a um Comitê Científico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970 Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da UNESCO em 1971 esse Comitê compõe se de trinta e nove membros responsáveis dentre os quais dois terços africanos e um terço de não africanos nomeados pelo Diretor geral da UNESCO por um período correspondente à duração do mandato do Comitê A primeira tarefa do Comitê consistiu em definir as principais características da obra Ele definiu as em sua primeira sessão nos seguintes termos Em que pese visar a maior qualidade científica possível a História Geral da África não busca a exaustão e se pretende uma obra de síntese que evitará o dogmatismo Sob muitos aspectos ela constitui uma exposição dos problemas indicadores do atual estádio dos conhecimentos e das grandes correntes de pensamento e pesquisa não hesitando em assinalar em tais circunstâncias as divergências de opinião Ela assim preparará o caminho para posteriores publicações A África é aqui considerada como um todo O objetivo é mostrar as relações históricas entre as diferentes partes do continente muito amiúde APRESENTAÇÃO DO PROJETO pelo Professor Bethwell Allan Ogot Presidente do Comitê Científico Internacional para a redação de uma História Geral da África XXVIII Metodologia e pré história da África subdividido nas obras publicadas até o momento Os laços históricos da África com os outros continentes recebem a atenção merecida e são analisados sob o ângulo dos intercâmbios mútuos e das influências multilaterais de forma a fazer ressurgir oportunamente a contribuição da África para o desenvolvimento da humanidade A História Geral da África consiste antes de tudo em uma história das ideias e das civilizações das sociedades e das instituições Ela fundamenta se sobre uma grande diversidade de fontes aqui compreendidas a tradição oral e a expressão artística A História Geral da África é aqui essencialmente examinada de seu interior Obra erudita ela também é em larga medida o fiel reflexo da maneira através da qual os autores africanos veem sua própria civilização Embora elaborada em âmbito internacional e recorrendo a todos os dados científicos atuais a História será igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimônio cultural africano evidenciando os fatores que contribuem para a unidade do continente Essa vontade de examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poderá além de suas qualidades científicas conferir lhe um grande valor de atualidade Ao evidenciar a verdadeira face da África a História poderia em uma época dominada por rivalidades econômicas e técnicas propor uma concepção particular dos valores humanos O Comitê decidiu apresentar a obra dedicada ao estudo de mais de 3 milhões de anos de história da África em oito volumes cada qual compreendendo aproximadamente oitocentas páginas de texto com ilustrações fotos mapas e desenhos tracejados Para cada volume designou se um coordenador principal assistido quando necessário por um ou dois codiretores assistentes Os coordenadores dos volumes são escolhidos tanto entre os membros do Comitê quanto fora dele em meio a especialistas externos ao organismo todos eleitos por esse último pela maioria de dois terços Eles se encarregam da elaboração dos volumes em conformidade com as decisões e segundo os planos decididos pelo Comitê São eles os responsáveis no plano científico perante o Comitê ou entre duas sessões do Comitê perante o Conselho Executivo pelo conteúdo dos volumes pela redação final dos textos ou ilustrações e de uma maneira geral por todos os aspectos científicos e técnicos da História É o Conselho Executivo quem aprova em última instância o original definitivo Uma vez considerado pronto para a edição o texto é remetido ao Diretor Geral XXIX Apresentação do Projeto da UNESCO A responsabilidade pela obra cabe dessa forma ao Comitê ou entre duas sessões do Comitê ao Conselho Executivo Cada volume compreende por volta de 30 capítulos Cada qual redigido por um autor principal assistido por um ou dois colaboradores caso necessário Os autores são escolhidos pelo Comitê em função de seu curriculum vitae A preferência é concedida aos autores africanos sob reserva de sua adequação aos títulos requeridos Além disso o Comitê zela tanto quanto possível para que todas as regiões da África bem como outras regiões que tenham mantido relações históricas ou culturais com o continente estejam de forma equitativa representadas no quadro dos autores Após aprovação pelo coordenador do volume os textos dos diferentes capítulos são enviados a todos os membros do Comitê para submissão à sua crítica Ademais e finalmente o texto do coordenador do volume é submetido ao exame de um comitê de leitura designado no seio do Comitê Científico Internacional em função de suas competências cabe a esse comitê realizar uma profunda análise tanto do conteúdo quanto da forma dos capítulos Ao Conselho Executivo cabe aprovar em última instância os originais Tal procedimento aparentemente longo e complexo revelou se necessário pois permite assegurar o máximo de rigor científico à História Geral da África Com efeito houve ocasiões nas quais o Conselho Executivo rejeitou originais solicitou reestruturações importantes ou inclusive confiou a redação de um capítulo a um novo autor Eventualmente especialistas de uma questão ou período específico da história foram consultados para a finalização definitiva de um volume Primeiramente uma edição principal da obra em inglês francês e árabe será publicada posteriormente haverá uma edição em forma de brochura nesses mesmos idiomas Uma versão resumida em inglês e francês servirá como base para a tradução em línguas africanas O Comitê Científico Internacional determinou quais os idiomas africanos para os quais serão realizadas as primeiras traduções o kiswahili e o haussa Tanto quanto possível pretende se igualmente assegurar a publicação da História Geral da África em vários idiomas de grande difusão internacional dentre outros alemão chinês italiano japonês português russo etc Trata se portanto como se pode constatar de uma empreitada gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores da África e para a comunidade científica em geral bem como para a UNESCO que lhe oferece XXX Metodologia e pré história da África sua chancela Com efeito pode se facilmente imaginar a complexidade de uma tarefa tal qual a redação de uma história da África que cobre no espaço todo um continente e no tempo os quatro últimos milhões de anos respeitando todavia as mais elevadas normas científicas e convocando como é necessário estudiosos pertencentes a todo um leque de países culturas ideologias e tradições históricas Trata se de um empreendimento continental internacional e interdisciplinar de grande envergadura Em conclusão obrigo me a sublinhar a importância dessa obra para a África e para todo o mundo No momento em que os povos da África lutam para se unir e para em conjunto melhor forjar seus respectivos destinos um conhecimento adequado sobre o passado da África uma tomada de consciência no tocante aos elos que unem os Africanos entre si e a África aos demais continentes tudo isso deveria facilitar em grande medida a compreensão mútua entre os povos da Terra e além disso propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimônio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade Bethwell Allan Ogot Em 8 de agosto de 1979 Presidente do Comitê Científico Internacional para a redação de uma História Geral da África XXXI Introdução Geral A África1tem uma história Já foi o tempo em que nos mapas múndi e portulanos sobre grandes espaços representando esse continente então marginal e servil havia uma frase lapidar que resumia o conhecimento dos sábios a respeito dele e que no fundo soava também como um álibi Ibi sunt leones Aí existem leões Depois dos leões foram descobertas as minas grandes fontes de lucro e as tribos indígenas que eram suas proprietárias mas que foram incorporadas às minas como propriedades das nações colonizadoras Nota do coordenador do volume A palavra ÁFRICA possui até o presente momento uma origem difícil de elucidar Foi imposta a partir dos romanos sob a forma AFRICA que sucedeu ao termo de origem grega ou egípcia Lybia país dos Lebu ou Lubin do Gênesis Após ter designado o litoral norte africano a palavra África passou a aplicar se ao conjunto do continente desde o fim do século I antes da Era Cristã Mas qual é a origem primeira do nome Começando pelas mais plausíveis pode se dar as seguintes versões A palavra África teria vindo do nome de um povo berbere situado ao sul de Cartago os Afrig De onde Afriga ou Africa para designar a região dos Afrig Uma outra etimologia da palavra África é retirada de dois termos fenícios um dos quais significa espiga símbolo da fertilidade dessa região e o outro Pharikia região das frutas A palavra África seria derivada do latim aprica ensolarado ou do grego apriké isento de frio Outra origem poderia ser a raiz fenícia faraga que exprime a ideia de separação de diáspora Enfatizemos que essa mesma raiz é encontrada em certas línguas africanas bambara Em sânscrito e hindi a raiz apara ou africa designa o que no plano geográfico está situado depois ou seja o Ocidente A África é um continente ocidental Uma tradição histórica retomada por Leão o Africano diz que um chefe iemenita chamado Africus teria invadido a África do Norte no segundo milênio antes da Era Cristã e fundado uma cidade chamada Afrikyah Mas é mais provável que o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração árabe da palavra África Chegou se mesmo a dizer que Afer era neto de Abraão e companheiro de Hércules INTRODUÇÃO GERAL Joseph Ki Zerbo XXXII Metodologia e pré história da África Mais tarde depois das tribos indígenas chegou a vez dos povos impacientes com opressão cujos pulsos já batiam no ritmo febril das lutas pela liberdade Com efeito a história da África como a de toda a humanidade é a história de uma tomada de consciência Nesse sentido a história da África deve ser reescrita E isso porque até o presente momento ela foi mascarada camuflada desfigurada mutilada Pela força das circunstâncias ou seja pela ignorância e pelo interesse Abatido por vários séculos de opressão esse continente presenciou gerações de viajantes de traficantes de escravos de exploradores de missionários de procônsules de sábios de todo tipo que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria da barbárie da irresponsabilidade e do caos Essa imagem foi projetada e extrapolada ao infinito ao longo do tempo passando a justificar tanto o presente quanto o futuro Não se trata aqui de construir uma história revanche que relançaria a história colonialista como um bumerangue contra seus autores mas de mudar a perspectiva e ressuscitar imagens esquecidas ou perdidas Torna se necessário retornar à ciência a fim de que seja possível criar em todos uma consciência autêntica É preciso reconstruir o cenário verdadeiro É tempo de modificar o discurso Se são esses os objetivos e o porquê desta iniciativa o como ou seja a metodologia é como sempre muito mais penoso É justamente esse um dos objetivos desse primeiro volume da História Geral da África elaborada sob o patrocínio da UNESCO I PORQUÊ Trata se de uma iniciativa científica As sombras e obscuridades que cercam o passado desse continente constituem um desafio apaixonante para a curiosidade humana A história da África é pouco conhecida Quantas genealogias mal feitas Quantas estruturas esboçadas com pontilhados impressionistas ou mesmo encobertas por espessa neblina Quantas sequências que parecem absurdas porque o trecho precedente do filme foi cortado Esse filme desarticulado e parcelado que não é senão a imagem de nossa ignorância nós o transformamos por uma formação deplorável ou viciosa na imagem real da história da África tal como efetivamente se desenrolou Nesse contexto não é de causar espanto o lugar infinitamente pequeno e secundário que foi dedicado à história africana em todas as histórias da humanidade ou das civilizações Porém há algumas décadas milhares de pesquisadores muitos de grande ou mesmo de excepcional mérito vêm procurando resgatar porções inteiras da XXXIII Introdução Geral antiga fisionomia da África A cada ano aparecem dezenas de novas publicações cuja ótica é cada vez mais positiva Descobertas africanas por vezes espetaculares questionam o significado de certas fases da história da humanidade em seu conjunto Mas essa mesma proliferação comporta certos perigos risco de cacofonia pela profusão de pesquisas desordenadas ou sem coordenação efetiva discussões inúteis entre escolas que tendem a dar mais importância aos pesquisadores que ao objeto das pesquisas etc Por essas razões e pela honra da ciência tornava se importante que uma tomada de posição acima de qualquer suspeita fosse levada a cabo por equipes de pesquisadores africanos e não africanos sob os auspícios da UNESCO e sob a autoridade de um conselho científico internacional e de coordenadores africanos O número e a qualidade dos pesquisadores mobilizados para esta nova grande descoberta da África denotam uma admirável experiência de cooperação internacional Mais que qualquer outra disciplina a história é uma ciência humana pois ela sai bem quente da forja ruidosa e tumultuada dos povos Modelada realmente pelo homem nos canteiros da vida construída mentalmente pelo homem nos laboratórios bibliotecas e sítios de escavações a história é igualmente feita para o homem para o povo para aclarar e motivar sua consciência Para os africanos a história da África não é um espelho de Narciso nem um pretexto sutil para se abstrair das tarefas da atualidade Essa diversão alienadora poderia comprometer os objetivos científicos do projeto Em contrapartida a ignorância de seu próprio passado ou seja de uma grande parte de si mesmo não seria ainda mais alienadora Todos os males que acometem a África hoje assim como todas as venturas que aí se revelam resultam de inumeráveis forças impulsionadas pela história E da mesma forma que a reconstituição do desenvolvimento de uma doença é a primeira etapa de um projeto racional de diagnóstico e terapêutica a primeira tarefa de análise global do continente africano é histórica A menos que optássemos pela inconsciência e pela alienação não poderíamos viver sem memória ou com a memória do outro Ora a história é a memória dos povos Esse retorno a si mesmo pode aliás revestir se do valor de uma catarse libertadora como acontece com o processo de submersão em si próprio efetivado pela psicanálise que ao revelar as bases dos entraves de nossa personalidade desata de uma só vez os complexos que atrelam nossa consciência às raízes profundas do subconsciente Mas para não substituir um mito por outro é preciso que a verdade histórica matriz da consciência desalienada e autêntica seja rigorosamente examinada e fundada sobre provas XXXIV Metodologia e pré história da África II COMO Passemos agora à problemática questão do como ou seja da metodologia Neste campo como em outros é necessário evitar tanto a singularização excessiva da África quanto a tendência a alinhá la demasiadamente segundo normas estrangeiras De acordo com alguns seria preciso esperar que fossem encontrados os mesmos tipos de documentos existentes na Europa a mesma panóplia de peças escritas ou epigráfica para que fosse possível falar numa verdadeira história da África Para estes em resumo os problemas do historiador são sempre os mesmos dos trópicos aos pólos Torna se necessário reafirmar claramente que não se trata de amordaçar a razão sob pretexto de que falta substância a ser lhe fornecida Não se deveria considerar a razão como tropicalizada pelo fato de ser exercida nos trópicos A razão soberana não conhece o império da geografia Suas normas e seus procedimentos fundamentais em particular a aplicação do princípio da causalidade são os mesmos em toda parte Mas justamente por não ser cega a razão deve apreender diferentemente realidades distintas para que essa apreensão seja sempre muito firme e precisa Assim os princípios da crítica interna e externa se aplicarão segundo uma estratégia mental diferente para o canto épico Sundiata Fasa2 para a capitular De Villis ou para as circulares enviadas aos prefeitos de Napoleão Os métodos e técnicas serão diferentes Aliás essa estratégia não será exatamente a mesma em todas as partes da África nesse sentido o vale do Nilo e a fachada do Mediterrâneo se encontram para reconstrução histórica numa situação menos original em relação à Europa do que a África subsaariana Na verdade as dificuldades específicas da história da África podem ser constatadas já na observação das realidades da geografia física desse continente Continente solitário se é que existe algum a África parece dar as costas para o resto do Velho Mundo ao qual se encontra ligada apenas pelo frágil cordão umbilical do istmo de Suez No sentido oposto ela mergulha integralmente sua massa compacta na direção das águas austrais rodeada por maciços costeiros que os rios forçam através de desfiladeiros heroicos que constituem por sua vez obstáculos à penetração A única passagem importante entre o Saara e os montes abissínios encontra se obstruída pelos imensos pântanos de Bahr el Ghazal Ventos e correntes marítimas extremamente violentos montam guarda do Cabo Branco ao Cabo Verde Entretanto no interior do continente três 2 Elogio a Sundiata em língua malinke Fundador do Império do Mali no século XIII Sundiata é um dos heróis mais populares da história africana XXXV Introdução Geral desertos encarregam se de agravar o isolamento exterior por uma divisão interna Ao sul o Calaari Ao centro o deserto verde da floresta equatorial temível refúgio no qual o homem lutará para se impor Ao norte o Saara campeão dos desertos imenso filtro continental oceano fulvo dos ergs e regs que com a franja montanhosa da cordilheira dos Atlas dissocia o destino da zona mediterrânea do restante do continente Sobretudo durante a pré história essas potências ecológicas mesmo sem serem muralhas estanques pesaram muito no destino africano em todos os aspectos Deram também um valor singular a todas essas seteiras naturais que desempenharam o papel de passarelas na exploração do território africano levada a efeito pelas populações que aí habitavam há milhões de anos atrás Citemos apenas a gigantesca fenda meridiana do Rift Valley que se estende do centro da África ao Iraque passando através do molhe etiopiano No sentido mais transversal a curva dos vales do Sanga do Ubangui e do Zaire deve ter constituído igualmente um corredor privilegiado Não é por acaso que os primeiros reinados da África negra tenham se desenvolvido nessas regiões das terras abertas estes sahels3 que eram beneficiados simultaneamente por uma permeabilidade interna por uma certa abertura para o exterior e por contatos com as zonas africanas vizinhas dotadas de recursos diferentes e complementares Essas regiões abertas que experimentaram um ritmo de evolução mais rápido constituem a prova a contrario de que o isolamento foi um dos fatores chave da lentidão do progresso da África em determinados setores4 As civilizações repousam sobre a terra escreve F Braudel E acrescenta A civilização é filha do número Ora a própria vastidão desse continente com uma população diluída e portanto facilmente itinerante em meio a uma natureza ao mesmo tempo generosa frutas minerais etc e cruel endemias epidemias5 impediu que fosse atingido o limiar de concentração demográfica que tem sido quase sempre uma das precondições das mudanças qualitativas importantes no domínio econômico social e político Além disso a severa punção demográfica da escravidão desde os tempos imemoriais e sobretudo após o comércio negreiro do século XV ao XX contribuiu muito para privar a África do tônus humano e da estabilidade necessários a toda criação eminente mesmo que seja no plano tecnológico A natureza e os homens a geografia e a história não foram benevolentes com a 3 Do árabe sahil margem Aqui margem do deserto considerado como um oceano 4 O fator climático não deve ser negligenciado O professor Thurstan Shaw destacou o fato de que certos cereais adaptados ao clima mediterrâneo chuvas de inverno não puderam ser cultivados no vale do Níger porque ao sul do paralelo 18 latitude norte e em virtude da barreira da frente intertropical sua aclimatação era impossível Cf J A H XII 1 1971 p 143 153 5 Sobre esse assunto ver J FORD 1971 XXXVI Metodologia e pré história da África África É indispensável retornar a essas condições fundamentais do processo evolutivo para que seja possível colocar os problemas em termos objetivos e não sob a forma de mitos aberrantes como a inferioridade racial o tribalismo congênito e a pretensa passividade histórica dos africanos Todas essas abordagens subjetivas e irracionais apenas mascaram uma ignorância voluntária A As fontes difíceis No que concerne ao continente africano é preciso reconhecer que o manuseio das fontes é particularmente difícil Três fontes principais constituem os pilares do conhecimento histórico os documentos escritos a arqueologia e a tradição oral Essas três fontes são apoiadas pela linguística e pela antropologia que permitem matizar e aprofundar a interpretação dos dados por vezes excessivamente brutos e estéreis sem essa abordagem mais íntima Estaríamos errados entretanto em estabelecer a priori uma hierarquia peremptória e definitiva entre essas diferentes fontes 1 As fontes escritas Quando não são raras tais fontes se encontram mal distribuídas no tempo e no espaço Os séculos mais obscuros da história africana são justamente aqueles que não se beneficiam do saber claro e preciso que emana dos testemunhos escritos por exemplo os séculos imediatamente anteriores e posteriores ao nascimento de Cristo a África do Norte é uma exceção No entanto mesmo quando esse testemunho existe sua interpretação implica frequentemente ambiguidades e dificuldades Nesse sentido a partir de uma releitura das viagens de Ibn Battuta e de um novo exame das diversas grafias dos topônimos empregados por este autor e por alUmari certos historiadores são levados a contestar que Niani situada às margens do rio Sankarani tivesse sido a capital do antigo Mali6 Do ponto de vista quantitativo massas consideráveis de materiais escritos de caráter arquivístico ou narrativo permanecem ainda inexploradas como provam os recentes inventários parciais dos manuscritos inéditos relativos à história da África negra exumados de bibliotecas do Marrocos7 da Argélia e da Europa 6 Cf HUNWICK J O 1973 p 195 208 O autor corre o risco do argumento a silentio Se Ibn Battuta tivesse atravessado o Níger ou o Senegal teria feito referência a isso 7 Cf UNESCO Coletânea seletiva de textos em árabe proveniente dos arquivos marroquinos pelo professor Mohammed Ibraim EL KEITANI SCHVS894 XXXVII Introdução Geral Também nas bibliotecas particulares de grandes eruditos sudaneses encontradas em cidades da curva do Níger8 há manuscritos inéditos cujos títulos permitem entrever filões analíticos novos e promissores A UNESCO estabeleceu em Tombuctu o Centro Ahmed Baba para promover a coleta desses documentos Nos fundos de arquivos existentes no Irã no Iraque na Armênia na Índia e na China sem falar das Américas muitos fragmentos da história da África estão à espera da perspicácia inventiva do pesquisador Nos arquivos do primeiro ministro de Istambul por exemplo onde estão classificados os registros dos decretos do Conselho de Estado Imperial Otomano uma correspondência inédita datada de maio de 1577 enviada pelo sultão Murad III ao Mai Idriss Alaoma e ao bei de Túnis projetam nova luz sobre a diplomacia do Kanem Bornu daquela época e também sobre a situação do Fezzan9 Um trabalho ativo de coleta vem sendo realizado com êxito pelos institutos de estudos africanos e centros de pesquisas históricas nas regiões africanas que foram penetradas pela cultura islâmica Por outro lado novos guias editados pelo Conselho Internacional dos Arquivos sob os auspícios da UNESCO propõem se a orientar os pesquisadores na floresta de documentos espalhados em todas as partes do mundo ocidental Apenas um grande esforço de edições e reedições judiciosas de tradução e difusão na África permitirá pelo efeito multiplicador desses novos fluxos conjugados transpor um novo limiar qualitativo e crítico sobre a visão do passado africano Por outro lado quase tão importante quanto a grande quantidade de documentos novos será a atitude dos pesquisadores ao examiná los É assim que numerosos textos explorados desde o século XIX ou mesmo depois mas ainda no período colonial reclamam imperiosamente uma releitura expurgada de qualquer preconceito anacrônico e marcada por uma visão endógena Assim sendo as fontes escritas a partir das escrituras subsaarianas vai bamum ajami não devem ser negligenciadas 2 A arqueologia Os testemunhos mudos revelados pela arqueologia são em geral mais eloquentes ainda do que os testemunhos oficiais dos autores de certas crônicas A arqueologia por suas prestigiosas descobertas já deu uma contribuição valiosa à história africana sobretudo quando não há crônica oral ou escrita 8 Cf Études Maliennes I S H M n 3 set 1972 9 MARTIN B G 1969 p 15 27 XXXVIII Metodologia e pré história da África disponível como é o caso de milhares de anos do passado africano Apenas objetos testemunho enterrados com aqueles a quem testemunham velam sob o pesado sudário de terra por um passado sem rosto e sem voz Alguns deles são particularmente significativos como indicadores e medidas da civilização objetos de ferro e a tecnologia envolvida em sua fabricação cerâmicas com suas técnicas de produção e estilos peças de vidro escrituras e estilos gráficos técnicas de navegação pesca e tecelagem produtos alimentícios e também estruturas geomorfológicas hidráulicas e vegetais ligadas à evolução do clima A linguagem dos achados arqueológicos possui por sua própria natureza algo de objetivo e irrecusável Assim o estudo da tipologia das cerâmicas e dos objetos de osso e metal encontrados na região nígero chadiana do Saara demonstra a ligação entre os povos pré islâmicos Sao da bacia chadiana e as áreas culturais que se estendem até o Nilo e o deserto líbio Estatuetas de argila cozida com talabartes cruzados ornatos corporais das estatuetas formas de vasos e braceletes arpões e ossos cabeças ou pontas de flechas e facas de arremesso ressuscitam assim graças a seus parentescos as solidariedades vivas de épocas antigas10 para além desta paisagem contemporânea massacrada pela solidão e pela inércia Diante disso a localização a classificação e a proteção dos sítios arqueológicos africanos se impõem como prioridade de grande urgência antes que predadores ou profanos irresponsáveis e turistas sem objetivos científicos os pilhem e os desorganizem despojando os dessa maneira de qualquer valor histórico sério Mas a exploração destes sítios por projetos prioritários de escavação em grande escala só poderá desenvolver se no contexto de programas interafricanos sustentados por poderosa cooperação internacional 3 A tradição oral Paralelamente às duas primeiras fontes da história africana documentos escritos e arqueologia a tradição oral aparece como repositório e o vetor do capital de criações socioculturais acumuladas pelos povos ditos sem escrita um verdadeiro museu vivo A história falada constitui um fio de Ariadne muito frágil para reconstituir os corredores obscuros do labirinto do tempo Seus guardiões são os velhos de cabelos brancos voz cansada e memória um pouco obscura rotulados às vezes de teimosos e meticulosos veilliesse oblige ancestrais em potencial São como as derradeiras ilhotas de uma paisagem outrora imponente ligada em todos os seus elementos por uma ordem precisa 10 Cf HUARD P 1969 p 179 224 XXXIX Introdução Geral e que hoje se apresenta erodida cortada e devastada pelas ondas mordazes do modernismo Fósseis em sursis Cada vez que um deles desaparece é uma fibra do fio de Ariadne que se rompe é literalmente um fragmento da paisagem que se toma subterrâneo Indubitavelmente a tradição oral é a fonte histórica mais íntima mais suculenta e melhor nutrida pela seiva da autenticidade A boca do velho cheira mal diz um provérbio africano mas ela profere coisas boas e salutares Por mais útil que seja o que é escrito se congela e se desseca A escrita decanta disseca esquematiza e petrifica a letra mata A tradição reveste de carne e de cores irriga de sangue o esqueleto do passado Apresenta sob as três dimensões aquilo que muito frequentemente é esmagado sobre a superfície bidimensional de uma folha de papel A alegria da mãe de Sundiata transtornada pela cura súbita de seu filho ecoa ainda no timbre épico e quente dos griots do Mali animadores públicos ver capítulo 8 É claro que muitos obstáculos devem ser ultrapassados para que se possa peneirar criteriosamente o material da tradição oral e separar o bom grão dos fatos da palha das palavras armadilha falsas janelas abertas para a simetria do brilho e das lantejoulas de fórmulas que constituem apenas a embalagem circunstancial de uma mensagem vinda de longe Costuma se dizer que a tradição não inspira confiança porque ela é funcional como se toda mensagem humana não fosse funcional por definição incluindo se nessa funcionalidade os documentos de arquivos que por sua própria inércia e sob sua aparente neutralidade objetiva escondem tantas mentiras por omissão e revestem o erro de respeitabilidade Certamente a tradição épica em particular é uma recriação paramítica do passado Uma espécie de psicodrama que revela à comunidade suas raízes e o corpo de valores que sustenta sua personalidade um viático encantado para singrar o rio do tempo em direção ao reino dos ancestrais É por isto que a palavra épica não coincide exatamente com a palavra histórica cavalga a através de projeções anacrônicas a montante e a jusante do tempo real com interpenetrações que se assemelham às perturbações do relevo em arqueologia E os escritos escaparão eles próprios a essas intrusões enigmáticas Aqui como em toda parte é preciso procurar a palavra fóssil guia tentar encontrar a pedra de toque que identifica o metal puro e rejeita a ganga e a escória Certamente no discurso épico a fragilidade do encadeamento cronológico constitui seu verdadeiro calcanhar de Aquiles as sequências temporais subvertidas criam um quebra cabeça onde a imagem do passado não nos chega de modo claro e estável como num espelho de boa qualidade mas como um reflexo fugaz que dança sobre a agitação da água A duração média dos reinados XL Metodologia e pré história da África ou das gerações constitui um domínio extremamente controvertido no qual as extrapolações feitas a partir de períodos recentes são muito pouco seguras em razão das mutações demográficas e políticas Por vezes um dinasta excepcional e carismático polariza sobre si os feitos mais notáveis de seus predecessores e sucessores que assim são literalmente eclipsados É o que acontece com certos dinastas de Ruanda como Da Monzon rei de Segu início do século XIX a quem os griots atribuem toda a grande conquista desse reino Por outro lado o texto literário oral retirado de seu contexto é como peixe fora da água morre e se decompõe Isolada a tradição assemelha se a essas máscaras africanas arrebatadas da comunhão dos fiéis para serem expostas à curiosidade dos não iniciados Perde sua carga de sentido e de vida Por sua própria existência e por ser sempre retomada por novas testemunhas que se encarregam de sua transmissão a tradição adapta se às expectativas de novos auditórios adaptação essa que se refere primordialmente à apresentação da mensagem mas que não deixa intacto o conteúdo E não vemos também mercadores ou mercenários da tradição que servem à vontade versões de textos escritos reinjetados na própria tradição Enfim o próprio conteúdo da mensagem permanece frequentemente hermético esotérico mesmo Para o africano a palavra é pesada Ela é fortemente ambígua podendo fazer e desfazer sendo capaz de acarretar malefícios É por isso que sua articulação não se dá de modo aberto e direto A palavra é envolvida por apologias alusões subentendidos e provérbios claro escuros para as pessoas comuns mas luminosos para aqueles que se encontram munidos das antenas da sabedoria Na África a palavra não é desperdiçada Quanto mais se está em posição de autoridade menos se fala em público Mas quando se diz a alguém Você comeu o sapo e jogou a cabeça fora a pessoa compreende que está sendo acusada de se furtar a uma parte de suas responsabilidades11 Esse hermetismo das meias palavras indica ao mesmo tempo o valor inestimável e os limites da tradição oral uma vez que sua riqueza é praticamente impossível de ser transferida integralmente de uma língua para outra sobretudo quando esta outra se encontra estrutural e sociologicamente distante A tradição acomoda se muito pouco à tradução Desenraizada ela perde sua seiva e sua autenticidade pois a língua é a morada do ser Aliás muitos dos erros que são imputados à tradição são provenientes de intérpretes incompetentes ou inescrupulosos 11 Cf AGUESSY H 1972 p 269 297 XLI Introdução Geral Seja como for a validade da tradição oral está amplamente provada nos dias atuais Ela é largamente comprovada pelo confronto com as fontes arqueológicas ou escriturais como no caso do sítio de Kumbi Saleh dos vestígios do lago Kisale ou mesmo dos acontecimentos do século XVI transmitidos pelos Shona cuja conformidade com os documentos escritos por viajantes portugueses daquela época foi verificada por D P Abraham Em suma o discurso da tradição seja ela épica prosaica didática ou ética pode ser histórico sob um tríplice ponto de vista Em primeiro lugar ele é revelador do conjunto de usos e valores que animam um povo e que condicionam seus atos futuros pela representação dos arquétipos do passado Fazendo isso a epopeia não só reflete mas também cria a história Quando Da Monzon é tratado de senhor das águas e dos homens expressa se com isso o caráter absoluto de seu poder Contudo essas mesmas narrativas mostram no consultando incessantemente seus guerreiros seus griots suas mulheres12 O senso de honra e de reputação explode na famosa réplica do canto do arco em louvor a Sundiata Sundiata Fasa Saya Kaoussa malo yé13 Esse valor também se exprime muito bem no episódio da luta de Bakary Dian contra os Peul do Kournari Ressentido o bravo Bakary retirara se para sua aldeia Dongorongo diante das súplicas de seu povo para que retomasse o comando das tropas de Segu cedeu apenas quando foi tocado na corda sensível do orgulho e da glória As velhas palavras trocadas esquece as É o teu nome agora que precisa ser considerado pois se vem ao mundo para construir um nome Se nasces cresces e morres sem ter um nome vieste por nada partiste por nada Bakary então exclama Griots de Segu já que vós vistes não será impossível Farei o que me pedis por meu renome Não o farei por Da Monzon Não o farei por ninguém em Segu Fá lo ei somente por minha reputação Mesmo depois de minha morte isso será acrescentado ao meu nome Encontramos um traço similar de civilização e lei quando Silamaka diz Tendes sorte que me seja proibido matar mensageiros Em suma a recomposição do passado está longe de ser integralmente imaginária Encontram se aí fragmentos de lembranças filões de história que frequentemente são mais prosaicos que os ornamentos coloridos da imaginação épica Foi assim que surgiu essa instituição de pastores coletivos nas aldeias bambara Se eras escolhido e feito pastor tornavas te Peul público Os Peul públicos guardavam os rebanhos do rei Eram homens de etnias diferentes e 12 Cf KESTELOOT L Tomos 1 3 e 4 13 A morte vale mais do que a desonra XLII Metodologia e pré história da África seu pastor chefe chamava se Bonke Ou ainda Nessa época não se usavam babuchas mas chinelas de couro de boi curtido com um cordão na parte da frente em torno do dedo grande do pé e um outro no calcanhar Enfim a narrativa épica é salpicada de alusões a técnicas a objetos que não são essenciais ao desenvolvimento da ação mas que dão indícios sobre o modo de vida Ele Da Monzon convocou seus sessenta remadores Somono trinta homens na proa e trinta na popa A piroga estava ricamente decorada As escadas são preparadas e colocadas contra a muralha Os caçadores de Segu sobem de surpresa e infiltram se na cidade Os cavaleiros de Segu lançam flechas flamejantes As casas da aldeia pegam fogo Saran a mulher apaixonada por Da Monzon vai umedecer a pólvora dos fuzis dos guerreiros de Kore É por um diagnóstico rigoroso que às vezes se vale da análise psicanalítica e neste caso considera as próprias psicoses do público ou dos transmissores da tradição que o historiador pode atingir a medula substantiva da realidade histórica Por conseguinte a multiplicidade de versões transmitidas por clãs adversários por exemplo pelos griots clientes de cada nobre protetor horon dyatigui longe de constituir uma desvantagem representa uma garantia suplementar para a crítica histórica E a conformidade das narrativas como no caso dos griots bambara e peul que pertencem a campos inimigos dá um realce particular à qualidade desse testemunho A história falada por sua própria poligênese comporta elementos de autocensura como mostra o caso dos Gouro entre os quais a tradição esotérica liberal e integracionista transmitida pelas linhagens coexiste com a tradição esotérica oligárquica e meticulosa da sociedade secreta Na verdade não se trata de uma propriedade privada mas de um bem indiviso pelo qual respondem diversos grupos da comunidade O essencial é proceder à crítica interna desses documentos através do conhecimento íntimo do gênero literário em questão sua temática e suas técnicas seus códigos e estereótipos as fórmulas de execução as digressões convencionais a língua em evolução o público e o que ele espera dos transmissores da tradição E sobretudo a casta destes últimos suas regras de conduta sua formação seus ideais suas escolas Sabe se que no Mali e na Guiné por exemplo em Keyla Kita Niagassola Niani etc existem há séculos verdadeiras escolas de iniciação Essa tradição rígida institucionalizada e formal é geralmente melhor estruturada e sustentada pela música de corte que se integra a ela que a esconde em partes didáticas e artísticas Alguns dos instrumentos utilizados como o Sosso Balla balafo de Sumauro Kante são em si mesmos por sua antiguidade monumentos dignos de uma investigação de tipo arqueológico Mas as correspondências entre tipos de instrumento e tipos de música de XLIII Introdução Geral cantos e de danças constituem um mundo minuciosamente regulado no qual as anomalias e as adições posteriores são facilmente detectadas Cada gênero literário oral possui assim um instrumento específico em cada região cultural o balla xilofone ou o bolon harpa alaúde para a epopeia mandinga o bendré dos Mossi grande tambor redondo de uma só face feito com uma cabaça e tocado com as mãos nuas para a exaltação muitas vezes silenciosa dos nomes de guerra zabyouya dos soberanos o mvet harpa cítara para os poetas músicos dos Fang em suas Nibelungen tropicais Veículos da história falada esses instrumentos são venerados e sagrados Com efeito incorporam se ao artista e seu lugar é tão importante na mensagem que graças às línguas tonais a música torna se diretamente inteligível transformando se o instrumento na voz do artista sem que este tenha necessidade de articular uma só palavra O tríplice ritmo tonal de intensidade e de duração faz se então música significante nessa espécie de semântico melodismo de que falava Marcel Jousse Na verdade a música encontra se de tal modo integrada à tradição que algumas narrativas somente podem ser transmitidas sob a forma cantada A própria canção popular que exprime a vontade geral de forma satírica e que permaneceu vigorosa mesmo com as lutas eleitorais do século XX é um gênero precioso que contrabalança e completa as afirmações dos documentos oficiais O que se diz aqui sobre a música vale também para outras formas de expressão como as artes plásticas cujas produções são por vezes a expressão direta de personagens de acontecimentos ou de culturas históricas como nos reinos de Abomey e do Benin baixos relevos ou na nação Kuba esculturas Em poucas palavras a tradição oral não é apenas uma fonte que se aceita por falta de outra melhor e à qual nos resignamos por desespero de causa É uma fonte integral cuja metodologia já se encontra bem estabelecida e que confere à história do continente africano uma notável originalidade 4 A linguística A história da África tem na linguística não apenas uma ciência auxiliar mas uma disciplina autônoma que no entanto a conduz diretamente ao âmago de seu próprio objeto Percebe se bem isso no caso da Núbia que se encontra amortalhada no duplo silêncio opaco das ruínas de Meroé e da escrita meroítica não decifrada porque a língua permanece desconhecida14 É claro que há muito 14 A UNESCO organizou em 1974 no Cairo um simpósio científico internacional para a decifração dessa língua africana XLIV Metodologia e pré história da África a ser feito nesse campo começando pela catalogação científica das línguas Na verdade não é necessário sacrificar a abordagem descritiva à abordagem comparatista e sintética com pretensões tipológicas e genéticas É por meio de uma análise ingrata e minuciosa do fato linguístico com seu significante de consoantes vogais e tons com suas latitudes combinatórias em esquemas sintagmáticos com seu significado vivido pelos falantes de uma determinada comunidade15 que se pode fazer extrapolações retroativas operação que muitas vezes se torna difícil pela falta de conhecimento histórico profundo dessas línguas De modo que elas só podem ser comparadas a partir de seu extrato contemporâneo pelo método sincrônico base indispensável para toda síntese diacrônica e genética A tarefa é árdua e é compreensível que duelos de erudição aconteçam em algumas áreas particularmente no que diz respeito à língua bantu Malcolm Guthrie por exemplo sustenta a teoria da autogênese enquanto Joseph Greenberg defende com veemência a tese de que as línguas bantu devem ser colocadas num contexto continental mais amplo Isto se justifica diz Greenberg pelo fato de as semelhanças existentes não serem analogias acidentais resultantes de influências externas mas derivarem de um parentesco genético intrínseco expresso em centenas de línguas desde o wolof até o baka República do Sudão pelas similitudes dos pronomes do vocabulário de base e das características gramaticais como o sistema de classes nominais Para o historiador todos esses debates não são meros exercícios acadêmicos Um autor que se baseie por exemplo na distribuição dos grupos de palavras análogas que designam o carneiro na África central na orla da floresta constatará que esses grupos homogêneos não ultrapassam a franja vegetal mas distribuem se paralelamente a ela Isto sugere uma distribuição dos rebanhos de acordo com os paralelos dos dois biótopos contíguos da savana e da floresta ao passo que mais a leste o padrão linguístico se ordena claramente em faixas meridianas da África oriental para a África austral o que supõe um caminho de introdução perpendicular à primeira e ilustra a contrario o papel inibidor da floresta na transmissão das técnicas16 Esse papel no entanto não é idêntico para todas as técnicas Em suma os estudos linguísticos demonstram que as rotas e os caminhos das migrações assim como a difusão de culturas materiais e espirituais são marcados pela distribuição de palavras aparentadas Daí a importância da análise linguística diacrônica e da glotocronologia para o historiador que deseja compreender a dinâmica e o sentido da evolução 15 Cf HOUIS M 1971 p 45 16 Cf EHRET C 1963 p 213 221 XLV Introdução Geral J Greenberg por exemplo trouxe à luz as contribuições do kanuri ao haussa em relação a termos culturais e a termos da técnica militar contribuições essas que valorizam a influência do império de Bornu no desenvolvimento dos reinos haussa Em particular os títulos das dinastias de Bornu incluindo termos kanuri como kaygamma magira etc conheceram uma notável difusão até o coração do Camarões e da Nigéria O estudo sistemático dos topônimos e antropônimos pode também fornecer indicações bastante precisas contanto que essa nomenclatura seja revista segundo uma abordagem endógena pois um grande número de nomes foi deformado pela pronúncia ou redação exóticas de não africanos ou de africanos que atuavam como intérpretes ou escribas A caça à palavra correta mesmo quando esta foi congelada pela escrita há séculos atrás é uma das tarefas mais complexas da crítica histórica da África Tomemos um exemplo a palavra Gaoga utilizada por Leão o Africano para designar um reino do Sudão tem sido frequentemente assimilada a Gao Mas a análise desse topônimo a partir do teda e do kanuri permite localizar também um reino chamado Gaoga entre o Uadai Chade o Darfur Sudão e o Fertit República Centro Africana17 Quanto à referência ao Iêmen para designar o país de origem de numerosas dinastias sudanesas um reexame sério desse problema tem sido feito desde H R Palmer Não se deveria interpretar a palavra Yemen não mais segundo as evocações religiosas dos cronistas muçulmanos orientados em direção à Arabia Felix e sim em referência ao antigo país de Yam daí Yamem18 Também o exame do léxico swahili recheado de termos de origem árabe e do léxico das regiões da costa oriental malgaxe Antemoro Antalaotra Anosy banhada por influências árabes revela se uma fonte rica de ensinamentos para o historiador De qualquer maneira a linguística que já prestou um bom serviço à história da África deve desvencilhar se de início do desprezo etnocentrista que marcou a linguística africana elaborada por A W Schlegel e Auguste Schleicher segundo a qual as línguas da família indo europeia estão no topo da evolução e as línguas dos negros no ponto mais baixo da escala apresentando estas entretanto o interesse de segundo alguns revelar um estado próximo ao estado original da linguagem em que as línguas não teriam gramática o discurso 17 Cf KALAK P 1972 p 529 548 18 Cf MOHAMMADOU A e ELDRIDGE 1971 p 130 155 XLVI Metodologia e pré história da África seria uma sequência de monossílabos e o léxico estaria restrito a um inventário elementar19 5 A antropologia e a etnologia O mesmo comentário aplica se a fortiori à antropologia e à etnologia Na verdade o discurso etnológico20 tem sido por força das circunstâncias um discurso com premissas explicitamente discriminatórias e conclusões implicitamente políticas havendo entre ambas um exercício científico forçosamente ambíguo Seu principal pressuposto era muitas vezes a evolução linear à frente da caravana da humanidade ia a Europa pioneira da civilização e atrás os povos primitivos da Oceania Amazônia e África Como se pode ser índio negro papua árabe O outro atrasado bárbaro selvagem em diversos graus é sempre diferente e por essa razão torna se objeto de interesse do pesquisador ou de cobiça do traficante A etnologia recebeu assim procuração geral para ser o ministério da curiosidade europeia diante dos nossos nativos Apreciadora dos estados miseráveis da nudez e do folclore a visão etnológica era muitas vezes sádica lúbrica e na melhor das hipóteses um pouco paternalista Salvo exceções as dissertações e os relatórios resultantes justificavam o status quo e contribuíam para o desenvolvimento do subdesenvolvimento21 O evolucionismo à Darwin apesar de seus grandes méritos o difusionismo de sentido único que tem visto muitas vezes a África como o escoadouro passivo das invenções de outros lugares o funcionalismo de Malinowski e de Radcliffe Brown enfim que negava toda dimensão histórica às sociedades primitivas todas essas escolas se adaptavam naturalmente à situação colonial na qual proliferavam como num terreno fértil22 Suas abordagens muito pobres afinal para a compreensão das sociedades exóticas desqualificavam se ainda mais pelo fato de as sociedades pelas quais tinham maior interesse serem exatamente as mais insólitas isto é os protótipos de uma humanidade instalada no elementar Tais protótipos contudo 19 Cf HOUIS M 1971 p 27 20 O termo etnia atribuído aos chamados povos sem escrita foi sempre marcado pelo preconceito racista Idólatra ou étnico escrevia Clément Marot desde o século XVI A etnografia é a coleta descritiva dos documentos A etnologia é a síntese comparativa 21 Cf COPANS J 1971 p 45 A ideologia colonial e a etnologia decorrem de uma mesma configuração e existe entre essas duas ordens de fenômenos um jogo que condiciona o desenvolvimento de ambas 22 Cf RUFFIE J 1977 p 429 O pseudodarwinismo cultural que inspira o pensamento antropológico do século XIX legitima o colonialismo que assim não se caracteriza como produto de uma certa conjuntura política mas de estrutura biológica em resumo um caso particular de competição natural A antropologia do século XIX justifica a Europa imperialista XLVII Introdução Geral constituíam apenas microrganismos com um papel histórico não desprezível por vezes mesmo notável mas na maioria dos casos marginal em relação aos conjuntos sociopolíticos mais poderosos e melhor engajados no curso da história Desse modo toda a África foi simbolizada por imagens que os próprios africanos podiam considerar estranhas exatamente como se a Europa fosse definida no começo do século XX pelos costumes à mesa e pelas formas de moradia ou pelo nível técnico das comunidades do interior da Bretanha do Cantal ou da Sardenha Além disso o método etnológico baseado na entrevista individual marcado com o selo de uma experiência subjetiva total porque intensa mas total apenas no nível do microcosmo desemboca em conclusões objetivas muito frágeis para que possam ser extrapoladas Enfim por uma dialética implacável o próprio objeto da etnologia sob a influência colonial desvanecia se pouco a pouco Os indígenas primitivos que viviam da coleta e da caça e mesmo do canibalismo transformavam se aos poucos em subproletários dos centros periféricos de um sistema mundial de produção cujos pólos estão situados no hemisfério norte A ação colonial consumia e aniquilava seu próprio objeto Por isso aqueles que haviam sido incumbidos do papel de objetos os africanos decidiram iniciar eles próprios um discurso autônomo na qualidade de sujeitos da história pretendendo mesmo que em certos aspectos os mais primitivos não são exatamente os que se imagina Ao mesmo tempo pioneiros como Frobenius Delafosse Palmer Evans Pritchard que sem preconceitos haviam trabalhado na descoberta de um fio histórico e de estruturas originais nas sociedades africanas com ou sem Estado continuavam seus esforços retomados e aperfeiçoados por outros pesquisadores contemporâneos Estes acreditam que se podem atingir resultados objetivos aplicando os mesmos instrumentos intelectuais das ciências humanas mas adaptando os à matéria africana Derrubam assim de uma só vez as abordagens errôneas baseadas na diferença congênita e substantiva dos nativos ou em seu primitivismo na rota da civilização Basta reconhecer que se o ser dos africanos é o mesmo o do Homo sapiens seu ser no mundo é diferente A partir daí novos instrumentos podem ser aperfeiçoados para apreender sua evolução singular Ao mesmo tempo a abordagem marxista com a condição de não ser dogmática e a abordagem estruturalista de Lévi Strauss contribuem também com observações válidas mas opostas sobre a evolução dos povos ditos sem escrita O método marxista essencialmente histórico e para o qual a história é a consciência coletiva em ação insiste muito mais nas forças produtivas e nas XLVIII Metodologia e pré história da África relações de produção na práxis e nas normas o método estruturalista por sua vez quer desvendar os mecanismos inconscientes mas lógicos os conjuntos coerentes que sustentam e enquadram a ação dos espíritos e das sociedades Bebendo nessas novas fontes a antropologia será esperamos algo mais que uma Fênix que em defesa da causa haja renascido das cinzas de um certo tipo de etnologia23 A antropologia deve criticar seu próprio procedimento insistir tanto nas normas quanto nas práticas não confundir as relações sociais decifráveis pela experiência e as estruturas que as sustentam Ela enriquecerá assim umas através das outras as normas estruturas e opiniões por meio da ampla utilização das técnicas quantitativas e coletivas de pesquisa racionalizando e objetivando o discurso Não apenas as interações dos fatores globais mas também a síntese histórica interessam particularmente à antropologia Por exemplo pode se constatar uma correspondência entre a existência de rotas comerciais com monopólio real de certas mercadorias e as formas políticas centralizadas em Gana e no Mali antigos no Império Ashanti do século XVIII no Reino Lunda do Zaire etc Enquanto isso contraprova decisiva em oposição aos Ngonde e aos Zulu povos de línguas e costumes idênticos os Nyakusa e os Xhosa mas que viviam à margem dessas rotas não atingiram uma fase monárquica24 A partir disso podemos tentar inferir uma espécie de lei de antropologia ou de sociologia política Por outro lado as estruturas de parentesco podem acarretar um grande número de consequências sobre a evolução histórica Assim quando dois grupos de línguas diferentes se encontram a forma de união conjugal entre esses grupos geralmente decide qual será a língua dominante pois a língua materna só poderá impor se se as mulheres forem tomadas como esposas e não como escravas ou concubinas Assim certos grupos Nguni conservaram sua língua de origem enquanto outros que desposaram mulheres sotho perderam sua língua em favor da língua sotho É também o caso dos pastores peul vindos de Macina e de Futa Djalon que tomaram suas esposas entre os Mandinga e criaram a província de Uassulu eles são peul apenas pelo nome e por certos traços físicos já que perderam sua língua de origem em favor do malinke ou do bambara 23 A sociologia seria uma ciência intra social para o mundo moderno enquanto a antropologia se caracterizaria por uma abordagem comparativa inter social Mas isso não significa ressuscitar categorias contestáveis como a diferença com seu cortejo de etno história etno arquelogia etno matemática 24 Cf THOMPSON L 1969 p 72 73 XLIX Introdução Geral Dessa forma as principais fontes da história da África mencionadas acima não podem ser classificadas a priori de acordo com uma escala de valores que privilegie permanentemente uma ou outra Toma se necessário julgar caso por caso Na verdade não se trata de testemunhos de tipos radicalmente diferentes Todas correspondem à definição de signos que nos chegam do passado e que enquanto veículos de mensagens não são inteiramente neutros mas carregados de intenções francas ou ocultas Todas necessitam então da crítica metodológica Cada categoria de fonte pode conduzir às demais a tradição oral por exemplo tem levado muitas vezes a depósitos arqueológicos e pode até auxiliar na comparação de certos documentos escritos Assim o grande Ibn Khaldun escreve na História dos Berberes sobre Sundiata Seu filho Mança Ueli o sucedeu Mança em sua língua escrita significa sultão e Ueli é o equivalente de Ali Todavia os transmissores da tradição ainda hoje explicam que Mansa Ule significa o rei de pele clara B Os quatro grandes princípios Quatro princípios devem nortear a pesquisa se se quer levar adiante a frente pioneira da historiografia da África 1 Primeiramente a interdisciplinaridade cuja importância é tal que chega quase a constituir por si só uma fonte específica Assim a sociologia política aplicada à tradição oral no Reino de Segu enriqueceu consideravelmente uma visão que sem isso limitar se ia às linhas esqueléticas de uma árvore genealógica marcada por alguns feitos estereotipados A complexidade a interpenetração de estruturas às vezes modeladas sobre hegemonias antigas o modelo mali por exemplo aparecem assim em sua realidade concreta e viva Da mesma forma no caso dos países do delta do Níger as tradições orais permitem completar o conjunto de fatores de desenvolvimento demasiadamente reduzidos às influências do comércio negreiro e do óleo de palmeira as relações endógenas anteriores no sentido norte sul e leste oeste até Lagos e a região de Ijebu são atestadas pela tradição oral que apóia e enriquece admiravelmente as alusões de Pacheco Pereira no Esmeraldo25 E foi exatamente um elemento de antropologia cultural o texto de iniciação dos pastores peul26 que permitiu a certos pré historiadores interpretar 25 Cf ALAGOA L 1973 26 Cf HAMPATÉ BÂ e DIETERLEN G 1961 L Metodologia e pré história da África corretamente os enigmas dos afrescos do Tassili animais sem patas do quadro chamado O Boi e a Hidra o mágico U de Ouan Derbaouen etc Assim decorridos mais de 10 mil anos os ritos de hoje permitem identificar as cinco irmãs míticas dos sete filhos do ancestral Kikala nas cinco maravilhosas dançarinas dos afrescos de Jabbaren A expansão dos Bantu atestada pelas fontes concordantes da linguística da tradição oral da arqueologia e da antropologia bem como pelas primeiras fontes escritas em árabe português inglês e pelos africânderes torna se uma realidade palpável susceptível de ser ordenada numa síntese cujas arestas se mostram mais nítidas no encontro desses diferentes planos Do mesmo modo os argumentos linguísticos juntam se aos da tecnologia para sugerir uma difusão dos gongos reais e sinos cerimoniais geminados a partir da África ocidental em direção ao baixo Zaire ao Shaba e a Zâmbia Mas as provas arqueológicas trariam evidentemente uma confirmação inestimável para tal fato Essa combinação de fontes impõe se ainda mais quando se trata de minorar as dificuldades relativas à cronologia Não é sempre que dispomos de datas determinadas pelo carbono 14 E quando existem estas devem ser interpretadas e confrontadas com dados de outras fontes como a metalurgia ou a cerâmica materiais e estilos E não é sempre que podemos contar como ao norte do Chade27 com enormes quantidades de fragmentos de cerâmicas que permitem construir uma tipologia representada numa escala cronológica de seis níveis Uma excelente demonstração desta conjugação de todas as fontes disponíveis é a que permite estabelecer uma tipologia diacrônica dos estilos pictóricos e cerâmicos e confrontá los para extrair uma série cronológica que se estende por oito milênios sendo o todo sustentado pelas sondagens estratigráficas e confirmado pelas datações de carbono 14 e pelo estudo da flora da fauna do habitat e da tradição oral28 Às vezes o mapa dos eclipses datados e visíveis em regiões específicas permite comprovações excepcionais quando tais acontecimentos são relacionados com o reinado deste ou daquele dinasta Em geral porém a cronologia não é acessível sem a mobilização de várias fontes ainda mais porque a duração média das gerações ou dos reinados é susceptível de variações a natureza da relação entre os soberanos que se sucedem nem sempre é precisa o sentido da palavra filho pode não ser biológico mas sociológico às vezes três ou quatro nomes ou nomes 27 Cf COPPENS Y 1960 p 129 e ss 28 BAILLOUD A 1961 p 51 e ss LI Introdução Geral fortes são atribuídos ao mesmo rei ou ainda porque como entre os Bemba a lista dos candidatos à chefia incorpora se à lista dos chefes Sem minimizar a importância da cronologia espinha dorsal da matéria histórica e sem renunciar aos esforços para assentá la sobre bases rigorosas será preciso no entanto sucumbir à psicose da precisão a qualquer preço que corre então o risco de ser uma falsa precisão Por que obstinar se em escrever 1086 para a queda de Kumbi Saleh em vez de dizer no fim do século XI Nem todas as datas têm aliás a mesma importância O grau de precisão requerido em cada caso não é o mesmo nem todas as datas devem ser erigidas em estátua Por outro lado é importante reintegrar todo o fluxo do processo histórico no contexto do tempo africano que não é alérgico à articulação do acontecimento numa sequência de fatos que originam uns aos outros por antecedência e causalidade De fato os africanos têm uma ideia do tempo baseada no princípio da causalidade Este último contudo é aplicado de acordo com normas originais em que o contágio do mito impregna e deforma o processo lógico em que o nível econômico elementar não cria a necessidade do tempo demarcado matéria prima do lucro em que o ritmo dos trabalhos e dos dias é um metrônomo suficiente para a atividade humana em que calendários que não são nem abstratos nem universalistas são subordinados aos fenômenos naturais lunações sol seca aos movimentos dos animais e das pessoas Cada hora é definida por atos concretos Em Burundi por exemplo país essencialmente rural o tempo é marcado pela vida pastoril e agrícola Amakana hora da ordenha 7 horas Maturuka saída dos rebanhos 8 horas Kuasase quando o sol se alastra 9 horas Kumusase quando o sol se espalha sobre as colinas 10 horas etc Em outros lugares os nomes das crianças são funções do dia do nascimento do acontecimento que o precedeu ou sucedeu Os muçulmanos na África do Norte acham muito natural chamar suas crianças pelo nome do mês em que nasceram Ramdane Chabane Mulud Essa concepção do tempo é histórica em muitos aspectos Nas sociedades africanas gerontocráticas a noção de anterioridade no tempo é ainda mais carregada de sentido que em outros lugares pois nela estão baseados os direitos sociais como o uso da palavra em público a participação numa dança reservada o acesso a certas iguarias o casamento o respeito de outrem etc Além disso a primogenitura não é na maioria das vezes um direito exclusivo na sucessão real o número dos pretendentes tios irmãos filhos é sempre grande e a idade é levada em conta no contexto de uma competição bastante aberta Decorre daí uma preocupação ainda maior com a cronologia Mas não há necessidade de saber que alguém nasceu em determinado ano o essencial é provar que nasceu LII Metodologia e pré história da África antes de determinada pessoa As referências a uma cronologia absoluta impõem se apenas no caso de sociedades mais amplas e mais anônimas Essa concepção do tempo social não é estática pois no contexto da filosofia africana pandinamista do universo cada um deve aumentar incessantemente sua forma vital que é eminentemente social o que inclui a ideia de progresso dentro e através da comunidade Como diz Bakary Dian Mesmo depois de minha morte isso será acrescentado ao meu nome Em algumas línguas a mesma palavra bogna em barambara por exemplo designa o dom material a honra o crescimento A contagem das estações do ano é muitas vezes baseada na observação astronômica podendo abranger uma série de constelações como a Ursa Maior entre os Komo alto Zaire as Plêiades que são comparadas a um cesto de machetes anunciam a hora de afiar tais instrumentos para o arroteamento dos campos Em caso de necessidade essa concepção do tempo é mais matemática Como exemplo podemos citar os entalhes em madeiras especiais conservadas como arquivos nas grutas da região dos Dogon ou o depósito anual de uma pepita de ouro num pote de estanho na capela dos tronos no reino de Bono Mansu ou de uma pedra num jarro na cabana dos reis na região mandinga sem contar evidentemente as importantes realizações nesse campo do Egito faraônico e dos reinos muçulmanos almóada por exemplo Se pensarmos na dificuldade em converter uma sequência de durações numa sucessão de datas e ainda na necessidade de encontrar um ponto fixo de referência verificaremos que este último é na maior parte do tempo fornecido por um fato externo datado como o ataque ashanti contra Bono Mansu Na verdade somente a utilização da escrita e o acesso às religiões universalistas que dispõem de um calendário dependente de um terminus a quo preciso assim como a entrada no universo do lucro e da acumulação monetária remodelaram a concepção tradicional do tempo Em sua época porém tal concepção respondia adequadamente às necessidades das sociedades em questão 2 Outra exigência imperativa é que essa história seja enf im vista do interior a partir do pólo africano e não medida permanentemente por padrões de valores estrangeiros a consciência de si mesmo e o direito à diferença são pré requisitos indispensáveis à constituição de uma personalidade coletiva autônoma Certamente a opção e a ótica de auto exame não consistem em abolir artificialmente as conexões históricas da África com os outros continentes do Velho e do Novo Mundo Mas tais conexões serão analisadas em termos de intercâmbios recíprocos e de influências multilaterais nas quais as contribuições positivas da África para o desenvolvimento da humanidade não deixarão de LIII Introdução Geral aparecer A atitude histórica africana não será então uma atitude vingativa nem de auto satisfação mas um exercício vital da memória coletiva que varre o campo do passado para reconhecer suas próprias raízes Após tantas visões exteriores que têm modelado a marca registrada da África a partir de interesses externos até nos filmes contemporâneos é tempo de resgatar a visão interior de identidade de autenticidade de conscientização volta repatriadora como diz Jacques Berque para designar esse retorno às raízes Ao considerar o valor da palavra e do nome na África ao pensar que atribuir nome a uma pessoa é quase apoderar se dela a tal ponto que os personagens venerados pai esposo soberano são designados por perífrases e cognomes compreenderemos por que toda a série de vocábulos ou conceitos todo o arsenal de estereótipos e de esquemas mentais relativos à história da África situam se no contexto da mais sutil alienação É preciso aqui uma verdadeira revolução copernicana que seja primeiramente semântica e que sem negar as exigências da ciência universal recupere toda a corrente histórica desse continente em novos moldes29 Como observava J Mackenzie já em 1887 referindo se aos Tsuana Botsuana quantos povos da África são conhecidos por nomes que eles próprios ou quaisquer outras populações africanas jamais utilizaram Esses povos passaram pelas pias batismais da colonização e saíram consagrados à alienação A única saída real é escrever cada vez mais livros de história da África em línguas africanas o que pressupõe outras reformas de estrutura Quantos livros de história da África dedicam generosamente um décimo de suas páginas à história pré colonial sob o pretexto de que é mal conhecida Assim damos um salto sobre séculos obscuros e vamos diretamente a algum explorador famoso ou procônsul demiurgo providencial e deus ex machina a partir do qual começa a verdadeira história ficando o passado africano confinado a uma espécie de pré história desonrosa Certamente não se trata de negar as influências externas que agem como fermento acelerador ou detonador A introdução no século XVI das armas de fogo no Sudão central por exemplo favoreceu a infantaria formada por escravos em prejuízo dos cavaleiros feudais Tal mutação repercutiu na estrutura do poder através do Sudão central tendo o kacella ou kaigamma de origem servil suplantado junto ao soberano o ministro nobre Cirema Mas as explicações mecânicas a partir de influências externas inclusive no caso 29 Ver a esse respeito a interessante demonstração de I A AKINJOGBIN 1967 A partir da comparação entre o sistema do ebi família ampliada que seria a fonte da autoridade de Oyo sobre as famílias e o sistema daomeano de adaptação ao tráfico de escravos pela monarquia autoritária exercida sobre os indivíduos o autor explica a disparidade entre os dois regimes Ver também VERHAEGEN B 1974 p 156 O fato bruto é um mito A linguagem que o designa é implicitamente uma teoria do fato LIV Metodologia e pré história da África dos apoios de cabeça e as correspondências automáticas entre os influxos exteriores e os movimentos da história da África devem ser banidas em favor de uma análise mais profunda a fim de revelar as contradições e os dinamismos endógenos30 3 Além disso essa história é obrigatoriamente a história dos povos africanos em seu conjunto considerada como uma totalidade que engloba a massa continental propriamente dita e as ilhas vizinhas como Madagascar segundo a definição da carta da OUA É claro que a história da África integra o setor mediterrâneo numa unidade consagrada por muitos laços milenares às vezes sangrentos é verdade mas na maioria dos casos mutuamente enriquecedores Tais laços fazem da África de um lado e do outro da dobradiça do Saara os dois batentes de uma mesma porta as duas faces de uma mesma moeda É necessariamente uma história dos povos pois na África mesmo o despotismo de certas dinastias tem sido sempre atenuado pela distância pela ausência de meios técnicos que agravem o peso da centralização pela perenidade das democracias aldeãs de tal modo que em todos os níveis da base ao topo o conselho reunido pela e para a discussão constitui o cérebro do corpo político É uma história dos povos porque com exceção de algumas décadas contemporâneas não foi moldada de acordo com as fronteiras fixadas pela colonização pelo simples motivo de que a posição territorial dos povos africanos ultrapassa em toda parte as fronteiras herdadas da partilha colonial Assim para tomar um exemplo entre mil os Senufo ocupam uma área correspondente a parte do Mali da Costa do Marfim e do Alto Volta No contexto geral do continente terão maior destaque os fatores comuns resultantes de origens comuns e de intercâmbios inter regionais milenares de homens mercadorias técnicas ideias em suma de bens materiais e espirituais Apesar dos obstáculos impostos pela natureza e do baixo nível técnico tem havido desde a Pré História uma certa solidariedade continental entre o vale do Nilo e o Sudão até a floresta da Guiné entre esse mesmo vale e a África oriental incluindo entre outros acontecimentos a dispersão dos Luo entre o Sudão e a África central pela diáspora dos Bantu entre fachada atlântica e a costa oriental pelo comércio transcontinental através do Shaba Os fenômenos migratórios ocorridos em grande escala no espaço e no tempo não devem ser entendidos como uma imensa onda humana atraída pelo vazio ou 30 Cf LAW R C C 1971 Para o autor o declínio de Oyo é provocado pelas tensões intestinas entre categorias sociais subalternas escravos intendentes do alafin rei nas províncias representantes das províncias na corte triunviratos de eunucos reais do centro da direita e da esquerda LV Introdução Geral deixando o vazio atrás de si Mesmo a saga torrencial de Chaka o mfécane não pode ser interpretada unicamente nesses termos O movimento de grupos Mossi Alto Volta em direção ao norte a partir do Dagomba e do Mamprusi Gana foi realizado por bandos de cavaleiros que de etapa em etapa foram ocupando as várias regiões no entanto só podiam concretizar tal ocupação amalgamando se aos autóctones tomando esposas nativas Os privilégios judiciais que eles próprios se outorgavam provocaram rapidamente a proliferação de suas escarificações faciais uma espécie de carteira de identidade enquanto a língua bem como as instituições dos recém chegados prevaleceram a ponto de eliminar as dos outros povos Outros costumes como os ligados aos cultos agrários ou os que regiam os direitos de estabelecimento continuavam a ser de competência dos chefes locais ao mesmo tempo em que se instauravam relações de parentesco de brincadeira com certos povos encontrados pelo caminho O grande conquistador mossi Ubri aliás já era ele próprio um mestiço Esse esboço de processo por osmose deve substituir quase sempre o cenário romântico e simplista da invasão niilista e devastadora como foi longa e erradamente representada a irrupção dos Beni Hilal na África do Norte Os excessos da antropologia física com seus preconceitos racistas são hoje rejeitados por todos os autores sérios Mas os Hamitas e outras raças morenas inventadas em defesa da causa não cessaram de povoar as miragens e os fantasmas de espíritos ditos científicos Tais categorias declara J Hiemaux31 num texto importante Não podem ser admitidas como unidades biológicas de estudo Os Peul não constituem um grupo biológico mas sim cultural Os Peul do sul de Camarões por exemplo têm seus parentes biológicos mais próximos nos Haya da Tanzânia Quanto à proximidade biológica entre os Mouros e os Warsingali da Somália ela deriva tanto da hereditariedade quanto do biótopo similar que os condiciona a estepe árida Há vários milênios os dados propriamente biológicos constantemente subvertidos pela seleção ou pela oscilação genética não dão nenhuma referência sólida para a classificação nem sobre o grupo sanguíneo nem sobre a frequência do gene Hbs que determina uma hemoglobina anormal e que associado a um gene normal reforça a resistência à malária Isto ilustra o papel importantíssimo da adaptação ao meio natural A estatura mais elevada e a bacia mais larga por exemplo coincidem com as zonas de maior seca e de calor mais intenso Neste caso a morfologia do crânio mais estreito e mais alto dolicocefalia é uma 31 HIERNAUX J 1970 p 53 e ss LVI Metodologia e pré história da África adaptação que permite uma menor absorção de calor O vocábulo tribo será tanto quanto possível banido desta obra exceto no caso de certas regiões da África do Norte32 em razão de suas conotações pejorativas e das diversas ideias falsas que o sustentam Por mais que se destaque que a tribo é essencialmente uma unidade cultural e às vezes política alguns continuam a vê la como um estoque biologicamente distinto e destacam os horrores das guerras tribais cujo saldo muitas vezes se limitava a algumas dezenas de mortos ou menos que isso esquecem porém todos os intercâmbios positivos que ligaram os povos africanos no plano biológico tecnológico cultural religioso sociopolítico etc e que dão aos empreendimentos africanos um indiscutível ar de família 4 Além do mais esta história deverá evitar ser excessivamente fatual pois com isso correria o risco de destacar em demasia as influências e os fatores externos Certamente o estabelecimento de fatos chave é uma tarefa primordial indispensável até para definir o perfil original da evolução da África Mas serão tratadas com especial interesse as civilizações as instituições as estruturas técnicas agrárias e de metalurgia artes e artesanato circuitos comerciais formas de conceber e organizar o poder cultos e modos de pensamento filosófico ou religioso técnicas de modernização o problema das nações e pré nações etc Esta opção metodológica requer com mais vigor ainda a abordagem interdisciplinar Finalmente por que esse retorno às fontes africanas Enquanto a busca desse passado pode ser para os estrangeiros uma simples curiosidade um exercício intelectual altamente estimulante para a mente desejosa de decifrar o enigma da Esfinge o sentido real dessa iniciativa deve ultrapassar tais objetivos puramente individuais pois a história da África é necessária à compreensão da história universal da qual muitas passagens permanecerão enigmas obscuros enquanto o horizonte do continente africano não tiver sido iluminado Além disso no plano metodológico a execução da história da África de acordo com as normas estabelecidas neste volume pode confirmar a estratégia dos adeptos da história total apreendida em todos os seus estratos e em todas as suas dimensões por todo o arsenal de instrumentos de investigação disponíveis Dessa forma a história torna se essa disciplina sinfônica em que a palavra é dada simultaneamente a todos os ramos do conhecimento em que a conjunção singular das vozes se 32 O termo árabe Khabbylia designa um grupo de pessoas ligadas geneologicamente a um ancestral comum e que vivem num território delimitado Como a filiação genealógica tem grande importância entre os povos semíticos árabes berberes la Khabbylia que corresponde em português ao termo tribo desempenhou e por vezes desempenha um papel que não pode ficar esquecido por silêncio na história de inúmeros países norte africanos A fim de preservar toda sua conotação histórica e sociocultural o vocábulo Khabbylia será mantido em sua grafia original LVII Introdução Geral transforma de acordo com o assunto ou com os momentos da pesquisa para ajustar se às exigências do discurso Mas essa reconstrução póstuma do edifício há pouco construído com pedras vivas é importante sobretudo para os africanos que têm nisso um interesse carnal e que penetram nesse domínio após séculos ou décadas de frustração como um exilado que descobre os contornos ao mesmo tempo velhos e novos porque secretamente antecipados da almejada paisagem da pátria Viver sem história é ser uma ruína ou trazer consigo as raízes de outros É renunciar à possibilidade de ser raiz para outros que vêm depois É aceitar na maré da evolução humana o papel anônimo de plâncton ou de protozoário É preciso que o homem de Estado africano se interesse pela história como uma parte essencial do patrimônio nacional que deve dirigir ainda mais porque é pela história que ele poderá ter acesso ao conhecimento dos outros países africanos na ótica da unidade africana Mas esta história é ainda mais necessária aos próprios povos para os quais ela constitui um direito fundamental Os Estados africanos devem organizar equipes para salvar antes que seja tarde demais o maior número possível de vestígios históricos Devem se construir museus e promulgar leis para a proteção dos sítios e dos objetos Devem ser concedidas bolsas de estudo em particular para a formação de arqueólogos Os programas e cursos devem sofrer profundas modificações a partir de uma perspectiva africana A história é uma fonte na qual poderemos não apenas ver e reconhecer nossa própria imagem mas também beber e recuperar nossas forças para prosseguir adiante na caravana do progresso humano Se tal é a finalidade desta História Geral da África essa laboriosa e enfadonha busca sobrecarregada de exercícios penosos certamente se revelará fecunda e rica em inspiração multiforme Pois em algum lugar sob as cinzas mortas do passado existem sempre brasas impregnadas da luz da ressurreição C A P Í T U L O 1 1 A evolução da historiografia da África Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos quanto o início da história escrita Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo conhecido que compreendia uma considerável porção da África A África ao norte do Saara era parte integrante dessas duas civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse dos historiadores do mesmo modo que o passado da Europa meridional ou o do Oriente Próximo A história do norte da África continuou a ser parte essencial dos estudos históricos até a expansão do Império Otomano no século XVI Após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito em 1798 o norte da África tornou se novamente um campo de estudos que os historiadores não podiam negligenciar Com a expansão do poder colonial europeu nessa parte da África após a conquista de Argel pelos franceses em 1830 e a ocupação do Egito pelos britânicos em 1882 um ponto de vista europeu colonialista passou a dominar os trabalhos sobre a história da porção norte da África No entanto a partir de 1930 o movimento modernizador no Islã o desenvolvimento da instrução de estilo europeu nas colônias da África do Norte e o nascimento dos movimentos nacionalistas norte africanos começaram a combinar se para dar origem a escolas autóctones de história que produziam obras não apenas em árabe mas também em francês e inglês restabelecendo assim o equilíbrio nos estudos históricos dessa região do continente A evolução da historiografia da África J D Fage 2 Metodologia e pré história da África Assim sendo o presente capítulo preocupar se á sobretudo com a historiografia da África ocidental central oriental e meridional Ainda que nem os historiadores clássicos nem os historiadores islâmicos medievais tenham considerado a África tropical como destituída de interesse seus horizontes estavam limitados pela escassez de contatos que podiam estabelecer com ela seja através do Saara em direção à Etiópia ou o Bilad al Suden seja ao longo da costa do mar Vermelho e do oceano Índico até os limites que a navegação de monções permitia atingir As informações fornecidas pelos antigos autores no que se refere mais particularmente à África ocidental eram raras e esporádicas Heródoto Manetão Plínio o Velho Estrabão e alguns outros descrevem apenas umas poucas viagens através do Saara ou breves incursões marítimas ao longo da costa Atlântica sendo a autenticidade de alguns desses relatos objeto de animadas discussões entre especialistas As informações clássicas a respeito do mar Vermelho e do oceano Índico têm um fundamento mais sólido pois é certo que os mercadores mediterrânicos ou ao menos os alexandrinos comerciavam nessas costas O Périplo do Mar da Eritreia mais ou menos no ano 100 e as obras de Cláudio Ptolomeu por volta do ano 150 embora a versão que chegou até nós pareça referir se sobretudo ao ano 400 aproximadamente e de Cosmas Indicopleustes 647 constituem ainda as principais fontes da história antiga da África oriental Os autores árabes eram mais bem informados uma vez que em sua época a utilização do camelo pelos povos do Saara havia facilitado o estabelecimento de um comércio regular com a África ocidental e a instalação de negociantes norte africanos nas principais cidades do Sudão ocidental Por outro lado o comércio com a parte ocidental do oceano Índico tinha se desenvolvido a tal ponto que um número considerável de mercadores da Arábia e do Oriente Próximo se instalara ao longo da costa oriental da África Assim as obras de homens como al Masudi que morreu por volta de 950 al Bakri 1029 1094 al Idrisi 1154 Yakut cerca de 1200 Abul Fida 1273 1331 alUmari 1301 1349 Ibn Battuta 1304 1369 e Hassan Ibn Mohammad al Wuzzan conhecido na Europa pelo nome de Leão o Africano 1494 1552 aproximadamente são de grande importância para a reconstrução da história da África em particular a do Sudão ocidental e central durante o período compreendido entre os séculos IX e XV No entanto por mais úteis que sejam essas obras para os historiadores modernos pairam dúvidas de que possamos incluir algum desses autores ou de seus predecessores clássicos entre os principais historiadores da África O essencial da contribuição de cada um deles consiste numa descrição das regiões da África a partir das informações que puderam recolher na época em que 3 A evolução da historiografia da África escreveram Não existe nenhum estudo sistemático sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e que constituem o verdadeiro objetivo do historiador Aliás tal descrição nem chega a ser realmente sincrônica pois se é verdade que uma parte das informações pode ser contemporânea outras delas embora pudessem ainda ser consideradas verdadeiras na época em que o autor vivia muitas vezes poderiam ser provenientes de relatos mais antigos Além disso essas obras apresentam o inconveniente de que em geral não há nenhum meio de avaliar a autoridade da informação de saber por exemplo se o autor a obteve por sua observação pessoal ou a partir da observação direta de um contemporâneo ou se ele simplesmente relata rumores correntes na época ou a opinião de autores antigos Leão o Africano constitui um exemplo interessante desse problema Assim como Ibn Battuta ele próprio viajou pela África mas ao contrário deste não se pode afirmar com certeza que todas as informações que ele nos fornece tenham provindo de suas observações pessoais Talvez fosse útil relembrar aqui que o termo história não deixa de ser ambíguo Atualmente pode ser definido como um relato metódico dos acontecimentos de um determinado período mas pode também ter o sentido mais antigo de descrição sistemática de fenômenos naturais É essencialmente nessa acepção que ele é empregado no título em inglês da obra de Leão o Africano Leo Africanus A Geographical History of Africa em francês Description de l Afrique significado que só permanece hoje na ultrapassada expressão história natural que aliás era o título da obra de Plínio Entre os primeiros historiadores da África porém encontra se um muito importante um grande historiador no sentido amplo do termo referimo nos a Ibn Khaldun 1332 1406 que se fosse mais conhecido pelos especialistas ocidentais poderia legitimamente roubar de Heródoto o título de pai da história Ibn Khaldun era um norte africano nascido em Túnis Uma parte de sua obra é consagrada à África1 e às suas relações com os outros povos do Mediterrâneo e do Oriente Próximo Da compreensão dessas relações ele induziu uma concepção que faz da história um fenômeno cíclico no qual os nômades das estepes e dos desertos conquistam as terras aráveis dos povos sedentários e aí estabelecem vastos reinos que depois de cerca de três gerações perdem sua vitalidade e se tornam vítimas de novas invasões de nômades Trata se sem dúvida de um bom modelo para grande parte da história do 1 As principais explicações sobre a África encontram se na mais importante obra desse autor a Muqqadima tradução francesa de Vincent MONTEIL e no fragmento de sua história traduzido por DE SLANE sob o título Histoire des Berbères 4 Metodologia e pré história da África norte da África e um importante historiador Marc Bloch2 utilizou o para sua brilhante explicação da história da Europa no início da Idade Média Ora Ibn Khaldun distingue se de seus contemporâneos não somente por ter concebido uma filosofia da história mas também e talvez principalmente por não ter como os demais atribuído o mesmo peso e o mesmo valor a todo fragmento de informação que pudesse encontrar sobre o passado acreditava que era preciso aproximar se da verdade passo a passo através da crítica e da comparação Ibn Khaldun é realmente um historiador muito moderno e é a ele que devemos o que se pode considerar quase como história da África tropical em sentido moderno Na qualidade de norte africano e também pelo fato de ter trabalhado a despeito da novidade de sua filosofia e de seu método no quadro das antigas tradições mediterrâneas e islâmicas ele não deixou de se preocupar com o que ocorria no outro lado do Saara Assim um dos capítulos de sua obra3 é uma história do Império do Mali que na época em que ele viveu atingia seu auge Esse capítulo é parcialmente fundamentado na tradição oral da época e por esta razão permanece até hoje como uma das bases essenciais da história desse grande Estado africano Nenhum Estado vasto e poderoso como o Mali nem mesmo os Estados de menor importância como os primeiros reinados haussa ou as cidades independentes da costa oriental da África podiam manter sua identidade ou sua integridade sem uma tradição reconhecida relativa à sua fundação e ao seu desenvolvimento Quando o Islã atravessou o Saara e se expandiu ao longo da costa oriental trazendo consigo a escrita árabe os negros africanos passaram a utilizar textos escritos ao lado dos documentos orais de que já dispunham para conservar sua história Os mais elaborados dentre esses primeiros exemplos de obras de história atualmente conhecidos são provavelmente o Tarikh al Sudan e o Tarikh el Fattash ambos escritos em Tombuctu principalmente no século XVII4 Nos dois casos os autores fazem um relato dos acontecimentos de sua época e do período imediatamente anterior com muitos detalhes e sem omitir a análise e a interpretação Mas antecedendo esses relatos críticos há também uma evocação das tradições orais relativas a períodos mais antigos Dessa forma o 2 Ver sobretudo BLOCH M 1939 p 91 3 Na tradução de M G DE SLANE intitulada Histoire des Berbères 1925 1956 este capítulo figura no volume 2 p 105 16 4 O Tarikh al Sudan foi traduzido para o francês e comentado por O HOUDAS 1900 o Tarikh el Fattash por O HOUDAS e M DELAFOSSE 1913 5 A evolução da historiografia da África resultado não é somente uma história do Império Songhai de sua conquista e dominação pelos marroquinos mas também uma tentativa de determinar o que era importante na história pregressa da região sobretudo nos antigos impérios de Gana e do Mali Em função disso é importante distinguir os Tarikh de Tombuctu de outras obras históricas escritas em árabe pelos africanos tais como as conhecidas pelos nomes de Crônica de Kano e Crônica de Kilwa5 Estes últimos nos oferecem somente anotações diretas por escrito de tradições que até então eram sem dúvida alguma transmitidas oralmente Embora uma versão da Crônica de Kilwa pareça ter sido utilizada pelo historiador português de Barros no século XVI não há nada que prove que a Crônica de Kano tenha existido antes do início do século XIX É interessante notar que as crônicas dessa natureza escritas em árabe não se limitam necessariamente às regiões da África que foram inteiramente islamizadas Assim o centro da atual Gana produziu sua Crônica de Gonja Kitab al Ghunja no século XVIII e as recentes pesquisas de especialistas como Ivor Wilks revelaram centenas de exemplos de manuscritos árabes provenientes dessa região e de regiões vizinhas6 Por outro lado é preciso não esquecer que uma parte da África tropical a atual Etiópia possuía sua própria língua semítica inicialmente o gueze e mais tarde o amárico na qual uma tradição literária foi preservada e desenvolvida durante quase 2 mil anos Sem dúvida nenhuma essa tradição produziu obras históricas já no século XIV das quais um exemplo é a História das Guerras de Amda Syôn7 As obras históricas escritas em outras línguas africanas como o haussa e o swahili distintas das escritas em árabe clássico importado mas utilizando sua escrita só apareceram no século XIX No século XV os europeus começaram a entrar em contato com as regiões costeiras da África tropical fato que desencadeou a produção de obras literárias que constituem preciosas fontes de estudo para os historiadores modernos Quatro regiões da África tropical foram objeto de particular atenção a costa da Guiné na África ocidental a região do Baixo Zaire e de Angola o vale do Zambeze e as terras altas vizinhas e por fim a Etiópia Nessas regiões durante os séculos XVI e XVII houve uma considerável penetração em direção ao interior Mas como no caso dos escritores antigos clássicos ou árabes o 5 Pode se encontrar uma tradução inglesa da Crônica de Kano em H R PALMER 1928 vol 3 p 92 132 e da Crônica de Kilwa em G S P FREEMAN GRENVILLE 1962 p 34 49 6 Sobre a Crônica de Gonja e a coleção de manuscritos árabes na atual Gana ver Nehemin LEVTZION 1968 p 27 32 sobretudo Ivor WILKS 1963 p 409 17 e Thomas HODGKIN 1966 p 442 60 7 Existem várias traduções dessa obra sobretudo uma em francês de J PERRUCHON no Journal Asiatique 1889 6 Metodologia e pré história da África resultado não foi sempre e em geral não de forma imediata a produção de obras de história da África A costa da Guiné foi a primeira região da África tropical descoberta pelos europeus ela foi o tema de toda uma série de obras a partir de 1460 aproximadamente Cadamosto até o início do século XVIII Barbot e Bosman Uma boa parte desse material é de grande valor histórico porque fornece testemunhos diretos e datados graças aos quais podem se situar várias outras relações de caráter histórico Há também nessas obras abundante material histórico entendido como não contemporâneo sobretudo em Dapper 1688 que ao contrário da maioria dos demais autores não era um observador direto mas apenas um compilador de relatos alheios Porém o objetivo essencial de todos esses autores era mais descrever a situação contemporânea do que fazer história E é somente agora depois que uma boa parte da história da África ocidental foi reconstituída que podemos avaliar corretamente muitas das afirmações que eles fizeram8 Nas outras regiões que despertaram o interesse dos europeus nos séculos XVI e XVII a situação era um pouco diferente Isso talvez se deva ao fato de terem sido o campo de atividade dos primeiros esforços missionários ao passo que o principal motor das atividades europeias na Guiné foi sempre o comércio Enquanto os africanos forneciam as mercadorias que os europeus desejavam comprar como era em geral o caso da Guiné os negociantes não se sentiam impelidos a mudar a sociedade africana eles se contentavam em observá la Os missionários ao contrário sentiam se obrigados a tentar alterar o que encontravam e nessas condições um certo grau de conhecimento da história da África poderia ser lhes útil Na Etiópia as bases já existiam Podia se aprender o gueez e aperfeiçoar seu estudo bem como utilizar as crônicas e outros escritos nessa língua Obras históricas sobre a Etiópia foram elaboradas por dois eminentes pioneiros entre os missionários Pedro Paez morto em 1622 e Manoel de Almeida 1569 1646 e uma história completa foi escrita por um dos primeiros orientalistas da Europa Hiob Ludolf 1634 17049 No baixo vale do Congo e em Angola assim como no vale do Zambeze e em suas imediações os interesses comerciais eram provavelmente mais fortes que os 8 The Voyages of Cadamosto comentadas por G R CRONE 1937 John BARBOT 1732 William BOSMAN edição comentada 1967 9 Em C BECCARI Rerum Aethiopicarum Scriptores Occidentales lnediti Roma 1905 1917 a obra de Paez se encontra nos volumes 2 e 3 e a de Almeida nos volumes 5 e 7 existe uma tradução parcial em inglês da obra de ALMEIDA em C F BECKINGHAM e G W B HUNTINGFORD Some Records of Ethiopia 1593 1646 1954 A Historia Aethiopica de LUDOLF foi publicada em Frankfurt em 1681 7 A evolução da historiografia da África da evangelização Ocorre porém que em seu conjunto a sociedade africana tradicional não estava disposta a fornecer aos europeus o que eles desejavam a não ser que sofresse pressões consideráveis O resultado é que ela foi obrigada a mudar de modo tão drástico que mesmo os ensaios descritivos dificilmente podiam deixar de ser em parte históricos De fato importantes elementos de história podem ser encontrados em livros de autores como Pigafetta e Lopez 1591 e Cavazzi 1687 Em 1681 Cadornega publica uma História das Guerras Angolanas10 A partir do século XVIII parece que a África tropical recebeu dos historiadores europeus a atenção que merecia Era possível por exemplo utilizar como fontes históricas os autores mais antigos sobretudo os descritivos como Leão o Africano e Dapper de maneira que as histórias e geografias universais da época como The Universal History publicada na Inglaterra entre 1736 e 1765 podiam consagrar um número apreciável de páginas à África11 Houve também ensaios monográficos como é o caso da História de Angola de Silva Correin cerca de 1792 da Some Historical account of Guinea de Benezet 1772 e das duas histórias do Daomé Memórias do Reino de Bossa Ahadée de Norris 1789 e History of Dahomey de Dalzel 1793 Mas uma advertência se faz necessária aqui O livro de Silva Correin só foi publicado neste século12 E a razão pela qual as três obras mencionadas acima foram publicadas naquela época deve se ao fato de que no fim do século XVIII começava a acirrar se a controvérsia em torno do tráfico de escravos que tinha sido o principal elemento das relações entre a Europa e a África tropical havia pelo menos 150 anos Dalzel e Norris ambos recorrendo à sua experiência no comércio de escravos no Daomé assim como Benezet desempenharam o papel de historiadores mas seus trabalhos tinham como objetivo fornecer argumentos a favor ou contra a abolição do tráfico negreiro Se não fosse por isso não se tem como certo que esses livros tivessem encontrado compradores pois nessa época a principal tendência da cultura europeia começava a considerar de forma cada vez mais desfavorável as sociedades não europeias e a declarar que elas não possuíam uma história digna de ser estudada Essa mentalidade resultava sobretudo da convergência 10 CADORNEGA A de Oliveira Historia General das Guerras Angolanas Comentada por M DELGADO e A CUNHA Lisboa 1940 1942 11 A edição in folio da Universal History compreende 23 volumes dos quais 16 são consagrados à história moderna contendo estes últimos dois volumes sobre a África 12 Lisboa 1937 8 Metodologia e pré história da África de correntes de pensamento oriundas do Renascimento do Iluminismo e da crescente revolução científica e industrial O resultado foi que baseando se no que era considerado uma herança greco romana única os intelectuais europeus convenceram se de que os objetivos os conhecimentos o poder e a riqueza de sua sociedade eram tão preponderantes que a civilização europeia deveria prevalecer sobre todas as demais Consequentemente sua história constituía a chave de todo conhecimento e a história das outras sociedades não tinha nenhuma importância Esta atitude era adotada sobretudo em relação à África De fato nessa época os europeus só conheciam a África e os africanos sob o ângulo do comércio de escravos num momento em que o próprio tráfico era causador de um caos social cada vez mais grave em numerosas partes do continente Hegel 1770 1831 definiu explicitamente essa posição em sua Filosofia da História que contém afirmações como as que seguem A África não é um continente histórico ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento Os povos negros são incapazes de se desenvolver e de receber uma educação Eles sempre foram tal como os vemos hoje É interessante notar que já em 1793 o responsável pela publicação do livro de Dalzel julgara necessário justificar o surgimento de uma história do Daomé Assumindo claramente a mesma posição de Hegel ele declarava Para chegar a um justo conhecimento da natureza humana é absolutamente necessário preparar o caminho através da história das nações menos civilizadas Não há nenhum outro meio de julgar o valor da cultura na avaliação da felicidade humana a não ser através de comparações deste tipo13 Ainda que a influência direta de Hegel na elaboração da história da África tenha sido fraca a opinião que ele representava foi aceita pela ortodoxia histórica do século XIX Essa opinião anacrônica e destituída de fundamento ainda hoje não deixa de ter adeptos Um professor de História Moderna na Universidade de Oxford por exemplo teria declarado Pode ser que no futuro haja uma história da África para ser ensinada No presente porém ela não existe o que existe é a história dos europeus na África O resto são trevas e as trevas não constituem tema de história Compreendam me bem Eu não nego que tenham existido homens mesmo em países obscuros e séculos obscuros nem que eles tenham tido uma vida política e uma cultura interessantes para os 13 DALZEL Archibald The History of Dahomey 1793 pv 9 A evolução da historiografia da África sociólogos e os antropólogos mas creio que a história é essencialmente uma forma de movimento e mesmo de movimento intencional Não se trata simplesmente de uma fantasmagoria de formas e de costumes em transformação de batalhas e conquistas de dinastias e de usurpações de estruturas sociais e de desintegração social Ele argumentava que a história ou melhor o estudo da história tem uma finalidade Nós a estudamos a fim de descobrir como chegamos ao ponto em que estamos O mundo atual prosseguia ele está a tal ponto dominado pelas ideias técnicas e valores da Europa ocidental que pelo menos nos cinco últimos séculos na medida em que a história do mundo tem importância é somente a história da Europa que conta Por conseguinte não podemos nos permitir divertirmo nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo mas que não exerceram nenhuma influência em outras regiões14 Por ironia do destino foi durante a vida de Hegel que os europeus empreenderam a exploração real moderna e científica da África e começaram assim a lançar os fundamentos de uma avaliação racional da história e das realizações das sociedades africanas Essa exploração era ligada em parte à reação contra a escravidão e o tráfico de escravos e em parte à competição pelos mercados africanos Alguns dos primeiros europeus eram impelidos por um desejo sincero de aprender tudo o que pudessem a respeito do passado dos povos africanos e recolhiam todo o material que encontravam documentos escritos quando os havia ou ainda tradições orais e testemunhos que descobriam sobre os traços do passado A literatura produzida pelos exploradores é imensa Alguns desses trabalhos contêm história no melhor sentido do termo e em sua totalidade tal literatura constitui um material de grande valor para os historiadores Uma pequena lista dos principais títulos poderia incluir Travels to Discoverer the Sources of the Nile de James Bruce 1790 os capítulos especificamente históricos dos relatos de visitas a Kumasi capital de Ashanti de T E Bowdich Mission from Cape Coast to Ashantee 1819 e de Joseph Dupuis Journal of a Residence in Ashantee 1824 Reisen und Entdeckungen in Nord und Zentral Afrika 1857 1858 de Heinrich Barth Documents sur lHistoire la Géographie et le Commerce de lAfrique Oriental de M Guillain 1856 e Saara und Sudan de Gustav Nachtigal 1879 1889 14 Estas citações foram extraídas das notas de abertura do primeiro ensaio de uma série de cursos proferidos pelo professor Hugh TREVOR HOPER intitulada The Rise of Christian Europe A Ascensão da Europa Cristã Ver The Listener 28 11 1963 p 871 10 Metodologia e pré história da África A carreira de Nachtigal prosseguiu numa fase inteiramente nova da história da África aquela em que os europeus haviam iniciado a conquista do continente e o domínio de suas populações Como essas tentativas pareciam necessitar de uma justificativa moral as considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos princípios de Darwin O resultado sintomático disso tudo foi o aparecimento de uma nova ciência a Antropologia que é um método não histórico de estudar e avaliar as culturas e as sociedades dos povos primitivos os que não possuíam uma história digna de ser estudada aqueles que eram inferiores aos europeus e que podiam ser diferenciados destes pela pigmentação de sua pele É interessante citar aqui o caso de Richard Burton 1821 1890 um dos grandes viajantes europeus na África durante o século XIX Trata se de um espírito curioso cultivado sempre atento e um orientalista eminente Ele foi em 1863 um dos fundadores da London Anthropological Society que tornar se ia mais tarde o Royal Anthropological Institute Entretanto de modo bem mais acentuado que Nachtigal sua carreira marca o fim da exploração científica e imparcial da África que havia começado com James Bruce Encontramos por exemplo em sua Mission to Gelele King of Dahomey 1864 uma notável digressão sobre o lugar do negro na natureza e não como se pode notar o lugar do negro na história Pode se ler aí frases como esta O negro puro se coloca na família humana abaixo das duas grandes raças árabe e ariana a maioria dos seus contemporâneos teria classificado estas duas últimas em ordem inversa e o negro coletivamente não progredirá além de um determinado ponto que não merecerá consideração mentalmente ele permanecerá uma criança15 Foi em vão que certos intelectuais africanos como James Africanus Horton responderam a essas colocações polemizando com os membros influentes da London Anthropological Society As coisas ficaram ainda mais difíceis para o estudo da história da África após o aparecimento nessa época e em particular na Alemanha de uma nova concepção sobre o trabalho do historiador que passava a ser encarado mais como uma atividade científica fundada sobre a análise rigorosa de fontes originais do que como uma atividade ligada à literatura ou à filosofia É evidente que para a história da Europa essas fontes eram sobretudo fontes escritas e nesse domínio a África parecia especialmente deficiente Tal concepção foi exposta de forma muito precisa pelo professor A P Newton em 1923 numa 15 0p cit edição de 1893 v 2 p 131 e 135 11 A evolução da historiografia da África conferência diante da Royal African Society de Londres sobre A África e a pesquisa histórica Segundo ele a África não possuía nenhuma história antes da chegada dos europeus A história começa quando o homem se põe a escrever Assim o passado da África antes do início do imperialismo europeu só podia ser reconstituído a partir de testemunhos dos restos materiais da linguagem e dos costumes primitivos coisas que não diziam respeito aos historiadores e sim aos arqueólogos aos linguistas e aos antropólogos16 De fato o próprio Newton encontrava se um pouco à margem do papel de historiador tal como era concebido na época Durante grande parte do século XIX alguns dos mais eminentes historiadores britânicos como James Stephen 1789 1859 Herman Merivale 1806 1874 J A Froude 1818 1894 e J R Seeley 1834 189517 haviam demonstrado muito interesse pelas atividades dos europeus ou pelo menos de seus compatriotas no resto do mundo Mas o sucessor de Seeley no cargo de Regius Professor de História Moderna em Cambridge foi Lord Acton 1834 1902 que havia se graduado na Alemanha Acton começara imediatamente a preparar The Cambridge Modern History cujos catorze volumes apareceram entre 1902 e 1910 Essa obra é tão centrada na Europa que chega a ignorar quase totalmente até mesmo as atividades dos próprios europeus pelo mundo Em consequência a história colonial foi geralmente deixada a cargo de homens como Sir Charles Lucas ou na França Gabriel Hanotaux18 que como Stephen Merivale e Froude já haviam se encarregado ativamente dos assuntos coloniais Entretanto com o tempo a história colonial ou imperial se fez aceitar mesmo permanecendo à margem da profissão The New Cambridge Modern History que começara a aparecer em 1957 sob a direção de Sir George Clark traz alguns capítulos sobre a África a Ásia e a América em seus doze volumes e por outro lado a coleção de história de Cambridge havia sido enriquecida nessa época com a série The Cambridge History of the British Empire 1929 1959 da qual 16 Africa and historical research J A S 22 1922 1923 17 STEPHEN foi funcionário no Colonial Office de 1825 a 1847 e professor de História Moderna em Cambridge de 1849 a 1859 MERIVALE foi professor de Economia Política em Oxford antes de suceder STEPHEN na qualidade de Permanent Under Secretary do Colonial Office 1847 1859 FROUDE passou a maior parte de sua vida em Oxford e foi professor de História Moderna em 1892 1894 mas na década de 1870 serviu como emissário do Colonial Secretary na África do Sul SEELEY foi professor de História Moderna em Cambridge de 1869 a 1895 18 LUCAS foi funcionário no British Colonial Office de 1877 a 1911 tendo atingido o grau de Assis tant Under Secretary ele obteve depois um posto no All Souls College em Oxford HANOTAUX 1853 1944 seguiu duas carreiras como político e homem de Estado desempenhou na década de 1890 importante papel nas relações coloniais e exteriores da França como historiador foi eleito para a Academia Francesa 12 Metodologia e pré história da África Newton foi um dos diretores fundadores Mas basta um exame superficial desse trabalho para perceber que a história colonial mesmo no que se refere à África é muito diferente da história da África Dos oito volumes dessa obra quatro são consagrados ao Canadá à Austrália à Nova Zelândia e à Índia Britânica Restam então três volumes gerais nitidamente orientados para a política imperial de 68 capítulos somente quatro referem se diretamente às relações da Inglaterra com a África e um volume consagrado à África do Sul o único lugar da África subsaariana no qual os colonos europeus realmente se estabeleceram A quase totalidade desse volume o maior dos oito é dedicada aos intrincados negócios desses colonos europeus desde sua chegada em 1652 Os povos africanos que constituem a maioria da população são relegados a um capítulo introdutório e essencialmente não histórico redigido por um antropólogo social e a dois capítulos que embora escritos pelos dois historiadores sul africanos mais lúcidos de sua geração C W de Kiewiet e W M MacMillan os consideram por necessidade sob a perspectiva de sua reação à presença europeia Em outros lugares a história da África aparecia muito timidamente em coleções mais ou menos monumentais como por exemplo Peuples et Civilizations História Geral 20 volumes Paris 1927 52 G Glotz editor Histoire Générale organizada por G Glotz 10 volumes Paris 1925 1938 Propyläen Weltgeschichte 10 volumes Berlim 1929 1933 Historia Mundi ein Handbuch der Weltgeschichte in 10 Bänden Bern 1952 ff V semirnaja Istoriya World History 10 volumes Moscou 1955 ff O italiano C Conti Rossini publicou em Roma em 1928 uma importante Storia d Etiopia Os historiadores coloniais profissionais estavam assim como os historiadores profissionais em geral apegados à concepção de que os povos africanos ao sul do Saara não possuíam uma história suscetível ou digna de ser estudada Como vimos Newton considerava essa história como domínio exclusivo dos arqueólogos linguistas e antropólogos Mas se é verdade que os arqueólogos assim como os historiadores por força de sua profissão se interessam pelo passado do homem e de suas sociedades eles estavam quase tão desinteressados quanto os historiadores em dedicar se a descobrir e elucidar a história da sociedade humana na África subsaariana Concorriam para isso duas razões principais Em primeiro lugar uma das correntes mais importantes da Arqueologia ciência então em desenvolvimento professava que assim como a História ela deveria orientar se essencialmente pelas fontes escritas Consagrava se a problemas como encontrar o local exato da antiga cidade de Troia ou detectar fatos ainda desconhecidos através de fontes 13 A evolução da historiografia da África literárias relativas às antigas sociedades da Grécia de Roma ou do Egito cujos principais monumentos haviam sido fontes de especulações durante séculos A Arqueologia era e às vezes ainda é estreitamente ligada ao ramo da História conhecido pelo nome de História Antiga Em geral ela se preocupava mais em procurar e decifrar antigas inscrições do que em encontrar outras relíquias Só muito raramente por exemplo em Axum e Zimbabwe e em torno desses sítios admitia se que a África subsaariana possuía monumentos suficientemente importantes para atrair a atenção dessa escola de arqueologia Em segundo lugar uma outra atividade essencial da pesquisa arqueológica se concentrava nas origens do homem tendo como consequência uma perspectiva mais geológica do que histórica de seu passado É verdade que em função de especialistas como L S B Leakey e Raymond Dart uma parte substancial dessa pesquisa acabou finalmente por se concentrar na África oriental e do sul Mas esses homens buscavam um passado longínquo demais no qual não se podia afirmar que existissem sociedades além disso habitualmente havia um abismo entre as conjeturas sobre os fósseis que esses pesquisadores descobriam e as populações modernas cujo passado os historiadores desejavam estudar Enquanto a maioria dos arqueólogos e dos historiadores considerava a África subsaariana até os anos 50 aproximadamente não digna de sua atenção a imensa variedade de tipos físicos de sociedades e de línguas desse continente despertava o interesse dos antropólogos e linguistas à medida que suas disciplinas começavam a desenvolver se Foi possível a uns e outros permanecerem durante muito tempo encerrados em seus gabinetes de trabalho Mas homens como Burton e S W Koelle Polyglotte Africana 1854 em boa hora demonstraram o valor da pesquisa de campo e os antropólogos em particular tornaram se os pioneiros desse trabalho na África Mas ao contrário dos historiadores e dos arqueólogos nem os antropólogos nem os linguistas sentiam se obrigados a descobrir o que ocorrera no passado Na África eles encontraram uma abundância de fatos simplesmente à espera de descrição classificação e análise o que representava uma imensa tarefa Frequentemente eles só se interessavam pelo passado na medida em que tentavam reconstruir uma história que parecia lhes estar na origem dos dados recolhidos e seria capaz de explicá los No entanto nem sempre eles percebiam o quanto essas reconstruções eram especulativas e hipotéticas Um exemplo clássico é o do antropólogo C G Seligman que na obra Races of Africa publicada em 1930 escrevia sem rodeios As civilizações da África são as civilizações dos camitas e sua história os anais 14 Metodologia e pré história da África desses povos e de sua interação com duas outras raças africanas a negra e a bosquímana19 Inferimos dessa afirmação que essas duas outras raças africanas são inferiores e que todo o progresso que tenham conseguido seria resultante da influência camítica que sofreram de forma mais ou menos intensa Em outro trecho dessa mesma obra ele fala da chegada vaga após vaga de pastores camitas que estavam melhor armados e eram ao mesmo tempo mais inteligentes que os cultivadores negros atrasados sobre os quais exerciam influência20 Mas na realidade não há nenhuma prova histórica que sustente as afirmações de que as civilizações da África são as civilizações dos camitas ou que os progressos históricos verificados na África subsaariana se devam apenas ou principalmente a eles O próprio livro não apresenta nenhuma evidência histórica e muitas das hipóteses sobre as quais ele se apóia sabe se agora não terem nenhum fundamento J H Greenberg por exemplo demonstrou de uma vez por todas que os termos camita e camítico não têm nenhum sentido a não ser e na melhor das hipóteses como categorias da classificação linguística21 É certo que não existe necessariamente uma correlação entre a língua falada por uma população e sua origem racial ou sua cultura Assim Greenberg pode citar entre outros este maravilhoso exemplo os cultivadores haussa que falam uma língua camítica estão sob a dominação dos pastores fulani que falam uma língua níger congolesa isto é uma língua negra22 Ele refuta igualmente a base camítica que sustentava grande parte da reconstrução feita por Seligman da história cultural dos negros em outras partes da África sobretudo das populações de língua bantu Escolhemos particularmente Seligman porque ele se situava entre as personalidades mais destacadas de sua profissão na Grã Bretanha foi um dos primeiros a empreender sérias pesquisas de campo na África e porque seu livro tornou se de certa forma um modelo várias vezes reeditado Ainda em 1966 ele era divulgado como um clássico em seu gênero Mas essa adoção do mito da superioridade dos povos de pele clara sobre os de pele escura era somente uma parte dos preconceitos correntes na Europa no fim do século XIX e no início do século XX Os europeus acreditavam que sua pretensa superioridade 19 0p cit ed de 1930 p 96 ed de 1966 p 61 20 0p cit ed de 1930 p 158 ed de 1966 p 101 21 GREENBERG J H 1953 e 1963 De fato GREENBERG como a maioria dos linguistas modernos evita empregar o termo camítico eles classificam as línguas outrora denominadas camíticas ao lado das línguas semíticas e outras num grupo mais amplo o afro asiático ou eritreu e não reconhecem o subgrupo camítico de modo específico 22 GREENBERG J H 1963 p 30 15 A evolução da historiografia da África sobre os negros africanos estava confirmada por sua conquista colonial Em consequência disso em muitas partes da África especialmente no cinturão sudanês e na região dos grandes lagos eles estavam convictos de que apenas davam continuidade a um processo de civilização que outros invasores de pele clara chamados genericamente de camitas haviam começado antes deles23 O mesmo tema reaparece ao longo de muitas outras obras do período que vai de 1890 a 1940 aproximadamente e que contêm uma quantidade bem maior de elementos sérios de história do que os encontrados no pequeno manual de Seligman Em sua maioria essas obras foram escritas por homens e mulheres que tinham participado pessoalmente da conquista ou da colonização e que não eram nem antropólogos nem linguistas nem historiadores profissionais Tratava se sim de amadores no melhor sentido da palavra que se interessavam sinceramente pelas sociedades exóticas que haviam descoberto e que desejavam obter mais informações a seu respeito e partilhar seus conhecimentos com outras pessoas Sir Harry Johnston e Maurice Delafosse por exemplo trouxeram contribuições notáveis para a linguística africana assim como para outros ramos do conhecimento Mas o primeiro denominou seu grande estudo geral de A History of the Colonization of Africa by Alien Races 1899 obra revista e ampliada em 1913 e nas seções históricas do magistral estudo de Delafosse sobre o Sudão ocidental Haut Sénégal Niger 1912 o tema geral aparece quando ele invoca uma migração judaico síria para fundar a antiga Gana Flora Shaw A Tropical Dependency 1906 era fascinada pela contribuição dos muçulmanos à história da África Margery Perham amiga e biógrafa de Lord Lugard refere se com propriedade ao movimento majestoso da história desde as primeiras conquistas árabes da África às de Goldie e de Lugard24 Um excelente historiador amador Yves Urvoy Histoire des Populations du Soudan Central 1936 e Histoire du Bornou 1949 equivoca se completamente a respeito do significado das interações entre os nômades do Saara e os negros sedentários que ele descreve com precisão ao mesmo tempo Sir Richmond Palmer Sudanese Memoirs 1928 e The Bornu Sahara and Sudan 1936 arqueólogo inspirado procura sempre as origens da ação dos povos nigerianos em lugares tão distantes quanto Trípoli ou o Iêmen 23 É interessante notar que a edição atualmente revisada a quarta de Races of Africa 1966 contém na página 61 uma frase importante que não se encontra na edição original de 1930 Os camitas são aí definidos como europeus ou seja pertencentes à mesma grande raça da humanidade a que pertencem os homens brancos 24 PERHAM Margery Lugard the Years of Authority 1960 p 234 16 Metodologia e pré história da África No entanto após Seligman os antropólogos sociais britânicos conseguiram de certa forma escapar à influência do mito camítico Sua formação a partir desse momento foi dominada pela influência de B Malinowski e A R Radcliffe Brown que se opunham decididamente a qualquer espécie de história fundada em conjeturas De fato o método estritamente funcionalista adotado pelos antropólogos britânicos entre 1930 e 1950 para o estudo das sociedades africanas tendia a desencorajar qualquer interesse histórico mesmo quando graças a seu trabalho de campo eles se encontravam numa situação excepcionalmente favorável para obter dados históricos Porém no continente europeu e também na América do Norte ainda que poucos antropólogos americanos tenham trabalhado na África antes dos anos 50 subsistia uma tradição mais antiga de etnografia que entre outras características dava tanto peso à cultura material quanto à estrutura social Isso gerou uma grande quantidade de trabalhos de importância histórica como por exemplo The King of Ganda de Tor Irstam 1944 ou The trade of Guinea de Lar Sundstrom 1965 Entretanto duas obras merecem destaque especial Völkerkunde von Afrika de Hermann Baumann 1940 e Geschichte Afrikas de Diedrich Westermann 1952 A primeira era um estudo enciclopédico dos povos e civilizações da África que valorizava bastante as partes conhecidas de sua história e até hoje não foi superado como manual de um só volume O livro mais recente Africa its Peoples and their Culture History 1959 escrito pelo antropólogo americano G P Murdock fica prejudicado na comparação por faltar ao seu autor experiência direta da África o que lhe teria permitido avaliar corretamente os materiais de que dispunha e por ele ter fornecido alguns esquemas hipotéticos tão excêntricos em seu gênero quanto os de Seligman embora menos perniciosos25 Quanto a Westermann ele era sobretudo um linguista Sua obra sobre a classificação das línguas da África é em muitos aspectos a precursora da de Greenberg além disso ele contribuiu com uma seção linguística para o livro de Baumann Mas sua Geschichte infelizmente deformada pela teoria camítica é também uma compilação muito valiosa das tradições orais africanas tais como se apresentavam em sua época A estes trabalhos pode se talvez acrescentar o de H A Wieschoff The Zimbabwe Monomotapa Culture 1943 ainda que seja só para apresentar seu mestre Leo Frobenius Frobenius era etnólogo e antropólogo cultural mas era também um arqueólogo disfarçado de historiador Durante seu período 25 Ver meu resumo sobre o assunto no artigo Anthropology botany and history In J A H n 2 1961 299 309 17 A evolução da historiografia da África de atividade que corresponde aproximadamente às quatro primeiras décadas do século XX ele foi quase com certeza o mais produtivo dos historiadores da África Ele empreendeu inúmeros trabalhos de campo em quase todas as partes do continente africano e apresentou seus resultados numa série regular de publicações pouco lidas atualmente Escrevia em alemão língua que se tornou pouco importante para a África e os africanistas Somente uma pequena parte de suas obras foi traduzida e seu sentido é geralmente difícil de recuperar porque elas estão repletas de teorias míticas relativas à Atlântida à influência etrusca sobre a cultura africana etc Aos olhos dos historiadores arqueólogos e antropólogos atuais de formação bastante rigorosa Frobenius parece um autodidata original cujos trabalhos são desvalorizados não apenas por suas interpretações um tanto ousadas mas também por seu método de trabalho rápido sumário e às vezes destrutivo Contudo ele chegou a alguns resultados que anteciparam claramente os obtidos por pesquisadores que trabalharam com maior rigor científico e que surgiram depois dele e a outros difíceis ou mesmo impossíveis de obter nas condições atuais Parece que ele possuía um talento instintivo para ganhar a confiança dos informantes e descobrir dados históricos Os historiadores modernos deveriam procurar esses dados nas obras de Frobenius e reavaliá los em função dos conhecimentos atuais liberando os das interpretações fantasiosas acrescentadas por ele26 As singularidades de um gênio autodidata como Frobenius que buscava inspiração em si mesmo contribuíram para reforçar a opinião dos historiadores profissionais de que a história da África não constituía um campo aceitável para sua profissão e desviar assim a atenção de muitos trabalhos sérios realizados durante o período colonial O crescimento do interesse dos europeus pela África havia proporcionado aos africanos grande variedade de culturas escritas que lhes permitia exprimir seu interesse por sua própria história Foi esse o caso principalmente da África ocidental onde o contato com os europeus havia sido mais longo e mais constante e onde sobretudo nas regiões que se tornaram colônias britânicas uma demanda pela instrução europeia já existia desde o 26 É impossível num artigo desta dimensão fazer justiça à grandeza da produção de FROBENIUS Sua última obra de síntese foi Kulturgeschichte Afrikas Viena 1933 e sua obra mais notável foi provavelmente a coleção em 12 volumes Atlantis Volksmärchen und Wolksdichtungen Afrikas Iena 1921 1928 Mas cabe também mencionar os livros que relatam cada uma de suas expedições por exemplo para os Ioruba e Mosso Und Afrika Sprach Berlim Charlottenburg 1912 1913 Ver a bibliografia completa em Freda KRETSCHMAR Leo Frobenius 1968 Certos artigos recentes em inglês por exemplo Dr K M ITA Frobenius in West African History J A H XIII 4 1972 e obras citadas neste artigo sugerem um renascimento do interesse pela obra de FROBENIUS 18 Metodologia e pré história da África início do século XIX Assim como os eruditos islamizados de Tombuctu se puseram rapidamente a escrever seus tarikh em árabe ou na língua ajami no fim do século XIX também os africanos que haviam aprendido a ler o alfabeto latino sentiram necessidade de deixar por escrito o que eles conheciam da história de seus povos para evitar que estes fossem completamente tragados pelos europeus e sua história Entre os primeiros clássicos desse gênero escritos por africanos que como os autores dos tarikh antes deles haviam exercido uma atividade na religião da cultura importada e dela haviam extraído seus nomes pode se citar A History of the Gold Coast and Asante de Carl Christian Reindorf 1895 e History of the Yorubas de Samuel Johnson terminada em 1897 mas publicada somente em 1921 Trata se de duas obras de história bastante sérias até hoje ninguém pode empreender um trabalho sobre a história dos Ioruba sem consultar Johnson Mas talvez fosse inevitável que a ensaios históricos desta ordem se incorporassem as obras dos primeiros protonacionalistas desde J A B Horton 1835 1883 e E W Blyden 1832 1912 a J M Sarbah 1864 1910 J E Casely Hayford 1866 1930 e J B Danquah 1895 1965 que abordaram muitas questões históricas mas na maioria das vezes com o propósito de fazer propaganda É provável que J W de Graft Johnson Towards Nationhood in West Africa 1928 Historical Geography of the Gold Coast 1929 e E J P Brown A Gold Coast and Asiante Reader 1929 pertençam às duas categorias Depois deles porém pode se observar em certos ensaios uma tendência a glorificar o passado africano no intuito de combater o mito da superioridade cultural europeia como por exemplo em J O Lucas The Religion of Yoruba 1949 e J W de Graft Johnson African Glory 1954 Alguns autores europeus demonstraram uma tendência análoga É o caso por exemplo de Eva L R Meyerowitz que em seus livros sobre os Akan tenta outorgar lhes gloriosos ancestrais mediterrânicos comparáveis aos que Lucas buscava para os Ioruba27 Por outro lado numa escala mais reduzida muitos africanos continuaram a registrar as tradições históricas locais de modo sério e confiável Os contatos com os missionários cristãos parecem ter desempenhado um papel significativo Assim floresceu em Uganda uma escola importante de historiadores locais desde a época de A Kagwa cuja primeira obra foi publicada em 1906 ao mesmo tempo R C C Law anotou para a região ioruba 22 historiadores que 27 The Sacred State of the Akan 1951 The Akan Traditions of Origin 1952 The Akan of Ghana their Ancient Beliefs 1958 19 A evolução da historiografia da África haviam publicado trabalhos antes de 194028 em geral como aliás os autores ugandenses em línguas nativas Dentre as das obras desse tipo uma tornou se merecidamente célebre A Short History of Benin de J U Egharevba reeditada diversas vezes desde sua primeira publicação em 1934 Por outro lado certos colonizadores espíritos inteligentes e curiosos tentavam descobrir e registrar a história daqueles a quem tinham vindo governar Para eles a história africana geralmente apresentava um valor prático Os europeus podiam ser melhores administradores se possuíssem algum conhecimento sobre o passado dos povos que eles haviam colonizado Além do mais seria útil ensinar um pouco de história da África nas escolas cada vez mais numerosas fundadas por eles e seus compatriotas missionários ainda que fosse apenas para servir como introdução ao ensino mais importante da história da Inglaterra ou da França Isso possibilitaria aos africanos obter os school certificates e os baccalauréats e ser recrutados depois como preciosos auxiliares pseudo europeus Flora Shaw Harry Johnson Maurice Delafosse Yves Urvoy e Richmond Palmer já foram mencionados anteriormente Mas há também outros que escreveram sobre a África obras históricas relativamente isentas de preconceitos culturais ainda que às vezes tenham escolhido eles ou seus editores títulos bizarros Entre esses autores podemos citar Ruth Fisher Twilight Tales of the Black Baganda 1912 C H Stigand The Land of Zing 1913 Sir Francis Fuller A Vanished Dynasty Ashanti 1921 exatamente na tradição de Bowdich e Dupuis E W Bouill Caravans of the Old Sahara 1933 numerosas obras eruditas de Charles Monteil por exemplo Les Empires du Mali 1929 ou de Louis Tauxier por exemplo Histoire des Bambara 1942 Parece que os franceses foram mais bem sucedidos que os ingleses na elaboração de uma história realmente africana Alguns dos mais sólidos trabalhos britânicos por exemplo History of the Gold Coast and Ashanti 1915 de W W Claridge ou History of the Gambia 1940 de Sir John Gray exceção feita a alguns de seus artigos mais recentes sobre a África oriental possuíam uma forte tendência eurocêntrica É conveniente notar também que quando de seu retorno à França alguns administradores franceses como Delafosse Georges Hardy Henry Labouret29 elaboraram breves histórias gerais a respeito de todo o continente ou do conjunto da África subsaariana 28 LAW R C C Early Historical Writing Among the Yoruba to c 1940 29 DELAFOSSE Maurice Les Noirs de lAfrique Paris 1921 HARDY Georges Vue Général de lHistoire dAfrique Paris 1937 LABOURET Henry Histoire des Noirs dAfrique Paris 1946 20 Metodologia e pré história da África Isso se explica em parte pelo fato de que a administração colonial francesa tendia a desenvolver estruturas mais rígidas para a formação e a pesquisa do que a administração britânica Pode se citar a instituição em 1917 do Comité dEtudes Historique et Scientifique de lAOF e de seu Bulletin que levaram à criação do Institut Français dAfrique Noire sediado em Dacar 1938 ao seu Bulletin e à série Mémoires que editou a partir daí surgiram obras como o magistral Tableau Géographique de lOuest Africain au Moyen Age 1961 de Raymond Mauny Apesar disso os historiadores do período colonial permaneceram amadores marginalizados da principal corrente historiográfica Isto ocorreu tanto na França quanto na Grã Bretanha pois embora homens como Delafosse e Labouret tivessem obtido cargos universitários quando retornaram à França fizeram no como professores de línguas africanas ou de administração colonial e não como historiadores clássicos A partir de 1947 a Société Africaine de Culture e sua revista Présence Africaine empenharam se na promoção de uma história da África descolonizada Ao mesmo tempo uma geração de intelectuais africanos que havia dominado as técnicas europeias de investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em relação ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma identidade cultural negada pelo colonialismo Esses intelectuais refinaram e ampliaram as técnicas da metodologia histórica desembaraçando a ao mesmo tempo de uma série de mitos e preconceitos subjetivos A esse propósito devemos mencionar o simpósio organizado pela UNESCO no Cairo em 1974 que permitiu a pesquisadores africanos e não africanos confrontar livremente seus pontos de vista sobre o problema do povoamento do antigo Egito Em 1948 aparecia a obra History of the Gold Coast de W E F Ward No mesmo ano a Universidade de Londres criava o cargo de lecturer em História da África na School of Oriental and African Studies confiado ao Dr Roland Oliver É a partir dessa mesma data que a Grã Bretanha empreende um programa de desenvolvimento das universidades nos territórios que dela dependiam fundação de estabelecimentos universitários na Costa do Ouro e na Nigéria elevação do Gordon College de Cartum e do Makerere College de Kampala à categoria de universidades Nas colônias francesas e belgas desenrolava se um processo semelhante Em 1950 era criada a Escola Superior de Letras de Dacar que sete anos mais tarde adquiriria o estatuto de universidade francesa Lovanium a primeira universidade do Congo mais tarde Zaire começou a funcionar em 1954 AOF Afrique Occidentale Française N do T 21 A evolução da historiografia da África Do ponto de vista da historiografia africana a multiplicação das novas universidades a partir de 1948 foi seguramente mais significativa que a existência dos raros estabelecimentos criados antes mas que vegetavam por falta de recursos tais como o Liberia College de Monróvia e do Fourah Bay College de Serra Leoa fundados respectivamente em 1864 e 1876 Por outro lado as nove universidades que existiam na África do Sul em 1940 eram prejudicadas pela política segregacionista do regime de Pretória tanto a pesquisa histórica quanto o ensino eram eurocentristas e a história da África não passava da história dos imigrantes brancos Todas as novas universidades ao contrário organizaram logo departamentos de história o que pela primeira vez levou um número considerável de historiadores profissionais a trabalhar na África Era inevitável no início que a maioria desses historiadores fosse proveniente de universidades não africanas Mas a africanização sobreveio rapidamente O primeiro diretor africano de um departamento de história o professor K O Dike foi nomeado em 1956 em Ibadã Formaram se muitos estudantes africanos Os professores africanos que se tornaram historiadores profissionais sentiram necessidade de ampliar a parte reservada à história da África em seus programas e quando essa história fosse pouco conhecida de incluí la em suas pesquisas A partir de 1948 a historiografia da África vai progressivamente se assemelhando à de qualquer outra parte do mundo E evidente que ela possui problemas específicos como a escassez relativa de fontes escritas para os períodos antigos e a consequente necessidade de lançar mão de outras fontes como a tradição oral a linguística ou a arqueologia Mas embora a historiografia africana tenha trazido importantes contribuições no que diz respeito ao uso e à interpretação dessas fontes ela não se distingue fundamentalmente da historiografia de certos países da América Latina da Ásia e da Europa que enfrentam problemas análogos Aliás o conhecimento da proveniência dos materiais não é essencial para o historiador cuja tarefa fundamental consiste em fazer deles uma utilização crítica e comparativa de modo a criar uma descrição inteligente e significativa do passado O importante é que nos últimos 25 anos equipes de universitários africanos vêm se dedicando ao ofício de historiador O estudo da história africana constitui hoje uma atividade bem estabelecida a cargo de especialistas de alto nível Seu desenvolvimento ulterior será assegurado pelos intercâmbios interafricanos e pelas relações entre as universidades da África e as de outras partes do mundo Mas é preciso ressaltar que esta evolução positiva teria sido impossível sem o processo de libertação da África do jugo colonial o levante armado de Madagáscar em 1947 a independência do Marrocos em 1955 22 Metodologia e pré história da África a heroica luta do povo argelino e as guerras de libertação em todas as colônias da África contribuíram enormemente para esse processo já que criaram para os povos africanos a possibilidade de retomar o contato com sua própria história e de controlar a sua organização Compreendendo desde logo esta necessidade a UNESCO promoveu ou facilitou a realização de encontros entre especialistas Acertadamente colocou como pré requisito a coleta sistemática de tradições orais Respondendo aos desejos dos intelectuais e dos Estados Africanos essa entidade lançou a partir de 1966 a ideia da elaboração de uma História Geral da África A execução desse importante projeto foi iniciada sob os seus auspícios em 1969 C A P Í T U L O 2 23 Lugar da história na sociedade africana O homem é um animal histórico O homem africano não escapa a esta definição Como em toda parte ele faz sua história e tem uma concepção dessa história No plano dos fatos as obras e as provas de sua capacidade criativa estão aí sob nossos olhos em forma de práticas agrárias receitas de cozinha medicamentos da farmacopeia direitos consuetudinários organizações políticas produções artísticas celebrações religiosas e refinados códigos de etiqueta Desde o aparecimento dos primeiros homens os africanos criaram ao longo de milênios uma sociedade autônoma que unicamente pela sua vitalidade é testemunha do gênio histórico de seus autores Essa história engendrada na prática foi enquanto projeto humano concebida a priori Ela é também refletida e interiorizada a posteriori pelos indivíduos e pelas coletividades Torna se portanto um padrão de pensamento e de vida um modelo Mas sendo a consciência histórica um reflexo de cada sociedade e mesmo de cada fase significativa na evolução de cada sociedade compreender se á que a concepção que os africanos possuem de sua própria história e da história em geral seja marcada por seu singular desenvolvimento O simples fato do isolamento das sociedades é suficiente para condicionar estreitamente a visão histórica Assim o rei dos Mossi Alto Volta intitulava se Mogho Naba ou seja rei do mundo o que ilustra bem a influência das limitações técnicas e materiais sobre a visão que se tem das realidades socio políticas Desse modo pode se constatar Lugar da história na sociedade africana Boubou Hama e J Ki Zerbo 24 Metodologia e pré história da África que o tempo africano é às vezes um tempo mítico e social mas também que os africanos têm consciência de serem os agentes de sua própria história Enfim veremos que este tempo africano é um tempo realmente histórico Tempo mítico e tempo social Num primeiro contato com a África e mesmo a partir da leitura de numerosas obras etnológicas tem se a impressão de que os africanos estavam imersos e como que afogados no tempo mítico vasto oceano sem margens nem marcos enquanto os outros povos percorriam a avenida da história imenso eixo balizado pelas etapas do progresso De fato o mito representação fantástica do passado em geral domina o pensamento dos africanos na sua concepção do desenrolar da vida dos povos Isso a tal ponto que às vezes a escolha e o sentido dos acontecimentos reais deviam obedecer a um modelo mítico que predeterminava até os gestos mais prosaicos do soberano ou do povo Sob forma de costumes vindos de tempos imemoriais o mito governava a História encarregando se por outro lado de justificá la Num tal contexto aparecem duas características surpreendentes do pensamento histórico sua intemporalidade e sua dimensão essencialmente social Nesta situação o tempo não é a duração capaz de dar ritmo a um destino individual é o ritmo respiratório da coletividade Não se trata de um rio que corre num sentido único a partir de uma fonte conhecida até uma foz conhecida Nos países tecnicamente desenvolvidos os próprios cristãos estabelecem uma nítida demarcação entre o fim dos tempos e a eternidade Isto talvez porque o Evangelho opõe nitidamente este mundo transitório ao mundo futuro mas também porque por esta visão distorcida e por outras razões o tempo humano é praticamente laicizado Ora em geral o tempo africano tradicional engloba e integra a eternidade em todos os sentidos As gerações passadas não estão perdidas para o tempo presente À sua maneira elas permanecem sempre contemporâneas e tão influentes se não mais quanto o eram durante a época em que viviam Assim sendo a causalidade atua em todas as direções o passado sobre o presente e o presente sobre o futuro não apenas pela interpretação dos fatos e o peso dos acontecimentos passados mas por uma irrupção direta que pode se exercer em todos os sentidos Quando o imperador do Mali Kankou Moussa 1312 1332 enviou um embaixador ao rei do Yatenga para pedir lhe que se convertesse ao islamismo o chefe Mossi respondeu que antes de tomar qualquer decisão ele precisava consultar seus ancestrais Percebe se aqui como o passado através do 25 Lugar da história na sociedade africana culto está diretamente ligado ao presente constituindo se os ancestrais agentes diretos e privilegiados dos negócios que ocorrem séculos depois deles Da mesma forma na corte de numerosos reis funcionários intérpretes de sonhos exerciam um peso considerável sobre a ação política projetada Esses exegetas do sonho eram em suma ministros do futuro Cita se o caso do rei ruandês Mazimpaka Yuhi III fim do século XVII que viu em sonho homens de tez clara vindos do leste Armou se então de arcos e flechas mas antes de lançar as flechas contra eles guarneceu as com bananas maduras A interpretação desta atitude ambígua ao mesmo tempo agressiva e acolhedora introduziu uma imagem privilegiada na consciência coletiva dos ruandeses e talvez contribua para explicar a atitude pouco combativa desse povo tradicionalmente aguerrido face às colunas alemãs do século XIX semelhantes aos pálidos rostos avistados durante o sonho real dois séculos antes Nesse tempo suspenso a ação do presente é possível mesmo sobre o que é considerado passado mas que permanece de fato contemporâneo O sangue dos sacrifícios de hoje reconforta os ancestrais de ontem E até agora os africanos ainda exortam seus próximos a não negligenciarem as oferendas em nome dos parentes falecidos pois os que nada recebem constituem a classe pobre desse mundo paralelo dos mortos e são obrigados a viver do auxílio dos privilegiados que são objeto de generosos sacrifícios feitos em seu nome De uma forma ainda mais profunda certas cosmogonias atribuem a um tempo mítico os progressos obtidos num tempo histórico que não sendo recebido como tal por cada indivíduo é substituído pela memória histórica do grupo E o caso da lenda Gikuyu que explica o advento da técnica de fundição do ferro Mogai Deus havia distribuído os animais entre os homens e as mulheres Mas estas foram tão cruéis com seus animais que eles escaparam e tornaram se selvagens Os homens então intercederam junto a Mogai em favor de suas mulheres dizendo Em tua honra nós queremos sacrificar um carneiro mas não pretendemos fazê lo com uma faca de madeira para não incorrer nos mesmos riscos que nossas mulheres Mogai felicitou os por sua sabedoria e para dotá los de armas mais eficazes ensinou lhes a receita da fundição do ferro Essa concepção mítica e coletiva era tal que o tempo tornava se um atributo da soberania dos líderes O rei Shilluk era o depositário mortal de um poder imortal já que totalizava em si próprio o tempo mítico encarnando o herói fundador e o tempo social considerado como fonte da vitalidade do grupo Do mesmo modo entre os Bafulero Zaire oriental os Bunyoro Uganda e os Mossi Alto Volta o chefe é o sustentáculo do tempo coletivo O Mwami está presente o povo vive O Mwami está ausente o povo morre A morte do rei constitui uma ruptura do tempo que paralisa as atividades a ordem social toda 26 Metodologia e pré história da África expressão de vida desde o riso até a agricultura e a união sexual dos animais e das pessoas O interregno constitui um parênteses no tempo Apenas o advento de um novo rei recria o tempo social que se reanima novamente Tudo é onipresente nesse tempo intemporal do pensamento animista no qual a parte representa e pode significar o todo como os cabelos e unhas que se impede de caírem nas mãos dos inimigos por medo de que estes tenham poder sobre a pessoa De fato é preciso atingir uma concepção geral do mundo para entender a visão e o significado profundo do tempo entre os africanos Veremos então que no pensamento tradicional o tempo perceptível pelos sentidos não passa de um aspecto de um outro tempo vivido por outras dimensões da pessoa Quando vem a noite e o homem se estende sobre sua esteira ou sua cama para dormir é o momento que seu duplo escolhe para partir para percorrer o caminho seguido pelo homem durante o dia frequentar os lugares que ele frequentou e refazer os gestos e os trabalhos que ele realizou conscientemente durante a vida diurna É no curso dessas peregrinações que o duplo se choca com as forças do Bem e do Mal com os bons gênios e com os feiticeiros devoradores de duplos ou cerko em língua songhai e zarma É no duplo que reside a personalidade de cada um O songhai diz que o bya duplo de um homem é pesado ou leve querendo significar que sua personalidade é forte ou frágil os amuletos têm como finalidade proteger e reforçar o duplo E o ideal é chegar a confundir se com o próprio duplo a fundir se nele até formar uma só entidade que ascende assim a um grau de sabedoria e de força sobre humano Somente o grande iniciado o mestre kortékonynü zimaa atinge esse estado em que o tempo e o espaço não constituem mais obstáculos Era esse o caso de SI o ancestral epônimo da dinastia Assustador é o pai dos SI o pai dos trovões Quando ele está com uma cárie é então que mastiga cascalhos quando está com conjuntivite é nesse momento que resplandecente acende o fogo Com seus grandes passos ele percorre a terra Ele está em toda parte e em parte alguma O tempo social a história vivida assim pelo grupo acumula um poder que é a maior parte do tempo simbolizado e concretizado num objeto transmitido pelo patriarca chefe do clã ou rei ao seu sucessor Pode tratar se de uma bola de ouro conservada num tobal tambor de guerra associado a elementos extraídos do corpo do leão do elefante ou da pantera Esse objeto pode estar fechado numa caixa ou numa arca como as insígnias reais tibo do rei mossi Entre os Songhai Zarma é uma haste de ferro afiada numa das extremidades Já entre os Sorko do antigo Império de Gao é um ídolo em forma de um grande peixe provido de uma argola na boca Entre os ferreiros é uma forja mítica que às vezes durante a noite torna se rubra para expressar sua cólera A transferência desses 27 Lugar da história na sociedade africana figura 21 Estatueta em bronze representando o poder dinástico dos Songhai Tera Níger Col A Salifou 28 Metodologia e pré história da África objetos é que constituía a devolução jurídica do poder O caso mais interessante é o dos Sonianke descendentes de Sonni Ali que possuem correntes de ouro prata ou cobre cada elo das quais representando um ancestral e o conjunto simbolizando a descendência dinástica até Sonni o Grande No decorrer de cerimônias mágicas estas correntes magníficas são regurgitadas diante de um público embasbacado No momento de morrer o patriarca sonianke regurgita a corrente pela última vez fazendo com que o escolhido para seu sucessor engula a pela outra extremidade Ele morre logo após ter passado sua corrente àquele que deve substituí lo Esse testamento vivo ilustra com eloquência a força da concepção africana do tempo mítico e do tempo social Poder se ia pensar que uma tal visão do processo histórico seria estática e estéril na medida em que ao colocar a perfeição do arquétipo no passado na origem dos tempos parece indicar como ideal para o conjunto das gerações a repetição estereotipada dos gestos e da gesta do ancestral O mito não seria assim o motor de uma história imóvel Ficará claro mais adiante que não podemos nos ater unicamente a esse enfoque do pensamento histórico entre os africanos Por outro lado o enfoque mítico é preciso reconhecê lo está na origem da história de todos os povos Toda história é originalmente uma história sagrada Do mesmo modo esse enfoque acompanha o desenvolvimento histórico reaparecendo de tempos em tempos sob formas maravilhosas ou monstruosas Entre elas está o mito nacionalista que faz com que um determinado chefe de Estado contemporâneo se dirija ao seu país como a uma pessoa viva e o mito da raça sob o regime nazista concretizado por rituais cujas origens remontam a um passado longínquo que condenou milhões de pessoas ao holocausto Os africanos têm consciência de ser os agentes de sua história Certamente durante alguns séculos o homem africano teve razões de sobra para não desenvolver uma consciência responsável Excessivas imposições exteriores e alienantes domesticaram no a tal ponto que mesmo quando ele vivia longe da costa onde se dava o aprisionamento de escravos e da área de influência do comandante branco ele guardava num canto qualquer de sua alma a marca aniquiladora da escravidão Do mesmo modo no período pré colonial numerosas sociedades africanas elementares quase fechadas dão a impressão de que seus membros só tinham consciência de estar fazendo história numa escala e numa medida bastante 29 Lugar da história na sociedade africana limitadas em geral na dimensão da grande família e no quadro de uma hierarquia consuetudinária gerontocrática rigorosa e pesada Entretanto mesmo e quem sabe sobretudo nesse nível o sentimento da auto regulação da comunidade da autonomia era vivo e poderoso O camponês lobi e kabye na sua aldeia quando senhor da casa1 acreditava ter amplo controle de seu próprio destino A melhor prova disso é que nessas regiões de anarquia política onde o poder era a coisa mais bem distribuída do mundo é que os invasores e em particular os colonizadores tiveram maior dificuldade em se impor O apego à liberdade atestava aqui o gosto pela iniciativa e o repúdio pela alienação Em compensação nas sociedades fortemente estruturadas a concepção africana de chefe dá a este último um espaço exorbitante na história dos povos dos quais ele literalmente encarna o projeto coletivo Assim não é de admirar que a tradição relembre toda a história original dos Malinke no Elogio a Sundiata O mesmo acontece com Sonni Ali entre os Songhai da curva do Níger Isto não significa em absoluto um condicionamento ideológico que destrói o espírito crítico ainda que nas sociedades em que o único canal de informações é a via oral as autoridades que controlam uma sólida rede de griots praticamente monopolizem a difusão da verdade oficial Mas os griots não constituíam um corpo monolítico e nacionalizado Por outro lado a história mais recente da África pré colonial demonstra que a posição dedicada aos líderes africanos nas representações mentais das pessoas provavelmente não é superestimada É o caso por exemplo de Chaka que realmente forjou a nação Zulu na tormenta dos combates O que os testemunhos escritos e orais permitem perceber da atuação de Chaka deve ter se reproduzido várias vezes durante o desenvolvimento histórico africano Diz se que a constituição dos clãs mande remonta a Sundiata e a ação de Osei Tutu ou a de Anokye na formação da nação Ashanti parece corresponder à ideia de nação que os Ashanti têm até hoje Tanto mais que a ideia de um líder que atua como motor da história quase nunca se reduz a um esquema simplista creditando a um só homem todo o desenvolvimento humano Geralmente trata se de um grupo dinâmico celebrado como tal Os companheiros dos chefes não são esquecidos mesmo os de condição inferior griots porta vozes servos Eles frequentemente entram para a história como heróis A mesma observação vale para as mulheres que ao contrário do que se tem dito e repetido à saciedade ocupam na consciência histórica africana uma posição 1 A expressão bambara so tigui equivalente numa escala inferior a dougou tigui chefe de aldeia dyamani tigui chefe de cantão e kele tigui general em chefe mostra bem a força dessa autoridade 30 Metodologia e pré história da África sem dúvida mais importante que em qualquer outro lugar Nas sociedades de regime matrilinear isto é facilmente compreensível Em Uanzarba perto de Tera Níger onde a sucessão na chefia era matrilinear durante o período colonial os franceses no intuito de reunir os habitantes dessa aldeia aos de outras aldeias songhai haviam nomeado um homem para comandar essa aglomeração Mas os Sonianke2 não deixaram de conservar sua kassey sacerdotisa que continua até hoje a assumir a responsabilidade do poder espiritual Também em outros lugares as mulheres são vistas como protagonistas na evolução histórica dos povos Filhas irmãs esposas e mães de reis como essa admirável Luedji que foi tudo isso sucessivamente e mereceu o título de Swana Mulunda mãe do povo Lunda ocupavam posições que lhes permitiam influir nos acontecimentos A célebre Amina que na região haussa no século XV conquistou para Zaria tantas terras e aldeias que ainda levam o seu nome é apenas um exemplo entre milhares da ideia de autoridade histórica que as mulheres impuseram às sociedades africanas Esta ideia permanece viva até hoje na África na atuação das mulheres na guerra da Argélia e nos partidos políticos durante a luta nacionalista pela independência ao sul do Saara É claro que a mulher africana é utilizada também como objeto de prazer e de decoração como nos sugerem as que são mostradas envoltas em tecidos de exportação ao redor do rei do Daomé ao presidir uma festa tradicional Mas do mesmo espetáculo participavam as amazonas ponta de lança das tropas reais contra Oyo e os invasores colonialistas na batalha de Cana 1892 Pela sua participação no trabalho da terra no artesanato e no comércio pela sua ascendência sobre os filhos sejam eles príncipes ou plebeus por sua vitalidade cultural as mulheres africanas sempre foram consideradas personagens eminentes da história dos povos Houve e ainda há batalhas para ou pelas mulheres Porque as próprias mulheres muitas vezes desempenharam o papel de traidoras ou sedutoras Como no caso da irmã de Sundiata ou das mulheres enviadas pelo rei de Segu Da Monzon às bases inimigas Apesar de sofrer uma segregação aparente nas reuniões públicas todos sabem na África que a mulher está onipresente na evolução A mulher é a vida E também a promessa de expansão da vida E através dela que os diferentes clãs consagram suas alianças Pouco loquaz em público ela faz e desfaz os acontecimentos no sigilo de seu lar E a opinião pública formula este ponto de vista no provérbio As mulheres podem tudo comprometer elas podem tudo arranjar 2 Neste clã o poder se transmite pelo leite ainda que se admita que o laço de sangue contribua para reforçá lo Entre os Cerko porém é unicamente através do leite que o poder é transmitido 31 Lugar da história na sociedade africana Em suma tudo se passa como se na África a permanência das estruturas elementares das comunidades de base através do movimento histórico tivesse conferido a todo processo um caráter popular bastante notável A frágil envergadura das sociedades tornou a história uma questão que diz respeito a todos Apesar da mediocridade técnica dos meios de comunicação ainda que o tan tã assegurasse a telecomunicação de aldeia para aldeia a estreita amplitude do espaço histórico media se pela apreensão mental de cada um Daí a inspiração democrática incontestável que anima a concepção africana da história na maioria dos casos Cada um tinha o sentimento de poder em última instância subtrair se à ditadura mesmo que fosse através da secessão para refugiar se no espaço disponível O próprio Chaka passou por essa experiência no fim de sua carreira Este sentimento de fazer a história mesmo na escala microcósmica da aldeia assim como a sensação de ser somente uma molécula na corrente histórica criada pelo rei visto como demiurgo são muito importantes para o historiador Porque constituem em si mesmos fatos históricos e porque contribuem por sua vez para criar a história O tempo africano é um tempo histórico O tempo africano pode ser considerado um tempo histórico Alguns afirmam que não sustentando que o africano só concebe o mundo como uma reedição estereotipada do passado Ele não passaria então de um incorrigível discípulo do passado repetindo a todo mundo Foi assim que os ancestrais fizeram para justificar todas as suas ações e seus gestos Se fosse assim Ibn Battuta só teria encontrado no lugar do Império do Mali comunidades pré históricas vivendo em abrigos cavados nas rochas e homens vestidos com peles de animais O próprio caráter social da concepção africana da história lhe dá uma dimensão histórica incontestável porque a história é a vida crescente do grupo Ora deste ponto de vista pode se dizer que para o africano o tempo é dinâmico Nem na concepção tradicional nem na visão islâmica que influenciará a África o homem é prisioneiro de um processo estático ou de um retorno cíclico Evidentemente na ausência da ideia do tempo matemático e físico contabilizado pela adição de unidades homogêneas e medido por instrumentos confeccionados para esse fim o tempo permanece um elemento vivido e social Nesse contexto porém não se trata de um elemento neutro e indiferente Na concepção global do mundo entre os africanos o tempo é o lugar onde o homem pode sem cessar lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital Tal é a dimensão principal 32 Metodologia e pré história da África do animismo3 africano em que o tempo é o campo fechado e o mercado no qual se confrontam ou negociam as forças que habitam o mundo Defender se contra qualquer diminuição de seu ser desenvolver a saúde a forma física a extensão de seus campos a grandeza de seus rebanhos o número de filhos de mulheres de aldeias este é o ideal dos indivíduos e das coletividades E essa concepção é incontestavelmente dinâmica Os clãs Cerko e Sonianke Níger são antagonistas O primeiro que representa o passado e tenta reinar sobre a noite ataca a sociedade O segundo ao contrário é o mestre do dia representa o presente e defende a sociedade Esse simbolismo é eloquente em si Mas vejamos uma estrofe significativa da invocação mágica entre os Songhai Não é da minha boca É da boca de A Que o deu a B Que o deu a C Que o deu a D Que o deu a E Que o deu a F Que o deu a mim Que o meu esteja melhor na minha boca Que na dos ancestrais Existe assim no africano uma vontade constante de invocar o passado que constitui para ele uma justificação Mas esta invocação não significa o imobilismo e não contradiz a lei geral da acumulação das forças e do progresso Daí a frase Que o meu esteja melhor na minha boca que na dos ancestrais O poder na África negra se expressa em geral por uma palavra que significa a força4 Esta sinonímia assinala a importância que os povos africanos outorgam à força e mesmo à violência no desenrolar da história Mas não se trata simplesmente da força material bruta Trata se da energia vital que reúne uma polivalência de forças que vão da integridade física à sorte e à integridade moral O valor ético é considerado na verdade como uma condição sine qua non do exercício benéfico do poder A sabedoria popular é testemunha dessa ideia e em numerosos contos coloca em cena chefes despóticos que são punidos no final extraindo assim literalmente desse fato a moral da história O Tarikh 3 O animismo ou ainda melhor a religião tradicional africana caracteriza se pelo culto devotado a Deus e às forças dos espíritos intermediários 4 Fanga em bambara panga em more pan em samo 33 Lugar da história na sociedade africana al Sudan e o Tarikh el Fattash não poupam elogios aos méritos de al Hajj Askiya Muhammad É verdade que havia interesses materiais em jogo Mas sistematicamente as virtudes desse príncipe são relacionadas à sua fortuna Bello Muhammad pensa da mesma forma e convida Yacouba Baoutchi a meditar sobre a história do Império Songhai foi graças à sua justiça que Askiya Muhammad não apenas manteve como também reforçou a herança de Sonni Ali E foi quando os filhos de Askiya se afastaram da justiça do Islã que seu império se desarticulou dividindo se em múltiplos principados impotentes Para o filho de Usman dan Fodio o mesmo princípio vale para seu próprio governo Olhe para o passado para todos aqueles que comandaram antes de nós Havia antes de nós dinastias milenares no território haussa Nelas muitos povos tinham adquirido grandes poderes que desmoronaram porque estavam distanciados de sua base fundada na justiça de seus costumes e tradições alterados pela injustiça Quanto a nós nossa força para que seja duradoura deve ser a força da verdade e a do isla mismo Para nós o fato de ter matado Yunfa destruído a obra de Nafata de Abarchi e de Bawa Zangorzo5 pode impressionar as gerações atuais mesmo fora da influência do Islã Mas as que virão depois de nós não mais perceberão isso elas julgar nos ão pelo valor das organizações que lhes tivermos deixado pela força permanente do islamismo que tivermos estabelecido pela verdade e justiça que tivermos sabido impor ao Estado Esta visão elevada do papel da ética na história não provém somente das convicções islâmicas do líder de Socoto Nos meios animistas também existe a ideia de que a ordem das forças cósmicas pode ser alterada por procedimentos imorais e que o desequilíbrio resultante só pode ser prejudicial ao seu autor Esta visão do mundo em que os valores e exigências éticas são parte integrante da própria organização do mundo pode parecer mítica Mas ela exercia uma influência objetiva sobre o comportamento dos homens e particularmente sobre diversos líderes políticos da África Nesse sentido pode se dizer que se a história é em geral justificação do passado ela é também exortação do futuro Nos sistemas pré estatais a autoridade moral que afiançava ou corrigia eventualmente a conduta dos negócios públicos era assumida por sociedades especializadas às vezes secretas tal como o lo do povo Senoufo ou o poro da Alta Guiné Essas sociedades constituíam muitas vezes poderes paralelos encarregados de desempenhar o papel de recurso à parte do sistema estabelecido Mas elas 5 Príncipes do Gobir 34 Metodologia e pré história da África acabavam às vezes substituindo clandestinamente o poder constituído Elas apareciam assim às pessoas como centros ocultos de decisão que confiscavam ao povo o controle de sua própria história Nesse tipo de sociedade a organização em classes etárias é uma estrutura de primeira importância no encaminhamento da história do povo Essa estrutura na medida em que está estabelecida a partir de uma periodicidade conhecida permite reconstituir a história dos povos até o século XVIII Mas desempenhava também uma função específica na vida das sociedades De fato mesmo nas coletividades rurais que desconheciam maiores inovações técnicas e eram consequentemente bastante estáveis os conflitos de gerações não estavam ausentes Era necessário então assumi los por assim dizer ordenando o fluxo das gerações e estruturando as relações entre elas para evitar que degenerassem em conflitos violentos resultantes de bruscas mutações A geração engajada na ação delega um de seus membros à geração de jovens que a sucede O papel desse adulto não é o de aplacar a impaciência dos jovens mas de canalizar a fúria irrefletida que poderia ser nefasta ao conjunto da coletividade ou que na melhor das hipóteses prepararia mal os interessados para assumir suas responsabilidades públicas6 A consciência do tempo passado era muito viva entre os africanos No entanto esse tempo que tem um grande peso sobre o presente não anula o dinamismo deste como testemunham numerosos provérbios A concepção do tempo tal como a detectamos nas sociedades africanas não é com certeza inerente ou consubstancial a uma espécie de natureza africana É a marca de um estágio no desenvolvimento econômico e social Prova disso são as diferenças flagrantes que notamos ainda hoje entre o tempo dinheiro dos habitantes das cidades e o tempo tal como é apreendido pelos habitantes do campo O essencial é que a ideia de desenvolvimento a partir das origens a serem pesquisadas esteja presente Mesmo sob a forma de contos e de lendas ou de resquícios de mitos trata se de um esforço para racionalizar o desenvolvimento social Às vezes têm se verificado esforços ainda mais positivos no sentido de iniciar o cálculo do tempo histórico Este pode estar relacionado com o espaço como quando se fala em dar um passo para qualificar uma duração mínima Pode estar relacionado também à vida biológica como o tempo de uma inspiração ou de uma expiração Mas está frequentemente relacionado a fatores exteriores ao indivíduo como por exemplo os fenômenos cósmicos climáticos e sociais sobretudo quando 6 Por exemplo entre os Alladian de Moosu perto de Abidjan a organização por gerações em número de cinco cada uma reinando nove anos permanece em vigor inclusive para tarefas de tipo moderno construção festa de formatura ou de promoção 35 Lugar da história na sociedade africana eles são recorrentes Na savana sudanesa entre os adeptos das religiões africanas tradicionais geralmente conta se a idade pelo número das estações chuvosas Para indicar que um homem é idoso fala se do número de estações das chuvas que ele viveu ou através de uma imagem que ele bebeu muita água Também foram elaborados alguns sistemas de cálculo mais aperfeiçoados7 Mas o passo decisivo nesse campo só será dado pela utilização da escrita Ainda que a existência de uma classe letrada absolutamente não garanta a tomada de consciência de uma história coletiva por parte de todo povo ela ao menos permite estabelecer pontos de referência que organizam o curso do fluxo histórico Por outro lado a introdução das religiões monoteístas baseadas num determinado processo histórico contribuiu para fornecer uma outra representação do passado coletivo modelos que apareciam geralmente nas entrelinhas das narrativas Por exemplo sob a forma de ligações arbitrárias das dinastias às fontes islâmicas cujos valores e ideais servirão aos profetas negros para modificar o curso dos acontecimentos em seu país de origem Mas a grande reviravolta na concepção africana do tempo se opera sobretudo pela entrada desse continente no universo do lucro e da acumulação monetária Só agora o sentido do tempo individual e coletivo se transforma pela assimilação dos esquemas mentais em vigor nos países que influenciam os africanos econômica e culturalmente Descobrem então que em geral é o dinheiro que faz a história O homem africano tão próximo de sua história que tinha a impressão de forjá la ele próprio em suas microssociedades enfrenta agora ao mesmo tempo o risco de uma gigantesca alienação e a oportunidade de ser co autor do progresso global 7 Ivor WILKS mostra assim ao criticar o livro de D P HENIGE The cronology of Oral Tradition Quest for a Chimera que os Akan Fanti Ashanti dispunham de um sistema de calendário complexo com semana de sete dias mês de seis semanas e ano de nove meses ajustado periodicamente ao ciclo solar segundo um método ainda não completamente esclarecido Era então possível no esquema do calendário Akan referir se por exemplo ao 18o dia do quarto mês do terceiro ano do reinado de Ashantihene Osei Bonsu Método de datação ainda corrente nos países europeus no século XVIII e mesmo no século XIX Cf WILKS I 1975 p 279 e segs C A P Í T U L O 3 37 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral O objetivo deste volume e dos ulteriores é tornar conhecido o passado da África tal como é visto pelos africanos Trata se de uma perspectiva justa provavelmente a única forma de levar a termo um esforço internacional é também a mais aceita pelos historiadores da África tanto na própria África quanto no ultramar Para os africanos o conhecimento do passado de suas próprias sociedades representa uma tomada de consciência indispensável ao estabelecimento de sua identidade em um mundo diverso e em mutação Ao mesmo tempo longe de ser considerada uma custosa fantasia que pode ser posta de lado até que estejam sob controle os elementos prioritários do desenvolvimento a história da África revelou se nos últimos decênios um elemento essencial do desenvolvimento africano É por esta razão que na África e em outros lugares a primeira preocupação dos historiadores foi ultrapassar os vestígios da história colonial e reatar os laços com a experiência histórica dos povos africanos Outros capítulos e outros volumes tratarão desses reencontros da história enquanto tradição viva e desabrochar constante do papel dos conhecimentos históricos na elaboração de novos sistemas de educação para servir à África independente Este capítulo tratará do significado no exterior da história da África inicialmente aos olhos da comunidade internacional dos historiadores e em seguida para o conjunto do grande público cultivado O fato de a história da África ter sido deploravelmente negligenciada até os anos 50 é apenas um dos sintomas no domínio dos estudos históricos Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral P D Curtin 38 Metodologia e pré história da África de um fenômeno mais amplo A África não é a única região a possuir uma herança intelectual da época colonial que deve ser transcendida No século XIX os europeus conquistaram e subjugaram a maior parte da Ásia enquanto na América tropical o subdesenvolvimento e a dominação exercida pelos povos de origem europeia sobre as populações afro americanas e indígenas reproduziram as condições do colonialismo nas próprias áreas onde as convenções do direito internacional apontavam um grupo de Estados independentes No século XIX e no início do século XX a marca do regime colonial sobre os conhecimentos históricos falseia as perspectivas em favor de uma concepção eurocêntrica da história do mundo elaborada na época da hegemonia europeia A partir daí tal concepção é difundida por toda parte graças aos sistemas educacionais instituídos pelos europeus no mundo colonial Mesmo nas regiões onde jamais se verificara a dominação europeia os conhecimentos europeus inclusive os aspectos da historiografia eurocêntrica impõem se por sua modernidade Hoje essa visão eurocêntrica do mundo praticamente desapareceu das melhores obras históricas recentes mas ela ainda predomina em numerosos historiadores e no grande público tanto ocidental quanto não ocidental1 Esta persistência deve se ao fato de que em geral aprendia se história na escola não havendo mais ocasiões para rever os conhecimentos adquiridos Os próprios historiadores especializados na pesquisa sentem dificuldades em se manter a par das descobertas estranhas a seu campo de atividade Comparados às últimas pesquisas os manuais estão de dez a vinte anos atrasados enquanto as obras de história geral conservam frequentemente os preconceitos antiquados de um saber em desuso Nenhuma interpretação nova nenhum elemento novo adquire sem luta direito à cidadania A despeito dos prazos que separam a descoberta de sua difusão os estudos de história atravessam em seu conjunto uma dupla revolução Iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial tal revolução ainda não acabou Trata se por um lado da transformação da história partindo da crônica para chegar a uma ciência social que trate da evolução das sociedades humanas por outro da substituição dos preconceitos nacionais por uma visão mais ampla Em favor destas novas tendências chegaram contribuições de todos os lados da própria Europa de historiadores da nova escola na África na Ásia e na América Latina dos europeus de ultramar da América do Norte e da Oceania 1 O termo Ocidente é empregado neste capítulo para designar as regiões do mundo culturalmente europeias ou cuja cultura deriva sobretudo da cultura europeia ele engloba portanto além da própria Europa as Américas a União Soviética a Austrália e a Nova Zelândia 39 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral Seus esforços para ampliar o quadro da história voltam se ao mesmo tempo para os povos e regiões até então negligenciados assim como para certos aspectos da experiência humana antes ocultos sob concepções tradicionais e estreitas da história política e militar Nesse contexto o simples advento da história africana já constitui em si uma preciosa contribuição Mas isso poderia simplesmente acabar criando mais uma história particularista válida em si e capaz de colaborar com o desenvolvimento da África mas não de trazer à história do mundo uma contribuição mais eloquente Não há dúvida de que o chauvinismo foi um dos traços mais profundamente marcantes da antiga tradição histórica Na primeira metade do século XX os bons historiadores mal começavam a se desfazer da antiga tendência em considerar a história como propriedade quase privada Dentro desse espírito a história de uma dada sociedade só tinha valor em si no exterior perdia toda significação No melhor dos casos o interesse manifestado pelos estrangeiros não passava de indiscrição no pior tratava se de espionagem acadêmica Esta insistência em se apropriar da história é particularmente marcante na tradição europeia do início do século XX As autoridades responsáveis pela educação tendem a considerar a história como uma história nacional não como uma história geral da Europa e menos ainda como uma visão do processo histórico mundial Mito confesso a história servia para forjar o orgulho nacional e a ideia de sacrifício pela pátria Lord Macaulay escreveu que ela era ao mesmo tempo um relato e um instrumento de educação política e moral2 Esperava se que inculcasse o patriotismo e não que inspirasse perspectivas justas sobre o desenvolvimento da humanidade Tal ponto de vista prevalece ainda na maioria dos sistemas educativos Alguns historiadores fizeram objeções uns em nome da ciência outros em nome do internacionalismo mas a maioria deles considerou normais os preconceitos nacionalistas por mais indesejáveis que fossem Na França é possível chegar à agregação de história possuindo apenas conhecimentos rudimentares sobre a Europa situada além das fronteiras francesas sem falar da Ásia da África ou da América Em várias universidades inglesas pode se obter um diploma em humanidades com menção honrosa tendo por base apenas a história inglesa O emprego da palavra inglês english em lugar de britânico british é intencional O estudante inglês tem toda a probabilidade de saber 2 MACAULAY Thomas Babington 1835 e 1971 Admissão sob concurso ao título de agrégé agregado que torna as pessoas aptas a serem titulares de uma cadeira de professor de colégio ou de certas faculdades 40 Metodologia e pré história da África mais sobre a história de Roma que sobre a do País de Gales da Escócia ou da Irlanda antes do século XVIII Levando em conta as variantes ideológicas o problema é praticamente o mesmo na Europa Oriental Somente os países europeus de menor importância os do grupo do Benelux ou da Escandinávia parecem ter mais facilidade em considerar a Europa como um todo Da mesma forma o método norte americano fundado como seus homólogos europeus na história da civilização é sempre etnocêntrico O problema que ele coloca é Como nos tornamos aquilo que somos e não Como a humanidade se tornou o que vemos hoje À medida que rejeitavam as tendências eurocêntricas de sua própria história nacional cabia aos historiadores de cada continente a tarefa de avançar em direção a uma história do mundo verídica na qual a África a Ásia e a América Latina tivessem um papel aceitável no plano internacional Essa tendência manifestava se particularmente nos historiadores cujos trabalhos tratavam de culturas diferentes das suas e nos historiadores africanos que se propunham a escrever sobre a Ásia ou a América Latina nos europeus e nos norte americanos que começavam a interpretar a história da África ou da Ásia em proveito dos povos desses continentes esforçando se para ultrapassar os preconceitos eurocentristas No âmbito desse esforço geral o papel dos historiadores da África na própria África e fora dela assumia particular importância provavelmente pelo fato de a história africana ter sido mais negligenciada que a das regiões não europeias equivalentes e porque os mitos racistas a desfiguraram ainda mais que a estas últimas Em razão de seu caráter multiforme o racismo é como se sabe um dos flagelos mais difíceis de extirpar Teorizado sob diversas formas desde o século XVI ele se encarnou na história de modo agudo chegando ao genocídio em certos períodos tráfico de negros Segunda Guerra Mundial Sobrevive ainda como um desafio monstruoso na África do Sul e em outras regiões apesar dos trabalhos da UNESCO3 e de outras instituições para demonstrar sua natureza irracional Mas a cura dos preconceitos é demorada pois o racismo se espalhou de forma difusa e imanente nos manuais escolares nos filmes e programas de rádio e televisão facciosos e na presença de dados psíquicos mais ou menos conscientes trazidos às vezes pela educação religiosa e com mais frequência ainda pela ignorância e pelo obscurantismo Nessa batalha o ensino científico da história dos povos constitui a arma estratégica decisiva A partir do momento 3 Cf capítulo 10 notas sobre Raças e história na África 41 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral em que o racismo pseudocientífico ocidental do século XIX estabeleceu uma escala de valores levando em conta as diferenças físicas sendo a mais evidente dessas diferenças a cor da pele os africanos situaram se automaticamente na base dessa escala por serem os que mais se diferenciavam dos europeus que automaticamente outorgaram a si mesmos o nível mais alto Os racistas não cessavam de proclamar que a história da África não tinha importância nem valor os africanos não poderiam ser os autores de uma civilização digna desse nome e por isso não havia entre eles nada de admirável que não houvesse sido copiado de outros povos É assim que os africanos se tornaram objeto e jamais sujeito da história Eram considerados aptos a recolher as influências estrangeiras sem dar em troca a mínima contribuição ao mundo O racismo pseudocientífico exerceu sua influência máxima no início do século XX Após 1920 tal influência declinou entre os especialistas em ciências sociais e naturais e após 1945 virtualmente desapareceu dos meios científicos respeitáveis Mas a herança desse racismo perpetuou se Ao nível dos conhecimentos do homem comum o racismo alimentava se de um recrudescimento das tensões sociais urbanas que coincidiam com o aparecimento nas cidades ocidentais de um número cada vez maior de imigrantes de origem africana ou asiática Ele se apoiava na lembrança ainda viva na população das lições aprendidas na escola para os escolares de 1910 época em que o racismo pseudocientífico constituía a doutrina oficial da biologia a hora da retirada só deveria soar após 1960 Bem mais insidiosa ainda foi a sobrevivência das conclusões fundadas nas alegações racistas depois que estas perderam sentido O postulado a história da África não oferece interesse porque os africanos são uma raça inferior tornou se insustentável mas certos intelectuais ocidentais se recordavam vagamente de que a África não tem passado ainda que houvessem esquecido a razão Sob esta ou outra forma a herança do racismo não cessava de consolidar um chauvinismo cultural que considerava a civilização ocidental como a única verdadeira civilização No fim dos anos 60 sob o simples título Civilização a BBC apresentou uma longa série de programas consagrados exclusivamente à herança cultural da Europa Ocidental Sem dúvida de tempos em tempos outras sociedades eram consideradas civilizadas mas em meados do século o grau de alfabetização determinava a linha de demarcação entre a civilização e o resto Em grande parte iletradas na época pré colonial as sociedades africanas eram rebaixadas à categoria de primitivas No entanto a maior parte da África era de fato letrada no sentido de que uma classe de escribas sabia ler e escrever mas não certamente no sentido de uma alfabetização maciça que por toda parte havia sido um fenômeno pós industrial A Etiópia possuía sua antiga escrita em 42 Metodologia e pré história da África gueze Toda a África islâmica a África do Norte o Saara a franja setentrional da região sudanesa do Senegal ao Mar Vermelho e as cidades costeiras da costa oriental até o estreito de Moçambique havia utilizado a escrita árabe Antes mesmo da época colonial o árabe havia penetrado aqui e ali na floresta tropical através dos mercadores diula enquanto o português o inglês e o francês escritos serviam normalmente como línguas comerciais ao longo das costas ocidentais Apesar disso o chauvinismo cultural acompanhado pela ignorância conduzia as autoridades ocidentais a estabelecerem no limite do deserto a demarcação entre a alfabetização e o analfabetismo Reforçava se assim a desastrosa tendência em separar a história da África do Norte da história do conjunto do continente Entretanto a exclusão dos não civilizados do reino da história era apenas uma das facetas de um elemento bem mais importante da tradição histórica ocidental As próprias massas ocidentais eram atingidas por esta exclusão sem dúvida não em vista de manifestas prevenções de classe mas simplesmente em consequência do caráter didático da história uma vez que a apologia dos homens célebres era capaz de propor modelos a serem imitados No entanto não é por acaso que esses modelos eram em geral escolhidos entre os ricos e poderosos enquanto que a história se tornava o relato dos fatos e gestos de uma pequena elite Os tipos de comportamento que afetavam o conjunto da sociedade eram minimizados ou ignorados A história das ideias não era a história do que as pessoas pensavam era a história dos grandes desígnios A história econômica não era a história da economia ou dos comportamentos econômicos era a história de determinadas políticas econômicas governamentais importantes de certas firmas privadas de determinadas inovações na vida econômica Se os historiadores europeus se desinteressaram tão completamente por um amplo setor de sua própria sociedade como poderiam interessar se por outras sociedades ou por outras culturas Até aqui as duas tendências revolucionárias que se manifestam no interior dos recentes estudos históricos seguiram cursos estreitamente paralelos simplesmente porque a história eurocêntrica e a história das elites se alimentavam nas mesmas fontes Lentamente porém irá estabelecer se a aliança potencial entre os que trabalham para ampliar o campo de estudo da sociedade ocidental e os que se dedicam a dar um impulso maior às pesquisas históricas para além do mundo ocidental No início os dois grupos avançaram guardando certa distância um do outro A principal preocupação dos historiadores da África era desmentir a afirmação segundo a qual a África não possuía passado ou só possuía um passado sem interesse No primeiro caso o mais simples era para usar uma expressão popular pegar o touro a unha Aos que pretendiam que o continente africano não possuía nenhum passado os especialistas da África podiam opor a existência de 43 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral reinados e de vastos impérios cuja história política se assemelhava à da Europa nos seus primórdios As prevenções elitistas do público ocidental como também do público africano educado à moda ocidental podiam servir de meio de ação para demonstrar em última análise a importância da história africana Tratava se de um tímido início Era suficiente para resgatar os aspectos do passado da África que se assemelhavam ao do Ocidente sem ratificar os mal entendidos suscitados pelas divergências de cultura Poucos historiadores estavam convencidos até aí de que os impérios são em geral instituições duras e cruéis e não necessariamente um índice de progresso político Poucos se prontificavam a reconhecer por exemplo que uma das grandes realizações da África fora provavelmente a sociedade sem Estado fundada mais sobre a cooperação do que sobre a opressão e que o Estado africano se havia organizado de maneira a realmente apresentar autonomias locais Essa tendência a aceitar certas particularidades da historiografia clássica como primeiro passo para uma descolonização da história africana é comumente encontrada no estudo do período colonial nas áreas onde já existia uma história colonial oficial que tendia a acentuar as atividades europeias e a ignorar a parte africana Pior ainda tal história mostrava os africanos como bárbaros pusilânimes ou desorientados Seguia se que da Europa tinham vindo seres superiores que haviam feito o que os próprios africanos não teriam condições de fazer Mesmo no seu mais alto grau de objetividade a história colonial só outorgou aos africanos papéis secundários no palco da história Sem modificar em nada os papéis o primeiro esforço para corrigir essa interpretação limita se a modificar os julgamentos de valor De heróis a serviço da civilização em marcha os desbravadores governadores das colônias oficiais do exército tornam se cruéis exploradores O africano aparece como vítima inocente a quem se atribuem apenas atitudes passivas É sempre a um punhado de europeus que a África e sua história devem o que são Sem dúvida os europeus desempenharam às vezes os principais papéis durante o período colonial mas todas as revisões fundadas em novas pesquisas em nível local permitem minimizar a influência europeia tal como foi vista na história colonial publicada antes de 1960 Um segundo passo em direção à descolonização da história do período colonial se dá paralelamente à vaga de movimentos nacionalistas pela independência Eis que os africanos desempenham um papel na história é necessário trazê lo à luz do dia Os especialistas em ciência política que escreveram no período dos movimentos de independência derrubaram as 44 Metodologia e pré história da África barreiras4 Pouco depois sobretudo durante os anos 60 os estudiosos começaram a retroceder o tempo buscando as raízes da resistência e dos movimentos de protesto no início da época colonial e mais longe ainda nas primeiras tentativas de resistência ao jugo europeu5 Estes trabalhos sobre os movimentos de resistência e de protesto constituem uma importante contribuição para corrigir os desvios da história colonial mas ainda estamos longe de considerar a história da África com objetividade No último estágio a descolonização da história africana da época colonial deverá derivar de uma fusão da revolta contra o eurocentrismo e do movimento antielitista A revolução behaviorista já começou a influenciar a historiografia africana Trata se de uma influência ainda recente e limitada restando muito a ser publicado Certos historiadores porém começaram a buscar um método comum interdisciplinar que lhes permita iniciar o estudo da história da agricultura ou da urbanização a fim de se utilizarem das outras ciências sociais Outros começam a se interessar por pequenas áreas isoladas na esperança de que tais estudos de microcosmos revelem a trama da evolução de estruturas econômicas e sociais mais importantes e mais complexas6 A pesquisa modela arrojadamente seu caminho no domínio dos problemas peculiares à história econômica e religiosa mas a verdadeira descolonização da história africana está apenas no início Os progressos da história analítica que é também a história de campo baseada em investigações e questões colocadas nos próprios locais de pesquisa e não somente a consulta aos arquivos constituem um importante passo nessa direção A independência em relação aos arquivos se mostra tão essencial para o período colonial quanto para o período pré colonial cuja documentação é relativamente rara O problema da história colonial sempre foi que ao contrário do que se passou e se passa na Europa ou nos Estados Unidos os arquivos foram criados e alimentados por estrangeiros Os escritos incorporam necessariamente os preconceitos de seus autores seus sentimentos sobre eles mesmos sobre aqueles a quem governavam e sobre seus respectivos papéis É o caso da história da política interna da Europa ou dos Estados Unidos na qual o preconceito é apenas pró governamental No mundo colonial o historiador corre o risco de chegar a resultados desastrosos se negligenciar por pouco que 4 Consultar por exemplo HODGKIN T 1956 APTER D 1955 COLEMAN J S 1958 JULIEN C A 1952 5 Ver por exemplo SHEPPERSON G e PRICE T 1958 RANGER Y O 1967 ILIFFE J 1969 ROTHBERG R e MAZRUI A A 1970 PERSON Y 1968 6 Ver HILL P 1963 45 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral seja a possibilidade de levar em conta outro ponto de vista que ele pode obter através de testemunhos orais de pessoas que viveram sob o domínio colonial É provável que no que se refere a técnicas recentes os historiadores da África estejam atrasados em relação e outros colegas no entanto quanto à utilização das tradições orais da época pré colonial mais ainda que da colonial eles realizaram um trabalho pioneiro Esse trabalho divide se em dois períodos Entre 1890 e 1914 uma geração de administradores letrados então a serviço das potências coloniais começou a assegurar a conservação das tradições orais de importância histórica O segundo período remonta ao início dos anos 60 O decênio 1950 1960 terminou com a opinião formulada em 1959 por G P Murdock segundo ele era impossível confiar nas tradições orais indígenas7 A década seguinte abriu se com a publicação de Jan Vansina Oral tradition A study in historical methodology Ela indicava quais os controles e as críticas necessários para a utilização científica das tradições orais Os trabalhos históricos recentes baseados na tradição oral geralmente utilizada em conjunto com outras fontes de documentação podem ser considerados um sucesso notável8 O seminário de Dacar organizado em 1961 pelo International African Institute sobre o tema O historiador na África tropical e o de Dar es Salam em 1965 sobre o tema Novas perspectivas sobre a história africana acentuaram vigorosamente a necessidade de novos enfoques sublinhando o papel insubstituível da tradição oral como fonte da história africana assim como todo o partido que o historiador pode tirar da linguística e da arqueologia informada pela tradição oral Graças a seus trabalhos sobre a época pré colonial os historiadores da África já influenciaram as outras ciências sociais Tal influência se faz sentir em diversos planos Acima de tudo foram eles que impuseram o reconhecimento do fato de que a África tradicional não permaneceu estática Economistas especialistas em ciências políticas sociólogos todos tendem a estudar a modernização referindo se aos critérios antes e depois antes aplicado à sociedade tradicional considerada como virtualmente sem mudanças depois ao processo de modernização que implicou uma transformação dinâmica da imagem anterior Observadores da evolução os historiadores estavam à espera das mudanças que não cessam de ocorrer nas sociedades humanas Suas pesquisas dos últimos 7 MURDOCK G P 1959 p 43 8 Ver por exemplo VANSINA J 1973 KENT R K 1970 COHEN D W 1972 o estudo de E J ALAGOA resumido em parte no seu capítulo The Niger Delta States and their Neighbours 1609 1900 In History of West Africa de J F A AJAYI e M CROWDER 2 v Londres 1971 I 269 303 A ROBERTS 1968 Nairóbi NIANE D T 1960 Présence Africaine 46 Metodologia e pré história da África decênios provaram que na África pré colonial instituições costumes modos de vida religiões e economias mudaram tão rapidamente quanto em outras sociedades entre as revoluções agrícola e industrial O ritmo não é tão rápido quanto o ritmo pós industrial que não deixa de afetar a África de hoje mas o imobilismo do passado tradicional não ocorreu em parte alguma Foi aos antropólogos que a utilização de uma base de um ponto de partida tradicionais colocou os problemas mais sérios Desde os anos 20 a maioria dos antropólogos de língua inglesa trabalhou a partir de um modelo de sociedade que permite destacar o papel desempenhado por cada um dos elementos constitutivos para manter o conjunto das atividades do todo Eles reconheciam que as sociedades africanas que puderam examinar haviam mudado muito desde o início do regime colonial fato que consideravam prejudicial a sua demonstração A seus olhos era conveniente restabelecer o quadro concentrando se num único período tomado ao acaso no passado imediatamente anterior à conquista europeia Eles sustentavam que era possível descobrir a natureza dessa sociedade tradicional destacando os dados das observações atuais e abstraindo tudo o que se assemelhasse a influência exterior O resultado foi o presente antropológico Tal enfoque funcionalista deve muito a Bronislaw Malinowski que dominou a antropologia britânica na segunda e na terceira década deste século Ele contribuiu de modo significativo para a compreensão do funcionamento das sociedades primitivas e os funcionalistas conseguiram outros importantes progressos graças a um método que não se limitava ao questionamento de informantes mas valia se sobretudo da observação participante e da exploração cuidadosa e prolongada do local de pesquisa No entanto toda medalha tem seu reverso Os antropólogos partiram em busca de sociedades primitivas de ilhotas culturais subvertendo as ideias ocidentais sobre a civilização africana Disto resultaram graves lacunas na documentação relativa às sociedades africanas maiores e mais complexas e consequentemente uma nova contribuição ao mito de uma África primitiva Seu esforço para abstrair o presente antropológico do presente real contribuiu para reforçar a convicção de que na África a mudança vinha obrigatoriamente do exterior desde que suas hipóteses pareciam negar qualquer evolução às sociedades africanas até a chegada dos europeus Seu esforço para imobilizar a sociedade testemunha a fim de descrever seu funcionamento básico os levou geralmente a esquecer que esta sociedade que para fins de análise estavam tratando como estática não o era na realidade Acima de tudo tal esforço iria impedi los de se interrogarem sobre as razões e os meios desta evolução o que acabaria por revelar um outro aspecto da sociedade examinada 47 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral Sem dúvida o funcionalismo teria apesar de tudo seguido seu curso sem o impacto da disciplina histórica Ele sofreu a influência dos estudos sobre a aculturação dos anos 40 e 50 enquanto Claude Lévi Strauss e seus discípulos tomavam uma outra direção nos decênios do pós guerra No que se refere à antropologia política e a certos aspectos da antropologia social porém os trabalhos dos historiadores do período pré colonial aclararam a dinâmica da evolução e contribuíram para dar um novo impulso à antropologia O estudo das religiões e das organizações religiosas africanas modificou se sob a influência das recentes pesquisas históricas Os primeiros pesquisadores da religião africana eram em sua maioria ou antropólogos em busca de um conjunto estático de crenças e práticas ou missionários que aceitavam o conceito de um presente antropológico ao estudar as religiões que esperavam suplantar Eles reconheciam o dinamismo inegável do Islã cuja difusão durante o período colonial foi ainda mais rápida que a do cristianismo Todavia os estudos mais importantes sobre o Islã foram patrocinados pelo governo francês na África do norte e na África ocidental com o objetivo de pôr em xeque uma eventual dissidência O tema desses estudos era menos a evolução no interior da religião que as organizações religiosas e seus chefes Nas últimas décadas diversos fatores e não apenas o trabalho dos historiadores contribuíram para dar um novo impulso ao estudo da evolução religiosa Os especialistas das missões se interessaram pelo progresso das novas religiões africanas fundadas sobre bases parcialmente cristãs assim como pelas igrejas independentes que se desligavam das missões europeias Os antropólogos apaixonados pela aculturação voltavam se para trabalhos similares e curiosos acima de tudo sobre o papel da religião nas rebeliões coloniais e nos movimentos de protesto os historiadores traziam também uma contribuição positiva Com referência ao período pré colonial eles foram levados a reconhecer igualmente a importância evidente e capital da reforma religiosa no conjunto do mundo islâmico Disso resultou uma tomada de consciência mais aguda da evolução das religiões não cristãs e não muçulmanas embora os especialistas das diversas ciências sociais tenham apenas começado a estudar as particularidades dessa evolução tão sistematicamente como elas o merecem Desse ponto de vista deve se destacar o interesse recente pelas religiões animistas bem como por suas associações frequentemente secretas que têm um papel histórico muitas vezes admirável Enquanto que para os especialistas das diversas ciências sociais parece possível estudar em conjunto e eficientemente a religião africana através de uma ampla troca de ideias e de métodos os trabalhos sobre as economias africanas permanecem totalmente isolados Da mesma forma que os historiadores da 48 Metodologia e pré história da África religião os especialistas em economia demonstraram nos últimos anos que os diferentes tipos de economia não paravam de evoluir e que essa evolução respondia tanto a estímulos de ordem interna quanto a influências de ultramar No entanto os economistas particularmente os especialistas em desenvolvimento econômico prosseguem seus trabalhos sem considerar a cultura econômica que tentam dominar Não só tendem a ignorar o mecanismo da evolução em curso mas muitos deles dão pouca atenção aos modelos estáticos dos antropólogos economistas Assim por exemplo para justificar a teoria do desenvolvimento econômico convinha assegurar ser a África em grande medida formada por economias de subsistência nas quais cada unidade familiar produz a quase totalidade dos bens e serviços de que necessita Esse ponto de vista foi defendido principalmente por Hla Myint em meados da década de 60 ao mesmo tempo que a teoria do desenvolvimento econômico vent for surplus baseada na liberação dos recursos e dos meios de produção insuficientemente empregados9 Na realidade nenhuma comunidade da África pré colonial supria inteiramente suas próprias necessidades sem se dedicar a algum comércio e eram numerosas as sociedades africanas que possuíam complexas redes de produção e exportação dirigidas às necessidades de seus vizinhos Na orla do Saara numerosas tribos pastoris obtinham a metade se não mais de seu consumo anual de calorias trocando os produtos de sua criação por cereais Outras produziam e vendiam regularmente os excedentes agrícolas o que lhes permitia adquirir certos gêneros exóticos sal gado manteiga de Galam noz de cola tâmaras O erro que se dissimula sob o quadro de uma economia africana estática é se bem entendido o mito eterno da África primitiva erro reforçado pela tendência dos antropólogos em escolher as comunidades mais simples e sua antiga propensão a abstrair o tempo em suas concepções Os economistas e antropólogos que estudaram a economia africana in loco ressaltaram evidentemente a importância do comércio na África pré colonial Alguns notaram que as economias africanas evoluíram rapidamente antes da chegada maciça dos europeus Todavia distanciando se da linha de pensamento ortodoxo um grupo sublinhou mais as diferenças que as semelhanças entre as culturas econômicas Os membros desse grupo às vezes denominados substantivistas em razão de sua insistência em estudar a natureza substantiva da produção e do consumo e também de seu esforço para relacionar a forma como o homem satisfaz suas necessidades materiais ao quadro mais amplo de 9 MYINT H 1964 49 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral uma sociedade particular e não a uma teoria oficial tentaram provar que a teoria econômica não é aplicável ao domínio de suas pesquisas10 Como resultado estabeleceu se um verdadeiro abismo entre os economistas do desenvolvimento que trabalhando sob a inspiração de teorias macroeconômicas prestam pouca atenção às realidades econômicas do momento e os substantivistas que desprezam as teorias contrárias Até agora os especialistas em história da economia não preencheram o abismo assim como não exerceram sobre as ideias relativas à África uma influência comparável à que os historiadores tiveram sobre a antropologia ou sobre o estudo das religiões A história africana caminhou a largos passos especialmente nós últimos anos para lançar métodos novos e cobrir zonas não suficientemente exploradas Mas ela não tirou proveito suficiente dos novos caminhos abertos em outros lugares Ela não respondeu tão rapidamente quanto outras disciplinas ao desafio da revolução behaviorista nem aproveitou as possibilidades admiráveis da história quantitativa tanto em matéria política quanto no domínio da econometria No curso das explorações sobre o passado da África realizadas com impulso cada vez maior a irradiação da nova história africana foi obra de um grupo de historiadores profissionais que fizeram dessa história o objeto principal de seu ensino e de seus escritos Se no mundo ocidental o conhecimento da história da África foi tão menosprezado mesmo em relação à historiografia da Ásia ou da América Latina é porque era obra de historiadores amadores pessoas que tinham outras atividades profissionais mas não uma posição estabelecida no mundo universitário e que portanto não tinham possibilidade de influenciar os meios historiográficos em nenhum país ocidental Alguns trabalhos de pesquisa sobre a África eram realizados nos institutos da Escandinávia ou da Europa central e oriental desde antes da Segunda Guerra Mundial Mas eles permaneciam marginais no programa geral do ensino superior e desse modo não contribuíam para a formação de historiadores As únicas exceções são representadas pela egiptologia e por certos aspectos do passado da África do norte na época romana Para o restante antes de 1950 contam se poucos profissionais entre os historiadores da África Há administradores coloniais e missionários há também clérigos e religiosos africanos que empregam uma das línguas internacionais Carl Christian Reindorf da Costa do Ouro Samuel Johnson para os Ioruba ou o xeque Moussa Kamara do Senegal cujo Zuhur ul Basatin fi Tarikh is Sawadin não está ainda inteiramente publicado e apenas começa a ser 10 Para um resumo apropriado da posição ver DALTON G 1968 50 Metodologia e pré história da África consultado por outros historiadores11 Certos antropólogos voltaram se também para temas históricos mas na África antes de 1950 nenhuma universidade propunha ainda um programa satisfatório de especialização em história africana em nível de graduação Em 1950 não houve nenhum historiador profissional que se dedicasse exclusivamente a escrever a história africana e a ensiná la Vinte anos depois cerca de quinhentos historiadores com doutorado ou qualificação equivalente elegeram a história da África como atividade principal A rapidez com que essa evolução ocorreu é surpreendente Retrospectivamente ela pode ser muito bem explicada Na África na Europa na América do Norte e em cada continente por diferentes razões a conjuntura política intelectual e universitária revelou se particularmente favorável ao aparecimento de uma plêiade de historiadores profissionais cujo trabalho se orientava para a África Nesse continente a partir do fim dos anos 40 a necessidade era maior à medida que se podia prever um movimento cada vez mais acelerado em direção à independência ao menos para a maior parte da África do norte e do oeste Depois de 1950 a fundação de novas universidades criava a necessidade de uma história renovada da África considerada de um ponto de vista africano em princípio ao nível da universidade e passando pelos estabelecimentos de formação pedagógica atingindo a escola em geral Entre os pioneiros desse enorme esforço de reeducação devemos citar K Onwuka Dike o primeiro de uma nova geração de historiadores africanos a ultrapassar as etapas de uma formação pedagógica normal feita na Universidade de Londres Historiadores estrangeiros aderem ao movimento J D Fage da Universidade de Gana Costa do Ouro na época J D Hargreaves de Forah Bay em Serra Leoa Christopher Wrigley e Cyril Ehrlich no Makerere College Na África de fala francesa delineou se progressivamente um movimento paralelo Nos antigos territórios franceses as universidades continuaram muito tempo depois da Independência dos respectivos países a depender do sistema francês Em consequência conservaram as tradições históricas francesas Todavia alguns pioneiros se orientavam para uma história da África Neste sentido notáveis contribuições foram oferecidas por Amadou Mahtar MBow no Senegal por Joseph Ki Zerbo no Alto Volta pelo padre Engelbert Mveng em Camarões Desde o início dos anos 50 os historiadores vindos do exterior e estabelecidos na África de língua francesa que teriam um papel dominante nas universidades dedicaram se à pesquisa Desde então Jan Vansina que iria contribuir para o ensino da história africana na universidade de Lovanium 11 JOHNSON S 1921 REINDORF C 1899 KAMARA M 1970 51 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral trabalhava nas instituições de pesquisa do governo belga no Congo e em Ruanda No IFAN em Dacar Raymond Mauny futuro professor de história africana na Sorbonne dedicava se à pesquisa sobre a África ocidental Yves Person ainda administrador colonial começava as investigações que originariam em 1968 sua tese sobre Samori e lhe permitiriam contribuir para a introdução da história da África nas universidades de Abidjan e Dacar Presença Africana através de sua revista e dos dois grandes congressos de Escritores e Artistas Negros realizados em Paris e Roma em 1956 e 1959 impulsionava vigorosamente tal processo Todas essas atividades caminhavam simultaneamente ao desenvolvimento na própria África de estudos históricos africanos Neste reencontro da história da África com a história do mundo o momento capital é aquele em que progride nos outros continentes o estudo da história africana progressos paralelos no tempo aos da história da África nas universidades africanas Em 1950 Roland Oliver começou a ensinar história africana na escola de estudos orientais e africanos da Universidade de Londres Na União Soviética D A Olderogge e seus colegas do Instituto Etnográfico de Leningrado inauguravam um programa sistemático de pesquisas que culminou algum tempo depois com a publicação de toda a documentação conhecida sobre a África subsaariana do século XI em diante nas línguas da Europa oriental com tradução e notas em russo12 Durante esse mesmo decênio foi criada na Sorbonne a primeira cadeira de História Africana logo havia duas a do antigo governador das colônias Hubert Deschamps e a de Raymond Mauny Por seu lado Henri Brunschwig assumia a direção das pesquisas sobre a história africana na Ecole Pratique des Hautes Etudes enquanto Robert Cornevin publicava a primeira edição de seu resumo da História da África várias vezes revista e completada desde então Para além da Europa e da África os progressos eram mais lentos na própria Europa a história africana só foi admitida inicialmente nos cursos universitários dos países colonizadores Nas Américas onde uma grande parte da população é de origem africana poderíamos esperar manifestações de interesse No entanto por mais importantes que fossem os vestígios culturais africanos nem o Brasil nem as Caraíbas deram a atenção merecida ao assunto No Haiti alguns intelectuais demonstraram solicitude com relação à cultura local baseada num africanismo datado dos primeiros trabalhos do Doutor Price Mars 1920 Em Cuba sentia se forte influência da cultura afro cubana entre certas personalidades do mundo Institut Fondamental dAfrique Noire N do T 12 KUBBEL L E e MATVEÏEV V V 1960 e 1965 52 Metodologia e pré história da África das letras entre outras Nicolas Guillen Todavia tal como no Brasil a simpatia manifestada pela cultura afro americana não suscitou interesse pela África nem por sua história Nas Antilhas britânicas a descolonização inclusive a descolonização da história local beneficiou se de maior prioridade no entanto mesmo depois de 1960 o pan africanismo político não teve ressonância histórica entre os intelectuais das Antilhas O interesse era ainda menor nos Estados Unidos antes de 1960 o pouco que existia estava concentrado sobre a África do norte De acordo com uma pesquisa recente foram apresentadas até 1960 inclusive 74 teses de doutorado relativas à história africana Trata se de um número surpreendente mas enganador A maioria dessas teses refere se à África do norte e é obra de historiadores especializados em história ou arqueologia clássicas na história da África do norte e do Oriente Médio ou ainda o mais frequente na colonização ultramarina europeia Só o acaso ou quase permitiu que os temas de tese se referissem à África Dos que haviam escolhido como tema a história colonial poucos se tornaram verdadeiros especialistas em África Entre os pioneiros encontra se Harry R Rudin em Yale Desde os anos 30 ele havia publicado ensaios sobre a história da colonização alemã na África depois de 1950 seu interesse pela África não parou de crescer Os afro americanos formavam um grupo ainda mais importante W E B Dubois interessara se pela África desde o início de sua carreira embora só tenha podido dedicar se a esse estudo quando se aposentou e emigrou para Gana Bem antes dele em 1916 Carter G Woodson havia fundado The Journal of Negro History Na verdade a publicação era mais afro americana do que africana mas a história africana figurava oficialmente na sua óptica e podiam se encontrar nele de tempos em tempos artigos sobre o passado da África Entretanto o verdadeiro apóstolo da história da África foi William Léo Hansberry da Universidade de Howard que desenvolveu uma campanha solitária pela inclusão da história da África no programa de ensino das universidades americanas e estando ainda em vigor a segregação especialmente dos colégios com grande maioria negra nos Estados do sul Assim em graus diversos as condições que assegurariam a difusão da história africana fora da África existiam antes de 1960 Próxima a esta data a conquista da independência na África do norte e na África tropical assegurou no resto do mundo um renovado interesse pelo continente além de ter suscitado a curiosidade popular curiosidade voltada mais para o passado que para o presente ou o futuro da África Entretanto em vários lugares os progressos da história africana eram decepcionantes Apesar da importância política dada à unidade africana era imperceptível o avanço das universidades e dos estudantes 53 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral da África do norte em direção a uma concepção mais continental do estudo de seu próprio passado O Magreb aderia fortemente ao mundo mediterrâneo ao mundo muçulmano ao mundo intelectual de língua francesa cujo centro ainda era Paris Esses três mundos eram suficientes para mobilizar toda a atenção do público letrado Diversas vezes os porta vozes oficiais egípcios ressaltaram ser o Egito tão africano quanto árabe e muçulmano mas os estudos históricos no Egito eram frutos sobretudo do espírito de paróquia enquanto a barragem de Assuã e os trabalhos das equipes arqueológicas internacionais na Núbia chamavam a atenção para o Nilo Superior Espírito de paróquia era também e mais ainda a característica dos estudos históricos na África do Sul O controle político exercido pela população de origem europeia na República da África do Sul não diminuía Nas universidades a história africana passava mais ou menos despercebida a história era a da Europa e da minoria europeia da África do Sul Com The Oxford History of South Africa 1969 1971 a óptica se ampliou a ponto de incluir a maioria africana mas um dos autores o historiador Leonard Thompson não lecionava mais na África do Sul e ainda que apaixonada pela história a outra Monica Wilson era uma antropóloga Em Zimbabwe por volta de 1960 havia a tendência à inclusão de um apanhado geral da história africana nos estudos de história mas a declaração unilateral de independência da minoria branca em relação à Grã Bretanha alteraria o curso das coisas Fato curioso Zimbabwe produziu uma porcentagem mais elevada de estudantes de história da África do que a África do Sul No entanto a maioria teve de prosseguir o exercício de sua profissão no exílio A África tropical foi o primeiro centro de estudo da história da África no continente africano e lá se realizaram os progressos mais notáveis na primeira década após a Independência A história africana já fazia parte do programa de ensino das universidades dessa região mas tratava se agora de encontrar um equilíbrio apropriado entre a história local regional africana e mundial Resumindo tratava se de descolonizar o conjunto do programa de história e não apenas de lhe adicionar um componente africano Foi na África de língua inglesa que ocorreram as maiores mudanças as rígidas normas instituídas pelos europeus abrandaram se mais rapidamente nesses países que nos de língua francesa O ensino da história da Grã Bretanha e de seu império cedeu lugar a outros temas a história do Império Britânico tendeu a desaparecer completamente e a da Grã Bretanha a se fundir com a da Europa No que se refere ao ensino da história da Europa a nova corrente que se esboçou tendeu a subordinar as diferentes histórias nacionais ao estudo dos grandes temas que transcendem as fronteiras como a urbanização ou a 54 Metodologia e pré história da África Revolução Industrial Ao mesmo tempo os historiadores começaram a se interessar também pela história de outras regiões a do mundo islâmico ao norte insistindo particularmente na sua influência ao sul do Saara a da América Latina ou do Sudeste Asiático porque elas poderiam recuperar certos aspectos da experiência africana a do Leste Asiático onde o crescimento econômico do Japão constituía um exemplo do qual a África poderia tirar ensinamentos O impacto da história africana proporcionou assim uma reorientação geral no sentido de uma concepção do mundo e de seu passado verdadeiramente afrocêntrica sem se interessar exclusivamente pela África e pelos africanos como a velha tradição europeia se interessava apenas pelos europeus mas no quadro de uma Weltanschauung da qual a África e não a Europa constitui o ponto de partida Esse objetivo não foi ainda completamente atingido mesmo nas mais avançadas universidades de língua inglesa Será necessário um certo tempo para formar uma geração de historiadores africanos inovadores que explorem novos caminhos escolhidos por eles mesmos As universidades de língua francesa estão um decênio atrasadas em Abidjan Dacar e Lubumbashi herdeira de Lovanium no domínio da história as mais antigas universidades de língua francesa só a partir do início da década de 70 é que o corpo de professores de história passou a ser composto majoritariamente por africanos ao passo que essa evolução havia ocorrido desde o início dos anos 60 nas mais antigas universidades de língua inglesa Agora que os historiadores africanos possuem seu lugar nas universidades de língua francesa pode se prever um reajustamento semelhante das concepções da história mundial Mas já a partir de 1963 se realizou a reforma dos programas de história nas escolas secundárias dos países de língua francesa Ela seria imediatamente seguida pela reforma dos programas dos estudos históricos universitários de acordo com o programa do CAMES Conselho Africano e Malgaxe para o Ensino Superior O impacto da história africana sobre a pesquisa e o ensino de história na Europa ocidental está ligado à antiga relação colonial Essa é uma das razões pelas quais a França e a Inglaterra constituíram os principais centros europeus de estudo da história africana Todavia também em outros lugares se registraram progressos no ensino da história africana em particular na Tchecoslováquia e na Polônia assim como na União Soviética onde ela é sistematicamente ensinada na Universidade Patrice Lumumba de Moscou cuja missão específica consiste em formar estudantes africanos Em outros lugares especialistas solitários prosseguem pesquisas em diferentes centros universitários sendo que isso ocorre de forma mais sistemática nos institutos de pesquisa que seguem a tradição alemã de organização universitária Os pesquisadores que se dedicam à África estão 55 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral portanto um pouco isolados o que poderia contribuir para explicar por que os estudos históricos continuam a não ceder nenhum lugar à África em numerosas universidades europeias exceto na Inglaterra e na França Também nestes países a tradição geral dos estudos históricos se inspira num espírito de campanário mas a formação de administradores coloniais teve aí um peso particular A partir de 1955 aproximadamente começou o processo de repatriação desses administradores e muitos deles iniciaram uma nova carreira de historiadores dos países onde haviam exercido suas funções Esse foi o caso da França principalmente como demonstra o exemplo dos professores Deschamps e Person Para esse país assim como para a Inglaterra a criação e o crescimento de novas universidades africanas que datam dos anos 50 abriram a possibilidade de empregos na África Jovens historiadores escolheram temas africanos para sua aprendizagem de pesquisa ou começaram a se interessar pela história africana quando foram lecionar na África Em seguida nos anos 60 e 70 esses historiadores estrangeiros foram progressivamente substituídos por africanos e voltaram a lecionar na ex metrópole muitas vezes depois de terem passado oito ou dez anos na África Nem todos voltaram a ensinar a história africana mas o número total dos que o fizeram é significativo O número dos historiadores vindos das universidades africanas que entraram nas universidades britânicas entre 1965 e 1975 situa se provavelmente entre sessenta e setenta o que representa em torno de 8 a 10 dos historiadores que passaram a trabalhar nas universidades britânicas nesse período Em 1974 três cadeiras de História Moderna expressão que designava tradicionalmente a história da Grã Bretanha moderna estavam ocupadas por historiadores cujos principais trabalhos de pesquisa tinham sido dedicados à África É ainda muito cedo para determinar a influência que tal retorno da África terá sobre as tradições históricas britânicas em geral mas provavelmente será considerável Na França observa se um fenômeno semelhante ainda que os números correspondentes sejam um pouco mais baixos e que os professores vindos da África constituam uma porcentagem menor do recrutamento para o ensino universitário Uma nova geração de historiadores começou a se interessar pela África Em Paris tanto nas diferentes universidades quanto no Centro de Estudos Africanos que é interuniversitário um certo número de especialistas em história sociologia e arqueologia trabalharam muito tempo nas universidades africanas com as quais continuam mantendo estreitas relações A situação é semelhante em Aix Bordeaux e Lyon Paralelamente as universidades britânicas e francesas asseguraram a formação de historiadores africanos encarregados de substituir os 56 Metodologia e pré história da África estrangeiros que voltavam para a Europa13 Nesse sentido instituições como a School of Oriental and African Studies SOAS de Londres e secções esparsas da Sorbonne e das grandes escolas em Paris tiveram um papel especial Na SOAS por exemplo 58 dos que obtiveram doutorado entre 1963 e 1973 começaram lecionando na África menos de 20 do total eram britânicos e somente 13 tiveram seu primeiro cargo numa universidade britânica14 Isso diminuiu em parte o impacto direto da SOAS instituição que congrega o mais importante grupo de historiadores da África já reunido no mundo por uma universidade sobre a educação britânica Sua influência indireta porém foi considerável Além da SOAS as universidades de Birminghan Sussex e Edimburgo reservaram entre seus programas um papel especial à história africana e pelo menos outras oito dispõem de um especialista em história africana que leciona regularmente essa matéria a estudantes de graduação Esse nível particular de desenvolvimento na Grã Bretanha talvez fosse previsível levando em conta os interesses colonialistas e neocolonialistas deste país em relação às estruturas universitárias africanas Em compensação o enorme crescimento da pesquisa sobre a história da África na América do Norte durante os anos 60 era completamente inesperado já que os historiadores dos Estados Unidos pareciam não tratar equitativamente nem a história dos afro americanos de sua própria sociedade A numerosa minoria de descendentes de africanos presente nos Estados Unidos desde suas origens não havia suscitado um interesse notável pela África mesmo entre a maior parte dos afro americanos De resto o impulso repentino dos estudos sobre a história africana pode ser observado tanto no Canadá como nos Estados Unidos embora o Canadá não tenha governado uma parte da África como a Grã Bretanha nem conte entre seus habitantes com uma minoria afro americana importante como ocorre com os Estados Unidos Antes de 1960 a história da África mal era ensinada na América do Norte Em torno de 1959 pouco depois de sua fundação o African Studies Association só contava com 21 membros residentes nos Estados Unidos ou no Canadá que poderiam ser considerados historiadores Entre esses menos da metade ocupava cargos universitários que os obrigassem a consagrar o tempo disponível à história da África Por outro lado o Primeiro Congresso Internacional de Africanistas 13 Agradeço ao professor J F Ade AJAYI da Universidade de Lagos e aos professores J D FAGE e Roland OLIVER pelas informações que me forneceram a respeito do impacto da história africana sobre a história em geral na Europa e na África respectivamente No entanto deve ser atribuído a mim qualquer erro fatual ou de avaliação que este texto porventura apresente 14 OLIVER R African Studies in London 1963 1973 Comunicação não publicada distribuída no Terceiro Congresso Internacional de Africanistas Adis Abeba dezembro de 1973 57 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral reuniu em Acra em 1962 cerca de oitocentos participantes diante dos quais o presidente Kwame Nkrumah no discurso inaugural descreveu em linhas gerais as responsabilidades da disciplina histórica para com a nova África A partir daí deu se a avalanche Em 1970 o número de norte americanos especializados em história ou arqueologia africanas aproximava se de 350 Alguns eram historiadores que haviam iniciado sua carreira numa outra disciplina qualquer antes de mudar de opinião a maioria porém era constituída por jovens estudantes que acabavam de sair do secundário Entre 1960 e 1972 as escolas americanas forneceram mais de 300 doutores PhD em história africana Entre eles há jovens africanos que pretendem retornar Alguns são europeus mas a grande maioria é formada por norte americanos A proporção de afro e euro americanos é igual à desses grupos no conjunto da população cerca de 10 nos Estados Unidos e bem menos no Canadá Dessa forma no quadro dos estudos históricos duas tendências contraditórias impulsionaram a difusão da história da África na América do Norte Das ideias da comunidade afro americana nasceu a sólida convicção de que a África era propriedade dos povos africanos e de seus descendentes estabelecidos em outros continentes exatamente como na Europa as histórias nacionais tinham se tornado propriedade de cada nação europeia Nesse sentido a diferença implícita entre os objetivos da história da África para os africanos e da história da África no contexto da história mundial se manifestava com clareza Diferença porém não significa conflito As duas histórias não são incompatíveis ainda que tenham optado por acentuar diferentes aspectos do passado Em consequência disso a tendência ao etnocentrismo em história foi mais seriamente abalada na América do Norte do que em outros lugares Em inúmeras escolas a velha história do mundo que não passava na realidade de uma história da civilização ocidental deu lugar nos anos 60 a novas tendências mais autênticas de situar a história numa perspectiva mundial em que a África foi colocada em relação de igualdade com outras grandes zonas culturais como o sul ou o leste da Ásia Numerosos departamentos de história de universidades norte americanas começaram a passar da antiga divisão entre história americana e europeia a uma divisão da história em três ramificações sendo que a terceira a do Terceiro Mundo se tornava igual às duas outras Essa evolução ainda não está terminada mas paralelamente à difusão da história africana na Grã Bretanha e na França e à reorientação do programa de ensino de história nas universidades africanas ela marca uma etapa no caminho que assegurará à história africana seu pleno impacto sobre a história em geral A longo prazo o êxito dependerá dos esforços conjuntos de especialistas africanos ao escreverem a história de suas próprias sociedades dos de historiadores não 58 Metodologia e pré história da África africanos que interpretam a história africana para outras sociedades e de uma ampliação das ciências sociais internacionais até o ponto em que os especialistas em outras disciplinas sejam obrigados a levar em consideração os dados africanos antes de arriscarem qualquer generalização sobre a vida das sociedades humanas C A P Í T U L O 4 59 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral As regras gerais da crítica histórica que fazem da história uma técnica do documento e o espírito histórico que pede o estudo da sociedade humana em sua caminhada através dos tempos são aquisições fundamentais utilizáveis por todos os historiadores em qualquer país O esquecimento desse postulado manteve durante muito tempo os povos africanos fora do campo dos historiadores ocidentais para quem a Europa era em si mesma toda a história Na realidade o que estava subjacente e não se manifestava claramente era a crença persistente na inexistência de uma história na África dada a ausência de textos e de uma arqueologia monumental Portanto parece claro que o primeiro trabalho histórico se confunde com o estabelecimento de fontes Essa tarefa está ligada a um problema teórico essencial ou seja o exame dos procedimentos técnicos do trabalho histórico Sustentados por uma nova e profunda necessidade de conhecer e compreender ligada ao advento da era pós colonial os pesquisadores fundaram definitivamente a história africana embora a construção de uma metodologia histórica ainda prossiga Setores imensos de documentação foram revelados permitindo aos pesquisadores formularem novas questões Quanto mais os fundamentos da história africana se tornam conhecidos mais essa história se diversifica e se constrói de diferentes formas de modo inesperado Há cerca de quinze anos produziu se uma profunda transformação dos instrumentos de trabalho e hoje Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral T Obenga 60 Metodologia e pré história da África se admite de bom grado a existência de fontes utilizadas mais particularmente para a história africana geologia e paleontologia pré história e arqueologia paleobotânica palinologia medidas de radiatividade de isótopos capazes de fornecer dados cronológicos absolutos geografia física observação e análise etno sociológicas tradição oral linguística histórica ou comparada documentos escritos europeus árabes hindus e chineses documentos econômicos ou demográficos que podem ser processados eletronicamente A variedade das fontes da história africana permanece extraordinária Dessa forma devem se buscar de forma sistemática novas relações intelectuais que estabeleçam ligações imprevistas entre setores anteriormente distintos A utilização cruzada de fontes aparece como uma inovação qualitativa Uma certa profundidade temporal só pode ser assegurada pela intervenção simultânea de diversos tipos de fontes pois um fato isolado permanece por assim dizer à margem do movimento de conjunto A integração global dos métodos e o cruzamento das fontes constituem desde já uma eficaz contribuição da África à ciência e mesmo à consciência historiográfica contemporânea A curiosidade do historiador deve seguir várias trajetórias ao mesmo tempo Seu trabalho não se limita a estabelecer fontes Trata se de se apropriar através de uma sólida cultura pluridimensional do passado humano Porque a história é uma visão do homem atual sobre a totalidade dos tempos A maioria dessas fontes e técnicas específicas da história africana extraídas das ciências matemáticas da física dos átomos da geologia das ciências naturais das ciências humanas e sociais estão amplamente descritas no presente volume Desse modo insistiremos aqui nos aspectos e problemas não desenvolvidos em outras partes Sem dúvida o fato metodológico mais decisivo desses últimos anos foi a intervenção das ciências físicas modernas no estudo do passado humano com as medidas de radiatividade dos isótopos que asseguram a apreensão cronológica do passado até os primeiros tempos do aparecimento do Homo sapiens teste do carbono 14 e das épocas anteriores a 1 milhão de anos método do potássio argônio Atualmente esses métodos de datação absoluta abreviam de modo considerável as discussões no campo da paleontologia humana e da pré história1 Na África os hominídeos mais antigos datam de 5300000 anos pelo método KAr Essa é a idade de um fragmento de maxilar inferior com um molar intacto de um 1 BIRDSELL J B 1972 p 299 61 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral hominídeo encontrado pelo professor Bryan Patterson em 1971 em Lothagam no Quênia Por outro lado os dentes de hominídeos encontrados nas camadas villafranchianas do vale do Omo na Etiópia meridional pelas equipes francesas Camille Arambourg Yves Coppens e americana F Clark Howell têm 2 a 4 milhões de anos O nível do Zinjanthropus nível I do célebre depósito de Olduvai na Tanzânia data de 1750000 anos sempre através do método do potássio argônio Assim graças ao isótopo potássio argônio a gênese humana do leste africano a mais antiga de todas no estágio atual dos conhecimentos constitui a gênese humana propriamente dita tanto mais que o monofiletismo é uma tese cada vez mais amplamente admitida hoje na paleontologia geral Em consequência os restos fósseis africanos conhecidos atualmente fornecem elementos decisivos para responder a esta questão primordial das origens humanas colocada de mil maneiras ao longo da história da humanidade Onde nasceu o homem Há quanto tempo As velhas ideias estereotipadas que colocavam a África praticamente à margem do Império de Clio estão agora completamente modificadas Os fatos postos em evidência através de várias fontes e métodos desde a paleontologia humana até a física nuclear mostram claramente ao contrário toda a profundidade da história africana cujas origens se confundem precisamente com as próprias origens da humanidade As informações obtidas de outras fontes as ciências da Terra por exemplo iluminam igualmente a história da África independentemente de qualquer documento escrito A vida e a história da população da bacia lacustre do Chade por exemplo seriam dificilmente compreensíveis sem a intervenção da geografia física É conveniente ressaltar o valor metodológico desse enfoque Com efeito a vida e os homens não se distribuem ao acaso na bacia do lago Chade que apresenta de forma esquemática o seguinte quadro hipsométrico uma planície central de acumulação situada entre 185 e 300 m de altitude em torno um anel bastante descontínuo de velhos planaltos desgastados cuja peneplanização foi às vezes camuflada por atividades vulcânicas recentes unindo esses planaltos de em média 1000 m de altitude e as zonas baixas de acumulação há encostas geralmente íngremes afetadas por uma erosão ativa num clima úmido É precisamente a zona de solos detríticos bastante leves que recebe a chuva a que apresenta a maior densidade demográfica ou seja de 6 a 15 habkm2 Sob o clima do Sahel ocorre ainda boa densidade nos aluviões fertilizados pelas infiltrações ou inundações do Chade Nos altos planaltos do leste e do sul Darfur e Adamaua de onde descem os tributários do lago a população reduz se a 1 habkm2 No 62 Metodologia e pré história da África norte já saariano a densidade diminui ainda mais O aspecto humano da bacia é por consequência estreitamente ligado a um problema de geografia física de geomorfologia que condiciona o desenvolvimento humano Dessa forma a civilização recuou diante do deserto Ela retrocedeu até o limite da área em que o milho miúdo e o sorgo podem ser cultivados sem irrigação na latitude aproximada do Neo Chade as culturas irrigadas de legumes tabaco trigo duro são feitas às margens do Logone e do Chari Agricultores pastores e pescadores vivem na zona meridional onde as águas flúvio lacustres fecundam as terras tornam verdes os pastos atraem periodicamente uma multidão de pescadores Ao contrário a erosão nas zonas desérticas setentrionais torna o solo instável e a vegetação precária caracterizada por arbustos espinhosos xerófilos Mas tais estruturas geomorfológicas condicionaram ainda outras atividades humanas Por exemplo as invasões dos conquistadores expulsaram várias vezes os agricultores autóctones dos planaltos salubres e das planícies férteis fazendo os recuar para as zonas inclinações ou cumes impróprias para a criação de gado Desse modo os Fulbé empurraram os Bum e os Duru para os terrenos menos férteis da Adamaua e os Kiroi do norte de Camarões para os terrenos graníticos do maciço montanhoso do Mandara Ora o trabalho nas terras dos declives outrora submersos é certamente rude e ingrato para estes povos mas é o que melhor corresponde a suas ferramentas precárias Por fim a presença periódica ou permanente de áreas palustres na zona de aluvião cria condições para a existência de imensa quantidade de mosquitos Anopheles gambiae Existem por outro lado focos da mosca tsé tsé Glossina palpalis às margens do Logone e do Chari nas formações higrófilas baixas de Salix e Mimosa asperata que cercam os depósitos recentes A malária e a doença do sono transmitidas por tais insetos transformam essas áreas em locais extremamente adversos Em resumo para ter uma visão concreta da vida humana na bacia do Chade que conheceu antes várias flutuações quaternárias devidas a alterações de clima o historiador deve necessariamente valer se de uma série de fontes e técnicas particulares extraídas das ciências da Terra e das ciências da vida já que a atual distribuição das populações seus movimentos migratórios passados suas atividades agrícolas pastoris etc são estreitamente condicionadas pelo meio ambiente O caso da bacia lacustre do Chade é apenas um exemplo entre outros Todas as vezes que a curiosidade científica se libertou de certos esquemas restritivos os resultados foram igualmente esclarecedores Entre os Nyangatom ou Bumi do vale do Omo próximos dos Turkana do noroeste do Quênia existe uma diferença imunológica notável manifesta nos exames de sangue dos homens testados 63 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral 300 indivíduos em 1971 e 359 em 1972 Tal diferença não era observável entre os sexos mas entre as aldeias que reúnem de 20 a 300 habitantes Essas aldeias cuja população vive de criação agricultura coleta caça e pesca obedecem a uma organização clânica rígida acentuada por uma distribuição em setores territoriais Mas não existe nessa sociedade nenhum chefe acima do membro mais velho Desse modo as diferenças originárias da organização social territorial dos Nyangatom projetam se na sorologia o mapa das reações dos soros aos antígenos arbovirais reproduz exatamente a distribuição territorial das populações testadas2 Esse exemplo de colaboração dinâmica entre o parasitólogo e o antropólogo pode ser de grande utilidade para o historiador É importante que ele saiba da existência desse material documental que pode revelar se pertinente na análise de comportamentos sexuais e no estudo do crescimento demográfico dos Nyangatom O problema heurístico e epistemológico fundamental permanece sempre o mesmo na África o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise para articular seu próprio discurso fundamentando se num vasto conjunto de conhecimentos Esta abertura de espírito é particularmente necessária quando se estudam períodos antigos sobre os quais não se dispõe nem de documentos escritos nem mesmo de tradições orais diretas Sabemos por exemplo que a base da agricultura para os homens do Neolítico era o trigo a cevada e o milhete na Ásia na Europa e na África e o milho na América Mas como identificar os sistemas agrícolas iniciais que surgiram há tanto tempo O que permitiria distinguir uma população de predadores sedentários de uma de agricultores Como e quando a domesticação das plantas se difundiu nos diversos continentes Quanto a isso a tradição oral e a mitologia prestam apenas uma pequena ajuda Unicamente a arqueologia e os métodos paleobotânicos podem dar uma resposta válida a tais questões importantes relativas a essa inestimável herança neolítica que é a agricultura A película externa do pólen é muito resistente ao tempo num solo favorável não ácido A paleopalinologia fornece uma análise microscópica de tais vestígios botânicos Os grãos de pólen fósseis podem ser recolhidos dissolvendo progressivamente uma amostra de terra com o emprego de ácidos quentes ácido fluorídrico ou clorídrico que eliminam o silício e o calcário sem atacar o pólen 2 Trabalhos de François RODHAIN entomologista e de Serge TORNAY etnólogo membros da missão francesa do Omo dirigida por M Yves COPPENS 1971 1972 64 Metodologia e pré história da África e em seguida os húmus orgânicos potássio O resíduo centrifugado e colorido é então colocado em gelatina restando ao operador apenas reconhecer e contar cada grão para construir uma tabela de porcen tagem Esta fornece o perfil polínico do sedimento estudado Dessa forma pode se detectar a presença da agricultura num sítio precisar a evolução da paisagem diagnosticar o clima através das variações da vegetação e determinar a eventual ação do homem e dos animais sobre a cobertura vegetal Tais análises permitiram revelar atividades de domesticação de plantas alimentícias na África atividades essas centralizadas em vários pontos e difundidas por diversas regiões O sorgo inicialmente domesticado na savana que se estende do lago Chade à fronteira entre o Sudão e a Etiópia o milho miúdo o arroz africano a voandzeia a ervilha forrageira o dendezeiro domesticado na orla das florestas o finger millet o quiabo e o inhame africano eram as principais plantas cultivadas na época As plantas americanas foram introduzidas há relativamente pouco tempo como atestam desta vez certas fontes escritas A mandioca por exemplo hoje o alimento básico de vários povos da África central penetrou o reino do Kongo pela costa atlântica só depois do século XVI Com efeito entre as plantas cultivadas no planalto de Mbanza Congo capital do reino a Relação de Pigafetta Lopez 1591 menciona apenas o luko isto é a Eleusine coracana cuja semente é originária das margens do Nilo na região em que este rio desemboca no segundo lago3 o masa ma Kongo uma gramínea que é uma espécie de sorgo o milho masangu ou ainda masa ma Mputu que é o menos apreciado e com o qual se alimentam os porcos4 o arroz loso que também não tem muito valor5 enfim a bananeira dikondo e o dendezeiro ba Fato menos conhecido as plantas africanas também se difundiriam para fora do continente É certo que algumas espécies africanas se expandiram para a Índia por exemplo e para outras regiões asiáticas embora em época tardia Com efeito as duas espécies de milho miúdo milhete e finger millet são comprovadas arqueologicamente na Índia por volta do ano 1000 antes da Era Cristã O sorgo só seria conhecido nessa região posteriormente porque o sânscrito não possui uma palavra para designá lo 3 PIGALETTA LOPEZ 1591 p 40 Venendo sementa dal fiume Nilo in quella parte dove empie il secondo lago 4 PIGAFETTA LOPEZ ibid Ed il maiz che è il più vile de tutti che dassi à porci 5 PIGAFETTA LOPEZ ibid il roso e in pocco prezzo 65 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral Na ausência de qualquer documento escrito ou tradição oral essas informações da arqueologia e da paleobotânica podem informar o historiador sobre a série de etapas que fizeram nossos ancestrais neolíticos passarem de uma economia de coleta a uma economia de produção Além disso esses fatos evidenciam por si mesmos um fluxo de relações entre as civilizações neolíticas e não um difusionismo Restos de cães porcos carneiros e cabras sugerem que a domesticação de animais começou nos centros neolíticos do Oriente Próximo mais ou menos na mesma época que a cultura das plantas entre 9000 e 8000 antes da Era Cristã A partir disso foi proposta uma cronologia teórica da domesticação dos diferentes grupos de animais De início os necrófagos como o cão em seguida os animais nômades como a rena a cabra e o carneiro e por fim os animais para os quais se impõe uma vida sedentária o gado grosso e os porcos Os animais que podem servir de meio de transporte como o cavalo o asno e a lhama teriam sido domesticados em último lugar Esta cronologia geral porém não se refere sempre à África O cavalo que como o boi e o asno desempenhou um papel de motor da história através dos tempos só aparece na África precisamente no Egito no fim da invasão dos hicsos cerca de 1600 antes da Era Cristã como atestam fontes iconográficas e da Sagrada Escritura Por volta do século XIII antes da Era Cristã ele foi transmitido como animal de guerra aos líbios e mais tarde no início do primeiro milênio aos núbios Com exceção das áreas atingidas pela civilização romana o resto da África só utilizaria amplamente o cavalo a partir das conquistas árabes na Idade Média Dois cavalos selados e arreados ladeados por dois carneiros faziam parte dos emblemas do rei do Mali de acordo com o relato do escritor Ibn Battuta 1304 1377 Quanto ao dromedário o camelo de uma corcova sua chegada à civilização africana também não é tardia Esse animal aparece de forma suficientemente clara numa pintura rupestre no Saara chadiano no século III antes da Era Cristã Os homens de Cambises o introduziram em 525 antes da Era Cristã no Egito onde ele desempenharia importante papel nas comunicações entre o Nilo e o mar Vermelho Sua penetração no Saara Ocidental ocorreu mais tarde De fato o camelo que é essencialmente um animal do deserto onde substitui com frequência o boi e o asno foi difundido no Magreb ao que parece pelas tropas romanas de origem síria Os berberes refratários à paz romana e a sua forma de organizar a posse da terra emanciparam se graças ao camelo Ele permitiu lhes estabelecerem se além do limes nas estepes e nos desertos Os negros 66 Metodologia e pré história da África sedentários dos oásis foram imediatamente repelidos para o sul ou reduzidos à escravidão Tendo em vista tudo o que foi exposto acima chega se a uma conclusão que constitui um avanço metodológico decisivo um vasto material documental rico e variado pode ser obtido a partir das fontes e técnicas baseadas nas ciências exatas e nas ciências naturais O historiador se vê obrigado a desenvolver esforços de investigação por vezes audaciosos Todos os caminhos que se abrem estão doravante entrelaçados O conceito de ciências auxiliares perde cada vez mais terreno nesta nova metodologia exceto se entendermos por ciências auxiliares da história as técnicas fundamentais da pesquisa histórica originárias de qualquer campo científico e que de resto não foram ainda totalmente descobertas De agora em diante as técnicas de investigação são parte da prática histórica e fazem com que a história se incline de forma concreta para o lado da ciência Dessa forma a história se beneficia das conquistas das ciências da Terra e das ciências da vida Todavia seu aparato de pesquisa e de crítica se enriquece sobretudo com a contribuição das outras ciências humanas e sociais egiptologia linguística tradição oral ciências econômicas e políticas Até hoje a egiptologia permanece uma fonte insuficientemente utilizada pela história da África É conveniente portanto insistir no assunto A egiptologia compreende a arqueologia histórica e a decifração dos textos Nos dois casos o conhecimento da língua egípcia é um pré requisito indispensável Esse idioma que permaneceu vivo durante cerca de 5000 anos se levarmos em consideração o copta apresenta se materialmente sob três escritas distintas Escrita hieroglífica cujos signos se dividem em duas grandes classes os ideogramas ou signos palavras por exemplo o desenho de um cesto de vime para designar a palavra cesto cujos principais componentes fonéticos são nb e os fonogramas ou signos sons por exemplo o desenho de um cesto do qual só se retém o valor fonético nb e que serve para escrever outras palavras diferentes de cesto mas que têm o mesmo valor fonético nb senhor nb tudo Os fonogramas por sua vez classificam se em trilíteros signos que combinam três consoantes bilíteros signos que combinam duas consoantes unilíteros signos que contêm uma só vogal ou consoante trata se nesse caso do alfabeto fonético egípcio Escrita hierática ou seja a escrita cursiva dos hieróglifos que apareceu em torno da III dinastia 2778 a 2423 é sempre orientada da direita para a esquerda e traçada com um cálamo sobre folhas de papiro ou fragmentos de 67 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral cerâmica e de calcário Teve uma duração tão longa quanto a dos hieróglifos o texto hieroglífico mais recente data de 394 Escrita demótica uma simplificação da escrita hierática surgiu em torno da XXV dinastia 751 a 656 deixando de ser usada no século V No plano estrito dos grafemas reconhece se uma origem comum entre a escrita demótica egípcia e a escrita meroítica núbia que veicula uma língua ainda não decifrada Considerando apenas esse nível do sistema gráfico egípcio já se colocam interessantes questões metodológicas Isso porque através de uma tal convenção gráfica dotada de fisionomia própria o historiador que se torna um pouco decifrador capta por assim dizer a consciência e a vontade dos homens de outrora já que o ato material de escrever traduz sempre um valor profundamente humano Com efeito decifrar é dialogar graças a um esforço constante de rigor e de objetividade Além disso a diversidade as complicações e as simplificações sucessivas do sistema gráfico egípcio constituem em si mesmas parte da história a história das decifrações uma das fontes essenciais de toda historicidade Assim com o sistema gráfico egípcio a África toma um lugar importante nos estudos gerais sobre a escrita vista como um sistema de signos e de intercomunicação humana6 O problema da difusão da escrita egípcia na África negra amplia ainda mais o aparato metodológico do historiador abrindo perspectivas totalmente novas à pesquisa histórica africana Os fatos que se seguem referem se a esse aspecto Os gicandi constituem um sistema ideográfico utilizado outrora pelos Kikuyu do Quênia Os pictogramas desse sistema oferecem notáveis analogias com os pictogramas egípcios Também a semelhança estrutural entre os pictogramas nsibidi do território dos Efik sudeste da Nigéria e os pictogramas egípcios foi reconhecida e assinalada desde 1912 por um especialista britânico P Amaury Talbot Muitos dos hieróglifos egípcios apresentam ainda um parentesco escritural claro com os signos da escrita mende do sul de Serra Leoa Fenômeno semelhante ocorre com a maioria dos signos da escrita loma do norte da Libéria Existe ainda uma indubitável conexão causal entre os hieróglifos egípcios e vários signos da escrita vai das proximidades de Monróvia Libéria A escrita dos Bamun de Camarões que inclui mais de dois sistemas gráficos também oferece analogias admiráveis externas é verdade com os hieróglifos do vale do Nilo Como no Egito os hieróglifos dogon bambara e bozo podem ser decompostos 6 DORLHOFER E 1959 68 Metodologia e pré história da África e portanto analisados Mas o fato mais significativo é que estes signos do oeste africano fazem com que as coisas e os seres escritos com sua ajuda tomem consciência de si mesmos concepção típica do poder transcendente da escrita que encontramos literalmente no Egito na grafia de certos textos relativos ao destino depois da morte Assim permanece grande a possibilidade de ver nascer e se desenvolver uma epigrafia e uma paleografia absolutamente desconhecidas até aqui e cujo objeto será o estudo rigoroso das relações mútuas entre as famílias escriturais da África negra O historiador tiraria proveito disso já que através da história da escrita e das decifrações surge a história dos homens responsáveis por essas grafias O exame dos sistemas gráficos é em si mesmo uma fonte preciosa da história O historiador porém que nunca deve perder o sentido do tempo não pode esperar revelações antigas dessas escritas em geral recentes Sua importância revela sobretudo a estranha profundidade temporal do impacto egípcio Aparentemente desaparecida desde 394 da Era Cristã a escrita egípcia nos apresenta sem descontinuidade diversos ressurgimentos do século XVII ao século XIX A ruptura entre a antiguidade e o passado recente da África não passa portanto de uma ilusão de nossa ignorância uma via subterrânea une de facto esses dois pólos Conhecer a escrita egípcia decifrar os textos é ter acesso direto à língua faraônica É recomendável que o historiador recorra sempre que possível aos textos originais pois as traduções mesmo as melhores raramente são irrepreensíveis O historiador que conhece a língua egípcia pode assim ler diretamente os numerosos e variados textos do Egito antigo estelas funerárias inscrições monumentais atas administrativas hinos religiosos obras filosóficas tratados de medicina e matemática composições literárias romances contos e fábulas Uma série de textos mostra claramente que a barreira que se supunha existir entre o Egito faraônico e as demais regiões africanas vizinhas em épocas remotas não está de acordo com a materialidade dos fatos Pode se mencionar neste sentido a carta que Neferkarê Pépi II faraó da VI dinastia enviou por volta de 2370 antes da Era Cristã a Herkhouf chefe de uma expedição econômica feita às regiões meridionais afastadas a Terra do Fim do Mundo como diz o texto referindo se provavelmente à região dos grandes lagos africanos Um pigmeu havia sido trazido dessa longínqua expedição que foi a quarta de uma série Um outro texto egípcio O Conto do Náufrago datado do século XX antes da Era Cristã no princípio da XII dinastia fornece informações precisas e muito interessantes sobre a vida dos marinheiros dessa 69 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral época a navegação no mar Vermelho as relações econômicas entre a costa oriental africana e o vale do Nilo A rainha Hatshepsut que ocupou o trono egípcio durante 21 anos 1504 1483 organizou várias expedições comerciais entre as quais se destaca a do ano 9 de seu reinado que se dirigiu à região de Punt costa somaliana essa expedição é representada nos esplêndidos baixos relevos de Deir el Bahari no Alto Egito Existe aí uma nova linha de pesquisa que não pode deixar indiferente o historiador da África É possível avaliar a importância de introduzir o ensino do egípcio antigo nas universidades africanas Tal ensino deve contribuir sobremaneira para o estudo vivo do patrimônio cultural africano em toda a sua profundidade espacial e temporal Em relação ao parentesco linguístico do egípcio antigo afirma o relatório final do importante simpósio internacional sobre O Povoamento do Egito Antigo e a Decifração da Escrita Meroítica Cairo 28 de janeiro 3 de fevereiro de 1974 O egípcio não pode ser isolado do seu contexto africano e o semítico não dá conta de seu surgimento é legítimo portanto encontrar seus pais ou primos na África relatório final p 29 5 Em termos claros a língua faraônica não é uma língua semítica Convém por conseguinte abandonar a orientação que atribui ao antigo egípcio parentesco com o camito semítico ou o afro asiático seguida por certos autores que em geral não são nem estudiosos do semítico nem egiptólogos O problema fundamental consiste em aproximar através de técnicas linguísticas apropriadas o antigo egípcio e as línguas atuais da África negra para reconstituir na medida do possível formas anteriores comuns a partir de correspondências e comparações morfológicas lexicológicas e fonéticas Uma tarefa gigantesca espera o linguista Também o historiador deverá estar preparado para uma radical mudança de perspectiva quando for desvendada uma macroestrutura cultural comum entre o Egito faraônico e o resto da África negra Essa relação é no sentido matemático dos termos uma evidência intuitiva que espera uma demonstração formal Mas aqui mais do que em outros lugares o historiador e o linguista são obrigados a trabalhar juntos Isso porque a linguística é uma fonte histórica particularmente na África onde as numerosas línguas se imbricam Trata se sobretudo da linguística comparativa ou histórica O método empregado é comparativo e indutivo pois o objetivo da comparação é reconstruir isto é procurar o ponto de convergência de todas as línguas comparadas Este ponto de convergência será chamado de língua comum pré dialetal Mas é preciso ser muito prudente O bantu comum por exemplo reconstruído a 70 Metodologia e pré história da África partir do estudo cuidadoso de diversas línguas hoje encontradas não é nem uma língua antiga nem uma língua real recuperada em todos os seus componentes O termo bantu comum ou proto bantu designa apenas o sistema constituído pelos elementos comuns às línguas bantu conhecidas tais elementos remontam a uma época em que essas línguas eram quase idênticas O mesmo ocorre com o indo europeu por exemplo No nível estrito da realidade a arqueologia linguística é no limite uma pura ilusão porque da época mais antiga pré histórica em que se falava a língua comum recuperada não subsiste nenhum traço histórico ou linguístico O interesse da linguística histórica reside menos em reencontrar uma língua comum pré dialetal do que em detectar por assim dizer a amplitude linguística total de diversas línguas aparentemente estranhas umas às outras Muito raramente uma língua se encerra num espaço claramente definido Na maioria das vezes ela ultrapassa sua própria área mantendo com outras línguas mais ou menos distantes relações às vezes imperceptíveis à primeira vista O grande problema subjacente é evidentemente o do deslocamento das populações Uma comunidade linguística não se confunde forçosamente com uma unidade racial No entanto ela fornece informações pertinentes sobre uma unidade essencial na verdade a única a unidade cultural básica que existe entre os povos linguisticamente unidos mesmo que tais povos tenham às vezes origens muito diversas e sistemas políticos completamente diferentes A família Níger Congo por exemplo embora não tenha sido ainda bem estabelecida aponta a existência de laços socio culturais muito antigos entre os povos do oeste atlântico os povos Mande Gur e Kwa os povos situados entre o Benue e o Congo Zaire os povos do Adamaua oriental e os Bantu da África central oriental e meridional A linguística histórica é portanto uma fonte preciosa da história africana assim como a tradição oral que foi durante muito tempo desprezada Ora às vezes a tradição oral constitui a única fonte imediatamente disponível É o caso por exemplo dos Mbochi do Congo A história de suas diferentes chefias só pode ser reconstituída no espaço e no tempo um tempo relativamente curto é verdade com a ajuda da tradição oral Esta pode também resolver uma questão onde o documento escrito permanece impotente Os cronistas Delaporte 1753 Droyat 1776 são unânimes em afirmar que os reis de Loango África central ocidental eram sepultados em dois cemitérios distintos em Lubu e Luandjili Quando e por que ocorreu uma tal distinção A esse respeito os documentos escritos até hoje conhecidos permanecem mudos Só a tradição oral dos Vili atuais permite explicar essa dualidade De acordo com ela foi uma querela 71 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral figura 41 Baixo relevo do Museu de Abomey Foto Nubia extremamente violenta entre a corte de Maloango e os habitantes de Luandjili uma rica província do reino que levou o rei e os príncipes da época a mudarem o lugar da sepultura O cemitério de Luandjili foi então abandonado em favor do de Lubu Neste caso a tradição oral presta uma contribuição valiosa ao documento escrito Na África existem inúmeros casos em que a tradição oral orienta por assim dizer a escavação arqueológica esclarecendo paralelamente a crônica escrita Durante as escavações de Tegdaoust cidade do reino de Gana 72 Metodologia e pré história da África Sudão ocidental conduzidas no fim de 1960 pelos professores J Devisse D e S Robert então na Universidade de Dacar os pesquisadores exploraram simultânea e combinadamente as tradições locais as crônicas árabes medievais e as técnicas propriamente arqueológicas Assim um período mal conhecido da história africana do século VII ao XIII pôde ser restituído à memória dos homens graças evidentemente à própria arqueologia mas também em parte à tradição local e aos documentos escritos Esses exemplos que poderíamos multiplicar mostram que na África mais do que em outros lugares a tradição oral é parte integrante da base documental do historiador que desse modo se amplia A história africana não pode mais ser feita como no passado quando a tradição oral que é uma manifestação do tempo era afastada da investigação histórica Não foi ainda suficientemente destacado um ponto importantíssimo de um lado a maneira como a tradição oral apresenta o tempo e de outro a maneira como ela apresenta os acontecimentos através do tempo De que modo o griot apresenta a história Essa é a questão decisiva O griot africano quase nunca trabalha com uma trama cronológica Ele não apresenta a sequência dos acontecimentos humanos com suas acelerações ou seus pontos de ruptura O que ele diz e reconstitui merece ser escutado em perspectiva e não pode ser de outra forma O griot só se interessa pelo homem apreendido em sua existência como condutor de valores e agindo na natureza de modo intemporal É por isso que ele não se dispõe a fazer a síntese dos diversos momentos da história que relata Trata cada momento em si mesmo com um sentido próprio sem relações precisas com outros momentos Os momentos dos fatos relatados são descontínuos Trata se a rigor da história absoluta Essa história que apresenta sem datas e de modo global estágios de evolução é simplesmente a história estrutural Os afloramentos e as emergências temporais denominadas em outros lugares ciclo ideia de círculo período ideia de espaço de tempo época ideia de parada ou de momento marcado por algum acontecimento importante idade ideia de duração de passagem do tempo série ideia de sequência de sucessão momento ideia de instante de circunstância de tempo presente etc são praticamente deixadas de lado pelo griot africano enquanto expressões possíveis de seu discurso É claro que ele não ignora nem o tempo cósmico estações anos etc nem o passado humano já que o que ele relata é de fato passado Mas lhe é bastante difícil esboçar um modelo do tempo Ele oferece de uma só vez toda a plenitude de um tempo Ainda no domínio das ciências humanas e sociais a contribuição dos sociólogos e cientistas políticos permite redefinir o saber histórico e cultural 73 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral Com efeito os conceitos de reino nação Estado império democracia feudalismo partido político etc utilizados em outros lugares certamente de maneira adequada nem sempre são automaticamente aplicáveis à realidade africana O que se deve entender exatamente por reino do Kongo por exemplo O próprio povo usa a expressão nsi a Kongo literalmente o país nsi dos Kongo Temos então um grupo étnico os Kongo uma região nsi e a consciência que tal grupo tem de habitar essa região que assim se torna o país nsi do grupo étnico em questão Os limites ou fronteiras são bastante fluidos pois são função da dispersão dos clãs e subgrupos da etnia considerada A palavra reino corresponde aqui a um território habitado exclusivamente por homens e mulheres pertencentes a uma mesma etnia A homogeneidade étnica linguística e cultural é essencial O rei mfumu é na realidade o mais velho mfumu o tio materno mfumu de todas as famílias nzo e de todos os clãs matrilineares makanda que reconhecem ancestrais fundadores comuns bankulu mpangu Quando se examina a realidade mais de perto o reino do Kongo resume se em definitivo a uma vasta chefia isto é a um sistema de governo que engloba pequenas chefias locais O rei é o mais velho dos anciãos o tio materno mais idoso entre os vivos por isso é um ntinu chefe supremo A expressão reino do Kongo não designa portanto um Estado governado por um rei no sentido ocidental Além do mais esse sentido ocidental reino de Luís XIV por exemplo é um sentido espúrio tardio inadequado em suma um caso particular de passagem do Estado a Estado nacional através da monarquia absoluta Ao contrário o reino de Danxome atual Benin aproxima se mais do tipo de monarquia absoluta desastrosamente encarnada na França pelos reinados de Henrique IV a Luís XVI Existe com efeito um território principal e permanente que como assinala o professor M Glélé possui uma administração central o rei e seus ministros e os delegados dos ministros O rei é a própria essência do poder Ele detém todos os atributos de autoridade e comando Tem direito de vida e morte sobre seus súditos os anato pessoas do povo entre as quais o rei senhor e proprietário de todas as riquezas dokunno escolhia e recrutava os glesi isto é os agricultores que ele destinava aos seus domínios ou oferecia como presente aos príncipes e chefes O poder central era exercido nas aldeias e regiões pelos chefes em nome do rei O reino de Danxome apresenta se portanto como uma organização estatal fortemente centralizada na qual se insere o sistema de descentralização administrativa constituído pela chefia Existe assim um poder central que controla um povo os Danxomenu através 74 Metodologia e pré história da África das chefias No curso da história e ao acaso das conquistas países anexados se unirão ao antigo núcleo étnico ao território permanente Houve então num dado momento um processo de conquista e aculturação assimilação entre os povos aparentados e vizinhos Fon Mahi Alada Savi Juda etc O reino torna se a partir daí um Estado pluriétnico estruturado e centralizado graças a uma forte organização administrativa e militar e também a uma economia dirigida e dinâmica Às vésperas da penetração colonial o reino de Danxome constituía um verdadeiro Estado Nação onde o diálogo e a palavra a adesão das populações através das chefias eram um princípio de governo A palavra reino não tem portanto a mesma acepção em toda a África Nesse sentido os dois exemplos dados do Kongo e de Danxome são bastante elucidativos É necessário por conseguinte que o historiador seja bastante cuidadoso ao empregar esse termo Deve se notar ainda que enquanto no Kongo a chefia corresponde a um sistema de governo no antigo reino de Danxome Abomey ela é um modo de descentralização administrativa Quanto ao termo feudalismo no campo de observação constituído pela Europa ocidental não entendida apenas em seus limites geográficos pode se compreendê lo no sentido dos medievalistas com tendência jurídica o feudalismo é o que se refere ao feudo surgido em torno dos séculos X XI e o conjunto de relações lealdade homenagem e obrigações que liga o vassalo ao senhor proprietário do domínio Os camponeses que não fazem parte da camada superior da sociedade não são considerados nesta acepção da palavra Os marxistas ao contrário dão um sentido mais amplo ao vocábulo feudalismo é um modo de produção caracterizado pela exploração econômica das classes inferiores os servos pelas classes dirigentes os senhores feudais Os servos estão ligados à gleba e dependem do senhor Este não pode mais matar o servo mas pode vendê lo propriedade limitada ao trabalhador A servidão substitui a escravidão mas muitos aspectos da condição desta última estão ainda presentes Os servos ou os camponeses não estão associados à gestão dos negócios públicos e também não assumem funções administrativas Do ponto de vista da evolução das sociedades europeias o regime feudal é uma etapa intermediária no processo de formação da economia capitalista No entanto muitos marxistas ainda misturam a noção política de feudalismo e a noção socio econômica de senhoria que graças a Marx os historiadores aprenderam a distinguir desde 1847 Seja qual for o sentido em que o termo é empregado pode se dizer que os regimes medievais europeus se assemelham aos da África negra pré colonial Só os estudos sociais comparativos ainda bastante raros poderão fornecer 75 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral respostas adequadas a esta questão e estabelecer as distinções necessárias O caráter feudal da organização dos Bariba Daomé já foi assinalado sobretudo como hipótese de trabalho O estágio pouco avançado das pesquisas sobre a questão do feudalismo na África negra exige do historiador uma prudência maior E parece que as tendências feudais apresentadas pelas sociedades da África negra não devem ser definidas em relação a direitos reais devidos à atribuição de um feudo mas sobretudo em relação a uma forma de organização política baseada num sistema de relações sociais e econômicas particulares Dessa forma as análises dos sociólogos e cientistas políticos podem constituir fontes exploráveis pelo historiador Os arquivos do historiador na África variam enormemente em função dos materiais e períodos históricos e também da curiosidade do próprio historiador Na África as séries documentais são estabelecidas pelos mais diversos tipos de ciências exatas naturais humanas e sociais O relato histórico renovou se completamente na medida em que a metodologia consiste em empregar várias fontes e técnicas particulares ao mesmo tempo e de modo cruzado Informações fornecidas pela tradição oral os raros manuscritos árabes as escavações arqueológicas e o método do carbono residual ou carbono 14 reintroduziram definitivamente o legendário povo Sao Chade Camarões Nigéria na história autêntica da África A colina de Mdaga na República do Chade foi ocupada por um longo período durante cerca de 2500 anos do século V antes da Era Cristã à metade do século XIX da Era Cristã Sem a exploração global e cruzada de fontes tão diversas teria sido totalmente impossível chegar a conclusões de tal modo pertinentes e inesperadas As noções clássicas da crítica histórica tais como ciências auxiliares escolha de fontes materiais históricos nobres etc são doravante abolidas da pesquisa histórica africana o que assinala uma importante etapa na historiografia contemporânea A prática da história na África torna se um permanente diálogo interdisciplinar Novos horizontes se esboçam graças a um esforço teórico inédito A noção de fontes cruzadas exuma por assim dizer do subsolo da metodologia geral uma nova maneira de escrever a história A elaboração e a articulação da história da África podem consequentemente desempenhar um papel exemplar e pioneiro na associação de outras disciplinas à investigação histórica C A P Í T U L O 5 77 As fontes escritas anteriores ao século XV A noção de fonte escrita é tão ampla que chega a se tornar ambígua Se entendemos como escrito tudo o que serve para registrar a voz e o som seremos forçados então a incluir no testemunho escrito as inscrições gravadas na pedra disco moeda em suma toda mensagem que fixa a linguagem e o pensamento independentemente de seu suporte1 Isto nos levaria a aludir neste capítulo à numismática à epigrafia e outras ciências auxiliares que a rigor se tornaram independentes da esfera do texto escrito Portanto restringiremos nossa investigação ao que é traçado ou impresso em signos convencionais sobre qualquer tipo de suporte papiro pergaminho osso papel Trata se já de um imenso campo de pesquisas e de reflexões primeiramente porque cobre um período que começa com a invenção da escrita e termina no limiar dos Tempos Modernos século XV depois porque abrange um continente inteiro com diversas civilizações justapostas e sucessivas e por fim porque as fontes são de línguas tradições culturais e tipos diferentes Examinaremos os problemas gerais suscitados por essas fontes análises por períodos regiões tipos antes de estabelecer um inventário crítico 1 DAIN A 1961 p 449 As fontes escritas anteriores ao século XV H Djait 78 Metodologia e pré história da África Problemas gerais Não existe até o momento nenhum estudo do conjunto das fontes escritas da história da África Por razões de especialização cronológica ou regional os raros estudos realizados têm sido associados a campos específicos da pesquisa científica Assim o Egito faraônico é domínio do egiptólogo o Egito ptolomaico e romano do classicista o Egito muçulmano do islamista três períodos três especialidades das quais apenas uma se origina do que é especificamente egípcio as outras duas navegam em órbitas mais vastas o mundo clássico o Islã O mesmo acontece com o Magreb ainda que o especialista em civilização púnica seja ao mesmo tempo um orientalista e um classicista e que o estudioso da civilização berbere seja marginal e inclassificável O domínio da África negra também variado abrange diferentes línguas e especialidades há fontes clássicas árabes e fontes propriamente africanas Mas embora encontremos a mesma trilogia do norte do Saara aqui ela não tem nem a mesma amplidão nem significação análoga Existe uma imensa área onde antes do século XV inexiste fonte escrita ocorre também que determinada fonte árabe de segunda ordem para o Magreb por exemplo adquire importância capital para a bacia do Níger O historiador da África negra ao examinar um documento escrito em árabe não o faz da mesma maneira que o historiador do Magreb ou que o historiador do Islã em geral Tais limitações e interferências traduzem a estrutura objetiva da história da África e também a orientação da ciência histórica moderna desde o século XIX É um fato que o Egito foi integrado ao mundo helenístico ao Império Romano a Bizâncio e que convertido ao Islã se tornou um foco radiante Também é um fato que os Clássicos consideraram a história da África como ilustração da história de Roma e que uma determinada África estava profundamente envolvida no destino da civilização romana Mas não se pode esquecer que mesmo o historiador moderno da África romana é romanista em primeiro lugar e africanista em segundo e que o aspecto islâmico é excluído de seu campo epistemológico Assim apreender a história da África como um todo e considerar nessa perspectiva suas fontes escritas continua a ser tarefa delicada e particularmente difícil O problema da periodização Como se justificaria no estudo das fontes escritas uma cesura localizada no início do século XV Seria porque a massa documentária de que dispomos não obstante as disparidades culturais e temporais guardasse uma certa unidade 79 As fontes escritas anteriores ao século XV estrutural interna Ou seria pelo desenvolvimento da própria história geral que amalgamando Antiguidade e Idade Média num único longo período as separaria de uma Idade Moderna nitidamente diferente de tudo que a precedeu Na verdade os dois argumentos se sustentam e se completam as fontes antigas e medievais caracterizam se por sua escrita literária são testemunhos conscientes em sua maioria sejam anais crônicas viagens ou geografias Já a partir do século XV tornam se abundantes as fontes arquivísticas que são testemunhos inconscientes Por outro lado se até então a predominância era de textos clássicos e árabes a partir do século XV as fontes árabes esgotam se e passamos a encontrar evidências de diferentes origens o documento europeu italiano português etc e para a África negra o documento autóctone Mas essa mudança de natureza e de procedência das fontes traduz também uma mutação no destino histórico real da África O século XV é o século da expansão europeia2 os portugueses chegam às costas da África negra em 1434 vinte anos antes 1415 já haviam se estabelecido em Sebta Ceuta3 No que diz respeito à orla mediterrânica e islâmica da África Magreb Egito entretanto a ruptura entre duas idades históricas já aparece no século XIV quando essa região sentia os efeitos da lenta expansão do Ocidente assim como a ação de forças internas de decomposição Mas o século XV foi decisivo porque esgotou as fontes extremo orientais do comércio muçulmano determinando assim o fim de seu papel intercontinental Daí em diante o Islã afro mediterrânico caminha rapidamente para a decadência O terminus ad quem do século XV é assim amplamente justificado desde que não o interpretemos muito rigidamente poderia talvez encontrar melhor justificação se o deslocássemos para o início do século XVI Isto posto dividiremos a época em estudo em três períodos principais levando em consideração a dupla necessidade de diversidade e de unidade a Antiguidade até o Islã Antigo Império até 622 a primeira Idade Islâmica de 622 até a metade do século XI 1050 a segunda Idade Islâmica do século XI ao século XV Aqui a noção de Antiguidade certamente não se compara à que vigora na história do Ocidente na medida em que só se identifica parcialmente com a Antiguidade clássica o período não se encerra com as invasões bárbaras mas 2 R MAUNY propõe a data de 1434 que é a data da expansão marítima portuguesa pela África negra Le problème des sources de lhistoire de lAfrique noire jusquà la colonization européenne In XII Congresso Internacional das Ciências Históricas Viena 29 ago5 set 1965 II Relatórios História dos continentes p 178 V também MAUNY R 1961 p 18 3 LAROUI A 1970 p 218 80 Metodologia e pré história da África com o súbito aparecimento do Islã Precisamente pela profundidade e alcance de seu impacto o Islã representa uma ruptura com o passado que poderíamos chamar antigo pré histórico ou proto histórico conforme a região Também é fato que desde a época helenística a maior parte de nossas fontes antigas são escritas em grego e latim Se pela estrutura de nossa documentação assim como pelo movimento histórico global o século VII século do aparecimento do Islã e das fontes árabes deve ser considerado o início de uma nova idade o próprio período islâmico deveria então ser dividido em duas subidades a primeira da conquista até a metade do século XI e a segunda do século XI até o século XV Na história da África ao norte do Saara a primeira fase corresponde à organização da região segundo o modelo islâmico e à sua ligação com um império multicontinental Califado omíada abássida fatímida Em compensação a segunda fase é testemunha do ressurgimento de princípios de organização autóctone ao mesmo tempo que do ponto de vista da civilização se opera uma profunda transformação Em relação ao Magreb a metade do século XI é a época da formação do Império Almorávida da autonomia reconquistada pelos Zíridas e da consequente invasão hilaliana No Egito a cesura política situa se um século mais tarde com os Aiúbidas mas é nessa época que os grandes centros de atividade do comércio transportam se do golfo Pérsico para o mar Vermelho e que progressivamente se estabelece um quadro de intercâmbios em escala mundial cujo alcance é considerável Ao sul do Saara é também no decorrer do século XI que se desenvolvem relações permanentes com o Islã especialmente no plano comercial e religioso A natureza do material documentário altera se Quantitativamente torna se abundante e variado qualitativamente quanto mais avançamos no tempo maior o número de fontes inconscientes documentos de arquivos pareceres jurídicos encontradas na África mediterrânica e mais precisas as informações relativas à África negra Áreas etnoculturais e tipos de fontes A classificação das fontes por períodos históricos não basta por si só Convém levarmos em conta a articulação da África em áreas etnoculturais cuja caracterização resulta de uma conjugação de fatores e a própria tipologia das fontes disponíveis que se coloca além dos períodos históricos e das diferenciações espaciais 81 As fontes escritas anteriores ao século XV Áreas etnoculturais Ao examinar o primeiro ponto seríamos tentados desde logo a fazer uma distinção elementar entre a África ao norte do Saara África branca arabeizada e islamizada profundamente tocada pelas civilizações mediterrânicas e por isso mesmo desafricanizada e a África ao sul do Saara negra plenamente africana dotada de uma irredutível especificidade etno histórica Na verdade sem negar a importância dessa distinção um exame histórico mais aprofundado revela linhas de divisão mais complexas e menos nítidas O Sudão senegalês e nigeriano por exemplo viveu em simbiose com o Magreb árabe berbere e do ponto de vista das fontes está muito mais próximo do Magreb que do mundo bantu Acontece o mesmo com o Sudão nilótico em relação ao Egito e com o chifre oriental da África em relação ao sul da Arábia Assim somos tentados a opor uma África mediterrânica desértica e de savana incluindo o Magreb o Egito os dois Sudões a Etiópia o chifre da África e a costa oriental até Zanzibar a uma outra África animista tropical e equatorial bacia do Congo costa guineense área do Zambeze Limpopo região interlacustre e finalmente a África do Sul E é verdade que essa segunda diferenciação se justifica em grande parte pelo critério de abertura para o mundo exterior e nesse caso pela importância da penetração islâmica Esse fato de civilização é confirmado pelo estado das fontes escritas que opõem uma África bem servida de documentos com gradações norte sul a uma África completamente desprovida deles ao menos no período em estudo Mas a dupla consideração da abertura para o exterior e do estado das fontes escritas corre o risco de permitir julgamentos de valor e de ocultar sob o véu da obscuridade quase metade da África central e meridional Muitos historiadores já chamaram a atenção para o risco do recurso às fontes árabes que poderia fazer crer pela ênfase dada à zona sudanesa que tenha sido esta região o único centro de uma civilização e de um Estado organizados4 Voltaremos a esse ponto mais tarde Contudo reconheçamos desde já que se há relação entre o estado de uma civilização e o estado das fontes essa relação jamais poderia explicar completamente o movimento da história real O historiador objetivo não tem o direito de fazer julgamentos de valor com base nos documentos de que dispõe mas também não deve negligenciar seu potencial informativo sob pretexto de que podem induzi lo a erro Se uma história geral que abrange a totalidade do período histórico apoiando se em todos os documentos disponíveis pode atribuir tanta importância à 4 HRBEK I 1965 v V p 311 82 Metodologia e pré história da África bacia do Zaire quanto à do Níger ou ao Egito um estudo que se limite às fontes escritas até o século XV não poderia fazê lo Considerando todas estas observações podemos operar a seguinte estruturação regional a Egito Cirenaica Sudão nilótico b Magreb incluindo a franja norte do Saara as zonas do extremo ocidente a Tripolitânia e o Fezzan c Sudão ocidental no sentido amplo isto é até o lago Chade em direção a leste e incluindo o sul do Saara d Etiópia Eritreia chifre oriental e costa oriental e O resto da África ou seja o golfo da Guiné a África central e o sul da África Essa classificação tem a vantagem de não opor duas Áfricas estrutura o continente segundo afinidades geo históricas orientadas dentro de uma perspectiva africana mas leva também em consideração o caráter particular das fontes escritas de que dispomos Em termos de fontes escritas a África central e meridional por mais rica em civilização que possa ser faz pobre figura em comparação com a menor fração das outras unidades regionais Fezzan ou Eritreia por exemplo Por outro lado não há dúvida de que além da solidariedade geral que aproxima as fontes da África conhecida há uma solidariedade específica e mais nítida em nossa informação sobre cada uma das zonas delimitadas acima Um inventário detalhado deveria então passar em revista os textos simultaneamente por períodos e por regiões mas reconhecendo previamente que através das áreas e em menor grau através dos períodos históricos essas fontes se resumem apenas a algumas línguas a certos tipos limitados não provêm sempre da área de que tratam nem são sempre contemporâneas do que descrevem Tipologia das fontes escritas a São inúmeras as línguas em que foram escritos os documentos que chegaram até nós mas nem todas têm a mesma importância As mais utilizadas aquelas em que foi veiculada a maior quantidade de informação são o egípcio antigo o berbere as línguas etíopes o copta o swahili o haussa o fulfulde As línguas mais prolíficas são as de origem não africana grego latim árabe ainda que acolhido como língua nacional por inúmeros povos africanos Se classificarmos os documentos numa ordem hierárquica que leve em conta ao mesmo tempo a quantidade e a qualidade da informação obteremos a seguinte 83 As fontes escritas anteriores ao século XV lista aproximativa árabe grego latim egípcio antigo hierático e demótico copta hebraico aramaico etíope italiano swahili persa chinês etc Em termos cronológicos nossas primeiras fontes escritas são os papiros hieráticos egípcios datando do Novo Império mas cuja primeira redação remontaria ao início do Médio Império início do segundo milênio em particular o papiro conhecido sob o título de Ensinamentos para o rei Merikare5 Seguem se os papiros e os ostraka do Novo Império também em egípcio hierático as fontes gregas que remontam ao século VII antes da Era Cristã e prosseguem sem interrupção até época mais recente que coincide aproximadamente com a expansão do Islã século VII da Era Cristã as fontes em hebraico Bíblia e em aramaico Judeus de Elefantina que datam da 26a dinastia os textos demóticos da época ptolomaica a literatura latina a literatura copta em língua egípcia mas empregando o alfabeto grego enriquecido com algumas letras que têm início no século III da Era Cristã fontes em árabe chinês6 talvez persa italiano e mais tarde em língua etíope na qual o mais antigo documento escrito remonta ao século XIII7 b Classificadas por gêneros as fontes de que dispomos dividem se em fontes narrativas e em fontes arquivísticas umas conscientemente consignadas com o objetivo de deixar um testemunho outras participando do movimento normal da existência humana No caso da África com exceção do Egito mas incluindo o Magreb as fontes narrativas são representadas quase que exclusivamente pelos documentos escritos até o século XII cobrem portanto não só a Antiguidade como também a primeira Idade Islâmica A partir do século XII o documento arquivístico embora raro começa a aparecer no Magreb peças almoadas fatwas ou pareceres jurídicos da época haféssida No Egito os documentos arquivísticos tornam se mais abundantes sob os Aiúbidas e os Mamelucos séculos XII XV enquanto os manuscritos dos mosteiros etíopes reúnem em apêndice documentos oficiais Mas esse tipo de texto praticamente inexiste no resto da África durante a época aqui considerada8 Nosso período é caracterizado 5 GOLENISCHEFF Les papyrus hiératiques n 1115 1116A e 1116B de lErmitage impérial à Saint Pétersbourg 1913 o n 1116A foi traduzido por GARDINER In Journal of Egyptian archaeology Londres 1914 p 22 e segs Cf a esse respeito DRIOTON E e VANDIER J 1962 p 226 6 Existe um texto chinês datado da segunda metade do século XI mas o essencial das fontes chinesas ainda a ser explorado diz respeito ao século XV e à costa do leste africano Pode se notar também os seguintes trabalhos DUYVENDAK J J L 1949 HIRTH F 1909 1910 FILESI T 1962 LIBRA 1963 WHEATLEY P 1964 7 SELASSIÉ S H 1967 p 13 8 Dispomos de mahrams cartas patente emitidas pelos reis do Bornu e que datariam do fim do século XI o de Umm Jilmi e o da família Masbarma Cf MAUNY R 1961 e PALMER H 1928 t III p 3 84 Metodologia e pré história da África 85 As fontes escritas anteriores ao século XV 86 Metodologia e pré história da África pela preponderância contínua das fontes narrativas pelo aparecimento ou crescimento relativo das fontes arquivísticas a partir do século XII na África mediterrânica pela quase ausência dela na África negra mas de maneira geral pelo aumento substancial de nosso acervo de documentos a partir do século XI culminando nos séculos XII XIV Os tipos de fontes podem ser enumerados do seguinte modo Fontes narrativas crônicas e anais obras de geografia relatos de viagens obras de naturalistas obras jurídicas e religiosas como tratados de direito canônico livros santos ou hagiografias obras propriamente literárias Fontes arquivísticas documentos particulares cartas familiares correspondência comercial etc documentos oficiais oriundos do Estado ou de seus representantes correspondência oficial decretos cartas patente textos legislativos e fiscais documentos jurídico religiosos Devemos observar que as fontes narrativas começam no século VIII antes da Era Cristã com Homero e compreendem um número considerável de obras primas do espírito e do saber humanos Entre os autores encontramos grandes nomes que embora em sua maioria não tratem especificamente da África concedem lhe um lugar mais ou menos importante dentro de uma perspectiva mais ampla Entre esses nomes figuram Heródoto Políbio Plínio o Velho Ptolomeu Procópio Khwarizmi Masudi Jahiz Ibn Khaldun A documentação arquivística é a mais antiga do mundo se os papiros de Ravena são os mais antigos registros arquivísticos conservados na Europa datando do início do século VI da Era Cristã os papiros do Novo Império egípcio lhes são anteriores em vinte séculos É verdade que na primeira Idade Islâmica esse tipo de testemunho não ultrapassou os limites do Egito tendo conhecido uma expansão relativamente pequena até o fim de nosso período o que talvez se possa explicar pelo fato de a civilização islâmica medieval ter praticamente ignorado o princípio da conservação de documentos de Estado Dos séculos XIV e XV o período mais rico em peças de arquivos o que chega até nós são sobretudo 87 As fontes escritas anteriores ao século XV obras enciclopédicas É somente na época moderna otomana e europeia que se constituem os depósitos de arquivos propriamente ditos Inventário por períodos A Antiguidade pré islâmica das origens a 622 Esse período em relação ao que o segue é caracterizado pela predominância das fontes arqueológicas e em geral não literárias Entretanto ainda que secundários os documentos escritos nos fornecem por vezes informações muito importantes ademais vão se tornando mais numerosos e precisos à medida que avançamos no tempo Do ponto de vista da divisão regional devemos notar que estão totalmente ausentes na África ocidental e central Egito Núbia África oriental a As fontes escritas referentes ao Egito até o primeiro milênio são exclusivamente egípcias trata se dos papiros hieráticos e dos ostraka cuja origem não remonta além do Novo Império mas que podem como dissemos conter informações mais antigas9 Papirus e ostrakon designam o suporte no primeiro caso trata se de uma planta no segundo de uma lâmina de calcário Os signos hieráticos distinguem se dos signos hieroglíficos por sua aparência cursiva prestando se melhor ao traço que ao entalhe Os papiros e ostraka numerosos na 19a e 20a dinastias do Novo Império ou período ramessita 1314 1085 antes da Era Cristã referem se tanto à vida administrativa como à vida privada encontramos relatórios administrativos e judiciários registros de contabilidade cartas particulares e também contos e romances Os papiros jurídicos10 e os papiros literários11 têm sido objeto de cuidadosos estudos e desde o século XIX vêm sendo publicados 9 DRIOTON E e VANDIER J 1962 p 7 9 YOYOTTE J LEgypte ancienne In Histoire universalle Col Pléiade 10 Entre os documentos jurídicos temos o papiro Abbott os papiros Amherst e Mayer igualmente o de Turim nos quais se baseia nosso conhecimento dos reinados de Ramsés IX X e XI São publicados cf Select Papyri in the hieratic character from the collections of the British Museum Londres 1860 NEWBERRY The Amherst Papyri Londres 1899 PEET The Mayer Papyri Londres 1920 PEET The great tombs robberies of the Twentieth Egyptian Dynasty 2 v Oxford 1930 11 A coleção do British Museum é rica em papiros literários Encontramos por exemplo o conto da Verdade e da Mentira o de Horus e de Seth G POSENER grande especialista no assunto elaborou uma lista quase completa das obras literárias egípcias e chegou a 85 títulos Revue dEgyptologie VI 1951 p 27 48 G POSENER publicou ainda óstracos Catalogue des ostraka hiératiques littéraires de Deir el Medineh Cairo 1934 1936 88 Metodologia e pré história da África Nossos conhecimentos a respeito da Núbia e do país de Punt baseiam se unicamente em material arqueológico e epigráfico desenhos murais em particular não se tendo encontrado fontes escritas até o presente momento b No primeiro milênio antes da Era Cristã especialmente a partir do século VI diversifica se e se altera a contribuição de nossas fontes Os documentos narrativos somam se aos documentos arquivísticos e em certos momentos substituem nos Um exemplo é o Livro dos Reis fragmento do Antigo Testamento que nos dá informações preciosas sobre o advento da 22a dinastia cerca de 950 e continua a ser de grande utilidade para todo o período seguinte isto é até o domínio persa 525 O Livro dos Reis recebeu uma primeira redação antes da destruição de Jerusalém ou seja antes de 58612 e foi retocado durante o exílio mas reproduz tradições que remontam ao início do primeiro milênio antes da Era Cristã Outras fontes estrangeiras gregas sobretudo trazem dados sobre o baixo período a partir da primeira dinastia Saíta século VIII antes da Era Cristã Menandro Aristodemo Filocoro Heródoto Do ponto de vista arquivístico os papiros deste período aparecem escritos em grego ou em demótico escrita ainda mais cursiva que o hierático No século V os papiros dos Judeus de Elefantina são nossa principal fonte enquanto nos séculos IV e III aparece a crônica demótica c O período que se estende do estabelecimento dos Ptolomeus no Egito fim do século IV antes da Era Cristã até a conquista árabe 639 cobre um milênio que se caracteriza pela abundância de fontes gregas e pela emergência da zona etíope eritreia em nosso campo de conhecimento Políbio Estrabão Diodoro Plínio o Velho falam nos dessa região com uma precisão relativa que não exclui a ignorância ou a ingenuidade O naturalista romano nos dá em sua História natural numerosas informações sobre o mundo etíope em particular no que diz respeito aos produtos do comércio e aos circuitos de troca É obra de compilação certamente de valor desigual mas rica em detalhes A informação de que dispomos torna se mais precisa no meio milênio que se segue ao aparecimento do Cristianismo O Egito como sabemos passa a ser no século II o foco principal da cultura helenística sendo muito natural que tenha produzido historiadores geógrafos filósofos e padres da Igreja Integrado politicamente ao Império Romano depois Bizantino o Egito era objeto de inúmeros escritos latinos ou gregos externos de ordem narrativa ou arquivística Código de Teodósio por exemplo ou Novellae de Justiniano Notemos também 12 LODS A Les Prophètes dIsraël et les débuts du judaïsme Paris 1950 p 7 DRIOTON e VANDIER op cit pas DORESSE 1971 t 1 p 47 61 89 As fontes escritas anteriores ao século XV que a corrente papirológica não se esgota Dessa massa documentária interna e externa emergem algumas obras de especial importância a Geografia de Ptolomeu 140 aproximadamente13 o Périplo do Mar da Eritreia14 obra anônima que calculamos ter sido composta em cerca de 230 datada anteriormente do século I a Topografia Cristã15 de Cosmas Indicopleustes 535 aproximadamente Esses escritos representam a base de nossa informação sobre a Etiópia e o chifre oriental da África No conjunto esta breve exposição aponta dois descompassos o das fontes escritas em relação aos outros tipos de documentos e o do nosso conhecimento do Egito em relação ao nosso conhecimento da Núbia e do mundo eritreu O Magreb antigo A história escrita do Magreb antigo nasceu do encontro de Cartago com Roma Isso significa que não dispomos de nenhum documento importante anterior ao segundo século antes da Era Cristã apenas indicações esparsas na obra de Heródoto evidentemente e nas obras de outros historiadores gregos O período autenticamente púnico depende da arqueologia e da epigrafia Além disso a história de Cartago tanto anterior quanto posterior a Aníbal o confronto com Roma e o curto período de sobrevivência que se seguiu não deve quase nada às fontes púnicas escritas Sabe se hoje que o Périplo de Hanão em grego cuja descrição se estende às costas norte ocidentais da África é falso e não pode ter sido escrito antes do século I Restam os trabalhos agronômicos atribuídos a Magão dos quais apenas alguns trechos foram conservados por autores latinos Entre as fontes autóctones seria necessário mencionar as notas de Juba II que Plínio o Velho compilou em sua História Natural O essencial se não a totalidade de nossas fontes escritas relativas à história do Magreb antigo fases cartaginesa romana vândala e bizantina é constituído pelas 13 Sobre os geógrafos clássicos e pós clássicos que trataram da África ver a obra fundamental de Yusuf KAMEL Monumenta cartographica Africae et Aegypti Cairo e Leyde 1926 a 1951 16 vol Convém que esse trabalho seja reeditado com um aparato crítico novo e importante 14 Editado por MÜLLER Geographi Graeci minores Paris 1853 t I Reeditado por Hjalmar FRISK em Göteborg em 1927 Essa importante obra vem sendo editada desde o século XVI em 1533 e depois em 1577 15 COSMAS é um viajante que visitou a Etiópia e a ilha de Socotra Sua obra figura na Patrologie grecque de MIGNE t 88 coleção que deve necessariamente ser consultada no que se refere à Antiguidade ao lado da Patrologie Latine do mesmo MIGNE A obra de COSMAS recebeu excelente edição em três tomos das Editions du Cerf Paris 1968 1970 Assinalemos a importância para nosso conhecimento da cristianização da Etiópia da Historia Ecclesiastica de RUFINO In Patrologie grecque de MIGNE com tradução latina 90 Metodologia e pré história da África obras dos historiadores e geógrafos clássicos isto é aqueles que escreviam em grego ou latim Em geral esses autores não são africanos mas à medida que a África se romaniza surgem escritores autóctones especialmente entre os padres da Igreja a No período que se estende de 200 a 100 e que corresponde ao apogeu e à queda de Cartago à organização da província romana da África sob a República e o principado temos por fontes uma grande quantidade de documentos conhecidos escritos em latim e grego Políbio 200 a 120 nossa fonte principal Estrabão Diodoro da Sicília Salústio 87 a 35 Tito Lívio Ápio Plínio Tácito Plutarco século I e Ptolomeu século II sem contar os numerosos escritores menores16 Seria muito útil que se reunissem os escritos dispersos relativos à África do Norte Até agora foram coligidos apenas os documentos referentes ao Marrocos17 Assim sendo o pesquisador vê se obrigado a examinar sistematicamente as grandes coleções clássicas em que a erudição europeia do século XIX utilizou todos os seus recursos de crítica e de formidável labor Bibliotheca Teubneriana The Loeb Classical Library texto e tradução inglesa Collection G Budé texto e tradução francesa Collection des Universités de France Scriptorum classicorum Bibliotheca Oxoniensis Seria conveniente acrescentar a essas fontes narrativas outras mais diretas constituídas pelos textos do direito romano embora sejam estes de origem epigráfica18 As obras escritas dos analistas cronistas e geógrafos greco latinos não têm valor uniforme em todo o subperíodo considerado Alguns tendem a compilar as informações de seus predecessores outros nos trazem informações originais preciosas e às vezes até mesmo um testemunho direto Políbio por exemplo viveu na intimidade dos Cipião e provavelmente assistiu ao sítio de Cartago em 146 o Bellum Jugurthinum de Salústio é um documento de primeira ordem sobre os reinos berberes o Bellum Civile de César é a obra de um ator da História A figura e a obra de Políbio dominam esse período Políbio é como já foi dito19 o filho da época e da cultura helenísticas Nasceu em 200 aproximadamente isto é no momento em que ocorre o encontro de Roma na explosão de seu imperialismo com o mundo mediterrânico e mais especificamente com o 16 Citemos ARISTÓTELES Política CÉSAR Bellum Civile e Bellum Ajricum EUTRÓPIO JUSTINO ORÓSIO Há mais de trinta fontes textuais apenas para a história de Aníbal 17 ROGET M Le Maroc chez les auteurs anciens 1924 18 GIRARD P P Textes de droit romain 6a ed 1937 19 Cambridge Ancient History v VIII Rome and the Mediterranean 91 As fontes escritas anteriores ao século XV mundo helenístico Prisioneiro e exilado em Roma aprendeu as duras lições do exílio esse mestre violento do historiador e do filósofo A proteção dos Cipião amenizou sua estada mas lhe valeu sobretudo para a aquisição de vasto conhecimento da história de Roma e de Cartago Após 16 anos de cativeiro retornou à pátria a Grécia mas não demorou a deixá la novamente para percorrer o mundo Conta se que durante sua estada na África Cipião Emiliano ofereceu lhe uma frota para que pudesse explorar a costa atlântica do continente Em outras palavras estamos diante de um homem de audácia experiência e incansável curiosidade Políbio não é apenas nossa principal fonte para tudo que se refere ao duelo púnico romano de um ponto de vista mais amplo é um observador de primeira ordem da África e do Egito de seu tempo Se os 40 livros que compõem as Pragmateia tivessem chegado até nós talvez nossos conhecimentos fossem muito mais completos talvez tivéssemos informações precisas precisão que falta em toda parte sobre a própria África negra Assim mesmo os seis livros que se conservaram destacam se das demais fontes pela qualidade da informação e inteligência da observação b Após o século I e durante os quatro séculos em que se enraíza ao máximo a organização imperial na África entrando posteriormente numa crise prolongada as fontes literárias tornam se raras Há um vazio quase total no século II e os séculos III e IV são marcados pela predominância de escritos cristãos especialmente os de Cipriano e Agostinho Há obras gerais que ultrapassam o quadro africano para colocar os grandes problemas religiosos e que não participam do discurso histórico direto mas há também obras polêmicas e de circunstância mais comprometidas com os acontecimentos O que sabemos a respeito do movimento donatista baseia se nos ataques do maior de seus adversários Santo Agostinho 354 430 e por isso mesmo as precauções mais sérias mostram se necessárias Do mesmo modo no que se refere às fontes escritas relativas ao período imperial a patrologia apresenta se como o principal instrumento de nosso conhecimento embora seja muito parcial O pesquisador terá também nesse caso acesso a grandes coleções o Corpus de Berlim em grego apenas o texto o Corpus de Viena em latim apenas o texto Esses monumentos da erudição alemã têm seus equivalentes na erudição francesa com os dois Corpus de Migne a Patrologia grega texto e tradução latina a Patrologia latina apenas o texto latino 92 Metodologia e pré história da África O intermédio vândalo a reconquista bizantina e a presença bizantina durante mais de um século levaram um número maior de escritores a registrar os acontecimentos Os documentos chamados menores são abundantes aparecem as fontes arquivísticas correspondência textos legislativos Além do mais temos a sorte de contar com um observador fecundo e talentoso Procópio século VI que é sem dúvida alguma nossa fonte fundamental com seu De Bello Vandalico Recorreremos à Coleção Bizantina de Bonn e secundariamente aos Fragmenta historicorum graecorum para os textos gregos Os numerosos textos latinos encontram se na Patrologia latina as obras de São Fulgêncio apresentam certo interesse para o conhecimento do período vândalo ou nas Monumenta Germanica historica autores antiquissimi20 outro monumento da erudição alemã que reagrupa as crônicas menores do período bizantino Cassiodoro Próspero Tiro e sobretudo Victor de Vita e Coripo Estes dois autores merecem a maior atenção o primeiro para o período vândalo o segundo para o período bizantino pois penetram no interior do continente fazendo emergir da obscuridade essa África por tanto tempo esquecida21 Em sua obra clássica sobre a África bizantina Charles Diehl mostrou como se podia utilizar conjuntamente o material arqueológico e textual para se obter a mais completa representação da realidade histórica Utilizou o maior número possível de fontes escritas primeiramente Procópio depois Coripo mas também Agathias Cassiodoro Jorge de Chipre22 as cartas do Papa Gregório Magno e documentos jurídicos tais como as Novellae e o Código Justiniano tão úteis no estudo da vida econômica e social Parece pouco provável que se possa enriquecer com novas descobertas a lista estabelecida de nossos documentos escritos Em compensação pode se explorá los melhor estudando os com maior profundidade aplicando lhes uma crítica rigorosa confrontando os com um material arqueológico e epigráfico ainda inesgotado sobretudo utilizando os com mais honestidade e objetividade23 20 Nas Monumenta de Mommsen t 91 2 1892 11 1894 e 13 1898 encontram se o texto de Victor de Vita no t 3 1 1879 editado por C HOLM e o texto de Coripo no t 3 2 1879 editado por J PARTSCH 21 Sobre a África vândala e bizantina dispomos de duas obras modernas fundamentais que fornecem detalhes das fontes utilizáveis C COURTOIS 1955 e C DIEHL 1959 Para o alto período a Histoire ancienne de lAfrique du Nord de S GSELL que embora envelhecida ainda deve ser consultada 22 Descriptio orbis romani ed Gelzer 23 Sobre as distorções advindas de uma leitura parcial dos textos a crítica da historiografia ocidental apre sentada por Abdallah LAROUI é tão pertinente quanto bem informada 1970 93 As fontes escritas anteriores ao século XV A África saariana e ocidental A rigor não dispomos de nenhum documento digno de confiança sobre a África negra ocidental Admitindo com Mauny24 que os antigos cartagineses gregos romanos não ultrapassaram o cabo Juby e a latitude das ilhas Canárias o que é mais que provável somos levados a concluir que as informações transmitidas por suas obras referem se ao extremo sul marroquino Certamente alcançam a fronteira do mundo negro mas não o penetram O Périplo de Hanão é falso se não inteiramente ao menos em grande parte25 É um documento composto em que se misturam dados tomados de empréstimo de Heródoto Políbio Possidônio e do Pseudo Sila e que deve datar do século I As obras desses autores são mais dignas de crédito Heródoto fala nos sobre o comércio mudo que os cartagineses praticavam no sul do Marrocos O continuador do Pseudo Sila século IV nos dá por sua vez informações preciosas sobre as relações entre cartagineses e líbico berberes Mas é novamente Políbio que se revela a fonte mais confiável Os fragmentos de seu texto interpolados em Plínio o Velho oferecem nos os primeiros topônimos identificáveis da Antiguidade mas também nesse caso sua informação interrompe se no cabo Juby Seria necessário completá la no que se refere ao arquipélago das Canárias com as notas de Juba II recolhidas por Plínio Estrabão Diodoro da Sicília Os outros histpriadores geógrafos do século I antes e depois da Era Cristã apenas compilaram os autores anteriores salvo alguns detalhes Finalmente no século lI Ptolomeu retomando todos seus predecessores baseando se principalmente em Posidônio e Marino de Tiro consigna em sua Geografia a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos contornos da África na Antiguidade26 O mapa da Líbia Interior do geógrafo alexandrino tornou acessíveis as informações recolhidas pelo exército romano na ocasião de suas expedições punitivas além do limes até o Fezzan a de Balbo em 19 a de Flaco em 70 a de Materno em 86 que penetrou mais profundamente no deserto líbio27 Nomes de povos e regiões sobreviveram à Antiguidade Mauritânia Líbia Garamantes Getulos Númidas Hespérides e até mesmo Níger empregado por Ptolomeu e retomado por Leão o Africano e depois pelos europeus modernos Essa é uma das contribuições de nossos textos 24 MAUNY R 1970 p 87 111 25 Id p 98 TAUXIER L 1882 p 15 37 GERMAIN G 1957 p 205 48 26 KAMEL Y Monumenta op cit t II Fasc I p 116 e segs MAUNY R LOuest africain chez Ptolémée nas Actes de la IIe Conférence Internationale des Africanistes de lOuest Bissau 1947 27 MARINO DE TIRO uma das fontes de PTOLOMEU divulgou o cf KAMEL Y t I 1926 p 73 94 Metodologia e pré história da África que por outro lado nos fornecem mais do que dados reais a representação que a Antiguidade fazia da África As poucas indicações existentes referem se ao deserto da Líbia e às costas do Saara Ocidental em todos esses textos a África negra ocidental permanece marginalizada A primeira idade islâmica 622 1050 aproximadamente A conquista árabe e o estabelecimento do califado tiveram por consequência a unificação de domínios político culturais anteriormente dissociados Império Sassânida Império Bizantino o alargamento do horizonte geográfico do homem o remanejamento das correntes de intercâmbio a penetração de povos até então desconhecidos Não é portanto surpreendente que pela primeira vez tenhamos informações mais precisas sobre o mundo negro tanto do leste como do oeste Mas enquanto o Egito e o Magreb estavam integrados no corpo do Império e depois da comunidade islâmica o mundo negro simplesmente fazia parte de sua esfera de influência daí uma informação parcelar desconexa às vezes mítica mas ainda assim preciosa Se excluirmos as fontes arquivísticas cuja tradição continua no Egito papiros coptas e gregos de Afrodite papiros árabes do Faium e de Ashmunayn28 enfim no século X algumas peças de arquivos fatímidas e que concernem especificamente a esse país a maior parte de nossas fontes narrativas no sentido amplo ou indireto é comum a toda a África É uma característica evidente nas obras geográficas e que pode ser percebida em vários textos jurídicos Portanto parece mais cômodo proceder nesse caso a um inventário por gênero destacando todavia a sucessão cronológica e sem perder de vista a estrutura regional As crônicas a Não dispomos de nenhuma crônica anterior ao século IX Mas foi no século VIII que se elaborou a informação oral tendo como centro incontestável o Egito com exceção da costa oriental da África em ligação comercial direta com o Iraque meridional Por outro lado o caráter excêntrico do Egito do Magreb e a fortiori do Sudão fez com que mesmo no século IX século da explosão da historiografia 28 São importantes os trabalhos de GROHMANN Arabie papyri in the Egyptian Library 5 v 1934 1959 Einführung und Chrestomathie der Arabischen Papyrus kinde Praga 1955 Os papiros gregos e coptas foram estudados por H BELL Para os registros fatímidas SHAYYAL Majmû at al Wathâ iq al Fâtimiyya Cairo 1958 95 As fontes escritas anteriores ao século XV árabe lhe fosse reservado um pequeno lugar nas grandes tarikh29 alTabari al Dinawari al Baladhori dos Ansab al Ashraf focalizadas no Oriente Deve se fazer exceção a uma crônica até recentemente quase desconhecida a tarikh de Khalifa b Khayyat30 Esse livro não constitui apenas a mais antiga obra de anais árabes Khalifa morreu em 240 H conservou também materiais antigos negligenciados por alTabari a destacar principalmente suas indicações sobre a conquista do Magreb Enquanto a tradição medinense deixou na obscuridade a conquista do Egito e do Magreb dos Maghazi dos quais apenas os traços mais evidentes são referidos de modo conciso nos Futuh al Buldan de Baladhori um jurista egípcio dedica se exclusivamente ao assunto numa obra que constitui o documento mais importante do século IX Os Futuh Misr wa l Maghrib31 de IbnAbd al Hakam semelhantes a uma crônica ou a uma obra de maghazi são na realidade uma coletânea de tradições jurídicas que distorcem a informação histórica32 b Após um século de silêncio33 850950 surge uma obra fundamental que parece não ter sido explorada em todas as suas dimensões o Kitab Wulat Misr wa Qudhatuha de Kindi morto em 961 Essa obra biográfica que não é uma crônica embora possa ser tratada como tal não apenas encerra dados precisos e de primeira mão sobre o Egito mas também devido aos primeiros laços dessa província com o Magreb se revela uma das fontes mais seguras para o conhecimento do Magreb no século VIII34 O século X é o século ismailiano do Islã e do Islã africano principalmente consultar se ão assim os escritos 29 Todavia é importante assinalar que um dos primeiros historiógrafos árabes UMAR B SHABBA nos legou o mais antigo testemunho árabe relativo aos Negros texto reproduzido por AL TABARI Tarikh t VII p 609 614 Trata se da revolta dos Sudan em Medina em 145 H 762 atestando uma forte presença africana no alto período Esse texto não foi comentado até agora 30 Editado em Najaf em 1965 por UMARI com prefácio de A S al ALI 344 p 31 Editado por TORREY em 1922 traduzido parcialmente por GATEAU reeditado no Cairo por AMIR em 1961 Sobre as precauções que devem ser tomadas para sua utilização R BRUNSCHWIG Ibn Abd al Hakam et la conquête de lAfrique du Nord par les Arabes Annales de lInstitut dEtudes orientales dAlger VI 1942 1947 estudo hipercrítico que não nos parece prejudicar a contribuição desse texto fundamental para o Egito útil para a Ifrikya importante para o mundo negro eventuais contatos de Uqba com o Fezzan negados por BRUNSCHWIG num outro artigo o famoso tratado chamado Baqt com os núbios 32 Não há muita coisa para se extrair de um compilador tardio UBAYD ALLAH B SALIH descoberto e magnificado por E LÉVI PROVENÇAL cf Arabica 1954 p 35 42 como uma nova fonte da conquista do Magreb E LÉVI PROVENÇAL é seguido em seu julgamento por MAUNY in Tableau op cit p 34 cuja análise das fontes árabes cuidadosa e exaustiva não se preocupa muito com a crítica rigorosa 33 Com exceção de algumas crônicas anônimas interessantes como al Iman wa s Siyasa Cairo 1904 do pseudo Ibn QUTAYBA e o anônimo Akhbar MADJMUA Madri 1867 34 Editado por R GUEST em 1912 e reeditado em Beirute em 1959 96 Metodologia e pré história da África xiitas como a Sirat al Hajib Ja far mas sobretudo a Iftitah ad Da wa do Cadi al NuMan obra fundamental sem muitas datas mas rica em informações sobre o início do movimento fatímida35 c A primeira metade do século XI presenciou a redação do famoso Tarikh de al Raqiq morto em 1028 fonte fundamental A obra é considerada perdida mas o essencial foi retomado por compiladores como Ibn al Idhari Recentemente um fragmento dedicado à alta época ifriqiyana descoberto pelo marroquino Mannuni foi editado em Túnis 1968 por M Kaabi sem que com segurança possamos atribuí la a Raqiq36 Em todas essas crônicas o lugar reservado à África negra é mínimo Além disso elas exigem do historiador uma crítica rigorosa uma confrontação constante dos dados entre si e com os de outra origem O historiador do Magreb e do Egito principalmente não pode parar nesse ponto um conhecimento profundo do Oriente é absolutamente necessário A utilização dessas fontes deve então ser completada com a utilização em profundidade das crônicas orientais clássicas Fontes geográficas São importantes e numerosas a partir do século IX Quer pertençam ao gênero cartográfico do Surat al Ardh ilustrado por al Khwarizmi à geografia administrativa à categoria dos itinerários e países Masalik ou simplesmente à de viagem mais ou menos romanceada os documentos geográficos escritos em árabe ilustram um desejo de apreensão da totalidade do oekumene Assim não é de surpreender que a África negra esteja representada nessas fontes e que sejam elas elemento fundamental do nosso conhecimento dessa África A coletânea exaustiva compilada por Kubbel e Matveïev37 que se interrompe no século XII mostra que dos 40 autores que falaram da África negra 21 são geógrafos e seus textos são os mais ricos em conteúdo Mas não poderíamos tirar real proveito dessas fontes sem um trabalho crítico preliminar O historiador da África negra deve recolocar as obras geográficas árabes dentro de seu contexto cultural próprio Em que medida por exemplo tal descrição corresponde à realidade e em que medida não é reflexo dos temas repetidos do Adab com seus diversos componentes38 Qual é a parte da 35 Publicado em Túnis por M DACHRAOUI e em Beirute 36 M TALBI negou declaradamente a autoria a al RAQIQ in Cahiers de Tunisie XIX 1917 p 19 e segs sem entretanto chegar verdadeiramente a convencer A incerteza portanto subsiste 37 KUBBEL L E e MATVEÏEV v V 1960 e 1965 Ver também CUOQ J 1975 38 MIQUEL A 1967 e 1975 97 As fontes escritas anteriores ao século XV herança grega da herança iraniana da própria tradição árabe a da compilação a da observação concreta Mas por outro lado deve se exercer a crítica dos textos a partir do interior isto é com um conhecimento aprofundado da história da África tomando se cuidado para não ler essa história apenas em fontes essencialmente geográficas Mas é inadmissível o ponto de vista estritamente ideológico daqueles que por islamofobia39 preocupação mal colocada de um africanismo introvertido recusam o exame aprofundado dessas fontes40 Da plêiade de geógrafos que da metade do século IX a meados do século XI concederam um lugar à África quase todos estão nesse caso somente alguns transmitem uma informação original e séria Ibn Khordadhbeh Yakub morto em 897 al Masudi 965 Ibn Hawkal 977 al Biruni41 Yakub viajou pelo Egito e Magreb deixando nos um relatório substancial desses países Tanto na sua Tarikh como em seus Buldan42 encontram se inúmeras informações relativas ao mundo negro sobre a Etiópia o Sudão a Núbia os Bejja os Zendj No Sudão menciona os Zghawa do Kanem e descreve seu habitat ao descrever o importante reino de Gana trata do problema do ouro assim como ao falar do Fezzan refere se ao problema dos escravos São ainda mais detalhados os Masalik43 de Ibn Hawkal que visitou a Núbia e talvez o Sudão ocidental sua descrição vale sobretudo pela ideia que dá das relações comerciais entre o Magreb e o Sudão Quase todos os outros geógrafos do século X fazem observações sobre a África negra Ibn al Fakih sobre Gana e Kuki o viajante Buzurg Ibn Shariyan sobre a costa oriental e os Zendj e Muhallabi que conservou em seu tratado fragmentos de Uswani Finalmente o Campos de Ouro de al Masudi 965 é rico em informações sobre os Zendj e a costa oriental Desde cedo esses 39 Ver sobre esse assunto a posição bastante crítica de L FROBENIUS e a de J ROUCH Contribution à lhistoire des Songhay Dacar 1953 Que denuncia sobretudo a deformação ideológica das crônicas sudanesas 40 É verdade que esses textos se aplicam sobretudo ao cinturão sudanês e que por esse motivo uma leitura unilateral das fontes árabes sem o auxílio da arqueologia pode falsear a perspectiva Mas não se pode dizer que faltava objetividade aos autores árabes Quanto a lastimar o caráter fragmentário e desordenado de seus escritos significaria abandonar o ponto de vista do historiador para adotar o do historiador da literatura Encontraremos julgamentos variados em N LEVTZION Será útil também referirmo nos à comunicação de I HRBEK no XII Congresso internacional das ciências históricas em Viena Atas p 311 e segs Ver também T LEWICKI Perspectives nouvelles sur lhistoire africaine relatório do Congresso de Dar es Salam 1971 e Arabic external sources for the History of Africa to the South of the Sahara Wroclaw Warszawa Krakow 1969 41 Ver Correio da Unesco jun 1974 42 Editado na Bibliotheca Geographorum arabicorum t 7 de GOEJE como a maioria dos geógrafos árabes A tradução de G WIST sob o título de Livre des Pays é útil mas nem sempre precisa 43 Kitab al Masalik wa l Mamalik B G A II KUBBEL L E e MATVEÏEV V V II p 33 e segs 98 Metodologia e pré história da África textos chamaram a atenção dos especialistas africanistas e orientalistas como Delafosse Cerulli44 Kramers45 e Mauny46 Fontes jurídicas e religiosas Os tratados de direito e as viagens hagiográficas de Tabakat desde a Mudawwana de Sahnun até os tratados caridjitas constituem rico manancial de informações sobre o Magreb alguns são utilizáveis para a região saariana de contato com a África negra A crônica sobre os imãs rustêmidas de Taher de Ibn al Saghir início do século X47 permite nos afirmar a existência a partir do fim do século VIII de relações comerciais entre o principado ibadita e Gao Permite nos também completada por compilações posteriores tais como as Siyar de al Wisyani identificar a ocorrência desse comércio em toda a orla saariana da África do Norte Mas essas fontes hagiográficas só fornecem informações de maneira alusiva devem ser lidas de acordo com uma problemática prefixada e constantemente comparadas com outros tipos de fontes Não autorizam em nossa opinião construções e deduções ousadas como a que propõe Lewicki A segunda idade islâmica 1050 1450 O que caracteriza esse longo período é a riqueza a qualidade e a variedade de nossa informação As fontes arquivísticas sempre secundárias em relação aos documentos literários escritos são contudo importantes documentos da Geniza cartas almorávidas e almoadas registros de Waqf fatwas documentos italianos peças oficiais intercaladas nas grandes compilações Os cronistas produzem obras de primeira ordem que valem tanto pela observação dos fatos a eles contemporâneos como pela reprodução de antigas fontes perdidas Finalmente no que se refere à África negra nosso conhecimento atinge seu ponto máximo enquanto com os manuscritos etíopes surgem novos documentos africanos 44 Documenti arabi per la storia dell Ethiopia 1931 45 Djughrafiya Enciclopédia do Islã LErythrée décrite dans une source arabe du Xe siècle Atti dei XIX Congresso degli Orientalisti Roma 1938 46 O primeiro capítulo de seu Tableau é um inventário sistemático das fontes geográficas 47 Publicada nas Actes du XIVe Congrès international des orientalistes 3a parte 1908 e estudada por T LEWICKI 1971 v 13 p 119 e segs 99 As fontes escritas anteriores ao século XV Fontes arquivísticas Valem unicamente para o Egito e o Magreb a Dispomos atualmente dos documentos da Geniza do Cairo que cobrem toda a época em consideração a maior parte entretanto é do período fatímida e apenas alguns pertencem aos séculos mamelucos Esses documentos constituem um bricabraque de papéis de família de correspondência comercial que refletem as preocupações da comunidade judaica do Egito e outros lugares A utilização dos documentos escritos em língua árabe e em caracteres hebraicos não datados exige um certo número de precauções técnicas Mas mesmo como são eles representam um manancial inesgotável de informações48 Pode se classificar na mesma categoria a dos arquivos particulares os registros de Waqf numerosos para a época mameluca conservados pelo Cartório do Cairo49 assim talvez como os fatwas da época haféssida b Por outro lado os documentos europeus relativos ao Egito e ao Magreb datados dos séculos XII XIII e XIV pertencem em parte ao domínio privado e em parte ao domínio público São mantidos nos arquivos públicos e privados de Veneza Gênova Pisa Barcelona e consistem de tratados contratos cartas em geral referentes a relações comerciais Apenas alguns foram publicados por Amari e Mas Latrie50 Oferecem no conjunto uma massa documentária capaz de ampliar o campo da investigação no domínio da história econômica e social c Não temos propriamente dito arquivos de Estado relativos a essa época Mas foram conservadas e publicadas peças oficiais almorávidas e almóadas que lançaram uma nova luz sobre a ideologia e as instituições produzidas pelos dois movimentos imperiais51 Começamos comenta Laroui a ver o almoadismo de dentro já não é impossível escrever uma história religiosa e política da 48 São importantes os trabalhos de S D GOITEIN artigo Geniza in E I 2a ed The Cairo Geniza as source for mediterranean social history Journal of the American Oriental Society 1960 S D GOITEN começou a publicar um estudo muito importante sobre as fontes da Geniza A Mediterranean society the jewish communities of lhe Arab world as portrayed in the Documents of the Cairo Geniza v I Economics Foundations Berkeley Los Angeles 1967 S SHAKED A tentative bibliography of Geniza documents Paris La Haye 1964 H RABIE 1972 p 1 3 Um grande número desses documentos encontra se no British Museum e em Cambridge 49 RABIE H 1972 p 6 8 e 200 50 AMARI I diplomi arabi dei R Archivio Fiorentino Florence 1863 MAS LATRIE Traités de paix et de commerce et documents divers concernant les relations des Chrétiens avec les Arabes dAfrique septentrionale au Moyen Âge Paris 1866 suplemento 1872 51 Lettres officielles almohavides editadas por H MUNIS e A M MAKKI trente sept lettres officielles almohades editadas e traduzidas por E LEVI PROVENÇAL Rabat 1941 Al Baydaq Documents inédits dhistoire almohade ed e trad francesa por E LEVI PROVENÇAL Paris 1928 100 Metodologia e pré história da África dinastia52 De época mais antiga encontramos no Egito enciclopédias histórico jurídicas que reúnem inúmeros documentos oficiais a descrição detalhada que nos oferecem das estruturas fiscais e institucionais do Egito provém em geral de uma consulta prévia a documentos públicos Nesse gênero meio arquivístico meio de crônica podemos classificar os Qawanin al Dawawin de Mammati época aiúbida o Minhadj de Makhzum Subh al sha al Kalkashandi século XIV e as inúmeras obras de al Makrizi dentre as quais os valiosos Khitat século XV53 Al Makrizi é uma fonte preciosa não só para toda a história do Egito islâmico mas também para a história da Núbia do Sudão e da Etiópia54 Fontes narrativas a Crônicas após um século de silêncio o século XII no decorrer do qual encontramos quase apenas o anônimo al Istibsar e obras menores os séculos XIII e XIV nos oferecem uma safra de crônicas ricas em todo ponto de vista desde o Kamil de Ibn al Athir até o Kitab al Ibar de Ibn Khalduri passando por Ibn al Idhari al Nuwairi Ibn Abi Zar al Dhahabi Testemunhas de seu tempo esses homens realizaram também um esforço de síntese dos acontecimentos dos séculos anteriores Nuwairi é tão importante para os Mamelucos como para a conquista do Magreb55 Ibn Idhari tanto para a história almoada como para todo o passado da Ifrikya e o conhecimento de Ibn Khaldun enfim sobre o mundo berbere o faz autoridade suprema em matéria de história da África b Geografia os tratados de geografia aparecem em abundância nesses quatro séculos Seu valor varia conforme o autor e conforme a região descrita Dois geógrafos destacam se da maioria pela amplitude e qualidade de sua observação al Bakri 1068 no século XI e alUmari morto em 1342 no século XIV Enquanto obra tão notória como a de Idrisi é discutível e discutida podemos obter informações originais em obras geográficas menos conhecidas a de Ibn 52 LAROUI A 1970 p 162 53 RABIE H 1972 p 10 20 54 Seu Kitab al Ilman nos dá uma relação dos reinos muçulmanos da Etiópia emprestada é verdade de UMARI Um trecho foi publicado em Leyde em 1790 sob o título de Historia regum islamicorum in Abyssinia 55 Mas esse fragmento conserva se ainda em manuscrito na Biblioteca Nacional do Cairo Assinalemos que IBN SHADDAD autor de uma história agora perdida de Kairuan é considerado uma das fontes principais de IBN AL ATHIR e de NUWAIRI Recentemente foi editada obra anônima o Kitab al Uyun em Damasco por M Saidi com informações interessantes sobre o Magreb 101 As fontes escritas anteriores ao século XV Said por exemplo tão interessante para o Sudão56 Os Masalik e Namalik57 de Bakri representam o apogeu de nosso conhecimento geográfico do Magreb e do Sudão O próprio Bakri não viajou nessas regiões mas utilizou inteligentemente as notas de al Warraq hoje perdidas assim como informações de mercadores e viajantes O Livro de Roger de al Idrisi 1154 no prelo na Itália toma emprestado muita coisa de seus predecessores Confusa quando trata da Etiópia sua descrição torna se mais precisa para a África ocidental Mas aqui e ali aparece uma observação original às vezes preciosa A Geografia de Ibn Said al Gharnata antes de 1288 utiliza se de Idrisi em sua descrição da Etiópia embora traga também informações novas Mas seu interesse principal deve se à descrição que faz do Sudão amplamente baseada nos documentos escritos por um viajante do século XII Ibn Fatima A obra capital do século XIV para o historiador da África negra é a de alUmari Masalik al Absar58 Testemunho de um observador de primeira ordem ela é nossa principal fonte para o estudo do reino do Mali em sua organização interna e em suas relações com o Egito e o Islã Mas é também o relatório árabe mais rico que temos sobre os Estados muçulmanos da Abissínia no século XIV A obra de alUmari apresenta além do interesse de sua descrição o problema do aparecimento do Estado no Sudão e o da islamização como fazia três séculos antes al Bakri relativamente ao problema do grande comércio de ouro Este último autor evoca a profundeza dos laços entre o Magreb e o Sudão o primeiro sugere o deslocamento desses laços para o Egito A obra de Umari é completada por outra de um observador direto da realidade sudanesa e magrebiana Ibn Battuta Mas os geógrafos menores e autores de narrativas de viagens são numerosos e devem de qualquer modo ser consultados Citemos al Zuhri século XII Yakut al Dimashki século XIV a geografia dita Mozhaferiana Ibn Jubayr al Baghdadi Abdari Tijani al Balawi al Himyari c Fontes de inspiração religiosa e literária as fontes religiosas provêm de vários horizontes Notemos as obras de Tabakat e de hagiógrafos sunitas caridjitas marabúticos e mesmo cristãos originários da comunidade copta Citemos 56 Para uma relação completa dos geógrafos ver L KUBBEL e V V MATVEÏV juntamente com o primeiro capítulo de R MAUNY 1961 pela nota de T LEWICKI 1971 e a introdução da tese de A MIQUEL 1967 57 Publicado e traduzido por DE SLANE sob o título Description de lAfrique septentrionale Paris 1911 58 Parcialmente traduzido por M GAUDEFROY DEMOMBYNES sob o título LAfrique moins lEgypte Paris 1927 102 Metodologia e pré história da África figura 51 Manuscrito árabe verso n 2291 fólio 103 Ibn Battuta 2a parte referência ao Mali Fot Bibl Nac Paris 103 As fontes escritas anteriores ao século XV também os manuscritos das igrejas etíopes que reproduzem documentos oficiais em suas margens Todos esses documentos mostram se úteis não apenas para o conhecimento da evolução da sensibilidade religiosa e do mundo religioso mas também para o conhecimento do mundo social Obras como o Riyah de Malik ou os Madarik de Iyadh são ricas em observações sociológicas encontráveis no decorrer da exposição As fontes caridjitas como sabemos são importantes para toda a região saariana do Magreb zona de contato com os Negros Al Wisyani Darjini Abu Zakariya e mesmo um autor tardio como al Shammakhi são seus principais representantes Enfim toda a massa de material em língua árabe ou em copta produzida no Egito medieval pela Igreja local traz esclarecimentos sobre as relações entre as igrejas e entre a hierarquia eclesiástica e o Estado59 São numerosas as fontes propriamente literárias sobre esse período referem se quase que exclusivamente ao Magreb e ao Egito Ainda nessa categoria os Ras alAin de al Qahi al Fadhil e especialmente o grande dicionário de Safadi al Wafibi l Wafayat ocupam um lugar à parte Portanto no que diz respeito à segunda Idade Islâmica nossa documentação é abundante variada e em geral de boa qualidade em contraste com o período precedente Na África propriamente islâmica esses escritos trazem muitos esclarecimentos sobre o funcionamento das instituições e sobre as tendências profundas da história Já não se contentam em traçar apenas um simples quadro político No que concerne à África negra o século XIV é o período do apogeu de nosso conhecimento Espera se no entanto que documentos europeus e autóctones nos permitam aprofundar esse conhecimento e ampliá lo de forma a abranger regiões que até o momento se mantêm na obscuridade Conclusão Não seria exato pensar que o estado das fontes escritas do continente africano antes do século XV seja de extrema pobreza mas a verdade é que no conjunto a África é menos provida que a Europa e a Ásia Todavia enquanto em uma grande parte do continente não existem fontes escritas nas regiões restantes o conhecimento histórico é possível e baseia se no caso do Egito numa documentação excepcionalmente rica Isso significa que uma exploração rigorosa 59 Patrologie orientale coleção essencial Entre as obras que nos dizem respeito citemos as de SEVERO DE ALEXANDRIA século I e de IBN MUFRAH século XI interessantes para a Etiópia Kitab Siyar al Aba al Batariqa Cf também MIGUEL o Sírio ed trad Chabot 3 v 1899 1910 104 Metodologia e pré história da África e atenta desses textos ainda pode contribuir muito embora não se possam esperar grandes descobertas É preciso que nos dediquemos com urgência a todo um trabalho de crítica textual de reedição de confrontação e de tradução já iniciado por alguns pioneiros e que deve ser continuado Por outro lado ainda que nossas fontes tenham sido redigidas no quadro de culturas universais cujo ponto focal se situa fora da África culturas clássicas cultura islâmica têm a vantagem de ser em sua maioria comuns a todos podendo ser lidas numa perspectiva africana mantidas as devidas ressalvas quando diante de qualquer pressuposto ideológico Isso é particularmente verdadeiro para o caso das fontes árabes que continuam sendo a base essencial de nosso conhecimento Sua exterioridade relativa ou absoluta em relação a seu objeto não diminui em nada seu valor a não ser pela distância Não obstante devam ser reconhecidas as diferenças socio culturais é fato que essas fontes valorizam uma certa solidariedade de comunicação africana à qual até agora islamistas e africanistas nem sempre têm se mostrado sensíveis C A P Í T U L O 6 105 As fontes escritas a partir do século XV Paralelamente a profundas mudanças em todo o mundo e em especial na África no final do século XV e princípio do século XVI ocorreram transformações no caráter proveniência e volume das fontes escritas para a história da África Observa se em relação ao período precedente um certo número de novas tendências na produção desse material algumas referentes a todo o continente outras a apenas algumas partes em geral à África ao sul do Saara Inicialmente ao lado do contínuo crescimento de todos os tipos de fontes narrativas narrativas de viajantes descrições crônicas etc surgem numerosos materiais de caráter primário como correspondências e relatórios oficiais comerciais ou missionários escrituras legais e outros documentos arquivísticos raramente encontrados antes desse período Se por um lado a abundância crescente desse material oferece ao historiador um auxílio muito maior por outro torna muito mais difícil uma visão de conjunto Pode se observar também uma nítida diminuição no volume das fontes narrativas árabes para a África ao sul do Saara Não obstante surge nesse período a literatura histórica escrita em árabe por autóctones e é somente a partir dessa época que se faz ouvir a voz de autênticos africanos falando de sua própria história Os mais antigos e mais conhecidos exemplos dessa historiografia local As fontes escritas a partir do século XV I Hrbek 106 Metodologia e pré história da África provêm do cinturão sudanês e da costa africana oriental em outras partes da África tropical só mais tarde é que essa evolução se fará notar Nos últimos duzentos anos os africanos também começaram a escrever em suas próprias línguas usando primeiramente o alfabeto árabe por exemplo em kiswahili haussa fulfulde kanembu diula malgaxe etc e mais tarde o latino Mas também existem materiais históricos e outros em escrita de origem genuinamente africana como os alfabetos bamum e vai Uma terceira tendência resultante da anterior é o aparecimento de uma literatura em inglês e em menor grau em outras línguas europeias feita pelos africanos escravos libertados ou seus descendentes na América conscientes de seu passado africano figura 61 Facsímile de manuscrito bamum Museu do IFAN 107 As fontes escritas a partir do século XV Finalmente temos as narrativas em várias línguas europeias que aos poucos vão ocupando o espaço das fontes árabes A quantidade de obras dessa natureza aumenta progressivamente e nos séculos XIX e XX atinge um tal volume que só os livros de referência bibliográfica poderiam ser contados às dezenas Apesar de todas as mudanças houve evidentemente uma continuidade na historiografia de algumas regiões da África especialmente na do Egito Magreb e Etiópia Nesses países os cronistas e biógrafos mantiveram viva a tradição herdada do período anterior Enquanto no Egito e em parte na Etiópia observou se um certo declínio na qualidade e mesmo quantidade desses trabalhos o Magreb e em particular o Marrocos continuaram a produzir competentes estudiosos que contribuíram grandemente para a história de seus países As áreas geográficas cobertas por fontes escritas também vão registrar uma evolução Enquanto até o século XVI as margens do Sahel sudanês e uma estreita faixa da costa oriental africana formavam os limites do conhecimento geográfico e portanto histórico a nova época viria gradualmente acrescentar a esse espaço novas regiões antes não mencionadas por aquele tipo de fontes A quantidade e a qualidade dessas fontes variam bastante evidentemente de uma região para outra e de um século para outro tornando a classificação por língua caráter propósito e origem dos documentos ainda mais complexa De modo geral registrou se uma expansão da costa para o interior O movimento foi bastante lento só ganhando aceleração no fim do século XVIII A costa africana e seu interior imediato já no século XV haviam sido descritos pelos portugueses de modo sumário Nos séculos seguintes as fontes escritas já então em várias línguas começaram a registrar informes mais detalhados e abundantes sobre as populações costeiras Os europeus penetraram no interior somente em algumas regiões no Senegal e na Gâmbia no delta do Níger e no Benin no Reino do Congo e pelo Zambeze até o Império de Monomotapa trazendo assim essas áreas para o horizonte das fontes escritas Ao mesmo tempo algumas partes da África até então praticamente inexploradas tornaram se mais conhecidas como por exemplo a costa sudoeste africana e Madagáscar Um território muito maior era coberto por fontes escritas em árabe A escola historiográfica sudanesa à medida que ia obtendo informações sobre regiões até então desconhecidas estendia se a outros países sobretudo em direção ao sul de modo que no século XIX toda a região entre o Saara e a floresta e em alguns pontos até a costa podia se considerar coberta por fontes escritas locais Já no interior vastas regiões tiveram que esperar até o século XIX pela produção das primeiras narrativas escritas dignas de confiança 108 Metodologia e pré história da África Mesmo nas regiões costeiras pode se constatar grandes diferenças no que diz respeito à informação histórica em geral a costa atlântica é mais bem provida de documentos escritos que a costa oriental e também a quantidade de material disponível para o antigo Congo a Senegâmbia a costa entre o cabo Palmas e o delta do Níger é muito maior que para a Libéria Camarões Gabão ou Namíbia por exemplo A situação difere também quanto aos períodos há muito mais informação escrita para a costa oriental Benin ou Etiópia nos séculos XVI e XVII que no XVIII e para o Saara mais na primeira metade que na segunda metade do século XIX Devido a essa distribuição irregular dos materiais em relação tanto a espaço tempo e caráter quanto a sua origem e língua é preferível examiná los sob diferentes critérios ao invés de adotar um único procedimento Consequentemente nós os apresentaremos em alguns casos de acordo com as regiões geográficas em outros de acordo com suas origens e caráter África do Norte e Etiópia África do Norte Os materiais para a África do Norte de língua árabe como os de outras partes do continente passaram por algumas profundas mudanças em comparação com o período anterior o mesmo não ocorrendo no entanto com as narrativas históricas locais que continuaram como anteriormente a relatar os principais acontecimentos da maneira tradicional Nenhuma figura comparável aos grandes historiadores árabes da Idade Média surgiu entre os cronistas e compiladores dessa época e a abordagem crítica do historiador preconizada por Ibn Khaldun não foi seguida por seus sucessores A historiografia árabe moderna só vai aparecer no século XX As mudanças que se fazem sentir dizem respeito principalmente a dois tipos de fontes os documentos arquivísticos de diversas origens e os escritos europeus Somente a partir do início do século XVI os materiais primários tanto em árabe como em turco começam a aparecer em maior abundância Os arquivos otomanos são comparáveis em volume e importância aos mais ricos da Europa mas àquela época raramente eram utilizados e estudados por historiadores dessa parte da África É do mesmo período que remontam os arquivos secundários dos países que faziam parte do Império Otomano Egito Tripolitânia Tunísia e Argélia1 Um caso 1 DENY J 1930 MANTRAN R 1965 LE TOURNEAU R 1954 109 As fontes escritas a partir do século XV especial é o do Marrocos que sempre conservou sua independência e seus arquivos preservaram um rico material histórico2 Os documentos são principalmente de arquivos governamentais administrativos e jurídicos os materiais relativos ao comércio à produção à vida social e cultural são menos numerosos pelo menos os de antes do século XIX Isto se deve em parte à falta de arquivos particulares que forneçam informações valiosas para a história econômica e social da Europa Para alguns países e períodos esta lacuna pode ser preenchida por exemplo o material sobre o Marrocos encontrado em muitos países europeus foi coligido e publicado no trabalho monumental de Henri de Castries3 A compilação de coleções similares ou ao menos o arrolamento dos documentos relativos aos demais países da África do Norte está entre as tarefas mais urgentes do futuro próximo Examinando agora as fontes narrativas em árabe pode se constatar uma retração constante na quantidade e na qualidade dos escritos históricos na África do Norte com exceção apenas do Marrocos onde as escolas tradicionais de cronistas continuaram a produzir histórias detalhadas das duas dinastias xerifinas até a época atual Pode se citar como exemplo a Masul de Mokhtar Soussi em vinte volumes e a Histoire de Tetouan em vias de publicação4 Da corrente ininterrupta de historiadores podemos indicar apenas alguns nomes entre os mais destacados A dinastia Sádida encontrou um excelente historiador em al Ufrani morto em c 17385 que cobriu os anos 1511 1670 o período seguinte 1631 1812 foi descrito detalhadamente pelo maior historiador marroquino desde a Idade Média al Zay morto em 18336 enquanto al Nasiri al Slawi morto em 1897 escreveu uma história geral de seu país com ênfase especial no século XIX combinando os métodos tradicional e moderno usando entre outros documentos de arquivos Ele é o autor também de uma obra geográfica bastante rica em informações sobre a vida social e econômica7 A essas obras estritamente históricas devem ser acrescentadas as narrativas de viajantes em sua maioria peregrinos que descreveram não apenas o Marrocos mas também outros países árabes até a Arábia As duas melhores narrativas desse tipo são as escritas por al Ayyashi de Sijilmasa morto em 1679 e Ahmad el Darci de Tamgruti nas proximidades 2 MEKNASI A 1953 AYACHE G 1961 3 Les Sources inédites de lhistoire du Maroc 24 v Paris 1905 1951 4 LÉVI PROVENÇAL E 1922 MOKHTAR SOUSSI Masul 20 v publicados DAOUD Histoire de Tetouan 5 Ed e trad por O HOUDAS Paris 1889 6 HOUDAS Paris 1886 7 Ed no Cairo em 1894 em 4 v Muitas traduções parciais em francês e espanhol 110 Metodologia e pré história da África do Saara morto em 17388 outros textos interessantes são o relatório de el Tamghruti embaixador marroquino junto à corte otomana em 1589 15919 e a Rihla de Ibn Othman embaixador do Marrocos junto à corte de Madri Nos países entre o Marrocos e o Egito as crônicas locais não eram tão abundantes nem tinham a mesma qualidade No que diz respeito à Argélia há histórias anônimas em árabe e em turco de Aru e Khayruddin Barbarossa10 e uma história militar que vai até 1775 de Mohammed el Tilimsani11 A história da Tunísia pode ser reconstituída graças a uma série de anais desde el Zarkachi até 152512 até Maddish el Safakusi morto em 181813 Uma história de Trípoli foi escrita por Mohammed Ghalboun 173914 As crônicas e biografias ibaditas como a de al Shammakhi morto em 1524 merecem atenção especial já que fornecem muitas informações valiosas sobre o Saara e o Sudão15 Biografias ou dicionários biográficos gerais ou específicos na maior parte consagrados a pessoas proeminentes eruditos advogados príncipes místicos escritores etc geralmente combinam materiais biográficos com narrativas históricas esclarecendo muitos aspectos da história cultural e social Obras desse gênero proliferaram em todos os países árabes especialmente no Marrocos Mesmo algumas poesias às vezes em dialetos vernáculos podem servir como fontes históricas como por exemplo os poemas satíricos do egípcio el Sijazi morto em 1719 em que ele descreve os principais acontecimentos de sua época16 No que se refere à história do Egito otomano deve se recorrer a crônicas em grande parte ainda inéditas e inexploradas O Egito produziu nesse período apenas dois grandes historiadores um no início do domínio turco o outro exatamente no fim Ibn Iyas morto em 1524 fez um registro diário da história de sua época oferecendo assim uma riqueza de detalhes raramente encontrada em outras obras17 el Jabarti morto em 1822 é o cronista dos últimos dias do domínio otomano da ocupação napoleônica e da ascensão de Mohammed 8 Ambas traduzidas por S BERBRUGGER Paris 1846 9 Traduzido por H de CASTRIES Paris 1929 10 Editado por NURUDDIN Argel 1934 11 Traduzido por A ROUSSEAU Argel 1841 12 Traduzido por E PAGNA Constantina Sd 13 Publicado em Túnis 1903 14 Publicado por Ettore ROSSI Bolonha 1936 Há também algumas crônicas turcas da Tripolitânia 15 LEWICKI T 1961 16 Mencionado por EL JABARTI 17 WIET G Journal dun bourgeois du Caire 111 As fontes escritas a partir do século XV Ali cobrindo portanto um período crucial da história do Egito18 Embora muitas crônicas e outras obras históricas de todos os países árabes tenham sido publicadas a grande maioria encontra se ainda em manuscritos espalhados por muitas bibliotecas tanto dentro como fora de seu país de origem à espera de estudo e publicação Nesse período as narrativas de viajantes europeus ganham importância crescente Embora o preconceito anti islâmico de seus autores raramente permita relatórios verdadeiramente objetivos elas trazem muitas reflexões e observações interessantes não encontradas em outros documentos já que os escritores locais consideravam muitos aspectos da vida banais e desprovidos de interesse É incontável o número de europeus viajantes embaixadores cônsules mercadores e mesmo prisioneiros entre eles Miguel de Cervantes que deixaram reminiscências e relatórios mais ou menos detalhados dos países do Magreb que visitaram o mesmo aconteceu talvez até com maior intensidade no caso do Egito que atraía muitos visitantes por sua importância comercial e a proximidade da Terra Santa19 De interesse particular é a obra monumental Description de l Egypte 24 volumes Paris 1821 1824 compilada pela comissão científica da expedição de Napoleão Bonaparte fonte inesgotável de todo tipo de informação sobre o Egito às vésperas de uma nova época No século XIX as fontes para a história da África do Norte são tão abundantes quanto para qualquer país europeu As crônicas locais e narrativas de viajantes assumem um lugar secundário em relação às fontes mais objetivas arquivos estatísticas jornais e outros testemunhos diretos ou indiretos permitindo aos historiadores empregar os métodos e abordagens clássicos elaborados para uma história amplamente documentada como a da Europa Duas regiões de língua árabe Mauritânia e Sudão oriental merecem um tratamento especial devido à sua situação particular nos limites do mundo árabe Uma característica comum das fontes nesses dois países é a predominância de biografias genealogias e poesia sobre os anais históricos propriamente ditos pelo menos até o final do século XVIII Em relação à Mauritânia várias genealogias e biografias foram publicadas por Ismaël Hamet20 a que se acrescentam poemas e outros materiais folclóricos recolhidos por René Basset e mais recentemente por H T Norris21 Um exame intensivo de novos materiais foi realizado com 18 Muitas edições uma tradução não muito digna de confiança de Chefik MANSOUR Cairo 1886 1896 19 CARRE J M Cairo 1932 20 Chroniques de la Mauritaine sénégalaise Paris 1911 21 BASSET R 1909 1940 NORRIS H T 1968 112 Metodologia e pré história da África sucesso pelo estudioso da Mauritânia Mukhtar Wuld Hamidun A primeira obra propriamente histórica remonta ao início deste século al Wasil de Ahmad al Shinqiti que é uma enciclopédia da história e da cultura mouriscas do passado e do presente22 Existe um grande número de crônicas locais manuscritas de maior ou menor valor no estilo das crônicas breves de Nema Oualata e Shinqiti23 As fontes árabes da Mauritânia são de especial interesse e importância porque em muitos casos cobrem não somente a Mauritânia propriamente dita mas também todos os países limítrofes do Sudão ocidental Devido às estreitas relações que existiram no passado entre a Mauritânia e o Marrocos as bibliotecas e arquivos marroquinos devem conter certamente um precioso material histórico para o primeiro país Além das fontes árabes há também a literatura narrativa europeia que se inicia no século XV nas regiões costeiras e no fim do século XVII nas regiões fluviais A partir do século seguinte encontramos correspondência diplomática e comercial tanto em árabe como em línguas europeias A historiografia local no Sudão oriental parece ter começado somente nos últimos anos do Sultanato Funj isto é no início do século XIX quando a tradição oral foi registrada por escrito no texto chamado Crônica de Funj do qual existem várias versões24 São fontes valiosas as genealogias de vários grupos árabes25 assim como o grande dicionário biográfico de estudiosos sudaneses o Tebaqat escrito por Wad Dayfallah que constitui um rico manancial de informações sobre a vida social cultural e religiosa do Reino Funj26 O mais antigo visitante estrangeiro conhecido foi o viajante judeu David Reubeni em 1523 Até o século XIX há apenas um pequeno número de obras valiosas mas entre elas se encontram as narrativas de observadores particularmente lúcidos como James Bruce em 1773 W G Browne 1792 1798 e el Tounsy 1803 sendo os dois últimos os primeiros a visitar Darfur27 Na primeira metade do século XIX o Sudão foi de toda a África tropical a região mais visitada por viajantes Suas narrativas são inumeráveis e de variada qualidade enquanto fontes históricas Até a década de 1830 não existe nenhuma fonte escrita para as regiões do alto vale do Nilo ao sul da latitude 12 mas a parte norte é fartamente coberta por documentos arquivísticos do Egito arquivos do Cairo e 22 AL SHINQITI A AlWasit fi tarajim udaba Shinqit Cairo 1910 e muitas edições novas Trad francesa parcial St Louis 1953 23 MARTY P 1927 NORRIS In BIFAN 1962 MONTEIL V In BIFAN 1965 n 3 4 24 Estudado por M SHIBEIKA In Tarïkh Mulk al Sudan Khartum 1947 25 Recolhidas por H A MACMICHAEL In History of the Arabs in the Sudan II Cambridge 1922 juntamente com outros documentos históricos 26 A edição comentada mais atualizada é de Yusuf FADL HASAN Khartum 1971 27 BRUCE J 1790 BROWNE W G 1806 EL TOUNSY Omar 1845 113 As fontes escritas a partir do século XV em menor número europeus São de extrema importância para os últimos vinte anos do século XIX os registros do Mahdiyya que consistem em cerca de 80 mil documentos árabes conservados em sua maioria em Cartum Etiópia A situação da Etiópia é análoga à da África do Norte no que respeita às fontes escritas Como nos países daquela região da África na Etiópia o historiador tem à sua disposição uma grande variedade de documentos tanto internos como externos Pode até empregar material de fontes opostas para alguns períodos cruciais caso por exemplo da invasão muçulmana de Ahmed Gran na primeira metade do século XVI coberta do ponto de vista etíope pela Crônica Real em gueze do Imperador Lebna Dengel e da visão muçulmana pela detalhada crônica escrita em 1543 pelo escriba de Gran Arab Faqih sem mencionar os registros portugueses de testemunhas oculares28 A redação das Crônicas Reais iniciou se no século XIII e há relativas a quase todos os reinos mesmo durante o período de declínio uma ou mais crônicas detalhadas que registram os principais eventos da época29 Essa tradição perdurou por todo o século XIX e uma boa parte do século XX como testemunha a Crônica Amárica do Imperador Menelik II30 Várias obras da literatura etíope de diferentes gêneros podem fornecer precioso material histórico como por exemplo as hagiografias as polêmicas religiosas a poesia as lendas as histórias dos mosteiros etc Um documento único é a História dos Galla do Monge Bahrey 1593 testemunha ocular da invasão galla da Etiópia31 Um século mais tarde Hiob Ludolf o iniciador dos estudos etíopes na Europa compila a partir de informações fornecidas por um especialista etíope uma das primeiras histórias gerais do país32 Sendo o único país cristão que restou na África a Etiópia naturalmente despertou muito mais interesse na Europa que as demais partes do continente isso já desde o século XV Não é de surpreender o grande número de estrangeiros viajantes missionários diplomatas soldados mercadores ou aventureiros que visitaram esse país e dele deixaram registro São não apenas portugueses 28 ARAB FAQIH 1897 1901 CASTANHOSO M 1548 trad inglesa Cambridge 1902 29 Cf PANKHURST R 1966 BLUNDEL H W 1923 30 Escrito por Gabré SELASSIÉ e traduzido para o francês Paris 1930 1931 31 Cf BECKINGHAM C F e HUNTINGFORD G W B 1954 Além da história de BAHREY esse livro contém trechos da History of High Ethiopia de ALMEIDA 1660 32 LUDOLF Hiob 1681 tradução inglesa 1682 1684 114 Metodologia e pré história da África franceses italianos e ingleses mas também muitas pessoas de vários outros países russos tchecos suecos armênios e georgianos33 Ocasionalmente surgem registros turcos ou árabes que de diversos modos complementam as outras fontes34 Da segunda metade do século XIX em diante são os documentos de arquivos de todas as grandes potências europeias como também os de Adis Abeba e mesmo os de Cartum que vão fornecer os principais materiais históricos A importância de um estudo minucioso dos documentos amáricos originais para uma interpretação correta da história foi demonstrada recentemente pela brilhante análise do tratado de Wichale 1889 feita por Sven Rubenson35 África do Sul Em comparação com outras partes do continente com exceção dos países de língua árabe e da Etiópia a África do Sul oferece para o período em estudo uma quantidade muito maior de interessantes materiais escritos na forma de arquivos e de narrativas A falta de fontes de origem genuinamente africana anteriores ao século XIX representa uma certa desvantagem não obstante muitas narrativas europeias preservarem fragmentos de tradições orais dos povos locais As informações mais antigas provêm de marinheiros portugueses ou holandeses cujos navios naufragaram na costa sudeste no decorrer dos séculos XVI e XVII36 Com o estabelecimento da colônia holandesa no Cabo 1652 a produção de materiais torna se mais rica e mais variada consiste por um lado em documentos oficiais mantidos atualmente sobretudo em arquivos da própria África do Sul mas também em Londres e Haia parcialmente publicados ou difundidos por outros meios mas em sua grande maioria inéditos37 por 33 Cf a monumental coleção de BECCARI Rerum Aethiopicarum Scriptores occidentales inediti a seculo XVI ad XX curante 15 v Roma 1903 1911 Mas muitos registros anteriormente desconhecidos foram descobertos depois de BECCARI e estão à espera de publicação e estudo 34 Por exemplo o famoso viajante turco Evliya CHELEBI morto em 1679 cuja obra Siyasat name Livro de viagens contém em seu décimo volume descrições do Egito Etiópia e Sudão O embaixador iemenita al Khaymi al Kawkabani deixou em 1647 um relato vivo de sua missão junto ao Imperador Fasílidas para cujo reino não há nenhuma crônica etíope Publicado por F E PEISER em dois volumes Berlim 1894 e 1898 35 RUBENSON Sven The Protectorate Paragraph of the Wichale Treaty JAH 5 n 2 1964 e discussão com C GIGLIO JAH 6 n 2 1965 e 7 n 3 1966 36 Cf THEAL G M 1898 1903 e BOXER C R 1959 37 Trechos de diários oficiais e outros documentos relativos a povos de fala san khoi e bantu encontram se em MOODIE D 1960 v também THEAL G M 1897 1905 115 As fontes escritas a partir do século XV outro em documentos narrativos representados por livros e artigos escritos por brancos viajantes comerciantes oficiais missionários e colonizadores todos eles observadores diretos das sociedades africanas Durante muito tempo entretanto seu horizonte geográfico permaneceu bastante restrito e foi só na segunda metade do século XVIII que começaram a penetrar realmente o interior das terras Assim é natural que as primeiras narrativas tratem dos Khoi do Cabo hoje desaparecidos A primeira descrição detalhada desse povo depois de alguns registros do século XVII38 é a de Peter Kolb 1705 171239 Durante o período holandês muitos europeus visitaram a colônia do Cabo mas muito raramente chegaram a demonstrar mais que um ligeiro interesse pelos africanos ou a aventurar se para o interior Um grande número de seus relatórios foi reunido por Godee Molsbergen e LHonoré Naber e muitos relatos menos conhecidos têm sido regularmente publicados desde a década de 1920 pela Sociedade Van Riebeeck da Cidade do Cabo40 Um retrato mais detalhado das sociedades africanas pode ser obtido nos arquivos de missionários41 ou nos registros de alguns observadores experientes do fim do século XVIII e início do XIX como Sparrman Levaillant Alberti John Barrow e Lichtenstein42 Um lugar de honra pertence a John Philips cuja vida e trabalho foram dedicados à defesa dos direitos africanos sendo por isso sua obra reveladora de aspectos raramente encontrados em relatos mais conformistas43 Com a expansão comercial missionária e colonial no século XIX material mais rico e em maior quantidade sobre os grupos étnicos africanos mais afastados tornou se acessível Embora a Namíbia fosse esporadicamente visitada no fim do século XVIII44 é somente a partir de 1830 que começam as descrições mais detalhadas da vida dos San Nama e Herero quando então os missionários iniciaram suas atividades45 e a região tornou se alvo de pesquisadores como J Alexander F Galton J Tindall e outros46 38 SHAPERS 1668 TEN RHYNE W 1686 e GREVEBROEK G 1695 Cidade do Cabo 1933 39 KOLB P 1719 40 GODEE MOLSBERGEN E C 1916 1932 LHONORÉ NABER S L 1931 41 Cf por exemplo MÜLLER D K 1923 42 SPARRMAN A 1785 LEVAILLANT F 1790 ALBERTI L 1811 BARROW J 1801 1806 LICHTENSTEIN H 1811 43 PHILIPS J 1828 44 WAITS A D 1926 45 A obra clássica de H VEDDER South West Africa in Early Times Oxford 1938 foi compilada principalmente de relatórios de missionários alemães 46 ALEXANDER Sir James 1836 1967 GALTON G 1853 Journal of Joseph Tindall 1839 1855 Cidade do Cabo 1959 116 Metodologia e pré história da África Situação análoga é observada nas áreas ao norte do rio Orange os relatórios dos primeiros comerciantes e caçadores dão lugar a uma quantidade cada vez maior de trabalhos escritos por pesquisadores e missionários melhor capacitados para a observação devido à sua maior experiência e conhecimento das línguas africanas Podemos citar por exemplo Robert Moffat E Casalis T Arbousset e outros sendo o mais conhecido evidentemente David Livingstone47 Vários documentos arquivos correspondência contratos e atas oficiais etc da história antiga do Lesoto foram coletados por G M Theal48 Uma característica positiva desse período é o surgimento de documentos que expressam pontos de vista africanos como as cartas escritas por Moshesh e outros líderes africanos Diversamente da costa o interior de Natal e da Zululândia tornou se conhecido por forasteiros somente nas primeiras décadas do século XIX Os primeiros observadores como N Isaac ou N F Fynn49 em geral eram inexperientes raramente precisos e careciam de objetividade quando tratavam dos não brancos Já os registros das tradições orais dos Zulu foram feitos relativamente cedo na década de 1880 embora só fossem publicados mais tarde por A T Bryant cujo livro deve todavia ser utilizado com cautela50 Como para outras partes da África a quantidade de materiais escritos por europeus aumentou enormemente no decorrer do século XIX e não cabe aqui examinar com mais detalhe todos os seus tipos e autores Mais interessantes são os registros das reações dos primeiros africanos letrados ou de alguns chefes tradicionais encontrados em correspondências jornais queixas diários contratos ou já mais tarde nas primeiras tentativas de redação da história de seu próprio povo Além da volumosa correspondência entre governantes africanos Moshesh Dingaan Cetwayo Mzilikazi Lobenguela Witbooi os chefes Gríqua e muitos outros e as autoridades coloniais encontramos documentos tais como as Leis 47 MOFFAT R 1842 e 1945 CASALIS E Les Bassutos Paris 1859 ed inglesa Londres 1861 T ARBOUSSET Relation dun voyage dexploration Paris 1842 ed inglesa Cidade do Cabo 1846 LIVINGSTONE D 1957 48 THEAL G M Basutoland Records 3 v Cidade do Cabo 1883 v 4 e 5 manuscritos não publicados nos Arquivos da Cidade do Cabo 49 ISAAC N 1836 FYNN N F 1950 50 BRYANT A T 1929 V também sua A History of the Zulu primeiramente publicada como uma série de artigos em 1911 1913 e depois como livro na Cidade do Cabo 1964 Cf também BIRD J The Annals of Natal 1495 1845 2 v Pietermaritsburg 1888 117 As fontes escritas a partir do século XV Ancestrais Vaderlike Wete da Comunidade Rehoboth do ano de 1874 ou o Diário de Henrik Witbooi51 ambos escritos em africâner Há numerosas petições e queixas de africanos mantidas nos arquivos da África do Sul ou em Londres assim como muitos estudos levantamentos cadastrais e estatísticos feitos com base na informação oral africana Graças ao aparecimento de jornais nas línguas vernáculas podemos acompanhar as ideias dos antigos representantes de uma sociedade em mudança No semanário Isidigimi publicado entre 1870 e 1880 apareceu a primeira crítica à política europeia e seu impacto negativo na vida africana escrita pelos primeiros protonacionalistas como Tiyo Soga morto em 1871 ou G Chamzashe morto em 1896 assim como a compilação das tradições históricas dos Xhosa por W W Gqoba morto em 1888 Outro porta voz da opinião africana desde 1884 foi Ibn Zabantsundu A Voz do Povo Negro que por muitos anos teve como editor John T Jabawu morto em 1921 Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial havia onze jornais em línguas africanas sendo publicados mas nem todos defendendo a causa dos africanos Uma das grandes figuras da época foi Ngoki morto em 1924 que após haver participado ativamente na guerra zulu de 1879 publicou nos Estados Unidos suas reminiscências assim como muitos artigos sobre a vida na África do Sul52 As primeiras histórias escritas pelos próprios africanos só vão aparecer no século XX53 inaugurando assim uma nova época na historiografia sul africana Com efeito a história dessa parte do continente foi por muito tempo enfocada do ponto de vista da comunidade branca que tendia a tratar a história dos povos africanos como algo insignificante e sem importância A luta atualmente em curso na África do Sul em todos os domínios da atividade humana requer também uma nova atitude na abordagem das fontes Uma atenção especial deve ser dispensada aos testemunhos escritos da árdua luta dos africanos por seus direitos54 Só uma pesquisa baseada em todos estes testemunhos e material dará condições para se escrever uma história verídica da África do Sul 51 As leis foram preservadas em Rehoboth e Windhoek o Diário de WITBOOI foi publicado na Cidade do Cabo em 1929 52 Cf TURNER L D 1955 53 Cf PLAATJE S T 1916 e 1930 MOLEMA S M 1920 SOGA J H The South Eastern Bantu 1930 idem Ama Xoza Life and Customs Johannesburg 1930 SOGA T B Lovedale 1936 54 Cf PLAATJE S T 1916 e 1930 MOLEMA S M 1920 SOGA J H The South Eastern Bantu 1930 idem Ama Xoza Life and Customs Johannesburg 1930 SOGA T B Lovedale 1936 118 Metodologia e pré história da África Fontes narrativas externas Se o período entre os séculos IX e XV chega a ser chamado era das fontes árabes devido à predominância de material nessa língua o período em estudo é marcado por um nítido declínio nesse aspecto As razões para essa mudança estão ligadas ao desenvolvimento político e cultural geral do mundo islâmico que serão discutidas mais apropriadamente num volume posterior Isso no entanto não significa que não haja fontes árabes mas que seu número e qualidade com algumas exceções não podem ser comparados nem com o período anterior nem com fontes de outras origens Em árabe e em outras línguas orientais Embora o trabalho de Leão o Africano conhecido originalmente como al Hasan al Wuzzan el Zayyati tenha sido escrito em italiano tem procedência na tradição geográfica árabe além disso as viagens de Leão o Africano no Sudão ocidental e central no início do século XVI foram realizadas antes de sua conversão ao cristianismo e retiro na Itália consequentemente como árabe e muçulmano O trabalho não está isento de erros tanto geográficos como históricos todavia foi que supriu a Europa por quase três séculos com seu único verdadeiro conhecimento do interior da África55 Uma fonte de particular interesse é representada pelas obras sobre navegação de Ahmad Ibn Majid início do século XVI o piloto que conduziu Vasco da Gama do Malindi até a Índia Entre seus numerosos livros sobre teoria e prática da navegação o que trata da costa leste da África é o mais importante já que contém além de uma vasta quantidade de material topográfico e um mapa das rotas marítimas opiniões categóricas sobre os portugueses no oceano Índico56 Alguns detalhes originais sobre a África oriental e o Zanj são encontrados na Crônica da Fortaleza de Aden escrita por Abu Makhrama morto em 154057 Há uma crônica mais recente que trata da mesma região de Salil Ibn Raziq morto 55 Publicado primeiramente em Roma 1550 a melhor tradução moderna é de Jean Léon o Africano Description de lAfrique de A EPAULARD com anotações de A EPAULARD T MONOD H LHOTE e R MAUNY 2 v Paris 1956 56 SHUMOVSKIY T A Tri neizvestnye lotsli Akhmada ibn Majida Três livros desconhecidos de pilotagem de A Ibn M Moscou 1937 57 Publicado por LOFGREN O Arabische Texte zur Kenntnis des Stadt Aden im Mittelalter 3 v Leipzig Upsala 1936 1950 119 As fontes escritas a partir do século XV em 1873 intitulada História dos Imanes e Sayyds de Omã à qual foi incorporado um trabalho anterior escrito na década de 1720 por Sirhan Ibn Sirhan de Omã58 O século XVIII não deixou nenhuma fonte árabe externa de grande valor para a história da África ao sul do Saara e somente no início do século seguinte é que vamos assistir a um certo reflorescimento nesse domínio El Tounsy morto em 1857 já citado descreveu sua visita a Uadai na primeira crônica dedicada àquele reino e redigiu também um valioso relatório sobre Darfur59 Algumas décadas antes e do outro lado do cinturão sudanês o marroquino Abd es Salam Shabayni registrou informações sobre Tombuctu e a região de Macina antes da ascensão dos Dina60 A história do Império Songhai sua queda e o posterior desenvolvimento do vale do Níger foram registrados não só pelos cronistas sudaneses mas também por alguns dos historiadores marroquinos acima mencionados Recentemente muitas fontes até então desconhecidas sobre as relações entre o Magreb e o Sudão foram descobertas em bibliotecas marroquinas e aguardam publicação e estudo por parte dos historiadores da África Deve haver também material muito valioso em árabe e turco disperso pelos outros países norte africanos e na própria Turquia e de cuja existência temos até o presente momento informações extremamente escassas Essa situação oferece perspectivas interessantes para o historiador e a localização organização e tradução desse material estão entre as tarefas mais urgentes para o futuro Os materiais em outras línguas orientais são ainda mais escassos que em árabe o que todavia não significa que não possamos descobrir novos materiais menos ou mais importantes por exemplo em persa ou em certas línguas hindus Até agora a principal fonte ainda é o viajante turco Evliya Chelebi que visitou o Egito e parte do Sudão e da Etiópia no entanto seu conhecimento de outras regiões da África só se fez indiretamente61 O mesmo acontece com seu compatriota o Almirante Sidi Ali que copiou e traduziu do árabe trechos do livro de Ahmad Ibn Majid Al Muhit sobre o oceano Índico acrescentando lhes apenas alguns detalhes62 No início do século XIX um estudioso de Azerbaijani Zain el Abidin Shirvani visitou a Somália a Etiópia o Sudão 58 Trad por BADGER G P Londres 1871 59 Voyage ao Ouaday Trad por Dr PERRON Paris 1851 60 Publicado por JACKSON J G An Account of Timbuctoo and Housa Territories in the Interior of Africa Londres 1820 reeditado em 1967 61 CHELEBI E Seychatname Istambul 1938 62 BITTNER M 1897 120 Metodologia e pré história da África oriental e o Magreb descrevendo suas viagens num livro intitulado Bustanu s Seyahe O Jardim das Viagens63 Parece que existia um nítido interesse pela África especialmente pela Etiópia na Transcaucásia e especialmente entre os armênios No fim do século XVII dois padres armênios Astvacatur Timbuk e Avatik Bagdasarian empreenderam uma viagem pela África da qual mais tarde deixaram descrição começando na Etiópia e continuando através da Núbia Darfur lago Chade e Tecrur até o Marrocos64 Em 1821 Warga um armênio de Astrakhan cruzou o Saara partindo do norte visitou Tombuctu e chegou à Costa do Ouro onde escreveu em inglês sua narrativa breve mas rica em informações65 Outros materiais relativos à África em armênio ou georgiano existem nas bibliotecas e arquivos nas respectivas repúblicas soviéticas66 Em línguas europeias O enorme volume da literatura europeia sobre a África tropical desde o início do século XVI torna impossível uma enumeração até mesmo dos trabalhos ou autores mais importantes No entanto um estudo do caráter geral e uma avaliação dessa literatura como fonte para a história da África servirão melhor ao propósito deste capítulo que um arrolamento interminável de nomes e títulos Já falamos das alterações nos limites geográficos no início do século XVI toda a linha costeira do Senegal até o cabo Guardafui era conhecida dos portugueses que no fim do mesmo século penetraram no interior no antigo Congo Angola e ao longo do Zambeze Os dois séculos seguintes acrescentaram muito pouco ao conhecimento europeu houve algumas tentativas esporádicas de cruzar o Saara contatos mais duradouros foram estabelecidos ao longo do Senegal e Gâmbia e um viajante foi do Zambeze até Kilwa parando no lago Malauí Por outro lado as informações sobre os povos costeiros especialmente na África ocidental tornaram se mais detalhadas e variadas A exploração sistemática do 63 Cf KHANYHOV M in Mélange Asiatique S Petersburgo 1859 Os trechos relativos à África oriental estão sendo preparados para uma tradução de V P SMIRNOVA em Leningrado 64 KHALATYANC G Armyanskiv pamyatnik XVII v o geograffi Abssinii i Severnoy Afrique voobchetche Memória Armênia do século XVII sobre a Geografia da Etiópia e da África do Norte em Geral in Zemlevedenye v 1 2 Moscou 1899 65 Cf CURTIN P D 1967 dir de publ Africa Remembered Madison 1967 p 170 89 WILKS I Wargee of Astrakhan V também OLDEROGGE D A Astrakhanec v Tombuktu v 1821 g Um homem de Astrakan em Tombuktu em 1821 AfricanaAfrikanskiy etnografitcheskiy sbornik VIII Leningrado 1971 66 Uma série de documentos sobre a história das relações entre a Etiópia e a Armênia dos tempos antigos até o século XIX está sendo publicada pelo Instituto de Estudos Orientais da RSS da Armênia Erevan 121 As fontes escritas a partir do século XV interior africano iniciou se somente no fim do século XVIII terminando com a divisão do continente entre as potências coloniais Em termos de representação nacional pode se dizer que os autores do século XVI eram predominantemente portugueses os do XVII holandeses franceses e ingleses os do XVIII principalmente ingleses e franceses e os do XIX ingleses alemães e franceses Outras nações europeias foram evidentemente representadas no decorrer de todos esses séculos como por exemplo os italianos no Congo no século XVII e no Sudão oriental no XIX ou os dinamarqueses na Costa dos Escravos e na Costa do Ouro nos séculos XVIII e XIX E há entre os autores de livros de viagens e descrições mas especialmente no último século pessoas da Espanha Rússia Bélgica Hungria Suécia Noruega Tchecoslováquia Polônia Suíça Estados Unidos Brasil e por vezes até um grego romeno ou maltês Felizmente a maioria dos livros escritos em línguas menos conhecidas tem sido traduzida para línguas mais acessíveis Ao avaliar os materiais europeus devemos levar em consideração não tanto a nacionalidade dos autores mas sim a mudança de atitudes dos europeus em relação aos africanos e suas sociedades em geral Seria simplista afirmar que os escritores portugueses estavam mais inclinados a observar com preconceitos cristãos os povos que descreviam do que os ingleses por exemplo ou que os holandeses estavam mais propensos à observação objetiva do que os escritores de outras nações Evidentemente há diferença entre um cronista português do século XVI cuja abordagem estava impregnada dos valores medievais e um estudioso ou médico holandês do fim do século XVII produto de uma cultura já mais racional A quantidade e variedade dos materiais à nossa disposição não nos permitem nenhuma generalização apressada somente a análise individual de cada um de acordo com seus méritos que leve em consideração evidentemente sua data e o assunto tratado nos permitiria formalizar um julgamento Deve se também evitar a falácia de que com o tempo houve uma melhora gradual na objetividade das narrativas e de que quanto mais nos aproximamos da atualidade mais científicas se tornam as observações sobre a realidade africana o que equivaleria a admitir aprioristicamente que uma narrativa de um viajante do século XIX tem simplesmente por isso uma credibilidade maior que uma narrativa escrita três séculos antes Burton e Stanley enquanto observadores eram prisioneiros da ideia apresentada como cientificamente provada da superioridade dos homens brancos do mesmo modo que os autores portugueses eram prisioneiros da pretensa superioridade de sua fé cristã O período do comércio de escravos não era em geral favorável a narrativas objetivas sobre os africanos mas as necessidades práticas do comércio exigiam um estudo 122 Metodologia e pré história da África minucioso das atividades econômicas e sistemas de governo na África de modo que temos já nessa época uma série de fontes muito valiosas Livros sobre a África e os africanos foram escritos por missionários comerciantes funcionários públicos oficiais da marinha e do exército cônsules exploradores viajantes colonizadores e alguns por aventureiros e prisioneiros de guerra Cada qual tinha seus próprios interesses assim sendo os propósitos e abordagens variam consideravelmente As narrativas de viajantes típicas de um certo gênero literário estavam preocupadas com um mundo desconhecido exótico e estranho e deviam responder às exigências gerais de seus leitores Essa inclinação pelo exótico e pela aventura ornamentada por opiniões mais ou menos fantásticas sobre os povos africanos ou descrevendo com complacência os inúmeros perigos encontrados pelo heroico viajante persistiu até o século XIX67 Os missionários dispensavam alguma atenção às religiões africanas mas em sua maioria careciam da habilidade e boa vontade para compreendê las e estavam preocupados principalmente em expor seus erros e barbarismo por outro lado eles conheciam as línguas locais estando portanto numa posição melhor que os outros para apreender a estrutura social Às vezes demonstravam interesse pela história passando então a coletar as tradições orais locais No século XIX a maior parte da literatura narrativa provém dos exploradores que de acordo com a tendência da época tinham sua atenção voltada principalmente para a solução de grandes problemas geográficos de modo que sua contribuição serviu mais para a geografia física que para o conhecimento da sociedade africana A maioria deles estava mais interessada nas vias navegáveis do que nas vias da cultura68 E muitos sendo cientistas naturais careciam de senso histórico ou acreditavam no mito da ausência de história africana Existem evidentemente exceções a essa regra sendo a mais famosa a de Heinrich Barth Por outro lado surgiram já no decorrer do século XVIII certas histórias de Estados ou povos africanos como The History of Dahomy Londres 1793 de Archibald Dalzel que num exame minucioso revela se como um panfleto antiabolicionista Depois de mostrar algumas deficiências das fontes narrativas europeias podemos agora examinar seus aspectos mais positivos Acima de tudo elas nos fornecem a estrutura cronológica tão necessária na história da África onde a datação é um dos pontos mais fracos da tradição oral Mesmo uma única data dada por um viajante ou outro autor por exemplo de seu encontro com 67 Cf agora ROTHBERG R 1971 68 MAZRUI A A 1969 123 As fontes escritas a partir do século XV alguma personalidade africana pode constituir um ponto de partida para toda a cronologia de um povo e às vezes até para mais de um O simples fato de estarem registradas por escrito não significa entretanto que todas as datas devam estar corretas Há casos em que autores europeus relatando boatos ou tentando calcular um intervalo de tempo de acordo com fontes não controláveis cometeram erros mais ou menos graves Mas os europeus tinham em geral à sua disposição uma medida do tempo tecnicamente mais desenvolvida A literatura narrativa é de importância primordial como fonte da história econômica rotas comerciais principais mercados mercadorias e preços agricultura e artesanato recursos naturais tudo isso podia e era observado e descrito sem preconceitos Com efeito os europeus necessitavam em seu próprio favor de narrativas tão objetivas quanto possível sobre esses assuntos É verdade que os recursos naturais ou possibilidades econômicas de algumas regiões foram pintados com cores muito brilhantes a fim de se fazerem realçar os méritos do explorador Mas o historiador está acostumado a esses exageros e os leva em consideração O que os europeus mais bem registraram foram suas observações dos aspectos exteriores das sociedades africanas dos chamados usos e costumes os documentos fornecem descrições ricas precisas e requintadas de várias cerimônias vestimentas comportamentos estratégias e táticas de guerra técnicas de produção etc não obstante às vezes a descrição ser acompanhada por epítetos como bárbaro primitivo absurdo ridículo e outros termos pejorativos o que por si só não significa muito trata se somente de um julgamento em função dos hábitos culturais do observador Muito mais grave é a total falta de compreensão da estrutura interna das sociedades africanas da complicada rede de relações sociais da ramificação das obrigações mútuas das razões mais profundas para determinados comportamentos Em suma os autores eram incapazes de descobrir as motivações profundas das atividades africanas Apesar de tudo a redação da história da África seria quase impossível sem o material fornecido pelas fontes narrativas europeias Elas podem ter suas deficiências ignorar muitos detalhes ou tratá los de um ponto de vista preconceituoso parcial ou ainda interpretá los incorretamente Mas estes são riscos normais inerentes a toda historiografia e não é razão para se rejeitar esse amplo e extremamente importante conjunto de informações Ao contrário há uma necessidade urgente de se reeditar o maior número possível de narrativas desse tipo e de publicá las com comentários e notas apropriados tornando possível assim sua avaliação e reinterpretação à luz da nova historiografia da África 124 Metodologia e pré história da África Fontes narrativas internas Durante o período que estamos estudando ocorreu um novo fenômeno de consequências capitais o aparecimento e desenvolvimento de uma literatura histórica escrita por africanos da região ao sul do Saara O meio de expressão não era inicialmente nenhuma das línguas africanas locais mas sim o árabe cujo papel no mundo islâmico pode ser comparado ao que o latim representou na Idade Média europeia isto é o meio de comunicação entre os povos cultos e mais tarde também algumas das línguas europeias A tradição historiográfica parece ter começado ao mesmo tempo no cinturão sudanês e na costa africana oriental precisamente nas duas grandes regiões cobertas até essa época pelas fontes árabes externas e nas quais o Islã exerceu uma prolongada influência As mais antigas crônicas existentes datam do início do século XVI embora relatem eventos dos períodos anteriores A primeira o Tarikh al Fattash obra de três gerações da família Kati de Djenné cobre a história do Songhai e dos países vizinhos até a conquista marroquina em 1591 Mais extenso e mais rico em detalhes é o Tarikh al Sudan escrito pelo historiador de Tombuctu El Saadi e que cobre em parte o mesmo período continuando porém até 1655 Ambas são obras de grandes estudiosos com um vasto campo de interesses e um conhecimento profundo dos acontecimentos seus contemporâneos Mais significativo ainda é o fato de pela primeira vez podermos ouvir a voz de africanos autênticos mesmo sabendo serem os autores francamente partidários do Islã e observarem os acontecimentos desse ponto de vista No século XVIII tem origem uma história anônima mas muito detalhada dos paxás marroquinos de Tombuctu entre 1591 e 1751 contendo também material útil dos países e povos vizinhos69 Outro tipo de fonte é representado pelo dicionário biográfico dos intelectuais do Sudão ocidental compilado pelo famoso estudioso Ahmed Baba de Tombuctu morto em 162770 É à mesma região do Império Songhai que pertence o Tarikh Say crônica árabe de Ibn Adwar escrita segundo dizem em 1410 Se fosse autêntica seria o mais antigo documento existente escrito na África ocidental Contudo parece ser mais propriamente uma versão tardia da tradição oral71 69 Tarikh al Fattach Trad e comentado por O HOUDAS e M DELAFOSSE Paris 1913 reed 1964 Tarikh al Sudan trad e comentado por O HOUDAS Paris 1900 reed 1964 Tadhkirat es nisyan trad e anotado por O HOUDAS Paris 1899 reed 1964 70 Publicado em Fez 1899 e no Cairo 1912 71 Cf MONTEIL V BIFAN 28 1966 p 675 125 As fontes escritas a partir do século XV De Tombuctu e Djenné a tradição da crônica escrita expandiu se para outras áreas especialmente para o sul e oeste na região situada entre o Sahel e a floresta tropical e em alguns casos até mais ao sul ainda Intelectuais muçulmanos começaram a registrar por escrito a partir da metade do século XVIII ou até antes disso crônicas locais genealogias de clãs biografias concisas e livros religiosos O exemplo mais notável é Kitab Gonja escrito depois de 1752 que é uma história do Reino Gonja baseada em parte em tradições orais72 Há muitas crônicas de menor importância e é de se esperar que outras surjam em outros lugares nessa região sob influência das comunidades diula ou haussa ou de ambas A maior parte desses trabalhos está escrita em árabe Muitas crônicas também foram escritas em ajami isto é em línguas locais mas com caracteres árabes A situação é análoga nas regiões de fala fulfulde sobretudo em Futa Toro e Futa Djalon Na própria Guiné assim como em Dacar e nas bibliotecas em Paris há muitas crônicas daquelas regiões em árabe ou em fulfulde ou em ambas a maioria datando dos séculos XVIII e XIX Os materiais de Futa Djalon só recentemente foram publicados e examinados em obras científicas Quanto a esse aspecto pode se fazer referência à coleção de Gilbert Vieillard mantida na biblioteca do IFAN em Dacar73 Já para Futa Toro a situação é outra as Crônicas dos Futa Senegaleses de Siré Abbas Soh um autor do século XVIII tornaram se acessíveis já há meio século74 Outro antigo trabalho um dicionário biográfico de Muhammad el Bartayili chamado Fath el Sahkur c 1805 está sendo preparado para publicação por John O Hunwick uma história mais moderna dos Futa Toro escrita em 1921 por Xeque Kamara Musa de Ganguel e intitulada Zuhur al Basatin Flores dos Jardins ainda não foi publicada75 No norte da Nigéria também crônicas e outras fontes em árabe surgiram em data relativamente recente O imame Ibn Fartuwa fim do século XVI deixou um relato fascinante e detalhado da vida e da época de Mai Idris e de suas guerras76 De período mais recente são as várias listas de governantes e crônicas do Bornu Uma fonte excepcional é representada pelos chamados mahrams registros de privilégios concedidos por governantes a famílias de notáveis religiosos através dos quais podemos perceber também condições econômicas 72 V sobre esses e outros assuntos WILKS I 1963 e HODGKIN T 1966 73 SOW A I 1968 DIALLO T 1968 74 Trad por M DELAFOSSE e H GADEN Paris 1913 75 Mantida na biblioteca do IFAN Dacar cf MONTEIL V 1965 p 540 76 Editado por H R PALMER Kano 1930 trad in Sudanese Memoirs I Lagos 1928 e in History of the first twelve years of Maï Idriss Alaoma Lagos 1929 126 Metodologia e pré história da África e sociais77 Não resta muita coisa do material histórico pré jehad na região haussa embora o nível de instrução especialmente entre os líderes religiosos fulani fosse relativamente alto78 mas alguns poemas na língua haussa ou em kanuri Bornu contêm comentários sobre acontecimentos da época79 O início do século XIX presenciou um renascimento da literatura árabe no Sudão central e ocidental além dos trabalhos naquela língua um número cada vez maior de livros foi escrito em línguas locais como haussa fulfulde kanuri mandara kotoco etc utilizando caracteres árabes Os mais produtivos foram os líderes dos jehad fulani no norte da Nigéria apesar de grande parte de sua produção literária tratar de assuntos religiosos e somente algumas obras poderem ser consideradas verdadeiras crônicas80 toda essa literatura em árabe ou numa das línguas africanas ajuda a construir um quadro mais coerente da vida social e intelectual nessa região As crônicas das cidades haussa Kano Katsina Abuja etc embora originárias do fim do século XIX baseiam se de certa medida em documentos mais antigos ou na tradição oral81 Um desenvolvimento similar ocorreu mais a leste em Baguirmi Kotoco Mandara e Uadai Algumas crônicas ou listas de reis já foram publicadas mas muitas outras ainda estão em manuscritos e espera se descobrir outras mais em coleções particulares82 Uma crônica rimada em fulfulde descreve a vida e as atividades do grande reformador tukulor al HadjdjUmar83 autor de um trabalho religioso Rimah Hizb el Rahim Lanças do Partido do Deus Misericordioso que contém também muitas alusões históricas às condições de vida no Sudão ocidental84 77 Recolhido por H R PALMER nas suas Sudanese Memoirs 3 v Lagos 1928 e em The Bornu Sahara and the Sudan Londres 1936 cf também Y URVOY Chroniques du Bornu Journ Société des Africainistes II 1941 78 HISKETT M 1957 p 550 558 BIVAR A D H e HRSKETT M 1962 p 104 48 79 Cf PATTERSON J R 1926 80 BELLO MUHAMMAD Infaqu l maysur editado por C E J WHITING Londres 1951 trad inglesa da paráfrase haussa de E J ARNETT The Rise of the Sokoto Fulani Kano 1922 Abdullahi DAN FODIO Tazyin al waraqat trad e coment por M HISKETT Londres 1963 HAJJI SACID History of Sokoto trad por C E J WHITING Kano sd também uma tradução francesa de O Houdas Tadhkirat annisyan Paris 1899 81 The Kano Chronicle Trad por H R PALMER in Sudanese Memoirs III 1928 sobre Katsina cf op cit p 74 91 sobre Abuja v MALLAMS HASSAN e SHUAIBU A Chronicle of Abuja trad do haussa por P L HEATH Ibadan 1952 82 Cf H R PALMER 1928 várias obras de J P LEBOEUF e M RODINSON em Études camerounaises 1938 1951 1955 e BIFAN 1952 e 1956 M A TUBIANA sobre Uadai in Cahiers détudes africaines 2 1960 83 RYAM M A La vie dEl Hadj Omar Qasida en Poular Trad por H CAHEN Paris 1935 84 Kitab Rimah Hizb al Rahim Cairo 1927 nova ed e trad está sendo preparada por J R WILLIS 127 As fontes escritas a partir do século XV A costa africana oriental pode ser comparada com o Sudão quanto ao número de suas crônicas Há crônicas de muitas cidades escritas em árabe ou em kiswahili em escrita árabe que fornecem listas de reis e narrativas da vida política Somente a crônica de Kilwa é realmente antiga Foi composta em 1530 aproximadamente e chegou até nós em duas versões diferentes uma transmitida por de Barros e a outra copiada em Zanzibar em 187785 As crônicas na sua maioria só foram compiladas recentemente embora algumas remontem à segunda metade do século XVIII Muitas delas se concentram em acontecimentos anteriores à chegada dos portugueses Constituem de certa forma registros de tradições orais e devem ser tratadas e avaliadas como tais86 Um número considerável de manuscritos ainda pertence a coleções particulares Desde 1965 mais de 30 mil páginas de manuscritos swahili e árabes também foram descobertas e é de se esperar que quando toda a costa tiver sido completamente explorada encontremos materiais que venham esclarecer muitos aspectos desconhecidos da história da África oriental87 Além das crônicas das cidades outros gêneros literários podem ser utilizados com proveito pelos historiadores como por exemplo a poesia swahili notadamente o poema al Inkishafi composto na segunda década do século XIX que descreve a ascensão e o declínio de Pate88 A produção literária dos africanos em línguas europeias tem início dois séculos mais tarde que a redação em árabe Como era de se esperar os primeiros exemplares foram produzidos por indivíduos da costa ocidental onde os contatos com o mundo exterior eram mais intensos que em qualquer outro ponto Apesar dos nomes de Jacobus Captain 1717 1747 A William Amo c 1703 c 1753 e Philip Quaque 1741 1816 todos de origem fanti não deverem ser esquecidos como os pioneiros da literatura africana em língua europeia sua contribuição para a historiografia da África foi insignificante Incomparavelmente mais importantes como fontes históricas são os trabalhos dos escravos libertados da segunda metade do século XVIII Ignatius Sancho 1729 1780 Ottobah Cugoano c 1745 1800 e Oloduah Equiano Gustavus Vasa c 1745 1810 Todos os três estavam especialmente interessados na abolição do comércio de escravos e seus livros embora polêmicos fornecem muito material biográfico 85 Analisado por FREEMAN GRENVILLE G S P The Medieval History of the Coast of Tanganyika Oxford 1962 86 Sobre as crônicas árabes e swahili em geral cf FREEMAN GRENVILLE G S P 1962 PRINS A H J 1958 ALLEN J W T 1959 p 224 27 87 A mais importante descoberta desse tipo nos últimos anos foi a de Kitab al Zanj Livro dos Zanj que trata da história da Somália do sul e do Quênia do norte cf CERULLI E 1957 88 Cf HARRIES L 1962 128 Metodologia e pré história da África sobre a situação dos africanos tanto na África como na Europa89 Do mesmo período provém um documento único o diário de Antera Duke um dos principais comerciantes de Calabar escrito em pidgin English local e que cobre um longo período embora um pouco breve esse diário nos fornece importantes dados sobre a vida cotidiana num dos mais importantes portos negreiros90 Em Madagáscar o grande rei merina Radama I 1810 1828 mantinha uma espécie de diário em escrita árabe sura be Em 1850 aproximadamente dois outros aristocratas merina Raombana e Rahaniraka escreveram no alfabeto latino relatos que ajudam a reconstruir uma imagem mais completa da vida cotidiana dos Merina no século XIX91 Durante o século XIX muitos africanos ou afro americanos participaram de viagens de exploração ou publicaram reflexões sobre a vida africana às vezes em combinação com polêmicas de diversa natureza Samuel Crowther um ioruba educado em Serra Leoa e na Grã Bretanha tomou parte das expedições do Níger de 1841 e 1853 deixando descrição de suas viagens92 Thomas B Freeman nascido na Inglaterra de origem mestiça viajou muito na África ocidental e descreveu os povos da costa e do interior com simpatia e inspiração93 Dois afro americanos Robert Campbel e Martin R Delany foram para a Nigéria na década de 1850 em busca de área adequada para uma possível colônia de afro americanos94 Um liberiano Benjamin Anderson descreveu com muitos detalhes e observação precisa sua viagem no alto vale do Níger95 Dois eminentes líderes africanos Edward W Blyden e James Africanus B Horton pertencem a uma classe particular Alguns dos livros papeis e artigos de Blyden constituem por si só uma fonte histórica outros já têm um caráter de interpretação histórica mas mesmo assim são indispensáveis para qualquer pesquisa que trate do surgimento da consciência africana96 O mesmo se pode dizer do trabalho de Horton com a diferença de que suas 89 SANCHO I 1781 CUGOANO O 1787 The Interesting Narrative of the Life of Olaudah Equiano or Gustavus Vasa the African Londres 1798 90 FORDE D 1956 Os manuscritos originais foram destruídos na Escócia pelos bombardeios durante a última guerra mas foram preservadas cópias de alguns trechos de 1785 1787 91 BERTHIER H 1933 Manuscrito de Raombana e Rahaniraka Bull de lAcadémie Malgache 19 1937 p 49 76 92 Cf Journals of the Rev J J Schön and Mr Crowtlher Londres 1842 CROWTHER S 1855 93 FREEMAN T B 1844 94 CAMPBEL R 1861 DELANY M R 1861 95 ANDERSON B 1870 96 Sobre BLYDEN cf LYNCH H R 1967 129 As fontes escritas a partir do século XV observações tendiam a ser mais precisas quando tratava das sociedades com as quais manteve mais estreito contato97 Esses dois homens pertencem já a uma fase de transição com o grupo de africanos que começaram a escrever a história de seus próprios países ou povos Uma primeira tentativa embora com maior ênfase na etnografia foi feita pelo Ab Boilat um mulato de St Louis em seus Esquisses Sénégalaises98 Um interesse maior pela historiografia baseada principalmente na tradição oral pode se observar nas regiões da África sob domínio britânico mas somente no fim do século XIX C C Reindorf um ga publicou em 1895 em Basle sua History of the Gold Coast and Asanle e é considerado o primeiro historiador moderno de origem africana Com ele e Samuel Johnson cuja History of the Yorubas é contemporânea do livro de Reindorf mas só foi publicada em 1921 inicia se a cadeia ininterrupta de historiadores africanos a princípio amadores na maioria missionários mais tarde profissionais Suas ideias e suas obras são abordadas no capítulo dedicado ao desenvolvimento da historiografia da África Todas essas fontes narrativas escritas em árabe ou nas diversas línguas africanas e europeias formam um vasto e rico conjunto de materiais históricos Elas não cobrem evidentemente todos os aspectos do processo histórico e possuem um caráter regional oferecendo em alguns casos apenas uma imagem fragmentária As fontes escritas por muçulmanos demonstram em geral um pronunciado ponto de vista islâmico que aparece claramente quando abordam sociedades não muçulmanas Os autores de fontes narrativas em línguas europeias eram ao mesmo tempo polemistas em campanha contra o comércio de escravos ou em favor da igualdade e portanto com uma certa tendência à parcialidade Mas trata se de limitações normais de todas as fontes narrativas e cientes delas devemos ainda assim reconhecer que possuem uma vantagem decisiva são vozes dos africanos que nos revelam uma outra face da história que esteve sufocada pela torrente de opiniões estrangeiras Fontes arquivísticas particulares relatórios confidenciais e outros testemunhos Fontes particulares são essencialmente os documentos escritos que resultam da necessidade de registrar várias atividades humanas e que originalmente 97 HORTON J A B 1863 Letters on the Political Conditions of lhe Gold Coast Londres 1870 98 Paris 1833 130 Metodologia e pré história da África não eram destinados ao público mas apenas a um pequeno grupo de pessoas interessadas Compreendem assim principalmente a correspondência oficial e particular relatórios confidenciais de várias transações registros comerciais estatísticas documentos particulares de diversos tipos tratados e acordos diários de bordo etc Esse material é a matéria prima do historiador já que oferece ao contrário das fontes narrativas feitas com um propósito bem definido um testemunho objetivo isento em princípio de quaisquer segundas intenções visando um vasto público ou a posterioridade Esse material é encontrado principalmente em arquivos e bibliotecas estatais ou particulares A antiga ideia de que não há fontes escritas particulares suficientes para a história da África já não tem fundamento Existem não apenas coleções extremamente ricas de documentos nas antigas metrópoles assim como extenso material na própria África produzidos nos períodos pré colonial e colonial por instituições particulares ou ligadas aos Estados europeus mas também coleções de material particular originárias dos próprios africanos escritas em línguas europeias ou em árabe Enquanto anteriormente esses documentos eram considerados raridades encontradas somente em alguns lugares muito especiais está claro agora que existe uma grande quantidade de fontes escritas de origem africana em várias partes do continente e também nos arquivos europeus e asiáticos Observemos primeiramente o material escrito em árabe Para o período anterior ao século XIX foram descobertos até agora somente exemplares isolados de correspondência local e internacional provenientes sobretudo da África ocidental Há cartas do sultão o otomano ao Mai Idris do Bornu em 1578 descobertas em arquivos turcos e alguma correspondência do sultão do Marrocos ao Askiya de Songhai e ao Kanta de Kebbi também do fim do século XVI O árabe era utilizado como língua diplomática não apenas pelas cortes islamizadas do Sudão mas também por governantes não muçulmanos O caso mais conhecido é o dos Asantehenes que utilizaram os serviços de escribas muçulmanos que escreviam em árabe para redigir sua correspondência com seus vizinhos do norte assim como com os europeus da região costeira Algumas dessas cartas foram encontradas na Biblioteca Real em Copenhague A chancelaria árabe de Kumasi funcionou durante grande parte da segunda metade do século XIX e o árabe também era utilizado para manter registros de decisões administrativas e judiciais transações financeiras etc No outro lado da África tem se como exemplo o tratado escrito em árabe entre o comerciante de escravos francês Morice e o sultão de Kilwa no ano de 1776 O século XIX presenciou um aumento considerável da correspondência em árabe em todo o continente Com o estabelecimento de Estados centralizados no Sudão houve um desenvolvimento das atividades administrativas e diplomáticas tendo 131 As fontes escritas a partir do século XV sido descoberto um abundante material desse tipo principalmente no sultanato de Socotoe em seus emirados dependentes de Guandu a Adamaua no Estado de Macina ou no Estado de Liptako e no Império de Bornu Todos os governantes muçulmanos de grandes ou pequenos Estados mantinham correspondência intensa entre si e com as potências coloniais em desenvolvimento Em muitos arquivos dos países da África ocidental e em alguns da Europa encontram se milhares de documentos em árabe de personalidades como al HadjdjUmar Ahmadu Seku Ma Ba Lat Dyor Mahmadu Lamine Samory al Bakkai Rabih e muitos outros líderes e chefes de menor envergadura As administrações coloniais em Serra Leoa Guiné Nigéria e Costa do Ouro também mantinham sua correspondência com eles em árabe Existem cartas trocadas entre o paxá otomano de Trípoli e os xeques bornu entre o sultão do Darfur e o Egito entre Tombuctu e o Marrocos O mesmo ocorreu com a África oriental parece entretanto que os arquivos de Zanzibar não são tão ricos em documentos árabes como poderia se esperar de uma cidade com tão grandes interesses comerciais e políticos Deve haver evidentemente um vasto número de documentos com diversidade de conteúdo em coleções particulares a reunião e catalogação de todos eles não será uma tarefa fácil mas é indispensável no futuro próximo Muitos textos foram escritos na escrita vai que foi inventada em 1833 aproximadamente por Momolu Duwela Bukele e expandiu se muito rápidamente entre o povo Vai de modo que no fim do século quase todos a conheciam e empregavam correntemente na correspondência particular e oficial na manutenção das contas e também na redação de leis costumeiras provérbios contos e fábulas Muitos povos vizinhos como os Mende os Toma Loma os Gerze Kpele e os Basa adotaram e adaptaram a escrita vai empregando a com propósitos semelhantes99 No início do século XX o Sultão Njoya de Bamum Camarões inventou para a língua bamum uma escrita especial que ele reformou quatro vezes durante sua vida mas contrariamente à escrita vai utilizada geralmente pela maioria do povo o conhecimento da escrita bamum permanecia restrito a um pequeno grupo da corte do sultão Todavia Njoya compôs um grande volume sobre a história e costumes de seu povo nessa escrita um livro no qual ele continuou a trabalhar durante muitos anos e que constitui um verdadeiro manancial de informações valiosas sobre o passado100 99 Cf DALBY D A 1967 p 151 100 Histoire et coutumes des Bamum rédigés sous la direction du Sultan Njoya Trad por P Henri MARTIN Paris 1952 O original é mantido no palácio do sultão em Fumbam 132 Metodologia e pré história da África Devemos acrescentar os textos em nsibidi101 do Cross River Valley sudeste da Nigéria que consistem em inscrições em santuários e formas especiais de linguagem utilizadas entre os membros de algumas sociedades secretas O material nas línguas europeias abrange o período do século XVI até hoje Escrito numa dúzia de línguas é imensamente abundante e está disperso pelo mundo inteiro em centenas de lugares diferentes arquivos bibliotecas e coleções particulares Essa situação torna sua utilização pelos historiadores bastante difícil especialmente em casos onde não há guias nem catálogos à disposição Foi por essa razão que o Conselho Internacional de Arquivos sob os auspícios e com o apoio moral e financeiro da UNESCO começou a preparar uma série de guias para as fontes da história da África O principal objetivo era satisfazer as necessidades dos estudantes de história da África facilitando o acesso a todo o corpo de fontes existentes Como a pesquisa histórica havia estado por muito tempo concentrada num número limitado de bibliotecas de arquivos que mantêm registros do período colonial era importante chamar a atenção também para a existência de um extenso e muito disperso conjunto de fontes até agora não exploradas Os guias são dedicados inicialmente aos arquivos públicos e particulares mas levam igualmente em consideração o material de interesse histórico conservado em bibliotecas e museus A série deve compreender doze volumes com informações sobre fontes arquivísticas que tratam da África ao sul do Saara e mantidas nos países da Europa ocidental e nos Estados Unidos Até agora os seguintes volumes já foram publicados Volume I República Federal da Alemanha 1970 Volume 2 Espanha 1971 Volume 3 França I 1971 Volume 4 França II 1976 Volume 5 Itália 1973 Volume 6 Itália 1974 Volume 8 Escandinávia 1971 e Volume 9 Holanda 1978 O Volume 7 Vaticano é esperado para um futuro próximo Os volumes abrangendo a Bélgica o Reino Unido e os Estados Unidos aparecerão separadamente mas seguirão o mesmo método de apresentação102 Como foi muito apropriadamente dito por Joseph Ki Zerbo em sua Introdução para a série na batalha para a redescoberta do passado africano o guia das fontes da história da África constitui uma nova arma estratégica e tática103 101 Cf DAYRELL 1910 1911 MACGREGOR 1909 p 215 217 219 102 Os volumes dos Estados Unidos e do Reino Unido apresentam listas de documentos relativos a todo o continente 103 Quellen zur Geschichte Afrikas südlich der Sahara in den Archiven der Bundesrepublik Deutschland Guio das fontes da história da África v I Zug Suíça 1970 Prefácio p vii 133 As fontes escritas a partir do século XV Além desse importante projeto já há alguns outros guias de fontes preparados principalmente por regiões ou de acordo com critérios especiais Entre os mais completos constam os cinco guias da história da África ocidental publicados em 1962 1973 que cobrem os arquivos de Portugal Itália Bélgica Holanda França e Reino Unido104 Mais ambiciosas e de certa forma mais vantajosas são as edições de documentos arquivísticos in extenso ou como catálogos Até agora esse tipo de apresentação tem sido usado principalmente para o material em arquivos portugueses Sem considerar o trabalho de Paiva Manso no fim do século XIX105 há agora duas importantes coleções de documentos de missionários provenientes de arquivos portugueses e alguns outros um de A da Silva Rego106 e outro de A Brasio107 Alguns anos atrás foi iniciada uma coleta monumental preparada pelos esforços combinados dos arquivos portugueses e do Zimbabwe na qual todos os documentos portugueses relativos ao sudeste da África serão publicados no original com uma tradução inglesa108 Há também coleções restritas no que se refere ao tempo alcance e objeto Essa categoria é representada por um lado pelos British Parliamentary Papers e vários Livros Azuis e Brancos principalmente do período colonial e por outro lado por seleções recentes mais científicas109 como o trabalho de J Cuvelier e L Jadin sobre os documentos do Vaticano para a história do antigo Congo110 ou a seleção de C W Newbury sobre a política britânica na África ocidental e o estudo documentário de G E Metcalfe sobre as relações entre a Grã Bretanha e Gana111 À mesma categoria pertence a grande coleção de material arquivístico sobre a política italiana em relação à Etiópia e países vizinhos em vias de publicação por C Giglio112 Muitas outras coleções desse tipo em vários arquivos europeus tornaram acessíveis documentos para alguns aspectos da história colonial Mas seu ponto fraco reside precisamente em seu caráter 104 CARSON P 1962 RYDER A F C 1965 GRAY R e CHAMBERS D 1965 CARSON P 1968 105 MANSO P 1877 106 SILVA REGO A da 1949 1958 107 BRASIO A 1952 108 The Historical Documents of East and Central Africa Lisboa Salisbury a partir de 1965 Compreenderá aproximadamente 20 volumes 109 Guides to Materials for West African History in European Archives publicados pela Universidade de Londres na Athlone Press a partir de 1962 Cf nota 104 110 CUVELIER J e JADIN L 1954 111 NEWBURY C W 1965 METCALFE G E 1964 112 GIGLIO C LItalia in Africa Serie Storica v I 1958 134 Metodologia e pré história da África figura 62 Facsímile do manuscrito vai intitulado An Early Vai Manuscript por Svende E Holsoe publicado pelo International African Institute 135 As fontes escritas a partir do século XV seletivo porque cada compilador segue ao escolher o material regras próprias subjetivas enquanto o pesquisador que examina uma questão necessita de todas as informações e de uma documentação completa Em cada Estado independente da África existe agora arquivos governamentais que também mantêm material herdado da administração colonial anterior Apesar de alguns países terem publicado guias ou catálogos a maioria dos arquivos na África ainda está em processo de classificação sistemática e descrição113 A publicação de uma série de guias de todos os arquivos africanos públicos e particulares como os que estão sendo publicados para os arquivos da Europa é no momento atual uma necessidade urgente Os arquivos governamentais da África comparados aos das antigas metrópoles têm suas vantagens e também seus inconvenientes Com algumas exceções a manutenção de registros detalhados só teve início na África na década de 1880 e há muitas lacunas nesse material que devem ser compensadas por outras fontes sendo as mais importantes os registros dos missionários e comerciantes e os documentos particulares e evidentemente os arquivos em capitais europeias Por outro lado as vantagens dos arquivos criados na África sobre os das antigas capitais metropolitanas são numerosas a diferença marcante reside no fato de guardarem materiais e registros que têm relação mais direta com a situação local enquanto os arquivos coloniais da Europa contêm principalmente documentos sobre a política do colonizador Os arquivos africanos geralmente conservam registros do período pré colonial como relatórios dos primeiros exploradores informações colhidas por comerciantes funcionários públicos e missionários no interior relatórios que não eram considerados dignos de ser enviados para a Europa mas que são de extrema importância para a história local Conservam ainda um número muito maior de documentos produzidos por africanos que os arquivos da Europa Em geral apesar da quantidade de material duplicado em arquivos da Europa e da África qualquer pesquisador que trabalhe somente com fontes de antigos arquivos metropolitanos tenderá a escrever uma história dos interesses europeus na África e não a história dos africanos Por outro lado a utilização exclusiva dos arquivos mantidos na África não pode fornecer um quadro completo já que muitos registros e documentos estão faltando ou são incompletos 113 Para um estudo da situação às vésperas da independência v P D CURTIN 1960 p 129 47 136 Metodologia e pré história da África Para concluir devemos mencionar alguns outros tipos de documentos da mesma categoria Inicialmente trataremos dos mapas e outros materiais cartográficos Embora a partir do século XVI o número de mapas impressos da África tenha aumentado a cada ano muitos ainda se mantêm em forma de manuscritos em vários arquivos e bibliotecas da Europa alguns magnificamente decorados e coloridos Nesses mapas podemos encontrar frequentemente nomes de localidades que hoje não existem mais ou que são conhecidas por outras denominações mas que são mencionados em outras fontes orais ou escritas Por exemplo muitos povos Bantu orientais têm tradições que falam da migração de uma área chamada Shungwaya atualmente não se conhece nenhuma localidade com esse nome mas em alguns dos mapas antigos por exemplo o de van Linschotten 1596 ou o de William H J Blaeu 1662 e outros mais Shungwaya aparece com várias grafias primeiro como cidade mais tarde como região não distante da costa Os mapas antigos fornecem também dados sobre a distribuição de grupos étnicos sobre as fronteiras dos Estados e províncias sobre os vários nomes dos rios montanhas e outros aspectos topográficos Em resumo oferecem um material toponímico muito útil que por sua vez fornecem valiosas informações históricas Um exemplo prático de como utilizar o material cartográfico com propósitos históricos foi demonstrado por W G L Randles em sua South East Africa in the Sixteenth Century114 A importância desse material já foi reconhecida e o historiador tem à sua disposição a grande obra de Yusuf Kamel Monumenta Cartographica Africae et Aegypti que contém também muitos textos narrativos no original e em tradução mas interrompe se cronologicamente precisamente no século XVI115 Devemos portanto endossar o apelo de Joseph Ki Zerbo de publicação de uma coletânea de todos os mapas antigos da África em um atlas com textos comentados116 Um primeiro passo nesse sentido foi dado com a recente publicação em Leipzig de quase cem mapas mas sem comentários suficientes e reproduzindo apenas material já impresso117 Outra categoria de material encontrado nas fontes escritas são os dados linguísticas Já que se reservou um capítulo especial neste volume para o estudo da linguística como ciência histórica associada deixaremos de lado as questões metodológicas e restringiremos nossa discussão a indicações sobre o tipo de fontes 114 RANDLES W G L 1958 115 Cairo 1926 1951 116 Cf nota 103 acima 117 Afrika auf Karten des 1218 Jahrhunderts Mapas da África do século XII ao XVIII Leipzig 1968 137 As fontes escritas a partir do século XV em que se podem encontrar dados linguísticos A partir dos primeiros contatos com a África os viajantes europeus passaram a acrescentar como atitude de bom tom às suas narrativas de viagens e outros relatórios listas mais ou menos longas de palavras nas línguas locais Os mais antigos vocabulários datam do século XV e até o século XIX raramente encontramos um livro sobre a África sem esse suplemento às vezes até acompanhado por uma breve gramática Embora a ortografia quase nunca seja sistemática não é difícil identificar as palavras e línguas A publicação mais notável desse tipo é a grande coletânea publicada por Koelle de vocabulários de 160 línguas aproximadamente118 Curtin Vansina e Hair119 demonstraram que o valor da obra é mais que linguístico Especialmente favorecido nesse aspecto é o antigo Reino do Congo trabalhos que tratam do Kicongo têm sido publicados desde o século XVII uma gramática de Brusciotto 1659 e um dicionário de de Gheel morto em 1652120 Além dessas obras impressas existem outras em várias bibliotecas e arquivos Vaticano British Museum Besançon etc Seu valor documental para os historiadores é maior que o das listas de palavras pois são mais completas permitindo um estudo diacrônico da nomenclatura social e cultural121 Fontes escritas narrativas e arquivísticas nas línguas africanas orientais ou européias representam um conjunto imensamente rico de material para a história da África Embora abundantes os documentos de todo tipo registros livros e relatórios conhecidos constituem muito provavelmente apenas um fragmento do material existente Dentro e fora da África devem existir inúmeros lugares que ainda não foram explorados do ponto de vista de fontes possíveis da história daquele continente Essas regiões inexploradas constituem verdadeiros espaços em branco no mapa do nosso conhecimento das fontes da história africana Quanto mais cedo eles desaparecerem mais rico será o quadro que podemos traçar do passado africano 118 KOELLE S W 1854 reed GRAZ 1963 119 CURTIN P D e VANSINA J1964 HAIR P E H 1965 120 Regulae quaedam pro difficillimi Congenius idiomatis faciliori captu ad Grammatica normam redactae A F Hyacintho Brusciotto Roma 1659 WING J van e PENDERS C Le plus ancien dictionnaire Bantu Vocabularium P Georgii Gelensis Louvain 1928 121 A gramática de Brusciotto foi estudada com esses objetivos por D A OLDEROGGE no seu instrutivo artigo Sistema rodstva Bakongo v XVII Sistema de parentesco Bakongo no século XVII in Afrikanskiy etnograficheskiy sbornik III Moscou 1959 C A P Í T U L O 7 139 A tradição oral e sua metodologia As civilizações africanas no Saara e ao sul do deserto eram em grande parte civilizações da palavra falada mesmo onde existia a escrita como na África ocidental a partir do século XVI pois muito poucas pessoas sabiam escrever ficando a escrita muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade Seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa ausência do escrever e perpetuar o desdém inato dos letrados pelos iletrados que encontramos em tantos ditados como no provérbio chinês A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra Isso demonstraria uma total ignorância da natureza dessas civilizações orais Como disse um estudante iniciado em uma tradição esotérica O poder da palavra é terrível Ela nos une e a revelação do segredo nos destrói através da destruição da identidade da sociedade pois a palavra destrói o segredo comum A civilização oral Um estudioso que trabalha com tradições orais deve compenetrar se da atitude de uma civilização oral em relação ao discurso atitude essa totalmente diferente da de uma civilização onde a escrita registrou todas as mensagens importantes Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária mas também como um meio de A tradição oral e sua metodologia J Vansina 140 Metodologia e pré história da África preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar elocuções chave isto é a tradição oral A tradição pode ser definida de fato como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração para outra Quase em toda parte a palavra tem um poder misterioso pois palavras criam coisas Isso pelo menos é o que prevalece na maioria das civilizações africanas Os Dogon sem dúvida expressaram esse nominalismo da forma mais evidente nos rituais constatamos em toda parte que o nome é a coisa e que dizer é fazer A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade As tradições desconcertam o historiador contemporâneo imerso em tão grande número de evidências escritas vendo se obrigado por isso a desenvolver técnicas de leitura rápida pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens As tradições requerem um retorno contínuo à fonte Fu Kiau do Zaire diz com razão que é ingenuidade ler um texto oral uma ou duas vezes e supor que já o compreendemos Ele deve ser escutado decorado digerido internamente como um poema e cuidadosamente examinado para que se possam apreender seus muitos significados ao menos no caso de se tratar de uma elocução importante O historiador deve portanto aprender a trabalhar mais lentamente refletir para embrenhar se numa representação coletiva já que o corpus da tradição é a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma Muitos estudiosos africanos como Amadou Hampâté Ba ou Boubou Hama muito eloquentemente têm expressado esse mesmo raciocínio O historiador deve iniciar se primeiramente nos modos de pensar da sociedade oral antes de interpretar suas tradições A natureza da tradição oral A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra Suas características particulares são o verbalismo e sua maneira de transmissão na qual difere das fontes escritas Devido à sua complexidade não é fácil encontrar uma definição para tradição oral que dê conta de todos os seus aspectos Um documento escrito é um objeto um manuscrito Mas um documento oral pode ser definido de diversas maneiras pois um indivíduo pode interromper seu testemunho corrigir se recomeçar etc Uma definição um pouco arbitrária de um testemunho poderia portanto ser todas as declarações feitas por uma pessoa sobre uma mesma sequência de acontecimentos passados contanto que a pessoa não tenha adquirido novas informações entre as diversas 141 A tradição oral e sua metodologia declarações Porque nesse último caso a transmissão seria alterada e estaríamos diante de uma nova tradição Algumas pessoas em particular especialistas como os griots conhecem tradições relativas a toda uma série de diferentes eventos Houve casos de uma pessoa recitar duas tradições diferentes para relatar o mesmo processo histórico Informantes de Ruanda relataram duas versões de uma tradição sobre os Tutsi e os Hutu uma segundo a qual o primeiro Tutsi caiu do céu e encontrou o Hutu na terra e outra segundo a qual Tutsi e Hutu eram irmãos Duas tradições completamente diferentes um mesmo informante e um mesmo assunto É por isso que se inclui uma mesma sequência de acontecimentos na definição de um testemunho Enfim todos conhecem o caso do informante local que conta uma história compósita elaborada a partir das diferentes tradições que ele conhece Uma tradição é uma mensagem transmitida de uma geração para a seguinte Mas nem toda informação verbal é uma tradição Inicialmente distinguimos o testemunho ocular que é de grande valor por se tratar de uma imediata não transmitida de modo que os riscos de distorção do conteúdo são mínimos Aliás toda tradição oral legítima deveria na realidade fundar se no relato de um testemunho ocular O boato deve ser excluído pois embora certamente transmita uma mensagem é resultado por definição do ouvir dizer Ao fim ele se torna tão distorcido que só pode ter valor como expressão da reação popular diante de um determinado acontecimento podendo no entanto também dar origem a uma tradição quando é repetido por gerações posteriores Resta por fim a tradição propriamente dita que transmite evidências para as gerações futuras A origem das tradições pode portanto repousar num testemunho ocular num boato ou numa nova criação baseada em diferentes textos orais existentes combinados e adaptados para criar uma nova mensagem Mas somemte as tradições baseadas em narrativas de testemunhos oculares são realmente válidas o que os historiadores do Islã compreenderam muito bem Desenvolveram uma complicada técnica para determinar o valor dos diferentes Hadiths ou tradições que se pretendiam palavras do Profeta recolhidas por seus companheiros Com o tempo o número de Hadiths tornou se muito grande e foi necessário eliminar aqueles para os quais a cadeia de informantes Isnad que ligava o erudito que as havia registrado por escrito a um dos companheiros do Profeta não podia ser estabelecida Para cada ligação o cronista islâmico determinava critérios de probabilidade e credibilidade idênticos aos empregados na crítica histórica atual Poderia a testemunha intermediária conhecer a tradição Poderia compreendê la Era seu interesse distorcê la Poderia tê la transmitido E se fosse o caso quando como e onde 142 Metodologia e pré história da África Notaremos que a definição de tradições apresentada aqui não implica nenhuma limitação a não ser o verbalismo e a transmissão oral Inclui portanto não apenas depoimentos como as crônicas orais de um reino ou as genealogias de uma sociedade segmentária que conscientemente pretenderam descrever acontecimentos passados mas também toda uma literatura oral que fornecerá detalhes sobre o passado muito valiosos por se tratar de testemunhos inconscientes e além do mais fonte importante para a história das ideias dos valores e da habilidade oral As tradições são também obras literárias e deveriam ser estudadas como tal assim como é necessário estudar o meio social que as cria e transmite e a visão de mundo que sustenta o conteúdo de qualquer expressão de uma determinada cultura É por isso que nas seções seguintes trataremos respectivamente da crítica literária e da questão do ambiente social e cultural antes de passarmos ao problema cronológico e à avaliação geral das tradições A tradição como obra literária Numa sociedade oral a maioria das obras literárias são tradições e todas as tradições conscientes são elocuções orais Como em todas elocuções a forma e os critérios literários influenciam o conteúdo da mensagem Essa é a principal razão das tradições serem colocadas no quadro geral de um estudo de estruturas literárias e serem avaliadas criticamente como tal Um primeiro problema é o da forma da mensagem Há quatro formas básicas resultantes de uma combinação prática de dois conjuntos de princípios Em alguns casos as palavras são decoradas em outros a escolha é entregue ao artista Em alguns casos uma série de regras formais especiais são sobrepostas à gramática da língua comum em outros não existe tal sistema de convenções Formas fundamentais das tradições orais conteúdo fixo livre escolha de palavras forma estabelecida poema epopeia livre fórmula narrativa 143 A tradição oral e sua metodologia O termo poema é apenas um rótulo para todo o material decorado e dotado de uma estrutura específica incluindo canções O termo fórmula é um rótulo que frequentem ente inclui provérbios charadas orações genealogias isto é tudo que é decorado mas que não está sujeito a regras de composição a não ser às da gramática corrente Em ambos os casos as tradições compreendem não só a mensagem mas também as próprias palavras que lhe servem de veículo Teoricamente portanto um arquétipo original pode ser reconstruído exatamente como no caso das fontes escritas Podem se construir argumentos históricos sobre as palavras e não apenas sobre o sentido geral da mensagem Todavia acontece muitas vezes com as fórmulas e menos com os poemas ser impossível reconstruir arquétipos devido ao grande número de interpolações Por exemplo quando se reconhece que o lema de um clã é o produto de uma série de empréstimos de outros lemas sem que se possa identificar aquilo que constituía o enunciado original e específico Pode se muito bem compreender por que as fórmulas se prestam tão facilmente à interpolação Na realidade não existe nenhuma regra formal que impeça esse processo As fontes fixas são em princípio as mais valiosas pois sua transmissão é mais precisa Na prática raras são as que têm o propósito consciente de transmitir informações históricas Além disso é nesse caso que encontramos arcaísmos por vezes inexplicados Nas línguas bantu seu significado pode ser descoberto pois é grande a probabilidade de uma língua vizinha ter conservado uma palavra com a mesma raiz que o arcaísmo em questão Em outros casos devemos nos conformar com o comentário do informante que pode repetir um comentário tradicional ou inventá lo Infelizmente esse tipo de registro oral vem carregado de alusões poéticas imagens ocultas jogo de palavras com múltiplos significados Não só é impossível compreender qualquer coisa dessa elocução hermética sem um comentário mas também muitas vezes só o autor conhece todos os aspectos do seu significado Mas ele não transmite tudo no comentário explicativo de qualidade variável que acompanha a transmissão do poema Essa peculiaridade é bastante comum especialmente no que se refere aos poemas ou canções panegíricos da África meridional Tsuana Sotho oriental a região lacustre central Luba Congo ou ocidental Ijo A denominação epopeia significa que o artista pode escolher suas próprias palavras dentro de um conjunto estabelecido de regras formais como as rimas os padrões tonais o número de sílabas etc Esse caso específico não deve ser confundido com as peças literárias longas de estilo heroico como as narrativas de Sundiata Mwindo Zaire e muitas outras No gênero de que tratamos a tradição inclui a mensagem e a estrutura formal nada mais Muitas vezes 144 Metodologia e pré história da África entretanto encontramos versos característicos que servem para preencher espaço ou que simplesmente lembram ao artista o quadro ou a estrutura formal Alguns desses versos provavelmente datam da criação da epopeia Tais epopeias existem na África Acreditamos que sim e que algumas formas poéticas de Ruanda especialmente assim como as canções fábulas dos Fang Camarões Gabão pertencem a essa categoria Devemos notar que não se pode reconstruir um verdadeiro arquétipo para esses poemas épicos porque a escolha das palavras é deixada ao artista Todavia é preciso salientar que os requisitos da forma são tais que provavelmente todas as versões de uma epopeia baseiam se num único original o que frequentemente é demonstrado pelo estudo das variantes A última categoria é a das narrativas que compreendem a maioria das mensagens históricas conscientes Nesse caso a liberdade deixada ao artista permite numerosas combinações muitas remodelações reajustes dos episódios ampliação das descrições desenvolvimentos etc Torna se então difícil reconstruir um arquétipo O artista é completamente livre mas somente do ponto de vista literário o seu meio social pode às vezes impor lhe uma fidelidade rígida às fontes Apesar dessas dificuldades é possível descobrir a origem híbrida de uma tradição pela coleta de todas as suas variantes inclusive das que não são consideradas históricas e recorrendo se às variantes originárias dos povos vizinhos Assim pode se por vezes passar imperceptivelmente do mundo da história para o país das maravilhas por outro lado eliminam se as versões orais que não são baseadas em narrativas de testemunho ocular Essa abordagem crítica é essencial Toda literatura oral tem sua própria divisão em gêneros literários O historiador não só tentará apreender o significado desses gêneros para a cultura que está estudando mas também colherá ao menos uma amostra representativa de cada um pois em todos eles pode se esperar encontrar informações históricas além do que as tradições que o interessam particularmente são mais fáceis de se compreender quando analisadas no contexto geral Já a própria classificação interna fornece indicações valiosas Assim podemos descobrir se os transmissores de uma obra literária fazem distinção por exemplo entre as narrativas históricas e as de outros tipos Os gêneros literários também estão sujeitos a convenções literárias cujo conhecimento é fundamental para se compreender o verdadeiro sentido da obra A questão nesse caso não é mais de regras formais mas de escolha de termos expressões prefixos pouco usuais vários tipos de licença poética Uma atenção maior deve ser dada às palavras ou expressões que possuem múltiplas reverberações Além disso os termos chave intimamente ligados à estrutura 145 A tradição oral e sua metodologia social à concepção do mundo e praticamente intraduzíveis exigem que se faça uma interpretação à luz do contexto literário no qual aparecem É impossível coligir tudo O historiador vê se obrigado portanto a levar em consideração requisitos práticos e deverá se dar por satisfeito uma vez obtida uma amostra representativa de cada gênero literário Somente através da catalogação dos vários tipos de narrativa pertencentes ao grupo étnico em estudo ou a outros grupos é possível discernir não só imagens ou expressões favoritas mas também os episódios estereotipados como nas narrativas que se poderia classificar como lendas migratórias Wandersagen Por exemplo uma narrativa luba das margens do lago Tanganica conta como um chefe livrou se de outro convidando o a sentar se num tapete sob o qual havia sido cavado um poço contendo estacas com pontas afiadas O chefe sentou se e morreu O mesmo quadro pode ser encontrado dos grandes lagos até o oceano e também entre os Peul do Liptako Alto Volta os Haussa Nigéria e os Mossi de Yatenga Alto Volta A importância desses episódios clichês é óbvia Infelizmente não possuímos nenhum livro de referências útil que trate deles embora H Baumann mencione muitos temas clichês que ocorrem em narrativas sobre as origens de diversos povos1 Já é tempo de se estabelecerem catálogos práticos para a pesquisa desses estereótipos Os chamados índices de motivos populares Folk Motiv Index são de difícil manuseio e confusos pois se baseiam em características de menor importância escolhidas arbitrariamente enquanto nas narrativas africanas o episódio representa uma unidade natural em um catálogo Uma vez encontrado um clichê desse tipo não é correto rejeitar toda a tradição ou mesmo a parte que contém essa sequência de eventos como destituída de valor Devemos sim explicar por que o clichê foi utilizado No caso mencionado ele simplesmente explica que um chefe elimina outro e acrescenta uma descrição de como isso foi feito que é fictícia mas agrada aos ouvintes Com mais frequência perceberemos que esse tipo de clichê constrói explicações e comentários para dados que podem ser perfeitamente legítimos A crítica literária levará em consideração não apenas os significados literal e pretendido de uma tradição mas também as restrições impostas para a expressão da mensagem por requisitos formais e estilísticos Avaliará o efeito da distorção estética muito frequente Afinal mesmo as mensagens do passado não devem ser enfadonhas demais É neste ponto que a observação das representações sociais 1 BAUMANN H 1936 146 Metodologia e pré história da África relativas à tradição é de fundamental importância Dizemos representação em lugar de reprodução porque na maioria dos casos está em jogo um elemento estético Se os critérios estéticos prevalecerem sobre a fidelidade da reprodução ocorrerá uma forte distorção estética refletindo o gosto do público e a arte da pessoa que transmite a tradição Mesmo em outros casos encontramos arranjos de textos que chegam a vestir as tradições de conteúdo histórico específico com o uniforme dos padrões artísticos correntes Por exemplo nas narrativas uma série de episódios que levam a um clímax formam a trama principal enquanto outros constituem repetições paralelas sofisticadas e outros ainda representam apenas transições de uma etapa da narrativa para outra Como regra geral pode se admitir que quanto mais uma narrativa se conforma ao modelo padrão de excelência e quanto mais é admirada pelo público mais é distorcida Numa série de variantes pode se às vezes discernir a variante correta pelo fato de ir contra esses padrões assim como uma variante que contradiz a função social de uma tradição tem mais probabilidade de ser verdadeira que as outras Não devemos esquecer entretanto que nem todos os artistas da palavra são excelentes Há os de pouco talento e suas variantes serão sempre sofríveis Mas a atitude do público como o cenário de uma representação não é exclusivamente um fato artístico É acima de tudo um fato social e isso nos obriga a considerar a tradição em seu meio social Contexto social da tradição Tudo que uma sociedade considera importante para o perfeito funcionamento de suas instituições para uma correta compreensão dos vários status sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um tudo é cuidadosamente transmitido Numa sociedade oral isso é feito pela tradição enquanto numa sociedade que adota a escrita somente as memórias menos importantes são deixadas à tradição É esse fato que levou durante muito tempo os historiadores que vinham de sociedades letradas a acreditar erroneamente que as tradições eram um tipo de conto de fadas canção de ninar ou brincadeira de criança Toda instituição social e também todo grupo social tem uma identidade própria que traz consigo um passado inscrito nas representações coletivas de uma tradição que o explica e o justifica Por isso toda tradição terá sua superfície social utilizando a expressão empregada por H Moniot Sem superfície social a tradição não seria mais transmitida e sem função perderia a razão de existência e seria abandonada pela instituição que a sustenta 147 A tradição oral e sua metodologia Poderíamos ser tentados a seguir alguns estudiosos que acreditavam poder dizer a priori qual a natureza ou perfil do corpus de tradições históricas de uma determinada sociedade a partir da classificação das coletividades em tipos como Estados sociedades sem Estado etc Embora seja verdade que as diversas sociedades africanas possam ser grosso modo classificadas de acordo com tais modelos é fácil demonstrar que essas tipologias podem se estender ao infinito pois cada sociedade é diferente e os critérios utilizados são arbitrários e limitados Não existem dois Estados idênticos ou mesmo semelhantes nos detalhes Há imensas diferenças entre as linhas mestras da organização das sociedades Massai Quênia Tanzânia Embu Quênia Meru Quênia e Galla Quênia Etiópia embora todas elas possam ser classificadas como sociedades baseadas em classes etárias e estejam situadas na mesma região da África Se se desejasse examinar um caso de uma sociedade dita simples sem Estado composta de pequenos grupos estruturados por múltiplas linhagens poder se ia pensar que os Gouro Costa do Marfim constituíssem bom exemplo Esperando encontrar um perfil de tradições contendo somente histórias de linhagens e genealogias e realmente o encontramos deparamo nos também com uma história esotérica transmitida por uma sociedade secreta Tomemos o caso dos Tonga do Zâmbia encontramos novamente a história da linhagem mas também histórias de centros rituais animados pelos fazedores de chuva Não há uma única sociedade desse tipo que não apresente uma instituição importante inesperada Entre os Estados o caso extremo é certamente o do reino dos Bateke Tio em que a tradição real não remonta a mais do que duas gerações embora os reinos devam ter tradições muito antigas Podemos ir mais longe no tempo coligindo as tradições dos símbolos mágicos dos nobres do que seguindo as tradições relativas ao símbolo real Generalizações apressadas sobre o valor das tradições seriam absolutamente despropositadas O perfil de um determinado corpus de tradições só pode ser determinado a posteriori É evidente que as funções preenchidas pelas tradições tendem a distorcê las É impossível estabelecer uma lista completa dessas funções em parte porque uma tradição pode assumir diversas funções e pode desempenhar um papel mais ou menos preciso ou difuso em relação a elas Mas principalmente porque a palavra função é por si só confusa É utilizada com frequência para descrever tudo o que serve para fortalecer ou manter a instituição da qual depende Como a relação não é tangível a imaginação pode produzir uma lista infinita de funções a preencher não sendo possível nenhuma escolha Entretanto não é difícil distinguir certos propósitos precisos manifestos ou latentes assumidos por algumas tradições Há por exemplo as cartas míticas 148 Metodologia e pré história da África as histórias das dinastias genealogias listas de reis que podem ser consideradas como verdadeiras constituições não escritas Podemos ampliar essa categoria pela inclusão de todas as tradições que tratam dos assuntos públicos legais por exemplo as que mantêm os direitos públicos sobre a propriedade Trata se geralmente de tradições oficiais uma vez que aspiram a uma legitimidade universal para a sociedade As tradições particulares associadas a grupos ou instituições incorporados a outros grupos não serão tão bem conservadas pois têm menor importância embora em geral estejam mais próximas da verdade que as demais tradições Todavia convém destacar que as tradições particulares são oficiais para o grupo que as transmite Assim uma história de família é particular em comparação à história de todo um Estado e o que ela diz sobre o Estado está menos sujeito a controle do Estado que uma tradição pública oficial Mas dentro da própria família a tradição particular torna se oficial Em tudo o que diz respeito à família ela deve portanto ser tratada como tal Compreende se assim por que é tão importante utilizar histórias familiares ou locais para esclarecer questões de história política geral Seu testemunho está menos sujeito a distorção e pode oferecer uma verificação efetiva das asserções feitas pelas tradições oficiais Por outro lado como dizem respeito somente a subgrupos a profundidade e o cuidado com que são transmitidas são de modo geral pouco satisfatórios como atestam as inúmeras variantes Entre outras funções comuns podemos mencionar sucintamente a religiosa e a litúrgica como realizar um ritual as funções jurídicas particulares precedentes as estéticas didáticas e históricas a função do comentário de um registro oral esotérico e a que os antropólogos chamam de função mítica As funções e o gênero literário considerados em conjunto podem constituir para o historiador uma tipologia válida que lhe permitirá fazer uma avaliação geral das prováveis distorções que suas fontes podem ter sofrido fornecendo lhe indicações relativas à transmissão Para tomar apenas os tipos que são obtidos por esse processo de seleção podemos distinguir os nomes os títulos os slogans ou lemas fórmulas rituais fórmulas didáticas provérbios listas de topônimos de antropônimos genealogias etc Do ponto de vista da forma básica podemos classificar todos esses casos como fórmulas Poemas históricos panegíricos litúrgicos ou cerimoniais religiosos pessoais líricos e outros canções de todos os tipos canções de ninar de trabalho caça e canoagem etc são poemas também do mesmo ponto de vista A epopeia como forma básica é representada por certos poemas que não correspondem ao que o termo normalmente conota Por último a narrativa inclui a narrativa geral histórica ou outras narrativas locais familiares épicas etiológicas estéticas e memórias pessoais Devemos também 149 A tradição oral e sua metodologia incluir aqui precedentes legais que raramente são transmitidos pela tradição oral comentários sobre registros orais e as notas ocasionais que são essencialmente respostas curtas a perguntas do tipo Como começamos a cultivar milho De onde veio a máscara de dança etc Dessa lista pode se imediatamente observar o que pode ser a ação deformadora de uma instituição em cada um desses tipos Mas ainda é preciso demonstrar que essa ação realmente ocorreu ou que a probabilidade de distorção é muito grande Geralmente é possível mostrar que uma tradição é válida porque não sofreu as distorções esperadas Por exemplo um povo diz que é mais novo que outro uma crônica real admite uma derrota uma fórmula particular que deveria explicar a geografia física e humana de um país não se conforma mais à realidade Em todos esses casos a análise comprova a validade da tradição pois esta resistiu ao processo nivelador Em seu trabalho sobre o fenômeno da escrita capacidade de ler e escrever Goody e Watt afirmam que uma sociedade oral tende constante e automaticamente à homeostase que apaga da memória coletiva daí a expressão amnésia estrutural qualquer contradição entre a tradição e sua superfície social Mas os casos mencionados acima mostram que essa homeostase é só parcial Não se pode negar portanto o valor histórico das tradições unicamente por desempenharem certas funções Segue se ainda que cada tradição deve ser submetida a estrita crítica sociológica No mesmo trabalho esses autores afirmam que a cultura de uma sociedade verbal é homogeneizada isto é que o conteúdo em termos de conhecimento do cérebro de cada adulto é aproximadamente o mesmo Isso não é totalmente verdadeiro Especialistas artesãos políticos legistas e religiosos sabem muitas coisas que seus contemporâneos do mesmo grupo étnico desconhecem Cada grupo étnico tem seus pensadores Entre os Kuba Zaire por exemplo encontramos três homens que com base num mesmo sistema de símbolos haviam estabelecido três filosofias diferentes e supomos que o mesmo se dá entre os Dogon Quanto às tradições observamos que em muitos grupos há tradições esotéricas secretas que são privilégio de um grupo restrito e tradições exotéricas públicas Por exemplo a família real ashanti sabia a história secreta de sua origem enquanto o grande público conhecia somente a versão oficial Em Ruanda somente os especialistas biiru conheciam os rituais da realeza e mesmo assim eles só os conheciam na sua totalidade quando estavam todos juntos já que cada grupo de biiru tinha conhecimento apenas de uma parte deles Em quase todos os rituais de entronização na África encontramos práticas e tradições secretas Isso significaria que a tradição esotérica é necessariamente mais acurada que a tradição exotérica Depende do contexto Afinal as tradições 150 Metodologia e pré história da África esotéricas também podem ser distorcidas por razões imperativas que serão ainda mais imperativas se o colégio que possui o segredo foi um grupo chave da sociedade Devemos ressaltar que empiricamente conhecemos até agora muito poucas tradições esotéricas e porque a antiga ordem em que têm suas raízes não desapareceu por completo As que conhecemos provêm de sociedades que têm sofrido importantes transformações e muitas tradições sem dúvida desaparecerão sem deixar registro Todavia a partir de fragmentos que possuímos podemos afirmar que certas tradições ogboni da nação Ioruba têm sido tão distorcidas que não mais constituem mensagens válidas no que diz respeito às origens do ogboni enquanto as tradições biiru por exemplo parecem ter maior validade Isso se deve não ao caráter esotérico mas ao propósito dessas tradições as primeiras legitimam um poder forte detido por um pequeno grupo de homens enquanto as segundas são apenas a memorização de um ritual prático Cada tradição tem sua própria superfície social Para encontrar as tradições e analisar a qualidade de sua transmissão o historiador deve portanto conhecer o mais detalhadamente possível o tipo de sociedade que está estudando Deve examinar todas as suas instituições para isolar as tradições e também esmiuçar todos os gêneros literários para obter informações históricas É o grupo dirigente de uma sociedade que retém a posse das tradições oficiais e sua transmissão é geralmente realizada por especialistas que utilizam meios mnemotécnicos geralmente canções para reter os textos Às vezes há o controle de colegas em ensaios privados ou na representação pública associada a uma cerimônia importante Os especialistas entretanto nem sempre estão ligados ao poder É o caso dos genealogistas dos tamborileiros de chefes ou de reis dos guardas de túmulos2 e dos pregadores de religiões nacionais Mas há também especialistas em outros níveis Entre os Xhosa África do Sul há mulheres especializadas na arte de representar histórias engraçadas ntsomi Há também outros que sabem fazê la mas não se especializam nisso Estes geralmente tomam parte em espetáculos populares Alguns celebrantes de ritos religiosos também são especialistas em tradições orais os guardas dos mhondoro shona Zimbabwe conhecem a história dos espíritos confiados à sua guarda Alguns como os griots são trovadores que reúnem tradições em todos os níveis e representam os textos convencionados diante de uma audiência apropriada em certas ocasiões casamento morte festa na residência de um chefe etc É raro não haver especialização mesmo no nível da história da terra ou da família Sempre há 2 Em alguns países essas pessoas fazem parte da classe governante é o caso por exemplo do Bend naba chefe dos tambores dos Mossi 151 A tradição oral e sua metodologia indivíduos socialmente superiores os abashinga ntabe do Burundi para questões de terra por exemplo ou de maior aptidão encarregados da memorização e transmissão das tradições Enfim uma última categoria de pessoas bem informadas para as quais dificilmente podemos aplicar o termo especialista é constituída por indivíduos que vivem perto de lugares históricos importantes Nesse caso o fato de se viver exatamente no local por exemplo onde uma batalha foi travada atua como meio mnemotécnico no registro da tradição Um exame da superfície social torna possível portanto descobrir tradições existentes colocá las em seu contexto achar especialistas responsáveis por elas e estudar as transmissões Esse exame também torna possível descobrir indicações valiosas sobre a frequência e a forma das próprias representações A frequência é um indicador da fidelidade da transmissão Entre os Dogon Mali o ritual do Sigi é transmitido somente uma vez a cada sessenta anos aproximadamente Isso favorece o esquecimento são muito raros os que já viram dois Sigi e apreenderam o suficiente na primeira representação para serem capazes de dirigir a segunda Somente as pessoas com 75 anos pelo menos podem fazê lo Podemos supor que o conteúdo do Sigi e a informação fornecida variarão mais radicalmente que uma forma de tradição como a de um festival no sul da Nigéria que é repetido todo ano Mas por outro lado uma frequência elevada de representações não significa necessariamente uma fidelidade acentuada na transmissão Isso vai depender da sociedade em questão Se a sociedade necessita de uma fidelidade estrita a frequência ajudará a mantê la É o caso das fórmulas mágicas como por exemplo certas fórmulas para exorcizar a bruxaria Explica se assim por que algumas fórmulas mboon Zaire para fazer parar a chuva situam se num contexto geográfico tão arcaico que nenhum dos elementos mencionados pode ser encontrado na região Mboon atual Por outro lado se a sociedade não atribui nenhuma importância à fidelidade da transmissão a grande frequência da representação altera a transmissão mais rapidamente do que uma frequência menor Temos por exemplo o caso das canções à moda e especialmente das narrativas populares mais apreciadas Tudo isso pode e de fato deve ser verificado pelo estudo das variantes coletadas Seu número é um reflexo direto da fidelidade da transmissão Ao que parece as alterações tendem invariavelmente a aumentar a homeostase entre a instituição e a tradição que a acompanha nesse ponto Goody e Watt têm certa razão Se as variantes existem e mostram uma tendência bem definida podemos deduzir que as menos conformistas em relação aos objetivos e funções da instituição são as mais válidas Além disso é possível por vezes mostrar que uma tradição não é válida seja em caso de ausência de variantes quando a 152 Metodologia e pré história da África tradição tornou se um clichê do tipo Viemos todos de X X correspondendo perfeitamente às necessidades da sociedade seja quando como na narrativa popular as variantes são tão divergentes que é quase impossível reconhecer o que constitui uma tradição e a separa das outras Nesse caso torna se evidente que a maioria das versões são elaborações mais ou menos recentes que têm por base outras narrativas populares Nesses dois casos extremos entretanto é preciso poder demonstrar que a ausência de variantes realmente corresponde a uma forte motivação da sociedade assim como a proliferação de variantes corresponde a considerações estéticas ou a uma necessidade de divertimento que suplanta qualquer outra consideração Ou então deve se poder demonstrar que os postulados inconscientes da civilização homogeneizaram a tradição de maneira tal que esta se tornou um clichê sem variantes É precisamente essa influência da civilização que deve ser examinada agora feita a crítica sociológica Estrutura mental da tradição Por estrutura mental entendemos as representações coletivas inconscientes de uma civilização que influenciam todas as suas formas de expressão e ao mesmo tempo constituem sua concepção do mundo Essa estrutura mental varia de uma sociedade para outra A nível superficial é relativamente fácil descobrir parte dessa estrutura através da aplicação de técnicas clássicas da crítica literária ao conteúdo de todo o corpus de tradições e da comparação desse corpus com outras manifestações sobretudo as simbólicas da civilização A tradição sempre idealiza especialmente no caso de poemas e narrativas Ela cria estereótipos populares Toda história tende a tornar se paradigmática e consequentemente mítica seja o seu conteúdo verdadeiro ou não Assim encontramos modelos de comportamentos ideais e de valores Nas tradições de reis os personagens tornam se estereotipados como num western e portanto facilmente identificáveis Um rei é o mágico um outro governante é o justo outra pessoa é o guerreiro Mas isso distorce a informação algumas guerras por exemplo são atribuídas ao rei guerreiro quando as campanhas foram de fato conduzidas por outrem Além disso todos os reis possuem em comum características que refletem uma noção idealizada da realeza Também não é difícil encontrar estereótipos de diferentes personagens especialmente de líderes em outras sociedades É o caso do herói cultural frequentemente encontrado que transforma o caos numa sociedade bem ordenada A noção estereotipada de caos é no caso a descrição de um mundo literalmente às avessas Encontramos 153 A tradição oral e sua metodologia também mais de um estereótipo do herói fundador Entre os Igala Nigéria alguns fundadores são caçadores outros são descendentes de reis Os primeiros representam um status adquirido os últimos um status hereditário atribuído Na tentativa de explicar por que há dois tipos de status sugeriu se que o primeiro estereótipo oculta a ascensão ao poder de novos grupos e que os dois estereótipos refletem duas situações históricas bastante diferentes Uma explicação verdadeiramente satisfatória deveria entretanto revelar o sistema completo de valores e ideais relacionados a status e papéis sociais que constituem a própria base de toda ação social e de todo sistema global Isso só foi possível recentemente quando McGaffey descobriu que os Kongo Zaire República Popular do Congo possuem um sistema estereotipado simples de quatro status ideais feiticeiro adivinho chefe profeta que são complementares É fácil descobrir um valor geral positivo ou negativo a apreciação da generosidade a rejeição da inveja como sinal de feitiçaria ou o papel do destino são todos valores imediatamente observáveis nas tradições do golfo de Benin e da região interlacustre Mas os valores são descobertos um por um e não como sistema coerente que compreende todas as representações coletivas pois valores e ideais descrevem somente as normas para um comportamento ideal ou por vezes cinicamente realista que devem guiar o comportamento real e os papéis esperados de cada um Os papéis estão relacionados às posições sociais e estas às instituições e o conjunto constitui a sociedade Teoricamente portanto é preciso desmontar uma sociedade para encontrar seus modelos de ação seus ideais e valores Em geral o historiador faz isso inconscientemente e de modo superficial Evita as armadilhas evidentes mas involuntariamente tende a adotar as premissas impostas pelo sistema como um todo Não consegue separar suas fontes do meio que as envolve Falamos por experiência própria após ter passado dezoito anos tentando detectar relações desse tipo na distorção das tradições de origem kuba Zaire Entre as representações coletivas que mais influenciam a tradição notaremos sobretudo uma série de categorias de base que precedem a experiência dos sentidos São as do tempo do espaço da verdade histórica da causalidade Há outras de menor importância como por exemplo a divisão do espectro em cores Todo povo divide o tempo em unidades baseando se em atividades humanas ligadas à ecologia ou em atividades sociais periódicas tempo estrutural As duas formas de tempo são utilizadas em toda parte O dia é separado da noite é dividido em partes que correspondem ao trabalho ou refeições e as atividades são relacionadas com a altura do sol a voz de certos animais para dividir as horas da noite etc Os meses lunares as estações e o ano são geralmente definidos pelo 154 Metodologia e pré história da África ambiente e as atividades que dele dependem mas além disso deve se contá los em unidades de tempo estrutural Mesmo nesse caso a semana é determinada por um ritmo social como por exemplo a periodicidade dos mercados que também é associada em muitos casos a uma periodicidade religiosa Períodos mais longos que o ano são contados pela iniciação a um culto a um grupo de idade por reinos ou gerações A história das famílias pode ser estabelecida com base nos nascimentos que constituem um calendário biológico Fazem se referências a acontecimentos excepcionais como grandes fomes grandes deflagrações de doença animal ou epidemias cometas pragas de gafanhotos mas esse calendário de catástrofes é forçosamente vago e irregular À primeira vista esse tipo de computação parece ser de pouca utilidade para a cronologia enquanto os acontecimentos recorrentes parecem possibilitar a conversão da cronologia relativa em cronologia absoluta uma vez conhecida a frequência das genealogias grupos de idade reinos etc Voltaremos a esse assunto posteriormente A profundidade temporal máxima alcançada pela memória social depende diretamente da instituição que está ligada à tradição Cada instituição tem sua própria profundidade temporal A história da família não remonta à um passado muito distante porque esta conta apenas três gerações e porque de modo geral há pouco interesse em lembrar acontecimentos anteriores Portanto as instituições que englobam maior número de pessoas se prestam melhor a nos fazer mergulhar mais fundo no tempo Isso se verifica para o clã a linhagem máxima de descendência o grupo de idade do tipo massai e a realeza Na savana sudanesa as tradições dos reinos e impérios de Tecrur Gana e Mali retomadas por autores árabes e sudaneses remontam ao século XI Às vezes entretanto todas as instituições são limitadas pela mesma concepção da profundidade do tempo como por exemplo entre os Bateke República Popular do Congo onde tudo é remetido à geração do pai ou do avô Tudo inclusive a história da família real é dividido entre par e ímpar o ímpar pertencendo ao tempo dos pais e o par ao dos avós Esse exemplo mostra que a noção da forma do tempo é muito importante Na região interlacustre há casos em que o tempo é visto como um ciclo Mas como os ciclos se sucedem o conceito vai dar numa espiral Numa outra perspectiva para as mesmas sociedades distinguem se eras principalmente a era do caos e a era histórica Para outras como entre os Bateke o tempo não é linear oscila entre gerações alternadas As consequências sobre o modo como se apresentam as tradições são evidentes 155 A tradição oral e sua metodologia Já não é tão óbvio que a noção de espaço seja de interesse nesse contexto Mas há uma tendência geral a situar a origem de um povo num lugar ou direção de prestígio direção sagrada ou profana de acordo com o pensamento de que o homem evolui do sagrado para o profano ou vice versa Cada povo impôs um sistema de direções à sua geografia São geralmente os rios que dão o eixo das direções cardinais A maioria das sociedades então fixa a direção de suas aldeias às vezes de seus campos Kukuya República Popular do Congo segundo esse sistema de eixos que utilizam também para orientar seus túmulos As consequências são às vezes inesperadas Um espaço ordenado segundo um único eixo que faz parte do relevo muda com a disposição relativa dos elementos do relevo Aqui a jusante é a oeste ali a norte aqui ir em direção ao cume é ir para leste ali para oeste Não só observamos que as migrações podem vir de direções privilegiadas como é o caso dos Kuba Zaire ou dos Kaguru Tanzânia e que a narrativa correspondente é mais uma cosmologia que uma história como também chegamos a encontrar variações nos pontos de origem dependendo dos acidentes do relevo geográfico Somente as sociedades que se baseiam nos movimentos do sol para determinar o eixo do espaço podem dar informação exata a respeito dos movimentos migratórios gerais esses povos infelizmente são uma minoria exceto talvez na África ocidental onde a maioria refere se ao leste como seu lugar de origem A noção de causa está implícita em toda tradição oral Geralmente é apresentada na forma de causa imediata e separada para cada fenômeno Cada coisa tem uma origem que se situa diretamente no início dos tempos Pode se compreender melhor o que é a causalidade examinando se as causas atribuídas ao mal Muito frequentemente elas têm relação direta com a feitiçaria os ancestrais etc e a relação é imediata Resulta desse tipo de causalidade que a mudança é percebida sobretudo em alguns campos claramente definidos como a guerra sucessão real etc em que os estereótipos intervêm Para terminar salientamos que esse esboço da noção de causa é muito sumário e deve ser complementado por noções de causa mais complexas mas paralelas a estas e que afetam somente instituições sociais menores Quanto à verdade histórica está sempre estreitamente ligada à fidelidade do registro oral transmitido Assim ela pode ser ou o consenso dos governantes Idoma Nigéria ou a constatação de que a tradição está em conformidade com o que disse a geração anterior As categorias cognitivas combinam se e unem se a expressões simbólicas de valor para produzir um registro que os antropólogos qualificam de mito As tradições mais sujeitas a uma reestruturação mítica são as que descrevem 156 Metodologia e pré história da África a origem e consequentemente a essência a razão de ser de um povo Assim um grande número de complexas narrativas kuba que tratam da origem desse povo e descrevem migrações em canoas pôde finalmente ser explicado com a descoberta de um conceito latente de migração para o povo Kuba a migração se faz em canoas da jusante sagrado para o montante profano Da mesma forma se explicaram nomes de migrações e de regiões de origem apresentados em termos de cosmogonia Na narrativa kuba a correlação não estava clara mas em muitos outros grupos étnicos aparece explicitamente É assim que muitos etnólogos seguindo infelizmente o exemplo de Beidelman estruturalistas ou sociólogos funcionalistas terminaram por negar qualquer valor às tradições narrativas porque dizem eles são a expressão das estruturas cognitivas do mundo que sustentam todo o pensamento a priori como categorias imperativas O mesmo julgamento deveria então ser aplicado ao texto que você está lendo ou ao do próprio Beidelman Obviamente esses antropólogos exageram Além disso muitas de suas interpretações parecem hipotéticas O historiador deve lembrar que para cada caso particular é preciso especificar as razões que se tem para rejeitar ou questionar uma tradição Só se pode rejeitar uma tradição quando a probabilidade de uma criação de significado puramente simbólico é realmente forte e se possa provar Pois em geral as tradições refletem tanto um mito no sentido antropológico do termo como informações históricas Nessas circunstâncias os manuais de história são textos de mitologia já que todo estereótipo que se origina de um sistema de valores e interesses é não só uma mensagem mítica mas também um código secreto histórico à espera de decifração A cronologia Sem cronologia não há história pois não se pode distinguir o que precede do que sucede A tradição oral sempre apresenta uma cronologia relativa expressa em listas ou em gerações Em geral essa cronologia permite situar todo o conjunto de tradições da região em estudo no quadro da genealogia ou da lista de reis ou de grupos de idade que abrange a mais ampla área geográfica mas não permite estabelecer a sequência relativa aos acontecimentos exteriores àquela região particular Grandes movimentos históricos e mesmo certas evoluções locais passam despercebidos ou restam duvidosos porque a unidade disponível para a cronologia é geograficamente muito restrita A genealogia familiar é válida apenas para determinada família e para a aldeia ou aldeias que ela habita 157 A tradição oral e sua metodologia A cronologia dos Embu Quênia por exemplo é baseada em grupos de idade que cobrem apenas uma diminuta área territorial na qual os jovens são iniciados ao mesmo tempo As cronologias relativas devem portanto ser associadas e se possível convertidas em cronologias absolutas Mas antes há um outro problema a ser resolvido o de se assegurar que as informações utilizadas correspondem a uma realidade não distorcida pelo tempo Torna se cada vez mais claro que a cronologia oral está sujeita a processos de distorção concomitantes e que agem em sentidos opostos às vezes encurtam e às vezes prolongam a verdadeira duração dos acontecimentos passados Há também uma tendência a regularizar as genealogias as sucessões e a sequência de grupos de idade para conformá las às normas ideais da sociedade no momento Do contrário os dados forneceriam precedentes para litígios de todo tipo O processo homeostático é bastante real Em certos casos especiais como em Ruanda por exemplo a tarefa de gerir a tradição recai sobre um complexo grupo de especialistas cujas afirmações têm sido corroboradas por escavações arqueológicas Etnólogos mostraram que as sociedades chamadas segmentárias tendem a eliminar ancestrais inúteis isto é os que não deixaram descendentes que ainda vivam e constituam um grupo separado Isso explica por que a profundidade genealógica de cada grupo numa determinada sociedade tende a permanecer constante Somente os ancestrais úteis são utilizados para explicar o presente Isso leva por vezes a uma grande condensação da profundidade genealógica Além do mais acidentes demográficos às vezes reduzem um ramo de descendentes a um número tão pequeno em comparação com outros ramos descendentes dos irmãos e irmãs do fundador do primeiro ramo que este não pode mais existir paralelamente aos grandes grupos vizinhos sendo então absorvido por um deles A genealogia será reajustada e o fundador do grupo pequeno substituído pelo do grupo maior que o absorve A genealogia é assim simplificada A identidade de um grupo étnico em geral é expressa por um único ancestral colocado na origem de uma genealogia É o primeiro homem um herói fundador etc Será o pai ou a mãe do primeiro ancestral útil Desse modo a lacuna entre a origem e a história consciente fica escamoteada A operação de todo esse processo infelizmente levou muitas vezes a uma situação em que é praticamente impossível remontar com segurança a mais do que umas poucas gerações Acreditava se que muitas sociedades africanas e especialmente as monarquias tivessem escapado a esse processo Não havia razão para que a lista de sucessão dos reis estivesse incorreta que sua genealogia fosse duvidosa exceto que algumas vezes era falsificada quando uma dinastia substituía outra e se apoderava da 158 Metodologia e pré história da África genealogia da precedente a fim de se legitimar O número de reis e gerações continuava aparentemente correto Estudos recentes mais detalhados mostram que essa posição não se justifica inteiramente Os processos de condensação alongamento e regularização podem afetar as tradições dinásticas tanto quanto as outras Em listas de reis por exemplo os nomes de usurpadores isto é dos que são considerados usurpadores naquele momento ou em qualquer época após seu reinado são às vezes omitidos assim como os de muitos reis que não passaram por todas as cerimônias de iniciação que em geral são muito longas O reinado de um rei que abdica e em seguida retorna ao poder é às vezes contado como um único governo Tudo isso encurta o processo histórico Onde a sucessão é patrilinear e primogenitiva como na região interlacustre a tendência à regularização dos fatos resultou num surpreendente número de sucessões regulares isto é o filho sucedendo ao pai que ultrapassa de muito a média e mesmo os recordes observados em outras partes do mundo Esse processo de regularização produziu uma genealogia típica retilínea desde os mais antigos tempos até o século XIX aproximadamente quando se tornou arborescente O resultado é o alongamento da dinastia pelo aumento do número de gerações uma vez que os colaterais são apresentados como pais e filhos A confusão entre homônimos e entre nome de reino ou título e nome pessoal assim como outros detalhes desse tipo pode estender ou encurtar a lista Como durante os tempos coloniais especialmente em regiões sob administração indireta era forte a pressão para alongar as dinastias pois as sociedades europeias como muitas africanas têm um grande respeito pela antiguidade empregaram se todos os meios possíveis mesmo ambíguos com aquela finalidade Todos os nomes foram então utilizados ciclos de nomes reais foram desdobrados se necessário ou agrupados podaram se os ramos colaterais a fim de alongar se o tronco Por último e sempre no caso dos reinos encontram se comumente lacunas entre o herói fundador que pertence à cosmogonia e o primeiro rei histórico útil Somente uma investigação muito cuidadosa pode determinar se nesses casos particulares os processos descritos realmente ocorreram A esse respeito a presença de irregularidades na sucessão e nas genealogias é a melhor garantia de autenticidade pois denota uma resistência ao nivelamento homeostático Sociedades de classes de idade ainda não foram submetidas a esse tipo de exame sistemático Alguns casos mostram que os processos de regularização intervêm para organizar os ciclos ou para reduzir a confusão produzida pelos homônimos Mas os diferentes tipos de sucessão de classes de idade ainda têm que ser estudados Não podemos generalizar exceto para dizer que o problema 159 A tradição oral e sua metodologia suscitado é análogo ao das genealogias porque também aqui a geração é a unidade Um estudo estatístico completo que forneceu grande parte das informações acima mencionadas constatou que a duração média de uma geração dinástica está entre 26 e 32 anos A amostra era principalmente patrilinear mas as dinastias matrilineares não se agrupam por exemplo no segmento inferior da distribuição estatística e a informação portanto seria válida para elas também A duração média dos reinados varia tanto com o sistema de sucessão que nenhuma informação genérica de valor pode ser fornecida Mesmo no caso de tipos idênticos de sucessão são encontradas divergências consideráveis entre diferentes dinastias Com base nas informações acima expostas pode se converter uma cronologia relativa de gerações em cronologia absoluta a menos que a distorção genealógica seja tal que torne o exercício inútil Primeiramente calcula se a média entre a primeira referência cronológica absoluta fornecida por uma data escrita e o presente e projeta se essa média no passado caso ela se situe entre 26 e 32 anos No entanto médias são apenas médias Sua probabilidade aumenta com o número de gerações envolvidas e o cálculo só fornece datas razoáveis para os inícios de sequências ou quando muito uma vez por século Qualquer precisão maior cria um erro De todo modo datas absolutas calculadas dessa maneira devem ser precedidas por uma sigla para indicar o fato Assim T 1635 para a fundação do Reino Kuba indicaria que a data foi calculada com base em genealogias e listas de reis O mesmo procedimento pode ser aplicado para determinar a duração média de um reinado Mostrou se por que essa média é menos válida que a média das gerações Uma das razões é que ao se projetar a média no passado pressupõe se que não houve mudança nos sistemas de sucessão Ora estes podem ter mudado ao longo dos anos Certamente sofreram mudanças desde a fundação da dinastia porque fundar é inovar e as sucessões sem dúvida levaram algum tempo para se normalizarem Além disso devemos considerar as mudanças que podem ter ocorrido na esperança de vida Já que a margem de erro é maior será particularmente útil dispor de datas absolutas determinadas por documentos escritos ou por outros meios que remontem a um passado longínquo Todavia continuando no campo da cronologia relativa é possível tentar coordenar diferentes sequências vizinhas separadas e relacionadas pelo estudo dos sincronismos Uma batalha entre dois reis citados fornece um sincronismo Torna possível harmonizar as duas cronologias relativas em questão e combiná las em uma Demonstrou se empiricamente que sincronismos entre mais 160 Metodologia e pré história da África de três unidades isoladas não mais são válidos Pode se mostrar que A e B viveram na mesma época ou que A e C viveram na mesma época porque ambos conheceram B Portanto A B C mas não podemos ir além disso O fato dos encontros de A e C com B poderem ter ocorrido em qualquer época durante a vida ativa de B explica por que A C é o limite Estudos sobre a cronologia do antigo Oriente Médio provaram empiricamente esse ponto No entanto utilizando prudentemente os sincronismos podemos reconstruir campos únicos razoavelmente grandes com uma cronologia relativa comum Após o exame dos dados genealógicos pode se obter uma data absoluta se a tradição mencionar um eclipse do sol Se há mais de uma data possível para o eclipse deve se mostrar qual é a mais provável Podemos proceder do mesmo modo com outros fenômenos astronômicos ou climáticos extraordinários que tenham causado catástrofes A certeza é menor nesse caso do que no dos eclipses solares porque há por exemplo mais fomes na África oriental que eclipses do sol Com exceção dos eclipses solares outras informações desse tipo são úteis principalmente para os últimos dois séculos ainda que poucos povos tenham preservado a memória de eclipses muito mais antigos Avaliação das tradições orais Uma vez submetidas a minuciosa crítica literária e sociológica podemos atribuir às fontes um grau de probabilidade Essa apreciação não pode ser quantificada mas não é por isso menos real A veracidade de uma tradição será mais facilmente constatada se a informação que contém puder ser comparada com a informação fornecida por outras tradições independentes ou por outras fontes Duas fontes independentes concordantes transformam uma probabilidade em algo mais próximo da certeza Mas deve se comprovar a independência das fontes Infelizmente contudo tem se constatado uma tendência muito grande em acreditar na pureza e estanquidade inequívocas da transmissão de um grupo étnico para outro Na prática caravanas de comerciantes como as dos Imbangala de Angola ou talvez as dos Diula e dos Haussa podem ter levado consigo fragmentos de história que foram incorporados à história local por encontrar terreno apropriado No início do período colonial estabeleceram se vínculos entre representantes de diferentes grupos que trocaram informações a respeito de suas tradições Esse é notadamente o caso nas regiões sob administração indireta onde interesses de ordem prática encorajavam especialmente os reinos a produzirem suas histórias Além disso todas essas histórias foram influenciadas 161 A tradição oral e sua metodologia pelos primeiros modelos escritos por africanos como o livro de Johnson sobre o Reino Oyo Nigéria ou o de Kaggwa Uganda para Buganda Deu se uma contaminação geral de todas as histórias tardiamente colocadas em forma escrita no país Ioruba e na região interlacustre de fala inglesa com tentativas de sincronização visando forçar as listas dinásticas a se igualarem em extensão às dos modelos Esses dois exemplos mostram o quanto se deve ser prudente ao afirmar que as tradições são realmente independentes Deve se pesquisar os arquivos estudar os contatos pré coloniais e ponderar tudo cuidadosamente antes de se fazer qualquer julgamento A comparação com dados escritos ou arqueológicos pode fornecer a confirmação de independência desejada Mas ainda neste caso é preciso que a independência seja comprovada O fato de autóctones atribuírem tradicionalmente um sítio visível aos primeiros habitantes do país devido à presença no local de traços de ocupação humana muito diferentes dos deixados pelos habitantes atuais não significa que se possa automaticamente fazer a mesma atribuição As fontes não são independentes pois o sítio é atribuído a essas populações por um processo lógico e apriorístico É um caso de iconatrofia Essa constatação dá origem a interessantes especulações especialmente no que diz respeito aos chamados vestígios de Tellem do país Dogon Mali assim como aos sítios Sirikwa Quênia para citar somente dois exemplos bem conhecidos Contudo os casos famosos dos sítios de Kumbi Saleh Mauritânia e do lago Kisale Zaire mostram que a arqueologia pode às vezes fornecer provas surpreendentes da validade de uma tradição oral Geralmente estabelecer uma concordância entre fonte oral e escrita fica difícil porque tratam de coisas diferentes Um estrangeiro que escreve sobre um país habitualmente se restringe a fatos econômicos e políticos muitas vezes ainda mal compreendidos A fonte oral voltada para o interior menciona os estrangeiros apenas de passagem quando o faz Assim sendo em muitos casos as duas fontes não têm nada em comum ainda que se refiram ao mesmo período Casos de concordância cronológica principalmente são encontrados em locais onde os estrangeiros se estabeleceram por tempo suficientemente longo para se interessarem pela política local e entendê la Tem se um exemplo disso no vale do Senegal a partir do século XVIII Em caso de contradição entre fontes orais deve se escolher a mais provável A prática muito difundida de tentar encontrar um acordo não faz sentido Uma contradição flagrante entre uma fonte oral e uma fonte arqueológica se resolve em favor da última se esta for um dado imediato isto é se a fonte for um objeto e não uma inferência pois neste caso a probabilidade da fonte 162 Metodologia e pré história da África oral pode ser maior Um conflito entre uma fonte escrita e uma oral se resolve exatamente como se se tratasse de duas fontes orais Devemos ter em mente que a informação quantitativa escrita de modo geral é mais digna de confiança mas que a informação oral relativa aos motivos é geralmente mais precisa que a das fontes escritas Por fim cabe ao historiador tentar estabelecer o que é mais provável Num caso extremo se dispomos de apenas uma fonte oral cujas prováveis deformações pudemos demonstrar devemos interpretá la tendo em conta as deformações e utilizá la Enfim acontece frequentemente de o historiador não se sentir satisfeito com as informações orais de que dispõe Pode registrar o seu descrédito em relação à validade das informações mas na falta de algo melhor é obrigado a utilizá las enquanto outras fontes não forem descobertas Coletânea e publicação Conclui se de tudo que foi dito acima que todos os elementos que permitam aplicar a crítica histórica às tradições devem ser reunidos em campo Isso implica num bom conhecimento da cultura sociedade e língua ou línguas envolvidas O historiador pode adquirir esse conhecimento ou solicitar a ajuda de especialistas Mas mesmo nesse caso ele deve realmente absorver todas as informações oferecidas pelo etnólogo pelo linguista e pelo tradutor que o estão ajudando Por último é preciso adotar uma atitude sistemática diante das fontes das quais devem ser recolhidas todas as variantes Tudo isso implica numa longa permanência em campo que será tanto mais demorada quanto menor for a familiaridade do historiador com a cultura em questão Devemos destacar que o conhecimento instintivo de alguém que estuda a história de sua própria sociedade não é suficiente A reflexão sociológica é indispensável O historiador deve redescobrir sua própria cultura A experiência linguística mostrou que às vezes mesmo sendo um nativo do país o historiador não compreende facilmente certos registros como os poemas panegíricos ou encontra dificuldade porque as pessoas falam um dialeto diferente do seu Além do mais é aconselhável que ao menos parte das transcrições feitas em seu dialeto materno seja examinada por um linguista para se assegurar que a transcrição comporta todos os sinais necessários à compreensão da narrativa incluindo se aí por exemplo os tons A coleta das tradições requer portanto muito tempo paciência e reflexão Depois de um período inicial de experiência é preciso estabelecer um plano 163 A tradição oral e sua metodologia racional de trabalho que leve em consideração as características particulares de cada caso De qualquer forma devemos visitar os sítios associados aos processos históricos em estudo Às vezes será necessário utilizar uma amostragem de fontes populares mas uma amostra não pode ser utilizada casualmente Devemos estudar numa área restrita quais as regras que determinam o nascimento de variantes e estabelecer a partir delas os princípios da amostragem a serem adotados Coletar uma vasta quantidade de material de forma indiscriminada não pode produzir o mesmo resultado ainda que se possa trabalhar mais rapidamente O pesquisador deve ter cuidado ao estudar a transmissão É cada vez mais comum encontrar informantes que adquiriram seu conhecimento a partir de trabalhos publicados sobre a história da região livros escolares jornais ou publicações científicas assim como podem tê lo adquirido em conferências transmitidas pelo rádio ou pela televisão O problema acentuar se á inevitavelmente com a ampliação da pesquisa Hoje em dia percebe se que existe uma contaminação mais sutil Alguns manuscritos às vezes muito velhos e especialmente relatórios dos primeiros tempos da administração colonial foram tomados pela tradição como verdades ancestrais Fontes arquivísticas devem portanto ser cuidadosamente examinadas assim como a possível influência de trabalhos científicos livros escolares transmissões de rádio etc Pois se o fato é verificado em campo pode se frequentemente corrigir esses dados insidiosos buscando se outras versões e explicando se aos informantes que o livro ou o rádio não estão necessáriamente certos no que diz respeito àquele assunto Mas uma vez longe do campo será tarde demais É preciso estruturar a pesquisa de acordo com uma nítida tomada de consciência histórica Não é possível recolher todas as tradições tentar fazê lo só nos levaria a uma massa confusa de informações É necessário primeiramente saber quais os problemas históricos que se quer estudar e então procurar as fontes correspondentes Ao eleger um objeto de estudo o pesquisador deve evidentemente ter interiorizado a cultura em questão Ele pode então como acontece frequentemente voltar seu interesse para a história política Mas pode também optar por questões da história social econômica religiosa cultural ou artística etc Para cada caso a estratégia utilizada na coleta da tradição será diferente A maior deficiência das pesquisas que se fazem atualmente é a falta de consciência histórica Há uma forte tendência em se deixar guiar pelo que se encontra Falta de paciência é outro perigo Reputa se por vezes necessário dar conta o mais depressa possível de uma grande parte do trabalho Nessas circunstâncias 164 Metodologia e pré história da África as fontes coletadas são difíceis de se avaliar apresentam se discrepantes e incompletas faltam variantes há pouca informação sobre a transformação de uma fonte sua representação sua transmissão O trabalho é malfeito Uma consequência particularmente nefasta é a impressão criada entre outros pesquisadores de que essa área já foi estudada o que diminui a probabilidade de se fazer uma pesquisa melhor no futuro Não se deve esquecer que as tradições orais desaparecem embora felizmente com menos rapidez do que se costuma pensar A urgência da tarefa não é razão para atamancá la Pode se replicar como tem ocorrido que o que advogamos aqui é utopia perfeccionismo coisa impossível Contudo é o único modo de se fazer um bom trabalho com os meios disponíveis num determinado lapso de tempo Não há atalhos Se acreditamos que em alguns casos todo esse trabalho produz somente uma safra muito pobre para a história não percebemos que contribui para enriquecer ao mesmo tempo o conhecimento geral da língua da literatura do pensamento coletivo e das estruturas sociais da civilização estudada A menos que seja publicado o trabalho não estará completo por não se encontrar disponível para a comunidade dos estudiosos Deve se ter em vista pelo menos uma classificação das fontes investigadas com introdução notas e índice que constitua um arquivo aberto a todos Muitas vezes o trabalho é combinado com a publicação de um estudo baseado em parte ou completamente nesse corpus Nenhum editor publicaria todo o material variantes inclusive e a interpretação dos dados Além disso uma síntese não comporta uma vasta massa de documentos em bruto Assim cada trabalho deverá explicar como as tradições foram coletadas e fornecer uma breve lista de fontes e informantes que possibilitará ao leitor formar uma opinião sobre a qualidade da coleta e compreender por que o autor escolheu uma determinada fonte em vez de outra Pela mesma razão cada fonte oral deve ser citada separadamente no trabalho O trabalho que diz A tradição conta que faz uma generalização perigosa Resta um tipo especializado de publicação as edições de textos Neste caso seguimos as mesmas normas utilizadas na publicação de manuscritos Na prática isso geralmente conduz a uma colaboração entre vários especialistas Nem todo pesquisador é ao mesmo tempo historiador linguista e etnólogo De fato as melhores edições de textos disponíveis até agora são quase todas trabalhos interdisciplinares de colaboradores dos quais ao menos um é linguista A edição de textos é uma tarefa árdua e ingrata o que explica por que há tão poucos publicados Entretanto seu número vem aumentando graças à colaboração de especialistas em literatura oral africana 165 A tradição oral e sua metodologia Conclusão Atualmente a coleta de tradições orais está se processando em todos os países africanos A massa de dados recolhidos refere se principalmente ao século XIX e é somente uma das fontes para a reconstrução histórica sendo a outra principal fonte para esse período os documentos históricos Há cinco ou seis trabalhos a cada ano apresentando estudos baseados quase inteiramente em tradições Tipologicamente eles tratam sobretudo da história política e da história dos reinos e no que diz respeito à geografia estão concentrados principalmente na África oriental central e equatorial onde as tradições frequentemente são as únicas fontes As cronologias remontam raramente além de 1700 se anteriores a essa data tornam se duvidosas Entretanto o conhecimento cada vez mais aprofundado da natureza das tradições permite avaliar melhor as que foram recolhidas em épocas anteriores Assim a exploração das tradições registradas por Cavazzi no século XVII só se tornou possível após o estudo em campo realizado em 1970 Além das tradições recentes existe um vasto corpo de informações literárias como as narrativas épicas e de dados cosmogônicos que podem ocultar informações históricas às vezes relativas a épocas bastante remotas A epopeia de Sundiata é um exemplo A tradição por si mesma não permite estabelecer datas Por exemplo a memória deformada relativa a certos sítios históricos na região interlacustre conservou uma lembrança que data dos primeiros séculos ou mesmo de antes da Era Cristã Mas a fonte oral nada diz quanto à data Somente a arqueologia foi capaz de solucionar o problema Assim também as tradições de Cavazzi às quais acabamos de nos referir parecem conter um sedimento histórico que é do maior interesse para o passado dos povos de Angola Há referências sucintas a dinastias que se sucederam a formas de governo que se seguiram em resumo sumarizam para a região do Alto Cuango mudanças socio políticas que podem datar de vários séculos ou até de um milênio antes de 1500 Mas não há nenhuma data como ponto de referência para essa perspectiva Existe uma última armadilha a ser notada Muito frequentemente a coleta de tradições ainda parece superficial e sua interpretação muito literal muito colada à cultura em questão Esse fenômeno vem reforçar a imagem de uma África cuja história consiste apenas em origens e migrações o que sabemos não é verdade Mas devemos admitir que essa é a imagem refletida pelas tradições que procuram estabelecer uma identidade A superficialidade da interpretação e a coleta pouco sistemática de material além do mais dão margem à maioria 166 Metodologia e pré história da África das críticas dirigidas contra a utilização das tradições orais especialmente entre os etnólogos A experiência prática provou que o valor maior das tradições reside em sua explicação das mudanças históricas no interior de uma civilização Isso é tão verdadeiro que como se pode comprovar em quase toda a parte apesar da abundância de fontes escritas relativas ao período colonial temos de recorrer constantemente aos testemunhos oculares ou à tradição para completá las a fim de tornar inteligível a evolução do povo Mas constatamos também que as tradições são geralmente enganadoras no que diz respeito à cronologia e aos dados quantitativos Além disso qualquer mudança inconsciente porque lenta demais uma mutação associada a uma ideologia religiosa por exemplo escapa à memória da sociedade Podemos encontrar apenas indicações fragmentárias de mudanças nos registros que não tratam explicitamente da história e ainda assim através de um complicado exercício de interpretação Isso mostra que a tradição oral não é uma panaceia para todos os males Mas na prática ela se revela uma fonte de primeira ordem para os últimos séculos Para um período anterior seu papel se reduz tornando se mais uma ciência auxiliar da arqueologia Em relação às fontes linguísticas e etnográficas ainda não foi suficientemente explorada embora em princípio esses três tipos de fontes devessem em conjunto trazer importante contribuição ao nosso conhecimento da África antiga assim como faz a arqueologia As tradições têm comprovado seu valor insubstituível Não é mais necessário convencer os estudiosos de que as tradições podem ser fontes úteis de informação Todo historiador está ciente disso O que devemos fazer agora é melhorar nossas técnicas de modo a extrair das fontes toda a sua riqueza potencial Essa é a tarefa que nos espera C A P Í T U L O 8 167 A tradição viva A escrita é uma coisa e o saber outra A escrita é a fotografia do saber mas não o saber em si O saber é uma luz que existe no homem A herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos transmitiram assim como o baobá já existe em potencial em sua semente Tierno Bokar1 Quando falamos de tradição em relação à história africana referimo nos à tradição oral e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de conhecimentos de toda espécie pacientemente transmitidos de boca a ouvido de mestre a discípulo ao longo dos séculos Essa herança ainda não se perdeu e reside na memória da última geração de grandes depositários de quem se pode dizer são a memória viva da África Entre as nações modernas onde a escrita tem precedência sobre a oralidade onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural durante muito tempo julgou se que povos sem escrita eram povos sem cultura Felizmente esse conceito infundado começou a desmoronar após as duas últimas guerras 1 Tierno Bokar Salif falecido em 1940 passou toda a sua vida em Bandiagara Mali Grande Mestre da ordem muçulmana de Tijaniyya foi igualmente tradicionalista em assuntos africanos Cf HAMPATÉ BÂ A e CARDAIRE M 1957 A tradição viva A Hampaté Bâ 168 Metodologia e pré história da África graças ao notável trabalho realizado por alguns dos grandes etnólogos do mundo inteiro Hoje a ação inovadora e corajosa da UNESCO levanta ainda um pouco mais o véu que cobre os tesouros do conhecimento transmitidos pela tradição oral tesouros que pertencem ao patrimônio cultural de toda a humanidade Para alguns estudiosos o problema todo se resume em saber se é possível conceder à oralidade a mesma confiança que se concede à escrita quando se trata do testemunho de fatos passados No meu entender não é esta a maneira correta de se colocar o problema O testemunho seja escrito ou oral no fim não é mais que testemunho humano e vale o que vale o homem Não faz a oralidade nascer a escrita tanto no decorrer dos séculos como no próprio indivíduo Os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o cérebro dos homens Antes de colocar seus pensamentos no papel o escritor ou o estudioso mantém um diálogo secreto consigo mesmo Antes de escrever um relato o homem recorda os fatos tal como lhe foram narrados ou no caso de experiência própria tal como ele mesmo os narra Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração a geração As crônicas das guerras modernas servem para mostrar que como se diz na África cada partido ou nação enxerga o meio dia da porta de sua casa através do prisma das paixões da mentalidade particular dos interesses ou ainda da avidez em justificar um ponto de vista Além disso os próprios documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de falsificações ou alterações intencionais ou não ao passarem sucessivamente pelas mãos dos copistas fenômeno que originou entre outras as controvérsias sobre as Sagradas Escrituras O que se encontra por detrás do testemunho portanto é o próprio valor do homem que faz o testemunho o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte a fidedignidade das memórias individual e coletiva e o valor atribuído à verdade em uma determinada sociedade Em suma a ligação entre o homem e a palavra E pois nas sociedades orais que não apenas a função da memória é mais desenvolvida mas também a ligação entre o homem e a Palavra é mais forte Lá onde não existe a escrita o homem está ligado à palavra que profere Está comprometido por ela Ele é a palavra e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é A própria coesão da sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra Em compensação ao mesmo tempo que se difunde vemos que a escrita pouca a pouco vai substituindo a palavra falada tornando se a única prova e o único recurso vemos a assinatura tornar se o único compromisso reconhecido enquanto o laça sagrado e profundo que unia o homem à palavra desaparece progressivamente para dar lugar a títulos universitários convencionais 169 A tradição viva Nas tradições africanas pela menos nas que conheço e que dizem respeita a toda a região de savana ao sul do Saara a palavra falada se empossava além de um valor moral fundamental de um caráter sagrado vinculado à sua origem divina e às forças ocultas nela depositadas Agente mágico por excelência grande vetor de forças etéreas não era utilizada sem prudência Inúmeros fatores religiosas mágicos ou sociais concorrem por conseguinte para preservar a fidelidade da transmissão oral Pareceu nos indispensável fazer ao leitor uma breve explanação sobre esses fatores a fim de melhor situar a tradição oral africana em seu contexto e esclarecê la por assim dizer a partir do seu interior Se formulássemos a seguinte pergunta a um verdadeiro tradicionalista africano O que é tradição oral por certo ele se sentiria muito embaraçado Talvez respondesse simplesmente após longo silêncio É o conhecimento total O que pois abrange a expressão tradição oral Que realidades veicula que conhecimentos transmite que ciências ensina e quem são os transmissores Contrariamente ao que alguns possam pensar a tradição oral africana com efeito não se limita a histórias e lendas ou mesmo a relatos mitológicos ou históricos e os griots estão longe de ser seus únicos guardiães e transmissores qualificados A tradição oral é a grande escala da vida e dela recupera e relaciona todos os aspectos Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas Dentro da tradição oral na verdade o espiritual e o material não estão dissociados Ao passar do esotérico para o exotérico a tradição oral consegue colocar se ao alcance dos homens falar lhes de acordo com o entendimento humano revelar se de acordo com as aptidões humanas Ela é ao mesmo tempo religião conhecimento ciência natural iniciação à arte história divertimento e recreação uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar à Unidade primordial Fundada na iniciação e na experiência a tradição oral conduz o homem à sua totalidade e em virtude disso pode se dizer que contribuiu para criar um tipo de homem particular para esculpir a alma africana Uma vez que se liga ao comportamento cotidiano da homem e da comunidade a cultura africana não é portanto algo abstrato que possa ser isolado da vida Ela envolve uma visão particular do mundo ou melhor dizendo uma presença particular no mundo um mundo concebido como um Todo onde todas as coisas se religam e interagem A tradição oral baseia se em uma certa concepção da homem do seu lugar e do seu papel no seio do universo Para situá la melhor na contexto global antes 170 Metodologia e pré história da África de estudá la em seus várias aspectos devemos portanto retomar ao próprio mistério da criação do homem e da instauração primordial da Palavra o mistério tal como ela o revela e do qual emana A origem divina da Palavra Como não posso discorrer com autenticidade sobre quaisquer tradições que não tenha vivido ou estudado pessoalmente em particular as relativas aos países da floresta tirarei os exemplos em que me apóio das tradições da savana ao sul da Saara que antigamente era chamada de Bafur e que constituía as regiões de savana da antiga África ocidental francesa A tradição bambara do Komo2 ensina que a Palavra Kuma é uma força fundamental que emana do próprio Ser Supremo Maa Ngala criador de todas as coisas Ela é o instrumento da criação Aquilo que Maa Ngala diz é proclama o chantre do deus Komo O mito da criação do universo e do homem ensinado pelo mestre iniciador do Komo que é sempre um ferreiro aos jovens circuncidados revela nos que quando Maa Ngala sentiu falta de um interlocutor criou o Primeiro Homem Maa Antigamente a história da gênese costumava ser ensinada durante os 63 dias de retiro imposto aos circuncidados aos 21 anos de idade em seguida passavam mais 21 anos estudando a cada vez mais profundamente Na orla do bosque sagrado onde Komo vivia o primeiro circuncidado entoava ritmadamente as seguintes palavras Maa Ngala Maa Ngala Quem é Maa Ngala Onde está Maa Ngala O chantre do Komo respondia Maa Ngala é a Força infinita Ninguém pode situá lo no tempo e no espaço Ele é Dombali Incognoscível Dambali Incriado Infinito Então após a iniciação começava a narração da gênese primordial Não havia nada senão um Ser 2 Uma das grandes escolas de iniciação do Mande Mali 171 A tradição viva Este Ser era um Vazio vivo a incubar potencialmente as existências possíveis O Tempo infinito era a moradia desse Ser Um O Ser Um chamou se de Maa Ngala Então ele criou Fan Um Ovo maravilhoso com nove divisões No qual introduziu os nove estados fundamentais da existência Quando o Ovo primordial chocou dele nasceram vinte seres fabulosos que constituíram a totalidade do universo a soma total das forças existentes do conhecimento possível Mas ai nenhuma dessas vinte primeiras criaturas revelou se apta a tornar se o interlocutor kuma nyon que Maa Ngala havia desejado para si Assim ele tomou de uma parcela de cada uma dessas vinte criaturas existentes e misturou as então insuflando na mistura uma centelha de seu próprio hálito ígneo criou um novo Ser o Homem a quem deu uma parte de seu próprio nome Maa E assim esse novo ser através de seu nome e da centelha divina nele introduzida continha algo do próprio Maa Ngala Síntese de tudo o que existe receptáculo por excelência da Força suprema e confluência de todas as forças existentes Maa o Homem recebeu de herança uma parte do poder criador divino o dom da Mente e da Palavra Maa Ngala ensinou a Maa seu interlocutor as leis segundo as quais todos os elementos do cosmo foram formados e continuam a existir Ele o intitulou guardião do Universo e o encarregou de zelar pela conservação da Harmonia universal Por isso é penoso ser Maa Iniciado por seu criador mais tarde Maa transmitiu a seus descendentes tudo o que havia aprendido e esse foi o início da grande cadeia de transmissão oral iniciatória da qual a ordem do Komo como as ordens do Nama do Kore etc no Mali diz se continuadora Tendo Maa Ngala criado seu interlocutor Maa falava com ele e ao mesmo tempo dotava o da capacidade de responder Teve início o diálogo entre Maa Ngala criador de todas as coisas e Maa simbiose de todas as coisas Como provinham de Maa Ngala para o homem as palavras eram divinas porque ainda não haviam entrado em contato com a materialidade Após o contato com a corporeidade perderam um pouco de sua divindade mas se carregaram de sacralidade Assim sacralizada pela Palavra divina por sua vez a corporeidade emitiu vibrações sagradas que estabeleceram a comunicação com Maa Ngala 172 Metodologia e pré história da África A tradição africana portanto concebe a fala como um dom de Deus Ela é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente A fala humana como poder de criação Maa Ngala como se ensina depositou em Maa as três potencialidades do poder do querer e do saber contidas nos vinte elementos dos quais ele foi composto Mas todas essas forças das quais é herdeiro permanecem silenciadas dentro dele Ficam em estado de repouso até o instante em que a fala venha colocá las em movimento Vivificadas pela Palavra divina essas forças começam a vibrar Numa primeira fase tornam se pensamento numa segunda som e numa terceira fala A fala é portanto considerada como a materialização ou a exteriorização das vibrações das forças Assinalemos entretanto que neste nível os termos falar e escutar referem se a realidades muito mais amplas do que as que normalmente lhes atribuímos De fato diz se que Quando Maa Ngala fala pode se ver ouvir cheirar saborear e tocar a sua fala Trata se de uma percepção total de um conhecimento no qual o ser se envolve na totalidade Do mesmo modo sendo a fala a exteriorização das vibrações das forças toda manifestação de uma só força seja qual for a forma que assuma deve ser considerada como sua fala É por isso que no universo tudo fala tudo é fala que ganhou corpo e forma Em fulfulde a palavra que designa fala haala deriva da raiz verbal hal cuja ideia é dar força e por extensão materializar A tradição peul ensina que Gueno o Ser Supremo conferiu força a Kiikala o primeiro homem falando com ele Foi a conversa com Deus que fez Kiikala forte dizem os Silatigui ou mestres iniciados peul Se a fala é força é porque ela cria uma ligação de vaivém yaa warta em fulfulde que gera movimento e ritmo e portanto vida e ação Este movimento de vaivém é simbolizado pelos pés do tecelão que sobem e descem como veremos adiante ao falarmos sobre os ofícios tradicionais Com efeito o simbolismo do ofício do tecelão baseia se inteiramente na fala criativa em ação À imagem da fala de Maa Ngala da qual é um eco a fala humana coloca em movimento forças latentes que são ativadas e suscitadas por ela como um homem que se levanta e se volta ao ouvir seu nome 173 A tradição viva A fala pode criar a paz assim como pode destruí la É como o fogo Uma única palavra imprudente pode desencadear uma guerra do mesmo modo que um graveto em chamas pode provocar um grande incêndio Diz o adágio malinês O que é que coloca uma coisa nas devidas condições ou seja a arranja a dispõe favoravelmente A fala O que é que estraga uma coisa A fala O que é que mantém uma coisa em seu estado A fala A tradição pois confere a Kuma a Palavra não só um poder criador mas também a dupla função de conservar e destruir Por essa razão a fala por excelência é o grande agente ativo da magia africana A fala agente ativo da magia Deve se ter em mente que de maneira geral todas as tradições africanas postulam uma visão religiosa do mundo O universo visível é concebido e sentido como o sinal a concretização ou o envoltório de um universo invisível e vivo constituído de forças em perpétuo movimento No interior dessa vasta unidade cósmica tudo se liga tudo é solidário e o comportamento do homem em relação a si mesmo e em relação ao mundo que o cerca mundo mineral vegetal animal e a sociedade humana será objeto de uma regulamentação ritual muito precisa cuja forma pode variar segundo as etnias ou regiões A violação das leis sagradas causaria uma perturbação no equilíbrio das forças que se manifestaria em distúrbios de diversos tipos Por isso a ação mágica ou seja a manipulação das forças geralmente almejava restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia da qual o Homem como vimos havia sido designado guardião por seu Criador Na Europa a palavra magia é sempre tomada no mau sentido enquanto que na África designa unicamente o controle das forças em si uma coisa neutra que pode se tornar benéfica ou maléfica conforme a direção que se lhe dê Como se diz Nem a magia nem o destino são maus em si A utilização que deles fazemos os torna bons ou maus A magia boa a dos iniciados e dos mestres do conhecimento visa purificar os homens os animais e os objetos a fim de repor as forças em ordem E aqui é decisiva a força da fala Assim como a fala divina de Maa Ngala animou as forças cósmicas que dormiam estáticas em Maa assim também a fala humana anima coloca em movimento e suscita as forças que estão estáticas nas coisas Mas para que a fala produza um efeito total as palavras devem ser entoadas ritmicamente porque o 174 Metodologia e pré história da África movimento precisa de ritmo estando ele próprio fundamentado no segredo dos números A fala deve reproduzir o vaivém que é a essência do ritmo Nas canções rituais e nas fórmulas encantatórias a fala é portanto a materialização da cadência E se é considerada como tendo o poder de agir sobre os espíritos é porque sua harmonia cria movimentos movimentos que geram forças forças que agem sobre os espíritos que são por sua vez as potências da ação Na tradição africana a fala que tira do sagrado o seu poder criador e operativo encontra se em relação direta com a conservação ou com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que o cerca Por esse motivo a maior parte das sociedades orais tradicionais considera a mentira uma verdadeira lepra moral Na África tradicional aquele que falta à palavra mata sua pessoa civil religiosa e oculta Ele se separa de si mesmo e da sociedade Seria preferível que morresse tanto para si próprio como para os seus O chantre do Komo Dibi de Kulikoro no Mali cantou em um de seus poemas rituais A fala é divinamente exata convém ser exato para com ela A língua que falsifica a palavra vicia o sangue daquele que mente O sangue simboliza aqui a força vital interior cuja harmonia é perturbada pela mentira Aquele que corrompe sua palavra corrompe a si próprio diz o adágio Quando alguém pensa uma coisa e diz outra separa se de si mesmo Rompe a unidade sagrada reflexo da unidade cósmica criando desarmonia dentro e ao redor de si Agora podemos compreender melhor em que contexto mágico religioso e social se situa o respeito pela palavra nas sociedades de tradição oral especialmente quando se trata de transmitir as palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas idosas O que a África tradicional mais preza é a herança ancestral O apego religioso ao patrimônio transmitido exprime se em frases como Aprendi com meu Mestre Aprendi com meu pai Foi o que suguei no seio de minha mãe Os tradicionalistas Os grandes depositários da herança oral são os chamados tradicionalistas Memória viva da África eles são suas melhores testemunhas Quem são esses mestres 175 A tradição viva Em bambara chamam nos de Doma ou Soma os Conhecedores ou Donikeba fazedores de conhecimento em fulani segundo a região de Silatigui Gando ou Tchiorinke palavras que possuem o mesmo sentido de Conhecedor Podem ser Mestres iniciados e iniciadores de um ramo tradicional específico iniciações do ferreiro do tecelão do caçador do pescador etc ou possuir o conhecimento total da tradição em todos os seus aspectos Assim existem Domas que conhecem a ciência dos ferreiros dos pastores dos tecelões assim como das grandes escolas de iniciação da savana por exemplo no Mali o Komo o Kore o Nama o Do o Diarrawara o Nya o Nyaworole etc Mas não nos iludamos a tradição africana não corta a vida em fatias e raramente o Conhecedor é um especialista Na maioria das vezes é um generalizador Por exemplo um mesmo velho conhecerá não apenas a ciência das plantas as propriedades boas ou más de cada planta mas também a ciência das terras as propriedades agrícolas ou medicinais dos diferentes tipos de solo a ciência das águas astronomia cosmogonia psicologia etc Trata se de uma ciência da vida cujos conhecimentos sempre podem favorecer uma utilização prática E quando falamos de ciências iniciatórias ou ocultas termos que podem confundir o leitor racionalista trata se sempre para a África tradicional de uma ciência eminentemente prática que consiste em saber como entrar em relação apropriada com as forças que sustentam o mundo visível e que podem ser colocadas a serviço da vida Guardião dos segredos da Gênese cósmica e das ciências da vida o tradicionalista geralmente dotado de uma memória prodigiosa normalmente também é o arquivista de fatos passados transmitidos pela tradição ou de fatos contemporâneos Uma história que se quer essencialmente africana deverá necessariamente portanto apoiar se no testemunho insubstituível de africanos qualificados Não se pode pentear uma pessoa quando ela está ausente diz o adágio Os grandes Doma os de conhecimento total eram conhecidos e venerados e as pessoas vinham de longe para recorrer ao seu conhecimento e à sua sabedoria Ardo Dembo que me iniciou nas coisas fulani era um Doma peul um Silatigui Hoje é falecido Ali Essa outro Silatigui peul ainda vive Danfo Sine que frequentava a casa de meu pai na minha infância era um Doma quase universal Não somente era um grande Mestre iniciado do Komo mas também possuía todos os outros conhecimentos de seu tempo históricos iniciatórios ou relativos às ciências da natureza Era conhecido por todos na 176 Metodologia e pré história da África região que se estende de Sikasso a Bamako isto é os antigos reinos de Kenedugu e de Beledugu Seu irmão mais jovem Latif que havia experimentado as mesmas iniciações era também um grande Doma Além do mais tinha a vantagem de ler e escrever árabe e de ter prestado o serviço militar nas forças francesas no Chade o que lhe permitira coletar grande quantidade de conhecimentos na savana chadiana que se revelaram análogos aos ensinados no Mali Iwa pertencente à casta dos griots é um dos maiores tradicionalistas do Mande vivos no Mali assim como Banzoumana o grande músico cego Neste ponto é preciso esclarecer que um griot não é necessariamente um tradicionalista conhecedor mas que pode tornar se um se for essa sua vocação Não poderá entretanto ter acesso à iniciação do Komo da qual os griots são excluídos3 De maneira geral os tradicionalistas foram postos de parte senão perseguidos pelo poder colonial que naturalmente procurava extirpar as tradições locais a fim de implantar suas próprias ideias pois como se diz Não se semeia nem em campo plantado nem em terra alqueivada Por essa razão a iniciação geralmente buscava refúgio na mata e deixava as grandes cidades chamadas de Tubabudugu cidades de brancos ou seja dos colonizadores No entanto nos diversos países da savana africana que formam o antigo Bafur e sem dúvida outras partes também ainda existem Conhecedores que continuam a transmitir a herança sagrada àqueles que aceitam aprender e ouvir e que se mostram dignos de receber os ensinamentos por sua paciência e discreção regras básicas exigidas pelos deuses Dentro de 10 ou 15 anos os últimos grandes Doma os últimos anciãos herdeiros dos vários ramos da Tradição provavelmente terão desaparecido Se não nos apressarmos em reunir seus testemunhos e ensinamentos todo o patrimônio cultural e espiritual de um povo cairá no esquecimento juntamente com eles e uma geração jovem sem raízes ficará abandonada à própria sorte Autenticidade da transmissão Mais do que todos os outros homens os tradicionalistas doma grandes ou pequenos obrigam se a respeitar a verdade Para eles a mentira não é 3 A respeito dos griots ver mais adiante 177 A tradição viva simplesmente um defeito moral mas uma interdição ritual cuja violação lhes impossibilitaria o preenchimento de sua função Um mentiroso não poderia ser um iniciador nem um Mestre da faca e muito menos um Doma Se excepcionalmente acontecesse de um tradicionalista doma revelar se um mentiroso jamais voltaria a receber a confiança de alguém em qualquer domínio e sua função desapareceria imediatamente De modo geral a tradição africana abomina a mentira Diz se Cuida te para não te separares de ti mesmo É melhor que o mundo fique separado de ti do que tu separado de ti mesmo Mas a interdição ritual da mentira afeta de modo particular todos os oficiantes ou sacrificadores ou mestres da faca etc4 de todos os graus a começar pelo pai de família que é o sacrificador ou o oficiante de sua família passando pelo ferreiro pelo tecelão ou pelo artesão tradicional sendo a prática de um ofício uma atividade sagrada como veremos adiante A proibição atinge todos os que tendo de exercer uma responsabilidade mágico religiosa e de realizar os atos rituais são de algum modo os intermediários entre os mortais comuns e as forças tutelares no topo estão o oficiante sagrado do país por exemplo o Hogon entre os Dogon e eventualmente o rei Essa interdição ritual existe de meu conhecimento em todas as tradições da savana africana A proibição da mentira deve se ao fato de que se um oficiante mentisse estaria corrompendo os atos rituais Não mais preencheria o conjunto das condições rituais necessárias à realização do ato sagrado sendo a principal estar ele próprio em harmonia antes de manipular as forças da vida Não nos esqueçamos de que todos os sistemas mágico religiosos africanos tendem a preservar ou restabelecer o equilíbrio das forças do qual depende a harmonia do mundo material e espiritual Mais do que todos os outros os Doma sujeitam se a esta obrigação pois enquanto Mestres iniciados são os grandes detentores da Palavra principal agente ativo da vida humana e dos espíritos São os herdeiros das palavras sagradas e encantatórias transmitidas pela cadeia de ancestrais palavras que podem remontar às primeiras vibrações sagradas emitidas por Maa o primeiro homem Se o tradicionalista doma é detentor da Palavra os demais homens são os depositários do palavrório Citarei o caso de um Mestre da faca dogon do país de Pignari departamento de Bandiagara que conheci na juventude e que certa vez foi forçado a mentir 4 Nem todas as cerimônias rituais incluíam necessariamente o sacrifício de um animal O sacrifício podia consistir em uma oferenda de painço leite ou algum outro produto natural 178 Metodologia e pré história da África a fim de salvar a vida de uma mulher procurada que ele havia escondido em sua casa Após o incidente renunciou espontaneamente ao cargo supondo que já não mais preenchia as condições rituais para assumi lo lidimamente Quando se trata de questões religiosas e sagradas os grandes mestres tradicionais não temem a opinião desfavorável das massas e se acaso cometem um engano admitem o erro publicamente sem desculpas calculadas ou evasivas Para eles reconhecer quaisquer faltas que tenham cometido é uma obrigação pois significa purificar se da profanação Se o tradicionalista ou Conhecedor é tão respeitado na África é porque ele se respeita a si próprio Disciplinado interiormente uma vez que jamais deve mentir é um homem bem equilibrado mestre das forças que nele habitam Ao seu redor as coisas se ordenam e as perturbações se aquietam Independentemente da interdição da mentira ele pratica a disciplina da palavra e não a utiliza imprudentemente Pois se a fala como vimos é considerada uma exteriorização das vibrações de forças interiores inversamente a força interior nasce da interiorização da fala A partir dessa óptica pode se compreender melhor a importância que a educação tradicional africana atribui ao autocontrole Falar pouco é sinal de boa educação e de nobreza Muito cedo o jovem aprende a dominar a manifestação de suas emoções ou de seu sofrimento aprende a conter as forças que nele existem à semelhança do Maa primordial que continha dentro de si submissas e ordenadas todas as forças do Cosmo Dir se á de um Conhecedor respeitado ou de um homem que é mestre de si mesmo É um Maa ou um Neddo em fulfulde quer dizer um homem completo Não se deve confundir os tradicionalistas doma que sabem ensinar enquanto divertem e se colocam ao alcance da audiência com os trovadores contadores de história e animadores públicos que em geral pertencem à casta dos Dieli griots ou dos Woloso cativos de casa5 Para estes a disciplina da verdade não existe e como veremos adiante a tradição lhes concede o direito de travesti la ou de embelezar os fatos mesmo que grosseiramente contanto que consigam divertir ou interessar o público O griot como se diz pode ter duas línguas Ao contrário nenhum africano de formação tradicionalista sequer sonharia em colocar em dúvida a veracidade da fala de um tradicionalista doma 5 Os Woloso literalmente os nascidos na casa ou cativos de casa eram empregados ou famílias de empregados ligados há gerações a uma mesma família A tradição concedia lhes liberdade total de ação e expressão bem como consideráveis direitos materiais sobre os bens de seus senhores 179 A tradição viva figura 81 Músico tukulor tocando o ardin Kayes Mali n AO 292 Figura 82 Cantor Mvet Documentation Française 180 Metodologia e pré história da África especialmente quando se trata da transmissão dos conhecimentos herdados da cadeia dos ancestrais Antes de falar o Doma por deferência dirige se às almas dos antepassados para pedir lhes que venham assisti lo a fim de evitar que a língua troque as palavras ou que ocorra um lapso de memória que o levaria a alguma omissão Danfo Sine o grande Doma bambara que conheci na infância em Bougouni e que era o Chantre do Komo antes de iniciar uma história ou lição costumava dizer Oh Alma de meu Mestre Tiemablem Samaké Oh Almas dos velhos ferreiros e dos velhos tecelões Primeiros ancestrais iniciadores vindos do Leste Oh Jigi grande carneiro que por primeiro soprou Na trombeta do Komo Vindo sobre o Jeliba Níger Acercai vos e escutai me Em concordância com vossos dizeres Vou contar aos meus ouvintes Como as coisas aconteceram Desde vós no passado até nós no presente Para que as palavras sejam preciosamente guardadas E fielmente transmitidas Aos homens de amanhã Que serão nossos filhos E os filhos de nossos filhos Segurai firme ó ancestrais as rédeas de minha língua Guiai o brotar das minhas palavras A fim de que possam seguir e respeitar Sua ordem natural Em seguida acrescentava Eu Danjo Sine do clã de Samake elefante vou contar tal como o aprendi na presença de minhas duas testemunhas Makoro e Manifin6 Os dois como eu conhecem a trama7 Eles serão a um tempo meus fiscais e meu apoio 6 Makoro e Manifin eram seus dois condiscípulos 7 Uma narrativa tradicional possui sempre uma trama ou base imutável que não deve jamais ser modificada mas a partir da qual pode se acrescentar desenvolvimentos ou embelezamentos segundo a inspiração ou a atenção dos ouvintes 181 A tradição viva Se o contador de histórias cometesse um erro ou esquecesse algo sua testemunha o interromperia Homem Presta atenção quando abres a boca Ao que ele responderia Desculpe foi minha língua fogosa que me traiu Um tradicionalista doma que não é ferreiro de nascença mas que conhece as ciências relacionadas à forja por exemplo dirá antes de falar sobre ela Devo isto a fulano que deve a beltrano etc Ele renderá homenagem ao ancestral dos ferreiros curvando se em sinal de devoção com a ponta do cotovelo direito apoiada no chão e o antebraço erguido O Doma também pode citar seu mestre e dizer Rendo homenagem a todos os intermediários até Nunfayri8 sem ser obrigado a citar todos os nomes Existe sempre referência à cadeia da qual o próprio Doma é apenas um elo Em todos os ramos do conhecimento tradicional a cadeia de transmissão se reveste de uma importância primordial Não existindo transmissão regular não existe magia mas somente conversa ou histórias A fala é então inoperante A palavra transmitida pela cadeia deve veicular depois da transmissão original uma força que a torna operante e sacramental Esta noção de respeito pela cadeia ou de respeito pela transmissão determina em geral no africano não aculturado a tendência a relatar uma história reproduzindo a mesma forma em que a ouviu ajudado pela memória prodigiosa dos iletrados Se alguém o contradiz ele simplesmente responderá Fulano me ensinou assim sempre citando a fonte Além do valor moral próprio dos tradicionalistas doma e de sua adesão a uma cadeia de transmissão uma garantia suplementar de autenticidade é fornecida pelo controle permanente de seus pares ou dos anciãos que os rodeiam que velam zelosamente pela autenticidade daquilo que transmitem e que os corrigem no menor erro como vimos no caso de Danfo Sine No curso de suas excursões rituais pelo mato o chantre do Komo pode acrescentar as próprias meditações ou inspirações às palavras tradicionais que herdou da cadeia e que canta para seus companheiros Suas palavras novos elos vêm então enriquecer as palavras dos predecessores Mas ele previne Isto é o que estou acrescentando isto é o que estou dizendo Não sou infalível posso estar errado Se estou não se esqueçam de que como vocês vivo de um punhado de painço de uns goles de água e de alguns sopros de ar O homem não é infalível 8 Ancestral dos ferreiros 182 Metodologia e pré história da África Os iniciados e os neófitos que o acompanham aprendem essas novas palavras de modo que todos os cantos do Komo são conhecidos e conservados na memória O grau de evolução do adepto do Komo não é medido pela quantidade de palavras aprendidas mas pela conformidade de sua vida a essas palavras Se um homem sabe apenas dez ou quinze palavras do Komo e as vive então ele se torna um valoroso adepto do Komo dentro da associação Para ser chantre do Komo portanto Mestre iniciado é necessário conhecer todas as palavras herdadas e vivê las A educação tradicional sobretudo quando diz respeito aos conhecimentos relativos a uma iniciação liga se à experiência e se integra à vida Por esse motivo o pesquisador europeu ou africano que deseja aproximar se dos fatos religiosos africanos está fadado a deter se nos limites do assunto a menos que aceite viver a iniciação correspondente e suas regras o que pressupõe no mínimo um conhecimento da língua Pois existem coisas que não se explicam mas que se experimentam e se vivem Lembro me de que em 1928 quando servia em Tougan um jovem etnólogo chegara ao país para fazer um estudo sobre a galinha sacrifical por ocasião da circuncisão O comandante francês apresentou se ao chefe de cantão indígena e pediu que tudo fosse feito para satisfazer ao etnólogo insistindo para que lhe contassem tudo Por sua vez o chefe de cantão reuniu os principais cidadãos e expôs lhes os fatos repetindo as palavras do comandante O decano da assembleia que era o Mestre da faca local e portanto o responsável pelas cerimônias de circuncisão e da iniciação correspondente perguntou lhe Ele quer que lhe contemos tudo Sim respondeu o chefe de cantão Mas ele veio para ser circuncidado Não veio buscar informações O decano voltou o rosto para o outro lado e disse Como podemos contar lhe tudo se ele não quer ser circuncidado Você bem sabe chefe que isso não é possível Ele terá de levar a vida dos circuncidados para que possamos ensinar lhe todas as lições Uma vez que por força somos obrigados a satisfazê lo replicou o chefe do cantão cabe a você encontrar uma saída para essa dificuldade Muito bem disse o velho Nós nos desembaraçaremos dele sem que ele perceba pondo o na palha 183 A tradição viva A fórmula pôr na palha que consiste em enganar uma pessoa com alguma história improvisada quando não se pode dizer a verdade foi inventada a partir do momento em que o poder colonial passou a enviar seus agentes ou representantes com o propósito de fazer pesquisas etnológicas sem aceitar viver sob as condições exigidas Muitos etnólogos foram vítimas inconscientes desta tática Quantos não pensavam ter compreendido completamente determinada realidade quando sem vivê la não poderiam verdadeiramente tê la conhecido Além do ensino esotérico ministrado nas grandes escolas de iniciação por exemplo o Komo ou as demais já mencionadas a educação tradicional começa em verdade no seio de cada família onde o pai a mãe ou as pessoas mais idosas são ao mesmo tempo mestres e educadores e constituem a primeira célula dos tradicionalistas São eles que ministram as primeiras lições da vida não somente através da experiência mas também por meio de histórias fábulas lendas máximas adágios etc Os provérbios são as missivas legadas à posteridade pelos ancestrais Existe uma infinidade deles Certos jogos infantis foram elaborados pelos iniciados com o fim de difundir ao longo dos séculos certos conhecimentos esotéricos cifrados Citemos por exemplo o jogo do Banangolo no Mali baseado em um sistema numeral relacionado com os 266 siqiba ou signos que correspondem aos atributos de Deus Por outro lado o ensinamento não é sistemático mas ligado às circunstâncias da vida Este modo de proceder pode parecer caótico mas em verdade é prático e muito vivo A lição dada na ocasião de certo acontecimento ou experiência fica profundamente gravada na memória da criança Ao fazer uma caminhada pela mata encontrar um formigueiro dará ao velho mestre a oportunidade de ministrar conhecimentos diversos de acordo com a natureza dos ouvintes Ou falará sobre o próprio animal sobre as leis que governam sua vida e a classe de seres a que pertence ou dará uma lição de moral às crianças mostrando lhes como a vida em comunidade depende da solidariedade e do esquecimento de si mesmo ou ainda poderá falar sobre conhecimentos mais elevados se sentir que seus ouvintes poderão compreendê lo Assim qualquer incidente da vida qualquer acontecimento trivial pode sempre dar ocasião a múltiplos desenvolvimentos pode induzir à narração de um mito de uma história ou de uma lenda Qualquer fenômeno observado permite remontar às forças de onde se originou e evocar os mistérios da unidade da Vida que é inteiramente animada pela Se a Força sagrada primordial ela mesma um aspecto do Deus Criador 184 Metodologia e pré história da África Na África tudo é História A grande História da vida compreende a História das Terras e das Águas geografia a História dos vegetais botânica e farmacopeia a História dos Filhos do seio da Terra mineralogia metais a História dos astros astronomia astrologia a História das águas e assim por diante Na tradição da savana particularmente nas tradições bambara e peul o conjunto das manifestações da vida na terra divide se em três categorias ou classes de seres cada uma delas subdividida em três grupos Na parte inferior da escala os seres inanimados os chamados seres mudos cuja linguagem é considerada oculta uma vez que é incompreensível ou inaudível para o comum dos mortais Essa classe de seres inclui tudo o que se encontra na superfície da terra areia água etc ou que habita o seu interior minerais metais etc Dentre os inanimados mudos encontramos os inanimados sólidos líquidos e gasosos literalmente fumegantes No grau médio os animados imóveis seres vivos que não se deslocam Essa é a classe dos vegetais que podem se estender ou se desdobrar no espaço mas cujo pé não pode mover se Dentre os animados imóveis encontramos as plantas rasteiras as trepadeiras e as verticais estas últimas constituindo a classe superior Finalmente os animados móveis que compreendem todos os animais inclusive o homem Os animados móveis incluem os animais terrestres com e sem ossos os animais aquáticos e os animais voadores Tudo o que existe pode portanto ser incluído em uma dessas categorias9 De todas as Histórias a maior e mais significativa é a do próprio Homem simbiose de todas as Histórias uma vez que segundo o mito foi feito com uma parcela de tudo o que existiu antes dele Todos os reinos da vida mineral vegetal e animal encontram se nele conjugados a forças múltiplas e a faculdades superiores Os ensinamentos referentes ao homem baseiam se em mitos da cosmogonia determinando seu lugar e papel no universo e revelando qual deve ser sua relação com O mundo dos vivos e dos mortos Explica se tanto o simbolismo de seu corpo quanto a complexidade de seu psiquismo As pessoas da pessoa são numerosas no interior da pessoa dizem as tradições bambara e peul Ensina se qual deve ser seu comportamento frente à natureza como respeitar lhe o equilíbrio e não perturbar as forças que a animam das quais não é mais que o aspecto visível A iniciação o fará descobrir a sua própria relação 9 Cf HAMPATÉ BÂ A 1972 p 23 e segs 185 A tradição viva com o mundo das forças e pouco a pouco o conduzirá ao autodomínio sendo a finalidade última tornar se tal como Maa um homem completo interlocutor de Maa Ngala e guardião do mundo vivo Os ofícios tradicionais Os ofícios artesanais tradicionais são os grandes vetores da tradição oral Na sociedade tradicional africana as atividades humanas possuíam frequentemente um caráter sagrado ou oculto principalmente as atividades que consistiam em agir sobre a matéria e transformá la uma vez que tudo é considerado vivo Toda função artesanal estava ligada a um conhecimento esotérico transmitido de geração a geração e que tinha sua origem em uma revelação inicial A obra do artesão era sagrada porque imitava a obra de Maa Ngala e completava sua criação A tradição bambara ensina de fato que a criação ainda não está acabada e que Maa Ngala ao criar nossa terra deixou as coisas inacabadas para que Maa seu interlocutor as completasse ou modificasse visando conduzir a natureza à perfeição A atividade artesanal em sua operação deveria repetir o mistério da criação Portanto ela focalizava uma força oculta da qual não se podia aproximar sem respeitar certas condições rituais Os artesãos tradicionais acompanham o trabalho com cantos rituais ou palavras rítmicas sacramentais e seus próprios gestos são considerados uma linguagem De fato os gestos de cada ofício reproduzem no simbolismo que lhe é próprio o mistério da criação primeira que como foi mostrado anteriormente ligava se ao poder da Palavra Diz se que O ferreiro forja a Palavra O tecelão a tece O sapateiro amacia a curtindo a Tomemos o exemplo do tecelão cujo ofício vincula se ao simbolismo da Palavra criadora que se distribui no tempo e no espaço O tecelão de casta um maabo entre os Peul é o depositário dos segredos das 33 peças que compõem a base fundamental do tear cada uma delas com um significado A armação por exemplo constitui se de oito peças principais quatro verticais que simbolizam não só os quatro elementos mãe terra água ar e fogo mas também os quatro pontos cardeais e quatro transversais que simbolizam os quatro pontos colaterais O tecelão situado no meio representa 186 Metodologia e pré história da África o Homem primordial Maa no centro das oito direções do espaço Com sua presença obtêm se nove elementos que lembram os nove estados fundamentais da existência as nove classes de seres as nove aberturas do corpo portas das forças da vida as nove categorias de homens entre os Peul etc Antes de dar início ao trabalho o tecelão deve tocar cada peça do tear pronunciando palavras ou ladainhas correspondentes às forças da vida que elas encarnam O vaivém dos pés que sobem e descem para acionar os pedais lembra o ritmo original da Palavra criadora ligado ao dualismo de todas as coisas e à lei dos ciclos Como se os pés dissessem o seguinte Fonyonko Fonyonko Dualismo Dualismo Quando um sobe o outro desce A morte do rei e a coroação do príncipe A morte do avô e o nascimento do neto Brigas de divórcio misturadas ao barulho de uma festa de casamento De sua parte diz a naveta Eu sou a barca do Destino Passo por entre os recifes dos fios da trama Que representam a Vida Passo do lado direito para o lado esquerdo Desenrolando meu intestino o fio Para contribuir à construção E de novo passo do lado esquerdo para o lado direito Desenrolando meu intestino A vida é eterno vaivém Permanente doação de si A tira de tecido que se acumula e se enrola em um bastão que repousa sobre o ventre do tecelão representa o passado enquanto o rolo do fio a ser tecido simboliza o mistério do amanhã o desconhecido devir O tecelão sempre dirá Ó amanhã Não me reserve uma surpresa desagradável No total o trabalho do tecelão representa oito movimentos de vaivém movimentos dos pés dos braços da naveta e o cruzamento rítmico dos fios do tecido que correspondem às oito peças da armação do tear e às oito patas da aranha mítica que ensinou sua ciência ao ancestral dos tecelões Os gestos do tecelão ao acionar o tear representam o ato da criação e as palavras que lhe acompanham os gestos são o próprio canto da Vida 187 A tradição viva Quanto ao ferreiro tradicional ele é o depositário do segredo das transmutações Por excelência é o Mestre do Fogo Sua origem é mítica e na tradição bambara chamam no de Primeiro Filho da Terra Suas habilidades remontam a Maa o primeiro homem a quem o criador Maa Ngala ensinou entre outros os segredos da forjadura Por isso a forja é chamada de Fan o mesmo nome do Ovo primordial de onde surgiu todo o universo e que foi a primeira forja sagrada Os elementos da forja estão ligados a um simbolismo sexual sendo esta a expressão ou o reflexo de um processo cósmico de criação Desse modo os dois foles redondos acionados pelo assistente do ferreiro são comparados aos testículos masculinos O ar com que são enchidos é a substância da vida enviada através de uma espécie de tubo que representa o falo para a fornalha da forja que representa a matriz onde age o fogo transformador O ferreiro tradicional só pode entrar na forja após um banho ritual de purificação preparado com o cozimento de certas folhas cascas ou raízes de árvores escolhidas em função do dia Com efeito as plantas como os minerais e os animais dividem se em sete classes que correspondem aos dias da semana e estão ligadas pela lei de correspondência analógica10 Em seguida o ferreiro se veste de modo especial uma vez que não pode entrar na forja vestido com roupa comum Todos os dias pela manhã purifica a forja com defumações especiais feitas com plantas que ele conhece Terminadas essas operações lavado de todos os contatos com o exterior o ferreiro encontra se em estado sacramental Voltou a ser puro e assemelha se agora ao ferreiro primordial Só então à semelhança de Maa Ngala pode ele criar modificando e moldando a matéria Em fulfulde ferreiro traduz se por baylo palavra que literalmente significa transformador Antes de começar o trabalho invoca os quatro elementos mãe da criação terra água ar e fogo que estão obrigatoriamente representados na forja existe sempre um receptáculo com água o fogo da fornalha o ar enviado pelos foles e um montículo de terra ao lado da forja Durante o trabalho o ferreiro pronuncia palavras especiais à medida que vai tocando cada ferramenta Ao tomar a bigorna que simboliza a receptividade feminina diz Não sou Maa Ngala mas o representante de Maa Ngala Ele é 10 A respeito da lei de correspondência analógica v HAMPATÉ BÂ A Aspects de la civilisation africaine Présence africaine Paris 1972 p 120 e segs 188 Metodologia e pré história da África quem cria não eu Em seguida apanha um pouco de água ou um ovo oferece a à bigorna e diz Eis teu dote Pega o martelo que simboliza o falo e aplica alguns golpes na bigorna para sensibilizá la Estabelecida a comunicação ele pode começar a trabalhar O aprendiz não deve fazer perguntas Deve apenas observar com atenção e soprar Esta é a fase muda do aprendizado À medida que vai avançando na assimilação do conhecimento o aprendiz sopra em ritmos cada vez mais complexos cada um deles possuindo um significado No decorrer da fase oral do aprendizado o Mestre transmitirá gradualmente todos os seus conhecimentos ao discípulo treinando o e corrigindo o até que adquira a mestria Após uma cerimônia de liberação o novo ferreiro poderá deixar o mestre e instalar a sua própria forja Comumente o ferreiro envia os próprios filhos para outro ferreiro a fim de iniciarem seu aprendizado Como diz o adágio As esposas e os filhos do Mestre não são seus melhores discípulos Assim o artesão tradicional imitando Maa Ngala repetindo com seus gestos a criação primordial realizava não um trabalho no sentido puramente econômico da palavra mas uma função sagrada que empregava as forças fundamentais da vida e em que se aplicava todo o seu ser Na intimidade da oficina ou da forja participava do mistério renovado da criação eterna Os conhecimentos do ferreiro devem abranger um vasto setor da vida Renomado ocultista a mestria dos segredos do fogo e do ferro faz dele a única pessoa habilitada a praticar a circuncisão e como vimos o grande Mestre da faca na iniciação do Komo é invariavelmente um ferreiro Não apenas sabe tudo o que diz respeito aos metais como também conhece perfeitamente a classificação das plantas e suas propriedades O ferreiro de alto forno que ao mesmo tempo extrai e funde o mineral é o mais avançado em conhecimentos À ciência de ferreiro fundidor acrescenta o conhecimento perfeito dos Filhos do seio da Terra mineralogia e dos segredos das plantas e da mata De fato ele conhece as espécies de vegetais que cobrem a terra que contém determinado metal e detecta um veio de ouro simplesmente examinando as plantas e os seixos Conhece as encantações da terra e as encantações das plantas Uma vez que se considera a natureza como viva e animada pelas forças todo ato que a perturba deve ser acompanhado de um comportamento ritual destinado a preservar e salvaguardar o equilíbrio sagrado pois tudo se liga tudo repercute em tudo toda ação faz vibrar as forças da vida e desperta uma cadeia de consequências cujos efeitos são sentidos pelo homem 189 A tradição viva A relação do homem tradicional com o mundo era portanto uma relação viva de participação e não uma relação de pura utilização É compreensível que nesta visão global do universo o papel do profano seja mínimo No antigo país Baúle por exemplo o ouro que a terra oferecia em abundância era considerado metal divino e não chegou a ser explorado exaustivamente Empregavam no sobretudo na confecção de objetos reais ou cultuais mas igualmente o utilizavam como moeda de câmbio e objeto de presente Sua extração era livre a todos mas a ninguém era permitida a apropriação de pepitas que ultrapassassem certo tamanho toda pepita com peso superior ao padrão era devolvida ao deus e se destinava a aumentar o ouro real depósito sagrado do qual os próprios reis não tinham o direito de usufruir Certos tesouros reais foram desta maneira transmitidos intactos até a ocupação europeia A terra acreditava se pertencia a Deus e ao homem cabia o direito de usufruir dela mas não o de possuí la Voltando ao artesão tradicional ele é o exemplo perfeito de como o conhecimento pode se incorporar não somente aos gestos e ações mas também à totalidade da vida uma vez que deve respeitar um conjunto de proibições e obrigações ligadas à sua atividade que constitui um verdadeiro código de comportamento em relação à natureza e aos semelhantes Existe desse modo o que se chama de Costume dos ferreiros numusira ou numuya em bambara Costume dos agricultores Costume dos tecelões e assim por diante e no plano étnico o que se chama de Costume dos Peul Lawol fulfulde verdadeiros códigos morais sociais e jurídicos peculiares a cada grupo transmitidos e observados fielmente pela tradição oral Pode se dizer que o ofício ou a atividade tradicional esculpe o ser do homem Toda a diferença entre a educação moderna e a tradição oral encontra se aí Aquilo que se aprende na escola ocidental por mais útil que seja nem sempre é vivido enquanto o conhecimento herdado da tradição oral encarna se na totalidade do ser Os instrumentos ou as ferramentas de um ofício materializam as Palavras sagradas o contato do aprendiz com o ofício o obriga a viver a Palavra a cada gesto Por essa razão a tradição oral tomada no seu todo não se resume à transmissão de narrativas ou de determinados conhecimentos Ela é geradora e formadora de um tipo particular de homem Pode se afirmar que existe a civilização dos ferreiros a civilização dos tecelões a civilização dos pastores etc Limitei me aqui a examinar os exemplos particularmente típicos dos ferreiros e dos tecelões mas de um modo geral toda atividade tradicional constitui uma 190 Metodologia e pré história da África grande escola iniciatória ou mágico religiosa uma via de acesso à Unidade da qual para os iniciados é um reflexo ou uma expressão peculiar Geralmente a fim de conservar restritos à linhagem os conhecimentos secretos e os poderes mágicos deles decorrentes todo grupo devia observar proibições sexuais rigorosas em relação a pessoas estranhas ao grupo e praticar a endogamia A endogamia portanto não se deve à ideia de intocabilidade mas ao desejo de manter dentro do grupo os segredos rituais Assim podemos perceber como esses grupos rigorosamente especializados e harmonizados com as funções sagradas gradualmente chegaram à noção de casta tal como existe atualmente na África da savana A guerra e o nobre fazem o escravo diz o adágio mas é Deus quem faz o artesão o nyamakala A noção de castas superiores ou inferiores por conseguinte não se baseia em uma realidade sociológica tradicional Ela surgiu com o decorrer do tempo apenas em determinados lugares provavelmente como consequência da aparição de alguns impérios onde a função de guerreiro reservada aos nobres lhes conferia uma espécie de supremacia No passado distante a noção de nobreza era sem dúvida diferente e o poder espiritual tinha precedência sobre o poder temporal Naquele tempo eram os Silatigui mestres iniciados peul e não os Ardo chefes reis que governavam as comunidades peul Contrariamente ao que alguns escreveram ou supuseram o ferreiro é muito mais temido do que desprezado na África Primeiro filho da Terra mestre do Fogo e manipulador de forças misteriosas é temido acima de tudo pelo seu poder De qualquer maneira a tradição sempre atribuiu aos nobres a obrigação de garantir a conservação das castas ou classes de nyamakala em bambara nyeenyo pl nyeeybe em fulani Tais classes gozam da prerrogativa de obter mercadorias ou dinheiro não como retribuição de um trabalho mas como o reclamo de um privilégio que o nobre não podia recusar Na tradição do Mande cujo centro se acha no Mali mas que cobre mais ou menos todo o território do antigo Bafur isto é a antiga África ocidental francesa com exceção das zonas de floresta e da parte oriental da Nigéria as castas ou nyamakala compreendem os ferreiros numu em bambara baylo em fulfulde os tecelões maabo em bambara e em fulfulde os trabalhadores da madeira tanto o lenhador como o marceneiro saki em bambara labbo em fulfulde os trabalhadores do couro garanke em bambara sakke em fulfulde 191 A tradição viva os animadores públicos dieli em bambara em fulfulde eles são designados pelo nome geral de nyamakala ou membro de uma casta isto é nyeeybe Mais conhecidos pelo nome francês de griot Embora não exista noção de superioridade propriamente dita as quatro classes de nyamakala artesãos têm precedência sobre os griots pois demandam iniciação e conhecimentos especiais O ferreiro está no topo da hierarquia seguido pelo tecelão pois seu ofício implica o mais alto grau de iniciação Ambos podem escolher indistintamente esposas de uma ou de outra casta pois as mulheres são oleiras tradicionais tendo portanto a mesma iniciação feminina Na classificação do Mande os nyamakala artesãos dividem se em grupos de três Existem três tipos de ferreiro numu em bambara baylo em fulfulde o ferreiro de mina ou de alto forno que extrai os minérios e funde metal Os grandes iniciados entre eles podem igualmente trabalhar na forja o ferreiro do ferro negro que trabalha na forja mas não extrai minérios o ferreiro dos metais preciosos ou joalheiro que geralmente é cortesão e como tal instala se nos pátios externos dos palácios de um chefe ou nobre Existem três tipos de tecelões maabo o tecelão de lã que possui o maior grau de iniciação Os motivos dos cobertores são sempre simbólicos e estão associados aos mistérios dos números e da cosmogonia Todo desenho tem um nome o tecelão de kerka que tece imensos cobertores mosquiteiros e cortinas de algodão que podem ter até 6 m de comprimento com uma infinita variedade de motivos Cheguei a examinar uma dessas cortinas com 165 motivos Cada motivo recebe um nome e tem um significado O próprio nome é um símbolo que representa várias realidades o tecelão comum que confecciona faixas simples de tecido branco e que não passa por uma grande iniciação Às vezes ocorre de a tecelagem comum ser feita por nobres Assim alguns Bambara confeccionam faixas de tecido branco sem serem tecelões de casta Como não são iniciados porém não podem tecer nem kerka nem lã nem mosquiteiros Existem três tipos de carpinteiros saki em bambara labbo em fulfulde aquele que faz almofarizes pilões e estatuetas sagradas O almofariz onde os remédios sagrados são triturados é um objeto ritual feito apenas com determinados tipos de madeira Como na ferraria a carpintaria simboliza 192 Metodologia e pré história da África as duas forças fundamentais o almofariz representa como a bigorna o pólo feminino enquanto o pilão representa como o martelo o pólo masculino As estatuetas sagradas são executadas sob o comando de um iniciado doma que as carrega de energia sagrada prevendo algum uso particular Além do ritual de carregamento a escolha e o corte da madeira também devem ser realizados sob condições especiais cujo segredo só o lenhador conhece O próprio artesão corta a madeira de que precisa Portanto é também um lenhador e sua iniciação está ligada ao conhecimento dos segredos das plantas e da mata Sendo a árvore considerada viva e habitada por outros espíritos vivos não pode ser derrubada ou cortada sem determinadas precauções rituais conhecidas pelo lenhador aquele que faz utensílios ou móveis domésticos de madeira aquele que fabrica pirogas devendo ser iniciado também nos segredos da água No Mali os Somono que se tornaram pescadores sem pertencer à etnia Bozo também começaram a fabricar pirogas São eles que podemos ver trabalhando às margens do Níger entre Kulikoro e Mopti Existem três tipos de trabalhadores do couro garanke em bambara sakke em fulfulde os que fazem sapatos os que fazem arreios rédeas etc os seleiros ou correeiros O trabalho do couro também envolve uma iniciação e os garanke geralmente têm a reputação de feiticeiros Os caçadores os pescadores e os agricultores não correspondem a castas mas sim a etnias Suas atividades estão entre as mais antigas da sociedade humana a colheita agricultura e a caça que compreende duas caças uma na terra e outra na água representam também grandes escolas de iniciação pois não há quem se aproxime imprudentemente das forças sagradas da Terra Mãe e dos poderes da mata onde vivem os animais A exemplo do ferreiro de alto forno o caçador de modo geral conhece todas as encantações da mata e deve dominar a fundo a ciência do mundo animal Os curandeiros que curam por meio de plantas ou pelo dom da fala podem pertencer a qualquer classe ou grupo étnico Normalmente eles são Doma 193 A tradição viva Cada povo possui como herança dons particulares transmitidos de geração a geração através da iniciação Assim os Dogon do Mali têm a reputação de conhecer o segredo da lepra que sabem curar muito rapidamente sem deixar uma única marca e o segredo da cura da tuberculose Além disso são excelentes restauradores pois conseguem recolocar os ossos quebrados mesmo em caso de fraturas graves Os animadores públicos ou griotsdieli em bambara Se as ciências ocultas e esotéricas são privilégio dos mestres da faca e dos chantres dos deuses a música a poesia lírica e os contos que animam as recreações populares e normalmente também a história são privilégios dos griots espécie de trovadores ou menestréis que percorrem o país ou estão ligados a uma família Sempre se supôs erroneamente que os griots fossem os únicos tradicionalistas possíveis Mas quem são eles Classificam se em três categorias os griots músicos que tocam qualquer instrumento monocórdio guitarra cora tantã etc Normalmente são excelentes cantores preservadores transmissores da música antiga e além disso compositores os griots embaixadores e cortesãos responsáveis pela mediação entre as grandes famílias em caso de desavenças Estão sempre ligados a uma família nobre ou real às vezes a uma única pessoa os griots genealogistas historiadores ou poetas ou os três ao mesmo tempo que em geral são igualmente contadores de história e grandes viajantes não necessariamente ligados a uma família A tradição lhes confere um status social especial Com efeito contrariamente aos Horon nobres têm o direito de ser cínicos e gozam de grande liberdade de falar Podem manifestar se à vontade até mesmo impudentemente e às vezes chegam a troçar das coisas mais sérias e sagradas sem que isso acarrete graves consequências Não têm compromisso algum que os obrigue a ser discretos ou a guardar respeito absoluto para com a verdade Podem às vezes contar mentiras descaradas e ninguém os tomará no sentido próprio Isso é o que o dieli diz Não é a verdade verdadeira mas a aceitamos assim Essa máxima mostra muito bem de que modo a tradição aceita as invenções dos dieli sem se deixar enganar pois como se diz eles têm a boca rasgada 194 Metodologia e pré história da África figura 83 Tocador de Valiha O instrumento é de madeira com cordas de aço Foto Museu do Homem Figura 84 Griot hutu imitando o mwami caído Foto B Nantet 195 A tradição viva Em toda a tradição do Bafur o nobre ou o chefe não só é proibido de tocar música em reuniões públicas mas também deve ser moderado na expressão e na fala Muita conversa não convém a um Horon diz o provérbio Assim os griots ligados às famílias acabam por desempenhar naturalmente o papel de mediadores ou mesmo de embaixadores caso surjam problemas de menor ou maior importância Eles são a língua de seu mestre Quando ligados a uma família ou pessoa geralmente ficam encarregados de alguma missão corriqueira e particularmente das negociações matrimoniais Para dar um exemplo um jovem nobre não se dirigirá diretamente a uma jovem para dizer lhe de seu amor Fará do griot o porta voz que entrará em contato com a moça ou com sua griote para falar dos sentimentos de seu mestre e louvar lhe os méritos Uma vez que a sociedade africana está fundamentalmente baseada no diálogo entre os indivíduos e na comunicação entre comunidades ou grupos étnicos os griots são os agentes ativos e naturais nessas conversações Autorizados a ter duas línguas na boca se necessário podem se desdizer sem que causem ressentimentos Isso jamais seria possível para um nobre a quem não se permite voltar atrás com a palavra ou mudar de decisão Um griot chega até mesmo a arcar com a responsabilidade de um erro que não cometeu a fim de remediar uma situação ou de salvar a reputação dos nobres É aos velhos sábios da comunidade em suas audiências secretas que cabe o difícil dever de olhar as coisas pela janela certa mas cabe aos griots cumprir aquilo que os sábios decidiram e ordenaram Treinados para colher e fornecer informações eles são os grandes portadores de notícias mas igualmente muitas vezes grandes difamadores O nome dieli em bambara significa sangue De fato tal como o sangue eles circulam pelo corpo da sociedade que podem curar ou deixar doente conforme atenuem ou avivem os conflitos através das palavras e das canções É necessário acrescentar entretanto que se trata aqui apenas de características gerais e que nem todos os griots são necessariamente desavergonhados ou cínicos Pelo contrário entre eles existem aqueles que são chamados de dieli faama ou seja griots reis De maneira nenhuma estes são inferiores aos nobres no que se refere a coragem moralidade virtudes e sabedoria e jamais abusam dos direitos que lhes foram concedidos por costume Os griots foram importante agente ativo do comércio e da cultura humana Em geral dotados de considerável inteligência desempenhavam um papel de grande importância na sociedade tradicional do Bafur devido à sua influência sobre os nobres e os chefes Ainda hoje em toda oportunidade estimulam e suscitam o orgulho do clã dos nobres com suas canções normalmente para 196 Metodologia e pré história da África ganhar presentes mas muitas vezes para também encorajá los a enfrentar alguma situação difícil Durante a noite de vigília que precede o rito da circuncisão por exemplo eles encorajam a criança ou o jovem a mostrar se digno de seus antepassados permanecendo impassível Entre os Peul canta se o seguinte teu pai11 Fulano que morreu no campo de batalha engoliu o mingau do ferro incandescente as balas sem piscar Espero que amanhã tu não sintas medo da ponta da faca do ferreiro Na cerimônia do bastão ou Soro entre os Peul Bororo do Níger as canções do griot animam o jovem que deve provar sua coragem e paciência mantendo um sorriso e sem tremer as pálpebras enquanto recebe fortes golpes de bastão no peito Os griots tomaram parte em todas as batalhas da história ao lado de seus mestres cuja coragem estimulavam relembrando lhes a genealogia e os grandes feitos dos antepassados Para o africano a invocação do nome de família é de grande poder Ademais é pela repetição do nome da linhagem que se saúda e se louva um africano A influência exercida pelos dieli ao longo da história adquiria a qualificação de boa ou má conforme suas palavras incitavam o orgulho dos líderes e os impeliam a excessos ou como era o caso mais frequente chamavam nos ao respeito de seus deveres tradicionais Como se vê os griots participam efetivamente da história dos grandes impérios africanos do Bafur e o papel desempenhado por eles merece um estudo em profundidade O segredo do poder da influência dos Dieli sobre os Horon nobres reside no conhecimento que têm da genealogia e da história das famílias Alguns deles chegaram a fazer desse conhecimento uma verdadeira especialização Os griots dessa categoria raramente pertencem a uma família e viajam pelo país em busca de informações históricas cada vez mais extensas Desse modo certamente adquirem uma capacidade quase mágica de provocar o entusiasmo de um nobre ao declamar para ele a própria genealogia os objetos heráldicos e a história familiar e consequentemente de receber dele valiosos presentes Um nobre é capaz de se despojar de tudo o que traz consigo e possui dentro de casa para presentear a um griot que conseguiu lhe mover os sentimentos Aonde quer que vão estes griots genealogistas têm a sobrevivência largamente assegurada 11 Teu pai em linguagem africana pode muito bem designar um tio um avô ou um antepassado Significa toda a linha paterna inclusive as colaterais 197 A tradição viva Não se deve pensar entretanto que se trata de uma retribuição A ideia de remuneração pelo trabalho realizado é contrária à noção tradicional de direito dos nyamakala sobre as classes nobres12 Qualquer que seja sua fortuna os nobres mesmo os mais pobres são tradicionalmente obrigados a oferecer presentes aos dieli ou a qualquer nyamakala ou woloso13 mesmo quando o dieli é infinitamente mais rico do que o nobre De um modo geral é a casta dos Dieli a que mais reclama presentes Quaisquer que sejam seus ganhos porém o dieli sempre é pobre pois gasta tudo o que tem contando com os nobres para seu sustento O canta o dieli solicitante a mão de um nobre não está grudada ao seu pescoço com avareza ela está sempre pronta a buscar em seu bolso algo para dar àquele que pede E se por acaso isso não ocorrer é melhor que o nobre se precavenha contra os problemas que terá com o homem da boca rasgada cujas duas línguas podem arruinar negócios e reputações Do ponto de vista econômico portanto a casta dos Dieli como todas as classes de nyamakala e de woloso é dependente da sociedade especialmente das classes nobres A progressiva transformação das condições econômicas e dos costumes alterou até certo ponto esta situação e antigos nobres ou griots passaram a aceitar funções remuneradas Mas o costume não morreu e as pessoas ainda se arruínam por ocasião de festas de batismo ou casamento para darem presentes aos griots que vêm animar as festas com suas canções Alguns governos modernos tentaram pôr fim a esse costume mas que se saiba ainda não conseguiram Os dieli sendo nyamakala devem em princípio casar se dentro das classes de nyamakala É fácil ver como os griots genealogistas especializados em histórias de famílias e geralmente dotados de memória prodigiosa tornaram se naturalmente por assim dizer os arquivistas da sociedade africana e ocasionalmente grandes historiadores Mas é importante lembrarmos que eles não são os únicos a possuir tal conhecimento Os griots historiadores a rigor podem ser chamados de tradicionalistas mas com a ressalva de que se trata de um ramo puramente histórico da tradição a qual possui muitos outros ramos O fato de ter nascido dieli não faz do homem necessariamente um historiador embora o incline para essa direção e muito menos que se torne um sábio em 12 Nobre é uma tradução bastante aproximativa de Horon Em verdade Horon é toda pessoa que não pertence nem à classe dos nyamakala nem à classe dos jon cativos sendo esta última constituída por descendentes de prisioneiros de guerra O Horon tem por dever assegurar a defesa da comunidade dar sua vida por ela assim como garantir a conservação das outras classes 13 Sobre Woloso cativo de casa cf n 5 198 Metodologia e pré história da África assuntos tradicionais um Conhecedor De um modo geral a casta dos Dieli é a que mais se distancia dos domínios iniciatórios que requerem silêncio discreção e controle da fala A possibilidade de se tornarem Conhecedores está ao alcance deles tanto quanto ao de qualquer outro indivíduo Assim como um tradicionalista doma o Conhecedor tradicional no verdadeiro sentido do termo pode vir a ser ao mesmo tempo um grande genealogista e historiador um griot como todo membro de qualquer categoria social pode tornar se um tradicionalista doma se suas aptidões o permitirem e se ele tiver passado pelas iniciações correspondentes com exceção no entanto da iniciação do Komo que lhe é proibida No desenvolvimento deste estudo mencionamos o exemplo de dois griots Conhecedores que atualmente vivem no Mali Iwa e Banzoumana sendo que este último é ao mesmo tempo grande músico historiador e tradicionalista doma O griot que é também tradicionalista doma constitui uma fonte de informações de absoluta confiança pois sua qualidade de iniciado lhe confere um alto valor moral e o sujeita à proibição da mentira Torna se um outro homem É ele o griot rei do qual falamos anteriormente a quem as pessoas consultam por sua sabedoria e seu conhecimento e que embora capaz de divertir jamais abusa de seus direitos consuetudinários Quando um griot conta uma história geralmente lhe perguntam É uma história de dieli ou uma história de doma Se for uma história de dieli costuma se dizer Isso é o que o dieli diz e então se pode esperar alguns embelezamentos da verdade com a intenção de destacar o papel desta ou daquela família embelezamentos que não seriam feitos por um tradicionalista doma que se interessa acima de tudo pela transmissão fiel É necessário fazer uma distinção quando estamos na presença de um griot historiador convém sabermos se se trata de um griot comum ou de um griot doma Ainda assim deve se admitir que a base dos fatos raramente é alterada serve de trampolim à inspiração poética ou panegírica que se não chega a falsificá la pelo menos a ornamenta Um mal entendido que ainda tem sequela em alguns dicionários franceses deve ser esclarecido Os franceses tomavam os dieli a quem chamavam de griots por feiticeiros sorcier o que não corresponde à realidade Pode acontecer de um griot ser korte tigui lançador de má sorte assim como pode acontecer de um griot ser doma conhecedor tradicional não porque nasceu griot mas porque foi iniciado e adquiriu sua proficiência boa ou ruim na escola de um mestre do ofício 199 A tradição viva O mal entendido provavelmente advém da ambivalência do termo francês griot que pode designar o conjunto dos nyamakala que incluem os dieli e mais frequentemente apenas a casta dos Dieli A tradição declara que os nyamakala são todos subaa termo que designa um homem versado em conhecimentos ocultos a que só têm acesso os iniciados uma espécie de ocultista A tradição exclui desta designação os dieli que não seguem uma via iniciatória própria Portanto os nyamakala artesãos são subaa Dentre estes encontra se o garanke trabalhador do couro que possui a reputação de ser um subaga feiticeiro no mau sentido do termo Quanto a mim sou propenso a acreditar que os primeiros intérpretes europeus confundiram os dois termos subaa e subaga semelhantes na pronúncia e que a ambivalência do termo griot fez o resto Uma vez que a tradição declara que todos os nyamakala são subaa ocultistas os intérpretes devem ter entendido todos os nyamakala são subaga feiticeiros o que devido ao duplo uso coletivo ou particular da palavra griot tornou se todos os griots são feiticeiros Daí o mal entendido Seja como for a importância do dieli não se encontra nos poderes de bruxaria que ele possa ter mas em sua arte de manejar a fala que aliás também é uma forma de magia Antes de deixarmos os griots assinalemos algumas exceções que podem causar confusão Por vezes alguns tecelões deixam de exercer seu ofício tradicional para se tornarem tocadores de guitarra Os Peul chamam nos de Bammbaado literalmente aquele que é carregado nas costas porque suas despesas são sempre pagas por outrem ou pela comunidade Os Bammbaado que são sempre contadores de histórias também podem ser poetas genealogistas e historiadores Alguns lenhadores também podem trocar suas ferramentas por uma guitarra e se tornar excelentes músicos e genealogistas Bokar Ilo e Idriss Ngada que pelo que sei se encontravam entre os grandes genealogistas do Alto Volta eram lenhadores que se tornaram músicos Mas trata se aqui de exceções Do mesmo modo alguns nobres desacreditados podem se tornar animadores públicos mas não músicos14 e são chamados de Tiapourta em bambara e em fulfulde Assim são mais impudentes e cínicos do que o mais impudente dos griots e ninguém leva a sério seus comentários Pedem presentes aos griots com tal insistência que estes últimos chegam a fugir ao ver um Tiapourta 14 Cabe lembrar que os Horou nobres peul ou bambara jamais tocam música pelo menos em público Os Tiapourta conservaram em geral esse costume 200 Metodologia e pré história da África Se a música é em geral a grande especialidade dos dieli existe também uma música ritual tocada por iniciados que acompanha as cerimônias ou as danças rituais Os instrumentos dessa música sagrada são portanto verdadeiros objetos de culto que tornam possível a comunicação com as forças invisíveis Por serem instrumentos de corda sopro ou percussão encontram se em conexão com os elementos terra ar e água A música própria para encantar os espíritos do fogo é apanágio da associação dos comedores de fogo que são chamados de Kursi kolonin ou Donnga soro Como tornar se um tradicionalista Na África do Bafur como já foi dito qualquer um podia tornar se tradicionalista doma isto é Conhecedor em uma ou mais matérias tradicionais O conhecimento estava à disposição de todos sendo a iniciação onipresente sob uma forma ou outra e sua aquisição dependia simplesmente das aptidões individuais O conhecimento era tão valorizado que tinha precedência sobre tudo e conferia nobreza O conhecedor em qualquer área podia sentar se no Conselho dos Anciãos encarregado da administração da comunidade a despeito de sua categoria social horon nyamakala ou woloso O conhecimento não distingue raça nem porta paterna o clã Ele enobrece o homem diz o provérbio A educação africana não tinha a sistemática do ensino europeu sendo dispensada durante toda a vida A própria vida era educação No Bafur até os 42 anos um homem devia estar na escola da vida e não tinha direito a palavra em assembleias a não ser excepcionalmente Seu dever era ficar ouvindo e aprofundar o conhecimento que veio recebendo desde sua iniciação aos 21 anos A partir dos 42 anos supunha se que já tivesse assimilado e aprofundado os ensinamentos recebidos desde a infância Adquiria o direito a palavra nas assembleias e tornava se por sua vez um mestre para devolver à sociedade aquilo que dela havia recebido Mas isso não o impedia de continuar aprendendo com os mais velhos se assim o desejasse e de lhes pedir conselhos Um homem idoso encontrava sempre outro mais velho ou mais sábio do que ele a quem pudesse solicitar uma informação adicional ou uma opinião Todos os dias costuma se dizer o ouvido ouve aquilo que ainda não ouviu Assim a educação podia durar a vida inteira Após aprender o ofício e seguir a iniciação correspondente o jovem nyamakala artesão pronto para voar com suas próprias asas ia geralmente de cidade em 201 A tradição viva cidade a fim de aumentar seus conhecimentos aprendendo com novos mestres Aquele que não viajou nada viu diz se Assim ele ia de oficina em oficina percorrendo o mais extensamente possível o país Os homens das montanhas desciam às planícies os das planícies subiam às montanhas os do Beledugu vinham ao Mande e assim por diante Com o propósito de logo se fazer reconhecer o jovem ferreiro em viagem trazia sempre o fole a tiracolo o lenhador o machado ou a enxó o tecelão carregava às costas o tear desmontado mas mantinha a naveta ou o carretel bem à mostra nos ombros o trabalhador do couro levava seus pequenos potes de tinta Quando o jovem chegava a uma cidade grande onde os artesãos viviam em corporações agrupadas por ofício era automaticamente conduzido ao local dos trabalhadores do couro ou dos tecelões etc No curso das viagens e investigações a extensão do aprendizado dependia da destreza da memória e sobretudo do caráter do jovem Se era cortês simpático e serviçal os velhos lhe contavam segredos que não contariam a outros pois se diz O segredo do velho não se compra com dinheiro mas com boas maneiras Quanto ao jovem horon passava a infância na corte do pai e na cidade onde assistia a todas as reuniões ouvia as histórias que se contavam e retinha tudo o que podia Nas sessões noturnas de sua associação de idade cada criança contava as histórias que havia escutado fossem elas de caráter histórico ou iniciatório neste último caso sem compreender bem todas as implicações A partir dos sete anos automaticamente fazia parte da sociedade de iniciação de sua cidade e começava a receber os ensinamentos que como já explicamos abrangiam todos os aspectos da vida Quando um velho conta uma história iniciatória em uma assembleia desenvolve lhe o simbolismo de acordo com a natureza e capacidade de compreensão de seu auditório Ele pode fazer dela simples história infantil com fundamento moral educativo ou uma fecunda lição sobre os mistérios da natureza humana e da relação do homem com os mundos invisíveis Cada um retém e compreende conforme sua capacidade O mesmo ocorre com os relatos históricos que dão vida às reuniões narrativas em que os grandes feitos dos antepassados ou dos heróis do país são evocados nos mínimos detalhes Um estranho de passagem contará histórias de terras distantes A criança estará imersa em um ambiente cultural particular do qual se impregnará segundo a capacidade de sua memória Seus dias são marcados por histórias contos fábulas provérbios e máximas Via de regra o jovem horon não viaja para o exterior uma vez que está preparado para a defesa do seu país Trabalha com o pai que pode ser agricultor 202 Metodologia e pré história da África alfaiate ou exercer qualquer outra atividade reservada à classe dos horon Se o jovem é Peul muda se de acampamento com os pais aprende muito cedo a cuidar sozinho do rebanho em plena mata tanto durante o dia quanto à noite e recebe a iniciação peul relativa ao simbolismo do gado De modo geral uma pessoa não se torna tradicionalista doma permanecendo em sua cidade Um curandeiro que deseja aprofundar seus conhecimentos tem de viajar para conhecer as diferentes espécies de plantas e se instruir com outros Conhecedores do assunto O homem que viaja descobre e vive outras iniciações registra diferenças e semelhanças alarga o campo de sua compreensão Onde quer que vá toma parte em reuniões ouve relatos históricos demora se com um transmissor de tradição especializado em iniciação ou em genealogia entrando desse modo em contato com a história e as tradições dos países por onde passa Pode se dizer que o homem que se tornou tradicionalista doma foi um pesquisador e um indagador durante toda a vida e jamais deixará de sê lo O africano da savana costumava viajar muito O resultado era a troca e a circulação de conhecimentos É por esse motivo que a memória histórica coletiva na África raramente se limita a um único território Ao contrário está ligada a linhas de família ou a grupos étnicos que migraram pelo continente Muitas caravanas abriam caminho pela região servindo se de uma rede de rotas especiais protegidas tradicionalmente por deuses e reis e nas quais se estava livre de pilhagens e ataques De outro modo arriscavam se ou a um ataque ou à violação involuntária por desconhecimento de algum tabu local e a pagar caro pelas consequências Quando da chegada a um país desconhecido os viajantes iam confiar sua cabeça a algum homem de posição que dali em diante se tornava seu garante pois tocar o estrangeiro é tocar o próprio anfitrião O grande genealogista é sempre um grande viajante Enquanto um griot pode contentar se em conhecera genealogia da família a que está ligado o verdadeiro genealogista seja griot ou não a fim de aumentar seus conhecimentos deverá necessariamente viajar pelo país para se informar sobre as principais ramificações de um grupo étnico e depois viajar para o exterior para traçar a história dos ramos que emigraram Assim Molom Gaolo o maior genealogista peul que tive o privilégio de conhecer conhecia a genealogia de todos os Peul do Senegal Quando a idade avançada não mais lhe permitiu que viajasse para o exterior ele enviou o filho Mamadou Molom para continuar o levantamento junto às famílias peul que 203 A tradição viva haviam migrado pelo Sudão Mali com al HadjdjUmar Na época em que conheci Molom Gaolo ele havia conseguido compilar e fixar a história passada de quase quarenta gerações Ele tinha como hábito ir a todos os batizados ou funerais das principais famílias a fim de registrar as circunstâncias dos nascimentos e mortes que acrescentava ao rol já guardado em sua memória fabulosa Era capaz também de declamar para qualquer Peul importante Você é o filho de Fulano nascido de Beltrano descendente de Sicrano ramo de Fulano que morreram em tal lugar por tal causa e que foram enterrados em tal local e assim por diante Fulano foi batizado em tal dia a tal hora pelo marabu tal e tal Logicamente toda essa informação era e ainda é transmitida oralmente e registrada apenas na memória do genealogista Não se pode fazer ideia do que a memória de um iletrado pode guardar Um relato ouvido uma vez fica gravado como em uma matriz e pode então ser reproduzido intacto da primeira à última palavra quando a memória o solicitar Moiam Gaolo parece me faleceu por volta de 1968 aos 105 anos Seu filho Mamadou Gaolo agora com 50 anos vive no Mali onde continua o trabalho do pai pelo mesmo método exclusivamente oral sendo também ele iletrado Wahab Gaolo contemporâneo de Mamadou Gaolo e ainda vivo realizou um levantamento das etnias de língua fulfulde povos Peul e Tukulor no Chade Camarões República Centro Africana e até no Zaire para informar se sobre a genealogia e a história das famílias que emigraram para aqueles países Os Gaolo não são dieli mas uma etnia de língua fulfulde semelhante à classe dos nyamakala e que desfruta das mesmas prerrogativas Muito mais oradores e declamadores que músicos salvo suas mulheres que cantam com o acompanhamento de instrumentos rudimentares podem ser contadores de histórias e animadores existindo entre eles muitos genealogistas Entre os Marka etnia mande os genealogistas têm o nome de Guessere Dizer genealogista é dizer historiador pois um bom genealogista conhece a história as proezas e os gestos de todas as personagens que cita ou pelo menos das principais Essa ciência se encontra na própria base da história da África pois o interesse pela história está ligado não à cronologia mas à genealogia no sentido de se poder estabelecer as linhas de desenvolvimento de uma família clã ou etnia no tempo e no espaço Assim todo africano tem um pouco de genealogista e é capaz de remontar a um passado distante em sua própria linhagem Do contrário estaria como que privado de sua carteira de identidade No antigo Mali não havia quem 204 Metodologia e pré história da África não conhecesse pelo menos 10 ou 12 gerações de antepassados Dentre todos os velhos tukulor que vieram para Macina com al HadjdjUmar não havia um que não soubesse sua genealogia no Futa Senegal seu país de origem e seu parentesco com as famílias que lá permaneceram Foram eles que Mamadou Molom filho de Molom Gaolo consultou quando veio ao Mali para dar prosseguimento à pesquisa de seu pai A genealogia é desse modo ao mesmo tempo sentimento de identidade meio de exaltar a glória da família e recurso em caso de litígio Um conflito por um pedaço de terra por exemplo poderia ser resolvido por um genealogista que indicaria qual ancestral havia limpado e cultivado a terra para quem a havia dado sob que condições etc Ainda hoje encontramos entre a população muitos conhecedores de genealogia e história que não pertencem nem à classe dos dieli nem à dos gaolo Temos aí uma importante fonte de informações para a história da África pelo menos ainda por um certo tempo Cada patriarca é um genealogista para seu próprio clã e os dieli e gaolo vêm frequentemente lhes pedir informações com o propósito de complementar seus conhecimentos De modo geral todo velho na África é sempre um Conhecedor em algum assunto histórico ou tradicional O conhecimento genealógico não é portanto exclusividade dos griots e gaolo mas são eles os únicos especialistas em declamar genealogias perante os nobres para obter presentes Influência do Islã As peculiaridades da memória africana e as modalidades de sua transmissão oral não foram afetadas pela islamização que atingiu grande parte dos países da savana ou do antigo Bafur De fato por onde se espalhou o Islã não adaptou a tradição africana a seu modo de pensar mas pelo contrário adaptou se à tradição africana quando como normalmente ocorria esta não violava seus princípios fundamentais A simbiose assim originada foi tão grande que por vezes torna se difícil distinguir o que pertence a uma ou a outra tradição A grande família árabe berbere dos Kunta islamizou a região bem antes do século XI Logo que aprenderam o árabe os autóctones passaram a se utilizar de suas tradições ancestrais para transmitir e explicar o Islã Grandes escolas islâmicas puramente orais ensinavam a religião nas línguas vernáculas exceto o Corão e os textos que fazem parte da oração canônica Podemos mencionar entre muitas outras a escola oral de Djelgodji chamada Kabe a escola 205 A tradição viva de Barani a de Amadou Fodia em Farimaké distrito de Niafounké no Mali a de Mohammed Abdoulaye Souadou em Dilli distrito de Nara no Mali e a do xeque Usman dan Fodio na Nigéria e no Níger onde todo o ensino era ministrado em fulfulde Mais próximas de nós estavam a Zauia de Tierno Bokar Salif em Bandiagara e a escola do xeque Salah o grande marabu dogon ainda vivo Das crianças que saíam das escolas corânicas a maioria era capaz de recitar de cor o Corão inteiro em árabe e no salmo desejado sem entender o sentido do texto o que demonstra a capacidade da memória africana Em todas essas escolas os princípios básicos da tradição africana não eram repudiados mas ao contrário utilizados e explicados à luz da revelação corânica Tierno Bokar tradicionalista em assuntos africanos e islâmicos tornou se famoso pela intensa aplicação deste método educacional Independentemente de uma visão sagrada comum do universo e de uma mesma concepção do homem e da família encontramos nas duas tradições a mesma preocupação em citar as fontes isnad em árabe e nunca modificar as palavras do mestre o mesmo respeito pela cadeia de transmissão iniciatória silsila ou cadeia em árabe e o mesmo sistema de caminhos iniciatórios no Islã as grandes congregações Sufi ou Tariga plural turuq cuja cadeia remonta ao próprio Profeta que tornam possível aprofundar através da experiência aquilo que se conhece pela fé Às categorias de Conhecedores tradicionais já existentes vieram juntar se as dos marabus letrados em árabe ou em jurisprudência islâmica e dos grandes xeques Sufi embora as estruturas da sociedade castas e ofícios tradicionais fossem preservadas inclusive nos meios mais islamizados e continuassem a veicular suas iniciações particulares O conhecimento de assuntos islâmicos constituía uma nova fonte de enobrecimento Assim Alfa Ali falecido em 1958 gaolo de nascimento foi a maior autoridade em assuntos islâmicos no distrito de Bandiagara assim como seus antepassados e seu filho15 História de uma coleta Para dar uma ilustração prática de como narrativas históricas entre outras vivem e são preservadas com extrema fidelidade na memória coletiva de uma sociedade de tradição oral contarei de que maneira consegui reunir unicamente 15 De modo geral a islamização vinda do norte e do leste afetou mais particularmente os países da savana enquanto que a cristianização vinda por mar tocou mais as regiões de floresta da costa Não podemos falar do encontro entre a tradição e o cristianismo por não possuirmos nenhuma informação sobre o assunto 206 Metodologia e pré história da África a partir da tradição oral os elementos que me permitiram escrever a História do Império Peul de Macina no Século XVIII16 Pertencendo à família de Tidjani chefe da província tive desde a infância condições ideais para ouvir e reter A casa de Tidjani meu pai em Bandiagara estava sempre cheia de gente Noite e dia havia grandes reuniões onde todos falavam sobre uma grande variedade de assuntos tradicionais Estando a família de meu pai muito envolvida nos acontecimentos da época os relatos eram normalmente sobre história e cada pessoa narrava um episódio bem conhecido de alguma batalha ou de outro acontecimento memorável Sempre presente nessas reuniões eu não perdia uma palavra sequer e minha memória como cera virgem gravava tudo Foi lá que ainda criança conheci Koullel o grande contador de histórias genealogista e historiador de língua fulfulde Eu o seguia por toda parte e aprendia muitos contos e narrativas que orgulhosamente recontava aos camaradas de meu grupo de idade a ponto de me apelidarem Amkoullel que significa pequeno Koullel Circunstâncias alheias à minha vontade levaram me a viajar seguindo minha família por diversos países onde pude sempre estar em contato com grandes tradicionalistas Assim quando meu pai se viu obrigado a fixar residência em Bougouni para onde Koullel nos havia acompanhado travei conhecimento com o grande doma bambara Danfo Sine e em seguida com seu irmão mais novo Latif Mais tarde em Bamaco e em Kati a corte de meu pai foi praticamente reconstituída e tradicionalistas chegavam de todos os países para se reunir em sua casa sabendo que lá encontrariam outros Conhecedores em cuja companhia poderiam avaliar ou mesmo alargar seus próprios conhecimentos pois sempre se encontra alguém mais sábio Foi ali que comecei a aprender muitas coisas referentes à história do Império peul de Macina tanto na versão macinanke isto é a versão do povo originário de Macina partidários da família de Sheikou Amadou como na versão dos Tukulor seus antagonistas e ainda na versão de outras etnias Bambara Soninke Songhai etc que haviam presenciado ou participado dos acontecimentos Tendo assim adquirido uma formação básica bastante sólida decidi coletar informações sistematicamente Meu método consistia em gravar primeiramente 16 HAMPATÉ BÂ A e DAGET J 1962 207 A tradição viva todas as narrativas sem me preocupar com sua veracidade ou com uma possível exageração Em seguida comparava as narrativas dos Macinanke com as dos Tukulor ou com as de outras etnias envolvidas Dessa maneira sempre se pode encontrar em qualquer região etnias cujas narrativas permitam controlar as declarações dos principais interessados Foi um trabalho de fôlego A coleta de informações exigiu me mais de 15 anos de trabalho e de jornadas que me levavam do Futa Djalon Guiné a Kano Nigéria a fim de retraçar as rotas que Sheikou Amadou e al HadjdjUmar haviam percorrido em todas as suas viagens Desse modo registrei as narrativas de pelo menos mil informantes No final mantive apenas os relatos concordantes os que eram conformes tanto às tradições macinanke e tukulor como também às das demais etnias envolvidas cujas fontes citei no livro Constatei que no conjunto meus mil informantes haviam respeitado a verdade dos fatos A trama da narrativa era sempre a mesma As diferenças que se encontravam apenas em detalhes sem importância deviam se à qualidade da memória ou da verve peculiar do narrador Dependendo do grupo étnico a que pertencia podia tender a minimizar certos revezes ou a tentar encontrar alguma justificativa para eles mas não mudava os dados básicos Sob a influência do acompanhamento musical o contador de histórias podia deixar se levar pelo entusiasmo mas a linha geral permanecia a mesma os lugares as batalhas as vitórias e as derrotas as conferências e diálogos mantidos os propósitos dos personagens principiais etc Essa experiência provou me que a tradição oral era perfeitamente válida do ponto de vista científico É possível comparar as versões de diferentes etnias como fiz a título de controle mas a própria sociedade exerce um autocontrole permanente Com efeito nenhum narrador poderia permitir se mudar os fatos pois à sua volta haveria sempre companheiros ou anciãos que imediatamente apontariam o erro fazendo lhe a séria acusação de mentiroso O Professor Montet certa vez referiu se a mim como tendo relatado no Império Peul de Macina narrativas que seu pai havia coletado 50 anos antes das quais nenhuma palavra tinha sido alterada Isso dá uma ideia da fidelidade com que os dados são preservados na tradição oral Características da memória africana Entre todos os povos do mundo constatou se que os que não escreviam possuíam uma memória mais desenvolvida 208 Metodologia e pré história da África Demos o exemplo dos genealogistas que conseguem reter uma inacreditável quantidade de elementos mas poderíamos mencionar também o caso de certos comerciantes iletrados ainda conheço muitos deles que dirigem negócios envolvendo por vezes dezenas de milhões de francos e emprestam dinheiro a muitas pessoas no curso das suas viagens guardando de memória a mais precisa contabilidade de todos esses movimentos de mercadorias e dinheiro sem uma única nota escrita e sem cometer o menor engano O dado a ser retido fica imediatamente inscrito na memória do tradicionalista como em cera virgem e lá permanece sempre disponível em sua totalidade17 Uma das peculiaridades da memória africana é reconstituir o acontecimento ou a narrativa registrada em sua totalidade tal como um filme que se desenrola do princípio ao fim e fazê lo no presente Não se trata de recordar mas de trazer ao presente um evento passado do qual todos participam o narrador e a sua audiência Aí reside toda a arte do contador de histórias Ninguém é contador de histórias a menos que possa relatar um fato tal como aconteceu realmente de modo que seus ouvintes assim como ele próprio tornem se testemunhas vivas e ativas desse fato Ora todo africano é até certo ponto um contador de histórias Quando um estranho chega a uma cidade faz sua saudação dizendo Sou vosso estrangeiro Ao que lhe respondem Esta casa está aberta para ti Entra em paz E em seguida Dá nos notícias Ele passa então a relatar toda sua história desde quando deixou sua casa o que viu e ouviu o que lhe aconteceu etc e isso de tal modo que seus ouvintes o acompanham em suas viagens e com ele as revivem É por esse motivo que o tempo verbal da narrativa é sempre o presente De maneira geral a memória africana registra toda a cena o cenário os personagens suas palavras até mesmo os mínimos detalhes das roupas Nos relatos de guerra dos Tukulor sabemos qual bubu bordado o grande herói Oumarei Samba Dondo estava usando em determinada batalha quem era seu palafreneiro e o que lhe aconteceu qual era o nome de seu cavalo e o que lhe sucedeu etc Todos esses detalhes animam a narrativa contribuindo para dar vida à cena 17 Esse fenômeno poderia estar relacionado com o fato de as faculdades sensoriais do homem serem mais desenvolvidas onde há necessidade de se fazer grande uso delas e se atrofiarem em meio à vida moderna O caçador africano tradicional por exemplo pode ouvir e identificar determinados sons a vários quilômetros de distância Sua visão é particularmente acurada Alguns têm a capacidade de sentir a água como verdadeiros adivinhos Os tuaregue do deserto possuem um senso de direção que está próximo do miraculoso E como esses há dezenas de exemplos O homem moderno imerso na multiplicidade de ruídos e informações vê suas faculdades se atrofiarem progressivamente Está cientificamente provado que os habitantes das grandes cidades perdem cada vez mais sua capacidade auditiva 209 A tradição viva Por essa razão o tradicionalista não consegue resumir senão dificilmente Resumir uma cena equivale para ele a escamoteá la Ora por tradição ele não tem o direito de fazer isso Todo detalhe possui sua importância para a verdade do quadro Ou narra o acontecimento em sua integridade ou não o narra Se lhe for solicitado resumir uma passagem ele responderá Se não tens tempo para ouvir me contarei um outro dia Do mesmo modo o tradicionalista não tem receio de se repetir Ninguém se cansa de ouvi lo contar a mesma história com as mesmas palavras como talvez já tenha contado inúmeras vezes A cada vez o filme inteiro se desenrola novamente E o evento está lá restituído O passado se torna presente A vida não se resume jamais Pode se quando muito reduzir uma história para as crianças resumindo certas passagens mas então não se a tomará por verdade Em se tratando de adultos o fato deve ser narrado na íntegra ou calado Esta peculiaridade da memória africana tradicional ligada a um contexto de tradição oral é em si uma garantia de autenticidade Quanto à memória dos tradicionalistas em especial a dos tradicionalistas doma ou Conhecedores que abrange vastas áreas do conhecimento tradicional constitui uma verdadeira biblioteca onde os arquivos não estão classificados mas totalmente inventariados Tudo isso pode parecer caótico para um espírito moderno mas para os tradicionalistas se existe caos é à maneira das moléculas de água que se misturam no mar para formar um todo vivo Nesse mar eles se movimentam com a facilidade de um peixe As fichas imateriais do catálogo da tradição oral são máximas provérbios contos lendas mitos etc que constituem quer um esboço a ser desenvolvido quer um ponto de partida para narrativas didáticas antigas ou improvisadas Os contos por exemplo e especialmente os de iniciação possuem uma trama básica invariável à qual no entanto o narrador pode acrescentar floreados desenvolvimentos ou ensinamentos adequados à compreensão de seus ouvintes O mesmo ocorre com os mitos que são conhecimentos condensados em uma forma sintética que o iniciado pode sempre desenvolver ou aprofundar para seus alunos Convém considerar com atenção o conteúdo dos mitos e não catalogá los muito rapidamente Podem encobrir realidades de ordens muito diversas e mesmo por vezes ser entendidos em vários níveis simultaneamente Enquanto alguns mitos se referem a conhecimentos esotéricos e ocultam o conhecimento ao mesmo tempo que o transmitem através dos séculos outros podem ter alguma relação com acontecimentos reais Tomemos o exemplo de 210 Metodologia e pré história da África Thianaba a serpente mítica peul cuja lenda narra as aventuras e a migração pela savana africana a partir do oceano Atlântico Por volta de 1921 o engenheiro Belime encarregado de construir a barragem de Sansanding teve a curiosidade de seguir passo a passo as indicações geográficas da lenda que ele havia aprendido com Hammadi Djenngoudo grande Conhecedor peul Para sua surpresa descobriu o traçado do antigo leito do rio Níger Conclusão Para a África a época atual é de complexidade e de dependência Os diferentes mundos as diferentes mentalidades e os diferentes períodos sobrepõem se interferindo uns nos outros às vezes se influenciando mutuamente nem sempre se compreendendo Na África o século XX encontra se lado a lado com a Idade Média o Ocidente com o Oriente o cartesianismo modo particular de pensar o mundo com o animismo modo particular de vivê lo e experimentá lo na totalidade do ser Os jovens líderes modernos governam com mentalidades e sistemas de lei ou ideologias diretamente herdados de modelos estrangeiros povos e realidades sujeitos a outras leis e com outras mentalidades Para exemplificar na maioria dos territórios da antiga África ocidental francesa o código legal elaborado logo após a independência por nossos jovens juristas recém saídos das universidades francesas está pura e simplesmente calcado no Código Napoleônico O resultado é que a população até então governada segundo costumes sagrados que herdados de ancestrais asseguravam a coesão social não compreende por que está sendo julgada e condenada em nome de um costume que não é o seu que não conhece e que não corresponde às realidades profundas do país O drama todo do que chamarei de África de base é o de ser frequentemente governada por uma minoria intelectual que não a compreende mais através de princípios incompatíveis com a sua realidade Para a nova inteligentsia africana formada em disciplinas universitárias europeias a Tradição muitas vezes deixou de viver São histórias de velhos No entanto é preciso dizer que de um tempo para cá uma importante parcela da juventude culta vem sentindo cada vez mais a necessidade de se voltar às tradições ancestrais e de resgatar seus valores fundamentais a fim de reencontrar suas próprias raízes e o segredo de sua identidade profunda Por contraste no interior da África de base que em geral fica longe das grandes cidades ilhotas do Ocidente a tradição continuou viva e como já o 211 A tradição viva disse antes grande número de seus representantes ou depositários ainda pode ser encontrado Mas por quanto tempo O grande problema da África tradicional é em verdade o da ruptura da transmissão Nas antigas colônias francesas a primeira grande ruptura veio com a guerra de 1914 quando a maioria dos jovens se alistou para ir combater na França de onde muitos nunca retornaram Estes jovens deixaram o país na idade em que deveriam estar passando pelas grandes iniciações e aprofundando seus conhecimentos sob a direção dos mais velhos O fato de que era obrigatório para homens importantes enviarem seus filhos a escolas de brancos de modo a separá los da tradição favoreceu igualmente esse processo A maior preocupação do poder colonial era compreensivelmente remover as tradições autóctones tanto quanto possível para implantar no lugar suas próprias concepções As escolas seculares ou religiosas constituíram os instrumentos essenciais desta ceifada A educação moderna recebida por nossos jovens após o fim da última guerra concluiu o processo e criou um verdadeiro fenômeno de aculturação A iniciação fugindo dos grandes centros urbanos buscou refúgio na floresta onde devido à atração das grandes cidades e ao surgimento de novas necessidades os anciãos encontram cada vez menos ouvidos dóceis a quem possam transmitir seus ensinamentos pois segundo uma expressão consagrada o ensino só pode se dar de boca perfumada a ouvido dócil e limpo ou seja inteiramente receptivo Estamos hoje portanto em tudo o que concerne à tradição oral diante da última geração dos grandes depositários Justamente por esse motivo o trabalho de coleta deve ser intensificado durante os próximos 10 ou 15 anos após os quais os últimos grandes monumentos vivos da cultura africana terão desaparecido e junto com eles os tesouros insubstituíveis de uma educação peculiar ao mesmo tempo material psicológica e espiritual fundamentada no sentimento de unidade da vida e cujas fontes se perdem na noite dos tempos Para que o trabalho de coleta seja bem sucedido o pesquisador deverá se armar de muita paciência lembrando que deve ter o coração de uma pomba a pele de um crocodilo e o estômago de uma avestruz O coração de uma pomba para nunca se zangar nem se inflamar mesmo se lhe disserem coisas desagradáveis Se alguém se recusa a responder sua pergunta inútil insistir vale mais instalar se em outro ramo Uma disputa aqui terá repercussões em outra parte enquanto uma saída discreta fará com que seja lembrado e muitas vezes chamado de volta A pele de um crocodilo para conseguir se deitar em qualquer 212 Metodologia e pré história da África lugar sobre qualquer coisa sem fazer cerimônias Por último o estômago de uma avestruz para conseguir comer de tudo sem adoecer ou enjoar se A condição mais importante de todas porém é saber renunciar ao hábito de julgar tudo segundo critérios pessoais Para descobrir um novo mundo é preciso saber esquecer seu próprio mundo do contrário o pesquisador estará simplesmente transportando seu mundo consigo ao invés de manter se à escuta Através da boca de Tierno Bokar o sábio de Bandiagara a África dos velhos iniciados avisa o jovem pesquisador Se queres saber quem sou Se queres que te ensine o que sei Deixa um pouco de ser o que tu és E esquece o que sabes C A P Í T U L O 9 213 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Ao descobrir um artefato o arqueólogo geralmente começa a estudá lo através de meios puramente arqueológicos como o registro da camada em que foi encontrado a leitura do texto que o acompanha a descrição de sua forma o cálculo de suas dimensões etc Os dados assim obtidos são estudados estratigráfica filológica e tipologicamente podendo resultar daí importantes informações no que diz respeito à idade às origens etc do artefato Na maioria dos casos entretanto o arqueólogo não consegue encontrar os dados capazes de fornecer uma resposta às suas perguntas ou ajudá lo a chegar a conclusões satisfatórias Quando isso acontece ele tem de submeter sua descoberta a outras disciplinas para completar a investigação Essa investigação por sua vez deve trazer lhe informações sobre o material de que é feito o objeto sua origem técnica de fabricação idade o uso a que se destinava etc Deve se enfatizar no entanto que essas pesquisas complementares constituem apenas um novo ângulo sob o qual o arqueólogo vai enfocar o problema os dados científicos e as considerações de ordem estilística filológica e estratigráfica devem formar um todo inseparável1 1 HALL E T 1970 p 135 41 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Z Iskander 214 Metodologia e pré história da África A supervisão de sítios arqueológicos enterrados à exceção das escavações a conservação dos vestígios e monumentos descobertos são outros campos nos quais as técnicas científicas podem auxiliar a Arqueologia Os métodos científicos utilizados pela Arqueologia têm o mérito de ser universais Podem ser aplicados tanto na África como na Europa Ásia ou América embora a maneira de aplicá los possa variar de um lugar para outro O assunto é muito vasto por isso trataremos os temas seguintes de maneira ampla sem entrar em muitos detalhes de laboratório Técnicas analíticas usadas em arqueometria Objetivos da pesquisa e da análise arqueométricas Técnicas de datação Técnicas usadas na prospecção arqueológica Técnicas de conservação Técnicas analíticas usadas em arqueometria As técnicas de análise têm se desenvolvido tanto que às vezes é difícil decidir qual delas utilizar no exame de determinada amostra para obter a informação desejada Os parágrafos seguintes procuram abordar todos os aspectos do problema Escolha do método de análise As amostras arqueológicas são excepcionalmente valiosas por duas razões por um lado a quantidade de material disponível é em geral tão pequena que mal e mal se presta a uma análise completa e no caso de ser totalmente usada talvez não possa ser substituída Por outro lado pelo menos uma parte da amostra deve ser guardada para futuras referências ou exposições Portanto deve se ter muito cuidado nas análises arqueométricas a fim de obter o maior número possível de informações Os critérios que determinam a escolha do método de análise a ser adotado podem ser resumidos como segue2 Importância da amostragem disponível Se a quantidade do material disponível é suficientemente grande procede se de preferência à análise química em meio aquoso para determinar a porcentagem 2 HALL E T op cit 215 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação dos principais elementos constituintes A análise de absorção atômica pode ser aplicada para determinar as porcentagens de metais alcalinos tais como o sódio o potássio e o lítio Entretanto para elementos e compostos imponderáveis traços as análises por meio de fluorescência ou difração de raios X são preferíveis embora seus resultados comportem uma margem de erro de 10 a 20 Se a quantidade de amostras disponíveis é mínima e vários elementos devem ser detectados convém recorrer à espectrofotometria ou à difração de raios X Quando o arqueólogo não puder fornecer um espécime completo por menor que seja o material pode ser analisado por emissão espectrométrica ou fluorescência de raios X contanto que o tamanho e a forma do objeto permitam a utilização desse tipo de aparelhagem Tipo de material analisável Existe uma grande variedade de materiais arqueológicos Alguns deles como alimentos unguentos resinas óleos e ceras são total ou parcialmente orgânicos Outros como metais pigmentos cerâmicas vidro e gesso são inorgânicos Os materiais orgânicos são geralmente submetidos a combustão saponificação dissolução radiação infravermelha análise térmica e cromatográfica Os materiais inorgânicos são submetidos às análises normais em meio aquoso à espectrometria à fluorescência de raios X à difração de raios X ou à ativação por nêutrons conforme o tipo de informação procurada Tipo de informação procurada Para economizar tempo e dinheiro deve se proceder à análise de acordo com um programa bem planejado em cooperação com o arqueólogo para se obterem respostas a questões específicas Por exemplo o cobre e o bronze antigos se parecem superficialmente Somente o estanho permite que se estabeleçam diferenças entre esses metais submete se um pequeno pedaço da amostra a uma solução concentrada de ácido nítrico o precipitado esbranquiçado de ácido metastânico que se forma é a seguir diluído em água destilada Esse teste simples está ao alcance de qualquer arqueólogo Minerais de chumbo eram utilizados antigamente no Egito para vitrificar peças de cerâmica Desse modo apenas o teste para detectar a presença de chumbo já é suficiente para determinar aproximadamente a data de fabricação de um objeto vitrificado 216 Metodologia e pré história da África Apresentação dos resultados Os arqueólogos que vão estudar os resultados da investigação científica e usá los em seus relatórios e conclusões raramente são cientistas Convém portanto que os resultados lhes sejam apresentados de maneira acessível Assim por exemplo em vez de utilizar submúltiplos do grama numa amostra de 100 gramas é bem mais útil apresentar todos os resultados em porcentagens de forma que sejam universalmente compreendidos Além disso tal procedimento facilita a comparação dos resultados entre diferentes laboratórios Métodos de exame e de análise À luz destas considerações podemos enumerar as técnicas de análise mais importantes usadas em arqueometria Exame microscópico Um exame com uma simples lente de aumento 10X ou 20X geralmente é muito útil para obter uma primeira impressão de um artefato ou de uma amostra antiga Melhor ainda é uma lente binocular com ampliação de 7X 10X ou 20X e um amplo campo entre a objetiva e o plano focal Este dispositivo permite a observação de cavidades profundas que uma lupa normal não poderia atingir Dados mais precisos são obtidos com a ajuda de um microscópio composto com ampliação de 100 200 400 e 1250X e imersão em óleo O exame microscópico pode ser aplicado com os seguintes objetivos identificação na maior parte dos casos é possível identificar uma amostra em estado puro ou composta de elementos heterogêneos estudando microscopicamente a textura ou as particularidades cristalinas de seus componentes análise qualitativa as técnicas atuais possibilitam a precipitação a dissolução a observação da evolução gasosa e outros processos que podem ser aplicados em uma parte minúscula da amostra3 Por exemplo se um fragmento de amostra for colocado numa lâmina de vidro e umedecido ocorrerá ou não sua dissolução Se a essa solução for adicionada uma gota de nitrato de prata e surgir no ácido nítrico um precipitado esbranquiçado insolúvel pode se deduzir a presença de um ânion de cloreto 3 EWING G W 1954 p 411 217 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação figura 91 Microfotografia de uma secção da fateixa de cobre pertencente ao barco de Quéops em Gizeh Figura 92 Radiografia frontal do peito da Rainha Nedjemet da 21a dinastia Museu do Cairo 218 Metodologia e pré história da África análise quantitativa os métodos microscópicos são particularmente valiosos na análise quantitativa de combinações heterogêneas complexas dificilmente analisáveis pelos métodos químicos comuns4 Entre outros resultados permitem a determinação do número e do tamanho dos componentes Se a densidade de cada componente é conhecida as porcentagens volumétricas dos componentes da mistura podem ser convertidas em porcentagens ponderáveis5 Radiografia A radiografia é muito útil no exame de obras de arte pois permite por exemplo detectar a presença de corpos estranhos no interior de uma múmia ainda enfaixada ou incrustações decorativas escondidas sob camadas de bálsamo etc Tais informações ajudam a determinar a técnica a ser adotada para retirar as bandagens das múmias são muito valiosas também nos trabalhos de conservação de objetos de metal além de serem muito úteis durante os estudos científicos e arqueológicos No museu do Cairo por exemplo a radiografia de múmias reais revelou que mesmo aquelas das quais já se haviam retirado as bandagens ainda continham joias que haviam escapado à detecção por se encontrarem sob espessas camadas de resina6 Determinação do peso específico Na Antiguidade o ouro geralmente continha prata ou cobre Os objetos de ouro são tão preciosos que na maioria dos casos nenhum fragmento por menor que seja pode ser retirado para análise Diante disso Caley pensou em aplicar o método de determinação do peso específico que não traz nenhum risco de deterioração e permite que se descubra a porcentagem de ouro dos artefatos7 Este método é muito fácil e baseia se no princípio de Arquimedes Se o peso do objeto ao ar livre é de W g e na água é de X g seu peso específico será igual a W W X 4 CHAMOT E M e MASON C W 1938 p 431 5 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 6 HALPERN J W HARRIS J E e BARNES C 1971 p 18 7 CALEY E R 1949 p 73 82 219 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Como o peso específico do ouro 193 é quase o dobro do da prata 105 ou do cobre 89 a presença de pequenas quantidades de prata ou cobre pode ser facilmente detectada Supondo que o objeto não contenha platina que o componente de ligação prata ou cobre seja conhecido e que não tenha ocorrido nenhuma contração durante a fusão a margem de erro previsível no cálculo do teor de ouro é da ordem de 1 Análise química normal em meio aquoso Esta técnica é indispensável em Arqueologia para o estudo do material de que é feito um artefato bem como para a escolha da melhor maneira de conservá lo É usada nas análises qualitativas e quantitativas de argamassas gesso vestígios corroídos de artefatos metálicos restos de comida cosméticos resíduos de bálsamos e produtos análogos etc A descrição das técnicas utilizadas em tais análises não é do âmbito deste capítulo pois são familiares a todos os químicos que trabalham no campo da Arqueologia além disso são descritas com detalhes em manuais de química analítica como por exemplo o de Kolthoff e seus co autores8 relativamente às matérias inorgânicas e nos trabalhos de Iskander9 e Stross10 relativamente às matérias orgânicas e inorgânicas Objetos de ferro descobertos em Niani Guiné datando do século XIII ao século XV foram submetidos a uma análise química que revelou conterem cobre fósforo níquel tungstênio titânio e molibdênio impurezas provavelmente presentes nos minérios utilizados11 Espectrofotometria Esta técnica tem sido utilizada na análise de vestígios antigos tais como bronze cerâmica argamassa pigmentos etc Vários fatores tornam a espectrofotometria particularmente vantajosa em relação a outros métodos de análise desses vestígios apresenta sensibilidade adequada permite detectar altas proporções até 20 da maioria dos elementos além disso todos os elementos presentes na amostra podem ser gravados em 8 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 9 FARAG N e ISKANDER Z 1971 p 111 15 ISKANDER Z p 59 71 Le monastère de Phoebammon duns la Thebaide v III ed BACHATLY Cairo Société dArcheologie Copte 1961 ISKANDER Z e SHAHEEN A E 1964 p 197 208 ZAKI A e ISKANDER Z 1942 p 295 313 10 STROSS F H e ODONNALL A E 1972 p 1 16 11 MUZUE A e NOSEK E 1974 p 96 220 Metodologia e pré história da África linhas espectrais numa chapa fotográfica durante uma única exposição o que proporciona um registro permanente para posteriores consultas Uma nova variante da espectrofotometria é o Laser Milliprobe Spectometer12 A análise espectrográfica de todos os bronzes naturalistas de Ife Nigéria mostrou que eles não são de bronze mas de latão13 Análise por absorção atômica Este método é perfeitamente adequado para amostras de matéria inorgânica metais cimentos soldas vidro esmaltes sais etc Em arqueometria seu emprego apresenta as seguintes vantagens elevado grau de exatidão margem de erro de 1 com amostras de 5 a 10 mg possibilidade de detecção em uma mesma amostra de elementos mais importantes elementos menos importantes ou simplesmente traços enfim é uma técnica de uso corrente Ela facilita muito também as comparações entre os resultados de diferentes laboratórios e as causas eventuais de erros experimentais são mais facilmente controláveis14 Fluorescência de raios X A excitação de um espécime por meio de raios X é um método de análise muito útil Seu princípio é o seguinte quando um átomo é bombardeado com raios de alta frequência um elétron é removido de uma órbita interior do átomo e a lacuna assim criada será preenchida por um elétron proveniente de uma órbita externa A variação de energia entre os níveis externo e interno provém de raios secundários ou fluorescentes característicos dos elementos que compõem o espécime15 Como a força de penetração dos raios X é limitada esta técnica só pode ser utilizada na superfície dos objetos sendo por isso aplicada apenas na análise de vestígios inorgânicos tais como o vidro a faiança e a cerâmica vitrificada a obsidiana e a maior parte das rochas Entretanto os objetos metálicos antigos sofreram a ação do tempo ou os metais menos nobres que continham afloraram à superfície Desta maneira uma análise restrita à superfície desses objetos através do método da fluorescência de raios X pode oferecer resultados diferentes daqueles obtidos por uma análise do objeto inteiro16 12 HALL E T 1970 p 135 41 13 WILLET F 1964 p 81 83 14 WERNER A E A 1970 p 179 85 15 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 16 HALL E T 1970 p 135 41 221 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Análise por ativação de nêutrons Nesta técnica um grupo de amostras e de produtos químicos standard é colocado em um reator nuclear e submetido à irradiação por nêutrons lentos ou térmicos Alguns dos isótopos resultantes terão vida suficiente para emitir raios gama Como cada radioisótopo emite raios gama com comprimentos de onda característicos a análise desses comprimentos de onda possibilita tanto a identificação dos elementos presentes no espécime como a determinação de sua concentração quer se trate de elementos importantes quer de simples traços Os nêutrons e os raios gama têm poder de penetração muito maior que os raios X permitindo assim que a análise atinja maior espessura em determinada amostra Desse modo o afloramento de cobre à superfície dos metais pode ser ignorado17 Ao realizar esse tipo de análise deve se tomar o cuidado para que se o espécime tiver de retomar ao museu a radioatividade residual baixe a um nível inofensivo em um lapso de tempo razoável A título de exemplo o isótopo da prata radioativa tem meia vida de 225 dias logo se um objeto de prata receber uma dose muito forte de radiação não poderá ser devolvido ao museu por centenas de anos18 Nesses casos uma minúscula porção do objeto é retirada através da fricção com um pequeno disco de quartzo rugoso Este quartzo sofre então irradiação no reator e é analisado do modo habitual para a detecção de prata ouro cobre antimônio e arsênico Esta técnica foi recentemente aplicada em pesquisas arqueológicas realizadas na África no estudo de contas de vidro que foram submetidas a duas ativações de nêutrons O primeiro bombardeamento durou pouco tempo procedendo se logo após à procura de isótopos de vida curta nas contas Já o segundo foi intenso e contínuo durando oito horas As amostras foram então deixadas de lado por alguns dias e depois submetidas à análise que procurou por isótopos de vida média A seguir foram guardadas novamente e mais tarde testadas em busca de isótopos de vida longa19 Um estudo de diversas aplicações desta técnica em Arqueologia foi publicado por Sayre e Meyers20 17 Loc cit 18 Loc cit 19 DAVISON C C 1973 p 73 e 74 20 SAYRE E V e MEYERS P 1971 p 115 50 222 Metodologia e pré história da África Objetivos da análise arqueométrica Os principais objetivos da investigação científica e da análise em arqueometria são os seguintes Identificação rigorosa dos objetos É essencial que a identificação dos vestígios arqueológicos seja efetuada escrupulosamente para que o arqueólogo possa descrevê los com exatidão nas publicações especializa das e nos guias de museus A identificação precisa da substância dos artefatos também é muito importante pois é do conhecimento da verdadeira natureza das substâncias examinadas que depende o alcance das observações correspondentes Infelizmente os erros de identificação são frequentes nas publicações arqueológicas mais antigas e já causaram muita confusão O cobre é às vezes confundido com o bronze embora a descoberta e o uso do bronze impliquem certa evolução cultural O bronze por sua vez é confundido com o latão e isso pode acarretar uma falsa conclusão quanto à idade do objeto já que as primeiras produções de latão remontam mais ou menos à metade do primeiro século antes de nossa era enquanto o bronze já era conhecido e utilizado uns vinte séculos antes21 Como a maior parte dos erros de identificação provém de apreciações visuais incorretas convém enfatizar que para evitar qualquer risco de interpretação errônea a identificação do material arqueológico deve basear se na análise química ou por difração de raios X Tradução de palavras antigas desconhecidas Às vezes uma identificação correta permite traduzir palavras desconhecidas Por exemplo em Saqqara Egito foram descobertos dois recipientes de cerâmica na sepultura do rei Hor Aha Primeira Dinastia aproximadamente 3100 Em cada um deles figuravam hieróglifos correspondentes à palavra seret cujo sentido era ignorado A análise química revelou que os dois vasos continham queijo concluiu se então que seret significava queijo22 Outro exemplo é a palavra bekhen escrita em hieróglifos em algumas estátuas de pedra Como a rocha em que as estátuas foram esculpidas havia sido anteriormente identificada como grauvaca xisto e 21 CALEY E R 1948 p 1 8 22 ZAKI A e ISKANDER Z 1942 p 295 313 223 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação que a palavra aparecia em textos relacionados com Uadi el Hammamat concluiu se que provavelmente bekhen significava o xisto de Uadi el Hammamat23 Detecção da origem dos vestígios arqueológicos A presença em determinado sítio arqueológico de numerosos espécimes cuja substância é de origem estrangeira parece ser uma indicação clara de que esse material foi importado através de troca ou comércio Uma vez localizada a fonte dessa substância torna se fácil estabelecer o caminho seguido por ela Sabe se por exemplo que a obsidiana não existe no Egito entretanto era utilizada nessa região desde a época pré dinástica antes de 3100 A obsidiana de alguns objetos dessa época foi examinada e comparada com a proveniente de países vizinhos Como suas características eram muito semelhantes às da obsidiana da Etiópia concluiu se que fora importada dessa região e que os dois países mantinham relações comerciais há muito tempo24 Na cerâmica a identificação de traços por meio da ativação de nêutrons ou fluorescência de raios X permite o estudo de rotas comerciais locais e internacionais25 Vestígios de impurezas em minérios e artefatos de bronze também podem ajudar a relacionar os artefatos ao tipo de material de que foram feitos26 A detecção de níquel em um artefato antigo de ferro permite descobrir se o ferro provém de um meteorito ou se foi manufaturado já que o ferro de origem meteorítica sempre contém de 4 a 20 de níquel Recorrendo a uma emissão espectroscópica o autor examinou o famoso punhal de Tutankhamon e constatou que o ferro de sua lâmina continha uma quantidade razoável de níquel o que provou a origem meteorítica do ferro Investigação do uso anterior dos objetos examinados Às vezes é difícil saber com que finalidade determinado objeto era utilizado A esse respeito a análise química pode ser de grande utilidade Em 1956 por exemplo foi descoberta na tumba de Neferwptah aproximadamente 1800 em Faium Egito uma grande jarra de alabastro contendo 25 kg de uma estranha substância A análise química revelou que se tratava de um composto de 23 LUCAS A 1962 p 416 419 20 24 Loc cit 25 PERLMAN I e ISARO F 1969 p 21 52 26 FIELDS P R MILSTED J HENRICKSEN E e RAMETTE R W 1971 p 131 43 224 Metodologia e pré história da África 4825 de galena sulfeto de chumbo natural e 516 de resina na proporção 11 aproximadamente Como essa composição jamais tinha sido encontrada antes a razão pela qual estava na tumba era completamente obscura Entretanto o exame das prescrições médicas do papiro Ebers permitiu descobrir sob o n 402 um novo remédio para remover manchas brancas que apareceram nos dois olhos kohl preto galena e khetwa resina finamente pulverizados e aplicados nos dois olhos A partir desse texto e da composição química do material encontrado na jarra concluiu se que Neferwptah provavelmente sofria de leucoma em um dos olhos ou em ambos Por isso forneceram lhe uma grande quantidade desse medicamento para uso na vida futura27 Pesquisa das antigas técnicas de fabricação O exame metalográfico de objetos de metal fornece informações sobre as técnicas utilizadas pelos povos antigos em suas artes e indústrias químicas Os exemplos seguintes são significativos a esse respeito Fabricação do azul do Egito Amostras deste pigmento azul foram submetidas a exames químicos microscópicos e à difração por raios X Chegou se a reproduzir experimentalmente uma frita28 azul análoga Esses estudos revelaram que o azul do Egito era feito na Antiguidade aquecendo a 840oC uma mistura de areia ou quartzo pulverizado calcário igualmente pulverizado malaquita e sal comum ou carbonato de sódio29 Exame microscópico de objetos de metal O exame metalográfico de objetos de metal pode indicar se eles foram fundidos ou batidos ou se as duas técnicas foram empregadas O exame metalográfico de uma fateixa de cobre que pertenceu ao barco de Quéops descoberta em 1954 atrás da grande pirâmide de Gizeh demonstrou que havia dendritos no metal conclui se portanto que o objeto tinha sido batido30 27 FARAG N e ISKANDER Z 1971 p 11115 28 Frita fr frite expressão em desuso que designa a mistura de areia e soda submetida a uma semifusão na fabricação do vidro da cerâmica etc N T Fr 29 LUCAS A 1962 p 416 419 20 30 ISKANDER Z 1960 p 29 61 1a parte 225 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Exame de resíduos de embalsamamento O exame de resíduos de materiais para embalsamamento descobertos em Saqqara Luxor e Mataria Egito mostrou que continham pequena proporção de sabão de ácidos graxos sólidos resultantes da saponificação das gorduras do corpo sob a ação do carbonato de sódio durante a mumificação A partir disso concluiu se que os materiais usados serviam para preencher temporariamente as cavidades do corpo antes que este fosse desidratado até se tornar uma massa de natrão31 no leito de mumificação32 Cadinhos de frita Pesquisas empreendidas em Uadi el Natrum nas ruínas de uma vidraria mostraram que o vidro foi fabricado no Egito durante o período romano Essa indústria passou por duas etapas Durante a primeira etapa obtinha se a frita de vidro num cadinho especial cadinho de frita33 misturando sílica pura quartzo bicarbonato de cálcio natrão ou cinza vegetal ou ambos e aquecendo a mistura a uma temperatura inferior a 1100oC A argila desse cadinho continha grande proporção de areia e palha cortada em pedacinhos Tal mistura quando cozida produzia uma cerâmica altamente porosa qualidade essa procurada pelos vidreiros da Antiguidade porque permitia soltar facilmente o bloco de frita quebrando o cadinho Este portanto era usado só uma vez Na segunda fase os vidreiros obtinham um vidro de boa qualidade e de cores variadas Os blocos de frita eram pulverizados até se tornarem um fino pó homogêneo eram então divididos em pequenas porções A cada uma delas adicionavam se certos óxidos corantes agentes opacificantes ou descolorantes e reaquecia se tudo até a fusão completa a fim de obter o tipo de vidro necessário34 Testes de autenticidade Durante muito tempo os critérios histórico e estético eram o único método utilizado para a determinação da autenticidade Nos últimos anos o progresso 31 Natrão carbonato de sódio cristalizado 32 ISKANDER Z e SHAHEEN A E 1964 p 197 208 33 Frita fr fritage vitrificação preparatória destinada a eliminar os elementos voláteis N T Fr 34 SALEH S A GEORGE A W e HELMI F M 1972 p 143 70 226 Metodologia e pré história da África da pesquisa científica possibilitou um julgamento mais seguro da autenticidade de um objeto Os métodos mais eficientes são os seguintes Exame com raios ultravioleta Esta técnica é útil principalmente no exame do marfim e do mármore Sob a luz ultravioleta os diferentes tipos de mármore emitem fluorescência em diferentes cores e a superfície dos mármores antigos projeta uma cor característica muito diferente da cor apresentada pelas pedras mais recentes Do mesmo modo alterações ou retoques em objetos de mármore ou marfim antigos bem como em pinturas invisíveis à luz comum podem ser notados distintamente quando o objeto é examinado sob luz ultravioleta A luz infravermelha e os raios X também são muito úteis na detecção de falsificações35 Exame da corrosão superficial Em geral os metais antigos são corroídos lentamente e com o tempo a corrosão provoca o surgimento de uma película homogênea Nas falsificações de objetos de metal geralmente é aplicada uma película artificial à superfície do objeto o que lhe confere uma aparência antiga Mas essa película não adere muito bem e pode ser removida com sol ventes tais como água álcool etílico acetona ou piridina Além disso nos objetos de cobre e de bronze essa crosta artificial compõe se geralmente de uma só camada distinguindo se da que se formou naturalmente Esta é sempre composta de pelo menos duas camadas a interior de óxido de cobre vermelho e a exterior verde de carbonato sulfato ou cloreto do mesmo metal É muito difícil reproduzir essa disposição a ponto de enganar um experiente químico de museu arqueológico Análise do material do objeto Um notável exemplo da validade deste teste é fornecido pela análise do grão da antiga faiança egípcia Enquanto o grão da antiga faiança egípcia autêntica é composto de quartzo vitrificado o das falsificações modernas é geralmente constituído de caulim argila ou porcelana a identificação é deste modo bastante rápida e segura Outro exemplo como as técnicas metalúrgicas antigas não envolviam processos de refinamento adequados os metais da Antiguidade contêm certas impurezas tais como arsênico níquel manganês etc 35 CAIEV F R 1948 p 1 8 227 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação figura 93 Bloco de vitrificação mostrando a superfície superior plana as paredes laterais e uma parte do cadinho ainda aderente ao lado direito Figura 94 Base de uma das colunas de arenito do templo de Buhen Nota se o esboroamento da camada superficial devido à eflorescência 228 Metodologia e pré história da África Portanto basta retirar uma pequena amostra do objeto e submetê la à ativação por nêutrons ou fluorescência de raios X a ausência de vestígios de impurezas indicará que o objeto é provavelmente falso Identificação de pigmentos e corantes na pintura Os pigmentos utilizados em um quadro podem ser identificados com razoável precisão através de técnicas microquímicas Se o pigmento foi criado recentemente a idade do quadro pode ser contestada Como exemplo citemos o exame feito por Young de um retrato em perfil atribuído a um pintor do século XV A pigmentação azul do quadro se originava do azul ultramarino descoberto e usado como pigmento a partir do século XIX Quanto ao pigmento branco tratava se de óxido de titânio só utilizado na pintura depois de 1920 Provou se portanto que o quadro era falso36 Exame da pátina e do polimento superficiais A maior parte das rochas adquire com o tempo uma pátina na sua superfície o verniz do deserto Este fenômeno se deve ao afloramento progressivo de sais de ferro e manganês à superfície onde se oxidam e formam uma espécie de epiderme ou pátina Essa pátina passa a fazer parte da própria rocha confundindo se com a sua superfície Não é fácil removê la seja com água ou solvente neutro seja através de raspagem Em consequência é possível distinguir uma superfície autenticamente antiga de outra recente mesmo dotada de pátina artificial Além da pátina formada naturalmente as marcas de entalhe e polimento antigos são outro meio de provar autenticidade Essas marcas ainda aparecem como linhas de intersecção irregular sob a pátina superficial da pedra ou do metal Elas podem ser facilmente distinguidas das linhas paralelas regulares provenientes de um polimento recente já que os povos antigos não usavam nem limas ásperas para esculpir nem limas finas ou lixas de esmeril para polir Teste da termoluminescência da cerâmica A cerâmica assim como o solo em que foi enterrada contém uma porcentagem muito pequena de elementos radioativos A radiação desses elementos causa ao longo de milhares de anos um acúmulo de elétrons no corpo da cerâmica Elevando a a uma temperatura acima de 500oC os elétrons 36 YOUNG W J 1958 p 18 19 229 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação acumulados emitem uma termoluminescência que varia de acordo com a idade da cerâmica Esta técnica permite aos conservadores de museus uma apreciação segura da autenticidade de um objeto de cerâmica A amostra necessária pode ser conseguida fazendo um pequeno furo no objeto O pó obtido é aquecido a mais de 500oC no escuro Se houver luminescência a cerâmica é genuína se não trata se de falsificação37 Técnicas de datação A ciência dispõe de várias técnicas para determinar a idade de materiais antigos As principais são as seguintes Datação aproximativa pela análise arqueométrica A análise de espécimes pertencentes ao mesmo grupo de materiais gesso vidro faiança metais e pigmentos mas que remontam a épocas diferentes pode fornecer resultados passíveis de serem utilizados como pistas para a determinação da idade aproximada de outros objetos Os exemplos seguintes confirmam essa ideia Datação através da análise de contas de vidro na África ocidental As contas dicroicas akori que parecem azuis à luz refletida e verdes à luz transmitida foram submetidas à análise por fluorescência de raios X que permite classificá las em dois grupos A e B As contas do grupo A são mais pobres em chumbo menos de 005 e em arsênico menos de 005 que as do grupo B nas quais a taxa de chumbo é de mais ou menos 27 e a de arsênico de 2 A diferença em relação ao manganês é menor grupo A 03 01 e grupo B aproximadamente 005 Outros elementos detectados ferro cobalto zinco rubídio estrôncio estanho antimônio e bário em relação aos quais não foi notada nenhuma diferença significativa entre um grupo e outro As contas do grupo A são encontradas na África ocidental em sítios insulares relativamente antigos 430 a 1290 da Era Cristã enquanto as do grupo B só aparecem em contextos mais recentes A descoberta dessas contas em um túmulo ou em determinado estrato permite determinar com certa precisão a idade de um ou de outro38 37 AITKEN M J 1970 p 7788 38 DAVISON C C GIAUQUE R D e CLARK J D 1971 p 645 49 230 Metodologia e pré história da África Datação de pinturas rupestres pela análise de aglutinantes albuminosos É possível avaliar a idade das pinturas determinando o número de aminoácidos de seus aglutinantes albuminosos após hidrólise Esse método foi usado para calcular a idade de 133 pinturas rupestres do sudoeste da África com margem de erro de 20 A Dama Branca The White Lady de Brandberg tem de 1200 a 1800 anos As pinturas de Limpopo têm de 100 a 800 anos e as amostras de Drakensberg de 60 a 800 anos O número de aminoácidos idênticos diminui com a idade da pintura de 10 nos aglutinantes com 5 a 10 anos de idade para 1 substâncias com 1200 a 1800 anos de idade39 Datação através da análise de argamassas A análise dos diferentes tipos de argamassa utilizados no Egito mostrou que a argamassa de cal não aparece antes de Ptolomeu I 323 285 antes da Era Cristã40 Qualquer monumento cujos tijolos ou pedras foram ligados com argamassa de cal pertence portanto a um período posterior a 323 antes da Era Cristã Datação por radiocarbono Princípio básico Ao serem atingidos pelos raios cósmicos os átomos do ar das camadas superiores da atmosfera desintegram se em fragmentos minúsculos dentre os quais encontram se os nêutrons Os nêutrons produzidos bombardeiam o átomo que existe em maior abundância no ar o nitrogênio de massa 14 e o convertem em carbono de peso atômico 14 O carbono 14 assim formado é radioativo combina se com o oxigênio do ar para formar 14CO2 e se mistura com o dióxido de carbono comum que contém principalmente átomos de carbono de massas 12 99 e 13 1 Esse carbono 14 penetra nas plantas juntamente com os isótopos 12CO2 e 13CO2 formando seus tecidos pelo processo de fotossíntese Como os animais se alimentam de plantas todo o mundo animal e vegetal deve ser ligeiramente radioativo devido à presença de uma proporção mínima de carbono 14 aproximadamente um átomo de carbono 14 para um trilhão de átomos de carbono comum O dióxido de carbono atmosférico entra também na composição dos oceanos sob a forma de carbonato 39 DENNINGER E 1971 p 80 84 40 LUCAS A 1962 p 416 419 20 231 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação dissolvido Portanto é provável que a água do mar também seja levemente radioativa assim como todas as conchas e depósitos que contém41 No momento da morte supõe se que a matéria orgânica antiga tenha apresentado a mesma radioatividade que a matéria orgânica viva atualmente Mas depois da morte ocorre o isolamento ou seja toda aquisição ou troca de radiocarbono é interrompida e o carbono 14 começa a se degradar ou como disse o professor Libby o relógio do radiocarbono começa a andar42 Se a radioatividade de uma amostra antiga é medida e comparada à de uma amostra moderna é possível considerando se o tempo de vida do carbono 1443 calcular a idade do espécime antigo a partir da equação relativa ao declínio da radioatividade Materiais adequados à datação radioativa Os materiais apropriados para essa técnica são os de natureza orgânica madeira carvão ossos couro tecidos vegetais alimentos conchas etc mas os melhores são os derivados de plantas que crescem anualmente como junco cereais grama ou linho Uma vez recolhidas as amostras não devem ser submetidas a nenhum tratamento químico além disso devem ser colocadas em recipientes de vidro ou embalagens de náilon a fim de evitar qualquer contato com outros materiais orgânicos O processo se desenvolve em quatro etapas purificação da amostra combustão purificação do dióxido de carbono obtido e finalmente contagem das partículas emitidas Resultados e perspectivas Para testar a precisão desse método foi feito um estudo comparativo entre amostras datadas com exatidão do ponto de vista histórico e datações efetuadas com carbono radioativo44 Como o método histórico mais antigo e mais conhecido é a cronologia do Egito decidiu se em âmbito internacional medir o carbono radioativo de um grande número de amostras egípcias datadas com precisão arqueológica pertencentes ao período que vai da primeira dinastia aproximadamente 3100 41 AITKEN M J 1961 p X e 181 42 LIBBY W F 1970 p 110 43 O período ou longevidade do carbono 14 duração da desintegração de metade do corpo radioativo foi avaliado em 5568 anos ou mais precisamente em 5730 40 anos 44 BERGER R 1970 p 23 26 EOWAROS L E S 1970 p 11 19 MICHAEL H N e RALPH E K 1970 p 109 20 RALPH E K MICHAEL H N e HAN M G 1973 p 1 20 232 Metodologia e pré história da África à trigésima dinastia 378 a 341 Diversos laboratórios procederam à datação ao mesmo tempo usando não só meias vidas correspondentes a 5568 anos mas também o novo valor de 5730 40 anos que permite maior precisão Os resultados obtidos por esses testes mostraram que a datação operada através da meia vida de 5730 anos corresponde à cronologia histórica até o tempo do rei Senusret ou Sesóstris ou seja aproximadamente 1800 mas a datação das amostras anteriores suscitou numerosas controvérsias Entretanto a aplicação do método de correção de Stuvier Suess às amostras anteriores a 1800 permite a obtenção de resultados correspondentes à cronologia arqueológica dentro de 50 a 100 anos no máximo45 A título de exemplo bambus retirados da mastaba sepultura de Qaa primeira dinastia em Saqqara foram datados no laboratório de pesquisas do British Museum A data obtida com carbono 14 depois da correção é de 2450 65 aproximando se bastante de sua data histórica ou seja 2900 antes da Era Cristã46 Imagina se atualmente que as causas dos principais desvios sejam a diminuição do campo magnético da Terra47 e as variações de intensidade do vento solar que tornam oblíquos os raios cósmicos48 Além disso a meia vida real do carbono radioativo ainda não está inteiramente estabelecida Algumas outras causas estão sendo estudadas e muitos laboratórios trabalham nesse sentido Se houvesse resposta para todas essas questões seria possível datar com maior precisão vestígios anteriores a 1800 antes da Era Cristã Mas até que isso aconteça os cálculos convencionais de radiocarbono para vestígios orgânicos dessa época devem ser submetidos à correção indicada acima Datação com potássio argônio A limitação da datação por carbono 14 em aproximadamente 70000 anos cria uma grande lacuna na cronologia da evolução biológica e geológica prolongando se dessa data até aproximadamente 10 milhões de anos Para um período tão antigo seria possível aplicar métodos geológicos radioativos baseados nos índices de transformação de substâncias como por exemplo na transformação do urânio 235 em chumbo 207 que tem meia vida de 710 milhões de anos ou do rubídio 45 BERGER R 1970 p 23 36 MICHAEL H N e RALPH E K 1970 p 109 20 RALPH E K MICHAEL H N e HAN M G 1973 p 1 20 STUVIER M e SUESS H E 1966 p 534 40 46 EOWARDS I E S 1970 p 11 18 47 BUCHA V 1970 p 47 55 48 LEWIN S Z 1968 p 41 50 233 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação 87 em estrôncio 87 que tem meia vida de 13900 milhões de anos Essa lacuna pode ser preenchida até um certo ponto pela aplicação da técnica de datação com potássio argônio49 De fato esse método é usado particularmente na datação de idades geológicas muito remotas No entanto utilizando grandes amostras de uma substância de textura relativamente fina mas não inferior a 100 micra e que contenha pouco argônio atmosférico é possível aplicá lo a períodos mais recentes o que permitiria controlar os resultados obtidos graças ao carbono 1450 Princípio básico O potássio tal como é encontrado na natureza contém 932 de potássio 39 68 de potássio 41 e 00118 de potássio 40 No momento da formação da Terra a taxa de potássio 40 era de mais ou menos 02 mas ele se deteriorou em grande parte resultando em dois derivados o cálcio 40 e o argônio 40 Mas como tem meia vida muito longa 1330 milhões de anos o potássio 40 ainda se encontra presente numa taxa de 00118 Em cada 100 átomos de potássio 40 que se degradam 89 se transformam em cálcio 40 pelo desaparecimento das radiações beta onze se transformam em argônio 40 pela captura de partículas beta O argônio é um gás que se encontra retido entre os grãos do minério51 A datação com argônio potássio é muito aplicada pelas razões seguintes O potássio presente na crosta terrestre representa 28 em peso sendo um de seus elementos mais abundantes Além disso está presente em quase todos os corpos A meia vida do potássio é suficientemente longa para permitir a formação de argônio 40 em certos minerais ao longo de períodos interessantes do ponto de vista geológico Calculando a concentração do argônio 40 radioativo e o conteúdo total de potássio de um mineral é possível determinar a idade do mineral por meio de uma equação relativa à degradação da radioatividade52 Problemas a serem resolvidos pela datação com potássio argônio A datação com potássio argônio foi aplicada recentemente no cálculo da constante de primeira ordem in situ para a racemização do ácido aspártico nos 49 AITKEN M J 1961 50 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 p 72 84 51 Loc cit HAMILTON E I 1965 p 47 79 52 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 p 72 84 234 Metodologia e pré história da África ossos antigos Uma vez aferida num sítio a reação de racemização pode ser utilizada para datar outros ossos do depósito As idades calculadas a partir desse método correspondem com exatidão às idades obtidas pela datação com radiocarbono Esses resultados provam que a reação de racemização é um instrumento cronológico importante para a datação dos ossos muito antigos ou muito pequenos para serem datados com radiocarbono Para exemplificar a aplicação dessa técnica na datação dos fósseis humanos uma parte do homem da Rodésia originário de Broken Hill Zâmbia foi analisada e datada provisoriamente em 110000 anos aproximadamente53 A datação com potássio argônio dos períodos do Plioceno e Pleistoceno deverá permitir o levantamento de uma cronologia definitiva da origem do homem da coincidência da idade dos fósseis em diversos pontos do globo da origem dos tektites e outros problemas geológicos especiais A datação com potássio argônio foi usada para determinar em Olduvai a idade das camadas de basalto e das camadas de tufo que as revestiam a fim de estabelecer a idade exata dos restos do Zinjanthropus encontrados no fundo da primeira camada de tufo na Bed I Curtis e Evernden concluíram que esses basaltos têm pelo menos quatro milhões de anos de idade entretanto não se prestariam a uma datação precisa em consequência de alterações químicas visíveis nas partes finas de todos os basaltos datados de Olduvai exceto os que estão associados à antiga indústria de pebble tools A opinião de Gentner e de Lippolt sobre os diferentes resultados obtidos é a seguinte Como não existem outras incompatibilidades entre as datas dos basaltos e do tufo que os recobre parece possível que a idade do Zinianthropus seja de dois milhões de anos54 Datação arqueomagnética Para dar uma ideia simplificada dessa técnica convém abordar os seguintes itens Paleomagnetismo Trata se do magnetismo remanescente nos vestígios arqueológicos Seu estudo baseia se no fato de que o campo magnético da Terra sofre mudanças contínuas de direção e de intensidade Observações feitas a partir dos últimos cinquenta anos indicam que o campo magnético se desloca para oeste numa 53 BADA J L SCHROEDER R A PROTSCH R e BERGER R 1974 p 121 54 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 235 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação média de 02o de longitude por ano55 Pesquisas arqueomagnéticas baseadas no cálculo da magnetização remanescente em cerâmicas arqueológicas e em rochas mostraram que a intensidade magnética da Terra durante os últimos 8500 anos atingiu seu grau máximo entre os anos 400 e 100 antes da Era Cristã quando o campo alcançou 16 vezes sua intensidade atual e o mínimo por volta de 4000 anos antes da Era Cristã quando o campo diminuiu para 06 vezes em relação à intensidade de hoje56 Esses efeitos ou variações de direção e intensidade são chamados de variação secular De natureza regional a variação secular constitui a base da datação magnética uma vez que as variações do campo magnético terrestre deixam seu traço na cerâmica endurecida sob a forma de magnetismo termo remanescente trm Aplicação do trm à datação arqueológica Antes de iniciar a datação magnética da argila cozida que permaneceu in situ depois do cozimento torna se necessário determinar o comportamento do campo geomagnético através de mensurações efetuadas nas estruturas geológicas de idade conhecida dentro da região escolhida para a aplicação do método Os resultados são assinalados numa curva que mostra a variação secular naquela região durante um longo período de tempo O conhecimento da direção do campo magnético registrado em argila cozida de idade desconhecida nessa mesma região possibilita que sua data de cozimento seja determinada através da comparação com a curva de variação secular Os espécimes mais adequados à datação magnética são as argilas cozidas provenientes de fornos fogões e fornalhas que permaneceram em seus lugares de origem até hoje Como ainda não existe um magnetômetro portátil para facilitar o cálculo in situ da direção do campo geomagnético as amostras devem ser removidas para medição em laboratório É essencial que em cada amostra figure a marca de sua orientação original que servirá como ponto de referência na determinação de seu magnetismo remanescente Na prática a operação consiste em cobrir o objeto com gesso de Paris cuidando para que a superfície superior desse molde seja horizontal e que indique a direção do Norte geográfico antes que a amostra seja destacada Desse modo é possível determinar simultaneamente a antiga declinação D e o antigo ângulo de 55 AITKEN M J 1961 COOK R M 1963 p 59 71 56 RUCHA V 1970 p 47 55 BUCHA V 1971 p 57 117 236 Metodologia e pré história da África inclinação I57 Para compensar anomalias seis ou mais amostras devem ser utilizadas de preferência retiradas de diferentes partes da estrutura levando se em conta uma certa simetria58 Resultados arqueomagnéticos relativos à declinação e à inclinação foram obtidos para a Inglaterra a França o Japão a Islândia e a Rússia Pelas informações de que dispomos o método ainda não foi testado na África Entretanto como tem progredido muito nos últimos anos espera se que ele possa ser logo aplicado para datação na Arqueologia da África Datação por termoluminescência A termoluminescência é a emissão de luz produzida por uma substância altamente aquecida Difere totalmente da incandescência obtida aquecendo ao rubro um corpo sólido e resulta de uma liberação da energia acumulada em forma de nêutrons aprisionados no material aquecido Origem Toda cerâmica ou porcelana contém pequenas proporções de componentes radioativos alguns milionésimos de urânio e tório e alguns centésimos de potássio Além disso o solo próximo ao lugar em que foram descobertas as cerâmicas pode conter impurezas radioativas por outro lado raios cósmicos podem ter penetrado o solo emitindo radiações que bombardearam as matérias cristalinas da cerâmica como o quartzo A ionização resultante produz elétrons que podem ser aprisionados dentro da estrutura cristalina Essas armadilhas de elétrons são metastáveis e quando uma amostra de cerâmica é aquecida desaparecem liberando o excesso de energia em forma de fótons A intensidade dessa luz termoluminescência está diretamente relacionada à idade da peça Depende também da natureza particular dos elementos que geram a termoluminescência presentes na amostra e nas proximidades do local em que foi encontrada59 Medindo a quantidade de urânio e potássio contidos no fragmento e no solo vizinho pode se calcular a intensidade da radiação recebida anualmente pelo fragmento Em princípio a idade é diretamente calculada através da relação60 57 AITKEN M J 1970 p 77 88 58 COOK R M 1963 p 59 71 59 AITKEN M J 1970 p 77 88 HALL E T 1970 p 135 41 60 AITKEN M J 1970 p 77 88 237 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Idade intensidade de radiação acumulada intensidade anual de radiação Precisão dos resultados e perspectivas Atualmente a precisão dos resultados é de mais ou menos 10 um pouco inferior portanto à precisão obtida com a datação por radiocarbono A causa dessa diferença pode ser atribuída às incertezas que surgiram principalmente quanto às circunstâncias em que o objeto foi enterrado e quanto ao grau de umidade do solo adjacente do qual depende a intensidade de radioisótopos do fragmento Espera se que pesquisas posteriores resolvam tais dificuldades mas por razões de ordem prática é difícil que os resultados atinjam uma margem de precisão maior que 5 aproximadamente61 Entretanto apesar de não apresentar uma exatidão total essa técnica é mais vantajosa que a datação com radiocarbono já que a cerâmica é muito mais abundante nos sítios arqueológicos do que as matérias orgânicas além disso trata se de datar o cozimento da cerâmica enquanto a datação com radiocarbono de uma amostra de madeira ou carvão tende a situar o corte da árvore e não a data de sua utilização ulterior No Egito essa técnica terá uma finalidade muito importante Até o momento as culturas neolíticas e pré dinásticas no Egito têm sido datadas conforme o tipo de cerâmica que as caracteriza de acordo com o Sequence Dating System inventado por Flinders Petrie62 Agora graças à datação por termoluminescência será possível determinar a época exata em que se desenvolveram essas culturas Técnicas utilizadas na prospecção arqueológica O objetivo básico do emprego de técnicas científicas na prospecção do solo é a descoberta de informações sobre sítios arqueológicos enterrados a fim de preparar ou substituir as escavações Isso pode economizar tempo esforços e despesas A pesquisa arqueológica através dos métodos científicos inclui as seguintes técnicas 61 Loc cit 62 PETRIE W M F 1901 238 Metodologia e pré história da África Fotografia aérea É usada sobretudo no levantamento de determinada estrutura segundo seu traçado geométrico Tem duas utilizações principais primeiramente permite uma visão mais distante e portanto mais clara dos pontos onde os vestígios que afloram à superfície parecem juntar se para formar um desenho mais significativo63 O estudo das fotografias aéreas possibilita assim a definição das áreas que devem ser exploradas tendo em vista obter uma ideia de conjunto de todo o complexo arqueológico No Egito esse método foi aplicado no estudo dos templos de Karnak em Luxor a área do sítio onde estão os templos é de aproximadamente 150 hectares Outra vantagem consiste em revelar a existência de vestígios arqueológicos recobertos por terras cultivadas graças às marcas da vegetação Essas marcas resultam das diferentes condições de umidade do solo A vegetação que recobre um muro de pedra enterrado se distingue levemente por uma linha mais clara sobre uma vala encoberta ela é mais rica tendo aparência mais escura A configuração geométrica dessas marcas permite o reconhecimento e a escavação de ruínas enterradas64 Análise do solo Vestígios de antigas cidades e de cemitérios podem ser localizados através da análise do solo Como o fosfato de cálcio é o constituinte principal do esqueleto e dos diferentes detritos deixados pelo homem sua porcentagem será naturalmente mais elevada nas áreas antigamente habitadas ou que serviam de cemitério Portanto os limites dessas zonas arqueológicas podem ser definidos graças à medição da taxa de fosfato em amostras de solo retiradas da área em intervalos regulares Análise do pólen A polinização das plantas com flor deve se geralmente à ação dos pássaros dos insetos ou do vento As flores polinizadas pelo vento produzem grandes quantidades de grãos de pólen cuja maior parte cai no solo sem ser fertilizada Esses grãos geralmente se decompõem mas se acontece de caírem em solo apropriado como turfeiras ou barro podem fossilizar se e ser facilmente 63 LININGTON R E 1970 p 89 108 64 AITKEN M J 1961 239 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação examinados ao microscópio A identificação e a enumeração dos vários tipos de pólen presentes numa amostra podem fornecer informações sobre o ambiente ecológico no qual restos humanos e artefatos estão situados o conhecimento desse ambiente ecológico pode por sua vez indicar o tipo de vida que predominava na época Entretanto a análise do pólen só é útil como técnica de datação se as amostras puderem ser relacionadas a uma cronologia baseada num método de datação direta como o do radiocarbono Para maiores detalhes dessa técnica podem ser consultados Faegri e Iversen65 e Dimbleby66 Estudo da resistividade elétrica Esta é a primeira técnica geofísica adaptada à Arqueologia Consiste em aplicar uma carga elétrica ao solo e medir a resistência do fluxo da corrente elétrica A resistência depende da natureza do solo da quantidade de água retida nos seus poros e da quantidade de sais solúveis Rochas duras e compactas como as de granito e diorito apresentam alta resistividade se comparadas ao solo argiloso Portanto o estudo da resistividade deve ser aplicado principalmente na detecção de estruturas de pedra enterradas em solo lamacento ou de estruturas escavadas na rocha e recobertas de terra67 O sistema normalmente adotado por esse método consiste em introduzir quatro sondas de metal no solo fazer passar a corrente entre as duas sondas exteriores e medir a resistividade entre as outras duas O valor da resistência é uma média aproximada para o material que se encontra sob as sondas interiores até uma profundidade de aproximadamente uma vez e meia a distância entre elas contanto que esse material seja razoavelmente uniforme68 Normalmente quase todas as aplicações do estudo da resistividade consistem em traçar linhas de medida conservando o mesmo esquema de conexão e as mesmas distâncias a fim de determinar as mudanças nos valores de resistividade Frequentemente essas linhas são combinadas para formar em seu conjunto uma grade retangular de valores a localização de estruturas enterradas é indicada pelas partes que fornecem valores anormais 65 FAEGRI K e IVERSEN J 1950 66 DIMBLEBY G W 1963 p 139 49 67 AITKEN M J 1961 68 LININGTON R E 1970 p 89 108 240 Metodologia e pré história da África Essa técnica foi parcialmente substituída pela prospecção magnética em função de algumas desvantagens que apresenta principalmente a lentidão do exame e o fato de que os resultados podem ser afetados por efeitos climáticos a longo prazo além disso a interpretação dos resultados tende a ser difícil com exceção dos casos mais simples69 Exame magnético É atualmente a técnica mais comum em prospecção arqueológica Consiste em medir a intensidade do campo magnético terrestre nos pontos situados acima da superfície do sítio que se vai prospectar As variações dessas medidas podem revelar a presença de estruturas arqueológicas Através dessa técnica é possível detectar restos enterrados de ferro estruturas de terra cozida como fornos por exemplo poços cavados na rocha e aterrados ou ainda estruturas de pedra enterradas em solo argiloso Os objetos de ferro enterrados provocam variações muito grandes enquanto que para o restante dos materiais essas variações são muito fracas Consequentemente a técnica do exame magnético não tem nenhuma utilidade a menos que o instrumento de detecção seja suficientemente sensível para detectar variações muito pequenas além disso deve ser rápido e de fácil manejo70 O Archaeological Research Laboratory da Universidade de Oxford desenvolveu com êxito um magnetômetro de próton que satisfaz todas essas exigências71 Compõe se de duas partes a garrafa de detecção e o contador A garrafa de detecção é montada sobre um tripé de madeira e transportada por um operador de um ponto a outro da área a ser estudada Outro operador controla o contador e registra as medidas na forma de um plano A interpretação desse plano identificará a situação e os esboços das estruturas arqueológicas contidas no solo72 Outros tipos de magnetômetros têm sido aperfeiçoados como o magnetômetro diferencial de prótons o fluxgate gradiometer73 o magnetômetro de césio o magnetômetro de bombeamento de ressonância eletrônica74 Cada um deles apresenta certas vantagens mas o aparelho mais útil em quase todos os casos é o magnetômetro diferencial de prótons 69 Loc cit 70 AITKEN M J 1963 p 555 68 71 AITKEN M J 1961 72 Loc cit 73 HALL E T 1965 p 112 74 SCHOLLAR I 1970 p 103 19 241 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação O método magnético é bem mais vantajoso que o da resistividade pois é mais simples e rápido e seus resultados são mais fáceis de interpretar75 Sondagem das pirâmides do Egito através de raios cósmicos Os raios cósmicos consistem em uma corrente de partículas eletricamente carregadas conhecidas como mesons μ ou muons Esses raios alcançam a Terra com igual intensidade a partir de todos os pontos do céu Cada metro quadrado é atingido por aproximadamente 10000 muons por segundo qualquer que seja sua direção Os raios cósmicos têm um poder de penetração extremamente grande muito superior à dos raios X e sua velocidade é quase igual à velocidade da luz A sondagem com auxílio desses raios se baseia no fato de que os muons perdem energia ao atravessarem a matéria A perda de energia ou absorção de muons é proporcional à densidade e espessura da matéria que atravessam A intensidade ou a quantidade de raios cósmicos que penetra pode ser calculada por um aparelho conhecido como câmara de faíscas No caso das pirâmides o aparelho é colocado no interior de uma câmara subterrânea Os muons que atravessarem um espaço vazio uma câmara uma passagem desconhecida sofrerão menor redução de velocidade que os que atravessarem a rocha sólida assim os raios cósmicos que passarem através do espaço vazio terão maior intensidade fenômeno que será registrado pela câmara de faíscas Com duas câmaras de faíscas orientadas horizontalmente e distantes uma da outra cerca de 30 cm no sentido vertical torna se possível não apenas detectar qualquer câmara secreta mas também localizá la no espaço de alguns metros Assim a escavação será orientada para a direção indicada pelos raios A sondagem foi feita pela primeira vez na Pirâmide do rei Quéfren da quarta dinastia 2600 As informações foram analisadas através de um computador e os resultados anunciados no dia 30 de abril de 1969 indicando dois fatos importantes primeiramente a câmara mortuária do rei não se situa exatamente no centro da base da pirâmide mas alguns metros para o norte Tal descoberta coincide com os resultados obtidos através do estudo magnético provando assim a validade dessa técnica na sondagem de pirâmides Constatou se também que a terça parte superior da pirâmide não contém câmaras nem corredores desconhecidos Repetiu se a experiência com outro aparelho projetado para sondar a pirâmide inteira A análise das informações registradas indicou que a pirâmide não contém nenhuma câmara ou corredor desconhecido o que confirmou as previsões arqueológicas 75 LININGTON R E 1970 p 89 108 242 Metodologia e pré história da África Técnicas de conservação O objetivo deste trabalho não é a descrição dos métodos técnicos utilizados na conservação de artefatos feitos de diversos materiais como cerâmica faiança vidro marfim osso madeira couro papiro tecidos metais etc Sua variedade é tal que excederia o espaço reservado a este capítulo Vários livros76 e periódicos especializados tratam do assunto particularmente Studies in Conservation órgão do International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works de Londres Entretanto os mais sérios problemas de conservação na África estão relacionados à fragilidade dos materiais e à violenta deterioração dos monumentos de pedra Fragilidade dos materiais Devido ao excessivo calor e à aridez de numerosos países africanos os artefatos feitos de material orgânico pergaminho papiro couro madeira marfim etc tornaram se extremamente frágeis Esses materiais devem ser manuseados com o máximo cuidado para não correrem o risco de se desfazer em minúsculos fragmentos Antes de mais nada é preciso embrulhá los em panos úmidos conservando os por algum tempo em lugar fechado e úmido ou tratá los com vapor num recipiente apropriado para restaurar total ou parcialmente sua maleabilidade Então podem ser desenrolados ou desdobrados sem risco de fragmentação Após terem readquirido sua maleabilidade convém que esses artefatos sejam exibidos ou conservados em museus ou depósitos com ar condicionado a uma temperatura de 17 2oC e umidade relativa de 60 a 65 a fim de não se tornarem novamente quebradiços A violenta deterioração dos monumentos de pedra Este grave problema merece ser estudado detalhadamente Principais causas de deterioração Os principais agentes de deterioração dos monumentos de pedra na África são migração dos sais em presença de água ou de umidade os sais solúveis emigram por capilaridade do solo salino para a pedra dos monumentos Num clima 76 ORGAN R M 1968 PLENDERLEITH H J 1962 PAYDDOKE E 1963 SAVAGE G 1967 243 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação árido esses sais passam do interior da pedra à superfície exterior sob a forma de soluções aquosas podem cristalizar se na própria superfície provocando sua desintegração ou sob a superfície fazendo com que se rompa Esses efeitos são mais pronunciados na base de paredes ou colunas onde a pedra entra em contato com o solo salino como pode ser observado em algumas colunas do templo de Buhen no Sudão intempéries na África a pedra é muito afetada pelas excessivas variações de temperatura e umidade que provocam a ruptura dos elementos superficiais da maioria das rochas Em muitos lugares principalmente nas regiões costeiras os dois fatores de degradação agem conjuntamente e provocam séria deterioração dos monumentos como se pode notar nos templos romanos de Leptis Magna e Sabratha na Líbia Tratamento das superfícies e sua ineficácia Numerosas tentativas de consolidar as superfícies de pedra foram efetuadas através do tratamento com produtos orgânicos de conservação ou silicatos inorgânicos Mas esses tratamentos revelaram se não apenas ineficazes como também nocivos pois aceleram a deterioração e as fraturas da pedra O fracasso dessas tentativas foi enfatizado no simpósio internacional sobre a conservação de monumentos de pedra onde se admitiu que o problema ainda está longe de ser resolvido e que é necessário abordá lo com o máximo cuidado Esforços internacionais para resolver o problema As dificuldades inerentes ao problema e sua gravidade levaram o ICOM o ICOMOS e o Centro Internacional para a Conservação a formar em 1967 um comitê de dez especialistas para estudar a questão Estudos foram levados a efeito e muitos relatórios apresentados O comitê continuou suas atividades até o fim de 1975 no intuito de propor uma série de testes padrão que permitissem avaliar o grau de deterioração da pedra e a eventual eficácia dos tratamentos de conservação Uma nova esperança O Professor Lewin desenvolveu um novo método destinado a consolidar a superfície do mármore e da pedra calcária77 Consiste em um tratamento das 77 LEWIN S Z 1968 p 41 50 244 Metodologia e pré história da África partes deterioradas com uma solução fortemente concentrada de hidróxido de bário aproximadamente 20 à qual é adicionada certa quantidade de ureia aproximadamente 10 e de glicerol aproximadamente 15 Quimicamente falando o método baseia se na substituição dos íons de cálcio da pedra deteriorada por íons de bário Depois do tratamento a pedra apresenta um endurecimento evidente e oferece maior resistência à ação dos fatores de degradação O carbonato de bário assim formado incorpora se à pedra sem constituir um revestimento superficial com propriedades distintas das do interior Espera se que com esse método as superfícies tratadas não se pulverizem e que protejam as camadas subjacentes contra o ataque das intempéries O tratamento foi utilizado em julho de 1973 para reforçar o pescoço da estátua da Esfinge de Gizeh em rocha calcária que estava em vias de desintegração Até agora o resultado tem sido satisfatório mas é necessário manter o pescoço da esfinge em observação ainda por uns dez anos pelo menos antes de consagrar definitivamente esta técnica de proteção e conservação de rochas calcárias Paliativos Por mais confiança que depositemos na técnica de Lewin o problema da conservação dos monumentos de pedra por tratamento químico ainda não está resolvido Certas medidas de ordem mecânica ainda são recomendadas para garantir sua proteção contra os fatores de degradação Podemos destacar algumas delas Nenhum produto que possa vedar os poros da pedra deve ser empregado no tratamento das superfícies dos monumentos ao ar livre diretamente expostos aos raios solares A camada exterior da superfície correria o risco de destacar se em escamas Convém dessalinizar regularmente o solo sobre o qual foram construídos os monumentos A água utilizada deve ser retirada por um sistema de drenagem adequado Na medida do possível os monumentos de pedra devem ser isolados dos solos salinos a fim de impedir que os sais solúveis migrem do solo para a pedra Esse isolamento pode ser efetuado com a introdução de uma folha de chumbo ou uma espessa camada de betume sob a estátua o muro ou a coluna a ser protegida Quando o monumento contém sais solúveis que podem provocar eflorescência ou criptoflorescência convém eliminar os sais lavando os com 245 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação água e cobrir as partes atingidas com argila arenosa até que a pedra esteja completamente livre desses sais Quando o monumento não é muito grande é possível transportá lo para um museu ou um abrigo a fim de proteger sua superfície dos efeitos deletérios da ação climática Outra solução consiste em conservá lo em seu lugar de origem e construir sobre ele um abrigo Quando o teto estiver faltando deve se reconstruí lo a fim de proteger as pinturas murais ou os baixos relevos interiores da ação direta da luz solar e da chuva assim os desgastes causados pelas variações de temperatura e umidade serão até certo ponto atenuados Recomendações relativas às restaurações Como um tratamento inadequado dos artefatos ou monumentos pode causar mais estragos ou até mesmo sua deterioração completa julgamos conveniente mencionar algumas regras de restauração importantes recomendadas em conferências internacionais a A pátina dos monumentos antigos não deve de maneira alguma ser lavada ou retirada para revelar a cor original da pedra A limpeza das fachadas deve limitar se à retirada da poeira de modo que a pátina fique intacta pois constitui a característica arqueológica mais importante do monumento b Na restauração de monumentos antigos apenas as partes que estão desmoronando devem ser reconstruídas em seus lugares de origem É preciso evitar as substituições e as adições a menos que sejam necessárias para sustentar as partes que desmoronam ou para proteger das intempéries as superfícies antigas c Em todos os casos de reconstrução deve se intercalar argamassa entre as pedras de modo que seu peso seja igualmente repartido sem acarretar deformações ou fendas d A argamassa utilizada para a renovação das paredes deve ser via de regra idêntica à argamassa original a menos que esta tenha sido gesso O emprego de cimento não é recomendado no caso de construções em rocha sedimentar tais como calcário ou arenito e A melhor argamassa para todos os casos de reconstrução é a de cal sem sal é razoavelmente maleável e porosa consequentemente não impede ligeiro deslocamento de pedras devido a mudanças de temperatura Com seu emprego não ocorrem tensões nem fissuras 246 Metodologia e pré história da África f Dentre os métodos que permitem distinguir as superfícies das pedras adicionadas os seguintes merecem ser mencionados o novo paramento pode estar ligeiramente recuado em relação à obra original não é proibido utilizar materiais diferentes mas deve se respeitar as dimensões dos blocos originais pode se também usar o mesmo tipo de material mas nesse caso a forma e as dimensões dos blocos podem ser diferentes da forma e das dimensões dos elementos originais as fileiras de pedras e todas as juntas podem ser alinhadas sobre as da obra original mas os novos blocos devem ser moldados num aglomerado de pedras de tamanhos irregulares marcas de identificação contendo a data da restauração poderão ser gravadas em todas as pedras novas a superfície das pedras novas pode ser completamente diferente da superfície das antigas Basta tratá la com um instrumento pontiagudo ou gravá la profundamente com um buril para que adquira um certo desenho geométrico feito de preferência com linhas paralelas ou secantes C A P Í T U L O 1 0 247 História e linguística Aada koy demnga woni fulfulde Lammii ay dekkal demb wolof É a fala que dá forma ao passado O negro africano estabelece uma ligação entre história e língua Essa visão é comum ao bantu ao ioruba e ao mandinga Mas não é aí que reside a originalidade Na verdade o árabe ou o grego anteriores a Tucídides concordarão em afirmar com os Fulbe que a narrativa é o lugar onde se encontra o passado Hanki koy daarol awratee O que favorece a ligação entre história e linguagem na tradição dos povos da África negra é a concepção que esta em geral conservou dos dois fenômenos Tal concepção identifica espontaneamente pensamento e linguagem e encara a história não como uma ciência mas como um saber uma arte de viver A história visa ao conhecimento do passado A linguística é a ciência da linguagem e da fala A narrativa e a obra histórica são conteúdos e formas de pensamento A língua é em si mesma o lugar desse pensamento o seu suporte Evidentemente a linguística e a história têm cada uma o seu domínio seu objeto próprio e seus métodos Não obstante as duas ciências interagem pelo menos em dois aspectos Primeiramente a língua como sistema e instrumento PARTE I História e linguística P Diagne 248 Metodologia e pré história da África de comunicação é um fenômeno histórico Ela tem a sua própria história Em segundo lugar como alicerce do pensamento e portanto do passado e do conhecimento deste ela é o lugar e a fonte privilegiada do documento histórico Assim a linguística entendida aqui em seu sentido mais amplo abrange um campo de pesquisa que fornece à história pelo menos dois tipos de dados por um lado uma informação propriamente linguística por outro um documento que se poderia chamar supralinguístico Graças aos fatos de pensamento aos elementos conceptuais utilizados numa língua e aos textos orais e escritos ela permite que se leia a história dos homens e de suas civilizações Estando a problemática assim definida fica mais fácil perceber a área comum ao historiador e ao linguista que trabalham com a África Ciências linguísticas e história Todas as ciências que têm por objeto a língua e o pensamento podem contribuir para a pesquisa histórica Algumas porém apresentam uma conexão mais direta com a história Essa é uma tradição muito bem estabelecida embora possa ser contestada à luz de uma reflexão mais profunda Assim é comum dizer que o estudo do parentesco das línguas situa se no ponto de encontro entre a linguística e a história mais do que na análise da evolução do material fornecido pelos textos escritos ou orais e pelos vocábulos de um idioma Mas os dois tipos de pesquisa se referem a fatos de língua ou pensamento e portanto de história A esse respeito a historiografia europeia sugeriu uma separação entre ciência histórica propriamente dita e história literária ou história das ideias Mas essa distinção só se justifica em determinados contextos Os Bakongo de civilização bantu os Ibo de Benin ou os Susu de cultura sudanesa deixaram poucos textos ou mesmo nenhum que correspondem às normas de uma ciência histórica moderna Em contrapartida produziram como fonte de informação uma abundante literatura oral com gêneros distintos de modo relativamente nítido e obras que hoje seríamos tentados a classificar como contos novelas narrativas crônicas de epopeias históricas lendas mitos obras filosóficas ou cosmogônicas reflexões técnicas religiosas ou sagradas Nelas se mesclam o verdadeiramente vivido e a ficção o evento que pode ser datado e o mito puramente imaginário 249 História e linguística A reconstrução da história dos Bakongo dos Ibo ou dos Susu passa pela análise crítica dessas literaturas e tradições orais Também não pode negligenciar a análise dos seus discursos técnicas e conhecimentos a decifração das linguagens dos conceitos e do vocabulário que tais grupos utilizaram e que continuam a revelar a história de cada um deles As ciências e os métodos aos quais nos referimos aqui como suscetíveis de esclarecerem o historiador da África não esgotam a lista Talvez isso não seja um mal do ponto de vista da clareza Fixando limites razoáveis para suas pesquisas o especialista em linguagem poderá aprofundar melhor determinados setores Assim tendo em vista a dimensão linguística de suas investigações deixa a outros pesquisadores historiadores das ideias especialistas em ciências economia ou literatura o cuidado desses setores Ciência classificatória e a história dos povos africanos Classificar as línguas já é revelar o parentesco e a história dos povos que as falam Podem se distinguir diversos tipos de classificação Classificação genética Estabelece o parentesco e os vínculos de filiação no interior de uma família linguística Em consequência ajuda a restabelecer ao menos em parte a unidade histórica de povos e culturas que utilizam línguas da mesma origem Classificação tipológica Reagrupa as línguas que apresentam semelhanças ou afinidades evidentes em suas estruturas e sistemas Línguas de origem idêntica ou totalmente diferente podem utilizar os mesmos modos de formação lexical nominal verbal ou pronominal ainda que sejam muito distantes umas das outras do ponto de vista genético histórico ou geográfico A tendência a utilizar a mesma forma nominal e verbal é encontrada tanto em wolof como em inglês liggeey trabalhar liggeey bi o trabalho to work trabalhar the work o trabalho No entanto apesar dessa semelhança tipológica os dois idiomas estão genética e geograficamente muito afastados um do outro Pode acontecer 250 Metodologia e pré história da África por outro lado de as línguas pertencerem à mesma família e serem de tipos diferentes Seu parentesco é estabelecido a partir de um vocabulário comum convincente mesmo que tenham evoluído em bases estruturais divergentes Às vezes devido ao empréstimo e ao abandono de vocabulário a diferença pode aparecer mesmo no plano do léxico As classificações elaboradas para as línguas africanas não agrupam por exemplo certos elementos das famílias chádica e senegalês guineense Contudo a consideração dos sistemas fonológicos da morfologia e da estrutura sintática impõe o reagrupamento tipológico de pelo menos a maior parte dessas línguas Classificação geográfica Reflete sobretudo uma tendência instintiva para comparar e reagrupar línguas que coexistem numa área Quase sempre é resultado de informação insuficiente As classificações propostas para a África são muito frequentemente geográficas em setores essenciais Por esse motivo elas deixam de lado alguns fenômenos como a migração e a imbricação dos povos Koelle M Delafosse D Westermann e J Greenberg fazem referência principalmente a denominações e agrupamentos topológicos e geográficos Eles estabelecem categorias tais como oeste atlântico níger congo senegalês guineense nígerochádico etc Uma classificação rigorosa das línguas africanas requer procedimentos que demonstrem que as formas o vocabulário e as estruturas linguísticas propostas como elementos de comparação são não apenas representativos mas fazem parte do patrimônio original das línguas comparadas A semelhança não deve ser portanto resultado de empréstimos ou de contatos antigos ou recentes Sabemos que por motivos históricos o árabe e as línguas semitas como também o francês o português o africâner e o inglês depositaram por vários séculos e mesmo alguns milênios uma quantidade considerável de vocabulário em muitas línguas africanas Algumas variantes do kiswahili que é uma língua bantu contêm mais de 60 de empréstimos lexicais do árabe Daí a concluir por paixão religiosa ou falta de precaução científica que o kiswahili pertence ao grupo semito árabe há apenas um passo Algumas vezes chegou se realmente a essa conclusão Com o tempo as formas originalmente comuns a mais de uma língua podem ter sofrido transformações de ordem fonética morfológica ou estrutural Essa evolução que obedece a certas leis é um fenômeno conhecido e analisável O significado dessas formas o significado das palavras que fazem parte do vocabulário a ser comparado pode ter variado dentro dos limites de um campo 251 História e linguística semântico passível de ser mais ou menos apreendido Em sua forma moderna por exemplo o wolof mostra um emudecimento da vogal final depois de uma consoante dupla Bopp ou fatt em vez de Boppa ou fatta como ainda dizem os gambianos e os Lebu A forma neds do egípcio antigo transforrriou se em neddo em fulfulde moderno e nit em wolof O bantu diz mutumuntu o haussa mutu o mandinga mixi ou moxo o fon gbeto o mina agbeto etc A palavra egípcia kemit já significou queimado ou preto Hoje significa cinzas queimaduras etc A reconstrução de uma língua A reconstrução histórica de uma língua Como técnica de redescoberta do vocabulário e do patrimônio estrutural comum a reconstrução histórica de uma língua leva em conta as mudanças descritas acima Como procedimento permite retraçar a história de uma língua ou de uma família linguística ajudando a estabelecer a protolinguagem original e a datar os períodos de separação dos diversos ramos Nesse sentido a reconstrução constitui uma ajuda valiosa para a ciência classificatória propriamente dita Vários critérios e técnicas são utilizados para reconstruir uma língua e reinventar seus dados originais A correspondência de sons desempenha papel primordial na reconstrução de uma protolinguagem ou no estabelecimento de um parentesco Quando se diz por exemplo que o p se torna f numa variante e que noutra o u se transforma em o é possível fazendo Fa Pa Lu Lo reconstruir o sistema fonético e as formas originais Reconstrução fonológica Esta técnica é uma etapa para a reconstrução do repertório léxico e do vocabulário original Os fonemas não são os únicos elementos a mudar a morfologia e as estruturas também evoluem A função sujeito em latim é marcada por um fonema chamado nominativo nas línguas de origem latina ou de influência latina essa função é determinada principalmente pela sintaxe de posição Homo vidit vidit homo o homem viu No estabelecimento das protolínguas protobantu protochádico etc sempre se faz referência ao vocabulário ao repertório lexical comum Podem se assim estabelecer porcentagens de palavras comuns elaborando quadros de contagem lexical ou lexical count A classificação de J H Greenberg1 recorre 1 GREENBERG J H 1963 252 Metodologia e pré história da África frequentemente a essa técnica Em seu trabalho sobre o grupo oeste atlântico D Sapir também a utiliza2 Ele indica que o seereer e o pulaar colocados no mesmo grupo têm 37 de palavras em comum o baga koba e o temne 79 o temne e o seereer apenas 5 o basari e o safeen também 5 Esses idiomas são todos agrupados na mesma família mas o vocabulário comum que pode ser abundantemente emprestado não é suficiente para negar ou afirmar uma relação histórica Tem se recorrido também à similaridade de traços tipológicos ou à identidade de estrutura comparação dos sistemas pronominal verbal ou nominal etc O componente tipológico associado aos dados fornecidos pela análise lexical e fonológica possibilita atingir resultados que se tornam tanto mais comprobatórios quanto forem consideradas a história e as influências A reconstrução também visa a datar a época em que essa herança comum foi dividida no interior de uma protolíngua e depois empregada por línguas aparentadas e que estavam diferenciando se progressivamente Além disso preocupa se em identificar a natureza da língua primitiva que deu origem aos vários falares que podem ser ligados a uma mesma protolíngua Reconstrução e datação Permitem determinar a idade dos materiais léxicos e estruturais coligidos durante o estudo das línguas com o objetivo de por comparação precisar com maior ou menor certeza o nível em que se situa o parentesco linguístico Portanto essas técnicas oferecem pontos de referência precisos à história da separação dos povos que pertenciam ao mesmo universo cultural e linguístico Ao mesmo tempo iluminam de forma abrangente a história das etnias e das civilizações multinacionais e multiétnicas No contexto de uma pesquisa sobre uma época recente e a propósito de línguas escritas o esforço é relativamente menor Em contrapartida a raridade dos documentos posteriores ao IV milênio antes da Era Cristã geralmente dificulta a tarefa Nesse caso entretanto trata se de elucidar a história de períodos decisivos de mutação linguística Os processos de mudança do vocabulário ou das estruturas examinados com esse propósito são como veremos mais tarde muito lentos e difíceis de determinar Para atenuar essa escassez de informação é necessário recorrer a técnicas mais ou menos eficientes 2 SAPIR D 1973 253 História e linguística A glotocronologia Essa técnica que foi aplicada na África é uma das mais recentes no campo dos estudos linguísticas Seu princípio básico é a datação da evolução lexical de uma língua tomando como referência o ritmo das mudanças no vocabulário vocabulário cultural conceitos filosóficos técnicos etc e vocabulário básico nomes das partes do corpo humano números de um a cinco vocábulos que designam os fenômenos naturais etc A glotocronologia visa portanto a dar informações sobre a idade as etapas e o estado de evolução dos termos e das formas do léxico A evolução do vocabulário fundamental ou básico é relativamente lenta nas sociedades antigas pelo menos quando não há mudanças súbitas causadas por acontecimentos decisivos Particularmente na África negra graças aos trabalhos de Delafosse foi possível formar uma ideia desse ritmo de evolução através do levantamento de palavras registradas por escrito desde o século XI O trabalho de Delafosse trata do vocabulário das línguas sudanesas recolhido nos textos árabes Esses termos não sofreram quase nenhuma mudança depois de um milênio de história Mas os defensores do método vão ainda mais longe a evolução do vocabulário básico não só seria lenta mas também constante em todas as línguas Tal é a opinião de E Swadesh que tentou aplicar essa teoria a línguas africanas Em alguns casos precisos os testes efetuados parecem ser comprobatórios A glotocronologia postula um ritmo de transformação dos elementos do vocabulário básico que pode ser medido em porcentagem A taxa de retenção do vocabulário estaria entre 81 2 e 85 04 por um período de 1000 anos Baseando se nisso a glotocronologia chegou a algumas conclusões reunidas na célebre fórmula t log c 14 log r onde t representa a duração e a porcentagem de termos comuns às línguas comparadas e r a taxa de retenção Diante dos resultados obtidos pode se considerar a glotocronologia como uma medida temporal válida uma espécie de relógio histórico As descobertas ficam aquém das expectativas por uma razão simples num contexto de imbricação linguística e de interferência de léxicos cuja extensão é mal conhecida e sem documentos precisos escritos ou não não é fácil no estado atual das pesquisas seriar os dados e distinguir por exemplo entre mudanças normais e mudanças causadas por empréstimo mesmo no léxico básico 254 Metodologia e pré história da África No entanto uma ciência classificatória que empregasse todas essas técnicas forneceria a chave da relação étnica e linguística Classificações linguísticas e parentescos etnoculturais Apesar de alguns trabalhos notáveis o problema do parentesco linguístico e étnico está longe de ser resolvido na África Em muitas áreas a intuição de que existe essa relação ainda sobrepuja a prova estabelecida cientificamente A ideia e a noção de uma comunidade bantu reunindo a grande maioria dos povos da África central e meridional nasceram no século XIX com os trabalhos de W Bleek Numa obra célebre publicada em 1862 ele estabeleceu o parentesco das línguas e das variantes dialetais faladas numa área muito vasta habitada por numerosos grupos étnicos usando falares com maior ou menor grau de intercompreensão Evidentemente o parentesco de língua e de cultura é muito mais perceptível à primeira vista para as etnias que vivem lado a lado É o que ocorre com os Bantu Em alguns casos a distância no espaço e no tempo cria problemas Os Fulbe são um bom exemplo Da bacia do Senegal à bacia do Nilo eles constituem comunidades frequentemente isoladas em meio a áreas habitadas por etnias às vezes muito diferentes Os Duala do Camarões falam uma língua bantu na prática o duala pode ser considerado uma variante desse grupo da mesma natureza que o lingala tal como os falares de Mbandaka ou Kinshasa apesar da distância e do isolamento relativo que existem entre os Duala e as comunidades que falam estes dois últimos idiomas O egípcio faraônico que era falado há 5000 anos apresenta seme lhanças espantosas com o haussa o wolof ou o songhai3 Ocorrem ainda fenômenos de imbricação Grandes línguas de unificação continuam por motivos diversos políticos econômicos culturais etc a servir de suporte à integração de etnias diferentes Elas apagam por meio da pressão social e do peso histórico os falares e as culturas dos quais restam frequentem ente apenas alguns vestígios O lingala o haussa o kiswahili o ioruba o twi o ibo o bambarajula o fulfulde o árabe ou o wolof são falados por milhões talvez até por dezenas 3 A esse respeito podemos citar os trabalhos da Srta HOMBURGER os capítulos deste livro escritos pelos professores GREENBERG e OBENGA e o relatório do Simpósio do Cairo volume II 255 História e linguística de milhões de pessoas de origens diferentes Como veículos de comunicação ultrapassaram largamente seu contexto étnico e geográfico original para se tornarem línguas de civilização comuns a povos inicialmente muito diferentes Os Peul e os Seereer constituem no Senegal a imensa maioria dos falantes de wolof O wolof era originariamente a língua de uma etnia lebu cujos traços foram encontrados na fronteira entre o Senegal e a Mauritânia Hoje em dia os Lebu constituem apenas uma pequena minoria confinada na península do Cabo Verde No entanto com a urbanização do Senegal a cultura e a língua wolof estão fazendo muitas línguas e dialetos desaparecerem sob nossos olhos o seereer o lebu o fulfulde o diula o noon etc Esses idiomas porém pertencentes a povos diversos desempenharam há apenas alguns séculos importante papel na história da região Esta evolução é geral O kiswahili falado por dezenas de milhões de pessoas de fala bantu nasceu de uma variante zanzibarita usada inicialmente em algumas aldeias Expandiu se depois com muita facilidade por uma área linguística bantu relativamente homogênea para constituir hoje juntamente com o lingala o principal veículo de comunicação na África central e meridional Cinquenta ou sessenta milhões de pessoas falam uma dessas duas línguas ou uma variante próxima nos seguintes países Zaire República Popular do Congo República Centro Africana Uganda Tanzânia Quênia Zâmbia Malavi África do Sul Sudão e Etiópia O pensamento africano tradicional tem se mostrado com frequência bastante consciente não só dessa imbricação mas também do papel explicativo que o fenômeno linguístico pode representar na elucidação da história Nas tradições africanas há numerosas anedotas sobre o parentesco entre as línguas ou sobre a origem mais ou menos mítica de sua diferenciação Frequentemente trata se de observações justas É o caso das aproximações que os Peul e os Seereer fazem afirmando quase intuitivamente seu parentesco étnico e linguístico Os Mandinga os Bantu os Akan e os Peul que se apresentam como falantes da mesma língua têm às vezes enquanto grupos e subgrupos a intuição de formar uma grande família comum Na maior parte dos casos contudo o parentesco afirmado nasce apenas da necessidade de integrar a história de uma comunidade que deve aparecer de um modo ou de outro no universo de uma certa etnia ou ainda de coexistir com ela Para a coerência de uma saga tradicional é indispensável que os grupos que hoje povoam um habitat comum tenham ligações verdadeiras ou míticas uns com os outros No entanto o saber linguístico tradicional das sociedades africanas não fornece indicações precisas que permitam evocar a existência de uma ciência 256 Metodologia e pré história da África antiga ou de uma reflexão sistemática sobre tais parentescos ao contrário do que se pode notar em outras áreas como por exemplo na ciência etimológica na própria análise da língua ou ainda nos fenômenos lexicais O mestre da palavra e da eloquência peul bantu ou wolof possui em geral um interesse muito consciente e uma boa informação sobre a origem das palavras O historiador de Cayor por exemplo terá prazer em descobrir as palavras emprestadas ou decompor um vocábulo para revelar sua origem Barjal diz o guardião da tradição de Cayor vem de Baar e Jall E explica ao mesmo tempo a contração formal sofrida pelos componentes do termo o contexto e o sentido da palavra Em um artigo de A Tall 4 há alguns exemplos desse tipo de trabalho feito por etimologistas tradicionais entre os Mossi e os Gurmanche O início da ciência classificatória em linguística ocorre com S Koelle Bleek e a pesquisa europeia Esta inaugura a no século XIX com os trabalhos dos comparatistas indo europeus de quem os pesquisadores da linguística africana foram discípulos W H Bleek5 foi um dos primeiros que se propôs a estabelecer o parentesco das línguas bantu precedendo nessa área autores como Meinhof ou H Johnston A contribuição de Delafosse6 às línguas africanas do oeste é bem conhecida O mesmo pode ser dito sobre os trabalhos de C R Lepsius7 A N Tucker8 e G W Murray9 para as línguas nilóticas e de Basset para as línguas berberes O estudo do egípcio antigo essencial à pesquisa negro africana o das línguas semíticas ou indo europeias da África do Norte e até mesmo o de línguas púnicas e greco latinas tiveram também notável valor Como enfatiza J H Greenberg10 autor da classificação das línguas africanas mais recente e atualmente mais discutida os trabalhos modernos de maior interesse para o continente como um todo são os de Drexel11 e Meinhof12 Mas 4 Cf Tradition Orale Centre Régional de Documentation pour la Tradition Orale de Niamey 1972 5 BLEEK W H I 1862 1869 6 DELAFOSSE M In MEILLET A e COHEN 1924 HOMBURGER L 1941 Dentre os autores que propuseram classificações devemos citar A WERNER 1925 e 1930 7 LEPSIUS C R 1888 8 TUCKER A N 1940 9 MURRAY G W v 44 10 GREENBERG J H 1957 Principalmente a análise crítica feita em Nilotic hamitic semito hamitic In Africa 1958 e também The Languages of Africa The Hague 1963 11 Cf GREENBERG J H 12 MEINHOF C 1904 1906 1912 e 1932 257 História e linguística estes não são os primeiros nem os únicos Koelle13 a partir de 1854 e Migeod14 em 1911 propuseram métodos e modos de classificação enquanto Bauman e Westermann15 apresentaram em 1940 um sistema interessante sobre o mesmo tema Entretanto esses trabalhos continuam discutíveis e discutidos por muitas razões A primeira é que a linguística da África não escapou à ideologia etnocentrista Sob esse aspecto as críticas recentes do próprio J H Greenberg concordam perfeitamente com as que Cheikh Anta Diop exprimia há 20 anos em Nations Nègres et Cultures e que T Obenga retomou acrescentando lhes novas informações em sua conferência no Festival de Lagos em 1977 A segunda razão é de ordem puramente científica Quase todos os linguistas consideram prematuras as tentativas de classificação Não são tomadas as precauções metodológicas indispensáveis e ainda não se reuniu material devidamente analisado e preparado para uma comparação genética ou mesmo tipológica das línguas africanas Insuficiência dos trabalhos Até mesmo a simples enumeração das línguas africanas encontra obstáculos já que o levantamento desses idiomas ainda não atingiu resultados muito precisos Estima se que existam no continente de 1300 a 1500 idiomas classificados como línguas As monografias existentes sobre tais falares resumem se às vezes à coleta de uma vintena de palavras mais ou menos bem transcritas A ausência de uma análise profunda da estrutura do léxico e da possível intercompreensão é um fato corrente no estudo da imensa maioria dos falares africanos Assim as classificações propostas periodicamente tornam se caducas muito depressa Diversos falares classificados como línguas são apenas variantes dialetais de um mesmo idioma A partir de testemunhos vagos que apóiam conclusões de autores ou informantes desavisados as variantes foram rapidamente classificadas não apenas como línguas diferentes mas como elementos de famílias diferentes E como afirmar que o bambara é uma língua diferente do mandinga de Casamance ou que o ioruba de Benin é diferente do de Ife Em ambos os casos trata se de variantes Meinhof tornou se conhecido pelos erros dessa gravidade que cometeu no estudo das línguas de Kordofan 13 KOELLE S W 1854 14 MIGEOD F W 1911 15 BAUMAN H e WESTERMANN D 1962 258 Metodologia e pré história da África É certo que alguns progressos se verificaram recentemente Contudo não existe contexto favorável a um trabalho de síntese rigoroso De fato não é possível classificar línguas que ainda não foram identificadas com exatidão e analisadas precisamente Alguns exemplos concretos ilustram a amplidão das controvérsias e o grau das incertezas Os dois primeiros referem se aos falares da fronteira geográfica atual entre a família camito semítica e a família negro africana O terceiro refere se ao grupo oeste atlântico ou ainda senegalês guineense Dos trabalhos de C Meinhof 191216 M Delafosse 192417 C Meek 193118 J Lukas 193619 e M Cohen 194720 aos de J H Greenberg em 1948 ou de A Tucker e A Bryan em 196621 e às críticas recentes de T Obenga22 não há perfeita concordância sobre os dados nem sobre o método os componentes dos grupos ou a gênese e a natureza das relações entre os falares O contato e sobretudo a geografia realmente unem de modo indiscutível as línguas faladas do Nilo à bacia do Chade A coexistência milenar do negro africano e do semítico abriga aí um fundo comum de empréstimo mútuo considerável Essas contribuições recíprocas dificultam a separação entre os dados originais e a aquisição exterior O problema é saber em que medida o vocabulário próprio do egípcio antigo do haussa do copta do baguirmiano do sara e das línguas chádicas que pode ser encontrado no berbere e nas línguas semíticas tais como o árabe e o amárico atesta parentesco entre tais idiomas ou simples influência de uns sobre outros As informações sobre o egípcio antigo remontam a 4000 anos e sobre o semítico a 2500 anos O chádico o berbere e o cuxita analisados no mesmo contexto só fornecem informações consistentes nos séculos XIX e XX da Era Cristã Em 1947 M Cohen publica seu Essai Comparatif sur le Vocabulaire et la Phonétique du Chamito Sémitique em que compara o egípcio o berbere o semítico o cuxita e o haussa que evoca esporadicamente Desde 1949 Leslau23 e Hintze24 questionam as conclusões de Cohen e até mesmo seus métodos J H Greenberg 16 MEINHOF C 1912 17 DELAFOSSE M 1924 18 MEEK C 1931 19 LUKAS L 1936 20 COHEN M 1947 GREENBERG J H 1948 Hamito Semitic SJA 64763 21 TUCKER A e BRYAN A 1966 22 OBENGA T 1977 Comunicação no Festival de Lagos 23 LESLAU W 1949 24 HINTZE F 1951 259 História e linguística considerando que é contestado o próprio princípio de um domínio camito semítico aumenta os componentes do grupo sugerindo um quinto elemento distinto o chádico Ele dá ao grupo todo o nome de camítico e depois de afro asiático Essas conclusões são objeto de controvérsia a partir de sua publicação Polotsky25 põe em dúvida que no estágio atual seja possível afirmar a existência de cinco ramificações Note se que Greenberg repete embora de modo não convincente a tese predominantemente geográfica a respeito do chádico e de suas ligações contida em Languages of the World Basta consultar as classificações divergentes de Greenberg Tucker e Bryan constantemente questionadas até pelos próprios autores para ter uma ideia do caráter provisório das conclusões Os trabalhos recentes já dão consistência à noção de uma realidade chádica cujas fronteiras se mostram bem mais distantes que as margens do lago Newman e Ma26 em 1966 e Illie Svityè27 em 1967 aprofundaram o conhecimento do protochadiano Os trabalhos de Y P Caprille28 limitaram sua extensão ao próprio Chade Com base em observações sistemáticas pode se sugerir um laço genético entre o grupo sara o grupo chadiano e várias línguas classificadas como oeste atlânticas seereer pulaar wolof safeen etc29 Em si mesmas essas contribuições lançam dúvidas sobre todos os esforços de classificação destaca C T Hodge num excelente artigo30 O principal problema a natureza das relações entre as línguas da fronteira negro africana e indo europeia ainda não está resolvido O peso dos trabalhos que assimilam o mundo cultural africano ao semítico permanece como problema É verdade que a questão da identidade e dos componentes do negro africano continua a existir Ela é enfatizada no simpósio sobre Le Peuplement de l Egypte Ancienne organizado pela Unesco em 1974 no Cairo Nessa ocasião S Sauneron lembrava para ilustrar tais incertezas que a língua egípcia por exemplo não pode ser isolada de seu contexto africano e que o semítico não pode explicar seu nascimento O cuxita é outro exemplo que ilustra a atual incerteza da pesquisa e das classificações Greenberg Tucker e Bryan e o soviético Dolgopoljskij propõem atualmente três classificações diversas se não contraditórias para o mesmo 25 POLOTSKY H 1964 26 NEWMAN P e MA R Comparative Chadic JWAL 521825 27 SVITYE Illie The History of Chadi Consonantism Cf HODGE C 1968 28 CAPRILLE Y P 1972 29 Cf DIAGNE P 1976 30 HODGE C T 1968 260 Metodologia e pré história da África complexo de línguas chamado cuxita somali galla sidamo mbugu etc A classificação de Dolgopoljskij articula se sobre uma reconstrução de ordem fonológica a partir de exemplos limitados Ele compara particularmente as labiais p b f e as dentais t d das línguas que analisa e classifica numa dezena de subgrupos enquanto seus colegas identificam de três a cinco J H Greenberg por sua vez negligencia os dados fonológicos morfológicos e gramaticais concentrando se principalmente na comparação do vocabulário Mas aqui os empréstimos representam um papel considerável A classificação de A Tucker e A Bryan que fazem críticas ao método de Greenberg baseia se numa comparação do sistema pronominal e da estrutura verbal Eles próprios consideram ambíguos alguns dos idiomas que reagrupam e enfatizam que seu esforço tem o caráter de pura tentativa Pode se constatar que as conclusões adiantadas aqui valem principalmente por seu aspecto provisório Reencontramos as mesmas dificuldades no que diz respeito às línguas geograficamente delimitadas pelo oeste atlântico localizadas na costa que vai do sul da Mauritânia à Serra Leoa Em 1854 Koelle as classifica em seu Polyglotta Africana sob a rubrica oeste atlântico e baseia sua identificação nas mudanças de prefixos ou na inflexão inicial ou final que apresentam Esse é um traço típico do bantu mas não é suficiente para definir um grupo De resto Koelle vai considerar mais tarde o conjunto dessas línguas como não classificadas M Delafosse em 192431 e D Westermann em 1928 afirmam que se trata de um grupo genético Em 1963 Greenberg32 adota o mesmo ponto de vista considerando as o grupo mais ocidental da família níger congo No mesmo ano contudo Wilson33 e D A Dalby34 embora notando as semelhanças tipológicas no interior do conjunto negam qualquer possibilidade de o encarar como um grupo linguístico homogêneo e aparentado Em detalhes de morfologia sintaxe e vocabulário escreve Wilson o grupo oeste atlântico ou senegalês guineense está longe de representar uma unidade De fato os trabalhos recentes publicados em 1974 por D Sapir35 mostram que não há mais de 5 a 10 de vocabulário comum entre a grande maioria dessas línguas parecendo ser a geografia o único fator que as unifica na maior parte dos casos 31 DELAFOSSE M 1924 32 GREENBERG J H 1963 33 WILSON W 1966 34 DALBY D A 1965 35 SAPIR D 1974 261 História e linguística como foi dito antes O processo de migração misturou aqui como na área nilo chádica povos de origens diferentes o parentesco entre eles é estabelecido talvez depressa demais na ausência de informações mais precisas que esclareçam a história e o historiador É nesse plano aliás que são amplos os atuais limites da linguística como instrumento de investigação histórica O pesquisador se confronta aqui com o duplo obstáculo mencionado acima A pesquisa não atingiu seus objetivos porque se conserva parcial e embrionária Além disso seus resultados provisórios são frequentemente inexploráveis porque falsificados pela ideologia e por perspectivas deformantes A ideologia deformante A história é por excelência o lugar da ideologia Os primeiros trabalhos sobre as línguas e o passado da África coincidiram com a expansão colonial europeia Assim foram fortemente marcados pelas visões hegemonistas da época O discurso etnocentrista exprime a preocupação instintiva de julgar valores de civilizações com referência a si mesmo Ele levou à apropriação dos fatos de civilização mais marcantes para legitimar se como pensamento e poder dominantes no mundo As teses sobre a primazia do indo europeu do ariano ou do branco civilizadores testemunham um excesso cujos ecos profundos são encontrados ainda hoje em muitas obras de história e de linguística da África36 É por isso que o Egito foi por muito tempo colocado entre parênteses com relação ao resto do continente Com base em especulações feitas ao acaso continua se às vezes a atribuir lhe menos idade em benefício da Mesopotâmia ou de outros centros supostamente indo europeus ou semitas Frequentemente foram procurados imaginários iniciadores da arte do Benin Montou se uma teoria camítica37 peça por peça com a finalidade de explicar através de influências externas qualquer fenômeno cultural positivo na África negra 36 Ver adiante J H GREENBERG sobre essa questão 37 As palavras camita e camítico foram largamente utilizadas no mundo ocidental durante vários séculos tanto no vocabulário erudito como no cotidiano Procedem de leituras deformantes e tendenciosas da Bíblia das quais se originou o mito da maldição dos descendentes negros de Cã Esses termos adquiriram uma significação aparentemente menos negativa pelo menos sem conotação religiosa graças à pesquisa de linguistas e etnólogos no século XIX mas nem por isso deixaram de funcionar como critério de discriminação entre certos negros considerados superiores e os outros Em todo caso o comitê científico internacional estimula os estudos críticos em andamento que tratam dos usos históricos desse vocabulário que só deve ser utilizado com reservas expressas 262 Metodologia e pré história da África Procurando promover uma metodologia rigorosa e científica J H Greenberg cuja contribuição embora discutível em parte ainda continua nova e importante torna se algumas vezes eco desse impacto negativo da ideologia etnocentrista Seligman Meinhof e depois deles autores importantes como Delafosse Bauman Westermann ou Müller desenvolvem argumentos de uma fragilidade científica consternadora pois baseiam se em preconceitos do tipo que Meinhof exprime na seguinte fórmula No curso da história repete se constantemente o fato de que os povos camitas têm subjugado e governado os povos de pele negra Essas constatações fundamentam a prudência com que deve ser utilizado o material que os trabalhos linguísticos oferecem aos historiadores ou aos especialistas das ciências humanas em geral Segundo Greenberg o emprego vago do termo camita como categoria linguística e sua utilização na classificação das raças para designar um tipo considerado fundamentalmente cauca sóide conduziram a uma teoria racial Ela vê na maioria das populações originárias da África negra o resultado de uma mistura entre camitas e negros Assim a denominação de povos de língua nilo camítica refere se à obra de C G Seligman Races of Africa Esses povos são considerados racialmente meio camitas Os Bantu constituiriam também uma outra variedade de negros camitizados E isso comenta ainda Greenberg Tomando por base as especulações de Meinhof para as quais aliás ele nunca forneceu a menor prova pela simples razão de que não há prova possível para que o bantu como diz Seligman seja uma língua mista e o homem bantu por assim dizer descendente de pai camita e mãe negra De fato conclui J H Greenberg essa ideologia falseia totalmente ainda hoje a elaboração de uma ciência linguística capaz de esclarecer as verdadeiras relações entre línguas e civilizações na África A migração dos povos africanos no sentido leste oeste e norte sul tornou confuso o quadro étnico racial e linguístico do continente Isso é indicado como se pode ver em muitos trabalhos pelos nomes de pessoas e lugares e pelos fatos de linguística pura relativos ao próprio vocabulário essencial As línguas do Senegal como o wolof o diula o fulfulde ou o seereer atestam semelhanças mais profundas com as línguas bantu da África do Sul da Tanzânia de Camarões e do Zaire do que com as línguas da família mandinga no interior das quais são geograficamente inseridas O léxico a estrutura e mesmo os princípios da escrita egípcia antiga como veremos mais tarde estão mais próximos da realidade 263 História e linguística de línguas como o wolof e o haussa ou da tradição gráfica daomeana que das estruturas linguísticas semíticas ou indo europeias às quais são anexadas sem critério A antiga língua egípcia o haussa as línguas dos pastores ruandenses dos abissínios dos Peul e dos núbios são naturalizadas semitas ou indo europeias sobre bases de evidente fragilidade ou a partir de uma metodologia e de uma escolha de critérios muito pouco convincentes Os Peul talvez sejam mestiços do mesmo modo que os Baluba os Susu os Songhai e muitos povos negros que mantiveram em seu habitat antigo ou atual contatos com populações brancas Essa hipótese de mestiçagem contudo é hoje bastante questionada a partir de descobertas recentes a respeito dos processos de mutação da pigmentação Por sua fonologia seu léxico e sua estrutura o fulfulde apresenta semelhanças com o seereer mais do que com qualquer outra língua conhecida a tal ponto que os próprios Seereer e Peul sugerem haver entre eles um parentesco não apenas linguístico mas também étnico Isso não impediu pesquisadores como F Müller W Jeffreys Meinhof Delafosse e Westermann de tentar estabelecer uma origem branca para os Peul afirmando que o fulfulde é protocamítico38 W Taylor chega mesmo a escrever Pela riqueza de seu vocabulário a sonoridade de sua dicção e as delicadas nuances de significação que é capaz de expressar o peul não pode pertencer à família negra sudanesa Todas essas observações nos mostram até que ponto está generalizada a confusão entre categorias tão diferentes como a língua o modo de vida e a raça sem contar o conceito de etnia que é utilizado conforme o caso com referência a uma ou várias dessas categorias Como nota J H Greenberg a relação simplista estabelecida entre gado grosso conquista e língua camítica se mostra falsa em todo o continente africano Escreve ele No Sudão ocidental é uma ironia constatar que os agricultores de línguas camíticas estão submetidos à autoridade dos pastores peul que falam uma língua sudanesa ocidental ou níger congo Teria sido outra ironia se seguíssemos os clichês estabelecidos constatar a antiguidade e a permanência das hegemonias mandinga ou wolof de família linguística sudanesa sobre povos tão rapidamente assimilados ao camítico como os assim chamados Peul pré camíticos ou os Berberes Nenhuma das classificações estabelecidas no plano continental ou regional oferece até agora garantias científicas inquestionáveis O etnocentrismo tem 38 GREENBERG J H Op cit 264 Metodologia e pré história da África contribuído bastante para distorcer a análise do material Em muitos casos só nos restam conjecturas petições de princípio e abordagens superficiais Há um certo número de condições necessárias para o estudo das línguas africanas de acordo com princípios estritamente científicos que ajudem a esclarecer a história dos povos e civilizações do continente Em primeiro lugar esse trabalho deve estar livre das obsessões de um pré julgamento a partir do semita ou do indo europeu ou seja a partir do passado histórico do homem europeu Além disso para estabelecer o parentesco entre as línguas africanas será necessário fazer referência ao material linguístico antigo e não aos dados geográficos atuais às influências antigas ou tardias aos esquemas explicativos escolhidos a priori ou aos traços linguísticos marginais em relação aos fatos dominantes dos sistemas Ciências auxiliares A análise aculturalista A análise aculturalista ou topológica39 na terminologia inglesa releva uma ciência que tem por objeto o estudo da origem e dos processos de difusão dos traços culturais ideias técnicas etc Os pesquisadores alemães foram os primeiros a aplicar esse método na prática com o estudo dos ciclos culturais de Frobenius Westermann Baumann etc Esses estudos muitas vezes tomaram por objeto a difusão das técnicas e produções agrícolas os métodos pastoris a invenção e a difusão das técnicas de trabalho com o ferro e outros metais o uso do cavalo e a elaboração de noções ontológicas do panteão dos deuses ou das formas artísticas Entretanto a topologia muitas vezes foi além de seu domínio Particularmente introduziu muitos erros no âmbito da ciência classificatória Com efeito vários autores incautos pensaram poder inferir um parentesco linguístico a partir de uma simples constatação de traços culturais quando esses fatos geralmente se devem a fenômenos de empréstimo contato ou convergência A ciência onomástica Onomástica é a ciência dos nomes de lugares topônimos de pessoas antropônimos ou de cursos de água hidrônimos 39 GUTHRIE M 1969 265 História e linguística A onomástica está intimamente relacionada ao léxico das línguas As comunidades étnicas que se têm mantido relativamente homogêneas por um período de tempo assim como os grupos etnolinguísticos mais heterogêneos mas que falam um idioma comum criam seus nomes principalmente em referência às realidades de suas línguas Eles povoam o universo territorial e geográfico que lhes serviu ou serve de habitat com nomes que constroem nas mesmas perspectivas Assim seguindo a pista dos nomes de pessoas identificam se ao mesmo tempo os elementos étnicos que constituem uma comunidade Em geral os Seereer são chamados Jonn Juuf Seen etc os Peul Sow Jallo Ba Ka etc os Mandinga Keita Touré Jara etc Os Berberes e os Bantu têm famílias de nomes que lhes são próprios A antroponímia desempenha um papel importante no estudo da história das etnias e das comunidades políticas ou culturais O estudo dos nomes em uso entre os Tuculero do Senegal mostra por exemplo que estamos diante de uma comunidade etnolinguística bastante heterogênea Entretanto do ponto de vista cultural esse grupo de fala fulfulde que se fixou no Senegal ao longo do rio na fronteira entre o Mali e a Mauritânia é muito homogêneo Daí um sentimento nacional bem desenvolvido De fato a comunidade forjou se a partir de elementos peul cuja língua se impôs mandinga seereer lebu wolof e berberes A toponímia e a hidronímia constituem também ciências indispensáveis ao estudo das migrações dos povos A partir dos nomes de cidades desaparecidas ou que ainda existem podem se elaborar mapas precisos mostrando os movimentos dos Mandinga cujas cidades têm nomes que foram compostos a partir de Dugu Da mesma maneira pode se estabelecer o mapa toponímico dos habitat antigos ou atuais dos Peul que usam o termo Saare para nomear seus povoados dos Wolof que usam o termo Kër dos árabe berberes que utilizam o termo Daaru dos Haussa e assim por diante Antropologia semântica A antropologia semântica ou etnolinguística constitui uma nova abordagem que tenta revelar a cultura do homem através de sua língua Baseia se numa análise global do conjunto de dados fornecidos pela língua de uma etnia ou de uma comunidade heterogênea que tem um falar comum para evidenciar ao mesmo tempo sua cultura seu pensamento e sua história O método vai além da mera coleta de tradições e literaturas escritas ou orais Implica o recurso a uma reconstrução da totalidade das ideias que uma língua 266 Metodologia e pré história da África traz consigo e que não depende necessariamente de uma obra ou de um discurso sistemático Nesse plano a pesquisa opera nos níveis infra e supralinguístico Decifra a partir do vocabulário e da divisão do pensamento os processos de formalização conceptualização e estruturação de uma língua as diferentes formas de conhecimento dentro das quais se cristalizam a visão de mundo e a história própria à comunidade que pratica um certo falar A etnolinguística acaba por revelar sistemas concepção metafísica ética ontologia estética lógica religião técnicas etc Assim a literatura escrita ou oral sobre o passado dos Haussa com seus documentos religiosos fábulas e práticas jurídicas médicas metalúrgicas e educacionais fornece indicações não apenas sobre a evolução do conteúdo do pensamento dos Haussa mas também sobre sua história e sua cultura Nas civilizações predominantemente orais em que os textos de referência são raros a interpretação diacrônica baseada na comparação de textos de épocas diferentes praticamente não existe A linguística torna se então um meio privilegiado de redescobrir o patrimônio intelectual uma escala para retroceder no tempo As culturas de expressão oral localizadas pela antropologia semântica apresentam não apenas obras a serem coletadas e registradas mas também autores e as respectivas áreas de especialização Toda cultura africana oral ou escrita deixou como a dos Wolof seu filósofo como Ndaamal Gosaas seu politicólogo como Saa Basi ou Koco Barma seu mestre da palavra e da eloquência seu mestre da epopeia ou do conto como Ibn Mbeng40 mas também seus inventores de técnicas em matéria de farmacopeia medicina agricultura ou astronomia41 Esses trabalhos e seus autores constituem excelentes fontes de análise do dinamismo evolutivo da cultura numa sociedade sob suas diversas formas A ontologia bantu pode ser decifrada e até mesmo interpretada e sistematizada por referência aos vocábulos bantu sobre o estar no mundo a partir do trabalho de elaboração e conceptualização que através das palavras e enunciados do bantu dá forma às concepções que essa língua tem acerca de tais fenômenos 40 Todos célebres personagens históricos da cultura wolof 41 As obras de S JOHNSTON sobre os Ioruba de TEMPELS sobre os Bantu de M GRIAULE sobre os Dogon de TRAORE sobre medicina africana de M GUTHRIE sobre a metalurgia etc constituem com os clássicos literários registrados importantes contribuições à antropologia semântica Cf DIAGNE P 1972 267 História e linguística Como a língua é o lugar de cristalização de todos os instrumentos mentais ou materiais construídos pelas gerações sucessivas pode se dizer que a experiência histórica de um povo está depositada em camadas consecutivas no próprio tecido da língua Suporte do documento e do pensamento histórico A importância da tradição oral na história da África é hoje aceita por todos Chega se mesmo a solicitar a presença de griots tradicionalistas nos congressos Há sugestões para que lhes sejam criadas cadeiras nas universidades e mesmo para que eles se incumbam da pesquisa e do ensino de história De modo geral a primazia da fala sobre a escrita é ainda hoje uma realidade em culturas tradicionais com predominância rural tanto na África como em outros lugares A oralidade como meio de elaborar e fixar os produtos do pensamento tem suas próprias técnicas Embora as formas de pensamento escritas ou orais abranjam a mesma área os meios e os métodos de sua concepção e transmissão nem sempre são os mesmos42 Devemos notar simplesmente que o pensamento escrito ou seja a literatura no sentido etimológico ao se fixar tende com mais facilidade a cristalizar se sob uma forma permanente Desse modo rompe com uma tradição verbal que oferece um campo mais vasto à invenção e à criação de mitos No nível da linguagem a palavra falada tem também um potencial maior de dialetização porque há menos controle de seu desenvolvimento Uma língua de expressão predominantemente oral permanece mais popular mais sensível às distorções impostas pela prática no plano de sua estrutura dos sons que utiliza e até mesmo das formas que toma de empréstimo Uma língua literária ao contrário é mais trabalhada no sentido da unificação Aliás apresenta maior dimensão visual e integra como elementos expressivos dados gráficos que lhe conferem certa especificidade ortografia em ruptura com a fonologia pontuação etc Já a linguagem oral utiliza mais o elemento sonoro Transmite significação através da cadência dos ritmos das assonâncias ou dissonâncias das evidências do discurso A importância do papel desempenhado pela memória para suprir a ausência de um suporte gráfico também afeta o caráter da oralidade em suas formas de expressão Chega mesmo a ser imprescindível com as técnicas de memorização uma ciência específica 42 Cf DIAGNE P 1972 268 Metodologia e pré história da África para a retenção de textos Assim o documento escrito e a tradição oral passam a ser complementares conjugando suas respectivas qualidades43 Além disso os relatos orais uma vez transcritos tornam se textos literários44 Tradição gráfica as escritas africanas A invenção da escrita atende a necessidades cuja natureza e origem conforme os contextos nem sempre se soube evidenciar A escrita instrumento do comércio e da administração sustenta normalmente as civilizações urbanas mas as motivações iniciais podem variar notavelmente Na África tanto na época dos faraós como durante o reinado dos soberanos do Daomé ou dos Mansa Mandinga o uso da escrita atendeu principalmente a necessidades de ordem não material A escrita egípcia a dos baixos relevos daomeanos e ainda os ideogramas bambara ou dogon tiveram em seu contexto original uma dupla função primeiramente materializar o pensamento e através disso realizar uma ação de caráter religioso ou sagrado A escrita egípcia inventada segundo a lenda pelo deus Thot ficou por muito tempo confinada sobretudo nos templos nas mãos dos sacerdotes encerrava segredos e servia como instrumento de ação para um pensamento percebido como substância agente e materializável em forma de verbo ou de grafia A segunda grande função atribuída à escrita nas civilizações africanas coincide com a necessidade de perpetuação histórica A escrita egípcia como a dos palácios de Abomey é uma glorificação de soberanos e de povos preocupados em deixar atrás de si a lembrança de seus grandes feitos Os Bambara ou os Dogon ao inscreverem seus signos ideográficos nas muralhas de Bandiagara visam ao mesmo objetivo Entre a Récade do rei Glélé machado de cerimônia que traz em si uma mensagem e a Palette de Narmer há mais do que simples afinidades Não apenas o espírito é o mesmo mas também os princípios e as técnicas de escrita45 A escrita egípcia é atribuída ao deus Thot que também é o inventor da magia e das ciências a exemplo do deus com cabeça de chacal dos Dogon ele próprio depositário do verbo do conhecimento e da fala eficaz 43 Cf DIAGNE P Op cit 44 Cf as numerosas publicações a esse respeito trabalhos de A HAMPATÉ BÂ A Ibrahim SOW MUFUTA E de DAMPIERRE K MOEENE F LACROIX M GRIAULE G DIETERLEN WHITLEY E NORRIS L KESTELOOT D T NIANE M DIABATE J MBITI etc Estes autores publicaram obras clássicas sobre o assunto nas coleções de Oxford Julliard Gallimard no Centro de Niamey etc 45 GLÉLÉ M 1974 269 História e linguística Os raros especialistas que se debruçaram frequentemente com notável minúcia sobre os sistemas de escrita originários da África em geral não se interessaram pelo vínculo aparentemente óbvio e tecnicamente demonstrável entre os hieróglifos e as escritas mais conhecidas na África negra O hieróglifo egípcio permaneceu fundamentalmente pictográfico em sua função original de instrumento dos templos e como seu homólogo daomeano faz referência à imagem tanto quanto possível Trata se de uma escrita voluntariamente realista preocupada em materializar os seres os objetos e as ideias o que faz da maneira mais concreta e substancial em parte para restituir lhes ou conservar suas qualidades naturais Não é por acaso que a deformação da escrita pictográfica pelo uso do cursivo que altera e desfigura os elementos representados só é permitida fora dos templos A escrita hierática usada sobretudo com finalidades laicas ao contrário do que sugere a etimologia grega da palavra e o demótico popular ainda mais simplificado em seu traçado são as grafias não sagradas e utilitárias No espírito do sacerdote egípcio o hieróglifo encerra um poder mágico de evocação como tão bem demonstra M Cohen Em sua opinião isso explica o fato de que as representações de seres nefastos são evitadas ou mutiladas Aqui estamos diante de uma concepção ontológica que se enraíza e mergulha profundamente na tradição negro africana Por milhares de anos essa tradição não foi capaz de dessacralizar como o fizeram os indo europeus particularmente os gregos o pensamento e seus suportes orais e gráficos Os Bambara os Ioruba os Nsibidi e os sacerdotes dogon têm uma visão idêntica dos sistemas gráficos que utilizam em seus templos ou em suas sessões de adivinhação A unidade das grafias inventadas na África não reside apenas nos pressupostos ideológicos que conferem a esses sistemas suas funções e sua natureza mas também na própria técnica de transcrição Encontra se na história das escritas africanas uma referência constante a três técnicas de fixação gráfica do pensamento o recurso à imagem do ser ou do objeto copiada através de pictogramas o recurso ao símbolo para representar uma realidade através de ideogramas que são signos sem relação imediata de semelhança física com a noção que simbolizam finalmente o uso do fonograma para representar todos os homófonos ou seja todas as realidades designadas pelo mesmo som ou grupo de sons é o princípio da escrita pictofonográfica A comparação entre a Palette de Narmer e as Récades de Glélé ou de Dakodonu é reveladora Elas transcrevem o discurso segundo os mesmos princípios Na Palette de Narmer temos a imagem de um rei Ele segura pelos cabelos um inimigo vencido e o golpeia enquanto o exército derrotado foge sob 270 Metodologia e pré história da África os pés do gigantesco faraó Os pictogramas são claros e eloquentes Os outros signos são ideogramas Distingue se um ta oval simbolizando a terra Em cima há um grupo de signos e um quadrado para emoldurar o nome do faraó Horus Um peixe e um pássaro formam o nome faraó Essas duas imagens são pictofonogramas A Récade de Gezo mostra o soberano do Daomé sob a forma de um búfalo assim como o faraó é simbolizado por um falcão que mostra os dentes significando o terror que semeia entre seus inimigos Trata se neste caso de uma aproximação simbólica Mas há outros mais importantes A Récade do rei Dakodonu ou Dokodunu mais antiga 1625 1650 e descrita por Le Hérissé mostra com mais clareza ainda o princípio do hieróglifo daomeano O texto da lâmina do machado pode ser lido da seguinte maneira há um símbolo pictográfico que representa um sílex da e embaixo o desenho da terra ko com um furo no meio donon Esses signos são pictogramas utilizados aqui como pictofonogramas Juntando os como no caso do nome do faraó na Palette de Narmer pode se ler o nome do rei daomeano Dakodonu A escrita daomeana assemelha se aos hieróglifos faraônicos em seus próprios princípios e em seu espírito revelando as três técnicas usadas pela grafia egípcia a imagem pictográfica o símbolo ideográfico e o signo pictofonográfico46 Num notável artigo de síntese o soviético Dmitri A Olderogge aponta como já o tinha feito Cheikh Anta Diop o fato de que o sistema hieroglífico sobreviveu na África negra até uma época tardia Em sua Description Historique des Trois Royaumes du Congo du Matamba et de lAngola publicada em 1687 Gavassi de Motocculuo afirma que a escrita hieroglífica era utilizada nessas regiões Em 1896 foi descoberta uma inscrição hieroglífica nos rochedos de Tete em Moçambique ao longo do rio Zambeze cujo texto foi publicado na época Cheikh Anta Diop nota em outro trabalho o uso de uma grafia pictográfica tardia no Baol onde recentemente foram descobertos traçados hieroglíficos em baobás muito antigos Os Vai da Libéria utilizaram durante muito tempo uma escrita pictográfica em tiras de casca de árvores A escrita meroítica que nasceu na periferia meridional do Egito antigo dá continuação à escrita faraônica na qual se inspirava a menos que a tenha originado ou que partilhe com ela a mesma origem 46 Ver capítulo 4 271 História e linguística figura 101 Estela do rei serpente Foto Museu do Louvre 272 Metodologia e pré história da África Figura 102 Récade representando uma cabaça símbolo de poder Foto Nubia Figura 103 Récade dedicada a Dakodonu Foto Nubia Figura 104 Leão semeando o terror Foto M A Glélé Nubia 273 História e linguística Pictogramas egípcios por volta de 4000 antes da Era Cristã Pictogramas nsibidi34 A27 F32 I1 I14 N3 N11 homem correndo com um braço estendido inw men sageiro ventre de mamífero ht ven tre corpo lagarto s 3 numeroso rico verme ou serpente h f w verme d d f t sol brilhando wbn aparecer lua crescente i h lua DAYRELL107 homem cor rendo com um braço estendido MACGREGOR p 212 um mensageiro DAYRELL127 símbolo que contém um peixe TALBOT51 lagarto MACGREGOR p 212 serpente DAYRELL104 serpente muito longa uruk ikot cobra em Efik e shaw em Uyanga TALBOT35 sol brilhando utinn sol em Efik e duawng em Uyanga TALBOT34 lua crescente ebi lua em Uyanga Figura 105 Pictogramas egípcios e nsibidi extraído de LAfrique dans lAntiquité a nota 34 remete a J K MACGREGOR 1909 E DAYRELL 1911 TALBOT 1923 Figura 106 Palette de Narmer extraído de C A DIOP 1955 Quanto aos signos nsibidi cf principalmente J K MACGREGOR Op cit p 215 217 e 219 os sig nos são numerados de 1 a 98 E DAYRELL Op cit pranchas LXVLXVII ao todo 363 signos P A TALBOT Op cit Apêndice G Nsibidi signs p 44861 77 signos e 8 textos 274 Metodologia e pré história da África Figura 107 Amostras de várias escritas africanas antigas extraído de D DALBY 1970 p 110 11 As escritas bagam e guro nenhum registro disponível a escrita sagrada ioruba e a escrita gola ambas indecifradas são excluídas deste quadro 275 História e linguística Figura 108 Primeira página do principal capítulo do Alcorão em vai extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 276 Metodologia e pré história da África Figura 109 Sistema gráfico vai extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 História e lingüística 277 278 Metodologia e pré história da África Palavra Mum Significação Signo coletado em 1900 Clapot Signo coletado em 1907 Göhring Pé Noz de cola Fom rei Ntab casa Nyad boi Figura 1010 Sistema gráfico mum extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 Figura 1011 Sistema pictográfico Figura 1012 Sistema ideográfico e fonético silábico pwen ou pourin as pessoas ngou ou ngwémé país ndya hoje nsyé a terra you yoū comida poū nós né e gbèt fazer mè mim fa dar pwam ou mbwèm admirar sílaba ba de iba que significa dois ben de ben dança tipo de bê de byèt circuncidar ou de byê segurar cha de ncha peixe 279 História e linguística Os sistemas de escrita ideográfica contudo parecem ter resistido melhor que os hieróglifos em solo negro africano ocidental Na prática a grande maioria dos povos negros da África está familiarizada com o ideograma seja através das técnicas divinatórias seja pelo uso que delas fizeram os sacerdotes do culto os gravadores de obras de arte etc A geomancia dos Gurmanche é muito elaborada O tambipwalo geomante desenha signos na areia e os interpreta Depois administra uma espécie de receita que consiste em signos gravados a faca num pedaço de cabaça Esses signos abstratos designam os altares os lugares aos quais é preciso ir para realizar os sacrifícios o tipo de animal que deve ser imolado quantas vezes e assim por diante Trata se de fato de uma escrita codificada A adivinhação através dos signos do Fa também apresenta uma riqueza admirável O adivinho joga nozes de palma de uma mão para outra oito vezes e de acordo com o número de nozes que ficam em sua mão esquerda a cada vez faz uma inscrição no solo ou numa bandeja polvilhada com areia São assim formados os quadros há 256 possíveis dos quais os 16 mais importantes são os du que constituem os fios ou as palavras dos deuses governados por Fa o destino Todos devem cultuar o seu du mas ao mesmo tempo ter em conta os de seus parentes e ancestrais os de sua região e assim por diante Como existe uma quantidade enorme de arranjos os du são combinados num tipo de estratégia mitológica que é também uma técnica grafológica Pratica se a adivinhação do Fa em toda a costa do Benin A coleta dos sistemas ideográficos47 foi abundante principalmente nos países de savana que mantiveram suas tradições e não foram muito afetados pela islamização Não é por acaso que isso ocorre Os especialistas dentre os quais F W Migeod foi um dos primeiros a revelarem alguns desses sistemas A escrita ideográfica dogon foi apresentada por M Griaule e G Dieterlen responsáveis pela análise do sistema bambara e por uma boa síntese das grafias da região A ideografia nsibidi usada entre os Ibo do sul da Nigéria foi descoberta pelos europeus no fim do século passado Baseia se em princípios de transcrição largamente difundidos em toda a costa da Guiné As escritas fonéticas48 sistematizam o uso de fonogramas representando sons simples ou complexos através de signos regulares em nossa opinião o 47 Cf BOUAH Niangoran Recherches sur les poids à peser lor chez les Akan Tese de doutoramento PhD defendida em 1972 48 D A DALBY propõe a esse respeito uma atualização interessante em Language and History in Africa Londres 1970 280 Metodologia e pré história da África aparecimento de tais escritas na África resulta de uma evolução tardia Os hieróglifos do antigo Egito como os do Daomé representam muitos sons através de signos Mas os sistemas puramente fonéticos baseados na palavra na sílaba ou no fonema simples transcrição alfabética marcam uma nova etapa49 A escrita berbere usada entre os Tuaregue do Saara e conhecida também pelo nome de tifinar poderia ter se desenvolvido sob influência púnica pelo contato com Cartago O sistema de escrita núbio formou se no século X através do contato com a grafia copta que por sua vez nasceu sob a influência grega A grafia etíope de Tigrina e de Amhara é derivada da escrita sabeana da Arábia meridional As escritas silábicas e alfabéticas da África ocidental muito difundidas desde o fim do século XVIlI nas costas da Guiné e nas regiões sudanesas podem ter nascido de uma evolução interna ou ter tomado sua forma definitiva sob a influência mais ou menos distante de uma contribuição externa de origem árabe ou europeia50 A escrita vai divulgada na Europa em 1834 graças aos trabalhos do americano Eric Bates e aos de Koelle em 1849 desenvolveu se numa área onde foram descobertos traçados do sistema hieroglífico Momolu Masakwa cônsul da Libéria na Inglaterra no século XIX descreveu os princípios do sistema hieroglífico usado naquela época em sua região51 De acordo com os informes de Momolu para expressar a vitória sobre o inimigo os Vai desenham numa casca de árvore que lhes serve de papiro a silhueta de um homem correndo com as mãos na cabeça Ao lado da imagem do fugitivo junta se um ponto para indicar que se trata de um grande número de fugitivos de um exército derrotado Nessa utilização do ponto para denotar o plural em lugar dos traços empregados no antigo vale do Nilo encontramos elementos da escrita faraônica Assim os Vai conseguiram alterar seu antigo sistema no sentido de uma transcrição fonética Hoje existem modelos análogos à escrita vai entre muitos povos da Africa ocidental Malinke Mande Basa Guerze Kpele Toma etc Os Wolof e os Seereer também adotaram recentemente uma grafia inspirada nesses princípios 49 HAU E 1959 50 As grafias sudanesas associam pictogramas imagens realistas a ideogramas signos e significações simbólicas Cf GRIAULE M e DIETERLEN G A combinação desses signos permite a transcrição e a fixação de um discurso decifrável pelo iniciado na escrita e no saber que ela contém 51 Cf o excelente artigo de síntese de D OLDEROGGE Ecritures méconnues de lAfrique noire In Courrier de lUnesco março de 1966 281 História e linguística Ao contrário do que em geral se acredita a existência da escrita é um elemento permanente na história e no pensamento africanos da Palette de Narmer à Récade de Glélé A abundância de sistemas gráficos e de evidências de seu uso comprova esse fato Por diversas razões as escritas africanas pós faraônicas seguiram um curso normal de evolução Esse curso simplesmente se adaptou ao contexto e às exigências da história de uma sociedade e de uma economia rurais de autossuficiência Os membros dessa sociedade não foram impelidos a consolidar em sua época suas conquistas materiais ou intelectuais já que estas não estavam permanentemente ameaçadas Um bom equilíbrio ecológico uma proporção adequada entre recursos e população assegurou durante muito tempo à maior parte das civilizações africanas e a seus fatos culturais o poder de ampliar se e retrair se formalmente no espaço conservando apenas o essencial seus princípios No plano do equilíbrio interno o risco não era muito grande Mas em face do exterior e do acúmulo do progresso essa fragilidade era prejudicial Conclusão A linguística é indispensável à elaboração de uma ciência histórica africana Contudo só chegará a desempenhar tal papel se for empreendido um grande esforço em sua área de pesquisa Até agora sua contribuição foi pequena e muitas vezes bastante insegura no plano científico Pesquisas ainda estão em andamento Os métodos ganharam maior precisão e o campo de investigação ampliou se notavelmente Nesse contexto podemos esperar que a análise das línguas africanas contribua num futuro próximo para elucidar aspectos importantes da história do continente C A P Í T U L O 1 0 283 Teorias relativas às raças e história da África O conceito de raça é um dos mais difíceis de definir cientificamente Se admitirmos como a maioria dos especialistas posteriores a Darwin que a espécie humana pertence a um único tronco1 a teoria das raças só pode ser desenvolvida cientificamente dentro do contexto do evolucionismo Com efeito a raciação se inscreve no processo geral da evolução diversificadora Como observa J Ruffie ela requer duas condições em primeiro lugar o isolamento sexual frequentemente relativo que provoca pouco a pouco uma paisagem genética e morfológica singular A raciação portanto baseia se num estoque gênico diferente causado quer por oscilação genética o acaso na transmissão dos genes faz com que um deles se transmita com mais frequência que outro ou ao contrário que seu alelo seja o mais largamente difundido quer por seleção natural Esta conduz a uma diversificação adaptativa graças à qual um grupo tende a conservar o equipamento genético que o adapte melhor a um certo meio Na África ambos os processos devem ter ocorrido De fato a oscilação genética que se exprime ao máximo em pequenos grupos operou em etnias restritas submetidas a um processo social de cissiparidade por ocasião das disputas de sucessão ou de terras e em virtude das grandes áreas virgens disponíveis Esse processo marcou particularmente o patrimônio genético das 1 Quanto às teorias policêntricas e suas variantes ver os trabalhos de G WEIDENREICH COON e as refutações de ROBERTS PARTE II Teorias relativas às raças e história da África J Ki Zerbo 284 Metodologia e pré história da África etnias endógamas ou florestais Quanto à seleção natural ela teve a oportunidade de entrar em jogo em ecologias tão contrastantes como as do deserto e da floresta densa dos altos planaltos e das costas recobertas de mangues Em resumo do ponto de vista biológico os homens de uma raça têm em comum alguns fatores genéticos que num outro grupo racial são substituídos por seus alelos entre os mestiços coexistem os dois tipos de genes Como era de esperar a identificação das raças se fez em primeiro lugar a partir de critérios aparentes para em seguida ir considerando pouco a pouco realidades mais profundas Aliás as características exteriores e os fenômenos internos não estão absolutamente separados Se certos genes comandam os mecanismos hereditários que determinam cor da pele por exemplo esta também está ligada ao meio ambiente Observou se uma correlação positiva entre estatura e temperatura mais elevada do mês mais quente e uma correlação negativa entre estatura e umidade Da mesma forma um nariz fino aquece melhor o ar num clima mais frio e umidifica o ar seco inspirado É assim que o índice nasal aumenta consideravelmente nas populações subsaarianas do deserto para a floresta passando pela savana Embora possuindo o mesmo número de glândulas sudoríparas que os brancos os negros transpiram mais o que mantém seu corpo e sua pele numa temperatura menos elevada Existem portanto diversas etapas na investigação científica no que diz respeito às raças A abordagem morfológica Eickstedt por exemplo define as raças como agrupamentos zoológicos naturais de formas pertencentes ao gênero dos hominídeos cujos membros apresentam o mesmo conjunto típico de caracteres normais e hereditários no nível morfológico e no nível comportamental Desde a cor da pele e a forma dos cabelos ou do sistema piloso até os caracteres métricos e não métricos a curvatura femural anterior e as coroas e os sulcos dos molares foi construído um verdadeiro arsenal de observações e mensurações Deu se atenção especial ao índice cefálico por estar relacionado à parte da cabeça que abriga o cérebro É assim que Dixon estabelece os diversos tipos em função de três índices combinados de vários modos o índice cefálico horizontal o índice cefálico vertical e o índice nasal Contudo das 27 combinações possíveis apenas oito as mais frequentes foram aceitas como representativas dos tipos fundamentais tendo sido as 19 restantes consideradas 285 Teorias relativas às raças e história da África misturas No entanto as características morfológicas são apenas um reflexo mais ou menos deformado do estoque gênico sua conjugação num protótipo ideal raramente se realiza com perfeição De fato trata se de detalhes evidentes situados na fronteira homemmeio ambiente mas que justamente por isso são muito menos inatos que adquiridos Reside aí uma das maiores fraquezas da abordagem morfológica e tipológica na qual as exceções acabam por ser mais importantes e mais numerosas que a regra Além disso não se devem negligenciar as querelas acadêmicas sobre as modalidades de mensuração como quando etc que impedem as comparações úteis As estatísticas de distância multivariada e os coeficientes de semelhanças raciais as estatísticas de formato e de forma a distância generalizada de Nahala Nobis requerem tratamento por computador Ora as raças são entidades biológicas reais que devem ser examinadas como um todo e não parte por parte A abordagem demográfica ou populacional Este método vai insistir de imediato sobre fatos grupais reservatório gênico ou genoma mais estáveis que a estrutura genética conjuntural dos indivíduos De fato na identificação de uma raça é mais importante a frequência das características que ela apresenta do que as próprias características Como o método morfológico está praticamente abandonado2 os elementos serológicos ou genéticos podem ser submetidos a regras de classificação mais objetivas Para Landman uma raça é um grupo de seres humanos que com raras exceções apresentam entre si mais semelhanças genotípicas e frequentemente também fenotípicas do que com os membros de outros grupos Alekseiev desenvolve também uma concepção demográfica das raças com denominações puramente geográficas norte europeus sul africanos etc Schwidejzky e Boyd acentuaram a sistemática genética distribuição dos grupos sanguíneos A B e O combinações do fator Rh gene da secreção salivar etc O hemotipologista também leva em conta a anatomia mas no nível da molécula No que diz respeito à micromorfologia descreve as células humanas cuja estrutura imunológica e cujo equipamento enzimático são diferenciados sendo o tecido sanguíneo o material mais prático para isso Os marcadores sanguíneos representam um salto histórico qualitativo na identificação científica dos grupos humanos Suas vantagens em relação aos critérios morfológicos 2 Cf WIERCINSKY 1965 286 Metodologia e pré história da África são decisivas Primeiramente eles são quase sempre monométricos isto é sua presença depende de um só gene enquanto o índice cefálico por exemplo é o produto de um complexo de fatores dificilmente localizáveis3 Além disso enquanto os critérios morfológicos são traduzidos em números utilizados para classificações com fronteiras arbitrárias ou mal definidas como por exemplo entre o braquicéfalo típico e o dolicocéfalo típico os marcadores sanguíneos obedecem à lei do tudo ou nada Uma pessoa é ou não do grupo A tem fator Rh ou Rh e assim por diante Além disso os fatores sanguíneos independem quase inteiramente da pressão do meio O hemótipo é fixado para sempre desde a formação do ovo Eis por que os marcadores sanguíneos escapam ao subjetivismo da tipologia morfológica Aqui o indivíduo é identificado por um conjunto de fatores gênicos e a população por uma série de frequências gênicas A grande precisão desses fatores compensa seu caráter parcial em relação à massa dos genes no conjunto de um genoma Isso tornou possível elaborar um atlas das raças tradicionais Três categorias de fatores sanguíneos foram estabelecidas Algumas como o sistema ABO são encontradas em todas as raças tradicionais sem exceção Certamente elas preexistiam à hominização Outros fatores como os do sistema Rh são onipresentes mas com certa predominância racial Assim o cromossomo r existe principalmente entre os brancos O cromossomo Ro conhecido como cromossomo africano tem uma frequência particularmente alta entre os negros ao sul do Saara Trata se certamente de sistemas que datam do momento em que a humanidade começava a se propagar em nichos ecológicos variados Outra categoria de sistemas denota uma repartição racial mais marcada como os fatores Sutter e Henshaw encontrados quase que unicamente entre os negros e o fator Kell presente sobretudo entre os brancos Embora eles nunca sejam exclusivos foram qualificados de marcadores raciais Enfim alguns fatores são geograficamente muito circunscritos como por exemplo a hemoglobina C para as populações do planalto voltense Embora os fatores sanguíneos sejam desprovidos de valor adaptativo não escapam inteiramente à ação do meio infeccioso ou parasitário este pode exercer sobre eles uma triagem com valor seletivo levando por exemplo à presença de hemoglobinas características Isso ocorre com relação às hemoglobinoses S ligadas à existência de células falciformes ou drepanócitos entre as hemácias Elas foram detectadas no sangue dos negros da África e da Ásia Perigosa 3 Cf RUFFIE J 287 Teorias relativas às raças e história da África apenas no caso dos homozigotos a hemoglobina S Hb S é um elemento de adaptação à presença de Plasmodium falciparum responsável pelo paludismo O estudo dos hemótipos em grandes áreas permite o traçado de curvas isogênicas que mostram a distribuição geográfica dos fatores sanguíneos por todo o mundo Associado ao cálculo das distâncias genéticas ele dá uma ideia de como as populações se situam umas em relação às outras enquanto o sentido dos fluxos gênicos permite reconstituir o processo prévio de sua evolução Apesar de seus desempenhos excepcionais contudo o método hemotipológico e populacional encontra dificuldades Primeiramente porque seus parâmetros se multiplicam enormemente e já estão apresentando resultados estranhos a ponto de serem encarados por alguns como aberrantes É assim que a árvore filogênica das populações elaborada por L L Cavalli Sforza difere da árvore antropométrica Esta coloca os Pigmeus e os San da África no mesmo ramo antropométrico que os negros da Nova Guiné e da Austrália na árvore filogênica esses mesmos Pigmeus e San aproximam se mais dos franceses e ingleses e os negros australianos dos japoneses e chineses4 Em outras palavras os caracteres antropométricos são mais afetados pelo clima que os genes de modo que as afinidades morfológicas são mais uma questão de meios similares que de hereditariedades similares Os trabalhos de R C Lewontin com base nas pesquisas dos hemotipologistas mostram que no mundo inteiro mais de 85 da variabilidade situa se no interior das nações Somente 7 da variabilidade separa as nações que pertencem à mesma raça tradicional e também apenas 7 separam as raças tradicionais Em resumo os indivíduos do mesmo grupo racial diferem mais uns dos outros que as raças É por isso que cada vez mais especialistas adotam a posição radical que consiste em negar a existência de qualquer raça Segundo J Ruffie nas origens da humanidade pequenos grupos de indivíduos separados em zonas ecológicas diversificadas e afastadas obedecendo a pressões seletivas muito fortes enquanto os meios técnicos eram extremamente limitados puderam se diferenciar a ponto de dar origem às variantes Homo erectus Homo neanderthalensis e o mais antigo Homo sapiens O bloco facial que é a parte do corpo mais exposta a meios ambientes específicos evoluiu diferentemente a riqueza de pigmentos melanínicos na pele desenvolveu se em zona tropical etc Mas essa tendência 4 Citado por J RUFFIE 1977 p 385 Da mesma forma com base em certos caracteres genéticos o gene Fya no sistema de DUFFY o alelo Ro etc a porcentagem de mescla branca entre os negros americanos resultante da mestiçagem que se vem operando nos Estados Unidos seria de 25 a 30 Alguns cientistas concluíram a partir disso que se trata de um novo grupo precipitadamente batizado como raça norte americana de cor 288 Metodologia e pré história da África especializante rapidamente bloqueada permaneceu embrionária Em toda parte o homem se adapta culturalmente roupas habitat alimentos etc e não mais morfologicamente a seu meio O homem nascido nos trópicos clima quente evoluiu por muito tempo como australopiteco Homo habilis e até mesmo Homo erectus Foi apenas durante a segunda glaciação que graças ao controle eficaz do fogo o Homo erectus optou por viver em climas frios A espécie humana transforma se de politípica em monotípica e esse processo de desraciação parece irreversível Hoje a humanidade inteira deve ser considerada como um único reservatório de genes intercomunicantes5 Em 1952 Livingstone publicava seu famoso artigo Da não existência das raças humanas Diante da enorme complexidade e portanto da inconsistência dos critérios adotados para qualificar as raças ele recomendava a renúncia ao sistema lineano de classificação sugerindo uma árvore genealógica De fato nas zonas não isoladas a frequência de certos caracteres ou de certos genes evolui progressivamente em várias direções e as diferenças entre duas populações são proporcionais a seu distanciamento físico de acordo com uma espécie de gradiente geográfico cline Relacionando cada traço distintivo aos fatores de seleção e adaptação que podem tê lo favorecido notamos frequências ligadas ao que parece muito mais a fatores tecnológicos culturais e outros que não coincidem de maneira nenhuma com o mapa das raças6 Dependendo do critério adotado cor da pele índice cefálico índice nasal características genéticas e assim por diante obtêm se mapas diferentes É por isso que alguns especialistas concluem a partir daí que toda teoria das raças é insuficiente e mítica Os últimos progressos da genética humana são tais hoje em dia que nenhum biólogo admite a existência de raças na espécie humana7 Biologicamente a cor da pele é um elemento negligenciável em relação ao conjunto do genoma De acordo com Bentley Glass não há mais de seis pares de genes pelos quais a raça branca difere da raça negra Os brancos frequentem ente diferem entre si num grande número de genes o mesmo acontecendo com os negros É por isso que a UNESCO depois de ter organizado uma conferência de especialistas internacionais declarou A raça é menos um fenômeno biológico do que um mito social8 5 MAYR E citado por RUFFIE J p 115 6 Cf MONTAGU Le Concept de Race 7 RUFFIE J p 116 8 Quatro declarações sobre a Questão Racial UNESCO Paris 1969 289 Teorias relativas às raças e história da África Isso é tão verdadeiro que na África do Sul um japonês é considerado como branco honorário e um chinês como homem de cor Para Hiernaux a espécie humana parece uma rede de territórios genéticos de genomas coletivos que constituem populações mais ou menos semelhantes cuja distância qualitativa é expressa por uma avaliação quantitativa taxonomia numérica As fronteiras desses territórios definidos a partir do cline flutuam com todas as mudanças que afetam os traços aparentes fenótipos e os dados serológicos genótipos das coletividades Dessa maneira qualquer raça em conformidade com a brilhante intuição de Darwin seria em suma um processo em marcha dependendo de algum modo da dinâmica dos fluidos e os povos seriam todos mestiços ou estariam em vias de sê lo De fato cada encontro de povos pode ser analisado como uma migração gênica e esse fluxo genético volta a questionar o capital biológico de ambos Porém mesmo que essa abordagem fosse mais científica mesmo que esses territórios genéticos mutáveis fossem realmente aceitos pelas comunidades em questão poderíamos dizer que os sentimentos de tipo racial seriam suprimidos uma vez que conservariam sua base material visível e tangível sob a forma de traços fenotípicos Desde que os nazistas a começar por Hitler e em seguida outros pseudopensadores afirmaram que o homem mediterrâneo representa um nível intermediário entre o ariano Prometeu da humanidade e o negro que é por sua origem um meio macaco o mito racial tem permanecido vivo Os morfologistas impenitentes continuam a alimentar esse fogo ignóbil com alguns galhos mortos9 Lineu no século XVIII dividia a espécie humana em seis raças americana europeia africana asiática selvagem e monstruosa Com certeza os racistas se encontram numa ou noutra das duas últimas categorias De todas essas teses hipóteses e teorias devemos conservar o caráter dinâmico dos fenômenos raciais tendo em mente que se trata de um dinamismo lento e espesso que se exerce sobre uma enorme quantidade de registros nos quais a cor da pele mesmo que ela seja medida por eletroespectrofotômetro ou a forma do nariz constituem apenas um aspecto quase irrisório Nessa dinâmica devem ser levados em conta dois componentes que agem em conjunto o patrimônio 9 J RUFFIE cita um dicionário francês de medicina e biologia que em 1972 mantém o conceito de raça segundo o qual existem três grupos principais brancos negros amarelos baseados em critérios morfológicos anatômicos sociológicos e também psicológicos No início do século C SEIGNOBOS em sua Histoire de la Civilisation escrevia Os homens que povoam a terra também diferem em língua inteligência e sentimentos Essas diferenças permitem dividir os habitantes da terra em vários grupos conhecidos como raças 290 Metodologia e pré história da África genético que pode ser considerado um gigantesco banco de dados biológicos em ação e o meio ambiente em sentido amplo pois começa já no meio fetal As mudanças que resultam da interação desses dois fatores básicos intervêm seja sob a forma incontrolável da seleção e da migração gênica mestiçagem seja sob a forma casual da oscilação genética ou da mutação Em resumo é toda a história de uma população que explica sua presente facies racial incluindo através da interpretação das representações coletivas as religiões os costumes alimentares de vestuário e outros Nesse contexto o que dizer da situação racial do continente africano A difícil conservação dos fósseis humanos devido à umidade e à acidez dos solos dificulta a análise histórica sob esse ponto de vista Contudo pode se dizer que ao contrário das teorias europeias que explicam o povoamento da África pelas migrações vindas da Ásia10 as populações desse continente são em grande parte autóctones Quanto à cor da pele dos habitantes mais antigos do continente nas latitudes tropicais vários autores pensam que ela deveria ser escura Brace 1964 pois a própria cor negra é uma adaptação protetora contra os raios nocivos principalmente os ultravioleta A pele clara e os olhos claros dos povos do norte seriam caracteres secundários ocasionados por mutação ou por pressão seletiva Cole 1965 Hoje embora não se possa traçar uma fronteira linear dois grandes grupos raciais são identificáveis no continente africano dos dois lados do Saara no norte o grupo árabe berbere com patrimônio genético mediterrâneo líbios semitas fenícios assírios gregos romanos turcos etc no sul o grupo negro Convém notar que as mudanças climáticas que às vezes anularam o deserto provocaram durante milênios numerosas mesclas populacionais A partir de várias dezenas de marcadores sanguíneos Nei Masatoshi e A R Roy Coudhury estudaram as diferenças genéticas inter e intragrupos em caucasoides e mongoloides11 Eles definiram coeficientes de correlação a fim de estabelecer o período aproximado em que esses povos se separaram e constituíram grupos distintos Ao que tudo indica o grupo negroide tornou se autônomo há 120000 anos enquanto os mongoloides e caucasoides individualizaram se há apenas 55000 anos Segundo J Ruffie esse esquema ajusta se à maior parte dos dados da hemotipologia fundamental12 A partir dessa época muitas misturas se realizaram no continente africano 10 A teoria camítica SELIGMAN e outro que se deve por um lado à ignorância de certos fatos e por outro à vontade de justificar o sistema colonial é a forma mais racista dessas montagens pseudocientíficas 11 MASATOSHI N e ROY COUDHURY A R 1974 p 26 421 12 RUFFIE J p 399 291 Teorias relativas às raças e história da África Tentou se mesmo visualizar as distâncias biológicas das populações graças à técnica matemática dos componentes principais A Jacquard estudou 27 populações espalhadas desde a região do Mediterrâneo até o sul do Saara13 utilizando cinco sistemas sanguíneos que compreendiam 18 fatores Ele obteve três grupos principais repartidos em quatro agregados um ao norte os caucasoides composto de europeus Regueibat árabes sauditas e Tuaregue Kel Kummer um ao sul que consistia nos grupos negros de Agadês agregados intermediários incluindo os Peul Bororo os Tuaregue de Air e de Tassili os etíopes etc e ainda os Harratin tradicionalmente considerados negros Assim seria um engano pensar que essa subdivisão confirma a classificação tradicional em raças uma vez que independentemente do que foi dito acima a forma geral da subdivisão resulta da quantidade de informações considerada se esta é muito pequena todos os pontos podem ser reunidos Além disso a respeito do homem subsaariano é preciso notar que seu nome original atribuído por Lineu era Homo afer africano Depois eles foram chamados negros e mais tarde pretos O termo negroide mais abrangente era usado às vezes para designar todas as pessoas que às margens do continente ou em outros continentes se pareciam com os pretos Hoje apesar de algumas notas dissonantes a grande maioria dos especialistas reconhece a unidade genética fundamental dos povos subsaarianos Segundo Boyd autor da classificação genética das raças humanas existe apenas um grupo negroide que compreende toda a parte do continente situada ao sul do Saara e também a Etiópia esse grupo difere sensivelmente de todos os demais Os trabalhos de J Hiernaux estabeleceram essa tese com notável clareza Sem negar as variantes locais aparentes ele demonstra pela análise de 5050 distâncias entre 101 populações a uniformidade dos povos no hiperespaço subsaariano que engloba tanto os Sudaneses quanto os Bantu tanto os habitantes das regiões costeiras quanto os Sahelianos tanto os Khoisan quanto os Pigmeus os Nilotas os Peul e outros Etiópidas Em compensação ele mostra a grande distância genética que separa os negros asiáticos dos negros africanos Mesmo no campo da linguística que nada tem a ver com o fato racial mas que foi utilizada em teorias racistas para inventar uma hierarquia das línguas que refletisse a pretensa hierarquia das raças na qual os verdadeiros negros ocupavam o grau mais baixo da escala as classificações evidenciam cada vez mais a unidade fundamental das línguas africanas As variantes somáticas podem ser explica das cientificamente pelas causas das mudanças discutidas acima especialmente os 13 JACQUARD A 1974 p 11 124 292 Metodologia e pré história da África biótipos que ora dão origem a agregados de populações mais compósitas vale do Nilo ora a grupos populacionais isolados que desenvolvem características mais ou menos atípicas montanhas florestas pântanos etc Por fim a história explica outras anomalias através das invasões e migrações sobretudo nas zonas periféricas A influência biológica da península Arábica no chamado Chifre da África também se evidencia nos povos dessa região como os Somali os Galla e os etíopes mas também com certeza nos Tubu Peul Tukulor Songhai Haussa etc Já tivemos oportunidade de ver alguns Marka Alto Volta com um perfil tipicamente semita Em suma a admirável variedade dos fenótipos africanos é sinal de uma evolução particularmente longa desse continente Os fósseis pré históricos de que dispomos indicam uma implantação semelhante às encontradas no sul do Saara numa área muito vasta que vai da África do Sul até o norte do Saara tendo a região sudanesa representado ao que parece o papel de encruzilhada nessa difusão Com certeza a história da África não é uma história de raças Contudo para justificar uma certa história abusou se demais do mito pseudocientífico da superioridade de algumas raças Ainda hoje o mestiço é considerado branco no Brasil e preto nos Estados Unidos da América A ciência antropológica que já demonstrou amplamente não haver nenhuma relação entre a raça e o grau de inteligência constata que essa conexão às vezes existe entre raça e classe social A preeminência histórica da cultura sobre a biologia é evidente desde a aparição do Homo no planeta Quando irá tal evidência impor se aos espíritos 293 Teorias relativas às raças e história da África Alelo Cada um dos elementos que forma o par de genes Migração gênica Passagem de indivíduos reprodutores de sua população de origem a uma população adotiva mestiçagem A mestiçagem que é considerada pelos racistas como uma degenerescência para a raça superior representa aqui ao contrário um enriquecimento do fundo comum de genes da humanidade Biologicamente positiva ela apresenta no entanto problemas sociológicos Mutação Aparecimento de uma alteração numa característica hereditária através da modificação de um ou mais genes Oscilação genética Perturbação do patrimônio genético num grupo humano reduzido e isolado resultante de um acidente que provoca a baixa de frequência ou o desaparecimento de um alelo Seleção Reprodução diferencial dos genótipos de uma geração a outra GLOSSÁRIO NB Estudos sobre esta questão encomendados pela UNESCO como parte do projeto da História Geral da África HIERNAUX J Rapport sur Le Concept de Race Paris 1974 RIGHTMIRE GP Comments on Race and Population History in Africa Nova Iorque 1974 STROUHAL E Problems of Study of Human Races Praga 1976 C A P Í T U L O 1 1 295 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Durante muito tempo os historiadores acreditaram que os povos da África não haviam desenvolvido uma história autônoma no quadro de uma evolução que lhes fosse peculiar Tudo o que representava uma aquisição cultural parecia ter sido levado até eles do exterior por vagas migratórias vindas da Ásia Essas teses são encontradas com frequência nos trabalhos de muitos pesquisadores europeus do século XIX Elas serão sistematizadas e cristalizadas sob forma de doutrina por estudiosos alemães etnógrafos e linguistas nos primeiros decênios do século XIX Nessa época a Alemanha era o principal centro de estudos africanos Após a partilha do continente africano entre potências imperialistas começaram a aparecer em profusão na Inglaterra França e Alemanha trabalhos que descreviam a vida e os costumes dos povos colonizados Foi sobretudo na Alemanha que se reconheceu a importância de um estudo científico das línguas africanas O ano de 1907 viu o estabelecimento em Hamburgo do Instituto Colonial que depois se tornou um grande centro de pesquisa científica onde foram elaborados os mais importantes trabalhos teóricos da escola alemã de estudos africanos A Alemanha estava muito avançada nessa área em relação às outras potências colonizadoras na Inglaterra o ensino de línguas africanas só se iniciou em 1917 na Escola de Estudos Orientais enquanto na França nessa época a Escola de Línguas Vivas Orientais não mantinha nenhum curso nessa área Foi somente em 1947 que a Escola de Estudos Orientais de Londres Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas D Olderogge 296 Metodologia e pré história da África passou a se chamar Escola de Estudos Orientais e Africanos Também na França o ensino sistemático dessas línguas só foi introduzido um pouco mais tarde As teorias da escola alemã e as descobertas recentes A Alemanha ocupava portanto um lugar de destaque nos estudos históricos etnográficos e linguísticos africanos no período que precedeu imediatamente a Primeira Guerra Mundial os trabalhos publicados na Inglaterra França e Bélgica baseavam se nas teorias dos estudiosos alemães Assim os etnógrafos da Europa ocidental no início do século XX permaneceram apegados à ideia difundida pelos alemães de que os povos da África nunca tinham tido história própria Com base nesse ponto de vista os linguistas formularam a teoria conhecida como Camítica segundo a qual o desenvolvimento da civilização na África foi devido à influência de povos camíticos provenientes da Ásia Um estudo dessas ideias mostra uma forte influência de Hegel que dividiu os povos do mundo em dois tipos povos históricos que contribuíram para o desenvolvimento da humanidade e povos não históricosque se colocam à margem do desenvolvimento espiritual universal Segundo Hegel não há evolução histórica na África propriamente dita Os destinos da costa setentrional do continente estariam ligados aos da Europa Enquanto colônia fenícia Cartago não passava de um apêndice da Ásia e o Egito era alheio ao espírito africano As ideias de Hegel exerceram considerável influência em quase toda pesquisa científica relativa à África no século XIX tal influência é marcante na obra de H Schürz o primeiro pesquisador a tentar um esboço da história da África Esse autor compara a história das raças da Europa à vitalidade de um belo dia de sol e a das raças da África a um pesadelo que logo se esquece ao acordar Para Hegel foi na Ásia que a luz do espírito despertou e que a história da humanidade teve seu início Os estudiosos europeus tinham por indiscutível a ideia de que a Ásia berço da humanidade foi lugar de origem de todos os povos que invadiram a Europa e a África Assim parecia evidente para o etnógrafo inglês Stow que os mais antigos habitantes da África os San tivessem vindo da Ásia em duas vagas migratórias distintas os San pintores e os San gravadores esses dois grupos teriam seguido trajetórias diferentes cruzando o mar Vermelho pelo estreito de Bab el Mandeb Após terem atravessado as florestas equatoriais os dois grupos reencontraram se no extremo sul do continente africano Encontra se nas obras de F Stuhmann geógrafo e viajante alemão a mais completa 297 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas aplicação das teses propostas pela escola germânica construídas sobre sua base histórico cultural e tendo por objeto o processo de povoamento do continente africano através de sucessivas vagas migratórias De fato no fim do século XIX e início do XX foi lançada uma vigorosa ofensiva contra a doutrina evolucionista que constituiu a base teórica dos trabalhos de R Taylor L H Morgan Lubbock e outros A escola de orientação histórico cultural repudiou a teoria de um desenvolvimento uniforme e integral da humanidade apresentando uma teoria diametralmente oposta que postulava a existência de círculos de civilização diferenciados identificáveis por critérios intrínsecos derivados principalmente das culturas materiais Segundo esses autores a difusão de aquisições culturais deveu se principalmente às migrações O estudioso alemão Leo Frobenius foi o primeiro a enunciar essa ideia depois Ankermann descreveu a difusão dos círculos de civilização através da África Mas foi Stuhlmann quem elaborou o quadro mais detalhado do desenvolvimento das culturas africanas Afirmou que a população autóctone da África era constituída de povos de baixa estatura os Pigmeus e os San que virtualmente não possuíam quaisquer elementos culturais Depois povos negros de pele escura e cabelos crespos chegaram em vagas migratórias originárias do sudeste da Ásia Espalhando se por toda a savana sudanesa penetraram na floresta equatorial introduzindo uma agricultura rudimentar o cultivo de bananas e de colocásias o uso de arco e flecha e de utensílios de madeira e a construção de cabanas circulares ou quadradas Esses povos falavam línguas de tipo isolante A eles se teriam seguido vagas de proto camitas também provenientes da Ásia mas de regiões situadas ao norte das terras de origem dos negros Os recém chegados falavam línguas aglutinantes com classes nominais Teriam ensinado aos povos autóctones o uso da enxada na agricultura o cultivo do sorgo e de outras gramíneas a criação de gado cornígero de pequeno porte etc O cruzamento dos proto camitas com os povos negros teria originado os povos bantu Seguiram se invasões de camitas de pele clara que chegaram à África seja através do istmo de Suez seja pelo estreito de Bab el Mandeb Esses povos seriam os ancestrais dos Peul Masai Bari Galla Somali e Khoi Khoi Teriam introduzido novos elementos culturais como o gado cornígero de grande porte a lança os múltiplos usos do couro o escudo etc Segundo Stuhlmann esses camitas de pele clara são originários das estepes da Ásia ocidental A vaga seguinte seria constituída por povos semitas que teriam lançado os fundamentos da civilização do Egito antigo Teriam introduzido o cultivo de cereais o uso do arado e do bronze Depois chegaram ao Egito os Hicsos e Hebreus enquanto os Habashat e os Mehri fixavam se nas terras altas da Etiópia Por último vieram os árabes no século VII Todos esses 298 Metodologia e pré história da África povos trouxeram para a África novos elementos de civilização absolutamente desconhecidos das populações anteriores O trabalho de Stuhlmann foi publicado em Hamburgo em 1910 pouco antes da Primeira Guerra Mundial mas suas ideias sobre a construção gradual da civilização africana por raças estrangeiras foram retomadas e desenvolvidas mais tarde por outros etnógrafos Spannus e Lushan na Alemanha Seligman na Inglaterra Honea na Áustria etc Paralelamente às teorias da escola histórico cultural aparece em linguística um conjunto de teses denominado teoria camítica O iniciador dessa teoria Meinhof acreditava que os ancestrais dos San eram os autóctones mais antigos da África Representando uma raça nitidamente distinta de todas as outras falavam línguas que apresentavam consoantes cliques Já os negros considerados autóctones nas zonas equatorial e sudanesa falavam línguas isolantes tonais e com radicais monossilábicos Em seguida povos camitas vindos da Arábia chegaram ao Sudão passando pela África do Norte Falando línguas flexionadas e dedicando se à criação de gado teriam pertencido a uma cultura muito superior à dos negros Contudo parte da invasão camita atingiu as savanas da África oriental a miscigenação dos camitas com a população indígena teria dado origem aos povos de língua bantu Em resumo esse modelo de evolução pode ser reduzido a um filme em quatro sequências No início as línguas com cliques depois as línguas isolantes bastante rudimentares faladas pelos negros sudaneses A mistura destas com as línguas camíticas produz as línguas bantu do tipo aglutinante mais nobres portanto Finalmente as línguas faladas pelos conquistadores camitas introduzem as línguas flexionadas eminentemente superiores A teoria camítica foi sustentada por muitos linguistas e difundida da Alemanha para além da Europa ocidental No período entre as duas guerras contudo essa teoria deveria desmoronar O primeiro golpe veio com a descoberta do Australopithecus na província do Cabo África do Sul em 1924 Seguiram se outras descobertas que prosseguem ainda tanto no norte como no sul da África e em particular no leste na Tanzânia no Quênia e na Etiópia Todos esses documentos demonstram de maneira cabal que o desenvolvimento do homem em toda a sua variedade racial teve lugar desde as origens no interior do continente africano Assim a teoria segundo a qual a África foi povoada por vagas migratórias provenientes do exterior tornou se insustentável Como aponta o célebre antropólogo C Arambourg a África é o único continente onde se encontram numa linha evolutiva ininterrupta todos os estágios do desenvolvimento do homem australopitecos pitecantropos neandertalenses e Homo sapiens sucedem se com os respectivos utensílios das épocas mais distantes até o Neolítico Fica assim confirmada a teoria de 299 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Darwin que apontava a África como o lugar de origem do homem Além disso essas descobertas provaram que seria totalmente errôneo negar à África um desenvolvimento cultural endógeno A esse respeito as pinturas e gravuras rupestres do Atlas do sul da África e do Saara constituem um testemunho indiscutível de grande importância Não há mais sombra de dúvida quanto à antiguidade dos vestígios arqueológicos uma vez que a cronologia relativa baseada na forma e no tratamento dos objetos e em sua posição estratigráfica é atualmente complementada pela cronologia absoluta baseada em métodos cronométricos científicos tais como o carbono 14 e o potássio argônio O modelo de evolução cultural dos povos africanos sofreu profundas transformações Por exemplo descobriu se que nas latitudes saarianas e saelianas o Neolítico remonta a uma época anterior à que se imaginava o que vem alterar completamente o quadro do desenvolvimento cultural africano em relação ao mundo mediterrânico particularmente o Oriente Próximo Os restos descobertos em Tassili nAjjer assim como em Tadrart Acacus na fronteira entre a Argélia e a Líbia são bastante conclusivos O exame das lareiras e dos fragmentos de cerâmica aí descobertos demonstra que a cerâmica já era utilizada desde 8000 anos BP Em Acacus foi encontrado um esqueleto do tipo negroide com traços de vestimentas de couro Os materiais examinados foram datados de 9000 anos BP Uma idade análoga foi atribuída aos restos descobertos no Hoggar que foram submetidos a análise em três laboratórios diferentes Conclui se que o Neolítico de Tassili n Ajjer e de Ennedi é ao que parece anterior ao do Magreb e contemporâneo ao da Europa meridional e da Cirenaica O exame dos restos orgânicos coletados nos campos neolíticos da Baixa Núbia levou a conclusões ainda mais significativas Estima se que no ano 13000 aproximadamente já se praticava na região a colheita e a preparação de grãos de cereais selvagens A análise por radiocarbono dos vestígios fósseis encontrados no distrito de Ballana indicou a data de 12050 280 O mesmo método de exame aplicado a restos provenientes de Toshké apresenta a data de 12550 490 Isso significa que no vale do Nilo a vegecultura foi praticada 4 mil anos mais cedo que no Oriente Próximo Segundo uma tradição fortemente arraigada todo relato da história da África começava com o Egito Hoje em dia entretanto convém revermos esse hábito O egiptólogo americano Breasted deu o nome de Crescente Fértil ao conjunto dos países formado pelo Egito a Palestina e a Mesopotâmia De fato essa zona lembra um vasto crescente que propiciou o desenvolvimento da civilização faraônica e das cidades Estado de Sumer e Akkad Ora todo esse processo tomou impulso só 300 Metodologia e pré história da África em 5000 ou 6000 aproximadamente enquanto muito antes disso a existência de condições climáticas adequadas ao desenvolvimento da criação de gado e da protocultura na área entre o vale do Indus e o oceano Atlântico favorecia o surgimento de uma sociedade onde começam a se delinear as classes e o Estado Assim o Crescente Fértil representa apenas o desenvolvimento final e o testemunho de um vasto domínio fervilhante de vida onde os homens iam aos poucos se familiarizando com as gramíneas selvagens passando a domesticá las assim como ao gado de grande porte ovinos e caprinos Esse cenário grandioso é atestado pelo estudo de pinturas e gravuras rupestres do Saara pela datação obtida por radiocarbono pela análise de polens fósseis etc Pode se esperar que alguns esquemas cronológicos sejam reajustados dependendo da precisão que se puder obter futuramente No entanto desde já podemos afirmar que a teoria sobre o povoamento da África aqui referida está completamente desacreditada Deve se reconhecer o papel da África como pólo de disseminação no que se refere tanto aos homens quanto às técnicas em um dos mais importantes períodos da história humana Paleolítico Inferior Em épocas posteriores vêem se aparecer correntes migratórias inversas de volta ao continente africano Problemas antropológicos e linguísticos Em geral os indicadores antropológicos fornecem referências mais estáveis que os fatos da língua que sofrem transformações rápidas por vezes no espaço de algumas gerações É o que acontece quando um povo emigra para um novo meio linguístico ou ainda em caso de invasão quando os conquistadores e os autóctones falam línguas diferentes Assim observa se que a população negra norte americana manteve praticamente intacto seu tipo antropológico original sob um clima e num meio geográfico muito diferentes dos que prevaleciam em seu continente de origem enquanto do ponto de vista linguístico e cultural assemelha se à população branca dos Estados Unidos Os elementos da antiga civilização africana subsistem apenas nos domínios cultural e espiritual música dança e crenças religiosas Um caso semelhante é o dos Sidi descendentes dos africanos que foram transferidos séculos atrás da costa leste da África para a Índia No início do século XIX esses povos ainda conservavam sua própria língua mas atualmente falam as línguas dos povos hindus entre os quais vivem gujarati urdu e outras sendo o tipo físico o único indício de sua origem africana 301 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Em ambos os casos os africanos expatriados mudaram de idioma muito rapidamente por vezes no decurso de uma ou duas gerações A história das línguas faladas pelos autóctones da África do Norte também merece ser citada Após a conquista dos países do Magreb pelos árabes e particularmente após as invasões das tribos árabes no século XI os povos da África do Norte tornaram se árabes quanto à língua e à civilização Suas línguas originais sobrevivem apenas em certas regiões do Marrocos na Kabylia no djebel Nefusa e nos oásis De acordo com os antropólogos as principais características do tipo físico original não sofreram mudanças o que mostra que os traços antropológicos em seu conjunto resguardam se da influência do biótopo no organismo sendo portanto mais estáveis que os elementos da língua e da cultura Pode se afirmar com base nos fatos de que dispomos atualmente que a distribuição dos tipos raciais modernos no continente africano reproduz em essência o modelo antigo dos grandes grupos antropológicos denominados por vezes precipitadamente de raças Os vários tipos da raça mediterrânica são representados no norte da África desde uma era muito longínqua A África oriental foi habitada por povos do tipo etiopoide como confirmaram as descobertas dos paleoantropólogos no Quênia enquanto a parte sul do continente foi ocupada por grupos San As florestas tropicais e equatoriais ocupavam no passado uma área muito maior que a atual foi ali provavelmente que os Pigmeus apareceram constituindo um grupo distinto cujo tipo físico desenvolveu se num meio ambiente de clima extremamente úmido e virtual ausência de luz A raça negra de tipo conhecido como sudanês ou congolês individualizou se para se adaptar às condições das latitudes tropicais principalmente na África ocidental Poucos restos de esqueletos foram encontrados para identificação e datação provavelmente porque a desagregação química devida à acidez dos solos não é favorável à preservação dos fósseis Apesar disso depois das descobertas feitas em Asselar esqueletos do tipo negroide de várias épocas às vezes extremamente antigos foram encontrados no Saara e na Nigéria meridional fato que sugere ter sido a região foco original desse tipo humano O problema do povoamento inicial do Saara foi objeto de muitas discussões Mas fica claro a partir do estudo das pinturas rupestres que a população negra predominou nessa área embora outros tipos possam ser detectados tais como os grupos com características afro mediterrânicas também habitantes antigos da região No Egito documentos e inscrições em monumentos que remontam ao Antigo Império fazem alusão a povos líbios Tamehu com pele clara e olhos 302 Metodologia e pré história da África figura 111 Mulher haratina de Idélès Argélia Foto AAA Naud Figura 112 Marroquino Foto Hoa Qui Richer Figura 113 Mulher e criança argelinas Foto AAA Géhant 303 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas azuis assim como a povos Tehenu de pele mais escura Também nas fontes históricas gregas encontram se referências a etíopes de pele clara e a etíopes de pele mais escura no sul Portanto a antiga população da Líbia ao que parece era bastante heterogênea A esse respeito diz um autor latino que alguns dos líbios parecem etíopes outros são originários da ilha de Creta1 A composição étnica da população do vale do Nilo parece ter sido complexa O dessecamento do Saara fez com que os povos da região procurassem a umidade do vale Grupos etiopoides e afro mediterrânicos misturaram se a negros do tipo sudanês O mesmo tipo de miscigenação provavelmente ocorreu pelas mesmas razões em todas as bacias fluviolacustres vizinhas ao deserto Baixo Senegal Médio Níger Chade Na medida em que como já foi mencionado os perfis antropológicos apresentam uma constância notável frequentemente multimilenária não é errôneo extrapolar para a pré história algumas das principais características do quadro étnico atual De qualquer modo o processo de formação das raças é a resultante de uma interação de múltiplos fatores que produzem de maneira gradual a diferenciação dos traços herdados mas também transmitem hereditariamente os traços diferenciados Estes se individualizaram essencialmente em função da adaptação ao meio ambiente insolação temperatura cobertura vegetal umidade etc Como regra geral sem dúvida enfraquecida por numerosas exceções os antropólogos supõem que o africano da floresta tinha estatura baixa e pele clara enquanto o africano da savana e do Sahel seria esguio e de pele escura Entretanto cabe evitar uma visão parcial já que muitos fatores operam simultaneamente Por exemplo a migração de grupos com heranças genéticas diferentes mobilizava imediatamente duas fontes possíveis de mutação primeiro a mudança de biótipo em seguida o encontro de grupos diferentes com a possibilidade de cruzamento Quando se observa uma semelhança somática notável entre dois grupos étnicos muito distantes no espaço como entre os Dinka do Alto Nilo e os Wolof do Senegal ambos de pele escura e estatura alta a situação em uma mesma latitude parece constituir uma explicação suficiente No entanto deve se ter sempre em mente a combinação dos fatores postos em jogo pelo próprio movimento da história2 A esse respeito o caso altamente controverso dos Pigmeus e dos San merece ser estudado com maiores detalhes No passado presumia se existir uma identidade racial entre os Pigmeus da África e os da Ásia meridional Atualmente essa teoria parece ter sido rejeitada 1 FOERSTER R I Bd 1893 v I p 389 2 Cf J HIERNAUX 1970 vol I p 53 e 55 304 Metodologia e pré história da África figura 114 Voltense Foto A A A Naud Figura 115 Mulher sarakole Mauritânia grupo Soninke da região do rio Foto B Nantet Figura 116 Chefe nômade de Rkiz Mauritânia Foto B Nantet 305 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Tudo leva a crer que se trata do resultado de uma adaptação muito antiga de um certo tipo físico ao meio ambiente e que esse processo ocorreu durante um longo período de isolamento Atualmente os Pigmeus podem ser encontrados nas florestas dos Camarões no Gabão e em algumas regiões da República Centro Africana no Zaire e em Ruanda Parece certo porém que no passado ocuparam uma área muito maior Nas tradições orais de certos povos da África ocidental faz se referência a grupos de anões que viviam na floresta antes da chegada dos povos de maior estatura É certo que também na Europa ocidental algumas lendas falam de gnomos ferreiros que habitavam as montanhas As tradições africanas porém não parecem provir unicamente da imaginação popular na medida em que coincidem com certas fontes históricas que indicam a existência de Pigmeus em regiões onde atualmente eles são encontrados A mais antiga menção aos Pigmeus é encontrada no Egito em inscrições que datam da sexta dinastia do Antigo Império Nas paredes do túmulo de Herkhuf3 em Assuã está inscrito o texto de uma carta do faraó Pépi II em que o jovem rei agradece o monarca por ter lhe presenteado com um anão chamado Deng palavra que é encontrada nas línguas modernas da Etiópia em amárico e seus diversos dialetos e também nas línguas tigrina galla kambatta e outras nas formas denk dank dinki donku dinka4 A carta refere que um século antes sob a V dinastia um anão semelhante tinha sido levado ao faraó Isesi Cabe lembrar em relação a esses fatos o relato de um viajante inglês mencionando a presença de anões doko na Etiópia meridional Pode se assim deduzir que no passado existiram anões nas regiões atualmente ocupadas pela República do Sudão e pela Etiópia Os pigmeus da floresta equatorial e tropical foram aos poucos cedendo lugar a novas populações constituídas de indivíduos de alta estatura que falavam línguas bantu Os pigmeus autóctones recuaram progressivamente para as regiões mais remotas das florestas de Ituri e Uele como testemunha o Nsong a Lianja ciclo épico dos Mongo sobre o povoamento do vale do Zaire Outros povos bantu possuem relatos semelhantes Assim pode se concluir que os grupos isolados de Pigmeus que subsistem atualmente são os testemunhos de uma população mais extensa que ocupava as florestas tropicais e equatoriais da África Os San constituem outro grupo muito original do continente africano São de pequena estatura têm a pele amarelada ou acobreada e cabelo em pequenos tufos Nos estudos antropológicos eles ainda são colocados junto aos Khoi Khoi 3 A transliteração correta desse nome é Hrw hwif hwif Herzog R 1938 p 95 4 LESLAU W 1963 p 57 306 Metodologia e pré história da África figura 117 Mulher peul bororo Tahoura Níger Foto B Nantet Figura 118 Criança tuaregue de Agadès Níger Foto B Nantet Figura 119 Mulher djerma songhay de Balayera Níger Foto B Nantet 307 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas na raça Khoisan Trata se sem dúvida de uma extrapolação da classificação linguística que reúne as línguas dos San e dos Khoi Khoi num mesmo grupo caracterizado pela presença de consoantes cliques com valor fonêmico O termo Khoisan proposto por J Shapera e adotado em inúmeros trabalhos é uma combinação de duas palavras khoi khoi khoi que significa homem e san cuja raiz sa significa acumular colher frutos arrancar raízes da terra capturar pequenos animais Trata se portanto da qualificação de um grupo humano em função de seu gênero de vida e modo de produção Mas de fato os San e os Khoi Khoi têm muito poucas características em comum podem se destacar a cor clara da pele e a presença de consoantes clique em ambas as línguas Deve se lembrar entretanto que esta última característica não é específica sendo também encontrada nas línguas bantu do sudeste como o zulu xhosa sotho swazi etc O exame das características antropológicas desses dois grupos mostra que os Khoi Khoi e os San diferem em muitos aspectos os Khoi Khoi são nitidamente mais altos que os San distinguindo se também pelas características cranianas5 disposição dos cabelos e esteatopigia frequente entre as mulheres enquanto a presença do epicanto é específica dos San Além disso as línguas khoi khoi e san diferem tanto pela estrutura gramatical como pelo vocabulário E O J Westphal grande especialista no assunto mostrou que entre os Khoi Khoi os pronomes que constituem a parte mais antiga e estável do discurso têm formas particularmente desenvolvidas distinguem se dois gêneros três números singular dual e plural assim como formas inclusivas e exclusivas enquanto não há nada parecido nas línguas san6 Portanto não há elementos suficientes para se classificarem as línguas san e khoi khoi em um só grupo Quanto às culturas desses povos diferem em todos os aspectos como já fora observado pelos primeiros viajantes que visitaram a África meridional no século XVII como Peter Kolb Os Khoi Khoi viviam em Kraals trabalhavam o metal e criavam gado enquanto os San eram nômades vivendo da caça e da coleta Assim a antropologia e a linguística opõem se à reunião desses dois povos num único grupo Cada um deles teve um desenvolvimento histórico específico Os San constituem com certeza os remanescentes do povoamento original do extremo sul do continente africano Atualmente estão confinados às regiões inóspitas e áridas da Namíbia e do Calaari Grupos isolados também podem ser encontrados em Angola No passado eles habitavam as savanas da África meridional e oriental até os limites 5 Cf ALEKSEIEV K 6 Cf WESTPHAL E O J 1962 p 30 48 308 Metodologia e pré história da África figura 1110 Pigmeu twa Ruanda Foto B Nantet Figura 1111 Grupo San Foto F Balsan Col Museu do Homem Figura 1112 Pigmeu do Congo Foto Congo Press Danday Col Museu do Homem 309 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas do Quênia como testemunham a toponímia e a hidronímia dessas regiões sendo os nomes locais de rios e montanhas emprestados das línguas san As consoantes cliques características das línguas san foram emprestadas por várias línguas bantu Finalmente as pinturas rupestres dos planaltos da África do Sul mostram cenas de combate entre os San de pequena estatura e pele clara e guerreiros negros de alta estatura cuja origem étnica pode ser facilmente identificada pela forma dos escudos que carregam Os Hadzapi pequeno grupo étnico que vive nas proximidades do lago Eyasi na Tanzânia podem ser considerados testemunhos da extensão dos antigos povoados San por toda a África Embora a língua dos Hadzapi ainda não tenha sido estudada em profundidade há razões para se pensar que esteja próxima das línguas san Por vezes no intuito de apoiar a tese de que os San já ocuparam área muito maior aponta se a presença de pedras redondas furadas no centro encontradas na África oriental Essas pedras chamadas kwe pelos San serviam para lastrear estacas com as quais desenterravam raízes comestíveis Entretanto não se provou que essa técnica tenha sido difundida pelo grupo San Assim por exemplo entre os Galla da Etiópia meridional e da região do Harar utiliza se o dongora longa estaca lastreada com uma pedra em forma de anel para cavar a terra O mesmo dispositivo é usado para tornar mais pesado o pilão com que se amassa o tabaco De qualquer modo a mais antiga população da África meridional não deve ser restringida aos Pigmeus nas florestas e aos San nas savanas Ao lado destes outros povos devem ter existido Descobriu se em Angola o grupo dos Kwadi que pela língua e pelo gênero de vida aproxima se muito dos San No início do século XX Vedder estudou os Otavi remanescentes de grupos antigos Esses povos têm estatura pequena e vivem da caça e da coleta distinguindo se dos San pela tez muito escura e lábios grossos Autodenominam se Nu khoin isto é homens negros em oposição aos Khoi Khoi a quem chamavam homens vermelhos Seu sistema de numeração muito original difere nitidamente do sistema decimal usado pelos Khoi Khoi Grupos como esses que subsistem provavelmente em outras regiões ajudam a esclarecer a história tão complexa do povoamento original das florestas e savanas da África central e meridional Tal complexidade transparece nos planos lexical e fonético das línguas bantu a presença de cliques por exemplo sugere contatos interétnicos muito antigos Assim existem discrepâncias entre as línguas bantu às vezes mesmo no nível da estrutura dos radicais como no caso do grupo Dzing no noroeste da área bantu Essa anomalia é sem dúvida resultado da influência de um substrato linguístico preexistente Os Pigmeus e os San constituem hoje grupos numericamente 310 Metodologia e pré história da África muito pequenos em relação ao grupo negro predominante e mesmo à raça afro mediterrânica da África do Norte Atualmente o mapa linguístico da África não coincide com a distribuição dos tipos raciais embora tal concordância possa ter ocorrido num passado remoto Mas durante um longo período os antigos grupos étnicos se multiplicaram migraram e se cruzaram não mais havendo coincidência entre a evolução linguística e o processo de formação dos tipos raciais Por processo de formação de tipos raciais entende se a herança genética e a gradual adaptação ao meio ambiente A não concordância entre as distribuições racial e linguística é patente no caso dos povos do Sudão zona de confluência de dois tipos diferentes de famílias linguísticas A África do Norte incluindo a Mauritânia e a Etiópia pertence à vasta área das línguas camito semíticas Essa denominação não parece pertinente pois sugere que as línguas dessa família se dividem em dois grupos um semítico e outro camítico De fato no século XIX denominavam se semíticas as línguas desse grupo faladas no Oriente Próximo e camíticas as línguas faladas na África Mas o semitólogo francês M Cohen observou não haver argumentos que justificassem essa divisão em dois grupos Atualmente costuma se classificar as línguas dessa família em cinco grupos semítico cuchítico berbere7 egípcio antigo8 e o grupo linguístico do Chade Assim as línguas dessa grande família linguística são faladas por diversas raças semíticas e negras No extremo sul do continente africano as línguas san às quais devem ser acrescentadas as línguas kwadi em Angola e hadzapi na Tanzânia parecem pertencer a um grupo específico tendo como característica comum a presença de c1iques e a estrutura isolante Talvez fosse mais prudente chamá las línguas paleoafricanas assim como se usa o termo paleoasiático para as línguas das regiões do extremo nordeste da Ásia As línguas khoi khoi cujo sistema gramatical é diferente não deveriam ser incluídas neste grupo Os Khoi Khoi são criadores de gado que sem dúvida emigraram do nordeste para o sul da África estabelecendo se em meio a grupos autóctones San Alguns destes adotaram a língua dos Khoi Khoi como é o caso dos povos encontrados nos montes Otavi e talvez mesmo dos Naron do núcleo central A hipótese de que o itinerário acima indicado corresponda realmente ao da expansão dos Khoi Khoi através das savanas da África oriental a partir do Alto Nilo parece confirmada pelo fato 7 De acordo com alguns autores o berbere faz parte do grupo semítico 8 De acordo com alguns egiptólogos africanos o egípcio antigo é uma das línguas negro africanas ver cap 1 v II 311 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas figura 1113 Mulheres zulu Foto ARobillard Col Museu do Homem 312 Metodologia e pré história da África de existir na Tanzânia perto do lago Eyasi o grupo Sandawe cuja língua parece relacionada à dos Khoi Khoi A história dos Khoi Khoi permanece contudo um dos pontos mais obscuros da evolução étnica da África Segundo Westphal os diques das línguas khoi khoi teriam sido emprestados às línguas dos San Teoria interessante mas até agora não provada As savanas da África oriental foram sem dúvida a primeira região do continente a ser povoada Hoje são habitadas por negros de língua bantu que foram precedidos pelos grupos San e Khoi Khoi cujos remanescentes são os Sandawe e os Hadzapi Outros povos da mesma região falam línguas cuchíticas ou pertencentes a outros grupos como por exemplo o Iraqw Todas essas línguas são anteriores à expansão das línguas bantu algumas das quais apareceram em épocas relativamente recentes Entre a área das línguas camito semíticas do norte e a das línguas paleoafricanas do sul intercala se o vasto domínio das línguas chamadas por M Delafosse de negro africanas por Meinhof e Westermann de sudanesas e bantu enquanto J Greenberg as coloca nas famílias Congo Kordofaniana e nilo saariana Em 1963 reconhecendo a unidade dessas línguas propus chamá las línguas zindj Dentro dessa categoria geral famílias ou grupos linguísticos poderiam eventualmente ser distinguidos segundo o resultado das pesquisas A expressão línguas negro africanas é insatisfatória O primeiro termo parece confundir as noções de raça e língua Ora os habitantes negros das Américas e da própria África falam línguas totalmente diferentes O segundo termo da expressão africanas também é inadequado posto que todas as línguas faladas pelos habitantes da África inclusive o africâner são línguas africanas Além disso a divisão das línguas negro africanas em dois grupos sudanesas e bantu também parece errônea uma vez que os estudos de D Westermann demonstraram que as línguas da África ocidental têm muitas características em comum com as línguas bantu do ponto de vista lexical e estrutural Esse trabalho preparou o caminho para uma revisão geral da classificação das línguas africanas que a escola linguística alemã lançou de maneira tão desastrosa A classificação proposta por Greenberg é baseada no método denominado mass comparison Tendo em conta os traços fundamentais do sistema gramatical baseia se principalmente no léxico Aplicando esse método Greenberg distinguiu em 1954 16 famílias linguísticas na África e mais tarde apenas 12 Em 1963 esse número foi reduzido a quatro Uma queda tão rápida no número de famílias linguísticas indica claramente que o método não foi suficientemente elaborado e que houve pressa excessiva em produzir a todo custo uma classificação 313 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas figura 1114 Mulher peul Foto Archives outre mer Figura 1115 Mulher peul das proximidades de Garoua Boulay Camarões Foto Hoa Qui Figura 1116 Jovem peul do Mali Foto A A A Naud 314 Metodologia e pré história da África Das quatro famílias mantidas por Greenberg o grupo afro asiático corresponde na verdade à própria família camito semitica Quanto à família dita de línguas com cliques mais tarde chamada khoisan compreende as línguas dos povos San e Khoi Khoi Como já foi afirmado essa combinação é errônea Além da família níger congo à qual Greenberg juntou mais tarde as línguas do Kordofan ele distingue um quarto grupo formado pelas línguas nilo saarianas cuja estrutura porém até agora foi muito pouco estudada Em 1972 Edgar Gregersen usando o método de Greenberg chegou à conclusão de que todas as línguas dessas duas últimas famílias podiam ser reunidas em uma só família linguística para a qual propôs o nome de congo saariana Essa opinião vem de encontro à minha proposta de reunir todas essas línguas sob a denominação de grupo zindj O grupo é caracterizado pelo uso de tons variantes e classes nominais ao contrário das línguas camito semíticas ou eritreias cujos traços específicos são o acento e o gênero gramatical É possível que estudos posteriores revelem o caráter específico de uma língua em particular ou grupos de línguas dentro da família zindj ou congo saariana mas esta por ora apresenta o mesmo tipo de coerência que a família indo europeia por exemplo Dentro da grande família zindj as línguas bantu apresentam sem dúvida um aspecto de grande homogeneidade como demonstram os trabalhos de W H I Bleek C Meinhof e M Guthrie Dentre os subgrupos identificados por D Westermann nos grupos linguísticos sudaneses o mande é com certeza o de identidade mais definida A leste e oeste do grupo mande estão as línguas que Westermann denominou oeste atlânticas ou gur Contudo essas línguas estão longe de apresentar a mesma homogeneidade que as línguas mande de tal forma que os linguistas britânicos identificaram entre elas um grupo distinto que denominaram línguas mel De fato essa região do extremo oeste africano foi um refúgio onde vagas sucessivas de pequenos povos se comprimiram pressionadas pela chegada de novas populações Algumas dessas línguas ainda conservam traços característicos das línguas bantu sendo o caso mais notável o da língua bullom A hipótese anterior da unidade das línguas gur foi derrubada pelos trabalhos de Manessy autoridade eminente na área A presença nessas línguas de classes nominais formadas de maneiras variadas pelo uso de prefixos sufixos e mesmo infixos reflete a complexidade étnica dessa área que serviu de refúgio a muitos dos assim chamados grupos paleonegríticos que se distribuem pelas áreas montanhosas em todo o Sudão do Senegal ao Kordofan São considerados remanescentes dos mais antigos habitantes autóctones do Sudão o que todavia parece pouco provável dada a diversidade linguística e a variedade de tipos físicos do mosaico 315 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas de grupos que se acumularam nessas áreas inóspitas As crônicas sudanesas referem se a alguns desses eventos demonstrando assim que não se trata de um processo muito antigo Por isso a fragmentação dialetal na África deve ser ligada antes de tudo a causas históricas que impulsionaram vagas ou infiltrações migratórias Dentre as línguas do Sudão oriental que são as menos estudadas as nilóticas constituem talvez um grupo à parte uma espécie de família geneticamente integrada que deve ter se desenvolvido durante um longo período de isolamento A extrema complexidade da composição étnica e linguística dos povos do Sudão oriental é mostrada no notável trabalho dos linguistas ingleses M A Bryan e A N Tucker Seguindo um método ao que parece bastante racional utilizaram como critérios certos traços linguísticos característicos opondo as línguas TK e NK Dentre os grupos linguísticos dessa grande família congo saariana as línguas bantu apresentam um parentesco genético tão notável que pode ser encarado como um fenômeno relativamente recente Não só linguistas como também historiadores e arqueólogos empenharam se em elucidar a gênese dos Bantu Mas as hipóteses diferem Alguns presumem que a migração bantu partindo do norte mais precisamente da região do Camarões ou da bacia do Chade teria margeado a floresta de modo a contorná la a leste e passando pela África oriental ter se ia difundido na África meridional Outros como Sir H Johnston acreditam que os Bantu vieram diretamente da região centro africana através da floresta do Zaire Por fim alguns estudiosos de acordo com a teoria do linguista M Guthrie que situa o núcleo linguístico protótipo dos Bantu entre os Luba e Bemba no Alto Zaire apontam essa região como seu lugar de origem Avançando ainda mais chega se a apresentar os povos de língua bantu como uma unidade cultural e biológica esquecendo se que o termo bantu é apenas uma referência linguística Todavia alguns arqueólogos associam a difusão do ferro na parte meridional do continente à migração dos Bantu que teriam introduzido uma tecnologia superior Ora ao desembarcar na ilha de Fernando Pó no fim do século XV os portugueses encontraram uma população que falava bubi língua bantu mas que desconhecia o uso do ferro Esse erro que consiste em confundir língua e modo de vida ou de produção já tinha sido cometido pelos etnógrafos que acumularam no conceito de camita uma unidade de raça língua e civilização ora importa não insistir em se procurar tipos puros na evolução histórica De fato os povos Bantu diferem grandemente do ponto de vista antropológico cor da pele altura dimensões corporais etc Assim os Bantu das florestas têm características somáticas diferentes dos Bantu que vivem na savana Também há grandes variações no tipo de atividade econômica e na organização 316 Metodologia e pré história da África social Alguns grupos Bantu são matrilineares outros patrilineares uns usam máscaras e mantêm sociedades secretas outros não têm nada semelhante O denominador comum é a estrutura linguística baseada em classes nominais tendo sempre os índices dessas classes uma expressão fonética similar fundada num sistema verbal único Nas savanas do Sudão povos que falavam línguas com classes nominais em que as diferenças de tonalidade tinham um papel importante aparentemente coexistiram durante longo tempo À medida que o Saara se dessecava esses povos se retiravam para áreas mais úmidas as montanhas do norte o vale do Nilo a leste e o grande lago paleochadiano ao sul Esses grupos de caçadores e criadores de gado suplantaram os povos autóctones que foram forçados a se retirar para o sul penetrando a floresta ou contornando a pelo leste Essas migrações não estão necessariamente relacionadas com o início da difusão do ferro mas é certo que o conhecimento de metalurgia que possuíam os povos recém chegados conferia lhes vantagem sobre os autóctones As jazidas de cobre assim como o trabalho antigo deste metal situam se na mesma região que foi identificada por Guthrie como o ponto focal do domínio bantu onde as línguas luba e bemba apresentam a maior porcentagem de palavras pertencentes ao vocabulário comum a todas as línguas bantu O desenvolvimento da manufatura do cobre impulsionou a posterior expansão da civilização Quanto maior a distância do ponto focal menor a pureza do tipo linguístico bantu pois na medida dessa distância aumenta a miscigenação dos povos de língua bantu com povos de outras línguas Esse caso específico nos mostra que os conceitos de língua tipo antropológico e civilização nunca devem ser confundidos mas que no povoamento gradual do continente por diferentes grupos humanos o modo de produção deve ter frequentemente atuado como vetor principal da expansão linguística e mesmo da predominância de determinadas características biológicas C A P Í T U L O 1 2 317 Classificação das línguas da África Como qualquer outro conjunto de entidades as línguas podem ser classificadas de infinitas maneiras Um método particular porém comumente chamado de método de classificação genética possui características singulares e importantes de modo que ao empregarmos o termo classificação sem outras especificações em relação à língua estaremos referindo nos a este tipo de classificação É o método em que se baseará a minuciosa classificação apresentada nas últimas seções deste capítulo Natureza e objetivos da classificação das línguas Uma classificação genética apresenta se sob a forma de conjuntos de unidades hierárquicas que possuem a mesma organização lógica de uma classificação biológica em espécies gêneros famílias etc em que os membros do conjunto situado em um determinado nível se incluem em conjuntos de um nível superior Poder se ia apresentá la também sob a forma de uma árvore genealógica O fato de duas ou mais línguas compartilharem de um ancestral imediato numa arvore genealógica significa serem elas provenientes de dialetos de uma mesma língua que se diferenciaram pela evolução Tal classificação pode ser ilustrada com o exemplo bastante conhecido do indo europeu Uma vez que ainda não se conseguiu estabelecer que o indo europeu tenha pertencido a um grupo mais abrangente considerá lo emos o nível mais alto PARTE I Classificação das línguas da África J H Greenberg 318 Metodologia e pré história da África A família indo europeia divide se em um certo número de ramificações em que figuram entre outros o germânico o celta o eslavo e o indo iraniano Equivale a dizer que a primeira comunidade linguística indo europeia dividiu se em um certo número de dialetos o germânico o celta etc O germânico por sua vez dividiu se em três dialetos o gótico o germânico ocidental e o escandinavo O gótico extinguiu se tendo chegado ao nosso conhecimento através de antigos registros ao passo que o germânico ocidental se diferenciou em anglo frisão baixo alemão e alto alemão Atualmente cada um deles constitui um grupo de dialetos locais sendo que alguns servem de base a línguas padronizadas como por exemplo o alemão dialeto alto alemão o neerlandês dialeto baixo alemão e o inglês dialeto anglo frisão A importância das classificações realizadas segundo tais princípios reside principalmente no fato de refletirem a história real da diferenciação étnica dentro do domínio da língua Além disso formam a base necessária à aplicação dos métodos da linguística comparativa que permite reconstruir grande parte da história linguística de vários grupos Por fim esse conhecimento da história linguística fornece a base necessária para inferências acerca da história cultural não linguística dos grupos em questão História da classificação das línguas da África Evidentemente não seria possível empreender uma classificação completa das línguas da África sem uma compilação exaustiva de dados empíricos relativos a essas línguas Somente no início do século XIX é que se puderam reunir elementos suficientes para uma primeira tentativa de classificação Antes disso porém já se tinham feito algumas observações relevantes para a classificação com base em uma compilação de dados cujo início pode ser fixado no século XVII época em que surgem as primeiras gramáticas e dicionários de línguas africanas1 Para exemplificar no início do século XVII Luis Moriano observou que a língua malgaxe assemelhava se muito ao malaio o que prova de maneira quase cabal que os primeiros habitantes vieram dos portos de Malaca2 Pela mesma época 1 Para maiores informações sobre a história da linguística africana ver C M DOKE e D T COLE 1961 D T COLE In T A SEBEOK dir 1971 p 1 29 Encontram se por vezes palavras provenientes de línguas africanas nas obras de autores medievais Ver a esse respeito M DELAFOSSE 1912 1914 p 281 88 e C MEINHOF 1919 1920 p 147 52 2 Relation du voyage de découverte fait à lîle Saint Laurent dans les années 1613 1614 manuscrito português publicado em tradução francesa In A e G GRANDIDIER 1903 1920 p 22 319 Classificação das línguas da África vários pesquisadores portugueses observaram a semelhança entre as línguas de Moçambique na costa oriental da África e as de Angola e do Congo a oeste prenunciando assim o conceito de uma família de línguas bantu a abranger a maior parte do terço meridional do continente O outro exemplo são as descrições do gueze e do amárico feitas por Hiob Ludolf no século XVII que mostram terem essas línguas etíopes algum parentesco com o hebraico o aramaico e o árabe O século XVIII pouco contribuiu para o conhecimento das línguas africanas Perto do fim desse período contudo constatamos que o conceito básico de classificação genética começa a tornar se mais claro sob a forma de hipóteses específicas a respeito da existência de certas famílias de línguas hipóteses estas que constituíram no século XIX a base do desenvolvimento da linguística enquanto ciência histórico comparativa As obras sobre história da linguística comumente citam a afirmação de William Jones 1786 acerca do parentesco das línguas indo europeias como o fator decisivo para esse desenvolvimento Tais ideias já pairavam no ar cinco anos antes Marsden enunciara pelo menos com igual clareza hipótese semelhante a propósito das línguas malaio polinésias assim como fizera Gyarmathy em relação às línguas fino úgricas Tal evolução se fez acompanhar de uma verdadeira mania de coletar materiais comparativos sobre um grande número de línguas A primeira obra dessa natureza foi o Glossarium Comparativum Linguarum Totius Orbis de 1787 patrocinado por Catarina a Grande imperatriz da Rússia a edição revisada de 1790 1791 incluía dados de trinta línguas africanas No início do século XIX assistimos a uma acentuada aceleração na produção de gramáticas e dicionários de línguas africanas assim como na publicação de listas comparativas de palavras de um considerável número dessas línguas como as de Kilham 1828 Norris 1841 e Clarke 18483 A mais importante dessas listas tanto pela extensão quanto pelo caráter sistemático de sua organização e de sua simbolização fonética é sem dúvida a clássica Polyglotta Africana compilada em Freetown Serra Leoa por S W Koelle4 O acúmulo de dados no início do século XIX foi concomitante às primeiras tentativas de classificação de conjunto como por exemplo as realizações de Balbi e nas sucessivas edições de Inquiry into the Physical History of Mankind as de Prichard5 3 KILHAM H 1828 NORRIS E 1841 CLARKE I 1848 4 KOELLE S W 1963 5 BALBI A 1826 A última edição de J C PRICHARD foi revista e aumentada por E NORRIS PRICHARD J C 1855 320 Metodologia e pré história da África Embora diferindo em detalhes certas conclusões geralmente aceitas emergiram no decorrer da primeira metade do século XIX Algumas foram comprovadas por pesquisas posteriores enquanto outras tiveram pelo menos o mérito de levantar questões que os classificadores vieram a resolver posteriormente Os resultados a que se chegou em 1860 podem ser resumidos da seguinte forma O termo semítico introduzido por Schlözer em 1781 já possuía praticamente a acepção atual6 A existência de um ramo etíope desta família incluindo o gueze etíope clássico e as línguas modernas como o amárico e o tigrina estava bem estabelecida Já havia sido observada a semelhança e provável parentesco de algumas outras línguas com o semítico entre elas se incluíam o antigo egípcio o berbere e o cuxita Estas últimas são faladas principalmente na Etiópia e na Somália Alguns autores incluíram na mesma categoria o haussa da África ocidental Essas línguas foram por vezes chamadas de subsemíticas O termo camítico foi proposto por Renan em 18557 Atribui se a Lichtenstein o mérito de ter sido o primeiro a distinguir claramente entre as línguas da África do Sul as línguas khoi e san de um lado e as línguas bantu de outro8 Já se reconhecia claramente na época a existência deste último grupo de línguas estreitamente aparentadas também chamado família cafre ou família de línguas sul africanas O termo bantu extraído da palavra que significa homens em um grande número dessas línguas foi proposto pela primeira vez por W H I Bleek que em 1851 estabeleceu as bases do estudo comparativo das línguas bantu Trata se de um termo universalmente empregado até hoje Restava ainda um grupo muito extenso que compreendia a maior parte das línguas faladas no Sudão ocidental e oriental e que não podiam ser classificadas dentro dos grupos acima mencionados as línguas que não eram nem semíticas nem camíticas nem san nem bantu Eram chamadas de modo geral línguas negras e constituíam o maior problema dos classificadores Norris em sua revisão da obra de Prichard em 1855 admitiu que elas escapavam à classificação e que os Negros até então haviam sido 6 SCHLOZER A L Von parte 8 1781 p 161 7 RENAN E 1855 p 189 8 LICHTENSTEIN H 1811 1812 321 Classificação das línguas da África considerados como constituintes de uma raça mais por razões fisiológicas do que filológicas9 Embora até recentemente todas as classificações de conjunto das línguas africanas separassem completamente as línguas bantu das línguas ditas negras alguns observadores notaram que muitas das línguas consideradas negras principalmente as da África ocidental mostravam parentesco com o grupo bantu Ao que parece o primeiro a atentar para esse fato foi o bispo O E Vidal em sua introdução à gramática do ioruba de Samuel Crowther10 Bleek deu uma definição geral ao termo bantu estendendo sua aplicação à maior parte da África ocidental até o 13o grau de latitude norte do Senegal ao Nilo superior11 Essa ideia fundamental foi retomada por Westermann muito tempo depois sob forma modificada e de modo mais explícito por Greenberg na classificação corrente nos dias de hoje A filiação do malgaxe ao malaio polinésio e consequentemente o seu não parentesco com as línguas da África já haviam sido observados como vimos no século XVII e eram geralmente aceitos A década de 1860 destacou se pela publicação de duas classificações completas que deveriam dominar o campo até quase 1910 A primeira foi a de Lepsius que apareceu em duas versões em 1863 e 188012 A outra foi a de Friedrich Müller que também teve duas versões a de 1867 e a de 188413 A obra de Müller forneceu a base para o importante estudo de R N Cust que contribuiu para difundir sua obra nos países de língua inglesa O estudo de Cust é uma fonte extremamente preciosa para a bibliografia da linguística africana até aquela época Tanto Lepsius como Müller excluíram de suas classificações o malgaxe considerando o uma língua não africana Para os demais linguistas o principal problema era o das línguas negras e sua posição em relação ao bantu por ser este dentre todos os grupos de línguas faladas pelos povos negros o único extenso e bem determinado Tanto na classificação de Müller como na de Lepsius as considerações raciais representaram um papel muito importante embora de modo diferente 9 PRICHARD J C 1855 v I p 427 10 VIDAL O E In CROWTHER S 1852 11 BLEEK W H I 1862 1869 v I p 8 12 LEPSIUS C R duas edições 1863 e 1880 13 MÜLLER F 1867 1876 1884 Para as línguas africanas ver I 2 1877 e III 1 1884 322 Metodologia e pré história da África Lepsius adotou como base de sua classificação o critério dos tipos de classificação do substantivo Tal enfoque provinha do trabalho anterior de Bleek 185114 Bleek ficara impressionado com o que considerava a diferença fundamental entre as línguas bantu que possuíam sistemas complexos de classes nominais em que o gênero baseado em sexo não desempenhava nenhuma função e as línguas semíticas e camíticas que tinham a distinção de gênero baseada no sexo como princípio de classificação nominal Aplicando tal critério Bleek classificou o khoi khoi entre as línguas camíticas por possuir este tipo de distinção de gênero apesar de se assemelhar às línguas san em quase todos os outros aspectos Lepsius tomando como ponto de partida a ideia geral de Bleek considerou que dentre as línguas faladas por populações negras o bantu em que a classificação nominal não se baseia no sexo era a língua original ao passo que as demais tornaram se mistas pela influência das línguas camíticas Classificou as línguas em quatro grupos 1 bantu 2 negro misto 3 camítico 4 semítico No entanto existem duas categorias fundamentais a línguas bantu e negras mistas línguas com classes nominais b línguas semíticas e camíticas línguas com distinção de gênero Afinal haveria a possibilidade de se demonstrar que estas últimas têm parentesco com o indo europeu que também possui distinção de gênero baseada no sexo De fato Lepsius agrupava o indo europeu o semítico e o camítico numa mesma família que chamou de noíta com três ramos que representavam os três filhos de Noé Sem Cam e Jafet Declara explicitamente a superioridade das línguas com distinção de gênero Parece indubitável no entanto que os três grandes ramos das línguas com distinção de gênero não só tenham sido no passado os depositários e os órgãos do processo histórico da civilização humana mas também que neles e particularmente no ramo mais jovem o jafético repousa a esperança futura do mundo15 O parentesco intelectual das teorias camíticas é evidente desde Bleek até as teorias posteriores de Meinhof passando pelas de Lepsius Na obra exaustiva de Müller publicada em 1884 todas as línguas conhecidas do mundo são classificadas segundo a hipótese de uma relação fundamental entre o tipo físico do falante e a língua Suas principais divisões são as línguas dos povos de cabelos lisos as línguas dos povos de cabelos crespos etc Essa hipótese o leva por exemplo a classificar o khoi khoi não entre as línguas camíticas como faz Lepsius mas entre as línguas das raças de cabelos ondulados 14 BLEEK W H I 1851 15 LEPSIUS C R 1880 p 90 323 Classificação das línguas da África juntamente com o papua A maioria das línguas negras distribuem se entre as línguas negro africanas e bantu Sua hipótese sobre essa questão é exatamente oposta à de Lepsius uma vez que considera as primeiras como representantes do tipo original e as segundas suas derivadas Para ele certo número de línguas faladas por populações negras pertence a um grupo culturalmente mais avançado chamado nuba fula cujos falantes são fisicamente semelhantes aos mediterrânicos e aos dravídicos classificados como populações de cabelos encaracolados Nos trabalhos de Cust que divulgam as opiniões de Müller aos leitores de língua inglesa as línguas da África aparecem divididas em seis grupos 1 semítico 2 camítico 3 nuba fula 4 negro 5 bantu 6 khoisan As discussões em torno da classificação ficaram suspensas durante algum tempo e o interesse dos linguistas concentrou se na árdua tarefa científica de descrever as línguas africanas A obra de Westermann sobre as línguas sudanesas 1911 e a de Meinhof sobre as camíticas 1912 inauguram o período moderno16 A primeira dessas obras cuja tese fundamental foi ao que parece inspirada em Meinhof introduziu o termo sudanês que abrangia quase todas as línguas da África não incluídas nos grupos semítico camítico em seu sentido mais amplo dado por Meinhof bantu e san Portanto designava essencialmente todas as línguas antes chamadas línguas negras Dentro dessa vasta coleção Westermann selecionou oito línguas sem fornecer entretanto a lista completa das quais cinco eram do Sudão ocidental e três do Sudão oriental e procurou estabelecer parentesco entre elas através de uma série de etimologias e de formas ancestrais reconstituídas Meinhof já célebre por sua obra fundamental sobre o estudo comparativo do bantu procurou em seu livro sobre as línguas camíticas estender os limites da família camítica para além dos geralmente aceitos incluindo línguas como o fulfulde o massai e seguindo Lepsius o khoi khoi baseando se essencialmente no critério do gênero A obra deixava transparecer claramente sua convicção da superioridade racial camítica17 Do trabalho conjunto de Meinhof e Westermann surgiu uma divisão em cinco grupos semítico camítico sudanês bantu e san Essas conclusões foram difundidas nos países de língua inglesa por Alice Werner e tornaram se norma nos manuais de antropologia e de linguística18 16 WESTERMANN D 1911 MEINHOF C 1912 17 A hipótese camítica tornou se a base de uma interpretação cultural e histórica muito desenvolvida Sobre essa questão ver E R SANDER 1969 p 521 32 18 WERNER A 1915 e 1930 324 Metodologia e pré história da África Tal classificação não permaneceu inconteste durante seu período de predominância aproximadamente 1910 1950 Embora não figurasse nos manuais comuns a crítica mais importante veio do próprio Westermann em seu relevante trabalho sobre as línguas sudanesas ocidentais 192719 Nesta obra ele restringe sua concepção anterior das línguas sudanesas às línguas do oeste da África e identifica através de minuciosa documentação léxica e gramatical um certo número de subgrupos distintos no interior do sudanês ocidental por exemplo o atlântico ocidental o kwa e o gur Mais importante ainda é o fato de ter assinalado as semelhanças de detalhe entre o sudanês ocidental e o bantu quanto ao vocabulário e à estrutura gramatical sem entretanto afirmar seu parentesco de modo explícito De fato Sir Henry Johnston em sua extensa obra sobre o bantu e o semibantu tinha considerado muitas línguas da África ocidental como sendo aparentadas ao bantu20 Tais línguas eram por ele denominadas semibantu Continuou entretanto a respeitar o critério tipológico da classificação do nome de modo que se entre duas línguas estreitamente relacionadas uma possuísse classes nominais era considerada semibantu enquanto a outra não É necessário ainda mencionar brevemente outras classificações do período entre 1910 e 1950 das quais apenas a de Delafosse alcançou alguma difusão A classificação proposta por A Drexel procurou demonstrar a relação entre as famílias de línguas africanas e as culturas relação esta postulada pela Kulturkreislehre O africanista francês M Delafosse contrariamente aos pesquisadores alemães da época limitou o camítico ao berbere21 ao egípcio e ao cuxita e reuniu todas as outras línguas que não eram semíticas nem khoisan numa grande família negro africana22 Além de identificar dezesseis ramíficações não bantu muitas das quais fundamentadas em critérios geográficos e não puramente linguísticos Delafosse considerava ao que parece que o bantu deveria estar incluído entre as línguas negro africanas Parte da terminologia de Delafosse é ainda utilizada correntemente entre africanistas de expressão francesa Deve se também mencionar Mlle Homburger que partindo 19 WESTERMANN D 1927 20 JOHNSTON S H 1919 1922 21 Nota acrescentada a pedido de um membro do Comitê Esta classificação não é apenas contrária às opiniões de pesquisadores alemães mas também à verdade científica pura Os linguistas norte africanos apontaram os motivos políticos que levaram a escola colonialista francesa a classificar a língua berbere entre as línguas camito semíticas A realidade é que o berbere é uma língua semítica e mesmo uma das mais antigas línguas dessa família juntamente com o acadiano e o hebraico Assim não é nem camito semítico nem afro asiático como se diz em outras partes deste capítulo Ver particularmente em árabe M El Fasi O berbere língua irmã do árabe Atas da Academia do Cairo 1971 22 DELAFOSSE M 1924 p 46560 325 Classificação das línguas da África igualmente da noção de unidade linguística africana concebida entretanto de modo ainda mais amplo adotou a teoria de uma fonte egípcia como explicação dessa unidade e mesmo sem atentar para a contradição a de uma derivação longínqua a partir das línguas dravídicas da Índia23 Entre 1949 e 1950 o autor do presente capítulo definiu em uma série de artigos publicados no Southwestern Journal of Anthropology uma classificação nova em muitos aspectos que acabou por obter aceitação geral24 Por seu método diferia em vários pontos das classificações anteriores Era estritamente genética no sentido definido na introdução deste capítulo Portanto considerava probantes as grandes semelhanças entre grupos de línguas que envolviam ao mesmo tempo som e significado quer se tratasse de raízes do vocabulário quer de formantes gramaticais As semelhanças relativas apenas ao som por exemplo a presença de tons ou as que se referem apenas ao significado como por exemplo a existência do gênero gramatical sem concordância das formas fonéticas das desinências eram consideradas irrelevantes Tais características tipológicas como vimos desempenhavam um papel importante nas classificações precedentes Assim a existência por exemplo dos gêneros masculino e feminino não era considerada por si só uma prova de parentesco pois essa distinção de gênero pode aparecer e de fato aparece independentemente em diversas partes do mundo Por outro lado a existência de um marcador do gênero feminino t em todas as ramificações do afro asiático camito semítico constitui um índice positivo de parentesco Do mesmo modo a ausência de distinção de gênero por perda da categoria não constitui em si uma prova negativa Esses princípios são geralmente aceitos nas áreas onde os métodos comparativos estão bem estabelecidos como por exemplo no indo europeu O persa o armênio e o hitita entre outros não fazem distinção de gênero o que já não ocorre com a maior parte das demais línguas da família As antigas classificações como a de Lepsius não utilizavam nem citavam provas concretas para seus agrupamentos Em sua obra sobre o sudanês Westermann forneceu etimologias mas apenas para oito línguas tomadas entre centenas A única obra anterior a 1950 a apresentar provas detalhadas foi o trabalho de Westermann sobre o sudanês ocidental referente apenas a uma parte da África Na classificação do autor do presente capítulo foram apresentadas etimologias e características gramaticais comuns específicas 23 HOMBURGER L 1941 24 Para a versão mais recente da classificação de GREENBERG ver J H GREENBERG 1966 b Uma bibliografia da literatura onde se discute essa questão é encontrada em D WINSTON Greenbergs classification of African languages African Language Studies v 7 1966 p 160 70 Para um ponto de vista diferente ver o capítulo 11 da autoria do Professor D OLDEROGGE Ver também Ch A DIOP 326 Metodologia e pré história da África para todos os grupos importantes de acordo com um estudo exaustivo da literatura As propostas concretas mais importantes algumas das quais provocaram acirradas controvérsias entre os especialistas são as seguintes Admite se o parentesco do bantu com o sudanês ocidental com base nos dados de Westermann O bantu tornou se não um ramo distinto dessa família mais ampla mas apenas um subgrupo dentro do que Westermann denominou subgrupo benue congo semibantu do sudanês ocidental Ademais muitas outras línguas faladas mais a leste ramo adamaua oriental fazem parte dessa família que recebeu o novo nome de níger congo Dentre as extensões do camítico propostas por Meinhof somente o haussa se conservou Além disso o haussa é apenas um membro de um extenso ramo chádico do camito semítico O semítico aí se inclui mas simplesmente como um ramo da mesma classe dos outros Assim o camítico torna se somente um nome arbitrário para os ramos não semíticos da família maior agora chamada de afro asiática e considerada como sendo constituída por cinco ramos 1 berbere 2 egípcio antigo 3 semítico 4 cuxítico 5 chádico25 As línguas negras não incluídas no grupo níger congo foram classificadas em um outro grande grupo o nilo saariano O khoi khoi foi classificado como uma língua san pertencente ao grupo central do khoisan da África do Sul O resultado global é que as línguas africanas excluindo se o malgaxe classificam se em quatro famílias principais que nas seções que se seguem serão examinadas individual e pormenorizadamente26 Nesta exposição mencionam se conforme o caso propostas recentes para modificar ou estender a classificação original bem como as críticas mais fundamentais 25 LUKAS I 1938 p 286 99 COHEN M 1947 26 Para listas de línguas mais detalhadas que não é possível fornecer aqui devido à limitação de espaço ver I H GREENBERG 1966 b nos volumes da série Handbook of African Languages publicado pelo International African Institute de Londres e C F e F M VOEGALIN lndex of the Worlds Languages Washington U S Department of the H E W Office of education bureau of research maio 1973 6 partes 327 Classificação das línguas da África Línguas afro asiáticas27 Estas línguas também chamadas de camito semíticas cobrem toda a África do Norte e quase todo o chifre da África Etiópia Somália algumas línguas do ramo cuxítico estendem se ao sul até a Tanzânia Ademais o ramo semítico inclui línguas que atualmente ou em épocas anteriores abrangiam quase todo o Oriente Médio Em geral considera se que o afro asiático compreende cinco divisões quase igualmente diferenciadas o berbere28 o egípcio antigo o semítico o cuxítico e o chádico No entanto Fleming aventou recentemente que o grupo de línguas até agora classificado como cuxítico ocidental em que se incluem o kafa e outras línguas do sudoeste da Etiópia na verdade constitui um sexto ramo para o qual se propuseram os nomes omótico e ari banna29 O ramo berbere do afro asiático apresenta menos diferenciação interna do que qualquer outro ramo da família com exceção do egípcio Sua principal divisão parece estar entre as línguas de diversos grupos tuaregue do Saara e o berbere propriamente dito falado na África do Norte e na Mauritânia É provável que a língua extinta dos guanchos das Ilhas Canárias fosse aparentada ao berbere É necessário mencionar ainda a existência de inscrições em Líbio antigo que embora não sejam perfeitamente compreensíveis representam possivelmente uma forma primitiva do berbere Um segundo ramo do afro asiático o egípcio está documentado em seu estágio mais primitivo nas inscrições hieroglíficas nos papiros hieráticos e mais recentemente nos documentos em escrita demótica Todas essas escritas representam a mesma língua falada No período cristão essa língua continuou a ser falada e desenvolveu extensa literatura escrita em um alfabeto adaptado do grego Nesta forma mais tardia chamada copta existiam alguns dialetos literários entre os quais o boáirico que ainda sobrevive como língua litúrgica da igreja copta Após a conquista do Egito pelos árabes a antiga língua egípcia foi pouco a pouco perdendo terreno e se extinguiu enquanto língua falada provavelmente no século XVII 27 No Simpósio sobre o povoamento do Egito antigo realizado no Cairo os pesquisadores africanos ressaltaram que a classificação do Professor GREENBERG havia negligenciado um dado fundamental o estabelecimento de regras fonéticas A posição desses pesquisadores é também a do Professor Tstvan Fodor Estes mesmos pesquisadores levantaram argumentos para provar o parentesco linguístico genético do egípcio e das línguas africanas modernas 28 Cf nota 21 acima 29 FLEMING H C 1969 p 3 27 328 Metodologia e pré história da África O ramo semítico do afro asiático apresenta muito mais diferenciação interna do que o berbere e o egípcio Admite se geralmente que a principal divisão do semítico seja a existente entre o semítico oriental e o semítico ocidental O primeiro é representado apenas pela língua acadiana de escrita cuneiforme já há muito extinta Possuía dois dialetos regionais básicos o do sul babilônio e o do norte assírio Por sua vez o semítico ocidental divide se em semítico do noroeste e semítico do sudoeste O primeiro compreende o cananeu hebraico moabita fenício e provavelmente ugarítico e o aramaico Destas línguas apenas sobrevivem o hebraico ressuscitado como língua de Israel no decorrer do século passado e alguns dialetos do aramaico As formas modernas do aramaico representam os descendentes do aramaico ocidental no Anti Líbano da Síria e do aramaico oriental principalmente no norte do Iraque O semítico do sudoeste também possui duas divisões a do norte e a do sul O ramo do norte compreende a maior parte dos dialetos da península árabe e seus descendentes modernos que dominam uma vasta área a abranger a África do Norte o Oriente Médio e partes do Sudão ou seja o mundo árabe propriamente dito O ramo do sul compreende por um lado o árabe do sul e por outro as línguas semíticas da Etiópia O árabe do sul é conhecido em sua forma primitiva através de inscrições mineias sabeias e catabânicas e em suas formas contemporâneas do mehri e do shahri da Arábia do Sul e do socotri língua da ilha de Socotra no Oceano Índico As línguas semíticas etíopes dividem se em dois grupos norte tigrina tigre e gueze ou etíope clássico e sul amárico gurague argoba gafat e harari O quarto grupo de línguas afro asiáticas o cuxítico compreende um grande número de línguas que se repartem em cinco ramos bastante diferenciados setentrional central oriental meridional e ocidental O cuxítico setentrional é formado essencialmente por uma única língua o beja As línguas do cuxítico central são por vezes chamadas línguas agaw É provável que tenham sido faladas em uma área contínua mas seus antigos falantes passaram a adotar em grande proporção as línguas semíticas etíopes Os falasha ou judeus etíopes falavam antigamente uma língua agau As línguas do cuxítico central compreendem um grupo norte bilim khamir qemant e o awiya no sul O cuxítico oriental compreende as duas línguas cuxíticas com o maior número de falantes o somali e o gala As línguas do cuxítico oriental repartem se nos seguintes grupos l afar saho 2 somali baiso rendille boni 3 gala conso gidole arbore warazi tsamai geleba mogogodo 4 sidamo alaba darassa hadiya kambatta burdji O último destes grupos ou sidamo burdji deve provavelmente ser considerado como um único ramo em oposição aos outros três grupos As línguas do 329 Classificação das línguas da África cuxítico meridional são faladas na Tanzânia abrangendo o burungi o goroa o alawa o ngomvia asu o sanye e o mbugu Este grupo meridional encontra se linguisticamente mais próximo do cuxítico oriental e pode ser classificado simplesmente como um subgrupo deste O mbugu língua cuxítica meridional sofreu forte influência do bantu tanto gramatical como lexical de modo que alguns pesquisadores a consideram uma língua mista As línguas do cuxítico ocidental são extremamente divergentes das outras línguas tradicionalmente consideradas cuxíticas O cuxítico poderia ser dividido em pelo menos dois grupos o ocidental e o restante Como assinalamos anteriormente Fleming propôs que o cuxítico ocidental fosse considerado um sexto ramo distinto do afro asiático As línguas que o compõem podem ser divididas em dois grupos o ari banna o termo bako foi empregado em lugar de ari na literatura antiga e as demais que por sua vez podem ser agrupadas da seguinte forma 1 madji nao sheko 2 djandjero 3 kaffa mocha shinasha mao do sul 4 gimira 5 grupo ometo sidamo ocidental que engloba o chara o male o basketo o complexo welamo o zaysse e o koyra gidicho O último ramo do afro asiático a ser considerado é o chádico Compreende o haussa a língua mais falada na África ocidental e provavelmente outras cem línguas pelo menos faladas por populações menos numerosas De acordo com Greenberg 1963 as línguas chádicas dividiam se em nove subgrupos 1 a haussa gwandara b bede ngizim c i grupo do warjawa bauchi do norte ii grupo do barawa bauchi do sul d i grupo do bolewa ii grupo do angas iii grupo do ron 2 grupo kotoko 3 bata margi 4 a grupo musgoi b grupo marakam 5 gidder 6 mandara gamergu 7 musgu 8 grupo masa bana 9 chádico oriental a grupo somrai b grupo gabere c grupo sokoro d modgel e tuburi f grupo mubi Newman e Ma sugeriram que dentre as subfamílias acima as de número 3 e 6 são particularmente próximas uma da outra o mesmo ocorrendo com as subfamílias 1 e 9 Para o primeiro desses pares propõem o nome de biumandara e para o segundo de plateau sahel30 Estes autores não propõem nenhuma modificação no que concerne aos outros subgrupos Níger Kordofaniano Esta família possui dois ramos bastante desiguais em número de falantes e em extensão geográfica O primeiro níger congo compreende grande parte da 30 NEWMAN P e MA R 1964 p 218 51 330 Metodologia e pré história da África África ao sul do Saara incluindo quase toda a África Ocidental partes do Sudão central e oriental sendo que seu sub ramo bantu ocupa a maior parte da África central oriental e meridional Outro ramo do níger kordofaniano o kordofaniano propriamente dito confina se a uma zona limitada da região do Kordofan no Sudão A divisão fundamental do grupo níger congo está entre as línguas mande e o restante O mande distingue se pela ausência de muitos dos itens lexicais mais comuns encontrados nas línguas do níger congo e pela ausência de qualquer traço preciso de classificação nominal geralmente encontrados no kordofaniano e no resto do níger congo Existem por certo muitas línguas distintas no níger congo que perderam tal sistema Devido a essa divergência Mukarovsky sugeriu que o mande fosse considerado um ramo do nilo saariano a outra grande família de línguas negras mas o célebre especialista em línguas mande William E Welmers não aceita essa proposição31 Hoje admite se universalmente que a divisão do mande em mande tan e mande fu proposta por Delafosse32 e baseada na palavra que designa o número dez é inteiramente desprovida de valor As línguas mande podem ser classificadas do seguinte modo Grupo noroeste 1 subgrupo norte susu yalunka soninke kwela numu ligbi vai kono khassonke e maninka bambara diula 2 subgrupo sudoeste mande bandi loko loma kpelle Grupo sudeste 1 subgrupo sul mano dan tura mwa nwa gan guro 2 subgrupo oriental samo bisa busa Uma única língua o sya bobofing não se enquadra nesta lista Ela é claramente mande mas talvez deva ser corisiderada como a primeira ramificação diferenciada desse grupo de modo que geneticamente representaria um dos dois grupos sendo o outro mande propriamente dito As outras línguas níger congo são classificadas por Greenberg 1963 em cinco ramos 1 oeste atlântico 2 gur 3 kwa 4 benue congo 5 adamaua oriental Entretanto os grupos 2 3 e 4 são particularmente próximos e formam uma espécie de núcleo no interior do qual o limite entre o benue congo e o kwa em particular não está bem definido33 O termo línguas oeste atlânticas foi introduzido por Westermann em 1928 e abrange sensivelmente as mesmas línguas que o senegalês guíneense de Delafosse e dos pesquisadores franceses que o sucederam Essas línguas 31 MUKAROVSKY H G 1966 p 679 88 32 DELAFOSSE M 1901 33 Sobre esta questão ver J H GREENBERG 1963 c p 215 17 331 Classificação das línguas da África constituem dois grupos claramente delimitados um norte e um sul Este fato associado à diversidade interna principalmente do grupo norte levou Dalby a sugerir que se abandonasse o conceito de oeste atlântico e que se considerasse independente o subgrupo sul constituído pelo grupo sudoeste atlântico de Greenberg com exceção do limba Para este grupo ele propõe o termo mel34 No entanto num estudo mais recente David Sapir apoiado em evidências glotocronológicas reafirma a unidade básica do oeste atlântico tal como foi concebido tradicionalmente e inclui o limba no ramo sul35 Como principal inovação esse estudioso propõe que se classifique o bidjago língua das ilhas Bidjago em um ramo separado da classe dos ramos norte e sul o que corresponde à minha impressão sobre a divergência desta língua Convém notar que o fulfulde fula ou fulea considerado como língua camítica por Meinhof e objeto de muita controvérsia se inclui agora de comum acordo no grupo oeste atlântico A classificação do oeste atlântico é portanto a seguinte Ramo norte 1 a fula seereer b wolof 2 grupo noon 3 dyola mandjaco balante 4 a tenda basari bedik konyagi b biafada pajade c kobiana banhum d nalu Ramo sul 1 sua kunante 2 a temne baga b sherbro krim kisi c gola 3 limba Bidjago Outro grupo importante dentro do níger congo é o gur também chamado voltense sobretudo na literatura francesa As sugestões mais recentes para a subclassificação do grupo gur são as de Bendor Samuel de quem seguimos aqui as linhas básicas Convém observar que a maior parte das línguas consideradas gur pertencem a um subgrupo bastante grande que Bendor Samuel denomina gur central36 esse subgrupo corresponde ao grupo mossi grunshi das pesquisas anteriores O gur central pode ser dividido em três subgrupos 1 more gurma 2 grupo grusi 3 tamari Os outros subgrupos do gur são 1 bargu bariba 2 lobiri 3 bwamu 4 kulango 5 kirma tyurama 6 win 7 grupo senufo 8 seme 9 dogon Ainda que se admita a existência de um grupo kwa distinto do benue congo acima mencionado existem dois subgrupos o kru no extremo oeste e o ijo no extremo leste cuja pertinência ao kwa pode ser considerada duvidosa Feitas 34 DALBY D A 1965 p 1 17 35 Ver SAPIR D p 113 40 na coleção dirigida por SEBEOK SAPIR no entanto faz algumas ressalvas a respeito das conclusões citadas no texto 36 Para detalhes sobre os subgrupos estou seguindo J T BENDOR SAMUEL In T A SEBEOK op cit p 141 78 332 Metodologia e pré história da África essas ressalvas os principais subgrupos do kwa são os seguintes relacionados tanto quanto possível segundo a direção oeste leste 1 línguas kru 2 kwa ocidental que compreende o ew fõ o akan guang atualmente chamado por vezes de volta camoe o gã adangme e as línguas residuais do Toga 3 ioruba igala 4 grupo nupe 5 grupo edo 6 grupo idoma 7 ibo 8 ijo O benue congo é essencialmente o mesmo subgrupo do níger congo que Westermann denominou benue cross ou semibantu com a inclusão do bantu no interior da subdivisão bantóide Existem quatro divisões fundamentais dentro do benue congo 1 línguas do planalto 2 jukunóide 3 rio Cross cuja principal língua é a da comunidade efik ibibio 4 bantóide que compreende o bantu o tiv e um grande número de línguas menores faladas na área do curso médio do Benue Certas línguas da Nigéria antes consideradas semibantu no sentido amplo são em geral classificadas como bantu atualmente é o caso dos grupos ekoi e jarawa A principal divisão no interior do próprio bantu pode situar se entre essas línguas e o bantu no sentido tradicional O bantu neste último sentido parece dividir se em bantu oriental e bantu ocidental Para uma subdivisão mais detalhada emprega se geralmente a divisão de Guthrie em zonas designadas por letras modificadas de maneiras diversas por vários especialistas37 A classificação do grupo bantu tomado em seu conjunto como subgrupo do benue congo ele mesmo um ramo da grande família níger congo constituiu um dos aspectos mais controvertidos da classificação de Greenberg Guthrie em particular adotou a tese de que o bantu é geneticamente independente e as inúmeras semelhanças encontradas entre o bantu e outras línguas do níger congo resultam de influências bantu sobre um grupo de línguas fundamentalmente diferentes Dessa hipótese deduziu que o ponto de origem do bantu é o núcleo do Shaba meridional ao passo que Greenberg o situa no vale médio do Benue na Nigéria porque as línguas de parentesco mais estreito do subgrupo bantóide do benue congo são faladas nessa região38 O último grupo do níger congo é o ramo adamaua oriental O grupo adamaua compreende um grande número de comunidades linguísticas relativamente pequenas dentre as quais pode se citar como exemplos o tchamba e o mbum O ramo oriental compreende algumas línguas de maior importância como por exemplo o gbeya na República Centro Africana e o zande39 37 A respeito desta classificação ver M GUTHRIE 1948 38 Sobre a controvérsia a respeito do bantu ver M GUTHRIE 1962 p 273 82 R OLIVE R 1966 p 361 76 e J H GREENBERG 1972 p 189 216 39 Uma lista detalhada das línguas adamaua oriental encontra se em J H GREENBERG 1966 p 9 333 Classificação das línguas da África Contrariamente à vasta família níger congo que acabamos de examinar o outro ramo do níger kordofaniano ou seja as línguas kordofanianas propriamente ditas não compreende nenhuma língua de importância e partilha as colinas do Kordofan com várias línguas da família nilo saariana Pode ser dividido em cinco subgrupos bastante diferenciados dos quais o grupo tumtum é o que apresenta maior grau de divergência 1 koalib 2 tegali 3 talodi 4 katla 5 tumtum também chamado kadugli krongo40 Família Nilo Saariana A outra grande família de línguas negro africanas é a nilo saariana De modo geral é falada a norte e a leste das línguas níger congo e predomina no vale superior do Nilo e nas porções orientais do Saara e do Sudão Entretanto possui um alongamento ocidental no Songhai no baixo vale do Níger Compreende um ramo muito extenso o chari nilo que engloba a maior parte das línguas da família As ramificações do nilo saariano são as seguintes indo de oeste para leste na medida do possível 1 songhai 2 saariano a kanuri kanembu b teda daza c zaghawa berti 3 maban 4 furian 5 chari nilo para maiores detalhes ver os parágrafos seguintes 6 coman koma ganza uduk gule gumuz e mao As línguas chari nilo compreendem dois grupos principais o sudanês oriental e o sudanês central bem como duas línguas isoladas o berta e o kunama O sudanês oriental é o grupo mais importante do nilo saariano Contém dez subgrupos 1 núbio a núbio do Nilo b núbio do Kordofan c midob d birked 2 grupos murle didinga 3 barea 4 ingassana tabi 5 nyima afitti 6 temein tois um danab 7 grupo merarit 8 dagu grupo dajo 9 nilótico dividido em a nilótico ocidental burum grupo luo e dinka nuer nilótico oriental i grupo bari ii karamojong teso turkana masai nilótico meridional nandi suk tatoga 10 nyangiya teuso ik A classificação de dois subgrupos do nilótico o oriental e o meridional foi motivo de calorosas controvérsias Meinhof classificando o masai entre as línguas camíticas tinha ao que parece a intenção de incluir outras línguas desses dois grupos apesar de sua estreita semelhança com as línguas aqui classificadas no grupo nilótico ocidental como o chilluk o luo e o dinka A separação de línguas tão semelhantes como o chilluk e o masai por exemplo deve se principalmente ao 40 Informações mais detalhadas sobre as línguas kordofanianas são encontradas em J H GREENBERG 1966 p 149 334 Metodologia e pré história da África fato de esta última possuir distinção de gênero Westermann assumiu uma posição de compromisso ao chamar de nilo camíticas as línguas dos nilotas orientais e meridionais baseado provavelmente na hipótese de que eram línguas mistas Ele conservou apenas o termo nilótico ocidental Tucker foi inicialmente do mesmo parecer mas acabou por reaproximar essas línguas do nilótico denominando as paranilóticas41 Há ainda um outro caso recente de divergência de opiniões Hohenberger compara o masai ao semítico enquanto Huntingford procura aparentemente fazer reviver a velha suposição de Meinhof de que essas línguas são camíticas42 O outro grupo importante do chari nilo é o sudanês central Pode se dividi lo em seis subgrupos a saber l bongo bagirmi 2 kreish 3 moru madi 4 mangbetu 5 mangbutu efe 6 lendu Família Khoisan Todas as línguas khoisan possuem cliques entre as consoantes e a maioria de seus falantes pertence ao tipo san fisicamente característico A maior parte das línguas khoisan é falada na África do Sul Entretanto existem dois pequenos grupos de populações os Hatsa e os Sandawe situados muito mais ao norte na Tanzânia cujas línguas diferem acentuadamente tanto entre si quanto das línguas do grupo da África do Sul Desse modo a família divide se em três ramos 1 hatsa 2 sandawe 3 khoisan sul africano O khoisan sul africano compreende três grupos de línguas 1 grupo norte que engloba as línguas san do norte dos Auen e dos Kung 2 khoisan central dividido em dois grupos a kiechware b naron khoi khoi 3 san do sul grupo que apresenta a maior diferenciação interna com um número considerável de línguas san distintas43 Como vimos nos parágrafos que tratam da história da classificação alguns linguistas Bleek Lepsius e mais tarde Meinhof separaram o khoi khoi do san e o incluíram no camítico Uma forma modificada dessa teoria é atualmente sustentada por E O J Westphal44 que divide o grupo aqui denominado khoisan em duas famílias independentes Uma delas sandawe khoi khoi compreende o 41 Ver TUCKER A N e BRYAN M A 1966 42 Sobre estes desenvolvimentos ver G W B HUNTlNGFORD 1956 p 200 22 J HOHENBERGER 1956 p 281 87 e J H GREENBERG 1957 p 364 77 43 Ver a opinião contrária do Professor D OLDEROGGE capítulo 11 44 WESTPHAL E O J 1966 p 158 73 335 Classificação das línguas da África sandawe e as línguas do khoisan central Todas estas línguas exceto o kiechware fazem distinção de gênero Nada se diz a respeito de um possível parentesco com o camito semítico A outra família handza san compreende o hatsa e as línguas san do norte e do sul Na opinião de Westphal porém o parentesco entre o hatsa e as línguas san não está completamente definido A língua malgaxe que veio a dominar as línguas de origem africana faladas em algumas regiões da ilha de Madagáscar não se inclui na classificação acima Jamais se discutiu sua pertinência à família austronesiana malaio polinésia Seu parente mais próximo dentro da família é provavelmente a língua maanyan de Bornéo45 Outra língua que não se menciona na classificação é o meroítico46 língua morta escrita em um alfabeto que adota duas formas a hieroglífica e a cursiva Extinguiu se por volta do século IV da nossa era e é conhecida apenas através de vestígios arqueológicos encontrados em uma área que vai aproximadamente de Assuã no sul do Egito até Cartum no Sudão Apesar de se ter determinado o valor fonético das letras o conhecimento do léxico e da gramática é limitado e impreciso devido à ausência de inscrições bilíngues Segundo Griffith autor da primeira teoria a esse respeito o meroítico corresponderia ao núbio A hipótese camítica Meinhof Zyhlarz foi refutada em um importante artigo de Hintze Mais recentemente a hipótese núbia foi retomada de forma desenvolvida por Trigger que sugere pertencer ela ao sub ramo sudanês oriental do nilo saariano o qual na classificação de Greenberg também compreende o núbio47 Finalmente faz se necessário mencionar as línguas europeias e indianas de importação recente que em alguns casos são faladas atualmente por populações nascidas na África O inglês além de falado na África do Sul e no Zimbabwe é a língua dos descendentes de negros americanos que fundaram a Libéria é falado também na forma crioula krio em Freetown Serra Leoa O africâner parente próximo do neerlandês é falado na África do Sul Existe na África do Norte uma importante população de línguas francesa espanhola e italiana Uma forma crioula do português constitui a primeira língua de alguns milhares de falantes da Guiné e de outras regiões Finalmente algumas línguas originárias da Índia são utilizadas na África oriental Compreendem as línguas arianas e dravidianas sendo a mais importante o gujarati 45 As provas que sustentam esta hipótese são apresentadas em O C DAHL 1951 46 Cabe lembrar que no importante simpósio realizado no Cairo em janeiro fevereiro de 1974 relatou se em que estágio se encontram as pesquisas referentes à decifração da escrita meroítica ver volume II 47 Sobre esta questão ver F HINTZE 1955 p 355 72 e B G TRIGGER KUSH v 12 p 188 94 336 Metodologia e pré história da África Diferentes Etapas da Classificação de Greenberg I 1949 1950 1 Níger Congo 2 Songhai 3 Macro sudanês I5 sudanês oriental I3 sudanês central I14 berta I15 kunama 4 Saariano central 5 Afro asiático 6 Clique 7 Maban I8 Maban I9 Mimi of Nachtigal 8 Fur 9 Temainiano 10 Kordofaniano 11 Koaman 12 Nyangiya 1 Nígero kordofaniano II1 Níger Congo II10 Kordofaniano 2 Afro asiático 3 Khoisan cf II6 Clique 4 Nilo Saariano II2 Songhai II4 Saariano cf Saariano central II7 Maban II8 Fur II11 Koman Chari Nilo incluindo II3 Macro sudanês II9 Temainiano II12 Nyangiya Referências I Southwestern Journal of Anthropology 1949 1950 II Southwestern Journal of Anthropology 1954 III Languages of Africa 1963 III 1963 1 Níger Congo 2 Shongai 3 Sudanês central 4 Saariano central 5 Sudanês oriental 6 Afro asiático camito semítico 7 Clique 8 Maba 9 Mimi de Nachtigal 10 Fur 11 Temainiano 12 Kordofaniano 13 Koman 14 Berta 15 Kunama 16 Nyangiya II 1954 C A P Í T U L O 1 2 337 Mapa linguístico da África Embora tenha uma densidade populacional inferior à do mundo tomado como um todo1 a África possui um grau de complexidade linguística mais elevado do que qualquer outro continente2 Isso explica por que não existe até o momento um mapeamento linguístico detalhado do continente africano apesar de tão necessário aos historiadores e outros estudiosos O mapa etnodemográfico da África estabelecido pela União Soviética é provavelmente o que mais se aproxima da precisão até esta data3 embora peque por falta de clareza torna se confuso no tocante a distinções linguísticas e étnicas e sobrecarrega se de dados demográficos e etnolinguísticos além disso todos os nomes africanos são transcritos em alfabeto cirílico Outros mapas do continente que indicam mais os grupos étnicos que os linguísticos são de modo geral por demais simplificados para apresentarem algum valor científico4 1 Ocupando aproximadamente 20 da superfície terrestre total do globo a África representa pouco menos de 10 da população mundial 2 A Nova Guiné pouco mais de um quarto da superfície total da África possui um grau de complexidade linguística igual ou até mesmo superior ao do continente africano mas em nenhuma outra parte do mundo existe uma zona de fragmentação linguística tão importante por sua extensão geográfica quanto à região da África situada ao sul do Saara 3 NARODNI AFRIKI Moscou 1960 V tb KARTA NARODOV AFRIKI Moscou 1974 4 Por exemplo Tribal map of Africa in G P MURDOCK 1959 ou Map of the tribes and nations of modern Africa de Roy LEWIS e Yvonne FOY publicados pelo TIMES no início da década de 1970 PARTE II Mapa linguístico da África D Dalby 338 Metodologia e pré história da África figura 121 Mapa diagramático das línguas da África Não se pode é claro evitar um certo excesso de simplificação ao se tentar obter uma imagem de conjunto da distribuição das línguas no continente africano e das relações existentes entre elas Para que um mapa tivesse precisão 339 Mapa linguístico da África absoluta seria necessário que cada habitante do continente africano fosse representado por um ponto luminoso isolado esse ponto se moveria indicando o deslocamento de cada indivíduo no território e deveria assumir um dentre dois mil matizes conforme a língua falada pela pessoa num determinado momento Dada a impossibilidade material de estabelecer um tal mapa devemos nos contentar com um documento que sem atingir a perfeição é esperamos mais detalhado e mais exato que os atualmente disponíveis Há dez anos desenvolve se um trabalho no sentido de se elaborar um mapa da África especificamente linguístico em oposição ao étnico O presente artigo volta sua atenção para os aspectos desse trabalho que são relevantes para a história da África5 Não obstante sua aparência técnica o estudo comparativo das línguas africanas tem sido realizado frequentemente de maneira demasiado simplista existe uma tendência a admitir que o complexo mapa linguístico da África de hoje evoluiu de um antigo mapa muito mais simples e que as relações linguísticas podem ser expressas sob a forma de árvores genealógicas que se subdividem segundo uma hierarquia descendente de níveis famílias subfamílias ramos etc A crença de que as muitas centenas de línguas modernas da África podiam remontar em ordem ascendente regular a algumas línguas mãe levou os especialistas em linguística comparada a examinarem todas as relações possíveis das línguas africanas inclusive as mais distantes antes de estabelecerem suas relações imediatas sobre uma base sólida Levou os ainda a considerarem essencialmente o processo histórico de divergência entre as línguas com uma suposta origem comum excluindo o processo de convergência das línguas não aparentadas ou de reconvergência das línguas aparentadas As lastimáveis consequências de tal abordagem agravaram se ainda mais pelo fato de que as classificações pseudo históricas obtidas por esses meios serviram igualmente de quadro de referência não apenas para as línguas africanas mas também para os povos africanos e por conseguinte influenciaram indevidamente o pensamento dos historiadores da África 5 LANGUAGE MAP OF AFRICA AND THE ADJACENT ISLANDS em curso de elaboração pela School of Oriental and African Studies SOAS e pelo International African Institute IAI O mapa tem por objetivo mostrar a distribuição atual e as relações linguísticas das línguas maternas ou primeiras na escala de 15000000 neste mapa figuram igualmente as regiões de maior complexidade linguística na escala de 12500000 e 1250000 O IAI procede atualmente 1977 à publicação de uma edição provisória contendo uma lista sistemática das línguas africanas em vista de uma edição definitiva a ser publicada ulteriormente pela Longmans 340 Metodologia e pré história da África É conveniente pois antes de mais nada procurar esclarecer a confusão do mapa linguístico da África reduzindo o a seus componentes mais simples a saber de um lado grupos linguísticos que mantenham entre si uma relação estreita e harmônica e que possuam uma unidade tanto externa quanto interna6 unidades complexas de outro línguas distintas que não participem de nenhum desses grupos unidades simples Tal procedimento revela uma importante característica do mapa linguístico que permanecia encoberta pelas classificações anteriores de um total de cerca de 120 unidades complexas e simples de toda a África mais de 100 confinam se a uma única zona que se estende do litoral senegalês a oeste até os planaltos da Etiópia e da África oriental a leste7 Considerando se todas as diferentes línguas do continente africano8 aproximadamente dois terços são faladas nesta zona com cerca de 5600 km de extensão e apenas 1100 km em média de largura Essa zona estende se ao longo do Saara podendo ser denominada por comodidade zona de fragmentação subsaariana devido à sua situação geográfica e complexidade linguística Seus limites podem ser determinados pela geografia física e linguística grosso modo limita se ao norte com o Saara a leste com os contrafortes montanhosos ao sul com a orla da floresta e a oeste com o litoral atlântico Do ponto de vista da geografia física as áreas de fragmentação máxima situam se ao longo das margens norte oriental central e ocidental da zona de fragmentação na extremidade meridional do chifre da África e num bloco que cobre uma grande parte da África ocidental Do ponto de vista das relações estruturais e lexicais de conjunto a área mais fragmentada situa se provavelmente no interior e ao redor da extremidade do chifre da África onde as línguas que representam 6 Se se estabelece uma relação entre as línguas A B e e pode se considerar que possuem uma unidade interna Esse agrupamento no entanto não tem sentido se as línguas em questão não possuírem também uma unidade externa isto é se a relação entre A e B entre A e e ou entre e e B é em cada um desses casos mais íntima que entre uma dessas três línguas e qualquer outra que não faça parte desse grupo 7 Entre as restantes não menos que nove unidades compreendem as línguas faladas nos limites da zona de fragmentação excluindo se apenas unidades não bantu do sul da Africa e de Madagáscar 8 No caso de muitos grupos de formas de linguagem mais ou menos estreitamente aparentados só se podem estabelecer distinções arbitrárias entre as línguas e os dialetos das línguas Se se considera os grupos de formas de linguagem mais ou menos inteligíveis como línguas distintas o total na África será da ordem de 1250 Se se considera cada uma das formas de linguagem como uma língua em si onde aparece como tal para seus falantes e onde possui nome distinto o total então aproxima se de 2050 Se este último método fosse aplicado à Europa deveria se considerar o sueco o norueguês e o dinamarquês como línguas distintas mas segundo o outro método seriam consideradas como uma única língua A fim de se obter uma ordem de grandeza para o número de línguas faladas na África propõe se que seja tirada a média destas duas avaliações isto é aproximadamente 1650 línguas das quais 1100 calculadas pelo mesmo processo são faladas no interior da zona de fragmentação 341 Mapa linguístico da África as quatro famílias africanas postuladas por Greenberg são faladas em um raio que não ultrapassa 40 km Nesse caso e no caso das colinas do Togo do planalto de Jos dos planaltos de Camarões dos montes Nuba e dos planaltos da Etiópia ocidental parece existir uma correlação entre os países montanhosos e a intensa fragmentação linguística9 Deve se observar ainda que as relações internas de certas unidades complexas representadas por línguas pertencentes ou não à zona de fragmentação tornam se cada vez menos nítidas nos pontos de interpenetração da zona de fragmentação10 A importância linguística e histórica da zona de fragmentação ficou obscurecida pela sobreposição de uma rede de famílias e de subfamílias de línguas postuladas por linguistas europeus e americanos Dentre elas as duas famílias mais extensas ultrapassam em interesse e validade as outras duas grandes famílias da classificação de Greenberg ou até mesmo as várias subfamílias em que foram tradicionalmente divididas Uma vez que a palavra família implica uma ordem de descendência de natureza humana e biológica que não convém ao fenômeno da linguagem poder se ia utilizar o termo região de maior afinidade para designar adequadamente cada uma dessas duas famílias notadamente por ocuparem áreas mais ou menos contíguas do continente africano A primeira dessas áreas a região setentrional de maior afinidade é tradicionalmente conhecida como camito semítica e mais recentemente como afro asiática Greenberg ou eritreia Tucker A segunda ou região meridional de maior afinidade foi recentemente denominada de níger congo e de congo kordofaniano Greenberg ou de nigrítica Murdock11 Não há controvérsia sobre a validade global dessas duas regiões de maior afinidade evidentes para os linguistas europeus desde o século XVII12 e sem dúvida há muito mais tempo para os observadores africanos A relativa importância dessas duas regiões de maior afinidade se expressa pelo fato de compreenderem mais 9 Como ponto de comparação interessante cabe notar que existe uma zona de fragmentação análoga para as línguas indígenas da América do Norte Essa zona essencialmente montanhosa tem mais de 3000 km de comprimento e aproximadamente 300 km de largura estende se paralelamente à costa do Pacífico do sul do Alasca até a fronteira mexicana e inclui uma área de fragmentação máxima ao norte da Califórnia onde representantes de seis dentre oito das principais famílias postuladas para as línguas indígenas norte americanas situam se num raio de cerca de 160 km 10 A saber línguas semíticas cuxítico do leste e bantu incluindo se as línguas bantoides 11 A família congo kordofaniana de GREENBERG compreende sua família níger congo mais um pequeno grupo de línguas com classes de parentesco mais distante no Kordofan Nigrítico é um termo de classificação mais antigo retomado em 1959 por MURDOCK 12 Ver o capítulo de GREENBERG neste volume GREENBERG também ressalta o fato de que a relação entre o malgaxe e o malaio já fora observada da mesma maneira no século XVII 342 Metodologia e pré história da África de 80 das línguas faladas na África sendo que só a área meridional de maior afinidade abrange aproximadamente 66 das diferentes línguas do continente Segundo a classificação tradicionalista empregada no atual mapa linguístico as línguas da região setentrional de maior afinidade dividem se em um total de 17 unidades complexas e simples 12 das quais situam se integralmente na zona de fragmentação e as línguas da região meridional de maior afinidade em um total de 58 unidades complexas e simples 57 das quais situam se integralmente na zona de fragmentação13 Há uma razão importante para não se estabelecerem níveis intermediários nas relações entre as zonas fundamentais de maior afinidade a nível continental e as unidades simples ou complexas a nível relativamente local Por uma razão ainda não determinada esses níveis intermediários de relação linguística são muito mais obscuros e difíceis de definir do que os níveis fundamentais e imediatos Assim é que a unidade da família oeste atlântica kwa gur ou benue congo no interior da região meridional de maior afinidade ou a unidade da família cuxítica ou chádica no quadro da região setentrional de maior afinidade nunca foram demonstradas de maneira cabal Embora se tenha apontado anos atrás esta importante falha da classificação tradicional europeia e americana das línguas africanas14 esses níveis intermediários de classificação continuam ocupando lugar de destaque na literatura especializada A sustentação dessas divisões arbitrárias impostas ao mapa linguístico da África podem de certo modo ser comparadas à história das divisões coloniais arbitrárias impostas ao mapa político do continente Greenberg prestou um grande serviço à linguística africana chamando a atenção para o uso arbitrário do termo camítico como nível intermediário de classificação15 mas infelizmente é o responsável pela perpetuação do uso arbitrário de muitos outros Vários desses níveis16 já haviam sido questionados pelos linguistas mas o Professor Stewart publicou recentemente uma refutação ainda mais clara do grupo benue congo a maior das subfamílias da classificação postulada por Greenberg 13 Dentro da região meridional de maior afinidade a única unidade complexa situada em grande parte fora da zona de fragmentação é o bantu Por outro lado esta unidade complexa compreende quase tantas línguas cerca de 500 quanto o total das outras 57 unidades dessa região de maior afinidade 14 Ver D DALBY 1970 p 147 71 em particular 157 61 15 Ver o artigo de J GREENBERG neste volume 16 Ver D DALBY op cit p 160 343 Mapa linguístico da África Um resultado importante de todo este recente trabalho sobre as línguas do grupo benue congo foi colocar em dúvida a validade deste grupo enquanto unidade genética Primeiramente admitira se de modo incontestável que Greenberg estava com a razão ao afirmar que muitas inovações comuns poderiam ter valor de prova embora na realidade mencionasse apenas uma a palavra que significa criança Williamson relata entretanto que quando se levam em consideração correspondências fonéticas regulares observa se que tal particularidade não se limita às línguas benue congo e assim não constitui prova convincente acrescenta que em todo o volume I de Benue Congo Comparative Wordlist não existe um único exemplo que constitua uma prova convincente17 Quando Stewart nos aponta as dúvidas antigas acerca da unidade externa do grupo benue congo não se pode deixar de imaginar por que os especialistas da linguística comparada relutaram tanto em abandoná lo em seus sistemas de classificação Infelizmente parece ter se perdido toda a lição prática do benue congo e ao invés de abandonar este e outros níveis não comprovados de classificação intermediária Stewart prefere perpetuar o esquema de Greenberg amalgamando benue congo com kwa e gur estes dois conceitos igualmente arbitrários para formar uma outra subdivisão também arbitrária do níger congo conhecido agora como volta congo18 Sem dúvida teremos de esperar pelo resultado de outros trabalhos de linguística comparada antes que o volta congo de Stewart se amplie ainda mais de modo a incluir todo o níger congo ou a região setentrional de maior afinidade único nível fundamental de unidade externa e interna que permanece claro e inconteste Os historiadores deveriam notar que a grande aceitação da classificação standard de Greenberg repousa principalmente com respeito ao níger congo em sua própria aceitação dos Gruppen de Westermann ou subfamílias das línguas da África ocidental Como já foi ressaltado Westermann não estabeleceu a unidade externa de seus Gruppen19 enquanto sua unidade interna demonstra apenas pertencerem as línguas que os constituem à região setentrional de maior afinidade 17 J M STEWART 1976 p 6 18 Ironicamente constata se que o mande é a única subfamília intermediária da família níger congo de Greenberg que se apresenta clara e incontestável A nitidez dessa divisão reflete o fato de ser ela a única de suas subfamílias putativas cuja pertinência fundamental à família níger congo não pode ser posta em dúvida 19 D DALBY op cit 344 Metodologia e pré história da África Embora os historiadores não devam aceitar sem reservas as classificações existentes das línguas africanas não seria demais ressaltar a importância do mapa linguístico da África enquanto fonte de informações sobre a pré história do continente Obras de maior profundidade ainda estão por vir e aguarda se uma nova geração de historiadores das línguas que sejam eles próprios falantes de línguas africanas Estarão estes habilitados a consolidar os trabalhos preliminares imprescindíveis à realização de uma comparação exata e minuciosa de línguas próximas e estreitamente aparentadas A partir daí então será possível voltar se para uma interpretação mais estratégica do mapa linguístico da África como um todo Embora possua um grau de complexidade linguística maior do que qualquer outro continente a África se notabiliza pelo fato de que dois terços de suas línguas pertencem a uma só área de maior afinidade e de que esses dois terços compostos de modos diferentes confinam se à zona de fragmentação subsaariana A África de língua bantu é a única região do continente a ter constituído objeto de discussões importantes a respeito da interpretação pré histórica de dados linguísticos A chave para a interpretação pré histórica desses dados em escala continental será uma melhor compreensão de nossa parte das relações linguísticas no interior da zona de fragmentação Entretanto a extensão da tarefa não poderia ser subestimada C A P Í T U L O 1 3 345 Geografia histórica aspectos físicos É difícil sem dúvida separar a história africana de seu cenário geográfico No entanto seria inútil apoiar se em reflexões deterministas para compreender em toda a sua complexidade as relações estabelecidas entre as sociedades africanas e seu respectivo meio ambiente Cada comunidade de fato reagiu de maneira peculiar em relação ao meio Assim as tentativas mais ou menos bem sucedidas de ordenação do espaço testemunham aqui e ali o grau de organização dos homens e a eficácia de suas técnicas de exploração dos recursos locais Para uma África em mudança porém é importante examinar determinadas particularidades geográficas capazes de elucidar os principais acontecimentos que marcaram a longa perspectiva geo histórica do continente Com respeito a este ponto as características da arquitetura da África como um todo sua extraordinária zonalidade climática e a originalidade de seus meios naturais constituem heranças que impediram ou facilitaram a atividade humana sem jamais determinar seu desenvolvimento Decididamente nada é simples nas relações íntimas entre a natureza africana e os homens que a ocupam exploram ordenam e transformam de acordo com sua organização política recursos técnicos e interesses econômicos Características da arquitetura do continente africano Admite se em geral que a África pertence a um continente muito antigo que antes de se desunir e se deslocar vagarosamente compreendia a América Geografia histórica aspectos físicos S Diarra 346 Metodologia e pré história da África o sul da Ásia e a Austrália Este continente Gonduana seria a manifestação dos primeiros esforços orogênicos da crosta terrestre que deram origem a grandes cordilheiras orientadas geralmente na direção sudoeste nordeste Estes dobramentos fortemente desgastados por longa denudação foram reduzidos a peneplanos cujos maiores exemplares são encontrados na África Originalidade geológica da África A originalidade do continente africano é atestada primeiramente pela extensão excepcional do embasamento pré cambriano que ocupa a maior parte da superfície Ora na forma de afloramentos que cobrem um terço do continente ora coberto por uma camada de espessura variável de sedimentos ou de material vulcânico este embasamento compreende rochas metamórficas xisto quartzito gnaisse e rochas cristalinas granito muito antigas e de grande rigidez Com exceção do sistema alpino do Magreb e das dobras hercinianas do Cabo e do sul do Atlas o conjunto da África e Madagáscar formam uma plataforma antiga e estável constituída por um escudo que não sofreu dobramentos apreciáveis desde o Pré Cambriano Sobre o pedestal arrasado por uma longa erosão depositaram se em discordância formações sedimentares dispostas em camadas suborizontais de idades variadas desde o começo do período Primário até o Quaternário Essas séries sedimentares compostas de material grosseiro e geralmente arenoso são de natureza mais continental que marinha pois as transgressões marinhas só recobriram o pedestal temporária e parcialmente Na África ocidental os arenitos primários formam uma auréola no interior dos afloramentos da plataforma pré cambriana Na África austral grandes depósitos permotriássicos continentais constituem o sistema do Karroo no qual as séries de arenitos atingem 7000 metros de espessura Ao norte do continente particularmente no Saara oriental e na Núbia os arenitos jurássicos e cretáceos são continentais intercalados No período Secundário porém as séries marinhas acumularam se do Jurássico ao Eoceno nas regiões costeiras e nas bacias interiores Podem ser observadas nos golfos do Senegal Mauritânia Benin Gabão e Angola na bacia do Chade e nas planícies costeiras da África oriental da Somália a Moçambique A partir do Eoceno os depósitos fluviais e eólicos do continental terminal acumularam se nas grandes bacias interiores da África Todas estas séries de camadas que repousam sobre o rígido embasamento não foram afetadas pelos dobramentos mas sim por deformações de grande raio de curvatura que ocorreram desde o Primário até uma era mais recente Os soerguimentos em molhe e afundamentos de grande amplitude explicam 347 Geografia histórica aspectos físicos figura 131 África física segundo J Ki Zerbo 1978 348 Metodologia e pré história da África a estrutura em dobras e bacias tão comum na África No período Terciário durante o paroxismo da orogênese alpina movimentos verticais mais violentos provocaram grandes fraturas na África oriental Estas fraturas formam grandes fendas submeridianas emolduradas por falhas os rift valleys Por vezes fazem se acompanhar de derramamentos vulcânicos que dão origem às mais sólidas elevações como o Monte Kilimandjaro coroado por uma geleira que culmina a 6000 m A oeste as fraturas são menos importantes mas a existente no fundo do golfo da Guiné manifestou uma intensa atividade vulcânica cujo imponente testemunho é o monte Camarões 4070 m Influências paleoclimáticas O continente africano foi afetado por longas fases de erosão consecutivas aos movimentos orogenéticos aparentemente bastante lentos em todas as eras geológicas Assim as fases de estabilização fizeram se acompanhar por retomadas de erosão o que resultou na formação de vastas superfícies aplainadas Nesse processo de evolução das formas do relevo o fator mais importante foram as variações climáticas das quais as mais notáveis ocorreram no Quaternário A alternância de climas úmidos e semi áridos traduziu se por fases de alteração das rochas e de erosão linear ou em lençol Desse modo as áreas baixas foram preenchidas e as rochas duras tornaram se salientes formando com frequência elevações isoladas que emergem abruptamente das superfícies aplainadas Esses inselbergues são muito comuns nas regiões ao sul do Saara No Quaternário as mudanças climáticas e variações no nível do mar foram acompanhadas de importantes ajustamentos no dispositivo estratificado do modelado africano produzido por ciclos sucessivos de desnudação e acumulação durante os períodos anteriores Os paleoclimas são responsáveis pela existência do Saara onde a presença de numerosos vestígios líticos e de fósseis de uma fauna do tipo equatorial prova que em tempos remotos houve um clima úmido favorável à fixação do homem Mas durante o Quaternário a extensão das zonas climáticas atuais tanto para o norte quanto para o sul foi consequência do aumento ou diminuição das chuvas Dessa forma os períodos pluviais aumentaram consideravelmente a proporção da superfície total do continente favorável à vida humana Os períodos áridos por outro lado favoreceram a extensão de superfícies desérticas para além de seus limites atuais tornando o Saara um hiato climático entre o Mediterrâneo e o mundo tropical No entanto esse deserto que cobre aproximadamente um terço do continente e se estende por cerca de 15o de latitude nunca constituiu uma barreira absoluta entre o 349 Geografia histórica aspectos físicos norte e o sul Habitado por nômades é cruzado por rotas de caravanas há séculos Embora não tenha impedido a comunicação entre a África tropical e o Mediterrâneo desde a Antiguidade até a época moderna o Saara agiu como um filtro limitando a penetração de influências mediterrâneas especialmente no domínio da agricultura da arquitetura e do artesanato Desse modo o maior deserto do mundo desempenhou um papel capital no isolamento geográfico de uma grande parte da África A natureza maciça do continente africano O vigor e a nitidez das características físicas da África distinguem na de todos os outros continentes A natureza maciça desse continente e seu relevo pesado são resultado de uma longa história geológica Basta observar um mapa para perceber que a África com seus 30 milhões de quilômetros quadrados estende se por quase 72o de latitude de Ras ben Sakka 3721 N perto de Bizerta ao cabo das Agulhas 3451 S Cerca de 8000 km separam essas duas extremidades do continente enquanto que no sentido longitudinal conta se 7500 km entre o Cabo Verde e o cabo Guardafui A maior parte do continente fica acima do Equador visto que o bloco setentrional cobre os dois terços do continente que se estreita no hemisfério sul O caráter maciço da África é realçado pela ausência de recortes profundos na costa presentes por exemplo na Europa e na América Central Além disso as ilhas não constituem uma parte significativa do continente cuja forma esculpida é fortemente acentuada pela simplicidade do contorno e pelo fraco desenvolvimento da plataforma continental Um rebaixamento do nível do mar pouco afetaria a configuração da África pois a curva batimétrica de 1000 m geralmente fica próxima da costa O continente parece ainda mais maciço devido ao pesado relevo frequentemente representado por planaltos cujas bordas se erguem para formar dobras costeiras que os complexos fluviais atravessam com dificuldade Apesar de possuir poucas cordilheiras de dobramento a África se caracteriza pela considerável altitude média de 660 m decorrente das pressões orogênicas marcadas no Plioceno por fraturas e elevações do embasamento A aparente simplicidade do relevo encobre apreciáveis diferenças regionais O Magreb por exemplo tem uma marcante individualidade assemelhando se ao mundo europeu por suas cordilheiras e seu relevo compartimentado Podem se distinguir dois grandes conjuntos montanhosos as cordilheiras do Tell e do Rif ao norte e o Atlas ao sul Essas cordilheiras estão dispostas em faixas alongadas de oeste a leste entre o Mediterrâneo e o Saara 350 Metodologia e pré história da África Uma outra família de relevos é encontrada na imensa região que compreende a África do nordeste a África ocidental e a bacia do Zaire Aí predominam as planícies bacias e baixos planaltos circundados por dobras montanhosas As maiores bacias dessa área o coração do continente são as do Níger Chade Zaire e Bahr el Ghazal Por fim a África ocidental e austral representa o domínio das terras altas do continente onde são comuns as altitudes superiores a 1500 m Os planaltos do sul são circundados por uma dobra marginal o grande escarpamento que domina o litoral com uma parede rochosa que chega a atingir 3000 m de altura Mas a originalidade da África oriental reside na imponência de suas elevações causadas pelos movimentos tectônicos do Terciário O pedestal violentamente erguido sofreu profundos cortes de falhas e fraturas Ao mesmo tempo foi afetado por uma intensa atividade vulcânica O topo do maciço abissínio que consiste de um grande molhe ao qual se sobrepõem quase 2000 m de lava eleva se a mais de 4000 m Os rift valleys estendem se por 4000 km desde o mar Vermelho até Moçambique Os rift valleys que tiveram um papel importante no movimento e fixação dos povos abrigam uma série de lagos incluindo o Niassa o Tanganica o Kivu o Eduardo o Mobutu antigo Alberto o Vitória e o Turkana Rodolfo São circundados por gigantescas montanhas vulcânicas sendo as mais conhecidas os montes Quênia e Kilimandjaro O isolamento geográfico Devido à sua natureza maciça e seu relevo pesado a África ficou isolada até uma época recente Com exceção da África do Norte voltada para o mundo mediterrâneo o continente permaneceu por séculos fora das principais rotas de comércio É certo que esse isolamento nunca foi completo mas exerceu grande influência sobre muitas sociedades que se desenvolveram no isolamento geográfico Separada do Velho Mundo após a deriva dos continentes a África apresenta no entanto um ponto de contato com a Ásia o istmo de Suez que foi o corredor de passagem privilegiado das grandes migrações pré históricas A maior parte da linha costeira africana é banhada por dois oceanos utilizados de maneira desigual até os tempos modernos O Atlântico não foi frequentado até o século XV quando tiveram início as grandes expedições marítimas europeias Antes dessa época as técnicas de navegação a vela não permitiam que navegadores árabes por exemplo viajassem para além das costas do Saara dada a impossibilidade de velejarem contra os alísios que sopravam permanentemente em direção ao sul O oceano Índico ao contrário 351 Geografia histórica aspectos físicos sempre favoreceu o contato entre a África oriental e o sul da Ásia Os veleiros árabes e indianos foram capazes de empreender expedições rumo à África e retomar aos portos de origem graças ao regime de alternância das monções do oceano Índico As intensas relações estabelecidas entre a África oriental e o mundo do oceano Índico limitaram se à costa pois aos povos navegadores da Ásia interessava mais fazer comércio do que colonizar o interior Em suma a influência das civilizações marítimas de outros continentes não penetrou em profundidade no interior da África tropical que em grande parte permaneceu afastada do Velho Mundo Tradicionalmente o caráter inóspito das costas africanas tem sido apontado como fator para o isolamento do continente A reduzida presença de recortes na costa priva de abrigos o litoral frequentemente baixo e arenoso As costas rochosas raras na África ocidental aparecem com frequência no Magreb no Egito ao longo do mar Vermelho e na extremidade meridional da África do Sul Na África ocidental as costas do sul do Senegal à Guiné e as costas do Gabão e Camarões têm como característica as rias Trata se de vastos estuários que resultaram da submersão de antigos vales fluviais mas a maior parte deles apresenta consideráveis depósitos de vasa Em algumas costas baixas invadidas pelas marés aparecem mangues especialmente na região dos rivières du sud até a Serra Leoa no delta do Níger e ao longo do litoral do Gabão Em outras partes cordões litorâneos orlam o continente por vezes isolando lagoas como as do golfo da Guiné Finalmente há os recifes de coral que se estendem ao longo das margens africanas do mar Vermelho do canal de Moçambique e da costa oriental de Madagáscar A hostilidade do litoral africano foi atribuída em grande parte à rebentação das vagas em rolos violentos e regulares que dificultam o acesso a certas regiões costeiras do continente Há entretanto um certo exagero em torno dessa hostilidade as costas mediterrâneas não impediram que a África do Norte participasse durante longos séculos de intercâmbios com o exterior A ausência de portos naturais também é utilizada como justificativa para o isolamento da África negra até épocas recentes Entretanto basta inventariar os locais favoráveis à navegação para se constatar a riqueza do litoral africano neste aspecto tanto na costa do Atlântico como na do Índico De resto os obstáculos citados nunca foram intransponíveis pois as influências asiáticas e mais tarde europeias marcaram fortemente os povos da África cujo isolamento foi apenas relativo Os fatores humanos sem dúvida explicariam melhor o fraco interesse das populações litorâneas africanas pelas grandes expedições marítimas 352 Metodologia e pré história da África A zonalidade climática da África As condições de vida na África dependem principalmente dos fatores climáticos A simetria e a grande extensão do continente em ambos os lados do Equador sua natureza maciça e seu relevo relativamente uniforme se combinam para conferir ao clima uma zonalidade inigualável em outras partes do mundo Uma notável originalidade do continente africano é a sucessão de faixas climáticas ordenadas paralelamente ao Equador Em ambos os hemisférios os regimes pluviométricos africanos diminuem progressivamente em direção às altas latitudes Por possuir a maior parte do território na zona intertropical a África é o continente mais uniformemente quente do mundo Este calor se faz acompanhar de seca crescente em direção aos trópicos ou de umidade geralmente mais elevada nas baixas latitudes Fatores cósmicos Neste continente intertropical por excelência as diferenciações climáticas dependem muito mais das chuvas que das temperaturas que na maior parte das regiões são elevadas em todas as estações De qualquer modo os regimes pluviométricos e térmicos estão em primeiro lugar ligados aos fatores cósmicos isto é à latitude e ao movimento aparente do sol O sol atinge o zênite duas vezes por ano em todas as regiões intertropicais mas somente uma vez nos trópicos de Câncer e Capricórnio respectivamente a 21 de junho data do solstício de verão e 21 de dezembro data do solstício de inverno no hemisfério norte Atinge o zênite duas vezes ao ano no Equador no equinócio de primavera 21 de março e no equinócio de outono 21 de setembro Em seu movimento aparente o sol nunca desce muito abaixo do horizonte Por essa razão as temperaturas são altas durante todo o ano na zona intertropical Nas regiões próximas ao Equador onde a posição aparente do sol oscila em torno do zênite observa se uma ausência de estação térmica pois há poucas variações sazonais de temperatura As amplitudes anuais são da ordem de 3o a 4o À medida que nos aproximamos dos trópicos do norte e do sul porém observamos um crescente contraste de temperaturas No Saara registram se fortes amplitudes da ordem de 15o entre as temperaturas médias de janeiro e julho As extremidades setentrional e meridional do continente que pertencem às zonas temperadas apresentam regimes térmicos contrastados pois as fortes amplitudes anuais resultam da oposição entre os invernos frios e os verões quentes Além disso as variações diurnas podem ser tão elevadas na região do Mediterrâneo quanto na zona 353 Geografia histórica aspectos físicos intertropical Resumindo os fatores cósmicos determinam dois tipos principais de regimes térmicos regular nas latitudes equatoriais e progressivamente contrastado à medida que nos aproximamos dos trópicos Mecanismo pluviométrico A explicação para as variações sazonais do clima africano está na existência de grandes centros de atividade atmosférica que põem em movimento massas de ar do tipo tropical e equatorial marítimas ou continentais Há dois anticiclones tropicais ou centros de alta pressão permanentes sobre o Atlântico um no hemisfério norte anticiclone dos Açores e outro no hemisfério sul anticiclone de Santa Helena Existem outras duas células anticiclônicas uma sobre o Saara outra sobre o Calaari Esses anticiclones continentais de caráter sazonal só desempenham papel importante durante o inverno boreal ou austral No verão eles se enfraquecem e são varridos para as extremidades do continente Os centros de atividade atmosférica compreendem por fim uma zona de baixas pressões centrada no Equador térmico oscilando de 5o de latitude sul em janeiro a 11o de latitude norte em julho Os anticiclones emitem os alísios que varrem a área intertropical em direção à zona equatorial de baixa pressão dos ventos de superfície Do anticiclone dos Açores partem ventos frescos e constantes os alísios atlânticos de direção nordeste que afetam somente uma estreita faixa da costa do Saara até o Cabo Verde O anticiclone de altitude do Saara é a fonte dos ventos de nordeste os alísios continentais secos e relativamente frescos mas aquecidos à medida que se movem em direção ao sul Trata se do harmatã de direção leste abrasador e seco que sopra com grande regularidade sobre todo o Sahel do Chade ao Senegal É acompanhado por turbilhões ascendentes que carregam areia ou poeira originando névoa seca No hemisfério sul durante o inverno austral manifestam se também ventos relativamente secos e quentes em algumas partes da bacia do Zaire Mas sobretudo nesta estação que corresponde ao verão boreal as baixas pressões continentais centradas no sul do Saara atraem os alísios marítimos provenientes do anticiclone de Santa Helena estes se desviam para nordeste após cruzar o Equador É a monção da Guiné que sopra sob o harmatã afastando o para o norte e elevando o O encontro dessas massas de ar de direção temperatura e umidade diferentes é a zona de convergência intertropical ou frente intertropical que determina as estações chuvosas Durante o verão boreal maio setembro a frente intertropical de direção leste oeste desloca se entre 10o e 20o de latitude norte O alísio vindo do sul carrega então massas de ar úmidas para a costa da Guiné dando início à estação 354 Metodologia e pré história da África chuvosa No inverno a zona de convergência forma se no golfo da Guiné abordando o continente pela costa de Camarões e cortando a metade sul do continente para atravessar o canal de Moçambique e o noroeste de Madagáscar Ao norte do Equador reinam os ventos continentais muito secos na África ocidental Ao sul do Equador a convergência do alísio continental austral e das massas de ar do alísio marítimo proveniente do norte do oceano Índico provoca precipitações O mecanismo geral do clima pode ser modificado por fatores geográficos tais como as correntes marinhas o relevo e a orientação da costa As correntes frias constantes da fachada atlântica da África atuam simetricamente em ambos os lados do Equador Ao norte a corrente das Canárias movida pelos ventos do anticiclone dos Açores segue a costa desde Gibraltar até Dacar trazendo baixas temperaturas e neblina Perto dos 15o de latitude a corrente das Canárias volta se para oeste Sua réplica no hemisfério sul é a corrente de Bengala posta em movimento pelos ventos do anticiclone de Santa Helena e acompanhada de temperaturas baixas e densos nevoeiros ao longo das costas do sudoeste africano antes de seguir para oeste na altura do cabo Frio Assim se explicam os desertos costeiros da Mauritânia e da Namíbia Entre as duas correntes frias da fachada atlântica insinua se a contracorrente equatorial da Guiné que desloca massas de água quente de oeste para leste aumentando a umidade e a instabilidade atmosféricas e consequentemente a possibilidade de chuva ao longo da costa de Conakry a Libreville A circulação das correntes marinhas na fachada do oceano Índico manifesta se de forma diferente As águas equatoriais impelidas em direção ao continente pelos ventos de sudeste provenientes do anticiclone centrado no leste de Madagáscar formam a corrente quente de Moçambique que se dirige para o sul e tem como prolongamento a corrente das Agulhas Traz umidade para a costa sudeste da África Ao norte do Equador as correntes marinhas se invertem com a mudança de direção dos ventos Assim no verão uma corrente quente de direção nordeste passa ao longo da costa da Somália No inverno essa mesma costa é banhada por uma corrente fria proveniente da Arábia que se move em direção ao Equador O relevo da África não obstante sua relativa uniformidade exerce influência sobre o clima uma vez que opõe as elevações litorâneas verdadeiras telas a impedir o acesso das massas de ar úmidas às bacias centrais planaltos interiores e vales de abatimento tectônico onde prevalecem graus variados de aridez A disposição do litoral em relação à direção dos ventos portadores de chuva também constitui um fator de diferenciação climática As áreas diretamente 355 Geografia histórica aspectos físicos expostas à monção de sudoeste especialmente quando montanhosas apresentam o mais alto índice pluviométrico da África ocidental aproximadamente 5000 mm na República da Guiné Na África austral e em Madagáscar as costas perpendiculares à direção dos alísios marítimos recebem fortes precipitações Já os setores costeiros paralelos à direção dos ventos e sem relevo marcante como no Benin e na Somália recebem menos chuva Na África os ritmos climáticos sazonais são determinados principalmente pela pluviosidade O volume das precipitações decresce gradualmente do Equador aos trópicos e os desertos de Saara e Calaari recebem menos de 250 mm de chuva por ano Essa diminuição dos totais pluviométricos é acompanhada de modificações nos ritmos sazonais das precipitações que apresentam maior contraste à medida que se vai para o norte Nas regiões próximas ao Equador portanto submetidas à influência permanente das baixas pressões as chuvas manifestam se durante o ano inteiro embora diminuindo sensivelmente nos solstícios Em direção ao norte e ao sul as chuvas se concentram em um único período que corresponde ao verão de cada hemisfério Assim uma estação chuvosa se opõe a uma estação seca que se torna mais longa à medida que nos aproximamos dos trópicos Mas as duas extremidades do continente o Magreb e a província do Cabo apresentam uma originalidade marcada pelas chuvas de estação fria Essas regiões têm um índice pluviométrico médio distribuído irregularmente no espaço Zonas climáticas As variações dos regimes pluviométricos tanto nos totais anuais quanto na distribuição sazonal orientam a divisão da África em grandes zonas climáticas Climas equatoriais Caracterizam as regiões centrais que em ambos os lados do Equador deparam com duas passagens equinociais da frente intertropical às quais são ligadas fortes precipitações Desde o sul de Camarões à bacia do Zaire ocorrem chuvas abundantes durante o ano todo O ar fica saturado de vapor de água em todas as estações O total pluviométrico anual geralmente ultrapassa os 2000 mm Nessa atmosfera úmida observa se uma fraca variação mensal de temperatura a média anual é de 25oC A leste nas regiões equatoriais sob influência climática do oceano Índico encontramos os mesmos ritmos pluviométricos mas com um total anual inferior a 1500 mm As variações anuais da temperatura apresentam se mais acentuadas 356 Metodologia e pré história da África do que as da fachada atlântica da zona equatorial As amplitudes diurnas são mais altas nas regiões que pertencem climaticamente ao mundo índico Climas tropicais Manifestam se na vasta área influenciada pelos deslocamentos da frente intertropical ao norte e ao sul da zona equatorial O noroeste da África entre os 4o de latitude e o Trópico de Câncer possui uma gama variada de climas desde as duas passagens equinociais ao sul à passagem solsticial única ao norte No litoral do golfo da Guiné o clima é subequatorial ou guineense sem estação seca mas apresentando uma pluviosidade mais acentuada quando das duas passagens do sol pelo zênite O efeito orográfico da barreira costeira provoca a condensação de uma forte umidade trazida pela monção do sudoeste A faixa costeira desde a República da Guiné até a Libéria recebe mais de 2000 mm de precipitações anuais A região do Sudão localizada mais ao norte apresenta vários aspectos de clima intertropical Distingue se uma variedade seca que anuncia o deserto Em latitudes mais altas as duas estações a úmida e a seca alternam se na zona intertropical Entre os dois extremos fortes chuvas equatoriais e a aridez do Trópico de Câncer encontramos as seguintes gradações a A primeira subzona caracteriza se por apresentar índices pluviométricos anuais entre 1500 e 2000 mm e precipitações que duram mais de seis meses As amplitudes térmicas anuais aumentam em relação às da zona equatorial b A subzona central é mais seca pois as precipitações ocorrem somente de três a seis meses por ano totalizando de 600 a 1500 mm As amplitudes térmicas mostram sensível aumento c A subzona setentrional conhecida como Sahel na África ocidental recebe menos de 600 mm de precipitações que ocorrem durante menos de três meses As chuvas são cada vez mais irregulares e as variações de temperatura são crescentes d Ao sul do Equador distingue se a mesma distribuição latitudinal das variedades climáticas tropicais Observam se porém gradações mais nítidas por ser a África austral menos maciça e devido à importância das altas elevações que dominam as planícies costeiras banhadas pelo oceano Índico A convergência do ar marítimo equatorial do noroeste e do ar marítimo tropical do leste provoca chuvas abundantes nas costas de Moçambique e na fachada oriental de Madagáscar A costa atlântica ao contrário é seca devido à presença da corrente quente de Benguela responsável pela existência do deserto da Namíbia 357 Geografia histórica aspectos físicos Climas desérticos Os climas desérticos caracterizam as regiões situadas de ambos os lados dos trópicos O índice pluviométrico é inferior a 250 mm e as precipitações bastante irregulares O Saara o maior deserto quente do mundo recebe no total menos de 100 mm de chuva por ano Entretanto observam se gradações devidas à oscilação do anticiclone do Saara que entre os solstícios sobe para o Mediterrâneo ou desce para baixas latitudes No primeiro caso facilita a penetração de infiltrações da monção enquanto no segundo favorece incursões de ar polar Tais oscilações permitem distinguir o Saara setentrional com chuvas mediterrâneas na estação seca do Saara central onde praticamente não ocorrem precipitações e do Saara meridional com chuvas tropicais na estação quente Situado no Trópico de Capricórnio o deserto do Calaari é mais aberto que o Saara às influências oceânicas do sudoeste pois o estreitamento do continente atenua a influência da célula anticiclônica sobre o clima Dessa forma há maior umidade e menores amplitudes térmicas Climas mediterrâneos Os climas mediterrâneos do Magreb e da extremidade meridional da África têm por peculiaridade a divisão do ano em duas estações uma fresca e chuvosa e outra quente e seca A região mediterrânea submetida ao regime dos ventos da zona temperada caracteriza se pela passagem no inverno de ciclones oceânicos carregados de umidade Por vezes ocorrem invasões de ar polar que ocasionam frio intenso acompanhado de geada e neve em particular nas cordilheiras do Magreb A aridez e o calor do verão originam se da influência dos ventos que sopram dos desertos vizinhos o Saara no hemisfério norte e o Calaari no hemisfério sul Meios bioclimáticos africanos Na África mais do que em qualquer outra parte do mundo a vida humana se organizou em contextos naturais que se revelam antes de tudo meios bioclimáticos O clima e o relevo combinam seus efeitos para determinar as grandes regiões individualizadas pela hidrologia características pedológicas e botânicas 358 Metodologia e pré história da África O escoamento das águas continentais A diversidade climática reflete se na hidrografia Na África porém o escoamento das águas para os oceanos exerce uma função muito menos importante do que aquela que um julgamento precipitado poderia sugerir Mais da metade da superfície do continente compõe se de regiões de drenagem arréica ou endorréica Além disso os sistemas fluviais encontram obstáculos no seu percurso De fato seus contornos são formados por trechos de fraca declividade unidos abruptamente por rápidos quedas dágua e cataratas Assim grande parte das águas que eles drenam sofre infiltração permanente e sobretudo intensa evaporação resultante da estagnação nas bacias fossas e depressões do pedestal Organização das redes hidrográficas As vastas áreas do continente onde as chuvas são escassas ou inexistentes não possuem cursos dágua permanentes Mas a área seca mediterrânea recebe algumas chuvas violentas que originam lençóis de escoamento que por vezes se acumulam em uedes Estes terminam por esvaziar se devido à evaporação e infiltração das águas Nas regiões de índice pluviométrico satisfatório em clima tropical ou equatorial os grandes rios e seus principais afluentes formam redes organizadas que coletam parte da água das bacias assegurando lhes o sangramento em condições frequentem ente difíceis De fato as bacias em que se formou a maioria dos rios africanos apresentam soleiras periféricas desfavoráveis a um bom escoamento para o mar Assim as águas continentais escoam se através das dobras costeiras por vales estreitos e profundos que apresentam frequentes rupturas de declive no curso inferior de alguns dos principais rios O Zaire possui trinta e dois rápidos entre Stanley Pool e o estuário O Zambeze salta 110 m nas cataratas de Vitória antes de mergulhar na Garganta de Kariba e atravessar várias cataratas basálticas A jusante de Cartum o Nilo passa por seis rápidos denominados cataratas antes de chegar ao Mediterrâneo Todos os demais grandes rios Níger Senegal Orange Limpopo têm perfil em forma de escada principalmente nos cursos inferiores É fácil entender desde logo as dificuldades de navegação nos rios da África que têm a aparência de medíocres canais de comunicação Entretanto foram eles que permitiram no passado contatos proveitosos entre os diferentes povos do continente Entre as grandes redes hidrográficas observam se confusas redes de córregos lagoas e pântanos desordenados e sem drenagem regular para o exterior Trata se por vezes de águas estagnadas ou de escoadouros das águas provenientes 359 Geografia histórica aspectos físicos do transbordamento dos rios adjacentes ou ainda ao contrário de afluentes desses cursos dágua Estes se formaram ao longo das eras geológicas nas bacias de subsidência no fundo das quais as águas continentais carregadas de aluvião acumularam se em lagos A drenagem tornou se possível pela ação de movimentos tectônicos que afetaram o embasamento Assim os imensos lagos interiores escoaram suas águas através dos vales de abatimento tectônico ou das falhas Fenômenos de captura resultantes do fraturamento do pedestal ou da evolução morfológica contribuíram sem dúvida para a organização das redes hidrográficas O endorreísmo ainda se manifesta entretanto nas bacias do Chade e Okovango ocupadas por lagos rasos e pântanos que adquirem dimensões impressionantes ao receber a contribuição sazonal dos lençóis de escoamento superficial Outras bacias de subsidência embora providas de saída para o mar apresentam uma tendência análoga ao endorreísmo Assim se formaram os pântanos de Macina ou delta interior do Níger os do Bahr el Ghazal no Sudão e os da bacia do Zaire Regimes dos rios africanos Por toda a África os ritmos pluviométricos regulam os regimes hidrológicos o que equivale a dizer que as variações sazonais dos débitos fluviais estão diretamente ligadas ao regime anual de precipitações Os cursos dágua das regiões equatoriais são regulares e caudalosos o ano inteiro No entanto apresentam dois períodos de cheia correspondentes às chuvas equinociais Na zona tropical um período de cheia correspondente à estação das chuvas isto é ao solstício de verão é seguido por um período de pronunciada estiagem durante a estação seca O regime é portanto bastante contrastado Ademais há um intervalo entre o período de precipitações e a subida das águas devido ao lento escoamento das mesmas sobre superfícies de declividade geralmente fraca Nas regiões subáridas o escoamento intermitente dos uedes manifesta se quando das raras chuvas violentas que provocam cheias repentinas mas de curta duração visto que as águas se perdem rio abaixo Na zona mediterrânea as fortes chuvas e a presença de relevos montanhosos transformam os rios em torrentes Esses rios têm regimes bastante irregulares caracterizados por cheias no inverno e estiagem acentuada no verão Nesta zona climática muitos cursos dágua são uedes de escoamento intermitente Os grandes rios africanos com redes que se estendem sobre várias zonas climáticas escapam aos esquemas simples anteriormente mencionados 360 Metodologia e pré história da África Caracterizam se por regimes complexos variáveis ou seja por variações sazonais de débito que se modificam de montante a jusante Os grandes rios africanos Na África uns poucos rios de grande porte que se colocam entre os mais importantes do mundo drenam imensas bacias quase todas situadas na zona intertropical Os regimes desses rios estão ligados às condições de alimentação pluvial das vertentes de suas bacias O Zaire é o exemplo mais típico de rio equatorial com duas máximas equinociais Sua rede estende se por quase 4 milhões de quilômetros quadrados entre 12o S e 9o N Assim por intermédio do Kasai e do Lualaba ele cruza regiões austrais com máxima pluvial nos solstícios Seu principal afluente do hemisfério norte é ao contrário alimentado pelas chuvas do solstício boreal enquanto uma grande parte de seu curso se estende por regiões com duas máximas pluviais equinociais A combinação de diferentes intumescências gera em Kinshasa um regime hidrológico com duas máximas em março e em julho O Zaire é um rio abundante e regular cujo débito médio anual de 40000 m3s só é superado pelo do Amazonas O Nilo que através de seu braço de origem o Kagera tem suas cabeceiras em Ruanda e Burundi recebe águas equatoriais que se espalham pelos pântanos do Bahr el Ghazal Após atravessar o lago Vitória é reforçado pelos afluentes tropicais provenientes das montanhas da Etiópia O Nilo Azul e o Atbara que têm um regime de máxima solsticial permitem que o Nilo atravesse uma imensa área desértica antes de alcançar o Mediterrâneo Apesar de sua grande extensão sem igual na África 6700 km o Nilo é pouco volumoso possuindo um débito médio anual inferior a 3000 m3s Porém tem sido desde a Antiguidade um dos rios mais úteis do mundo O Níger cuja bacia se estende de 5 N a 16 N possui um regime mais complexo Ele descreve uma extensa curva de traçado bastante original Nasce na faixa montanhosa do Atlântico e dirige se para o Saara orientando se depois para o golfo da Guiné onde deságua por um vasto delta Assim os cursos superior e inferior atravessam regiões meridionais de clima tropical úmido O curso médio demora se em um delta interior de clima saheliano e curva se com dificuldade na região subdesértica de Tombuctu antes de receber um volume de água cada vez maior em direção à jusante A estação chuvosa traz duas cheias simultâneas uma no curso superior e outra no curso inferior Mas a primeira que se manifesta até o Níger declina gradualmente em consequência 361 Geografia histórica aspectos físicos da evaporação e da infiltração na zona tropical seca A segunda visível desde o norte do Benin continua a jusante devido às chuvas locais de máxima solsticial O Níger recebe no curso inferior o Benue seu principal afluente Solos africanos A distribuição geográfica dos solos segue um zoneamento estreitamente vinculado ao clima As várias formações pedológicas resultam principalmente da ação da água e da temperatura nas rochas locais Nas regiões tropicais as chuvas quentes abundantes e ácidas lavam as rochas dissolvendo os minerais básicos e carregando os para as camadas inferiores do solo Nas baixas latitudes muito úmidas até 10o ao norte e ao sul do Equador a decomposição química das rochas resulta na formação de solos ferralíticos Trata se geralmente de argilas móveis avermelhadas de vários metros de espessura Originam se da transformação da rocha mãe em elementos coloidais incluindo o caulim a hematita e a sílica cerca de 30 do total Embora protegidos da erosão pela cobertura florestal os solos ferralíticos contêm pouca matéria orgânica e húmus Nas regiões sudanesas com estação seca definida formam se solos tropicais ferruginosos menos profundos que os anteriores ricos em óxidos de ferro possuindo superfície arenosa e interior argiloso Pouco estáveis são sensíveis à erosão pluvial e eólea Sua estrutura se deteriora muito rapidamente na superfície se a cobertura vegetal estiver ausente Esses solos frequentemente sofrem laterização na África ocidental onde o processo de lixiviação que ocorre durante a estação chuvosa alterna se com um intenso dessecamento na estação seca especialmente quando sopra o harmatã Em algumas regiões situadas ao norte da faixa costeira do golfo da Guiné há antigas superfícies desnudadas pela erosão cujos solos apresentam carapaças ou couraças denominadas bowé Tais formações pedológicas caracterizam se por um forte acúmulo de óxido de ferro e alumínio seguido de endurecimento nos níveis menos profundos Mas um bom número desses bowé antigos data do Terciário Suas superfícies lateríticas afloraram em consequência da erosão dos níveis móveis superiores O valor agronômico desses solos é em toda parte muito limitado Solos semelhantes são encontrados em Madagáscar nos tampoketsa do noroeste de Antananarivo Mais ao norte no hemisfério boreal formaram se sob um clima de estações contrastantes e sob uma cobertura herbácea solos pardos estruturados de grande valor agronômico Apesar de sensíveis à lixiviação permitiram o desenvolvimento de culturas agrárias associadas aos grandes impérios sudaneses da época pré colonial 362 Metodologia e pré história da África Ao sul do Equador nos países banhados pelo Zambeze formaram se sob a cobertura da floresta seca solos ligeiramente lixiviados semelhantes a formações podzólicas Ao norte e ao sul nas regiões subáridas vizinhas ao Saara e ao Calaari encontram se solos castanhos de estepe que correspondem a areias dunares mais ou menos fixas ou a formações argilo arenosas nas depressões Leves e soltos são adequados para o plantio mas sua regeneração requer a prática de longos alqueives de arbustos ou herbáceas Nas regiões áridas onde predominam as formas de erosão mecânica as fortes variações de temperatura favorecem a fragmentação das rochas que sofrem igualmente a ação violenta do vento e das raras chuvas estas responsáveis pelo escoamento em lençol do material detrítico Observam se nessas regiões areias estéreis constituindo ergs cascalheiras ou regs que cobrem grandes extensões e crostas argilosas nas planícies Excetuando se os oásis os desertos não oferecem solo utilizável para o plantio No meio ambiente mediterrâneo a ação da água e das estações contrastadas ocasionam uma menor alteração química das rochas em relação ao fenômeno de decomposição observado na região tropical úmida Os solos assemelham se aos dos trópicos secos apresentando coloração vermelha cinza ou castanha Em geral são ricos em sais Alguns deles como os solos estépicos ricos em calcário introduzem o meio temperado Outros formados de crostas de calcário ou gipso são bastante característicos da zona mediterrânea Regiões biogeográficas Fatores climáticos e pedológicos respondem pela diversidade das condições mesológicas nas quais se constituem as paisagens botânicas Florestas densas pluviais A paisagem botânica mais imponente localiza se no centro do continente entre 5o N e 5o S A vegetação característica é a floresta densa úmida e alta que se divide em diversos estratos sucessivos Lianas e epífitas acentuam a obscuridade causada pela superposição das folhagens sempre verdes Existem porém gradações é o caso dos cerrados pantanosos sobre poto poto1 ou das clareiras que anunciam a passagem para formas características de climas mais secos A extrema diversificação das espécies da floresta pluvial bem 1 Solo lamacento de alguns centímetros de profundidade constituído essencialmente de argila 363 Geografia histórica aspectos físicos como sua distribuição espacial anárquica tornam difícil sua exploração O calor e a umidade constantes aliados à exuberância da vegetação favorecem a multiplicação de microrganismos vermes e insetos Trata se de um meio geralmente hostil ao homem que apesar de silencioso é habitado por uma grande variedade de animais tais como o hipopótamo o elefante o porco selvagem e a pantera Mas são os pássaros répteis e mamíferos arborícolas que encontram maior facilidade de locomoção e reprodução apesar de fatores adversos como a abundância de parasitas Fora da zona equatorial a grande floresta fluvial pode existir em terras altas expostas por muito tempo aos ventos carregados de umidade de que é exemplo a vertente oriental dos planaltos de Madagáscar Savanas e florestas abertas A zona da floresta ombrófila limita se com a floresta seca de folhas caducas característica das regiões onde as chuvas se concentram nos solstícios Aparece na maioria dos casos como uma formação aberta em que a população arbórea cobre apenas parcialmente uma vegetação arbustiva e herbácea Quando sofre depredação humana dá lugar a paisagens herbáceas características de regiões com estação seca mais definida Assim a savana tropical aparece à medida que nos afastamos das baixas latitudes Essa vegetação característica de regiões com estações contrastadas apresenta algumas nuances relacionadas às variedades mais ou menos úmidas de climas tropicais Na orla da floresta a savana pré florestal comporta ainda grandes árvores que são todavia menos numerosas que os arbustos a cobertura herbácea adquire maior importância As florestas galerias acompanham os cursos dágua em faixas mais ou menos largas A floresta parque justapõe espaços arborizados a superfícies com menor cobertura onde aparecem principalmente gramíneas altas As savanas herbáceas destituídas de árvores resultam sem dúvida do desmatamento efetuado pelo homem e da laterização do solo Mais além da floresta densa a savana herbácea constituída de um tapete contínuo de ervas altas cede gradualmente lugar à savana arbustiva onde com frequência o solo aparece desnudado entre trechos de cobertura herbácea Nos diferentes tipos de savanas os animais herbívoros encontram condições favoráveis de existência Dessa forma a caça é abundante e existem condições propícias à criação de gado Nessas terras de fácil desbravamento o homem pode igualmente dedicar se à prática da agricultura 364 Metodologia e pré história da África Paisagens de estepe A estepe caracteriza as regiões que apresentam uma longa estação seca Compõe se de tufos de gramíneas e arbustos espinhosos principalmente acácias Essa formação aberta é encontrada nas regiões setentrionais da África ocidental e oriental e mais esporadicamente na África do Sul no deserto de Calaari e no sudoeste de Madagáscar A vegetação subdesértica constituída por uma estepe progressivamente empobrecida é encontrada nas regiões de índice pluviométrico inferior a 200 mm Formações vegetais mediterrâneas As extremidades do continente africano apresentam estepes arbustivas ou graminosas nas regiões mais secas Nas regiões mais úmidas porém principalmente nas cordilheiras do Magreb aparecem florestas secas de carvalhos sobreiros pinheiros e cedros São formações vegetais perenifólias que dominam uma vegetação rasteira arbustiva Conclusão A África aparece como um velho continente que desde épocas remotas foi ocupado por povos que cedo desenvolveram esplêndidas civilizações A geografia africana tanto em seus aspectos estruturais como em seus meios naturais mostra traços vigorosos herdados de um longo passado geológico O espaço africano é mais maciço e continental do que qualquer outro Vastas regiões no coração do continente a uma distância de mais de 1500 km do mar permaneceram durante muito tempo à margem das grandes correntes de circulação o que explica a importância das depressões meridianas como o Rift Valley da África oriental para a fixação do homem desde a Pré História O isolamento geográfico acentuou se nas proximidades dos trópicos devido às variações climáticas do Terciário e do Quaternário Durante milhares de anos o Saara úmido foi um dos maiores centros de povoamento do mundo Mais tarde os períodos secos contribuíram para a formação de imensos desertos como o Saara e o Calaari Os intercâmbios de todo tipo entre as diversas civilizações do continente foram por conseguinte prejudicados mas não interrompidos Dessa forma o clima constitui um fator essencial para a compreensão do passado africano Ademais os ritmos pluviométricos e os meios bioclimáticos exercem uma influência efetiva na vida do homem atual As sociedades africanas tiraram 365 Geografia histórica aspectos físicos proveito da complementaridade das zonas climáticas para estabelecer entre si as correntes de intercâmbio mais antigas e vigorosas Finalmente a história da África foi particularmente influenciada pela riqueza mineral que constitui um dos principais fatores da atração que o continente sempre exerceu sobre os povos conquistadores Assim o ouro da Núbia e de Kush foi explorado pelas dinastias do antigo Egito Mais tarde o ouro da África tropical principalmente da região sudanesa e do Zimbabwe tornou se fonte de prosperidade das sociedades do norte da África e do Oriente Próximo e suporte dos grandes impérios africanos do sul do Saara Em tempos remotos o ferro foi objeto de troca entre a floresta e as regiões tropicais da África As salinas da orla do Saara tiveram um papel importante nas relações entre os Estados negros do Sudão e dos povos árabe berberes do norte da África Mais recentemente a riqueza mineral da África tem sido explorada pelas potências coloniais Atualmente é em grande parte exportada como matéria prima C A P Í T U L O 1 4 367 Geografia histórica aspectos econômicos Segundo Gilbert o verdadeiro objetivo da geografia histórica é a reconstrução da geografia regional do passado1 Num volume como este tal definição deveria levar nos a apresentar uma geografia regional da pré história africana com ênfase nos aspectos econômicos Tal propósito implicaria sem dúvida em um exame completo das condições físicas e humanas vigentes num passado remoto o que inevitavelmente acabaria por invadir o objeto de estudo de alguns tantos outros capítulos deste volume Assim sendo o presente capítulo tratará fundamentalmente de considerar os recursos naturais básicos em termos da forma como foram descobertos e utilizados na África desde a Pré História Tal enfoque além de revelar a vasta gama de riquezas naturais do continente como as conhecemos na atualidade procurará destacar aquelas que foram consideradas como tais num passado remoto os lugares onde foram descobertas a maneira como foram utilizadas e em que medida facilitaram ou frearam o controle do homem sobre extensas áreas do continente Os minérios e o desenvolvimento da tecnologia humana Os minerais talvez constituam o mais significativo dos recursos naturais que permitiram ao homem o controle de seu meio ambiente Os minérios são 1 GILBERT E W 1932 p 132 Geografia histórica aspectos econômicos A Mabogunje 368 Metodologia e pré história da África o material chave do universo Seu processo de formação é extremamente lento podendo estender se por milhões de anos Comparada à ocupação da Terra pelo homem a qual talvez remonte a três milhões de anos a escala temporal geológica é bastante longa abrangendo mais de cinco bilhões de anos Vastas zonas da África repousam sobre massas rochosas classificadas entre as mais antigas do planeta As rochas cristalinas antigas consideradas como o pedestal rochoso do continente recobrem pelo menos um terço de sua superfície Compreendem sobretudo granitos e rochas metamórficas como os xistos e os gnaisses Algumas são altamente mineralizadas Entre as mais importantes dessas formações convém destacar as da zona cuprífera do Shaba Zaire cuja extensão ultrapassa 300 km Esta zona contém não só as maiores jazidas de cobre do mundo como também algumas das mais ricas jazidas de rádio e cobalto No Transvaal África do Sul o complexo ígneo do Bushveld com uma superfície de 6000 km2 e o Great Dike que atravessa o Transvaal numa extensão de 500 km até o Zimbabwe são igualmente abundantes em minérios como a platina o cromo e o amianto A zona diamantífera africana não tem correspondente no resto do mundo É na África do Sul que atinge sua maior concentração embora haja outras jazidas na Tanzânia em Angola e no Zaire A África do Sul Gana e o Zaire possuem minas de ouro o estanho é encontrado no Zaire e na Nigéria Ressaltemos também a presença de importantes jazidas de minério de ferro na África ocidental como as da Libéria da Guiné e de Serra Leoa Somente a Guiné possui mais da metade das reservas mundiais de bauxita minério de alumínio O antigo embasamento da África sofreu inúmeras fraturas vulcânicas que remontam além do Pré Cambriano Essas fraturas provocaram intrusões graníticas portadoras de ouro e estanho bem como imbricações de rochas básicas e ultrabásicas Produziram igualmente rochas eruptivas ou efusivas em grande parte de formação mais recente que além de desagregar se para formar solos ricos e férteis também produziram minérios e rochas de grande importância na história do continente como o basalto de obsidiana do Quênia O resto da África ou seja cerca de dois terços do continente apresenta antigas rochas sedimentares que remontam ao Pré Cretáceo Devido à sua idade estas rochas também contêm inúmeros depósitos minerais Ao longo da margem norte do continente por exemplo numa área que se estende do Marrocos à Tunísia atravessando a Argélia encontra se o grande cinturão dos fosfatos associados às jazidas de ferro extremamente ricas Importantes jazidas de minério de ferro de origem sedimentar podem ser encontradas ainda na região de Karoo na África do Sul e nas Damara na Namíbia Em contrapartida 369 Geografia histórica aspectos econômicos excetuando se umas poucas ocorrências no High Veld da África do Sul e no Wankie Field do Zimbabwe o carvão praticamente inexiste no continente Como que para compensar essa deficiência as rochas sedimentares mais recentes do Pós Cretáceo encerram no Saara e no litoral da África ocidental vastos lençóis de petróleo e gás natural Esta riqueza mineral contribuiu em grande parte para sustentar a organização e a exploração humanas durante um longo período da história Supõe se por exemplo que o controle do comércio do ouro entre o oeste e o norte da África através do deserto foi durante o período medieval uma das principais razões do surgimento e da queda de impérios e reinos no Sudão ocidental É certo que a partir do último milênio o comércio do ouro e do minério de ferro atraiu os árabes à África oriental Por outro lado inicialmente seduzidos pelas riquezas minerais da América Latina os europeus no decorrer dos últimos séculos concentraram se na África transformando a em reservatório colonial de minérios brutos para alimentar o crescimento das indústrias europeias Todavia durante o período pré histórico os minérios de importância capital para o progresso tecnológico do homem eram de tipo mais modesto e sua distribuição mais difusa Os mais importantes são os minérios líticos de estrutura homogênea e grande dureza oferecendo excelentes possibilidades de fissão2 Distinguem se nessa categoria as rochas ígneas vitrosas encontradas nas regiões vulcânicas da África oriental particularmente nos arredores do Gregory Rift Valley Estas rochas foram a base da indústria paleolítica capsiense do Quênia que produziu longas lâminas e diversos utensílios microlíticos Outro material de boa qualidade são as formas siliciosas como o quartzito e as rochas de textura fina endurecidas como o sílex os xistos e os tufos No Zimbabwe a indústria mesolítica bambata consumiu grandes quantidades de calcedônia enquanto o sílex e a sílica do Eoceno eram utilizados no planalto da Tunísia e no Egito para onde se supõe tenham sido importados O quartzito dentre todos o mais difundido na África sobretudo na forma de seixos presentes nos cursos dágua foi a base das indústrias acheulenses do Paleolítico Em certos lugares como no curso médio do Orange na África do Sul os xistos endurecidos foram utilizados com a mesma finalidade que o quartzito São no entanto inferiores as propriedades líticas dos anfibolitos de textura fina conhecidos pelo nome de greenstones e das rochas ígneas profundas ou intermediárias como o basalto o dolerito e o diorito todas oferecendo material 2 ROSENFELD A 1965 p 138 370 Metodologia e pré história da África apropriado para a fabricação de machados e enxós Estas rochas serviam também para a confecção de armas como as pedras de arremesso e de pontas de flecha De todas as rochas ígneas de grande consumo talvez o basalto tenha sido a mais utilizada na manufatura de recipientes de pedra embora praticamente todas as variedades de rochas disponíveis tenham sido empregadas com esta finalidade Os granitos o diorito e o porfirito rochas ígneas foram utilizados localmente e de forma intensiva Também eram conhecidas as rochas de menor dureza como as calcárias no Egito por exemplo chegaram a ser utilizadas rochas como a esteatita e a serpentina Além do mais a argila constituiu em toda a África a base da indústria da cerâmica amplamente difundida e altamente diversificada remontando ao Mesolítico A importância dos minerais no desenvolvimento da tecnologia humana durante a pré história vai além da simples fabricação de ferramentas armas e recipientes abrange também a construção de moradias onde o barro substituía o gesso Edifícios públicos importantes monumentos como as pirâmides do Egito exigiram grandes quantidades de rochas graníticas duras ou de quartzito Os minerais forneceram os pigmentos para as pinturas rupestres algumas das quais no Saara e na África austral conservaram se admiravelmente até nossos dias Os pigmentos eram obtidos através da trituração de diferentes tipos de rochas como a hematita o manganês e o caulim misturando se o resultante com elementos gordurosos ou resinosos Mas foi certamente o ferro o minério de maior importância para o desenvolvimento da África no fim da era pré histórica A tecnologia moderna devido a sua mecanização complexa e aos pesados investimentos econômicos que acarreta torna necessária a exploração de jazidas relativamente ricas em minérios e em geral próximas umas das outras Mas a situação na pré história era menos restritiva O laterito ou crosta ferruginosa recobre vastas zonas nas savanas herbosas da África e também reveste grande variedade de rochas nos antigos platôs peneplanizados Algumas variedades são tão ricas que constituíram a base das primeiras atividades da metalurgia do ferro Tão logo foi descoberta a técnica expandiu se com rapidez de ponta a ponta do continente marcando forte contraste com o cobre e o estanho que por se concentrarem em áreas muito restritas não permitiram a ampla difusão da cultura do bronze na África à exceção de algumas comunidades pré históricas que faziam uso do cobre como os habitantes do planalto do nordeste da Etiópia e os grupos Luba e Shaba Deve se porém salientar a existência de uma idade do cobre na Mauritânia pelo menos cinco séculos antes da Era Cristã 371 Geografia histórica aspectos econômicos Os recursos vegetais e o crescimento populacional Graças a seus recursos vegetais o continente africano pôde suprir as necessidades de uma população cuja densidade não cessou de aumentar Como já ressaltamos a África é antes de tudo um continente de pradarias Uma grande variedade de ervas vivazes cobre mais de 50 de sua superfície total em seguida vem o deserto com cerca de 30 depois a floresta com menos de 20 No plano da ocupação humana essa diversidade de meios ambientes foi importante na medida em que eles asseguravam a subsistência da caça forneciam frutas ou raízes comestíveis bem como materiais para a fabricação de utensílios vestimentas abrigos e finalmente ofereciam cultígenos passíveis de aclimatação e transformação em culturas agrícolas A zona das pradarias é por essência a reserva da caça africana com sua grande variedade de antílopes gazelas girafas zebras leões búfalos búbalos elefantes rinocerontes hipopótamos sem contar a caça de pequeno porte Assim como salientou Clark não é de surpreender que encontremos alguns dos mais antigos sítios de ocupação humana ao longo dos cursos dágua ou dos grandes rios à beira dos lagos ou do mar numa paisagem que hoje é a pradaria a savana o Sahel semidesértico ou o deserto3 A floresta era em geral despovoada Com o tempo porém o crescimento populacional bem como o grande desenvolvimento das técnicas incitaram o homem a ocupar todo tipo de região do litoral aos altos planaltos montanhosos do que é hoje deserto árido às profundezas da floresta densa Convém lembrar no entanto que as atuais zonas de vegetação não correspondem necessariamente à situação existente nos tempos pré históricos Diversos ciclos de grandes variações climáticas marcaram o Saara que durante o Quaternário Inferior foi mais úmido e apresentou uma vegetação de tipo savana que fornecia alimento para animais como o boi o porco selvagem Phacochoerus o antílope e o hipopótamo Acredita se que por sua vez a floresta equatorial tenha simultaneamente atravessado períodos mais áridos Ao mesmo tempo em que se beneficiava das riquezas animais oferecidas pelas diferentes zonas de vegetação o homem explorava essas mesmas áreas para abastecer se de frutas e raízes comestíveis A presença de florestas galerias ao longo dos cursos dágua nas regiões de pradarias permitia ao homem do Acheulense a coleta de frutas sementes e nozes das florestas e das savanas 3 CLARK J D 1970 p 93 94 372 Metodologia e pré história da África Segundo Clark muitos frutos selvagens nozes e plantas da savana acessíveis no norte da Zâmbia aos Nachikufu do Paleolítico Superior tais como os frutos do mubuyu e do musuku são ainda hoje coletados regularmente e consumidos pelos povos de língua bantu4 Quando o crescimento populacional atingiu uma tal proporção que todos os tipos de meio ambiente foram virtualmente ocupados a gama de produtos adequados ao consumo do homem deve ter aumentado consideravelmente Acredita se por exemplo que a grande importância atribuída a certos cereais pelas comunidades que viviam da coleta no vale do Nilo antecipou o plantio intencional de grãos e conduziu à era da expansão agrícola de efeito decisivo na ocupação humana da África Além da caça e da coleta as riquezas vegetais tinham uma importância capital no que concerne à provisão de utensílios à indumentária e à moradia Na extremidade sul do lago Tanganica nas proximidades de Kalambo Falls foram descobertos utensílios de madeira em ótimo estado de conservação Trata se de alguns instrumentos curtos afiados numa ou nas duas extremidades e de bastões talhados de forma oblíqua provavelmente utilizados como pá todos remontando ao Paleolítico Inferior Embora utensílios de madeira raramente tenham se conservado em outros lugares parece que sua utilização era comum Na floresta equatorial o complexo industrial lupembiense do Paleolítico reflete nos seus bifaces nucleiformes toda a importância da técnica da madeira Da mesma forma a presença na savana herbosa da Zâmbia e do Malavi de diversos tipos de raspadores pesados entre os instrumentos líticosnachikufuenses do Paleolítico Superior pressupõe o uso constante da madeira e de seus sucedâneos na confecção de muitas espécies de cercas estacas e armadilhas de caça Nos locais em que a caça de grande porte era insuficiente para garantir o suprimento de peles nas regiões arborizadas por exemplo usava se a casca das árvores como vestimenta É provável que os machados cortantes e encabados como os encontrados nos arredores dos rochedos do Mwela no norte da Zâmbia tenham servido para extrair a casca das árvores e prepará las para a confecção de roupas recipientes e cordas A partir do Mesolítico principalmente os produtos vegetais passaram a ser utilizados na construção de abrigos que substituíam a habitação nas cavernas Assim com galhos de árvores colmo e palha trançada construiu se o corta vento mesolítico cujas ruínas encontradas em Gwisho Springs datam de meados do III milênio antes da Era Cristã No Neolítico especialmente nas zonas onde havia sido descoberta a 4 CLARK J D 1970 p 178 373 Geografia histórica aspectos econômicos agricultura multiplicaram se e difundiram se abrigos feitos de matérias vegetais e às vezes de barro e vegetais Constituem sem dúvida o marco inicial do domínio cultural do homem sobre a paisagem Mas se a presença de moradias tão simples assinalou os primórdios da ocupação efetiva da superfície do globo pelo homem foi a aptidão para escolher e domesticar novas plantas dentre as espécies selvagens que o cercavam que consagrou finalmente a sua superioridade As condições que permitiram ao homem criar novas espécies cultiváveis os cultígenos a partir de suas variedades selvagens constituem ainda um tema controvertido para os cientistas A contribuição da África para este importante evento os enigmas que o cercam são também objeto de polêmica No atual estágio de nossos conhecimentos de modo geral se admite que essa participação foi menos notável que a da Ásia Empreendidas após a redação da obra monumental do botânico russo Vavilov que se recusou a admitir a existência na África de outro centro de seleção digno deste nome que não as terras altas da Etiópia pesquisas mais recentes passaram a apresentar uma perspectiva melhor orientada no que diz respeito à contribuição endógena da África para o desenvolvimento das culturas agrícolas5 Nesse aspecto é incontestável que a savana foi sensivelmente mais importante que a floresta Foi na savana que entre o IV e o II milênio antes da Era Cristã selecionou se grande número de variedades indígenas apropriadas ao cultivo Grande número de cultígenos constituíram o complexo da agricultura com sementes caracterizado pela semeadura como preparação ao cultivo6 Em contrapartida algumas aclimatações empreendidas na floresta faziam parte do complexo das vegeculturas que implicam enquanto fase precedente ao cultivo o preparo de brotos mudas rizomas ou tubérculos A aclimatação mais importante nessa região foi a do inhame Dioscorea spp do qual inúmeras espécies são atualmente cultivadas Outra planta domesticada na mesma região foi a palmeira do azeite ou dendezeiro Elaeis guineensis Apesar do número restrito de culturas aclimatadas a descoberta da agricultura implicou uma nova e fecunda relação entre o homem e o seu biótopo Significou sobretudo uma certa receptividade às inovações como a difusão de cultígenos provenientes de outros horizontes A África deve à Ásia e à América do Sul bom número dessas novas culturas No quadro das riquezas vegetais naturais o estabelecimento de uma preferência por um número limitado de plantas indígenas ou estrangeiras significou que o homem não só era capaz de 5 VAVILOV N L 1935 Ver Cap 27 6 PORTERES R 1962 p 195 210 Ver Cap 27 374 Metodologia e pré história da África extrair sua subsistência do meio natural como também se punha a caminho de modificações biológicas maiores A necessidade de arrotear terras para implantar novas culturas e de eliminar outras plantas que pudessem disputar com elas os elementos nutritivos do solo acarretou em toda a África mudanças radicais no caráter da vegetação O fogo talvez tenha sido o elemento mais poderoso utilizado com aquela finalidade Os testemunhos de sua utilização pelo homem africano remontam à fase mais recente do Paleolítico Inferior permitiram concluir que o homem já o empregava comum ente na África há 60000 anos Entretanto parece que a princípio ele o utilizou apenas para sua proteção para a confecção de utensílios talvez mesmo nas caçadas incendiando o mato para desalojar a caça Com a descoberta do cultivo era natural que o homem usasse o fogo também para eliminar a vegetação nociva Esta luta travada pelo fogo contra a vegetação e em benefício do cultivo afetou de maneiras diversas as plantas herbáceas e as árvores Na savana especialmente durante a estação seca a erva queimava até o nível do solo mas as raízes enterradas impediam sua destruição As árvores ao contrário quando protegidas por cascas espessas morriam ou tornavam se disformes e retorcidas A introdução do fogo no ambiente natural acarretou assim uma transformação considerável na paisagem provocada pelo homem ao longo dos tempos Como consequência das queimadas frequentes que acabavam por destruir as espécies vulneráveis da floresta densa criavam se novas condições favoráveis à expansão progressiva das pradarias Na África ocidental este processo mostrou se suficientemente dinâmico para estabelecer uma zona de savana derivada ou antrópica que se estende do sul até 6o de latitude norte7 Na savana propriamente dita constata se que sob o impacto de duas queimadas anuais o caráter da vegetação modifica se segundo as características menores da paisagem passando de pradaria nas planícies a uma savana arborizada nos terrenos mais rochosos De fato a preservação dessas matas residuais em terrenos rochosos levou a se pensar que em uma grande parte do que hoje é a pradaria a vegetação principal deva ter sido a floresta8 De qualquer forma as pradarias africanas proporcionaram ao homem do passado consideráveis fontes de recursos não só eram mais fáceis de arrotear como também permitiam fácil locomoção A facilidade de locomoção foi fator decisivo para o povoamento da África que é por excelência o continente das grandes migrações humanas algumas das quais puderam ser reconstituídas 7 MORGAN W B e PUGH J C 1969 p 210 8 EYRE S R 1963 375 Geografia histórica aspectos econômicos graças a testemunhos arqueológicos etnológicos linguísticos e históricos Esses grandes movimentos de população foram importantes dada a rapidez de difusão de ideias novas e principalmente de técnicas e instrumentos A propagação foi por vezes tão rápida que as pesquisas para identificar os sítios de origem de uma determinada inovação quase sempre enfrentam grandes dificuldades A mobilidade do homem sempre foi um fator vital na organização das populações em entidades políticas Dessa maneira as savanas africanas tiveram influência benéfica proporcionando as condições preliminares à criação dos Estados Dotados de meios de coerção esses Estados procuraram dominar outros grupos que dispunham de organização ou equipamentos militares inferiores aos seus Uma vez vencidos tais grupos deixavam se assimilar ou refugiavam se em redutos menos acessíveis ou hospitaleiros Em resumo o corolário do surgimento dos Estados na zona das savanas foi a dispersão dos grupos mais fracos menos organizados para ambientes hostis zonas montanhosas íngremes desertos florestas densas Vê se portanto que as riquezas vegetais desempenharam um papel preponderante na evolução histórica do homem na África Além de provê lo com abundantes reservas de frutas e tubérculos permitiram a criação de culturas que cuidadas e protegidas proporcionaram lhe novos e mais ricos meios de subsistência O incremento dos recursos alimentares facilitou o crescimento regular da população africana Segundo Carr Saunders até 1650 o continente só perdia para a Ásia em termos de população Seus 100 milhões de habitantes representavam mais de 20 do total mundial9 Um dos fatores importantes do crescimento populacional foi também a maior segurança oferecida pelas entidades socio políticas melhor organizadas Dada sua expansão mais acentuada na zona das savanas torna se fácil entender por que à época eram estas as regiões proporcionalmente mais povoadas do continente Esta proporção irá modificar se aos poucos a partir do século XVI especialmente na África ocidental com o tráfico de escravos e a colonização estrangeira Recursos animais e diversidade cultural A distribuição das riquezas animais está estreitamente relacionada com a das riquezas vegetais A África sempre foi considerada um continente particularmente 9 CARR SAUNDERS A M 1964 Atualmente a população da África representa apenas cerca de 10 do total mundial 376 Metodologia e pré história da África rico em mamíferos De fato afirma se que excluindo o morcego existem 38 famílias de mamíferos africanos A distribuição desses animais no continente evoluiu no tempo e no espaço Vestígios fósseis indicam que todas as regiões da África em determinado momento foram povoadas por grandes espécies selvagens A região mediterrânea da África do Norte abrigou animais como o leão e o elefante vários dos quais acredita se tenham sido afugentados pelas grandes secas do Pleistoceno A maior parte dos que restaram foi vítima no decorrer dos dois últimos milênios de um apresamento desmesurado é o caso por exemplo do fornecimento de animais aos anfiteatros romanos Mais recentemente em meados do século XIX as tropas francesas do duque de Aumale descobriram grandes quantidades de animais selvagens inclusive leões por onde quer que passassem na Argélia das rochas íngremes do Constantino às planícies de Oran O próprio deserto ainda conserva uma série de espécimes da fauna selvagem gazelas dorca e dama o ádax o órix com chifres em cimitarra o órix algazel etc Sabe se que no decorrer de períodos mais úmidos muito remotos essas riquezas foram incomparavelmente superiores incluindo animais como o hipopótamo a girafa o búfalo gigante hoje extinto e antílopes de porte maior São as savanas africanas no entanto o verdadeiro reduto da maior parte da caça de grande porte10 Nas savanas do oeste leste centro e sul da África encontram se animais carnívoros como por exemplo o leão o leopardo o gato tigre africano e a hiena Ali vivem também o búbalo o topi a gazela o facoquero o antílope ruão a zebra a girafa e a avestruz É habitat natural do elefante do búfalo do rinoceronte negro do alce de Derby e do alce do Cabo do cefalofo do cob singsing e do cob dos juncais A extensão do território ocupado por cada espécie modificou se ao longo dos séculos Todos esses animais sofreram por parte do homem grandes devastações Na luta pela sobrevivência certas espécies cederam lugar a outras à medida que se modificavam as condições do meio ambiente Assim pode se por exemplo atribuir a ausência do rinoceronte branco entre o Zambeze e o alto Nilo Branco às modificações do clima e da vegetação durante o Pleistoceno as quais beneficiaram o rinoceronte negro mais agressivo Embora a maior parte da caça selvagem se encontre na floresta da África tropical essa região é em seu conjunto menos favorecida no plano das riquezas animais Entre os mais notáveis habitantes da floresta encontram se o bush 10 SOMMER F 1953 p 64 Ver Cap 20 377 Geografia histórica aspectos econômicos pig ou porco do mato o javali gigante o bongo os grandes macacos como o chimpanzé e o gorila bem como o ocapi Nesse caso também as modificações do meio afetaram a extensão de territórios anteriores Os vazios constatados nos povoamentos de bongos devem se ao estreitamento do que outrora devia ser uma floresta densa cobrindo toda a África equatorial A abundância de recursos animais foi sem dúvida bastante útil ao homem durante o longo período em que se dedicou basicamente à caça As reservas pareciam a tal ponto inesgotáveis que algumas comunidades africanas até hoje não ultrapassaram esse estágio de desenvolvimento Os peixes representam outra categoria importante de recursos animais sendo igualmente caçados desde o Mesolítico Não só os cursos dágua mas também os lagos de água doce Rodolfo Nakuru e Eduardo na África oriental e central Chade na África ocidental atraíram os primeiros grupos de homens por sua piscosidade11 Entre os rios o Nilo teve evidentemente uma importância especial Às suas margens foram encontrados vestígios de comunidades que utilizavam arpões e anzóis feitos de osso e que também caçavam e consumiam hipopótamos e crocodilos Observa se ainda hoje em toda a África o uso de simples canoas esculpidas em troncos de árvore para a pesca nas águas do interior Algumas poucas comunidades de pescadores chegaram a construir canoas relativamente grandes para se aventurar na pesca no litoral marítimo Em nenhum lugar até época recente a evolução técnica foi suficiente para permitir a exploração dos abundantes recursos dos oceanos que rodeiam o continente A extraordinária riqueza e variedade da fauna terrestre forneceu uma enorme reserva potencial de animais domésticos Contudo a domesticação de animais na África restringiu se praticamente ao jumento ao gato à galinha dangola ao carneiro e ao boi12 Essa modesta performance deve se à influência durante o Neolítico de métodos mais antigos e eficazes experimentados na Ásia Foi nesse período que o continente se iniciou no pastoreio Segundo Clark Os primeiros pastores neolíticos apareceram no Saara no decorrer do V milênio antes da Era Cristã ou talvez ainda mais cedo Conduziam rebanhos de gado de chifres longos ou curtos cabras e carneiros E assim prosseguiram até que a crescente dessecação do Saara de lá os expulsasse O pastoreio todavia não se desenvolveu de maneira uniforme em todos os meios do continente Enquanto a maior parte das comunidades logrou dominar 11 Cf PUTTON Ver Cap 20 12 CLARK J D 1970 p 204 378 Metodologia e pré história da África as variedades menores de gado apenas uma minoria conseguiu domesticar as maiores como foi o caso dos Tuareg do Saara dos Peul da savana da África ocidental e dos Massai das pradarias da África oriental que continuaram ligados à vida pastoril renunciando a qualquer tentativa de combinar este modo de vida com o agrícola Seguindo incessantemente seus rebanhos em busca de água e pastagens essas comunidades mantêm até hoje uma vida nômade na sua mais pura forma Alguns grupos Bantu da África oriental conseguiram entretanto associar a criação de gado à prática agrícola em proveito de ambas as atividades Pode se apontar como um dos elementos que detiveram o desenvolvimento do pastoreio na África a proliferação de outras espécies animais que exerceram influência particularmente negativa sobre a expansão das riquezas do continente O primeiro caso a se mencionar é o da mosca tsé tsé Grande e bastante móvel é ela o principal não o único transmissor da tripanossomíase infecção que provoca no homem a doença do sono e que é mortal para os animais A mosca tsé tsé é encontrada atualmente numa faixa que atravessa a África entre 14o N e 14o S com exceção apenas dos territórios com altitude superior a 1000 m relativamente frios e das regiões de vegetação rasa onde a estação seca é demasiado quente e árida para permitir a reprodução da mosca A presença da tsé tsé na África data de épocas muito remotas Impressões fossilizadas desse inseto encontradas na América do Norte em camadas do Mioceno permitiram concluir que sua propagação foi bem maior nos tempos pré históricos13 Seu desaparecimento de certas regiões da África ou de outras partes do mundo pode ter se devido a uma combinação de mudanças climáticas barreiras naturais e glaciação É provável que mesmo na África as alternâncias climáticas do Pleistoceno tenham exercido influência considerável não só sobre a distribuição das diferentes espécies de tsé tsé como também sobre seu grau de nocividade As regiões infestadas por essas moscas constituíram uma barreira muito eficaz ao desenvolvimento da criação Os pastores depressa devem ter compreendido que seus rebanhos corriam grandes riscos ao atravessar as zonas infestadas Assim descida dos rebanhos para o sul a partir da África do Norte ficou condicionada à existência de corredores livres de moscas tanto naturais quanto criados por comunidades agrícolas organizadas e suficientemente densas Um bom exemplo desses últimos é dado pela migração há cerca de nove séculos de 13 COCKERELL T D A 1907 1909 1919 p 301 11 379 Geografia histórica aspectos econômicos pastores criadores que formaram graças à fusão com outros povos a sociedade dos Tutsi e Hutu de Ruanda e do Burundi atuais Sem dúvida a história da África teria sido diferente se o continente não tivesse conhecido a tsé tsé Uma vez que a presença dessa mosca impossibilitava a utilização do gado de grande porte pelas comunidades agrícolas esses animais nunca foram empregados para tração Tampouco se criaram condições para a descoberta da roda de fundamental importância Por outro lado a facilidade de deslocamento de certos povos propiciada pela presença do gado de montaria não deixou de incitá los à agressão e eventualmente ao domínio político sobre povos sedentários14 O mosquito transmissor da malária e o gafanhoto representam também fatores zoológicos adversos Dentre as muitas espécies de mosquitos capazes de transmitir os diferentes tipos de parasitas da malária algumas são mais atraídas pelo sangue humano que outras O mosquito transmissor mais frequente na África é o Anopheles gambiae de difícil erradicação pois alimentando se também do sangue animal consegue sobreviver mesmo quando temporariamente impedido de atacar o homem O mosquito em geral procria em águas estagnadas sendo mais incidente nas imediações de pântanos e rios Sua reprodução cresce com o aumento das chuvas e as altas temperaturas estimulam tanto o desenvolvimento de suas larvas quanto o ciclo do plasmódio no inseto adulto Já as temperaturas mais frias dos locais de maior altitude reduzem sua virulência Assim a malária endêmica tende a desaparecer em altitudes acima de 1000 metros ainda que sua transmissão possa persistir Não se sabe ao certo desde quando esse mosquito é parte integrante do meio humano na África A grande porcentagem de células de Golgi encontradas em muitas populações africanas parece indicar uma longa e estreita relação entre essas células e a evolução da população na África Tal peculiaridade certamente se deve ao impacto multissecular da seleção que favoreceu a sobrevivência dessas populações em condições de infecção hiperendêmica da malária Na medida em que tornou bem menores as chances de sobrevivência de grupos humanos não adaptados o mosquito da malária também desempenhou papel importante na história do continente Até o século XX ele efetivamente desencorajou os europeus na tentativa de se instalarem sob o clima quente e úmido da África ocidental resguardando assim a região dos problemas inter raciais que abalaram a história das terras altas da África do norte do leste do centro e do sul vítimas da colonização 14 Ver a esse respeito o papel da cavalaria na formação dos Estados sobretudo ao norte do equador 380 Metodologia e pré história da África Os gafanhotos fazem parte das pragas tradicionais da África São insetos grandes que normalmente vivem solitários ou em pequenos grupos São encontrados nas zonas de transição das vegetações às margens do deserto ou da savana herbosa e da floresta Ao sul do Saara encontram se três tipos principais o gafanhoto vermelho o gafanhoto migrador africano e o gafanhoto do deserto Os três requerem dois tipos diferentes de habitat solo desértico para depositar os ovos e paisagem verde para alimentar se Quando por motivos diversos seu terreno de alimentação se restringe demasiadamente esses insetos se agrupam em enormes enxames e invadem zonas próximas ou distantes Exemplos de tais invasões em passado muito remoto não são facilmente identificáveis embora o Antigo Testamento faça referência ao gafanhoto como uma das pragas que afligiram o Egito ao tempo de Moisés A partir do século XIX os registros de invasões tornam se mais abundantes Sabe se que a África central sofreu sucessivos ataques de gafanhotos entre 1847 e 1854 1892 e 1910 e mais recentemente entre 1930 e 1944 Para as populações agrícolas sedentárias as depredações causadas pelas nuvens de gafanhotos sobretudo quando ocorrem logo antes da colheita podem significar uma passagem brutal da abundância à fome Quando no passado condições climáticas adversas como a seca por exemplo coincidiam com essas invasões sobrevinham grandes transtornos políticos e sociais As reservas de água e a mobilidade humana Não se deve subestimar a importância das reservas de água na evolução da história da África Se há áreas do continente com os mais altos índices pluviométricos do mundo outras há que apresentam os índices mais baixos As imensidões do Saara e do Calaari são o testemunho irrefutável da implacável aridez de grandes porções da África Mas além dos desertos a vasta zona das savanas recebe precipitações apenas satisfatórias o que torna a vida humana nessas regiões em grande parte dependente das caprichosas flutuações dos ventos portadores de chuva O fato não seria tão alarmante se fosse possível recorrer a outras fontes de água como rios lagos e lençóis freáticos Em extensas áreas do continente todavia e em especial nas regiões relativamente quentes das terras baixas os vales fluviais estão infestados de insetos nocivos tornando se impróprios ao estabelecimento do homem Além do mais o regime dos rios acompanha de perto o das chuvas sendo de pouca ajuda durante os períodos de precipitações insuficientes ou de prolongada estiagem quando secam até mesmo os leitos dos rios Excetuando se o vale do Nilo a tecnologia 381 Geografia histórica aspectos econômicos tradicional não conhecia meios de armazenar água para as épocas de seca O pequeno desenvolvimento tecnológico impedia também o aproveitamento das águas subterrâneas localizadas além de certa profundidade mesmo em áreas de bacias artesianas por exemplo onde as estruturas geológicas favorecem a retenção de grandes reservas O embasamento rochoso de grande parte do continente reduz a capacidade de armazenamento de água em lençóis abundantes tornando os habitats humanos exclusivamente dependentes das precipitações anuais A escassez de água resultante das condições de seca rigorosa sempre foi uma das características da vida africana A história climática do Pleistoceno mostra que nas várias regiões do continente houve provavelmente um regime cíclico de longos períodos de precipitações mais ou menos intensas De qualquer forma a seca representa uma pressão do meio ambiente sobre os grupos humanos ela os força a reagir Quase sempre essas reações se traduzem pela procura de zonas mais irrigadas para estabelecimento definitivo ou temporário Tais movimentos migratórios podem ser pacíficos porém muito frequentemente tendem à agressividade o que vai depender do modo como estão organizados e como são dirigidos A história de muitas comunidades africanas registra suas migrações ou as incursões que sofreram por parte de grupos migratórios mais poderosos que as submeteram obrigando as a uma reorganização social Nas regiões em que existe água em quantidade suficiente pluvial ou subterrânea em que a agricultura pôde desenvolver se uma população organizada cresce segundo um processo de evolução social progressiva no árduo caminho do domínio da natureza As safras amadurecem ricas e variadas chegando o ritmo de sua maturação a determinar o ritmo da vida social A época da colheita adquire especial importância e são instituídos rituais para santificar o inexplicável evento atribuído a alguma força natural benigna A ascensão na escala social dessa população organizada depende de alguns fatores sendo um dos principais a abundância dos recursos alimentares que permitirá a divisão do trabalho no seio da comunidade favorecendo a emergência de grupos especializados em determinadas atividades Essa evolução depende não só das reservas de água como também da fertilidade dos solos Os recursos do solo e a evolução social das comunidades As características geológicas de extensas regiões da África são em grande parte determinantes da qualidade dos solos Dada a variedade de rochas do embasamento o caráter dos solos que se formaram sobre elementos análogos é 382 Metodologia e pré história da África também extremamente variável No entanto sua fertilidade é frequentemente medíocre Essas rochas apresentam em geral reservas suficientes da maioria dos elementos minerais necessários à alimentação das plantas mas sua variabilidade implica mudanças abruptas dessas condições em curto raio geográfico Os solos formados sobre rochas sedimentares tendem a manter maior uniformidade em grandes áreas todavia nada têm em comum com as extensas regiões de solos altamente produtivos como o tchernoziom dos trigais da Ucrânia e das pradarias da América do Norte A interação de características do solo e fatores climáticos determinou a fertilidade da terra e sua capacidade de suprir por longo período as neces sidades de uma população densa Nas regiões úmidas por exemplo a ilusão de fertilidade provocada pelo crescimento luxuriante da vegetação dissimula a natureza frágil do solo Uma vez removida a vegetação natural as substâncias orgânicas do solo rapidamente se desintegram sob o efeito de uma intensa ação bacteriana estimulada por temperaturas geralmente elevadas Em pouco tempo a fertilidade decresce o produto das colheitas diminui e a população humana é forçada a procurar novos sítios Nas regiões subúmidas por outro lado a fertilidade do solo é muito maior No entanto as variações periódicas de umidade favorecem a formação de grandes crostas de laterito impróprias para o cultivo A presença dessas crostas acarreta a disseminação de solos moderadamente férteis cujas possibilidades de alimentar densas populações humanas são bastante reduzidas Tais condições são características dos solos encontrados na África ocidental ao norte da zona da floresta e nos planaltos da África central às margens da bacia do Zaire Nas terras semi áridas sujeitas a precipitações moderadas também são encontradas essas mesmas crostas ferruginosas embora mais disseminadas Consequentemente os solos castanhos arenosos dessa região são mais férteis e produzem safras razoáveis em anos de pluviosidade satisfatória O solo do deserto que aparece mais ao norte é superficial e de perfil pouco desenvolvido carecendo de matérias orgânicas Uma das características marcantes da geografia da África reside portanto na pequena extensão dos solos realmente férteis e em sua extrema disseminação Compreendem eles os solos argilosos profundos derivados do basalto e de outras rochas vulcânicas do Pleistoceno e de épocas mais recentes encontrados principalmente em regiões da África oriental Na floresta densa apresentam superficialmente uma coloração chocolate sendo de cor vermelha nos níveis inferiores Igualmente férteis são os ricos solos aluviais derivados dos mesmos tipos de rochas e encontrados nas planícies de inundação de rios como o Nilo 383 Geografia histórica aspectos econômicos Possibilitando abundantes colheitas esses dois tipos de terreno favoreceram o crescimento de densas populações humanas Quando tal concentração conduziu a um alto grau de organização social e de controle do meio ambiente como ocorreu no vale do Nilo durante o Neolítico Pré Dinástico reuniram se as condições para uma aceleração do progresso Isso implicou no caso citado o desenvolvimento de uma civilização urbana a diferenciação de classes um artesanato refinado uma arquitetura monumental e finalmente o uso da escrita Foi o resultado não só de relações cada vez mais regulares com a Mesopotâmia mas também da possibilidade de manter uma população densa composta de vários grupos sociais graças à prosperidade de uma agricultura que para a época deve ter sido impressionante Condições semelhantes estabeleceram se mais tarde em outras regiões da África por exemplo na curva do Níger quando da criação do império de Gana no início do período medieval Mas apesar de outras áreas apresentarem solos relativamente férteis vastas extensões do continente em particular as planícies de altitude que há milhões de anos vêm sofrendo os efeitos da lixiviação possuem solos de pequena espessura que carecem de nutrientes sendo ainda hoje de limitado interesse para a agricultura Nessas regiões foi unicamente através da alternação de culturas que o homem conseguiu sobreviver desde o Neolítico Esse tipo de economia representa evidente desperdício no que concerne ao uso do solo tendo sido obstáculo à formação de comunidades relativamente densas A distribuição esparsa da população em extensas áreas do continente bem como os efeitos dessa dispersão na evolução social devem ser considerados como um fator nefasto na história da África É indiscutível que a fertilidade de qualquer região depende tanto de suas características próprias quanto da eficácia da exploração do solo Também é certo que em outras regiões do mundo sociedades que hoje atingiram um alto nível de evolução social atravessaram fases em que sua economia dependeu igualmente de culturas acidentais Na África a exploração racional do solo é de fundamental importância para a evolução social Determinante no passado ela indica o caminho a seguir para encetar seriamente o ciclo de um progresso decisivo Conclusão A geografia histórica da África sobretudo no que diz respeito aos aspectos econômicos apresenta a imagem de um continente com o qual a natureza se mostrou de uma benevolência extrema ao menos superficialmente Esse 384 Metodologia e pré história da África caráter aparente da magnanimidade da natureza tão bem ilustrado pela frágil exuberância da floresta tropical constituiu uma espécie de armadilha para os povos do continente Encontrando condições fáceis de sobrevivência certas comunidades ignoraram os imperativos prementes da evolução social Sem dúvida aqui e ali apareceram alguns homens ou grupos que procuraram estimular seus semelhantes ao progresso Suas exortações entretanto muitas vezes ficaram sem resposta Mais que qualquer outro fator a intervenção estrangeira teve certamente um efeito sinistro sobre o desenvolvimento geral do continente no decorrer da longa e implacável história do comércio escravo Mas o fato de uma tal intervenção ter sido possível não constituiria já uma severa advertência aos riscos a que está exposto todo grupo humano que deixa de zelar continuamente pela constituição de organizações sociais cada vez mais coesas extensas complexas e fortes que possibilitem fazer frente a eventuais desafios A história da África de nada nos servirá se não salientar esse fato A geografia contemporânea da África revela um continente ainda rico em recursos naturais como na Pré História Seu passado colonial recente contribuiu no entanto para criar uma situação em que grande parte dessa riqueza foi largamente explorada e exportada como matéria prima para atender à demanda de outras sociedades Além disso a exploração desses recursos por exigir avançada tecnologia só se faz possível com a condição de que os povos africanos se organizem em grandes comunidades integradas de forma a constituir bases sólidas para um real desenvolvimento A história de duas décadas de independência política deixa uma impressão ambígua ao que parece ainda está longe de ser compreendida a necessidade de se edificar tais complexos para fazer frente a outras comunidades similares cada vez mais numerosas O propósito deste esboço de uma geografia histórica e econômica do continente africano se é que se pode defini lo é o de lembrar que a natureza não determina nem o destino de um povo nem sua trajetória Não coage no máximo influencia Os povos bem como os indivíduos sempre foram e continuarão sendo os arquitetos de seu próprio destino 385 Geografia histórica aspectos econômicos figura 141 Os recursos minerais da África mapa extraído de lAfrique coleção A Journaux Hatier 1976 C A P Í T U L O 1 5 387 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra A interdisciplinaridade A interdisciplinaridade na pesquisa histórica é um tema em voga Mas sua aplicação torna se difícil quer pela disparidade das metodologias próprias de cada disciplina quer pela influência dos hábitos particularistas em que se acham enquistados os próprios pesquisadores zelosos de manter uma espécie de soberania territorial epistemológica Essa tendência à especialização já se faz sentir na própria apresentação dos resultados da pesquisa que continua a distinguir na vida de um povo em capítulos bem isolados a vida econômica a sociedade a cultura etc Quando porventura se tenta uma abordagem interdisciplinar frequentem ente ela se faz em termos de fagocitose Nessa guerra por primazia e hegemonia a história ocupa uma posição ambígua De fato ela é essencial a todas as disciplinas Mas como não dispõe do vocabulário específico mais ou menos esotérico que para as outras ciências funciona como uma fortificação em que se entrincheiram os especialistas aparece como disciplina cômpito arriscando pagar com a legitimidade sua onipresença Disciplina orquestra a história dispunha tradicionalmente de um maestro o documento escrito Mas a história da África ao sul do Saara principalmente caracteriza se pela relativa pobreza de fontes escritas sobretudo antes do século XVI e mais ainda antes do século VII da Era Cristã Ora quem não tem Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra J Ki Zerbo 388 Metodologia e pré história da África mãe mama na avó1 diz um provérbio africano Na ausência de fontes escritas a história da África deve coligar todas as fontes disponíveis para reconstituir o passado E a carência pode afinal transformar se quase num fator positivo na medida em que permite fugir ao peso esmagador da escrita que por vezes acarreta uma depreciação implícita das outras fontes Por outro lado a pesquisa histórica e das ciências humanas na África sofreu por longo tempo de dois males contraditórios Em primeiro lugar a deformação historicista que leva a considerar o fluxo do processo social como um rosário cujas contas são eventos datados em segundo lugar a obsessão de reconstituir um calendário que torne inteligível a evolução dos povos e a indiferença por tudo mais economia estruturas sociais culturas Daí essa história linear genealógica fatual em suma esquelética pois que desprovida da própria carne da vida Um outro desvio ainda mais pernicioso oriundo talvez em parte do preconceito de primitivismo aplicado à realidade africana por um evolucionismo sumário analisa estruturas atemporais abolindo a profundidade histórica sem a qual no entanto as referidas estruturas perdem seu significado tanto objetivo quanto subjetivo É o que acontece com certos pesquisadores a quem as disciplinas enchem de auto suficiência esses linguistas alérgicos a toda e qualquer interferência cultural e esses etnólogos funcionalistas que recusam toda dimensão histórica Felizmente essas muralhas da China disciplinares vão desmoronando progressivamente J Desmond Clark escreveu A constatação de que arqueólogos linguistas antropólogos culturais ou etnógrafos se defrontam a maior parte do tempo com os mesmos problemas e de que a melhor forma de solucioná los é a equipe interdisciplinar é hoje um dos fatores mais animadores e estimulantes dos estudos africanos2 A pseudo história marcada pelo fascínio exclusivo da cronologia bem como a miragem da análise estrutural puramente estática e formal vão aos poucos desaparecendo conforme atestam as escolas que introduzem a diacronia e o conflito em seus métodos analíticos integrando como Calame Griaule e Houis fato cultural e fato linguístico ou abandonando como Balandier a abordagem imóvel dos sociólogos em favor de uma abordagem dinamista que adota como instrumentos de análise o movimento e a comparação Não é a contradição parte 1 A lactação parece ser um processo reflexo Todavia a farmacopeia africana dispunha de receitas para ativá lo 2 CLARK J D African prehistory opportunities for collaboration between archaeologists ethnographers and linguists In CASS F Language and History in Africa 1970 389 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra integrante da realidade O que está claro é que nenhuma disciplina se beneficia com uma abordagem individual da realidade densa e emaranhada do mundo africano Seria como querer partir o nó górdio a golpes de sabre É o caso dos pesquisadores que pensam encontrar o princípio de explicação fundamental de uma determinada sociedade africana num único elemento por exemplo na análise estrutural do parentesco ou no sistema de representações crenças mitos e símbolos considerados como que dotados de uma autonomia e de uma lógica própria independente por exemplo das relações de produção3 Ao passo que em se tratando do parentesco sua análise revela na África sistemas menos puros mais complexos que na Austrália por exemplo estruturas que admite Lévi Strauss são igualmente condicionadas por outros elementos econômicos e políticos além do simples mecanismo das regras de parentesco A história africana menos que qualquer outra disciplina não pode acomodar se ao gueto Nem mesmo para estabelecer aquilo que no entanto parece pertencer justamente ao monopólio da história a cronologia Com frequência a solução de um problema de cronologia só pode ser corretamente alcançada com a ajuda combinada de quatro fontes distintas de informações os documentos escritos a arqueologia a linguística e a tradição oral O historiador reconstituindo a estrada do tempo assemelha se mais a um automobilista que para avaliar as distâncias dispõe de vários instrumentos o velocímetro de seu carro seu relógio os marcos de quilometragem e eventualmente o testemunho de um autóctone Essa conivência necessária revela se um fator favorável para garantir a restituição clara e integral da imagem do passado o que não ocorreria de modo perfeito se se recorresse a uma única fonte A descrição de Kumbi Saleh feita por al Bakri no Routier permaneceria lacunar se os arqueólogos não tivessem exumado e explicado as ruínas ainda mais eloquentes que o cronista árabe Ressaltemos que também nesse caso a tradição oral marcou presença pois foi graças a ela que se descobriu o sítio de Kumbi Saleh Nestas condições poder se ia falar de fontes nobres e fontes vulgares classificando as numa escala discriminatória em cujo topo estivessem os documentos escritos e no último escalão a tradição oral Ao que parece não O valor de uma fonte não é uma realidade em si varia de acordo com o objeto específico da pesquisa empreendida Assim para cada caso concreto existe no feixe dos testemunhos disponíveis uma fonte axial a fonte mestra que pode diferir segundo o tema Para a pré história africana e para as sociedades de pigmeus os documentos escritos não constituem por 3 Cf GRIAULE M e DIETERLEN G 1965 390 Metodologia e pré história da África definição a melhor fonte pois não existem Conforme o momento e a região da África a panóplia de provas históricas é comandada por essa ou aquela fonte axial desempenhando as demais um papel auxiliar e adventício Dependendo do tema uma desconhecida tribo Getula ou o reino de Jugurta os Kirdi do norte de Camarões ou os Ashanti de Gana os Kabye do norte do Togo ou o império de Gao retratado por TaRikh al Fattash a fonte mestra não será a mesma Somente após a conclusão da pesquisa é que se a reconhecerá Pois se é a fonte que condiciona o resultado é este que a justifica Se tal for verdade pode se antecipar sem risco de erro que em se tratando da história da África a interdisciplinaridade longe de ser um luxo é um dos dados fundamentais do método De fato não existe outra alternativa A complementaridade das fontes As fontes da história da África são nitidamente complementares tanto que cada uma delas isolada apresenta se com frequência mutilada transmitindo apenas uma imagem imprecisa do real que só a intervenção de outras fontes pode ajudar a definir Isolada a arqueologia corre o risco de tornar se uma descrição árida uma atestação quase fúnebre pronunciada impudentemente com base em pequena amostragem E se a única forma de corroborar ou invalidar as hipóteses formuladas fosse aguardar o resultado de outras escavações o ritmo das descobertas tornar se ia intoleravelmente lento Recolocada ao contrário no contexto multiforme de vida que ela pretende exumar a arqueologia presta eminentes serviços às outras disciplinas ao mesmo tempo que delas se beneficia Com efeito a explicação de seus achados encontra se frequentemente fora dela mesma No Zimbabwe por exemplo foram as minas de ouro e a sua defesa bem como a religião que deram significado à maior parte das subestruturas e superestruturas Alhures o conteúdo das tumbas e a posição dos mortos nos mausoléus só encontram explicação nas crenças dos povos e na sua representação do além Em contrapartida quando no norte de Gana escavações desvendam um plano arquitetônico semelhante aos do Sudão saheliano a arqueologia levanta ou resolve um interessante problema de influência cultural O mesmo se dá com relação à arte africana que para iluminar a história deve ser por ela iluminada Com efeito a arte sobretudo a arte pré histórica é condicionada por uma multiplicidade de fatores desde a geologia até as religiões mitos cosmogonias passando pelas estruturas sócio políticas e a sede de poder 391 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra dos reis Nessas condições a estética é intimamente governada pela ética e ao mesmo tempo servida por ela Por outro lado a arte muitas vezes apresenta se como um conservatório um museu de antropologia cultural e mesmo física devido aos ritos escarificações penteados costumes e cenários que reproduz Mas a compreensão da arte em si enquanto técnica inspirada não pode ocorrer fora da história A estilística é frequentemente explicada pela organização social No Benin por exemplo os mesmos artistas egbesanewa esculpem a madeira e o marfim enquanto outros trabalham a terracota e o bronze É evidente que a passagem de um material para outro explica em grande parte a feitura dos objetos em marfim ou bronze assim como a forma e a decoração das cerâmicas pré históricas só se explicavam por sua invenção a partir de cestos de palha trançada Que dizer então das máscaras em cuja confecção os africanos manifestaram uma imaginação sem limites As máscaras bobo por exemplo sobretudo as três principais kele máscara de antepassado kimi cabeça de marabu e tiebele crânio de búfalo são verdadeiras personalidades reconhecidas na aldeia que além de representarem testemunhos da história dela participam ativamente4 Que dizer dos cauris já mencionados por Ibn Battuta em 1352 na corte do Mali cujo fim primeiro era monetário mas que também serviam de adorno quando artisticamente dispostos tendo ainda um valor especial nos compromissos sociais e cerimônias religiosas A arte nesse caso encontra se imersa num complexo que lhe dá significado e que ela por sua vez vivifica Empreender a história de certas sociedades africanas sem compreender a linguagem múltipla dos cauris e das máscaras é como entrar numa sala de arquivo sendo analfabeto a leitura de sua evolução seria necessariamente truncada O mesmo ocorre com a tradição oral assunto amplamente discutido aliás A tradição oral é a história vivida transportada pela memória coletiva com todas as suas contingências e singeleza mas também com toda a sua força e vigor Existe na tradição como na língua de Esopo o melhor e o pior Por certo a tradição oral frequentemente ignora fatores econômicos e sociais mas ainda assim se presta a detectar outras fontes em geral mais pertinentes como os manuscritos e os 4 A grande máscara dos oráculos ou espírito de Deus é o Go Gê guardado por um sacerdote supremo chamado Gonola A grande máscara tem uma participação importante no sistema político dessas sociedades extensão prática do culto dos antepassados funcionando muito secretamente à noite Por ocasião das sessões do Poro a grande máscara é previamente levada ao bosque sagrado coberta por um pano branco O Gonola atua como chefe e sacerdote dispensador da verdade insuflada pelos antepassados O Go Gê é também um legislador pois suas decisões são apregoadas na aldeia e têm força de Lei HOUIS M In Études guinéennes 1951 HARLEY G W 1950 392 Metodologia e pré história da África sítios arqueológicos Por esse motivo recomenda se a coleta das tradições locais antes de empreender qualquer programa de escavações A tradição oral ajuda também a corrigir os erros de interpretação oriundos de um enfoque puramente externo Além do mais permite limitar o número de hipóteses e reduzir o leque de opções5 Porém caso existam versões múltiplas de uma mesma tradição será a consulta a uma outra fonte por exemplo o mapa das zonas afetadas por determinado eclipse que permitirá decidir por uma delas Ligados à tradição os tambores constituem um dos grandes livros vivos da África Alguns são oráculos outros estações de transmissão outros gritos de guerra que fazem brotar o heroísmo outros ainda cronistas que registram as etapas da vida coletiva Sua linguagem é fundamentalmente uma mensagem repleta de história A esse respeito estabeleceu se uma distinção entre a etnomusicologia interna ou técnica e a etnomusicologia externa ou seja ligada à trama social e cultural6 As grandes epopeias ou crônicas são frequentemente cantadas por grupos sociais organizados para esse fim e de um modo peculiar à África no quadro de uma participação ativa Pois a música nunca é recebida passivamente é executada por todo o grupo Trata se de uma celebração coletiva onde a trilogia canto dança música nos convida a uma interpretação sintética em que a linguística a história a botânica a psicologia social a psicologia a fisiologia a psicanálise a religião etc têm todas algo a dizer Sem esperar muito da musicocronologia o estudo comparativo dos instrumentos e da substância musical por intermédio de medidas aritméticas tratadas pela análise estatística pode dar resultados convincentes quanto à difusão e ao desenvolvimento cultural O universo musical africano extingue se diante da invasão de músicas de qualidade geralmente mais pobre porém introduzidas por sistemas econômicos mais ricos O próprio tantã que fez a história não será em breve um objeto da história A linguística por seu turno é cada vez mais uma companheira jovem fiel e fecunda da história pois as línguas são um museu vivo em que se preserva a tradição e para extrair lhes a essência real é necessário possuir a 5 Devemos evidentemente situar a tradição oral no seu contexto Num interessante quadro metodológico de análise de contos e lendas alguns estudiosos estabeleceram em sete colunas os dados internos semântica retórica e os dados externos ao conto dos quais uns estão vinculados a um contexto cultural e civilizacional ao passo que os outros estão fora desse contexto Cf Littérature orale arabo berbère 4o Bulletin de Liaison 1970 Centre dÉtudes maghrébines Musée de lHomme Paris 6 Com esse procedimento o pesquisador pode atingir setores mais específicos as relações entre a música e a linguagem os símbolos sociais e filosóficos ligados à música a relação dos ritmos com os fenômenos de possessão as relações entre a música e o meio ambiente ecológico e econômico as relações entre as diversas músicas de diferentes etnias AROM Simha e CONSTANT Denis In MARTIN D e YANNOPOULOS T Guide de recherches lAfrique noire Armand Colin Paris 1973 393 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra ciência da linguagem Toda língua é não só uma criação mental como também um fenômeno social Seu vocabulário por exemplo é o reflexo das realidades forjadas pela história de cada povo É por outro lado a língua a palavra que instila um sistema de conceitos e normas de comportamento na mentalidade e nas motivações dos povos Certos conceitos de uma língua são difíceis de expressar de forma idêntica em outra relacionada a um contexto global diferente É o caso do conceito de sanakuya em mande e rakire em more aproximadamente traduzido por parentesco de brincadeira e que desempenha um papel histórico de grande importância na região sudano saheliana É o caso também do conceito de dyatigui em mande que está longe de coincidir com a simples noção de hospedeiro ou do conceito de tengsoba traduzido literalmente por chefe da terra embora sem uma exata correspondência semântica A crítica linguística é constantemente solicitada pelo historiador de par com outras fontes A cronologia e a origem das ruínas circulares da região de Lobi por exemplo são o resultado de um conjunto de provas que se eliminam e se reforçam mutuamente rejeição da hipótese de uma origem portuguesa baseada num texto de Barros contradita pelo traçado da estrada supostamente utilizada e pelo exame do revestimento de reboco cujo estado de conservação não justifica um horizonte temporal muito remoto denominação wilé e birifor dessas ruínas kol na wo significando estábulos das vacas dos estrangeiros identificação desses estrangeiros na pessoa dos Kulango através do estilo das cerâmicas encontradas nas ruínas por fim estimativa cronológica ligada às tradições de migração dos povos da região Nesse caso específico percebe se concretamente o papel decisivo da linguística na tentativa de interpretação de um determinado acontecimento histórico7 Mas seria uma aberração grosseira assimilar o fenômeno linguístico que é cultural ao tribalismo ou ao fato biológico da raça A língua dos cavaleiros Dagomba invasores das terras da bacia do Volta no século XIV talvez tenha caído em desuso sendo substituída pela língua das mulheres Kusase que eles desposaram no local e que se tornaram mães de seus filhos Este é um exemplo de contaminação linguística que teria ocorrido como por vezes acontece às custas dos que detinham o poder político A etno história reduzida ao presente etnográfico quase inerte dos funcionalistas também não é uma verdadeira história e não poderia desempenhar papel positivo nesta conjugação das fontes em que cada uma constitui não um elemento estático mas uma variável transportada 7 Cf PARENKO P e HERBERT R P J 1962 394 Metodologia e pré história da África pelo fluxo do processo histórico Aliás a etno história funcionalista negligencia frequentem ente as culturas materiais e aquele movimento geral de produtos no qual Leroi Gourhan detectava a matriz das civilizações O par mercantil transaariano sal por ouro do Sudão e o par cativos por fuzis que o substituiu alguns séculos mais tarde não constituem as bases mais importantes da edificação de reinos e impérios no oeste africano Nessas condições uma sociologia dinamista representa também um dos meios essenciais para o exercício da crítica histórica africana Com efeito não se trata de transferir sem discernimento os instrumentos de análise de uma determinada trama sócio política para outra seja no tempo seja no espaço pois haveria o risco de se criar novos problemas ao invés de solucionar os já existentes No cálculo da duração média dos reinados por exemplo não se pode simplesmente extrapolar para o passado a duração média estabelecida para um período contemporâneo conhecido pois a estabilidade ou instabilidade política e social não são necessariamente as mesmas Da mesma forma a sucessão colateral de irmão para irmão do reino Mossi do Yatenga não poderia apresentar médias idênticas às do reino de Uagadugu onde a sucessão se fazia preferencialmente em linha direta de pai para filho No caso de Uagadugu a duração média dos reinados tenderia a ser mais longa e o número de gerações mais elevado Ainda que fatores religiosos possam também ser considerados Porém se analisarmos as dinastias dos reis dos Gan Gan Massa sistematicamente eleitos entre os homens maduros mais jovens a média de duração dos reinados será ainda mais elevada Em outras palavras a determinação do horizonte cronológico não pode ser feita independentemente do conhecimento da sociologia política de um determinado país Mas o próprio conceito de estabilidade não é um modelo prêt à porter invariável para todos os períodos e todos os países A estabilidade pode ser apenas aparente ou adquirida a um preço social bastante elevado Na Etiópia e no reino de Uagadugu a eliminação ou degredo dos candidatos desafortunados e dos colaterais garantia uma certa estabilidade porém às custas de severas perdas humanas que a história deve considerar em termos de instabilidade para explicar com pertinência a evolução desses países Recorrer se á também às ciências naturais ou exatas para apreender ou afinar a imagem do passado da África a começar pelo computador para o tratamento de certos dados numéricos os processos técnicos físicos químicos e bioquímicos de datação de análise dos metais das plantas e dos gêneros alimentícios do gado e de seu pedigree a epidemiologia e o estudo das catástrofes naturais vinculado à climatologia Não é gratuitamente que nas tradições africanas atribui se tanta importância aos períodos de grandes fomes que assim como 395 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra as guerras são usadas como referências cronológicas O papel da violência na evolução da África foi sem dúvida comparável ao que se verificou na história de outros continentes todavia se por um lado o baixo nível de desenvolvimento tecnológico reduziu lhe o impacto absoluto por outro o impacto relativo viu se aumentado pois o menor avanço de um povo em relação a outro nesse âmbito revestia se de grande importância Não foi a diferença de armamento fator determinante na instauração da hegemonia dos assírios no Egito dos primeiros dinastas de Gana e de Chaka o Zulu A estatística também deverá contribuir de modo substancial dando uma consistência quantificada a realidades que sem isso seriam deformadas mesmo qualitativamente já que a partir de um certo estágio pode se falar de um salto qualitativo na natureza dos fenômenos As estruturas de dois povos um com dez mil e outro com dez milhões de pessoas não podem ser da mesma natureza Em se tratando de invasões de exércitos africanos do século XIV a armadilha do anacronismo consiste em imaginar essas mobilizações através do crivo conceptual do século XX A referência estatística mesmo na forma de estimativas aproximadas ajudará a colocar as coisas numa escala de grandeza natural mais compatível com o desenvolvimento real dos acontecimentos Aliás o estudo das guerras africanas só pode contribuir de forma relevante para a história da África se relacionado à religião à qual está intimamente ligado por ser a arte da guerra em parte um exercício de magia Para convencer se basta olhar a vestimenta de combate de al Boury NDiaye repleta de amuletos Esse costume ainda era adotado pelos atiradores africanos nas duas guerras mundiais Quanto à antropologia física pode também contribuir para a construção de uma história autêntica Os mitos racistas como a teoria camítica baseados em frágeis aparências infestaram durante muito tempo esse setor da pesquisa o qual só poderá ser saneado graças ao método interdisciplinar que associa várias provas para chegar à verdade As pinturas rupestres pré históricas já podem indicar o caminho de algumas identificações embora não se deva confundir modo de vida tal como é retratado nas rochas com raça Todavia não esqueçamos que certas deformações do esqueleto como a elongação craniana praticada pelos Mangbetu estão relacionadas ao modo de vida e à cultura Por outro lado se a análise serológica pode ajudar a esclarecer certas confusões ela também revela que até os grupos sanguíneos podem adaptar se ao meio o que denota a influência decisiva do biótopo sobre a raça Esta última só poderá ser entendida portanto se recolocada como quase tudo o que diz respeito à história entre a natureza e a cultura passando pela biologia A natureza africana teve grande influência na história É por isso que sem cair num determinismo mecânico qualquer 396 Metodologia e pré história da África jamais se devem perder de vista as condições geográficas8 A especificidade das culturas e da evolução pré histórica da África central como salienta de Bayle des Hermens só pode ser compreendida se se pensar na presença opaca da floresta que nos lembra a influência do espaço sobre o tempo9 Como falar dos primeiros habitantes do vale do Nilo sem recorrer à geomorfologia e à paleoclimatologia10 Como Como vimos são múltiplas as associações e conjugações de disciplinas que se impõem ao historiador da África Mas como organizar essa frente unida de disciplinas tão heterogêneas na luta pela conquista da antiga face da África Pode se conceber uma associação de esforços extremamente lassa que consistiria simplesmente em fixar algumas intenções comuns deixando que cada um avançasse de acordo com a problemática de sua própria disciplina reencontrando se todos na linha de chegada para uma confrontação dos resultados Essa estratégia não parece satisfatória pois deixa subsistirem todos os handicaps de cada disciplina sem tirar proveito se não de todas as virtudes de cada uma delas ao menos dos benefícios decorrentes da íntima associação de seus procedimentos A uma interdisciplinaridade por justaposição deve se preferir uma interdisciplinaridade por enxerto de abordagens e disciplinas A estratégia geral da pesquisa bem como as etapas táticas devem ser estabelecidas em conjunto Após ter definido de comum acordo e à medida que forem surgindo as interrogações essenciais passa se a dividi las em grupos segundo requeiram a intervenção desta ou daquela disciplina Em prazos determinados ou a pedido de uma das instâncias envolvidas na pesquisa devem se fazer ajustes ou combinações espécie de briefings que recolocarão os problemas em termos diferentes renovados com a progressão das diligências comuns Em tal circunstância os nós ou pontos de estrangulamento detectados quando dos acertos serão objeto de programas de emergência e da concentração intensiva dos esforços 8 A natureza propõe e o homem dispõe escreveu Vidal de La BLACHE mas como foi sugerido por Pe Teilhard de Chardin Não será a história vista de cima o mais recente capítulo da história natural 9 Cf H LEFEBVRE 1974 obra vigorosa em que o autor discute a teoria unitária do espaço físico mental e social 10 Testes químicos com o cálcio o fosfato os pólens e as proteínas podem ajudar a reconstituir os hábitos alimentares que por sua vez dão indicações sobre a demografia e o período de ocupação de um sítio Os palinologistas estão se empenhando em constituir um banco de pólens africanos 397 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra Essa associação permanente essa pesquisa coletiva deve dispor de um mestre de obras para o conjunto do trabalho ou do programa No entanto podem se designar líderes diferentes para suas diversas fases conforme determinado momento da investigação requeira preferencialmente um linguista outro um sociólogo etc Uma tal estratégia interdisciplinar deverá promover o enriquecimento mútuo do enfoque de cada disciplina e apurar sua apreensão do tema comum da pesquisa Ela permite frear rapidamente a progressão às cegas em situações de impasse e abrir o maior número possível de caminhos fecundos e atalhos Esse tipo de pesquisa colegial que levaria historiadores antropólogos culturais especialistas da arte botânicos a visitarem os sítios junto com os arqueólogos revela se como uma rede gigante capaz de recolher tanto em extensão quanto em profundidade a substância da realidade histórica global Isso pressupõe que os institutos de estudos africanos que já são numerosos possam adaptar suas estruturas a esse tipo de ação Pressupõe sobretudo a instauração de uma nova mentalidade entre os próprios pesquisadores Na verdade qual é o objetivo desse exercício É restituir aos africanos uma visão e uma consciência de seu passado que não pode ser uma fotocópia da vida passada mas deve um pouco como na caverna de Platão reproduzir cenas que outrora foram reais A vida é essencialmente integração e coerência adesão de forças distintas a um projeto comum A morte é por definição desagregação incoerência A vida individual ou coletiva não é unilinear nem unidimensional é um tecido denso e compacto Por vezes o romance histórico empreende com sucesso em condições certamente mais fáceis este projeto raramente realizado por historiadores a ressurreição do passado Professores de história economia sociologia etc poderiam encontrar matéria para um estudo conjunto nesses afrescos vivos que são As vinhas da ira de Steinbeck A condição humana de Malraux e Tchaka de T Mofolo Sem cair no romance devemos objetivar a recuperação dessa densidade pois no caso a vida real foi ainda mais palpitante que o romance A realidade ultrapassa a ficção Todo movimento histórico depende do conjunto de todos os aspectos da realidade social E a reconstituição histórica que deixasse de considerar todos esses aspectos seria se não uma anti história no mínimo uma outra história uma visão facciosa posto que parcial Evidentemente podemos nos concentrar num ponto específico do quadro histórico para ampliá lo desde que não nos esqueçamos de que está situado no quadro sem o qual mesmo enquanto ponto não pode ser perfeitamente compreendido Essa observação é ainda mais pertinente em se tratando do conjunto do quadro Os fatos históricos importantes como a expansão mande no oeste da África são resultantes de 398 Metodologia e pré história da África um encontro de uma conjugação de forças a tecnologia o equipamento material o comércio as vantagens da língua a pertinência da organização política o impulso do sentimento religioso etc Privilegiar de forma abusiva como frequentemente acontece a causa motriz antes de tentar retratar em sua profusão vital a intervenção de todas as causas é erigir um edifício conceptual ao invés de procurar reeditar mentalmente o passado O apanhado global da história a partir de muitas fontes torna se ainda mais imperativo em se tratando de sociedades onde a vida é mais integrada menos dicotômica que nos países onde já se consumou a divisão em classes antagônicas Na África talvez com excessiva facilidade fez se uma distinção entre as sociedades com Estado e as sociedades sem Estado definindo se evidentemente este último termo em função das normas da experiência coletiva do estudioso11 Esquece se talvez que mesmo em um império como o Mali a falta de estradas transitáveis e de administração burocrática bem como a opção deliberada dos dirigentes em favor da descentralização ditada pelos fatos fizeram com que a vida real da maioria da população se desenrolasse fora do Estado em vilarejos dotados de uma autonomia milenar e que não estavam ligados ao centro nem por um vínculo material concretizado por um feudo nem pela realidade física das auto estradas ou das vias férreas nem pela material idade das folhas de impostos e de decretos de ministérios ou prefeituras Ignorar tudo isso é condenar se ao enfoque simplista que consiste no estabelecimento de listas de reis e príncipes a respeito dos quais conhecemos apenas um ou dois grandes feitos num reinado de quinze ou vinte anos que consagramos como marcos indiscutíveis da vida real dos povos A imensa maioria dos povos africanos vivia em sociedades totais se não totalitárias onde tudo estava interligado desde a confecção de utensílios até os ritos agrários passando pelo cerimonial do amor e da morte No tocante a isso a sociedade regida pelo animismo não é menos integrada que a sociedade governada pelo islã Sob vários aspectos não se tratava de uma sociedade laica E considerá la como tal é desprezar uma parte importante da realidade Em suma nesses países também existe centralização diferente porém da que vigora no Estado moderno12 onde é o preço e o antídoto da divisão extremada do trabalho social Por exemplo entre os Senufo Poro os Lobi Dyoro e os Diula a iniciação desempenhava um papel central em torno do qual se organizava toda 11 AQUET J J 1961 O autor utiliza alternadamente a análise econômica sociológica e política para tentar definir um modelo aplicável à sociedade soga 12 O episódio do povo do Bure narrado por Ibn Battuta o prova nitidamente após uma fracassada tentativa de assimilação o imperador do Mali acabou por reconhecerlhe a autonomia cultural 399 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra a vida da coletividade Da mesma forma verdadeiras federações de aldeias foram erigidas em torno de um altar ou de um culto comum como na região de Samo Alto Volta e em Ibo Os países africanos onde as forças produtivas permaneceram num nível muito baixo gozam por outro lado de uma atividade cultural intensa Enquanto a dependência da natureza era quase total toda vestimenta era adorno Todo instrumento ou utensílio era trabalhado artisticamente e até mesmo as escarificações corporais em profundidade ou em relevo tinham a dupla função de afirmar uma identidade étnica e manifestar uma intenção estética Verifica se o mesmo fenômeno com relação às moedas de ferro guinze utilizadas pelos Loma Toma Kissi Konianke Mande Kuranko da Guiné de Serra Leoa e da Libéria Os guinze eram ao mesmo tempo moedas protetores das moradias e dos campos asilos dos espíritos dos defuntos e antepassados e seria errôneo reduzi los a uma única dimensão Essas sociedades totais requerem manifestamente uma história integral à sua imagem Assim sendo a melhor forma de retratá las é o trabalho interdisciplinar Como exemplo temos a obra conjunta de D Tait antropólogo e de J Fage historiador sobre os Konkomba Citemos ainda o enfoque sintético de J Berque da história social de uma aldeia egípcia13 Além disso o método global irá requerer uma abordagem que considere todos os fatores externos assim como os elementos domésticos Exige que se transcendam as fronteiras da África de modo a integrar as contribuições asiáticas europeias indonésias e americanas à personalidade histórica africana Evidentemente não na forma de um expansionismo sumário pois mesmo havendo intervenção externa esta é orientada pelas forças internas já em ação Como diz a máxima escolástica Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur Tudo o que é recebido o é na medida e de acordo com o formato do recipiente É por esse motivo que o arroz asiático foi cultivado onde já existia o oryza aborígene africano e a mandioca onde existia o inhame A cultura africana é um sofisticado complexo de fatores Não poderia reduzir se à soma numérica desses fatores pois eles não são meros produtos de mercearia que se alinha e se conta A cultura africana é tudo aquilo que assume e transcende qualitativamente os elementos constituintes E o ideal da história da África é apoiar se em todos esses elementos para retratar a própria cultura no seu desenvolvimento dinâmico Em outras palavras o método interdisciplinar deveria finalmente conduzir a um projeto transdisciplinar 13 BERQUE J 1957 C A P Í T U L O 1 6 401 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África É nosso objetivo aqui apresentar uma exposição geral de algumas das mudanças ocorridas nos aspectos físicos do continente africano durante o Pleistoceno e o Holoceno Durante esse período de cerca de 2 milhões de anos os climas e os ambientes da Terra sofreram mudanças consideráveis Uma série de eventos climáticos marcantes ocorridos durante essa época submeteu as latitudes setentrionais do globo em quatro ocasiões sucessivas a avanços e recuos de geleiras denominados Günz Mindel Riss e Würm nos Alpes Formaram se os vales e os terraços fluviais estabeleceram se as atuais linhas da costa e ocorreram grandes mudanças na fauna e na flora do globo As formas proto humanas diferenciaram se dos primatas ancestrais no início do Holoceno e os mais antigos utensílios identificáveis são encontrados nos horizontes do Pleistoceno Superior Em grande parte o desenvolvimento da cultura a partir do surgimento do homem enquanto mamífero que se utiliza de instrumentos parece ter sido profundamente influenciado pelos fatores ecológicos que caracterizaram os sucessivos estágios do Pleistoceno Firmou se na Europa a ideia segundo a qual em vários episódios do Pleistoceno os glaciares foram bem mais extensos do que na época presente tornando se logo evidente que esses episódios europeus de deterioração climática não tinham caráter meramente local Os trabalhos realizados na África por exemplo revelaram que o continente sofreu mudanças climáticas de dimensões significativas durante o Holoceno Embora esses eventos ainda não tenham sido Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África PARTE I I R Said 402 Metodologia e pré história da África correlacionados de modo conclusivo aos que ocorreram na parte setentrional do globo estão em grande parte ligados a estes últimos de uma forma que ainda está por ser interpretada Durante a última década ampliaram se consideravelmente as perspectivas de se estabelecer uma escala de tempo para o final do Cenozoico e do Pleistoceno Os programas de perfuração em mar profundo têm fornecido informações extremamente valiosas sobre uma sequência de sedimentos mais ou menos contínua que registra os eventos da última parte da história da Terra Estudos multidisciplinares detalhados dos testemunhos obtidos nesses programas progressos na geofísica e especialmente nos estudos de paleomagnetismo bem como o aperfeiçoamento das técnicas de medidas radiométricas têm contribuído para a elaboração de uma escala de tempo razoavelmente bem fundamentada para a última parte da história da Terra Há muito por ser feito neste campo visto que ainda não foi possível estabelecer uma correlação definitiva entre os eventos de diferentes áreas No entanto a cronologia da última parte da história da Terra está entre as mais bem fundamentadas embora seja ainda questão bastante controversa a demarcação dos limites do Pleistoceno em virtude da grande confusão gerada ao se procurar classificar os estratos tipo clássicos do Plioceno e do Pleistoceno na sequência estabelecida a partir do fundo do mar Apresentamos a seguir a classificação que será utilizada no presente capítulo A escala de tempo geomagnética dos últimos 5 milhões de anos MA mostra que o campo magnético da Terra passou alternadamente da posição normal à reversa Essas diferentes épocas foram interrompidas por eventos menores marcados por uma inversão As épocas são da mais recente para a mais antiga Brunhes 069 MA até o presente Matuyama 243 069 MA Gauss 322 243 MA e Gilbert 54 332 MA O intervalo magnético Gilbert Gauss caracterizou se por uma grande deterioração climática observável em muitas regiões do globo sobre esse assunto ver Hays et alii 1969 Este episódio frio corresponde ao início da glaciação de Nebraska registrada no golfo do México ao surgimento de depósitos glaciais no Atlântico norte e à fauna continental do Villafranchiano médio De acordo com alguns autores para os quais o início da primeira deterioração climática constitui o limite entre o Plioceno e Pleistoceno este evento marcaria o começo do Pleistoceno Contudo a adoção desse limite estaria em desacordo com o limite definido pelo Congresso de 1955 da Associação Internacional de Pesquisa do Quaternário INQUA de vez que implicaria que os conjuntos faunianos da seção clássica de Castellarquato na Itália deveriam ser excluídas do Plioceno É preferível pois fixar se o limite em 185 MA correspondendo ao início do Calabriano e ao evento magnético 403 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África de Olduvai da época Matuyama Pesquisas recentes mostraram que esse foi um período antes de aquecimento que de resfriamento Nas latitudes temperadas as primeiras grandes glaciações do Pleistoceno ocorreram em torno de 500000 no intervalo Brunhes Matuyama Esta glaciação pode corresponder à Günz alpina O Pleistoceno portanto pode ser dividido em duas partes representando a mais recente o período glacial e a mais antiga um Pleistoceno pré glacial A glaciação alpina de Riss ocorreu em 120 130000 BP aproximadamente ao passo que a de Würm começou em 80000 BP Esta última glaciação é talvez a mais bem datada e estudada Ela continuou até o Holoceno que foi fixado em 10000 BP aproximadamente Como dissemos é objetivo deste capítulo estudar as mudanças físicas mais notáveis ocorridas no continente africano em resposta às variações climáticas do Pleistoceno Um continente tão grande como a África compreende uma série de ambientes distintos que responderam de diferentes maneiras e em graus variados às grandes mudanças paleoclimáticas do Pleistoceno Procuraremos portanto estudar essas mudanças no quadro das principais regiões climáticas atuais do continente Essas regiões podem ser classificadas em duas categorias zonas equatorial e subequatorial e zonas tropical e subtropical Zonas equatorial e subequatorial A zona equatorial cobre atualmente a região da bacia do Zaire no oeste da África caracterizada por ventos pouco variáveis ligeiras diferenças sazonais de temperatura e umidade tornados e tempestades frequentes Esta zona é atualmente coberta por florestas equatoriais A zona subequatorial abrange a maior parte da região média da África caracterizando se pela presença de massas de ar de tipo equatorial no verão e de tipo tropical no inverno O inverno é seco e ligeiramente mais fresco que o verão A maior parte desta zona compreende áreas com umidade abundante que sustenta uma vegetação de savana tropical As bordas setentrional e meridional entretanto apresentam atualmente uma vegetação de estepe tropical As variações de pluviosidade nessas zonas durante o Pleistoceno permitem subdividir esta época em uma sucessão de pluviais e interpluviais Os pluviais conhecidos como Kagueriano Kamasiano Kanjeriano e Gambliano são considerados como correspondentes às quatro glaciações mais importantes do hemisfério norte embora esta correlação não tenha sido comprovada Foram identificados dois subpluviais no Holoceno Makaliano e Nakuriano 404 Metodologia e pré história da África Os pluviais são evidenciados por um maior acúmulo de sedimentos lacustres ou por uma elevação das linhas de margem deixadas em várias bacias fechadas como resultado da expansão dos lagos Os interpluviais caracterizam se por uma intensificação da atividade eólica durante a qual as areias transportadas pelo vento foram depositadas ou redistribuídas muito mais ao sul do limite meridional atual das dunas móveis e que corresponde a mudanças radicais na vegetação Vários cumes vulcânicos localizados nessas zonas apresentam características glaciais em altitudes inferiores à linha de neve atual indicando a existência de climas mais frios em tempos passados Nas seções seguintes do presente capítulo encontram se alguns exemplos dessas mudanças ocorridas na África equatorial e subequatorial Bacias lacustres da África oriental A África oriental notadamente por suas bacias lacustres constitui uma área típica dos pluviais e interpluviais propostos para descrever a evolução da África subequatorial Os lagos da África oriental situam se no sistema do rift africano Os que preenchem os fundos do ramo oriental do rift com exceção do lago Vitória não possuem saídas e estão localizados em climas muito mais secos Por outro lado os principais lagos do ramo ocidental estão preenchidos até o nível de transbordamento Fica claro desde o início que os vestígios de níveis lacustres mais elevados em uma zona altamente sismoativa como o leste da África deve conduzir à formulação de hipóteses mas não permite que se tirem conclusões Nesta região extremamente instável deve ser levada em consideração a possibilidade de deslocamento tectônico das linhas de margem de modificação dos níveis de transbordamento dos lagos e oscilação das bacias lacustres Por esta razão caiu em desuso o conceito de pluviais do Pleistoceno inferior ao médio Cooke 1958 Flint 1959 Zeuner 1950 Estudos recentes das bacias lacustres da África oriental têm restringido o uso desta evidência climatoestratigráfica ao pluvial Gambliano em que são registrados em certos locais sedimentos que não sofreram deformações tectônicas Contudo grande número de evidências geológicas provam de maneira cabal que os limites das principais florestas equatoriais variaram consideravelmente no passado As grandes florestas das bacias de drenagem do oeste constituíram um importante fator no condicionamento da vida humana durante o período para o qual se dispõe de registros arqueológicos O famoso sítio da garganta de Olduvai no norte da Tanzânia inclui em sua base uma fauna de vertebrados 405 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África otimamente preservada que data seguramente do Pleistoceno inferior As correlações climáticas indicam um período de alta pluviosidade Kagueriano ou Olduvai I Acima encontram se duas formações que indicam respectivamente um intervalo mais seco seguido de um período de pluviosidade relativamente intensa Existe nesta localidade uma sequência estratigráfica que possui a série evolutiva mais completa de machadinhas das formas mais primitivas às variantes especializadas mais importantes deste tipo de artefato do Paleolítico Inferior tal como é conhecido na Europa e na Ásia ocidental As evidências do pluvial Gambliano são constituídas principalmente pelas praias elevadas e pelos depósitos fossilíferos de três lagos outrora contíguos situados a noroeste de Nairóbi Nakuru Elmenteita e Naivasha O Naivasha apresenta um nível de praia elevado que data de um período ligeiramente anterior ao Paleolítico Superior indicando que o lago teve uma profundidade máxima de 200 m e que provavelmente escoava suas águas através de uma linha de festo próxima As pequenas dimensões da concha do lago e o fato de os lagos modernos não ultrapassarem 10 m de profundidade são dados que permitem considerar a extensão anterior do lago como uma indicação da ocorrência de climas mais úmidos no passado Em um abrigo sob rocha que domina os lagos atuais de Nakuru e Elmenteita um sítio bem estratificado com uma verdadeira indústria sistemática de lâminas foi descoberto por Leakey na caverna de Gamble no Quênia O depósito inferior é descrito como uma aglomeração de seixos de praia laeustre sobre o piso rochoso do abrigo a cerca de 200 m acima do nível atual do lago Os depósitos que contêm utensílios situam se sobre esta aglomeração e consistem em um depósito móvel de cinza poeira osso e obsidiana A fauna associada é indubitavelmente do tipo moderno Segundo Leakey os depósitos de utensílios pertencem ao fim de um período de alta pluviosidade o qual ele denomina Gambliano segundo o local em questão este sucede imediatamente ao período a que pertencem os últimos níveis do Olduvai que continham utensílios do Acheulense e restos de uma fauna extinta bastante característica O clássico trabalho de Nilsson 1931 1940 sobre as bacias lacustres da África oriental apresenta um dos estudos mais bem documentados das flutuações de seus níveis no passado Esse autor descreve as linhas de margem elevadas do lago Tana nível da superfície 1830 m fonte do Nilo Azul e registra cinco linhas de margem principais até 125 m com um nível menos distinto a 148 m Nilsson também mostra que quatro lagos do Rift Valley Zway Abyata Longana e Shela eram interligados e escoaram para o rio Awash durante um certo tempo 406 Metodologia e pré história da África Os registros paleoclimatológicos do lago Vitória mostram que ele foi pouco profundo e endorréico por um período de duração indeterminada anterior a 14500 BP quando prevalecia uma vegetação de savana herbosa O lago começou a se expandir em 12000 BP aproximadamente quando então apareceu uma vegetação de floresta nas bordas das suas margens setentrionais Porém por um curto período de tempo em torno de 10000 BP é possível que o seu nível tenha descido a 12 m abaixo do nível atual Entre 9500 e 6500 BP o lago Vitória esteve completamente cheio rodeado por uma floresta perene O nível do lago foi em parte influenciado pela incisão de seu escoadouro porém os baixos níveis anteriores bem como a sequência palinológica certamente independem desse fator Butzer et alii 1972 realizaram um estudo pormenorizado das bacias lacustres da África oriental e fornecem datações por radiocarbono de alguns sedimentos de suas antigas praias Os eventos e datações do Quaternário Superior dos lagos Rodolfo Nakuru Naivasha e Magadi coincidem em grande parte O lago Rodolfo com uma superfície atual de 7500 km2 é o maior lago endorréico da África Situado em uma zona de subsidência a leste do Rift seu principal afluente é o rio Orno que nasce nas terras altas do oeste da Etiópia O trabalho de Butzer mostra que o litoral os leitos deltaicos e fluviais associados a esse lago situavam se 60 m acima do nível atual em 130000 BP aproximadamente e 60 70 m acima do nível atual em 13000 BP aproximadamente Entre este último período e 9500 BP o lago tornou se menor que o atual e o clima mais árido A partir desta última data o volume do lago cresceu novamente e seu nível variou entre 60 e 80 m acima do nível atual até 7500 BP quando o lago Rodolfo reduziu se Houve em seguida níveis mais altos em 6000 BP aproximadamente e a partir de 3000 BP o lago reduziu se até atingir suas dimensões atuais As evidências de outros lagos da África oriental estudados por Butzer et alii mostram uma história semelhante para o Quaternário Superior Bacias do Chade e do Sudd A bacia do Chade merece atenção especial em virtude de sua localização na extremidade meridional do Saara e da grande superfície do mar interior que ocupou toda a bacia durante o Pleistoceno O atual lago Chade é um vestígio desse antigo mar interior cf Monod 1963 e Butzer 1964 As águas da bacia provêm das savanas da África central O lago atual situa se a uma altitude de 280 m e sua superfície oscila entre 10000 e 25000 km2 a profundidade média varia entre 3 e 7 m com uma 407 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África profundidade máxima de 11 m O lago está separado de duas grandes depressões Bodélé e Djourab por um divisor de águas de pequena altitude cortado pelo vale seco do Bahr el Ghazal A mais baixa linha de margem do lago Chade atual 4 6 m permitiria que suas águas transbordassem na depressão de Bodélé a 500 km de distância No seu nível mais alto 322 m o ancestral do Chade no Pleistoceno deixou linhas de margem bastante nítidas a 40 e 50 m o que corresponde a uma área de 400000 km2 Foram também registrados vestígios mais descontínuos de linhas de margem intermediárias Grove e Pullan 1963 mostram que a grande perda por evaporação do lago atual é amplamente compensada pelo débito do Logone e do Chari ao sul Esses autores calculam que a evaporação do lago no Pleistoceno deve ter sido seis vezes maior de sorte que teria recebido anualmente um volume de água igual a um terço do débito anual do Zaire Butzer 1964 afirma com razão que o antigo mar do Chade representa portanto excelente testemunho em favor de uma maior umidade nas latitudes tropicais subúmidas Infelizmente não foi possível correlacionar as linhas de margem das diferentes partes da bacia A camada de terrenos do Pleistoceno de 600 m de espessura subjacente a algumas partes da bacia mostra a complexidade e a longa história deste mar interior No caso do Nigéria Grove e Pullan 1963 sugerem que após um período em que o nível do lago ultrapassava o nível atual de 52 m durante o Pleistoceno Superior o clima tornou Se seco com formação de grandes dunas no antigo sítio do lago Ao estabelecimento posterior de uma nova rede hidrográfica seguiu se um outro período úmido tendo o nível do lago aumentado de pelo menos 12 m durante o Holoceno Pode se dizer por conseguinte que dois movimentos positivos do lago ainda mal analisados parecem ter ocorrido antes de 21000 BP Sucedeu se um longo intervalo de dessecação e atividade eólica até pouco antes de 12000 BP quando o lago reiniciou sua expansão atingindo um nível máximo há cerca de 10000 anos BP com transbordamentos ao menos intermitentes Este período de cheia durou até 4000 BP aproximadamente A história deste mar interior no Pleistoceno Superior e no Holoceno parece assim coincidir salvo em alguns detalhes com a das bacias da África oriental O lago Sudd no Sudão meridional representa na opinião do autor deste capítulo outro grande mar interior que teve provavelmente uma história semelhante à da bacia do Chade O Sudd é um lago extinto que se supõe ter coberto a região da bacia superior do Nilo estendendo se até o Nilo Branco partes do Nilo Azul e do Bahr el Ghazal A ideia da existência deste antigo lago partiu de engenheiros de irrigação que trabalhavam no Egito Lombardini 408 Metodologia e pré história da África Garstin e Willcocks e foi elaborada por Lawson 1927 e Ball 1939 Todos ficaram impressionados com o nivelamento das planícies do Sudão central e meridional e admitiram que um pequeno aumento no nível dos Nilos Branco e Azul poderia inundar extensas áreas O lago Sudd pelos cálculos de Ball ocupou uma área de 230000 km2 a região limitada pela curva dos 400 m altitude de Shambe Esta região é coberta pela formação de Um Ruwaba recentemente mapeada que é constituída de uma longa série de depósitos fluviais deltaicos e lacustres O ponto culminante dessa formação ultrapassa 500 m altitude bastante superior à do mais baixo nível de escoamento do cume de Sabaluka ao norte de Cartum 434 m que se supõe ter formado o limite setentrional do lago Como observou Said MS este cume situa se numa das principais linhas de falha que limitam a borda meridional do maciço da Núbia núcleo de grande atividade sísmica Essa altitude pela razão exposta e por outras relacionadas à incisão da garganta de Sabaluka por uma erosão ulterior não pode ser ti da como representante da altitude do cume durante o preenchimento do lago Uma outra complicação provém do efeito de barragem produzido pelas águas do Nilo Azul ao se precipitar no Nilo Branco em época de cheia Embora a história do lago Sudd não seja conhecida em pormenores sua grande extensão é comprovada pelos 382 m de praia que margeiam amplas áreas do Nilo Branco Como a bacia do Chade parece ter sido muito extenso entre 12000 e 8000 BP Ao norte deve ter chegado a 50 km de largura Williams 1966 Depois o lago reduziu se e em torno de 6000 BP a pluviosidade anual diminuiu atingindo cerca de 600 mm nas proximidades de Cartum e o nível do Nilo Branco baixou para 05 1 m acima de seu nível médio atual em época de cheia Fenômenos glaciais A antiga glaciação da África está estreitamente ligada às geleiras atuais que por sua vez dependem principalmente da distribuição das grandes elevações Com exceção das montanhas do Atlas todos os picos com geleiras encontram se na África oriental a poucos graus do equador As altitudes variam de aproximadamente 3900 a 6100 m Flint 1947 1959 apresenta um resumo dos dados importantes referentes a essas regiões afirmando que as nevadas que alimentavam as geleiras eram provavelmente produzidas pela precipitação orográfica da umidade das massas de ar marítimo que se deslocavam para leste provenientes do Atlântico sul e em menor grau para oeste provenientes do oceano Índico 409 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África A altitude do monte Quênia lat 010 S longo 3718 L é de 5158 m e a atual linha de neve está a 5100 m estima se que a linha de neve no Pleistoceno tenha descido no máximo a 900 m Flint 1959 O monte Kilimandjaro na Tanzânia lat 305 S longo 3722 L tem uma altitude de 5897 m e parece situar se atualmente pouco acima da linha de neve a linha de neve mais baixa no Pleistoceno esteve acima de 1300 m Flint 1959 O monte Elgon em Uganda lat 1 08 N longo 3433 L tem uma altitude de 4315 m e situa se atualmente bem abaixo da linha de neve tendo apresentado geleiras durante o Pleistoceno O monte Ruwenzori lat 024 N longo 2954 L tem uma altitude de 5119 m e sua atual linha de neve situa se a 4750 m na vertente oeste Zaire e 4575 m na vertente leste Uganda As geleiras do Pleistoceno desciam a 2900 m na vertente oeste e a cerca de 2000 m na vertente leste Atualmente não existem geleiras nas terras altas da Etiópia porém os montes Semien lat 1314 N longo 2825 L parecem ter apresentado geleiras durante o Pleistoceno Nilsson 1940 demonstra a existência de duas antigas glaciações em alguns picos desta cadeia altitude de aproximadamente 4500 m com linhas de neve a 3600 4100 m e 4200 m Um recuo glacial associado ao Pleistoceno Superior corresponde a uma linha de neve a 4400 m Nilsson também descreve uma glaciação do Pleistoceno Superior no monte Kaka lat 750 N longo 3924 L com uma linha de neve a 3700 m Foram também descritas glaciações em outros picos vulcânicos da Etiópia que atualmente se situam bem abaixo da linha de neve monte Guna lat 1143 N longo 3817 L Amba Farit lat 10053 N longo 3850 L e monte Chillale lat 750 N longo 3910 L Há evidências convincentes de pelo menos duas gIaciações nas zonas equatorial e subequatorial da África e de um clima consideravelmente mais frio durante o período que corresponde à glaciação de Würm Além dos fenômenos glaciais observados em alguns picos desta zona descobriram se na Etiópia vestígios de solifluxão e de modificação dos solos por congelamento 4200 9300 m De acordo com Budel 1958 o limite inferior dos fenômenos de solifluxão durante o período de Würm alcançou 2700 m Também foram registrados depósitos glaciofluviais em muitas áreas da África equatorial Os depósitos do monte Ruwenzori foram estudados por de Heinzelin 1963 que constatou serem eles paralelos aos terraços gamblienses do rio Semliki O Semliki que une os lagos Eduardo e Alberto na fronteira do Zaire com Uganda possui espessas camadas de seixos grandes e médios areias e terra vermelha agrupadas junto com os depósitos coluviais De Heinzelin demonstra que os terraços sangoenses lupembienses são contemporâneos dos depósitos glaciofluviais do monte Ruwenzori 410 Metodologia e pré história da África Zonas tropical e subtropical A atual zona tropical da África possui um regime de ventos provenientes sobretudo do leste e nítidas variações sazonais de temperatura A parte ocidental desta zona situada na costa do Atlântico apresenta alísios estáveis temperatura amena alta umidade atmosférica e baixíssima pluviosidade A parte restante abrange os grandes desertos do norte e do sul do continente São regiões quentes e áridas com uma grande variação diurna de temperatura e um máximo absoluto de temperatura A zona subtropical compreende as extremidades setentrional e meridional do continente e se caracteriza pela presença de massas de ar tropicais no verão e de massas de ar de tipo temperado no inverno A temperatura e a pluviosidade sazonais variam consideravelmente As regiões de clima mediterrâneo apresentam tempo bom e claro no verão e chuvoso no inverno O Saara O Saara representa talvez o elemento mais notável desta zona Estendendo se por mais de 5500 km do mar Vermelho ao Atlântico e tendo de norte a sul uma largura média superior a 1700 km cobre quase um quarto da área total do continente africano Em toda essa região a pluviosidade embora muito desigualmente distribuída é superior a 100 mmano em certos locais e em média muito inferior Consequentemente não se conhecem rios perenes no Saara com exceção do Nilo que recebe suas águas de fontes situadas fora do deserto Os lençóis permanentes e efêmeros resultantes do escoamento superficial não têm importância para a vida humana atual ao contrário dos poços e fontes alimentados por lençóis subterrâneos O Saara é constituído por um rígido embasamento de rochas pré cambrianas recobertas por sedimentos do Paleozoico ao Cenozoico os quais permaneceram estáveis durante a maior parte do Fanerozoico Ocorreram dobramentos e arqueamentos da crosta somente na cadeia do Atlas do golfo de Gabes ao Marrocos e nas colinas do mar Vermelho a leste do Nilo Uma atividade semelhante é observada em Cirenaica e no subsolo da costa setentrional da África Estes dobramentos pertencem ao sistema alpino de orogênese do Cenozoico Superior e do Quaternário A cadeia do mar Vermelho por outro lado está ligada aos movimentos tectônicos e à extensão do grande Rift Valley africano A mais extensa área de elevações é a do maciço do Atlas que apresenta a maior pluviosidade Elevações menores estão presentes em Cirenaica e nos 411 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África maciços do Ahaggar e do Tibesti do Saara central Estes últimos constituem duas regiões de topografia montanhosa ligadas pela selle basse de Tummo Essa região tem uma altitude média de 2000 m com picos de até 3600 m A maioria dos picos é constituída de rochas vulcânicas formadas durante um longo período de atividade vulcânica que alcançou o Pleistoceno Encontram se áreas menores de rochas vulcânicas nos maciços de Aïr no sudoeste de Ahaggar no Uweinat que se ergue abruptamente entre o Tibesti e o Nilo no monte Ater etc Atualmente esses maciços exercem uma influência insignificante sobre o clima mas há muitas evidências geológicas de que a região do Saara durante vários episódios do Pleistoceno foi bem menos árida que no presente O principal fator de erosão no deserto tanto atualmente como durante todos os demais períodos de aridez é a erosão eólica responsável pela formação da grande peneplanície do Saara As areias grosseiras transportadas pelo vento acumulam se em extensões conhecidas por erg ou reg enquanto que os materiais mais finos são transportados em altitude na atmosfera permanecendo em suspensão parcial por longos períodos de tempo A superfície rochosa denudada resultante dessa erosão é conhecida como Hammada Ocorrem bacias e depressões nessas superfícies que variam de bacias rasas e pequenas a grandes depressões que atingem em alguns locais uma profundidade de 134 m abaixo do nível do mar depressão de Oattara Essas depressões tornaram se nas fases pluviais em sítios de aluvionamento ao atingirem o nível dos lençóis subterrâneos surgiram fontes e iniciou se uma atividade de sedimentação lacustre As grandes depressões situam se principalmente nas bordas dos escarpamentos mas são raramente circundadas por estes Certamente foram formadas por erosão eólica já que constituem bacias interiores sem saída Há divergência de opiniões quanto à história geológica do Saara Alguns autores sustentam que foi um deserto durante todo o Fanerozoico e que os períodos úmidos representam variações anormais na história de uma aridez contínua Outros sustentam que a desertificação é um fenômeno recente correspondente ao atual sistema de distribuição das massas de ar São irrefutáveis as evidências de que no passado o deserto conheceu climas mais úmidos Dentre essas evidências incluem se tanto o sistema de distribuição da fauna quanto certas características sedimentares que só podem ser explicadas pela hipótese da existência de um clima mais úmido no passado Sabe se que determinados animais nativos da África central viveram no deserto e não poderiam ter migrado para lá a não ser através de corredores de vegetação ou água Encontraram se espécimes do crocodilo da África central em covas dágua no interior de ravinas profundas dos maciços de Ahaggar e Tibesti o mudfish 412 Metodologia e pré história da África africano foi encontrado no norte até o oásis de Biskra ao sul da Tunísia As características do sistema de drenagem do deserto indicam a ocorrência no passado de índices pluviométricos mais elevados A oeste de Ahaggar uma planície imensa estende se a poucas centenas de quilômetros do Atlântico declinando suavemente a partir das margens da depressão de El Juf Vê se claramente que no passado tal planície formava a bacia de evaporação de um vasto sistema hidrográfico São significativas as linhas de drenagem que se dirigem para o sul a partir das encostas meridionais do Atlas destacando se o uede Saura com mais de 500 km de extensão Trata se de um vale que no passado suportou um volume de água suficiente para remover as areias eólicas que hoje obstruem seu curso médio Das colinas do mar Vermelho alguns uedes alcançam até 300 km drenando áreas de aproximadamente 50000 km² Um deles o wadi Jharit que desemboca na planície de Kom Ombo ao norte de Assuã é cercado por delgadas camadas aluviais de siltitos finos com mais de 100 m de profundidade Estes foram certamente depositados por um rio perene de débito considerável Monod 1963 fez um estudo dos principais trabalhos sobre as divisões c1imatoestratigráficas do Saara Ele cita o trabalho de Alimen Chavaillon e Margat 1959 sobre a clássica bacia do Saura para a qual foram sugeridos os seguintes períodos do mais antigo ao mais recente Pluvial Villafranchiano Aidiano areia cascalho conglomerados de cor rosa avermelhado sobre rochas mais antigas Pós Villafranchiano árido brechas de talude loess arenoso etc recobertos por um paleossolo marrom avermelhado Utensílios de seixos grosseiramente lascados foram observados em um sítio na Argélia Primeiro pluvial Mazzeriano Qa conglomerados e areias Pós Mazzeriano árido depósitos de argila arenosa areias eólicas entulho Segundo pluvial Taourirtiano ou ougartiano I Qb conglomerados cultura de seixos bem desenvolvida possivelmente do Acheulense Médio Pós Taourirtiano árido erosão Terceiro pluvial ou Ougartiano II seixos de várias cores e areias ou um paleossolo vermelho castanho Pós Taourirtiano árido erosão Quarto pluvial Q1 sauriano areias cinza esverdeadas materiais detríticos solos fósseis negros Ateriense Pluvial pós sauriano crosta de arenito Neolítico Fase úmida guiriana Q2a Neolítico 413 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África De acordo com Arambourg 1962 os quatro pluviais principais Mazzeriano Ourgartiano I Ougartiano II e Sauriano do norte do Saara poderiam corresponder aos pluviais da África oriental Kagueriano Olduvai I Kamasiano o Kanjeriano e Gambliano O Guiriano do noroeste da África poderia corresponder às fases úmidas do pós Gambliano O Nilo O Nilo tem de há muito atraído a atenção dos estudiosos e é vasta a literatura dedicada a seus vários aspectos A pré história e a evolução geológica deste rio foram objeto de recentes estudos realizados por Wendorf 1968 Butzer e Hansen 1968 de Heinzelin 1968 Wendorf e Schild MS Giegengak 1968 e Said As notas seguintes são o resultado de um estudo realizado por este último autor com base no mapeamento de campo nos depósitos fluviais e nos sedimentos associados e no exame de um grande número de perfurações profundas e rasas para prospecção de água ou petróleo Pode se dizer que o Nilo passou por cinco episódios principais desde a abertura de seu curso no Mioceno Superior Cada um destes episódios caracterizou se por um rio alimentado principalmente por fontes exteriores ao Egito Por volta do fim dos quatro primeiros episódios o último ainda está em andamento o rio parece ter diminuído ou deixado completamente de fluir no Egito Essas grandes fases de recessão foram acompanhadas de importantes mudanças físicas climáticas e hidrológicas Na primeira dessas recessões o mar parece ter avançado terra adentro formando um golfo que ocupou o vale escavado até o sul de Assuã Durante a segunda recessão que se iniciou com o Pleistoceno árido e continuou por mais de 1100000 anos um clima hiperárido desenvolveu se no Egito transformando o em um verdadeiro deserto Durante esse episódio em que houve intensa atividade eólica começaram a se formar as grandes depressões do deserto e foi destruída a vegetação que cobrira o Egito por quase todo o Plioceno Há evidências de uma fase pluvial relativamente curta no início deste período em que surgiram torrentes efêmeras que derivavam suas águas somente do Egito Os cinco cursos dágua que ocuparam o vale do Nilo desde sua escavação no Mioceno superior são chamados Eo Nilo Tmu Paleo Nilo Tplu Proto Nilo Q 1 Pré Nilo Q 2 e Neo Nilo Q 3 As variações climáticas registradas no Egito podem ser resumidas na seguinte tabela da mais antiga para a mais recente 414 Metodologia e pré história da África Pluvial Plioceno Tplu de 3320000 a 1850000 BP Os sedimentos do Paleo Nilo apresentam se em sua maior parte na forma de finas camadas de clásticos e argilas observáveis no subsolo do vale e em afloramentos ao longo das margens dos uedes As cabeceiras do Paleo Nilo encontravam se no Egito e também na África equatorial e subequatorial Presença de considerável cobertura vegetal desintegração química intensa e escoamento reduzido Chuvas provavelmente distribuídas de forma regular durante o ano Fase hiperárida do Pleistoceno Inferior Intervalo TpluQ 1 de 1850000 a 700000 BP O Egito transforma se em um deserto o vale do Nilo torna se sismicamente ativo e a atividade eólica atinge seu máximo Esta fase é interrompida por um curto pluvial Armant com a formação de camadas de cascalhos alternadas com camadas de areia selecionada ou de marga encaixadas em uma matriz amarelo avermelhada e recobertas por brecha vermelha cimentada Nenhum utensílio foi encontrado nestes depósitos Pluvial Edfon Q 1 de 700000 a 600000 BP Voltam as condições climáticas do Paleo Nilo o Proto Nilo com fontes idênticas às de seu predecessor entra no Egito seguindo um curso paralelo ao do Nilo moderno e situado a oeste deste Os sedimentos do rio tomam a forma de camadas de cascalho de quartzo e quartzito encaixados em uma matriz de solo vermelho tijolo Esses sedimentos provinham de um terreno profundamente desintegrado e muito lixiviado No deserto sedimentos comparáveis aos conglomerados dos uedes são conhecidos sob a forma de canais invertidos Há registros nestes depósitos de utensílios de tradição chellense Fase árida do Pré Nilo Q 2 de 600000 a 125000 BP Um novo rio entra no Egito alimentado pelas águas das terras altas da Etiópia A composição mineral dos sedimentos do Pré Nilo mostra a presença do mineral augita mineral característico dos sedimentos do Nilo moderno 415 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África oriundos das terras altas da Etiópia bem como uma abundância de epídoto o que distingue estes depósitos daqueles do Neo Nilo e do Nilo moderno Assinala se um pluvial menor durante as fases iniciais deste intervalo Pluvial Abbassia De 125000 a 80000 BP O Pré Nilo pára de correr no Egito suas cabeceiras são cortadas pela elevação do maciço da Núbia Este pluvial caracteriza se pela presença de cascalhos poligênicos oriundos das colinas do mar Vermelho cuja superfície foi profundamente desintegrada mas pouco lixiviada Nestes cascalhos são encontrados utensílios do Acheulense Superior em grande quantidade Fase árida AbbassiaMakhadma De 80000 a 40000 BP Erosão Subpluvial Makhadma De 40000 a 27000 BP Registros de enxurradas utensílios de tradição sangoense lupembiense em vários declives do leito erodido do Pré Nilo No deserto encontram se por toda parte artefatos de tradição musteriense e ateriense Fase árida do Neo Nilo Q 3 de 27000 BP até o presente Um rio o Neo Nilo com cabeceiras e regime similares aos do Nilo moderno entra no Egito O Neo Nilo passou por fases de recessão que formaram máximos subpluviais o subpluvial Deir el Fakhuri 15000 a 12000 BP subpluvial Dishna 10000 a 9200 BP e Neolítico 7000 a 6000 BP Pode se afirmar portanto que os sedimentos do vale do Nilo não são muito diferentes dos registrados no Saara Generalizando é possível relacionar o pluvial Armant egípcio ao pluvial Villafranchiano do noroeste do Saara o Edfon ao Mazzeriano o Abbassia ao Ougartiano o Makhadma ao Sauriano o Deir el Fakhuri o Dishna e o Neolítico ao Guiriano Concluindo cabe observar que os pluviais africanos têm possivelmente suas origens nas variações climáticas do globo que em teoria corresponderiam às 416 Metodologia e pré história da África glaciações da Europa e da América do Norte Embora tal fato não tenha sido comprovado é possível afirmar que em geral o Ougartiano do noroeste da África o Abbassia do nordeste da África e o Kanjeriano Olduvai IV do leste da África podem ser correlacionados à glaciação alpina de Riss Antes que se possa tirar qualquer conclusão definitiva fazem se necessários estudos suplementares principalmente no campo das medidas paleomagnéticas e radiométricas C A P Í T U L O 1 6 417 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Os últimos milhões de anos da história de nosso planeta foram marcados pela alternância de profundas modificações climáticas O fenômeno mais importante bem conhecido há mais de um século é sem dúvida o extraordinário avanço e recuo das geleiras nas altas latitudes e altitudes Este fenômeno é reflexo dos consideráveis resfriamentos que exerceram profunda influência sobre o ambiente e a vida dos hominídeos Na África a manifestação mais espetacular das variações climáticas do Quaternário foi a extensão das áreas lacustres em zonas atualmente áridas e o desenvolvimento de grandes extensões de dunas em regiões que hoje apresentam um clima mais úmido No curso da década passada observou se um progresso considerável na datação de eventos climáticos ocorridos durante os últimos 30000 anos graças ao uso sistemático de medidas radiocronológicas carbono 14 Para os últimos milhões de anos a cronologia das inversões magnéticas baseada nas medidas radiométricas pelo método potássio argônio permite a correlação com outras regiões onde esses métodos são também empregados especialmente as regiões oceânicas Antes da utilização desses métodos de correlação cronológica a estratigrafia do Quaternário baseava se principalmente na sucessão dos eventos climáticos tida como um quadro cronológico Estabeleciam se as correlações de uma região a outra comparando se épocas sucessivas caracterizadas por climas semelhantes Assim sugeriu se por exemplo uma correspondência um tanto arbitrária entre Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África PARTE II H Faure 418 Metodologia e pré história da África figura 161 Gráficos mostrando analogias entre isótopos de oxigênio ou variações de temperatura e a intensidade do campo magnético da Terra em um testemunho de fundo de mar para os últimos 450000 anos segundo Wollin Ericson e Wollin 1974 419 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 162 Gráficos mostrando analogias entre temperaturas indicadas pela microfauna e a inclinação magnética para os últimos 2 milhões de anos segundo Wollin et alii 1974 420 Metodologia e pré história da África os períodos glaciais europeus e as fases pluviais africanas Esta proposta foi recusada por vários autores Tricart 1956 Balout 1952 e outros A resposta a essa questão de correlação mostra se muito mais complexa na realidade e somente agora começa a ser divisada graças por um lado a um melhor conhecimento dos mecanismos de climatologia global e por outro à cronologia climática detalhada dos últimos milhares de anos Magnetoestratigrafia e cronologia radiométrica Além das observações feitas acima por Rushdi Said é preciso notar que frequentemente se confundem as unidades litoestratigráficas bioestratigráficas e cronoestratigráficas de sorte que a falta de precisão nas definições acabou por criar uma nomenclatura de difícil utilização em um quadro cronológico mais rigoroso Assim determinados elementos do campo magnético como inclinação ou intensidade parecem estar estreitamente relacionados a elementos climáticos Figs 1 e 2 Glaciações quaternárias e cronologia É provável que no Quaternário pelo menos doze resfriamentos importantes tenham sido registrados nos depósitos contínuos acumulados no fundo dos oceanos ver Fig 2 Cerca de oito somente foram reconhecidos nos depósitos continentais do norte da Europa Os terraços fluviais e os depósitos glaciais da região alpina são relacionados a quatro ou seis glaciações clássicas Günz Mindel Riss Würm e Donau Biber cada uma das quais pode compreender vários estádios A natureza descontínua das evidências continentais torna difícil e quase sempre ilusório estabelecer correlações entre os períodos glaciais de regiões distantes quando não estão situadas com confiabilidade numa escala magnetocronológica ou radiométrica De fato é imprecisa a cronologia estabelecida para as glaciações alpinas Os termos Günz Mindel Riss Würm e Biber têm sido empregados em diferentes regiões para indicar formações não sincrônicas Assim de acordo com a datação potássio argônio das rochas vulcânicas intercaladas nos terraços do Reno as formações conhecidas como Mindel I e II teriam 03 e 026 MA e os terraços denominados Günz I e II teriam 042 034 MA Porém o termo Günz é por vezes aplicado ao período frio que antecede o Cromeriano que teria portanto uma idade de 09 a 13 MA coincidindo com o período frio que 421 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África precede o evento de Jaramillo nos testemunhos submarinos Segundo a última interpretação o Donau o período frio anterior incluiria o evento de Gilsa e seria equivalente ao Eburoniano Compreende se a partir deste exemplo o quanto é arriscado estender de uma região a outra uma cronologia baseada numa sucessão climática continental observando se o número de eventos frios identificados bem como a nomenclatura que lhes é arbitrariamente atribuída verifica se que as divergências tornam precária qualquer correlação das evidências das glaciações alpinas com os resfriamentos sucessivos medidos nos testemunhos oceânicos Um registro completo e contínuo de todos os fenômenos climáticos bem como das referências magnetoestratigráficas e radiométricas são requisitos fundamentais para se construir uma escala estratigráfica ainda que aproximada que possibilite uma comparação razoável entre duas regiões A inversão magnética Matuyarna Brunhes 069 MA foi identificada no estágio Cromeriano através da palinologia e o evento de Gilsa 179 MA no Eburoniano Van Montfrans 1971 Transgressões quaternárias e cronologia Cada glaciação causa uma regressão glacioeustática do mar que pode atingir uma centena de metros Portanto as transgressões marinhas determinadas pelo derretimento dos gelos permitem que nas zonas litorâneas a cronologia climatoestratigráfica seja vinculada à cronologia dos ciclos marinhos Nas regiões onde as formações marinhas são coralinas Barbados Bermudas Nova Guiné mar Vermelho a datação pelos métodos baseados no desequilíbrio do urânio aplicados à aragonita dos corais permitiu precisar a idade das transgressões marinhas dos últimos interglaciais 200000 120000 105000 85000 BP aproximadamente Dentro da margem de erro físico dos diversos métodos de datação radiométrica observa se que estes altos níveis marinhos correspondem razoavelmente às fases de temperaturas mais elevadas indicadas pela microfauna marinha polens e isótopos de oxigênio Mecanismo da climatologia global O clima não constitui um meio simples de correlação cronológica Devido à complexidade dos fatores a ele relacionados em um momento dado ou em 422 Metodologia e pré história da África uma época que se estenda por séculos ou milênios está fora de cogitação o uso de dados que não forem adequadamente datados como critério estratigráfico ou cronológico Os fatos que levam a essas observações são de duas especies O conhecimento da evolução climática global no decorrer de algumas décadas ou de alguns séculos com base em dados históricos mostra a complexidade do problema em uma escala global É necessário o conhecimento da evolução de todos os fatores constante solar circulação oceânica situação das frentes polares distribuição das temperaturas chuvas não somente suas médias mas sua variabilidade O conhecimento das variações de determinados fatores climáticos nos últimos 25000 anos fim do Pleistoceno e Holoceno através de medidas radiométricas mostra nos por um lado a rapidez das mudanças significativas para as quais há evidência confiável e por outro a complexidade das correlações em uma escala global A escala de tempo considerada desempenha então um papel importante O sistema climático conforme definido pela Academia Nacional de Ciências em Washington 1975 é constituído pelos processos e propriedades responsáveis pelo clima e suas variações propriedades térmicas temperatura do ar da água do gelo dos solos propriedades cinemáticas vento correntes oceânicas movimentos dos gelos etc propriedades aquosas umidade do ar nuvens lençóis de escoamento superficial ou aquíferos gelo etc propriedades estáticas pressão densidade atmosférica e oceânica salinidade etc assim como os limites geométricos e as constantes do sistema Todas as variáveis do sistema são inter relacionadas pelos processos físicos que nele ocorrem precipitação evaporação radiação transferência convecção turbulência Os componentes físicos do sistema climático são atmosfera hidrosfera criosfera litosfera biosfera Os processos físicos responsáveis pelo clima podem ser expressos quantitativamente pelas equações dinâmicas do movimento a equação da energia termodinâmica e a equação de continuidade de massa e de água As variações climáticas tornam se mais complexas na medida em que aumenta o número de interações entre os elementos do sistema climático Desse modo as causas das mudanças climáticas são muitas e variadas especialmente em função da escala de tempo utilizada e dos mecanismos de interação feedback Os oceanos desempenham um importante papel nas mudanças climáticas através 423 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África dos processos na interface água ar os quais regem as trocas de calor umidade e energia Estas considerações preliminares mostram que a climatoestratigrafia do Ouaternário foi uma etapa uma aproximação necessária que gradualmente dá lugar à procura de uma compreensão dos mecanismos implicados em situações bem determinadas em diferentes escalas de tempo Por esta razão examinaremos aqui diversos exemplos de resultados recentes relacionados à era presente ao Holoceno ao Pleistoceno e ao Plio Pleistoceno Climatologia atual e recente na África Na África o ritmo anual de alternação de uma estação seca e de uma estação úmida na zona intertropical está ligado ao deslocamento da zona de convergência intertropical CIT No recente resumo de J Maley 1973 e L Dorize 1974 a CIT representa o ponto de encontro da monção ar úmido proveniente das regiões equatoriais ou alísio marítimo do hemisfério sul e o harmatã ar seco do Saara A CIT orientada aproximadamente na direção oeste leste desloca se do sul para o norte durante a primavera e nos dois primeiros meses do verão e depois do norte para o sul Esta oscilação sazonal ocorre entre 4 N e 20 23 N A superfície de descontinuidade entre o ar úmido e o ar seco eleva se lentamente do norte para o sul A camada úmida da monção constitui no verão uma delgada cunha de ar frio em direção ao norte causando apenas fracas precipitações É necessário que o ar úmido tenha uma espessura de 1200 a 1500 m para que ocorram precipitações consideráveis Estas condições só são encontradas de 200 a 300 km ao sul da linha da CIT L Dorize 1974 A posição da CIT varia muito não apenas de estação para estação mas também de dia para dia em função do campo de pressão de toda a África e do oceano Atlântico Como foi demonstrado por P Pedelaborde 1970 o impulso originário do Atlântico sul combinado com a atividade da frente polar meridional representa a principal força de deslocamento da zona de convergência para o norte O retraimento da CIT em direção ao sul em setembro seria pois devido ao enfraquecimento do anticiclone do Atlântico sul e à influência do hemisfério norte As raras intervenções do ar boreal dessecado após atravessar o Saara causam apenas pequenas chuvas nas regiões montanhosas do Saara Ao contrário o ar austral após cruzar o oceano traz umidade potencial 424 Metodologia e pré história da África A atual crise climática na zona do Sahel deve se à permanência da CIT em uma posição de 3 a 4 mais austral que sua posição média Por outro lado durante a década úmida de 1950 59 a área do Saara diminuiu Como demonstrou J Maley 1973 a fase úmida coincidiu com uma queda das temperaturas máximas em seus limites meridionais Ora quanto mais frio o ar polar mais fortes são as frentes polares e maior é a sua extensão em direção ao equador Nesta relação Maley 1973 distinguiu dois mecanismos o dos períodos glaciais e o evidenciado no tempo atual No primeiro caso a área de inlandsis do hemisfério norte aumentou consideravelmente enquanto que na Antártida teria variado pouco A frente polar norte tinha então uma influência preponderante dirigindo a monção para o sul no verão A aridificação deu se pois em conjunto com a expansão glacial Por ocasião do aumento das temperaturas no Holoceno antes de 50004000 BP o centro da ação polar enfraqueceu Durante o verão boreal a regressão da frente polar norte favorecia a extensão da monção ao norte do equador ao passo que a frente polar sul impelia os anticiclones subtropicais em direção ao equador Durante o inverno boreal a frente polar podia novamente estender sua ação sobre o Saara e causar chuvas A ocorrência de chuvas tanto no verão quanto no inverno poderia explicar o clima úmido que prevaleceu no sul do Saara e a retração do deserto durante a primeira metade do Holoceno Nos últimos 5000 anos a regressão do inlandsis do Ártico reduziu a resistência da frente polar norte ao mesmo tempo que o centro de ação antártica também teve sua força diminuída A diminuição conjunta do impulso da monção e da influência do ar polar boreal sobre o Saara explicariam portanto a progressiva aridificação do Saara Estes mecanismos meteoro lógicos podem nos ajudar a entender as mudanças climáticas que ocorreram na África durante o Quaternário Cronologia e climas nos últimos 25000 anos Os últimos 25000 anos do Quaternário fim do Pleistoceno e do Holoceno constituem um exemplo recente e hoje bem documentado de um avanço glacial amplo e da subsequente regressão até o interglacial presente Durante o mesmo período as regiões intertropicais passaram por uma aridez extrema seguida de uma fase úmida e de nova aridificação Esta é a única flutuação climática que pode ser estudada em um período de alguns séculos ou milênios permitindo uma comparação dos elementos do sistema climático e de suas variações em inúmeras 425 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África regiões do globo situadas em quase todas as latitudes Além disso para este período as indicações fornecidas por polens diatomáceas e fauna idênticos às espécies atuais permitem uma quantificação precisa da magnitude das variações do meio geográfico Ademais o nível médio dos mares é conhecido o bastante para que se possa ter a todo momento uma ideia do volume geral dos gelos e das relações isotópicas do oxigênio nos principais reservatórios oceanos glaciares Cf Morner 1975 Na África saariana desde os primeiros trabalhos baseados na datação por carbono 14 Butzer 1961 Monod 1963 Faure 1967 e 1969 os estudos mais recentes que podem servir de base a uma cronologia detalhada das variações climáticas são os de M Servant e S Servant no Chade e no Níger e de F Gasse em Afar Para o leste da África há os trabalhos dos grupos de Van der Zinderen Bakker e Livingstone de Richardson de Williams de Wickens e outros Suas averiguações são comparáveis às de muitos trabalhos sobre as regiões de altas latitudes em especial os de Velitchko Dreimanis e outros A região do oceano Atlântico é conhecida na sua totalidade através do trabalho do grupo CLIMAP1 e de McIntyre enquanto o hemisfério sul é conhecido pelas publicações de Van der Hammen Williams Bowler et alii Para situar a evolução do clima da África nos últimos 25000 anos em uma perspectiva global podem se distinguir várias etapas cronológicas De 25000 a 18000 BP Altas latitudes O período de tempo compreendido entre 25000 e 18000 BP corresponde ao fim da extensão máxima das calotas glaciais no hemisfério norte Esta última extensão da glaciação de Würm Wisconsin Weichselien Valdar cobriu de gelo uma área que representa de 90 a 95 daquela ocupada por todas as glaciações anteriores do Ouaternário Flint 1971 Trata se pois de um modelo de glaciação bastante representativo Nas zonas periglaciais o permafrost solo permanentemente congelado parece ter sido mais extenso que durante as outras glaciações Velitchko 1973 e 1975 Esta grande extensão de permafrost estaria associada fora dos continentes aos gelos marinhos bastante extensos nos mares do Ártico que contribuíram para uma redução da evaporação na interface ar mar 1 CLIMAP Climatic Long Range lnterpretation Mapping and Prediction da Década Internacional de Exploração Oceânica IDOE 426 Metodologia e pré história da África figura 163 Mapa das isotermas da água de superfície do oceano Atlântico em fevereiro 18000 BP As isotermas em pontilhado são interpretativas As grandes massas de gelo continental são delineadas por contornos hachurados a banquisa permanente por contornos granulados A linha de costa glacial é traçada para um nível do mar inferior em 85 m ao atual segundo Mc Intyre et alii 1975 Oceanos Combinado com a redução da superfície livre devido aos gelos marinhos o abaixamento do nível médio dos oceanos passando de cerca de 50 a cerca de 100 m contribuiu para uma redução suplementar da área dos oceanos de aproximadamente 10 No fim do período em consideração emergiram quase todas as plataformas continentais Os pesquisadores do grupo CLIMAP McIntyre et alii 1974 1975 Hays in CLIMAP 1974 etc estabeleceram mapas das temperaturas das águas de 427 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 164 Mapa mostrando diferenças na temperatura da água de superfície entre a época atual a 17000 BP segundo Mc Intyre et alii 1975 Figura 164 inverno Figura 165 verão 428 Metodologia e pré história da África superfície do oceano Atlântico para a época do máximo glacial 18000 BP Fig 3 Comparados com mapas de situações atuais que são as de um interglacial estes mapas mostram uma média geral das diferenças de temperatura de apenas 25 entre o máximo glacial e o interglacial presente Contudo a distribuição das diferenças de temperatura mostra um máximo nas latitudes médias de 6 a 10 de diferença e diferenças muito menores inferiores a 3 nas latitudes intertropicais Figs 4 e 5 Assim por exemplo no ponto 50 N 30 W a temperatura de superfície no inverno foi de 73 a 127 mais baixa em 18000 ou 17000 BP que atualmente No verão a diferença caiu de 12 a 66 CLIMAP 1974 Em ambos os hemisférios a migração das águas polares foi o fator dominante nesta fase glacial No Atlântico norte as águas polares desceram até 42 N a partir de uma posição próxima à atual em torno de 60 N causando um rápido gradiente das temperaturas ao sul do paralelo 42 N que foi portanto o eixo provável dos ventos oeste westerlies na época glacial Ao sul deste limite o padrão permanece muito semelhante ao atual mas observa se que as isotermas paralelas às costas da África revelam a existência de águas relativamente frias em especial no inverno devido a um considerável upwelling Gardner Hays 1975 As frentes polares e o eixo dos ventos oeste deslocaram se mais de 2000 km em direção ao equador no Atlântico norte e somente 600 km no Atlântico sul No oceano Pacífico as frentes polares parecem ter se deslocado muito pouco nos períodos glaciais Isto explicaria a diminuição da penetração da monção no Saara cf Maley 1973 p 7 8 e a aridez da zona do Sahel no fim do período glacial África Nas regiões do Saara meridional e do Sahel a evolução geral do clima nos últimos 25000 anos mostra uma tendência muito semelhante das costas do Atlântico ao mar Vermelho Este período de tempo compreende o fim de uma fase úmida do Pleistoceno superior que durou de 30000 a 20000 BP aproximadamente e o começo de uma fase árida que findou ao redor de 12000 BP O estudo de depósitos lacustres na bacia do Chade mostrou que a relação entre precipitação e evaporação PE foi suficiente para que existissem extensos lagos de 40000 até 20000 BP aproximadamente M Servant 1973 Durante os oito milênios seguintes a zona árida estendeu se ultrapassando seus limites atuais em mais de 400 km em direção ao sul 429 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Esta transição de um episódio lacustre a uma época muito árida é também observável nos depósitos dos lagos de Afar onde F Gasse mostrou a existência de três fases lacustres no Pleistoceno Superior Entre 20000 e 17000 BP o ambiente lacustre degenerou e o leito seco do lago Abbé foi ocupado por gramíneas Gasse 1975 Analisando a literatura mais recente M Servant 1973 e F Gasse 1975 constatam uma evolução comparável em outros lagos do leste da África em diversas altitudes e latitudes trabalhos de Richardson Kendall Butzer et alii Livingstone sobre os lagos Rodolfo Nakuru Naivasha Magadi Alberto etc De 18000 a 12000 BP Altas latitudes Em regiões de alta latitude este período corresponde ao fim do máximo glacial e à desglaciação As calotas glaciais que cobriam o leste da América do Norte e a Escandinávia e que alcançaram sua maior extensão entre 22000 e 18000 BP entraram em fusão imediatamente após este lapso de tempo A calota da cordilheira norte americana alcançou seu máximo somente em torno de 14000 BP e desapareceu em 10000 BP aproximadamente A desglaciação generalizada iniciou se portanto em 14000 BP aproximadamente No hemisfério sul por outro lado a calota glacial continental do leste da Antártida parece ter variado pouco enquanto que a do oeste cuja base se acha abaixo do nível do mar diminuiu consideravelmente National Academy of Sciences Washington 1975 Oceanos As imensas superfícies recobertas por gelo marinho certamente desapareceram com o rápido aumento do nível do mar que se seguiu à desglaciação Este aumento atingiu em média 15 mséculo entre 15000 e 12000 BP sendo que nesta última data ocorreu provavelmente a metade senão os dois terços do aumento Ao mesmo tempo as águas polares do Atlântico retomavam às latitudes mais setentrionais África A grande aridez do período compreendido entre 18000 e 12000 BP é o fenômeno mais bem documentado de todos os que abrangeram grandes áreas 430 Metodologia e pré história da África do continente africano É bem evidenciado nos gráficos que mostram a evolução dos níveis lacustres do Níger e do Chade Servant 1973 do Afar Gasse 1975 do Sudão Williams 1975 Wickens 1975 etc O desaparecimento da vegetação permitiu que as dunas avançassem devido à ação dos ventos de 400 a 800 km em direção ao equador e sobre as plataformas continentais emergidas Não há dúvida de que o Saara tendo sua área ampliada foi durante vários milênios uma barreira muito mais hostil ao homem do que o Saara atual Esta aridificação parece ter se generalizado e há vários indícios de que as zonas intertropicais sofreram uma relativa dessecação na África de Ploey Van der Zinderen Bakker et alii in Williams 1975 e na Ásia principalmente na Índia Singh 1973 Tendo revisto recentemente a literatura referente a esta época árida Williams 1975 demonstrou sua extensão excepcional e aproximadamente sincrônica Bacia do Mediterrâneo Embora a evolução do clima durante a última glaciação cerca de 100000 anos atrás pareça bastante complexa na bacia do Mediterrâneo ver p 413 achados palinológicos Bonatti 1966 e pedológicos Rohdenburg 1970 indicam que no máximo glacial o clima foi frio e seco A zona mediterrânea era ocupada por uma estepe muito seca entre 16000 e 13000 BP e crostas calcárias desenvolviam se sobre os solos Hemisfério sul Na Austrália o estudo dos polens indica que houve uma queda gradual nas temperaturas até cerca de 18000 ou 17000 BP durante o estabelecimento da seca e a extensão das dunas sobre a plataforma continental emersa Bowler et alii 1975 A glaciação ocupou a Tasmânia e as Snowy Mountains ao passo que os lagos do sul da Austrália secaram ao redor de 16000 BP Temperaturas mais elevadas indicadas por um aumento na altitude do limite climático timberline estabeleceram se por volta de 15000 BP mas o novo preenchimento dos lagos do sul da Austrália só teve início após 11000 BP Bowler et alii 1975 Van der Hammen 1975 e Williams 1975 mostraram as analogias que caracterizam os climas de ambos os hemisférios durante o último máximo glacial 18000 BP aproximadamente Uma aridez generalizada persistiu durante 431 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África vários milênios em todas as regiões do globo situadas nas baixas latitudes com exceção do sudoeste dos Estados Unidos De 12 000 BP até o presente Altas latitudes Este período é caracterizado pelo fim da glaciação e por um notável aumento das temperaturas que culminou entre 7300 e 4500 BP o ótimo climático ainda denominado na Europa de período Atlântico A calota glacial da cordilheira fundiu se muito rapidamente e desapareceu em torno de 10000 BP a da Escandinávia desapareceu logo em seguida 9000 BP Registram se flutuações nítidas e rápidas a intervalos de cerca de 2500 anos por exemplo o resfriamento do Dryas jovem entre 10800 e 10100 BP Quanto à glaciação o norte da Europa atingiu condições comparáveis às que prevalecem no presente ao redor de 8500 BP e a América do Norte ao redor de 7000 BP Nat Acad Sci 1975 Nessa época reduziu se igualmente a calota glacial do oeste da Antártida Oceanos O aumento do nível do mar que reflete o estado médio de fusão de todas as geleiras da Terra foi ainda bastante rápido entre 12000 e 7000 BP mais de 1 mséculo em média mas com uma considerável desaceleração ou queda ao redor de 11000 BP Os oceanos parecem ter alcançado um nível muito próximo do atual a partir de 6000 BP e ter oscilado desde então em torno desse nível com uma amplitude que não excedia alguns metros A essa tendência geral superpõern se flutuações vinculadas a variações climáticas gerais Morner 1973 As zonas em que a sedimentação marinha foi razoavelmente rápida zonas estas estudadas por Wollin e Ericson também nos permitem acompanhar mudanças na distribuição dos foraminíferos e em especial a variação da porcentagem do sinistrógiro Globorotalia truncatulinoides De acordo com Morner 1973 os picos das curvas correspondentes poderiam estar em correlação com os picos das curvas das mudanças climáticas registradas através de exames isotópicos dos gelos da Groenlândia escalas palinológicas e flutuações do nível do mar Contudo chega se aqui ao limite de precisão do método de datação radiométrica e fazem se necessárias interpolações lineares entre as datas levando se em consideração as variações das taxas de sedimentação Além disso a distorção da 432 Metodologia e pré história da África escala cronológica do carbono 14 em relação à escala de tempo exige correções que dificultam a correlação de fenômenos cujos limites se inscrevem no decurso de um ou dois séculos apenas África Após a extrema aridez do período que se estende de 16000 a 14000 BP e a partir de 12000 BP os lagos das regiões saarianas das costas do Atlântico ao mar Vermelho expandiram se de forma notável Em quase todas as regiões baixas são observados depósitos lacustres frequentemente constituídos de diatomáceas No Níger e no Chade M Servant 1973 elaborou uma curva contínua da relação PE Fig 6 com base em um estudo de diferentes tipos de lagos levando em conta seu modo de alimentação e sua situação hidrogeológica e geomorfológica Esta curva climática ilustra as grandes oscilações que parecem ter um caráter geral grande extensão dos lagos ao redor de 8500 BP retração ao redor de 4000 BP e flutuações menores após 3000 BP Estas variações principais são igualmente observadas nos diversos lagos do Afar embora com algumas nuances devidas a seus modos de alimentação Gasse 1975 Fig 7 Nota se uma analogia manifesta entre a curva do Chade e a curva da umidade da zona continental siberiana O estudo dos demais lagos africanos mostra uma linha geral de evolução muito semelhante Livingstone e Van der Zinderen Bakker julgam haver um paralelismo estreito entre a evolução climática do leste africano e a da Europa A extensão dos lagos do Saara até 8000 BP parece estar relacionada a uma melhor distribuição das chuvas durante o ano e a uma nebulosidade densa o suficiente para reduzir a evaporação M Servant 1973 acredita que a circulação atmosférica de então tenha sido diferente da atual A presença de vários níveis de diatomáceas de clima frio leva o a postular possíveis intrusões de ar polar sobre o Saara O mecanismo climático atual ter se ia estabelecido somente a partir de 7000 BP Hemisfério sul Bowler et alii situam em 8000 BP Mt Wilhem o desaparecimento das geleiras no norte da Austrália e na Nova Guiné em concomitância com o aumento das chuvas que apresenta f1utuações menores Entre 8000 e 5000 433 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 166 Evolução relativa da razão pluviosidadeevaporação nos últimos 12000 anos na bacia do Chade 13 18 de lat N Esta evolução foi determinada a partir de um estudo comparativo das variações dos níveis de diversos lagos alimentados principalmente por lençóis subterrâneos riachos ou rios segundo M Servant 1973 p 40 52 434 Metodologia e pré história da África figura 167 Variações dos níveis lacustres nas bacias do Afar As curvas relativas aos lagos Abhé Hanlé Dobi e Asal situados no Afar central estão representadas no mesmo gráfico A do lago Afrera é independente Pode se estabelecer comparação com a curva de oscilação de PE na bacia do Chade segundo F Gasse 1975 435 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África BP a temperatura média teria sido 1 ou 2º mais elevada que a atual O ótimo climático Hipsotérmico teria um valor global a floresta de zona quente e úmida rain forest desfrutou entre 7000 e 3000 BP das condições de desenvolvimento mais favoráveis desde o interglacial precedente 60000 anos antes Da mesma forma os lagos do sul da Austrália secos em 15000 BP começaram a ser preenchidos em 11000 BP atingindo altos níveis em 8000 e 3000 BP Retração pouco antes de 7000 BP nova expansão em torno de 6500 BP é provável que o aumento da temperatura e da umidade nas zonas de baixa latitude seja um fenômeno geral durante a primeira metade dos últimos 12000 anos e que tenha conduzido às condições características do interglacial presente Cronologia climática dos últimos 25000 anos conclusão Este período nos apresenta um quadro da evolução climática quando do máximo glacial ao fim de um período glacial e durante uma desglaciação que levou a um interglacial o presente Este modelo de meio ciclo de desglaciação mostra uma aridez generalizada que se estende por cerca de 5000 anos na África caracterizando o fim de uma glaciação seguida de uma fase úmida de duração comparável flutuante mas que retorna gradualmente a um estágio árido Estas pulsações climáticas podem ser explicadas numa escala de tempo de 20000 anos pelo deslocamento das frentes polares e seus efeitos na frente intertropical FIT e pelos dois tipos extremos de circulação rápida ou lenta É também provável que este modelo seja representativo de outras situações comparáveis e de mesma escala no Quaternário isto é de duração e amplitude análogas Entretanto cabe não extrapolá lo para todo um período glacial de 100000 anos de duração ou a fortiori para o conjunto das glaciações do Quaternário que cobre um período de vários milhões de anos Por esta razão examinaremos agora a cronologia de um período glacial como um todo Cronologia e climas nos últimos 130000 anos Os últimos 130000 anos ou Pleistoceno Superior permitem o estudo de um modelo climatoestratigráfico na escala de tempo de um período glacial interglacial completo A cronologia deste período ultrapassa de muito o alcance da datação por radiocarbono que possibilitou estabelecer uma sucessão 436 Metodologia e pré história da África relativamente precisa com a precisão de séculos ou de milênios aproximados dos últimos 25000 anos Contudo o intervalo de tempo que corresponde ao último grande interglacial eemiense anterior ao atual e à última grande glaciação Würm Wisconsin Weichselien Valdaï é relativamente bem conhecido com uma precisão cronológica da ordem de 10 ou 20 para o período mais remoto De fato nos oceanos e bacias sedimentares obtêm se dados cronológicos adicionais pela extrapolação das velocidades de depósito conhecidas e pela aplicação dos métodos do desequilíbrio do urânio e do potássio argônio no limite superior de seu alcance A interpolação linear entre os pontos datados de uma sequência contínua fornece uma cronologia aproximada Contudo não se podem fazer com suficiente precisão correlações de grande distância entre eventos que não ultrapassaram alguns milênios Logo são principalmente as tendências gerais de período médio 10000 anos que terão melhor definição e que poderão ser comparadas de uma região a outra Comparação entre regiões Altas latitudes A vegetação do interglacial eemiense indica que durante as fases mais quentes desse interglacial entre cerca de 125000 e 80000 BP a temperatura na Eurásia e na América do Norte era bastante semelhante à do período Atlântico entre 7000 e 5000 BP isto é pouco diferente da atual Estes dois interglaciais ocorreram subitamente após uma queda considerável das temperaturas último estágio muito frio do Riss 135000 BP e último estágio muito frio do Würm 20000 BP Oceanos As variações do nível dos oceanos registram de maneira bastante clara os dois máximos glaciais caindo consideravelmente 110 m 20 para o segundo máximo em torno de 20000 18000 Os níveis mais altos alcançados durante o interglacial eemiense e o presente são comparáveis entre si com um desvio de 5 As elevações do nível do mar durante os interestadiais 45000 e 30000 BP podem ter alcançado entre 60 e 80 da elevação máxima o Inchiriense na Mauritânia por exemplo Elas confirmam a fusão de uma massa de gelo equivalente durante o interestadial 437 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África África Como no caso dos oceanos a repercussão dos fenômenos glaciais provavelmente atenuou se na direção das latitudes intertropicais As diferenças entre as temperaturas de um estágio glacial e de um estágio interglacial de 5 a 10o nas médias latitudes podem ter sido de 2 a 3o apenas entre os trópicos Os efeitos da glaciação na distribuição e quantidade de chuvas constituem o fenômeno mais facilmente observável na África Poucas regiões da África possuem uma cronologia radiométrica bem estabelecida para os últimos 130000 anos No entanto através de sondagens no lago Abbé F Gasse 1975 pôde distinguir três estágios lacustres no Pleistoceno superior antes da aridificação de 20000 a 14000 BP a saber o período que se estende de 30000 a 20000 BP clima tropical temperado úmido separado de uma outra extensão lacustre ocorrida por volta de 40000 a 30000 BP por uma considerável regressão ao redor de 30000 BP O estágio lacustre mais antigo dataria de 50000 a 60000 BP ou talvez de 60000 a 80000 correspondendo a um período mais frio acusado pelas diatomáceas Uma outra indicação de variação climática de datação incerta no Pleistoceno Superior foi obtida por meio de um estudo de polens no vale superior do Awash Afar onde R Bonnefille 1973 1974 distinguiu um clima nitidamente mais úmido que o presente talvez mais frio caracterizado por uma vegetação estépica de planalto Bacia do Mediterrâneo Situada entre as duas zonas geográficas acima estudadas a bacia do Mediterrâneo constitui um importante domínio climático cuja evolução parece complexa As glaciações em particular não mais podem ser consideradas como causa única do estabelecimento de um clima úmido na região Analisando os estudos palinológicos micropaleontológicos e isotópicos realizados no Mediterrâneo oriental na Grécia e em Israel Emiliani 1955 Vergnaud Grazzini e Herman Rosenberg 1969 Wijmstra 1969 Van der Hammen 1971 Rossignol 1969 Issard 1968 Issard e Picard 1969 Farrand 1971 chega à conclusão de que a queda da temperatura durante a última glaciação pode ter sido de 4o no ar e de 5 a 10o no mar Na Grécia a seca foi mais acentuada durante o período glacial ao passo que o inverso ocorreu nas costas de Israel Por outro lado o estudo de microrrestos de mamíferos roedores Tchernov 1968 in Farrand 1971 parece indicar uma evolução gradual de condições 438 Metodologia e pré história da África figura 168 Mapa das localidades fossilíferas do Plio Pleistoceno da África oriental Legenda M Mursi U Usno S Shungura formações da bacia inferior do Orno I Ileret KF Koobi Fora setores ocidentais do lago Rodolfo L Lothagan KE Kanapoi e Ekora da bacia hidrográfica do baixo Kerio C Chermeron CH Chesowanja localidades da bacia do Baringo K Kanam golfo de Kavirondo P Peninj bacia do Natron OG Garganta de Olduvai LA Laetolil planície de Serengeti Mapa básico 14000000 Geologia da África Oriental Quênia segundo F Clark Howell 1972 439 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 169 Cronologia radiométrica e paleomagnética do PliocenoPleistoceno da África oriental do sudoeste da Europa e do noroeste da América As importantes sucessões fornecidas pelas medições efetuadas nas áreas de Ileret e Koobi Fora setor oriental do lago Rodolfo ainda estão sendo estudadas As colunas correspondentes foram deixadas em branco segundo Clark Howell 1972 440 Metodologia e pré história da África úmidas para condições áridas durante os 80000 últimos anos Ao redor de 20000 BP o nível do lago Lisan Israel baixou 190 m em 1000 anos em consequência de um dessecamento combinado a movimentos tectônicos do rift do mar Morto e como vimos o fim da extensão máxima do frio würmiano corresponde a condições frias e áridas em toda a bacia do Mediterrâneo Como na África a complexidade da situação geoclimática da bacia do Mediterrâneo requer ainda estudos muito detalhados no sentido de precisar sua evolução climática no Würm Cronologia e climas nos últimos 130000 anos conclusão O último período glacial nos apresenta um modelo de ciclo climático completo na escala de 100000 anos interglacial glacial interglacial com flutuações interestadiais e estadiais de duração da ordem de 10000 anos Na África esse período se caracterizou por extensões lacustres de duração comparável separadas por estádios de dessecação No estado atual dos nossos conhecimentos a datação não é suficientemente exata para permitir uma correlação confiável entre estádios frios ou quentes e estádios úmidos ou secos na África Espera se que as pesquisas em andamento baseadas em cortes e sondagens que apresentam uma sucessão contínua de eventos permitam responder a esta questão no futuro Cronologia e climas nos últimos 3500000 anos A lenta tendência ao resfriamento característica do Quaternário começou há aproximadamente 55 milhões de anos Cenozoic climatic decline National Academy of Sciences 1975 A calota glacial da Antártida que já se formara há cerca de 25 MA expandiu se consideravelmente há cerca de 10 MA e depois novamente há cerca de 5 MA quando praticamente atingiu seu volume atual A calota do Ártico que se estendeu sobre os continentes próximos do Atlântico norte surgiu há cerca de 3 MA O primeiro grande resfriamento dos oceanos teve início há cerca de 18 MA Bandy in Bishop e Miller 1972 pouco antes da base do estágio marinho Calabriano este quase simultâneo ao evento de Gilsa 179 MA Na África várias regiões Chade leste da África etc revelaram uma rica fauna de vertebrados de início atribuída ao Villafranchiano entre 33 e 17 ou 1 MA Certas associações de mamíferos implicam condições muito mais 441 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África úmidas que as que caracterizam o ambiente atual dos depósitos Foram portanto consideradas como características dos pluviais da África As estratigrafias mais detalhadas baseadas nas datações pelo potássio argônio e paleomagnéticas são as dos depósitos do rift leste africano Neste tipo de preenchimento sedimentar é mais difícil perceber o efeito do clima que o das atividades tectônicas e vulcânicas e as mudanças topográficas que elas acarretam por esse motivo os autores atuais têm abandonado a tentativa de estabelecer uma sucessão climática detalhada Por outro lado a cronoestratigrafia está bem estabelecida e constitui uma referência mundial Nos diversos depósitos de vertebrados e hominídeos da África oriental Figs 8 e 9 as sucessões sedimentares datadas são as seguintes Omo Etiópia a formação de Shungura com cerca de 1000 m de espessura estende se de 32 a 08 MA a formação de Usno de 31 a 27 MA segundo de Heinzelin Brown e Howell 1971 Coppens 1972 Bishop e Miller 1972 Howell 1972 Brown 1972 1975 Um estudo de pólens da formação de Shungura revelou uma importante mudança climática para condições mais secas há aproximadamente 2 MA com o desenvolvimento de uma savana de gramíneas Bonnefille 1973 1974 Esta mudança é confirmada pelo estudo da fauna Poder se ia sugerir que fosse comparada a um estádio do resfriamento mundial dos oceanos 18 MA Olduvai Tanzânia a sucessão das formações clássicas e sua cronologia é a seguinte Ndutu Beds 0032 MA 04 MA Masen Beds 06 MA Beds IV 08 MA Kanjeriano inferior Bed III 115 MA Bed II 17 MA Kamasiano inferior Bed I 21 MA segundo Leakey Cook e Bishop 1967 Howell 1972 Hay 1975 East Rudolf Quênia a estratigrafia resumida na Fig 10 estabelecida por Brock e Isaac 1974 diz respeito a 325 m de depósitos acumulados em um período que se estende de cerca de 35 a 15 MA segundo Bowen Brock e Vondra 1975 442 Metodologia e pré história da África figura 1610 Cronologia e ritmo da evolução das civilizações durante o Pleistoceno com relação à evolução dos hominídeos W W Bischop e J A Miller 1972 p 381 430 fig 9 segundo G L Isaac Os principais horizontes culturais estão relacionados a uma escala de tempo logarítmica As datas ou séries de datas particularmente bem determinadas estão assinaladas por símbolos em traço grosso 443 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 1611 Tendências gerais do clima global para o último milhão de anos a Mudanças da média quinquenal das temperaturas de superfície na região 0o80o N durante os últimos 100 anos Mitchell 1963 b Índice do rigor do inverno na Europa oriental durante os últimos 1000 anos Lamb 1969 c Tendências gerais da temperatura do ar nas latitudes médias do hemisfério norte durante os últimos 15000 anos com base na altitude máxima das árvores La Marche 1974 nas flutuações marginais das geleiras alpinas e continentais Denton e Karlen 1973 e nas mudanças dos padrões de vegetação registradas pelos espectros de pólen Van Der Hammen et alii 1971 d Tendências gerais da temperatura do ar no hemisfério norte durante os últimos 100000 anos com base nas temperaturas das águas de superfície nas latitudes médias nos registros de pólens e nos registros do nível dos mares e Variações no volume global dos gelos durante o último milhão de anos com base nas mudanças da composição isotópica do plâncton fóssil nos testemunhos de fundo do mar V 28 238 Shackleton e Opdyke 1973 444 Metodologia e pré história da África Hadar Afar central Etiópia finalmente as formações de Hadar Afar central que encerram hominídeos e grande quantidade de fósseis e que foram estudadas pela Expedição Internacional de Pesquisa de Afar IARE teriam aproximadamente 3 MA segundo Johanson e Taieb e outros 1974 1975 Em poucos anos o trabalho ativamente empreendido nestas regiões da África oriental possibilitará o estabelecimento de um novo modelo de evolução climática baseado na sedimentologia e na ecologia vegetal e animal e tendo em conta a intervenção de fatores tectônicos e vulcânicos Outras regiões da África tais como o Saura Alimen et al 1959 Alimen 1975 o vale do Nilo Wendorf 1968 Butzer e Hansen 1968 de Heinzelin 1968 Giegengak 1968 Said no prelo o Chade Coppens 1965 Servant 1973 e a África do norte foram objeto de intensos estudos As variações climáticas propostas baseiam se na sucessão de depósitos e escavações fluviais ou nas sucessões de faunas de mamíferos Devido à falta de uma datação radiométrica ou magnetoestratigráfica ainda não é possível correlacionar estas variações com as flutuações glaciais europeias Conclusão O Cenozoico superior caracteriza se nos últimos 5 milhões de anos pela acentuação dos gradientes térmicos do globo ligada a grandes mudanças climáticas no decorrer do tempo Esta acentuação provocou nas altas latitudes consideráveis variações de temperatura responsáveis pelos períodos glaciais e interglaciais Nas latitudes intertropicais as flutuações térmicas foram relativamente atenuadas mas as circulações atmosféricas perturbadas pelo fortalecimento ou enfraquecimento das frentes polares provocaram variações consideráveis na distribuição e quantidade de chuvas que contribuíram para mudar profundamente o ambiente das diferentes zonas climáticas Modificando periodicamente o meio geográfico e vegetal cenário em que vive a fauna e se desenvolvem os horninídeos estas variações climáticas estabelecem o ritmo da história da evolução da África de forma mais discreta que as glaciações na Europa O que se deve reter dessa breve análise do estado atual dos conhecimentos sobre a cronologia e as mudanças climáticas na África é a necessidade de dar prosseguimento aos trabalhos de observação e mediação antes de cristalizar as informações dispares de que dispomos na rígida estrutura de uma teoria 445 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Por outro lado percebe se a importância da escala de tempo das diferentes manifestações de mudança climática Deve se ter o cuidado de colocar cada observação e cada fenômeno na escala de tempo adequada Isto é ilustrado a título de conclusão pela Fig 11 extraída da publicação da National Academy of Sciences Washington 1975 em que são apresentados cinco exemplos de variações climáticas para escalas de tempo que vão de um século a milhões de anos C A P Í T U L O 1 7 447 A hominização problemas gerais Os dados paleontológicos O homem é um mamífero mais exatamente um mamífero placentário1 Pertence à ordem dos Primatas Critérios paleontológicos Os primatas diferenciam se dos outros mamíferos placentários pelo desenvolvimento precoce do cérebro pelo aperfeiçoamento da visão que se torna estereoscópica pela redução da face pela substituição das garras por unhas chatas e pela oposição do polegar aos outros dedos Os primatas classificam se em prossímios e símios O homem pertence a este segundo grupo que se caracteriza por um aumento da estatura pelo deslocamento das órbitas na face e consequente melhoria da visão e pela independência das fossas temporais Uma repentina proliferação de formas ocorre entre esses símios no Oligoceno Superior há cerca de 30 milhões de anos o que leva a supor que a diferenciação da família Hominidae poderia datar dessa época Para poder escrever a história 1 Os mamíferos representam a mais evoluída das cinco classes de vertebrados Os mamíferos placentários são os mais evoluídos dentre os mamíferos dispõem de um novo órgão a placenta destinado à respiração e nutrição do feto A hominização problemas gerais PARTE I Y Coppens 448 Metodologia e pré história da África desses hominídeos devemos pesquisar portanto entre os fósseis de símios dos últimos 30 milhões de anos cujas tendências evolutivas se orientam para os traços que caracterizam o gênero Homo ao qual pertencemos locomoção sobre os membros posteriores com as consequentes transformações dos pés das pernas da bacia da orientação do crânio das proporções da coluna vertebral desenvolvimento da caixa craniana redução da face arredondamento da arcada dentária redução dos caninos curvatura do palato etc O Propliopithecus do Oligoceno Superior apresenta alguns discretos sinais dessas tendências o que explica o entusiasmo sem dúvida prematuro de certos autores em considerá lo como pertencente ao nosso gênero As tendências observadas no Ramapithecus são mais relevantes seu cérebro parece ter atingido 400 cm³ o tamanho da face é reduzido a arcada dentária é arredondada e os incisivos e caninos também reduzidos estão implantados verticalmente Um outro primata o Oreopithecus de quem conhecemos o esqueleto completo apresenta essas mesmas características cranianas e uma bacia de bípede ocasional Podemos supor portanto que o esqueleto pós craniano2 do Ramapithecus que ainda não conhecemos possa apresentar também esses primeiros indícios de adaptação à postura ereta Por outro lado as tendências evolutivas do Australopithecus não deixam margem a dúvidas Esses bípedes permanentes têm pés humanos mãos modernas cérebro com nítido aumento de volume caninos pequenos e face reduzida Não podemos deixar de considerá los hominídeos O gênero Homo fim da cadeia distingue se dos Australopithecus por aumento da estatura melhoria na postura ereta crescimento do volume do cérebro que a partir da espécie mais antiga pode atingir 800 cm³ e transformação da dentição com maior desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais em consequência da mudança do regime alimentar de vegetariano para onívoro Vemos que o trabalho do paleontólogo é um estudo de anatomia comparativa e dinâmica ao mesmo tempo Sabendo que a evolução parte sempre do mais simples para o mais complexo e do indiferenciado para o especializado precisa encontrar fósseis que sejam suficientemente semelhantes mas também levando em conta a idade geológica suficientemente diferentes do homem cujos ancestrais ele está procurando Os mais antigos primatas são os prossímios grupo hoje representado pelos lêmures de Madagáscar os tarsídeos das Filipinas e da Indonésia e pelo pequeno galago da África tropical 2 Esqueleto pós craniano é o conjunto do esqueleto menos o crânio 449 A hominização problemas gerais A partir do Eoceno3 os símios se dividiram em dois grandes grupos os platirrinos4 ou macacos do Novo Mundo que têm um septo nasal largo e 36 dentes e os catarrinos ou macacos do Velho Mundo que têm um septo nasal estreito e 32 dentes Os catarrinos por sua vez dividiram se em um certo número de famílias Cercopithecidae Pongidae Hominidae Hylobatidae Oreopithecidae Silvapithecidae Gigantopithecidae etc Entre 20 e 40 milhões de anos atrás A falta de evidências torna difícil saber o que se preparava no Eoceno e no Oligoceno entre 20 e 40 milhões de anos atrás Entretanto o Faium jazida muito rica situada a algumas dezenas de quilômetros ao sul do Cairo revelou às várias expedições que ali foram pesquisar uma incrível variedade de primatas o Parapithecus o Apidium o Oligopithecus o Propliopithecus o Aeolopithecus o Aegyptopithecus O Parapithecus e o Apidium têm como característica interessante três pré molares isto é possuem 36 dentes como os prossímios e os macacos do Novo Mundo os platirrinos Um terceiro gênero com morfologia semelhante o Amphipithecus da Birmânia completa o grupo Entretanto muitos outros traços assemelham esses primatas aos catarrinos caracterizados por 32 dentes São portanto ancestrais dos catarrinos ou protocatarrinos Assim o nosso primeiro olhar para o passado revela uma espécie de estágio introdutório dos pré hominídeos o protocatarrino com 36 dentes representado por aqueles três tipos Parapithecus Amphipithecus e Apidium O Oligopithecus o Propliopithecus o Aeolopithecus o Aegyptopithecus têm dois pré molares São catarrinos propriamente ditos com 32 dentes O Oligopithecus pequeno primata de 30 cm de altura tem molares de tipo primitivo é considerado ancestral dos cercopitecóides e é o mais antigo dos primatas conhecidos com 32 dentes O Aeolopithecus tem caninos enormes e molares com cúspides independentes poderia ser o predecessor dos gibões O Pliopithecus do 3 Lembramos que o tempo geológico se divide em períodos Primário Secundário Terciário e Quaternário Os primatas que aparecem no fim do Secundário há 70 milhões de anos desenvolvem se durante o Terciário e o Quaternário O Terciário se divide em cinco grandes épocas que são da mais antiga à mais recente Paleoceno Eoceno Oligoceno Mioceno e Plioceno O Quaternário compreende apenas duas épocas o Pleistoceno e o Holoceno 4 Anexo a este capítulo há um glossário com o significado dos diversos termos científicos utilizados 450 Metodologia e pré história da África figura 171 Reconstituição do meio ambiente do Faium há 40 milhões de anos Desenhos de Bertoncini Gaillard sob a direção de Yves Coppens Exposição Origens do Homem Museu do Homem set 1976 abr 1978 Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 172 Depósitos eocênico e oligocênico do Faium Egito Col Museu do Homem Foto Elwyn Simons 451 A hominização problemas gerais Mioceno da Europa e o Limnopithecus do Mioceno do Quênia e de Uganda assemelham se a ele O Aegyptopithecus também tem grandes caninos e pré molares heteromorfos5 É o ancestral do Dryopithecus encontrado em todo o Velho Mundo e provavelmente também dos chimpanzés O Propliopithecus tem caninos mais frágeis e um primeiro pré molar inferior com uma cúspide proeminente e outra parcialmente desenvolvida o que se considera como prenúncio da homomorfia dos dois pré molares inferiores característica dos hominídeos Seria esse o ancestral do grupo ou mais modestamente o ancestral comum aos grandes macacos e aos homens ou já seria um pongídeo Qualquer que seja a relação de parentesco entre esses primatas o interessante do período está em mostrar que há 30 milhões de anos havia no nordeste da África uma grande variedade de pequenos primatas prenunciando todos os que existem hoje Cercopithecidae Pongidae Hylobatidae e Hominidae As linhas fundamentais estavam traçadas Entre 10 e 20 milhões de anos atrás Outros progressos aconteceram nesse período No Quênia e em Uganda LSB Leakey descobriu os restos de um pequeno primata Kenyapithecus africanus que classificou como hominídeo Esse pequeno primata de 20 milhões de anos tem a arcada dentária arredondada os dentes laterais6 superiores divergentes e prognatismo7 fraco seus incisivos e caninos estão implantados verticalmente e as coroas de seus pré molares e molares são baixas Muitos autores porém encontraram nele características dos grandes macacos No Quênia em Fort Ternan Louis Leakey encontrou também o que considera uma outra espécie do mesmo gênero Kenyapithecus wickeri datada de 14 milhões de anos Outros autores baseando se em outras características ou interpretando de modo diferente as características descritas classificam ainda esse primata como Pongidae Leakey todavia apresentou a favor de seu novo candidato argumentos 5 Os pré molares e os molares têm coroas divididas por sulcos em pequenas protuberâncias chamadas cúspides Nos grandes macacos pongídeos o primeiro pré molar inferior assemelha se a um canino apresentando apenas uma cúspide Nos hominídeos esse dente se assemelha ao segundo pré molar tendo duas cúspides No primeiro caso falamos de heteromorfia dos pré molares e no segundo de homomorfia 6 Chamamos dentes laterais os pré molares e os molares 7 Prognatismo quer dizer maxilas para a frente Significa a projeção de toda a face ou da parte da face abaixo do nariz 452 Metodologia e pré história da África de peso ou seja argumentos culturais No Congresso Pan Africano de Dacar em 1967 exibiu pedras de basalto cujos gumes naturais mostravam traços de uso Em 1971 em Adis Abeba declarou que a maior parte das ossadas de animais descobertas em associação com o Kenyapithecus wickeri tinha sido quebrada artificialmente É sem dúvida impressionante imaginar esse pequeno primata africano escolhendo pedras pontiagudas ou cortantes para preparar seu alimento Teoricamente pelo menos isso não é impossível Desde 1934 conhecemos um outro primata Ramapithecus puniabicus descoberto nas formações miopliocênicas do norte da Índia e do Paquistão e que também tem de 8 a 14 milhões de anos Simons de Yale o reexaminou e associou a ele restos atribuídos ao Bramapithecus O Ramapithecus punjabicus é um pequeno primata que pesa entre 18 e 36 quilos Sua face curta sua mandíbula maciça com ramo ascendente vertical a implantação vertical de seus caninos em processo de redução e de seus pequenos incisivos o nascimento tardio de seus molares e a homomorfia de seus pré molares inferiores levaram muitos autores mas nem todos a classificá lo como um hominídeo Simons inclusive associou esse fóssil indiano ao Kenyapithecus da África oriental e a algumas descobertas isoladas da China e da Europa como evidências para se estabelecer uma área pré homínida miocênica abrangendo todo o Velho Mundo Aliás ele não estava enganado pois as pesquisas realizadas nesses três últimos anos levaram à descoberta desse Ramapithecus na Turquia L Tekkaya e na Hungria M Kretzoi ao mesmo tempo que novos documentos paquistaneses expedição D Pilbeam forneciam numerosas informações sobre esse primata Um enorme primata o Gigantopithecus foi encontrado na China e na Índia Chama se Gigantopithecus blacki na China e Gigantopithecus bilaspurensis na Índia onde sua idade é estimada em alguns milhões de anos Tem incisivos pequenos e caninos não muito grandes mas que não são homínidas seu primeiro pré molar inferior tem duas cúspides seus dentes laterais são grandes fortes e mostram um desgaste considerável sua face é curta e sua mandíbula possante tem um ramo ascendente longo e vertical Mas hoje praticamente todos os autores o rejeitam como possível ancestral do homem Pesquisas realizadas na Grécia sob a direção de L de Bonis descobriram um primata de 10 milhões de anos o Ouranopithecus macedoniensis que poderia ser o ancestral do Gigantopithecus Para terminar relacionaremos um outro primata o Oreopithecus que há 12 milhões de anos balançava se nos galhos das florestas da Toscana e provavelmente também do Quênia Descoberto em 1872 por Gervais foi descrito por um excelente paleontólogo suíço Johannes Hürzeler que retomou as escavações em Grossetto na Toscana e teve a sorte de encontrar um esqueleto 453 A hominização problemas gerais praticamente inteiro de Oreopithecus bambolii Este tem uma face curta os ossos do nariz são salientes em relação ao perfil facial os incisivos e caninos são pequenos o primeiro pré molar inferior é bicúspide a bacia é a de um bípede mas os membros anteriores são extremamente longos O Oreopithecus talvez seja um pequeno hominídeo em todo caso é um primata braquial8 adaptado à vida nas florestas Kenyapithecus africanus Kenyapithecus wickeri Ramapithecus puniabicus Gigantopithecus blacki Gigantopithecus bilaspurensis Oreopithecus bambolii o importante no momento não é saber quem é o ancestral de quem Aliás várias linhagens estão representadas aqui Mas com esses quatro gêneros do Mioceno e do Plioceno vem nos a imagem de um primata que vivendo na floresta parece pela primeira vez ir procurar parte de seu alimento em zonas abertas em torno dos lagos e nas margens dos rios Novos modos de vida vão evidentemente surgir com essa saída da floresta E ao mesmo tempo vai se caracterizar uma redução no tamanho dos dentes anteriores uma redução facial e a tendência do primeiro pré molar a duplicar sua cúspide inicial já não mais impedido pelo canino É o prenúncio da conquista das planícies e com ela do bipedismo9 Entre 10 e 1 milhão de anos atrás No Plioceno e no Pleistoceno entre 10 e 1 milhão de anos atrás encontramo nos na presença de um grupo ao mesmo tempo polimorfo e muito localizado os australopitecíneos Um breve histórico de sua descoberta vai nos permitir também delimitá los geograficamente Histórico Foi em 1924 que o professor Raymond Dart descreveu e batizou o primeiro espécime australopitecíneo Tratava se do crânio de uma criança de cinco a seis anos descoberto na brecha de uma caverna de Bechuanalândia Botsuana chamada Taung A essa descoberta seguiram se muitas outras feitas a partir de 1936 pelos professores R Broom e J Robinson e depois pelos professores Dart e P Tobias em quatro cavernas do Transvaal Sterkfontein Swartkrans e Kromdraai perto de Joanesburgo e Makapansgat perto de Potgietersrus 8 A braquiação é um modo de locomoção arborícola que consiste em se deslocar de galho em galho suspenso pelos membros anteriores 9 O bipedismo é um modo de locomoção terrestre que consiste em se deslocar em postura ereta sobre os dois membros posteriores 454 Metodologia e pré história da África figura 173 Os dados paleontológicos 455 A hominização problemas gerais figura 174 Garganta de Olduvai Tanzânia escavações de Louis e Mary Leakey Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 175 Crânio de Australopithecus africanus Da direita para a esquerda perfil de criança Taung Botsuana e de adulto Sterkfontein Transvaal Foto Y Coppens Col Museu do Homem 456 Metodologia e pré história da África Em 1939 o professor alemão L Kohl Larsen descobriu em Garusi ou Laetolil a nordeste do lago Eyasi na Tanzânia um maxilar de Australopithecus estendendo a área de distribuição desses hominídeos até a África oriental Os trabalhos nesse local foram retomados por Mary Leakey com muito sucesso pois ela descobriu uma série bastante interessante de hominídeos fósseis relacionados provavelmente com os australopitecíneos Em seguida vieram os célebres trabalhos da família Leakey na garganta de Olduvai na Tanzânia De 1955 para cá os Leakey descobriram aproximadamente setenta espécimes relacionados a hominídeos alguns notáveis Em 1964 R Leakey e G Isaac acrescentaram uma terceira jazida aos sítios paleontológicos da Tanzânia ao encontrar uma mandíbula de australopiteco perto do lago Natron Em seguida as descobertas deslocaram se para o norte Em 1967 uma expedição internacional retomou a exploração das jazidas paleontológicas na margem ocidental do baixo vale do rio Omo na Etiópia Essa expedição era composta por três equipes uma francesa sob a direção dos professores C Arambourg e Y Coppens uma americana dirigida pelo Professor F Clark Howell e uma do Quênia pelo Dr Leakey e seu filho Richard Esses sítios paleontológicos descobertos no início do século por viajantes franceses haviam sido explorados em 1932 1933 por uma expedição do Museu Nacional de História Natural de Paris sob a direção de C Arambourg No primeiro mês a nova expedição teve a sorte de descobrir a primeira mandíbula de australopitecíneo desse local Essa descoberta seria seguida por muitas outras Em nove temporadas as equipes francesa e americana conseguiram um resultado realmente excepcional aproximadamente quatrocentos restos de hominídeos A equipe do Quênia tinha deixado o Omo em 1968 para ir explorar sob a direção de R Leakey as margens orientais do lago Turkana no Quênia Em dez temporadas essa equipe pôde encontrar mais de cem fragmentos de hominídeos alguns muito importantes Nas margens sudoeste do mesmo lago uma expedição americana de Harvard sob a direção de B Patterson explorava na mesma época três pequenas jazidas em duas das quais encontram se restos de hominídeos Uma equipe inglesa do Bedford College de Londres que se propunha levantar o mapa geológico da bacia do lago Baringo no Quênia descobriu restos paleoantropológicos em cinco sítios A partir de 1973 uma expedição sob a direção de Maurice Taieb Yves Coppens e Donald C Johanson descobriu em Hadar na região Afar etíope em quatro temporadas mais de trezentos fragmentos paleoantropológicos em excepcional estado de conservação os quais pertenciam a uma ou duas formas 457 A hominização problemas gerais figura 176 Garganta de Olduvai Tanzânia escavações de Louis e Mary Leakey Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 177 Sítio do Omo Etiópia Foto Y Coppens Col Museu do Homem 458 Metodologia e pré história da África figura 178 Sítio do Omo Etiópia Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 179 Crânios de Australopithecus boisei sítio do Omo Etiópia Expedição Y Coppens 1976 Fotos J Oster n D 77 1497 493 e D 77 1496 493 Col Museu do Homem 459 A hominização problemas gerais figura 1710 Sítio de Afar Etiópia Expedição M Taieb Y Coppens e D C Johanson Foto M Taieb Col Museu do Homem Figura 1711 Crânio de Cro Magnoide de Afalu Argélia Foto 1 Oster n C77 60 493 Col Museu do Homem Instituto de Paleontologia Humana 460 Metodologia e pré história da África homínidas Uma segunda expedição ao Afar derivada da primeira encontrou um crânio que pode ser atribuído a um Pithecanthropus Para finalizar em 1975 e 1976 após nove anos de pacientes escavações Jean Chavaillon descobriu em Melka Konturé perto de Adis Abeba três interessantes fragmentos associados às indústrias olduvaienses e acheulenses Esse conjunto de descobertas limita a área de distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África Datação A mais antiga dessas jazidas é a de NGororá na bacia do lago Baringo no Quênia que tem de 9 a 12 milhões de anos Apenas um molar superior de hominídeo de tipo indeterminado foi encontrado mas evidentemente temos muita esperança em futuras escavações nesse sítio A coroa do molar encontrado é baixa como a dos dentes de Ramapithecus mas a estrutura de suas cúspides se assemelha à dos australopitecíneos Trata se possivelmente de um Sivanpithecus Em uma outra jazida da bacia do lago Baringo Lukeino datada de 6 a 6500000 anos também foi encontrado um molar É um molar inferior bastante semelhante ao do Australopithecus Em Lothagam no sudoeste do lago Turkana Quênia B Patterson descobriu um fragmento de mandíbula com um dente cuja morfologia lembra a de um australopitecíneo A fauna de vertebrados associada a esse fragmento indica uma idade pliocênica estimada entre 5 e 6 milhões de anos Em dois sítios do Quênia Chemeron na bacia do lago Baringo e Kanapoi na bacia do lago Turkana estimados em 4 milhões de anos foram descobertos respectivamente um osso temporal e um úmero homínidas A jazida de Laetolil na Tanzânia foi estimada em pelo menos 3500000 anos seus hominídeos fósseis são espantosamente semelhantes aos encontrados em Radar na região Afar etíope e datam de 2800000 a 3200000 anos As jazidas do Omo são constituídas de um conjunto sedimentar com mais de 1000 m de profundidade composto por camadas sucessivas de areias fossilíferas argilas e depósitos vulcânicos permitindo datações absolutas Assim a sequência de camadas pôde ser datada em mais de 4 milhões de anos na base e em menos de 1 milhão no topo Os restos de hominídeos encontram se a partir da camada de 3200000 anos até o topo ou seja de maneira contínua por mais de 2 milhões de anos As jazidas do leste do lago Turkana onde foram encontrados restos de hominídeos abrangem um período entre 3 e 1 milhão de anos 461 A hominização problemas gerais figura 1712 Canteiro de escavações em Olduvai Foto J Chavaillon Col Museu do Homem Figura 1713 Crânios de Australopithecus robustus à direita e Australopithecus gracilis à esquerda Foto de J Robinson Col Museu do Homem 462 Metodologia e pré história da África Através da comparação das faunas as mais antigas cavernas de australopitecíneos da África do Sul Makapansgat e Sterkfontein foram recentemente datadas de 25 a mais de 3 milhões de anos estimativa essa ainda muito discutida Na garganta de Olduvai na Tanzânia encontram se restos de hominídeos e de suas indústrias ao longo de 100 m de depósito datados de 1800000 anos na base Duas outras cavernas com restos de australopitecíneos na África do Sul Swartkrans e Kromdraai talvez sejam contemporâneos das camadas mais antigas de Olduvai ou pouco anteriores de 2 a 25 milhões de anos Por último em Chesowanja na bacia do lago Baringo Quênia no sítio do lago Natron Tanzânia e talvez na brecha de Taung África do Sul encontram se sem dúvida os mais jovens australopitecíneos pois mal ultrapassam 1 milhão de anos Os australopitecíneos portanto parecem ter surgido entre aproximadamente 6 e 7 milhões de anos atrás e ter desaparecido há cerca de 1 milhão de anos O que foi descoberto nesses depósitos Vários hominídeos alguns contemporâneos entre si Um deles é chamado Australopithecus robustus ou Paranthropus ou Zinjanthropus Um outro é chamado Australopithecus gracilis ou Australopithecus propriamente dito ou Plesianthropus ou Paraustralopithecus Um terceiro é chamado Homo habilis ou Australopithecus habilis Enfim um quarto é chamado Homo erectus Telanthropus ou Meganthropus Os hominídeos a Australopithecus robustus foi encontrado na África do Sul em cavernas de 2 25 milhões de anos no vale do Omo Etiópia no leste do lago Turkana Quênia e em Olduvai com aproximadamente 1800000 anos e em Chesowanja com 1100000 anos É chamado robusto por ser realmente mais forte e maior que os outros A morfologia craniana revela um aparelho de mastigação possante com efeito seus molares e pré molares são enormes Apresenta ainda mandíbula robusta músculos de mastigação solidamente fixados arcada zigomática10 vigorosa e uma crista sagital11 impressionante para os músculos temporais A testa é fugidia A face é longa e chata e 10 A arcada zigomática é uma ponte óssea do crânio que une a têmpora à face 11 A crista sagital é uma expansão óssea que forma no alto do crânio uma lâmina semelhante à cimeira de um capacete 463 A hominização problemas gerais figura 1714 Homo habilis Foto Museus Nacionais do Quênia 464 Metodologia e pré história da África os dentes anteriores pequenos o que facilita os movimentos laterais de trituração A mandíbula tem consequentemente um longo ramo ascendente o que incrementa a ação mastigatória dos músculos masseter e pterigoide O corpo é mais maciço que o de outras espécies de Australopithecus Para uma altura de 155 m seu peso é estimado entre 35 e 65 kg A locomoção sobre os membros posteriores não era perfeita pois os fêmures têm apófises pequenas e colos longos A capacidade craniana foi estimada em 530 cm³ tanto para os espécimes de Swartkrans como para os de Olduvai Deve se ressaltar o desenvolvimento do cerebelo indicando possivelmente um maior grau de controle dos movimentos da mão e da locomoção por exemplo b Australopithecus gracilis foi descoberto em Makapansgat e Sterkfontein na África do Sul Acredita se ter sido encontrado também no Omo e em Afar Etiópia em Garusi ou Laetolil Tanzânia e em Lothagam Quênia Estima se sua altura entre 1 e 125 m e seu peso entre 18 e 31 kg A face é mais proeminente que a do Australopithecus robustus As arcadas supra orbitárias12 moderadamente desenvolvidas sustentam uma fronte relativamente desenvolvida Os incisivos são espatulados e implantados verticalmente os caninos pequenos assemelham se a incisivos Os dentes laterais são divergentes formando uma arcada dentária parabólica são dentes grossos com cúspides redondas esmalte espesso e estão gastos até a raiz Ainda que esse australopitecíneo tenha tido uma dieta mais variada que a do Australopithecus robustus sua alimentação devia ser também basicamente vegetariana A largura da mandíbula a espessura do esmalte o desgaste dos dentes até as gengivas a face curta e o grande tamanho dos pré molares e dos molares indicam com efeito um possante aparelho de mastigação O nascimento tardio dos dentes aliado à espessura do esmalte significa adaptação a uma vida e particularmente a uma adolescência mais longas A capacidade endocraniana varia de 428 a 485 cm³ ou seja tem 444 cm³ em média na forma sul africana Seus ossos longos em particular o úmero e a omoplata lembram a braquiação de seus ancestrais entretanto o Australopithecus gracilis é um bípede permanente c Homo habilis foi descrito em Olduvai Tanzânia em 1964 e talvez tenha sido encontrado igualmente no Omo Etiópia na margem leste do lago Turkana e em Kanapoi Quênia Seus dentes laterais mostram dimensões menores que as do Australopithecus gracilis da África do Sul Esses dentes 12 As arcadas supra orbitárias são as bordas ósseas superiores das órbitas que contêm os olhos 465 A hominização problemas gerais figura 1715 Os sítios de Siwalik no Norte do Paquistão Expedição D Pilbeam Foto H Thomas Col Museu do Homem Figura 1716 Reconstituição do crânio de Ramapithecus Foto J Oster n D781043493 Col Museu do Homem Figura 1717 Esqueleto de Oreopithecus bambolii com 12 milhões de anos encontrado em Grossetto Toscana por Johannes Hürzeler em 1958 Foto J Oster Col Museu do Homem 466 Metodologia e pré história da África figura 1718 Reconstituição do meio ambiente do Homo erectus de Chu Ku Tien ou Sinantropo China 400 mil anos Foto Y Coppens Col Museu do Homem exposição Origens do Homem nov 1976 abr 1978 Desenho de Bertoncini Gaillard sob a direção de Y Coppens Figura 1719 Homo erectus de Chu Ku Tien reconstituição Perfil no D75 371 493 e face no 77 61 493 Fotos J Oster Col Museu do Homem 467 A hominização problemas gerais têm aliás proporções diferentes são mais alongados e mais estreitos Com base nos parietais sua capacidade endocraniana foi estimada em 680 cm³ um crânio encontrado na margem leste do Turkana tem um volume de quase 800 cm³ Por essas tendências evolutivas dos dentes e do cérebro parece tratar se de um ser mais próximo de nós que o Australopithecus Entretanto seu esqueleto pós craniano aproxima o do Australopithecus gracilis como no caso deste último sua clavícula lembra a ancestral idade braquial Sua altura foi estimada entre 120 e 140 m d O Homo erectus os pesquisadores descobriram o Homo erectus hominídeo mais evoluído que todos os anteriores em Swartkrans na África do Sul com 2500000 anos em Olduvai na Tanzânia com 1500000 anos na margem leste do lago Turkana no Quênia com 1500000 anos em Melka Konturé em Bodo e no Omo na Etiópia com 5000001500000 anos Em Swartkrans Broom e Robinson isolaram algumas ossadas 1949 atribuídas por eles a uma forma mais homínida o Telanthropus capensis Em 1957 Robinson teve a ideia de relacionar essa forma aos pitecantropine classificando a como Homo erectus Em 1969 Ron Clarke Clark Howell e Brain trabalhando com os espécimes de Swartkrans notaram que o crânio do Australopithecus robustus SK 847 ajustava se perfeitamente ao maxilar do Telanthropus Essa montagem produz uma figura interessante que confirma as suposições de Robinson acima de um torus supraorbitalis13 pronunciado a fronte com curvatura ascendente contrasta com a ausência de fronte do Australopithecus robustus O crânio apresenta grandes sinus14 frontais a constrição pós orbitária15 é pouco pronunciada os ossos do nariz são proeminentes a arcada dentária é curta o que indica uma mandíbula pequena com ramo ascendente curto a dentição e a estrutura do esqueleto facial aproximam no do gênero Homo mais especificamente do Homo erectus O Hominídeo 13 de Olduvai tem uma mandíbula menor e uma dentadura 20 mais reduzida que a do Homo habilis o Hominídeo 16 tem uma arcada supra orbitária proeminente Leakey e Tobias tendem a classificá los como Homo erectus Mas se esses dois fósseis têm uma classificação incerta o mesmo não acontece com o Hominídeo 9 que apresenta uma incontestável calota craniana de Homo erectus 13 Quando a borda superior da órbita tem uma expansão óssea em forma de viseira é chamada torus supraorbitalis 14 Os sinus são cavidades 15 O crânio se contrai lateralmente atrás das órbitas É o que chamamos constrição pós orbitária 468 Metodologia e pré história da África A leste do lago Turkana no Quênia um grande número de descobertas guarda parentesco com essa espécie em evolução do gênero Homo Devemos citar em particular a recente descoberta de três crânios de épocas diferentes que ilustram muito bem o desenvolvimento das tendências evolutivas no seio dessa espécie Lembremos também que uma recente datação do mais antigo espécime de Pithecanthropus javanês o crânio de criança de Modjokerto teria dado 1900000 anos mas tratar se ia realmente de um Homo erectus Comparações feitas em Cambridge por Tobias e von Koenigswald entre peças originais javanesas e tanzanianas permitiram concluir que há uma identidade morfológica entre o mais antigo Homo habilis e o Meganthropus palaeojavanicus e talvez o Hemianthropus peii da China Do mesmo modo concluíram que existe uma identidade morfológica entre o Homo habilis mais recente Hominídeo 13 e o Pithecanthropus IV o Sangiran B e o Telanthropus capensis Indústrias Pela primeira vez na história dos Primatas esses restos se encontram associados a utensílios fabricados Nas jazidas do Omo a expedição francesa descobriu em 1969 alguns utensílios de pedra e de osso com mais de 2 milhões de anos No ano seguinte na margem leste do lago Turkana a expedição do Quênia descobriu numa camada vulcânica de 2 milhões de anos uma indústria de pedra e de osso semelhante aos utensílios do Omo Mais recentemente as missões americana e francesa conseguiram assinalar doze camadas arqueológicas de 2 milhões de anos Pode se afirmar que em três anos devido a essas descobertas da bacia pliopleistocênica do lago Turkana a idade dos primeiros instrumentos lascados recuou para mais de 2500000 anos talvez mesmo 3 milhões ultrapassando em quase 2 milhões de anos a idade das mais antigas indústrias conhecidas até então Essa primeira indústria da história é constituída por uma grande quantidade de lascas obtidas artificialmente por percussão e utilizadas por causa de seu gume de seixos cuja ponta ou gume foi aguçado e de ossos ou dentes trabalhados ou utilizados diretamente quando sua forma assim o permitia por exemplo caninos de hipopótamos ou de suínos Esses instrumentos podem ser classificados em um certo número de tipos cada um desses tipos é representado por uma determinada quantidade de exemplares Isso significa que sua forma é resultado de uma pesquisa a aquisição de uma experiência transmitida de uma geração a outra implicando um certo 469 A hominização problemas gerais grau de vida social Em outras palavras não estamos há 2500000 anos na origem dos utensílios mas provavelmente nos aproximamos dos limites de sua percepção antes daquela data o artefato se confunde com os objetos naturais Em Makapansgat na África do Sul foi descoberta uma indústria de utensílios feitos de ossos chifres e dentes qualificada por essa razão de osteodontoquerática que parece ser também muito antiga isso poderá ser confirmado caso as recentes tentativas de correlações entre as cavernas sul africanas e as grandes jazidas leste africanas revelarem se exatas De qualquer modo as constatações que podemos fazer são as mesmas que para a bacia do lago Turkana os diversos tipos de utensílios encontram se reproduzidos em série o que prova que já têm uma história Em Hadar H Roche descobriu recentemente uma indústria de seixos trabalhados semelhante à de Olduvai numa camada que pode ser datada de 2500000 anos A partir das camadas mais antigas de Olduvai 1800000 anos os instrumentos estão em toda parte abundantes e constantes na forma os seixos lascados particularmente frequentes tornaram essa indústria conhecida como Pebble Culture ou Olduvaiense do topônimo Olduvai Escavando o nível mais antigo de Olduvai o Dr Leakey notou um dia uma grande acumulação de calhaus de basalto à medida que a escavação progredia ele percebeu que esses calhaus longe de estarem espalhados aleatoriamente ordenavam se em pequenos montes formando um círculo É possível que cada um desses montes servisse para calçar uma estaca Se imaginarmos um círculo de estacas ou de arcos e peles ou folhagens estendidas de um a outro poderemos ser tentados a ver naqueles montículos os restos de uma construção Estaríamos então na presença de uma estrutura de habitação de uns 2 milhões de anos Em Melka Konturé perto de Adis Abeba Jean Chavaillon descobriu recentemente no nível olduvaiense mais antigo do sítio 1500000 anos uma estrutura bastante semelhante Exatamente no meio de um solo de ocupação recoberto de utensílios ele descobriu uma superfície circular de 250 m de diâmetro desprovida de artefatos elevada de 30 cm em relação ao resto do solo e circundada por um sulco de 2 m de comprimento pequenos montes de calhaus sugerem também neste caso a presença de estacas Alguns pretendem que o Australopithecus robustus tenha sido o macho do Australopithecus gracilis Outros pensam que o Homo habilis era um Australopithecus gracilis um pouco mais jovem e mais evoluído que o sul africano Outros ainda dizem que o Telanthropus ou Homo erectus de Swartkrans poderia ser classificado nos limites inferiores de variações do Australopithecus robustus da mesma jazida 470 Metodologia e pré história da África que o Meganthropus javanicus era um Australopithecus e mesmo que certos australopitecine em Olduvai e em Swartkrans eram pitecantropine Dessa aparente confusão surge todavia uma tese muito clara Foi no interior desse grupo de Australopithecus de início limitados ao leste e ao sul da África e em seguida sob a forma de Australopithecus ou sob forma já mais evoluída estendendo se até a Ásia ao sul do Himalaia que apareceram o gênero Homo e o utensílio fabricado Este logo se torna a característica distintiva de seu artesão vários tipos de instrumentos são rapidamente criados para finalidades precisas sua fabricação é ensinada Por último aparecem estruturas de habitação É a partir desse ponto de vista que se pode falar de uma origem africana da humanidade Conclusão O homem aparece portanto ao fim de uma longa história como um primata que um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo Utensílios fabricados e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê aprende e transmite constrói a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura Atribuiu se recentemente a idade de 2 milhões de anos a certos restos fósseis de hominídeos de Java Seixos lascados de várias jazidas do Sul da França foram em alguns casos considerados daquela mesma idade Mas no atual estágio dos nossos conhecimentos a África continua vitoriosa pelo número e importância das descobertas de tão remota antiguidade E como se há 6 ou 7 milhões de anos nascesse no quadrante sudeste do continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos e entre 25 e 3 milhões de anos atrás emergisse desse grupo polimorfo um ser ainda Australopithecus ou já Homem capaz de trabalhar a pedra e o osso construir cabanas e viver em pequenos grupos representando através de todas as suas manifestações a origem propriamente dita da humanidade criadora do Homo faber O último milhão de anos O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu durante os últimos séculos à sua alarmante proliferação Foram necessários 115 anos para que a população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos 35 anos para que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões E a aceleração continua C A P Í T U L O 1 7 471 A hominização problemas gerais Os dados arqueológicos Ao tratar do problema da hominização na África o procedimento do pré historiador é bastante diferente daquele empregado pelo paleontólogo Para este último a hominização é o desenvolvimento progressivo do cérebro que permite ao homem conceber e criar aplicando técnicas cada vez mais elaboradas um conjunto de utensílios na mais ampla acepção do termo tão diversificado e eficiente que multiplica ao longo dos milênios sua ação sobre o meio ambiente a ponto de romper em seu próprio proveito o equilíbrio biológico A evolução paleontológica que conduz ao homem não permite definir facilmente o limiar da hominização a pedra lascada demonstra que esse limiar já foi transposto P Teilhard de Chardin definiu numa fórmula célebre O homem fez sua entrada sem alarde Na verdade caminhou tão silenciosamente que quando começamos a percebê lo denunciado pelos instrumentos de pedra indeléveis que multiplicam sua presença ele já cobre todo o Velho Mundo A posição do pré historiador justifica se o verdadeiro missing link elo perdido não é a forma intermediária entre australopitecíneos e pitecantropíneos entre o homem de Neandertal e o Homo sapiens Está entre as pedras ou os ossos lascado e esses fósseis As indústrias pré históricas atribuídas com absoluta A hominização problemas gerais PARTE II L Balout 472 Metodologia e pré história da África certeza ao Homo sapiens a partir do Paleolítico Superior e com uma evidência pouco discutível ao homem de Neandertal no Paleolítico Médio só podem ser relacionadas hipoteticamente aos pitecantropíneos e australopitecíneos Na verdade é a única hipótese que se pode formular cientificamente Mas a indústria que acompanha os sinantropíneos não é a mesma descoberta junto aos pitecantropíneos e esta é diferente em Java Pithecanthropus na Argélia Atlanthropus e na África oriental Quanto aos australopitecíneos representam um grupo heterogêneo onde ainda é difícil descobrir os possíveis se não prováveis autores da Cultura Osteodontoquerática e da Pebble Culture Portanto se para o paleontólogo existe um limiar da hominização o Rubicão cerebral que o Professor Vallois definiu como sendo a capacidade cerebral de 800 cm³ para o pré historiador existe um limiar técnico que uma vez transposto abre o caminho do progresso até nós A definição desse limiar exige a solução de dois problemas como e quando O primeiro problema implica eliminar todas as causas naturais para poder reconhecer no utensílio a mão do homem O segundo implica dispor de esquemas cronológicos que permitam datar com um grau de aproximação aceitável as mais remotas evidências da indústria humana Até o presente momento somente a África forneceu respostas para esses dois problemas Visto que a teoria do monogenismo é universalmente aceita a África é considerada hoje como o berço da humanidade Esse berço sobre rodas segundo a definição espirituosa do Abade Breuil que por muito tempo se moveu entre os picos do Pamir e as planícies do Eufrates fixou se por enquanto na África oriental Esse fato teria ocorrido há uns 3 milhões de anos no mínimo Na verdade o Antigo Testamento Livro do Gênesis situa o Paraíso terrestre o Éden numa paisagem de jardins e plantas cultivadas Deus destinava Adão à agricultura e à criação de animais a um gênero de vida neolítica numa região onde todo um período Paleolítico iria pouco a pouco se revelar Todas as cronologias tiradas da Santa Escritura situam a criação do homem entre 6484 e 3616 antes da Era Cristã O Oriente Próximo foi com toda a certeza um dos antigos se não o mais antigo centro de neolitização entretanto além dessa particularidade nada mais existe que nos permita afirmar que foi o Oriente Próximo o berço da humanidade O homem fez sua entrada em silêncio e são as pedras por ele lascadas que muito tempo depois denunciam sua existência A espécie humana não modificou nada na Natureza no momento de seu aparecimento ela emerge fileticamente diante de nossos olhos exatamente como qualquer outra espécie 473 A hominização problemas gerais Teilhard de Chardin A responsabilidade do pré historiador torna se então enorme pois ao identificar os mais antigos traços perceptíveis de indústrias humanas ele fornece um elemento de prova que a Paleontologia é incapaz de dar Através do utensílio chegar ao homem Esta é a finalidade admirável da Pré História O pré historiador da África deve antes de tudo responder a três perguntas 1 O utensílio é sem sombra de dúvida um critério de hominização 2 O utensílio nos permite delimitar o início da hominização 3 O utensílio humano no estado de preservação em que chegou até nós pode ser identificado com toda a segurança O utensílio é sem sombra de dúvida um critério de hominização Os dados desse problema são em grande parte de origem africana Nos últimos anos de sua vida o Abade Breuil bastante impressionado com o comportamento de certos animais confiou me que perguntava a si mesmo se o utensílio realmente marcaria a transposição do limiar da hominização e se não deveríamos escolher a arte como critério o que equivaleria a distinguir um Homo verdadeiramente sapiens o pintor de Lascaux nosso ancestral direto de uma série de seres industriosos faber que o teriam precedido Como disse sabiamente Madame Tetry o uso de utensílios que não sejam órgãos do corpo considerados como utensílios naturais não é característica exclusiva nem do homem nem mesmo dos primatas Comprovam esse fato a vespa amófila e a formiga cortadeira entre os insetos o tentilhão das ilhas Galápagos a gaivota o abutre o urubu o tordo cantor entre as aves a lontra do mar o castor e muitos outros animais Na ordem dos primatas o chimpanzé é o vizinho mais próximo do homem No seu cotidiano ele utiliza instrumentos ou armas para se defender de predadores tais como a serpente Um reflexo de medo e de defesa leva o a recolher e brandir bastões1 Esse comportamento observado em jardins zoológicos foi também notado nas reservas da Tanzânia entre 1964 e 1968 Vivendo em grupos de mais de trinta indivíduos os chimpanzés sabem escolher os menores gravetos para desenterrar cupins sabem utilizar bastões para romper ninhos ou alcançar mel servir se de folhas para recolher a água das cavidades dos troncos encabar varas para apanhar bananas Quanto às pedras utilizam nas para rachar os frutos e assim como fazem com os bastões para 1 Current Anthopology jun 1967 474 Metodologia e pré história da África afugentar os predadores rivais atirando as por cima e por baixo do braço E ainda comunicam se entre si através de sinais sonoros Observações semelhantes foram feitas em relação aos gorilas de Ruanda2 Desse modo para que um utensílio possa ser considerado critério de hominização não basta o conceito do emprego de um objeto externo aos utensílios naturais do ser vivo Devemos considerar necessariamente o aspecto da transformação deliberada da preparação desse instrumento Essa concepção do utensílio vai nos permitir dar uma resposta afirmativa à terceira pergunta mas não à segunda O utensílio nos permite delimitar o início da hominização Na verdade o utensílio não nos permite delimitar o início da hominização Em primeiro lugar porque o que chegou até nós foram apenas ossadas fósseis e pedras Sem querer fazer uma comparação etnográfica absurda devemos lembrar que um grupo humano pode perfeitamente obter todos os seus utensílios exclusivamente do reino vegetal Como exemplo são sempre citados os Menkopis das ilhas Andaman E ao mesmo tempo é tão indemonstrável quanto plausível o fato de que a árvore tenha oferecido aos primeiros hominídeos seus primeiros instrumentos na savana arborizada dos planaltos africanos E quanto às ossadas fósseis e aos dentes R Dart atribuiu aos australopitecíneos do Transvaal uma indústria baseada em ossos dentes e chifres que ele denominou osteodontoquerática e que ficou por muito tempo sub judice adiante voltaremos ao assunto R van Riet Lowe distinguiu split e trimmed pebbles na Pebble Culture Os primeiros seixos simplesmente partidos foram de modo geral postos em dúvida Está claro que se a pedra que a mão humana apanhou e atirou não guardou nenhum traço visível dessa utilização mesmo o seixo lascado pode ser um produto da natureza as quedas dágua dos rios e as ressacas do mar fragmentam as pedras de modo que nada as diferencia das que foram deliberadamente lascadas pelo homem A indústria do Kafuense não sobreviveu a esse teste O texto de Teilhard de Chardin do qual citei um trecho no início desta exposição apresenta grandes erros e uma grave lacuna O homem fez sua entrada sem alarde Na verdade caminhou tão silenciosamente que quando começamos a percebê lo denunciado pelos instrumentos de pedra 2 Nat Geogr Soc Washington out 1971 475 A hominização problemas gerais figuras 1720 e 1721 Detalhe do solo olduvaiense observam se vários objetos entre os quais poliedros e um grande osso de hipopótamo Fotos de J Chavaillon Col Museu do Homem 476 Metodologia e pré história da África indeléveis que multiplicam sua presença ele já cobre do Cabo da Boa Esperança a Pequim todo o Velho Mundo Certamente já fala e vive em grupos Já utiliza o fogo E afinal de contas não é exatamente isso que deveríamos esperar Cada vez que uma nova forma emerge diante de nós das profundezas da história não sabemos que ela surge completamente formada e constituindo já uma legião No entanto a espécie Homo loquens parece ter surgido somente na época dos pitecantropíneos antes destes pelo menos na África não temos nenhuma indicação válida da existência do fogo erroneamente atribuído ao Australopithecus prometheus Por outro lado os instrumentos de pedra indeléveis do Olduvaiense não denunciam certamente um começo A variedade de suas formas sua quantidade e o lasqueamento sistemático revelam antes um desenvolvimento que um início Foram os pré historiadores da África que reivindicaram esse milhão de anos anterior ao Bed I de Olduvai que as recentes descobertas no Omo e em Koobi Fora lhes tornaram possível constatar E isso ainda não nos satisfaz O utensílio humano pode ser identificado Concluindo do que acima expusemos devemos nos limitar a resolver o terceiro problema que consiste em provar a ação intencional do homem sobre os utensílios mais rudimentares menos elaborados Só a África fornece material suficiente para essa pesquisa que se concentrará em duas áreas o osso e a pedra a A indústria osteodontoquerática A hipótese formulada em 1949 por R Dart foi reexaminada por Donald L Wolberg em Current Anthropology fevereiro de 1970 Já o Abade Breuil estudando os ossos encontrados com os sinantropíneos de Chu Ku Tien tinha formulado a hipótese de que uma Idade do Osso poderia ter precedido a Idade da Pedra Teria havido um período Pré Lítico anterior ao Paleolítico Antes das descobertas feitas em 1955 África do Sul em 1959 1960 Olduvai Tanzânia em 1969 Omo Etiópia e em 1971 lago Rodolfo Quênia não se conhecia nenhuma indústria lítica associada às jazidas de australopitecíneos Por outro lado R Dart tornou se defensor de uma indústria óssea baseada em ossadas dentes e chifres que ele consagrou como Osteodontokeratic Culture Infelizmente não dispomos de uma boa cronologia relativa ou absoluta dos australopitecíneos da África meridional menos favorecida nesse ponto que a Etiópia o Quênia e a Tanzânia R Dart sustentou a existência de uma indústria osteodontoquerática de 1949 a 1960 baseando se no exame 477 A hominização problemas gerais das fraturas cranianas de babuínos e de australopitecíneos na evidência de seleção de ossadas em Makapansgat 336 úmeros e 56 fêmures por exemplo e nas vértebras cervicais atlas e áxis que representavam 56 das vértebras recolhidas com os crânios de bovídeos Na sua opinião as ossadas animais das brechas onde foram encontrados australopitecíneos são montes de refugo restos da cozinha de um caçador predador que tinha então as mãos livres para utilizar armas e instrumentos pois já se locomovia sobre os membros posteriores Examinando cinquenta crânios de babuínos e seis de australopitecíneos Dart constatou em 80 dos casos a existência de traumatismos causados por golpes de arma que em geral foram desfechados frontalmente Esses traumatismos às vezes são duplos o que indica uma arma com duas cabeças Em Makapansgat muitos úmeros de ungulados mostram traços de desgaste anteriores à fossilização enquanto outros ossos longos estão intactos o que levou Dart a concluir que o utensílio característico do australopiteco é uma maça de osso de preferência um úmero de ungulado O caçador utilizou também mandíbulas fraturas por torção fratura espiralada nos úmeros e nos ossos da canela implicam também a intervenção da mão como Breuil e Teilhard de Chardin já haviam sugerido com relação a Chu Ku Tien nos loci de sinantropíneos Um chifre direito fossilizado de Gazella gracilior enterrado num fêmur de antílope onde a calcita o fixou quer se trate de utensílio encabado quer tenha sido utilizado para partir o fêmur indica uma ação humana da mesma forma que o crânio da hiena com um calcâneo de antílope enterrado entre a calota e a arcada zigomática Teria existido portanto um estágio osteodontoquerático pré lítico depois paleolítico seguido da Pebble Culture e das indústrias de bifaces o qual marcaria o início de uma cultural implemental activity Tal hipótese deveria evidentemente levantar ardentes discussões em torno do tema caçador ou caça the hunters or the hunted Para alguns todos os ossos inclusive os dos australopitecíneos não passam de restos de banquetes de carnívoros Outros os consideram como restos acumulados em covis de hienas o que não corresponde aos hábitos desse animal Outros ainda os atribuem a porcos espinhos Entretanto dos 7159 fragmentos ósseos descobertos em Makapansgat antes de 1955 apenas 200 estavam roídos Além disso as hienas vivem entre ossadas de outras hienas Uma jazida datada do Riss Würm mostrou que para um total de 130 animais havia 110 hienas enquanto em Makapansgat encontramos apenas 17 para 433 indivíduos Na brecha de australopitecine foram encontrados 47 dentes 478 Metodologia e pré história da África isolados de hienas para um total de 729 na jazida do Riss Würm 1000 para um total de 1100 Pouco a pouco todavia afirmou se uma tendência favorável à indústria osteodontoquerática sem um juízo prévio do tipo de australopitecíneo que seria considerado o caçador A coexistência de uma indústria lítica Sterkfontein 1955 veio corroborar essa teoria mas foi a indústria óssea de Olduvai admiravelmente descrita por Mary Leakey3 que trouxe a prova definitiva e indiscutível abrindo caminho para a indústria semelhante atribuída aos pitecantropíneos da África Ásia Chu Ku Tien e Europa Torralba e Ambrona por exemplo Encontramos em toda a pré história e desde o seu início um tipo de indústria óssea paralela à indústria lítica Embora sendo de análise mais difícil sabemos que ela existe e em nenhum outro lugar é mais antiga que na África contudo não está provada a existência de um estágio pré lítico b A indústria lítica Desde que a hipótese dos eólitos foi abandonada os seixos lascados da assim chamada Pebble Culture representam a mais antiga indústria lítica conhecida Em 1919 E J Wayland então diretor do Serviço Geológico de Uganda notou a existência nessa região da África oriental de seixos lascados semelhantes aos descobertos no Ceilão antes de 1914 Em 1920 ele criou os termos Pebble Culture e Kafuense do rio Kafu e em 1934 distinguiu quatro estágios evolutivos nessa indústria Foi Wayland também quem sugeriu a Louis Leakey em 1936 a criação do termo Olduvaiense para designar a evoluída Pebble Culture da garganta de Olduvai Tanzânia Em 1952 van Riet Lowe tentou fazer uma primeira classificação técnica e morfológica da Pebble Culture Mas foi da Ásia que veio a definição das forças consideradas essenciais apresentada por H Movius o chopper o chopping tool o hand axe 1944 Aos poucos os pré historiadores de toda a África mas nem sempre os da Europa foram se convencendo C Arambourg Argélia P Biberson Marrocos H Hugot H Alimen J Chavaillon Saara Mortelmans Katanga etc Classificações morfológicas baseadas nas técnicas de lascamento foram propostas por L Ramendo e P Biberson Dois fatos foram imediatamente constatados em primeiro lugar a Pebble Culture já era bastante complexa com formas muito variadas rígidas e sistemáticas para representar o início das indústrias líticas em segundo lugar a Pebble Culture continha em potencial todas as possibilidades evolutivas que levariam às indústrias clássicas do Paleolítico 3 Olduvai Gorge t III 479 A hominização problemas gerais figura 1722 Uma das mais antigas pedras lascadas do mundo escavações J Chavaillon figura 1723 Uma das primeiras pedras lascadas do mundo escavações J Chavaillon 480 Metodologia e pré história da África Inferior africano os bifaces e as achas de mão Vamos nos deter apenas no primeiro ponto Em razão da complexidade e da difusão da Pebble Culture os pré historiadores dá África desejavam uma cronologia mais longa que aquela já de difícil aceitação que conferia 1 milhão de anos ao Quaternário sendo a datação da indústria olduvaiense pelo método do potássio argônio de 1850000 a 1100000 anos para a Bed I reforçada pela do chopping tool do Omo entre 2100000 e 2500000 anos e em seguida pela datação da jazida do lago Turkana 2600000 anos Mas esta última indústria embora contenha muitos seixos trabalhados não pertence em sua totalidade à Pebble Culture É uma indústria de lascas Em 1972 recolheram se lascas talvez menos conclusivas no Omo Podemos indagar portanto se a transformação dos seixos em pebble tools não foi precedida pelo uso de lascas destacadas de um bloco qualquer de matéria prima Mas nesse ponto chegamos aos limites da possibilidade de atribuição a uma causa não natural se os sinais de lascamento não são claros talão bulbo se devemos dar ênfase aos retoques para utilização voltamos ao velho problema dos eólitos Então a única explicação possível é a intervenção de um hominídeo Mas até onde devemos ousar A hipótese mais audaciosa foi levantada por L Leakey que atribuiu ao Kenyapithecus bone bashing activities ou seja sugeriu que ele teria utilizado um pedaço de lava lump of lava lascado por percussão battered e marcado bruised pelo uso e um osso longo com uma depressão causada por fratura depressed fracture4 Neste ponto os problemas das indústrias do osso e da pedra em sua origem são os mesmos Nenhuma prova tecnológica ou morfológica pode ser obtida Não há nenhum sinal clássico de ação humana De fato o único argumento positivo é a existência inexplicável de lascas junto aos restos do Kenyapithecus Mas a eliminação do trabalho da natureza lusus naturae não afasta a possibilidade do uso por um antropoide pré homínida O que anteriormente dissemos a respeito do comportamento dos chimpanzés demonstra a pertinência dessa hipótese Na opinião dos pré historiadores da África ainda que os instrumentos de osso e de pedra atestem que há mais de 2500000 anos estava em marcha um processo cerebral de hominização não foi nessa época que ele se iniciou 4 LEAKEY L S B Bone smashing by Late Miocene Hominid Nature 1968 481 Glossário A Abbevilliense Fácies industrial defi nida por H Breuil em Abbeville vale do rio Somme França Caracteriza se por bifaces desbastados em grandes lasca mentos com um percutor duro pedra Definido na Europa onde corresponde ao início do Paleolítico Inferior Acha de mão coup de poing Instru mento de pedra em forma de amêndoa lascado nas duas faces que devia servir para escavar e esfolar Antiga denomi nação do biface Acheulense De Saint Acheul no vale do Somme É a principal fácies cultural do Paleolítico Inferior Durou da gla ciação de Mindel ao fim do período interglaciário Riss Würm O instru mento típico é um biface mais regular que o do Abbevilliense lascado com um percutor mole madeira ou osso Amazonita Variedade verde de microlina Amiríense Ciclo continental mar roquino contemporâneo do Mindel europeu Anfaciense De Anfa Marrocos Ter ceira transgressão marinha quaternária no Marrocos Ateriense De Bir el Ater Argélia oriental Indústria paleolítica da África do Norte entre o Musteriense e o Cap siense Compreende pontas e raspa dores pedunculados e algumas pontas foliáceas O Ateriense desenvolveu se Glossário 482 Metodologia e pré história da África durante parte do Wum e provavel mente é em parte contemporâneo do Paleolítico Superior da Europa Atlantropo Fóssil do grupo dos Arcanthropus definido por C Aram bourg na jazida de Ternifine Argélia Os restos são datados do fim do Pleis toceno Inferior Augita Silicato natural de cálcio magnésio e ferro Esse mineral entra na composição do basalto Aurignacense De Aurignac alto Garona França Indústria pré histórica do início do Paleolítico Superior Esse nome criado por H Breuil e E Car tailhac em 1906 designa as indús trias situadas cronologicamente entre o Musteriense e o Perigordiense Caracteriza se por pontas de zagaia feitas de chifre de rena raspadores grossos lâminas longas com contínuos retoques planos e em forma de esca mas alguns buris Surgem as primeiras obras de arte figuras esquemáticas de animais e sinais sumariamente grava dos em blocos de calcário Inicia se há aproximadamente 30 mil anos Australopiteco lat australis meri dional gr pithekos macaco Nome de gênero criado por Dart em 1924 para designar vários fósseis da África do Sul que apresentavam característi cas simiescas mas anunciavam aspec tos humanos Em seguida foram feitas descobertas semelhantes na África oriental e meridional B Basalto Rocha vulcânica Biface Instrumento de pedra lascada nas duas faces em forma de amêndoa Inicialmente denominado machado em seguida coup de poing parece ter sido utilizado para cortar e às vezes para raspar É característico do Paleo lítico Inferior C Calabriano De Calábria É o mais antigo estágio do Quaternário mari nho identificado por M Gignoux em 1910 Calcedônia Variedade fibrosa de sílica formada de quartzo e opala Calcita Carbonato de cálcio natural cristalizado encontrado na greda no mármore branco no alabastro calcário etc Capsiense De Capsa nome latino de Gafsa Tunísia meridional Indús tria do fim do Paleolítico africano identificada por J de Morgan O Capsiense associa a instrumentos típi cos do Paleolítico Superior numero sos micrólitos e pequenos furadores grossos que provavelmente serviam para perfurar fragmentos de cascas de ovos de avestruz para a confec 483 Glossário ção de colares Data de 11 mil anos aproximadamente Catarrino Macaco do Velho Mundo com 32 dentes e septo nasal estreito Cenozoico Sinônimo para Terciário e Quaternário começou com o Paleoceno há 65 milhões de anos compreendendo também o Eoceno 55 milhões de anos o Oligoceno 45 milhões de anos o Mioceno 25 milhões de anos o Plioceno 11 milhões de anos o Pleistoceno e o período recente Cercopiteco gr kerkos cauda e pithekos macaco Macaco africano de cauda longa Chadantropo homem do Chade Hominídeo fóssil situado do ponto de vista anatômico entre o Aus tralopithecus e o Pithecanthropus Chellense De Chelles França Fácies do Paleolítico Inferior descrita por G de Mortillet Antiga denominação do Abbevilliense Clactoniense De Clacton on Sea Grã Bretanha Indústria pré histórica do Paleolítico Inferior descrita por H Breuil em 1932 Caracteriza se por lascas de sílex com plano de percussão liso e largo O Clactoniense parece ser contemporâneo do Acheulense Cornalina Calcedônia vermelha D Diabásio Rocha da família do gabro e da diorita geralmente verde Diorita Rocha de textura granular Discoide Instrumento de pedra em forma de disco do final do Acheulense talhado nas duas faces Dolerito Rocha da família do gabro cujos minerais são visíveis a olho nu E Eneolítico lat aeneus bronze gr ithos pedra Sinônimo de Calcolí tico Período pré histórico em que se começa a utilizar o cobre Eoceno Segunda época do Terciário entre 55 milhões e 45 milhões de anos Epídoto Silicato hidratado natural de alumínio cálcio e ferro F Fauresmith Localidade do Estado de Orange África do Sul Indústria lítica que compreende raspadores e pon tas com retoques unifaciais bifaces e pequenas machadinhas Corresponde ao Paleolítico Médio da Europa G Galena Sulfeto natural de chumbo 484 Metodologia e pré história da África Gabliano Quarto pluvial africano iden tificado em torno dos lagos Nakuru Naivacha e Elmenteita no Quênia Contemporâneo da época glaciária de Würm Esse termo não é mais utilizado Günz Do nome de um rio da Alema nha A mais antiga glaciação quaterná ria alpina H Hand axe O mesmo que acha de mão machadinha Haruniano Quarta transgressão marinha do Quaternário do Marrocos atlântico Hematita Óxido de ferro natural Holoceno O mais recente período do Quaternário Começou há 10 mil anos Hominidae Família zoológica de primatas superiores representada pelos homens fósseis e modernos Homo Nome de gênero dado na classificação zoológica ao homem fós sil e ao contemporâneo Homo habilis Nome criado por Leakey Tobias e Napier para designar fósseis com um grau de evolução anatô mica intermediário entre o dos austra lopitecíneos e o dos pitecantropíneos Homo sapiens homem racio nal Denominação de C Lineu 1735 atualmente dada às formas modernas ou neo antrópicas para designar o homem que alcançou graças à sua inteligência um estado de adaptação ao meio que lhe permite pensar e refletir livremente Ibero maurusiense Fácies cultural do Paleolítico Final e do Epipaleolítico do Maghreb cuja evolução foi marcada pela multiplicação dos instrumentos microlíticos e que durou do décimo ao quinto milênio J Jadeíta Silicato de alumínio natural de sódio com pouco cálcio magnésio e ferro Jaspe Calcedônia impura com listras ou manchas geralmente vermelhas K Kafuense Do rio Kafu em Uganda Fácies industrial do começo do Pale olítico Inferior da África oriental caracterizada por seixos planos suma riamente lascados sem retoques Sua origem humana é contestada Kagueriano Do rio Kaguera Tanzânia Primeiro pluvial africano identificado por E J Wayland em 1934 contempo râneo da glaciação de Günz nos Alpes Esse termo não é mais empregado Kamasiano De Kamasa Quênia Segundo pluvial africano corrente mente chamado Kamasiano I con 485 Glossário temporâneo de Mindel Não é mais utilizado Kanjeriano De Kanjera Quênia Terceiro pluvial africano identificado por L S B Leakey Comumente cha mado Kamasiano II corresponde nos Alpes à época glaciária de Riss Termo não mais utilizado L Lápis lazúli Pedra azul celeste empregada em mosaicos cujo pó é usado para obter o pigmento ultramarino Laterita lat later tijolo Solo vermelho vivo ou marrom avermelhado muito rico em óxido de ferro e alumínio formado pela lixivia ção em climas quentes Levallois técnica De Levallois Perret Alto Sena França Técnica de debitar a pedra que permite obter com a preparação do núcleo grandes lascas de forma predeterminada Levalloisiense Fácies industrial defi nida por H Breuil em 1931 caracte rizada por lascas geralmente pouco ou nada retocadas extraídas de núcleos de tipo Levallois Não é mais reconhecida como fácies genuína Lidianita Xisto endurecido Lupembiense De Lupemba Kasai Zaire Fácies industrial do fim do Pale olítico caracterizada pela associação de instrumentos maciços picões e cin zéis e pontas lanceoladas finamente retocadas nas duas faces datando de aproximadamente 7 mil anos antes da Era Cristã M Maarifiano Do Maarif Marrocos Segunda transgressão marinha qua ternária do Marrocos atlântico Machadinha Instrumento maciço feito com uma lasca e que apresenta gume afiado resultante do atrito entre duas superfícies Característico do Acheulense africano é encontrado também no Paleolítico Inferior e Médio de algumas jazidas do sul da França e da Espanha Magosiense De Magosi Uganda Indústria lítica descoberta por Wayland em 1926 situada entre o Gambliano e o Makaliano Associa objetos de aspecto musteriense núcleos discoides e pontas peças lanceoladas com reto ques bifaciais e micrólitos geométricos Makaliano Do rio Makalia Quênia Fase úmida do Quaternário africano contemporâneo do primeiro pós glaciário da Europa Não é mais utilizado Malaquita Carbonato básico natural de cobre de cor verde 486 Metodologia e pré história da África Mazzeriano Primeiro pluvial do Saara equivalente ao Kagueriano Mesolítico gr mesos no meio de e ithos pedra Palavra empregada por muito tempo para designar o con junto de fácies culturais situadas entre o Paleolítico e o Neolítico Atual mente estão relacionadas a uma fase Epipaleolítica Micoque Sítio pré histórico situado ao norte de Les Eyzies a 25 km a nor deste de Sarlat Nele foi encontrada a indústria micoquiense forma muito evoluída do Acheulense contemporâ nea da glaciação de Würm Mindel Do nome de um rio da Baviera Segunda glaciação quaternária alpina Parece situar se entre 300000 e 400000 anos Mioceno gr meion menos e kainos recente Ou seja que contém menos formas recentes que o sistema seguinte É uma época do Terciário entre 25000 e 10 000 000 de anos Moulouyano Do vale do Moulouya Marrocos Termo empregado por Biberson Villafranchiano Médio do Marrocos Musteriense De Moustier Dordo nha França Indústria pré histórica do Paleolítico Médio que se expan diu na segunda metade do último interglaciário Reconhecida desde 1865 por E Lartet caracteriza se pela abundância de pontas e raspa dores obtidos por retoque numa das faces das lascas N Nakuriano Fase úmida definida no lago Nakuru Quênia pelos depósitos da praia abaixo do nível dos 102 m Nessas camadas foram descobertas indústrias de estilo neolítico que poderiam datar de aproximadamente 3000 anos Neandertal Do nome do vale da bacia do Düssel Alemanha onde o primeiro espécime foi descoberto pelo Dr Fuhlrott em 1856 Repre sentante de um grupo particular do gênero Homo viveu na Europa ociden tal durante o Pleistoceno Superior e extinguiu se bruscamente sem deixar descendentes Neolítico gr neos novo e lithos pedra Idade da Pedra com produção de alimentos agricultura e pastoreio Termo criado em 1865 por J Lubbock O Obsidiana Rocha vulcânica vítrea compacta semelhante ao vidro escuro Olduvaiense Da garganta de Olduvai Tanzânia setentrional Complexo de ins trumentos Iíticos antigos seixos lasca dos descoberto por Katwinkel em 1911 487 Glossário onde Leakey identificou onze níveis do Olduvaiense I que corresponde ao Chelense antigo até o Olduvaiense XI que corresponde ao Acheulense VI com instrumentos levalloisienses Oligoceno Terceira época do Terci ário entre 45000000 e 25000000 de anos Osteodontoquerática Indústria pré histórica feita com ossos gr osteon dentes gr odous odontos e chifres gr keras keratos encontrada em Makapans gat na África do Sul por R A Dart Ougartiano I Segundo pluvial do Saara equivalente ao Kamasiano Ougartiano II Terceiro pluvial do Saara equivalente ao Kanjeriano P Paleolítico gr paleos antigo e lithos pedra Designa a Idade da Pedra sem produção de alimentos Termo criado por J Lubbock em 1865 Paleozoico Sinônimo de Primário Parantropo Australopiteco robusto des coberto em 1948 no Pliopleistoceno de Kromdraai Transvaal Zinianthropus Paraustraiopithecus Esse tipo arcaico apresenta numerosas características simieséas mas possui principalmente na sua estrutura dentária traços que o situam mais perto do homem que dos antropoides Pebble Culture Indústria de seixos trabalhados a mais antiga indústria lítica conhecida composta essencial mente de seixos com gume feito atra vés de um ou mais lascamentos Pitecantropo macaco homem Fós sil que apresenta ao mesmo tempo características bastante próximas do homem moderno para pertencer ao gênero Homo e outras bastante dife rentes para caracterizar uma outra espécie O primeiro foi descoberto por E Dubois em Java em 1889 Pertence à espécie Homo erectus Platirrino Macaco do Novo Mundo com 36 dentes e septo nasal largo Pleístoceno gr pleistos muito e kai nos recente Subdivisão geológica do Quaternário compreendendo o início e a maior parte desse período Termo criado por C Lyell em 1839 corresponde ao momento das grandes glaciações quaternárias e precede o Holoceno que teve início 10 mil anos antes da Era Cristã Plesiantropo Australopithecus graci lis do início do Pleistoceno descoberto no Transvaal em 1936 Plioceno Época final do período Terciário Começou há 5500000 anos e terminou há 1800000 anos 488 Metodologia e pré história da África Pongídeo Família de macacos antro poides à qual pertencem o orango tango o gorila o gibão e o chimpanzé Pré cambriano A mais antiga forma ção geológica Durou da formação do globo terrestre estimada em 4 bilhões de anos até o período Primário 500 milhões de anos Pré soltaniano Período continental marroquino correspondente ao fim da glaciação de Riss e que vem antes do Soltaniano de Dar es Soltan Q Quartzita Rocha dura formada principalmente de quartzo R Ramapiteco Ramapithecus wickeri primata onívoro do Mioceno possi velmente ancestral dos hominídeos datando de 12 a 14 milhões de anos Foi descoberto nas montanhas Siwa lik Norte da índia Outros espécimes foram encontrados na China na Tur quia em Fort Ternan na África e na Europa França Alemanha Grécia Áustria Espanha e Hungria Riss Do nome de um rio da Baviera Penúltima glaciação quaternária alpina que ocorreu entre 200000 e 120000 anos S Sangoense Sítio epônimo em Sango Bay no lago Vitória em Uganda Complexo lítico descoberto por Wayland em 1920 caracteriza se por um instrumental que associa a objetos feitos com lascas obtidas pela técnica de Levallois picões maciços bifaces e peças lanceoladas Desenvolveu se entre o Kamasiano e o Gambliano Sauriano De Saura uede do Saara argelino Quarto pluvial do Saara equivalente ao Gambliano Serpentina Silicato hidratado de magnésio Sinantropo lat sinensis chinês gr anthropos homem Fóssil que apre senta ao mesmo tempo características bastante semelhantes às do homem moderno para pertencer ao gênero Homo e outras bastante diferentes para caracterizar uma outra espécie O sítio de Chu Ku Tien a sudoeste de Pequim foi explorado de 1921 a 1939 pelo Dr Pei e por M Black Pe Teilhard de Chardin e F Weidenreich Pertence à espécie Homo erectus Solutrense De Solutré Saône et Loire França Indústria pré histórica do Paleolítico Superior que se carac teriza por lâminas de sílex muito finas Os instrumentos típicos devem seu aspecto a um trabalho de retoques 489 Glossário rasantes paralelos invadindo os dois lados da peça Stillbayense De Still Bay Província do Cabo África do Sul Indústria lítica rica em peças lanceoladas com reto ques bifaciais lembrando as folhas de louro do Solutrense francês Contem porâneo do Gambliano T Tectita Vidro natural rico em sílica e em alumínio de origem provavelmente cósmica Telantropo Termo genérico dado por Broom e Robinson a dois fragmentos de mandíbula encontrados em 1949 no sítio de Swartkrans África do Sul e cuja morfologia lembra a de certos arcantropianos Tensiftiano Do uede Tensift no Marrocos ocidental CicIo continental marroquino que corresponde à pri meira parte do Riss Tschitoliense Termo criado para designar um complexo lítico desco berto em Tschitolo Kasai Quênia Fácies industrial epipaleoIítica que se caracteriza pela presença constante de instrumentos maciços mas de dimen sões menores que no Lupembiense e pela profusão de pontas de flecha reto cadas nas duas faces Tufo Rocha vulcânica porosa leve e mole V Villafranchiano De Villafranca dAsti Piemonte Itália Formação sedimentária que corresponde à tran sição entre os períodos Terciário e Quaternário W Wiltoniense Do sítio de Wilton oeste da Província do Cabo África do Sul Indústria Iítica que data de apro ximadamente 15 mil anos Compre ende pequenos raspadores inguiformes micrólitos em segmento de círculo e trapezoidais furadores e peças com bor dos denticulados Fácies tardia que se prolongou até a introdução do ferro Würm Do nome de um lago e de um rio da Baviera A mais recente das glaciações alpinas Começou há 75 mil anos e terminou por volta de 10 mil anos antes da Era Cristã X Xisto Rocha sedimentária sílico alumínica de aspecto folheado e que se parte facilmente em lamelas C A P Í T U L O 1 8 491 Os homens fósseis africanos África o berço da humanidade Charles Darwin foi o primeiro cientista a publicar uma teoria importante sobre a origem e a evolução do homem Foi também o primeiro a apontar a África como o lugar de origem do homem Pesquisas realizadas nos últimos cem anos vieram em abono da teoria de Darwin confirmando inúmeros aspectos do seu trabalho pioneiro Atualmente não mais é possível considerar a evolução como uma simples hipótese teórica As provas do desenvolvimento do homem na África estão ainda incompletas mas nesta última década houve um aumento substancial do número de espécimes fósseis estudados e interpretados Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde mais tarde desenvolveram a postura ereta e o bipedismo elementos decisivos à sua adaptação Quando e por qual processo o homem foi capaz de realizar essa adaptação é questão de extremo interesse O período evolutivo é longo sendo possível que muitas de suas fases não estejam representadas por espécimes fósseis uma vez que a conservação desses fósseis só se dá em condições muito especiais A fossilização requer condições geológicas em que a sedimentação seja rápida e a composição química dos solos e das águas de percolação permita que elementos minerais substituam elementos orgânicos Os fósseis que desse Os homens fósseis africanos R Leakey 492 Metodologia e pré história da África figura 181 África alguns dos sítios mais importantes de hominídeos 493 Os homens fósseis africanos modo se formam ficam enterrados a grande profundidade sob os sedimentos acumulados e talvez só venham a ser descobertos pelo homem moderno caso intervenham fenômenos naturais como a erosão ou os movimentos tectônicos Tais sítios são pouco numerosos e se encontram bastante dispersos Ainda que se descubram a cada ano novas jazidas grande parte da África jamais revelará evidências fósseis do aparecimento do homem Seria interessante comentar as razões pelas quais certas partes da África são tão ricas em testemunhos pré históricos A primeira é a diversidade de habitats O continente é vasto estendendo se acima e abaixo do Equador até as zonas temperadas do norte e do sul Esse fato por si só implica a variedade de climas no entanto as terras altas da região equatorial introduzem uma dimensão suplementar Essa massa de terra se eleva a partir da franja litorânea em uma série de planaltos até as cadeias de montanhas e picos alguns dos quais cobertos de neves eternas apesar do clima bastante seco e quente As elevações variadas propiciam uma diversidade de ambientes pois a temperatura diminui à medida que aumenta a altitude Ora esses fatores sempre existiram na África e embora alterações climáticas tenham certamente ocorrido parece que o continente africano sempre ofereceu um habitat adequado ao homem Quando uma determinada área se tornava muito quente ou fria era possível migrar para ambientes mais apropriados Formulou se a hipótese de uma correlação entre os períodos glaciários do hemisfério Norte e os períodos úmidos da África pois se constatam grandes variações nos níveis dos lagos que cor respondem a variações pluviométricas Essa questão vem sendo objeto de minuciosos estudos nos últimos anos Embora um avanço glaciário deva ter exercido um efeito global sobre a meteorologia a correlação automática entre ambos não se evidencia claramente1 Não obstante o acúmulo de sedimentos nas bacias dos lagos africanos durante o Pleistoceno concorre para reforçar a teoria de que as chuvas foram mais abundantes nesse período Essa sedimentação foi de grande amplitude Muitos lagos do Pleistoceno africano eram pequenos e pouco profundos provavelmente de caráter sazonal com variações anuais de nível reflexo do clima tropical com chuvas abundantes durante apenas alguns meses do ano Esses lagos eram perfeitas bacias de captação para os sedimentos que se depositavam anualmente nas suas margens planas e em torno das embocaduras dos rios que neles desaguavam 1 Ver capítulo 16 494 Metodologia e pré história da África e que inundavam suas ribanceiras durante o período de cheias Restos de animais mortos perto das margens dos lagos iam sendo assim constantemente recobertos pela areia ou pela vasa depositada durante as enchentes Esse processo durou milhões de anos sendo detectados vestígios animais em diferentes níveis das sequências sedimentares cuja espessura total chega a ultrapassar 500 m Com a colmatagem dos lagos e a mudança do regime das chuvas algumas bacias secaram enquanto outras foram se formando O processo de fossilização é lento mas o Pleistoceno se estende por mais de 3 milhões de anos período durante o qual restos de animais foram sendo depositados em sedimentos favoráveis à sua conservação A localização desses restos constitui evidentemente um problema capital para o paleontólogo mas também nesse ponto certos fatores contribuíram para diminuir as dificuldades na África especialmente na África oriental Durante o Pleistoceno em particular na sua última fase a África oriental passou por um período de movimentos tectônicos associados a uma ruptura da crosta terrestre hoje chamada Rift Valley Esses movimentos tectônicos originaram falhas e em muitos lugares provocaram a elevação de massas de sedimentos A erosão que se seguiu expôs as camadas onde se tinham formado fósseis Por essa razão a procura de restos fósseis concentra se em geral em antigas bacias lacustres onde as formações sedimentares sofreram falhas e aparecem sob a forma de terras áridas com ravinamentos Entretanto há outras possibilidades como prova a grande quantidade de restos de hominídeos encontrados na África do Sul Esses fósseis se formaram em cavernas calcárias onde o acúmulo de ossadas foi recoberto por uma camada estalagmítica ou pelo desmoronamento do teto das cavernas Os ossos foram levados para essas cavernas por vários agentes mais provavelmente por animais necrófagos ou predadores como leopardos e hienas Existem certos indícios de que as cavernas tenham sido ocupadas por hominídeos os quais também seriam portanto responsáveis por restos ósseos fossilizados O grande problema desse tipo de sítio reside no fato de praticamente inexistirem critérios de estratigrafia sendo assim muito difícil determinar a idade relativa dos fósseis descobertos Em muitas regiões da África não existiram no Pleistoceno condições adequadas à fossilização de restos animais Consequentemente não há razão para se supor que o homem primitivo não tivesse vivido nessas regiões apesar da ausência de vestígios Novas pesquisas ainda podem revelar novos sítios Os instrumentos de pedra são mais comuns que os fósseis ósseos pois que mais duradouros A pedra não precisa ser rapidamente coberta por sedimentos 495 Os homens fósseis africanos para que esteja garantida sua preservação Dessa forma os arqueólogos puderam reunir grande número de dados sobre a tecnologia primitiva na África fornecendo muitas informações acerca do aparecimento do homem O homem ou mais especificamente o gênero Homo poderia ser considerado como o único animal capaz de fabricar instrumentos de pedra no entanto nesse aspecto como em outros setores da pesquisa relacionada à origem do homem as opiniões dos especialistas divergem O estudo da origem do homem baseia se em grande parte numa abordagem pluridisciplinar que não se limita ao estudo de ossadas fósseis e vestígios arqueológicos a geologia a paleontologia a paleoecologia a geofísica e a geoquímica desempenham papel preponderante e para os estágios mais recentes quando os hominídeos começaram a usar instrumentos a arqueologia é fundamental O estudo dos primatas vivos inclusive o homem é muitas vezes útil para uma melhor compreensão da pré história do nosso planeta Os fósseis da família do homem os hominídeos podem ser considerados como distintos e separados dos grandes macacos atuais os pongídeos desde o Mioceno há mais de 14 milhões de anos As evidências mais antigas estão incompletas e existe uma grande lacuna em nosso conhecimento sobre a evolução do homem no período que vai de 14 milhões a pouco mais de 3 milhões de anos Foi durante esse período que a diferenciação parece ter se efetuado pois são conhecidas formas diferenciadas de hominídeos fósseis a partir de 5 milhões de anos Os testemunhos fósseis de outros grupos de animais que não o homem são em geral mais bem conhecidos e comportam material mais completo São de grande interesse pois permitem tentar a reconstituição do meio ambiente primitivo dos hominídeos durante os primeiros estágios de sua evolução Já existem dados sobre vários períodos importantes em que numerosas espécies animais sofreram mudanças muito rápidas em resposta a pressões do meio ambiente Demonstrou se também que o homem passou por diversos estágios antes de se tornar o bípede com cérebro desenvolvido que é hoje Em certas épocas existiram vários tipos de homens e cada um poderia representar uma adaptação específica As mudanças ocorridas a partir da forma simiesca do hominídeo do Mioceno devem ser o resultado de algum tipo de especialização ou adaptação que nos cabe elucidar Embora os dados disponíveis estejam bastante incompletos conhecem se alguns detalhes dessa complexa evolução Examinaremos os fósseis mais recentes para a partir deles chegarmos aos mais antigos 496 Metodologia e pré história da África O homem moderno e o Homo sapiens A clássica definição de homem encontrada nos dicionários está longe de ser satisfatória Ser humano a raça humana adulto do sexo masculino indivíduo do sexo masculino Um dos problemas dessa definição é que o homem moderno constitui talvez a mais diversificada espécie conhecida tantas são as diferenças comportamentais e físicas existentes entre as populações do mundo diferenças essas que devem ser consideradas Mas apesar das diferenças aparentes o homem constitui hoje uma única espécie e todos os homens partilham a mesma origem e a mesma história na sua evolução primitiva É provável que só nos últimos milênios a espécie tenha passado a apresentar variantes superficiais Possa essa noção contribuir a que os homens mais rapidamente se conscientizem da identidade de sua natureza e de seu destino O homem atual que pertence integralmente à espécie Homo sapiens sapiens é capaz de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico A vida em cidades superpovoadas contrasta com a dos nômades pastores de camelos no deserto e ambas contrastam por sua vez com a vida dos caçadores no seio das densas florestas tropicais da África ocidental O homem é capaz de viver longos períodos no fundo do mar a bordo de submarinos e em órbita terrestre no interior de cápsulas espaciais A chave explicativa de todos esses casos é a adaptação pela tecnologia Os requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso mãos livres de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação e o bipedismo permanente Essas características podem ser identificadas no tempo assim como os vestígios não perecíveis da atividade técnica do homem O grau de desenvolvimento do cérebro a habilidade da manipulação e o bipedismo podem ser considerados os melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela nossa espécie ao longo do tempo Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo no continente africano há mais de 100 mil anos Tudo indica que nossa espécie é tão antiga na África quanto em outras partes do mundo sendo provável que pesquisas futuras possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio cuja idade talvez esteja próxima dos 200 mil anos Em 1921 um crânio e alguns fragmentos de esqueleto foram encontrados em Broken Hill Zâmbia sendo esse país a antiga Rodésia do Norte o espécime tornou se conhecido como homem da Rodésia ou Homo sapiens rhodesiensis Data aproximadamente de 35000 ao que se crê e certamente pertence à nossa espécie Talvez remonte a uma época mais remota porém não foi possível datar 497 Os homens fósseis africanos sequer o crânio Apresenta características muito semelhantes às do neandertalense da Europa tratando se com certeza de um exemplo africano dessa espécie Traços ainda mais antigos do Homo sapiens foram descobertos na África oriental Em 1932 o Dr L S B Leakey encontrou fragmentos de dois crânios no sítio de Kanjera no oeste do Quênia Pareciam estar associados a uma fauna fóssil do fim do Pleistoceno Médio tardio o que implicaria uma idade de cerca de 200 mil anos Esse sítio ainda não foi datado com precisão fato lamentável visto que os fósseis aí encontrados dois crânios e um fragmento de fêmur parecem pertencer à espécie Homo sapiens e poderiam constituir as evidências mais antigas da espécie conhecidas até agora na África Em 1967 foram descobertos restos de dois indivíduos em um sítio do vale do Omo no sudoeste da Etiópia Consistem em um fragmento de crânio partes de um esqueleto pós craniano e a calota de um segundo crânio Os dois fósseis provêm de camadas com idade estimada em pouco mais de 100 mil anos O vale do Omo é provavelmente mais conhecido por seus fósseis antigos mas há uma grande quantidade de depósitos recentes que podem constituir uma fonte de dados novos sobre os primeiros Homo sapiens da África Além disso encontrou se cerâmica primitiva em sítios da mesma área suscetíveis portanto de fornecer informações acerca dos antigos usos da cerâmica Assim embora existam poucos espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis parece razoável supor que essa espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo O pré Homo sapiens Existe uma tendência a se relacionar as espécies fósseis com as espécies modernas essa relação contudo deve ser entendida em termos muito genéricos Propomos aqui considerar a origem do Homo sapiens dentro de uma linhagem que pode remontar a vários milhões de anos Em diferentes épocas provavelmente existiram nessa linhagem vários tipos distintos do ponto de vista morfológico devendo a composição genética do homem moderno refletir em parte essa herança compósita A denominação das espécies fósseis tem causado dificuldades frequentemente o desejo de dar um novo nome a cada espécime descoberto provoca confusão A prática habitual é classificar espécimes semelhantes em uma mesma espécie as diferenças menores servem de base para uma diferenciação da espécie enquanto as mais importantes distinguem o gênero Não é difícil 498 Metodologia e pré história da África classificar as espécies animais vivas um excelente sistema de classificação foi criado pelo grande naturalista Lineu O problema dos paleontólogos está em considerar a evolução no tempo de uma determinada espécie que pode ter sofrido transformações bastante rápidas A expressão espécie morfológica será utilizada aqui na descrição de fósseis que apresentam características físicas semelhantes Cabe ressaltar que grande parte da controvérsia relacionada ao estudo da origem do homem se deve à divergência de opiniões quanto ao uso da terminologia Pelo menos dois gêneros e várias espécies de hominídeos foram identificados entre os fósseis dos últimos 3 milhões de anos Essas formas são básicas para compreendermos a origem de nossa espécie Até recentemente pensava se que a evolução se processara em ritmo uniforme hoje porém acredita se que populações locais de uma determinada espécie podem ter reagido diferentemente às pressões da seleção Formas primitivas podem ser contemporâneas de formas avançadas ou progressivas A identificação de caracteres primitivos numa espécie registrada em um longo período de tempo é menos difícil que numa amostra limitada pois permite identificar tendências e adaptações que ajudam a explicar o processo de sobrevivência por modificações progressivas Os restos humanos fósseis da África por suas características podem ser unidos em dois grupos principais Propomos considerá los como linhagens evolutivas uma das quais representada pelo gênero Homo pode ser seguida até hoje sendo que a outra representada pelo gênero Australopithecus aparentemente extinguiu se há cerca de 1 milhão de anos É possível também considerar as formas primitivas descobertas em depósitos onde não existem formas mais avançadas as quais todavia são encontradas em estratos mais antigos Tal fato poderia ser interpretado como uma regressão porém é mais provável que a continuação de uma espécie progressiva não esteja representada entre os espécimes disponíveis para estudo unicamente por ter ocupado áreas que não se prestavam à sua preservação pela fossilização Para os objetivos deste capítulo propomos considerar os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base nestas duas linhagens A forma ancestral comum a ambas não pode ser facilmente identificada pois os testemunhos fósseis são bastante fragmentários O mais antigo hominídeo da África provém de Fort Ternan no Quênia onde foram encontrados vários fragmentos de maxilar superior um fragmento de mandíbula e alguns dentes O sítio foi datado de 14 milhões de anos e seus fósseis provam que nessa época já havia ocorrido a diferenciação entre os hominídeos e os pongídeos Portanto a redução dos 499 Os homens fósseis africanos figura 182 Crânio de Homo habilis KNM ER 1470 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia Figura 183 Crânio de Homo erectus KNM ER 3733 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 500 Metodologia e pré história da África caninos traço característico dos hominídeos já se acentuara ligeiramente a partir dos caracteres propriamente simiescos Os testemunhos fósseis entre 14 milhões e 3500000 de anos estão bastante incompletos Dispomos apenas de quatro espécimes que podem ser relacionados a esse período todos provenientes do Quênia um fragmento de mandíbula em péssimo estado de conservação encontrado em Kanam pelo Dr L S B Leakey em 1932 um fragmento de úmero descoberto em Kanapoi um fragmento de mandíbula com uma coroa dentária encontrado em Lothagam e um molar isolado descoberto em Ngorora Os três primeiros espécimes provêm de depósitos datados de 4 milhões a 5500000 de anos quanto ao dente isolado considera se que seja proveniente de depósitos estimados em 9 milhões de anos Entretanto nenhum desses espécimes é bastante significativo pois são muito fragmentários Atribuiu se o fragmento de mandíbula de Lothagam ao Australopithecus mas no atual estágio de nossos conhecimentos essa identificação é bastante discutível na opinião de muitos antropólogos A partir do início do Pleistoceno há cerca de 4 milhões de anos até o aparecimento do Homo sapiens os dados sobre a evolução dos hominídeos na África tornaram se nitidamente mais substanciais Em 1973 foram realizados trabalhos de pesquisa em duas novas jazidas onde se encontrou grande número de fósseis em camadas datadas de 3 a 4 milhões de anos Esses sítios Laetolil Tanzânia e Hadar Etiópia merecem comentário especial tal a sua importância no que diz respeito ao aparecimento do gênero Homo Laetolil está localizado a aproximadamente 50 km da famosa garganta de Olduvai nas encostas dos montes Lemagrut dominando a extremidade norte do lago Eyasi Sua idade foi estimada em cerca de 3500000 anos fato bastante significativo na medida em que se propôs relacionar os diversos fósseis de hominídeos primitivos lá encontrados ao gênero Homo Trata se de maxilares dentes e um fragmento de membro As jazidas de Hadar situadas na depressão de Afar Etiópia têm a mesma idade ou talvez sejam um pouco mais recentes A partir de 1973 descobriu se no local grande quantidade de material incluindo excelentes espécimes de esqueleto craniano e pós craniano entre os quais se podem distinguir três tipos relacionados a Homo habilis Australopithecus gracilis e Australopithecus robustus Assim todo esse primeiro período praticamente nada revela sobre a origem do Homo e do Australopithecus Em compensação o período entre 3 e 1 milhão de anos é relativamente rico em testemunhos fósseis A amostra bastante grande de espécimes encontrados em sítios com menos de 3 milhões de anos indica a existência de dois gêneros distintos de 501 Os homens fósseis africanos hominídeos primitivos que por vezes ocupavam a mesma área Presume se que essas duas formas Homo e Australopithecus habitassem nichos ecológicos diferentes e embora seu território físico pudesse coincidir a competição por comida ao que parece não era suficiente para que uma forma excluísse a outra Ainda temos muito a aprender sobre a adaptação de cada um desses hominídeos porém a coexistência dos dois gêneros por um período superior a 1500000 de anos é fato comprovado atualmente e atesta a distinção entre os dois Foi o Australopithecus o ancestral do Homo Essa pergunta geralmente recebe resposta afirmativa no entanto com os novos dados disponíveis não mais é possível ter tanta certeza Alguns especialistas inclusive o autor tendem a pensar que as duas formas têm um ancestral comum distinto de ambas Para estabelecer essa tese é necessário examinar os dois gêneros do ponto de vista de suas adaptações específicas e considerar o grau de variação se houver em cada grupo Para isso é essencial definir claramente as características típicas de cada um que se mostraram permanentes no tempo Para finalizar cabe observar que alguns pesquisadores classificam todos esses fósseis num mesmo gênero o qual apresentaria uma grande variabilidade intragenérica e um acentuado dimorfismo sexual O gênero Homo pré sapiens Homo erectus A forma pré sapiens mais conhecida do gênero Homo é a que foi atribuída a uma espécie morfológica bastante diversificada que se expandiu amplamente Homo erectus Essa espécie foi encontrada pela primeira vez no Extremo Oriente e na China mais recentemente foi descoberta na África do Norte na África oriental e talvez no sul da África Não há datação absoluta para os espécimes da Ásia embora tenha sido publicada uma data inferida para parte do material sugerindo que o Homo erectus ocorre em sítios com 1500000 a 500 mil anos A datação dos sítios da África do Norte e do Sul onde se descobriu o Homo erectus foi igualmente inferida situando os aparentemente no Pleistoceno Médio Os espécimes da África oriental provêm de sítios onde foi possível fazer datações físico químicas tendo sido datado de aproximadamente 1600000 de anos o mais antigo exemplar de Homo erectus Essa data tão remota poderia indicar uma origem africana para o Homo erectus e muitos especialistas são favoráveis à ideia de que todos os testemunhos dessa humanidade descobertos fora do continente africano seriam provenientes de populações que teriam emigrado no início do 502 Metodologia e pré história da África Pleistoceno Existem no entanto algumas novas datas extremamente antigas para o Homo erectus de lava Atualmente não dispomos de material em quantidade suficiente para a realização de estudos gerais e sintéticos Entretanto os dados existentes mostram que essa espécie encontrava se amplamente distribuída na África ocorrendo também na Ásia e na Europa Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta adaptação para a marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno O grau de inteligência pode ser avaliado muito precariamente estimando se o volume da caixa craniana Tomando se por base o material conhecido calcula se o volume endocraniano entre 750 cm³ e 1000 cm³ para o Homo erectus enquanto para o Homo sapiens a média é significativamente superior 1400 cm³ A tecnologia utilizada pelo Homo erectus pode ser inferida da observação dos vestígios O Homo erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas na África Os especialistas são unânimes em relacionar o biface da indústria acheulense ao Homo erectus esse tipo de material lítico é distintivo e aparece em sítios da África Europa e em menor escala da Ásia Se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento que levou ao Homo sapiens é fato ainda não comprovado Portanto é aconselhável deixar a questão em aberto à espera de novas informações sobre essa espécie Antes de deixarmos o Homo erectus apresentaremos rapidamente suas características Os traços mais característicos aparecem no crânio as arcadas supra orbitárias proeminentes e espessas a testa baixa e o formato do occipital Os dentes talvez constituam um outro traço distintivo mas é possível que outras espécies morfológicas da linhagem Homo tenham apresentado morfologia dentária muito semelhante O mesmo se diga da mandíbula cuja morfologia é menos característica do que em geral se supõe Alguns espécimes que se alega pertencerem ao Homo erectus e que consistem apenas em dentes e maxilares poderiam na verdade representar uma espécie morfológica diferente dentro do mesmo gênero O gênero Homo pré sapiens Homo habilis Os fósseis atribuídos à linhagem Homo mas anteriores ao Homo erectus limitam se atualmente à África oriental As formas mais antigas talvez sejam as de Hadar e Laetolil que embora requerendo ainda estudo mais aprofundado podem ser tidas como ancestrais de espécies mais recentes Essa espécie 503 Os homens fósseis africanos figura 184 Crânio de Australopithecus boisei OH5 Vista lateral Garganta de Olduvai Tanzânia Museus Nacionais do Quênia Figura 185 Mandíbula de Australopithecus boisei KNM ER 729 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 504 Metodologia e pré história da África intermediária se ela realmente o é poderia ser chamada Homo habilis Sua definição baseia se em espécimes descobertos em Olduvai e mais recentemente em Koobi Fora na margem leste do lago Turkana As principais características do Homo habilis seriam cérebro relativamente desenvolvido podendo a capacidade craniana exceder 750 cm³ crânio de ossos relativamente pouco espessos com abóbada alta constrição pós orbitária reduzida Os incisivos são relativamente grandes os molares e pré molares mais reduzidos e a mandíbula apresenta um contraforte externo Os elementos do esqueleto pós craniano têm características morfológicas bastante semelhantes às do homem moderno Os exemplares mais completos de Homo habilis provêm de Koobi Fora onde foram descobertos vários crânios mandíbulas e ossos longos O crânio mais bem conservado é conhecido como KNM ER 1470 Fig 1 O gênero Australopithecus O problema da definição de eventuais espécies no gênero Australopithecus está longe de ser resolvido porém penso que há suficientes evidências na formação de Koobi Fora para que se possam definir com certa convicção duas espécies desse gênero A mais evidente Australopithecus boisei é bem típica apresentando mandíbulas maciças molares e pré molares grandes em relação aos caninos e incisivos capacidade craniana inferior a 550 cm3 o dimorfismo sexual revela se por características externas do crânio tais como cristas sagitais e occipitais acentuadas nos indivíduos do sexo masculino Figs 3 e 4 Os elementos conhecidos do esqueleto pós craniano fêmur úmero e astrágalo são igualmente característicos Essa espécie distribuía se por ampla área tendo sido encontrada em Chesowanja Peninj e na garganta de Olduvai situada na porção meridional do Rift Valley do leste africano Entretanto não se pode afirmar com certeza que o A boisei constituía uma espécie talvez venha a ser classificado como subespécie regional da forma sul africana do A robustus Novas descobertas poderão trazer solução a esses problemas que sempre apresentarão semelhantes sutilezas taxonômicas no campo da paleontologia dos vertebrados Portanto parece preferível no momento mantermos a hipótese da existência de duas espécies robustas aparentadas mas geograficamente separadas Os testemunhos da presença de uma forma grácil de Australopithecus no leste da África são menos probantes No entanto o grau de variação parecerá consideravelmente grande se incluirmos todos os espécimes descobertos numa só espécie 505 Os homens fósseis africanos figura 186 Crânio de Australopithecus africanus KNM ER 1813 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia Figura 187 Mandíbula de Australopithecus africanus KNM ER 992 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 506 Metodologia e pré história da África O melhor exemplar da forma grácil no leste da África seria o espécime KNM ER 1813 encontrado na formação de Koobi Fora Fig 5 Diversas mandíbulas e alguns fragmentos do esqueleto pós craniano poderiam também ser associados a essa forma não se devendo esquecer a dificuldade de classificação das mandíbulas Nenhuma tentativa de definição dessas formas gráceis da África foi proposta até o presente momento contudo devem se considerar a variabilidade das mandíbulas com pré molares e molares pequenos uma capacidade craniana de pelo menos 600 cm³ e cristas sagitais raramente presentes ou inexistentes O esqueleto pós craniano parece ser comparável ao do A boisei embora em escala menor sendo também menos robusto Nas duas espécies um dos traços mais característicos é a epífise proximal do fêmur o colo é longo comprimido de frente para trás a cabeça é pequena e subesférica Haveria ainda outros traços a serem definidos mas pouco se sabe sobre a variação interna dessas espécies e a amostra não oferece possibilidade de conclusões No entanto considero essa espécie muito próxima do A africanus grácil da África do Sul do qual poderia ser um fácies mais setentrional Conhecemos o osso ilíaco do A africanus e do A robustus da África do Sul e pequenas diferenças puderam ser notadas entre as duas formas Nenhum espécime remanescente desse osso é atribuível ao Australopithecus na África oriental entretanto o Homo está representado por dois espécimes contemporâneos que mostram diferenças acentuadas entre os dois gêneros Essas diferenças são maiores do que as que se poderia esperar no interior de uma única espécie ainda que sua área de distribuição fosse extensa Utensílios e habitações A maior quantidade de restos de utensílios e de sítios de habitação provém do lago Turkana Quênia de Melka Konturé Etiópia e da garganta de Olduvai Tanzânia onde foram feitas inúmeras escavações nos últimos trinta anos A evolução a partir dos mais rudimentares seixos trabalhados até os complexos e aperfeiçoados bifaces está bem documentada nessa área Podem se fazer algumas inferências sobre a organização social tamanho do grupo e hábitos de caça com base no material encontrado nesses sítios Em Olduvai descobriram se restos de uma estrutura de pedra talvez a base de uma cabana circular datados muito provavelmente de 1800000 anos Em Melka Konturé foi descoberta uma plataforma elevada também circular 507 Os homens fósseis africanos E difícil situar com precisão o início das habilidades técnicas dos hominídeos pode se quando muito sugerir que tenha aparecido durante o Pleistoceno talvez como uma resposta adaptativa chave do processo de diferenciação do gênero Homo Durante o Pleistoceno Inferior por volta de 1600000 anos atrás apareceram instrumentos bifaces rudimentares Sua evolução a partir do seixo lascado pode ser acompanhada em Olduvai e é confirmada por descobertas feitas em outros sítios do leste da África Até recentemente as mais antigas indústrias líticas encontradas na Europa eram as de bifaces Na minha opinião os dados disponíveis poderiam sugerir uma migração de grupos humanos que fabricavam bifaces da África para a Europa e Ásia no Pleistoceno Antigo ou mesmo um pouco antes O desenvolvimento ulterior das indústrias de pedra é bastante complexo havendo testemunhos em abundância em todo o mundo Ainda não foi provado mas podemos levantar a hipótese de que o aparecimento das indústrias pós acheulenses está ligado à emergência do Homo sapiens Indústrias líticas raramente se encontram associadas a restos de hominídeos primitivos e muitos sítios do Pleistoceno Médio e Superior apresentam apenas um ou dois espécimes com algumas importantes exceções todavia Extraordinários progressos foram feitos nos últimos anos no que diz respeito à descoberta de testemunhos fósseis e certamente novos dados serão revelados pelas pesquisas em curso Dispomos no momento de claras evidências de uma considerável diversidade morfológica dos hominídeos do Pliopleistoceno na África interpretada como consequência de uma diferenciação durante Plioceno seguida de diferentes tendências evolutivas que continuaram até início do Pleistoceno A presença simultânea de pelo menos três espécies na África oriental pode ser determinada com base no material craniano e pós craniano Qualquer reexame desta matéria deve incluir a análise do conjunto dos fósseis descobertos Lista dos espécimes de Homo erectus descobertos na África Região País Sítio Detalhes dos espécimes Noroeste Argélia Ternifine 3 mandíbulas e 1 fragmento de crânio Noroeste Marrocos Sidi Abderrahmane 2 fragmentos de mandíbula Noroeste Marrocos Rabat 1 fragmento de mandíbula e 1 crânio Noroeste Marrocos Temara Mandíbula Leste Tanzânia Olduvai Crânio alguns restos pós cranianos e uma possível mandíbula Sul África do Sul Swartkrans Um crânio incompleto e alguns fragmentos de mandíbula 508 Metodologia e pré história da África Terminologia Os termos Middle Stone Age Early Stone Age Late Stone Age não são traduzidos nesta obra de acordo com a decisão tomada no 8o Congresso Pan Africano de Pré História e do Estudo do Quaternário realizado em Nairobi Quênia em setembro de 1977 de manter para a África ao sul do Saara a terminologia inglesa 509 Os homens fósseis africanos Períodos e Indústrias da Pré História da África quadro de equivalência elaborado por H J Hugot C A P Í T U L O 1 9 511 A Pré História da África Oriental A pesquisa pré histórica introdução à metodologia Foi na parte oriental da África que o homem surgiu há aproximadamente 3 milhões de anos como um animal de postura ereta fabricante de utensílios Por esse motivo a história dessa parte do mundo é mais longa do que a de qualquer outro lugar a Idade da Pedra em particular foi mais extensa que em outros continentes e em outras regiões da África Teve início quando os primeiros hominídeos começaram a fabricar de maneira regular utensílios de pedra reconhecíveis enquanto tal com formas e padrões predeterminados Essa associação de capacidades físicas e mentais para fazer utensílios em outras palavras a superação de sua condição biológica e a crescente dependência dessas habilidades e atividades extrabiológicas ou seja culturais distinguem o homem dos outros animais e definem a humanidade A evolução do homem para um estágio de animal terrestre capaz de sentar se de manter se na postura ereta e de locomover se sobre os pés diferentemente dos macacos e outros mamíferos quadrúpedes e quadrímanos facilitou o uso e a fabricação de utensílios por liberar os braços e as mãos para segurar carregar agarrar e manipular Além disso essa evolução foi necessária para a sobrevivência e o progresso do homem no mundo especialmente na obtenção e preparação dos alimentos Cada nova geração tinha de aprender as habilidades culturais e técnicas e os conhecimentos A Pré História da África Oriental J E G Sutton 512 Metodologia e pré história da África figura 191 A pré história na África Oriental 1974 acumulados por seus pais É possível que os primeiros utensílios feitos pelo homem continuem desconhecidos pois por serem tão rudimentares e tão pouco distinguíveis de objetos naturais não podem ser reconhecidos É também provável que outros materiais que se teriam decomposto sem deixar vestígios como a madeira o couro e o osso fossem usados e trabalhados pelo menos na 513 A Pré História da África Oriental mesma época que a pedra Entretanto os progressos no emprego desses outros materiais devem ter sido limitados até o momento em que o homem tivesse dominado a técnica básica de produzir com regularidade um utensílio cortante de gume afiado batendo e quebrando com precisão uma determinada pedra com outra pedra ou com um objeto duro apropriado Portanto a fabricação de utensílios e a humanidade podem ter começado antes da data sugerida pelos testemunhos abalizados de que dispomos sobre aqueles importantes desenvolvimentos Esses testemunhos consistem nos primeiros utensílios líticos identificáveis marco inicial da Idade da Pedra assim chamada por convenção A Idade da Pedra iniciou se há aproximadamente 3 milhões de anos e durou até uma fase bem mais recente da história humana quando a pedra foi substituída pelo metal enquanto material básico para o desenvolvimento de uma tecnologia para a fabricação de utensílios e para a produção de gumes afiados A transição de uma indústria da pedra ou lítica para uma outra do metal deu se em épocas ligeiramente diferentes nas diversas partes do mundo Na Ásia ocidental as técnicas de trabalhar o cobre começaram a ser utilizadas entre 6 e 9 mil anos atrás Na África oriental o ferro primeiro e único metal usado com regularidade começou a ser trabalhado há aproximadamente 2 mil anos Podemos questionar do ponto de vista histórico a validade da expressão Idade da Pedra por designar um período que cobre os 999 milésimos do tempo de permanência do homem na África oriental e por enfatizar ademais o aspecto tecnológico do desenvolvimento humano em detrimento dos aspectos econômicos e culturais de caráter mais geral Pode se argumentar que uma tal expressão é ampla demais do ponto de vista cronológico e por demais restrita do ponto de vista cultural Mas é possível responder a essas objeções e Idade da Pedra continua sendo uma expressão e um conceito válidos tendo em conta certos fatores Assim como esse longo período só é conhecido através de testemunhos arqueológicos ainda assim parciais porque nada restou senão pedras e não através da tradição oral ou de documentos escritos precisaram os historiadores criar um nome ou nomes para designá lo estudá lo e descrevê lo Por outro lado a Idade da Pedra não foi um período estático da história A evolução tecnológica durante o Paleolítico e o Neolítico é facilmente demonstrada pela transformação e diversificação dos utensílios de pedra pela maior eficácia do instrumental lítico bem como de seus métodos de fabricação É possível portanto e mesmo necessário dividir a Idade da Pedra em períodos e introduzir lhes subdivisões complementares cronológicas e geográficas Pode ser fascinante olhar coleções de utensílios de pedra especialmente se bem selecionados e 514 Metodologia e pré história da África apresentados com habilidade porém se não forem organizadas e compreendidas em função de uma cronologia e de um estágio de desenvolvimento essas coleções terão pouco a dizer Expressões populares como vivendo na idade da pedra e homem da idade da pedra tornam se igualmente vazias de sentido quando baseadas na falsa ideia de que o homem e seu modo de vida permaneceram estáticos naquela época histórica Com efeito o instrumental das populações da Idade da Pedra diferia conforme o período e a região e as próprias populações evoluíam cultural e fisicamente A Idade da Pedra foi testemunha de mutações e diferenciações no corpo e no cérebro humanos na economia na organização social e na cultura a par do desenvolvimento técnico revelado por testemunhos arqueológicos Convém observar que se as mudanças em todos os períodos da Idade da Pedra foram lentas em relação aos padrões modernos nos primeiros tempos o foram ainda mais Essas mudanças são tanto mais rápidas quanto mais nos aproximamos da época atual Assim o período mais recente da Idade da Pedra foi o momento de uma maior especialização e diversificação regionais Algumas vezes características lentamente desenvolvidas em um determinado local aparecem sob forma acabada em outra região em consequência de migrações ou contatos culturais dando a ideia de que nesta última tivesse ocorrido uma revolução Desse modo em termos de desenvolvimento duas ou três gerações do fim da Idade da Pedra poderiam equivaler a meio milhão de anos no período inicial Constatamos então que o estudo histórico da Idade da Pedra não se limita às pedras e aos utensílios Ocasionalmente o arqueólogo tem a sorte de fazer outras descobertas sobretudo em sítios de habitação do fim da Idade da Pedra onde se preservaram testemunhos diretos de cozinha e de alimentos sob a forma de pedaços de carvão vestígios de fogueiras e fragmentos de ossos de animais Restos orgânicos primitivos são extremamente raros na África exceto em alguns sítios onde as condições minerais favoráveis provocaram a fossilização de ossos antes que estes se decompusessem Mas mesmo dispondo apenas de pedras o arqueólogo deve tentar estender suas deduções e interpretações a domínios mais amplos Em primeiro lugar importa não o utensílio descoberto e examinado isoladamente mas o conjunto dos utensílios encontrados em um sítio de que constam diferentes variedades de objetos quer tenha sido este o local de habitação de um grupo um acampamento temporário de caçadores ou uma oficina onde se fabricavam utensílios Muito mais comuns que os utensílios acabados são as lascas da debitagem e os núcleos de pedra respectivamente fragmentos lascados da massa primitiva 515 A Pré História da África Oriental durante a fabricação e restos de lascamento O estudo desses restos deve ser feito juntamente com o dos utensílios acabados pois eles indicam as técnicas de fabricação e o nível de habilidade alcançado Além do mais nem sempre eram jogados fora muitas vezes sobretudo nos primeiros estágios da Idade da Pedra várias dessas lascas como tivessem bordos cortantes e tamanho e forma adequados ao manejo fácil poderiam vir a complementar os utensílios acabados mais maciços constituindo assim parte integrante do instrumental A coleta e o estudo que se restringem aos produtos mais elaborados como os bifaces e machadinhas trazem uma visão limitada e bastante distorcida da tecnologia e das atividades das populações pré históricas Nos períodos mais recentes da Idade da Pedra os instrumentos pesados do tipo biface foram substituídos por outros menores mais delicados e precisos produzidos frequentemente de modo a se fixarem em cabos de madeira ou punhos de osso após uma hábil preparação do núcleo seguida de complicados retoques na lâmina ou lasca extraída Também nesse caso para análises e deduções proveitosas é essencial dispor de um conjunto tão completo quanto possível de peças acabadas e de resíduos de debitagem A variedade de utensílios de pedra com seus diversos tipos de gumes e pontas para cortar aparar esfolar raspar furar entalhar bater fender e cavar permitirá mesmo levando em conta certas dúvidas inevitáveis quanto às suas verdadeiras finalidades e usos determinar a existência de outros utensílios feitos com materiais perecíveis de origem animal e vegetal utilizados por uma comunidade Por exemplo as peles de animais depois de limpas de toda a gordura secas e curtidas poderiam ser cortadas para fabricar cordas e correias Vários instrumentos armas de madeira e de pedra deveriam também ser necessários para capturar matar e retalhar animais As correias podiam ser combinadas com instrumentos de pedra servindo para atar projéteis usados na caça ou para fixarcom o auxílio de uma resina vegetal uma lâmina de pedra ou uma ponta na extremidade de uma haste de madeira a modo de lança ou flecha Além dessas armas é possível reconstituir a partir do estudo dos vestígios líticos do fim da Idade da Pedra utensílios compósitos comuns que consistiam de pequenas lascas e lamelas de pedra minuciosamente trabalhadas cuidadosamente fixadas e coladas em punhos e cabos de madeira ou de osso embora não existam testemunhos diretos dos elementos de osso e madeira Contudo antes mesmo de serem combinados os utensílios de pedra e de madeira mais rudimentares já eram interdependentes Por exemplo uma lança de madeira poderia ser cortada no comprimento exato com uma faca de pedra mas certamente teria de ser desbastada e aplainada com um raspador de pedra ou qualquer outro 516 Metodologia e pré história da África instrumento utilizado para desbastar talvez mesmo com uma correia de couro ou de fibra vegetal antes de estar pronta para o manejo e arremesso Além disso a preparação da ponta da lança devia requerer instrumentos de pedra afiados em seguida ela seria enrijecida ao fogo como indicam alguns espécimes encontrados No período mais recente da Idade da Pedra o encaixe bem feito de uma ponta de pedra em uma lança de madeira dependia de um delicado trabalho de desbaste e de entalhe executado com instrumentos de precisão Esses são alguns exemplos do que é possível se obter de um estudo inteligente e imaginativo do instrumental lítico para desfazer sua imagem petrificada e torná la mais vivo Seria possível estabelecer o mesmo tipo de relações no que diz respeito aos usos da madeira e das peles na fabricação de tendas e abrigos Aqui como no caso dos utensílios e armas que acabamos de citar extrapolamos o ponto de vista tecnológico restrito para propor uma interpretação econômica e cultural mais ampla dos espécimes descobertos e reconstituir a vida das diferentes comunidades de caçadores coletores dos vários períodos da Idade da Pedra Um ponto importante a ser notado é que durante a Idade da Pedra a maioria dos utensílios mesmo os de pedra não eram armas Embora a caça tivesse sido sempre de grande valor como fonte de proteínas exceto nos locais onde havia peixe em abundância e se conheciam meios para fisgá las a coleta de alimentos vegetais em particular raízes feculentas e tubérculos era igualmente importante e assegurava o essencial do regime alimentar A maior parte dos utensílios era fabricada para essas atividades para uso doméstico em geral e para trabalhar a madeira As dificuldades do transporte da água deviam restringir consideravelmente a escolha de locais de acampamento Um acampamento temporário de um grupo familiar tinha de estar situado perto de um curso dágua ou de um lago Em um sítio desse tipo haveria naturalmente vegetação mais abundante e maior variedade de alimentos atraindo assim a caça Numa abordagem que combine bom senso e imaginação o estudo das técnicas da Idade da Pedra pode contribuir para a reconstituição das condições econômicas e culturais da época Não podemos negar entretanto que as evidências são escassas mesmo para o período mais recente da Idade da Pedra na África oriental e que as tentativas de uma interpretação mais ampla são inevitavelmente especulativas É preciso certamente resistir a conjeturas teóricas audaciosas Todavia aceita essa colocação de nada adianta lamentar a escassez dos restos fósseis disponíveis vale mais estudá los com inteligência e imaginação para determinar que fatos e ideias podem ser deduzidos a partir 517 A Pré História da África Oriental deles Tal procedimento cria estímulos para novas abordagens e para a busca de outros documentos A seguir examinaremos algumas das maneiras possíveis de obter informações adicionais e chegar a conclusões mais interessantes Como já mencionamos encontram se ocasionalmente ossadas de animais fossilizados em certos sítios antigos e restos ósseos não fossilizados em sítios recentes principalmente em abrigos sob rocha São testemunhos diretos das variedades de animais que eram caçados e consumidos Por vezes o exame minucioso dos ossos no sentido de se encontrar marcas de instrumentos e de fraturas e mesmo da forma como estão distribuídos no local onde foram encontrados pode indicar como o animal foi abatido e consumido No entanto mesmo essas evidências diretas podem representar apenas uma parte da história Por exemplo é possível que pequenos mamíferos répteis pássaros e insetos tenham sido capturados não existe entretanto nenhum traço deles seja porque seus ossos ou partes duras eram frágeis demais para subsistir seja porque o caçador devorou essas presas tão pequenas no local da captura em vez de levá las para o acampamento O mesmo pode ter ocorrido com o mel frutas bagas nozes e mesmo ovos de pássaros consumidos no próprio local dispensavam o uso de utensílios de pedra para sua coleta e preparo Na verdade restos de alimentos vegetais pré históricos são raramente descobertos No entanto o regime alimentar das populações primitivas de caçadores coletores deve ter sido relativamente equilibrado uma reconstituição plausível deste regime deve ser igualmente equilibrada fazendo se uma avaliação inteligente tanto das evidências arqueológicas quanto dos recursos alimentares que o meio ambiente local pôde oferecer Em certas regiões por exemplo na região central da Tanzânia os testemunhos arqueológicos do modo de vida dos grupos de caçadores coletores do fim da Idade da Pedra são notavelmente complementados por pinturas rupestres Sem contar a habilidade técnica senso artístico e maturidade demonstrados em muitas dessas pinturas encontramos dados valiosos sobre os tipos de animais caçados assim como sobre os métodos de caça com lança arco e flecha e sobre os diversos tipos de armadilhas Já outras técnicas para a obtenção de alimentos como a de arrancar raízes e a de recolher o mel são mais raramente representadas A pintura rupestre concorre para dar maior clareza e ampliar nossa visão da vida pré histórica especialmente porque algumas das atividades representadas podem ser comparadas com as práticas recentes ou atuais de povos da África oriental As informações que essa arte nos fornece têm de ser confrontadas com o material técnico de finalidade econômica ou cultural Uma vez esboçado 518 Metodologia e pré história da África um quadro referencial podemos levantar questões e fazer conjeturas sobre os métodos de caça de coleta de preparação de armadilhas sobre o tamanho do grupo de caçadores e indo mais além sobre a comunidade como um todo sua área territorial e o tipo de organização social que criou para se manter A comprovação dessas conjeturas encontra se ainda em estágio experimental de modo que as respostas às questões levantadas raramente se exprimem com total segurança No entanto foram alcançados indiscutíveis progressos cuja continuidade depende fundamentalmente de testemunhos arqueológicos provenientes de diversos sítios É portanto necessário que a coleta desses testemunhos se opere segundo os métodos mais sistemáticos mais cuidadosos e se possível mais sofisticados Não são raros na África oriental jazidas em que aparecem indústrias líticas Foram descobertas a partir do início do século XX Após o trabalho pioneiro de levantamento realizado pelo Dr Louis Leakey no Quênia na década de 20 um número cada vez maior de sítios de todos os períodos da pré história foram descobertos na África oriental muitos ainda serão certamente revelados São em geral expostos pela erosão ou por outras perturbações do terreno Utensílios e resíduos de preparação são carregados pela água para ravinas leitos de rios ou abrigos sob rocha ou então trazidos à superfície pelo cultivo da terra pela passagem de rebanhos ou por trabalhos de construção Esses sítios e objetos são descobertos não apenas por arqueólogos profissionais mas na maior parte dos casos por amadores fazendeiros estudantes etc A descoberta de um sítio qualquer que seja é muito importante e deve ser comunicada às autoridades competentes Todos os utensílios e outros materiais arqueológicos encontrados devem ser guardados em museus onde estarão disponíveis para estudo e comparação com outras coleções locais O hábito dos arqueólogos estrangeiros de levar suas descobertas para os museus de seu país de origem nunca prevaleceu no caso particular da África oriental e felizmente já cessou Apesar de algumas coleções de material recolhido no início deste século na África oriental se encontrarem em museus europeus a maior parte e sem dúvida os mais valiosos restos arqueológicos estão nos museus nacionais dos países onde foram descobertos Uma coleção de superfície por si só nos revela muito pouco uma vez que os utensílios e os resíduos de preparação foram removidos de seu sítio original e que a própria coleta é geralmente seletiva Porém mesmo uma pequena coleção de superfície poderá fornecer nos alguns indícios o tipo ou o modo de fabricação dos utensílios informarão sobre O período ao qual pertencem e sobre 519 A Pré História da África Oriental sua relação com outros sítios conhecidos Isso ajudará a determinar o interesse de investigações e escavações mais detalhadas e completas As escavações devem ser planejadas e empreendidas por arqueólogos com experiência no tipo de sítio em questão Todavia como já dissemos arqueólogos especializados dependem das informações locais fornecidas por amadores ou estudantes Estes últimos podem ainda auxiliar nas escavações iniciando se assim nesse tipo de trabalho Somente através do emprego de métodos corretos de técnicas modernas de escavação e de exame dos vestígios tanto no seu lugar de origem quanto após seu registro e remoção é que o arqueólogo terá condições de coletar num sítio um máximo de informações e de elaborar um quadro se não exaustivo ao menos o mais completo possível das atividades de que o local foi palco Deve se ressaltar que alguns dos trabalhos de escavação em sítios da Early Stone Age na África oriental empreendidos nos últimos anos contribuíram para estabelecer um modelo de pesquisa para outras partes do mundo em termos de método análise e interpretação Nas escavações o interesse do arqueólogo não se limita à descoberta de espécimes isolados para ele importa mais a busca do maior número possível de dados sobre o modo de vida de uma comunidade antiga através da identificação e do estudo exaustivo da maior parte do conjunto cultural e da coleta de toda informação disponível sobre o meio ambiente Esse trabalho pode exigir métodos de escavação meticulosos e muito lentos de vez que todos os objetos devem ser coletados e todas as características do solo de um sítio de habitação mesmo as pequenas irregularidades da superfície ou mudanças de cor do solo que poderiam ser indícios do uso do fogo ou de alguma outra atividade devem ser registradas Em geral é necessário peneirar o solo dos locais onde há possibilidade ou certeza de existirem pequenos objetos como lascas de pedra fragmentos de ossos e até mesmo sementes vegetais Essa prática é muito frequente em abrigos sob rocha recentes onde os depósitos tendem a ser móveis e semelhantes a cinzas Habitualmente em abrigos sob rocha e com frequência em sítios ao ar livre os materiais não representam apenas uma ocupação mas várias ocupações sucessivas Cada uma delas deixou seus restos sobre a camada de restos da anterior requerendo assim um estudo à parte Portanto o escavador tem de dar uma atenção especial à estratigrafia pois a interpretação resultaria lamentavelmente distorcida no caso de um objeto de determinado período de ocupação misturar se aos de outro período Embora a responsabilidade de identificar registrar e estudar todas as descobertas caiba ao próprio arqueólogo ele necessita da assistência de outros cientistas Esta pode intervir ulteriormente em laboratório por exemplo 520 Metodologia e pré história da África para a identificação de ossadas animais Do mesmo modo se o arqueólogo encontrar restos vegetais que se preservaram como sementes nozes ou pedaços de madeira carbonizados precisará enviá los a um especialista em botânica após submetê los a tratamento especial no próprio local A identificação e o estudo de amostras desse tipo contribuirão para aumentar as informações sobre o regime alimentar e a economia da comunidade bem como sobre o meio ambiente daquela época Se por sorte forem encontrados pólens fósseis um exame palinológico pode dar uma ideia da vegetação então existente e das mudanças que ela sofreu Podem também ser reveladoras as amostras de solos que contêm microrganismos ou conchas de moluscos pois estes seres ajudam a identificar o tipo de vegetação dominante e em consequência o clima da época O estudo da geologia da geomorfologia e da estrutura dos solos também é útil para a tentativa de reconstituição do meio ambiente antigo e dos recursos que uma comunidade pré histórica poderia explorar É óbvio que grande parte dessa investigação para ser profunda e confiável deve aproveitar a presença de diferentes especialistas no sítio de escavação ao menos durante uma parte do tempo pois não são apenas as amostras colhidas e levadas para os laboratórios que contêm indícios As amostras devem ser cuidadosamente selecionadas e controladas no próprio sítio Grandes modificações podem ter ocorrido na paisagem entre o período estudado e a época atual como consequência de alterações climáticas movimentos geológicos ou mais frequentemente ainda devido à atividade humana sobretudo a agricultura e o desmatamento em épocas recentes A abordagem do passado deve ser feita sempre através de um estudo inteligente do sítio no estado em que foi encontrado e de todos os vestígios arqueológicos ou não que ele contém Há diversos outros estudos relacionados à pesquisa arqueológica que se não apresentam evidências diretas do período pré histórico podem indiretamente fornecer preciosos esclarecimentos Em primeiro lugar temos a pesquisa antropológica realizada nas poucas comunidades de caçadores coletores ainda existentes no mundo especialmente as da África De fato muitas das considerações tecidas acima foram sugeridas explícita ou implicitamente pelo modo de vida dos atuais caçadores coletores como os Hadza da Tanzânia setentrional e os San do Calaari que vêm sendo objeto de interesse dos pesquisadores nos últimos anos Os hábitos dos Hadza e dos San fornecem muitas indicações úteis sobre a viabilidade organização e limitações de um modo de vida baseado na caça e na coleta além disso sugerem inúmeros pontos que teriam de outra forma escapado à atenção dos arqueólogos Todavia estaríamos incorrendo em grave 521 A Pré História da África Oriental erro se considerássemos essas comunidades como réplicas exatas das sociedades da Idade da Pedra ou como simples remanescentes dessa época É bem verdade que o modo de vida de certos grupos modernos de caçadores coletores principalmente dos San do sul da África ainda reflete as condições das populações da Late Stone Age e pode portanto esclarecer alguns problemas daquele período No contexto da Late Stone Age por exemplo é comum descobrirem se pedras nas quais foi praticado um orifício circular Atualmente os San por vezes utilizam pedras perfuradas como lastro para bastões de madeira apontados que servem para desenterrar raízes comestíveis existem pinturas rupestres na África do Sul que aparentemente representam essa prática Entretanto correlações específicas como essa são raras A sociedade San sofreu algumas modificações por diversos motivos inclusive pelo contato próximo ou remoto com povos que utilizavam o ferro e viviam em uma economia de produção de alimentos Poucos San continuam a trabalhar a pedra com regularidade pois é possível obter o ferro através de troca ou em sucatas fato que leva a inevitáveis mudanças nos níveis tecnológico e cultural Outros grupos sobreviventes de caçadores coletores misturaram se mais intimamente a populações produtoras de alimentos outros ainda não são verdadeiramente aborígines tendo retornado nos últimos tempos a esse modo de vida subsistem graças à troca de produtos da floresta com seus vizinhos agricultores e pastores Essa dependência recíproca é característica de muitos grupos conhecidos sob a denominação de Dorobo que ainda habitam as terras altas do Quênia e da Tanzânia Esses exemplos mostram os riscos de se estabelecer paralelos entre as populações atuais de caçadores coletores e as da pré história recente riscos que se multiplicam quando estudamos épocas ainda mais remotas Apesar disso podemos obter informações valiosas sobre os recursos alimentares do território e a organização necessária à sua exploração Outra inestimável fonte de informações é o estudo da vida e das sociedades de primatas particularmente dos atuais parentes mais próximos do homem o chimpanzé e o gorila assim como dos babuínos Estes últimos não são biologicamente tão próximos do homem mas do ponto de vista do comportamento são de especial interesse para o estudo da sociedade humana Mais que os outros primatas os babuínos vivem a maior parte do tempo em grupos no solo sendo relativamente fácil observá los Como já foi dito anteriormente o homem não descende desses macacos e não estamos sugerindo aqui que quaisquer comunidades pré históricas nem mesmo as mais antigas estivessem significativamente mais próximas deles do que o homem moderno Todavia ao estudar o comportamento básico dos primatas e os hábitos que 522 Metodologia e pré história da África o homem herdou de seus ancestrais pré humanos e ao tentar compreender como esses ancestrais imediatos do homem que não tinham a capacidade ou o costume de fabricar utensílios asseguravam sua subsistência essencialmente vegetariana constatamos que há muito a se aproveitar desses estudos de campo realizados em sua maioria na África oriental Como já fizemos notar a pré história foi extremamente longa e ao fim desse período as populações humanas já haviam alcançado grandes progressos diferenciando se bastante de seus ancestrais dos primeiros tempos Além disso os habitantes da África oriental na Late Stone Age alguns dos quais subsistiram até épocas bem recentes eram nitidamente africanos Uns aparentavam se aos San outros foram assimilados às populações negroides da Idade do Ferro Por outro lado as populações da Early Stone Age em especial as do seu estágio mais antigo embora bem representadas na África oriental e por longo tempo só conhecidas nessa região foram também os ancestrais de toda a humanidade Esses primitivos fabricantes de utensílios de pedra cujas ossadas foram descobertas nas camadas mais profundas da garganta de Olduvai norte da Tanzânia e na região do lago Turkana norte do Quênia e sul da Etiópia são geralmente classificados como Homo embora diferissem do homem moderno Homo sapiens sapiens tanto no corpo quanto no cérebro A antiga história da África oriental confunde se portanto com a história da humanidade fato que lhe confere uma importância universal Por encerrar informações inestimáveis sobre o homem primitivo sua cultura e a ecologia dos primatas a África oriental tornou se merecidamente o centro mundial das pesquisas sobre a vida o meio ambiente e a origem do homem Cronologia e classificação Enquanto na maior parte da Ásia Europa e da África do Norte a Idade da Pedra foi dividida convencionalmente em Paleolítico Mesolítico e Neolítico esse sistema foi abandonado pela maioria dos especialistas para a África ao sul do Saara Nessa região a Stone Age é considerada e estudada em três grandes períodos Early Middle e Late que se distinguem em grande parte por mudanças importantes e características na tecnologia que têm obviamente implicações culturais e econômicas mais amplas Esses sistemas de classificação não são duas maneiras de dizer a mesma coisa tanto do ponto de vista conceptual quanto do cronológico os critérios de classificação são completamente diferentes ver Quadro e notas correspondentes 523 A Pré História da África Oriental figura 192 África oriental principais jazidas da Idade da Pedra 1974 524 Metodologia e pré história da África Os três períodos da África são datados aproximadamente da seguinte maneira a Early Stone Age ou Old Stone Age da época dos primeiros utensílios de pedra isto é há 3 milhões de anos até por volta de 100 mil anos atrás b Middle Stone Age de aproximadamente 100 mil anos até 15 mil anos atrás c Late Stone Age de 15 mil anos atrás até o início da Idade do Ferro que ocorreu há 2 mil anos na maioria das regiões Devemos enfatizar que essas datas são aproximadas e têm causado controvérsias Até recentemente sugeriram se datas em geral mais tardias para a transição da Middle Stone Age à Late Stone Age e em particular para a transição da Early Stone Age à Middle Stone Age Essa atitude conservadora devia se em parte à raridade de sítios e de coleções líticas satisfatoriamente definidos descritos e datados aliada ao fato de ter a primeira transição da Early para a Middle Stone Age ocorrido em uma época cuja data não pode ser estabelecida com precisão pelo método do radiocarbono Embora tenham se obtido e sejam frequentemente mencionadas datações entre 50 e 60 mil anos é provável que se trate de datas mínimas e não de datas estritamente exatas Na verdade a cronologia detalhada não só do início da Middle Stone Age mas também de toda a última parte da Early Stone Age é ainda bastante incerta Novas técnicas de datação explicadas em outra parte deste volume estão sendo testadas O método do potássio argônio em particular já ajudou a traçar um quadro cronológico aproximativo para períodos de mais de meio milhão de anos No entanto é sempre necessário recorrer à datação relativa deduzida a partir da estratigrafia arqueológica ou geológica e da tipologia Por esses motivos as datas aqui sugeridas para a divisão da Idade da Pedra em períodos são mais antigas que as datas encontradas comumente em estudos anteriores mas não tão radicais quanto alguns estudiosos do assunto gostariam que fossem Mesmo a escola revisionista é menos radical do que aparenta pois as questões que levanta estão relacionadas mais com definições que com datas reais Além de se ter em conta que as datas para a divisão da Idade da Pedra em Early Middle e Late são imprecisas e controvertidas é importante não esquecer que esses períodos não foram estáticos e indiferenciados e que as mudanças de um para outro não se deram repentinamente Desenvolvimentos tiveram lugar tanto no decorrer de cada um dos três períodos quanto na passagem de um para outro Ademais as transições entre as tecnologias próprias de cada um são complexas Por esse motivo alguns autores falam de períodos intermediários Entretanto a tendência atual é não considerá los como períodos oficiais no 525 A Pré História da África Oriental quadro cronológico da Idade da Pedra De qualquer modo o Second Intermediate entre a Middle Stone Age e a Late Stone Age sempre foi definido de modo muito pouco satisfatório O First Intermediate que compreende as indústrias conhecidas como Fauresmithiense e Sangoense é por vezes considerado como uma fase final da EarIy Stone Age Neste estudo todavia nós o incluímos na Middle Stone Age o que explica a datação mais recuada para o início desse último período O abandono dos Intermediates é mera questão de conveniência e não significa uma simplificação dos quadros relativos ao desenvolvimento tecnológico cultural e econômico do homem na pré história O que se tem admitido é exatamente o contrário Em primeiro lugar durante todas as épocas da Idade da Pedra diferentes tecnologias puderam ser empregadas simultaneamente mesmo no interior de áreas restritas Em certos casos esses contrastes podem ser explicados pelas diferenças do meio ambiente Determinada tradição tecnológica poderia surgir em regiões florestais ou nas margens dos cursos dágua e uma outra distinta poderia aparecer simultaneamente em áreas mais secas ou com vegetação menos densa onde as fontes de alimento e os métodos para obtê lo teriam imposto uma tecnologia e um ajustamento cultural diferentes1 Contudo uma explicação correta nem sempre é tão evidente Por vezes as atividades de uma única comunidade algumas delas temporárias caça de animais de pequeno e grande porte preparação de armadilhas coleta de raízes e tubérculos trabalho da madeira e do couro etc parecem suficientemente variadas para explicar a presença de diferentes tipos de utensílios de uma mesma época em determinada localidade Por outro lado pode haver diferenças que indicam divergências culturais e especializações econômicas muito mais profundas que se atribuem presumivelmente a comunidades ou raças distintas ou durante a Early Stone Age a diferentes espécies de Homo O assunto é controvertido mas as descobertas mais recentes na África oriental mostram que duas culturas antes consideradas como dois períodos distintos da Old Stone Age as indústrias de seixos lascados ou Olduvaiense seguidas por ou se transformando em indústrias de bifaces ou Acheulense coexistiram por um longo período que durou pelo menos meio milhão de anos É difícil justificar essa constatação de maneira satisatória com a teoria do modo de atividade Alguns estudiosos interpretariam essas duas indústrias como indícios de tradições culturais distintas de dois grupos separados vivendo lado a lado e explorando recursos alimentares diferentes 1 Ver em particular a exposição sobre a Middle Stone Age mais adiante 526 Metodologia e pré história da África Ademais observam se por vezes justaposições das divisões arbitrárias entre a Early Stone Age Middle Stone Age e Late Stone Age É possível encontrar utensílios característicos da Early Stone Age ou evidências da utilização de técnicas primitivas de fabricação em um contexto típico da Middle Stone Age A coexistência de características inovadoras e conservadoras pode representar uma mudança gradativa mas nem sempre é possível encontrar sinais de transição Em alguns sítios com sequência estratigráfica nítida pode ocorrer o aparecimento de uma tecnologia nova plenamente desenvolvida sem nenhum traço de evolução local Esse fato sugere a difusão cultural de uma região para outra que pode ser embora não necessariamente resultado da migração de populações As alterações climáticas com seus efeitos sobre o meio ambiente também constituíram um estímulo para a adaptação cultural e o avanço tecnológico neste caso todavia o arqueólogo deve se precaver contra interpretações deterministas simplistas Essa divisão bastante arbitrária da Idade da Pedra é um sistema de referência útil no estágio atual dos nossos conhecimentos deve no entanto guardar certa flexibilidade para que possa sofrer constantes modificações É possível que no futuro esse sistema venha a perder sua utilidade caráter que já poderá estar comprometido por uma aplicação muito formal ou muito rígida com finalidades para as quais ele não foi previsto No Quadro da p 527 apresentamos um esquema mais detalhado para ilustrar a maneira pela qual as diversas culturas e as indústrias líticas da Idade da Pedra reconhecidas por arqueólogos na África oriental se enquadram nessa divisão em três períodos Esse quadro se propõe a servir de guia para os conhecimentos atuais e para os principais estudos em curso e não tem a pretensão de ser a interpretação correta nem de permanecer inalterado diante dos resultados de futuras pesquisas ou do reexame de trabalhos já realizados Deve ser considerado simplesmente como um guia e um guia flexível Algumas das culturas aqui citadas e outras deliberadamente omitidas foram classificadas separadamente com base em pesquisas ou descrições insuficientes fundadas na exploração e descrição completa de um único sítio portanto sua validade enquanto unidades culturais pode ser posta em dúvida Outras têm uma extensão temporal ou geográfica enorme A cultura acheulense da Early Stone Age cobre mais de 1 milhão de anos na África oriental e estende se não só pelo continente africano como também por grande parte da Eurásia meridional e ocidental Na primeira fase da Middle Stone Age a indústria sangoense espraiou se de certas regiões da África oriental e meridional até o extremo oeste do continente Entre as mais recentes indústrias representadas na África oriental a stillbayense e a wiltoniense foram descritas pela primeira vez na Província do Cabo na África do Sul Alguns especialistas 527 A Pré História da África Oriental 528 Metodologia e pré história da África no assunto preferem dar nomes novos e distintos às variantes da África oriental Neste capítulo no entanto preferimos adotar uma abordagem mais simplificada apontando algumas dificuldades evidentes e prováveis revisões em certos pontos Os leitores que o desejarem podem acompanhar os novos progressos e debates tomando por base as obras citadas em nossa bibliografia poderão assim tentar a aplicação de uma terminologia mais sofisticada Este texto e o Quadro e as respectivas notas não estão consagrados à terminologia em si isolada a terminologia perde seu significado e valorizá la demais seria prejudicar a compreensão Por outro lado a Idade da Pedra enquanto período pré histórico só pode ser conhecida discutida e estudada por meio de termos e símbolos criados pelos arqueólogos Toda tentativa séria de compreensão desse período e da abundante literatura que lhe é dedicada quer o consideremos num todo ou o analisemos em partes exige o conhecimento da terminologia empregada pelos diversos autores por mais inconsistente e arbitrária que possa ser Este capítulo portanto constitui uma tentativa de introdução à literatura e à compreensão histórica da África oriental da Idade da Pedra Notas referentes ao Quadro p 527 As duas colunas da direita indicam correlações aproximadas com os períodos geológicos e com a divisão cronológica do Paleolítico aplicada à região do Mediterrâneo no norte da África e na Eurásia Elas foram incluídas para simples referência especialmente em relação a outros capítulos deste volume e outras publicações inclusive obras anteriores sobre a arqueologia na África oriental e não são essenciais para a leitura deste capítulo Os termos Inferior Médio e Superior dos quais Inferior designa a época mais antiga seguem a prática geológica normal baseada em sequências estratigráficas Por isso na maioria das obras geológicas e em muitas obras arqueológicas esses quadros são apresentados em ordem lógica ou seja de baixo para cima Nosso quadro ordena se de cima para baixo de acordo com os quadros cronológicos históricos Como está indicado o termo Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra não é equivalente ao Early Stone Age africano Paleolítico tal como foi empregado inicialmente e como ainda é utilizado na Europa significa Idade da Pedra sem produção de alimentos opondo se a Neolítico ou Nova Idade da Pedra que designa Idade da Pedra com produção de alimentos isto é agricultura eou criação de animais precedendo o uso de metais Uma interpretação do 529 A Pré História da África Oriental Neolítico ligeiramente diferente por vezes encontrada prefere os indicadores de uma cultura material avançada em particular a cerâmica ou a pedra polida ao testemunho específico de produção de alimentos Em algumas partes do mundo pode se distinguir um período de transição ou um período de estagnação cultural segundo alguns autores denominado Mesolítico ao qual nos referiremos neste capítulo apenas para notar que não tem qualquer relação com a Middle Stone Age africana engano muito frequente em obras gerais sobre a história da África Em quase todo o continente africano ao sul do Equador não encontramos nenhum período equivalente ao Neolítico de outras partes do mundo pois a produção de alimentos só se difundiu no início da Idade do Ferro2 No entanto nas terras altas do Quênia e do norte da Tanzânia há indícios de produção de alimentos criação de animais se não um pouco de agricultura no fim da Late Stone Age entre 2 mil e 3 mil anos atrás Essa cultura com sua cerâmica e tigelas de pedra é chamada de neolítica por alguns autores Early Stone Age Primeira fase Os mais antigos utensílios de fabricação humana conhecidos datam de um período entre 2 ou 3 milhões de anos e ao menos 1 milhão de anos passados Foram descobertos nas margens de antigos lagos ou pântanos próximos ao Rift Valley no norte da Tanzânia no Quênia e na Etiópia Talvez os mais antigos utensílios talhados sejam as pequenas lascas de quartzo desbastadas que foram encontradas em vários sítios do lago Turkana e do vale do Omo na Etiópia e cuja finalidade ainda é controvertida Contemporâneos ou ligeiramente posteriores a estas são os seixos lascados bem mais conhecidos e abundantes São seixos do tamanho de um punho e pequenos blocos de pedra que sofreram desbaste por lascamentos operados com o auxílio de outra pedra para produzir utensílios cortantes grosseiros mas eficazes Enquanto trabalhos mais pesados como cortar a pele de um animal partir ou triturar materiais vegetais rijos deviam normalmente exigir o emprego do instrumento principal empunhado com firmeza um grande número de lascas em geral mas erroneamente descritas como resíduos de preparação mais finas e portanto mais cortantes conviriam a trabalhos mais leves e mais precisos como a preparação de um animal abatido 2 Muitos autores discordam dessa opinião 530 Metodologia e pré história da África figura 193 Garganta de Olduvai Tanzânia setentrional A garganta que se aprofunda a mais de 100 m na planície revela uma sequência de camadas a maioria antigos leitos lacustres As mais profundas com aproximadamente 2 milhões de anos contêm os restos de alguns dos mais antigos hominídeos seus utensílios do tipo olduvaiense e restos de alimento Nas camadas superiores encontram se bifaces e outros objetos do tipo acheulense segunda fase da Antiga Idade da Pedra Foto J E G Sutton Figura 194 Early Stone Age primeira fase utensílios olduvaienses típicos seixos lascados 531 A Pré História da África Oriental a fabricação de armas de madeira ou o trabalho doméstico no acampamento Na verdade estudos mais aprofundados sobre essas indústrias denominadas indústrias do chopper ou do seixo lascado particularmente os realizados pela Dra Mary Leakey na garganta de Olduvai onde esses utensílios aparecem nos níveis mais inferiores e por J Chavaillon em Melka Konturé na Etiópia revelam uma variedade de tipos e uma sofisticação tecnológica maiores do que até então se supunha Tanto a expressão seixo lascado quanto civilização do seixo lascado esta última empregada com frequência em relação à primeira fase da Early Stone Age são inexatas principalmente porque as pedras escolhidas para a fabricação dos choppers das lascas e de outros utensílios nem sempre eram seixos Ademais o osso e sem dúvida a madeira eram igualmente utilizados Por esse motivo a maioria dos arqueólogos prefere chamar essa fase de Olduvaiense de Olduvai no norte da Tanzânia onde esses utensílios foram descobertos e descritos pela primeira vez Isso não significa é evidente que tenham sido fabricados inicialmente em Olduvai3 Até certo tempo atrás pensava se que os fabricantes desses utensílios de seixos lascados eram capazes de caçar e abater apenas pequenos animais como pássaros lagartos tartarugas e daimões para complementar sua coleta de frutos vegetais e insetos Atualmente há evidências de que eles abatiam também animais de grande porte Entre os restos fósseis encontrados ao lado de utensílios nos sítios de acampamento ou perto deles figuram ossos de elefantes e grandes antílopes É possível que alguns desses animais tenham morrido de causa natural ou que tenham sido feridos por acidente ou ainda mortos por leões e outros predadores Mas é provável que já nessa época remota alguns desses animais fossem apanhados em armadilhas ou conduzidos para as margens de pântanos por grupos de caçadores que os matavam com chuços e maças de madeira e talvez com projéteis de pedra Sem dúvida parte da carne era consumida pelos caçadores no próprio local onde o animal fora abatido mas parte era frequentem ente levada para o acampamento e dividida com o resto do grupo inclusive mulheres e crianças Os restos que chegaram até nossa época compreendem ossos de várias espécies de animais e diversos instrumentos para cortar raspar e triturar eles constituem uma notável evidência do que podia ser um local de habitação no mais primitivo estágio da humanidade Além disso o estudo da distribuição dos restos sugere a construção de abrigos em Olduvai acredita se que algumas pedras dispostas 3 O nome do local é de origem masai Sua forma mais correta seria Oldupai Encontra se também a grafia oldowaiense derivada da forma alemã do nome Oldoway que aparece nos primeiros mapas 532 Metodologia e pré história da África em círculo tenham servido de base para o vigamento de uma cabana ou de um abrigo possivelmente coberto com peles Em Melka Konturé uma plataforma artificial parece ter servido ao mesmo propósito Além dos vários sítios das margens lacustres que se estendem de Olduvai até o lago Turkana entre os quais figuram os mais antigos sítios conhecidos foram descobertas jazidas de seixos lascados desde a África do Sul até as costas do Mediterrâneo Datam possivelmente de um estágio mais evoluído que a fase mais antiga da África oriental É provável que aquele tipo de indústria tenha se originado na África central ou oriental espalhando se em seguida por todo o continente Em razão de sua datação e mais ainda por terem sido ocasionalmente descobertos na África oriental junto a ossos humanos esses utensílios podem ser atribuídos aos mais primitivos hominídeos os Australopithecine ou especificamente ao Homo habilis4 tese ardorosamente defendida por alguns autores Segunda fase O Acheulense ou civilização dos bifaces encontra se tão difundido na África quanto o Olduvaiense e os sítios a ele relacionados são muito mais numerosos fato que se pode atribuir não só a uma população maior como também à crescente produção de utensílios de grandes dimensões facilmente identificáveis Ao contrário do Olduvaiense o Acheulense estende se para além do continente africano onde teve início há mais de 1 milhão de anos até o oeste e o sul da Ásia e pela Europa ocidental e meridional A tradição acheulense perdurou por mais de 1 milhão de anos até épocas relativamente recentes isto é não mais que 100 mil anos atrás Esse período foi marcado por mudanças climáticas em escala mundial5 sendo pouco provável que todas as regiões onde foram encontrados utensílios daquela cultura fossem habitadas permanentemente Além disso a leste da Índia são raras ou inexistem verdadeiras indústrias acheulenses e ao que parece a Ásia oriental conservou uma tecnologia lítica distinta mais próxima do tipo seixo lascado evoluído Esse fato pode representar uma delimitação cultural importante entre Oriente e Ocidente As indústrias acheulenses das quais o biface é o instrumento mais conhecido são em geral associadas ao Homo erectus uma forma intermediária entre os Australopithecine e o homem 4 Ver capítulo 17 deste volume 5 Ver capítulo 16 deste volume 533 A Pré História da África Oriental figura 195 Early Stone Age segunda fase instrumentos acheulenses típicos vista frontal e lateral 1 picão 2 machadinha 3 biface 534 Metodologia e pré história da África moderno Entretanto por volta do fim da fase acheulense a evolução de Homo erectus para os primeiros tipos de Homo sapiens já estava em curso A África foi um dos cenários da evolução do Homo erectus a qual se fez acompanhar de um desenvolvimento cultural atestado pelas técnicas acheulenses de fabricação de utensílios e pelo modo de vida mais eficiente que possivelmente permitiram No entanto as tradições culturais antigas e provavelmente os tipos físicos mais primitivos mantiveram se ainda durante certo tempo ao lado das novas tradições O melhor exemplo desse fato é dado pelos sucessivos níveis de antigas margens de lagos em Olduvai lugar onde utensílios distintos olduvaienses e acheulenses foram produzidos e usados simultaneamente por várias centenas de milênios há cerca de 1 milhão de anos O Acheulense compreende numerosos estágios e variações mas para propósitos mais genéricos basta nos a divisão principal entre o Acheulense Antigo mais simples e rudimentar e o Acheulense Evoluído ao qual pertencem os mais belos bifaces e machadinhas manufaturados Existem coleções desses instrumentos enriquecendo o acervo dos museus da África oriental sendo que as provenientes de Isimila sul das terras altas da Tanzânia classificam se entre as mais belas do mundo Evidentemente o Acheulense Evoluído começou a se desenvolver a partir de certo ponto do Acheulense Antigo tendo as novas técnicas em consequência coexistido durante certo tempo com as antigas tradições No Acheulense a África oriental foi apenas uma das muitas regiões do Mundo Antigo habitadas pelo homem mas aí se descobriram sítios que forneceram algumas das mais valiosas informações sobre a tecnologia e a economia do Homo erectus e do Homo sapiens primitivo Além de Olduvai com suas incomparáveis sequências estratigráficas e de outros depósitos na mesma região há os sítios de Olorgesailie e Kariandusi no Rift Valley do Quênia e várias jazidas a leste do lago Turkana Nsongesi e outros sítios próximos da fronteira entre Uganda e Tanzânia Isimila e Lukuliro no sul da Tanzânia e Melka Konturé na Etiópia onde várias fases do Acheulense foram descobertas As denominações biface e machadinha usadas para designar os dois tipos mais característicos de instrumentos acheulenses são evidentemente termos arqueológicos convencionais O biface ou hand axe acha de mão não era um machado mas certamente um instrumento para uso geral cuja extremidade pontiaguda e longos bordos afiados poderiam servir para cavar e esfolar entre outras coisas A machadinha cleaver com bordo cortante em formato ligeiramente quadrangular serviria propriamente para esfolar animais A diferença entre a tecnologia olduvaiense e a acheulense é em grande parte quantitativa os conjuntos de utensílios bem como os utensílios isolados acheulenses são 535 A Pré História da África Oriental figura 196 Isimila terras altas da Tanzânia meridional Vista da ravina erodida mostrando as camadas onde foram encontrados utensílios acheulenses Foto J E G Sutton Figura 197 Concentração de bifaces machadinhas e outros utensílios acheulenses a pequena colher de pedreiro no centro serve como escala Foto J E G Sutton 536 Metodologia e pré história da África mais facilmente identificados Além disso as técnicas acheulenses com um lascamento mais preciso regular e sistemático nas duas faces executado mais frequentemente com um percutor de madeira cilíndrico ou osso longo de animal que com um percutor de pedra como no Olduvaiense permitiriam a produção de instrumentos maiores com bordos cortantes mais longos e de lascas mais afiadas utilizadas como facas Durante a Early Stone Age as populações consistiam de bandos de caçadores coletores que se deslocavam a cada estação nas savanas e nas regiões menos arborizadas seguindo a flutuação dos recursos vegetais e animais É bastante provável que esses bandos se dividissem em certas épocas do ano e se reunissem ao fim da estação seca formando grupos maiores à beira de lagos ou em qualquer outro território onde houvesse abundância de recursos Levantou se a hipótese de que as enormes concentrações de utensílios acheulenses finamente executados encontradas em sítios como Isimila e Olorgesailie poderiam ser testemunhos dessas reuniões verdadeiros jamborees anuais As primeiras evidências do uso do fogo na África oriental foram descobertas em contextos arqueológicos que continham indústrias do Acheulense Evoluído Obras publicadas até recentemente situam essa descoberta há 50 mil anos aproximadamente data sem dúvida bastante parcimoniosa Na Ásia oriental e na Europa existem boas evidências de que o Homo erectus utilizava o fogo e cozia há meio milhão de anos embora ainda não se tenha absoluta certeza é muito provável que na África o fogo fosse conhecido e alimentos cozidos fossem frequentemente consumidos durante grande parte do Acheulense Middle Stone Age As populações da Middle Stone Age pertenciam à espécie Homo sapiens mas talvez pertencessem inicialmente a subespécies do Homo sapiens ligeiramente diferentes do homem moderno Entretanto por volta do fim desse período não só o homem moderno Homo sapiens sapiens já devia ter surgido como também estariam bastante desenvolvidas na África e em outras regiões as características físicas das raças hoje existentes Em termos tecnológicos houve progressos significativos na Middle Stone Age Abandonou se a técnica básica de fabricação de utensílios de pedra segundo a qual extraíam se lascas de um núcleo até que se aproximasse de uma formá padrão com arestas cortantes utilizáveis Tornou se cada vez maior o emprego de uma técnica mais complexa que consistia na preparação dos núcleos por lascamentos precisos para lhes dar a forma e as proporções favoráveis ao 537 A Pré História da África Oriental figura 198 Middle Stone Age e utensílios de transição o exemplo da direita é uma ponta fina podendo ser encabada talvez como ponta de lança Figura 199 Olorgesailie no Rift Valley do Quênia Escavações em um sítio de ocupação acheulense Foto J E G Sutton 538 Metodologia e pré história da África destacamento de um utensílio acabado Paralelamente era utilizada a técnica de extração de lascas ao acaso que em seguida recebiam uma forma por meio de retoques Essa técnica permitiu a produção de utensílios menores mais finamente trabalhados em geral mais delgados que os da Early Stone Age e portanto mais eficientes e deu ensejo na segunda fase da Middle Stone Age a uma inovação com implicações de longo alcance o encaixe de utensílios de pedra lascada em um cabo de madeira ou de outro material As pontas foliáceas características das indústrias stillbayenses retocadas por pressão com grande precisão eram frequentemente fixadas e coladas em uma fenda praticada na extremidade de um cabo de madeira para formar uma lança Muitos utensílios domésticos deviam ser produzidos de maneira semelhante o que implicava não só o preparo de gomas de resinas vegetais mas também um trabalho mais complexo de desbaste e entalhe da madeira facilitado por um tratamento ao fogo Paralelamente ao avanço tecnológico da Middle Stone Age verificou se um desenvolvimento econômico ou pelo menos certas modificações no processo de adaptação ao meio Neste ponto colocam se duas questões que se acham relacionadas entre si A primeira diz respeito às alterações climáticas6 Suas particularidades datação e correlação com os testemunhos arqueológicos ainda são pouco conhecidas e seria arriscado tentar explicar umas através de referências fáceis às outras Além do mais as alterações climáticas mudanças de climas mais secos para mais úmidos e vice versa afetando a expansão e o recuo das florestas a frequência e o tamanho dos lagos e rios e portanto a distribuição e a abundância das diversas fontes de alimento não tinham nada de novo Devemos indagar por que as alterações climáticas não levaram a um avanço econômico e tecnológico numa fase anterior da Middle Stone Age No atual estágio das pesquisas ainda não é possível responder satisfatoriamente à questão embora se suponha que o crescimento demográfico tenha forçado a procura de modos mais eficazes e variados de exploração do meio ambiente Qualquer que tenha sido a causa foi isso certamente o que ocorreu na Middle Stone Age Nossa segunda questão refere se à especialização regional Os homens começaram a povoar novos territórios No mundo inteiro o Homo sapiens exercia sua capacidade inata de adaptação forçando os limites dos lugares onde se estabelecia Surgiu na África uma nítida divisão cultural entre os povos das regiões de vegetação rasteira e das savanas com árvores esparsas e os povos que penetraram nas regiões mais úmidas de florestas densas Entre os primeiros 6 Ver capítulo 16 deste volume 539 A Pré História da África Oriental desenvolveu se a tradição da caça de animais de grande porte com lança sem que por isso fosse excluída a coleta de alimentos ao passo que os últimos se dedicaram mais à coleta de vegetais e frutos à pesca e à captura de animais à beira dágua com lanças e certamente vários tipos de armadilhas Durante a primeira fase da Middle Stone Age essa especialização regional não foi tão acentuada quanto às vezes se supõe Nas terras altas do Quênia nas proximidades ou mesmo no interior das florestas foram coletados utensílios pertencentes a uma indústria conhecida como Fauresmithiense semelhante às indústrias de Gondar e de Garba III em Melka Konturé É em muitos aspectos um Acheulense Evoluído apresentando o mesmo tipo básico de instrumentos que são todavia menores e combinam novas técnicas de fabricação Contrastam com as indústrias sangoenses mais difundidas cujos melhores exemplares na África oriental foram recolhidos nos arredores do lago Vitória e no Rift Valley ocidental no sul de Uganda em Ruanda e no oeste da Tanzânia As indústrias sangoenses apresentam também uma mistura de instrumentos do tipo acheulense e novas técnicas mas seus traços predominantes são diferentes dos que distinguem a fácies do Fauresmith O que primeiro nos chama a atenção nas séries sangoenses é seu aspecto rudimentar que não é um sinal de retrocesso cultural mas provavelmente de uma atividade tecnológica mais variada Na realidade muitos desses utensílios de aspecto rudimentar seriam utilizados para fabricar outros utensílios especialmente os de madeira Por outro lado os picões maciços deviam ser úteis para cavar raízes que constituíam parte da dieta nas regiões arborizadas A indústria sangoense é encontrada na África oriental já sob forma desenvolvida o que leva a crer que sua origem e evolução a partir de uma fonte acheulense deva ter ocorrido em alguma outra região na parte central ou ocidental do continente É possível que ela tenha se introduzido na parte ocidental da África oriental durante um período úmido quando os limites da floresta equatorial se estenderam fato no entanto bastante discutível É provável que os sítios de acampamento se situassem nas zonas arborizadas e nas margens de rios e lagos e não no interior das grandes florestas Cabe notar que a distribuição dos sítios sangoenses inventariados na bacia do Zaire mostra que a penetração na floresta equatorial foi apenas um pouco maior do que durante o Acheulense Entretanto na segunda fase da Middle Stone Age os artesãos da indústria lupembiense uma forma evoluída e refinada do Sangoense famosa pelo trabalho requintado de suas pontas de lança de pedra pertenciam mais nitidamente ao meio florestal 540 Metodologia e pré história da África figura 1910 Late Stone Age lâmina com bordo de preensão retocado à direita segmento de círculo no centro raspador e micrólito à esquerda feitos de obsidiana no Rift Valley do Quênia Figura 1911 Apis Rock Nasera Tanzânia setentrional As escavações sob o abrigo bem visível à direita revelaram uma sucessão de ocupações humanas da Idade da Pedra Recente Foto J E G Sutton 541 A Pré História da África Oriental O Lupembiense é encontrado também nos arredores do lago Vitória em outras regiões ocidentais da África oriental e na bacia do Zaire contrastando com o Stillbayense das pontas foliáceas presente nas terras altas ao longo do Rift Valley no Quênia e na Etiópia perto do lago Tana abrigo de Gargora ou de Dire Daoua caverna do Porco Espinho Em outras regiões principalmente no sudeste da Tanzânia predominam diferentes tipos de indústrias da Middle Stone Age menos características ou antes não especificadas por falta de informações mais amplas Algumas delas podem ter semelhanças gerais com o Sangoense Lupembiense Havia provavelmente numerosas tradições regionais resultantes talvez de adaptações ao meio ambiente local e que uma vez estabelecidas teriam mantido muitas de suas características distintivas tanto por razões culturais quanto por pressões econômicas e ambientais Tais fatores culturais regionais podem ser responsáveis pela variabilidade que se fará evidente na África oriental após a adoção das inovações tecnológicas da Late Stone Age Late Stone Age Entre 10 e 20 mil anos atrás essas técnicas ainda mais complexas de fabricação de utensílios de pedra tornaram se comuns Ao contrário da Middle Stone Age em que se dava ênfase à produção de lascas extraídas de núcleos preparados a Late Stone Age concentrou se na produção de lâminas pela debitagem por percussão direta ou indireta de fragmentos com bordos paralelos longos e delicados Essas lâminas podiam ser em seguida retocadas tendo em vista uma variedade de formas e finalidades Em geral as peças retocadas eram muito pequenas micrólitos às vezes com menos de 1 cm de comprimento Uma forma comum chamada pelos arqueólogos de segmento de círculo tem gume reto e dorso curvo e sem corte Não constituíam utensílios acabados destinando se a serem fixados a cabos de osso e de madeira O encabamento já se tornara uma prática evoluída e comum Frequentemente vários micrólitos eram fixados em sequência numa fenda de um cabo de madeira constituindo assim um instrumento compósito como uma faca ou serra Em regiões onde as rochas eram adequadas à produção de lâminas principalmente o sílex ou melhor ainda o vidro vulcânico opaco obsidiana encontrados em locais próximos ao Rift Valley no norte da Tanzânia e no Quênia podiam ser confeccionados belos segmentos de círculo lâminas com bordo de preensão retocado furadores buris para entalhar raspadores e outros utensílios típicos Mas em certas regiões só existia quartzo ou pedras de qualidade inferior menos adequadas ao lascamento Com esse tipo de material produziram se utensílios eficazes que no entanto são 542 Metodologia e pré história da África de aspecto grosseiro e irregular Por vezes os arqueólogos encontram milhares de lascas e fragmentos de quartzo em um solo de ocupação da Late Stone Age mas só conseguem reconhecer e classificar como utensílios 2 ou 3 deles Com base nessas inovações tecnológicas é possível reconhecer ou deduzir um certo número de inovações culturais e econômicas Foi provavelmente nessa época que o arco e a flecha começaram a ser utilizados na caça Um ou dois micrólitos podiam ser fixados na extremidade de uma haste de madeira formando uma ponta outros colocados mais embaixo poderiam servir como farpas O preparo de venenos para tais flechas remonta muito provavelmente a essa época sendo sugerido assim como o uso de redes em áreas arborizadas pelas práticas das populações de caçadores coletores atuais ou recentes entre as quais se mantiveram algumas das tradições da Late Stone Age O osso era certamente muito utilizado a descoberta de furadores de pedra e de osso indica que as peles eram costuradas para a confecção de vestimentas e abrigos Contas feitas de sementes osso cascas de ovos de avestruz e mais tarde de pedra poderiam ser pregadas nessas vestimentas ou utilizadas na confecção de colares As mós que aparecem em algumas séries da Late Stone Age eram usadas entre outras coisas para triturar o ocre vermelho mas é provável que tivessem igualmente uma finalidade econômica mais fundamental moer alimentos vegetais Alguns acampamentos da Late Stone Age localizavam se em campo aberto perto de cursos dágua ou lagos e é possível imaginar a existência de abrigos ou choças feitos com estacas arbustos e talvez cobertos com peles Nessa mesma época era comum a ocupação de abrigos sob rocha às vezes incorretamente descritos como cavernas Esses abrigos naturais localizavam se sob falésias ao longo de certos vales ou sob enormes blocos de granito onde quer que houvesse proteção contra a chuva e o vento forte sem que se reduzisse muito a claridade Alguns deles situavam se em locais privilegiados altos de onde se podia observar os movimentos da caça em grande extensão da planície Em tais abrigos um grupo de caçadores poderia pernoitar ou uma família ou grupo de famílias poderia se instalar durante uma estação Alguns abrigos foram habitados de maneira regular ou intermitente por centenas e mesmo milhares de anos durante a Late Stone Age Esse fato explica as sucessivas camadas de restos geralmente cinzas das fogueiras ossos dos animais consumidos utensílios de pedra e resíduos de sua fabricação Em uma região no centro norte da Tanzânia as paredes rochosas de muitos desses abrigos foram decoradas como já dissemos anteriormente com pinturas de animais cenas de caçadas e outros desenhos Embora raramente seja possível estabelecer uma ligação entre determinadas pinturas isoladas e certas camadas 543 A Pré História da África Oriental da sequência da Late Stone Age encontradas nos abrigos a existência de uma relação mais genérica entre ambas é evidente Além disso a maior parte desses desenhos pertence provavelmente aos últimos milênios da Late Stone Age e parte deles deve ter sido contemporânea do período de difusão das comunidades da Idade do Ferro Entretanto a origem dessa arte de caçadores e das crenças e cosmologias correspondentes deve ser muito mais remota A existência de uma antiga tradição comum remontando a vários milênios até o início da Late Stone Age talvez até a Middle Stone Age poderia explicar as semelhanças gerais entre a arte dos caçadores da Tanzânia e a dos caçadores do sul da África O mesmo acontece com as indústrias líticas dessas duas regiões as quais embora não sendo idênticas têm em comum algumas características gerais descritas frequentemente por aproximação como wiltonienses No sul da África demonstrou se que certos exemplares recentes de arte rupestre e de indústrias líticas wiltonienses eram obra dos San entre os quais alguns grupos ainda mantêm um modo de vida baseado na caça e na coleta As características físicas San e as línguas Khoisan com cliques são distintivas dessas populações Atualmente na África oriental há apenas uma pequena região onde são faladas línguas com diques e é exatamente a região da arte rupestre no centro norte da Tanzânia As populações de línguas Khoisan além de apresentarem algumas características somáticas de possível origem San ainda mantêm uma tradição cultural muito forte de caçadores coletores7 Não se pode considerar esse fato como decorrente de uma migração San relativamente recente vinda do sul da África Deve ter havido em certa época um continuum desses caçadores coletores do norte da Tanzânia ao Cabo da Boa Esperança que foi interrompido pela expansão nos últimos três milênios de povos de línguas culturas e economias diferentes de vida pastoril e agrícola As origens desse continuum cultural das savanas do leste e do sul da África datam certamente da Late Stone Age talvez da fase stillbayense da Middle Stone Age Entretanto devemos deixar em aberto a questão da antiguidade dessas origens até que se possa reconhecer e entender melhor nos seus entremeios a segunda fase da Middle Stone Age e a transição para a Late Stone Age representadas pelas indústrias erroneamente definidas como magosienses Observa se na Etiópia que o Magosiense sucede diretamente o Stillbayense em vários sítios sendo testemunho em relação a este último de uma grande diversificação 7 Ver capítulo 11 deste volume 544 Metodologia e pré história da África A suposta existência de uma longa tradição entre as culturas de savana da Late Stone Age poderia explicar algumas variações regionais incluídas na categoria geral do Wiltoniense Era tendência dos arqueólogos no passado incluir nessa categoria quase todas as indústrias em que abundasse o elemento microlítico tanto do leste quanto do sul da África É possível que algumas dessas indústrias nas áreas setentrionais da África oriental tenham pouca ou nenhuma relação com as populações San do sul Além disso na parte ocidental da África oriental poder se ia encontrar uma tradição distinta ligada à bacia do Zaire onde floresceram as indústrias do Tshitoliense derivadas do Sangoense Lupembiense indústrias das florestas e das regiões arborizadas da Middle Stone Age Mas essa ligação não é muito evidente exceto em Ruanda Uma região no entanto contrasta nitidamente com as demais Trata se das terras altas e do Rift Valley do Quênia Algumas indústrias da Late Stone Age que apresentam traços em comum com as indústrias wiltonienses podem ser encontradas nessa área além de outras em que utensílios fabricados com lâminas longas predominam sobre os micrólitos Essas indústrias denominadas Capsiense do Quênia utilizavam a obsidiana local datando de um período entre 10000 e 5000 A melhor série é a que foi recolhida pelo Dr Leakey em Gambles Cave perto de Nakuru na década de 20 Indústrias relacionadas a essa ou derivadas dela continuaram a existir até o fim da Idade da Pedra O Capsiense do Quênia tem analogia com uma tradição de lâminas mais antiga que se difundiu por grande parte do nordeste da África e da região do Mediterrâneo Mas a comparação entre as indústrias líticas não é a única consideração importante Devemos notar que o Capsiense do Quênia e seus artesãos representam o ramo sul oriental da civilização negra fundada na exploração de recursos aquáticos que se estendeu pela África numa faixa ao sul do Saara e acima do vale do Nilo até a África oriental A ocupação dessa área parece ter ocorrido durante um período úmido temporário em que os níveis dos lagos eram elevados e os rios caudalosos O apogeu dessa civilização ocorreu em torno do sétimo milênio antes da Era Cristã As populações ribeirinhas apanhavam peixes e animais aquáticos com lanças e arpões de osso característicos feitos com instrumentos de pedra Estes podem ser encontrados no lago Eduardo Rift Valley ocidental no lago Rodolfo e nas antigas margens do lago Nakuru Já era conhecida a fabricação de cestos e da cerâmica representando esta última uma das mais antigas evidências do uso do cozimento da cerâmica no mundo Todas essas características indicam uma sociedade sedentária cujo habitat principal se situava à beira da água 545 A Pré História da África Oriental O Neolítico Há alguns anos por falta de provas arqueológicas acreditava se que a criação de animais e sobretudo a agricultura se tivessem desenvolvido muito pouco na África oriental antes do primeiro milênio com exceção dos sítios ao longo do vale do Nilo ligados ao Neolítico de Cartum É ainda especulativa a afirmação de que grupos de pescadores parcialmente sedentários vivendo à beira dos grandes lagos e rios a partir do sétimo e do sexto milênios deram origem à criação de animais e talvez à agricultura sendo essa mudança no seu modo de vida causada por um lado pelas pressões ambientais a repentina aceleração do processo de desertificação do Saara no início do terceiro milênio e por outro pela sua avançada tecnologia já conheciam até a cerâmica Pode se supor entretanto que esses povos foram receptivos às técnicas de produção coletiva de alimentos em particular a domesticação de animais e vegetais que vão difundir por toda a região a partir do terceiro milênio atenuando assim o impacto da mudança climática sobre os recursos naturais O sítio mais conhecido desse período é Esh Shaheinab Sudão situado em um antigo terraço pouco ao norte da confluência do Nilo Azul e do Nilo Branco Além de uma indústria lítica de micrólitos geométricos A J Arkell encontrou arpões perfurados na base e anzóis feitos de conchas que atestam a existência da pesca como atividade permanente enxós de riolito goivas pequenos machados de osso polido cerâmica decorada com pontos e linhas onduladas Os restos ósseos incluem espécies selvagens em grande parte peixes mas também cabras e ocasionalmente carneiros Data da segunda metade do quarto milênio No sítio de Kadero próximo a Esh Shaheinab e apresentando material semelhante nove décimos dos restos ósseos coletados pertencem a espécies domesticadas inclusive da família Bovidae Em Agordat na província de Eritreia Etiópia foram descobertos vestígios de quatro sítios de habitação semipermanente Embora o estudo desse sítio tenha se limitado às camadas superficiais foram encontrados machados maças de pedra polida discos e braceletes de pedra cerâmica decorada em relevo ou por incisão com motivos em ziguezague contas ornamentos para os lábios e colares A descoberta de mós de almofarizes e de uma estatueta de pedra representando um bovídeo semelhante aos da espécie criada pelas populações do Grupo C populações centradas na Núbia e a oeste desta sugere a existência de uma economia pastoril e agrícola embora não seja suficiente para prová la No abrigo de Godebra próximo de Axum e datado do terceiro milênio foram descobertos grãos de milho miúdo da variedade Eleusine coracana junto 546 Metodologia e pré história da África a uma indústria de micrólitos geométricos e cerâmica Na Etiópia ainda não se descobriu nenhum vestígio do antigo cultivo do teff Eragrostis tef ainda o cereal básico de alto valor nutritivo para muitos grupos étnicos do norte do país nem da banana da abissínia Ensete edule mais cultivada no sul e tampouco do trigo e da cevada Embora ainda não haja provas da existência de uma agricultura no Quênia há muitos vestígios de atividades pastoris em todo o Rift Valley até a Tanzânia e nas terras altas São encontrados em locais de sepultamento Njoro River Cave perto de Nakuru e Keringet Cave perto de Molo ambos sítios de cremação Ngoron goro Crater no norte da Tanzânia sepultura sob um cairn onde o esqueleto se encontra em posição fletida contendo abundante material arqueológico principalmente mós e pilões aparecem também em sítios de habitação como Crescent Island perto do lago Naivasha e Narosura no sul do Quênia Em Narosura 95 da fauna identificada consiste em animais domésticos dos quais 57 são cabras e carneiros e 39 bovídeos Um estudo dos ossos revelou que animais maiores eram abatidos quando velhos enquanto cabras e carneiros eram mortos bem mais jovens Deduziu se que o gado era criado antes para o consumo do leite e talvez do sangue como entre os atuais Masai que da carne Também em Narosura a presença de mós e pilões constitui apenas uma prova indireta da existência de algum tipo de agricultura No que se refere à África oriental a introdução da criação de animais e da agricultura frequentemente ligadas em uma economia mista foi apresentada muitas vezes como o resultado de duas influências uma proveniente do sul do Saara atual estendendo se até o Sudão e a outra proveniente do Egito estendendo se até a Núbia Cartum É possível que o processo de neolitização tenha chegado às terras altas da Etiópia e daí tenha sido levado para o sul por povos de língua cuxítica em migrações de pequena escala Entretanto como em geral acontece a passagem para uma economia de produção foi gradativa As descobertas arqueológicas mostram que o substrato existente continuou a exercer um importante papel tanto no plano tecnológico quanto no econômico A caça ea pesca foram mantidas não houve ruptura na continuidade da cultura material dos pequenos grupos de pescadores que se tinham tornado parcialmente sedentários muito antes do terceiro milênio nem mesmo na cultura dos caçadores coletores que desconheciam o uso da cerâmica Capsiense do Quênia Elmenteitiense Embora até o momento poucas sejam as evidências do desenvolvimento da agricultura sabemos que ela existia e que a criação de carneiros de cabras e depois de bovídeos desenvolveu se rapidamente a partir do terceiro milênio principalmente durante o segundo milênio Quando se 547 A Pré História da África Oriental iniciou a Idade do Ferro os povos da África oriental provavelmente já tinham ultrapassado o estádio pré agrícola A tradição dos pescadores da África central e oriental Há 8 10 mil anos o clima da África era muito úmido de modo que os lagos eram maiores e mais numerosos os pântanos mais extensos os rios mais longos e caudalosos e os cursos dágua temporários mais regulares Nessas condições um modo de vida bastante característico intimamente ligado aos cursos dágua às terras por eles banhadas e suas fontes de alimento e marcado por avançadas técnicas de pesca e de construção de embarcações difundiu se por todo o continente da costa atlântica até a bacia do Nilo numa larga faixa de território situada entre um Saara extremamente reduzido e uma floresta equatorial consideravelmente ampliada Essa civilização aquática como poderíamos chamá la foi encontrada em numerosos sítios arqueológicos nas terras altas do Saara e na orla sul do deserto desde o Alto Níger passando pela bacia do Chade até o Nilo Médio e desse ponto para o sul até os vales de desabamento rift valleys da África oriental e Equador No Rift ocidental foi encontrada em Ishango na margem congolesa do lago Eduardo no Rift oriental os sítios localizam se ao longo das mais elevadas linhas de margem fósseis dos lagos Turkana e Nakuru no primeiro no fundo da depressão no segundo mais ao sul na parte montanhosa do Rift Valley O sítio mais importante localizado nas proximidades do lago Nakuru foi denominado Gambles Cave trata se na realidade de um abrigo sob rocha explorado pelo Dr L S B Leakey na década de 20 A camada de ocupação mais profunda continha vestígios da Late Stone Age atribuídos ao Capsiense do Quênia Entretanto a presença de cerâmica e de uma indústria óssea típicas aliada à recente datação dessa camada aproximadamente 6000 anos permitem nos considerar o Capsiense do Quênia como a forma local da grande tradição aquática da África A presença de espinhas de peixes conchas de moluscos assim como de ossadas de mamíferos e répteis aquáticos ratos dágua e tartarugas e às vezes hipopótamos e crocodilos nesses antigos acampamentos ou habitações à beira dágua sugere importantes dados econômicos Animais terrestres eram igualmente caçados e é provável que as plantas nutritivas de águas correntes e pântanos fossem sistematicamente colhidas e consumidas A tecnologia empregada na obtenção e na preparação de alimentos apresentava algumas características muito avançadas pontas de arpão esculpidas em osso com instrumentos de pedra e recipientes de cerâmica Os arpões eram fixados com 548 Metodologia e pré história da África fibra na extremidade de lanças de madeira sendo usados para apanhar peixes e outros animais aquáticos tanto em embarcações quanto à beira dágua A cerâmica de grandes proporções era frequentem ente decorada com espinhas de peixe ou conchas em motivos conhecidos como wavy line e dotted wavy line Embora tenha sofrido variações a tradição wavy line e dotted wavy line é característica o suficiente para ser distinguida de outros tipos mais recentes de cerâmica dessas regiões Alguns dos padrões decorativos assim como a forma mais aberta dos recipientes podem ter sido inspirados pelos cestos que provavelmente eram usados para carregar os peixes após a pesca Nos sítios às margens dos lagos da África oriental ao longo do Nilo Médio e no Saara o desenvolvimento da civilização aquática foi datado entre 8000 e 5000 Seu apogeu e maior expansão ocorreram no sétimo milênio Os primeiros arpões foram sem dúvida esculpidos um pouco mais cedo ao passo que a descoberta da cerâmica não deve remontar além de 6000 Os recipientes de cerâmica são os mais antigos da África e encontram se entre os primeiros fabricados no mundo É quase certo que essa invenção tenha ocorrido espontaneamente em alguma parte da faixa central do continente africano Não existe nenhum indício de que as populações ribeirinhas praticassem a agricultura entre 7 mil e 10 mil anos atrás na África oriental ou em qualquer outro ponto do extenso território que ocupavam No entanto a própria magnitude da expansão dessas populações e a rapidez com que ocorreu aliadas à complexidade tecnológica desse novo modo de vida demonstram seu prestígio e domínio cultural durante todo aquele período úmido Considerar essa cultura como simples variante das culturas baseadas na caça e coleta da Late Stone Age seria negar suas características distintivas e suas realizações É possível que essas populações não vivessem em comunidades verdadeiramente permanentes mas com fontes de alimento asseguradas pelos grandes lagos e rios e com uma tecnologia que lhes permitia explorar eficazmente esses recursos foram capazes de manter instalações comunitárias maiores e mais estáveis do que as de quaisquer outras populações anteriores Esses fatores propiciaram não só o crescimento demográfico como também a criação de um novo ambiente social e intelectual caracterizado por um artesanato complexo indispensável à fabricação de embarcações arpões cestos e cerâmica e pelo modo de vida mais evoluído que o uso desses objetos impunha O papel da cerâmica é particularmente importante mais do que em geral supõem historiadores e até mesmo arqueólogos Devido à sua fragilidade a cerâmica tem uma utilidade limitada para sociedades nômades sem bases fixas ou seja para a maior parte das sociedades de caçadores coletores Mas para 549 A Pré História da África Oriental as comunidades permanentes organizadas a cerâmica tem um significado carregado de civilização permitindo maior versatilidade com a introdução ou o aperfeiçoamento dos modos de preparar e cozinhar os alimentos A morfologia dos povos ribeirinhos da África ocidental e oriental provavelmente evoluiu entretanto os poucos restos de esqueletos descobertos indicam que sua origem era basicamente negroide8 Ao que parece foram justamente a expansão e o progresso da cultura e da economia aquáticas há 9 mil ou 10 mil anos que favoreceram a predominância de um tipo definitivamente negroide em toda a região do Sudão até o Médio e o Alto Nilo e a parte setentrional da África oriental Esse fato provavelmente está associado à expansão geográfica e à subsequente dispersão e diferenciação da grande família ou phylum linguística que Greenberg chamou de nilo saariana e que atualmente se encontra bastante fragmentada na região que vai do Alto Níger até a Tanzânia central Para um phylum tão amplamente difundido tal fragmentação é indício de uma antiguidade de vários milhares de anos maior ainda que a de outras famílias linguísticas Níger Congo e diversos ramos do afro asiático que penetraram nessa área da África central Entre as áreas onde o nilo saariano se manteve inclusive seu ramo oriental o Chari Nilo estão as regiões ricas em lagos pântanos e rios nas quais o antigo modo de vida aquático intimamente associado à língua nilo saariana conseguiu subsistir por mais tempo embora tenha sofrido modificações Essa exposição sobre a grande civilização dos meios aquáticos e as línguas nilo saarianas levou nos mais longe do que conviria para o presente capítulo e para este volume No entanto é um aspecto muito importante até hoje negligenciado da história dos povos da África tendo influenciado consideravelmente as populações seguintes suas culturas e economias em grande extensão do continente inclusive na África oriental A partir de aproximadamente 5 mil anos antes da Era Cristã os efeitos do ressecamento geral do clima começaram a ser sentidos O nível dos lagos baixou e a economia de exploração dos recursos aquáticos sofreu um declínio embora persistisse por mais algum tempo no Rift Valley do Quênia Durante o segundo e o primeiro milênios antes da Era Cristã novas populações vindas da Etiópia chegaram à região trazendo gado e provavelmente algumas praticas agrícolas 8 A afirmação frequentemente encontrada relativa a origem caucasoide das populações do Capsiense do Quênia baseia se em uma interpretação incorreta dos trabalhos de Leakey em Gambles Cave e em outros sítios Ver J Afr Hist XV 1974 p 534 C A P Í T U L O 2 0 551 Pré História da África austral Os primeiros hominídeos Darwin e Huxley consideravam os trópicos incluindo talvez o continente africano como o habitat original do homem pois é nessa região que são encontrados o chimpanzé e o gorila seus parentes mais próximos entre os primatas Assim como o ancestral comum ao homem e aos macacos antropoides esses pongídeos são arborícolas as características morfológicas indicam que sua evolução deve ter se completado no decorrer de um longo período de adaptação à vida nas florestas tropicais das áreas de montanhas médias e terras baixas O homem por sua vez não evoluiu na floresta mas nas savanas Na África oriental e austral os mais antigos fósseis de hominídeos foram encontrados nas pradarias semi áridas e nas matas de vegetação decídua Ali seus ancestrais tiveram de enfrentar problemas de sobrevivência completamente diferentes contando com recursos em potencial infinitamente mais variados que aqueles de que dispunham os antropoides Até agora ainda não se chegou a um acordo sobre a época em que as famílias dos hominídeos e dos pongídeos se diferenciaram A partir da interpretação dos testemunhos paleontológicos calculou se que essa diferenciação ocorreu durante o Cenozoico Antigo no decorrer do Mioceno Inferior há aproximadamente 25 milhões de anos Por outro lado trabalhos recentes de bioquímica comparada Pré História da África austral J D Clark 552 Metodologia e pré história da África dos primatas cromossomos proteínas do sérum hemoglobina e diferenças imunológicas entre o homem os antropoides e os macacos do Velho Mundo sugerem que a diferenciação não foi anterior a 10 milhões de anos talvez nem mesmo a 4 milhões Poderíamos crer que as evidências fornecidas pelos próprios fósseis fossem mais concretas mas infelizmente não é o que acontece Se a cronologia longa estiver correta o período crucial durante o qual os hominídeos já estariam sensivelmente diferenciados da linhagem dos macacos antropoides Mioceno RecentePlioceno Antigo entre 12 e 5 milhões de anos forneceu nos até agora pouquíssimos fósseis de primatas na África Só a partir do fim do Plioceno dispomos novamente de material fóssil fragmentário e não há a menor dúvida de que entre esses fósseis existem hominídeos O fóssil Ramapithecus wickeri do Mioceno Recente descoberto em Fort Ternan na bacia do lago Vitória tem de 12 a 14 milhões de anos Infelizmente desse fóssil existem apenas fragmentos da face e dentes mas as características desse material levam a classificar tal fóssil como hominídeo Entretanto para termos certeza de que o resto de sua anatomia e seu sistema de locomoção não diferiam radicalmente daqueles dos hominídeos são necessários restos menos fragmentários e principalmente os ossos do esqueleto pós craniano Se esse espécime já se diferenciara suficientemente ou não como hominídeo é uma questão que deve portanto ficar em suspenso pelo menos por enquanto O Ramapithecus ocupava um habitat onde predominavam florestas galerias cursos de água e savanas numa época em que as florestas perenes que existem hoje somente ao sul da Grande Escarpa na África do Sul eram muito mais extensas que atualmente Visto que o Ramapithecus foi descoberto tanto na África oriental quanto no noroeste da Índia é provável que vivesse também nas savanas do sul da África Os primeiros indícios inequívocos da presença de hominídeos remontam a cerca de 5 milhões de anos atrás época em que os australopithecos ou homens macacos já tinham surgido na parte oriental do Rift Valley Esses australopithecos ocupavam tanto as savanas do sul quanto as da África oriental Acredita se que os mais antigos fósseis da África do Sul datem do fim do Plioceno ou do Pleistoceno Antigo entre 25 e 3 milhões de anos A maior parte do Plioceno caracterizou se por um clima relativamente estável que facilitou o desenvolvimento e a expansão nas savanas de espécies biologicamente adaptadas Esse período de relativa estabilidade chegou ao fim com a diminuição da temperatura no mundo inteiro e com grandes movimentos tectônicos e fenômenos vulcânicos em particular em toda a extensão do Rift Valley Nessa época o sistema de drenagem de inúmeras bacias fluviais e lacustres 553 Pré História da África austral africanas também sofreu modificações muitas vezes consideráveis devido aos dobramentos tectônicos da crosta terrestre As baixas temperaturas que marcam o início do Pleistoceno foram acompanhadas de uma diminuição do índice pluviométrico e de um ressecamento crescente de tal modo que a vegetação árida do Karroo alastrou se no sul da África em detrimento das pradarias e florestas Essas mudanças importantes no clima e no meio ambiente impuseram aos hominídeos ajustamentos significativos e uma concomitante diversificação morfológica ditada provavelmente por reações de adaptação às novas pressões ambientais1 É certo que nessa época tendo abandonado a floresta para viver nas savanas em algum momento do Plioceno ou mesmo antes a forma ancestral dos hominídeos quer ela fosse quadrúmana ou já parcialmente bípede havia passado por uma evolução genética relativamente rápida que lhe permitia adaptar se a vários nichos ecológicos novos Eis porque já no Pleistoceno Inferior parece ter havido no sul da África pelo menos três formas de hominídeos muito provavelmente da mesma espécie capazes de se reproduzirem por entrecruzamento O primeiro fóssil de australopiteco uma criança foi encontrado em 1924 em uma brecha colmatada por calcário numa caverna de Taung no norte da província do Cabo na África do Sul O primeiro indivíduo adulto foi descoberto em 1936 novamente em antigos depósitos de caverna na região de Krugersdorp no Transvaal Desde então inúmeros fósseis de australopitecos e de outros hominídeos foram descobertos como resultado de trabalhos intensivos empreendidos por equipes no nível dos sedimentos depositados pela água na depressão do Rift na África oriental e nas profundas cavernas do planalto calcário da África do Sul onde as condições são favoráveis à preservação de fósseis dessa época Além dessas regiões o único fóssil relacionado aos australopitecos foi encontrado em Korotoro na bacia do lago Chade entretanto atualmente esse espécime é considerado mais recente Assim embora muitos fósseis de australopitecos sejam conhecidos hoje eles provêm de um número limitado de localidades em sua maioria de cavernas da África do Sul e de sítios do Rift Valley pois raramente existem condições favoráveis à preservação de ossos 1 No sul da África a única localidade importante onde foram descobertos fósseis desse período é Langebaanweg no oeste da província do Cabo Esse sítio localiza se perto do litoral e seu meio ambiente é ao mesmo tempo terrestre e o de um estuário Encontra se aí uma fauna abundante e rica em mamíferos africanos de formas arcaicas que datam de cerca de 3 a 5 milhões de anos Embora ainda não tenha sido encontrado nenhum traço de hominídeo existem fósseis de primatas é bem possível que as pesquisas futuras possam revelar restos de hominídeos para comparação com outros da mesma época provenientes da África oriental 554 Metodologia e pré história da África Figura 201 Localização dos depósitos fauresmithienses e sangoenses na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 21 Figura 202 Depósitos de fósseis humanos do Pleistoceno Superior e alguns do Pós Pleistoceno na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 25 555 Pré História da África austral fósseis Em muitas regiões africanas como na região das densas florestas da África ocidental os solos ácidos a erosão e outros fenômenos impediram a preservação de fósseis No entanto existem boas razões para crer que várias formas diferenciadas de hominídeos habitavam as savanas tropicais há 2 ou 3 milhões de anos atrás Na África oriental a datação dos fósseis tem se tornado cada vez mais precisa graças aos métodos radiométricos e à cronologia das reversões paleomagnéticas Até agora os fósseis da África do Sul só puderam ser datados por cronologia relativa através de comparações paleontológicas e geomorfológicas As estimativas mais recentes baseadas no estudo de suínos elefantes e hienas indicam que os mais antigos fósseis do Transvaal têm pelo menos 25 milhões de anos As brechas das cavernas onde esses fósseis foram descobertos a pedreira calcária de Makapan e o sítio tipo de Sterkfontein contêm algumas espécies de mamíferos presentes nos complexos faunísticos da África oriental as quais têm características morfológicas semelhantes às dos fósseis da transição Plio Pleistoceno Os mais antigos espécimes de australopitecine da África do Sul apresentam em sua maioria morfologia grácil A africanus com uma média de 140 m de altura postura ereta os membros inferiores adaptados à locomoção totalmente bípede e os superiores ao uso de instrumentos A cabeça está centrada no alto da coluna vertebral que é sustentada por uma bacia de forma basicamente humana A capacidade craniana os aproxima mais do gorila 450 a 550 cm³ que do homem moderno embora o esqueleto pós craniano e a dentição revelem características essencialmente humanas A face todavia é mais simiesca com prognatismo malares salientes e arcadas supra orbitárias espessas Os pontos de inserção dos músculos da nuca e dos músculos mastigatórios indicam que estes eram muito possantes Em sítios mais recentes as cavernas de Swartkrans e Kromdraai e muito provavelmente também Taung como se acredita hoje o tipo predominante é muito mais robusto A robustus Trata se de indivíduos bem mais pesados com aproximadamente 68 kg Os do sexo masculino têm cristas ósseas uma no alto outra na base do crânio o que permitia a inserção de possantes músculos mastigatórios e da nuca Acreditava se que as formas mais antigas fossem todas do tipo grácil A africanus e as mais recentes todas robustas A robustus Estudos antropométricos recentes porém mostram que a diferenciação não é tão clara como se pensava sabendo se hoje que ambas as formas podem ser contemporâneas isso ocorre em pelo menos um dos sítios da África do Sul Makapan Acontece o mesmo no Pleistoceno Inferior da África oriental os fósseis descobertos nessa região parecem indicar que a diferenciação entre estas 556 Metodologia e pré história da África Figura 203 Principais depósitos de fauna e fósseis humanos do fim do Plioceno fauna fósseis humanos ao início do Pleistoceno na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Figs 9 Figura 204 Localização dos principais depósitos acheulenses na África austral Acheulense Inferior Superior Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Figs 18 557 Pré História da África austral duas linhagens a partir de um ancestral comum mais próximo da forma grácil pode ter acontecido há 5 milhões de anos Recentemente em 1972 na parte nordeste da bacia do lago Turkana foram encontrados um crânio com uma capacidade craniana de aproximadamente 810 cm2 ossos longos e outros fragmentos de ossos cranianos e pós cranianos que datam de um período entre 3 e 26 milhões de anos Esses fósseis apresentam muitas afinidades com o Homo embora tenham também características que os relacionam aos australopitecos em particular na face e na dentição Em outros depósitos da África oriental principalmente na garganta de Olduvai norte da Tanzânia foram descobertos outros fósseis relacionados a esses com considerável capacidade craniana e que são classificados como australopitecos evoluídos ou como Homo primitivo H habilis Tais fósseis datam de um período entre 2 e 175 milhões de anos2 É muito provável que uma forma primitiva de Homo já existisse no sul da África nessa época mas ainda não foram encontrados fósseis característicos Essa probabilidade é reforçada pela descoberta feita em 1975 em Hadar na parte etíope do Rift Valley conhecida como Triângulo de Afar de fósseis hominídeos com aproximadamente 3 milhões de anos O Dr D Johanson sugeriu que os doze indivíduos descobertos poderiam pertencer a três taxa diferentes um hominídeo grácil representado por um esqueleto muito bem preservado uma forma robusta semelhante ao A robustus e uma terceira forma identificada pelos maxilares superior e inferior mais próxima do Homo sapiens Se esse fato fosse confirmado poderia concluir se que a linhagem Homo já estava diferenciada dos australopitecíneos há 3 milhões de anos O modo de vida dos primeiros hominídeos Embora muitos fósseis de hominídeos australopitecos tenham sido encontrados em cavernas da África do Sul parece pouco provável até mesmo improvável que os sítios onde foram descobertos fossem seus locais de habitação Pensava se que os hominídeos habitavam as profundas cavernas calcárias do Transvaal e que os ossos fósseis ali encontrados fossem restos de animais que eles tinham levado para as grutas para fazerem armas e outros instrumentos No entanto é mais provável que os produtos dessa indústria osteodontoquerática 2 Acredita se atualmente que o fragmento facial e o palato encontrados em Chesowanja na bacia do lago Baringo tenham mais de 3 milhões de anos Como esses fragmentos apresentam algumas características que os ligam ao Homo espécie indeterminada é possível que pertençam a uma época próxima àquela em que a linhagem Homo começou a se diferenciar dos australopitecíneos 558 Metodologia e pré história da África como é denominada constituam apenas os restos da alimentação de algum carnívoro Estudos cuidadosos dos restos de fauna da jazida de Swartkrans indicam que o acúmulo de fósseis de australopitecos e de outros mamíferos nas grutas pode ter várias causas sendo a mais provável a atividade predatória de grandes carnívoros como leopardos ou tigres Entretanto ainda não se chegou a um consenso sobre esse ponto cf Capítulo 17 segunda parte Como a maioria dos materiais são rapidamente destruídos exceto em circunstâncias excepcionais dos primeiros artefatos do homem só sobreviveram os que são feitos de pedra No entanto nas brechas das cavernas da África do Sul Makapan Sterkfontein onde foram descobertos os fósseis dos hominídeos mais antigos não aparece nenhum artefato lítico reconhecido como tal embora tenham sido encontrados utensílios de pedra em três sítios de hominídeos na África oriental que datam de 25 milhões de anos ou mais Na África oriental os sítios de habitação localizavam se perto das margens de um lago ou de um curso de água que desembocava num lago tais sítios podem ser reconhecidos por uma concentração localizada de ossadas e artefatos de pedra Considerando a variedade de espécies e o número de animais evidenciados pelos restos de ossos sistematicamente partidos encontrados nesses depósitos não há dúvida de que se trata de vestígios de atividades coletivas caça e necrofagia dos hominídeos que usavam os instrumentos de pedra para entre outras coisas cortar a carne os ossos e também os alimentos vegetais que deviam constituir a maior parte de sua dieta A variedade dos restos e a diversidade de seu grau de conservação sugerem que esses acampamentos foram ocupados em repetidas ocasiões e não apenas numa parada passageira No entanto existem também os chamados sítios de abate onde apenas um animal de grande porte foi morto e esquartejado por um grupo Em geral a área coberta pelos restos de ocupação deixados nos escarpamentos é pequena indicando que o grupo provavelmente era pouco numeroso apenas duas ou três famílias E discutível até que ponto é verdadeiro o papel de matador predador por vezes atribuído aos primeiros hominídeos Embora a carne constituísse uma parte cada vez mais importante de sua alimentação parece pouco provável que eles fossem mais agressivos que outros carnívoros de grande porte talvez fossem até menos porque não dependiam apenas da carne mas também se utilizavam amplamente de recursos vegetais É evidente no entanto que foi a organização da caça que estimulou o homem primitivo a desenvolver um sistema sócio econômico mais estruturado possibilitado pela sua habilidade para fabricar utensílios com propósitos definidos Na África oriental os vestígios dos acampamentos para os quais eram levados regularmente os produtos da caça e da coleta indicam que os hominídeos do fim do Plioceno e do Pleistoceno Inferior estavam provavelmente 559 Pré História da África austral organizados em grupos sociais flexíveis cuja composição poderia mudar com frequência Esses grupos deviam manter se unidos pela prática de compartilhar o alimento e pela fase em que os jovens dependiam de seus pais para alimentação e aprendizado como as crianças de hoje As atividades que provavelmente levaram os hominídeos a trabalharem a pedra para obter lascas afiadas foram a caça e o consumo da carne A caça exigia organização e comunicação eficazes entre os participantes o que levou com o passar do tempo ao desenvolvimento da linguagem A divisão de tarefas entre homens e mulheres deve ter começado mais ou menos nessa época os homens passaram a se dedicar à caça e as mulheres à coleta de alimentos e aos cuidados com as crianças Se as cavernas do Transvaal não eram os locais de habitação dos hominídeos mas a despensa de algum outro carnívoro de grande porte do qual os próprios hominídeos podem ter sido às vezes vítimas parece provável no entanto que os australopitecos vivessem nas suas imediações Isso porque nas brechas mais recentes do grupo de cavernas de Sterkfontein Swartkrans Kromdraai e de Sterkfontein Extension Site que podem ter 15 milhão de anos foram descobertos utensílios de pedra rudimentares junto aos fósseis Eles são feitos de rochas que não são encontradas nas proximidades das cavernas seixos de quartzito quartzo e diabásio e presume se que sejam provenientes de um acampamento próximo Visto que a maioria dos restos de hominídeos encontrados nas brechas mais recentes de Swartkrans e Kromdraai são de australopitecos robustos supôs se que fossem estes os fabricantes dos utensílios Pensava se o mesmo a respeito de Sterkfontein Extension Site Entretanto fragmentos de um crânio e de uma face e alguns ossos pós cranianos pertencentes a uma espécie primitiva de Homo foram encontrados no mesmo depósito de Swartkrans e é mais provável que seja essa a espécie responsável pelos utensílios Tal fato não exclui a possibilidade de que os australopitecos também fabricassem utensílios um recente experimento realizado em Bristol demonstrou de maneira pitoresca que um jovem orangotango podia fazer lascas a fim de obter comida depois de lhe ter sido ensinado o processo e de ele ter percebido o uso possível das lascas Como os fósseis de australopitecos e de Homo são encontrados nas mesmas localidades na África oriental e meridional e como ocupavam nichos ecológicos idênticos ou muito semelhantes é ainda mais provável que o Australopithecus robustus fosse capaz de fabricar utensílios rudimentares como aqueles que pertencem à mais antiga indústria conhecida a Olduvaiense embora se possa duvidar de que ele tivesse capacidade intelectual para tanto e a fabricação de utensílios pareça relacionada mais especificamente com o surgimento de formas primitivas do Homo H habilis e outros há aproximadamente 25 milhões de anos 560 Metodologia e pré história da África Os primeiros utensílios de pedra as indústrias olduvaienses Embora os primeiros utensílios do homem que sobreviveram sejam feitos de pedra é necessário lembrar que outros materiais poderiam também ter sido empregados madeira casca de árvore osso chifre pele etc É provável que um longo período de utilização de utensílios durante o qual os objetos que por sua forma natural se adequavam a determinado uso receberam pouca ou nenhuma modificação tenha precedido sua fabricação intencional que implicava a vontade expressa de produzir um pequeno número de tipos de utensílios a partir de materiais que sem modificações seriam inutilizáveis Após o lascamento ou outra transformação esses materiais eram desbastados até uma determinada forma e depois aprimorados por retoques Desde o início os utensílios de pedra demonstram a habilidade dos hominídeos para talhar esse material e assimilar os princípios da tecnologia lírica A mais antiga indústria lítica conhecida no mundo foi chamada de Olduvaiense referindo se à garganta de Olduvai na Tanzânia e os exemplares mais antigos da África oriental datam de 26 milhões de anos atrás3 É possível que algumas das descobertas feitas no cascalho de antigos terraços fluviais do Vaal ou do Zambeze ou em altas falésias das costas do sul da África pertençam também a essa época Entretanto como tais utensílios ainda não foram encontrados em estratigrafia associados a elementos que permitam sua datação não se pode afirmar nada sobre sua antiguidade pois eles poderiam ser bem mais recentes Poderíamos pensar que tal como no grande vale do Rift da África oriental no Rift do Malavi tivessem sido preservados tanto utensílios dessa época quanto fósseis de hominídeos Na extremidade norte do Malavi foram encontrados restos de animais do Plio Pleistoceno que constituem o único elo importante entre os vestígios do leste e do sul da África No entanto por alguma razão desconhecida essa área só foi ocupada pelo homem primitivo muito mais tarde e apenas raramente se encontram primatas nos sedimentos das profundas bacias da fossa austral Os utensílios dos depósitos mais recentes de australopitecíneos Swartkrans Kromdraai e Sterkfontein Extension perto de Krugersdorp pertencem a vários 3 Os utensílios do tufo KBS de Koobi Fora haviam sido datados de 26 milhões de anos pelo método do potássio argônio KAr Entretanto resultados mais recentes e correlações da fauna com a formação de Shunguna na bacia do Orno e com a de Koobi Fora no lago Turkana indicam que sua antiguidade pode ter sido superestimada e que uma datação mais provável seria 18 milhão de anos 561 Pré História da África austral tipos característicos choppers obtidos pela retirada de lascas de uma ou duas faces de um seixo ou de um pequeno bloco formando um bordo afiado irregular poliedros que mostram com frequência sinais de golpes mostrando terem sido feitos através de violenta martelagem instrumentos com base plana e borda de preensão arredondada com uma borda ativa feita em parte da circunferência formando um raspador lascas adequadas para cortar e despedaçar e núcleos de onde essas lascas foram intencionalmente debitadas Em geral as lascas e os resíduos de preparação são geralmente raros em Sterkfontein Extension e em Swartkrans o que reforça a suposição de que não se trata de lugares de habitação No entanto à medida que prosseguem as escavações sistemáticas nas brechas desses sítios revelando conjuntos mais completos de utensílios podemos esperar obter maiores dados sobre os artefatos dos primeiros hominídeos Comparados com as indústrias dos sítios da África oriental esses utensílios da África do Sul revelam características mais próximas do Olduvaiense Recente que do Antigo portanto podem ser considerados como pertencentes ao Olduvaiense Evoluído Na África oriental o Olduvaiense Evoluído mais antigo data de aproximadamente 15 milhão de anos atrás tomando por base também os restos de animais fósseis admite se hoje que os sítios mais recentes de australopitecos da África do Sul pertencem a essa mesma época4 Estão presentes então duas linhagens bem distintas de hominídeos a do Australopithecus robustus e uma outra correspondente aos primeiros representantes da verdadeira linhagem Homo O complexo acheulense Pouco mais ou menos nessa época surgiu uma segunda indústria a acheulense caracterizada por grandes instrumentos cortantes conhecidos como bifaces e machadinhas Ela se distingue da olduvaiense pelos utensílios maiores feitos com grandes lascas cuja obtenção a partir de blocos ou boulders exigia força e perícia Em contraste todos os utensílios olduvaienses podem ser seguros na palma da mão ou para trabalhos mais delicados entre o polegar e os outros dedos O Olduvaiense Evoluído e o Acheulense foram descritos como duas indústrias 4 Recentemente o Dr C K Brain afirmou que a brecha mais antiga que contém restos de Australopithecus e de Homo poderia ser dividida em dois níveis No nível I o mais antigo foram encontrados A robustus e Homo sapiens e apenas um utensílio de pedra indiscutível o nível II mais recente contém Homo sapiens Telanrhropus e uma indústria lítica onde aparecem duas machadinhas acheulenses O nível II data provavelmente de 500000 anos BRAIN C K Comunicação pessoal 562 Metodologia e pré história da África contemporâneas algumas vezes encontradas sob uma forma olduvaiense pura ou acheulense pura e algumas vezes misturadas em proporções variáveis no mesmo sítio Essas duas tradições tecnológicas têm sido interpretadas de maneiras diferentes Já foi sugerido que cada uma delas é produto de uma espécie diferente de hominídeos ou ainda que são o resultado de atividades diversas que exigiam conjuntos de utensílios diferentes relacionados com padrões de comportamento distintos ver Capítulo 19 Essas duas tradições persistem e são encontradas em inúmeras combinações até por volta de 200000 anos ou seja bem depois da extinção do A robustus em consequência de sua competição com o Homo Por essa razão adotamos aqui a tese de que a existência desses dois tipos distintos de utensílios se deve a diferenças de atividades ou de modos de exploração de recursos e a escolhas baseadas na tradição ou em preferências individuais tendo sido tais artefatos produzidos por apenas uma população de hominídeos conforme as circunstâncias exigiam O aparecimento relativamente repentino do Acheulense indica portanto que novos recursos estavam sendo explorados ou que melhores métodos tinham sido inventados para utilizar os recursos até então explorados com utensílios do tipo olduvaiense Os mais antigos conjuntos sul africanos de utensílios do Acheulense e que podem ser praticamente contemporâneos dos hominídeos Homo sapiens e A robustus de Swartkrans provêm de duas jazidas próximas situadas na confluência do Yaal e de seu afluente Klip perto de Yereeniging Foram encontrados em um terraço de cascalho dez metros acima do rio atual em sua maioria os utensílios são rolados e desgastados pelo atrito estando em posição derivada e não no seu contexto espacial de origem Uma série de utensílios foram encontrados bifaces pontiagudos feitos com a remoção de algumas lascas grandes machadinhas poliedros seixos lascados raspadores nucleiformes e vários utensílios feitos sobre lascas e pouco retocados bem como núcleos e resíduos de preparação Todos eles revelam o emprego da técnica de percussão com um percutor duro e nesse aspecto são equivalentes ao Abbevilliense da Europa A presença de dois utensílios semelhantes a bifaces em Sterkfontein Extension Site parece confirmar que esse sítio não está afastado no teinpo dos sítios do rio Klip Three Rivers e Klipplaatdrif Algumas descobertas de outros conjuntos de utensílios de aparência antiga foram feitas em diversas partes do sul da África por exemplo em antigos terraços fluviais de Stellenbosch na província do Cabo ou perto de Livingstone em Zâmbia são porém incompletos e datados de maneira imprecisa 563 Pré História da África austral Figura 205 Acheulense Inferior Sterkfontein biface lasca cuboide e dois núcleos Apud MASON R Prehistory of the Transvaal Johannesburg Witwatersrand University Press 1962 Fig 83 Figura 206 Utensílios do Acheulense Superior de Kalambo Falls datados de mais de 190000 anos BP os utensílios grandes são feitos de quartzito e os pequenos de sílex negro 1 raspador convergente 2 raspador côncavo 3 raspador denticulado 4machadinha com arestas divergentes 5 faca sobre lasca com bordos retocados 6machadinha com arestas paralelas 7 biface oval 8 esferoide 9 furador 10 biface oval alongado 11 biface lanceolado Figura 207 Utensílios provenientes dos depósitos de Howiesonspoort 1 2 4 e 5 segmentos de círculo com bordo de preensão retocado 3 trapézio com bordo de preensão retocado 6 núcleo levalloisiense 7 buril 8 artefato retocado 9 furador 10 e 13 pontas bifaces 11 raspador 12 raspador bilateral Os exemplares 2 3 e 5 provêm de Howiesonspoort todos os outros provêm da caverna do Túnel Apud SAMPSON C G The Stone Age Archaeology of Southern Africa Nova York Academic Press 1974 Fig 84 564 Metodologia e pré história da África Em algum ponto entre 1 milhão e 700000 anos atrás a primitiva linhagem Homo representada pelo crânio hominídeo 1470 de Koobi Fora a leste do lago Turkana e pelos fósseis de Homo habilis da garganta de Olduvai da bacia do Orno e de outros sítios foi suplantada por um tipo mais robusto e com maior capacidade craniana conhecido como Homo erectus Na mesma época ou um pouco antes tinha havido uma rápida difusão de grupos hominídeos em direção ao norte da África e fora do continente africano na Europa e na Ásia Fósseis do Homo erectus e restos de sua cultura são encontrados em várias partes do Velho Mundo bastante distanciadas umas das outras Na África foram descobertos fósseis de Homo erectus na parte superior do Bed II da garganta de Olduvai uma forma com cérebro desenvolvido em Melka Konturé na Etiópia e em sítios no litoral e no interior da região noroeste da África e no Magreb onde estão associados a indústrias do Acheulense Antigo É muito provável que os vestígios acheulenses do sul da África tenham sido deixados pelo Homo erectus embora até o momento não se tenha descoberto nenhum fóssil desse hominídeo naquela região É a partir do Acheulense Recente ou Evoluído que começamos a encontrar no sul da África assim como em todo o continente africano uma proliferação de sítios que sugere um aumento geral de número e tamanho dos grupos de hominídeos A pequena quantidade de sítios de períodos mais antigos pode ser parcialmente atribuída à relativa escassez de sedimentos dessa época preservados Provavelmente porém esse não é o principal motivo para explicar o aumento acentuado do número de sítios descobertos pertencentes ao Acheulense Evoluído e sua ampla extensão geográfica De acordo com o Atlas de Pré História Africana são conhecidos na África do Sul 389 sítios desse período tendo se encontrado conjuntos de machadinhas e bifaces típicos na maioria dos sistemas fluviais explorados Apesar do grande número de depósitos conhecidos apenas alguns foram escavados e poucos estão em seu contexto de origem5 que preservaria a distribuição de utensílios e outros sinais de ocupação depois de o sítio ter sido abandonado por seus habitantes Os sítios explorados mostram a variedade de habitats e alguns aspectos do comportamento do homem do Acheulense Nenhum desses sítios foi ainda datado com precisão pois sua idade ultrapassa em muito o alcance da datação pelo radiocarbono além disso as rochas e os sedimentos com os quais estão 5 Por exemplo grandes quantidades de utensílios acheulenses foram encontradas na parte ocidental do vale do rio Vaal e de muitos de seus afluentes Apesar de alguns desses conjuntos de utensílios testemunharem mudanças tecnológicas interessantes todos foram deslocados pela erosão e estão em contexto espacial derivado 565 Pré História da África austral associados não se adequam ao método do potássio argônio ou ao da cronologia baseada nas reversões paleomagnéticas O sítio localizado mais ao norte é o de Kalambo Falls na fronteira entre Zâmbia e Tanzânia na África central onde uma excepcional série de circunstâncias permitiu a conservação de madeira em vários níveis de ocupação É possível datar essa madeira e uma amostra de uma das camadas mais recentes foi datada de 190000 anos através do método da racemização dos aminoácidos J Bada comunicação pessoal Essa data corresponde àquela que foi obtida em Isimila na Tanzânia central onde uma série estratificada acheulense semelhante foi datada de cerca de 260000 anos pelo método do urânio tório É improvável que alguma dessas indústrias seja anterior a 700000 anos quando terminou a última grande época de reversão paleomagnética época de Matuyama nem mais recente que 125000 anos quando começou o último período interglaciário Eemiano durante o qual surgiram indústrias mais avançadas Portanto pertencem essencialmente à época definida como Pleistoceno Médio Os sítios de ocupação de Kalambo Falls localizavam se nos bancos de areia à beira do rio ou possivelmente no interior das florestas que cobriam as margens nessa época O estudo do pólen mostra que no início do Acheulense a temperatura era mais elevada e as precipitações um pouco menos abundantes do que hoje no entanto a transição para um clima mais árido era insuficiente para modificar sensivelmente a vegetação que como agora consistia numa floresta ripícola perene com vales pouco profundos e cheios de relva periodicamente inundados dambos e em matas de Brachystegia nas encostas mais altas Todavia por volta do fim do Acheulense o estudo do pólen e dos vestígios vegetais macroscópicos indica uma baixa da temperatura e um certo aumento nas precipitações tais alterações permitiram que algumas espécies vegetais que existem atualmente 300 m mais acima descessem até o nível da bacia local do Kalambo Acredita se que cada um dos níveis de habitação era ocupado apenas durante uma ou duas estações depois a superfície era coberta por depósitos de areia barro e lama do rio sobre os quais se estabelecia uma nova ocupação Esses horizontes mostram concentrações claramente delimitadas onde foi encontrado um grande número de bifaces e machadinhas muitos utensílios feitos sobre lascas retocadas raspadores nucleiformes e em menor quantidade picões poliedros e esferoides Associados a esta indústria lítica encontraram se vários utensílios de madeira um chuço bastões de cavar bastões curtos e pontiagudos provavelmente usados também para cavar um utensílio fino em forma de lâmina e fragmentos de casca de árvore que podem ter sido usados como bandejas Alguns desses horizontes fornecem numerosos traços do uso do fogo troncos de árvores carbonizados 566 Metodologia e pré história da África carvão vegetal cinzas e concentrações ovais côncavas de grama e de plantas lenhos as partidas e carbonizadas que poderiam ter servido de leitos Além disso havia grande quantidade de grãos e frutos carbonizados pertencentes a gêneros e espécies de plantas comestíveis que ainda hoje crescem na bacia do Kalambo Como essas plantas amadurecem no fim da estação seca setembro e outubro presume se que tais instalações acheulenses eram acampamentos ocupados durante essa estação Nenhum resto de fauna foi preservado em Kalambo Falls Em Mwanganda porém perto de Karonga na extremidade noroeste do lago Malavi existe um outro sítio do Pleistoceno Médio onde próximo a um curso de água que corre na direção leste até o lago foi esquartejado um elefante Ao que parece pelo menos três grupos de indivíduos tomaram parte nessa atividade pois foram descobertos três conjuntos distintos de ossos cada um deles associado a utensílios de pedra utilizados naquele local e depois abandonados Esses utensílios são em sua maioria lascas com poucos retoques pequenos raspadores e alguns seixos lascados trata se na verdade de utensílios do Olduvaiense Evoluído que refletem características do Olduvaiense Primitivo Em Oppermansdrif perto de Bloemhof às margens do rio Vaal As escavações revelaram interessantes dados sobre a eficiência do homem do Acheulense como caçador assim como sobre sua técnica de cortar a carne e se desfazer dos restos de ossos Estes formam vários montes próximos ao curso de água misturados a bifaces provenientes do mesmo horizonte Os utensílios acheulenses são encontrados às vezes associados a afloramentos de matéria prima e em meio a fragmentos de rocha e resíduos de preparação Sítios desse tipo por exemplo Gwelo Kopje em Zimbabwe fornecem nos poucas informações sobre o meio ambiente mas parecem ter sido ocupados regularmente Em Wonderboompoort perto de Pretória no Transvaal foram encontrados restos que formam uma camada de 3 m de espessura esse depósito parece estar associado a um dos pontos de passagem da cadeia de Magaliesberg numa rota de migração de animais entre o middleveld e o highveld Todavia os locais de habitação preferidos durante o Acheulense situavam se sempre perto da água em dambos por exemplo onde a caça se concentrava e onde sempre havia água disponível Um sítio desse tipo existe em Kabwe Broken Hill próximo ao famoso Kopje onde foram descobertos o crânio e outros restos do Homo rhodesiensis Nesse local foram encontrados alguns grandes utensílios cortantes junto a esferoides e inúmeros utensílios pequenos de quartzo Em Lochard no Zimbabwe na região drenada pelos rios Zambeze e Limpopo há um outro sítio localizado em um dambo que ainda não foi 567 Pré História da África austral escavado mas onde foram encontrados muitos bifaces e machadinhas Um outro exemplo é a localidade de Cornélia no norte do Estado Livre de Orange África do Sul Ao contrário dos dois depósitos anteriores em Cornélia encontraram se muitos vestígios de fauna alguns dos quais podem estar relacionados com uma indústria que compreende alguns bifaces e machadinhas e um certo número de poliedros seixos lascados e pequenos utensílios Os animais em particular búbalos gigantes foram provavelmente empurrados para o lamaçal dos dambos e então mortos Há razões para crer que nessa época o high veld era bem irrigado e coberto por relva curta com bosques esparsos e florestas ribeirinhas não muito diferente do que é hoje Na vegetação estépica do Karroo no norte da província do Cabo e em Botsuana a população do acheulense instalou se em torno das depressões e bacias lacustres rasas que então existiam em grande número na região Um exemplo característico desse tipo de assentamento é Doomlagte perto de Kimberley onde se encontrou toda uma série de utensílios aparentemente em seu contexto original incrustados numa crosta calcária Há sinais de repetidas ocupações por um período bastante longo mas não existem restos de animais Em Elandsfontein perto de Hopefield no oeste da província do Cabo as áreas em torno dos charcos ou vleis e as depressões situadas entre as antigas dunas de areia estabilizadas constituíam para o homem do Acheulense ótimos locais para caça de grandes mamíferos A fauna é a do Pleistoceno Médio e em geral característica da fauna histórica do Cabo elefantes rinocerontes hipopótamos girafas antílopes de grande e médio porte Equus e javalis Também aqui os animais parecem ter sido mortos depois de conduzidos para terrenos pantanosos além disso há sinais da prática de envenenar aguadas Nesse sítio foi encontrada a calota craniana de um hominídeo muito semelhante ao de Kabue Broken Hill e inegavelmente mais avançado que o Homo erectus Quanto ao meio ambiente do oeste da província do Cabo nada indica que fosse muito diferente do que é hoje Os homens do Acheulense viveram também no litoral como mostra o importante sítio descoberto mais ao sul na estreita planície costeira no cabo Hangklip False Bay nas dunas de areias consolidadas que recobrem a praia de 18 m Não há restos de fauna mas foi encontrada uma grande quantidade de bifaces bem acabados e um pequeno número de machadinhas bem como raspadores sobre lascas raspadores nucleiformes e pequenos utensílios Entretanto é importante notar que nessa época tanto nas margens atlânticas do Marrocos quanto na bacia mediterrânea o homem não se alimentava de peixes e mamíferos marinhos mas quase tão só de mamíferos terrestres 568 Metodologia e pré história da África Foram ainda ocupadas pelo homem do Acheulense áreas à beira de fontes como a de Amanzi na zona das chuvas de inverno ao sul da Grande Escarpa perto de Port Elizabeth Nesse local há várias nascentes que quando ativas depositaram uma série de camadas estratificadas de areia durante as épocas de inatividade quando cresciam no local caniços e outros tipos de vegetação formaram se camadas de turfa O homem do Acheulense frequentava regularmente essas fontes e acampava em suas imediações onde os utensílios que ele abandonava foram pisoteados por elefantes e outros animais também atraídos pela água As pesquisas revelaram vários conjuntos esparsos de utensílios e com base nos vestígios de madeira plantas e pólen parece que a vegetação não era muito diferente da que existe hoje no cabo Macchia Finalmente na África meridional o homem do Acheulense ocupou às vezes cavernas das quais duas devem ser mencionadas A primeira Cave of Hearths situa se em Makapan no bushveld do norte do Transvaal e contém 9 m de depósitos com fogueiras e níveis de ocupação acheulense A análise dos sedimentos indica que as chuvas eram mais abundantes então do que agora A fauna pertence em geral ao Pleistoceno Médio e assemelha se à do bushveld atual Neste depósito encontrou se também um fragmento de maxilar humano de um indivíduo jovem que pode ter afinidades com os fósseis neandertaloides ou talvez rodesioides6 Os artefatos assemelham se aos de Kalambo Falls Hangklip e outros sítios onde foram descobertos grandes utensílios cortantes junto a um bom número de artefatos pequenos A segunda caverna é a de Montagu no sul da província do Cabo e fica próxima a uma nascente e a um curso de água permanentes no meio da vegetação de maqui Ela também apresenta uma série de camadas de ocupação superpostas do Acheulense Recente mas infelizmente nenhum resto de fauna Esses diversos sítios constituem bons exemplos dos diferentes tipos de habitat ocupados e da variedade do instrumental acheulense do Pleistoceno Médio Todos os habitats têm certas características em comum Todos se situam em campo aberto desde matas decíduas Kalambo Falls e Kabue Broken Hill até pradarias e parques naturais Lochard e Cornélia e maquis Montagu e Amanzi Todos se localizam perto da água onde as árvores forneciam sombra e frutos comestíveis e a caça tendia a se concentrar à medida que a estação seca avançava Todos ficam em locais onde hoje existem associações de vários tipos distintos de vegetação ou seja áreas chamadas ecótones se o quadro geral era o 6 Ver p 581 569 Pré História da África austral mesmo no passado como indicam os vestígios atuais todos esses diferentes tipos de vegetação poderiam ser explorados não muito longe dos locais de habitação Nas áreas em que a fauna foi preservada nota se que havia uma predileção por animais de grande porte como elefantes hipopótamos girafas grandes bovídeos e Equus mas também aparecem restos de pequenos bovídeos suínos etc Uma grande variedade de matérias primas foi usada na fabricação de utensílios de pedra dependendo do material disponível no local Isso demonstra que o homem do Acheulense possuía grande versatilidade e habilidade para lascar muitas rochas usando percutores duros e moles e para fabricar utensílios bem talhados e refinados Demonstra também sua habilidade em selecionar entre as diversas técnicas a mais adequada ao material que estava sendo usado Nas áreas onde grandes seixos de sílex ou quartzito constituíam a matéria prima eles faziam os bifaces lascando diretamente o seixo No entanto quando era necessário usar blocos de pedra maiores desenvolveram vários métodos engenhosos7 preparavam e lascavam um núcleo de tamanho considerável a fim de obter grandes lascas com as quais eram feitos os bifaces e as machadinhas No sul da África é provável que o Acheulense Recente tenha tido uma duração quase igual à desse período na África oriental onde se estendeu de 700000 a 200000 Entretanto não existe ainda nenhum método de datação suficientemente preciso para medir as diferenças de idade entre as várias indústrias acheulenses Quando dispusermos de tais métodos e quando for encontrado maior número de indústrias em contextos estratigráficos talvez se possam definir em termos quantitativos as tendências gerais da tecnologia dos utensílios e estabelecer a possível relação entre as diversas variantes identificadas dentro do complexo acheulense bem como a paleoecologia de um determinado sítio na época em que foi ocupado Conforme mostrou este breve resumo as indústrias acheulenses ajustam se a certos padrões gerais que se encontram reproduzidos por todo o mundo acheulense Há indústrias que consistem principalmente em bifaces e machadinhas outras compreendem seixos lascados e utensílios menores com características do Olduvaiense Evoluído há ainda as que mostram diversas combinações dessas duas tradições e aquelas em que predominam picões raspadores nucleiformes e outros utensílios pesados Portanto embora exista uma infinita variedade na composição das indústrias e na natureza do habitat 7 Por exemplo pseudolevalloisiense protolevalloisiense levalloisiense de Tachengit e de Kombewa Ver Brézillon M N La dénomination des objets de pierre taillée Gallia Préhistoire Paris Supl IV p 7996 e 101 2 570 Metodologia e pré história da África e de seus recursos certas características gerais parecem comuns ao Acheulense como um todo indicando que o modo de vida não variou quase nada de um extremo a outro no mundo dos bifaces O panorama do comportamento dos hominídeos no Pleistoceno Médio mostra nos grupos de caçadores coletores em geral com o mesmo estilo de vida e que tendiam a se agrupar e a estabelecer comunicação entre si com certa eficiência Viviam em grupos maiores que nas épocas anteriores e ocupavam determinadas áreas com mais regularidade seguindo um padrão sazonal estabelecido A estrutura social deveria ser ainda flexível permitindo a livre circulação de indivíduos e ideias No entanto grandes áreas do continente inclusive as florestas permaneciam despovoadas a distribuição esparsa do conjunto da população implicava provavelmente o isolamento quase total de cada um desses grupos em relação a seus vizinhos O acheulense final ou fauresmithiense Sabe se há muito tempo que certas indústrias exrstiram nos planaltos elevados do interior do continente Elas se caracterizam pela presença de bifaces bem acabados e geralmente de tamanho menor de uma grande série de utensílios feitos sobre lascas de raspadores nucleiformes e de um número relativamente pequeno de machadinhas É provável que sejam de uma época mais recente que o Acheulense visto acima nesse caso representam possivelmente um estágio final da tradição dos bifaces Entretanto a maioria delas consiste em coleções de superfície e que por esse motivo podem estar misturadas com materiais mais recentes A matéria prima utilizada era geralmente a lidianita xisto endurecido nas regiões onde essa rocha é abundante em outras áreas o quartzito era mais usado Apenas uma pequena quantidade de séries dessas indústrias provém de escavações e pouquíssimas podem ser consideradas representativas Uma delas origina se de uma antiga depressão perto de Rooidam a oeste de Kimberley Ali a indústria estava contida dentro de um depósito de cerca de 5 m de sedimentos cobertos por uma camada espessa de calcário estépico tais sedimentos representam a acumulação progressiva de coluvião provocada pelas enxurradas Às vezes de dimensões reduzidas os bifaces são em geral rudimentares a maior parte dos utensílios consistem em pequenos raspadores e outros pequenos artefatos retocados todos de lidianita Nesse conjunto de utensílios pode se observar um método de preparação do núcleo conhecido como técnica do núcleo discoide que permite obter várias lascas pequenas A técnica levalloisiense ao contrário pela qual se obtém apenas uma grande 571 Pré História da África austral lasca em cada preparação do núcleo parece não ter sido utilizada Dois outros depósitos no rio Vaal perto de Windsorten e na área da barragem de Verwoerd no rio Orange contêm uma indústria semelhante mas com a presença de ambas as técnicas do núcleo discoide e levalloisiense Parece que a tradição e talvez outros fatores como o tempo poderiam explicar parcialmente tal variedade nas formas das lascas e dos núcleos Essas indústrias receberam o nome de Fauresmithiense em referência à região do Estado Livre de Orange onde os bifaces característicos em forma de amêndoa foram pela primeira vez encontrados em grandes quantidades na superfície Entretanto ainda não se sabe se essas indústrias apresentam características suficientemente diversas do Acheulense para merecerem um nome distinto Elas são encontradas com mais frequência nas pradarias na vegetação do Karroo e no maqui da África do Sul e da Namíbia A única indicação de sua provável idade é uma datação do carbonato de Rovidam feita pelo método do urânio tório que indicou 115000 10000 anos BP8 Permanece desconhecida a época em que as indústrias fauresmithienses foram suplantadas por uma nova tradição ou um novo complexo tecnológico concentrado na produção de utensílios feitos sobre lascas e lâminas e que marca o início da Middle Stone Age E possível que essa mudança tenha ocorrido entre 100000 e 80000 Nas regiões da África central com precipitações pluviométricas maiores e vegetação mais densa o Acheulense Recente foi substituído não pelo Fauresmithiense mas por indústrias que apresentavam uma grande quantidade de utensílios pesados picões bifaces seixos lascados e raspadores nucleiformes Evidentemente esses tipos de utensílios já apareciam nas indústrias acheulenses no entanto com exceção de uma fácies pouco conhecida nessa época jamais tinham prevalecido sobre os demais Mais tarde porém esse equipamento pesado tornou se predominante nas áreas de maiores precipitações e temperaturas mais elevadas onde se encontra junto com uma série de utensílios leves feitos sobre lascas e fragmentos Ele é encontrado em Zâmbia Zimbabwe partes do sudeste da África em particular na planície de Moçambique e nas regiões costeiras de Natal e pertence ao chamado complexo sangoense Em sua maioria as indústrias sangoenses não são datadas a não ser de modo relativo pelo método estratigráfico não se sabe ao certo se elas são contemporâneas do Acheulense Final Fauresmithiense das savanas ervosas ou mais recentes que ele 8 BP before present Antes do presente tomando o ano de 1950 como ponto de referência pois foi nesse ano que se usou pela primeira vez o método do carbono 14 572 Metodologia e pré história da África Figura 208 Utensílios da Middle Stone Age provenientes de Witkrans Cave Exceto o de número 6 que é de xisto todos os demais são de sílex negro 1 e 2 pontas unifaces 3 lâmina utilizada 4 6 e 7 raspadores simples 5 buril sobre truncatura 8 raspador 9 lasca levalloisiense 10 núcleo levalloisiense Apud CLARK J D Human behavioural differences in Southern Africa during de Later Pleistocene American Anthropologist 1971 v 73 Fig 11 Figura 209 Utensílios do Lupembiense Médio de Kalambo Falls entulho I jazida B1 1956 1 raspador côncavo simples sílex 2 raspador denticulado convergente e pontiagudo sílex 3 ponta uniface sílex 4 buril diédrico crosta silicosa 5 machado nucleiforme sílex 6 raspador nucleiforme sílex 7 trinchante quartzito 8 ponta lanceolada sílex Figura 2010 Distribuição de lâminas e fragmentos de lâminas utilizadas com relação a estruturas de blocos de dolerito no horizonte primário em Orangia Apud SAMPSON C G The Stone Age Archaeology of Southern Africa Nova York Academic Press 1974 p 166 Fig 58 573 Pré História da África austral Em Kalambo Falls a fácies local do Sangoense indústria de Chipeta data de 46000 a 38000 BP segundo doze resultados obtidos pelo método do radiocarbono Em Mufo no nordeste de Angola uma fase semelhante data de aproximadamente 38000 BP Em Zimbabwe o Sangoense local indústria de Gwelo é comparável a indústrias anteriormente denominadas Proto Stillbayense9 mas poderia ser anterior a elas É extremamente difícil estabelecer uma correlação entre essas indústrias de tipo sangoense visto que é preciso considerar fatores ecológicos e outros Nas regiões onde o habitat a tradição ou considerações particulares favoreceram o uso desses utensílios pesados é provável que eles tenham exercido desde logo um papel importante e que tal papel tenha persistido por tanto tempo quanto as razões que levaram à sua adoção Não se pode negar a existência de uma correlação entre esse tipo de utensílios e áreas com maior precipitação pluviométrica e consequentemente vegetação mais densa Portanto esses elementos pesados podem ser considerados mais como resultantes de determinações ecológicas que como representantes de um determinado período ou estágio cultural na evolução do instrumental lítico Como essas indústrias sangoenses estão ligadas a áreas de vegetação mais densa pode se esperar que suas primeiras manifestaçõe s tenham sido contemporâneas nessas regiões dos estágios finais do Acheulense Fauresmithiense nas savanas ervosas e que não tenham ocorrido em habitats mais abertos nos quais como vimos era enfatizada a fabricação de outros tipos de utensílios Indústrias de tipo sangoense foram descobertas em Zâmbia Malavi Zimbabwe Moçambique e Angola bem como no norte e no sudeste da África do Sul No Fauresmithiense e no Sangoense portanto podemos perceber o começo de uma especialização regional dos utensílios que reflete padrões de adaptação diferentes conforme se trate de pradarias florestas claras ou florestas densas Middle Stone Age A necessidade de considerar os utensílios de pedra do homem pré histórico que em geral é tudo o que restou dele como produto da atividade e das necessidades imediatas de seus fabricantes e não como obra de populações necessariamente distintas do ponto de vista genético e étnico impõe se 9 A composição desses conjuntos proto stillbayenses em Zimbabwe pode ser melhor observada nos depósitos de cavernas em estratigrafia como as de Pomongwe e Bambata e no sítio aberto do planalto de Chavuma em referência ao qual essa indústria foi recentemente rebatizada como indústria de Chavuma Embora não existam datações precisas parece que a indústria de Chavuma é anterior a 42000 BP Consequentemente a indústria de Gwelo é ainda mais antiga 574 Metodologia e pré história da África particularmente em relação aos vários componentes das indústrias regionais contemporâneas do período conhecido por muito tempo como Middle Stone Age Para classificar um complexo como pertencente à Middle Stone Age tomavam se por base principalmente certas características técnicas e tipológicas bem como o fato de que do ponto de vista da estratigrafia ele se situava entre a Early Stone Age e a Late Stone Age Esses termos evolucionistas cronoestratigráficos têm pouco significado atualmente pois sua definição permanece tão insatisfatória quanto na primeira vez em que foram usados Além disso a datação pelo radiocarbono tem demonstrado que os estágios tecnológicos sobre os quais se fundamentam esses conceitos são antes conjecturais que reais e que as técnicas e os tipos de utensílios que eram seu produto final transcendem limites horizontais tão artificiais como esses Como seu trabalho está intimamente ligado aos artefatos de pedra o pré historiador tende às vezes a negligenciar o fato de que eles representam apenas uma fração de uma vasta gama de materiais e utensílios que não foram preservados Se esses materiais e instrumentos que se perderam estivessem disponíveis para estudos certamente modificariam drasticamente nossas concepções sobre a tecnologia pré histórica Além disso onde há necessidade a tecnologia muda como resultado de novas pressões e da capacidade de seleção e adaptação do grupo Esses dois fatos devem ser levados em conta ao estudar as indústrias líticas que testemunham o comportamento cultural durante o Pleistoceno Recente e o Holoceno Num certo momento entre 100000 e 80000 o nível do mar começou a baixar em relação ao alto nível de 5 a 12 m bem representado pelos restos de praias elevadas em um certo número de localidades do litoral sul do continente10 é logo após essa época que o homem começou a ocupar locais favoráveis nessas praias liberadas pelo mar Alguns desses locais eram cavernas e apesar das particularidades locais a tecnologia desse período é geralmente semelhante na bacia do Mediterrâneo e no sul da África O início do último período glaciário no hemisfério norte corresponde nos trópicos a uma diminuição da temperatura aproximadamente de 6 a 8oC e a um clima mais seco embora um decréscimo nas taxas de evaporação tenha assegurado um suprimento regular de água de superfície e talvez até maior do que atualmente Na mesma época o clima semi árido que então existia na bacia do Zaire na região equatorial reduziu consideravelmente a floresta perene ou substituiu a por campos ou matas mais abertas oferecendo desse modo um 10 Acredita se que esse último nível elevado do mar corresponda à transgressão marinha do último interglaciário Eemiano na bacia do Mediterrâneo onde o nível do mar é geralmente semelhante entre 6 e 8 m 575 Pré História da África austral habitat muito favorável ao homem e aos animais de caça Assim tanto uns quanto outros começaram a migrar para essa região anteriormente desabitada Da mesma forma durante o Pleistoceno Recente o deserto de Namíbia hoje tão inóspito foi ocupado por grupos de caçadores que deixaram seus utensílios nos locais de acampamento Durante a Middle Stone Age a sequência estratigráfica de cada grande região mostra um padrão coerente de progresso tecnológico que se exprime pela fabricação de utensílios cada vez mais elaborados e pela diminuição progressiva no tamanho dos artefatos Entretanto o desenvolvimento cultural em uma região não é necessariamente semelhante ao que se verifica em outra embora possam existir tendências e características comuns Provavelmente muitos fatores ecológicos tecnológicos e sociais foram responsáveis pelas variações regionais que caracterizam essas indústrias do Pleistoceno Superior Modos de vida diferentes exigiam utensílios diversos ou impunham outros usos para os mesmos utensílios e embora desenvolvimentos tecnológicos em escala continental possam ter determinado a época de introdução de uma característica aparentemente nova é provável que a natureza dos recursos existentes e os métodos tradicionais de exploração tenham sido os fatores decisivos para a aceitação de determinado aperfeiçoamento e para a data em que foi adotado Nessa época as técnicas básicas eram o método levalloisiense e o dos núcleos discoides utilizados para extrair lascas debitar as lâminas inicialmente por percussão direta e mais tarde com a ajuda de uma peça intermediária Com as lascas e lâminas fazia se uma série de utensílios leves que eram retocados para formar pontas raspa dores facas buris cinzéis furadores etc No sul da África as indústrias regionais podem ser agrupadas com base em sua tecnologia em três unidades maiores que são em grande parte senão inteiramente também unidades cronológicas Por esse motivo é mais fácil considerá las como grupos ou fases do que como estágios que implicariam relações cronológicas O primeiro desses grupos ou fases Grupo 1 caracteriza se por grandes lascas preparadas pelo método levalloisiense e por longas lâminas obtidas por percussão direta Apenas alguns conjuntos esparsos desses utensílios são conhecidos11 Nos poucos sítios onde existe uma sequência estratigráfica os elementos mais evoluídos tecnicamente são encontrados nas camadas superiores 11 O Pietersburgiense Inferior da camada 4 da Gruta das Lareiras em Makapan o Middle Stone Age I imediatamente acima da praia de 6 8 m na embocadura do rio Klassies um sítio ao ar livre no Orange River Scheme Elandskloof e um sítio no Transvaal central Koedoesrand Além dessas há ainda a indústria de Nakasasa em Kalambo Falls caracterizada por formas semelhantes embora também contenha certos instrumentos bifaciais pesados como os que se espera encontrar em indústrias das matas de Brachystegia 576 Metodologia e pré história da África e os conjuntos líticos do Grupo I são os mais antigos por exemplo em Cave of Hearths e em Kalambo Falls no entanto parece não haver nenhuma coerência cronológica entre as diferentes regiões Por exemplo acredita se que a Middle Stone Age I do rio Klassies date de aproximadamente 80000 anos enquanto a indústria de Nakasasa em Kalambo Falls data de um período entre 39000 e 30000 anos BP As demais séries ainda não foram encontradas em contextos que permitam sua datação Outras indústrias que pertencem ao início do Pleistoceno Superior portanto anteriores a 40000 anos BP mas que não são classificadas no Grupo I apresentam uma série diferente de características É o caso de uma indústria de lascas núcleos raspadores nucleiformes poliedros bigornas e instrumentos de moagem feitos de dolerito que provém do nível I da camada de turfa de Florisbad no Estado Livre de Orange Esses utensílios são em geral atípicos e é possível que não representem toda a gama de artefatos produzidos nessa época no local mas também é possível que apenas uma lâmina longilínea e retocada possa ser associada a eles Nesse mesmo nível foram descobertos um fragmento de crânio de hominídeo e o que parece ser o cabo de uma arma de arremesso curva feita de madeira Este horizonte de Florisbad é anterior a 48000 anos BP Uma outra indústria diferente mas provavelmente contemporânea das do Grupo 1 é a de Chavuma em Zimbabwe que é anterior a 42000 anos BP como dissemos anteriormente Caracteriza se por picões uns poucos bifaces e um importante conjunto de utensílios leves entre os quais há pontas raspadores e lâminas com sinais de utilização Tais utensílios são feitos de matérias primas bastante variadas calcedônia opalina quartzito quartzo e outras A indústria de Twin Rivers em Zâmbia datada de 22800 1000 BP assemelha se à de Chavuma Tal datação porém se estiver correta acentua o fato de que um método baseado na tecnologia tem hoje pouco valor como meio de correlação entre indústrias de diferentes regiões Muitas séries provenientes de cavernas e sítios de superfície são classificadas num segundo grupo Grupo II12 Em geral elas datam de um período entre 40000 e 20000 anos BP mas podem às vezes prolongar se como por exemplo no litoral sul Tais indústrias caracterizam se pelo uso diversificado das técnicas do núcleo discoide e levalloisiense principalmente no que diz respeito à debitagem de lascas triangulares e pela produção de grande número 12 Exemplos de indústrias do Grupo II camada 5 da Gruta das Lareiras camada I da caverna de Mvulu no Transvaal Middle Stone Age II do rio Klassies indústrias de Mossel Bay e da caverna de Skildergat no sul da província do Cabo e indústria stillbayense da caverna de Mumbwa em Zâmbia 577 Pré História da África austral de lâminas Lascas triangulares e lâminas feitas frequentemente de quartzito e lidianita são comuns nas áreas de chuvas de inverno ao sul da Grande Escarpa do sudoeste da África e no highveld do Estado Livre de Orange e do Transvaal Nesses utensílios do Grupo II o trabalho de retoque nunca é muito extenso limitando se geralmente aos bordos que são frequentemente denticulados Nas matas tropicais claras do norte de Limpopo onde a utilização do quartzo era mais difundida a produção concentrava se em lascas mais curtas transformadas em raspadores e em diversas outras formas também com retoques limitados Nesse sítio uma pequena mas significativa parte do conjunto é composta de utensílios pesados cuja produção foi possível como se acredita graças à maior utilização da madeira e de seus produtos Um terceiro grupo de indústrias Grupo III13 situa se aproximadamente entre 35000 e 15000 BP e distingue se por um número maior de utensílios bastante retocados O retoque dos raspadores é semi invadente e não são raras as formas com estrangulamento as pontas foliáceas podem ser retocadas inteiramente em uma ou ambas as faces os furadores e trituradores são característicos De modo geral os utensílios têm dimensões menores e apresentam um trabalho de retoque mais refinado do que o dos grupos anteriores Além dos três grupos descritos há um quarto Grupo IV que se destaca por algumas diferenças significativas em relação aos outros Tal complexo conhecido como Magosiense ou Second Intermediate combina uma forma evol uída e frequentemente miniaturizada das técnicas do núcleo discoide e do levalloisiense com a produção de lâminas delicadas de bordos paralelos debitadas com o auxílio de uma peça intermediária de osso chifre ou madeira dura As matérias primas escolhidas eram geralmente rochas criptocristalinas as pontas triangulares ou foliáceas e os raspadores feitos com essas rochas frequentemente pelos métodos do núcleo discoide e levalloisiense são delicadamente retocadas às vezes acredita se por pressão Ao lado desses utensílios tradicionais da Middle Stone Age foram encontrados outros feitos com lâminas ou fragmentos de lâminas muitos deles de tamanho reduzido com um bordo desbastado ou ainda utilizados e retocados de diversas maneiras bem como vários tipos de buris principalmente uma forma carenada ou poliédrica Esse tipo de utensílios parece ser próprio de certas partes do subcontinente por exemplo Zimbabwe Zâmbia a parte leste do Estado Livre de Orange o sul da província do Cabo e algumas 13 Exemplos a indústria do Pietersburgiense Superior da Gruta das Lareiras e daGruta de Mvulu ou da Gruta de Border em Natal a parte superior da indústria stillbayense da gruta de Peer na província do Cabo a indústria Bambata das cavernas Khami em Zimbabwe 578 Metodologia e pré história da África Figura 2011 Civilização sangoense de Zimbabwe variante do Zambeze divisão superior 1 e 2 picões 3 e 8 machados nucleiformes 4 núcleo discoide 5 e 6 lascas retocadas 7 esferoide Apud CLARK J D The Stone Age Cultures of Northern Rhodesia Cidade do Cabo South African Archaeological Society 1950 Prancha XII Figura 2012 Indústrias da Middle Stone Age provenientes de Twin Rivers Zâmbia datadas de 32000 a 22000 anos BP 1 raspador angular 2 lasca utilizada destacada de um núcleo discoide de tamanho reduzido 3 raspador convergente 4 raspador sem ponta 5 pequeno raspador 6 e 7 bifaces pesados 8 biface Todos os exemplares são feitos de quartzo exceto o n 3 sílex negro e o n 8 dolerito Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 34 Figura 2013 Indústrias de Pietersburg e Bambata provenientes da gruta das Lareiras Cave of Hearths no Transvaal e da gruta de Bambata em Zimbabwe Instrumentos característicos das regiões de arbustos espinhosos e do bushveld Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 35 579 Pré História da África austral áreas da Namíbia No entanto esses utensílios aparentemente não existem na maior parte da região central do planalto interior onde a lidianita constituía a principal matéria prima Se essa distribuição tem uma base ecológica cabe nos tentar determinar o que havia em comum entre as regiões onde as indústrias do Grupo IV foram encontradas Pensava se que essas indústrias evoluídas representavam uma fusão entre as técnicas do núcleo preparado da Middle Stone Age e a da debitagem de lâminas por meio de percutor do Paleolítico Superior Nesse caso elas não seriam muito anteriores a um período entre 15000 e 20000 BP realmente um certo número de datações enquadra se nesse intervalo Mais recentemente porém várias datações muito anteriores a essas14 foram obtidas para as indústrias do Grupo IV que foram denominadas magosienses ou na África do Sul Howiesons Poort do nome do sítio perto de Grahamstown onde os primeiros utensílios característicos foram encontrados Infelizmente com exceção da caverna de Montagu na província do Cabo e da indústria de Tshangula em Zimbabwe ainda não existem informações precisas sobre a composição dessas descobertas de modo que não sabemos se formam um conjunto homogêneo ou se existe mais de uma indústria entre elas Supondo por enquanto que tais complexos sejam homogêneos essas datas antigas indicam que uma tecnologia desenvolvida de lâminas coexistiu no sul da África com as tecnologias tradicionais das lascas preparadas da Middle Stone Age O mesmo ocorre no norte da África onde dois complexos contemporâneos a cultura de Daba e o Ateriense se diferenciam regionalmente No passado a evolução e a sucessão de indústrias líticas eram em geral explicadas pelos movimentos migratórios de populações geneticamente diferentes Todavia essa hipótese não é apoiada por outras evidências sendo mais provável que o grau de adoção e difusão de utensílios entre populações de caçadores coletores tenha dependido muito mais das vantagens de tais utensílios e de sua superioridade sobre o equipamento tradicional sobretudo onde seu emprego facilitasse a exploração de novos recursos A menos que implicassem a ocupação de regiões desabitadas como o Novo Mundo ou a bacia do Zaire e as zonas florestais da África ocidental no fim do Pleistoceno Médio as migrações de longa distância eram provavelmente raras entre os grupos de caçadores coletores relacionando se 14 As indústrias do Grupo IV receberam as seguintes datações na caverna de Montagu entre 23200 e 48850 no rio Klassies no sul da província do Cabo em torno de 36000 BP na caverna de Rose Cottage no Estado Livre de Orange 50000 para o Epi Pietersburgiense na caverna de Border 46300 A indústria de Tshangula em Zimhahwe situa se entre 21700 780 e 25650 1800 anos BP 580 Metodologia e pré história da África Figura 2014 De 1 a 12 utensílios em sílex e calcedônia das indústrias wiltonienses da província do Cabo na África do Sul segundo BURKITT M C 1928 1 2 e 3 raspadores curtos 4 e 5 micrólitos retos com bordo não ativo aparado 6 furador 7 8 e 9 segmentos de círculo 10 e 11 crescentes duplos 12 contas de casca de ovo de avestruz Os exemplares 3 4 e 12 provêm do abrigo na rocha de Wilton e os demais da planície do Cabo De 13 a 20 utensílios das indústrias de Matopan Wiltoniense de Zimbabwe provenientes da caverna de Amadzimba Matopos Hills em Zimbabwe segundo COOKE C K e ROBINSON K R 1954 13 furador espatulado de osso 14 ponta de osso com talão em bisel 15 elemento cilíndrico 16 17 18 e 19 segmentos de círculo e crescentes espessos em quartzo 20 pingente de ardósia Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 56 Figura 2015 Utensílios de madeira provenientes de depósitos do Pleistoceno na África austral 15 cabo de propulsor à esquerda proveniente do nível I da camada de turfa de Florisbad Mineral Spring datado de cerca de 48000 BP comparar com o cabo de um propulsor australiano à direita com entalhes para evitar o deslizamento da mão 16 maça e utensílio com duas pontas provenientes do nível de ocupação acheulense de Kalambo Falls Zâmbia datados de 190000 BP Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Pranchas XV e XVI Figura 2016 Lasca enxó em forma de crescente feita de sílex negro montada por meio de mástique sobre um cabo de chifre de rinoceronte proveniente de uma caverna da baía de Plettenberg no leste da província do Cabo segundo CLARK J D 1970 581 Pré História da África austral mais com as populações agrícolas A mais provável explicação para as mudanças observadas nos utensílios é a invenção independente por comunidades quase isoladas que dispunham de recursos e métodos de exploração semelhantes portanto as mudanças seriam devidas mais à difusão de estímulos do que a grandes migrações étnicas A título de explicação é necessário examinar rapidamente os testemunhos fósseis do sul da África após o fim do Acheulense aos quais o crânio de Saldanha parece estar associado Como o crânio descoberto em Kabue Broken Hill se assemelha bastante ao de Saldanha é provável que não haja um intervalo de tempo muito grande entre os dois O pequeno número de artefatos e esferoides leves provenientes de Kabue que parecem estar relacionados aos restos de hominídeos não são característicos e poderiam pertencer a qualquer período entre o Acheulense Recente e o início da Middle Stone Age Nesse depósito foram encontrados horizontes de habitação em estratigrafia atribuídos a esse período de forma que embora se possa presumir que o crânio quase completo e outros restos sejam representativos da família de hominídeo responsável pelo Sangoense local ou pelo Acheulense Final esse fato não poderá ser comprovado até que o próprio fóssil seja datado por um método mais preciso Entretanto as semelhanças entre os fósseis de Saldanha e de Kabue Broken Hill bem como entre o fragmento craniano H 12 do Bed IV de Olduvai e o de Njarassi no Rift do lago Eyasi na África oriental parecem indicar que essas formas rodesioides e outras formas aparentadas ao Homo sapiens substituíram o Homo erectus durante a última parte do Pleistoceno Médio como o homem de Neandertal na Eurásia e que no início do Pleistoceno Superior encontravam se amplamente distribuídas nas regiões tropicais da África subsaariana15 As alterações climáticas que de acordo com estudos palinológicos limnológicos e outros ocorreram na África simultaneamente às que acompanharam a última glaciação na Eurásia bem como a distribuição esparsa e o relativo isolamento das populações de hominídeos causaram certamente transformações e desenvolvimentos em várias direções diferentes no momento em que os hominídeos se adaptavam de modo mais eficiente nos planos cultural e genético aos ambientes diversos que tinham conseguido ocupar Quaisquer que tenham sido as causas domínio da linguagem evolução da estrutura social tecnologia avançada ou outras que deram ao homem moderno Homo sapiens sapiens uma vantagem inegável sobre as outras formas 15 Novas datações de dois dos fósseis de hominídeos obtidas através do método de racemização indicam um período entre 100000 e 200000 BP BADA J Comunicação pessoal 582 Metodologia e pré história da África de hominídeos é claro que elas são a base do intercâmbio genético acarretado pela substituição relativamente rápida das formas neandertaloides rodesioides e outras não tão bem adaptadas O homem moderno representado pelos crânios descobertos na Formação de Kibish na bacia inferior do Orno e em Kangera na bacia do lago Vitória apareceu na África oriental cerca de 200000 anos BP Na África do Sul o crânio de Florisbad que tem mais de 48000 anos pertence a uma forma primitiva e robusta próxima do homem moderno Um certo número de fósseis mais recentes mas datados com menor precisão e que na maioria pertencem ao período entre 35000 e 20000 provenientes de Boskop caverna de Border Tuinplaas Skildergat caverna de Peer Mimbwa e outros sítios representam várias populações já modernas diferenciadas regionalmente e responsáveis por algumas variantes culturais da Middle Stone Age Por volta do fim do Pleistoceno há cerca de 10000 anos atrás populações geneticamente aparentadas mas distintas do ponto de vista regional ancestrais longínquos de alguns povos atuais tinham se diferenciado os troncos de San grandes e pequenos no sul e no centro leste da África os negroides na África equatorial e ocidental e a forma nilótica na África oriental Os fósseis são fragmentários e em geral limitam se a apenas um espécime Raramente se encontram indicações suficientes sobre a amplitude das variações que podemos esperar dentro de uma só população Mesmo assim torna se claro que as raças africanas autóctones têm uma considerável antiguidade no continente onde podemos considerar terem elas evoluído durante o Pleistoceno Superior e os primórdios do Holoceno através de um longo período de adaptação e seleção nas principais regiões biogeográficas Como foi mencionado anteriormente as lâminas obtidas por percussão indireta e diversos utensílios pequenos feitos com lâminas com bordo aparado ou truncamento descobertos entre os utensílios do Grupo IV Howiesons Poort foram considerados no passado como uma evidência de movimentos migratórios das populações tais utensílios teriam sido introduzidos por grupos imigrantes de homens modernos É necessário aguardar o resultado de estudos definitivos sobre os sítios escavados para verificar se essa hipótese étnica será confirmada ou se tal complexo reflete a aceitação de novas técnicas transmitidas pela difusão de um estímulo e adotadas porque permitiam uma melhor exploração dos recursos locais ou ainda se é produto de fatores totalmente diferentes Qualquer que tenha sido a causa quase não há dúvida de que a introdução da tecnologia das lamelas está ligada ao desenvolvimento dos utensílios compostos nos quais duas ou mais peças eou materiais eram combinados para fazer um utensílio mais aperfeiçoado e mais eficiente O encabamento dos utensílios de pedra ou 583 Pré História da África austral de outro material para obter uma eficiência maior começou provavelmente na época das indústrias do Grupo II os traços de adelgaçamento nas faces dorsais das pontas de Mossel Bay ou a retirada do talão por retoques inversos parecem indicar modificações relacionadas com a fixação de cabos Na África o meio mais simples de montar por exemplo uma faca de pedra ou uma ponta de projétil era provavelmente utilizar diversas formas de mástique resina goma látex etc com ligamentos de fibras e tendões O aparecimento do homem moderno na pré história está associado a uma série de práticas e características culturais inovadoras Os sedimentos acumulados nas cavernas e abrigos sob rochas e em alguns sítios favoráveis ao ar livre indicam que desde então as ocupações sazonais tornaram se regra geral Ao que parece estamos diante de grupos muito mais estrutura dos embora ainda abertos e de composição sujeita a frequentes alterações A multiplicidade e a padronização dos diferentes tipos de utensílios a maior frequência de sepulturas intencionais e o hábito de colocar junto ao morto objetos e alimentos para que ele pudesse enfrentar o além o uso mais regular de pigmentos na decoração e possivelmente no ritual e até mesmo o gosto pela música presente na África do Norte tudo testemunha as indiscutíveis vantagens genéticas do Homo sapiens sapiens Um dos aspectos da maior especialização regional dos utensílios pode ser explicado pelas preferências locais por certas espécies de animais de caça e no crescente uso de certos alimentos vegetais que precisavam ser moídos e triturados O material de moagem aparece pela primeira vez com as indústrias dos grupos III e IV e mais particularmente pouco depois de 25000 Um conjunto significativo de utensílios pesados acompanha os utensílios leves do norte e do nordeste de Zâmbia refletindo um sistema de exploração com recursos muito semelhantes aos do Zaire e de Angola A visão tradicional da Middle Stone Age como um conjunto de variantes regionais distintas Stillbay Pietersburg Mossel Bay Howiesons Poort etc todas mais ou menos contemporâneas e caracterizadas por uns poucos fósseis guias parece hoje excessivamente simplificada As indústrias da Middle Stone Age podem ser consideradas como produtos de uma adaptação contínua a regiões ou zonas biogeográficas distintas onde as necessidades e atividades dos grupos humanos determinaram a escolha das matérias primas a serem usadas na fabricação dos utensílios Podemos compreender melhor a importância relativa para o grupo desses diferentes materiais madeira pedra osso chifre etc a partir de uma comparação entre os dados paleoecológicos e os obtidos através de estudos do tipo site catchment analysis análise de área de captação de 584 Metodologia e pré história da África recursos16 Um conjunto de utensílios de pedra comuns não é necessariamente sinal de mediocridade nem um conjunto de utensílios mais refinados representa superioridade Por si só os utensílios líticos podem fornecer apenas uma quantidade mínima de informações sobre o comportamento de quem os produziu Realmente significativa é a associação entre esses utensílios e todos os outros produtos da atividade humana preservados referentes a uma fase de ocupação A estrutura dos sítios da Middle Stone Age é menos conhecida que a dos sítios do Acheulense e de épocas anteriores A Cave of Hearths nos fornece a prova da existência de fogueiras enquanto a caverna de Montagu nos informa sobre a distribuição de artefatos em volta das fogueiras em cada horizonte No sítio de Orange I foram encontradas fundações de pedra de vários pequenos abrigos e em Zeekoegat 27 na região do Orange River Scheme há vestígios de uma grande área de atividade abrigada Pilhas de ossos de uma ou várias caçadas bem sucedidas foram descobertas em Kalkbank na região central do Transvaal finalmente descobertas feitas na caverna dos Leões na Suazilândia parecem indicar que a hematita começou a ser extraída para fabricar pigmento há cerca de 28000 anos atrás Bigornas calçadas para debitagem de pedras aparecem nos horizontes do Rubble I em Kalambo Falls e datam de aproximadamente 27000 BP No mesmo sítio pequenos círculos de pedras parecem ter delimitado antigas fogueiras enquanto em Botsuana foram encontrados vestígios de um acampamento temporário da indústria Bambata dispersos às margens do rio Nata Restos de fauna sob a forma de resíduos de alimentação indicam que a fonte principal de abastecimento era constituída pelos grandes animais alguns como búfalos gnus búbalos zebras e suínos estavam entre as espécies levadas com mais frequência para os locais de habitação Em geral parece existir nos sítios da Middle Stone Age uma variedade maior de espécies do que nos do Acheulense As descobertas sugerem que embora melhores armas permitissem caçadas mais produtivas as espécies capturadas continuavam a ser muito variadas foi apenas durante a Late Stone Age que a caça assumiu um caráter mais seletivo Em resumo não é mais possível considerar as indústrias da Middle Stone Age como uma progressão simples e linear para uma tecnologia mais refinada e evoluída Se as datações estão corretas essas indústrias mostram 16 A site catchment analysis análise de captação de recursos é um método desenvolvido por C VITAFINZI e E S HIGGS 1970 para estabelecer o potencial de recursos de uma região explorada a partir de um determinado sítio pré histórico Para tanto é necessário identificar os limites territoriais e em que medida o habitat e a bioma diferiam dos atuais VITAFINZI C e HIGGS E S Prehistoric economy in the Mount Carmel area of Palestine site catchment analysis Proc of the Preh Soc 1970 36 p 1 37 585 Pré História da África austral ao contrário várias técnicas diferentes com uma base essencialmente econômica Essas técnicas influenciam se mutuamente em graus diversos e podem evoluir em função das necessidades materiais As diversas variantes identificadas provavelmente refletem preferências regionais quanto aos recursos e à sua extração embora a maioria dessas variantes ainda precise ser mais bem definida Em algumas regiões certos sítios com estratigrafia Cave of Hearths por exemplo apresentam uma clara sequência evolutiva enquanto em outras Klassies River na costa meridional da África do Sul e a caverna de Zombepata em Zimbabwe a sequência estratigráfica mostra um padrão semelhante ao das tradições do Musteriense do oeste da França e certos grupos podem se suceder sem continuidade aparente A substituição de um grupo por outro pode ter tido uma origem econômica e refletir alterações ecológicas indicando portanto novas preferências alimentares Os raros testemunhos de que dispomos confirmariam essa hipótese mas ainda não possuímos análises detalhadas da fauna nem dados sobre o pólen que permitam estabelecer se tais transformações ocorreram simultaneamente em vastas regiões biogeográficas ou se refletem apenas uma evolução temporal dos recursos alimentares deste ou daquele habitat Embora a Middle Stone Age no sul da África seja em grande parte contemporânea do Paleolítico Superior na Europa seus estágios mais antigos apesar de pouco conhecidos parecem ser contemporâneos do Musteriense ou do Jabrudiense Pré Aurignaciense do Oriente Médio Late Stone Age No sul da África a imagem clássica da Late Stone Age é a de um conjunto de indústrias compostas principalmente de utensílios microlíticos chamadas comum ente de wiltonienses do nome da caverna no oeste da província do Cabo onde as indústrias características foram encontradas e descritas pela primeira vez da mesma forma que a indústria de raspadores smithfieldiense na área de lidianita do highveld Entretanto em algumas partes do subcontinente encontraram se indústrias que foram denominadas pré wiltonienses Elas surgiram há pouco mais de 20000 anos e assinalam uma mudança radical na tecnologia dos utensílios de pedra Os núcleos preparados da Middle Stone Age dão lugar a núcleos sem forma precisa dos quais são extraídas lascas irregulares Os únicos utensílios que parecem preservar uma forma regular são diversos tipos de raspadores grandes raspadores feitos sobre lascas ou abruptos e vários raspadores menores convexos Espécimes desses utensílios foram encontrados em sítios do 586 Metodologia e pré história da África litoral sul17 do Estado Livre de Orange18 do Transvaal19 e da Namíbia20 onde estão associados à matança de três elefantes Em Zimbabwe a indústria equivalente é o Pomongwiense que se situa entre 9400 e 12200 BP Ela está particularmente associada a extensas fogueiras de cinzas brancas e algumas das primeiras pontas de osso pertencem a essa época Uma indústria possivelmente relacionada à pomongwiense é um dos níveis da caverna de Leopards Hill em Zâmbia que data de 21000 a 23000 BP Outras descobertas desse tipo até agora sem datas foram feitas em Pondoland caverna de Umgazana no vale do médio Zambeze em Zâmbia Lukanda e em outras regiões Essa distribuição geográfica indicaria que tal mudança tecnológica radical pode ter sido bem geral entre 20000 e 9000 anos atrás Suas causas são ainda incertas mas o autor deste capítulo presume que ela poderia ser o resultado de uma associação entre alterações ambientais ocorridas nessa época e que segundo se acredita deixaram vestígios em alguns sítios do sul da África por exemplo na baía de Nelson em Zombepata etc e o desenvolvimento ou a difusão de equipamentos e técnicas mais eficientes relacionados em especial com novos métodos de caça Algumas evidências indicam que essas indústrias pré wiltonienses estavam associadas à caça de grandes animais ungulados búbalos gnus antílopes azuis e zebras Além disso na caverna da baía de Nelson elas parecem coincidir com uma alteração ecológica ocorrida pouco depois de 12000 BP quando a fauna das pradarias foi substituída por espécies da floresta perene Além disso o aparecimento de uma grande quantidade de animais marinhos entre os restos indica que o aumento do nível do mar nos estágios finais do Pleistoceno tinha tornado possível a exploração direta da fauna marinha a partir dessa caverna Acredita se hoje que as indústrias de lamelas com uma alta porcentagem de utensílios microlíticos com bordo aparado tenham surgido no sul da África central muito antes do que se pensava inicialmente Uma das primeiras é representada pelo estágio mais antigo Nachikufiense Nachikufu I em Zâmbia em que a data mais antiga é 16715 95 BP Uma indústria wiltoniense local surgiu em 17 A caverna da baía de Nelson datada entre 18000 e 12000 BP Matjes River datada entre 11250 e 10500 BP e Oakhurst Na caverna da baía de Nelson uma indústria que recobre a indústria de ras padores abruptos data de 12000 a 9000 BP A maioria dos utensílios são feitos sobre lascas grandes não há formas microlíticas Uma indústria pré wiltoniense semelhante é encontrada em outros sítios na região montanhosa do sul por exemplo em Melkhoutboom onde data de 10500 190 anos B P 18 Smithfield A por exemplo a indústria da Fase I de Zeekoegat 13 19 Uitkomst datado de 7680 BP 20 Windhoek datado de 10000 BP 587 Pré História da África austral Zimbabwe aproximadamente em 12000 BP gruta de Tshangula e na África do Sul um pouco mais tarde 8000 a 5000 BP Esses exemplos da África centro sul encontram paralelo nas indústrias puramente microlíticas de lâminas com bordos provenientes de sítios da África oriental os de Uganda gruta de Munyama ilha de Buvuma 14480 130 BP do Rift de NakurujNaivasha em Quênia Prolonged Drift 13300 220 BP e da Tanzânia central abrigo sob rocha de Kiesese 18190 300 BP Uma indústria relacionada a essas mas distinta regionalmente é o Tshitoliense na bacia do Zaire 12970 250 BP A tradição dos micrólitos coincide com o desenvolvimento de formas cada vez mais eficientes de utensílios compostos entre os quais um dos mais significativos foi o arco e flecha Não se sabe em que data essas armas surgiram pela primeira vez na África o que ocorreu provavelmente durante a última fase do Pleistoceno Tão importantes quanto os segmentos de círculo e outros utensílios de pedra com bordo aparado usados como armaduras de flechas foram os diversos tipos de pontas de osso e pontas de arremesso provavelmente também utilizados como pontas de flechas Alguns deles sem dúvida remontam a 12000 anos BP Acredita se que seja possível reconhecer sequências evolutivas nessas indústrias microlíticas em diversas partes do sul da África em outras regiões porém como no noroeste de Zâmbia o núcleo discoide persistiu aparentemente até o segundo milênio antes da Era Cristã enquanto em outras partes no Estado Livre de Orange por exemplo os elementos microlíticos wiltonienses Parecem ter desaparecido dando lugar a indústrias onde predominaram os raspadores Smithfield B Conhecemos um número maior de sítios da Late Stone Age que da Middle Stone Age e há razões para supor que o início do Holoceno foi um período de crescimento demográfico Foi também a partir dessa época por volta de 10000 BP que as cavernas e os abrigos sob rochas passaram a ser ocupados com frequência cada vez maior Os recursos locais foram explorados mais intensamente que antes e os restos de fauna encontrados nos sítios de habitação mostram a crescente importância dada à caça e à captura de determinados animais O sistema de exploração provavelmente não se diferenciava muito do que é utilizado hoje pelos San do Calaari e por outros grupos de caçadores coletores da zona tropical árida Os deslocamentos e o território de um grupo eram determinados pela disponibilidade sazonal de recursos de água vegetais e animais havendo sem dúvida contatos regulares entre grupos vizinhos Os que viviam perto do mar ou de fontes de água doce exploravam agora os recursos locais peixes moluscos e mamíferos aquáticos Outros caçavam sobretudo as grandes manadas de antílopes e outros ainda animais de pequeno porte Na região montanhosa do sul da província do 588 Metodologia e pré história da África Cabo às formas mais comuns de utensílios de pedra são diversos tipos de pequenos raspadores os resíduos de alimento provêm em sua maioria de pequenos mamíferos provavelmente capturados com o auxílio de armadilhas Por outro lado em Zimbabwe Zâmbia e outras regiões nas pradarias e florestas claras as indústrias contêm grandes quantidades de segmentos de círculo microlíticos e lamelas com bordo aparado associados aos restos de grandes mamíferos Esses utensílios indicam que as principais armas eram provavelmente o arco e a flecha os micrólitos eram encabados sozinhos ou aos pares formando largas pontas cortantes semelhantes às do Egito dinástico e às poucas flechas feitas pelos San da época histórica e que foram preservadas A extensão territorial dos grupos de caçadores dependia provavelmente de vários fatores ecológicos Na região oeste da província do Cabo De Hangen demonstrou se que os grupos pré históricos de San passavam o inverno na costa nutrindo se principalmente de alimentos marinhos e o verão nas montanhas cerca de 140 km para o interior onde a dieta consistia em diversos vegetais daimões tartarugas e outros pequenos animais Nas regiões muito favoráveis do sul da África os caçadores coletores da Late Stone Age ocuparam algumas das áreas mais ricas do mundo em recursos alimentares vegetais e animais Em regiões como essas nas quais as fontes de caça eram praticamente inesgotáveis os caçadores tinham tempo suficiente para se dedicarem a atividades intelectuais como prova a magnífica arte rupestre dos montes Drakensberg de Zimbabwe e da Namíbia Embora muitas dessas obras de arte não tenham mais de 2000 ou 3000 anos elas fornecem um registro incomparável do modo de vida desses caçadores coletores pré históricos que em muitos aspectos se perpetuou até hoje entre os San do Calaari central É evidente que as origens dessa arte remontam a épocas muito longínquas as mais antigas pinturas descobertas até agora na África austral provêm do abrigo sob rocha Apollo II no sudoeste africano Namíbia onde aparecem nas superfícies do rochedo numa camada de 28000 anos BP Nos primeiros séculos da Era Cristã as populações de caçadores coletores da Late Stone Age foram substituídas em grande parte do sul da África por povos agricultores que conheciam a metalurgia Esses povos foram provavelmente os precursores de grupos de língua bantu que migraram para o subcontinente vindos de uma região situada no noroeste Chade e Camarões No sul da África portanto não há provas seguras da existência de cultura neolítica o que significa que não havia povos agricultores que fabricassem cerâmica mas apenas populações que utilizavam utensílios de pedra em particular machados amolados e polidos Todavia é necessário salientar que embora não haja traços seguros de agricultura antes da chegada dos povos do início da Idade do Ferro é certo que no sudoeste da 589 Pré História da África austral África já no primeiro século antes da Era Cristã e quase certamente antes ainda alguns grupos da Late Stone Age recente possuíam carneiros e depois bovinos Alguns desses povos podem ser identificados com os Khoi Khoi históricos ou seja com pastores nômades que não praticavam a agricultura mas fabricavam um tipo determinado de cerâmica No entanto nenhum vestígio de habitat pastoril claramente identificado foi descoberto até agora portanto já que não podemos recorrer às pesquisas arqueológicas nossas informações sobre tais grupos devem ser obtidas em fontes históricas Uma questão que também está sem resposta refere se à origem de seu gado Com base em dados linguísticos alguns autores sugerem que ele provinha de povos que falavam línguas do Sudão central e oriental outros porém acreditam que esses animais vinham de povos migrantes do início da Idade do Ferro Qualquer que seja sua origem é pouco provável que essa fase pastoril seja anterior a 300 anos antes da Era Cristã tendo terminado no século XVIII Assim os dados fornecidos pelos estudos da pré história na África austral mostram o importante papel desempenhado pelo alto planalto interior na evolução do homem como fabricante de utensílios A crescente engenhosidade e eficiência com que as sucessivas populações de hominídeos desenvolveram padrões de comportamento e equipamento cultural que lhes permitiram explorar de modo cada vez mais intenso os recursos dos ecossistemas onde viviam ajudam a explicar as diferenças étnicas e culturais que distinguem os povos autóctones do sul da África hoje San Khoi Khoi BergDama OvaTjimba Twa e Bantu Além disso demonstram ainda a grande antiguidade e a continuidade de muitas características de comportamento que persistem até os dias de hoje C A P Í T U L O 2 1 591 Pré História da África Central A bacia do Zaire estende se geograficamente do golfo da Guiné a oeste até a zona dos grandes lagos a leste e entre o décimo paralelo ao sul do equador em Angola e no Shaba ex Catanga e o diviso r de águas das bacias hidrográficas do Chade e do Zaire ao norte1 Representa hoje a zona essencialmente equatorial e sua cobertura vegetal constituída pela grande floresta é a mais densa de toda a África Por outro lado sabe se também que essa zona florestal se estendeu em alguns períodos muito úmidos muito mais ao norte do que atualmente No decorrer dos milênios a floresta regrediu subsistindo somente em galerias de amplitude variável ao longo dos rios Insistimos nessa cobertura vegetal porque foi um fator primordial no desenvolvimento e na evolução das civilizações pré históricas da região Segundo os trabalhos e os conhecimentos atuais as culturas pré históricas e mais particularmente ao que parece as que sucederam ao Acheulense evoluíram no próprio local condicionadas pela floresta primária e sem contato com as populações que viviam nas zonas de vegetação menos densa Ao norte as grandes migrações do Neolítico deslocando se de leste para oeste contornaram a floresta sem penetrá la como se representasse uma barreira um mundo no qual não se aventuravam as populações habituadas a viver nas zonas de savanas 1 Entendemos por África Central os seguintes países Zaire República Centro Africana República Popular do Congo Gabão Camarões e em parte Angola Ruanda e Burundi Pré História da África Central PARTE I R de Bayle des Hermens 592 Metodologia e pré história da África Figura 211 Variações climáticas e indústrias pré históricas da bacia do Zaire segundo G Mortelmans 1952 e nos grandes espaços desbastados Nada do que conhecemos das indústrias do Paleolítico Médio e Superior do Neolítico da arte rupestre pouco conhecida aliás na bacia do Zaire permite afirmar que tenha havido contatos com populações que viviam em um Saara que ainda não era o grande deserto árido de hoje Se pensamos encontrar sinais de contatos é para o leste e para o sul da África que nos devemos voltar e ali então procurar o ponto de partida das migrações dos grupos humanos que povoaram a grande floresta equatorial do oeste 593 Pré História da África Central Do ponto de vista climático o Quaternário dessa região estaria muito mais próximo do Quaternário da África oriental ainda que com variações locais devidas à altitude elevada das zonas montanhosas Segundo G Mortelmans 1952 teria havido quatro períodos pluviais e dois episódios úmidos2 Nakuriano 2o úmido Makaliano 1o úmido Gambliano 4o pluvial Kanjeriano 3o pluvial Kamasiano 2o pluvial Kagueriano 1o pluvial Dessa alternância de períodos relativamente secos com outros muito úmidos depende em certa medida o povoamento de uma região e isso devido a modificações no que hoje chamamos meio ambiente A penetração difícil na grande floresta fez com que vários pré historiadores pensassem que o povoamento dessa zona tenha sido pouco significativo no período que vai do Paleolítico Inferior ao Neolítico De nossa parte não concordamos com esse ponto de vista sendo oportuno desfazer o mito relativo à dificuldade de povoamento da região Se em toda a região as coletas de utensílios líticos foram até certo ponto de pouca monta isto ocorreu porque os estudiosos hesitaram em empreender pesquisas de longa duração sob condições adversas Em vista dos resultados obtidos recentemente por várias missões em Angola na República Centro Africana e no Zaire e considerando a enorme quantidade de pedras lascadas coletadas devemos reconhecer que o povoamento pré histórico do que se convencionou chamar a grande floresta é tão significativo quanto o de outros setores da África Finalmente devemos observar que na zona equatorial úmida os vestígios orgânicos não se conservaram devido à acidez dos terrenos e que portanto com raríssimas exceções relativas a períodos muito recentes e mesmo históricos os fósseis humanos os restos de fauna e o instrumental ósseo estão totalmente ausentes 2 Nakuriano Fase úmida definida pelos depósitos da praia inferior à dos 102 m do lago Nakuru no Quênia Makaliano Fase úmida reconhecida nas praias lacustres dos 114 m e 102 m do lado Nakuru Gambliano Pluvial definido ao redor dos lagos Nakuru Naivasha e sobretudo Elmenteita Gambles Cave no Quênia Kanjeriano 3o pluvial definido por L S B LEAKEY com base em um depósito fossilífero descoberto em Kanjera em Kavirondo Gulf Kamasiano 2o pluvial cujo nome se deve a depósitos de diatomitas estudados por Grégory em Kamasa no Kenya Rift Valley Kagueriano 1o pluvial assim chamado com base no sistema de terraços do rio Kaguera na Tanzânia descoberto por E J Wayland em 1934 594 Metodologia e pré história da África Histórico das pesquisas A pré história da zona da floresta equatorial da bacia do Congo permaneceu ignorada durante muito tempo em razão de sua enorme cobertura vegetal e de suas maciças formações lateríticas nas quais se encontram encerradas as indústrias de várias culturas pré históricas Foi preciso esperar o desenvolvimento das grandes obras públicas construção de estradas de ferro rodovias pontes e canais de saneamento e as prospecções de minerais para que se começasse a conhecer a pré história desse setor para que os geólogos e pré historiadores tivessem acesso aos cortes geológicos reveladores de instrumental lítico No Zaire as primeiras descobertas isoladas de utensílios pré históricos parecem ser as do Comandante C Zboïnsky durante a construção das linhas de estrada de ferro Foram estudadas em 1899 por X Stainer que tentou uma síntese provisória apesar da ausência de qualquer estratigrafia De 1927 a 1938 desenvolvem se as pesquisas e importantes trabalhos são publicados em particular os de J Colette F Cabu E Polinard M Bequaert G Mortelmans o do Rev A Anciaux de Favaux e do Ab H Breuil Os mais recentes são os de H van Moorsel F van Noten e D Cahen cujas pesquisas ainda prosseguem Quanto à República Popular do Congo zona essencialmente florestal os trabalhos publicados são menos numerosos convém entretanto assinalar as pesquisas e estudos de J Babet R L Doize G Droux H Kelley J Lombard e P Leroy particularmente relacionados com as descobertas efetuadas ao longo da estrada de ferro que liga Ponta Negra a Brazzaville A pré história do Gabão é conhecida pelos trabalhos de Guy de Beauchene B Farine B Blankoff e Y Pommeret mas as informações são bastante limitadas e nenhuma estratigrafia foi estabelecida com precisão Os primeiros trabalhos efetuados na República Centro Africana foram os do Prof Lacroix que por volta de 1930 descobriu utensílios pré históricos nas aluviões dos rios do planalto de Muka Essas descobertas foram publicadas em 1933 pelo Ab H Breuil e no mesmo ano Félix Eboué assinalava num estudo de etnografia alguns utensílios de pedra descobertos no decorrer de outros trabalhos Finalmente entre 1966 e 1968 foram efetuadas pesquisas sistemáticas no país por R de Bayle des Hermens As publicações que se seguiram permitem que se tenha uma ideia bastante precisa das indústrias pré históricas encontradas numa zona onde praticamente nada se conhecia 595 Pré História da África Central Até os últimos anos muito pouco se sabia sobre a pré história de Camarões e foi preciso esperar os trabalhos de N David J Hervieu e A Marliac para se ter uma ideia geral de mais uma região da África cuja prospecção arqueológica ainda está por ser feita Sobre Angola podemos citar os nomes de J Janmart H Breuil e J D Clark que efetuaram seus trabalhos nos ricos depósitos de aluviões das minas de diamantes Bases cronológicas Utilizaremos para este parágrafo os trabalhos de cronologia do Quaternário da bacia do Zaire elaborados por G Mortelmans 1955 1957 que frente aos atuais conhecimentos são os mais aceitáveis O pluvial Kagueriano Parece ser o pluvial mais importante dos quatro que se sucederam Foi um período de escavação intensa dos vales e de formação de velhos terraços de cascalhos onde se encontram as mais antigas indústrias da bacia do Zaire Constituídas na quase totalidade por seixos lascados essas indústrias são classificadas num Pré Acheulense Inferior Kafuense segundo G Mortelmans Um período árido importante sucede ao pluvial Kagueriano e os antigos terraços cobrem se de uma maciça camada de laterito onde se encontra um Pré Acheulense mais evoluído porém mal situado cronologicamente devido à falta de estratigrafia O pluvial Kamasiano Situa se no estágio final do Pleistoceno Inferior e abrange todo o Pleistoceno Médio Na realidade divide se em duas fases separadas por um período mais seco Na bacia do Kasai atribuem se a esse período os terraços de 30 m e de 22 24 m no Shaba Catanga e ao que parece no oeste da República Centro Africana os cascalhos de terraços de fundo de talvegues e dos leitos fósseis dos cursos dágua Ocorre nesse caso nas regiões de relevo pouco acentuado a colmatagem de certos leitos de rios e a escavação de novos cursos Nas camadas profundas desses leitos fósseis encontra se um instrumental pré acheulense mais evoluído que o dos antigos terraços do Kagueriano Alguns bifaces começam a aparecer mas seu lugar cronológico não está estabelecido com exatidão 596 Metodologia e pré história da África No fim do período maximal do Kamasiano o Acheulense Inferior sucede às indústrias de seixos lascados Estas ainda se apresentam em grande número porém novos utensílios começam a aparecer os bifaces e as machadinhas em particular Estas últimas bastante raras no início rapidamente passam a ocupar um lugar importante no conjunto de utensílios daquela cultura O primeiro máximo kamasiano é seguido por uma fase moderadamente seca durante a qual ocorrem novas formações de lateritos ruptura de declives e depósitos de limos fluviais A esse período está relacionado um Acheulense Médio cujos utensílios em geral são feitos a partir de lascas frequentemente obtidas por meio de uma técnica de debitagem lateral chamada Victoria West I3 No segundo máximo do Kamasiano4 menos acentuado que o primeiro novos cascalhos são depositados formando se os terraços de 15 m no Kasai O ciclo termina com o início de um novo período seco em que ocorre a formação de novos lateritos A evolução do Acheulense prossegue com uma nova técnica de debitagem a Victoria West II e com o desenvolvimento de um novo instrumento o picão que vai ocupar na zona florestal lugar de destaque dentre os conjuntos industriais que sucedem ao Acheulense O período árido Pós Kamasiano é o mais importante conhecido nessa região O Saara estende se em direção ao sul e o deserto do Calaari em direção ao norte Alguns autores acreditam que a floresta equatorial tenha praticamente desaparecido subsistindo apenas como florestas ciliares Areias vermelhas desérticas acumulam se em espessuras às vezes consideráveis o Acheulense desaparece ou antes parece transformar se naquele mesmo local em uma nova indústria denominada Sangoense em particular na África equatorial e nas zonas florestais Os utensílios se transformam As machadinhas tornam se raras e acabam por desaparecer os bifaces passam a ser mais espessos e maciços os picões tornam se muito abundantes e novos objetos totalmente desconhecidos no Acheulense vêm figurar no conjunto de utensílios peças bifaces alongadas de grandes dimensões Esses instrumentos seriam adaptados à vida em meio florestal Há entretanto uma contradição no que diz respeito ao meio ambiente onde se desenvolveu o Sangoense se se admite que a floresta equatorial tenha praticamente desaparecido no árido Pós Kamasiano em que se situa essa indústria Deve se reconhecer que o Sangoense é uma das indústrias africanas menos conhecidas atualmente 3 Nome dado a duas técnicas de debitagem levalloisiense observadas particularmente nas indústrias recolhidas nas proximidades das quedas do Zambeze em Vitória Victoria Falls 4 Alguns autores consideram este segundo máximo kamasiano o Kanjeriano o que dá quatro períodos úmidos em vez de três dos quais um apresentaria duas fases bem distintas 597 Pré História da África Central O pluvial Gambliano O pluvial Gambliano assiste à reconstituição da floresta equatorial enquanto os rios escavam os vales e depositam às aluviões dos terraços baixos constituídas de areias eólias acumuladas por ocasião do último período árido No Zaire ocidental e no Kasai o Sangoense evolui para uma nova indústria menos maciça o Lupembiense também considerada uma cultura florestal As regiões do sudeste vêem desenvolverem se indústrias semelhantes às da África do Sul e do Quênia indústrias de lascas e lâminas com fácies musteroides conhecidas pelo nome de Middle Stone Age Média Idade da Pedra mal situadas tanto na sua estratigrafia em geral inexistente quanto na sua tipologia O Makaliano e o Nakuriano fases úmidas pós gamblianas Esses dois períodos são muito menos acentuados que os pluviais precedentes entre eles intercala se uma curta fase seca não sendo o Nakuriano nitidamente conhecido na bacia do Zaire No Makaliano os rios escavam ligeiramente seu leito havendo depois nova colmatagem O Lupembiense evolui no mesmo local os utensílios tornam se cada vez menores enquanto os trinchetes e pontas de flecha aparecem em muito maior número no Tshitoliense civilização de caçadores No Zaire oriental no Shaba e em Angola desenvolvem se inúmeras fácies incluídas na Late Stone Age Alta Idade da Pedra conjunto que aliás precisa ser seriamente reexaminado pois compreende várias indústrias tão diferentes e discordantes que não se consegue situá las cronologicamente com exatidão Durante e após o período úmido Nakuriano as indústrias neolíticas entre as quais o Tshitoliense invadem toda a África equatorial onde parecem ter duração muito mais longa que em outros lugares As civilizações do couro e do ferro só mais tarde penetrarão nessa região de difícil acesso o que mostra mais uma vez a evolução local das culturas pré históricas As indústrias pré históricas da bacia do Zaire As indústrias pré acheulenses Em toda a bacia do Zaire conhecem se indústrias pré históricas muito antigas constituídas de seixos partidos Encontram se em geral enterradas sob velhos lateritos como na bacia do Alto Kafila no Zaire e na República Centro Africana nas formações lateríticas do planalto de Salo no Alto Sanga São encontradas ainda nas aluviões profundas dos leitos fósseis de rios dessa mesma região Em 598 Metodologia e pré história da África Angola estão presentes nas aluviões profundas de elementos pesados de inúmeros rios Essas culturas pré históricas antigas chamadas culturas do seixo lascado Pebble Culture Early Stone Age recebem nomes diferentes conforme os lugares ou os pré historiadores que as assinalaram pela primeira vez Na verdade todas são parte de uma lenta evolução das técnicas de lascamento que durou cerca de 2 milhões de anos O Kafuense Sítio epônimo vale do Kafu em Uganda descoberto por E J Wayland em 1919 A indústria é constituída de seixos de rio em geral apresentando destacamentos de três lascas em três direções diferentes raramente numa só o que determina um gume grosseiro Atualmente o Kafuense subdivide se em quatro níveis Kafuense Arcaico Kafuense Antigo Kafuense Recente e Kafuense Evoluído Esses quatro estágios são encontrados em Nsongesi sul de U ganda nos terraços de 82 e 61 m O Kafuense Evoluído é muito semelhante ou mesmo idêntico ao Olduvaiense Alguns pré historiadores consideram que os níveis antigos do Kafuense não apresentam evidências do trabalho humano sendo os seixos fendidos ali encontrados resultantes de fraturas naturais O Olduvaiense Sítio epônimo Olduvai na Tanzânia na planície de Serengeti descoberto por Katwinkel em 1911 e que se tornou célebre a partir de 1926 com os trabalhos e descobertas de L S B Leakey A garganta de Olduvai corta profundamente os depósitos de um antigo lago do Pleistoceno Médio e Superior Ali foram identificados onze níveis cheles acheulenses sobre um Pré Acheulense que constitui o Olduvaiense O Olduvaiense é uma indústria formada a partir de seixos de rio em geral menos planos que os do Kafuense O lascamento é mais desenvolvido e o gume sinuoso é obtido por meio de destacamentos alternados que no último estágio dessa indústria acabam por apresentar uma ponta anunciando já as culturas com bifaces O Olduvaiense foi encontrado no Shaba no oeste da República Centro Africana depósitos de aluviões do Alto Sanga e ao que parece está presente no nordeste de Angola Contudo não foi identificado com segurança em Camarões no Gabão e na República Popular do Congo apesar da descoberta isolada de seixos lascados nesses países às margens do golfo da Guiné 599 Pré História da África Central O Acheulense O Acheulense é uma cultura particularmente bem representada na bacia do Zaire sendo certas jazidas de aluviões ou de terraços de uma riqueza excepcional As divisões do Acheulense em quatro ou cinco estágios conforme os autores correspondem mais especialmente às técnicas de lascamento e de acabamento dos utensílios são mais tipológicas do que estratigráficas As jazidas acheulenses são constituídas em grande parte pelas aluviões de cursos dágua antigos depositadas sob forma de terraços em cascalhos e em areias de talvegue e nos leitos fósseis de pequenos rios cujos cursos foram deslocados As indústrias não se encontram em seu lugar de origem foram transportadas concentradas pelo escoamento sofrendo desgaste durante esse processo Em consequência o estudo do Acheulense nessas jazidas fundamenta se sobretudo na tipologia e não na estratigrafia como em Olduvai onde os depósitos lacustres que encerram as indústrias têm uma espessura de 100 m aproximadamente A indústria acheulense caracteriza se por utensílios bastante variados e muito mais elaborados do que os das culturas pré acheulenses O seixo lascado permanece e embora se torne mais raro à medida que a indústria evolui não chega a desaparecer Utensílios novos adquirem grande importância em primeiro lugar o biface objeto feito a partir de um seixo ou de uma lasca com destacamentos nas duas faces como o próprio nome indica apresenta forma oval ou amigdaloide ponta mais ou menos pronunciada base geralmente arredondada seção na maioria das vezes lenticular e dimensões muito variáveis Um outro utensílio importante é a machadinha caracterizada por um gume oposto à base e talhada a partir de uma lasca Há ainda os picões pouco numerosos no Acheulense Inferior e Médio mas muito abundantes no Acheulense Final Juntamente com esses quatro utensílios figuram no conjunto inúmeras lascas de dimensões muito variadas utilizadas em estado bruto ou retocadas de modo a formar raspadores e outros utensílios menos elaborados como as peças denticuladas por exemplo Há cinco subdivisões do Acheulense baseadas na tipologia e nas técnicas de debitagem Acheulense I Abbevilliense ou Chellense Antigo para alguns autores O instrumental inclui lascas muito grandes obtidas pela percussão de blocos rochosos sobre uma bigorna fixa Essas lascas clactonienses também utilizadas em estado bruto na maioria das vezes são transformadas em bifaces e em machadinhas instrumentos pesados e maciços com arestas laterais muito 600 Metodologia e pré história da África sinuosas O corte de seixos lascados não desapareceu ao contrário desenvolveu se pois alguns bifaces ditos de base reservada são resultado do aperfeiçoamento do lascamento de seixos do Pré Acheulense Este estágio é representado no Shaba pelas jazidas de Kamoa e de Luena descobertas por F Cabu No sul de Angola foi reconhecido na bacia do Luembe Algumas jazidas do oeste da República Centro Africana também pertencem ao Acheulense I Com frequência os utensílios desse estágio recolhidos nas aluviões de terraços ou de leitos fósseis de rios apresentam se muito desgastados devido ao transporte fluvial É particularmente o caso das jazidas de Lopo e de Libangue na República Centro Africana Acheulense II Abbevilliense Recente ou Acheulense Inferior É uma indústria muito semelhante à anterior encontrável igualmente nos cascalhos dos rios de Angola e do Shaba seus utensílios sofreram no entanto um desgaste menor sendo mais bem acabados do ponto de vista do lascamento secundário que os do Acheulense I As arestas dos bifaces e das machadinhas tornam se mais retilíneas ao que parece em consequência de retoques com percutor mole de madeira ou de osso Acheulense III Acheulense Médio Esse estágio é encontrado na superfície sobre os cascalhos de Luena e Kamoa onde se acha incorporado aos limos fluviais Nele se opera uma verdadeira revolução nas técnicas de debitagem a preparação dos núcleos com o objetivo de obter grandes lascas Essa técnica bem conhecida na África meridional é chamada Victoria West I É a técnica protolevalloisiense A preparação do núcleo resulta em um plano de percussão facetado A lasca é retirada lateralmente e em seguida cuidadosamente retocada para a obtenção de um biface machadinha ou raspado r O corte é feito com percutor manual mole Os instrumentos são bastante regulares e simétricos tornando se as arestas laterais praticamente retilíneas As machadinhas são talhadas por retoque alterno dos bordos laterais o que lhes dá uma seção retangular 601 Pré História da África Central Acheulense IV Acheulense Superior Nesse estágio as técnicas de debitagem permanecem basicamente as mesmas mas são aperfeiçoadas técnica Victoria West II Trata se de um núcleo muito mais circular com plano de percussão facetado de onde são destacadas grandes lascas com bulbo situado numa base estreita diferente da base larga usada na técnica Victoria West I Essas lascas servem para a fabricação dos utensílios bifaces raspadores e machadinhas todos finamente retocados A seção das machadinhas é trapezoidal ou lenticular Esse Acheulense Superior encontra se em Kama nos limos do Kamasiano II e no Kasai nos terraços de 15 m Acheulense V Acheulense Evoluído e Final O Acheulense Final presencia uma diversificação cultural em expressões regionais mais bem adaptadas ao que parece ao meio ambiente climático e vegetal Corresponde à instalação do homem nos médios e baixos terraços secos Além das técnicas já conhecidas começa a aparecer a técnica de debitagem Levallois O restante do instrumental não apresenta diferenças em relação aos estágios precedentes exceto quanto à perfeição ao acabamento e ao surgimento de bifaces e de machadinhas de dimensões muito grandes algumas com mais de 30 cm de comprimento Um utensílio desenvolve se de maneira considerável o picão robusto e maciço de seção triangular ou trapezoidal adaptado talvez para o trabalho em madeira com grandes peças bifaciais alongadas já anuncia o complexo Sangoense Encontram se ainda esferas de pedra cuidadosamente preparadas comparáveis às bolas As jazidas do rio Mangala a oeste da República Centro Africana forneceram uma série particularmente importante dessas bolas Esse Acheulense Final é encontrado no Shaba em Kamoa e nos arredores de Kalina no Zaire Também está representado em Angola talvez nas proximidades de Brazzaville e na República Centro Africana pelas ricas jazidas do rio Ngoere no Alto Sanga Em toda a bacia do Zaire desconhecem se infelizmente os criadores dessa cultura em consequência da acidez dos terrenos que não permitiu a consêrvação de restos orgânicos 602 Metodologia e pré história da África O Sangoense O sítio epônimo que deu nome a essa cultura é Sango Bay na margem do lago Vitória na Tanzânia descoberto por E J Wayland em 1920 O Sangoense é uma indústria derivada diretamente do substrato acheulense local e sem introdução de elementos externos Ocupa o fim do pluvial Kanjeriano e continua durante uma fase de transição entre esse pluvial e o grande período árido que o sucede É uma indústria relativamente mal conhecida que apresenta várias fácies locais Estas parecem ter seguido uma evolução interna e se adaptado a um meio florestal ou pelo menos a um ambiente relativamente arborizado uma vez que tal indústria coincide com o início de um período árido Cinco estágios foram identificados nessa cultura Proto Sangoense Sangoense Inferior Sangoense Médio Sangoense Superior e Sangoense Final Do conjunto de utensílios líticos sangoenses o único que chegou até nós sofreu profundas modificações em relação ao Acheulense Final que o precede No início de sua evolução os bifaces continuam a tradição acheulense aos poucos vão se tornando mais maciços mais largos e mais curtos surgindo também alguns outros semelhantes aos picões com duas extremidades pontiagudas Por outro lado as machadinhas desaparecem rapidamente e as poucas que subsistem são de pequenas dimensões com bordos laterais muito sinuosas e talhadas em lascas largas Os seixos lascados ainda estão presentes embora não sejam muito abundantes Os picões que apareceram no fim do Acheulense passam a ocupar um lugar importante no conjunto de utensílios Com grandes dimensões seção triangular losangular ou trapezoidal quando associados a inúmeros raspadores parecem adaptar se ao trabalho da madeira O fenômeno mais notável é o aparecimento de peças bifaciais longas e estreitas lascadas por percussão e geralmente de grande delicadeza Essas peças chegam a representar cerca de um quarto do total conhecido dos instrumentos do Sangoense Foram classificadas em diversos tipos picões plainas buris goivas e punhais que em geral se associam para dar origem a instrumentos múltiplos picões buris picões plainas picões goivas picões punhais Algumas dessas peças atingem por vezes dimensões excepcionais ultrapassando 25 cm de comprimento Com a evolução do Sangoense estes utensílios que praticamente não variam quanto ao tipo diminuem em dimensões e o lascamento atinge grande perfeição O Sangoense é muito abundante na bacia do Zaire É conhecido no Zaire na planície de Kinshasa e no Alto Shaba onde difere do Sangoense das zonas ocidentais pela ausência de punhais e de pontas foliáceas por outro lado incluem 603 Pré História da África Central Figura 212 Monumento megalítico da região de Buar na República Centro Africana Clichê R de Bayle des Hermens Figura 213 Acheulense Superior República Centro Africana rio Ngoere Alto Sanga 1 Machadinha 2 biface Fotos Museu de História Natural 604 Metodologia e pré história da África se na indústria inúmeras bolas poliedros facetados ou esferas cuidadosamente acabadas com picoteamento e numerosas lascas aproveitadas Foi recolhido nas aluviões do rio Luembe em Candala e Lunda no nordeste de Angola onde muitas vezes aparece misturado com indústrias mais antigas ou mais recentes em consequência de sua posição nos cascalhos revolvidos Existe igualmente na República Popular do Congo na margem direita do Stanley Pool e no Gabão onde recentemente foi identificado Na República Centro Africana é conhecido pelas jazidas excepcionalmente ricas do centro este do país onde as aluviões das minas de diamantes no Nzako a Ambilo do Téré Tiaga e Kono forneceram milhares de utensílios em notável estado de conservação que se classificam como pertencentes a um Sangoense Médio ou Superior Até hoje o Sangoense não apareceu verdadeiramente diferenciado em Camarões a propósito discute se sua extensão para o oeste da África Alguns autores assinalaram sua presença no Senegal trata se na realidade de indústrias com peças bifaciais idênticas ou muito próximas das do Sangoense mas ainda muito mal situadas na cronologia pré histórica É possível que grupos humanos tenham se deslocado em direção ao oeste na zona da grande floresta mas até o presente não temos meios de identificar suas influências Como o Acheulense o Sangoense evolui localmente sem grandes contatos com o mundo exterior ao seu meio ambiente florestal É sucedido por uma indústria chamada Lupembiense surgida de condições ainda pouco definidas e que apresentaremos a seguir O Lupembiense O Lupembiense5 é segundo a classificação recomendada no Congresso Pan Africano de 1955 uma indústria da Middle Stone Age Entretanto o termo Middle Stone Age deve ser usado com precaução pois abarca um conjunto de instrumentos bastante heterogêneos cuja posição exata não foi ainda bem definida O Lupembiense desenvolve se no momento em que as condições de pluviosidade voltam ao normal no início do quarto pluvial chamado Gambliano atinge o ápice no decorrer da segunda parte desse período muito úmido e a datação absoluta indica uma duração de aproximadamente 25 mil anos Assim como o Acheulense Final que se desenvolveu localmente o Sangoense também se modificou refinou se adquiriu novas técnicas de lascamento que tiveram seu apogeu no Lupembiense sem que houvesse contatos com elementos estranhos à 5 Lupembiense Sítio epônimo estação pré histórica de Lupemba no Kasai termo criado pelo Abade H BREUIL 605 Pré História da África Central grande floresta a qual continuou a representar um papel protetor No início do Lupembiense subsistem ainda na indústria alguns bifaces que logo desaparecem não foram encontradas machadinhas Do ponto de vista da debitagem a técnica levalloisiense predomina na obtenção de lâminas e lascas o retoque é feito por percussão Num estágio posterior a técnica levalloisiense continua a ser empregada na obtenção de lascas mas uma outra técnica muito mais avançada a debitagem por pressão é utilizada na produção de lâminas bastante grandes que vão permitir a fabricação de peças longas estreitas e notavelmente retocadas Os últimos trabalhos relativos ao Lupembiense permitiram identificar cinco estágios Lupembiense I É encontrado em toda a bacia ocidental do Zaire onde constitui uma evolução local do Sangoense Os elementos acheulenses desaparecem totalmente o lascamento e o retoque são feitos por percussão Os instrumentos do Sangoense subsistem mas evoluem diminuindo em dimensões absolutas Os picões picões plainas picões planos não têm mais do que 15 cm Surgem as goivas buris peças cortantes e serras talhadas a partir de lâminas Com essas peças de cuidadoso acabamento a base dos instrumentos ainda é constituída de lascas grosseiras No final do Lupembiense I começam a aparecer pontas punhais e verdadeiras pontas de flechas Lupembiense II Este estágio foi definido em Pointe Kalina por J Colette mas é conhecido também no Stanley Pool Os buris foliáceos do Lupembiense I evoluem transformando se em machados Buris com bordo retilíneo e um novo tipo de trinchete com gume oblíquo substituem as formas conhecidas no Sangoense As armas compreendem punhais de 15 a 35 cm de comprimento e pontas foliáceas delicadamente talhadas e muito finas Lupembiense III Foi identificado nos depósitos de superfície do Stanley Pool e em alguns depósitos de Angola Nesse estágio a técnica de debitagem da pedra atinge seu apogeu com o retoque pressão As lascas obtidas por uma técnica levalloisiense evoluída são triangulares retangulares ou ovais Surge um instrumental pedunculado que se desenvolve e se torna mais frequente Os utensílios do 606 Metodologia e pré história da África Lupembiense Antigo são encontrados aqui mas com dimensões mais reduzidas picões buris pequenos bifaces alguns raspadores lesmas trinchetes com gume reto ou oblíquo e lâminas com bordo desbastado Os punhais chegam a atingir dimensões consideráveis até 46 cm As pontas são denticuladas constituindo armas mortais os machados tornam se mais comuns embora não abundantes Fato importante é o aparecimento de pontas de flechas de diversos tipos foliáceas losangulares pedunculadas ou não com bordos às vezes denticulados e de grande perfeição Em Angola um estágio tardio do Lupembiense foi datado pelo método do C14 14503 560 anos ou seja 12500 antes da Era Cristã Em relação à Europa situa se no Paleolítico Superior Lupembiense IV O Lupembiense IV é muito mal conhecido Sua principal característica seria a técnica epilevalloisiense de debitagem Lupembo Tshitoliense Este último estágio parece ter ocorrido do ponto de vista estratigráfico na fase árida em que termina o Pleistoceno na África central e oriental imediatamente antes do primeiro período úmido Makaliano As jazidas conhecidas localizam se nas aluviões cascalhosas ou na base da camada úmida que as recobre muitas vezes em ilhas fluviais A técnica de debitagem não se modifica em relação aos outros estágios do Lupembiense ainda é epilevalloisiense Por outro lado o retoque associa à percussão e à pressão uma nova técnica o retoque abrupto que caracteriza o Mesolítico O instrumental ainda compreende buris goivas e bifaces mas desaparecem os raspadores e lâminas com dorso Aos trinchetes vem juntar se um microtrinchete com retoque abrupto dos bordos que pode ser considerado em certos casos como uma armadura de gume transversal As pontas de flechas são mais variadas foliáceas losangulares farpadas raramente denticuladas e pedunculadas Em Angola uma indústria classificada no Lupembo Tshitoliense data de 11189 490 anos O Lupembiense ainda não foi encontrado na República Centro Africana e em Camarões Por outro lado foi assinalado na República Popular do Congo 607 Pré História da África Central e no Gabão mas pelo fato das jazidas situarem se em regiões de difícil acesso continua mal definido Culturas pré históricas de caráter não florestal Enquanto o Lupembiense ocupa a zona florestal do oeste da bacia do Zaire no Shaba e no leste de Angola desenvolvem se culturas de caracteres não florestais o Proto Stillbayense o Stillbayense e o Magosiense Essas culturas vão apresentar uma grande expansão na África do leste e do sul O Proto Stillbayense O sítio epônimo é Stillbay jazida do litoral da província do Cabo O Proto Stillbayense é uma indústria caracterizada por pontas unifaciais raspadores ferramentas denticuladas pedras de arremesso raros bifaces de pequenas dimensões pontas semifoliáceas de seção espessa grosseiramente retocadas em buris também pouco numerosos Esses instrumentos são obtidos por retoque relativamente abrupto O Stillbayense No Stillbayense a natureza dos instrumentos não varia sensivelmente em relação ao estágio anterior mas se nota uma grande perícia nas técnicas de debitagem epilevalloisiense Uma aquisição importante é o retoque pressão utilizado sobretudo na feitura de armas e de pontas musteroides unifaciais ou bifaciais que de modo geral conservam seu talão facetado Em um último estágio conhecido somente no Quênia figuram as lamelas com dorso buris e segmentos de círculo O Proto Stillbayense é muito abundante no Shaba já o Stillbayense é menos comum Os restos humanos mais antigos descobertos no Zaire pertencem ao Stillbayense Trata se de dois molares encontrados junto a quartzos lascados e uma ponta bifacial pelo Rev A Anciaux de Favaux nas brechas ossíferas de Kakontwe O Magosiense O sítio epônimo dessa indústria é Magosi em Uganda descoberto por Wayland em 1926 É uma cultura na qual se encontram as principais peças do Stillbayense Utensílios microlíticos lamelas com bordos desbastados 608 Metodologia e pré história da África segmentos de círculo triângulos raspadores unguiformes pequenos buris e contas feitas de casca de ovo de avestruz completam a indústria O Magosiense parece ter existido em Catanga mas nenhum sítio bem defínido foi até agora registrado com segurança Uma indústria mesolítica O Tshitoliense No final do Pleistoceno dois períodos relativamente secos provocam um recuo da cobertura florestal especialmente nas altitudes É nesses solos desbastados nos arredores das fontes muitas vezes no cume de colhias tabulares ou em desfiladeiros que se instalam os homens do Tshitoliense6 As jazidas desse tipo são conhecidas no planalto Bateke no Stanley Pool na planície de Kinshasa e no nordeste de Angola O instrumental encontrado varia de uma para outra contando ainda com um número proporcionalmente grande de utensílios florestais mas já de dimensões muito reduzidas Aparecem utensílios novos ou pouco conhecidos nas indústrias precedentes plainas lâminas com ponta retocada facas com dorso e sobretudo elementos microlíticos e geométricos trapézios triângulos gomos de laranja e microtrinchetes As pontas de flechas apresentam uma grande variedade de tipos e de formas foliáceas losangulares ovais triangulares farpadas pedunculadas denticuladas e com gume transversal Em sua quase totalidade são talhadas por retoque pressão o que lhes dá grande elegância O Tshitoliense por seu armamento reduzido às pontas de flecha pode ser considerado um Pré Neolítico que não inclui cerâmica nem machados polidos Aparece como uma expressão tardia das culturas florestais africanas antes do desenvolvimento do Neolítico do Zaire ocidental aparentemente de caráter intrusivo O Neolítico Em toda a bacia do Zaire no sentido amplo do termo as civilizações pré históricas mencionadas nos parágrafos anteriores constituem do Pré Acheulense ao Tshitoliense etapas sucessivas de um complexo cultural imenso desenvolvido em meio florestal que como já foi dito evoluiu localmente sem contribuições sensíveis do mundo exterior As fácies neolíticas pois é preciso desde logo deixar claro que houve várias fácies por vezes muito diferentes umas das outras desenvolvem se 6 Tshitoliense Termo criado com base no instrumental lítico recolhido em Tshitolo no Kasai 609 Pré História da África Central no decorrer do último e breve período úmido o Nakuriano O clima de então é sensivelmente o mesmo que conhecemos hoje A cobertura florestal é mais densa pois ainda não sofreu a ação devastadora do homem e as espécies vegetais são as que existem atualmente É portanto no interior de uma floresta tropical muito densa que vindos do norte depois de atravessar o rio nos arredores dos rápidos de Isanghila os criadores de uma cultura neolítica conhecida como do Congo ocidental vão aos poucos se instalando São eles portadores de novas técnicas que em maior ou menor grau irão fundir se com as já existentes no local Esse Neolítico distingue se pelo emprego quase exclusivo de rochas difíceis de trabalhar como os xistos quartzos e a jadeíta As lascas são portanto muito malfeitas resultando um instrumental medíocre Os conjuntos de utensílios variam conforme os sítios Incluem picões grosseiramente elaborados buris seixos lascados de pequenas dimensões pedras perfuradas de várias formas pesos e materiais e sobretudo um grande número de machados Estes últimos são inicialmente lascados e parcialmente polidos depois picoteados e polidos cuidadosamente No Zaire são conhecidos inúmeros polidores que certamente serviram ao polimento de machados As pontas de flechas não estão ausentes mas em geral são de fabricação muito medíocre e talhadas em lascas de quartzo Em alguns sítios mais especificamente em Ishango a indústria apresenta utensílios de osso em particular arpões com uma e mais tarde com duas camadas de farpas Ao lado desse instrumental lítico e ósseo figura em algumas jazidas uma cerâmica abundante muito bem decorada e ornamentada As jazidas neolíticas são conhecidas no Cuango ocidental em associação com o Tshitoliense em ambas as margens do rio Zaire entre o Pool e Congo dia Vanga e em vários pontos da República Popular do Congo Uma fácies que apresenta grande número de machados de hematita com polimento particularmente cuidadoso é encontrada em Uele no norte do Zaire O Neolítico é conhecido sob diversas fácies como já indicamos em Camarões no Gabão e na República Centro Africana Nesse último país a jazida de Batalimo em Lobaye encerra uma indústria em jadeíta na qual inúmeros machados lascados encontram se associados a uma cerâmica muito fina A datação dessa indústria feita pelo método de termoluminescência é 380 220 da Era Cristã A data à primeira vista pode parecer anormal contudo pelo que atualmente se sabe o Neolítico na zona da grande floresta parece ter durado muito mais tempo que nas outras regiões prolongando se até um período histórico A introdução dos metais no local teria ocorrido só bem mais tarde Alguns autores situam o advento do ferro num período já próximo do século IX da Era Cristã 610 Metodologia e pré história da África Os monumentos megalíticos As culturas megalíticas desenvolveram se sob diversas formas na África particularmente na África do norte e no Saara A bacia do Zaire com exceção do noroeste da República Centro Africana não conheceu tais culturas Em Angola no Zaire no Gabão na República Popular do Congo não foi encontrado nenhum monumento megalítico e em Camarões somente algumas pedras colocadas em sentido vertical Em contrapartida a República Centro Africana na região de Buar possui megálitos particularmente notáveis Ocupam eles uma faixa de 130 km de Figura 214 Vaso neolítico de fundo plano República Centro Africana Batalimo Lobaye Foto Laboratório de Pré História Museu de História Natural 611 Pré História da África Central comprimento e 30 km de largura na linha divisória das águas das bacias do Zaire e do Chade Ao que parece não são conhecidos em Camarões e tampouco em outros lugares da República Centro Africana Essa cultura encontra se pois confinada geograficamente ao noroeste do país Os monumentos apresentam se sob a forma de túmulos com dimensões variáveis encimados por um certo número de algumas unidades a várias dezenas de pedras verticalmente colocadas e cuja altura acima do solo chega a ultrapassar 3 m As escavações realizadas em vários desses monumentos revelaram sua estrutura interna mas forneceram poucos elementos arqueológicos quartzo lascado cerâmica e objetos de metal nas camadas superiores Por outro lado os carvões vegetais recolhidos permitiram fazer datações pelo método do C147 Os resultados obtidos fornecem datas extremamente importantes as primeiras relativas às camadas profundas dos monumentos 7440 170 BP ou seja 5490 antes da Era Cristã e 6700 140 BP ou 4750 antes da Era Cristã as segundas 1920 100 BP isto é 30 da Era Cristã e 2400 110 BP ou 450 da Era Cristã Essas duas séries de datações indicam para as camadas mais antigas a idade da edificação dos megálitos e para as mais recentes a idade de uma nova utilização aliás confirmada por alguns objetos metálicos recolhidos nas camadas superiores No estágio em que se encontram as pesquisas não permitem atribuir com certeza os megálitos de Buar ao Neolítico mas pode se dizer que a civilização que os edificou é ao menos contemporânea desse período A arte rupestre Situada entre as duas grandes regiões de arte rupestre Saara e África do Sul a bacia do Zaire também possui uma arte rupestre embora não tão rica quanto se podia esperar em vista de sua localização No Chade no Ennedi e no Borku desenvolveu se uma arte rupestre que faz parte dos grandes complexos saarianos Em Camarões conhece se um sítio de gravuras sobre lajes horizontais polidas e desgastadas pela erosão no norte do país em Bidzar As representações são essencialmente geométricas círculos e arcos ora isolados ora em grupo Em Angola existem gravuras na região de Calola Apresentam se sobre lajes horizontais e os motivos são geométricos como em Camarões Pinturas aparentemente mais recentes foram assinaladas nessa mesma região No Zaire conhecem se vários sítios de diferentes épocas O Shaba parece ser a província 7 BAYLE DES HERMENS R e VIDAL P 1971 p 81 82 612 Metodologia e pré história da África mais rica em arte rupestre e pertencer ao mesmo grupo que a Zâmbia e Angola do leste Esse grupo é caracterizado por uma arte esquemática e não naturalista como a da África do Sul Em 1952 o Ab Henri Breuil publicava as figuras gravadas e pontuadas da gruta de Kiantapo8 e G Mortelmans um ensaio de síntese dos desenhos rupestres do Shaba9 chamando a atenção para as dificuldades de datação dos diferentes estilos devido à falta de documentos arqueológicos Foram descobertas lajes gravadas no Baixo Zaire tendo a arte rupestre nessa região subsistido até época muito recente Séries de gravuras do Monte Gundu no Dele parecem relacionadas aos ritos da água e do fogo Na República Centro Africana a arte rupestre atualmente conhecida está situada no norte e no leste do país Ao norte os abrigos de Toulou da Koumbala e do Djebel Mela apresentam pinturas tratadas com ocre vermelho preto e branco personagens e signos diversos mas ausência de representações animais No leste as jazidas de Lengo e do Mpatou perto de Bakouma apresentam uma arte gravada sobre lajes horizontais de laterito ao que parece relativamente recente e executada por homens que já conheciam o ferro tendo se em conta as inúmeras facas de arremesso e pontas de lança ali encontradas A arte rupestre da bacia do Zaire não tem nenhuma semelhança com a do Saara Seu eixo de penetração deve ser buscado em direção à África do sul e do leste Ela é bastante similar à que se conhece na região bantu é pois recente e até mesmo histórica Entretanto tem grande importância para o estudo das migrações e movimentos de populações de um período muito mal conhecido da preto história ou mesmo da história da África tropical Conclusão De tudo o que expusemos sobre a pré história da bacia do Zaire infere se que até o Acheulense Superior as indústrias pré históricas distinguem se muito pouco do que se conhece nas outras regiões da África subequatorial É a partir do complexo Sangoense que tem início a grande diversificação regional das culturas de fácies florestal com um fato notável o isolamento quase total em que viveram os homens dessa região até a chegada dos neolíticos vindos do norte fugindo talvez das zonas saarianas em razão do dessecamento 8 BREUIL H 1952 p 1 32 14 pranchas 9 MORTELMANS G 1952 p 35 55 9 pranchas 613 Pré História da África Central A grande floresta equatorial constituiu uma barreira natural limitando os contatos com o norte e o sul do Equador Nessa área as culturas neolíticas tiveram uma duração muito maior do que em qualquer outra uma vez que continuaram isoladas e protegidas numa época em que outras regiões já haviam entrado há muito tempo na história com a utilização dos metais e do ferro C A P Í T U L O 2 1 615 Pré História da África Central A África Central tema deste capítulo compreende o Zaire e alguns países limítrofes a República do Congo o Gabão o Rio Muni a República Centro Africana Ruanda Burundi e Angola Desde o final do século XIX essa parte do continente atraiu a atenção dos arqueólogos mas as pesquisas sempre foram muito dispersas Os primeiros pesquisadores que se interessaram pela África Central quiseram inicialmente reconhecer na região períodos semelhantes aos descritos na Europa Foi X Stainer quem tentou um primeiro estudo de conjunto em 1899 mas a J Colette cabe o mérito de ter realizado escavações desde 1925 Bequaert 1938 Entretanto pode se dizer que a pesquisa científica só se ampliou realmente depois da Segunda Guerra Mundial A partir de então estudos sistemáticos foram efetuados por J D Clark na Zâmbia e em Angola R de Bayle des Hermens na República Centro Africana J Nenquin em Ruanda e no Burundi G Mortelmans J de Heinzelin e H van Moorsel no Zaire e pela Sociedade Pré Histórica e Proto Histórica Gabonense no Gabão No Zaire os trabalhos se desenvolveram principalmente a partir da criação do Instituto dos Museus Nacionais em 1970 Nossos conhecimentos entretanto ainda são bastante fragmentários Embora Colette tenha sido um pioneiro realizando o primeiro estudo cronoestratigráfico seu exemplo foi muito pouco seguido e em várias partes da área considerada Pré História da África Central PARTE II F Van Noten com a colaboração de P de Maret J Moeyersons K Muya E Roche 616 Metodologia e pré história da África Figura 215 Zonas de vegetação da África Central 617 Pré História da África Central nossos conhecimentos baseiam se unicamente nas coletas de superfície Mas é preciso ter em conta que a arqueologia na África Central se depara com muitas dificuldades Algumas áreas como o norte por exemplo não se prestam muito bem a escavações em razão das espessas crostas lateríticas enquanto que na floresta as prospecções são difíceis Outros fatores dificultam ainda mais a tarefa de modo geral as condições climáticas e a acidez dos terrenos não permitiram a conservação dos restos ósseos o que explica sua ausência na maioria dos sítios estudados Há entretanto exceções notadamente em Ishango e em Matupi onde o meio calcário possibilitou a boa conservação do material A nomenclatura tem sido constantemente revisada e as subdivisões discutidas com frequência A sucessão das antiga média e recente idades da pedra entrecortada por períodos intermediários parece não ser mais aceitável nem cronológica nem tipologicamente Após um período de rigorosas tentativas de classificação volta se a considerar muito relativas e provisórias essas amplas categorias O estudo de sítios novos escavados e datados sistematicamente confirma esse procedimento Citemos como exemplo a recente Idade da Pedra em 1959 J D Clark situava o início desse período por volta de 7500 BP Em 1971 obtínhamos para a gruta de Munyama em Uganda uma data aproximada de 15000 BP van Noten 1971 e seis anos mais tarde a indústria microlítica de Matupi era datada de 40000 BP aproximadamente van Noten 1977 Há portanto evidentes contradições entre a antiga classificação e as descobertas recentes Ainda que os arqueólogos do mundo inteiro comecem a demonstrar um especial interesse pelo modo de vida do homem pré histórico estudando seu meio ambiente e tentando compreender as relações que mantinha com esse meio a pré história na África Central permaneceu durante muito tempo como um estudo de tipologia e de cronologia Nessa nomenclatura o espaço dedicado ao homem é mínimo Em lugar de organizar um catálogo exaustivo de sítios os quais na maior parte das vezes mostram apenas descobertas de superfície iremos concentrar nos nas raríssimas escavações sistemáticas que forneceram elementos para datações Ishango Gombe Bitorri Kamoa Matupi e Kalambo Esses conjuntos de dados extremamente dispersos deverão ser complementados com informações fornecidas pelo estudo de outras localidades Estamos mais do que nunca convencidos da impossibilidade de estabelecer grandes áreas culturais bem definidas Devemos nos limitar à constatação da 618 Metodologia e pré história da África presença do homem num momento determinado sem poder afirmar ainda se ele evoluiu localmente ou se veio de fora Certamente ele cedo se adaptou a meios bem definidos com clima flora e fauna próprios O caçador coletor primitivo precisava explorar esses meios para sobreviver e já a escolha do material existente ditava seu procedimento quando da fabricação dos utensílios É claro que o homem deve ter respondido de diferentes maneiras às diferentes condições criadas pela diversidade dos meios ambientes da África Central Resultou daí a existência de áreas distintas que por vezes mostram traços comuns mas ao mesmo tempo adaptações regionais e mesmo locais que não se explicam simplesmente pela influência de condições ecológicas diferentes Entretanto seria prematuro falar em áreas culturais Quadro geográfico Os traços gerais da morfologia da imensa região chamada África Central são o resultado de uma série de movimentos tectônicos que já haviam começado no início do Terciário e que provavelmente ainda não cessaram A bacia central cuja altitude não ultrapassa 500 m é rodeada por um cinturão de planaltos de colinas ou de montanhas formados nas camadas geológicas que recobrem o embasamento cristalino pré cambriano Este aflora na periferia é muito acidentado particularmente em Kivu onde chega a elevar se acima de 3000 m e bastante recortado pela erosão Relevos muito elevados dominam o embasamento em alguns lugares os planaltos basálticos cerca de 3000 m da margem sudeste do lago Kivu e da Adamaua cerca de 2500 m os picos vulcânicos na região das Virunga cerca de 4500 m o horst do Ruwenzori 5119 m e o planalto do Huambo cerca de 2600 m Os movimentos tectônicos que afetaram as terras altas provocaram a formação de grabens tais como a fossa a leste da África Central e o buraco do Benue Exceto na região costeira ao sul de Angola e na bacia do Cubango Zambeze a África Central recebe chuvas abundantes Na bacia as precipitações são regulares o ano todo representam mais de 1700 mm de água por ano Nas costas do Gabão no Rio Muni e em Camarões podem atingir 4000 mm Nas regiões onde há uma estação seca três a sete meses as precipitações ainda atingem de 800 a 1200 mm Na África Central a floresta densa e úmida que se desenvolve sob regime pluvial elevado entre as latitudes 50 N e 4o S cobre a bacia do Zaire a maior parte da República Popular do Congo o Gabão o Rio Muni e o sul de Camarões A 619 Pré História da África Central Figura 216 Mapa da África Central com os nomes dos lugares citados no texto leste a floresta transforma se por formações de transição em florestas densas de montanha que ocupam entre 2o N e 8o S as cristas e as vertentes muito bem regadas do leste do Zaire de Ruanda e do Burundi Nos lugares onde sofreu degradação a floresta densa foi substituída por nova vegetação e florestas secundárias 620 Metodologia e pré história da África A floresta equatorial é margeada por florestas densas semidecíduas frequentemente bastante degradadas todavia capazes de sobreviver a uma estação seca de dois a três meses Ao norte elas constituem uma franja pouco extensa em latitude que vai de Camarões ao lago Vitória passando pelo sul da República Centro Africana e na região entre os rios Bomu e Uele Ao sul formam com as savanas de origem antrópica um mosaico vegetal que cobre parte da República Popular do Congo o Baixo Zaire as terras baixas do Cuango o Kasai Sankuru e o Lomami Dispostas em arco ao redor da zona das florestas densas guineenses as florestas abertas e as savanas sudano zambezianas cobrem regiões onde a estação seca chega a atingir sete meses o centro de Camarões a República Centro Africana o Sudão Meridional o leste de Ruanda e do Burundi o Shaba no Zaire a Zâmbia e Angola Grandes depressões pantanosas são encontradas ao longo dos rios sobretudo no curso do Nilo Branco ao sul do Sudão na bacia e na depressão do Upemba no Zaire na bacia do Zambeze em Angola e na Zâmbia Evolução do meio ambiente A reconstituição do meio ambiente do homem pré histórico tornou se um elemento importante das pesquisas arqueológicas Os primeiros estudos a respeito foram realizados no leste da África Vários pesquisadores como E J Wayland 1929 1934 P E Kent 1942 e E Nilsson 1940 1949 haviam observado no Quaternário alternâncias de períodos úmidos pluviais e períodos secos interpluviais Os pluviais foram considerados contemporâneos das glaciações do Hemisfério Norte e chamados do mais antigo ao mais recente Kagueriano Kamasi ano e Gambliano Posteriormente foram reconhecidas duas fases úmidas do início do Holoceno o Makaliano e o Nakuriano L S B Leakey 1949 J D Clark 1962 1963 e outros tentaram depois estender o uso desses nomes que haviam adquirido uma significação estratigráfica específica no leste da África a outras partes do continente Por sua vez autores como T P OBrien 1939 H B S Cooke 1958 R F A Flint 1959 F F Zeuner 1959 e W W Bishop 1965 expressaram suas reservas quanto à generalização da teoria as pesquisas efetuadas na África Central mostraram que existem intervalos de tempo consideráveis entre as fases pluviais das duas regiões 621 Pré História da África Central J de Ploey 1963 foi o primeiro a reconhecer na África Central a existência de um período semi árido no Pleistoceno Superior ao menos em grande parte contemporâneo da glaciação de Würm na Europa Diversos autores J Alexandre S Alexandre 1965 J Moeyersons 1975 constataram a presença dessa fase no Shaba Uma oscilação mais úmida por volta de 6000 BP foi descoberta por J de Ploey 1963 no Baixo Zaire em Mose no Shaba Alexandre comunicação pessoal e em Moussanda no Congo Delibrias et al 1974 47 Os estudos em Kamoa mostraram que essa fase foi precedida por uma outra oscilação úmida entre 12000 BP e 8000 BP separada da oscilação de 6000 BP por uma curta fase de erosão ligada a uma nova ocorrência da seca A oscilação úmida entre 12000 BP e 8000 BP é contemporânea da extensão dos lagos no leste da África encontrada por K W Butzer et al 1972 Os estudos de J de Ploey 1963 1965 1968 1969 no Baixo Zaire e de J Moeyersons 1975 em Kamoa indicam que os períodos mais secos eram caracterizados por uma intensificação dos processos morfogenéticos Assim na região de Kinshasa durante o Leopoldvilliano as colinas foram fortemente desnudadas havendo em consequência intensa sedimentação na planície Do mesmo modo em Kamoa esse período presenciou uma evolução muito grande das vertentes sob forma de estreitamento das bordas dos vales Tudo isso vem confirmar a hipótese de H Rhodenburg 1970 da alternância de fases morfodinâmicas identificadas com os períodos secos e fases estáveis úmidas A evolução do meio ambiente na África Central foi portanto fortemente marcada pelas condições climáticas dos últimos cinquenta milênios Os estudos relativos às formações vegetais atuais e ao seu equilíbrio com o clima bem como as análises palinológicas de diversos sítios permitiram a reconstituição da cobertura vegetal antiga e das condições climáticas que a determinaram É nas regiões montanhosas do leste que se pode perceber melhor alterações climáticas que acompanham as mudanças dos estágios de vegetação Os diagramas polínicos das turfeiras de altitude refletem uma sucessão de floras frias floras quentes e úmidas e floras secas a qual se evidencia sobremaneira no sítio de Kalambo Falls situado a 1200 m de altitude na Zâmbia J D Clark e E M van Zinderen Bakker 1964 descobriram no local uma longa fase seca entre 55000 BP e 10000 BP com duas oscilações úmidas por volta de 43000 BP e 28000 BP e o início de uma fase úmida mais longa por volta de 10000 BP Durante os períodos áridos a temperatura baixou sensivelmente nas terras altas ao redor do graben como J A Coetzee e E M van Zinderen Bakker 1970 já haviam assinalado no monte Quênia onde evidenciaram a Mount Kenya glaciation entre 26000 BP e 14000 BP 622 Metodologia e pré história da África J D Clark e E M van Zinderen Bakker 1962 também estudaram a evolução da cobertura vegetal na região de Lunda Uma floresta aberta seca de Brachystegia ocupou a região entre 40000 BP e 10000 BP dando lugar depois a uma floresta mais cerrada durante a fase úmida de 10000 BP a 5000 BP Segundo o estudo palinológico do sítio de Kamoa feito por E Roche 1975 em complementação ao estudo geomorfológico de J Moeyersons 1975 parece ter havido um período seco do Acheulense Final até 15000 BP Observa se a evolução progressiva de uma savana estépica para a floresta aberta e posteriormente a instalação de uma floresta mais densa com a extensão das galerias florestais consecutiva à umidificação do clima a partir de 12000 BP Segundo M Streel 1963 as florestas abertas secas e as savanas de Acacia teriam se estendido grandemente entre 50000 BP e 20000 BP Essa extensão que supostamente começou no Zambeze oriental teve como efeito o recuo da floresta densa em direção à bacia Para P Duvigneaud 1958 o Shaba pode ser considerado um cruzamento onde a vegetação é o reflexo de influências de diversas regiões guineo congolesa zambeziana e afro oriental Baseando se na teoria da mobilidade do equador térmico enunciada por Milankovitch A Schmitz 1971 acredita que um deslocamento de 8o ao sul durante uma fase quente e úmida que estaria situada entre 12000 e 5000 BP tenha provocado um grande desenvolvimento da floresta densa Esta se teria estendido por todo o Zaire e mesmo a parte de Angola o que é atestado pela presença de faixas de floresta densa mais seca nas florestas abertas atuais As florestas também teriam sido mais extensas ao norte cobrindo a maior parte de Camarões e da República Centro Africana Durante esse período úmido as florestas abertas e as savanas subsistiram em estações que lhes eram favoráveis ou seja nos planaltos e solos pobres É bem provável que os planaltos do Zaire meridional e de Angola jamais tenham conhecido uma vegetação realmente cerrada e que tenha sido a partir dessa região que a floresta aberta começou a estender se novamente quando o clima voltou a ser seco depois de 5000 BP A Schmitz 1971 no entanto acredita que tenha sido fundamentalmente uma ação antrópica que provocou no último milênio o recuo da floresta densa Concluindo a África Central conheceu entre 5000 BP e 10000 BP uma longa fase seca contemporânea da glaciacão de Würm enquanto a fase úmida que se iniciou por volta de 12000 BP corresponderia às oscilações climáticas que marcaram o início do Holoceno Durante esse longo período seco provavelmente interrompido por uma oscilação úmida por volta de 28000 BP foram intensos os processos morfodinâmicos e a floresta aberta ganhou maior 623 Pré História da África Central extensão No período úmido do início do Holoceno a floresta densa estendeu se sobre a maior parte da África Central e seu recuo atual é atribuído à ação do homem Povoamento da África Central Na ausência de ossadas humanas admite se de modo geral que a primeira manifestação da presença do homem sejam os seixos fraturados denominados seixos lascados Estes se comparam aos artefatos do Olduvaiense do sítio epônimo de Olduvai na Tanzânia Verifica se a ocorrência de objetos semelhantes em quase toda a África Central no Zaire na bacia do Kasai e no Shaba em Camarões no Gabão no Congo na República Centro Africana e no nordeste de Angola onde são encontrados nos aluviões Mas nem sempre é fácil saber se esses seixos foram lascados pelo homem ou por agentes naturais Não nos parece correto embora o fato seja muito frequente considerar utensílios todos os seixos que indubitavelmente apresentam marcas de lascamento intencional uma vez que se verifica serem na maior parte núcleos de onde foram destacadas lascas Estas é que foram empregadas quer como utensílios para fins diversos quer como raspadores Nenhum habitat que remonta a essa época foi até hoje assinalado Faltam também artefatos de madeira e de osso que devem ter representado parte bastante significativa no conjunto de utensílios Podemos imaginar que os seixos lascados foram produzidos pelo Australopithecus ou pelo Homo habilis que segundo observações feitas em vários lugares da África certamente eram necrófagos Entretanto a vida social deve ter se organizado a partir desse momento Tal período da história do homem iniciou se há mais de 2 milhões de anos prolongando se até cerca de 500 mil anos atrás Mas foi somente com o instrumental do Acheulense que obtivemos a primeira prova indiscutível da presença do homem na África Central O estágio mais antigo o Acheulense Inferior só é conhecido na região de Lunda Clark 1968 O Acheulense Superior em geral encontrado em meios áridos foi descoberto em diferentes pontos da periferia da bacia central J D Clark descreveu o em Angola J Nenquin em Ruanda e no Burundi e R de Bayle des Hermens na República Centro Africana Kalambo na Zâmbia e Kamoa no Zaire constituem os melhores sítios de referência O Acheulense caracterizou se pelos bifaces e machadinhas que foram objeto de inúmeras tentativas de classificação morfológica Cahen Martin 1972 624 Metodologia e pré história da África Alguns autores quiseram ver neles uma transformação de um estágio arcaico para outro mais evoluído e estabeleceram uma sucessão de cinco estágios do Acheulense de I a V porém essas diferenças tipológicas nem sempre têm grande significação cronológica Como o próprio nome indica o biface é um artefato talhado nas duas faces a partir de um seixo ou de uma lasca grande Caracterizado por uma ponta mais ou menos saliente tem base quase sempre arredondada Além do biface outro instrumento muito característico é a machadinha que termina por um gume Ao lado desses utensílios encontram se artefatos menos característicos tais como triedros picões facas esferoides e outros de pequenas dimensões Embora as descobertas do Acheulense sejam abundantes os sítios onde essa indústria pode ser considerada como estando arqueologicamente em seu próprio contexto ou mesmo representada de forma homogênea ainda são raros Um dos únicos sítios onde o Acheulense foi encontrado em estratigrafia localiza se às margens do rio Kamoa no Shaba Cahen 1975 Este sítio tem vários hectares de extensão Os caçadores coletores que o habitavam deixaram no local seus utensílios e os resíduos de preparação Pode se então deduzir que se trata de um tipo de oficina habitat Em vista da homogeneidade da indústria na qual não se distingue evolução pode se pensar ainda numa acumulação de ocupações sazonais A matéria prima era trazida de um lugar a 15 km do sítio onde se encontram enormes núcleos dormentes As lascas eram transportadas ao sítio onde a debitagem e o acabamento dos utensílios deviam ser realizados O Acheulense Evoluído ou Final de Kamoa é análogo às indústrias encontradas no Saara e na África do Sul A data de 60000 BP proposta deve ser considerada um terminus ante quem a data real em nossa opinião deve ser muito mais antiga De acordo com descobertas feitas em outras regiões da África sabemos que essa indústria deve ser atribuída ao Homo erectus Esse hominídeo devia depender da caça e da coleta para subsistir Supõe se que a vida social continuasse a se desenvolver e que o homem tivesse alcançado o domínio do fogo Evolução tecnológica e adaptação Após o Acheulense distinguimos várias regiões cujas indústrias embora bastante diferentes dão a impressão de uma certa unidade Consideremos de maneira genérica uma parte ocidental e uma parte oriental podendo esta última ser subdividida em duas embora a falta de dados para o norte e o sul da referida área torne as subdivisões bastante conjeturais A parte ocidental que se estende de Angola até o Gabão é a região mais estudada Engloba o Baixo 625 Pré História da África Central Zaire Kinshasa a região de Lunda o Cuango e o Kasai isto é o sudeste da bacia do Zaire A parte oriental abrange a região interlacustre e a região Shaba lago Tanganica Na parte ocidental acredita se reconhecer uma série de indústrias usualmente descritas como uma sucessão tipológico cronológica o Sangoense seguido do Lupembiense por sua vez seguido do Tshitoliense O Sangoense representaria a passagem entre o Acheulense e o Lupembiense e estaria situado no primeiro período intermediário O Lupembiense constituiria a Middle Stone Age enquanto o Lupembo Tshitoliense corresponderia ao segundo período intermediário indo redundar finalmente no Tshitoliense contemporâneo da Late Stone Age da África Oriental e Austral Como que prolongando a técnica acheulense todas essas indústrias são caracterizadas pelo lascamento bifacial enquanto a técnica levalloisiense raramente aparece A parte oriental da África Central apresenta uma mistura mais complexa de indústrias Estas são comparáveis às da parte ocidental mas o lascamento bifacial não é tão abundante Em contrapartida as técnicas de debitagem denominadas musteriense e levalloisiense são muito desenvolvidas e as lâminas e lascas laminares numerosas Desde o segundo período de transição notam se mudanças muito profundas e a tradição interrompe se definitivamente para dar lugar às indústrias microlíticas as quais parecem não ter ligação alguma com as indústrias anteriores Bem características as indústrias de tipo Sangoense e Lupembiense dessas regiões permitem distinguir duas áreas diferentes uma que abrangeria a parte setentrional isto é a região interlacustre caracterizada por bifaces foliáceos lanceolados e punhais a outra a abranger a parte meridional isto é a região do Shaba e as margens do lago Tanganica caracterizada pela ausência de pontas e pela presença de utensílios bifaces de tipo burilou goiva que curiosamente quase não aparecem na região interlacustre Isso ilustra bem o absurdo da distinção entre indústrias de floresta e de savana Aliás nessa época nenhuma região parece ter sido mais arborizada que outra Ao contrário o clima devia ser nitidamente mais seco do que hoje foi somente por volta do fim desse período que a floresta ganhou extensão O sítio de Masango reflete bem o caráter das indústrias da região Observa se ali toda uma gama de pontas bifaces ao lado de elementos grosseiros tais como picões O traço levalloisiense encontra se muito bem representado Cahen Haesaerts van Noten 1972 Uma sequência de indústrias líticas do Sangoense à Late Stone Age teria sido descoberta em Sanga mas ainda não foi detalhadamente estudada Nenquin 1958 626 Metodologia e pré história da África Este quadro apresenta os nomes das indústrias de acordo com os diferentes autores as datações por carbono 14 existentes a evolução do meio e da flora Examinemos agora a região ocidental mais de perto Suas indústrias agrupam toda a gama de elementos encontrados nas regiões orientais o que lhes confere uma maior variedade tipológica correspondendo melhor à ideia que em geral se faz do Sangoense e do Lupembiense Encontram se picões grosseiros que já presentes no Acheulense persistem ainda até o Tshitoliense Esse artefato considerado o fossile directeur do Sangoense na realidade não tem significação cronológica Mas encontramos também associado a ele um instrumental muito elaborado com belas pontas de lanças foliáceas e longos punhais Em seguida 627 Pré História da África Central vêem se igualmente aparecer pontas de flechas provando que o homem já havia descoberto o uso do arco O Homo sapiens parece ter sido o responsável por tais adaptações apesar de não se ter encontrado até agora restos fósseis pertencentes a essa espécie São raros os sítios onde se podem encontrar vários níveis em estratigrafia Foi na ponta de Gombe que J Colette descobriu a primeira sequência dessas indústrias da África Central fornecendo evidências de quatro o Kaliniense o Djokociense o Ndoliense e o Leopoldiense seguido de traços da Idade do Ferro O Primeiro Congresso Pan Africano de Pré História realizado em Nairobi em 1947 não considerou os nomes das indústrias definidas por J Colette e adotou os termos Sangoense e Lupembiense que não tinham nenhuma fundamentação arqueológica séria Esses novos nomes entraram para a literatura e foram empregados indiscriminadamente não só na África Central mas também muito além de seus limites A ponta de Gombe único sítio conhecido onde seria possível estabelecer uma cronologia foi novamente escavada por D Cahen em 1973 e 1974 Cahen 1976 no intuito de precisar e datar a sequência que J Colette havia descoberto Excluindo algumas peças que evocam o Acheulense a sequência inicia se com o Kaliniense caracterizado por picões grosseiros feitos a partir de seixos ou lascas raspadores maciços espessos utensílios denticulados e plainas de grandes dimensões Encontram se também bifaces lanceolados raspadores convergentes além de utensílios bifaces ou unifaces estreitos com bordos mais ou menos paralelos A esse conjunto somam se inúmeras armaduras com gume transversal feitas a partir de lascas pequenos trinchetes e núcleos circulares de tipo musteriense A debitagem comporta lascas do tipo levalloisiense e algumas lâminas de má qualidade Os elementos espessos lembram o Sangoense e os utensílios finos o Lupembiense e mesmo o Tshitoliense O nível seguinte o Djokociense caracteriza se principalmente por pontas de flecha pedunculadas ou foliáceas frequentemente retocadas por pressão a debitagem é a mesma que no Kaliniense O Djokociense evoca o Lupembiense Recente da planície de Kinshasa Moorsel 1968 o Lupembo Tshitoliense na verdade o Tshitoliense Antigo como foi definido por G Mortelmans 1962 e J D Clark 1963 O terceiro nível o Ndoliense apresenta se somente sob a forma de pequenas concentrações As pequenas pontas de flecha foliáceas são típicas a debitagem bipolar era praticada no próprio local o que explica a presença de peças estilhaçadas Essa indústria é similar ao Tshitoliense Tardio Moorsel 1968 Cahen Mortelmans 1973 Uma das datas obtidas para o Kaliniense coincide com a idade estimada para o Sangoense Clark 1969 236 e uma outra com as fases antigas do 628 Metodologia e pré história da África Lupembiense Clark 1963 18 19 Moorsel 1968 221 As datas estimadas para as amostras do nível Djokociense não diferem das que foram calculadas em outros lugares para indústrias análogas Entre as datas associadas ao Ndoliense uma delas corresponde às do Tshitoliense Tardio obtidas anteriormente na planície de Kinshasa e na região de Lunda De maneira geral pode se dizer que as indústrias encontradas em estratigrafia em Lunda em Gombe e na planície de Kinshasa são comparáveis tipologicamente e coincidem cronologicamente O Sangoense Lupembiense Inferior estaria situado entre 45000 e 26000 BP o Lupembiense Inferior iria de 10000 a 7000 BP e o Tshitoliense Superior de 6000 a 4000 ou 3500 BP cf quadro Uma trincheira de prospecção escavada por P de Maret na gruta de Dimba mostrou uma sucessão de quinze camadas arqueológicas e uma data de 20000 650 BP para uma indústria do tipo Lupembiense Superior ou Lupembo Tshitoliense Parece que uma data aproximada de 25000 BP reduziria o hiato existente nas datações entre 27000 BP e 15000 BP assinalado por D Cahen 1977 A gruta de Hau único sítio que talvez se encontrasse na floresta equatorial durante sua ocupação e onde F van Noten descobriu uma indústria Lupembiense seguida de uma Late Stone Age não produziu datações de radiocarbono aceitáveis J P Emphoux 1970 escavou em 1966 a gruta de Bitorri lá encontrando vinte níveis de ocupação da Idade da Pedra Um dos níveis forneceu uma data por radiocarbono de 3930 200 BP e um outro inferior uma data de 4030 200 BP O material lítico que não evoluiu de um nível a outro pode ser considerado como formando uma unidade tipo lógica cuja indústria lembra o Tshitoliense Superior O mesmo pesquisador datou de 6600 130 BP um nível Tshitoliense Médio em Moussanda Delibrias et al 1974 p 47 No Gabão indústrias ditas lupembienses foram várias vezes assinaladas Blankoff 1965 Hadjigeorgiou Pommeret 1965 Farine 1965 Caçadores coletores especializados Em um dado momento provavelmente entre 50000 BP e 40000 BP surgem os micrólitos geométricos segmentos de círculo triângulos retângulos e trapézios Os mais característicos parecem ser os segmentos ainda que na África do Sul tenham sido encontrados no final da Middle Stone Age quando 629 Pré História da África Central provavelmente eram empregados como farpas na base de pontas de lanças1 Por outro lado na Late Stone Age esses micrólitos isolados serviam como armaduras de flechas de lanças de arpões de facas ou de buris Como para o período anterior a região estudada pode ser dividida em duas zonas distintas Na parte ocidental que abrange o norte de Angola o Kasai o Cuango o Baixo Zaire e a República Popular do Congo observa se a persistência da tradição dita lupembiense como se o Lupembiense evoluindo no próprio local tivesse originado o Tshitoliense Os micrólitos geométricos tornam se numerosos mas não dominam da mesma forma que na parte oriental onde representam o elemento essencial do conjunto de utensílios S Miller 1972 que analisou o Tshitoliense e resumiu os trabalhos anteriores definiu essa indústria pela presença de utensílios bifaciais do tipo picão buris de pontas foliáceas de pontas pedunculadas de pequenos trinchetes e de micrólitos geométricos A região de Lunda teria fornecido uma indústria que reagrupava todos esses elementos ainda que geralmente representados de maneira incompleta nos diferentes sítios Distingue se assim uma fácies de vale com abundância de pequenos trinchetes como em Dinga e uma fácies de planalto onde a armadura era constituída principalmente de pontas pedunculadas Bequaert 1952 Um sítio do Planalto de Bateke onde G Mortelmans realizou uma escavação de salvamento em 1959 Cahen Mortelmans 1975 produziu uma indústria dita completa como a descrita na região de Lunda O arenito polimorfo que foi praticamente o único material utilizado no instrumental descoberto provém de depósitos dos quais os mais próximos estão a cerca de 10 km do sítio Essa indústria caracteriza se por uma grande proporção de lascas e de resíduos de lascamento 961 alguns núcleos 14 e alguns instrumentos 24 Ao lado de pontas de flecha foliáceas e pedunculadas foi encontrado um grande número de micrólitos geométricos e uma grande lasca com gume polido A maioria dos núcleos é do tipo circular ou lamelar há também numerosos núcleos pequenos totalmente gastos A debitagem nos casos em que a massa é composta dos resíduos de retoque apresenta algumas lascas levalloisienses lâminas e lamelas Aí estão as características de um Tshitoliense Tardio Este sítio parece ter sido um acampamento de caça pois embora o planalto Bateke seja nitidamente estépico é recortado por galerias florestais que devem ter atraído o homem pré histórico à procura de caça Se a matéria prima utilizada era para lá levada muitos utensílios devem ter sido talhados no próprio local sendo possível que o 1 CARTER F Comunicação pessoal 630 Metodologia e pré história da África látex e o copal encontrados em escavação tenham servido como massa para fixar os micrólitos às hastes das lanças e às flechas Os raspadores buris e machados certamente eram usados para a fabricação dos utensílios compósitos nos quais se empregavam gumes transversais e pontas de flechas pedunculadas bifaces A região de Lunda estudada por J D Clark apresentou um Tshitoliense que estaria situado entre 13000 e 4500 BP Clark 1963 18 19 mas essa indústria teria continuado até o início da Era Cristã Clark 1968 125 149 O Tshitoliense da planície de Kinshasa por sua vez estaria localizado entre 9700 e 5700 BP Moorsel 1968 p 221 Pode se aqui perguntar a que correspondem as fácies reconhecidas no Tshitoliense Tratar se ia de adaptações a meios variados e por exemplo de uma especialização das técnicas de caça ou seriam diferenças unicamente culturais Na parte oriental na periferia da floresta equatorial da República Centro Africana ao Shaba encontram se as indústrias ditas da Late Stone Age As indústrias mais antigas não são tipologicamente diversificadas pois só mais tarde surgiu um instrumental mais especializado É o que se observou na gruta de Matupi onde duas estações de escavações sucessivas em 1973 e 1974 revelaram vestígios de uma longa ocupação humana iniciada bem antes de 40000 BP e continuando sem interrupção perceptível até 3000 BP van Noten 1977 O material por ora estudado provém de um único metro quadrado que forneceu 8045 artefatos foi lascado quase exclusivamente sobre quartzo por um processo característico das indústrias puramente microlíticas a técnica bipolar Os resíduos de lascamento representam 90 o instrumental propriamente dito apenas 54 a que se devem acrescentar as peças que apresentam traços de utilização sem entretanto serem instrumentos acabados e que representam 5 A indústria é tipicamente microlítica o comprimento máximo das lascas atinge cerca de 177 mm Todo o instrumental propriamente dito consiste em ordem de ocorrência em peças entalhadas raspadores furadores buris lascas e lamelas com bordo desbastado lascas retocadas peças quebradas e alguns micrólitos geométricos segmentos semicírculos triângulos O instrumental macrolítico feito de quartzito arenito ou xisto consiste em mós moedores bigornas percutores raspadores côncavos e alguns buris Um fragmento de pedra furada e decorada com incisões foi datado de cerca de 20000 BP2 Os restos ósseos da fauna estão bem conservados indicariam um meio ambiente mais seco que o atual Os ocupantes da gruta caçavam em ordem decrescente bovídeos 2 Conhecidas também sob o nome de Kwé as pedras perfuradas que fazem parte das indústrias da Late Stone Age eram provavelmente empregadas como lastros de bastões usados para escavar 631 Pré História da África Central antílopes e búfalos damões roedores principalmente Thryonomyidea suínos e em menor proporção cercopitecídeos e porcos espinhos Essa caverna que hoje se encontra na floresta equatorial devia situar se em savana durante quase toda sua ocupação mas não longe de florestas galerias como indicam as análises palinológicas Foi ocupada sem interrupção enquanto a indústria muito pouco característica do início se transformava em uma outra mais clássica que forneceu micrólitos geométricos raros utensílios em osso hematita vermelha empregada como corante e rodelas perfuradas de casca de ovo de avestruz Em vista da pobreza de utensílios que pudessem servir como instrumentos ou armas sobretudo nas camadas antigas acreditamos que o instrumental deva ter sido em grande parte de madeira como observamos em Gwisho Fagan van Noten 1972 As escavações feitas por J de Heinzelin em 1950 em Ishango revelaram três indústrias microlíticas Heinzelin 1957 A mais antiga não apresenta micrólitos geométricos a seguinte os mostra em grande quantidade e na mais recente eles são abundantes O caráter tipológico é em geral muito rudimentar a debitagem associa todas as técnicas e deixa se guiar pela natureza do quartzo de má qualidade utilizado como matéria prima Esses elementos lembram incontestavelmente a evolução observada em Matupi Ishango forneceu uma série de arpões que devem ter sido empregados na caça e pesca e que mostram uma nítida evolução variando entre exemplares de duas fileiras de farpas nas camadas inferiores e outros de uma só fileira em níveis mais recentes Uma das descobertas mais espetaculares é um bastonete de osso decorado com estrias e que serve de cabo para uma lasca de quartzo A data atribuída à indústria de Ishango foi de 21000 500 BP que pareceu muito antiga à época da publicação da monografia do sítio contudo em vista das datações obtidas em Matupi esse resultado parece atualmente muito menos improvável Os habitantes de Ishango viviam da pesca e da caça sobretudo da caça do hipopótamo e do topi além de outros mamíferos muitos dos quais estão hoje desaparecidos Os pássaros também eram caçados Entre os peixes encontram se principalmente os silurídeos os ciclídeos e os protopterídeos Os restos humanos descobertos entre os resíduos de cozinha foram estudados por F Twiesselmann 1958 mostram que o sítio era habitado por uma população cujas características biométricas atípicas e rudes não apresentam nenhum vínculo direto com qualquer outra população moderna Ao lado dessas indústrias puramente microlíticas surgem na região interlacustre no Shaba e nas margens do lago Tanganica indústrias tipologicamente intermediárias entre um microlítico puro e as indústrias típicas 632 Metodologia e pré história da África da parte ocidental da África Central Aliás é possível pensar que por seu caráter heteróclito essas indústrias representem um prolongamento da tradição da Middle Stone Age acima descrita J Nenquin deve ter inventado o nome de WiltonTshitoliense para descrever a Late Stone Age em Ruanda e no Burundi Nenquin 1967 onde infelizmente muito poucos sítios foram datados Estima se em 15000 12000 BP a idade da indústria de transição de Kamoa que pode ser comparada ao Lupembo Tshitoliense da parte ocidental No mesmo sítio a Late Stone Age que é pobre e pouco característica é datada de aproximadamente 6000 a 2000 BP Cahen 1975 Parece portanto que diferentes tradições puderam subsistir durante muito tempo lado a lado e efetivamente junto a indústrias de caráter misto encontram se outras puramente microlíticas como em Mukinanira van Noten Hiernaux 1967 e nos lagos Mokoto van Noten 1968 a Na África Central ainda não foi encontrado um sítio de riqueza excepcional que permitisse a reconstituição detalhada do modo de vida desses caçadores cuja existência devia ser comparável à que ainda hoje levam os San no Calaari O sítio de Gwisho na Zâmbia dá uma ideia bastante completa de como era a vida na Late Stone Age no V milênio BP Ao lado de utensílios polidos foi encontrada acontecimento excepcional uma grande quantidade de objetos de madeira e de osso que provam a importância do trabalho da madeira mesmo em savana aberta Fagan van Noten 1972 Fim das idades da pedra A abundância de utensílios polidos em certas regiões fez com que fossem eles considerados o indício de um neolítico mas vimos que tais instrumentos são encontrados desde a Late Stone Age e que eram fabricados e utilizados ainda no século XIX na região do Uele van Noten 1968 Assim sendo a descoberta de utensílios polidos fora de qualquer contexto arqueológico não tem grande significação Entretanto a distribuição dos vestígios apresenta certo interesse pois esses objetos foram assinalados apenas na bacia central No leste tais descobertas são extremamente raras quando muito conhecem se no Burundi dois machados polidos e uma gruta com polidores van Noten 1969 Cahen van Noten 1970 O número de descobertas cresce um pouco em direção ao sudeste onde alguns machados polidos e polidores são assinalados no Shaba enquanto no Kasai embora ainda se encontrem polidores os utensílios polidos praticamente inexistem Celis 1972 633 Pré História da África Central Por outro lado esses elementos representam o essencial das descobertas arqueológicas realizadas ao norte da grande floresta Na bacia do Uele e até Ituri mais de 400 utensílios foram recolhidos inclusive alguns esplêndidos machados de hematita cuidadosamente polidos e inúmeros polidores Até agora um só mapa da distribuição desses utensílios pôde ser levantado van Noten 1968 Ao menos parcialmente o Neolítico Uelense não remontaria além do século XVII pertencendo portanto à Idade do Ferro como parecem indicar as escavações feitas em Buru F e E van Noten 1974 Mais a oeste na região onde o Ubangui penetra na floresta observou se uma outra concentração de machados polidos Muito menos trabalhados que os do Uele em geral são polidos apenas parcialmente Uma prospecção empreendida nessas regiões não permitiu que se descobrissem semelhantes utensílios em contexto arqueológico Mas do outro lado do rio em Batalimo na República Centro Africana R de Bayle 1975 encontrou pela primeira vez em escavação um machado com gume polido associado a uma indústria não microlítica e a cerâmica Esta última apresenta um fundo plano e com frequência é inteiramente decorada combinando caneluras incisões e impressões feitas principalmente com um pente Datada por termoluminescência essa cerâmica não seria anterior ao século IV da Era Cristã o que parece bem recente para uma tal indústria Embora se tenham recolhido isoladamente outros machados polidos em diversos pontos da República Centro Africana não existe que seja do nosso conhecimento um só polidor nessas regiões Antes de abordar a última zona de concentração é preciso assinalar que na ilha de Fernando Pó nos Camarões machados polidos associados a cerâmica foram datados do século VII Martin dei Molino 1965 e permaneceram em uso até época recente A última zona estende se paralelamente à costa atlântica do Gabão até o noroeste de Angola Os utensílios neolíticos encontrados nessa imensa área são geralmente lascados sendo apenas o gume polido No Gabão os machados apresentam bordos sinuosos formando um encaixe característico Pommeret 1966 Um pote descoberto por ocasião de trabalhos de grande escala continha um fragmento de utensílio polido e de carvão vegetal que infelizmente não foi datado Pommeret 1965 Na República Popular do Congo bem como em Angola Martins 1976 conhecem se apenas descobertas de superfície Em contrapartida na ponta de Gombe J Colette encontrou um machado polido aparentemente associado a cerâmica de fundo plano Bequaert 1938 criou o termo neolítico leopoldiense que passou a ser usado para designar inúmeros machados polidos encontrados no Baixo Zaire 634 Metodologia e pré história da África Mortelmans 1959 recolheu em superfície no Congo dia Vanga machados polidos quartzos lascados atípicos e uma cerâmica rudimentar de fundo plano A mesma cerâmica é encontrada nas grutas de Ntadi ntadi Dimba e Ngovo associada nesses dois últimos sítios a machados polidos Por quatro vezes o carvão vegetal das proximidades foi datado de dois séculos antes da Era Cristã Maret 1977 a Infelizmente trata se de sondagens muito limitadas para que se possa excluir definitivamente a possibilidade de atribuição desses vestígios à Idade do Ferro visto que novas escavações mostram que o Leopoldiense da ponta de Gombe talvez avance pela Idade do Ferro Cahen 1976 Mas como esse sítio sofreu grandes perturbações é possível tratar se de uma simples contaminação dos horizontes superiores Em Dimba e Ngovo único sítio onde as ossadas se conservaram a análise da fauna associada não revelou até agora a presença de animais domésticos Na ausência de outros dados socioeconômicos é prematuro admitir um verdadeiro neolítico cujos responsáveis houvessem empregado utensílios polidos e cerâmica e criado gado ou praticado a agricultura O mesmo acontece com todas as outras indústrias de aspecto neolítico coletadas até o momento na África Central não lhes conhecemos nem os utilizadores nem a época nem o sistema econômico Entretanto lançou se recentemente a hipótese de que alguns dos vestígios em questão pertenceriam a um estágio final da Idade da Pedra a que corresponderiam talvez as primeiras etapas da expansão das populações de língua bantu por volta do último milênio antes da Era Cristã isto é antes de adquirirem o domínio do ferro Phillipson 1976 Maret 1977 b van Noten 1978 Devemos também mencionar aqui os megálitos descobertos na região de Buar remontariam ao V ou I milênio antes da Era Cristã podendo no entanto tratar se de um caso de reutilização Bayle des Hermens 1975 Por suas dimensões esses monumentos parecem ser obra de populações sedentárias que supõe se tinham ultrapassado o estágio da caça e da coleta Queremos notar que os pavimentos megalíticos de Api constituem um fenômeno natural e de modo algum trabalho humano van Noten 1973 como é o caso de todas as outras construções consideradas megálitos conhecidas até hoje no Zaire Sequência idealizada Por ocasião do Congresso PanAfricano em Dacar em 1967 J D Clark tentou estabelecer uma sequência na nomenclatura da bacia do Zaire Clark 1971 Retraçando o histórico das diferentes nomenclaturas utilizadas para 635 Pré História da África Central designar as indústrias pós acheulenses da região aqui estudada D Cahen mostrou claramente que se trata de um extraordinário imbróglio Cahen 1977 As recentes escavações feitas em Gombe permitiram restabelecer e datar a sequência arqueológica definida por J Colette Mas as associações entre as peças provenientes de diferentes profundidades mostram que o sítio sofreu muitas perturbações e que as indústrias não são homogêneas Cahen 1976 Os objetos movimentaram se no solo como confirmaram as experiências em laboratório Moeyersons 1977 Portanto é possível que fenômenos similares tenham ocorrido em outros sítios onde os vestígios arqueológicos foram depositados em areias Calaari revolvidas como no nordeste de Angola no Baixo Zaire no Kasai no Shaba e no Congo Cahen Moeyersons 1977 Entretanto não se sabe em que proporção as diferentes indústrias foram afetadas por essas perturbações Por outro lado observa se uma convergência tipológica e cronológica impressionante entre os diferentes sítios pré históricos da bacia meridional do Zaire e em menor escala na da África Central D Cahen 1977 propôs reagrupar esses conjuntos pré históricos convergentes em um único complexo industrial pós Acheulense da África Central que se fosse reduzindo em abrangência até limitar se ao sudoeste da bacia do Zaire Além disso o mesmo autor considera que termos como Sangoense Lupembiense e Tshitoliense não correspondem a nenhuma realidade cientificamente estabelecida Entretanto como tentamos demonstrar neste capítulo parece nos possível após o Acheulense distinguir variantes regionais nas indústrias líticas e seguir sua evolução Por mais esquemáticas e discutíveis que sejam essas distinções refletem uma certa realidade a qual sem dúvida parece agora muito mais complexa do que inicialmente se supunha É aperfeiçoando nossa taxonomia com base em novas escavações que chegaremos a compreender melhor a extraordinária diversidade apresentada pela África Central no decorrer das Idades da Pedra A nomenclatura existente pode em nossa opinião ser mantida como um instrumento de trabalho provisório Conclusão O passado da África Central é ainda pouco conhecido pois só recentemente passou a ser estudado de maneira sistemática mas a arqueologia já registra seus primeiros resultados Assim no espaço de alguns anos o número de datações por carbono 14 quase quintuplicou Maret van Noten Cahen 1977 e puderam ser esboçadas as primeiras sínteses van Noten em preparação 636 Metodologia e pré história da África O objetivo primordial das novas pesquisas era efetuar uma série de escavações abrangendo regiões e períodos diferentes a fim de chegar em prazo razoável ao estabelecimento de um quadro cronoestratigráfico geral para a África Central Esse projeto ambicioso deve ser provisoriamente relegado a segundo plano um sítio chave como o de Gombe colocou em questão não só as nomenclaturas existentes mas também a validade das observações estratigráficas outros sítios como Matupi forneceram novas indústrias cujas datações questionaram sua inserção num amplo quadro onde indústrias e culturas encontrariam definitivamente seu lugar Parece cada vez mais claro que a cada descoberta de novos sítios sempre se encontra algo de original e inesperado Isso vem em acordo com uma de nossas hipóteses de trabalho que previa uma diversidade muito grande em cada uma das indústrias ou culturas O homem frente a um microambiente específico teve que adaptar seu instrumental a esse meio Comprazemo nos a imaginá lo nos limites de seu território a levar uma vida mais sedentária que a vida de nomadismo absoluto atribuída com demasiada frequência aos caçadores coletores Longe de perseguir infatigavelmente a caça essas populações devem ter desenvolvido uma cultura própria síntese harmoniosa entre o meio ambiente e as tradições ancestrais Não acreditamos em um determinismo absoluto do meio Uma vez estabelecido o equilíbrio ecológico o instrumental pode permanecer imutável por longos períodos Nesse caso responde plenamente às exigências do meio e de seus habitantes enquanto esse delicado equilíbrio foi mantido nada houve que impeliu o homem a evoluir rapidamente C A P Í T U L O 2 2 637 Pré História da África do Norte Próximos à Europa e mediterrâneos pela costa marítima setentrional os países do Magreb foram percorridos há mais de um século pelos primeiros pesquisadores interessados em sua pré história Assim acumulou se uma bibliografia abundante de valor altamente variável que foi mais tarde selecionada e classificada 1952 1955 1974 Mas a pesquisa pré histórica dessa parte do norte da África não conservou a dianteira que obteve durante muito tempo apresenta ao contrário certo atraso em dois aspectos essenciais nos métodos de escavação com exceções muito raras e na cronologia absoluta essencialmente limitada às possibilidades do radiocarbono Nesses aspectos a África oriental realizou um progresso infinitamente maior Pela falta de fósseis humanos do Pleistoceno Inferior de datas obtidas pelo método do potássio argônio KAr e de solos de ocupação paleolítico atualmente só é possível avaliar a antiguidade da implantação de hominídeos no Magreb e no Saara por correlações hipotéticas sobre a fauna e a tipologia das indústrias líticas Por falta também de estratigrafias suficientemente extensas e numerosas tem sido difícil estabelecer a continuidade da ocupação humana aliás bastante provável As jazidas essenciais encontram se isoladas tanto no tempo quanto no espaço Ternifine atlantropo na Argélia por exemplo Aguardam ainda em grande parte uma solução os problemas do Musteriense de suas relações com Pré História da África do Norte L Balout 638 Metodologia e pré história da África o Ateriense do homem desta última civilização da passagem do Ateriense ao Iberomaurusiense da estratigrafia do Capsiense dos estágios de neolitização A pesquisa pré histórica forneceu dados importantes ao conhecimento do Quaternário no que diz respeito à estratigrafia e à paleontologia Permitiu o estabelecimento de uma tipologia cujo alcance ultrapassa os limites do Magreb Deve adotar de agora em diante uma óptica paleoetnológica passar do homem e seu meio ao homem em seu meio As mais antigas indústrias humanas o Pré Acheulense Não há falta de testemunhos mas qualquer interpretação além da tipológica é delicada Baseia se na estratigrafia do Quaternário litoral do Marrocos Biberson na paleontologia animal da Argélia Ain Hanech perto de Sétif escavações feitas por C Arambourg e da Tunísia Ain Brimba perto de Kebili e unicamente na tipologia do Saara Reggan In Afaleleh etc Ligações mais ou menos frágeis podem ser estabelecidas entre as jazidas da Tanzânia do Quênia e da Etiópia Dizemos frágeis porque somente o litoral atlântico do Marrocos permitiu o estabelecimento de uma evolução dos seixos lascados nas bases utilizadas por P Biberson e que são parcialmente contestadas porque a fauna não é necessariamente contemporânea porque há presença arqueológica de um lado e estrutura arqueológica de outro porque os métodos de análise tipológica são diferentes na África de língua francesa e de língua inglesa etc Atualmente não parece verossímil que a presença de hominídeos no Magreb e no Saara seja tão antiga quanto na África oriental e meridional Ainda não foram identificadas as indústrias sobre lascas que precederam os seixos lascados Não há traços de uma osteodontokeratic culture nem restos de australopitecos Entretanto acreditamos que os seixos lascados do Marrocos da Argélia e do Saara façam parte de uma cronologia paralela à de Olduvai isto é entre 2 e 1 milhão de anos 25 milhões se considerarmos o seixo com lascamento bifacial do Omo As investigações concentraram se sem dúvida numa correlação cronoestratigrafiaevolução tipológica que resultou no estabelecimento de listas tipológicas com implicações cronológicas testadas pelo trabalho de P Biberson no Marrocos H Hugot e L Ramendo no Saara central H Alimen e J Chavaillon no Saara ocidental A análise é baseada nas características técnicas cuja repetição criou formas sistemáticas A classificação procede do simples ao complexo lascamento unifacial bifacial poliédrico e corresponde provavelmente a uma 639 Pré História da África do Norte Figura 221 Evolução da Pebble Culture para as formas do Acheulense os números e figuras referem se à classificação tipológica usada para o Pré Acheulense africano H machado Foto M Bovis 640 Metodologia e pré história da África sequência cronológica P Biberson e J Chavaillon edificaram sistemas de aspecto regional respectivamente nas praias quaternárias do Marrocos atlântico e nos terrenos de Saura Foi baseando se na paleontologia que os esferoides facetados do Ain Hanech foram situados na evolução da fauna do Villafranchiano conhecida no Marrocos Fouarat na Argélia Ain Boucherit Ain Hanech e na Tunísia lago Ischkeul Ain Brimba Após essas considerações apoiamo nos em uma estratigrafia do Villafranchiano baseada em grande parte na paleontologia animal Nesta série aparecem as indústrias humanas e a evolução em direção aos bifaces e machados do Paleolítico Inferior Clássico pode ser provada mas não há em parte alguma estrutura arqueológica e portanto nenhum quadro paleoetnológico como na Tanzânia Olduvai no Quênia e na Etiópia As indústrias acheulenses Desde o Simpósio de Burg Wartenstein 1965 e o Congresso Pan Africano de Pré História em Dacar 1967 agrupa se sob o termo Acheulense africano todo o Paleolítico Inferior que na Europa ocidental corresponde ao Abbeviliense e ao Acheulense e também ao Clactoniense e ao Levalloisiense ambos muito discutidos O Acheulense é abundante no Magreb e excluindo as estações de superfície apresenta se em três tipos de jazidas bastante particulares a As jazidas relacionadas ao Quaternário litoral continental e até mesmo marinho É o caso do Marrocos atlântico onde P Biberson pôde propor uma sequência acheulense partindo dos seixos lascados da Pebble Culture do Pré Acheulense e chegando ao Paleolítico Médio Ateriense Por razões relacionadas à geomorfologia do litoral a Argélia não foi tão favorecida Entretanto foram assinaladas jazidas na costa kabyle Djidjelli e perto de Annaba Bône Não conheço nenhuma jazida acheulense desse tipo no litoral tunisiano b As jazidas de aluviões fluviais ou lacustres As primeiras são infinitamente mais raras e pobres que as da Europa e as relações estratigráficas e paleontológicas são na maioria das vezes muito imprecisas É o caso de vários sítios marroquinos Uede Mellah e argelinos Ouzidane perto de Tlemcen Champlain perto de Médéa Tamda Uede Sebaou Mansura Constantina Clairfontaine norte de Tebessa SBaikid e sobretudo El Ma 641 Pré História da África do Norte Figura 222 Biface Acheulense o mais evoluído da jazida de Ternifine Argélia ocidental Escavações C Arambourg 1954 Desenho M Dauvois 642 Metodologia e pré história da África El Abiod sul de Tebessa Na Tunísia há o Acheulense de Redeyef Gafsa Vamos apenas mencionar as jazidas de margens de lagos tão extraordinárias na África oriental por exemplo Olorgesailie no Quênia Há o lago Karar Tlemcen onde se encontram escavações muito antigas e mal dirigidas por M Boulle e Abuquir Mostaganem ainda menos conhecida Um único sítio emerge desta imprecisão o de Sidi Zin Le Kef Tunísia onde uma camada contendo machados foi encontrada entre duas outras de bifaces sem machados Por outro lado o Acheulense ligado às jazidas lacustres aparece com bastante frequência desde a Mauritânia até a Líbia c As jazidas relacionadas às antigas fontes artesianas que parecem ter atraído os homens do Acheulense ao Ateriense A princípio é o caso de Tit Mellil Casablanca e de Ain Fritissa sul de Ujda no Marrocos do já citado lago Karar na Argélia e de Chetma Biskra sobre o qual não se tem quase informações e principalmente de Ternifine Mascara Apenas esta última foi objeto de escavações recentes 1954 1956 e sistemáticas confiadas ao professor C Arambourg pela Argélia Todavia não devemos alimentar muitas ilusões a indústria é extremamente interessante a fauna é de uma riqueza prodigiosa e foi aí que se descobriu o atlantropo mas a estratigrafia desta notável jazida apresenta problemas o que deixa em aberto o elenco cronológico no qual se insere o conjunto de documentos Talvez a própria natureza do sítio com areias constantemente revolvidas pelas fontes artesianas tenha impedido o estabelecimento de uma cronoestratigrafia Isto porém não foi demonstrado O estudo dos utensílios parece provar que não se trata de oficinas de lascamento mas sim de locais onde se faziam emboscadas à caça O Acheulense do Magreb e o do Saara não diferem fundamentalmente daquele que foi definido na França Os métodos de análise Bordes 1961 e Balout 1967 não indicam nenhuma diferença básica entre os bifaces O mesmo acontece com os triedros A existência de lascas e de uma pequena indústria em Ternifine por exemplo não nos surpreende A utilização do percutor mole apareceu mais ou menos no fim do Acheulense Antigo lascamento ou relascamento uma única peça foi encontrada em Ternifine biface Vê se também aparecer o golpe de trinchete no desprendimento da extremidade distal dos triedros O traço mais original assinalado já há muito tempo é a importância dos machados sobre lasca É aí que se pode sugerir a existência de um utensílio espécie de machado estritamente africano Na verdade não se apresenta sempre no Acheulense da África é desconhecido no admirável 643 Pré História da África do Norte Figura 223 Machados de riolito do Acheulense encontrados no sítio de Erg Tihodaine Foto M Bovis Figura 224 Ponta do Musteriense El Guettar Tunísia Escavações Dr Gruet Foto M Bovis Figura 225 Esferoides facetados de Ain Hanech Foto M Bovis 644 Metodologia e pré história da África conjunto de El Ma ElAbiod na Argélia para citar um único exemplo por outro lado é encontrado desde o Oriente Próximo até a península indiana Sua presença na Espanha Rio Manzanares perto de Madri e a passagem pelos Pirineus levaram H Alimen a reconsiderar recentemente 1975 o problema da travessia do estreito de Gibraltar bem antes da navegação neolítica Concluiu se pela existência de uma ligação através do fundo alto e raso do estreito que se tornou transitável no decorrer das regressões de Riss Deve se a J Tixier a análise tipológica mais pertinente dos machados do Magreb Duas constatações são de importância capital A primeira é a aparição de método de corte Levallois desde o Acheulense Antigo que resultará na inacreditável estandardização dos machados Tabelbala Tachenghit Saara argelino ocidental A segunda é a técnica da lasca núcleo que permite obter lascas de duas faces de debitagem opostas determinando um gume perfeito em todo o contorno técnica de Kombema na África meridional Teriam esses métodos tão elaborados sido transmitidos pela África à Europa onde a primeira desempenhou um papel pelo menos significativo antes do Paleolítico Médio A definição do Acheulense sempre foi de ordem arqueológica As indústrias associadas aos bifaces abrangem duas glaciações Mindel Riss a interglaciária que as separa e os interestádios que as subdivide P Biberson tentou estabelecer um paralelismo com as transgressões e regressões marinhas Amiriense Mindel Anfatiense Riss Tensiftiense Riss Essas correlações são sempre hipotéticas Um prolongamento na interglaciária Riss Würm é perfeitamente plausível Por falta de datações absolutas devemos apoiar nossas teorias na paleontologia A fauna perde seus componentes oriundos do Villafranchiano Superior e torna se a grande fauna chadiano zambeziana como a qualificava C Arambourg Ainda não conhecemos nada a respeito nem da microfauna nem da flora de Ternifine O atlantropo tanto o de Ternifine Atlanthropus Mauritanicus quanto os descobertos no Marrocos Homem de Rabat e de Sidi Abderrahman Casablanca pertencem ao Homo erectus Esses pitecantropos aliás muito semelhantes aos sinantropos de Pequim situam se de modo muito impreciso numa cronologia 400000 a 500000 anos parece a hipótese mais plausível Em outras regiões esses homens dominaram o fogo e talvez tenham tido uma linguagem rudimentar O Magreb não nos acrescenta nenhum dado nesse campo 645 Pré História da África do Norte Musteriense Ateriense Em 1955 escrevi que duvidava da existência de um Musteriense autônomo na África do norte Fui severamente repreendido pelo Dr Gobert que tinha toda razão Posteriormente 1965 modifiquei meu julgamento mas o problema não estava resolvido estava simplesmente transferido Havia com certeza jazidas genuinamente musterienses no Magreb mas situadas em condições geográficas extraordinárias contrárias a algumas concepções aceitas de etnia pré histórica Seis jazidas na Tunísia Sidi Zin Le Kef Ain Mhrotta Kairuan Ain Meterchem Djebel Chambi Sidi Mansour de Gafsa ElGuettar Gafsa Uede Akarit Gabes uma única na Argélia Retaimia vale do Chelif três no Marrocos Taforalt Ujda Kifanbel Ghomari Taza Djebel Irhoud Safi nenhuma no Saara Há entretanto centenas de sítios pré ou pós musterienses Isto não reflete o estado das pesquisas pois a descoberta do Musteriense era uma preocupação essencial dos pré historiadores formados na França onde ele é abundante como também nas penínsulas Ibérica e Italiana desde Gibraltar por exemplo Há 800 km de Sidi Zin Le Kef até Retaimia 360 km deste sítio à gruta de Taforalt e ainda 700 km até atingir o Djebel Irhoud Trata se entretanto de Musteriense perfeitamente caracterizado assimilável às fácies europeias em particular à técnica de lascamento Levallois Em duas extremidades geográficas temos o testemunho dos homens os neandertalenses do Djebel Irhoud e o mais antigo monumento ritual conhecido o cairn ou Hermaion de El Guettar do qual apenas o cume emergia da fonte à qual ele era sem dúvida consagrado Exceto em Uede Akarit nenhuma jazida musteriense está próxima do litoral Mas onde estaria então situada a costa do golfo de Gabes O Musteriense do Magreb só pode ter vindo do leste O mais notável é que este Musteriense conheceu rapidamente uma evolução original transformou se no próprio local em Ateriense Baseando minhas deduções numa aplicação rigorosa das regras de classificação geológica pelos fósseis mais recentes considerei aterienses esses depósitos industriais do Musteriense onde se encontrava uma ponta pedunculada ateriense El Guettar Ain Metherchem etc Não acredito que esta peça seja uma prova de contemporaneidade de musterienses e aterienses penso que o Musteriense do Magreb tenha sofrido uma mutação diferente da evolução de todos os outros Musterienses J Tixier mostrou que não se trata de uma associação de pontas ou de raspadores pedunculados mas de uma transformação de cerca de trinta formas musterienses em formas aterienses pelo lascamento de um pedúnculo basilar Na Europa e particularmente na 646 Metodologia e pré história da África França o complexo Musteriense seguiu outros caminhos O desenvolvimento do Magrebiense foi tão original que se chegou a adotar uma distinção específica hoje não mais defensável O Ateriense não passa de uma fácies evolutiva própria de uma parte da África do Musteriense coincide com ele até no plano cronológico A definição de R Vaufrey de um Paleolítico Superior não é mais válida Anteriormente alguns autores já haviam sugerido a existência de um Musteriense de utensílios pedunculados da mesma forma como hoje empregamos o termo musteriense de denticulados E como a indústria da jazida epônima do Ateriense Uede Djebbana perto de Bir el Ater sul de Tebessa nunca foi analisada a fundo pelo seu descobridor Ateriense permanece um nomen nudum como dizia M Antoine Trata se de uma evolução precoce do Musteriense abrangendo o Magreb e o Saara de norte a sul e ao mesmo tempo coincide cronologicamente com uma parte do Paleolítico Médio e com pelo menos o início do Paleolítico Superior Entretanto nossas referências cronológicas ainda são muito imprecisas As correlações propostas por G Camps com as datas obtidas por MacBurney em Cirenaica são frágeis pois a identidade das indústrias não foi demonstrada O Ateriense é muito discutível Camps e o Iberomaurusiense não existe Tixier Relações estratigráficas puderam ser estabelecidas com o Quaternário continental ou marinho tanto no Saara quanto no Magreb e tanto em cronologia relativa quanto absoluta O quadragésimo milênio antes da Era Cristã não é sem dúvida a data mais antiga que pode ser atribuída à aparição do Ateriense Nossa dificuldade vem dos limites da fidedignidade do C14 Mas as datas obtidas no Magreb e no Saara inscrevem se entre 37000 a 30000 e constituem uma sequência coerente e plausível O Ateriense é portanto no início um Paleolítico Médio Em seguida é contemporâneo do Castelperroniense e do Aurignaciense isto é da primeira parte do Paleolítico Superior ao menos na França As relações com as formações quaternárias são concordantes Há casos em que o Ateriense foi encontrado em condição original nas praias neotirrenienses emergidas exatamente no início da última grande regressão em Karouba por exemplo perto de Mostaganem Argélia ocidental O fim deste interestádio Würmiano Würm 12 ocorreu por volta de 48000 As formações continentais que recobrem estas praias submersas no mar atual geralmente rubificadas e ricas em Ateriense datam da regressão que pode ter atingido 150 m Seria muito delicado determinar lima data para o fim do Ateriense A conquista do Saara é um fato do mesmo modo que a evolução técnica da indústria em formas mais ou menos anunciadoras do Neolítico 647 Pré História da África do Norte Figura 226 Ateriense do Uede Djouf el Djemel Argélia oriental pontas e raspadores pedunculares racloirs núcleos Levallois Foto M Bovis Figura 227 Indústria do Capsiense típico Foto M Bovis Figura 228 Indústria de armaduras do Capsiense superior triângulos escalenos trapézios e microburis serras lâminas denticuladas pequeno buril de ângulo furadores raspadores núcleos canelados etc Foto M Bovis Figura 229 Indústria do Capsiense superior micrólitos geométricos trapézios triângulos escalenos microburis e instrumentos em forma de crescente Foto M Bovis 648 Metodologia e pré história da África Para H Hugot o Ateriense não transpôs a barreira dos grandes lagos repletos de diatomáceas até o sétimo milênio antes da Era Cristã A prova desse Ateriense Pré Neolítico não se mostrou tão sedutora quanto a hipótese Entretanto não se conhece a indústria intermediária e o principal obstáculo de ordem antropológica está em processo de desintegração todas as recentes descobertas feitas no Marrocos reforçam a hipótese de que o homem ateriense não é mais um neandertalense como os musterienses do Djebel Irhoud mas já um Homo sapiens Paleolítico Superior e Epipaleolítico Quaisquer que possam ter sido os prolongamentos aterienses no Saara no Magreb as coisas se passaram de outro modo É inútil voltar aqui à história da refutação das hipóteses de R Vaufrey encaradas como autoridade durante decênios Mais vantajoso é sem dúvida nenhuma localizar os conhecimentos atuais Estes conhecimentos organizam se em torno de quatro ideias básicas O Iberomaurusiense que separei do Capsiense por razões antropológicas e paleoetnológicas é muito mais antigo do que se imaginava É contemporâneo do Magdaleniense francês e é portanto uma civilização do Paleolítico Superior A controvérsia sobre o Horizonte Collignon que opôs R Vaufrey ao Dr Gobert e a mim mesmo está terminada esta indústria de lamelas mais próxima do Iberomaurusiense do que do Capsiense é anterior a esta última A distinção estabelecida por R Vaufrey de um Capsiense típico substituído por um Capsiense superior ou evoluído dá lugar a uma proliferação das indústrias capsienses apoiada sobre um número bastante grande de datas radiométricas nem todas prontamente aceitas O Neolítico de tradição capsiense criado por R Vaufrey em bases muito estreitas mas estendido por ele mesmo a uma grande parte da África deve ser restrito às suas dimensões originais e ceder as grandes áreas indevidamente conquistadas a outras fácies da neolitização africana O lberomaurusiense A antiga definição de Pallary 1909 ainda citada não é mais aceitável Ele enfatizou insistentemente a profusão de uma técnica a da borda de preensão retocada das lamelas que marcou quase todo o instrumental lítico Será preciso 649 Pré História da África do Norte esperar as minuciosas análises tipológicas de J Tixier para substituir um conjunto de formas precisas por uma técnica global o que havia sido mais ou menos percebido por certos pré historiadores em particular o Dr Gobert na Tunísia As novas escavações feitas por E Saxon na jazida de Tamar Hat cornija de Bejaia Argélia tornaram possível obter datas isotópicas muito altas e compreender melhor estes caçadores de carneiros monteses habitantes de grutas litorâneas separadas do mar por pântanos e uma plataforma continental emersa rica em mariscos O Iberomaurusiense é na realidade uma civilização litorânea e teliense que entretanto conheceu penetrações continentais Destas a jazida menos discutível é a de Columnata Tiaret Argélia Isto não impede que a região de Tânger e a costa do Sahel tunisiano pareçam muito vazias A ausência de Iberomaurusiense na região que vai da Tunísia até o sul do Uede Medjerda pode ser atribuída a um desenvolvimento separado que será exposto mais adiante Mesmo analisado em detalhe o instrumental Iberomaurusiense permanece pobre Algumas centenas de microburis recolhidos bem depois das escavações na jazida típica da Mouila perto de Maghnia Argélia confirmaram estarem eles vinculados à fabricação de pontas em triedro pontiagudo chamadas pontas da Mouila e não à de micrólitos geométricos como no Capsiense A indústria óssea é muito pobre e há somente uma forma original o trinchete Não há nem arte mobiliária nem arte parietal Estamos no tempo de Altamira e de Lascaux e os homens são tanto ao norte como ao sul do Mediterrâneo do tipo Cro Magnon o mesmo de Mechta el Arbi Não há provas satisfatórias da hipótese tradicionalmente aceita sobre uma cultura de origem oriental dividida em dois ramos o Cro Magnon europeu ao norte do Mediterrâneo e ao sul ao longo dos rios africanos o Homem de Mechta el Arbi No plano antropológico podem ser vistos como descendentes dos neandertalenses por intermédio do homem ateriense Por mais sedutora que seja esta hipótese ela não explica o desenvolvimento de uma indústria sem nenhum ponto de comparação com o Musteriense e até mesmo com o Ateriense que a precederam Sugerir que não tenham sido os iberomaurusienses os portadores desta civilização é pouco concebível uma vez que ela não tem raízes locais E não é este o único problema Estes Cro Magnon do Magreb tiveram uma vocação e um destino diametralmente opostos aos dos europeus A indústria lítica contemporânea do Magdaleniense ao menos nos estágios mais antigos era mesolítica na medida em que foi outrora descrita como um Aziliense barbaresco a indústria óssea não teve equivalência com a dos magdalenienses e não 650 Metodologia e pré história da África houve nem arte mobiliária nem arte parietal apesar das informações em contrário no Marrocos Por outro lado sobreviveram até o Neolítico e chegaram a colonizar o arquipélago das Canárias por volta do fim do terceiro milênio antes da Era Cristã Há ainda muitas outras características próprias do Magreb como as mutilações dentárias os cemitérios em grutas ou sob abrigos Afalou bou Rhummel Argélia Taforalt Marrocos e os monumentos funerários Columnata O horizonte collignon e as outras indústrias lamelares pré capsienses Atualmente está provado em bases estratigráficas e geomorfológicas que as indústrias de lamelas da Tunísia Pré Saariana Gafsa Lalla região dos Chotts etc são anteriores a toda a série capsiense Em Gafsa Sidi Mansour o horizonte Collignon insere se num aterro fluvial o estágio final de sedimentação nos lagos é marcado por importantes formações gipsíferas Iniciada uma nova sedimentação ela é imediatamente interrompida por um abaixamento de nível da bacia de Gafsa que causa uma nova erosão O Capsiense típico e evoluído ocupa a superfície dessa erosão como o testemunham os outeiros Ainda não se pode estabelecer nenhuma posição cronológica a não ser que há um pouco de Musteriense na base da sedimentação Estas indústrias lamelares só podem ser associadas ao Iberomaurusiense na medida em que diferem especificamente do Capsiense A tipologia é diferente exceto a proliferação da técnica da borda de preensão retocada Sem dúvida sua origem deve ser pesq uisada em direção ao leste Cirenaica Egito Oriente Próximo Outras indústrias epipaleolíticas originais podem ser situadas no local entre o Iberomaurusiense e fácies capsienses O Columnatiense ao qual se associa a necrópole foi caracterizado no sétimo milênio por uma indústria extremamente microlítica Outros sítios foram descobertos e o mais importante é o de Koudiat Kifêne Lahda Ain MLila Argélia oriental onde a indústria anterior ao Capsiense remonta igualmente do sétimo milênio O termo elassolítico foi proposto para designar este conjunto ultramicrolítico ligado a um gênero de vida que não pode ser definido Outras fácies foram assinaladas na Argélia ocidental em particular o Keremiense e o Kristeliense A lista ainda está longe de se concluir pois na verdade entre o Iberomaurusiense em grande parte paleolítico e o Capsiense houve uma proliferação de indústrias comparável ao que ocorreu no Mesolítico europeu 651 Pré História da África do Norte As fácies capsienses A série capsiense foi a mola mestra das hipóteses de R Vaufrey Capsiense típico superior e de tradição capsiense Embora essa estrutura simplista tenha sido justamente criticada com base sobretudo em inúmeras datas radiométricas deve se reconhecer que as pesquisas realizadas a este respeito não atingiram os progressos desejados nos últimos vinte anos Salvo exceções muito raras as escavações nos viveiros de caracóis ainda não possibilitaram um meio de identificar as estratigrafias nem as estruturas arqueológicas Enquanto não dispusermos de cortes suficientes para observar as superposições das diversas fácies capsienses basearemos as contemporaneidades e as sequências nas datas C14 muito menos confiáveis que uma boa estratigrafia Tendo sido estabelecida em vários pontos a superposição Capsiense SuperiorCapsiense típico permanece o ponto de partida de toda a classificação Em ambos os casos as jazidas reúnem grande quantidade de resíduos revolvidos uma mistura de cinzas e seixos queimados milhares de conchas de caracóis fragmentos de ossadas de animais consumidos pelo homem sua indústria lítica e óssea objetos de adorno arte mobiliária restos humanos etc Admitimos até certa especulação a respeito de habitats sob cabanas que deram origem a esses resíduos talvez cabanas de caniços ligados entre si por argila se considerarmos uma descoberta infelizmente demasiado antiga feita na região de Khenchela Argélia oriental A indústria lítica do Capsiense típico é de uma qualidade notável Os buris de ângulo sobre truncatura são excepcionalmente frequentes Menos numerosas mas também características são as grandes lâminas com borda de preensão retocada conhecidas às vezes por facas com dorso ocreado As lamelas com borda de preensão retocada representam de 14 a 13 do instrumental lítico sendo às vezes obtidas por meio de retoque das extremidades dos buris aiguillons droits de Gobert Já existem microburis que não provêm como no Iberomaurusiense da fabricação das pontas da Mouila mas da manufatura de verdadeiros micrólitos geométricos trapézios triângulos escalenos A indústria óssea é pobre O Capsiense típico só é conhecido numa zona bem delimitada em ambos os lados da fronteira da Argélia com a Tunísia mais ao sul do que ao norte do paralelo 35 Se considerarmos as datações radiométricas o Capsiense típico abrangeria somente o sétimo milênio Seria portanto nesta mesma zona contemporâneo do Capsiense superior fato que contraria as estratigrafias já conhecidas Só acreditarei nessa teoria quando o Capsiense superior for encontrado sob o Capsiense típico Neste caso de onde surgiria o Capsiense 652 Metodologia e pré história da África qualificado como evoluído Além disto não temos dados suficientes a respeito do homem da civilização do Capsiense típico O Capsiense evoluído apresenta uma proliferação de fácies que invadiram o oeste argelino e pelo menos uma parte do Saara Devemos ainda ser prudentes e não cometer o erro de R Vaufrey de estender o Neolítico de tradição capsiense por adições sucessivas a uma grande parte do continente africano Com exceção do que denominei fácies tebessiano ainda sobrecarregado de utensílios pesados do Capsiense típico o Capsiense evoluído é uma indústria de objetos de tamanho pequeno rica em micrólitos geométricos de qualidade técnica geralmente excepcional sobretudo os triângulos e alguns trapézios As distinções feitas em bases estatísticas não são válidas pois trata se de coleções de museus de uma escolha e de uma seleção de escavações em geral mal feitas esporádicas de camadas artificiais de espessura variável conforme os escavadores Um escargotière que estudei o de Ain Dokkara foi ocupado pelo homem durante mil anos desde meados do sétimo milênio até meados do sexto milênio antes da Era Cristã Seria possível caracterizar a indústria por uma estatística global O Capsiense superior ou pelo menos sua extensão setentrional até o quinto milênio antes da Era Cristã perdurou até o processo de neolitização que abrangeu um período muito longo Assim pode se sustentar a contemporaneidade em regiões diferentes de indústrias do Capsiense típico e superior e do Neolítico de tradição capsiense A civilização capsiense durou portanto quase 2000 anos alguns séculos a menos que a do Egito faraônico Se somos incapazes de escrever sua história ao menos agruparemos os elementos essenciais de uma etnia Os homens do Capsiense não pertencem ao tipo cro magnoide de Mechta Afalou são mediterrâneos e o espécime mais completo e mais conservado em condições estratigráficas indiscutíveis é o Homem de Ain Dokkara Tebessa que remonta à metade do sétimo milênio Os habitats capsienses contam se às centenas e perduraram durante séculos chegando alguns a ultrapassar um milênio Um tal sedentarismo pré pastoral e pré agrícola é digno de nota Todavia as habitações não passavam de cabanas de junco e de ramos revestidas de argila ou cobertas com peles O papel reservado à caça não era primordial se considerarmos a pequena quantidade de restos de animais e não sua variedade Os moluscos terrestres tiveram uma importância que não deve ser minimizada já a colheita de vegetais desempenhou um papel que não podemos medir sem excesso de imaginação nem as foices de Columnata nem as esferas de pedra perfurada nem as moletas nem o lustro das colheitas provam a existência de agricultura 653 Pré História da África do Norte A etnia capsiense inuma seus mortos segundo ritos variados frequentemente em decúbito lateral fletido O emprego contínuo do ocre permanece um mistério Mais surpreendente ainda é a utilização das ossadas humanas a mais inesperada é o crânio troféu usado talvez como máscara descoberto em Faid Souar Ain Beida Argélia Quanto aos vivos os capsienses praticavam mutilações dentárias nas mulheres tal prática chegava a atingir os oito incisivos Entretanto são os primeiros artistas do Magreb objetos de adereço cascas de ovos de avestruz gravadas desde o Capsiense típico plaquetas gravadas pedras esculpidas que podem até prenunciar a arte parietal Neolitização e neolíticos Desde 1933 a visão que podemos ter do Neolítico na África do norte foi ordenada sistematizada e uniformizada por R Vaufrey O Neolítico de Tradição Capsiense que este autor localizou por todo o Magreb o Saara e uma parte da África ao sul do Saara tornou se tão aceito que a sigla NTC passou a ser de uso corrente Entretanto Dr Gobert e eu mesmo tínhamos expressado grandes dúvidas a respeito do caráter artificial dessa construção baseada num processo de adições sucessivas cujo conjunto nos parecia discordante Na verdade não havíamos compreendido a linha das deduções de R Vaufrey Por que havia ele tomado como sítio de referência a jazida mais pobre da Meseta de Jaatcha Tunísia Em sua tese 1976 G Roubet expôs o encaminhamento do raciocínio de R Vaufrey Não é o Neolítico em si que o interessa ele quer apenas mostrar a conservação de uma tradição capsiense que se atenua progressivamente ao distanciar se das fontes originais Assim o Neolítico foi apenas um epifenômeno do Capsiense A extensão pretendida para o NTC justifica se pelo enxerto de elementos culturais considerados neolíticos o que resulta numa concepção tipológica do Neolítico e não considera o que ultrapassa e explica as revoluções técnicas a perturbação do gênero de vida De fato a persistência da tradição capsiense refuta a teoria do desenvolvimento de uma cultura neolítica As pontas projéteis pontas de flechas tão abundantes no Saara são testemunhas do prolongamento de um gênero de vida de caçadores predadores que não se poderia qualificar como neolítico Nessas condições deve se confinar o Neolítico de tradição capsiense aos limites originais Foi o que fez C Roubet baseando se nas escavações da gruta Capeletti Aurês Argélia Ao lado da indispensável tipologia a ecologia torna se essencial ou seja o conhecimento do meio em que os homens viviam Assim pode ser definida uma economia pastoral pré agrícola transumante que não é 654 Metodologia e pré história da África Figura 2210 Neolítico de tradição capsiense do Damous el Ahmar Argélia oriental Mó e moleta Traços de carvão e ocre Fragmentos de conchas de Helix Foto M Bovis Figura 2211 Pequena placa calcária gravada Capsiense superior do Khanguet el Mouhaad Argélia oriental Foto M Bovis 655 Pré História da África do Norte Figura 2212 Ain Hanech seixos com lascamento unifacial chopper ou bifacial chopping tool Foto M Bovis Figura 2213 Perônio humano em forma de punhal Capsiense superior Mechta el Arbi Argélia oriental escavações feitas em 1952 Foto M Bovis 656 Metodologia e pré história da África mais o fim da Pré História mas o ponto de partida da civilização montanhesa atual dos Ghaouia de Aurês pequenos pastores de carneiros e cabras Houve portanto entre o quinto e o segundo milênios antes da Era Cristã muitas outras formas de neolitização do Magreb além do NTC stricto sensu Em primeiro lugar as regiões que permaneceram isoladas do Capsiense tiveram uma evolução original com duas características essenciais suceder ao Iberomaurusiense e relacionar se muito cedo com a Europa mediterrânea desde o quinto milênio A partir disso é que se levantou o problema da navegação Há várias fácies litorais do Neolítico completamente independentes de qualquer tradição capsiense que atestam esses contatos com a Europa por sua cerâmica e pela obsidiana importada O mesmo aplica se ao litoral atlântico no Marrocos Em contrapartida o Neolítico de tradição capsiense não pode ser estendido como sugeriu G Camps ao Saara setentrional e menos ainda às regiões mais meridionais do Saara onde se encontra a arte rupestre de Ahaggar e do Tassili nAjjer Entretanto a associação da arte rupestre com o Neolítico proposta por R Vaufrey permanece bastante válida por mais discutível que seja a atribuição da tradição capsiense ao Neolítico Trata se ainda apenas de uma parte das obras gravadas pertencendo a outra à época proto histórica Estas primeiras obras de estilo naturalista não estariam ligadas nem à Europa nem ao Saara sua origem deve ser pesquisada na neolitização capsiense mas a articulação Indústria Arte ainda precisa ser provada Assim apesar da riqueza de testemunhos a pré história do Magreb não foi ainda bem compreendida Somente com grandes escavações e com o auxílio de modernos métodos científicos é que ela poderá progredir C A P Í T U L O 2 3 657 Pré História do Saara O Saara é um imenso deserto que cobre a maior parte do norte da África Não é fácil delimitá lo nem tampouco defini lo A aridez é contudo o denominador comum das diversas regiões que o constituem Estendendo se de leste a oeste por 5700 km entre o mar Vermelho e o Atlântico e de norte a sul por 1500 km entre o Atlas pré saariano e o Sahel sudanês as condições desérticas se instalaram numa área de quase 86 milhões de km2 O Saara como o conhecemos hoje entretanto tem um aspecto muito diferente do que apresentou no decorrer de diversos períodos da Pré História O que lhe confere a unidade atual é a notável indigência da higrometria uma das mais baixas do mundo As principais características desse deserto são além da extrema raridade de água grandes diferenças entre as temperaturas diurnas e noturnas e a abundância de areia que eternamente mobilizada pelo vento inflige intensivo desgaste a um modelado senil Embora seja hoje um deserto o Saara já foi bastante povoado em vários períodos Atribui se o abandono da região pelas últimas etnias que a ocuparam à instalação de um clima cada vez mais seco e quente que provocou a rarefação das precipitações e o esgotamento das fontes e dos rios O consequente desaparecimento da cobertura vegetal e da fauna fonte de subsistência do homem forçou o a procurar regiões periféricas mais clementes Pré História do Saara H J Hugot 658 Metodologia e pré história da África Muitos especialistas dedicaram se ao problema das causas e consequências da desertificação do Saara entre eles E F Gautier1 T Monod2 R Capot Rey3 J Dubief4 L Balout5 K Butzer S A Huzayyin6 etc para citar apenas alguns Conhecem se hoje as razões teóricas pelas quais a monção do golfo da Guiné e a frente fria polar deixaram de ser para o Saara as duas fontes de umidade que comandavam a fertilidade que fez dele na pré história uma região populosa e próspera Mas não há unanimidade quanto ao problema da evolução do clima saariano Ainda não sabemos se a deterioração climática já atingiu seu grau máximo ou se ainda deverá atingi lo Não sabemos também de que forma se deu a desertificação ter se ia propagado regularmente em torno de um ponto central ou teriam as margens do Saara se deslocado num movimento oscilatório que atingia ora o norte ora o sul Quanto à própria sucessão de episódios climáticos que por diversas vezes possibilitaram o estabelecimento de populações no Saara falta muito para que estejamos capacitados a reconstituir sua cronologia exata Embora alguns trabalhos de grande envergadura tenham sido elaborados aqui e acolá devemos reconhecer que são raros e que nada de sério se fez para desenvolvê los Entretanto são eles de uma importância capital não somente no plano da ciência mas também no plano de uma melhor compreensão de um fenômeno que interessa à vida humana O conhecimento das modificações climáticas do Saara durante o Quaternário é doravante de interesse fundamental para o estudo das transformações ecológicas Quando cada metro quadrado tornar se vital para a humanidade esse maravilhoso deserto representará um papel tão importante que seu passado será conhecido com exatidão Histórico O desaparecimento de toda a publicação bibliográfica regular relativa à pesquisa pré histórica do Saara como um todo tornou difícil a compilação dos trabalhos ali realizados No que diz respeito ao período colonial possuímos muitas dessas 1 GAUTIER E F 1928 2 MONOO T 1945 Burg Wartenstein Symposium 1961 3 CAPOT REY R 1953 4 DUBIEF J 1959 5 BALOUT L 1952 p 9 21 6 BUTZER K W 1958 HUZAYYIN S A 1936 p 19 22 659 Pré História do Saara bibliografias que no entanto são incompletas e às vezes encontram se dispersas O fato de algumas descobertas importantes estarem por exemplo consignadas em relatórios militares torna o acesso a elas bastante delicado Com efeito a divisão política do Saara explica por outro lado a dispersão de trabalhos consagrados às suas riquezas pré históricas ingleses espanhóis franceses e italianos e mais recentemente alemães japoneses russos etc deram uma grande contribuição científica à descoberta do passado do Saara Entretanto a penetração no deserto é relativamente recente A primeira observação séria relativa à pré história saariana foi provavelmente a publicada pelo Abade Richard em 18687 a respeito do Saara argeliano No Egito as pesquisas começam quase na mesma época tendo como ponto de partida uma carta de A Arcelin datada de fevereiro de 18678 No oeste as pesquisas só terão início no começo do século As que concernem ao Saara central devem muito às explorações realizadas por Foureau a partir de 18769 culminando com a grande missão de 1898 190010 Nesse meio tempo O Lenz11 assinala a presença de objetos pré históricos em Toudenit em 1886 Logo depois os estudos da pré história saariana iriam atingir uma certa notoriedade arrefecendo se apenas em virtude das duas guerras mundiais Com efeito muitos cientistas foram atraídos pela riqueza pré histórica do Saara Seria impossível apresentar uma lista completa de todos eles mas a leitura de trabalhos antigos será sempre surpreendente tal a riqueza que encerram Os de G B M Flamand12 de Frobenius13 de C Caton Thompson14 por exemplo são indispensáveis para se iniciar qualquer estudo sério da pré história saariana A pesquisa pré histórica ressentiu se no deserto mais do que em qualquer outro lugar de preocupações circunstanciais a que se somou um fenômeno muito particular que por longo tempo impediu a compreensão dos problemas dessa região De fato a pré história foi frequentemente considerada ciência anexa no conjunto dos interesses das missões que se lançavam pelo Saara Assim sendo esteve confiada a amadores ou a especialistas em outras áreas que não dispensaram ao seu conteúdo 7 RICHARD Abade 1868 p 74 75 8 ARCELIN A Em uma carta endereçada à redação da revista Matériaux pour lhistoire primitive de lhomme publicada no t V de 1869 9 FOUREAU F 1883 10 FOUREAU F 1905 11 LENZ O 1884 12 FUMAND G B M 1902 p 535 38 114 15 PERRET R 1937 lista dos sítios estudados 13 FROBENIUS L 1937 14 CATON THOMPSON G e GARDNER E W 1934 660 Metodologia e pré história da África a devida atenção Além disso em um meio de difícil penetração onde a vida depende de cada quilo de carga transportado o volume o peso e a dificuldade de acesso aos documentos pré históricos fizeram com que eles fossem negligenciados Acrescenta se também o fato de o Saara não ser o lugar ideal para viagens e sobretudo para dar aos viajantes o tempo e os meios para proceder a investigações detalhadas Sem dúvida isso explica por que durante muito tempo se falou em indústrias infundadas de ausência completa de estratigrafia de nomen nudum etc Na verdade a pré história do Saara é tão rica quanto qualquer outra Quando se concederam tempo e meios a missões especializadas as coisas mudaram rapidamente Foi o que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial fazendo surgir um número infelizmente pouco elevado de excelentes monografias que se ocuparam em especial do Hoggar de Saura do Chade da Mauritânia do deserto líbio do Fezzan etc A colaboração da indústria e da ciência permitiu que fossem atingidos os surpreendentes resultados registrados nos Documents scientifiques des missions Berliet Ténéré Tchad Documentos Científicos das Missões Berliet Tenere Chade15 No entanto a pré história do Saara não obstante seu alto grau de interesse e sua riqueza está longe de poder ver se representada em um manual Não há sequer uma obra de divulgação a respeito numa época em que no entanto se vai à Lua Resta nos simplesmente lembrar que ela é objeto de um grande número de estudos específicos e de alguns capítulos de obras gerais particularmente em H Alimen16 H J Hugot17 e R Vaufrey18 Pesquisa de uma cronologia Desde seus primórdios a pré história do Saara procurou suas séries de comparação na Europa e principalmente na França Eram comuns termos como Clacto Abbevilliense Chelles Acheulense Musteriense lâminas aurignacienses pontas foliáceas solutrenses etc Sentem se ainda hoje os efeitos dos erros cometidos por essa visão simplista Ora como para todas as pré histórias do mundo a do Saara só pode nascer da análise de monografias exaustivas consagradas a suas diversas indústrias e essas monografias ainda estão sendo aguardadas Uma outra consequência 15 HUGOT H J 1962 16 ALIMEN H 1960 17 HUGOT H J 1970 18 VAUFREY R 1969 661 Pré História do Saara Figura 231 Principais sítios de pinturas e gravuras rupestres saarianas Figura 232 Machado plano com entalhes Gossolorum Níger Figura 233 Machadinha de Ti n Assako Mali 662 Metodologia e pré história da África lastimável da indisciplina da pesquisa pré histórica no Saara é a atribuição conforme as necessidades de status sociais precisos a etnias desaparecidas mesmo sem nenhuma prova concreta da realidade dos fatos que as originaram Duas observações devem ser feitas a respeito da cronologia19 A primeira é que não conhecemos ainda em nenhum ponto do Saara uma estratigrafia20 bastante abrangente para nos permitir estabelecer a sucessão dos estágios pré históricos com precisão A segunda é que salvo para o Neolítico não possuímos datas que nos permitam estabelecer uma cronologia absoluta Apesar de todas essas dificuldades dispomos dos excelentes trabalhos de J Chavaillon para Saura 21 H Faure para o Chade 22 de P Chamard23 para a Mauritânia todos baseados em sólidos estudos periféricos sobre a Argélia24 o Marrocos25 a Líbia 26 etc À luz desses trabalhos pode se fazer uma ideia relativamente precisa das grandes linhas do quadro cronológico da pré história do Saara Entretanto a pobreza de documentos paleontológicos e em geral de matérias orgânicas utilizáveis para datações através da medida da radiatividade subsidente relativos a esse período não permitiu estender a cronologia absoluta para além do Neolítico cf Quadro seguinte 19 Cronologia quaternária sucessão no tempo de diversas fases climáticas No que se refere ao Saara pobre em estratigrafia em muitos casos conta se apenas com elementos de cronologia relativa Uma das melhores cronologias foi apresentada por J CHAVAILLON 1964 Da base ao cume de Saura no noroeste do Saara o autor distinguiu Quaternário Antigo Villafranchiano Aidiense Mazeriense Quaternário Médio Taourirtiense Ougartiense Quaternário Recente Sauriense Guiriense 20 Estratigrafia sendo a estratigrafia a leitura e interpretação das camadas que se depositaram sucessivamente num local para formar o solo é compreensível que o Saara atingido por grandes cataclismas climatológicos não tenha conservado muitos documentos Existe porém o suficiente para mostrar que em diversos lugares há uma série de três terraços chamados antigo médio e recente que são os testemunhos de três grandes episódios climáticos Mas não se deve esquematizar demais Na verdade considerando os microclimas o problema dos episódios climáticos legíveis na estratigrafia é extremamente complexo A estratigrafia revela que por volta do ano 1000 antes da Era Cristã a desertificação já se consumara 21 CHAVAILLON J 1964 22 FAURE H 1962 23 CHAMARD P 1966 1970 24 BALOUT L 1955 25 BIBERSON P 1961 26 MACBURNEY C B M e HEY R W 1955 663 Pré História do Saara Naturalmente o quadro que apresentamos está simplificado ao extremo Em particular ele não apresenta um importante complexo de grandes lascas frequentemente de técnica levalloisiense encontradas em um terreno de bifaces finos de tamanho e peso reduzidos e provavelmente situadas no fim do Acheulense Complexos desse tipo ocorrem em Tiguelguemine27 Broukkou28 etc Enfim notaremos que até o momento presente nada foi encontrado que nos autorize a falar de um Paleolítico Superior29 no Saara o termo não tem 27 HUGOT H J 1962 28 HUGOT H J 1962 29 Paleolítico a nova divisão cronológica devida ao reconhecimento do Homo habilis como ancestral provável da linha atual do homem não modificou os problemas relativos ao Saara Em particular atualmente parece não ter existido nem o Paleolítico Médio nem o Epipaleolítico Ter se ia um Paleolítico Terminal representado pelo Ateriense portanto posterior ao Musteriense e separado do Neolítico por um breve hiato Cronologia da préhistória saariana 664 Metodologia e pré história da África confirmação nos fatos Seria mais perigoso ainda falar em Mesolítico termo que tende a cair em desuso O quadro anterior pode dar ensejo a uma cronologia mais detalhada Relaciona as grandes linhas do que conhecemos da climatologia com o povoamento pré histórico O Saara forneceu poucos esqueletos acompanhados de indústrias que possibilitassem sua classificação Entretanto os que foram encontrados indicam a antiguidade bastante remota do homem O Paleolítico O aparecimento do homem no Saara e a indústria de seixos lascados Nas margens de antigos rios extintos observam se com muita frequencia terraços formados na época em que os rios ainda não haviam secado Esses terraços apresentam três níveis muito distintos que para maior comodidade são denominados terraços antigo médio e recente No djebel Idjerane30 a 120 km a leste de In Salah Saara argeliano o terraço antigo apresentou seixos lascados Sabe se que esses seixos são os primeiros utensílios com marcas observáveis de trabalho humano Na maioria dos casos são meros seixos de rios de alguns dos quais foram destacadas lascas para a obtenção de um gume grosseiro e sinuoso Aventou se a ideia de que esses objetos seriam específicos da indústria do Homo habilis No Saara nigeriano nas ribanceiras do Tafassasset31 antigo afluente do lago Chade existem também grandes quantidades de seixos lascados mas em posição menos significativa que em Idjerane Outros conjuntos como o de Aoulef32 foram revolvidos ou destruídos Quanto à série proveniente de Saura33 é numericamente pouco importante para fornecer material suficiente para um estudo O que se pode afirmar é que a cultura dos seixos lascados estendeu se por todo o Saara então úmido e muito diferente do deserto que hoje conhecemos Infelizmente nenhum fóssil animal ou humano da época chegou até nós restando nos simplesmente formular a hipótese de que esses utensílios muito rudimentares que fora dos sítios onde estão agrupados encontram se 30 BONNET A 1961 p 51 61 31 HUGOT H J 1962 p 151 52 32 HUGOT H J 1955 p 131 49 33 CHAVAlLLON J 1956 665 Pré História do Saara dispersos por todo o Saara são exatamente os que foram lascados e utilizados pelos nossos mais antigos ancestrais O Homo erectus fabricante de bifaces O final da civilização dos seixos lascados deixa aparecer uma evolução técnica que conduz a formas não abandonadas no início do Paleolítico Inferior O mistério que envolve a grande mutação humana e técnica que assinala o aparecimento do biface permanece intato No Saara não se descobriu nenhum esqueleto dos autores desse notável utensílio e seu derivado a machadinha a qual evoca um horizonte florestal que à época devia predominar Apesar de ignorarmos a ecologia dos inventores do seixo lascado estamos um pouco mais bem informados sobre a de seus sucessores Enquanto região de grandes lagos o Saara apresentava uma hidrografia bastante significativa precipitações suficientes para manter um tipo de vegetação indicadora de um clima tendendo a frio Evidentemente a grande fauna etíope fazia se presente em todo o Saara Fato marcante as chuvas torrenciais que caracterizaram o período seguinte destruíram ou danificaram grandemente em quase toda parte os depósitos constituídos nos grandes lagos da época Além disso uma sequência muito seca entre a época precedente e o período de que tratamos pode ter acelerado os processos de destruição Em razão dessas destruições os testemunhos estratigráficos são muito raros embora o número de bifaces encontrados no Saara seja enorme Não podemos afirmar que o hominídeo fóssil do Chade34 tenha sido um fabricante de bifaces Vaufrey35 coloca o encabeçando seu capítulo sobre o Paleolítico Inferior e Médio do Saara Mas esse venerável ancestral a respeito de quem ignoramos se foi um fabricante de utensílios representa apenas uma interessante descoberta paleontológica Em Tihodaine mencionada pela primeira vez por Duveyrier em 186436 e visitada por E F Gautier e M Reygasse em 193237 foi encontrada uma indústria aeheulense com restos de rinoceronte elefante hipopótamo bovídeos búfalo facoquero zebra crocodilo gazela etc Todas as evidências mostram que a indústria acheulense de Tihodaine é evoluída em geral talhada em osso ou 34 COPPENS Y 1962 p 455 9 35 VAUFREY R op cit póstumo 1969 p 21 36 DUVEYRIER H 1864 37 GAUTIER E F e REYGASSE M 1934 666 Metodologia e pré história da África Figura 234 e 235 Seixos lascados Pebble Culture Aoulef Saara argeliano Figura 236 Biface do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano Figura 237 Machadinha do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 667 Pré História do Saara madeira A indústria já se encontra pois num estágio avançado do Acheulense não sendo uma continuação direta da civilização precedente Não longe de Tihodaine existem duas grandes jazidas acheulenses que apresentam uma mistura de bifaces por vezes de formas bem reduzidas quase sbaikienses e de machadinhas Trata se da jazida do erg de Admer38 descoberta por um militar em 1934 e publicada pela primeira vez por H Lhote e H Kelley em 193639 Essa jazida de superfície está mal datada assim como também a do uede Tafassasset40 descoberta pela missão Berliet Tenere mas sua importância não inspirou os trabalhos que teriam permitido mostrar sua grande valia Tabelbala e Tachenghit41 são conhecidos pelos bifaces em arenito quartzoso avermelhado e principalmente pela série impressionante de machadinhas que revelam uma técnica muito evoluída Nessa mesma parte da África os trabalhos de J Chavaillon e de H Alimen mostraram a presença em seu próprio contexto de um Acheulense Evoluído que precederia imediatamente as indústrias de lascas ou estaria incluído em um Aeheulense Médio É o mesmo caso de Mazer Béni Abbès e Kerzaz42 Em Chebket Mennouna Saura Saara argeliano43 haveria uma série significativa infelizmente ela é muito reduzida em número Em In Ekker como em Meniet e Arak44 o Acheulense Médio encontra se sob as aluviões que contêm o Ateriense em difusão O Acheulense também é encontrado em grande quantidade em Aoulef45 em Sherda46 em el Beyed47 em Esh Shaheinab48 no Saara ocidental49 em Kharga no deserto da Líbia50 Decididamente o Acheulense cobre toda a superfície do Saara mas estamos ainda impossibilitados de classificá lo cronologicamente pois 38 Essa jazida de superfície ilustra bem as dificuldades de fazer uma distinção entre a indústria dominante e as contaminações posteriores por outros objetos mais recentes 39 LHOTE H e KELLEY H 1936 p 217 26 40 HUGOT H J 1962 41 CHAMPAULT B 1953 42 ALIMEN H 1960 p 421 23 43 CHAVAILLON J 1958 p 431 43 1956 p 231 ID 44 HUGOT H J 1963 45 POND W P et al 1938 p 17 21 46 DALLONI M 1948 47 BIRERSON P 1965 p 173 89 48 ARKELL A J 1954 p 30 34 49 ALMAGRO BASCH M 1946 50 CATON THOMPSON G 1952 668 Metodologia e pré história da África à exceção de quatro ou cinco casos ele não se encontra em posição estratigráfica O essencial ainda está por fazer escavações e sondagens seriamente conduzidas Um ponto obscuro as indústrias de lascas O Paleolítico Inferior na Europa e no Saara caracterizou se por um objeto que foi essencial o biface Partindo das mais grosseiras formas agrupadas inicialmente sob o nome de Chellense evoluiu em peças elegantes equilibradas perfeitamente lascadas e bem acabadas como as de Micoque No Saara os primeiros bifaces foram anunciados pelos últimos seixos lascados Rapidamente se opera uma transformação radical na técnica de lascamento e essa habilidade nova da difícil arte de preparar a pedra não desconhece o alijamento e a perfeição das formas Na Europa e no Saara esses progressos só se tornaram possíveis graças à descoberta da eficácia do percutor mole de osso ou de madeira que substituiu o martelo de pedra de pouca precisão dada a violência de seu impacto No entanto apesar de o biface ser essencial o fossile directeur por assim dizer do Paleolítico Superior está longe de ser o único objeto manufaturado pelo Homo erectus Temos muitas razões para acreditar que desde a mais remota origem da técnica as lascas foram igualmente utilizadas e não somente elas mas também uma boa parte dos resíduos múltiplos provenientes do lascamento dos núcleos Por isso é normal a preponderância da lasca no alvorecer do Paleolítico Médio51 A lasca não é portanto uma descoberta é uma transformação Essa transformação se fará notar também pela miniaturização dos bifaces que aos poucos se tornarão armaduras Em contra partida o revolucionário é a generalização da técnica levalloisiense No Saara ela aparece muito cedo é dela que provém o processo de fabricação de certos bifaces de Tachenghit52 é a ela ainda que se deve a indústria de Broukkou ou de Timbrourine Mas apesar desse aparecimento precoce não parece que o modo de vida dos inventores tenha se modificado Esses precursores certamente não são os neandertalenses pois então eles teriam sem dúvida adotado um modo de vida diferente que exigiria a utilização de um armamento e um instrumental mais leves opostos na sua concepção ao peso do biface e da machadinha Na verdade o fato mais impressionante a que não se tem prestado muita atenção não é tanto a ausência de um Musteriense legítimo no Saara ou de qualquer outra forma musteroide 51 Não se deve esquecer no entanto que a verdadeira mutação é humana e assinalada pelo aparecimento do Homem de Neandertal autor das indústrias musterienses 52 TIXIER J 1957 669 Pré História do Saara se operando mas sim o fato do Ateriense que o substituiu e que é com efeito musterizante ser por excelência uma indústria de caçadores O pedúnculo evoca não simplesmente um cabo mas também a azagaia as bolas as grandes lascas pontas levalloisienses fazem pensar em instrumentos de caçadores Em resumo é uma indústria de migrantes e por isso mesmo leve se comparada às indústrias que a precedem O Ateriense No estágio atual da pesquisa o Ateriense53 toma no Saara o lugar ocupado em outras regiões pelo Musteriense Apresenta vários traços deste último pelo destaque que dá à técnica levalloisiense a qual se faz notar não só pela natureza dos retoques mas também pela tipologia dos objetos acabados Entretanto dele se distancia por duas características essenciais a presença de um objeto pedunculado que pode ser uma ponta com ou sem retoque um raspador um buril ou até mesmo um furador diferenças sensíveis no plano estatístico em relação à indústria musteriense clássica mas excluído esse fato persiste a ideia de substrato musteroide e apesar de não possuirmos nenhum esqueleto ateriense é hábito atribuir essa interessante indústria a um parente do Homem de Neandertal O Ateriense como se sabe é uma indústria norte africana que se difundiu intensamente em direção ao sul54 para se fixar ao longo das margens dos grandes lagos do Saara meridional À medida que se estendia para o sul foi se transformando até produzir a deslumbrante fácies do Adrar Bous55 onde se reúnem ao cabedal clássico dos núcleos lâminas lascas raspadores ferramentas denticuladas pontas duplas foliáceas de técnica bifacial e bolas de pedra pontas pedunculadas das muito bem acabadas também de técnica bifacial Uma delas chega a ter 19 cm de comprimento 53 Ateriense indústria de origem norte africana composta essencialmente por uma base musteroide a que se reúne uma série de objetos pedunculados Cronologicamente o Ateriense é posterior ao Musteriense Bastante influenciado pela técnica levalloisiense esse notável instrumental lítico desenvolveu se à medida que penetrava o Saara Seu limite meridional parece ter se constituído pelos grandes lagos do sul já extintos com exceção do Chade Foi na margem nordeste do Chade antigo que se encontraram sítios datados de 9000 a 8000 Esta indústria deve ser atribuída antes a um Paleolítico Terminal que a um Paleolítico Médio 54 HUGOT H J 1967 p 529 56 55 HUGOT H J 1962 p 158 62 670 Metodologia e pré história da África Figura 238 Grande ponta dupla bifacial ateriense Timimoum Saara argeliano Figura 239 Pontas aterienses Aoulef Saara argeliano Figura 2310 Ponta dupla bifacial ateriense Adrar Bous V Níger 671 Pré História do Saara O Ateriense difundiu se imensamente É encontrado na Tunísia56 no Marrocos57 na Argélia58 em Saura no Tidikelt onde utiliza com sucesso o material de primeira qualidade fornecido por uma Arauearia fóssil59 na Mauritânia onde o Adrar estabelece grosso modo sua fronteira60 Encontra se em toda parte no Hoggar61 no erg de Admer62 em Tihodaine63 e no Adrar Bous64 pode se assinalá lo ainda no Fezzan no Zumri sendo Kharga no Egito65 seu derradeiro bastião oriental É muito difícil situar o Ateriense em uma sequência cronológica Seu aparecimento pode ter se dado por volta de 35000 Às margens do lago Chade sua progressão parece ter sido estancada pelo último alto nível das águas Nessas condições ele se estenderia entre 9000 e 7000 Mas são apenas hipóteses Parece lógico que a essa indústria tão marcada por influências do Musteriense deveria suceder um Paleolítico Superior Mas aqui se colocam duas questões Em primeiro lugar podemos situar o Ateriense afinal muito tardio em um Paleolítico Médio Em sua tese magistral L Balout acreditava não dever ceder a essa tentação Em segundo lugar o que na verdade sabemos sobre um Epipaleolítico legítimo no Saara A bem dizer muito pouco a indústria do uede Eched descoberta por R Mauny66 não revelou seu segredo Os conjuntos líticos de estilo capsiense encontrados na orla meridional do Tademaït67 continuam sendo objeto de discussão Apenas a série já antiga de Merdjouma uede Mya planalto do Tademaït Saara central argeliano pode atestar a implantação de um grupo de capsienses verdadeiros numa região hoje abrangida pelo Saara É muito pouco para que tenhamos alguma certeza Por esse motivo para que fosse encontrada uma solução cronológica propôs se agrupar o Ateriense sob o título pouco comprometedor de Paleolítico Terminal 56 GRUET M 1934 57 ANTOINE M 1938 58 REYGASSE M 1922 p 467 72 59 GAUTIER E F 1914 SAINT MARTIN M de 1908 REYGASSE E F 1923 60 GUITAT R 1972 p 29 33 61 HUGOT H J 1962 p 47 70 62 BOBO J 1956 p 263 68 63 BALOUT L In ARAMBOURG C e BALOUT L 1955 p 287 92 64 HUGOT H J 1962 p 158 62 65 CATON THOMPSON G 1952 e 1946 66 Indústria inédita depositada no departamento de pré história do IFAN da Universidade de Dacar 67 HUGOT H J 1952 1955 p 601 03 672 Metodologia e pré história da África O Hiato Recentemente para qualificar uma indústria evoluída pós ateriense do Adrar Bous Níger J D Clark empregou a palavra mesolítico Num plano geral esse termo que felizmente tende a cair em desuso não tem sentido Não corresponde a nada que se conheça no Saara e seu uso só viria consagrar o erro de Arkell68 bastante compreensível no tempo em que esteve trabalhando no Nilo No atual estado da pesquisa os pré historiadores franceses não concordam com o emprego do termo Isso não quer dizer que o problema do Epipaleolítico não exista o Sebiliense III do Egito invadido pelos micrólitos geométricos69 precede o Neolítico A sem se confundir com ele e alguns indícios muito raros é verdade permitem supor que ele possa ter ultrapassado os limites das zonas onde foi reconhecido O Neolítico Ignoramos o essencial a respeito da gênese das etnias neolíticas70 Parecem ter se expandido pelo Saara partindo de pontos diferentes Segundo M C Chamla71 há uma constante no povoamento neolítico do Saara a mestiçagem entre Negros em um extremo e em outro Brancos de origem mesoriental agrupados ordinariamente sob o nome de mediterrânicos Primeiro povoamento neolíticos de tradição sudanesa O povoamento neolítico do Saara está longe de ser homogêneo Se se considerar uma sequência no estabelecimento dos grupos humanos a onda mais antiga parece ser a que formada às margens do Nilo na altura de Cartum e Esh Shaheinab realizou um movimento de leste para oeste ao longo dos 68 ARKELL A J 1949 1953 69 VIGNARD E 1923 p 1 76 70 Neolítico termo utilizado para designar o aparecimento de novas técnicas em particular a arte da cerâmica o polimento da pedra o início da domesticação da agricultura do urbanismo etc que se juntam à base altamente evoluída da indústria lítica do Epipaleolítico No Saara ao que parece os mais antigos sítios neolíticos podem ser atribuídos ao V VI milênio antes da Era Cristã Sabe se que o Neolítico não resultou necessariamente do conhecimento de todas as técnicas mencionadas Entretanto um dos fenômenos mais notáveis que convém considerar é o cozimento dos alimentos que por suas transformações químicas irá influir de forma decisiva na evolução fisiológica do homem O Neolítico saariano e suas múltiplas correntes são o admirável exemplo de uma explosão técnica e não de uma revolução como muitas vezes se afirmou 71 CHAMLA M C 1968 673 Pré História do Saara grandes lagos Parece não ter ultrapassado muito a franja oriental de Aoukâr nem ter penetrado na floresta Em contrapartida fez ao menos duas incursões ao norte uma em Hoggar até a margem setentrional da região pré tassiliana e outra em direção a Saura partindo do Tilemsi Reconhece se facilmente essa brilhante civilização pelo caráter particular e pela riqueza da decoração aplicada à cerâmica No plano industrial entretanto é extremamente difícil defini la pois os neolíticos de tradição sudanesa souberam tirar proveito de tudo Primeiros habitantes do Saara foram eles pescadores caçadores coletores Eram grandes apreciadores do hipopótamo e de bagas de lódão bastardo celtis sp mas não desprezavam o peixe dos lagos nem a tartaruga de água doce nem a melancia O fato de terem fabricado em profusão enxós enxadas moedores mós etc não significa absolutamente que tenham empregado qualquer forma de prática agrícola72 A presença constante de potes com bagas de lódão bastardo e a frequente descoberta de sinais de grãos de cucurbitáceas na escavação dos sítios podem sugerir uma hipótese de protocultura Constata se uma divisão do trabalho em função das tarefas especializadas O polimento da pedra foi muito difundido e a panóplia das armaduras muito rica Caçava se com arco ou com lança utilizava se o arpão e o anzol feitos de osso Machados enxadas enxós de pedra polida ocupam um lugar expressivo no equipamento Hábeis na confecção de contas de pedra dura amazonita calcedônia hematita cornalina etc os especialistas elaboraram um equipamento de perfuração muito engenhoso73 que comporta estilhaços de buris agulhas furadores empregados juntamente com resinas e areia fina O equipamento de trituração é numeroso e requintado Prova a existência se não de uma verdadeira indústria de moagem ao menos do conhecimento da arte da trituração O produto triturado era com certeza o ocre mas talvez também grãos selvagens bagas ervas secas corantes vegetais produtos farmacêuticos etc A cerâmica merece menção especial não só pela riqueza de sua decoração mas também pela beleza das formas realizadas Queremos observar que não foram encontradas as bases cônicas com pequenas 72 Agricultura Cultura racional de plantas selecionadas em áreas do solo especialmente preparadas A prova do conhecimento de uma agricultura pode resultar de provas palinológicas estatisticamente válidas da existência de traços de terrenos cultivados da coleta de vegetais fósseis identificados Isoladamente a presença de um instrumental considerado agrícola não tem significado preciso A enxada pode ter servido para extrair a argila para a fabricação da cerâmica a mó para triturar corantes grãos selvagens produtos medicamentosos etc A adjetivação agrícola resulta portanto de regras precisas e não de hipóteses não verificadas 73 GAUSSEN M e GAUSSEN J 1965 p 237 674 Metodologia e pré história da África cavidades nem as formas alongadas em ânfora Mas foram assinalados alguns bicos invertidos asas e botões Essa primeira onda neolítica é pois bastante conhecida O Neolítico guineense A primeira vaga é seguida mais ao sul pela progressão de uma outra etnia africana que vai ocupar a floresta e que apesar de sua importância permanecerá por muito tempo desconhecida ocultada pela cobertura florestal Esse Neolítico bem identificado na Guiné será chamado por essa razão embora provavelmente se tenha originado na África Central de Neolítico guineense74 O Neolítico de tradição capsiense Um pouco mais tarde o Neolítico de tradição capsiense produto da neolitização no próprio local do antigo Capsiense norte africano vai começar a movimentar se em direção ao sul Chegará ao nordeste da Mauritânia e atingirá o Hoggar já que em Meniet foi descoberto abaixo da superfície dos sítios do Neolítico de tradição sudanesa Seu limite a leste é mais impreciso devido à falta de monografias líbias utilizáveis O Neolítico de tradição capsiense é mais austero que o de tradição sudanesa Sua cerâmica tem pouco ou nenhum ornamento mas enquanto a indústria lítica de tradição sudanesa é de modo geral oportunista a de tradição capsiense é de uma técnica rigorosa e sua fácies saariana acha se enriquecida por uma quantidade deslumbrante de armaduras de pontas de flechas A pedra polida é em geral muito bonita e para desfazer a impressão produzida pela cerâmica as vasilhas de pedra dura e as estatuetas75 zoomórficas são verdadeiras obras primas Com essa fácies do Neolítico encontram se grãos perfurados que são em alguns casos fragmentos de encrina mas de modo geral rodelas confeccionadas com pequenos pedaços de casca de ovo de avestruz Ovos inteiros foram esvaziados e transformados em recipientes e alguns foram gravados com desenhos a traço Sabe se que os iberomaurusienses não são os capsienses Enquanto estes últimos ocuparam principalmente os altos planaltos argelianos onde deixaram curiosos montes de conchas conhecidos com o nome de escargotières os iberomaurusienses estabeleceram se na orla do Mediterrâneo entre a Tunísia e 74 DELCROIX R e VAUFREY R 1939 p 265 312 75 Coleções pré históricas Museu de Etnografia e de Pré história do Bardo Argel álbum no 1 A M G ed Paris 1956 pr 107 10 675 Pré História do Saara Figura 2311 Cerâmica neolítica Dhar Tichitt Mauritânia Figura 2312 Cerâmica de Akreijit Mauritânia 676 Metodologia e pré história da África o Marrocos não se sabe muito bem como estes cro magnoides se instalaram na África do Norte nem como se dividiram nas duas etnias O certo é que ambos foram neolitizados no próprio local Os neolíticos de tradição iberomaurusiense que viviam próximos ao mar não puderam evitar sua influência Caminhando ao longo da costa atlântica marroquina em direção ao sul constata se a existência de kiokennmöddings formados com conchas de moluscos e ostras em seguida com arcas Arca senilis aliás ainda consumidas no Senegal O litoral do Saara marroquino e da Mauritânia foi ocupado por essa fácies muito particular pouco ou nada estudada que se caracteriza por uma cerâmica pouco ornada rude de pedras de fogueira e por uma indústria lítica rara Seria muito interessante saber como se formou e qual a sua origem pois embora possa ter sofrido a influência de sua homóloga o Iberomaurusiense no Marrocos nada sabemos sobre seus elementos constitutivos O tenerense Uma quinta corrente que suscitou o interesse dos especialistas foi a identificada no Adrar Bous e batizada por essa razão com o nome de Tenerense Há pouco tempo J D Clark que esteve no local sugeriu que tal corrente pode ser representativa do Neolítico saariano Isso é impensável a menos que o adjetivo saariano corresponda a uma região geográfica muito extensa Por suas armaduras em flor de lótus discos raspadores côncavos espessos elementos de serra machados com garganta assim como por sua tipologia e composição estatística o Tenerense descoberto por Joubert em 194176 não pode ser considerado um Neolítico saariano clássico pois esse termo se aplica mais especialmente às fácies sudanesas e capsienses que cobrem a maior parte do Saara Vaufrey frequentem ente tentado pelo desejo de agrupar tudo no Neolítico de tradição capsiense77 afirma As influências egípcias reconhecidas no Saara argeliano penetraram em sua mais perfeita forma até o Hoggar e mais adiante Essas estações do Tenere representam um apogeu da indústria neolítica saariana que evoca irresistivelmente o Pré Dinástico egípcio78 Assinalemos entretanto que excluindo o Tenere a influência egípcia não aparece nitidamente a despeito do que afirma Vaufrey 76 JOUBERT G e VAUFREY R 1941 1946 p 325 30 77 VAUFREY R 1938 p 10 29 78 VAUFREY R 1969 p 66 677 Pré História do Saara Resta pois descobrir por que via a magnífica indústria tenerense obtida essencialmente a partir de um jaspe verde recebeu as influências que tão bem ilustra É preciso porém ter cuidado para não estender demais a noção de fácies Atualmente sabemos que uma mesma etnia pode ter respondido com exuberância aos determinismos impostos pela ecologia subsolo minerais etc Onde o jaspe e o sílex permitem obter obras primas a partir da pedra a indústria será diferente da confeccionada com arenitos frágeis O Adrar Bous e o Gossolorum79 são uma só e mesma coisa mas só depois de ter estudado a cerâmica discos machados etc é que se pode acreditar nisso As duas indústrias têm em comum apenas a qualidade de seu lascamento Resta ainda dizer algumas palavras a respeito de uma enorme fácies neolítica encontrada no sudeste da Mauritânia exatamente ao longo do Dhar Tichitt80 Importantes trabalhos realizados nessa região mostram que a indústria bastante tardia está ligada a um excepcional conjunto de aldeias em pedras secas onde o urbanismo81 e a arte das fortificações são do maior interesse Obteve se enfim a prova de que desde 1500 as comunidades locais consumiam milho miúdo o que vem dar um sentido preciso ao enorme equipamento de moagem existente nas ruínas das aldeias Tanto a cerâmica quanto outras características particulares demonstram ser africana a civilização do Dhar Tichitt essa civilização sem dúvida proveio do leste mais especificamente do vizinho Tilemsi mas isso é apenas uma hipótese de caráter provisório Assim o Neolítico pode ser reduzido a algumas linhas de força geradoras de correntes secundárias que se caracterizam por sua base cultural comum identificada pela cerâmica e mais raramente pelas particularidades técnicas aplicadas à indústria lítica ou óssea Em suma o Neolítico estender se á do V milênio antes da Era Cristã ao início do I milênio Durante esse período o nível dos lagos não cessará de baixar Em consequência a grande fauna etíope abandona as margens principalmente no sul a flora se degrada e o homem por sua vez emigra com seus rebanhos 79 HUGOT H J 1962 p 154 63 e 168 70 80 HUGOT H J et al 1973 81 Urbanismo estudo do plano de um conjunto de habitats geralmente ocupados por uma população sedentária e organizados de acordo com um plano preciso em função da divisão do trabalho e das ideias religiosas dos ocupantes O único conjunto que responde a essa definição é o do Dhar Tichitt na Mauritânia cujo início foi datado de 2000 678 Metodologia e pré história da África A fauna e a flora A fauna é herdada do Ateriense que termina no momento em que os lagos atingem o último alto nível identifica se então nas margens ou na própria água a fauna dita etíope com a presença de rinocerontes crocodilos Crocodilus niloticus hipopótamos elefantes zebras girafas búfalos e facoqueros Grandes siluros Clarias percas do nilo Lates niloticus e tartarugas de água doce Trionyx abundam nas águas Os pastos são percorridos por caprinos antílopes etc Essa enumeração surpreende apenas pelo lugar a que se aplica o Saara A flora confunde se totalmente No início do Neolítico ainda são encontradas nogueiras tílias salgueiros e freixos Uma concha de um limnófilo descoberto em Meniet Mouydir Saara argeliano indica uma precipitação de pelo menos 500 mm de água a urze cobre alguns estágios das montanhas Muito rapidamente entretanto essa vegetação se degrada e cede lugar a uma outra mais característica de zona árida cedro pinho de Alep zimbro oliveira almecegueira e entre outras o lódão bastardo muito importante na alimentação dos autóctones Nos lagos há também grande quantidade de moluscos encontram se em certos lugares traços de enormes depósitos de valvas de únio Com efeito uma das características do Saara neolítico nos alvores dessa civilização é a presença de um conjunto de lagos isolados É às margens desses lagos que os neolíticos de tradição sudanesa irão desenvolver se São eles que tornarão possível por seus inúmeros recursos o estabelecimento humano O Saara berço agrícola A ideia foi lançada em diferentes oportunidades e por várias vezes sem verificação das possibilidades do emprego de um termo com implicações tão graves Não se pode provar a prática da agricultura com base apenas na presença de objetos ou utensílios tidos como de uso agrícola A agricultura fica demonstrada ao contrário quando os fósseis grãos ou pólens justificam a hipótese aplicada aos objetos ou utensílios Os sacos de milho miúdo encontrados em Tichitt Mauritânia confirmam as ideias de Munson82 e as de Monod83 a respeito 82 MUNSON P 1968 p 6 13 83 MONOD T 1961 679 Pré História do Saara Quanto ao mais sabemos que os neolíticos do Saara acumularam grandes quantidades de bagas de celtis sp ou lódão bastardo que certamente foram usadas na alimentação Observou se ainda em Meniet e Tichitt a presença de grãos de cucurbitáceas que provavelmente são de melancia e não de citrulus colocinthis Esses dois vegetais pressupõem a coleta no máximo a protocultura mas não a agricultura que se constitui na preparação do solo em vista de uma cultura racional de plantas selecionadas O quadro portanto é bastante pobre Em Meniet84 a análise palinológica de sedimentos neolíticos não forneceu nenhuma indicação precisa do conhecimento de qualquer forma de agricultura No Adrar Bous uma análise sumária não acrescentou nenhum dado novo tampouco em Ti n Assako e nos inúmeros sítios estudados desse ponto de vista Os únicos traços certos de um consumo de produtos vegetais nos sítios neolíticos saarianos são os de grãos ziziphus lotus celtis sp diversas gramíneas selvagens devem se acrescentar ainda os sinais de Pennisetum evidenciados por Munson e os grãos de milho miúdo descobertos em Tichitt nas turfas fossilizadas No entanto é preciso fazer a análise sistemática dos sedimentos neolíticos antes de tirar qualquer conclusão Apesar de seu enorme interesse a palinologia foi muito pouco aplicada no Saara De todo modo embora algumas plantas tenham sido cultivadas no Saara parece improvável que essa região tenha sido o lugar privilegiado onde se desenvolveram as plantas de consumo corrente no norte da África Finalmente depois de muito tempo foram os criadores que em quase todas as regiões sucederam aos caçadores pescadores coletores O fato de um instrumental de pedra constituído de enxadas mós moedores pesos para lastrar bastões de escavação e picões ser encontrado em quase toda a região não implica ipso facto a existência de uma agricultura no sentido real do termo Em todo o Egito onde esse fenômeno se desenvolveu amplamente encontram se traços precisos de sua presença assim como em Tichitt na Mauritânia onde poderiam ser explicados pela existência de aldeias sedentárias Contudo em outras regiões de acordo com o atual estágio de nossos conhecimentos é pouco provável que o mesmo se tenha dado E de qualquer forma não se deve esquecer que em 1000 já havia praticamente ocorrido a desertificação do Saara A cessação das chuvas não favoreceu a agricultura mas isso não implica o desconhecimento de toda a protocultura ou da coleta seletiva que a precedeu Além disso com 84 FLAMAND G B M 1921 680 Metodologia e pré história da África certeza a experimentação de alimentos de origem vegetal deve ter estimulado a busca de espécies determinadas que seria uma primeira forma de seleção Mas só há possibilidade de cultura no quadro de uma sedentarização ou de uma fixação sazonal Ora em grande parte do Saara o Neolítico em seu apogeu faz pensar antes em acampamentos nômades que em aldeias organizadas as quais no entanto existiram A origem da domesticação e o Saara O Saara neolítico teve vida própria Embora os criadores bovidianos do Tassili nAjjer sejam contemporâneos das carroças a solto galope de idade imprecisa mas que podem ser contemporâneas das invasões dos povos do mar que foram dispersados ao tentarem conquistar o Egito não deixaram de desenvolver localmente a arte da criação do gado que sempre surpreende o não iniciado A civilização bovidiana parece ter desenvolvido em seu apogeu métodos tão perfeitos de criação que fazem pressupor um longo aprendizado Os egípcios dedicaram se a múltiplas experiências de domesticação de animais informação que nos é dada pelos baixos relevos que mostram ter se tentado domar felinos e gazelas canídeos e até mesmo hienas Qual era a situação no Saara O galgo sudanês precioso auxiliar dos caçadores nemadi parece ser de origem muito antiga É ele provavelmente que está representado nas pinturas bovidianas Há também outros indícios mas afinal nenhuma prova absoluta Sabe se que em 2000 o boi e o cachorro eram encontrados em Aoukâr mas os rupestres não nos mostram que animais o homem teria tentado domesticar em períodos anteriores A vida neolítica Sabemos que os homens do Neolítico de tradição sudanesa foram de uma curiosidade ilimitada no que diz respeito a novas técnicas Continuaram a lascar a pedra obtendo assim uma maravilhosa panóplia de armaduras de pontas de flechas e um instrumental em geral muito leve composto de lamelas retocadas de diversas maneiras furadores raspadores de formas múltiplas micrólitos geométricos serras etc A característica nova é a técnica sutil do polimento da pedra aplicada aos machados enxadas goivas e buris Por vezes recipientes de pedra dura labrets contas de amazonita cornalina e quartzo e bolas talvez usadas como projéteis de funda vêm completar essa panóplia A ela se acrescenta uma profusão de mós fixas e de moedores que não consistem necessariamente 681 Pré História do Saara Figura 2313 Pontas de flechas neolíticas In Guezzam Níger Figura 2314 Machado com garganta neolítica Adrar Bous Níger Figura 2315 Machado polido neolítico região de Faya Chade 682 Metodologia e pré história da África em prova do conhecimento da agricultura e kwes pedras para lastrar bastões para escavação recentemente ainda em uso na África do Sul e também entre os Pigmeus O conjunto é completado por uma admirável série de vasos de cerâmica cujas formas e decoração já são bem negro africanas O osso foi trabalhado servindo para confeccionar arpões punções agulhas pentes de oleiro brunidores e talvez punhais Os neolíticos de tradição sudanesa souberam adaptar se maravilhosamente ao determinismo mineralógico das regiões que ocupavam o que levou a acreditar numa multiplicidade de bases étnicas apesar de ao contrário parecerem muito estáveis e culturalmente muito unidos fato que se deveria à homogeneidade da inspiração das decorações de sua cerâmica Devemos acrescentar que esses homens formados no cadinho da vida socializada devem ter conhecido a navegação e que é possível que tenham circulado nos lagos com barcos de caniços iguais aos que se conhecem no Chade com o nome de kaddei Os neolíticos de tradição capsiense opõem se em muitos pontos aos seus homólogos e predecessores de tradição sudanesa Esses últimos partindo do Sudão caminharam em diversas vagas de leste para oeste sem atingir ao que parece a costa atlântica Eram melanodermas e quase sempre africanos autênticos Os homens que partiram dos altos planaltos argelianos eram mais mediterrânicos e herdaram de seus predecessores capsienses um dom notável para o lascamento do sílex O inventário de seu instrumental é surpreendente as finas lamelas com retoques quase invisíveis lembram joias Furadores pontas agudas pequenos raspadores juntam se a micrólitos geométricos formados de resíduos de lâminas trapézios retângulos triângulos e segmentos de círculo Mas nem por isso ignoravam a arte da caça pois confeccionavam inúmeras armaduras de pontas de flechas que são hoje lamentavelmente objeto de um grande comércio turístico Os machados polidos são numerosos e desconhecem a forma espessa e reduzida frequente no Neolítico de tradição sudanesa Diferentemente deste a tradição capsiense deu maior importância ao instrumental lítico cuja técnica foi também mais variada Mas sabia igualmente polir vasilhas de pedra dura trabalhar em alto relevo maravilhosas estatuetas como a do bovídeo de Silet o carneiro de Tamentit a gazela do Imakassen A cerâmica entretanto é muito menos rica em formas e decoração Não que faltasse imaginação aos artesãos Ao contrário eles puderam demonstrá la com sua aptidão para decorar ovos de avestruz com os quais inteiros faziam recipientes e partidos inúmeras contas Muitos fragmentos de casca ainda conservam finos desenhos a traço Evidentemente nesse contexto existem também mós fixas e moedores Sabe se com certeza que uma parte desse material serviu para triturar corantes provavelmente utilizados nas pinturas corporais 683 Pré História do Saara O Neolítico litoral é pouco conhecido Os trabalhos a respeito ainda não foram publicados más é sabido que em toda a extensão da costa atlântica a partir do Marrocos existem inúmeros depósitos de conchas por vezes verdadeiros tells misturados com cinzas e fragmentos de cerâmica Isto ocorre até o Senegal parecendo que a esta latitude um movimento étnico proto histórico passa a predominar Mantém se inexplicável a razão pela qual na fronteira da Mauritânia e Saara Ocidental a cerâmica de base redonda ou plana conhecida no Saara dá lugar a uma cerâmica maravilhosa de base nitidamente cônica Entretanto nada foi publicado a respeito dessa nova fácies Mais a leste no Air no Adrar Bous uma jazida sobressai claramente em relação a outras fácies conhecidas do Neolítico saariano de qualquer origem É a que se chamou Tenerense Obtido de um jaspe verde vivo e irrompendo num magnífico instrumental esse Neolítico é rico em formas que evocam o Eneolítico egípcio Discos planos armaduras em flor de lótus raspadores com entalhe chamados crescentes enxadas com gume polido pelo uso podem ser com efeito coincidências mas a essa altura seria verdadeiramente estranho que fossem casuais Acrescentamos ainda que certos tipos de mós fixas associadas a esse brilhante complexo são os mesmos que foram encontrados diante dos baixos relevos egípcios e somos levados a crer que o Adrar Bous foi colonizado por homens que teriam tido contatos estreitos com o Nilo apesar de ser estranho o fato de terem utilizado uma cerâmica semelhante em todos os aspectos à do Neolítico de tradição sudanesa Mas esta última não teve seus arquétipos em Esh Shaheinab Ao sul da linha dos lagos em uma época mais úmida a floresta deve ter sido mais densa e mais verde do que hoje Isso sem dúvida explicaria que se tivesse constituído numa barreira que os habitantes do Saara não conseguiram transpor O estudo do Neolítico florestal que por razões de comodidade e de anterioridade foi denominado guineense mas que na verdade parece ter se originado em local muito mais distante no Congo talvez está apenas começado Conclusão O apaixonante estudo do passado do Saara está ainda engatinhando Oferece aos especialistas e aos homens de boa vontade uma oportunidade excepcional que urge aproveitar antes que a exploração das últimas reservas naturais faça desaparecer para sempre a possibilidade de desvendar o mistério dos problemas que decididamente dizem respeito ao passado do homem Ora 684 Metodologia e pré história da África é tomando consciência do passado que a humanidade poderá forjar seu futuro nossa experiência não se limita ao presente mas vem em linha direta da pré história Negá lo é tirar lhe toda base racional todo valor científico Mas a pesquisa da pré história do Saara deixou de ser individual para tornar se um empreendimento coletivo de equipe portanto que precisa de meios para sua realização É impressionante constatar como ela se encontra abandonada Cabe aos interessados em reconstituir a história desse grande e rude deserto formar os homens que saberão desvendar os seus segredos C A P Í T U L O 2 4 685 Pré História da África ocidental As principais zonas climáticas e fitológicas atravessam toda a África ocidental de leste a oeste As precipitações mais fortes ocorrem perto da costa e diminuem à medida que se vai para o norte e para o interior Ao norte o lado meridional do deserto faz limite com a faixa seca do Sahel mais ao sul encontra se a zona da grande savana entre a savana e a floresta tropical densa e úmida que se limita com a costa fica uma zona de floresta desmoitada que antes havia sido floresta e que a ação do homem transformou em savana O clima e o meio ambiente As precipitações na área são nitidamente sazonais no sul elas predominam de abril a outubro com máxima em julho e outubro no norte de junho a setembro Essas chuvas são trazidas pelos ventos de sudoeste que se enchem de umidade no Atlântico Porém a frente intertropical corta a África ocidental de leste a oeste separando a massa de ar tropical marítima formada sobre o sul do Atlântico da massa de ar continental e seca do Saara A posição da frente varia de acordo com as estações do ano Em janeiro está no extremo sul de modo que os ventos alísios do nordeste vindos da massa setentrional de ar seco descem diretamente na costa da Guiné provocando um grande declínio de umidade Pré História da África ocidental T Shaw 686 Metodologia e pré história da África Figura 241 Zonas de vegetação da África ocidental 687 Pré História da África ocidental Para conhecer a pré história e a arqueologia da África ocidental é imprescindível que se tenha conhecimento dos padrões climáticos e vegetais a localização e a extensão das diferentes zonas de vegetação bem como a posição da frente intertropical sofreram variações no passado afetando as condições em que o homem vivia em diferentes períodos na África ocidental Dentro dessas zonas de vegetação existem certas particularidades geográficas que provocam modificações locais no padrão geral o maciço de Futa Djalon as terras altas da Guiné no Togo a cordilheira Atakora em Camarões o planalto de Bauchi e as terras altas de Mandara o delta interior do Níger e sua grande curva em direção ao norte o lago Chade e o delta da foz do Níger Entre Gana e Nigéria há uma quebra de continuidade no cinturão de floresta tropical úmida que é conhecida como a passagem de Daomé O homem pré histórico Vestígios paleontológicos Até o momento a África ocidental não apresentou vestígios de formas humanas primitivas nem de hominídeos comparáveis aos que foram achados na África oriental e meridional1 nem tampouco artefatos da época correspondente2 Apesar disso poderíamos supor que tais seres existiram na África ocidental A atual falta de dados significa que esses hominídeos realmente não viveram na África ocidental naquela época ou que as evidências ainda não foram encontradas Essa é uma pergunta impossível de ser respondida no momento entretanto na África ocidental não foi realizado nenhum esforço de pesquisa comparável ao que teve lugar na África oriental Devemos admitir também que os depósitos de mesma idade parecem ser raros na África ocidental e é evidente que devido ao alto grau de umidade e acidez do solo as condições de preservação são muito piores3 Esse fato é ilustrado por dados de um período muito mais recente um mapa de distribuição na África das descobertas de vestígios paleontológicos da Late Stone Age aponta um espaço em branco na região da África ocidental Zaire4 Mas depois da elaboração desse mapa descobertas referentes a essa época feitas na Nigéria e em Gana revelam que o espaço em branco indicava uma dada situação de pesquisa e não a ausência de 1 LEAKEY R E F 1973 2 LEAKEY M 1970 3 CLARK J D 1968 p 37 4 GABEL C 1966 p 17 688 Metodologia e pré história da África ocupação humana5 O mesmo podemos dizer em relação ao período anterior que vamos abordar6 e também quanto ao mapa de distribuição dos depósitos fósseis de vertebrados do Pleistoceno Médio e Superior que mostra um espaço em branco semelhante7 Até onde podemos remontar deve ter havido em certas partes da África ocidental condições ecológicas muito semelhantes àquelas que favoreceram o desenvolvimento dos australopitecos da África oriental o que não significa que essas regiões foram de fato ocupadas Há muitas regiões da floresta tropical que poderiam atualmente prover as necessidades dos gorilas mas na verdade eles são encontrados apenas em duas regiões bem delimitadas8 e apesar de uma certa similaridade de condições a savana da África ocidental não sustenta uma caça tão rica em número e em variedade como a da África oriental9 A porção craniofacial de uma caixa craniana encontrada a 200 km a oeste sudoeste de Largeau é uma evidência positiva que fala a favor da possibilidade de serem encontrados na África ocidental alguns dos primeiros hominídeos do começo do Pleistoceno Esse espécime foi chamado de Tchadanthropus uxoris10 inicialmente pensou se que se tratava de um australopiteco11 mas depois consideraram no mais próximo do Homo habilis12 De fato é difícil fazer um julgamento devido à falta de datas exatas e por causa da fragmentação do crânio Um estudo mais minucioso dessa peça com capacidade craniana de 850 a 1200 cm2 e que apresenta características arcaicas e desenvolvidas sugere uma evolução para o Homo erectus13 um estágio mais complexo dos hominídeos Convém repetir que na África ocidental não há exemplos dessa forma embora tenham sido encontrados na Argélia14 alguns espécimes desse mesmo tipo chamados de Atlanthropus mauritanicus As indústrias Embora o homem da pré história tenha feito utensílios tanto de osso e madeira quanto de pedra a madeira raramente é preservada e as condições do solo na África 5 SHAW T 1965 1969b BROTHWELL D e SHAW T 1971 FLIGHT C 1968 1970 6 COPPENS Y BIFAN 1966 p 373 7 COPPENS Y BIFAN 1966 p 374 8 DORST J P e DANDELOT P 1970 p 100 9 DORST J P e DANDELOT P 1970 p 213 23 10 CAMPBELL B G 1965 p 4 9 11 COPPENS Y 1961 12 COPPENS Y 1965a 1965b COOKE H B S 1965 13 COPPENS Y 1966 Anthropologia 14 ARAMBOURG C e HOFSTETTER R 1954 1955 ARAMBOURG C 1954 1966 689 Pré História da África ocidental ocidental não são favoráveis à conservação do osso Além das lascas trabalhadas de modo rudimentar os utensílios de pedra mais simples e mais primitivos são os seixos ou blocos talhados por percussão constituindo instrumentos que apresentam um gume de 3 a 12 cm de comprimento Eles são conhecidos como indústria do seixo lascado ou utensílios olduvaienses referindo se à garganta de Olduvai na Tanzânia São bastante frequentes na África sendo que os homens primitivos que as fabricaram podem muito bem ter se espalhado pela maior parte das savanas e matas do continente Há exemplos desses utensílios em diversos lugares da África ocidental15 mas até o momento não é possível ter certeza se algum deles data genuinamente do mesmo período da indústria olduvaiense que na África oriental situa se entre 2 e 07 milhões de anos Um estudo minucioso dos seixos lascados encontrados ao longo do rio Gâmbia no Senegal demonstrou ser bem provável que alguns deles tenham origem neolítica enquanto outros possivelmente remontariam à Late Stone Age não há evidências estratigráficas que permitam considerá los como indústria da época pré acheulense16 Então só podemos ter certeza de que esses seixos lascados pertencem a um período anterior quando eles são datados independentemente por terem sido encontrados in situ em depósitos que podem ser datados seja de modo relativo seja de modo absoluto A paleontologia permite que se estabeleçam datas relativas para os depósitos de Yayo que revelaram o Tchadanthropus mas infelizmente não foi encontrada aí nenhuma indústria associada A partir das indicações fornecidas pelos ossos de fósseis do extinto Hippopotamus imaguncula extraídos de um poço com profundidade de 58 m situado em Bornu17 é provável que os sedimentos da bacia do Chade contenham material paleontológico e sem dúvida arqueológico do Pleistoceno esse material porém repousa sob uma camada muito espessa de aluviões mais recentes Mudanças climáticas Na Europa ocorreram várias glaciações durante o Quaternário e as quatro principais receberam o nome de rios da Alemanha Sabe se agora que apesar de os fenômenos glaciais apresentarem ritmo e padrão gerais muitas variações locais devem ser levadas em consideração por isso também se usam nomes 15 DAVIES O 1961 p 1 4 DAVIES O 1964 p 83 91 MAUNY R 1963 SOPER R C 1965 p 177 HUGOT H J BIFAN 1966 16 MAUNY R 1968 p 1283 BARBEY C e DESCAMPS C 1969 17 TATTAM C M 1944 p 39 690 Metodologia e pré história da África locais para cada região particular Embora o quadro resultante seja muito mais complexo é provavelmente bem mais próximo da realidade18 A mesma coisa aconteceu na África quando nos vestígios de praias lacustres elevadas graças a fases de erosão e de depósitos de cascalhos os primeiros pesquisadores encontraram traços característicos de períodos do Quaternário ao longo dos quais o clima africano tinha sido muito mais úmido que atualmente Esses períodos de precipitações mais abundantes foram batizados de pluviais A partir do momento em que o conceito de períodos glaciais foi aceito para as zonas temperadas setentrionais o que há de mais natural do que a ideia de que houve no calor dos trópicos um período pluvial correspondente aos períodos glaciais da Europa e da América do Norte19 Com o tempo a ideia de três e depois de quatro períodos pluviais africanos tornou se crença ortodoxa20 supôs se que eles correspondiam às glaciações da era glacial europeia21 embora tenha sido proposta uma nova teoria segundo a qual um período pluvial africano corresponderia a duas glaciações setentrionais22 O fato de ter sido possível expor pontos de vista tão diferentes mostra a quase impossibilidade de qualquer correlação cronológica exata De qualquer forma como se trata de grandes distâncias as correlações geológicas não deveriam ser estabelecidas em função de climas e sim de formações rochosas Além disso os vestígios dos períodos pluviais dão lugar a muita confusão quando comparados com os traços das glaciações23 Com o tempo a própria hipótese de quatro períodos pluviais na África foi posta em dúvida24 A África ocidental não escapou à extrapolação e esforços têm sido feitos no sentido de utilizar os resultados obtidos em outras partes do continente para conferir uma certa significação aos dados que de outro modo ficariam isolados ou difíceis de interpretar25 Mais recentemente entretanto dois elementos contribuíram para o progresso da abordagem científica em relação à África 18 FLINT R F 1971 SPARK B W e WEST R G 1972 19 WAYLAND E J 1934 1952 20 LEAKEY L S B 1950 LEAKEY L S B 1952 Resolução 14 3 p 7 CLARK J D 1957 p XXXI Resolução 2 21 NILSSON E 1952 22 SIMPSON G C 1957 23 CLARK J D 1957 p XXXI Resolução 4 BUTZER K W 1971 p 312 15 24 FLINT R F 1959 25 BOND G 1956 p 197 200 FAGG B E B 1959 p 291 DAVIES O 1964 p 9 12 PIAS J 1967 691 Pré História da África ocidental ocidental uma pesquisa mais aprofundada sobre esse assunto26 e o surgimento de uma nova teoria sobre as mudanças climáticas na África27 No que diz respeito a essas mudanças climáticas a África ocidental não oferece nenhuma informação geológica ou geomorfológica digna de fé que remonte a um período anterior a antes da última glaciação na Europa O estudo do lago Chade evidenciou a existência de altos níveis lacustres a partir de 4000028 Esse nível alto é marcado pelo espinhaço de Bama sobre o qual se eleva Maiduguri que nesse local tem direção noroeste sudeste Depois as duas extremidades estendem se em direção nordeste cercando Largeau toda a depressão do Bodele e o Bahr el Ghazal Esse espinhaço considerado mais uma barra de lagoa do que o traçado real de uma margem pode ter levado 6000 anos para se formar29 O antigo lago ficava a uma altura de 332 m acima do nível do mar ao passo que atualmente a altitude do lago Chade é de 280 m às vezes acontecia de ele transbordar na passagem de Bongor e drenar o Benue Durante esse período mais úmido tudo indica que a floresta da África ocidental estendia se bem mais para o norte do que atualmente no entanto é impossível afirmar que ela tenha atingido a latitude de 11o N30 ou a atual linha isoieta dos 750 mm31 enquanto a palinologia não nos tiver fornecido essa confirmação Aproximadamente na época do último máximo da última glaciação no norte da Europa mais ou menos por volta de 20000 parece que a África ocidental era muito mais seca do que agora Nessa época os rios da região despejavam suas águas num oceano que ficava 100 m abaixo do nível de hoje pois uma grande quantidade de água ficou bloqueada nas calotas glaciais dos pólos Assim em Makurdi o Benue cavou um leito cerca de 20 m abaixo do nível atual do mar que se mostra ainda mais profundo em Iola enquanto isso em Jebba o leito fóssil do Níger se encontra 25 m abaixo do nível do mar e se aprofunda ainda mais em Onitsha32 Também o Senegal corria num leito bem abaixo do nível de agora mas grandes dunas de areia bloquearam sua foz o mesmo acontecendo com o curso médio do Níger Nessa época o lago Chade era seco 26 Associação Senegalesa para o Estudo do Quaternário 1966 1967 1969 BURK K et al 1971 BUT ZER K W 1972 p 312 51 27 ZINDEREN BAKKER E M van 1967 28 SERVANT M et al 1969 GROVE A 1 e WARREN A 1968 BURKE K et al 1971 29 GROVE A T e PULLAN R A 1964 30 DAVIES O 1964 31 DAVIES O 1960 32 VOUTE C 1962 FAURE H e ELOUARD P 1967 692 Metodologia e pré história da África dunas de areia formaram se no fundo do lago e em certas regiões da Nigéria setentrional indicando que havia precipitações anuais inferiores a 150 mm ao passo que atualmente elas ultrapassam 850 mm Embora apenas os depósitos da foz do Senegal e das proximidades do lago Chade possam ser datados de modo absoluto todas as outras evidências indicam que houve um período seco por volta de 18000 Se as dunas de areia foram formadas na latitude de Kano a região florestal e a savana devem ter sido empurradas para bem longe em direção ao sul na verdade é provável que a maior parte da floresta tenha desaparecido com exceção de florestas relíquias em áreas com precipitações mais elevadas tais como a costa da Libéria parte do litoral da Costa do Marfim o delta do Níger e as montanhas de Camarões Aproximadamente no ano 10000 as condições parecem ter evoluído para uma umidade maior O Níger do Mali transbordou sobre o Taoussassill e o Mega Chade como foi chamado33 recobriu novamente uma vasta superfície as dunas de areia formadas durante o período seco anterior ficaram com uma cor avermelhada devido às estações mais úmidas Vestígios de carvão vegetal dispersos em Igbo Ukwu que datam do décimo primeiro e do sétimo milênio antes da Era Cristã podem talvez indicar queima de arbustos e a existência nessa latitude e nessa época de uma vegetação do tipo savana34 É possível que nesse período a floresta tivesse se espalhado outra vez em direção ao norte a partir das zonas refúgios do litoral onde ela sobreviveu no período seco precedente A teoria mais satisfatória para relacionar os acontecimentos climáticos do fim do Quaternário na África ocidental aos do norte da Europa baseia se em provas cada vez mais numerosas de que as variações de temperatura são um fenômeno mundial elas provocaram um deslocamento das zonas climáticas nos dois lados do equador deslocamento esse modificado pela configuração das grandes massas terrestres e oceânicas35 Quando as temperaturas do planeta caíram o resultado foi uma glaciação nas latitudes norte que empurrou o anticiclone polar para o sul as zonas climáticas situadas mais além foram comprimidas em direção ao equador de modo que a frente intertropical norte foi deslocada para o sul de sua posição atual Em consequência disso os ventos secos do nordeste sopravam por mais tempo e com maior força de uma extremidade a outra da África ocidental enquanto os ventos pluviais do sudoeste chamados ventos de monções sopravam com 33 MOREAU R E 1963 SERVANT M et al 1969 34 SHAW T 1970 p 58 91 35 ZINDEREN BAKKER E M van 1967 693 Pré História da África ocidental menos força numa distância menor durante a estação úmida Esse fato explica a coincidência entre um período seco na África ocidental e um período glacial setentrional Nessa mesma época o norte do Saara era mais úmido do que atualmente pois a trajetória das tempestades do Atlântico desembocava no sul da cadeia do Atlas ao invés de passar ao norte da mesma Depois quando as temperaturas mundiais se elevaram as calotas glaciais e a frente intertropical afastaram se para o norte e o nível do mar atingiu a altura de hoje Devido ao deslocamento da trajetória das tempestades do Atlântico em direção ao norte o Saara do norte ficou mais seco porém suas reservas aquáticas e vegetais foram suficientes para adiar o dessecamento final que acabou ocorrendo por volta de 3000 Quando a aridez se tornou tão intensa que a população não tinha mais condições de viver no Saara tal fato naturalmente teve repercussões nas zonas situadas mais ao sul A Idade da Pedra Os termos paleolítico epipaleolítico e neolítico ainda estão em uso no norte da África em compensação os arqueólogos da África subsaariana depois de muito tempo acharam preferível utilizar sua própria terminologia baseada na realidade de um continente e não num sistema europeu imposto de fora Essa nova terminologia foi adotada oficialmente há cerca de vinte anos no 3o Congresso Pan Africano sobre Pré História Nós usaremos então os termos Early Stone Age Middle Stone Age e Late Stone Age36 Os limites cronológicos dessas divisões da Idade da Pedra variam um pouco de região para região Bem aproximadamente podemos estabelecer o período que vai de 2500000 a 50000 para a Early Stone Age de 50000 a 15000 para a Middle Stone Age e finalmente de 15000 a 5000 para a Late Stone Age Com o acúmulo de novas informações essas divisões e datas tão simples passam a ser modificadas e a exigir um quadro mais completo O próprio termo neolítico está sendo cada vez mais criticado quando aplicado à África subsaariana na verdade trata se de um termo ambíguo que não se sabe se indica um período um tipo de tecnologia um tipo de economia ou a combinação dos três37 36 CLARK J D 1957 Resolução 6 37 BISHOP W W e CLARK J D 1967 p 687 899 SHAW T 1967 p 9 43 VOGEL J C e BEAU MONT P B 1972 694 Metodologia e pré história da África A Early Stone Age na África ocidental O Acheulense No sul no leste e no noroeste da África o complexo industrial olduvaiense cedeu seu lugar ao complexo que conhecemos sob o nome de acheulense caracterizado por bifaces Os bifaces são utensílios de forma oval ou oval apontada cujo gume em todo o contorno foi cuidadosamente talhado nos dois lados um outro tipo de biface a machadinha tem um gume transversal retilíneo Embora as mulheres e as crianças provavelmente se encarregassem do fornecimento de pelo menos metade do alimento através da coleta de bagas grãos e raízes os homens agrupavam se e coordenavam seus esforços para caçar animais de grande porte O fogo era conhecido na África desde o final do período acheulense O responsável pela fabricação dos utensílios acheulenses em todos os locais onde foram encontrados é o Homo erectus Sua capacidade cerebral é bem inferior à do homem moderno mas por outro lado ele está bem próximo deste último quanto à estrutura corporal Os tipos de bifaces geralmente considerados como primitivos mais tarde chamados de chelenses não existem no Saara mas foram encontrados no Senegal38 na República da Guiné39 na Mauritânia40 e em Gana bastante rolados na estratigrafia dos aluviões do terraço médio41 qualquer que seja o significado dessa situação em termos de cronologia relativa Sua área de distribuição foi objeto de mapas42 que pareciam indicar uma colonização a partir do rio Níger ao longo da cadeia montanhosa de Atakora e das colinas do Toga Os últimos estágios do Acheulense caracterizados por belos bifaces talhados com percutor de osso ou madeira são prolíficos no Saara ao norte do paralelo 16 Talvez seja conveniente relacionar essa distribuição ao penúltimo período glacial na Europa Riss ou talvez ao primeiro máximo da última glaciação Würm nessa época as chuvas devem ter sido mais abundantes no norte do Saara e a região desértica recuou para o sul oferecendo poucos atrativos para os caçadores coletores As terras elevadas do planalto de Jos parecem ter escapado à regra é possível que o clima não tenha sido tão árido e que tenha favorecido 38 CORBEIL R 1951 39 CREACH P 1951 40 MIAUNY R 1955 p 461 79 41 DAVIES O 1964 p 86 91 42 DAVIES O 1959 695 Pré História da África ocidental a existência de vastas campinas levemente arborizadas do tipo procurado pelo homem do Acheulense Esse planalto apareceu como um promontório de terras habitáveis projetado para o sul de Air e da principal região acheulense do Saara norte do paralelo 16 Com base no método do carbono 14 estabeleceu se que o material associado aos utensílios acheulenses nos cascalhos de base que enchem os canais cavados durante o período úmido anterior data de uma época anterior a 39000 BP43 Quando o homem do Acheulense habitava o planalto de Jos é provável que o maciço de Futa Djalon também tivesse sido favorável à ocupação pelo homem alguns utensílios acheulenses foram descobertos nessa região44 Há também vestígios do Acheulense Médio e Superior nos arredores e ao norte do alto Senegal tais vestígios poderiam ser considerados um elo de ligação entre a região de Futa Djalon e os prolíficos sítios arqueológicos da Mauritânia Traços do Acheulense foram registrados45 no sudeste de Gana e ao longo das cadeias montanhosas do Toga e de Atakora esses traços sugerem a possibilidade de uma penetração pelo norte dessas regiões que deviam ter um meio ambiente favorável Entretanto essa penetração parece não ter sido muito significativa Na verdade nenhum vestígio do Acheulense foi descoberto na região através da estratigrafia e é muito difícil usando apenas a tipologia classificar definitivamente como acheulenses pequenas coleções e raros espécimes Isso acontece porque algumas formas tendem a sobrepor se às formas mais recentes da indústria sangoense46 ou a confundir se com elas O Sangoense É difícil definir o complexo industrial sangoense47 e até se põe em dúvida a sua existência na África ocidental48 Sucedendo o Acheulense e conservando certas peças de seu instrumental tais como picão e o biface vem à luz um novo complexo industrial a machadinha desapareceu os esferoides tornaram se raros e deu se prioridade aos picões geralmente de forma pesada e maciça Encontramos também choppers em geral talhados sobre seixos 43 BARENDSON G W et al 1965 44 CLARK J D Atlas 1967 45 DAVIES O 1964 CLARK J D Atlas 1967 46 DAVIES O 1964 p 83 97 114 137 39 47 CLARK J D 1971 48 WAI OGUSU B 1973 696 Metodologia e pré história da África Figura 242 Cerâmica do Cabo Manuel Senegal fragmentos decorados Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 243 Brunidor de osso encontrado no sítio neolítico do Cabo Manuel Foto I Diagne Museu do IFAN 697 Pré História da África ocidental Na África ocidental a distribuição dos elementos do Sangoense é mais meridional que a do Acheulense49 sugerindo um novo modo de fixação No cabo Manuel em Dacar uma indústria antes considerada neolítica50 agora é reconhecida como sangoense51 ou eventualmente como uma de suas sobrevivências tardias O mesmo pode se dizer de certos elementos coletados em Bamaco52 Na Nigéria os vestígios sangoenses situam se sobretudo na parte do país que se estende do sul do planalto de Jos para o norte da floresta tropical e densa eles também são encontrados ao longo dos vales fluviais em cascalhos existentes entre 10 e 20 m acima do nível atual do rio53 No vale do Níger perto de Bussa existe uma indústria constituída sobretudo de seixos lascados e que não apresenta indícios de picões entretanto por razões geológicas ela é considerada contemporânea do Sangoense54 Constatamos a presença de utensílios sangoenses espalhados no pé da cadeia montanhosa do Atakora Togo e ao sul de Gana55 Esse material é raro no norte de Gana mas aparece com certa frequência no sul Em outras partes da África56 atribuem se ao Sangoense datas que remontam a 50000 e sugeriu se que o complexo industrial sangoense poderia refletir a necessidade de adaptar se a uma região mais arborizada durante um período cada vez mais seco57 Na África ocidental a indústria sangoense não foi datada pelo método do carbono 14 no sul de Gana o material sangoense do atalho da estrada de ferro de Asokrochona é em sua totalidade anterior ao Beach IV de Davies que ele próprio compara ao interestadial de Gottweig58 posição estratigráfica que não fez nada mais do que dar o terminus post quem que nós já devíamos esperar Se perto de Jebba os cascalhos situados de 10 a 20 m acima do Níger foram depositados quando o leito do rio correspondia ao nível do alto mar do Inchiriense Superior59 a presença entre eles de utensílios sangoenses não rolados sugere uma data perto de 30000 os espécimes rolados poderiam 49 CLARK J D Atlas 1967 50 CORBEIL R et al 1948 p 413 51 DAVIES O 1964 p 115 HUGOT H J 1964 p 5 52 DAVIES O 1964 p 113 14 53 DAVIES O 1964 p 113 4 SOPER R C 1965 p 184 86 54 SOPER R C 1965 p 186 88 55 DAVIES O 1964 p 98 100 56 CLARK J D 1970 p 250 57 CLARK J D 1960 p 149 58 DAVIES O 1964 p 23 137 42 59 FAURE H e ELOUARD P 1967 698 Metodologia e pré história da África ser contemporâneos ou mais antigos É possível que a distribuição meridional do Sangoense num meio florestal e ao longo dos rios testemunhe um modo de vida adaptado à seca anterior a 40000 depois disso o lago Chade começou a encher se e a espalhar se Talvez os animais que eram caçados outrora tenham se tornado raros fugindo em direção ao sul o aumento na quantidade de picões pode ser uma resposta à necessidade tanto de arrancar raízes e tubérculos quanto de cavar fossos para pegar animais pois já não era tão fácil caçar em espaço aberto A Middle Stone Age na África ocidental O termo Middle Stone Age serve para descrever um conjunto de complexos industriais aproximadamente de 35000 a 15000 Na África ocidental as indústrias pertencentes à Middle Stone Age foram identificadas com menos certeza do que no resto da África subsaariana Alguns espécimes raros do Lupembiense foram encontrados em Gana60 e na Nigéria61 mas nenhum deles oferece indicações estratigráficas satisfatórias para sua datação No planalto de Jos e ao norte do mesmo nas colinas de Lirue descobriram se séries importantes de um material caracterizado por talões facetados que foram classificadas como pertencentes à Middle Stone Age62 em Nok essas séries estão em estratigrafia entre os cascalhos de base contendo utensílios acheulenses e os depósitos mais recentes que apresentam elementos da cultura Nok63 Sem relação com o complexo industrial lupembiense tais séries teriam mais pontos em comum com as indústrias do Paleolítico Médio do norte da África do tipo geral musteriense e provavelmente refletem um modo de vida mais adaptado à savana Indústrias semelhantes foram encontradas em Gana na Costa do Marfim64 em Dacar65 e no Saara Centrai66 Um fragmento de madeira proveniente dos depósitos de Zenebi no norte da Nigéria um dos sítios aluviais que continham vestígios musterienses fornece uma data de 3485 110 entretanto a posição exata desse fragmento de madeira em relação aos 60 DAVIES O 1964 p 108 13 61 Achado na superfície na região de Afikpo pelo professor D D Hartle e anteriormente nas coleções da Universidade da Nigéria Nsukka 62 SOPER R C 1965 p 188 90 63 FAGG B E B 1956a p 211 14 64 DAVIES O 1964 p 124 42 CLARK J D Atlas 1967 65 CORBEIL R et al 1948 CORBEIL R 1951 RICHARD 1955 66 CLARK J D Atlas 1967 699 Pré História da África ocidental utensílios de pedra não foi precisada e a data é bem mais recente do que se poderia esperar de uma indústria desse tipo67 Em Tiemassas perto da costa do Senegal as escavações arqueológicas revelaram entre outras pontas bifaciais misturadas a utensílios do tipo Paleolítico Médio e Superior No início considerou se que se tratava de uma mescla de elementos neolíticos e mais antigos68 Entretanto um exame mais meticuloso mostrou que essas pontas bifaciais eram parte integrante de uma indústria em estratigrafia não comportando outros elementos neolíticos ela também foi considerada como um exemplo de indústria musteriense caracterizada localmente por esses elementos e que substituiria aqui o ateriense69 encontrado mais ao norte Esse último complexo industrial pertencente ao final do Paleolítico Médio na Argélia estende se em direção ao sul no deserto Davies vê na África ocidental um prolongamento dessa indústria que ele chama de ateriense guineense70 seus argumentos porém não são convincentes sendo postos em dúvida pela maior parte dos pesquisadores71 A Late Stone Age Em quase toda a África a Late Stone Age é caracterizada pelo desenvolvimento de pequenos utensílios de pedra que por essa razão foram chamados de micrólitos Trata se de peças minúsculas cuidadosamente talhadas para serem cravadas nas hastes das flechas formando pontas e farpas ou para constituírem outros tipos de utensílios compostos Elas mostram que seus autores possuíam o arco e que a caça a arco desempenhava um papel importante em sua economia Nesse ponto ficamos confusos com o termo neolítico e com a ambiguidade de seu significado sempre que possível é conveniente evitar seu uso na África principalmente na África subsaariana72 mas deve se levar em conta a persistência desse termo no norte da África e no Saara Nesse deserto encontramos muitas indústrias que foram chamadas de neolíticas por causa de suas formas e que na região central datam do sexto milênio antes da Era Cristã O clima era mais úmido que atualmente o que resultou numa flora do tipo mediterrâneo e numa 67 BARENDSON G W et al 1965 68 DAGAN T 1956 69 GUILLOT R e DESCAMPS C 1969 70 DAVIES O 1964 p 116 23 71 HUGOT H J 1966a 72 BISHOP W W e CLARK J D 1967 p 898 Resolução Q CLARK J D 1967 SHAW T 1967 p 35 Resolução 13 MUNSON P 1968 p 11 Alguns autores não compartilham dessa opinião 700 Metodologia e pré história da África Figura 244 Mó feita de rocha vulcânica encontrada no sítio neolítico de Ngor Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 245 Pendentes de pedra basalto do sítio neolítico de Patte dOie Foto I Diagne Museu do IFAN 701 Pré História da África ocidental população de pastores que podem ou não ter sido agricultores73 Não restam dúvidas acerca da presença de agricultores em Cirenaica em 480074 atualmente porém ficou demonstrado que o Neolítico de tradição capsiense largamente espalhado pelo noroeste da África e que sucedeu às culturas epipaleolíticas não apresentava práticas agrícolas embora ele tenha se estendido para além do segundo milênio antes da Era Cristã75 Houve um tempo em que as descobertas feitas em Rufisque no Senegal foram classificadas como pertencentes ao Neolítico de tradição capsiense76 mas é preferível considerá las como fazendo parte do continuum microlítico espalhado pela África ocidental77 Além dessas escavações perto de Dacar esse continuum microlítico ou Microlítico da Guiné está amplamente distribuído na metade leste da África ocidental na metade oeste porém ele parece estar ausente nos sítios mais meridionais na região da Libéria da Serra Leoa e do sul da República da Guiné Foi na Guiné num certo número de cavernas e abrigos sob rochas que foram feitas as primeiras escavações arqueológicas da África ocidental Algumas dessas escavações aconteceram há mais de setenta anos atrás78 Em alguns sítios existem peças bifaciais que lembram formas anteriores à Late Stone Age entre essas peças algumas parecem pequenas enxadas o que não deixa de ser um testemunho indireto de que se praticou a agricultura Essa possibilidade certamente não deve ser descartada pois nessa época o arroz substitui o inhame como principal colheita na metade oeste da África ocidental esse arroz africano o Oryza glaberrima provavelmente foi domesticado na zona do delta do médio Níger79 Existem também em Gana grandes fragmentos de quartzo com os contornos mal delineados80 que também parecem enxadas e que têm sido considerados como uma prova da existência de práticas agrícolas no local mas não há datas nem maneiras válidas de se comprovar isso A maior parte dos sítios da República da Guiné revelaram micrólitos machados de pedra polida mós e cerâmica o mesmo acontecendo na Guiné Bissau81 Alguns sítios guineenses continham cerâmica se bem que 73 HUGOT H J 1963 p 148 51 MORI F 1965 CAMPS G 1969 74 MCBURNEY C B M 1967 p 298 75 ROUBET C 1971 76 VAUFREY R 1946 ALIMEN H 1857 p 229 33 DAVIES O 1964 p 236 77 HUGOT H J 1957 1964 p 4 6 SHAW T 1971a p 62 78 HAMY E T 1900 GUEBHARD P 1907 1909 DESPLAGNES L BSGC 1907 HUE 1912 HUBERT R 1922 BREUIL H 1931 DELCROIX R e VAUFREY R 1939 SHAW T 1944 79 PORTERES R 1962 p 197 99 80 DAVIES O 1964 p 203 30 81 MATEUS A 1952 702 Metodologia e pré história da África na gruta de Kakimbon ela só apareceu na camada superior82 As escavações efetuadas no abrigo sob a rocha de Blande na extremidade sudeste da República da Guiné revelaram igualmente uma indústria que incluía machados de pedra e cerâmica junto com instrumentos bifaciais de grande porte que lembram as das cavernas de Kindia e Futa Djalon mas sem qualquer elemento microlítico83 Os micrólitos também não aparecem na caverna de Yengema em Serra Leoa onde o nível mais antigo revelou a presença de uma pequena indústria de lascas de quartzo comparada pelo pesquisador à indústria de Ishango do lago Eduardo no nível médio os picões e as enxadas bifaciais que se parecem com parte do material das cavernas guineenses são considerados pelo pesquisador como um complexo industrial lupembiense por fim o nível superior revelou machados de pedra e cerâmica que foram situados com base em duas datações feitas por termoluminescência no período de 2000 a 175084 De qualquer modo aparece um elemento microlítico nos dois outros abrigos sob a rocha explorados mais ao norte de Serra Leoa em Yagala e Kamabai as datações feitas por radiocarbono indicam aqui uma fase da Late Stone Age que vai de 2500 até o século VII da Era Cristã85 Parece que nessa parte oeste da África ocidental nos sítios mais meridionais teria sobrevivido relativamente inalterada uma tradição da Middle Stone Age que pode também existir em Dacar e Bamaco parece também que ela não teria nem inventado nem adotado a técnica microlítica é bem possível que as razões sejam de ordem ecológica pois a técnica microlítica está associada à economia da região das savanas onde a caça desempenhava um papel relevante Se assinalarmos a distribuição dos sítios sem micrólitos Conacri Yengema Blandé e traçarmos uma linha de demarcação entre esses últimos e os sítios que possuem micrólitos Kamabai Yagala Kindia Nhampassere perceberemos que essa linha é bem próxima da que separa a floresta da savana As novas técnicas de machados polidos e de cerâmica chegaram a essa região posteriormente provenientes do norte A data da aparição dessas influências situa se aproximadamente na metade do terceiro milênio antes da Era Cristã o que corresponde ao momento em que o dessecamento do Saara se completa é pois razoável aproximar esses dois eventos e ver neles a influência da migração das populações para fora do Saara Embora não tenhamos ainda nenhuma evidência osteológica a esse 82 HAMY E T 1900 83 HOLAS B 1950 1952 HOLAS B e MAUNY R 1953 84 COON C S 1968 85 ATHERTON J H 1972 703 Pré História da África ocidental respeito é provável que nessa migração tais populações tenham também trazido gado entre outras talvez a cepa ancestral da raça Ndama de Futa Djalon que é imune à tripanossomíase Em quase todo o restante da África ocidental um continuum microlítico precede as técnicas de fabricação de cerâmica e de machados de pedra polida estes últimos mais parecem fazer parte da tradição microlítica do que tê la substituído Em Kourounkorokale perto do Bamaco uma camada inferior com micrólitos e objetos de osso rudimentares está subjacente a uma camada que apresenta micrólitos mais sofisticados machados de osso polido e cerâmica86 Na Nigéria os abrigos sob a rocha de Rop87 no planalto de Bauchi e em Iwo Eleru no Western State revelaram níveis microlíticos sem peças de cerâmica e sem machados polidos sob camadas de indústrias microlíticas que possuíam esses últimos Em Iwo Eleru obteve se uma datação de radiocarbono de 9200 perto da base da camada inferior a transição para a camada superior parece ser pouco posterior a 300088 Em Old Oyo na caverna de Mejiro encontrou se uma indústria microlítica desprovida de cerâmica e de machados de pedra polida essa amostra porém é pequena e não está datada89 Em Gana a caverna de Bosumpra em Abetifi revelou uma associação de peças de cerâmica micrólitos e machados de pedra polida também sem data90 Ainda em Gana há fácies remanescentes da Late Stone Age chamadas de cultura de Kintampo Sucedendo a uma fase anterior dotada de cerâmica e de micrólitos a cultura de Kintampo apresenta machados de pedra polida braceletes de pedra conhecidas a partir dos sítios neolíticos do Saara e um tipo especial de moedor de pedra A fase antiga Punpun data de 1400 enquanto a fase recente apresenta gado doméstico e cabras anãs de uma raça parecida com a Dwarf Shorthorn ou anãs de chifre curto da África ocidental91 Até mesmo no sul da Mauritânia na fase mais antiga Akreijit da sequência de Tichitt os micrólitos estão presentes 86 SZUMOWSKI G 1956 87 FAGG B E B 1944 1972 EYO E WAJA 1972 ROSENFELD A 1972 FAGO A 1972b 88 SHAW T 1969b 89 WILLETT F 1962b 90 SHAW T 1944 91 DAVIES O 1962 1964 p 239 46 1967b p 216 22 FLIGHT C 1968 1970 CARTER P L e FLIGHT C 1972 704 Metodologia e pré história da África Figura 246 Machados polidos de Bel Air em dolerito Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 247 Cerâmica neolítica de Bel Air do sítio de Diakité no Senegal Foto I Diagne Museu do IFAN 705 Pré História da África ocidental junto com a cerâmica e os machados de pedra mas eles desaparecem em todas as fases subsequentes92 Ao longo das margens setentrionais de nossa área na zona do Sahel imediatamente ao sul do deserto saariano a situação é um pouco diversa na última fase da Late Stone Age com adaptações locais à ecologia evidenciadas na cultura material Em Karkarichinkat ao norte de Gao entre 2000 e 1500 as populações pastoris viviam em colinas acima do nível dos cursos de água sazonais elas conheciam a cerâmica e possuíam um equipamento lítico que incluía machados de pedra polida pontas de flechas bifaciais do tipo saariano mas sem base côncava93 e raros micrólitos a pesca era um aspecto importante da economia como ficou largamente evidenciado no sul do Saara nos tempos do Neolítico recente94 No nordeste da Nigéria em Daima constatou se mil anos mais tarde uma situação quase análoga é muito provável que os criadores de gado tenham cultivado o sorgo na argila fértil deixada pela retração do lago Chade e embora eles tivessem utilizado peças de cerâmica machados polidos e uma grande quantidade de objetos de osso não conheciam a indústria de micrólitos95 Na extremidade oposta de nossa região ao longo das margens meridionais da África ocidental na costa atlântica ocorreu uma adaptação a um meio ecológico totalmente diferente Nesse lugar os povos da Late Stone Age utilizavam moluscos abundantes nas lagoas e nos estuários tanto como iscas para pescar quanto para a própria alimentação deixando atrás de si grande acúmulo de conchas Na Costa do Marfim tais concheiras existiram desde 1600 até o século XIV da Era Cristã96 No Senegal descobriu se numa delas um machado feito de osso97 Sítios análogos que foram objeto de estudos na região de Casamance são posteriores à Idade da Pedra98 Em Afikpo no sul da Nigéria foi encontrado um sítio contendo cerâmica machados de pedra polida e uma indústria lítica sem micrólitos a datação por radiocarbono situa essa indústria entre 3000 e 100099 Em Fernando 92 MUNSON P 1968 1970 93 MAUNY R 1955b SMITH A 1974 94 MONOD T e MAUNY R 1957 95 CONNAH G 1967 1969 1971 96 MAUNY R 1973 OLSSON I V 1973 97 JOIRE J 1947 MAUNY R 1957 1961 p 156 62 98 LINARES DE SAPIR O 1971 99 HARTLE D D 1966 1968 706 Metodologia e pré história da África Pó distinguimos quatro fases principais num complexo da Late Stone Age100 que apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida mas não tem micrólitos uma datação por radiocarbono indica o século VI da Era Cristã para a fase mais antiga o que salvo engano torna essa sequência bastante tardia a forma curvada dos machados apresenta pontos em comum com a dos machados provenientes do sudeste da Nigéria101 de Camarões e da República do Chade102 Em resumo a Late Stone Age na África ocidental pode ser dividida em duas fases a fase I cujo início não ultrapassou 10000 tem duas fácies a fácies A apresenta uma indústria de micrólitos associada à caça na savana a fácies B pertence à zona florestal na extremidade sudoeste da África ocidental e não apresenta micrólitos A fase II que começou logo depois de 3000 tem quatro fácies a fácies A na maior parte da savana apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida associados aos micrólitos a fácies B no Sahel inclui a pesca em sua economia e praticamente não apresenta micrólitos apesar de ter uma indústria de objetos de osso como arpões anzóis etc a fácies C é costeira e sua economia é adaptada à exploração de recursos das lagunas e dos estuários a fácies D associada à paisagem da floresta apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida mas não dispõe de micrólitos Durante o terceiro milênio quando os pastores do Saara emigraram pela primeira vez para o sul eles não somente encontraram caçadores microlíticos mas também abandonaram uma região onde o sílex era abundante e foram para outra onde as armaduras e as farpas de flechas só podiam ser feitas de quartzo ou outros tipos de pedras com as quais era extremamente difícil fazer pontas bifaciais Assim em sua maioria eles parecem ter adotado a técnica microlítica local para armar e farpar suas flechas essa técnica era eficaz embora o resultado do ponto de vista estético não fosse muito agradável a olhos modernos Os que chegaram até Ntereso no centro de Gana durante a segunda metade do segundo milênio e aí conservaram suas pontas de flechas bifaciais características constituem uma exceção103 Se essa migração das populações do Saara em direção ao sul representou a introdução de um elemento novo na população autóctone ela não teve influência visível no tipo físico todos pertenciam igualmente à raça negra104 Se 100 MARTIN DE MOLINO 1965 101 KENNEDY R A 1960 102 CLARK J D 1967 p 618 103 DAVIES O 1966a 1967a 1967b p 163 SHAW T 1969c p 227 28 104 CHAMLA M C 1968 BROTHWELL D e SHAW T 1971 707 Pré História da África ocidental como parece provável os imigrantes falavam o protonilo saariano os pequenos grupos devem ter perdido seus dialetos particulares e adotado o níger congo que predominava na região somente os grandes grupos tais como os ancestrais dos Songhai teriam conservado seu próprio idioma105 A economia de produção A passagem de uma situação na qual o homem dependia da caça da pesca e da coleta de frutas silvestres para a prática da agricultura e da criação de gado é o passo mais importante dado por nossos ancestrais no decorrer dos dez últimos milênios Essa revolução não aconteceu num único ponto do mundo para depois espalhar se por todos os lugares mas sim num número limitado de focos Para a Europa a Ásia ocidental e o nordeste da África o foco mais importante se encontra na região montanhosa de Anatólia do Irã e do norte do Iraque Foi nesses lugares que se desenvolveram a cultura do trigo e da cevada e a domesticação da ovelha da cabra e dos bovinos Mais tarde a técnica de produção de alimentos foi introduzida nos grandes vales fluviais do Tigre e do Eufrates do Nilo e do Indo aprimorada pela drenagem e pela irrigação106 No quinto milênio ovinos e bovinos foram domesticados no Egito onde também se cultivaram cereais107 Atualmente temos provas de que o gado domesticado já existia anteriormente nas terras altas saarianas e temos indicações embora insuficientes do cultivo de cereais108 Como mostra o exemplo do vale do Nilo a dificuldade encontrada no cultivo de cereais na África subsaariana reside no fato de que as mais antigas plantas cultivadas o trigo e a cevada dependem das chuvas de inverno e só com bastante dificuldade conseguem desenvolver se ao sul da frente tropical na região das chuvas de verão Foi necessário cultivar gramíneas selvagens apropriadas de onde se originaram diversos tipos de milhetes africanos Dessas gramíneas a mais importante é a Sorghum bicolor ou milho da Guiné cuja cultura se iniciou na primeira metade do segundo milênio na região situada entre o deserto e a savana entre o Nilo e o lago Chade109 Foram cultivadas outras gramíneas selvagens de onde se originaram 105 GREENBERG J H 1963b 106 CLARK G 1969 p 70 e segs UCKO P J e DIMBLEBY G W 1969 107 CATON THOMPSON G e GARDNER E W 1934 SEDDON D 1968 p 490 WENDORF F et al 1970 p 1168 108 MORI F 1965 CAMPS G 1969 109 DE WET J M J e HARLAN J R 1971 708 Metodologia e pré história da África o milhete perolado e o milhete coracan ou finger millet o arroz africano já foi mencionado110 No sul da Mauritânia ao redor de Tichitt há traços do consumo de grãos de gramíneas locais mais aproximadamente em 1000 a proporção de milhete perolado sobe de 5 para 60111 Nas regiões mais úmidas da África ocidental o principal tubérculo era o inhame havendo mais de uma variedade africana112 todavia embora essa cultura tenha existido há 5000 anos atrás ainda não ternos dados arqueológicos e botânicos que possam provar isso uma longa história do cultivo do inhame complementado pelo uso de outros produtos nutritivos como as bagas de palmeiras oleaginosas protegidas ou conservadas ajudariam a explicar a densidade populacional do sul da Nigéria113 Apesar de ser um pré requisito para a urbanização o desenvolvimento da produção de alimentos não implica automaticamente e por si só no crescimento de vilas e cidades Parece que outros elementos entram em jogo tais como o aumento até um certo nível da pressão demográfica e a diminuição das terras cultiváveis114 Na África subsaariana a incidência da malária aumentou em consequência do desmatamento em função da agricultura e da presença de comunidades estáveis mais importantes também o crescimento populacional resultante da prática da agricultura foi mais lento do que deveria ter sido115 e na maior parte das zonas subsaarianas não havia na época falta de terras cultiváveis116 Entretanto no começo do primeiro milênio da Era Cristã estabeleceu se uma economia agrícola suficiente para satisfazer as necessidades de antigos reinos como Gana Mali Songhai Benin e Ashanti O advento do metal Apesar das propostas feitas já há muito tempo baseadas em razões metodológicas válidas para que se abandonasse na Europa o sistema das três 110 PORTERES R 1951 1958 1972 111 MUNSON P 1968 1970 112 COURSEY D G 1967 1972 113 SHAW T 1972 p 27 28 REES A R 1965 114 WEBB M C 1968 115 LIVINGSTONE F B 1958 WIESENFELD S L 1967 COURSEY D G e ALEXANDER J 1968 116 SHAW T 1971b p 150 53 709 Pré História da África ocidental Figura 248 Vaso de fundo plano da Idade do Ferro Foto de I Diagne Museu do IFAN idades Idade da Pedra Idade do Bronze e Idade do Ferro117 ele continuou a ser usado por se mostrar conveniente 117 DANIEL G 1943 710 Metodologia e pré história da África No seu conjunto a África ocidental mal teve a Idade do Bronze No entanto vinda da Espanha e do Marrocos uma de suas fácies se manifestou na Mauritânia onde foram descobertos cerca de 130 objetos de cobre e onde foram exploradas as ricas minas de Akjujt que uma datação em radiocarbono situa no século V antes da Era Cristã além disso foram encontradas pontas de flechas achatadas feitas de cobre no Mali e no sudeste da Argélia118 Por que a África ocidental não conheceu a Idade do Bronze Por que ela não foi mais influenciada pela antiga civilização egípcia As razões residem parcialmente no fato de que o terceiro milênio durante o qual a metalurgia a escrita a construção dos monumentos de pedra a utilização da roda e a centralização do governo se estabeleceram solidamente no Egito foi também a época do dessecamento final do Saara Desse modo as populações abandonaram o deserto e ele não mais serviu de elo indireto entre o Egito e a África ocidental Esse elo só foi restabelecido cerca de 3000 anos mais tarde graças ao camelo As outras razões estão ligadas ao estabelecimento mais tardio e mais lento de uma economia agrícola na África ocidental como foi descrito acima Preocupados em conferir certa dignidade e brilho à história da África ocidental alguns autores tentaram estabelecer uma ligação entre esta e o antigo Egito para que ela partilhasse da mesma glória119 isso parece nos totalmente desnecessário120 O início da Idade do Ferro de aproximadamente 400 a 700 Durante todo o início da Idade do Ferro muitas regiões da África ocidental permaneceram isoladas do exterior e na maioria dos casos os contatos que porventura existiram com o mundo antigo conhecido foram indiretos esporádicos e sem importância121 Muito se tem falado acerca da pretensa viagem de Hanão mas sua narrativa provavelmente é uma invenção122 O relato de Heródoto sobre o comércio mudo dos cartagineses com o ouro da África ocidental é quase com certeza baseado em fatos123 Seguramente devem ter existido alguns motivos de contato com o mundo exterior pois foi no começo desse período que o conhecimento do ferro chegou à África Não se trata apenas da importação de 118 MAUNY R 1951 MAUNY R e HALLEMANS J 1957 LAMBERT N 1970 1971 119 LUCAS J O 1948 DIOP C A 1960 1962 120 SHAW T 1964a p 24 121 LAW R C C 1967 FERGUSSON J 1969 MAUNY R 1970b p 78 137 122 PICARD G C 1971 MAUNY R 1970a 1971 p 75 7 123 HERÓDOTO 1964 Livro IV p 363 711 Pré História da África ocidental Figura 249 Círculo megalítico Tiekene Boussoura Senegal o túmulo do rei aparece em primeiro plano Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 2410 Estatueta antropomórfica encontrada em Thiaroye no Senegal Foto I Diagne Museu do IFAN 712 Metodologia e pré história da África objetos de ferro mas também do conhecimento da técnica de transformação do metal difícil de considerar como uma invenção autônoma já que na época não se conhecia nada sobre metalurgia124 Em Taruga na Nigéria central estudou se um certo número de sítios de fundição de ferro o radiocarbono indica datas que vão do século V ao III antes da Era Cristã125 As escavações feitas nos outeiros habitados do vale do Níger também indicam a presença do ferro aproximadamente no século II antes da Era Cristã126 Parece quase certo que o conhecimento da técnica da metalurgia do ferro tenha chegado à África ocidental vinda não de Meroé como foi sugerido com frequência127 mas da região da África do norte então submetida à influência de Cartago talvez os garamantes utilizadores de carros tenham servido de intermediários há gravuras rupestres desses carros ao longo da estrada que liga o Fezzan à curva do médio Níger128 Mais a oeste as pinturas rupestres revelam um outro itinerário de carros que ligava o Marrocos ao sul da Mauritânia talvez tenha sido sob a pressão dos nômades que sabiam manejar o ferro a lança de ponta de metal torna se a arma mais usada e substitui o arco nas gravuras sobre rochas que os homens da Late Stone Age de Tichitt fase Akinjeir se decidiram a fortificar suas aldeias a partir do século V ou IV antes da Era Cristã129 Em Taruga as descobertas feitas por ocasião das escavações foram associadas às estatuetas de terracota desse estilo tão característico ao qual se deu o nome da aldeia nigeriana de Nok onde elas foram encontradas pela primeira vez e em maior número durante a exploração de minas de estanho130 Levando em conta que elas eram provenientes de aluviões contendo estanho foram geralmente as cabeças das estátuas mais sólidas e resistentes que o resto do corpo que permaneceram intatas Foi difícil no início saber se os outros objetos descobertos no cascalho eram todos contemporâneos das estátuas ou se eles representavam uma mistura de objeto da mesma época e de outras mais antigas pois além dos objetos de ferro e de tubos que serviam para tirar o ferro fundido foram encontrados machados de pedra polida e instrumentos menores do tipo da Late Stone Age131 124 DAVIES O 1966b SHAW T 1969b p 227 28 125 FAGG B E B 1968 1969 126 PRIDDY A J 1970 HARTLE D D 1970 YAMAZAKI F et al 1973 p 231 32 127 CLARK G 1969 p 201 128 MAUNY R 1952 LHOTE H 1966 SHAW T 1969c p 229 DANIELS C 1970 p 43 4 HUARD P 1966 129 MAUNY R 1947 e 1971 p 70 MUNSON P 1968 p 10 130 FAGG B E B 1945 1956b 1959 131 FAGG B E B 1956b 713 Pré História da África ocidental Atualmente parece que o material da Late Stone Age é mais antigo e deve se a um depósito aluvial132 Em Taruga não há nenhum vestígio da Idade da Pedra embora se tenha achado um machado de pedra polida num dos raros sítios de ocupação da área133 A datação dos cascalhos situa as estatuetas entre 500 e o ano 200 da Era Cristã lapso de tempo posteriormente confirmado e tornado mais preciso com o auxílio de datações por radiocarbono feitas em Taruga no sítio de ocupação já mencionado século III antes da Era Cristã e por uma outra datação por termoluminescência 620 230134 Embora não seja constante o estilo das terracotas representa uma realização artística admirável e alguns especialistas de história da arte consideram nas como predecessoras de certas formas de arte ioruba que será descoberta mil anos mais tarde a 600 km além na direção do sudeste135 As descobertas da civilização de Nok ocorreram numa vasta região que se estende de sul a oeste do planalto de Jos com cerca de 500 km de comprimento Perto do rio Gâmbia no Senegal e em Gâmbia há um distrito no qual se encontra um grande número de pilares de pedra dispostos verticalmente isolados ou distribuídos em círculos os megalitos mais bem trabalhados são duplos e tendem a representar uma lira As escavações realizadas foram esclarecidas por três datações através de radiocarbono que indicaram os séculos VI e VIII sem considerar duas datas do século I provenientes do antigo solo sob os megalitos e que revelam um terminus post quem para sua construção parece que se tratava de monumentos funerários136 Em Tondidarou na curva do médio Níger um notável conjunto de monumentos de pedra de forma fálica foi arruinado pela ignorância e pelo entusiasmo ingênuo de pesquisadores e administradores do século XX Consequentemente não temos um conhecimento mais profundo sobre eles talvez pertençam à mesma época que os monumentos senegambienses137 No final do período dos primeiros contatos na orla norte da África ocidental as populações negras se relacionaram com os berberes nômades do deserto que a partir de então dispunham de camelos e transportavam para o norte o 132 SHAW T 1963 p 455 133 FAGG A 1972 b 134 FAGG B E B e FLEMING S J 1970 135 FAGG W e WILLETT F 1960 p 32 WILLETT F 1960 p 245 1967 p 119 20 184 1968 p 33 RUBIN A 1970 136 OZANNE P 1966 BEALE F C 1966 CISSÉ K e THILMANS G 1968 FAGAN B M 1969 p 150 DESCAMPS 1971 137 DESPLAGNES A M L 1907a p 40 41 MAES E 1924 MAUNY R 1961 p 129 34 1971a p 133 36 714 Metodologia e pré história da África ouro da África ocidental através do Saara No final do século VIII a fama de Gana a terra do ouro tinha chegado a Bagdá138 Essas regiões setentrionais da África ocidental possuíam agora noções rudimentares de agricultura e uma tecnologia do ferro Elas estavam prontas para iniciar o desenvolvimento político e a formação de Estados para fazer frente à pressão dos nômades vindos do norte para apoderar se enfim do controle lucrativo do comércio do ouro Mais ao sul ao norte da Serra Leoa a passagem para a utilização do ferro não parece ter ocorrido até o século VIII e assim mesmo fez se bem lentamente139 138 LEVTZION N 1971 p 120 139 ATHERTON J H 1972 1973 C A P Í T U L O 2 5 715 Pré História do vale do Nilo Sudão Núbia e Egito três regiões bem diferentes ligadas entre si apenas por um rio constituem um único vale Atualmente porém é difícil imaginar que o imenso deserto que circunda o vale nos dois lados outrora tenha oferecido dependendo das flutuações climáticas e ecológicas pontos de parada locais de passagem ou barreiras intransponíveis com o resto do continente africano Esses mesmos fatores físicos também condicionaram o modo de vida dos primeiros habitantes do vale na sua luta interminável para adaptar se a meios hostis ou favoráveis à sua expansão Nesse contexto traçaremos um relato conciso da longa evolução de tais povos desde as origens da hominização até o apogeu faraônico Determinadas culturas em determinados momentos já são bem conhecidas em muitos outros casos o caráter ainda incompleto das pesquisas de um lado e a tendência exagerada à classificação de outro levaram a uma fragmentação que no futuro poderia tornar se artificial e às vezes até abusiva a multiplicação de tipos em certos casos somente a alguns quilômetros de distância tem algo de pouco verossímil Os historiadores descontentes com essa dispersão procuraram reagrupar os tipos conhecidos em grandes categorias cronológicas embora algumas delas possam com o tempo tornar se inadequadas ou imperfeitas Pré História do vale do Nilo F Debono 716 Metodologia e pré história da África Olduvaiense1 Esta cultura é em toda parte caracterizada pelos seixos lascados choppers Descobertas recentes relativas à origem do homem permitem afirmar que não apenas em outras partes da África mas também no vale do Nilo existem alguns dos primeiros traços deixados pelo homem No Sudão a partir de 1949 foram descobertos em Nuri e Wawa vestígios muito antigos desses seres já humanos tais como seixos grosseiramente lascados formando rústicos utensílios No entanto esses achados isolados e superficiais não podem constituir uma prova definitiva Somente a partir de 1971 depois de pesquisas sistemáticas efetuadas em Tebas no Alto Egito foi possível certificar se a respeito desse ponto A exploração de 25 depósitos aluviais do Quaternário Antigo teve como resultado uma rica coleção desses utensílios primitivos A descoberta em 1974 de três sítios estratificados contendo choppers forneceu informações importantes que acabaram com as últimas dúvidas As camadas de seixos lascados eram subjacentes ao Acheulense antigo Old Stone Age que em suas camadas mais antigas caracteriza se sobretudo por triedros Há bem pouco tempo um dente de um hominídeo foi encontrado nas antigas aluviões da montanha tebana associado aos choppers Lembramos que em meados de 1925 foi encontrada uma sequência parecida nas aluviões de Abbassieh perto do Cairo na época porém os seixos lascados dessa camada foram classificados na categoria dos eólitos Uma contribuição suplementar para o estudo desse período remoto foi dada bem recentemente como resultado de nossas escavações em Adeimah em 1974 no Alto Egito expedição do IFAO2 trata se de um novo depósito que ainda está sendo estudado mas que parece ser semelhante aos anteriores Old Stone Age3 A bela indústria lítica desse período caracterizada pelos bifaces de extremidades estreitadas existe praticamente em toda a África Ela pode mesmo ter surgido nesse continente a partir dos seixos lascados do período 1 Esse período recebe esse nome por causa dos achados na garganta de Olduvai ver capítulo 28 anteriormente foi por vezes chamado de Pré Acheulense ou Paleolítico Arcaico 2 Instituto Francês de Arqueologia Oriental 3 Corresponde grosso modo ao Paleolítico Inferior também frequentemente denominado Acheulense período que vai de cerca de 600000 a 200000 717 Pré História do vale do Nilo anterior e depois se espalhado pelo resto do mundo No vale do Nilo os testemunhos dessa civilização manifestam se sem interrupção aparente desde o Sudão até o Egito Graças a trabalhos recentes essa cultura é mais bem conhecida no norte do Sudão que nas regiões meridionais Em Atbara Wawa e Nuri o Acheulense Inferior ilustrado por bifaces grosseiros com bordos sinuosos é acompanhado de seixos lascados Em Nuri ele desenvolve se com um complexo de transição O Acheulense Superior e Médio estudado sobretudo no norte distingue se pela melhoria no acabamento e pela aparição de indústrias paralevalloisienses Essas últimas que mais tarde deram origem à técnica de debitagem levalloisiense podem ser vistas ainda em Khor Abu Anga Enquanto o Acheulense é encontrado também em outros continentes um tipo sangoense a versão final do Acheulense que persistiu durante muito tempo é peculiar à África Identificado até então principalmente na África central e meridional começa agora a ser detectado também no Sudão em Khor Abu Anga e Sai A partir de Uadi Halfa ele parece perder várias de suas características Ao que tudo indica no Sudão existem muito poucas machadinhas bifaciais com bisel distal Na Núbia egípcia o Acheulense foi encontrado nos antigos terraços do rio Podemos observar aí uma evolução baseada no aperfeiçoamento da técnica de lascamento Suas características tipológicas porém não são suficientemente conhecidas No Egito em compensação os sítios estratificados de Abbassieh perto do Cairo que estudamos recentemente 1974 em Tebas e os velhos terraços do Nilo revelam indústrias acheulenses em estágios sucessivos O nível olduvaiense caracterizado pelos seixos lascados é sucedido por um Acheulense que apresenta triedros bifaces grosseiros e também seixos lascados No nível seguinte há bifaces mais evoluídos e peças protolevalloisienses O sítio de Kharga tem camadas superpostas de um Acheulense mais recente terminando na Middle Stone Age Se os bifaces mostram as formas clássicas encontradas em outros lugares às vezes acham se exemplares cuja extremidade distal foi retrabalhada em forma de machadinha no momento esse é o único tipo de machadinha conhecido no Egito São também característicos do Egito os bifaces trabalhados segundo uma técnica parecida com a de Victoria West que precedeu a clássica técnica de lascamento levalloisiense4 Outros bifaces do tipo sangoense talvez mais recentes são encontrados não muito longe do Cairo 4 Uma grande lasca é destacada por percussão em geral num dos lados mais raramente numa das extremidades a própria lasca é utilizada como utensílio 718 Metodologia e pré história da África Middle Stone Age5 Mudanças nas condições de vida levaram nesse momento ao uso generalizado da lasca ao invés do biface que tornou se raro e depois desapareceu Essas lascas com talões facetados geralmente feitas a partir da técnica paralevalloisiense já mencionada provêm de um núcleo especial que produzia lascas de formas predeterminadas Em algumas partes da África esse procedimento perdurou até o Neolítico o que indicava já ser o resultado de uma reflexão tecnológica avançada A indústria musteriense que usava a técnica de debitagem levalloisiense foi pouco estudada no sul do Sudão embora ela provavelmente exista em Tangasi e sob uma forma mais evoluída em Abu Tabari e Nuri Por outro lado uma recente pesquisa realizada no norte estabeleceu quatro conjuntos distintos o Musteriense núbio o Musteriense denticulado o Sangoense lupembiense e o Khormusiense O Musteriense núbio aproxima se do musteriense da Europa mas não é idêntico a ele Nota se aí uma pequena porcentagem de lascas levalloisienses e utensílios do tipo musteriense pobremente retocados comparáveis aos do Paleolítico Superior e em alguns casos aos bifaces acheulenses mais ou menos de 45000 a 33000 O Musteriense denticulado também apresenta algumas lascas levalloisienses e pouquíssimas lâminas ao passo que as peças denticuladas aparecem em grande quantidade O Sangoense Lupembiense caracteriza se por um incremento da técnica de lascamento levalloisiense à qual se juntam bifaces raspadores laterais peças chanfradas ou denticuladas lascas truncadas e bifaces pontudos com retoques foliáceos O Khormusiense estende se desde Gemai até as imediações de Dongola e compreende uma grande quantidade de lascas levalloisienses retocadas peças denticuladas e mais raramente buris por meio de trabalhos recentes esse período foi datado de cerca de 25000 a 16000 Ultimamente essas estimativas foram revistas e estabeleceu se nova data 41490 a 33800 Em comparação com o norte do Sudão os dados colhidos na Núbia egípcia são insuficientes Os antigos trabalhos de Sandford e Arkell estabeleceram a predominância da técnica de debitagem levalloisiense algumas vezes de tradição acheulense Pesquisas mais atuais 1962 fazem menção a essa técnica em Afyeh e em Khor Daoud Nós mesmos a detectamos em Amada em 1962 1963 5 Esse termo abrange de forma genérica o Paleolitico Médio aproximadamente desde 200000 719 Pré História do vale do Nilo numa forma levalloisiense pura Em Uadi Sebua estudamos umà indústria que com toda certeza pertence à fase final desse período e é associada a lascas não levalloisienses incluindo muitos buris O Ateriense indústria típica do Magreb e do Saara meridional distingue se por lascas de base peduncular acentuada e pelo uso de retoques foliáceos Tendo começado sem dúvida com o Musteriense ele sobreviveu acidentalmente em algumas áreas até o período Neolítico Na Núbia egípcia ele foi há pouco tempo identificado no deserto líbio a noroeste de Abu Simbel6 associado a uma fauna muito rica rinocerontes brancos grandes bovinos asnos selvagens duas espécies de gazela antílopes raposas chacais facocheros avestruzes uma espécie extinta de dromedário e tartarugas Na Núbia o Ateriense parece relacionar se com o Amadiense uma indústria de tradição mustero levalloisiense No Egito ele existe em estado puro nos oásis do leste em Siwa Dakhla e Kharga No deserto oriental é encontrado em Uadi Hammamat No próprio vale do Nilo ele se espalha em pequenos lotes em Tebas e Dara Pode ter influenciado o Hawariense no período seguinte em Esna e Tebas Ele se apresenta em dimensões microlíticas nessa mesma indústria em Abbassieh e Jebel Ahmar perto do Cairo desde no mínimo 44000 até pelo menos 7000 Apesar dos numerosos vestígios das culturas da Middle Stone Age no Egito um estudo tipológico exaustivo de seu instrumental está longe de ser completado Os primeiros trabalhos sobre os velhos terraços do vale do Nilo e do Faium permitiram uma visão geral da civilização que existia nesse período No entanto nossas recentes escavações sistemáticas na montanha de Tebas desde 1971 sob os auspícios da UNESCO revelaram algo de novo Ocorrências estratificadas nos depósitos geológicos e numa centena de sítios desse período colocados em estágios cronológicos sucessivos permitem já esboçar em suas grandes linhas a evolução dessa indústria que se anuncia predominantemente levalloisiense Todas essas pesquisas convergem para demonstrar a existência de um antigo período acheulense levalloisiense seguido de outro marcado por núcleos maciços que se tornam progressivamente menores e mais refinados Numa fase mais recente aparecem sobre as lascas laminares7 muitos retoques secundários de aparência musteriense assim como diversos utensílios Se essas indústrias apresentam elementos semelhantes aos de outras indústrias africanas devemos mencionar ainda uma tipicamente egípcia que nunca foi encontrada em nenhum outro 6 Essas descobertas datam de 1976 Elas foram feitas em Bir Terfawi e Bir Sahara 7 A partir desse período encontraram se duas técnicas de lascamento a levalloisiense clássica e o desprendimento de lâminas alongadas Entre essas duas técnicas existem muitas outras formas de transição 720 Metodologia e pré história da África Figura 251 O Vale das Rainhas Foto J Devisse Figura 252 Pontas de dardos em sílex de Mirgissa Sudão escavações conduzidas por J Vercautter Missão Arqueológica Francesa no Sudão 721 Pré História do vale do Nilo lugar Trata se de uma indústria muito numerosa denominada Jebel Suhan caracterizada pelo uso de núcleos lascados pela técnica levalloisiense com planos de percussão bipolares que depois de usados foram retrabalhados em uma das extremidades para dar origem a um raspador côncavo No que diz respeito ao homem dessa época descobrimos em Silsileh em 1962 dois fragmentos de uma calota craniana que provavelmente datam desse período8 Seu estudo ainda está inacabado mas já revelou algumas características arcaicas associadas a outras mais recentes O prosseguimento desses trabalhos pode elucidar a controvertida questão da origem do homem africano no Paleolítico Médio muito pouco conhecido até o momento através de achados isolados ocorridos em Cirenaica Marrocos e Zâmbia Late Stone Age Na Europa e em outras regiões da África a transição do período anterior para este é em geral marcada por uma ruptura extremamente brutal e rápida em termos tecnológicos e às vezes até em termos humanos Isso porém não se verifica no vale do Nilo A dificuldade em descobrir linhas nítidas de demarcação entre um período e outro torna complicada a tarefa de estabelecer sequências cronológicas No mesmo lugar a partir do período anterior a evolução deu origem a fácies regionais novas por vezes paralelas ajustadas às condições locais Ao mesmo tempo as mudanças nas condições ambientais parecem ter alterado o relacionamento entre os habitantes do vale e seus vizinhos antigas relações foram cortadas e estabeleceram se novas alianças A lista dos tipos culturais recentemente identificados dá a impressão de uma dispersão muito grande Essa é no entanto uma interpretação provisória até que análises mais detalhadas tornem possível estabelecer uma síntese desses tipos Tais comentários aplicam se também ao período seguinte o Epipaleolítico Este período acabou de ser estudado no setor norte do Sudão e mostra duas indústrias distintas o Jemaiense nos arredores de Uadi Halfa apresenta poucas lascas levalloisienses pontas levemente retocadas e caracteriza se por raspadares laterais e distais buris e peças denticuladas cerca de 15000 a 13000 8 Informações cedidas por M P Vandermeersh do Laboratório de Paleontologia Humana Faculdade de Ciências Universidade de Paris VI a quem foi confiado o estudo desses documentos 722 Metodologia e pré história da África o Sebiliense encontrado anteriormente em Kom Ombo no Egito aparece agora no Sudão em Uadi Halfa no estágio I Suas lascas com truncamentos retocados provêm de núcleos discoides ou levalloisienses cerca de 13000 a 9000 Na Núbia egípcia são conhecidas duas indústrias o Amadiense descoberto por nós em Amada expedições do Instituto Alemão 1963 apresenta um instrumental variado predominantemente levalloisiense associado a raspadores limpadores furadores peças feitas pela técnica de Kharga veja mais adiante e exemplos ocasionais de retoques foliáceos que lembram a indústria ateriense o Sebiliense identificado por nós em Sebua expedição do IFAO 1964 em várias localidades também pertence ao estágio I misturado com lascas simples ou levalloisienses alguns raspadores e muitos buris Provavelmente ele existe também em Khor Daoud Foram identificadas ainda as seguintes indústrias pertencentes a esse período Gizeense encontrada perto do Cairo desde 1938 Compreende a técnica Levallois as formas quase geométricas de suas lascas parecem ter semelhanças com o Khormusiense Hawariense antes conhecido como Epilevalloisiense9 indústria microlítica que se estende pelo menos de Esna no Alto Egito até o ápice do Delta e áreas vizinhas Uadi Tumilat Com técnica de retalhamento levalloisiense como o Sebiliense mas não possuindo formas geométricas compreende estágios e fácies diversos ainda em estudo É caracterizado também pelo número de núcleos bipolares provavelmente derivados do chamado núcleo Jebel Suhan já mencionado na Middle Stone Age Alguns núcleos talvez mais recentes que produziram simultaneamente lascas e lamelas de extremidades facetadas constituem a transição para as lamelas de talão liso predominantes na Late Stone Age e no Epipaleolítico O Hawariense de Esna e de Tebas sofreu influência ateriense pois ocasionalmente aparecem retoques foliáceos e peças híbridas Por outro lado lascas microlíticas pedunculadas tipologicamente aterienses são encontradas no Hawariense 9 No início o Sebiliense pareceu caracterizar todo esse período em todos os lugares mas as pesquisas mostra ram que ele caracterizou apenas a área de Kom Ombo Depois disso foi descoberto um tipo contemporâneo porém diferente ao qual o termo epilevalloisiense foi aplicado Após discussões entre especialistas o autor rejeitando a ideia de designar uma cultura unicamente por suas técnicas preferiu designá la pelo nome do lugar onde ela havia sido descoberta Assim o Epilevalloisiense passou a ser o Hawariense 723 Pré História do vale do Nilo de Abbassieh e de Jebel Ahmar perto do Cairo Poderiam essas influências ser o resultado de invasões do vale pelos povos do deserto Kharguiense mais ou menos contemporâneo do Hawariense e cuja existência é contestada por alguns pré historiadores Aparece no oásis de Kharga com uma técnica Levallois Kharguiense que precede a forma Kharguiense pura Essa indústria de lascas levalloisienses com retoques abruptos de aparência disforme ocorre também no oásis de Karkur no Egito e em Oara e Tebas Em Esna Alto Egito e em Amada Núbia egípcia é associada a outras indústrias Epipaleolítico No vale do Nilo em geral esse período difere do anterior graças à substituição das técnicas de destacamento de lascas pelas de produção de lâminas e lamelas microlíticas de talões facetados exceto em casos de repetição sobrevivência ou duplicação As pesquisas efetuadas no norte do Sudão e no sul da Núbia egípcia revelaram um complexo de indústrias que às vezes representam indubitavelmente fácies de uma mesma cultura O Halfiense de Uadi Halfa Khor Koussa seria identificado também ao norte de Kom Ombo Egito Ele representaria uma transição precoce do retalhamento levalloisiense da época precedente para a técnica microlítica que utiliza a lasca ou a lamela O uso da técnica de retoque de Ushtata seria uma prática avançada que apareceria mais tarde com o Ibero maurusiense do Magreb Observa se no Halfiense o emprego sucessivo de lascas e lamelas com dorso raspadores buris e peças escamadas e denticuladas aproximadamente de 18000 a 15000 O Ballaniense mais recente em Uadi Halfa e em Ballana compreende micrólitos truncados outros com o dorso levemente retocado lascas truncadas raspadores buris pontas e núcleos simples ou com planos de percussão opostos aproximadamente de 14000 a 12000 O Qadiense proveniente de Abka e de Toshké na Núbia compreende um conjunto de utensílios que consiste de lascas inicialmente microlíticas e depois lamelares Inclui raspadores dorsos arredondados buris utensílios truncados e pontas que depois se degeneram As sepulturas ovais situadas dentro ou fora das casas são cobertas com lajes Elas revelam a presença de 724 Metodologia e pré história da África um povo muito parecido com o Cro Magnon do Magreb aproximadamente 12000 a 15000 O Arkiniense no Egito conhecido através de um único sítio perto de Uadi Halfa é sobretudo uma indústria de lascas Compreende raspadores distais lamelas com dorso com retoques de Ouchtata semicírculos peças escamadas e pequenos pilões aproximadamente em 7400 O El Kabiense perto de El Kab foi identificado em três camadas de ocupação sucessivas Uma delas revelou o que parece ser uma paleta retangular em osso polido mais ou menos em 5000 O Shamakiense na região de Uadi HaIfa tem núcleos multidirecionais e em sua última fase apresenta utensílios de forma geométrica associados a peças mais grosseiras Seria um desenvolvimento lateral do Capsiense do Magreb mais ou menos de 5000 a 3270 O Silsiliense estudado por nós e por outros depois de nós no Egito na região do Djebel Silsileh perto de Kom Ombo comporta três estágios O Silsiliense I apresenta lamelas levemente retocadas às vezes providas de espiga triângulos irregulares que ocasionalmente também têm espigas microburis uns poucos buris e raspadores além de uma indústria de ossos Os vestígios humanos parecem ser do tipo Cro Magnon cerca de l3000 O Silsiliense II 10 apresenta lâminas e lamelas longas com retoques descontínuos às vezes com espigas buris raspadores e uma indústria de ossos mais ou menos 12000 O Silsiliense III ainda em estudo apresenta uma grande quantidade de lamelas geralmente pouco retocadas pedras de fogão e uma cabana redonda a mais antiga achada até hoje no Egito O Fakuriense estudado na região de Esna parece guardar um certo parentesco com o Ibero Maurusiense Provavelmente ele existiu também em outros lugares do Egito mais ou menos em 13000 Essa indústria caracteriza se por delicadas lamelas retocadas furadores e flechas pequenas O Sebiliense que conserva a técnica de lascamento levalloisiense caracteriza se por lascas de formas geométricas e com bases retocadas Indústria meridional no Egito aparece principalmente em setores de Kom Ombo e 10 Denominação dada por P Smith 1966 relembrando o deus Sebek personificado por um crocodilo divindade associada a essa região Tendo feito escavações nesse sítio nós sugerimos o termo Silsiliense II de Djebel Silsileh situado nessa área como estando mais de acordo com a regra habitual de dar nomes às culturas baseando se na toponímia 725 Pré História do vale do Nilo de Silsileh e em Darau mais particularmente no estágio II Confirmada na Núbia essa indústria é muito mais rara no norte sendo por vezes atípica Nossos trabalhos em Silsileh revelaram também um conjunto de utensílios de osso mós e moletas além de restos humanos que provêm de nossas escavações ainda em estudo aproximadamente 11000 O exemplo do Sebiliense é interessante para discutir As datações físico químicas sugerem uma cronologia que à primeira vista contradiz as informações tecnológicas fornecidas por essa cultura O fato se torna ainda mais notável se lembrarmos que o Sebiliense não está afastado nem no tempo nem no espaço do Fakuriense O Menchiense região de Silsileh compreende uma indústria lítica um pouco aparentada ao Aurignaciense do Levante e uma indústria de ossos moletas lamelas com bordos brilhantes objetos de adorno e restos humanos Uma relativa contemporaneidade com o Sebiliense II ressalta da analogia de certos instrumentos novos de tipo intermediário O Lakeitiense identificado por nós no deserto oriental caracteriza se por serras fortemente denticuladas acompanhadas de pequenas flechas pedunculadas O Helwaniense que nós detectamos nas cercanias de Heluan no sul do Cairo compreende quatro fases distintas a primeira revela uma grande quantidade de lâminas e lamelas às vezes levemente retocadas no estilo oushtata a segunda distingue se por micrólitos que consistem em triângulos isósceles e escalenos segmentos de círculos e microburis a terceira apresenta segmentos de círculos a quarta e última oferece um novo tipo de segmento de círculo com base retilínea O Natufiense da Palestina teria feito incursões sucessivas em território egípcio Em Heluan foi identificada uma fase dessa indústria caracterizada por peças com dorso retocado por retoques cruzados Quanto às pontas de flechas com bases simetricamente entalhadas de início atribuídas ao Natufiense já havia referências a elas na área desde 1876 Nós mesmos encontramos algumas nessa região em 1936 e mais recentemente em 1953 as descobrimos também na parte norte do deserto oriental cerca de 8000 a 7000 Depois elas foram achadas em El Khiam e Jericó na Palestina sendo conhecidas entre os especialistas como pontas de El Khiam A hipótese de infiltrações natufienses tem ainda de ser verificada com bastante cuidado 726 Metodologia e pré história da África Neolítico e Pré Dinástico Esse longo período que grosso modo cobre dois milênios mais ou menos de 5000 a 3000 é analisado aqui detalhadamente Os aspectos materiais de cada uma das culturas ou horizontes culturais que constituem tal período são descritos minuciosamente Compõem assim um repertório indispensável àqueles que desejam apreciar em seu contexto físico a lenta evolução que grupos de povos nômades ou seminômades conduz pouco a pouco à formação de sociedades seja fortemente centralizadas como no Egito seja organizadas em pequenos principados independentes como no Sudão nilótico Quanto ao desenvolvimento histórico dessas sociedades neolíticas e pré dinásticas ele é tratado no capítulo 28 do presente volume Os dois relatos são portanto complementares abordando os problemas sob ângulos diferentes As referências necessárias para permitir que o leitor localize uma determinada cultura descrita neste capítulo no contexto mais geral da evolução histórica do conjunto dos horizontes culturais do capítulo 28 são dadas nas notas de rodapé Esse novo período marca uma etapa decisiva da história da humanidade Tendo mudado de uma vida nômade ou seminômade para uma vida sedentária o homem do Nilo criou as características principais da civilização como a conhecemos hoje O habitat fixo determinou o uso da cerâmica a domesticação e a criação de gado a agricultura e a multiplicidade de utensílios que visam satisfazer às necessidades crescentes dos homens O Cartumiense11 é talvez a cultura mais antiga desse período no Sudão12 Ele é encontrado em mais de uma dezena de localidades espalhadas por uma vasta região estendendo se desde Kassala no leste e sobre 400 km em pleno deserto no oeste até Dongola no norte e quase até Abu Higar às margens do Nilo Branco no sul Os dados obtidos através de escavações em Cartum das quais participamos fornecem as provas de um habitat fixo a utilização de cabanas guarnecidas de cerca o uso em larga escala de uma cerâmica elaborada e o emprego de mós A cerâmica constituída de tigelas caracteriza se por uma decoração de linhas sinuosas cavadas por incisão wavy lines e por pontos impressos dotted lines O instrumental lítico abundante feitos de quartzo nitidamente microlítico e geométrico 11 É a antiga Cartum do capítulo 28 p 820 Nós preferimos conservar o termo Cartumiense prevenindo nos para futuras descobertas que possam revelar fases anteriores a esta 12 Ver capítulo 28 p 82021 727 Pré História do vale do Nilo compreende tipos variados semicírculos e segmentos de círculos triângulos escalenos retângulos trapézios lascas escamadas e furadores Os semicírculos e os segmentos de círculos retocados até no gume mostram semelhanças com os do Wiltoniense e do Neolítico de Hyrax Hill em Zimbabwe Os instrumentos feitos de uma rocha dura chamada riolito são maiores que os de quartzo incluindo lascas e lâminas simples algumas com talão retocado raspadores semicírculos volumosos e uns poucos raspadores Os arpões de osso com farpas em geral unilaterais também são característicos do Cartumiense Há ainda pequenos pilões de pedra com uma cúpula central moedores percutores discos com uma perfuração central algumas mós e contrapesos para rede de pesca provavelmente do mesmo tipo das de Faium em El Omari Egito e no Saara nigeriano Os objetos de adorno incluem contas em forma de disco feitas de casca de ovo de avestruz e alguns pingentes o ocre vermelho ou amarelo era usado para pintar o corpo Os mortos eram enterrados em suas próprias casas deitados de lado e pertenciam a uma raça negra a mais antiga da África Em vida eles sofreram mutilações dentárias rituais como as praticadas entre os capsienses e os ibero maurusienses do Maghreb e entre os povos neolíticos do Quênia Essa prática persistiu por muito tempo no Sudão e em outras partes da África A fauna identificada consistia principalmente de búfalos antílopes hipopótamos gatos selvagens porcos espinhos camundongos crocodilos e uma enorme quantidade de peixes cerca de 4000 O Shaheinabiense aparece em numerosos sítios espalhados pelo sul da Sexta Catarata As escavações em Esh Shaheinab revelam elementos de uma cultura claramente derivada do Cartumiense Suas características peculiares são uma cerâmica especial e o uso de goivas e de machados de osso polido A cerâmica consiste em tigelas decoradas às vezes com dotted lines como no Cartumiense entretanto o que o individualiza é o alisamento das superfícies o engobe vermelho a presença de bordas negras e a decoração em triângulos incisos O equipamento lítico enriqueceu se ainda com peças microlíticas machados polidos goivas polidas planas e cabeças de maças planas ou convexas Os arpões em osso continuam ao passo que aparecem anzóis em madrepérola além de contas em amazonita ou em cornalina e batoques ainda usados atualmente Búfalos antílopes girafas e facocheros eram caçados e a cabra anã domesticada Não há traços de habitações frágeis mas encontram se fogueiras cavadas na terra O Shaheinabiense13 tem 13 Às vezes denominado Neolítico de Cartum 728 Metodologia e pré história da África características similares às de um dos estágios do Faiumiense egípcio como por exemplo o uso de plainas goivas arpões cabeças de maças amazonita e fogueiras escavadas na terra Ele se liga ao Pré Dinástico Antigo do Egito pela cerâmica lisa e a de bordas negras do Alto Egito Os pontos em comum com o oeste Tibesti são sugeridos pela amazonita a goiva e a cerâmica com decoração incisa a cabra anã liga o com o noroeste O sítio de Kadero que ainda está sendo escavado e pertence a um período mais recente revelou a presença de sepulturas cerca de 3500 a cerca de 3000 As escavações ainda em curso 1976 1977 em Kadada na região de Shendi estão fornecendo uma terceira variante do Shaheinabiense provavelmente posterior que compreende sepulturas associadas às habitações Suas características peculiares parecem ser machados de pedra polida de grandes dimensões paletas de pintura de forma quase romboidal discos furados de uso ainda indeterminado vasos caliciformes e jarros usados como sepultura de crianças O Abkiense14 do norte e do sul do Sudão pelo menos até Sai seria contemporâneo sucessivamente do Cartumiense e do Shaheinabiense Ele se prolongaria mesmo além dessa época passando por quatro etapas a primeira é pobre em cerâmica e deriva talvez do Oadiense a segunda compreende um conjunto de peças de cerâmica com orifícios incisos e superfície decorada com traços gravados em ziguezague e pontilhados redondos ou retangulares a terceira apresenta utensílios líticos incluindo furadores feitos sobre lascas às vezes múltiplas e lamelas simples ou com bordos retocados a última possui cerâmica com bordas negras e superfícies vermelhas polidas ou estriadas mais ou menos semelhante ao Shaheinabiense ao Grupo A da Núbia e ao Egito pré dinástico cerca de 3380 a 2985 O Pós Shamakiense encontrado somente em dois sítios é caracterizado por micropontas lamelas entalhadas lascas laterais e plainas sugerindo contatos com o Faium e o oásis de Kharga aproximadamente 3650 a 3270 A ausência na Núbia egípcia das culturas acima mencionadas ou de culturas cronologicamente correspondentes explicar se ia por uma conjuntura ecológica particular pela raridade dos sítios ou talvez mais simplesmente por uma exploração incompleta Por outro lado a Núbia egípcia salvo particularidades locais mostra uma afinidade bastante clara com as civilizações do Pré Dinástico egípcio e mesmo com o Badariense 14 Comparar com o Abkiense do capítulo 28 p 821 729 Pré História do vale do Nilo O Nagadiense I15 aparece entre outros em Eneiba Sebua Shellal e Khor Abu Daoud Núbia até agora o único local onde se encontrou uma área de habitação com depósitos para provisões O Nagadiense II16 aparece perto de Abu Simbel e em Khor Daoud Sebua Bahan e Ohemhit A partir da primeira dinastia os contatos entre a Núbia e o Egito diminuíram As indústrias da Núbia evoluíram no mesmo local em que já existiam mantendo suas características pré históricas até o Novo Império sob os nomes sucessivos de Grupo A17 Grupo B e Grupo C núbios No Egito diferentes condições geográficas e ambientais fizeram evoluir dois grupos culturais distintos que se desenvolveram paralelamente em território egípcio no sul e no norte Eles preservaram esta independência de culturas até que o país foi unificado sob a primeira dinastia O uso do cobre desempenha um papel secundário pois ele se verificou no sul muito antes que no norte por causa da proximidade de pequenos depósitos desse mineral suficientes para uso limitado O grupo cultural do sul Alto Egito O grupo do sul manifestou se desde o começo como uma civilização avançada Ela foi descrita com base no estudo de grandes e numerosos cemitérios e de vestígios pouco importantes de regiões habitadas O Tasiense ainda sumariamente analisado e até mesmo contestado por alguns pré historiadores aparece no Médio Egito em Tasa Badari Mostagedda e Matmar Estudado nas sepulturas e através de parcos vestígios de aldeias ele apresenta características peculiares desconhecidas em outros lugares A cerâmica em sua maioria tigelas escuras mais raramente vermelhas e com bordas negras às vezes com superfícies enrugadas distingue se pelo ângulo pronunciado entre a parte superior reta ou oblíqua e a base estreita Os vasos caliciformes com decoração incisa ou pontilhada ilustram um outro tipo original de caráter inteiramente africano O equipamento lítico inclui sobretudo machados polidos de grandes proporções em calcário silicificado raspadores facas furadores etc Paletas de pintura de forma retangular quase sempre em alabastro anéis braceletes de marfim e conchas marinhas 15 Pré Dinástico Antigo do capítulo 28 p 825 16 Pré Dinástico Médio do capítulo 28 p 826 17 Ver capítulo 28 p 832 33 730 Metodologia e pré história da África perfuradas completam a série de objetos de adorno Há também colheres e anzóis de osso No que diz respeito a costumes funerários os túmulos são ovais ou retangulares apresentando às vezes um nicho lateral que abriga um corpo em decúbito lateral com braços e pernas fletidos a cabeça apontada para o sul e o rosto voltado para o oeste Junto ao morto eram colocados vasos utensílios e enfeites pessoais O Badariense18 civilização brilhante especialmente no Médio Egito aparece em Badari Mostajedda Matmar e Hémamiéh Seu caráter original é realçado por uma cerâmica muito bonita que abrange vasos de diversas cores vermelho marrom cinza ou vermelhos com bordas negras em geral recobertos de linhas finamente incisas sobretudo em posição oblíqua São em especial gamelas estreitas carenadas ou com boca larga Há também tigelas e copos de basalto além de vasos de marfim A parte interna é por vezes ornamentada com motivos vegetais incisos O instrumental lítico inclui armaduras bifaciais com gume denticulado e convexo cabeças de flechas com base côncava ou em forma de folha de louro como também outros utensílios lamelares As conchas de cozinha os pentes as pulseiras os anzóis e as estatuetas de marfim ou osso são de grande valor artístico As estatuetas de mulheres e as de hipopótamos têm uma função ritual Entre os enfeites pessoais encontram se contas de quartzo encaixadas em cobre fundido conchas paletas de pintura em xisto retangulares e em geral com extremidades côncavas Cultivam se o trigo a cevada e o linho o boi e o carneiro são domesticados ao passo que a gazela a avestruz e a tartaruga são caçadas para servirem de alimento Não há vestígios das habitações que não passavam de frágeis cabanas Os mortos contraídos e deitados de lado com a cabeça apontada para o sul e o rosto voltado para oeste eram enterrados em túmulos redondos ovais ou mais raramente retangulares levavam consigo para a vida no além os vários objetos já mencionados É provável que algumas ramificações desiguais dessa cultura sejam descobertas no deserto oriental Uadi Hammamat em Armant Alto Egito na região de Adaima Alto Egito e até mesmo na Núbia O Negadiense I19 é encontrado em Hémamiéh e em Mostagedda em estratigrafia abaixo do Badariense desde o Médio Egito a Núbia e até mesmo o deserto oriental Uadi Hammamat A cerâmica de superfície 18 Pré Dinástico Primitivo capítulo 28 p 824 19 Pré Dinástico Antigo do capítulo 28 p 825 às vezes conhecido como Amratiense 731 Pré História do vale do Nilo lisa ou polida e de cor vermelha marrom ou preta é diferente da do Badariense Uma característica típica do Negadiense I é a decoração na cerâmica os desenhos não são mais gravados e sim pintados em branco sobre vermelho assumindo formas lineares ou apresentando motivos vegetais e composições e estilo naturalista Os vasos de pedra tubulares em geral de basalto com alças perfuradas terminam por uma base cônica O instrumental lítico bifacial inclui flechas com base côncava facas em forma de losango e de vírgula além de outras com extremidade bifurcada em forma de U machados polidos instrumentos lamelares e cabeças de maça discoides ou cônicas As paletas de pintura feitas sobretudo em xisto têm no início a forma de losango e depois a forma de animal Os objetos em marfim e osso pertencentes a uma nova tradição são enfeitados assim como os pentes e os alfinetes com figuras humanas ou de animais Eles eram utilizados para fins mágicos mas às vezes serviam também como arpões As casas identificadas em Mahasna são abrigos frágeis cercados por paliçadas O uso do cobre aumenta cada vez mais Em geral guardavam se as provisões em depósitos cavados na terra no entanto em Mostagedda e Deir el Medineh elas eram guardadas em vasos No que diz respeito aos costumes funerários os mortos eram enterrados em túmulos retangulares deitados de lado e com as pernas encolhidas a cabeça apontada para o sul e o rosto para oeste há exemplos de inumações múltiplas e de corpos desmembrados cerca de 4000 a 3500 O Negadiense II20 estratigraficamente posterior ao Negadiense I em Hémamiéh Mostagedda e Armant é encontrado desde a entrada de Faium em Gerzeh até o sul da Núbia egípcia A cerâmica tradicional do Negadiense I desenvolve se adquirindo orifícios mais estreitos e bordas pronunciadas A cerâmica com decoração branca é substituída por outra cor de rosa decorada em marrom com motivos simbólicos estilizados espirais barcos plantas e figuras com braços erguidos Também são típicos os vasos bojudos com alças onduladas que mais tarde se tornarão tubulares e que na proto história perderão suas alças Os vasos feitos de vários tipos de pedra em geral muito evoluídos reproduzem frequentemente as formas da cerâmica rosa Os instrumentos de pedra também bastante evoluídos incluem facas bifendidas com extremidades em forma de V e outras que apresentam gumes opostos um côncavo e outro convexo com retoques bem regulares sobre uma das faces previamente polida Algumas vezes os cabos 20 Pré Dinástico Médio ou Gerzeense do capítulo 28 p 826 732 Metodologia e pré história da África são cobertos com uma folha de ouro ou de marfim As cabeças das maças são piriformes A indústria do cobre mais evoluída produz pontas alfinetes e machados As paletas cada vez mais estilizadas tornam se finalmente arredondadas ou retangulares As estatuetas de osso ou marfim também se estilizaram bastante As práticas funerárias acusam um refinamento maior as paredes das covas ovais ou retangulares se revestem de madeira lama ou tijolo As recentes escavações realizadas por nós em Adeimah expedição do IFAO 1974 revelaram túmulos de um tipo novo em forma de banheira datando do final dessa civilização Nesse período a disposição das oferendas segue determinados padrões às vezes elas são colocadas em anexos laterais Encontram se ainda corpos desmembrados mas os túmulos múltiplos desaparecem Além disso a orientação dos mortos não é mais uniforme As habitações consistem em cabanas redondas ou semi redondas feitas de argila em abrigos frágeis e em estruturas de terra retangulares como as encontradas em El Amra mais ou menos de 3500 a 3100 O grupo cultural do norte Baixo Egito O grupo cultural do norte diferencia se sensivelmente do do sul sobretudo devido à extensão das regiões habitadas à cerâmica monocrômica e ao costume passageiro de inumar os mortos em suas próprias casas O Faiumiense B21 ainda pouco conhecido foi estudado ao norte do lago Faium e pertenceria ao final do Paleolítico ou melhor ao Neolítico pré cerâmico Ele compreende lamelas simples e microlíticas com dorso retocado arpões de osso e pequenos pilões As mais recentes pesquisas identificaram um estágio intermediário entre o Faiumiense B mais antigo e o Faiumiense A mais próximo de nós Esse estágio que propomos chamar de Faiumiense C apresenta goivas e pontas de flechas bifaciais pedunculadas parecidas com as do deserto ocidental oásis de Siwa na Líbia e constituiria um elo de ligação com o Saara podendo ser datado de aproximadamente 6500 a 5190 O Faiumiense A22 bem melhor estudado em seus locais de habitação apresenta um tipo grosseiro de cerâmica monocrômica lisa ou polida vermelha marrom ou preta compreendendo tigelas copos xícaras selhas retangulares e vasos com pé ou com bordas guarnecidas de saliências arredondadas como 21 Ver Neolítico Faium B capítulo 28 p 820 22 Pré Dinástico Primitivo do capítulo 28 p 821 733 Pré História do vale do Nilo no Badariense A indústria lítica de técnica bifacial avançada compreende flechas com bases triangulares ou côncavas pontas armaduras de foices montadas em cabos retos de madeira machados polidos e uma cabeça de maça discoide Em osso encontramos alfinetes furadores e pontas com bases pedunculadas As paletas de pintura grosseiras são de pedra calcária ou mais raramente de diorito Conchas do mar e fragmentos de cascas de ovos e de microclínio amazonita foram usados para fazer cordões de contas Nos locais de habitação não ficou traço algum dos abrigos sem dúvida muito frágeis mas há muitas fogueiras cavadas no solo semelhantes às achadas em Shaheinab no Sudão Silos constituídos de cestos enterrados no chão agrupados perto das habitações teriam sido usados para armazenar trigo cevada linho e outros produtos O porco a cabra o boi o hipopótamo e a tartaruga serviam de alimento para a população Até o momento não há vestígios de cemitérios que sem dúvida ficavam um pouco afastados Essa cultura cerca de 4441 a 3860 poderia ser contemporânea do Badariense O Merindiense23 ocupa uma extensa área habitada de mais de 2 hectares a oeste do delta do Nilo As escavações ainda por terminar e com resultados publicados somente em forma de relatos preliminares atestam três camadas sucessivas de restos arqueológicos que traçam a evolução de uma mesma cultura no decorrer das épocas Trata se de uma cultura original mas típica do grupo do norte A cerâmica monocrômica lisa polida ou rugosa apresenta tipos variados principalmente tigelas copos pratos e bilhas mas não há nenhuma peça com bocal de bordos estreitados As formas específicas incluem conchas de cozinha como as do Badariense tigelas com saliências arredondadas como as do Badariense e do Faiumiense além de vasos com pés como os do Faiumiense Às vezes esses vasos são decorados com pontos escavados na borda linhas verticais incisas motivos em relevo ou ainda com um desenho em forma de folha de palmeira Há uns poucos vasos feitos de basalto ou de pedra verde dura terminados por um pé do tipo Negadiense I O instrumental lítico bifacial contém os mesmos tipos que aparecem no Faiumiense Há também uma cabeça de maça piriforme ou globular Sovelas agulhas furadores arpões espátulas e anzóis são feitos de osso ou marfim Os objetos de adorno incluem grampos de cabelo pulseiras anéis conchas perfuradas e contas de vários materiais São dignas de menção duas paletas de pintura uma escutiforme em xisto e 23 Ver capítulo 28 p 820 734 Metodologia e pré história da África outra em granito materiais importados do sul As habitações inicialmente são cabanas espaçosas frágeis e ovais sustentadas por estacas depois vêm as cabanas mais resistentes e menores por fim as casas ovais com paredes feitas de massa de argila comprimida formando até alinhamentos de ruas Silos do tipo faiumiense juntam se às cabanas sendo posteriormente substituídos por jarros enterrados no solo Os mortos nem todos é claro eram enterrados em covas ovais sem aparato funerário entre as habitações e voltados ao que parece em direção às suas casas Domesticavam se o porco o carneiro a cabra e o cão e caçavam se hipopótamos crocodilos tartarugas entre outros A pesca também era praticada Tendo se desenvolvido entre 4180 e 3580 essa cultura poderia ser contemporânea do Faiumiense e prolongar se até o começo do Negadiense I O Omariense A 24 outra cultura do grupo do norte apareceu perto de Heluan entre os restos de uma vasta região habitada com mais de 1 km de extensão na entrada de Uadi Hof Um anexo dessa aldeia pré histórica ergue se sobre um planalto no topo de uma falésia abrupta exemplo único no Egito Escavações feitas por nós e ainda inacabadas revelaram os elementos de uma nova civilização diferente da encontrada no sul como em Merinde e em Faium A cerâmica de refinada qualidade e com um estilo mais evoluído que o da dos dois sítios já mencionados embora monocrômica compreende uma grande variedade de tipos Entre os dezessete formatos de vasos lisos ou polidos de cor vermelha marrom ou preta enumeram se alguns com aberturas estreitadas outros ovoides outros ainda cilíndricos tachos com boca larga ou côncavos outros cônicos além de copos e alguns jarros Somente os vasos com saliências arredondadas assemelham se aos de Merinde e Faium Vasos de basalto ou calcita foram muito pouco usados A indústria lítica bifacial de sílex não difere no todo das encontradas nos sítios precedentes já a indústria lamelar apresenta algumas características particulares novas no Egito Trata se de facas com dorso arqueado aparadas perto da ponta com um pequeno cabo na base formado a partir de um duplo entalhe são talvez uma sobrevivência do Matufiense que ocupou a região durante o período anterior Podemos citar ainda contrapesos para rede de pesca de um tipo encontrado no Cartumiense no Faiumiense e no Saara nigeriano onde também existe uma abundante indústria de lascas A indústria de ossos de boa qualidade apresenta os tipos clássicos Os 24 Ver capítulo 28 p 820 735 Pré História do vale do Nilo anzóis porém são feitos de chifre Os objetos de adorno mais numerosos incluem conchas de gastrópodes no mar Vermelho e contas feitas com ovos de avestruz ossos pedras e vértebras de peixes Os numulitídeos fósseis perfurados serviam como pingentes A galena e a resina eram importadas Quanto às paletas para triturar o ocre são grosseiras e feitas em calcário e quartzito A fauna compreende bovinos cabras antílopes porcos hipopótamos uma espécie de cachorro avestruzes lesmas tartarugas e uma grande quantidade de peixes Cultivavam se trigo cevada e linho A vegetação inclui principalmente sicômoros tamareiras tamargas e alfas As habitações são de dois tipos ovais com tetos sustentados por estacas ou redondas parcialmente enterradas no chão distinguindo se dos silos dispostos por toda parte por serem maiores que eles Os mortos sepultados na própria aldeia de maneira mais concentrada que em Merinde estão em geral dispostos segundo uma orientação constante num vaso de barro com a cabeça apontada para o sul e o rosto para o oeste Um dos cadáveres provavelmente o de um chefe segurava um cetro de madeira o cetro Amés com uma forma conhecida no norte do país na época faraônica aproximadamente 3300 O Omariense B25 aparece e se desenvolve no começo do Negadiense I Foi identificado por nós a leste do sítio precedente e difere dele no que diz respeito às práticas funerárias e à indústria Assim o cemitério era bastante afastado da região habitada e consistia em sepulturas cobertas por um amontoado de pedras Nenhuma regra constante orienta o alinhamento dos corpos A região habitada é bem menor que a do Omariense A mas nossas pesquisas nesse campo ainda estão longe de se completarem Enquanto a cerâmica mostra pontos em comum com a do período anterior o equipamento lítico é totalmente diferente Baseado na técnica laminar ele compõe se de pequenas facas de raspadores de dimensões reduzidas chatos e arredondados e também de pequenas talhadeiras Enquanto nossos trabalhos não forem retomados não temos condições de estabelecer datas para esse sítio em relação ao Omariense A O Meadiense26 foi revelado por escavações ainda incompletas efetuadas numa extensa aglomeração próxima de duas necrópoles em Meadi perto 25 Talvez possa ser colocado no Pré Dinástico Recente também conhecido como Gerzeense Recente do capítulo 28 p 827 embora a data ainda permaneça incerta 26 Talvez pertença ao menos em parte ao Pré Dinástico Recente ou Gerzeense Recente ver capítulo 28 p 827 mas pode também ser contemporâneo do Pré Dinástico Médio ou Gerzeense ver capítulo 28 p 827 28 736 Metodologia e pré história da África do Cairo e também por nossas próprias escavações numa terceira necrópole descoberta em Heliópolis um subúrbio do Cairo Trata se de uma cultura bastante diferente das demais e não segue direta e cronologicamente a cultura omariense representando um conjunto cultural secundário dentro do grupo do norte Sua cerâmica monocrômica em geral lisa de cor negra ou marrom mas às vezes vermelha ou coberta de engobe branco é menos refinada que a do Omariense Os modelos mais comuns são vasos ovoides alongados com bordas pronunciadas embora haja pequenos vasos de gargalo globular geralmente com uma decoração de pontos gravados Mais característicos são os vasos com anéis circulares na base base ring que lembram os vasos de basalto desse tipo encontrados em outras regiões e presentes também aqui Parecem ser muito raros provavelmente importados do sul os vasos com decoração marrom do Negadiense II Vasos bojudos e com alças onduladas existentes no Negadiense II e na Palestina também foram encontrados no Meadiense Eles refletem a continuação dos contatos culturais entre o Nilo e a Palestina Da mesma forma os vasos tubulares de basalto são semelhantes aos do Alto Egito na época do Negadiense I Manifesta se em profusão uma bela indústria de lâminas de pedra trabalhadas em instrumentos típicos dessa cultura Mais raras e talvez igualmente importadas do Negadiense I são as facas bifendidas em forma de U É pequena a quantidade de objetos de adorno As poucas paletas de xis to em forma de losango também vêm do Negadiense I as demais são de quartzito ou simples blocos de sílex achatados Um ponto importante é que a cultura meadiense pela primeira vez entre as culturas pré dinásticas do norte do país faz uso do cobre e em escala bastante grande O Faiumiense o Merindiense e o Amariense não o conheciam embora no Alto Egito ele tenha sido usado em períodos bem anteriores Desde o Badariense e sobretudo a partir do Negadiense os povos do vale do Nilo exploraram os pequenos depósitos vizinhos no sul do deserto oriental De fato foram achados alfinetes cinzéis furadores anzóis e machados de cobre Ao mesmo tempo parece ter havido aí uma espécie de afluxo do mineral Em Meadi esse metal começou a ter uma importância notória Em nosso ponto de vista tal fato se deve aos contatos dos meadienses com os depósitos minerais do Sinai Esses contatos são confirmados pelas várias características em comum com as culturas do leste Além da cerâmica já citada presente também na Palestina podemos citar alguns utensílios de sílex e de manganês A fauna 737 Pré História do vale do Nilo compreende bovinos carneiros cabras porcos hipopótamos tartarugas e peixes Os recursos vegetais são o trigo a cevada o rícino e a alfa Na região habitada foi encontrado um grande número de estacas cravadas no chão que permitem provar a existência de cabanas ovais além de vestígios de abrigos toscos Também foram descobertas cabanas mais evoluídas de forma retangular e construídas com tijolos como em Mahasna e outras subterrâneas às quais se tinha acesso através de degraus Jarros enterrados no solo serviam de silos para cereais havendo ainda escavações circulares que constituíam armazéns para provisões nos quais frequentem ente foram descobertos vasos como no Negadiense Os cemitérios afastados das aldeias continham tumbas ovais ou redondas nunca retangulares que preservavam corpos fletidos em decúbito lateral quase sempre com a cabeça apontada para o sul e o rosto para o leste junto com o corpo comumente havia vasos As gazelas sem dúvida animais sagrados eram também enterrados nesse cemitério acompanhadas de muitos vasos Na necrópole de Heliópolis no limite do cemitério desenterramos uma fila de cães dispostos em todos os sentidos e sem aparato funerário provavelmente destinados ao papel de guardiães como o que tinham desempenhado em vida Essa cultura não sucedeu imediatamente à Omariense ela apareceu no fim do Negadiense I e prosseguiu seu desenvolvimento até quase o fim do Negadiense II do Alto Egito A continuação do uso da pedra no período faraônico Após ter descrito as várias tendências existentes no Egito durante o período pré dinástico vamos fazer um resumo de suas principais características tentando explicar as causas de suas disparidades e mostrar como elas se encontraram na época faraônica Durante a longa história dos faraós têm se feito alusões aos dois Egitos o do norte e o do sul unificados pelo legendário Menés fundador da primeira dinastia Essas alusões repousam sobre fatos constatados que remontam a um período muito antigo da pré história Escavações recentes atestaram a veracidade dessa tradição e estabeleceram que esse dualismo regional entre norte e sul do país já prevalecia no estágio conhecido como Neolítico As diferenças não eram meramente geográficas elas envolveram diversos aspectos da vida do homem a ponto de originarem dois grandes grupos culturais específicos que tiveram suas raízes em condições geográficas e ambientais diferentes O grupo do sul surgiu ao longo do estreito corredor do Nilo cercado por duas falésias 738 Metodologia e pré história da África áridas O grupo do norte delineou se no vasto leque do fértil delta de horizontes sem fim O grupo do norte revelou muitas culturas semelhantes em suas grandes linhas mas diversificadas nos detalhes que são mais ou menos sucessivas cronologicamente Já o grupo do sul acusa num fundo comum divergências bem mais pronunciadas que as existentes entre as culturas do norte Tais distinções opõem se nos caracteres desses dois conjuntos que mais tarde constituirão o Grande Egito Assim desde os primeiros estágios o norte apresenta um progresso notável no que diz respeito ao desenvolvimento urbano No Faium achamos pequenos lugarejos um bem próximo ao outro e em Merinde uma verdadeira aldeia de quase 2 hectares com alinhamentos de casas El Omari estende se por mais de 1 km e Meadi por 15 km No sul ao contrário tendo em vista a exiguidade aparente dos sítios muito poucos vestígios urbanos sobreviveram até aqui Quanto às outras manifestações concernentes à vida do homem e às suas realizações no Egito durante esse período a cerâmica do norte seja ela marrom preta ou vermelha apesar da evolução das formas preserva uma monocromia imutável caracterizada pela ausência quase total de decoração No sul em compensação as características distintivas são a multiplicidade de formas e a decoração bastante elaborada com a presença dos famosos vasos de bordas negras Se a cerâmica do norte parece acusar uma certa inferioridade o mesmo não acontece com a indústria do sílex que revela um extraordinário aperfeiçoamento em sua feitura Isso não significa que no sul o acabamento de algumas peças não tenha atingido um nível elevado No campo da arte pura o norte mostra uma indigência absoluta que contrasta com o grande impulso obtido no sul Esse impulso manifestou se desde o Badariense através de estatuetas de terracota osso e marfim e também de objetos de uso diário como pentes conchas de cozinha pingentes belas paletas para triturar cosméticos e amuletos talhados em xisto verde Assim sendo constatamos que há grandes diferenças nos mais variados campos entre as duas partes do Egito Poderíamos dizer que enquanto o norte mostra um desenvolvimento superior sob o ponto de vista da economia e da urbanização o sul atingiu um estágio muito adiantado em termos de habilidade artística prenunciando a época dos faraós A unificação dessas culturas complementares certamente será responsável pela grandeza do Egito faraônico Entretanto o advento do período histórico com a introdução da escrita a unificação do Egito sob um único rei e o desenvolvimento do uso do metal 739 Pré História do vale do Nilo não modificou certos aspectos do modo de vida dos povos do vale do Nilo Referimo nos em particular à persistência no uso do sílex material muitíssimo eficiente e abundante no país que prosseguiu ao longo do período faraônico É importante ressaltar aqui que o domínio do trabalho em sílex realmente alcançou seu apogeu sob as primeiras dinastias como o testemunham as extraordinárias facas ditas de sacrifício dos túmulos reais de Abidos no Alto Egito e de Saqqara e Heluan perto do Cairo a perfeição com que são elaboradas e o seu tamanho são impressionantes Os vestígios de habitações dessa época revelaram todo um instrumental doméstico em sílex e somente alguns objetos de cobre encontrados em Hieracômpolis e em El Kab no Alto Egito e em Uadi Hammamat no deserto oriental Entre os vestígios do Médio Império da antiga Tebas a Karnak recentemente descobertos encontramos uma grande quantidade de peças em sílex elas não diferem em termos de técnica de fabricação e de tipos dos instrumentos utilizados durante o Paleolítico Superior e o Epipaleolítico Há mesmo numerosos buris e alguns micrólitos Além disso as explorações sistemáticas empreendidas por nós desde 1971 na montanha tebana em Luxor revelaram que entre as duzentas oficinas de lascamento de sílex mais da metade não data da pré história e sim do Novo Império Elas abasteciam a capital de grande quantidade de instrumentos produzidos através de uma técnica mais rudimentar que a utilizada no Médio Império Esses instrumentos consistiam quase exclusivamente em lâminas de facas e armaduras de foices Essas últimas persistiram ainda durante a Época Baixa No tempo dos faraós o sílex não foi reservado somente aos utensílios de uso doméstico Os crescentes de sílex serviram para furar braceletes de xisto em Uadi Hammamat objetos de adorno usados desde a proto história até o fim da época arcaica No fim da terceira dinastia num certo momento os crescentes foram empregados para cortar blocos de pedra para a pirâmide de degraus do faraó Djoser em Saqqara Os vasos de pedra macia foram trabalhados com a ajuda desses mesmos instrumentos nas oficinas de Faium perto dos depósitos de calcita até o Antigo Império Desde as primeiras dinastias até o final do Novo Império as flechas dos guerreiros egípcios eram armadas com pontas cortantes de sílex As da época do faraó Tutankhamon XVIII dinastia eram feitas de vidro material de luxo tão eficiente quanto o sílex O Egito faraônico também usou rochas menos frágeis que o sílex para a fabricação de utensílios com fins específicos Os picões e os malhos destinados aos trabalhos em minas e pedreiras providos de encabadouros eram feitos de pedras duras durante o Antigo Império No Médio e no Novo Império eram 740 Metodologia e pré história da África mais toscos e feitos de calcário silicificado Os hipogeus funerários do Antigo Império em Gizeh perto do Cairo os do Médio Império no Médio Egito e os do Novo Império na montanha tebana foram escavados e construídos com essas mesmas ferramentas grosseiras Na Núbia egípcia e em parte da Núbia sudanesa agora submersas as pesquisas arqueológicas não foram levadas muito adiante por ocasião das operações de salvamento Isso nos priva daqui para a frente de valiosos informes sobre o passado dessas regiões entre outras as que se referem à persistência no uso da pedra em épocas históricas Mas o material arqueológico trazido de uma aldeia do Grupo C núbio Médio Império em es Sebua permitiu nos identificar uma série de lâminas lamelas e armaduras de foices em sílex Estas últimas sem dúvida importadas do Egito são similares em todos os aspectos às que foram descobertas em Karnak mencionadas acima e que pertencem ao mesmo período Por outro lado em Amada outra aldeia do Grupo C ainda na Núbia egípcia escavada por nós há algum tempo atrás encontramos provas suplementares relativas à sobrevivência da Idade da Pedra durante a Idade do Metal Do mesmo modo que em es Sebua havia lâminas lamelas e armaduras de foices em sílex de origem egípcia além disso ligadas a essa indústria lítica importada descobrimos no sítio de Amada minúsculas pontas de flechas transversais em ágata e em cornalina como também machados de pedra dura polida de fabricação local Quanto à Núbia sudanesa as escavações empreendidas na fortaleza egípcia de Mirgissa revelou como era de esperar a presença de armas Elas datavam da 28a dinastia e incluíam flechas do tipo clássico isto é com pontas cortantes de pedra como as descritas anteriormente Mas fato novo as cabeças das lanças não eram de metal como no Egito faraônico naquela época mas de sílex feitas segundo uma técnica de lascamento bifacial perfeita semelhante à usada no período Neolítico O reaparecimento desse método tinha por finalidade reproduzir o mais fielmente possível as cabeças de lança de metal A dificuldade em obter o metal foi com certeza o que motivou esse retorno a uma técnica de fabricação esquecida há milênios Conclusão Depois de ter traçado este panorama sumário da história dos primeiros homens que habitaram o vale do Nilo resta nos fazer um balanço final reunir as evidências obtidas e apontar as várias e importantes lacunas que restam 741 Pré História do vale do Nilo No que diz respeito aos períodos mais remotos descobertas bastante recentes confirmam a presença do homem mais primitivo de que se tem notícia o olduvaiense não somente na África do sul e do leste mas também na parte norte do vale do Nilo Nós o conhecemos através de um abundante instrumental lítico Mas seria conveniente continuar as pesquisas para completar a documentação osteológica representada até agora por um único dente humano Explorações semelhantes relativas a essa época deveriam ser feitas no setor sudanês que é um ponto de contato com a Etiópia onde se fizeram achados importantíssimos para esse período O conjunto de instrumentos líticos da Old Stone Age foi muito bem analisado em sua tipologia quase unicamente na região de Uadi Halfa A região de Tebas por sua vez forneceu dados sobre uma das fases mais remotas Porém existem ainda numerosos problemas para serem resolvidos entre outros os que se relacionam com as raças humanas desse período Quanto à Middle Stone Age os testemunhos líticos aparecem em grande número ao longo de todo o vale do Nilo Progressos conseguidos na região de Uadi Halfa permitiram nos compreender melhor a morfologia dos utensílios de pedra nesse determinado setor As proveitosas coletas feitas na montanha de Tebas estão ainda em estudo e permitirão comparações importantes com o material recolhido no sul Os fragmentos de um osso occipital são ainda os únicos vestígios humanos encontrados até agora No deserto líbio a noroeste de Uadi Halfa foi descoberto pela primeira vez um conjunto de utensílios de pedra associado a uma fauna Para esse período há ainda vastas regiões do Sudão a serem exploradas O Ateriense quase contemporâneo foi há pouco tempo constatado no deserto a noroeste de Abu Simbel Associada a uma fauna essa indústria originária do noroeste africano espalhou se muito tarde pela região Seria interessante ver até que ponto ela dataria do mesmo período que as outras descobertas no Egito e se ela pôde influenciar as indústrias tipicamente egípcias Quanto à Late Stone Age e ao Epipaleolítico os achados provenientes apenas de setores bem definidos forneceram numerosos dados antes desconhecidos Contudo talvez pela falta de evidências estratigráficas abusou se das denominações novas apoiadas em estudos estatísticos e análises físico químicas imperfeitas Houve progressos inegáveis no que diz respeito ao Neolítico termo que não tem um sentido preciso no Egito e ao Pré Dinástico ao longo do vale do Nilo Assim no Egito os sítios do grupo cultural do sul revelaram uma copiosa documentação obtida principalmente nos cemitérios Mas é necessário 742 Metodologia e pré história da África fazer pesquisas em grande escala nas regiões habitadas de modo a conseguir informações mais completas sobre as habitações a cerâmica doméstica e os utensílios de pedra Pelo fato de ocuparem uma área bem vasta os sítios do norte do Egito não foram exaustivamente explorados e portanto são conhecidos apenas por relatos parciais Apesar disso forneceram dados bem mais completos que os sítios contemporâneos que ficam ao sul graças às pesquisas realizadas tanto nas habitações quanto nos cemitérios Seria conveniente então que as investigações levadas a efeito nessa parte do Egito interrompidas há alguns anos por diversas razões fossem retomadas a fim de se completar a documentação Quanto à Núbia sudanesa várias civilizações específicas pertencentes a esses períodos foram estudadas cuidadosamente Até agora as mais representativas dentre elas parecem ser a Cartumiense e a Shaheinabiense Mas há muito trabalho ainda por fazer pois foram descobertas dezenas de sítios aparentemente relacionados a essas culturas ou a fases diferentes e que estão esperando pelas escavações O objetivo dessa pesquisa é contribuir para o ajustamento dos elos da corrente da história africana antes do período faraônico C A P Í T U L O 2 6 743 A arte pré histórica africana A arte pré histórica africana J Ki Zerbo Com o aparecimento do homem surgem não só utensílios mas também uma produção artística Homo faber homo artifex A pré história africana não foge à regra Há milênios as relíquias pré históricas deste continente vêm sofrendo degradações provocadas tanto pelo homem quanto pelos elementos naturais Já na pré história movido por uma iconoclastia ritual o homem perpetrou por vezes atos de destruição Os colonizadores civis ou militares os turistas os industriais do petróleo os autóctones entregam se ainda a essas depredações e pilhagens desavergonhadas de que fala L Balout no prefácio da brochura de apresentação da exposição O Saara antes do deserto1 De maneira geral a arte pré histórica africana ornamenta a África na região dos planaltos e dos maciços enquanto a África das altas cordilheiras das depressões e das bacias fluviais e florestais da zona equatorial é incomparavelmente menos rica nesse campo 1 H LHOTE refere se a militares franceses que em 1954 na Argélia cobriram com uma camada de tinta a óleo o magnífico painel de elefantes de Hadjira Mahisserat para melhor fotografá lo Outros criva ram de balas de metralhadora a parede próxima à grande gravura do escorpião em Geret et Taleb Em Beni Unif as cristas decoradas com gravuras foram demolidas e as pedras utilizadas como material de construção etc Cf H LHOTE 1976 Mesmo certos especialistas não estão isentos de culpa inúmeras obras foram recortadas e enviadas para Viena por Emil Holub no fim do século XIX 744 Metodologia e pré história da África Nos setores privilegiados os sítios localizam se essencialmente no nível das falésias formando o rebordo das terras altas sobretudo quando avançam sobre os talvegues de rios atuais ou já desaparecidos Os dois centros mais importantes são a região do Saara e a África austral Entre o Atlas e a floresta tropical de um lado e o mar Vermelho e o Atlântico de outro foram localizados inúmeros sítios contendo dezenas talvez centenas de milhares de gravuras e pinturas Alguns desses centros são hoje mundialmente conhecidos graças aos trabalhos de pré historiadores franceses italianos anglo saxões e cada vez mais africanos Bons exemplos podem ser encontrados na Argélia o sul oranês o Tassili nAjjer Jabbaren Sefar Tissoukai Djanet etc no sul do Marrocos no Fezzan Líbia no Air e no Tenere Níger no Tibesti Chade na Núbia no maciço da Etiópia no Dhar Tichitt Mauritânia em Moçâmedes Angola O segundo epicentro importante situa se no cone meridional da África entre o oceano Índico e o Atlântico tanto no Lesoto quanto em Botsuana em Malavi em Ngwane na Namíbia e na República Sul Africana particularmente nas regiões de Orange do Vaal e do Transvaal etc Nessas regiões as pinturas encontram se em abrigos rochosos ao passo que as gravuras estão a céu aberto As grutas como a de Cango Cabo são excepcionais Raros são os países africanos em que não se tenham descoberto vestígios estéticos embora é verdade nem sempre sejam pré históricos A prospecção no entanto está longe de se completar Por que esse florescimento nos desertos e nas estepes Em primeiro lugar porque na época a região não era de desertos e estepes Em segundo porque ao tornar se como é hoje transformou se num meio propício à conservação graças à própria secura do ar no Saara por exemplo descobriram se objetos que estavam in situ há milênios Por que à beira dos vales que recortam os maciços Por razões de habitat de defesa e de aprovisionamento de água e de caça No Tassili arenítico situado ao redor do núcleo cristalino dos montes do Hoggar que avança para o sul por uma falésia de 500 m as alternâncias de calor e frio sensíveis sobretudo no nível do solo juntamente com os pequenos cursos de água cavaram na base das montanhas coberturas e abrigos grandiosos que dominavam os talvegues dos rios Um dos exemplos mais impressionantes é o abrigo sob rocha de Tin Tazarift Por outro lado os arenitos tabulares foram escavados e sulcados pela erosão eólica formando galerias naturais logo exploradas pelo homem Tal é o quadro de vida traçado com tanta fidelidade e brio pelas obras primas da arte mural africana 745 A arte pré histórica africana Cronologia e evolução Métodos e dificuldades de datação A aplicação do método estratigráfico à rocha in situ frequentemente se revela de pouca utilidade pois o clima úmido que perdurou por longos períodos da pré história provocou uma lixiviação profunda das camadas que recobrem o solo dos abrigos Contudo na África do Sul encontram se às vezes gravuras sob as pinturas os restos de matérias orgânicas pintura caídos das paredes numa camada não explorada podem fornecer alguns indícios Mas os aterros e desaterros às vezes intencionais dessas camadas confundem a datação mesmo relativa que se poderia esperar obter Recorre se então algumas vezes às pátinas dos quadros e das rochas suporte fazendo se um estudo comparado de suas modificações cromáticas Este método que se mostra adequado já que leva em conta o próprio objeto em estudo parte do princípio de que as pátinas mais claras e mais distintas da rocha mãe são as mais recentes Com efeito a formação da pátina opera se lentamente sobre todas as rochas inclusive os arenitos brancos Trata se de um processo análogo à laterização através da qual os óxidos e carbonatos infiltrados sob forma líquida pela chuva ou pela umidade voltam à superfície por capilaridade e graças à evaporação formam uma crosta sólida mais ou menos escura conforme sua antiguidade Ter se ia então tomando como referência a rocha local uma base teórica de cronologia relativa Mas são muitos os obstáculos tudo vai depender da natureza da rocha de ela estar ou não exposta ao sol de ficar na direção do vento ou contra ele etc Essa cronologia é pois dupla ou triplamente relativa2 Outras vezes para avaliar a antiguidade dos quadros tomam se por base os animais representados já que nem todas as espécies viveram nos mesmos grandes períodos O búbalo por exemplo é uma espécie muito antiga hoje extinta conhecida apenas através das ossadas fósseis Mas esses animais não podem ter sido reproduzidos como lembrança de um período anterior Os estilos também não constituem como veremos um ponto de referência preciso longe disso É bem verdade que no começo a observação parece ter sido predominante donde uma veia seminaturalista característica Por outro lado as gravuras bubálicas do Saara são em geral anteriores às pinturas Os objetos subjacentes que têm o mesmo tipo de decoração que as pinturas são em princípio contemporâneos destas Mas não há absolutamente nenhuma regra geral 2 A deformação do perfil do traço que nas gravuras sob o efeito de processos físico químicos passa do V original para uma forma alargada e rebaixada fornece apenas indicações muito vagas sobre a idade do quadro 746 Metodologia e pré história da África Outro procedimento que também se utiliza às vezes é a datação relativa a partir de traçados superpostos ou seja traços que recobrem outros traços e que portanto são mais recentes Contudo nem sempre se encontram tais superposições e além disso a deterioração das rochas e a alteração dos pigmentos frequentemente tornam a interpretação arriscada e contraditória3 Resta é claro o método do C14 que é o ideal mas cuja aplicação é muito rara devido às razões já mencionadas Além do mais impõem se numerosas precauções o fragmento de pintura não esteve em contato com matérias orgânicas recentes O fragmento de carvão não provém de um incêndio provocado por um raio Apesar de tudo as datas obtidas por esse método multiplicam se pouco a pouco Em Meniet por exemplo Mouydir no Saara central um carvão recolhido numa camada profunda forneceu a data de 5410 300 BP A política também pode se imiscuir na cronologia Os observadores bôeres por exemplo estão muito pouco dispostos a aceitar a grande antiguidade da civilização artística dos autóctones africanos Tendem pois a reduzir lhe o desenvolvimento seja por omissão seja aplicando mecanicamente métodos de avaliação utilizados para os rupestres europeus Nessas condições as representações do Drakensberg são situadas por eles como posteriores ao século XVII isto é muito tempo depois da chegada dos Bantu Ora sem contar que a arte rupestre sul africana representa por vezes animais que datam de épocas muito anteriores nessa região parece pouco provável que os San tenham esperado os conflitos com os Bantu para desenvolver uma forma de arte para cuja prática seria necessário um mínimo de estabilidade Convém portanto reexaminar a questão dos períodos Períodos Quando se deseja classificar os achados da arte pré histórica em sequências temporais inteligíveis a primeira abordagem deve ser geológica e ecológica já que era o meio mais determinante do que hoje para os povos então mais desprovidos tecnicamente que estabelecia e impunha o quadro geral da existência O biótopo particularmente condicionava a vida das espécies representadas inclusive a do próprio homem suas técnicas e seus estilos Se 3 J D LAJOUX aplicou as mais recentes técnicas fotográficas nas pinturas de Inahouanrhat Tassili Personagens vermelhas pareciam ter sido pintadas sobre a figura de uma mulher mascarada de cor marrom esverdeada mas os ornamentos brancos da mulher foram acrescentados mais tarde sobre as figuras vermelhas É comum entre os aborígines da Austrália a prática de repintar as representações rupestres wondjina a fim de revigorá las essa prática é acompanhada de narrativas míticas para invocar a chuva L Frobenius observou o mesmo costume entre os jovens senegaleses 747 A arte pré histórica africana é verdade que segundo a expressão de J Ruffie o homem na origem é um animal tropical africano as condições temperadas do norte após as grandes glaciações permitiram a colonização humana da Europa que culminou com o esplêndido desabrochar da arte das galerias subterrâneas há quarenta séculos A arte mural africana é muito posterior Na opinião de certos autores como E Holm suas origens datam do Epipaleolítico mas ela marcou essencialmente o período Neolítico4 Tomou se o hábito de batizar os grandes períodos da arte mural com o nome do animal que lhe serve de referência tipológica Assim quatro grandes sequências foram caracterizadas pelo búbalo o boi o cavalo e o camelo O búbalo Bubalus antiquus era uma espécie de búfalo gigantesco que data segundo os paleontólogos do início do Quaternário É representado desde o começo da arte rupestre aproximadamente 9000 BP até cerca do ano 6000 BP Outros animais que marcam este período são o elefante e o rinoceronte Quanto ao boi trata se tanto do Bos ibericus ou bachyceros com chifres curtos e grossos como do Bos africanus dotado de magníficos chifres em forma de lira Ele aparece por volta do ano 6000 BP O cavalo Equus caballus aparece por volta do ano 3500 BP por vezes atrelado a um carro5 O estilo do galope aéreo embora não seja realista é naturalista na trilha ocidental do Marrocos ao Sudão sendo contudo muito esquematizado na rota oriental do Fezzan6 Aqui já estamos há muito no período histórico em que o hipopótamo desaparece das representações rupestres o que sem dúvida indica o fim das águas perenes O camelo fecha a fila desta 4 O Neolítico saariano mostra se cada vez mais antigo à luz das descobertas recentes Um sítio neolítico que continha cerâmica no maciço de Hoggar foi datado de 8450 BP pelo método do carbono 14 é pois praticamente contemporâneo do Neolítico do oriente próximo Ver também as datas sugeridas por D Olderogge no Capítulo XI para dois sítios na Núbia Ballana 12050 BP e Toshké 12550 BP Em In Itinem foram encontrados restos de alimentos em um abrigo sob rocha decorado com pinturas do período bovidiano A ocupação mais antiga foi datada pelo carbono 14 de 4860 250 B P No maciço de Acacus Líbia F Mori encontrou entre duas camadas com restos de ocupação um fragmento de parede desabada com pintura do período bovidiano As duas camadas foram datadas descobrindo se que o fragmento de parede data de 4730 BP Ver H LHOTE 1976 p 102 e 109 Também é citada a data de 7450 BP para o período bovidiano médio de Acacus cf H J HUGOT 1974 p 274 J D CLARK indica uma data de 6310 250 BP para Solwezi Zâmbia Por outro lado a data indicada na tese de J T LOUW para o abrigo de Mattes Província do Cabo 11250 400 BP é considerada pouco segura O caso de Tin Hanakatem é extraordinário pode se estabelecer uma correlação entre os afrescos e toda uma série de níveis neolíticos e proto históricos que contêm esqueletos ou seja uma estratigrafia humana fácil de datar incluindo até mesmo um nível ateriense Cf Découverte exceptionnelle au Tassili Archeologia n 94 maio 1976 p 28 e 29 5 A chegada do cavalo à África é frequentemente relacionada à chegada dos hicsos ao Egito Ver a esse respeito J KI ZERBO 1973 p 99 6 A respeito das rotas dos carros ver R MAUNY 1961 748 Metodologia e pré história da África caravana histórica Levado para o Egito aproximadamente no ano 500 pelos conquistadores persas aparece com frequência no início da Era Cristã7 Em se tratando da pré história são principalmente os dois primeiros períodos e o início do período equidiano que nos interessam neste trabalho São eles que marcam a vida ativa desse espaço imenso que mais tarde se tornaria o deserto do Saara Por outro lado no interior de cada grande período os especialistas obcecados pela subdivisão cronológica discutem os subperíodos Mas as descobertas prosseguem e é preciso tomar cuidado para não colar apressada e rigidamente etiquetas zoológicas sobre períodos inteiros de um passado tão pouco conhecido Trata se antes se é que posso me expressar assim de dinastias animais iconograficamente muito vagas com inúmeras superposições O carneiro por exemplo classificado como posterior ao búbalo e ao elefante parece ser às vezes seu contemporâneo Está presente nas mesmas paredes representado com as mesmas técnicas e apresentando a mesma pátina Talvez ele fosse pré domesticado ou mantido em cativeiro para fins religiosos Da mesma forma os grandes bois gravados de Dider Tassili um deles com mais de 5 m com grandes chifres em lira incorporando um símbolo parecem contemporâneos do búbalo O boi com pingente de Oued Djerat é colocado por alguns especialistas no período bubálico Por outro lado são frequentes as representações de novos animais como por exemplo as corujas de Tan Terirt que em número de aproximadamente quarenta sobrepõem se às imagens de bovinos Fora da região do Saara os grandes períodos geralmente são posteriores e se definem por critérios que variam de autor para autor sobretudo entre os que para estabelecer uma periodização apóiam se às vezes em técnicas gêneros e estilos8 Técnicas gêneros e estilos Técnicas As gravuras As gravuras encontradas nos locais onde também existem pinturas são em geral anteriores a estas e sua melhor técnica surge nos períodos mais recuados Aparecem sobre rochas areníticas menos duras mas também em granitos 7 Entretanto o camelo parece ser conhecido desde o período faraônico Cf E DEMOUGEOT 1960 p 209 47 8 Na África meridional com base na forma do traço na técnica de trabalho da rocha incisão martelagem mais ou menos acentuada polimento etc e no tipo de seres representados certos autores distinguem dois grandes períodos o primeiro com duas fases e o segundo com quatro 749 A arte pré histórica africana Figura 261 Rinoceronte Blaka Níger Foto H J Hugot Figura 262 Gazela Blaka Níger Foto H J Hugot Figura 263 Bovino Tin Rharo Mali Foto H J Hugot Figura 264 Elefante In Ekker Saara argelino Foto H P C Haam 750 Metodologia e pré história da África e quartzitos sendo executadas com uma pedra apontada golpeada com um percutor neolítico Alguns exemplares de percutores foram encontrados nos locais das gravuras Dispondo apenas desse equipamento mínimo conseguiu se grande precisão técnica O elefante de Bardai é delineado com um traço leve e simples é quase um esboço mas mostra o essencial Já os elefantes de In Galjeien Mathendous e de In Habeter II e o rinoceronte de Gonoa Tibesti são profundamente burilados com um traço ao mesmo tempo pesado e cheio de vida Os entalhes em forma de V ou de U têm aproximadamente 1 cm de profundidade foram feitos com uma machadinha de pedra ou com um pedaço de madeira bem dura utilizando talvez areia úmida como abrasivo Algumas vezes parece que várias técnicas foram combinadas por exemplo a martelagem delicada e a incisão em forma de V A piquetagem prévia deixou aqui e ali traços de asperezas no fundo da ranhura O polimento final era acompanhado por um trabalho de cinzelamento Indiscutivelmente a execução dessas gravuras exigiu por vezes habilidades atléticas No Oued Djerat por exemplo há um elefante de 45 m de altura e esboços de um rinoceronte de 8 m de comprimento Acredita se que na África central e meridional as gravuras de contornos profundamente entalhados estivessem relacionadas a finalidades religiosas enquanto os desenhos feitos com ranhuras mais delicadas teriam uma finalidade pedagógica ou de iniciação O refinamento provém do fato de que algumas superfícies vazadas e polidas com brilhantismo representam as cores das peles dos animais ou dos objetos carregados por eles Encontramos aí uma prefiguração dos baixos relevos do Egito faraônico Com efeito a figura aparece por vezes como um relevo entalhado na rocha vazada com essa finalidade camafeu A rocha matriz é utilizada de maneira muito apropriada Citamos como exemplo uma girafa que foi gravada num bloco alongado de diabásio cujo formato combina perfeitamente com o da girafa Transvaal ocidental Na região de Leeufontein um rinoceronte foi entalhado sobre uma rocha de superfície áspera e com arestas angulosas que reproduzem exatamente a carapaça do animal Na colina de Maretjiesfontein Transvaal ocidental uma zebra quagga foi representada por entalhe e piquetagem sobre um bloco de diabásio e seu maxilar inferior coincide com uma pequena saliência da pedra que lembra sua forma anatômica No Museu do Transvaal há um esplêndido antílope macho cuja crina foi reproduzida por linhas piquetadas e a mecha frontal por entalhes delicados As cores interna azul e superficial ocre vermelho da rocha são utilizadas com perfeição para realçar os contrastes Outra obra prima dos gravadores pré históricos africanos é o grupo de girafas de Blaka com suas pelagens manchadas suas patas em posições extremamente naturais e mesmo 751 A arte pré histórica africana suas caudas em movimento oscilante Em seu aspecto global porém a técnica começou a decair Já durante o período chamado bovidiano as gravuras são frequentemente medíocres como é o caso das girafas de El Greiribat entalhadas com piquetagem larga e grosseira As pinturas As pinturas não devem ser completamente dissociadas das gravuras Em Tissoukai por exemplo há esboços gravados sobre as paredes sugerindo que os artistas gravavam antes de pintar Também aqui os trabalhos artísticos exigiam às vezes proezas atléticas Em Uede Djerat há uma pintura do período equidiano com 9 m de comprimento feita num teto com uma inclinação abrupta Em alguns sítios do Tassili como Tissoukai as pinturas aparecem a mais de 4 m de altura como se a intenção fosse evitar as partes inferiores ao alcance do homem para isso foi necessário utilizar escadas rudimentares e até mesmo andaimes As pinturas são monocromáticas ou policromadas conforme o caso9 No baixo Mertoutek era usado o caulim roxo no abrigo da face sul do Enneri Blaka o caulim ocre vermelho de tipo sanguíneo em outros locais uma paleta furta cor com uma tal combinação de tons que era capaz de recriar as condições e o equilíbrio da realidade Para tanto fazia se necessária uma técnica bastante complexa tendo sido encontrados vestígios de ateliês Em In Itinem por exemplo pequenas mós chatas e minúsculos trituradores para pulverizar rochas assim como pequenos godês de pintura foram descobertos nas escavações Os pigmentos revelaram se muito resistentes conservando até hoje um viço e um frescor extraordinários A gama relativamente rica é constituída de algumas cores básicas o vermelho e o marrom provenientes do ocre tirado do óxido de ferro o branco obtido a partir do caulim do excremento de animais do látex ou de óxidos de zinco o preto extraído do carvão vegetal de ossos calcinados e triturados ou da fumaça e da gordura queimada Além dessas cores eram utilizados também o amarelo o verde o violeta etc Depois de finamente triturados num almofariz com um pilão esses ingredientes eram misturados com um líquido talvez leite cuja caseína é uma excelente liga gordura derretida ou ainda clara do ovo mel ou tutano cozido Isso explica o viço dos tons que perdura há milênios As cores eram aplicadas com os dedos com penas de pássaros com espátulas de palha ou de madeira mascada com pêlos de animais presos a um graveto por meio de tendões e também por um 9 LAJOUX J D 1977 p 151 752 Metodologia e pré história da África processo de pulverização em que o líquido era borrifado com a boca Foi através desse último processo que foram realizadas as mãos em negativo visíveis até hoje nas paredes rochosas e que constituem uma espécie de assinatura original dessas obras primas Algumas vezes faziam se correções nas pinturas mas sem apagar os traços anteriores É essa a origem dos bovinos com quatro chifres homens com três braços etc Também nas pinturas as características da rocha eram utilizadas de modo engenhoso como por exemplo em Tihilahi onde uma fenda natural da parede tornou se o bebedouro sobre o qual a manada se inclina10 As joias A arte ligada aos adornos não exige uma técnica menos desenvolvida muito pelo contrário Algumas contas são de cornalina rocha extremamente dura As técnicas dos joalheiros podem ser reconstituídas através do estudo dos restos deixados em diversas etapas de seu trabalho Inicialmente discos planos eram desprendidos por percussão depois por fricção Em seguida uma lasca pontiaguda grossa e quadrangular era destacada de um bloco de sílex e servia como buril Sua ponta aguçada era cravada no centro do disco em ambos os lados alternadamente produzindo dois furos alinhados O momento mais delicado do trabalho era fazer os dois furos coincidirem O estilete de sílex se transformava então numa broca giratória e com a ajuda de areia fina misturada com resina vegetal limava o furo central até abri lo por completo Outras pedras igualmente duras amazonita hematita calcedônia também eram utilizadas assim como o osso e o marfim na confecção de pingentes braceletes e adornos para o tornozelo A pedra pomes era usada para polir esses ornamentos Em Tin Hanakaten foram descobertas algumas brocas de microdiorito no meio de contas feitas com casca de ovo de avestruz A cerâmica A pasta para a cerâmica era preparada com uma liga feita com estrume de ruminantes A seguir um cordel desse material era enrolado sobre si mesmo e trabalhado com os dedos e com um instrumento alisador O gargalo desses potes tem múltiplas formas anelados alargados inclinados curvos O cozimento devia ser impecável a julgar pelas cores matizadas que vão do rosa ao marrom 10 LAJOUX J D 1977 p 151 753 A arte pré histórica africana escuro O engobe era conhecido assim como o verniz vegetal utilizado ainda hoje na cerâmica da África e para laquear ou ornamentar o assoalho o telhado ou as paredes das casas As decorações magníficas eram feitas com pentes de osso espinhas de peixe impressões de espigas de milho corda e grãos com uma riqueza de imaginação que se expressa através de uma grande variedade de motivos Em Uede Eched no norte do Mali fornos de ceramistas agrupados em local isolado atestam a importância do trabalho desses artífices que nada ficava a dever à habilidade de seus congêneres de Es Shaheinab no Sudão Cartumiense11 A escultura A escultura também está presente limitando se no entanto a miniaturas um ruminante deitado em Uede Amazzar Tassili um boi deitado em Tarzerouck Hoggar uma pequena lebre com longas orelhas caídas sobre o corpo em Adjefou uma impressionante cabeça de carneiro em Tamentit no Touat uma escultura de pedra antropomórfica em Ouan Sidi no Erg oriental uma cabeça de coruja esplendidamente estilizada em Tabelbalet estatuetas de argila que representam formas estilizadas de pássaros mulheres e bovídeos um dos quais ainda apresenta dois pequenos ramos à guisa de chifres em Tin Hanakaten Tipos e estilos Em termos gerais é possível distinguir no Saara três grandes tipos e estilos que coincidem aproximadamente com os períodos mencionados acima O primeiro é o tipo arcaico de tamanho monumental seminaturalista ou simbolista O homem parece estar ainda sob o impacto das primeiras emoções perante a força dos animais selvagens que é preciso dominar eventualmente através da magia Podemos distinguir aí dois estágios O primeiro é o estilo bubálico localizado sobretudo no sul de Orã no Tassili e no Fezzan que apresenta gravuras caracterizadas por um agudo senso de observação As figuras são exclusivamente de animais em geral de grande porte e com frequência isolados O estilo seminaturalista despojado e austero limita se aos traços essenciais feitos com maestria Exemplos desse estilo são o rinoceronte e os pelicanos do Uede Djerat Tassili o elefante de Bardai Chade o elefante de In Galjeien no Uede Mathendous O segundo estágio se caracterizou por antílopes 11 Cf HUGOT J H 1974 p 155 754 Metodologia e pré história da África Figura 265 Pintura rupestre Namíbia Foto A A A Myers n 3672 Figura 266 Pintura rupestre Tibesti Chade Foto Hoa Qui n ART 11003 755 A arte pré histórica africana e argalis geralmente pintados Os homens estão em toda a parte com suas cabeças redondas O estilo ainda é seminaturalista e às vezes simbolista mas as linhas em vez de sóbrias são ao contrário animadas até mesmo dinâmicas ou patéticas Os ritos mágicos estão próximos podemos senti los nos animais totens nos homens mascarados nas danças rituais etc As figuras isoladas não são próprias desta fase Existem representações de pequeno porte mas também frisos e afrescos compostos os maiores do mundo Esse estilo concentrado no Tassili é visto em cenas que retratam argalis com chifres poderosos dançarinos mascarados como em Sefar sítio epônimo segundo J Lajoux a sacerdotisa de Ouanrhet chamada de Dama Branca O segundo grande tipo é o da pintura e da gravura naturalistas com figuras de tamanho pequeno isoladas ou em grupos O estilo é claramente descritivo Já se pode sentir que o homem é ativo e que domina e controla os bovinos caninos ovinos e caprinos As cores se multiplicam É o Saara das aldeias e dos acampamentos O sítio epônimo seria Jabbaren O terceiro tipo estilístico é esquemático simbolista ou abstrato As técnicas anteriores são conservadas mas frequentemente entram em decadência Todavia não se deve crer que tal decadência tenha sido generalizada As técnicas de gravura sobretudo decaem os contornos são vagos o pontilhado e a piquetagem grosseiros Na pintura porém o estilo do traço fino apesar de inferior em certos aspectos ao traço austero e vigoroso dos estágios anteriores permite apreender melhor o movimento às vezes de três quartos de perfil ele se presta bem à estilização e às fórmulas novas A elegância dos traços do homem de Gonoa Saara do Chade por exemplo lembra um bico de pena em que os olhos as pupilas os cabelos a boca e o nariz são representados com uma precisão quase fotográfica Também a técnica da aquarela permite obter nuances muito delicadas como no caso do pequeno antílope de lheren Tassili com patas vacilantes que vem mamar em sua mãe que abaixa ternamente a cabeça Este gênero é adequado à estilização de cavalos e carroças posteriormente de dromedários e também do homem que é representado com dois triângulos como em Assedjen Ouan Mellen ou que tem apenas um longo pescoço em lugar de cabeça Existem portanto tendências simultâneas à precisão do traço e ao esquematismo geométrico um pouco descuidado que se combina no fim do período com os caracteres alfabéticos líbico berberes ou tifinagh Um grande número de detalhes como as selas árabes com contraborraina obviamente posteriores ao século VII da Era Cristã permitem comprovar que essas composições não pertencem à pré história 756 Metodologia e pré história da África Alguns comentários se fazem necessários a propósito desses estilos que evoluem sem limites cronológicos precisos O segundo estágio do estilo arcaico em particular é bastante heterogêneo O bovino que anda a passo lento de Sefar não tem nada em comum com as cabeças mascaradas e os motivos simbolistas Por outro lado certos estereótipos atravessam vários tipos e estilos tal como a técnica pictórica que consiste em representar os bovídeos com os chifres de frente e a cabeça de perfil encontrada em Ouan Render São também estereotipados certos gestos e atitudes como a dos pastores que têm um braço estendido enquanto o outro está dobrado sobre a cintura Enfim nota se claramente a existência de certos temas regionais o carneiro no sul de Orã a espiral no Tassili que não aparece no Fezzan nem no sul de Orã Em compensação os temas sexuais caracterizam sobretudo o Fezzan e o Tassili No que diz respeito ao estilo dos adornos foram encontrados no Capsiense Superior ovos de avestruzes gravados com motivos geométricos Mas é sobretudo ao Neolítico de tradição sudanesa que devemos os instrumentos e armas artísticas os esplêndidos broches de sílex jaspeado envernizados em verde e vermelho escuro a cerâmica decorada com linhas onduladas wavy line as pontas de flechas de Tichitt com suas denticulações cuidadosamente polidas e seu perfeito formato triangular Nas outras regiões da África a tipologia ainda está sendo estudada Na Namíbia por exemplo um autor menciona a existência de vinte estratos e estilos de cores diferentes com quatro grandes fases 1 fase dos grandes animais em estilo arcaico sem figuras humanas 2 painéis de pequenas dimensões com representações humanas 3 fase monocromática com cenas de caça e danças rituais cheias de vida 4 fase policromada que atinge o apogeu estético como no abrigo de Philipp Cave Damaraland e nas pinturas de Brandberg datadas do ano 1500 BP L Frobenius por sua vez distingue dois estilos principais de arte rupestre na África meridional Na ponta sul do continente do Transvaal ao Cabo do Drakensberg oriental às falésias da costa da Namíbia trata se de uma arte naturalista na qual predominam os animais quase sempre representados isoladamente com uma habilidade consumada que reproduz com exatidão as dobras da pele de um paquiderme e as listras da pelagem de uma zebra Mas essa arte é inanimada e fria ainda que as pinturas sejam policromadas e compostas e as cores aplicadas por fricção com notável habilidade Trata se de cenas bem estruturadas de caçadas de danças de procissões e de conselhos Por outro lado do centro do Transvaal ao Zambeze Zâmbia Zimbabwe Malavi a arte é fundamentalmente monocromática baseada no vermelho ou no ocre dos óxidos 757 A arte pré histórica africana de ferro às vezes aproximando se do violeta A rocha suporte é o granito e não o arenito como no caso precedente A técnica utilizada é o desenho que é tão fiel ao real quanto as aquarelas do sul no entanto não se trata de uma fidelidade mecânica A realidade é algumas vezes interpretada em composições cênicas em que se nota uma prodigiosa fertilidade de imaginação12 O homem é retratado com ombros largos e cintura estreita ou seja cuneiforme Visto de frente seus membros aparecem de perfil como nos baixos relevos egípcios No sul os personagens são mais naturais com membros mais harmoniosos em cenas de caça e de combate que às vezes se confundem No norte há cenas de funerais solenes talvez exéquias reais com personagens demonstrando sentimentos pungentes de pesar A fauna ao contrário na grande caverna de Inoro por exemplo desfila não como uma arca de Noé cuidadosamente organizada mas como um bestiário fantasmagórico pássaros gigantescos com bicos semelhantes a mandíbulas de crocodilos elefantes enormes com o dorso denticulado animais bicéfalos Por vezes são mitos elaborados como o da chuva O pano de fundo desses afrescos fantásticos consiste em verdadeiras paisagens onde os rochedos estilizados as árvores identificáveis do ponto de vista botânico e os lagos piscosos estão dispostos de maneira inteligente Essa é a arte do Zimbabwe menos animada fisicamente que a do Sul mas carregada de emoções tumultuosas ou pungentes Segundo Frobenius o estilo cuneiforme estaria ligado a uma civilização altamente desenvolvida e sabemos que na região de Zimbabwe existiram tais civilizações Também de acordo com ele esse estilo anguloso e austero foi substituído por um estilo de traços mais arredondados e flexíveis mais afetado e efeminado quando as sociedades que o haviam inspirado entraram em decadência13 No Alto Volta as gravuras rupestres no norte do país Aribinda têm um estilo seminaturalista ou esquemático enquanto no sul elas são sobretudo de forma geométrica Também existem pinturas nas cavernas da falésia de Banfora Na África central as pesquisas revelaram sítios que comprovam a ocupação humana desde o pré Acheulense até a Idade dos Metais Foram localizados alguns centros de arte rupestre o abrigo de Toulou na região de Ndele habitado desde a pré história até hoje e que apresenta personagens estilizados pintados de vermelho e muito antigos e figuras pintadas de branco com as mãos na 12 A representação da caça e dos animais é no conjunto naturalista às vezes por razões mágicas pois a imagem deve reproduzir o mais exatamente possível o objeto do rito Por outro lado as efígies humanas são com frequência deliberadamente esquemáticas trata se de protegê las contra as influências mágicas 13 HABERLAND E 1973 p 27 758 Metodologia e pré história da África cintura o abrigo de Koumbala os sítios de gravuras nas cabeceiras do Mpatou e os sítios de Lengo Mbomou Essa arte tem muito pouco em comum com a do Saara relacionando se mais com as pinturas da África oriental e meridional14 Motivações e interpretações As representações rupestres foram denominadas petroglifos De fato mais que qualquer outra essa arte representa uma linguagem de signos isto é uma ponte entre o real e a ideia É um símbolo gráfico que requer uma chave para ser entendido O desconhecimento das condições sociais de produção dessa arte é na verdade a maior desvantagem para sua correta explicação Por isso é importante não fazer interpretações apressadas omitindo a etapa da descrição do próprio signo ou seja a análise formal Ora frequentemente a própria descrição já é feita em termos de interpretação O ideal seria uma abordagem estatística que permitiria proceder ao levantamento de dados quantitativos e qualitativos do maior número possível de pinturas a fim de tornar viável uma análise comparativa15 Seria possível verificar por exemplo se os conjuntos de signos encontrados num certo número de quadros obedecem a uma dinâmica qualquer no tempo e no espaço Mas a sequência evolutiva reconstituída será tanto mais plausível quanto mais completa a documentação Enfim essas hipóteses que resultam da análise formal só poderão ser confirmadas se concordarem com a massa de dados que constituem o sistema global dessa sociedade De fato um quadro pré histórico é apenas uma parcela mínima de um macro sistema de informação isto é de uma cultura que compreende muitos outros semelhantes Nesse nível de análise verificamos o quanto é complexo o sistema de signos a que precisamos chegar para apreender o verdadeiro significado de uma representação estética Sem contar que esta última além do significado óbvio pode apresentar um outro oculto pois o signo é não somente signo de algo mas também signo para alguém simbolismo É necessário portanto passar da morfologia à sintaxe social e do simples comentário de um quadro puramente naturalista cujo significado é evidente à decodificação da mensagem cifrada de um quadro abstrato E nesse ponto que a referência ao contexto cultural se torna 14 R de BAYLES des HERMENS 1976 15 Essa abordagem quantitativa pode eventualmente passar por uma análise de computador com as devidas precauções A esse respeito ver os trabalhos de A Striedter no Instituto Frobenius de Frankfurt dirigido pelo Professor Haberland 759 A arte pré histórica africana indispensável pois os objetos são representados de maneiras diferentes segundo as culturas Quanto mais um signo está afastado do objeto designado mais ele é específico de uma cultura mais ele serve de indicador Exatamente como uma mesma onomatopeia que presente em várias línguas não caracteriza nenhuma delas de modo especial nada mais é que o reflexo de uma mesma natureza comum Isso não ocorre com uma palavra típica de uma determinada língua Podemos então considerar as grandes galerias de arte como estações emissoras de mensagens culturais Mas quais são os receptores Será que essas estações não emitiam mensagens sobretudo para os próprios produtores e também para o conjunto de sua sociedade a qual nos deixou uma quantidade demasiado pequena de outros vestígios que pudessem facilitar a leitura e a decodificação dessas mensagens Em resumo a problemática e os métodos de exploração estética devem chegar a uma definição dos tipos de cultura que são a base dessas manifestações parciais Delimitando os espaços culturais em que estão mergulhados podemos reconstituir o contexto histórico em que elas se inseriam É por esse motivo que a descrição de pinturas rupestres africanas por meio de fórmulas ou legendas como Os juízes de paz A dama branca O arrancador de dentes Josefina vendida pelas irmãs Os marcianos é inadequada pois transfere e aliena todo um conjunto cultural interpretando o através do código de um único observador ou de uma outra civilização16 Podemos estabelecer como princípio geral que a arte pré histórica africana deve ser interpretada sobretudo a partir de referências autóctones Apenas quando a solução para um problema não for encontrada no ambiente espaço temporal e cultural do lugar da região ou do continente é que podemos procurar suas causas em outra parte Assim existem duas abordagens principais para a interpretação da arte pré histórica a idealista e a materialista Segundo a explicação idealista essa arte expressava principalmente a visão de mundo das populações da época Essas concepções sozinhas explicam tanto o conteúdo quanto a própria execução das representações E importante pois que nos libertemos do jugo racionalista A arte do sul da África escreve Erik Holm aparece sob sua verdadeira forma se a consideramos como a manifestação do fervor religioso e da necessidade de transcender as coisas essa foi a metafísica da humanidade primitiva e as imagens zoomorfas são apenas uma máscara que disfarça a 16 Sobre esse assunto ver as observações pertinentes de J D LAJOUX 1977 p 115 et seqs Sem negar o direito ao humor nem a imensa cultura do Abade Breuil e os eminentes serviços que prestou ao estudo da pré história em geral e da África em particular devemos dizer que frequentemente ele se deixou levar por essa tendência 760 Metodologia e pré história da África Figura 267 Pista da Serpente pintura rupestre Foto A A A Mauduit n 35 C Figura 268 Dama Branca pintura rupestre Foto A A A Duverger n DUV 4852 761 A arte pré histórica africana verdadeira natureza das aspirações humanas Em vez de nos deixarmos levar por polêmicas contentemo nos com as indicações fornecidas pelo mito elas são suficientemente explícitas17 Nessas condições o simbolismo mitológico e cosmogônico é a chave principal para explorar o universo da arte rupestre L Frobenius desenvolveu brilhantemente as mesmas teses embora ele acrescente também considerações sociológicas Diz se que em Leeufontein o leão foi gravado sobre a face lateral da rocha para ser iluminado pelos primeiros raios do sol porque ele representa o astro do dia enquanto o rinoceronte está voltado para o poente por ser espírito da noite e da escuridão O rinoceronte cujos chifres simbolizam o crescente da lua nova é considerado pela tradição como o assassino da lua E Holm refere se também à finalidade ritual das cavernas situadas nos maciços afastados A lenda cosmogônica coletada entre os San no século XIX pelo filólogo alemão Willem Bleek levou o a afirmar que eles não fazem distinção entre a matéria e o espírito O antílope do Cabo desenhado com os membros atrofiados simboliza a lua nascente Quando aparece diante de figuras humanas como na galeria de Herenveen Drakensberg presume se que esteja sendo adorado O ágil cabrito montês listrado de vermelho simboliza a tempestade o louva a deus simboliza o raio e o elefante a nuvem de chuva como vemos no Monte Saint Paul Drakensberg Esse mito pode ser encontrado não somente em outras partes da África Philipp Cave na Namíbia Djebel Bes Seba e Ain Guedja na Argélia mas também num marfim gravado em La Madeleine na França O magnífico antílope do Cabo no museu do Transvaal apresenta uma pelagem cor de mel isso indicaria simplesmente que o antílope foi criado pelo louva a deus encarnação do sol e que o louva a deus a fim de lustrar o pelo do animal ungiu o com mel puro Se por vezes a zebra quagga foi pintada sem listras como na caverna de Nswatugi nos montes Matopo no Zimbabwe é porque originariamente a zebra não era listrada Ela só adquiria as marcas em sua pelagem depois de seu dorso ter sido queimado pelos raios do sol De acordo com esse ponto de vista bastaria possuir nos seus menores detalhes o metabolismo panteísta das origens africanas para dispor de uma espécie de chave mestra que permitiria decifrar todos os enigmas da arte rupestre africana qualificada como atemporal como omito Mas confessemos isto é mais bonito que verdadeiro 17 HOLM E L Art dans te Monde LAge de pierre p 183 et seqs p 170 et seqs etc 762 Metodologia e pré história da África Os adeptos da abordagem materialista por outro lado afirmam que a arte pré histórica como qualquer outra nada mais é que o reflexo da existência concreta dos homens de uma determinada sociedade um momento ideológico e um instrumento superestrutural que expressa um certo equilíbrio ecológico e sociológico e permite ao homem preservá lo ou melhorá lo em seu favor Em nossa opinião é possível fazer uma síntese dessas duas abordagens que isoladas seriam incompletas A arte pré histórica africana foi incontestavelmente um veículo de mensagens pedagógicas e sociais Os San que constituem hoje o povo mais próximo da realidade das representações rupestres afirmam que seus antepassados lhes explicaram sua visão do mundo a partir desse gigantesco livro de imagens que são as galerias A educação dos povos que desconhecem a escrita está baseada sobretudo na imagem e no som no audiovisual fato comprovado até hoje pela iniciação dos jovens na África subsaariana Os petroglifos da arte são algo semelhante No entanto é evidente que o mito não explica tudo pois antes de produzir o mito é necessário produzir e reproduzir a própria sociedade Assim o mito pode se tornar um meio privilegiado para melhorar ou deteriorar as forças produtivas e as relações de produção Aliás o próprio E Holm sugere isso quando cita o caso do jovem San convencido de que a ponta de flecha talhada em quartzo brilhante é uma parte da estrela que ele invoca ao afiar o gume Você que nunca erra o alvo você que é infalível faça me atingir minha presa Essa frase é de alcance essencialmente utilitarista ao contrário da conclusão idealista de Holm Para sobreviver o homem ordena e mobiliza o Universo É essa a função do mito mas não creio que seja a única18 Não devemos permitir que a floresta de símbolos nos impeça de ver as árvores da realidade concreta Na verdade às vezes a função espiritual pode existir de modo autônomo servindo então subjetivamente não mais como um meio mas como um fim em si O mito representa para o homem um modo de compreender o Universo organizando o ou seja racionalizando o de uma determinada maneira visto que há uma certa lógica imanente no discurso mitológico A finalidade espiritual existe portanto mesmo quando carregada de conteúdos infra estruturais Representar um ser temido já é de fato libertar se dele mantê lo sob nosso olhar significa dominá lo O silêncio mineral quase palpável que existe nos corredores rochosos 18 Do ponto de vista propriamente historiográfico devemos assinalar que os mitos estão às vezes repletos de ensinamentos Assim segundo os San o sol cansado de ser carregado nas costas da zebra abandonou a para se refugiar entre os chifres de um touro Isso nos leva ao outro extremo do continente às figurações norte africanas sul de Orã Saara Egito de bovídeos com discos solares Teria Hátor a deusa vaca nascido de um mito pan africano 763 A arte pré histórica africana secretos e fechados em In Itinem e Tissoukai significaria o recolhimento dos santuários e locais de iniciação ou o esconderijo de animais encurralados ou roubados Talvez os dois As figuras mascaradas com cabeças zoomorfas e os animais com atributos cefálicos discos auréolas barras etc19 frequentemente associados no sul de Orã e no Oued Djerat fazem lembrar personagens em posição de oração diante dos animais Também os três caçadores mascarados de Djerat que parecem cercar um búfalo que traz um disco sobre a cabeça representam talvez uma cena de magia Sendo as máscaras ainda hoje utilizadas por alguns povos africanos por que não basear a interpretação de tais cenas nessa problemática cultural em vez de nos entregarmos à pura especulação Descobriríamos que nem sempre a explicação é de fundo religioso Até hoje os caçadores da zona do Sahel usam uma cabeça de calau que balançam para cima e para baixo imitando esse pássaro para andando de quatro se aproximarem de um antílope antes de atirarem suas flechas Às vezes porém a desproporção entre os meios e o resultado é tamanha que sugere fortemente o uso da magia como quando um homem mascarado arrasta sem esforço um rinoceronte abatido com as patas para o ar numa gravura de In Habeter Líbia Certos ritos de fecundidade aparecem claramente no comportamento das figuras que parecem entregues a cópulas rituais como o coito entre uma mulher e um homem mascarado em Tin Lalan Líbia ou nas figuras com falos protuberantes que executam danças animadas De fato a fertilidade era o que mais importava sobretudo no fim do período pré histórico no Saara ou no deserto da Namíbia quando todo vestígio de vida recuava diante da seca crescente e implacável No sítio neolítico de Tin Felki foi encontrado um adorno de cornalina com formato hexagonal identificado por Hampaté Ba como um talismã de fertilidade utilizado até hoje pelas mulheres peul20 Nesse caso específico não devemos deixar de considerar também a motivação estética Como os homens e as mulheres do Neolítico africano pertenciam à categoria sapiens como nós não podemos lhes negar um sentimento característico de nossa espécie o prazer de criar formas pelo simples e puro gosto de contemplá las A admiração que experimentamos hoje diante dessas criações era ainda mais intensa quando os quadros acabavam de ser criados e seus modelos fervilhavam nas vizinhanças Os pequenos pilões para pós cosméticos as contas de amazonita calcedônia ou de casca de ovo de avestruz do Ténéré assim como os contornos soberbamente 19 Ver os célebres exemplos do boi de Maia Dib Líbia e do carneiro de Boualem Atlas Saariano 20 A cruz de Agadès ou de Iferouane teria se originado do signo de Tanit símbolo sexual feminino 764 Metodologia e pré história da África Figura 269 Detalhe de uma gravura rupestre Alto Volta Foto J Devisse Figura 2610 Pintura rupestre Namíbia Foto A A A Myers n 3808 765 A arte pré histórica africana modelados dos machados com garganta são testemunhas do elevado gosto estético dos africanos daquela época São relativamente numerosos os esboços abandonados como insatisfatórios Por outro lado inúmeros quadros estão de tal maneira expostos ao ar livre e aos transeuntes que não há sombra de dúvida acerca de seu caráter profano Tratava se em geral da arte popular Popular também no sentido de que provavelmente havia uma intenção histórica na sua criação De fato o prazer de recordar e o desejo de perpetuar a lembrança de feitos individuais ou coletivos também fazem parte das características de nossa espécie humana O homem nasceu cronista e os artistas da pré história são os primeiros historiadores africanos pois eles nos legaram em termos legíveis os estágios progressivos do homem africano em suas relações com o meio natural e social O peso da história ou a arte como documento Em que medida a arte pré histórica africana é a edição ilustrada do primeiro livro de história da África O meio ambiente ecológico Em primeiro lugar a arte pré histórica constitui um filme documentário sobre a infra estrutura das primeiras sociedades que viveram em nosso continente por exemplo sobre o seu ambiente ecológico Esse biótopo pode ser comprovado diretamente como no caso dos objetos encontrados in situ mas pode também ser deduzido do conteúdo das pinturas Cabe lembrar como alerta que uma representação estética não é necessariamente uma descrição objetiva do meio ambiente que lhe é contemporâneo O artista poderia ter reproduzido lembranças antigas ou ter materializado miragens e sonhos Mas neste caso não há nenhuma dúvida pois os testemunhos concordam com os resultados da análise geomorfológica que determinou a extensão dos lagos pré históricos e das antigas bacias hidrográficas Num sítio em Adrar Bous datado de 5140 BP pelo método do C14 H Lhote descobriu ossos de hipopótamos o que confirma por exemplo a autenticidade histórica do grupo de hipopótamos reproduzidos em Assedjen Ouan Mellen Ora esse animal é um verdadeiro indicador ecológico pois necessita de águas perenes para sobreviver Um outro indicador é o elefante que consome diariamente enormes quantidades de vegetais O Saara das pinturas pré históricas deve ter sido um grande parque com vegetação mediterrânea da 766 Metodologia e pré história da África Figura 2611 Pinturas rupestres planalto do Tassili nAjjer Argélia Fotos A A A 1 e 4 Naud no 12599 12379 2 e 3 Sudriez no 31 43 767 A arte pré histórica africana qual ainda hoje restam alguns vestígios Esse meio ecológico foi substituído gradativamente por um biótopo sudanês e saheliano21 No período do cavalo e da carroça são encontradas algumas representações de árvores tais como palmeiras que sem dúvida indicam a existência de oásis Na África meridional o estilo nórdico ou rodesiano é marcado por grande número de desenhos de árvores sendo possível identificar algumas delas Nos abrigos e nos lugares hoje desertos havia uma fauna abundante e variada ressuscitando por assim dizer uma espécie de arca de Noé um jardim zoológico petrificado gravuras de peixes de animais selvagens hirsutos e fortes como o antigo búbalo com seus chifres enormes de até 3 m de diâmetro de felinos como o guepardo e o protelo de macacos cercopitecos ou cinocéfalos em Tin Tazarift de avestruzes corujas etc Em todos os lugares aparecem cenas de caça que lembram a eterna luta entre o homem e os animais selvagens Essas cenas cheias de vida e às vezes de violência em que se vê a vitória da inteligência sobre a força bruta não deixam de lembrar os caçadores mencionados por Yoyotte no vale do Nilo pré dinástico com bolsas fálicas entre as pernas suas armas curvas e caudas postiças que na realidade como ainda hoje na África tropical nada mais eram que uma pele de animal levada a tiracolo Em Iheren há uma cena de caça ao leão onde a fera está cercada por lanças ameaçadoras Em Tissoukai um onagro abatido está prestes a ser esquartejado No vale do Nilo na Líbia e em todo o Saara há uma enorme quantidade de pinturas de armadilhas demonstrando a engenhosidade multiforme dos homens de então que adaptavam suas técnicas ao habitat e aos costumes dos animais22 Essa profusão de pinturas cinegéticas encontradas desde o Nilo até o Atlântico evidencia a existência de uma verdadeira civilização de caçadores Não escapavam nem mesmo os animais de grande porte como o elefante como se pode ver na grande cena de caça do alto Mertoutek Em quase toda parte as armadilhas estão associadas aos símbolos dos caçadores num padrão cultural de grande originalidade que existiu em quase toda a África durante dezenas de milhares de anos até uma época bastante avançada no período histórico como indica a lenda de Sundiata 21 Y e M Via 1974 22 Há paliçadas e redes armadilhas com disparador fossos ou trápolas mundéus armadilhas de bloqueio de tensão ou torção como em Dao Timni na fronteira entre o Níger e o Chade onde uma girafa está imobilizada por complexo sistema de tensão que lhe abaixa o pescoço até à horizontal Para detalhes das pesquisas sobre esse importante assunto ver P Huard e J Leclant 1973 p 136 et seqs 768 Metodologia e pré história da África Essas representações nos mostram também a passagem gradativa do estágio de espreita ou captura dos animais para o de seu aprisionamento e em seguida o de sua domesticação Vemos um homem armado com um arco e conduzindo um animal preso por uma trela enquanto uma caçada ao argali em Tissoukai é feita com a ajuda de cães O galgo saluki representado em Sefar com sua cauda enrolada atravessou os tempos como o companheiro do homem do deserto Uma cena de Jabbaren mostra um caçador à espreita diante de um animal selvagem equipado com uma arma curva ele está sendo seguido por um outro animal também à espreita mas que parece domesticado As variedades de bovídeos são retratadas Bos ibericus com chifres curtos e espessos no sul Bos africanus com grandes chifres em forma de lira em Taghit Jabbaren etc Às vezes esses animais aparecem com um pingente no pescoço Oued Djerat Existem ainda bovídeos com chifres esplendidamente trabalhados e decorados artificialmente retorcidos em forma de espiral como em In Itinem A variedade de jumento caçada em Tissoukai é a mesma domesticada desde o Neolítico quando é visto montado por um homem Há também ovinos e caprinos Até mesmo embarcações são reproduzidas como em Tin Tazarift com um perfil que lembra os barcos de papiro dos lagos e rios do Sudão chadiano e da Núbia O contexto humano Em In Itinem há pinturas que mostram homens inclinados para o chão manejando instrumentos angulares que lembram as cenas de colheita com foices dos baixos relevos faraônicos As pinturas de mulheres curvadas na postura característica de quem está joeirando ou respigando parecem indicar o cultivo de cereais durante o Neolítico no Saara aparentemente comprovado pela abundância de mós e pilões para grãos23 No entanto os estudos palinológicos de amostras saarianas apontam para a necessidade de uma certa prudência Talvez se trate de coleta embora seja difícil traçar os limites entre a vegecultura ou protocultura e a agricultura propriamente dita Em Battle Cave moças San partem para a colheita tendo sobre o ombro um bastão para cavar De qualquer maneira a profusão de obras de arte rupestre e de utensílios descobertos em vastas regiões da África em particular nas áreas hoje desérticas dá uma ideia interessante sobre a densidade demográfica dessas regiões A grande quantidade de artefatos sugere às vezes uma produção semi industrial como no nordeste 23 Os que foram descobertos pela missão Berliet Tenere classificam se entre os mais belos 769 A arte pré histórica africana de Béchard e no erg Erroui e mesmo em Madjouba Saara ocidental como provam as observações de T Monod A arte pré histórica africana também fornece muitos dados sobre as vestimentas dos homens de então Como é comum acontecer em épocas primitivas os homens usavam muito mais adornos que as mulheres até o período bovidiano quando a tendência parece inverter se Vestindo peles de animais enfeitando a fronte com faixas decoradas ou usando mantos de plumas os homens ostentam diversas insígnias às vezes enigmáticas colares braçadeiras braceletes etc Frequentemente as mulheres aparecem com um mínimo de roupas portando às vezes a lempe faixa de algodão passada entre as pernas e presa com um cinto com as pontas soltas caídas na frente e atrás comum entre as jovens da região sudanesa Mas há também a tanga com os panos dispostos de diversas maneiras vestidos colantes várias espécies de porta seios inúmeros tipos de adornos de cabeça inclusive um em forma de crista como em Jabbaren As habitações são quase sempre representadas de forma esquemática as cabanas são semi esferas nas quais vemos mobília e cenas domésticas As descobertas nos penhascos de Tichitt Mauritânia onde 127 aldeias já foram identificadas demonstram que os africanos do Neolítico também eram construtores Situadas sobre os contrafortes que formam a extensão meridional do Dahr essas aglomerações em pedra seca cada uma agrupando aproximadamente 3000 pessoas apoiavam se em geral sobre um alicerce de rochas ciclópicas lembrando os zimbabwe da África central e austral Essa arte arquitetônica notável para a época é caracterizada pelos pilares de sustentação feitos de pedra talhada24 Portanto por meio dos afrescos da arte rupestre africana podemos entrever toda uma sociedade que se anima até quase adquirir a terceira dimensão a da vida Em Takedetoumatine por exemplo mulheres de formas roliças e que parecem terem sido bem alimentadas com leite estão sentadas com seus filhos na frente das cabanas novilhos estão cuidadosamente amarrados em fila com uma corda enquanto homens ocupam se em ordenhar vacas É uma cena de crepúsculo impregnada de serenidade pastoril Poderia o número de mulheres ser indício de um regime poligâmico Em Orange Springs e em Nkosisama Stream Natal há cenas de danças cheias de vida que mostram as pessoas 24 Ver os trabalhos de H J Hugot sobre Tichitt 770 Metodologia e pré história da África Figura 2612 Cena erótica Tassili Foto P Colombel n 75321 Figura 2613 Cena erótica Tassili Foto P Colombel n 731075 771 A arte pré histórica africana reunidas principalmente mulheres batendo palmas em torno de dançarinos mascarados Em Jabbaren uma mulher arrasta seu filho rebelde Em Sefar um homem puxa o cabresto de novilhos ainda hoje objeto sagrado dangul entre certos pastores peul O grandioso afresco do abrigo de Iheren um dos pontos altos da pintura pré histórica mostra uma fila de bois finamente ajaezados com odres de água pendurados nos flancos montados por mulheres que ostentam ricos adornos Alguns animais inclinam se para o bebedouro enquanto um imenso rebanho avança de modo majestoso Mulheres enfeitadas estão indolentemente instaladas em frente de suas casas e homens com plumas nos cabelos parecem ter parado para saudá las Dentro das cabanas podem se ver várias peças de mobília Em In Itinem há uma cena onde aparecem figuras eminentes em trajes luxuosos e guerreiros uniformizados o que demonstra o início de uma hierarquização social Arqueiros vestidos com mantos parecem organizados em grupos de patrulha com um comandante Há aqui um certo bafio de forças policiais No sul da África são abundantes as cenas de guerra retratando os inúmeros conflitos entre os San e os Bantu Entretanto nada disso abolia o amor Muitas cenas demonstram que os artistas pré históricos africanos não alimentavam nenhum sentimento de falso pudor quanto a esse aspecto da vida de sua sociedade Existem representações de animais no cio como no contraforte oeste de Blaka onde se vêem dois rinocerontes um dos quais cheira os órgãos sexuais do outro Noutra parte há um bode no ato de cobrir uma cabra As cenas de cópula humana em posições variadas demonstram com ingenuidade e realismo que o homem não inventou nada de essencial nessa área desde os tempos antigos No rochedo Ahanna no Uede Djerat Tassili há uma série de homens mascarados com gigantescos falos eretos prestes a penetrarem mulheres em posição ginecológica Todos os detalhes estão presentes O grande afresco de Tin Lallan Acacus Líbia também é consagrado principalmente a esse mesmo tema orgíaco Hugot Bruggman n 164 Em Inahouanrhat há uma cena mais prosaica de coito a tergo enquanto em Timenzouzine Tassili um casal copulando está cercado por outros três ainda em pé e a atitude de resistência mais ou menos fingida das mulheres é perfeitamente reproduzida Quanto à magia e à religião somos obrigados a admitir que o significado de um grande número de quadros ainda permanece obscuro pois eles estão 772 Metodologia e pré história da África cercados pelo mistério dos mitos O que significam os bois bicéfalos ou os bois com dois corpos hermafroditas e uma só cabeça encontrados no Uede Djerat E as espirais magnificamente gravadas associadas a inúmeros animais como a que está representada sobre o búbalo do Uede Djerat Esse motivo também encontrado na cerâmica de Guerze parece estar ligado aos ritos de caça encantamento assim como a espiral da serpente Mehen da época tini ta I e II dinastias faraônicas25 Para alguns especialistas a espiral significa a continuidade da vida Quanto ao cordão umbilical existente entre duas pessoas partindo por exemplo da intersecção das coxas de uma mulher e chegando ao umbigo de um arqueiro que está caçando parece significar um fluxo místico que parte da mãe em prece com as mãos erguidas e chega até o filho que se encontra em situação de perigo Da mesma forma no sul da África Botsuana um animal que faz chover é conduzido através da região atado a uma corda puxada por uma procissão de pessoas atentas Os motivos ligados ao sol fazem parte do mesmo fundo religioso Entretanto somente a referência ao contexto cultural e cultual genuinamente africano permitirá a compreensão de quadros cujo significado ainda permanece obscuro Foi o que aconteceu quando A Hampaté Bâ reconheceu numa cena de Tin Tazarift denominada até então Os bois esquemáticos como as patas desses animais pareciam reduzidas a tocos supunha se que estivessem deitados o cerimonial de lotori em que os bois são levados à água em celebração à sua origem aquática Ao lado dessa cena há um motivo digital indecifrável no qual Hampaté Bâ detectou uma alusão ao mito da mão de Kikala o primeiro pastor Essa mão simboliza os clãs peul as cores da pelagem dos bois e os quatro elementos naturais26 Em geral o desenvolvimento indica a transição da magia às vezes ligada às danças paroxísticas para a religião como é atestado pela sequência do grande friso em In Itinem que representa o sacrifício de um carneiro Relações e migrações A tendência a explicar todas as características culturais africanas através da teoria das influências exteriores deve ser rejeitada Todavia isso não quer dizer que devamos negar essas influências mas sim defini las com precisão A arte rupestre franco cantábrica que data de 40000 anos aproximadamente 25 Ver também o papel da serpente nas cosmogonias africanas 26 É preciso cuidado para não extrapolar automaticamente os mitos e lendas modernos para explicar cada detalhe dos símbolos encontrados na pré história Cf J D LAJOUX 1977 773 A arte pré histórica africana pertence ao Paleolítico sendo portanto anterior à arte pré histórica africana Por outro lado o Neolítico do Saara é anterior ao da Europa27 Desse modo foi grande a tentação de atribuir à inspiração dos artistas do continente uma origem setentrional Chegou se mesmo a falar de uma arte eurafricana cujo foco teria sido europeu sugerindo assim uma espécie de teoria hamítica da arte pré histórica africana Uma civilização autóctone Não há nada de verdadeiro na teoria referida acima Além do fato de pelo menos 15000 anos separarem os dois movimentos estéticos já foi reconhecido que a arte do Levante espanhol que deveria ser o elo de ligação no caso de uma eventual influência nada tem em comum com a arte originária do sul de Orã do Tassili e do Fezzan L Balout salientou insistentemente não haver conexão entre a pré história da África do norte e a da Espanha durante o Paleolítico Superior Além disso a origem capsiense das gravuras do sul de Orã e do Saara é rejeitada por quase todos os autores A arte pré histórica originou se de fato nos montes Atlas e seus pólos ou epicentros são genuinamente africanos Pergunta se também se não foi a partir do Leste ou seja do vale do Nilo que essa arte expandiu se para o interior do continente Ora é evidente que o desenvolvimento artístico do vale egípcio do rio é bem posterior ao da África saariana e sudanesa As representações saarianas de bovídeos com círculos entre os chifres são bastante anteriores às da vaca celeste Hátor Também o falcão finamente cinzelado sobre a placa de arenito em Hammada el Guir é bem anterior às representações do mesmo gênero porém menores que aparecem nas paletas das tumbas pré dinásticas egípcias prefigurando Hórus O magnífico carneiro com esfera de Boualem é bastante anterior ao carneiro de Amon que surge no Egito apenas durante a XVIII dinastia Malraux considerou as cabeças zoomorfas de Uede Djerat como prefigurações da zoolatria egípcia O mesmo pode se afirmar acerca das deusas com cabeça de pássaro de Jabbaren O seminaturalismo surge no Egito somente na época guerzeense assemelhando se ao das gravuras saarianas do período dos bovinos É o caso dos quadros em Uadi Hammamat que são aliás de execução medíocre Os admiráveis barcos de tipo egípcio do Saara Tin Tazarift são sem dúvida simplesmente de tipo saariano As silhuetas de Rhardes Tissoukai que supostamente representariam Hicsos 27 O Neolítico saariano data pelo menos do oitavo milênio antes da Era Cristã Até pouco tempo atrás prevalecia a opinião de que era posterior ao Neolítico da África do Norte do Egito e do Oriente Próximo H LHOTE 1976 p 227 774 Metodologia e pré história da África o Faraó Antinea com um adorno de cabeça que lembra o pschent faraônico devem em minha opinião ser reavaliadas no sentido inverso em termos de perspectiva histórica É certo que o Egito exerceu uma importante influência sobre o interior da África mas é certo também que essa influência foi limitada No entanto mais evidente ainda é a anterioridade da civilização do Saara pré histórico Há também o fato de nenhum obstáculo além da distância separar os povos de Hoggar Tassili e Fezzan do vale do Nilo que foi por muito tempo até o ressecamento do Saara uma região hostil coberta de pântanos Foi somente a partir do período histórico que o Egito adquiriu o esplendor responsável pela tendência atual de tudo lhe atribuir segundo o princípio de que só se empresta aos ricos Mas em matéria de arte e de técnica os pólos estavam situados originariamente no Saara no Sudão Cartumiense na África oriental e no Oriente Próximo Aliás o Saara pré histórico deve muito mais às influências do sudeste da África que às do Oriente Próximo Já as relações entre o sul da África e a região do Saara não parecem estar baseadas em provas concretas embora Frobenius tenha chamado a atenção para um certo número de analogias28 Chegou se mesmo a falar de uma civilização magosiense que segundo E Holm teria sido quase pan africana mas não há nada muito claro sobre isso De qualquer modo a produção artística da pré história sul africana é em geral posterior à da África do norte do equador apesar de o povoamento da parte meridional do continente ser extremamente antigo29 Como já dissemos certos autores atribuem erroneamente ao século XVII grande período das representações do maciço do Drakensberg ou seja após a chegada dos Bantu Em todo caso do ponto de vista estilístico parece que a pintura do sul não tem afinidades com o período chamado de Cabeças redondas do Saara relacionando se apenas com o período bovidiano Ela se distingue também por motivos típicos como a vegetação abundante as paisagens com representações estilizadas de rochas os temas funerários etc De qualquer maneira o estudo comparativo deve ser mais desenvolvido e principalmente o quadro geral da história do Homo sapiens pré histórico africano deve ser melhor elucidado antes de podermos traçar eventuais flechas que representem a direção de correntes artísticas 28 HAUERLAND E 1973 p 74 29 Cf J D CLARK capítulo 20 deste volume Alguns autores sugerem que a arte rupestre difundiu se a partir do Zimbabwe em direção à Namíbia e ao Cabo em seguida em direção ao Transvaal e à região de Orange quanto às obras policromadas evoluídas novamente do Zimbabwe em direção à Namíbia Cf A R WILLCOX 1963 775 A arte pré histórica africana Esquematismo das teorias raciais Essa observação é ainda mais válida quando consideramos as raças responsáveis pela produção artística Mas não seria um abuso de linguagem utilizar neste caso o conceito de raça30 Poderiam os poucos esqueletos ou restos ósseos disponíveis autorizar a elaboração das ousadas teorias sobre o povoamento por raças pré históricas Entretanto certos autores esquematizaram um processo demográfico de rara complexidade que passamos a relatar Após o povoamento original por africanos autóctones povos neandertalenses do Oriente Próximo teriam emigrado para a África em dois ramos um avançando até o Marrocos e o outro em direção aos planaltos elevados do leste africano através do Chifre da África São os aterienses do Paleolítico Médio Em seguida após uma fase epipaleolítica provavelmente relacionada ao Sebiliense do Egito uma outra vaga de povos cro magnoides teria atingido a África do Norte comportando um núcleo ibero maurusiense e um núcleo capsiense Sem dúvida esses grupos teriam passado por um processo de neolitização em seus novos habitats dando origem em particular ao Neolítico de tradição capsiense que ocupa entre outras regiões o norte do Saara No entanto outros centros apresentam uma notável diversificação técnica e artística Devemos citar sobretudo a forte influência das tradições neolíticas sudanesa e guineense com centros secundários em Ténéré e no litoral atlântico ao norte da Mauritânia31 Na opinião de certos autores o período bubaliano da arte rupestre seria devido a povos mediterrânicos mal definidos brancos segundo alguns mestiços de acordo com outros O período das Cabeças redondas seria atribuído a grupos negroides os quais consideram alguns ter se iam miscigenado com povos do Oriente Próximo e constituiriam o Neolítico de tradição sudanesa O período bovidiano seria obra dos ancestrais dos peul Finalmente mais ao sul a tradição denominada guineense teria influenciado até as construções sobre a falésia de Tichitt Mauritânia É preciso salientar que todas essas reconstituições são demasiado frágeis e privilegiam enormemente as influências extra africanas Chega se ao ponto de falar de nítida influência africana numa representação rupestre do Saara Mas sobretudo essas reconstituições tendem a estabelecer equivalências entre conceitos tão diversos quanto raça etnia gênero de vida e civilização Há referências a negros brancos peul africanos capsienses sudaneses sem 30 O processo de especiação a que se refere J Ruffié já deveria estar em grande parte abolido sobretudo com as miscigenações facilitadas pela ecologia bastante homogênea do habitat saariano Ver capítulo 10 parte II Teorias relativas às raças e história da África p 277 286 31 Cf H J HUGOT 1979 p 62 et seqs 776 Metodologia e pré história da África que por razões óbvias se defina precisamente nenhum desses vocábulos Lhote por exemplo rejeita a influência dos capsienses nas gravuras do período bubaliano32 Entretanto ele declara que nas gravuras em Oued Djerat não há um só perfil genuinamente negroide todos os que aparecem com distinção são incontestavelmente caucasoides Devemos presumir portanto que se tratava de brancos exatamente a impressão que temos após examinar as figuras do sul de Orã e do Fezzan Que pena disse me um dia um colega sul africano que não possam falar33 É com base nessas mesmas frágeis indicações de morfologia antropológica que o período das Cabeças redondas é atribuído aos negros e o período bovidiano aos peul Mas a identificação racial é frequentemente baseada também nos modos de vida e nas culturas o que constitui uma grande aberração Os povos neolíticos de tradição sudanesa são definidos como a etnia dos caçadores pastores originários do leste Os traços finos as técnicas pastoris os ornatos de cabeça em forma de crista das mulheres e a trança de cabelos usada pelos homens bastam para atribuir aos Peul toda a arte rupestre que reproduz essas características embora hoje eles não demonstrem nenhum gosto estético desse gênero e nem mesmo tenham conservado sua lembrança ao contrário do que ocorre entre os San por exemplo E também apesar de todos os estágios e estilos assim como todos os perfis antropológicos estarem largamente reproduzidos na arte rupestre sobrepondo se uns aos outros Ainda hoje em quase todas as regiões da África tropical é possível reconstituir a gama de perfis encontrados nas pinturas do Saara34 Sem contar que um pintor peul pode ter reproduzido dançarinos mascarados da mesma forma que um artista negro pode perfeitamente ter retratado cenas da vida pastoril ou ter transformado os traços de seus heróis e heroínas como fazem atualmente certos pintores senegaleses Os San que são homens pequenos frequentemente não se retratam altos esbeltos e elegantes com anatomias forçadas Toda arte é convenção e jamais alguém viu um povo negro composto apenas de cabeças redondas Além disso seria a especialização agricultores pastores tão acentuada quanto atualmente35 32 Cf H LHOTE 1976 p 110 33 Cf H LHOTE 1976 p 41 34 P V TOBIAS salienta também que todos os tamanhos e formas de crânios são encontrados entre os hotentotes do Cabo 35 É surpreendente que não conheçamos nenhum critério seguro para distinguir os homens do período bubaliano dos homens do primeiro período pastoril bovino I A existência de bovídeos quase certamente domesticados desde a época das belas gravuras naturalistas faria recuar consideravelmente o surgimento da criação de animais Th Monod janeiro 1951 777 A arte pré histórica africana Bem a propósito H J Hugot escreve sobre os homens neolíticos da Mauritânia Quando chegaram os homens negros de Tichitt traziam consigo seus bois Mais adiante ele diz que durante a fase pastoril média chegam os elementos negroides E o grande período bovidiano com as manadas de bois retratadas em profusão36 Portanto o pastoreio não é um critério suficiente assim como não o são a craniometria e as impressões subjetivas sobre as características físicas Não são as raças que fazem a história e a ciência moderna não inclui a raça entre os caracteres somáticos superficiais37 Todas as damas brancas das pinturas rupestres africanas como a que existe na África do Sul que tem apenas o rosto branco e que lembrava a Breuil os afrescos de Cnossos e a passagem de colunas de prospectores vindos do golfo Pérsico representam sem dúvida sacerdotes caçadores ou jovens africanas saindo de cerimônias de iniciação como fazem ainda hoje pintadas com caulim branco cor que denota a morte de uma personalidade anterior e a ascensão a um novo status38 Também existem controvérsias a respeito da autoria das obras de arte rupestre no sul da África Mas neste caso o quadro histórico geral é um pouco mais conhecido Trata se inicialmente das relações entre os Khoi Khoi e os San depois entre os Khoisan e os Bantu Há muitos quadros que retratam essa dinâmica histórica A comparação estatística das mãos positivas desenhadas sobre as rochas corresponde à compleição dos San como também a esteatopigia a semi ereção do pênis etc Quanto às gravuras do período dos cavalos e das carroças elas relacionam se à época histórica Podemos nos indagar se os pintores e os gravadores pertenciam a povos diferentes os primeiros trabalhando nos abrigos e os segundos nas colinas Tudo indica que não De fato os pintores geralmente não podiam trabalhar ao ar livre se o fizeram suas obras certamente perderam as cores e desapareceram Por outro lado o dolerito e o diabásio dos kopje eram as melhores rochas para a gravação pois ofereciam um belo contraste entre a pátina ocre e o interior cinza ou azul da rocha o que não ocorria com o calcário dos abrigos Aliás encontram se por vezes pinturas e gravuras nos mesmos locais e também gravuras que 36 HUGOT H J op cit p 225 74 37 Cf capítulo 10 parte II Teorias relativas às raças e história da África p 277 86 38 Segundo inúmeros autores a Dama Branca de Brandberg cujas reproduções não fazem justiça ao quadro real seria na verdade um rapaz a julgar pelo seu arco suas nádegas estreitas e seu órgão sexual protuberante como acontece frequentemente entre os San cujo pênis é semi ereto Quanto à sua cor devemos salientar que a face não é pintada mas representada pela própria rocha enquanto o corpo é rosa dos pés até a cintura e negro mais acima Aliás a cor não significa nada pois existem elefantes macacos e mulheres pintados de vermelho e homens de branco Cf A R WILLCOX 1963 p 43 45 778 Metodologia e pré história da África foram inicialmente pintadas como no distrito de Tarkestad Acontece ainda de uma mesma convenção estética ser encontrada tanto nas gravuras quanto nas pinturas Estética No âmbito estético propriamente dito a arte pré histórica africana é a fonte de inspiração a introdução brilhante da arte africana moderna cujas raízes foram tão pouco exploradas até agora Há nela uma riqueza de estilos dos quais se pode acompanhar a evolução às vezes quase passo a passo até as criações estéticas modernas A arte africana moderna foi muito influenciada pela arte árabe e pela europeia mas existe também uma antiga tradição cuja matriz se encontra nos abrigos sob rocha e nas galerias pré históricas A pintura baseia se em cores simples como o ocre vermelho o branco o preto o amarelo e acessoriam ente o azul e o verde Ainda hoje essas cores podem ser vistas nas máscaras e nos adornos dos dançarinos Trata se de uma arte fundada na observação na atenção quase amorosa e por vezes reverente diante da realidade Tanto a gravura quanto a pintura apresentam esse aspecto mas de modos diferentes O bovino de Augsburgo Botsuana do qual se conservou apenas a parte anterior é delineado com um traço impecável que reproduz os detalhes anatômicos mais precisos do focinho dos olhos das orelhas dos pêlos etc A girafa em Eneri Blaka é uma verdadeira escultura realista as manchas do pelame foram feitas por martelagem com entalhes delicadamente sombreados para mostrar o contorno da cabeça das arcadas zigomáticas dos chifres dos olhos globulosos das narinas e dos cascos fendidos brilhantes O aspecto natural provém da maestria do traço que delineia soberbamente o perfil da martelagem que refina os detalhes interiores e também da presença de um filhote que se apóia em sua mãe com um movimento de espontaneidade tocante Essa veia de observação também é encontrada no afresco de Iheren onde se comprimem sem jamais se confundirem tal a segurança do traço dezesseis girafas combinadas com graça grupos de mulheres cobertas de adornos viajando em seus bois de carga gazelas e antílopes dorca dama oryx búbalos identificados respectivamente pelos chifres finos pela pelagem branca pelos longos chifres voltados para trás e pela cabeça alongada No mesmo painel uma girafa recém nascida ainda ligada pelo cordão umbilical tenta equilibrar se sobre as patas Um leão com um carneiro entre as garras espreita os homens armados que o perseguem enquanto outros carneiros fogem aterrorizados Um boi se aproxima 779 A arte pré histórica africana de uma poça de água para beber o que faz as rãs saltarem E a agitação brilhante e patética da natureza onde o homem rei é o intruso Mas o naturalismo dos detalhes jamais exclui o recurso ao essencial e uma arte da composição cênica que deriva de uma espécie de abordagem escultural da pintura Assim personagem principal é apresentado em primeiro plano dominando os outros que são relativamente menores É o caso dos grandes caçadores mascarados que se destacam das feras por seu tamanho do faraó abatendo seus inimigos ou do oba de Benin engrandecido em relação a seus súditos A ênfase no essencial dá origem às formas simbolistas antítese do barroco Combinada com a técnica da escultura produz esse ritmo característico que dá vida tanto ao búbalo desenhado com um traço seco e despojado quanto à manada de bovinos de Jabbaren da qual temos a impressão de ouvir o ruído surdo dos cascos a respiração quente e os mugidos A atualidade da arte pré histórica africana Popular e quotidiana essa arte é animada por um senso de humor que é a ironia alegre ou amarga da vida Esotérica ela vibra como um fervor místico levado pelo estilete ou pelo pincel do artista e nos dá alguns dos mais belos florões da arte universal como o carneiro com um disco solar de Boualem cuja atitude hierática anuncia o mistério e convida à meditação39 Essa dupla abordagem traduz bem a dupla condição do homem africano moderno tão espontâneo e quase trivial no dia a dia tão sério e místico quando tomado pelo ritmo de uma dança religiosa Em suma a arte pré histórica africana não está morta Ela vive ainda que apenas nos topônimos que perduram Um vale afluente do Uede Djerat denominado Tin Tehed ou seja o lugar da jumenta é efetivamente marcado por uma bela gravura de asno Issoukai n Afella tem a fama de ser assombrado por espíritos djenoun talvez porque diante de um monte de seixos constituídos por arremessos de pedras votivas exista uma figura zoomorfa assustadora que reúne os atributos da raposa aos da coruja sem falar num sexo de tamanho descomunal 39 É notável que certos autores mencionem a existência de dois carneiros encarregados de proteger o rei contra o mau olhado na corte do imperador do Mali no século XIV O carneiro existe também em outras cortes africanas Meroé Akan Gana Kuba Zaire e Kanem Chade 780 Metodologia e pré história da África Essa arte mereceria ser reintroduzida na vida dos africanos ao menos através de programas escolares pois a distância que dela os separa constitui uma barreira só atravessada pelos estudiosos e especialistas dos países ricos Ela deveria ser ciosamente protegida de danos de todo tipo que constantemente a ameaçam pois é um patrimônio sem preço40 Um registro completo deveria ser organizado para permitir um estudo comparativo De fato a arte é o homem E na medida em que a arte pré histórica é um testemunho integral do homem africano primitivo desde seu meio ecológico até suas emoções mais elevadas na medida em que a imagem é um signo às vezes tão eloquente quanto a escrita podemos afirmar que a arte mural africana é o primeiro livro de história desse continente Mas trata se evidentemente de um testemunho ambíguo e enigmático que precisa do respaldo de outras fontes de informação como a paleontologia a climatologia a arqueologia a tradição oral etc Sozinha a arte pré histórica não revela senão a parte visível de um iceberg É a projeção sobre o quadro mineral e congelado dos abrigos sob rocha de um cenário vivo desaparecido para sempre A arte é reflexo e força motriz Por meio da arte pré histórica o homem africano proclamou através dos tempos sua luta encarniçada para dominar a natureza mas também seu afastamento consciente dessa natureza para alcançar o prazer infinito da criação o êxtase do homem demiurgo 40 Em 1974 um decreto do governo argelino transformou toda a zona das pinturas e gravuras do Tassili em parque nacional C A P Í T U L O 2 7 781 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Durante muito tempo as ideias sobre as origens da agricultura foram fortemente influenciadas pelo etnocentrismo A tendência era e ainda é por vezes a de considerar o berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo sede da revolução neolítica definida por Gordon Childe1 não somente como o local de surgimento da cultura dos cereais mais importantes trigo cevada etc e da criação de animais cabras carneiros mais tarde bovinos que são as bases materiais da civilização ocidental mas também como o núcleo de origem da própria civilização ao menos no que diz respeito ao Velho Mundo Sem dúvida as pesquisas arqueológicas realizadas desde a Segunda Guerra Mundial sobretudo nos últimos vinte anos contribuíram para modificar em parte esse ponto de vista limitado e de certo modo pretensioso Essas Roland Portères professor do Museu Nacional de História Natural de Paris faleceu em 20 de março de 1974 Encarregado pelo Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África de redigir este capítulo sobre as origens e o desenvolvimento das técnicas agrícolas chegou a fazer um esboço que foi no entanto uma de suas últimas tarefas A obra ficou portanto inacabada baseando me nas inúmeras publicações de Roland Portères nas suas anotações e nas nossas frequentes conversas sobre o assunto propus me levar a cabo este trabalho procurando permanecer fiel ao interesse apaixonado que Portères dedicava à fascinante natureza da África a seus países povos e civilizações Ainda que imperfeita esta contribuição à sua obra é uma homenagem prestada ao mestre e ao amigo que tanto fez para um melhor conhecimento da agricultura e das plantas cultivadas do continente africano Jacques Barrau 1 1942 revisto em 1954 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas R Portères e J Barrau 782 Metodologia e pré história da África pesquisas certamente mostraram a importância do crescente fértil na história da agricultura mundial2 mas também revelaram o papel de outras partes do globo nessa evolução tão importante na história da humanidade a produção de alimentos que até então tinham sido coletados no meio ambiente natural Desse modo tornou se mais evidente a significação das invenções agrícolas e do cultivo de vegetais na América3 assim como a relativa anterioridade do centro agrícola do sudeste asiático tropical4 e finalmente a contribuição africana para a história dessa agricultura mundial No entanto o célebre agrônomo e geneticista russo N I Vavilov5 já reconhecia há quase meio século a existência de centros de origem de plantas cultivadas na África mais tarde um de seus colaboradores A Kuptsov6 demonstrou a presença de berços agrícolas primários nesse continente Alguns anos depois um dos autores deste capítulo definiu com precisão a localização o número e o papel desses berços7 Por muito tempo todavia o papel da África no desenvolvimento da agricultura de suas técnicas e de seus recursos foi minimizado até mesmo ignorado devido a preconceitos coloniais e ao desconhecimento da origem de vários cultígenos africanos e em geral da pré história do continente Essa situação mudou radicalmente e nos últimos anos tem se manifestado um grande interesse pelo estudo das origens da agricultura africana como o comprovam por exemplo os ensaios publicados em 1968 em Current Anthropology8 e os inúmeros comentários que provocaram A esse respeito devemos citar também os estudos reunidos por J D Fage e R Oliver9 e ainda mais recentemente a contribuição de W G L Randles para a história da civilização bantu10 Mas antes de tentar uma breve síntese dos conhecimentos sobre a pré história e a história agrícolas da África é conveniente descrever em traços gerais o quadro ecológico em que se desenrolaram 2 Ver por exemplo BRAIDWOOD R L 1960 3 Sobre esse assunto ver por exemplo MACNEISH R S 1964 4 Ver BARRAU J 1975 5 VAVILOV N I 1951 p 1 6 6 KUPSTOV A 1955 e DARLINGTON C D 1963 7 Ver PORTÈRES R 1962 8 DAVIES O The origins of agriculture in West Africa HUGOT H J The origins of agriculture Sahara SEDDON D The origins and development of agriculture in East and Southern Africa 9 FAGE J D e OUVER R 1970 10 RANDLES W G L 1974 783 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas O meio ambiente e as origens da agricultura africana É evidente que as origens a diversificação e o desenvolvimento das técnicas agrícolas estavam estreitamente relacionados às condições do meio ambiente clima hidrografia relevo solos vegetação tipos de plantas originariamente utilizadas e alimentos que forneciam etc Embora esses fatores tenham desempenhado um papel importante até mesmo preponderante na origem da agricultura e da criação de animais não foram entretanto os únicos a interferir pois esses processos implicavam também fatos de cultura e de civilização Mesmo nas épocas pré agrícolas e nos períodos iniciais da agricultura os homens levavam consigo nas migrações ou deslocamentos seus instrumentos técnicas modos de compreender e interpretar o ambiente maneiras de adaptar e utilizar o espaço etc Carregavam também toda uma série de atitudes e comportamentos criados a partir de suas relações com a natureza em seus habitats de origem Assim em uma época em que a Europa apenas emergia do Paleolítico o cultivo de vegetais e a criação de animais já estavam bem estabelecidos no Oriente Próximo onde as primeiras cidades começavam a surgir Ora foi do Oriente Próximo que essa Europa um pouco atrasada recebeu as invenções técnicas e consequentes ideologias que iam tornar possível a sua revolução neolítica baseada na agricultura e na criação de animais Fenômenos semelhantes de difusão ou de intercâmbio aconteceram em outras partes do mundo e evidentemente também na África em razão das migrações internas e externas que afetaram esse continente É essencial todavia compreender as implicações das invenções agrícolas e pastoris assim como do cultivo de plantas e domesticação de animais O homem passou da apropriação de alimentos coleta caça à produção cultivo criação Desse modo progressiva e parcialmente o homem se liberou das imposições dos ecossistemas a que pertencia e onde até o surgimento da agricultura e da criação levava uma vida biocenótica como os outros organismos sujeitos ao curso normal dos processos da natureza A introdução da agricultura e da criação de animais foi a mudança fundamental que permitiu ao homem adaptar se a diversos ambientes e modificar os complexos biológicos fazendo os produzir mais ou fornecer gêneros outros que os produzidos por meios naturais Em consequência do novo papel do homem agricultor ou criador operaram se transformações mais 784 Metodologia e pré história da África ou menos profundas nos meios naturais bem como na quantidade e qualidade dos seus produtos No entanto apesar do domínio do homem sobre os elementos de seu ambiente natural ele não foi capaz de se libertar completa e imediatamente de todas as imposições desse ambiente Assim devemos primeiramente considerar as características ambientais que podem ter exercido um papel preponderante na pré história e na história agrícolas No caso da África faz se necessário traçar um esboço do meio ambiente a África parece estar dividida em largas faixas latitudinais diferenciadas do ponto de vista ecológico e dispostas simetricamente dos dois lados do Equador Como salienta Randles op cit algumas dessas faixas podem ter servido como barreiras para as correntes migratórias norte sul E o caso do Saara da grande floresta equatorial da estepe da Tanzânia e do deserto do Calaari Outras faixas ao contrário ofereciam espaços a essas correntes que nelas poderiam encontrar nichos favoráveis é o caso das savanas do norte e do sul Randles salienta igualmente que nenhuma dessas barreiras era totalmente intransponível o Saara e a grande floresta por exemplo permitiam até certo ponto a circulação humana Na África a latitude não é o único fator a permitir uma delimitação sumária das grandes zonas ecológicas O relevo e portanto a altitude também interferem assim a dorsal Zaire Nilo separa as terras altas do leste da África do peneplano do oeste que por sua vez é dividido por um pequeno eixo elevado que se estende da ilha de Príncipe até o Chade Há portanto exceções nesse zoneamento ecológico latitudinal do continente africano Talvez a mais importante dessas exceções sejam as terras altas que se estendem paralelamente ao Rift do norte do lago Vitória aos montes Munchinga e que citando Randles novamente constituem um estreito corredor salubre através da barreira equatorial mapa 1 Há também o reduto da Etiópia cuja importância para a origem africana das plantas cultivadas será mencionada mais adiante Se combinarmos agora esses dados diversos por mais sumários que sejam veremos que a África comporta ao norte a leste e ao sul uma zona quase semicircular de savanas e estepes rodeando um núcleo de florestas equatoriais depois tanto ao norte como ao sul duas zonas áridas o Saara e o Calaari finalmente no extremo norte e no extremo sul duas estreitas zonas quase homoclimáticas que simplificando bastante poderíamos descrever como mediterrâneas quanto ao clima evidentemente embora existam certas peculiaridades ecológicas no extremo sul da África mapa 2 Partindo do 785 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Figura 271 Zoneamento ecológico latitudinal Figura 272 Diferentes ecossistemas 786 Metodologia e pré história da África coração florestal e deixando de lado as regiões litorâneas temos portanto um gradiente que vai do muito úmido ao muito seco de ecossistemas generalizados do tipo floresta tropical úmida a ecossistemas mais especializados do tipo savana ou estepe e vegetação de deserto11 A propósito dos desertos mais especificamente do Saara é preciso lembrar que nem sempre foram regiões áridas tendo permitido no passado a prática da agricultura e da criação de animais Diversos autores12 sugeriram que certos berços agrícolas e pastoris poderiam estar situados no Saara Retomemos o mapa ecológico do continente africano que acabamos de ver Em nossa opinião é possível presumir que na época pré agrícola fossem praticadas no ecossistema generalizado da grande selva tropical formas de coleta e de caça semelhantes às existentes ainda hoje entre os pigmeus Cabe notar que os recursos alimentares vegetais e animais desses ecossistemas são tão variados e abundantes quanto os componentes de suas biocenoses Nossas observações sobre a economia de grupos de pigmeus revelaram que esses recursos levando se em conta sua abundância e a densidade das populações asseguravam lhes a subsistência sem exigir grandes esforços A mesma constatação é válida para os caçadores coletores de ecossistemas mais especializados de regiões áridas ou semi áridas como os San Kung do Calaari estudados por R B Lee13 No caso desse povo entretanto os recursos são menos variados e sua exploração é limitada pelo suprimento de água em consequência da acentuada variação pluviométrica sazonal só são explorados os recursos próximos a fontes de água Após o fim do Pleistoceno ocorreu uma fase úmida o Makaliense 5500 a 2500 que facilitou os contatos entre o litoral mediterrâneo e as regiões ao sul do Saara enquanto a elevação do nível dos cursos dágua e dos lagos tornou possível mesmo no coração do continente o desenvolvimento da pesca e a relativa sedentarização das populações que se dedicavam a essa atividade condição propícia a uma transição progressiva pata a produção agrícola14 Esse processo foi acelerado sem dúvida pelas migrações provenientes dos berços agrícolas do Oriente Próximo e do Mediterrâneo15 11 Sobre os termos ecossistema especializado e ecossistema generalizado ver HARRIS D 1969 12 Por exemplo CHEVALLIER A 1938 HUGOT H J op cit e HESTER J J 1968 13 LEE R B 1966 14 A respeito da sedentarização dos pescadores e suas relações com as origens da agricultura ver SAUER C O 1952 15 Sobre esse assunto ver CLARK J D 1970 787 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Ademais desde o fim do Pleistoceno ou seja entre 9000 e o início do Makaliense parecem ter existido no continente africano locais privilegiados onde a coleta abundante certamente encorajou a concentração de populações humanas Foi o que aconteceu nas zonas de transição entre floresta e savana situadas na periferia da floresta equatorial nos planaltos herbosos do leste da África nas margens dos lagos e grandes rios inclusive o Nilo assim como nas regiões litorâneas ao norte e ao sul do continente16 Essas zonas de transição particularmente a interface floresta savana tornaram se muito mais tarde nichos privilegiados para o desenvolvimento da agricultura e consequentemente para a emergência de algumas das civilizações africanas Randles op cit escreve a esse respeito que é nos limites das duas savanas sahel e orlas de florestas que se situam as mais prestigiosas civilizações bantu Passamos agora a considerar mais detalhadamente as possibilidades de domesticação vegetal que o continente africano oferecia já que de acordo com a lógica da ecologia são as plantas os produtores primários A origem africana de certas plantas cultivadas As ciências naturais só começaram a se interessar pela origem das plantas cultivadas há relativamente pouco tempo Na verdade com exceção da notável obra de A de Candolle publicada em 1883 foi só com os trabalhos do geneticista soviético N I Vavilov e de sua equipe logo após a revolução de outubro de 1917 que se desenvolveu uma abordagem sintética em escala mundial dessa questão de fundamental importância para a história da humanidade a adaptação do meio ambiente e a utilização de seus recursos17 Combinando uma análise sistemática de dados botânicos e fitogeográficos com levantamentos agrobotânicos e estudos genéticos Vavilov e seus colaboradores com base na variabilidade das plantas cultivadas reconheceram a existência de oito centros de origem de plantas cultivadas dos quais três são centros secundários isto é ligados a centros regionais importantes Apenas um desses centros o Abissínio está situado na África enquanto um outro o Mediterrâneo compreende uma parte do continente africano África do Norte Egito e apresenta igualmente afinidades com o vasto e importante centro do Oriente Próximo onde surgiram entre outras plantas cultivadas os cereais mais importantes trigo cevada centeio 16 Ver CLARK J D 1970 17 Sobre a vasta obra de N I VAVILOV ver 1951 op cit 788 Metodologia e pré história da África No que diz respeito à África as descobertas de Vavilov representaram um progresso sensível em relação às conclusões de Candolle op cit que reconhecia apenas três principais centros de origem para a agricultura e a domesticação de vegetais China Sudeste Asiático com uma extensão até o Egito e América A contribuição de Vavilov para o conhecimento da origem das plantas cultivadas foi também da maior importância no plano teórico tendo evidenciado a necessidade de distinção entre um centro de variação primária caracterizado por uma grande diversidade de formas de uma planta com manifestação majoritária de caracteres dominantes e áreas de variação secundária que apresentam grande número de caracteres recessivos encobertos no centro de variação primária A localização e a distribuição geográficas desses diversos centros de variação permitem determinar o local de um berço agrícola se as áreas desses centros coincidem total ou parcialmente pode se supor que nessa região civilizações exerceram por muito tempo atividades de domesticação e transformação de certas espécies vegetais É importante salientar que o centro de origem botânica de uma espécie vegetal cultivada não coincide necessariamente com as áreas de variabilidade relacionadas às intervenções do homem Em outras palavras a zona ocupada pelas possíveis formas selvagens de um cultígeno distingue se frequentemente e de maneira clara das regiões em que esse cultígeno surgiu em decorrência da ação do homem cultivo seleção e diversificação Há pelo menos uma explicação para esse fato a transferência frequente de espécies selvagens para fora de seu habitat de origem durante a época da coleta18 Quanto ao continente africano um dos autores deste capítulo pôde completar o quadro estabelecido por Vavilov19 demonstrando que além do centro abissinio e da parte africana do centro mediterrâneo havia também um centro afro ocidental e um afro oriental sendo este último provavelmente um prolongamento do centro abissínio nas terras altas equatoriais20 Agrupando e resumindo os dados relativos aos diversos focos ou centros de origem e diversificação das plantas cultivadas temos o seguinte quadro 18 Ver BARRAU J 1962 19 Ver PORTÈRES R 1950 p 9 10 1951 p 239 40 20 Sobre esse assunto ver também SCHNELL R 1957 789 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Centro mediterrâneo porção africana A esse centro corresponde todo um grupo de plantas cultivadas características das regiões mediterrâneas a presença de cereais trigo e cevada principalmente e leguminosas com grãos comestíveis Cicer Lens Pisum Vicia etc denota a afinidade desse centro com o do Oriente Próximo Encontramos também uma série de cultígenos mediterrâneos como a oliveira Olea europea L e a alfarrobeira Ceratonia siliqua L Algumas dessas plantas todavia são próprias da África como a Argania sideroxylon Roem árvore marroquina que fornece óleo e goma Esse centro inclui o Egito cujos laços com o centro do Oriente Próximo são evidentes e cuja influência sobre a história da agricultura e da criação de animais na África setentrional foi importante O Egito divide com a Síria a origem de uma planta de grande interesse econômico o bersim ou trevo de Alexandria Trifolium alexandrinum L Embora essa porção africana do centro mediterrâneo não tenha desempenhado um papel direto na história agrícola da África tropical ela influenciou profundamente o Saara quando este atravessava uma fase climática mais favorável ao desenvolvimento agrícola e pastoril21 Centro abissínio Encontram se aí plantas cultivadas comuns ao centro do Oriente Próximo trigo cevada leguminosas como Cicer Lens Pisum Vicia e aos centros propriamente africanos Sorghum sobre os quais falaremos mais adiante Além disso é fato comprovado que plantas originárias da Ásia tropical passaram por esse centro ao penetrarem na África Entretanto esse centro possui cultígenos característicos como o cafeeiro da Arábia Coffea arabica L a bananeira abissínia Musa ensete I F Gmelin o teff Eragrostis abyssinica Schrad e o niger de sementes oleaginosas Guizotia abyssinica L F Cass Centro leste africano Caracteriza se pelas variedades de sorgo diferenciadas a partir do Sorghum verticilliflorum Stapf variedades de milhetes penicilares como Eleusine coracana Gaertn variedades de gergelim etc 21 Sobre esse assunto ver CLARK J D e HUGOT H J Op cit 790 Metodologia e pré história da África Centro oeste africano É o local de origem de diversas variedades de sorgo derivadas do Sorghum arundinaceum Stapf de milhetes penicilares como Pennisetum pychnostachyum Stapf e Hubb e P Gambiense Stapf e Hubb variedades de milhetes digitários como o iburu Digitaria iburua Stapf e o fonio D exilis Stapf e vários tipos de arroz sobre os quais voltaremos a falar22 Nesse centro podemos distinguir dois grandes setores tropical e subequatorial O setor tropical se subdivide em vários subsetores Senegambiano Níger central Chade nilótico cada um caracterizado por plantas cultivadas específicas principalmente cereais mas também por plantas tuberculares Coleus dazo Chev e oleaginosas como Butyrospermum parkii Don Kotschy conhecido igualmente pelos botânicos como Vitellaria paradoxa Gaertner No setor subequatorial existem principalmente inhames Dioscorea cayenensis Lamk D dumetorum Pax D rotundata Poir plantas de sementes oleaginosas Elaeis guineensis Jacq Telfairia occidentalis Hook F etc e plantas estimulantes Cola nitida A Chev Na verdade esse centro se estende até a África central assim como as áreas de distribuição de certos gêneros de vegetais citados acima Cola Coleus Elaeis etc A ervilha da terra Voandzeia subterranea Thon e a leguminosa geocárpea africana Kerstingiella geocarpa Harms pertencem também ao centro oeste africano Em nossa opinião a leste e ao sul do núcleo formado pela floresta equatorial existiu inicialmente um complexo de cultígenos semelhante ao encontrado no centro oeste africano tal complexo se prolongava em uma faixa que envolvia o núcleo florestal e margeava o centro leste africano ocupando aproximadamente a zona do perímetro florestal onde a coleta era mais intensa23 Os berços agrícolas As conclusões precedentes nos levaram24 a considerar a existência de um certo número de berços agrícolas no continente africano Portanto de norte a sul temos os seguintes berços mapa 3 22 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 23 Ver SEDDON D 1968 op cit 24 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 791 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Figura 273 Os berços agrícolas africanos Figura 274 Mapa geoagrícola da África 792 Metodologia e pré história da África O berço afro mediterrâneo que estendendo se do Egito ao Marrocos influenciou a agricultura e a criação de animais no Saara e trocou influências com o berço do Oriente Próximo através do Egito O berço afro ocidental a oeste com dois setores tropical e subequatorial O berço nilo abissinio a leste com dois setores nilótico e abissínio O berço afro central A leste deste último o berço afro oriental que se estende para o oeste na direção de Angola Mais ao sul parece que as populações de coletores supridas de recursos abundantes e protegidas pela aridez do Calaari resistiram por muito tempo à penetração da agricultura e do pastoreio a partir dos berços que acabamos de descrever particularmente a partir do afro oriental25 Centro hortícola e centro agrícola Na verdade o conceito de berço tem o inconveniente de dar a impressão de um patchwork em se tratando de pré história e história agrícolas Entretanto com base nas conclusões precedentes parece nos possível apresentar um quadro geral mais coerente a Ao núcleo central de florestas ecossistema generalizado corresponde um centro de vegecultura para empregar esse termo insatisfatório criado por R J Braidwood e C A Reed26 que preferimos chamar de centro hortícola onde no entanto a produtividade da coleta no meio florestal permitiu que ela continuasse a existir Devemos salientar que o potencial de plantas domesticáveis desse centro não era tão grande quanto o das florestas tropicais úmidas da Ásia ou da América b À orla das savanas desse núcleo florestal ecossistema mais especializado corresponde um centro agrícola de cereais que se estendia da África ocidental à África oriental e se prolongava para o sul na direção de Angola Ao norte na parte mediterrânea do continente africano a influência da agricultura de cereais da Mesopotâmia se fez sentir nitidamente através do Egito Também o Saara sofreu essa influência na época em que desfrutava de condições favoráveis Esse fato poderia explicar certas difusões tanto para o sul do deserto atual como para o norte a partir da África subsaariana 25 Ver SEDDON D 1968 op cit 26 BRAIDWOOD R J e REED C A 1957 793 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas A influência mesopotâmica atingiu também o reduto etíope que apresenta entretanto semelhanças com o centro agrícola das savanas e estepes e possui características cultigênicas próprias Um centro hortícola difere de um centro agrícola pela predominância de tubérculos multiplicados por via vegetativa e pelas práticas agrícolas semelhantes às da jardinagem No campo o ager das savanas e estepes se opõe de uma certa maneira ao jardim pomar o hortus da floresta e de sua orla No continente africano como um todo os principais implementos agrícolas eram a enxada e a vara para cavar assim como suas variações mas através do Egito e da Etiópia um arado primitivo introduziu se em parte do centro agrícola cerealífero O cultivo do sorgo e do arroz Em contraste com o centro hortícola da floresta tropical localizado em um ecossistema generalizado o centro agrícola africano no ecossistema relativamente especializado das savanas e das estepes caracteriza se pela utilização predominante da reprodução das plantas cultivadas por via sexuada semeadura e pela importância dos cereais no regime alimentar Os tipos de agricultura que se desenvolveram nesse centro baseavam se em um cultivo em massa dos vegetais em oposição ao cultivo individual da horticultura As civilizações do centro agrícola certamente estenderam seus campos à custa da floresta durante sua expansão territorial que aliás deve ter contribuído para o incremento da savana Em termos ecológicos esse aumento da área ocupada pela savana corresponde a uma especialização de ecossistemas originariamente generalizados Portanto tudo se passou como se essas civilizações agrícolas tivessem desse modo adaptado o meio ambiente natural às suas técnicas ou melhor à sua maneira de perceber esse meio Durante a penetração da agricultura na floresta também é possível que tenha ocorrido o processo inverso por exemplo o abandono do cultivo de cereais em favor de culturas características das florestas e até mesmo a hipótese não pode ser ignorada a eventual adoção da coleta de plantas como meio de subsistência por povos agricultores das savanas obrigados a viverem nas florestas durante suas migrações O fato é que os cereais permanecem como culturas características das savanas e das estepes Entre esses cereais e apesar da existência de outras espécies 794 Metodologia e pré história da África Figura 275 Aspecto de uma queimada após a combustão Futa Djalon Pita Timbi Madina Foto R Portères Figura 276 Terra lavrada com o Kadyendo pelos Diula de Oussouye Casamance antes do replantio do arroz Foto R Portères 795 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas cultivadas nos diversos berços do centro agrícola o sorgo Sorghum sp ou milhete grande aparece como o cereal comum a todas as áreas desse centro A origem do sorgo ou melhor das diversas variedades de sorgo foi objeto de opiniões contraditórias27 mas ao que parece sua origem é realmente africana tendo as várias espécies surgido independentemente no interior do centro agrícola africano A espécie selvagem Sorghum arundinaceum Stapf cuja área cobre a zona tropical úmida do Cabo Verde ao oceano Índico deu origem à variedade de sorgos cultivados no oeste da África S aterrimum Stapf S nitens Snowd S drummondii Millsp e Chase S margaritiferum Stapf S guineense Stapf S gambicum Snowd S exsertum Snowd etc A espécie selvagem S verticilliflorum Stapf da África oriental da Eritreia ao sudeste da África deu origem a dois grupos de sorgos cultivados um grupo do sudeste africano os sorgos Kafir S caffrorum Beauv S coriaceum Snowd e S dulcicaule sorgo doce e um grupo nilo chadiano do Sudão nigeriano à Eritreia S nigricans Snowd e S caudatum Stapf A espécie selvagem S aethiopicum Rupr da Eritreia e da Abissínia deu origem ao S rigidum Snowd do Nilo Azul ao S durra Stapf cultivado do Chade à Índia e em todas as regiões semidesérticas ao S cernum Host ao S subglabrescens Schw e Asch das regiões nilóticas e ao S nigricum do delta central do Níger No subsetor do Níger central setor tropical do berço afro ocidental ver acima existe uma variedade especial de sorgo cultivado S mellitum Snowd var mellituni Snowd que por ser rico em açúcar é utilizado no preparo de uma bebida alcoólica28 Aliás diversos tipos de sorgo são utilizados para preparar a cerveja de milhete Efetuaram se cruzamentos entre esses diversos grupos de sorgos cultivados como prova a existência do S conspicuum Snowd da Tanzânia ao Zimbabwe e a Angola e do S roxburghii Stapf Uganda Quênia Zimbabwe África do Sul que parecem ser o resultado do cruzamento entre sorgos da espécie S arundinaceum e da espécie S verticilliflorum Entre as variedades citadas uma delas o S durra merece uma menção especial em razão de sua vasta distribuição do Sudão oriental à Ásia Menor e à Índia da Mesopotâmia ao Irã e ao Guzerate 27 Ver PORTERES R 1962 op cit 28 Ver SCHNELL R 1957 op cit 796 Metodologia e pré história da África Figura 277 O Soung ou pá entre os Seereer Gnominka pescadores rizicultores das ilhas da Petite Côte no Senegal Esse instrumento é utilizado para arar e sulcar o solo dos arrozais de mangue e corresponde ao Kadyendo dos Diula Bayott de Casamance e ao Kofi ou Kop dos Baga do litoral da Guiné Foto R Portères 797 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Como vimos é grande a importância desses cereais para a economia do centro agrícola das savanas e das estepes africanas tal importância ultrapassa aliás os limites do continente africano pois já há muito tempo certas variedades de Sorghum são cultivadas em outras regiões do mundo Assim a África parece ser ao mesmo tempo um conjunto de berços agrícolas originais e um mosaico de centros de origem de plantas cultivadas algumas das quais adquiriram uma importância econômica de escala mundial A África foi o local de origem de outros cereais importantes entre os quais se destaca o arroz Inicialmente a rizicultura baseou se nas variedades de arroz propriamente africanas que merecem atenção Elas são originárias do berço afro ocidental mais precisamente do subsetor do Níger central centro primário e do subsetor senegambiano centro secundário Já na Antiguidade Estrabão referiu se a uma rizicultura africana e no século XIV Ibn Battuta mencionou que o arroz era cultivado na região do Níger29 Esses testemunhos foram frequentemente ignorados e por muito tempo acreditou se que a rizicultura na África tivesse por origem o arroz asiático Oryza sativa L Por volta de 1914 apenas é que se reconheceu a existência de um arroz especificamente africano O glaberrima Steudel com panículas rígidas e eretas e cariopses marrons ou vermelhas Esse arroz pode ser explorado através de coleta mas pode igualmente ser cultivado parece estar relacionado ao O breviligulata A Chev e O Roer encontrado em grande parte da África tropical O arroz africano fornece uma boa ilustração das teorias propostas por N I Vavilov quanto à origem das plantas cultivadas grande extensão da área da espécie selvagem possibilidade máxima de variação do arroz africano com predominância de características dominantes no delta central do Níger centro primário diversificação em variedades com caracteres recessivos no Alto Gâmbia e Casamance centro secundário Portanto a partir do delta central do Níger as variedades cultivadas de arroz africano se difundiram por todo o oeste da África até o litoral da Guiné A coleta da espécie selvagem O glaberrima é sem dúvida muito antiga Esse cereal devia ser abundante nas regiões de coleta relativamente intensiva onde as condições favoreceram o início do cultivo de vegetais Podemos portanto supor que o cultivo desse arroz é pelo menos tão antigo quanto o dos outros cereais africanos 29 Ver SCHNELL R 1957 op cit 798 Metodologia e pré história da África Figura 278 Arrozais em solos hidromorfos sujeitos a cheias temporárias na estação das chuvas rizicultura de impluvium Casamance aldeia bayoyy de Niassa Foto R Portères Figura 279 Ilhas artificiais para a cultura do arroz em arrozais aquáticos muito profundos onde o nível da água não baixa o suficiente Durante a estação seca a terra é ocupada por Scirpus littoralis Schrader Nymphae Lotus em flor Guiné Bissau Kassabol nas proximidades de Cap Varella Foto R Portères 799 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Mais tarde as variedades de arroz cultivadas da Ásia O sativa foram introduzidas na África possivelmente a partir do século VIII pelos árabes na costa oriental ou a partir do século XVI pelos europeus na costa ocidental Estabelecida a origem de várias espécies cultivadas no presente capítulo só pudemos apresentar um resumo aparece de maneira clara o caráter endógeno das civilizações agrícolas da África a partir dos recursos vegetais dos meios ambientes naturais locais e sem necessariamente implicar influências extra africanas Relações entre a África e a Ásia Como já dissemos acima as difusões provenientes do berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo mesopotâmico devem certamente ter desempenhado papel importante na história antiga da agricultura na África Assim da Abissínia à África do Norte passando pelo vale do Nilo existe uma zona que se pode considerar como pertencente ao domínio paleomediterrâneo definido por Haudricourt e Hedin 1943 op cit No entanto mesmo nessa zona encontramos espécies cultivadas propriamente africanas na Etiópia sobretudo mas também no Egito e na África do Norte Mais interessante mas talvez menos conhecida é a história das relações antigas entre a África e a Ásia A África deu à Ásia vegetais domésticos como o sorgo por exemplo mas recebeu em troca não apenas cultígenos do Oriente Próximo variedades de trigo cevada etc como também plantas vindas do sudeste tropical da Ásia Com efeito parece provável que seja através da via sabeia do sul da Arábia e leste da África seja através de antigos navegadores que aportaram na costa sudeste tenham sido introduzidas no continente africano no passado as bananeiras o inhame grande Dioscorea alata L o taro Colocasia esculenta L Schott e talvez a cana de açúcar Saccarum officinarum L Algumas dessas plantas cultivadas originárias da Ásia sobretudo as bananeiras permitiram uma penetração mais fácil da agricultura nas regiões de florestas tropicais da África O sorgo é um bom exemplo desse intercâmbio entre a África e a Ásia30 Com efeito existem na Ásia variedades de sorgos cultivados de origem africana além das já mencionadas É o caso do S bicolor Moench que parece ser o resultado do cruzamento entre cultígenos do S aethiopicum e a espécie selvagem S sudanense 30 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 800 Metodologia e pré história da África Ao S bicolor podemos relacionar principalmente o S dochna Snowd da Índia da Arábia e da Birmânia reintroduzido mais recentemente na África assim como o S miliforme Snowd da Índia introduzido recentemente no Quênia Uma outra variedade de sorgo cultivado S nervosum Bess parece estar relacionado ao S aethiopicum e ao S bicolor é possível que sorgos da Birmânia e da China entre outros estejam relacionados a essa variedade Sem entrar nos detalhes necessariamente complexos desse coquetel genético devemos salientar que existem indícios de antigos contatos entre sorgos africanos e asiáticos Tudo leva a crer que houve relações muito antigas entre a África oriental e a Ásia bem como intercâmbio de vegetais fato que parece confirmado pela existência em épocas pré coloniais de alguns cultígenos ver acima originários do sudeste asiático tropical Não se pode excluir a possibilidade anteriormente mencionada de que a penetração da agricultura na floresta africana foi facilitada pela chegada de cultígenos bananeiras taro etc originárias do ecossistema generalizado que é a floresta tropical úmida do sudeste da Ásia e das Índias Orientais Desta última região aliás vieram os primeiros grupos migrantes que com algumas de suas plantas cultivadas atingiram Madagáscar e a costa oriental da África Se em épocas passadas houve um intercâmbio de plantas cultivadas entre a África e a Ásia parece claro no entanto que a África deve muito à Ásia no que diz respeito aos animais domésticos Certas espécies de suínos da África oriental parecem relacionados aos suínos domesticados na Ásia Como observa C Wrigley31 É quase certo que a criação de animais não se desenvolveu independentemente na África ao sul do Saara onde a fauna não inclui e não incluía nenhum possível ancestral dos bovinos caprinos e ovinos domésticos Essas espécies vieram do Egito através do vale do Nilo Entretanto deve se notar que há uma boa possibilidade de que certos animais tenham sido domesticados na parte africana do domínio paleomediterrâneo ver acima sobretudo os bovinos no Egito onde os homens do pré neolítico caçavam as espécies Bos primigenius e B brachyceros O esboço que apresentamos mostra o quanto a África está longe de ser esse continente que segundo a ideia por muito tempo propalada recebeu o essencial de seu desenvolvimento agrícola e pastoril de outras regiões do mundo É evidente que assim como a Europa e a Ásia a África dos tempos antigos não era refratária às influências exteriores Também é verdade que o norte do continente africano pertence como a Europa e a Ásia a um domínio mediterrâneo que no passado apresentou uma 31 WRIGLEY C 1970 801 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas continuidade ecológica maior do que atualmente No entanto a África desenvolveu uma agricultura e uma horticultura baseadas principalmente no cultivo de vegetais peculiares ao continente vegetais esses que aliás beneficiaram o resto do mundo como o sorgo por exemplo O fato de que a coleta e a caça permaneceram por muito tempo em algumas regiões da África como fontes de subsistência não significa um atraso mas é resultado da abundância e diversidade dos recursos naturais que permitiram ao homem viver sem muito esforço nos diversos ecossistemas sem ter necessariamente de transformá los À guisa de conclusão Ao lado da coleta encontramos na África essa forma de agricultura nascente que consiste em ajudar em favorecer o desenvolvimento de um vegetal sem no entanto intervir diretamente na sua reprodução É o que ocorre ainda hoje com plantas alimentícias arborescentes como a cola a sapotácea ou o dendezeiro Mas encontramos igualmente todos os estágios da evolução da horticultura e da agricultura Há em resumo uma grande diversidade de técnicas agrícolas tradicionais que incluem toda uma série de utilizações engenhosas dos solos para a cultura das variedades africanas de arroz bem como diversas formas de queimada e de arroteamento com inúmeras variações e ainda sistemas agro silvo pecuários etc O início e o desenvolvimento da agricultura na África estão ligados essencialmente a três centros principais mapa 4 O primeiro que compreendia o norte do continente do Egito ao Marrocos pertencia ao domínio mediterrâneo e sofreu certamente a influência do berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo embora tenha sem dúvida desenvolvido recursos próprios O segundo compreendia a faixa periférica de savanas e estepes ao redor do coração florestal da África foi onde se desenvolveu uma agricultura de cereais sorgo milhete etc O terceiro finalmente localizava se na floresta e em sua orla caracterizava se por uma horticultura associada à coleta Algumas das espécies vegetais colhidas deram origem a espécies cultivadas Entre esses centros não existiam barreiras intransponíveis Nas proximidades das culturas dos oásis encontramos variedades de trigo sorgo e milhete nas savanas são encontradas plantas alimentícias originárias da horticultura da 802 Metodologia e pré história da África orla florestal a qual por sua vez cultivou vegetais característicos da coleta especializada praticada na selva tropical A Etiópia por exemplo possui em sua flora econômica tradicional além das espécies que lhe são próprias espécies pertencentes ao domínio mediterrâneo outras originárias do centro agrícola das savanas e das estepes africanas e ainda outras vindas da Ásia Dentre todos esses centros o que parece ter maior significação para a história da agricultura na África é o centro agrícola das savanas e estepes sobretudo suas áreas próximas da floresta dos rios e dos lagos mais importantes Ainda é difícil datar com precisão a pré história e a história da agricultura na África Entretanto pode se presumir que o período decisivo do início da agricultura realmente africana foi o final do Pleistoceno entre 9000 e 5000 Nessa época na periferia do núcleo central constituído por florestas ocorreu ao que parece uma intensificação até mesmo uma especialização na coleta de plantas Nos rios e lagos do interior a pesca se desenvolveu levando a uma relativa sedentarização Em resumo surgiram condições propícias às domesticações Enquanto esperamos que a arqueologia confirme ou não esse ponto de vista podemos presumir ter sido essa a origem da agricultura na África ao passo que no crescente fértil do Oriente Próximo constituíam se as bases agrícolas e pastoris das civilizações da Europa C A P Í T U L O 2 8 803 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Na história geral da África o vale do Nilo ocupa um lugar de destaque Apesar dos obstáculos às vezes exagerados1 representados pelas cataratas o Nilo com seus 6500 km de extensão aproximadamente constitui de norte a sul um meio de comunicação e de intercâmbio transcontinental de considerável importância O vale do Nilo estendendo se ao norte para além do 16o paralelo e ultrapassando os desertos de Bayouda a oeste e de Butana a leste atinge uma região de chuvas anuais e permite alcançar a grande via fluvial leste oeste da África que através dos vales e depressões do Níger e do Chade dos planaltos do Darfur e do Kordofan e das planícies de piemonte do Atbara e do Baraka vai do Atlântico ao mar Vermelho Assim às vantagens de um eixo de comunicação norte sul que se estende dos Grandes Lagos da África equatorial ao Mediterrâneo somam se as do eixo leste oeste com a bacia do Nilo dando acesso às bacias do Zaire do Níger e do Senegal Essa vasta região que ocupa a extremidade nordeste do continente é portanto de excepcional importância desde os primórdios da História da África Infelizmente continua arqueológica e historicamente mal explorada O vale inferior do Nilo da Segunda Catarata ao Mediterrâneo é relativamente bem conhecido graças aos esforços dos arqueólogos que o vêm explorando desde o 1 Sobre as cataratas e seus obstáculos reais ou imaginários a obra mais detalhada continua a ser a de A CHELU 1891 p 30 73 que descreve cada uma das cataratas e apresenta os mapas dos canais navegáveis Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã J Vercoutter 804 Metodologia e pré história da África início do século XIX até os nossos dias Mas o mesmo não ocorre com o vale médio do rio entre a Segunda e a Sexta Cataratas nem com o vale superior de Cartum aos Grandes Lagos e com as regiões desérticas próximas ao Nilo e seus afluentes Toda essa área a leste e a oeste do Nilo continua inexplorada do ponto de vista arqueológico e o conhecimento que se tem de sua História está inteiramente fundamentado em hipóteses muitas vezes baseadas em observações quantitativa e qualitativamente insuficientes ou falhas Neste capítulo seguiremos simultaneamente as ordens cronológica e geográfica Faremos uma divisão em dois períodos primeiro do Neolítico até princípios do terceiro milênio quando aparecem documentos escritos no vale inferior do Nilo sobre esse período apresentaremos partindo do mais conhecido para o desconhecido a saber do norte para o sul tudo o que se sabe a respeito das civilizações que viveram às margens do rio O segundo período que vai de princípios do terceiro milênio até o século V antes da Era Cristã será geograficamente estudado como o primeiro período do vale inferior ao vale superior do Nilo Do Neolítico ao terceiro milênio antes da Era Cristã Nesse período que abrange aproximadamente dois milênios de 5000 a 3000 ocorre a descoberta e a difusão do metal no vale do Nilo e a manifestação dos primeiros sistemas sociais Do ponto de vista histórico é portanto um dos períodos mais importantes senão o mais importante Por ser difícil falarmos dos séculos obscuros da proto história nilótica do quarto milênio antes da Era Cristã de 3800 a 3000 sem nos referirmos ao mesmo tempo às culturas que os precederam recapitularemos rapidamente e sem nos determos em seus aspectos materiais as culturas neolíticas do vale do Nilo já estudadas nesta obra cf capítulo 2 Com efeito todas as pesquisas recentes na Núbia e no Egito confirmaram amplamente o fato de que a descoberta do metal não representa uma quebra na evolução geral das civilizações do nordeste da África As culturas da idade do cobre são as descendentes legítimas e diretas das culturas do Neolítico sendo frequentemente impossível distinguir in loco um sítio arqueológico do fim do Neolítico de um outro do Calcolítico O primeiro rei da dinastia tinita no Egito é o descendente legítimo dos chefes das últimas etnias neolíticas exatamente como os grandes faraós da época tebana descendem dos chefes do Império Menfita 805 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã O vale inferior do Nilo de 4500 a 30002 A organização social que se vê ou melhor que se imagina instalar se no vale inferior do Nilo no Egito a partir de 3000 resulta incontestavelmente das técnicas requeridas pela irrigação para a valorização agrícola do vale Esta tomada de posse do vale pelo homem teve início no Neolítico prosseguindo até o aparecimento de um sistema monárquico unificado Heródoto disse e muitos autores repetiram posteriormente O Egito é uma dádiva do Nilo Desde o início da época histórica quando chegava ao fim o processo de dessecação da África saariana do Atlântico ao mar Vermelho o Egito não poderia ter vivido sem a inundação anual do rio sem a enchente seria como o próprio Saara ou o Neguev Mas esse presente que recebe do Nilo que lhe dá vida pode também transformar se em catástrofe No ano 3 de Osorkon III 754 a inundação foi tão grande que nenhum dique resistiu e os templos de Tebas ficaram como um pântano o Sumossacerdote de Amon teve de suplicar ao deus que impedisse as águas de subirem A mesma catástrofe ocorreu no ano 6 de Taharqa 683 quando todo o vale transformou se em oceano embora o rei temendo perder prestígio tenha apresentado o fenômeno como uma bênção do Céu As enchentes variam bastante excessivamente grandes ou pequenas raramente como se desejaria que fossem3 Assim de 1871 a 1900 foram registradas três enchentes fracas três medíocres dez benéficas onze muito volumosas e três perigosas Em trinta enchentes apenas dez puderam ser consideradas satisfatórias4 Portanto devemos reconhecer que a história da civilização na África nilótica é também a da domesticação por assim dizer do Nilo pelo homem Essa domesticação exige a construção de diques ou aterros uns paralelos outros perpendiculares em relação ao curso do rio Esse sistema permite a construção em ambas as margens de bacias artificiais ou hods destinadas a diminuir a força da enchente a contê la e a estendê la às terras que normalmente não atingiria 2 Sobre a formação do Egito anterior ao Neolítico e ao Calcolítico que presenciam o desenvolvimento dos primeiros sistemas sociais ler o excelente estudo de W C HAYES 1965 Essa obra póstuma editada por K C SEELE contém um capítulo inteiro sobre a formação do Egito I p 1 29 com uma abundante bibliografia analítica nas p 29 41 3 Sobre os perigos da inundação cf J BESANÇON 1957 p 78 84 4 BESANÇON op cit p 82 83 bibliografia p 387 88 806 Metodologia e pré história da África Fruto de uma longa experiência tal sistema só pôde ser implantado progressivamente5 Com efeito para terem real eficácia as bacias artificiais deviam ser metodicamente planejadas para todo o território ou pelo menos para vastas regiões Consequentemente foi necessário um acordo prévio entre grande número de homens para a realização desse trabalho comunitário Eis a origem dos primeiros sistemas sociais no vale inferior do Nilo primeiro agrupamento de etnias em torno de um centro agrícola provincial em seguida união de vários desses centros e finalmente formação de dois agrupamentos políticos maiores um no sul e outro no norte6 A documentação de que dispomos referente a esse período de 5000 a 3000 não permite determinar a natureza do sistema social que é a base da ocupação e valorização do vale inferior do Nilo O próprio termo etnia que acabamos de empregar certamente não é correto Nada nos autoriza a afirmar que houve nessa época grupos étnicos muito diferenciados ao longo do vale do Nilo embora pareça confirmada a existência de grupos políticos ou político religiosos A única indicação de que dispomos fundamenta se nas representações que aparecem em monumentos votivos de pequenas dimensões paletas para maquilagem clavas cerimoniais de significado mágico religioso Essa documentação reflete apenas e bem sumariamente a situação no final do período nas últimas gerações do fim do quarto milênio7 Pode se admitir todavia que o sistema social praticamente não evoluiu ao longo dos dois milênios que durou o período de acordo com as observações feitas a partir dessa documentação O início da história escrita coincide em geral com a fusão dos agrupamentos do norte e do sul em um só sistema e sob a autoridade de um único rei Temos aí esquematicamente a história do vale inferior do Nilo de 5000 a 3000 história como se vê dominada não apenas pela descoberta do metal acontecimento na verdade de importância menor mas principalmente pelo domínio do homem sobre todo o vale Esse domínio independentemente da construção de diques e barragens exigiu o aplanamento do solo a fim de que a água não se estagnasse nas terras baixas e por outro lado se espalhasse a grande distância para ampliar 5 As obras gerais sobre a irrigação no Egito não examinam ao que sabemos a questão do aparecimento e desenvolvimento progressivo da irrigação no Egito O sistema já estabelecido é descrito em J BESANÇON op cit p 85 97 e em F HARTMANN 1923 p 113 18 L KRZYZANIAK 1977 distingue um período de irrigação natural p 52 123 e um período de irrigação controlada p 127 67 Esta teria começado no Gerzehense Nagada II cf ibid p 137 por volta de 3070 290 Quanto a essa data ver H A NORDSTROM 1972 p 5 6 J VERCOUTTER 1967 p 253 57 7 Sobre esses problemas cf J L de CENIVAL 1973 p 49 57 807 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã as terras cultiváveis do vale Trata se sem dúvida de uma vitória do camponês sobre uma natureza indiscutivelmente hostil O Neolítico Encontraremos no capítulo 25 do presente volume uma descrição detalhada do aspecto material das diferentes culturas ou horizontes culturais que constituem por assim dizer a trama da evolução social dessas culturas agrupadas sob os termos gerais de Neolítico e de Pré Dinástico no vale do Nilo tanto no Sudão como no Egito Nas páginas seguintes preocupamo nos unicamente em realçar os aspectos sociais e o desenvolvimento histórico dessas culturas Com efeito Neolítico e Pré Dinástico constituem no vale do Nilo um continuum cultural Apenas para citar um exemplo o Badariense analisado detalhadamente no capítulo 25 é apenas uma etapa na evolução de uma cultura que tendo começado no Tasiense termina no Negadiense II e nas sociedades pré tinitas Em outras palavras apresentamos aqui de forma sintética o que está descrito de forma analítica no capítulo 25 Os dois aspectos dos problemas levantados são complementares e encontraremos entre colchetes as referências que permitirão ao leitor voltar facilmente à descrição detalhada das culturas que são abordadas no presente capítulo apenas de modo genérico O período Neolítico no Egito é conhecido somente através de um pequeno número de sítios que muitas vezes não são contemporâneos O mais antigo localiza se às bordas da depressão do Faium Faiumiense B a oeste do vale no Médio Egito8 Ao norte são conhecidos os sítios de Merinde Beni Salame9 Merindiense no Delta ocidental à beira do deserto cerca de 50 kma noroeste do Cairo e de El Omari10 Omariense A e B próximo ao Cairo perto de Heluan No Médio e no Alto Egito existem os sítios de Deir Taza no sudeste de Assiut e menos importantes os de Toukh e de Armant Cebelein na região de Tebas11 As comparações que podem ser estabelecidas entre esses sítios para se determinar a natureza e a extensão dos diferentes aspectos do 8 Sobre o Neolítico do Faium cf W C HAYES 1965 p 93 99 e 139 40 ver também as observações de F WENDORF R SAID e SCHILD 1970 p 1161 171 9 Sobre o sítio de Merinde Beni Salame cf W C HAYES op cit p 103 16 e 141 43 ver também para a cerâmica L HJALMAR 1962 p 3 e segs 10 Cf W C HAYES op cit p 117 22 e 143 44 11 Infelizmente não dispomos dos estudos e da bibliografia crítica de W C HAYES sobre o Alto Egito a obra ficou incompleta em virtude do falecimento do autor cf op cit p 148 n 1 Tomaremos como ponto de referência o estudo de J VANDIER 1952 p 166 80 808 Metodologia e pré história da África Neolítico que representam tornaram se ainda mais difíceis devido ao fato de não serem contemporâneos segundo as análises do carbono 14 O sítio mais antigo o de Faium A data de 4400 180 em seguida vêm os de Merinde de 4100 180 e de El Omari de 3300 230 por último o de Taza que data do fim do Neolítico12 Em outras palavras os sítios explorados nos elucidam por um lado a fase inicial do Neolítico no Faium e no Delta e por outro a fase final desse período no extremo sul do Delta e no Médio Egito No entanto de 4000 a 3300 isto é durante sete séculos nada sabemos ou muito pouco sobre a evolução geral do Neolítico egípcio na sua totalidade O mesmo ocorre em relação à região ao sul do Médio Egito É certo que as descobertas de superfície nas proximidades do vale e no deserto são numerosas provam a existência do que se chama intervalo úmido ou Neolítico subpluvial13 no fim do sexto milênio que representa uma pausa no processo de dessecação climática do nordeste da África Mas essas descobertas que são vestígios das culturas neolíticas pouco nos elucidam dada a falta de escavações sistemáticas os únicos estudos proveitosos continuam sendo os que se apóiam nos sítios arqueológicos mencionados acima Vastas regiões e longos períodos permanecem ainda inexplorados Esse desconhecimento é ainda mais lamentável por ser geralmente aceito que a revolução neolítica chegou ao Egito proveniente do Oriente Próximo siro palestiniano o crescente fértil onde foi comprovada há muito tempo Foi dessa forma que o protoneolítico de Jericó pôde ser datado de 6800 é portanto bem anterior ao Neolítico do Faium Mas para provar que o Neolítico no vale inferior do Nilo e principalmente no Delta e no Faium veio realmente da Ásia seria necessário conhecer os sítios da orla marítima e da parte oriental do Delta até a altura de Mênfis E são essas justamente algumas das áreas pouco conhecidas por nós Consequentemente a origem asiática do Neolítico egípcio continua sendo uma hipótese14 Hipótese que agora está a exigir confirmação porque no último decênio as pesquisas arqueológicas no Saara provaram que o Neolítico também é muito antigo no local principalmente no Ahaggar onde o sítio de Amekni é quase contemporâneo 12 Sobre o Neolítico Tasiense cf G BRUNTON 1937 p 5 33 Quanto à data cf W F LIBBY 1955 p 77 78 13 BUTZER 1964 p 449 53 e G CAMPS 1974 p 222 14 Estudando o problema da origem do povoamento do Egito pré dinástico E BAUMGARTEL rejeitou em 1955 a possibilidade das procedências ocidental setentrional e oriental cf E BAUMGARTEL 1955 p 19 Os recentes trabalhos dos arqueólogos no Saara cf abaixo revelaram que essa posição devia ser modificada no que diz respeito ao oeste todavia continua válida para o leste 809 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã ao de Jericó protoneolítico15 Não obstante observaremos que as datas desse Neolítico saaro sudanês são todas anteriores às do Neolítico egípcio pelo menos para os sítios do Faium e de Merinde Beni Salame16 atualmente datados e às do Neolítico nubiano17 Além disso os objetos de cerâmica talvez tenham aparecido primeiro na Núbia e depois no Egito18 isso bem entendido se nos basearmos nas fontes de que dispomos atualmente Levando se em conta a antiguidade do Neolítico saaro sudanês vê se que não está excluída a priori a possibilidade de o Neolítico do vale do Nilo tanto no Egito como na Núbia ser o descendente desse Neolítico africano Porém é necessário certa prudência considerando se por um lado a enorme raridade dos sítios neolíticos no vale inferior do Nilo no Egito e por outro lado o fato de somente as margens do rio terem sido cuidadosamente exploradas na Núbia e apenas entre a Primeira Catarata e o sul da Segunda Catarata A faixa que se estende entre o vale do rio e o Saara Oriental é ainda desconhecida do ponto de vista arqueológico Mesmo assim as influências exercidas no Capsiense e no Ibero Maurusiense da África do Norte em direção à Núbia e no Sebiliense e médio Paleolítico da África central igualmente rumo à Núbia19 podem ter persistido no protoneolítico O Delta egípcio constituindo um cruzamento de vários caminhos pôde ser o ponto de encontro de influências vindas tanto do oeste e do sul como do leste e do nordeste Desde a emergência do Neolítico no vale inferior do Nilo constata se uma diferenciação cultural entre o grupo do norte e o do sul É certo que nos dois grupos as populações são constituídas por agricultores e pastores que continuam a praticar a caça e a pesca todavia o próprio material que nos deixaram difere sensivelmente de um grupo a outro em natureza qualidade e quantidade 25 O mesmo ocorre em relação a certos costumes No norte as casas melhor agrupadas podem sugerir uma estrutura social já coerente os mortos são enterrados nas aldeias como se continuassem a pertencer a uma comunidade organizada20 Já no sul as sepulturas são cavadas à beira do deserto as casas estão dispersas mas parece existir uma organização mais 15 G CAMPS 1974 p 224 1969 Amekni data de 6700 antes da Era Cristã o protoneolítico de Jericó de 6800 antes da Era Cristã 16 H NORDSTROM op cit p 5 17 H NORDSTROM op cit p 8 16 17 e 251 18 F WENDORF 1968 p 1053 A cerâmica aparece na Núbia no Shamarkiense em 5750 mas somente em 6391 BP ou seja por volta de 4400 no Faium 19 F WENDORF op cit p 1055 fig 8 20 H JUNKER 1930 p 36 47 Para a bibliografia completa do sítio cf capítulo 25 810 Metodologia e pré história da África próxima à familiar As diferenças entre os dois grupos são também perceptíveis nas técnicas utilizadas por um e outro os artesãos do norte dispõem de um método mais refinado para o trabalho em pedra e passam a fabricar vasos de pedra dando início a uma técnica que se tornará uma das mais características do Egito faraônico arcaico Quanto à cerâmica em compensação se o norte conhece maior variedade de formas o sul possui melhor técnica de fabricação É nessa época de fato que aparece ao lado da cerâmica preta com decoração branca a notável cerâmica vermelha com bordos pretos que será igualmente transmitida ao Egito pré dinástico e arcaico transformando se numa das indústrias mais peculiares do vale do Nilo tanto no Sudão como no Egito Assim desde o Neolítico delineia se a separação entre dois grupos culturais e talvez entre dois sistemas sociais Um situa se ao redor da região de Mênfis Faium e extremidade noroeste do Delta o outro no Médio e no Alto Egito entre Assiut e Tebas21 Essa diferença cultural embora não exclua pontos de contato entre os grupos vai se tornando mais nítida nos últimos séculos do quarto milênio antes da fusão quando se constituíram numa única civilização com características comuns Esse fato ocorreu pouco antes do advento da monarquia unificada no vale egípcio do Nilo por volta de 300022 O PréDinástico É frequente qualificar se o Pré Dinástico egípcio de Eneolítico ou Calcolítico como se o aparecimento do metal representasse um acontecimento capital um momento decisivo no desenvolvimento do vale Devemos salientar que na verdade não há nenhuma ruptura entre o Neolítico e o Eneolítico no vale inferior do Nilo Pelo contrário a continuidade do desenvolvimento é evidente esta a razão pela qual preferimos manter o termo Pré Dinástico para qualificar esses séculos obscuros mas de importância primordial para a História da África O advento do metal no Egito é lento e não parece ter sido obra de povos invasores Contrariamente ao que ocorre em outras civilizações o cobre aparece antes do ouro23 embora este último seja mais facilmente encontrado em estado natural em jazidas localizadas nas proximidades do vale Os primeiros objetos de cobre de pequenas dimensões aparecem no grupo do sul no sítio de Badari 21 Convém observar que o grupo do norte não se expande até o mar é tão continental quanto o grupo do sul cf J L de CENIVAL op cit Mapa A p 50 22 J VERCOUTTER 1967 p 250 53 23 Cf A LUCAS 1962 p 199 200 811 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que deu nome à cultura Badariense24 e no grupo do norte em Demeh Kasr Maroun e Khasmet ed Dib no Faium esse conjunto de sítios é denominado Faium A para diferenciá lo do Faium neolítico ou do Faium B Há discussões a propósito da origem da metalurgia do cobre no Egito25 É possível que tenha sido trazida do exterior do Oriente Próximo nesse caso porém somente em escala muito limitada uns poucos indivíduos revelando aos habitantes do vale a técnica do cobre Entretanto não se poderia afastar a hipótese de um fenômeno de convergência os próprios habitantes do vale do Nilo descobrindo o metal praticamente na mesma época em que era descoberto no crescente fértil Com efeito foi nessa época que talvez acidentalmente as populações badarienses descobriram o esmalte azul ao aquecer pedras ou paletas nas quais havia sido triturado material para a pintura dos olhos à base de malaquita que é um minério de cobre26 Assim os habitantes do vale teriam descoberto simultaneamente o cobre que trabalhavam a frio e a chamada faiança egípcia isto é o esmalte azul que logo passou a ser utilizado na fabricação de contas de adorno Qualquer que seja a origem do metal asiática ou autóctone sua utilização era muito limitada e os utensílios de pedra continuavam a ser os mais comuns tanto no grupo do norte como no do sul Uma coisa é certa a descoberta ou a difusão do metal não alterou em nada a organização social como se pode comprovar pelas sepulturas O Pré Dinástico de aproximadamente 4000 a 3000 pode ser dividido em quatro fases que ajudam a marcar a evolução do vale durante esse período infelizmente ainda bastante obscuro Portanto distinguiremos os Pré Dinásticos Primitivo Antigo Médio e Recente No Pré Dinástico Primitivo Badariense os dois grupos do sul e do norte continuam a evoluir independentemente um do outro No sul a maior parte das informações referentes a essa fase provêm do sítio arqueológico de Badari nos arredores de Deir Tasa Apesar do aparecimento do metal o Badariense27 e 24 Cf capítulo 25 A civilização badariense foi estudada com frequência cf bibliografia abaixo A obra básica continua sendo a de G BRUNTON e G CATON THOMPSON 1928 complementada com G BRUNTON 1948 cap VI p 9 12 25 Cf A LUCAS op cit p 201 06 Sobre a origem da metalurgia do cobre no Oriente Médio antigo cf B J FORBES 1964 p 16 23 O nome hieroglífico do cobre só pôde ser decifrado recentemente cf J R HARRIS 1961 p 50 62 26 A LUCAS op cit p 201 27 Sobre essa civilização as obras básicas continuam sendo as de G BRUNTON 1928 p 142 1937 p 3366 e 1948 p 411 812 Metodologia e pré história da África o Neolítico têm tantos pontos em comum que por vezes pergunta se se essa cultura não seria uma simples variante local do Tasiense neolítico O estudo dos esqueletos revela que os homens do Badariense do Pré Dinástico Primitivo eram fisicamente muito semelhantes aos egípcios que vivem atualmente na mesma região As populações continuavam a viver em choupanas de forma oval um pouco mais confortáveis do que as da época anterior já usavam esteiras trançadas almofadas de couro e até camas de madeira O culto aos mortos desenvolve se o cadáver é isolado em uma câmara de madeira dentro da sepultura oval e cercado de mobília funerária alimento vasos e objetos de uso diário Como os neolíticos do Tasiense os badarienses cultivam e tecem o linho e além disso utilizam o couro obtido pela caça e pela criação Praticam portanto uma economia mista criação e agricultura são ainda suplementadas pela caça e pela pesca Continuam a fabricar vasos vermelhos com bordos pretos e excelente cerâmica vermelha finamente polida A descoberta do esmalte torna possível aos artesãos a fabricação de contas de adorno de um azul intenso O material para a pintura dos olhos é pulverizado sobre paletas de xisto algumas das quais são decoradas assim como pentes de marfim Dessa forma a arte surge gradativamente Pré Dinástico Primitivo Faiumiense A A camada mais recente de Merinde Beni Salame poderia também pertencer a esse Pré Dinástico Primitivo que é conhecido no grupo do Norte graças aos sítios do Faium A28 Como no Badariense o sílex é empregado em escala muito maior do que o metal na fabricação de utensílios Os cera mistas do Faium B produzem maior variedade de formas de vasos que os do Badariense mas sua técnica é menos aperfeiçoada É certo que o artesão do norte revelou se novamente superior modelando belíssimas vasilhas e vasos de pedra principalmente de xisto preto Mas em geral os dois grupos praticamente não se distinguiam cada qual representando apenas a evolução normal da cultura neolítica que o precedeu na região Nada indica que tenha havido em qualquer dos grupos diferenças apreciáveis entre os membros da comunidade Em particular não parece ter existido dentro da coletividade elementos sensivelmente mais ricos do que outros Tudo transcorre como se houvesse igualdade social entre os diversos membros da comunidade independentemente de idade ou sexo Essa conclusão baseia se naturalmente na suposição de que as necrópoles conhecidas e pesquisadas arqueologicamente pertenceram à totalidade do grupo humano em questão em outras palavras 28 G CATON THOMPSON e E W GARDNER 1934 813 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que nenhum membro dessa comunidade foi sepultado fora dessas necrópoles em virtude de alguma discriminação racial religiosa ou social O Pré Dinástico Antigo Negadiense I infelizmente só é conhecido pelos sítios do sul Recebe também o nome de Amratiense derivado do topônimo El Amrah29 perto de Abidos portanto consideravelmente mais ao sul do que Badari O Amratiense corresponde também ao que por vezes se denomina cultura de Nagada I segundo a nomenclatura de Flinders Petrie utilizada principalmente nas datações com carbono 14 A cultura amratiense é descendente quanto à época da badariense não havendo ruptura também nesse caso em alguns sítios a camada amratiense está em contato direto com a camada badariense A cultura amratiense continua a produzir a cerâmica vermelha com bordos pretos da cultura precedente mas introduz a cerâmica decorada com desenhos geométricos e naturalistas pintados de branco fosco sobre fundo vermelho ou marrom avermelhado mais raramente a decoração consiste em incisões preenchidas de branco sobre fundo preto O ceramista amratiense mais inventiva que seu predecessor badariense cria formas novas principalmente de animais A caça tem ainda grande destaque entre os temas da decoração naturalista especialmente a caça ao hipopótamo Pode se então supor que no Pré Dinástico Antigo ainda não estava concluída a transição entre um sistema social formado por caçadores pescadores relativamente nômades e um sistema de aldeias ou grupos de agricultores pastores sedentários Deve se observar que a arma típica do Amratiense é uma clava frequentemente talhada numa pedra dura em forma de tronco de cone30 O fato é importante pois essa arma desaparece completamente após o Amratiense Um dos caracteres do sistema hieroglífico na época histórica emprega a com valor fonético 31 isso significa que foi na época amratiense portanto no Pré Dinástico Antigo por volta de 3800 data fornecida pelo C14 que o sistema de escrita hieroglífica deve ter começado a se formar A arte continua a se desenvolver Nesse período aparecem estatuetas representando homens barbados com estojo fálico mulheres dançando e animais diversos simultaneamente a grande quantidade de paletas para maquilagem com decorações e pentes ornamentados com desenhos de animais32 29 Cf J VANDIER op cit p 23132 O sítio foi descoberto em 1900 Foi publicado por D RANDALL MACIVER e A C MACE 1902 p 352 30 Sobre essa clava cf W M F PETRIE il XXVI e p 2224 31 A H GARDINER 1957 p 510 quadro 1 32 J L de CENIVAL op cit p 1621 814 Metodologia e pré história da África Dentre os sítios do Amratiense agrupados entre Assiut ao norte e Tebas ao sul destacam se os de Nagada Ballas Hou e Abidos É lamentável não se conhecer no grupo do norte nenhum sítio contemporâneo do Amratiense tanto mais que neste último percebem se nítidos vestígios de contato entre o norte e o sul principalmente pela existência de vasos de pedra com formas características do Pré Dinástico setentrional em meio ao mobiliário funerário amratiense Nas práticas funerárias nada indica que tenha ocorrido uma mudança de organização social entre o Pré Dinástico Primitivo e o Pré Dinástico Antigo do Amratiense Observa se ainda a existência de comunidades constituídas de indivíduos que gozam de igualdade social mesmo sob a autoridade de um único chefe ou de um grupo de indivíduos Após um século de existência talvez menos a cultura amratiense incorpora se a uma nova e complexa cultura que mistura elementos do Amratiense com outros de origem incontestavelmente setentrional Essa cultura mista o Pré Dinástico Médio Negadiense II e talvez Omariense A ou Gerzeense Nagada II na nomenclatura de Petrie deriva seu nome do sítio de Gerzeh33 no Baixo Egito perto do Faium onde aparece com maior evidência Apresenta dois aspectos um puramente gerzeense ao norte outro misturando amratiense e gerzeense ao sul34 Essa nova cultura encontra se centralizada ao norte na região ao redor de Mênfis do Faium e da extremidade sul do Delta É sobretudo na cerâmica que o Gerzeense setentrional manifesta sua originalidade com vasos de cor amarelo clara fabricados com material bem diferente daquele utilizado na cerâmica produzida no sul A decoração é naturalista ocre avermelhada sobre fundo claro com novos temas montanhas íbis flamingos aloés e sobretudo embarcações Como os artesãos do Faium A dos quais são sucessores os do Gerzeense fabricam vasos de pedra mas utilizam xisto e outras rochas mais duras brecha basalto diorito serpentina A arma típica dessa cultura é a clava piriforme35 que se tornará a arma real por excelência nos primórdios da História e será como a clava do Amratiense um dos caracteres da escrita hieroglífica36 Nota se também uma evolução social e religiosa Agora os mortos são enterrados em túmulos retangulares com a cabeça voltada para o norte de 33 A aldeia de EIlGerzeh está situada na latitude do Faium portanto bem ao sul do atual Cairo o sítio pré dinástico foi escavado em 1911 Cf W M F PETRIE E MACKAY e G WAINWRIGHT 1912 34 J VERCOUTTER 1967 p 245 67 e J VANDIER op cit p 248 52 e 436 96 35 W M F PETRIE op cit il XXVI e p 22 24 36 A H GARDINER op cit p 510 quadro 3 815 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã frente para leste e não mais para oeste Quanto às embarcações representadas com grande frequência nos objetos de cerâmica do Gerzeense trazem na proa símbolos em que facilmente se reconhecem os precursores das insígnias dos nomos ou províncias do Egito faraônico Ultrapassando a fase da família e da aldeia os grupos humanos passam a reunir se em associações muito mais amplas O poder que resulta dessa nova organização social permite sem dúvida um maior aproveitamento do vale por meio da irrigação e traz por conseguinte um enriquecimento considerável que se reflete na produção de objetos trabalhados vasos de pedra de melhor qualidade e em maior quantidade maior número de instrumentos e armas de cobre tais como tesouras adagas pontas de arpão e machados Na verdade não se trata de um acaso o fato de nessa época os adornos funerários ostentarem ouro e vários tipos de pedras semipreciosas lápis lazúli calcedônia turquesa cornalina ágata A estatuária desenvolve se e os motivos representados falcão e cabeça de vaca principalmente mostram com clareza como a própria religião faraônica também está em formação Hórus o Falcão e Hátor a Vaca já são adorados No sul as culturas posteriores ao Amratiense do Pré Dinástico Antigo estão fortemente impregnadas de influências gerzeenses Assim a cerâmica gerzeense clássica cor de camurça com decoração naturalista vermelha é encontrada lado a lado com a tradicional cerâmica do sul vermelha com bordos pretos ou com decoração em branco fosco A influência é de fato recíproca entre os dois grupos e as semelhanças são numerosas instrumentos líticos notadamente nessa época a técnica de lascamento de instrumentos cortantes de sílex atinge o auge da perfeição e paletas para maquilagem apresentam aspecto análogo nas duas culturas Assim os dois grupos culturais encaminhavam se gradativamente para uma fusão completa Essa fusão entre o norte e o sul acontecerá no Pré Dinástico Recente ou Gerzeense Recente às vezes também denominado Semainiense Omariense B e Meadiense37 Estamos agora no limiar da História essa última fase teve curta duração Se mantivermos a data de 3000 para o início da História o que fizemos para continuarmos fiéis às datas ainda tradicionalmente aceitas o Pré Dinástico Recente provavelmente não teria durado mais de duas ou três gerações no máximo Uma data do C14 para o Pré Dinástico Médio nos revela 37 A expressão é de F PETRIE 1939 p 55 e segs Semaineh é uma aldeia do Alto Egito perto de Qena Cf tb J VERCOUTTER 1967 p 247 50 816 Metodologia e pré história da África que este se prolongou até 3066 o que deixa apenas três quartos de século para a transição do fim do Pré Dinástico Médio ao início da História Ao que tudo indica esse início deveria ser deslocado para uns duzentos anos mais tarde mas mesmo localizando o por volta de 280038 restam apenas pouco mais de dois séculos para uma fase em que se completou o processo de aproveitamento do vale inferior do Nilo e estabeleceu se um sistema social dirigido por uma monarquia de direito divino Essa fase encontra se tão próxima daquela que testemunha o aparecimento da escrita que tentou se extrapolar as informações fornecidas pelos textos escritos para o que a arqueologia nos revela39 Os textos deixam entrever que no início do Pré Dinástico Recente e talvez desde o fim do Pré Dinástico Médio a cidade mais poderosa do sul era Ombos Noubet em egípcio perto de Nagada portanto exatamente no centro da cultura amratiense O deus da cidade é Seth deus animal sobre cuja natureza ainda se discute tem sido identificado como um tamanduá uma espécie de porco uma girafa um animal mítico ou há muito desaparecido da fauna egípcia Os textos nos informam que esse deus meridional entra em luta com um deus falcão Hórus adorado na cidade de Behedet que provavelmente estava localizada no Delta isto é dentro dos domínios da cultura gerzeense Portanto no fim do Pré Dinástico Médio o Egito estaria dividido em duas estruturas sociais uma ao norte dominada por Hórus de Behedet e outra ao sul dirigida por Seth de Ombos Também nesse caso infelizmente as fontes de que dispomos não permitem determinar com precisão a natureza dessas estruturas sociais Pode se no máximo ter uma ideia da importância do chefe de grupo importância que reside em seus poderes mágicos e religiosos que se traduzirá na época histórica no caráter divino do representante da realeza40 Poder se ia talvez admitir a hipótese de o chefe dispor de poderes praticamente ilimitados em relação aos indivíduos da coletividade sendo que esta por sua vez podia quando a ocasião se apresentasse matar o chefe cujos poderes mágicos estivessem em declínio cf A Moret La mise à mort du dieu en Egypte Interpretando os textos admite se que a luta entre esses dois grupos teria terminado numa primeira etapa com uma vitória do norte sobre o sul e que após essa vitória teria sido criado um reino unificado tendo por núcleo Heliópolis41 perto do Cairo a uns 60 km ao norte do sítio de Gerzeh Traduzida em termos 38 A SCHARFF 1950 p 191 39 A obra básica continua sendo o brilhante ensaio de K SETHE 1930 40 Cf G POSENER 1960 41 K SETHE op cit hipótese refutada por H KEES 1961 p 43 817 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã arqueológicos essa vitória do norte sobre o sul corresponderia à penetração da cultura gerzeense em domínio amratiense Durante o Pré Dinástico Recente sempre por extrapolação das informações fornecidas pelos textos teria havido uma evolução política ou social nos dois grupos no norte e no sul A unidade política resultante da vitória do norte sobre o sul no fim do Pré Dinástico Médio ou no início do Pré Dinástico Recente teria tido curta duração e cada grupo teria retornado imediatamente à sua existência independente Após essa evolução constata se que o centro político do norte desloca se de Behedet cuja posição exata é ainda desconhecida para Buto a oeste do Delta a cerca de 40 km do mar região em que não foi possível atingir as camadas arqueológicas contemporâneas do Pré Dinástico Ao mesmo tempo a capital política do sul passava de Ombos para El Kab Nekkeb em egípcio antigo cem quilômetros mais ao sul42 O grupo do sul torna se assim mais meridional e o do norte mais setentrional Em Buto adorava se uma deusa cobra Uadjit em El Kab um abutre fêmea Essas duas divindades na época histórica serão protetoras dos faraós e figurarão regularmente no ritual da cerimônia de coroação43 Alguns documentos posteriores de cerca de um milênio tinham conservado os nomes dos soberanos desses agrupamentos políticos do fim do Pré Dinástico Recente mas poucos chegaram até nós A partir dessa época parece haver uma unidade cultural entre o norte e o sul Assim o deus Hórus originário do norte é também adorado no sul e os chefes políticos no norte como no sul consideram se seus servidores ou partidários com o título de Shemsu Hórus44 Do ponto de vista material há pouca diferença entre a civilização do Pré Dinástico Médio e a do Pré Dinástico Recente mas observa se um incontestável progresso na arte e na técnica A figura humana torna se um tema abordado com frequência pelos artistas e a pintura mural aparece em Hieracômpolis Nekkem em egípcio antigo importante centro situado na margem ocidental do Nilo quase defronte a El Kab45 Hieracômpolis torna se o berço da realeza do sul que por volta de 3000 dá início à luta contra o norte É impossível saber quanto tempo durou essa luta Ocupa os últimos anos do Pré Dinástico Recente e termina com a vitória do sul sobre o norte e com a criação de um estado unificado abrangendo todo o vale desde El Kab até o 42 J VERCOUTTER 1967 p 248 49 43 Cf A H GARDINER 1957 p 71 76 44 Sobre os Shemsou Hor cf J VANDIER op cit p 129 30 e 635 36 45 Hieracômpolis forneceu numerosos documentos pré dinásticos cf PORTER e MOSS 1937 p 191 99 818 Metodologia e pré história da África Mediterrâneo Esse estado será governado por reis do sul originários da região de This46 bem próximo a Abidos que constituem as duas primeiras dinastias denominadas tinitas Por essa razão o breve período do Pré Dinástico Recente é geralmente conhecido como Pré Tinita Os objetos pré tinitas que chegaram até nós foram todos encontrados em Hieracômpolis47 São sobretudo grandes paletas votivas48 decoradas com cenas históricas e grandes clavas esculpidas em calcário As cenas que ornamentam esses dois tipos de documentos permitem nos entrever o sistema político e social dominante na época no vale inferior do Nilo O país está dividido em províncias ou grupos humanos cujas insígnias são vistas acompanhando o soberano nas grandes ocasiões A comparação das insígnias representadas nas embarcações gerzeenses e nas paletas ou clavas pré tinitas com os emblemas dos nomos ou províncias em monumentos da época histórica revela que desde o Gerzeense o sistema social no vale inferior do Nilo no norte como no sul progride em termos geográficos e econômicos e não éticos O grupo humano organiza se em torno de um habitat e de sua divindade Este fato é consequência dos imperativos agrícolas impostos ao vale pelo regime do Nilo tanto ao norte como no sul O grupo só pode sobreviver e desenvolver se na medida em que se torna numeroso e organizado o suficiente para executar os trabalhos que colocarão seu território ao abrigo das enchentes aumentarão as terras cultiváveis e garantirão reservas de alimento indispensáveis devido à irregularidade das cheias do Nilo A dupla organização agrícola e religiosa pois apenas a divindade pode garantir o sucesso dos trabalhos empreendidos e consequentemente a prosperidade do grupo é o fato primordial e permanente que domina o sistema social do vale inferior do Nilo É possível entretanto que esse sistema baseado na distribuição geográfica tenha substituído um sistema mais antigo de fundamento étnico ou social É o que parecem sugerir três palavras do egípcio antigo que existentes desde os primórdios da História persistirão até o fim da civilização egípcia Essas palavras Pât Rekhyt e Henememet49 aplicam se ao que parece a três agrupamentos 46 O sítio da capital não foi descoberto A presença de uma necrópole real dessa época cf W M F PETRIE 1901 na margem oeste do Nilo em Abidos indica que a cidade devia estar localizada nas proximidades 47 O sítio foi explorado em 1898 cf J E QUIBELL Hierakonpolis Londres 1900 1902 48 As mais belas foram reunidas por W M F PETRIE 1953 49 A H GARDINER 1947 v I p 98 112 819 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã humanos muito grandes os Pât seriam os habitantes do vale superior tendo Hórus por senhor os Rekhyt seriam os do vale inferior vencidos no final do Pré Dinástico Recente os Henememet ou povo do Sol teriam habitado a região oriental situada entre o mar Vermelho e o Nilo Essa última região ainda habitada no Neolítico e no Pré Dinástico é importante para a economia do vale visto que fornece metais cobre e ouro E é esse vasto sistema socioétnico que se fracionaria em pequenas unidades geográficas e agrícolas O papel da monarquia será puramente político numa primeira etapa reunirá esses grupos de províncias em duas grandes confederações uma ao norte e outra ao sul numa segunda etapa unificará à força as duas confederações em um único reino garantindo assim um melhor aproveitamento da totalidade do território egípcio Essa segunda tarefa será obra dos primeiros faraós tinitas É nessa época que passamos à História O vale superior do Nilo 5000 a 3000 As diversas culturas do vale inferior do Nilo aqui abordadas não ultrapassam ao sul a região de El Kab A região de Assuã e a Primeira Catarata pertencem já a uma área cultural diferente Do ponto de vista étnico tudo parece indicar que as populações do vale superior do Nilo estavam próximas das do grupo sul do vale inferior badarienses e amratienses Poder se ia estender as comparações aos grupos étnicos dos arredores do Saara oriental mas os estudos antropológicos pertinentes são ainda pouco numerosos50 Neolítico e Pré Dinástico são pouco conhecidos no Egito como constatamos devido ao pequeno número de sítios cientificamente explorados A situação é ainda pior em se tratando do vale superior onde apenas a parte setentrional entre a Primeira e a Segunda Catarata está relativamente bem explorada convém observar que os resultados das escavações feitas de 1960 a 1966 não foram ainda publicados in extenso51 Da Segunda Catarata até os Grandes Lagos da África equatorial os raros elementos conhecidos provêm de relatórios de prospecção em superfície pois é mínimo o número de sítios em que foram realizadas escavações Por essa razão nossos conhecimentos no tempo e no espaço são muito mais limitados em relação ao vale superior do que ao vale egípcio 50 Cf O V NIELSEN 1970 passim e p 22 bibliografia p 136 39 51 Sobre as épocas que aqui nos interessam destacaremos principalmente as obras de F WENDORF 1968 e H NORDSTRÖM 1972 820 Metodologia e pré história da África O Neolítico 5000 a 3800 As primeiras escavações em um sítio indiscutivelmente neolítico foram realizadas na região de Cartum A cultura aí descoberta por vezes conhecida pelo nome de Neolítico de Cartum é geralmente chamada Shaheinab Shaheinabense52 Shaheinab é um sítio de habitat cujas sepulturas não foram encontradas mas o abundante material que forneceu objetos de uso quotidiano prova que os sudaneses da região sobretudo caçadores e pescadores eram também criadores O estudo de sua cerâmica decorada pela impressão de uma roseta rotativa indica que eram provavelmente descendentes de uma outra cultura neolítica mais antiga cujos vestígios foram encontrados em um sítio localizado na própria região de Cartum Esse sítio Cartum Antigo Early Khartoum53 Cartumiense contém túmulos onde negros tinham sido inumados Se como tudo indica Shaheinab provém realmente do Cartum Antigo teríamos de admitir que estamos em presença também nesse caso de uma população negra composta de grupos de caçadores e de pescadores que matavam leões búfalos hipopótamos e igualmente antílopes gazelas órix e lebres cujas ossadas encontramos em suas habitações Suas armas eram machadinhas polidas e clavas semi esféricas que de um modo geral consideramos predecessores da clava troncônica amratiense Trabalhavam a madeira e conheciam a tecelagem embora aparentemente preferissem o couro na confecção das vestimentas Sua civilização é às vezes denominada cultura da goiva dado o grande número de ferramentas desse tipo descobertas no sítio Graças à sua cerâmica bastante característica foi possível provar que a cultura de Shaheinab estendia se não só a oeste Tenere Tibesti e a leste mas também ao sul de Cartum ao longo do Nilo Branco e do Nilo Azul Não há indícios que permitam determinar qual era a sua organização social Seria interessante saber quais eram as ligações entre o Neolítico de Shaheinab e o do vale inferior principalmente do Faium infelizmente não se conhece nenhum sítio ao norte de Cartum entre a Sexta e a Sétima Catarata que permita estabelecer comparações úteis Os trabalhos recentes na baixa Núbia ao norte da Segunda Catarata parecem ter demonstrado que o Neolítico dessa região é semelhante ao de Shaheinab embora ainda apresente diferenças bastantes para 52 Cf A J ARKELL 1953 53 Cf A J ARKELL 1949 821 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que os arqueólogos anglo saxões que o estudaram tenham no denominado Cartum Variante54 No vale superior a passagem do Neolítico ao Pré Dinástico portanto ao Eneolítico continua ainda muito obscura Algumas sepulturas encontradas na confluência do Nilo Branco e do Nilo Azul poderiam indicar a existência nesse local de uma cultura influenciada pelo Pré Dinástico nubiano conhecido como do Grupo A cf acima mas ainda não pôde ser datada com precisão Nas proximidades da Segunda Catarata em compensação foi descoberta recentemente uma indústria à qual se deu o nome de Abkiense Abkan55 Abkiense derivado do nome do sítio de Abka onde se encontra melhor representada Ela ainda é conhecida apenas por sua produção lítica e por sua cerâmica Nem todos os sítios em que foi encontrada foram publicados Pelo que se sabe essa cultura aparentemente pertence a uma população de caçadores pescadores como a de Shaheinab mas a caça apresenta se menos produtiva talvez por iniciar se a fase de dessecação que vem após o período úmido Para a pesca os homens de Abka parecem utilizar imensas armadilhas permanentes inteligentemente instaladas nos canais da catarata durante a vazante e onde os peixes ficavam presos por ocasião do recuo da inundação A coleta de frutas e plantas silvestres completava lhes os recursos alimentícios A construção das armadilhas feitas de paredões de pedra muitas vezes de grandes dimensões implica um agrupamento social já organizado A cultura abkiense não tem aparentemente relação com a de Shaheinab que in loco em sua forma de Cartum Variante parece ser a um tempo distinta e contemporânea dessa cultura O Abkiense seria uma forma particular do Neolítico que nada deveria ao sul nem ao norte Por outro lado parece que foi realmente do Neolítico abkiense que proveio o Pré Dinástico nubiano Pré Dinástico 3800 a 2800 Quando em 1907 o governo egípcio decidiu elevar mais 7 m a primeira barragem de Assuã inundando assim toda a baixa Núbia de Shellal a Korosko uma prospecção arqueológica sistemática foi empreendida na região a ser inundada Os arqueólogos constatando as diferenças culturais entre o Egito que conheciam bem e a Núbia adotaram um sistema provisório de classificação por letras para as novas culturas que descobriam distinguindo segundo uma 54 F WENDORF 1968 p 768 90 e H NORDSTRÖM 1972 p 9 10 55 Descrição dessa indústria em F WENDORF 1968 p 611 29 cf tb H NORDSTRÖM 1972 p 12 16 822 Metodologia e pré história da África datação relativa o Grupo A o Grupo B o Grupo C etc56 Depois tentou se estabelecer um sistema semelhante ao utilizado para o vale inferior em que o Nubiano Antigo e o Nubiano Médio por exemplo corresponderiam ao Antigo Império e ao Médio Império57 Mas diante das dificuldades encontradas para estender esse sistema da Núbia ao norte da Segunda Catarata até a Núbia ao sul da Segunda Catarata abandonou se provisoriamente a tentativa Portanto continuaremos a utilizar a denominação Grupo A que abrange o Pré Dinástico O Grupo A58 vai do fim do Neolítico por volta de 3800 até o fim do Antigo Império egípcio 2200 aproximadamente Nesse grupo podemos distinguir várias fases o Grupo A antigo de 3800 até 3200 aproximadamente o Grupo A clássico de 3200 a 2800 aproximadamente e o Grupo A recente antigo Grupo B de 2800 até 2200 aproximadamente Consideraremos apenas as duas primeiras fases O Grupo A antigo é o menos conhecido59 Foi durante as recentes escavações na Núbia sudanesa entre 1960 e 1966 que se constatou ser a civilização eneolítica do Grupo A sucessora direta da abkiense do Neolítico portanto será preciso esperar a publicação dos relatórios das escavações in extenso para se ter uma ideia mais precisa do que esse Grupo representa Na baixa Núbia o sítio de Khor Bahan ao sul de Shellal pertence aparentemente a essa fase antiga e é contemporâneo do Gerzeense portanto do Pré Dinástico Médio egípcio Nessa época a agricultura e a criação de gado ausentes no Abkiense são praticadas na baixa Núbia utilizando uma técnica própria do vale superior as comunidades de agricultores construíam por ocasião da vazante barragens de pedra perpendiculares ao rio que tinham por efeito diminuir a força da corrente facilitando o depósito do limo nos campos à margem do Nilo e aumentar a extensão das terras cultiváveis Além disso a descoberta de ossos de bovídeos e caprídeos nos túmulos sem dúvida provenientes de sacrifícios fúnebres sugere que essas comunidades eram seminômades Sendo os campos insuficientes para alimentar um grande número de animais somos levados a crer que as populações deslocavam se durante uma parte do ano para os planaltos vizinhos na época provavelmente recobertos pela estepe como atesta a presença de antílopes e de leões 56 G A REISNER 1910 p 313 32 57 B G TRIGGER 1965 p 67 e segs fig 1 p 46 58 Nem todos os relatórios das escavações feitas na Núbia por solicitação da Unesco tanto no Egito como no Sudão estão publicados Sobre o Grupo A ver H NORDSTRÖM 1972 p 17 32 59 H NORDSTRÖM 1972 p 17 28 e passim 823 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã A descoberta de objetos de cobre nos sítios do Grupo A levanta a questão da difusão desse metal no vale superior Como as populações do Badariense os africanos do Grupo A utilizavam a malaquita como maquilagem para os olhos e a pulverizavam sobre paletas de quartzo conheciam também a técnica de fabricação da massa esmaltada faiança egípcia Considerando se a existência de jazidas de minério de cobre na Núbia exploradas em épocas remotas é bem possível que os objetos de cobre encontrados nos sítios do Grupo A antigo sobretudo agulhas sejam exclusivamente de fabricação local60 As importações provenientes do norte limitam se aparentemente a vasos de pedra alabastro xisto brecha e a matérias primas como o sílex que praticamente não existe nos arenitos da Núbia mas é encontrado em abundância no Egito A cerâmica é ainda do tipo vermelho com bordos pretos e fabricada localmente segundo excelente técnica Na confecção de utensílios e armas as populações do Grupo A utilizavam mais frequentemente a pedra e o osso que o metal facas e clavas exatamente como as do Amratiense são de sílex ou de diorito e basalto as agulhas ou fivelas e furadores são em geral de osso ou de marfim O ouro aparece nas joias As paletas para maquilagem de xisto são provavelmente inspiradas nas egípcias mas encontram se também paletas de quartzo branco que são típicas da cultura do Grupo A61 Ao Grupo A antigo ainda pouco conhecido sucede o Grupo A clássico que a julgar pelo número de túmulos e necrópoles que deixou conhece o que se poderia chamar de explosão demográfica62 Muito próximo de seu predecessor do ponto de vista material o Grupo A clássico diferencia se sobretudo pela importação de um número bem maior de objetos do vale inferior Viu se nesse fenômeno a prova de um comércio ativo entre os vales inferior e superior do Nilo A cerâmica mantém uma qualidade e uma beleza superiores mas simultaneamente aparece um grande número de vasos importados do tipo gerzeense de cor clara Esses vasos foram provavelmente utilizados para conservar matérias perecíveis pensa se particularmente no óleo importadas em troca do marfim e do ébano que vinham do sul A cultura do Grupo A clássico continua a prosperar até aproximadamente 2800 quando de maneira repentina desaparece quase inteiramente cedendo 60 Cabe observar que já no Antigo Império o minério de cobre parece ter sido tratado in loco notadamente em Buhen cf W B EMERY 1965 p 111 14 61 F HINTZE 1967 p 44 62 B G TRIGGER 1965 p 74 75 824 Metodologia e pré história da África lugar à cultura do Grupo A recente antigo grupo B63 muito pobre Esse fato foi visto como consequência dos ataques egípcios desfechados pelos faraós da primeira dinastia tinita Inscrições egípcias dessa época descobertas ao norte da Segunda Catarata tornam essa explicação muito plausível De qualquer forma saímos agora da época pré histórica Em resumo esse obscuro mas importante período em que o vale do Nilo passou do Neolítico ao fim do Pré Dinástico caracteriza se no vale inferior pela passagem de um sistema social baseado em famílias ou grupos restritos de caçadores pescadores que praticam pequena criação e uma agricultura limitada às margens do rio e ao Faium para um sistema complexo de sedentários organizados em aldeias ou grupos de aldeias que praticam a irrigação e uma agricultura especializada Essas aldeias encontram se agrupadas por volta de 3000 sob a autoridade de um único líder o faraó que governa o vale inferior da Primeira Catarata ao Mediterrâneo No vale superior observa se a transição de agrupamentos de pescadores caçadores que praticam uma criação de gado bastante limitada para um sistema que reúne criadores agricultores provavelmente seminômades mas vinculados geograficamente ao rio onde constroem espigões com o objetivo de aumentar as terras cultiváveis A construção desses espigões supõe uma organização coletiva importante menos considerável entretanto que no vale inferior Nessa mesma época a partir de 3300 observa se a difusão do cobre por todo o vale do Nilo Embora a origem da metalurgia do cobre permaneça pouco conhecida e constitua objeto de discussão não é impossível que esta tenha nascido ou que tenha sido reinventada no vale do Nilo A época histórica de 3000 ao século V antes da Era Cristã Quando os primeiros textos egípcios aparecem por volta de 3000 os sistemas sociais já estão estabelecidos ao que parece em todo o vale do Nilo e praticamente não evoluem daí em diante Ao norte temos um sistema de monarquia de direito divino governando um grupo de indivíduos iguais perante o rei pelo menos teoricamente Ao sul o sistema é aparentemente menos rígido e em virtude do nomadismo ou seminomadismo um sistema baseado 63 H S SMITH 1966 p 118 124 825 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã em grande parte na família manteve se provavelmente durante quase todo o período que vai de 3000 ao século V antes da Era Cristã Será apenas no final desse período que o vale do Nilo entre a Primeira Catarata e a confluência do Nilo Branco e do Nilo Azul talvez ainda mais ao sul conhecerá um regime social provavelmente semelhante ao do vale egípcio Levando se em conta o caráter estático desses sistemas sociais ao longo desse período sua evolução será objeto de uma rápida exposição Insistiremos sobretudo em dois fatos culturais que caracterizam esse período a descoberta e a difusão do bronze e muito mais tarde do ferro Evolução dos sistemas sociais Em virtude da falta de documentos jurídicos a organização social no vale inferior é conhecida apenas de modo incompleto De acordo com os autores clássicos entre outros Heródoto e Estrabão a sociedade egípcia teria sido dividida em castas rígidas Tal afirmação certamente é falsa exceto talvez para os militares no final do período faraônico Assim nunca existiu a classe dos sacerdotes como pretende Estrabão Nem é certo que tenha havido uma classe de escravos no sentido que atribuímos à palavra64 Na verdade o sistema social egípcio na época histórica é bastante flexível Está baseado mais na exploração do solo no desenvolvimento do país do que em um direito rígido Como a moeda nunca foi utilizada no Egito o indivíduo deve estar ligado a uma organização que lhe forneça alimento roupas e habitação qualquer que seja sua posição social A mais simples dessas organizações é a propriedade familiar Se a terra pertence ao faraó o direito de cultivá la é às vezes atribuído a um particular que pode transmiti lo a seus herdeiros65 Sempre houve propriedades familiares desse tipo frequentemente exíguas nas quais o próprio chefe de família distribui a renda a seu gosto e a família lato sensu fica na sua inteira dependência A única obrigação do chefe de família é cumprir os deveres para com o Estado impostos corveias prestação de serviços Ao lado das propriedades familiares existem as propriedades religiosas e reais muito mais importantes As propriedades religiosas sobretudo a partir da XVIII dinastia após 1580 eram por vezes muito ricas Assim a 64 Cf as pertinentes observações de G POSENER em G POSENER S SAUNERON e J YOYOTTE 1959 s v Esclavage p 107 65 J PIRENNE 1932 p 200611 e G POSENER 1959 p 76 e 107 826 Metodologia e pré história da África propriedadedo deus Amon inclui 81322 homens 421362 cabeças de gado 43 jardins 2393 km2 de campos 83 barcos 65 aldeias66 Esses bens estendem se pelo Alto e Baixo Egito pela Síria Palestina pela Núbia A propriedade real está constituída nos mesmos moldes e encontra se espalhada pelo país em torno de um palácio ou do templo funerário do soberano Cada indivíduo vive na dependência obrigatória de uma dessas propriedades que supre suas necessidades de maneira bastante hierarquizada A remuneração em espécie varia muito de acordo com a função exercida um escriba recebe mais víveres do que um agricultor ou um artesão isso permite que os mais favorecidos pelo sistema adquiram por sua vez servidores e propriedades familiares vendendo não a sua função mas uma parte da renda destinada a essa função Querendo escapar das limitações impostas pelo sistema social egípcio o indivíduo só dispõe do recurso da fuga Os desertores fogem para oeste perto do deserto onde vivem de ataques às culturas do vale ou então vão para o exterior principalmente para a Síria Palestina67 A estabilidade do sistema social depende em grande parte da autoridade e da energia do poder central o rei e a administração Quando eles são fracos observa se uma grande desorganização no funcionamento do sistema até mesmo revoluções como a que ocorreu entre 2200 e 2100 quando a autoridade do faraó foi colocada em questão e os favoritos destituídos de seus bens68 Conhecem se também desordens locais como a greve dos artesãos da propriedade real de Deir el Medineh em 1165 que não haviam recebido sua cota mensal de víveres nem as vestimentas que lhes eram devidas A situação social de um indivíduo não é fixada definitivamente a qualquer momento pode ser colocada em questão por vontade do faraó ou em virtude de erros cometidos no exercício de uma função Fatos como o rebaixamento de um funcionário e seu retorno à terra são mencionados frequentemente nos textos egípcios69 A partir de 1580 aproximadamente os militares passam a ocupar um lugar à parte no sistema social egípcio Para expulsar os hicsos do Egito e empreender sua política de incursões agressivas na Núbia e na Ásia Menor os faraós criaram um 66 J H BREASTED 1906 p 97 67 Um exemplo significativo é o de Sinuhe que temendo ser implicado numa conspiração palaciana foge para a Palestina Ser lhe á necessário solicitar o perdão do faraó para poder voltar ao Egito Cf G LEFEBVRE 1949 LHistoire de Sinouhé p 1 25 Ver tb W K SIMPSON ed 1972 p 57 74 68 J VANDIER 1962 p 213 20 e 235 37 69 Notadamente no decreto de Nauri no qual é uma das sanções correntes cf F L GRIFFITH 1927 p 200 08 827 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 281 Túmulo de Rekh mi re em Tebas The Metropolitan Museum of Art Egyptian Expedition vol X Figura 282 Túmulo de Huy parede leste fachada sul Figura 283 Navalha Mirgissa Sudão Foto Missão Arqueológica Francesa no Sudão 828 Metodologia e pré história da África verdadeiro exército profissional70 Os militares são recompensados com doações de terras de propriedades agrícolas que podem legar a seus herdeiros contanto que estes prossigam na carreira militar Esse sistema foi se desenvolvendo através dos séculos e acabou por criar no final da história do Egito uma verdadeira casta militar No vale superior do Nilo a organização social é ainda pouco conhecida Vimos que no fim da época pré dinástica estabelecera se um sistema social pelo menos na baixa Núbia que incluía sedentários e nômades ou seminômades sem que se possa saber se uns e outros viviam em comunidade ou simplesmente lado a lado Os raros documentos egípcios que fazem alusão à organização política das populações ao sul da Primeira Catarata sugerem a existência de agrupamentos humanos de baixa densidade esparsamente distribuídos ao longo do vale sob a autoridade de chefes locais cujo poder era hereditário71 A arqueologia praticamente não fornece outras informações A criação continua a ser um fator econômico importante do vale superior provavelmente favorece a sobrevivência das estruturas familiares A partir de 1580 contudo a intervenção egípcia certamente modifica o sistema então vigente ou melhor faz com que desapareça A ocupação dos territórios ao sul de Assuan pelo Egito leva rapidamente ao seu despovoamento72 Para sustentar sua política asiática o Egito explora ao máximo o vale superior cujos habitantes desaparecem provavelmente fugindo para o sul e para o oeste buscando refúgio em regiões ainda hoje desconhecidas pela arqueologia Somente por volta de 750 sob o impulso de soberanos sudaneses originários da região de Dongola presenciamos a criação de um verdadeiro reino organizado inspirado no modelo egípcio Estende se ao que parece da confluência dos dois Nilos ao sul primeiramente até a Segunda Catarata em seguida até o Mediterrâneo incluindo a baixa Núbia de 750 a 65073 Nesse reino o matriarcado exerce uma função importante pelo menos para a família governante mas os documentos são muito raros e pouco explícitos para nos esclarecer sobre o sistema social então vigente 70 R O FAULKNER 1953 p 41 47 71 G POSENER 1940 p 35 38 e 48 62 72 W Y ADAMS 1964 p 104 09 73 H V ZEISSL 1955 p 12 16 829 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 284 Túmulo de Huy Foto The Egypte Exploration Society Difusão dos metais Em princípios do período histórico os metais preciosos ouro e prata assim como o cobre são conhecidos e amplamente difundidos em todo o vale do Nilo A metalurgia desses três metais continua a se desenvolver após o terceiro milênio No segundo milênio aparecem o bronze liga de cobre e estanho e esporadicamente o ferro a partir de 1580 Entre a Primeira e a Terceira Catarata está localizada a maior parte das minas de ouro exploradas pelos egípcios e pelos núbios74 A prospecção de metais preciosos levou os egípcios do Médio Império a ultrapassarem a Segunda Catarata No Novo Império o ouro desempenha um papel primordial na política asiática do Egito para comprar as alianças locais O ouro extraído das minas do 74 J VERCOUTTER 1959 p 128 33 e mapa p 129 830 Metodologia e pré história da África Egito e da Núbia contém sempre uma grande proporção de prata75 distinguindo se o ouro branco ou electrum hadji em egípcio que contém pelo menos 20 de prata do ouro amarelo noub em egípcio a esse respeito convém observar que não se sabe ao certo se o topônimo Núbia tem sua origem nessa palavra egípcia O ouro teve múltiplas aplicações no Egito era empregado na confecção de joias na mobília funerária e mesmo na arquitetura em que a ponta dos obeliscos os pórticos e certas dependências dos templos eram recobertos com folhas de ouro O vale superior do Nilo emprega o ouro com a mesma profusão embora a pilhagem sistemática das sepulturas nos tenha deixado relativamente poucos objetos de ouro amuletos contas de adorno ornamentos para o cabelo braceletes anéis e brincos A mobília de madeira no século XVIII antes da Era Cristã era por vezes recoberta com folhas de ouro A mobília funerária no século VIII é também de uma grande riqueza em ouro e prata como se vê em Nuri abaixo da Quarta Catarata onde apesar das antigas pilhagens foram recolhidos numerosos objetos76 Só a análise em laboratório permite distinguir o cobre do bronze77 Este só aparece no vale do Nilo a partir de 2000 aproximadamente ainda é preciso esperar até 1500 para que seja difundido por vastas áreas sem nunca chegar a tomar o lugar do cobre O bronze liga de cobre e estanho tem a vantagem de ser mais resistente do que o cobre se a proporção de estanho não for muito grande de ter um ponto de fusão mais baixo e de ser de moldagem mais fácil Embora o Egito possua algumas jazidas de estanho o bronze não foi descoberto no vale do Nilo aparentemente vem da Síria78 onde é conhecido desde o início do segundo milênio Nas ligas egípcias a proporção de estanho varia de 2 a 16 Contendo até 4 de estanho o bronze é mais duro que o cobre além dessa porcentagem torna se quebradiço e perde muitas de suas vantagens Essa é provavelmente a razão pela qual nunca tomou o lugar do cobre que pode ser consideravelmente endurecido por simples martelagem Não se possuem análises dos objetos de cobre ou bronze encontrados no vale superior principalmente em Kerma datando do segundo milênio poderiam nos informar se o bronze fora adotado no vale superior De qualquer forma os objetos de cobre ou bronze são abundantes no local mais do que no próprio Egito foram encontradas em Kerma 130 adagas de cobre do período de 1800 75 A LUCAS 1962 p 224 34 76 D DUNHAM 1955 passim 77 A LUCAS op cit p 199 217 e 217 23 78 A LUCAS op cit p 217 18 e 255 57 831 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 285 Estátua de cobre de Pépi I Antigo Império Museu do Cairo 832 Metodologia e pré história da África a 1700 aproximadamente isto é mais do que todo o Egito forneceu Nessa época o cobre é utilizado na fabricação de objetos de toucador principalmente espelhos armas e ferramentas vasos jóias incrustações para móveis Geralmente batido é moldado em raríssimos casos O número e a qualidade dos objetos encontrados em Kerma79 provam que o vale superior teve um papel importante na difusão da metalurgia do cobre na África desde o segundo milênio da Era Cristã A magnitude dessa difusão deve se em grande parte à presença de minas de cobre no complexo geológico básico do Nilo Durante muito tempo o vale do Nilo conheceu apenas o ferro meteórico80 É apenas no fim do século VIII antes da Era Cristã que o ferro começa a se difundir pelo vale inferior um século depois é tão utilizado quanto o bronze e o cobre Nessa época é fundido e trabalhado no Egito nos centros de influência grega O vale do Nilo ocupa então um lugar de destaque na difusão do ferro na África81 É possível que esse metal tenha sido trabalhado mais remotamente no vale superior do Nilo do que no vale inferior o que explicaria sua utilização frequente sob a XXV dinastia originário de Dongola por volta de 800 Todavia ainda que o vale superior dispusesse ao mesmo tempo de minério de ferro e de florestas para a fabricação do carvão vegetal necessário à metalurgia do ferro é somente a partir do século I antes da Era Cristã com o desenvolvimento da civilização meroítica entre a Terceira e a Sexta Catarata que o ferro se difundirá por vastas áreas82 Portanto foi sobretudo como iniciadora da civilização de Meroé que a cultura nilótica de Napata do século VII ao século IV antes da Era Cristã desempenhou um papel importante na difusão do ferro na África 79 G A REISNER 1923 cap 26 p 176 205 80 P L SHINNIE 1971 p 92 94 81 A LUCAS 1962 op cit p 235 43 82 O papel de Meroé na difusão do ferro na África não é tão evidente quanto se acreditava há algum tempo cf P L SHINNIE 1971 p 94 95 que cita também B C TRIGGER 1969 p 23 50 Na verdade Meroé não é o único centro possível de difusão O ferro pôde ser difundido a partir da África do Norte através das rotas das caravanas que cruzavam o Saara cf P L SHINNIE 1967 p 168 com uma referência a C HUARD 1960 p 134 78 e 1964 p 49 50 833 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Os capítulos anteriores demonstram amplamente o importante papel desempenhado pela África no alvorecer da humanidade A África e a Ásia atualmente colocadas na periferia do mundo tecnicamente desenvolvido estavam na vanguarda do progresso durante os primeiros 15000 séculos da história do mundo desde o australopiteco e o pitecantropo De acordo com os conhecimentos de que dispomos atualmente a África foi o cenário principal da emergência do homem como espécie soberana na terra assim como do aparecimento de uma sociedade política Mas esse papel eminente na Pré História será substituído durante o período histórico dos dois últimos milênios por uma lei de desenvolvimento caracterizada pela exploração e pela sua redução ao papel de utensílio A África pátria do homem Embora não haja certeza absoluta a esse respeito pelo fato de a história da humanidade continuar obscura desde as origens de a história subterrânea não ter sido inteiramente exumada de as escavações estarem apenas no começo na África e de a acidez do solo devorar muitos restos fósseis as descobertas feitas até aqui já classificam este continente como um dos grandes senão o principal berço do fenômeno de hominização Isso é verdade já na fase do queniapiteco Kenyapithecus wickeri 14 milhões de anos que alguns consideram o iniciador Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada J Ki Zerbo 834 Metodologia e pré história da África da dinastia humana O ramapiteco da Ásia é apenas uma variedade que conseguiu alcançar a Índia a partir da África Mas isso se verifica sobretudo com o australopiteco Australopithecus Africanus ou afarensis que é incontestavelmente o primeiro hominídeo bípede explorador das savanas da África oriental e central e cujas moldagens endocranianas revelaram um desenvolvimento dos lobos frontais e parietais do cérebro testemunhando já um nível elevado das faculdades intelectuais Em seguida temos os zinjantropos e a variedade que tem o tão prestigioso nome de Homo habilis São os primeiros humanos a representarem um novo salto na ascensão para o status de homem moderno Vêm depois os arcantropos pitecantropos e atlantropos os paleantropos ou neandertalenses e finalmente o tipo Homo sapiens sapiens homem de Elmenteita no Quênia de Kibish na Etiópia cujas características frequentemente negroides foram observadas por muitos autores no período Aurignaciense Superior Quer sejam policentristas ou monocentristas todos os estudiosos reconhecem que é na África que se encontram todos os elos da corrente que nos liga aos mais antigos hominídeos e pré hominídeos incluindo as variedades que aparentemente ficaram no estágio de esboço do homem e não puderam empreender a arrancada histórica que permitiu chegar à estatura e ao status de Adão Além disso é na África que se encontram ainda os ancestrais ou melhor os considerados primos do homem Segundo W W Howells os grandes macacos da África o gorila e o chimpanzé estão realmente mais próximos do homem do que qualquer um dos três em relação ao orangotango da Indonésia1 E não sem motivo A Ásia em suas latitudes inferiores e sobretudo a África em virtude de seu notável mergulho no hemisfério sul escapavam das desanimadoras condições climáticas das zonas setentrionais Assim durante os cerca de 200000 anos do Kagueriano a Europa coberta por camadas de gelo não oferece nenhum vestígio de utensílios paleolíticos enquanto a África no mesmo período apresenta três variedades sucessivas de pedras talhadas segundo técnicas em evolução De fato as latitudes tropicais beneficiavam se na época de um clima temperado favorável à vida animal e a seu desenvolvimento Se quisermos detectar as causas do aparecimento do homem temos de levar em conta em primeiro lugar o meio geográfico e ecológico Em seguida é preciso considerar a tecnologia e por fim o meio social A adaptação ao meio A adaptação ao meio foi um dos mais poderosos fatores de formação do homem desde suas origens As características morfossomáticas das populações 1 W W HOWELLS 1972 p 5 835 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada africanas até o presente foram elaboradas nesse período crucial da Pré História Assim o caráter glabro da pele sua cor morena acobreada ou negra a abundância de glândulas sudoríparas as narinas e os lábios proeminentes de grande número de africanos os cabelos crespos encaracolados ou encarapinhados tudo isso provém das condições tropicais A melanina e o cabelos encarapinhados por exemplo protegem do calor Além disso a postura ereta que foi uma etapa tão decisiva do processo de hominização e que implicou ou acarretou um novo arranjo dos ossos da cintura pélvica está ligada na opinião de alguns pré historiadores à adaptação ao meio geográfico das savanas de ervas altas dos planaltos do leste africano era preciso manter se sempre ereto para olhar por cima a fim de espreitar sua presa ou fugir dos animais hostis Outros cientistas Alister Hardy por exemplo consideram o meio aquático responsável não só pelo aparecimento de vida mas também pela hominização Esse é também o ponto de vista de Mrs Elaine Morgan para quem tal processo se teria desenvolvido na África às margens dos grandes lagos ou do oceano Ela explica a postura ereta pela necessidade de manter a cabeça fora da água na qual se havia mergulhado para escapar de animais muito fortes mas que evitam a água Atribui ainda ao meio aquático certas características humanas como a existência de uma camada gordurosa subcutânea a posição retraída dos órgãos sexuais na mulher e o alongamento correspondente do órgão sexual masculino o fato de sermos os únicos primatas que choram etc2 Todas essas adaptações biológicas foram gradativamente incorporadas pela hereditariedade e passaram a ser transmitidas como características permanentes A adaptação ao meio impôs também o estilo dos primeiros utensílios humanos Assim C Gabel manifesta se a favor de uma origem autóctone dos utensílios do tipo capsiano no qual o estilo de lâminas buris e raspadores se adapta a um material excelente a obsidiana O meio tecnológico O meio tecnológico criado pelos hominídeos africanos foi com efeito o segundo fator que lhes permitiu distinguirem se do restante na natureza e posteriormente dominá la É por ter sido faber artesão que o homem se tornou sapiens inteligente Com as mãos livres da necessidade de apoiar o corpo o homem estava apto a aliviar os músculos e os ossos do maxilar e do crânio de numerosos trabalhos 2 A HARDY especialista em biologia marinha citado por Elaine MORGAN 1973 p 33 55 836 Metodologia e pré história da África Daí a liberação e o crescimento da caixa craniana onde os centros sensitivo motores do córtex se desenvolvem Além disso a mão confronta o homem com o mundo natural É uma antena que capta um número infinito de mensagens as quais organizam o cérebro e o fazem chegar ao julgamento particularmente através do conceito de meios apropriados para alcançar um dado fim princípio de identidade e causalidade Após terem aprendido a lascar grosseiramente a pedra quebrando a de modo desigual em pedaços cujo tamanho depende de mero acaso pebble culture do homem de Olduvai os homens pré históricos africanos passaram para uma etapa mais consciente do trabalho criador A presença de utensílios líticos em diferentes estágios de elaboração nas grandes oficinas como as das cercanias de Kinshasa permite concluir que a representação do objeto terminado era apreendida desde a etapa inicial e se materializava lasca a lasca Como em outros lugares o progresso nessa área passou do lascamento obtido através da batida de um seixo contra outro ao lascamento com o auxílio de um percutor menos duro e cilíndrico martelo de madeira de osso etc depois à percussão indireta por intermédio de um cinzel e finalmente à pressão para os retoques de acabamento especialmente nos micrólitos Um progresso constante caracteriza o domínio do homem pré histórico sobre os utensílios Desde os primeiros passos reconhece se na mudança de material no acabamento dos instrumentos e das armas esta busca da eficácia sempre mais apurada e da adaptação a fins cada vez mais complexos que é o sinal da inteligência e que liberta os homens dos estereótipos do instinto Foi assim que se passou do biface factotum às indústrias de lascas Egito Líbia Saara depois às fácies mais especializadas do Ateriense3 do Fauresmithiense4 do Sangoense5 do Stillbayense6 e finalmente às formas mais refinadas do Neolítico Capsiense Wiltoniense Magosiense Elmenteitiense Na África mais do que em qualquer outro lugar é impossível traçar um limiar cronológico nítido que permita demarcar em números precisos a passagem de um estágio a outro As diferentes fases da Pré História aparentemente se sobrepuseram se interpenetraram e coexistiram durante longos períodos Na mesma camada estratigráfica podemos encontrar relíquias da Idade da Pedra primitiva utensílios muito mais evoluídos pedras polidas e até objetos de 3 De Bir el Ater na Argélia 4 De Fauresmith na África do Sul 5 De Sango Bay na margem oeste do lago Vitória 6 De Stillbay na província do Cabo 837 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada metal É assim que o Sangoense que começa a partir da primeira Idade da Pedra se prolonga até o fim do Neolítico O conjunto destes progressos caracterizado por trocas e empréstimos múltiplos apresenta se antes sob a forma de vagas de invenções com amplo raio histórico entrecruzando se às vezes e se inscrevendo numa curva ascendente geral que deságua no período histórico da Antiguidade após o domínio das técnicas agropastoris e a invenção da cerâmica A cultura do trigo da cevada e das plantas têxteis como o linho do Faium expandia se assim como a criação de animais domésticos Dois focos principais de seleção e de exploração agrícolas exerceram sem dúvida uma influência marcante desde o VI ou V milênio o vale do Nilo e a curva do Níger Foram domesticados o sorgo o milho miúdo algumas variedades de arroz o gergelim o fonio e mais ao sul o inhame o dá lbiscus esculentust por suas folhas e fibras a palmeira oleaginosa a noz de cola e provavelmente uma certa variedade de algodão O vale do Nilo beneficiou se além disso dos produtos vindos da Mesopotâmia como o emmer trigo a cevada as cebolas as lentilhas e as ervilhas os melões e os figos ao passo que da Ásia chegavam à cana de açúcar outras variedades de arroz e a banana esta sem dúvida através da Etiópia Este último país instruído sobre os métodos de cultivo pelos camponeses do vale do Nilo desenvolveu também a cultura do café Os sítios de Nakuru e do rio Njoro no Quênia sugerem igualmente o impulso dado à cultura de cereais Grande número de plantas domesticadas durante a Pré História ainda persistem sob formas às vezes melhoradas e alimentam os africanos até hoje Elas propiciaram a fixação e a estabilização dos homens sem o que não há civilização progressiva O verdadeiro Neolítico que se desenvolveu na Europa ocidental apenas entre 3000 e 2000 começou 3000 anos mais cedo no Egito A cerâmica de Elmenteita Quênia que remonta sem dúvida a cinco milênios é um dos elementos que permite inferir que o conhecimento da cerâmica chegou ao Saara e ao Egito a partir das terras altas da África oriental A cerâmica inovação revolucionária acompanha a acumulação primitiva do capital na forma de bens extraídos da natureza pela indústria humana Com a cozinha começa um dos aspectos mais refinados da cultura que nos permite medir o progresso qualitativo alcançado desde o Homo habilis e sua dieta de folhas raízes e carne de animal recém abatido em suma sua economia de caça A dinâmica social Mas essas mudanças qualitativas que confirmavam e consolidavam as aptidões essenciais do homem só foram possíveis através de trocas com seus 838 Metodologia e pré história da África semelhantes e graças a uma dinâmica social que modelou o ser humano pelo menos tanto quanto os impulsos provenientes das profundezas de sua vitalidade dos meandros de seus lobos cerebrais ou dos interstícios de sua subconsciência O fator social teve aliás um papel importante no nível da agressividade pela eliminação violenta dos mais fracos Assim o Homo sapiens teve de expulsar os neandertalenses após uma espécie de guerra mundial que durou muitas dezenas de milênios Mas a dimensão social também desempenhou um papel mais positivo Os estudos comparativos de moldes endocranianos dos paleantropus e do Homo sapiens revelam justamente que nestes últimos as partes corticais que estão ligadas às funções do trabalho e da fala e à regulação do comportamento do indivíduo no seio da coletividade atingem um desenvolvimento considerável7 Na verdade a sociabilidade teve um papel fundamental na aquisição da linguagem desde os sinais sonoros herdados dos antepassados animais até os sons mais articulados combinados de maneiras diferentes em forma de sílabas A fase de lalação caracterizada por monossílabos visava a desencadear como por reflexo condicionado um certo ato gesto ou comportamento ou ainda chamar a atenção para determinado acontecimento ocorrido ou iminente Em resumo no começo a fala era essencialmente relação Ao mesmo tempo o alongamento da mandíbula fazia recuar os órgãos da garganta abaixando assim o ponto de ligação da língua O fluxo de ar expirado não mais se encaminhava diretamente para os lábios como nos macacos mas transpunha uma série de barreiras controladas pelos centros corticais8 Em suma a fala é um processo dialético entre a biologia as técnicas e o espírito mas depende da mediação do grupo Sem um parceiro a lhe fazer eco sem um interlocutor o homem teria permanecido mudo Reciprocamente porém a fala é uma aquisição tão preciosa que nas representações mágicas ou cosmogônicas africanas lhe é reconhecido um poder sobre as coisas O verbo é criador A palavra é também o condutor do progresso É a transmissão dos conhecimentos a tradição ou a herança dos ouvidos É a capitalização do saber que eleva o homem definitivamente acima da eterna mecânica fechada do instinto9 Enfim a fala foi a aurora da autoridade social isto é da liderança e do poder 7 V P IAKIMOV 1972 p 2 8 Cf V BOUNAK 1972 p 69 9 Não é a linguagem que permitiu ao homem conceituar memorizar e retransmitir os conhecimentos adquiridos diretamente na experiência da vida cotidiana o mais extraordinário produto da capacidade científica das sociedades não instruídas B VERHAEGEN 1974 p 154 839 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Emergência das sociedades políticas Se o Homo sapiens é um animal político ele passou a sê lo durante esse período pré histórico É muito difícil periodizar as causas e as etapas desse processo Mas nesse caso também as técnicas de produção e as relações sociais desempenharam um papel importante As técnicas Na verdade os pré hominídeos e os homens pré históricos africanos viveram em rebanhos depois em bandos em grupos e em equipes organizadas graças a tarefas técnicas concretas que eles para sobreviverem e viverem melhor só podiam realizar em grupo O habitat já é um aspecto comunitário que aparece desde os primeiros albores da inteligência humana Há sempre um lugar para reunião mesmo que transitório um lugar adaptado ao repouso à defesa ao abastecimento O fogo já reunia periodicamente os membros do grupo para resguardá los dos animais do medo e da escuridão exterior No vale do Omo Etiópia humildes vestígios líticos intencionalmente dispostos delineiam ainda sobre o solo a planta exumada das cabanas dos primeiros hominídeos Tais abrigos irão se aperfeiçoando até essas aldeias neolíticas localizadas em regiões altas pontos privilegiados protegidos das inundações e dos ataques mas próximas de uma fonte de água como por exemplo na falésia de Tichitt Walata Mauritânia Mas era para a pesca e sobretudo para a caça que a identidade de objetivos se manifestava de modo decisivo Nossos ancestrais pré históricos não podiam abater animais dotados de maior força do que eles a não ser por meio de uma organização superior Reuniam se para encurralar os animais acossando os em direção às falésias e ravinas onde alguns de seus companheiros se tinham postado para liquidá los Cavavam junto às fontes de água onde a caça graúda chegava em grande quantidade na época da seca armadilhas gigantescas dentro das quais os animais caíam Mas era necessário a seguir abater o animal esquartejá lo e transportar os pedaços tarefas que já exigem uma certa divisão do trabalho Esta adquire toda a sua importância no Neolítico graças à crescente diversificação de atividades Realmente o jovem do Paleolítico não tinha escolha Sua orientação profissional era automática coleta caça ou pesca No Neolítico porém a margem de escolha é muito maior o que implica uma criteriosa repartição das tarefas que se tornam cada vez mais especializadas 840 Metodologia e pré história da África para mulheres e homens camponeses e pastores sapateiros artesãos em pedra madeira ou osso e logo ferreiros As relações sociais Essa nova organização e a crescente eficácia das ferramentas permitiram liberar pessoal excedente oferecendo a alguns a possibilidade de abandonar a função de produtor de bens para se dedicarem aos serviços As relações sociais se diversificam ao mesmo tempo que os grupos que se justapõem ou se sobrepõem num esboço de hierarquia É também o momento em que as raças se formam e se fixam as mais arcaicas são os khoisan e os pigmeus O negro de grande porte sudanês ou bantu aparecerá mais tarde assim como o homem de Asselar vale do Oued Tilemsi no Mali O negro que há pouco havia empreendido uma expansão pluricontinental10 diferenciou se e desenvolveu se ao que parece vitoriosamente na África sua terra de origem a partir do Saara No entanto em outras regiões era rechaçado como no reduto dravídico do Deccan na Ásia ou suplantado como na Europa por raças mais bem adaptadas às condições climáticas desfavoráveis Esse fato ocorreu também nas regiões da África do norte em favor das raças mediterrâneas Segundo Furon as estatuetas do Aurignaciense apresentam um tipo étnico negroide Para esse autor de fato os aurignacienses negroides prolongam se numa civilização conhecida como capsiense11 Dumoulin de Laplante por sua vez escreve Nessa época uma migração de negroides do tipo hotentote teria partindo da África meridional e central submergido a África do norte e trazido para a Europa mediterrânea à força uma nova civilização o Aurignaciense12 Deve se portanto concluir que na orla do mundo negro antigas mestiçagens são responsáveis por populações com características negroides menos marcantes prematuramente batizadas de raça parda peul etíopes somalis nilotas etc Falou se mesmo abusivamente de raça camita Um outro domínio em que a representação da vida social nos é mostrada com insuperável vigor é o da arte pré histórica africana mural e plástica Tendo sido a África o continente mais importante na evolução pré histórica aquele onde as populações de hominídeos e posteriormente de hominíeos eram as mais antigas 10 Cf Há 30000 anos a raça negra cobria o mundo Sciences et Avenir outubro 1954 n 92 Ver também A MORET 1931 11 R FURON 1943 p 14 15 12 DUMOULIN DE LAPLANTE 1947 p 13 841 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada as mais numerosas e as mais inventivas não é surpreendente que a arte pré histórica africana seja de longe a mais rica do mundo e que tenha imposto na época um dominium tão importante quanto a música negro africana no mundo de hoje Esses vestígios estão concentrados sobretudo na África meridional e oriental no Saara no Egito e nos altos planaltos do Atlas Seguramente essa arte foi muitas vezes o reflexo do deslumbramento individual diante da efervescente vida animal que se agitava ao redor do abrigo Na maioria das vezes contudo trata se de uma arte social centrada nas tarefas cotidianas os trabalhos e os dias do grupo seus confrontos com as feras ou os clãs hostis suas ânsias e seus terrores seus passatempos e seus jogos em suma os pontos altos da vida coletiva Galerias ou afrescos animados e palpitantes que refletem no espelho das paredes rochosas a vida impetuosa ou bucólica dos primeiros clãs humanos Essa arte que tem sua origem numa técnica apurada até o mais alto grau reflete com frequência também as preocupações e as angústias espirituais do grupo Representa danças de feitiçaria grupos de caçadores mascarados feiticeiros em plena ação mulheres com o rosto pintado de branco como ainda hoje se faz na África negra nas cerimônias de iniciação e que se apressam como que chamadas para algum misterioso encontro Sente se aliás com o correr do tempo uma passagem gradual da magia à religião o que confirma a evolução do homem para a sociedade política durante a Pré História africana já que grande número de líderes são no início simultaneamente chefes e sacerdotes De fato o crescimento das forças produtivas no Neolítico deve ter provocado uma expansão demográfica que por sua vez desencadeou fenômenos migratórios como prova a dispersão característica de certas oficinas pré históricas cujo material lítico apresenta parentesco de estilo O raio de ação dos ataques e das mudanças definitivas estendia se à medida que aumentava a eficácia das ferramentas e das armas às vezes relacionada com a redução de seu peso A África é um continente que os homens percorreram em todos os sentidos atraídos pelos imensos horizontes dessa vasta terra A inextricável confusão das imbricações que o mapa étnico africano apresenta hoje num quebra cabeça que desencorajaria um computador é resultado desse movimento browniano dos povos de envergadura plurimilenar Tanto quanto se possa julgar os primeiros movimentos migratórios parecem ter começado com os Bantu do leste e do nordeste para se expandirem em direção ao oeste e ao norte Depois a partir do Neolítico a tendência geral é aparentemente a descida para o sul como sob o efeito repulsivo do gigantesco deserto terrível faixa ecológica instalada soberanamente desde então de um lado a outro do continente Esse refluxo para o sul e para o leste sudaneses bantu nilotas etc prosseguirá durante o 842 Metodologia e pré história da África Da natureza bruta à humanidade liberada Figura 291 Australopithe cus boisei jazidas do Omo Col Museu do Homem Foto Oster nº 771495493 Figura 292 Laboratório desti nado às pesquisas sobre o rema nejo do delta do Senegal Rosso Bethio Senegal Foto B Nantet 843 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada período histórico até o século XIX quando as últimas vagas terminariam nas costas do mar austral O líder de caravana que carregado de amuletos e armas conduziu o clã ao progresso ou à aventura é o ancestral epônimo que impulsionava seu povo para a história e cujo nome atravessará os séculos aureolado com um halo de veneração quase ritual Na verdade as migrações eram essencialmente fenômenos de grupos atos de componentes eminentemente sociais Essas migrações consequências de vitórias ou derrotas no meio original apresentarão finalmente um saldo com resultados ambíguos Por um lado propiciam de fato o progresso porque a ocupação de porções sucessivas e convergentes garante pouco a pouco a posse ou então o domínio do continente além disso graças às trocas que promovem põem em relevo as inovações por uma espécie de efeito cumulativo Por outro lado contudo diluindo a densidade do povoamento num espaço imenso impedem os grupos humanos de atingirem o limiar de concentração a partir do qual para sobreviver o formigueiro humano é obrigado a se ultrapassar em invenções A dispersão no meio geográfico aumenta a influência deste último e tende a reconduzir os primeiros clãs africanos às origens obscuras em que o homem abria caminho por meio de um parto doloroso através da crosta opaca do universo não inteligente O movimento histórico Assim a trama da evolução humana da qual acabamos de traçar resumidamente o sentido e as etapas revela nos o homem pré histórico africano afastando se penosamente da natureza para mergulhar pouco a pouco na coletividade humana em forma de grupos de comunidades primitivas agregando se e desagregando se para se recompor de outras formas com técnicas que cada vez mais utilizam ferramentas ou armas de ferro em casamentos ou combates que fazem ressoar os primeiros cantos de amor e os primeiros choques de armas da história O que impressiona nessa ascensão é a permanência através do movimento histórico até pleno século XX de comunidades originariamente nascidas na Pré História Aliás se demarcarmos como início da História a utilização de objetos de ferro podemos dizer que a Pré História teve continuidade em várias regiões africanas até o ano 1000 aproximadamente Ainda no século XIX as forças produtivas e as relações socio econômicas de grande número de grupos africanos não apenas paleonegríticos não eram substancialmente diferentes daquelas da Pré História exceto quanto à utilização de instrumentos de metal As técnicas de caça dos 844 Metodologia e pré história da África pigmeus reproduzem em pleno século XX as próprias técnicas dos africanos da Pré História de milhares de anos atrás Para além do esplêndido apogeu da civilização egípcia e das realizações eminentes ou gloriosas de tantos reinos e impérios africanos essa realidade maciça perdura dando corpo e textura à linha de desenvolvimento das sociedades africanas e merece ser destacada de forma conveniente Decerto o sentido da história nunca implicou uma direção unívoca com a qual o espírito dos homens tenha concordado unanimemente As concepções a esse respeito são múltiplas Marx e Teilhard de Chardin têm cada um as suas A própria África produziu pensadores alguns dos quais tinham uma visão profunda da dinâmica e do destino do movimento histórico Santo Agostinho 354 430 faz a visão dos historiadores dar um passo de gigante ao romper com a concepção cíclica do eterno retorno corrente nessa época e professar que do pecado original ao juízo final existe um eixo irreversível traçado em seu conjunto pela vontade divina mas ao longo do qual por seus atos cada homem se salva ou se perde E a cidade terrestre é estudada em seu passado apenas para que nela sejam detectados os sinais anunciadores da Cidade de Deus Por sua vez Ibn Khaldun 1332 1406 embora reconhecendo a Alá um império eminente sobre os destinos humanos é o fundador da História como ciência fundamentada em provas confirmadas pela razão Deve se confiar em seu próprio julgamento já que toda verdade pode ser concebida pela inteligência Por outro lado para ele o objetivo dessa ciência não é apenas a espuma superficial dos acontecimentos qual é a vantagem de relatar os nomes das mulheres de um antigo soberano ou a inscrição gravada em seu anel Ele estuda sobretudo os modos de produção e de vida as relações sociais em suma a civilização al Umrān al Basharī Finalmente elabora para explicar o processo de progressão da história uma teoria dialética que opõe o papel do espírito solidário igualitarista asabiya à ditadura do rei respectivamente nas zonas rurais e pastoris al Umrān al Badawī e nas cidades al Umrān al Hadarī Portanto há uma passagem incessante e alternada do dominium de um ao da outra forma de civilização sem que esse ritmo seja cíclico pois se reproduz a cada vez em um nível superior para dar origem a uma espécie de progressão em espiral Afirmando que as diferenças nos costumes e nas instituições dos diversos povos dependem da maneira como cada um deles provê à sua subsistência Ibn Khaldun formulava com clareza e alguns séculos de antecedência uma das proposições fundamentais do materialismo histórico de Karl Marx Este último após ter analisado com o vigor e o poder de síntese que lhe são característicos 845 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada a lei da evolução do mundo ocidental debruçou se subsidiariamente sobre os modos de produção exóticos Em 1859 em Formen destaca o conceito de modo de produção asiático uma das três formas de comunidade agrárias naturais baseadas na propriedade comum do solo O modo de produção asiático caracteriza se pela existência de comunidades aldeãs de base dominadas por um corpo estatal beneficiário dos excedentes de produção dos camponeses submetidos não a uma escravidão individual mas a uma escravidão geral que os subordina como grupo Portanto concomitantemente a um poder de função pública os dirigentes exercem um poder de exploração das comunidades inferiores Essa comunidade superior atribui a si a propriedade suprema das terras13 comercializa os excedentes e empreende trabalhos de vulto sobretudo de irrigação para aumentar a produção Em resumo exerce sobre as massas uma autoridade qualificada de despotismo oriental Ora os conhecimentos arqueológicos e antropológicos acumulados desde Marx mostraram que o desenvolvimento de certas sociedades não é redutível nem a todos os cinco estágios definidos por Marx em O Capital e erigidos em dogma intangível por Stalin nem à variedade pré capitalista do modo de produção asiático considerado uma variante da passagem para o Estado no caso de sociedades não europeias Em particular e dependendo de estudos monográficos posteriores invalidando essa proposição a análise concreta das estruturas africanas não permite isolar todas as características formuladas por Marx para descrever a sucessão dos diferentes modos de produção Assim no estágio da comunidade primitiva contrariamente às formas europeias antiga e germânica que se diferenciam pelo fato de a apropriação privada do solo já se desenvolver no seio da propriedade comum a realidade africana não revela tal apropriação14 Fora essa notável característica as comunidades originais da África apresentam os mesmos traços de outras do resto do mundo Da mesma forma são muito flagrantes as diferenças que existem entre as estruturas africanas e o modo de produção asiático Com efeito nas comunidades aldeãs africanas a autoridade superior o Estado não é mais proprietária da terra do que os particulares Por outro lado o Estado geralmente não empreende trabalhos de vulto Quanto à própria estrutura 13 A unidade superior é apresentada como o proprietário superior ou como o único proprietário Com efeito Marx ora insiste sobre o fato de que o próprio Estado é o verdadeiro proprietário da terra ora faz simultaneamente observações sobre a importância dos direitos de propriedade das comunidades aldeãs Sem dúvida não existe contradição entre essas duas tendências J CHESNEAUX 1969 p 29 14 Não existe propriedade privada da terra no sentido do direito romano ou do Código Civil J SURET CANALE 1964 p 108 846 Metodologia e pré história da África do poder enquanto superestrutura não se inclui em nenhuma definição de modo de produção embora seja um indício da constituição de classes Essa estrutura na África não apresenta os traços do despotismo oriental descrito por Marx15 Sem negar que tenham existido casos de autocracia sanguinária a autoridade estatal na África negra quase sempre assume a forma de uma monarquia moderada limitada por corpos constituídos e costumes verdadeiras constituições não escritas instituições em geral herdadas da organização ou da estratificação social anteriores Mesmo no caso de impérios prestigiosos e eficientes como o Mali descritos com admiração por Ibn Battuta no século XIV que se estendiam por vastos territórios a descentralização por escolha deliberada deixava as comunidades de base funcionarem dentro de um verdadeiro sistema de autonomia De qualquer modo sendo a escrita em geral pouco utilizada e tendo as técnicas e os meios de deslocamento permanecido pouco desenvolvidos o poder das metrópoles era sempre diminuído pela distância Essa distância tornava igualmente muito concreta a permanente ameaça de os subordinados se livrarem de uma eventual autocracia por meio da fuga Por outro lado na África a produção excedente das comunidades de base parece ter sido modesta exceto quando havia um monopólio estatal sobre gêneros preciosos como o ouro em Gana ou Ashanti o marfim o sal etc No entanto mesmo nesse caso não devemos esquecer a contrapartida de serviços prestados pela chefia segurança justiça mercados etc nem minimizar o fato de que uma boa parte das contribuições e rendas era redistribuída por ocasião das festas costumeiras conforme o código de honra em vigor para os que deviam viver nobremente16 Isso explica a suntuosa generosidade de Kankou Mussa o Magnífico imperador do Mali na época de sua faustosa peregrinação em 1324 Quanto ao modo de produção escravista existia ele na África Também nesse caso somos obrigados a responder negativamente Em quase todas as sociedades ao sul do Saara a escravidão desempenhou um papel apenas marginal Os 15 Se entendemos por despotismo uma autoridade absoluta e arbitrária não podemos rejeitar a ideia de um despotismo africano J SURET CANALE op cit p 125 Não acreditamos que haja razões para encontrar na organização dos Estados africanos a reprodução de um modelo tomado de empréstimo à Ásia no máximo podemos destacar algumas semelhanças superficiais Op cit p 122 16 J MAQUET após ter observado que para G BALANDIER afinal o preço que os detentores do poder político deviam pagar nunca é integralmente recompensado acredita por sua vez que os serviços públicos dos chefes exigem um poder coercitivo apenas nas sociedades muito vastas heterogêneas e urbanas Em qualquer outra parte a estrutura de linhagens e suas sanções não impostas pela força são suficientes Portanto conclui Excetuando a redistribuição era sem contrapartida econômica que o excedente de uma sociedade tradicional era apropriada pelos governantes J MAQUET 1970 p 99 101 847 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada escravos ou melhor os cativos eram quase sempre prisioneiros de guerra O cativeiro não reduzia um homem ao estado de propriedade pura e simples no sentido definido por Catão O próprio escravo africano gozava frequentemente de um certo direito de propriedade e geralmente não era explorado como um instrumento ou animal O prisioneiro de guerra caso não fosse sacrificado ritualmente como acontecia às vezes era muito rapidamente integrado à família da qual se tornara propriedade coletiva Era um complemento humano da família que se beneficiava com o tempo de uma libertação de direito ou de fato Quando empregados como soldados de infantaria os prisioneiros gozavam de vantagens substanciais e às vezes como em Kayor chegavam a ser representados no governo na pessoa do generalíssimo Em Ashanti para garantir a integração nacional era estritamente proibido fazer alusão à origem servil de alguém de modo que um antigo prisioneiro podia tornar se chefe de aldeia A condição de prisioneiro embora comum na África não implicava um papel determinado na produção que caracteriza uma classe social17 Em locais onde a escravidão adquire caráter maciço e qualitativamente diferente como no Daomé em Ashanti e em Zanzibar nos séculos XVIII e XIX trata se de estruturas originadas já de um modo de produção dominante o capitalismo e que na realidade são suscitadas pelo impacto econômico exterior E que dizer do modo de produção feudal Comparações precipitadas levaram alguns autores a qualificarem de feudal uma ou outra chefia africana 18 Também nesse caso contudo falando em termos gerais não há apropriação nem atribuição privada da terra portanto não há feudo O solo é um bem comunitário inalienável a tal ponto que o grupo de conquistadores que se apropria do poder político deixa com frequência a responsabilidade das terras da comunidade ao dirigente autóctone o chefe da terra o teng soba mossi por exemplo Na verdade a autoridade da aristocracia era exercida sobre os bens e os homens sem atingir a propriedade fundiária em si prerrogativa dos autóctones19 Aliás a nobreza africana não entrou para o comércio Continuava a ser sempre um atributo de nascimento do qual ninguém podia privar o titular 17 J SURET CANALE op cit p 119 Ver também A A DIENG C E R M n 114 1974 crítica penetrante e documentadas das teses marxistas elásticas de M DIOP 1971 1972 18 Mesmo quando se pensa como J MAQUET lembrando M BLOCH e GANSHOF que não é o feudo mas a relação entre o senhor e o vassalo que é crucial é claro que não saberíamos dissociar inteiramente um do outro As relações de feudalismo que o autor descreve parecem aliás um tanto peculiares às sociedades interlacustres e estabelecem se frequentemente como em Ankole ou em Buha entre os membros da casta superior Nessas condições trata se da mesma realidade institucional da Europa por exemplo 19 Cf V KABORE 1962 p 609 23 848 Metodologia e pré história da África Finalmente devemos considerar as estruturas socioeconômicas como o sistema familiar matrilinear que caracterizou fortemente as sociedades africanas pelo menos em sua origem antes que influências posteriores como o islamismo a civilização ocidental etc impusessem pouco a pouco o sistema patrilinear Essa estrutura social tão importante para definir o eminente papel da mulher na comunidade comportava igualmente consequências econômicas políticas e espirituais uma vez que ela desempenhava um papel marcante tanto na herança de bens materiais como dos direitos à sucessão real a exemplo do que ocorria em Gana O parentesco uterino parece ter saído das profundezas da Pré História africana do momento em que a sedentarização do Neolítico tinha exaltado as funções domésticas da mulher a ponto de torná las o elemento central do corpo social Numerosas práticas têm origem nesse fato tais como o parentesco de brincadeira o casamento com a irmã o dote pago aos pais da futura esposa etc Nessas condições como se pode descrever a linha de evolução característica das sociedades africanas moldadas pela Pré História Deve se observar inicialmente que durante esse período a África desempenhou nas relações intercontinentais o papel de pólo e foco central de invenção e divulgação das técnicas Mas essa alta função bem depressa se transformou em posição subordinada e periférica em virtude dos fatores internos antagônicos acima mencionados e igualmente em consequência do usufruto de bens e serviços africanos sem compensação suficiente em favor desse continente por exemplo sob a forma de uma transferência equivalente de capitais e de técnicas Essa exploração plurimilenar da África teve três períodos culminantes Primeiro a Antiguidade quando após o declínio do Egito o vale do Nilo e as províncias romanas do resto da África do norte sofrem intensa exploração e tornam se o celeiro de Roma Além dos gêneros alimentícios o Império Romano retirou da África uma quantidade enorme de animais selvagens de escravos e de gladiadores para o exército os palácios os latifúndios e os jogos sanguinários do circo No século XVI começa a sinistra era do tráfico de negros Finalmente no século XIX assistimos à consagração da dependência pela ocupação territorial e pela colonização A acumulação de capital na Europa e o progresso da revolução industrial fenômenos simultâneos e complementares seriam inconcebíveis sem a contribuição forçada da Ásia das Américas e sobretudo da África Paralelamente mesmo durante os séculos de desenvolvimento interno em que a rapina externa não era tão acentuada da Antiguidade ao século XVI numerosas contradições no interior do próprio sistema africano constituíam obstáculos estruturais endógenos à passagem por pressão interna para estruturas 849 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada mais progressivas Como observa com perspicácia J Suret Canale a respeito do modo de produção asiático mas essa observação vale a fortiori para o caso africano incluindo o período colonial Nesse sistema com efeito o recrudescimento da exploração de classe longe de destruir as estruturas baseadas na propriedade coletiva da terra reforça as elas constituem o quadro no qual se efetua a retirada antecipada do sobreproduto condição indispensável da exploração Realmente são as comunidades de base que como tais são responsáveis pelo pagamento do sobreproduto A África dos clãs e das aldeias ainda existentes pouco vinculada à apropriação privada da terra um bem tão vasto e tão precioso mas também tão gratuito quanto o ar ignorou durante muito tempo o problema da aquisição de terras como fonte de conflitos entre grupos sociais Mas essa não foi a única causa do arcaísmo das formas sociais observáveis na África O baixo nível das técnicas e das forças produtivas numa espécie de círculo vicioso era simultaneamente causa e consequência da diluição demográfica num espaço não controlado porque quase ilimitado Em virtude dos obstáculos naturais o tráfico comercial de longa distância quase nunca se tornou muito ponderável apoiando se nos produtos de luxo frequentemente limitados aos oásis econômicos dos palácios De fato sem recorrer à noção plekhariovista de meio geográfico pois este útimo é apenas uma das facetas do meio histórico devemos efetivamente levar em conta as barreiras ecológicas mencionadas na Introdução deste volume A contraprova dessa afirmação é que todas as vezes em que essas barreiras foram total ou parcialmente suprimidas como no vale do Nilo e em menor escala no vale do Níger a dinâmica social ativou se em favor do progresso concomitante da densidade humana e da propriedade privada Assim não houve na África negra em seu conjunto nem fase escravista nem fase feudal como no Ocidente20 Nem se pode dizer que os modos africanos sejam modalidades desses sistemas socioeconômicos pois frequentemente há falta de elementos constitutivos essenciais Isso significa que se deve subtrair a África aos princípios gerais de evolução da espécie humana Evidentemente não No entanto mesmo que esses princípios sejam comuns a toda a humanidade mesmo admitindo que o essencial das categorias metodológicas gerais do 20 J CHESNEAUX op cit p 36 O que parece bem definido é a quase impossibilidade de considerar que as sociedades africanas pré coloniais com raras exceções dependem da escravidão ou do feudalismo propriamente ditos 850 Metodologia e pré história da África materialismo histórico seja universalmente aplicável haveria razões para nos concentrarmos unicamente no essencial as correspondências não mecânicas que podem ser observadas entre as forças produtivas e as relações de produção assim como a passagem não mecânica das formas de sociedade sem classes às formas sociais de lutas de classe Nesse caso conviria analisar as realidades africanas no contexto não de um retorno mas de recurso a Karl Marx Se a razão é una a ciência consiste em aplicá la a cada um de seus objetos Em resumo constata se na África a permanência marcante de um modo de produção sui generis semelhante aos outros tipos de comunidades primitivas mas com diferenças fundamentais especialmente uma espécie de aversão à propriedade privada ou estatal21 A seguir há uma passagem gradual e esporádica para formas estatais elas próprias imersas durante muito tempo na rede de relações pré estatais subjacentes tais formas emergem progressivamente por impulso interno e pressão externa da ganga do coletivismo primitivo desestruturado para se reorganizarem com base na apropriação privada e no fortalecimento do Estado num modo de produção capitalista inicialmente dominante e depois monopolizador O Estado colonial foi na realidade criado para administrar as sucursais periféricas do capital antes de ser substituído por um Estado capitalista independente em meados do século XX Alternativamente ocorreu a transição do predomínio comunitário original para o do capitalismo colonial e depois para uma via socialista de desenvolvimento De qualquer forma um fato se impõe claramente na África por razões estruturais que não sofreram modificações em sua essência há pelo menos meio milênio e levando em conta o crescimento demográfico as forças produtivas estagnaram se fato que não exclui crescimentos esporádicos e localizados com ou sem desenvolvimento Essa estagnação não exclui também o extraordinário florescimento artístico nem o refinamento das relações interpessoais E como se os africanos tivessem investido nessas áreas a essência de sua energia criadora22 Em resumo a civilização material que teve origem nas latitudes tropicais afro asiáticas durante a Pré História espalhou se em direção às latitudes setentrionais até o istmo europeu onde por um processo cumulativo de conjugação de técnicas 21 Aversão que não está relacionada a um específico estado inato nem a uma natureza diferente mas a um meio histórico original 22 Essa é a razão pela qual na definição de um eventual modo de produção africano deveria dar se atenção especial às instituições sociológicas políticas e ideológicas com referência às análises de A GRAMSCI e de N POULANTZAS 851 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada e de açambarcamento de capitais por assim dizer se instalou e se cristalizou brilhantemente E de onde virá a transformação desse sistema que se espalha pelo mundo De seu núcleo ocidental ou da periferia reeditando assim o papel dos bárbaros em relação ao Império Romano A história o dirá Desde já podemos afirmar que a pré história da África é a história da hominização de um primata diferenciado e posteriormente da humanização da Natureza por esse agente vetor responsável por todo o progresso É uma longa marcha durante a qual o equilíbrio entre a natureza e o homem se rompeu pouco a pouco em favor da razão Restava o equilíbrio ou o desequilíbrio dinâmico entre os grupos humanos dentro do continente e em relação ao exterior Ora quanto mais as forças produtivas aumentam mais os antagonismos afiam o gume do interesse e do desejo de poder As lutas de libertação que ainda hoje assolam alguns territórios da África são simultaneamente o indicador e a negação desse empreendimento de domesticação do continente no contexto de um sistema que poderíamos chamar de modo de subprodução africano Mas desde os primeiros balbucios do Homo habilis encontramos já a mesma luta de libertação a mesma intenção obstinada e irreprimível de ter acesso ao ser mais desvencilhando se da alienação pela natureza e depois pelo homem Em suma a criação a autocriação do homem iniciada há milhares de milênios ainda prossegue na África Em outros termos de certa maneira a Pré História da África ainda não terminou 853 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África Prof J F A Ajayi Nigéria 1971 Coordenador do volume VI Prof F A Albuquerque Mourão Brasil 1975 Prof A A Boahen Gana 1971 Coordenador do volume VII S Exa Sr Boubou Hama Níger 19711978 demitido em 1978 falecido em 1982 S Exa Sra Mutumba M Bull Ph D Zâmbia 1971 Prof D Chanaiwa Zimbabue 1975 Prof P D Curtin EUA 1975 Prof J Devisse França 1971 Prof M Difuila Angola 1978 Prof Cheikh Anta Diop Senegal 1971 Prof H Djait Tunísia 1975 Prof J D Fage Reino Unido 19711981 demitido S Exa Sr M El Fasi Marrocos 1971 Coordenador do volume III Prof J L Franco Cuba 1971 Sr Musa H I Galaal Somália 19711981 falecido Prof Dr V L Grottanelli Itália 1971 Prof E Haberland República Federal da Alemanha 1971 Dr Aklilu Habte Etiópia 1971 S Exa Sr A Hampaté Bâ Mali 19711978 demitido 854 Metodologia e pré história da África Dr I S ElHareir Líbia 1978 Dr I Hrbek Tchecoslováquia 1971 Codiretor do volume III Dra A Jones Libéria 1971 Pe Alexis Kagame Ruanda 19711981 falecido Prof I M Kimambo Tanzânia 1971 Prof J KiZerbo Alto Volta 1971 Coordenador do volume I Sr D Laya Níger 1979 Dr A Letnev URSS 1971 Dr G Mokhtar Egito 1971 Coordenador do volume II Prof P Mutibwa Uganda 1975 Prof D T Niane Senegal 1971 Coordenador do volume IV Prof L D Ngcongco Botsuana 1971 Prof T Obenga República Popular do Congo 1975 Prof B A Ogot Quênia 1971 Coordenador do volume V Prof C Ravoajanahary Madagáscar 1971 Sr W Rodney Guiana 19791980 falecido Prof M Shibeika Sudão 19711980 falecido Prof Y A Talib Cingapura 1975 Prof A Teixeira da Mota Portugal 19781982 falecido Mons T Tshibangu Zaire 1971 Prof J Vansina Bélgica 1971 Rt Hon Dr E Williams Trinidad e Tobago 19761978 demitido em 1978 falecido em 1980 Prof A Mazrui Quênia Coordenador do volume VIII não é membro do Comitê Prof C Wondji Costa do Marfim Codiretor do volume VIII não é membro do Comitê Secretaria do Comitê Científico Internacional para a Redação de Uma História Geral da África Sr Maurice Glelé Divisão de Estudos e Difusão de Culturas UNESCO 1 rue Miollis 75015 Paris 855 Dados biográficos dos autores do volume I Dados biográficos dos autores do volume I Introdução J KiZerbo Alto Volta Especialista em metodologia da História da África autor de várias obras sobre a África negra e sua história professor de História no Centre dEnseignement Supérieur de Ougadougou Secretário Geral do Conseil Africain et Malgache pour lEnseignement Supérieur Capítulo 1 J D Fage Reino Unido Especialista em História da África Ocidental autor e coeditor de publicações sobre a História da África ProVice Chancellor da Universidade de Birmingham e exdiretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Birmingham Capítulo 2 S Exa Boubou Hama Níger Especialista em tradições orais autor de várias obras sobre a História do Níger e da região do Sudão exDiretor do Centre Régional de Recherche et de Documentation sur les traditions Orales et pour le Développement des Langues Africaines Capítulo 3 P D Curtin Estados Unidos da América Especialista em história do comércio de escravos autor de várias obras sobre o assunto professor de História na Universidade JohnHopkins Capítulo 4 T Obenga República Popular do Congo Especialista em línguas africanas autor de vários artigos sobre a História da África e de obras sobre a África na Antiguidade professor na Faculdade de Letras da Universidade Marien NGouabi 856 Metodologia e pré história da África Capítulo 5 H Djait Tunísia Especialista em história medieval do Maghreb autor de vários artigos e obras sobre a história da Tunísia professor na Universidade de Túnis Capítulo 6 I Hrbek Tchecoslováquia Especialista em história da África e da civilização árabe autor de várias obras sobre a História da África professor chefe da seção dos países árabes e africanos do Instituto Oriental de Praga Capítulo 7 J Vansina Bélgica Especialista em história da África autor de várias obras sobre a História da África Equatorial professor de História na Universidade de Wisconsin Estados Unidos da América Capítulo 8 S Exa A Hampaté Bâ Mali Especialista em tradições orais autor de várias obras sobre os antigos impérios africanos e a civilização africana Capitulo 9 Z Iskander Egito Especialista em História do Egito autor de várias obras e artigos sobre o Egito antigo diretor geral dos Assuntos Técnicos no Departamento de Antiguidades Capítulo 10 P Diagne Senegal Linguista Doutor em Ciências Políticas e Econômicas autor de duas obras sobre o poder político africano e a gramática wolof professor assistente na Universidade de Dacar Capítulo 11 D A Olderogge URSS Especialista em Ciências Sociais da África autor de várias obras sobre a África membro da Academia de Ciências da URSS Capítulo 12 J H Greenberg Estados Unidos da América Linguista autor de várias obras e artigos sobre Antropologia e Linguística professor de Antropologia na Universidade de Stanford Capítulo 13 S Diarra Mali Especialista em Geografia Tropical professor de Geografia na Universidade de Abidjan Capítulo 14 A Mobogunje Nigéria Autor de diversas obras sobre os Ioruba professor de Geografia na Universidade de Ibadan Capítulo 15 J KiZerbo Alto Volta Vide Introdução Capítulo 16 S Rushdi Egito Físico Presidente da Egyptian Geological Survey and Mining Authority H Faure França Doutor em Ciências especialista em Geologia da França do ultramar obras sobre a Geologia da África Ocidental Mestre de Conferências na Universidade de Dacar e depois na Universidade de Paris V Presidente do Comitê Técnico de Geologia do Quaternário do Centre National de la Recherche Scientifique CNRS 857 Dados biográficos dos autores do volume I Capítulo 17 L Balout França Especialista em PréHistória da África autor de várias obras e artigos sobre a África do Norte exDiretor do Muséum National dHistoire Naturelle de Paris Y Coppens França Especialista em PréHistória autor de várias obras sobre a origem da humanidade Subdiretor do Museu Nacional de História Natural de Paris Capítulo 18 R Leakey Reino Unido Especialista em PréHistória da África autor de obras sobre as escavações relacionadas à investigação da origem do homem na África Oriental Chefe do International Louis Leakey Memorial Institute for African Prehistory Capitulo 19 J E G Sutton Reino Unido Especialista em PréHistória autor de diversas obras e artigos sobre a PréHistória da África exPresidente do Departamento de Arqueologia da Universidade de Oxford Capítulo 20 J D Clark Estados Unidos da América Especialista em PréHistória da África autor de várias publicações sobre a PréHistória e as antigas civilizações africanas professor de História e de Arqueologia Capítulo 21 R de Bayle des Hermens França Especialista em PréHistória autor de várias obras e artigos notadamente sobre a PréHistória da África encarregado de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique de Paris F Van Noten Bélgica Especialista em PréHistória autor de obras e artigos sobre a PréHistória Conservador do Real Museu de Pré História e Arqueologia Capítulo 22 L Balout França Vide capítulo 17 Capítulo 23 H J Hugot França Especialista em PréHistória Mestre de Conferências autor de diversas obras sobre História Natural da Pré História e do Quaternário Subdiretor do Museu Nacional de História Natural de Paris Capítulo 24 T Shaw Reino Unido Professor de História Antiga autor de vários trabalhos sobre a PréHistória da África Ocidental VicePresidente do Congresso Panafricano de PréHistória Capítulo 25 F Debono Reino Unido Especialista em PréHistória do Egito autor de várias obras e artigos sobre a pesquisa PréHistórica no Egito pesquisador Capítulo 26 J KiZerbo Alto Volta Capítulo 27 R Portères França Dedicou grande parte de sua vida à pesquisa botânica na África exprofessor do Museu Nacional de História Natural de Paris falecido 858 Metodologia e pré história da África J Barrau França Autor de diversos trabalhos sobre as plantas tropicais Subdiretor do Laboratório de Etnobotânica e de Etnozoologia Paris Capitulo 28 J Vercoutter França Especialista em História Antiga professor de História Diretor do Institut Français d Archéologie Orientale du Caire Conclusão J KiZerbo Alto Volta Vide Introdução 859 Abreviações e listas de periódicos A A American Anthropologist Washington A A R S C Annales de lAcadémie Royale des Sciences Coloniales Bruxelas A A T A Art Archaeological and Technical Abstracts Nova Iorque A C P M Annals of the Cape Provincial Museums Grahamstown Actas V Congr P P E C Actas dei V Congresso Panafricano de Prehistoria y de Estudio dei Cuaternario Tenerife 1966 Actes I Coll Intern Archéol Afr Actes du Ier Colloque International dArchéologie Africaine Fort Lamy 1116 dez 1966 Publications de lInstitut National Tchadien pour les Sciences Humaines Fort Lamy Actes Coll Intern Fer Actes du Colloque International Le Fer à Travers les Âges Nancy 36 out 1956 Annales de lEst Mém n 16 Nancy Actes II Coll Intern L N A Actes du Second Colloque International de Linguistique NégroAfricaine Dacar Actes 46 Congr A F AS Actes du 46e Congrès de lAssociation Française pour lAvancement des Sciences Montpellier 1922 Actes XV Congr I A A P Actes du Congrès International dAnthropologie et dArchéologie Préhistorique Paris 1931 Actes II Congr P P E Q Actes de la Deuxième Session du Congrès Panafricain de Préhistoire et de lÉtude du Quaternaire Argel serout 1952 Actes IV Congr P P E Q Actes du IVe Congrès Panafricain de Préhistoire et de lEtude du Quaternaire Léopoldville 1959 Tervuren 1962 AMRAC 40 Abreviações e listas de periódicos 860 Metodologia e pré história da África Actes VII Congr P P E Q Actes du VIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et de lÉtude du Quaternaire Adis Abeba 1971 Actes III Congr U I S P P Actes du Troisiême Congrès de lUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Zurique 1950 Actes VI Congr U I S P P Actes du VIe Congrès de lUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Roma 1962 Actes IX Congr U I S P P Actes du IXe Congrès de LUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Nice 1976 Acts IX I N Q U A Congr Acts of the IXth International Association Congress for Quaternal Research Christchurch Nova Zelândia Acts III P C P Q S Acts of the Third Panafrican Congress of Prehistory and Quarternary Studies Livingstone 1955 London Chatto and Windus 1957 A D G Abhandlungen der Deutschen Geographentags Africana Africana Bulletin Uniwersytet Warszawski Studium Afrycanistyczne Varsóvia A G Archaeologia Geographica Hamburgo RFA A G S American Geographical Society Nova Yorque A H S African Historical Studies Boston University African Studies Center Boston A J H G American Journal of Human Genetics American Society of Human Genetics Chicago A J P A American Journal of Physical Anthropology American Association of Physical Anthropologists Filadélfia A L R African Languages Review agora African Languages International African Institute Londres A L S African Language Studies School of Oriental and African Studies Londres A M R A C Annales du Musée Royal dAfrique Centrale Série in 8 Sciences Humaines Tervuren Bélgica A M R C B Annales du Musée Royal du Congo Belge A N African Notes University of Ibadan Institute of African Studies Ibadan Nigéria Annales Economies sociétés civilisations Paris Ant Afr Antiquités Africaines Éditions du Centre National de la Recherche Scien tifique Paris A S A E Annales du Service des Antiquités de lEgypte Cairo A S A M Annals of the South African Museum Cape Town A T Agronomie Tropicale A Z Afrika Zamani Journal de lAssociation des Historiens Africains B A S E Q U A Bulletin de lAssociation Sénégalaise dEtudes Quaternaires Africaines Dacar 861 Abreviações e listas de periódicos B A U G S Bulletin of the All Union Geographical Society B C E H S Bulletin du Comité dÉtudes Historiques et Scientifiques de lAfrique Occidentale Française Dacar B F A Bulletin of the Faculty of Arts Cairo B G H D Bulletin de Géographie Historique et Descriptive Comité des Travaux Historiques Paris B G S A Bulletin of the Geological Society of America Nova Iorque B I E Bulletin de lInstitut dEgypte Cairo B I E G T Bulletin dlnformation et de Liaison des Instituts dEthnosociologie et de Géographie Tropicale Abidjan B I F A N Bulletin de lInstitut Français agora Fondamental dAfrique Noire Dacar B I F A O Bulletin de lInstitut Français dArchéologie Orientale Cairo B I R S C Bulletin de IInstitut de Recherches Scientifiques du Congo B J B E Bulletin du Jardin Botanique de lÉtat Bruxelas B M L Bowman Memorial Lectures The American Geographical Society Nova Iorque B N H S N Bulletin of News of the Historical Society of Nigeria Ibadan B R AS Bulletin of the Royal Asiatic Society B S A Bulletin de la Société dAnthropologie de Paris Paris B S A E British School of Archaeology in Egypt and Egyptian Research Account Londres B S E R P Bulletin de la Société dÉtudes et de Recherches Préhistoriques Les Eyzies França B S O A S Bulletin of the School of Oriental and African Studies Londres B S G C Bulletin de la Société de Géographie Commerciale Bordeaux França B S G F Bulletin de la Société Géologique de France Paris B S H N A N Bulletin de la Société dHistoire Naturelle dAfrique du Nord B S L Bulletin de la Société de Linguistique Paris B S P F Bulletin de la Société Préhistorique Française Paris B S P M Bulletin de la Société Préhistorique du Maroc Rabat B S P P G Bulletin de la Société Préhistorique et Protohistorique Gabonaise Libreville B 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lOffice de la Recherche Scientifique et Technique dOutreMer Série Sciences Humaines Paris C R A P E Centre de Recherches d Anthropologie de Préhistoire et dEthnographie dAlger C R A S Compte Rendu Hebdomadaire des Séances de lAcadémie des Sciences Paris C R S B Compte Rendu de la Société de Biogéographie E A J East African Journal East African Institute of Social Cultural Affairs Nairobi Ecol Monogr Ecological Monographs Econ Bot Economic Botany G A Geografiska Annaler Swedish Society of Anthropology and Geography Estocolmo G J The Geographical Journal Londres G S A B Geological Society of America Bulletin Geological Society of America Boulder EUA G S A M Geological Society of America Memoir Boulder EUA LHomme LHomme cahier dethnologie de géographie et de linguistique Paris H T Hesperis Tamuda Université Mohammed V Faculté de Lettres e des Sciences Humaines Rabat Marrocos I J A H S International Journal of African Historical Studies Boston University African Studies Center Boston EUA I 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HAMADA C HAMADA T 1973 Riken natural radiocarbon Measurements VII Radiocarbon 14 1 22338 24 YILBUUDO J T 19701 Tradition orale Mémoire Séminaire de Koumi Haute Volta YORK R N 1973 Excavations at New Buipe WAJA 3 1189 24 YOUNG W J 1958 Examination of works of art embracing the various fields of science Proceedings of the Seminar on application of sciences in examination of works of art Boston 9 YOYOTTE J 1959 Dictionnaire de la civilisation égyptienne Paris 28 ZAHAN D 1963 La dialectique du verbe chez les Bambara Paris 8 ZAKI A ISKANDER Z 1942 Ancient Egypt Cheese ASAE XLI 295313 9 ZEISSL H V 1955 Athiopen und Assyrer in Agypten Agyptologische Forschungen Heft 14 GlügkstadtHamburgNew York J J Augustin 28 ZEUNER F F 1950 Dating the Past London Methuen 16 1959 The Pleistocene period its climate chronology and faunal successions London Hutchinson Scientific and technical 447 p 16 21 ZIEGERT H 1967 Dor el Gussa und Gehelben Ghaama Wiesbaden F Steiner 94 p 23 ZINDERENBAKKER E M van 1967 Upper Pleistocene and Holocene stratig raphy and ecology on the basis of vegetation changes in SubSaharan Africa In BISHOP W W CLARK J D ed Background to evolution in Africa Chicago University Press 24 1975 Paleoecology of Africa v 19 16 927 Índice Remissivo Índice Remissivo África meridional aus tral 143 307 309 315 346 350 35556 370 411 42324 476 551 560 568 58889 600 625 644 744 748 756 767 769 84041 África central 64 70 82 25455 309 330 380 382 396 406 411 532 547 549 565 571 586 591 606 61536 674 717 750 757 769 790 809 África equatorial 377 404 409 414 582 59697 803 819 África do nordeste 310 350 416 451 544 707 8034 808 843 721 África do noroeste 356 413 416 507 564 694 701 África do norte 1 42 47 49 50 523 90 98 10813 120 256 298 301 310 327 28 335 35051 376 37879 444 481 501 522 583 610 637 55 676 712 77375 787 799 809 832 840 848 África ocidental 2 5 6 17 47 51 87 101 120 124 128 130 131 133 139 155 170 190 210 229 280 301 305 312 320 321 324 32930 340 346 35051 354 56 361 364 3689 3745 37779 382 496 549 555 579 685 714 792 África oriental 2 13 19 87 118 120 131 160 165 298 301 30910 312 315 335 340 346 348 35051 364 369 37778 382 4048 413 4389 441 444 452 456 472 478 482 494 497 5012 5067 51150 55155 55761 569 5812 587 593 625 6378 542 68789 758 774 792 795 800 834 837 África subequatorial 404 612 928 Metodologia e pré história da África África subsaariana 124 19 51 581 693 698 9 7078 762 792 África do sudeste 114 133 307 330 354 470 571 597 774 782 788 795 África tropical 2 47 45 523 106 112 120 349 351 365 376 448 612 767 776 789 797 Agricultura 26 44 63 4 123 192 266 297 349 363 373 381 383 472 486 520 52829 54558 588 89 634 652 67879 682 701 7078 714 726 768 7818 783 78689 79293 799 802 82224 Animismo 32 210 398 Antropologia 10 467 49 26566 307 323 391 395 Arqueologia 123 21 45 52 55 57 59 60 63 656 70 89 161 165 66 21346 38990 495 528 617 635 687 780 802 816 828 Arte 146 150 169 199 208 218 224 261 279 39091 397 473 482 517 543 588 592 61112 649 653 656 668 677 713 738 74380 81213 817 841 Australopithecus 298 448 456 458 4604 467 46970 476 483 487 498 5001 5036 561 623834 Brasil 512 121 292 Chefes chefias 246 289 30 32 47 63 68 70 734 116 131 145 150 153 182 1901 195 206 304 391 393 735 804 814 81617 825 828 841 8467 Colonial colonialismo 1 112 15 17 20 21 289 30 378 418 512 54 56 59 74 115 130 13233 135 160 163 176 183 211 261 290 361 384 658 84950 Cronologia 65 123 154 1567 15960 16566 203 23132 234 239 253 299 38889 393 402 417 42021 424 25 43537 439 440 42 444 472 476 480 514 522 524 552 555 565 595 604 617 627 63738 644 646 658 660 66264 694 725 7456 Escrita fontes escritas 1 46 10 12 15 17 21 35 412 64 669 77101 10537 13941 146 149 159 1612 1668 208 219 222 252 262 26570 274 27981 32728 335 383 38788 710 738 762 780 806 81314 816 846 Etnias 73 173 192 203 2067 2525 263 265 2834 392 645 6523 657 662 672 6747 7756 8046 Etnocentrismo 40 57 263 781 Evolução evolucionismo 283 388 Genética 249 257 283 285 28788 29091 293 303 310 315 317 319 325 343 497 553 Geografia 7 602 79 86 89 93 96 1001 120 122 149 155 165 184 258 260 340 34565 36784 Geologia 60 390 438 495 520 Griots 29 72 141 150 169 176 178 191 19399 202 204 267 Historiografia da África 122 434 1057 112 117 123 127 129 Hominídeos 601 284 417 44142 444 448 49 451 456 460 462 470 474 488 4915 498 5001 507 511 530 532 55153 555 55764 570 58182 929 Índice Remissivo 589 63738 68788 83435 83941 Hominização 286 447 70 47180 715 833 835 851 Homo erectus 28788 462 46669 48788 499 5012 507 532 534 564 567 581 624 644 665 688 694 Homo habilis 288 462 64 46769 484 499 500 502 504 532 564 623 66364 688 834 837 851 Homo sapiens 60 287 298 47072 484 496 98 500 502 507 522 534 536 538 557 56162 581 627 648 774 83839 Homo sapiens sapiens 496 552536 581 583 834 Índico oceano 2 11819 328 35051 35456 408 744 795 Interdisciplinaridade 387 390 396 línguas 56 11 134 167 1820 26 42 46 4951 534 667 778 823 99 103 1068 11114 11619 12021 12457 129 32 137 1423 162 164 174 178 1804 1957 2034 206 24749 25067 281 291 2956 3001 305 307 30910 312 314 16 31736 33744 372 39293 398 543 546 549 58889 634 759 838 Linguística 146 21 45 60 66 69 70 73 136 162 166 24781 291 295316 317336 33744 389 39293 549 Metodologia 20 59 66 75 13966 26263 387 Migrações 15556 256 290 292 295316 349 374 381 514 546 579 581 5912 612 772 783 786 793 843 Mulheres 15 25 2930 32 73 150 191 203 307 311 393 531 559 653 694 730 753 763 76869 771 77678 813 84041 844 Música 193 195 199 200 207 300 392 583 841 Níger 15 20 27 2930 32 70 78 82 93 107 8 119 128 180 192 196 206 210 250 260 263 303 306 314 326 32933 336 341 35051 35861 383 425 430 432 547 549 661 664 670 672 681 687 6912 697 701 707 71213 727 734 744 749 767 790 795 797 803 837 849 Nilo 53 645 67 69 812 112 254 258 280 292 299 303 310 316 321 333 358 360 372 37677 380 38283 396 405 4078 41011 41315 444 54445 54748 672 683 707 71542 767 7734 787 799 80311 81625 828 32 837 849 Origem africana da huma nidade 61 2869 293 29697 47072 491 51113 522 787 833 Paleontologia 601 473 495 504 63840 644 689 780 Raças teorias raciais 10 14 28 41 200 26263 28392 296 298 301 303 307 310 315 3212 393 496 525 536 582 703 706 727 741 77577 84041 Racismo 401 República CentroAfricana 203 255 305 332 5935 5978 6001 6034 606 60910 615 62023 630 633 Tradição oral 4 21 45 60 63 656 72 75 112 122 124 126 930 Metodologia e pré história da África 129 13966 1679 174 185 189 2057 209 211 26768 389 3912 513 780 Tráfico de escravos 79 28 40 121 130 375 384 848 Utensílios 192 2978 369 3712 374 398 401 405 412 4145 46876 506 51118 522 5246 52944 55889 5937 599 609 618 62327 62933 642 646 652 6645 678 685 689 694 69599 7169 72330 736 739 43 768 8112 823 8347 Durante muito tempo mitos e preconceitos de toda espécie ocultaram ao mundo a verdadeira história da África As sociedades africanas eram vistas como sociedades que não podiam ter história Apesar dos importantes trabalhos realizados desde as primeiras décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius Maurice Delafosse e Arturo Labriola um grande número de estudiosos não africanos presos a certos postulados afirmava que essas sociedades não podiam ser objeto de um estudo científico devido sobretudo à ausência de fontes e de documentos escritos De fato havia uma recusa a considerar o povo africano como criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram ao longo dos séculos por caminhos próprios as quais os historiadores a menos que abandonem certos preconceitos e renovem seus métodos de abordagem não podem apreender A situação evoluiu muito a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e em particular desde que os países africanos tendo conquistado sua independência começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercâmbios que ela implica Um número crescente de historiadores tem se empenhado em abordar o estudo da África com maior rigor objetividade e imparcialidade utilizando com as devidas precauções fontes africanas originais No exercício de seu direito à iniciativa histórica os próprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer em bases sólidas a historicidade de suas sociedades Os especialistas de vários países que trabalharam nesta obra tiveram o cuidado de questionar as simplificações excessivas provenientes de uma concepção linear e restritiva da história universal e de restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível Esforçaramse por resgatar os dados históricos que melhor permitissem acompanhar a evolução dos diferentes povos africanos em seus contextos socioculturais específicos Esta Coleção traz à luz tanto a unidade histórica da África quanto suas relações com os outros continentes sobretudo as Américas e o Caribe Durante muito tempo as manifestações de criatividade dos descendentes de africanos nas Américas foram isoladas por certos historiadores num agregado heteróclito de africanismos Desnecessário dizer que tal não é a atitude dos autores desta obra Aqui a resistência dos escravos deportados para as Américas a clandestinidade política e cultural a participação constante e maciça dos descendentes de africanos nas primeiras lutas pela independência assim como nos movimentos de libertação nacional são entendidas em sua real significação foram vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito universal de Humanidade Outro aspecto ressaltado nesta obra são as relações da África com o sul da Ásia através do oceano Índico assim como as contribuições africanas a outras civilizações por um processo de trocas mútuas Avaliando o atual estágio de nossos conhecimentos sobre a África propondo diferentes pontos de vista sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história a História Geral da África tem a indiscutível vantagem de mostrar tanto a luz quanto a sombra sem dissimular as divergências de opinião que existem entre os estudiosos Nesse contexto é de suma importância a publicação dos oito volumes da História Geral da África que ora se apresenta em sua atual versão em português como fruto da parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil Secad MEC e a Universidade Federal de São Carlos UFSCar UNESCO HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VOLUMES IVIII Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura
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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e préhistória da África EDITOR J KIZERBO UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e pré história da África Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África Coleção História Geral da África da UNESCO Volume I Metodologia e préhistória da África Editor J KiZerbo Volume II África antiga Editor G Mokhtar Volume III África do século VII ao XI Editor M El Fasi Editor Assistente I Hrbek Volume IV África do século XII ao XVI Editor D T Niane Volume V África do século XVI ao XVIII Editor B A Ogot Volume VI África do século XIX à década de 1880 Editor J F A Ajayi Volume VII África sob dominação colonial 18801935 Editor A A Boahen Volume VIII África desde 1935 Editor A A Mazrui Editor Assistente C Wondji Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro bem como pelas opiniões nele expressas que não são necessariamente as da UNESCO nem comprometem a Organização As indicações de nomes e apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país território cidade região ou de suas autoridades tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA I Metodologia e pré história da África EDITOR JOSEPH KIZERBO Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura História geral da África I Metodologia e pré história da África editado por Joseph Ki Zerbo 2ed rev Brasília UNESCO 2010 992 p ISBN 9788576521235 1 História 2 Pré história 3 Historiografia 4 Métodos históricos 5 Tradição oral 6 História africana 7 Culturas africanas 8 Arqueologia 9 Línguas africanas 10 Artes africanas 11 Norte da África 12 Leste da África 13 Oeste da África 14 Sul da África 15 África Central 16 África I Ki Zerbo Joseph II UNESCO III Brasil Ministério da Educação IV Universidade Federal de São Carlos Esta versão em português é fruto de uma parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil SecadMEC e a Universidade Federal de São Carlos UFSCar Título original General History of Africa I Methodology and African Prehistory Paris UNESCO Berkley CA University of California Press London Heinemann Educational Publishers Ltd 1981 Primeira edição publicada em inglês UNESCO 2010 versão em português com revisão ortográfica e revisão técnica Coordenação geral da edição e atualização Valter Roberto Silvério Preparação de texto Eduardo Roque dos Reis Falcão Revisão técnica Kabengele Munanga Revisão e atualização ortográfica Cibele Elisa Viegas Aldrovandi Projeto gráfico e diagramação Marcia Marques Casa de Ideias Edson Fogaça e Paulo Selveira UNESCO no Brasil Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO Representação no Brasil SAUS Quadra 5 Bloco H Lote 6 Ed CNPqIBICTUNESCO 9º andar 70070912 Brasília DF Brasil Tel 55 61 21063500 Fax 55 61 33224261 Site wwwunescoorgbrasilia Email grupoeditorialunescoorgbr Ministério da Educação MEC Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade SecadMEC Esplanada dos Ministérios Bl L 2º andar 70047900 Brasília DF Brasil Tel 55 61 20229217 Fax 55 61 20229020 Site httpportalmecgovbrindexhtml Universidade Federal de São Carlos UFSCar Rodovia Washington Luis Km 233 SP 310 Bairro Monjolinho 13565905 São Carlos SP Brasil Tel 55 16 33518111 PABX Fax 55 16 33612081 Site httpwww2ufscarbrhomeindexphp Impresso no Brasil V SUMÁRIO Apresentação VII Nota dos Tradutores IX Cronologia XI Lista de Figuras XIII Prefácio XXI Apresentação do Projeto XXVII Introdução Geral XXXI Capítulo 1 A evolução da historiografia da África 1 Capítulo 2 Lugar da história na sociedade africana 23 Capítulo 3 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral 37 Capítulo 4 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral 59 Capítulo 5 As fontes escritas anteriores ao século XV 77 Capítulo 6 As fontes escritas a partir do século XV 105 Capítulo 7 A tradição oral e sua metodologia 139 Capítulo 8 A tradição viva 167 Capítulo 9 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação 213 SUMÁRIO VI Metodologia e pré história da África Capítulo 10 Parte I História e linguística 247 Parte II Teorias relativas às raças e história da África 283 Capítulo 11 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas 295 Capítulo 12 Parte I Classificação das línguas da África 317 Parte II Mapa linguístico da África 337 Capítulo 13 Geografia histórica aspectos físicos 345 Capítulo 14 Geografia histórica aspectos econômicos 367 Capítulo 15 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra 387 Capítulo 16 Parte I Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África 401 Parte II Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África 417 Capítulo 17 Parte I A hominização problemas gerais 447 Parte II A hominização problemas gerais 471 Capítulo 18 Os homens fósseis africanos 491 Capítulo 19 A Pré História da África oriental 511 Capítulo 20 Pré História da África austral 551 Capítulo 21 Parte I Pré História da África central 591 Parte II Pré História da África central 615 Capítulo 22 Pré História da África do norte 637 Capítulo 23 Pré História do Saara 657 Capítulo 24 Pré História da África ocidental 685 Capítulo 25 Pré História do vale do Nilo 715 Capítulo 26 A arte pré histórica africana 743 Capítulo 27 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas 781 Capítulo 28 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã 803 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada 833 Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África 853 Dados Biográficos dos Autores do Volume I 855 Abreviações e Listas de Periódicos 859 Referências Bibliográficas 865 Índice Remissivo 927 VII APRESENTAÇÃO Outra exigência imperativa é de que a história e a cultura da África devem pelo menos ser vistas de dentro não sendo medidas por réguas de valores estranhos Mas essas conexões têm que ser analisadas nos termos de trocas mútuas e influências multilaterais em que algo seja ouvido da contribuição africana para o desenvolvimento da espécie humana J KiZerbo História Geral da África vol I p LII A Representação da UNESCO no Brasil e o Ministério da Educação têm a satis fação de disponibilizar em português a Coleção da História Geral da África Em seus oito volumes que cobrem desde a préhistória do continente africano até sua história recente a Coleção apresenta um amplo panorama das civilizações africanas Com sua publicação em língua portuguesa cumprese o objetivo inicial da obra de colaborar para uma nova leitura e melhor compreensão das sociedades e culturas africanas e demons trar a importância das contribuições da África para a história do mundo Cumprese também o intuito de contribuir para uma disseminação de forma ampla e para uma visão equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da África para a humanidade assim como para o estreitamento dos laços históricos existentes entre o Brasil e a África O acesso aos registros sobre a história e cultura africanas contidos nesta Coleção se reveste de significativa importância Apesar de passados mais de 26 anos após o lança mento do seu primeiro volume ainda hoje sua relevância e singularidade são mundial mente reconhecidas especialmente por ser uma história escrita ao longo de trinta anos por mais de 350 especialistas sob a coordenação de um comitê científico internacional constituído por 39 intelectuais dos quais dois terços africanos A imensa riqueza cultural simbólica e tecnológica subtraída da África para o conti nente americano criou condições para o desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus africanos das populações originárias e posteriormente de outras regiões do mundo se combinassem de formas distintas e complexas Apenas recentemente tem se considerado o papel civilizatório que os negros vindos da África desempenharam na formação da sociedade brasileira Essa compreensão no entanto ainda está restrita aos altos estudos acadêmicos e são poucas as fontes de acesso público para avaliar este complexo processo considerando inclusive o ponto de vista do continente africano APRESENTAÇÃO VIII Metodologia e pré história da África A publicação da Coleção da História Geral da África em português é também resul tado do compromisso de ambas as instituições em combater todas as formas de desigual dades conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 especialmente no sentido de contribuir para a prevenção e eliminação de todas as formas de manifestação de discriminação étnica e racial conforme estabelecido na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 Para o Brasil que vem fortalecendo as relações diplomáticas a cooperação econô mica e o intercâmbio cultural com aquele continente essa iniciativa é mais um passo importante para a consolidação da nova agenda política A crescente aproximação com os países da África se reflete internamente na crescente valorização do papel do negro na sociedade brasileira e na denúncia das diversas formas de racismo O enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no país e a educação para as relações étnicas e raciais ganhou maior relevância com a Constituição de 1988 O reconhecimento da prática do racismo como crime é uma das expressões da decisão da sociedade brasileira de superar a herança persistente da escravidão Recentemente o sistema educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorização da contribuição africana quando por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB e com a aprovação da Lei 10639 de 2003 tornouse obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afrobrasileira no currículo da educação básica Essa Lei é um marco histórico para a educação e a sociedade brasileira por criar via currículo escolar um espaço de diálogo e de aprendizagem visando estimular o conheci mento sobre a história e cultura da África e dos africanos a história e cultura dos negros no Brasil e as contribuições na formação da sociedade brasileira nas suas diferentes áreas social econômica e política Colabora nessa direção para dar acesso a negros e não negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenças socioculturais presentes na formação do país Mais ainda contribui para o processo de conhecimento reconhecimento e valorização da diversidade étnica e racial brasileira Nessa perspectiva a UNESCO e o Ministério da Educação acreditam que esta publica ção estimulará o necessário avanço e aprofundamento de estudos debates e pesquisas sobre a temática bem como a elaboração de materiais pedagógicos que subsidiem a formação inicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos Objetivam assim com esta edição em português da História Geral da África contribuir para uma efetiva educação das relações étnicas e raciais no país conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino da História e Cultura Afro brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educação Boa leitura e sejam bemvindos ao Continente Africano Vincent Defourny Fernando Haddad Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educação do Brasil IX NOTA DOS TRADUTORES NOTA DOS TRADUTORES A Conferência de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife rente daquele que motivou as duas primeiras conferências organizadas pela ONU sobre o tema da discriminação racial e do racismo em 1978 e 1983 em Genebra na Suíça o alvo da condenação era o apartheid A conferência de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas entre os quais vale destacar a avaliação dos avanços na luta contra o racismo na luta contra a discriminação racial e as formas correlatas de discriminação a avaliação dos obstáculos que impedem esse avanço em seus diversos contextos bem como a sugestão de medidas de combate às expressões de racismo e intolerâncias Após Durban no caso brasileiro um dos aspectos para o equacionamento da questão social na agenda do governo federal é a implementação de políticas públicas para a eliminação das desvantagens raciais de que o grupo afrodescen dente padece e ao mesmo tempo a possibilidade de cumprir parte importante das recomendações da conferência para os Estados Nacionais e organismos internacionais No que se refere à educação o diagnóstico realizado em novembro de 2007 a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação SECAD MEC constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan tes que concordavam no tocante a Lei 106392003 em relação ao seu baixo grau de institucionalização e sua desigual aplicação no território nacional Entre X Metodologia e pré história da África os fatores assinalados para a explicação da pouca institucionalização da lei estava a falta de materiais de referência e didáticos voltados à História de África Por outra parte no que diz respeito aos manuais e estudos disponíveis sobre a História da África havia um certo consenso em afirmar que durante muito tempo e ainda hoje a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e eurocêntrica do continente africano desfigurando e desumanizando especial mente sua história uma história quase inexistente para muitos até a chegada dos europeus e do colonialismo no século XIX Rompendo com essa visão a História Geral da África publicada pela UNESCO é uma obra coletiva cujo objetivo é a melhor compreensão das sociedades e cul turas africanas e demonstrar a importância das contribuições da África para a história do mundo Ela nasceu da demanda feita à UNESCO pelas novas nações africanas recémindependentes que viam a importância de contar com uma his tória da África que oferecesse uma visão abrangente e completa do continente para além das leituras e compreensões convencionais Em 1964 a UNESCO assumiu o compromisso da preparação e publicação da História Geral da África Uma das suas características mais relevantes é que ela permite compreender a evolução histórica dos povos africanos em sua relação com os outros povos Contudo até os dias de hoje o uso da História Geral da África tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menos usada pelos professoresas e estudantes No caso brasileiro um dos motivos desta limitação era a ausência de uma tradução do conjunto dos volumes que compõem a obra em língua portuguesa A Universidade Federal de São Carlos por meio do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros NEABUFSCar e seus parceiros ao concluir o trabalho de tradução e atualização ortográfica do conjunto dos volumes agradece o apoio da Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade SECAD do Ministério da Educação MEC e da UNESCO por terem propiciado as condições para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legado do continente africano para nossa formação social e cultural XI Cronologia Na apresentação das datas da pré história convencionou se adotar dois tipos de notação com base nos seguintes critérios Tomando como ponto de partida a época atual isto é datas BP before present tendo como referência o ano de 1950 nesse caso as datas são todas negativas em relação a 1950 Usando como referencial o início da Era Cristã nesse caso as datas são simplesmente precedidas dos sinais ou No que diz respeito aos séculos as menções antes de Cristo e depois de Cristo são substituídas por antes da Era Cristã da Era Cristã Exemplos i 2300 BP 350 ii 2900 aC 2900 1800 dC 1800 iii século V aC século V antes da Era Cristã século III dC século III da Era Cristã CRONOLOGIA XIII Lista de Figuras Figura 21 Estatueta em bronze representando o poder dinástico dos Songhai Tera Níger 27 Figura 41 Baixo relevo do Museu de Abomey 71 Figura 51 Manuscrito árabe verso n 2291 fólio 103 Ibn Battuta 2a parte referência ao Mali 102 Figura 61 Facsímile de manuscrito bamum 106 Figura 62 Facsímile do manuscrito vai intitulado An Early Vai Manuscript 134 Figura 81 Músico tukulor tocando o ardin 179 Figura 82 Cantor Mvet 179 Figura 83 Tocador de Valiha O instrumento é de madeira com cordas de aço 194 Figura 84 Griot hutu imitando o mwami caído 194 Figura 91 Microfotografia de uma secção da fateixa de cobre pertencente ao barco de Quéops em Gizeh 217 Figura 92 Radiografia frontal do peito da Rainha Nedjemet da 21a dinastia Museu do Cairo 217 Figura 93 Bloco de vitrificação mostrando a superfície superior plana as paredes laterais e uma parte do cadinho ainda aderente ao lado direito 227 Figura 94 Base de uma das colunas de arenito do templo de Buhen Nota se o esboroamento da camada superficial devido à eflorescência 227 Figura 101 Estela do rei serpente 271 Figura 102 Récade representando uma cabaça símbolo de poder 272 Figura 103 Récade dedicada a Dakodonu 272 Figura 104 Leão semeando o terror 272 LISTA DE FIGURAS XIV Metodologia e pré história da África Figura 105 Pictogramas egípcios e nsibidi 273 Figura 106 Palette de Narmer 273 Figura 107 Amostras de várias escritas africanas antigas274 Figura 108 Primeira página do principal capítulo do Alcorão em vai 275 Figura 109 Sistema gráfico vai 276 Figura 1010 Sistema gráfico mum 278 Figura 1011 Sistema pictográfico 278 Figura 1012 Sistema ideográfico e fonético silábico 278 Figura 111 Mulher haratina de Idélès Argélia302 Figura 112 Marroquino 302 Figura 113 Mulher e criança argelinas 302 Figura 114 Voltense 304 Figura 115 Mulher sarakole Mauritânia grupo Soninke da região do rio 304 Figura 116 Chefe nômade de Rkiz Mauritânia 304 Figura 117 Mulher peul bororo Tahoura Níger 306 Figura 118 Criança tuaregue de Agadès Níger 306 Figura 119 Mulher djerma songhay de Balayera Níger 306 Figura 1110 Pigmeu twa Ruanda 308 Figura 1111 Grupo San308 Figura 1112 Pigmeu do Congo 308 Figura 1113 Mulheres zulu 311 Figura 1114 Mulher peul 313 Figura 1115 Mulher peul das proximidades de Garoua Boulay Camarões 313 Figura 1116 Jovem peul do Mali 313 Figura 121 Mapa diagramático das línguas da África 338 Figura 131 África física 347 Figura 141 Os recursos minerais da África 385 Figura 161 Gráficos mostrando analogias entre isótopos de oxigênio ou variações de temperatura e a intensidade do campo magnético da Terra em um testemunho de fundo de mar para os últimos 450000 anos 418 Figura 162 Gráficos mostrando analogias entre temperaturas indicadas pela microfauna e a inclinação magnética para os últimos 2 milhões de anos 419 Figura 163 Mapa das isotermas da água de superfície do oceano Atlântico em fevereiro 18000 BP 426 Figura 164 e 165 Mapa mostrando diferenças na temperatura da água de superfície entre a época atual a 17000 BP Figura 164 inverno Figura 165 verão 427 Figura 166 Evolução relativa da razão pluviosidadeevaporação nos últimos 12000 anos na bacia do Chade 13 18 de lat N 433 Figura 167 Variações dos níveis lacustres nas bacias do Afar 434 Figura 168 Mapa das localidades fossilíferas do Plio Pleistoceno da África oriental 438 XV Lista de Figuras Figura 169 Cronologia radiométrica e paleomagnética do PliocenoPleistoceno da África oriental do sudoeste da Europa e do noroeste da América 439 Figura 1610 Cronologia e ritmo da evolução das civilizações durante o Pleistoceno com relação à evolução dos hominídeos 442 Figura 1611 Tendências gerais do clima global para o último milhão de anos 443 Figura 171 Reconstituição do meio ambiente do Faium há 40 milhões de anos Desenhos de Bertoncini Gaillard sob a direção de Yves Coppens 450 Figura 172 Depósitos eocênico e oligocênico do Faium Egito 450 Figura 173 Os dados paleontológicos 454 Figura 174 Garganta de Olduvai Tanzânia 455 Figura 175 Crânio de Australopithecus africanus Da direita para a esquerda perfil de criança Taung Botsuana e de adulto Sterkfontein Transvaal 455 Figura 176 Garganta de Olduvai Tanzânia 457 Figura 177 Sítio do Omo Etiópia 457 Figura 178 Sítio do Omo Etiópia 458 Figura 179 Crânios de Australopithecus boisei sítio do Omo Etiópia 458 Figura 1710 Sítio de Afar Etiópia 459 Figura 1711 Crânio de Cro Magnoide de Afalu Argélia459 Figura 1712 Canteiro de escavações em Olduvai 461 Figura 1713 Crânios de Australopithecus robustus à direita e Australopithecus gracilis à esquerda 461 Figura 1714 Homo habilis 463 Figura 1715 Os sítios de Siwalik no Norte do Paquistão expedição D Pilbeam 465 Figura 1716 Reconstituição do crânio de Ramapithecus 465 Figura 1717 Esqueleto de Oreopithecus bambolii com 12 milhões de anos encontrado em Grossetto Toscana por Johannes Hürzeler em 1958 465 Figura 1718 Reconstituição do meio ambiente do Homo erectus de Chu Ku Tien ou Sinantropo China 400 mil anos 466 Figura 1719 Homo erectus de Chu Ku Tien reconstituição 466 Figuras 1720 e 1721 Detalhe do solo olduvaiense observam se vários objetos entre os quais poliedros e um grande osso de hipopótamo 475 Figura 1722 Uma das mais antigas pedras lascadas do mundo 479 Figura 1723 Uma das primeiras pedras lascadas do mundo 479 Figura 181 África alguns dos sítios mais importantes de hominídeos492 Figura 182 Crânio de Homo habilis KNM ER 1470 Vista lateral Koobi Fora Quênia 499 Figura 183 Crânio de Homo erectus KNM ER 3733 Vista lateral Koobi Fora Quênia 499 Figura 184 Crânio de Australopithecus boisei OH5 Vista lateral Garganta de Olduvai Tanzânia 503 Figura 185 Mandíbula de Australopithecus boisei KNM ER 729 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia 503 XVI Metodologia e pré história da África Figura 186 Crânio de Australopithecus africanus KNM ER 1813 Vista lateral Koobi Fora Quênia 505 Figura 187 Mandíbula de Australopithecus africanus KNM ER 992 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia 505 Figura 191 A pré história na África Oriental 1974 512 Figura 192 África oriental principais jazidas da Idade da Pedra 1974 523 Figura 193 Garganta de Olduvai Tanzânia setentrional 530 Figura 194 Early Stone Age primeira fase utensílios olduvaienses típicos seixos lascados 530 Figura 195 Early Stone Age segunda fase instrumentos acheulenses típicos vista frontal e lateral 1 picão 2 machadinha 3 biface 533 Figura 196 Isimila terras altas da Tanzânia meridional Vista da ravina erodida mostrando as camadas onde foram encontrados utensílios acheulenses 535 Figura 197 Concentração de bifaces machadinhas e outros utensílios acheulenses a pequena colher de pedreiro no centro serve como escala 535 Figura 198 Middle Stone Age e utensílios de transição o exemplo da direita é uma ponta fina podendo ser encabada talvez como ponta de lança 537 Figura 199 Olorgesailie no Rift Valley do Quênia Escavações em um sítio de ocupação acheulense 537 Figura 1910 Late Stone Age lâmina com bordo de preensão retocado à direita segmento de círculo no centro raspador e micrólito à esquerda feitos de obsidiana no Rift Valley do Quênia 540 Figura 1911 Apis Rock Nasera Tanzânia setentrional As escavações sob o abrigo bem visível à direita revelaram uma sucessão de ocupações humanas da Idade da Pedra Recente 540 Figura 201 Localização dos depósitos fauresmithienses e sangoenses na África austral 554 Figura 202 Depósitos de fósseis humanos do Pleistoceno Superior e alguns do Pós Pleistoceno na África austral 554 Figura 203 Principais depósitos de fauna e fósseis humanos do fim do Plioceno ao início do Pleistoceno na África austral 556 Figura 204 Localização dos principais depósitos acheulenses na África austral 556 Figura 205 Acheulense Inferior Sterkfontein biface lasca cuboide e dois núcleos 563 Figura 206 Utensílios do Acheulense Superior de Kalambo Falls datados de mais de 190000 anos BP 563 Figura 207 Utensílios provenientes dos depósitos de Howiesonspoort 563 Figura 208 Utensílios da Middle Stone Age provenientes de Witkrans Cave 572 Figura 209 Utensílios do Lupembiense Médio de Kalambo Falls 572 Figura 2010 Distribuição de lâminas e fragmentos de lâminas utilizadas com relação a estruturas de blocos de dolerito no horizonte primário em Orangia 572 Figura 2011 Civilização sangoense de Zimbabwe variante do Zambeze 578 Figura 2012 Indústrias da Middle Stone Age provenientes de Twin Rivers Zâmbia datadas de 32000 a 22000 anos BP 578 XVII Lista de Figuras Figura 2013 Indústrias de Pietersburg e Bambata provenientes da gruta das Lareiras Cave of Hearths no Transvaal e da gruta de Bambata em Zimbabwe Instrumentos característicos das regiões de arbustos espinhosos e do bushveld 578 Figura 2014 De 1 a 12 utensílios em sílex e calcedônia das indústrias wiltonienses da província do Cabo na África do Sul De 13 a 20 utensílios das indústrias de Matopan Wiltoniense de Zimbabwe provenientes da caverna de Amadzimba Matopos Hills em Zimbabwe 580 Figura 2015 Utensílios de madeira provenientes de depósitos do Pleistoceno na África austral 580 Figura 2016 Lasca enxó em forma de crescente feita de sílex negro montada por meio de mástique sobre um cabo de chifre de rinoceronte proveniente de uma caverna da baía de Plettenberg no leste da província do Cabo 580 Figura 211 Variações climáticas e indústrias pré históricas da bacia do Zaire 592 Figura 212 Monumento megalítico da região de Buar na República Centro Africana 603 Figura 213 Acheulense Superior República Centro Africana rio Ngoere Alto Sanga 603 Figura 214 Vaso neolítico de fundo plano República Centro Africana Batalimo Lobaye 610 Figura 215 Zonas de vegetação da África Central 616 Figura 216 Mapa da África Central com os nomes dos lugares citados no texto 619 Figura 221 Evolução da Pebble Culture para as formas do Acheulense 639 Figura 222 Biface Acheulense o mais evoluído da jazida de Ternifine Argélia ocidental641 Figura 223 Machados de riolito do Acheulense encontrados no sítio de Erg Tihodaine 643 Figura 224 Ponta do Musteriense El Guettar Tunísia 643 Figura 225 Esferoides facetados de Ain Hanech 643 Figura 226 Ateriense do Uede Djouf el Djemel Argélia oriental 647 Figura 227 Indústria do Capsiense típico 647 Figura 228 Indústria de armaduras do Capsiense superior 647 Figura 229 Indústria do Capsiense superior 647 Figura 2210 Neolítico de tradição capsiense do Damous el Ahmar Argélia oriental Mó e moleta Traços de carvão e ocre Fragmentos de conchas de Helix 654 Figura 2211 Pequena placa calcária gravada Capsiense superior do Khanguet el Mouhaad Argélia oriental654 Figura 2212 Ain Hanech seixos com lascamento unifacial chopper ou bifacial chopping tool 655 Figura 2213 Perônio humano em forma de punhal Capsiense superior Mechta el Arbi Argélia oriental escavações feitas em 1952 655 Figura 231 Principais sítios de pinturas e gravuras rupestres saarianas 661 Figura 232 Machado plano com entalhes Gossolorum Níger 661 Figura 233 Machadinha de Ti n Assako Mali 661 Figura 234 e 235 Seixos lascados Pebble Culture Aoulef Saara argeliano 666 XVIII Metodologia e pré história da África Figura 236 Biface do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 666 Figura 237 Machadinha do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 666 Figura 238 Grande ponta dupla bifacial ateriense Timimoum Saara argeliano 670 Figura 239 Pontas aterienses Aoulef Saara argeliano 670 Figura 2310 Ponta dupla bifacial ateriense Adrar Bous V Níger 670 Figura 2311 Cerâmica neolítica Dhar Tichitt Mauritânia 675 Figura 2312 Cerâmica de Akreijit Mauritânia 675 Figura 2313 Pontas de flechas neolíticas In Guezzam Níger681 Figura 2314 Machado com garganta neolítica Adrar Bous Níger 681 Figura 2315 Machado polido neolítico região de Faya Chade 681 Figura 241 Zonas de vegetação da África ocidental 686 Figura 242 Cerâmica do Cabo Manuel Senegal 696 Figura 243 Brunidor de osso encontrado no sítio neolítico do Cabo Manuel 696 Figura 244 Mó feita de rocha vulcânica encontrada no sítio neolítico de Ngor 700 Figura 245 Pendentes de pedra basalto do sítio neolítico de Patte dOie 700 Figura 246 Machados polidos de Bel Air em dolerito 704 Figura 247 Cerâmica neolítica de Bel Air do sítio de Diakité no Senegal 704 Figura 248 Vaso de fundo plano da Idade do Ferro 709 Figura 249 Círculo megalítico Tiekene Boussoura Senegal o túmulo do rei aparece em primeiro plano 711 Figura 2410 Estatueta antropomórfica encontrada em Thiaroye no Senegal 711 Figura 251 O Vale das Rainhas 720 Figura 252 Pontas de dardos em sílex de Mirgissa Sudão 720 Figura 261 Rinoceronte Blaka Níger 749 Figura 262 Gazela Blaka Níger749 Figura 263 Bovino Tin Rharo Mali 749 Figura 264 Elefante In Ekker Saara argelino 749 Figura 265 Pintura rupestre Namíbia 754 Figura 266 Pintura rupestre Tibesti Chade 754 Figura 267 Pista da Serpente pintura rupestre 760 Figura 268 Dama Branca pintura rupestre 760 Figura 269 Detalhe de uma gravura rupestre Alto Volta 764 Figura 2610 Pintura rupestre Namíbia 764 Figura 2611 Pinturas rupestres planalto do Tassili nAjjer Argélia 766 Figura 2612 Cena erótica Tassili 770 Figura 2613 Cena erótica Tassili 770 Figura 271 Zoneamento ecológico latitudinal 785 Figura 272 Diferentes ecossistemas 785 Figura 273 Os berços agrícolas africanos 791 Figura 274 Mapa geoagrícola da África 791 XIX Lista de Figuras Figura 275 Aspecto de urna queimada após a combustão Futa Djalon Pita Timbi Madina 794 Figura 276 Terra lavrada com o Kadyendo pelos Diula de Oussouye Casamance antes do replantio do arroz 794 Figura 277 O Soung ou pá entre os Seereer Gnominka pescadores rizicultores das ilhas da Petite Côte no Senegal 796 Figura 278 Arrozais em solos hidromorfos sujeitos a cheias temporárias na estação das chuvas rizicultura de impluvium Casamance aldeia bayoyy de Niassa 798 Figura 279 Ilhas artificiais para a cultura do arroz em arrozais aquáticos muito profundos onde o nível da água não baixa o suficiente 798 Figura 281 Túmulo de Rekh mi re em Tebas 827 Figura 282 Túmulo de Huy parede leste fachada sul 827 Figura 283 Navalha Mirgissa Sudão 827 Figura 284 Túmulo de Huy 829 Figura 285 Estátua de cobre de Pépi I Antigo Império 831 Figura 291 Australopithecus boisei jazidas do Omo 842 Figura 292 Laboratório destinado às pesquisas sobre o remanejo do delta do Senegal RossoBethio Senegal 842 XXI Prefácio Durante muito tempo mitos e preconceitos de toda espécie esconderam do mundo a real história da África As sociedades africanas passavam por sociedades que não podiam ter história Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius Maurice Delafosse e Arturo Labriola um grande número de especialistas não africanos ligados a certos postulados sustentavam que essas sociedades não podiam ser objeto de um estudo científico notadamente por falta de fontes e documentos escritos Se a Ilíada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como fontes essenciais da história da Grécia antiga em contrapartida negavase todo valor à tradição oral africana essa memória dos povos que fornece em suas vidas a trama de tantos acontecimentos marcantes Ao escrever a história de grande parte da África recorriase somente a fontes externas à África oferecendo uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos mas daquilo que se pensava que ele deveria ser Tomando frequentemente a Idade Média europeia como ponto de referência os modos de produção as relações sociais tanto quanto as instituições políticas não eram percebidos senão em referência ao passado da Europa Com efeito havia uma recusa a considerar o povo africano como o criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram através dos séculos por PREFÁCIO por M Amadou Mahtar MBow Diretor Geral da UNESCO 19741987 XXII Metodologia e pré história da África vias que lhes são próprias e que o historiador só pode apreender renunciando a certos preconceitos e renovando seu método Da mesma forma o continente africano quase nunca era considerado como uma entidade histórica Em contrário enfatizavase tudo o que pudesse reforçar a ideia de uma cisão que teria existido desde sempre entre uma África branca e uma África negra que se ignoravam reciprocamente Apresentavase frequentemente o Saara como um espaço impenetrável que tornaria impossíveis misturas entre etnias e povos bem como trocas de bens crenças hábitos e ideias entre as sociedades constituídas de um lado e de outro do deserto Traçavamse fronteiras intransponíveis entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e aquelas dos povos subsaarianos Certamente a história da África nortesaariana esteve antes ligada àquela da bacia mediterrânea muito mais que a história da África subsaariana mas nos dias atuais é amplamente reconhecido que as civilizações do continente africano pela sua variedade linguística e cultural formam em graus variados as vertentes históricas de um conjunto de povos e sociedades unidos por laços seculares Um outro fenômeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passado africano foi o aparecimento com o tráfico negreiro e a colonização de estereótipos raciais criadores de desprezo e incompreensão tão profundamente consolidados que corromperam inclusive os próprios conceitos da historiografia Desde que foram empregadas as noções de brancos e negros para nomear genericamente os colonizadores considerados superiores e os colonizados os africanos foram levados a lutar contra uma dupla servidão econômica e psicológica Marcado pela pigmentação de sua pele transformado em uma mercadoria entre outras e destinado ao trabalho forçado o africano veio a simbolizar na consciência de seus dominadores uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior a de negro Este processo de falsa identificação depreciou a história dos povos africanos no espírito de muitos rebaixandoa a uma etnohistória em cuja apreciação das realidades históricas e culturais não podia ser senão falseada A situação evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial em particular desde que os países da África tendo alcançado sua independência começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercâmbios a ela inerentes Historiadores em número crescente têm se esforçado em abordar o estudo da África com mais rigor objetividade e abertura de espírito empregando obviamente com as devidas precauções fontes africanas originais No exercício de seu direito à iniciativa histórica os próprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer em bases sólidas a historicidade de suas sociedades XXIII Prefácio É nesse contexto que emerge a importância da História Geral da África em oito volumes cuja publicação a Unesco começou Os especialistas de numerosos países que se empenharam nessa obra preocuparamse primeiramente em estabelecerlhe os fundamentos teóricos e metodológicos Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificações abusivas criadas por uma concepção linear e limitativa da história universal bem como em restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível Eles esforçaramse para extrair os dados históricos que permitissem melhor acompanhar a evolução dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural Nessa tarefa imensa complexa e árdua em vista da diversidade de fontes e da dispersão dos documentos a UNESCO procedeu por etapas A primeira fase 19651969 consistiu em trabalhos de documentação e de planificação da obra Atividades operacionais foram conduzidas in loco através de pesquisas de campo campanhas de coleta da tradição oral criação de centros regionais de documentação para a tradição oral coleta de manuscritos inéditos em árabe e ajami línguas africanas escritas em caracteres árabes compilação de inventários de arquivos e preparação de um Guia das fontes da história da África publicado posteriormente em nove volumes a partir dos arquivos e bibliotecas dos países da Europa Por outro lado foram organizados encontros entre especialistas africanos e de outros continentes durante os quais se discutiu questões metodológicas e traçouse as grandes linhas do projeto após atencioso exame das fontes disponíveis Uma segunda etapa 1969 a 1971 foi consagrada ao detalhamento e à articulação do conjunto da obra Durante esse período realizaramse reuniões internacionais de especialistas em Paris 1969 e AddisAbeba 1970 com o propósito de examinar e detalhar os problemas relativos à redação e à publicação da obra apresentação em oito volumes edição principal em inglês francês e árabe assim como traduções para línguas africanas tais como o kiswahili o hawsa o peul o yoruba ou o lingala Igualmente estão previstas traduções para o alemão russo português espanhol e chinês1 além de edições resumidas destinadas a um público mais amplo tanto africano quanto internacional 1 O volume I foi publicado em inglês árabe chinês coreano espanhol francês hawsa italiano kiswahi li peul e português o volume II em inglês árabe chinês coreano espanhol francês hawsa italiano kiswahili peul e português o volume III em inglês árabe espanhol e francês o volume IV em inglês árabe chinês espanhol francês e português o volume V em inglês e árabe o volume VI em inglês árabe e francês o volume VII em inglês árabe chinês espanhol francês e português o VIII em inglês e francês XXIV Metodologia e pré história da África A terceira e última fase constituiuse na redação e na publicação do trabalho Ela começou pela nomeação de um Comitê Científico Internacional de trinta e nove membros composto por africanos e não africanos na respectiva proporção de dois terços e um terço a quem incumbiuse a responsabilidade intelectual pela obra Interdisciplinar o método seguido caracterizouse tanto pela pluralidade de abordagens teóricas quanto de fontes Dentre essas últimas é preciso citar primeiramente a arqueologia detentora de grande parte das chaves da história das culturas e das civilizações africanas Graças a ela admitese nos dias atuais reconhecer que a África foi com toda probabilidade o berço da humanidade palco de uma das primeiras revoluções tecnológicas da história ocorrida no período Neolítico A arqueologia igualmente mostrou que na África especificamente no Egito desenvolveuse uma das antigas civilizações mais brilhantes do mundo Outra fonte digna de nota é a tradição oral que até recentemente desconhecida aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituição da história da África permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no espaço compreender a partir de seu interior a visão africana do mundo e apreender os traços originais dos valores que fundam as culturas e as instituições do continente Saberseá reconhecer o mérito do Comitê Científico Internacional encarregado dessa História geral da África de seu relator bem como de seus coordenadores e autores dos diferentes volumes e capítulos por terem lançado uma luz original sobre o passado da África abraçado em sua totalidade evitando todo dogmatismo no estudo de questões essenciais tais como o tráfico negreiro essa sangria sem fim responsável por umas das deportações mais cruéis da história dos povos e que despojou o continente de uma parte de suas forças vivas no momento em que esse último desempenhava um papel determinante no progresso econômico e comercial da Europa a colonização com todas suas consequências nos âmbitos demográfico econômico psicológico e cultural as relações entre a África ao sul do Saara e o mundo árabe o processo de descolonização e de construção nacional mobilizador da razão e da paixão de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena atividade Todas essas questões foram abordadas com grande preocupação quanto à honestidade e ao rigor científico o que constitui um mérito não desprezível da presente obra Ao fazer o balanço de nossos conhecimentos sobre a África propondo diversas perspectivas sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história a História geral da África tem a indiscutível vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras sem dissimular as divergências de opinião entre os estudiosos XXV Prefácio Ao demonstrar a insuficiência dos enfoques metodológicos amiúde utilizados na pesquisa sobre a África essa nova publicação convida à renovação e ao aprofundamento de uma dupla problemática da historiografia e da identidade cultural unidas por laços de reciprocidade Ela inaugura a via como todo trabalho histórico de valor para múltiplas novas pesquisas É assim que em estreita colaboração com a UNESCO o Comitê Científico Internacional decidiu empreender estudos complementares com o intuito de aprofundar algumas questões que permitirão uma visão mais clara sobre certos aspectos do passado da África Esses trabalhos publicados na coleção UNESCO História geral da África estudos e documentos virão a constituir de modo útil um suplemento à presente obra2 Igualmente tal esforço desdobrarseá na elaboração de publicações versando sobre a história nacional ou subregional Essa História geral da África coloca simultaneamente em foco a unidade histórica da África e suas relações com os outros continentes especialmente com as Américas e o Caribe Por muito tempo as expressões da criatividade dos afrodescendentes nas Américas haviam sido isoladas por certos historiadores em um agregado heteróclito de africanismos essa visão obviamente não corresponde àquela dos autores da presente obra Aqui a resistência dos escravos deportados para a América o fato tocante ao marronage fuga ou clandestinidade político e cultural a participação constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independência americana bem como nos movimentos nacionais de libertação esses fatos são justamente apreciados pelo que eles realmente foram vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito universal de humanidade É hoje evidente que a herança africana marcou em maior ou menor grau segundo as regiões as maneiras de sentir pensar sonhar e agir de certas nações do hemisfério ocidental Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil passando pelo Caribe e pela costa do Pacífico as contribuições culturais herdadas da África são visíveis por toda parte em certos casos inclusive elas constituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da população 2 Doze números dessa série foram publicados eles tratam respectivamente sobre n 1 O povoamento do Egito antigo e a decodificação da escrita meroítica n 2 O tráfico negreiro do século XV ao século XIX n 3 Relações históricas através do Oceano Índico n 4 A historiografia da África Meridional n 5 A descolonização da África África Meridional e Chifre da África Nordeste da África n 6 Etnonímias e toponímias n 7 As relações históricas e socioculturais entre a África e o mundo árabe n 8 A metodologia da história da África contemporânea n 9 O processo de educação e a historiografia na África n 10 A África e a Segunda Guerra Mundial n 11 Líbia Antiqua n 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na evolução política e social da África de 1900 a 1975 XXVI Metodologia e pré história da África Igualmente essa obra faz aparecerem nitidamente as relações da África com o sul da Ásia através do Oceano Índico além de evidenciar as contribuições africanas junto a outras civilizações em seu jogo de trocas mútuas Estou convencido de que os esforços dos povos da África para conquistar ou reforçar sua independência assegurar seu desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem enraizarse em uma consciência histórica renovada intensamente vivida e assumida de geração em geração Minha formação pessoal a experiência adquirida como professor e desde os primórdios da independência como presidente da primeira comissão criada com vistas à reforma dos programas de ensino de história e de geografia de certos países da África Ocidental e Central ensinaramme o quanto era necessário para a educação da juventude e para a informação do público uma obra de história elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os problemas e as esperanças da África pensadores capazes de considerar o continente em sua totalidade Por todas essas razões a UNESCO zelará para que essa História Geral da África seja amplamente difundida em numerosos idiomas e constitua base da elaboração de livros infantis manuais escolares e emissões televisivas ou radiofônicas Dessa forma jovens escolares estudantes e adultos da África e de outras partes poderão ter uma melhor visão do passado do continente africano e dos fatores que o explicam além de lhes oferecer uma compreensão mais precisa acerca de seu patrimônio cultural e de sua contribuição ao progresso geral da humanidade Essa obra deverá então contribuir para favorecer a cooperação internacional e reforçar a solidariedade entre os povos em suas aspirações por justiça progresso e paz Pelo menos esse é o voto que manifesto muito sinceramente Restame ainda expressar minha profunda gratidão aos membros do Comitê Científico Internacional ao redator aos coordenadores dos diferentes volumes aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realização desta prodigiosa empreitada O trabalho por eles efetuado e a contribuição por eles trazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a serviço da verdade de todos os homens podem fazer no quadro internacional oferecido pela UNESCO para lograr êxito em um projeto de tamanho valor científico e cultural Meu reconhecimento igualmente estendese às organizações e aos governos que graças a suas generosas doações permitiram à UNESCO publicar essa obra em diferentes línguas e assegurarlhe a difusão universal que ela merece em prol da comunidade internacional em sua totalidade XXVII Apresentação do Projeto A Conferência Geral da UNESCO em sua décima sexta sessão solicitou ao Diretor geral que empreendesse a redação de uma História Geral da África Esse considerável trabalho foi confiado a um Comitê Científico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970 Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo da UNESCO em 1971 esse Comitê compõe se de trinta e nove membros responsáveis dentre os quais dois terços africanos e um terço de não africanos nomeados pelo Diretor geral da UNESCO por um período correspondente à duração do mandato do Comitê A primeira tarefa do Comitê consistiu em definir as principais características da obra Ele definiu as em sua primeira sessão nos seguintes termos Em que pese visar a maior qualidade científica possível a História Geral da África não busca a exaustão e se pretende uma obra de síntese que evitará o dogmatismo Sob muitos aspectos ela constitui uma exposição dos problemas indicadores do atual estádio dos conhecimentos e das grandes correntes de pensamento e pesquisa não hesitando em assinalar em tais circunstâncias as divergências de opinião Ela assim preparará o caminho para posteriores publicações A África é aqui considerada como um todo O objetivo é mostrar as relações históricas entre as diferentes partes do continente muito amiúde APRESENTAÇÃO DO PROJETO pelo Professor Bethwell Allan Ogot Presidente do Comitê Científico Internacional para a redação de uma História Geral da África XXVIII Metodologia e pré história da África subdividido nas obras publicadas até o momento Os laços históricos da África com os outros continentes recebem a atenção merecida e são analisados sob o ângulo dos intercâmbios mútuos e das influências multilaterais de forma a fazer ressurgir oportunamente a contribuição da África para o desenvolvimento da humanidade A História Geral da África consiste antes de tudo em uma história das ideias e das civilizações das sociedades e das instituições Ela fundamenta se sobre uma grande diversidade de fontes aqui compreendidas a tradição oral e a expressão artística A História Geral da África é aqui essencialmente examinada de seu interior Obra erudita ela também é em larga medida o fiel reflexo da maneira através da qual os autores africanos veem sua própria civilização Embora elaborada em âmbito internacional e recorrendo a todos os dados científicos atuais a História será igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimônio cultural africano evidenciando os fatores que contribuem para a unidade do continente Essa vontade de examinar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poderá além de suas qualidades científicas conferir lhe um grande valor de atualidade Ao evidenciar a verdadeira face da África a História poderia em uma época dominada por rivalidades econômicas e técnicas propor uma concepção particular dos valores humanos O Comitê decidiu apresentar a obra dedicada ao estudo de mais de 3 milhões de anos de história da África em oito volumes cada qual compreendendo aproximadamente oitocentas páginas de texto com ilustrações fotos mapas e desenhos tracejados Para cada volume designou se um coordenador principal assistido quando necessário por um ou dois codiretores assistentes Os coordenadores dos volumes são escolhidos tanto entre os membros do Comitê quanto fora dele em meio a especialistas externos ao organismo todos eleitos por esse último pela maioria de dois terços Eles se encarregam da elaboração dos volumes em conformidade com as decisões e segundo os planos decididos pelo Comitê São eles os responsáveis no plano científico perante o Comitê ou entre duas sessões do Comitê perante o Conselho Executivo pelo conteúdo dos volumes pela redação final dos textos ou ilustrações e de uma maneira geral por todos os aspectos científicos e técnicos da História É o Conselho Executivo quem aprova em última instância o original definitivo Uma vez considerado pronto para a edição o texto é remetido ao Diretor Geral XXIX Apresentação do Projeto da UNESCO A responsabilidade pela obra cabe dessa forma ao Comitê ou entre duas sessões do Comitê ao Conselho Executivo Cada volume compreende por volta de 30 capítulos Cada qual redigido por um autor principal assistido por um ou dois colaboradores caso necessário Os autores são escolhidos pelo Comitê em função de seu curriculum vitae A preferência é concedida aos autores africanos sob reserva de sua adequação aos títulos requeridos Além disso o Comitê zela tanto quanto possível para que todas as regiões da África bem como outras regiões que tenham mantido relações históricas ou culturais com o continente estejam de forma equitativa representadas no quadro dos autores Após aprovação pelo coordenador do volume os textos dos diferentes capítulos são enviados a todos os membros do Comitê para submissão à sua crítica Ademais e finalmente o texto do coordenador do volume é submetido ao exame de um comitê de leitura designado no seio do Comitê Científico Internacional em função de suas competências cabe a esse comitê realizar uma profunda análise tanto do conteúdo quanto da forma dos capítulos Ao Conselho Executivo cabe aprovar em última instância os originais Tal procedimento aparentemente longo e complexo revelou se necessário pois permite assegurar o máximo de rigor científico à História Geral da África Com efeito houve ocasiões nas quais o Conselho Executivo rejeitou originais solicitou reestruturações importantes ou inclusive confiou a redação de um capítulo a um novo autor Eventualmente especialistas de uma questão ou período específico da história foram consultados para a finalização definitiva de um volume Primeiramente uma edição principal da obra em inglês francês e árabe será publicada posteriormente haverá uma edição em forma de brochura nesses mesmos idiomas Uma versão resumida em inglês e francês servirá como base para a tradução em línguas africanas O Comitê Científico Internacional determinou quais os idiomas africanos para os quais serão realizadas as primeiras traduções o kiswahili e o haussa Tanto quanto possível pretende se igualmente assegurar a publicação da História Geral da África em vários idiomas de grande difusão internacional dentre outros alemão chinês italiano japonês português russo etc Trata se portanto como se pode constatar de uma empreitada gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores da África e para a comunidade científica em geral bem como para a UNESCO que lhe oferece XXX Metodologia e pré história da África sua chancela Com efeito pode se facilmente imaginar a complexidade de uma tarefa tal qual a redação de uma história da África que cobre no espaço todo um continente e no tempo os quatro últimos milhões de anos respeitando todavia as mais elevadas normas científicas e convocando como é necessário estudiosos pertencentes a todo um leque de países culturas ideologias e tradições históricas Trata se de um empreendimento continental internacional e interdisciplinar de grande envergadura Em conclusão obrigo me a sublinhar a importância dessa obra para a África e para todo o mundo No momento em que os povos da África lutam para se unir e para em conjunto melhor forjar seus respectivos destinos um conhecimento adequado sobre o passado da África uma tomada de consciência no tocante aos elos que unem os Africanos entre si e a África aos demais continentes tudo isso deveria facilitar em grande medida a compreensão mútua entre os povos da Terra e além disso propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimônio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade Bethwell Allan Ogot Em 8 de agosto de 1979 Presidente do Comitê Científico Internacional para a redação de uma História Geral da África XXXI Introdução Geral A África1tem uma história Já foi o tempo em que nos mapas múndi e portulanos sobre grandes espaços representando esse continente então marginal e servil havia uma frase lapidar que resumia o conhecimento dos sábios a respeito dele e que no fundo soava também como um álibi Ibi sunt leones Aí existem leões Depois dos leões foram descobertas as minas grandes fontes de lucro e as tribos indígenas que eram suas proprietárias mas que foram incorporadas às minas como propriedades das nações colonizadoras Nota do coordenador do volume A palavra ÁFRICA possui até o presente momento uma origem difícil de elucidar Foi imposta a partir dos romanos sob a forma AFRICA que sucedeu ao termo de origem grega ou egípcia Lybia país dos Lebu ou Lubin do Gênesis Após ter designado o litoral norte africano a palavra África passou a aplicar se ao conjunto do continente desde o fim do século I antes da Era Cristã Mas qual é a origem primeira do nome Começando pelas mais plausíveis pode se dar as seguintes versões A palavra África teria vindo do nome de um povo berbere situado ao sul de Cartago os Afrig De onde Afriga ou Africa para designar a região dos Afrig Uma outra etimologia da palavra África é retirada de dois termos fenícios um dos quais significa espiga símbolo da fertilidade dessa região e o outro Pharikia região das frutas A palavra África seria derivada do latim aprica ensolarado ou do grego apriké isento de frio Outra origem poderia ser a raiz fenícia faraga que exprime a ideia de separação de diáspora Enfatizemos que essa mesma raiz é encontrada em certas línguas africanas bambara Em sânscrito e hindi a raiz apara ou africa designa o que no plano geográfico está situado depois ou seja o Ocidente A África é um continente ocidental Uma tradição histórica retomada por Leão o Africano diz que um chefe iemenita chamado Africus teria invadido a África do Norte no segundo milênio antes da Era Cristã e fundado uma cidade chamada Afrikyah Mas é mais provável que o termo árabe Afriqiyah seja a transliteração árabe da palavra África Chegou se mesmo a dizer que Afer era neto de Abraão e companheiro de Hércules INTRODUÇÃO GERAL Joseph Ki Zerbo XXXII Metodologia e pré história da África Mais tarde depois das tribos indígenas chegou a vez dos povos impacientes com opressão cujos pulsos já batiam no ritmo febril das lutas pela liberdade Com efeito a história da África como a de toda a humanidade é a história de uma tomada de consciência Nesse sentido a história da África deve ser reescrita E isso porque até o presente momento ela foi mascarada camuflada desfigurada mutilada Pela força das circunstâncias ou seja pela ignorância e pelo interesse Abatido por vários séculos de opressão esse continente presenciou gerações de viajantes de traficantes de escravos de exploradores de missionários de procônsules de sábios de todo tipo que acabaram por fixar sua imagem no cenário da miséria da barbárie da irresponsabilidade e do caos Essa imagem foi projetada e extrapolada ao infinito ao longo do tempo passando a justificar tanto o presente quanto o futuro Não se trata aqui de construir uma história revanche que relançaria a história colonialista como um bumerangue contra seus autores mas de mudar a perspectiva e ressuscitar imagens esquecidas ou perdidas Torna se necessário retornar à ciência a fim de que seja possível criar em todos uma consciência autêntica É preciso reconstruir o cenário verdadeiro É tempo de modificar o discurso Se são esses os objetivos e o porquê desta iniciativa o como ou seja a metodologia é como sempre muito mais penoso É justamente esse um dos objetivos desse primeiro volume da História Geral da África elaborada sob o patrocínio da UNESCO I PORQUÊ Trata se de uma iniciativa científica As sombras e obscuridades que cercam o passado desse continente constituem um desafio apaixonante para a curiosidade humana A história da África é pouco conhecida Quantas genealogias mal feitas Quantas estruturas esboçadas com pontilhados impressionistas ou mesmo encobertas por espessa neblina Quantas sequências que parecem absurdas porque o trecho precedente do filme foi cortado Esse filme desarticulado e parcelado que não é senão a imagem de nossa ignorância nós o transformamos por uma formação deplorável ou viciosa na imagem real da história da África tal como efetivamente se desenrolou Nesse contexto não é de causar espanto o lugar infinitamente pequeno e secundário que foi dedicado à história africana em todas as histórias da humanidade ou das civilizações Porém há algumas décadas milhares de pesquisadores muitos de grande ou mesmo de excepcional mérito vêm procurando resgatar porções inteiras da XXXIII Introdução Geral antiga fisionomia da África A cada ano aparecem dezenas de novas publicações cuja ótica é cada vez mais positiva Descobertas africanas por vezes espetaculares questionam o significado de certas fases da história da humanidade em seu conjunto Mas essa mesma proliferação comporta certos perigos risco de cacofonia pela profusão de pesquisas desordenadas ou sem coordenação efetiva discussões inúteis entre escolas que tendem a dar mais importância aos pesquisadores que ao objeto das pesquisas etc Por essas razões e pela honra da ciência tornava se importante que uma tomada de posição acima de qualquer suspeita fosse levada a cabo por equipes de pesquisadores africanos e não africanos sob os auspícios da UNESCO e sob a autoridade de um conselho científico internacional e de coordenadores africanos O número e a qualidade dos pesquisadores mobilizados para esta nova grande descoberta da África denotam uma admirável experiência de cooperação internacional Mais que qualquer outra disciplina a história é uma ciência humana pois ela sai bem quente da forja ruidosa e tumultuada dos povos Modelada realmente pelo homem nos canteiros da vida construída mentalmente pelo homem nos laboratórios bibliotecas e sítios de escavações a história é igualmente feita para o homem para o povo para aclarar e motivar sua consciência Para os africanos a história da África não é um espelho de Narciso nem um pretexto sutil para se abstrair das tarefas da atualidade Essa diversão alienadora poderia comprometer os objetivos científicos do projeto Em contrapartida a ignorância de seu próprio passado ou seja de uma grande parte de si mesmo não seria ainda mais alienadora Todos os males que acometem a África hoje assim como todas as venturas que aí se revelam resultam de inumeráveis forças impulsionadas pela história E da mesma forma que a reconstituição do desenvolvimento de uma doença é a primeira etapa de um projeto racional de diagnóstico e terapêutica a primeira tarefa de análise global do continente africano é histórica A menos que optássemos pela inconsciência e pela alienação não poderíamos viver sem memória ou com a memória do outro Ora a história é a memória dos povos Esse retorno a si mesmo pode aliás revestir se do valor de uma catarse libertadora como acontece com o processo de submersão em si próprio efetivado pela psicanálise que ao revelar as bases dos entraves de nossa personalidade desata de uma só vez os complexos que atrelam nossa consciência às raízes profundas do subconsciente Mas para não substituir um mito por outro é preciso que a verdade histórica matriz da consciência desalienada e autêntica seja rigorosamente examinada e fundada sobre provas XXXIV Metodologia e pré história da África II COMO Passemos agora à problemática questão do como ou seja da metodologia Neste campo como em outros é necessário evitar tanto a singularização excessiva da África quanto a tendência a alinhá la demasiadamente segundo normas estrangeiras De acordo com alguns seria preciso esperar que fossem encontrados os mesmos tipos de documentos existentes na Europa a mesma panóplia de peças escritas ou epigráfica para que fosse possível falar numa verdadeira história da África Para estes em resumo os problemas do historiador são sempre os mesmos dos trópicos aos pólos Torna se necessário reafirmar claramente que não se trata de amordaçar a razão sob pretexto de que falta substância a ser lhe fornecida Não se deveria considerar a razão como tropicalizada pelo fato de ser exercida nos trópicos A razão soberana não conhece o império da geografia Suas normas e seus procedimentos fundamentais em particular a aplicação do princípio da causalidade são os mesmos em toda parte Mas justamente por não ser cega a razão deve apreender diferentemente realidades distintas para que essa apreensão seja sempre muito firme e precisa Assim os princípios da crítica interna e externa se aplicarão segundo uma estratégia mental diferente para o canto épico Sundiata Fasa2 para a capitular De Villis ou para as circulares enviadas aos prefeitos de Napoleão Os métodos e técnicas serão diferentes Aliás essa estratégia não será exatamente a mesma em todas as partes da África nesse sentido o vale do Nilo e a fachada do Mediterrâneo se encontram para reconstrução histórica numa situação menos original em relação à Europa do que a África subsaariana Na verdade as dificuldades específicas da história da África podem ser constatadas já na observação das realidades da geografia física desse continente Continente solitário se é que existe algum a África parece dar as costas para o resto do Velho Mundo ao qual se encontra ligada apenas pelo frágil cordão umbilical do istmo de Suez No sentido oposto ela mergulha integralmente sua massa compacta na direção das águas austrais rodeada por maciços costeiros que os rios forçam através de desfiladeiros heroicos que constituem por sua vez obstáculos à penetração A única passagem importante entre o Saara e os montes abissínios encontra se obstruída pelos imensos pântanos de Bahr el Ghazal Ventos e correntes marítimas extremamente violentos montam guarda do Cabo Branco ao Cabo Verde Entretanto no interior do continente três 2 Elogio a Sundiata em língua malinke Fundador do Império do Mali no século XIII Sundiata é um dos heróis mais populares da história africana XXXV Introdução Geral desertos encarregam se de agravar o isolamento exterior por uma divisão interna Ao sul o Calaari Ao centro o deserto verde da floresta equatorial temível refúgio no qual o homem lutará para se impor Ao norte o Saara campeão dos desertos imenso filtro continental oceano fulvo dos ergs e regs que com a franja montanhosa da cordilheira dos Atlas dissocia o destino da zona mediterrânea do restante do continente Sobretudo durante a pré história essas potências ecológicas mesmo sem serem muralhas estanques pesaram muito no destino africano em todos os aspectos Deram também um valor singular a todas essas seteiras naturais que desempenharam o papel de passarelas na exploração do território africano levada a efeito pelas populações que aí habitavam há milhões de anos atrás Citemos apenas a gigantesca fenda meridiana do Rift Valley que se estende do centro da África ao Iraque passando através do molhe etiopiano No sentido mais transversal a curva dos vales do Sanga do Ubangui e do Zaire deve ter constituído igualmente um corredor privilegiado Não é por acaso que os primeiros reinados da África negra tenham se desenvolvido nessas regiões das terras abertas estes sahels3 que eram beneficiados simultaneamente por uma permeabilidade interna por uma certa abertura para o exterior e por contatos com as zonas africanas vizinhas dotadas de recursos diferentes e complementares Essas regiões abertas que experimentaram um ritmo de evolução mais rápido constituem a prova a contrario de que o isolamento foi um dos fatores chave da lentidão do progresso da África em determinados setores4 As civilizações repousam sobre a terra escreve F Braudel E acrescenta A civilização é filha do número Ora a própria vastidão desse continente com uma população diluída e portanto facilmente itinerante em meio a uma natureza ao mesmo tempo generosa frutas minerais etc e cruel endemias epidemias5 impediu que fosse atingido o limiar de concentração demográfica que tem sido quase sempre uma das precondições das mudanças qualitativas importantes no domínio econômico social e político Além disso a severa punção demográfica da escravidão desde os tempos imemoriais e sobretudo após o comércio negreiro do século XV ao XX contribuiu muito para privar a África do tônus humano e da estabilidade necessários a toda criação eminente mesmo que seja no plano tecnológico A natureza e os homens a geografia e a história não foram benevolentes com a 3 Do árabe sahil margem Aqui margem do deserto considerado como um oceano 4 O fator climático não deve ser negligenciado O professor Thurstan Shaw destacou o fato de que certos cereais adaptados ao clima mediterrâneo chuvas de inverno não puderam ser cultivados no vale do Níger porque ao sul do paralelo 18 latitude norte e em virtude da barreira da frente intertropical sua aclimatação era impossível Cf J A H XII 1 1971 p 143 153 5 Sobre esse assunto ver J FORD 1971 XXXVI Metodologia e pré história da África África É indispensável retornar a essas condições fundamentais do processo evolutivo para que seja possível colocar os problemas em termos objetivos e não sob a forma de mitos aberrantes como a inferioridade racial o tribalismo congênito e a pretensa passividade histórica dos africanos Todas essas abordagens subjetivas e irracionais apenas mascaram uma ignorância voluntária A As fontes difíceis No que concerne ao continente africano é preciso reconhecer que o manuseio das fontes é particularmente difícil Três fontes principais constituem os pilares do conhecimento histórico os documentos escritos a arqueologia e a tradição oral Essas três fontes são apoiadas pela linguística e pela antropologia que permitem matizar e aprofundar a interpretação dos dados por vezes excessivamente brutos e estéreis sem essa abordagem mais íntima Estaríamos errados entretanto em estabelecer a priori uma hierarquia peremptória e definitiva entre essas diferentes fontes 1 As fontes escritas Quando não são raras tais fontes se encontram mal distribuídas no tempo e no espaço Os séculos mais obscuros da história africana são justamente aqueles que não se beneficiam do saber claro e preciso que emana dos testemunhos escritos por exemplo os séculos imediatamente anteriores e posteriores ao nascimento de Cristo a África do Norte é uma exceção No entanto mesmo quando esse testemunho existe sua interpretação implica frequentemente ambiguidades e dificuldades Nesse sentido a partir de uma releitura das viagens de Ibn Battuta e de um novo exame das diversas grafias dos topônimos empregados por este autor e por alUmari certos historiadores são levados a contestar que Niani situada às margens do rio Sankarani tivesse sido a capital do antigo Mali6 Do ponto de vista quantitativo massas consideráveis de materiais escritos de caráter arquivístico ou narrativo permanecem ainda inexploradas como provam os recentes inventários parciais dos manuscritos inéditos relativos à história da África negra exumados de bibliotecas do Marrocos7 da Argélia e da Europa 6 Cf HUNWICK J O 1973 p 195 208 O autor corre o risco do argumento a silentio Se Ibn Battuta tivesse atravessado o Níger ou o Senegal teria feito referência a isso 7 Cf UNESCO Coletânea seletiva de textos em árabe proveniente dos arquivos marroquinos pelo professor Mohammed Ibraim EL KEITANI SCHVS894 XXXVII Introdução Geral Também nas bibliotecas particulares de grandes eruditos sudaneses encontradas em cidades da curva do Níger8 há manuscritos inéditos cujos títulos permitem entrever filões analíticos novos e promissores A UNESCO estabeleceu em Tombuctu o Centro Ahmed Baba para promover a coleta desses documentos Nos fundos de arquivos existentes no Irã no Iraque na Armênia na Índia e na China sem falar das Américas muitos fragmentos da história da África estão à espera da perspicácia inventiva do pesquisador Nos arquivos do primeiro ministro de Istambul por exemplo onde estão classificados os registros dos decretos do Conselho de Estado Imperial Otomano uma correspondência inédita datada de maio de 1577 enviada pelo sultão Murad III ao Mai Idriss Alaoma e ao bei de Túnis projetam nova luz sobre a diplomacia do Kanem Bornu daquela época e também sobre a situação do Fezzan9 Um trabalho ativo de coleta vem sendo realizado com êxito pelos institutos de estudos africanos e centros de pesquisas históricas nas regiões africanas que foram penetradas pela cultura islâmica Por outro lado novos guias editados pelo Conselho Internacional dos Arquivos sob os auspícios da UNESCO propõem se a orientar os pesquisadores na floresta de documentos espalhados em todas as partes do mundo ocidental Apenas um grande esforço de edições e reedições judiciosas de tradução e difusão na África permitirá pelo efeito multiplicador desses novos fluxos conjugados transpor um novo limiar qualitativo e crítico sobre a visão do passado africano Por outro lado quase tão importante quanto a grande quantidade de documentos novos será a atitude dos pesquisadores ao examiná los É assim que numerosos textos explorados desde o século XIX ou mesmo depois mas ainda no período colonial reclamam imperiosamente uma releitura expurgada de qualquer preconceito anacrônico e marcada por uma visão endógena Assim sendo as fontes escritas a partir das escrituras subsaarianas vai bamum ajami não devem ser negligenciadas 2 A arqueologia Os testemunhos mudos revelados pela arqueologia são em geral mais eloquentes ainda do que os testemunhos oficiais dos autores de certas crônicas A arqueologia por suas prestigiosas descobertas já deu uma contribuição valiosa à história africana sobretudo quando não há crônica oral ou escrita 8 Cf Études Maliennes I S H M n 3 set 1972 9 MARTIN B G 1969 p 15 27 XXXVIII Metodologia e pré história da África disponível como é o caso de milhares de anos do passado africano Apenas objetos testemunho enterrados com aqueles a quem testemunham velam sob o pesado sudário de terra por um passado sem rosto e sem voz Alguns deles são particularmente significativos como indicadores e medidas da civilização objetos de ferro e a tecnologia envolvida em sua fabricação cerâmicas com suas técnicas de produção e estilos peças de vidro escrituras e estilos gráficos técnicas de navegação pesca e tecelagem produtos alimentícios e também estruturas geomorfológicas hidráulicas e vegetais ligadas à evolução do clima A linguagem dos achados arqueológicos possui por sua própria natureza algo de objetivo e irrecusável Assim o estudo da tipologia das cerâmicas e dos objetos de osso e metal encontrados na região nígero chadiana do Saara demonstra a ligação entre os povos pré islâmicos Sao da bacia chadiana e as áreas culturais que se estendem até o Nilo e o deserto líbio Estatuetas de argila cozida com talabartes cruzados ornatos corporais das estatuetas formas de vasos e braceletes arpões e ossos cabeças ou pontas de flechas e facas de arremesso ressuscitam assim graças a seus parentescos as solidariedades vivas de épocas antigas10 para além desta paisagem contemporânea massacrada pela solidão e pela inércia Diante disso a localização a classificação e a proteção dos sítios arqueológicos africanos se impõem como prioridade de grande urgência antes que predadores ou profanos irresponsáveis e turistas sem objetivos científicos os pilhem e os desorganizem despojando os dessa maneira de qualquer valor histórico sério Mas a exploração destes sítios por projetos prioritários de escavação em grande escala só poderá desenvolver se no contexto de programas interafricanos sustentados por poderosa cooperação internacional 3 A tradição oral Paralelamente às duas primeiras fontes da história africana documentos escritos e arqueologia a tradição oral aparece como repositório e o vetor do capital de criações socioculturais acumuladas pelos povos ditos sem escrita um verdadeiro museu vivo A história falada constitui um fio de Ariadne muito frágil para reconstituir os corredores obscuros do labirinto do tempo Seus guardiões são os velhos de cabelos brancos voz cansada e memória um pouco obscura rotulados às vezes de teimosos e meticulosos veilliesse oblige ancestrais em potencial São como as derradeiras ilhotas de uma paisagem outrora imponente ligada em todos os seus elementos por uma ordem precisa 10 Cf HUARD P 1969 p 179 224 XXXIX Introdução Geral e que hoje se apresenta erodida cortada e devastada pelas ondas mordazes do modernismo Fósseis em sursis Cada vez que um deles desaparece é uma fibra do fio de Ariadne que se rompe é literalmente um fragmento da paisagem que se toma subterrâneo Indubitavelmente a tradição oral é a fonte histórica mais íntima mais suculenta e melhor nutrida pela seiva da autenticidade A boca do velho cheira mal diz um provérbio africano mas ela profere coisas boas e salutares Por mais útil que seja o que é escrito se congela e se desseca A escrita decanta disseca esquematiza e petrifica a letra mata A tradição reveste de carne e de cores irriga de sangue o esqueleto do passado Apresenta sob as três dimensões aquilo que muito frequentemente é esmagado sobre a superfície bidimensional de uma folha de papel A alegria da mãe de Sundiata transtornada pela cura súbita de seu filho ecoa ainda no timbre épico e quente dos griots do Mali animadores públicos ver capítulo 8 É claro que muitos obstáculos devem ser ultrapassados para que se possa peneirar criteriosamente o material da tradição oral e separar o bom grão dos fatos da palha das palavras armadilha falsas janelas abertas para a simetria do brilho e das lantejoulas de fórmulas que constituem apenas a embalagem circunstancial de uma mensagem vinda de longe Costuma se dizer que a tradição não inspira confiança porque ela é funcional como se toda mensagem humana não fosse funcional por definição incluindo se nessa funcionalidade os documentos de arquivos que por sua própria inércia e sob sua aparente neutralidade objetiva escondem tantas mentiras por omissão e revestem o erro de respeitabilidade Certamente a tradição épica em particular é uma recriação paramítica do passado Uma espécie de psicodrama que revela à comunidade suas raízes e o corpo de valores que sustenta sua personalidade um viático encantado para singrar o rio do tempo em direção ao reino dos ancestrais É por isto que a palavra épica não coincide exatamente com a palavra histórica cavalga a através de projeções anacrônicas a montante e a jusante do tempo real com interpenetrações que se assemelham às perturbações do relevo em arqueologia E os escritos escaparão eles próprios a essas intrusões enigmáticas Aqui como em toda parte é preciso procurar a palavra fóssil guia tentar encontrar a pedra de toque que identifica o metal puro e rejeita a ganga e a escória Certamente no discurso épico a fragilidade do encadeamento cronológico constitui seu verdadeiro calcanhar de Aquiles as sequências temporais subvertidas criam um quebra cabeça onde a imagem do passado não nos chega de modo claro e estável como num espelho de boa qualidade mas como um reflexo fugaz que dança sobre a agitação da água A duração média dos reinados XL Metodologia e pré história da África ou das gerações constitui um domínio extremamente controvertido no qual as extrapolações feitas a partir de períodos recentes são muito pouco seguras em razão das mutações demográficas e políticas Por vezes um dinasta excepcional e carismático polariza sobre si os feitos mais notáveis de seus predecessores e sucessores que assim são literalmente eclipsados É o que acontece com certos dinastas de Ruanda como Da Monzon rei de Segu início do século XIX a quem os griots atribuem toda a grande conquista desse reino Por outro lado o texto literário oral retirado de seu contexto é como peixe fora da água morre e se decompõe Isolada a tradição assemelha se a essas máscaras africanas arrebatadas da comunhão dos fiéis para serem expostas à curiosidade dos não iniciados Perde sua carga de sentido e de vida Por sua própria existência e por ser sempre retomada por novas testemunhas que se encarregam de sua transmissão a tradição adapta se às expectativas de novos auditórios adaptação essa que se refere primordialmente à apresentação da mensagem mas que não deixa intacto o conteúdo E não vemos também mercadores ou mercenários da tradição que servem à vontade versões de textos escritos reinjetados na própria tradição Enfim o próprio conteúdo da mensagem permanece frequentemente hermético esotérico mesmo Para o africano a palavra é pesada Ela é fortemente ambígua podendo fazer e desfazer sendo capaz de acarretar malefícios É por isso que sua articulação não se dá de modo aberto e direto A palavra é envolvida por apologias alusões subentendidos e provérbios claro escuros para as pessoas comuns mas luminosos para aqueles que se encontram munidos das antenas da sabedoria Na África a palavra não é desperdiçada Quanto mais se está em posição de autoridade menos se fala em público Mas quando se diz a alguém Você comeu o sapo e jogou a cabeça fora a pessoa compreende que está sendo acusada de se furtar a uma parte de suas responsabilidades11 Esse hermetismo das meias palavras indica ao mesmo tempo o valor inestimável e os limites da tradição oral uma vez que sua riqueza é praticamente impossível de ser transferida integralmente de uma língua para outra sobretudo quando esta outra se encontra estrutural e sociologicamente distante A tradição acomoda se muito pouco à tradução Desenraizada ela perde sua seiva e sua autenticidade pois a língua é a morada do ser Aliás muitos dos erros que são imputados à tradição são provenientes de intérpretes incompetentes ou inescrupulosos 11 Cf AGUESSY H 1972 p 269 297 XLI Introdução Geral Seja como for a validade da tradição oral está amplamente provada nos dias atuais Ela é largamente comprovada pelo confronto com as fontes arqueológicas ou escriturais como no caso do sítio de Kumbi Saleh dos vestígios do lago Kisale ou mesmo dos acontecimentos do século XVI transmitidos pelos Shona cuja conformidade com os documentos escritos por viajantes portugueses daquela época foi verificada por D P Abraham Em suma o discurso da tradição seja ela épica prosaica didática ou ética pode ser histórico sob um tríplice ponto de vista Em primeiro lugar ele é revelador do conjunto de usos e valores que animam um povo e que condicionam seus atos futuros pela representação dos arquétipos do passado Fazendo isso a epopeia não só reflete mas também cria a história Quando Da Monzon é tratado de senhor das águas e dos homens expressa se com isso o caráter absoluto de seu poder Contudo essas mesmas narrativas mostram no consultando incessantemente seus guerreiros seus griots suas mulheres12 O senso de honra e de reputação explode na famosa réplica do canto do arco em louvor a Sundiata Sundiata Fasa Saya Kaoussa malo yé13 Esse valor também se exprime muito bem no episódio da luta de Bakary Dian contra os Peul do Kournari Ressentido o bravo Bakary retirara se para sua aldeia Dongorongo diante das súplicas de seu povo para que retomasse o comando das tropas de Segu cedeu apenas quando foi tocado na corda sensível do orgulho e da glória As velhas palavras trocadas esquece as É o teu nome agora que precisa ser considerado pois se vem ao mundo para construir um nome Se nasces cresces e morres sem ter um nome vieste por nada partiste por nada Bakary então exclama Griots de Segu já que vós vistes não será impossível Farei o que me pedis por meu renome Não o farei por Da Monzon Não o farei por ninguém em Segu Fá lo ei somente por minha reputação Mesmo depois de minha morte isso será acrescentado ao meu nome Encontramos um traço similar de civilização e lei quando Silamaka diz Tendes sorte que me seja proibido matar mensageiros Em suma a recomposição do passado está longe de ser integralmente imaginária Encontram se aí fragmentos de lembranças filões de história que frequentemente são mais prosaicos que os ornamentos coloridos da imaginação épica Foi assim que surgiu essa instituição de pastores coletivos nas aldeias bambara Se eras escolhido e feito pastor tornavas te Peul público Os Peul públicos guardavam os rebanhos do rei Eram homens de etnias diferentes e 12 Cf KESTELOOT L Tomos 1 3 e 4 13 A morte vale mais do que a desonra XLII Metodologia e pré história da África seu pastor chefe chamava se Bonke Ou ainda Nessa época não se usavam babuchas mas chinelas de couro de boi curtido com um cordão na parte da frente em torno do dedo grande do pé e um outro no calcanhar Enfim a narrativa épica é salpicada de alusões a técnicas a objetos que não são essenciais ao desenvolvimento da ação mas que dão indícios sobre o modo de vida Ele Da Monzon convocou seus sessenta remadores Somono trinta homens na proa e trinta na popa A piroga estava ricamente decorada As escadas são preparadas e colocadas contra a muralha Os caçadores de Segu sobem de surpresa e infiltram se na cidade Os cavaleiros de Segu lançam flechas flamejantes As casas da aldeia pegam fogo Saran a mulher apaixonada por Da Monzon vai umedecer a pólvora dos fuzis dos guerreiros de Kore É por um diagnóstico rigoroso que às vezes se vale da análise psicanalítica e neste caso considera as próprias psicoses do público ou dos transmissores da tradição que o historiador pode atingir a medula substantiva da realidade histórica Por conseguinte a multiplicidade de versões transmitidas por clãs adversários por exemplo pelos griots clientes de cada nobre protetor horon dyatigui longe de constituir uma desvantagem representa uma garantia suplementar para a crítica histórica E a conformidade das narrativas como no caso dos griots bambara e peul que pertencem a campos inimigos dá um realce particular à qualidade desse testemunho A história falada por sua própria poligênese comporta elementos de autocensura como mostra o caso dos Gouro entre os quais a tradição esotérica liberal e integracionista transmitida pelas linhagens coexiste com a tradição esotérica oligárquica e meticulosa da sociedade secreta Na verdade não se trata de uma propriedade privada mas de um bem indiviso pelo qual respondem diversos grupos da comunidade O essencial é proceder à crítica interna desses documentos através do conhecimento íntimo do gênero literário em questão sua temática e suas técnicas seus códigos e estereótipos as fórmulas de execução as digressões convencionais a língua em evolução o público e o que ele espera dos transmissores da tradição E sobretudo a casta destes últimos suas regras de conduta sua formação seus ideais suas escolas Sabe se que no Mali e na Guiné por exemplo em Keyla Kita Niagassola Niani etc existem há séculos verdadeiras escolas de iniciação Essa tradição rígida institucionalizada e formal é geralmente melhor estruturada e sustentada pela música de corte que se integra a ela que a esconde em partes didáticas e artísticas Alguns dos instrumentos utilizados como o Sosso Balla balafo de Sumauro Kante são em si mesmos por sua antiguidade monumentos dignos de uma investigação de tipo arqueológico Mas as correspondências entre tipos de instrumento e tipos de música de XLIII Introdução Geral cantos e de danças constituem um mundo minuciosamente regulado no qual as anomalias e as adições posteriores são facilmente detectadas Cada gênero literário oral possui assim um instrumento específico em cada região cultural o balla xilofone ou o bolon harpa alaúde para a epopeia mandinga o bendré dos Mossi grande tambor redondo de uma só face feito com uma cabaça e tocado com as mãos nuas para a exaltação muitas vezes silenciosa dos nomes de guerra zabyouya dos soberanos o mvet harpa cítara para os poetas músicos dos Fang em suas Nibelungen tropicais Veículos da história falada esses instrumentos são venerados e sagrados Com efeito incorporam se ao artista e seu lugar é tão importante na mensagem que graças às línguas tonais a música torna se diretamente inteligível transformando se o instrumento na voz do artista sem que este tenha necessidade de articular uma só palavra O tríplice ritmo tonal de intensidade e de duração faz se então música significante nessa espécie de semântico melodismo de que falava Marcel Jousse Na verdade a música encontra se de tal modo integrada à tradição que algumas narrativas somente podem ser transmitidas sob a forma cantada A própria canção popular que exprime a vontade geral de forma satírica e que permaneceu vigorosa mesmo com as lutas eleitorais do século XX é um gênero precioso que contrabalança e completa as afirmações dos documentos oficiais O que se diz aqui sobre a música vale também para outras formas de expressão como as artes plásticas cujas produções são por vezes a expressão direta de personagens de acontecimentos ou de culturas históricas como nos reinos de Abomey e do Benin baixos relevos ou na nação Kuba esculturas Em poucas palavras a tradição oral não é apenas uma fonte que se aceita por falta de outra melhor e à qual nos resignamos por desespero de causa É uma fonte integral cuja metodologia já se encontra bem estabelecida e que confere à história do continente africano uma notável originalidade 4 A linguística A história da África tem na linguística não apenas uma ciência auxiliar mas uma disciplina autônoma que no entanto a conduz diretamente ao âmago de seu próprio objeto Percebe se bem isso no caso da Núbia que se encontra amortalhada no duplo silêncio opaco das ruínas de Meroé e da escrita meroítica não decifrada porque a língua permanece desconhecida14 É claro que há muito 14 A UNESCO organizou em 1974 no Cairo um simpósio científico internacional para a decifração dessa língua africana XLIV Metodologia e pré história da África a ser feito nesse campo começando pela catalogação científica das línguas Na verdade não é necessário sacrificar a abordagem descritiva à abordagem comparatista e sintética com pretensões tipológicas e genéticas É por meio de uma análise ingrata e minuciosa do fato linguístico com seu significante de consoantes vogais e tons com suas latitudes combinatórias em esquemas sintagmáticos com seu significado vivido pelos falantes de uma determinada comunidade15 que se pode fazer extrapolações retroativas operação que muitas vezes se torna difícil pela falta de conhecimento histórico profundo dessas línguas De modo que elas só podem ser comparadas a partir de seu extrato contemporâneo pelo método sincrônico base indispensável para toda síntese diacrônica e genética A tarefa é árdua e é compreensível que duelos de erudição aconteçam em algumas áreas particularmente no que diz respeito à língua bantu Malcolm Guthrie por exemplo sustenta a teoria da autogênese enquanto Joseph Greenberg defende com veemência a tese de que as línguas bantu devem ser colocadas num contexto continental mais amplo Isto se justifica diz Greenberg pelo fato de as semelhanças existentes não serem analogias acidentais resultantes de influências externas mas derivarem de um parentesco genético intrínseco expresso em centenas de línguas desde o wolof até o baka República do Sudão pelas similitudes dos pronomes do vocabulário de base e das características gramaticais como o sistema de classes nominais Para o historiador todos esses debates não são meros exercícios acadêmicos Um autor que se baseie por exemplo na distribuição dos grupos de palavras análogas que designam o carneiro na África central na orla da floresta constatará que esses grupos homogêneos não ultrapassam a franja vegetal mas distribuem se paralelamente a ela Isto sugere uma distribuição dos rebanhos de acordo com os paralelos dos dois biótopos contíguos da savana e da floresta ao passo que mais a leste o padrão linguístico se ordena claramente em faixas meridianas da África oriental para a África austral o que supõe um caminho de introdução perpendicular à primeira e ilustra a contrario o papel inibidor da floresta na transmissão das técnicas16 Esse papel no entanto não é idêntico para todas as técnicas Em suma os estudos linguísticos demonstram que as rotas e os caminhos das migrações assim como a difusão de culturas materiais e espirituais são marcados pela distribuição de palavras aparentadas Daí a importância da análise linguística diacrônica e da glotocronologia para o historiador que deseja compreender a dinâmica e o sentido da evolução 15 Cf HOUIS M 1971 p 45 16 Cf EHRET C 1963 p 213 221 XLV Introdução Geral J Greenberg por exemplo trouxe à luz as contribuições do kanuri ao haussa em relação a termos culturais e a termos da técnica militar contribuições essas que valorizam a influência do império de Bornu no desenvolvimento dos reinos haussa Em particular os títulos das dinastias de Bornu incluindo termos kanuri como kaygamma magira etc conheceram uma notável difusão até o coração do Camarões e da Nigéria O estudo sistemático dos topônimos e antropônimos pode também fornecer indicações bastante precisas contanto que essa nomenclatura seja revista segundo uma abordagem endógena pois um grande número de nomes foi deformado pela pronúncia ou redação exóticas de não africanos ou de africanos que atuavam como intérpretes ou escribas A caça à palavra correta mesmo quando esta foi congelada pela escrita há séculos atrás é uma das tarefas mais complexas da crítica histórica da África Tomemos um exemplo a palavra Gaoga utilizada por Leão o Africano para designar um reino do Sudão tem sido frequentemente assimilada a Gao Mas a análise desse topônimo a partir do teda e do kanuri permite localizar também um reino chamado Gaoga entre o Uadai Chade o Darfur Sudão e o Fertit República Centro Africana17 Quanto à referência ao Iêmen para designar o país de origem de numerosas dinastias sudanesas um reexame sério desse problema tem sido feito desde H R Palmer Não se deveria interpretar a palavra Yemen não mais segundo as evocações religiosas dos cronistas muçulmanos orientados em direção à Arabia Felix e sim em referência ao antigo país de Yam daí Yamem18 Também o exame do léxico swahili recheado de termos de origem árabe e do léxico das regiões da costa oriental malgaxe Antemoro Antalaotra Anosy banhada por influências árabes revela se uma fonte rica de ensinamentos para o historiador De qualquer maneira a linguística que já prestou um bom serviço à história da África deve desvencilhar se de início do desprezo etnocentrista que marcou a linguística africana elaborada por A W Schlegel e Auguste Schleicher segundo a qual as línguas da família indo europeia estão no topo da evolução e as línguas dos negros no ponto mais baixo da escala apresentando estas entretanto o interesse de segundo alguns revelar um estado próximo ao estado original da linguagem em que as línguas não teriam gramática o discurso 17 Cf KALAK P 1972 p 529 548 18 Cf MOHAMMADOU A e ELDRIDGE 1971 p 130 155 XLVI Metodologia e pré história da África seria uma sequência de monossílabos e o léxico estaria restrito a um inventário elementar19 5 A antropologia e a etnologia O mesmo comentário aplica se a fortiori à antropologia e à etnologia Na verdade o discurso etnológico20 tem sido por força das circunstâncias um discurso com premissas explicitamente discriminatórias e conclusões implicitamente políticas havendo entre ambas um exercício científico forçosamente ambíguo Seu principal pressuposto era muitas vezes a evolução linear à frente da caravana da humanidade ia a Europa pioneira da civilização e atrás os povos primitivos da Oceania Amazônia e África Como se pode ser índio negro papua árabe O outro atrasado bárbaro selvagem em diversos graus é sempre diferente e por essa razão torna se objeto de interesse do pesquisador ou de cobiça do traficante A etnologia recebeu assim procuração geral para ser o ministério da curiosidade europeia diante dos nossos nativos Apreciadora dos estados miseráveis da nudez e do folclore a visão etnológica era muitas vezes sádica lúbrica e na melhor das hipóteses um pouco paternalista Salvo exceções as dissertações e os relatórios resultantes justificavam o status quo e contribuíam para o desenvolvimento do subdesenvolvimento21 O evolucionismo à Darwin apesar de seus grandes méritos o difusionismo de sentido único que tem visto muitas vezes a África como o escoadouro passivo das invenções de outros lugares o funcionalismo de Malinowski e de Radcliffe Brown enfim que negava toda dimensão histórica às sociedades primitivas todas essas escolas se adaptavam naturalmente à situação colonial na qual proliferavam como num terreno fértil22 Suas abordagens muito pobres afinal para a compreensão das sociedades exóticas desqualificavam se ainda mais pelo fato de as sociedades pelas quais tinham maior interesse serem exatamente as mais insólitas isto é os protótipos de uma humanidade instalada no elementar Tais protótipos contudo 19 Cf HOUIS M 1971 p 27 20 O termo etnia atribuído aos chamados povos sem escrita foi sempre marcado pelo preconceito racista Idólatra ou étnico escrevia Clément Marot desde o século XVI A etnografia é a coleta descritiva dos documentos A etnologia é a síntese comparativa 21 Cf COPANS J 1971 p 45 A ideologia colonial e a etnologia decorrem de uma mesma configuração e existe entre essas duas ordens de fenômenos um jogo que condiciona o desenvolvimento de ambas 22 Cf RUFFIE J 1977 p 429 O pseudodarwinismo cultural que inspira o pensamento antropológico do século XIX legitima o colonialismo que assim não se caracteriza como produto de uma certa conjuntura política mas de estrutura biológica em resumo um caso particular de competição natural A antropologia do século XIX justifica a Europa imperialista XLVII Introdução Geral constituíam apenas microrganismos com um papel histórico não desprezível por vezes mesmo notável mas na maioria dos casos marginal em relação aos conjuntos sociopolíticos mais poderosos e melhor engajados no curso da história Desse modo toda a África foi simbolizada por imagens que os próprios africanos podiam considerar estranhas exatamente como se a Europa fosse definida no começo do século XX pelos costumes à mesa e pelas formas de moradia ou pelo nível técnico das comunidades do interior da Bretanha do Cantal ou da Sardenha Além disso o método etnológico baseado na entrevista individual marcado com o selo de uma experiência subjetiva total porque intensa mas total apenas no nível do microcosmo desemboca em conclusões objetivas muito frágeis para que possam ser extrapoladas Enfim por uma dialética implacável o próprio objeto da etnologia sob a influência colonial desvanecia se pouco a pouco Os indígenas primitivos que viviam da coleta e da caça e mesmo do canibalismo transformavam se aos poucos em subproletários dos centros periféricos de um sistema mundial de produção cujos pólos estão situados no hemisfério norte A ação colonial consumia e aniquilava seu próprio objeto Por isso aqueles que haviam sido incumbidos do papel de objetos os africanos decidiram iniciar eles próprios um discurso autônomo na qualidade de sujeitos da história pretendendo mesmo que em certos aspectos os mais primitivos não são exatamente os que se imagina Ao mesmo tempo pioneiros como Frobenius Delafosse Palmer Evans Pritchard que sem preconceitos haviam trabalhado na descoberta de um fio histórico e de estruturas originais nas sociedades africanas com ou sem Estado continuavam seus esforços retomados e aperfeiçoados por outros pesquisadores contemporâneos Estes acreditam que se podem atingir resultados objetivos aplicando os mesmos instrumentos intelectuais das ciências humanas mas adaptando os à matéria africana Derrubam assim de uma só vez as abordagens errôneas baseadas na diferença congênita e substantiva dos nativos ou em seu primitivismo na rota da civilização Basta reconhecer que se o ser dos africanos é o mesmo o do Homo sapiens seu ser no mundo é diferente A partir daí novos instrumentos podem ser aperfeiçoados para apreender sua evolução singular Ao mesmo tempo a abordagem marxista com a condição de não ser dogmática e a abordagem estruturalista de Lévi Strauss contribuem também com observações válidas mas opostas sobre a evolução dos povos ditos sem escrita O método marxista essencialmente histórico e para o qual a história é a consciência coletiva em ação insiste muito mais nas forças produtivas e nas XLVIII Metodologia e pré história da África relações de produção na práxis e nas normas o método estruturalista por sua vez quer desvendar os mecanismos inconscientes mas lógicos os conjuntos coerentes que sustentam e enquadram a ação dos espíritos e das sociedades Bebendo nessas novas fontes a antropologia será esperamos algo mais que uma Fênix que em defesa da causa haja renascido das cinzas de um certo tipo de etnologia23 A antropologia deve criticar seu próprio procedimento insistir tanto nas normas quanto nas práticas não confundir as relações sociais decifráveis pela experiência e as estruturas que as sustentam Ela enriquecerá assim umas através das outras as normas estruturas e opiniões por meio da ampla utilização das técnicas quantitativas e coletivas de pesquisa racionalizando e objetivando o discurso Não apenas as interações dos fatores globais mas também a síntese histórica interessam particularmente à antropologia Por exemplo pode se constatar uma correspondência entre a existência de rotas comerciais com monopólio real de certas mercadorias e as formas políticas centralizadas em Gana e no Mali antigos no Império Ashanti do século XVIII no Reino Lunda do Zaire etc Enquanto isso contraprova decisiva em oposição aos Ngonde e aos Zulu povos de línguas e costumes idênticos os Nyakusa e os Xhosa mas que viviam à margem dessas rotas não atingiram uma fase monárquica24 A partir disso podemos tentar inferir uma espécie de lei de antropologia ou de sociologia política Por outro lado as estruturas de parentesco podem acarretar um grande número de consequências sobre a evolução histórica Assim quando dois grupos de línguas diferentes se encontram a forma de união conjugal entre esses grupos geralmente decide qual será a língua dominante pois a língua materna só poderá impor se se as mulheres forem tomadas como esposas e não como escravas ou concubinas Assim certos grupos Nguni conservaram sua língua de origem enquanto outros que desposaram mulheres sotho perderam sua língua em favor da língua sotho É também o caso dos pastores peul vindos de Macina e de Futa Djalon que tomaram suas esposas entre os Mandinga e criaram a província de Uassulu eles são peul apenas pelo nome e por certos traços físicos já que perderam sua língua de origem em favor do malinke ou do bambara 23 A sociologia seria uma ciência intra social para o mundo moderno enquanto a antropologia se caracterizaria por uma abordagem comparativa inter social Mas isso não significa ressuscitar categorias contestáveis como a diferença com seu cortejo de etno história etno arquelogia etno matemática 24 Cf THOMPSON L 1969 p 72 73 XLIX Introdução Geral Dessa forma as principais fontes da história da África mencionadas acima não podem ser classificadas a priori de acordo com uma escala de valores que privilegie permanentemente uma ou outra Toma se necessário julgar caso por caso Na verdade não se trata de testemunhos de tipos radicalmente diferentes Todas correspondem à definição de signos que nos chegam do passado e que enquanto veículos de mensagens não são inteiramente neutros mas carregados de intenções francas ou ocultas Todas necessitam então da crítica metodológica Cada categoria de fonte pode conduzir às demais a tradição oral por exemplo tem levado muitas vezes a depósitos arqueológicos e pode até auxiliar na comparação de certos documentos escritos Assim o grande Ibn Khaldun escreve na História dos Berberes sobre Sundiata Seu filho Mança Ueli o sucedeu Mança em sua língua escrita significa sultão e Ueli é o equivalente de Ali Todavia os transmissores da tradição ainda hoje explicam que Mansa Ule significa o rei de pele clara B Os quatro grandes princípios Quatro princípios devem nortear a pesquisa se se quer levar adiante a frente pioneira da historiografia da África 1 Primeiramente a interdisciplinaridade cuja importância é tal que chega quase a constituir por si só uma fonte específica Assim a sociologia política aplicada à tradição oral no Reino de Segu enriqueceu consideravelmente uma visão que sem isso limitar se ia às linhas esqueléticas de uma árvore genealógica marcada por alguns feitos estereotipados A complexidade a interpenetração de estruturas às vezes modeladas sobre hegemonias antigas o modelo mali por exemplo aparecem assim em sua realidade concreta e viva Da mesma forma no caso dos países do delta do Níger as tradições orais permitem completar o conjunto de fatores de desenvolvimento demasiadamente reduzidos às influências do comércio negreiro e do óleo de palmeira as relações endógenas anteriores no sentido norte sul e leste oeste até Lagos e a região de Ijebu são atestadas pela tradição oral que apóia e enriquece admiravelmente as alusões de Pacheco Pereira no Esmeraldo25 E foi exatamente um elemento de antropologia cultural o texto de iniciação dos pastores peul26 que permitiu a certos pré historiadores interpretar 25 Cf ALAGOA L 1973 26 Cf HAMPATÉ BÂ e DIETERLEN G 1961 L Metodologia e pré história da África corretamente os enigmas dos afrescos do Tassili animais sem patas do quadro chamado O Boi e a Hidra o mágico U de Ouan Derbaouen etc Assim decorridos mais de 10 mil anos os ritos de hoje permitem identificar as cinco irmãs míticas dos sete filhos do ancestral Kikala nas cinco maravilhosas dançarinas dos afrescos de Jabbaren A expansão dos Bantu atestada pelas fontes concordantes da linguística da tradição oral da arqueologia e da antropologia bem como pelas primeiras fontes escritas em árabe português inglês e pelos africânderes torna se uma realidade palpável susceptível de ser ordenada numa síntese cujas arestas se mostram mais nítidas no encontro desses diferentes planos Do mesmo modo os argumentos linguísticos juntam se aos da tecnologia para sugerir uma difusão dos gongos reais e sinos cerimoniais geminados a partir da África ocidental em direção ao baixo Zaire ao Shaba e a Zâmbia Mas as provas arqueológicas trariam evidentemente uma confirmação inestimável para tal fato Essa combinação de fontes impõe se ainda mais quando se trata de minorar as dificuldades relativas à cronologia Não é sempre que dispomos de datas determinadas pelo carbono 14 E quando existem estas devem ser interpretadas e confrontadas com dados de outras fontes como a metalurgia ou a cerâmica materiais e estilos E não é sempre que podemos contar como ao norte do Chade27 com enormes quantidades de fragmentos de cerâmicas que permitem construir uma tipologia representada numa escala cronológica de seis níveis Uma excelente demonstração desta conjugação de todas as fontes disponíveis é a que permite estabelecer uma tipologia diacrônica dos estilos pictóricos e cerâmicos e confrontá los para extrair uma série cronológica que se estende por oito milênios sendo o todo sustentado pelas sondagens estratigráficas e confirmado pelas datações de carbono 14 e pelo estudo da flora da fauna do habitat e da tradição oral28 Às vezes o mapa dos eclipses datados e visíveis em regiões específicas permite comprovações excepcionais quando tais acontecimentos são relacionados com o reinado deste ou daquele dinasta Em geral porém a cronologia não é acessível sem a mobilização de várias fontes ainda mais porque a duração média das gerações ou dos reinados é susceptível de variações a natureza da relação entre os soberanos que se sucedem nem sempre é precisa o sentido da palavra filho pode não ser biológico mas sociológico às vezes três ou quatro nomes ou nomes 27 Cf COPPENS Y 1960 p 129 e ss 28 BAILLOUD A 1961 p 51 e ss LI Introdução Geral fortes são atribuídos ao mesmo rei ou ainda porque como entre os Bemba a lista dos candidatos à chefia incorpora se à lista dos chefes Sem minimizar a importância da cronologia espinha dorsal da matéria histórica e sem renunciar aos esforços para assentá la sobre bases rigorosas será preciso no entanto sucumbir à psicose da precisão a qualquer preço que corre então o risco de ser uma falsa precisão Por que obstinar se em escrever 1086 para a queda de Kumbi Saleh em vez de dizer no fim do século XI Nem todas as datas têm aliás a mesma importância O grau de precisão requerido em cada caso não é o mesmo nem todas as datas devem ser erigidas em estátua Por outro lado é importante reintegrar todo o fluxo do processo histórico no contexto do tempo africano que não é alérgico à articulação do acontecimento numa sequência de fatos que originam uns aos outros por antecedência e causalidade De fato os africanos têm uma ideia do tempo baseada no princípio da causalidade Este último contudo é aplicado de acordo com normas originais em que o contágio do mito impregna e deforma o processo lógico em que o nível econômico elementar não cria a necessidade do tempo demarcado matéria prima do lucro em que o ritmo dos trabalhos e dos dias é um metrônomo suficiente para a atividade humana em que calendários que não são nem abstratos nem universalistas são subordinados aos fenômenos naturais lunações sol seca aos movimentos dos animais e das pessoas Cada hora é definida por atos concretos Em Burundi por exemplo país essencialmente rural o tempo é marcado pela vida pastoril e agrícola Amakana hora da ordenha 7 horas Maturuka saída dos rebanhos 8 horas Kuasase quando o sol se alastra 9 horas Kumusase quando o sol se espalha sobre as colinas 10 horas etc Em outros lugares os nomes das crianças são funções do dia do nascimento do acontecimento que o precedeu ou sucedeu Os muçulmanos na África do Norte acham muito natural chamar suas crianças pelo nome do mês em que nasceram Ramdane Chabane Mulud Essa concepção do tempo é histórica em muitos aspectos Nas sociedades africanas gerontocráticas a noção de anterioridade no tempo é ainda mais carregada de sentido que em outros lugares pois nela estão baseados os direitos sociais como o uso da palavra em público a participação numa dança reservada o acesso a certas iguarias o casamento o respeito de outrem etc Além disso a primogenitura não é na maioria das vezes um direito exclusivo na sucessão real o número dos pretendentes tios irmãos filhos é sempre grande e a idade é levada em conta no contexto de uma competição bastante aberta Decorre daí uma preocupação ainda maior com a cronologia Mas não há necessidade de saber que alguém nasceu em determinado ano o essencial é provar que nasceu LII Metodologia e pré história da África antes de determinada pessoa As referências a uma cronologia absoluta impõem se apenas no caso de sociedades mais amplas e mais anônimas Essa concepção do tempo social não é estática pois no contexto da filosofia africana pandinamista do universo cada um deve aumentar incessantemente sua forma vital que é eminentemente social o que inclui a ideia de progresso dentro e através da comunidade Como diz Bakary Dian Mesmo depois de minha morte isso será acrescentado ao meu nome Em algumas línguas a mesma palavra bogna em barambara por exemplo designa o dom material a honra o crescimento A contagem das estações do ano é muitas vezes baseada na observação astronômica podendo abranger uma série de constelações como a Ursa Maior entre os Komo alto Zaire as Plêiades que são comparadas a um cesto de machetes anunciam a hora de afiar tais instrumentos para o arroteamento dos campos Em caso de necessidade essa concepção do tempo é mais matemática Como exemplo podemos citar os entalhes em madeiras especiais conservadas como arquivos nas grutas da região dos Dogon ou o depósito anual de uma pepita de ouro num pote de estanho na capela dos tronos no reino de Bono Mansu ou de uma pedra num jarro na cabana dos reis na região mandinga sem contar evidentemente as importantes realizações nesse campo do Egito faraônico e dos reinos muçulmanos almóada por exemplo Se pensarmos na dificuldade em converter uma sequência de durações numa sucessão de datas e ainda na necessidade de encontrar um ponto fixo de referência verificaremos que este último é na maior parte do tempo fornecido por um fato externo datado como o ataque ashanti contra Bono Mansu Na verdade somente a utilização da escrita e o acesso às religiões universalistas que dispõem de um calendário dependente de um terminus a quo preciso assim como a entrada no universo do lucro e da acumulação monetária remodelaram a concepção tradicional do tempo Em sua época porém tal concepção respondia adequadamente às necessidades das sociedades em questão 2 Outra exigência imperativa é que essa história seja enf im vista do interior a partir do pólo africano e não medida permanentemente por padrões de valores estrangeiros a consciência de si mesmo e o direito à diferença são pré requisitos indispensáveis à constituição de uma personalidade coletiva autônoma Certamente a opção e a ótica de auto exame não consistem em abolir artificialmente as conexões históricas da África com os outros continentes do Velho e do Novo Mundo Mas tais conexões serão analisadas em termos de intercâmbios recíprocos e de influências multilaterais nas quais as contribuições positivas da África para o desenvolvimento da humanidade não deixarão de LIII Introdução Geral aparecer A atitude histórica africana não será então uma atitude vingativa nem de auto satisfação mas um exercício vital da memória coletiva que varre o campo do passado para reconhecer suas próprias raízes Após tantas visões exteriores que têm modelado a marca registrada da África a partir de interesses externos até nos filmes contemporâneos é tempo de resgatar a visão interior de identidade de autenticidade de conscientização volta repatriadora como diz Jacques Berque para designar esse retorno às raízes Ao considerar o valor da palavra e do nome na África ao pensar que atribuir nome a uma pessoa é quase apoderar se dela a tal ponto que os personagens venerados pai esposo soberano são designados por perífrases e cognomes compreenderemos por que toda a série de vocábulos ou conceitos todo o arsenal de estereótipos e de esquemas mentais relativos à história da África situam se no contexto da mais sutil alienação É preciso aqui uma verdadeira revolução copernicana que seja primeiramente semântica e que sem negar as exigências da ciência universal recupere toda a corrente histórica desse continente em novos moldes29 Como observava J Mackenzie já em 1887 referindo se aos Tsuana Botsuana quantos povos da África são conhecidos por nomes que eles próprios ou quaisquer outras populações africanas jamais utilizaram Esses povos passaram pelas pias batismais da colonização e saíram consagrados à alienação A única saída real é escrever cada vez mais livros de história da África em línguas africanas o que pressupõe outras reformas de estrutura Quantos livros de história da África dedicam generosamente um décimo de suas páginas à história pré colonial sob o pretexto de que é mal conhecida Assim damos um salto sobre séculos obscuros e vamos diretamente a algum explorador famoso ou procônsul demiurgo providencial e deus ex machina a partir do qual começa a verdadeira história ficando o passado africano confinado a uma espécie de pré história desonrosa Certamente não se trata de negar as influências externas que agem como fermento acelerador ou detonador A introdução no século XVI das armas de fogo no Sudão central por exemplo favoreceu a infantaria formada por escravos em prejuízo dos cavaleiros feudais Tal mutação repercutiu na estrutura do poder através do Sudão central tendo o kacella ou kaigamma de origem servil suplantado junto ao soberano o ministro nobre Cirema Mas as explicações mecânicas a partir de influências externas inclusive no caso 29 Ver a esse respeito a interessante demonstração de I A AKINJOGBIN 1967 A partir da comparação entre o sistema do ebi família ampliada que seria a fonte da autoridade de Oyo sobre as famílias e o sistema daomeano de adaptação ao tráfico de escravos pela monarquia autoritária exercida sobre os indivíduos o autor explica a disparidade entre os dois regimes Ver também VERHAEGEN B 1974 p 156 O fato bruto é um mito A linguagem que o designa é implicitamente uma teoria do fato LIV Metodologia e pré história da África dos apoios de cabeça e as correspondências automáticas entre os influxos exteriores e os movimentos da história da África devem ser banidas em favor de uma análise mais profunda a fim de revelar as contradições e os dinamismos endógenos30 3 Além disso essa história é obrigatoriamente a história dos povos africanos em seu conjunto considerada como uma totalidade que engloba a massa continental propriamente dita e as ilhas vizinhas como Madagascar segundo a definição da carta da OUA É claro que a história da África integra o setor mediterrâneo numa unidade consagrada por muitos laços milenares às vezes sangrentos é verdade mas na maioria dos casos mutuamente enriquecedores Tais laços fazem da África de um lado e do outro da dobradiça do Saara os dois batentes de uma mesma porta as duas faces de uma mesma moeda É necessariamente uma história dos povos pois na África mesmo o despotismo de certas dinastias tem sido sempre atenuado pela distância pela ausência de meios técnicos que agravem o peso da centralização pela perenidade das democracias aldeãs de tal modo que em todos os níveis da base ao topo o conselho reunido pela e para a discussão constitui o cérebro do corpo político É uma história dos povos porque com exceção de algumas décadas contemporâneas não foi moldada de acordo com as fronteiras fixadas pela colonização pelo simples motivo de que a posição territorial dos povos africanos ultrapassa em toda parte as fronteiras herdadas da partilha colonial Assim para tomar um exemplo entre mil os Senufo ocupam uma área correspondente a parte do Mali da Costa do Marfim e do Alto Volta No contexto geral do continente terão maior destaque os fatores comuns resultantes de origens comuns e de intercâmbios inter regionais milenares de homens mercadorias técnicas ideias em suma de bens materiais e espirituais Apesar dos obstáculos impostos pela natureza e do baixo nível técnico tem havido desde a Pré História uma certa solidariedade continental entre o vale do Nilo e o Sudão até a floresta da Guiné entre esse mesmo vale e a África oriental incluindo entre outros acontecimentos a dispersão dos Luo entre o Sudão e a África central pela diáspora dos Bantu entre fachada atlântica e a costa oriental pelo comércio transcontinental através do Shaba Os fenômenos migratórios ocorridos em grande escala no espaço e no tempo não devem ser entendidos como uma imensa onda humana atraída pelo vazio ou 30 Cf LAW R C C 1971 Para o autor o declínio de Oyo é provocado pelas tensões intestinas entre categorias sociais subalternas escravos intendentes do alafin rei nas províncias representantes das províncias na corte triunviratos de eunucos reais do centro da direita e da esquerda LV Introdução Geral deixando o vazio atrás de si Mesmo a saga torrencial de Chaka o mfécane não pode ser interpretada unicamente nesses termos O movimento de grupos Mossi Alto Volta em direção ao norte a partir do Dagomba e do Mamprusi Gana foi realizado por bandos de cavaleiros que de etapa em etapa foram ocupando as várias regiões no entanto só podiam concretizar tal ocupação amalgamando se aos autóctones tomando esposas nativas Os privilégios judiciais que eles próprios se outorgavam provocaram rapidamente a proliferação de suas escarificações faciais uma espécie de carteira de identidade enquanto a língua bem como as instituições dos recém chegados prevaleceram a ponto de eliminar as dos outros povos Outros costumes como os ligados aos cultos agrários ou os que regiam os direitos de estabelecimento continuavam a ser de competência dos chefes locais ao mesmo tempo em que se instauravam relações de parentesco de brincadeira com certos povos encontrados pelo caminho O grande conquistador mossi Ubri aliás já era ele próprio um mestiço Esse esboço de processo por osmose deve substituir quase sempre o cenário romântico e simplista da invasão niilista e devastadora como foi longa e erradamente representada a irrupção dos Beni Hilal na África do Norte Os excessos da antropologia física com seus preconceitos racistas são hoje rejeitados por todos os autores sérios Mas os Hamitas e outras raças morenas inventadas em defesa da causa não cessaram de povoar as miragens e os fantasmas de espíritos ditos científicos Tais categorias declara J Hiemaux31 num texto importante Não podem ser admitidas como unidades biológicas de estudo Os Peul não constituem um grupo biológico mas sim cultural Os Peul do sul de Camarões por exemplo têm seus parentes biológicos mais próximos nos Haya da Tanzânia Quanto à proximidade biológica entre os Mouros e os Warsingali da Somália ela deriva tanto da hereditariedade quanto do biótopo similar que os condiciona a estepe árida Há vários milênios os dados propriamente biológicos constantemente subvertidos pela seleção ou pela oscilação genética não dão nenhuma referência sólida para a classificação nem sobre o grupo sanguíneo nem sobre a frequência do gene Hbs que determina uma hemoglobina anormal e que associado a um gene normal reforça a resistência à malária Isto ilustra o papel importantíssimo da adaptação ao meio natural A estatura mais elevada e a bacia mais larga por exemplo coincidem com as zonas de maior seca e de calor mais intenso Neste caso a morfologia do crânio mais estreito e mais alto dolicocefalia é uma 31 HIERNAUX J 1970 p 53 e ss LVI Metodologia e pré história da África adaptação que permite uma menor absorção de calor O vocábulo tribo será tanto quanto possível banido desta obra exceto no caso de certas regiões da África do Norte32 em razão de suas conotações pejorativas e das diversas ideias falsas que o sustentam Por mais que se destaque que a tribo é essencialmente uma unidade cultural e às vezes política alguns continuam a vê la como um estoque biologicamente distinto e destacam os horrores das guerras tribais cujo saldo muitas vezes se limitava a algumas dezenas de mortos ou menos que isso esquecem porém todos os intercâmbios positivos que ligaram os povos africanos no plano biológico tecnológico cultural religioso sociopolítico etc e que dão aos empreendimentos africanos um indiscutível ar de família 4 Além do mais esta história deverá evitar ser excessivamente fatual pois com isso correria o risco de destacar em demasia as influências e os fatores externos Certamente o estabelecimento de fatos chave é uma tarefa primordial indispensável até para definir o perfil original da evolução da África Mas serão tratadas com especial interesse as civilizações as instituições as estruturas técnicas agrárias e de metalurgia artes e artesanato circuitos comerciais formas de conceber e organizar o poder cultos e modos de pensamento filosófico ou religioso técnicas de modernização o problema das nações e pré nações etc Esta opção metodológica requer com mais vigor ainda a abordagem interdisciplinar Finalmente por que esse retorno às fontes africanas Enquanto a busca desse passado pode ser para os estrangeiros uma simples curiosidade um exercício intelectual altamente estimulante para a mente desejosa de decifrar o enigma da Esfinge o sentido real dessa iniciativa deve ultrapassar tais objetivos puramente individuais pois a história da África é necessária à compreensão da história universal da qual muitas passagens permanecerão enigmas obscuros enquanto o horizonte do continente africano não tiver sido iluminado Além disso no plano metodológico a execução da história da África de acordo com as normas estabelecidas neste volume pode confirmar a estratégia dos adeptos da história total apreendida em todos os seus estratos e em todas as suas dimensões por todo o arsenal de instrumentos de investigação disponíveis Dessa forma a história torna se essa disciplina sinfônica em que a palavra é dada simultaneamente a todos os ramos do conhecimento em que a conjunção singular das vozes se 32 O termo árabe Khabbylia designa um grupo de pessoas ligadas geneologicamente a um ancestral comum e que vivem num território delimitado Como a filiação genealógica tem grande importância entre os povos semíticos árabes berberes la Khabbylia que corresponde em português ao termo tribo desempenhou e por vezes desempenha um papel que não pode ficar esquecido por silêncio na história de inúmeros países norte africanos A fim de preservar toda sua conotação histórica e sociocultural o vocábulo Khabbylia será mantido em sua grafia original LVII Introdução Geral transforma de acordo com o assunto ou com os momentos da pesquisa para ajustar se às exigências do discurso Mas essa reconstrução póstuma do edifício há pouco construído com pedras vivas é importante sobretudo para os africanos que têm nisso um interesse carnal e que penetram nesse domínio após séculos ou décadas de frustração como um exilado que descobre os contornos ao mesmo tempo velhos e novos porque secretamente antecipados da almejada paisagem da pátria Viver sem história é ser uma ruína ou trazer consigo as raízes de outros É renunciar à possibilidade de ser raiz para outros que vêm depois É aceitar na maré da evolução humana o papel anônimo de plâncton ou de protozoário É preciso que o homem de Estado africano se interesse pela história como uma parte essencial do patrimônio nacional que deve dirigir ainda mais porque é pela história que ele poderá ter acesso ao conhecimento dos outros países africanos na ótica da unidade africana Mas esta história é ainda mais necessária aos próprios povos para os quais ela constitui um direito fundamental Os Estados africanos devem organizar equipes para salvar antes que seja tarde demais o maior número possível de vestígios históricos Devem se construir museus e promulgar leis para a proteção dos sítios e dos objetos Devem ser concedidas bolsas de estudo em particular para a formação de arqueólogos Os programas e cursos devem sofrer profundas modificações a partir de uma perspectiva africana A história é uma fonte na qual poderemos não apenas ver e reconhecer nossa própria imagem mas também beber e recuperar nossas forças para prosseguir adiante na caravana do progresso humano Se tal é a finalidade desta História Geral da África essa laboriosa e enfadonha busca sobrecarregada de exercícios penosos certamente se revelará fecunda e rica em inspiração multiforme Pois em algum lugar sob as cinzas mortas do passado existem sempre brasas impregnadas da luz da ressurreição C A P Í T U L O 1 1 A evolução da historiografia da África Os primeiros trabalhos sobre a história da África são tão antigos quanto o início da história escrita Os historiadores do velho mundo mediterrânico e os da civilização islâmica medieval tomaram como quadro de referência o conjunto do mundo conhecido que compreendia uma considerável porção da África A África ao norte do Saara era parte integrante dessas duas civilizações e seu passado constituía um dos centros de interesse dos historiadores do mesmo modo que o passado da Europa meridional ou o do Oriente Próximo A história do norte da África continuou a ser parte essencial dos estudos históricos até a expansão do Império Otomano no século XVI Após a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito em 1798 o norte da África tornou se novamente um campo de estudos que os historiadores não podiam negligenciar Com a expansão do poder colonial europeu nessa parte da África após a conquista de Argel pelos franceses em 1830 e a ocupação do Egito pelos britânicos em 1882 um ponto de vista europeu colonialista passou a dominar os trabalhos sobre a história da porção norte da África No entanto a partir de 1930 o movimento modernizador no Islã o desenvolvimento da instrução de estilo europeu nas colônias da África do Norte e o nascimento dos movimentos nacionalistas norte africanos começaram a combinar se para dar origem a escolas autóctones de história que produziam obras não apenas em árabe mas também em francês e inglês restabelecendo assim o equilíbrio nos estudos históricos dessa região do continente A evolução da historiografia da África J D Fage 2 Metodologia e pré história da África Assim sendo o presente capítulo preocupar se á sobretudo com a historiografia da África ocidental central oriental e meridional Ainda que nem os historiadores clássicos nem os historiadores islâmicos medievais tenham considerado a África tropical como destituída de interesse seus horizontes estavam limitados pela escassez de contatos que podiam estabelecer com ela seja através do Saara em direção à Etiópia ou o Bilad al Suden seja ao longo da costa do mar Vermelho e do oceano Índico até os limites que a navegação de monções permitia atingir As informações fornecidas pelos antigos autores no que se refere mais particularmente à África ocidental eram raras e esporádicas Heródoto Manetão Plínio o Velho Estrabão e alguns outros descrevem apenas umas poucas viagens através do Saara ou breves incursões marítimas ao longo da costa Atlântica sendo a autenticidade de alguns desses relatos objeto de animadas discussões entre especialistas As informações clássicas a respeito do mar Vermelho e do oceano Índico têm um fundamento mais sólido pois é certo que os mercadores mediterrânicos ou ao menos os alexandrinos comerciavam nessas costas O Périplo do Mar da Eritreia mais ou menos no ano 100 e as obras de Cláudio Ptolomeu por volta do ano 150 embora a versão que chegou até nós pareça referir se sobretudo ao ano 400 aproximadamente e de Cosmas Indicopleustes 647 constituem ainda as principais fontes da história antiga da África oriental Os autores árabes eram mais bem informados uma vez que em sua época a utilização do camelo pelos povos do Saara havia facilitado o estabelecimento de um comércio regular com a África ocidental e a instalação de negociantes norte africanos nas principais cidades do Sudão ocidental Por outro lado o comércio com a parte ocidental do oceano Índico tinha se desenvolvido a tal ponto que um número considerável de mercadores da Arábia e do Oriente Próximo se instalara ao longo da costa oriental da África Assim as obras de homens como al Masudi que morreu por volta de 950 al Bakri 1029 1094 al Idrisi 1154 Yakut cerca de 1200 Abul Fida 1273 1331 alUmari 1301 1349 Ibn Battuta 1304 1369 e Hassan Ibn Mohammad al Wuzzan conhecido na Europa pelo nome de Leão o Africano 1494 1552 aproximadamente são de grande importância para a reconstrução da história da África em particular a do Sudão ocidental e central durante o período compreendido entre os séculos IX e XV No entanto por mais úteis que sejam essas obras para os historiadores modernos pairam dúvidas de que possamos incluir algum desses autores ou de seus predecessores clássicos entre os principais historiadores da África O essencial da contribuição de cada um deles consiste numa descrição das regiões da África a partir das informações que puderam recolher na época em que 3 A evolução da historiografia da África escreveram Não existe nenhum estudo sistemático sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e que constituem o verdadeiro objetivo do historiador Aliás tal descrição nem chega a ser realmente sincrônica pois se é verdade que uma parte das informações pode ser contemporânea outras delas embora pudessem ainda ser consideradas verdadeiras na época em que o autor vivia muitas vezes poderiam ser provenientes de relatos mais antigos Além disso essas obras apresentam o inconveniente de que em geral não há nenhum meio de avaliar a autoridade da informação de saber por exemplo se o autor a obteve por sua observação pessoal ou a partir da observação direta de um contemporâneo ou se ele simplesmente relata rumores correntes na época ou a opinião de autores antigos Leão o Africano constitui um exemplo interessante desse problema Assim como Ibn Battuta ele próprio viajou pela África mas ao contrário deste não se pode afirmar com certeza que todas as informações que ele nos fornece tenham provindo de suas observações pessoais Talvez fosse útil relembrar aqui que o termo história não deixa de ser ambíguo Atualmente pode ser definido como um relato metódico dos acontecimentos de um determinado período mas pode também ter o sentido mais antigo de descrição sistemática de fenômenos naturais É essencialmente nessa acepção que ele é empregado no título em inglês da obra de Leão o Africano Leo Africanus A Geographical History of Africa em francês Description de l Afrique significado que só permanece hoje na ultrapassada expressão história natural que aliás era o título da obra de Plínio Entre os primeiros historiadores da África porém encontra se um muito importante um grande historiador no sentido amplo do termo referimo nos a Ibn Khaldun 1332 1406 que se fosse mais conhecido pelos especialistas ocidentais poderia legitimamente roubar de Heródoto o título de pai da história Ibn Khaldun era um norte africano nascido em Túnis Uma parte de sua obra é consagrada à África1 e às suas relações com os outros povos do Mediterrâneo e do Oriente Próximo Da compreensão dessas relações ele induziu uma concepção que faz da história um fenômeno cíclico no qual os nômades das estepes e dos desertos conquistam as terras aráveis dos povos sedentários e aí estabelecem vastos reinos que depois de cerca de três gerações perdem sua vitalidade e se tornam vítimas de novas invasões de nômades Trata se sem dúvida de um bom modelo para grande parte da história do 1 As principais explicações sobre a África encontram se na mais importante obra desse autor a Muqqadima tradução francesa de Vincent MONTEIL e no fragmento de sua história traduzido por DE SLANE sob o título Histoire des Berbères 4 Metodologia e pré história da África norte da África e um importante historiador Marc Bloch2 utilizou o para sua brilhante explicação da história da Europa no início da Idade Média Ora Ibn Khaldun distingue se de seus contemporâneos não somente por ter concebido uma filosofia da história mas também e talvez principalmente por não ter como os demais atribuído o mesmo peso e o mesmo valor a todo fragmento de informação que pudesse encontrar sobre o passado acreditava que era preciso aproximar se da verdade passo a passo através da crítica e da comparação Ibn Khaldun é realmente um historiador muito moderno e é a ele que devemos o que se pode considerar quase como história da África tropical em sentido moderno Na qualidade de norte africano e também pelo fato de ter trabalhado a despeito da novidade de sua filosofia e de seu método no quadro das antigas tradições mediterrâneas e islâmicas ele não deixou de se preocupar com o que ocorria no outro lado do Saara Assim um dos capítulos de sua obra3 é uma história do Império do Mali que na época em que ele viveu atingia seu auge Esse capítulo é parcialmente fundamentado na tradição oral da época e por esta razão permanece até hoje como uma das bases essenciais da história desse grande Estado africano Nenhum Estado vasto e poderoso como o Mali nem mesmo os Estados de menor importância como os primeiros reinados haussa ou as cidades independentes da costa oriental da África podiam manter sua identidade ou sua integridade sem uma tradição reconhecida relativa à sua fundação e ao seu desenvolvimento Quando o Islã atravessou o Saara e se expandiu ao longo da costa oriental trazendo consigo a escrita árabe os negros africanos passaram a utilizar textos escritos ao lado dos documentos orais de que já dispunham para conservar sua história Os mais elaborados dentre esses primeiros exemplos de obras de história atualmente conhecidos são provavelmente o Tarikh al Sudan e o Tarikh el Fattash ambos escritos em Tombuctu principalmente no século XVII4 Nos dois casos os autores fazem um relato dos acontecimentos de sua época e do período imediatamente anterior com muitos detalhes e sem omitir a análise e a interpretação Mas antecedendo esses relatos críticos há também uma evocação das tradições orais relativas a períodos mais antigos Dessa forma o 2 Ver sobretudo BLOCH M 1939 p 91 3 Na tradução de M G DE SLANE intitulada Histoire des Berbères 1925 1956 este capítulo figura no volume 2 p 105 16 4 O Tarikh al Sudan foi traduzido para o francês e comentado por O HOUDAS 1900 o Tarikh el Fattash por O HOUDAS e M DELAFOSSE 1913 5 A evolução da historiografia da África resultado não é somente uma história do Império Songhai de sua conquista e dominação pelos marroquinos mas também uma tentativa de determinar o que era importante na história pregressa da região sobretudo nos antigos impérios de Gana e do Mali Em função disso é importante distinguir os Tarikh de Tombuctu de outras obras históricas escritas em árabe pelos africanos tais como as conhecidas pelos nomes de Crônica de Kano e Crônica de Kilwa5 Estes últimos nos oferecem somente anotações diretas por escrito de tradições que até então eram sem dúvida alguma transmitidas oralmente Embora uma versão da Crônica de Kilwa pareça ter sido utilizada pelo historiador português de Barros no século XVI não há nada que prove que a Crônica de Kano tenha existido antes do início do século XIX É interessante notar que as crônicas dessa natureza escritas em árabe não se limitam necessariamente às regiões da África que foram inteiramente islamizadas Assim o centro da atual Gana produziu sua Crônica de Gonja Kitab al Ghunja no século XVIII e as recentes pesquisas de especialistas como Ivor Wilks revelaram centenas de exemplos de manuscritos árabes provenientes dessa região e de regiões vizinhas6 Por outro lado é preciso não esquecer que uma parte da África tropical a atual Etiópia possuía sua própria língua semítica inicialmente o gueze e mais tarde o amárico na qual uma tradição literária foi preservada e desenvolvida durante quase 2 mil anos Sem dúvida nenhuma essa tradição produziu obras históricas já no século XIV das quais um exemplo é a História das Guerras de Amda Syôn7 As obras históricas escritas em outras línguas africanas como o haussa e o swahili distintas das escritas em árabe clássico importado mas utilizando sua escrita só apareceram no século XIX No século XV os europeus começaram a entrar em contato com as regiões costeiras da África tropical fato que desencadeou a produção de obras literárias que constituem preciosas fontes de estudo para os historiadores modernos Quatro regiões da África tropical foram objeto de particular atenção a costa da Guiné na África ocidental a região do Baixo Zaire e de Angola o vale do Zambeze e as terras altas vizinhas e por fim a Etiópia Nessas regiões durante os séculos XVI e XVII houve uma considerável penetração em direção ao interior Mas como no caso dos escritores antigos clássicos ou árabes o 5 Pode se encontrar uma tradução inglesa da Crônica de Kano em H R PALMER 1928 vol 3 p 92 132 e da Crônica de Kilwa em G S P FREEMAN GRENVILLE 1962 p 34 49 6 Sobre a Crônica de Gonja e a coleção de manuscritos árabes na atual Gana ver Nehemin LEVTZION 1968 p 27 32 sobretudo Ivor WILKS 1963 p 409 17 e Thomas HODGKIN 1966 p 442 60 7 Existem várias traduções dessa obra sobretudo uma em francês de J PERRUCHON no Journal Asiatique 1889 6 Metodologia e pré história da África resultado não foi sempre e em geral não de forma imediata a produção de obras de história da África A costa da Guiné foi a primeira região da África tropical descoberta pelos europeus ela foi o tema de toda uma série de obras a partir de 1460 aproximadamente Cadamosto até o início do século XVIII Barbot e Bosman Uma boa parte desse material é de grande valor histórico porque fornece testemunhos diretos e datados graças aos quais podem se situar várias outras relações de caráter histórico Há também nessas obras abundante material histórico entendido como não contemporâneo sobretudo em Dapper 1688 que ao contrário da maioria dos demais autores não era um observador direto mas apenas um compilador de relatos alheios Porém o objetivo essencial de todos esses autores era mais descrever a situação contemporânea do que fazer história E é somente agora depois que uma boa parte da história da África ocidental foi reconstituída que podemos avaliar corretamente muitas das afirmações que eles fizeram8 Nas outras regiões que despertaram o interesse dos europeus nos séculos XVI e XVII a situação era um pouco diferente Isso talvez se deva ao fato de terem sido o campo de atividade dos primeiros esforços missionários ao passo que o principal motor das atividades europeias na Guiné foi sempre o comércio Enquanto os africanos forneciam as mercadorias que os europeus desejavam comprar como era em geral o caso da Guiné os negociantes não se sentiam impelidos a mudar a sociedade africana eles se contentavam em observá la Os missionários ao contrário sentiam se obrigados a tentar alterar o que encontravam e nessas condições um certo grau de conhecimento da história da África poderia ser lhes útil Na Etiópia as bases já existiam Podia se aprender o gueez e aperfeiçoar seu estudo bem como utilizar as crônicas e outros escritos nessa língua Obras históricas sobre a Etiópia foram elaboradas por dois eminentes pioneiros entre os missionários Pedro Paez morto em 1622 e Manoel de Almeida 1569 1646 e uma história completa foi escrita por um dos primeiros orientalistas da Europa Hiob Ludolf 1634 17049 No baixo vale do Congo e em Angola assim como no vale do Zambeze e em suas imediações os interesses comerciais eram provavelmente mais fortes que os 8 The Voyages of Cadamosto comentadas por G R CRONE 1937 John BARBOT 1732 William BOSMAN edição comentada 1967 9 Em C BECCARI Rerum Aethiopicarum Scriptores Occidentales lnediti Roma 1905 1917 a obra de Paez se encontra nos volumes 2 e 3 e a de Almeida nos volumes 5 e 7 existe uma tradução parcial em inglês da obra de ALMEIDA em C F BECKINGHAM e G W B HUNTINGFORD Some Records of Ethiopia 1593 1646 1954 A Historia Aethiopica de LUDOLF foi publicada em Frankfurt em 1681 7 A evolução da historiografia da África da evangelização Ocorre porém que em seu conjunto a sociedade africana tradicional não estava disposta a fornecer aos europeus o que eles desejavam a não ser que sofresse pressões consideráveis O resultado é que ela foi obrigada a mudar de modo tão drástico que mesmo os ensaios descritivos dificilmente podiam deixar de ser em parte históricos De fato importantes elementos de história podem ser encontrados em livros de autores como Pigafetta e Lopez 1591 e Cavazzi 1687 Em 1681 Cadornega publica uma História das Guerras Angolanas10 A partir do século XVIII parece que a África tropical recebeu dos historiadores europeus a atenção que merecia Era possível por exemplo utilizar como fontes históricas os autores mais antigos sobretudo os descritivos como Leão o Africano e Dapper de maneira que as histórias e geografias universais da época como The Universal History publicada na Inglaterra entre 1736 e 1765 podiam consagrar um número apreciável de páginas à África11 Houve também ensaios monográficos como é o caso da História de Angola de Silva Correin cerca de 1792 da Some Historical account of Guinea de Benezet 1772 e das duas histórias do Daomé Memórias do Reino de Bossa Ahadée de Norris 1789 e History of Dahomey de Dalzel 1793 Mas uma advertência se faz necessária aqui O livro de Silva Correin só foi publicado neste século12 E a razão pela qual as três obras mencionadas acima foram publicadas naquela época deve se ao fato de que no fim do século XVIII começava a acirrar se a controvérsia em torno do tráfico de escravos que tinha sido o principal elemento das relações entre a Europa e a África tropical havia pelo menos 150 anos Dalzel e Norris ambos recorrendo à sua experiência no comércio de escravos no Daomé assim como Benezet desempenharam o papel de historiadores mas seus trabalhos tinham como objetivo fornecer argumentos a favor ou contra a abolição do tráfico negreiro Se não fosse por isso não se tem como certo que esses livros tivessem encontrado compradores pois nessa época a principal tendência da cultura europeia começava a considerar de forma cada vez mais desfavorável as sociedades não europeias e a declarar que elas não possuíam uma história digna de ser estudada Essa mentalidade resultava sobretudo da convergência 10 CADORNEGA A de Oliveira Historia General das Guerras Angolanas Comentada por M DELGADO e A CUNHA Lisboa 1940 1942 11 A edição in folio da Universal History compreende 23 volumes dos quais 16 são consagrados à história moderna contendo estes últimos dois volumes sobre a África 12 Lisboa 1937 8 Metodologia e pré história da África de correntes de pensamento oriundas do Renascimento do Iluminismo e da crescente revolução científica e industrial O resultado foi que baseando se no que era considerado uma herança greco romana única os intelectuais europeus convenceram se de que os objetivos os conhecimentos o poder e a riqueza de sua sociedade eram tão preponderantes que a civilização europeia deveria prevalecer sobre todas as demais Consequentemente sua história constituía a chave de todo conhecimento e a história das outras sociedades não tinha nenhuma importância Esta atitude era adotada sobretudo em relação à África De fato nessa época os europeus só conheciam a África e os africanos sob o ângulo do comércio de escravos num momento em que o próprio tráfico era causador de um caos social cada vez mais grave em numerosas partes do continente Hegel 1770 1831 definiu explicitamente essa posição em sua Filosofia da História que contém afirmações como as que seguem A África não é um continente histórico ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento Os povos negros são incapazes de se desenvolver e de receber uma educação Eles sempre foram tal como os vemos hoje É interessante notar que já em 1793 o responsável pela publicação do livro de Dalzel julgara necessário justificar o surgimento de uma história do Daomé Assumindo claramente a mesma posição de Hegel ele declarava Para chegar a um justo conhecimento da natureza humana é absolutamente necessário preparar o caminho através da história das nações menos civilizadas Não há nenhum outro meio de julgar o valor da cultura na avaliação da felicidade humana a não ser através de comparações deste tipo13 Ainda que a influência direta de Hegel na elaboração da história da África tenha sido fraca a opinião que ele representava foi aceita pela ortodoxia histórica do século XIX Essa opinião anacrônica e destituída de fundamento ainda hoje não deixa de ter adeptos Um professor de História Moderna na Universidade de Oxford por exemplo teria declarado Pode ser que no futuro haja uma história da África para ser ensinada No presente porém ela não existe o que existe é a história dos europeus na África O resto são trevas e as trevas não constituem tema de história Compreendam me bem Eu não nego que tenham existido homens mesmo em países obscuros e séculos obscuros nem que eles tenham tido uma vida política e uma cultura interessantes para os 13 DALZEL Archibald The History of Dahomey 1793 pv 9 A evolução da historiografia da África sociólogos e os antropólogos mas creio que a história é essencialmente uma forma de movimento e mesmo de movimento intencional Não se trata simplesmente de uma fantasmagoria de formas e de costumes em transformação de batalhas e conquistas de dinastias e de usurpações de estruturas sociais e de desintegração social Ele argumentava que a história ou melhor o estudo da história tem uma finalidade Nós a estudamos a fim de descobrir como chegamos ao ponto em que estamos O mundo atual prosseguia ele está a tal ponto dominado pelas ideias técnicas e valores da Europa ocidental que pelo menos nos cinco últimos séculos na medida em que a história do mundo tem importância é somente a história da Europa que conta Por conseguinte não podemos nos permitir divertirmo nos com o movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo mas que não exerceram nenhuma influência em outras regiões14 Por ironia do destino foi durante a vida de Hegel que os europeus empreenderam a exploração real moderna e científica da África e começaram assim a lançar os fundamentos de uma avaliação racional da história e das realizações das sociedades africanas Essa exploração era ligada em parte à reação contra a escravidão e o tráfico de escravos e em parte à competição pelos mercados africanos Alguns dos primeiros europeus eram impelidos por um desejo sincero de aprender tudo o que pudessem a respeito do passado dos povos africanos e recolhiam todo o material que encontravam documentos escritos quando os havia ou ainda tradições orais e testemunhos que descobriam sobre os traços do passado A literatura produzida pelos exploradores é imensa Alguns desses trabalhos contêm história no melhor sentido do termo e em sua totalidade tal literatura constitui um material de grande valor para os historiadores Uma pequena lista dos principais títulos poderia incluir Travels to Discoverer the Sources of the Nile de James Bruce 1790 os capítulos especificamente históricos dos relatos de visitas a Kumasi capital de Ashanti de T E Bowdich Mission from Cape Coast to Ashantee 1819 e de Joseph Dupuis Journal of a Residence in Ashantee 1824 Reisen und Entdeckungen in Nord und Zentral Afrika 1857 1858 de Heinrich Barth Documents sur lHistoire la Géographie et le Commerce de lAfrique Oriental de M Guillain 1856 e Saara und Sudan de Gustav Nachtigal 1879 1889 14 Estas citações foram extraídas das notas de abertura do primeiro ensaio de uma série de cursos proferidos pelo professor Hugh TREVOR HOPER intitulada The Rise of Christian Europe A Ascensão da Europa Cristã Ver The Listener 28 11 1963 p 871 10 Metodologia e pré história da África A carreira de Nachtigal prosseguiu numa fase inteiramente nova da história da África aquela em que os europeus haviam iniciado a conquista do continente e o domínio de suas populações Como essas tentativas pareciam necessitar de uma justificativa moral as considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos princípios de Darwin O resultado sintomático disso tudo foi o aparecimento de uma nova ciência a Antropologia que é um método não histórico de estudar e avaliar as culturas e as sociedades dos povos primitivos os que não possuíam uma história digna de ser estudada aqueles que eram inferiores aos europeus e que podiam ser diferenciados destes pela pigmentação de sua pele É interessante citar aqui o caso de Richard Burton 1821 1890 um dos grandes viajantes europeus na África durante o século XIX Trata se de um espírito curioso cultivado sempre atento e um orientalista eminente Ele foi em 1863 um dos fundadores da London Anthropological Society que tornar se ia mais tarde o Royal Anthropological Institute Entretanto de modo bem mais acentuado que Nachtigal sua carreira marca o fim da exploração científica e imparcial da África que havia começado com James Bruce Encontramos por exemplo em sua Mission to Gelele King of Dahomey 1864 uma notável digressão sobre o lugar do negro na natureza e não como se pode notar o lugar do negro na história Pode se ler aí frases como esta O negro puro se coloca na família humana abaixo das duas grandes raças árabe e ariana a maioria dos seus contemporâneos teria classificado estas duas últimas em ordem inversa e o negro coletivamente não progredirá além de um determinado ponto que não merecerá consideração mentalmente ele permanecerá uma criança15 Foi em vão que certos intelectuais africanos como James Africanus Horton responderam a essas colocações polemizando com os membros influentes da London Anthropological Society As coisas ficaram ainda mais difíceis para o estudo da história da África após o aparecimento nessa época e em particular na Alemanha de uma nova concepção sobre o trabalho do historiador que passava a ser encarado mais como uma atividade científica fundada sobre a análise rigorosa de fontes originais do que como uma atividade ligada à literatura ou à filosofia É evidente que para a história da Europa essas fontes eram sobretudo fontes escritas e nesse domínio a África parecia especialmente deficiente Tal concepção foi exposta de forma muito precisa pelo professor A P Newton em 1923 numa 15 0p cit edição de 1893 v 2 p 131 e 135 11 A evolução da historiografia da África conferência diante da Royal African Society de Londres sobre A África e a pesquisa histórica Segundo ele a África não possuía nenhuma história antes da chegada dos europeus A história começa quando o homem se põe a escrever Assim o passado da África antes do início do imperialismo europeu só podia ser reconstituído a partir de testemunhos dos restos materiais da linguagem e dos costumes primitivos coisas que não diziam respeito aos historiadores e sim aos arqueólogos aos linguistas e aos antropólogos16 De fato o próprio Newton encontrava se um pouco à margem do papel de historiador tal como era concebido na época Durante grande parte do século XIX alguns dos mais eminentes historiadores britânicos como James Stephen 1789 1859 Herman Merivale 1806 1874 J A Froude 1818 1894 e J R Seeley 1834 189517 haviam demonstrado muito interesse pelas atividades dos europeus ou pelo menos de seus compatriotas no resto do mundo Mas o sucessor de Seeley no cargo de Regius Professor de História Moderna em Cambridge foi Lord Acton 1834 1902 que havia se graduado na Alemanha Acton começara imediatamente a preparar The Cambridge Modern History cujos catorze volumes apareceram entre 1902 e 1910 Essa obra é tão centrada na Europa que chega a ignorar quase totalmente até mesmo as atividades dos próprios europeus pelo mundo Em consequência a história colonial foi geralmente deixada a cargo de homens como Sir Charles Lucas ou na França Gabriel Hanotaux18 que como Stephen Merivale e Froude já haviam se encarregado ativamente dos assuntos coloniais Entretanto com o tempo a história colonial ou imperial se fez aceitar mesmo permanecendo à margem da profissão The New Cambridge Modern History que começara a aparecer em 1957 sob a direção de Sir George Clark traz alguns capítulos sobre a África a Ásia e a América em seus doze volumes e por outro lado a coleção de história de Cambridge havia sido enriquecida nessa época com a série The Cambridge History of the British Empire 1929 1959 da qual 16 Africa and historical research J A S 22 1922 1923 17 STEPHEN foi funcionário no Colonial Office de 1825 a 1847 e professor de História Moderna em Cambridge de 1849 a 1859 MERIVALE foi professor de Economia Política em Oxford antes de suceder STEPHEN na qualidade de Permanent Under Secretary do Colonial Office 1847 1859 FROUDE passou a maior parte de sua vida em Oxford e foi professor de História Moderna em 1892 1894 mas na década de 1870 serviu como emissário do Colonial Secretary na África do Sul SEELEY foi professor de História Moderna em Cambridge de 1869 a 1895 18 LUCAS foi funcionário no British Colonial Office de 1877 a 1911 tendo atingido o grau de Assis tant Under Secretary ele obteve depois um posto no All Souls College em Oxford HANOTAUX 1853 1944 seguiu duas carreiras como político e homem de Estado desempenhou na década de 1890 importante papel nas relações coloniais e exteriores da França como historiador foi eleito para a Academia Francesa 12 Metodologia e pré história da África Newton foi um dos diretores fundadores Mas basta um exame superficial desse trabalho para perceber que a história colonial mesmo no que se refere à África é muito diferente da história da África Dos oito volumes dessa obra quatro são consagrados ao Canadá à Austrália à Nova Zelândia e à Índia Britânica Restam então três volumes gerais nitidamente orientados para a política imperial de 68 capítulos somente quatro referem se diretamente às relações da Inglaterra com a África e um volume consagrado à África do Sul o único lugar da África subsaariana no qual os colonos europeus realmente se estabeleceram A quase totalidade desse volume o maior dos oito é dedicada aos intrincados negócios desses colonos europeus desde sua chegada em 1652 Os povos africanos que constituem a maioria da população são relegados a um capítulo introdutório e essencialmente não histórico redigido por um antropólogo social e a dois capítulos que embora escritos pelos dois historiadores sul africanos mais lúcidos de sua geração C W de Kiewiet e W M MacMillan os consideram por necessidade sob a perspectiva de sua reação à presença europeia Em outros lugares a história da África aparecia muito timidamente em coleções mais ou menos monumentais como por exemplo Peuples et Civilizations História Geral 20 volumes Paris 1927 52 G Glotz editor Histoire Générale organizada por G Glotz 10 volumes Paris 1925 1938 Propyläen Weltgeschichte 10 volumes Berlim 1929 1933 Historia Mundi ein Handbuch der Weltgeschichte in 10 Bänden Bern 1952 ff V semirnaja Istoriya World History 10 volumes Moscou 1955 ff O italiano C Conti Rossini publicou em Roma em 1928 uma importante Storia d Etiopia Os historiadores coloniais profissionais estavam assim como os historiadores profissionais em geral apegados à concepção de que os povos africanos ao sul do Saara não possuíam uma história suscetível ou digna de ser estudada Como vimos Newton considerava essa história como domínio exclusivo dos arqueólogos linguistas e antropólogos Mas se é verdade que os arqueólogos assim como os historiadores por força de sua profissão se interessam pelo passado do homem e de suas sociedades eles estavam quase tão desinteressados quanto os historiadores em dedicar se a descobrir e elucidar a história da sociedade humana na África subsaariana Concorriam para isso duas razões principais Em primeiro lugar uma das correntes mais importantes da Arqueologia ciência então em desenvolvimento professava que assim como a História ela deveria orientar se essencialmente pelas fontes escritas Consagrava se a problemas como encontrar o local exato da antiga cidade de Troia ou detectar fatos ainda desconhecidos através de fontes 13 A evolução da historiografia da África literárias relativas às antigas sociedades da Grécia de Roma ou do Egito cujos principais monumentos haviam sido fontes de especulações durante séculos A Arqueologia era e às vezes ainda é estreitamente ligada ao ramo da História conhecido pelo nome de História Antiga Em geral ela se preocupava mais em procurar e decifrar antigas inscrições do que em encontrar outras relíquias Só muito raramente por exemplo em Axum e Zimbabwe e em torno desses sítios admitia se que a África subsaariana possuía monumentos suficientemente importantes para atrair a atenção dessa escola de arqueologia Em segundo lugar uma outra atividade essencial da pesquisa arqueológica se concentrava nas origens do homem tendo como consequência uma perspectiva mais geológica do que histórica de seu passado É verdade que em função de especialistas como L S B Leakey e Raymond Dart uma parte substancial dessa pesquisa acabou finalmente por se concentrar na África oriental e do sul Mas esses homens buscavam um passado longínquo demais no qual não se podia afirmar que existissem sociedades além disso habitualmente havia um abismo entre as conjeturas sobre os fósseis que esses pesquisadores descobriam e as populações modernas cujo passado os historiadores desejavam estudar Enquanto a maioria dos arqueólogos e dos historiadores considerava a África subsaariana até os anos 50 aproximadamente não digna de sua atenção a imensa variedade de tipos físicos de sociedades e de línguas desse continente despertava o interesse dos antropólogos e linguistas à medida que suas disciplinas começavam a desenvolver se Foi possível a uns e outros permanecerem durante muito tempo encerrados em seus gabinetes de trabalho Mas homens como Burton e S W Koelle Polyglotte Africana 1854 em boa hora demonstraram o valor da pesquisa de campo e os antropólogos em particular tornaram se os pioneiros desse trabalho na África Mas ao contrário dos historiadores e dos arqueólogos nem os antropólogos nem os linguistas sentiam se obrigados a descobrir o que ocorrera no passado Na África eles encontraram uma abundância de fatos simplesmente à espera de descrição classificação e análise o que representava uma imensa tarefa Frequentemente eles só se interessavam pelo passado na medida em que tentavam reconstruir uma história que parecia lhes estar na origem dos dados recolhidos e seria capaz de explicá los No entanto nem sempre eles percebiam o quanto essas reconstruções eram especulativas e hipotéticas Um exemplo clássico é o do antropólogo C G Seligman que na obra Races of Africa publicada em 1930 escrevia sem rodeios As civilizações da África são as civilizações dos camitas e sua história os anais 14 Metodologia e pré história da África desses povos e de sua interação com duas outras raças africanas a negra e a bosquímana19 Inferimos dessa afirmação que essas duas outras raças africanas são inferiores e que todo o progresso que tenham conseguido seria resultante da influência camítica que sofreram de forma mais ou menos intensa Em outro trecho dessa mesma obra ele fala da chegada vaga após vaga de pastores camitas que estavam melhor armados e eram ao mesmo tempo mais inteligentes que os cultivadores negros atrasados sobre os quais exerciam influência20 Mas na realidade não há nenhuma prova histórica que sustente as afirmações de que as civilizações da África são as civilizações dos camitas ou que os progressos históricos verificados na África subsaariana se devam apenas ou principalmente a eles O próprio livro não apresenta nenhuma evidência histórica e muitas das hipóteses sobre as quais ele se apóia sabe se agora não terem nenhum fundamento J H Greenberg por exemplo demonstrou de uma vez por todas que os termos camita e camítico não têm nenhum sentido a não ser e na melhor das hipóteses como categorias da classificação linguística21 É certo que não existe necessariamente uma correlação entre a língua falada por uma população e sua origem racial ou sua cultura Assim Greenberg pode citar entre outros este maravilhoso exemplo os cultivadores haussa que falam uma língua camítica estão sob a dominação dos pastores fulani que falam uma língua níger congolesa isto é uma língua negra22 Ele refuta igualmente a base camítica que sustentava grande parte da reconstrução feita por Seligman da história cultural dos negros em outras partes da África sobretudo das populações de língua bantu Escolhemos particularmente Seligman porque ele se situava entre as personalidades mais destacadas de sua profissão na Grã Bretanha foi um dos primeiros a empreender sérias pesquisas de campo na África e porque seu livro tornou se de certa forma um modelo várias vezes reeditado Ainda em 1966 ele era divulgado como um clássico em seu gênero Mas essa adoção do mito da superioridade dos povos de pele clara sobre os de pele escura era somente uma parte dos preconceitos correntes na Europa no fim do século XIX e no início do século XX Os europeus acreditavam que sua pretensa superioridade 19 0p cit ed de 1930 p 96 ed de 1966 p 61 20 0p cit ed de 1930 p 158 ed de 1966 p 101 21 GREENBERG J H 1953 e 1963 De fato GREENBERG como a maioria dos linguistas modernos evita empregar o termo camítico eles classificam as línguas outrora denominadas camíticas ao lado das línguas semíticas e outras num grupo mais amplo o afro asiático ou eritreu e não reconhecem o subgrupo camítico de modo específico 22 GREENBERG J H 1963 p 30 15 A evolução da historiografia da África sobre os negros africanos estava confirmada por sua conquista colonial Em consequência disso em muitas partes da África especialmente no cinturão sudanês e na região dos grandes lagos eles estavam convictos de que apenas davam continuidade a um processo de civilização que outros invasores de pele clara chamados genericamente de camitas haviam começado antes deles23 O mesmo tema reaparece ao longo de muitas outras obras do período que vai de 1890 a 1940 aproximadamente e que contêm uma quantidade bem maior de elementos sérios de história do que os encontrados no pequeno manual de Seligman Em sua maioria essas obras foram escritas por homens e mulheres que tinham participado pessoalmente da conquista ou da colonização e que não eram nem antropólogos nem linguistas nem historiadores profissionais Tratava se sim de amadores no melhor sentido da palavra que se interessavam sinceramente pelas sociedades exóticas que haviam descoberto e que desejavam obter mais informações a seu respeito e partilhar seus conhecimentos com outras pessoas Sir Harry Johnston e Maurice Delafosse por exemplo trouxeram contribuições notáveis para a linguística africana assim como para outros ramos do conhecimento Mas o primeiro denominou seu grande estudo geral de A History of the Colonization of Africa by Alien Races 1899 obra revista e ampliada em 1913 e nas seções históricas do magistral estudo de Delafosse sobre o Sudão ocidental Haut Sénégal Niger 1912 o tema geral aparece quando ele invoca uma migração judaico síria para fundar a antiga Gana Flora Shaw A Tropical Dependency 1906 era fascinada pela contribuição dos muçulmanos à história da África Margery Perham amiga e biógrafa de Lord Lugard refere se com propriedade ao movimento majestoso da história desde as primeiras conquistas árabes da África às de Goldie e de Lugard24 Um excelente historiador amador Yves Urvoy Histoire des Populations du Soudan Central 1936 e Histoire du Bornou 1949 equivoca se completamente a respeito do significado das interações entre os nômades do Saara e os negros sedentários que ele descreve com precisão ao mesmo tempo Sir Richmond Palmer Sudanese Memoirs 1928 e The Bornu Sahara and Sudan 1936 arqueólogo inspirado procura sempre as origens da ação dos povos nigerianos em lugares tão distantes quanto Trípoli ou o Iêmen 23 É interessante notar que a edição atualmente revisada a quarta de Races of Africa 1966 contém na página 61 uma frase importante que não se encontra na edição original de 1930 Os camitas são aí definidos como europeus ou seja pertencentes à mesma grande raça da humanidade a que pertencem os homens brancos 24 PERHAM Margery Lugard the Years of Authority 1960 p 234 16 Metodologia e pré história da África No entanto após Seligman os antropólogos sociais britânicos conseguiram de certa forma escapar à influência do mito camítico Sua formação a partir desse momento foi dominada pela influência de B Malinowski e A R Radcliffe Brown que se opunham decididamente a qualquer espécie de história fundada em conjeturas De fato o método estritamente funcionalista adotado pelos antropólogos britânicos entre 1930 e 1950 para o estudo das sociedades africanas tendia a desencorajar qualquer interesse histórico mesmo quando graças a seu trabalho de campo eles se encontravam numa situação excepcionalmente favorável para obter dados históricos Porém no continente europeu e também na América do Norte ainda que poucos antropólogos americanos tenham trabalhado na África antes dos anos 50 subsistia uma tradição mais antiga de etnografia que entre outras características dava tanto peso à cultura material quanto à estrutura social Isso gerou uma grande quantidade de trabalhos de importância histórica como por exemplo The King of Ganda de Tor Irstam 1944 ou The trade of Guinea de Lar Sundstrom 1965 Entretanto duas obras merecem destaque especial Völkerkunde von Afrika de Hermann Baumann 1940 e Geschichte Afrikas de Diedrich Westermann 1952 A primeira era um estudo enciclopédico dos povos e civilizações da África que valorizava bastante as partes conhecidas de sua história e até hoje não foi superado como manual de um só volume O livro mais recente Africa its Peoples and their Culture History 1959 escrito pelo antropólogo americano G P Murdock fica prejudicado na comparação por faltar ao seu autor experiência direta da África o que lhe teria permitido avaliar corretamente os materiais de que dispunha e por ele ter fornecido alguns esquemas hipotéticos tão excêntricos em seu gênero quanto os de Seligman embora menos perniciosos25 Quanto a Westermann ele era sobretudo um linguista Sua obra sobre a classificação das línguas da África é em muitos aspectos a precursora da de Greenberg além disso ele contribuiu com uma seção linguística para o livro de Baumann Mas sua Geschichte infelizmente deformada pela teoria camítica é também uma compilação muito valiosa das tradições orais africanas tais como se apresentavam em sua época A estes trabalhos pode se talvez acrescentar o de H A Wieschoff The Zimbabwe Monomotapa Culture 1943 ainda que seja só para apresentar seu mestre Leo Frobenius Frobenius era etnólogo e antropólogo cultural mas era também um arqueólogo disfarçado de historiador Durante seu período 25 Ver meu resumo sobre o assunto no artigo Anthropology botany and history In J A H n 2 1961 299 309 17 A evolução da historiografia da África de atividade que corresponde aproximadamente às quatro primeiras décadas do século XX ele foi quase com certeza o mais produtivo dos historiadores da África Ele empreendeu inúmeros trabalhos de campo em quase todas as partes do continente africano e apresentou seus resultados numa série regular de publicações pouco lidas atualmente Escrevia em alemão língua que se tornou pouco importante para a África e os africanistas Somente uma pequena parte de suas obras foi traduzida e seu sentido é geralmente difícil de recuperar porque elas estão repletas de teorias míticas relativas à Atlântida à influência etrusca sobre a cultura africana etc Aos olhos dos historiadores arqueólogos e antropólogos atuais de formação bastante rigorosa Frobenius parece um autodidata original cujos trabalhos são desvalorizados não apenas por suas interpretações um tanto ousadas mas também por seu método de trabalho rápido sumário e às vezes destrutivo Contudo ele chegou a alguns resultados que anteciparam claramente os obtidos por pesquisadores que trabalharam com maior rigor científico e que surgiram depois dele e a outros difíceis ou mesmo impossíveis de obter nas condições atuais Parece que ele possuía um talento instintivo para ganhar a confiança dos informantes e descobrir dados históricos Os historiadores modernos deveriam procurar esses dados nas obras de Frobenius e reavaliá los em função dos conhecimentos atuais liberando os das interpretações fantasiosas acrescentadas por ele26 As singularidades de um gênio autodidata como Frobenius que buscava inspiração em si mesmo contribuíram para reforçar a opinião dos historiadores profissionais de que a história da África não constituía um campo aceitável para sua profissão e desviar assim a atenção de muitos trabalhos sérios realizados durante o período colonial O crescimento do interesse dos europeus pela África havia proporcionado aos africanos grande variedade de culturas escritas que lhes permitia exprimir seu interesse por sua própria história Foi esse o caso principalmente da África ocidental onde o contato com os europeus havia sido mais longo e mais constante e onde sobretudo nas regiões que se tornaram colônias britânicas uma demanda pela instrução europeia já existia desde o 26 É impossível num artigo desta dimensão fazer justiça à grandeza da produção de FROBENIUS Sua última obra de síntese foi Kulturgeschichte Afrikas Viena 1933 e sua obra mais notável foi provavelmente a coleção em 12 volumes Atlantis Volksmärchen und Wolksdichtungen Afrikas Iena 1921 1928 Mas cabe também mencionar os livros que relatam cada uma de suas expedições por exemplo para os Ioruba e Mosso Und Afrika Sprach Berlim Charlottenburg 1912 1913 Ver a bibliografia completa em Freda KRETSCHMAR Leo Frobenius 1968 Certos artigos recentes em inglês por exemplo Dr K M ITA Frobenius in West African History J A H XIII 4 1972 e obras citadas neste artigo sugerem um renascimento do interesse pela obra de FROBENIUS 18 Metodologia e pré história da África início do século XIX Assim como os eruditos islamizados de Tombuctu se puseram rapidamente a escrever seus tarikh em árabe ou na língua ajami no fim do século XIX também os africanos que haviam aprendido a ler o alfabeto latino sentiram necessidade de deixar por escrito o que eles conheciam da história de seus povos para evitar que estes fossem completamente tragados pelos europeus e sua história Entre os primeiros clássicos desse gênero escritos por africanos que como os autores dos tarikh antes deles haviam exercido uma atividade na religião da cultura importada e dela haviam extraído seus nomes pode se citar A History of the Gold Coast and Asante de Carl Christian Reindorf 1895 e History of the Yorubas de Samuel Johnson terminada em 1897 mas publicada somente em 1921 Trata se de duas obras de história bastante sérias até hoje ninguém pode empreender um trabalho sobre a história dos Ioruba sem consultar Johnson Mas talvez fosse inevitável que a ensaios históricos desta ordem se incorporassem as obras dos primeiros protonacionalistas desde J A B Horton 1835 1883 e E W Blyden 1832 1912 a J M Sarbah 1864 1910 J E Casely Hayford 1866 1930 e J B Danquah 1895 1965 que abordaram muitas questões históricas mas na maioria das vezes com o propósito de fazer propaganda É provável que J W de Graft Johnson Towards Nationhood in West Africa 1928 Historical Geography of the Gold Coast 1929 e E J P Brown A Gold Coast and Asiante Reader 1929 pertençam às duas categorias Depois deles porém pode se observar em certos ensaios uma tendência a glorificar o passado africano no intuito de combater o mito da superioridade cultural europeia como por exemplo em J O Lucas The Religion of Yoruba 1949 e J W de Graft Johnson African Glory 1954 Alguns autores europeus demonstraram uma tendência análoga É o caso por exemplo de Eva L R Meyerowitz que em seus livros sobre os Akan tenta outorgar lhes gloriosos ancestrais mediterrânicos comparáveis aos que Lucas buscava para os Ioruba27 Por outro lado numa escala mais reduzida muitos africanos continuaram a registrar as tradições históricas locais de modo sério e confiável Os contatos com os missionários cristãos parecem ter desempenhado um papel significativo Assim floresceu em Uganda uma escola importante de historiadores locais desde a época de A Kagwa cuja primeira obra foi publicada em 1906 ao mesmo tempo R C C Law anotou para a região ioruba 22 historiadores que 27 The Sacred State of the Akan 1951 The Akan Traditions of Origin 1952 The Akan of Ghana their Ancient Beliefs 1958 19 A evolução da historiografia da África haviam publicado trabalhos antes de 194028 em geral como aliás os autores ugandenses em línguas nativas Dentre as das obras desse tipo uma tornou se merecidamente célebre A Short History of Benin de J U Egharevba reeditada diversas vezes desde sua primeira publicação em 1934 Por outro lado certos colonizadores espíritos inteligentes e curiosos tentavam descobrir e registrar a história daqueles a quem tinham vindo governar Para eles a história africana geralmente apresentava um valor prático Os europeus podiam ser melhores administradores se possuíssem algum conhecimento sobre o passado dos povos que eles haviam colonizado Além do mais seria útil ensinar um pouco de história da África nas escolas cada vez mais numerosas fundadas por eles e seus compatriotas missionários ainda que fosse apenas para servir como introdução ao ensino mais importante da história da Inglaterra ou da França Isso possibilitaria aos africanos obter os school certificates e os baccalauréats e ser recrutados depois como preciosos auxiliares pseudo europeus Flora Shaw Harry Johnson Maurice Delafosse Yves Urvoy e Richmond Palmer já foram mencionados anteriormente Mas há também outros que escreveram sobre a África obras históricas relativamente isentas de preconceitos culturais ainda que às vezes tenham escolhido eles ou seus editores títulos bizarros Entre esses autores podemos citar Ruth Fisher Twilight Tales of the Black Baganda 1912 C H Stigand The Land of Zing 1913 Sir Francis Fuller A Vanished Dynasty Ashanti 1921 exatamente na tradição de Bowdich e Dupuis E W Bouill Caravans of the Old Sahara 1933 numerosas obras eruditas de Charles Monteil por exemplo Les Empires du Mali 1929 ou de Louis Tauxier por exemplo Histoire des Bambara 1942 Parece que os franceses foram mais bem sucedidos que os ingleses na elaboração de uma história realmente africana Alguns dos mais sólidos trabalhos britânicos por exemplo History of the Gold Coast and Ashanti 1915 de W W Claridge ou History of the Gambia 1940 de Sir John Gray exceção feita a alguns de seus artigos mais recentes sobre a África oriental possuíam uma forte tendência eurocêntrica É conveniente notar também que quando de seu retorno à França alguns administradores franceses como Delafosse Georges Hardy Henry Labouret29 elaboraram breves histórias gerais a respeito de todo o continente ou do conjunto da África subsaariana 28 LAW R C C Early Historical Writing Among the Yoruba to c 1940 29 DELAFOSSE Maurice Les Noirs de lAfrique Paris 1921 HARDY Georges Vue Général de lHistoire dAfrique Paris 1937 LABOURET Henry Histoire des Noirs dAfrique Paris 1946 20 Metodologia e pré história da África Isso se explica em parte pelo fato de que a administração colonial francesa tendia a desenvolver estruturas mais rígidas para a formação e a pesquisa do que a administração britânica Pode se citar a instituição em 1917 do Comité dEtudes Historique et Scientifique de lAOF e de seu Bulletin que levaram à criação do Institut Français dAfrique Noire sediado em Dacar 1938 ao seu Bulletin e à série Mémoires que editou a partir daí surgiram obras como o magistral Tableau Géographique de lOuest Africain au Moyen Age 1961 de Raymond Mauny Apesar disso os historiadores do período colonial permaneceram amadores marginalizados da principal corrente historiográfica Isto ocorreu tanto na França quanto na Grã Bretanha pois embora homens como Delafosse e Labouret tivessem obtido cargos universitários quando retornaram à França fizeram no como professores de línguas africanas ou de administração colonial e não como historiadores clássicos A partir de 1947 a Société Africaine de Culture e sua revista Présence Africaine empenharam se na promoção de uma história da África descolonizada Ao mesmo tempo uma geração de intelectuais africanos que havia dominado as técnicas europeias de investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em relação ao passado africano e a buscar nele as fontes de uma identidade cultural negada pelo colonialismo Esses intelectuais refinaram e ampliaram as técnicas da metodologia histórica desembaraçando a ao mesmo tempo de uma série de mitos e preconceitos subjetivos A esse propósito devemos mencionar o simpósio organizado pela UNESCO no Cairo em 1974 que permitiu a pesquisadores africanos e não africanos confrontar livremente seus pontos de vista sobre o problema do povoamento do antigo Egito Em 1948 aparecia a obra History of the Gold Coast de W E F Ward No mesmo ano a Universidade de Londres criava o cargo de lecturer em História da África na School of Oriental and African Studies confiado ao Dr Roland Oliver É a partir dessa mesma data que a Grã Bretanha empreende um programa de desenvolvimento das universidades nos territórios que dela dependiam fundação de estabelecimentos universitários na Costa do Ouro e na Nigéria elevação do Gordon College de Cartum e do Makerere College de Kampala à categoria de universidades Nas colônias francesas e belgas desenrolava se um processo semelhante Em 1950 era criada a Escola Superior de Letras de Dacar que sete anos mais tarde adquiriria o estatuto de universidade francesa Lovanium a primeira universidade do Congo mais tarde Zaire começou a funcionar em 1954 AOF Afrique Occidentale Française N do T 21 A evolução da historiografia da África Do ponto de vista da historiografia africana a multiplicação das novas universidades a partir de 1948 foi seguramente mais significativa que a existência dos raros estabelecimentos criados antes mas que vegetavam por falta de recursos tais como o Liberia College de Monróvia e do Fourah Bay College de Serra Leoa fundados respectivamente em 1864 e 1876 Por outro lado as nove universidades que existiam na África do Sul em 1940 eram prejudicadas pela política segregacionista do regime de Pretória tanto a pesquisa histórica quanto o ensino eram eurocentristas e a história da África não passava da história dos imigrantes brancos Todas as novas universidades ao contrário organizaram logo departamentos de história o que pela primeira vez levou um número considerável de historiadores profissionais a trabalhar na África Era inevitável no início que a maioria desses historiadores fosse proveniente de universidades não africanas Mas a africanização sobreveio rapidamente O primeiro diretor africano de um departamento de história o professor K O Dike foi nomeado em 1956 em Ibadã Formaram se muitos estudantes africanos Os professores africanos que se tornaram historiadores profissionais sentiram necessidade de ampliar a parte reservada à história da África em seus programas e quando essa história fosse pouco conhecida de incluí la em suas pesquisas A partir de 1948 a historiografia da África vai progressivamente se assemelhando à de qualquer outra parte do mundo E evidente que ela possui problemas específicos como a escassez relativa de fontes escritas para os períodos antigos e a consequente necessidade de lançar mão de outras fontes como a tradição oral a linguística ou a arqueologia Mas embora a historiografia africana tenha trazido importantes contribuições no que diz respeito ao uso e à interpretação dessas fontes ela não se distingue fundamentalmente da historiografia de certos países da América Latina da Ásia e da Europa que enfrentam problemas análogos Aliás o conhecimento da proveniência dos materiais não é essencial para o historiador cuja tarefa fundamental consiste em fazer deles uma utilização crítica e comparativa de modo a criar uma descrição inteligente e significativa do passado O importante é que nos últimos 25 anos equipes de universitários africanos vêm se dedicando ao ofício de historiador O estudo da história africana constitui hoje uma atividade bem estabelecida a cargo de especialistas de alto nível Seu desenvolvimento ulterior será assegurado pelos intercâmbios interafricanos e pelas relações entre as universidades da África e as de outras partes do mundo Mas é preciso ressaltar que esta evolução positiva teria sido impossível sem o processo de libertação da África do jugo colonial o levante armado de Madagáscar em 1947 a independência do Marrocos em 1955 22 Metodologia e pré história da África a heroica luta do povo argelino e as guerras de libertação em todas as colônias da África contribuíram enormemente para esse processo já que criaram para os povos africanos a possibilidade de retomar o contato com sua própria história e de controlar a sua organização Compreendendo desde logo esta necessidade a UNESCO promoveu ou facilitou a realização de encontros entre especialistas Acertadamente colocou como pré requisito a coleta sistemática de tradições orais Respondendo aos desejos dos intelectuais e dos Estados Africanos essa entidade lançou a partir de 1966 a ideia da elaboração de uma História Geral da África A execução desse importante projeto foi iniciada sob os seus auspícios em 1969 C A P Í T U L O 2 23 Lugar da história na sociedade africana O homem é um animal histórico O homem africano não escapa a esta definição Como em toda parte ele faz sua história e tem uma concepção dessa história No plano dos fatos as obras e as provas de sua capacidade criativa estão aí sob nossos olhos em forma de práticas agrárias receitas de cozinha medicamentos da farmacopeia direitos consuetudinários organizações políticas produções artísticas celebrações religiosas e refinados códigos de etiqueta Desde o aparecimento dos primeiros homens os africanos criaram ao longo de milênios uma sociedade autônoma que unicamente pela sua vitalidade é testemunha do gênio histórico de seus autores Essa história engendrada na prática foi enquanto projeto humano concebida a priori Ela é também refletida e interiorizada a posteriori pelos indivíduos e pelas coletividades Torna se portanto um padrão de pensamento e de vida um modelo Mas sendo a consciência histórica um reflexo de cada sociedade e mesmo de cada fase significativa na evolução de cada sociedade compreender se á que a concepção que os africanos possuem de sua própria história e da história em geral seja marcada por seu singular desenvolvimento O simples fato do isolamento das sociedades é suficiente para condicionar estreitamente a visão histórica Assim o rei dos Mossi Alto Volta intitulava se Mogho Naba ou seja rei do mundo o que ilustra bem a influência das limitações técnicas e materiais sobre a visão que se tem das realidades socio políticas Desse modo pode se constatar Lugar da história na sociedade africana Boubou Hama e J Ki Zerbo 24 Metodologia e pré história da África que o tempo africano é às vezes um tempo mítico e social mas também que os africanos têm consciência de serem os agentes de sua própria história Enfim veremos que este tempo africano é um tempo realmente histórico Tempo mítico e tempo social Num primeiro contato com a África e mesmo a partir da leitura de numerosas obras etnológicas tem se a impressão de que os africanos estavam imersos e como que afogados no tempo mítico vasto oceano sem margens nem marcos enquanto os outros povos percorriam a avenida da história imenso eixo balizado pelas etapas do progresso De fato o mito representação fantástica do passado em geral domina o pensamento dos africanos na sua concepção do desenrolar da vida dos povos Isso a tal ponto que às vezes a escolha e o sentido dos acontecimentos reais deviam obedecer a um modelo mítico que predeterminava até os gestos mais prosaicos do soberano ou do povo Sob forma de costumes vindos de tempos imemoriais o mito governava a História encarregando se por outro lado de justificá la Num tal contexto aparecem duas características surpreendentes do pensamento histórico sua intemporalidade e sua dimensão essencialmente social Nesta situação o tempo não é a duração capaz de dar ritmo a um destino individual é o ritmo respiratório da coletividade Não se trata de um rio que corre num sentido único a partir de uma fonte conhecida até uma foz conhecida Nos países tecnicamente desenvolvidos os próprios cristãos estabelecem uma nítida demarcação entre o fim dos tempos e a eternidade Isto talvez porque o Evangelho opõe nitidamente este mundo transitório ao mundo futuro mas também porque por esta visão distorcida e por outras razões o tempo humano é praticamente laicizado Ora em geral o tempo africano tradicional engloba e integra a eternidade em todos os sentidos As gerações passadas não estão perdidas para o tempo presente À sua maneira elas permanecem sempre contemporâneas e tão influentes se não mais quanto o eram durante a época em que viviam Assim sendo a causalidade atua em todas as direções o passado sobre o presente e o presente sobre o futuro não apenas pela interpretação dos fatos e o peso dos acontecimentos passados mas por uma irrupção direta que pode se exercer em todos os sentidos Quando o imperador do Mali Kankou Moussa 1312 1332 enviou um embaixador ao rei do Yatenga para pedir lhe que se convertesse ao islamismo o chefe Mossi respondeu que antes de tomar qualquer decisão ele precisava consultar seus ancestrais Percebe se aqui como o passado através do 25 Lugar da história na sociedade africana culto está diretamente ligado ao presente constituindo se os ancestrais agentes diretos e privilegiados dos negócios que ocorrem séculos depois deles Da mesma forma na corte de numerosos reis funcionários intérpretes de sonhos exerciam um peso considerável sobre a ação política projetada Esses exegetas do sonho eram em suma ministros do futuro Cita se o caso do rei ruandês Mazimpaka Yuhi III fim do século XVII que viu em sonho homens de tez clara vindos do leste Armou se então de arcos e flechas mas antes de lançar as flechas contra eles guarneceu as com bananas maduras A interpretação desta atitude ambígua ao mesmo tempo agressiva e acolhedora introduziu uma imagem privilegiada na consciência coletiva dos ruandeses e talvez contribua para explicar a atitude pouco combativa desse povo tradicionalmente aguerrido face às colunas alemãs do século XIX semelhantes aos pálidos rostos avistados durante o sonho real dois séculos antes Nesse tempo suspenso a ação do presente é possível mesmo sobre o que é considerado passado mas que permanece de fato contemporâneo O sangue dos sacrifícios de hoje reconforta os ancestrais de ontem E até agora os africanos ainda exortam seus próximos a não negligenciarem as oferendas em nome dos parentes falecidos pois os que nada recebem constituem a classe pobre desse mundo paralelo dos mortos e são obrigados a viver do auxílio dos privilegiados que são objeto de generosos sacrifícios feitos em seu nome De uma forma ainda mais profunda certas cosmogonias atribuem a um tempo mítico os progressos obtidos num tempo histórico que não sendo recebido como tal por cada indivíduo é substituído pela memória histórica do grupo E o caso da lenda Gikuyu que explica o advento da técnica de fundição do ferro Mogai Deus havia distribuído os animais entre os homens e as mulheres Mas estas foram tão cruéis com seus animais que eles escaparam e tornaram se selvagens Os homens então intercederam junto a Mogai em favor de suas mulheres dizendo Em tua honra nós queremos sacrificar um carneiro mas não pretendemos fazê lo com uma faca de madeira para não incorrer nos mesmos riscos que nossas mulheres Mogai felicitou os por sua sabedoria e para dotá los de armas mais eficazes ensinou lhes a receita da fundição do ferro Essa concepção mítica e coletiva era tal que o tempo tornava se um atributo da soberania dos líderes O rei Shilluk era o depositário mortal de um poder imortal já que totalizava em si próprio o tempo mítico encarnando o herói fundador e o tempo social considerado como fonte da vitalidade do grupo Do mesmo modo entre os Bafulero Zaire oriental os Bunyoro Uganda e os Mossi Alto Volta o chefe é o sustentáculo do tempo coletivo O Mwami está presente o povo vive O Mwami está ausente o povo morre A morte do rei constitui uma ruptura do tempo que paralisa as atividades a ordem social toda 26 Metodologia e pré história da África expressão de vida desde o riso até a agricultura e a união sexual dos animais e das pessoas O interregno constitui um parênteses no tempo Apenas o advento de um novo rei recria o tempo social que se reanima novamente Tudo é onipresente nesse tempo intemporal do pensamento animista no qual a parte representa e pode significar o todo como os cabelos e unhas que se impede de caírem nas mãos dos inimigos por medo de que estes tenham poder sobre a pessoa De fato é preciso atingir uma concepção geral do mundo para entender a visão e o significado profundo do tempo entre os africanos Veremos então que no pensamento tradicional o tempo perceptível pelos sentidos não passa de um aspecto de um outro tempo vivido por outras dimensões da pessoa Quando vem a noite e o homem se estende sobre sua esteira ou sua cama para dormir é o momento que seu duplo escolhe para partir para percorrer o caminho seguido pelo homem durante o dia frequentar os lugares que ele frequentou e refazer os gestos e os trabalhos que ele realizou conscientemente durante a vida diurna É no curso dessas peregrinações que o duplo se choca com as forças do Bem e do Mal com os bons gênios e com os feiticeiros devoradores de duplos ou cerko em língua songhai e zarma É no duplo que reside a personalidade de cada um O songhai diz que o bya duplo de um homem é pesado ou leve querendo significar que sua personalidade é forte ou frágil os amuletos têm como finalidade proteger e reforçar o duplo E o ideal é chegar a confundir se com o próprio duplo a fundir se nele até formar uma só entidade que ascende assim a um grau de sabedoria e de força sobre humano Somente o grande iniciado o mestre kortékonynü zimaa atinge esse estado em que o tempo e o espaço não constituem mais obstáculos Era esse o caso de SI o ancestral epônimo da dinastia Assustador é o pai dos SI o pai dos trovões Quando ele está com uma cárie é então que mastiga cascalhos quando está com conjuntivite é nesse momento que resplandecente acende o fogo Com seus grandes passos ele percorre a terra Ele está em toda parte e em parte alguma O tempo social a história vivida assim pelo grupo acumula um poder que é a maior parte do tempo simbolizado e concretizado num objeto transmitido pelo patriarca chefe do clã ou rei ao seu sucessor Pode tratar se de uma bola de ouro conservada num tobal tambor de guerra associado a elementos extraídos do corpo do leão do elefante ou da pantera Esse objeto pode estar fechado numa caixa ou numa arca como as insígnias reais tibo do rei mossi Entre os Songhai Zarma é uma haste de ferro afiada numa das extremidades Já entre os Sorko do antigo Império de Gao é um ídolo em forma de um grande peixe provido de uma argola na boca Entre os ferreiros é uma forja mítica que às vezes durante a noite torna se rubra para expressar sua cólera A transferência desses 27 Lugar da história na sociedade africana figura 21 Estatueta em bronze representando o poder dinástico dos Songhai Tera Níger Col A Salifou 28 Metodologia e pré história da África objetos é que constituía a devolução jurídica do poder O caso mais interessante é o dos Sonianke descendentes de Sonni Ali que possuem correntes de ouro prata ou cobre cada elo das quais representando um ancestral e o conjunto simbolizando a descendência dinástica até Sonni o Grande No decorrer de cerimônias mágicas estas correntes magníficas são regurgitadas diante de um público embasbacado No momento de morrer o patriarca sonianke regurgita a corrente pela última vez fazendo com que o escolhido para seu sucessor engula a pela outra extremidade Ele morre logo após ter passado sua corrente àquele que deve substituí lo Esse testamento vivo ilustra com eloquência a força da concepção africana do tempo mítico e do tempo social Poder se ia pensar que uma tal visão do processo histórico seria estática e estéril na medida em que ao colocar a perfeição do arquétipo no passado na origem dos tempos parece indicar como ideal para o conjunto das gerações a repetição estereotipada dos gestos e da gesta do ancestral O mito não seria assim o motor de uma história imóvel Ficará claro mais adiante que não podemos nos ater unicamente a esse enfoque do pensamento histórico entre os africanos Por outro lado o enfoque mítico é preciso reconhecê lo está na origem da história de todos os povos Toda história é originalmente uma história sagrada Do mesmo modo esse enfoque acompanha o desenvolvimento histórico reaparecendo de tempos em tempos sob formas maravilhosas ou monstruosas Entre elas está o mito nacionalista que faz com que um determinado chefe de Estado contemporâneo se dirija ao seu país como a uma pessoa viva e o mito da raça sob o regime nazista concretizado por rituais cujas origens remontam a um passado longínquo que condenou milhões de pessoas ao holocausto Os africanos têm consciência de ser os agentes de sua história Certamente durante alguns séculos o homem africano teve razões de sobra para não desenvolver uma consciência responsável Excessivas imposições exteriores e alienantes domesticaram no a tal ponto que mesmo quando ele vivia longe da costa onde se dava o aprisionamento de escravos e da área de influência do comandante branco ele guardava num canto qualquer de sua alma a marca aniquiladora da escravidão Do mesmo modo no período pré colonial numerosas sociedades africanas elementares quase fechadas dão a impressão de que seus membros só tinham consciência de estar fazendo história numa escala e numa medida bastante 29 Lugar da história na sociedade africana limitadas em geral na dimensão da grande família e no quadro de uma hierarquia consuetudinária gerontocrática rigorosa e pesada Entretanto mesmo e quem sabe sobretudo nesse nível o sentimento da auto regulação da comunidade da autonomia era vivo e poderoso O camponês lobi e kabye na sua aldeia quando senhor da casa1 acreditava ter amplo controle de seu próprio destino A melhor prova disso é que nessas regiões de anarquia política onde o poder era a coisa mais bem distribuída do mundo é que os invasores e em particular os colonizadores tiveram maior dificuldade em se impor O apego à liberdade atestava aqui o gosto pela iniciativa e o repúdio pela alienação Em compensação nas sociedades fortemente estruturadas a concepção africana de chefe dá a este último um espaço exorbitante na história dos povos dos quais ele literalmente encarna o projeto coletivo Assim não é de admirar que a tradição relembre toda a história original dos Malinke no Elogio a Sundiata O mesmo acontece com Sonni Ali entre os Songhai da curva do Níger Isto não significa em absoluto um condicionamento ideológico que destrói o espírito crítico ainda que nas sociedades em que o único canal de informações é a via oral as autoridades que controlam uma sólida rede de griots praticamente monopolizem a difusão da verdade oficial Mas os griots não constituíam um corpo monolítico e nacionalizado Por outro lado a história mais recente da África pré colonial demonstra que a posição dedicada aos líderes africanos nas representações mentais das pessoas provavelmente não é superestimada É o caso por exemplo de Chaka que realmente forjou a nação Zulu na tormenta dos combates O que os testemunhos escritos e orais permitem perceber da atuação de Chaka deve ter se reproduzido várias vezes durante o desenvolvimento histórico africano Diz se que a constituição dos clãs mande remonta a Sundiata e a ação de Osei Tutu ou a de Anokye na formação da nação Ashanti parece corresponder à ideia de nação que os Ashanti têm até hoje Tanto mais que a ideia de um líder que atua como motor da história quase nunca se reduz a um esquema simplista creditando a um só homem todo o desenvolvimento humano Geralmente trata se de um grupo dinâmico celebrado como tal Os companheiros dos chefes não são esquecidos mesmo os de condição inferior griots porta vozes servos Eles frequentemente entram para a história como heróis A mesma observação vale para as mulheres que ao contrário do que se tem dito e repetido à saciedade ocupam na consciência histórica africana uma posição 1 A expressão bambara so tigui equivalente numa escala inferior a dougou tigui chefe de aldeia dyamani tigui chefe de cantão e kele tigui general em chefe mostra bem a força dessa autoridade 30 Metodologia e pré história da África sem dúvida mais importante que em qualquer outro lugar Nas sociedades de regime matrilinear isto é facilmente compreensível Em Uanzarba perto de Tera Níger onde a sucessão na chefia era matrilinear durante o período colonial os franceses no intuito de reunir os habitantes dessa aldeia aos de outras aldeias songhai haviam nomeado um homem para comandar essa aglomeração Mas os Sonianke2 não deixaram de conservar sua kassey sacerdotisa que continua até hoje a assumir a responsabilidade do poder espiritual Também em outros lugares as mulheres são vistas como protagonistas na evolução histórica dos povos Filhas irmãs esposas e mães de reis como essa admirável Luedji que foi tudo isso sucessivamente e mereceu o título de Swana Mulunda mãe do povo Lunda ocupavam posições que lhes permitiam influir nos acontecimentos A célebre Amina que na região haussa no século XV conquistou para Zaria tantas terras e aldeias que ainda levam o seu nome é apenas um exemplo entre milhares da ideia de autoridade histórica que as mulheres impuseram às sociedades africanas Esta ideia permanece viva até hoje na África na atuação das mulheres na guerra da Argélia e nos partidos políticos durante a luta nacionalista pela independência ao sul do Saara É claro que a mulher africana é utilizada também como objeto de prazer e de decoração como nos sugerem as que são mostradas envoltas em tecidos de exportação ao redor do rei do Daomé ao presidir uma festa tradicional Mas do mesmo espetáculo participavam as amazonas ponta de lança das tropas reais contra Oyo e os invasores colonialistas na batalha de Cana 1892 Pela sua participação no trabalho da terra no artesanato e no comércio pela sua ascendência sobre os filhos sejam eles príncipes ou plebeus por sua vitalidade cultural as mulheres africanas sempre foram consideradas personagens eminentes da história dos povos Houve e ainda há batalhas para ou pelas mulheres Porque as próprias mulheres muitas vezes desempenharam o papel de traidoras ou sedutoras Como no caso da irmã de Sundiata ou das mulheres enviadas pelo rei de Segu Da Monzon às bases inimigas Apesar de sofrer uma segregação aparente nas reuniões públicas todos sabem na África que a mulher está onipresente na evolução A mulher é a vida E também a promessa de expansão da vida E através dela que os diferentes clãs consagram suas alianças Pouco loquaz em público ela faz e desfaz os acontecimentos no sigilo de seu lar E a opinião pública formula este ponto de vista no provérbio As mulheres podem tudo comprometer elas podem tudo arranjar 2 Neste clã o poder se transmite pelo leite ainda que se admita que o laço de sangue contribua para reforçá lo Entre os Cerko porém é unicamente através do leite que o poder é transmitido 31 Lugar da história na sociedade africana Em suma tudo se passa como se na África a permanência das estruturas elementares das comunidades de base através do movimento histórico tivesse conferido a todo processo um caráter popular bastante notável A frágil envergadura das sociedades tornou a história uma questão que diz respeito a todos Apesar da mediocridade técnica dos meios de comunicação ainda que o tan tã assegurasse a telecomunicação de aldeia para aldeia a estreita amplitude do espaço histórico media se pela apreensão mental de cada um Daí a inspiração democrática incontestável que anima a concepção africana da história na maioria dos casos Cada um tinha o sentimento de poder em última instância subtrair se à ditadura mesmo que fosse através da secessão para refugiar se no espaço disponível O próprio Chaka passou por essa experiência no fim de sua carreira Este sentimento de fazer a história mesmo na escala microcósmica da aldeia assim como a sensação de ser somente uma molécula na corrente histórica criada pelo rei visto como demiurgo são muito importantes para o historiador Porque constituem em si mesmos fatos históricos e porque contribuem por sua vez para criar a história O tempo africano é um tempo histórico O tempo africano pode ser considerado um tempo histórico Alguns afirmam que não sustentando que o africano só concebe o mundo como uma reedição estereotipada do passado Ele não passaria então de um incorrigível discípulo do passado repetindo a todo mundo Foi assim que os ancestrais fizeram para justificar todas as suas ações e seus gestos Se fosse assim Ibn Battuta só teria encontrado no lugar do Império do Mali comunidades pré históricas vivendo em abrigos cavados nas rochas e homens vestidos com peles de animais O próprio caráter social da concepção africana da história lhe dá uma dimensão histórica incontestável porque a história é a vida crescente do grupo Ora deste ponto de vista pode se dizer que para o africano o tempo é dinâmico Nem na concepção tradicional nem na visão islâmica que influenciará a África o homem é prisioneiro de um processo estático ou de um retorno cíclico Evidentemente na ausência da ideia do tempo matemático e físico contabilizado pela adição de unidades homogêneas e medido por instrumentos confeccionados para esse fim o tempo permanece um elemento vivido e social Nesse contexto porém não se trata de um elemento neutro e indiferente Na concepção global do mundo entre os africanos o tempo é o lugar onde o homem pode sem cessar lutar pelo desenvolvimento de sua energia vital Tal é a dimensão principal 32 Metodologia e pré história da África do animismo3 africano em que o tempo é o campo fechado e o mercado no qual se confrontam ou negociam as forças que habitam o mundo Defender se contra qualquer diminuição de seu ser desenvolver a saúde a forma física a extensão de seus campos a grandeza de seus rebanhos o número de filhos de mulheres de aldeias este é o ideal dos indivíduos e das coletividades E essa concepção é incontestavelmente dinâmica Os clãs Cerko e Sonianke Níger são antagonistas O primeiro que representa o passado e tenta reinar sobre a noite ataca a sociedade O segundo ao contrário é o mestre do dia representa o presente e defende a sociedade Esse simbolismo é eloquente em si Mas vejamos uma estrofe significativa da invocação mágica entre os Songhai Não é da minha boca É da boca de A Que o deu a B Que o deu a C Que o deu a D Que o deu a E Que o deu a F Que o deu a mim Que o meu esteja melhor na minha boca Que na dos ancestrais Existe assim no africano uma vontade constante de invocar o passado que constitui para ele uma justificação Mas esta invocação não significa o imobilismo e não contradiz a lei geral da acumulação das forças e do progresso Daí a frase Que o meu esteja melhor na minha boca que na dos ancestrais O poder na África negra se expressa em geral por uma palavra que significa a força4 Esta sinonímia assinala a importância que os povos africanos outorgam à força e mesmo à violência no desenrolar da história Mas não se trata simplesmente da força material bruta Trata se da energia vital que reúne uma polivalência de forças que vão da integridade física à sorte e à integridade moral O valor ético é considerado na verdade como uma condição sine qua non do exercício benéfico do poder A sabedoria popular é testemunha dessa ideia e em numerosos contos coloca em cena chefes despóticos que são punidos no final extraindo assim literalmente desse fato a moral da história O Tarikh 3 O animismo ou ainda melhor a religião tradicional africana caracteriza se pelo culto devotado a Deus e às forças dos espíritos intermediários 4 Fanga em bambara panga em more pan em samo 33 Lugar da história na sociedade africana al Sudan e o Tarikh el Fattash não poupam elogios aos méritos de al Hajj Askiya Muhammad É verdade que havia interesses materiais em jogo Mas sistematicamente as virtudes desse príncipe são relacionadas à sua fortuna Bello Muhammad pensa da mesma forma e convida Yacouba Baoutchi a meditar sobre a história do Império Songhai foi graças à sua justiça que Askiya Muhammad não apenas manteve como também reforçou a herança de Sonni Ali E foi quando os filhos de Askiya se afastaram da justiça do Islã que seu império se desarticulou dividindo se em múltiplos principados impotentes Para o filho de Usman dan Fodio o mesmo princípio vale para seu próprio governo Olhe para o passado para todos aqueles que comandaram antes de nós Havia antes de nós dinastias milenares no território haussa Nelas muitos povos tinham adquirido grandes poderes que desmoronaram porque estavam distanciados de sua base fundada na justiça de seus costumes e tradições alterados pela injustiça Quanto a nós nossa força para que seja duradoura deve ser a força da verdade e a do isla mismo Para nós o fato de ter matado Yunfa destruído a obra de Nafata de Abarchi e de Bawa Zangorzo5 pode impressionar as gerações atuais mesmo fora da influência do Islã Mas as que virão depois de nós não mais perceberão isso elas julgar nos ão pelo valor das organizações que lhes tivermos deixado pela força permanente do islamismo que tivermos estabelecido pela verdade e justiça que tivermos sabido impor ao Estado Esta visão elevada do papel da ética na história não provém somente das convicções islâmicas do líder de Socoto Nos meios animistas também existe a ideia de que a ordem das forças cósmicas pode ser alterada por procedimentos imorais e que o desequilíbrio resultante só pode ser prejudicial ao seu autor Esta visão do mundo em que os valores e exigências éticas são parte integrante da própria organização do mundo pode parecer mítica Mas ela exercia uma influência objetiva sobre o comportamento dos homens e particularmente sobre diversos líderes políticos da África Nesse sentido pode se dizer que se a história é em geral justificação do passado ela é também exortação do futuro Nos sistemas pré estatais a autoridade moral que afiançava ou corrigia eventualmente a conduta dos negócios públicos era assumida por sociedades especializadas às vezes secretas tal como o lo do povo Senoufo ou o poro da Alta Guiné Essas sociedades constituíam muitas vezes poderes paralelos encarregados de desempenhar o papel de recurso à parte do sistema estabelecido Mas elas 5 Príncipes do Gobir 34 Metodologia e pré história da África acabavam às vezes substituindo clandestinamente o poder constituído Elas apareciam assim às pessoas como centros ocultos de decisão que confiscavam ao povo o controle de sua própria história Nesse tipo de sociedade a organização em classes etárias é uma estrutura de primeira importância no encaminhamento da história do povo Essa estrutura na medida em que está estabelecida a partir de uma periodicidade conhecida permite reconstituir a história dos povos até o século XVIII Mas desempenhava também uma função específica na vida das sociedades De fato mesmo nas coletividades rurais que desconheciam maiores inovações técnicas e eram consequentemente bastante estáveis os conflitos de gerações não estavam ausentes Era necessário então assumi los por assim dizer ordenando o fluxo das gerações e estruturando as relações entre elas para evitar que degenerassem em conflitos violentos resultantes de bruscas mutações A geração engajada na ação delega um de seus membros à geração de jovens que a sucede O papel desse adulto não é o de aplacar a impaciência dos jovens mas de canalizar a fúria irrefletida que poderia ser nefasta ao conjunto da coletividade ou que na melhor das hipóteses prepararia mal os interessados para assumir suas responsabilidades públicas6 A consciência do tempo passado era muito viva entre os africanos No entanto esse tempo que tem um grande peso sobre o presente não anula o dinamismo deste como testemunham numerosos provérbios A concepção do tempo tal como a detectamos nas sociedades africanas não é com certeza inerente ou consubstancial a uma espécie de natureza africana É a marca de um estágio no desenvolvimento econômico e social Prova disso são as diferenças flagrantes que notamos ainda hoje entre o tempo dinheiro dos habitantes das cidades e o tempo tal como é apreendido pelos habitantes do campo O essencial é que a ideia de desenvolvimento a partir das origens a serem pesquisadas esteja presente Mesmo sob a forma de contos e de lendas ou de resquícios de mitos trata se de um esforço para racionalizar o desenvolvimento social Às vezes têm se verificado esforços ainda mais positivos no sentido de iniciar o cálculo do tempo histórico Este pode estar relacionado com o espaço como quando se fala em dar um passo para qualificar uma duração mínima Pode estar relacionado também à vida biológica como o tempo de uma inspiração ou de uma expiração Mas está frequentemente relacionado a fatores exteriores ao indivíduo como por exemplo os fenômenos cósmicos climáticos e sociais sobretudo quando 6 Por exemplo entre os Alladian de Moosu perto de Abidjan a organização por gerações em número de cinco cada uma reinando nove anos permanece em vigor inclusive para tarefas de tipo moderno construção festa de formatura ou de promoção 35 Lugar da história na sociedade africana eles são recorrentes Na savana sudanesa entre os adeptos das religiões africanas tradicionais geralmente conta se a idade pelo número das estações chuvosas Para indicar que um homem é idoso fala se do número de estações das chuvas que ele viveu ou através de uma imagem que ele bebeu muita água Também foram elaborados alguns sistemas de cálculo mais aperfeiçoados7 Mas o passo decisivo nesse campo só será dado pela utilização da escrita Ainda que a existência de uma classe letrada absolutamente não garanta a tomada de consciência de uma história coletiva por parte de todo povo ela ao menos permite estabelecer pontos de referência que organizam o curso do fluxo histórico Por outro lado a introdução das religiões monoteístas baseadas num determinado processo histórico contribuiu para fornecer uma outra representação do passado coletivo modelos que apareciam geralmente nas entrelinhas das narrativas Por exemplo sob a forma de ligações arbitrárias das dinastias às fontes islâmicas cujos valores e ideais servirão aos profetas negros para modificar o curso dos acontecimentos em seu país de origem Mas a grande reviravolta na concepção africana do tempo se opera sobretudo pela entrada desse continente no universo do lucro e da acumulação monetária Só agora o sentido do tempo individual e coletivo se transforma pela assimilação dos esquemas mentais em vigor nos países que influenciam os africanos econômica e culturalmente Descobrem então que em geral é o dinheiro que faz a história O homem africano tão próximo de sua história que tinha a impressão de forjá la ele próprio em suas microssociedades enfrenta agora ao mesmo tempo o risco de uma gigantesca alienação e a oportunidade de ser co autor do progresso global 7 Ivor WILKS mostra assim ao criticar o livro de D P HENIGE The cronology of Oral Tradition Quest for a Chimera que os Akan Fanti Ashanti dispunham de um sistema de calendário complexo com semana de sete dias mês de seis semanas e ano de nove meses ajustado periodicamente ao ciclo solar segundo um método ainda não completamente esclarecido Era então possível no esquema do calendário Akan referir se por exemplo ao 18o dia do quarto mês do terceiro ano do reinado de Ashantihene Osei Bonsu Método de datação ainda corrente nos países europeus no século XVIII e mesmo no século XIX Cf WILKS I 1975 p 279 e segs C A P Í T U L O 3 37 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral O objetivo deste volume e dos ulteriores é tornar conhecido o passado da África tal como é visto pelos africanos Trata se de uma perspectiva justa provavelmente a única forma de levar a termo um esforço internacional é também a mais aceita pelos historiadores da África tanto na própria África quanto no ultramar Para os africanos o conhecimento do passado de suas próprias sociedades representa uma tomada de consciência indispensável ao estabelecimento de sua identidade em um mundo diverso e em mutação Ao mesmo tempo longe de ser considerada uma custosa fantasia que pode ser posta de lado até que estejam sob controle os elementos prioritários do desenvolvimento a história da África revelou se nos últimos decênios um elemento essencial do desenvolvimento africano É por esta razão que na África e em outros lugares a primeira preocupação dos historiadores foi ultrapassar os vestígios da história colonial e reatar os laços com a experiência histórica dos povos africanos Outros capítulos e outros volumes tratarão desses reencontros da história enquanto tradição viva e desabrochar constante do papel dos conhecimentos históricos na elaboração de novos sistemas de educação para servir à África independente Este capítulo tratará do significado no exterior da história da África inicialmente aos olhos da comunidade internacional dos historiadores e em seguida para o conjunto do grande público cultivado O fato de a história da África ter sido deploravelmente negligenciada até os anos 50 é apenas um dos sintomas no domínio dos estudos históricos Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral P D Curtin 38 Metodologia e pré história da África de um fenômeno mais amplo A África não é a única região a possuir uma herança intelectual da época colonial que deve ser transcendida No século XIX os europeus conquistaram e subjugaram a maior parte da Ásia enquanto na América tropical o subdesenvolvimento e a dominação exercida pelos povos de origem europeia sobre as populações afro americanas e indígenas reproduziram as condições do colonialismo nas próprias áreas onde as convenções do direito internacional apontavam um grupo de Estados independentes No século XIX e no início do século XX a marca do regime colonial sobre os conhecimentos históricos falseia as perspectivas em favor de uma concepção eurocêntrica da história do mundo elaborada na época da hegemonia europeia A partir daí tal concepção é difundida por toda parte graças aos sistemas educacionais instituídos pelos europeus no mundo colonial Mesmo nas regiões onde jamais se verificara a dominação europeia os conhecimentos europeus inclusive os aspectos da historiografia eurocêntrica impõem se por sua modernidade Hoje essa visão eurocêntrica do mundo praticamente desapareceu das melhores obras históricas recentes mas ela ainda predomina em numerosos historiadores e no grande público tanto ocidental quanto não ocidental1 Esta persistência deve se ao fato de que em geral aprendia se história na escola não havendo mais ocasiões para rever os conhecimentos adquiridos Os próprios historiadores especializados na pesquisa sentem dificuldades em se manter a par das descobertas estranhas a seu campo de atividade Comparados às últimas pesquisas os manuais estão de dez a vinte anos atrasados enquanto as obras de história geral conservam frequentemente os preconceitos antiquados de um saber em desuso Nenhuma interpretação nova nenhum elemento novo adquire sem luta direito à cidadania A despeito dos prazos que separam a descoberta de sua difusão os estudos de história atravessam em seu conjunto uma dupla revolução Iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial tal revolução ainda não acabou Trata se por um lado da transformação da história partindo da crônica para chegar a uma ciência social que trate da evolução das sociedades humanas por outro da substituição dos preconceitos nacionais por uma visão mais ampla Em favor destas novas tendências chegaram contribuições de todos os lados da própria Europa de historiadores da nova escola na África na Ásia e na América Latina dos europeus de ultramar da América do Norte e da Oceania 1 O termo Ocidente é empregado neste capítulo para designar as regiões do mundo culturalmente europeias ou cuja cultura deriva sobretudo da cultura europeia ele engloba portanto além da própria Europa as Américas a União Soviética a Austrália e a Nova Zelândia 39 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral Seus esforços para ampliar o quadro da história voltam se ao mesmo tempo para os povos e regiões até então negligenciados assim como para certos aspectos da experiência humana antes ocultos sob concepções tradicionais e estreitas da história política e militar Nesse contexto o simples advento da história africana já constitui em si uma preciosa contribuição Mas isso poderia simplesmente acabar criando mais uma história particularista válida em si e capaz de colaborar com o desenvolvimento da África mas não de trazer à história do mundo uma contribuição mais eloquente Não há dúvida de que o chauvinismo foi um dos traços mais profundamente marcantes da antiga tradição histórica Na primeira metade do século XX os bons historiadores mal começavam a se desfazer da antiga tendência em considerar a história como propriedade quase privada Dentro desse espírito a história de uma dada sociedade só tinha valor em si no exterior perdia toda significação No melhor dos casos o interesse manifestado pelos estrangeiros não passava de indiscrição no pior tratava se de espionagem acadêmica Esta insistência em se apropriar da história é particularmente marcante na tradição europeia do início do século XX As autoridades responsáveis pela educação tendem a considerar a história como uma história nacional não como uma história geral da Europa e menos ainda como uma visão do processo histórico mundial Mito confesso a história servia para forjar o orgulho nacional e a ideia de sacrifício pela pátria Lord Macaulay escreveu que ela era ao mesmo tempo um relato e um instrumento de educação política e moral2 Esperava se que inculcasse o patriotismo e não que inspirasse perspectivas justas sobre o desenvolvimento da humanidade Tal ponto de vista prevalece ainda na maioria dos sistemas educativos Alguns historiadores fizeram objeções uns em nome da ciência outros em nome do internacionalismo mas a maioria deles considerou normais os preconceitos nacionalistas por mais indesejáveis que fossem Na França é possível chegar à agregação de história possuindo apenas conhecimentos rudimentares sobre a Europa situada além das fronteiras francesas sem falar da Ásia da África ou da América Em várias universidades inglesas pode se obter um diploma em humanidades com menção honrosa tendo por base apenas a história inglesa O emprego da palavra inglês english em lugar de britânico british é intencional O estudante inglês tem toda a probabilidade de saber 2 MACAULAY Thomas Babington 1835 e 1971 Admissão sob concurso ao título de agrégé agregado que torna as pessoas aptas a serem titulares de uma cadeira de professor de colégio ou de certas faculdades 40 Metodologia e pré história da África mais sobre a história de Roma que sobre a do País de Gales da Escócia ou da Irlanda antes do século XVIII Levando em conta as variantes ideológicas o problema é praticamente o mesmo na Europa Oriental Somente os países europeus de menor importância os do grupo do Benelux ou da Escandinávia parecem ter mais facilidade em considerar a Europa como um todo Da mesma forma o método norte americano fundado como seus homólogos europeus na história da civilização é sempre etnocêntrico O problema que ele coloca é Como nos tornamos aquilo que somos e não Como a humanidade se tornou o que vemos hoje À medida que rejeitavam as tendências eurocêntricas de sua própria história nacional cabia aos historiadores de cada continente a tarefa de avançar em direção a uma história do mundo verídica na qual a África a Ásia e a América Latina tivessem um papel aceitável no plano internacional Essa tendência manifestava se particularmente nos historiadores cujos trabalhos tratavam de culturas diferentes das suas e nos historiadores africanos que se propunham a escrever sobre a Ásia ou a América Latina nos europeus e nos norte americanos que começavam a interpretar a história da África ou da Ásia em proveito dos povos desses continentes esforçando se para ultrapassar os preconceitos eurocentristas No âmbito desse esforço geral o papel dos historiadores da África na própria África e fora dela assumia particular importância provavelmente pelo fato de a história africana ter sido mais negligenciada que a das regiões não europeias equivalentes e porque os mitos racistas a desfiguraram ainda mais que a estas últimas Em razão de seu caráter multiforme o racismo é como se sabe um dos flagelos mais difíceis de extirpar Teorizado sob diversas formas desde o século XVI ele se encarnou na história de modo agudo chegando ao genocídio em certos períodos tráfico de negros Segunda Guerra Mundial Sobrevive ainda como um desafio monstruoso na África do Sul e em outras regiões apesar dos trabalhos da UNESCO3 e de outras instituições para demonstrar sua natureza irracional Mas a cura dos preconceitos é demorada pois o racismo se espalhou de forma difusa e imanente nos manuais escolares nos filmes e programas de rádio e televisão facciosos e na presença de dados psíquicos mais ou menos conscientes trazidos às vezes pela educação religiosa e com mais frequência ainda pela ignorância e pelo obscurantismo Nessa batalha o ensino científico da história dos povos constitui a arma estratégica decisiva A partir do momento 3 Cf capítulo 10 notas sobre Raças e história na África 41 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral em que o racismo pseudocientífico ocidental do século XIX estabeleceu uma escala de valores levando em conta as diferenças físicas sendo a mais evidente dessas diferenças a cor da pele os africanos situaram se automaticamente na base dessa escala por serem os que mais se diferenciavam dos europeus que automaticamente outorgaram a si mesmos o nível mais alto Os racistas não cessavam de proclamar que a história da África não tinha importância nem valor os africanos não poderiam ser os autores de uma civilização digna desse nome e por isso não havia entre eles nada de admirável que não houvesse sido copiado de outros povos É assim que os africanos se tornaram objeto e jamais sujeito da história Eram considerados aptos a recolher as influências estrangeiras sem dar em troca a mínima contribuição ao mundo O racismo pseudocientífico exerceu sua influência máxima no início do século XX Após 1920 tal influência declinou entre os especialistas em ciências sociais e naturais e após 1945 virtualmente desapareceu dos meios científicos respeitáveis Mas a herança desse racismo perpetuou se Ao nível dos conhecimentos do homem comum o racismo alimentava se de um recrudescimento das tensões sociais urbanas que coincidiam com o aparecimento nas cidades ocidentais de um número cada vez maior de imigrantes de origem africana ou asiática Ele se apoiava na lembrança ainda viva na população das lições aprendidas na escola para os escolares de 1910 época em que o racismo pseudocientífico constituía a doutrina oficial da biologia a hora da retirada só deveria soar após 1960 Bem mais insidiosa ainda foi a sobrevivência das conclusões fundadas nas alegações racistas depois que estas perderam sentido O postulado a história da África não oferece interesse porque os africanos são uma raça inferior tornou se insustentável mas certos intelectuais ocidentais se recordavam vagamente de que a África não tem passado ainda que houvessem esquecido a razão Sob esta ou outra forma a herança do racismo não cessava de consolidar um chauvinismo cultural que considerava a civilização ocidental como a única verdadeira civilização No fim dos anos 60 sob o simples título Civilização a BBC apresentou uma longa série de programas consagrados exclusivamente à herança cultural da Europa Ocidental Sem dúvida de tempos em tempos outras sociedades eram consideradas civilizadas mas em meados do século o grau de alfabetização determinava a linha de demarcação entre a civilização e o resto Em grande parte iletradas na época pré colonial as sociedades africanas eram rebaixadas à categoria de primitivas No entanto a maior parte da África era de fato letrada no sentido de que uma classe de escribas sabia ler e escrever mas não certamente no sentido de uma alfabetização maciça que por toda parte havia sido um fenômeno pós industrial A Etiópia possuía sua antiga escrita em 42 Metodologia e pré história da África gueze Toda a África islâmica a África do Norte o Saara a franja setentrional da região sudanesa do Senegal ao Mar Vermelho e as cidades costeiras da costa oriental até o estreito de Moçambique havia utilizado a escrita árabe Antes mesmo da época colonial o árabe havia penetrado aqui e ali na floresta tropical através dos mercadores diula enquanto o português o inglês e o francês escritos serviam normalmente como línguas comerciais ao longo das costas ocidentais Apesar disso o chauvinismo cultural acompanhado pela ignorância conduzia as autoridades ocidentais a estabelecerem no limite do deserto a demarcação entre a alfabetização e o analfabetismo Reforçava se assim a desastrosa tendência em separar a história da África do Norte da história do conjunto do continente Entretanto a exclusão dos não civilizados do reino da história era apenas uma das facetas de um elemento bem mais importante da tradição histórica ocidental As próprias massas ocidentais eram atingidas por esta exclusão sem dúvida não em vista de manifestas prevenções de classe mas simplesmente em consequência do caráter didático da história uma vez que a apologia dos homens célebres era capaz de propor modelos a serem imitados No entanto não é por acaso que esses modelos eram em geral escolhidos entre os ricos e poderosos enquanto que a história se tornava o relato dos fatos e gestos de uma pequena elite Os tipos de comportamento que afetavam o conjunto da sociedade eram minimizados ou ignorados A história das ideias não era a história do que as pessoas pensavam era a história dos grandes desígnios A história econômica não era a história da economia ou dos comportamentos econômicos era a história de determinadas políticas econômicas governamentais importantes de certas firmas privadas de determinadas inovações na vida econômica Se os historiadores europeus se desinteressaram tão completamente por um amplo setor de sua própria sociedade como poderiam interessar se por outras sociedades ou por outras culturas Até aqui as duas tendências revolucionárias que se manifestam no interior dos recentes estudos históricos seguiram cursos estreitamente paralelos simplesmente porque a história eurocêntrica e a história das elites se alimentavam nas mesmas fontes Lentamente porém irá estabelecer se a aliança potencial entre os que trabalham para ampliar o campo de estudo da sociedade ocidental e os que se dedicam a dar um impulso maior às pesquisas históricas para além do mundo ocidental No início os dois grupos avançaram guardando certa distância um do outro A principal preocupação dos historiadores da África era desmentir a afirmação segundo a qual a África não possuía passado ou só possuía um passado sem interesse No primeiro caso o mais simples era para usar uma expressão popular pegar o touro a unha Aos que pretendiam que o continente africano não possuía nenhum passado os especialistas da África podiam opor a existência de 43 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral reinados e de vastos impérios cuja história política se assemelhava à da Europa nos seus primórdios As prevenções elitistas do público ocidental como também do público africano educado à moda ocidental podiam servir de meio de ação para demonstrar em última análise a importância da história africana Tratava se de um tímido início Era suficiente para resgatar os aspectos do passado da África que se assemelhavam ao do Ocidente sem ratificar os mal entendidos suscitados pelas divergências de cultura Poucos historiadores estavam convencidos até aí de que os impérios são em geral instituições duras e cruéis e não necessariamente um índice de progresso político Poucos se prontificavam a reconhecer por exemplo que uma das grandes realizações da África fora provavelmente a sociedade sem Estado fundada mais sobre a cooperação do que sobre a opressão e que o Estado africano se havia organizado de maneira a realmente apresentar autonomias locais Essa tendência a aceitar certas particularidades da historiografia clássica como primeiro passo para uma descolonização da história africana é comumente encontrada no estudo do período colonial nas áreas onde já existia uma história colonial oficial que tendia a acentuar as atividades europeias e a ignorar a parte africana Pior ainda tal história mostrava os africanos como bárbaros pusilânimes ou desorientados Seguia se que da Europa tinham vindo seres superiores que haviam feito o que os próprios africanos não teriam condições de fazer Mesmo no seu mais alto grau de objetividade a história colonial só outorgou aos africanos papéis secundários no palco da história Sem modificar em nada os papéis o primeiro esforço para corrigir essa interpretação limita se a modificar os julgamentos de valor De heróis a serviço da civilização em marcha os desbravadores governadores das colônias oficiais do exército tornam se cruéis exploradores O africano aparece como vítima inocente a quem se atribuem apenas atitudes passivas É sempre a um punhado de europeus que a África e sua história devem o que são Sem dúvida os europeus desempenharam às vezes os principais papéis durante o período colonial mas todas as revisões fundadas em novas pesquisas em nível local permitem minimizar a influência europeia tal como foi vista na história colonial publicada antes de 1960 Um segundo passo em direção à descolonização da história do período colonial se dá paralelamente à vaga de movimentos nacionalistas pela independência Eis que os africanos desempenham um papel na história é necessário trazê lo à luz do dia Os especialistas em ciência política que escreveram no período dos movimentos de independência derrubaram as 44 Metodologia e pré história da África barreiras4 Pouco depois sobretudo durante os anos 60 os estudiosos começaram a retroceder o tempo buscando as raízes da resistência e dos movimentos de protesto no início da época colonial e mais longe ainda nas primeiras tentativas de resistência ao jugo europeu5 Estes trabalhos sobre os movimentos de resistência e de protesto constituem uma importante contribuição para corrigir os desvios da história colonial mas ainda estamos longe de considerar a história da África com objetividade No último estágio a descolonização da história africana da época colonial deverá derivar de uma fusão da revolta contra o eurocentrismo e do movimento antielitista A revolução behaviorista já começou a influenciar a historiografia africana Trata se de uma influência ainda recente e limitada restando muito a ser publicado Certos historiadores porém começaram a buscar um método comum interdisciplinar que lhes permita iniciar o estudo da história da agricultura ou da urbanização a fim de se utilizarem das outras ciências sociais Outros começam a se interessar por pequenas áreas isoladas na esperança de que tais estudos de microcosmos revelem a trama da evolução de estruturas econômicas e sociais mais importantes e mais complexas6 A pesquisa modela arrojadamente seu caminho no domínio dos problemas peculiares à história econômica e religiosa mas a verdadeira descolonização da história africana está apenas no início Os progressos da história analítica que é também a história de campo baseada em investigações e questões colocadas nos próprios locais de pesquisa e não somente a consulta aos arquivos constituem um importante passo nessa direção A independência em relação aos arquivos se mostra tão essencial para o período colonial quanto para o período pré colonial cuja documentação é relativamente rara O problema da história colonial sempre foi que ao contrário do que se passou e se passa na Europa ou nos Estados Unidos os arquivos foram criados e alimentados por estrangeiros Os escritos incorporam necessariamente os preconceitos de seus autores seus sentimentos sobre eles mesmos sobre aqueles a quem governavam e sobre seus respectivos papéis É o caso da história da política interna da Europa ou dos Estados Unidos na qual o preconceito é apenas pró governamental No mundo colonial o historiador corre o risco de chegar a resultados desastrosos se negligenciar por pouco que 4 Consultar por exemplo HODGKIN T 1956 APTER D 1955 COLEMAN J S 1958 JULIEN C A 1952 5 Ver por exemplo SHEPPERSON G e PRICE T 1958 RANGER Y O 1967 ILIFFE J 1969 ROTHBERG R e MAZRUI A A 1970 PERSON Y 1968 6 Ver HILL P 1963 45 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral seja a possibilidade de levar em conta outro ponto de vista que ele pode obter através de testemunhos orais de pessoas que viveram sob o domínio colonial É provável que no que se refere a técnicas recentes os historiadores da África estejam atrasados em relação e outros colegas no entanto quanto à utilização das tradições orais da época pré colonial mais ainda que da colonial eles realizaram um trabalho pioneiro Esse trabalho divide se em dois períodos Entre 1890 e 1914 uma geração de administradores letrados então a serviço das potências coloniais começou a assegurar a conservação das tradições orais de importância histórica O segundo período remonta ao início dos anos 60 O decênio 1950 1960 terminou com a opinião formulada em 1959 por G P Murdock segundo ele era impossível confiar nas tradições orais indígenas7 A década seguinte abriu se com a publicação de Jan Vansina Oral tradition A study in historical methodology Ela indicava quais os controles e as críticas necessários para a utilização científica das tradições orais Os trabalhos históricos recentes baseados na tradição oral geralmente utilizada em conjunto com outras fontes de documentação podem ser considerados um sucesso notável8 O seminário de Dacar organizado em 1961 pelo International African Institute sobre o tema O historiador na África tropical e o de Dar es Salam em 1965 sobre o tema Novas perspectivas sobre a história africana acentuaram vigorosamente a necessidade de novos enfoques sublinhando o papel insubstituível da tradição oral como fonte da história africana assim como todo o partido que o historiador pode tirar da linguística e da arqueologia informada pela tradição oral Graças a seus trabalhos sobre a época pré colonial os historiadores da África já influenciaram as outras ciências sociais Tal influência se faz sentir em diversos planos Acima de tudo foram eles que impuseram o reconhecimento do fato de que a África tradicional não permaneceu estática Economistas especialistas em ciências políticas sociólogos todos tendem a estudar a modernização referindo se aos critérios antes e depois antes aplicado à sociedade tradicional considerada como virtualmente sem mudanças depois ao processo de modernização que implicou uma transformação dinâmica da imagem anterior Observadores da evolução os historiadores estavam à espera das mudanças que não cessam de ocorrer nas sociedades humanas Suas pesquisas dos últimos 7 MURDOCK G P 1959 p 43 8 Ver por exemplo VANSINA J 1973 KENT R K 1970 COHEN D W 1972 o estudo de E J ALAGOA resumido em parte no seu capítulo The Niger Delta States and their Neighbours 1609 1900 In History of West Africa de J F A AJAYI e M CROWDER 2 v Londres 1971 I 269 303 A ROBERTS 1968 Nairóbi NIANE D T 1960 Présence Africaine 46 Metodologia e pré história da África decênios provaram que na África pré colonial instituições costumes modos de vida religiões e economias mudaram tão rapidamente quanto em outras sociedades entre as revoluções agrícola e industrial O ritmo não é tão rápido quanto o ritmo pós industrial que não deixa de afetar a África de hoje mas o imobilismo do passado tradicional não ocorreu em parte alguma Foi aos antropólogos que a utilização de uma base de um ponto de partida tradicionais colocou os problemas mais sérios Desde os anos 20 a maioria dos antropólogos de língua inglesa trabalhou a partir de um modelo de sociedade que permite destacar o papel desempenhado por cada um dos elementos constitutivos para manter o conjunto das atividades do todo Eles reconheciam que as sociedades africanas que puderam examinar haviam mudado muito desde o início do regime colonial fato que consideravam prejudicial a sua demonstração A seus olhos era conveniente restabelecer o quadro concentrando se num único período tomado ao acaso no passado imediatamente anterior à conquista europeia Eles sustentavam que era possível descobrir a natureza dessa sociedade tradicional destacando os dados das observações atuais e abstraindo tudo o que se assemelhasse a influência exterior O resultado foi o presente antropológico Tal enfoque funcionalista deve muito a Bronislaw Malinowski que dominou a antropologia britânica na segunda e na terceira década deste século Ele contribuiu de modo significativo para a compreensão do funcionamento das sociedades primitivas e os funcionalistas conseguiram outros importantes progressos graças a um método que não se limitava ao questionamento de informantes mas valia se sobretudo da observação participante e da exploração cuidadosa e prolongada do local de pesquisa No entanto toda medalha tem seu reverso Os antropólogos partiram em busca de sociedades primitivas de ilhotas culturais subvertendo as ideias ocidentais sobre a civilização africana Disto resultaram graves lacunas na documentação relativa às sociedades africanas maiores e mais complexas e consequentemente uma nova contribuição ao mito de uma África primitiva Seu esforço para abstrair o presente antropológico do presente real contribuiu para reforçar a convicção de que na África a mudança vinha obrigatoriamente do exterior desde que suas hipóteses pareciam negar qualquer evolução às sociedades africanas até a chegada dos europeus Seu esforço para imobilizar a sociedade testemunha a fim de descrever seu funcionamento básico os levou geralmente a esquecer que esta sociedade que para fins de análise estavam tratando como estática não o era na realidade Acima de tudo tal esforço iria impedi los de se interrogarem sobre as razões e os meios desta evolução o que acabaria por revelar um outro aspecto da sociedade examinada 47 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral Sem dúvida o funcionalismo teria apesar de tudo seguido seu curso sem o impacto da disciplina histórica Ele sofreu a influência dos estudos sobre a aculturação dos anos 40 e 50 enquanto Claude Lévi Strauss e seus discípulos tomavam uma outra direção nos decênios do pós guerra No que se refere à antropologia política e a certos aspectos da antropologia social porém os trabalhos dos historiadores do período pré colonial aclararam a dinâmica da evolução e contribuíram para dar um novo impulso à antropologia O estudo das religiões e das organizações religiosas africanas modificou se sob a influência das recentes pesquisas históricas Os primeiros pesquisadores da religião africana eram em sua maioria ou antropólogos em busca de um conjunto estático de crenças e práticas ou missionários que aceitavam o conceito de um presente antropológico ao estudar as religiões que esperavam suplantar Eles reconheciam o dinamismo inegável do Islã cuja difusão durante o período colonial foi ainda mais rápida que a do cristianismo Todavia os estudos mais importantes sobre o Islã foram patrocinados pelo governo francês na África do norte e na África ocidental com o objetivo de pôr em xeque uma eventual dissidência O tema desses estudos era menos a evolução no interior da religião que as organizações religiosas e seus chefes Nas últimas décadas diversos fatores e não apenas o trabalho dos historiadores contribuíram para dar um novo impulso ao estudo da evolução religiosa Os especialistas das missões se interessaram pelo progresso das novas religiões africanas fundadas sobre bases parcialmente cristãs assim como pelas igrejas independentes que se desligavam das missões europeias Os antropólogos apaixonados pela aculturação voltavam se para trabalhos similares e curiosos acima de tudo sobre o papel da religião nas rebeliões coloniais e nos movimentos de protesto os historiadores traziam também uma contribuição positiva Com referência ao período pré colonial eles foram levados a reconhecer igualmente a importância evidente e capital da reforma religiosa no conjunto do mundo islâmico Disso resultou uma tomada de consciência mais aguda da evolução das religiões não cristãs e não muçulmanas embora os especialistas das diversas ciências sociais tenham apenas começado a estudar as particularidades dessa evolução tão sistematicamente como elas o merecem Desse ponto de vista deve se destacar o interesse recente pelas religiões animistas bem como por suas associações frequentemente secretas que têm um papel histórico muitas vezes admirável Enquanto que para os especialistas das diversas ciências sociais parece possível estudar em conjunto e eficientemente a religião africana através de uma ampla troca de ideias e de métodos os trabalhos sobre as economias africanas permanecem totalmente isolados Da mesma forma que os historiadores da 48 Metodologia e pré história da África religião os especialistas em economia demonstraram nos últimos anos que os diferentes tipos de economia não paravam de evoluir e que essa evolução respondia tanto a estímulos de ordem interna quanto a influências de ultramar No entanto os economistas particularmente os especialistas em desenvolvimento econômico prosseguem seus trabalhos sem considerar a cultura econômica que tentam dominar Não só tendem a ignorar o mecanismo da evolução em curso mas muitos deles dão pouca atenção aos modelos estáticos dos antropólogos economistas Assim por exemplo para justificar a teoria do desenvolvimento econômico convinha assegurar ser a África em grande medida formada por economias de subsistência nas quais cada unidade familiar produz a quase totalidade dos bens e serviços de que necessita Esse ponto de vista foi defendido principalmente por Hla Myint em meados da década de 60 ao mesmo tempo que a teoria do desenvolvimento econômico vent for surplus baseada na liberação dos recursos e dos meios de produção insuficientemente empregados9 Na realidade nenhuma comunidade da África pré colonial supria inteiramente suas próprias necessidades sem se dedicar a algum comércio e eram numerosas as sociedades africanas que possuíam complexas redes de produção e exportação dirigidas às necessidades de seus vizinhos Na orla do Saara numerosas tribos pastoris obtinham a metade se não mais de seu consumo anual de calorias trocando os produtos de sua criação por cereais Outras produziam e vendiam regularmente os excedentes agrícolas o que lhes permitia adquirir certos gêneros exóticos sal gado manteiga de Galam noz de cola tâmaras O erro que se dissimula sob o quadro de uma economia africana estática é se bem entendido o mito eterno da África primitiva erro reforçado pela tendência dos antropólogos em escolher as comunidades mais simples e sua antiga propensão a abstrair o tempo em suas concepções Os economistas e antropólogos que estudaram a economia africana in loco ressaltaram evidentemente a importância do comércio na África pré colonial Alguns notaram que as economias africanas evoluíram rapidamente antes da chegada maciça dos europeus Todavia distanciando se da linha de pensamento ortodoxo um grupo sublinhou mais as diferenças que as semelhanças entre as culturas econômicas Os membros desse grupo às vezes denominados substantivistas em razão de sua insistência em estudar a natureza substantiva da produção e do consumo e também de seu esforço para relacionar a forma como o homem satisfaz suas necessidades materiais ao quadro mais amplo de 9 MYINT H 1964 49 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral uma sociedade particular e não a uma teoria oficial tentaram provar que a teoria econômica não é aplicável ao domínio de suas pesquisas10 Como resultado estabeleceu se um verdadeiro abismo entre os economistas do desenvolvimento que trabalhando sob a inspiração de teorias macroeconômicas prestam pouca atenção às realidades econômicas do momento e os substantivistas que desprezam as teorias contrárias Até agora os especialistas em história da economia não preencheram o abismo assim como não exerceram sobre as ideias relativas à África uma influência comparável à que os historiadores tiveram sobre a antropologia ou sobre o estudo das religiões A história africana caminhou a largos passos especialmente nós últimos anos para lançar métodos novos e cobrir zonas não suficientemente exploradas Mas ela não tirou proveito suficiente dos novos caminhos abertos em outros lugares Ela não respondeu tão rapidamente quanto outras disciplinas ao desafio da revolução behaviorista nem aproveitou as possibilidades admiráveis da história quantitativa tanto em matéria política quanto no domínio da econometria No curso das explorações sobre o passado da África realizadas com impulso cada vez maior a irradiação da nova história africana foi obra de um grupo de historiadores profissionais que fizeram dessa história o objeto principal de seu ensino e de seus escritos Se no mundo ocidental o conhecimento da história da África foi tão menosprezado mesmo em relação à historiografia da Ásia ou da América Latina é porque era obra de historiadores amadores pessoas que tinham outras atividades profissionais mas não uma posição estabelecida no mundo universitário e que portanto não tinham possibilidade de influenciar os meios historiográficos em nenhum país ocidental Alguns trabalhos de pesquisa sobre a África eram realizados nos institutos da Escandinávia ou da Europa central e oriental desde antes da Segunda Guerra Mundial Mas eles permaneciam marginais no programa geral do ensino superior e desse modo não contribuíam para a formação de historiadores As únicas exceções são representadas pela egiptologia e por certos aspectos do passado da África do norte na época romana Para o restante antes de 1950 contam se poucos profissionais entre os historiadores da África Há administradores coloniais e missionários há também clérigos e religiosos africanos que empregam uma das línguas internacionais Carl Christian Reindorf da Costa do Ouro Samuel Johnson para os Ioruba ou o xeque Moussa Kamara do Senegal cujo Zuhur ul Basatin fi Tarikh is Sawadin não está ainda inteiramente publicado e apenas começa a ser 10 Para um resumo apropriado da posição ver DALTON G 1968 50 Metodologia e pré história da África consultado por outros historiadores11 Certos antropólogos voltaram se também para temas históricos mas na África antes de 1950 nenhuma universidade propunha ainda um programa satisfatório de especialização em história africana em nível de graduação Em 1950 não houve nenhum historiador profissional que se dedicasse exclusivamente a escrever a história africana e a ensiná la Vinte anos depois cerca de quinhentos historiadores com doutorado ou qualificação equivalente elegeram a história da África como atividade principal A rapidez com que essa evolução ocorreu é surpreendente Retrospectivamente ela pode ser muito bem explicada Na África na Europa na América do Norte e em cada continente por diferentes razões a conjuntura política intelectual e universitária revelou se particularmente favorável ao aparecimento de uma plêiade de historiadores profissionais cujo trabalho se orientava para a África Nesse continente a partir do fim dos anos 40 a necessidade era maior à medida que se podia prever um movimento cada vez mais acelerado em direção à independência ao menos para a maior parte da África do norte e do oeste Depois de 1950 a fundação de novas universidades criava a necessidade de uma história renovada da África considerada de um ponto de vista africano em princípio ao nível da universidade e passando pelos estabelecimentos de formação pedagógica atingindo a escola em geral Entre os pioneiros desse enorme esforço de reeducação devemos citar K Onwuka Dike o primeiro de uma nova geração de historiadores africanos a ultrapassar as etapas de uma formação pedagógica normal feita na Universidade de Londres Historiadores estrangeiros aderem ao movimento J D Fage da Universidade de Gana Costa do Ouro na época J D Hargreaves de Forah Bay em Serra Leoa Christopher Wrigley e Cyril Ehrlich no Makerere College Na África de fala francesa delineou se progressivamente um movimento paralelo Nos antigos territórios franceses as universidades continuaram muito tempo depois da Independência dos respectivos países a depender do sistema francês Em consequência conservaram as tradições históricas francesas Todavia alguns pioneiros se orientavam para uma história da África Neste sentido notáveis contribuições foram oferecidas por Amadou Mahtar MBow no Senegal por Joseph Ki Zerbo no Alto Volta pelo padre Engelbert Mveng em Camarões Desde o início dos anos 50 os historiadores vindos do exterior e estabelecidos na África de língua francesa que teriam um papel dominante nas universidades dedicaram se à pesquisa Desde então Jan Vansina que iria contribuir para o ensino da história africana na universidade de Lovanium 11 JOHNSON S 1921 REINDORF C 1899 KAMARA M 1970 51 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral trabalhava nas instituições de pesquisa do governo belga no Congo e em Ruanda No IFAN em Dacar Raymond Mauny futuro professor de história africana na Sorbonne dedicava se à pesquisa sobre a África ocidental Yves Person ainda administrador colonial começava as investigações que originariam em 1968 sua tese sobre Samori e lhe permitiriam contribuir para a introdução da história da África nas universidades de Abidjan e Dacar Presença Africana através de sua revista e dos dois grandes congressos de Escritores e Artistas Negros realizados em Paris e Roma em 1956 e 1959 impulsionava vigorosamente tal processo Todas essas atividades caminhavam simultaneamente ao desenvolvimento na própria África de estudos históricos africanos Neste reencontro da história da África com a história do mundo o momento capital é aquele em que progride nos outros continentes o estudo da história africana progressos paralelos no tempo aos da história da África nas universidades africanas Em 1950 Roland Oliver começou a ensinar história africana na escola de estudos orientais e africanos da Universidade de Londres Na União Soviética D A Olderogge e seus colegas do Instituto Etnográfico de Leningrado inauguravam um programa sistemático de pesquisas que culminou algum tempo depois com a publicação de toda a documentação conhecida sobre a África subsaariana do século XI em diante nas línguas da Europa oriental com tradução e notas em russo12 Durante esse mesmo decênio foi criada na Sorbonne a primeira cadeira de História Africana logo havia duas a do antigo governador das colônias Hubert Deschamps e a de Raymond Mauny Por seu lado Henri Brunschwig assumia a direção das pesquisas sobre a história africana na Ecole Pratique des Hautes Etudes enquanto Robert Cornevin publicava a primeira edição de seu resumo da História da África várias vezes revista e completada desde então Para além da Europa e da África os progressos eram mais lentos na própria Europa a história africana só foi admitida inicialmente nos cursos universitários dos países colonizadores Nas Américas onde uma grande parte da população é de origem africana poderíamos esperar manifestações de interesse No entanto por mais importantes que fossem os vestígios culturais africanos nem o Brasil nem as Caraíbas deram a atenção merecida ao assunto No Haiti alguns intelectuais demonstraram solicitude com relação à cultura local baseada num africanismo datado dos primeiros trabalhos do Doutor Price Mars 1920 Em Cuba sentia se forte influência da cultura afro cubana entre certas personalidades do mundo Institut Fondamental dAfrique Noire N do T 12 KUBBEL L E e MATVEÏEV V V 1960 e 1965 52 Metodologia e pré história da África das letras entre outras Nicolas Guillen Todavia tal como no Brasil a simpatia manifestada pela cultura afro americana não suscitou interesse pela África nem por sua história Nas Antilhas britânicas a descolonização inclusive a descolonização da história local beneficiou se de maior prioridade no entanto mesmo depois de 1960 o pan africanismo político não teve ressonância histórica entre os intelectuais das Antilhas O interesse era ainda menor nos Estados Unidos antes de 1960 o pouco que existia estava concentrado sobre a África do norte De acordo com uma pesquisa recente foram apresentadas até 1960 inclusive 74 teses de doutorado relativas à história africana Trata se de um número surpreendente mas enganador A maioria dessas teses refere se à África do norte e é obra de historiadores especializados em história ou arqueologia clássicas na história da África do norte e do Oriente Médio ou ainda o mais frequente na colonização ultramarina europeia Só o acaso ou quase permitiu que os temas de tese se referissem à África Dos que haviam escolhido como tema a história colonial poucos se tornaram verdadeiros especialistas em África Entre os pioneiros encontra se Harry R Rudin em Yale Desde os anos 30 ele havia publicado ensaios sobre a história da colonização alemã na África depois de 1950 seu interesse pela África não parou de crescer Os afro americanos formavam um grupo ainda mais importante W E B Dubois interessara se pela África desde o início de sua carreira embora só tenha podido dedicar se a esse estudo quando se aposentou e emigrou para Gana Bem antes dele em 1916 Carter G Woodson havia fundado The Journal of Negro History Na verdade a publicação era mais afro americana do que africana mas a história africana figurava oficialmente na sua óptica e podiam se encontrar nele de tempos em tempos artigos sobre o passado da África Entretanto o verdadeiro apóstolo da história da África foi William Léo Hansberry da Universidade de Howard que desenvolveu uma campanha solitária pela inclusão da história da África no programa de ensino das universidades americanas e estando ainda em vigor a segregação especialmente dos colégios com grande maioria negra nos Estados do sul Assim em graus diversos as condições que assegurariam a difusão da história africana fora da África existiam antes de 1960 Próxima a esta data a conquista da independência na África do norte e na África tropical assegurou no resto do mundo um renovado interesse pelo continente além de ter suscitado a curiosidade popular curiosidade voltada mais para o passado que para o presente ou o futuro da África Entretanto em vários lugares os progressos da história africana eram decepcionantes Apesar da importância política dada à unidade africana era imperceptível o avanço das universidades e dos estudantes 53 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral da África do norte em direção a uma concepção mais continental do estudo de seu próprio passado O Magreb aderia fortemente ao mundo mediterrâneo ao mundo muçulmano ao mundo intelectual de língua francesa cujo centro ainda era Paris Esses três mundos eram suficientes para mobilizar toda a atenção do público letrado Diversas vezes os porta vozes oficiais egípcios ressaltaram ser o Egito tão africano quanto árabe e muçulmano mas os estudos históricos no Egito eram frutos sobretudo do espírito de paróquia enquanto a barragem de Assuã e os trabalhos das equipes arqueológicas internacionais na Núbia chamavam a atenção para o Nilo Superior Espírito de paróquia era também e mais ainda a característica dos estudos históricos na África do Sul O controle político exercido pela população de origem europeia na República da África do Sul não diminuía Nas universidades a história africana passava mais ou menos despercebida a história era a da Europa e da minoria europeia da África do Sul Com The Oxford History of South Africa 1969 1971 a óptica se ampliou a ponto de incluir a maioria africana mas um dos autores o historiador Leonard Thompson não lecionava mais na África do Sul e ainda que apaixonada pela história a outra Monica Wilson era uma antropóloga Em Zimbabwe por volta de 1960 havia a tendência à inclusão de um apanhado geral da história africana nos estudos de história mas a declaração unilateral de independência da minoria branca em relação à Grã Bretanha alteraria o curso das coisas Fato curioso Zimbabwe produziu uma porcentagem mais elevada de estudantes de história da África do que a África do Sul No entanto a maioria teve de prosseguir o exercício de sua profissão no exílio A África tropical foi o primeiro centro de estudo da história da África no continente africano e lá se realizaram os progressos mais notáveis na primeira década após a Independência A história africana já fazia parte do programa de ensino das universidades dessa região mas tratava se agora de encontrar um equilíbrio apropriado entre a história local regional africana e mundial Resumindo tratava se de descolonizar o conjunto do programa de história e não apenas de lhe adicionar um componente africano Foi na África de língua inglesa que ocorreram as maiores mudanças as rígidas normas instituídas pelos europeus abrandaram se mais rapidamente nesses países que nos de língua francesa O ensino da história da Grã Bretanha e de seu império cedeu lugar a outros temas a história do Império Britânico tendeu a desaparecer completamente e a da Grã Bretanha a se fundir com a da Europa No que se refere ao ensino da história da Europa a nova corrente que se esboçou tendeu a subordinar as diferentes histórias nacionais ao estudo dos grandes temas que transcendem as fronteiras como a urbanização ou a 54 Metodologia e pré história da África Revolução Industrial Ao mesmo tempo os historiadores começaram a se interessar também pela história de outras regiões a do mundo islâmico ao norte insistindo particularmente na sua influência ao sul do Saara a da América Latina ou do Sudeste Asiático porque elas poderiam recuperar certos aspectos da experiência africana a do Leste Asiático onde o crescimento econômico do Japão constituía um exemplo do qual a África poderia tirar ensinamentos O impacto da história africana proporcionou assim uma reorientação geral no sentido de uma concepção do mundo e de seu passado verdadeiramente afrocêntrica sem se interessar exclusivamente pela África e pelos africanos como a velha tradição europeia se interessava apenas pelos europeus mas no quadro de uma Weltanschauung da qual a África e não a Europa constitui o ponto de partida Esse objetivo não foi ainda completamente atingido mesmo nas mais avançadas universidades de língua inglesa Será necessário um certo tempo para formar uma geração de historiadores africanos inovadores que explorem novos caminhos escolhidos por eles mesmos As universidades de língua francesa estão um decênio atrasadas em Abidjan Dacar e Lubumbashi herdeira de Lovanium no domínio da história as mais antigas universidades de língua francesa só a partir do início da década de 70 é que o corpo de professores de história passou a ser composto majoritariamente por africanos ao passo que essa evolução havia ocorrido desde o início dos anos 60 nas mais antigas universidades de língua inglesa Agora que os historiadores africanos possuem seu lugar nas universidades de língua francesa pode se prever um reajustamento semelhante das concepções da história mundial Mas já a partir de 1963 se realizou a reforma dos programas de história nas escolas secundárias dos países de língua francesa Ela seria imediatamente seguida pela reforma dos programas dos estudos históricos universitários de acordo com o programa do CAMES Conselho Africano e Malgaxe para o Ensino Superior O impacto da história africana sobre a pesquisa e o ensino de história na Europa ocidental está ligado à antiga relação colonial Essa é uma das razões pelas quais a França e a Inglaterra constituíram os principais centros europeus de estudo da história africana Todavia também em outros lugares se registraram progressos no ensino da história africana em particular na Tchecoslováquia e na Polônia assim como na União Soviética onde ela é sistematicamente ensinada na Universidade Patrice Lumumba de Moscou cuja missão específica consiste em formar estudantes africanos Em outros lugares especialistas solitários prosseguem pesquisas em diferentes centros universitários sendo que isso ocorre de forma mais sistemática nos institutos de pesquisa que seguem a tradição alemã de organização universitária Os pesquisadores que se dedicam à África estão 55 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral portanto um pouco isolados o que poderia contribuir para explicar por que os estudos históricos continuam a não ceder nenhum lugar à África em numerosas universidades europeias exceto na Inglaterra e na França Também nestes países a tradição geral dos estudos históricos se inspira num espírito de campanário mas a formação de administradores coloniais teve aí um peso particular A partir de 1955 aproximadamente começou o processo de repatriação desses administradores e muitos deles iniciaram uma nova carreira de historiadores dos países onde haviam exercido suas funções Esse foi o caso da França principalmente como demonstra o exemplo dos professores Deschamps e Person Para esse país assim como para a Inglaterra a criação e o crescimento de novas universidades africanas que datam dos anos 50 abriram a possibilidade de empregos na África Jovens historiadores escolheram temas africanos para sua aprendizagem de pesquisa ou começaram a se interessar pela história africana quando foram lecionar na África Em seguida nos anos 60 e 70 esses historiadores estrangeiros foram progressivamente substituídos por africanos e voltaram a lecionar na ex metrópole muitas vezes depois de terem passado oito ou dez anos na África Nem todos voltaram a ensinar a história africana mas o número total dos que o fizeram é significativo O número dos historiadores vindos das universidades africanas que entraram nas universidades britânicas entre 1965 e 1975 situa se provavelmente entre sessenta e setenta o que representa em torno de 8 a 10 dos historiadores que passaram a trabalhar nas universidades britânicas nesse período Em 1974 três cadeiras de História Moderna expressão que designava tradicionalmente a história da Grã Bretanha moderna estavam ocupadas por historiadores cujos principais trabalhos de pesquisa tinham sido dedicados à África É ainda muito cedo para determinar a influência que tal retorno da África terá sobre as tradições históricas britânicas em geral mas provavelmente será considerável Na França observa se um fenômeno semelhante ainda que os números correspondentes sejam um pouco mais baixos e que os professores vindos da África constituam uma porcentagem menor do recrutamento para o ensino universitário Uma nova geração de historiadores começou a se interessar pela África Em Paris tanto nas diferentes universidades quanto no Centro de Estudos Africanos que é interuniversitário um certo número de especialistas em história sociologia e arqueologia trabalharam muito tempo nas universidades africanas com as quais continuam mantendo estreitas relações A situação é semelhante em Aix Bordeaux e Lyon Paralelamente as universidades britânicas e francesas asseguraram a formação de historiadores africanos encarregados de substituir os 56 Metodologia e pré história da África estrangeiros que voltavam para a Europa13 Nesse sentido instituições como a School of Oriental and African Studies SOAS de Londres e secções esparsas da Sorbonne e das grandes escolas em Paris tiveram um papel especial Na SOAS por exemplo 58 dos que obtiveram doutorado entre 1963 e 1973 começaram lecionando na África menos de 20 do total eram britânicos e somente 13 tiveram seu primeiro cargo numa universidade britânica14 Isso diminuiu em parte o impacto direto da SOAS instituição que congrega o mais importante grupo de historiadores da África já reunido no mundo por uma universidade sobre a educação britânica Sua influência indireta porém foi considerável Além da SOAS as universidades de Birminghan Sussex e Edimburgo reservaram entre seus programas um papel especial à história africana e pelo menos outras oito dispõem de um especialista em história africana que leciona regularmente essa matéria a estudantes de graduação Esse nível particular de desenvolvimento na Grã Bretanha talvez fosse previsível levando em conta os interesses colonialistas e neocolonialistas deste país em relação às estruturas universitárias africanas Em compensação o enorme crescimento da pesquisa sobre a história da África na América do Norte durante os anos 60 era completamente inesperado já que os historiadores dos Estados Unidos pareciam não tratar equitativamente nem a história dos afro americanos de sua própria sociedade A numerosa minoria de descendentes de africanos presente nos Estados Unidos desde suas origens não havia suscitado um interesse notável pela África mesmo entre a maior parte dos afro americanos De resto o impulso repentino dos estudos sobre a história africana pode ser observado tanto no Canadá como nos Estados Unidos embora o Canadá não tenha governado uma parte da África como a Grã Bretanha nem conte entre seus habitantes com uma minoria afro americana importante como ocorre com os Estados Unidos Antes de 1960 a história da África mal era ensinada na América do Norte Em torno de 1959 pouco depois de sua fundação o African Studies Association só contava com 21 membros residentes nos Estados Unidos ou no Canadá que poderiam ser considerados historiadores Entre esses menos da metade ocupava cargos universitários que os obrigassem a consagrar o tempo disponível à história da África Por outro lado o Primeiro Congresso Internacional de Africanistas 13 Agradeço ao professor J F Ade AJAYI da Universidade de Lagos e aos professores J D FAGE e Roland OLIVER pelas informações que me forneceram a respeito do impacto da história africana sobre a história em geral na Europa e na África respectivamente No entanto deve ser atribuído a mim qualquer erro fatual ou de avaliação que este texto porventura apresente 14 OLIVER R African Studies in London 1963 1973 Comunicação não publicada distribuída no Terceiro Congresso Internacional de Africanistas Adis Abeba dezembro de 1973 57 Tendências recentes das pesquisas históricas africanas e contribuição à história em geral reuniu em Acra em 1962 cerca de oitocentos participantes diante dos quais o presidente Kwame Nkrumah no discurso inaugural descreveu em linhas gerais as responsabilidades da disciplina histórica para com a nova África A partir daí deu se a avalanche Em 1970 o número de norte americanos especializados em história ou arqueologia africanas aproximava se de 350 Alguns eram historiadores que haviam iniciado sua carreira numa outra disciplina qualquer antes de mudar de opinião a maioria porém era constituída por jovens estudantes que acabavam de sair do secundário Entre 1960 e 1972 as escolas americanas forneceram mais de 300 doutores PhD em história africana Entre eles há jovens africanos que pretendem retornar Alguns são europeus mas a grande maioria é formada por norte americanos A proporção de afro e euro americanos é igual à desses grupos no conjunto da população cerca de 10 nos Estados Unidos e bem menos no Canadá Dessa forma no quadro dos estudos históricos duas tendências contraditórias impulsionaram a difusão da história da África na América do Norte Das ideias da comunidade afro americana nasceu a sólida convicção de que a África era propriedade dos povos africanos e de seus descendentes estabelecidos em outros continentes exatamente como na Europa as histórias nacionais tinham se tornado propriedade de cada nação europeia Nesse sentido a diferença implícita entre os objetivos da história da África para os africanos e da história da África no contexto da história mundial se manifestava com clareza Diferença porém não significa conflito As duas histórias não são incompatíveis ainda que tenham optado por acentuar diferentes aspectos do passado Em consequência disso a tendência ao etnocentrismo em história foi mais seriamente abalada na América do Norte do que em outros lugares Em inúmeras escolas a velha história do mundo que não passava na realidade de uma história da civilização ocidental deu lugar nos anos 60 a novas tendências mais autênticas de situar a história numa perspectiva mundial em que a África foi colocada em relação de igualdade com outras grandes zonas culturais como o sul ou o leste da Ásia Numerosos departamentos de história de universidades norte americanas começaram a passar da antiga divisão entre história americana e europeia a uma divisão da história em três ramificações sendo que a terceira a do Terceiro Mundo se tornava igual às duas outras Essa evolução ainda não está terminada mas paralelamente à difusão da história africana na Grã Bretanha e na França e à reorientação do programa de ensino de história nas universidades africanas ela marca uma etapa no caminho que assegurará à história africana seu pleno impacto sobre a história em geral A longo prazo o êxito dependerá dos esforços conjuntos de especialistas africanos ao escreverem a história de suas próprias sociedades dos de historiadores não 58 Metodologia e pré história da África africanos que interpretam a história africana para outras sociedades e de uma ampliação das ciências sociais internacionais até o ponto em que os especialistas em outras disciplinas sejam obrigados a levar em consideração os dados africanos antes de arriscarem qualquer generalização sobre a vida das sociedades humanas C A P Í T U L O 4 59 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral As regras gerais da crítica histórica que fazem da história uma técnica do documento e o espírito histórico que pede o estudo da sociedade humana em sua caminhada através dos tempos são aquisições fundamentais utilizáveis por todos os historiadores em qualquer país O esquecimento desse postulado manteve durante muito tempo os povos africanos fora do campo dos historiadores ocidentais para quem a Europa era em si mesma toda a história Na realidade o que estava subjacente e não se manifestava claramente era a crença persistente na inexistência de uma história na África dada a ausência de textos e de uma arqueologia monumental Portanto parece claro que o primeiro trabalho histórico se confunde com o estabelecimento de fontes Essa tarefa está ligada a um problema teórico essencial ou seja o exame dos procedimentos técnicos do trabalho histórico Sustentados por uma nova e profunda necessidade de conhecer e compreender ligada ao advento da era pós colonial os pesquisadores fundaram definitivamente a história africana embora a construção de uma metodologia histórica ainda prossiga Setores imensos de documentação foram revelados permitindo aos pesquisadores formularem novas questões Quanto mais os fundamentos da história africana se tornam conhecidos mais essa história se diversifica e se constrói de diferentes formas de modo inesperado Há cerca de quinze anos produziu se uma profunda transformação dos instrumentos de trabalho e hoje Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral T Obenga 60 Metodologia e pré história da África se admite de bom grado a existência de fontes utilizadas mais particularmente para a história africana geologia e paleontologia pré história e arqueologia paleobotânica palinologia medidas de radiatividade de isótopos capazes de fornecer dados cronológicos absolutos geografia física observação e análise etno sociológicas tradição oral linguística histórica ou comparada documentos escritos europeus árabes hindus e chineses documentos econômicos ou demográficos que podem ser processados eletronicamente A variedade das fontes da história africana permanece extraordinária Dessa forma devem se buscar de forma sistemática novas relações intelectuais que estabeleçam ligações imprevistas entre setores anteriormente distintos A utilização cruzada de fontes aparece como uma inovação qualitativa Uma certa profundidade temporal só pode ser assegurada pela intervenção simultânea de diversos tipos de fontes pois um fato isolado permanece por assim dizer à margem do movimento de conjunto A integração global dos métodos e o cruzamento das fontes constituem desde já uma eficaz contribuição da África à ciência e mesmo à consciência historiográfica contemporânea A curiosidade do historiador deve seguir várias trajetórias ao mesmo tempo Seu trabalho não se limita a estabelecer fontes Trata se de se apropriar através de uma sólida cultura pluridimensional do passado humano Porque a história é uma visão do homem atual sobre a totalidade dos tempos A maioria dessas fontes e técnicas específicas da história africana extraídas das ciências matemáticas da física dos átomos da geologia das ciências naturais das ciências humanas e sociais estão amplamente descritas no presente volume Desse modo insistiremos aqui nos aspectos e problemas não desenvolvidos em outras partes Sem dúvida o fato metodológico mais decisivo desses últimos anos foi a intervenção das ciências físicas modernas no estudo do passado humano com as medidas de radiatividade dos isótopos que asseguram a apreensão cronológica do passado até os primeiros tempos do aparecimento do Homo sapiens teste do carbono 14 e das épocas anteriores a 1 milhão de anos método do potássio argônio Atualmente esses métodos de datação absoluta abreviam de modo considerável as discussões no campo da paleontologia humana e da pré história1 Na África os hominídeos mais antigos datam de 5300000 anos pelo método KAr Essa é a idade de um fragmento de maxilar inferior com um molar intacto de um 1 BIRDSELL J B 1972 p 299 61 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral hominídeo encontrado pelo professor Bryan Patterson em 1971 em Lothagam no Quênia Por outro lado os dentes de hominídeos encontrados nas camadas villafranchianas do vale do Omo na Etiópia meridional pelas equipes francesas Camille Arambourg Yves Coppens e americana F Clark Howell têm 2 a 4 milhões de anos O nível do Zinjanthropus nível I do célebre depósito de Olduvai na Tanzânia data de 1750000 anos sempre através do método do potássio argônio Assim graças ao isótopo potássio argônio a gênese humana do leste africano a mais antiga de todas no estágio atual dos conhecimentos constitui a gênese humana propriamente dita tanto mais que o monofiletismo é uma tese cada vez mais amplamente admitida hoje na paleontologia geral Em consequência os restos fósseis africanos conhecidos atualmente fornecem elementos decisivos para responder a esta questão primordial das origens humanas colocada de mil maneiras ao longo da história da humanidade Onde nasceu o homem Há quanto tempo As velhas ideias estereotipadas que colocavam a África praticamente à margem do Império de Clio estão agora completamente modificadas Os fatos postos em evidência através de várias fontes e métodos desde a paleontologia humana até a física nuclear mostram claramente ao contrário toda a profundidade da história africana cujas origens se confundem precisamente com as próprias origens da humanidade As informações obtidas de outras fontes as ciências da Terra por exemplo iluminam igualmente a história da África independentemente de qualquer documento escrito A vida e a história da população da bacia lacustre do Chade por exemplo seriam dificilmente compreensíveis sem a intervenção da geografia física É conveniente ressaltar o valor metodológico desse enfoque Com efeito a vida e os homens não se distribuem ao acaso na bacia do lago Chade que apresenta de forma esquemática o seguinte quadro hipsométrico uma planície central de acumulação situada entre 185 e 300 m de altitude em torno um anel bastante descontínuo de velhos planaltos desgastados cuja peneplanização foi às vezes camuflada por atividades vulcânicas recentes unindo esses planaltos de em média 1000 m de altitude e as zonas baixas de acumulação há encostas geralmente íngremes afetadas por uma erosão ativa num clima úmido É precisamente a zona de solos detríticos bastante leves que recebe a chuva a que apresenta a maior densidade demográfica ou seja de 6 a 15 habkm2 Sob o clima do Sahel ocorre ainda boa densidade nos aluviões fertilizados pelas infiltrações ou inundações do Chade Nos altos planaltos do leste e do sul Darfur e Adamaua de onde descem os tributários do lago a população reduz se a 1 habkm2 No 62 Metodologia e pré história da África norte já saariano a densidade diminui ainda mais O aspecto humano da bacia é por consequência estreitamente ligado a um problema de geografia física de geomorfologia que condiciona o desenvolvimento humano Dessa forma a civilização recuou diante do deserto Ela retrocedeu até o limite da área em que o milho miúdo e o sorgo podem ser cultivados sem irrigação na latitude aproximada do Neo Chade as culturas irrigadas de legumes tabaco trigo duro são feitas às margens do Logone e do Chari Agricultores pastores e pescadores vivem na zona meridional onde as águas flúvio lacustres fecundam as terras tornam verdes os pastos atraem periodicamente uma multidão de pescadores Ao contrário a erosão nas zonas desérticas setentrionais torna o solo instável e a vegetação precária caracterizada por arbustos espinhosos xerófilos Mas tais estruturas geomorfológicas condicionaram ainda outras atividades humanas Por exemplo as invasões dos conquistadores expulsaram várias vezes os agricultores autóctones dos planaltos salubres e das planícies férteis fazendo os recuar para as zonas inclinações ou cumes impróprias para a criação de gado Desse modo os Fulbé empurraram os Bum e os Duru para os terrenos menos férteis da Adamaua e os Kiroi do norte de Camarões para os terrenos graníticos do maciço montanhoso do Mandara Ora o trabalho nas terras dos declives outrora submersos é certamente rude e ingrato para estes povos mas é o que melhor corresponde a suas ferramentas precárias Por fim a presença periódica ou permanente de áreas palustres na zona de aluvião cria condições para a existência de imensa quantidade de mosquitos Anopheles gambiae Existem por outro lado focos da mosca tsé tsé Glossina palpalis às margens do Logone e do Chari nas formações higrófilas baixas de Salix e Mimosa asperata que cercam os depósitos recentes A malária e a doença do sono transmitidas por tais insetos transformam essas áreas em locais extremamente adversos Em resumo para ter uma visão concreta da vida humana na bacia do Chade que conheceu antes várias flutuações quaternárias devidas a alterações de clima o historiador deve necessariamente valer se de uma série de fontes e técnicas particulares extraídas das ciências da Terra e das ciências da vida já que a atual distribuição das populações seus movimentos migratórios passados suas atividades agrícolas pastoris etc são estreitamente condicionadas pelo meio ambiente O caso da bacia lacustre do Chade é apenas um exemplo entre outros Todas as vezes que a curiosidade científica se libertou de certos esquemas restritivos os resultados foram igualmente esclarecedores Entre os Nyangatom ou Bumi do vale do Omo próximos dos Turkana do noroeste do Quênia existe uma diferença imunológica notável manifesta nos exames de sangue dos homens testados 63 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral 300 indivíduos em 1971 e 359 em 1972 Tal diferença não era observável entre os sexos mas entre as aldeias que reúnem de 20 a 300 habitantes Essas aldeias cuja população vive de criação agricultura coleta caça e pesca obedecem a uma organização clânica rígida acentuada por uma distribuição em setores territoriais Mas não existe nessa sociedade nenhum chefe acima do membro mais velho Desse modo as diferenças originárias da organização social territorial dos Nyangatom projetam se na sorologia o mapa das reações dos soros aos antígenos arbovirais reproduz exatamente a distribuição territorial das populações testadas2 Esse exemplo de colaboração dinâmica entre o parasitólogo e o antropólogo pode ser de grande utilidade para o historiador É importante que ele saiba da existência desse material documental que pode revelar se pertinente na análise de comportamentos sexuais e no estudo do crescimento demográfico dos Nyangatom O problema heurístico e epistemológico fundamental permanece sempre o mesmo na África o historiador deve estar absolutamente atento a todos os tipos de procedimentos de análise para articular seu próprio discurso fundamentando se num vasto conjunto de conhecimentos Esta abertura de espírito é particularmente necessária quando se estudam períodos antigos sobre os quais não se dispõe nem de documentos escritos nem mesmo de tradições orais diretas Sabemos por exemplo que a base da agricultura para os homens do Neolítico era o trigo a cevada e o milhete na Ásia na Europa e na África e o milho na América Mas como identificar os sistemas agrícolas iniciais que surgiram há tanto tempo O que permitiria distinguir uma população de predadores sedentários de uma de agricultores Como e quando a domesticação das plantas se difundiu nos diversos continentes Quanto a isso a tradição oral e a mitologia prestam apenas uma pequena ajuda Unicamente a arqueologia e os métodos paleobotânicos podem dar uma resposta válida a tais questões importantes relativas a essa inestimável herança neolítica que é a agricultura A película externa do pólen é muito resistente ao tempo num solo favorável não ácido A paleopalinologia fornece uma análise microscópica de tais vestígios botânicos Os grãos de pólen fósseis podem ser recolhidos dissolvendo progressivamente uma amostra de terra com o emprego de ácidos quentes ácido fluorídrico ou clorídrico que eliminam o silício e o calcário sem atacar o pólen 2 Trabalhos de François RODHAIN entomologista e de Serge TORNAY etnólogo membros da missão francesa do Omo dirigida por M Yves COPPENS 1971 1972 64 Metodologia e pré história da África e em seguida os húmus orgânicos potássio O resíduo centrifugado e colorido é então colocado em gelatina restando ao operador apenas reconhecer e contar cada grão para construir uma tabela de porcen tagem Esta fornece o perfil polínico do sedimento estudado Dessa forma pode se detectar a presença da agricultura num sítio precisar a evolução da paisagem diagnosticar o clima através das variações da vegetação e determinar a eventual ação do homem e dos animais sobre a cobertura vegetal Tais análises permitiram revelar atividades de domesticação de plantas alimentícias na África atividades essas centralizadas em vários pontos e difundidas por diversas regiões O sorgo inicialmente domesticado na savana que se estende do lago Chade à fronteira entre o Sudão e a Etiópia o milho miúdo o arroz africano a voandzeia a ervilha forrageira o dendezeiro domesticado na orla das florestas o finger millet o quiabo e o inhame africano eram as principais plantas cultivadas na época As plantas americanas foram introduzidas há relativamente pouco tempo como atestam desta vez certas fontes escritas A mandioca por exemplo hoje o alimento básico de vários povos da África central penetrou o reino do Kongo pela costa atlântica só depois do século XVI Com efeito entre as plantas cultivadas no planalto de Mbanza Congo capital do reino a Relação de Pigafetta Lopez 1591 menciona apenas o luko isto é a Eleusine coracana cuja semente é originária das margens do Nilo na região em que este rio desemboca no segundo lago3 o masa ma Kongo uma gramínea que é uma espécie de sorgo o milho masangu ou ainda masa ma Mputu que é o menos apreciado e com o qual se alimentam os porcos4 o arroz loso que também não tem muito valor5 enfim a bananeira dikondo e o dendezeiro ba Fato menos conhecido as plantas africanas também se difundiriam para fora do continente É certo que algumas espécies africanas se expandiram para a Índia por exemplo e para outras regiões asiáticas embora em época tardia Com efeito as duas espécies de milho miúdo milhete e finger millet são comprovadas arqueologicamente na Índia por volta do ano 1000 antes da Era Cristã O sorgo só seria conhecido nessa região posteriormente porque o sânscrito não possui uma palavra para designá lo 3 PIGALETTA LOPEZ 1591 p 40 Venendo sementa dal fiume Nilo in quella parte dove empie il secondo lago 4 PIGAFETTA LOPEZ ibid Ed il maiz che è il più vile de tutti che dassi à porci 5 PIGAFETTA LOPEZ ibid il roso e in pocco prezzo 65 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral Na ausência de qualquer documento escrito ou tradição oral essas informações da arqueologia e da paleobotânica podem informar o historiador sobre a série de etapas que fizeram nossos ancestrais neolíticos passarem de uma economia de coleta a uma economia de produção Além disso esses fatos evidenciam por si mesmos um fluxo de relações entre as civilizações neolíticas e não um difusionismo Restos de cães porcos carneiros e cabras sugerem que a domesticação de animais começou nos centros neolíticos do Oriente Próximo mais ou menos na mesma época que a cultura das plantas entre 9000 e 8000 antes da Era Cristã A partir disso foi proposta uma cronologia teórica da domesticação dos diferentes grupos de animais De início os necrófagos como o cão em seguida os animais nômades como a rena a cabra e o carneiro e por fim os animais para os quais se impõe uma vida sedentária o gado grosso e os porcos Os animais que podem servir de meio de transporte como o cavalo o asno e a lhama teriam sido domesticados em último lugar Esta cronologia geral porém não se refere sempre à África O cavalo que como o boi e o asno desempenhou um papel de motor da história através dos tempos só aparece na África precisamente no Egito no fim da invasão dos hicsos cerca de 1600 antes da Era Cristã como atestam fontes iconográficas e da Sagrada Escritura Por volta do século XIII antes da Era Cristã ele foi transmitido como animal de guerra aos líbios e mais tarde no início do primeiro milênio aos núbios Com exceção das áreas atingidas pela civilização romana o resto da África só utilizaria amplamente o cavalo a partir das conquistas árabes na Idade Média Dois cavalos selados e arreados ladeados por dois carneiros faziam parte dos emblemas do rei do Mali de acordo com o relato do escritor Ibn Battuta 1304 1377 Quanto ao dromedário o camelo de uma corcova sua chegada à civilização africana também não é tardia Esse animal aparece de forma suficientemente clara numa pintura rupestre no Saara chadiano no século III antes da Era Cristã Os homens de Cambises o introduziram em 525 antes da Era Cristã no Egito onde ele desempenharia importante papel nas comunicações entre o Nilo e o mar Vermelho Sua penetração no Saara Ocidental ocorreu mais tarde De fato o camelo que é essencialmente um animal do deserto onde substitui com frequência o boi e o asno foi difundido no Magreb ao que parece pelas tropas romanas de origem síria Os berberes refratários à paz romana e a sua forma de organizar a posse da terra emanciparam se graças ao camelo Ele permitiu lhes estabelecerem se além do limes nas estepes e nos desertos Os negros 66 Metodologia e pré história da África sedentários dos oásis foram imediatamente repelidos para o sul ou reduzidos à escravidão Tendo em vista tudo o que foi exposto acima chega se a uma conclusão que constitui um avanço metodológico decisivo um vasto material documental rico e variado pode ser obtido a partir das fontes e técnicas baseadas nas ciências exatas e nas ciências naturais O historiador se vê obrigado a desenvolver esforços de investigação por vezes audaciosos Todos os caminhos que se abrem estão doravante entrelaçados O conceito de ciências auxiliares perde cada vez mais terreno nesta nova metodologia exceto se entendermos por ciências auxiliares da história as técnicas fundamentais da pesquisa histórica originárias de qualquer campo científico e que de resto não foram ainda totalmente descobertas De agora em diante as técnicas de investigação são parte da prática histórica e fazem com que a história se incline de forma concreta para o lado da ciência Dessa forma a história se beneficia das conquistas das ciências da Terra e das ciências da vida Todavia seu aparato de pesquisa e de crítica se enriquece sobretudo com a contribuição das outras ciências humanas e sociais egiptologia linguística tradição oral ciências econômicas e políticas Até hoje a egiptologia permanece uma fonte insuficientemente utilizada pela história da África É conveniente portanto insistir no assunto A egiptologia compreende a arqueologia histórica e a decifração dos textos Nos dois casos o conhecimento da língua egípcia é um pré requisito indispensável Esse idioma que permaneceu vivo durante cerca de 5000 anos se levarmos em consideração o copta apresenta se materialmente sob três escritas distintas Escrita hieroglífica cujos signos se dividem em duas grandes classes os ideogramas ou signos palavras por exemplo o desenho de um cesto de vime para designar a palavra cesto cujos principais componentes fonéticos são nb e os fonogramas ou signos sons por exemplo o desenho de um cesto do qual só se retém o valor fonético nb e que serve para escrever outras palavras diferentes de cesto mas que têm o mesmo valor fonético nb senhor nb tudo Os fonogramas por sua vez classificam se em trilíteros signos que combinam três consoantes bilíteros signos que combinam duas consoantes unilíteros signos que contêm uma só vogal ou consoante trata se nesse caso do alfabeto fonético egípcio Escrita hierática ou seja a escrita cursiva dos hieróglifos que apareceu em torno da III dinastia 2778 a 2423 é sempre orientada da direita para a esquerda e traçada com um cálamo sobre folhas de papiro ou fragmentos de 67 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral cerâmica e de calcário Teve uma duração tão longa quanto a dos hieróglifos o texto hieroglífico mais recente data de 394 Escrita demótica uma simplificação da escrita hierática surgiu em torno da XXV dinastia 751 a 656 deixando de ser usada no século V No plano estrito dos grafemas reconhece se uma origem comum entre a escrita demótica egípcia e a escrita meroítica núbia que veicula uma língua ainda não decifrada Considerando apenas esse nível do sistema gráfico egípcio já se colocam interessantes questões metodológicas Isso porque através de uma tal convenção gráfica dotada de fisionomia própria o historiador que se torna um pouco decifrador capta por assim dizer a consciência e a vontade dos homens de outrora já que o ato material de escrever traduz sempre um valor profundamente humano Com efeito decifrar é dialogar graças a um esforço constante de rigor e de objetividade Além disso a diversidade as complicações e as simplificações sucessivas do sistema gráfico egípcio constituem em si mesmas parte da história a história das decifrações uma das fontes essenciais de toda historicidade Assim com o sistema gráfico egípcio a África toma um lugar importante nos estudos gerais sobre a escrita vista como um sistema de signos e de intercomunicação humana6 O problema da difusão da escrita egípcia na África negra amplia ainda mais o aparato metodológico do historiador abrindo perspectivas totalmente novas à pesquisa histórica africana Os fatos que se seguem referem se a esse aspecto Os gicandi constituem um sistema ideográfico utilizado outrora pelos Kikuyu do Quênia Os pictogramas desse sistema oferecem notáveis analogias com os pictogramas egípcios Também a semelhança estrutural entre os pictogramas nsibidi do território dos Efik sudeste da Nigéria e os pictogramas egípcios foi reconhecida e assinalada desde 1912 por um especialista britânico P Amaury Talbot Muitos dos hieróglifos egípcios apresentam ainda um parentesco escritural claro com os signos da escrita mende do sul de Serra Leoa Fenômeno semelhante ocorre com a maioria dos signos da escrita loma do norte da Libéria Existe ainda uma indubitável conexão causal entre os hieróglifos egípcios e vários signos da escrita vai das proximidades de Monróvia Libéria A escrita dos Bamun de Camarões que inclui mais de dois sistemas gráficos também oferece analogias admiráveis externas é verdade com os hieróglifos do vale do Nilo Como no Egito os hieróglifos dogon bambara e bozo podem ser decompostos 6 DORLHOFER E 1959 68 Metodologia e pré história da África e portanto analisados Mas o fato mais significativo é que estes signos do oeste africano fazem com que as coisas e os seres escritos com sua ajuda tomem consciência de si mesmos concepção típica do poder transcendente da escrita que encontramos literalmente no Egito na grafia de certos textos relativos ao destino depois da morte Assim permanece grande a possibilidade de ver nascer e se desenvolver uma epigrafia e uma paleografia absolutamente desconhecidas até aqui e cujo objeto será o estudo rigoroso das relações mútuas entre as famílias escriturais da África negra O historiador tiraria proveito disso já que através da história da escrita e das decifrações surge a história dos homens responsáveis por essas grafias O exame dos sistemas gráficos é em si mesmo uma fonte preciosa da história O historiador porém que nunca deve perder o sentido do tempo não pode esperar revelações antigas dessas escritas em geral recentes Sua importância revela sobretudo a estranha profundidade temporal do impacto egípcio Aparentemente desaparecida desde 394 da Era Cristã a escrita egípcia nos apresenta sem descontinuidade diversos ressurgimentos do século XVII ao século XIX A ruptura entre a antiguidade e o passado recente da África não passa portanto de uma ilusão de nossa ignorância uma via subterrânea une de facto esses dois pólos Conhecer a escrita egípcia decifrar os textos é ter acesso direto à língua faraônica É recomendável que o historiador recorra sempre que possível aos textos originais pois as traduções mesmo as melhores raramente são irrepreensíveis O historiador que conhece a língua egípcia pode assim ler diretamente os numerosos e variados textos do Egito antigo estelas funerárias inscrições monumentais atas administrativas hinos religiosos obras filosóficas tratados de medicina e matemática composições literárias romances contos e fábulas Uma série de textos mostra claramente que a barreira que se supunha existir entre o Egito faraônico e as demais regiões africanas vizinhas em épocas remotas não está de acordo com a materialidade dos fatos Pode se mencionar neste sentido a carta que Neferkarê Pépi II faraó da VI dinastia enviou por volta de 2370 antes da Era Cristã a Herkhouf chefe de uma expedição econômica feita às regiões meridionais afastadas a Terra do Fim do Mundo como diz o texto referindo se provavelmente à região dos grandes lagos africanos Um pigmeu havia sido trazido dessa longínqua expedição que foi a quarta de uma série Um outro texto egípcio O Conto do Náufrago datado do século XX antes da Era Cristã no princípio da XII dinastia fornece informações precisas e muito interessantes sobre a vida dos marinheiros dessa 69 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral época a navegação no mar Vermelho as relações econômicas entre a costa oriental africana e o vale do Nilo A rainha Hatshepsut que ocupou o trono egípcio durante 21 anos 1504 1483 organizou várias expedições comerciais entre as quais se destaca a do ano 9 de seu reinado que se dirigiu à região de Punt costa somaliana essa expedição é representada nos esplêndidos baixos relevos de Deir el Bahari no Alto Egito Existe aí uma nova linha de pesquisa que não pode deixar indiferente o historiador da África É possível avaliar a importância de introduzir o ensino do egípcio antigo nas universidades africanas Tal ensino deve contribuir sobremaneira para o estudo vivo do patrimônio cultural africano em toda a sua profundidade espacial e temporal Em relação ao parentesco linguístico do egípcio antigo afirma o relatório final do importante simpósio internacional sobre O Povoamento do Egito Antigo e a Decifração da Escrita Meroítica Cairo 28 de janeiro 3 de fevereiro de 1974 O egípcio não pode ser isolado do seu contexto africano e o semítico não dá conta de seu surgimento é legítimo portanto encontrar seus pais ou primos na África relatório final p 29 5 Em termos claros a língua faraônica não é uma língua semítica Convém por conseguinte abandonar a orientação que atribui ao antigo egípcio parentesco com o camito semítico ou o afro asiático seguida por certos autores que em geral não são nem estudiosos do semítico nem egiptólogos O problema fundamental consiste em aproximar através de técnicas linguísticas apropriadas o antigo egípcio e as línguas atuais da África negra para reconstituir na medida do possível formas anteriores comuns a partir de correspondências e comparações morfológicas lexicológicas e fonéticas Uma tarefa gigantesca espera o linguista Também o historiador deverá estar preparado para uma radical mudança de perspectiva quando for desvendada uma macroestrutura cultural comum entre o Egito faraônico e o resto da África negra Essa relação é no sentido matemático dos termos uma evidência intuitiva que espera uma demonstração formal Mas aqui mais do que em outros lugares o historiador e o linguista são obrigados a trabalhar juntos Isso porque a linguística é uma fonte histórica particularmente na África onde as numerosas línguas se imbricam Trata se sobretudo da linguística comparativa ou histórica O método empregado é comparativo e indutivo pois o objetivo da comparação é reconstruir isto é procurar o ponto de convergência de todas as línguas comparadas Este ponto de convergência será chamado de língua comum pré dialetal Mas é preciso ser muito prudente O bantu comum por exemplo reconstruído a 70 Metodologia e pré história da África partir do estudo cuidadoso de diversas línguas hoje encontradas não é nem uma língua antiga nem uma língua real recuperada em todos os seus componentes O termo bantu comum ou proto bantu designa apenas o sistema constituído pelos elementos comuns às línguas bantu conhecidas tais elementos remontam a uma época em que essas línguas eram quase idênticas O mesmo ocorre com o indo europeu por exemplo No nível estrito da realidade a arqueologia linguística é no limite uma pura ilusão porque da época mais antiga pré histórica em que se falava a língua comum recuperada não subsiste nenhum traço histórico ou linguístico O interesse da linguística histórica reside menos em reencontrar uma língua comum pré dialetal do que em detectar por assim dizer a amplitude linguística total de diversas línguas aparentemente estranhas umas às outras Muito raramente uma língua se encerra num espaço claramente definido Na maioria das vezes ela ultrapassa sua própria área mantendo com outras línguas mais ou menos distantes relações às vezes imperceptíveis à primeira vista O grande problema subjacente é evidentemente o do deslocamento das populações Uma comunidade linguística não se confunde forçosamente com uma unidade racial No entanto ela fornece informações pertinentes sobre uma unidade essencial na verdade a única a unidade cultural básica que existe entre os povos linguisticamente unidos mesmo que tais povos tenham às vezes origens muito diversas e sistemas políticos completamente diferentes A família Níger Congo por exemplo embora não tenha sido ainda bem estabelecida aponta a existência de laços socio culturais muito antigos entre os povos do oeste atlântico os povos Mande Gur e Kwa os povos situados entre o Benue e o Congo Zaire os povos do Adamaua oriental e os Bantu da África central oriental e meridional A linguística histórica é portanto uma fonte preciosa da história africana assim como a tradição oral que foi durante muito tempo desprezada Ora às vezes a tradição oral constitui a única fonte imediatamente disponível É o caso por exemplo dos Mbochi do Congo A história de suas diferentes chefias só pode ser reconstituída no espaço e no tempo um tempo relativamente curto é verdade com a ajuda da tradição oral Esta pode também resolver uma questão onde o documento escrito permanece impotente Os cronistas Delaporte 1753 Droyat 1776 são unânimes em afirmar que os reis de Loango África central ocidental eram sepultados em dois cemitérios distintos em Lubu e Luandjili Quando e por que ocorreu uma tal distinção A esse respeito os documentos escritos até hoje conhecidos permanecem mudos Só a tradição oral dos Vili atuais permite explicar essa dualidade De acordo com ela foi uma querela 71 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral figura 41 Baixo relevo do Museu de Abomey Foto Nubia extremamente violenta entre a corte de Maloango e os habitantes de Luandjili uma rica província do reino que levou o rei e os príncipes da época a mudarem o lugar da sepultura O cemitério de Luandjili foi então abandonado em favor do de Lubu Neste caso a tradição oral presta uma contribuição valiosa ao documento escrito Na África existem inúmeros casos em que a tradição oral orienta por assim dizer a escavação arqueológica esclarecendo paralelamente a crônica escrita Durante as escavações de Tegdaoust cidade do reino de Gana 72 Metodologia e pré história da África Sudão ocidental conduzidas no fim de 1960 pelos professores J Devisse D e S Robert então na Universidade de Dacar os pesquisadores exploraram simultânea e combinadamente as tradições locais as crônicas árabes medievais e as técnicas propriamente arqueológicas Assim um período mal conhecido da história africana do século VII ao XIII pôde ser restituído à memória dos homens graças evidentemente à própria arqueologia mas também em parte à tradição local e aos documentos escritos Esses exemplos que poderíamos multiplicar mostram que na África mais do que em outros lugares a tradição oral é parte integrante da base documental do historiador que desse modo se amplia A história africana não pode mais ser feita como no passado quando a tradição oral que é uma manifestação do tempo era afastada da investigação histórica Não foi ainda suficientemente destacado um ponto importantíssimo de um lado a maneira como a tradição oral apresenta o tempo e de outro a maneira como ela apresenta os acontecimentos através do tempo De que modo o griot apresenta a história Essa é a questão decisiva O griot africano quase nunca trabalha com uma trama cronológica Ele não apresenta a sequência dos acontecimentos humanos com suas acelerações ou seus pontos de ruptura O que ele diz e reconstitui merece ser escutado em perspectiva e não pode ser de outra forma O griot só se interessa pelo homem apreendido em sua existência como condutor de valores e agindo na natureza de modo intemporal É por isso que ele não se dispõe a fazer a síntese dos diversos momentos da história que relata Trata cada momento em si mesmo com um sentido próprio sem relações precisas com outros momentos Os momentos dos fatos relatados são descontínuos Trata se a rigor da história absoluta Essa história que apresenta sem datas e de modo global estágios de evolução é simplesmente a história estrutural Os afloramentos e as emergências temporais denominadas em outros lugares ciclo ideia de círculo período ideia de espaço de tempo época ideia de parada ou de momento marcado por algum acontecimento importante idade ideia de duração de passagem do tempo série ideia de sequência de sucessão momento ideia de instante de circunstância de tempo presente etc são praticamente deixadas de lado pelo griot africano enquanto expressões possíveis de seu discurso É claro que ele não ignora nem o tempo cósmico estações anos etc nem o passado humano já que o que ele relata é de fato passado Mas lhe é bastante difícil esboçar um modelo do tempo Ele oferece de uma só vez toda a plenitude de um tempo Ainda no domínio das ciências humanas e sociais a contribuição dos sociólogos e cientistas políticos permite redefinir o saber histórico e cultural 73 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral Com efeito os conceitos de reino nação Estado império democracia feudalismo partido político etc utilizados em outros lugares certamente de maneira adequada nem sempre são automaticamente aplicáveis à realidade africana O que se deve entender exatamente por reino do Kongo por exemplo O próprio povo usa a expressão nsi a Kongo literalmente o país nsi dos Kongo Temos então um grupo étnico os Kongo uma região nsi e a consciência que tal grupo tem de habitar essa região que assim se torna o país nsi do grupo étnico em questão Os limites ou fronteiras são bastante fluidos pois são função da dispersão dos clãs e subgrupos da etnia considerada A palavra reino corresponde aqui a um território habitado exclusivamente por homens e mulheres pertencentes a uma mesma etnia A homogeneidade étnica linguística e cultural é essencial O rei mfumu é na realidade o mais velho mfumu o tio materno mfumu de todas as famílias nzo e de todos os clãs matrilineares makanda que reconhecem ancestrais fundadores comuns bankulu mpangu Quando se examina a realidade mais de perto o reino do Kongo resume se em definitivo a uma vasta chefia isto é a um sistema de governo que engloba pequenas chefias locais O rei é o mais velho dos anciãos o tio materno mais idoso entre os vivos por isso é um ntinu chefe supremo A expressão reino do Kongo não designa portanto um Estado governado por um rei no sentido ocidental Além do mais esse sentido ocidental reino de Luís XIV por exemplo é um sentido espúrio tardio inadequado em suma um caso particular de passagem do Estado a Estado nacional através da monarquia absoluta Ao contrário o reino de Danxome atual Benin aproxima se mais do tipo de monarquia absoluta desastrosamente encarnada na França pelos reinados de Henrique IV a Luís XVI Existe com efeito um território principal e permanente que como assinala o professor M Glélé possui uma administração central o rei e seus ministros e os delegados dos ministros O rei é a própria essência do poder Ele detém todos os atributos de autoridade e comando Tem direito de vida e morte sobre seus súditos os anato pessoas do povo entre as quais o rei senhor e proprietário de todas as riquezas dokunno escolhia e recrutava os glesi isto é os agricultores que ele destinava aos seus domínios ou oferecia como presente aos príncipes e chefes O poder central era exercido nas aldeias e regiões pelos chefes em nome do rei O reino de Danxome apresenta se portanto como uma organização estatal fortemente centralizada na qual se insere o sistema de descentralização administrativa constituído pela chefia Existe assim um poder central que controla um povo os Danxomenu através 74 Metodologia e pré história da África das chefias No curso da história e ao acaso das conquistas países anexados se unirão ao antigo núcleo étnico ao território permanente Houve então num dado momento um processo de conquista e aculturação assimilação entre os povos aparentados e vizinhos Fon Mahi Alada Savi Juda etc O reino torna se a partir daí um Estado pluriétnico estruturado e centralizado graças a uma forte organização administrativa e militar e também a uma economia dirigida e dinâmica Às vésperas da penetração colonial o reino de Danxome constituía um verdadeiro Estado Nação onde o diálogo e a palavra a adesão das populações através das chefias eram um princípio de governo A palavra reino não tem portanto a mesma acepção em toda a África Nesse sentido os dois exemplos dados do Kongo e de Danxome são bastante elucidativos É necessário por conseguinte que o historiador seja bastante cuidadoso ao empregar esse termo Deve se notar ainda que enquanto no Kongo a chefia corresponde a um sistema de governo no antigo reino de Danxome Abomey ela é um modo de descentralização administrativa Quanto ao termo feudalismo no campo de observação constituído pela Europa ocidental não entendida apenas em seus limites geográficos pode se compreendê lo no sentido dos medievalistas com tendência jurídica o feudalismo é o que se refere ao feudo surgido em torno dos séculos X XI e o conjunto de relações lealdade homenagem e obrigações que liga o vassalo ao senhor proprietário do domínio Os camponeses que não fazem parte da camada superior da sociedade não são considerados nesta acepção da palavra Os marxistas ao contrário dão um sentido mais amplo ao vocábulo feudalismo é um modo de produção caracterizado pela exploração econômica das classes inferiores os servos pelas classes dirigentes os senhores feudais Os servos estão ligados à gleba e dependem do senhor Este não pode mais matar o servo mas pode vendê lo propriedade limitada ao trabalhador A servidão substitui a escravidão mas muitos aspectos da condição desta última estão ainda presentes Os servos ou os camponeses não estão associados à gestão dos negócios públicos e também não assumem funções administrativas Do ponto de vista da evolução das sociedades europeias o regime feudal é uma etapa intermediária no processo de formação da economia capitalista No entanto muitos marxistas ainda misturam a noção política de feudalismo e a noção socio econômica de senhoria que graças a Marx os historiadores aprenderam a distinguir desde 1847 Seja qual for o sentido em que o termo é empregado pode se dizer que os regimes medievais europeus se assemelham aos da África negra pré colonial Só os estudos sociais comparativos ainda bastante raros poderão fornecer 75 Fontes e técnicas específicas da história da África Panorama Geral respostas adequadas a esta questão e estabelecer as distinções necessárias O caráter feudal da organização dos Bariba Daomé já foi assinalado sobretudo como hipótese de trabalho O estágio pouco avançado das pesquisas sobre a questão do feudalismo na África negra exige do historiador uma prudência maior E parece que as tendências feudais apresentadas pelas sociedades da África negra não devem ser definidas em relação a direitos reais devidos à atribuição de um feudo mas sobretudo em relação a uma forma de organização política baseada num sistema de relações sociais e econômicas particulares Dessa forma as análises dos sociólogos e cientistas políticos podem constituir fontes exploráveis pelo historiador Os arquivos do historiador na África variam enormemente em função dos materiais e períodos históricos e também da curiosidade do próprio historiador Na África as séries documentais são estabelecidas pelos mais diversos tipos de ciências exatas naturais humanas e sociais O relato histórico renovou se completamente na medida em que a metodologia consiste em empregar várias fontes e técnicas particulares ao mesmo tempo e de modo cruzado Informações fornecidas pela tradição oral os raros manuscritos árabes as escavações arqueológicas e o método do carbono residual ou carbono 14 reintroduziram definitivamente o legendário povo Sao Chade Camarões Nigéria na história autêntica da África A colina de Mdaga na República do Chade foi ocupada por um longo período durante cerca de 2500 anos do século V antes da Era Cristã à metade do século XIX da Era Cristã Sem a exploração global e cruzada de fontes tão diversas teria sido totalmente impossível chegar a conclusões de tal modo pertinentes e inesperadas As noções clássicas da crítica histórica tais como ciências auxiliares escolha de fontes materiais históricos nobres etc são doravante abolidas da pesquisa histórica africana o que assinala uma importante etapa na historiografia contemporânea A prática da história na África torna se um permanente diálogo interdisciplinar Novos horizontes se esboçam graças a um esforço teórico inédito A noção de fontes cruzadas exuma por assim dizer do subsolo da metodologia geral uma nova maneira de escrever a história A elaboração e a articulação da história da África podem consequentemente desempenhar um papel exemplar e pioneiro na associação de outras disciplinas à investigação histórica C A P Í T U L O 5 77 As fontes escritas anteriores ao século XV A noção de fonte escrita é tão ampla que chega a se tornar ambígua Se entendemos como escrito tudo o que serve para registrar a voz e o som seremos forçados então a incluir no testemunho escrito as inscrições gravadas na pedra disco moeda em suma toda mensagem que fixa a linguagem e o pensamento independentemente de seu suporte1 Isto nos levaria a aludir neste capítulo à numismática à epigrafia e outras ciências auxiliares que a rigor se tornaram independentes da esfera do texto escrito Portanto restringiremos nossa investigação ao que é traçado ou impresso em signos convencionais sobre qualquer tipo de suporte papiro pergaminho osso papel Trata se já de um imenso campo de pesquisas e de reflexões primeiramente porque cobre um período que começa com a invenção da escrita e termina no limiar dos Tempos Modernos século XV depois porque abrange um continente inteiro com diversas civilizações justapostas e sucessivas e por fim porque as fontes são de línguas tradições culturais e tipos diferentes Examinaremos os problemas gerais suscitados por essas fontes análises por períodos regiões tipos antes de estabelecer um inventário crítico 1 DAIN A 1961 p 449 As fontes escritas anteriores ao século XV H Djait 78 Metodologia e pré história da África Problemas gerais Não existe até o momento nenhum estudo do conjunto das fontes escritas da história da África Por razões de especialização cronológica ou regional os raros estudos realizados têm sido associados a campos específicos da pesquisa científica Assim o Egito faraônico é domínio do egiptólogo o Egito ptolomaico e romano do classicista o Egito muçulmano do islamista três períodos três especialidades das quais apenas uma se origina do que é especificamente egípcio as outras duas navegam em órbitas mais vastas o mundo clássico o Islã O mesmo acontece com o Magreb ainda que o especialista em civilização púnica seja ao mesmo tempo um orientalista e um classicista e que o estudioso da civilização berbere seja marginal e inclassificável O domínio da África negra também variado abrange diferentes línguas e especialidades há fontes clássicas árabes e fontes propriamente africanas Mas embora encontremos a mesma trilogia do norte do Saara aqui ela não tem nem a mesma amplidão nem significação análoga Existe uma imensa área onde antes do século XV inexiste fonte escrita ocorre também que determinada fonte árabe de segunda ordem para o Magreb por exemplo adquire importância capital para a bacia do Níger O historiador da África negra ao examinar um documento escrito em árabe não o faz da mesma maneira que o historiador do Magreb ou que o historiador do Islã em geral Tais limitações e interferências traduzem a estrutura objetiva da história da África e também a orientação da ciência histórica moderna desde o século XIX É um fato que o Egito foi integrado ao mundo helenístico ao Império Romano a Bizâncio e que convertido ao Islã se tornou um foco radiante Também é um fato que os Clássicos consideraram a história da África como ilustração da história de Roma e que uma determinada África estava profundamente envolvida no destino da civilização romana Mas não se pode esquecer que mesmo o historiador moderno da África romana é romanista em primeiro lugar e africanista em segundo e que o aspecto islâmico é excluído de seu campo epistemológico Assim apreender a história da África como um todo e considerar nessa perspectiva suas fontes escritas continua a ser tarefa delicada e particularmente difícil O problema da periodização Como se justificaria no estudo das fontes escritas uma cesura localizada no início do século XV Seria porque a massa documentária de que dispomos não obstante as disparidades culturais e temporais guardasse uma certa unidade 79 As fontes escritas anteriores ao século XV estrutural interna Ou seria pelo desenvolvimento da própria história geral que amalgamando Antiguidade e Idade Média num único longo período as separaria de uma Idade Moderna nitidamente diferente de tudo que a precedeu Na verdade os dois argumentos se sustentam e se completam as fontes antigas e medievais caracterizam se por sua escrita literária são testemunhos conscientes em sua maioria sejam anais crônicas viagens ou geografias Já a partir do século XV tornam se abundantes as fontes arquivísticas que são testemunhos inconscientes Por outro lado se até então a predominância era de textos clássicos e árabes a partir do século XV as fontes árabes esgotam se e passamos a encontrar evidências de diferentes origens o documento europeu italiano português etc e para a África negra o documento autóctone Mas essa mudança de natureza e de procedência das fontes traduz também uma mutação no destino histórico real da África O século XV é o século da expansão europeia2 os portugueses chegam às costas da África negra em 1434 vinte anos antes 1415 já haviam se estabelecido em Sebta Ceuta3 No que diz respeito à orla mediterrânica e islâmica da África Magreb Egito entretanto a ruptura entre duas idades históricas já aparece no século XIV quando essa região sentia os efeitos da lenta expansão do Ocidente assim como a ação de forças internas de decomposição Mas o século XV foi decisivo porque esgotou as fontes extremo orientais do comércio muçulmano determinando assim o fim de seu papel intercontinental Daí em diante o Islã afro mediterrânico caminha rapidamente para a decadência O terminus ad quem do século XV é assim amplamente justificado desde que não o interpretemos muito rigidamente poderia talvez encontrar melhor justificação se o deslocássemos para o início do século XVI Isto posto dividiremos a época em estudo em três períodos principais levando em consideração a dupla necessidade de diversidade e de unidade a Antiguidade até o Islã Antigo Império até 622 a primeira Idade Islâmica de 622 até a metade do século XI 1050 a segunda Idade Islâmica do século XI ao século XV Aqui a noção de Antiguidade certamente não se compara à que vigora na história do Ocidente na medida em que só se identifica parcialmente com a Antiguidade clássica o período não se encerra com as invasões bárbaras mas 2 R MAUNY propõe a data de 1434 que é a data da expansão marítima portuguesa pela África negra Le problème des sources de lhistoire de lAfrique noire jusquà la colonization européenne In XII Congresso Internacional das Ciências Históricas Viena 29 ago5 set 1965 II Relatórios História dos continentes p 178 V também MAUNY R 1961 p 18 3 LAROUI A 1970 p 218 80 Metodologia e pré história da África com o súbito aparecimento do Islã Precisamente pela profundidade e alcance de seu impacto o Islã representa uma ruptura com o passado que poderíamos chamar antigo pré histórico ou proto histórico conforme a região Também é fato que desde a época helenística a maior parte de nossas fontes antigas são escritas em grego e latim Se pela estrutura de nossa documentação assim como pelo movimento histórico global o século VII século do aparecimento do Islã e das fontes árabes deve ser considerado o início de uma nova idade o próprio período islâmico deveria então ser dividido em duas subidades a primeira da conquista até a metade do século XI e a segunda do século XI até o século XV Na história da África ao norte do Saara a primeira fase corresponde à organização da região segundo o modelo islâmico e à sua ligação com um império multicontinental Califado omíada abássida fatímida Em compensação a segunda fase é testemunha do ressurgimento de princípios de organização autóctone ao mesmo tempo que do ponto de vista da civilização se opera uma profunda transformação Em relação ao Magreb a metade do século XI é a época da formação do Império Almorávida da autonomia reconquistada pelos Zíridas e da consequente invasão hilaliana No Egito a cesura política situa se um século mais tarde com os Aiúbidas mas é nessa época que os grandes centros de atividade do comércio transportam se do golfo Pérsico para o mar Vermelho e que progressivamente se estabelece um quadro de intercâmbios em escala mundial cujo alcance é considerável Ao sul do Saara é também no decorrer do século XI que se desenvolvem relações permanentes com o Islã especialmente no plano comercial e religioso A natureza do material documentário altera se Quantitativamente torna se abundante e variado qualitativamente quanto mais avançamos no tempo maior o número de fontes inconscientes documentos de arquivos pareceres jurídicos encontradas na África mediterrânica e mais precisas as informações relativas à África negra Áreas etnoculturais e tipos de fontes A classificação das fontes por períodos históricos não basta por si só Convém levarmos em conta a articulação da África em áreas etnoculturais cuja caracterização resulta de uma conjugação de fatores e a própria tipologia das fontes disponíveis que se coloca além dos períodos históricos e das diferenciações espaciais 81 As fontes escritas anteriores ao século XV Áreas etnoculturais Ao examinar o primeiro ponto seríamos tentados desde logo a fazer uma distinção elementar entre a África ao norte do Saara África branca arabeizada e islamizada profundamente tocada pelas civilizações mediterrânicas e por isso mesmo desafricanizada e a África ao sul do Saara negra plenamente africana dotada de uma irredutível especificidade etno histórica Na verdade sem negar a importância dessa distinção um exame histórico mais aprofundado revela linhas de divisão mais complexas e menos nítidas O Sudão senegalês e nigeriano por exemplo viveu em simbiose com o Magreb árabe berbere e do ponto de vista das fontes está muito mais próximo do Magreb que do mundo bantu Acontece o mesmo com o Sudão nilótico em relação ao Egito e com o chifre oriental da África em relação ao sul da Arábia Assim somos tentados a opor uma África mediterrânica desértica e de savana incluindo o Magreb o Egito os dois Sudões a Etiópia o chifre da África e a costa oriental até Zanzibar a uma outra África animista tropical e equatorial bacia do Congo costa guineense área do Zambeze Limpopo região interlacustre e finalmente a África do Sul E é verdade que essa segunda diferenciação se justifica em grande parte pelo critério de abertura para o mundo exterior e nesse caso pela importância da penetração islâmica Esse fato de civilização é confirmado pelo estado das fontes escritas que opõem uma África bem servida de documentos com gradações norte sul a uma África completamente desprovida deles ao menos no período em estudo Mas a dupla consideração da abertura para o exterior e do estado das fontes escritas corre o risco de permitir julgamentos de valor e de ocultar sob o véu da obscuridade quase metade da África central e meridional Muitos historiadores já chamaram a atenção para o risco do recurso às fontes árabes que poderia fazer crer pela ênfase dada à zona sudanesa que tenha sido esta região o único centro de uma civilização e de um Estado organizados4 Voltaremos a esse ponto mais tarde Contudo reconheçamos desde já que se há relação entre o estado de uma civilização e o estado das fontes essa relação jamais poderia explicar completamente o movimento da história real O historiador objetivo não tem o direito de fazer julgamentos de valor com base nos documentos de que dispõe mas também não deve negligenciar seu potencial informativo sob pretexto de que podem induzi lo a erro Se uma história geral que abrange a totalidade do período histórico apoiando se em todos os documentos disponíveis pode atribuir tanta importância à 4 HRBEK I 1965 v V p 311 82 Metodologia e pré história da África bacia do Zaire quanto à do Níger ou ao Egito um estudo que se limite às fontes escritas até o século XV não poderia fazê lo Considerando todas estas observações podemos operar a seguinte estruturação regional a Egito Cirenaica Sudão nilótico b Magreb incluindo a franja norte do Saara as zonas do extremo ocidente a Tripolitânia e o Fezzan c Sudão ocidental no sentido amplo isto é até o lago Chade em direção a leste e incluindo o sul do Saara d Etiópia Eritreia chifre oriental e costa oriental e O resto da África ou seja o golfo da Guiné a África central e o sul da África Essa classificação tem a vantagem de não opor duas Áfricas estrutura o continente segundo afinidades geo históricas orientadas dentro de uma perspectiva africana mas leva também em consideração o caráter particular das fontes escritas de que dispomos Em termos de fontes escritas a África central e meridional por mais rica em civilização que possa ser faz pobre figura em comparação com a menor fração das outras unidades regionais Fezzan ou Eritreia por exemplo Por outro lado não há dúvida de que além da solidariedade geral que aproxima as fontes da África conhecida há uma solidariedade específica e mais nítida em nossa informação sobre cada uma das zonas delimitadas acima Um inventário detalhado deveria então passar em revista os textos simultaneamente por períodos e por regiões mas reconhecendo previamente que através das áreas e em menor grau através dos períodos históricos essas fontes se resumem apenas a algumas línguas a certos tipos limitados não provêm sempre da área de que tratam nem são sempre contemporâneas do que descrevem Tipologia das fontes escritas a São inúmeras as línguas em que foram escritos os documentos que chegaram até nós mas nem todas têm a mesma importância As mais utilizadas aquelas em que foi veiculada a maior quantidade de informação são o egípcio antigo o berbere as línguas etíopes o copta o swahili o haussa o fulfulde As línguas mais prolíficas são as de origem não africana grego latim árabe ainda que acolhido como língua nacional por inúmeros povos africanos Se classificarmos os documentos numa ordem hierárquica que leve em conta ao mesmo tempo a quantidade e a qualidade da informação obteremos a seguinte 83 As fontes escritas anteriores ao século XV lista aproximativa árabe grego latim egípcio antigo hierático e demótico copta hebraico aramaico etíope italiano swahili persa chinês etc Em termos cronológicos nossas primeiras fontes escritas são os papiros hieráticos egípcios datando do Novo Império mas cuja primeira redação remontaria ao início do Médio Império início do segundo milênio em particular o papiro conhecido sob o título de Ensinamentos para o rei Merikare5 Seguem se os papiros e os ostraka do Novo Império também em egípcio hierático as fontes gregas que remontam ao século VII antes da Era Cristã e prosseguem sem interrupção até época mais recente que coincide aproximadamente com a expansão do Islã século VII da Era Cristã as fontes em hebraico Bíblia e em aramaico Judeus de Elefantina que datam da 26a dinastia os textos demóticos da época ptolomaica a literatura latina a literatura copta em língua egípcia mas empregando o alfabeto grego enriquecido com algumas letras que têm início no século III da Era Cristã fontes em árabe chinês6 talvez persa italiano e mais tarde em língua etíope na qual o mais antigo documento escrito remonta ao século XIII7 b Classificadas por gêneros as fontes de que dispomos dividem se em fontes narrativas e em fontes arquivísticas umas conscientemente consignadas com o objetivo de deixar um testemunho outras participando do movimento normal da existência humana No caso da África com exceção do Egito mas incluindo o Magreb as fontes narrativas são representadas quase que exclusivamente pelos documentos escritos até o século XII cobrem portanto não só a Antiguidade como também a primeira Idade Islâmica A partir do século XII o documento arquivístico embora raro começa a aparecer no Magreb peças almoadas fatwas ou pareceres jurídicos da época haféssida No Egito os documentos arquivísticos tornam se mais abundantes sob os Aiúbidas e os Mamelucos séculos XII XV enquanto os manuscritos dos mosteiros etíopes reúnem em apêndice documentos oficiais Mas esse tipo de texto praticamente inexiste no resto da África durante a época aqui considerada8 Nosso período é caracterizado 5 GOLENISCHEFF Les papyrus hiératiques n 1115 1116A e 1116B de lErmitage impérial à Saint Pétersbourg 1913 o n 1116A foi traduzido por GARDINER In Journal of Egyptian archaeology Londres 1914 p 22 e segs Cf a esse respeito DRIOTON E e VANDIER J 1962 p 226 6 Existe um texto chinês datado da segunda metade do século XI mas o essencial das fontes chinesas ainda a ser explorado diz respeito ao século XV e à costa do leste africano Pode se notar também os seguintes trabalhos DUYVENDAK J J L 1949 HIRTH F 1909 1910 FILESI T 1962 LIBRA 1963 WHEATLEY P 1964 7 SELASSIÉ S H 1967 p 13 8 Dispomos de mahrams cartas patente emitidas pelos reis do Bornu e que datariam do fim do século XI o de Umm Jilmi e o da família Masbarma Cf MAUNY R 1961 e PALMER H 1928 t III p 3 84 Metodologia e pré história da África 85 As fontes escritas anteriores ao século XV 86 Metodologia e pré história da África pela preponderância contínua das fontes narrativas pelo aparecimento ou crescimento relativo das fontes arquivísticas a partir do século XII na África mediterrânica pela quase ausência dela na África negra mas de maneira geral pelo aumento substancial de nosso acervo de documentos a partir do século XI culminando nos séculos XII XIV Os tipos de fontes podem ser enumerados do seguinte modo Fontes narrativas crônicas e anais obras de geografia relatos de viagens obras de naturalistas obras jurídicas e religiosas como tratados de direito canônico livros santos ou hagiografias obras propriamente literárias Fontes arquivísticas documentos particulares cartas familiares correspondência comercial etc documentos oficiais oriundos do Estado ou de seus representantes correspondência oficial decretos cartas patente textos legislativos e fiscais documentos jurídico religiosos Devemos observar que as fontes narrativas começam no século VIII antes da Era Cristã com Homero e compreendem um número considerável de obras primas do espírito e do saber humanos Entre os autores encontramos grandes nomes que embora em sua maioria não tratem especificamente da África concedem lhe um lugar mais ou menos importante dentro de uma perspectiva mais ampla Entre esses nomes figuram Heródoto Políbio Plínio o Velho Ptolomeu Procópio Khwarizmi Masudi Jahiz Ibn Khaldun A documentação arquivística é a mais antiga do mundo se os papiros de Ravena são os mais antigos registros arquivísticos conservados na Europa datando do início do século VI da Era Cristã os papiros do Novo Império egípcio lhes são anteriores em vinte séculos É verdade que na primeira Idade Islâmica esse tipo de testemunho não ultrapassou os limites do Egito tendo conhecido uma expansão relativamente pequena até o fim de nosso período o que talvez se possa explicar pelo fato de a civilização islâmica medieval ter praticamente ignorado o princípio da conservação de documentos de Estado Dos séculos XIV e XV o período mais rico em peças de arquivos o que chega até nós são sobretudo 87 As fontes escritas anteriores ao século XV obras enciclopédicas É somente na época moderna otomana e europeia que se constituem os depósitos de arquivos propriamente ditos Inventário por períodos A Antiguidade pré islâmica das origens a 622 Esse período em relação ao que o segue é caracterizado pela predominância das fontes arqueológicas e em geral não literárias Entretanto ainda que secundários os documentos escritos nos fornecem por vezes informações muito importantes ademais vão se tornando mais numerosos e precisos à medida que avançamos no tempo Do ponto de vista da divisão regional devemos notar que estão totalmente ausentes na África ocidental e central Egito Núbia África oriental a As fontes escritas referentes ao Egito até o primeiro milênio são exclusivamente egípcias trata se dos papiros hieráticos e dos ostraka cuja origem não remonta além do Novo Império mas que podem como dissemos conter informações mais antigas9 Papirus e ostrakon designam o suporte no primeiro caso trata se de uma planta no segundo de uma lâmina de calcário Os signos hieráticos distinguem se dos signos hieroglíficos por sua aparência cursiva prestando se melhor ao traço que ao entalhe Os papiros e ostraka numerosos na 19a e 20a dinastias do Novo Império ou período ramessita 1314 1085 antes da Era Cristã referem se tanto à vida administrativa como à vida privada encontramos relatórios administrativos e judiciários registros de contabilidade cartas particulares e também contos e romances Os papiros jurídicos10 e os papiros literários11 têm sido objeto de cuidadosos estudos e desde o século XIX vêm sendo publicados 9 DRIOTON E e VANDIER J 1962 p 7 9 YOYOTTE J LEgypte ancienne In Histoire universalle Col Pléiade 10 Entre os documentos jurídicos temos o papiro Abbott os papiros Amherst e Mayer igualmente o de Turim nos quais se baseia nosso conhecimento dos reinados de Ramsés IX X e XI São publicados cf Select Papyri in the hieratic character from the collections of the British Museum Londres 1860 NEWBERRY The Amherst Papyri Londres 1899 PEET The Mayer Papyri Londres 1920 PEET The great tombs robberies of the Twentieth Egyptian Dynasty 2 v Oxford 1930 11 A coleção do British Museum é rica em papiros literários Encontramos por exemplo o conto da Verdade e da Mentira o de Horus e de Seth G POSENER grande especialista no assunto elaborou uma lista quase completa das obras literárias egípcias e chegou a 85 títulos Revue dEgyptologie VI 1951 p 27 48 G POSENER publicou ainda óstracos Catalogue des ostraka hiératiques littéraires de Deir el Medineh Cairo 1934 1936 88 Metodologia e pré história da África Nossos conhecimentos a respeito da Núbia e do país de Punt baseiam se unicamente em material arqueológico e epigráfico desenhos murais em particular não se tendo encontrado fontes escritas até o presente momento b No primeiro milênio antes da Era Cristã especialmente a partir do século VI diversifica se e se altera a contribuição de nossas fontes Os documentos narrativos somam se aos documentos arquivísticos e em certos momentos substituem nos Um exemplo é o Livro dos Reis fragmento do Antigo Testamento que nos dá informações preciosas sobre o advento da 22a dinastia cerca de 950 e continua a ser de grande utilidade para todo o período seguinte isto é até o domínio persa 525 O Livro dos Reis recebeu uma primeira redação antes da destruição de Jerusalém ou seja antes de 58612 e foi retocado durante o exílio mas reproduz tradições que remontam ao início do primeiro milênio antes da Era Cristã Outras fontes estrangeiras gregas sobretudo trazem dados sobre o baixo período a partir da primeira dinastia Saíta século VIII antes da Era Cristã Menandro Aristodemo Filocoro Heródoto Do ponto de vista arquivístico os papiros deste período aparecem escritos em grego ou em demótico escrita ainda mais cursiva que o hierático No século V os papiros dos Judeus de Elefantina são nossa principal fonte enquanto nos séculos IV e III aparece a crônica demótica c O período que se estende do estabelecimento dos Ptolomeus no Egito fim do século IV antes da Era Cristã até a conquista árabe 639 cobre um milênio que se caracteriza pela abundância de fontes gregas e pela emergência da zona etíope eritreia em nosso campo de conhecimento Políbio Estrabão Diodoro Plínio o Velho falam nos dessa região com uma precisão relativa que não exclui a ignorância ou a ingenuidade O naturalista romano nos dá em sua História natural numerosas informações sobre o mundo etíope em particular no que diz respeito aos produtos do comércio e aos circuitos de troca É obra de compilação certamente de valor desigual mas rica em detalhes A informação de que dispomos torna se mais precisa no meio milênio que se segue ao aparecimento do Cristianismo O Egito como sabemos passa a ser no século II o foco principal da cultura helenística sendo muito natural que tenha produzido historiadores geógrafos filósofos e padres da Igreja Integrado politicamente ao Império Romano depois Bizantino o Egito era objeto de inúmeros escritos latinos ou gregos externos de ordem narrativa ou arquivística Código de Teodósio por exemplo ou Novellae de Justiniano Notemos também 12 LODS A Les Prophètes dIsraël et les débuts du judaïsme Paris 1950 p 7 DRIOTON e VANDIER op cit pas DORESSE 1971 t 1 p 47 61 89 As fontes escritas anteriores ao século XV que a corrente papirológica não se esgota Dessa massa documentária interna e externa emergem algumas obras de especial importância a Geografia de Ptolomeu 140 aproximadamente13 o Périplo do Mar da Eritreia14 obra anônima que calculamos ter sido composta em cerca de 230 datada anteriormente do século I a Topografia Cristã15 de Cosmas Indicopleustes 535 aproximadamente Esses escritos representam a base de nossa informação sobre a Etiópia e o chifre oriental da África No conjunto esta breve exposição aponta dois descompassos o das fontes escritas em relação aos outros tipos de documentos e o do nosso conhecimento do Egito em relação ao nosso conhecimento da Núbia e do mundo eritreu O Magreb antigo A história escrita do Magreb antigo nasceu do encontro de Cartago com Roma Isso significa que não dispomos de nenhum documento importante anterior ao segundo século antes da Era Cristã apenas indicações esparsas na obra de Heródoto evidentemente e nas obras de outros historiadores gregos O período autenticamente púnico depende da arqueologia e da epigrafia Além disso a história de Cartago tanto anterior quanto posterior a Aníbal o confronto com Roma e o curto período de sobrevivência que se seguiu não deve quase nada às fontes púnicas escritas Sabe se hoje que o Périplo de Hanão em grego cuja descrição se estende às costas norte ocidentais da África é falso e não pode ter sido escrito antes do século I Restam os trabalhos agronômicos atribuídos a Magão dos quais apenas alguns trechos foram conservados por autores latinos Entre as fontes autóctones seria necessário mencionar as notas de Juba II que Plínio o Velho compilou em sua História Natural O essencial se não a totalidade de nossas fontes escritas relativas à história do Magreb antigo fases cartaginesa romana vândala e bizantina é constituído pelas 13 Sobre os geógrafos clássicos e pós clássicos que trataram da África ver a obra fundamental de Yusuf KAMEL Monumenta cartographica Africae et Aegypti Cairo e Leyde 1926 a 1951 16 vol Convém que esse trabalho seja reeditado com um aparato crítico novo e importante 14 Editado por MÜLLER Geographi Graeci minores Paris 1853 t I Reeditado por Hjalmar FRISK em Göteborg em 1927 Essa importante obra vem sendo editada desde o século XVI em 1533 e depois em 1577 15 COSMAS é um viajante que visitou a Etiópia e a ilha de Socotra Sua obra figura na Patrologie grecque de MIGNE t 88 coleção que deve necessariamente ser consultada no que se refere à Antiguidade ao lado da Patrologie Latine do mesmo MIGNE A obra de COSMAS recebeu excelente edição em três tomos das Editions du Cerf Paris 1968 1970 Assinalemos a importância para nosso conhecimento da cristianização da Etiópia da Historia Ecclesiastica de RUFINO In Patrologie grecque de MIGNE com tradução latina 90 Metodologia e pré história da África obras dos historiadores e geógrafos clássicos isto é aqueles que escreviam em grego ou latim Em geral esses autores não são africanos mas à medida que a África se romaniza surgem escritores autóctones especialmente entre os padres da Igreja a No período que se estende de 200 a 100 e que corresponde ao apogeu e à queda de Cartago à organização da província romana da África sob a República e o principado temos por fontes uma grande quantidade de documentos conhecidos escritos em latim e grego Políbio 200 a 120 nossa fonte principal Estrabão Diodoro da Sicília Salústio 87 a 35 Tito Lívio Ápio Plínio Tácito Plutarco século I e Ptolomeu século II sem contar os numerosos escritores menores16 Seria muito útil que se reunissem os escritos dispersos relativos à África do Norte Até agora foram coligidos apenas os documentos referentes ao Marrocos17 Assim sendo o pesquisador vê se obrigado a examinar sistematicamente as grandes coleções clássicas em que a erudição europeia do século XIX utilizou todos os seus recursos de crítica e de formidável labor Bibliotheca Teubneriana The Loeb Classical Library texto e tradução inglesa Collection G Budé texto e tradução francesa Collection des Universités de France Scriptorum classicorum Bibliotheca Oxoniensis Seria conveniente acrescentar a essas fontes narrativas outras mais diretas constituídas pelos textos do direito romano embora sejam estes de origem epigráfica18 As obras escritas dos analistas cronistas e geógrafos greco latinos não têm valor uniforme em todo o subperíodo considerado Alguns tendem a compilar as informações de seus predecessores outros nos trazem informações originais preciosas e às vezes até mesmo um testemunho direto Políbio por exemplo viveu na intimidade dos Cipião e provavelmente assistiu ao sítio de Cartago em 146 o Bellum Jugurthinum de Salústio é um documento de primeira ordem sobre os reinos berberes o Bellum Civile de César é a obra de um ator da História A figura e a obra de Políbio dominam esse período Políbio é como já foi dito19 o filho da época e da cultura helenísticas Nasceu em 200 aproximadamente isto é no momento em que ocorre o encontro de Roma na explosão de seu imperialismo com o mundo mediterrânico e mais especificamente com o 16 Citemos ARISTÓTELES Política CÉSAR Bellum Civile e Bellum Ajricum EUTRÓPIO JUSTINO ORÓSIO Há mais de trinta fontes textuais apenas para a história de Aníbal 17 ROGET M Le Maroc chez les auteurs anciens 1924 18 GIRARD P P Textes de droit romain 6a ed 1937 19 Cambridge Ancient History v VIII Rome and the Mediterranean 91 As fontes escritas anteriores ao século XV mundo helenístico Prisioneiro e exilado em Roma aprendeu as duras lições do exílio esse mestre violento do historiador e do filósofo A proteção dos Cipião amenizou sua estada mas lhe valeu sobretudo para a aquisição de vasto conhecimento da história de Roma e de Cartago Após 16 anos de cativeiro retornou à pátria a Grécia mas não demorou a deixá la novamente para percorrer o mundo Conta se que durante sua estada na África Cipião Emiliano ofereceu lhe uma frota para que pudesse explorar a costa atlântica do continente Em outras palavras estamos diante de um homem de audácia experiência e incansável curiosidade Políbio não é apenas nossa principal fonte para tudo que se refere ao duelo púnico romano de um ponto de vista mais amplo é um observador de primeira ordem da África e do Egito de seu tempo Se os 40 livros que compõem as Pragmateia tivessem chegado até nós talvez nossos conhecimentos fossem muito mais completos talvez tivéssemos informações precisas precisão que falta em toda parte sobre a própria África negra Assim mesmo os seis livros que se conservaram destacam se das demais fontes pela qualidade da informação e inteligência da observação b Após o século I e durante os quatro séculos em que se enraíza ao máximo a organização imperial na África entrando posteriormente numa crise prolongada as fontes literárias tornam se raras Há um vazio quase total no século II e os séculos III e IV são marcados pela predominância de escritos cristãos especialmente os de Cipriano e Agostinho Há obras gerais que ultrapassam o quadro africano para colocar os grandes problemas religiosos e que não participam do discurso histórico direto mas há também obras polêmicas e de circunstância mais comprometidas com os acontecimentos O que sabemos a respeito do movimento donatista baseia se nos ataques do maior de seus adversários Santo Agostinho 354 430 e por isso mesmo as precauções mais sérias mostram se necessárias Do mesmo modo no que se refere às fontes escritas relativas ao período imperial a patrologia apresenta se como o principal instrumento de nosso conhecimento embora seja muito parcial O pesquisador terá também nesse caso acesso a grandes coleções o Corpus de Berlim em grego apenas o texto o Corpus de Viena em latim apenas o texto Esses monumentos da erudição alemã têm seus equivalentes na erudição francesa com os dois Corpus de Migne a Patrologia grega texto e tradução latina a Patrologia latina apenas o texto latino 92 Metodologia e pré história da África O intermédio vândalo a reconquista bizantina e a presença bizantina durante mais de um século levaram um número maior de escritores a registrar os acontecimentos Os documentos chamados menores são abundantes aparecem as fontes arquivísticas correspondência textos legislativos Além do mais temos a sorte de contar com um observador fecundo e talentoso Procópio século VI que é sem dúvida alguma nossa fonte fundamental com seu De Bello Vandalico Recorreremos à Coleção Bizantina de Bonn e secundariamente aos Fragmenta historicorum graecorum para os textos gregos Os numerosos textos latinos encontram se na Patrologia latina as obras de São Fulgêncio apresentam certo interesse para o conhecimento do período vândalo ou nas Monumenta Germanica historica autores antiquissimi20 outro monumento da erudição alemã que reagrupa as crônicas menores do período bizantino Cassiodoro Próspero Tiro e sobretudo Victor de Vita e Coripo Estes dois autores merecem a maior atenção o primeiro para o período vândalo o segundo para o período bizantino pois penetram no interior do continente fazendo emergir da obscuridade essa África por tanto tempo esquecida21 Em sua obra clássica sobre a África bizantina Charles Diehl mostrou como se podia utilizar conjuntamente o material arqueológico e textual para se obter a mais completa representação da realidade histórica Utilizou o maior número possível de fontes escritas primeiramente Procópio depois Coripo mas também Agathias Cassiodoro Jorge de Chipre22 as cartas do Papa Gregório Magno e documentos jurídicos tais como as Novellae e o Código Justiniano tão úteis no estudo da vida econômica e social Parece pouco provável que se possa enriquecer com novas descobertas a lista estabelecida de nossos documentos escritos Em compensação pode se explorá los melhor estudando os com maior profundidade aplicando lhes uma crítica rigorosa confrontando os com um material arqueológico e epigráfico ainda inesgotado sobretudo utilizando os com mais honestidade e objetividade23 20 Nas Monumenta de Mommsen t 91 2 1892 11 1894 e 13 1898 encontram se o texto de Victor de Vita no t 3 1 1879 editado por C HOLM e o texto de Coripo no t 3 2 1879 editado por J PARTSCH 21 Sobre a África vândala e bizantina dispomos de duas obras modernas fundamentais que fornecem detalhes das fontes utilizáveis C COURTOIS 1955 e C DIEHL 1959 Para o alto período a Histoire ancienne de lAfrique du Nord de S GSELL que embora envelhecida ainda deve ser consultada 22 Descriptio orbis romani ed Gelzer 23 Sobre as distorções advindas de uma leitura parcial dos textos a crítica da historiografia ocidental apre sentada por Abdallah LAROUI é tão pertinente quanto bem informada 1970 93 As fontes escritas anteriores ao século XV A África saariana e ocidental A rigor não dispomos de nenhum documento digno de confiança sobre a África negra ocidental Admitindo com Mauny24 que os antigos cartagineses gregos romanos não ultrapassaram o cabo Juby e a latitude das ilhas Canárias o que é mais que provável somos levados a concluir que as informações transmitidas por suas obras referem se ao extremo sul marroquino Certamente alcançam a fronteira do mundo negro mas não o penetram O Périplo de Hanão é falso se não inteiramente ao menos em grande parte25 É um documento composto em que se misturam dados tomados de empréstimo de Heródoto Políbio Possidônio e do Pseudo Sila e que deve datar do século I As obras desses autores são mais dignas de crédito Heródoto fala nos sobre o comércio mudo que os cartagineses praticavam no sul do Marrocos O continuador do Pseudo Sila século IV nos dá por sua vez informações preciosas sobre as relações entre cartagineses e líbico berberes Mas é novamente Políbio que se revela a fonte mais confiável Os fragmentos de seu texto interpolados em Plínio o Velho oferecem nos os primeiros topônimos identificáveis da Antiguidade mas também nesse caso sua informação interrompe se no cabo Juby Seria necessário completá la no que se refere ao arquipélago das Canárias com as notas de Juba II recolhidas por Plínio Estrabão Diodoro da Sicília Os outros histpriadores geógrafos do século I antes e depois da Era Cristã apenas compilaram os autores anteriores salvo alguns detalhes Finalmente no século lI Ptolomeu retomando todos seus predecessores baseando se principalmente em Posidônio e Marino de Tiro consigna em sua Geografia a evolução máxima dos conhecimentos relativos aos contornos da África na Antiguidade26 O mapa da Líbia Interior do geógrafo alexandrino tornou acessíveis as informações recolhidas pelo exército romano na ocasião de suas expedições punitivas além do limes até o Fezzan a de Balbo em 19 a de Flaco em 70 a de Materno em 86 que penetrou mais profundamente no deserto líbio27 Nomes de povos e regiões sobreviveram à Antiguidade Mauritânia Líbia Garamantes Getulos Númidas Hespérides e até mesmo Níger empregado por Ptolomeu e retomado por Leão o Africano e depois pelos europeus modernos Essa é uma das contribuições de nossos textos 24 MAUNY R 1970 p 87 111 25 Id p 98 TAUXIER L 1882 p 15 37 GERMAIN G 1957 p 205 48 26 KAMEL Y Monumenta op cit t II Fasc I p 116 e segs MAUNY R LOuest africain chez Ptolémée nas Actes de la IIe Conférence Internationale des Africanistes de lOuest Bissau 1947 27 MARINO DE TIRO uma das fontes de PTOLOMEU divulgou o cf KAMEL Y t I 1926 p 73 94 Metodologia e pré história da África que por outro lado nos fornecem mais do que dados reais a representação que a Antiguidade fazia da África As poucas indicações existentes referem se ao deserto da Líbia e às costas do Saara Ocidental em todos esses textos a África negra ocidental permanece marginalizada A primeira idade islâmica 622 1050 aproximadamente A conquista árabe e o estabelecimento do califado tiveram por consequência a unificação de domínios político culturais anteriormente dissociados Império Sassânida Império Bizantino o alargamento do horizonte geográfico do homem o remanejamento das correntes de intercâmbio a penetração de povos até então desconhecidos Não é portanto surpreendente que pela primeira vez tenhamos informações mais precisas sobre o mundo negro tanto do leste como do oeste Mas enquanto o Egito e o Magreb estavam integrados no corpo do Império e depois da comunidade islâmica o mundo negro simplesmente fazia parte de sua esfera de influência daí uma informação parcelar desconexa às vezes mítica mas ainda assim preciosa Se excluirmos as fontes arquivísticas cuja tradição continua no Egito papiros coptas e gregos de Afrodite papiros árabes do Faium e de Ashmunayn28 enfim no século X algumas peças de arquivos fatímidas e que concernem especificamente a esse país a maior parte de nossas fontes narrativas no sentido amplo ou indireto é comum a toda a África É uma característica evidente nas obras geográficas e que pode ser percebida em vários textos jurídicos Portanto parece mais cômodo proceder nesse caso a um inventário por gênero destacando todavia a sucessão cronológica e sem perder de vista a estrutura regional As crônicas a Não dispomos de nenhuma crônica anterior ao século IX Mas foi no século VIII que se elaborou a informação oral tendo como centro incontestável o Egito com exceção da costa oriental da África em ligação comercial direta com o Iraque meridional Por outro lado o caráter excêntrico do Egito do Magreb e a fortiori do Sudão fez com que mesmo no século IX século da explosão da historiografia 28 São importantes os trabalhos de GROHMANN Arabie papyri in the Egyptian Library 5 v 1934 1959 Einführung und Chrestomathie der Arabischen Papyrus kinde Praga 1955 Os papiros gregos e coptas foram estudados por H BELL Para os registros fatímidas SHAYYAL Majmû at al Wathâ iq al Fâtimiyya Cairo 1958 95 As fontes escritas anteriores ao século XV árabe lhe fosse reservado um pequeno lugar nas grandes tarikh29 alTabari al Dinawari al Baladhori dos Ansab al Ashraf focalizadas no Oriente Deve se fazer exceção a uma crônica até recentemente quase desconhecida a tarikh de Khalifa b Khayyat30 Esse livro não constitui apenas a mais antiga obra de anais árabes Khalifa morreu em 240 H conservou também materiais antigos negligenciados por alTabari a destacar principalmente suas indicações sobre a conquista do Magreb Enquanto a tradição medinense deixou na obscuridade a conquista do Egito e do Magreb dos Maghazi dos quais apenas os traços mais evidentes são referidos de modo conciso nos Futuh al Buldan de Baladhori um jurista egípcio dedica se exclusivamente ao assunto numa obra que constitui o documento mais importante do século IX Os Futuh Misr wa l Maghrib31 de IbnAbd al Hakam semelhantes a uma crônica ou a uma obra de maghazi são na realidade uma coletânea de tradições jurídicas que distorcem a informação histórica32 b Após um século de silêncio33 850950 surge uma obra fundamental que parece não ter sido explorada em todas as suas dimensões o Kitab Wulat Misr wa Qudhatuha de Kindi morto em 961 Essa obra biográfica que não é uma crônica embora possa ser tratada como tal não apenas encerra dados precisos e de primeira mão sobre o Egito mas também devido aos primeiros laços dessa província com o Magreb se revela uma das fontes mais seguras para o conhecimento do Magreb no século VIII34 O século X é o século ismailiano do Islã e do Islã africano principalmente consultar se ão assim os escritos 29 Todavia é importante assinalar que um dos primeiros historiógrafos árabes UMAR B SHABBA nos legou o mais antigo testemunho árabe relativo aos Negros texto reproduzido por AL TABARI Tarikh t VII p 609 614 Trata se da revolta dos Sudan em Medina em 145 H 762 atestando uma forte presença africana no alto período Esse texto não foi comentado até agora 30 Editado em Najaf em 1965 por UMARI com prefácio de A S al ALI 344 p 31 Editado por TORREY em 1922 traduzido parcialmente por GATEAU reeditado no Cairo por AMIR em 1961 Sobre as precauções que devem ser tomadas para sua utilização R BRUNSCHWIG Ibn Abd al Hakam et la conquête de lAfrique du Nord par les Arabes Annales de lInstitut dEtudes orientales dAlger VI 1942 1947 estudo hipercrítico que não nos parece prejudicar a contribuição desse texto fundamental para o Egito útil para a Ifrikya importante para o mundo negro eventuais contatos de Uqba com o Fezzan negados por BRUNSCHWIG num outro artigo o famoso tratado chamado Baqt com os núbios 32 Não há muita coisa para se extrair de um compilador tardio UBAYD ALLAH B SALIH descoberto e magnificado por E LÉVI PROVENÇAL cf Arabica 1954 p 35 42 como uma nova fonte da conquista do Magreb E LÉVI PROVENÇAL é seguido em seu julgamento por MAUNY in Tableau op cit p 34 cuja análise das fontes árabes cuidadosa e exaustiva não se preocupa muito com a crítica rigorosa 33 Com exceção de algumas crônicas anônimas interessantes como al Iman wa s Siyasa Cairo 1904 do pseudo Ibn QUTAYBA e o anônimo Akhbar MADJMUA Madri 1867 34 Editado por R GUEST em 1912 e reeditado em Beirute em 1959 96 Metodologia e pré história da África xiitas como a Sirat al Hajib Ja far mas sobretudo a Iftitah ad Da wa do Cadi al NuMan obra fundamental sem muitas datas mas rica em informações sobre o início do movimento fatímida35 c A primeira metade do século XI presenciou a redação do famoso Tarikh de al Raqiq morto em 1028 fonte fundamental A obra é considerada perdida mas o essencial foi retomado por compiladores como Ibn al Idhari Recentemente um fragmento dedicado à alta época ifriqiyana descoberto pelo marroquino Mannuni foi editado em Túnis 1968 por M Kaabi sem que com segurança possamos atribuí la a Raqiq36 Em todas essas crônicas o lugar reservado à África negra é mínimo Além disso elas exigem do historiador uma crítica rigorosa uma confrontação constante dos dados entre si e com os de outra origem O historiador do Magreb e do Egito principalmente não pode parar nesse ponto um conhecimento profundo do Oriente é absolutamente necessário A utilização dessas fontes deve então ser completada com a utilização em profundidade das crônicas orientais clássicas Fontes geográficas São importantes e numerosas a partir do século IX Quer pertençam ao gênero cartográfico do Surat al Ardh ilustrado por al Khwarizmi à geografia administrativa à categoria dos itinerários e países Masalik ou simplesmente à de viagem mais ou menos romanceada os documentos geográficos escritos em árabe ilustram um desejo de apreensão da totalidade do oekumene Assim não é de surpreender que a África negra esteja representada nessas fontes e que sejam elas elemento fundamental do nosso conhecimento dessa África A coletânea exaustiva compilada por Kubbel e Matveïev37 que se interrompe no século XII mostra que dos 40 autores que falaram da África negra 21 são geógrafos e seus textos são os mais ricos em conteúdo Mas não poderíamos tirar real proveito dessas fontes sem um trabalho crítico preliminar O historiador da África negra deve recolocar as obras geográficas árabes dentro de seu contexto cultural próprio Em que medida por exemplo tal descrição corresponde à realidade e em que medida não é reflexo dos temas repetidos do Adab com seus diversos componentes38 Qual é a parte da 35 Publicado em Túnis por M DACHRAOUI e em Beirute 36 M TALBI negou declaradamente a autoria a al RAQIQ in Cahiers de Tunisie XIX 1917 p 19 e segs sem entretanto chegar verdadeiramente a convencer A incerteza portanto subsiste 37 KUBBEL L E e MATVEÏEV v V 1960 e 1965 Ver também CUOQ J 1975 38 MIQUEL A 1967 e 1975 97 As fontes escritas anteriores ao século XV herança grega da herança iraniana da própria tradição árabe a da compilação a da observação concreta Mas por outro lado deve se exercer a crítica dos textos a partir do interior isto é com um conhecimento aprofundado da história da África tomando se cuidado para não ler essa história apenas em fontes essencialmente geográficas Mas é inadmissível o ponto de vista estritamente ideológico daqueles que por islamofobia39 preocupação mal colocada de um africanismo introvertido recusam o exame aprofundado dessas fontes40 Da plêiade de geógrafos que da metade do século IX a meados do século XI concederam um lugar à África quase todos estão nesse caso somente alguns transmitem uma informação original e séria Ibn Khordadhbeh Yakub morto em 897 al Masudi 965 Ibn Hawkal 977 al Biruni41 Yakub viajou pelo Egito e Magreb deixando nos um relatório substancial desses países Tanto na sua Tarikh como em seus Buldan42 encontram se inúmeras informações relativas ao mundo negro sobre a Etiópia o Sudão a Núbia os Bejja os Zendj No Sudão menciona os Zghawa do Kanem e descreve seu habitat ao descrever o importante reino de Gana trata do problema do ouro assim como ao falar do Fezzan refere se ao problema dos escravos São ainda mais detalhados os Masalik43 de Ibn Hawkal que visitou a Núbia e talvez o Sudão ocidental sua descrição vale sobretudo pela ideia que dá das relações comerciais entre o Magreb e o Sudão Quase todos os outros geógrafos do século X fazem observações sobre a África negra Ibn al Fakih sobre Gana e Kuki o viajante Buzurg Ibn Shariyan sobre a costa oriental e os Zendj e Muhallabi que conservou em seu tratado fragmentos de Uswani Finalmente o Campos de Ouro de al Masudi 965 é rico em informações sobre os Zendj e a costa oriental Desde cedo esses 39 Ver sobre esse assunto a posição bastante crítica de L FROBENIUS e a de J ROUCH Contribution à lhistoire des Songhay Dacar 1953 Que denuncia sobretudo a deformação ideológica das crônicas sudanesas 40 É verdade que esses textos se aplicam sobretudo ao cinturão sudanês e que por esse motivo uma leitura unilateral das fontes árabes sem o auxílio da arqueologia pode falsear a perspectiva Mas não se pode dizer que faltava objetividade aos autores árabes Quanto a lastimar o caráter fragmentário e desordenado de seus escritos significaria abandonar o ponto de vista do historiador para adotar o do historiador da literatura Encontraremos julgamentos variados em N LEVTZION Será útil também referirmo nos à comunicação de I HRBEK no XII Congresso internacional das ciências históricas em Viena Atas p 311 e segs Ver também T LEWICKI Perspectives nouvelles sur lhistoire africaine relatório do Congresso de Dar es Salam 1971 e Arabic external sources for the History of Africa to the South of the Sahara Wroclaw Warszawa Krakow 1969 41 Ver Correio da Unesco jun 1974 42 Editado na Bibliotheca Geographorum arabicorum t 7 de GOEJE como a maioria dos geógrafos árabes A tradução de G WIST sob o título de Livre des Pays é útil mas nem sempre precisa 43 Kitab al Masalik wa l Mamalik B G A II KUBBEL L E e MATVEÏEV V V II p 33 e segs 98 Metodologia e pré história da África textos chamaram a atenção dos especialistas africanistas e orientalistas como Delafosse Cerulli44 Kramers45 e Mauny46 Fontes jurídicas e religiosas Os tratados de direito e as viagens hagiográficas de Tabakat desde a Mudawwana de Sahnun até os tratados caridjitas constituem rico manancial de informações sobre o Magreb alguns são utilizáveis para a região saariana de contato com a África negra A crônica sobre os imãs rustêmidas de Taher de Ibn al Saghir início do século X47 permite nos afirmar a existência a partir do fim do século VIII de relações comerciais entre o principado ibadita e Gao Permite nos também completada por compilações posteriores tais como as Siyar de al Wisyani identificar a ocorrência desse comércio em toda a orla saariana da África do Norte Mas essas fontes hagiográficas só fornecem informações de maneira alusiva devem ser lidas de acordo com uma problemática prefixada e constantemente comparadas com outros tipos de fontes Não autorizam em nossa opinião construções e deduções ousadas como a que propõe Lewicki A segunda idade islâmica 1050 1450 O que caracteriza esse longo período é a riqueza a qualidade e a variedade de nossa informação As fontes arquivísticas sempre secundárias em relação aos documentos literários escritos são contudo importantes documentos da Geniza cartas almorávidas e almoadas registros de Waqf fatwas documentos italianos peças oficiais intercaladas nas grandes compilações Os cronistas produzem obras de primeira ordem que valem tanto pela observação dos fatos a eles contemporâneos como pela reprodução de antigas fontes perdidas Finalmente no que se refere à África negra nosso conhecimento atinge seu ponto máximo enquanto com os manuscritos etíopes surgem novos documentos africanos 44 Documenti arabi per la storia dell Ethiopia 1931 45 Djughrafiya Enciclopédia do Islã LErythrée décrite dans une source arabe du Xe siècle Atti dei XIX Congresso degli Orientalisti Roma 1938 46 O primeiro capítulo de seu Tableau é um inventário sistemático das fontes geográficas 47 Publicada nas Actes du XIVe Congrès international des orientalistes 3a parte 1908 e estudada por T LEWICKI 1971 v 13 p 119 e segs 99 As fontes escritas anteriores ao século XV Fontes arquivísticas Valem unicamente para o Egito e o Magreb a Dispomos atualmente dos documentos da Geniza do Cairo que cobrem toda a época em consideração a maior parte entretanto é do período fatímida e apenas alguns pertencem aos séculos mamelucos Esses documentos constituem um bricabraque de papéis de família de correspondência comercial que refletem as preocupações da comunidade judaica do Egito e outros lugares A utilização dos documentos escritos em língua árabe e em caracteres hebraicos não datados exige um certo número de precauções técnicas Mas mesmo como são eles representam um manancial inesgotável de informações48 Pode se classificar na mesma categoria a dos arquivos particulares os registros de Waqf numerosos para a época mameluca conservados pelo Cartório do Cairo49 assim talvez como os fatwas da época haféssida b Por outro lado os documentos europeus relativos ao Egito e ao Magreb datados dos séculos XII XIII e XIV pertencem em parte ao domínio privado e em parte ao domínio público São mantidos nos arquivos públicos e privados de Veneza Gênova Pisa Barcelona e consistem de tratados contratos cartas em geral referentes a relações comerciais Apenas alguns foram publicados por Amari e Mas Latrie50 Oferecem no conjunto uma massa documentária capaz de ampliar o campo da investigação no domínio da história econômica e social c Não temos propriamente dito arquivos de Estado relativos a essa época Mas foram conservadas e publicadas peças oficiais almorávidas e almóadas que lançaram uma nova luz sobre a ideologia e as instituições produzidas pelos dois movimentos imperiais51 Começamos comenta Laroui a ver o almoadismo de dentro já não é impossível escrever uma história religiosa e política da 48 São importantes os trabalhos de S D GOITEIN artigo Geniza in E I 2a ed The Cairo Geniza as source for mediterranean social history Journal of the American Oriental Society 1960 S D GOITEN começou a publicar um estudo muito importante sobre as fontes da Geniza A Mediterranean society the jewish communities of lhe Arab world as portrayed in the Documents of the Cairo Geniza v I Economics Foundations Berkeley Los Angeles 1967 S SHAKED A tentative bibliography of Geniza documents Paris La Haye 1964 H RABIE 1972 p 1 3 Um grande número desses documentos encontra se no British Museum e em Cambridge 49 RABIE H 1972 p 6 8 e 200 50 AMARI I diplomi arabi dei R Archivio Fiorentino Florence 1863 MAS LATRIE Traités de paix et de commerce et documents divers concernant les relations des Chrétiens avec les Arabes dAfrique septentrionale au Moyen Âge Paris 1866 suplemento 1872 51 Lettres officielles almohavides editadas por H MUNIS e A M MAKKI trente sept lettres officielles almohades editadas e traduzidas por E LEVI PROVENÇAL Rabat 1941 Al Baydaq Documents inédits dhistoire almohade ed e trad francesa por E LEVI PROVENÇAL Paris 1928 100 Metodologia e pré história da África dinastia52 De época mais antiga encontramos no Egito enciclopédias histórico jurídicas que reúnem inúmeros documentos oficiais a descrição detalhada que nos oferecem das estruturas fiscais e institucionais do Egito provém em geral de uma consulta prévia a documentos públicos Nesse gênero meio arquivístico meio de crônica podemos classificar os Qawanin al Dawawin de Mammati época aiúbida o Minhadj de Makhzum Subh al sha al Kalkashandi século XIV e as inúmeras obras de al Makrizi dentre as quais os valiosos Khitat século XV53 Al Makrizi é uma fonte preciosa não só para toda a história do Egito islâmico mas também para a história da Núbia do Sudão e da Etiópia54 Fontes narrativas a Crônicas após um século de silêncio o século XII no decorrer do qual encontramos quase apenas o anônimo al Istibsar e obras menores os séculos XIII e XIV nos oferecem uma safra de crônicas ricas em todo ponto de vista desde o Kamil de Ibn al Athir até o Kitab al Ibar de Ibn Khalduri passando por Ibn al Idhari al Nuwairi Ibn Abi Zar al Dhahabi Testemunhas de seu tempo esses homens realizaram também um esforço de síntese dos acontecimentos dos séculos anteriores Nuwairi é tão importante para os Mamelucos como para a conquista do Magreb55 Ibn Idhari tanto para a história almoada como para todo o passado da Ifrikya e o conhecimento de Ibn Khaldun enfim sobre o mundo berbere o faz autoridade suprema em matéria de história da África b Geografia os tratados de geografia aparecem em abundância nesses quatro séculos Seu valor varia conforme o autor e conforme a região descrita Dois geógrafos destacam se da maioria pela amplitude e qualidade de sua observação al Bakri 1068 no século XI e alUmari morto em 1342 no século XIV Enquanto obra tão notória como a de Idrisi é discutível e discutida podemos obter informações originais em obras geográficas menos conhecidas a de Ibn 52 LAROUI A 1970 p 162 53 RABIE H 1972 p 10 20 54 Seu Kitab al Ilman nos dá uma relação dos reinos muçulmanos da Etiópia emprestada é verdade de UMARI Um trecho foi publicado em Leyde em 1790 sob o título de Historia regum islamicorum in Abyssinia 55 Mas esse fragmento conserva se ainda em manuscrito na Biblioteca Nacional do Cairo Assinalemos que IBN SHADDAD autor de uma história agora perdida de Kairuan é considerado uma das fontes principais de IBN AL ATHIR e de NUWAIRI Recentemente foi editada obra anônima o Kitab al Uyun em Damasco por M Saidi com informações interessantes sobre o Magreb 101 As fontes escritas anteriores ao século XV Said por exemplo tão interessante para o Sudão56 Os Masalik e Namalik57 de Bakri representam o apogeu de nosso conhecimento geográfico do Magreb e do Sudão O próprio Bakri não viajou nessas regiões mas utilizou inteligentemente as notas de al Warraq hoje perdidas assim como informações de mercadores e viajantes O Livro de Roger de al Idrisi 1154 no prelo na Itália toma emprestado muita coisa de seus predecessores Confusa quando trata da Etiópia sua descrição torna se mais precisa para a África ocidental Mas aqui e ali aparece uma observação original às vezes preciosa A Geografia de Ibn Said al Gharnata antes de 1288 utiliza se de Idrisi em sua descrição da Etiópia embora traga também informações novas Mas seu interesse principal deve se à descrição que faz do Sudão amplamente baseada nos documentos escritos por um viajante do século XII Ibn Fatima A obra capital do século XIV para o historiador da África negra é a de alUmari Masalik al Absar58 Testemunho de um observador de primeira ordem ela é nossa principal fonte para o estudo do reino do Mali em sua organização interna e em suas relações com o Egito e o Islã Mas é também o relatório árabe mais rico que temos sobre os Estados muçulmanos da Abissínia no século XIV A obra de alUmari apresenta além do interesse de sua descrição o problema do aparecimento do Estado no Sudão e o da islamização como fazia três séculos antes al Bakri relativamente ao problema do grande comércio de ouro Este último autor evoca a profundeza dos laços entre o Magreb e o Sudão o primeiro sugere o deslocamento desses laços para o Egito A obra de Umari é completada por outra de um observador direto da realidade sudanesa e magrebiana Ibn Battuta Mas os geógrafos menores e autores de narrativas de viagens são numerosos e devem de qualquer modo ser consultados Citemos al Zuhri século XII Yakut al Dimashki século XIV a geografia dita Mozhaferiana Ibn Jubayr al Baghdadi Abdari Tijani al Balawi al Himyari c Fontes de inspiração religiosa e literária as fontes religiosas provêm de vários horizontes Notemos as obras de Tabakat e de hagiógrafos sunitas caridjitas marabúticos e mesmo cristãos originários da comunidade copta Citemos 56 Para uma relação completa dos geógrafos ver L KUBBEL e V V MATVEÏV juntamente com o primeiro capítulo de R MAUNY 1961 pela nota de T LEWICKI 1971 e a introdução da tese de A MIQUEL 1967 57 Publicado e traduzido por DE SLANE sob o título Description de lAfrique septentrionale Paris 1911 58 Parcialmente traduzido por M GAUDEFROY DEMOMBYNES sob o título LAfrique moins lEgypte Paris 1927 102 Metodologia e pré história da África figura 51 Manuscrito árabe verso n 2291 fólio 103 Ibn Battuta 2a parte referência ao Mali Fot Bibl Nac Paris 103 As fontes escritas anteriores ao século XV também os manuscritos das igrejas etíopes que reproduzem documentos oficiais em suas margens Todos esses documentos mostram se úteis não apenas para o conhecimento da evolução da sensibilidade religiosa e do mundo religioso mas também para o conhecimento do mundo social Obras como o Riyah de Malik ou os Madarik de Iyadh são ricas em observações sociológicas encontráveis no decorrer da exposição As fontes caridjitas como sabemos são importantes para toda a região saariana do Magreb zona de contato com os Negros Al Wisyani Darjini Abu Zakariya e mesmo um autor tardio como al Shammakhi são seus principais representantes Enfim toda a massa de material em língua árabe ou em copta produzida no Egito medieval pela Igreja local traz esclarecimentos sobre as relações entre as igrejas e entre a hierarquia eclesiástica e o Estado59 São numerosas as fontes propriamente literárias sobre esse período referem se quase que exclusivamente ao Magreb e ao Egito Ainda nessa categoria os Ras alAin de al Qahi al Fadhil e especialmente o grande dicionário de Safadi al Wafibi l Wafayat ocupam um lugar à parte Portanto no que diz respeito à segunda Idade Islâmica nossa documentação é abundante variada e em geral de boa qualidade em contraste com o período precedente Na África propriamente islâmica esses escritos trazem muitos esclarecimentos sobre o funcionamento das instituições e sobre as tendências profundas da história Já não se contentam em traçar apenas um simples quadro político No que concerne à África negra o século XIV é o período do apogeu de nosso conhecimento Espera se no entanto que documentos europeus e autóctones nos permitam aprofundar esse conhecimento e ampliá lo de forma a abranger regiões que até o momento se mantêm na obscuridade Conclusão Não seria exato pensar que o estado das fontes escritas do continente africano antes do século XV seja de extrema pobreza mas a verdade é que no conjunto a África é menos provida que a Europa e a Ásia Todavia enquanto em uma grande parte do continente não existem fontes escritas nas regiões restantes o conhecimento histórico é possível e baseia se no caso do Egito numa documentação excepcionalmente rica Isso significa que uma exploração rigorosa 59 Patrologie orientale coleção essencial Entre as obras que nos dizem respeito citemos as de SEVERO DE ALEXANDRIA século I e de IBN MUFRAH século XI interessantes para a Etiópia Kitab Siyar al Aba al Batariqa Cf também MIGUEL o Sírio ed trad Chabot 3 v 1899 1910 104 Metodologia e pré história da África e atenta desses textos ainda pode contribuir muito embora não se possam esperar grandes descobertas É preciso que nos dediquemos com urgência a todo um trabalho de crítica textual de reedição de confrontação e de tradução já iniciado por alguns pioneiros e que deve ser continuado Por outro lado ainda que nossas fontes tenham sido redigidas no quadro de culturas universais cujo ponto focal se situa fora da África culturas clássicas cultura islâmica têm a vantagem de ser em sua maioria comuns a todos podendo ser lidas numa perspectiva africana mantidas as devidas ressalvas quando diante de qualquer pressuposto ideológico Isso é particularmente verdadeiro para o caso das fontes árabes que continuam sendo a base essencial de nosso conhecimento Sua exterioridade relativa ou absoluta em relação a seu objeto não diminui em nada seu valor a não ser pela distância Não obstante devam ser reconhecidas as diferenças socio culturais é fato que essas fontes valorizam uma certa solidariedade de comunicação africana à qual até agora islamistas e africanistas nem sempre têm se mostrado sensíveis C A P Í T U L O 6 105 As fontes escritas a partir do século XV Paralelamente a profundas mudanças em todo o mundo e em especial na África no final do século XV e princípio do século XVI ocorreram transformações no caráter proveniência e volume das fontes escritas para a história da África Observa se em relação ao período precedente um certo número de novas tendências na produção desse material algumas referentes a todo o continente outras a apenas algumas partes em geral à África ao sul do Saara Inicialmente ao lado do contínuo crescimento de todos os tipos de fontes narrativas narrativas de viajantes descrições crônicas etc surgem numerosos materiais de caráter primário como correspondências e relatórios oficiais comerciais ou missionários escrituras legais e outros documentos arquivísticos raramente encontrados antes desse período Se por um lado a abundância crescente desse material oferece ao historiador um auxílio muito maior por outro torna muito mais difícil uma visão de conjunto Pode se observar também uma nítida diminuição no volume das fontes narrativas árabes para a África ao sul do Saara Não obstante surge nesse período a literatura histórica escrita em árabe por autóctones e é somente a partir dessa época que se faz ouvir a voz de autênticos africanos falando de sua própria história Os mais antigos e mais conhecidos exemplos dessa historiografia local As fontes escritas a partir do século XV I Hrbek 106 Metodologia e pré história da África provêm do cinturão sudanês e da costa africana oriental em outras partes da África tropical só mais tarde é que essa evolução se fará notar Nos últimos duzentos anos os africanos também começaram a escrever em suas próprias línguas usando primeiramente o alfabeto árabe por exemplo em kiswahili haussa fulfulde kanembu diula malgaxe etc e mais tarde o latino Mas também existem materiais históricos e outros em escrita de origem genuinamente africana como os alfabetos bamum e vai Uma terceira tendência resultante da anterior é o aparecimento de uma literatura em inglês e em menor grau em outras línguas europeias feita pelos africanos escravos libertados ou seus descendentes na América conscientes de seu passado africano figura 61 Facsímile de manuscrito bamum Museu do IFAN 107 As fontes escritas a partir do século XV Finalmente temos as narrativas em várias línguas europeias que aos poucos vão ocupando o espaço das fontes árabes A quantidade de obras dessa natureza aumenta progressivamente e nos séculos XIX e XX atinge um tal volume que só os livros de referência bibliográfica poderiam ser contados às dezenas Apesar de todas as mudanças houve evidentemente uma continuidade na historiografia de algumas regiões da África especialmente na do Egito Magreb e Etiópia Nesses países os cronistas e biógrafos mantiveram viva a tradição herdada do período anterior Enquanto no Egito e em parte na Etiópia observou se um certo declínio na qualidade e mesmo quantidade desses trabalhos o Magreb e em particular o Marrocos continuaram a produzir competentes estudiosos que contribuíram grandemente para a história de seus países As áreas geográficas cobertas por fontes escritas também vão registrar uma evolução Enquanto até o século XVI as margens do Sahel sudanês e uma estreita faixa da costa oriental africana formavam os limites do conhecimento geográfico e portanto histórico a nova época viria gradualmente acrescentar a esse espaço novas regiões antes não mencionadas por aquele tipo de fontes A quantidade e a qualidade dessas fontes variam bastante evidentemente de uma região para outra e de um século para outro tornando a classificação por língua caráter propósito e origem dos documentos ainda mais complexa De modo geral registrou se uma expansão da costa para o interior O movimento foi bastante lento só ganhando aceleração no fim do século XVIII A costa africana e seu interior imediato já no século XV haviam sido descritos pelos portugueses de modo sumário Nos séculos seguintes as fontes escritas já então em várias línguas começaram a registrar informes mais detalhados e abundantes sobre as populações costeiras Os europeus penetraram no interior somente em algumas regiões no Senegal e na Gâmbia no delta do Níger e no Benin no Reino do Congo e pelo Zambeze até o Império de Monomotapa trazendo assim essas áreas para o horizonte das fontes escritas Ao mesmo tempo algumas partes da África até então praticamente inexploradas tornaram se mais conhecidas como por exemplo a costa sudoeste africana e Madagáscar Um território muito maior era coberto por fontes escritas em árabe A escola historiográfica sudanesa à medida que ia obtendo informações sobre regiões até então desconhecidas estendia se a outros países sobretudo em direção ao sul de modo que no século XIX toda a região entre o Saara e a floresta e em alguns pontos até a costa podia se considerar coberta por fontes escritas locais Já no interior vastas regiões tiveram que esperar até o século XIX pela produção das primeiras narrativas escritas dignas de confiança 108 Metodologia e pré história da África Mesmo nas regiões costeiras pode se constatar grandes diferenças no que diz respeito à informação histórica em geral a costa atlântica é mais bem provida de documentos escritos que a costa oriental e também a quantidade de material disponível para o antigo Congo a Senegâmbia a costa entre o cabo Palmas e o delta do Níger é muito maior que para a Libéria Camarões Gabão ou Namíbia por exemplo A situação difere também quanto aos períodos há muito mais informação escrita para a costa oriental Benin ou Etiópia nos séculos XVI e XVII que no XVIII e para o Saara mais na primeira metade que na segunda metade do século XIX Devido a essa distribuição irregular dos materiais em relação tanto a espaço tempo e caráter quanto a sua origem e língua é preferível examiná los sob diferentes critérios ao invés de adotar um único procedimento Consequentemente nós os apresentaremos em alguns casos de acordo com as regiões geográficas em outros de acordo com suas origens e caráter África do Norte e Etiópia África do Norte Os materiais para a África do Norte de língua árabe como os de outras partes do continente passaram por algumas profundas mudanças em comparação com o período anterior o mesmo não ocorrendo no entanto com as narrativas históricas locais que continuaram como anteriormente a relatar os principais acontecimentos da maneira tradicional Nenhuma figura comparável aos grandes historiadores árabes da Idade Média surgiu entre os cronistas e compiladores dessa época e a abordagem crítica do historiador preconizada por Ibn Khaldun não foi seguida por seus sucessores A historiografia árabe moderna só vai aparecer no século XX As mudanças que se fazem sentir dizem respeito principalmente a dois tipos de fontes os documentos arquivísticos de diversas origens e os escritos europeus Somente a partir do início do século XVI os materiais primários tanto em árabe como em turco começam a aparecer em maior abundância Os arquivos otomanos são comparáveis em volume e importância aos mais ricos da Europa mas àquela época raramente eram utilizados e estudados por historiadores dessa parte da África É do mesmo período que remontam os arquivos secundários dos países que faziam parte do Império Otomano Egito Tripolitânia Tunísia e Argélia1 Um caso 1 DENY J 1930 MANTRAN R 1965 LE TOURNEAU R 1954 109 As fontes escritas a partir do século XV especial é o do Marrocos que sempre conservou sua independência e seus arquivos preservaram um rico material histórico2 Os documentos são principalmente de arquivos governamentais administrativos e jurídicos os materiais relativos ao comércio à produção à vida social e cultural são menos numerosos pelo menos os de antes do século XIX Isto se deve em parte à falta de arquivos particulares que forneçam informações valiosas para a história econômica e social da Europa Para alguns países e períodos esta lacuna pode ser preenchida por exemplo o material sobre o Marrocos encontrado em muitos países europeus foi coligido e publicado no trabalho monumental de Henri de Castries3 A compilação de coleções similares ou ao menos o arrolamento dos documentos relativos aos demais países da África do Norte está entre as tarefas mais urgentes do futuro próximo Examinando agora as fontes narrativas em árabe pode se constatar uma retração constante na quantidade e na qualidade dos escritos históricos na África do Norte com exceção apenas do Marrocos onde as escolas tradicionais de cronistas continuaram a produzir histórias detalhadas das duas dinastias xerifinas até a época atual Pode se citar como exemplo a Masul de Mokhtar Soussi em vinte volumes e a Histoire de Tetouan em vias de publicação4 Da corrente ininterrupta de historiadores podemos indicar apenas alguns nomes entre os mais destacados A dinastia Sádida encontrou um excelente historiador em al Ufrani morto em c 17385 que cobriu os anos 1511 1670 o período seguinte 1631 1812 foi descrito detalhadamente pelo maior historiador marroquino desde a Idade Média al Zay morto em 18336 enquanto al Nasiri al Slawi morto em 1897 escreveu uma história geral de seu país com ênfase especial no século XIX combinando os métodos tradicional e moderno usando entre outros documentos de arquivos Ele é o autor também de uma obra geográfica bastante rica em informações sobre a vida social e econômica7 A essas obras estritamente históricas devem ser acrescentadas as narrativas de viajantes em sua maioria peregrinos que descreveram não apenas o Marrocos mas também outros países árabes até a Arábia As duas melhores narrativas desse tipo são as escritas por al Ayyashi de Sijilmasa morto em 1679 e Ahmad el Darci de Tamgruti nas proximidades 2 MEKNASI A 1953 AYACHE G 1961 3 Les Sources inédites de lhistoire du Maroc 24 v Paris 1905 1951 4 LÉVI PROVENÇAL E 1922 MOKHTAR SOUSSI Masul 20 v publicados DAOUD Histoire de Tetouan 5 Ed e trad por O HOUDAS Paris 1889 6 HOUDAS Paris 1886 7 Ed no Cairo em 1894 em 4 v Muitas traduções parciais em francês e espanhol 110 Metodologia e pré história da África do Saara morto em 17388 outros textos interessantes são o relatório de el Tamghruti embaixador marroquino junto à corte otomana em 1589 15919 e a Rihla de Ibn Othman embaixador do Marrocos junto à corte de Madri Nos países entre o Marrocos e o Egito as crônicas locais não eram tão abundantes nem tinham a mesma qualidade No que diz respeito à Argélia há histórias anônimas em árabe e em turco de Aru e Khayruddin Barbarossa10 e uma história militar que vai até 1775 de Mohammed el Tilimsani11 A história da Tunísia pode ser reconstituída graças a uma série de anais desde el Zarkachi até 152512 até Maddish el Safakusi morto em 181813 Uma história de Trípoli foi escrita por Mohammed Ghalboun 173914 As crônicas e biografias ibaditas como a de al Shammakhi morto em 1524 merecem atenção especial já que fornecem muitas informações valiosas sobre o Saara e o Sudão15 Biografias ou dicionários biográficos gerais ou específicos na maior parte consagrados a pessoas proeminentes eruditos advogados príncipes místicos escritores etc geralmente combinam materiais biográficos com narrativas históricas esclarecendo muitos aspectos da história cultural e social Obras desse gênero proliferaram em todos os países árabes especialmente no Marrocos Mesmo algumas poesias às vezes em dialetos vernáculos podem servir como fontes históricas como por exemplo os poemas satíricos do egípcio el Sijazi morto em 1719 em que ele descreve os principais acontecimentos de sua época16 No que se refere à história do Egito otomano deve se recorrer a crônicas em grande parte ainda inéditas e inexploradas O Egito produziu nesse período apenas dois grandes historiadores um no início do domínio turco o outro exatamente no fim Ibn Iyas morto em 1524 fez um registro diário da história de sua época oferecendo assim uma riqueza de detalhes raramente encontrada em outras obras17 el Jabarti morto em 1822 é o cronista dos últimos dias do domínio otomano da ocupação napoleônica e da ascensão de Mohammed 8 Ambas traduzidas por S BERBRUGGER Paris 1846 9 Traduzido por H de CASTRIES Paris 1929 10 Editado por NURUDDIN Argel 1934 11 Traduzido por A ROUSSEAU Argel 1841 12 Traduzido por E PAGNA Constantina Sd 13 Publicado em Túnis 1903 14 Publicado por Ettore ROSSI Bolonha 1936 Há também algumas crônicas turcas da Tripolitânia 15 LEWICKI T 1961 16 Mencionado por EL JABARTI 17 WIET G Journal dun bourgeois du Caire 111 As fontes escritas a partir do século XV Ali cobrindo portanto um período crucial da história do Egito18 Embora muitas crônicas e outras obras históricas de todos os países árabes tenham sido publicadas a grande maioria encontra se ainda em manuscritos espalhados por muitas bibliotecas tanto dentro como fora de seu país de origem à espera de estudo e publicação Nesse período as narrativas de viajantes europeus ganham importância crescente Embora o preconceito anti islâmico de seus autores raramente permita relatórios verdadeiramente objetivos elas trazem muitas reflexões e observações interessantes não encontradas em outros documentos já que os escritores locais consideravam muitos aspectos da vida banais e desprovidos de interesse É incontável o número de europeus viajantes embaixadores cônsules mercadores e mesmo prisioneiros entre eles Miguel de Cervantes que deixaram reminiscências e relatórios mais ou menos detalhados dos países do Magreb que visitaram o mesmo aconteceu talvez até com maior intensidade no caso do Egito que atraía muitos visitantes por sua importância comercial e a proximidade da Terra Santa19 De interesse particular é a obra monumental Description de l Egypte 24 volumes Paris 1821 1824 compilada pela comissão científica da expedição de Napoleão Bonaparte fonte inesgotável de todo tipo de informação sobre o Egito às vésperas de uma nova época No século XIX as fontes para a história da África do Norte são tão abundantes quanto para qualquer país europeu As crônicas locais e narrativas de viajantes assumem um lugar secundário em relação às fontes mais objetivas arquivos estatísticas jornais e outros testemunhos diretos ou indiretos permitindo aos historiadores empregar os métodos e abordagens clássicos elaborados para uma história amplamente documentada como a da Europa Duas regiões de língua árabe Mauritânia e Sudão oriental merecem um tratamento especial devido à sua situação particular nos limites do mundo árabe Uma característica comum das fontes nesses dois países é a predominância de biografias genealogias e poesia sobre os anais históricos propriamente ditos pelo menos até o final do século XVIII Em relação à Mauritânia várias genealogias e biografias foram publicadas por Ismaël Hamet20 a que se acrescentam poemas e outros materiais folclóricos recolhidos por René Basset e mais recentemente por H T Norris21 Um exame intensivo de novos materiais foi realizado com 18 Muitas edições uma tradução não muito digna de confiança de Chefik MANSOUR Cairo 1886 1896 19 CARRE J M Cairo 1932 20 Chroniques de la Mauritaine sénégalaise Paris 1911 21 BASSET R 1909 1940 NORRIS H T 1968 112 Metodologia e pré história da África sucesso pelo estudioso da Mauritânia Mukhtar Wuld Hamidun A primeira obra propriamente histórica remonta ao início deste século al Wasil de Ahmad al Shinqiti que é uma enciclopédia da história e da cultura mouriscas do passado e do presente22 Existe um grande número de crônicas locais manuscritas de maior ou menor valor no estilo das crônicas breves de Nema Oualata e Shinqiti23 As fontes árabes da Mauritânia são de especial interesse e importância porque em muitos casos cobrem não somente a Mauritânia propriamente dita mas também todos os países limítrofes do Sudão ocidental Devido às estreitas relações que existiram no passado entre a Mauritânia e o Marrocos as bibliotecas e arquivos marroquinos devem conter certamente um precioso material histórico para o primeiro país Além das fontes árabes há também a literatura narrativa europeia que se inicia no século XV nas regiões costeiras e no fim do século XVII nas regiões fluviais A partir do século seguinte encontramos correspondência diplomática e comercial tanto em árabe como em línguas europeias A historiografia local no Sudão oriental parece ter começado somente nos últimos anos do Sultanato Funj isto é no início do século XIX quando a tradição oral foi registrada por escrito no texto chamado Crônica de Funj do qual existem várias versões24 São fontes valiosas as genealogias de vários grupos árabes25 assim como o grande dicionário biográfico de estudiosos sudaneses o Tebaqat escrito por Wad Dayfallah que constitui um rico manancial de informações sobre a vida social cultural e religiosa do Reino Funj26 O mais antigo visitante estrangeiro conhecido foi o viajante judeu David Reubeni em 1523 Até o século XIX há apenas um pequeno número de obras valiosas mas entre elas se encontram as narrativas de observadores particularmente lúcidos como James Bruce em 1773 W G Browne 1792 1798 e el Tounsy 1803 sendo os dois últimos os primeiros a visitar Darfur27 Na primeira metade do século XIX o Sudão foi de toda a África tropical a região mais visitada por viajantes Suas narrativas são inumeráveis e de variada qualidade enquanto fontes históricas Até a década de 1830 não existe nenhuma fonte escrita para as regiões do alto vale do Nilo ao sul da latitude 12 mas a parte norte é fartamente coberta por documentos arquivísticos do Egito arquivos do Cairo e 22 AL SHINQITI A AlWasit fi tarajim udaba Shinqit Cairo 1910 e muitas edições novas Trad francesa parcial St Louis 1953 23 MARTY P 1927 NORRIS In BIFAN 1962 MONTEIL V In BIFAN 1965 n 3 4 24 Estudado por M SHIBEIKA In Tarïkh Mulk al Sudan Khartum 1947 25 Recolhidas por H A MACMICHAEL In History of the Arabs in the Sudan II Cambridge 1922 juntamente com outros documentos históricos 26 A edição comentada mais atualizada é de Yusuf FADL HASAN Khartum 1971 27 BRUCE J 1790 BROWNE W G 1806 EL TOUNSY Omar 1845 113 As fontes escritas a partir do século XV em menor número europeus São de extrema importância para os últimos vinte anos do século XIX os registros do Mahdiyya que consistem em cerca de 80 mil documentos árabes conservados em sua maioria em Cartum Etiópia A situação da Etiópia é análoga à da África do Norte no que respeita às fontes escritas Como nos países daquela região da África na Etiópia o historiador tem à sua disposição uma grande variedade de documentos tanto internos como externos Pode até empregar material de fontes opostas para alguns períodos cruciais caso por exemplo da invasão muçulmana de Ahmed Gran na primeira metade do século XVI coberta do ponto de vista etíope pela Crônica Real em gueze do Imperador Lebna Dengel e da visão muçulmana pela detalhada crônica escrita em 1543 pelo escriba de Gran Arab Faqih sem mencionar os registros portugueses de testemunhas oculares28 A redação das Crônicas Reais iniciou se no século XIII e há relativas a quase todos os reinos mesmo durante o período de declínio uma ou mais crônicas detalhadas que registram os principais eventos da época29 Essa tradição perdurou por todo o século XIX e uma boa parte do século XX como testemunha a Crônica Amárica do Imperador Menelik II30 Várias obras da literatura etíope de diferentes gêneros podem fornecer precioso material histórico como por exemplo as hagiografias as polêmicas religiosas a poesia as lendas as histórias dos mosteiros etc Um documento único é a História dos Galla do Monge Bahrey 1593 testemunha ocular da invasão galla da Etiópia31 Um século mais tarde Hiob Ludolf o iniciador dos estudos etíopes na Europa compila a partir de informações fornecidas por um especialista etíope uma das primeiras histórias gerais do país32 Sendo o único país cristão que restou na África a Etiópia naturalmente despertou muito mais interesse na Europa que as demais partes do continente isso já desde o século XV Não é de surpreender o grande número de estrangeiros viajantes missionários diplomatas soldados mercadores ou aventureiros que visitaram esse país e dele deixaram registro São não apenas portugueses 28 ARAB FAQIH 1897 1901 CASTANHOSO M 1548 trad inglesa Cambridge 1902 29 Cf PANKHURST R 1966 BLUNDEL H W 1923 30 Escrito por Gabré SELASSIÉ e traduzido para o francês Paris 1930 1931 31 Cf BECKINGHAM C F e HUNTINGFORD G W B 1954 Além da história de BAHREY esse livro contém trechos da History of High Ethiopia de ALMEIDA 1660 32 LUDOLF Hiob 1681 tradução inglesa 1682 1684 114 Metodologia e pré história da África franceses italianos e ingleses mas também muitas pessoas de vários outros países russos tchecos suecos armênios e georgianos33 Ocasionalmente surgem registros turcos ou árabes que de diversos modos complementam as outras fontes34 Da segunda metade do século XIX em diante são os documentos de arquivos de todas as grandes potências europeias como também os de Adis Abeba e mesmo os de Cartum que vão fornecer os principais materiais históricos A importância de um estudo minucioso dos documentos amáricos originais para uma interpretação correta da história foi demonstrada recentemente pela brilhante análise do tratado de Wichale 1889 feita por Sven Rubenson35 África do Sul Em comparação com outras partes do continente com exceção dos países de língua árabe e da Etiópia a África do Sul oferece para o período em estudo uma quantidade muito maior de interessantes materiais escritos na forma de arquivos e de narrativas A falta de fontes de origem genuinamente africana anteriores ao século XIX representa uma certa desvantagem não obstante muitas narrativas europeias preservarem fragmentos de tradições orais dos povos locais As informações mais antigas provêm de marinheiros portugueses ou holandeses cujos navios naufragaram na costa sudeste no decorrer dos séculos XVI e XVII36 Com o estabelecimento da colônia holandesa no Cabo 1652 a produção de materiais torna se mais rica e mais variada consiste por um lado em documentos oficiais mantidos atualmente sobretudo em arquivos da própria África do Sul mas também em Londres e Haia parcialmente publicados ou difundidos por outros meios mas em sua grande maioria inéditos37 por 33 Cf a monumental coleção de BECCARI Rerum Aethiopicarum Scriptores occidentales inediti a seculo XVI ad XX curante 15 v Roma 1903 1911 Mas muitos registros anteriormente desconhecidos foram descobertos depois de BECCARI e estão à espera de publicação e estudo 34 Por exemplo o famoso viajante turco Evliya CHELEBI morto em 1679 cuja obra Siyasat name Livro de viagens contém em seu décimo volume descrições do Egito Etiópia e Sudão O embaixador iemenita al Khaymi al Kawkabani deixou em 1647 um relato vivo de sua missão junto ao Imperador Fasílidas para cujo reino não há nenhuma crônica etíope Publicado por F E PEISER em dois volumes Berlim 1894 e 1898 35 RUBENSON Sven The Protectorate Paragraph of the Wichale Treaty JAH 5 n 2 1964 e discussão com C GIGLIO JAH 6 n 2 1965 e 7 n 3 1966 36 Cf THEAL G M 1898 1903 e BOXER C R 1959 37 Trechos de diários oficiais e outros documentos relativos a povos de fala san khoi e bantu encontram se em MOODIE D 1960 v também THEAL G M 1897 1905 115 As fontes escritas a partir do século XV outro em documentos narrativos representados por livros e artigos escritos por brancos viajantes comerciantes oficiais missionários e colonizadores todos eles observadores diretos das sociedades africanas Durante muito tempo entretanto seu horizonte geográfico permaneceu bastante restrito e foi só na segunda metade do século XVIII que começaram a penetrar realmente o interior das terras Assim é natural que as primeiras narrativas tratem dos Khoi do Cabo hoje desaparecidos A primeira descrição detalhada desse povo depois de alguns registros do século XVII38 é a de Peter Kolb 1705 171239 Durante o período holandês muitos europeus visitaram a colônia do Cabo mas muito raramente chegaram a demonstrar mais que um ligeiro interesse pelos africanos ou a aventurar se para o interior Um grande número de seus relatórios foi reunido por Godee Molsbergen e LHonoré Naber e muitos relatos menos conhecidos têm sido regularmente publicados desde a década de 1920 pela Sociedade Van Riebeeck da Cidade do Cabo40 Um retrato mais detalhado das sociedades africanas pode ser obtido nos arquivos de missionários41 ou nos registros de alguns observadores experientes do fim do século XVIII e início do XIX como Sparrman Levaillant Alberti John Barrow e Lichtenstein42 Um lugar de honra pertence a John Philips cuja vida e trabalho foram dedicados à defesa dos direitos africanos sendo por isso sua obra reveladora de aspectos raramente encontrados em relatos mais conformistas43 Com a expansão comercial missionária e colonial no século XIX material mais rico e em maior quantidade sobre os grupos étnicos africanos mais afastados tornou se acessível Embora a Namíbia fosse esporadicamente visitada no fim do século XVIII44 é somente a partir de 1830 que começam as descrições mais detalhadas da vida dos San Nama e Herero quando então os missionários iniciaram suas atividades45 e a região tornou se alvo de pesquisadores como J Alexander F Galton J Tindall e outros46 38 SHAPERS 1668 TEN RHYNE W 1686 e GREVEBROEK G 1695 Cidade do Cabo 1933 39 KOLB P 1719 40 GODEE MOLSBERGEN E C 1916 1932 LHONORÉ NABER S L 1931 41 Cf por exemplo MÜLLER D K 1923 42 SPARRMAN A 1785 LEVAILLANT F 1790 ALBERTI L 1811 BARROW J 1801 1806 LICHTENSTEIN H 1811 43 PHILIPS J 1828 44 WAITS A D 1926 45 A obra clássica de H VEDDER South West Africa in Early Times Oxford 1938 foi compilada principalmente de relatórios de missionários alemães 46 ALEXANDER Sir James 1836 1967 GALTON G 1853 Journal of Joseph Tindall 1839 1855 Cidade do Cabo 1959 116 Metodologia e pré história da África Situação análoga é observada nas áreas ao norte do rio Orange os relatórios dos primeiros comerciantes e caçadores dão lugar a uma quantidade cada vez maior de trabalhos escritos por pesquisadores e missionários melhor capacitados para a observação devido à sua maior experiência e conhecimento das línguas africanas Podemos citar por exemplo Robert Moffat E Casalis T Arbousset e outros sendo o mais conhecido evidentemente David Livingstone47 Vários documentos arquivos correspondência contratos e atas oficiais etc da história antiga do Lesoto foram coletados por G M Theal48 Uma característica positiva desse período é o surgimento de documentos que expressam pontos de vista africanos como as cartas escritas por Moshesh e outros líderes africanos Diversamente da costa o interior de Natal e da Zululândia tornou se conhecido por forasteiros somente nas primeiras décadas do século XIX Os primeiros observadores como N Isaac ou N F Fynn49 em geral eram inexperientes raramente precisos e careciam de objetividade quando tratavam dos não brancos Já os registros das tradições orais dos Zulu foram feitos relativamente cedo na década de 1880 embora só fossem publicados mais tarde por A T Bryant cujo livro deve todavia ser utilizado com cautela50 Como para outras partes da África a quantidade de materiais escritos por europeus aumentou enormemente no decorrer do século XIX e não cabe aqui examinar com mais detalhe todos os seus tipos e autores Mais interessantes são os registros das reações dos primeiros africanos letrados ou de alguns chefes tradicionais encontrados em correspondências jornais queixas diários contratos ou já mais tarde nas primeiras tentativas de redação da história de seu próprio povo Além da volumosa correspondência entre governantes africanos Moshesh Dingaan Cetwayo Mzilikazi Lobenguela Witbooi os chefes Gríqua e muitos outros e as autoridades coloniais encontramos documentos tais como as Leis 47 MOFFAT R 1842 e 1945 CASALIS E Les Bassutos Paris 1859 ed inglesa Londres 1861 T ARBOUSSET Relation dun voyage dexploration Paris 1842 ed inglesa Cidade do Cabo 1846 LIVINGSTONE D 1957 48 THEAL G M Basutoland Records 3 v Cidade do Cabo 1883 v 4 e 5 manuscritos não publicados nos Arquivos da Cidade do Cabo 49 ISAAC N 1836 FYNN N F 1950 50 BRYANT A T 1929 V também sua A History of the Zulu primeiramente publicada como uma série de artigos em 1911 1913 e depois como livro na Cidade do Cabo 1964 Cf também BIRD J The Annals of Natal 1495 1845 2 v Pietermaritsburg 1888 117 As fontes escritas a partir do século XV Ancestrais Vaderlike Wete da Comunidade Rehoboth do ano de 1874 ou o Diário de Henrik Witbooi51 ambos escritos em africâner Há numerosas petições e queixas de africanos mantidas nos arquivos da África do Sul ou em Londres assim como muitos estudos levantamentos cadastrais e estatísticos feitos com base na informação oral africana Graças ao aparecimento de jornais nas línguas vernáculas podemos acompanhar as ideias dos antigos representantes de uma sociedade em mudança No semanário Isidigimi publicado entre 1870 e 1880 apareceu a primeira crítica à política europeia e seu impacto negativo na vida africana escrita pelos primeiros protonacionalistas como Tiyo Soga morto em 1871 ou G Chamzashe morto em 1896 assim como a compilação das tradições históricas dos Xhosa por W W Gqoba morto em 1888 Outro porta voz da opinião africana desde 1884 foi Ibn Zabantsundu A Voz do Povo Negro que por muitos anos teve como editor John T Jabawu morto em 1921 Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial havia onze jornais em línguas africanas sendo publicados mas nem todos defendendo a causa dos africanos Uma das grandes figuras da época foi Ngoki morto em 1924 que após haver participado ativamente na guerra zulu de 1879 publicou nos Estados Unidos suas reminiscências assim como muitos artigos sobre a vida na África do Sul52 As primeiras histórias escritas pelos próprios africanos só vão aparecer no século XX53 inaugurando assim uma nova época na historiografia sul africana Com efeito a história dessa parte do continente foi por muito tempo enfocada do ponto de vista da comunidade branca que tendia a tratar a história dos povos africanos como algo insignificante e sem importância A luta atualmente em curso na África do Sul em todos os domínios da atividade humana requer também uma nova atitude na abordagem das fontes Uma atenção especial deve ser dispensada aos testemunhos escritos da árdua luta dos africanos por seus direitos54 Só uma pesquisa baseada em todos estes testemunhos e material dará condições para se escrever uma história verídica da África do Sul 51 As leis foram preservadas em Rehoboth e Windhoek o Diário de WITBOOI foi publicado na Cidade do Cabo em 1929 52 Cf TURNER L D 1955 53 Cf PLAATJE S T 1916 e 1930 MOLEMA S M 1920 SOGA J H The South Eastern Bantu 1930 idem Ama Xoza Life and Customs Johannesburg 1930 SOGA T B Lovedale 1936 54 Cf PLAATJE S T 1916 e 1930 MOLEMA S M 1920 SOGA J H The South Eastern Bantu 1930 idem Ama Xoza Life and Customs Johannesburg 1930 SOGA T B Lovedale 1936 118 Metodologia e pré história da África Fontes narrativas externas Se o período entre os séculos IX e XV chega a ser chamado era das fontes árabes devido à predominância de material nessa língua o período em estudo é marcado por um nítido declínio nesse aspecto As razões para essa mudança estão ligadas ao desenvolvimento político e cultural geral do mundo islâmico que serão discutidas mais apropriadamente num volume posterior Isso no entanto não significa que não haja fontes árabes mas que seu número e qualidade com algumas exceções não podem ser comparados nem com o período anterior nem com fontes de outras origens Em árabe e em outras línguas orientais Embora o trabalho de Leão o Africano conhecido originalmente como al Hasan al Wuzzan el Zayyati tenha sido escrito em italiano tem procedência na tradição geográfica árabe além disso as viagens de Leão o Africano no Sudão ocidental e central no início do século XVI foram realizadas antes de sua conversão ao cristianismo e retiro na Itália consequentemente como árabe e muçulmano O trabalho não está isento de erros tanto geográficos como históricos todavia foi que supriu a Europa por quase três séculos com seu único verdadeiro conhecimento do interior da África55 Uma fonte de particular interesse é representada pelas obras sobre navegação de Ahmad Ibn Majid início do século XVI o piloto que conduziu Vasco da Gama do Malindi até a Índia Entre seus numerosos livros sobre teoria e prática da navegação o que trata da costa leste da África é o mais importante já que contém além de uma vasta quantidade de material topográfico e um mapa das rotas marítimas opiniões categóricas sobre os portugueses no oceano Índico56 Alguns detalhes originais sobre a África oriental e o Zanj são encontrados na Crônica da Fortaleza de Aden escrita por Abu Makhrama morto em 154057 Há uma crônica mais recente que trata da mesma região de Salil Ibn Raziq morto 55 Publicado primeiramente em Roma 1550 a melhor tradução moderna é de Jean Léon o Africano Description de lAfrique de A EPAULARD com anotações de A EPAULARD T MONOD H LHOTE e R MAUNY 2 v Paris 1956 56 SHUMOVSKIY T A Tri neizvestnye lotsli Akhmada ibn Majida Três livros desconhecidos de pilotagem de A Ibn M Moscou 1937 57 Publicado por LOFGREN O Arabische Texte zur Kenntnis des Stadt Aden im Mittelalter 3 v Leipzig Upsala 1936 1950 119 As fontes escritas a partir do século XV em 1873 intitulada História dos Imanes e Sayyds de Omã à qual foi incorporado um trabalho anterior escrito na década de 1720 por Sirhan Ibn Sirhan de Omã58 O século XVIII não deixou nenhuma fonte árabe externa de grande valor para a história da África ao sul do Saara e somente no início do século seguinte é que vamos assistir a um certo reflorescimento nesse domínio El Tounsy morto em 1857 já citado descreveu sua visita a Uadai na primeira crônica dedicada àquele reino e redigiu também um valioso relatório sobre Darfur59 Algumas décadas antes e do outro lado do cinturão sudanês o marroquino Abd es Salam Shabayni registrou informações sobre Tombuctu e a região de Macina antes da ascensão dos Dina60 A história do Império Songhai sua queda e o posterior desenvolvimento do vale do Níger foram registrados não só pelos cronistas sudaneses mas também por alguns dos historiadores marroquinos acima mencionados Recentemente muitas fontes até então desconhecidas sobre as relações entre o Magreb e o Sudão foram descobertas em bibliotecas marroquinas e aguardam publicação e estudo por parte dos historiadores da África Deve haver também material muito valioso em árabe e turco disperso pelos outros países norte africanos e na própria Turquia e de cuja existência temos até o presente momento informações extremamente escassas Essa situação oferece perspectivas interessantes para o historiador e a localização organização e tradução desse material estão entre as tarefas mais urgentes para o futuro Os materiais em outras línguas orientais são ainda mais escassos que em árabe o que todavia não significa que não possamos descobrir novos materiais menos ou mais importantes por exemplo em persa ou em certas línguas hindus Até agora a principal fonte ainda é o viajante turco Evliya Chelebi que visitou o Egito e parte do Sudão e da Etiópia no entanto seu conhecimento de outras regiões da África só se fez indiretamente61 O mesmo acontece com seu compatriota o Almirante Sidi Ali que copiou e traduziu do árabe trechos do livro de Ahmad Ibn Majid Al Muhit sobre o oceano Índico acrescentando lhes apenas alguns detalhes62 No início do século XIX um estudioso de Azerbaijani Zain el Abidin Shirvani visitou a Somália a Etiópia o Sudão 58 Trad por BADGER G P Londres 1871 59 Voyage ao Ouaday Trad por Dr PERRON Paris 1851 60 Publicado por JACKSON J G An Account of Timbuctoo and Housa Territories in the Interior of Africa Londres 1820 reeditado em 1967 61 CHELEBI E Seychatname Istambul 1938 62 BITTNER M 1897 120 Metodologia e pré história da África oriental e o Magreb descrevendo suas viagens num livro intitulado Bustanu s Seyahe O Jardim das Viagens63 Parece que existia um nítido interesse pela África especialmente pela Etiópia na Transcaucásia e especialmente entre os armênios No fim do século XVII dois padres armênios Astvacatur Timbuk e Avatik Bagdasarian empreenderam uma viagem pela África da qual mais tarde deixaram descrição começando na Etiópia e continuando através da Núbia Darfur lago Chade e Tecrur até o Marrocos64 Em 1821 Warga um armênio de Astrakhan cruzou o Saara partindo do norte visitou Tombuctu e chegou à Costa do Ouro onde escreveu em inglês sua narrativa breve mas rica em informações65 Outros materiais relativos à África em armênio ou georgiano existem nas bibliotecas e arquivos nas respectivas repúblicas soviéticas66 Em línguas europeias O enorme volume da literatura europeia sobre a África tropical desde o início do século XVI torna impossível uma enumeração até mesmo dos trabalhos ou autores mais importantes No entanto um estudo do caráter geral e uma avaliação dessa literatura como fonte para a história da África servirão melhor ao propósito deste capítulo que um arrolamento interminável de nomes e títulos Já falamos das alterações nos limites geográficos no início do século XVI toda a linha costeira do Senegal até o cabo Guardafui era conhecida dos portugueses que no fim do mesmo século penetraram no interior no antigo Congo Angola e ao longo do Zambeze Os dois séculos seguintes acrescentaram muito pouco ao conhecimento europeu houve algumas tentativas esporádicas de cruzar o Saara contatos mais duradouros foram estabelecidos ao longo do Senegal e Gâmbia e um viajante foi do Zambeze até Kilwa parando no lago Malauí Por outro lado as informações sobre os povos costeiros especialmente na África ocidental tornaram se mais detalhadas e variadas A exploração sistemática do 63 Cf KHANYHOV M in Mélange Asiatique S Petersburgo 1859 Os trechos relativos à África oriental estão sendo preparados para uma tradução de V P SMIRNOVA em Leningrado 64 KHALATYANC G Armyanskiv pamyatnik XVII v o geograffi Abssinii i Severnoy Afrique voobchetche Memória Armênia do século XVII sobre a Geografia da Etiópia e da África do Norte em Geral in Zemlevedenye v 1 2 Moscou 1899 65 Cf CURTIN P D 1967 dir de publ Africa Remembered Madison 1967 p 170 89 WILKS I Wargee of Astrakhan V também OLDEROGGE D A Astrakhanec v Tombuktu v 1821 g Um homem de Astrakan em Tombuktu em 1821 AfricanaAfrikanskiy etnografitcheskiy sbornik VIII Leningrado 1971 66 Uma série de documentos sobre a história das relações entre a Etiópia e a Armênia dos tempos antigos até o século XIX está sendo publicada pelo Instituto de Estudos Orientais da RSS da Armênia Erevan 121 As fontes escritas a partir do século XV interior africano iniciou se somente no fim do século XVIII terminando com a divisão do continente entre as potências coloniais Em termos de representação nacional pode se dizer que os autores do século XVI eram predominantemente portugueses os do XVII holandeses franceses e ingleses os do XVIII principalmente ingleses e franceses e os do XIX ingleses alemães e franceses Outras nações europeias foram evidentemente representadas no decorrer de todos esses séculos como por exemplo os italianos no Congo no século XVII e no Sudão oriental no XIX ou os dinamarqueses na Costa dos Escravos e na Costa do Ouro nos séculos XVIII e XIX E há entre os autores de livros de viagens e descrições mas especialmente no último século pessoas da Espanha Rússia Bélgica Hungria Suécia Noruega Tchecoslováquia Polônia Suíça Estados Unidos Brasil e por vezes até um grego romeno ou maltês Felizmente a maioria dos livros escritos em línguas menos conhecidas tem sido traduzida para línguas mais acessíveis Ao avaliar os materiais europeus devemos levar em consideração não tanto a nacionalidade dos autores mas sim a mudança de atitudes dos europeus em relação aos africanos e suas sociedades em geral Seria simplista afirmar que os escritores portugueses estavam mais inclinados a observar com preconceitos cristãos os povos que descreviam do que os ingleses por exemplo ou que os holandeses estavam mais propensos à observação objetiva do que os escritores de outras nações Evidentemente há diferença entre um cronista português do século XVI cuja abordagem estava impregnada dos valores medievais e um estudioso ou médico holandês do fim do século XVII produto de uma cultura já mais racional A quantidade e variedade dos materiais à nossa disposição não nos permitem nenhuma generalização apressada somente a análise individual de cada um de acordo com seus méritos que leve em consideração evidentemente sua data e o assunto tratado nos permitiria formalizar um julgamento Deve se também evitar a falácia de que com o tempo houve uma melhora gradual na objetividade das narrativas e de que quanto mais nos aproximamos da atualidade mais científicas se tornam as observações sobre a realidade africana o que equivaleria a admitir aprioristicamente que uma narrativa de um viajante do século XIX tem simplesmente por isso uma credibilidade maior que uma narrativa escrita três séculos antes Burton e Stanley enquanto observadores eram prisioneiros da ideia apresentada como cientificamente provada da superioridade dos homens brancos do mesmo modo que os autores portugueses eram prisioneiros da pretensa superioridade de sua fé cristã O período do comércio de escravos não era em geral favorável a narrativas objetivas sobre os africanos mas as necessidades práticas do comércio exigiam um estudo 122 Metodologia e pré história da África minucioso das atividades econômicas e sistemas de governo na África de modo que temos já nessa época uma série de fontes muito valiosas Livros sobre a África e os africanos foram escritos por missionários comerciantes funcionários públicos oficiais da marinha e do exército cônsules exploradores viajantes colonizadores e alguns por aventureiros e prisioneiros de guerra Cada qual tinha seus próprios interesses assim sendo os propósitos e abordagens variam consideravelmente As narrativas de viajantes típicas de um certo gênero literário estavam preocupadas com um mundo desconhecido exótico e estranho e deviam responder às exigências gerais de seus leitores Essa inclinação pelo exótico e pela aventura ornamentada por opiniões mais ou menos fantásticas sobre os povos africanos ou descrevendo com complacência os inúmeros perigos encontrados pelo heroico viajante persistiu até o século XIX67 Os missionários dispensavam alguma atenção às religiões africanas mas em sua maioria careciam da habilidade e boa vontade para compreendê las e estavam preocupados principalmente em expor seus erros e barbarismo por outro lado eles conheciam as línguas locais estando portanto numa posição melhor que os outros para apreender a estrutura social Às vezes demonstravam interesse pela história passando então a coletar as tradições orais locais No século XIX a maior parte da literatura narrativa provém dos exploradores que de acordo com a tendência da época tinham sua atenção voltada principalmente para a solução de grandes problemas geográficos de modo que sua contribuição serviu mais para a geografia física que para o conhecimento da sociedade africana A maioria deles estava mais interessada nas vias navegáveis do que nas vias da cultura68 E muitos sendo cientistas naturais careciam de senso histórico ou acreditavam no mito da ausência de história africana Existem evidentemente exceções a essa regra sendo a mais famosa a de Heinrich Barth Por outro lado surgiram já no decorrer do século XVIII certas histórias de Estados ou povos africanos como The History of Dahomy Londres 1793 de Archibald Dalzel que num exame minucioso revela se como um panfleto antiabolicionista Depois de mostrar algumas deficiências das fontes narrativas europeias podemos agora examinar seus aspectos mais positivos Acima de tudo elas nos fornecem a estrutura cronológica tão necessária na história da África onde a datação é um dos pontos mais fracos da tradição oral Mesmo uma única data dada por um viajante ou outro autor por exemplo de seu encontro com 67 Cf agora ROTHBERG R 1971 68 MAZRUI A A 1969 123 As fontes escritas a partir do século XV alguma personalidade africana pode constituir um ponto de partida para toda a cronologia de um povo e às vezes até para mais de um O simples fato de estarem registradas por escrito não significa entretanto que todas as datas devam estar corretas Há casos em que autores europeus relatando boatos ou tentando calcular um intervalo de tempo de acordo com fontes não controláveis cometeram erros mais ou menos graves Mas os europeus tinham em geral à sua disposição uma medida do tempo tecnicamente mais desenvolvida A literatura narrativa é de importância primordial como fonte da história econômica rotas comerciais principais mercados mercadorias e preços agricultura e artesanato recursos naturais tudo isso podia e era observado e descrito sem preconceitos Com efeito os europeus necessitavam em seu próprio favor de narrativas tão objetivas quanto possível sobre esses assuntos É verdade que os recursos naturais ou possibilidades econômicas de algumas regiões foram pintados com cores muito brilhantes a fim de se fazerem realçar os méritos do explorador Mas o historiador está acostumado a esses exageros e os leva em consideração O que os europeus mais bem registraram foram suas observações dos aspectos exteriores das sociedades africanas dos chamados usos e costumes os documentos fornecem descrições ricas precisas e requintadas de várias cerimônias vestimentas comportamentos estratégias e táticas de guerra técnicas de produção etc não obstante às vezes a descrição ser acompanhada por epítetos como bárbaro primitivo absurdo ridículo e outros termos pejorativos o que por si só não significa muito trata se somente de um julgamento em função dos hábitos culturais do observador Muito mais grave é a total falta de compreensão da estrutura interna das sociedades africanas da complicada rede de relações sociais da ramificação das obrigações mútuas das razões mais profundas para determinados comportamentos Em suma os autores eram incapazes de descobrir as motivações profundas das atividades africanas Apesar de tudo a redação da história da África seria quase impossível sem o material fornecido pelas fontes narrativas europeias Elas podem ter suas deficiências ignorar muitos detalhes ou tratá los de um ponto de vista preconceituoso parcial ou ainda interpretá los incorretamente Mas estes são riscos normais inerentes a toda historiografia e não é razão para se rejeitar esse amplo e extremamente importante conjunto de informações Ao contrário há uma necessidade urgente de se reeditar o maior número possível de narrativas desse tipo e de publicá las com comentários e notas apropriados tornando possível assim sua avaliação e reinterpretação à luz da nova historiografia da África 124 Metodologia e pré história da África Fontes narrativas internas Durante o período que estamos estudando ocorreu um novo fenômeno de consequências capitais o aparecimento e desenvolvimento de uma literatura histórica escrita por africanos da região ao sul do Saara O meio de expressão não era inicialmente nenhuma das línguas africanas locais mas sim o árabe cujo papel no mundo islâmico pode ser comparado ao que o latim representou na Idade Média europeia isto é o meio de comunicação entre os povos cultos e mais tarde também algumas das línguas europeias A tradição historiográfica parece ter começado ao mesmo tempo no cinturão sudanês e na costa africana oriental precisamente nas duas grandes regiões cobertas até essa época pelas fontes árabes externas e nas quais o Islã exerceu uma prolongada influência As mais antigas crônicas existentes datam do início do século XVI embora relatem eventos dos períodos anteriores A primeira o Tarikh al Fattash obra de três gerações da família Kati de Djenné cobre a história do Songhai e dos países vizinhos até a conquista marroquina em 1591 Mais extenso e mais rico em detalhes é o Tarikh al Sudan escrito pelo historiador de Tombuctu El Saadi e que cobre em parte o mesmo período continuando porém até 1655 Ambas são obras de grandes estudiosos com um vasto campo de interesses e um conhecimento profundo dos acontecimentos seus contemporâneos Mais significativo ainda é o fato de pela primeira vez podermos ouvir a voz de africanos autênticos mesmo sabendo serem os autores francamente partidários do Islã e observarem os acontecimentos desse ponto de vista No século XVIII tem origem uma história anônima mas muito detalhada dos paxás marroquinos de Tombuctu entre 1591 e 1751 contendo também material útil dos países e povos vizinhos69 Outro tipo de fonte é representado pelo dicionário biográfico dos intelectuais do Sudão ocidental compilado pelo famoso estudioso Ahmed Baba de Tombuctu morto em 162770 É à mesma região do Império Songhai que pertence o Tarikh Say crônica árabe de Ibn Adwar escrita segundo dizem em 1410 Se fosse autêntica seria o mais antigo documento existente escrito na África ocidental Contudo parece ser mais propriamente uma versão tardia da tradição oral71 69 Tarikh al Fattach Trad e comentado por O HOUDAS e M DELAFOSSE Paris 1913 reed 1964 Tarikh al Sudan trad e comentado por O HOUDAS Paris 1900 reed 1964 Tadhkirat es nisyan trad e anotado por O HOUDAS Paris 1899 reed 1964 70 Publicado em Fez 1899 e no Cairo 1912 71 Cf MONTEIL V BIFAN 28 1966 p 675 125 As fontes escritas a partir do século XV De Tombuctu e Djenné a tradição da crônica escrita expandiu se para outras áreas especialmente para o sul e oeste na região situada entre o Sahel e a floresta tropical e em alguns casos até mais ao sul ainda Intelectuais muçulmanos começaram a registrar por escrito a partir da metade do século XVIII ou até antes disso crônicas locais genealogias de clãs biografias concisas e livros religiosos O exemplo mais notável é Kitab Gonja escrito depois de 1752 que é uma história do Reino Gonja baseada em parte em tradições orais72 Há muitas crônicas de menor importância e é de se esperar que outras surjam em outros lugares nessa região sob influência das comunidades diula ou haussa ou de ambas A maior parte desses trabalhos está escrita em árabe Muitas crônicas também foram escritas em ajami isto é em línguas locais mas com caracteres árabes A situação é análoga nas regiões de fala fulfulde sobretudo em Futa Toro e Futa Djalon Na própria Guiné assim como em Dacar e nas bibliotecas em Paris há muitas crônicas daquelas regiões em árabe ou em fulfulde ou em ambas a maioria datando dos séculos XVIII e XIX Os materiais de Futa Djalon só recentemente foram publicados e examinados em obras científicas Quanto a esse aspecto pode se fazer referência à coleção de Gilbert Vieillard mantida na biblioteca do IFAN em Dacar73 Já para Futa Toro a situação é outra as Crônicas dos Futa Senegaleses de Siré Abbas Soh um autor do século XVIII tornaram se acessíveis já há meio século74 Outro antigo trabalho um dicionário biográfico de Muhammad el Bartayili chamado Fath el Sahkur c 1805 está sendo preparado para publicação por John O Hunwick uma história mais moderna dos Futa Toro escrita em 1921 por Xeque Kamara Musa de Ganguel e intitulada Zuhur al Basatin Flores dos Jardins ainda não foi publicada75 No norte da Nigéria também crônicas e outras fontes em árabe surgiram em data relativamente recente O imame Ibn Fartuwa fim do século XVI deixou um relato fascinante e detalhado da vida e da época de Mai Idris e de suas guerras76 De período mais recente são as várias listas de governantes e crônicas do Bornu Uma fonte excepcional é representada pelos chamados mahrams registros de privilégios concedidos por governantes a famílias de notáveis religiosos através dos quais podemos perceber também condições econômicas 72 V sobre esses e outros assuntos WILKS I 1963 e HODGKIN T 1966 73 SOW A I 1968 DIALLO T 1968 74 Trad por M DELAFOSSE e H GADEN Paris 1913 75 Mantida na biblioteca do IFAN Dacar cf MONTEIL V 1965 p 540 76 Editado por H R PALMER Kano 1930 trad in Sudanese Memoirs I Lagos 1928 e in History of the first twelve years of Maï Idriss Alaoma Lagos 1929 126 Metodologia e pré história da África e sociais77 Não resta muita coisa do material histórico pré jehad na região haussa embora o nível de instrução especialmente entre os líderes religiosos fulani fosse relativamente alto78 mas alguns poemas na língua haussa ou em kanuri Bornu contêm comentários sobre acontecimentos da época79 O início do século XIX presenciou um renascimento da literatura árabe no Sudão central e ocidental além dos trabalhos naquela língua um número cada vez maior de livros foi escrito em línguas locais como haussa fulfulde kanuri mandara kotoco etc utilizando caracteres árabes Os mais produtivos foram os líderes dos jehad fulani no norte da Nigéria apesar de grande parte de sua produção literária tratar de assuntos religiosos e somente algumas obras poderem ser consideradas verdadeiras crônicas80 toda essa literatura em árabe ou numa das línguas africanas ajuda a construir um quadro mais coerente da vida social e intelectual nessa região As crônicas das cidades haussa Kano Katsina Abuja etc embora originárias do fim do século XIX baseiam se de certa medida em documentos mais antigos ou na tradição oral81 Um desenvolvimento similar ocorreu mais a leste em Baguirmi Kotoco Mandara e Uadai Algumas crônicas ou listas de reis já foram publicadas mas muitas outras ainda estão em manuscritos e espera se descobrir outras mais em coleções particulares82 Uma crônica rimada em fulfulde descreve a vida e as atividades do grande reformador tukulor al HadjdjUmar83 autor de um trabalho religioso Rimah Hizb el Rahim Lanças do Partido do Deus Misericordioso que contém também muitas alusões históricas às condições de vida no Sudão ocidental84 77 Recolhido por H R PALMER nas suas Sudanese Memoirs 3 v Lagos 1928 e em The Bornu Sahara and the Sudan Londres 1936 cf também Y URVOY Chroniques du Bornu Journ Société des Africainistes II 1941 78 HISKETT M 1957 p 550 558 BIVAR A D H e HRSKETT M 1962 p 104 48 79 Cf PATTERSON J R 1926 80 BELLO MUHAMMAD Infaqu l maysur editado por C E J WHITING Londres 1951 trad inglesa da paráfrase haussa de E J ARNETT The Rise of the Sokoto Fulani Kano 1922 Abdullahi DAN FODIO Tazyin al waraqat trad e coment por M HISKETT Londres 1963 HAJJI SACID History of Sokoto trad por C E J WHITING Kano sd também uma tradução francesa de O Houdas Tadhkirat annisyan Paris 1899 81 The Kano Chronicle Trad por H R PALMER in Sudanese Memoirs III 1928 sobre Katsina cf op cit p 74 91 sobre Abuja v MALLAMS HASSAN e SHUAIBU A Chronicle of Abuja trad do haussa por P L HEATH Ibadan 1952 82 Cf H R PALMER 1928 várias obras de J P LEBOEUF e M RODINSON em Études camerounaises 1938 1951 1955 e BIFAN 1952 e 1956 M A TUBIANA sobre Uadai in Cahiers détudes africaines 2 1960 83 RYAM M A La vie dEl Hadj Omar Qasida en Poular Trad por H CAHEN Paris 1935 84 Kitab Rimah Hizb al Rahim Cairo 1927 nova ed e trad está sendo preparada por J R WILLIS 127 As fontes escritas a partir do século XV A costa africana oriental pode ser comparada com o Sudão quanto ao número de suas crônicas Há crônicas de muitas cidades escritas em árabe ou em kiswahili em escrita árabe que fornecem listas de reis e narrativas da vida política Somente a crônica de Kilwa é realmente antiga Foi composta em 1530 aproximadamente e chegou até nós em duas versões diferentes uma transmitida por de Barros e a outra copiada em Zanzibar em 187785 As crônicas na sua maioria só foram compiladas recentemente embora algumas remontem à segunda metade do século XVIII Muitas delas se concentram em acontecimentos anteriores à chegada dos portugueses Constituem de certa forma registros de tradições orais e devem ser tratadas e avaliadas como tais86 Um número considerável de manuscritos ainda pertence a coleções particulares Desde 1965 mais de 30 mil páginas de manuscritos swahili e árabes também foram descobertas e é de se esperar que quando toda a costa tiver sido completamente explorada encontremos materiais que venham esclarecer muitos aspectos desconhecidos da história da África oriental87 Além das crônicas das cidades outros gêneros literários podem ser utilizados com proveito pelos historiadores como por exemplo a poesia swahili notadamente o poema al Inkishafi composto na segunda década do século XIX que descreve a ascensão e o declínio de Pate88 A produção literária dos africanos em línguas europeias tem início dois séculos mais tarde que a redação em árabe Como era de se esperar os primeiros exemplares foram produzidos por indivíduos da costa ocidental onde os contatos com o mundo exterior eram mais intensos que em qualquer outro ponto Apesar dos nomes de Jacobus Captain 1717 1747 A William Amo c 1703 c 1753 e Philip Quaque 1741 1816 todos de origem fanti não deverem ser esquecidos como os pioneiros da literatura africana em língua europeia sua contribuição para a historiografia da África foi insignificante Incomparavelmente mais importantes como fontes históricas são os trabalhos dos escravos libertados da segunda metade do século XVIII Ignatius Sancho 1729 1780 Ottobah Cugoano c 1745 1800 e Oloduah Equiano Gustavus Vasa c 1745 1810 Todos os três estavam especialmente interessados na abolição do comércio de escravos e seus livros embora polêmicos fornecem muito material biográfico 85 Analisado por FREEMAN GRENVILLE G S P The Medieval History of the Coast of Tanganyika Oxford 1962 86 Sobre as crônicas árabes e swahili em geral cf FREEMAN GRENVILLE G S P 1962 PRINS A H J 1958 ALLEN J W T 1959 p 224 27 87 A mais importante descoberta desse tipo nos últimos anos foi a de Kitab al Zanj Livro dos Zanj que trata da história da Somália do sul e do Quênia do norte cf CERULLI E 1957 88 Cf HARRIES L 1962 128 Metodologia e pré história da África sobre a situação dos africanos tanto na África como na Europa89 Do mesmo período provém um documento único o diário de Antera Duke um dos principais comerciantes de Calabar escrito em pidgin English local e que cobre um longo período embora um pouco breve esse diário nos fornece importantes dados sobre a vida cotidiana num dos mais importantes portos negreiros90 Em Madagáscar o grande rei merina Radama I 1810 1828 mantinha uma espécie de diário em escrita árabe sura be Em 1850 aproximadamente dois outros aristocratas merina Raombana e Rahaniraka escreveram no alfabeto latino relatos que ajudam a reconstruir uma imagem mais completa da vida cotidiana dos Merina no século XIX91 Durante o século XIX muitos africanos ou afro americanos participaram de viagens de exploração ou publicaram reflexões sobre a vida africana às vezes em combinação com polêmicas de diversa natureza Samuel Crowther um ioruba educado em Serra Leoa e na Grã Bretanha tomou parte das expedições do Níger de 1841 e 1853 deixando descrição de suas viagens92 Thomas B Freeman nascido na Inglaterra de origem mestiça viajou muito na África ocidental e descreveu os povos da costa e do interior com simpatia e inspiração93 Dois afro americanos Robert Campbel e Martin R Delany foram para a Nigéria na década de 1850 em busca de área adequada para uma possível colônia de afro americanos94 Um liberiano Benjamin Anderson descreveu com muitos detalhes e observação precisa sua viagem no alto vale do Níger95 Dois eminentes líderes africanos Edward W Blyden e James Africanus B Horton pertencem a uma classe particular Alguns dos livros papeis e artigos de Blyden constituem por si só uma fonte histórica outros já têm um caráter de interpretação histórica mas mesmo assim são indispensáveis para qualquer pesquisa que trate do surgimento da consciência africana96 O mesmo se pode dizer do trabalho de Horton com a diferença de que suas 89 SANCHO I 1781 CUGOANO O 1787 The Interesting Narrative of the Life of Olaudah Equiano or Gustavus Vasa the African Londres 1798 90 FORDE D 1956 Os manuscritos originais foram destruídos na Escócia pelos bombardeios durante a última guerra mas foram preservadas cópias de alguns trechos de 1785 1787 91 BERTHIER H 1933 Manuscrito de Raombana e Rahaniraka Bull de lAcadémie Malgache 19 1937 p 49 76 92 Cf Journals of the Rev J J Schön and Mr Crowtlher Londres 1842 CROWTHER S 1855 93 FREEMAN T B 1844 94 CAMPBEL R 1861 DELANY M R 1861 95 ANDERSON B 1870 96 Sobre BLYDEN cf LYNCH H R 1967 129 As fontes escritas a partir do século XV observações tendiam a ser mais precisas quando tratava das sociedades com as quais manteve mais estreito contato97 Esses dois homens pertencem já a uma fase de transição com o grupo de africanos que começaram a escrever a história de seus próprios países ou povos Uma primeira tentativa embora com maior ênfase na etnografia foi feita pelo Ab Boilat um mulato de St Louis em seus Esquisses Sénégalaises98 Um interesse maior pela historiografia baseada principalmente na tradição oral pode se observar nas regiões da África sob domínio britânico mas somente no fim do século XIX C C Reindorf um ga publicou em 1895 em Basle sua History of the Gold Coast and Asanle e é considerado o primeiro historiador moderno de origem africana Com ele e Samuel Johnson cuja History of the Yorubas é contemporânea do livro de Reindorf mas só foi publicada em 1921 inicia se a cadeia ininterrupta de historiadores africanos a princípio amadores na maioria missionários mais tarde profissionais Suas ideias e suas obras são abordadas no capítulo dedicado ao desenvolvimento da historiografia da África Todas essas fontes narrativas escritas em árabe ou nas diversas línguas africanas e europeias formam um vasto e rico conjunto de materiais históricos Elas não cobrem evidentemente todos os aspectos do processo histórico e possuem um caráter regional oferecendo em alguns casos apenas uma imagem fragmentária As fontes escritas por muçulmanos demonstram em geral um pronunciado ponto de vista islâmico que aparece claramente quando abordam sociedades não muçulmanas Os autores de fontes narrativas em línguas europeias eram ao mesmo tempo polemistas em campanha contra o comércio de escravos ou em favor da igualdade e portanto com uma certa tendência à parcialidade Mas trata se de limitações normais de todas as fontes narrativas e cientes delas devemos ainda assim reconhecer que possuem uma vantagem decisiva são vozes dos africanos que nos revelam uma outra face da história que esteve sufocada pela torrente de opiniões estrangeiras Fontes arquivísticas particulares relatórios confidenciais e outros testemunhos Fontes particulares são essencialmente os documentos escritos que resultam da necessidade de registrar várias atividades humanas e que originalmente 97 HORTON J A B 1863 Letters on the Political Conditions of lhe Gold Coast Londres 1870 98 Paris 1833 130 Metodologia e pré história da África não eram destinados ao público mas apenas a um pequeno grupo de pessoas interessadas Compreendem assim principalmente a correspondência oficial e particular relatórios confidenciais de várias transações registros comerciais estatísticas documentos particulares de diversos tipos tratados e acordos diários de bordo etc Esse material é a matéria prima do historiador já que oferece ao contrário das fontes narrativas feitas com um propósito bem definido um testemunho objetivo isento em princípio de quaisquer segundas intenções visando um vasto público ou a posterioridade Esse material é encontrado principalmente em arquivos e bibliotecas estatais ou particulares A antiga ideia de que não há fontes escritas particulares suficientes para a história da África já não tem fundamento Existem não apenas coleções extremamente ricas de documentos nas antigas metrópoles assim como extenso material na própria África produzidos nos períodos pré colonial e colonial por instituições particulares ou ligadas aos Estados europeus mas também coleções de material particular originárias dos próprios africanos escritas em línguas europeias ou em árabe Enquanto anteriormente esses documentos eram considerados raridades encontradas somente em alguns lugares muito especiais está claro agora que existe uma grande quantidade de fontes escritas de origem africana em várias partes do continente e também nos arquivos europeus e asiáticos Observemos primeiramente o material escrito em árabe Para o período anterior ao século XIX foram descobertos até agora somente exemplares isolados de correspondência local e internacional provenientes sobretudo da África ocidental Há cartas do sultão o otomano ao Mai Idris do Bornu em 1578 descobertas em arquivos turcos e alguma correspondência do sultão do Marrocos ao Askiya de Songhai e ao Kanta de Kebbi também do fim do século XVI O árabe era utilizado como língua diplomática não apenas pelas cortes islamizadas do Sudão mas também por governantes não muçulmanos O caso mais conhecido é o dos Asantehenes que utilizaram os serviços de escribas muçulmanos que escreviam em árabe para redigir sua correspondência com seus vizinhos do norte assim como com os europeus da região costeira Algumas dessas cartas foram encontradas na Biblioteca Real em Copenhague A chancelaria árabe de Kumasi funcionou durante grande parte da segunda metade do século XIX e o árabe também era utilizado para manter registros de decisões administrativas e judiciais transações financeiras etc No outro lado da África tem se como exemplo o tratado escrito em árabe entre o comerciante de escravos francês Morice e o sultão de Kilwa no ano de 1776 O século XIX presenciou um aumento considerável da correspondência em árabe em todo o continente Com o estabelecimento de Estados centralizados no Sudão houve um desenvolvimento das atividades administrativas e diplomáticas tendo 131 As fontes escritas a partir do século XV sido descoberto um abundante material desse tipo principalmente no sultanato de Socotoe em seus emirados dependentes de Guandu a Adamaua no Estado de Macina ou no Estado de Liptako e no Império de Bornu Todos os governantes muçulmanos de grandes ou pequenos Estados mantinham correspondência intensa entre si e com as potências coloniais em desenvolvimento Em muitos arquivos dos países da África ocidental e em alguns da Europa encontram se milhares de documentos em árabe de personalidades como al HadjdjUmar Ahmadu Seku Ma Ba Lat Dyor Mahmadu Lamine Samory al Bakkai Rabih e muitos outros líderes e chefes de menor envergadura As administrações coloniais em Serra Leoa Guiné Nigéria e Costa do Ouro também mantinham sua correspondência com eles em árabe Existem cartas trocadas entre o paxá otomano de Trípoli e os xeques bornu entre o sultão do Darfur e o Egito entre Tombuctu e o Marrocos O mesmo ocorreu com a África oriental parece entretanto que os arquivos de Zanzibar não são tão ricos em documentos árabes como poderia se esperar de uma cidade com tão grandes interesses comerciais e políticos Deve haver evidentemente um vasto número de documentos com diversidade de conteúdo em coleções particulares a reunião e catalogação de todos eles não será uma tarefa fácil mas é indispensável no futuro próximo Muitos textos foram escritos na escrita vai que foi inventada em 1833 aproximadamente por Momolu Duwela Bukele e expandiu se muito rápidamente entre o povo Vai de modo que no fim do século quase todos a conheciam e empregavam correntemente na correspondência particular e oficial na manutenção das contas e também na redação de leis costumeiras provérbios contos e fábulas Muitos povos vizinhos como os Mende os Toma Loma os Gerze Kpele e os Basa adotaram e adaptaram a escrita vai empregando a com propósitos semelhantes99 No início do século XX o Sultão Njoya de Bamum Camarões inventou para a língua bamum uma escrita especial que ele reformou quatro vezes durante sua vida mas contrariamente à escrita vai utilizada geralmente pela maioria do povo o conhecimento da escrita bamum permanecia restrito a um pequeno grupo da corte do sultão Todavia Njoya compôs um grande volume sobre a história e costumes de seu povo nessa escrita um livro no qual ele continuou a trabalhar durante muitos anos e que constitui um verdadeiro manancial de informações valiosas sobre o passado100 99 Cf DALBY D A 1967 p 151 100 Histoire et coutumes des Bamum rédigés sous la direction du Sultan Njoya Trad por P Henri MARTIN Paris 1952 O original é mantido no palácio do sultão em Fumbam 132 Metodologia e pré história da África Devemos acrescentar os textos em nsibidi101 do Cross River Valley sudeste da Nigéria que consistem em inscrições em santuários e formas especiais de linguagem utilizadas entre os membros de algumas sociedades secretas O material nas línguas europeias abrange o período do século XVI até hoje Escrito numa dúzia de línguas é imensamente abundante e está disperso pelo mundo inteiro em centenas de lugares diferentes arquivos bibliotecas e coleções particulares Essa situação torna sua utilização pelos historiadores bastante difícil especialmente em casos onde não há guias nem catálogos à disposição Foi por essa razão que o Conselho Internacional de Arquivos sob os auspícios e com o apoio moral e financeiro da UNESCO começou a preparar uma série de guias para as fontes da história da África O principal objetivo era satisfazer as necessidades dos estudantes de história da África facilitando o acesso a todo o corpo de fontes existentes Como a pesquisa histórica havia estado por muito tempo concentrada num número limitado de bibliotecas de arquivos que mantêm registros do período colonial era importante chamar a atenção também para a existência de um extenso e muito disperso conjunto de fontes até agora não exploradas Os guias são dedicados inicialmente aos arquivos públicos e particulares mas levam igualmente em consideração o material de interesse histórico conservado em bibliotecas e museus A série deve compreender doze volumes com informações sobre fontes arquivísticas que tratam da África ao sul do Saara e mantidas nos países da Europa ocidental e nos Estados Unidos Até agora os seguintes volumes já foram publicados Volume I República Federal da Alemanha 1970 Volume 2 Espanha 1971 Volume 3 França I 1971 Volume 4 França II 1976 Volume 5 Itália 1973 Volume 6 Itália 1974 Volume 8 Escandinávia 1971 e Volume 9 Holanda 1978 O Volume 7 Vaticano é esperado para um futuro próximo Os volumes abrangendo a Bélgica o Reino Unido e os Estados Unidos aparecerão separadamente mas seguirão o mesmo método de apresentação102 Como foi muito apropriadamente dito por Joseph Ki Zerbo em sua Introdução para a série na batalha para a redescoberta do passado africano o guia das fontes da história da África constitui uma nova arma estratégica e tática103 101 Cf DAYRELL 1910 1911 MACGREGOR 1909 p 215 217 219 102 Os volumes dos Estados Unidos e do Reino Unido apresentam listas de documentos relativos a todo o continente 103 Quellen zur Geschichte Afrikas südlich der Sahara in den Archiven der Bundesrepublik Deutschland Guio das fontes da história da África v I Zug Suíça 1970 Prefácio p vii 133 As fontes escritas a partir do século XV Além desse importante projeto já há alguns outros guias de fontes preparados principalmente por regiões ou de acordo com critérios especiais Entre os mais completos constam os cinco guias da história da África ocidental publicados em 1962 1973 que cobrem os arquivos de Portugal Itália Bélgica Holanda França e Reino Unido104 Mais ambiciosas e de certa forma mais vantajosas são as edições de documentos arquivísticos in extenso ou como catálogos Até agora esse tipo de apresentação tem sido usado principalmente para o material em arquivos portugueses Sem considerar o trabalho de Paiva Manso no fim do século XIX105 há agora duas importantes coleções de documentos de missionários provenientes de arquivos portugueses e alguns outros um de A da Silva Rego106 e outro de A Brasio107 Alguns anos atrás foi iniciada uma coleta monumental preparada pelos esforços combinados dos arquivos portugueses e do Zimbabwe na qual todos os documentos portugueses relativos ao sudeste da África serão publicados no original com uma tradução inglesa108 Há também coleções restritas no que se refere ao tempo alcance e objeto Essa categoria é representada por um lado pelos British Parliamentary Papers e vários Livros Azuis e Brancos principalmente do período colonial e por outro lado por seleções recentes mais científicas109 como o trabalho de J Cuvelier e L Jadin sobre os documentos do Vaticano para a história do antigo Congo110 ou a seleção de C W Newbury sobre a política britânica na África ocidental e o estudo documentário de G E Metcalfe sobre as relações entre a Grã Bretanha e Gana111 À mesma categoria pertence a grande coleção de material arquivístico sobre a política italiana em relação à Etiópia e países vizinhos em vias de publicação por C Giglio112 Muitas outras coleções desse tipo em vários arquivos europeus tornaram acessíveis documentos para alguns aspectos da história colonial Mas seu ponto fraco reside precisamente em seu caráter 104 CARSON P 1962 RYDER A F C 1965 GRAY R e CHAMBERS D 1965 CARSON P 1968 105 MANSO P 1877 106 SILVA REGO A da 1949 1958 107 BRASIO A 1952 108 The Historical Documents of East and Central Africa Lisboa Salisbury a partir de 1965 Compreenderá aproximadamente 20 volumes 109 Guides to Materials for West African History in European Archives publicados pela Universidade de Londres na Athlone Press a partir de 1962 Cf nota 104 110 CUVELIER J e JADIN L 1954 111 NEWBURY C W 1965 METCALFE G E 1964 112 GIGLIO C LItalia in Africa Serie Storica v I 1958 134 Metodologia e pré história da África figura 62 Facsímile do manuscrito vai intitulado An Early Vai Manuscript por Svende E Holsoe publicado pelo International African Institute 135 As fontes escritas a partir do século XV seletivo porque cada compilador segue ao escolher o material regras próprias subjetivas enquanto o pesquisador que examina uma questão necessita de todas as informações e de uma documentação completa Em cada Estado independente da África existe agora arquivos governamentais que também mantêm material herdado da administração colonial anterior Apesar de alguns países terem publicado guias ou catálogos a maioria dos arquivos na África ainda está em processo de classificação sistemática e descrição113 A publicação de uma série de guias de todos os arquivos africanos públicos e particulares como os que estão sendo publicados para os arquivos da Europa é no momento atual uma necessidade urgente Os arquivos governamentais da África comparados aos das antigas metrópoles têm suas vantagens e também seus inconvenientes Com algumas exceções a manutenção de registros detalhados só teve início na África na década de 1880 e há muitas lacunas nesse material que devem ser compensadas por outras fontes sendo as mais importantes os registros dos missionários e comerciantes e os documentos particulares e evidentemente os arquivos em capitais europeias Por outro lado as vantagens dos arquivos criados na África sobre os das antigas capitais metropolitanas são numerosas a diferença marcante reside no fato de guardarem materiais e registros que têm relação mais direta com a situação local enquanto os arquivos coloniais da Europa contêm principalmente documentos sobre a política do colonizador Os arquivos africanos geralmente conservam registros do período pré colonial como relatórios dos primeiros exploradores informações colhidas por comerciantes funcionários públicos e missionários no interior relatórios que não eram considerados dignos de ser enviados para a Europa mas que são de extrema importância para a história local Conservam ainda um número muito maior de documentos produzidos por africanos que os arquivos da Europa Em geral apesar da quantidade de material duplicado em arquivos da Europa e da África qualquer pesquisador que trabalhe somente com fontes de antigos arquivos metropolitanos tenderá a escrever uma história dos interesses europeus na África e não a história dos africanos Por outro lado a utilização exclusiva dos arquivos mantidos na África não pode fornecer um quadro completo já que muitos registros e documentos estão faltando ou são incompletos 113 Para um estudo da situação às vésperas da independência v P D CURTIN 1960 p 129 47 136 Metodologia e pré história da África Para concluir devemos mencionar alguns outros tipos de documentos da mesma categoria Inicialmente trataremos dos mapas e outros materiais cartográficos Embora a partir do século XVI o número de mapas impressos da África tenha aumentado a cada ano muitos ainda se mantêm em forma de manuscritos em vários arquivos e bibliotecas da Europa alguns magnificamente decorados e coloridos Nesses mapas podemos encontrar frequentemente nomes de localidades que hoje não existem mais ou que são conhecidas por outras denominações mas que são mencionados em outras fontes orais ou escritas Por exemplo muitos povos Bantu orientais têm tradições que falam da migração de uma área chamada Shungwaya atualmente não se conhece nenhuma localidade com esse nome mas em alguns dos mapas antigos por exemplo o de van Linschotten 1596 ou o de William H J Blaeu 1662 e outros mais Shungwaya aparece com várias grafias primeiro como cidade mais tarde como região não distante da costa Os mapas antigos fornecem também dados sobre a distribuição de grupos étnicos sobre as fronteiras dos Estados e províncias sobre os vários nomes dos rios montanhas e outros aspectos topográficos Em resumo oferecem um material toponímico muito útil que por sua vez fornecem valiosas informações históricas Um exemplo prático de como utilizar o material cartográfico com propósitos históricos foi demonstrado por W G L Randles em sua South East Africa in the Sixteenth Century114 A importância desse material já foi reconhecida e o historiador tem à sua disposição a grande obra de Yusuf Kamel Monumenta Cartographica Africae et Aegypti que contém também muitos textos narrativos no original e em tradução mas interrompe se cronologicamente precisamente no século XVI115 Devemos portanto endossar o apelo de Joseph Ki Zerbo de publicação de uma coletânea de todos os mapas antigos da África em um atlas com textos comentados116 Um primeiro passo nesse sentido foi dado com a recente publicação em Leipzig de quase cem mapas mas sem comentários suficientes e reproduzindo apenas material já impresso117 Outra categoria de material encontrado nas fontes escritas são os dados linguísticas Já que se reservou um capítulo especial neste volume para o estudo da linguística como ciência histórica associada deixaremos de lado as questões metodológicas e restringiremos nossa discussão a indicações sobre o tipo de fontes 114 RANDLES W G L 1958 115 Cairo 1926 1951 116 Cf nota 103 acima 117 Afrika auf Karten des 1218 Jahrhunderts Mapas da África do século XII ao XVIII Leipzig 1968 137 As fontes escritas a partir do século XV em que se podem encontrar dados linguísticos A partir dos primeiros contatos com a África os viajantes europeus passaram a acrescentar como atitude de bom tom às suas narrativas de viagens e outros relatórios listas mais ou menos longas de palavras nas línguas locais Os mais antigos vocabulários datam do século XV e até o século XIX raramente encontramos um livro sobre a África sem esse suplemento às vezes até acompanhado por uma breve gramática Embora a ortografia quase nunca seja sistemática não é difícil identificar as palavras e línguas A publicação mais notável desse tipo é a grande coletânea publicada por Koelle de vocabulários de 160 línguas aproximadamente118 Curtin Vansina e Hair119 demonstraram que o valor da obra é mais que linguístico Especialmente favorecido nesse aspecto é o antigo Reino do Congo trabalhos que tratam do Kicongo têm sido publicados desde o século XVII uma gramática de Brusciotto 1659 e um dicionário de de Gheel morto em 1652120 Além dessas obras impressas existem outras em várias bibliotecas e arquivos Vaticano British Museum Besançon etc Seu valor documental para os historiadores é maior que o das listas de palavras pois são mais completas permitindo um estudo diacrônico da nomenclatura social e cultural121 Fontes escritas narrativas e arquivísticas nas línguas africanas orientais ou européias representam um conjunto imensamente rico de material para a história da África Embora abundantes os documentos de todo tipo registros livros e relatórios conhecidos constituem muito provavelmente apenas um fragmento do material existente Dentro e fora da África devem existir inúmeros lugares que ainda não foram explorados do ponto de vista de fontes possíveis da história daquele continente Essas regiões inexploradas constituem verdadeiros espaços em branco no mapa do nosso conhecimento das fontes da história africana Quanto mais cedo eles desaparecerem mais rico será o quadro que podemos traçar do passado africano 118 KOELLE S W 1854 reed GRAZ 1963 119 CURTIN P D e VANSINA J1964 HAIR P E H 1965 120 Regulae quaedam pro difficillimi Congenius idiomatis faciliori captu ad Grammatica normam redactae A F Hyacintho Brusciotto Roma 1659 WING J van e PENDERS C Le plus ancien dictionnaire Bantu Vocabularium P Georgii Gelensis Louvain 1928 121 A gramática de Brusciotto foi estudada com esses objetivos por D A OLDEROGGE no seu instrutivo artigo Sistema rodstva Bakongo v XVII Sistema de parentesco Bakongo no século XVII in Afrikanskiy etnograficheskiy sbornik III Moscou 1959 C A P Í T U L O 7 139 A tradição oral e sua metodologia As civilizações africanas no Saara e ao sul do deserto eram em grande parte civilizações da palavra falada mesmo onde existia a escrita como na África ocidental a partir do século XVI pois muito poucas pessoas sabiam escrever ficando a escrita muitas vezes relegada a um plano secundário em relação às preocupações essenciais da sociedade Seria um erro reduzir a civilização da palavra falada simplesmente a uma negativa ausência do escrever e perpetuar o desdém inato dos letrados pelos iletrados que encontramos em tantos ditados como no provérbio chinês A tinta mais fraca é preferível à mais forte palavra Isso demonstraria uma total ignorância da natureza dessas civilizações orais Como disse um estudante iniciado em uma tradição esotérica O poder da palavra é terrível Ela nos une e a revelação do segredo nos destrói através da destruição da identidade da sociedade pois a palavra destrói o segredo comum A civilização oral Um estudioso que trabalha com tradições orais deve compenetrar se da atitude de uma civilização oral em relação ao discurso atitude essa totalmente diferente da de uma civilização onde a escrita registrou todas as mensagens importantes Uma sociedade oral reconhece a fala não apenas como um meio de comunicação diária mas também como um meio de A tradição oral e sua metodologia J Vansina 140 Metodologia e pré história da África preservação da sabedoria dos ancestrais venerada no que poderíamos chamar elocuções chave isto é a tradição oral A tradição pode ser definida de fato como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração para outra Quase em toda parte a palavra tem um poder misterioso pois palavras criam coisas Isso pelo menos é o que prevalece na maioria das civilizações africanas Os Dogon sem dúvida expressaram esse nominalismo da forma mais evidente nos rituais constatamos em toda parte que o nome é a coisa e que dizer é fazer A oralidade é uma atitude diante da realidade e não a ausência de uma habilidade As tradições desconcertam o historiador contemporâneo imerso em tão grande número de evidências escritas vendo se obrigado por isso a desenvolver técnicas de leitura rápida pelo simples fato de bastar à compreensão a repetição dos mesmos dados em diversas mensagens As tradições requerem um retorno contínuo à fonte Fu Kiau do Zaire diz com razão que é ingenuidade ler um texto oral uma ou duas vezes e supor que já o compreendemos Ele deve ser escutado decorado digerido internamente como um poema e cuidadosamente examinado para que se possam apreender seus muitos significados ao menos no caso de se tratar de uma elocução importante O historiador deve portanto aprender a trabalhar mais lentamente refletir para embrenhar se numa representação coletiva já que o corpus da tradição é a memória coletiva de uma sociedade que se explica a si mesma Muitos estudiosos africanos como Amadou Hampâté Ba ou Boubou Hama muito eloquentemente têm expressado esse mesmo raciocínio O historiador deve iniciar se primeiramente nos modos de pensar da sociedade oral antes de interpretar suas tradições A natureza da tradição oral A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra Suas características particulares são o verbalismo e sua maneira de transmissão na qual difere das fontes escritas Devido à sua complexidade não é fácil encontrar uma definição para tradição oral que dê conta de todos os seus aspectos Um documento escrito é um objeto um manuscrito Mas um documento oral pode ser definido de diversas maneiras pois um indivíduo pode interromper seu testemunho corrigir se recomeçar etc Uma definição um pouco arbitrária de um testemunho poderia portanto ser todas as declarações feitas por uma pessoa sobre uma mesma sequência de acontecimentos passados contanto que a pessoa não tenha adquirido novas informações entre as diversas 141 A tradição oral e sua metodologia declarações Porque nesse último caso a transmissão seria alterada e estaríamos diante de uma nova tradição Algumas pessoas em particular especialistas como os griots conhecem tradições relativas a toda uma série de diferentes eventos Houve casos de uma pessoa recitar duas tradições diferentes para relatar o mesmo processo histórico Informantes de Ruanda relataram duas versões de uma tradição sobre os Tutsi e os Hutu uma segundo a qual o primeiro Tutsi caiu do céu e encontrou o Hutu na terra e outra segundo a qual Tutsi e Hutu eram irmãos Duas tradições completamente diferentes um mesmo informante e um mesmo assunto É por isso que se inclui uma mesma sequência de acontecimentos na definição de um testemunho Enfim todos conhecem o caso do informante local que conta uma história compósita elaborada a partir das diferentes tradições que ele conhece Uma tradição é uma mensagem transmitida de uma geração para a seguinte Mas nem toda informação verbal é uma tradição Inicialmente distinguimos o testemunho ocular que é de grande valor por se tratar de uma imediata não transmitida de modo que os riscos de distorção do conteúdo são mínimos Aliás toda tradição oral legítima deveria na realidade fundar se no relato de um testemunho ocular O boato deve ser excluído pois embora certamente transmita uma mensagem é resultado por definição do ouvir dizer Ao fim ele se torna tão distorcido que só pode ter valor como expressão da reação popular diante de um determinado acontecimento podendo no entanto também dar origem a uma tradição quando é repetido por gerações posteriores Resta por fim a tradição propriamente dita que transmite evidências para as gerações futuras A origem das tradições pode portanto repousar num testemunho ocular num boato ou numa nova criação baseada em diferentes textos orais existentes combinados e adaptados para criar uma nova mensagem Mas somemte as tradições baseadas em narrativas de testemunhos oculares são realmente válidas o que os historiadores do Islã compreenderam muito bem Desenvolveram uma complicada técnica para determinar o valor dos diferentes Hadiths ou tradições que se pretendiam palavras do Profeta recolhidas por seus companheiros Com o tempo o número de Hadiths tornou se muito grande e foi necessário eliminar aqueles para os quais a cadeia de informantes Isnad que ligava o erudito que as havia registrado por escrito a um dos companheiros do Profeta não podia ser estabelecida Para cada ligação o cronista islâmico determinava critérios de probabilidade e credibilidade idênticos aos empregados na crítica histórica atual Poderia a testemunha intermediária conhecer a tradição Poderia compreendê la Era seu interesse distorcê la Poderia tê la transmitido E se fosse o caso quando como e onde 142 Metodologia e pré história da África Notaremos que a definição de tradições apresentada aqui não implica nenhuma limitação a não ser o verbalismo e a transmissão oral Inclui portanto não apenas depoimentos como as crônicas orais de um reino ou as genealogias de uma sociedade segmentária que conscientemente pretenderam descrever acontecimentos passados mas também toda uma literatura oral que fornecerá detalhes sobre o passado muito valiosos por se tratar de testemunhos inconscientes e além do mais fonte importante para a história das ideias dos valores e da habilidade oral As tradições são também obras literárias e deveriam ser estudadas como tal assim como é necessário estudar o meio social que as cria e transmite e a visão de mundo que sustenta o conteúdo de qualquer expressão de uma determinada cultura É por isso que nas seções seguintes trataremos respectivamente da crítica literária e da questão do ambiente social e cultural antes de passarmos ao problema cronológico e à avaliação geral das tradições A tradição como obra literária Numa sociedade oral a maioria das obras literárias são tradições e todas as tradições conscientes são elocuções orais Como em todas elocuções a forma e os critérios literários influenciam o conteúdo da mensagem Essa é a principal razão das tradições serem colocadas no quadro geral de um estudo de estruturas literárias e serem avaliadas criticamente como tal Um primeiro problema é o da forma da mensagem Há quatro formas básicas resultantes de uma combinação prática de dois conjuntos de princípios Em alguns casos as palavras são decoradas em outros a escolha é entregue ao artista Em alguns casos uma série de regras formais especiais são sobrepostas à gramática da língua comum em outros não existe tal sistema de convenções Formas fundamentais das tradições orais conteúdo fixo livre escolha de palavras forma estabelecida poema epopeia livre fórmula narrativa 143 A tradição oral e sua metodologia O termo poema é apenas um rótulo para todo o material decorado e dotado de uma estrutura específica incluindo canções O termo fórmula é um rótulo que frequentem ente inclui provérbios charadas orações genealogias isto é tudo que é decorado mas que não está sujeito a regras de composição a não ser às da gramática corrente Em ambos os casos as tradições compreendem não só a mensagem mas também as próprias palavras que lhe servem de veículo Teoricamente portanto um arquétipo original pode ser reconstruído exatamente como no caso das fontes escritas Podem se construir argumentos históricos sobre as palavras e não apenas sobre o sentido geral da mensagem Todavia acontece muitas vezes com as fórmulas e menos com os poemas ser impossível reconstruir arquétipos devido ao grande número de interpolações Por exemplo quando se reconhece que o lema de um clã é o produto de uma série de empréstimos de outros lemas sem que se possa identificar aquilo que constituía o enunciado original e específico Pode se muito bem compreender por que as fórmulas se prestam tão facilmente à interpolação Na realidade não existe nenhuma regra formal que impeça esse processo As fontes fixas são em princípio as mais valiosas pois sua transmissão é mais precisa Na prática raras são as que têm o propósito consciente de transmitir informações históricas Além disso é nesse caso que encontramos arcaísmos por vezes inexplicados Nas línguas bantu seu significado pode ser descoberto pois é grande a probabilidade de uma língua vizinha ter conservado uma palavra com a mesma raiz que o arcaísmo em questão Em outros casos devemos nos conformar com o comentário do informante que pode repetir um comentário tradicional ou inventá lo Infelizmente esse tipo de registro oral vem carregado de alusões poéticas imagens ocultas jogo de palavras com múltiplos significados Não só é impossível compreender qualquer coisa dessa elocução hermética sem um comentário mas também muitas vezes só o autor conhece todos os aspectos do seu significado Mas ele não transmite tudo no comentário explicativo de qualidade variável que acompanha a transmissão do poema Essa peculiaridade é bastante comum especialmente no que se refere aos poemas ou canções panegíricos da África meridional Tsuana Sotho oriental a região lacustre central Luba Congo ou ocidental Ijo A denominação epopeia significa que o artista pode escolher suas próprias palavras dentro de um conjunto estabelecido de regras formais como as rimas os padrões tonais o número de sílabas etc Esse caso específico não deve ser confundido com as peças literárias longas de estilo heroico como as narrativas de Sundiata Mwindo Zaire e muitas outras No gênero de que tratamos a tradição inclui a mensagem e a estrutura formal nada mais Muitas vezes 144 Metodologia e pré história da África entretanto encontramos versos característicos que servem para preencher espaço ou que simplesmente lembram ao artista o quadro ou a estrutura formal Alguns desses versos provavelmente datam da criação da epopeia Tais epopeias existem na África Acreditamos que sim e que algumas formas poéticas de Ruanda especialmente assim como as canções fábulas dos Fang Camarões Gabão pertencem a essa categoria Devemos notar que não se pode reconstruir um verdadeiro arquétipo para esses poemas épicos porque a escolha das palavras é deixada ao artista Todavia é preciso salientar que os requisitos da forma são tais que provavelmente todas as versões de uma epopeia baseiam se num único original o que frequentemente é demonstrado pelo estudo das variantes A última categoria é a das narrativas que compreendem a maioria das mensagens históricas conscientes Nesse caso a liberdade deixada ao artista permite numerosas combinações muitas remodelações reajustes dos episódios ampliação das descrições desenvolvimentos etc Torna se então difícil reconstruir um arquétipo O artista é completamente livre mas somente do ponto de vista literário o seu meio social pode às vezes impor lhe uma fidelidade rígida às fontes Apesar dessas dificuldades é possível descobrir a origem híbrida de uma tradição pela coleta de todas as suas variantes inclusive das que não são consideradas históricas e recorrendo se às variantes originárias dos povos vizinhos Assim pode se por vezes passar imperceptivelmente do mundo da história para o país das maravilhas por outro lado eliminam se as versões orais que não são baseadas em narrativas de testemunho ocular Essa abordagem crítica é essencial Toda literatura oral tem sua própria divisão em gêneros literários O historiador não só tentará apreender o significado desses gêneros para a cultura que está estudando mas também colherá ao menos uma amostra representativa de cada um pois em todos eles pode se esperar encontrar informações históricas além do que as tradições que o interessam particularmente são mais fáceis de se compreender quando analisadas no contexto geral Já a própria classificação interna fornece indicações valiosas Assim podemos descobrir se os transmissores de uma obra literária fazem distinção por exemplo entre as narrativas históricas e as de outros tipos Os gêneros literários também estão sujeitos a convenções literárias cujo conhecimento é fundamental para se compreender o verdadeiro sentido da obra A questão nesse caso não é mais de regras formais mas de escolha de termos expressões prefixos pouco usuais vários tipos de licença poética Uma atenção maior deve ser dada às palavras ou expressões que possuem múltiplas reverberações Além disso os termos chave intimamente ligados à estrutura 145 A tradição oral e sua metodologia social à concepção do mundo e praticamente intraduzíveis exigem que se faça uma interpretação à luz do contexto literário no qual aparecem É impossível coligir tudo O historiador vê se obrigado portanto a levar em consideração requisitos práticos e deverá se dar por satisfeito uma vez obtida uma amostra representativa de cada gênero literário Somente através da catalogação dos vários tipos de narrativa pertencentes ao grupo étnico em estudo ou a outros grupos é possível discernir não só imagens ou expressões favoritas mas também os episódios estereotipados como nas narrativas que se poderia classificar como lendas migratórias Wandersagen Por exemplo uma narrativa luba das margens do lago Tanganica conta como um chefe livrou se de outro convidando o a sentar se num tapete sob o qual havia sido cavado um poço contendo estacas com pontas afiadas O chefe sentou se e morreu O mesmo quadro pode ser encontrado dos grandes lagos até o oceano e também entre os Peul do Liptako Alto Volta os Haussa Nigéria e os Mossi de Yatenga Alto Volta A importância desses episódios clichês é óbvia Infelizmente não possuímos nenhum livro de referências útil que trate deles embora H Baumann mencione muitos temas clichês que ocorrem em narrativas sobre as origens de diversos povos1 Já é tempo de se estabelecerem catálogos práticos para a pesquisa desses estereótipos Os chamados índices de motivos populares Folk Motiv Index são de difícil manuseio e confusos pois se baseiam em características de menor importância escolhidas arbitrariamente enquanto nas narrativas africanas o episódio representa uma unidade natural em um catálogo Uma vez encontrado um clichê desse tipo não é correto rejeitar toda a tradição ou mesmo a parte que contém essa sequência de eventos como destituída de valor Devemos sim explicar por que o clichê foi utilizado No caso mencionado ele simplesmente explica que um chefe elimina outro e acrescenta uma descrição de como isso foi feito que é fictícia mas agrada aos ouvintes Com mais frequência perceberemos que esse tipo de clichê constrói explicações e comentários para dados que podem ser perfeitamente legítimos A crítica literária levará em consideração não apenas os significados literal e pretendido de uma tradição mas também as restrições impostas para a expressão da mensagem por requisitos formais e estilísticos Avaliará o efeito da distorção estética muito frequente Afinal mesmo as mensagens do passado não devem ser enfadonhas demais É neste ponto que a observação das representações sociais 1 BAUMANN H 1936 146 Metodologia e pré história da África relativas à tradição é de fundamental importância Dizemos representação em lugar de reprodução porque na maioria dos casos está em jogo um elemento estético Se os critérios estéticos prevalecerem sobre a fidelidade da reprodução ocorrerá uma forte distorção estética refletindo o gosto do público e a arte da pessoa que transmite a tradição Mesmo em outros casos encontramos arranjos de textos que chegam a vestir as tradições de conteúdo histórico específico com o uniforme dos padrões artísticos correntes Por exemplo nas narrativas uma série de episódios que levam a um clímax formam a trama principal enquanto outros constituem repetições paralelas sofisticadas e outros ainda representam apenas transições de uma etapa da narrativa para outra Como regra geral pode se admitir que quanto mais uma narrativa se conforma ao modelo padrão de excelência e quanto mais é admirada pelo público mais é distorcida Numa série de variantes pode se às vezes discernir a variante correta pelo fato de ir contra esses padrões assim como uma variante que contradiz a função social de uma tradição tem mais probabilidade de ser verdadeira que as outras Não devemos esquecer entretanto que nem todos os artistas da palavra são excelentes Há os de pouco talento e suas variantes serão sempre sofríveis Mas a atitude do público como o cenário de uma representação não é exclusivamente um fato artístico É acima de tudo um fato social e isso nos obriga a considerar a tradição em seu meio social Contexto social da tradição Tudo que uma sociedade considera importante para o perfeito funcionamento de suas instituições para uma correta compreensão dos vários status sociais e seus respectivos papéis para os direitos e obrigações de cada um tudo é cuidadosamente transmitido Numa sociedade oral isso é feito pela tradição enquanto numa sociedade que adota a escrita somente as memórias menos importantes são deixadas à tradição É esse fato que levou durante muito tempo os historiadores que vinham de sociedades letradas a acreditar erroneamente que as tradições eram um tipo de conto de fadas canção de ninar ou brincadeira de criança Toda instituição social e também todo grupo social tem uma identidade própria que traz consigo um passado inscrito nas representações coletivas de uma tradição que o explica e o justifica Por isso toda tradição terá sua superfície social utilizando a expressão empregada por H Moniot Sem superfície social a tradição não seria mais transmitida e sem função perderia a razão de existência e seria abandonada pela instituição que a sustenta 147 A tradição oral e sua metodologia Poderíamos ser tentados a seguir alguns estudiosos que acreditavam poder dizer a priori qual a natureza ou perfil do corpus de tradições históricas de uma determinada sociedade a partir da classificação das coletividades em tipos como Estados sociedades sem Estado etc Embora seja verdade que as diversas sociedades africanas possam ser grosso modo classificadas de acordo com tais modelos é fácil demonstrar que essas tipologias podem se estender ao infinito pois cada sociedade é diferente e os critérios utilizados são arbitrários e limitados Não existem dois Estados idênticos ou mesmo semelhantes nos detalhes Há imensas diferenças entre as linhas mestras da organização das sociedades Massai Quênia Tanzânia Embu Quênia Meru Quênia e Galla Quênia Etiópia embora todas elas possam ser classificadas como sociedades baseadas em classes etárias e estejam situadas na mesma região da África Se se desejasse examinar um caso de uma sociedade dita simples sem Estado composta de pequenos grupos estruturados por múltiplas linhagens poder se ia pensar que os Gouro Costa do Marfim constituíssem bom exemplo Esperando encontrar um perfil de tradições contendo somente histórias de linhagens e genealogias e realmente o encontramos deparamo nos também com uma história esotérica transmitida por uma sociedade secreta Tomemos o caso dos Tonga do Zâmbia encontramos novamente a história da linhagem mas também histórias de centros rituais animados pelos fazedores de chuva Não há uma única sociedade desse tipo que não apresente uma instituição importante inesperada Entre os Estados o caso extremo é certamente o do reino dos Bateke Tio em que a tradição real não remonta a mais do que duas gerações embora os reinos devam ter tradições muito antigas Podemos ir mais longe no tempo coligindo as tradições dos símbolos mágicos dos nobres do que seguindo as tradições relativas ao símbolo real Generalizações apressadas sobre o valor das tradições seriam absolutamente despropositadas O perfil de um determinado corpus de tradições só pode ser determinado a posteriori É evidente que as funções preenchidas pelas tradições tendem a distorcê las É impossível estabelecer uma lista completa dessas funções em parte porque uma tradição pode assumir diversas funções e pode desempenhar um papel mais ou menos preciso ou difuso em relação a elas Mas principalmente porque a palavra função é por si só confusa É utilizada com frequência para descrever tudo o que serve para fortalecer ou manter a instituição da qual depende Como a relação não é tangível a imaginação pode produzir uma lista infinita de funções a preencher não sendo possível nenhuma escolha Entretanto não é difícil distinguir certos propósitos precisos manifestos ou latentes assumidos por algumas tradições Há por exemplo as cartas míticas 148 Metodologia e pré história da África as histórias das dinastias genealogias listas de reis que podem ser consideradas como verdadeiras constituições não escritas Podemos ampliar essa categoria pela inclusão de todas as tradições que tratam dos assuntos públicos legais por exemplo as que mantêm os direitos públicos sobre a propriedade Trata se geralmente de tradições oficiais uma vez que aspiram a uma legitimidade universal para a sociedade As tradições particulares associadas a grupos ou instituições incorporados a outros grupos não serão tão bem conservadas pois têm menor importância embora em geral estejam mais próximas da verdade que as demais tradições Todavia convém destacar que as tradições particulares são oficiais para o grupo que as transmite Assim uma história de família é particular em comparação à história de todo um Estado e o que ela diz sobre o Estado está menos sujeito a controle do Estado que uma tradição pública oficial Mas dentro da própria família a tradição particular torna se oficial Em tudo o que diz respeito à família ela deve portanto ser tratada como tal Compreende se assim por que é tão importante utilizar histórias familiares ou locais para esclarecer questões de história política geral Seu testemunho está menos sujeito a distorção e pode oferecer uma verificação efetiva das asserções feitas pelas tradições oficiais Por outro lado como dizem respeito somente a subgrupos a profundidade e o cuidado com que são transmitidas são de modo geral pouco satisfatórios como atestam as inúmeras variantes Entre outras funções comuns podemos mencionar sucintamente a religiosa e a litúrgica como realizar um ritual as funções jurídicas particulares precedentes as estéticas didáticas e históricas a função do comentário de um registro oral esotérico e a que os antropólogos chamam de função mítica As funções e o gênero literário considerados em conjunto podem constituir para o historiador uma tipologia válida que lhe permitirá fazer uma avaliação geral das prováveis distorções que suas fontes podem ter sofrido fornecendo lhe indicações relativas à transmissão Para tomar apenas os tipos que são obtidos por esse processo de seleção podemos distinguir os nomes os títulos os slogans ou lemas fórmulas rituais fórmulas didáticas provérbios listas de topônimos de antropônimos genealogias etc Do ponto de vista da forma básica podemos classificar todos esses casos como fórmulas Poemas históricos panegíricos litúrgicos ou cerimoniais religiosos pessoais líricos e outros canções de todos os tipos canções de ninar de trabalho caça e canoagem etc são poemas também do mesmo ponto de vista A epopeia como forma básica é representada por certos poemas que não correspondem ao que o termo normalmente conota Por último a narrativa inclui a narrativa geral histórica ou outras narrativas locais familiares épicas etiológicas estéticas e memórias pessoais Devemos também 149 A tradição oral e sua metodologia incluir aqui precedentes legais que raramente são transmitidos pela tradição oral comentários sobre registros orais e as notas ocasionais que são essencialmente respostas curtas a perguntas do tipo Como começamos a cultivar milho De onde veio a máscara de dança etc Dessa lista pode se imediatamente observar o que pode ser a ação deformadora de uma instituição em cada um desses tipos Mas ainda é preciso demonstrar que essa ação realmente ocorreu ou que a probabilidade de distorção é muito grande Geralmente é possível mostrar que uma tradição é válida porque não sofreu as distorções esperadas Por exemplo um povo diz que é mais novo que outro uma crônica real admite uma derrota uma fórmula particular que deveria explicar a geografia física e humana de um país não se conforma mais à realidade Em todos esses casos a análise comprova a validade da tradição pois esta resistiu ao processo nivelador Em seu trabalho sobre o fenômeno da escrita capacidade de ler e escrever Goody e Watt afirmam que uma sociedade oral tende constante e automaticamente à homeostase que apaga da memória coletiva daí a expressão amnésia estrutural qualquer contradição entre a tradição e sua superfície social Mas os casos mencionados acima mostram que essa homeostase é só parcial Não se pode negar portanto o valor histórico das tradições unicamente por desempenharem certas funções Segue se ainda que cada tradição deve ser submetida a estrita crítica sociológica No mesmo trabalho esses autores afirmam que a cultura de uma sociedade verbal é homogeneizada isto é que o conteúdo em termos de conhecimento do cérebro de cada adulto é aproximadamente o mesmo Isso não é totalmente verdadeiro Especialistas artesãos políticos legistas e religiosos sabem muitas coisas que seus contemporâneos do mesmo grupo étnico desconhecem Cada grupo étnico tem seus pensadores Entre os Kuba Zaire por exemplo encontramos três homens que com base num mesmo sistema de símbolos haviam estabelecido três filosofias diferentes e supomos que o mesmo se dá entre os Dogon Quanto às tradições observamos que em muitos grupos há tradições esotéricas secretas que são privilégio de um grupo restrito e tradições exotéricas públicas Por exemplo a família real ashanti sabia a história secreta de sua origem enquanto o grande público conhecia somente a versão oficial Em Ruanda somente os especialistas biiru conheciam os rituais da realeza e mesmo assim eles só os conheciam na sua totalidade quando estavam todos juntos já que cada grupo de biiru tinha conhecimento apenas de uma parte deles Em quase todos os rituais de entronização na África encontramos práticas e tradições secretas Isso significaria que a tradição esotérica é necessariamente mais acurada que a tradição exotérica Depende do contexto Afinal as tradições 150 Metodologia e pré história da África esotéricas também podem ser distorcidas por razões imperativas que serão ainda mais imperativas se o colégio que possui o segredo foi um grupo chave da sociedade Devemos ressaltar que empiricamente conhecemos até agora muito poucas tradições esotéricas e porque a antiga ordem em que têm suas raízes não desapareceu por completo As que conhecemos provêm de sociedades que têm sofrido importantes transformações e muitas tradições sem dúvida desaparecerão sem deixar registro Todavia a partir de fragmentos que possuímos podemos afirmar que certas tradições ogboni da nação Ioruba têm sido tão distorcidas que não mais constituem mensagens válidas no que diz respeito às origens do ogboni enquanto as tradições biiru por exemplo parecem ter maior validade Isso se deve não ao caráter esotérico mas ao propósito dessas tradições as primeiras legitimam um poder forte detido por um pequeno grupo de homens enquanto as segundas são apenas a memorização de um ritual prático Cada tradição tem sua própria superfície social Para encontrar as tradições e analisar a qualidade de sua transmissão o historiador deve portanto conhecer o mais detalhadamente possível o tipo de sociedade que está estudando Deve examinar todas as suas instituições para isolar as tradições e também esmiuçar todos os gêneros literários para obter informações históricas É o grupo dirigente de uma sociedade que retém a posse das tradições oficiais e sua transmissão é geralmente realizada por especialistas que utilizam meios mnemotécnicos geralmente canções para reter os textos Às vezes há o controle de colegas em ensaios privados ou na representação pública associada a uma cerimônia importante Os especialistas entretanto nem sempre estão ligados ao poder É o caso dos genealogistas dos tamborileiros de chefes ou de reis dos guardas de túmulos2 e dos pregadores de religiões nacionais Mas há também especialistas em outros níveis Entre os Xhosa África do Sul há mulheres especializadas na arte de representar histórias engraçadas ntsomi Há também outros que sabem fazê la mas não se especializam nisso Estes geralmente tomam parte em espetáculos populares Alguns celebrantes de ritos religiosos também são especialistas em tradições orais os guardas dos mhondoro shona Zimbabwe conhecem a história dos espíritos confiados à sua guarda Alguns como os griots são trovadores que reúnem tradições em todos os níveis e representam os textos convencionados diante de uma audiência apropriada em certas ocasiões casamento morte festa na residência de um chefe etc É raro não haver especialização mesmo no nível da história da terra ou da família Sempre há 2 Em alguns países essas pessoas fazem parte da classe governante é o caso por exemplo do Bend naba chefe dos tambores dos Mossi 151 A tradição oral e sua metodologia indivíduos socialmente superiores os abashinga ntabe do Burundi para questões de terra por exemplo ou de maior aptidão encarregados da memorização e transmissão das tradições Enfim uma última categoria de pessoas bem informadas para as quais dificilmente podemos aplicar o termo especialista é constituída por indivíduos que vivem perto de lugares históricos importantes Nesse caso o fato de se viver exatamente no local por exemplo onde uma batalha foi travada atua como meio mnemotécnico no registro da tradição Um exame da superfície social torna possível portanto descobrir tradições existentes colocá las em seu contexto achar especialistas responsáveis por elas e estudar as transmissões Esse exame também torna possível descobrir indicações valiosas sobre a frequência e a forma das próprias representações A frequência é um indicador da fidelidade da transmissão Entre os Dogon Mali o ritual do Sigi é transmitido somente uma vez a cada sessenta anos aproximadamente Isso favorece o esquecimento são muito raros os que já viram dois Sigi e apreenderam o suficiente na primeira representação para serem capazes de dirigir a segunda Somente as pessoas com 75 anos pelo menos podem fazê lo Podemos supor que o conteúdo do Sigi e a informação fornecida variarão mais radicalmente que uma forma de tradição como a de um festival no sul da Nigéria que é repetido todo ano Mas por outro lado uma frequência elevada de representações não significa necessariamente uma fidelidade acentuada na transmissão Isso vai depender da sociedade em questão Se a sociedade necessita de uma fidelidade estrita a frequência ajudará a mantê la É o caso das fórmulas mágicas como por exemplo certas fórmulas para exorcizar a bruxaria Explica se assim por que algumas fórmulas mboon Zaire para fazer parar a chuva situam se num contexto geográfico tão arcaico que nenhum dos elementos mencionados pode ser encontrado na região Mboon atual Por outro lado se a sociedade não atribui nenhuma importância à fidelidade da transmissão a grande frequência da representação altera a transmissão mais rapidamente do que uma frequência menor Temos por exemplo o caso das canções à moda e especialmente das narrativas populares mais apreciadas Tudo isso pode e de fato deve ser verificado pelo estudo das variantes coletadas Seu número é um reflexo direto da fidelidade da transmissão Ao que parece as alterações tendem invariavelmente a aumentar a homeostase entre a instituição e a tradição que a acompanha nesse ponto Goody e Watt têm certa razão Se as variantes existem e mostram uma tendência bem definida podemos deduzir que as menos conformistas em relação aos objetivos e funções da instituição são as mais válidas Além disso é possível por vezes mostrar que uma tradição não é válida seja em caso de ausência de variantes quando a 152 Metodologia e pré história da África tradição tornou se um clichê do tipo Viemos todos de X X correspondendo perfeitamente às necessidades da sociedade seja quando como na narrativa popular as variantes são tão divergentes que é quase impossível reconhecer o que constitui uma tradição e a separa das outras Nesse caso torna se evidente que a maioria das versões são elaborações mais ou menos recentes que têm por base outras narrativas populares Nesses dois casos extremos entretanto é preciso poder demonstrar que a ausência de variantes realmente corresponde a uma forte motivação da sociedade assim como a proliferação de variantes corresponde a considerações estéticas ou a uma necessidade de divertimento que suplanta qualquer outra consideração Ou então deve se poder demonstrar que os postulados inconscientes da civilização homogeneizaram a tradição de maneira tal que esta se tornou um clichê sem variantes É precisamente essa influência da civilização que deve ser examinada agora feita a crítica sociológica Estrutura mental da tradição Por estrutura mental entendemos as representações coletivas inconscientes de uma civilização que influenciam todas as suas formas de expressão e ao mesmo tempo constituem sua concepção do mundo Essa estrutura mental varia de uma sociedade para outra A nível superficial é relativamente fácil descobrir parte dessa estrutura através da aplicação de técnicas clássicas da crítica literária ao conteúdo de todo o corpus de tradições e da comparação desse corpus com outras manifestações sobretudo as simbólicas da civilização A tradição sempre idealiza especialmente no caso de poemas e narrativas Ela cria estereótipos populares Toda história tende a tornar se paradigmática e consequentemente mítica seja o seu conteúdo verdadeiro ou não Assim encontramos modelos de comportamentos ideais e de valores Nas tradições de reis os personagens tornam se estereotipados como num western e portanto facilmente identificáveis Um rei é o mágico um outro governante é o justo outra pessoa é o guerreiro Mas isso distorce a informação algumas guerras por exemplo são atribuídas ao rei guerreiro quando as campanhas foram de fato conduzidas por outrem Além disso todos os reis possuem em comum características que refletem uma noção idealizada da realeza Também não é difícil encontrar estereótipos de diferentes personagens especialmente de líderes em outras sociedades É o caso do herói cultural frequentemente encontrado que transforma o caos numa sociedade bem ordenada A noção estereotipada de caos é no caso a descrição de um mundo literalmente às avessas Encontramos 153 A tradição oral e sua metodologia também mais de um estereótipo do herói fundador Entre os Igala Nigéria alguns fundadores são caçadores outros são descendentes de reis Os primeiros representam um status adquirido os últimos um status hereditário atribuído Na tentativa de explicar por que há dois tipos de status sugeriu se que o primeiro estereótipo oculta a ascensão ao poder de novos grupos e que os dois estereótipos refletem duas situações históricas bastante diferentes Uma explicação verdadeiramente satisfatória deveria entretanto revelar o sistema completo de valores e ideais relacionados a status e papéis sociais que constituem a própria base de toda ação social e de todo sistema global Isso só foi possível recentemente quando McGaffey descobriu que os Kongo Zaire República Popular do Congo possuem um sistema estereotipado simples de quatro status ideais feiticeiro adivinho chefe profeta que são complementares É fácil descobrir um valor geral positivo ou negativo a apreciação da generosidade a rejeição da inveja como sinal de feitiçaria ou o papel do destino são todos valores imediatamente observáveis nas tradições do golfo de Benin e da região interlacustre Mas os valores são descobertos um por um e não como sistema coerente que compreende todas as representações coletivas pois valores e ideais descrevem somente as normas para um comportamento ideal ou por vezes cinicamente realista que devem guiar o comportamento real e os papéis esperados de cada um Os papéis estão relacionados às posições sociais e estas às instituições e o conjunto constitui a sociedade Teoricamente portanto é preciso desmontar uma sociedade para encontrar seus modelos de ação seus ideais e valores Em geral o historiador faz isso inconscientemente e de modo superficial Evita as armadilhas evidentes mas involuntariamente tende a adotar as premissas impostas pelo sistema como um todo Não consegue separar suas fontes do meio que as envolve Falamos por experiência própria após ter passado dezoito anos tentando detectar relações desse tipo na distorção das tradições de origem kuba Zaire Entre as representações coletivas que mais influenciam a tradição notaremos sobretudo uma série de categorias de base que precedem a experiência dos sentidos São as do tempo do espaço da verdade histórica da causalidade Há outras de menor importância como por exemplo a divisão do espectro em cores Todo povo divide o tempo em unidades baseando se em atividades humanas ligadas à ecologia ou em atividades sociais periódicas tempo estrutural As duas formas de tempo são utilizadas em toda parte O dia é separado da noite é dividido em partes que correspondem ao trabalho ou refeições e as atividades são relacionadas com a altura do sol a voz de certos animais para dividir as horas da noite etc Os meses lunares as estações e o ano são geralmente definidos pelo 154 Metodologia e pré história da África ambiente e as atividades que dele dependem mas além disso deve se contá los em unidades de tempo estrutural Mesmo nesse caso a semana é determinada por um ritmo social como por exemplo a periodicidade dos mercados que também é associada em muitos casos a uma periodicidade religiosa Períodos mais longos que o ano são contados pela iniciação a um culto a um grupo de idade por reinos ou gerações A história das famílias pode ser estabelecida com base nos nascimentos que constituem um calendário biológico Fazem se referências a acontecimentos excepcionais como grandes fomes grandes deflagrações de doença animal ou epidemias cometas pragas de gafanhotos mas esse calendário de catástrofes é forçosamente vago e irregular À primeira vista esse tipo de computação parece ser de pouca utilidade para a cronologia enquanto os acontecimentos recorrentes parecem possibilitar a conversão da cronologia relativa em cronologia absoluta uma vez conhecida a frequência das genealogias grupos de idade reinos etc Voltaremos a esse assunto posteriormente A profundidade temporal máxima alcançada pela memória social depende diretamente da instituição que está ligada à tradição Cada instituição tem sua própria profundidade temporal A história da família não remonta à um passado muito distante porque esta conta apenas três gerações e porque de modo geral há pouco interesse em lembrar acontecimentos anteriores Portanto as instituições que englobam maior número de pessoas se prestam melhor a nos fazer mergulhar mais fundo no tempo Isso se verifica para o clã a linhagem máxima de descendência o grupo de idade do tipo massai e a realeza Na savana sudanesa as tradições dos reinos e impérios de Tecrur Gana e Mali retomadas por autores árabes e sudaneses remontam ao século XI Às vezes entretanto todas as instituições são limitadas pela mesma concepção da profundidade do tempo como por exemplo entre os Bateke República Popular do Congo onde tudo é remetido à geração do pai ou do avô Tudo inclusive a história da família real é dividido entre par e ímpar o ímpar pertencendo ao tempo dos pais e o par ao dos avós Esse exemplo mostra que a noção da forma do tempo é muito importante Na região interlacustre há casos em que o tempo é visto como um ciclo Mas como os ciclos se sucedem o conceito vai dar numa espiral Numa outra perspectiva para as mesmas sociedades distinguem se eras principalmente a era do caos e a era histórica Para outras como entre os Bateke o tempo não é linear oscila entre gerações alternadas As consequências sobre o modo como se apresentam as tradições são evidentes 155 A tradição oral e sua metodologia Já não é tão óbvio que a noção de espaço seja de interesse nesse contexto Mas há uma tendência geral a situar a origem de um povo num lugar ou direção de prestígio direção sagrada ou profana de acordo com o pensamento de que o homem evolui do sagrado para o profano ou vice versa Cada povo impôs um sistema de direções à sua geografia São geralmente os rios que dão o eixo das direções cardinais A maioria das sociedades então fixa a direção de suas aldeias às vezes de seus campos Kukuya República Popular do Congo segundo esse sistema de eixos que utilizam também para orientar seus túmulos As consequências são às vezes inesperadas Um espaço ordenado segundo um único eixo que faz parte do relevo muda com a disposição relativa dos elementos do relevo Aqui a jusante é a oeste ali a norte aqui ir em direção ao cume é ir para leste ali para oeste Não só observamos que as migrações podem vir de direções privilegiadas como é o caso dos Kuba Zaire ou dos Kaguru Tanzânia e que a narrativa correspondente é mais uma cosmologia que uma história como também chegamos a encontrar variações nos pontos de origem dependendo dos acidentes do relevo geográfico Somente as sociedades que se baseiam nos movimentos do sol para determinar o eixo do espaço podem dar informação exata a respeito dos movimentos migratórios gerais esses povos infelizmente são uma minoria exceto talvez na África ocidental onde a maioria refere se ao leste como seu lugar de origem A noção de causa está implícita em toda tradição oral Geralmente é apresentada na forma de causa imediata e separada para cada fenômeno Cada coisa tem uma origem que se situa diretamente no início dos tempos Pode se compreender melhor o que é a causalidade examinando se as causas atribuídas ao mal Muito frequentemente elas têm relação direta com a feitiçaria os ancestrais etc e a relação é imediata Resulta desse tipo de causalidade que a mudança é percebida sobretudo em alguns campos claramente definidos como a guerra sucessão real etc em que os estereótipos intervêm Para terminar salientamos que esse esboço da noção de causa é muito sumário e deve ser complementado por noções de causa mais complexas mas paralelas a estas e que afetam somente instituições sociais menores Quanto à verdade histórica está sempre estreitamente ligada à fidelidade do registro oral transmitido Assim ela pode ser ou o consenso dos governantes Idoma Nigéria ou a constatação de que a tradição está em conformidade com o que disse a geração anterior As categorias cognitivas combinam se e unem se a expressões simbólicas de valor para produzir um registro que os antropólogos qualificam de mito As tradições mais sujeitas a uma reestruturação mítica são as que descrevem 156 Metodologia e pré história da África a origem e consequentemente a essência a razão de ser de um povo Assim um grande número de complexas narrativas kuba que tratam da origem desse povo e descrevem migrações em canoas pôde finalmente ser explicado com a descoberta de um conceito latente de migração para o povo Kuba a migração se faz em canoas da jusante sagrado para o montante profano Da mesma forma se explicaram nomes de migrações e de regiões de origem apresentados em termos de cosmogonia Na narrativa kuba a correlação não estava clara mas em muitos outros grupos étnicos aparece explicitamente É assim que muitos etnólogos seguindo infelizmente o exemplo de Beidelman estruturalistas ou sociólogos funcionalistas terminaram por negar qualquer valor às tradições narrativas porque dizem eles são a expressão das estruturas cognitivas do mundo que sustentam todo o pensamento a priori como categorias imperativas O mesmo julgamento deveria então ser aplicado ao texto que você está lendo ou ao do próprio Beidelman Obviamente esses antropólogos exageram Além disso muitas de suas interpretações parecem hipotéticas O historiador deve lembrar que para cada caso particular é preciso especificar as razões que se tem para rejeitar ou questionar uma tradição Só se pode rejeitar uma tradição quando a probabilidade de uma criação de significado puramente simbólico é realmente forte e se possa provar Pois em geral as tradições refletem tanto um mito no sentido antropológico do termo como informações históricas Nessas circunstâncias os manuais de história são textos de mitologia já que todo estereótipo que se origina de um sistema de valores e interesses é não só uma mensagem mítica mas também um código secreto histórico à espera de decifração A cronologia Sem cronologia não há história pois não se pode distinguir o que precede do que sucede A tradição oral sempre apresenta uma cronologia relativa expressa em listas ou em gerações Em geral essa cronologia permite situar todo o conjunto de tradições da região em estudo no quadro da genealogia ou da lista de reis ou de grupos de idade que abrange a mais ampla área geográfica mas não permite estabelecer a sequência relativa aos acontecimentos exteriores àquela região particular Grandes movimentos históricos e mesmo certas evoluções locais passam despercebidos ou restam duvidosos porque a unidade disponível para a cronologia é geograficamente muito restrita A genealogia familiar é válida apenas para determinada família e para a aldeia ou aldeias que ela habita 157 A tradição oral e sua metodologia A cronologia dos Embu Quênia por exemplo é baseada em grupos de idade que cobrem apenas uma diminuta área territorial na qual os jovens são iniciados ao mesmo tempo As cronologias relativas devem portanto ser associadas e se possível convertidas em cronologias absolutas Mas antes há um outro problema a ser resolvido o de se assegurar que as informações utilizadas correspondem a uma realidade não distorcida pelo tempo Torna se cada vez mais claro que a cronologia oral está sujeita a processos de distorção concomitantes e que agem em sentidos opostos às vezes encurtam e às vezes prolongam a verdadeira duração dos acontecimentos passados Há também uma tendência a regularizar as genealogias as sucessões e a sequência de grupos de idade para conformá las às normas ideais da sociedade no momento Do contrário os dados forneceriam precedentes para litígios de todo tipo O processo homeostático é bastante real Em certos casos especiais como em Ruanda por exemplo a tarefa de gerir a tradição recai sobre um complexo grupo de especialistas cujas afirmações têm sido corroboradas por escavações arqueológicas Etnólogos mostraram que as sociedades chamadas segmentárias tendem a eliminar ancestrais inúteis isto é os que não deixaram descendentes que ainda vivam e constituam um grupo separado Isso explica por que a profundidade genealógica de cada grupo numa determinada sociedade tende a permanecer constante Somente os ancestrais úteis são utilizados para explicar o presente Isso leva por vezes a uma grande condensação da profundidade genealógica Além do mais acidentes demográficos às vezes reduzem um ramo de descendentes a um número tão pequeno em comparação com outros ramos descendentes dos irmãos e irmãs do fundador do primeiro ramo que este não pode mais existir paralelamente aos grandes grupos vizinhos sendo então absorvido por um deles A genealogia será reajustada e o fundador do grupo pequeno substituído pelo do grupo maior que o absorve A genealogia é assim simplificada A identidade de um grupo étnico em geral é expressa por um único ancestral colocado na origem de uma genealogia É o primeiro homem um herói fundador etc Será o pai ou a mãe do primeiro ancestral útil Desse modo a lacuna entre a origem e a história consciente fica escamoteada A operação de todo esse processo infelizmente levou muitas vezes a uma situação em que é praticamente impossível remontar com segurança a mais do que umas poucas gerações Acreditava se que muitas sociedades africanas e especialmente as monarquias tivessem escapado a esse processo Não havia razão para que a lista de sucessão dos reis estivesse incorreta que sua genealogia fosse duvidosa exceto que algumas vezes era falsificada quando uma dinastia substituía outra e se apoderava da 158 Metodologia e pré história da África genealogia da precedente a fim de se legitimar O número de reis e gerações continuava aparentemente correto Estudos recentes mais detalhados mostram que essa posição não se justifica inteiramente Os processos de condensação alongamento e regularização podem afetar as tradições dinásticas tanto quanto as outras Em listas de reis por exemplo os nomes de usurpadores isto é dos que são considerados usurpadores naquele momento ou em qualquer época após seu reinado são às vezes omitidos assim como os de muitos reis que não passaram por todas as cerimônias de iniciação que em geral são muito longas O reinado de um rei que abdica e em seguida retorna ao poder é às vezes contado como um único governo Tudo isso encurta o processo histórico Onde a sucessão é patrilinear e primogenitiva como na região interlacustre a tendência à regularização dos fatos resultou num surpreendente número de sucessões regulares isto é o filho sucedendo ao pai que ultrapassa de muito a média e mesmo os recordes observados em outras partes do mundo Esse processo de regularização produziu uma genealogia típica retilínea desde os mais antigos tempos até o século XIX aproximadamente quando se tornou arborescente O resultado é o alongamento da dinastia pelo aumento do número de gerações uma vez que os colaterais são apresentados como pais e filhos A confusão entre homônimos e entre nome de reino ou título e nome pessoal assim como outros detalhes desse tipo pode estender ou encurtar a lista Como durante os tempos coloniais especialmente em regiões sob administração indireta era forte a pressão para alongar as dinastias pois as sociedades europeias como muitas africanas têm um grande respeito pela antiguidade empregaram se todos os meios possíveis mesmo ambíguos com aquela finalidade Todos os nomes foram então utilizados ciclos de nomes reais foram desdobrados se necessário ou agrupados podaram se os ramos colaterais a fim de alongar se o tronco Por último e sempre no caso dos reinos encontram se comumente lacunas entre o herói fundador que pertence à cosmogonia e o primeiro rei histórico útil Somente uma investigação muito cuidadosa pode determinar se nesses casos particulares os processos descritos realmente ocorreram A esse respeito a presença de irregularidades na sucessão e nas genealogias é a melhor garantia de autenticidade pois denota uma resistência ao nivelamento homeostático Sociedades de classes de idade ainda não foram submetidas a esse tipo de exame sistemático Alguns casos mostram que os processos de regularização intervêm para organizar os ciclos ou para reduzir a confusão produzida pelos homônimos Mas os diferentes tipos de sucessão de classes de idade ainda têm que ser estudados Não podemos generalizar exceto para dizer que o problema 159 A tradição oral e sua metodologia suscitado é análogo ao das genealogias porque também aqui a geração é a unidade Um estudo estatístico completo que forneceu grande parte das informações acima mencionadas constatou que a duração média de uma geração dinástica está entre 26 e 32 anos A amostra era principalmente patrilinear mas as dinastias matrilineares não se agrupam por exemplo no segmento inferior da distribuição estatística e a informação portanto seria válida para elas também A duração média dos reinados varia tanto com o sistema de sucessão que nenhuma informação genérica de valor pode ser fornecida Mesmo no caso de tipos idênticos de sucessão são encontradas divergências consideráveis entre diferentes dinastias Com base nas informações acima expostas pode se converter uma cronologia relativa de gerações em cronologia absoluta a menos que a distorção genealógica seja tal que torne o exercício inútil Primeiramente calcula se a média entre a primeira referência cronológica absoluta fornecida por uma data escrita e o presente e projeta se essa média no passado caso ela se situe entre 26 e 32 anos No entanto médias são apenas médias Sua probabilidade aumenta com o número de gerações envolvidas e o cálculo só fornece datas razoáveis para os inícios de sequências ou quando muito uma vez por século Qualquer precisão maior cria um erro De todo modo datas absolutas calculadas dessa maneira devem ser precedidas por uma sigla para indicar o fato Assim T 1635 para a fundação do Reino Kuba indicaria que a data foi calculada com base em genealogias e listas de reis O mesmo procedimento pode ser aplicado para determinar a duração média de um reinado Mostrou se por que essa média é menos válida que a média das gerações Uma das razões é que ao se projetar a média no passado pressupõe se que não houve mudança nos sistemas de sucessão Ora estes podem ter mudado ao longo dos anos Certamente sofreram mudanças desde a fundação da dinastia porque fundar é inovar e as sucessões sem dúvida levaram algum tempo para se normalizarem Além disso devemos considerar as mudanças que podem ter ocorrido na esperança de vida Já que a margem de erro é maior será particularmente útil dispor de datas absolutas determinadas por documentos escritos ou por outros meios que remontem a um passado longínquo Todavia continuando no campo da cronologia relativa é possível tentar coordenar diferentes sequências vizinhas separadas e relacionadas pelo estudo dos sincronismos Uma batalha entre dois reis citados fornece um sincronismo Torna possível harmonizar as duas cronologias relativas em questão e combiná las em uma Demonstrou se empiricamente que sincronismos entre mais 160 Metodologia e pré história da África de três unidades isoladas não mais são válidos Pode se mostrar que A e B viveram na mesma época ou que A e C viveram na mesma época porque ambos conheceram B Portanto A B C mas não podemos ir além disso O fato dos encontros de A e C com B poderem ter ocorrido em qualquer época durante a vida ativa de B explica por que A C é o limite Estudos sobre a cronologia do antigo Oriente Médio provaram empiricamente esse ponto No entanto utilizando prudentemente os sincronismos podemos reconstruir campos únicos razoavelmente grandes com uma cronologia relativa comum Após o exame dos dados genealógicos pode se obter uma data absoluta se a tradição mencionar um eclipse do sol Se há mais de uma data possível para o eclipse deve se mostrar qual é a mais provável Podemos proceder do mesmo modo com outros fenômenos astronômicos ou climáticos extraordinários que tenham causado catástrofes A certeza é menor nesse caso do que no dos eclipses solares porque há por exemplo mais fomes na África oriental que eclipses do sol Com exceção dos eclipses solares outras informações desse tipo são úteis principalmente para os últimos dois séculos ainda que poucos povos tenham preservado a memória de eclipses muito mais antigos Avaliação das tradições orais Uma vez submetidas a minuciosa crítica literária e sociológica podemos atribuir às fontes um grau de probabilidade Essa apreciação não pode ser quantificada mas não é por isso menos real A veracidade de uma tradição será mais facilmente constatada se a informação que contém puder ser comparada com a informação fornecida por outras tradições independentes ou por outras fontes Duas fontes independentes concordantes transformam uma probabilidade em algo mais próximo da certeza Mas deve se comprovar a independência das fontes Infelizmente contudo tem se constatado uma tendência muito grande em acreditar na pureza e estanquidade inequívocas da transmissão de um grupo étnico para outro Na prática caravanas de comerciantes como as dos Imbangala de Angola ou talvez as dos Diula e dos Haussa podem ter levado consigo fragmentos de história que foram incorporados à história local por encontrar terreno apropriado No início do período colonial estabeleceram se vínculos entre representantes de diferentes grupos que trocaram informações a respeito de suas tradições Esse é notadamente o caso nas regiões sob administração indireta onde interesses de ordem prática encorajavam especialmente os reinos a produzirem suas histórias Além disso todas essas histórias foram influenciadas 161 A tradição oral e sua metodologia pelos primeiros modelos escritos por africanos como o livro de Johnson sobre o Reino Oyo Nigéria ou o de Kaggwa Uganda para Buganda Deu se uma contaminação geral de todas as histórias tardiamente colocadas em forma escrita no país Ioruba e na região interlacustre de fala inglesa com tentativas de sincronização visando forçar as listas dinásticas a se igualarem em extensão às dos modelos Esses dois exemplos mostram o quanto se deve ser prudente ao afirmar que as tradições são realmente independentes Deve se pesquisar os arquivos estudar os contatos pré coloniais e ponderar tudo cuidadosamente antes de se fazer qualquer julgamento A comparação com dados escritos ou arqueológicos pode fornecer a confirmação de independência desejada Mas ainda neste caso é preciso que a independência seja comprovada O fato de autóctones atribuírem tradicionalmente um sítio visível aos primeiros habitantes do país devido à presença no local de traços de ocupação humana muito diferentes dos deixados pelos habitantes atuais não significa que se possa automaticamente fazer a mesma atribuição As fontes não são independentes pois o sítio é atribuído a essas populações por um processo lógico e apriorístico É um caso de iconatrofia Essa constatação dá origem a interessantes especulações especialmente no que diz respeito aos chamados vestígios de Tellem do país Dogon Mali assim como aos sítios Sirikwa Quênia para citar somente dois exemplos bem conhecidos Contudo os casos famosos dos sítios de Kumbi Saleh Mauritânia e do lago Kisale Zaire mostram que a arqueologia pode às vezes fornecer provas surpreendentes da validade de uma tradição oral Geralmente estabelecer uma concordância entre fonte oral e escrita fica difícil porque tratam de coisas diferentes Um estrangeiro que escreve sobre um país habitualmente se restringe a fatos econômicos e políticos muitas vezes ainda mal compreendidos A fonte oral voltada para o interior menciona os estrangeiros apenas de passagem quando o faz Assim sendo em muitos casos as duas fontes não têm nada em comum ainda que se refiram ao mesmo período Casos de concordância cronológica principalmente são encontrados em locais onde os estrangeiros se estabeleceram por tempo suficientemente longo para se interessarem pela política local e entendê la Tem se um exemplo disso no vale do Senegal a partir do século XVIII Em caso de contradição entre fontes orais deve se escolher a mais provável A prática muito difundida de tentar encontrar um acordo não faz sentido Uma contradição flagrante entre uma fonte oral e uma fonte arqueológica se resolve em favor da última se esta for um dado imediato isto é se a fonte for um objeto e não uma inferência pois neste caso a probabilidade da fonte 162 Metodologia e pré história da África oral pode ser maior Um conflito entre uma fonte escrita e uma oral se resolve exatamente como se se tratasse de duas fontes orais Devemos ter em mente que a informação quantitativa escrita de modo geral é mais digna de confiança mas que a informação oral relativa aos motivos é geralmente mais precisa que a das fontes escritas Por fim cabe ao historiador tentar estabelecer o que é mais provável Num caso extremo se dispomos de apenas uma fonte oral cujas prováveis deformações pudemos demonstrar devemos interpretá la tendo em conta as deformações e utilizá la Enfim acontece frequentemente de o historiador não se sentir satisfeito com as informações orais de que dispõe Pode registrar o seu descrédito em relação à validade das informações mas na falta de algo melhor é obrigado a utilizá las enquanto outras fontes não forem descobertas Coletânea e publicação Conclui se de tudo que foi dito acima que todos os elementos que permitam aplicar a crítica histórica às tradições devem ser reunidos em campo Isso implica num bom conhecimento da cultura sociedade e língua ou línguas envolvidas O historiador pode adquirir esse conhecimento ou solicitar a ajuda de especialistas Mas mesmo nesse caso ele deve realmente absorver todas as informações oferecidas pelo etnólogo pelo linguista e pelo tradutor que o estão ajudando Por último é preciso adotar uma atitude sistemática diante das fontes das quais devem ser recolhidas todas as variantes Tudo isso implica numa longa permanência em campo que será tanto mais demorada quanto menor for a familiaridade do historiador com a cultura em questão Devemos destacar que o conhecimento instintivo de alguém que estuda a história de sua própria sociedade não é suficiente A reflexão sociológica é indispensável O historiador deve redescobrir sua própria cultura A experiência linguística mostrou que às vezes mesmo sendo um nativo do país o historiador não compreende facilmente certos registros como os poemas panegíricos ou encontra dificuldade porque as pessoas falam um dialeto diferente do seu Além do mais é aconselhável que ao menos parte das transcrições feitas em seu dialeto materno seja examinada por um linguista para se assegurar que a transcrição comporta todos os sinais necessários à compreensão da narrativa incluindo se aí por exemplo os tons A coleta das tradições requer portanto muito tempo paciência e reflexão Depois de um período inicial de experiência é preciso estabelecer um plano 163 A tradição oral e sua metodologia racional de trabalho que leve em consideração as características particulares de cada caso De qualquer forma devemos visitar os sítios associados aos processos históricos em estudo Às vezes será necessário utilizar uma amostragem de fontes populares mas uma amostra não pode ser utilizada casualmente Devemos estudar numa área restrita quais as regras que determinam o nascimento de variantes e estabelecer a partir delas os princípios da amostragem a serem adotados Coletar uma vasta quantidade de material de forma indiscriminada não pode produzir o mesmo resultado ainda que se possa trabalhar mais rapidamente O pesquisador deve ter cuidado ao estudar a transmissão É cada vez mais comum encontrar informantes que adquiriram seu conhecimento a partir de trabalhos publicados sobre a história da região livros escolares jornais ou publicações científicas assim como podem tê lo adquirido em conferências transmitidas pelo rádio ou pela televisão O problema acentuar se á inevitavelmente com a ampliação da pesquisa Hoje em dia percebe se que existe uma contaminação mais sutil Alguns manuscritos às vezes muito velhos e especialmente relatórios dos primeiros tempos da administração colonial foram tomados pela tradição como verdades ancestrais Fontes arquivísticas devem portanto ser cuidadosamente examinadas assim como a possível influência de trabalhos científicos livros escolares transmissões de rádio etc Pois se o fato é verificado em campo pode se frequentemente corrigir esses dados insidiosos buscando se outras versões e explicando se aos informantes que o livro ou o rádio não estão necessáriamente certos no que diz respeito àquele assunto Mas uma vez longe do campo será tarde demais É preciso estruturar a pesquisa de acordo com uma nítida tomada de consciência histórica Não é possível recolher todas as tradições tentar fazê lo só nos levaria a uma massa confusa de informações É necessário primeiramente saber quais os problemas históricos que se quer estudar e então procurar as fontes correspondentes Ao eleger um objeto de estudo o pesquisador deve evidentemente ter interiorizado a cultura em questão Ele pode então como acontece frequentemente voltar seu interesse para a história política Mas pode também optar por questões da história social econômica religiosa cultural ou artística etc Para cada caso a estratégia utilizada na coleta da tradição será diferente A maior deficiência das pesquisas que se fazem atualmente é a falta de consciência histórica Há uma forte tendência em se deixar guiar pelo que se encontra Falta de paciência é outro perigo Reputa se por vezes necessário dar conta o mais depressa possível de uma grande parte do trabalho Nessas circunstâncias 164 Metodologia e pré história da África as fontes coletadas são difíceis de se avaliar apresentam se discrepantes e incompletas faltam variantes há pouca informação sobre a transformação de uma fonte sua representação sua transmissão O trabalho é malfeito Uma consequência particularmente nefasta é a impressão criada entre outros pesquisadores de que essa área já foi estudada o que diminui a probabilidade de se fazer uma pesquisa melhor no futuro Não se deve esquecer que as tradições orais desaparecem embora felizmente com menos rapidez do que se costuma pensar A urgência da tarefa não é razão para atamancá la Pode se replicar como tem ocorrido que o que advogamos aqui é utopia perfeccionismo coisa impossível Contudo é o único modo de se fazer um bom trabalho com os meios disponíveis num determinado lapso de tempo Não há atalhos Se acreditamos que em alguns casos todo esse trabalho produz somente uma safra muito pobre para a história não percebemos que contribui para enriquecer ao mesmo tempo o conhecimento geral da língua da literatura do pensamento coletivo e das estruturas sociais da civilização estudada A menos que seja publicado o trabalho não estará completo por não se encontrar disponível para a comunidade dos estudiosos Deve se ter em vista pelo menos uma classificação das fontes investigadas com introdução notas e índice que constitua um arquivo aberto a todos Muitas vezes o trabalho é combinado com a publicação de um estudo baseado em parte ou completamente nesse corpus Nenhum editor publicaria todo o material variantes inclusive e a interpretação dos dados Além disso uma síntese não comporta uma vasta massa de documentos em bruto Assim cada trabalho deverá explicar como as tradições foram coletadas e fornecer uma breve lista de fontes e informantes que possibilitará ao leitor formar uma opinião sobre a qualidade da coleta e compreender por que o autor escolheu uma determinada fonte em vez de outra Pela mesma razão cada fonte oral deve ser citada separadamente no trabalho O trabalho que diz A tradição conta que faz uma generalização perigosa Resta um tipo especializado de publicação as edições de textos Neste caso seguimos as mesmas normas utilizadas na publicação de manuscritos Na prática isso geralmente conduz a uma colaboração entre vários especialistas Nem todo pesquisador é ao mesmo tempo historiador linguista e etnólogo De fato as melhores edições de textos disponíveis até agora são quase todas trabalhos interdisciplinares de colaboradores dos quais ao menos um é linguista A edição de textos é uma tarefa árdua e ingrata o que explica por que há tão poucos publicados Entretanto seu número vem aumentando graças à colaboração de especialistas em literatura oral africana 165 A tradição oral e sua metodologia Conclusão Atualmente a coleta de tradições orais está se processando em todos os países africanos A massa de dados recolhidos refere se principalmente ao século XIX e é somente uma das fontes para a reconstrução histórica sendo a outra principal fonte para esse período os documentos históricos Há cinco ou seis trabalhos a cada ano apresentando estudos baseados quase inteiramente em tradições Tipologicamente eles tratam sobretudo da história política e da história dos reinos e no que diz respeito à geografia estão concentrados principalmente na África oriental central e equatorial onde as tradições frequentemente são as únicas fontes As cronologias remontam raramente além de 1700 se anteriores a essa data tornam se duvidosas Entretanto o conhecimento cada vez mais aprofundado da natureza das tradições permite avaliar melhor as que foram recolhidas em épocas anteriores Assim a exploração das tradições registradas por Cavazzi no século XVII só se tornou possível após o estudo em campo realizado em 1970 Além das tradições recentes existe um vasto corpo de informações literárias como as narrativas épicas e de dados cosmogônicos que podem ocultar informações históricas às vezes relativas a épocas bastante remotas A epopeia de Sundiata é um exemplo A tradição por si mesma não permite estabelecer datas Por exemplo a memória deformada relativa a certos sítios históricos na região interlacustre conservou uma lembrança que data dos primeiros séculos ou mesmo de antes da Era Cristã Mas a fonte oral nada diz quanto à data Somente a arqueologia foi capaz de solucionar o problema Assim também as tradições de Cavazzi às quais acabamos de nos referir parecem conter um sedimento histórico que é do maior interesse para o passado dos povos de Angola Há referências sucintas a dinastias que se sucederam a formas de governo que se seguiram em resumo sumarizam para a região do Alto Cuango mudanças socio políticas que podem datar de vários séculos ou até de um milênio antes de 1500 Mas não há nenhuma data como ponto de referência para essa perspectiva Existe uma última armadilha a ser notada Muito frequentemente a coleta de tradições ainda parece superficial e sua interpretação muito literal muito colada à cultura em questão Esse fenômeno vem reforçar a imagem de uma África cuja história consiste apenas em origens e migrações o que sabemos não é verdade Mas devemos admitir que essa é a imagem refletida pelas tradições que procuram estabelecer uma identidade A superficialidade da interpretação e a coleta pouco sistemática de material além do mais dão margem à maioria 166 Metodologia e pré história da África das críticas dirigidas contra a utilização das tradições orais especialmente entre os etnólogos A experiência prática provou que o valor maior das tradições reside em sua explicação das mudanças históricas no interior de uma civilização Isso é tão verdadeiro que como se pode comprovar em quase toda a parte apesar da abundância de fontes escritas relativas ao período colonial temos de recorrer constantemente aos testemunhos oculares ou à tradição para completá las a fim de tornar inteligível a evolução do povo Mas constatamos também que as tradições são geralmente enganadoras no que diz respeito à cronologia e aos dados quantitativos Além disso qualquer mudança inconsciente porque lenta demais uma mutação associada a uma ideologia religiosa por exemplo escapa à memória da sociedade Podemos encontrar apenas indicações fragmentárias de mudanças nos registros que não tratam explicitamente da história e ainda assim através de um complicado exercício de interpretação Isso mostra que a tradição oral não é uma panaceia para todos os males Mas na prática ela se revela uma fonte de primeira ordem para os últimos séculos Para um período anterior seu papel se reduz tornando se mais uma ciência auxiliar da arqueologia Em relação às fontes linguísticas e etnográficas ainda não foi suficientemente explorada embora em princípio esses três tipos de fontes devessem em conjunto trazer importante contribuição ao nosso conhecimento da África antiga assim como faz a arqueologia As tradições têm comprovado seu valor insubstituível Não é mais necessário convencer os estudiosos de que as tradições podem ser fontes úteis de informação Todo historiador está ciente disso O que devemos fazer agora é melhorar nossas técnicas de modo a extrair das fontes toda a sua riqueza potencial Essa é a tarefa que nos espera C A P Í T U L O 8 167 A tradição viva A escrita é uma coisa e o saber outra A escrita é a fotografia do saber mas não o saber em si O saber é uma luz que existe no homem A herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos transmitiram assim como o baobá já existe em potencial em sua semente Tierno Bokar1 Quando falamos de tradição em relação à história africana referimo nos à tradição oral e nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apóie nessa herança de conhecimentos de toda espécie pacientemente transmitidos de boca a ouvido de mestre a discípulo ao longo dos séculos Essa herança ainda não se perdeu e reside na memória da última geração de grandes depositários de quem se pode dizer são a memória viva da África Entre as nações modernas onde a escrita tem precedência sobre a oralidade onde o livro constitui o principal veículo da herança cultural durante muito tempo julgou se que povos sem escrita eram povos sem cultura Felizmente esse conceito infundado começou a desmoronar após as duas últimas guerras 1 Tierno Bokar Salif falecido em 1940 passou toda a sua vida em Bandiagara Mali Grande Mestre da ordem muçulmana de Tijaniyya foi igualmente tradicionalista em assuntos africanos Cf HAMPATÉ BÂ A e CARDAIRE M 1957 A tradição viva A Hampaté Bâ 168 Metodologia e pré história da África graças ao notável trabalho realizado por alguns dos grandes etnólogos do mundo inteiro Hoje a ação inovadora e corajosa da UNESCO levanta ainda um pouco mais o véu que cobre os tesouros do conhecimento transmitidos pela tradição oral tesouros que pertencem ao patrimônio cultural de toda a humanidade Para alguns estudiosos o problema todo se resume em saber se é possível conceder à oralidade a mesma confiança que se concede à escrita quando se trata do testemunho de fatos passados No meu entender não é esta a maneira correta de se colocar o problema O testemunho seja escrito ou oral no fim não é mais que testemunho humano e vale o que vale o homem Não faz a oralidade nascer a escrita tanto no decorrer dos séculos como no próprio indivíduo Os primeiros arquivos ou bibliotecas do mundo foram o cérebro dos homens Antes de colocar seus pensamentos no papel o escritor ou o estudioso mantém um diálogo secreto consigo mesmo Antes de escrever um relato o homem recorda os fatos tal como lhe foram narrados ou no caso de experiência própria tal como ele mesmo os narra Nada prova a priori que a escrita resulta em um relato da realidade mais fidedigno do que o testemunho oral transmitido de geração a geração As crônicas das guerras modernas servem para mostrar que como se diz na África cada partido ou nação enxerga o meio dia da porta de sua casa através do prisma das paixões da mentalidade particular dos interesses ou ainda da avidez em justificar um ponto de vista Além disso os próprios documentos escritos nem sempre se mantiveram livres de falsificações ou alterações intencionais ou não ao passarem sucessivamente pelas mãos dos copistas fenômeno que originou entre outras as controvérsias sobre as Sagradas Escrituras O que se encontra por detrás do testemunho portanto é o próprio valor do homem que faz o testemunho o valor da cadeia de transmissão da qual ele faz parte a fidedignidade das memórias individual e coletiva e o valor atribuído à verdade em uma determinada sociedade Em suma a ligação entre o homem e a palavra E pois nas sociedades orais que não apenas a função da memória é mais desenvolvida mas também a ligação entre o homem e a Palavra é mais forte Lá onde não existe a escrita o homem está ligado à palavra que profere Está comprometido por ela Ele é a palavra e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é A própria coesão da sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra Em compensação ao mesmo tempo que se difunde vemos que a escrita pouca a pouco vai substituindo a palavra falada tornando se a única prova e o único recurso vemos a assinatura tornar se o único compromisso reconhecido enquanto o laça sagrado e profundo que unia o homem à palavra desaparece progressivamente para dar lugar a títulos universitários convencionais 169 A tradição viva Nas tradições africanas pela menos nas que conheço e que dizem respeita a toda a região de savana ao sul do Saara a palavra falada se empossava além de um valor moral fundamental de um caráter sagrado vinculado à sua origem divina e às forças ocultas nela depositadas Agente mágico por excelência grande vetor de forças etéreas não era utilizada sem prudência Inúmeros fatores religiosas mágicos ou sociais concorrem por conseguinte para preservar a fidelidade da transmissão oral Pareceu nos indispensável fazer ao leitor uma breve explanação sobre esses fatores a fim de melhor situar a tradição oral africana em seu contexto e esclarecê la por assim dizer a partir do seu interior Se formulássemos a seguinte pergunta a um verdadeiro tradicionalista africano O que é tradição oral por certo ele se sentiria muito embaraçado Talvez respondesse simplesmente após longo silêncio É o conhecimento total O que pois abrange a expressão tradição oral Que realidades veicula que conhecimentos transmite que ciências ensina e quem são os transmissores Contrariamente ao que alguns possam pensar a tradição oral africana com efeito não se limita a histórias e lendas ou mesmo a relatos mitológicos ou históricos e os griots estão longe de ser seus únicos guardiães e transmissores qualificados A tradição oral é a grande escala da vida e dela recupera e relaciona todos os aspectos Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em categorias bem definidas Dentro da tradição oral na verdade o espiritual e o material não estão dissociados Ao passar do esotérico para o exotérico a tradição oral consegue colocar se ao alcance dos homens falar lhes de acordo com o entendimento humano revelar se de acordo com as aptidões humanas Ela é ao mesmo tempo religião conhecimento ciência natural iniciação à arte história divertimento e recreação uma vez que todo pormenor sempre nos permite remontar à Unidade primordial Fundada na iniciação e na experiência a tradição oral conduz o homem à sua totalidade e em virtude disso pode se dizer que contribuiu para criar um tipo de homem particular para esculpir a alma africana Uma vez que se liga ao comportamento cotidiano da homem e da comunidade a cultura africana não é portanto algo abstrato que possa ser isolado da vida Ela envolve uma visão particular do mundo ou melhor dizendo uma presença particular no mundo um mundo concebido como um Todo onde todas as coisas se religam e interagem A tradição oral baseia se em uma certa concepção da homem do seu lugar e do seu papel no seio do universo Para situá la melhor na contexto global antes 170 Metodologia e pré história da África de estudá la em seus várias aspectos devemos portanto retomar ao próprio mistério da criação do homem e da instauração primordial da Palavra o mistério tal como ela o revela e do qual emana A origem divina da Palavra Como não posso discorrer com autenticidade sobre quaisquer tradições que não tenha vivido ou estudado pessoalmente em particular as relativas aos países da floresta tirarei os exemplos em que me apóio das tradições da savana ao sul da Saara que antigamente era chamada de Bafur e que constituía as regiões de savana da antiga África ocidental francesa A tradição bambara do Komo2 ensina que a Palavra Kuma é uma força fundamental que emana do próprio Ser Supremo Maa Ngala criador de todas as coisas Ela é o instrumento da criação Aquilo que Maa Ngala diz é proclama o chantre do deus Komo O mito da criação do universo e do homem ensinado pelo mestre iniciador do Komo que é sempre um ferreiro aos jovens circuncidados revela nos que quando Maa Ngala sentiu falta de um interlocutor criou o Primeiro Homem Maa Antigamente a história da gênese costumava ser ensinada durante os 63 dias de retiro imposto aos circuncidados aos 21 anos de idade em seguida passavam mais 21 anos estudando a cada vez mais profundamente Na orla do bosque sagrado onde Komo vivia o primeiro circuncidado entoava ritmadamente as seguintes palavras Maa Ngala Maa Ngala Quem é Maa Ngala Onde está Maa Ngala O chantre do Komo respondia Maa Ngala é a Força infinita Ninguém pode situá lo no tempo e no espaço Ele é Dombali Incognoscível Dambali Incriado Infinito Então após a iniciação começava a narração da gênese primordial Não havia nada senão um Ser 2 Uma das grandes escolas de iniciação do Mande Mali 171 A tradição viva Este Ser era um Vazio vivo a incubar potencialmente as existências possíveis O Tempo infinito era a moradia desse Ser Um O Ser Um chamou se de Maa Ngala Então ele criou Fan Um Ovo maravilhoso com nove divisões No qual introduziu os nove estados fundamentais da existência Quando o Ovo primordial chocou dele nasceram vinte seres fabulosos que constituíram a totalidade do universo a soma total das forças existentes do conhecimento possível Mas ai nenhuma dessas vinte primeiras criaturas revelou se apta a tornar se o interlocutor kuma nyon que Maa Ngala havia desejado para si Assim ele tomou de uma parcela de cada uma dessas vinte criaturas existentes e misturou as então insuflando na mistura uma centelha de seu próprio hálito ígneo criou um novo Ser o Homem a quem deu uma parte de seu próprio nome Maa E assim esse novo ser através de seu nome e da centelha divina nele introduzida continha algo do próprio Maa Ngala Síntese de tudo o que existe receptáculo por excelência da Força suprema e confluência de todas as forças existentes Maa o Homem recebeu de herança uma parte do poder criador divino o dom da Mente e da Palavra Maa Ngala ensinou a Maa seu interlocutor as leis segundo as quais todos os elementos do cosmo foram formados e continuam a existir Ele o intitulou guardião do Universo e o encarregou de zelar pela conservação da Harmonia universal Por isso é penoso ser Maa Iniciado por seu criador mais tarde Maa transmitiu a seus descendentes tudo o que havia aprendido e esse foi o início da grande cadeia de transmissão oral iniciatória da qual a ordem do Komo como as ordens do Nama do Kore etc no Mali diz se continuadora Tendo Maa Ngala criado seu interlocutor Maa falava com ele e ao mesmo tempo dotava o da capacidade de responder Teve início o diálogo entre Maa Ngala criador de todas as coisas e Maa simbiose de todas as coisas Como provinham de Maa Ngala para o homem as palavras eram divinas porque ainda não haviam entrado em contato com a materialidade Após o contato com a corporeidade perderam um pouco de sua divindade mas se carregaram de sacralidade Assim sacralizada pela Palavra divina por sua vez a corporeidade emitiu vibrações sagradas que estabeleceram a comunicação com Maa Ngala 172 Metodologia e pré história da África A tradição africana portanto concebe a fala como um dom de Deus Ela é ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente A fala humana como poder de criação Maa Ngala como se ensina depositou em Maa as três potencialidades do poder do querer e do saber contidas nos vinte elementos dos quais ele foi composto Mas todas essas forças das quais é herdeiro permanecem silenciadas dentro dele Ficam em estado de repouso até o instante em que a fala venha colocá las em movimento Vivificadas pela Palavra divina essas forças começam a vibrar Numa primeira fase tornam se pensamento numa segunda som e numa terceira fala A fala é portanto considerada como a materialização ou a exteriorização das vibrações das forças Assinalemos entretanto que neste nível os termos falar e escutar referem se a realidades muito mais amplas do que as que normalmente lhes atribuímos De fato diz se que Quando Maa Ngala fala pode se ver ouvir cheirar saborear e tocar a sua fala Trata se de uma percepção total de um conhecimento no qual o ser se envolve na totalidade Do mesmo modo sendo a fala a exteriorização das vibrações das forças toda manifestação de uma só força seja qual for a forma que assuma deve ser considerada como sua fala É por isso que no universo tudo fala tudo é fala que ganhou corpo e forma Em fulfulde a palavra que designa fala haala deriva da raiz verbal hal cuja ideia é dar força e por extensão materializar A tradição peul ensina que Gueno o Ser Supremo conferiu força a Kiikala o primeiro homem falando com ele Foi a conversa com Deus que fez Kiikala forte dizem os Silatigui ou mestres iniciados peul Se a fala é força é porque ela cria uma ligação de vaivém yaa warta em fulfulde que gera movimento e ritmo e portanto vida e ação Este movimento de vaivém é simbolizado pelos pés do tecelão que sobem e descem como veremos adiante ao falarmos sobre os ofícios tradicionais Com efeito o simbolismo do ofício do tecelão baseia se inteiramente na fala criativa em ação À imagem da fala de Maa Ngala da qual é um eco a fala humana coloca em movimento forças latentes que são ativadas e suscitadas por ela como um homem que se levanta e se volta ao ouvir seu nome 173 A tradição viva A fala pode criar a paz assim como pode destruí la É como o fogo Uma única palavra imprudente pode desencadear uma guerra do mesmo modo que um graveto em chamas pode provocar um grande incêndio Diz o adágio malinês O que é que coloca uma coisa nas devidas condições ou seja a arranja a dispõe favoravelmente A fala O que é que estraga uma coisa A fala O que é que mantém uma coisa em seu estado A fala A tradição pois confere a Kuma a Palavra não só um poder criador mas também a dupla função de conservar e destruir Por essa razão a fala por excelência é o grande agente ativo da magia africana A fala agente ativo da magia Deve se ter em mente que de maneira geral todas as tradições africanas postulam uma visão religiosa do mundo O universo visível é concebido e sentido como o sinal a concretização ou o envoltório de um universo invisível e vivo constituído de forças em perpétuo movimento No interior dessa vasta unidade cósmica tudo se liga tudo é solidário e o comportamento do homem em relação a si mesmo e em relação ao mundo que o cerca mundo mineral vegetal animal e a sociedade humana será objeto de uma regulamentação ritual muito precisa cuja forma pode variar segundo as etnias ou regiões A violação das leis sagradas causaria uma perturbação no equilíbrio das forças que se manifestaria em distúrbios de diversos tipos Por isso a ação mágica ou seja a manipulação das forças geralmente almejava restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia da qual o Homem como vimos havia sido designado guardião por seu Criador Na Europa a palavra magia é sempre tomada no mau sentido enquanto que na África designa unicamente o controle das forças em si uma coisa neutra que pode se tornar benéfica ou maléfica conforme a direção que se lhe dê Como se diz Nem a magia nem o destino são maus em si A utilização que deles fazemos os torna bons ou maus A magia boa a dos iniciados e dos mestres do conhecimento visa purificar os homens os animais e os objetos a fim de repor as forças em ordem E aqui é decisiva a força da fala Assim como a fala divina de Maa Ngala animou as forças cósmicas que dormiam estáticas em Maa assim também a fala humana anima coloca em movimento e suscita as forças que estão estáticas nas coisas Mas para que a fala produza um efeito total as palavras devem ser entoadas ritmicamente porque o 174 Metodologia e pré história da África movimento precisa de ritmo estando ele próprio fundamentado no segredo dos números A fala deve reproduzir o vaivém que é a essência do ritmo Nas canções rituais e nas fórmulas encantatórias a fala é portanto a materialização da cadência E se é considerada como tendo o poder de agir sobre os espíritos é porque sua harmonia cria movimentos movimentos que geram forças forças que agem sobre os espíritos que são por sua vez as potências da ação Na tradição africana a fala que tira do sagrado o seu poder criador e operativo encontra se em relação direta com a conservação ou com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que o cerca Por esse motivo a maior parte das sociedades orais tradicionais considera a mentira uma verdadeira lepra moral Na África tradicional aquele que falta à palavra mata sua pessoa civil religiosa e oculta Ele se separa de si mesmo e da sociedade Seria preferível que morresse tanto para si próprio como para os seus O chantre do Komo Dibi de Kulikoro no Mali cantou em um de seus poemas rituais A fala é divinamente exata convém ser exato para com ela A língua que falsifica a palavra vicia o sangue daquele que mente O sangue simboliza aqui a força vital interior cuja harmonia é perturbada pela mentira Aquele que corrompe sua palavra corrompe a si próprio diz o adágio Quando alguém pensa uma coisa e diz outra separa se de si mesmo Rompe a unidade sagrada reflexo da unidade cósmica criando desarmonia dentro e ao redor de si Agora podemos compreender melhor em que contexto mágico religioso e social se situa o respeito pela palavra nas sociedades de tradição oral especialmente quando se trata de transmitir as palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas idosas O que a África tradicional mais preza é a herança ancestral O apego religioso ao patrimônio transmitido exprime se em frases como Aprendi com meu Mestre Aprendi com meu pai Foi o que suguei no seio de minha mãe Os tradicionalistas Os grandes depositários da herança oral são os chamados tradicionalistas Memória viva da África eles são suas melhores testemunhas Quem são esses mestres 175 A tradição viva Em bambara chamam nos de Doma ou Soma os Conhecedores ou Donikeba fazedores de conhecimento em fulani segundo a região de Silatigui Gando ou Tchiorinke palavras que possuem o mesmo sentido de Conhecedor Podem ser Mestres iniciados e iniciadores de um ramo tradicional específico iniciações do ferreiro do tecelão do caçador do pescador etc ou possuir o conhecimento total da tradição em todos os seus aspectos Assim existem Domas que conhecem a ciência dos ferreiros dos pastores dos tecelões assim como das grandes escolas de iniciação da savana por exemplo no Mali o Komo o Kore o Nama o Do o Diarrawara o Nya o Nyaworole etc Mas não nos iludamos a tradição africana não corta a vida em fatias e raramente o Conhecedor é um especialista Na maioria das vezes é um generalizador Por exemplo um mesmo velho conhecerá não apenas a ciência das plantas as propriedades boas ou más de cada planta mas também a ciência das terras as propriedades agrícolas ou medicinais dos diferentes tipos de solo a ciência das águas astronomia cosmogonia psicologia etc Trata se de uma ciência da vida cujos conhecimentos sempre podem favorecer uma utilização prática E quando falamos de ciências iniciatórias ou ocultas termos que podem confundir o leitor racionalista trata se sempre para a África tradicional de uma ciência eminentemente prática que consiste em saber como entrar em relação apropriada com as forças que sustentam o mundo visível e que podem ser colocadas a serviço da vida Guardião dos segredos da Gênese cósmica e das ciências da vida o tradicionalista geralmente dotado de uma memória prodigiosa normalmente também é o arquivista de fatos passados transmitidos pela tradição ou de fatos contemporâneos Uma história que se quer essencialmente africana deverá necessariamente portanto apoiar se no testemunho insubstituível de africanos qualificados Não se pode pentear uma pessoa quando ela está ausente diz o adágio Os grandes Doma os de conhecimento total eram conhecidos e venerados e as pessoas vinham de longe para recorrer ao seu conhecimento e à sua sabedoria Ardo Dembo que me iniciou nas coisas fulani era um Doma peul um Silatigui Hoje é falecido Ali Essa outro Silatigui peul ainda vive Danfo Sine que frequentava a casa de meu pai na minha infância era um Doma quase universal Não somente era um grande Mestre iniciado do Komo mas também possuía todos os outros conhecimentos de seu tempo históricos iniciatórios ou relativos às ciências da natureza Era conhecido por todos na 176 Metodologia e pré história da África região que se estende de Sikasso a Bamako isto é os antigos reinos de Kenedugu e de Beledugu Seu irmão mais jovem Latif que havia experimentado as mesmas iniciações era também um grande Doma Além do mais tinha a vantagem de ler e escrever árabe e de ter prestado o serviço militar nas forças francesas no Chade o que lhe permitira coletar grande quantidade de conhecimentos na savana chadiana que se revelaram análogos aos ensinados no Mali Iwa pertencente à casta dos griots é um dos maiores tradicionalistas do Mande vivos no Mali assim como Banzoumana o grande músico cego Neste ponto é preciso esclarecer que um griot não é necessariamente um tradicionalista conhecedor mas que pode tornar se um se for essa sua vocação Não poderá entretanto ter acesso à iniciação do Komo da qual os griots são excluídos3 De maneira geral os tradicionalistas foram postos de parte senão perseguidos pelo poder colonial que naturalmente procurava extirpar as tradições locais a fim de implantar suas próprias ideias pois como se diz Não se semeia nem em campo plantado nem em terra alqueivada Por essa razão a iniciação geralmente buscava refúgio na mata e deixava as grandes cidades chamadas de Tubabudugu cidades de brancos ou seja dos colonizadores No entanto nos diversos países da savana africana que formam o antigo Bafur e sem dúvida outras partes também ainda existem Conhecedores que continuam a transmitir a herança sagrada àqueles que aceitam aprender e ouvir e que se mostram dignos de receber os ensinamentos por sua paciência e discreção regras básicas exigidas pelos deuses Dentro de 10 ou 15 anos os últimos grandes Doma os últimos anciãos herdeiros dos vários ramos da Tradição provavelmente terão desaparecido Se não nos apressarmos em reunir seus testemunhos e ensinamentos todo o patrimônio cultural e espiritual de um povo cairá no esquecimento juntamente com eles e uma geração jovem sem raízes ficará abandonada à própria sorte Autenticidade da transmissão Mais do que todos os outros homens os tradicionalistas doma grandes ou pequenos obrigam se a respeitar a verdade Para eles a mentira não é 3 A respeito dos griots ver mais adiante 177 A tradição viva simplesmente um defeito moral mas uma interdição ritual cuja violação lhes impossibilitaria o preenchimento de sua função Um mentiroso não poderia ser um iniciador nem um Mestre da faca e muito menos um Doma Se excepcionalmente acontecesse de um tradicionalista doma revelar se um mentiroso jamais voltaria a receber a confiança de alguém em qualquer domínio e sua função desapareceria imediatamente De modo geral a tradição africana abomina a mentira Diz se Cuida te para não te separares de ti mesmo É melhor que o mundo fique separado de ti do que tu separado de ti mesmo Mas a interdição ritual da mentira afeta de modo particular todos os oficiantes ou sacrificadores ou mestres da faca etc4 de todos os graus a começar pelo pai de família que é o sacrificador ou o oficiante de sua família passando pelo ferreiro pelo tecelão ou pelo artesão tradicional sendo a prática de um ofício uma atividade sagrada como veremos adiante A proibição atinge todos os que tendo de exercer uma responsabilidade mágico religiosa e de realizar os atos rituais são de algum modo os intermediários entre os mortais comuns e as forças tutelares no topo estão o oficiante sagrado do país por exemplo o Hogon entre os Dogon e eventualmente o rei Essa interdição ritual existe de meu conhecimento em todas as tradições da savana africana A proibição da mentira deve se ao fato de que se um oficiante mentisse estaria corrompendo os atos rituais Não mais preencheria o conjunto das condições rituais necessárias à realização do ato sagrado sendo a principal estar ele próprio em harmonia antes de manipular as forças da vida Não nos esqueçamos de que todos os sistemas mágico religiosos africanos tendem a preservar ou restabelecer o equilíbrio das forças do qual depende a harmonia do mundo material e espiritual Mais do que todos os outros os Doma sujeitam se a esta obrigação pois enquanto Mestres iniciados são os grandes detentores da Palavra principal agente ativo da vida humana e dos espíritos São os herdeiros das palavras sagradas e encantatórias transmitidas pela cadeia de ancestrais palavras que podem remontar às primeiras vibrações sagradas emitidas por Maa o primeiro homem Se o tradicionalista doma é detentor da Palavra os demais homens são os depositários do palavrório Citarei o caso de um Mestre da faca dogon do país de Pignari departamento de Bandiagara que conheci na juventude e que certa vez foi forçado a mentir 4 Nem todas as cerimônias rituais incluíam necessariamente o sacrifício de um animal O sacrifício podia consistir em uma oferenda de painço leite ou algum outro produto natural 178 Metodologia e pré história da África a fim de salvar a vida de uma mulher procurada que ele havia escondido em sua casa Após o incidente renunciou espontaneamente ao cargo supondo que já não mais preenchia as condições rituais para assumi lo lidimamente Quando se trata de questões religiosas e sagradas os grandes mestres tradicionais não temem a opinião desfavorável das massas e se acaso cometem um engano admitem o erro publicamente sem desculpas calculadas ou evasivas Para eles reconhecer quaisquer faltas que tenham cometido é uma obrigação pois significa purificar se da profanação Se o tradicionalista ou Conhecedor é tão respeitado na África é porque ele se respeita a si próprio Disciplinado interiormente uma vez que jamais deve mentir é um homem bem equilibrado mestre das forças que nele habitam Ao seu redor as coisas se ordenam e as perturbações se aquietam Independentemente da interdição da mentira ele pratica a disciplina da palavra e não a utiliza imprudentemente Pois se a fala como vimos é considerada uma exteriorização das vibrações de forças interiores inversamente a força interior nasce da interiorização da fala A partir dessa óptica pode se compreender melhor a importância que a educação tradicional africana atribui ao autocontrole Falar pouco é sinal de boa educação e de nobreza Muito cedo o jovem aprende a dominar a manifestação de suas emoções ou de seu sofrimento aprende a conter as forças que nele existem à semelhança do Maa primordial que continha dentro de si submissas e ordenadas todas as forças do Cosmo Dir se á de um Conhecedor respeitado ou de um homem que é mestre de si mesmo É um Maa ou um Neddo em fulfulde quer dizer um homem completo Não se deve confundir os tradicionalistas doma que sabem ensinar enquanto divertem e se colocam ao alcance da audiência com os trovadores contadores de história e animadores públicos que em geral pertencem à casta dos Dieli griots ou dos Woloso cativos de casa5 Para estes a disciplina da verdade não existe e como veremos adiante a tradição lhes concede o direito de travesti la ou de embelezar os fatos mesmo que grosseiramente contanto que consigam divertir ou interessar o público O griot como se diz pode ter duas línguas Ao contrário nenhum africano de formação tradicionalista sequer sonharia em colocar em dúvida a veracidade da fala de um tradicionalista doma 5 Os Woloso literalmente os nascidos na casa ou cativos de casa eram empregados ou famílias de empregados ligados há gerações a uma mesma família A tradição concedia lhes liberdade total de ação e expressão bem como consideráveis direitos materiais sobre os bens de seus senhores 179 A tradição viva figura 81 Músico tukulor tocando o ardin Kayes Mali n AO 292 Figura 82 Cantor Mvet Documentation Française 180 Metodologia e pré história da África especialmente quando se trata da transmissão dos conhecimentos herdados da cadeia dos ancestrais Antes de falar o Doma por deferência dirige se às almas dos antepassados para pedir lhes que venham assisti lo a fim de evitar que a língua troque as palavras ou que ocorra um lapso de memória que o levaria a alguma omissão Danfo Sine o grande Doma bambara que conheci na infância em Bougouni e que era o Chantre do Komo antes de iniciar uma história ou lição costumava dizer Oh Alma de meu Mestre Tiemablem Samaké Oh Almas dos velhos ferreiros e dos velhos tecelões Primeiros ancestrais iniciadores vindos do Leste Oh Jigi grande carneiro que por primeiro soprou Na trombeta do Komo Vindo sobre o Jeliba Níger Acercai vos e escutai me Em concordância com vossos dizeres Vou contar aos meus ouvintes Como as coisas aconteceram Desde vós no passado até nós no presente Para que as palavras sejam preciosamente guardadas E fielmente transmitidas Aos homens de amanhã Que serão nossos filhos E os filhos de nossos filhos Segurai firme ó ancestrais as rédeas de minha língua Guiai o brotar das minhas palavras A fim de que possam seguir e respeitar Sua ordem natural Em seguida acrescentava Eu Danjo Sine do clã de Samake elefante vou contar tal como o aprendi na presença de minhas duas testemunhas Makoro e Manifin6 Os dois como eu conhecem a trama7 Eles serão a um tempo meus fiscais e meu apoio 6 Makoro e Manifin eram seus dois condiscípulos 7 Uma narrativa tradicional possui sempre uma trama ou base imutável que não deve jamais ser modificada mas a partir da qual pode se acrescentar desenvolvimentos ou embelezamentos segundo a inspiração ou a atenção dos ouvintes 181 A tradição viva Se o contador de histórias cometesse um erro ou esquecesse algo sua testemunha o interromperia Homem Presta atenção quando abres a boca Ao que ele responderia Desculpe foi minha língua fogosa que me traiu Um tradicionalista doma que não é ferreiro de nascença mas que conhece as ciências relacionadas à forja por exemplo dirá antes de falar sobre ela Devo isto a fulano que deve a beltrano etc Ele renderá homenagem ao ancestral dos ferreiros curvando se em sinal de devoção com a ponta do cotovelo direito apoiada no chão e o antebraço erguido O Doma também pode citar seu mestre e dizer Rendo homenagem a todos os intermediários até Nunfayri8 sem ser obrigado a citar todos os nomes Existe sempre referência à cadeia da qual o próprio Doma é apenas um elo Em todos os ramos do conhecimento tradicional a cadeia de transmissão se reveste de uma importância primordial Não existindo transmissão regular não existe magia mas somente conversa ou histórias A fala é então inoperante A palavra transmitida pela cadeia deve veicular depois da transmissão original uma força que a torna operante e sacramental Esta noção de respeito pela cadeia ou de respeito pela transmissão determina em geral no africano não aculturado a tendência a relatar uma história reproduzindo a mesma forma em que a ouviu ajudado pela memória prodigiosa dos iletrados Se alguém o contradiz ele simplesmente responderá Fulano me ensinou assim sempre citando a fonte Além do valor moral próprio dos tradicionalistas doma e de sua adesão a uma cadeia de transmissão uma garantia suplementar de autenticidade é fornecida pelo controle permanente de seus pares ou dos anciãos que os rodeiam que velam zelosamente pela autenticidade daquilo que transmitem e que os corrigem no menor erro como vimos no caso de Danfo Sine No curso de suas excursões rituais pelo mato o chantre do Komo pode acrescentar as próprias meditações ou inspirações às palavras tradicionais que herdou da cadeia e que canta para seus companheiros Suas palavras novos elos vêm então enriquecer as palavras dos predecessores Mas ele previne Isto é o que estou acrescentando isto é o que estou dizendo Não sou infalível posso estar errado Se estou não se esqueçam de que como vocês vivo de um punhado de painço de uns goles de água e de alguns sopros de ar O homem não é infalível 8 Ancestral dos ferreiros 182 Metodologia e pré história da África Os iniciados e os neófitos que o acompanham aprendem essas novas palavras de modo que todos os cantos do Komo são conhecidos e conservados na memória O grau de evolução do adepto do Komo não é medido pela quantidade de palavras aprendidas mas pela conformidade de sua vida a essas palavras Se um homem sabe apenas dez ou quinze palavras do Komo e as vive então ele se torna um valoroso adepto do Komo dentro da associação Para ser chantre do Komo portanto Mestre iniciado é necessário conhecer todas as palavras herdadas e vivê las A educação tradicional sobretudo quando diz respeito aos conhecimentos relativos a uma iniciação liga se à experiência e se integra à vida Por esse motivo o pesquisador europeu ou africano que deseja aproximar se dos fatos religiosos africanos está fadado a deter se nos limites do assunto a menos que aceite viver a iniciação correspondente e suas regras o que pressupõe no mínimo um conhecimento da língua Pois existem coisas que não se explicam mas que se experimentam e se vivem Lembro me de que em 1928 quando servia em Tougan um jovem etnólogo chegara ao país para fazer um estudo sobre a galinha sacrifical por ocasião da circuncisão O comandante francês apresentou se ao chefe de cantão indígena e pediu que tudo fosse feito para satisfazer ao etnólogo insistindo para que lhe contassem tudo Por sua vez o chefe de cantão reuniu os principais cidadãos e expôs lhes os fatos repetindo as palavras do comandante O decano da assembleia que era o Mestre da faca local e portanto o responsável pelas cerimônias de circuncisão e da iniciação correspondente perguntou lhe Ele quer que lhe contemos tudo Sim respondeu o chefe de cantão Mas ele veio para ser circuncidado Não veio buscar informações O decano voltou o rosto para o outro lado e disse Como podemos contar lhe tudo se ele não quer ser circuncidado Você bem sabe chefe que isso não é possível Ele terá de levar a vida dos circuncidados para que possamos ensinar lhe todas as lições Uma vez que por força somos obrigados a satisfazê lo replicou o chefe do cantão cabe a você encontrar uma saída para essa dificuldade Muito bem disse o velho Nós nos desembaraçaremos dele sem que ele perceba pondo o na palha 183 A tradição viva A fórmula pôr na palha que consiste em enganar uma pessoa com alguma história improvisada quando não se pode dizer a verdade foi inventada a partir do momento em que o poder colonial passou a enviar seus agentes ou representantes com o propósito de fazer pesquisas etnológicas sem aceitar viver sob as condições exigidas Muitos etnólogos foram vítimas inconscientes desta tática Quantos não pensavam ter compreendido completamente determinada realidade quando sem vivê la não poderiam verdadeiramente tê la conhecido Além do ensino esotérico ministrado nas grandes escolas de iniciação por exemplo o Komo ou as demais já mencionadas a educação tradicional começa em verdade no seio de cada família onde o pai a mãe ou as pessoas mais idosas são ao mesmo tempo mestres e educadores e constituem a primeira célula dos tradicionalistas São eles que ministram as primeiras lições da vida não somente através da experiência mas também por meio de histórias fábulas lendas máximas adágios etc Os provérbios são as missivas legadas à posteridade pelos ancestrais Existe uma infinidade deles Certos jogos infantis foram elaborados pelos iniciados com o fim de difundir ao longo dos séculos certos conhecimentos esotéricos cifrados Citemos por exemplo o jogo do Banangolo no Mali baseado em um sistema numeral relacionado com os 266 siqiba ou signos que correspondem aos atributos de Deus Por outro lado o ensinamento não é sistemático mas ligado às circunstâncias da vida Este modo de proceder pode parecer caótico mas em verdade é prático e muito vivo A lição dada na ocasião de certo acontecimento ou experiência fica profundamente gravada na memória da criança Ao fazer uma caminhada pela mata encontrar um formigueiro dará ao velho mestre a oportunidade de ministrar conhecimentos diversos de acordo com a natureza dos ouvintes Ou falará sobre o próprio animal sobre as leis que governam sua vida e a classe de seres a que pertence ou dará uma lição de moral às crianças mostrando lhes como a vida em comunidade depende da solidariedade e do esquecimento de si mesmo ou ainda poderá falar sobre conhecimentos mais elevados se sentir que seus ouvintes poderão compreendê lo Assim qualquer incidente da vida qualquer acontecimento trivial pode sempre dar ocasião a múltiplos desenvolvimentos pode induzir à narração de um mito de uma história ou de uma lenda Qualquer fenômeno observado permite remontar às forças de onde se originou e evocar os mistérios da unidade da Vida que é inteiramente animada pela Se a Força sagrada primordial ela mesma um aspecto do Deus Criador 184 Metodologia e pré história da África Na África tudo é História A grande História da vida compreende a História das Terras e das Águas geografia a História dos vegetais botânica e farmacopeia a História dos Filhos do seio da Terra mineralogia metais a História dos astros astronomia astrologia a História das águas e assim por diante Na tradição da savana particularmente nas tradições bambara e peul o conjunto das manifestações da vida na terra divide se em três categorias ou classes de seres cada uma delas subdividida em três grupos Na parte inferior da escala os seres inanimados os chamados seres mudos cuja linguagem é considerada oculta uma vez que é incompreensível ou inaudível para o comum dos mortais Essa classe de seres inclui tudo o que se encontra na superfície da terra areia água etc ou que habita o seu interior minerais metais etc Dentre os inanimados mudos encontramos os inanimados sólidos líquidos e gasosos literalmente fumegantes No grau médio os animados imóveis seres vivos que não se deslocam Essa é a classe dos vegetais que podem se estender ou se desdobrar no espaço mas cujo pé não pode mover se Dentre os animados imóveis encontramos as plantas rasteiras as trepadeiras e as verticais estas últimas constituindo a classe superior Finalmente os animados móveis que compreendem todos os animais inclusive o homem Os animados móveis incluem os animais terrestres com e sem ossos os animais aquáticos e os animais voadores Tudo o que existe pode portanto ser incluído em uma dessas categorias9 De todas as Histórias a maior e mais significativa é a do próprio Homem simbiose de todas as Histórias uma vez que segundo o mito foi feito com uma parcela de tudo o que existiu antes dele Todos os reinos da vida mineral vegetal e animal encontram se nele conjugados a forças múltiplas e a faculdades superiores Os ensinamentos referentes ao homem baseiam se em mitos da cosmogonia determinando seu lugar e papel no universo e revelando qual deve ser sua relação com O mundo dos vivos e dos mortos Explica se tanto o simbolismo de seu corpo quanto a complexidade de seu psiquismo As pessoas da pessoa são numerosas no interior da pessoa dizem as tradições bambara e peul Ensina se qual deve ser seu comportamento frente à natureza como respeitar lhe o equilíbrio e não perturbar as forças que a animam das quais não é mais que o aspecto visível A iniciação o fará descobrir a sua própria relação 9 Cf HAMPATÉ BÂ A 1972 p 23 e segs 185 A tradição viva com o mundo das forças e pouco a pouco o conduzirá ao autodomínio sendo a finalidade última tornar se tal como Maa um homem completo interlocutor de Maa Ngala e guardião do mundo vivo Os ofícios tradicionais Os ofícios artesanais tradicionais são os grandes vetores da tradição oral Na sociedade tradicional africana as atividades humanas possuíam frequentemente um caráter sagrado ou oculto principalmente as atividades que consistiam em agir sobre a matéria e transformá la uma vez que tudo é considerado vivo Toda função artesanal estava ligada a um conhecimento esotérico transmitido de geração a geração e que tinha sua origem em uma revelação inicial A obra do artesão era sagrada porque imitava a obra de Maa Ngala e completava sua criação A tradição bambara ensina de fato que a criação ainda não está acabada e que Maa Ngala ao criar nossa terra deixou as coisas inacabadas para que Maa seu interlocutor as completasse ou modificasse visando conduzir a natureza à perfeição A atividade artesanal em sua operação deveria repetir o mistério da criação Portanto ela focalizava uma força oculta da qual não se podia aproximar sem respeitar certas condições rituais Os artesãos tradicionais acompanham o trabalho com cantos rituais ou palavras rítmicas sacramentais e seus próprios gestos são considerados uma linguagem De fato os gestos de cada ofício reproduzem no simbolismo que lhe é próprio o mistério da criação primeira que como foi mostrado anteriormente ligava se ao poder da Palavra Diz se que O ferreiro forja a Palavra O tecelão a tece O sapateiro amacia a curtindo a Tomemos o exemplo do tecelão cujo ofício vincula se ao simbolismo da Palavra criadora que se distribui no tempo e no espaço O tecelão de casta um maabo entre os Peul é o depositário dos segredos das 33 peças que compõem a base fundamental do tear cada uma delas com um significado A armação por exemplo constitui se de oito peças principais quatro verticais que simbolizam não só os quatro elementos mãe terra água ar e fogo mas também os quatro pontos cardeais e quatro transversais que simbolizam os quatro pontos colaterais O tecelão situado no meio representa 186 Metodologia e pré história da África o Homem primordial Maa no centro das oito direções do espaço Com sua presença obtêm se nove elementos que lembram os nove estados fundamentais da existência as nove classes de seres as nove aberturas do corpo portas das forças da vida as nove categorias de homens entre os Peul etc Antes de dar início ao trabalho o tecelão deve tocar cada peça do tear pronunciando palavras ou ladainhas correspondentes às forças da vida que elas encarnam O vaivém dos pés que sobem e descem para acionar os pedais lembra o ritmo original da Palavra criadora ligado ao dualismo de todas as coisas e à lei dos ciclos Como se os pés dissessem o seguinte Fonyonko Fonyonko Dualismo Dualismo Quando um sobe o outro desce A morte do rei e a coroação do príncipe A morte do avô e o nascimento do neto Brigas de divórcio misturadas ao barulho de uma festa de casamento De sua parte diz a naveta Eu sou a barca do Destino Passo por entre os recifes dos fios da trama Que representam a Vida Passo do lado direito para o lado esquerdo Desenrolando meu intestino o fio Para contribuir à construção E de novo passo do lado esquerdo para o lado direito Desenrolando meu intestino A vida é eterno vaivém Permanente doação de si A tira de tecido que se acumula e se enrola em um bastão que repousa sobre o ventre do tecelão representa o passado enquanto o rolo do fio a ser tecido simboliza o mistério do amanhã o desconhecido devir O tecelão sempre dirá Ó amanhã Não me reserve uma surpresa desagradável No total o trabalho do tecelão representa oito movimentos de vaivém movimentos dos pés dos braços da naveta e o cruzamento rítmico dos fios do tecido que correspondem às oito peças da armação do tear e às oito patas da aranha mítica que ensinou sua ciência ao ancestral dos tecelões Os gestos do tecelão ao acionar o tear representam o ato da criação e as palavras que lhe acompanham os gestos são o próprio canto da Vida 187 A tradição viva Quanto ao ferreiro tradicional ele é o depositário do segredo das transmutações Por excelência é o Mestre do Fogo Sua origem é mítica e na tradição bambara chamam no de Primeiro Filho da Terra Suas habilidades remontam a Maa o primeiro homem a quem o criador Maa Ngala ensinou entre outros os segredos da forjadura Por isso a forja é chamada de Fan o mesmo nome do Ovo primordial de onde surgiu todo o universo e que foi a primeira forja sagrada Os elementos da forja estão ligados a um simbolismo sexual sendo esta a expressão ou o reflexo de um processo cósmico de criação Desse modo os dois foles redondos acionados pelo assistente do ferreiro são comparados aos testículos masculinos O ar com que são enchidos é a substância da vida enviada através de uma espécie de tubo que representa o falo para a fornalha da forja que representa a matriz onde age o fogo transformador O ferreiro tradicional só pode entrar na forja após um banho ritual de purificação preparado com o cozimento de certas folhas cascas ou raízes de árvores escolhidas em função do dia Com efeito as plantas como os minerais e os animais dividem se em sete classes que correspondem aos dias da semana e estão ligadas pela lei de correspondência analógica10 Em seguida o ferreiro se veste de modo especial uma vez que não pode entrar na forja vestido com roupa comum Todos os dias pela manhã purifica a forja com defumações especiais feitas com plantas que ele conhece Terminadas essas operações lavado de todos os contatos com o exterior o ferreiro encontra se em estado sacramental Voltou a ser puro e assemelha se agora ao ferreiro primordial Só então à semelhança de Maa Ngala pode ele criar modificando e moldando a matéria Em fulfulde ferreiro traduz se por baylo palavra que literalmente significa transformador Antes de começar o trabalho invoca os quatro elementos mãe da criação terra água ar e fogo que estão obrigatoriamente representados na forja existe sempre um receptáculo com água o fogo da fornalha o ar enviado pelos foles e um montículo de terra ao lado da forja Durante o trabalho o ferreiro pronuncia palavras especiais à medida que vai tocando cada ferramenta Ao tomar a bigorna que simboliza a receptividade feminina diz Não sou Maa Ngala mas o representante de Maa Ngala Ele é 10 A respeito da lei de correspondência analógica v HAMPATÉ BÂ A Aspects de la civilisation africaine Présence africaine Paris 1972 p 120 e segs 188 Metodologia e pré história da África quem cria não eu Em seguida apanha um pouco de água ou um ovo oferece a à bigorna e diz Eis teu dote Pega o martelo que simboliza o falo e aplica alguns golpes na bigorna para sensibilizá la Estabelecida a comunicação ele pode começar a trabalhar O aprendiz não deve fazer perguntas Deve apenas observar com atenção e soprar Esta é a fase muda do aprendizado À medida que vai avançando na assimilação do conhecimento o aprendiz sopra em ritmos cada vez mais complexos cada um deles possuindo um significado No decorrer da fase oral do aprendizado o Mestre transmitirá gradualmente todos os seus conhecimentos ao discípulo treinando o e corrigindo o até que adquira a mestria Após uma cerimônia de liberação o novo ferreiro poderá deixar o mestre e instalar a sua própria forja Comumente o ferreiro envia os próprios filhos para outro ferreiro a fim de iniciarem seu aprendizado Como diz o adágio As esposas e os filhos do Mestre não são seus melhores discípulos Assim o artesão tradicional imitando Maa Ngala repetindo com seus gestos a criação primordial realizava não um trabalho no sentido puramente econômico da palavra mas uma função sagrada que empregava as forças fundamentais da vida e em que se aplicava todo o seu ser Na intimidade da oficina ou da forja participava do mistério renovado da criação eterna Os conhecimentos do ferreiro devem abranger um vasto setor da vida Renomado ocultista a mestria dos segredos do fogo e do ferro faz dele a única pessoa habilitada a praticar a circuncisão e como vimos o grande Mestre da faca na iniciação do Komo é invariavelmente um ferreiro Não apenas sabe tudo o que diz respeito aos metais como também conhece perfeitamente a classificação das plantas e suas propriedades O ferreiro de alto forno que ao mesmo tempo extrai e funde o mineral é o mais avançado em conhecimentos À ciência de ferreiro fundidor acrescenta o conhecimento perfeito dos Filhos do seio da Terra mineralogia e dos segredos das plantas e da mata De fato ele conhece as espécies de vegetais que cobrem a terra que contém determinado metal e detecta um veio de ouro simplesmente examinando as plantas e os seixos Conhece as encantações da terra e as encantações das plantas Uma vez que se considera a natureza como viva e animada pelas forças todo ato que a perturba deve ser acompanhado de um comportamento ritual destinado a preservar e salvaguardar o equilíbrio sagrado pois tudo se liga tudo repercute em tudo toda ação faz vibrar as forças da vida e desperta uma cadeia de consequências cujos efeitos são sentidos pelo homem 189 A tradição viva A relação do homem tradicional com o mundo era portanto uma relação viva de participação e não uma relação de pura utilização É compreensível que nesta visão global do universo o papel do profano seja mínimo No antigo país Baúle por exemplo o ouro que a terra oferecia em abundância era considerado metal divino e não chegou a ser explorado exaustivamente Empregavam no sobretudo na confecção de objetos reais ou cultuais mas igualmente o utilizavam como moeda de câmbio e objeto de presente Sua extração era livre a todos mas a ninguém era permitida a apropriação de pepitas que ultrapassassem certo tamanho toda pepita com peso superior ao padrão era devolvida ao deus e se destinava a aumentar o ouro real depósito sagrado do qual os próprios reis não tinham o direito de usufruir Certos tesouros reais foram desta maneira transmitidos intactos até a ocupação europeia A terra acreditava se pertencia a Deus e ao homem cabia o direito de usufruir dela mas não o de possuí la Voltando ao artesão tradicional ele é o exemplo perfeito de como o conhecimento pode se incorporar não somente aos gestos e ações mas também à totalidade da vida uma vez que deve respeitar um conjunto de proibições e obrigações ligadas à sua atividade que constitui um verdadeiro código de comportamento em relação à natureza e aos semelhantes Existe desse modo o que se chama de Costume dos ferreiros numusira ou numuya em bambara Costume dos agricultores Costume dos tecelões e assim por diante e no plano étnico o que se chama de Costume dos Peul Lawol fulfulde verdadeiros códigos morais sociais e jurídicos peculiares a cada grupo transmitidos e observados fielmente pela tradição oral Pode se dizer que o ofício ou a atividade tradicional esculpe o ser do homem Toda a diferença entre a educação moderna e a tradição oral encontra se aí Aquilo que se aprende na escola ocidental por mais útil que seja nem sempre é vivido enquanto o conhecimento herdado da tradição oral encarna se na totalidade do ser Os instrumentos ou as ferramentas de um ofício materializam as Palavras sagradas o contato do aprendiz com o ofício o obriga a viver a Palavra a cada gesto Por essa razão a tradição oral tomada no seu todo não se resume à transmissão de narrativas ou de determinados conhecimentos Ela é geradora e formadora de um tipo particular de homem Pode se afirmar que existe a civilização dos ferreiros a civilização dos tecelões a civilização dos pastores etc Limitei me aqui a examinar os exemplos particularmente típicos dos ferreiros e dos tecelões mas de um modo geral toda atividade tradicional constitui uma 190 Metodologia e pré história da África grande escola iniciatória ou mágico religiosa uma via de acesso à Unidade da qual para os iniciados é um reflexo ou uma expressão peculiar Geralmente a fim de conservar restritos à linhagem os conhecimentos secretos e os poderes mágicos deles decorrentes todo grupo devia observar proibições sexuais rigorosas em relação a pessoas estranhas ao grupo e praticar a endogamia A endogamia portanto não se deve à ideia de intocabilidade mas ao desejo de manter dentro do grupo os segredos rituais Assim podemos perceber como esses grupos rigorosamente especializados e harmonizados com as funções sagradas gradualmente chegaram à noção de casta tal como existe atualmente na África da savana A guerra e o nobre fazem o escravo diz o adágio mas é Deus quem faz o artesão o nyamakala A noção de castas superiores ou inferiores por conseguinte não se baseia em uma realidade sociológica tradicional Ela surgiu com o decorrer do tempo apenas em determinados lugares provavelmente como consequência da aparição de alguns impérios onde a função de guerreiro reservada aos nobres lhes conferia uma espécie de supremacia No passado distante a noção de nobreza era sem dúvida diferente e o poder espiritual tinha precedência sobre o poder temporal Naquele tempo eram os Silatigui mestres iniciados peul e não os Ardo chefes reis que governavam as comunidades peul Contrariamente ao que alguns escreveram ou supuseram o ferreiro é muito mais temido do que desprezado na África Primeiro filho da Terra mestre do Fogo e manipulador de forças misteriosas é temido acima de tudo pelo seu poder De qualquer maneira a tradição sempre atribuiu aos nobres a obrigação de garantir a conservação das castas ou classes de nyamakala em bambara nyeenyo pl nyeeybe em fulani Tais classes gozam da prerrogativa de obter mercadorias ou dinheiro não como retribuição de um trabalho mas como o reclamo de um privilégio que o nobre não podia recusar Na tradição do Mande cujo centro se acha no Mali mas que cobre mais ou menos todo o território do antigo Bafur isto é a antiga África ocidental francesa com exceção das zonas de floresta e da parte oriental da Nigéria as castas ou nyamakala compreendem os ferreiros numu em bambara baylo em fulfulde os tecelões maabo em bambara e em fulfulde os trabalhadores da madeira tanto o lenhador como o marceneiro saki em bambara labbo em fulfulde os trabalhadores do couro garanke em bambara sakke em fulfulde 191 A tradição viva os animadores públicos dieli em bambara em fulfulde eles são designados pelo nome geral de nyamakala ou membro de uma casta isto é nyeeybe Mais conhecidos pelo nome francês de griot Embora não exista noção de superioridade propriamente dita as quatro classes de nyamakala artesãos têm precedência sobre os griots pois demandam iniciação e conhecimentos especiais O ferreiro está no topo da hierarquia seguido pelo tecelão pois seu ofício implica o mais alto grau de iniciação Ambos podem escolher indistintamente esposas de uma ou de outra casta pois as mulheres são oleiras tradicionais tendo portanto a mesma iniciação feminina Na classificação do Mande os nyamakala artesãos dividem se em grupos de três Existem três tipos de ferreiro numu em bambara baylo em fulfulde o ferreiro de mina ou de alto forno que extrai os minérios e funde metal Os grandes iniciados entre eles podem igualmente trabalhar na forja o ferreiro do ferro negro que trabalha na forja mas não extrai minérios o ferreiro dos metais preciosos ou joalheiro que geralmente é cortesão e como tal instala se nos pátios externos dos palácios de um chefe ou nobre Existem três tipos de tecelões maabo o tecelão de lã que possui o maior grau de iniciação Os motivos dos cobertores são sempre simbólicos e estão associados aos mistérios dos números e da cosmogonia Todo desenho tem um nome o tecelão de kerka que tece imensos cobertores mosquiteiros e cortinas de algodão que podem ter até 6 m de comprimento com uma infinita variedade de motivos Cheguei a examinar uma dessas cortinas com 165 motivos Cada motivo recebe um nome e tem um significado O próprio nome é um símbolo que representa várias realidades o tecelão comum que confecciona faixas simples de tecido branco e que não passa por uma grande iniciação Às vezes ocorre de a tecelagem comum ser feita por nobres Assim alguns Bambara confeccionam faixas de tecido branco sem serem tecelões de casta Como não são iniciados porém não podem tecer nem kerka nem lã nem mosquiteiros Existem três tipos de carpinteiros saki em bambara labbo em fulfulde aquele que faz almofarizes pilões e estatuetas sagradas O almofariz onde os remédios sagrados são triturados é um objeto ritual feito apenas com determinados tipos de madeira Como na ferraria a carpintaria simboliza 192 Metodologia e pré história da África as duas forças fundamentais o almofariz representa como a bigorna o pólo feminino enquanto o pilão representa como o martelo o pólo masculino As estatuetas sagradas são executadas sob o comando de um iniciado doma que as carrega de energia sagrada prevendo algum uso particular Além do ritual de carregamento a escolha e o corte da madeira também devem ser realizados sob condições especiais cujo segredo só o lenhador conhece O próprio artesão corta a madeira de que precisa Portanto é também um lenhador e sua iniciação está ligada ao conhecimento dos segredos das plantas e da mata Sendo a árvore considerada viva e habitada por outros espíritos vivos não pode ser derrubada ou cortada sem determinadas precauções rituais conhecidas pelo lenhador aquele que faz utensílios ou móveis domésticos de madeira aquele que fabrica pirogas devendo ser iniciado também nos segredos da água No Mali os Somono que se tornaram pescadores sem pertencer à etnia Bozo também começaram a fabricar pirogas São eles que podemos ver trabalhando às margens do Níger entre Kulikoro e Mopti Existem três tipos de trabalhadores do couro garanke em bambara sakke em fulfulde os que fazem sapatos os que fazem arreios rédeas etc os seleiros ou correeiros O trabalho do couro também envolve uma iniciação e os garanke geralmente têm a reputação de feiticeiros Os caçadores os pescadores e os agricultores não correspondem a castas mas sim a etnias Suas atividades estão entre as mais antigas da sociedade humana a colheita agricultura e a caça que compreende duas caças uma na terra e outra na água representam também grandes escolas de iniciação pois não há quem se aproxime imprudentemente das forças sagradas da Terra Mãe e dos poderes da mata onde vivem os animais A exemplo do ferreiro de alto forno o caçador de modo geral conhece todas as encantações da mata e deve dominar a fundo a ciência do mundo animal Os curandeiros que curam por meio de plantas ou pelo dom da fala podem pertencer a qualquer classe ou grupo étnico Normalmente eles são Doma 193 A tradição viva Cada povo possui como herança dons particulares transmitidos de geração a geração através da iniciação Assim os Dogon do Mali têm a reputação de conhecer o segredo da lepra que sabem curar muito rapidamente sem deixar uma única marca e o segredo da cura da tuberculose Além disso são excelentes restauradores pois conseguem recolocar os ossos quebrados mesmo em caso de fraturas graves Os animadores públicos ou griotsdieli em bambara Se as ciências ocultas e esotéricas são privilégio dos mestres da faca e dos chantres dos deuses a música a poesia lírica e os contos que animam as recreações populares e normalmente também a história são privilégios dos griots espécie de trovadores ou menestréis que percorrem o país ou estão ligados a uma família Sempre se supôs erroneamente que os griots fossem os únicos tradicionalistas possíveis Mas quem são eles Classificam se em três categorias os griots músicos que tocam qualquer instrumento monocórdio guitarra cora tantã etc Normalmente são excelentes cantores preservadores transmissores da música antiga e além disso compositores os griots embaixadores e cortesãos responsáveis pela mediação entre as grandes famílias em caso de desavenças Estão sempre ligados a uma família nobre ou real às vezes a uma única pessoa os griots genealogistas historiadores ou poetas ou os três ao mesmo tempo que em geral são igualmente contadores de história e grandes viajantes não necessariamente ligados a uma família A tradição lhes confere um status social especial Com efeito contrariamente aos Horon nobres têm o direito de ser cínicos e gozam de grande liberdade de falar Podem manifestar se à vontade até mesmo impudentemente e às vezes chegam a troçar das coisas mais sérias e sagradas sem que isso acarrete graves consequências Não têm compromisso algum que os obrigue a ser discretos ou a guardar respeito absoluto para com a verdade Podem às vezes contar mentiras descaradas e ninguém os tomará no sentido próprio Isso é o que o dieli diz Não é a verdade verdadeira mas a aceitamos assim Essa máxima mostra muito bem de que modo a tradição aceita as invenções dos dieli sem se deixar enganar pois como se diz eles têm a boca rasgada 194 Metodologia e pré história da África figura 83 Tocador de Valiha O instrumento é de madeira com cordas de aço Foto Museu do Homem Figura 84 Griot hutu imitando o mwami caído Foto B Nantet 195 A tradição viva Em toda a tradição do Bafur o nobre ou o chefe não só é proibido de tocar música em reuniões públicas mas também deve ser moderado na expressão e na fala Muita conversa não convém a um Horon diz o provérbio Assim os griots ligados às famílias acabam por desempenhar naturalmente o papel de mediadores ou mesmo de embaixadores caso surjam problemas de menor ou maior importância Eles são a língua de seu mestre Quando ligados a uma família ou pessoa geralmente ficam encarregados de alguma missão corriqueira e particularmente das negociações matrimoniais Para dar um exemplo um jovem nobre não se dirigirá diretamente a uma jovem para dizer lhe de seu amor Fará do griot o porta voz que entrará em contato com a moça ou com sua griote para falar dos sentimentos de seu mestre e louvar lhe os méritos Uma vez que a sociedade africana está fundamentalmente baseada no diálogo entre os indivíduos e na comunicação entre comunidades ou grupos étnicos os griots são os agentes ativos e naturais nessas conversações Autorizados a ter duas línguas na boca se necessário podem se desdizer sem que causem ressentimentos Isso jamais seria possível para um nobre a quem não se permite voltar atrás com a palavra ou mudar de decisão Um griot chega até mesmo a arcar com a responsabilidade de um erro que não cometeu a fim de remediar uma situação ou de salvar a reputação dos nobres É aos velhos sábios da comunidade em suas audiências secretas que cabe o difícil dever de olhar as coisas pela janela certa mas cabe aos griots cumprir aquilo que os sábios decidiram e ordenaram Treinados para colher e fornecer informações eles são os grandes portadores de notícias mas igualmente muitas vezes grandes difamadores O nome dieli em bambara significa sangue De fato tal como o sangue eles circulam pelo corpo da sociedade que podem curar ou deixar doente conforme atenuem ou avivem os conflitos através das palavras e das canções É necessário acrescentar entretanto que se trata aqui apenas de características gerais e que nem todos os griots são necessariamente desavergonhados ou cínicos Pelo contrário entre eles existem aqueles que são chamados de dieli faama ou seja griots reis De maneira nenhuma estes são inferiores aos nobres no que se refere a coragem moralidade virtudes e sabedoria e jamais abusam dos direitos que lhes foram concedidos por costume Os griots foram importante agente ativo do comércio e da cultura humana Em geral dotados de considerável inteligência desempenhavam um papel de grande importância na sociedade tradicional do Bafur devido à sua influência sobre os nobres e os chefes Ainda hoje em toda oportunidade estimulam e suscitam o orgulho do clã dos nobres com suas canções normalmente para 196 Metodologia e pré história da África ganhar presentes mas muitas vezes para também encorajá los a enfrentar alguma situação difícil Durante a noite de vigília que precede o rito da circuncisão por exemplo eles encorajam a criança ou o jovem a mostrar se digno de seus antepassados permanecendo impassível Entre os Peul canta se o seguinte teu pai11 Fulano que morreu no campo de batalha engoliu o mingau do ferro incandescente as balas sem piscar Espero que amanhã tu não sintas medo da ponta da faca do ferreiro Na cerimônia do bastão ou Soro entre os Peul Bororo do Níger as canções do griot animam o jovem que deve provar sua coragem e paciência mantendo um sorriso e sem tremer as pálpebras enquanto recebe fortes golpes de bastão no peito Os griots tomaram parte em todas as batalhas da história ao lado de seus mestres cuja coragem estimulavam relembrando lhes a genealogia e os grandes feitos dos antepassados Para o africano a invocação do nome de família é de grande poder Ademais é pela repetição do nome da linhagem que se saúda e se louva um africano A influência exercida pelos dieli ao longo da história adquiria a qualificação de boa ou má conforme suas palavras incitavam o orgulho dos líderes e os impeliam a excessos ou como era o caso mais frequente chamavam nos ao respeito de seus deveres tradicionais Como se vê os griots participam efetivamente da história dos grandes impérios africanos do Bafur e o papel desempenhado por eles merece um estudo em profundidade O segredo do poder da influência dos Dieli sobre os Horon nobres reside no conhecimento que têm da genealogia e da história das famílias Alguns deles chegaram a fazer desse conhecimento uma verdadeira especialização Os griots dessa categoria raramente pertencem a uma família e viajam pelo país em busca de informações históricas cada vez mais extensas Desse modo certamente adquirem uma capacidade quase mágica de provocar o entusiasmo de um nobre ao declamar para ele a própria genealogia os objetos heráldicos e a história familiar e consequentemente de receber dele valiosos presentes Um nobre é capaz de se despojar de tudo o que traz consigo e possui dentro de casa para presentear a um griot que conseguiu lhe mover os sentimentos Aonde quer que vão estes griots genealogistas têm a sobrevivência largamente assegurada 11 Teu pai em linguagem africana pode muito bem designar um tio um avô ou um antepassado Significa toda a linha paterna inclusive as colaterais 197 A tradição viva Não se deve pensar entretanto que se trata de uma retribuição A ideia de remuneração pelo trabalho realizado é contrária à noção tradicional de direito dos nyamakala sobre as classes nobres12 Qualquer que seja sua fortuna os nobres mesmo os mais pobres são tradicionalmente obrigados a oferecer presentes aos dieli ou a qualquer nyamakala ou woloso13 mesmo quando o dieli é infinitamente mais rico do que o nobre De um modo geral é a casta dos Dieli a que mais reclama presentes Quaisquer que sejam seus ganhos porém o dieli sempre é pobre pois gasta tudo o que tem contando com os nobres para seu sustento O canta o dieli solicitante a mão de um nobre não está grudada ao seu pescoço com avareza ela está sempre pronta a buscar em seu bolso algo para dar àquele que pede E se por acaso isso não ocorrer é melhor que o nobre se precavenha contra os problemas que terá com o homem da boca rasgada cujas duas línguas podem arruinar negócios e reputações Do ponto de vista econômico portanto a casta dos Dieli como todas as classes de nyamakala e de woloso é dependente da sociedade especialmente das classes nobres A progressiva transformação das condições econômicas e dos costumes alterou até certo ponto esta situação e antigos nobres ou griots passaram a aceitar funções remuneradas Mas o costume não morreu e as pessoas ainda se arruínam por ocasião de festas de batismo ou casamento para darem presentes aos griots que vêm animar as festas com suas canções Alguns governos modernos tentaram pôr fim a esse costume mas que se saiba ainda não conseguiram Os dieli sendo nyamakala devem em princípio casar se dentro das classes de nyamakala É fácil ver como os griots genealogistas especializados em histórias de famílias e geralmente dotados de memória prodigiosa tornaram se naturalmente por assim dizer os arquivistas da sociedade africana e ocasionalmente grandes historiadores Mas é importante lembrarmos que eles não são os únicos a possuir tal conhecimento Os griots historiadores a rigor podem ser chamados de tradicionalistas mas com a ressalva de que se trata de um ramo puramente histórico da tradição a qual possui muitos outros ramos O fato de ter nascido dieli não faz do homem necessariamente um historiador embora o incline para essa direção e muito menos que se torne um sábio em 12 Nobre é uma tradução bastante aproximativa de Horon Em verdade Horon é toda pessoa que não pertence nem à classe dos nyamakala nem à classe dos jon cativos sendo esta última constituída por descendentes de prisioneiros de guerra O Horon tem por dever assegurar a defesa da comunidade dar sua vida por ela assim como garantir a conservação das outras classes 13 Sobre Woloso cativo de casa cf n 5 198 Metodologia e pré história da África assuntos tradicionais um Conhecedor De um modo geral a casta dos Dieli é a que mais se distancia dos domínios iniciatórios que requerem silêncio discreção e controle da fala A possibilidade de se tornarem Conhecedores está ao alcance deles tanto quanto ao de qualquer outro indivíduo Assim como um tradicionalista doma o Conhecedor tradicional no verdadeiro sentido do termo pode vir a ser ao mesmo tempo um grande genealogista e historiador um griot como todo membro de qualquer categoria social pode tornar se um tradicionalista doma se suas aptidões o permitirem e se ele tiver passado pelas iniciações correspondentes com exceção no entanto da iniciação do Komo que lhe é proibida No desenvolvimento deste estudo mencionamos o exemplo de dois griots Conhecedores que atualmente vivem no Mali Iwa e Banzoumana sendo que este último é ao mesmo tempo grande músico historiador e tradicionalista doma O griot que é também tradicionalista doma constitui uma fonte de informações de absoluta confiança pois sua qualidade de iniciado lhe confere um alto valor moral e o sujeita à proibição da mentira Torna se um outro homem É ele o griot rei do qual falamos anteriormente a quem as pessoas consultam por sua sabedoria e seu conhecimento e que embora capaz de divertir jamais abusa de seus direitos consuetudinários Quando um griot conta uma história geralmente lhe perguntam É uma história de dieli ou uma história de doma Se for uma história de dieli costuma se dizer Isso é o que o dieli diz e então se pode esperar alguns embelezamentos da verdade com a intenção de destacar o papel desta ou daquela família embelezamentos que não seriam feitos por um tradicionalista doma que se interessa acima de tudo pela transmissão fiel É necessário fazer uma distinção quando estamos na presença de um griot historiador convém sabermos se se trata de um griot comum ou de um griot doma Ainda assim deve se admitir que a base dos fatos raramente é alterada serve de trampolim à inspiração poética ou panegírica que se não chega a falsificá la pelo menos a ornamenta Um mal entendido que ainda tem sequela em alguns dicionários franceses deve ser esclarecido Os franceses tomavam os dieli a quem chamavam de griots por feiticeiros sorcier o que não corresponde à realidade Pode acontecer de um griot ser korte tigui lançador de má sorte assim como pode acontecer de um griot ser doma conhecedor tradicional não porque nasceu griot mas porque foi iniciado e adquiriu sua proficiência boa ou ruim na escola de um mestre do ofício 199 A tradição viva O mal entendido provavelmente advém da ambivalência do termo francês griot que pode designar o conjunto dos nyamakala que incluem os dieli e mais frequentemente apenas a casta dos Dieli A tradição declara que os nyamakala são todos subaa termo que designa um homem versado em conhecimentos ocultos a que só têm acesso os iniciados uma espécie de ocultista A tradição exclui desta designação os dieli que não seguem uma via iniciatória própria Portanto os nyamakala artesãos são subaa Dentre estes encontra se o garanke trabalhador do couro que possui a reputação de ser um subaga feiticeiro no mau sentido do termo Quanto a mim sou propenso a acreditar que os primeiros intérpretes europeus confundiram os dois termos subaa e subaga semelhantes na pronúncia e que a ambivalência do termo griot fez o resto Uma vez que a tradição declara que todos os nyamakala são subaa ocultistas os intérpretes devem ter entendido todos os nyamakala são subaga feiticeiros o que devido ao duplo uso coletivo ou particular da palavra griot tornou se todos os griots são feiticeiros Daí o mal entendido Seja como for a importância do dieli não se encontra nos poderes de bruxaria que ele possa ter mas em sua arte de manejar a fala que aliás também é uma forma de magia Antes de deixarmos os griots assinalemos algumas exceções que podem causar confusão Por vezes alguns tecelões deixam de exercer seu ofício tradicional para se tornarem tocadores de guitarra Os Peul chamam nos de Bammbaado literalmente aquele que é carregado nas costas porque suas despesas são sempre pagas por outrem ou pela comunidade Os Bammbaado que são sempre contadores de histórias também podem ser poetas genealogistas e historiadores Alguns lenhadores também podem trocar suas ferramentas por uma guitarra e se tornar excelentes músicos e genealogistas Bokar Ilo e Idriss Ngada que pelo que sei se encontravam entre os grandes genealogistas do Alto Volta eram lenhadores que se tornaram músicos Mas trata se aqui de exceções Do mesmo modo alguns nobres desacreditados podem se tornar animadores públicos mas não músicos14 e são chamados de Tiapourta em bambara e em fulfulde Assim são mais impudentes e cínicos do que o mais impudente dos griots e ninguém leva a sério seus comentários Pedem presentes aos griots com tal insistência que estes últimos chegam a fugir ao ver um Tiapourta 14 Cabe lembrar que os Horou nobres peul ou bambara jamais tocam música pelo menos em público Os Tiapourta conservaram em geral esse costume 200 Metodologia e pré história da África Se a música é em geral a grande especialidade dos dieli existe também uma música ritual tocada por iniciados que acompanha as cerimônias ou as danças rituais Os instrumentos dessa música sagrada são portanto verdadeiros objetos de culto que tornam possível a comunicação com as forças invisíveis Por serem instrumentos de corda sopro ou percussão encontram se em conexão com os elementos terra ar e água A música própria para encantar os espíritos do fogo é apanágio da associação dos comedores de fogo que são chamados de Kursi kolonin ou Donnga soro Como tornar se um tradicionalista Na África do Bafur como já foi dito qualquer um podia tornar se tradicionalista doma isto é Conhecedor em uma ou mais matérias tradicionais O conhecimento estava à disposição de todos sendo a iniciação onipresente sob uma forma ou outra e sua aquisição dependia simplesmente das aptidões individuais O conhecimento era tão valorizado que tinha precedência sobre tudo e conferia nobreza O conhecedor em qualquer área podia sentar se no Conselho dos Anciãos encarregado da administração da comunidade a despeito de sua categoria social horon nyamakala ou woloso O conhecimento não distingue raça nem porta paterna o clã Ele enobrece o homem diz o provérbio A educação africana não tinha a sistemática do ensino europeu sendo dispensada durante toda a vida A própria vida era educação No Bafur até os 42 anos um homem devia estar na escola da vida e não tinha direito a palavra em assembleias a não ser excepcionalmente Seu dever era ficar ouvindo e aprofundar o conhecimento que veio recebendo desde sua iniciação aos 21 anos A partir dos 42 anos supunha se que já tivesse assimilado e aprofundado os ensinamentos recebidos desde a infância Adquiria o direito a palavra nas assembleias e tornava se por sua vez um mestre para devolver à sociedade aquilo que dela havia recebido Mas isso não o impedia de continuar aprendendo com os mais velhos se assim o desejasse e de lhes pedir conselhos Um homem idoso encontrava sempre outro mais velho ou mais sábio do que ele a quem pudesse solicitar uma informação adicional ou uma opinião Todos os dias costuma se dizer o ouvido ouve aquilo que ainda não ouviu Assim a educação podia durar a vida inteira Após aprender o ofício e seguir a iniciação correspondente o jovem nyamakala artesão pronto para voar com suas próprias asas ia geralmente de cidade em 201 A tradição viva cidade a fim de aumentar seus conhecimentos aprendendo com novos mestres Aquele que não viajou nada viu diz se Assim ele ia de oficina em oficina percorrendo o mais extensamente possível o país Os homens das montanhas desciam às planícies os das planícies subiam às montanhas os do Beledugu vinham ao Mande e assim por diante Com o propósito de logo se fazer reconhecer o jovem ferreiro em viagem trazia sempre o fole a tiracolo o lenhador o machado ou a enxó o tecelão carregava às costas o tear desmontado mas mantinha a naveta ou o carretel bem à mostra nos ombros o trabalhador do couro levava seus pequenos potes de tinta Quando o jovem chegava a uma cidade grande onde os artesãos viviam em corporações agrupadas por ofício era automaticamente conduzido ao local dos trabalhadores do couro ou dos tecelões etc No curso das viagens e investigações a extensão do aprendizado dependia da destreza da memória e sobretudo do caráter do jovem Se era cortês simpático e serviçal os velhos lhe contavam segredos que não contariam a outros pois se diz O segredo do velho não se compra com dinheiro mas com boas maneiras Quanto ao jovem horon passava a infância na corte do pai e na cidade onde assistia a todas as reuniões ouvia as histórias que se contavam e retinha tudo o que podia Nas sessões noturnas de sua associação de idade cada criança contava as histórias que havia escutado fossem elas de caráter histórico ou iniciatório neste último caso sem compreender bem todas as implicações A partir dos sete anos automaticamente fazia parte da sociedade de iniciação de sua cidade e começava a receber os ensinamentos que como já explicamos abrangiam todos os aspectos da vida Quando um velho conta uma história iniciatória em uma assembleia desenvolve lhe o simbolismo de acordo com a natureza e capacidade de compreensão de seu auditório Ele pode fazer dela simples história infantil com fundamento moral educativo ou uma fecunda lição sobre os mistérios da natureza humana e da relação do homem com os mundos invisíveis Cada um retém e compreende conforme sua capacidade O mesmo ocorre com os relatos históricos que dão vida às reuniões narrativas em que os grandes feitos dos antepassados ou dos heróis do país são evocados nos mínimos detalhes Um estranho de passagem contará histórias de terras distantes A criança estará imersa em um ambiente cultural particular do qual se impregnará segundo a capacidade de sua memória Seus dias são marcados por histórias contos fábulas provérbios e máximas Via de regra o jovem horon não viaja para o exterior uma vez que está preparado para a defesa do seu país Trabalha com o pai que pode ser agricultor 202 Metodologia e pré história da África alfaiate ou exercer qualquer outra atividade reservada à classe dos horon Se o jovem é Peul muda se de acampamento com os pais aprende muito cedo a cuidar sozinho do rebanho em plena mata tanto durante o dia quanto à noite e recebe a iniciação peul relativa ao simbolismo do gado De modo geral uma pessoa não se torna tradicionalista doma permanecendo em sua cidade Um curandeiro que deseja aprofundar seus conhecimentos tem de viajar para conhecer as diferentes espécies de plantas e se instruir com outros Conhecedores do assunto O homem que viaja descobre e vive outras iniciações registra diferenças e semelhanças alarga o campo de sua compreensão Onde quer que vá toma parte em reuniões ouve relatos históricos demora se com um transmissor de tradição especializado em iniciação ou em genealogia entrando desse modo em contato com a história e as tradições dos países por onde passa Pode se dizer que o homem que se tornou tradicionalista doma foi um pesquisador e um indagador durante toda a vida e jamais deixará de sê lo O africano da savana costumava viajar muito O resultado era a troca e a circulação de conhecimentos É por esse motivo que a memória histórica coletiva na África raramente se limita a um único território Ao contrário está ligada a linhas de família ou a grupos étnicos que migraram pelo continente Muitas caravanas abriam caminho pela região servindo se de uma rede de rotas especiais protegidas tradicionalmente por deuses e reis e nas quais se estava livre de pilhagens e ataques De outro modo arriscavam se ou a um ataque ou à violação involuntária por desconhecimento de algum tabu local e a pagar caro pelas consequências Quando da chegada a um país desconhecido os viajantes iam confiar sua cabeça a algum homem de posição que dali em diante se tornava seu garante pois tocar o estrangeiro é tocar o próprio anfitrião O grande genealogista é sempre um grande viajante Enquanto um griot pode contentar se em conhecera genealogia da família a que está ligado o verdadeiro genealogista seja griot ou não a fim de aumentar seus conhecimentos deverá necessariamente viajar pelo país para se informar sobre as principais ramificações de um grupo étnico e depois viajar para o exterior para traçar a história dos ramos que emigraram Assim Molom Gaolo o maior genealogista peul que tive o privilégio de conhecer conhecia a genealogia de todos os Peul do Senegal Quando a idade avançada não mais lhe permitiu que viajasse para o exterior ele enviou o filho Mamadou Molom para continuar o levantamento junto às famílias peul que 203 A tradição viva haviam migrado pelo Sudão Mali com al HadjdjUmar Na época em que conheci Molom Gaolo ele havia conseguido compilar e fixar a história passada de quase quarenta gerações Ele tinha como hábito ir a todos os batizados ou funerais das principais famílias a fim de registrar as circunstâncias dos nascimentos e mortes que acrescentava ao rol já guardado em sua memória fabulosa Era capaz também de declamar para qualquer Peul importante Você é o filho de Fulano nascido de Beltrano descendente de Sicrano ramo de Fulano que morreram em tal lugar por tal causa e que foram enterrados em tal local e assim por diante Fulano foi batizado em tal dia a tal hora pelo marabu tal e tal Logicamente toda essa informação era e ainda é transmitida oralmente e registrada apenas na memória do genealogista Não se pode fazer ideia do que a memória de um iletrado pode guardar Um relato ouvido uma vez fica gravado como em uma matriz e pode então ser reproduzido intacto da primeira à última palavra quando a memória o solicitar Moiam Gaolo parece me faleceu por volta de 1968 aos 105 anos Seu filho Mamadou Gaolo agora com 50 anos vive no Mali onde continua o trabalho do pai pelo mesmo método exclusivamente oral sendo também ele iletrado Wahab Gaolo contemporâneo de Mamadou Gaolo e ainda vivo realizou um levantamento das etnias de língua fulfulde povos Peul e Tukulor no Chade Camarões República Centro Africana e até no Zaire para informar se sobre a genealogia e a história das famílias que emigraram para aqueles países Os Gaolo não são dieli mas uma etnia de língua fulfulde semelhante à classe dos nyamakala e que desfruta das mesmas prerrogativas Muito mais oradores e declamadores que músicos salvo suas mulheres que cantam com o acompanhamento de instrumentos rudimentares podem ser contadores de histórias e animadores existindo entre eles muitos genealogistas Entre os Marka etnia mande os genealogistas têm o nome de Guessere Dizer genealogista é dizer historiador pois um bom genealogista conhece a história as proezas e os gestos de todas as personagens que cita ou pelo menos das principais Essa ciência se encontra na própria base da história da África pois o interesse pela história está ligado não à cronologia mas à genealogia no sentido de se poder estabelecer as linhas de desenvolvimento de uma família clã ou etnia no tempo e no espaço Assim todo africano tem um pouco de genealogista e é capaz de remontar a um passado distante em sua própria linhagem Do contrário estaria como que privado de sua carteira de identidade No antigo Mali não havia quem 204 Metodologia e pré história da África não conhecesse pelo menos 10 ou 12 gerações de antepassados Dentre todos os velhos tukulor que vieram para Macina com al HadjdjUmar não havia um que não soubesse sua genealogia no Futa Senegal seu país de origem e seu parentesco com as famílias que lá permaneceram Foram eles que Mamadou Molom filho de Molom Gaolo consultou quando veio ao Mali para dar prosseguimento à pesquisa de seu pai A genealogia é desse modo ao mesmo tempo sentimento de identidade meio de exaltar a glória da família e recurso em caso de litígio Um conflito por um pedaço de terra por exemplo poderia ser resolvido por um genealogista que indicaria qual ancestral havia limpado e cultivado a terra para quem a havia dado sob que condições etc Ainda hoje encontramos entre a população muitos conhecedores de genealogia e história que não pertencem nem à classe dos dieli nem à dos gaolo Temos aí uma importante fonte de informações para a história da África pelo menos ainda por um certo tempo Cada patriarca é um genealogista para seu próprio clã e os dieli e gaolo vêm frequentemente lhes pedir informações com o propósito de complementar seus conhecimentos De modo geral todo velho na África é sempre um Conhecedor em algum assunto histórico ou tradicional O conhecimento genealógico não é portanto exclusividade dos griots e gaolo mas são eles os únicos especialistas em declamar genealogias perante os nobres para obter presentes Influência do Islã As peculiaridades da memória africana e as modalidades de sua transmissão oral não foram afetadas pela islamização que atingiu grande parte dos países da savana ou do antigo Bafur De fato por onde se espalhou o Islã não adaptou a tradição africana a seu modo de pensar mas pelo contrário adaptou se à tradição africana quando como normalmente ocorria esta não violava seus princípios fundamentais A simbiose assim originada foi tão grande que por vezes torna se difícil distinguir o que pertence a uma ou a outra tradição A grande família árabe berbere dos Kunta islamizou a região bem antes do século XI Logo que aprenderam o árabe os autóctones passaram a se utilizar de suas tradições ancestrais para transmitir e explicar o Islã Grandes escolas islâmicas puramente orais ensinavam a religião nas línguas vernáculas exceto o Corão e os textos que fazem parte da oração canônica Podemos mencionar entre muitas outras a escola oral de Djelgodji chamada Kabe a escola 205 A tradição viva de Barani a de Amadou Fodia em Farimaké distrito de Niafounké no Mali a de Mohammed Abdoulaye Souadou em Dilli distrito de Nara no Mali e a do xeque Usman dan Fodio na Nigéria e no Níger onde todo o ensino era ministrado em fulfulde Mais próximas de nós estavam a Zauia de Tierno Bokar Salif em Bandiagara e a escola do xeque Salah o grande marabu dogon ainda vivo Das crianças que saíam das escolas corânicas a maioria era capaz de recitar de cor o Corão inteiro em árabe e no salmo desejado sem entender o sentido do texto o que demonstra a capacidade da memória africana Em todas essas escolas os princípios básicos da tradição africana não eram repudiados mas ao contrário utilizados e explicados à luz da revelação corânica Tierno Bokar tradicionalista em assuntos africanos e islâmicos tornou se famoso pela intensa aplicação deste método educacional Independentemente de uma visão sagrada comum do universo e de uma mesma concepção do homem e da família encontramos nas duas tradições a mesma preocupação em citar as fontes isnad em árabe e nunca modificar as palavras do mestre o mesmo respeito pela cadeia de transmissão iniciatória silsila ou cadeia em árabe e o mesmo sistema de caminhos iniciatórios no Islã as grandes congregações Sufi ou Tariga plural turuq cuja cadeia remonta ao próprio Profeta que tornam possível aprofundar através da experiência aquilo que se conhece pela fé Às categorias de Conhecedores tradicionais já existentes vieram juntar se as dos marabus letrados em árabe ou em jurisprudência islâmica e dos grandes xeques Sufi embora as estruturas da sociedade castas e ofícios tradicionais fossem preservadas inclusive nos meios mais islamizados e continuassem a veicular suas iniciações particulares O conhecimento de assuntos islâmicos constituía uma nova fonte de enobrecimento Assim Alfa Ali falecido em 1958 gaolo de nascimento foi a maior autoridade em assuntos islâmicos no distrito de Bandiagara assim como seus antepassados e seu filho15 História de uma coleta Para dar uma ilustração prática de como narrativas históricas entre outras vivem e são preservadas com extrema fidelidade na memória coletiva de uma sociedade de tradição oral contarei de que maneira consegui reunir unicamente 15 De modo geral a islamização vinda do norte e do leste afetou mais particularmente os países da savana enquanto que a cristianização vinda por mar tocou mais as regiões de floresta da costa Não podemos falar do encontro entre a tradição e o cristianismo por não possuirmos nenhuma informação sobre o assunto 206 Metodologia e pré história da África a partir da tradição oral os elementos que me permitiram escrever a História do Império Peul de Macina no Século XVIII16 Pertencendo à família de Tidjani chefe da província tive desde a infância condições ideais para ouvir e reter A casa de Tidjani meu pai em Bandiagara estava sempre cheia de gente Noite e dia havia grandes reuniões onde todos falavam sobre uma grande variedade de assuntos tradicionais Estando a família de meu pai muito envolvida nos acontecimentos da época os relatos eram normalmente sobre história e cada pessoa narrava um episódio bem conhecido de alguma batalha ou de outro acontecimento memorável Sempre presente nessas reuniões eu não perdia uma palavra sequer e minha memória como cera virgem gravava tudo Foi lá que ainda criança conheci Koullel o grande contador de histórias genealogista e historiador de língua fulfulde Eu o seguia por toda parte e aprendia muitos contos e narrativas que orgulhosamente recontava aos camaradas de meu grupo de idade a ponto de me apelidarem Amkoullel que significa pequeno Koullel Circunstâncias alheias à minha vontade levaram me a viajar seguindo minha família por diversos países onde pude sempre estar em contato com grandes tradicionalistas Assim quando meu pai se viu obrigado a fixar residência em Bougouni para onde Koullel nos havia acompanhado travei conhecimento com o grande doma bambara Danfo Sine e em seguida com seu irmão mais novo Latif Mais tarde em Bamaco e em Kati a corte de meu pai foi praticamente reconstituída e tradicionalistas chegavam de todos os países para se reunir em sua casa sabendo que lá encontrariam outros Conhecedores em cuja companhia poderiam avaliar ou mesmo alargar seus próprios conhecimentos pois sempre se encontra alguém mais sábio Foi ali que comecei a aprender muitas coisas referentes à história do Império peul de Macina tanto na versão macinanke isto é a versão do povo originário de Macina partidários da família de Sheikou Amadou como na versão dos Tukulor seus antagonistas e ainda na versão de outras etnias Bambara Soninke Songhai etc que haviam presenciado ou participado dos acontecimentos Tendo assim adquirido uma formação básica bastante sólida decidi coletar informações sistematicamente Meu método consistia em gravar primeiramente 16 HAMPATÉ BÂ A e DAGET J 1962 207 A tradição viva todas as narrativas sem me preocupar com sua veracidade ou com uma possível exageração Em seguida comparava as narrativas dos Macinanke com as dos Tukulor ou com as de outras etnias envolvidas Dessa maneira sempre se pode encontrar em qualquer região etnias cujas narrativas permitam controlar as declarações dos principais interessados Foi um trabalho de fôlego A coleta de informações exigiu me mais de 15 anos de trabalho e de jornadas que me levavam do Futa Djalon Guiné a Kano Nigéria a fim de retraçar as rotas que Sheikou Amadou e al HadjdjUmar haviam percorrido em todas as suas viagens Desse modo registrei as narrativas de pelo menos mil informantes No final mantive apenas os relatos concordantes os que eram conformes tanto às tradições macinanke e tukulor como também às das demais etnias envolvidas cujas fontes citei no livro Constatei que no conjunto meus mil informantes haviam respeitado a verdade dos fatos A trama da narrativa era sempre a mesma As diferenças que se encontravam apenas em detalhes sem importância deviam se à qualidade da memória ou da verve peculiar do narrador Dependendo do grupo étnico a que pertencia podia tender a minimizar certos revezes ou a tentar encontrar alguma justificativa para eles mas não mudava os dados básicos Sob a influência do acompanhamento musical o contador de histórias podia deixar se levar pelo entusiasmo mas a linha geral permanecia a mesma os lugares as batalhas as vitórias e as derrotas as conferências e diálogos mantidos os propósitos dos personagens principiais etc Essa experiência provou me que a tradição oral era perfeitamente válida do ponto de vista científico É possível comparar as versões de diferentes etnias como fiz a título de controle mas a própria sociedade exerce um autocontrole permanente Com efeito nenhum narrador poderia permitir se mudar os fatos pois à sua volta haveria sempre companheiros ou anciãos que imediatamente apontariam o erro fazendo lhe a séria acusação de mentiroso O Professor Montet certa vez referiu se a mim como tendo relatado no Império Peul de Macina narrativas que seu pai havia coletado 50 anos antes das quais nenhuma palavra tinha sido alterada Isso dá uma ideia da fidelidade com que os dados são preservados na tradição oral Características da memória africana Entre todos os povos do mundo constatou se que os que não escreviam possuíam uma memória mais desenvolvida 208 Metodologia e pré história da África Demos o exemplo dos genealogistas que conseguem reter uma inacreditável quantidade de elementos mas poderíamos mencionar também o caso de certos comerciantes iletrados ainda conheço muitos deles que dirigem negócios envolvendo por vezes dezenas de milhões de francos e emprestam dinheiro a muitas pessoas no curso das suas viagens guardando de memória a mais precisa contabilidade de todos esses movimentos de mercadorias e dinheiro sem uma única nota escrita e sem cometer o menor engano O dado a ser retido fica imediatamente inscrito na memória do tradicionalista como em cera virgem e lá permanece sempre disponível em sua totalidade17 Uma das peculiaridades da memória africana é reconstituir o acontecimento ou a narrativa registrada em sua totalidade tal como um filme que se desenrola do princípio ao fim e fazê lo no presente Não se trata de recordar mas de trazer ao presente um evento passado do qual todos participam o narrador e a sua audiência Aí reside toda a arte do contador de histórias Ninguém é contador de histórias a menos que possa relatar um fato tal como aconteceu realmente de modo que seus ouvintes assim como ele próprio tornem se testemunhas vivas e ativas desse fato Ora todo africano é até certo ponto um contador de histórias Quando um estranho chega a uma cidade faz sua saudação dizendo Sou vosso estrangeiro Ao que lhe respondem Esta casa está aberta para ti Entra em paz E em seguida Dá nos notícias Ele passa então a relatar toda sua história desde quando deixou sua casa o que viu e ouviu o que lhe aconteceu etc e isso de tal modo que seus ouvintes o acompanham em suas viagens e com ele as revivem É por esse motivo que o tempo verbal da narrativa é sempre o presente De maneira geral a memória africana registra toda a cena o cenário os personagens suas palavras até mesmo os mínimos detalhes das roupas Nos relatos de guerra dos Tukulor sabemos qual bubu bordado o grande herói Oumarei Samba Dondo estava usando em determinada batalha quem era seu palafreneiro e o que lhe aconteceu qual era o nome de seu cavalo e o que lhe sucedeu etc Todos esses detalhes animam a narrativa contribuindo para dar vida à cena 17 Esse fenômeno poderia estar relacionado com o fato de as faculdades sensoriais do homem serem mais desenvolvidas onde há necessidade de se fazer grande uso delas e se atrofiarem em meio à vida moderna O caçador africano tradicional por exemplo pode ouvir e identificar determinados sons a vários quilômetros de distância Sua visão é particularmente acurada Alguns têm a capacidade de sentir a água como verdadeiros adivinhos Os tuaregue do deserto possuem um senso de direção que está próximo do miraculoso E como esses há dezenas de exemplos O homem moderno imerso na multiplicidade de ruídos e informações vê suas faculdades se atrofiarem progressivamente Está cientificamente provado que os habitantes das grandes cidades perdem cada vez mais sua capacidade auditiva 209 A tradição viva Por essa razão o tradicionalista não consegue resumir senão dificilmente Resumir uma cena equivale para ele a escamoteá la Ora por tradição ele não tem o direito de fazer isso Todo detalhe possui sua importância para a verdade do quadro Ou narra o acontecimento em sua integridade ou não o narra Se lhe for solicitado resumir uma passagem ele responderá Se não tens tempo para ouvir me contarei um outro dia Do mesmo modo o tradicionalista não tem receio de se repetir Ninguém se cansa de ouvi lo contar a mesma história com as mesmas palavras como talvez já tenha contado inúmeras vezes A cada vez o filme inteiro se desenrola novamente E o evento está lá restituído O passado se torna presente A vida não se resume jamais Pode se quando muito reduzir uma história para as crianças resumindo certas passagens mas então não se a tomará por verdade Em se tratando de adultos o fato deve ser narrado na íntegra ou calado Esta peculiaridade da memória africana tradicional ligada a um contexto de tradição oral é em si uma garantia de autenticidade Quanto à memória dos tradicionalistas em especial a dos tradicionalistas doma ou Conhecedores que abrange vastas áreas do conhecimento tradicional constitui uma verdadeira biblioteca onde os arquivos não estão classificados mas totalmente inventariados Tudo isso pode parecer caótico para um espírito moderno mas para os tradicionalistas se existe caos é à maneira das moléculas de água que se misturam no mar para formar um todo vivo Nesse mar eles se movimentam com a facilidade de um peixe As fichas imateriais do catálogo da tradição oral são máximas provérbios contos lendas mitos etc que constituem quer um esboço a ser desenvolvido quer um ponto de partida para narrativas didáticas antigas ou improvisadas Os contos por exemplo e especialmente os de iniciação possuem uma trama básica invariável à qual no entanto o narrador pode acrescentar floreados desenvolvimentos ou ensinamentos adequados à compreensão de seus ouvintes O mesmo ocorre com os mitos que são conhecimentos condensados em uma forma sintética que o iniciado pode sempre desenvolver ou aprofundar para seus alunos Convém considerar com atenção o conteúdo dos mitos e não catalogá los muito rapidamente Podem encobrir realidades de ordens muito diversas e mesmo por vezes ser entendidos em vários níveis simultaneamente Enquanto alguns mitos se referem a conhecimentos esotéricos e ocultam o conhecimento ao mesmo tempo que o transmitem através dos séculos outros podem ter alguma relação com acontecimentos reais Tomemos o exemplo de 210 Metodologia e pré história da África Thianaba a serpente mítica peul cuja lenda narra as aventuras e a migração pela savana africana a partir do oceano Atlântico Por volta de 1921 o engenheiro Belime encarregado de construir a barragem de Sansanding teve a curiosidade de seguir passo a passo as indicações geográficas da lenda que ele havia aprendido com Hammadi Djenngoudo grande Conhecedor peul Para sua surpresa descobriu o traçado do antigo leito do rio Níger Conclusão Para a África a época atual é de complexidade e de dependência Os diferentes mundos as diferentes mentalidades e os diferentes períodos sobrepõem se interferindo uns nos outros às vezes se influenciando mutuamente nem sempre se compreendendo Na África o século XX encontra se lado a lado com a Idade Média o Ocidente com o Oriente o cartesianismo modo particular de pensar o mundo com o animismo modo particular de vivê lo e experimentá lo na totalidade do ser Os jovens líderes modernos governam com mentalidades e sistemas de lei ou ideologias diretamente herdados de modelos estrangeiros povos e realidades sujeitos a outras leis e com outras mentalidades Para exemplificar na maioria dos territórios da antiga África ocidental francesa o código legal elaborado logo após a independência por nossos jovens juristas recém saídos das universidades francesas está pura e simplesmente calcado no Código Napoleônico O resultado é que a população até então governada segundo costumes sagrados que herdados de ancestrais asseguravam a coesão social não compreende por que está sendo julgada e condenada em nome de um costume que não é o seu que não conhece e que não corresponde às realidades profundas do país O drama todo do que chamarei de África de base é o de ser frequentemente governada por uma minoria intelectual que não a compreende mais através de princípios incompatíveis com a sua realidade Para a nova inteligentsia africana formada em disciplinas universitárias europeias a Tradição muitas vezes deixou de viver São histórias de velhos No entanto é preciso dizer que de um tempo para cá uma importante parcela da juventude culta vem sentindo cada vez mais a necessidade de se voltar às tradições ancestrais e de resgatar seus valores fundamentais a fim de reencontrar suas próprias raízes e o segredo de sua identidade profunda Por contraste no interior da África de base que em geral fica longe das grandes cidades ilhotas do Ocidente a tradição continuou viva e como já o 211 A tradição viva disse antes grande número de seus representantes ou depositários ainda pode ser encontrado Mas por quanto tempo O grande problema da África tradicional é em verdade o da ruptura da transmissão Nas antigas colônias francesas a primeira grande ruptura veio com a guerra de 1914 quando a maioria dos jovens se alistou para ir combater na França de onde muitos nunca retornaram Estes jovens deixaram o país na idade em que deveriam estar passando pelas grandes iniciações e aprofundando seus conhecimentos sob a direção dos mais velhos O fato de que era obrigatório para homens importantes enviarem seus filhos a escolas de brancos de modo a separá los da tradição favoreceu igualmente esse processo A maior preocupação do poder colonial era compreensivelmente remover as tradições autóctones tanto quanto possível para implantar no lugar suas próprias concepções As escolas seculares ou religiosas constituíram os instrumentos essenciais desta ceifada A educação moderna recebida por nossos jovens após o fim da última guerra concluiu o processo e criou um verdadeiro fenômeno de aculturação A iniciação fugindo dos grandes centros urbanos buscou refúgio na floresta onde devido à atração das grandes cidades e ao surgimento de novas necessidades os anciãos encontram cada vez menos ouvidos dóceis a quem possam transmitir seus ensinamentos pois segundo uma expressão consagrada o ensino só pode se dar de boca perfumada a ouvido dócil e limpo ou seja inteiramente receptivo Estamos hoje portanto em tudo o que concerne à tradição oral diante da última geração dos grandes depositários Justamente por esse motivo o trabalho de coleta deve ser intensificado durante os próximos 10 ou 15 anos após os quais os últimos grandes monumentos vivos da cultura africana terão desaparecido e junto com eles os tesouros insubstituíveis de uma educação peculiar ao mesmo tempo material psicológica e espiritual fundamentada no sentimento de unidade da vida e cujas fontes se perdem na noite dos tempos Para que o trabalho de coleta seja bem sucedido o pesquisador deverá se armar de muita paciência lembrando que deve ter o coração de uma pomba a pele de um crocodilo e o estômago de uma avestruz O coração de uma pomba para nunca se zangar nem se inflamar mesmo se lhe disserem coisas desagradáveis Se alguém se recusa a responder sua pergunta inútil insistir vale mais instalar se em outro ramo Uma disputa aqui terá repercussões em outra parte enquanto uma saída discreta fará com que seja lembrado e muitas vezes chamado de volta A pele de um crocodilo para conseguir se deitar em qualquer 212 Metodologia e pré história da África lugar sobre qualquer coisa sem fazer cerimônias Por último o estômago de uma avestruz para conseguir comer de tudo sem adoecer ou enjoar se A condição mais importante de todas porém é saber renunciar ao hábito de julgar tudo segundo critérios pessoais Para descobrir um novo mundo é preciso saber esquecer seu próprio mundo do contrário o pesquisador estará simplesmente transportando seu mundo consigo ao invés de manter se à escuta Através da boca de Tierno Bokar o sábio de Bandiagara a África dos velhos iniciados avisa o jovem pesquisador Se queres saber quem sou Se queres que te ensine o que sei Deixa um pouco de ser o que tu és E esquece o que sabes C A P Í T U L O 9 213 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Ao descobrir um artefato o arqueólogo geralmente começa a estudá lo através de meios puramente arqueológicos como o registro da camada em que foi encontrado a leitura do texto que o acompanha a descrição de sua forma o cálculo de suas dimensões etc Os dados assim obtidos são estudados estratigráfica filológica e tipologicamente podendo resultar daí importantes informações no que diz respeito à idade às origens etc do artefato Na maioria dos casos entretanto o arqueólogo não consegue encontrar os dados capazes de fornecer uma resposta às suas perguntas ou ajudá lo a chegar a conclusões satisfatórias Quando isso acontece ele tem de submeter sua descoberta a outras disciplinas para completar a investigação Essa investigação por sua vez deve trazer lhe informações sobre o material de que é feito o objeto sua origem técnica de fabricação idade o uso a que se destinava etc Deve se enfatizar no entanto que essas pesquisas complementares constituem apenas um novo ângulo sob o qual o arqueólogo vai enfocar o problema os dados científicos e as considerações de ordem estilística filológica e estratigráfica devem formar um todo inseparável1 1 HALL E T 1970 p 135 41 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Z Iskander 214 Metodologia e pré história da África A supervisão de sítios arqueológicos enterrados à exceção das escavações a conservação dos vestígios e monumentos descobertos são outros campos nos quais as técnicas científicas podem auxiliar a Arqueologia Os métodos científicos utilizados pela Arqueologia têm o mérito de ser universais Podem ser aplicados tanto na África como na Europa Ásia ou América embora a maneira de aplicá los possa variar de um lugar para outro O assunto é muito vasto por isso trataremos os temas seguintes de maneira ampla sem entrar em muitos detalhes de laboratório Técnicas analíticas usadas em arqueometria Objetivos da pesquisa e da análise arqueométricas Técnicas de datação Técnicas usadas na prospecção arqueológica Técnicas de conservação Técnicas analíticas usadas em arqueometria As técnicas de análise têm se desenvolvido tanto que às vezes é difícil decidir qual delas utilizar no exame de determinada amostra para obter a informação desejada Os parágrafos seguintes procuram abordar todos os aspectos do problema Escolha do método de análise As amostras arqueológicas são excepcionalmente valiosas por duas razões por um lado a quantidade de material disponível é em geral tão pequena que mal e mal se presta a uma análise completa e no caso de ser totalmente usada talvez não possa ser substituída Por outro lado pelo menos uma parte da amostra deve ser guardada para futuras referências ou exposições Portanto deve se ter muito cuidado nas análises arqueométricas a fim de obter o maior número possível de informações Os critérios que determinam a escolha do método de análise a ser adotado podem ser resumidos como segue2 Importância da amostragem disponível Se a quantidade do material disponível é suficientemente grande procede se de preferência à análise química em meio aquoso para determinar a porcentagem 2 HALL E T op cit 215 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação dos principais elementos constituintes A análise de absorção atômica pode ser aplicada para determinar as porcentagens de metais alcalinos tais como o sódio o potássio e o lítio Entretanto para elementos e compostos imponderáveis traços as análises por meio de fluorescência ou difração de raios X são preferíveis embora seus resultados comportem uma margem de erro de 10 a 20 Se a quantidade de amostras disponíveis é mínima e vários elementos devem ser detectados convém recorrer à espectrofotometria ou à difração de raios X Quando o arqueólogo não puder fornecer um espécime completo por menor que seja o material pode ser analisado por emissão espectrométrica ou fluorescência de raios X contanto que o tamanho e a forma do objeto permitam a utilização desse tipo de aparelhagem Tipo de material analisável Existe uma grande variedade de materiais arqueológicos Alguns deles como alimentos unguentos resinas óleos e ceras são total ou parcialmente orgânicos Outros como metais pigmentos cerâmicas vidro e gesso são inorgânicos Os materiais orgânicos são geralmente submetidos a combustão saponificação dissolução radiação infravermelha análise térmica e cromatográfica Os materiais inorgânicos são submetidos às análises normais em meio aquoso à espectrometria à fluorescência de raios X à difração de raios X ou à ativação por nêutrons conforme o tipo de informação procurada Tipo de informação procurada Para economizar tempo e dinheiro deve se proceder à análise de acordo com um programa bem planejado em cooperação com o arqueólogo para se obterem respostas a questões específicas Por exemplo o cobre e o bronze antigos se parecem superficialmente Somente o estanho permite que se estabeleçam diferenças entre esses metais submete se um pequeno pedaço da amostra a uma solução concentrada de ácido nítrico o precipitado esbranquiçado de ácido metastânico que se forma é a seguir diluído em água destilada Esse teste simples está ao alcance de qualquer arqueólogo Minerais de chumbo eram utilizados antigamente no Egito para vitrificar peças de cerâmica Desse modo apenas o teste para detectar a presença de chumbo já é suficiente para determinar aproximadamente a data de fabricação de um objeto vitrificado 216 Metodologia e pré história da África Apresentação dos resultados Os arqueólogos que vão estudar os resultados da investigação científica e usá los em seus relatórios e conclusões raramente são cientistas Convém portanto que os resultados lhes sejam apresentados de maneira acessível Assim por exemplo em vez de utilizar submúltiplos do grama numa amostra de 100 gramas é bem mais útil apresentar todos os resultados em porcentagens de forma que sejam universalmente compreendidos Além disso tal procedimento facilita a comparação dos resultados entre diferentes laboratórios Métodos de exame e de análise À luz destas considerações podemos enumerar as técnicas de análise mais importantes usadas em arqueometria Exame microscópico Um exame com uma simples lente de aumento 10X ou 20X geralmente é muito útil para obter uma primeira impressão de um artefato ou de uma amostra antiga Melhor ainda é uma lente binocular com ampliação de 7X 10X ou 20X e um amplo campo entre a objetiva e o plano focal Este dispositivo permite a observação de cavidades profundas que uma lupa normal não poderia atingir Dados mais precisos são obtidos com a ajuda de um microscópio composto com ampliação de 100 200 400 e 1250X e imersão em óleo O exame microscópico pode ser aplicado com os seguintes objetivos identificação na maior parte dos casos é possível identificar uma amostra em estado puro ou composta de elementos heterogêneos estudando microscopicamente a textura ou as particularidades cristalinas de seus componentes análise qualitativa as técnicas atuais possibilitam a precipitação a dissolução a observação da evolução gasosa e outros processos que podem ser aplicados em uma parte minúscula da amostra3 Por exemplo se um fragmento de amostra for colocado numa lâmina de vidro e umedecido ocorrerá ou não sua dissolução Se a essa solução for adicionada uma gota de nitrato de prata e surgir no ácido nítrico um precipitado esbranquiçado insolúvel pode se deduzir a presença de um ânion de cloreto 3 EWING G W 1954 p 411 217 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação figura 91 Microfotografia de uma secção da fateixa de cobre pertencente ao barco de Quéops em Gizeh Figura 92 Radiografia frontal do peito da Rainha Nedjemet da 21a dinastia Museu do Cairo 218 Metodologia e pré história da África análise quantitativa os métodos microscópicos são particularmente valiosos na análise quantitativa de combinações heterogêneas complexas dificilmente analisáveis pelos métodos químicos comuns4 Entre outros resultados permitem a determinação do número e do tamanho dos componentes Se a densidade de cada componente é conhecida as porcentagens volumétricas dos componentes da mistura podem ser convertidas em porcentagens ponderáveis5 Radiografia A radiografia é muito útil no exame de obras de arte pois permite por exemplo detectar a presença de corpos estranhos no interior de uma múmia ainda enfaixada ou incrustações decorativas escondidas sob camadas de bálsamo etc Tais informações ajudam a determinar a técnica a ser adotada para retirar as bandagens das múmias são muito valiosas também nos trabalhos de conservação de objetos de metal além de serem muito úteis durante os estudos científicos e arqueológicos No museu do Cairo por exemplo a radiografia de múmias reais revelou que mesmo aquelas das quais já se haviam retirado as bandagens ainda continham joias que haviam escapado à detecção por se encontrarem sob espessas camadas de resina6 Determinação do peso específico Na Antiguidade o ouro geralmente continha prata ou cobre Os objetos de ouro são tão preciosos que na maioria dos casos nenhum fragmento por menor que seja pode ser retirado para análise Diante disso Caley pensou em aplicar o método de determinação do peso específico que não traz nenhum risco de deterioração e permite que se descubra a porcentagem de ouro dos artefatos7 Este método é muito fácil e baseia se no princípio de Arquimedes Se o peso do objeto ao ar livre é de W g e na água é de X g seu peso específico será igual a W W X 4 CHAMOT E M e MASON C W 1938 p 431 5 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 6 HALPERN J W HARRIS J E e BARNES C 1971 p 18 7 CALEY E R 1949 p 73 82 219 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Como o peso específico do ouro 193 é quase o dobro do da prata 105 ou do cobre 89 a presença de pequenas quantidades de prata ou cobre pode ser facilmente detectada Supondo que o objeto não contenha platina que o componente de ligação prata ou cobre seja conhecido e que não tenha ocorrido nenhuma contração durante a fusão a margem de erro previsível no cálculo do teor de ouro é da ordem de 1 Análise química normal em meio aquoso Esta técnica é indispensável em Arqueologia para o estudo do material de que é feito um artefato bem como para a escolha da melhor maneira de conservá lo É usada nas análises qualitativas e quantitativas de argamassas gesso vestígios corroídos de artefatos metálicos restos de comida cosméticos resíduos de bálsamos e produtos análogos etc A descrição das técnicas utilizadas em tais análises não é do âmbito deste capítulo pois são familiares a todos os químicos que trabalham no campo da Arqueologia além disso são descritas com detalhes em manuais de química analítica como por exemplo o de Kolthoff e seus co autores8 relativamente às matérias inorgânicas e nos trabalhos de Iskander9 e Stross10 relativamente às matérias orgânicas e inorgânicas Objetos de ferro descobertos em Niani Guiné datando do século XIII ao século XV foram submetidos a uma análise química que revelou conterem cobre fósforo níquel tungstênio titânio e molibdênio impurezas provavelmente presentes nos minérios utilizados11 Espectrofotometria Esta técnica tem sido utilizada na análise de vestígios antigos tais como bronze cerâmica argamassa pigmentos etc Vários fatores tornam a espectrofotometria particularmente vantajosa em relação a outros métodos de análise desses vestígios apresenta sensibilidade adequada permite detectar altas proporções até 20 da maioria dos elementos além disso todos os elementos presentes na amostra podem ser gravados em 8 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 9 FARAG N e ISKANDER Z 1971 p 111 15 ISKANDER Z p 59 71 Le monastère de Phoebammon duns la Thebaide v III ed BACHATLY Cairo Société dArcheologie Copte 1961 ISKANDER Z e SHAHEEN A E 1964 p 197 208 ZAKI A e ISKANDER Z 1942 p 295 313 10 STROSS F H e ODONNALL A E 1972 p 1 16 11 MUZUE A e NOSEK E 1974 p 96 220 Metodologia e pré história da África linhas espectrais numa chapa fotográfica durante uma única exposição o que proporciona um registro permanente para posteriores consultas Uma nova variante da espectrofotometria é o Laser Milliprobe Spectometer12 A análise espectrográfica de todos os bronzes naturalistas de Ife Nigéria mostrou que eles não são de bronze mas de latão13 Análise por absorção atômica Este método é perfeitamente adequado para amostras de matéria inorgânica metais cimentos soldas vidro esmaltes sais etc Em arqueometria seu emprego apresenta as seguintes vantagens elevado grau de exatidão margem de erro de 1 com amostras de 5 a 10 mg possibilidade de detecção em uma mesma amostra de elementos mais importantes elementos menos importantes ou simplesmente traços enfim é uma técnica de uso corrente Ela facilita muito também as comparações entre os resultados de diferentes laboratórios e as causas eventuais de erros experimentais são mais facilmente controláveis14 Fluorescência de raios X A excitação de um espécime por meio de raios X é um método de análise muito útil Seu princípio é o seguinte quando um átomo é bombardeado com raios de alta frequência um elétron é removido de uma órbita interior do átomo e a lacuna assim criada será preenchida por um elétron proveniente de uma órbita externa A variação de energia entre os níveis externo e interno provém de raios secundários ou fluorescentes característicos dos elementos que compõem o espécime15 Como a força de penetração dos raios X é limitada esta técnica só pode ser utilizada na superfície dos objetos sendo por isso aplicada apenas na análise de vestígios inorgânicos tais como o vidro a faiança e a cerâmica vitrificada a obsidiana e a maior parte das rochas Entretanto os objetos metálicos antigos sofreram a ação do tempo ou os metais menos nobres que continham afloraram à superfície Desta maneira uma análise restrita à superfície desses objetos através do método da fluorescência de raios X pode oferecer resultados diferentes daqueles obtidos por uma análise do objeto inteiro16 12 HALL E T 1970 p 135 41 13 WILLET F 1964 p 81 83 14 WERNER A E A 1970 p 179 85 15 KOLTHOFF I M SANDELL E B MEEHAN E J e BRUCKENSTEIN S 1969 16 HALL E T 1970 p 135 41 221 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Análise por ativação de nêutrons Nesta técnica um grupo de amostras e de produtos químicos standard é colocado em um reator nuclear e submetido à irradiação por nêutrons lentos ou térmicos Alguns dos isótopos resultantes terão vida suficiente para emitir raios gama Como cada radioisótopo emite raios gama com comprimentos de onda característicos a análise desses comprimentos de onda possibilita tanto a identificação dos elementos presentes no espécime como a determinação de sua concentração quer se trate de elementos importantes quer de simples traços Os nêutrons e os raios gama têm poder de penetração muito maior que os raios X permitindo assim que a análise atinja maior espessura em determinada amostra Desse modo o afloramento de cobre à superfície dos metais pode ser ignorado17 Ao realizar esse tipo de análise deve se tomar o cuidado para que se o espécime tiver de retomar ao museu a radioatividade residual baixe a um nível inofensivo em um lapso de tempo razoável A título de exemplo o isótopo da prata radioativa tem meia vida de 225 dias logo se um objeto de prata receber uma dose muito forte de radiação não poderá ser devolvido ao museu por centenas de anos18 Nesses casos uma minúscula porção do objeto é retirada através da fricção com um pequeno disco de quartzo rugoso Este quartzo sofre então irradiação no reator e é analisado do modo habitual para a detecção de prata ouro cobre antimônio e arsênico Esta técnica foi recentemente aplicada em pesquisas arqueológicas realizadas na África no estudo de contas de vidro que foram submetidas a duas ativações de nêutrons O primeiro bombardeamento durou pouco tempo procedendo se logo após à procura de isótopos de vida curta nas contas Já o segundo foi intenso e contínuo durando oito horas As amostras foram então deixadas de lado por alguns dias e depois submetidas à análise que procurou por isótopos de vida média A seguir foram guardadas novamente e mais tarde testadas em busca de isótopos de vida longa19 Um estudo de diversas aplicações desta técnica em Arqueologia foi publicado por Sayre e Meyers20 17 Loc cit 18 Loc cit 19 DAVISON C C 1973 p 73 e 74 20 SAYRE E V e MEYERS P 1971 p 115 50 222 Metodologia e pré história da África Objetivos da análise arqueométrica Os principais objetivos da investigação científica e da análise em arqueometria são os seguintes Identificação rigorosa dos objetos É essencial que a identificação dos vestígios arqueológicos seja efetuada escrupulosamente para que o arqueólogo possa descrevê los com exatidão nas publicações especializa das e nos guias de museus A identificação precisa da substância dos artefatos também é muito importante pois é do conhecimento da verdadeira natureza das substâncias examinadas que depende o alcance das observações correspondentes Infelizmente os erros de identificação são frequentes nas publicações arqueológicas mais antigas e já causaram muita confusão O cobre é às vezes confundido com o bronze embora a descoberta e o uso do bronze impliquem certa evolução cultural O bronze por sua vez é confundido com o latão e isso pode acarretar uma falsa conclusão quanto à idade do objeto já que as primeiras produções de latão remontam mais ou menos à metade do primeiro século antes de nossa era enquanto o bronze já era conhecido e utilizado uns vinte séculos antes21 Como a maior parte dos erros de identificação provém de apreciações visuais incorretas convém enfatizar que para evitar qualquer risco de interpretação errônea a identificação do material arqueológico deve basear se na análise química ou por difração de raios X Tradução de palavras antigas desconhecidas Às vezes uma identificação correta permite traduzir palavras desconhecidas Por exemplo em Saqqara Egito foram descobertos dois recipientes de cerâmica na sepultura do rei Hor Aha Primeira Dinastia aproximadamente 3100 Em cada um deles figuravam hieróglifos correspondentes à palavra seret cujo sentido era ignorado A análise química revelou que os dois vasos continham queijo concluiu se então que seret significava queijo22 Outro exemplo é a palavra bekhen escrita em hieróglifos em algumas estátuas de pedra Como a rocha em que as estátuas foram esculpidas havia sido anteriormente identificada como grauvaca xisto e 21 CALEY E R 1948 p 1 8 22 ZAKI A e ISKANDER Z 1942 p 295 313 223 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação que a palavra aparecia em textos relacionados com Uadi el Hammamat concluiu se que provavelmente bekhen significava o xisto de Uadi el Hammamat23 Detecção da origem dos vestígios arqueológicos A presença em determinado sítio arqueológico de numerosos espécimes cuja substância é de origem estrangeira parece ser uma indicação clara de que esse material foi importado através de troca ou comércio Uma vez localizada a fonte dessa substância torna se fácil estabelecer o caminho seguido por ela Sabe se por exemplo que a obsidiana não existe no Egito entretanto era utilizada nessa região desde a época pré dinástica antes de 3100 A obsidiana de alguns objetos dessa época foi examinada e comparada com a proveniente de países vizinhos Como suas características eram muito semelhantes às da obsidiana da Etiópia concluiu se que fora importada dessa região e que os dois países mantinham relações comerciais há muito tempo24 Na cerâmica a identificação de traços por meio da ativação de nêutrons ou fluorescência de raios X permite o estudo de rotas comerciais locais e internacionais25 Vestígios de impurezas em minérios e artefatos de bronze também podem ajudar a relacionar os artefatos ao tipo de material de que foram feitos26 A detecção de níquel em um artefato antigo de ferro permite descobrir se o ferro provém de um meteorito ou se foi manufaturado já que o ferro de origem meteorítica sempre contém de 4 a 20 de níquel Recorrendo a uma emissão espectroscópica o autor examinou o famoso punhal de Tutankhamon e constatou que o ferro de sua lâmina continha uma quantidade razoável de níquel o que provou a origem meteorítica do ferro Investigação do uso anterior dos objetos examinados Às vezes é difícil saber com que finalidade determinado objeto era utilizado A esse respeito a análise química pode ser de grande utilidade Em 1956 por exemplo foi descoberta na tumba de Neferwptah aproximadamente 1800 em Faium Egito uma grande jarra de alabastro contendo 25 kg de uma estranha substância A análise química revelou que se tratava de um composto de 23 LUCAS A 1962 p 416 419 20 24 Loc cit 25 PERLMAN I e ISARO F 1969 p 21 52 26 FIELDS P R MILSTED J HENRICKSEN E e RAMETTE R W 1971 p 131 43 224 Metodologia e pré história da África 4825 de galena sulfeto de chumbo natural e 516 de resina na proporção 11 aproximadamente Como essa composição jamais tinha sido encontrada antes a razão pela qual estava na tumba era completamente obscura Entretanto o exame das prescrições médicas do papiro Ebers permitiu descobrir sob o n 402 um novo remédio para remover manchas brancas que apareceram nos dois olhos kohl preto galena e khetwa resina finamente pulverizados e aplicados nos dois olhos A partir desse texto e da composição química do material encontrado na jarra concluiu se que Neferwptah provavelmente sofria de leucoma em um dos olhos ou em ambos Por isso forneceram lhe uma grande quantidade desse medicamento para uso na vida futura27 Pesquisa das antigas técnicas de fabricação O exame metalográfico de objetos de metal fornece informações sobre as técnicas utilizadas pelos povos antigos em suas artes e indústrias químicas Os exemplos seguintes são significativos a esse respeito Fabricação do azul do Egito Amostras deste pigmento azul foram submetidas a exames químicos microscópicos e à difração por raios X Chegou se a reproduzir experimentalmente uma frita28 azul análoga Esses estudos revelaram que o azul do Egito era feito na Antiguidade aquecendo a 840oC uma mistura de areia ou quartzo pulverizado calcário igualmente pulverizado malaquita e sal comum ou carbonato de sódio29 Exame microscópico de objetos de metal O exame metalográfico de objetos de metal pode indicar se eles foram fundidos ou batidos ou se as duas técnicas foram empregadas O exame metalográfico de uma fateixa de cobre que pertenceu ao barco de Quéops descoberta em 1954 atrás da grande pirâmide de Gizeh demonstrou que havia dendritos no metal conclui se portanto que o objeto tinha sido batido30 27 FARAG N e ISKANDER Z 1971 p 11115 28 Frita fr frite expressão em desuso que designa a mistura de areia e soda submetida a uma semifusão na fabricação do vidro da cerâmica etc N T Fr 29 LUCAS A 1962 p 416 419 20 30 ISKANDER Z 1960 p 29 61 1a parte 225 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Exame de resíduos de embalsamamento O exame de resíduos de materiais para embalsamamento descobertos em Saqqara Luxor e Mataria Egito mostrou que continham pequena proporção de sabão de ácidos graxos sólidos resultantes da saponificação das gorduras do corpo sob a ação do carbonato de sódio durante a mumificação A partir disso concluiu se que os materiais usados serviam para preencher temporariamente as cavidades do corpo antes que este fosse desidratado até se tornar uma massa de natrão31 no leito de mumificação32 Cadinhos de frita Pesquisas empreendidas em Uadi el Natrum nas ruínas de uma vidraria mostraram que o vidro foi fabricado no Egito durante o período romano Essa indústria passou por duas etapas Durante a primeira etapa obtinha se a frita de vidro num cadinho especial cadinho de frita33 misturando sílica pura quartzo bicarbonato de cálcio natrão ou cinza vegetal ou ambos e aquecendo a mistura a uma temperatura inferior a 1100oC A argila desse cadinho continha grande proporção de areia e palha cortada em pedacinhos Tal mistura quando cozida produzia uma cerâmica altamente porosa qualidade essa procurada pelos vidreiros da Antiguidade porque permitia soltar facilmente o bloco de frita quebrando o cadinho Este portanto era usado só uma vez Na segunda fase os vidreiros obtinham um vidro de boa qualidade e de cores variadas Os blocos de frita eram pulverizados até se tornarem um fino pó homogêneo eram então divididos em pequenas porções A cada uma delas adicionavam se certos óxidos corantes agentes opacificantes ou descolorantes e reaquecia se tudo até a fusão completa a fim de obter o tipo de vidro necessário34 Testes de autenticidade Durante muito tempo os critérios histórico e estético eram o único método utilizado para a determinação da autenticidade Nos últimos anos o progresso 31 Natrão carbonato de sódio cristalizado 32 ISKANDER Z e SHAHEEN A E 1964 p 197 208 33 Frita fr fritage vitrificação preparatória destinada a eliminar os elementos voláteis N T Fr 34 SALEH S A GEORGE A W e HELMI F M 1972 p 143 70 226 Metodologia e pré história da África da pesquisa científica possibilitou um julgamento mais seguro da autenticidade de um objeto Os métodos mais eficientes são os seguintes Exame com raios ultravioleta Esta técnica é útil principalmente no exame do marfim e do mármore Sob a luz ultravioleta os diferentes tipos de mármore emitem fluorescência em diferentes cores e a superfície dos mármores antigos projeta uma cor característica muito diferente da cor apresentada pelas pedras mais recentes Do mesmo modo alterações ou retoques em objetos de mármore ou marfim antigos bem como em pinturas invisíveis à luz comum podem ser notados distintamente quando o objeto é examinado sob luz ultravioleta A luz infravermelha e os raios X também são muito úteis na detecção de falsificações35 Exame da corrosão superficial Em geral os metais antigos são corroídos lentamente e com o tempo a corrosão provoca o surgimento de uma película homogênea Nas falsificações de objetos de metal geralmente é aplicada uma película artificial à superfície do objeto o que lhe confere uma aparência antiga Mas essa película não adere muito bem e pode ser removida com sol ventes tais como água álcool etílico acetona ou piridina Além disso nos objetos de cobre e de bronze essa crosta artificial compõe se geralmente de uma só camada distinguindo se da que se formou naturalmente Esta é sempre composta de pelo menos duas camadas a interior de óxido de cobre vermelho e a exterior verde de carbonato sulfato ou cloreto do mesmo metal É muito difícil reproduzir essa disposição a ponto de enganar um experiente químico de museu arqueológico Análise do material do objeto Um notável exemplo da validade deste teste é fornecido pela análise do grão da antiga faiança egípcia Enquanto o grão da antiga faiança egípcia autêntica é composto de quartzo vitrificado o das falsificações modernas é geralmente constituído de caulim argila ou porcelana a identificação é deste modo bastante rápida e segura Outro exemplo como as técnicas metalúrgicas antigas não envolviam processos de refinamento adequados os metais da Antiguidade contêm certas impurezas tais como arsênico níquel manganês etc 35 CAIEV F R 1948 p 1 8 227 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação figura 93 Bloco de vitrificação mostrando a superfície superior plana as paredes laterais e uma parte do cadinho ainda aderente ao lado direito Figura 94 Base de uma das colunas de arenito do templo de Buhen Nota se o esboroamento da camada superficial devido à eflorescência 228 Metodologia e pré história da África Portanto basta retirar uma pequena amostra do objeto e submetê la à ativação por nêutrons ou fluorescência de raios X a ausência de vestígios de impurezas indicará que o objeto é provavelmente falso Identificação de pigmentos e corantes na pintura Os pigmentos utilizados em um quadro podem ser identificados com razoável precisão através de técnicas microquímicas Se o pigmento foi criado recentemente a idade do quadro pode ser contestada Como exemplo citemos o exame feito por Young de um retrato em perfil atribuído a um pintor do século XV A pigmentação azul do quadro se originava do azul ultramarino descoberto e usado como pigmento a partir do século XIX Quanto ao pigmento branco tratava se de óxido de titânio só utilizado na pintura depois de 1920 Provou se portanto que o quadro era falso36 Exame da pátina e do polimento superficiais A maior parte das rochas adquire com o tempo uma pátina na sua superfície o verniz do deserto Este fenômeno se deve ao afloramento progressivo de sais de ferro e manganês à superfície onde se oxidam e formam uma espécie de epiderme ou pátina Essa pátina passa a fazer parte da própria rocha confundindo se com a sua superfície Não é fácil removê la seja com água ou solvente neutro seja através de raspagem Em consequência é possível distinguir uma superfície autenticamente antiga de outra recente mesmo dotada de pátina artificial Além da pátina formada naturalmente as marcas de entalhe e polimento antigos são outro meio de provar autenticidade Essas marcas ainda aparecem como linhas de intersecção irregular sob a pátina superficial da pedra ou do metal Elas podem ser facilmente distinguidas das linhas paralelas regulares provenientes de um polimento recente já que os povos antigos não usavam nem limas ásperas para esculpir nem limas finas ou lixas de esmeril para polir Teste da termoluminescência da cerâmica A cerâmica assim como o solo em que foi enterrada contém uma porcentagem muito pequena de elementos radioativos A radiação desses elementos causa ao longo de milhares de anos um acúmulo de elétrons no corpo da cerâmica Elevando a a uma temperatura acima de 500oC os elétrons 36 YOUNG W J 1958 p 18 19 229 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação acumulados emitem uma termoluminescência que varia de acordo com a idade da cerâmica Esta técnica permite aos conservadores de museus uma apreciação segura da autenticidade de um objeto de cerâmica A amostra necessária pode ser conseguida fazendo um pequeno furo no objeto O pó obtido é aquecido a mais de 500oC no escuro Se houver luminescência a cerâmica é genuína se não trata se de falsificação37 Técnicas de datação A ciência dispõe de várias técnicas para determinar a idade de materiais antigos As principais são as seguintes Datação aproximativa pela análise arqueométrica A análise de espécimes pertencentes ao mesmo grupo de materiais gesso vidro faiança metais e pigmentos mas que remontam a épocas diferentes pode fornecer resultados passíveis de serem utilizados como pistas para a determinação da idade aproximada de outros objetos Os exemplos seguintes confirmam essa ideia Datação através da análise de contas de vidro na África ocidental As contas dicroicas akori que parecem azuis à luz refletida e verdes à luz transmitida foram submetidas à análise por fluorescência de raios X que permite classificá las em dois grupos A e B As contas do grupo A são mais pobres em chumbo menos de 005 e em arsênico menos de 005 que as do grupo B nas quais a taxa de chumbo é de mais ou menos 27 e a de arsênico de 2 A diferença em relação ao manganês é menor grupo A 03 01 e grupo B aproximadamente 005 Outros elementos detectados ferro cobalto zinco rubídio estrôncio estanho antimônio e bário em relação aos quais não foi notada nenhuma diferença significativa entre um grupo e outro As contas do grupo A são encontradas na África ocidental em sítios insulares relativamente antigos 430 a 1290 da Era Cristã enquanto as do grupo B só aparecem em contextos mais recentes A descoberta dessas contas em um túmulo ou em determinado estrato permite determinar com certa precisão a idade de um ou de outro38 37 AITKEN M J 1970 p 7788 38 DAVISON C C GIAUQUE R D e CLARK J D 1971 p 645 49 230 Metodologia e pré história da África Datação de pinturas rupestres pela análise de aglutinantes albuminosos É possível avaliar a idade das pinturas determinando o número de aminoácidos de seus aglutinantes albuminosos após hidrólise Esse método foi usado para calcular a idade de 133 pinturas rupestres do sudoeste da África com margem de erro de 20 A Dama Branca The White Lady de Brandberg tem de 1200 a 1800 anos As pinturas de Limpopo têm de 100 a 800 anos e as amostras de Drakensberg de 60 a 800 anos O número de aminoácidos idênticos diminui com a idade da pintura de 10 nos aglutinantes com 5 a 10 anos de idade para 1 substâncias com 1200 a 1800 anos de idade39 Datação através da análise de argamassas A análise dos diferentes tipos de argamassa utilizados no Egito mostrou que a argamassa de cal não aparece antes de Ptolomeu I 323 285 antes da Era Cristã40 Qualquer monumento cujos tijolos ou pedras foram ligados com argamassa de cal pertence portanto a um período posterior a 323 antes da Era Cristã Datação por radiocarbono Princípio básico Ao serem atingidos pelos raios cósmicos os átomos do ar das camadas superiores da atmosfera desintegram se em fragmentos minúsculos dentre os quais encontram se os nêutrons Os nêutrons produzidos bombardeiam o átomo que existe em maior abundância no ar o nitrogênio de massa 14 e o convertem em carbono de peso atômico 14 O carbono 14 assim formado é radioativo combina se com o oxigênio do ar para formar 14CO2 e se mistura com o dióxido de carbono comum que contém principalmente átomos de carbono de massas 12 99 e 13 1 Esse carbono 14 penetra nas plantas juntamente com os isótopos 12CO2 e 13CO2 formando seus tecidos pelo processo de fotossíntese Como os animais se alimentam de plantas todo o mundo animal e vegetal deve ser ligeiramente radioativo devido à presença de uma proporção mínima de carbono 14 aproximadamente um átomo de carbono 14 para um trilhão de átomos de carbono comum O dióxido de carbono atmosférico entra também na composição dos oceanos sob a forma de carbonato 39 DENNINGER E 1971 p 80 84 40 LUCAS A 1962 p 416 419 20 231 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação dissolvido Portanto é provável que a água do mar também seja levemente radioativa assim como todas as conchas e depósitos que contém41 No momento da morte supõe se que a matéria orgânica antiga tenha apresentado a mesma radioatividade que a matéria orgânica viva atualmente Mas depois da morte ocorre o isolamento ou seja toda aquisição ou troca de radiocarbono é interrompida e o carbono 14 começa a se degradar ou como disse o professor Libby o relógio do radiocarbono começa a andar42 Se a radioatividade de uma amostra antiga é medida e comparada à de uma amostra moderna é possível considerando se o tempo de vida do carbono 1443 calcular a idade do espécime antigo a partir da equação relativa ao declínio da radioatividade Materiais adequados à datação radioativa Os materiais apropriados para essa técnica são os de natureza orgânica madeira carvão ossos couro tecidos vegetais alimentos conchas etc mas os melhores são os derivados de plantas que crescem anualmente como junco cereais grama ou linho Uma vez recolhidas as amostras não devem ser submetidas a nenhum tratamento químico além disso devem ser colocadas em recipientes de vidro ou embalagens de náilon a fim de evitar qualquer contato com outros materiais orgânicos O processo se desenvolve em quatro etapas purificação da amostra combustão purificação do dióxido de carbono obtido e finalmente contagem das partículas emitidas Resultados e perspectivas Para testar a precisão desse método foi feito um estudo comparativo entre amostras datadas com exatidão do ponto de vista histórico e datações efetuadas com carbono radioativo44 Como o método histórico mais antigo e mais conhecido é a cronologia do Egito decidiu se em âmbito internacional medir o carbono radioativo de um grande número de amostras egípcias datadas com precisão arqueológica pertencentes ao período que vai da primeira dinastia aproximadamente 3100 41 AITKEN M J 1961 p X e 181 42 LIBBY W F 1970 p 110 43 O período ou longevidade do carbono 14 duração da desintegração de metade do corpo radioativo foi avaliado em 5568 anos ou mais precisamente em 5730 40 anos 44 BERGER R 1970 p 23 26 EOWAROS L E S 1970 p 11 19 MICHAEL H N e RALPH E K 1970 p 109 20 RALPH E K MICHAEL H N e HAN M G 1973 p 1 20 232 Metodologia e pré história da África à trigésima dinastia 378 a 341 Diversos laboratórios procederam à datação ao mesmo tempo usando não só meias vidas correspondentes a 5568 anos mas também o novo valor de 5730 40 anos que permite maior precisão Os resultados obtidos por esses testes mostraram que a datação operada através da meia vida de 5730 anos corresponde à cronologia histórica até o tempo do rei Senusret ou Sesóstris ou seja aproximadamente 1800 mas a datação das amostras anteriores suscitou numerosas controvérsias Entretanto a aplicação do método de correção de Stuvier Suess às amostras anteriores a 1800 permite a obtenção de resultados correspondentes à cronologia arqueológica dentro de 50 a 100 anos no máximo45 A título de exemplo bambus retirados da mastaba sepultura de Qaa primeira dinastia em Saqqara foram datados no laboratório de pesquisas do British Museum A data obtida com carbono 14 depois da correção é de 2450 65 aproximando se bastante de sua data histórica ou seja 2900 antes da Era Cristã46 Imagina se atualmente que as causas dos principais desvios sejam a diminuição do campo magnético da Terra47 e as variações de intensidade do vento solar que tornam oblíquos os raios cósmicos48 Além disso a meia vida real do carbono radioativo ainda não está inteiramente estabelecida Algumas outras causas estão sendo estudadas e muitos laboratórios trabalham nesse sentido Se houvesse resposta para todas essas questões seria possível datar com maior precisão vestígios anteriores a 1800 antes da Era Cristã Mas até que isso aconteça os cálculos convencionais de radiocarbono para vestígios orgânicos dessa época devem ser submetidos à correção indicada acima Datação com potássio argônio A limitação da datação por carbono 14 em aproximadamente 70000 anos cria uma grande lacuna na cronologia da evolução biológica e geológica prolongando se dessa data até aproximadamente 10 milhões de anos Para um período tão antigo seria possível aplicar métodos geológicos radioativos baseados nos índices de transformação de substâncias como por exemplo na transformação do urânio 235 em chumbo 207 que tem meia vida de 710 milhões de anos ou do rubídio 45 BERGER R 1970 p 23 36 MICHAEL H N e RALPH E K 1970 p 109 20 RALPH E K MICHAEL H N e HAN M G 1973 p 1 20 STUVIER M e SUESS H E 1966 p 534 40 46 EOWARDS I E S 1970 p 11 18 47 BUCHA V 1970 p 47 55 48 LEWIN S Z 1968 p 41 50 233 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação 87 em estrôncio 87 que tem meia vida de 13900 milhões de anos Essa lacuna pode ser preenchida até um certo ponto pela aplicação da técnica de datação com potássio argônio49 De fato esse método é usado particularmente na datação de idades geológicas muito remotas No entanto utilizando grandes amostras de uma substância de textura relativamente fina mas não inferior a 100 micra e que contenha pouco argônio atmosférico é possível aplicá lo a períodos mais recentes o que permitiria controlar os resultados obtidos graças ao carbono 1450 Princípio básico O potássio tal como é encontrado na natureza contém 932 de potássio 39 68 de potássio 41 e 00118 de potássio 40 No momento da formação da Terra a taxa de potássio 40 era de mais ou menos 02 mas ele se deteriorou em grande parte resultando em dois derivados o cálcio 40 e o argônio 40 Mas como tem meia vida muito longa 1330 milhões de anos o potássio 40 ainda se encontra presente numa taxa de 00118 Em cada 100 átomos de potássio 40 que se degradam 89 se transformam em cálcio 40 pelo desaparecimento das radiações beta onze se transformam em argônio 40 pela captura de partículas beta O argônio é um gás que se encontra retido entre os grãos do minério51 A datação com argônio potássio é muito aplicada pelas razões seguintes O potássio presente na crosta terrestre representa 28 em peso sendo um de seus elementos mais abundantes Além disso está presente em quase todos os corpos A meia vida do potássio é suficientemente longa para permitir a formação de argônio 40 em certos minerais ao longo de períodos interessantes do ponto de vista geológico Calculando a concentração do argônio 40 radioativo e o conteúdo total de potássio de um mineral é possível determinar a idade do mineral por meio de uma equação relativa à degradação da radioatividade52 Problemas a serem resolvidos pela datação com potássio argônio A datação com potássio argônio foi aplicada recentemente no cálculo da constante de primeira ordem in situ para a racemização do ácido aspártico nos 49 AITKEN M J 1961 50 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 p 72 84 51 Loc cit HAMILTON E I 1965 p 47 79 52 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 p 72 84 234 Metodologia e pré história da África ossos antigos Uma vez aferida num sítio a reação de racemização pode ser utilizada para datar outros ossos do depósito As idades calculadas a partir desse método correspondem com exatidão às idades obtidas pela datação com radiocarbono Esses resultados provam que a reação de racemização é um instrumento cronológico importante para a datação dos ossos muito antigos ou muito pequenos para serem datados com radiocarbono Para exemplificar a aplicação dessa técnica na datação dos fósseis humanos uma parte do homem da Rodésia originário de Broken Hill Zâmbia foi analisada e datada provisoriamente em 110000 anos aproximadamente53 A datação com potássio argônio dos períodos do Plioceno e Pleistoceno deverá permitir o levantamento de uma cronologia definitiva da origem do homem da coincidência da idade dos fósseis em diversos pontos do globo da origem dos tektites e outros problemas geológicos especiais A datação com potássio argônio foi usada para determinar em Olduvai a idade das camadas de basalto e das camadas de tufo que as revestiam a fim de estabelecer a idade exata dos restos do Zinjanthropus encontrados no fundo da primeira camada de tufo na Bed I Curtis e Evernden concluíram que esses basaltos têm pelo menos quatro milhões de anos de idade entretanto não se prestariam a uma datação precisa em consequência de alterações químicas visíveis nas partes finas de todos os basaltos datados de Olduvai exceto os que estão associados à antiga indústria de pebble tools A opinião de Gentner e de Lippolt sobre os diferentes resultados obtidos é a seguinte Como não existem outras incompatibilidades entre as datas dos basaltos e do tufo que os recobre parece possível que a idade do Zinianthropus seja de dois milhões de anos54 Datação arqueomagnética Para dar uma ideia simplificada dessa técnica convém abordar os seguintes itens Paleomagnetismo Trata se do magnetismo remanescente nos vestígios arqueológicos Seu estudo baseia se no fato de que o campo magnético da Terra sofre mudanças contínuas de direção e de intensidade Observações feitas a partir dos últimos cinquenta anos indicam que o campo magnético se desloca para oeste numa 53 BADA J L SCHROEDER R A PROTSCH R e BERGER R 1974 p 121 54 GENTNER W e LIPPOLT H J 1963 235 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação média de 02o de longitude por ano55 Pesquisas arqueomagnéticas baseadas no cálculo da magnetização remanescente em cerâmicas arqueológicas e em rochas mostraram que a intensidade magnética da Terra durante os últimos 8500 anos atingiu seu grau máximo entre os anos 400 e 100 antes da Era Cristã quando o campo alcançou 16 vezes sua intensidade atual e o mínimo por volta de 4000 anos antes da Era Cristã quando o campo diminuiu para 06 vezes em relação à intensidade de hoje56 Esses efeitos ou variações de direção e intensidade são chamados de variação secular De natureza regional a variação secular constitui a base da datação magnética uma vez que as variações do campo magnético terrestre deixam seu traço na cerâmica endurecida sob a forma de magnetismo termo remanescente trm Aplicação do trm à datação arqueológica Antes de iniciar a datação magnética da argila cozida que permaneceu in situ depois do cozimento torna se necessário determinar o comportamento do campo geomagnético através de mensurações efetuadas nas estruturas geológicas de idade conhecida dentro da região escolhida para a aplicação do método Os resultados são assinalados numa curva que mostra a variação secular naquela região durante um longo período de tempo O conhecimento da direção do campo magnético registrado em argila cozida de idade desconhecida nessa mesma região possibilita que sua data de cozimento seja determinada através da comparação com a curva de variação secular Os espécimes mais adequados à datação magnética são as argilas cozidas provenientes de fornos fogões e fornalhas que permaneceram em seus lugares de origem até hoje Como ainda não existe um magnetômetro portátil para facilitar o cálculo in situ da direção do campo geomagnético as amostras devem ser removidas para medição em laboratório É essencial que em cada amostra figure a marca de sua orientação original que servirá como ponto de referência na determinação de seu magnetismo remanescente Na prática a operação consiste em cobrir o objeto com gesso de Paris cuidando para que a superfície superior desse molde seja horizontal e que indique a direção do Norte geográfico antes que a amostra seja destacada Desse modo é possível determinar simultaneamente a antiga declinação D e o antigo ângulo de 55 AITKEN M J 1961 COOK R M 1963 p 59 71 56 RUCHA V 1970 p 47 55 BUCHA V 1971 p 57 117 236 Metodologia e pré história da África inclinação I57 Para compensar anomalias seis ou mais amostras devem ser utilizadas de preferência retiradas de diferentes partes da estrutura levando se em conta uma certa simetria58 Resultados arqueomagnéticos relativos à declinação e à inclinação foram obtidos para a Inglaterra a França o Japão a Islândia e a Rússia Pelas informações de que dispomos o método ainda não foi testado na África Entretanto como tem progredido muito nos últimos anos espera se que ele possa ser logo aplicado para datação na Arqueologia da África Datação por termoluminescência A termoluminescência é a emissão de luz produzida por uma substância altamente aquecida Difere totalmente da incandescência obtida aquecendo ao rubro um corpo sólido e resulta de uma liberação da energia acumulada em forma de nêutrons aprisionados no material aquecido Origem Toda cerâmica ou porcelana contém pequenas proporções de componentes radioativos alguns milionésimos de urânio e tório e alguns centésimos de potássio Além disso o solo próximo ao lugar em que foram descobertas as cerâmicas pode conter impurezas radioativas por outro lado raios cósmicos podem ter penetrado o solo emitindo radiações que bombardearam as matérias cristalinas da cerâmica como o quartzo A ionização resultante produz elétrons que podem ser aprisionados dentro da estrutura cristalina Essas armadilhas de elétrons são metastáveis e quando uma amostra de cerâmica é aquecida desaparecem liberando o excesso de energia em forma de fótons A intensidade dessa luz termoluminescência está diretamente relacionada à idade da peça Depende também da natureza particular dos elementos que geram a termoluminescência presentes na amostra e nas proximidades do local em que foi encontrada59 Medindo a quantidade de urânio e potássio contidos no fragmento e no solo vizinho pode se calcular a intensidade da radiação recebida anualmente pelo fragmento Em princípio a idade é diretamente calculada através da relação60 57 AITKEN M J 1970 p 77 88 58 COOK R M 1963 p 59 71 59 AITKEN M J 1970 p 77 88 HALL E T 1970 p 135 41 60 AITKEN M J 1970 p 77 88 237 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação Idade intensidade de radiação acumulada intensidade anual de radiação Precisão dos resultados e perspectivas Atualmente a precisão dos resultados é de mais ou menos 10 um pouco inferior portanto à precisão obtida com a datação por radiocarbono A causa dessa diferença pode ser atribuída às incertezas que surgiram principalmente quanto às circunstâncias em que o objeto foi enterrado e quanto ao grau de umidade do solo adjacente do qual depende a intensidade de radioisótopos do fragmento Espera se que pesquisas posteriores resolvam tais dificuldades mas por razões de ordem prática é difícil que os resultados atinjam uma margem de precisão maior que 5 aproximadamente61 Entretanto apesar de não apresentar uma exatidão total essa técnica é mais vantajosa que a datação com radiocarbono já que a cerâmica é muito mais abundante nos sítios arqueológicos do que as matérias orgânicas além disso trata se de datar o cozimento da cerâmica enquanto a datação com radiocarbono de uma amostra de madeira ou carvão tende a situar o corte da árvore e não a data de sua utilização ulterior No Egito essa técnica terá uma finalidade muito importante Até o momento as culturas neolíticas e pré dinásticas no Egito têm sido datadas conforme o tipo de cerâmica que as caracteriza de acordo com o Sequence Dating System inventado por Flinders Petrie62 Agora graças à datação por termoluminescência será possível determinar a época exata em que se desenvolveram essas culturas Técnicas utilizadas na prospecção arqueológica O objetivo básico do emprego de técnicas científicas na prospecção do solo é a descoberta de informações sobre sítios arqueológicos enterrados a fim de preparar ou substituir as escavações Isso pode economizar tempo esforços e despesas A pesquisa arqueológica através dos métodos científicos inclui as seguintes técnicas 61 Loc cit 62 PETRIE W M F 1901 238 Metodologia e pré história da África Fotografia aérea É usada sobretudo no levantamento de determinada estrutura segundo seu traçado geométrico Tem duas utilizações principais primeiramente permite uma visão mais distante e portanto mais clara dos pontos onde os vestígios que afloram à superfície parecem juntar se para formar um desenho mais significativo63 O estudo das fotografias aéreas possibilita assim a definição das áreas que devem ser exploradas tendo em vista obter uma ideia de conjunto de todo o complexo arqueológico No Egito esse método foi aplicado no estudo dos templos de Karnak em Luxor a área do sítio onde estão os templos é de aproximadamente 150 hectares Outra vantagem consiste em revelar a existência de vestígios arqueológicos recobertos por terras cultivadas graças às marcas da vegetação Essas marcas resultam das diferentes condições de umidade do solo A vegetação que recobre um muro de pedra enterrado se distingue levemente por uma linha mais clara sobre uma vala encoberta ela é mais rica tendo aparência mais escura A configuração geométrica dessas marcas permite o reconhecimento e a escavação de ruínas enterradas64 Análise do solo Vestígios de antigas cidades e de cemitérios podem ser localizados através da análise do solo Como o fosfato de cálcio é o constituinte principal do esqueleto e dos diferentes detritos deixados pelo homem sua porcentagem será naturalmente mais elevada nas áreas antigamente habitadas ou que serviam de cemitério Portanto os limites dessas zonas arqueológicas podem ser definidos graças à medição da taxa de fosfato em amostras de solo retiradas da área em intervalos regulares Análise do pólen A polinização das plantas com flor deve se geralmente à ação dos pássaros dos insetos ou do vento As flores polinizadas pelo vento produzem grandes quantidades de grãos de pólen cuja maior parte cai no solo sem ser fertilizada Esses grãos geralmente se decompõem mas se acontece de caírem em solo apropriado como turfeiras ou barro podem fossilizar se e ser facilmente 63 LININGTON R E 1970 p 89 108 64 AITKEN M J 1961 239 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação examinados ao microscópio A identificação e a enumeração dos vários tipos de pólen presentes numa amostra podem fornecer informações sobre o ambiente ecológico no qual restos humanos e artefatos estão situados o conhecimento desse ambiente ecológico pode por sua vez indicar o tipo de vida que predominava na época Entretanto a análise do pólen só é útil como técnica de datação se as amostras puderem ser relacionadas a uma cronologia baseada num método de datação direta como o do radiocarbono Para maiores detalhes dessa técnica podem ser consultados Faegri e Iversen65 e Dimbleby66 Estudo da resistividade elétrica Esta é a primeira técnica geofísica adaptada à Arqueologia Consiste em aplicar uma carga elétrica ao solo e medir a resistência do fluxo da corrente elétrica A resistência depende da natureza do solo da quantidade de água retida nos seus poros e da quantidade de sais solúveis Rochas duras e compactas como as de granito e diorito apresentam alta resistividade se comparadas ao solo argiloso Portanto o estudo da resistividade deve ser aplicado principalmente na detecção de estruturas de pedra enterradas em solo lamacento ou de estruturas escavadas na rocha e recobertas de terra67 O sistema normalmente adotado por esse método consiste em introduzir quatro sondas de metal no solo fazer passar a corrente entre as duas sondas exteriores e medir a resistividade entre as outras duas O valor da resistência é uma média aproximada para o material que se encontra sob as sondas interiores até uma profundidade de aproximadamente uma vez e meia a distância entre elas contanto que esse material seja razoavelmente uniforme68 Normalmente quase todas as aplicações do estudo da resistividade consistem em traçar linhas de medida conservando o mesmo esquema de conexão e as mesmas distâncias a fim de determinar as mudanças nos valores de resistividade Frequentemente essas linhas são combinadas para formar em seu conjunto uma grade retangular de valores a localização de estruturas enterradas é indicada pelas partes que fornecem valores anormais 65 FAEGRI K e IVERSEN J 1950 66 DIMBLEBY G W 1963 p 139 49 67 AITKEN M J 1961 68 LININGTON R E 1970 p 89 108 240 Metodologia e pré história da África Essa técnica foi parcialmente substituída pela prospecção magnética em função de algumas desvantagens que apresenta principalmente a lentidão do exame e o fato de que os resultados podem ser afetados por efeitos climáticos a longo prazo além disso a interpretação dos resultados tende a ser difícil com exceção dos casos mais simples69 Exame magnético É atualmente a técnica mais comum em prospecção arqueológica Consiste em medir a intensidade do campo magnético terrestre nos pontos situados acima da superfície do sítio que se vai prospectar As variações dessas medidas podem revelar a presença de estruturas arqueológicas Através dessa técnica é possível detectar restos enterrados de ferro estruturas de terra cozida como fornos por exemplo poços cavados na rocha e aterrados ou ainda estruturas de pedra enterradas em solo argiloso Os objetos de ferro enterrados provocam variações muito grandes enquanto que para o restante dos materiais essas variações são muito fracas Consequentemente a técnica do exame magnético não tem nenhuma utilidade a menos que o instrumento de detecção seja suficientemente sensível para detectar variações muito pequenas além disso deve ser rápido e de fácil manejo70 O Archaeological Research Laboratory da Universidade de Oxford desenvolveu com êxito um magnetômetro de próton que satisfaz todas essas exigências71 Compõe se de duas partes a garrafa de detecção e o contador A garrafa de detecção é montada sobre um tripé de madeira e transportada por um operador de um ponto a outro da área a ser estudada Outro operador controla o contador e registra as medidas na forma de um plano A interpretação desse plano identificará a situação e os esboços das estruturas arqueológicas contidas no solo72 Outros tipos de magnetômetros têm sido aperfeiçoados como o magnetômetro diferencial de prótons o fluxgate gradiometer73 o magnetômetro de césio o magnetômetro de bombeamento de ressonância eletrônica74 Cada um deles apresenta certas vantagens mas o aparelho mais útil em quase todos os casos é o magnetômetro diferencial de prótons 69 Loc cit 70 AITKEN M J 1963 p 555 68 71 AITKEN M J 1961 72 Loc cit 73 HALL E T 1965 p 112 74 SCHOLLAR I 1970 p 103 19 241 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação O método magnético é bem mais vantajoso que o da resistividade pois é mais simples e rápido e seus resultados são mais fáceis de interpretar75 Sondagem das pirâmides do Egito através de raios cósmicos Os raios cósmicos consistem em uma corrente de partículas eletricamente carregadas conhecidas como mesons μ ou muons Esses raios alcançam a Terra com igual intensidade a partir de todos os pontos do céu Cada metro quadrado é atingido por aproximadamente 10000 muons por segundo qualquer que seja sua direção Os raios cósmicos têm um poder de penetração extremamente grande muito superior à dos raios X e sua velocidade é quase igual à velocidade da luz A sondagem com auxílio desses raios se baseia no fato de que os muons perdem energia ao atravessarem a matéria A perda de energia ou absorção de muons é proporcional à densidade e espessura da matéria que atravessam A intensidade ou a quantidade de raios cósmicos que penetra pode ser calculada por um aparelho conhecido como câmara de faíscas No caso das pirâmides o aparelho é colocado no interior de uma câmara subterrânea Os muons que atravessarem um espaço vazio uma câmara uma passagem desconhecida sofrerão menor redução de velocidade que os que atravessarem a rocha sólida assim os raios cósmicos que passarem através do espaço vazio terão maior intensidade fenômeno que será registrado pela câmara de faíscas Com duas câmaras de faíscas orientadas horizontalmente e distantes uma da outra cerca de 30 cm no sentido vertical torna se possível não apenas detectar qualquer câmara secreta mas também localizá la no espaço de alguns metros Assim a escavação será orientada para a direção indicada pelos raios A sondagem foi feita pela primeira vez na Pirâmide do rei Quéfren da quarta dinastia 2600 As informações foram analisadas através de um computador e os resultados anunciados no dia 30 de abril de 1969 indicando dois fatos importantes primeiramente a câmara mortuária do rei não se situa exatamente no centro da base da pirâmide mas alguns metros para o norte Tal descoberta coincide com os resultados obtidos através do estudo magnético provando assim a validade dessa técnica na sondagem de pirâmides Constatou se também que a terça parte superior da pirâmide não contém câmaras nem corredores desconhecidos Repetiu se a experiência com outro aparelho projetado para sondar a pirâmide inteira A análise das informações registradas indicou que a pirâmide não contém nenhuma câmara ou corredor desconhecido o que confirmou as previsões arqueológicas 75 LININGTON R E 1970 p 89 108 242 Metodologia e pré história da África Técnicas de conservação O objetivo deste trabalho não é a descrição dos métodos técnicos utilizados na conservação de artefatos feitos de diversos materiais como cerâmica faiança vidro marfim osso madeira couro papiro tecidos metais etc Sua variedade é tal que excederia o espaço reservado a este capítulo Vários livros76 e periódicos especializados tratam do assunto particularmente Studies in Conservation órgão do International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works de Londres Entretanto os mais sérios problemas de conservação na África estão relacionados à fragilidade dos materiais e à violenta deterioração dos monumentos de pedra Fragilidade dos materiais Devido ao excessivo calor e à aridez de numerosos países africanos os artefatos feitos de material orgânico pergaminho papiro couro madeira marfim etc tornaram se extremamente frágeis Esses materiais devem ser manuseados com o máximo cuidado para não correrem o risco de se desfazer em minúsculos fragmentos Antes de mais nada é preciso embrulhá los em panos úmidos conservando os por algum tempo em lugar fechado e úmido ou tratá los com vapor num recipiente apropriado para restaurar total ou parcialmente sua maleabilidade Então podem ser desenrolados ou desdobrados sem risco de fragmentação Após terem readquirido sua maleabilidade convém que esses artefatos sejam exibidos ou conservados em museus ou depósitos com ar condicionado a uma temperatura de 17 2oC e umidade relativa de 60 a 65 a fim de não se tornarem novamente quebradiços A violenta deterioração dos monumentos de pedra Este grave problema merece ser estudado detalhadamente Principais causas de deterioração Os principais agentes de deterioração dos monumentos de pedra na África são migração dos sais em presença de água ou de umidade os sais solúveis emigram por capilaridade do solo salino para a pedra dos monumentos Num clima 76 ORGAN R M 1968 PLENDERLEITH H J 1962 PAYDDOKE E 1963 SAVAGE G 1967 243 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação árido esses sais passam do interior da pedra à superfície exterior sob a forma de soluções aquosas podem cristalizar se na própria superfície provocando sua desintegração ou sob a superfície fazendo com que se rompa Esses efeitos são mais pronunciados na base de paredes ou colunas onde a pedra entra em contato com o solo salino como pode ser observado em algumas colunas do templo de Buhen no Sudão intempéries na África a pedra é muito afetada pelas excessivas variações de temperatura e umidade que provocam a ruptura dos elementos superficiais da maioria das rochas Em muitos lugares principalmente nas regiões costeiras os dois fatores de degradação agem conjuntamente e provocam séria deterioração dos monumentos como se pode notar nos templos romanos de Leptis Magna e Sabratha na Líbia Tratamento das superfícies e sua ineficácia Numerosas tentativas de consolidar as superfícies de pedra foram efetuadas através do tratamento com produtos orgânicos de conservação ou silicatos inorgânicos Mas esses tratamentos revelaram se não apenas ineficazes como também nocivos pois aceleram a deterioração e as fraturas da pedra O fracasso dessas tentativas foi enfatizado no simpósio internacional sobre a conservação de monumentos de pedra onde se admitiu que o problema ainda está longe de ser resolvido e que é necessário abordá lo com o máximo cuidado Esforços internacionais para resolver o problema As dificuldades inerentes ao problema e sua gravidade levaram o ICOM o ICOMOS e o Centro Internacional para a Conservação a formar em 1967 um comitê de dez especialistas para estudar a questão Estudos foram levados a efeito e muitos relatórios apresentados O comitê continuou suas atividades até o fim de 1975 no intuito de propor uma série de testes padrão que permitissem avaliar o grau de deterioração da pedra e a eventual eficácia dos tratamentos de conservação Uma nova esperança O Professor Lewin desenvolveu um novo método destinado a consolidar a superfície do mármore e da pedra calcária77 Consiste em um tratamento das 77 LEWIN S Z 1968 p 41 50 244 Metodologia e pré história da África partes deterioradas com uma solução fortemente concentrada de hidróxido de bário aproximadamente 20 à qual é adicionada certa quantidade de ureia aproximadamente 10 e de glicerol aproximadamente 15 Quimicamente falando o método baseia se na substituição dos íons de cálcio da pedra deteriorada por íons de bário Depois do tratamento a pedra apresenta um endurecimento evidente e oferece maior resistência à ação dos fatores de degradação O carbonato de bário assim formado incorpora se à pedra sem constituir um revestimento superficial com propriedades distintas das do interior Espera se que com esse método as superfícies tratadas não se pulverizem e que protejam as camadas subjacentes contra o ataque das intempéries O tratamento foi utilizado em julho de 1973 para reforçar o pescoço da estátua da Esfinge de Gizeh em rocha calcária que estava em vias de desintegração Até agora o resultado tem sido satisfatório mas é necessário manter o pescoço da esfinge em observação ainda por uns dez anos pelo menos antes de consagrar definitivamente esta técnica de proteção e conservação de rochas calcárias Paliativos Por mais confiança que depositemos na técnica de Lewin o problema da conservação dos monumentos de pedra por tratamento químico ainda não está resolvido Certas medidas de ordem mecânica ainda são recomendadas para garantir sua proteção contra os fatores de degradação Podemos destacar algumas delas Nenhum produto que possa vedar os poros da pedra deve ser empregado no tratamento das superfícies dos monumentos ao ar livre diretamente expostos aos raios solares A camada exterior da superfície correria o risco de destacar se em escamas Convém dessalinizar regularmente o solo sobre o qual foram construídos os monumentos A água utilizada deve ser retirada por um sistema de drenagem adequado Na medida do possível os monumentos de pedra devem ser isolados dos solos salinos a fim de impedir que os sais solúveis migrem do solo para a pedra Esse isolamento pode ser efetuado com a introdução de uma folha de chumbo ou uma espessa camada de betume sob a estátua o muro ou a coluna a ser protegida Quando o monumento contém sais solúveis que podem provocar eflorescência ou criptoflorescência convém eliminar os sais lavando os com 245 A Arqueologia da África e suas técnicas Processos de datação água e cobrir as partes atingidas com argila arenosa até que a pedra esteja completamente livre desses sais Quando o monumento não é muito grande é possível transportá lo para um museu ou um abrigo a fim de proteger sua superfície dos efeitos deletérios da ação climática Outra solução consiste em conservá lo em seu lugar de origem e construir sobre ele um abrigo Quando o teto estiver faltando deve se reconstruí lo a fim de proteger as pinturas murais ou os baixos relevos interiores da ação direta da luz solar e da chuva assim os desgastes causados pelas variações de temperatura e umidade serão até certo ponto atenuados Recomendações relativas às restaurações Como um tratamento inadequado dos artefatos ou monumentos pode causar mais estragos ou até mesmo sua deterioração completa julgamos conveniente mencionar algumas regras de restauração importantes recomendadas em conferências internacionais a A pátina dos monumentos antigos não deve de maneira alguma ser lavada ou retirada para revelar a cor original da pedra A limpeza das fachadas deve limitar se à retirada da poeira de modo que a pátina fique intacta pois constitui a característica arqueológica mais importante do monumento b Na restauração de monumentos antigos apenas as partes que estão desmoronando devem ser reconstruídas em seus lugares de origem É preciso evitar as substituições e as adições a menos que sejam necessárias para sustentar as partes que desmoronam ou para proteger das intempéries as superfícies antigas c Em todos os casos de reconstrução deve se intercalar argamassa entre as pedras de modo que seu peso seja igualmente repartido sem acarretar deformações ou fendas d A argamassa utilizada para a renovação das paredes deve ser via de regra idêntica à argamassa original a menos que esta tenha sido gesso O emprego de cimento não é recomendado no caso de construções em rocha sedimentar tais como calcário ou arenito e A melhor argamassa para todos os casos de reconstrução é a de cal sem sal é razoavelmente maleável e porosa consequentemente não impede ligeiro deslocamento de pedras devido a mudanças de temperatura Com seu emprego não ocorrem tensões nem fissuras 246 Metodologia e pré história da África f Dentre os métodos que permitem distinguir as superfícies das pedras adicionadas os seguintes merecem ser mencionados o novo paramento pode estar ligeiramente recuado em relação à obra original não é proibido utilizar materiais diferentes mas deve se respeitar as dimensões dos blocos originais pode se também usar o mesmo tipo de material mas nesse caso a forma e as dimensões dos blocos podem ser diferentes da forma e das dimensões dos elementos originais as fileiras de pedras e todas as juntas podem ser alinhadas sobre as da obra original mas os novos blocos devem ser moldados num aglomerado de pedras de tamanhos irregulares marcas de identificação contendo a data da restauração poderão ser gravadas em todas as pedras novas a superfície das pedras novas pode ser completamente diferente da superfície das antigas Basta tratá la com um instrumento pontiagudo ou gravá la profundamente com um buril para que adquira um certo desenho geométrico feito de preferência com linhas paralelas ou secantes C A P Í T U L O 1 0 247 História e linguística Aada koy demnga woni fulfulde Lammii ay dekkal demb wolof É a fala que dá forma ao passado O negro africano estabelece uma ligação entre história e língua Essa visão é comum ao bantu ao ioruba e ao mandinga Mas não é aí que reside a originalidade Na verdade o árabe ou o grego anteriores a Tucídides concordarão em afirmar com os Fulbe que a narrativa é o lugar onde se encontra o passado Hanki koy daarol awratee O que favorece a ligação entre história e linguagem na tradição dos povos da África negra é a concepção que esta em geral conservou dos dois fenômenos Tal concepção identifica espontaneamente pensamento e linguagem e encara a história não como uma ciência mas como um saber uma arte de viver A história visa ao conhecimento do passado A linguística é a ciência da linguagem e da fala A narrativa e a obra histórica são conteúdos e formas de pensamento A língua é em si mesma o lugar desse pensamento o seu suporte Evidentemente a linguística e a história têm cada uma o seu domínio seu objeto próprio e seus métodos Não obstante as duas ciências interagem pelo menos em dois aspectos Primeiramente a língua como sistema e instrumento PARTE I História e linguística P Diagne 248 Metodologia e pré história da África de comunicação é um fenômeno histórico Ela tem a sua própria história Em segundo lugar como alicerce do pensamento e portanto do passado e do conhecimento deste ela é o lugar e a fonte privilegiada do documento histórico Assim a linguística entendida aqui em seu sentido mais amplo abrange um campo de pesquisa que fornece à história pelo menos dois tipos de dados por um lado uma informação propriamente linguística por outro um documento que se poderia chamar supralinguístico Graças aos fatos de pensamento aos elementos conceptuais utilizados numa língua e aos textos orais e escritos ela permite que se leia a história dos homens e de suas civilizações Estando a problemática assim definida fica mais fácil perceber a área comum ao historiador e ao linguista que trabalham com a África Ciências linguísticas e história Todas as ciências que têm por objeto a língua e o pensamento podem contribuir para a pesquisa histórica Algumas porém apresentam uma conexão mais direta com a história Essa é uma tradição muito bem estabelecida embora possa ser contestada à luz de uma reflexão mais profunda Assim é comum dizer que o estudo do parentesco das línguas situa se no ponto de encontro entre a linguística e a história mais do que na análise da evolução do material fornecido pelos textos escritos ou orais e pelos vocábulos de um idioma Mas os dois tipos de pesquisa se referem a fatos de língua ou pensamento e portanto de história A esse respeito a historiografia europeia sugeriu uma separação entre ciência histórica propriamente dita e história literária ou história das ideias Mas essa distinção só se justifica em determinados contextos Os Bakongo de civilização bantu os Ibo de Benin ou os Susu de cultura sudanesa deixaram poucos textos ou mesmo nenhum que correspondem às normas de uma ciência histórica moderna Em contrapartida produziram como fonte de informação uma abundante literatura oral com gêneros distintos de modo relativamente nítido e obras que hoje seríamos tentados a classificar como contos novelas narrativas crônicas de epopeias históricas lendas mitos obras filosóficas ou cosmogônicas reflexões técnicas religiosas ou sagradas Nelas se mesclam o verdadeiramente vivido e a ficção o evento que pode ser datado e o mito puramente imaginário 249 História e linguística A reconstrução da história dos Bakongo dos Ibo ou dos Susu passa pela análise crítica dessas literaturas e tradições orais Também não pode negligenciar a análise dos seus discursos técnicas e conhecimentos a decifração das linguagens dos conceitos e do vocabulário que tais grupos utilizaram e que continuam a revelar a história de cada um deles As ciências e os métodos aos quais nos referimos aqui como suscetíveis de esclarecerem o historiador da África não esgotam a lista Talvez isso não seja um mal do ponto de vista da clareza Fixando limites razoáveis para suas pesquisas o especialista em linguagem poderá aprofundar melhor determinados setores Assim tendo em vista a dimensão linguística de suas investigações deixa a outros pesquisadores historiadores das ideias especialistas em ciências economia ou literatura o cuidado desses setores Ciência classificatória e a história dos povos africanos Classificar as línguas já é revelar o parentesco e a história dos povos que as falam Podem se distinguir diversos tipos de classificação Classificação genética Estabelece o parentesco e os vínculos de filiação no interior de uma família linguística Em consequência ajuda a restabelecer ao menos em parte a unidade histórica de povos e culturas que utilizam línguas da mesma origem Classificação tipológica Reagrupa as línguas que apresentam semelhanças ou afinidades evidentes em suas estruturas e sistemas Línguas de origem idêntica ou totalmente diferente podem utilizar os mesmos modos de formação lexical nominal verbal ou pronominal ainda que sejam muito distantes umas das outras do ponto de vista genético histórico ou geográfico A tendência a utilizar a mesma forma nominal e verbal é encontrada tanto em wolof como em inglês liggeey trabalhar liggeey bi o trabalho to work trabalhar the work o trabalho No entanto apesar dessa semelhança tipológica os dois idiomas estão genética e geograficamente muito afastados um do outro Pode acontecer 250 Metodologia e pré história da África por outro lado de as línguas pertencerem à mesma família e serem de tipos diferentes Seu parentesco é estabelecido a partir de um vocabulário comum convincente mesmo que tenham evoluído em bases estruturais divergentes Às vezes devido ao empréstimo e ao abandono de vocabulário a diferença pode aparecer mesmo no plano do léxico As classificações elaboradas para as línguas africanas não agrupam por exemplo certos elementos das famílias chádica e senegalês guineense Contudo a consideração dos sistemas fonológicos da morfologia e da estrutura sintática impõe o reagrupamento tipológico de pelo menos a maior parte dessas línguas Classificação geográfica Reflete sobretudo uma tendência instintiva para comparar e reagrupar línguas que coexistem numa área Quase sempre é resultado de informação insuficiente As classificações propostas para a África são muito frequentemente geográficas em setores essenciais Por esse motivo elas deixam de lado alguns fenômenos como a migração e a imbricação dos povos Koelle M Delafosse D Westermann e J Greenberg fazem referência principalmente a denominações e agrupamentos topológicos e geográficos Eles estabelecem categorias tais como oeste atlântico níger congo senegalês guineense nígerochádico etc Uma classificação rigorosa das línguas africanas requer procedimentos que demonstrem que as formas o vocabulário e as estruturas linguísticas propostas como elementos de comparação são não apenas representativos mas fazem parte do patrimônio original das línguas comparadas A semelhança não deve ser portanto resultado de empréstimos ou de contatos antigos ou recentes Sabemos que por motivos históricos o árabe e as línguas semitas como também o francês o português o africâner e o inglês depositaram por vários séculos e mesmo alguns milênios uma quantidade considerável de vocabulário em muitas línguas africanas Algumas variantes do kiswahili que é uma língua bantu contêm mais de 60 de empréstimos lexicais do árabe Daí a concluir por paixão religiosa ou falta de precaução científica que o kiswahili pertence ao grupo semito árabe há apenas um passo Algumas vezes chegou se realmente a essa conclusão Com o tempo as formas originalmente comuns a mais de uma língua podem ter sofrido transformações de ordem fonética morfológica ou estrutural Essa evolução que obedece a certas leis é um fenômeno conhecido e analisável O significado dessas formas o significado das palavras que fazem parte do vocabulário a ser comparado pode ter variado dentro dos limites de um campo 251 História e linguística semântico passível de ser mais ou menos apreendido Em sua forma moderna por exemplo o wolof mostra um emudecimento da vogal final depois de uma consoante dupla Bopp ou fatt em vez de Boppa ou fatta como ainda dizem os gambianos e os Lebu A forma neds do egípcio antigo transforrriou se em neddo em fulfulde moderno e nit em wolof O bantu diz mutumuntu o haussa mutu o mandinga mixi ou moxo o fon gbeto o mina agbeto etc A palavra egípcia kemit já significou queimado ou preto Hoje significa cinzas queimaduras etc A reconstrução de uma língua A reconstrução histórica de uma língua Como técnica de redescoberta do vocabulário e do patrimônio estrutural comum a reconstrução histórica de uma língua leva em conta as mudanças descritas acima Como procedimento permite retraçar a história de uma língua ou de uma família linguística ajudando a estabelecer a protolinguagem original e a datar os períodos de separação dos diversos ramos Nesse sentido a reconstrução constitui uma ajuda valiosa para a ciência classificatória propriamente dita Vários critérios e técnicas são utilizados para reconstruir uma língua e reinventar seus dados originais A correspondência de sons desempenha papel primordial na reconstrução de uma protolinguagem ou no estabelecimento de um parentesco Quando se diz por exemplo que o p se torna f numa variante e que noutra o u se transforma em o é possível fazendo Fa Pa Lu Lo reconstruir o sistema fonético e as formas originais Reconstrução fonológica Esta técnica é uma etapa para a reconstrução do repertório léxico e do vocabulário original Os fonemas não são os únicos elementos a mudar a morfologia e as estruturas também evoluem A função sujeito em latim é marcada por um fonema chamado nominativo nas línguas de origem latina ou de influência latina essa função é determinada principalmente pela sintaxe de posição Homo vidit vidit homo o homem viu No estabelecimento das protolínguas protobantu protochádico etc sempre se faz referência ao vocabulário ao repertório lexical comum Podem se assim estabelecer porcentagens de palavras comuns elaborando quadros de contagem lexical ou lexical count A classificação de J H Greenberg1 recorre 1 GREENBERG J H 1963 252 Metodologia e pré história da África frequentemente a essa técnica Em seu trabalho sobre o grupo oeste atlântico D Sapir também a utiliza2 Ele indica que o seereer e o pulaar colocados no mesmo grupo têm 37 de palavras em comum o baga koba e o temne 79 o temne e o seereer apenas 5 o basari e o safeen também 5 Esses idiomas são todos agrupados na mesma família mas o vocabulário comum que pode ser abundantemente emprestado não é suficiente para negar ou afirmar uma relação histórica Tem se recorrido também à similaridade de traços tipológicos ou à identidade de estrutura comparação dos sistemas pronominal verbal ou nominal etc O componente tipológico associado aos dados fornecidos pela análise lexical e fonológica possibilita atingir resultados que se tornam tanto mais comprobatórios quanto forem consideradas a história e as influências A reconstrução também visa a datar a época em que essa herança comum foi dividida no interior de uma protolíngua e depois empregada por línguas aparentadas e que estavam diferenciando se progressivamente Além disso preocupa se em identificar a natureza da língua primitiva que deu origem aos vários falares que podem ser ligados a uma mesma protolíngua Reconstrução e datação Permitem determinar a idade dos materiais léxicos e estruturais coligidos durante o estudo das línguas com o objetivo de por comparação precisar com maior ou menor certeza o nível em que se situa o parentesco linguístico Portanto essas técnicas oferecem pontos de referência precisos à história da separação dos povos que pertenciam ao mesmo universo cultural e linguístico Ao mesmo tempo iluminam de forma abrangente a história das etnias e das civilizações multinacionais e multiétnicas No contexto de uma pesquisa sobre uma época recente e a propósito de línguas escritas o esforço é relativamente menor Em contrapartida a raridade dos documentos posteriores ao IV milênio antes da Era Cristã geralmente dificulta a tarefa Nesse caso entretanto trata se de elucidar a história de períodos decisivos de mutação linguística Os processos de mudança do vocabulário ou das estruturas examinados com esse propósito são como veremos mais tarde muito lentos e difíceis de determinar Para atenuar essa escassez de informação é necessário recorrer a técnicas mais ou menos eficientes 2 SAPIR D 1973 253 História e linguística A glotocronologia Essa técnica que foi aplicada na África é uma das mais recentes no campo dos estudos linguísticas Seu princípio básico é a datação da evolução lexical de uma língua tomando como referência o ritmo das mudanças no vocabulário vocabulário cultural conceitos filosóficos técnicos etc e vocabulário básico nomes das partes do corpo humano números de um a cinco vocábulos que designam os fenômenos naturais etc A glotocronologia visa portanto a dar informações sobre a idade as etapas e o estado de evolução dos termos e das formas do léxico A evolução do vocabulário fundamental ou básico é relativamente lenta nas sociedades antigas pelo menos quando não há mudanças súbitas causadas por acontecimentos decisivos Particularmente na África negra graças aos trabalhos de Delafosse foi possível formar uma ideia desse ritmo de evolução através do levantamento de palavras registradas por escrito desde o século XI O trabalho de Delafosse trata do vocabulário das línguas sudanesas recolhido nos textos árabes Esses termos não sofreram quase nenhuma mudança depois de um milênio de história Mas os defensores do método vão ainda mais longe a evolução do vocabulário básico não só seria lenta mas também constante em todas as línguas Tal é a opinião de E Swadesh que tentou aplicar essa teoria a línguas africanas Em alguns casos precisos os testes efetuados parecem ser comprobatórios A glotocronologia postula um ritmo de transformação dos elementos do vocabulário básico que pode ser medido em porcentagem A taxa de retenção do vocabulário estaria entre 81 2 e 85 04 por um período de 1000 anos Baseando se nisso a glotocronologia chegou a algumas conclusões reunidas na célebre fórmula t log c 14 log r onde t representa a duração e a porcentagem de termos comuns às línguas comparadas e r a taxa de retenção Diante dos resultados obtidos pode se considerar a glotocronologia como uma medida temporal válida uma espécie de relógio histórico As descobertas ficam aquém das expectativas por uma razão simples num contexto de imbricação linguística e de interferência de léxicos cuja extensão é mal conhecida e sem documentos precisos escritos ou não não é fácil no estado atual das pesquisas seriar os dados e distinguir por exemplo entre mudanças normais e mudanças causadas por empréstimo mesmo no léxico básico 254 Metodologia e pré história da África No entanto uma ciência classificatória que empregasse todas essas técnicas forneceria a chave da relação étnica e linguística Classificações linguísticas e parentescos etnoculturais Apesar de alguns trabalhos notáveis o problema do parentesco linguístico e étnico está longe de ser resolvido na África Em muitas áreas a intuição de que existe essa relação ainda sobrepuja a prova estabelecida cientificamente A ideia e a noção de uma comunidade bantu reunindo a grande maioria dos povos da África central e meridional nasceram no século XIX com os trabalhos de W Bleek Numa obra célebre publicada em 1862 ele estabeleceu o parentesco das línguas e das variantes dialetais faladas numa área muito vasta habitada por numerosos grupos étnicos usando falares com maior ou menor grau de intercompreensão Evidentemente o parentesco de língua e de cultura é muito mais perceptível à primeira vista para as etnias que vivem lado a lado É o que ocorre com os Bantu Em alguns casos a distância no espaço e no tempo cria problemas Os Fulbe são um bom exemplo Da bacia do Senegal à bacia do Nilo eles constituem comunidades frequentemente isoladas em meio a áreas habitadas por etnias às vezes muito diferentes Os Duala do Camarões falam uma língua bantu na prática o duala pode ser considerado uma variante desse grupo da mesma natureza que o lingala tal como os falares de Mbandaka ou Kinshasa apesar da distância e do isolamento relativo que existem entre os Duala e as comunidades que falam estes dois últimos idiomas O egípcio faraônico que era falado há 5000 anos apresenta seme lhanças espantosas com o haussa o wolof ou o songhai3 Ocorrem ainda fenômenos de imbricação Grandes línguas de unificação continuam por motivos diversos políticos econômicos culturais etc a servir de suporte à integração de etnias diferentes Elas apagam por meio da pressão social e do peso histórico os falares e as culturas dos quais restam frequentem ente apenas alguns vestígios O lingala o haussa o kiswahili o ioruba o twi o ibo o bambarajula o fulfulde o árabe ou o wolof são falados por milhões talvez até por dezenas 3 A esse respeito podemos citar os trabalhos da Srta HOMBURGER os capítulos deste livro escritos pelos professores GREENBERG e OBENGA e o relatório do Simpósio do Cairo volume II 255 História e linguística de milhões de pessoas de origens diferentes Como veículos de comunicação ultrapassaram largamente seu contexto étnico e geográfico original para se tornarem línguas de civilização comuns a povos inicialmente muito diferentes Os Peul e os Seereer constituem no Senegal a imensa maioria dos falantes de wolof O wolof era originariamente a língua de uma etnia lebu cujos traços foram encontrados na fronteira entre o Senegal e a Mauritânia Hoje em dia os Lebu constituem apenas uma pequena minoria confinada na península do Cabo Verde No entanto com a urbanização do Senegal a cultura e a língua wolof estão fazendo muitas línguas e dialetos desaparecerem sob nossos olhos o seereer o lebu o fulfulde o diula o noon etc Esses idiomas porém pertencentes a povos diversos desempenharam há apenas alguns séculos importante papel na história da região Esta evolução é geral O kiswahili falado por dezenas de milhões de pessoas de fala bantu nasceu de uma variante zanzibarita usada inicialmente em algumas aldeias Expandiu se depois com muita facilidade por uma área linguística bantu relativamente homogênea para constituir hoje juntamente com o lingala o principal veículo de comunicação na África central e meridional Cinquenta ou sessenta milhões de pessoas falam uma dessas duas línguas ou uma variante próxima nos seguintes países Zaire República Popular do Congo República Centro Africana Uganda Tanzânia Quênia Zâmbia Malavi África do Sul Sudão e Etiópia O pensamento africano tradicional tem se mostrado com frequência bastante consciente não só dessa imbricação mas também do papel explicativo que o fenômeno linguístico pode representar na elucidação da história Nas tradições africanas há numerosas anedotas sobre o parentesco entre as línguas ou sobre a origem mais ou menos mítica de sua diferenciação Frequentemente trata se de observações justas É o caso das aproximações que os Peul e os Seereer fazem afirmando quase intuitivamente seu parentesco étnico e linguístico Os Mandinga os Bantu os Akan e os Peul que se apresentam como falantes da mesma língua têm às vezes enquanto grupos e subgrupos a intuição de formar uma grande família comum Na maior parte dos casos contudo o parentesco afirmado nasce apenas da necessidade de integrar a história de uma comunidade que deve aparecer de um modo ou de outro no universo de uma certa etnia ou ainda de coexistir com ela Para a coerência de uma saga tradicional é indispensável que os grupos que hoje povoam um habitat comum tenham ligações verdadeiras ou míticas uns com os outros No entanto o saber linguístico tradicional das sociedades africanas não fornece indicações precisas que permitam evocar a existência de uma ciência 256 Metodologia e pré história da África antiga ou de uma reflexão sistemática sobre tais parentescos ao contrário do que se pode notar em outras áreas como por exemplo na ciência etimológica na própria análise da língua ou ainda nos fenômenos lexicais O mestre da palavra e da eloquência peul bantu ou wolof possui em geral um interesse muito consciente e uma boa informação sobre a origem das palavras O historiador de Cayor por exemplo terá prazer em descobrir as palavras emprestadas ou decompor um vocábulo para revelar sua origem Barjal diz o guardião da tradição de Cayor vem de Baar e Jall E explica ao mesmo tempo a contração formal sofrida pelos componentes do termo o contexto e o sentido da palavra Em um artigo de A Tall 4 há alguns exemplos desse tipo de trabalho feito por etimologistas tradicionais entre os Mossi e os Gurmanche O início da ciência classificatória em linguística ocorre com S Koelle Bleek e a pesquisa europeia Esta inaugura a no século XIX com os trabalhos dos comparatistas indo europeus de quem os pesquisadores da linguística africana foram discípulos W H Bleek5 foi um dos primeiros que se propôs a estabelecer o parentesco das línguas bantu precedendo nessa área autores como Meinhof ou H Johnston A contribuição de Delafosse6 às línguas africanas do oeste é bem conhecida O mesmo pode ser dito sobre os trabalhos de C R Lepsius7 A N Tucker8 e G W Murray9 para as línguas nilóticas e de Basset para as línguas berberes O estudo do egípcio antigo essencial à pesquisa negro africana o das línguas semíticas ou indo europeias da África do Norte e até mesmo o de línguas púnicas e greco latinas tiveram também notável valor Como enfatiza J H Greenberg10 autor da classificação das línguas africanas mais recente e atualmente mais discutida os trabalhos modernos de maior interesse para o continente como um todo são os de Drexel11 e Meinhof12 Mas 4 Cf Tradition Orale Centre Régional de Documentation pour la Tradition Orale de Niamey 1972 5 BLEEK W H I 1862 1869 6 DELAFOSSE M In MEILLET A e COHEN 1924 HOMBURGER L 1941 Dentre os autores que propuseram classificações devemos citar A WERNER 1925 e 1930 7 LEPSIUS C R 1888 8 TUCKER A N 1940 9 MURRAY G W v 44 10 GREENBERG J H 1957 Principalmente a análise crítica feita em Nilotic hamitic semito hamitic In Africa 1958 e também The Languages of Africa The Hague 1963 11 Cf GREENBERG J H 12 MEINHOF C 1904 1906 1912 e 1932 257 História e linguística estes não são os primeiros nem os únicos Koelle13 a partir de 1854 e Migeod14 em 1911 propuseram métodos e modos de classificação enquanto Bauman e Westermann15 apresentaram em 1940 um sistema interessante sobre o mesmo tema Entretanto esses trabalhos continuam discutíveis e discutidos por muitas razões A primeira é que a linguística da África não escapou à ideologia etnocentrista Sob esse aspecto as críticas recentes do próprio J H Greenberg concordam perfeitamente com as que Cheikh Anta Diop exprimia há 20 anos em Nations Nègres et Cultures e que T Obenga retomou acrescentando lhes novas informações em sua conferência no Festival de Lagos em 1977 A segunda razão é de ordem puramente científica Quase todos os linguistas consideram prematuras as tentativas de classificação Não são tomadas as precauções metodológicas indispensáveis e ainda não se reuniu material devidamente analisado e preparado para uma comparação genética ou mesmo tipológica das línguas africanas Insuficiência dos trabalhos Até mesmo a simples enumeração das línguas africanas encontra obstáculos já que o levantamento desses idiomas ainda não atingiu resultados muito precisos Estima se que existam no continente de 1300 a 1500 idiomas classificados como línguas As monografias existentes sobre tais falares resumem se às vezes à coleta de uma vintena de palavras mais ou menos bem transcritas A ausência de uma análise profunda da estrutura do léxico e da possível intercompreensão é um fato corrente no estudo da imensa maioria dos falares africanos Assim as classificações propostas periodicamente tornam se caducas muito depressa Diversos falares classificados como línguas são apenas variantes dialetais de um mesmo idioma A partir de testemunhos vagos que apóiam conclusões de autores ou informantes desavisados as variantes foram rapidamente classificadas não apenas como línguas diferentes mas como elementos de famílias diferentes E como afirmar que o bambara é uma língua diferente do mandinga de Casamance ou que o ioruba de Benin é diferente do de Ife Em ambos os casos trata se de variantes Meinhof tornou se conhecido pelos erros dessa gravidade que cometeu no estudo das línguas de Kordofan 13 KOELLE S W 1854 14 MIGEOD F W 1911 15 BAUMAN H e WESTERMANN D 1962 258 Metodologia e pré história da África É certo que alguns progressos se verificaram recentemente Contudo não existe contexto favorável a um trabalho de síntese rigoroso De fato não é possível classificar línguas que ainda não foram identificadas com exatidão e analisadas precisamente Alguns exemplos concretos ilustram a amplidão das controvérsias e o grau das incertezas Os dois primeiros referem se aos falares da fronteira geográfica atual entre a família camito semítica e a família negro africana O terceiro refere se ao grupo oeste atlântico ou ainda senegalês guineense Dos trabalhos de C Meinhof 191216 M Delafosse 192417 C Meek 193118 J Lukas 193619 e M Cohen 194720 aos de J H Greenberg em 1948 ou de A Tucker e A Bryan em 196621 e às críticas recentes de T Obenga22 não há perfeita concordância sobre os dados nem sobre o método os componentes dos grupos ou a gênese e a natureza das relações entre os falares O contato e sobretudo a geografia realmente unem de modo indiscutível as línguas faladas do Nilo à bacia do Chade A coexistência milenar do negro africano e do semítico abriga aí um fundo comum de empréstimo mútuo considerável Essas contribuições recíprocas dificultam a separação entre os dados originais e a aquisição exterior O problema é saber em que medida o vocabulário próprio do egípcio antigo do haussa do copta do baguirmiano do sara e das línguas chádicas que pode ser encontrado no berbere e nas línguas semíticas tais como o árabe e o amárico atesta parentesco entre tais idiomas ou simples influência de uns sobre outros As informações sobre o egípcio antigo remontam a 4000 anos e sobre o semítico a 2500 anos O chádico o berbere e o cuxita analisados no mesmo contexto só fornecem informações consistentes nos séculos XIX e XX da Era Cristã Em 1947 M Cohen publica seu Essai Comparatif sur le Vocabulaire et la Phonétique du Chamito Sémitique em que compara o egípcio o berbere o semítico o cuxita e o haussa que evoca esporadicamente Desde 1949 Leslau23 e Hintze24 questionam as conclusões de Cohen e até mesmo seus métodos J H Greenberg 16 MEINHOF C 1912 17 DELAFOSSE M 1924 18 MEEK C 1931 19 LUKAS L 1936 20 COHEN M 1947 GREENBERG J H 1948 Hamito Semitic SJA 64763 21 TUCKER A e BRYAN A 1966 22 OBENGA T 1977 Comunicação no Festival de Lagos 23 LESLAU W 1949 24 HINTZE F 1951 259 História e linguística considerando que é contestado o próprio princípio de um domínio camito semítico aumenta os componentes do grupo sugerindo um quinto elemento distinto o chádico Ele dá ao grupo todo o nome de camítico e depois de afro asiático Essas conclusões são objeto de controvérsia a partir de sua publicação Polotsky25 põe em dúvida que no estágio atual seja possível afirmar a existência de cinco ramificações Note se que Greenberg repete embora de modo não convincente a tese predominantemente geográfica a respeito do chádico e de suas ligações contida em Languages of the World Basta consultar as classificações divergentes de Greenberg Tucker e Bryan constantemente questionadas até pelos próprios autores para ter uma ideia do caráter provisório das conclusões Os trabalhos recentes já dão consistência à noção de uma realidade chádica cujas fronteiras se mostram bem mais distantes que as margens do lago Newman e Ma26 em 1966 e Illie Svityè27 em 1967 aprofundaram o conhecimento do protochadiano Os trabalhos de Y P Caprille28 limitaram sua extensão ao próprio Chade Com base em observações sistemáticas pode se sugerir um laço genético entre o grupo sara o grupo chadiano e várias línguas classificadas como oeste atlânticas seereer pulaar wolof safeen etc29 Em si mesmas essas contribuições lançam dúvidas sobre todos os esforços de classificação destaca C T Hodge num excelente artigo30 O principal problema a natureza das relações entre as línguas da fronteira negro africana e indo europeia ainda não está resolvido O peso dos trabalhos que assimilam o mundo cultural africano ao semítico permanece como problema É verdade que a questão da identidade e dos componentes do negro africano continua a existir Ela é enfatizada no simpósio sobre Le Peuplement de l Egypte Ancienne organizado pela Unesco em 1974 no Cairo Nessa ocasião S Sauneron lembrava para ilustrar tais incertezas que a língua egípcia por exemplo não pode ser isolada de seu contexto africano e que o semítico não pode explicar seu nascimento O cuxita é outro exemplo que ilustra a atual incerteza da pesquisa e das classificações Greenberg Tucker e Bryan e o soviético Dolgopoljskij propõem atualmente três classificações diversas se não contraditórias para o mesmo 25 POLOTSKY H 1964 26 NEWMAN P e MA R Comparative Chadic JWAL 521825 27 SVITYE Illie The History of Chadi Consonantism Cf HODGE C 1968 28 CAPRILLE Y P 1972 29 Cf DIAGNE P 1976 30 HODGE C T 1968 260 Metodologia e pré história da África complexo de línguas chamado cuxita somali galla sidamo mbugu etc A classificação de Dolgopoljskij articula se sobre uma reconstrução de ordem fonológica a partir de exemplos limitados Ele compara particularmente as labiais p b f e as dentais t d das línguas que analisa e classifica numa dezena de subgrupos enquanto seus colegas identificam de três a cinco J H Greenberg por sua vez negligencia os dados fonológicos morfológicos e gramaticais concentrando se principalmente na comparação do vocabulário Mas aqui os empréstimos representam um papel considerável A classificação de A Tucker e A Bryan que fazem críticas ao método de Greenberg baseia se numa comparação do sistema pronominal e da estrutura verbal Eles próprios consideram ambíguos alguns dos idiomas que reagrupam e enfatizam que seu esforço tem o caráter de pura tentativa Pode se constatar que as conclusões adiantadas aqui valem principalmente por seu aspecto provisório Reencontramos as mesmas dificuldades no que diz respeito às línguas geograficamente delimitadas pelo oeste atlântico localizadas na costa que vai do sul da Mauritânia à Serra Leoa Em 1854 Koelle as classifica em seu Polyglotta Africana sob a rubrica oeste atlântico e baseia sua identificação nas mudanças de prefixos ou na inflexão inicial ou final que apresentam Esse é um traço típico do bantu mas não é suficiente para definir um grupo De resto Koelle vai considerar mais tarde o conjunto dessas línguas como não classificadas M Delafosse em 192431 e D Westermann em 1928 afirmam que se trata de um grupo genético Em 1963 Greenberg32 adota o mesmo ponto de vista considerando as o grupo mais ocidental da família níger congo No mesmo ano contudo Wilson33 e D A Dalby34 embora notando as semelhanças tipológicas no interior do conjunto negam qualquer possibilidade de o encarar como um grupo linguístico homogêneo e aparentado Em detalhes de morfologia sintaxe e vocabulário escreve Wilson o grupo oeste atlântico ou senegalês guineense está longe de representar uma unidade De fato os trabalhos recentes publicados em 1974 por D Sapir35 mostram que não há mais de 5 a 10 de vocabulário comum entre a grande maioria dessas línguas parecendo ser a geografia o único fator que as unifica na maior parte dos casos 31 DELAFOSSE M 1924 32 GREENBERG J H 1963 33 WILSON W 1966 34 DALBY D A 1965 35 SAPIR D 1974 261 História e linguística como foi dito antes O processo de migração misturou aqui como na área nilo chádica povos de origens diferentes o parentesco entre eles é estabelecido talvez depressa demais na ausência de informações mais precisas que esclareçam a história e o historiador É nesse plano aliás que são amplos os atuais limites da linguística como instrumento de investigação histórica O pesquisador se confronta aqui com o duplo obstáculo mencionado acima A pesquisa não atingiu seus objetivos porque se conserva parcial e embrionária Além disso seus resultados provisórios são frequentemente inexploráveis porque falsificados pela ideologia e por perspectivas deformantes A ideologia deformante A história é por excelência o lugar da ideologia Os primeiros trabalhos sobre as línguas e o passado da África coincidiram com a expansão colonial europeia Assim foram fortemente marcados pelas visões hegemonistas da época O discurso etnocentrista exprime a preocupação instintiva de julgar valores de civilizações com referência a si mesmo Ele levou à apropriação dos fatos de civilização mais marcantes para legitimar se como pensamento e poder dominantes no mundo As teses sobre a primazia do indo europeu do ariano ou do branco civilizadores testemunham um excesso cujos ecos profundos são encontrados ainda hoje em muitas obras de história e de linguística da África36 É por isso que o Egito foi por muito tempo colocado entre parênteses com relação ao resto do continente Com base em especulações feitas ao acaso continua se às vezes a atribuir lhe menos idade em benefício da Mesopotâmia ou de outros centros supostamente indo europeus ou semitas Frequentemente foram procurados imaginários iniciadores da arte do Benin Montou se uma teoria camítica37 peça por peça com a finalidade de explicar através de influências externas qualquer fenômeno cultural positivo na África negra 36 Ver adiante J H GREENBERG sobre essa questão 37 As palavras camita e camítico foram largamente utilizadas no mundo ocidental durante vários séculos tanto no vocabulário erudito como no cotidiano Procedem de leituras deformantes e tendenciosas da Bíblia das quais se originou o mito da maldição dos descendentes negros de Cã Esses termos adquiriram uma significação aparentemente menos negativa pelo menos sem conotação religiosa graças à pesquisa de linguistas e etnólogos no século XIX mas nem por isso deixaram de funcionar como critério de discriminação entre certos negros considerados superiores e os outros Em todo caso o comitê científico internacional estimula os estudos críticos em andamento que tratam dos usos históricos desse vocabulário que só deve ser utilizado com reservas expressas 262 Metodologia e pré história da África Procurando promover uma metodologia rigorosa e científica J H Greenberg cuja contribuição embora discutível em parte ainda continua nova e importante torna se algumas vezes eco desse impacto negativo da ideologia etnocentrista Seligman Meinhof e depois deles autores importantes como Delafosse Bauman Westermann ou Müller desenvolvem argumentos de uma fragilidade científica consternadora pois baseiam se em preconceitos do tipo que Meinhof exprime na seguinte fórmula No curso da história repete se constantemente o fato de que os povos camitas têm subjugado e governado os povos de pele negra Essas constatações fundamentam a prudência com que deve ser utilizado o material que os trabalhos linguísticos oferecem aos historiadores ou aos especialistas das ciências humanas em geral Segundo Greenberg o emprego vago do termo camita como categoria linguística e sua utilização na classificação das raças para designar um tipo considerado fundamentalmente cauca sóide conduziram a uma teoria racial Ela vê na maioria das populações originárias da África negra o resultado de uma mistura entre camitas e negros Assim a denominação de povos de língua nilo camítica refere se à obra de C G Seligman Races of Africa Esses povos são considerados racialmente meio camitas Os Bantu constituiriam também uma outra variedade de negros camitizados E isso comenta ainda Greenberg Tomando por base as especulações de Meinhof para as quais aliás ele nunca forneceu a menor prova pela simples razão de que não há prova possível para que o bantu como diz Seligman seja uma língua mista e o homem bantu por assim dizer descendente de pai camita e mãe negra De fato conclui J H Greenberg essa ideologia falseia totalmente ainda hoje a elaboração de uma ciência linguística capaz de esclarecer as verdadeiras relações entre línguas e civilizações na África A migração dos povos africanos no sentido leste oeste e norte sul tornou confuso o quadro étnico racial e linguístico do continente Isso é indicado como se pode ver em muitos trabalhos pelos nomes de pessoas e lugares e pelos fatos de linguística pura relativos ao próprio vocabulário essencial As línguas do Senegal como o wolof o diula o fulfulde ou o seereer atestam semelhanças mais profundas com as línguas bantu da África do Sul da Tanzânia de Camarões e do Zaire do que com as línguas da família mandinga no interior das quais são geograficamente inseridas O léxico a estrutura e mesmo os princípios da escrita egípcia antiga como veremos mais tarde estão mais próximos da realidade 263 História e linguística de línguas como o wolof e o haussa ou da tradição gráfica daomeana que das estruturas linguísticas semíticas ou indo europeias às quais são anexadas sem critério A antiga língua egípcia o haussa as línguas dos pastores ruandenses dos abissínios dos Peul e dos núbios são naturalizadas semitas ou indo europeias sobre bases de evidente fragilidade ou a partir de uma metodologia e de uma escolha de critérios muito pouco convincentes Os Peul talvez sejam mestiços do mesmo modo que os Baluba os Susu os Songhai e muitos povos negros que mantiveram em seu habitat antigo ou atual contatos com populações brancas Essa hipótese de mestiçagem contudo é hoje bastante questionada a partir de descobertas recentes a respeito dos processos de mutação da pigmentação Por sua fonologia seu léxico e sua estrutura o fulfulde apresenta semelhanças com o seereer mais do que com qualquer outra língua conhecida a tal ponto que os próprios Seereer e Peul sugerem haver entre eles um parentesco não apenas linguístico mas também étnico Isso não impediu pesquisadores como F Müller W Jeffreys Meinhof Delafosse e Westermann de tentar estabelecer uma origem branca para os Peul afirmando que o fulfulde é protocamítico38 W Taylor chega mesmo a escrever Pela riqueza de seu vocabulário a sonoridade de sua dicção e as delicadas nuances de significação que é capaz de expressar o peul não pode pertencer à família negra sudanesa Todas essas observações nos mostram até que ponto está generalizada a confusão entre categorias tão diferentes como a língua o modo de vida e a raça sem contar o conceito de etnia que é utilizado conforme o caso com referência a uma ou várias dessas categorias Como nota J H Greenberg a relação simplista estabelecida entre gado grosso conquista e língua camítica se mostra falsa em todo o continente africano Escreve ele No Sudão ocidental é uma ironia constatar que os agricultores de línguas camíticas estão submetidos à autoridade dos pastores peul que falam uma língua sudanesa ocidental ou níger congo Teria sido outra ironia se seguíssemos os clichês estabelecidos constatar a antiguidade e a permanência das hegemonias mandinga ou wolof de família linguística sudanesa sobre povos tão rapidamente assimilados ao camítico como os assim chamados Peul pré camíticos ou os Berberes Nenhuma das classificações estabelecidas no plano continental ou regional oferece até agora garantias científicas inquestionáveis O etnocentrismo tem 38 GREENBERG J H Op cit 264 Metodologia e pré história da África contribuído bastante para distorcer a análise do material Em muitos casos só nos restam conjecturas petições de princípio e abordagens superficiais Há um certo número de condições necessárias para o estudo das línguas africanas de acordo com princípios estritamente científicos que ajudem a esclarecer a história dos povos e civilizações do continente Em primeiro lugar esse trabalho deve estar livre das obsessões de um pré julgamento a partir do semita ou do indo europeu ou seja a partir do passado histórico do homem europeu Além disso para estabelecer o parentesco entre as línguas africanas será necessário fazer referência ao material linguístico antigo e não aos dados geográficos atuais às influências antigas ou tardias aos esquemas explicativos escolhidos a priori ou aos traços linguísticos marginais em relação aos fatos dominantes dos sistemas Ciências auxiliares A análise aculturalista A análise aculturalista ou topológica39 na terminologia inglesa releva uma ciência que tem por objeto o estudo da origem e dos processos de difusão dos traços culturais ideias técnicas etc Os pesquisadores alemães foram os primeiros a aplicar esse método na prática com o estudo dos ciclos culturais de Frobenius Westermann Baumann etc Esses estudos muitas vezes tomaram por objeto a difusão das técnicas e produções agrícolas os métodos pastoris a invenção e a difusão das técnicas de trabalho com o ferro e outros metais o uso do cavalo e a elaboração de noções ontológicas do panteão dos deuses ou das formas artísticas Entretanto a topologia muitas vezes foi além de seu domínio Particularmente introduziu muitos erros no âmbito da ciência classificatória Com efeito vários autores incautos pensaram poder inferir um parentesco linguístico a partir de uma simples constatação de traços culturais quando esses fatos geralmente se devem a fenômenos de empréstimo contato ou convergência A ciência onomástica Onomástica é a ciência dos nomes de lugares topônimos de pessoas antropônimos ou de cursos de água hidrônimos 39 GUTHRIE M 1969 265 História e linguística A onomástica está intimamente relacionada ao léxico das línguas As comunidades étnicas que se têm mantido relativamente homogêneas por um período de tempo assim como os grupos etnolinguísticos mais heterogêneos mas que falam um idioma comum criam seus nomes principalmente em referência às realidades de suas línguas Eles povoam o universo territorial e geográfico que lhes serviu ou serve de habitat com nomes que constroem nas mesmas perspectivas Assim seguindo a pista dos nomes de pessoas identificam se ao mesmo tempo os elementos étnicos que constituem uma comunidade Em geral os Seereer são chamados Jonn Juuf Seen etc os Peul Sow Jallo Ba Ka etc os Mandinga Keita Touré Jara etc Os Berberes e os Bantu têm famílias de nomes que lhes são próprios A antroponímia desempenha um papel importante no estudo da história das etnias e das comunidades políticas ou culturais O estudo dos nomes em uso entre os Tuculero do Senegal mostra por exemplo que estamos diante de uma comunidade etnolinguística bastante heterogênea Entretanto do ponto de vista cultural esse grupo de fala fulfulde que se fixou no Senegal ao longo do rio na fronteira entre o Mali e a Mauritânia é muito homogêneo Daí um sentimento nacional bem desenvolvido De fato a comunidade forjou se a partir de elementos peul cuja língua se impôs mandinga seereer lebu wolof e berberes A toponímia e a hidronímia constituem também ciências indispensáveis ao estudo das migrações dos povos A partir dos nomes de cidades desaparecidas ou que ainda existem podem se elaborar mapas precisos mostrando os movimentos dos Mandinga cujas cidades têm nomes que foram compostos a partir de Dugu Da mesma maneira pode se estabelecer o mapa toponímico dos habitat antigos ou atuais dos Peul que usam o termo Saare para nomear seus povoados dos Wolof que usam o termo Kër dos árabe berberes que utilizam o termo Daaru dos Haussa e assim por diante Antropologia semântica A antropologia semântica ou etnolinguística constitui uma nova abordagem que tenta revelar a cultura do homem através de sua língua Baseia se numa análise global do conjunto de dados fornecidos pela língua de uma etnia ou de uma comunidade heterogênea que tem um falar comum para evidenciar ao mesmo tempo sua cultura seu pensamento e sua história O método vai além da mera coleta de tradições e literaturas escritas ou orais Implica o recurso a uma reconstrução da totalidade das ideias que uma língua 266 Metodologia e pré história da África traz consigo e que não depende necessariamente de uma obra ou de um discurso sistemático Nesse plano a pesquisa opera nos níveis infra e supralinguístico Decifra a partir do vocabulário e da divisão do pensamento os processos de formalização conceptualização e estruturação de uma língua as diferentes formas de conhecimento dentro das quais se cristalizam a visão de mundo e a história própria à comunidade que pratica um certo falar A etnolinguística acaba por revelar sistemas concepção metafísica ética ontologia estética lógica religião técnicas etc Assim a literatura escrita ou oral sobre o passado dos Haussa com seus documentos religiosos fábulas e práticas jurídicas médicas metalúrgicas e educacionais fornece indicações não apenas sobre a evolução do conteúdo do pensamento dos Haussa mas também sobre sua história e sua cultura Nas civilizações predominantemente orais em que os textos de referência são raros a interpretação diacrônica baseada na comparação de textos de épocas diferentes praticamente não existe A linguística torna se então um meio privilegiado de redescobrir o patrimônio intelectual uma escala para retroceder no tempo As culturas de expressão oral localizadas pela antropologia semântica apresentam não apenas obras a serem coletadas e registradas mas também autores e as respectivas áreas de especialização Toda cultura africana oral ou escrita deixou como a dos Wolof seu filósofo como Ndaamal Gosaas seu politicólogo como Saa Basi ou Koco Barma seu mestre da palavra e da eloquência seu mestre da epopeia ou do conto como Ibn Mbeng40 mas também seus inventores de técnicas em matéria de farmacopeia medicina agricultura ou astronomia41 Esses trabalhos e seus autores constituem excelentes fontes de análise do dinamismo evolutivo da cultura numa sociedade sob suas diversas formas A ontologia bantu pode ser decifrada e até mesmo interpretada e sistematizada por referência aos vocábulos bantu sobre o estar no mundo a partir do trabalho de elaboração e conceptualização que através das palavras e enunciados do bantu dá forma às concepções que essa língua tem acerca de tais fenômenos 40 Todos célebres personagens históricos da cultura wolof 41 As obras de S JOHNSTON sobre os Ioruba de TEMPELS sobre os Bantu de M GRIAULE sobre os Dogon de TRAORE sobre medicina africana de M GUTHRIE sobre a metalurgia etc constituem com os clássicos literários registrados importantes contribuições à antropologia semântica Cf DIAGNE P 1972 267 História e linguística Como a língua é o lugar de cristalização de todos os instrumentos mentais ou materiais construídos pelas gerações sucessivas pode se dizer que a experiência histórica de um povo está depositada em camadas consecutivas no próprio tecido da língua Suporte do documento e do pensamento histórico A importância da tradição oral na história da África é hoje aceita por todos Chega se mesmo a solicitar a presença de griots tradicionalistas nos congressos Há sugestões para que lhes sejam criadas cadeiras nas universidades e mesmo para que eles se incumbam da pesquisa e do ensino de história De modo geral a primazia da fala sobre a escrita é ainda hoje uma realidade em culturas tradicionais com predominância rural tanto na África como em outros lugares A oralidade como meio de elaborar e fixar os produtos do pensamento tem suas próprias técnicas Embora as formas de pensamento escritas ou orais abranjam a mesma área os meios e os métodos de sua concepção e transmissão nem sempre são os mesmos42 Devemos notar simplesmente que o pensamento escrito ou seja a literatura no sentido etimológico ao se fixar tende com mais facilidade a cristalizar se sob uma forma permanente Desse modo rompe com uma tradição verbal que oferece um campo mais vasto à invenção e à criação de mitos No nível da linguagem a palavra falada tem também um potencial maior de dialetização porque há menos controle de seu desenvolvimento Uma língua de expressão predominantemente oral permanece mais popular mais sensível às distorções impostas pela prática no plano de sua estrutura dos sons que utiliza e até mesmo das formas que toma de empréstimo Uma língua literária ao contrário é mais trabalhada no sentido da unificação Aliás apresenta maior dimensão visual e integra como elementos expressivos dados gráficos que lhe conferem certa especificidade ortografia em ruptura com a fonologia pontuação etc Já a linguagem oral utiliza mais o elemento sonoro Transmite significação através da cadência dos ritmos das assonâncias ou dissonâncias das evidências do discurso A importância do papel desempenhado pela memória para suprir a ausência de um suporte gráfico também afeta o caráter da oralidade em suas formas de expressão Chega mesmo a ser imprescindível com as técnicas de memorização uma ciência específica 42 Cf DIAGNE P 1972 268 Metodologia e pré história da África para a retenção de textos Assim o documento escrito e a tradição oral passam a ser complementares conjugando suas respectivas qualidades43 Além disso os relatos orais uma vez transcritos tornam se textos literários44 Tradição gráfica as escritas africanas A invenção da escrita atende a necessidades cuja natureza e origem conforme os contextos nem sempre se soube evidenciar A escrita instrumento do comércio e da administração sustenta normalmente as civilizações urbanas mas as motivações iniciais podem variar notavelmente Na África tanto na época dos faraós como durante o reinado dos soberanos do Daomé ou dos Mansa Mandinga o uso da escrita atendeu principalmente a necessidades de ordem não material A escrita egípcia a dos baixos relevos daomeanos e ainda os ideogramas bambara ou dogon tiveram em seu contexto original uma dupla função primeiramente materializar o pensamento e através disso realizar uma ação de caráter religioso ou sagrado A escrita egípcia inventada segundo a lenda pelo deus Thot ficou por muito tempo confinada sobretudo nos templos nas mãos dos sacerdotes encerrava segredos e servia como instrumento de ação para um pensamento percebido como substância agente e materializável em forma de verbo ou de grafia A segunda grande função atribuída à escrita nas civilizações africanas coincide com a necessidade de perpetuação histórica A escrita egípcia como a dos palácios de Abomey é uma glorificação de soberanos e de povos preocupados em deixar atrás de si a lembrança de seus grandes feitos Os Bambara ou os Dogon ao inscreverem seus signos ideográficos nas muralhas de Bandiagara visam ao mesmo objetivo Entre a Récade do rei Glélé machado de cerimônia que traz em si uma mensagem e a Palette de Narmer há mais do que simples afinidades Não apenas o espírito é o mesmo mas também os princípios e as técnicas de escrita45 A escrita egípcia é atribuída ao deus Thot que também é o inventor da magia e das ciências a exemplo do deus com cabeça de chacal dos Dogon ele próprio depositário do verbo do conhecimento e da fala eficaz 43 Cf DIAGNE P Op cit 44 Cf as numerosas publicações a esse respeito trabalhos de A HAMPATÉ BÂ A Ibrahim SOW MUFUTA E de DAMPIERRE K MOEENE F LACROIX M GRIAULE G DIETERLEN WHITLEY E NORRIS L KESTELOOT D T NIANE M DIABATE J MBITI etc Estes autores publicaram obras clássicas sobre o assunto nas coleções de Oxford Julliard Gallimard no Centro de Niamey etc 45 GLÉLÉ M 1974 269 História e linguística Os raros especialistas que se debruçaram frequentemente com notável minúcia sobre os sistemas de escrita originários da África em geral não se interessaram pelo vínculo aparentemente óbvio e tecnicamente demonstrável entre os hieróglifos e as escritas mais conhecidas na África negra O hieróglifo egípcio permaneceu fundamentalmente pictográfico em sua função original de instrumento dos templos e como seu homólogo daomeano faz referência à imagem tanto quanto possível Trata se de uma escrita voluntariamente realista preocupada em materializar os seres os objetos e as ideias o que faz da maneira mais concreta e substancial em parte para restituir lhes ou conservar suas qualidades naturais Não é por acaso que a deformação da escrita pictográfica pelo uso do cursivo que altera e desfigura os elementos representados só é permitida fora dos templos A escrita hierática usada sobretudo com finalidades laicas ao contrário do que sugere a etimologia grega da palavra e o demótico popular ainda mais simplificado em seu traçado são as grafias não sagradas e utilitárias No espírito do sacerdote egípcio o hieróglifo encerra um poder mágico de evocação como tão bem demonstra M Cohen Em sua opinião isso explica o fato de que as representações de seres nefastos são evitadas ou mutiladas Aqui estamos diante de uma concepção ontológica que se enraíza e mergulha profundamente na tradição negro africana Por milhares de anos essa tradição não foi capaz de dessacralizar como o fizeram os indo europeus particularmente os gregos o pensamento e seus suportes orais e gráficos Os Bambara os Ioruba os Nsibidi e os sacerdotes dogon têm uma visão idêntica dos sistemas gráficos que utilizam em seus templos ou em suas sessões de adivinhação A unidade das grafias inventadas na África não reside apenas nos pressupostos ideológicos que conferem a esses sistemas suas funções e sua natureza mas também na própria técnica de transcrição Encontra se na história das escritas africanas uma referência constante a três técnicas de fixação gráfica do pensamento o recurso à imagem do ser ou do objeto copiada através de pictogramas o recurso ao símbolo para representar uma realidade através de ideogramas que são signos sem relação imediata de semelhança física com a noção que simbolizam finalmente o uso do fonograma para representar todos os homófonos ou seja todas as realidades designadas pelo mesmo som ou grupo de sons é o princípio da escrita pictofonográfica A comparação entre a Palette de Narmer e as Récades de Glélé ou de Dakodonu é reveladora Elas transcrevem o discurso segundo os mesmos princípios Na Palette de Narmer temos a imagem de um rei Ele segura pelos cabelos um inimigo vencido e o golpeia enquanto o exército derrotado foge sob 270 Metodologia e pré história da África os pés do gigantesco faraó Os pictogramas são claros e eloquentes Os outros signos são ideogramas Distingue se um ta oval simbolizando a terra Em cima há um grupo de signos e um quadrado para emoldurar o nome do faraó Horus Um peixe e um pássaro formam o nome faraó Essas duas imagens são pictofonogramas A Récade de Gezo mostra o soberano do Daomé sob a forma de um búfalo assim como o faraó é simbolizado por um falcão que mostra os dentes significando o terror que semeia entre seus inimigos Trata se neste caso de uma aproximação simbólica Mas há outros mais importantes A Récade do rei Dakodonu ou Dokodunu mais antiga 1625 1650 e descrita por Le Hérissé mostra com mais clareza ainda o princípio do hieróglifo daomeano O texto da lâmina do machado pode ser lido da seguinte maneira há um símbolo pictográfico que representa um sílex da e embaixo o desenho da terra ko com um furo no meio donon Esses signos são pictogramas utilizados aqui como pictofonogramas Juntando os como no caso do nome do faraó na Palette de Narmer pode se ler o nome do rei daomeano Dakodonu A escrita daomeana assemelha se aos hieróglifos faraônicos em seus próprios princípios e em seu espírito revelando as três técnicas usadas pela grafia egípcia a imagem pictográfica o símbolo ideográfico e o signo pictofonográfico46 Num notável artigo de síntese o soviético Dmitri A Olderogge aponta como já o tinha feito Cheikh Anta Diop o fato de que o sistema hieroglífico sobreviveu na África negra até uma época tardia Em sua Description Historique des Trois Royaumes du Congo du Matamba et de lAngola publicada em 1687 Gavassi de Motocculuo afirma que a escrita hieroglífica era utilizada nessas regiões Em 1896 foi descoberta uma inscrição hieroglífica nos rochedos de Tete em Moçambique ao longo do rio Zambeze cujo texto foi publicado na época Cheikh Anta Diop nota em outro trabalho o uso de uma grafia pictográfica tardia no Baol onde recentemente foram descobertos traçados hieroglíficos em baobás muito antigos Os Vai da Libéria utilizaram durante muito tempo uma escrita pictográfica em tiras de casca de árvores A escrita meroítica que nasceu na periferia meridional do Egito antigo dá continuação à escrita faraônica na qual se inspirava a menos que a tenha originado ou que partilhe com ela a mesma origem 46 Ver capítulo 4 271 História e linguística figura 101 Estela do rei serpente Foto Museu do Louvre 272 Metodologia e pré história da África Figura 102 Récade representando uma cabaça símbolo de poder Foto Nubia Figura 103 Récade dedicada a Dakodonu Foto Nubia Figura 104 Leão semeando o terror Foto M A Glélé Nubia 273 História e linguística Pictogramas egípcios por volta de 4000 antes da Era Cristã Pictogramas nsibidi34 A27 F32 I1 I14 N3 N11 homem correndo com um braço estendido inw men sageiro ventre de mamífero ht ven tre corpo lagarto s 3 numeroso rico verme ou serpente h f w verme d d f t sol brilhando wbn aparecer lua crescente i h lua DAYRELL107 homem cor rendo com um braço estendido MACGREGOR p 212 um mensageiro DAYRELL127 símbolo que contém um peixe TALBOT51 lagarto MACGREGOR p 212 serpente DAYRELL104 serpente muito longa uruk ikot cobra em Efik e shaw em Uyanga TALBOT35 sol brilhando utinn sol em Efik e duawng em Uyanga TALBOT34 lua crescente ebi lua em Uyanga Figura 105 Pictogramas egípcios e nsibidi extraído de LAfrique dans lAntiquité a nota 34 remete a J K MACGREGOR 1909 E DAYRELL 1911 TALBOT 1923 Figura 106 Palette de Narmer extraído de C A DIOP 1955 Quanto aos signos nsibidi cf principalmente J K MACGREGOR Op cit p 215 217 e 219 os sig nos são numerados de 1 a 98 E DAYRELL Op cit pranchas LXVLXVII ao todo 363 signos P A TALBOT Op cit Apêndice G Nsibidi signs p 44861 77 signos e 8 textos 274 Metodologia e pré história da África Figura 107 Amostras de várias escritas africanas antigas extraído de D DALBY 1970 p 110 11 As escritas bagam e guro nenhum registro disponível a escrita sagrada ioruba e a escrita gola ambas indecifradas são excluídas deste quadro 275 História e linguística Figura 108 Primeira página do principal capítulo do Alcorão em vai extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 276 Metodologia e pré história da África Figura 109 Sistema gráfico vai extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 História e lingüística 277 278 Metodologia e pré história da África Palavra Mum Significação Signo coletado em 1900 Clapot Signo coletado em 1907 Göhring Pé Noz de cola Fom rei Ntab casa Nyad boi Figura 1010 Sistema gráfico mum extraído de LAfrique dans lAntiquité OBENGA T Présence Africaine 1973 Figura 1011 Sistema pictográfico Figura 1012 Sistema ideográfico e fonético silábico pwen ou pourin as pessoas ngou ou ngwémé país ndya hoje nsyé a terra you yoū comida poū nós né e gbèt fazer mè mim fa dar pwam ou mbwèm admirar sílaba ba de iba que significa dois ben de ben dança tipo de bê de byèt circuncidar ou de byê segurar cha de ncha peixe 279 História e linguística Os sistemas de escrita ideográfica contudo parecem ter resistido melhor que os hieróglifos em solo negro africano ocidental Na prática a grande maioria dos povos negros da África está familiarizada com o ideograma seja através das técnicas divinatórias seja pelo uso que delas fizeram os sacerdotes do culto os gravadores de obras de arte etc A geomancia dos Gurmanche é muito elaborada O tambipwalo geomante desenha signos na areia e os interpreta Depois administra uma espécie de receita que consiste em signos gravados a faca num pedaço de cabaça Esses signos abstratos designam os altares os lugares aos quais é preciso ir para realizar os sacrifícios o tipo de animal que deve ser imolado quantas vezes e assim por diante Trata se de fato de uma escrita codificada A adivinhação através dos signos do Fa também apresenta uma riqueza admirável O adivinho joga nozes de palma de uma mão para outra oito vezes e de acordo com o número de nozes que ficam em sua mão esquerda a cada vez faz uma inscrição no solo ou numa bandeja polvilhada com areia São assim formados os quadros há 256 possíveis dos quais os 16 mais importantes são os du que constituem os fios ou as palavras dos deuses governados por Fa o destino Todos devem cultuar o seu du mas ao mesmo tempo ter em conta os de seus parentes e ancestrais os de sua região e assim por diante Como existe uma quantidade enorme de arranjos os du são combinados num tipo de estratégia mitológica que é também uma técnica grafológica Pratica se a adivinhação do Fa em toda a costa do Benin A coleta dos sistemas ideográficos47 foi abundante principalmente nos países de savana que mantiveram suas tradições e não foram muito afetados pela islamização Não é por acaso que isso ocorre Os especialistas dentre os quais F W Migeod foi um dos primeiros a revelarem alguns desses sistemas A escrita ideográfica dogon foi apresentada por M Griaule e G Dieterlen responsáveis pela análise do sistema bambara e por uma boa síntese das grafias da região A ideografia nsibidi usada entre os Ibo do sul da Nigéria foi descoberta pelos europeus no fim do século passado Baseia se em princípios de transcrição largamente difundidos em toda a costa da Guiné As escritas fonéticas48 sistematizam o uso de fonogramas representando sons simples ou complexos através de signos regulares em nossa opinião o 47 Cf BOUAH Niangoran Recherches sur les poids à peser lor chez les Akan Tese de doutoramento PhD defendida em 1972 48 D A DALBY propõe a esse respeito uma atualização interessante em Language and History in Africa Londres 1970 280 Metodologia e pré história da África aparecimento de tais escritas na África resulta de uma evolução tardia Os hieróglifos do antigo Egito como os do Daomé representam muitos sons através de signos Mas os sistemas puramente fonéticos baseados na palavra na sílaba ou no fonema simples transcrição alfabética marcam uma nova etapa49 A escrita berbere usada entre os Tuaregue do Saara e conhecida também pelo nome de tifinar poderia ter se desenvolvido sob influência púnica pelo contato com Cartago O sistema de escrita núbio formou se no século X através do contato com a grafia copta que por sua vez nasceu sob a influência grega A grafia etíope de Tigrina e de Amhara é derivada da escrita sabeana da Arábia meridional As escritas silábicas e alfabéticas da África ocidental muito difundidas desde o fim do século XVIlI nas costas da Guiné e nas regiões sudanesas podem ter nascido de uma evolução interna ou ter tomado sua forma definitiva sob a influência mais ou menos distante de uma contribuição externa de origem árabe ou europeia50 A escrita vai divulgada na Europa em 1834 graças aos trabalhos do americano Eric Bates e aos de Koelle em 1849 desenvolveu se numa área onde foram descobertos traçados do sistema hieroglífico Momolu Masakwa cônsul da Libéria na Inglaterra no século XIX descreveu os princípios do sistema hieroglífico usado naquela época em sua região51 De acordo com os informes de Momolu para expressar a vitória sobre o inimigo os Vai desenham numa casca de árvore que lhes serve de papiro a silhueta de um homem correndo com as mãos na cabeça Ao lado da imagem do fugitivo junta se um ponto para indicar que se trata de um grande número de fugitivos de um exército derrotado Nessa utilização do ponto para denotar o plural em lugar dos traços empregados no antigo vale do Nilo encontramos elementos da escrita faraônica Assim os Vai conseguiram alterar seu antigo sistema no sentido de uma transcrição fonética Hoje existem modelos análogos à escrita vai entre muitos povos da Africa ocidental Malinke Mande Basa Guerze Kpele Toma etc Os Wolof e os Seereer também adotaram recentemente uma grafia inspirada nesses princípios 49 HAU E 1959 50 As grafias sudanesas associam pictogramas imagens realistas a ideogramas signos e significações simbólicas Cf GRIAULE M e DIETERLEN G A combinação desses signos permite a transcrição e a fixação de um discurso decifrável pelo iniciado na escrita e no saber que ela contém 51 Cf o excelente artigo de síntese de D OLDEROGGE Ecritures méconnues de lAfrique noire In Courrier de lUnesco março de 1966 281 História e linguística Ao contrário do que em geral se acredita a existência da escrita é um elemento permanente na história e no pensamento africanos da Palette de Narmer à Récade de Glélé A abundância de sistemas gráficos e de evidências de seu uso comprova esse fato Por diversas razões as escritas africanas pós faraônicas seguiram um curso normal de evolução Esse curso simplesmente se adaptou ao contexto e às exigências da história de uma sociedade e de uma economia rurais de autossuficiência Os membros dessa sociedade não foram impelidos a consolidar em sua época suas conquistas materiais ou intelectuais já que estas não estavam permanentemente ameaçadas Um bom equilíbrio ecológico uma proporção adequada entre recursos e população assegurou durante muito tempo à maior parte das civilizações africanas e a seus fatos culturais o poder de ampliar se e retrair se formalmente no espaço conservando apenas o essencial seus princípios No plano do equilíbrio interno o risco não era muito grande Mas em face do exterior e do acúmulo do progresso essa fragilidade era prejudicial Conclusão A linguística é indispensável à elaboração de uma ciência histórica africana Contudo só chegará a desempenhar tal papel se for empreendido um grande esforço em sua área de pesquisa Até agora sua contribuição foi pequena e muitas vezes bastante insegura no plano científico Pesquisas ainda estão em andamento Os métodos ganharam maior precisão e o campo de investigação ampliou se notavelmente Nesse contexto podemos esperar que a análise das línguas africanas contribua num futuro próximo para elucidar aspectos importantes da história do continente C A P Í T U L O 1 0 283 Teorias relativas às raças e história da África O conceito de raça é um dos mais difíceis de definir cientificamente Se admitirmos como a maioria dos especialistas posteriores a Darwin que a espécie humana pertence a um único tronco1 a teoria das raças só pode ser desenvolvida cientificamente dentro do contexto do evolucionismo Com efeito a raciação se inscreve no processo geral da evolução diversificadora Como observa J Ruffie ela requer duas condições em primeiro lugar o isolamento sexual frequentemente relativo que provoca pouco a pouco uma paisagem genética e morfológica singular A raciação portanto baseia se num estoque gênico diferente causado quer por oscilação genética o acaso na transmissão dos genes faz com que um deles se transmita com mais frequência que outro ou ao contrário que seu alelo seja o mais largamente difundido quer por seleção natural Esta conduz a uma diversificação adaptativa graças à qual um grupo tende a conservar o equipamento genético que o adapte melhor a um certo meio Na África ambos os processos devem ter ocorrido De fato a oscilação genética que se exprime ao máximo em pequenos grupos operou em etnias restritas submetidas a um processo social de cissiparidade por ocasião das disputas de sucessão ou de terras e em virtude das grandes áreas virgens disponíveis Esse processo marcou particularmente o patrimônio genético das 1 Quanto às teorias policêntricas e suas variantes ver os trabalhos de G WEIDENREICH COON e as refutações de ROBERTS PARTE II Teorias relativas às raças e história da África J Ki Zerbo 284 Metodologia e pré história da África etnias endógamas ou florestais Quanto à seleção natural ela teve a oportunidade de entrar em jogo em ecologias tão contrastantes como as do deserto e da floresta densa dos altos planaltos e das costas recobertas de mangues Em resumo do ponto de vista biológico os homens de uma raça têm em comum alguns fatores genéticos que num outro grupo racial são substituídos por seus alelos entre os mestiços coexistem os dois tipos de genes Como era de esperar a identificação das raças se fez em primeiro lugar a partir de critérios aparentes para em seguida ir considerando pouco a pouco realidades mais profundas Aliás as características exteriores e os fenômenos internos não estão absolutamente separados Se certos genes comandam os mecanismos hereditários que determinam cor da pele por exemplo esta também está ligada ao meio ambiente Observou se uma correlação positiva entre estatura e temperatura mais elevada do mês mais quente e uma correlação negativa entre estatura e umidade Da mesma forma um nariz fino aquece melhor o ar num clima mais frio e umidifica o ar seco inspirado É assim que o índice nasal aumenta consideravelmente nas populações subsaarianas do deserto para a floresta passando pela savana Embora possuindo o mesmo número de glândulas sudoríparas que os brancos os negros transpiram mais o que mantém seu corpo e sua pele numa temperatura menos elevada Existem portanto diversas etapas na investigação científica no que diz respeito às raças A abordagem morfológica Eickstedt por exemplo define as raças como agrupamentos zoológicos naturais de formas pertencentes ao gênero dos hominídeos cujos membros apresentam o mesmo conjunto típico de caracteres normais e hereditários no nível morfológico e no nível comportamental Desde a cor da pele e a forma dos cabelos ou do sistema piloso até os caracteres métricos e não métricos a curvatura femural anterior e as coroas e os sulcos dos molares foi construído um verdadeiro arsenal de observações e mensurações Deu se atenção especial ao índice cefálico por estar relacionado à parte da cabeça que abriga o cérebro É assim que Dixon estabelece os diversos tipos em função de três índices combinados de vários modos o índice cefálico horizontal o índice cefálico vertical e o índice nasal Contudo das 27 combinações possíveis apenas oito as mais frequentes foram aceitas como representativas dos tipos fundamentais tendo sido as 19 restantes consideradas 285 Teorias relativas às raças e história da África misturas No entanto as características morfológicas são apenas um reflexo mais ou menos deformado do estoque gênico sua conjugação num protótipo ideal raramente se realiza com perfeição De fato trata se de detalhes evidentes situados na fronteira homemmeio ambiente mas que justamente por isso são muito menos inatos que adquiridos Reside aí uma das maiores fraquezas da abordagem morfológica e tipológica na qual as exceções acabam por ser mais importantes e mais numerosas que a regra Além disso não se devem negligenciar as querelas acadêmicas sobre as modalidades de mensuração como quando etc que impedem as comparações úteis As estatísticas de distância multivariada e os coeficientes de semelhanças raciais as estatísticas de formato e de forma a distância generalizada de Nahala Nobis requerem tratamento por computador Ora as raças são entidades biológicas reais que devem ser examinadas como um todo e não parte por parte A abordagem demográfica ou populacional Este método vai insistir de imediato sobre fatos grupais reservatório gênico ou genoma mais estáveis que a estrutura genética conjuntural dos indivíduos De fato na identificação de uma raça é mais importante a frequência das características que ela apresenta do que as próprias características Como o método morfológico está praticamente abandonado2 os elementos serológicos ou genéticos podem ser submetidos a regras de classificação mais objetivas Para Landman uma raça é um grupo de seres humanos que com raras exceções apresentam entre si mais semelhanças genotípicas e frequentemente também fenotípicas do que com os membros de outros grupos Alekseiev desenvolve também uma concepção demográfica das raças com denominações puramente geográficas norte europeus sul africanos etc Schwidejzky e Boyd acentuaram a sistemática genética distribuição dos grupos sanguíneos A B e O combinações do fator Rh gene da secreção salivar etc O hemotipologista também leva em conta a anatomia mas no nível da molécula No que diz respeito à micromorfologia descreve as células humanas cuja estrutura imunológica e cujo equipamento enzimático são diferenciados sendo o tecido sanguíneo o material mais prático para isso Os marcadores sanguíneos representam um salto histórico qualitativo na identificação científica dos grupos humanos Suas vantagens em relação aos critérios morfológicos 2 Cf WIERCINSKY 1965 286 Metodologia e pré história da África são decisivas Primeiramente eles são quase sempre monométricos isto é sua presença depende de um só gene enquanto o índice cefálico por exemplo é o produto de um complexo de fatores dificilmente localizáveis3 Além disso enquanto os critérios morfológicos são traduzidos em números utilizados para classificações com fronteiras arbitrárias ou mal definidas como por exemplo entre o braquicéfalo típico e o dolicocéfalo típico os marcadores sanguíneos obedecem à lei do tudo ou nada Uma pessoa é ou não do grupo A tem fator Rh ou Rh e assim por diante Além disso os fatores sanguíneos independem quase inteiramente da pressão do meio O hemótipo é fixado para sempre desde a formação do ovo Eis por que os marcadores sanguíneos escapam ao subjetivismo da tipologia morfológica Aqui o indivíduo é identificado por um conjunto de fatores gênicos e a população por uma série de frequências gênicas A grande precisão desses fatores compensa seu caráter parcial em relação à massa dos genes no conjunto de um genoma Isso tornou possível elaborar um atlas das raças tradicionais Três categorias de fatores sanguíneos foram estabelecidas Algumas como o sistema ABO são encontradas em todas as raças tradicionais sem exceção Certamente elas preexistiam à hominização Outros fatores como os do sistema Rh são onipresentes mas com certa predominância racial Assim o cromossomo r existe principalmente entre os brancos O cromossomo Ro conhecido como cromossomo africano tem uma frequência particularmente alta entre os negros ao sul do Saara Trata se certamente de sistemas que datam do momento em que a humanidade começava a se propagar em nichos ecológicos variados Outra categoria de sistemas denota uma repartição racial mais marcada como os fatores Sutter e Henshaw encontrados quase que unicamente entre os negros e o fator Kell presente sobretudo entre os brancos Embora eles nunca sejam exclusivos foram qualificados de marcadores raciais Enfim alguns fatores são geograficamente muito circunscritos como por exemplo a hemoglobina C para as populações do planalto voltense Embora os fatores sanguíneos sejam desprovidos de valor adaptativo não escapam inteiramente à ação do meio infeccioso ou parasitário este pode exercer sobre eles uma triagem com valor seletivo levando por exemplo à presença de hemoglobinas características Isso ocorre com relação às hemoglobinoses S ligadas à existência de células falciformes ou drepanócitos entre as hemácias Elas foram detectadas no sangue dos negros da África e da Ásia Perigosa 3 Cf RUFFIE J 287 Teorias relativas às raças e história da África apenas no caso dos homozigotos a hemoglobina S Hb S é um elemento de adaptação à presença de Plasmodium falciparum responsável pelo paludismo O estudo dos hemótipos em grandes áreas permite o traçado de curvas isogênicas que mostram a distribuição geográfica dos fatores sanguíneos por todo o mundo Associado ao cálculo das distâncias genéticas ele dá uma ideia de como as populações se situam umas em relação às outras enquanto o sentido dos fluxos gênicos permite reconstituir o processo prévio de sua evolução Apesar de seus desempenhos excepcionais contudo o método hemotipológico e populacional encontra dificuldades Primeiramente porque seus parâmetros se multiplicam enormemente e já estão apresentando resultados estranhos a ponto de serem encarados por alguns como aberrantes É assim que a árvore filogênica das populações elaborada por L L Cavalli Sforza difere da árvore antropométrica Esta coloca os Pigmeus e os San da África no mesmo ramo antropométrico que os negros da Nova Guiné e da Austrália na árvore filogênica esses mesmos Pigmeus e San aproximam se mais dos franceses e ingleses e os negros australianos dos japoneses e chineses4 Em outras palavras os caracteres antropométricos são mais afetados pelo clima que os genes de modo que as afinidades morfológicas são mais uma questão de meios similares que de hereditariedades similares Os trabalhos de R C Lewontin com base nas pesquisas dos hemotipologistas mostram que no mundo inteiro mais de 85 da variabilidade situa se no interior das nações Somente 7 da variabilidade separa as nações que pertencem à mesma raça tradicional e também apenas 7 separam as raças tradicionais Em resumo os indivíduos do mesmo grupo racial diferem mais uns dos outros que as raças É por isso que cada vez mais especialistas adotam a posição radical que consiste em negar a existência de qualquer raça Segundo J Ruffie nas origens da humanidade pequenos grupos de indivíduos separados em zonas ecológicas diversificadas e afastadas obedecendo a pressões seletivas muito fortes enquanto os meios técnicos eram extremamente limitados puderam se diferenciar a ponto de dar origem às variantes Homo erectus Homo neanderthalensis e o mais antigo Homo sapiens O bloco facial que é a parte do corpo mais exposta a meios ambientes específicos evoluiu diferentemente a riqueza de pigmentos melanínicos na pele desenvolveu se em zona tropical etc Mas essa tendência 4 Citado por J RUFFIE 1977 p 385 Da mesma forma com base em certos caracteres genéticos o gene Fya no sistema de DUFFY o alelo Ro etc a porcentagem de mescla branca entre os negros americanos resultante da mestiçagem que se vem operando nos Estados Unidos seria de 25 a 30 Alguns cientistas concluíram a partir disso que se trata de um novo grupo precipitadamente batizado como raça norte americana de cor 288 Metodologia e pré história da África especializante rapidamente bloqueada permaneceu embrionária Em toda parte o homem se adapta culturalmente roupas habitat alimentos etc e não mais morfologicamente a seu meio O homem nascido nos trópicos clima quente evoluiu por muito tempo como australopiteco Homo habilis e até mesmo Homo erectus Foi apenas durante a segunda glaciação que graças ao controle eficaz do fogo o Homo erectus optou por viver em climas frios A espécie humana transforma se de politípica em monotípica e esse processo de desraciação parece irreversível Hoje a humanidade inteira deve ser considerada como um único reservatório de genes intercomunicantes5 Em 1952 Livingstone publicava seu famoso artigo Da não existência das raças humanas Diante da enorme complexidade e portanto da inconsistência dos critérios adotados para qualificar as raças ele recomendava a renúncia ao sistema lineano de classificação sugerindo uma árvore genealógica De fato nas zonas não isoladas a frequência de certos caracteres ou de certos genes evolui progressivamente em várias direções e as diferenças entre duas populações são proporcionais a seu distanciamento físico de acordo com uma espécie de gradiente geográfico cline Relacionando cada traço distintivo aos fatores de seleção e adaptação que podem tê lo favorecido notamos frequências ligadas ao que parece muito mais a fatores tecnológicos culturais e outros que não coincidem de maneira nenhuma com o mapa das raças6 Dependendo do critério adotado cor da pele índice cefálico índice nasal características genéticas e assim por diante obtêm se mapas diferentes É por isso que alguns especialistas concluem a partir daí que toda teoria das raças é insuficiente e mítica Os últimos progressos da genética humana são tais hoje em dia que nenhum biólogo admite a existência de raças na espécie humana7 Biologicamente a cor da pele é um elemento negligenciável em relação ao conjunto do genoma De acordo com Bentley Glass não há mais de seis pares de genes pelos quais a raça branca difere da raça negra Os brancos frequentem ente diferem entre si num grande número de genes o mesmo acontecendo com os negros É por isso que a UNESCO depois de ter organizado uma conferência de especialistas internacionais declarou A raça é menos um fenômeno biológico do que um mito social8 5 MAYR E citado por RUFFIE J p 115 6 Cf MONTAGU Le Concept de Race 7 RUFFIE J p 116 8 Quatro declarações sobre a Questão Racial UNESCO Paris 1969 289 Teorias relativas às raças e história da África Isso é tão verdadeiro que na África do Sul um japonês é considerado como branco honorário e um chinês como homem de cor Para Hiernaux a espécie humana parece uma rede de territórios genéticos de genomas coletivos que constituem populações mais ou menos semelhantes cuja distância qualitativa é expressa por uma avaliação quantitativa taxonomia numérica As fronteiras desses territórios definidos a partir do cline flutuam com todas as mudanças que afetam os traços aparentes fenótipos e os dados serológicos genótipos das coletividades Dessa maneira qualquer raça em conformidade com a brilhante intuição de Darwin seria em suma um processo em marcha dependendo de algum modo da dinâmica dos fluidos e os povos seriam todos mestiços ou estariam em vias de sê lo De fato cada encontro de povos pode ser analisado como uma migração gênica e esse fluxo genético volta a questionar o capital biológico de ambos Porém mesmo que essa abordagem fosse mais científica mesmo que esses territórios genéticos mutáveis fossem realmente aceitos pelas comunidades em questão poderíamos dizer que os sentimentos de tipo racial seriam suprimidos uma vez que conservariam sua base material visível e tangível sob a forma de traços fenotípicos Desde que os nazistas a começar por Hitler e em seguida outros pseudopensadores afirmaram que o homem mediterrâneo representa um nível intermediário entre o ariano Prometeu da humanidade e o negro que é por sua origem um meio macaco o mito racial tem permanecido vivo Os morfologistas impenitentes continuam a alimentar esse fogo ignóbil com alguns galhos mortos9 Lineu no século XVIII dividia a espécie humana em seis raças americana europeia africana asiática selvagem e monstruosa Com certeza os racistas se encontram numa ou noutra das duas últimas categorias De todas essas teses hipóteses e teorias devemos conservar o caráter dinâmico dos fenômenos raciais tendo em mente que se trata de um dinamismo lento e espesso que se exerce sobre uma enorme quantidade de registros nos quais a cor da pele mesmo que ela seja medida por eletroespectrofotômetro ou a forma do nariz constituem apenas um aspecto quase irrisório Nessa dinâmica devem ser levados em conta dois componentes que agem em conjunto o patrimônio 9 J RUFFIE cita um dicionário francês de medicina e biologia que em 1972 mantém o conceito de raça segundo o qual existem três grupos principais brancos negros amarelos baseados em critérios morfológicos anatômicos sociológicos e também psicológicos No início do século C SEIGNOBOS em sua Histoire de la Civilisation escrevia Os homens que povoam a terra também diferem em língua inteligência e sentimentos Essas diferenças permitem dividir os habitantes da terra em vários grupos conhecidos como raças 290 Metodologia e pré história da África genético que pode ser considerado um gigantesco banco de dados biológicos em ação e o meio ambiente em sentido amplo pois começa já no meio fetal As mudanças que resultam da interação desses dois fatores básicos intervêm seja sob a forma incontrolável da seleção e da migração gênica mestiçagem seja sob a forma casual da oscilação genética ou da mutação Em resumo é toda a história de uma população que explica sua presente facies racial incluindo através da interpretação das representações coletivas as religiões os costumes alimentares de vestuário e outros Nesse contexto o que dizer da situação racial do continente africano A difícil conservação dos fósseis humanos devido à umidade e à acidez dos solos dificulta a análise histórica sob esse ponto de vista Contudo pode se dizer que ao contrário das teorias europeias que explicam o povoamento da África pelas migrações vindas da Ásia10 as populações desse continente são em grande parte autóctones Quanto à cor da pele dos habitantes mais antigos do continente nas latitudes tropicais vários autores pensam que ela deveria ser escura Brace 1964 pois a própria cor negra é uma adaptação protetora contra os raios nocivos principalmente os ultravioleta A pele clara e os olhos claros dos povos do norte seriam caracteres secundários ocasionados por mutação ou por pressão seletiva Cole 1965 Hoje embora não se possa traçar uma fronteira linear dois grandes grupos raciais são identificáveis no continente africano dos dois lados do Saara no norte o grupo árabe berbere com patrimônio genético mediterrâneo líbios semitas fenícios assírios gregos romanos turcos etc no sul o grupo negro Convém notar que as mudanças climáticas que às vezes anularam o deserto provocaram durante milênios numerosas mesclas populacionais A partir de várias dezenas de marcadores sanguíneos Nei Masatoshi e A R Roy Coudhury estudaram as diferenças genéticas inter e intragrupos em caucasoides e mongoloides11 Eles definiram coeficientes de correlação a fim de estabelecer o período aproximado em que esses povos se separaram e constituíram grupos distintos Ao que tudo indica o grupo negroide tornou se autônomo há 120000 anos enquanto os mongoloides e caucasoides individualizaram se há apenas 55000 anos Segundo J Ruffie esse esquema ajusta se à maior parte dos dados da hemotipologia fundamental12 A partir dessa época muitas misturas se realizaram no continente africano 10 A teoria camítica SELIGMAN e outro que se deve por um lado à ignorância de certos fatos e por outro à vontade de justificar o sistema colonial é a forma mais racista dessas montagens pseudocientíficas 11 MASATOSHI N e ROY COUDHURY A R 1974 p 26 421 12 RUFFIE J p 399 291 Teorias relativas às raças e história da África Tentou se mesmo visualizar as distâncias biológicas das populações graças à técnica matemática dos componentes principais A Jacquard estudou 27 populações espalhadas desde a região do Mediterrâneo até o sul do Saara13 utilizando cinco sistemas sanguíneos que compreendiam 18 fatores Ele obteve três grupos principais repartidos em quatro agregados um ao norte os caucasoides composto de europeus Regueibat árabes sauditas e Tuaregue Kel Kummer um ao sul que consistia nos grupos negros de Agadês agregados intermediários incluindo os Peul Bororo os Tuaregue de Air e de Tassili os etíopes etc e ainda os Harratin tradicionalmente considerados negros Assim seria um engano pensar que essa subdivisão confirma a classificação tradicional em raças uma vez que independentemente do que foi dito acima a forma geral da subdivisão resulta da quantidade de informações considerada se esta é muito pequena todos os pontos podem ser reunidos Além disso a respeito do homem subsaariano é preciso notar que seu nome original atribuído por Lineu era Homo afer africano Depois eles foram chamados negros e mais tarde pretos O termo negroide mais abrangente era usado às vezes para designar todas as pessoas que às margens do continente ou em outros continentes se pareciam com os pretos Hoje apesar de algumas notas dissonantes a grande maioria dos especialistas reconhece a unidade genética fundamental dos povos subsaarianos Segundo Boyd autor da classificação genética das raças humanas existe apenas um grupo negroide que compreende toda a parte do continente situada ao sul do Saara e também a Etiópia esse grupo difere sensivelmente de todos os demais Os trabalhos de J Hiernaux estabeleceram essa tese com notável clareza Sem negar as variantes locais aparentes ele demonstra pela análise de 5050 distâncias entre 101 populações a uniformidade dos povos no hiperespaço subsaariano que engloba tanto os Sudaneses quanto os Bantu tanto os habitantes das regiões costeiras quanto os Sahelianos tanto os Khoisan quanto os Pigmeus os Nilotas os Peul e outros Etiópidas Em compensação ele mostra a grande distância genética que separa os negros asiáticos dos negros africanos Mesmo no campo da linguística que nada tem a ver com o fato racial mas que foi utilizada em teorias racistas para inventar uma hierarquia das línguas que refletisse a pretensa hierarquia das raças na qual os verdadeiros negros ocupavam o grau mais baixo da escala as classificações evidenciam cada vez mais a unidade fundamental das línguas africanas As variantes somáticas podem ser explica das cientificamente pelas causas das mudanças discutidas acima especialmente os 13 JACQUARD A 1974 p 11 124 292 Metodologia e pré história da África biótipos que ora dão origem a agregados de populações mais compósitas vale do Nilo ora a grupos populacionais isolados que desenvolvem características mais ou menos atípicas montanhas florestas pântanos etc Por fim a história explica outras anomalias através das invasões e migrações sobretudo nas zonas periféricas A influência biológica da península Arábica no chamado Chifre da África também se evidencia nos povos dessa região como os Somali os Galla e os etíopes mas também com certeza nos Tubu Peul Tukulor Songhai Haussa etc Já tivemos oportunidade de ver alguns Marka Alto Volta com um perfil tipicamente semita Em suma a admirável variedade dos fenótipos africanos é sinal de uma evolução particularmente longa desse continente Os fósseis pré históricos de que dispomos indicam uma implantação semelhante às encontradas no sul do Saara numa área muito vasta que vai da África do Sul até o norte do Saara tendo a região sudanesa representado ao que parece o papel de encruzilhada nessa difusão Com certeza a história da África não é uma história de raças Contudo para justificar uma certa história abusou se demais do mito pseudocientífico da superioridade de algumas raças Ainda hoje o mestiço é considerado branco no Brasil e preto nos Estados Unidos da América A ciência antropológica que já demonstrou amplamente não haver nenhuma relação entre a raça e o grau de inteligência constata que essa conexão às vezes existe entre raça e classe social A preeminência histórica da cultura sobre a biologia é evidente desde a aparição do Homo no planeta Quando irá tal evidência impor se aos espíritos 293 Teorias relativas às raças e história da África Alelo Cada um dos elementos que forma o par de genes Migração gênica Passagem de indivíduos reprodutores de sua população de origem a uma população adotiva mestiçagem A mestiçagem que é considerada pelos racistas como uma degenerescência para a raça superior representa aqui ao contrário um enriquecimento do fundo comum de genes da humanidade Biologicamente positiva ela apresenta no entanto problemas sociológicos Mutação Aparecimento de uma alteração numa característica hereditária através da modificação de um ou mais genes Oscilação genética Perturbação do patrimônio genético num grupo humano reduzido e isolado resultante de um acidente que provoca a baixa de frequência ou o desaparecimento de um alelo Seleção Reprodução diferencial dos genótipos de uma geração a outra GLOSSÁRIO NB Estudos sobre esta questão encomendados pela UNESCO como parte do projeto da História Geral da África HIERNAUX J Rapport sur Le Concept de Race Paris 1974 RIGHTMIRE GP Comments on Race and Population History in Africa Nova Iorque 1974 STROUHAL E Problems of Study of Human Races Praga 1976 C A P Í T U L O 1 1 295 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Durante muito tempo os historiadores acreditaram que os povos da África não haviam desenvolvido uma história autônoma no quadro de uma evolução que lhes fosse peculiar Tudo o que representava uma aquisição cultural parecia ter sido levado até eles do exterior por vagas migratórias vindas da Ásia Essas teses são encontradas com frequência nos trabalhos de muitos pesquisadores europeus do século XIX Elas serão sistematizadas e cristalizadas sob forma de doutrina por estudiosos alemães etnógrafos e linguistas nos primeiros decênios do século XIX Nessa época a Alemanha era o principal centro de estudos africanos Após a partilha do continente africano entre potências imperialistas começaram a aparecer em profusão na Inglaterra França e Alemanha trabalhos que descreviam a vida e os costumes dos povos colonizados Foi sobretudo na Alemanha que se reconheceu a importância de um estudo científico das línguas africanas O ano de 1907 viu o estabelecimento em Hamburgo do Instituto Colonial que depois se tornou um grande centro de pesquisa científica onde foram elaborados os mais importantes trabalhos teóricos da escola alemã de estudos africanos A Alemanha estava muito avançada nessa área em relação às outras potências colonizadoras na Inglaterra o ensino de línguas africanas só se iniciou em 1917 na Escola de Estudos Orientais enquanto na França nessa época a Escola de Línguas Vivas Orientais não mantinha nenhum curso nessa área Foi somente em 1947 que a Escola de Estudos Orientais de Londres Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas D Olderogge 296 Metodologia e pré história da África passou a se chamar Escola de Estudos Orientais e Africanos Também na França o ensino sistemático dessas línguas só foi introduzido um pouco mais tarde As teorias da escola alemã e as descobertas recentes A Alemanha ocupava portanto um lugar de destaque nos estudos históricos etnográficos e linguísticos africanos no período que precedeu imediatamente a Primeira Guerra Mundial os trabalhos publicados na Inglaterra França e Bélgica baseavam se nas teorias dos estudiosos alemães Assim os etnógrafos da Europa ocidental no início do século XX permaneceram apegados à ideia difundida pelos alemães de que os povos da África nunca tinham tido história própria Com base nesse ponto de vista os linguistas formularam a teoria conhecida como Camítica segundo a qual o desenvolvimento da civilização na África foi devido à influência de povos camíticos provenientes da Ásia Um estudo dessas ideias mostra uma forte influência de Hegel que dividiu os povos do mundo em dois tipos povos históricos que contribuíram para o desenvolvimento da humanidade e povos não históricosque se colocam à margem do desenvolvimento espiritual universal Segundo Hegel não há evolução histórica na África propriamente dita Os destinos da costa setentrional do continente estariam ligados aos da Europa Enquanto colônia fenícia Cartago não passava de um apêndice da Ásia e o Egito era alheio ao espírito africano As ideias de Hegel exerceram considerável influência em quase toda pesquisa científica relativa à África no século XIX tal influência é marcante na obra de H Schürz o primeiro pesquisador a tentar um esboço da história da África Esse autor compara a história das raças da Europa à vitalidade de um belo dia de sol e a das raças da África a um pesadelo que logo se esquece ao acordar Para Hegel foi na Ásia que a luz do espírito despertou e que a história da humanidade teve seu início Os estudiosos europeus tinham por indiscutível a ideia de que a Ásia berço da humanidade foi lugar de origem de todos os povos que invadiram a Europa e a África Assim parecia evidente para o etnógrafo inglês Stow que os mais antigos habitantes da África os San tivessem vindo da Ásia em duas vagas migratórias distintas os San pintores e os San gravadores esses dois grupos teriam seguido trajetórias diferentes cruzando o mar Vermelho pelo estreito de Bab el Mandeb Após terem atravessado as florestas equatoriais os dois grupos reencontraram se no extremo sul do continente africano Encontra se nas obras de F Stuhmann geógrafo e viajante alemão a mais completa 297 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas aplicação das teses propostas pela escola germânica construídas sobre sua base histórico cultural e tendo por objeto o processo de povoamento do continente africano através de sucessivas vagas migratórias De fato no fim do século XIX e início do XX foi lançada uma vigorosa ofensiva contra a doutrina evolucionista que constituiu a base teórica dos trabalhos de R Taylor L H Morgan Lubbock e outros A escola de orientação histórico cultural repudiou a teoria de um desenvolvimento uniforme e integral da humanidade apresentando uma teoria diametralmente oposta que postulava a existência de círculos de civilização diferenciados identificáveis por critérios intrínsecos derivados principalmente das culturas materiais Segundo esses autores a difusão de aquisições culturais deveu se principalmente às migrações O estudioso alemão Leo Frobenius foi o primeiro a enunciar essa ideia depois Ankermann descreveu a difusão dos círculos de civilização através da África Mas foi Stuhlmann quem elaborou o quadro mais detalhado do desenvolvimento das culturas africanas Afirmou que a população autóctone da África era constituída de povos de baixa estatura os Pigmeus e os San que virtualmente não possuíam quaisquer elementos culturais Depois povos negros de pele escura e cabelos crespos chegaram em vagas migratórias originárias do sudeste da Ásia Espalhando se por toda a savana sudanesa penetraram na floresta equatorial introduzindo uma agricultura rudimentar o cultivo de bananas e de colocásias o uso de arco e flecha e de utensílios de madeira e a construção de cabanas circulares ou quadradas Esses povos falavam línguas de tipo isolante A eles se teriam seguido vagas de proto camitas também provenientes da Ásia mas de regiões situadas ao norte das terras de origem dos negros Os recém chegados falavam línguas aglutinantes com classes nominais Teriam ensinado aos povos autóctones o uso da enxada na agricultura o cultivo do sorgo e de outras gramíneas a criação de gado cornígero de pequeno porte etc O cruzamento dos proto camitas com os povos negros teria originado os povos bantu Seguiram se invasões de camitas de pele clara que chegaram à África seja através do istmo de Suez seja pelo estreito de Bab el Mandeb Esses povos seriam os ancestrais dos Peul Masai Bari Galla Somali e Khoi Khoi Teriam introduzido novos elementos culturais como o gado cornígero de grande porte a lança os múltiplos usos do couro o escudo etc Segundo Stuhlmann esses camitas de pele clara são originários das estepes da Ásia ocidental A vaga seguinte seria constituída por povos semitas que teriam lançado os fundamentos da civilização do Egito antigo Teriam introduzido o cultivo de cereais o uso do arado e do bronze Depois chegaram ao Egito os Hicsos e Hebreus enquanto os Habashat e os Mehri fixavam se nas terras altas da Etiópia Por último vieram os árabes no século VII Todos esses 298 Metodologia e pré história da África povos trouxeram para a África novos elementos de civilização absolutamente desconhecidos das populações anteriores O trabalho de Stuhlmann foi publicado em Hamburgo em 1910 pouco antes da Primeira Guerra Mundial mas suas ideias sobre a construção gradual da civilização africana por raças estrangeiras foram retomadas e desenvolvidas mais tarde por outros etnógrafos Spannus e Lushan na Alemanha Seligman na Inglaterra Honea na Áustria etc Paralelamente às teorias da escola histórico cultural aparece em linguística um conjunto de teses denominado teoria camítica O iniciador dessa teoria Meinhof acreditava que os ancestrais dos San eram os autóctones mais antigos da África Representando uma raça nitidamente distinta de todas as outras falavam línguas que apresentavam consoantes cliques Já os negros considerados autóctones nas zonas equatorial e sudanesa falavam línguas isolantes tonais e com radicais monossilábicos Em seguida povos camitas vindos da Arábia chegaram ao Sudão passando pela África do Norte Falando línguas flexionadas e dedicando se à criação de gado teriam pertencido a uma cultura muito superior à dos negros Contudo parte da invasão camita atingiu as savanas da África oriental a miscigenação dos camitas com a população indígena teria dado origem aos povos de língua bantu Em resumo esse modelo de evolução pode ser reduzido a um filme em quatro sequências No início as línguas com cliques depois as línguas isolantes bastante rudimentares faladas pelos negros sudaneses A mistura destas com as línguas camíticas produz as línguas bantu do tipo aglutinante mais nobres portanto Finalmente as línguas faladas pelos conquistadores camitas introduzem as línguas flexionadas eminentemente superiores A teoria camítica foi sustentada por muitos linguistas e difundida da Alemanha para além da Europa ocidental No período entre as duas guerras contudo essa teoria deveria desmoronar O primeiro golpe veio com a descoberta do Australopithecus na província do Cabo África do Sul em 1924 Seguiram se outras descobertas que prosseguem ainda tanto no norte como no sul da África e em particular no leste na Tanzânia no Quênia e na Etiópia Todos esses documentos demonstram de maneira cabal que o desenvolvimento do homem em toda a sua variedade racial teve lugar desde as origens no interior do continente africano Assim a teoria segundo a qual a África foi povoada por vagas migratórias provenientes do exterior tornou se insustentável Como aponta o célebre antropólogo C Arambourg a África é o único continente onde se encontram numa linha evolutiva ininterrupta todos os estágios do desenvolvimento do homem australopitecos pitecantropos neandertalenses e Homo sapiens sucedem se com os respectivos utensílios das épocas mais distantes até o Neolítico Fica assim confirmada a teoria de 299 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Darwin que apontava a África como o lugar de origem do homem Além disso essas descobertas provaram que seria totalmente errôneo negar à África um desenvolvimento cultural endógeno A esse respeito as pinturas e gravuras rupestres do Atlas do sul da África e do Saara constituem um testemunho indiscutível de grande importância Não há mais sombra de dúvida quanto à antiguidade dos vestígios arqueológicos uma vez que a cronologia relativa baseada na forma e no tratamento dos objetos e em sua posição estratigráfica é atualmente complementada pela cronologia absoluta baseada em métodos cronométricos científicos tais como o carbono 14 e o potássio argônio O modelo de evolução cultural dos povos africanos sofreu profundas transformações Por exemplo descobriu se que nas latitudes saarianas e saelianas o Neolítico remonta a uma época anterior à que se imaginava o que vem alterar completamente o quadro do desenvolvimento cultural africano em relação ao mundo mediterrânico particularmente o Oriente Próximo Os restos descobertos em Tassili nAjjer assim como em Tadrart Acacus na fronteira entre a Argélia e a Líbia são bastante conclusivos O exame das lareiras e dos fragmentos de cerâmica aí descobertos demonstra que a cerâmica já era utilizada desde 8000 anos BP Em Acacus foi encontrado um esqueleto do tipo negroide com traços de vestimentas de couro Os materiais examinados foram datados de 9000 anos BP Uma idade análoga foi atribuída aos restos descobertos no Hoggar que foram submetidos a análise em três laboratórios diferentes Conclui se que o Neolítico de Tassili n Ajjer e de Ennedi é ao que parece anterior ao do Magreb e contemporâneo ao da Europa meridional e da Cirenaica O exame dos restos orgânicos coletados nos campos neolíticos da Baixa Núbia levou a conclusões ainda mais significativas Estima se que no ano 13000 aproximadamente já se praticava na região a colheita e a preparação de grãos de cereais selvagens A análise por radiocarbono dos vestígios fósseis encontrados no distrito de Ballana indicou a data de 12050 280 O mesmo método de exame aplicado a restos provenientes de Toshké apresenta a data de 12550 490 Isso significa que no vale do Nilo a vegecultura foi praticada 4 mil anos mais cedo que no Oriente Próximo Segundo uma tradição fortemente arraigada todo relato da história da África começava com o Egito Hoje em dia entretanto convém revermos esse hábito O egiptólogo americano Breasted deu o nome de Crescente Fértil ao conjunto dos países formado pelo Egito a Palestina e a Mesopotâmia De fato essa zona lembra um vasto crescente que propiciou o desenvolvimento da civilização faraônica e das cidades Estado de Sumer e Akkad Ora todo esse processo tomou impulso só 300 Metodologia e pré história da África em 5000 ou 6000 aproximadamente enquanto muito antes disso a existência de condições climáticas adequadas ao desenvolvimento da criação de gado e da protocultura na área entre o vale do Indus e o oceano Atlântico favorecia o surgimento de uma sociedade onde começam a se delinear as classes e o Estado Assim o Crescente Fértil representa apenas o desenvolvimento final e o testemunho de um vasto domínio fervilhante de vida onde os homens iam aos poucos se familiarizando com as gramíneas selvagens passando a domesticá las assim como ao gado de grande porte ovinos e caprinos Esse cenário grandioso é atestado pelo estudo de pinturas e gravuras rupestres do Saara pela datação obtida por radiocarbono pela análise de polens fósseis etc Pode se esperar que alguns esquemas cronológicos sejam reajustados dependendo da precisão que se puder obter futuramente No entanto desde já podemos afirmar que a teoria sobre o povoamento da África aqui referida está completamente desacreditada Deve se reconhecer o papel da África como pólo de disseminação no que se refere tanto aos homens quanto às técnicas em um dos mais importantes períodos da história humana Paleolítico Inferior Em épocas posteriores vêem se aparecer correntes migratórias inversas de volta ao continente africano Problemas antropológicos e linguísticos Em geral os indicadores antropológicos fornecem referências mais estáveis que os fatos da língua que sofrem transformações rápidas por vezes no espaço de algumas gerações É o que acontece quando um povo emigra para um novo meio linguístico ou ainda em caso de invasão quando os conquistadores e os autóctones falam línguas diferentes Assim observa se que a população negra norte americana manteve praticamente intacto seu tipo antropológico original sob um clima e num meio geográfico muito diferentes dos que prevaleciam em seu continente de origem enquanto do ponto de vista linguístico e cultural assemelha se à população branca dos Estados Unidos Os elementos da antiga civilização africana subsistem apenas nos domínios cultural e espiritual música dança e crenças religiosas Um caso semelhante é o dos Sidi descendentes dos africanos que foram transferidos séculos atrás da costa leste da África para a Índia No início do século XIX esses povos ainda conservavam sua própria língua mas atualmente falam as línguas dos povos hindus entre os quais vivem gujarati urdu e outras sendo o tipo físico o único indício de sua origem africana 301 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Em ambos os casos os africanos expatriados mudaram de idioma muito rapidamente por vezes no decurso de uma ou duas gerações A história das línguas faladas pelos autóctones da África do Norte também merece ser citada Após a conquista dos países do Magreb pelos árabes e particularmente após as invasões das tribos árabes no século XI os povos da África do Norte tornaram se árabes quanto à língua e à civilização Suas línguas originais sobrevivem apenas em certas regiões do Marrocos na Kabylia no djebel Nefusa e nos oásis De acordo com os antropólogos as principais características do tipo físico original não sofreram mudanças o que mostra que os traços antropológicos em seu conjunto resguardam se da influência do biótopo no organismo sendo portanto mais estáveis que os elementos da língua e da cultura Pode se afirmar com base nos fatos de que dispomos atualmente que a distribuição dos tipos raciais modernos no continente africano reproduz em essência o modelo antigo dos grandes grupos antropológicos denominados por vezes precipitadamente de raças Os vários tipos da raça mediterrânica são representados no norte da África desde uma era muito longínqua A África oriental foi habitada por povos do tipo etiopoide como confirmaram as descobertas dos paleoantropólogos no Quênia enquanto a parte sul do continente foi ocupada por grupos San As florestas tropicais e equatoriais ocupavam no passado uma área muito maior que a atual foi ali provavelmente que os Pigmeus apareceram constituindo um grupo distinto cujo tipo físico desenvolveu se num meio ambiente de clima extremamente úmido e virtual ausência de luz A raça negra de tipo conhecido como sudanês ou congolês individualizou se para se adaptar às condições das latitudes tropicais principalmente na África ocidental Poucos restos de esqueletos foram encontrados para identificação e datação provavelmente porque a desagregação química devida à acidez dos solos não é favorável à preservação dos fósseis Apesar disso depois das descobertas feitas em Asselar esqueletos do tipo negroide de várias épocas às vezes extremamente antigos foram encontrados no Saara e na Nigéria meridional fato que sugere ter sido a região foco original desse tipo humano O problema do povoamento inicial do Saara foi objeto de muitas discussões Mas fica claro a partir do estudo das pinturas rupestres que a população negra predominou nessa área embora outros tipos possam ser detectados tais como os grupos com características afro mediterrânicas também habitantes antigos da região No Egito documentos e inscrições em monumentos que remontam ao Antigo Império fazem alusão a povos líbios Tamehu com pele clara e olhos 302 Metodologia e pré história da África figura 111 Mulher haratina de Idélès Argélia Foto AAA Naud Figura 112 Marroquino Foto Hoa Qui Richer Figura 113 Mulher e criança argelinas Foto AAA Géhant 303 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas azuis assim como a povos Tehenu de pele mais escura Também nas fontes históricas gregas encontram se referências a etíopes de pele clara e a etíopes de pele mais escura no sul Portanto a antiga população da Líbia ao que parece era bastante heterogênea A esse respeito diz um autor latino que alguns dos líbios parecem etíopes outros são originários da ilha de Creta1 A composição étnica da população do vale do Nilo parece ter sido complexa O dessecamento do Saara fez com que os povos da região procurassem a umidade do vale Grupos etiopoides e afro mediterrânicos misturaram se a negros do tipo sudanês O mesmo tipo de miscigenação provavelmente ocorreu pelas mesmas razões em todas as bacias fluviolacustres vizinhas ao deserto Baixo Senegal Médio Níger Chade Na medida em que como já foi mencionado os perfis antropológicos apresentam uma constância notável frequentemente multimilenária não é errôneo extrapolar para a pré história algumas das principais características do quadro étnico atual De qualquer modo o processo de formação das raças é a resultante de uma interação de múltiplos fatores que produzem de maneira gradual a diferenciação dos traços herdados mas também transmitem hereditariamente os traços diferenciados Estes se individualizaram essencialmente em função da adaptação ao meio ambiente insolação temperatura cobertura vegetal umidade etc Como regra geral sem dúvida enfraquecida por numerosas exceções os antropólogos supõem que o africano da floresta tinha estatura baixa e pele clara enquanto o africano da savana e do Sahel seria esguio e de pele escura Entretanto cabe evitar uma visão parcial já que muitos fatores operam simultaneamente Por exemplo a migração de grupos com heranças genéticas diferentes mobilizava imediatamente duas fontes possíveis de mutação primeiro a mudança de biótipo em seguida o encontro de grupos diferentes com a possibilidade de cruzamento Quando se observa uma semelhança somática notável entre dois grupos étnicos muito distantes no espaço como entre os Dinka do Alto Nilo e os Wolof do Senegal ambos de pele escura e estatura alta a situação em uma mesma latitude parece constituir uma explicação suficiente No entanto deve se ter sempre em mente a combinação dos fatores postos em jogo pelo próprio movimento da história2 A esse respeito o caso altamente controverso dos Pigmeus e dos San merece ser estudado com maiores detalhes No passado presumia se existir uma identidade racial entre os Pigmeus da África e os da Ásia meridional Atualmente essa teoria parece ter sido rejeitada 1 FOERSTER R I Bd 1893 v I p 389 2 Cf J HIERNAUX 1970 vol I p 53 e 55 304 Metodologia e pré história da África figura 114 Voltense Foto A A A Naud Figura 115 Mulher sarakole Mauritânia grupo Soninke da região do rio Foto B Nantet Figura 116 Chefe nômade de Rkiz Mauritânia Foto B Nantet 305 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas Tudo leva a crer que se trata do resultado de uma adaptação muito antiga de um certo tipo físico ao meio ambiente e que esse processo ocorreu durante um longo período de isolamento Atualmente os Pigmeus podem ser encontrados nas florestas dos Camarões no Gabão e em algumas regiões da República Centro Africana no Zaire e em Ruanda Parece certo porém que no passado ocuparam uma área muito maior Nas tradições orais de certos povos da África ocidental faz se referência a grupos de anões que viviam na floresta antes da chegada dos povos de maior estatura É certo que também na Europa ocidental algumas lendas falam de gnomos ferreiros que habitavam as montanhas As tradições africanas porém não parecem provir unicamente da imaginação popular na medida em que coincidem com certas fontes históricas que indicam a existência de Pigmeus em regiões onde atualmente eles são encontrados A mais antiga menção aos Pigmeus é encontrada no Egito em inscrições que datam da sexta dinastia do Antigo Império Nas paredes do túmulo de Herkhuf3 em Assuã está inscrito o texto de uma carta do faraó Pépi II em que o jovem rei agradece o monarca por ter lhe presenteado com um anão chamado Deng palavra que é encontrada nas línguas modernas da Etiópia em amárico e seus diversos dialetos e também nas línguas tigrina galla kambatta e outras nas formas denk dank dinki donku dinka4 A carta refere que um século antes sob a V dinastia um anão semelhante tinha sido levado ao faraó Isesi Cabe lembrar em relação a esses fatos o relato de um viajante inglês mencionando a presença de anões doko na Etiópia meridional Pode se assim deduzir que no passado existiram anões nas regiões atualmente ocupadas pela República do Sudão e pela Etiópia Os pigmeus da floresta equatorial e tropical foram aos poucos cedendo lugar a novas populações constituídas de indivíduos de alta estatura que falavam línguas bantu Os pigmeus autóctones recuaram progressivamente para as regiões mais remotas das florestas de Ituri e Uele como testemunha o Nsong a Lianja ciclo épico dos Mongo sobre o povoamento do vale do Zaire Outros povos bantu possuem relatos semelhantes Assim pode se concluir que os grupos isolados de Pigmeus que subsistem atualmente são os testemunhos de uma população mais extensa que ocupava as florestas tropicais e equatoriais da África Os San constituem outro grupo muito original do continente africano São de pequena estatura têm a pele amarelada ou acobreada e cabelo em pequenos tufos Nos estudos antropológicos eles ainda são colocados junto aos Khoi Khoi 3 A transliteração correta desse nome é Hrw hwif hwif Herzog R 1938 p 95 4 LESLAU W 1963 p 57 306 Metodologia e pré história da África figura 117 Mulher peul bororo Tahoura Níger Foto B Nantet Figura 118 Criança tuaregue de Agadès Níger Foto B Nantet Figura 119 Mulher djerma songhay de Balayera Níger Foto B Nantet 307 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas na raça Khoisan Trata se sem dúvida de uma extrapolação da classificação linguística que reúne as línguas dos San e dos Khoi Khoi num mesmo grupo caracterizado pela presença de consoantes cliques com valor fonêmico O termo Khoisan proposto por J Shapera e adotado em inúmeros trabalhos é uma combinação de duas palavras khoi khoi khoi que significa homem e san cuja raiz sa significa acumular colher frutos arrancar raízes da terra capturar pequenos animais Trata se portanto da qualificação de um grupo humano em função de seu gênero de vida e modo de produção Mas de fato os San e os Khoi Khoi têm muito poucas características em comum podem se destacar a cor clara da pele e a presença de consoantes clique em ambas as línguas Deve se lembrar entretanto que esta última característica não é específica sendo também encontrada nas línguas bantu do sudeste como o zulu xhosa sotho swazi etc O exame das características antropológicas desses dois grupos mostra que os Khoi Khoi e os San diferem em muitos aspectos os Khoi Khoi são nitidamente mais altos que os San distinguindo se também pelas características cranianas5 disposição dos cabelos e esteatopigia frequente entre as mulheres enquanto a presença do epicanto é específica dos San Além disso as línguas khoi khoi e san diferem tanto pela estrutura gramatical como pelo vocabulário E O J Westphal grande especialista no assunto mostrou que entre os Khoi Khoi os pronomes que constituem a parte mais antiga e estável do discurso têm formas particularmente desenvolvidas distinguem se dois gêneros três números singular dual e plural assim como formas inclusivas e exclusivas enquanto não há nada parecido nas línguas san6 Portanto não há elementos suficientes para se classificarem as línguas san e khoi khoi em um só grupo Quanto às culturas desses povos diferem em todos os aspectos como já fora observado pelos primeiros viajantes que visitaram a África meridional no século XVII como Peter Kolb Os Khoi Khoi viviam em Kraals trabalhavam o metal e criavam gado enquanto os San eram nômades vivendo da caça e da coleta Assim a antropologia e a linguística opõem se à reunião desses dois povos num único grupo Cada um deles teve um desenvolvimento histórico específico Os San constituem com certeza os remanescentes do povoamento original do extremo sul do continente africano Atualmente estão confinados às regiões inóspitas e áridas da Namíbia e do Calaari Grupos isolados também podem ser encontrados em Angola No passado eles habitavam as savanas da África meridional e oriental até os limites 5 Cf ALEKSEIEV K 6 Cf WESTPHAL E O J 1962 p 30 48 308 Metodologia e pré história da África figura 1110 Pigmeu twa Ruanda Foto B Nantet Figura 1111 Grupo San Foto F Balsan Col Museu do Homem Figura 1112 Pigmeu do Congo Foto Congo Press Danday Col Museu do Homem 309 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas do Quênia como testemunham a toponímia e a hidronímia dessas regiões sendo os nomes locais de rios e montanhas emprestados das línguas san As consoantes cliques características das línguas san foram emprestadas por várias línguas bantu Finalmente as pinturas rupestres dos planaltos da África do Sul mostram cenas de combate entre os San de pequena estatura e pele clara e guerreiros negros de alta estatura cuja origem étnica pode ser facilmente identificada pela forma dos escudos que carregam Os Hadzapi pequeno grupo étnico que vive nas proximidades do lago Eyasi na Tanzânia podem ser considerados testemunhos da extensão dos antigos povoados San por toda a África Embora a língua dos Hadzapi ainda não tenha sido estudada em profundidade há razões para se pensar que esteja próxima das línguas san Por vezes no intuito de apoiar a tese de que os San já ocuparam área muito maior aponta se a presença de pedras redondas furadas no centro encontradas na África oriental Essas pedras chamadas kwe pelos San serviam para lastrear estacas com as quais desenterravam raízes comestíveis Entretanto não se provou que essa técnica tenha sido difundida pelo grupo San Assim por exemplo entre os Galla da Etiópia meridional e da região do Harar utiliza se o dongora longa estaca lastreada com uma pedra em forma de anel para cavar a terra O mesmo dispositivo é usado para tornar mais pesado o pilão com que se amassa o tabaco De qualquer modo a mais antiga população da África meridional não deve ser restringida aos Pigmeus nas florestas e aos San nas savanas Ao lado destes outros povos devem ter existido Descobriu se em Angola o grupo dos Kwadi que pela língua e pelo gênero de vida aproxima se muito dos San No início do século XX Vedder estudou os Otavi remanescentes de grupos antigos Esses povos têm estatura pequena e vivem da caça e da coleta distinguindo se dos San pela tez muito escura e lábios grossos Autodenominam se Nu khoin isto é homens negros em oposição aos Khoi Khoi a quem chamavam homens vermelhos Seu sistema de numeração muito original difere nitidamente do sistema decimal usado pelos Khoi Khoi Grupos como esses que subsistem provavelmente em outras regiões ajudam a esclarecer a história tão complexa do povoamento original das florestas e savanas da África central e meridional Tal complexidade transparece nos planos lexical e fonético das línguas bantu a presença de cliques por exemplo sugere contatos interétnicos muito antigos Assim existem discrepâncias entre as línguas bantu às vezes mesmo no nível da estrutura dos radicais como no caso do grupo Dzing no noroeste da área bantu Essa anomalia é sem dúvida resultado da influência de um substrato linguístico preexistente Os Pigmeus e os San constituem hoje grupos numericamente 310 Metodologia e pré história da África muito pequenos em relação ao grupo negro predominante e mesmo à raça afro mediterrânica da África do Norte Atualmente o mapa linguístico da África não coincide com a distribuição dos tipos raciais embora tal concordância possa ter ocorrido num passado remoto Mas durante um longo período os antigos grupos étnicos se multiplicaram migraram e se cruzaram não mais havendo coincidência entre a evolução linguística e o processo de formação dos tipos raciais Por processo de formação de tipos raciais entende se a herança genética e a gradual adaptação ao meio ambiente A não concordância entre as distribuições racial e linguística é patente no caso dos povos do Sudão zona de confluência de dois tipos diferentes de famílias linguísticas A África do Norte incluindo a Mauritânia e a Etiópia pertence à vasta área das línguas camito semíticas Essa denominação não parece pertinente pois sugere que as línguas dessa família se dividem em dois grupos um semítico e outro camítico De fato no século XIX denominavam se semíticas as línguas desse grupo faladas no Oriente Próximo e camíticas as línguas faladas na África Mas o semitólogo francês M Cohen observou não haver argumentos que justificassem essa divisão em dois grupos Atualmente costuma se classificar as línguas dessa família em cinco grupos semítico cuchítico berbere7 egípcio antigo8 e o grupo linguístico do Chade Assim as línguas dessa grande família linguística são faladas por diversas raças semíticas e negras No extremo sul do continente africano as línguas san às quais devem ser acrescentadas as línguas kwadi em Angola e hadzapi na Tanzânia parecem pertencer a um grupo específico tendo como característica comum a presença de c1iques e a estrutura isolante Talvez fosse mais prudente chamá las línguas paleoafricanas assim como se usa o termo paleoasiático para as línguas das regiões do extremo nordeste da Ásia As línguas khoi khoi cujo sistema gramatical é diferente não deveriam ser incluídas neste grupo Os Khoi Khoi são criadores de gado que sem dúvida emigraram do nordeste para o sul da África estabelecendo se em meio a grupos autóctones San Alguns destes adotaram a língua dos Khoi Khoi como é o caso dos povos encontrados nos montes Otavi e talvez mesmo dos Naron do núcleo central A hipótese de que o itinerário acima indicado corresponda realmente ao da expansão dos Khoi Khoi através das savanas da África oriental a partir do Alto Nilo parece confirmada pelo fato 7 De acordo com alguns autores o berbere faz parte do grupo semítico 8 De acordo com alguns egiptólogos africanos o egípcio antigo é uma das línguas negro africanas ver cap 1 v II 311 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas figura 1113 Mulheres zulu Foto ARobillard Col Museu do Homem 312 Metodologia e pré história da África de existir na Tanzânia perto do lago Eyasi o grupo Sandawe cuja língua parece relacionada à dos Khoi Khoi A história dos Khoi Khoi permanece contudo um dos pontos mais obscuros da evolução étnica da África Segundo Westphal os diques das línguas khoi khoi teriam sido emprestados às línguas dos San Teoria interessante mas até agora não provada As savanas da África oriental foram sem dúvida a primeira região do continente a ser povoada Hoje são habitadas por negros de língua bantu que foram precedidos pelos grupos San e Khoi Khoi cujos remanescentes são os Sandawe e os Hadzapi Outros povos da mesma região falam línguas cuchíticas ou pertencentes a outros grupos como por exemplo o Iraqw Todas essas línguas são anteriores à expansão das línguas bantu algumas das quais apareceram em épocas relativamente recentes Entre a área das línguas camito semíticas do norte e a das línguas paleoafricanas do sul intercala se o vasto domínio das línguas chamadas por M Delafosse de negro africanas por Meinhof e Westermann de sudanesas e bantu enquanto J Greenberg as coloca nas famílias Congo Kordofaniana e nilo saariana Em 1963 reconhecendo a unidade dessas línguas propus chamá las línguas zindj Dentro dessa categoria geral famílias ou grupos linguísticos poderiam eventualmente ser distinguidos segundo o resultado das pesquisas A expressão línguas negro africanas é insatisfatória O primeiro termo parece confundir as noções de raça e língua Ora os habitantes negros das Américas e da própria África falam línguas totalmente diferentes O segundo termo da expressão africanas também é inadequado posto que todas as línguas faladas pelos habitantes da África inclusive o africâner são línguas africanas Além disso a divisão das línguas negro africanas em dois grupos sudanesas e bantu também parece errônea uma vez que os estudos de D Westermann demonstraram que as línguas da África ocidental têm muitas características em comum com as línguas bantu do ponto de vista lexical e estrutural Esse trabalho preparou o caminho para uma revisão geral da classificação das línguas africanas que a escola linguística alemã lançou de maneira tão desastrosa A classificação proposta por Greenberg é baseada no método denominado mass comparison Tendo em conta os traços fundamentais do sistema gramatical baseia se principalmente no léxico Aplicando esse método Greenberg distinguiu em 1954 16 famílias linguísticas na África e mais tarde apenas 12 Em 1963 esse número foi reduzido a quatro Uma queda tão rápida no número de famílias linguísticas indica claramente que o método não foi suficientemente elaborado e que houve pressa excessiva em produzir a todo custo uma classificação 313 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas figura 1114 Mulher peul Foto Archives outre mer Figura 1115 Mulher peul das proximidades de Garoua Boulay Camarões Foto Hoa Qui Figura 1116 Jovem peul do Mali Foto A A A Naud 314 Metodologia e pré história da África Das quatro famílias mantidas por Greenberg o grupo afro asiático corresponde na verdade à própria família camito semitica Quanto à família dita de línguas com cliques mais tarde chamada khoisan compreende as línguas dos povos San e Khoi Khoi Como já foi afirmado essa combinação é errônea Além da família níger congo à qual Greenberg juntou mais tarde as línguas do Kordofan ele distingue um quarto grupo formado pelas línguas nilo saarianas cuja estrutura porém até agora foi muito pouco estudada Em 1972 Edgar Gregersen usando o método de Greenberg chegou à conclusão de que todas as línguas dessas duas últimas famílias podiam ser reunidas em uma só família linguística para a qual propôs o nome de congo saariana Essa opinião vem de encontro à minha proposta de reunir todas essas línguas sob a denominação de grupo zindj O grupo é caracterizado pelo uso de tons variantes e classes nominais ao contrário das línguas camito semíticas ou eritreias cujos traços específicos são o acento e o gênero gramatical É possível que estudos posteriores revelem o caráter específico de uma língua em particular ou grupos de línguas dentro da família zindj ou congo saariana mas esta por ora apresenta o mesmo tipo de coerência que a família indo europeia por exemplo Dentro da grande família zindj as línguas bantu apresentam sem dúvida um aspecto de grande homogeneidade como demonstram os trabalhos de W H I Bleek C Meinhof e M Guthrie Dentre os subgrupos identificados por D Westermann nos grupos linguísticos sudaneses o mande é com certeza o de identidade mais definida A leste e oeste do grupo mande estão as línguas que Westermann denominou oeste atlânticas ou gur Contudo essas línguas estão longe de apresentar a mesma homogeneidade que as línguas mande de tal forma que os linguistas britânicos identificaram entre elas um grupo distinto que denominaram línguas mel De fato essa região do extremo oeste africano foi um refúgio onde vagas sucessivas de pequenos povos se comprimiram pressionadas pela chegada de novas populações Algumas dessas línguas ainda conservam traços característicos das línguas bantu sendo o caso mais notável o da língua bullom A hipótese anterior da unidade das línguas gur foi derrubada pelos trabalhos de Manessy autoridade eminente na área A presença nessas línguas de classes nominais formadas de maneiras variadas pelo uso de prefixos sufixos e mesmo infixos reflete a complexidade étnica dessa área que serviu de refúgio a muitos dos assim chamados grupos paleonegríticos que se distribuem pelas áreas montanhosas em todo o Sudão do Senegal ao Kordofan São considerados remanescentes dos mais antigos habitantes autóctones do Sudão o que todavia parece pouco provável dada a diversidade linguística e a variedade de tipos físicos do mosaico 315 Migrações e diferenciações étnicas e linguísticas de grupos que se acumularam nessas áreas inóspitas As crônicas sudanesas referem se a alguns desses eventos demonstrando assim que não se trata de um processo muito antigo Por isso a fragmentação dialetal na África deve ser ligada antes de tudo a causas históricas que impulsionaram vagas ou infiltrações migratórias Dentre as línguas do Sudão oriental que são as menos estudadas as nilóticas constituem talvez um grupo à parte uma espécie de família geneticamente integrada que deve ter se desenvolvido durante um longo período de isolamento A extrema complexidade da composição étnica e linguística dos povos do Sudão oriental é mostrada no notável trabalho dos linguistas ingleses M A Bryan e A N Tucker Seguindo um método ao que parece bastante racional utilizaram como critérios certos traços linguísticos característicos opondo as línguas TK e NK Dentre os grupos linguísticos dessa grande família congo saariana as línguas bantu apresentam um parentesco genético tão notável que pode ser encarado como um fenômeno relativamente recente Não só linguistas como também historiadores e arqueólogos empenharam se em elucidar a gênese dos Bantu Mas as hipóteses diferem Alguns presumem que a migração bantu partindo do norte mais precisamente da região do Camarões ou da bacia do Chade teria margeado a floresta de modo a contorná la a leste e passando pela África oriental ter se ia difundido na África meridional Outros como Sir H Johnston acreditam que os Bantu vieram diretamente da região centro africana através da floresta do Zaire Por fim alguns estudiosos de acordo com a teoria do linguista M Guthrie que situa o núcleo linguístico protótipo dos Bantu entre os Luba e Bemba no Alto Zaire apontam essa região como seu lugar de origem Avançando ainda mais chega se a apresentar os povos de língua bantu como uma unidade cultural e biológica esquecendo se que o termo bantu é apenas uma referência linguística Todavia alguns arqueólogos associam a difusão do ferro na parte meridional do continente à migração dos Bantu que teriam introduzido uma tecnologia superior Ora ao desembarcar na ilha de Fernando Pó no fim do século XV os portugueses encontraram uma população que falava bubi língua bantu mas que desconhecia o uso do ferro Esse erro que consiste em confundir língua e modo de vida ou de produção já tinha sido cometido pelos etnógrafos que acumularam no conceito de camita uma unidade de raça língua e civilização ora importa não insistir em se procurar tipos puros na evolução histórica De fato os povos Bantu diferem grandemente do ponto de vista antropológico cor da pele altura dimensões corporais etc Assim os Bantu das florestas têm características somáticas diferentes dos Bantu que vivem na savana Também há grandes variações no tipo de atividade econômica e na organização 316 Metodologia e pré história da África social Alguns grupos Bantu são matrilineares outros patrilineares uns usam máscaras e mantêm sociedades secretas outros não têm nada semelhante O denominador comum é a estrutura linguística baseada em classes nominais tendo sempre os índices dessas classes uma expressão fonética similar fundada num sistema verbal único Nas savanas do Sudão povos que falavam línguas com classes nominais em que as diferenças de tonalidade tinham um papel importante aparentemente coexistiram durante longo tempo À medida que o Saara se dessecava esses povos se retiravam para áreas mais úmidas as montanhas do norte o vale do Nilo a leste e o grande lago paleochadiano ao sul Esses grupos de caçadores e criadores de gado suplantaram os povos autóctones que foram forçados a se retirar para o sul penetrando a floresta ou contornando a pelo leste Essas migrações não estão necessariamente relacionadas com o início da difusão do ferro mas é certo que o conhecimento de metalurgia que possuíam os povos recém chegados conferia lhes vantagem sobre os autóctones As jazidas de cobre assim como o trabalho antigo deste metal situam se na mesma região que foi identificada por Guthrie como o ponto focal do domínio bantu onde as línguas luba e bemba apresentam a maior porcentagem de palavras pertencentes ao vocabulário comum a todas as línguas bantu O desenvolvimento da manufatura do cobre impulsionou a posterior expansão da civilização Quanto maior a distância do ponto focal menor a pureza do tipo linguístico bantu pois na medida dessa distância aumenta a miscigenação dos povos de língua bantu com povos de outras línguas Esse caso específico nos mostra que os conceitos de língua tipo antropológico e civilização nunca devem ser confundidos mas que no povoamento gradual do continente por diferentes grupos humanos o modo de produção deve ter frequentemente atuado como vetor principal da expansão linguística e mesmo da predominância de determinadas características biológicas C A P Í T U L O 1 2 317 Classificação das línguas da África Como qualquer outro conjunto de entidades as línguas podem ser classificadas de infinitas maneiras Um método particular porém comumente chamado de método de classificação genética possui características singulares e importantes de modo que ao empregarmos o termo classificação sem outras especificações em relação à língua estaremos referindo nos a este tipo de classificação É o método em que se baseará a minuciosa classificação apresentada nas últimas seções deste capítulo Natureza e objetivos da classificação das línguas Uma classificação genética apresenta se sob a forma de conjuntos de unidades hierárquicas que possuem a mesma organização lógica de uma classificação biológica em espécies gêneros famílias etc em que os membros do conjunto situado em um determinado nível se incluem em conjuntos de um nível superior Poder se ia apresentá la também sob a forma de uma árvore genealógica O fato de duas ou mais línguas compartilharem de um ancestral imediato numa arvore genealógica significa serem elas provenientes de dialetos de uma mesma língua que se diferenciaram pela evolução Tal classificação pode ser ilustrada com o exemplo bastante conhecido do indo europeu Uma vez que ainda não se conseguiu estabelecer que o indo europeu tenha pertencido a um grupo mais abrangente considerá lo emos o nível mais alto PARTE I Classificação das línguas da África J H Greenberg 318 Metodologia e pré história da África A família indo europeia divide se em um certo número de ramificações em que figuram entre outros o germânico o celta o eslavo e o indo iraniano Equivale a dizer que a primeira comunidade linguística indo europeia dividiu se em um certo número de dialetos o germânico o celta etc O germânico por sua vez dividiu se em três dialetos o gótico o germânico ocidental e o escandinavo O gótico extinguiu se tendo chegado ao nosso conhecimento através de antigos registros ao passo que o germânico ocidental se diferenciou em anglo frisão baixo alemão e alto alemão Atualmente cada um deles constitui um grupo de dialetos locais sendo que alguns servem de base a línguas padronizadas como por exemplo o alemão dialeto alto alemão o neerlandês dialeto baixo alemão e o inglês dialeto anglo frisão A importância das classificações realizadas segundo tais princípios reside principalmente no fato de refletirem a história real da diferenciação étnica dentro do domínio da língua Além disso formam a base necessária à aplicação dos métodos da linguística comparativa que permite reconstruir grande parte da história linguística de vários grupos Por fim esse conhecimento da história linguística fornece a base necessária para inferências acerca da história cultural não linguística dos grupos em questão História da classificação das línguas da África Evidentemente não seria possível empreender uma classificação completa das línguas da África sem uma compilação exaustiva de dados empíricos relativos a essas línguas Somente no início do século XIX é que se puderam reunir elementos suficientes para uma primeira tentativa de classificação Antes disso porém já se tinham feito algumas observações relevantes para a classificação com base em uma compilação de dados cujo início pode ser fixado no século XVII época em que surgem as primeiras gramáticas e dicionários de línguas africanas1 Para exemplificar no início do século XVII Luis Moriano observou que a língua malgaxe assemelhava se muito ao malaio o que prova de maneira quase cabal que os primeiros habitantes vieram dos portos de Malaca2 Pela mesma época 1 Para maiores informações sobre a história da linguística africana ver C M DOKE e D T COLE 1961 D T COLE In T A SEBEOK dir 1971 p 1 29 Encontram se por vezes palavras provenientes de línguas africanas nas obras de autores medievais Ver a esse respeito M DELAFOSSE 1912 1914 p 281 88 e C MEINHOF 1919 1920 p 147 52 2 Relation du voyage de découverte fait à lîle Saint Laurent dans les années 1613 1614 manuscrito português publicado em tradução francesa In A e G GRANDIDIER 1903 1920 p 22 319 Classificação das línguas da África vários pesquisadores portugueses observaram a semelhança entre as línguas de Moçambique na costa oriental da África e as de Angola e do Congo a oeste prenunciando assim o conceito de uma família de línguas bantu a abranger a maior parte do terço meridional do continente O outro exemplo são as descrições do gueze e do amárico feitas por Hiob Ludolf no século XVII que mostram terem essas línguas etíopes algum parentesco com o hebraico o aramaico e o árabe O século XVIII pouco contribuiu para o conhecimento das línguas africanas Perto do fim desse período contudo constatamos que o conceito básico de classificação genética começa a tornar se mais claro sob a forma de hipóteses específicas a respeito da existência de certas famílias de línguas hipóteses estas que constituíram no século XIX a base do desenvolvimento da linguística enquanto ciência histórico comparativa As obras sobre história da linguística comumente citam a afirmação de William Jones 1786 acerca do parentesco das línguas indo europeias como o fator decisivo para esse desenvolvimento Tais ideias já pairavam no ar cinco anos antes Marsden enunciara pelo menos com igual clareza hipótese semelhante a propósito das línguas malaio polinésias assim como fizera Gyarmathy em relação às línguas fino úgricas Tal evolução se fez acompanhar de uma verdadeira mania de coletar materiais comparativos sobre um grande número de línguas A primeira obra dessa natureza foi o Glossarium Comparativum Linguarum Totius Orbis de 1787 patrocinado por Catarina a Grande imperatriz da Rússia a edição revisada de 1790 1791 incluía dados de trinta línguas africanas No início do século XIX assistimos a uma acentuada aceleração na produção de gramáticas e dicionários de línguas africanas assim como na publicação de listas comparativas de palavras de um considerável número dessas línguas como as de Kilham 1828 Norris 1841 e Clarke 18483 A mais importante dessas listas tanto pela extensão quanto pelo caráter sistemático de sua organização e de sua simbolização fonética é sem dúvida a clássica Polyglotta Africana compilada em Freetown Serra Leoa por S W Koelle4 O acúmulo de dados no início do século XIX foi concomitante às primeiras tentativas de classificação de conjunto como por exemplo as realizações de Balbi e nas sucessivas edições de Inquiry into the Physical History of Mankind as de Prichard5 3 KILHAM H 1828 NORRIS E 1841 CLARKE I 1848 4 KOELLE S W 1963 5 BALBI A 1826 A última edição de J C PRICHARD foi revista e aumentada por E NORRIS PRICHARD J C 1855 320 Metodologia e pré história da África Embora diferindo em detalhes certas conclusões geralmente aceitas emergiram no decorrer da primeira metade do século XIX Algumas foram comprovadas por pesquisas posteriores enquanto outras tiveram pelo menos o mérito de levantar questões que os classificadores vieram a resolver posteriormente Os resultados a que se chegou em 1860 podem ser resumidos da seguinte forma O termo semítico introduzido por Schlözer em 1781 já possuía praticamente a acepção atual6 A existência de um ramo etíope desta família incluindo o gueze etíope clássico e as línguas modernas como o amárico e o tigrina estava bem estabelecida Já havia sido observada a semelhança e provável parentesco de algumas outras línguas com o semítico entre elas se incluíam o antigo egípcio o berbere e o cuxita Estas últimas são faladas principalmente na Etiópia e na Somália Alguns autores incluíram na mesma categoria o haussa da África ocidental Essas línguas foram por vezes chamadas de subsemíticas O termo camítico foi proposto por Renan em 18557 Atribui se a Lichtenstein o mérito de ter sido o primeiro a distinguir claramente entre as línguas da África do Sul as línguas khoi e san de um lado e as línguas bantu de outro8 Já se reconhecia claramente na época a existência deste último grupo de línguas estreitamente aparentadas também chamado família cafre ou família de línguas sul africanas O termo bantu extraído da palavra que significa homens em um grande número dessas línguas foi proposto pela primeira vez por W H I Bleek que em 1851 estabeleceu as bases do estudo comparativo das línguas bantu Trata se de um termo universalmente empregado até hoje Restava ainda um grupo muito extenso que compreendia a maior parte das línguas faladas no Sudão ocidental e oriental e que não podiam ser classificadas dentro dos grupos acima mencionados as línguas que não eram nem semíticas nem camíticas nem san nem bantu Eram chamadas de modo geral línguas negras e constituíam o maior problema dos classificadores Norris em sua revisão da obra de Prichard em 1855 admitiu que elas escapavam à classificação e que os Negros até então haviam sido 6 SCHLOZER A L Von parte 8 1781 p 161 7 RENAN E 1855 p 189 8 LICHTENSTEIN H 1811 1812 321 Classificação das línguas da África considerados como constituintes de uma raça mais por razões fisiológicas do que filológicas9 Embora até recentemente todas as classificações de conjunto das línguas africanas separassem completamente as línguas bantu das línguas ditas negras alguns observadores notaram que muitas das línguas consideradas negras principalmente as da África ocidental mostravam parentesco com o grupo bantu Ao que parece o primeiro a atentar para esse fato foi o bispo O E Vidal em sua introdução à gramática do ioruba de Samuel Crowther10 Bleek deu uma definição geral ao termo bantu estendendo sua aplicação à maior parte da África ocidental até o 13o grau de latitude norte do Senegal ao Nilo superior11 Essa ideia fundamental foi retomada por Westermann muito tempo depois sob forma modificada e de modo mais explícito por Greenberg na classificação corrente nos dias de hoje A filiação do malgaxe ao malaio polinésio e consequentemente o seu não parentesco com as línguas da África já haviam sido observados como vimos no século XVII e eram geralmente aceitos A década de 1860 destacou se pela publicação de duas classificações completas que deveriam dominar o campo até quase 1910 A primeira foi a de Lepsius que apareceu em duas versões em 1863 e 188012 A outra foi a de Friedrich Müller que também teve duas versões a de 1867 e a de 188413 A obra de Müller forneceu a base para o importante estudo de R N Cust que contribuiu para difundir sua obra nos países de língua inglesa O estudo de Cust é uma fonte extremamente preciosa para a bibliografia da linguística africana até aquela época Tanto Lepsius como Müller excluíram de suas classificações o malgaxe considerando o uma língua não africana Para os demais linguistas o principal problema era o das línguas negras e sua posição em relação ao bantu por ser este dentre todos os grupos de línguas faladas pelos povos negros o único extenso e bem determinado Tanto na classificação de Müller como na de Lepsius as considerações raciais representaram um papel muito importante embora de modo diferente 9 PRICHARD J C 1855 v I p 427 10 VIDAL O E In CROWTHER S 1852 11 BLEEK W H I 1862 1869 v I p 8 12 LEPSIUS C R duas edições 1863 e 1880 13 MÜLLER F 1867 1876 1884 Para as línguas africanas ver I 2 1877 e III 1 1884 322 Metodologia e pré história da África Lepsius adotou como base de sua classificação o critério dos tipos de classificação do substantivo Tal enfoque provinha do trabalho anterior de Bleek 185114 Bleek ficara impressionado com o que considerava a diferença fundamental entre as línguas bantu que possuíam sistemas complexos de classes nominais em que o gênero baseado em sexo não desempenhava nenhuma função e as línguas semíticas e camíticas que tinham a distinção de gênero baseada no sexo como princípio de classificação nominal Aplicando tal critério Bleek classificou o khoi khoi entre as línguas camíticas por possuir este tipo de distinção de gênero apesar de se assemelhar às línguas san em quase todos os outros aspectos Lepsius tomando como ponto de partida a ideia geral de Bleek considerou que dentre as línguas faladas por populações negras o bantu em que a classificação nominal não se baseia no sexo era a língua original ao passo que as demais tornaram se mistas pela influência das línguas camíticas Classificou as línguas em quatro grupos 1 bantu 2 negro misto 3 camítico 4 semítico No entanto existem duas categorias fundamentais a línguas bantu e negras mistas línguas com classes nominais b línguas semíticas e camíticas línguas com distinção de gênero Afinal haveria a possibilidade de se demonstrar que estas últimas têm parentesco com o indo europeu que também possui distinção de gênero baseada no sexo De fato Lepsius agrupava o indo europeu o semítico e o camítico numa mesma família que chamou de noíta com três ramos que representavam os três filhos de Noé Sem Cam e Jafet Declara explicitamente a superioridade das línguas com distinção de gênero Parece indubitável no entanto que os três grandes ramos das línguas com distinção de gênero não só tenham sido no passado os depositários e os órgãos do processo histórico da civilização humana mas também que neles e particularmente no ramo mais jovem o jafético repousa a esperança futura do mundo15 O parentesco intelectual das teorias camíticas é evidente desde Bleek até as teorias posteriores de Meinhof passando pelas de Lepsius Na obra exaustiva de Müller publicada em 1884 todas as línguas conhecidas do mundo são classificadas segundo a hipótese de uma relação fundamental entre o tipo físico do falante e a língua Suas principais divisões são as línguas dos povos de cabelos lisos as línguas dos povos de cabelos crespos etc Essa hipótese o leva por exemplo a classificar o khoi khoi não entre as línguas camíticas como faz Lepsius mas entre as línguas das raças de cabelos ondulados 14 BLEEK W H I 1851 15 LEPSIUS C R 1880 p 90 323 Classificação das línguas da África juntamente com o papua A maioria das línguas negras distribuem se entre as línguas negro africanas e bantu Sua hipótese sobre essa questão é exatamente oposta à de Lepsius uma vez que considera as primeiras como representantes do tipo original e as segundas suas derivadas Para ele certo número de línguas faladas por populações negras pertence a um grupo culturalmente mais avançado chamado nuba fula cujos falantes são fisicamente semelhantes aos mediterrânicos e aos dravídicos classificados como populações de cabelos encaracolados Nos trabalhos de Cust que divulgam as opiniões de Müller aos leitores de língua inglesa as línguas da África aparecem divididas em seis grupos 1 semítico 2 camítico 3 nuba fula 4 negro 5 bantu 6 khoisan As discussões em torno da classificação ficaram suspensas durante algum tempo e o interesse dos linguistas concentrou se na árdua tarefa científica de descrever as línguas africanas A obra de Westermann sobre as línguas sudanesas 1911 e a de Meinhof sobre as camíticas 1912 inauguram o período moderno16 A primeira dessas obras cuja tese fundamental foi ao que parece inspirada em Meinhof introduziu o termo sudanês que abrangia quase todas as línguas da África não incluídas nos grupos semítico camítico em seu sentido mais amplo dado por Meinhof bantu e san Portanto designava essencialmente todas as línguas antes chamadas línguas negras Dentro dessa vasta coleção Westermann selecionou oito línguas sem fornecer entretanto a lista completa das quais cinco eram do Sudão ocidental e três do Sudão oriental e procurou estabelecer parentesco entre elas através de uma série de etimologias e de formas ancestrais reconstituídas Meinhof já célebre por sua obra fundamental sobre o estudo comparativo do bantu procurou em seu livro sobre as línguas camíticas estender os limites da família camítica para além dos geralmente aceitos incluindo línguas como o fulfulde o massai e seguindo Lepsius o khoi khoi baseando se essencialmente no critério do gênero A obra deixava transparecer claramente sua convicção da superioridade racial camítica17 Do trabalho conjunto de Meinhof e Westermann surgiu uma divisão em cinco grupos semítico camítico sudanês bantu e san Essas conclusões foram difundidas nos países de língua inglesa por Alice Werner e tornaram se norma nos manuais de antropologia e de linguística18 16 WESTERMANN D 1911 MEINHOF C 1912 17 A hipótese camítica tornou se a base de uma interpretação cultural e histórica muito desenvolvida Sobre essa questão ver E R SANDER 1969 p 521 32 18 WERNER A 1915 e 1930 324 Metodologia e pré história da África Tal classificação não permaneceu inconteste durante seu período de predominância aproximadamente 1910 1950 Embora não figurasse nos manuais comuns a crítica mais importante veio do próprio Westermann em seu relevante trabalho sobre as línguas sudanesas ocidentais 192719 Nesta obra ele restringe sua concepção anterior das línguas sudanesas às línguas do oeste da África e identifica através de minuciosa documentação léxica e gramatical um certo número de subgrupos distintos no interior do sudanês ocidental por exemplo o atlântico ocidental o kwa e o gur Mais importante ainda é o fato de ter assinalado as semelhanças de detalhe entre o sudanês ocidental e o bantu quanto ao vocabulário e à estrutura gramatical sem entretanto afirmar seu parentesco de modo explícito De fato Sir Henry Johnston em sua extensa obra sobre o bantu e o semibantu tinha considerado muitas línguas da África ocidental como sendo aparentadas ao bantu20 Tais línguas eram por ele denominadas semibantu Continuou entretanto a respeitar o critério tipológico da classificação do nome de modo que se entre duas línguas estreitamente relacionadas uma possuísse classes nominais era considerada semibantu enquanto a outra não É necessário ainda mencionar brevemente outras classificações do período entre 1910 e 1950 das quais apenas a de Delafosse alcançou alguma difusão A classificação proposta por A Drexel procurou demonstrar a relação entre as famílias de línguas africanas e as culturas relação esta postulada pela Kulturkreislehre O africanista francês M Delafosse contrariamente aos pesquisadores alemães da época limitou o camítico ao berbere21 ao egípcio e ao cuxita e reuniu todas as outras línguas que não eram semíticas nem khoisan numa grande família negro africana22 Além de identificar dezesseis ramíficações não bantu muitas das quais fundamentadas em critérios geográficos e não puramente linguísticos Delafosse considerava ao que parece que o bantu deveria estar incluído entre as línguas negro africanas Parte da terminologia de Delafosse é ainda utilizada correntemente entre africanistas de expressão francesa Deve se também mencionar Mlle Homburger que partindo 19 WESTERMANN D 1927 20 JOHNSTON S H 1919 1922 21 Nota acrescentada a pedido de um membro do Comitê Esta classificação não é apenas contrária às opiniões de pesquisadores alemães mas também à verdade científica pura Os linguistas norte africanos apontaram os motivos políticos que levaram a escola colonialista francesa a classificar a língua berbere entre as línguas camito semíticas A realidade é que o berbere é uma língua semítica e mesmo uma das mais antigas línguas dessa família juntamente com o acadiano e o hebraico Assim não é nem camito semítico nem afro asiático como se diz em outras partes deste capítulo Ver particularmente em árabe M El Fasi O berbere língua irmã do árabe Atas da Academia do Cairo 1971 22 DELAFOSSE M 1924 p 46560 325 Classificação das línguas da África igualmente da noção de unidade linguística africana concebida entretanto de modo ainda mais amplo adotou a teoria de uma fonte egípcia como explicação dessa unidade e mesmo sem atentar para a contradição a de uma derivação longínqua a partir das línguas dravídicas da Índia23 Entre 1949 e 1950 o autor do presente capítulo definiu em uma série de artigos publicados no Southwestern Journal of Anthropology uma classificação nova em muitos aspectos que acabou por obter aceitação geral24 Por seu método diferia em vários pontos das classificações anteriores Era estritamente genética no sentido definido na introdução deste capítulo Portanto considerava probantes as grandes semelhanças entre grupos de línguas que envolviam ao mesmo tempo som e significado quer se tratasse de raízes do vocabulário quer de formantes gramaticais As semelhanças relativas apenas ao som por exemplo a presença de tons ou as que se referem apenas ao significado como por exemplo a existência do gênero gramatical sem concordância das formas fonéticas das desinências eram consideradas irrelevantes Tais características tipológicas como vimos desempenhavam um papel importante nas classificações precedentes Assim a existência por exemplo dos gêneros masculino e feminino não era considerada por si só uma prova de parentesco pois essa distinção de gênero pode aparecer e de fato aparece independentemente em diversas partes do mundo Por outro lado a existência de um marcador do gênero feminino t em todas as ramificações do afro asiático camito semítico constitui um índice positivo de parentesco Do mesmo modo a ausência de distinção de gênero por perda da categoria não constitui em si uma prova negativa Esses princípios são geralmente aceitos nas áreas onde os métodos comparativos estão bem estabelecidos como por exemplo no indo europeu O persa o armênio e o hitita entre outros não fazem distinção de gênero o que já não ocorre com a maior parte das demais línguas da família As antigas classificações como a de Lepsius não utilizavam nem citavam provas concretas para seus agrupamentos Em sua obra sobre o sudanês Westermann forneceu etimologias mas apenas para oito línguas tomadas entre centenas A única obra anterior a 1950 a apresentar provas detalhadas foi o trabalho de Westermann sobre o sudanês ocidental referente apenas a uma parte da África Na classificação do autor do presente capítulo foram apresentadas etimologias e características gramaticais comuns específicas 23 HOMBURGER L 1941 24 Para a versão mais recente da classificação de GREENBERG ver J H GREENBERG 1966 b Uma bibliografia da literatura onde se discute essa questão é encontrada em D WINSTON Greenbergs classification of African languages African Language Studies v 7 1966 p 160 70 Para um ponto de vista diferente ver o capítulo 11 da autoria do Professor D OLDEROGGE Ver também Ch A DIOP 326 Metodologia e pré história da África para todos os grupos importantes de acordo com um estudo exaustivo da literatura As propostas concretas mais importantes algumas das quais provocaram acirradas controvérsias entre os especialistas são as seguintes Admite se o parentesco do bantu com o sudanês ocidental com base nos dados de Westermann O bantu tornou se não um ramo distinto dessa família mais ampla mas apenas um subgrupo dentro do que Westermann denominou subgrupo benue congo semibantu do sudanês ocidental Ademais muitas outras línguas faladas mais a leste ramo adamaua oriental fazem parte dessa família que recebeu o novo nome de níger congo Dentre as extensões do camítico propostas por Meinhof somente o haussa se conservou Além disso o haussa é apenas um membro de um extenso ramo chádico do camito semítico O semítico aí se inclui mas simplesmente como um ramo da mesma classe dos outros Assim o camítico torna se somente um nome arbitrário para os ramos não semíticos da família maior agora chamada de afro asiática e considerada como sendo constituída por cinco ramos 1 berbere 2 egípcio antigo 3 semítico 4 cuxítico 5 chádico25 As línguas negras não incluídas no grupo níger congo foram classificadas em um outro grande grupo o nilo saariano O khoi khoi foi classificado como uma língua san pertencente ao grupo central do khoisan da África do Sul O resultado global é que as línguas africanas excluindo se o malgaxe classificam se em quatro famílias principais que nas seções que se seguem serão examinadas individual e pormenorizadamente26 Nesta exposição mencionam se conforme o caso propostas recentes para modificar ou estender a classificação original bem como as críticas mais fundamentais 25 LUKAS I 1938 p 286 99 COHEN M 1947 26 Para listas de línguas mais detalhadas que não é possível fornecer aqui devido à limitação de espaço ver I H GREENBERG 1966 b nos volumes da série Handbook of African Languages publicado pelo International African Institute de Londres e C F e F M VOEGALIN lndex of the Worlds Languages Washington U S Department of the H E W Office of education bureau of research maio 1973 6 partes 327 Classificação das línguas da África Línguas afro asiáticas27 Estas línguas também chamadas de camito semíticas cobrem toda a África do Norte e quase todo o chifre da África Etiópia Somália algumas línguas do ramo cuxítico estendem se ao sul até a Tanzânia Ademais o ramo semítico inclui línguas que atualmente ou em épocas anteriores abrangiam quase todo o Oriente Médio Em geral considera se que o afro asiático compreende cinco divisões quase igualmente diferenciadas o berbere28 o egípcio antigo o semítico o cuxítico e o chádico No entanto Fleming aventou recentemente que o grupo de línguas até agora classificado como cuxítico ocidental em que se incluem o kafa e outras línguas do sudoeste da Etiópia na verdade constitui um sexto ramo para o qual se propuseram os nomes omótico e ari banna29 O ramo berbere do afro asiático apresenta menos diferenciação interna do que qualquer outro ramo da família com exceção do egípcio Sua principal divisão parece estar entre as línguas de diversos grupos tuaregue do Saara e o berbere propriamente dito falado na África do Norte e na Mauritânia É provável que a língua extinta dos guanchos das Ilhas Canárias fosse aparentada ao berbere É necessário mencionar ainda a existência de inscrições em Líbio antigo que embora não sejam perfeitamente compreensíveis representam possivelmente uma forma primitiva do berbere Um segundo ramo do afro asiático o egípcio está documentado em seu estágio mais primitivo nas inscrições hieroglíficas nos papiros hieráticos e mais recentemente nos documentos em escrita demótica Todas essas escritas representam a mesma língua falada No período cristão essa língua continuou a ser falada e desenvolveu extensa literatura escrita em um alfabeto adaptado do grego Nesta forma mais tardia chamada copta existiam alguns dialetos literários entre os quais o boáirico que ainda sobrevive como língua litúrgica da igreja copta Após a conquista do Egito pelos árabes a antiga língua egípcia foi pouco a pouco perdendo terreno e se extinguiu enquanto língua falada provavelmente no século XVII 27 No Simpósio sobre o povoamento do Egito antigo realizado no Cairo os pesquisadores africanos ressaltaram que a classificação do Professor GREENBERG havia negligenciado um dado fundamental o estabelecimento de regras fonéticas A posição desses pesquisadores é também a do Professor Tstvan Fodor Estes mesmos pesquisadores levantaram argumentos para provar o parentesco linguístico genético do egípcio e das línguas africanas modernas 28 Cf nota 21 acima 29 FLEMING H C 1969 p 3 27 328 Metodologia e pré história da África O ramo semítico do afro asiático apresenta muito mais diferenciação interna do que o berbere e o egípcio Admite se geralmente que a principal divisão do semítico seja a existente entre o semítico oriental e o semítico ocidental O primeiro é representado apenas pela língua acadiana de escrita cuneiforme já há muito extinta Possuía dois dialetos regionais básicos o do sul babilônio e o do norte assírio Por sua vez o semítico ocidental divide se em semítico do noroeste e semítico do sudoeste O primeiro compreende o cananeu hebraico moabita fenício e provavelmente ugarítico e o aramaico Destas línguas apenas sobrevivem o hebraico ressuscitado como língua de Israel no decorrer do século passado e alguns dialetos do aramaico As formas modernas do aramaico representam os descendentes do aramaico ocidental no Anti Líbano da Síria e do aramaico oriental principalmente no norte do Iraque O semítico do sudoeste também possui duas divisões a do norte e a do sul O ramo do norte compreende a maior parte dos dialetos da península árabe e seus descendentes modernos que dominam uma vasta área a abranger a África do Norte o Oriente Médio e partes do Sudão ou seja o mundo árabe propriamente dito O ramo do sul compreende por um lado o árabe do sul e por outro as línguas semíticas da Etiópia O árabe do sul é conhecido em sua forma primitiva através de inscrições mineias sabeias e catabânicas e em suas formas contemporâneas do mehri e do shahri da Arábia do Sul e do socotri língua da ilha de Socotra no Oceano Índico As línguas semíticas etíopes dividem se em dois grupos norte tigrina tigre e gueze ou etíope clássico e sul amárico gurague argoba gafat e harari O quarto grupo de línguas afro asiáticas o cuxítico compreende um grande número de línguas que se repartem em cinco ramos bastante diferenciados setentrional central oriental meridional e ocidental O cuxítico setentrional é formado essencialmente por uma única língua o beja As línguas do cuxítico central são por vezes chamadas línguas agaw É provável que tenham sido faladas em uma área contínua mas seus antigos falantes passaram a adotar em grande proporção as línguas semíticas etíopes Os falasha ou judeus etíopes falavam antigamente uma língua agau As línguas do cuxítico central compreendem um grupo norte bilim khamir qemant e o awiya no sul O cuxítico oriental compreende as duas línguas cuxíticas com o maior número de falantes o somali e o gala As línguas do cuxítico oriental repartem se nos seguintes grupos l afar saho 2 somali baiso rendille boni 3 gala conso gidole arbore warazi tsamai geleba mogogodo 4 sidamo alaba darassa hadiya kambatta burdji O último destes grupos ou sidamo burdji deve provavelmente ser considerado como um único ramo em oposição aos outros três grupos As línguas do 329 Classificação das línguas da África cuxítico meridional são faladas na Tanzânia abrangendo o burungi o goroa o alawa o ngomvia asu o sanye e o mbugu Este grupo meridional encontra se linguisticamente mais próximo do cuxítico oriental e pode ser classificado simplesmente como um subgrupo deste O mbugu língua cuxítica meridional sofreu forte influência do bantu tanto gramatical como lexical de modo que alguns pesquisadores a consideram uma língua mista As línguas do cuxítico ocidental são extremamente divergentes das outras línguas tradicionalmente consideradas cuxíticas O cuxítico poderia ser dividido em pelo menos dois grupos o ocidental e o restante Como assinalamos anteriormente Fleming propôs que o cuxítico ocidental fosse considerado um sexto ramo distinto do afro asiático As línguas que o compõem podem ser divididas em dois grupos o ari banna o termo bako foi empregado em lugar de ari na literatura antiga e as demais que por sua vez podem ser agrupadas da seguinte forma 1 madji nao sheko 2 djandjero 3 kaffa mocha shinasha mao do sul 4 gimira 5 grupo ometo sidamo ocidental que engloba o chara o male o basketo o complexo welamo o zaysse e o koyra gidicho O último ramo do afro asiático a ser considerado é o chádico Compreende o haussa a língua mais falada na África ocidental e provavelmente outras cem línguas pelo menos faladas por populações menos numerosas De acordo com Greenberg 1963 as línguas chádicas dividiam se em nove subgrupos 1 a haussa gwandara b bede ngizim c i grupo do warjawa bauchi do norte ii grupo do barawa bauchi do sul d i grupo do bolewa ii grupo do angas iii grupo do ron 2 grupo kotoko 3 bata margi 4 a grupo musgoi b grupo marakam 5 gidder 6 mandara gamergu 7 musgu 8 grupo masa bana 9 chádico oriental a grupo somrai b grupo gabere c grupo sokoro d modgel e tuburi f grupo mubi Newman e Ma sugeriram que dentre as subfamílias acima as de número 3 e 6 são particularmente próximas uma da outra o mesmo ocorrendo com as subfamílias 1 e 9 Para o primeiro desses pares propõem o nome de biumandara e para o segundo de plateau sahel30 Estes autores não propõem nenhuma modificação no que concerne aos outros subgrupos Níger Kordofaniano Esta família possui dois ramos bastante desiguais em número de falantes e em extensão geográfica O primeiro níger congo compreende grande parte da 30 NEWMAN P e MA R 1964 p 218 51 330 Metodologia e pré história da África África ao sul do Saara incluindo quase toda a África Ocidental partes do Sudão central e oriental sendo que seu sub ramo bantu ocupa a maior parte da África central oriental e meridional Outro ramo do níger kordofaniano o kordofaniano propriamente dito confina se a uma zona limitada da região do Kordofan no Sudão A divisão fundamental do grupo níger congo está entre as línguas mande e o restante O mande distingue se pela ausência de muitos dos itens lexicais mais comuns encontrados nas línguas do níger congo e pela ausência de qualquer traço preciso de classificação nominal geralmente encontrados no kordofaniano e no resto do níger congo Existem por certo muitas línguas distintas no níger congo que perderam tal sistema Devido a essa divergência Mukarovsky sugeriu que o mande fosse considerado um ramo do nilo saariano a outra grande família de línguas negras mas o célebre especialista em línguas mande William E Welmers não aceita essa proposição31 Hoje admite se universalmente que a divisão do mande em mande tan e mande fu proposta por Delafosse32 e baseada na palavra que designa o número dez é inteiramente desprovida de valor As línguas mande podem ser classificadas do seguinte modo Grupo noroeste 1 subgrupo norte susu yalunka soninke kwela numu ligbi vai kono khassonke e maninka bambara diula 2 subgrupo sudoeste mande bandi loko loma kpelle Grupo sudeste 1 subgrupo sul mano dan tura mwa nwa gan guro 2 subgrupo oriental samo bisa busa Uma única língua o sya bobofing não se enquadra nesta lista Ela é claramente mande mas talvez deva ser corisiderada como a primeira ramificação diferenciada desse grupo de modo que geneticamente representaria um dos dois grupos sendo o outro mande propriamente dito As outras línguas níger congo são classificadas por Greenberg 1963 em cinco ramos 1 oeste atlântico 2 gur 3 kwa 4 benue congo 5 adamaua oriental Entretanto os grupos 2 3 e 4 são particularmente próximos e formam uma espécie de núcleo no interior do qual o limite entre o benue congo e o kwa em particular não está bem definido33 O termo línguas oeste atlânticas foi introduzido por Westermann em 1928 e abrange sensivelmente as mesmas línguas que o senegalês guíneense de Delafosse e dos pesquisadores franceses que o sucederam Essas línguas 31 MUKAROVSKY H G 1966 p 679 88 32 DELAFOSSE M 1901 33 Sobre esta questão ver J H GREENBERG 1963 c p 215 17 331 Classificação das línguas da África constituem dois grupos claramente delimitados um norte e um sul Este fato associado à diversidade interna principalmente do grupo norte levou Dalby a sugerir que se abandonasse o conceito de oeste atlântico e que se considerasse independente o subgrupo sul constituído pelo grupo sudoeste atlântico de Greenberg com exceção do limba Para este grupo ele propõe o termo mel34 No entanto num estudo mais recente David Sapir apoiado em evidências glotocronológicas reafirma a unidade básica do oeste atlântico tal como foi concebido tradicionalmente e inclui o limba no ramo sul35 Como principal inovação esse estudioso propõe que se classifique o bidjago língua das ilhas Bidjago em um ramo separado da classe dos ramos norte e sul o que corresponde à minha impressão sobre a divergência desta língua Convém notar que o fulfulde fula ou fulea considerado como língua camítica por Meinhof e objeto de muita controvérsia se inclui agora de comum acordo no grupo oeste atlântico A classificação do oeste atlântico é portanto a seguinte Ramo norte 1 a fula seereer b wolof 2 grupo noon 3 dyola mandjaco balante 4 a tenda basari bedik konyagi b biafada pajade c kobiana banhum d nalu Ramo sul 1 sua kunante 2 a temne baga b sherbro krim kisi c gola 3 limba Bidjago Outro grupo importante dentro do níger congo é o gur também chamado voltense sobretudo na literatura francesa As sugestões mais recentes para a subclassificação do grupo gur são as de Bendor Samuel de quem seguimos aqui as linhas básicas Convém observar que a maior parte das línguas consideradas gur pertencem a um subgrupo bastante grande que Bendor Samuel denomina gur central36 esse subgrupo corresponde ao grupo mossi grunshi das pesquisas anteriores O gur central pode ser dividido em três subgrupos 1 more gurma 2 grupo grusi 3 tamari Os outros subgrupos do gur são 1 bargu bariba 2 lobiri 3 bwamu 4 kulango 5 kirma tyurama 6 win 7 grupo senufo 8 seme 9 dogon Ainda que se admita a existência de um grupo kwa distinto do benue congo acima mencionado existem dois subgrupos o kru no extremo oeste e o ijo no extremo leste cuja pertinência ao kwa pode ser considerada duvidosa Feitas 34 DALBY D A 1965 p 1 17 35 Ver SAPIR D p 113 40 na coleção dirigida por SEBEOK SAPIR no entanto faz algumas ressalvas a respeito das conclusões citadas no texto 36 Para detalhes sobre os subgrupos estou seguindo J T BENDOR SAMUEL In T A SEBEOK op cit p 141 78 332 Metodologia e pré história da África essas ressalvas os principais subgrupos do kwa são os seguintes relacionados tanto quanto possível segundo a direção oeste leste 1 línguas kru 2 kwa ocidental que compreende o ew fõ o akan guang atualmente chamado por vezes de volta camoe o gã adangme e as línguas residuais do Toga 3 ioruba igala 4 grupo nupe 5 grupo edo 6 grupo idoma 7 ibo 8 ijo O benue congo é essencialmente o mesmo subgrupo do níger congo que Westermann denominou benue cross ou semibantu com a inclusão do bantu no interior da subdivisão bantóide Existem quatro divisões fundamentais dentro do benue congo 1 línguas do planalto 2 jukunóide 3 rio Cross cuja principal língua é a da comunidade efik ibibio 4 bantóide que compreende o bantu o tiv e um grande número de línguas menores faladas na área do curso médio do Benue Certas línguas da Nigéria antes consideradas semibantu no sentido amplo são em geral classificadas como bantu atualmente é o caso dos grupos ekoi e jarawa A principal divisão no interior do próprio bantu pode situar se entre essas línguas e o bantu no sentido tradicional O bantu neste último sentido parece dividir se em bantu oriental e bantu ocidental Para uma subdivisão mais detalhada emprega se geralmente a divisão de Guthrie em zonas designadas por letras modificadas de maneiras diversas por vários especialistas37 A classificação do grupo bantu tomado em seu conjunto como subgrupo do benue congo ele mesmo um ramo da grande família níger congo constituiu um dos aspectos mais controvertidos da classificação de Greenberg Guthrie em particular adotou a tese de que o bantu é geneticamente independente e as inúmeras semelhanças encontradas entre o bantu e outras línguas do níger congo resultam de influências bantu sobre um grupo de línguas fundamentalmente diferentes Dessa hipótese deduziu que o ponto de origem do bantu é o núcleo do Shaba meridional ao passo que Greenberg o situa no vale médio do Benue na Nigéria porque as línguas de parentesco mais estreito do subgrupo bantóide do benue congo são faladas nessa região38 O último grupo do níger congo é o ramo adamaua oriental O grupo adamaua compreende um grande número de comunidades linguísticas relativamente pequenas dentre as quais pode se citar como exemplos o tchamba e o mbum O ramo oriental compreende algumas línguas de maior importância como por exemplo o gbeya na República Centro Africana e o zande39 37 A respeito desta classificação ver M GUTHRIE 1948 38 Sobre a controvérsia a respeito do bantu ver M GUTHRIE 1962 p 273 82 R OLIVE R 1966 p 361 76 e J H GREENBERG 1972 p 189 216 39 Uma lista detalhada das línguas adamaua oriental encontra se em J H GREENBERG 1966 p 9 333 Classificação das línguas da África Contrariamente à vasta família níger congo que acabamos de examinar o outro ramo do níger kordofaniano ou seja as línguas kordofanianas propriamente ditas não compreende nenhuma língua de importância e partilha as colinas do Kordofan com várias línguas da família nilo saariana Pode ser dividido em cinco subgrupos bastante diferenciados dos quais o grupo tumtum é o que apresenta maior grau de divergência 1 koalib 2 tegali 3 talodi 4 katla 5 tumtum também chamado kadugli krongo40 Família Nilo Saariana A outra grande família de línguas negro africanas é a nilo saariana De modo geral é falada a norte e a leste das línguas níger congo e predomina no vale superior do Nilo e nas porções orientais do Saara e do Sudão Entretanto possui um alongamento ocidental no Songhai no baixo vale do Níger Compreende um ramo muito extenso o chari nilo que engloba a maior parte das línguas da família As ramificações do nilo saariano são as seguintes indo de oeste para leste na medida do possível 1 songhai 2 saariano a kanuri kanembu b teda daza c zaghawa berti 3 maban 4 furian 5 chari nilo para maiores detalhes ver os parágrafos seguintes 6 coman koma ganza uduk gule gumuz e mao As línguas chari nilo compreendem dois grupos principais o sudanês oriental e o sudanês central bem como duas línguas isoladas o berta e o kunama O sudanês oriental é o grupo mais importante do nilo saariano Contém dez subgrupos 1 núbio a núbio do Nilo b núbio do Kordofan c midob d birked 2 grupos murle didinga 3 barea 4 ingassana tabi 5 nyima afitti 6 temein tois um danab 7 grupo merarit 8 dagu grupo dajo 9 nilótico dividido em a nilótico ocidental burum grupo luo e dinka nuer nilótico oriental i grupo bari ii karamojong teso turkana masai nilótico meridional nandi suk tatoga 10 nyangiya teuso ik A classificação de dois subgrupos do nilótico o oriental e o meridional foi motivo de calorosas controvérsias Meinhof classificando o masai entre as línguas camíticas tinha ao que parece a intenção de incluir outras línguas desses dois grupos apesar de sua estreita semelhança com as línguas aqui classificadas no grupo nilótico ocidental como o chilluk o luo e o dinka A separação de línguas tão semelhantes como o chilluk e o masai por exemplo deve se principalmente ao 40 Informações mais detalhadas sobre as línguas kordofanianas são encontradas em J H GREENBERG 1966 p 149 334 Metodologia e pré história da África fato de esta última possuir distinção de gênero Westermann assumiu uma posição de compromisso ao chamar de nilo camíticas as línguas dos nilotas orientais e meridionais baseado provavelmente na hipótese de que eram línguas mistas Ele conservou apenas o termo nilótico ocidental Tucker foi inicialmente do mesmo parecer mas acabou por reaproximar essas línguas do nilótico denominando as paranilóticas41 Há ainda um outro caso recente de divergência de opiniões Hohenberger compara o masai ao semítico enquanto Huntingford procura aparentemente fazer reviver a velha suposição de Meinhof de que essas línguas são camíticas42 O outro grupo importante do chari nilo é o sudanês central Pode se dividi lo em seis subgrupos a saber l bongo bagirmi 2 kreish 3 moru madi 4 mangbetu 5 mangbutu efe 6 lendu Família Khoisan Todas as línguas khoisan possuem cliques entre as consoantes e a maioria de seus falantes pertence ao tipo san fisicamente característico A maior parte das línguas khoisan é falada na África do Sul Entretanto existem dois pequenos grupos de populações os Hatsa e os Sandawe situados muito mais ao norte na Tanzânia cujas línguas diferem acentuadamente tanto entre si quanto das línguas do grupo da África do Sul Desse modo a família divide se em três ramos 1 hatsa 2 sandawe 3 khoisan sul africano O khoisan sul africano compreende três grupos de línguas 1 grupo norte que engloba as línguas san do norte dos Auen e dos Kung 2 khoisan central dividido em dois grupos a kiechware b naron khoi khoi 3 san do sul grupo que apresenta a maior diferenciação interna com um número considerável de línguas san distintas43 Como vimos nos parágrafos que tratam da história da classificação alguns linguistas Bleek Lepsius e mais tarde Meinhof separaram o khoi khoi do san e o incluíram no camítico Uma forma modificada dessa teoria é atualmente sustentada por E O J Westphal44 que divide o grupo aqui denominado khoisan em duas famílias independentes Uma delas sandawe khoi khoi compreende o 41 Ver TUCKER A N e BRYAN M A 1966 42 Sobre estes desenvolvimentos ver G W B HUNTlNGFORD 1956 p 200 22 J HOHENBERGER 1956 p 281 87 e J H GREENBERG 1957 p 364 77 43 Ver a opinião contrária do Professor D OLDEROGGE capítulo 11 44 WESTPHAL E O J 1966 p 158 73 335 Classificação das línguas da África sandawe e as línguas do khoisan central Todas estas línguas exceto o kiechware fazem distinção de gênero Nada se diz a respeito de um possível parentesco com o camito semítico A outra família handza san compreende o hatsa e as línguas san do norte e do sul Na opinião de Westphal porém o parentesco entre o hatsa e as línguas san não está completamente definido A língua malgaxe que veio a dominar as línguas de origem africana faladas em algumas regiões da ilha de Madagáscar não se inclui na classificação acima Jamais se discutiu sua pertinência à família austronesiana malaio polinésia Seu parente mais próximo dentro da família é provavelmente a língua maanyan de Bornéo45 Outra língua que não se menciona na classificação é o meroítico46 língua morta escrita em um alfabeto que adota duas formas a hieroglífica e a cursiva Extinguiu se por volta do século IV da nossa era e é conhecida apenas através de vestígios arqueológicos encontrados em uma área que vai aproximadamente de Assuã no sul do Egito até Cartum no Sudão Apesar de se ter determinado o valor fonético das letras o conhecimento do léxico e da gramática é limitado e impreciso devido à ausência de inscrições bilíngues Segundo Griffith autor da primeira teoria a esse respeito o meroítico corresponderia ao núbio A hipótese camítica Meinhof Zyhlarz foi refutada em um importante artigo de Hintze Mais recentemente a hipótese núbia foi retomada de forma desenvolvida por Trigger que sugere pertencer ela ao sub ramo sudanês oriental do nilo saariano o qual na classificação de Greenberg também compreende o núbio47 Finalmente faz se necessário mencionar as línguas europeias e indianas de importação recente que em alguns casos são faladas atualmente por populações nascidas na África O inglês além de falado na África do Sul e no Zimbabwe é a língua dos descendentes de negros americanos que fundaram a Libéria é falado também na forma crioula krio em Freetown Serra Leoa O africâner parente próximo do neerlandês é falado na África do Sul Existe na África do Norte uma importante população de línguas francesa espanhola e italiana Uma forma crioula do português constitui a primeira língua de alguns milhares de falantes da Guiné e de outras regiões Finalmente algumas línguas originárias da Índia são utilizadas na África oriental Compreendem as línguas arianas e dravidianas sendo a mais importante o gujarati 45 As provas que sustentam esta hipótese são apresentadas em O C DAHL 1951 46 Cabe lembrar que no importante simpósio realizado no Cairo em janeiro fevereiro de 1974 relatou se em que estágio se encontram as pesquisas referentes à decifração da escrita meroítica ver volume II 47 Sobre esta questão ver F HINTZE 1955 p 355 72 e B G TRIGGER KUSH v 12 p 188 94 336 Metodologia e pré história da África Diferentes Etapas da Classificação de Greenberg I 1949 1950 1 Níger Congo 2 Songhai 3 Macro sudanês I5 sudanês oriental I3 sudanês central I14 berta I15 kunama 4 Saariano central 5 Afro asiático 6 Clique 7 Maban I8 Maban I9 Mimi of Nachtigal 8 Fur 9 Temainiano 10 Kordofaniano 11 Koaman 12 Nyangiya 1 Nígero kordofaniano II1 Níger Congo II10 Kordofaniano 2 Afro asiático 3 Khoisan cf II6 Clique 4 Nilo Saariano II2 Songhai II4 Saariano cf Saariano central II7 Maban II8 Fur II11 Koman Chari Nilo incluindo II3 Macro sudanês II9 Temainiano II12 Nyangiya Referências I Southwestern Journal of Anthropology 1949 1950 II Southwestern Journal of Anthropology 1954 III Languages of Africa 1963 III 1963 1 Níger Congo 2 Shongai 3 Sudanês central 4 Saariano central 5 Sudanês oriental 6 Afro asiático camito semítico 7 Clique 8 Maba 9 Mimi de Nachtigal 10 Fur 11 Temainiano 12 Kordofaniano 13 Koman 14 Berta 15 Kunama 16 Nyangiya II 1954 C A P Í T U L O 1 2 337 Mapa linguístico da África Embora tenha uma densidade populacional inferior à do mundo tomado como um todo1 a África possui um grau de complexidade linguística mais elevado do que qualquer outro continente2 Isso explica por que não existe até o momento um mapeamento linguístico detalhado do continente africano apesar de tão necessário aos historiadores e outros estudiosos O mapa etnodemográfico da África estabelecido pela União Soviética é provavelmente o que mais se aproxima da precisão até esta data3 embora peque por falta de clareza torna se confuso no tocante a distinções linguísticas e étnicas e sobrecarrega se de dados demográficos e etnolinguísticos além disso todos os nomes africanos são transcritos em alfabeto cirílico Outros mapas do continente que indicam mais os grupos étnicos que os linguísticos são de modo geral por demais simplificados para apresentarem algum valor científico4 1 Ocupando aproximadamente 20 da superfície terrestre total do globo a África representa pouco menos de 10 da população mundial 2 A Nova Guiné pouco mais de um quarto da superfície total da África possui um grau de complexidade linguística igual ou até mesmo superior ao do continente africano mas em nenhuma outra parte do mundo existe uma zona de fragmentação linguística tão importante por sua extensão geográfica quanto à região da África situada ao sul do Saara 3 NARODNI AFRIKI Moscou 1960 V tb KARTA NARODOV AFRIKI Moscou 1974 4 Por exemplo Tribal map of Africa in G P MURDOCK 1959 ou Map of the tribes and nations of modern Africa de Roy LEWIS e Yvonne FOY publicados pelo TIMES no início da década de 1970 PARTE II Mapa linguístico da África D Dalby 338 Metodologia e pré história da África figura 121 Mapa diagramático das línguas da África Não se pode é claro evitar um certo excesso de simplificação ao se tentar obter uma imagem de conjunto da distribuição das línguas no continente africano e das relações existentes entre elas Para que um mapa tivesse precisão 339 Mapa linguístico da África absoluta seria necessário que cada habitante do continente africano fosse representado por um ponto luminoso isolado esse ponto se moveria indicando o deslocamento de cada indivíduo no território e deveria assumir um dentre dois mil matizes conforme a língua falada pela pessoa num determinado momento Dada a impossibilidade material de estabelecer um tal mapa devemos nos contentar com um documento que sem atingir a perfeição é esperamos mais detalhado e mais exato que os atualmente disponíveis Há dez anos desenvolve se um trabalho no sentido de se elaborar um mapa da África especificamente linguístico em oposição ao étnico O presente artigo volta sua atenção para os aspectos desse trabalho que são relevantes para a história da África5 Não obstante sua aparência técnica o estudo comparativo das línguas africanas tem sido realizado frequentemente de maneira demasiado simplista existe uma tendência a admitir que o complexo mapa linguístico da África de hoje evoluiu de um antigo mapa muito mais simples e que as relações linguísticas podem ser expressas sob a forma de árvores genealógicas que se subdividem segundo uma hierarquia descendente de níveis famílias subfamílias ramos etc A crença de que as muitas centenas de línguas modernas da África podiam remontar em ordem ascendente regular a algumas línguas mãe levou os especialistas em linguística comparada a examinarem todas as relações possíveis das línguas africanas inclusive as mais distantes antes de estabelecerem suas relações imediatas sobre uma base sólida Levou os ainda a considerarem essencialmente o processo histórico de divergência entre as línguas com uma suposta origem comum excluindo o processo de convergência das línguas não aparentadas ou de reconvergência das línguas aparentadas As lastimáveis consequências de tal abordagem agravaram se ainda mais pelo fato de que as classificações pseudo históricas obtidas por esses meios serviram igualmente de quadro de referência não apenas para as línguas africanas mas também para os povos africanos e por conseguinte influenciaram indevidamente o pensamento dos historiadores da África 5 LANGUAGE MAP OF AFRICA AND THE ADJACENT ISLANDS em curso de elaboração pela School of Oriental and African Studies SOAS e pelo International African Institute IAI O mapa tem por objetivo mostrar a distribuição atual e as relações linguísticas das línguas maternas ou primeiras na escala de 15000000 neste mapa figuram igualmente as regiões de maior complexidade linguística na escala de 12500000 e 1250000 O IAI procede atualmente 1977 à publicação de uma edição provisória contendo uma lista sistemática das línguas africanas em vista de uma edição definitiva a ser publicada ulteriormente pela Longmans 340 Metodologia e pré história da África É conveniente pois antes de mais nada procurar esclarecer a confusão do mapa linguístico da África reduzindo o a seus componentes mais simples a saber de um lado grupos linguísticos que mantenham entre si uma relação estreita e harmônica e que possuam uma unidade tanto externa quanto interna6 unidades complexas de outro línguas distintas que não participem de nenhum desses grupos unidades simples Tal procedimento revela uma importante característica do mapa linguístico que permanecia encoberta pelas classificações anteriores de um total de cerca de 120 unidades complexas e simples de toda a África mais de 100 confinam se a uma única zona que se estende do litoral senegalês a oeste até os planaltos da Etiópia e da África oriental a leste7 Considerando se todas as diferentes línguas do continente africano8 aproximadamente dois terços são faladas nesta zona com cerca de 5600 km de extensão e apenas 1100 km em média de largura Essa zona estende se ao longo do Saara podendo ser denominada por comodidade zona de fragmentação subsaariana devido à sua situação geográfica e complexidade linguística Seus limites podem ser determinados pela geografia física e linguística grosso modo limita se ao norte com o Saara a leste com os contrafortes montanhosos ao sul com a orla da floresta e a oeste com o litoral atlântico Do ponto de vista da geografia física as áreas de fragmentação máxima situam se ao longo das margens norte oriental central e ocidental da zona de fragmentação na extremidade meridional do chifre da África e num bloco que cobre uma grande parte da África ocidental Do ponto de vista das relações estruturais e lexicais de conjunto a área mais fragmentada situa se provavelmente no interior e ao redor da extremidade do chifre da África onde as línguas que representam 6 Se se estabelece uma relação entre as línguas A B e e pode se considerar que possuem uma unidade interna Esse agrupamento no entanto não tem sentido se as línguas em questão não possuírem também uma unidade externa isto é se a relação entre A e B entre A e e ou entre e e B é em cada um desses casos mais íntima que entre uma dessas três línguas e qualquer outra que não faça parte desse grupo 7 Entre as restantes não menos que nove unidades compreendem as línguas faladas nos limites da zona de fragmentação excluindo se apenas unidades não bantu do sul da Africa e de Madagáscar 8 No caso de muitos grupos de formas de linguagem mais ou menos estreitamente aparentados só se podem estabelecer distinções arbitrárias entre as línguas e os dialetos das línguas Se se considera os grupos de formas de linguagem mais ou menos inteligíveis como línguas distintas o total na África será da ordem de 1250 Se se considera cada uma das formas de linguagem como uma língua em si onde aparece como tal para seus falantes e onde possui nome distinto o total então aproxima se de 2050 Se este último método fosse aplicado à Europa deveria se considerar o sueco o norueguês e o dinamarquês como línguas distintas mas segundo o outro método seriam consideradas como uma única língua A fim de se obter uma ordem de grandeza para o número de línguas faladas na África propõe se que seja tirada a média destas duas avaliações isto é aproximadamente 1650 línguas das quais 1100 calculadas pelo mesmo processo são faladas no interior da zona de fragmentação 341 Mapa linguístico da África as quatro famílias africanas postuladas por Greenberg são faladas em um raio que não ultrapassa 40 km Nesse caso e no caso das colinas do Togo do planalto de Jos dos planaltos de Camarões dos montes Nuba e dos planaltos da Etiópia ocidental parece existir uma correlação entre os países montanhosos e a intensa fragmentação linguística9 Deve se observar ainda que as relações internas de certas unidades complexas representadas por línguas pertencentes ou não à zona de fragmentação tornam se cada vez menos nítidas nos pontos de interpenetração da zona de fragmentação10 A importância linguística e histórica da zona de fragmentação ficou obscurecida pela sobreposição de uma rede de famílias e de subfamílias de línguas postuladas por linguistas europeus e americanos Dentre elas as duas famílias mais extensas ultrapassam em interesse e validade as outras duas grandes famílias da classificação de Greenberg ou até mesmo as várias subfamílias em que foram tradicionalmente divididas Uma vez que a palavra família implica uma ordem de descendência de natureza humana e biológica que não convém ao fenômeno da linguagem poder se ia utilizar o termo região de maior afinidade para designar adequadamente cada uma dessas duas famílias notadamente por ocuparem áreas mais ou menos contíguas do continente africano A primeira dessas áreas a região setentrional de maior afinidade é tradicionalmente conhecida como camito semítica e mais recentemente como afro asiática Greenberg ou eritreia Tucker A segunda ou região meridional de maior afinidade foi recentemente denominada de níger congo e de congo kordofaniano Greenberg ou de nigrítica Murdock11 Não há controvérsia sobre a validade global dessas duas regiões de maior afinidade evidentes para os linguistas europeus desde o século XVII12 e sem dúvida há muito mais tempo para os observadores africanos A relativa importância dessas duas regiões de maior afinidade se expressa pelo fato de compreenderem mais 9 Como ponto de comparação interessante cabe notar que existe uma zona de fragmentação análoga para as línguas indígenas da América do Norte Essa zona essencialmente montanhosa tem mais de 3000 km de comprimento e aproximadamente 300 km de largura estende se paralelamente à costa do Pacífico do sul do Alasca até a fronteira mexicana e inclui uma área de fragmentação máxima ao norte da Califórnia onde representantes de seis dentre oito das principais famílias postuladas para as línguas indígenas norte americanas situam se num raio de cerca de 160 km 10 A saber línguas semíticas cuxítico do leste e bantu incluindo se as línguas bantoides 11 A família congo kordofaniana de GREENBERG compreende sua família níger congo mais um pequeno grupo de línguas com classes de parentesco mais distante no Kordofan Nigrítico é um termo de classificação mais antigo retomado em 1959 por MURDOCK 12 Ver o capítulo de GREENBERG neste volume GREENBERG também ressalta o fato de que a relação entre o malgaxe e o malaio já fora observada da mesma maneira no século XVII 342 Metodologia e pré história da África de 80 das línguas faladas na África sendo que só a área meridional de maior afinidade abrange aproximadamente 66 das diferentes línguas do continente Segundo a classificação tradicionalista empregada no atual mapa linguístico as línguas da região setentrional de maior afinidade dividem se em um total de 17 unidades complexas e simples 12 das quais situam se integralmente na zona de fragmentação e as línguas da região meridional de maior afinidade em um total de 58 unidades complexas e simples 57 das quais situam se integralmente na zona de fragmentação13 Há uma razão importante para não se estabelecerem níveis intermediários nas relações entre as zonas fundamentais de maior afinidade a nível continental e as unidades simples ou complexas a nível relativamente local Por uma razão ainda não determinada esses níveis intermediários de relação linguística são muito mais obscuros e difíceis de definir do que os níveis fundamentais e imediatos Assim é que a unidade da família oeste atlântica kwa gur ou benue congo no interior da região meridional de maior afinidade ou a unidade da família cuxítica ou chádica no quadro da região setentrional de maior afinidade nunca foram demonstradas de maneira cabal Embora se tenha apontado anos atrás esta importante falha da classificação tradicional europeia e americana das línguas africanas14 esses níveis intermediários de classificação continuam ocupando lugar de destaque na literatura especializada A sustentação dessas divisões arbitrárias impostas ao mapa linguístico da África podem de certo modo ser comparadas à história das divisões coloniais arbitrárias impostas ao mapa político do continente Greenberg prestou um grande serviço à linguística africana chamando a atenção para o uso arbitrário do termo camítico como nível intermediário de classificação15 mas infelizmente é o responsável pela perpetuação do uso arbitrário de muitos outros Vários desses níveis16 já haviam sido questionados pelos linguistas mas o Professor Stewart publicou recentemente uma refutação ainda mais clara do grupo benue congo a maior das subfamílias da classificação postulada por Greenberg 13 Dentro da região meridional de maior afinidade a única unidade complexa situada em grande parte fora da zona de fragmentação é o bantu Por outro lado esta unidade complexa compreende quase tantas línguas cerca de 500 quanto o total das outras 57 unidades dessa região de maior afinidade 14 Ver D DALBY 1970 p 147 71 em particular 157 61 15 Ver o artigo de J GREENBERG neste volume 16 Ver D DALBY op cit p 160 343 Mapa linguístico da África Um resultado importante de todo este recente trabalho sobre as línguas do grupo benue congo foi colocar em dúvida a validade deste grupo enquanto unidade genética Primeiramente admitira se de modo incontestável que Greenberg estava com a razão ao afirmar que muitas inovações comuns poderiam ter valor de prova embora na realidade mencionasse apenas uma a palavra que significa criança Williamson relata entretanto que quando se levam em consideração correspondências fonéticas regulares observa se que tal particularidade não se limita às línguas benue congo e assim não constitui prova convincente acrescenta que em todo o volume I de Benue Congo Comparative Wordlist não existe um único exemplo que constitua uma prova convincente17 Quando Stewart nos aponta as dúvidas antigas acerca da unidade externa do grupo benue congo não se pode deixar de imaginar por que os especialistas da linguística comparada relutaram tanto em abandoná lo em seus sistemas de classificação Infelizmente parece ter se perdido toda a lição prática do benue congo e ao invés de abandonar este e outros níveis não comprovados de classificação intermediária Stewart prefere perpetuar o esquema de Greenberg amalgamando benue congo com kwa e gur estes dois conceitos igualmente arbitrários para formar uma outra subdivisão também arbitrária do níger congo conhecido agora como volta congo18 Sem dúvida teremos de esperar pelo resultado de outros trabalhos de linguística comparada antes que o volta congo de Stewart se amplie ainda mais de modo a incluir todo o níger congo ou a região setentrional de maior afinidade único nível fundamental de unidade externa e interna que permanece claro e inconteste Os historiadores deveriam notar que a grande aceitação da classificação standard de Greenberg repousa principalmente com respeito ao níger congo em sua própria aceitação dos Gruppen de Westermann ou subfamílias das línguas da África ocidental Como já foi ressaltado Westermann não estabeleceu a unidade externa de seus Gruppen19 enquanto sua unidade interna demonstra apenas pertencerem as línguas que os constituem à região setentrional de maior afinidade 17 J M STEWART 1976 p 6 18 Ironicamente constata se que o mande é a única subfamília intermediária da família níger congo de Greenberg que se apresenta clara e incontestável A nitidez dessa divisão reflete o fato de ser ela a única de suas subfamílias putativas cuja pertinência fundamental à família níger congo não pode ser posta em dúvida 19 D DALBY op cit 344 Metodologia e pré história da África Embora os historiadores não devam aceitar sem reservas as classificações existentes das línguas africanas não seria demais ressaltar a importância do mapa linguístico da África enquanto fonte de informações sobre a pré história do continente Obras de maior profundidade ainda estão por vir e aguarda se uma nova geração de historiadores das línguas que sejam eles próprios falantes de línguas africanas Estarão estes habilitados a consolidar os trabalhos preliminares imprescindíveis à realização de uma comparação exata e minuciosa de línguas próximas e estreitamente aparentadas A partir daí então será possível voltar se para uma interpretação mais estratégica do mapa linguístico da África como um todo Embora possua um grau de complexidade linguística maior do que qualquer outro continente a África se notabiliza pelo fato de que dois terços de suas línguas pertencem a uma só área de maior afinidade e de que esses dois terços compostos de modos diferentes confinam se à zona de fragmentação subsaariana A África de língua bantu é a única região do continente a ter constituído objeto de discussões importantes a respeito da interpretação pré histórica de dados linguísticos A chave para a interpretação pré histórica desses dados em escala continental será uma melhor compreensão de nossa parte das relações linguísticas no interior da zona de fragmentação Entretanto a extensão da tarefa não poderia ser subestimada C A P Í T U L O 1 3 345 Geografia histórica aspectos físicos É difícil sem dúvida separar a história africana de seu cenário geográfico No entanto seria inútil apoiar se em reflexões deterministas para compreender em toda a sua complexidade as relações estabelecidas entre as sociedades africanas e seu respectivo meio ambiente Cada comunidade de fato reagiu de maneira peculiar em relação ao meio Assim as tentativas mais ou menos bem sucedidas de ordenação do espaço testemunham aqui e ali o grau de organização dos homens e a eficácia de suas técnicas de exploração dos recursos locais Para uma África em mudança porém é importante examinar determinadas particularidades geográficas capazes de elucidar os principais acontecimentos que marcaram a longa perspectiva geo histórica do continente Com respeito a este ponto as características da arquitetura da África como um todo sua extraordinária zonalidade climática e a originalidade de seus meios naturais constituem heranças que impediram ou facilitaram a atividade humana sem jamais determinar seu desenvolvimento Decididamente nada é simples nas relações íntimas entre a natureza africana e os homens que a ocupam exploram ordenam e transformam de acordo com sua organização política recursos técnicos e interesses econômicos Características da arquitetura do continente africano Admite se em geral que a África pertence a um continente muito antigo que antes de se desunir e se deslocar vagarosamente compreendia a América Geografia histórica aspectos físicos S Diarra 346 Metodologia e pré história da África o sul da Ásia e a Austrália Este continente Gonduana seria a manifestação dos primeiros esforços orogênicos da crosta terrestre que deram origem a grandes cordilheiras orientadas geralmente na direção sudoeste nordeste Estes dobramentos fortemente desgastados por longa denudação foram reduzidos a peneplanos cujos maiores exemplares são encontrados na África Originalidade geológica da África A originalidade do continente africano é atestada primeiramente pela extensão excepcional do embasamento pré cambriano que ocupa a maior parte da superfície Ora na forma de afloramentos que cobrem um terço do continente ora coberto por uma camada de espessura variável de sedimentos ou de material vulcânico este embasamento compreende rochas metamórficas xisto quartzito gnaisse e rochas cristalinas granito muito antigas e de grande rigidez Com exceção do sistema alpino do Magreb e das dobras hercinianas do Cabo e do sul do Atlas o conjunto da África e Madagáscar formam uma plataforma antiga e estável constituída por um escudo que não sofreu dobramentos apreciáveis desde o Pré Cambriano Sobre o pedestal arrasado por uma longa erosão depositaram se em discordância formações sedimentares dispostas em camadas suborizontais de idades variadas desde o começo do período Primário até o Quaternário Essas séries sedimentares compostas de material grosseiro e geralmente arenoso são de natureza mais continental que marinha pois as transgressões marinhas só recobriram o pedestal temporária e parcialmente Na África ocidental os arenitos primários formam uma auréola no interior dos afloramentos da plataforma pré cambriana Na África austral grandes depósitos permotriássicos continentais constituem o sistema do Karroo no qual as séries de arenitos atingem 7000 metros de espessura Ao norte do continente particularmente no Saara oriental e na Núbia os arenitos jurássicos e cretáceos são continentais intercalados No período Secundário porém as séries marinhas acumularam se do Jurássico ao Eoceno nas regiões costeiras e nas bacias interiores Podem ser observadas nos golfos do Senegal Mauritânia Benin Gabão e Angola na bacia do Chade e nas planícies costeiras da África oriental da Somália a Moçambique A partir do Eoceno os depósitos fluviais e eólicos do continental terminal acumularam se nas grandes bacias interiores da África Todas estas séries de camadas que repousam sobre o rígido embasamento não foram afetadas pelos dobramentos mas sim por deformações de grande raio de curvatura que ocorreram desde o Primário até uma era mais recente Os soerguimentos em molhe e afundamentos de grande amplitude explicam 347 Geografia histórica aspectos físicos figura 131 África física segundo J Ki Zerbo 1978 348 Metodologia e pré história da África a estrutura em dobras e bacias tão comum na África No período Terciário durante o paroxismo da orogênese alpina movimentos verticais mais violentos provocaram grandes fraturas na África oriental Estas fraturas formam grandes fendas submeridianas emolduradas por falhas os rift valleys Por vezes fazem se acompanhar de derramamentos vulcânicos que dão origem às mais sólidas elevações como o Monte Kilimandjaro coroado por uma geleira que culmina a 6000 m A oeste as fraturas são menos importantes mas a existente no fundo do golfo da Guiné manifestou uma intensa atividade vulcânica cujo imponente testemunho é o monte Camarões 4070 m Influências paleoclimáticas O continente africano foi afetado por longas fases de erosão consecutivas aos movimentos orogenéticos aparentemente bastante lentos em todas as eras geológicas Assim as fases de estabilização fizeram se acompanhar por retomadas de erosão o que resultou na formação de vastas superfícies aplainadas Nesse processo de evolução das formas do relevo o fator mais importante foram as variações climáticas das quais as mais notáveis ocorreram no Quaternário A alternância de climas úmidos e semi áridos traduziu se por fases de alteração das rochas e de erosão linear ou em lençol Desse modo as áreas baixas foram preenchidas e as rochas duras tornaram se salientes formando com frequência elevações isoladas que emergem abruptamente das superfícies aplainadas Esses inselbergues são muito comuns nas regiões ao sul do Saara No Quaternário as mudanças climáticas e variações no nível do mar foram acompanhadas de importantes ajustamentos no dispositivo estratificado do modelado africano produzido por ciclos sucessivos de desnudação e acumulação durante os períodos anteriores Os paleoclimas são responsáveis pela existência do Saara onde a presença de numerosos vestígios líticos e de fósseis de uma fauna do tipo equatorial prova que em tempos remotos houve um clima úmido favorável à fixação do homem Mas durante o Quaternário a extensão das zonas climáticas atuais tanto para o norte quanto para o sul foi consequência do aumento ou diminuição das chuvas Dessa forma os períodos pluviais aumentaram consideravelmente a proporção da superfície total do continente favorável à vida humana Os períodos áridos por outro lado favoreceram a extensão de superfícies desérticas para além de seus limites atuais tornando o Saara um hiato climático entre o Mediterrâneo e o mundo tropical No entanto esse deserto que cobre aproximadamente um terço do continente e se estende por cerca de 15o de latitude nunca constituiu uma barreira absoluta entre o 349 Geografia histórica aspectos físicos norte e o sul Habitado por nômades é cruzado por rotas de caravanas há séculos Embora não tenha impedido a comunicação entre a África tropical e o Mediterrâneo desde a Antiguidade até a época moderna o Saara agiu como um filtro limitando a penetração de influências mediterrâneas especialmente no domínio da agricultura da arquitetura e do artesanato Desse modo o maior deserto do mundo desempenhou um papel capital no isolamento geográfico de uma grande parte da África A natureza maciça do continente africano O vigor e a nitidez das características físicas da África distinguem na de todos os outros continentes A natureza maciça desse continente e seu relevo pesado são resultado de uma longa história geológica Basta observar um mapa para perceber que a África com seus 30 milhões de quilômetros quadrados estende se por quase 72o de latitude de Ras ben Sakka 3721 N perto de Bizerta ao cabo das Agulhas 3451 S Cerca de 8000 km separam essas duas extremidades do continente enquanto que no sentido longitudinal conta se 7500 km entre o Cabo Verde e o cabo Guardafui A maior parte do continente fica acima do Equador visto que o bloco setentrional cobre os dois terços do continente que se estreita no hemisfério sul O caráter maciço da África é realçado pela ausência de recortes profundos na costa presentes por exemplo na Europa e na América Central Além disso as ilhas não constituem uma parte significativa do continente cuja forma esculpida é fortemente acentuada pela simplicidade do contorno e pelo fraco desenvolvimento da plataforma continental Um rebaixamento do nível do mar pouco afetaria a configuração da África pois a curva batimétrica de 1000 m geralmente fica próxima da costa O continente parece ainda mais maciço devido ao pesado relevo frequentemente representado por planaltos cujas bordas se erguem para formar dobras costeiras que os complexos fluviais atravessam com dificuldade Apesar de possuir poucas cordilheiras de dobramento a África se caracteriza pela considerável altitude média de 660 m decorrente das pressões orogênicas marcadas no Plioceno por fraturas e elevações do embasamento A aparente simplicidade do relevo encobre apreciáveis diferenças regionais O Magreb por exemplo tem uma marcante individualidade assemelhando se ao mundo europeu por suas cordilheiras e seu relevo compartimentado Podem se distinguir dois grandes conjuntos montanhosos as cordilheiras do Tell e do Rif ao norte e o Atlas ao sul Essas cordilheiras estão dispostas em faixas alongadas de oeste a leste entre o Mediterrâneo e o Saara 350 Metodologia e pré história da África Uma outra família de relevos é encontrada na imensa região que compreende a África do nordeste a África ocidental e a bacia do Zaire Aí predominam as planícies bacias e baixos planaltos circundados por dobras montanhosas As maiores bacias dessa área o coração do continente são as do Níger Chade Zaire e Bahr el Ghazal Por fim a África ocidental e austral representa o domínio das terras altas do continente onde são comuns as altitudes superiores a 1500 m Os planaltos do sul são circundados por uma dobra marginal o grande escarpamento que domina o litoral com uma parede rochosa que chega a atingir 3000 m de altura Mas a originalidade da África oriental reside na imponência de suas elevações causadas pelos movimentos tectônicos do Terciário O pedestal violentamente erguido sofreu profundos cortes de falhas e fraturas Ao mesmo tempo foi afetado por uma intensa atividade vulcânica O topo do maciço abissínio que consiste de um grande molhe ao qual se sobrepõem quase 2000 m de lava eleva se a mais de 4000 m Os rift valleys estendem se por 4000 km desde o mar Vermelho até Moçambique Os rift valleys que tiveram um papel importante no movimento e fixação dos povos abrigam uma série de lagos incluindo o Niassa o Tanganica o Kivu o Eduardo o Mobutu antigo Alberto o Vitória e o Turkana Rodolfo São circundados por gigantescas montanhas vulcânicas sendo as mais conhecidas os montes Quênia e Kilimandjaro O isolamento geográfico Devido à sua natureza maciça e seu relevo pesado a África ficou isolada até uma época recente Com exceção da África do Norte voltada para o mundo mediterrâneo o continente permaneceu por séculos fora das principais rotas de comércio É certo que esse isolamento nunca foi completo mas exerceu grande influência sobre muitas sociedades que se desenvolveram no isolamento geográfico Separada do Velho Mundo após a deriva dos continentes a África apresenta no entanto um ponto de contato com a Ásia o istmo de Suez que foi o corredor de passagem privilegiado das grandes migrações pré históricas A maior parte da linha costeira africana é banhada por dois oceanos utilizados de maneira desigual até os tempos modernos O Atlântico não foi frequentado até o século XV quando tiveram início as grandes expedições marítimas europeias Antes dessa época as técnicas de navegação a vela não permitiam que navegadores árabes por exemplo viajassem para além das costas do Saara dada a impossibilidade de velejarem contra os alísios que sopravam permanentemente em direção ao sul O oceano Índico ao contrário 351 Geografia histórica aspectos físicos sempre favoreceu o contato entre a África oriental e o sul da Ásia Os veleiros árabes e indianos foram capazes de empreender expedições rumo à África e retomar aos portos de origem graças ao regime de alternância das monções do oceano Índico As intensas relações estabelecidas entre a África oriental e o mundo do oceano Índico limitaram se à costa pois aos povos navegadores da Ásia interessava mais fazer comércio do que colonizar o interior Em suma a influência das civilizações marítimas de outros continentes não penetrou em profundidade no interior da África tropical que em grande parte permaneceu afastada do Velho Mundo Tradicionalmente o caráter inóspito das costas africanas tem sido apontado como fator para o isolamento do continente A reduzida presença de recortes na costa priva de abrigos o litoral frequentemente baixo e arenoso As costas rochosas raras na África ocidental aparecem com frequência no Magreb no Egito ao longo do mar Vermelho e na extremidade meridional da África do Sul Na África ocidental as costas do sul do Senegal à Guiné e as costas do Gabão e Camarões têm como característica as rias Trata se de vastos estuários que resultaram da submersão de antigos vales fluviais mas a maior parte deles apresenta consideráveis depósitos de vasa Em algumas costas baixas invadidas pelas marés aparecem mangues especialmente na região dos rivières du sud até a Serra Leoa no delta do Níger e ao longo do litoral do Gabão Em outras partes cordões litorâneos orlam o continente por vezes isolando lagoas como as do golfo da Guiné Finalmente há os recifes de coral que se estendem ao longo das margens africanas do mar Vermelho do canal de Moçambique e da costa oriental de Madagáscar A hostilidade do litoral africano foi atribuída em grande parte à rebentação das vagas em rolos violentos e regulares que dificultam o acesso a certas regiões costeiras do continente Há entretanto um certo exagero em torno dessa hostilidade as costas mediterrâneas não impediram que a África do Norte participasse durante longos séculos de intercâmbios com o exterior A ausência de portos naturais também é utilizada como justificativa para o isolamento da África negra até épocas recentes Entretanto basta inventariar os locais favoráveis à navegação para se constatar a riqueza do litoral africano neste aspecto tanto na costa do Atlântico como na do Índico De resto os obstáculos citados nunca foram intransponíveis pois as influências asiáticas e mais tarde europeias marcaram fortemente os povos da África cujo isolamento foi apenas relativo Os fatores humanos sem dúvida explicariam melhor o fraco interesse das populações litorâneas africanas pelas grandes expedições marítimas 352 Metodologia e pré história da África A zonalidade climática da África As condições de vida na África dependem principalmente dos fatores climáticos A simetria e a grande extensão do continente em ambos os lados do Equador sua natureza maciça e seu relevo relativamente uniforme se combinam para conferir ao clima uma zonalidade inigualável em outras partes do mundo Uma notável originalidade do continente africano é a sucessão de faixas climáticas ordenadas paralelamente ao Equador Em ambos os hemisférios os regimes pluviométricos africanos diminuem progressivamente em direção às altas latitudes Por possuir a maior parte do território na zona intertropical a África é o continente mais uniformemente quente do mundo Este calor se faz acompanhar de seca crescente em direção aos trópicos ou de umidade geralmente mais elevada nas baixas latitudes Fatores cósmicos Neste continente intertropical por excelência as diferenciações climáticas dependem muito mais das chuvas que das temperaturas que na maior parte das regiões são elevadas em todas as estações De qualquer modo os regimes pluviométricos e térmicos estão em primeiro lugar ligados aos fatores cósmicos isto é à latitude e ao movimento aparente do sol O sol atinge o zênite duas vezes por ano em todas as regiões intertropicais mas somente uma vez nos trópicos de Câncer e Capricórnio respectivamente a 21 de junho data do solstício de verão e 21 de dezembro data do solstício de inverno no hemisfério norte Atinge o zênite duas vezes ao ano no Equador no equinócio de primavera 21 de março e no equinócio de outono 21 de setembro Em seu movimento aparente o sol nunca desce muito abaixo do horizonte Por essa razão as temperaturas são altas durante todo o ano na zona intertropical Nas regiões próximas ao Equador onde a posição aparente do sol oscila em torno do zênite observa se uma ausência de estação térmica pois há poucas variações sazonais de temperatura As amplitudes anuais são da ordem de 3o a 4o À medida que nos aproximamos dos trópicos do norte e do sul porém observamos um crescente contraste de temperaturas No Saara registram se fortes amplitudes da ordem de 15o entre as temperaturas médias de janeiro e julho As extremidades setentrional e meridional do continente que pertencem às zonas temperadas apresentam regimes térmicos contrastados pois as fortes amplitudes anuais resultam da oposição entre os invernos frios e os verões quentes Além disso as variações diurnas podem ser tão elevadas na região do Mediterrâneo quanto na zona 353 Geografia histórica aspectos físicos intertropical Resumindo os fatores cósmicos determinam dois tipos principais de regimes térmicos regular nas latitudes equatoriais e progressivamente contrastado à medida que nos aproximamos dos trópicos Mecanismo pluviométrico A explicação para as variações sazonais do clima africano está na existência de grandes centros de atividade atmosférica que põem em movimento massas de ar do tipo tropical e equatorial marítimas ou continentais Há dois anticiclones tropicais ou centros de alta pressão permanentes sobre o Atlântico um no hemisfério norte anticiclone dos Açores e outro no hemisfério sul anticiclone de Santa Helena Existem outras duas células anticiclônicas uma sobre o Saara outra sobre o Calaari Esses anticiclones continentais de caráter sazonal só desempenham papel importante durante o inverno boreal ou austral No verão eles se enfraquecem e são varridos para as extremidades do continente Os centros de atividade atmosférica compreendem por fim uma zona de baixas pressões centrada no Equador térmico oscilando de 5o de latitude sul em janeiro a 11o de latitude norte em julho Os anticiclones emitem os alísios que varrem a área intertropical em direção à zona equatorial de baixa pressão dos ventos de superfície Do anticiclone dos Açores partem ventos frescos e constantes os alísios atlânticos de direção nordeste que afetam somente uma estreita faixa da costa do Saara até o Cabo Verde O anticiclone de altitude do Saara é a fonte dos ventos de nordeste os alísios continentais secos e relativamente frescos mas aquecidos à medida que se movem em direção ao sul Trata se do harmatã de direção leste abrasador e seco que sopra com grande regularidade sobre todo o Sahel do Chade ao Senegal É acompanhado por turbilhões ascendentes que carregam areia ou poeira originando névoa seca No hemisfério sul durante o inverno austral manifestam se também ventos relativamente secos e quentes em algumas partes da bacia do Zaire Mas sobretudo nesta estação que corresponde ao verão boreal as baixas pressões continentais centradas no sul do Saara atraem os alísios marítimos provenientes do anticiclone de Santa Helena estes se desviam para nordeste após cruzar o Equador É a monção da Guiné que sopra sob o harmatã afastando o para o norte e elevando o O encontro dessas massas de ar de direção temperatura e umidade diferentes é a zona de convergência intertropical ou frente intertropical que determina as estações chuvosas Durante o verão boreal maio setembro a frente intertropical de direção leste oeste desloca se entre 10o e 20o de latitude norte O alísio vindo do sul carrega então massas de ar úmidas para a costa da Guiné dando início à estação 354 Metodologia e pré história da África chuvosa No inverno a zona de convergência forma se no golfo da Guiné abordando o continente pela costa de Camarões e cortando a metade sul do continente para atravessar o canal de Moçambique e o noroeste de Madagáscar Ao norte do Equador reinam os ventos continentais muito secos na África ocidental Ao sul do Equador a convergência do alísio continental austral e das massas de ar do alísio marítimo proveniente do norte do oceano Índico provoca precipitações O mecanismo geral do clima pode ser modificado por fatores geográficos tais como as correntes marinhas o relevo e a orientação da costa As correntes frias constantes da fachada atlântica da África atuam simetricamente em ambos os lados do Equador Ao norte a corrente das Canárias movida pelos ventos do anticiclone dos Açores segue a costa desde Gibraltar até Dacar trazendo baixas temperaturas e neblina Perto dos 15o de latitude a corrente das Canárias volta se para oeste Sua réplica no hemisfério sul é a corrente de Bengala posta em movimento pelos ventos do anticiclone de Santa Helena e acompanhada de temperaturas baixas e densos nevoeiros ao longo das costas do sudoeste africano antes de seguir para oeste na altura do cabo Frio Assim se explicam os desertos costeiros da Mauritânia e da Namíbia Entre as duas correntes frias da fachada atlântica insinua se a contracorrente equatorial da Guiné que desloca massas de água quente de oeste para leste aumentando a umidade e a instabilidade atmosféricas e consequentemente a possibilidade de chuva ao longo da costa de Conakry a Libreville A circulação das correntes marinhas na fachada do oceano Índico manifesta se de forma diferente As águas equatoriais impelidas em direção ao continente pelos ventos de sudeste provenientes do anticiclone centrado no leste de Madagáscar formam a corrente quente de Moçambique que se dirige para o sul e tem como prolongamento a corrente das Agulhas Traz umidade para a costa sudeste da África Ao norte do Equador as correntes marinhas se invertem com a mudança de direção dos ventos Assim no verão uma corrente quente de direção nordeste passa ao longo da costa da Somália No inverno essa mesma costa é banhada por uma corrente fria proveniente da Arábia que se move em direção ao Equador O relevo da África não obstante sua relativa uniformidade exerce influência sobre o clima uma vez que opõe as elevações litorâneas verdadeiras telas a impedir o acesso das massas de ar úmidas às bacias centrais planaltos interiores e vales de abatimento tectônico onde prevalecem graus variados de aridez A disposição do litoral em relação à direção dos ventos portadores de chuva também constitui um fator de diferenciação climática As áreas diretamente 355 Geografia histórica aspectos físicos expostas à monção de sudoeste especialmente quando montanhosas apresentam o mais alto índice pluviométrico da África ocidental aproximadamente 5000 mm na República da Guiné Na África austral e em Madagáscar as costas perpendiculares à direção dos alísios marítimos recebem fortes precipitações Já os setores costeiros paralelos à direção dos ventos e sem relevo marcante como no Benin e na Somália recebem menos chuva Na África os ritmos climáticos sazonais são determinados principalmente pela pluviosidade O volume das precipitações decresce gradualmente do Equador aos trópicos e os desertos de Saara e Calaari recebem menos de 250 mm de chuva por ano Essa diminuição dos totais pluviométricos é acompanhada de modificações nos ritmos sazonais das precipitações que apresentam maior contraste à medida que se vai para o norte Nas regiões próximas ao Equador portanto submetidas à influência permanente das baixas pressões as chuvas manifestam se durante o ano inteiro embora diminuindo sensivelmente nos solstícios Em direção ao norte e ao sul as chuvas se concentram em um único período que corresponde ao verão de cada hemisfério Assim uma estação chuvosa se opõe a uma estação seca que se torna mais longa à medida que nos aproximamos dos trópicos Mas as duas extremidades do continente o Magreb e a província do Cabo apresentam uma originalidade marcada pelas chuvas de estação fria Essas regiões têm um índice pluviométrico médio distribuído irregularmente no espaço Zonas climáticas As variações dos regimes pluviométricos tanto nos totais anuais quanto na distribuição sazonal orientam a divisão da África em grandes zonas climáticas Climas equatoriais Caracterizam as regiões centrais que em ambos os lados do Equador deparam com duas passagens equinociais da frente intertropical às quais são ligadas fortes precipitações Desde o sul de Camarões à bacia do Zaire ocorrem chuvas abundantes durante o ano todo O ar fica saturado de vapor de água em todas as estações O total pluviométrico anual geralmente ultrapassa os 2000 mm Nessa atmosfera úmida observa se uma fraca variação mensal de temperatura a média anual é de 25oC A leste nas regiões equatoriais sob influência climática do oceano Índico encontramos os mesmos ritmos pluviométricos mas com um total anual inferior a 1500 mm As variações anuais da temperatura apresentam se mais acentuadas 356 Metodologia e pré história da África do que as da fachada atlântica da zona equatorial As amplitudes diurnas são mais altas nas regiões que pertencem climaticamente ao mundo índico Climas tropicais Manifestam se na vasta área influenciada pelos deslocamentos da frente intertropical ao norte e ao sul da zona equatorial O noroeste da África entre os 4o de latitude e o Trópico de Câncer possui uma gama variada de climas desde as duas passagens equinociais ao sul à passagem solsticial única ao norte No litoral do golfo da Guiné o clima é subequatorial ou guineense sem estação seca mas apresentando uma pluviosidade mais acentuada quando das duas passagens do sol pelo zênite O efeito orográfico da barreira costeira provoca a condensação de uma forte umidade trazida pela monção do sudoeste A faixa costeira desde a República da Guiné até a Libéria recebe mais de 2000 mm de precipitações anuais A região do Sudão localizada mais ao norte apresenta vários aspectos de clima intertropical Distingue se uma variedade seca que anuncia o deserto Em latitudes mais altas as duas estações a úmida e a seca alternam se na zona intertropical Entre os dois extremos fortes chuvas equatoriais e a aridez do Trópico de Câncer encontramos as seguintes gradações a A primeira subzona caracteriza se por apresentar índices pluviométricos anuais entre 1500 e 2000 mm e precipitações que duram mais de seis meses As amplitudes térmicas anuais aumentam em relação às da zona equatorial b A subzona central é mais seca pois as precipitações ocorrem somente de três a seis meses por ano totalizando de 600 a 1500 mm As amplitudes térmicas mostram sensível aumento c A subzona setentrional conhecida como Sahel na África ocidental recebe menos de 600 mm de precipitações que ocorrem durante menos de três meses As chuvas são cada vez mais irregulares e as variações de temperatura são crescentes d Ao sul do Equador distingue se a mesma distribuição latitudinal das variedades climáticas tropicais Observam se porém gradações mais nítidas por ser a África austral menos maciça e devido à importância das altas elevações que dominam as planícies costeiras banhadas pelo oceano Índico A convergência do ar marítimo equatorial do noroeste e do ar marítimo tropical do leste provoca chuvas abundantes nas costas de Moçambique e na fachada oriental de Madagáscar A costa atlântica ao contrário é seca devido à presença da corrente quente de Benguela responsável pela existência do deserto da Namíbia 357 Geografia histórica aspectos físicos Climas desérticos Os climas desérticos caracterizam as regiões situadas de ambos os lados dos trópicos O índice pluviométrico é inferior a 250 mm e as precipitações bastante irregulares O Saara o maior deserto quente do mundo recebe no total menos de 100 mm de chuva por ano Entretanto observam se gradações devidas à oscilação do anticiclone do Saara que entre os solstícios sobe para o Mediterrâneo ou desce para baixas latitudes No primeiro caso facilita a penetração de infiltrações da monção enquanto no segundo favorece incursões de ar polar Tais oscilações permitem distinguir o Saara setentrional com chuvas mediterrâneas na estação seca do Saara central onde praticamente não ocorrem precipitações e do Saara meridional com chuvas tropicais na estação quente Situado no Trópico de Capricórnio o deserto do Calaari é mais aberto que o Saara às influências oceânicas do sudoeste pois o estreitamento do continente atenua a influência da célula anticiclônica sobre o clima Dessa forma há maior umidade e menores amplitudes térmicas Climas mediterrâneos Os climas mediterrâneos do Magreb e da extremidade meridional da África têm por peculiaridade a divisão do ano em duas estações uma fresca e chuvosa e outra quente e seca A região mediterrânea submetida ao regime dos ventos da zona temperada caracteriza se pela passagem no inverno de ciclones oceânicos carregados de umidade Por vezes ocorrem invasões de ar polar que ocasionam frio intenso acompanhado de geada e neve em particular nas cordilheiras do Magreb A aridez e o calor do verão originam se da influência dos ventos que sopram dos desertos vizinhos o Saara no hemisfério norte e o Calaari no hemisfério sul Meios bioclimáticos africanos Na África mais do que em qualquer outra parte do mundo a vida humana se organizou em contextos naturais que se revelam antes de tudo meios bioclimáticos O clima e o relevo combinam seus efeitos para determinar as grandes regiões individualizadas pela hidrologia características pedológicas e botânicas 358 Metodologia e pré história da África O escoamento das águas continentais A diversidade climática reflete se na hidrografia Na África porém o escoamento das águas para os oceanos exerce uma função muito menos importante do que aquela que um julgamento precipitado poderia sugerir Mais da metade da superfície do continente compõe se de regiões de drenagem arréica ou endorréica Além disso os sistemas fluviais encontram obstáculos no seu percurso De fato seus contornos são formados por trechos de fraca declividade unidos abruptamente por rápidos quedas dágua e cataratas Assim grande parte das águas que eles drenam sofre infiltração permanente e sobretudo intensa evaporação resultante da estagnação nas bacias fossas e depressões do pedestal Organização das redes hidrográficas As vastas áreas do continente onde as chuvas são escassas ou inexistentes não possuem cursos dágua permanentes Mas a área seca mediterrânea recebe algumas chuvas violentas que originam lençóis de escoamento que por vezes se acumulam em uedes Estes terminam por esvaziar se devido à evaporação e infiltração das águas Nas regiões de índice pluviométrico satisfatório em clima tropical ou equatorial os grandes rios e seus principais afluentes formam redes organizadas que coletam parte da água das bacias assegurando lhes o sangramento em condições frequentem ente difíceis De fato as bacias em que se formou a maioria dos rios africanos apresentam soleiras periféricas desfavoráveis a um bom escoamento para o mar Assim as águas continentais escoam se através das dobras costeiras por vales estreitos e profundos que apresentam frequentes rupturas de declive no curso inferior de alguns dos principais rios O Zaire possui trinta e dois rápidos entre Stanley Pool e o estuário O Zambeze salta 110 m nas cataratas de Vitória antes de mergulhar na Garganta de Kariba e atravessar várias cataratas basálticas A jusante de Cartum o Nilo passa por seis rápidos denominados cataratas antes de chegar ao Mediterrâneo Todos os demais grandes rios Níger Senegal Orange Limpopo têm perfil em forma de escada principalmente nos cursos inferiores É fácil entender desde logo as dificuldades de navegação nos rios da África que têm a aparência de medíocres canais de comunicação Entretanto foram eles que permitiram no passado contatos proveitosos entre os diferentes povos do continente Entre as grandes redes hidrográficas observam se confusas redes de córregos lagoas e pântanos desordenados e sem drenagem regular para o exterior Trata se por vezes de águas estagnadas ou de escoadouros das águas provenientes 359 Geografia histórica aspectos físicos do transbordamento dos rios adjacentes ou ainda ao contrário de afluentes desses cursos dágua Estes se formaram ao longo das eras geológicas nas bacias de subsidência no fundo das quais as águas continentais carregadas de aluvião acumularam se em lagos A drenagem tornou se possível pela ação de movimentos tectônicos que afetaram o embasamento Assim os imensos lagos interiores escoaram suas águas através dos vales de abatimento tectônico ou das falhas Fenômenos de captura resultantes do fraturamento do pedestal ou da evolução morfológica contribuíram sem dúvida para a organização das redes hidrográficas O endorreísmo ainda se manifesta entretanto nas bacias do Chade e Okovango ocupadas por lagos rasos e pântanos que adquirem dimensões impressionantes ao receber a contribuição sazonal dos lençóis de escoamento superficial Outras bacias de subsidência embora providas de saída para o mar apresentam uma tendência análoga ao endorreísmo Assim se formaram os pântanos de Macina ou delta interior do Níger os do Bahr el Ghazal no Sudão e os da bacia do Zaire Regimes dos rios africanos Por toda a África os ritmos pluviométricos regulam os regimes hidrológicos o que equivale a dizer que as variações sazonais dos débitos fluviais estão diretamente ligadas ao regime anual de precipitações Os cursos dágua das regiões equatoriais são regulares e caudalosos o ano inteiro No entanto apresentam dois períodos de cheia correspondentes às chuvas equinociais Na zona tropical um período de cheia correspondente à estação das chuvas isto é ao solstício de verão é seguido por um período de pronunciada estiagem durante a estação seca O regime é portanto bastante contrastado Ademais há um intervalo entre o período de precipitações e a subida das águas devido ao lento escoamento das mesmas sobre superfícies de declividade geralmente fraca Nas regiões subáridas o escoamento intermitente dos uedes manifesta se quando das raras chuvas violentas que provocam cheias repentinas mas de curta duração visto que as águas se perdem rio abaixo Na zona mediterrânea as fortes chuvas e a presença de relevos montanhosos transformam os rios em torrentes Esses rios têm regimes bastante irregulares caracterizados por cheias no inverno e estiagem acentuada no verão Nesta zona climática muitos cursos dágua são uedes de escoamento intermitente Os grandes rios africanos com redes que se estendem sobre várias zonas climáticas escapam aos esquemas simples anteriormente mencionados 360 Metodologia e pré história da África Caracterizam se por regimes complexos variáveis ou seja por variações sazonais de débito que se modificam de montante a jusante Os grandes rios africanos Na África uns poucos rios de grande porte que se colocam entre os mais importantes do mundo drenam imensas bacias quase todas situadas na zona intertropical Os regimes desses rios estão ligados às condições de alimentação pluvial das vertentes de suas bacias O Zaire é o exemplo mais típico de rio equatorial com duas máximas equinociais Sua rede estende se por quase 4 milhões de quilômetros quadrados entre 12o S e 9o N Assim por intermédio do Kasai e do Lualaba ele cruza regiões austrais com máxima pluvial nos solstícios Seu principal afluente do hemisfério norte é ao contrário alimentado pelas chuvas do solstício boreal enquanto uma grande parte de seu curso se estende por regiões com duas máximas pluviais equinociais A combinação de diferentes intumescências gera em Kinshasa um regime hidrológico com duas máximas em março e em julho O Zaire é um rio abundante e regular cujo débito médio anual de 40000 m3s só é superado pelo do Amazonas O Nilo que através de seu braço de origem o Kagera tem suas cabeceiras em Ruanda e Burundi recebe águas equatoriais que se espalham pelos pântanos do Bahr el Ghazal Após atravessar o lago Vitória é reforçado pelos afluentes tropicais provenientes das montanhas da Etiópia O Nilo Azul e o Atbara que têm um regime de máxima solsticial permitem que o Nilo atravesse uma imensa área desértica antes de alcançar o Mediterrâneo Apesar de sua grande extensão sem igual na África 6700 km o Nilo é pouco volumoso possuindo um débito médio anual inferior a 3000 m3s Porém tem sido desde a Antiguidade um dos rios mais úteis do mundo O Níger cuja bacia se estende de 5 N a 16 N possui um regime mais complexo Ele descreve uma extensa curva de traçado bastante original Nasce na faixa montanhosa do Atlântico e dirige se para o Saara orientando se depois para o golfo da Guiné onde deságua por um vasto delta Assim os cursos superior e inferior atravessam regiões meridionais de clima tropical úmido O curso médio demora se em um delta interior de clima saheliano e curva se com dificuldade na região subdesértica de Tombuctu antes de receber um volume de água cada vez maior em direção à jusante A estação chuvosa traz duas cheias simultâneas uma no curso superior e outra no curso inferior Mas a primeira que se manifesta até o Níger declina gradualmente em consequência 361 Geografia histórica aspectos físicos da evaporação e da infiltração na zona tropical seca A segunda visível desde o norte do Benin continua a jusante devido às chuvas locais de máxima solsticial O Níger recebe no curso inferior o Benue seu principal afluente Solos africanos A distribuição geográfica dos solos segue um zoneamento estreitamente vinculado ao clima As várias formações pedológicas resultam principalmente da ação da água e da temperatura nas rochas locais Nas regiões tropicais as chuvas quentes abundantes e ácidas lavam as rochas dissolvendo os minerais básicos e carregando os para as camadas inferiores do solo Nas baixas latitudes muito úmidas até 10o ao norte e ao sul do Equador a decomposição química das rochas resulta na formação de solos ferralíticos Trata se geralmente de argilas móveis avermelhadas de vários metros de espessura Originam se da transformação da rocha mãe em elementos coloidais incluindo o caulim a hematita e a sílica cerca de 30 do total Embora protegidos da erosão pela cobertura florestal os solos ferralíticos contêm pouca matéria orgânica e húmus Nas regiões sudanesas com estação seca definida formam se solos tropicais ferruginosos menos profundos que os anteriores ricos em óxidos de ferro possuindo superfície arenosa e interior argiloso Pouco estáveis são sensíveis à erosão pluvial e eólea Sua estrutura se deteriora muito rapidamente na superfície se a cobertura vegetal estiver ausente Esses solos frequentemente sofrem laterização na África ocidental onde o processo de lixiviação que ocorre durante a estação chuvosa alterna se com um intenso dessecamento na estação seca especialmente quando sopra o harmatã Em algumas regiões situadas ao norte da faixa costeira do golfo da Guiné há antigas superfícies desnudadas pela erosão cujos solos apresentam carapaças ou couraças denominadas bowé Tais formações pedológicas caracterizam se por um forte acúmulo de óxido de ferro e alumínio seguido de endurecimento nos níveis menos profundos Mas um bom número desses bowé antigos data do Terciário Suas superfícies lateríticas afloraram em consequência da erosão dos níveis móveis superiores O valor agronômico desses solos é em toda parte muito limitado Solos semelhantes são encontrados em Madagáscar nos tampoketsa do noroeste de Antananarivo Mais ao norte no hemisfério boreal formaram se sob um clima de estações contrastantes e sob uma cobertura herbácea solos pardos estruturados de grande valor agronômico Apesar de sensíveis à lixiviação permitiram o desenvolvimento de culturas agrárias associadas aos grandes impérios sudaneses da época pré colonial 362 Metodologia e pré história da África Ao sul do Equador nos países banhados pelo Zambeze formaram se sob a cobertura da floresta seca solos ligeiramente lixiviados semelhantes a formações podzólicas Ao norte e ao sul nas regiões subáridas vizinhas ao Saara e ao Calaari encontram se solos castanhos de estepe que correspondem a areias dunares mais ou menos fixas ou a formações argilo arenosas nas depressões Leves e soltos são adequados para o plantio mas sua regeneração requer a prática de longos alqueives de arbustos ou herbáceas Nas regiões áridas onde predominam as formas de erosão mecânica as fortes variações de temperatura favorecem a fragmentação das rochas que sofrem igualmente a ação violenta do vento e das raras chuvas estas responsáveis pelo escoamento em lençol do material detrítico Observam se nessas regiões areias estéreis constituindo ergs cascalheiras ou regs que cobrem grandes extensões e crostas argilosas nas planícies Excetuando se os oásis os desertos não oferecem solo utilizável para o plantio No meio ambiente mediterrâneo a ação da água e das estações contrastadas ocasionam uma menor alteração química das rochas em relação ao fenômeno de decomposição observado na região tropical úmida Os solos assemelham se aos dos trópicos secos apresentando coloração vermelha cinza ou castanha Em geral são ricos em sais Alguns deles como os solos estépicos ricos em calcário introduzem o meio temperado Outros formados de crostas de calcário ou gipso são bastante característicos da zona mediterrânea Regiões biogeográficas Fatores climáticos e pedológicos respondem pela diversidade das condições mesológicas nas quais se constituem as paisagens botânicas Florestas densas pluviais A paisagem botânica mais imponente localiza se no centro do continente entre 5o N e 5o S A vegetação característica é a floresta densa úmida e alta que se divide em diversos estratos sucessivos Lianas e epífitas acentuam a obscuridade causada pela superposição das folhagens sempre verdes Existem porém gradações é o caso dos cerrados pantanosos sobre poto poto1 ou das clareiras que anunciam a passagem para formas características de climas mais secos A extrema diversificação das espécies da floresta pluvial bem 1 Solo lamacento de alguns centímetros de profundidade constituído essencialmente de argila 363 Geografia histórica aspectos físicos como sua distribuição espacial anárquica tornam difícil sua exploração O calor e a umidade constantes aliados à exuberância da vegetação favorecem a multiplicação de microrganismos vermes e insetos Trata se de um meio geralmente hostil ao homem que apesar de silencioso é habitado por uma grande variedade de animais tais como o hipopótamo o elefante o porco selvagem e a pantera Mas são os pássaros répteis e mamíferos arborícolas que encontram maior facilidade de locomoção e reprodução apesar de fatores adversos como a abundância de parasitas Fora da zona equatorial a grande floresta fluvial pode existir em terras altas expostas por muito tempo aos ventos carregados de umidade de que é exemplo a vertente oriental dos planaltos de Madagáscar Savanas e florestas abertas A zona da floresta ombrófila limita se com a floresta seca de folhas caducas característica das regiões onde as chuvas se concentram nos solstícios Aparece na maioria dos casos como uma formação aberta em que a população arbórea cobre apenas parcialmente uma vegetação arbustiva e herbácea Quando sofre depredação humana dá lugar a paisagens herbáceas características de regiões com estação seca mais definida Assim a savana tropical aparece à medida que nos afastamos das baixas latitudes Essa vegetação característica de regiões com estações contrastadas apresenta algumas nuances relacionadas às variedades mais ou menos úmidas de climas tropicais Na orla da floresta a savana pré florestal comporta ainda grandes árvores que são todavia menos numerosas que os arbustos a cobertura herbácea adquire maior importância As florestas galerias acompanham os cursos dágua em faixas mais ou menos largas A floresta parque justapõe espaços arborizados a superfícies com menor cobertura onde aparecem principalmente gramíneas altas As savanas herbáceas destituídas de árvores resultam sem dúvida do desmatamento efetuado pelo homem e da laterização do solo Mais além da floresta densa a savana herbácea constituída de um tapete contínuo de ervas altas cede gradualmente lugar à savana arbustiva onde com frequência o solo aparece desnudado entre trechos de cobertura herbácea Nos diferentes tipos de savanas os animais herbívoros encontram condições favoráveis de existência Dessa forma a caça é abundante e existem condições propícias à criação de gado Nessas terras de fácil desbravamento o homem pode igualmente dedicar se à prática da agricultura 364 Metodologia e pré história da África Paisagens de estepe A estepe caracteriza as regiões que apresentam uma longa estação seca Compõe se de tufos de gramíneas e arbustos espinhosos principalmente acácias Essa formação aberta é encontrada nas regiões setentrionais da África ocidental e oriental e mais esporadicamente na África do Sul no deserto de Calaari e no sudoeste de Madagáscar A vegetação subdesértica constituída por uma estepe progressivamente empobrecida é encontrada nas regiões de índice pluviométrico inferior a 200 mm Formações vegetais mediterrâneas As extremidades do continente africano apresentam estepes arbustivas ou graminosas nas regiões mais secas Nas regiões mais úmidas porém principalmente nas cordilheiras do Magreb aparecem florestas secas de carvalhos sobreiros pinheiros e cedros São formações vegetais perenifólias que dominam uma vegetação rasteira arbustiva Conclusão A África aparece como um velho continente que desde épocas remotas foi ocupado por povos que cedo desenvolveram esplêndidas civilizações A geografia africana tanto em seus aspectos estruturais como em seus meios naturais mostra traços vigorosos herdados de um longo passado geológico O espaço africano é mais maciço e continental do que qualquer outro Vastas regiões no coração do continente a uma distância de mais de 1500 km do mar permaneceram durante muito tempo à margem das grandes correntes de circulação o que explica a importância das depressões meridianas como o Rift Valley da África oriental para a fixação do homem desde a Pré História O isolamento geográfico acentuou se nas proximidades dos trópicos devido às variações climáticas do Terciário e do Quaternário Durante milhares de anos o Saara úmido foi um dos maiores centros de povoamento do mundo Mais tarde os períodos secos contribuíram para a formação de imensos desertos como o Saara e o Calaari Os intercâmbios de todo tipo entre as diversas civilizações do continente foram por conseguinte prejudicados mas não interrompidos Dessa forma o clima constitui um fator essencial para a compreensão do passado africano Ademais os ritmos pluviométricos e os meios bioclimáticos exercem uma influência efetiva na vida do homem atual As sociedades africanas tiraram 365 Geografia histórica aspectos físicos proveito da complementaridade das zonas climáticas para estabelecer entre si as correntes de intercâmbio mais antigas e vigorosas Finalmente a história da África foi particularmente influenciada pela riqueza mineral que constitui um dos principais fatores da atração que o continente sempre exerceu sobre os povos conquistadores Assim o ouro da Núbia e de Kush foi explorado pelas dinastias do antigo Egito Mais tarde o ouro da África tropical principalmente da região sudanesa e do Zimbabwe tornou se fonte de prosperidade das sociedades do norte da África e do Oriente Próximo e suporte dos grandes impérios africanos do sul do Saara Em tempos remotos o ferro foi objeto de troca entre a floresta e as regiões tropicais da África As salinas da orla do Saara tiveram um papel importante nas relações entre os Estados negros do Sudão e dos povos árabe berberes do norte da África Mais recentemente a riqueza mineral da África tem sido explorada pelas potências coloniais Atualmente é em grande parte exportada como matéria prima C A P Í T U L O 1 4 367 Geografia histórica aspectos econômicos Segundo Gilbert o verdadeiro objetivo da geografia histórica é a reconstrução da geografia regional do passado1 Num volume como este tal definição deveria levar nos a apresentar uma geografia regional da pré história africana com ênfase nos aspectos econômicos Tal propósito implicaria sem dúvida em um exame completo das condições físicas e humanas vigentes num passado remoto o que inevitavelmente acabaria por invadir o objeto de estudo de alguns tantos outros capítulos deste volume Assim sendo o presente capítulo tratará fundamentalmente de considerar os recursos naturais básicos em termos da forma como foram descobertos e utilizados na África desde a Pré História Tal enfoque além de revelar a vasta gama de riquezas naturais do continente como as conhecemos na atualidade procurará destacar aquelas que foram consideradas como tais num passado remoto os lugares onde foram descobertas a maneira como foram utilizadas e em que medida facilitaram ou frearam o controle do homem sobre extensas áreas do continente Os minérios e o desenvolvimento da tecnologia humana Os minerais talvez constituam o mais significativo dos recursos naturais que permitiram ao homem o controle de seu meio ambiente Os minérios são 1 GILBERT E W 1932 p 132 Geografia histórica aspectos econômicos A Mabogunje 368 Metodologia e pré história da África o material chave do universo Seu processo de formação é extremamente lento podendo estender se por milhões de anos Comparada à ocupação da Terra pelo homem a qual talvez remonte a três milhões de anos a escala temporal geológica é bastante longa abrangendo mais de cinco bilhões de anos Vastas zonas da África repousam sobre massas rochosas classificadas entre as mais antigas do planeta As rochas cristalinas antigas consideradas como o pedestal rochoso do continente recobrem pelo menos um terço de sua superfície Compreendem sobretudo granitos e rochas metamórficas como os xistos e os gnaisses Algumas são altamente mineralizadas Entre as mais importantes dessas formações convém destacar as da zona cuprífera do Shaba Zaire cuja extensão ultrapassa 300 km Esta zona contém não só as maiores jazidas de cobre do mundo como também algumas das mais ricas jazidas de rádio e cobalto No Transvaal África do Sul o complexo ígneo do Bushveld com uma superfície de 6000 km2 e o Great Dike que atravessa o Transvaal numa extensão de 500 km até o Zimbabwe são igualmente abundantes em minérios como a platina o cromo e o amianto A zona diamantífera africana não tem correspondente no resto do mundo É na África do Sul que atinge sua maior concentração embora haja outras jazidas na Tanzânia em Angola e no Zaire A África do Sul Gana e o Zaire possuem minas de ouro o estanho é encontrado no Zaire e na Nigéria Ressaltemos também a presença de importantes jazidas de minério de ferro na África ocidental como as da Libéria da Guiné e de Serra Leoa Somente a Guiné possui mais da metade das reservas mundiais de bauxita minério de alumínio O antigo embasamento da África sofreu inúmeras fraturas vulcânicas que remontam além do Pré Cambriano Essas fraturas provocaram intrusões graníticas portadoras de ouro e estanho bem como imbricações de rochas básicas e ultrabásicas Produziram igualmente rochas eruptivas ou efusivas em grande parte de formação mais recente que além de desagregar se para formar solos ricos e férteis também produziram minérios e rochas de grande importância na história do continente como o basalto de obsidiana do Quênia O resto da África ou seja cerca de dois terços do continente apresenta antigas rochas sedimentares que remontam ao Pré Cretáceo Devido à sua idade estas rochas também contêm inúmeros depósitos minerais Ao longo da margem norte do continente por exemplo numa área que se estende do Marrocos à Tunísia atravessando a Argélia encontra se o grande cinturão dos fosfatos associados às jazidas de ferro extremamente ricas Importantes jazidas de minério de ferro de origem sedimentar podem ser encontradas ainda na região de Karoo na África do Sul e nas Damara na Namíbia Em contrapartida 369 Geografia histórica aspectos econômicos excetuando se umas poucas ocorrências no High Veld da África do Sul e no Wankie Field do Zimbabwe o carvão praticamente inexiste no continente Como que para compensar essa deficiência as rochas sedimentares mais recentes do Pós Cretáceo encerram no Saara e no litoral da África ocidental vastos lençóis de petróleo e gás natural Esta riqueza mineral contribuiu em grande parte para sustentar a organização e a exploração humanas durante um longo período da história Supõe se por exemplo que o controle do comércio do ouro entre o oeste e o norte da África através do deserto foi durante o período medieval uma das principais razões do surgimento e da queda de impérios e reinos no Sudão ocidental É certo que a partir do último milênio o comércio do ouro e do minério de ferro atraiu os árabes à África oriental Por outro lado inicialmente seduzidos pelas riquezas minerais da América Latina os europeus no decorrer dos últimos séculos concentraram se na África transformando a em reservatório colonial de minérios brutos para alimentar o crescimento das indústrias europeias Todavia durante o período pré histórico os minérios de importância capital para o progresso tecnológico do homem eram de tipo mais modesto e sua distribuição mais difusa Os mais importantes são os minérios líticos de estrutura homogênea e grande dureza oferecendo excelentes possibilidades de fissão2 Distinguem se nessa categoria as rochas ígneas vitrosas encontradas nas regiões vulcânicas da África oriental particularmente nos arredores do Gregory Rift Valley Estas rochas foram a base da indústria paleolítica capsiense do Quênia que produziu longas lâminas e diversos utensílios microlíticos Outro material de boa qualidade são as formas siliciosas como o quartzito e as rochas de textura fina endurecidas como o sílex os xistos e os tufos No Zimbabwe a indústria mesolítica bambata consumiu grandes quantidades de calcedônia enquanto o sílex e a sílica do Eoceno eram utilizados no planalto da Tunísia e no Egito para onde se supõe tenham sido importados O quartzito dentre todos o mais difundido na África sobretudo na forma de seixos presentes nos cursos dágua foi a base das indústrias acheulenses do Paleolítico Em certos lugares como no curso médio do Orange na África do Sul os xistos endurecidos foram utilizados com a mesma finalidade que o quartzito São no entanto inferiores as propriedades líticas dos anfibolitos de textura fina conhecidos pelo nome de greenstones e das rochas ígneas profundas ou intermediárias como o basalto o dolerito e o diorito todas oferecendo material 2 ROSENFELD A 1965 p 138 370 Metodologia e pré história da África apropriado para a fabricação de machados e enxós Estas rochas serviam também para a confecção de armas como as pedras de arremesso e de pontas de flecha De todas as rochas ígneas de grande consumo talvez o basalto tenha sido a mais utilizada na manufatura de recipientes de pedra embora praticamente todas as variedades de rochas disponíveis tenham sido empregadas com esta finalidade Os granitos o diorito e o porfirito rochas ígneas foram utilizados localmente e de forma intensiva Também eram conhecidas as rochas de menor dureza como as calcárias no Egito por exemplo chegaram a ser utilizadas rochas como a esteatita e a serpentina Além do mais a argila constituiu em toda a África a base da indústria da cerâmica amplamente difundida e altamente diversificada remontando ao Mesolítico A importância dos minerais no desenvolvimento da tecnologia humana durante a pré história vai além da simples fabricação de ferramentas armas e recipientes abrange também a construção de moradias onde o barro substituía o gesso Edifícios públicos importantes monumentos como as pirâmides do Egito exigiram grandes quantidades de rochas graníticas duras ou de quartzito Os minerais forneceram os pigmentos para as pinturas rupestres algumas das quais no Saara e na África austral conservaram se admiravelmente até nossos dias Os pigmentos eram obtidos através da trituração de diferentes tipos de rochas como a hematita o manganês e o caulim misturando se o resultante com elementos gordurosos ou resinosos Mas foi certamente o ferro o minério de maior importância para o desenvolvimento da África no fim da era pré histórica A tecnologia moderna devido a sua mecanização complexa e aos pesados investimentos econômicos que acarreta torna necessária a exploração de jazidas relativamente ricas em minérios e em geral próximas umas das outras Mas a situação na pré história era menos restritiva O laterito ou crosta ferruginosa recobre vastas zonas nas savanas herbosas da África e também reveste grande variedade de rochas nos antigos platôs peneplanizados Algumas variedades são tão ricas que constituíram a base das primeiras atividades da metalurgia do ferro Tão logo foi descoberta a técnica expandiu se com rapidez de ponta a ponta do continente marcando forte contraste com o cobre e o estanho que por se concentrarem em áreas muito restritas não permitiram a ampla difusão da cultura do bronze na África à exceção de algumas comunidades pré históricas que faziam uso do cobre como os habitantes do planalto do nordeste da Etiópia e os grupos Luba e Shaba Deve se porém salientar a existência de uma idade do cobre na Mauritânia pelo menos cinco séculos antes da Era Cristã 371 Geografia histórica aspectos econômicos Os recursos vegetais e o crescimento populacional Graças a seus recursos vegetais o continente africano pôde suprir as necessidades de uma população cuja densidade não cessou de aumentar Como já ressaltamos a África é antes de tudo um continente de pradarias Uma grande variedade de ervas vivazes cobre mais de 50 de sua superfície total em seguida vem o deserto com cerca de 30 depois a floresta com menos de 20 No plano da ocupação humana essa diversidade de meios ambientes foi importante na medida em que eles asseguravam a subsistência da caça forneciam frutas ou raízes comestíveis bem como materiais para a fabricação de utensílios vestimentas abrigos e finalmente ofereciam cultígenos passíveis de aclimatação e transformação em culturas agrícolas A zona das pradarias é por essência a reserva da caça africana com sua grande variedade de antílopes gazelas girafas zebras leões búfalos búbalos elefantes rinocerontes hipopótamos sem contar a caça de pequeno porte Assim como salientou Clark não é de surpreender que encontremos alguns dos mais antigos sítios de ocupação humana ao longo dos cursos dágua ou dos grandes rios à beira dos lagos ou do mar numa paisagem que hoje é a pradaria a savana o Sahel semidesértico ou o deserto3 A floresta era em geral despovoada Com o tempo porém o crescimento populacional bem como o grande desenvolvimento das técnicas incitaram o homem a ocupar todo tipo de região do litoral aos altos planaltos montanhosos do que é hoje deserto árido às profundezas da floresta densa Convém lembrar no entanto que as atuais zonas de vegetação não correspondem necessariamente à situação existente nos tempos pré históricos Diversos ciclos de grandes variações climáticas marcaram o Saara que durante o Quaternário Inferior foi mais úmido e apresentou uma vegetação de tipo savana que fornecia alimento para animais como o boi o porco selvagem Phacochoerus o antílope e o hipopótamo Acredita se que por sua vez a floresta equatorial tenha simultaneamente atravessado períodos mais áridos Ao mesmo tempo em que se beneficiava das riquezas animais oferecidas pelas diferentes zonas de vegetação o homem explorava essas mesmas áreas para abastecer se de frutas e raízes comestíveis A presença de florestas galerias ao longo dos cursos dágua nas regiões de pradarias permitia ao homem do Acheulense a coleta de frutas sementes e nozes das florestas e das savanas 3 CLARK J D 1970 p 93 94 372 Metodologia e pré história da África Segundo Clark muitos frutos selvagens nozes e plantas da savana acessíveis no norte da Zâmbia aos Nachikufu do Paleolítico Superior tais como os frutos do mubuyu e do musuku são ainda hoje coletados regularmente e consumidos pelos povos de língua bantu4 Quando o crescimento populacional atingiu uma tal proporção que todos os tipos de meio ambiente foram virtualmente ocupados a gama de produtos adequados ao consumo do homem deve ter aumentado consideravelmente Acredita se por exemplo que a grande importância atribuída a certos cereais pelas comunidades que viviam da coleta no vale do Nilo antecipou o plantio intencional de grãos e conduziu à era da expansão agrícola de efeito decisivo na ocupação humana da África Além da caça e da coleta as riquezas vegetais tinham uma importância capital no que concerne à provisão de utensílios à indumentária e à moradia Na extremidade sul do lago Tanganica nas proximidades de Kalambo Falls foram descobertos utensílios de madeira em ótimo estado de conservação Trata se de alguns instrumentos curtos afiados numa ou nas duas extremidades e de bastões talhados de forma oblíqua provavelmente utilizados como pá todos remontando ao Paleolítico Inferior Embora utensílios de madeira raramente tenham se conservado em outros lugares parece que sua utilização era comum Na floresta equatorial o complexo industrial lupembiense do Paleolítico reflete nos seus bifaces nucleiformes toda a importância da técnica da madeira Da mesma forma a presença na savana herbosa da Zâmbia e do Malavi de diversos tipos de raspadores pesados entre os instrumentos líticosnachikufuenses do Paleolítico Superior pressupõe o uso constante da madeira e de seus sucedâneos na confecção de muitas espécies de cercas estacas e armadilhas de caça Nos locais em que a caça de grande porte era insuficiente para garantir o suprimento de peles nas regiões arborizadas por exemplo usava se a casca das árvores como vestimenta É provável que os machados cortantes e encabados como os encontrados nos arredores dos rochedos do Mwela no norte da Zâmbia tenham servido para extrair a casca das árvores e prepará las para a confecção de roupas recipientes e cordas A partir do Mesolítico principalmente os produtos vegetais passaram a ser utilizados na construção de abrigos que substituíam a habitação nas cavernas Assim com galhos de árvores colmo e palha trançada construiu se o corta vento mesolítico cujas ruínas encontradas em Gwisho Springs datam de meados do III milênio antes da Era Cristã No Neolítico especialmente nas zonas onde havia sido descoberta a 4 CLARK J D 1970 p 178 373 Geografia histórica aspectos econômicos agricultura multiplicaram se e difundiram se abrigos feitos de matérias vegetais e às vezes de barro e vegetais Constituem sem dúvida o marco inicial do domínio cultural do homem sobre a paisagem Mas se a presença de moradias tão simples assinalou os primórdios da ocupação efetiva da superfície do globo pelo homem foi a aptidão para escolher e domesticar novas plantas dentre as espécies selvagens que o cercavam que consagrou finalmente a sua superioridade As condições que permitiram ao homem criar novas espécies cultiváveis os cultígenos a partir de suas variedades selvagens constituem ainda um tema controvertido para os cientistas A contribuição da África para este importante evento os enigmas que o cercam são também objeto de polêmica No atual estágio de nossos conhecimentos de modo geral se admite que essa participação foi menos notável que a da Ásia Empreendidas após a redação da obra monumental do botânico russo Vavilov que se recusou a admitir a existência na África de outro centro de seleção digno deste nome que não as terras altas da Etiópia pesquisas mais recentes passaram a apresentar uma perspectiva melhor orientada no que diz respeito à contribuição endógena da África para o desenvolvimento das culturas agrícolas5 Nesse aspecto é incontestável que a savana foi sensivelmente mais importante que a floresta Foi na savana que entre o IV e o II milênio antes da Era Cristã selecionou se grande número de variedades indígenas apropriadas ao cultivo Grande número de cultígenos constituíram o complexo da agricultura com sementes caracterizado pela semeadura como preparação ao cultivo6 Em contrapartida algumas aclimatações empreendidas na floresta faziam parte do complexo das vegeculturas que implicam enquanto fase precedente ao cultivo o preparo de brotos mudas rizomas ou tubérculos A aclimatação mais importante nessa região foi a do inhame Dioscorea spp do qual inúmeras espécies são atualmente cultivadas Outra planta domesticada na mesma região foi a palmeira do azeite ou dendezeiro Elaeis guineensis Apesar do número restrito de culturas aclimatadas a descoberta da agricultura implicou uma nova e fecunda relação entre o homem e o seu biótopo Significou sobretudo uma certa receptividade às inovações como a difusão de cultígenos provenientes de outros horizontes A África deve à Ásia e à América do Sul bom número dessas novas culturas No quadro das riquezas vegetais naturais o estabelecimento de uma preferência por um número limitado de plantas indígenas ou estrangeiras significou que o homem não só era capaz de 5 VAVILOV N L 1935 Ver Cap 27 6 PORTERES R 1962 p 195 210 Ver Cap 27 374 Metodologia e pré história da África extrair sua subsistência do meio natural como também se punha a caminho de modificações biológicas maiores A necessidade de arrotear terras para implantar novas culturas e de eliminar outras plantas que pudessem disputar com elas os elementos nutritivos do solo acarretou em toda a África mudanças radicais no caráter da vegetação O fogo talvez tenha sido o elemento mais poderoso utilizado com aquela finalidade Os testemunhos de sua utilização pelo homem africano remontam à fase mais recente do Paleolítico Inferior permitiram concluir que o homem já o empregava comum ente na África há 60000 anos Entretanto parece que a princípio ele o utilizou apenas para sua proteção para a confecção de utensílios talvez mesmo nas caçadas incendiando o mato para desalojar a caça Com a descoberta do cultivo era natural que o homem usasse o fogo também para eliminar a vegetação nociva Esta luta travada pelo fogo contra a vegetação e em benefício do cultivo afetou de maneiras diversas as plantas herbáceas e as árvores Na savana especialmente durante a estação seca a erva queimava até o nível do solo mas as raízes enterradas impediam sua destruição As árvores ao contrário quando protegidas por cascas espessas morriam ou tornavam se disformes e retorcidas A introdução do fogo no ambiente natural acarretou assim uma transformação considerável na paisagem provocada pelo homem ao longo dos tempos Como consequência das queimadas frequentes que acabavam por destruir as espécies vulneráveis da floresta densa criavam se novas condições favoráveis à expansão progressiva das pradarias Na África ocidental este processo mostrou se suficientemente dinâmico para estabelecer uma zona de savana derivada ou antrópica que se estende do sul até 6o de latitude norte7 Na savana propriamente dita constata se que sob o impacto de duas queimadas anuais o caráter da vegetação modifica se segundo as características menores da paisagem passando de pradaria nas planícies a uma savana arborizada nos terrenos mais rochosos De fato a preservação dessas matas residuais em terrenos rochosos levou a se pensar que em uma grande parte do que hoje é a pradaria a vegetação principal deva ter sido a floresta8 De qualquer forma as pradarias africanas proporcionaram ao homem do passado consideráveis fontes de recursos não só eram mais fáceis de arrotear como também permitiam fácil locomoção A facilidade de locomoção foi fator decisivo para o povoamento da África que é por excelência o continente das grandes migrações humanas algumas das quais puderam ser reconstituídas 7 MORGAN W B e PUGH J C 1969 p 210 8 EYRE S R 1963 375 Geografia histórica aspectos econômicos graças a testemunhos arqueológicos etnológicos linguísticos e históricos Esses grandes movimentos de população foram importantes dada a rapidez de difusão de ideias novas e principalmente de técnicas e instrumentos A propagação foi por vezes tão rápida que as pesquisas para identificar os sítios de origem de uma determinada inovação quase sempre enfrentam grandes dificuldades A mobilidade do homem sempre foi um fator vital na organização das populações em entidades políticas Dessa maneira as savanas africanas tiveram influência benéfica proporcionando as condições preliminares à criação dos Estados Dotados de meios de coerção esses Estados procuraram dominar outros grupos que dispunham de organização ou equipamentos militares inferiores aos seus Uma vez vencidos tais grupos deixavam se assimilar ou refugiavam se em redutos menos acessíveis ou hospitaleiros Em resumo o corolário do surgimento dos Estados na zona das savanas foi a dispersão dos grupos mais fracos menos organizados para ambientes hostis zonas montanhosas íngremes desertos florestas densas Vê se portanto que as riquezas vegetais desempenharam um papel preponderante na evolução histórica do homem na África Além de provê lo com abundantes reservas de frutas e tubérculos permitiram a criação de culturas que cuidadas e protegidas proporcionaram lhe novos e mais ricos meios de subsistência O incremento dos recursos alimentares facilitou o crescimento regular da população africana Segundo Carr Saunders até 1650 o continente só perdia para a Ásia em termos de população Seus 100 milhões de habitantes representavam mais de 20 do total mundial9 Um dos fatores importantes do crescimento populacional foi também a maior segurança oferecida pelas entidades socio políticas melhor organizadas Dada sua expansão mais acentuada na zona das savanas torna se fácil entender por que à época eram estas as regiões proporcionalmente mais povoadas do continente Esta proporção irá modificar se aos poucos a partir do século XVI especialmente na África ocidental com o tráfico de escravos e a colonização estrangeira Recursos animais e diversidade cultural A distribuição das riquezas animais está estreitamente relacionada com a das riquezas vegetais A África sempre foi considerada um continente particularmente 9 CARR SAUNDERS A M 1964 Atualmente a população da África representa apenas cerca de 10 do total mundial 376 Metodologia e pré história da África rico em mamíferos De fato afirma se que excluindo o morcego existem 38 famílias de mamíferos africanos A distribuição desses animais no continente evoluiu no tempo e no espaço Vestígios fósseis indicam que todas as regiões da África em determinado momento foram povoadas por grandes espécies selvagens A região mediterrânea da África do Norte abrigou animais como o leão e o elefante vários dos quais acredita se tenham sido afugentados pelas grandes secas do Pleistoceno A maior parte dos que restaram foi vítima no decorrer dos dois últimos milênios de um apresamento desmesurado é o caso por exemplo do fornecimento de animais aos anfiteatros romanos Mais recentemente em meados do século XIX as tropas francesas do duque de Aumale descobriram grandes quantidades de animais selvagens inclusive leões por onde quer que passassem na Argélia das rochas íngremes do Constantino às planícies de Oran O próprio deserto ainda conserva uma série de espécimes da fauna selvagem gazelas dorca e dama o ádax o órix com chifres em cimitarra o órix algazel etc Sabe se que no decorrer de períodos mais úmidos muito remotos essas riquezas foram incomparavelmente superiores incluindo animais como o hipopótamo a girafa o búfalo gigante hoje extinto e antílopes de porte maior São as savanas africanas no entanto o verdadeiro reduto da maior parte da caça de grande porte10 Nas savanas do oeste leste centro e sul da África encontram se animais carnívoros como por exemplo o leão o leopardo o gato tigre africano e a hiena Ali vivem também o búbalo o topi a gazela o facoquero o antílope ruão a zebra a girafa e a avestruz É habitat natural do elefante do búfalo do rinoceronte negro do alce de Derby e do alce do Cabo do cefalofo do cob singsing e do cob dos juncais A extensão do território ocupado por cada espécie modificou se ao longo dos séculos Todos esses animais sofreram por parte do homem grandes devastações Na luta pela sobrevivência certas espécies cederam lugar a outras à medida que se modificavam as condições do meio ambiente Assim pode se por exemplo atribuir a ausência do rinoceronte branco entre o Zambeze e o alto Nilo Branco às modificações do clima e da vegetação durante o Pleistoceno as quais beneficiaram o rinoceronte negro mais agressivo Embora a maior parte da caça selvagem se encontre na floresta da África tropical essa região é em seu conjunto menos favorecida no plano das riquezas animais Entre os mais notáveis habitantes da floresta encontram se o bush 10 SOMMER F 1953 p 64 Ver Cap 20 377 Geografia histórica aspectos econômicos pig ou porco do mato o javali gigante o bongo os grandes macacos como o chimpanzé e o gorila bem como o ocapi Nesse caso também as modificações do meio afetaram a extensão de territórios anteriores Os vazios constatados nos povoamentos de bongos devem se ao estreitamento do que outrora devia ser uma floresta densa cobrindo toda a África equatorial A abundância de recursos animais foi sem dúvida bastante útil ao homem durante o longo período em que se dedicou basicamente à caça As reservas pareciam a tal ponto inesgotáveis que algumas comunidades africanas até hoje não ultrapassaram esse estágio de desenvolvimento Os peixes representam outra categoria importante de recursos animais sendo igualmente caçados desde o Mesolítico Não só os cursos dágua mas também os lagos de água doce Rodolfo Nakuru e Eduardo na África oriental e central Chade na África ocidental atraíram os primeiros grupos de homens por sua piscosidade11 Entre os rios o Nilo teve evidentemente uma importância especial Às suas margens foram encontrados vestígios de comunidades que utilizavam arpões e anzóis feitos de osso e que também caçavam e consumiam hipopótamos e crocodilos Observa se ainda hoje em toda a África o uso de simples canoas esculpidas em troncos de árvore para a pesca nas águas do interior Algumas poucas comunidades de pescadores chegaram a construir canoas relativamente grandes para se aventurar na pesca no litoral marítimo Em nenhum lugar até época recente a evolução técnica foi suficiente para permitir a exploração dos abundantes recursos dos oceanos que rodeiam o continente A extraordinária riqueza e variedade da fauna terrestre forneceu uma enorme reserva potencial de animais domésticos Contudo a domesticação de animais na África restringiu se praticamente ao jumento ao gato à galinha dangola ao carneiro e ao boi12 Essa modesta performance deve se à influência durante o Neolítico de métodos mais antigos e eficazes experimentados na Ásia Foi nesse período que o continente se iniciou no pastoreio Segundo Clark Os primeiros pastores neolíticos apareceram no Saara no decorrer do V milênio antes da Era Cristã ou talvez ainda mais cedo Conduziam rebanhos de gado de chifres longos ou curtos cabras e carneiros E assim prosseguiram até que a crescente dessecação do Saara de lá os expulsasse O pastoreio todavia não se desenvolveu de maneira uniforme em todos os meios do continente Enquanto a maior parte das comunidades logrou dominar 11 Cf PUTTON Ver Cap 20 12 CLARK J D 1970 p 204 378 Metodologia e pré história da África as variedades menores de gado apenas uma minoria conseguiu domesticar as maiores como foi o caso dos Tuareg do Saara dos Peul da savana da África ocidental e dos Massai das pradarias da África oriental que continuaram ligados à vida pastoril renunciando a qualquer tentativa de combinar este modo de vida com o agrícola Seguindo incessantemente seus rebanhos em busca de água e pastagens essas comunidades mantêm até hoje uma vida nômade na sua mais pura forma Alguns grupos Bantu da África oriental conseguiram entretanto associar a criação de gado à prática agrícola em proveito de ambas as atividades Pode se apontar como um dos elementos que detiveram o desenvolvimento do pastoreio na África a proliferação de outras espécies animais que exerceram influência particularmente negativa sobre a expansão das riquezas do continente O primeiro caso a se mencionar é o da mosca tsé tsé Grande e bastante móvel é ela o principal não o único transmissor da tripanossomíase infecção que provoca no homem a doença do sono e que é mortal para os animais A mosca tsé tsé é encontrada atualmente numa faixa que atravessa a África entre 14o N e 14o S com exceção apenas dos territórios com altitude superior a 1000 m relativamente frios e das regiões de vegetação rasa onde a estação seca é demasiado quente e árida para permitir a reprodução da mosca A presença da tsé tsé na África data de épocas muito remotas Impressões fossilizadas desse inseto encontradas na América do Norte em camadas do Mioceno permitiram concluir que sua propagação foi bem maior nos tempos pré históricos13 Seu desaparecimento de certas regiões da África ou de outras partes do mundo pode ter se devido a uma combinação de mudanças climáticas barreiras naturais e glaciação É provável que mesmo na África as alternâncias climáticas do Pleistoceno tenham exercido influência considerável não só sobre a distribuição das diferentes espécies de tsé tsé como também sobre seu grau de nocividade As regiões infestadas por essas moscas constituíram uma barreira muito eficaz ao desenvolvimento da criação Os pastores depressa devem ter compreendido que seus rebanhos corriam grandes riscos ao atravessar as zonas infestadas Assim descida dos rebanhos para o sul a partir da África do Norte ficou condicionada à existência de corredores livres de moscas tanto naturais quanto criados por comunidades agrícolas organizadas e suficientemente densas Um bom exemplo desses últimos é dado pela migração há cerca de nove séculos de 13 COCKERELL T D A 1907 1909 1919 p 301 11 379 Geografia histórica aspectos econômicos pastores criadores que formaram graças à fusão com outros povos a sociedade dos Tutsi e Hutu de Ruanda e do Burundi atuais Sem dúvida a história da África teria sido diferente se o continente não tivesse conhecido a tsé tsé Uma vez que a presença dessa mosca impossibilitava a utilização do gado de grande porte pelas comunidades agrícolas esses animais nunca foram empregados para tração Tampouco se criaram condições para a descoberta da roda de fundamental importância Por outro lado a facilidade de deslocamento de certos povos propiciada pela presença do gado de montaria não deixou de incitá los à agressão e eventualmente ao domínio político sobre povos sedentários14 O mosquito transmissor da malária e o gafanhoto representam também fatores zoológicos adversos Dentre as muitas espécies de mosquitos capazes de transmitir os diferentes tipos de parasitas da malária algumas são mais atraídas pelo sangue humano que outras O mosquito transmissor mais frequente na África é o Anopheles gambiae de difícil erradicação pois alimentando se também do sangue animal consegue sobreviver mesmo quando temporariamente impedido de atacar o homem O mosquito em geral procria em águas estagnadas sendo mais incidente nas imediações de pântanos e rios Sua reprodução cresce com o aumento das chuvas e as altas temperaturas estimulam tanto o desenvolvimento de suas larvas quanto o ciclo do plasmódio no inseto adulto Já as temperaturas mais frias dos locais de maior altitude reduzem sua virulência Assim a malária endêmica tende a desaparecer em altitudes acima de 1000 metros ainda que sua transmissão possa persistir Não se sabe ao certo desde quando esse mosquito é parte integrante do meio humano na África A grande porcentagem de células de Golgi encontradas em muitas populações africanas parece indicar uma longa e estreita relação entre essas células e a evolução da população na África Tal peculiaridade certamente se deve ao impacto multissecular da seleção que favoreceu a sobrevivência dessas populações em condições de infecção hiperendêmica da malária Na medida em que tornou bem menores as chances de sobrevivência de grupos humanos não adaptados o mosquito da malária também desempenhou papel importante na história do continente Até o século XX ele efetivamente desencorajou os europeus na tentativa de se instalarem sob o clima quente e úmido da África ocidental resguardando assim a região dos problemas inter raciais que abalaram a história das terras altas da África do norte do leste do centro e do sul vítimas da colonização 14 Ver a esse respeito o papel da cavalaria na formação dos Estados sobretudo ao norte do equador 380 Metodologia e pré história da África Os gafanhotos fazem parte das pragas tradicionais da África São insetos grandes que normalmente vivem solitários ou em pequenos grupos São encontrados nas zonas de transição das vegetações às margens do deserto ou da savana herbosa e da floresta Ao sul do Saara encontram se três tipos principais o gafanhoto vermelho o gafanhoto migrador africano e o gafanhoto do deserto Os três requerem dois tipos diferentes de habitat solo desértico para depositar os ovos e paisagem verde para alimentar se Quando por motivos diversos seu terreno de alimentação se restringe demasiadamente esses insetos se agrupam em enormes enxames e invadem zonas próximas ou distantes Exemplos de tais invasões em passado muito remoto não são facilmente identificáveis embora o Antigo Testamento faça referência ao gafanhoto como uma das pragas que afligiram o Egito ao tempo de Moisés A partir do século XIX os registros de invasões tornam se mais abundantes Sabe se que a África central sofreu sucessivos ataques de gafanhotos entre 1847 e 1854 1892 e 1910 e mais recentemente entre 1930 e 1944 Para as populações agrícolas sedentárias as depredações causadas pelas nuvens de gafanhotos sobretudo quando ocorrem logo antes da colheita podem significar uma passagem brutal da abundância à fome Quando no passado condições climáticas adversas como a seca por exemplo coincidiam com essas invasões sobrevinham grandes transtornos políticos e sociais As reservas de água e a mobilidade humana Não se deve subestimar a importância das reservas de água na evolução da história da África Se há áreas do continente com os mais altos índices pluviométricos do mundo outras há que apresentam os índices mais baixos As imensidões do Saara e do Calaari são o testemunho irrefutável da implacável aridez de grandes porções da África Mas além dos desertos a vasta zona das savanas recebe precipitações apenas satisfatórias o que torna a vida humana nessas regiões em grande parte dependente das caprichosas flutuações dos ventos portadores de chuva O fato não seria tão alarmante se fosse possível recorrer a outras fontes de água como rios lagos e lençóis freáticos Em extensas áreas do continente todavia e em especial nas regiões relativamente quentes das terras baixas os vales fluviais estão infestados de insetos nocivos tornando se impróprios ao estabelecimento do homem Além do mais o regime dos rios acompanha de perto o das chuvas sendo de pouca ajuda durante os períodos de precipitações insuficientes ou de prolongada estiagem quando secam até mesmo os leitos dos rios Excetuando se o vale do Nilo a tecnologia 381 Geografia histórica aspectos econômicos tradicional não conhecia meios de armazenar água para as épocas de seca O pequeno desenvolvimento tecnológico impedia também o aproveitamento das águas subterrâneas localizadas além de certa profundidade mesmo em áreas de bacias artesianas por exemplo onde as estruturas geológicas favorecem a retenção de grandes reservas O embasamento rochoso de grande parte do continente reduz a capacidade de armazenamento de água em lençóis abundantes tornando os habitats humanos exclusivamente dependentes das precipitações anuais A escassez de água resultante das condições de seca rigorosa sempre foi uma das características da vida africana A história climática do Pleistoceno mostra que nas várias regiões do continente houve provavelmente um regime cíclico de longos períodos de precipitações mais ou menos intensas De qualquer forma a seca representa uma pressão do meio ambiente sobre os grupos humanos ela os força a reagir Quase sempre essas reações se traduzem pela procura de zonas mais irrigadas para estabelecimento definitivo ou temporário Tais movimentos migratórios podem ser pacíficos porém muito frequentemente tendem à agressividade o que vai depender do modo como estão organizados e como são dirigidos A história de muitas comunidades africanas registra suas migrações ou as incursões que sofreram por parte de grupos migratórios mais poderosos que as submeteram obrigando as a uma reorganização social Nas regiões em que existe água em quantidade suficiente pluvial ou subterrânea em que a agricultura pôde desenvolver se uma população organizada cresce segundo um processo de evolução social progressiva no árduo caminho do domínio da natureza As safras amadurecem ricas e variadas chegando o ritmo de sua maturação a determinar o ritmo da vida social A época da colheita adquire especial importância e são instituídos rituais para santificar o inexplicável evento atribuído a alguma força natural benigna A ascensão na escala social dessa população organizada depende de alguns fatores sendo um dos principais a abundância dos recursos alimentares que permitirá a divisão do trabalho no seio da comunidade favorecendo a emergência de grupos especializados em determinadas atividades Essa evolução depende não só das reservas de água como também da fertilidade dos solos Os recursos do solo e a evolução social das comunidades As características geológicas de extensas regiões da África são em grande parte determinantes da qualidade dos solos Dada a variedade de rochas do embasamento o caráter dos solos que se formaram sobre elementos análogos é 382 Metodologia e pré história da África também extremamente variável No entanto sua fertilidade é frequentemente medíocre Essas rochas apresentam em geral reservas suficientes da maioria dos elementos minerais necessários à alimentação das plantas mas sua variabilidade implica mudanças abruptas dessas condições em curto raio geográfico Os solos formados sobre rochas sedimentares tendem a manter maior uniformidade em grandes áreas todavia nada têm em comum com as extensas regiões de solos altamente produtivos como o tchernoziom dos trigais da Ucrânia e das pradarias da América do Norte A interação de características do solo e fatores climáticos determinou a fertilidade da terra e sua capacidade de suprir por longo período as neces sidades de uma população densa Nas regiões úmidas por exemplo a ilusão de fertilidade provocada pelo crescimento luxuriante da vegetação dissimula a natureza frágil do solo Uma vez removida a vegetação natural as substâncias orgânicas do solo rapidamente se desintegram sob o efeito de uma intensa ação bacteriana estimulada por temperaturas geralmente elevadas Em pouco tempo a fertilidade decresce o produto das colheitas diminui e a população humana é forçada a procurar novos sítios Nas regiões subúmidas por outro lado a fertilidade do solo é muito maior No entanto as variações periódicas de umidade favorecem a formação de grandes crostas de laterito impróprias para o cultivo A presença dessas crostas acarreta a disseminação de solos moderadamente férteis cujas possibilidades de alimentar densas populações humanas são bastante reduzidas Tais condições são características dos solos encontrados na África ocidental ao norte da zona da floresta e nos planaltos da África central às margens da bacia do Zaire Nas terras semi áridas sujeitas a precipitações moderadas também são encontradas essas mesmas crostas ferruginosas embora mais disseminadas Consequentemente os solos castanhos arenosos dessa região são mais férteis e produzem safras razoáveis em anos de pluviosidade satisfatória O solo do deserto que aparece mais ao norte é superficial e de perfil pouco desenvolvido carecendo de matérias orgânicas Uma das características marcantes da geografia da África reside portanto na pequena extensão dos solos realmente férteis e em sua extrema disseminação Compreendem eles os solos argilosos profundos derivados do basalto e de outras rochas vulcânicas do Pleistoceno e de épocas mais recentes encontrados principalmente em regiões da África oriental Na floresta densa apresentam superficialmente uma coloração chocolate sendo de cor vermelha nos níveis inferiores Igualmente férteis são os ricos solos aluviais derivados dos mesmos tipos de rochas e encontrados nas planícies de inundação de rios como o Nilo 383 Geografia histórica aspectos econômicos Possibilitando abundantes colheitas esses dois tipos de terreno favoreceram o crescimento de densas populações humanas Quando tal concentração conduziu a um alto grau de organização social e de controle do meio ambiente como ocorreu no vale do Nilo durante o Neolítico Pré Dinástico reuniram se as condições para uma aceleração do progresso Isso implicou no caso citado o desenvolvimento de uma civilização urbana a diferenciação de classes um artesanato refinado uma arquitetura monumental e finalmente o uso da escrita Foi o resultado não só de relações cada vez mais regulares com a Mesopotâmia mas também da possibilidade de manter uma população densa composta de vários grupos sociais graças à prosperidade de uma agricultura que para a época deve ter sido impressionante Condições semelhantes estabeleceram se mais tarde em outras regiões da África por exemplo na curva do Níger quando da criação do império de Gana no início do período medieval Mas apesar de outras áreas apresentarem solos relativamente férteis vastas extensões do continente em particular as planícies de altitude que há milhões de anos vêm sofrendo os efeitos da lixiviação possuem solos de pequena espessura que carecem de nutrientes sendo ainda hoje de limitado interesse para a agricultura Nessas regiões foi unicamente através da alternação de culturas que o homem conseguiu sobreviver desde o Neolítico Esse tipo de economia representa evidente desperdício no que concerne ao uso do solo tendo sido obstáculo à formação de comunidades relativamente densas A distribuição esparsa da população em extensas áreas do continente bem como os efeitos dessa dispersão na evolução social devem ser considerados como um fator nefasto na história da África É indiscutível que a fertilidade de qualquer região depende tanto de suas características próprias quanto da eficácia da exploração do solo Também é certo que em outras regiões do mundo sociedades que hoje atingiram um alto nível de evolução social atravessaram fases em que sua economia dependeu igualmente de culturas acidentais Na África a exploração racional do solo é de fundamental importância para a evolução social Determinante no passado ela indica o caminho a seguir para encetar seriamente o ciclo de um progresso decisivo Conclusão A geografia histórica da África sobretudo no que diz respeito aos aspectos econômicos apresenta a imagem de um continente com o qual a natureza se mostrou de uma benevolência extrema ao menos superficialmente Esse 384 Metodologia e pré história da África caráter aparente da magnanimidade da natureza tão bem ilustrado pela frágil exuberância da floresta tropical constituiu uma espécie de armadilha para os povos do continente Encontrando condições fáceis de sobrevivência certas comunidades ignoraram os imperativos prementes da evolução social Sem dúvida aqui e ali apareceram alguns homens ou grupos que procuraram estimular seus semelhantes ao progresso Suas exortações entretanto muitas vezes ficaram sem resposta Mais que qualquer outro fator a intervenção estrangeira teve certamente um efeito sinistro sobre o desenvolvimento geral do continente no decorrer da longa e implacável história do comércio escravo Mas o fato de uma tal intervenção ter sido possível não constituiria já uma severa advertência aos riscos a que está exposto todo grupo humano que deixa de zelar continuamente pela constituição de organizações sociais cada vez mais coesas extensas complexas e fortes que possibilitem fazer frente a eventuais desafios A história da África de nada nos servirá se não salientar esse fato A geografia contemporânea da África revela um continente ainda rico em recursos naturais como na Pré História Seu passado colonial recente contribuiu no entanto para criar uma situação em que grande parte dessa riqueza foi largamente explorada e exportada como matéria prima para atender à demanda de outras sociedades Além disso a exploração desses recursos por exigir avançada tecnologia só se faz possível com a condição de que os povos africanos se organizem em grandes comunidades integradas de forma a constituir bases sólidas para um real desenvolvimento A história de duas décadas de independência política deixa uma impressão ambígua ao que parece ainda está longe de ser compreendida a necessidade de se edificar tais complexos para fazer frente a outras comunidades similares cada vez mais numerosas O propósito deste esboço de uma geografia histórica e econômica do continente africano se é que se pode defini lo é o de lembrar que a natureza não determina nem o destino de um povo nem sua trajetória Não coage no máximo influencia Os povos bem como os indivíduos sempre foram e continuarão sendo os arquitetos de seu próprio destino 385 Geografia histórica aspectos econômicos figura 141 Os recursos minerais da África mapa extraído de lAfrique coleção A Journaux Hatier 1976 C A P Í T U L O 1 5 387 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra A interdisciplinaridade A interdisciplinaridade na pesquisa histórica é um tema em voga Mas sua aplicação torna se difícil quer pela disparidade das metodologias próprias de cada disciplina quer pela influência dos hábitos particularistas em que se acham enquistados os próprios pesquisadores zelosos de manter uma espécie de soberania territorial epistemológica Essa tendência à especialização já se faz sentir na própria apresentação dos resultados da pesquisa que continua a distinguir na vida de um povo em capítulos bem isolados a vida econômica a sociedade a cultura etc Quando porventura se tenta uma abordagem interdisciplinar frequentem ente ela se faz em termos de fagocitose Nessa guerra por primazia e hegemonia a história ocupa uma posição ambígua De fato ela é essencial a todas as disciplinas Mas como não dispõe do vocabulário específico mais ou menos esotérico que para as outras ciências funciona como uma fortificação em que se entrincheiram os especialistas aparece como disciplina cômpito arriscando pagar com a legitimidade sua onipresença Disciplina orquestra a história dispunha tradicionalmente de um maestro o documento escrito Mas a história da África ao sul do Saara principalmente caracteriza se pela relativa pobreza de fontes escritas sobretudo antes do século XVI e mais ainda antes do século VII da Era Cristã Ora quem não tem Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra J Ki Zerbo 388 Metodologia e pré história da África mãe mama na avó1 diz um provérbio africano Na ausência de fontes escritas a história da África deve coligar todas as fontes disponíveis para reconstituir o passado E a carência pode afinal transformar se quase num fator positivo na medida em que permite fugir ao peso esmagador da escrita que por vezes acarreta uma depreciação implícita das outras fontes Por outro lado a pesquisa histórica e das ciências humanas na África sofreu por longo tempo de dois males contraditórios Em primeiro lugar a deformação historicista que leva a considerar o fluxo do processo social como um rosário cujas contas são eventos datados em segundo lugar a obsessão de reconstituir um calendário que torne inteligível a evolução dos povos e a indiferença por tudo mais economia estruturas sociais culturas Daí essa história linear genealógica fatual em suma esquelética pois que desprovida da própria carne da vida Um outro desvio ainda mais pernicioso oriundo talvez em parte do preconceito de primitivismo aplicado à realidade africana por um evolucionismo sumário analisa estruturas atemporais abolindo a profundidade histórica sem a qual no entanto as referidas estruturas perdem seu significado tanto objetivo quanto subjetivo É o que acontece com certos pesquisadores a quem as disciplinas enchem de auto suficiência esses linguistas alérgicos a toda e qualquer interferência cultural e esses etnólogos funcionalistas que recusam toda dimensão histórica Felizmente essas muralhas da China disciplinares vão desmoronando progressivamente J Desmond Clark escreveu A constatação de que arqueólogos linguistas antropólogos culturais ou etnógrafos se defrontam a maior parte do tempo com os mesmos problemas e de que a melhor forma de solucioná los é a equipe interdisciplinar é hoje um dos fatores mais animadores e estimulantes dos estudos africanos2 A pseudo história marcada pelo fascínio exclusivo da cronologia bem como a miragem da análise estrutural puramente estática e formal vão aos poucos desaparecendo conforme atestam as escolas que introduzem a diacronia e o conflito em seus métodos analíticos integrando como Calame Griaule e Houis fato cultural e fato linguístico ou abandonando como Balandier a abordagem imóvel dos sociólogos em favor de uma abordagem dinamista que adota como instrumentos de análise o movimento e a comparação Não é a contradição parte 1 A lactação parece ser um processo reflexo Todavia a farmacopeia africana dispunha de receitas para ativá lo 2 CLARK J D African prehistory opportunities for collaboration between archaeologists ethnographers and linguists In CASS F Language and History in Africa 1970 389 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra integrante da realidade O que está claro é que nenhuma disciplina se beneficia com uma abordagem individual da realidade densa e emaranhada do mundo africano Seria como querer partir o nó górdio a golpes de sabre É o caso dos pesquisadores que pensam encontrar o princípio de explicação fundamental de uma determinada sociedade africana num único elemento por exemplo na análise estrutural do parentesco ou no sistema de representações crenças mitos e símbolos considerados como que dotados de uma autonomia e de uma lógica própria independente por exemplo das relações de produção3 Ao passo que em se tratando do parentesco sua análise revela na África sistemas menos puros mais complexos que na Austrália por exemplo estruturas que admite Lévi Strauss são igualmente condicionadas por outros elementos econômicos e políticos além do simples mecanismo das regras de parentesco A história africana menos que qualquer outra disciplina não pode acomodar se ao gueto Nem mesmo para estabelecer aquilo que no entanto parece pertencer justamente ao monopólio da história a cronologia Com frequência a solução de um problema de cronologia só pode ser corretamente alcançada com a ajuda combinada de quatro fontes distintas de informações os documentos escritos a arqueologia a linguística e a tradição oral O historiador reconstituindo a estrada do tempo assemelha se mais a um automobilista que para avaliar as distâncias dispõe de vários instrumentos o velocímetro de seu carro seu relógio os marcos de quilometragem e eventualmente o testemunho de um autóctone Essa conivência necessária revela se um fator favorável para garantir a restituição clara e integral da imagem do passado o que não ocorreria de modo perfeito se se recorresse a uma única fonte A descrição de Kumbi Saleh feita por al Bakri no Routier permaneceria lacunar se os arqueólogos não tivessem exumado e explicado as ruínas ainda mais eloquentes que o cronista árabe Ressaltemos que também nesse caso a tradição oral marcou presença pois foi graças a ela que se descobriu o sítio de Kumbi Saleh Nestas condições poder se ia falar de fontes nobres e fontes vulgares classificando as numa escala discriminatória em cujo topo estivessem os documentos escritos e no último escalão a tradição oral Ao que parece não O valor de uma fonte não é uma realidade em si varia de acordo com o objeto específico da pesquisa empreendida Assim para cada caso concreto existe no feixe dos testemunhos disponíveis uma fonte axial a fonte mestra que pode diferir segundo o tema Para a pré história africana e para as sociedades de pigmeus os documentos escritos não constituem por 3 Cf GRIAULE M e DIETERLEN G 1965 390 Metodologia e pré história da África definição a melhor fonte pois não existem Conforme o momento e a região da África a panóplia de provas históricas é comandada por essa ou aquela fonte axial desempenhando as demais um papel auxiliar e adventício Dependendo do tema uma desconhecida tribo Getula ou o reino de Jugurta os Kirdi do norte de Camarões ou os Ashanti de Gana os Kabye do norte do Togo ou o império de Gao retratado por TaRikh al Fattash a fonte mestra não será a mesma Somente após a conclusão da pesquisa é que se a reconhecerá Pois se é a fonte que condiciona o resultado é este que a justifica Se tal for verdade pode se antecipar sem risco de erro que em se tratando da história da África a interdisciplinaridade longe de ser um luxo é um dos dados fundamentais do método De fato não existe outra alternativa A complementaridade das fontes As fontes da história da África são nitidamente complementares tanto que cada uma delas isolada apresenta se com frequência mutilada transmitindo apenas uma imagem imprecisa do real que só a intervenção de outras fontes pode ajudar a definir Isolada a arqueologia corre o risco de tornar se uma descrição árida uma atestação quase fúnebre pronunciada impudentemente com base em pequena amostragem E se a única forma de corroborar ou invalidar as hipóteses formuladas fosse aguardar o resultado de outras escavações o ritmo das descobertas tornar se ia intoleravelmente lento Recolocada ao contrário no contexto multiforme de vida que ela pretende exumar a arqueologia presta eminentes serviços às outras disciplinas ao mesmo tempo que delas se beneficia Com efeito a explicação de seus achados encontra se frequentemente fora dela mesma No Zimbabwe por exemplo foram as minas de ouro e a sua defesa bem como a religião que deram significado à maior parte das subestruturas e superestruturas Alhures o conteúdo das tumbas e a posição dos mortos nos mausoléus só encontram explicação nas crenças dos povos e na sua representação do além Em contrapartida quando no norte de Gana escavações desvendam um plano arquitetônico semelhante aos do Sudão saheliano a arqueologia levanta ou resolve um interessante problema de influência cultural O mesmo se dá com relação à arte africana que para iluminar a história deve ser por ela iluminada Com efeito a arte sobretudo a arte pré histórica é condicionada por uma multiplicidade de fatores desde a geologia até as religiões mitos cosmogonias passando pelas estruturas sócio políticas e a sede de poder 391 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra dos reis Nessas condições a estética é intimamente governada pela ética e ao mesmo tempo servida por ela Por outro lado a arte muitas vezes apresenta se como um conservatório um museu de antropologia cultural e mesmo física devido aos ritos escarificações penteados costumes e cenários que reproduz Mas a compreensão da arte em si enquanto técnica inspirada não pode ocorrer fora da história A estilística é frequentemente explicada pela organização social No Benin por exemplo os mesmos artistas egbesanewa esculpem a madeira e o marfim enquanto outros trabalham a terracota e o bronze É evidente que a passagem de um material para outro explica em grande parte a feitura dos objetos em marfim ou bronze assim como a forma e a decoração das cerâmicas pré históricas só se explicavam por sua invenção a partir de cestos de palha trançada Que dizer então das máscaras em cuja confecção os africanos manifestaram uma imaginação sem limites As máscaras bobo por exemplo sobretudo as três principais kele máscara de antepassado kimi cabeça de marabu e tiebele crânio de búfalo são verdadeiras personalidades reconhecidas na aldeia que além de representarem testemunhos da história dela participam ativamente4 Que dizer dos cauris já mencionados por Ibn Battuta em 1352 na corte do Mali cujo fim primeiro era monetário mas que também serviam de adorno quando artisticamente dispostos tendo ainda um valor especial nos compromissos sociais e cerimônias religiosas A arte nesse caso encontra se imersa num complexo que lhe dá significado e que ela por sua vez vivifica Empreender a história de certas sociedades africanas sem compreender a linguagem múltipla dos cauris e das máscaras é como entrar numa sala de arquivo sendo analfabeto a leitura de sua evolução seria necessariamente truncada O mesmo ocorre com a tradição oral assunto amplamente discutido aliás A tradição oral é a história vivida transportada pela memória coletiva com todas as suas contingências e singeleza mas também com toda a sua força e vigor Existe na tradição como na língua de Esopo o melhor e o pior Por certo a tradição oral frequentemente ignora fatores econômicos e sociais mas ainda assim se presta a detectar outras fontes em geral mais pertinentes como os manuscritos e os 4 A grande máscara dos oráculos ou espírito de Deus é o Go Gê guardado por um sacerdote supremo chamado Gonola A grande máscara tem uma participação importante no sistema político dessas sociedades extensão prática do culto dos antepassados funcionando muito secretamente à noite Por ocasião das sessões do Poro a grande máscara é previamente levada ao bosque sagrado coberta por um pano branco O Gonola atua como chefe e sacerdote dispensador da verdade insuflada pelos antepassados O Go Gê é também um legislador pois suas decisões são apregoadas na aldeia e têm força de Lei HOUIS M In Études guinéennes 1951 HARLEY G W 1950 392 Metodologia e pré história da África sítios arqueológicos Por esse motivo recomenda se a coleta das tradições locais antes de empreender qualquer programa de escavações A tradição oral ajuda também a corrigir os erros de interpretação oriundos de um enfoque puramente externo Além do mais permite limitar o número de hipóteses e reduzir o leque de opções5 Porém caso existam versões múltiplas de uma mesma tradição será a consulta a uma outra fonte por exemplo o mapa das zonas afetadas por determinado eclipse que permitirá decidir por uma delas Ligados à tradição os tambores constituem um dos grandes livros vivos da África Alguns são oráculos outros estações de transmissão outros gritos de guerra que fazem brotar o heroísmo outros ainda cronistas que registram as etapas da vida coletiva Sua linguagem é fundamentalmente uma mensagem repleta de história A esse respeito estabeleceu se uma distinção entre a etnomusicologia interna ou técnica e a etnomusicologia externa ou seja ligada à trama social e cultural6 As grandes epopeias ou crônicas são frequentemente cantadas por grupos sociais organizados para esse fim e de um modo peculiar à África no quadro de uma participação ativa Pois a música nunca é recebida passivamente é executada por todo o grupo Trata se de uma celebração coletiva onde a trilogia canto dança música nos convida a uma interpretação sintética em que a linguística a história a botânica a psicologia social a psicologia a fisiologia a psicanálise a religião etc têm todas algo a dizer Sem esperar muito da musicocronologia o estudo comparativo dos instrumentos e da substância musical por intermédio de medidas aritméticas tratadas pela análise estatística pode dar resultados convincentes quanto à difusão e ao desenvolvimento cultural O universo musical africano extingue se diante da invasão de músicas de qualidade geralmente mais pobre porém introduzidas por sistemas econômicos mais ricos O próprio tantã que fez a história não será em breve um objeto da história A linguística por seu turno é cada vez mais uma companheira jovem fiel e fecunda da história pois as línguas são um museu vivo em que se preserva a tradição e para extrair lhes a essência real é necessário possuir a 5 Devemos evidentemente situar a tradição oral no seu contexto Num interessante quadro metodológico de análise de contos e lendas alguns estudiosos estabeleceram em sete colunas os dados internos semântica retórica e os dados externos ao conto dos quais uns estão vinculados a um contexto cultural e civilizacional ao passo que os outros estão fora desse contexto Cf Littérature orale arabo berbère 4o Bulletin de Liaison 1970 Centre dÉtudes maghrébines Musée de lHomme Paris 6 Com esse procedimento o pesquisador pode atingir setores mais específicos as relações entre a música e a linguagem os símbolos sociais e filosóficos ligados à música a relação dos ritmos com os fenômenos de possessão as relações entre a música e o meio ambiente ecológico e econômico as relações entre as diversas músicas de diferentes etnias AROM Simha e CONSTANT Denis In MARTIN D e YANNOPOULOS T Guide de recherches lAfrique noire Armand Colin Paris 1973 393 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra ciência da linguagem Toda língua é não só uma criação mental como também um fenômeno social Seu vocabulário por exemplo é o reflexo das realidades forjadas pela história de cada povo É por outro lado a língua a palavra que instila um sistema de conceitos e normas de comportamento na mentalidade e nas motivações dos povos Certos conceitos de uma língua são difíceis de expressar de forma idêntica em outra relacionada a um contexto global diferente É o caso do conceito de sanakuya em mande e rakire em more aproximadamente traduzido por parentesco de brincadeira e que desempenha um papel histórico de grande importância na região sudano saheliana É o caso também do conceito de dyatigui em mande que está longe de coincidir com a simples noção de hospedeiro ou do conceito de tengsoba traduzido literalmente por chefe da terra embora sem uma exata correspondência semântica A crítica linguística é constantemente solicitada pelo historiador de par com outras fontes A cronologia e a origem das ruínas circulares da região de Lobi por exemplo são o resultado de um conjunto de provas que se eliminam e se reforçam mutuamente rejeição da hipótese de uma origem portuguesa baseada num texto de Barros contradita pelo traçado da estrada supostamente utilizada e pelo exame do revestimento de reboco cujo estado de conservação não justifica um horizonte temporal muito remoto denominação wilé e birifor dessas ruínas kol na wo significando estábulos das vacas dos estrangeiros identificação desses estrangeiros na pessoa dos Kulango através do estilo das cerâmicas encontradas nas ruínas por fim estimativa cronológica ligada às tradições de migração dos povos da região Nesse caso específico percebe se concretamente o papel decisivo da linguística na tentativa de interpretação de um determinado acontecimento histórico7 Mas seria uma aberração grosseira assimilar o fenômeno linguístico que é cultural ao tribalismo ou ao fato biológico da raça A língua dos cavaleiros Dagomba invasores das terras da bacia do Volta no século XIV talvez tenha caído em desuso sendo substituída pela língua das mulheres Kusase que eles desposaram no local e que se tornaram mães de seus filhos Este é um exemplo de contaminação linguística que teria ocorrido como por vezes acontece às custas dos que detinham o poder político A etno história reduzida ao presente etnográfico quase inerte dos funcionalistas também não é uma verdadeira história e não poderia desempenhar papel positivo nesta conjugação das fontes em que cada uma constitui não um elemento estático mas uma variável transportada 7 Cf PARENKO P e HERBERT R P J 1962 394 Metodologia e pré história da África pelo fluxo do processo histórico Aliás a etno história funcionalista negligencia frequentem ente as culturas materiais e aquele movimento geral de produtos no qual Leroi Gourhan detectava a matriz das civilizações O par mercantil transaariano sal por ouro do Sudão e o par cativos por fuzis que o substituiu alguns séculos mais tarde não constituem as bases mais importantes da edificação de reinos e impérios no oeste africano Nessas condições uma sociologia dinamista representa também um dos meios essenciais para o exercício da crítica histórica africana Com efeito não se trata de transferir sem discernimento os instrumentos de análise de uma determinada trama sócio política para outra seja no tempo seja no espaço pois haveria o risco de se criar novos problemas ao invés de solucionar os já existentes No cálculo da duração média dos reinados por exemplo não se pode simplesmente extrapolar para o passado a duração média estabelecida para um período contemporâneo conhecido pois a estabilidade ou instabilidade política e social não são necessariamente as mesmas Da mesma forma a sucessão colateral de irmão para irmão do reino Mossi do Yatenga não poderia apresentar médias idênticas às do reino de Uagadugu onde a sucessão se fazia preferencialmente em linha direta de pai para filho No caso de Uagadugu a duração média dos reinados tenderia a ser mais longa e o número de gerações mais elevado Ainda que fatores religiosos possam também ser considerados Porém se analisarmos as dinastias dos reis dos Gan Gan Massa sistematicamente eleitos entre os homens maduros mais jovens a média de duração dos reinados será ainda mais elevada Em outras palavras a determinação do horizonte cronológico não pode ser feita independentemente do conhecimento da sociologia política de um determinado país Mas o próprio conceito de estabilidade não é um modelo prêt à porter invariável para todos os períodos e todos os países A estabilidade pode ser apenas aparente ou adquirida a um preço social bastante elevado Na Etiópia e no reino de Uagadugu a eliminação ou degredo dos candidatos desafortunados e dos colaterais garantia uma certa estabilidade porém às custas de severas perdas humanas que a história deve considerar em termos de instabilidade para explicar com pertinência a evolução desses países Recorrer se á também às ciências naturais ou exatas para apreender ou afinar a imagem do passado da África a começar pelo computador para o tratamento de certos dados numéricos os processos técnicos físicos químicos e bioquímicos de datação de análise dos metais das plantas e dos gêneros alimentícios do gado e de seu pedigree a epidemiologia e o estudo das catástrofes naturais vinculado à climatologia Não é gratuitamente que nas tradições africanas atribui se tanta importância aos períodos de grandes fomes que assim como 395 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra as guerras são usadas como referências cronológicas O papel da violência na evolução da África foi sem dúvida comparável ao que se verificou na história de outros continentes todavia se por um lado o baixo nível de desenvolvimento tecnológico reduziu lhe o impacto absoluto por outro o impacto relativo viu se aumentado pois o menor avanço de um povo em relação a outro nesse âmbito revestia se de grande importância Não foi a diferença de armamento fator determinante na instauração da hegemonia dos assírios no Egito dos primeiros dinastas de Gana e de Chaka o Zulu A estatística também deverá contribuir de modo substancial dando uma consistência quantificada a realidades que sem isso seriam deformadas mesmo qualitativamente já que a partir de um certo estágio pode se falar de um salto qualitativo na natureza dos fenômenos As estruturas de dois povos um com dez mil e outro com dez milhões de pessoas não podem ser da mesma natureza Em se tratando de invasões de exércitos africanos do século XIV a armadilha do anacronismo consiste em imaginar essas mobilizações através do crivo conceptual do século XX A referência estatística mesmo na forma de estimativas aproximadas ajudará a colocar as coisas numa escala de grandeza natural mais compatível com o desenvolvimento real dos acontecimentos Aliás o estudo das guerras africanas só pode contribuir de forma relevante para a história da África se relacionado à religião à qual está intimamente ligado por ser a arte da guerra em parte um exercício de magia Para convencer se basta olhar a vestimenta de combate de al Boury NDiaye repleta de amuletos Esse costume ainda era adotado pelos atiradores africanos nas duas guerras mundiais Quanto à antropologia física pode também contribuir para a construção de uma história autêntica Os mitos racistas como a teoria camítica baseados em frágeis aparências infestaram durante muito tempo esse setor da pesquisa o qual só poderá ser saneado graças ao método interdisciplinar que associa várias provas para chegar à verdade As pinturas rupestres pré históricas já podem indicar o caminho de algumas identificações embora não se deva confundir modo de vida tal como é retratado nas rochas com raça Todavia não esqueçamos que certas deformações do esqueleto como a elongação craniana praticada pelos Mangbetu estão relacionadas ao modo de vida e à cultura Por outro lado se a análise serológica pode ajudar a esclarecer certas confusões ela também revela que até os grupos sanguíneos podem adaptar se ao meio o que denota a influência decisiva do biótopo sobre a raça Esta última só poderá ser entendida portanto se recolocada como quase tudo o que diz respeito à história entre a natureza e a cultura passando pela biologia A natureza africana teve grande influência na história É por isso que sem cair num determinismo mecânico qualquer 396 Metodologia e pré história da África jamais se devem perder de vista as condições geográficas8 A especificidade das culturas e da evolução pré histórica da África central como salienta de Bayle des Hermens só pode ser compreendida se se pensar na presença opaca da floresta que nos lembra a influência do espaço sobre o tempo9 Como falar dos primeiros habitantes do vale do Nilo sem recorrer à geomorfologia e à paleoclimatologia10 Como Como vimos são múltiplas as associações e conjugações de disciplinas que se impõem ao historiador da África Mas como organizar essa frente unida de disciplinas tão heterogêneas na luta pela conquista da antiga face da África Pode se conceber uma associação de esforços extremamente lassa que consistiria simplesmente em fixar algumas intenções comuns deixando que cada um avançasse de acordo com a problemática de sua própria disciplina reencontrando se todos na linha de chegada para uma confrontação dos resultados Essa estratégia não parece satisfatória pois deixa subsistirem todos os handicaps de cada disciplina sem tirar proveito se não de todas as virtudes de cada uma delas ao menos dos benefícios decorrentes da íntima associação de seus procedimentos A uma interdisciplinaridade por justaposição deve se preferir uma interdisciplinaridade por enxerto de abordagens e disciplinas A estratégia geral da pesquisa bem como as etapas táticas devem ser estabelecidas em conjunto Após ter definido de comum acordo e à medida que forem surgindo as interrogações essenciais passa se a dividi las em grupos segundo requeiram a intervenção desta ou daquela disciplina Em prazos determinados ou a pedido de uma das instâncias envolvidas na pesquisa devem se fazer ajustes ou combinações espécie de briefings que recolocarão os problemas em termos diferentes renovados com a progressão das diligências comuns Em tal circunstância os nós ou pontos de estrangulamento detectados quando dos acertos serão objeto de programas de emergência e da concentração intensiva dos esforços 8 A natureza propõe e o homem dispõe escreveu Vidal de La BLACHE mas como foi sugerido por Pe Teilhard de Chardin Não será a história vista de cima o mais recente capítulo da história natural 9 Cf H LEFEBVRE 1974 obra vigorosa em que o autor discute a teoria unitária do espaço físico mental e social 10 Testes químicos com o cálcio o fosfato os pólens e as proteínas podem ajudar a reconstituir os hábitos alimentares que por sua vez dão indicações sobre a demografia e o período de ocupação de um sítio Os palinologistas estão se empenhando em constituir um banco de pólens africanos 397 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra Essa associação permanente essa pesquisa coletiva deve dispor de um mestre de obras para o conjunto do trabalho ou do programa No entanto podem se designar líderes diferentes para suas diversas fases conforme determinado momento da investigação requeira preferencialmente um linguista outro um sociólogo etc Uma tal estratégia interdisciplinar deverá promover o enriquecimento mútuo do enfoque de cada disciplina e apurar sua apreensão do tema comum da pesquisa Ela permite frear rapidamente a progressão às cegas em situações de impasse e abrir o maior número possível de caminhos fecundos e atalhos Esse tipo de pesquisa colegial que levaria historiadores antropólogos culturais especialistas da arte botânicos a visitarem os sítios junto com os arqueólogos revela se como uma rede gigante capaz de recolher tanto em extensão quanto em profundidade a substância da realidade histórica global Isso pressupõe que os institutos de estudos africanos que já são numerosos possam adaptar suas estruturas a esse tipo de ação Pressupõe sobretudo a instauração de uma nova mentalidade entre os próprios pesquisadores Na verdade qual é o objetivo desse exercício É restituir aos africanos uma visão e uma consciência de seu passado que não pode ser uma fotocópia da vida passada mas deve um pouco como na caverna de Platão reproduzir cenas que outrora foram reais A vida é essencialmente integração e coerência adesão de forças distintas a um projeto comum A morte é por definição desagregação incoerência A vida individual ou coletiva não é unilinear nem unidimensional é um tecido denso e compacto Por vezes o romance histórico empreende com sucesso em condições certamente mais fáceis este projeto raramente realizado por historiadores a ressurreição do passado Professores de história economia sociologia etc poderiam encontrar matéria para um estudo conjunto nesses afrescos vivos que são As vinhas da ira de Steinbeck A condição humana de Malraux e Tchaka de T Mofolo Sem cair no romance devemos objetivar a recuperação dessa densidade pois no caso a vida real foi ainda mais palpitante que o romance A realidade ultrapassa a ficção Todo movimento histórico depende do conjunto de todos os aspectos da realidade social E a reconstituição histórica que deixasse de considerar todos esses aspectos seria se não uma anti história no mínimo uma outra história uma visão facciosa posto que parcial Evidentemente podemos nos concentrar num ponto específico do quadro histórico para ampliá lo desde que não nos esqueçamos de que está situado no quadro sem o qual mesmo enquanto ponto não pode ser perfeitamente compreendido Essa observação é ainda mais pertinente em se tratando do conjunto do quadro Os fatos históricos importantes como a expansão mande no oeste da África são resultantes de 398 Metodologia e pré história da África um encontro de uma conjugação de forças a tecnologia o equipamento material o comércio as vantagens da língua a pertinência da organização política o impulso do sentimento religioso etc Privilegiar de forma abusiva como frequentemente acontece a causa motriz antes de tentar retratar em sua profusão vital a intervenção de todas as causas é erigir um edifício conceptual ao invés de procurar reeditar mentalmente o passado O apanhado global da história a partir de muitas fontes torna se ainda mais imperativo em se tratando de sociedades onde a vida é mais integrada menos dicotômica que nos países onde já se consumou a divisão em classes antagônicas Na África talvez com excessiva facilidade fez se uma distinção entre as sociedades com Estado e as sociedades sem Estado definindo se evidentemente este último termo em função das normas da experiência coletiva do estudioso11 Esquece se talvez que mesmo em um império como o Mali a falta de estradas transitáveis e de administração burocrática bem como a opção deliberada dos dirigentes em favor da descentralização ditada pelos fatos fizeram com que a vida real da maioria da população se desenrolasse fora do Estado em vilarejos dotados de uma autonomia milenar e que não estavam ligados ao centro nem por um vínculo material concretizado por um feudo nem pela realidade física das auto estradas ou das vias férreas nem pela material idade das folhas de impostos e de decretos de ministérios ou prefeituras Ignorar tudo isso é condenar se ao enfoque simplista que consiste no estabelecimento de listas de reis e príncipes a respeito dos quais conhecemos apenas um ou dois grandes feitos num reinado de quinze ou vinte anos que consagramos como marcos indiscutíveis da vida real dos povos A imensa maioria dos povos africanos vivia em sociedades totais se não totalitárias onde tudo estava interligado desde a confecção de utensílios até os ritos agrários passando pelo cerimonial do amor e da morte No tocante a isso a sociedade regida pelo animismo não é menos integrada que a sociedade governada pelo islã Sob vários aspectos não se tratava de uma sociedade laica E considerá la como tal é desprezar uma parte importante da realidade Em suma nesses países também existe centralização diferente porém da que vigora no Estado moderno12 onde é o preço e o antídoto da divisão extremada do trabalho social Por exemplo entre os Senufo Poro os Lobi Dyoro e os Diula a iniciação desempenhava um papel central em torno do qual se organizava toda 11 AQUET J J 1961 O autor utiliza alternadamente a análise econômica sociológica e política para tentar definir um modelo aplicável à sociedade soga 12 O episódio do povo do Bure narrado por Ibn Battuta o prova nitidamente após uma fracassada tentativa de assimilação o imperador do Mali acabou por reconhecerlhe a autonomia cultural 399 Os métodos interdisciplinares utilizados nesta obra a vida da coletividade Da mesma forma verdadeiras federações de aldeias foram erigidas em torno de um altar ou de um culto comum como na região de Samo Alto Volta e em Ibo Os países africanos onde as forças produtivas permaneceram num nível muito baixo gozam por outro lado de uma atividade cultural intensa Enquanto a dependência da natureza era quase total toda vestimenta era adorno Todo instrumento ou utensílio era trabalhado artisticamente e até mesmo as escarificações corporais em profundidade ou em relevo tinham a dupla função de afirmar uma identidade étnica e manifestar uma intenção estética Verifica se o mesmo fenômeno com relação às moedas de ferro guinze utilizadas pelos Loma Toma Kissi Konianke Mande Kuranko da Guiné de Serra Leoa e da Libéria Os guinze eram ao mesmo tempo moedas protetores das moradias e dos campos asilos dos espíritos dos defuntos e antepassados e seria errôneo reduzi los a uma única dimensão Essas sociedades totais requerem manifestamente uma história integral à sua imagem Assim sendo a melhor forma de retratá las é o trabalho interdisciplinar Como exemplo temos a obra conjunta de D Tait antropólogo e de J Fage historiador sobre os Konkomba Citemos ainda o enfoque sintético de J Berque da história social de uma aldeia egípcia13 Além disso o método global irá requerer uma abordagem que considere todos os fatores externos assim como os elementos domésticos Exige que se transcendam as fronteiras da África de modo a integrar as contribuições asiáticas europeias indonésias e americanas à personalidade histórica africana Evidentemente não na forma de um expansionismo sumário pois mesmo havendo intervenção externa esta é orientada pelas forças internas já em ação Como diz a máxima escolástica Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur Tudo o que é recebido o é na medida e de acordo com o formato do recipiente É por esse motivo que o arroz asiático foi cultivado onde já existia o oryza aborígene africano e a mandioca onde existia o inhame A cultura africana é um sofisticado complexo de fatores Não poderia reduzir se à soma numérica desses fatores pois eles não são meros produtos de mercearia que se alinha e se conta A cultura africana é tudo aquilo que assume e transcende qualitativamente os elementos constituintes E o ideal da história da África é apoiar se em todos esses elementos para retratar a própria cultura no seu desenvolvimento dinâmico Em outras palavras o método interdisciplinar deveria finalmente conduzir a um projeto transdisciplinar 13 BERQUE J 1957 C A P Í T U L O 1 6 401 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África É nosso objetivo aqui apresentar uma exposição geral de algumas das mudanças ocorridas nos aspectos físicos do continente africano durante o Pleistoceno e o Holoceno Durante esse período de cerca de 2 milhões de anos os climas e os ambientes da Terra sofreram mudanças consideráveis Uma série de eventos climáticos marcantes ocorridos durante essa época submeteu as latitudes setentrionais do globo em quatro ocasiões sucessivas a avanços e recuos de geleiras denominados Günz Mindel Riss e Würm nos Alpes Formaram se os vales e os terraços fluviais estabeleceram se as atuais linhas da costa e ocorreram grandes mudanças na fauna e na flora do globo As formas proto humanas diferenciaram se dos primatas ancestrais no início do Holoceno e os mais antigos utensílios identificáveis são encontrados nos horizontes do Pleistoceno Superior Em grande parte o desenvolvimento da cultura a partir do surgimento do homem enquanto mamífero que se utiliza de instrumentos parece ter sido profundamente influenciado pelos fatores ecológicos que caracterizaram os sucessivos estágios do Pleistoceno Firmou se na Europa a ideia segundo a qual em vários episódios do Pleistoceno os glaciares foram bem mais extensos do que na época presente tornando se logo evidente que esses episódios europeus de deterioração climática não tinham caráter meramente local Os trabalhos realizados na África por exemplo revelaram que o continente sofreu mudanças climáticas de dimensões significativas durante o Holoceno Embora esses eventos ainda não tenham sido Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África PARTE I I R Said 402 Metodologia e pré história da África correlacionados de modo conclusivo aos que ocorreram na parte setentrional do globo estão em grande parte ligados a estes últimos de uma forma que ainda está por ser interpretada Durante a última década ampliaram se consideravelmente as perspectivas de se estabelecer uma escala de tempo para o final do Cenozoico e do Pleistoceno Os programas de perfuração em mar profundo têm fornecido informações extremamente valiosas sobre uma sequência de sedimentos mais ou menos contínua que registra os eventos da última parte da história da Terra Estudos multidisciplinares detalhados dos testemunhos obtidos nesses programas progressos na geofísica e especialmente nos estudos de paleomagnetismo bem como o aperfeiçoamento das técnicas de medidas radiométricas têm contribuído para a elaboração de uma escala de tempo razoavelmente bem fundamentada para a última parte da história da Terra Há muito por ser feito neste campo visto que ainda não foi possível estabelecer uma correlação definitiva entre os eventos de diferentes áreas No entanto a cronologia da última parte da história da Terra está entre as mais bem fundamentadas embora seja ainda questão bastante controversa a demarcação dos limites do Pleistoceno em virtude da grande confusão gerada ao se procurar classificar os estratos tipo clássicos do Plioceno e do Pleistoceno na sequência estabelecida a partir do fundo do mar Apresentamos a seguir a classificação que será utilizada no presente capítulo A escala de tempo geomagnética dos últimos 5 milhões de anos MA mostra que o campo magnético da Terra passou alternadamente da posição normal à reversa Essas diferentes épocas foram interrompidas por eventos menores marcados por uma inversão As épocas são da mais recente para a mais antiga Brunhes 069 MA até o presente Matuyama 243 069 MA Gauss 322 243 MA e Gilbert 54 332 MA O intervalo magnético Gilbert Gauss caracterizou se por uma grande deterioração climática observável em muitas regiões do globo sobre esse assunto ver Hays et alii 1969 Este episódio frio corresponde ao início da glaciação de Nebraska registrada no golfo do México ao surgimento de depósitos glaciais no Atlântico norte e à fauna continental do Villafranchiano médio De acordo com alguns autores para os quais o início da primeira deterioração climática constitui o limite entre o Plioceno e Pleistoceno este evento marcaria o começo do Pleistoceno Contudo a adoção desse limite estaria em desacordo com o limite definido pelo Congresso de 1955 da Associação Internacional de Pesquisa do Quaternário INQUA de vez que implicaria que os conjuntos faunianos da seção clássica de Castellarquato na Itália deveriam ser excluídas do Plioceno É preferível pois fixar se o limite em 185 MA correspondendo ao início do Calabriano e ao evento magnético 403 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África de Olduvai da época Matuyama Pesquisas recentes mostraram que esse foi um período antes de aquecimento que de resfriamento Nas latitudes temperadas as primeiras grandes glaciações do Pleistoceno ocorreram em torno de 500000 no intervalo Brunhes Matuyama Esta glaciação pode corresponder à Günz alpina O Pleistoceno portanto pode ser dividido em duas partes representando a mais recente o período glacial e a mais antiga um Pleistoceno pré glacial A glaciação alpina de Riss ocorreu em 120 130000 BP aproximadamente ao passo que a de Würm começou em 80000 BP Esta última glaciação é talvez a mais bem datada e estudada Ela continuou até o Holoceno que foi fixado em 10000 BP aproximadamente Como dissemos é objetivo deste capítulo estudar as mudanças físicas mais notáveis ocorridas no continente africano em resposta às variações climáticas do Pleistoceno Um continente tão grande como a África compreende uma série de ambientes distintos que responderam de diferentes maneiras e em graus variados às grandes mudanças paleoclimáticas do Pleistoceno Procuraremos portanto estudar essas mudanças no quadro das principais regiões climáticas atuais do continente Essas regiões podem ser classificadas em duas categorias zonas equatorial e subequatorial e zonas tropical e subtropical Zonas equatorial e subequatorial A zona equatorial cobre atualmente a região da bacia do Zaire no oeste da África caracterizada por ventos pouco variáveis ligeiras diferenças sazonais de temperatura e umidade tornados e tempestades frequentes Esta zona é atualmente coberta por florestas equatoriais A zona subequatorial abrange a maior parte da região média da África caracterizando se pela presença de massas de ar de tipo equatorial no verão e de tipo tropical no inverno O inverno é seco e ligeiramente mais fresco que o verão A maior parte desta zona compreende áreas com umidade abundante que sustenta uma vegetação de savana tropical As bordas setentrional e meridional entretanto apresentam atualmente uma vegetação de estepe tropical As variações de pluviosidade nessas zonas durante o Pleistoceno permitem subdividir esta época em uma sucessão de pluviais e interpluviais Os pluviais conhecidos como Kagueriano Kamasiano Kanjeriano e Gambliano são considerados como correspondentes às quatro glaciações mais importantes do hemisfério norte embora esta correlação não tenha sido comprovada Foram identificados dois subpluviais no Holoceno Makaliano e Nakuriano 404 Metodologia e pré história da África Os pluviais são evidenciados por um maior acúmulo de sedimentos lacustres ou por uma elevação das linhas de margem deixadas em várias bacias fechadas como resultado da expansão dos lagos Os interpluviais caracterizam se por uma intensificação da atividade eólica durante a qual as areias transportadas pelo vento foram depositadas ou redistribuídas muito mais ao sul do limite meridional atual das dunas móveis e que corresponde a mudanças radicais na vegetação Vários cumes vulcânicos localizados nessas zonas apresentam características glaciais em altitudes inferiores à linha de neve atual indicando a existência de climas mais frios em tempos passados Nas seções seguintes do presente capítulo encontram se alguns exemplos dessas mudanças ocorridas na África equatorial e subequatorial Bacias lacustres da África oriental A África oriental notadamente por suas bacias lacustres constitui uma área típica dos pluviais e interpluviais propostos para descrever a evolução da África subequatorial Os lagos da África oriental situam se no sistema do rift africano Os que preenchem os fundos do ramo oriental do rift com exceção do lago Vitória não possuem saídas e estão localizados em climas muito mais secos Por outro lado os principais lagos do ramo ocidental estão preenchidos até o nível de transbordamento Fica claro desde o início que os vestígios de níveis lacustres mais elevados em uma zona altamente sismoativa como o leste da África deve conduzir à formulação de hipóteses mas não permite que se tirem conclusões Nesta região extremamente instável deve ser levada em consideração a possibilidade de deslocamento tectônico das linhas de margem de modificação dos níveis de transbordamento dos lagos e oscilação das bacias lacustres Por esta razão caiu em desuso o conceito de pluviais do Pleistoceno inferior ao médio Cooke 1958 Flint 1959 Zeuner 1950 Estudos recentes das bacias lacustres da África oriental têm restringido o uso desta evidência climatoestratigráfica ao pluvial Gambliano em que são registrados em certos locais sedimentos que não sofreram deformações tectônicas Contudo grande número de evidências geológicas provam de maneira cabal que os limites das principais florestas equatoriais variaram consideravelmente no passado As grandes florestas das bacias de drenagem do oeste constituíram um importante fator no condicionamento da vida humana durante o período para o qual se dispõe de registros arqueológicos O famoso sítio da garganta de Olduvai no norte da Tanzânia inclui em sua base uma fauna de vertebrados 405 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África otimamente preservada que data seguramente do Pleistoceno inferior As correlações climáticas indicam um período de alta pluviosidade Kagueriano ou Olduvai I Acima encontram se duas formações que indicam respectivamente um intervalo mais seco seguido de um período de pluviosidade relativamente intensa Existe nesta localidade uma sequência estratigráfica que possui a série evolutiva mais completa de machadinhas das formas mais primitivas às variantes especializadas mais importantes deste tipo de artefato do Paleolítico Inferior tal como é conhecido na Europa e na Ásia ocidental As evidências do pluvial Gambliano são constituídas principalmente pelas praias elevadas e pelos depósitos fossilíferos de três lagos outrora contíguos situados a noroeste de Nairóbi Nakuru Elmenteita e Naivasha O Naivasha apresenta um nível de praia elevado que data de um período ligeiramente anterior ao Paleolítico Superior indicando que o lago teve uma profundidade máxima de 200 m e que provavelmente escoava suas águas através de uma linha de festo próxima As pequenas dimensões da concha do lago e o fato de os lagos modernos não ultrapassarem 10 m de profundidade são dados que permitem considerar a extensão anterior do lago como uma indicação da ocorrência de climas mais úmidos no passado Em um abrigo sob rocha que domina os lagos atuais de Nakuru e Elmenteita um sítio bem estratificado com uma verdadeira indústria sistemática de lâminas foi descoberto por Leakey na caverna de Gamble no Quênia O depósito inferior é descrito como uma aglomeração de seixos de praia laeustre sobre o piso rochoso do abrigo a cerca de 200 m acima do nível atual do lago Os depósitos que contêm utensílios situam se sobre esta aglomeração e consistem em um depósito móvel de cinza poeira osso e obsidiana A fauna associada é indubitavelmente do tipo moderno Segundo Leakey os depósitos de utensílios pertencem ao fim de um período de alta pluviosidade o qual ele denomina Gambliano segundo o local em questão este sucede imediatamente ao período a que pertencem os últimos níveis do Olduvai que continham utensílios do Acheulense e restos de uma fauna extinta bastante característica O clássico trabalho de Nilsson 1931 1940 sobre as bacias lacustres da África oriental apresenta um dos estudos mais bem documentados das flutuações de seus níveis no passado Esse autor descreve as linhas de margem elevadas do lago Tana nível da superfície 1830 m fonte do Nilo Azul e registra cinco linhas de margem principais até 125 m com um nível menos distinto a 148 m Nilsson também mostra que quatro lagos do Rift Valley Zway Abyata Longana e Shela eram interligados e escoaram para o rio Awash durante um certo tempo 406 Metodologia e pré história da África Os registros paleoclimatológicos do lago Vitória mostram que ele foi pouco profundo e endorréico por um período de duração indeterminada anterior a 14500 BP quando prevalecia uma vegetação de savana herbosa O lago começou a se expandir em 12000 BP aproximadamente quando então apareceu uma vegetação de floresta nas bordas das suas margens setentrionais Porém por um curto período de tempo em torno de 10000 BP é possível que o seu nível tenha descido a 12 m abaixo do nível atual Entre 9500 e 6500 BP o lago Vitória esteve completamente cheio rodeado por uma floresta perene O nível do lago foi em parte influenciado pela incisão de seu escoadouro porém os baixos níveis anteriores bem como a sequência palinológica certamente independem desse fator Butzer et alii 1972 realizaram um estudo pormenorizado das bacias lacustres da África oriental e fornecem datações por radiocarbono de alguns sedimentos de suas antigas praias Os eventos e datações do Quaternário Superior dos lagos Rodolfo Nakuru Naivasha e Magadi coincidem em grande parte O lago Rodolfo com uma superfície atual de 7500 km2 é o maior lago endorréico da África Situado em uma zona de subsidência a leste do Rift seu principal afluente é o rio Orno que nasce nas terras altas do oeste da Etiópia O trabalho de Butzer mostra que o litoral os leitos deltaicos e fluviais associados a esse lago situavam se 60 m acima do nível atual em 130000 BP aproximadamente e 60 70 m acima do nível atual em 13000 BP aproximadamente Entre este último período e 9500 BP o lago tornou se menor que o atual e o clima mais árido A partir desta última data o volume do lago cresceu novamente e seu nível variou entre 60 e 80 m acima do nível atual até 7500 BP quando o lago Rodolfo reduziu se Houve em seguida níveis mais altos em 6000 BP aproximadamente e a partir de 3000 BP o lago reduziu se até atingir suas dimensões atuais As evidências de outros lagos da África oriental estudados por Butzer et alii mostram uma história semelhante para o Quaternário Superior Bacias do Chade e do Sudd A bacia do Chade merece atenção especial em virtude de sua localização na extremidade meridional do Saara e da grande superfície do mar interior que ocupou toda a bacia durante o Pleistoceno O atual lago Chade é um vestígio desse antigo mar interior cf Monod 1963 e Butzer 1964 As águas da bacia provêm das savanas da África central O lago atual situa se a uma altitude de 280 m e sua superfície oscila entre 10000 e 25000 km2 a profundidade média varia entre 3 e 7 m com uma 407 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África profundidade máxima de 11 m O lago está separado de duas grandes depressões Bodélé e Djourab por um divisor de águas de pequena altitude cortado pelo vale seco do Bahr el Ghazal A mais baixa linha de margem do lago Chade atual 4 6 m permitiria que suas águas transbordassem na depressão de Bodélé a 500 km de distância No seu nível mais alto 322 m o ancestral do Chade no Pleistoceno deixou linhas de margem bastante nítidas a 40 e 50 m o que corresponde a uma área de 400000 km2 Foram também registrados vestígios mais descontínuos de linhas de margem intermediárias Grove e Pullan 1963 mostram que a grande perda por evaporação do lago atual é amplamente compensada pelo débito do Logone e do Chari ao sul Esses autores calculam que a evaporação do lago no Pleistoceno deve ter sido seis vezes maior de sorte que teria recebido anualmente um volume de água igual a um terço do débito anual do Zaire Butzer 1964 afirma com razão que o antigo mar do Chade representa portanto excelente testemunho em favor de uma maior umidade nas latitudes tropicais subúmidas Infelizmente não foi possível correlacionar as linhas de margem das diferentes partes da bacia A camada de terrenos do Pleistoceno de 600 m de espessura subjacente a algumas partes da bacia mostra a complexidade e a longa história deste mar interior No caso do Nigéria Grove e Pullan 1963 sugerem que após um período em que o nível do lago ultrapassava o nível atual de 52 m durante o Pleistoceno Superior o clima tornou Se seco com formação de grandes dunas no antigo sítio do lago Ao estabelecimento posterior de uma nova rede hidrográfica seguiu se um outro período úmido tendo o nível do lago aumentado de pelo menos 12 m durante o Holoceno Pode se dizer por conseguinte que dois movimentos positivos do lago ainda mal analisados parecem ter ocorrido antes de 21000 BP Sucedeu se um longo intervalo de dessecação e atividade eólica até pouco antes de 12000 BP quando o lago reiniciou sua expansão atingindo um nível máximo há cerca de 10000 anos BP com transbordamentos ao menos intermitentes Este período de cheia durou até 4000 BP aproximadamente A história deste mar interior no Pleistoceno Superior e no Holoceno parece assim coincidir salvo em alguns detalhes com a das bacias da África oriental O lago Sudd no Sudão meridional representa na opinião do autor deste capítulo outro grande mar interior que teve provavelmente uma história semelhante à da bacia do Chade O Sudd é um lago extinto que se supõe ter coberto a região da bacia superior do Nilo estendendo se até o Nilo Branco partes do Nilo Azul e do Bahr el Ghazal A ideia da existência deste antigo lago partiu de engenheiros de irrigação que trabalhavam no Egito Lombardini 408 Metodologia e pré história da África Garstin e Willcocks e foi elaborada por Lawson 1927 e Ball 1939 Todos ficaram impressionados com o nivelamento das planícies do Sudão central e meridional e admitiram que um pequeno aumento no nível dos Nilos Branco e Azul poderia inundar extensas áreas O lago Sudd pelos cálculos de Ball ocupou uma área de 230000 km2 a região limitada pela curva dos 400 m altitude de Shambe Esta região é coberta pela formação de Um Ruwaba recentemente mapeada que é constituída de uma longa série de depósitos fluviais deltaicos e lacustres O ponto culminante dessa formação ultrapassa 500 m altitude bastante superior à do mais baixo nível de escoamento do cume de Sabaluka ao norte de Cartum 434 m que se supõe ter formado o limite setentrional do lago Como observou Said MS este cume situa se numa das principais linhas de falha que limitam a borda meridional do maciço da Núbia núcleo de grande atividade sísmica Essa altitude pela razão exposta e por outras relacionadas à incisão da garganta de Sabaluka por uma erosão ulterior não pode ser ti da como representante da altitude do cume durante o preenchimento do lago Uma outra complicação provém do efeito de barragem produzido pelas águas do Nilo Azul ao se precipitar no Nilo Branco em época de cheia Embora a história do lago Sudd não seja conhecida em pormenores sua grande extensão é comprovada pelos 382 m de praia que margeiam amplas áreas do Nilo Branco Como a bacia do Chade parece ter sido muito extenso entre 12000 e 8000 BP Ao norte deve ter chegado a 50 km de largura Williams 1966 Depois o lago reduziu se e em torno de 6000 BP a pluviosidade anual diminuiu atingindo cerca de 600 mm nas proximidades de Cartum e o nível do Nilo Branco baixou para 05 1 m acima de seu nível médio atual em época de cheia Fenômenos glaciais A antiga glaciação da África está estreitamente ligada às geleiras atuais que por sua vez dependem principalmente da distribuição das grandes elevações Com exceção das montanhas do Atlas todos os picos com geleiras encontram se na África oriental a poucos graus do equador As altitudes variam de aproximadamente 3900 a 6100 m Flint 1947 1959 apresenta um resumo dos dados importantes referentes a essas regiões afirmando que as nevadas que alimentavam as geleiras eram provavelmente produzidas pela precipitação orográfica da umidade das massas de ar marítimo que se deslocavam para leste provenientes do Atlântico sul e em menor grau para oeste provenientes do oceano Índico 409 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África A altitude do monte Quênia lat 010 S longo 3718 L é de 5158 m e a atual linha de neve está a 5100 m estima se que a linha de neve no Pleistoceno tenha descido no máximo a 900 m Flint 1959 O monte Kilimandjaro na Tanzânia lat 305 S longo 3722 L tem uma altitude de 5897 m e parece situar se atualmente pouco acima da linha de neve a linha de neve mais baixa no Pleistoceno esteve acima de 1300 m Flint 1959 O monte Elgon em Uganda lat 1 08 N longo 3433 L tem uma altitude de 4315 m e situa se atualmente bem abaixo da linha de neve tendo apresentado geleiras durante o Pleistoceno O monte Ruwenzori lat 024 N longo 2954 L tem uma altitude de 5119 m e sua atual linha de neve situa se a 4750 m na vertente oeste Zaire e 4575 m na vertente leste Uganda As geleiras do Pleistoceno desciam a 2900 m na vertente oeste e a cerca de 2000 m na vertente leste Atualmente não existem geleiras nas terras altas da Etiópia porém os montes Semien lat 1314 N longo 2825 L parecem ter apresentado geleiras durante o Pleistoceno Nilsson 1940 demonstra a existência de duas antigas glaciações em alguns picos desta cadeia altitude de aproximadamente 4500 m com linhas de neve a 3600 4100 m e 4200 m Um recuo glacial associado ao Pleistoceno Superior corresponde a uma linha de neve a 4400 m Nilsson também descreve uma glaciação do Pleistoceno Superior no monte Kaka lat 750 N longo 3924 L com uma linha de neve a 3700 m Foram também descritas glaciações em outros picos vulcânicos da Etiópia que atualmente se situam bem abaixo da linha de neve monte Guna lat 1143 N longo 3817 L Amba Farit lat 10053 N longo 3850 L e monte Chillale lat 750 N longo 3910 L Há evidências convincentes de pelo menos duas gIaciações nas zonas equatorial e subequatorial da África e de um clima consideravelmente mais frio durante o período que corresponde à glaciação de Würm Além dos fenômenos glaciais observados em alguns picos desta zona descobriram se na Etiópia vestígios de solifluxão e de modificação dos solos por congelamento 4200 9300 m De acordo com Budel 1958 o limite inferior dos fenômenos de solifluxão durante o período de Würm alcançou 2700 m Também foram registrados depósitos glaciofluviais em muitas áreas da África equatorial Os depósitos do monte Ruwenzori foram estudados por de Heinzelin 1963 que constatou serem eles paralelos aos terraços gamblienses do rio Semliki O Semliki que une os lagos Eduardo e Alberto na fronteira do Zaire com Uganda possui espessas camadas de seixos grandes e médios areias e terra vermelha agrupadas junto com os depósitos coluviais De Heinzelin demonstra que os terraços sangoenses lupembienses são contemporâneos dos depósitos glaciofluviais do monte Ruwenzori 410 Metodologia e pré história da África Zonas tropical e subtropical A atual zona tropical da África possui um regime de ventos provenientes sobretudo do leste e nítidas variações sazonais de temperatura A parte ocidental desta zona situada na costa do Atlântico apresenta alísios estáveis temperatura amena alta umidade atmosférica e baixíssima pluviosidade A parte restante abrange os grandes desertos do norte e do sul do continente São regiões quentes e áridas com uma grande variação diurna de temperatura e um máximo absoluto de temperatura A zona subtropical compreende as extremidades setentrional e meridional do continente e se caracteriza pela presença de massas de ar tropicais no verão e de massas de ar de tipo temperado no inverno A temperatura e a pluviosidade sazonais variam consideravelmente As regiões de clima mediterrâneo apresentam tempo bom e claro no verão e chuvoso no inverno O Saara O Saara representa talvez o elemento mais notável desta zona Estendendo se por mais de 5500 km do mar Vermelho ao Atlântico e tendo de norte a sul uma largura média superior a 1700 km cobre quase um quarto da área total do continente africano Em toda essa região a pluviosidade embora muito desigualmente distribuída é superior a 100 mmano em certos locais e em média muito inferior Consequentemente não se conhecem rios perenes no Saara com exceção do Nilo que recebe suas águas de fontes situadas fora do deserto Os lençóis permanentes e efêmeros resultantes do escoamento superficial não têm importância para a vida humana atual ao contrário dos poços e fontes alimentados por lençóis subterrâneos O Saara é constituído por um rígido embasamento de rochas pré cambrianas recobertas por sedimentos do Paleozoico ao Cenozoico os quais permaneceram estáveis durante a maior parte do Fanerozoico Ocorreram dobramentos e arqueamentos da crosta somente na cadeia do Atlas do golfo de Gabes ao Marrocos e nas colinas do mar Vermelho a leste do Nilo Uma atividade semelhante é observada em Cirenaica e no subsolo da costa setentrional da África Estes dobramentos pertencem ao sistema alpino de orogênese do Cenozoico Superior e do Quaternário A cadeia do mar Vermelho por outro lado está ligada aos movimentos tectônicos e à extensão do grande Rift Valley africano A mais extensa área de elevações é a do maciço do Atlas que apresenta a maior pluviosidade Elevações menores estão presentes em Cirenaica e nos 411 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África maciços do Ahaggar e do Tibesti do Saara central Estes últimos constituem duas regiões de topografia montanhosa ligadas pela selle basse de Tummo Essa região tem uma altitude média de 2000 m com picos de até 3600 m A maioria dos picos é constituída de rochas vulcânicas formadas durante um longo período de atividade vulcânica que alcançou o Pleistoceno Encontram se áreas menores de rochas vulcânicas nos maciços de Aïr no sudoeste de Ahaggar no Uweinat que se ergue abruptamente entre o Tibesti e o Nilo no monte Ater etc Atualmente esses maciços exercem uma influência insignificante sobre o clima mas há muitas evidências geológicas de que a região do Saara durante vários episódios do Pleistoceno foi bem menos árida que no presente O principal fator de erosão no deserto tanto atualmente como durante todos os demais períodos de aridez é a erosão eólica responsável pela formação da grande peneplanície do Saara As areias grosseiras transportadas pelo vento acumulam se em extensões conhecidas por erg ou reg enquanto que os materiais mais finos são transportados em altitude na atmosfera permanecendo em suspensão parcial por longos períodos de tempo A superfície rochosa denudada resultante dessa erosão é conhecida como Hammada Ocorrem bacias e depressões nessas superfícies que variam de bacias rasas e pequenas a grandes depressões que atingem em alguns locais uma profundidade de 134 m abaixo do nível do mar depressão de Oattara Essas depressões tornaram se nas fases pluviais em sítios de aluvionamento ao atingirem o nível dos lençóis subterrâneos surgiram fontes e iniciou se uma atividade de sedimentação lacustre As grandes depressões situam se principalmente nas bordas dos escarpamentos mas são raramente circundadas por estes Certamente foram formadas por erosão eólica já que constituem bacias interiores sem saída Há divergência de opiniões quanto à história geológica do Saara Alguns autores sustentam que foi um deserto durante todo o Fanerozoico e que os períodos úmidos representam variações anormais na história de uma aridez contínua Outros sustentam que a desertificação é um fenômeno recente correspondente ao atual sistema de distribuição das massas de ar São irrefutáveis as evidências de que no passado o deserto conheceu climas mais úmidos Dentre essas evidências incluem se tanto o sistema de distribuição da fauna quanto certas características sedimentares que só podem ser explicadas pela hipótese da existência de um clima mais úmido no passado Sabe se que determinados animais nativos da África central viveram no deserto e não poderiam ter migrado para lá a não ser através de corredores de vegetação ou água Encontraram se espécimes do crocodilo da África central em covas dágua no interior de ravinas profundas dos maciços de Ahaggar e Tibesti o mudfish 412 Metodologia e pré história da África africano foi encontrado no norte até o oásis de Biskra ao sul da Tunísia As características do sistema de drenagem do deserto indicam a ocorrência no passado de índices pluviométricos mais elevados A oeste de Ahaggar uma planície imensa estende se a poucas centenas de quilômetros do Atlântico declinando suavemente a partir das margens da depressão de El Juf Vê se claramente que no passado tal planície formava a bacia de evaporação de um vasto sistema hidrográfico São significativas as linhas de drenagem que se dirigem para o sul a partir das encostas meridionais do Atlas destacando se o uede Saura com mais de 500 km de extensão Trata se de um vale que no passado suportou um volume de água suficiente para remover as areias eólicas que hoje obstruem seu curso médio Das colinas do mar Vermelho alguns uedes alcançam até 300 km drenando áreas de aproximadamente 50000 km² Um deles o wadi Jharit que desemboca na planície de Kom Ombo ao norte de Assuã é cercado por delgadas camadas aluviais de siltitos finos com mais de 100 m de profundidade Estes foram certamente depositados por um rio perene de débito considerável Monod 1963 fez um estudo dos principais trabalhos sobre as divisões c1imatoestratigráficas do Saara Ele cita o trabalho de Alimen Chavaillon e Margat 1959 sobre a clássica bacia do Saura para a qual foram sugeridos os seguintes períodos do mais antigo ao mais recente Pluvial Villafranchiano Aidiano areia cascalho conglomerados de cor rosa avermelhado sobre rochas mais antigas Pós Villafranchiano árido brechas de talude loess arenoso etc recobertos por um paleossolo marrom avermelhado Utensílios de seixos grosseiramente lascados foram observados em um sítio na Argélia Primeiro pluvial Mazzeriano Qa conglomerados e areias Pós Mazzeriano árido depósitos de argila arenosa areias eólicas entulho Segundo pluvial Taourirtiano ou ougartiano I Qb conglomerados cultura de seixos bem desenvolvida possivelmente do Acheulense Médio Pós Taourirtiano árido erosão Terceiro pluvial ou Ougartiano II seixos de várias cores e areias ou um paleossolo vermelho castanho Pós Taourirtiano árido erosão Quarto pluvial Q1 sauriano areias cinza esverdeadas materiais detríticos solos fósseis negros Ateriense Pluvial pós sauriano crosta de arenito Neolítico Fase úmida guiriana Q2a Neolítico 413 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África De acordo com Arambourg 1962 os quatro pluviais principais Mazzeriano Ourgartiano I Ougartiano II e Sauriano do norte do Saara poderiam corresponder aos pluviais da África oriental Kagueriano Olduvai I Kamasiano o Kanjeriano e Gambliano O Guiriano do noroeste da África poderia corresponder às fases úmidas do pós Gambliano O Nilo O Nilo tem de há muito atraído a atenção dos estudiosos e é vasta a literatura dedicada a seus vários aspectos A pré história e a evolução geológica deste rio foram objeto de recentes estudos realizados por Wendorf 1968 Butzer e Hansen 1968 de Heinzelin 1968 Wendorf e Schild MS Giegengak 1968 e Said As notas seguintes são o resultado de um estudo realizado por este último autor com base no mapeamento de campo nos depósitos fluviais e nos sedimentos associados e no exame de um grande número de perfurações profundas e rasas para prospecção de água ou petróleo Pode se dizer que o Nilo passou por cinco episódios principais desde a abertura de seu curso no Mioceno Superior Cada um destes episódios caracterizou se por um rio alimentado principalmente por fontes exteriores ao Egito Por volta do fim dos quatro primeiros episódios o último ainda está em andamento o rio parece ter diminuído ou deixado completamente de fluir no Egito Essas grandes fases de recessão foram acompanhadas de importantes mudanças físicas climáticas e hidrológicas Na primeira dessas recessões o mar parece ter avançado terra adentro formando um golfo que ocupou o vale escavado até o sul de Assuã Durante a segunda recessão que se iniciou com o Pleistoceno árido e continuou por mais de 1100000 anos um clima hiperárido desenvolveu se no Egito transformando o em um verdadeiro deserto Durante esse episódio em que houve intensa atividade eólica começaram a se formar as grandes depressões do deserto e foi destruída a vegetação que cobrira o Egito por quase todo o Plioceno Há evidências de uma fase pluvial relativamente curta no início deste período em que surgiram torrentes efêmeras que derivavam suas águas somente do Egito Os cinco cursos dágua que ocuparam o vale do Nilo desde sua escavação no Mioceno superior são chamados Eo Nilo Tmu Paleo Nilo Tplu Proto Nilo Q 1 Pré Nilo Q 2 e Neo Nilo Q 3 As variações climáticas registradas no Egito podem ser resumidas na seguinte tabela da mais antiga para a mais recente 414 Metodologia e pré história da África Pluvial Plioceno Tplu de 3320000 a 1850000 BP Os sedimentos do Paleo Nilo apresentam se em sua maior parte na forma de finas camadas de clásticos e argilas observáveis no subsolo do vale e em afloramentos ao longo das margens dos uedes As cabeceiras do Paleo Nilo encontravam se no Egito e também na África equatorial e subequatorial Presença de considerável cobertura vegetal desintegração química intensa e escoamento reduzido Chuvas provavelmente distribuídas de forma regular durante o ano Fase hiperárida do Pleistoceno Inferior Intervalo TpluQ 1 de 1850000 a 700000 BP O Egito transforma se em um deserto o vale do Nilo torna se sismicamente ativo e a atividade eólica atinge seu máximo Esta fase é interrompida por um curto pluvial Armant com a formação de camadas de cascalhos alternadas com camadas de areia selecionada ou de marga encaixadas em uma matriz amarelo avermelhada e recobertas por brecha vermelha cimentada Nenhum utensílio foi encontrado nestes depósitos Pluvial Edfon Q 1 de 700000 a 600000 BP Voltam as condições climáticas do Paleo Nilo o Proto Nilo com fontes idênticas às de seu predecessor entra no Egito seguindo um curso paralelo ao do Nilo moderno e situado a oeste deste Os sedimentos do rio tomam a forma de camadas de cascalho de quartzo e quartzito encaixados em uma matriz de solo vermelho tijolo Esses sedimentos provinham de um terreno profundamente desintegrado e muito lixiviado No deserto sedimentos comparáveis aos conglomerados dos uedes são conhecidos sob a forma de canais invertidos Há registros nestes depósitos de utensílios de tradição chellense Fase árida do Pré Nilo Q 2 de 600000 a 125000 BP Um novo rio entra no Egito alimentado pelas águas das terras altas da Etiópia A composição mineral dos sedimentos do Pré Nilo mostra a presença do mineral augita mineral característico dos sedimentos do Nilo moderno 415 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África oriundos das terras altas da Etiópia bem como uma abundância de epídoto o que distingue estes depósitos daqueles do Neo Nilo e do Nilo moderno Assinala se um pluvial menor durante as fases iniciais deste intervalo Pluvial Abbassia De 125000 a 80000 BP O Pré Nilo pára de correr no Egito suas cabeceiras são cortadas pela elevação do maciço da Núbia Este pluvial caracteriza se pela presença de cascalhos poligênicos oriundos das colinas do mar Vermelho cuja superfície foi profundamente desintegrada mas pouco lixiviada Nestes cascalhos são encontrados utensílios do Acheulense Superior em grande quantidade Fase árida AbbassiaMakhadma De 80000 a 40000 BP Erosão Subpluvial Makhadma De 40000 a 27000 BP Registros de enxurradas utensílios de tradição sangoense lupembiense em vários declives do leito erodido do Pré Nilo No deserto encontram se por toda parte artefatos de tradição musteriense e ateriense Fase árida do Neo Nilo Q 3 de 27000 BP até o presente Um rio o Neo Nilo com cabeceiras e regime similares aos do Nilo moderno entra no Egito O Neo Nilo passou por fases de recessão que formaram máximos subpluviais o subpluvial Deir el Fakhuri 15000 a 12000 BP subpluvial Dishna 10000 a 9200 BP e Neolítico 7000 a 6000 BP Pode se afirmar portanto que os sedimentos do vale do Nilo não são muito diferentes dos registrados no Saara Generalizando é possível relacionar o pluvial Armant egípcio ao pluvial Villafranchiano do noroeste do Saara o Edfon ao Mazzeriano o Abbassia ao Ougartiano o Makhadma ao Sauriano o Deir el Fakhuri o Dishna e o Neolítico ao Guiriano Concluindo cabe observar que os pluviais africanos têm possivelmente suas origens nas variações climáticas do globo que em teoria corresponderiam às 416 Metodologia e pré história da África glaciações da Europa e da América do Norte Embora tal fato não tenha sido comprovado é possível afirmar que em geral o Ougartiano do noroeste da África o Abbassia do nordeste da África e o Kanjeriano Olduvai IV do leste da África podem ser correlacionados à glaciação alpina de Riss Antes que se possa tirar qualquer conclusão definitiva fazem se necessários estudos suplementares principalmente no campo das medidas paleomagnéticas e radiométricas C A P Í T U L O 1 6 417 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Os últimos milhões de anos da história de nosso planeta foram marcados pela alternância de profundas modificações climáticas O fenômeno mais importante bem conhecido há mais de um século é sem dúvida o extraordinário avanço e recuo das geleiras nas altas latitudes e altitudes Este fenômeno é reflexo dos consideráveis resfriamentos que exerceram profunda influência sobre o ambiente e a vida dos hominídeos Na África a manifestação mais espetacular das variações climáticas do Quaternário foi a extensão das áreas lacustres em zonas atualmente áridas e o desenvolvimento de grandes extensões de dunas em regiões que hoje apresentam um clima mais úmido No curso da década passada observou se um progresso considerável na datação de eventos climáticos ocorridos durante os últimos 30000 anos graças ao uso sistemático de medidas radiocronológicas carbono 14 Para os últimos milhões de anos a cronologia das inversões magnéticas baseada nas medidas radiométricas pelo método potássio argônio permite a correlação com outras regiões onde esses métodos são também empregados especialmente as regiões oceânicas Antes da utilização desses métodos de correlação cronológica a estratigrafia do Quaternário baseava se principalmente na sucessão dos eventos climáticos tida como um quadro cronológico Estabeleciam se as correlações de uma região a outra comparando se épocas sucessivas caracterizadas por climas semelhantes Assim sugeriu se por exemplo uma correspondência um tanto arbitrária entre Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África PARTE II H Faure 418 Metodologia e pré história da África figura 161 Gráficos mostrando analogias entre isótopos de oxigênio ou variações de temperatura e a intensidade do campo magnético da Terra em um testemunho de fundo de mar para os últimos 450000 anos segundo Wollin Ericson e Wollin 1974 419 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 162 Gráficos mostrando analogias entre temperaturas indicadas pela microfauna e a inclinação magnética para os últimos 2 milhões de anos segundo Wollin et alii 1974 420 Metodologia e pré história da África os períodos glaciais europeus e as fases pluviais africanas Esta proposta foi recusada por vários autores Tricart 1956 Balout 1952 e outros A resposta a essa questão de correlação mostra se muito mais complexa na realidade e somente agora começa a ser divisada graças por um lado a um melhor conhecimento dos mecanismos de climatologia global e por outro à cronologia climática detalhada dos últimos milhares de anos Magnetoestratigrafia e cronologia radiométrica Além das observações feitas acima por Rushdi Said é preciso notar que frequentemente se confundem as unidades litoestratigráficas bioestratigráficas e cronoestratigráficas de sorte que a falta de precisão nas definições acabou por criar uma nomenclatura de difícil utilização em um quadro cronológico mais rigoroso Assim determinados elementos do campo magnético como inclinação ou intensidade parecem estar estreitamente relacionados a elementos climáticos Figs 1 e 2 Glaciações quaternárias e cronologia É provável que no Quaternário pelo menos doze resfriamentos importantes tenham sido registrados nos depósitos contínuos acumulados no fundo dos oceanos ver Fig 2 Cerca de oito somente foram reconhecidos nos depósitos continentais do norte da Europa Os terraços fluviais e os depósitos glaciais da região alpina são relacionados a quatro ou seis glaciações clássicas Günz Mindel Riss Würm e Donau Biber cada uma das quais pode compreender vários estádios A natureza descontínua das evidências continentais torna difícil e quase sempre ilusório estabelecer correlações entre os períodos glaciais de regiões distantes quando não estão situadas com confiabilidade numa escala magnetocronológica ou radiométrica De fato é imprecisa a cronologia estabelecida para as glaciações alpinas Os termos Günz Mindel Riss Würm e Biber têm sido empregados em diferentes regiões para indicar formações não sincrônicas Assim de acordo com a datação potássio argônio das rochas vulcânicas intercaladas nos terraços do Reno as formações conhecidas como Mindel I e II teriam 03 e 026 MA e os terraços denominados Günz I e II teriam 042 034 MA Porém o termo Günz é por vezes aplicado ao período frio que antecede o Cromeriano que teria portanto uma idade de 09 a 13 MA coincidindo com o período frio que 421 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África precede o evento de Jaramillo nos testemunhos submarinos Segundo a última interpretação o Donau o período frio anterior incluiria o evento de Gilsa e seria equivalente ao Eburoniano Compreende se a partir deste exemplo o quanto é arriscado estender de uma região a outra uma cronologia baseada numa sucessão climática continental observando se o número de eventos frios identificados bem como a nomenclatura que lhes é arbitrariamente atribuída verifica se que as divergências tornam precária qualquer correlação das evidências das glaciações alpinas com os resfriamentos sucessivos medidos nos testemunhos oceânicos Um registro completo e contínuo de todos os fenômenos climáticos bem como das referências magnetoestratigráficas e radiométricas são requisitos fundamentais para se construir uma escala estratigráfica ainda que aproximada que possibilite uma comparação razoável entre duas regiões A inversão magnética Matuyarna Brunhes 069 MA foi identificada no estágio Cromeriano através da palinologia e o evento de Gilsa 179 MA no Eburoniano Van Montfrans 1971 Transgressões quaternárias e cronologia Cada glaciação causa uma regressão glacioeustática do mar que pode atingir uma centena de metros Portanto as transgressões marinhas determinadas pelo derretimento dos gelos permitem que nas zonas litorâneas a cronologia climatoestratigráfica seja vinculada à cronologia dos ciclos marinhos Nas regiões onde as formações marinhas são coralinas Barbados Bermudas Nova Guiné mar Vermelho a datação pelos métodos baseados no desequilíbrio do urânio aplicados à aragonita dos corais permitiu precisar a idade das transgressões marinhas dos últimos interglaciais 200000 120000 105000 85000 BP aproximadamente Dentro da margem de erro físico dos diversos métodos de datação radiométrica observa se que estes altos níveis marinhos correspondem razoavelmente às fases de temperaturas mais elevadas indicadas pela microfauna marinha polens e isótopos de oxigênio Mecanismo da climatologia global O clima não constitui um meio simples de correlação cronológica Devido à complexidade dos fatores a ele relacionados em um momento dado ou em 422 Metodologia e pré história da África uma época que se estenda por séculos ou milênios está fora de cogitação o uso de dados que não forem adequadamente datados como critério estratigráfico ou cronológico Os fatos que levam a essas observações são de duas especies O conhecimento da evolução climática global no decorrer de algumas décadas ou de alguns séculos com base em dados históricos mostra a complexidade do problema em uma escala global É necessário o conhecimento da evolução de todos os fatores constante solar circulação oceânica situação das frentes polares distribuição das temperaturas chuvas não somente suas médias mas sua variabilidade O conhecimento das variações de determinados fatores climáticos nos últimos 25000 anos fim do Pleistoceno e Holoceno através de medidas radiométricas mostra nos por um lado a rapidez das mudanças significativas para as quais há evidência confiável e por outro a complexidade das correlações em uma escala global A escala de tempo considerada desempenha então um papel importante O sistema climático conforme definido pela Academia Nacional de Ciências em Washington 1975 é constituído pelos processos e propriedades responsáveis pelo clima e suas variações propriedades térmicas temperatura do ar da água do gelo dos solos propriedades cinemáticas vento correntes oceânicas movimentos dos gelos etc propriedades aquosas umidade do ar nuvens lençóis de escoamento superficial ou aquíferos gelo etc propriedades estáticas pressão densidade atmosférica e oceânica salinidade etc assim como os limites geométricos e as constantes do sistema Todas as variáveis do sistema são inter relacionadas pelos processos físicos que nele ocorrem precipitação evaporação radiação transferência convecção turbulência Os componentes físicos do sistema climático são atmosfera hidrosfera criosfera litosfera biosfera Os processos físicos responsáveis pelo clima podem ser expressos quantitativamente pelas equações dinâmicas do movimento a equação da energia termodinâmica e a equação de continuidade de massa e de água As variações climáticas tornam se mais complexas na medida em que aumenta o número de interações entre os elementos do sistema climático Desse modo as causas das mudanças climáticas são muitas e variadas especialmente em função da escala de tempo utilizada e dos mecanismos de interação feedback Os oceanos desempenham um importante papel nas mudanças climáticas através 423 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África dos processos na interface água ar os quais regem as trocas de calor umidade e energia Estas considerações preliminares mostram que a climatoestratigrafia do Ouaternário foi uma etapa uma aproximação necessária que gradualmente dá lugar à procura de uma compreensão dos mecanismos implicados em situações bem determinadas em diferentes escalas de tempo Por esta razão examinaremos aqui diversos exemplos de resultados recentes relacionados à era presente ao Holoceno ao Pleistoceno e ao Plio Pleistoceno Climatologia atual e recente na África Na África o ritmo anual de alternação de uma estação seca e de uma estação úmida na zona intertropical está ligado ao deslocamento da zona de convergência intertropical CIT No recente resumo de J Maley 1973 e L Dorize 1974 a CIT representa o ponto de encontro da monção ar úmido proveniente das regiões equatoriais ou alísio marítimo do hemisfério sul e o harmatã ar seco do Saara A CIT orientada aproximadamente na direção oeste leste desloca se do sul para o norte durante a primavera e nos dois primeiros meses do verão e depois do norte para o sul Esta oscilação sazonal ocorre entre 4 N e 20 23 N A superfície de descontinuidade entre o ar úmido e o ar seco eleva se lentamente do norte para o sul A camada úmida da monção constitui no verão uma delgada cunha de ar frio em direção ao norte causando apenas fracas precipitações É necessário que o ar úmido tenha uma espessura de 1200 a 1500 m para que ocorram precipitações consideráveis Estas condições só são encontradas de 200 a 300 km ao sul da linha da CIT L Dorize 1974 A posição da CIT varia muito não apenas de estação para estação mas também de dia para dia em função do campo de pressão de toda a África e do oceano Atlântico Como foi demonstrado por P Pedelaborde 1970 o impulso originário do Atlântico sul combinado com a atividade da frente polar meridional representa a principal força de deslocamento da zona de convergência para o norte O retraimento da CIT em direção ao sul em setembro seria pois devido ao enfraquecimento do anticiclone do Atlântico sul e à influência do hemisfério norte As raras intervenções do ar boreal dessecado após atravessar o Saara causam apenas pequenas chuvas nas regiões montanhosas do Saara Ao contrário o ar austral após cruzar o oceano traz umidade potencial 424 Metodologia e pré história da África A atual crise climática na zona do Sahel deve se à permanência da CIT em uma posição de 3 a 4 mais austral que sua posição média Por outro lado durante a década úmida de 1950 59 a área do Saara diminuiu Como demonstrou J Maley 1973 a fase úmida coincidiu com uma queda das temperaturas máximas em seus limites meridionais Ora quanto mais frio o ar polar mais fortes são as frentes polares e maior é a sua extensão em direção ao equador Nesta relação Maley 1973 distinguiu dois mecanismos o dos períodos glaciais e o evidenciado no tempo atual No primeiro caso a área de inlandsis do hemisfério norte aumentou consideravelmente enquanto que na Antártida teria variado pouco A frente polar norte tinha então uma influência preponderante dirigindo a monção para o sul no verão A aridificação deu se pois em conjunto com a expansão glacial Por ocasião do aumento das temperaturas no Holoceno antes de 50004000 BP o centro da ação polar enfraqueceu Durante o verão boreal a regressão da frente polar norte favorecia a extensão da monção ao norte do equador ao passo que a frente polar sul impelia os anticiclones subtropicais em direção ao equador Durante o inverno boreal a frente polar podia novamente estender sua ação sobre o Saara e causar chuvas A ocorrência de chuvas tanto no verão quanto no inverno poderia explicar o clima úmido que prevaleceu no sul do Saara e a retração do deserto durante a primeira metade do Holoceno Nos últimos 5000 anos a regressão do inlandsis do Ártico reduziu a resistência da frente polar norte ao mesmo tempo que o centro de ação antártica também teve sua força diminuída A diminuição conjunta do impulso da monção e da influência do ar polar boreal sobre o Saara explicariam portanto a progressiva aridificação do Saara Estes mecanismos meteoro lógicos podem nos ajudar a entender as mudanças climáticas que ocorreram na África durante o Quaternário Cronologia e climas nos últimos 25000 anos Os últimos 25000 anos do Quaternário fim do Pleistoceno e do Holoceno constituem um exemplo recente e hoje bem documentado de um avanço glacial amplo e da subsequente regressão até o interglacial presente Durante o mesmo período as regiões intertropicais passaram por uma aridez extrema seguida de uma fase úmida e de nova aridificação Esta é a única flutuação climática que pode ser estudada em um período de alguns séculos ou milênios permitindo uma comparação dos elementos do sistema climático e de suas variações em inúmeras 425 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África regiões do globo situadas em quase todas as latitudes Além disso para este período as indicações fornecidas por polens diatomáceas e fauna idênticos às espécies atuais permitem uma quantificação precisa da magnitude das variações do meio geográfico Ademais o nível médio dos mares é conhecido o bastante para que se possa ter a todo momento uma ideia do volume geral dos gelos e das relações isotópicas do oxigênio nos principais reservatórios oceanos glaciares Cf Morner 1975 Na África saariana desde os primeiros trabalhos baseados na datação por carbono 14 Butzer 1961 Monod 1963 Faure 1967 e 1969 os estudos mais recentes que podem servir de base a uma cronologia detalhada das variações climáticas são os de M Servant e S Servant no Chade e no Níger e de F Gasse em Afar Para o leste da África há os trabalhos dos grupos de Van der Zinderen Bakker e Livingstone de Richardson de Williams de Wickens e outros Suas averiguações são comparáveis às de muitos trabalhos sobre as regiões de altas latitudes em especial os de Velitchko Dreimanis e outros A região do oceano Atlântico é conhecida na sua totalidade através do trabalho do grupo CLIMAP1 e de McIntyre enquanto o hemisfério sul é conhecido pelas publicações de Van der Hammen Williams Bowler et alii Para situar a evolução do clima da África nos últimos 25000 anos em uma perspectiva global podem se distinguir várias etapas cronológicas De 25000 a 18000 BP Altas latitudes O período de tempo compreendido entre 25000 e 18000 BP corresponde ao fim da extensão máxima das calotas glaciais no hemisfério norte Esta última extensão da glaciação de Würm Wisconsin Weichselien Valdar cobriu de gelo uma área que representa de 90 a 95 daquela ocupada por todas as glaciações anteriores do Ouaternário Flint 1971 Trata se pois de um modelo de glaciação bastante representativo Nas zonas periglaciais o permafrost solo permanentemente congelado parece ter sido mais extenso que durante as outras glaciações Velitchko 1973 e 1975 Esta grande extensão de permafrost estaria associada fora dos continentes aos gelos marinhos bastante extensos nos mares do Ártico que contribuíram para uma redução da evaporação na interface ar mar 1 CLIMAP Climatic Long Range lnterpretation Mapping and Prediction da Década Internacional de Exploração Oceânica IDOE 426 Metodologia e pré história da África figura 163 Mapa das isotermas da água de superfície do oceano Atlântico em fevereiro 18000 BP As isotermas em pontilhado são interpretativas As grandes massas de gelo continental são delineadas por contornos hachurados a banquisa permanente por contornos granulados A linha de costa glacial é traçada para um nível do mar inferior em 85 m ao atual segundo Mc Intyre et alii 1975 Oceanos Combinado com a redução da superfície livre devido aos gelos marinhos o abaixamento do nível médio dos oceanos passando de cerca de 50 a cerca de 100 m contribuiu para uma redução suplementar da área dos oceanos de aproximadamente 10 No fim do período em consideração emergiram quase todas as plataformas continentais Os pesquisadores do grupo CLIMAP McIntyre et alii 1974 1975 Hays in CLIMAP 1974 etc estabeleceram mapas das temperaturas das águas de 427 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 164 Mapa mostrando diferenças na temperatura da água de superfície entre a época atual a 17000 BP segundo Mc Intyre et alii 1975 Figura 164 inverno Figura 165 verão 428 Metodologia e pré história da África superfície do oceano Atlântico para a época do máximo glacial 18000 BP Fig 3 Comparados com mapas de situações atuais que são as de um interglacial estes mapas mostram uma média geral das diferenças de temperatura de apenas 25 entre o máximo glacial e o interglacial presente Contudo a distribuição das diferenças de temperatura mostra um máximo nas latitudes médias de 6 a 10 de diferença e diferenças muito menores inferiores a 3 nas latitudes intertropicais Figs 4 e 5 Assim por exemplo no ponto 50 N 30 W a temperatura de superfície no inverno foi de 73 a 127 mais baixa em 18000 ou 17000 BP que atualmente No verão a diferença caiu de 12 a 66 CLIMAP 1974 Em ambos os hemisférios a migração das águas polares foi o fator dominante nesta fase glacial No Atlântico norte as águas polares desceram até 42 N a partir de uma posição próxima à atual em torno de 60 N causando um rápido gradiente das temperaturas ao sul do paralelo 42 N que foi portanto o eixo provável dos ventos oeste westerlies na época glacial Ao sul deste limite o padrão permanece muito semelhante ao atual mas observa se que as isotermas paralelas às costas da África revelam a existência de águas relativamente frias em especial no inverno devido a um considerável upwelling Gardner Hays 1975 As frentes polares e o eixo dos ventos oeste deslocaram se mais de 2000 km em direção ao equador no Atlântico norte e somente 600 km no Atlântico sul No oceano Pacífico as frentes polares parecem ter se deslocado muito pouco nos períodos glaciais Isto explicaria a diminuição da penetração da monção no Saara cf Maley 1973 p 7 8 e a aridez da zona do Sahel no fim do período glacial África Nas regiões do Saara meridional e do Sahel a evolução geral do clima nos últimos 25000 anos mostra uma tendência muito semelhante das costas do Atlântico ao mar Vermelho Este período de tempo compreende o fim de uma fase úmida do Pleistoceno superior que durou de 30000 a 20000 BP aproximadamente e o começo de uma fase árida que findou ao redor de 12000 BP O estudo de depósitos lacustres na bacia do Chade mostrou que a relação entre precipitação e evaporação PE foi suficiente para que existissem extensos lagos de 40000 até 20000 BP aproximadamente M Servant 1973 Durante os oito milênios seguintes a zona árida estendeu se ultrapassando seus limites atuais em mais de 400 km em direção ao sul 429 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Esta transição de um episódio lacustre a uma época muito árida é também observável nos depósitos dos lagos de Afar onde F Gasse mostrou a existência de três fases lacustres no Pleistoceno Superior Entre 20000 e 17000 BP o ambiente lacustre degenerou e o leito seco do lago Abbé foi ocupado por gramíneas Gasse 1975 Analisando a literatura mais recente M Servant 1973 e F Gasse 1975 constatam uma evolução comparável em outros lagos do leste da África em diversas altitudes e latitudes trabalhos de Richardson Kendall Butzer et alii Livingstone sobre os lagos Rodolfo Nakuru Naivasha Magadi Alberto etc De 18000 a 12000 BP Altas latitudes Em regiões de alta latitude este período corresponde ao fim do máximo glacial e à desglaciação As calotas glaciais que cobriam o leste da América do Norte e a Escandinávia e que alcançaram sua maior extensão entre 22000 e 18000 BP entraram em fusão imediatamente após este lapso de tempo A calota da cordilheira norte americana alcançou seu máximo somente em torno de 14000 BP e desapareceu em 10000 BP aproximadamente A desglaciação generalizada iniciou se portanto em 14000 BP aproximadamente No hemisfério sul por outro lado a calota glacial continental do leste da Antártida parece ter variado pouco enquanto que a do oeste cuja base se acha abaixo do nível do mar diminuiu consideravelmente National Academy of Sciences Washington 1975 Oceanos As imensas superfícies recobertas por gelo marinho certamente desapareceram com o rápido aumento do nível do mar que se seguiu à desglaciação Este aumento atingiu em média 15 mséculo entre 15000 e 12000 BP sendo que nesta última data ocorreu provavelmente a metade senão os dois terços do aumento Ao mesmo tempo as águas polares do Atlântico retomavam às latitudes mais setentrionais África A grande aridez do período compreendido entre 18000 e 12000 BP é o fenômeno mais bem documentado de todos os que abrangeram grandes áreas 430 Metodologia e pré história da África do continente africano É bem evidenciado nos gráficos que mostram a evolução dos níveis lacustres do Níger e do Chade Servant 1973 do Afar Gasse 1975 do Sudão Williams 1975 Wickens 1975 etc O desaparecimento da vegetação permitiu que as dunas avançassem devido à ação dos ventos de 400 a 800 km em direção ao equador e sobre as plataformas continentais emergidas Não há dúvida de que o Saara tendo sua área ampliada foi durante vários milênios uma barreira muito mais hostil ao homem do que o Saara atual Esta aridificação parece ter se generalizado e há vários indícios de que as zonas intertropicais sofreram uma relativa dessecação na África de Ploey Van der Zinderen Bakker et alii in Williams 1975 e na Ásia principalmente na Índia Singh 1973 Tendo revisto recentemente a literatura referente a esta época árida Williams 1975 demonstrou sua extensão excepcional e aproximadamente sincrônica Bacia do Mediterrâneo Embora a evolução do clima durante a última glaciação cerca de 100000 anos atrás pareça bastante complexa na bacia do Mediterrâneo ver p 413 achados palinológicos Bonatti 1966 e pedológicos Rohdenburg 1970 indicam que no máximo glacial o clima foi frio e seco A zona mediterrânea era ocupada por uma estepe muito seca entre 16000 e 13000 BP e crostas calcárias desenvolviam se sobre os solos Hemisfério sul Na Austrália o estudo dos polens indica que houve uma queda gradual nas temperaturas até cerca de 18000 ou 17000 BP durante o estabelecimento da seca e a extensão das dunas sobre a plataforma continental emersa Bowler et alii 1975 A glaciação ocupou a Tasmânia e as Snowy Mountains ao passo que os lagos do sul da Austrália secaram ao redor de 16000 BP Temperaturas mais elevadas indicadas por um aumento na altitude do limite climático timberline estabeleceram se por volta de 15000 BP mas o novo preenchimento dos lagos do sul da Austrália só teve início após 11000 BP Bowler et alii 1975 Van der Hammen 1975 e Williams 1975 mostraram as analogias que caracterizam os climas de ambos os hemisférios durante o último máximo glacial 18000 BP aproximadamente Uma aridez generalizada persistiu durante 431 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África vários milênios em todas as regiões do globo situadas nas baixas latitudes com exceção do sudoeste dos Estados Unidos De 12 000 BP até o presente Altas latitudes Este período é caracterizado pelo fim da glaciação e por um notável aumento das temperaturas que culminou entre 7300 e 4500 BP o ótimo climático ainda denominado na Europa de período Atlântico A calota glacial da cordilheira fundiu se muito rapidamente e desapareceu em torno de 10000 BP a da Escandinávia desapareceu logo em seguida 9000 BP Registram se flutuações nítidas e rápidas a intervalos de cerca de 2500 anos por exemplo o resfriamento do Dryas jovem entre 10800 e 10100 BP Quanto à glaciação o norte da Europa atingiu condições comparáveis às que prevalecem no presente ao redor de 8500 BP e a América do Norte ao redor de 7000 BP Nat Acad Sci 1975 Nessa época reduziu se igualmente a calota glacial do oeste da Antártida Oceanos O aumento do nível do mar que reflete o estado médio de fusão de todas as geleiras da Terra foi ainda bastante rápido entre 12000 e 7000 BP mais de 1 mséculo em média mas com uma considerável desaceleração ou queda ao redor de 11000 BP Os oceanos parecem ter alcançado um nível muito próximo do atual a partir de 6000 BP e ter oscilado desde então em torno desse nível com uma amplitude que não excedia alguns metros A essa tendência geral superpõern se flutuações vinculadas a variações climáticas gerais Morner 1973 As zonas em que a sedimentação marinha foi razoavelmente rápida zonas estas estudadas por Wollin e Ericson também nos permitem acompanhar mudanças na distribuição dos foraminíferos e em especial a variação da porcentagem do sinistrógiro Globorotalia truncatulinoides De acordo com Morner 1973 os picos das curvas correspondentes poderiam estar em correlação com os picos das curvas das mudanças climáticas registradas através de exames isotópicos dos gelos da Groenlândia escalas palinológicas e flutuações do nível do mar Contudo chega se aqui ao limite de precisão do método de datação radiométrica e fazem se necessárias interpolações lineares entre as datas levando se em consideração as variações das taxas de sedimentação Além disso a distorção da 432 Metodologia e pré história da África escala cronológica do carbono 14 em relação à escala de tempo exige correções que dificultam a correlação de fenômenos cujos limites se inscrevem no decurso de um ou dois séculos apenas África Após a extrema aridez do período que se estende de 16000 a 14000 BP e a partir de 12000 BP os lagos das regiões saarianas das costas do Atlântico ao mar Vermelho expandiram se de forma notável Em quase todas as regiões baixas são observados depósitos lacustres frequentemente constituídos de diatomáceas No Níger e no Chade M Servant 1973 elaborou uma curva contínua da relação PE Fig 6 com base em um estudo de diferentes tipos de lagos levando em conta seu modo de alimentação e sua situação hidrogeológica e geomorfológica Esta curva climática ilustra as grandes oscilações que parecem ter um caráter geral grande extensão dos lagos ao redor de 8500 BP retração ao redor de 4000 BP e flutuações menores após 3000 BP Estas variações principais são igualmente observadas nos diversos lagos do Afar embora com algumas nuances devidas a seus modos de alimentação Gasse 1975 Fig 7 Nota se uma analogia manifesta entre a curva do Chade e a curva da umidade da zona continental siberiana O estudo dos demais lagos africanos mostra uma linha geral de evolução muito semelhante Livingstone e Van der Zinderen Bakker julgam haver um paralelismo estreito entre a evolução climática do leste africano e a da Europa A extensão dos lagos do Saara até 8000 BP parece estar relacionada a uma melhor distribuição das chuvas durante o ano e a uma nebulosidade densa o suficiente para reduzir a evaporação M Servant 1973 acredita que a circulação atmosférica de então tenha sido diferente da atual A presença de vários níveis de diatomáceas de clima frio leva o a postular possíveis intrusões de ar polar sobre o Saara O mecanismo climático atual ter se ia estabelecido somente a partir de 7000 BP Hemisfério sul Bowler et alii situam em 8000 BP Mt Wilhem o desaparecimento das geleiras no norte da Austrália e na Nova Guiné em concomitância com o aumento das chuvas que apresenta f1utuações menores Entre 8000 e 5000 433 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 166 Evolução relativa da razão pluviosidadeevaporação nos últimos 12000 anos na bacia do Chade 13 18 de lat N Esta evolução foi determinada a partir de um estudo comparativo das variações dos níveis de diversos lagos alimentados principalmente por lençóis subterrâneos riachos ou rios segundo M Servant 1973 p 40 52 434 Metodologia e pré história da África figura 167 Variações dos níveis lacustres nas bacias do Afar As curvas relativas aos lagos Abhé Hanlé Dobi e Asal situados no Afar central estão representadas no mesmo gráfico A do lago Afrera é independente Pode se estabelecer comparação com a curva de oscilação de PE na bacia do Chade segundo F Gasse 1975 435 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África BP a temperatura média teria sido 1 ou 2º mais elevada que a atual O ótimo climático Hipsotérmico teria um valor global a floresta de zona quente e úmida rain forest desfrutou entre 7000 e 3000 BP das condições de desenvolvimento mais favoráveis desde o interglacial precedente 60000 anos antes Da mesma forma os lagos do sul da Austrália secos em 15000 BP começaram a ser preenchidos em 11000 BP atingindo altos níveis em 8000 e 3000 BP Retração pouco antes de 7000 BP nova expansão em torno de 6500 BP é provável que o aumento da temperatura e da umidade nas zonas de baixa latitude seja um fenômeno geral durante a primeira metade dos últimos 12000 anos e que tenha conduzido às condições características do interglacial presente Cronologia climática dos últimos 25000 anos conclusão Este período nos apresenta um quadro da evolução climática quando do máximo glacial ao fim de um período glacial e durante uma desglaciação que levou a um interglacial o presente Este modelo de meio ciclo de desglaciação mostra uma aridez generalizada que se estende por cerca de 5000 anos na África caracterizando o fim de uma glaciação seguida de uma fase úmida de duração comparável flutuante mas que retorna gradualmente a um estágio árido Estas pulsações climáticas podem ser explicadas numa escala de tempo de 20000 anos pelo deslocamento das frentes polares e seus efeitos na frente intertropical FIT e pelos dois tipos extremos de circulação rápida ou lenta É também provável que este modelo seja representativo de outras situações comparáveis e de mesma escala no Quaternário isto é de duração e amplitude análogas Entretanto cabe não extrapolá lo para todo um período glacial de 100000 anos de duração ou a fortiori para o conjunto das glaciações do Quaternário que cobre um período de vários milhões de anos Por esta razão examinaremos agora a cronologia de um período glacial como um todo Cronologia e climas nos últimos 130000 anos Os últimos 130000 anos ou Pleistoceno Superior permitem o estudo de um modelo climatoestratigráfico na escala de tempo de um período glacial interglacial completo A cronologia deste período ultrapassa de muito o alcance da datação por radiocarbono que possibilitou estabelecer uma sucessão 436 Metodologia e pré história da África relativamente precisa com a precisão de séculos ou de milênios aproximados dos últimos 25000 anos Contudo o intervalo de tempo que corresponde ao último grande interglacial eemiense anterior ao atual e à última grande glaciação Würm Wisconsin Weichselien Valdaï é relativamente bem conhecido com uma precisão cronológica da ordem de 10 ou 20 para o período mais remoto De fato nos oceanos e bacias sedimentares obtêm se dados cronológicos adicionais pela extrapolação das velocidades de depósito conhecidas e pela aplicação dos métodos do desequilíbrio do urânio e do potássio argônio no limite superior de seu alcance A interpolação linear entre os pontos datados de uma sequência contínua fornece uma cronologia aproximada Contudo não se podem fazer com suficiente precisão correlações de grande distância entre eventos que não ultrapassaram alguns milênios Logo são principalmente as tendências gerais de período médio 10000 anos que terão melhor definição e que poderão ser comparadas de uma região a outra Comparação entre regiões Altas latitudes A vegetação do interglacial eemiense indica que durante as fases mais quentes desse interglacial entre cerca de 125000 e 80000 BP a temperatura na Eurásia e na América do Norte era bastante semelhante à do período Atlântico entre 7000 e 5000 BP isto é pouco diferente da atual Estes dois interglaciais ocorreram subitamente após uma queda considerável das temperaturas último estágio muito frio do Riss 135000 BP e último estágio muito frio do Würm 20000 BP Oceanos As variações do nível dos oceanos registram de maneira bastante clara os dois máximos glaciais caindo consideravelmente 110 m 20 para o segundo máximo em torno de 20000 18000 Os níveis mais altos alcançados durante o interglacial eemiense e o presente são comparáveis entre si com um desvio de 5 As elevações do nível do mar durante os interestadiais 45000 e 30000 BP podem ter alcançado entre 60 e 80 da elevação máxima o Inchiriense na Mauritânia por exemplo Elas confirmam a fusão de uma massa de gelo equivalente durante o interestadial 437 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África África Como no caso dos oceanos a repercussão dos fenômenos glaciais provavelmente atenuou se na direção das latitudes intertropicais As diferenças entre as temperaturas de um estágio glacial e de um estágio interglacial de 5 a 10o nas médias latitudes podem ter sido de 2 a 3o apenas entre os trópicos Os efeitos da glaciação na distribuição e quantidade de chuvas constituem o fenômeno mais facilmente observável na África Poucas regiões da África possuem uma cronologia radiométrica bem estabelecida para os últimos 130000 anos No entanto através de sondagens no lago Abbé F Gasse 1975 pôde distinguir três estágios lacustres no Pleistoceno superior antes da aridificação de 20000 a 14000 BP a saber o período que se estende de 30000 a 20000 BP clima tropical temperado úmido separado de uma outra extensão lacustre ocorrida por volta de 40000 a 30000 BP por uma considerável regressão ao redor de 30000 BP O estágio lacustre mais antigo dataria de 50000 a 60000 BP ou talvez de 60000 a 80000 correspondendo a um período mais frio acusado pelas diatomáceas Uma outra indicação de variação climática de datação incerta no Pleistoceno Superior foi obtida por meio de um estudo de polens no vale superior do Awash Afar onde R Bonnefille 1973 1974 distinguiu um clima nitidamente mais úmido que o presente talvez mais frio caracterizado por uma vegetação estépica de planalto Bacia do Mediterrâneo Situada entre as duas zonas geográficas acima estudadas a bacia do Mediterrâneo constitui um importante domínio climático cuja evolução parece complexa As glaciações em particular não mais podem ser consideradas como causa única do estabelecimento de um clima úmido na região Analisando os estudos palinológicos micropaleontológicos e isotópicos realizados no Mediterrâneo oriental na Grécia e em Israel Emiliani 1955 Vergnaud Grazzini e Herman Rosenberg 1969 Wijmstra 1969 Van der Hammen 1971 Rossignol 1969 Issard 1968 Issard e Picard 1969 Farrand 1971 chega à conclusão de que a queda da temperatura durante a última glaciação pode ter sido de 4o no ar e de 5 a 10o no mar Na Grécia a seca foi mais acentuada durante o período glacial ao passo que o inverso ocorreu nas costas de Israel Por outro lado o estudo de microrrestos de mamíferos roedores Tchernov 1968 in Farrand 1971 parece indicar uma evolução gradual de condições 438 Metodologia e pré história da África figura 168 Mapa das localidades fossilíferas do Plio Pleistoceno da África oriental Legenda M Mursi U Usno S Shungura formações da bacia inferior do Orno I Ileret KF Koobi Fora setores ocidentais do lago Rodolfo L Lothagan KE Kanapoi e Ekora da bacia hidrográfica do baixo Kerio C Chermeron CH Chesowanja localidades da bacia do Baringo K Kanam golfo de Kavirondo P Peninj bacia do Natron OG Garganta de Olduvai LA Laetolil planície de Serengeti Mapa básico 14000000 Geologia da África Oriental Quênia segundo F Clark Howell 1972 439 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 169 Cronologia radiométrica e paleomagnética do PliocenoPleistoceno da África oriental do sudoeste da Europa e do noroeste da América As importantes sucessões fornecidas pelas medições efetuadas nas áreas de Ileret e Koobi Fora setor oriental do lago Rodolfo ainda estão sendo estudadas As colunas correspondentes foram deixadas em branco segundo Clark Howell 1972 440 Metodologia e pré história da África úmidas para condições áridas durante os 80000 últimos anos Ao redor de 20000 BP o nível do lago Lisan Israel baixou 190 m em 1000 anos em consequência de um dessecamento combinado a movimentos tectônicos do rift do mar Morto e como vimos o fim da extensão máxima do frio würmiano corresponde a condições frias e áridas em toda a bacia do Mediterrâneo Como na África a complexidade da situação geoclimática da bacia do Mediterrâneo requer ainda estudos muito detalhados no sentido de precisar sua evolução climática no Würm Cronologia e climas nos últimos 130000 anos conclusão O último período glacial nos apresenta um modelo de ciclo climático completo na escala de 100000 anos interglacial glacial interglacial com flutuações interestadiais e estadiais de duração da ordem de 10000 anos Na África esse período se caracterizou por extensões lacustres de duração comparável separadas por estádios de dessecação No estado atual dos nossos conhecimentos a datação não é suficientemente exata para permitir uma correlação confiável entre estádios frios ou quentes e estádios úmidos ou secos na África Espera se que as pesquisas em andamento baseadas em cortes e sondagens que apresentam uma sucessão contínua de eventos permitam responder a esta questão no futuro Cronologia e climas nos últimos 3500000 anos A lenta tendência ao resfriamento característica do Quaternário começou há aproximadamente 55 milhões de anos Cenozoic climatic decline National Academy of Sciences 1975 A calota glacial da Antártida que já se formara há cerca de 25 MA expandiu se consideravelmente há cerca de 10 MA e depois novamente há cerca de 5 MA quando praticamente atingiu seu volume atual A calota do Ártico que se estendeu sobre os continentes próximos do Atlântico norte surgiu há cerca de 3 MA O primeiro grande resfriamento dos oceanos teve início há cerca de 18 MA Bandy in Bishop e Miller 1972 pouco antes da base do estágio marinho Calabriano este quase simultâneo ao evento de Gilsa 179 MA Na África várias regiões Chade leste da África etc revelaram uma rica fauna de vertebrados de início atribuída ao Villafranchiano entre 33 e 17 ou 1 MA Certas associações de mamíferos implicam condições muito mais 441 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África úmidas que as que caracterizam o ambiente atual dos depósitos Foram portanto consideradas como características dos pluviais da África As estratigrafias mais detalhadas baseadas nas datações pelo potássio argônio e paleomagnéticas são as dos depósitos do rift leste africano Neste tipo de preenchimento sedimentar é mais difícil perceber o efeito do clima que o das atividades tectônicas e vulcânicas e as mudanças topográficas que elas acarretam por esse motivo os autores atuais têm abandonado a tentativa de estabelecer uma sucessão climática detalhada Por outro lado a cronoestratigrafia está bem estabelecida e constitui uma referência mundial Nos diversos depósitos de vertebrados e hominídeos da África oriental Figs 8 e 9 as sucessões sedimentares datadas são as seguintes Omo Etiópia a formação de Shungura com cerca de 1000 m de espessura estende se de 32 a 08 MA a formação de Usno de 31 a 27 MA segundo de Heinzelin Brown e Howell 1971 Coppens 1972 Bishop e Miller 1972 Howell 1972 Brown 1972 1975 Um estudo de pólens da formação de Shungura revelou uma importante mudança climática para condições mais secas há aproximadamente 2 MA com o desenvolvimento de uma savana de gramíneas Bonnefille 1973 1974 Esta mudança é confirmada pelo estudo da fauna Poder se ia sugerir que fosse comparada a um estádio do resfriamento mundial dos oceanos 18 MA Olduvai Tanzânia a sucessão das formações clássicas e sua cronologia é a seguinte Ndutu Beds 0032 MA 04 MA Masen Beds 06 MA Beds IV 08 MA Kanjeriano inferior Bed III 115 MA Bed II 17 MA Kamasiano inferior Bed I 21 MA segundo Leakey Cook e Bishop 1967 Howell 1972 Hay 1975 East Rudolf Quênia a estratigrafia resumida na Fig 10 estabelecida por Brock e Isaac 1974 diz respeito a 325 m de depósitos acumulados em um período que se estende de cerca de 35 a 15 MA segundo Bowen Brock e Vondra 1975 442 Metodologia e pré história da África figura 1610 Cronologia e ritmo da evolução das civilizações durante o Pleistoceno com relação à evolução dos hominídeos W W Bischop e J A Miller 1972 p 381 430 fig 9 segundo G L Isaac Os principais horizontes culturais estão relacionados a uma escala de tempo logarítmica As datas ou séries de datas particularmente bem determinadas estão assinaladas por símbolos em traço grosso 443 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África figura 1611 Tendências gerais do clima global para o último milhão de anos a Mudanças da média quinquenal das temperaturas de superfície na região 0o80o N durante os últimos 100 anos Mitchell 1963 b Índice do rigor do inverno na Europa oriental durante os últimos 1000 anos Lamb 1969 c Tendências gerais da temperatura do ar nas latitudes médias do hemisfério norte durante os últimos 15000 anos com base na altitude máxima das árvores La Marche 1974 nas flutuações marginais das geleiras alpinas e continentais Denton e Karlen 1973 e nas mudanças dos padrões de vegetação registradas pelos espectros de pólen Van Der Hammen et alii 1971 d Tendências gerais da temperatura do ar no hemisfério norte durante os últimos 100000 anos com base nas temperaturas das águas de superfície nas latitudes médias nos registros de pólens e nos registros do nível dos mares e Variações no volume global dos gelos durante o último milhão de anos com base nas mudanças da composição isotópica do plâncton fóssil nos testemunhos de fundo do mar V 28 238 Shackleton e Opdyke 1973 444 Metodologia e pré história da África Hadar Afar central Etiópia finalmente as formações de Hadar Afar central que encerram hominídeos e grande quantidade de fósseis e que foram estudadas pela Expedição Internacional de Pesquisa de Afar IARE teriam aproximadamente 3 MA segundo Johanson e Taieb e outros 1974 1975 Em poucos anos o trabalho ativamente empreendido nestas regiões da África oriental possibilitará o estabelecimento de um novo modelo de evolução climática baseado na sedimentologia e na ecologia vegetal e animal e tendo em conta a intervenção de fatores tectônicos e vulcânicos Outras regiões da África tais como o Saura Alimen et al 1959 Alimen 1975 o vale do Nilo Wendorf 1968 Butzer e Hansen 1968 de Heinzelin 1968 Giegengak 1968 Said no prelo o Chade Coppens 1965 Servant 1973 e a África do norte foram objeto de intensos estudos As variações climáticas propostas baseiam se na sucessão de depósitos e escavações fluviais ou nas sucessões de faunas de mamíferos Devido à falta de uma datação radiométrica ou magnetoestratigráfica ainda não é possível correlacionar estas variações com as flutuações glaciais europeias Conclusão O Cenozoico superior caracteriza se nos últimos 5 milhões de anos pela acentuação dos gradientes térmicos do globo ligada a grandes mudanças climáticas no decorrer do tempo Esta acentuação provocou nas altas latitudes consideráveis variações de temperatura responsáveis pelos períodos glaciais e interglaciais Nas latitudes intertropicais as flutuações térmicas foram relativamente atenuadas mas as circulações atmosféricas perturbadas pelo fortalecimento ou enfraquecimento das frentes polares provocaram variações consideráveis na distribuição e quantidade de chuvas que contribuíram para mudar profundamente o ambiente das diferentes zonas climáticas Modificando periodicamente o meio geográfico e vegetal cenário em que vive a fauna e se desenvolvem os horninídeos estas variações climáticas estabelecem o ritmo da história da evolução da África de forma mais discreta que as glaciações na Europa O que se deve reter dessa breve análise do estado atual dos conhecimentos sobre a cronologia e as mudanças climáticas na África é a necessidade de dar prosseguimento aos trabalhos de observação e mediação antes de cristalizar as informações dispares de que dispomos na rígida estrutura de uma teoria 445 Quadro cronológico das fases pluviais e glaciais da África Por outro lado percebe se a importância da escala de tempo das diferentes manifestações de mudança climática Deve se ter o cuidado de colocar cada observação e cada fenômeno na escala de tempo adequada Isto é ilustrado a título de conclusão pela Fig 11 extraída da publicação da National Academy of Sciences Washington 1975 em que são apresentados cinco exemplos de variações climáticas para escalas de tempo que vão de um século a milhões de anos C A P Í T U L O 1 7 447 A hominização problemas gerais Os dados paleontológicos O homem é um mamífero mais exatamente um mamífero placentário1 Pertence à ordem dos Primatas Critérios paleontológicos Os primatas diferenciam se dos outros mamíferos placentários pelo desenvolvimento precoce do cérebro pelo aperfeiçoamento da visão que se torna estereoscópica pela redução da face pela substituição das garras por unhas chatas e pela oposição do polegar aos outros dedos Os primatas classificam se em prossímios e símios O homem pertence a este segundo grupo que se caracteriza por um aumento da estatura pelo deslocamento das órbitas na face e consequente melhoria da visão e pela independência das fossas temporais Uma repentina proliferação de formas ocorre entre esses símios no Oligoceno Superior há cerca de 30 milhões de anos o que leva a supor que a diferenciação da família Hominidae poderia datar dessa época Para poder escrever a história 1 Os mamíferos representam a mais evoluída das cinco classes de vertebrados Os mamíferos placentários são os mais evoluídos dentre os mamíferos dispõem de um novo órgão a placenta destinado à respiração e nutrição do feto A hominização problemas gerais PARTE I Y Coppens 448 Metodologia e pré história da África desses hominídeos devemos pesquisar portanto entre os fósseis de símios dos últimos 30 milhões de anos cujas tendências evolutivas se orientam para os traços que caracterizam o gênero Homo ao qual pertencemos locomoção sobre os membros posteriores com as consequentes transformações dos pés das pernas da bacia da orientação do crânio das proporções da coluna vertebral desenvolvimento da caixa craniana redução da face arredondamento da arcada dentária redução dos caninos curvatura do palato etc O Propliopithecus do Oligoceno Superior apresenta alguns discretos sinais dessas tendências o que explica o entusiasmo sem dúvida prematuro de certos autores em considerá lo como pertencente ao nosso gênero As tendências observadas no Ramapithecus são mais relevantes seu cérebro parece ter atingido 400 cm³ o tamanho da face é reduzido a arcada dentária é arredondada e os incisivos e caninos também reduzidos estão implantados verticalmente Um outro primata o Oreopithecus de quem conhecemos o esqueleto completo apresenta essas mesmas características cranianas e uma bacia de bípede ocasional Podemos supor portanto que o esqueleto pós craniano2 do Ramapithecus que ainda não conhecemos possa apresentar também esses primeiros indícios de adaptação à postura ereta Por outro lado as tendências evolutivas do Australopithecus não deixam margem a dúvidas Esses bípedes permanentes têm pés humanos mãos modernas cérebro com nítido aumento de volume caninos pequenos e face reduzida Não podemos deixar de considerá los hominídeos O gênero Homo fim da cadeia distingue se dos Australopithecus por aumento da estatura melhoria na postura ereta crescimento do volume do cérebro que a partir da espécie mais antiga pode atingir 800 cm³ e transformação da dentição com maior desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais em consequência da mudança do regime alimentar de vegetariano para onívoro Vemos que o trabalho do paleontólogo é um estudo de anatomia comparativa e dinâmica ao mesmo tempo Sabendo que a evolução parte sempre do mais simples para o mais complexo e do indiferenciado para o especializado precisa encontrar fósseis que sejam suficientemente semelhantes mas também levando em conta a idade geológica suficientemente diferentes do homem cujos ancestrais ele está procurando Os mais antigos primatas são os prossímios grupo hoje representado pelos lêmures de Madagáscar os tarsídeos das Filipinas e da Indonésia e pelo pequeno galago da África tropical 2 Esqueleto pós craniano é o conjunto do esqueleto menos o crânio 449 A hominização problemas gerais A partir do Eoceno3 os símios se dividiram em dois grandes grupos os platirrinos4 ou macacos do Novo Mundo que têm um septo nasal largo e 36 dentes e os catarrinos ou macacos do Velho Mundo que têm um septo nasal estreito e 32 dentes Os catarrinos por sua vez dividiram se em um certo número de famílias Cercopithecidae Pongidae Hominidae Hylobatidae Oreopithecidae Silvapithecidae Gigantopithecidae etc Entre 20 e 40 milhões de anos atrás A falta de evidências torna difícil saber o que se preparava no Eoceno e no Oligoceno entre 20 e 40 milhões de anos atrás Entretanto o Faium jazida muito rica situada a algumas dezenas de quilômetros ao sul do Cairo revelou às várias expedições que ali foram pesquisar uma incrível variedade de primatas o Parapithecus o Apidium o Oligopithecus o Propliopithecus o Aeolopithecus o Aegyptopithecus O Parapithecus e o Apidium têm como característica interessante três pré molares isto é possuem 36 dentes como os prossímios e os macacos do Novo Mundo os platirrinos Um terceiro gênero com morfologia semelhante o Amphipithecus da Birmânia completa o grupo Entretanto muitos outros traços assemelham esses primatas aos catarrinos caracterizados por 32 dentes São portanto ancestrais dos catarrinos ou protocatarrinos Assim o nosso primeiro olhar para o passado revela uma espécie de estágio introdutório dos pré hominídeos o protocatarrino com 36 dentes representado por aqueles três tipos Parapithecus Amphipithecus e Apidium O Oligopithecus o Propliopithecus o Aeolopithecus o Aegyptopithecus têm dois pré molares São catarrinos propriamente ditos com 32 dentes O Oligopithecus pequeno primata de 30 cm de altura tem molares de tipo primitivo é considerado ancestral dos cercopitecóides e é o mais antigo dos primatas conhecidos com 32 dentes O Aeolopithecus tem caninos enormes e molares com cúspides independentes poderia ser o predecessor dos gibões O Pliopithecus do 3 Lembramos que o tempo geológico se divide em períodos Primário Secundário Terciário e Quaternário Os primatas que aparecem no fim do Secundário há 70 milhões de anos desenvolvem se durante o Terciário e o Quaternário O Terciário se divide em cinco grandes épocas que são da mais antiga à mais recente Paleoceno Eoceno Oligoceno Mioceno e Plioceno O Quaternário compreende apenas duas épocas o Pleistoceno e o Holoceno 4 Anexo a este capítulo há um glossário com o significado dos diversos termos científicos utilizados 450 Metodologia e pré história da África figura 171 Reconstituição do meio ambiente do Faium há 40 milhões de anos Desenhos de Bertoncini Gaillard sob a direção de Yves Coppens Exposição Origens do Homem Museu do Homem set 1976 abr 1978 Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 172 Depósitos eocênico e oligocênico do Faium Egito Col Museu do Homem Foto Elwyn Simons 451 A hominização problemas gerais Mioceno da Europa e o Limnopithecus do Mioceno do Quênia e de Uganda assemelham se a ele O Aegyptopithecus também tem grandes caninos e pré molares heteromorfos5 É o ancestral do Dryopithecus encontrado em todo o Velho Mundo e provavelmente também dos chimpanzés O Propliopithecus tem caninos mais frágeis e um primeiro pré molar inferior com uma cúspide proeminente e outra parcialmente desenvolvida o que se considera como prenúncio da homomorfia dos dois pré molares inferiores característica dos hominídeos Seria esse o ancestral do grupo ou mais modestamente o ancestral comum aos grandes macacos e aos homens ou já seria um pongídeo Qualquer que seja a relação de parentesco entre esses primatas o interessante do período está em mostrar que há 30 milhões de anos havia no nordeste da África uma grande variedade de pequenos primatas prenunciando todos os que existem hoje Cercopithecidae Pongidae Hylobatidae e Hominidae As linhas fundamentais estavam traçadas Entre 10 e 20 milhões de anos atrás Outros progressos aconteceram nesse período No Quênia e em Uganda LSB Leakey descobriu os restos de um pequeno primata Kenyapithecus africanus que classificou como hominídeo Esse pequeno primata de 20 milhões de anos tem a arcada dentária arredondada os dentes laterais6 superiores divergentes e prognatismo7 fraco seus incisivos e caninos estão implantados verticalmente e as coroas de seus pré molares e molares são baixas Muitos autores porém encontraram nele características dos grandes macacos No Quênia em Fort Ternan Louis Leakey encontrou também o que considera uma outra espécie do mesmo gênero Kenyapithecus wickeri datada de 14 milhões de anos Outros autores baseando se em outras características ou interpretando de modo diferente as características descritas classificam ainda esse primata como Pongidae Leakey todavia apresentou a favor de seu novo candidato argumentos 5 Os pré molares e os molares têm coroas divididas por sulcos em pequenas protuberâncias chamadas cúspides Nos grandes macacos pongídeos o primeiro pré molar inferior assemelha se a um canino apresentando apenas uma cúspide Nos hominídeos esse dente se assemelha ao segundo pré molar tendo duas cúspides No primeiro caso falamos de heteromorfia dos pré molares e no segundo de homomorfia 6 Chamamos dentes laterais os pré molares e os molares 7 Prognatismo quer dizer maxilas para a frente Significa a projeção de toda a face ou da parte da face abaixo do nariz 452 Metodologia e pré história da África de peso ou seja argumentos culturais No Congresso Pan Africano de Dacar em 1967 exibiu pedras de basalto cujos gumes naturais mostravam traços de uso Em 1971 em Adis Abeba declarou que a maior parte das ossadas de animais descobertas em associação com o Kenyapithecus wickeri tinha sido quebrada artificialmente É sem dúvida impressionante imaginar esse pequeno primata africano escolhendo pedras pontiagudas ou cortantes para preparar seu alimento Teoricamente pelo menos isso não é impossível Desde 1934 conhecemos um outro primata Ramapithecus puniabicus descoberto nas formações miopliocênicas do norte da Índia e do Paquistão e que também tem de 8 a 14 milhões de anos Simons de Yale o reexaminou e associou a ele restos atribuídos ao Bramapithecus O Ramapithecus punjabicus é um pequeno primata que pesa entre 18 e 36 quilos Sua face curta sua mandíbula maciça com ramo ascendente vertical a implantação vertical de seus caninos em processo de redução e de seus pequenos incisivos o nascimento tardio de seus molares e a homomorfia de seus pré molares inferiores levaram muitos autores mas nem todos a classificá lo como um hominídeo Simons inclusive associou esse fóssil indiano ao Kenyapithecus da África oriental e a algumas descobertas isoladas da China e da Europa como evidências para se estabelecer uma área pré homínida miocênica abrangendo todo o Velho Mundo Aliás ele não estava enganado pois as pesquisas realizadas nesses três últimos anos levaram à descoberta desse Ramapithecus na Turquia L Tekkaya e na Hungria M Kretzoi ao mesmo tempo que novos documentos paquistaneses expedição D Pilbeam forneciam numerosas informações sobre esse primata Um enorme primata o Gigantopithecus foi encontrado na China e na Índia Chama se Gigantopithecus blacki na China e Gigantopithecus bilaspurensis na Índia onde sua idade é estimada em alguns milhões de anos Tem incisivos pequenos e caninos não muito grandes mas que não são homínidas seu primeiro pré molar inferior tem duas cúspides seus dentes laterais são grandes fortes e mostram um desgaste considerável sua face é curta e sua mandíbula possante tem um ramo ascendente longo e vertical Mas hoje praticamente todos os autores o rejeitam como possível ancestral do homem Pesquisas realizadas na Grécia sob a direção de L de Bonis descobriram um primata de 10 milhões de anos o Ouranopithecus macedoniensis que poderia ser o ancestral do Gigantopithecus Para terminar relacionaremos um outro primata o Oreopithecus que há 12 milhões de anos balançava se nos galhos das florestas da Toscana e provavelmente também do Quênia Descoberto em 1872 por Gervais foi descrito por um excelente paleontólogo suíço Johannes Hürzeler que retomou as escavações em Grossetto na Toscana e teve a sorte de encontrar um esqueleto 453 A hominização problemas gerais praticamente inteiro de Oreopithecus bambolii Este tem uma face curta os ossos do nariz são salientes em relação ao perfil facial os incisivos e caninos são pequenos o primeiro pré molar inferior é bicúspide a bacia é a de um bípede mas os membros anteriores são extremamente longos O Oreopithecus talvez seja um pequeno hominídeo em todo caso é um primata braquial8 adaptado à vida nas florestas Kenyapithecus africanus Kenyapithecus wickeri Ramapithecus puniabicus Gigantopithecus blacki Gigantopithecus bilaspurensis Oreopithecus bambolii o importante no momento não é saber quem é o ancestral de quem Aliás várias linhagens estão representadas aqui Mas com esses quatro gêneros do Mioceno e do Plioceno vem nos a imagem de um primata que vivendo na floresta parece pela primeira vez ir procurar parte de seu alimento em zonas abertas em torno dos lagos e nas margens dos rios Novos modos de vida vão evidentemente surgir com essa saída da floresta E ao mesmo tempo vai se caracterizar uma redução no tamanho dos dentes anteriores uma redução facial e a tendência do primeiro pré molar a duplicar sua cúspide inicial já não mais impedido pelo canino É o prenúncio da conquista das planícies e com ela do bipedismo9 Entre 10 e 1 milhão de anos atrás No Plioceno e no Pleistoceno entre 10 e 1 milhão de anos atrás encontramo nos na presença de um grupo ao mesmo tempo polimorfo e muito localizado os australopitecíneos Um breve histórico de sua descoberta vai nos permitir também delimitá los geograficamente Histórico Foi em 1924 que o professor Raymond Dart descreveu e batizou o primeiro espécime australopitecíneo Tratava se do crânio de uma criança de cinco a seis anos descoberto na brecha de uma caverna de Bechuanalândia Botsuana chamada Taung A essa descoberta seguiram se muitas outras feitas a partir de 1936 pelos professores R Broom e J Robinson e depois pelos professores Dart e P Tobias em quatro cavernas do Transvaal Sterkfontein Swartkrans e Kromdraai perto de Joanesburgo e Makapansgat perto de Potgietersrus 8 A braquiação é um modo de locomoção arborícola que consiste em se deslocar de galho em galho suspenso pelos membros anteriores 9 O bipedismo é um modo de locomoção terrestre que consiste em se deslocar em postura ereta sobre os dois membros posteriores 454 Metodologia e pré história da África figura 173 Os dados paleontológicos 455 A hominização problemas gerais figura 174 Garganta de Olduvai Tanzânia escavações de Louis e Mary Leakey Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 175 Crânio de Australopithecus africanus Da direita para a esquerda perfil de criança Taung Botsuana e de adulto Sterkfontein Transvaal Foto Y Coppens Col Museu do Homem 456 Metodologia e pré história da África Em 1939 o professor alemão L Kohl Larsen descobriu em Garusi ou Laetolil a nordeste do lago Eyasi na Tanzânia um maxilar de Australopithecus estendendo a área de distribuição desses hominídeos até a África oriental Os trabalhos nesse local foram retomados por Mary Leakey com muito sucesso pois ela descobriu uma série bastante interessante de hominídeos fósseis relacionados provavelmente com os australopitecíneos Em seguida vieram os célebres trabalhos da família Leakey na garganta de Olduvai na Tanzânia De 1955 para cá os Leakey descobriram aproximadamente setenta espécimes relacionados a hominídeos alguns notáveis Em 1964 R Leakey e G Isaac acrescentaram uma terceira jazida aos sítios paleontológicos da Tanzânia ao encontrar uma mandíbula de australopiteco perto do lago Natron Em seguida as descobertas deslocaram se para o norte Em 1967 uma expedição internacional retomou a exploração das jazidas paleontológicas na margem ocidental do baixo vale do rio Omo na Etiópia Essa expedição era composta por três equipes uma francesa sob a direção dos professores C Arambourg e Y Coppens uma americana dirigida pelo Professor F Clark Howell e uma do Quênia pelo Dr Leakey e seu filho Richard Esses sítios paleontológicos descobertos no início do século por viajantes franceses haviam sido explorados em 1932 1933 por uma expedição do Museu Nacional de História Natural de Paris sob a direção de C Arambourg No primeiro mês a nova expedição teve a sorte de descobrir a primeira mandíbula de australopitecíneo desse local Essa descoberta seria seguida por muitas outras Em nove temporadas as equipes francesa e americana conseguiram um resultado realmente excepcional aproximadamente quatrocentos restos de hominídeos A equipe do Quênia tinha deixado o Omo em 1968 para ir explorar sob a direção de R Leakey as margens orientais do lago Turkana no Quênia Em dez temporadas essa equipe pôde encontrar mais de cem fragmentos de hominídeos alguns muito importantes Nas margens sudoeste do mesmo lago uma expedição americana de Harvard sob a direção de B Patterson explorava na mesma época três pequenas jazidas em duas das quais encontram se restos de hominídeos Uma equipe inglesa do Bedford College de Londres que se propunha levantar o mapa geológico da bacia do lago Baringo no Quênia descobriu restos paleoantropológicos em cinco sítios A partir de 1973 uma expedição sob a direção de Maurice Taieb Yves Coppens e Donald C Johanson descobriu em Hadar na região Afar etíope em quatro temporadas mais de trezentos fragmentos paleoantropológicos em excepcional estado de conservação os quais pertenciam a uma ou duas formas 457 A hominização problemas gerais figura 176 Garganta de Olduvai Tanzânia escavações de Louis e Mary Leakey Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 177 Sítio do Omo Etiópia Foto Y Coppens Col Museu do Homem 458 Metodologia e pré história da África figura 178 Sítio do Omo Etiópia Foto Y Coppens Col Museu do Homem Figura 179 Crânios de Australopithecus boisei sítio do Omo Etiópia Expedição Y Coppens 1976 Fotos J Oster n D 77 1497 493 e D 77 1496 493 Col Museu do Homem 459 A hominização problemas gerais figura 1710 Sítio de Afar Etiópia Expedição M Taieb Y Coppens e D C Johanson Foto M Taieb Col Museu do Homem Figura 1711 Crânio de Cro Magnoide de Afalu Argélia Foto 1 Oster n C77 60 493 Col Museu do Homem Instituto de Paleontologia Humana 460 Metodologia e pré história da África homínidas Uma segunda expedição ao Afar derivada da primeira encontrou um crânio que pode ser atribuído a um Pithecanthropus Para finalizar em 1975 e 1976 após nove anos de pacientes escavações Jean Chavaillon descobriu em Melka Konturé perto de Adis Abeba três interessantes fragmentos associados às indústrias olduvaienses e acheulenses Esse conjunto de descobertas limita a área de distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África Datação A mais antiga dessas jazidas é a de NGororá na bacia do lago Baringo no Quênia que tem de 9 a 12 milhões de anos Apenas um molar superior de hominídeo de tipo indeterminado foi encontrado mas evidentemente temos muita esperança em futuras escavações nesse sítio A coroa do molar encontrado é baixa como a dos dentes de Ramapithecus mas a estrutura de suas cúspides se assemelha à dos australopitecíneos Trata se possivelmente de um Sivanpithecus Em uma outra jazida da bacia do lago Baringo Lukeino datada de 6 a 6500000 anos também foi encontrado um molar É um molar inferior bastante semelhante ao do Australopithecus Em Lothagam no sudoeste do lago Turkana Quênia B Patterson descobriu um fragmento de mandíbula com um dente cuja morfologia lembra a de um australopitecíneo A fauna de vertebrados associada a esse fragmento indica uma idade pliocênica estimada entre 5 e 6 milhões de anos Em dois sítios do Quênia Chemeron na bacia do lago Baringo e Kanapoi na bacia do lago Turkana estimados em 4 milhões de anos foram descobertos respectivamente um osso temporal e um úmero homínidas A jazida de Laetolil na Tanzânia foi estimada em pelo menos 3500000 anos seus hominídeos fósseis são espantosamente semelhantes aos encontrados em Radar na região Afar etíope e datam de 2800000 a 3200000 anos As jazidas do Omo são constituídas de um conjunto sedimentar com mais de 1000 m de profundidade composto por camadas sucessivas de areias fossilíferas argilas e depósitos vulcânicos permitindo datações absolutas Assim a sequência de camadas pôde ser datada em mais de 4 milhões de anos na base e em menos de 1 milhão no topo Os restos de hominídeos encontram se a partir da camada de 3200000 anos até o topo ou seja de maneira contínua por mais de 2 milhões de anos As jazidas do leste do lago Turkana onde foram encontrados restos de hominídeos abrangem um período entre 3 e 1 milhão de anos 461 A hominização problemas gerais figura 1712 Canteiro de escavações em Olduvai Foto J Chavaillon Col Museu do Homem Figura 1713 Crânios de Australopithecus robustus à direita e Australopithecus gracilis à esquerda Foto de J Robinson Col Museu do Homem 462 Metodologia e pré história da África Através da comparação das faunas as mais antigas cavernas de australopitecíneos da África do Sul Makapansgat e Sterkfontein foram recentemente datadas de 25 a mais de 3 milhões de anos estimativa essa ainda muito discutida Na garganta de Olduvai na Tanzânia encontram se restos de hominídeos e de suas indústrias ao longo de 100 m de depósito datados de 1800000 anos na base Duas outras cavernas com restos de australopitecíneos na África do Sul Swartkrans e Kromdraai talvez sejam contemporâneos das camadas mais antigas de Olduvai ou pouco anteriores de 2 a 25 milhões de anos Por último em Chesowanja na bacia do lago Baringo Quênia no sítio do lago Natron Tanzânia e talvez na brecha de Taung África do Sul encontram se sem dúvida os mais jovens australopitecíneos pois mal ultrapassam 1 milhão de anos Os australopitecíneos portanto parecem ter surgido entre aproximadamente 6 e 7 milhões de anos atrás e ter desaparecido há cerca de 1 milhão de anos O que foi descoberto nesses depósitos Vários hominídeos alguns contemporâneos entre si Um deles é chamado Australopithecus robustus ou Paranthropus ou Zinjanthropus Um outro é chamado Australopithecus gracilis ou Australopithecus propriamente dito ou Plesianthropus ou Paraustralopithecus Um terceiro é chamado Homo habilis ou Australopithecus habilis Enfim um quarto é chamado Homo erectus Telanthropus ou Meganthropus Os hominídeos a Australopithecus robustus foi encontrado na África do Sul em cavernas de 2 25 milhões de anos no vale do Omo Etiópia no leste do lago Turkana Quênia e em Olduvai com aproximadamente 1800000 anos e em Chesowanja com 1100000 anos É chamado robusto por ser realmente mais forte e maior que os outros A morfologia craniana revela um aparelho de mastigação possante com efeito seus molares e pré molares são enormes Apresenta ainda mandíbula robusta músculos de mastigação solidamente fixados arcada zigomática10 vigorosa e uma crista sagital11 impressionante para os músculos temporais A testa é fugidia A face é longa e chata e 10 A arcada zigomática é uma ponte óssea do crânio que une a têmpora à face 11 A crista sagital é uma expansão óssea que forma no alto do crânio uma lâmina semelhante à cimeira de um capacete 463 A hominização problemas gerais figura 1714 Homo habilis Foto Museus Nacionais do Quênia 464 Metodologia e pré história da África os dentes anteriores pequenos o que facilita os movimentos laterais de trituração A mandíbula tem consequentemente um longo ramo ascendente o que incrementa a ação mastigatória dos músculos masseter e pterigoide O corpo é mais maciço que o de outras espécies de Australopithecus Para uma altura de 155 m seu peso é estimado entre 35 e 65 kg A locomoção sobre os membros posteriores não era perfeita pois os fêmures têm apófises pequenas e colos longos A capacidade craniana foi estimada em 530 cm³ tanto para os espécimes de Swartkrans como para os de Olduvai Deve se ressaltar o desenvolvimento do cerebelo indicando possivelmente um maior grau de controle dos movimentos da mão e da locomoção por exemplo b Australopithecus gracilis foi descoberto em Makapansgat e Sterkfontein na África do Sul Acredita se ter sido encontrado também no Omo e em Afar Etiópia em Garusi ou Laetolil Tanzânia e em Lothagam Quênia Estima se sua altura entre 1 e 125 m e seu peso entre 18 e 31 kg A face é mais proeminente que a do Australopithecus robustus As arcadas supra orbitárias12 moderadamente desenvolvidas sustentam uma fronte relativamente desenvolvida Os incisivos são espatulados e implantados verticalmente os caninos pequenos assemelham se a incisivos Os dentes laterais são divergentes formando uma arcada dentária parabólica são dentes grossos com cúspides redondas esmalte espesso e estão gastos até a raiz Ainda que esse australopitecíneo tenha tido uma dieta mais variada que a do Australopithecus robustus sua alimentação devia ser também basicamente vegetariana A largura da mandíbula a espessura do esmalte o desgaste dos dentes até as gengivas a face curta e o grande tamanho dos pré molares e dos molares indicam com efeito um possante aparelho de mastigação O nascimento tardio dos dentes aliado à espessura do esmalte significa adaptação a uma vida e particularmente a uma adolescência mais longas A capacidade endocraniana varia de 428 a 485 cm³ ou seja tem 444 cm³ em média na forma sul africana Seus ossos longos em particular o úmero e a omoplata lembram a braquiação de seus ancestrais entretanto o Australopithecus gracilis é um bípede permanente c Homo habilis foi descrito em Olduvai Tanzânia em 1964 e talvez tenha sido encontrado igualmente no Omo Etiópia na margem leste do lago Turkana e em Kanapoi Quênia Seus dentes laterais mostram dimensões menores que as do Australopithecus gracilis da África do Sul Esses dentes 12 As arcadas supra orbitárias são as bordas ósseas superiores das órbitas que contêm os olhos 465 A hominização problemas gerais figura 1715 Os sítios de Siwalik no Norte do Paquistão Expedição D Pilbeam Foto H Thomas Col Museu do Homem Figura 1716 Reconstituição do crânio de Ramapithecus Foto J Oster n D781043493 Col Museu do Homem Figura 1717 Esqueleto de Oreopithecus bambolii com 12 milhões de anos encontrado em Grossetto Toscana por Johannes Hürzeler em 1958 Foto J Oster Col Museu do Homem 466 Metodologia e pré história da África figura 1718 Reconstituição do meio ambiente do Homo erectus de Chu Ku Tien ou Sinantropo China 400 mil anos Foto Y Coppens Col Museu do Homem exposição Origens do Homem nov 1976 abr 1978 Desenho de Bertoncini Gaillard sob a direção de Y Coppens Figura 1719 Homo erectus de Chu Ku Tien reconstituição Perfil no D75 371 493 e face no 77 61 493 Fotos J Oster Col Museu do Homem 467 A hominização problemas gerais têm aliás proporções diferentes são mais alongados e mais estreitos Com base nos parietais sua capacidade endocraniana foi estimada em 680 cm³ um crânio encontrado na margem leste do Turkana tem um volume de quase 800 cm³ Por essas tendências evolutivas dos dentes e do cérebro parece tratar se de um ser mais próximo de nós que o Australopithecus Entretanto seu esqueleto pós craniano aproxima o do Australopithecus gracilis como no caso deste último sua clavícula lembra a ancestral idade braquial Sua altura foi estimada entre 120 e 140 m d O Homo erectus os pesquisadores descobriram o Homo erectus hominídeo mais evoluído que todos os anteriores em Swartkrans na África do Sul com 2500000 anos em Olduvai na Tanzânia com 1500000 anos na margem leste do lago Turkana no Quênia com 1500000 anos em Melka Konturé em Bodo e no Omo na Etiópia com 5000001500000 anos Em Swartkrans Broom e Robinson isolaram algumas ossadas 1949 atribuídas por eles a uma forma mais homínida o Telanthropus capensis Em 1957 Robinson teve a ideia de relacionar essa forma aos pitecantropine classificando a como Homo erectus Em 1969 Ron Clarke Clark Howell e Brain trabalhando com os espécimes de Swartkrans notaram que o crânio do Australopithecus robustus SK 847 ajustava se perfeitamente ao maxilar do Telanthropus Essa montagem produz uma figura interessante que confirma as suposições de Robinson acima de um torus supraorbitalis13 pronunciado a fronte com curvatura ascendente contrasta com a ausência de fronte do Australopithecus robustus O crânio apresenta grandes sinus14 frontais a constrição pós orbitária15 é pouco pronunciada os ossos do nariz são proeminentes a arcada dentária é curta o que indica uma mandíbula pequena com ramo ascendente curto a dentição e a estrutura do esqueleto facial aproximam no do gênero Homo mais especificamente do Homo erectus O Hominídeo 13 de Olduvai tem uma mandíbula menor e uma dentadura 20 mais reduzida que a do Homo habilis o Hominídeo 16 tem uma arcada supra orbitária proeminente Leakey e Tobias tendem a classificá los como Homo erectus Mas se esses dois fósseis têm uma classificação incerta o mesmo não acontece com o Hominídeo 9 que apresenta uma incontestável calota craniana de Homo erectus 13 Quando a borda superior da órbita tem uma expansão óssea em forma de viseira é chamada torus supraorbitalis 14 Os sinus são cavidades 15 O crânio se contrai lateralmente atrás das órbitas É o que chamamos constrição pós orbitária 468 Metodologia e pré história da África A leste do lago Turkana no Quênia um grande número de descobertas guarda parentesco com essa espécie em evolução do gênero Homo Devemos citar em particular a recente descoberta de três crânios de épocas diferentes que ilustram muito bem o desenvolvimento das tendências evolutivas no seio dessa espécie Lembremos também que uma recente datação do mais antigo espécime de Pithecanthropus javanês o crânio de criança de Modjokerto teria dado 1900000 anos mas tratar se ia realmente de um Homo erectus Comparações feitas em Cambridge por Tobias e von Koenigswald entre peças originais javanesas e tanzanianas permitiram concluir que há uma identidade morfológica entre o mais antigo Homo habilis e o Meganthropus palaeojavanicus e talvez o Hemianthropus peii da China Do mesmo modo concluíram que existe uma identidade morfológica entre o Homo habilis mais recente Hominídeo 13 e o Pithecanthropus IV o Sangiran B e o Telanthropus capensis Indústrias Pela primeira vez na história dos Primatas esses restos se encontram associados a utensílios fabricados Nas jazidas do Omo a expedição francesa descobriu em 1969 alguns utensílios de pedra e de osso com mais de 2 milhões de anos No ano seguinte na margem leste do lago Turkana a expedição do Quênia descobriu numa camada vulcânica de 2 milhões de anos uma indústria de pedra e de osso semelhante aos utensílios do Omo Mais recentemente as missões americana e francesa conseguiram assinalar doze camadas arqueológicas de 2 milhões de anos Pode se afirmar que em três anos devido a essas descobertas da bacia pliopleistocênica do lago Turkana a idade dos primeiros instrumentos lascados recuou para mais de 2500000 anos talvez mesmo 3 milhões ultrapassando em quase 2 milhões de anos a idade das mais antigas indústrias conhecidas até então Essa primeira indústria da história é constituída por uma grande quantidade de lascas obtidas artificialmente por percussão e utilizadas por causa de seu gume de seixos cuja ponta ou gume foi aguçado e de ossos ou dentes trabalhados ou utilizados diretamente quando sua forma assim o permitia por exemplo caninos de hipopótamos ou de suínos Esses instrumentos podem ser classificados em um certo número de tipos cada um desses tipos é representado por uma determinada quantidade de exemplares Isso significa que sua forma é resultado de uma pesquisa a aquisição de uma experiência transmitida de uma geração a outra implicando um certo 469 A hominização problemas gerais grau de vida social Em outras palavras não estamos há 2500000 anos na origem dos utensílios mas provavelmente nos aproximamos dos limites de sua percepção antes daquela data o artefato se confunde com os objetos naturais Em Makapansgat na África do Sul foi descoberta uma indústria de utensílios feitos de ossos chifres e dentes qualificada por essa razão de osteodontoquerática que parece ser também muito antiga isso poderá ser confirmado caso as recentes tentativas de correlações entre as cavernas sul africanas e as grandes jazidas leste africanas revelarem se exatas De qualquer modo as constatações que podemos fazer são as mesmas que para a bacia do lago Turkana os diversos tipos de utensílios encontram se reproduzidos em série o que prova que já têm uma história Em Hadar H Roche descobriu recentemente uma indústria de seixos trabalhados semelhante à de Olduvai numa camada que pode ser datada de 2500000 anos A partir das camadas mais antigas de Olduvai 1800000 anos os instrumentos estão em toda parte abundantes e constantes na forma os seixos lascados particularmente frequentes tornaram essa indústria conhecida como Pebble Culture ou Olduvaiense do topônimo Olduvai Escavando o nível mais antigo de Olduvai o Dr Leakey notou um dia uma grande acumulação de calhaus de basalto à medida que a escavação progredia ele percebeu que esses calhaus longe de estarem espalhados aleatoriamente ordenavam se em pequenos montes formando um círculo É possível que cada um desses montes servisse para calçar uma estaca Se imaginarmos um círculo de estacas ou de arcos e peles ou folhagens estendidas de um a outro poderemos ser tentados a ver naqueles montículos os restos de uma construção Estaríamos então na presença de uma estrutura de habitação de uns 2 milhões de anos Em Melka Konturé perto de Adis Abeba Jean Chavaillon descobriu recentemente no nível olduvaiense mais antigo do sítio 1500000 anos uma estrutura bastante semelhante Exatamente no meio de um solo de ocupação recoberto de utensílios ele descobriu uma superfície circular de 250 m de diâmetro desprovida de artefatos elevada de 30 cm em relação ao resto do solo e circundada por um sulco de 2 m de comprimento pequenos montes de calhaus sugerem também neste caso a presença de estacas Alguns pretendem que o Australopithecus robustus tenha sido o macho do Australopithecus gracilis Outros pensam que o Homo habilis era um Australopithecus gracilis um pouco mais jovem e mais evoluído que o sul africano Outros ainda dizem que o Telanthropus ou Homo erectus de Swartkrans poderia ser classificado nos limites inferiores de variações do Australopithecus robustus da mesma jazida 470 Metodologia e pré história da África que o Meganthropus javanicus era um Australopithecus e mesmo que certos australopitecine em Olduvai e em Swartkrans eram pitecantropine Dessa aparente confusão surge todavia uma tese muito clara Foi no interior desse grupo de Australopithecus de início limitados ao leste e ao sul da África e em seguida sob a forma de Australopithecus ou sob forma já mais evoluída estendendo se até a Ásia ao sul do Himalaia que apareceram o gênero Homo e o utensílio fabricado Este logo se torna a característica distintiva de seu artesão vários tipos de instrumentos são rapidamente criados para finalidades precisas sua fabricação é ensinada Por último aparecem estruturas de habitação É a partir desse ponto de vista que se pode falar de uma origem africana da humanidade Conclusão O homem aparece portanto ao fim de uma longa história como um primata que um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo Utensílios fabricados e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê aprende e transmite constrói a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura Atribuiu se recentemente a idade de 2 milhões de anos a certos restos fósseis de hominídeos de Java Seixos lascados de várias jazidas do Sul da França foram em alguns casos considerados daquela mesma idade Mas no atual estágio dos nossos conhecimentos a África continua vitoriosa pelo número e importância das descobertas de tão remota antiguidade E como se há 6 ou 7 milhões de anos nascesse no quadrante sudeste do continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos e entre 25 e 3 milhões de anos atrás emergisse desse grupo polimorfo um ser ainda Australopithecus ou já Homem capaz de trabalhar a pedra e o osso construir cabanas e viver em pequenos grupos representando através de todas as suas manifestações a origem propriamente dita da humanidade criadora do Homo faber O último milhão de anos O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu durante os últimos séculos à sua alarmante proliferação Foram necessários 115 anos para que a população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos 35 anos para que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões E a aceleração continua C A P Í T U L O 1 7 471 A hominização problemas gerais Os dados arqueológicos Ao tratar do problema da hominização na África o procedimento do pré historiador é bastante diferente daquele empregado pelo paleontólogo Para este último a hominização é o desenvolvimento progressivo do cérebro que permite ao homem conceber e criar aplicando técnicas cada vez mais elaboradas um conjunto de utensílios na mais ampla acepção do termo tão diversificado e eficiente que multiplica ao longo dos milênios sua ação sobre o meio ambiente a ponto de romper em seu próprio proveito o equilíbrio biológico A evolução paleontológica que conduz ao homem não permite definir facilmente o limiar da hominização a pedra lascada demonstra que esse limiar já foi transposto P Teilhard de Chardin definiu numa fórmula célebre O homem fez sua entrada sem alarde Na verdade caminhou tão silenciosamente que quando começamos a percebê lo denunciado pelos instrumentos de pedra indeléveis que multiplicam sua presença ele já cobre todo o Velho Mundo A posição do pré historiador justifica se o verdadeiro missing link elo perdido não é a forma intermediária entre australopitecíneos e pitecantropíneos entre o homem de Neandertal e o Homo sapiens Está entre as pedras ou os ossos lascado e esses fósseis As indústrias pré históricas atribuídas com absoluta A hominização problemas gerais PARTE II L Balout 472 Metodologia e pré história da África certeza ao Homo sapiens a partir do Paleolítico Superior e com uma evidência pouco discutível ao homem de Neandertal no Paleolítico Médio só podem ser relacionadas hipoteticamente aos pitecantropíneos e australopitecíneos Na verdade é a única hipótese que se pode formular cientificamente Mas a indústria que acompanha os sinantropíneos não é a mesma descoberta junto aos pitecantropíneos e esta é diferente em Java Pithecanthropus na Argélia Atlanthropus e na África oriental Quanto aos australopitecíneos representam um grupo heterogêneo onde ainda é difícil descobrir os possíveis se não prováveis autores da Cultura Osteodontoquerática e da Pebble Culture Portanto se para o paleontólogo existe um limiar da hominização o Rubicão cerebral que o Professor Vallois definiu como sendo a capacidade cerebral de 800 cm³ para o pré historiador existe um limiar técnico que uma vez transposto abre o caminho do progresso até nós A definição desse limiar exige a solução de dois problemas como e quando O primeiro problema implica eliminar todas as causas naturais para poder reconhecer no utensílio a mão do homem O segundo implica dispor de esquemas cronológicos que permitam datar com um grau de aproximação aceitável as mais remotas evidências da indústria humana Até o presente momento somente a África forneceu respostas para esses dois problemas Visto que a teoria do monogenismo é universalmente aceita a África é considerada hoje como o berço da humanidade Esse berço sobre rodas segundo a definição espirituosa do Abade Breuil que por muito tempo se moveu entre os picos do Pamir e as planícies do Eufrates fixou se por enquanto na África oriental Esse fato teria ocorrido há uns 3 milhões de anos no mínimo Na verdade o Antigo Testamento Livro do Gênesis situa o Paraíso terrestre o Éden numa paisagem de jardins e plantas cultivadas Deus destinava Adão à agricultura e à criação de animais a um gênero de vida neolítica numa região onde todo um período Paleolítico iria pouco a pouco se revelar Todas as cronologias tiradas da Santa Escritura situam a criação do homem entre 6484 e 3616 antes da Era Cristã O Oriente Próximo foi com toda a certeza um dos antigos se não o mais antigo centro de neolitização entretanto além dessa particularidade nada mais existe que nos permita afirmar que foi o Oriente Próximo o berço da humanidade O homem fez sua entrada em silêncio e são as pedras por ele lascadas que muito tempo depois denunciam sua existência A espécie humana não modificou nada na Natureza no momento de seu aparecimento ela emerge fileticamente diante de nossos olhos exatamente como qualquer outra espécie 473 A hominização problemas gerais Teilhard de Chardin A responsabilidade do pré historiador torna se então enorme pois ao identificar os mais antigos traços perceptíveis de indústrias humanas ele fornece um elemento de prova que a Paleontologia é incapaz de dar Através do utensílio chegar ao homem Esta é a finalidade admirável da Pré História O pré historiador da África deve antes de tudo responder a três perguntas 1 O utensílio é sem sombra de dúvida um critério de hominização 2 O utensílio nos permite delimitar o início da hominização 3 O utensílio humano no estado de preservação em que chegou até nós pode ser identificado com toda a segurança O utensílio é sem sombra de dúvida um critério de hominização Os dados desse problema são em grande parte de origem africana Nos últimos anos de sua vida o Abade Breuil bastante impressionado com o comportamento de certos animais confiou me que perguntava a si mesmo se o utensílio realmente marcaria a transposição do limiar da hominização e se não deveríamos escolher a arte como critério o que equivaleria a distinguir um Homo verdadeiramente sapiens o pintor de Lascaux nosso ancestral direto de uma série de seres industriosos faber que o teriam precedido Como disse sabiamente Madame Tetry o uso de utensílios que não sejam órgãos do corpo considerados como utensílios naturais não é característica exclusiva nem do homem nem mesmo dos primatas Comprovam esse fato a vespa amófila e a formiga cortadeira entre os insetos o tentilhão das ilhas Galápagos a gaivota o abutre o urubu o tordo cantor entre as aves a lontra do mar o castor e muitos outros animais Na ordem dos primatas o chimpanzé é o vizinho mais próximo do homem No seu cotidiano ele utiliza instrumentos ou armas para se defender de predadores tais como a serpente Um reflexo de medo e de defesa leva o a recolher e brandir bastões1 Esse comportamento observado em jardins zoológicos foi também notado nas reservas da Tanzânia entre 1964 e 1968 Vivendo em grupos de mais de trinta indivíduos os chimpanzés sabem escolher os menores gravetos para desenterrar cupins sabem utilizar bastões para romper ninhos ou alcançar mel servir se de folhas para recolher a água das cavidades dos troncos encabar varas para apanhar bananas Quanto às pedras utilizam nas para rachar os frutos e assim como fazem com os bastões para 1 Current Anthopology jun 1967 474 Metodologia e pré história da África afugentar os predadores rivais atirando as por cima e por baixo do braço E ainda comunicam se entre si através de sinais sonoros Observações semelhantes foram feitas em relação aos gorilas de Ruanda2 Desse modo para que um utensílio possa ser considerado critério de hominização não basta o conceito do emprego de um objeto externo aos utensílios naturais do ser vivo Devemos considerar necessariamente o aspecto da transformação deliberada da preparação desse instrumento Essa concepção do utensílio vai nos permitir dar uma resposta afirmativa à terceira pergunta mas não à segunda O utensílio nos permite delimitar o início da hominização Na verdade o utensílio não nos permite delimitar o início da hominização Em primeiro lugar porque o que chegou até nós foram apenas ossadas fósseis e pedras Sem querer fazer uma comparação etnográfica absurda devemos lembrar que um grupo humano pode perfeitamente obter todos os seus utensílios exclusivamente do reino vegetal Como exemplo são sempre citados os Menkopis das ilhas Andaman E ao mesmo tempo é tão indemonstrável quanto plausível o fato de que a árvore tenha oferecido aos primeiros hominídeos seus primeiros instrumentos na savana arborizada dos planaltos africanos E quanto às ossadas fósseis e aos dentes R Dart atribuiu aos australopitecíneos do Transvaal uma indústria baseada em ossos dentes e chifres que ele denominou osteodontoquerática e que ficou por muito tempo sub judice adiante voltaremos ao assunto R van Riet Lowe distinguiu split e trimmed pebbles na Pebble Culture Os primeiros seixos simplesmente partidos foram de modo geral postos em dúvida Está claro que se a pedra que a mão humana apanhou e atirou não guardou nenhum traço visível dessa utilização mesmo o seixo lascado pode ser um produto da natureza as quedas dágua dos rios e as ressacas do mar fragmentam as pedras de modo que nada as diferencia das que foram deliberadamente lascadas pelo homem A indústria do Kafuense não sobreviveu a esse teste O texto de Teilhard de Chardin do qual citei um trecho no início desta exposição apresenta grandes erros e uma grave lacuna O homem fez sua entrada sem alarde Na verdade caminhou tão silenciosamente que quando começamos a percebê lo denunciado pelos instrumentos de pedra 2 Nat Geogr Soc Washington out 1971 475 A hominização problemas gerais figuras 1720 e 1721 Detalhe do solo olduvaiense observam se vários objetos entre os quais poliedros e um grande osso de hipopótamo Fotos de J Chavaillon Col Museu do Homem 476 Metodologia e pré história da África indeléveis que multiplicam sua presença ele já cobre do Cabo da Boa Esperança a Pequim todo o Velho Mundo Certamente já fala e vive em grupos Já utiliza o fogo E afinal de contas não é exatamente isso que deveríamos esperar Cada vez que uma nova forma emerge diante de nós das profundezas da história não sabemos que ela surge completamente formada e constituindo já uma legião No entanto a espécie Homo loquens parece ter surgido somente na época dos pitecantropíneos antes destes pelo menos na África não temos nenhuma indicação válida da existência do fogo erroneamente atribuído ao Australopithecus prometheus Por outro lado os instrumentos de pedra indeléveis do Olduvaiense não denunciam certamente um começo A variedade de suas formas sua quantidade e o lasqueamento sistemático revelam antes um desenvolvimento que um início Foram os pré historiadores da África que reivindicaram esse milhão de anos anterior ao Bed I de Olduvai que as recentes descobertas no Omo e em Koobi Fora lhes tornaram possível constatar E isso ainda não nos satisfaz O utensílio humano pode ser identificado Concluindo do que acima expusemos devemos nos limitar a resolver o terceiro problema que consiste em provar a ação intencional do homem sobre os utensílios mais rudimentares menos elaborados Só a África fornece material suficiente para essa pesquisa que se concentrará em duas áreas o osso e a pedra a A indústria osteodontoquerática A hipótese formulada em 1949 por R Dart foi reexaminada por Donald L Wolberg em Current Anthropology fevereiro de 1970 Já o Abade Breuil estudando os ossos encontrados com os sinantropíneos de Chu Ku Tien tinha formulado a hipótese de que uma Idade do Osso poderia ter precedido a Idade da Pedra Teria havido um período Pré Lítico anterior ao Paleolítico Antes das descobertas feitas em 1955 África do Sul em 1959 1960 Olduvai Tanzânia em 1969 Omo Etiópia e em 1971 lago Rodolfo Quênia não se conhecia nenhuma indústria lítica associada às jazidas de australopitecíneos Por outro lado R Dart tornou se defensor de uma indústria óssea baseada em ossadas dentes e chifres que ele consagrou como Osteodontokeratic Culture Infelizmente não dispomos de uma boa cronologia relativa ou absoluta dos australopitecíneos da África meridional menos favorecida nesse ponto que a Etiópia o Quênia e a Tanzânia R Dart sustentou a existência de uma indústria osteodontoquerática de 1949 a 1960 baseando se no exame 477 A hominização problemas gerais das fraturas cranianas de babuínos e de australopitecíneos na evidência de seleção de ossadas em Makapansgat 336 úmeros e 56 fêmures por exemplo e nas vértebras cervicais atlas e áxis que representavam 56 das vértebras recolhidas com os crânios de bovídeos Na sua opinião as ossadas animais das brechas onde foram encontrados australopitecíneos são montes de refugo restos da cozinha de um caçador predador que tinha então as mãos livres para utilizar armas e instrumentos pois já se locomovia sobre os membros posteriores Examinando cinquenta crânios de babuínos e seis de australopitecíneos Dart constatou em 80 dos casos a existência de traumatismos causados por golpes de arma que em geral foram desfechados frontalmente Esses traumatismos às vezes são duplos o que indica uma arma com duas cabeças Em Makapansgat muitos úmeros de ungulados mostram traços de desgaste anteriores à fossilização enquanto outros ossos longos estão intactos o que levou Dart a concluir que o utensílio característico do australopiteco é uma maça de osso de preferência um úmero de ungulado O caçador utilizou também mandíbulas fraturas por torção fratura espiralada nos úmeros e nos ossos da canela implicam também a intervenção da mão como Breuil e Teilhard de Chardin já haviam sugerido com relação a Chu Ku Tien nos loci de sinantropíneos Um chifre direito fossilizado de Gazella gracilior enterrado num fêmur de antílope onde a calcita o fixou quer se trate de utensílio encabado quer tenha sido utilizado para partir o fêmur indica uma ação humana da mesma forma que o crânio da hiena com um calcâneo de antílope enterrado entre a calota e a arcada zigomática Teria existido portanto um estágio osteodontoquerático pré lítico depois paleolítico seguido da Pebble Culture e das indústrias de bifaces o qual marcaria o início de uma cultural implemental activity Tal hipótese deveria evidentemente levantar ardentes discussões em torno do tema caçador ou caça the hunters or the hunted Para alguns todos os ossos inclusive os dos australopitecíneos não passam de restos de banquetes de carnívoros Outros os consideram como restos acumulados em covis de hienas o que não corresponde aos hábitos desse animal Outros ainda os atribuem a porcos espinhos Entretanto dos 7159 fragmentos ósseos descobertos em Makapansgat antes de 1955 apenas 200 estavam roídos Além disso as hienas vivem entre ossadas de outras hienas Uma jazida datada do Riss Würm mostrou que para um total de 130 animais havia 110 hienas enquanto em Makapansgat encontramos apenas 17 para 433 indivíduos Na brecha de australopitecine foram encontrados 47 dentes 478 Metodologia e pré história da África isolados de hienas para um total de 729 na jazida do Riss Würm 1000 para um total de 1100 Pouco a pouco todavia afirmou se uma tendência favorável à indústria osteodontoquerática sem um juízo prévio do tipo de australopitecíneo que seria considerado o caçador A coexistência de uma indústria lítica Sterkfontein 1955 veio corroborar essa teoria mas foi a indústria óssea de Olduvai admiravelmente descrita por Mary Leakey3 que trouxe a prova definitiva e indiscutível abrindo caminho para a indústria semelhante atribuída aos pitecantropíneos da África Ásia Chu Ku Tien e Europa Torralba e Ambrona por exemplo Encontramos em toda a pré história e desde o seu início um tipo de indústria óssea paralela à indústria lítica Embora sendo de análise mais difícil sabemos que ela existe e em nenhum outro lugar é mais antiga que na África contudo não está provada a existência de um estágio pré lítico b A indústria lítica Desde que a hipótese dos eólitos foi abandonada os seixos lascados da assim chamada Pebble Culture representam a mais antiga indústria lítica conhecida Em 1919 E J Wayland então diretor do Serviço Geológico de Uganda notou a existência nessa região da África oriental de seixos lascados semelhantes aos descobertos no Ceilão antes de 1914 Em 1920 ele criou os termos Pebble Culture e Kafuense do rio Kafu e em 1934 distinguiu quatro estágios evolutivos nessa indústria Foi Wayland também quem sugeriu a Louis Leakey em 1936 a criação do termo Olduvaiense para designar a evoluída Pebble Culture da garganta de Olduvai Tanzânia Em 1952 van Riet Lowe tentou fazer uma primeira classificação técnica e morfológica da Pebble Culture Mas foi da Ásia que veio a definição das forças consideradas essenciais apresentada por H Movius o chopper o chopping tool o hand axe 1944 Aos poucos os pré historiadores de toda a África mas nem sempre os da Europa foram se convencendo C Arambourg Argélia P Biberson Marrocos H Hugot H Alimen J Chavaillon Saara Mortelmans Katanga etc Classificações morfológicas baseadas nas técnicas de lascamento foram propostas por L Ramendo e P Biberson Dois fatos foram imediatamente constatados em primeiro lugar a Pebble Culture já era bastante complexa com formas muito variadas rígidas e sistemáticas para representar o início das indústrias líticas em segundo lugar a Pebble Culture continha em potencial todas as possibilidades evolutivas que levariam às indústrias clássicas do Paleolítico 3 Olduvai Gorge t III 479 A hominização problemas gerais figura 1722 Uma das mais antigas pedras lascadas do mundo escavações J Chavaillon figura 1723 Uma das primeiras pedras lascadas do mundo escavações J Chavaillon 480 Metodologia e pré história da África Inferior africano os bifaces e as achas de mão Vamos nos deter apenas no primeiro ponto Em razão da complexidade e da difusão da Pebble Culture os pré historiadores dá África desejavam uma cronologia mais longa que aquela já de difícil aceitação que conferia 1 milhão de anos ao Quaternário sendo a datação da indústria olduvaiense pelo método do potássio argônio de 1850000 a 1100000 anos para a Bed I reforçada pela do chopping tool do Omo entre 2100000 e 2500000 anos e em seguida pela datação da jazida do lago Turkana 2600000 anos Mas esta última indústria embora contenha muitos seixos trabalhados não pertence em sua totalidade à Pebble Culture É uma indústria de lascas Em 1972 recolheram se lascas talvez menos conclusivas no Omo Podemos indagar portanto se a transformação dos seixos em pebble tools não foi precedida pelo uso de lascas destacadas de um bloco qualquer de matéria prima Mas nesse ponto chegamos aos limites da possibilidade de atribuição a uma causa não natural se os sinais de lascamento não são claros talão bulbo se devemos dar ênfase aos retoques para utilização voltamos ao velho problema dos eólitos Então a única explicação possível é a intervenção de um hominídeo Mas até onde devemos ousar A hipótese mais audaciosa foi levantada por L Leakey que atribuiu ao Kenyapithecus bone bashing activities ou seja sugeriu que ele teria utilizado um pedaço de lava lump of lava lascado por percussão battered e marcado bruised pelo uso e um osso longo com uma depressão causada por fratura depressed fracture4 Neste ponto os problemas das indústrias do osso e da pedra em sua origem são os mesmos Nenhuma prova tecnológica ou morfológica pode ser obtida Não há nenhum sinal clássico de ação humana De fato o único argumento positivo é a existência inexplicável de lascas junto aos restos do Kenyapithecus Mas a eliminação do trabalho da natureza lusus naturae não afasta a possibilidade do uso por um antropoide pré homínida O que anteriormente dissemos a respeito do comportamento dos chimpanzés demonstra a pertinência dessa hipótese Na opinião dos pré historiadores da África ainda que os instrumentos de osso e de pedra atestem que há mais de 2500000 anos estava em marcha um processo cerebral de hominização não foi nessa época que ele se iniciou 4 LEAKEY L S B Bone smashing by Late Miocene Hominid Nature 1968 481 Glossário A Abbevilliense Fácies industrial defi nida por H Breuil em Abbeville vale do rio Somme França Caracteriza se por bifaces desbastados em grandes lasca mentos com um percutor duro pedra Definido na Europa onde corresponde ao início do Paleolítico Inferior Acha de mão coup de poing Instru mento de pedra em forma de amêndoa lascado nas duas faces que devia servir para escavar e esfolar Antiga denomi nação do biface Acheulense De Saint Acheul no vale do Somme É a principal fácies cultural do Paleolítico Inferior Durou da gla ciação de Mindel ao fim do período interglaciário Riss Würm O instru mento típico é um biface mais regular que o do Abbevilliense lascado com um percutor mole madeira ou osso Amazonita Variedade verde de microlina Amiríense Ciclo continental mar roquino contemporâneo do Mindel europeu Anfaciense De Anfa Marrocos Ter ceira transgressão marinha quaternária no Marrocos Ateriense De Bir el Ater Argélia oriental Indústria paleolítica da África do Norte entre o Musteriense e o Cap siense Compreende pontas e raspa dores pedunculados e algumas pontas foliáceas O Ateriense desenvolveu se Glossário 482 Metodologia e pré história da África durante parte do Wum e provavel mente é em parte contemporâneo do Paleolítico Superior da Europa Atlantropo Fóssil do grupo dos Arcanthropus definido por C Aram bourg na jazida de Ternifine Argélia Os restos são datados do fim do Pleis toceno Inferior Augita Silicato natural de cálcio magnésio e ferro Esse mineral entra na composição do basalto Aurignacense De Aurignac alto Garona França Indústria pré histórica do início do Paleolítico Superior Esse nome criado por H Breuil e E Car tailhac em 1906 designa as indús trias situadas cronologicamente entre o Musteriense e o Perigordiense Caracteriza se por pontas de zagaia feitas de chifre de rena raspadores grossos lâminas longas com contínuos retoques planos e em forma de esca mas alguns buris Surgem as primeiras obras de arte figuras esquemáticas de animais e sinais sumariamente grava dos em blocos de calcário Inicia se há aproximadamente 30 mil anos Australopiteco lat australis meri dional gr pithekos macaco Nome de gênero criado por Dart em 1924 para designar vários fósseis da África do Sul que apresentavam característi cas simiescas mas anunciavam aspec tos humanos Em seguida foram feitas descobertas semelhantes na África oriental e meridional B Basalto Rocha vulcânica Biface Instrumento de pedra lascada nas duas faces em forma de amêndoa Inicialmente denominado machado em seguida coup de poing parece ter sido utilizado para cortar e às vezes para raspar É característico do Paleo lítico Inferior C Calabriano De Calábria É o mais antigo estágio do Quaternário mari nho identificado por M Gignoux em 1910 Calcedônia Variedade fibrosa de sílica formada de quartzo e opala Calcita Carbonato de cálcio natural cristalizado encontrado na greda no mármore branco no alabastro calcário etc Capsiense De Capsa nome latino de Gafsa Tunísia meridional Indús tria do fim do Paleolítico africano identificada por J de Morgan O Capsiense associa a instrumentos típi cos do Paleolítico Superior numero sos micrólitos e pequenos furadores grossos que provavelmente serviam para perfurar fragmentos de cascas de ovos de avestruz para a confec 483 Glossário ção de colares Data de 11 mil anos aproximadamente Catarrino Macaco do Velho Mundo com 32 dentes e septo nasal estreito Cenozoico Sinônimo para Terciário e Quaternário começou com o Paleoceno há 65 milhões de anos compreendendo também o Eoceno 55 milhões de anos o Oligoceno 45 milhões de anos o Mioceno 25 milhões de anos o Plioceno 11 milhões de anos o Pleistoceno e o período recente Cercopiteco gr kerkos cauda e pithekos macaco Macaco africano de cauda longa Chadantropo homem do Chade Hominídeo fóssil situado do ponto de vista anatômico entre o Aus tralopithecus e o Pithecanthropus Chellense De Chelles França Fácies do Paleolítico Inferior descrita por G de Mortillet Antiga denominação do Abbevilliense Clactoniense De Clacton on Sea Grã Bretanha Indústria pré histórica do Paleolítico Inferior descrita por H Breuil em 1932 Caracteriza se por lascas de sílex com plano de percussão liso e largo O Clactoniense parece ser contemporâneo do Acheulense Cornalina Calcedônia vermelha D Diabásio Rocha da família do gabro e da diorita geralmente verde Diorita Rocha de textura granular Discoide Instrumento de pedra em forma de disco do final do Acheulense talhado nas duas faces Dolerito Rocha da família do gabro cujos minerais são visíveis a olho nu E Eneolítico lat aeneus bronze gr ithos pedra Sinônimo de Calcolí tico Período pré histórico em que se começa a utilizar o cobre Eoceno Segunda época do Terciário entre 55 milhões e 45 milhões de anos Epídoto Silicato hidratado natural de alumínio cálcio e ferro F Fauresmith Localidade do Estado de Orange África do Sul Indústria lítica que compreende raspadores e pon tas com retoques unifaciais bifaces e pequenas machadinhas Corresponde ao Paleolítico Médio da Europa G Galena Sulfeto natural de chumbo 484 Metodologia e pré história da África Gabliano Quarto pluvial africano iden tificado em torno dos lagos Nakuru Naivacha e Elmenteita no Quênia Contemporâneo da época glaciária de Würm Esse termo não é mais utilizado Günz Do nome de um rio da Alema nha A mais antiga glaciação quaterná ria alpina H Hand axe O mesmo que acha de mão machadinha Haruniano Quarta transgressão marinha do Quaternário do Marrocos atlântico Hematita Óxido de ferro natural Holoceno O mais recente período do Quaternário Começou há 10 mil anos Hominidae Família zoológica de primatas superiores representada pelos homens fósseis e modernos Homo Nome de gênero dado na classificação zoológica ao homem fós sil e ao contemporâneo Homo habilis Nome criado por Leakey Tobias e Napier para designar fósseis com um grau de evolução anatô mica intermediário entre o dos austra lopitecíneos e o dos pitecantropíneos Homo sapiens homem racio nal Denominação de C Lineu 1735 atualmente dada às formas modernas ou neo antrópicas para designar o homem que alcançou graças à sua inteligência um estado de adaptação ao meio que lhe permite pensar e refletir livremente Ibero maurusiense Fácies cultural do Paleolítico Final e do Epipaleolítico do Maghreb cuja evolução foi marcada pela multiplicação dos instrumentos microlíticos e que durou do décimo ao quinto milênio J Jadeíta Silicato de alumínio natural de sódio com pouco cálcio magnésio e ferro Jaspe Calcedônia impura com listras ou manchas geralmente vermelhas K Kafuense Do rio Kafu em Uganda Fácies industrial do começo do Pale olítico Inferior da África oriental caracterizada por seixos planos suma riamente lascados sem retoques Sua origem humana é contestada Kagueriano Do rio Kaguera Tanzânia Primeiro pluvial africano identificado por E J Wayland em 1934 contempo râneo da glaciação de Günz nos Alpes Esse termo não é mais empregado Kamasiano De Kamasa Quênia Segundo pluvial africano corrente mente chamado Kamasiano I con 485 Glossário temporâneo de Mindel Não é mais utilizado Kanjeriano De Kanjera Quênia Terceiro pluvial africano identificado por L S B Leakey Comumente cha mado Kamasiano II corresponde nos Alpes à época glaciária de Riss Termo não mais utilizado L Lápis lazúli Pedra azul celeste empregada em mosaicos cujo pó é usado para obter o pigmento ultramarino Laterita lat later tijolo Solo vermelho vivo ou marrom avermelhado muito rico em óxido de ferro e alumínio formado pela lixivia ção em climas quentes Levallois técnica De Levallois Perret Alto Sena França Técnica de debitar a pedra que permite obter com a preparação do núcleo grandes lascas de forma predeterminada Levalloisiense Fácies industrial defi nida por H Breuil em 1931 caracte rizada por lascas geralmente pouco ou nada retocadas extraídas de núcleos de tipo Levallois Não é mais reconhecida como fácies genuína Lidianita Xisto endurecido Lupembiense De Lupemba Kasai Zaire Fácies industrial do fim do Pale olítico caracterizada pela associação de instrumentos maciços picões e cin zéis e pontas lanceoladas finamente retocadas nas duas faces datando de aproximadamente 7 mil anos antes da Era Cristã M Maarifiano Do Maarif Marrocos Segunda transgressão marinha qua ternária do Marrocos atlântico Machadinha Instrumento maciço feito com uma lasca e que apresenta gume afiado resultante do atrito entre duas superfícies Característico do Acheulense africano é encontrado também no Paleolítico Inferior e Médio de algumas jazidas do sul da França e da Espanha Magosiense De Magosi Uganda Indústria lítica descoberta por Wayland em 1926 situada entre o Gambliano e o Makaliano Associa objetos de aspecto musteriense núcleos discoides e pontas peças lanceoladas com reto ques bifaciais e micrólitos geométricos Makaliano Do rio Makalia Quênia Fase úmida do Quaternário africano contemporâneo do primeiro pós glaciário da Europa Não é mais utilizado Malaquita Carbonato básico natural de cobre de cor verde 486 Metodologia e pré história da África Mazzeriano Primeiro pluvial do Saara equivalente ao Kagueriano Mesolítico gr mesos no meio de e ithos pedra Palavra empregada por muito tempo para designar o con junto de fácies culturais situadas entre o Paleolítico e o Neolítico Atual mente estão relacionadas a uma fase Epipaleolítica Micoque Sítio pré histórico situado ao norte de Les Eyzies a 25 km a nor deste de Sarlat Nele foi encontrada a indústria micoquiense forma muito evoluída do Acheulense contemporâ nea da glaciação de Würm Mindel Do nome de um rio da Baviera Segunda glaciação quaternária alpina Parece situar se entre 300000 e 400000 anos Mioceno gr meion menos e kainos recente Ou seja que contém menos formas recentes que o sistema seguinte É uma época do Terciário entre 25000 e 10 000 000 de anos Moulouyano Do vale do Moulouya Marrocos Termo empregado por Biberson Villafranchiano Médio do Marrocos Musteriense De Moustier Dordo nha França Indústria pré histórica do Paleolítico Médio que se expan diu na segunda metade do último interglaciário Reconhecida desde 1865 por E Lartet caracteriza se pela abundância de pontas e raspa dores obtidos por retoque numa das faces das lascas N Nakuriano Fase úmida definida no lago Nakuru Quênia pelos depósitos da praia abaixo do nível dos 102 m Nessas camadas foram descobertas indústrias de estilo neolítico que poderiam datar de aproximadamente 3000 anos Neandertal Do nome do vale da bacia do Düssel Alemanha onde o primeiro espécime foi descoberto pelo Dr Fuhlrott em 1856 Repre sentante de um grupo particular do gênero Homo viveu na Europa ociden tal durante o Pleistoceno Superior e extinguiu se bruscamente sem deixar descendentes Neolítico gr neos novo e lithos pedra Idade da Pedra com produção de alimentos agricultura e pastoreio Termo criado em 1865 por J Lubbock O Obsidiana Rocha vulcânica vítrea compacta semelhante ao vidro escuro Olduvaiense Da garganta de Olduvai Tanzânia setentrional Complexo de ins trumentos Iíticos antigos seixos lasca dos descoberto por Katwinkel em 1911 487 Glossário onde Leakey identificou onze níveis do Olduvaiense I que corresponde ao Chelense antigo até o Olduvaiense XI que corresponde ao Acheulense VI com instrumentos levalloisienses Oligoceno Terceira época do Terci ário entre 45000000 e 25000000 de anos Osteodontoquerática Indústria pré histórica feita com ossos gr osteon dentes gr odous odontos e chifres gr keras keratos encontrada em Makapans gat na África do Sul por R A Dart Ougartiano I Segundo pluvial do Saara equivalente ao Kamasiano Ougartiano II Terceiro pluvial do Saara equivalente ao Kanjeriano P Paleolítico gr paleos antigo e lithos pedra Designa a Idade da Pedra sem produção de alimentos Termo criado por J Lubbock em 1865 Paleozoico Sinônimo de Primário Parantropo Australopiteco robusto des coberto em 1948 no Pliopleistoceno de Kromdraai Transvaal Zinianthropus Paraustraiopithecus Esse tipo arcaico apresenta numerosas características simieséas mas possui principalmente na sua estrutura dentária traços que o situam mais perto do homem que dos antropoides Pebble Culture Indústria de seixos trabalhados a mais antiga indústria lítica conhecida composta essencial mente de seixos com gume feito atra vés de um ou mais lascamentos Pitecantropo macaco homem Fós sil que apresenta ao mesmo tempo características bastante próximas do homem moderno para pertencer ao gênero Homo e outras bastante dife rentes para caracterizar uma outra espécie O primeiro foi descoberto por E Dubois em Java em 1889 Pertence à espécie Homo erectus Platirrino Macaco do Novo Mundo com 36 dentes e septo nasal largo Pleístoceno gr pleistos muito e kai nos recente Subdivisão geológica do Quaternário compreendendo o início e a maior parte desse período Termo criado por C Lyell em 1839 corresponde ao momento das grandes glaciações quaternárias e precede o Holoceno que teve início 10 mil anos antes da Era Cristã Plesiantropo Australopithecus graci lis do início do Pleistoceno descoberto no Transvaal em 1936 Plioceno Época final do período Terciário Começou há 5500000 anos e terminou há 1800000 anos 488 Metodologia e pré história da África Pongídeo Família de macacos antro poides à qual pertencem o orango tango o gorila o gibão e o chimpanzé Pré cambriano A mais antiga forma ção geológica Durou da formação do globo terrestre estimada em 4 bilhões de anos até o período Primário 500 milhões de anos Pré soltaniano Período continental marroquino correspondente ao fim da glaciação de Riss e que vem antes do Soltaniano de Dar es Soltan Q Quartzita Rocha dura formada principalmente de quartzo R Ramapiteco Ramapithecus wickeri primata onívoro do Mioceno possi velmente ancestral dos hominídeos datando de 12 a 14 milhões de anos Foi descoberto nas montanhas Siwa lik Norte da índia Outros espécimes foram encontrados na China na Tur quia em Fort Ternan na África e na Europa França Alemanha Grécia Áustria Espanha e Hungria Riss Do nome de um rio da Baviera Penúltima glaciação quaternária alpina que ocorreu entre 200000 e 120000 anos S Sangoense Sítio epônimo em Sango Bay no lago Vitória em Uganda Complexo lítico descoberto por Wayland em 1920 caracteriza se por um instrumental que associa a objetos feitos com lascas obtidas pela técnica de Levallois picões maciços bifaces e peças lanceoladas Desenvolveu se entre o Kamasiano e o Gambliano Sauriano De Saura uede do Saara argelino Quarto pluvial do Saara equivalente ao Gambliano Serpentina Silicato hidratado de magnésio Sinantropo lat sinensis chinês gr anthropos homem Fóssil que apre senta ao mesmo tempo características bastante semelhantes às do homem moderno para pertencer ao gênero Homo e outras bastante diferentes para caracterizar uma outra espécie O sítio de Chu Ku Tien a sudoeste de Pequim foi explorado de 1921 a 1939 pelo Dr Pei e por M Black Pe Teilhard de Chardin e F Weidenreich Pertence à espécie Homo erectus Solutrense De Solutré Saône et Loire França Indústria pré histórica do Paleolítico Superior que se carac teriza por lâminas de sílex muito finas Os instrumentos típicos devem seu aspecto a um trabalho de retoques 489 Glossário rasantes paralelos invadindo os dois lados da peça Stillbayense De Still Bay Província do Cabo África do Sul Indústria lítica rica em peças lanceoladas com reto ques bifaciais lembrando as folhas de louro do Solutrense francês Contem porâneo do Gambliano T Tectita Vidro natural rico em sílica e em alumínio de origem provavelmente cósmica Telantropo Termo genérico dado por Broom e Robinson a dois fragmentos de mandíbula encontrados em 1949 no sítio de Swartkrans África do Sul e cuja morfologia lembra a de certos arcantropianos Tensiftiano Do uede Tensift no Marrocos ocidental CicIo continental marroquino que corresponde à pri meira parte do Riss Tschitoliense Termo criado para designar um complexo lítico desco berto em Tschitolo Kasai Quênia Fácies industrial epipaleoIítica que se caracteriza pela presença constante de instrumentos maciços mas de dimen sões menores que no Lupembiense e pela profusão de pontas de flecha reto cadas nas duas faces Tufo Rocha vulcânica porosa leve e mole V Villafranchiano De Villafranca dAsti Piemonte Itália Formação sedimentária que corresponde à tran sição entre os períodos Terciário e Quaternário W Wiltoniense Do sítio de Wilton oeste da Província do Cabo África do Sul Indústria Iítica que data de apro ximadamente 15 mil anos Compre ende pequenos raspadores inguiformes micrólitos em segmento de círculo e trapezoidais furadores e peças com bor dos denticulados Fácies tardia que se prolongou até a introdução do ferro Würm Do nome de um lago e de um rio da Baviera A mais recente das glaciações alpinas Começou há 75 mil anos e terminou por volta de 10 mil anos antes da Era Cristã X Xisto Rocha sedimentária sílico alumínica de aspecto folheado e que se parte facilmente em lamelas C A P Í T U L O 1 8 491 Os homens fósseis africanos África o berço da humanidade Charles Darwin foi o primeiro cientista a publicar uma teoria importante sobre a origem e a evolução do homem Foi também o primeiro a apontar a África como o lugar de origem do homem Pesquisas realizadas nos últimos cem anos vieram em abono da teoria de Darwin confirmando inúmeros aspectos do seu trabalho pioneiro Atualmente não mais é possível considerar a evolução como uma simples hipótese teórica As provas do desenvolvimento do homem na África estão ainda incompletas mas nesta última década houve um aumento substancial do número de espécimes fósseis estudados e interpretados Há boas razões para se acreditar que a África seja o continente onde os hominídeos surgiram pela primeira vez e onde mais tarde desenvolveram a postura ereta e o bipedismo elementos decisivos à sua adaptação Quando e por qual processo o homem foi capaz de realizar essa adaptação é questão de extremo interesse O período evolutivo é longo sendo possível que muitas de suas fases não estejam representadas por espécimes fósseis uma vez que a conservação desses fósseis só se dá em condições muito especiais A fossilização requer condições geológicas em que a sedimentação seja rápida e a composição química dos solos e das águas de percolação permita que elementos minerais substituam elementos orgânicos Os fósseis que desse Os homens fósseis africanos R Leakey 492 Metodologia e pré história da África figura 181 África alguns dos sítios mais importantes de hominídeos 493 Os homens fósseis africanos modo se formam ficam enterrados a grande profundidade sob os sedimentos acumulados e talvez só venham a ser descobertos pelo homem moderno caso intervenham fenômenos naturais como a erosão ou os movimentos tectônicos Tais sítios são pouco numerosos e se encontram bastante dispersos Ainda que se descubram a cada ano novas jazidas grande parte da África jamais revelará evidências fósseis do aparecimento do homem Seria interessante comentar as razões pelas quais certas partes da África são tão ricas em testemunhos pré históricos A primeira é a diversidade de habitats O continente é vasto estendendo se acima e abaixo do Equador até as zonas temperadas do norte e do sul Esse fato por si só implica a variedade de climas no entanto as terras altas da região equatorial introduzem uma dimensão suplementar Essa massa de terra se eleva a partir da franja litorânea em uma série de planaltos até as cadeias de montanhas e picos alguns dos quais cobertos de neves eternas apesar do clima bastante seco e quente As elevações variadas propiciam uma diversidade de ambientes pois a temperatura diminui à medida que aumenta a altitude Ora esses fatores sempre existiram na África e embora alterações climáticas tenham certamente ocorrido parece que o continente africano sempre ofereceu um habitat adequado ao homem Quando uma determinada área se tornava muito quente ou fria era possível migrar para ambientes mais apropriados Formulou se a hipótese de uma correlação entre os períodos glaciários do hemisfério Norte e os períodos úmidos da África pois se constatam grandes variações nos níveis dos lagos que cor respondem a variações pluviométricas Essa questão vem sendo objeto de minuciosos estudos nos últimos anos Embora um avanço glaciário deva ter exercido um efeito global sobre a meteorologia a correlação automática entre ambos não se evidencia claramente1 Não obstante o acúmulo de sedimentos nas bacias dos lagos africanos durante o Pleistoceno concorre para reforçar a teoria de que as chuvas foram mais abundantes nesse período Essa sedimentação foi de grande amplitude Muitos lagos do Pleistoceno africano eram pequenos e pouco profundos provavelmente de caráter sazonal com variações anuais de nível reflexo do clima tropical com chuvas abundantes durante apenas alguns meses do ano Esses lagos eram perfeitas bacias de captação para os sedimentos que se depositavam anualmente nas suas margens planas e em torno das embocaduras dos rios que neles desaguavam 1 Ver capítulo 16 494 Metodologia e pré história da África e que inundavam suas ribanceiras durante o período de cheias Restos de animais mortos perto das margens dos lagos iam sendo assim constantemente recobertos pela areia ou pela vasa depositada durante as enchentes Esse processo durou milhões de anos sendo detectados vestígios animais em diferentes níveis das sequências sedimentares cuja espessura total chega a ultrapassar 500 m Com a colmatagem dos lagos e a mudança do regime das chuvas algumas bacias secaram enquanto outras foram se formando O processo de fossilização é lento mas o Pleistoceno se estende por mais de 3 milhões de anos período durante o qual restos de animais foram sendo depositados em sedimentos favoráveis à sua conservação A localização desses restos constitui evidentemente um problema capital para o paleontólogo mas também nesse ponto certos fatores contribuíram para diminuir as dificuldades na África especialmente na África oriental Durante o Pleistoceno em particular na sua última fase a África oriental passou por um período de movimentos tectônicos associados a uma ruptura da crosta terrestre hoje chamada Rift Valley Esses movimentos tectônicos originaram falhas e em muitos lugares provocaram a elevação de massas de sedimentos A erosão que se seguiu expôs as camadas onde se tinham formado fósseis Por essa razão a procura de restos fósseis concentra se em geral em antigas bacias lacustres onde as formações sedimentares sofreram falhas e aparecem sob a forma de terras áridas com ravinamentos Entretanto há outras possibilidades como prova a grande quantidade de restos de hominídeos encontrados na África do Sul Esses fósseis se formaram em cavernas calcárias onde o acúmulo de ossadas foi recoberto por uma camada estalagmítica ou pelo desmoronamento do teto das cavernas Os ossos foram levados para essas cavernas por vários agentes mais provavelmente por animais necrófagos ou predadores como leopardos e hienas Existem certos indícios de que as cavernas tenham sido ocupadas por hominídeos os quais também seriam portanto responsáveis por restos ósseos fossilizados O grande problema desse tipo de sítio reside no fato de praticamente inexistirem critérios de estratigrafia sendo assim muito difícil determinar a idade relativa dos fósseis descobertos Em muitas regiões da África não existiram no Pleistoceno condições adequadas à fossilização de restos animais Consequentemente não há razão para se supor que o homem primitivo não tivesse vivido nessas regiões apesar da ausência de vestígios Novas pesquisas ainda podem revelar novos sítios Os instrumentos de pedra são mais comuns que os fósseis ósseos pois que mais duradouros A pedra não precisa ser rapidamente coberta por sedimentos 495 Os homens fósseis africanos para que esteja garantida sua preservação Dessa forma os arqueólogos puderam reunir grande número de dados sobre a tecnologia primitiva na África fornecendo muitas informações acerca do aparecimento do homem O homem ou mais especificamente o gênero Homo poderia ser considerado como o único animal capaz de fabricar instrumentos de pedra no entanto nesse aspecto como em outros setores da pesquisa relacionada à origem do homem as opiniões dos especialistas divergem O estudo da origem do homem baseia se em grande parte numa abordagem pluridisciplinar que não se limita ao estudo de ossadas fósseis e vestígios arqueológicos a geologia a paleontologia a paleoecologia a geofísica e a geoquímica desempenham papel preponderante e para os estágios mais recentes quando os hominídeos começaram a usar instrumentos a arqueologia é fundamental O estudo dos primatas vivos inclusive o homem é muitas vezes útil para uma melhor compreensão da pré história do nosso planeta Os fósseis da família do homem os hominídeos podem ser considerados como distintos e separados dos grandes macacos atuais os pongídeos desde o Mioceno há mais de 14 milhões de anos As evidências mais antigas estão incompletas e existe uma grande lacuna em nosso conhecimento sobre a evolução do homem no período que vai de 14 milhões a pouco mais de 3 milhões de anos Foi durante esse período que a diferenciação parece ter se efetuado pois são conhecidas formas diferenciadas de hominídeos fósseis a partir de 5 milhões de anos Os testemunhos fósseis de outros grupos de animais que não o homem são em geral mais bem conhecidos e comportam material mais completo São de grande interesse pois permitem tentar a reconstituição do meio ambiente primitivo dos hominídeos durante os primeiros estágios de sua evolução Já existem dados sobre vários períodos importantes em que numerosas espécies animais sofreram mudanças muito rápidas em resposta a pressões do meio ambiente Demonstrou se também que o homem passou por diversos estágios antes de se tornar o bípede com cérebro desenvolvido que é hoje Em certas épocas existiram vários tipos de homens e cada um poderia representar uma adaptação específica As mudanças ocorridas a partir da forma simiesca do hominídeo do Mioceno devem ser o resultado de algum tipo de especialização ou adaptação que nos cabe elucidar Embora os dados disponíveis estejam bastante incompletos conhecem se alguns detalhes dessa complexa evolução Examinaremos os fósseis mais recentes para a partir deles chegarmos aos mais antigos 496 Metodologia e pré história da África O homem moderno e o Homo sapiens A clássica definição de homem encontrada nos dicionários está longe de ser satisfatória Ser humano a raça humana adulto do sexo masculino indivíduo do sexo masculino Um dos problemas dessa definição é que o homem moderno constitui talvez a mais diversificada espécie conhecida tantas são as diferenças comportamentais e físicas existentes entre as populações do mundo diferenças essas que devem ser consideradas Mas apesar das diferenças aparentes o homem constitui hoje uma única espécie e todos os homens partilham a mesma origem e a mesma história na sua evolução primitiva É provável que só nos últimos milênios a espécie tenha passado a apresentar variantes superficiais Possa essa noção contribuir a que os homens mais rapidamente se conscientizem da identidade de sua natureza e de seu destino O homem atual que pertence integralmente à espécie Homo sapiens sapiens é capaz de viver em habitats muito diferentes graças ao desenvolvimento tecnológico A vida em cidades superpovoadas contrasta com a dos nômades pastores de camelos no deserto e ambas contrastam por sua vez com a vida dos caçadores no seio das densas florestas tropicais da África ocidental O homem é capaz de viver longos períodos no fundo do mar a bordo de submarinos e em órbita terrestre no interior de cápsulas espaciais A chave explicativa de todos esses casos é a adaptação pela tecnologia Os requisitos fisiológicos fundamentais são um cérebro complexo e volumoso mãos livres de qualquer função locomotriz e disponíveis para a manipulação e o bipedismo permanente Essas características podem ser identificadas no tempo assim como os vestígios não perecíveis da atividade técnica do homem O grau de desenvolvimento do cérebro a habilidade da manipulação e o bipedismo podem ser considerados os melhores pontos de referência de que dispomos para traçar o caminho percorrido pela nossa espécie ao longo do tempo Várias descobertas importantes atestam a presença do Homo sapiens primitivo no continente africano há mais de 100 mil anos Tudo indica que nossa espécie é tão antiga na África quanto em outras partes do mundo sendo provável que pesquisas futuras possibilitem datar com precisão o mais remoto vestígio cuja idade talvez esteja próxima dos 200 mil anos Em 1921 um crânio e alguns fragmentos de esqueleto foram encontrados em Broken Hill Zâmbia sendo esse país a antiga Rodésia do Norte o espécime tornou se conhecido como homem da Rodésia ou Homo sapiens rhodesiensis Data aproximadamente de 35000 ao que se crê e certamente pertence à nossa espécie Talvez remonte a uma época mais remota porém não foi possível datar 497 Os homens fósseis africanos sequer o crânio Apresenta características muito semelhantes às do neandertalense da Europa tratando se com certeza de um exemplo africano dessa espécie Traços ainda mais antigos do Homo sapiens foram descobertos na África oriental Em 1932 o Dr L S B Leakey encontrou fragmentos de dois crânios no sítio de Kanjera no oeste do Quênia Pareciam estar associados a uma fauna fóssil do fim do Pleistoceno Médio tardio o que implicaria uma idade de cerca de 200 mil anos Esse sítio ainda não foi datado com precisão fato lamentável visto que os fósseis aí encontrados dois crânios e um fragmento de fêmur parecem pertencer à espécie Homo sapiens e poderiam constituir as evidências mais antigas da espécie conhecidas até agora na África Em 1967 foram descobertos restos de dois indivíduos em um sítio do vale do Omo no sudoeste da Etiópia Consistem em um fragmento de crânio partes de um esqueleto pós craniano e a calota de um segundo crânio Os dois fósseis provêm de camadas com idade estimada em pouco mais de 100 mil anos O vale do Omo é provavelmente mais conhecido por seus fósseis antigos mas há uma grande quantidade de depósitos recentes que podem constituir uma fonte de dados novos sobre os primeiros Homo sapiens da África Além disso encontrou se cerâmica primitiva em sítios da mesma área suscetíveis portanto de fornecer informações acerca dos antigos usos da cerâmica Assim embora existam poucos espécimes do Homo sapiens primitivo entre os fósseis parece razoável supor que essa espécie gozava de ampla difusão tanto na África quanto em outras partes do globo O pré Homo sapiens Existe uma tendência a se relacionar as espécies fósseis com as espécies modernas essa relação contudo deve ser entendida em termos muito genéricos Propomos aqui considerar a origem do Homo sapiens dentro de uma linhagem que pode remontar a vários milhões de anos Em diferentes épocas provavelmente existiram nessa linhagem vários tipos distintos do ponto de vista morfológico devendo a composição genética do homem moderno refletir em parte essa herança compósita A denominação das espécies fósseis tem causado dificuldades frequentemente o desejo de dar um novo nome a cada espécime descoberto provoca confusão A prática habitual é classificar espécimes semelhantes em uma mesma espécie as diferenças menores servem de base para uma diferenciação da espécie enquanto as mais importantes distinguem o gênero Não é difícil 498 Metodologia e pré história da África classificar as espécies animais vivas um excelente sistema de classificação foi criado pelo grande naturalista Lineu O problema dos paleontólogos está em considerar a evolução no tempo de uma determinada espécie que pode ter sofrido transformações bastante rápidas A expressão espécie morfológica será utilizada aqui na descrição de fósseis que apresentam características físicas semelhantes Cabe ressaltar que grande parte da controvérsia relacionada ao estudo da origem do homem se deve à divergência de opiniões quanto ao uso da terminologia Pelo menos dois gêneros e várias espécies de hominídeos foram identificados entre os fósseis dos últimos 3 milhões de anos Essas formas são básicas para compreendermos a origem de nossa espécie Até recentemente pensava se que a evolução se processara em ritmo uniforme hoje porém acredita se que populações locais de uma determinada espécie podem ter reagido diferentemente às pressões da seleção Formas primitivas podem ser contemporâneas de formas avançadas ou progressivas A identificação de caracteres primitivos numa espécie registrada em um longo período de tempo é menos difícil que numa amostra limitada pois permite identificar tendências e adaptações que ajudam a explicar o processo de sobrevivência por modificações progressivas Os restos humanos fósseis da África por suas características podem ser unidos em dois grupos principais Propomos considerá los como linhagens evolutivas uma das quais representada pelo gênero Homo pode ser seguida até hoje sendo que a outra representada pelo gênero Australopithecus aparentemente extinguiu se há cerca de 1 milhão de anos É possível também considerar as formas primitivas descobertas em depósitos onde não existem formas mais avançadas as quais todavia são encontradas em estratos mais antigos Tal fato poderia ser interpretado como uma regressão porém é mais provável que a continuação de uma espécie progressiva não esteja representada entre os espécimes disponíveis para estudo unicamente por ter ocupado áreas que não se prestavam à sua preservação pela fossilização Para os objetivos deste capítulo propomos considerar os hominídeos anteriores ao Homo sapiens com base nestas duas linhagens A forma ancestral comum a ambas não pode ser facilmente identificada pois os testemunhos fósseis são bastante fragmentários O mais antigo hominídeo da África provém de Fort Ternan no Quênia onde foram encontrados vários fragmentos de maxilar superior um fragmento de mandíbula e alguns dentes O sítio foi datado de 14 milhões de anos e seus fósseis provam que nessa época já havia ocorrido a diferenciação entre os hominídeos e os pongídeos Portanto a redução dos 499 Os homens fósseis africanos figura 182 Crânio de Homo habilis KNM ER 1470 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia Figura 183 Crânio de Homo erectus KNM ER 3733 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 500 Metodologia e pré história da África caninos traço característico dos hominídeos já se acentuara ligeiramente a partir dos caracteres propriamente simiescos Os testemunhos fósseis entre 14 milhões e 3500000 de anos estão bastante incompletos Dispomos apenas de quatro espécimes que podem ser relacionados a esse período todos provenientes do Quênia um fragmento de mandíbula em péssimo estado de conservação encontrado em Kanam pelo Dr L S B Leakey em 1932 um fragmento de úmero descoberto em Kanapoi um fragmento de mandíbula com uma coroa dentária encontrado em Lothagam e um molar isolado descoberto em Ngorora Os três primeiros espécimes provêm de depósitos datados de 4 milhões a 5500000 de anos quanto ao dente isolado considera se que seja proveniente de depósitos estimados em 9 milhões de anos Entretanto nenhum desses espécimes é bastante significativo pois são muito fragmentários Atribuiu se o fragmento de mandíbula de Lothagam ao Australopithecus mas no atual estágio de nossos conhecimentos essa identificação é bastante discutível na opinião de muitos antropólogos A partir do início do Pleistoceno há cerca de 4 milhões de anos até o aparecimento do Homo sapiens os dados sobre a evolução dos hominídeos na África tornaram se nitidamente mais substanciais Em 1973 foram realizados trabalhos de pesquisa em duas novas jazidas onde se encontrou grande número de fósseis em camadas datadas de 3 a 4 milhões de anos Esses sítios Laetolil Tanzânia e Hadar Etiópia merecem comentário especial tal a sua importância no que diz respeito ao aparecimento do gênero Homo Laetolil está localizado a aproximadamente 50 km da famosa garganta de Olduvai nas encostas dos montes Lemagrut dominando a extremidade norte do lago Eyasi Sua idade foi estimada em cerca de 3500000 anos fato bastante significativo na medida em que se propôs relacionar os diversos fósseis de hominídeos primitivos lá encontrados ao gênero Homo Trata se de maxilares dentes e um fragmento de membro As jazidas de Hadar situadas na depressão de Afar Etiópia têm a mesma idade ou talvez sejam um pouco mais recentes A partir de 1973 descobriu se no local grande quantidade de material incluindo excelentes espécimes de esqueleto craniano e pós craniano entre os quais se podem distinguir três tipos relacionados a Homo habilis Australopithecus gracilis e Australopithecus robustus Assim todo esse primeiro período praticamente nada revela sobre a origem do Homo e do Australopithecus Em compensação o período entre 3 e 1 milhão de anos é relativamente rico em testemunhos fósseis A amostra bastante grande de espécimes encontrados em sítios com menos de 3 milhões de anos indica a existência de dois gêneros distintos de 501 Os homens fósseis africanos hominídeos primitivos que por vezes ocupavam a mesma área Presume se que essas duas formas Homo e Australopithecus habitassem nichos ecológicos diferentes e embora seu território físico pudesse coincidir a competição por comida ao que parece não era suficiente para que uma forma excluísse a outra Ainda temos muito a aprender sobre a adaptação de cada um desses hominídeos porém a coexistência dos dois gêneros por um período superior a 1500000 de anos é fato comprovado atualmente e atesta a distinção entre os dois Foi o Australopithecus o ancestral do Homo Essa pergunta geralmente recebe resposta afirmativa no entanto com os novos dados disponíveis não mais é possível ter tanta certeza Alguns especialistas inclusive o autor tendem a pensar que as duas formas têm um ancestral comum distinto de ambas Para estabelecer essa tese é necessário examinar os dois gêneros do ponto de vista de suas adaptações específicas e considerar o grau de variação se houver em cada grupo Para isso é essencial definir claramente as características típicas de cada um que se mostraram permanentes no tempo Para finalizar cabe observar que alguns pesquisadores classificam todos esses fósseis num mesmo gênero o qual apresentaria uma grande variabilidade intragenérica e um acentuado dimorfismo sexual O gênero Homo pré sapiens Homo erectus A forma pré sapiens mais conhecida do gênero Homo é a que foi atribuída a uma espécie morfológica bastante diversificada que se expandiu amplamente Homo erectus Essa espécie foi encontrada pela primeira vez no Extremo Oriente e na China mais recentemente foi descoberta na África do Norte na África oriental e talvez no sul da África Não há datação absoluta para os espécimes da Ásia embora tenha sido publicada uma data inferida para parte do material sugerindo que o Homo erectus ocorre em sítios com 1500000 a 500 mil anos A datação dos sítios da África do Norte e do Sul onde se descobriu o Homo erectus foi igualmente inferida situando os aparentemente no Pleistoceno Médio Os espécimes da África oriental provêm de sítios onde foi possível fazer datações físico químicas tendo sido datado de aproximadamente 1600000 de anos o mais antigo exemplar de Homo erectus Essa data tão remota poderia indicar uma origem africana para o Homo erectus e muitos especialistas são favoráveis à ideia de que todos os testemunhos dessa humanidade descobertos fora do continente africano seriam provenientes de populações que teriam emigrado no início do 502 Metodologia e pré história da África Pleistoceno Existem no entanto algumas novas datas extremamente antigas para o Homo erectus de lava Atualmente não dispomos de material em quantidade suficiente para a realização de estudos gerais e sintéticos Entretanto os dados existentes mostram que essa espécie encontrava se amplamente distribuída na África ocorrendo também na Ásia e na Europa Os fragmentos de membros indicam uma postura ereta adaptação para a marcha e bipedismo com características próximas às do homem moderno O grau de inteligência pode ser avaliado muito precariamente estimando se o volume da caixa craniana Tomando se por base o material conhecido calcula se o volume endocraniano entre 750 cm³ e 1000 cm³ para o Homo erectus enquanto para o Homo sapiens a média é significativamente superior 1400 cm³ A tecnologia utilizada pelo Homo erectus pode ser inferida da observação dos vestígios O Homo erectus fabricava e usava instrumentos de pedra e vivia de caça e coleta nas savanas na África Os especialistas são unânimes em relacionar o biface da indústria acheulense ao Homo erectus esse tipo de material lítico é distintivo e aparece em sítios da África Europa e em menor escala da Ásia Se o Homo erectus é o estágio final de desenvolvimento que levou ao Homo sapiens é fato ainda não comprovado Portanto é aconselhável deixar a questão em aberto à espera de novas informações sobre essa espécie Antes de deixarmos o Homo erectus apresentaremos rapidamente suas características Os traços mais característicos aparecem no crânio as arcadas supra orbitárias proeminentes e espessas a testa baixa e o formato do occipital Os dentes talvez constituam um outro traço distintivo mas é possível que outras espécies morfológicas da linhagem Homo tenham apresentado morfologia dentária muito semelhante O mesmo se diga da mandíbula cuja morfologia é menos característica do que em geral se supõe Alguns espécimes que se alega pertencerem ao Homo erectus e que consistem apenas em dentes e maxilares poderiam na verdade representar uma espécie morfológica diferente dentro do mesmo gênero O gênero Homo pré sapiens Homo habilis Os fósseis atribuídos à linhagem Homo mas anteriores ao Homo erectus limitam se atualmente à África oriental As formas mais antigas talvez sejam as de Hadar e Laetolil que embora requerendo ainda estudo mais aprofundado podem ser tidas como ancestrais de espécies mais recentes Essa espécie 503 Os homens fósseis africanos figura 184 Crânio de Australopithecus boisei OH5 Vista lateral Garganta de Olduvai Tanzânia Museus Nacionais do Quênia Figura 185 Mandíbula de Australopithecus boisei KNM ER 729 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 504 Metodologia e pré história da África intermediária se ela realmente o é poderia ser chamada Homo habilis Sua definição baseia se em espécimes descobertos em Olduvai e mais recentemente em Koobi Fora na margem leste do lago Turkana As principais características do Homo habilis seriam cérebro relativamente desenvolvido podendo a capacidade craniana exceder 750 cm³ crânio de ossos relativamente pouco espessos com abóbada alta constrição pós orbitária reduzida Os incisivos são relativamente grandes os molares e pré molares mais reduzidos e a mandíbula apresenta um contraforte externo Os elementos do esqueleto pós craniano têm características morfológicas bastante semelhantes às do homem moderno Os exemplares mais completos de Homo habilis provêm de Koobi Fora onde foram descobertos vários crânios mandíbulas e ossos longos O crânio mais bem conservado é conhecido como KNM ER 1470 Fig 1 O gênero Australopithecus O problema da definição de eventuais espécies no gênero Australopithecus está longe de ser resolvido porém penso que há suficientes evidências na formação de Koobi Fora para que se possam definir com certa convicção duas espécies desse gênero A mais evidente Australopithecus boisei é bem típica apresentando mandíbulas maciças molares e pré molares grandes em relação aos caninos e incisivos capacidade craniana inferior a 550 cm3 o dimorfismo sexual revela se por características externas do crânio tais como cristas sagitais e occipitais acentuadas nos indivíduos do sexo masculino Figs 3 e 4 Os elementos conhecidos do esqueleto pós craniano fêmur úmero e astrágalo são igualmente característicos Essa espécie distribuía se por ampla área tendo sido encontrada em Chesowanja Peninj e na garganta de Olduvai situada na porção meridional do Rift Valley do leste africano Entretanto não se pode afirmar com certeza que o A boisei constituía uma espécie talvez venha a ser classificado como subespécie regional da forma sul africana do A robustus Novas descobertas poderão trazer solução a esses problemas que sempre apresentarão semelhantes sutilezas taxonômicas no campo da paleontologia dos vertebrados Portanto parece preferível no momento mantermos a hipótese da existência de duas espécies robustas aparentadas mas geograficamente separadas Os testemunhos da presença de uma forma grácil de Australopithecus no leste da África são menos probantes No entanto o grau de variação parecerá consideravelmente grande se incluirmos todos os espécimes descobertos numa só espécie 505 Os homens fósseis africanos figura 186 Crânio de Australopithecus africanus KNM ER 1813 Vista lateral Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia Figura 187 Mandíbula de Australopithecus africanus KNM ER 992 Vista em face oclusiva Koobi Fora Quênia Museus Nacionais do Quênia 506 Metodologia e pré história da África O melhor exemplar da forma grácil no leste da África seria o espécime KNM ER 1813 encontrado na formação de Koobi Fora Fig 5 Diversas mandíbulas e alguns fragmentos do esqueleto pós craniano poderiam também ser associados a essa forma não se devendo esquecer a dificuldade de classificação das mandíbulas Nenhuma tentativa de definição dessas formas gráceis da África foi proposta até o presente momento contudo devem se considerar a variabilidade das mandíbulas com pré molares e molares pequenos uma capacidade craniana de pelo menos 600 cm³ e cristas sagitais raramente presentes ou inexistentes O esqueleto pós craniano parece ser comparável ao do A boisei embora em escala menor sendo também menos robusto Nas duas espécies um dos traços mais característicos é a epífise proximal do fêmur o colo é longo comprimido de frente para trás a cabeça é pequena e subesférica Haveria ainda outros traços a serem definidos mas pouco se sabe sobre a variação interna dessas espécies e a amostra não oferece possibilidade de conclusões No entanto considero essa espécie muito próxima do A africanus grácil da África do Sul do qual poderia ser um fácies mais setentrional Conhecemos o osso ilíaco do A africanus e do A robustus da África do Sul e pequenas diferenças puderam ser notadas entre as duas formas Nenhum espécime remanescente desse osso é atribuível ao Australopithecus na África oriental entretanto o Homo está representado por dois espécimes contemporâneos que mostram diferenças acentuadas entre os dois gêneros Essas diferenças são maiores do que as que se poderia esperar no interior de uma única espécie ainda que sua área de distribuição fosse extensa Utensílios e habitações A maior quantidade de restos de utensílios e de sítios de habitação provém do lago Turkana Quênia de Melka Konturé Etiópia e da garganta de Olduvai Tanzânia onde foram feitas inúmeras escavações nos últimos trinta anos A evolução a partir dos mais rudimentares seixos trabalhados até os complexos e aperfeiçoados bifaces está bem documentada nessa área Podem se fazer algumas inferências sobre a organização social tamanho do grupo e hábitos de caça com base no material encontrado nesses sítios Em Olduvai descobriram se restos de uma estrutura de pedra talvez a base de uma cabana circular datados muito provavelmente de 1800000 anos Em Melka Konturé foi descoberta uma plataforma elevada também circular 507 Os homens fósseis africanos E difícil situar com precisão o início das habilidades técnicas dos hominídeos pode se quando muito sugerir que tenha aparecido durante o Pleistoceno talvez como uma resposta adaptativa chave do processo de diferenciação do gênero Homo Durante o Pleistoceno Inferior por volta de 1600000 anos atrás apareceram instrumentos bifaces rudimentares Sua evolução a partir do seixo lascado pode ser acompanhada em Olduvai e é confirmada por descobertas feitas em outros sítios do leste da África Até recentemente as mais antigas indústrias líticas encontradas na Europa eram as de bifaces Na minha opinião os dados disponíveis poderiam sugerir uma migração de grupos humanos que fabricavam bifaces da África para a Europa e Ásia no Pleistoceno Antigo ou mesmo um pouco antes O desenvolvimento ulterior das indústrias de pedra é bastante complexo havendo testemunhos em abundância em todo o mundo Ainda não foi provado mas podemos levantar a hipótese de que o aparecimento das indústrias pós acheulenses está ligado à emergência do Homo sapiens Indústrias líticas raramente se encontram associadas a restos de hominídeos primitivos e muitos sítios do Pleistoceno Médio e Superior apresentam apenas um ou dois espécimes com algumas importantes exceções todavia Extraordinários progressos foram feitos nos últimos anos no que diz respeito à descoberta de testemunhos fósseis e certamente novos dados serão revelados pelas pesquisas em curso Dispomos no momento de claras evidências de uma considerável diversidade morfológica dos hominídeos do Pliopleistoceno na África interpretada como consequência de uma diferenciação durante Plioceno seguida de diferentes tendências evolutivas que continuaram até início do Pleistoceno A presença simultânea de pelo menos três espécies na África oriental pode ser determinada com base no material craniano e pós craniano Qualquer reexame desta matéria deve incluir a análise do conjunto dos fósseis descobertos Lista dos espécimes de Homo erectus descobertos na África Região País Sítio Detalhes dos espécimes Noroeste Argélia Ternifine 3 mandíbulas e 1 fragmento de crânio Noroeste Marrocos Sidi Abderrahmane 2 fragmentos de mandíbula Noroeste Marrocos Rabat 1 fragmento de mandíbula e 1 crânio Noroeste Marrocos Temara Mandíbula Leste Tanzânia Olduvai Crânio alguns restos pós cranianos e uma possível mandíbula Sul África do Sul Swartkrans Um crânio incompleto e alguns fragmentos de mandíbula 508 Metodologia e pré história da África Terminologia Os termos Middle Stone Age Early Stone Age Late Stone Age não são traduzidos nesta obra de acordo com a decisão tomada no 8o Congresso Pan Africano de Pré História e do Estudo do Quaternário realizado em Nairobi Quênia em setembro de 1977 de manter para a África ao sul do Saara a terminologia inglesa 509 Os homens fósseis africanos Períodos e Indústrias da Pré História da África quadro de equivalência elaborado por H J Hugot C A P Í T U L O 1 9 511 A Pré História da África Oriental A pesquisa pré histórica introdução à metodologia Foi na parte oriental da África que o homem surgiu há aproximadamente 3 milhões de anos como um animal de postura ereta fabricante de utensílios Por esse motivo a história dessa parte do mundo é mais longa do que a de qualquer outro lugar a Idade da Pedra em particular foi mais extensa que em outros continentes e em outras regiões da África Teve início quando os primeiros hominídeos começaram a fabricar de maneira regular utensílios de pedra reconhecíveis enquanto tal com formas e padrões predeterminados Essa associação de capacidades físicas e mentais para fazer utensílios em outras palavras a superação de sua condição biológica e a crescente dependência dessas habilidades e atividades extrabiológicas ou seja culturais distinguem o homem dos outros animais e definem a humanidade A evolução do homem para um estágio de animal terrestre capaz de sentar se de manter se na postura ereta e de locomover se sobre os pés diferentemente dos macacos e outros mamíferos quadrúpedes e quadrímanos facilitou o uso e a fabricação de utensílios por liberar os braços e as mãos para segurar carregar agarrar e manipular Além disso essa evolução foi necessária para a sobrevivência e o progresso do homem no mundo especialmente na obtenção e preparação dos alimentos Cada nova geração tinha de aprender as habilidades culturais e técnicas e os conhecimentos A Pré História da África Oriental J E G Sutton 512 Metodologia e pré história da África figura 191 A pré história na África Oriental 1974 acumulados por seus pais É possível que os primeiros utensílios feitos pelo homem continuem desconhecidos pois por serem tão rudimentares e tão pouco distinguíveis de objetos naturais não podem ser reconhecidos É também provável que outros materiais que se teriam decomposto sem deixar vestígios como a madeira o couro e o osso fossem usados e trabalhados pelo menos na 513 A Pré História da África Oriental mesma época que a pedra Entretanto os progressos no emprego desses outros materiais devem ter sido limitados até o momento em que o homem tivesse dominado a técnica básica de produzir com regularidade um utensílio cortante de gume afiado batendo e quebrando com precisão uma determinada pedra com outra pedra ou com um objeto duro apropriado Portanto a fabricação de utensílios e a humanidade podem ter começado antes da data sugerida pelos testemunhos abalizados de que dispomos sobre aqueles importantes desenvolvimentos Esses testemunhos consistem nos primeiros utensílios líticos identificáveis marco inicial da Idade da Pedra assim chamada por convenção A Idade da Pedra iniciou se há aproximadamente 3 milhões de anos e durou até uma fase bem mais recente da história humana quando a pedra foi substituída pelo metal enquanto material básico para o desenvolvimento de uma tecnologia para a fabricação de utensílios e para a produção de gumes afiados A transição de uma indústria da pedra ou lítica para uma outra do metal deu se em épocas ligeiramente diferentes nas diversas partes do mundo Na Ásia ocidental as técnicas de trabalhar o cobre começaram a ser utilizadas entre 6 e 9 mil anos atrás Na África oriental o ferro primeiro e único metal usado com regularidade começou a ser trabalhado há aproximadamente 2 mil anos Podemos questionar do ponto de vista histórico a validade da expressão Idade da Pedra por designar um período que cobre os 999 milésimos do tempo de permanência do homem na África oriental e por enfatizar ademais o aspecto tecnológico do desenvolvimento humano em detrimento dos aspectos econômicos e culturais de caráter mais geral Pode se argumentar que uma tal expressão é ampla demais do ponto de vista cronológico e por demais restrita do ponto de vista cultural Mas é possível responder a essas objeções e Idade da Pedra continua sendo uma expressão e um conceito válidos tendo em conta certos fatores Assim como esse longo período só é conhecido através de testemunhos arqueológicos ainda assim parciais porque nada restou senão pedras e não através da tradição oral ou de documentos escritos precisaram os historiadores criar um nome ou nomes para designá lo estudá lo e descrevê lo Por outro lado a Idade da Pedra não foi um período estático da história A evolução tecnológica durante o Paleolítico e o Neolítico é facilmente demonstrada pela transformação e diversificação dos utensílios de pedra pela maior eficácia do instrumental lítico bem como de seus métodos de fabricação É possível portanto e mesmo necessário dividir a Idade da Pedra em períodos e introduzir lhes subdivisões complementares cronológicas e geográficas Pode ser fascinante olhar coleções de utensílios de pedra especialmente se bem selecionados e 514 Metodologia e pré história da África apresentados com habilidade porém se não forem organizadas e compreendidas em função de uma cronologia e de um estágio de desenvolvimento essas coleções terão pouco a dizer Expressões populares como vivendo na idade da pedra e homem da idade da pedra tornam se igualmente vazias de sentido quando baseadas na falsa ideia de que o homem e seu modo de vida permaneceram estáticos naquela época histórica Com efeito o instrumental das populações da Idade da Pedra diferia conforme o período e a região e as próprias populações evoluíam cultural e fisicamente A Idade da Pedra foi testemunha de mutações e diferenciações no corpo e no cérebro humanos na economia na organização social e na cultura a par do desenvolvimento técnico revelado por testemunhos arqueológicos Convém observar que se as mudanças em todos os períodos da Idade da Pedra foram lentas em relação aos padrões modernos nos primeiros tempos o foram ainda mais Essas mudanças são tanto mais rápidas quanto mais nos aproximamos da época atual Assim o período mais recente da Idade da Pedra foi o momento de uma maior especialização e diversificação regionais Algumas vezes características lentamente desenvolvidas em um determinado local aparecem sob forma acabada em outra região em consequência de migrações ou contatos culturais dando a ideia de que nesta última tivesse ocorrido uma revolução Desse modo em termos de desenvolvimento duas ou três gerações do fim da Idade da Pedra poderiam equivaler a meio milhão de anos no período inicial Constatamos então que o estudo histórico da Idade da Pedra não se limita às pedras e aos utensílios Ocasionalmente o arqueólogo tem a sorte de fazer outras descobertas sobretudo em sítios de habitação do fim da Idade da Pedra onde se preservaram testemunhos diretos de cozinha e de alimentos sob a forma de pedaços de carvão vestígios de fogueiras e fragmentos de ossos de animais Restos orgânicos primitivos são extremamente raros na África exceto em alguns sítios onde as condições minerais favoráveis provocaram a fossilização de ossos antes que estes se decompusessem Mas mesmo dispondo apenas de pedras o arqueólogo deve tentar estender suas deduções e interpretações a domínios mais amplos Em primeiro lugar importa não o utensílio descoberto e examinado isoladamente mas o conjunto dos utensílios encontrados em um sítio de que constam diferentes variedades de objetos quer tenha sido este o local de habitação de um grupo um acampamento temporário de caçadores ou uma oficina onde se fabricavam utensílios Muito mais comuns que os utensílios acabados são as lascas da debitagem e os núcleos de pedra respectivamente fragmentos lascados da massa primitiva 515 A Pré História da África Oriental durante a fabricação e restos de lascamento O estudo desses restos deve ser feito juntamente com o dos utensílios acabados pois eles indicam as técnicas de fabricação e o nível de habilidade alcançado Além do mais nem sempre eram jogados fora muitas vezes sobretudo nos primeiros estágios da Idade da Pedra várias dessas lascas como tivessem bordos cortantes e tamanho e forma adequados ao manejo fácil poderiam vir a complementar os utensílios acabados mais maciços constituindo assim parte integrante do instrumental A coleta e o estudo que se restringem aos produtos mais elaborados como os bifaces e machadinhas trazem uma visão limitada e bastante distorcida da tecnologia e das atividades das populações pré históricas Nos períodos mais recentes da Idade da Pedra os instrumentos pesados do tipo biface foram substituídos por outros menores mais delicados e precisos produzidos frequentemente de modo a se fixarem em cabos de madeira ou punhos de osso após uma hábil preparação do núcleo seguida de complicados retoques na lâmina ou lasca extraída Também nesse caso para análises e deduções proveitosas é essencial dispor de um conjunto tão completo quanto possível de peças acabadas e de resíduos de debitagem A variedade de utensílios de pedra com seus diversos tipos de gumes e pontas para cortar aparar esfolar raspar furar entalhar bater fender e cavar permitirá mesmo levando em conta certas dúvidas inevitáveis quanto às suas verdadeiras finalidades e usos determinar a existência de outros utensílios feitos com materiais perecíveis de origem animal e vegetal utilizados por uma comunidade Por exemplo as peles de animais depois de limpas de toda a gordura secas e curtidas poderiam ser cortadas para fabricar cordas e correias Vários instrumentos armas de madeira e de pedra deveriam também ser necessários para capturar matar e retalhar animais As correias podiam ser combinadas com instrumentos de pedra servindo para atar projéteis usados na caça ou para fixarcom o auxílio de uma resina vegetal uma lâmina de pedra ou uma ponta na extremidade de uma haste de madeira a modo de lança ou flecha Além dessas armas é possível reconstituir a partir do estudo dos vestígios líticos do fim da Idade da Pedra utensílios compósitos comuns que consistiam de pequenas lascas e lamelas de pedra minuciosamente trabalhadas cuidadosamente fixadas e coladas em punhos e cabos de madeira ou de osso embora não existam testemunhos diretos dos elementos de osso e madeira Contudo antes mesmo de serem combinados os utensílios de pedra e de madeira mais rudimentares já eram interdependentes Por exemplo uma lança de madeira poderia ser cortada no comprimento exato com uma faca de pedra mas certamente teria de ser desbastada e aplainada com um raspador de pedra ou qualquer outro 516 Metodologia e pré história da África instrumento utilizado para desbastar talvez mesmo com uma correia de couro ou de fibra vegetal antes de estar pronta para o manejo e arremesso Além disso a preparação da ponta da lança devia requerer instrumentos de pedra afiados em seguida ela seria enrijecida ao fogo como indicam alguns espécimes encontrados No período mais recente da Idade da Pedra o encaixe bem feito de uma ponta de pedra em uma lança de madeira dependia de um delicado trabalho de desbaste e de entalhe executado com instrumentos de precisão Esses são alguns exemplos do que é possível se obter de um estudo inteligente e imaginativo do instrumental lítico para desfazer sua imagem petrificada e torná la mais vivo Seria possível estabelecer o mesmo tipo de relações no que diz respeito aos usos da madeira e das peles na fabricação de tendas e abrigos Aqui como no caso dos utensílios e armas que acabamos de citar extrapolamos o ponto de vista tecnológico restrito para propor uma interpretação econômica e cultural mais ampla dos espécimes descobertos e reconstituir a vida das diferentes comunidades de caçadores coletores dos vários períodos da Idade da Pedra Um ponto importante a ser notado é que durante a Idade da Pedra a maioria dos utensílios mesmo os de pedra não eram armas Embora a caça tivesse sido sempre de grande valor como fonte de proteínas exceto nos locais onde havia peixe em abundância e se conheciam meios para fisgá las a coleta de alimentos vegetais em particular raízes feculentas e tubérculos era igualmente importante e assegurava o essencial do regime alimentar A maior parte dos utensílios era fabricada para essas atividades para uso doméstico em geral e para trabalhar a madeira As dificuldades do transporte da água deviam restringir consideravelmente a escolha de locais de acampamento Um acampamento temporário de um grupo familiar tinha de estar situado perto de um curso dágua ou de um lago Em um sítio desse tipo haveria naturalmente vegetação mais abundante e maior variedade de alimentos atraindo assim a caça Numa abordagem que combine bom senso e imaginação o estudo das técnicas da Idade da Pedra pode contribuir para a reconstituição das condições econômicas e culturais da época Não podemos negar entretanto que as evidências são escassas mesmo para o período mais recente da Idade da Pedra na África oriental e que as tentativas de uma interpretação mais ampla são inevitavelmente especulativas É preciso certamente resistir a conjeturas teóricas audaciosas Todavia aceita essa colocação de nada adianta lamentar a escassez dos restos fósseis disponíveis vale mais estudá los com inteligência e imaginação para determinar que fatos e ideias podem ser deduzidos a partir 517 A Pré História da África Oriental deles Tal procedimento cria estímulos para novas abordagens e para a busca de outros documentos A seguir examinaremos algumas das maneiras possíveis de obter informações adicionais e chegar a conclusões mais interessantes Como já mencionamos encontram se ocasionalmente ossadas de animais fossilizados em certos sítios antigos e restos ósseos não fossilizados em sítios recentes principalmente em abrigos sob rocha São testemunhos diretos das variedades de animais que eram caçados e consumidos Por vezes o exame minucioso dos ossos no sentido de se encontrar marcas de instrumentos e de fraturas e mesmo da forma como estão distribuídos no local onde foram encontrados pode indicar como o animal foi abatido e consumido No entanto mesmo essas evidências diretas podem representar apenas uma parte da história Por exemplo é possível que pequenos mamíferos répteis pássaros e insetos tenham sido capturados não existe entretanto nenhum traço deles seja porque seus ossos ou partes duras eram frágeis demais para subsistir seja porque o caçador devorou essas presas tão pequenas no local da captura em vez de levá las para o acampamento O mesmo pode ter ocorrido com o mel frutas bagas nozes e mesmo ovos de pássaros consumidos no próprio local dispensavam o uso de utensílios de pedra para sua coleta e preparo Na verdade restos de alimentos vegetais pré históricos são raramente descobertos No entanto o regime alimentar das populações primitivas de caçadores coletores deve ter sido relativamente equilibrado uma reconstituição plausível deste regime deve ser igualmente equilibrada fazendo se uma avaliação inteligente tanto das evidências arqueológicas quanto dos recursos alimentares que o meio ambiente local pôde oferecer Em certas regiões por exemplo na região central da Tanzânia os testemunhos arqueológicos do modo de vida dos grupos de caçadores coletores do fim da Idade da Pedra são notavelmente complementados por pinturas rupestres Sem contar a habilidade técnica senso artístico e maturidade demonstrados em muitas dessas pinturas encontramos dados valiosos sobre os tipos de animais caçados assim como sobre os métodos de caça com lança arco e flecha e sobre os diversos tipos de armadilhas Já outras técnicas para a obtenção de alimentos como a de arrancar raízes e a de recolher o mel são mais raramente representadas A pintura rupestre concorre para dar maior clareza e ampliar nossa visão da vida pré histórica especialmente porque algumas das atividades representadas podem ser comparadas com as práticas recentes ou atuais de povos da África oriental As informações que essa arte nos fornece têm de ser confrontadas com o material técnico de finalidade econômica ou cultural Uma vez esboçado 518 Metodologia e pré história da África um quadro referencial podemos levantar questões e fazer conjeturas sobre os métodos de caça de coleta de preparação de armadilhas sobre o tamanho do grupo de caçadores e indo mais além sobre a comunidade como um todo sua área territorial e o tipo de organização social que criou para se manter A comprovação dessas conjeturas encontra se ainda em estágio experimental de modo que as respostas às questões levantadas raramente se exprimem com total segurança No entanto foram alcançados indiscutíveis progressos cuja continuidade depende fundamentalmente de testemunhos arqueológicos provenientes de diversos sítios É portanto necessário que a coleta desses testemunhos se opere segundo os métodos mais sistemáticos mais cuidadosos e se possível mais sofisticados Não são raros na África oriental jazidas em que aparecem indústrias líticas Foram descobertas a partir do início do século XX Após o trabalho pioneiro de levantamento realizado pelo Dr Louis Leakey no Quênia na década de 20 um número cada vez maior de sítios de todos os períodos da pré história foram descobertos na África oriental muitos ainda serão certamente revelados São em geral expostos pela erosão ou por outras perturbações do terreno Utensílios e resíduos de preparação são carregados pela água para ravinas leitos de rios ou abrigos sob rocha ou então trazidos à superfície pelo cultivo da terra pela passagem de rebanhos ou por trabalhos de construção Esses sítios e objetos são descobertos não apenas por arqueólogos profissionais mas na maior parte dos casos por amadores fazendeiros estudantes etc A descoberta de um sítio qualquer que seja é muito importante e deve ser comunicada às autoridades competentes Todos os utensílios e outros materiais arqueológicos encontrados devem ser guardados em museus onde estarão disponíveis para estudo e comparação com outras coleções locais O hábito dos arqueólogos estrangeiros de levar suas descobertas para os museus de seu país de origem nunca prevaleceu no caso particular da África oriental e felizmente já cessou Apesar de algumas coleções de material recolhido no início deste século na África oriental se encontrarem em museus europeus a maior parte e sem dúvida os mais valiosos restos arqueológicos estão nos museus nacionais dos países onde foram descobertos Uma coleção de superfície por si só nos revela muito pouco uma vez que os utensílios e os resíduos de preparação foram removidos de seu sítio original e que a própria coleta é geralmente seletiva Porém mesmo uma pequena coleção de superfície poderá fornecer nos alguns indícios o tipo ou o modo de fabricação dos utensílios informarão sobre O período ao qual pertencem e sobre 519 A Pré História da África Oriental sua relação com outros sítios conhecidos Isso ajudará a determinar o interesse de investigações e escavações mais detalhadas e completas As escavações devem ser planejadas e empreendidas por arqueólogos com experiência no tipo de sítio em questão Todavia como já dissemos arqueólogos especializados dependem das informações locais fornecidas por amadores ou estudantes Estes últimos podem ainda auxiliar nas escavações iniciando se assim nesse tipo de trabalho Somente através do emprego de métodos corretos de técnicas modernas de escavação e de exame dos vestígios tanto no seu lugar de origem quanto após seu registro e remoção é que o arqueólogo terá condições de coletar num sítio um máximo de informações e de elaborar um quadro se não exaustivo ao menos o mais completo possível das atividades de que o local foi palco Deve se ressaltar que alguns dos trabalhos de escavação em sítios da Early Stone Age na África oriental empreendidos nos últimos anos contribuíram para estabelecer um modelo de pesquisa para outras partes do mundo em termos de método análise e interpretação Nas escavações o interesse do arqueólogo não se limita à descoberta de espécimes isolados para ele importa mais a busca do maior número possível de dados sobre o modo de vida de uma comunidade antiga através da identificação e do estudo exaustivo da maior parte do conjunto cultural e da coleta de toda informação disponível sobre o meio ambiente Esse trabalho pode exigir métodos de escavação meticulosos e muito lentos de vez que todos os objetos devem ser coletados e todas as características do solo de um sítio de habitação mesmo as pequenas irregularidades da superfície ou mudanças de cor do solo que poderiam ser indícios do uso do fogo ou de alguma outra atividade devem ser registradas Em geral é necessário peneirar o solo dos locais onde há possibilidade ou certeza de existirem pequenos objetos como lascas de pedra fragmentos de ossos e até mesmo sementes vegetais Essa prática é muito frequente em abrigos sob rocha recentes onde os depósitos tendem a ser móveis e semelhantes a cinzas Habitualmente em abrigos sob rocha e com frequência em sítios ao ar livre os materiais não representam apenas uma ocupação mas várias ocupações sucessivas Cada uma delas deixou seus restos sobre a camada de restos da anterior requerendo assim um estudo à parte Portanto o escavador tem de dar uma atenção especial à estratigrafia pois a interpretação resultaria lamentavelmente distorcida no caso de um objeto de determinado período de ocupação misturar se aos de outro período Embora a responsabilidade de identificar registrar e estudar todas as descobertas caiba ao próprio arqueólogo ele necessita da assistência de outros cientistas Esta pode intervir ulteriormente em laboratório por exemplo 520 Metodologia e pré história da África para a identificação de ossadas animais Do mesmo modo se o arqueólogo encontrar restos vegetais que se preservaram como sementes nozes ou pedaços de madeira carbonizados precisará enviá los a um especialista em botânica após submetê los a tratamento especial no próprio local A identificação e o estudo de amostras desse tipo contribuirão para aumentar as informações sobre o regime alimentar e a economia da comunidade bem como sobre o meio ambiente daquela época Se por sorte forem encontrados pólens fósseis um exame palinológico pode dar uma ideia da vegetação então existente e das mudanças que ela sofreu Podem também ser reveladoras as amostras de solos que contêm microrganismos ou conchas de moluscos pois estes seres ajudam a identificar o tipo de vegetação dominante e em consequência o clima da época O estudo da geologia da geomorfologia e da estrutura dos solos também é útil para a tentativa de reconstituição do meio ambiente antigo e dos recursos que uma comunidade pré histórica poderia explorar É óbvio que grande parte dessa investigação para ser profunda e confiável deve aproveitar a presença de diferentes especialistas no sítio de escavação ao menos durante uma parte do tempo pois não são apenas as amostras colhidas e levadas para os laboratórios que contêm indícios As amostras devem ser cuidadosamente selecionadas e controladas no próprio sítio Grandes modificações podem ter ocorrido na paisagem entre o período estudado e a época atual como consequência de alterações climáticas movimentos geológicos ou mais frequentemente ainda devido à atividade humana sobretudo a agricultura e o desmatamento em épocas recentes A abordagem do passado deve ser feita sempre através de um estudo inteligente do sítio no estado em que foi encontrado e de todos os vestígios arqueológicos ou não que ele contém Há diversos outros estudos relacionados à pesquisa arqueológica que se não apresentam evidências diretas do período pré histórico podem indiretamente fornecer preciosos esclarecimentos Em primeiro lugar temos a pesquisa antropológica realizada nas poucas comunidades de caçadores coletores ainda existentes no mundo especialmente as da África De fato muitas das considerações tecidas acima foram sugeridas explícita ou implicitamente pelo modo de vida dos atuais caçadores coletores como os Hadza da Tanzânia setentrional e os San do Calaari que vêm sendo objeto de interesse dos pesquisadores nos últimos anos Os hábitos dos Hadza e dos San fornecem muitas indicações úteis sobre a viabilidade organização e limitações de um modo de vida baseado na caça e na coleta além disso sugerem inúmeros pontos que teriam de outra forma escapado à atenção dos arqueólogos Todavia estaríamos incorrendo em grave 521 A Pré História da África Oriental erro se considerássemos essas comunidades como réplicas exatas das sociedades da Idade da Pedra ou como simples remanescentes dessa época É bem verdade que o modo de vida de certos grupos modernos de caçadores coletores principalmente dos San do sul da África ainda reflete as condições das populações da Late Stone Age e pode portanto esclarecer alguns problemas daquele período No contexto da Late Stone Age por exemplo é comum descobrirem se pedras nas quais foi praticado um orifício circular Atualmente os San por vezes utilizam pedras perfuradas como lastro para bastões de madeira apontados que servem para desenterrar raízes comestíveis existem pinturas rupestres na África do Sul que aparentemente representam essa prática Entretanto correlações específicas como essa são raras A sociedade San sofreu algumas modificações por diversos motivos inclusive pelo contato próximo ou remoto com povos que utilizavam o ferro e viviam em uma economia de produção de alimentos Poucos San continuam a trabalhar a pedra com regularidade pois é possível obter o ferro através de troca ou em sucatas fato que leva a inevitáveis mudanças nos níveis tecnológico e cultural Outros grupos sobreviventes de caçadores coletores misturaram se mais intimamente a populações produtoras de alimentos outros ainda não são verdadeiramente aborígines tendo retornado nos últimos tempos a esse modo de vida subsistem graças à troca de produtos da floresta com seus vizinhos agricultores e pastores Essa dependência recíproca é característica de muitos grupos conhecidos sob a denominação de Dorobo que ainda habitam as terras altas do Quênia e da Tanzânia Esses exemplos mostram os riscos de se estabelecer paralelos entre as populações atuais de caçadores coletores e as da pré história recente riscos que se multiplicam quando estudamos épocas ainda mais remotas Apesar disso podemos obter informações valiosas sobre os recursos alimentares do território e a organização necessária à sua exploração Outra inestimável fonte de informações é o estudo da vida e das sociedades de primatas particularmente dos atuais parentes mais próximos do homem o chimpanzé e o gorila assim como dos babuínos Estes últimos não são biologicamente tão próximos do homem mas do ponto de vista do comportamento são de especial interesse para o estudo da sociedade humana Mais que os outros primatas os babuínos vivem a maior parte do tempo em grupos no solo sendo relativamente fácil observá los Como já foi dito anteriormente o homem não descende desses macacos e não estamos sugerindo aqui que quaisquer comunidades pré históricas nem mesmo as mais antigas estivessem significativamente mais próximas deles do que o homem moderno Todavia ao estudar o comportamento básico dos primatas e os hábitos que 522 Metodologia e pré história da África o homem herdou de seus ancestrais pré humanos e ao tentar compreender como esses ancestrais imediatos do homem que não tinham a capacidade ou o costume de fabricar utensílios asseguravam sua subsistência essencialmente vegetariana constatamos que há muito a se aproveitar desses estudos de campo realizados em sua maioria na África oriental Como já fizemos notar a pré história foi extremamente longa e ao fim desse período as populações humanas já haviam alcançado grandes progressos diferenciando se bastante de seus ancestrais dos primeiros tempos Além disso os habitantes da África oriental na Late Stone Age alguns dos quais subsistiram até épocas bem recentes eram nitidamente africanos Uns aparentavam se aos San outros foram assimilados às populações negroides da Idade do Ferro Por outro lado as populações da Early Stone Age em especial as do seu estágio mais antigo embora bem representadas na África oriental e por longo tempo só conhecidas nessa região foram também os ancestrais de toda a humanidade Esses primitivos fabricantes de utensílios de pedra cujas ossadas foram descobertas nas camadas mais profundas da garganta de Olduvai norte da Tanzânia e na região do lago Turkana norte do Quênia e sul da Etiópia são geralmente classificados como Homo embora diferissem do homem moderno Homo sapiens sapiens tanto no corpo quanto no cérebro A antiga história da África oriental confunde se portanto com a história da humanidade fato que lhe confere uma importância universal Por encerrar informações inestimáveis sobre o homem primitivo sua cultura e a ecologia dos primatas a África oriental tornou se merecidamente o centro mundial das pesquisas sobre a vida o meio ambiente e a origem do homem Cronologia e classificação Enquanto na maior parte da Ásia Europa e da África do Norte a Idade da Pedra foi dividida convencionalmente em Paleolítico Mesolítico e Neolítico esse sistema foi abandonado pela maioria dos especialistas para a África ao sul do Saara Nessa região a Stone Age é considerada e estudada em três grandes períodos Early Middle e Late que se distinguem em grande parte por mudanças importantes e características na tecnologia que têm obviamente implicações culturais e econômicas mais amplas Esses sistemas de classificação não são duas maneiras de dizer a mesma coisa tanto do ponto de vista conceptual quanto do cronológico os critérios de classificação são completamente diferentes ver Quadro e notas correspondentes 523 A Pré História da África Oriental figura 192 África oriental principais jazidas da Idade da Pedra 1974 524 Metodologia e pré história da África Os três períodos da África são datados aproximadamente da seguinte maneira a Early Stone Age ou Old Stone Age da época dos primeiros utensílios de pedra isto é há 3 milhões de anos até por volta de 100 mil anos atrás b Middle Stone Age de aproximadamente 100 mil anos até 15 mil anos atrás c Late Stone Age de 15 mil anos atrás até o início da Idade do Ferro que ocorreu há 2 mil anos na maioria das regiões Devemos enfatizar que essas datas são aproximadas e têm causado controvérsias Até recentemente sugeriram se datas em geral mais tardias para a transição da Middle Stone Age à Late Stone Age e em particular para a transição da Early Stone Age à Middle Stone Age Essa atitude conservadora devia se em parte à raridade de sítios e de coleções líticas satisfatoriamente definidos descritos e datados aliada ao fato de ter a primeira transição da Early para a Middle Stone Age ocorrido em uma época cuja data não pode ser estabelecida com precisão pelo método do radiocarbono Embora tenham se obtido e sejam frequentemente mencionadas datações entre 50 e 60 mil anos é provável que se trate de datas mínimas e não de datas estritamente exatas Na verdade a cronologia detalhada não só do início da Middle Stone Age mas também de toda a última parte da Early Stone Age é ainda bastante incerta Novas técnicas de datação explicadas em outra parte deste volume estão sendo testadas O método do potássio argônio em particular já ajudou a traçar um quadro cronológico aproximativo para períodos de mais de meio milhão de anos No entanto é sempre necessário recorrer à datação relativa deduzida a partir da estratigrafia arqueológica ou geológica e da tipologia Por esses motivos as datas aqui sugeridas para a divisão da Idade da Pedra em períodos são mais antigas que as datas encontradas comumente em estudos anteriores mas não tão radicais quanto alguns estudiosos do assunto gostariam que fossem Mesmo a escola revisionista é menos radical do que aparenta pois as questões que levanta estão relacionadas mais com definições que com datas reais Além de se ter em conta que as datas para a divisão da Idade da Pedra em Early Middle e Late são imprecisas e controvertidas é importante não esquecer que esses períodos não foram estáticos e indiferenciados e que as mudanças de um para outro não se deram repentinamente Desenvolvimentos tiveram lugar tanto no decorrer de cada um dos três períodos quanto na passagem de um para outro Ademais as transições entre as tecnologias próprias de cada um são complexas Por esse motivo alguns autores falam de períodos intermediários Entretanto a tendência atual é não considerá los como períodos oficiais no 525 A Pré História da África Oriental quadro cronológico da Idade da Pedra De qualquer modo o Second Intermediate entre a Middle Stone Age e a Late Stone Age sempre foi definido de modo muito pouco satisfatório O First Intermediate que compreende as indústrias conhecidas como Fauresmithiense e Sangoense é por vezes considerado como uma fase final da EarIy Stone Age Neste estudo todavia nós o incluímos na Middle Stone Age o que explica a datação mais recuada para o início desse último período O abandono dos Intermediates é mera questão de conveniência e não significa uma simplificação dos quadros relativos ao desenvolvimento tecnológico cultural e econômico do homem na pré história O que se tem admitido é exatamente o contrário Em primeiro lugar durante todas as épocas da Idade da Pedra diferentes tecnologias puderam ser empregadas simultaneamente mesmo no interior de áreas restritas Em certos casos esses contrastes podem ser explicados pelas diferenças do meio ambiente Determinada tradição tecnológica poderia surgir em regiões florestais ou nas margens dos cursos dágua e uma outra distinta poderia aparecer simultaneamente em áreas mais secas ou com vegetação menos densa onde as fontes de alimento e os métodos para obtê lo teriam imposto uma tecnologia e um ajustamento cultural diferentes1 Contudo uma explicação correta nem sempre é tão evidente Por vezes as atividades de uma única comunidade algumas delas temporárias caça de animais de pequeno e grande porte preparação de armadilhas coleta de raízes e tubérculos trabalho da madeira e do couro etc parecem suficientemente variadas para explicar a presença de diferentes tipos de utensílios de uma mesma época em determinada localidade Por outro lado pode haver diferenças que indicam divergências culturais e especializações econômicas muito mais profundas que se atribuem presumivelmente a comunidades ou raças distintas ou durante a Early Stone Age a diferentes espécies de Homo O assunto é controvertido mas as descobertas mais recentes na África oriental mostram que duas culturas antes consideradas como dois períodos distintos da Old Stone Age as indústrias de seixos lascados ou Olduvaiense seguidas por ou se transformando em indústrias de bifaces ou Acheulense coexistiram por um longo período que durou pelo menos meio milhão de anos É difícil justificar essa constatação de maneira satisatória com a teoria do modo de atividade Alguns estudiosos interpretariam essas duas indústrias como indícios de tradições culturais distintas de dois grupos separados vivendo lado a lado e explorando recursos alimentares diferentes 1 Ver em particular a exposição sobre a Middle Stone Age mais adiante 526 Metodologia e pré história da África Ademais observam se por vezes justaposições das divisões arbitrárias entre a Early Stone Age Middle Stone Age e Late Stone Age É possível encontrar utensílios característicos da Early Stone Age ou evidências da utilização de técnicas primitivas de fabricação em um contexto típico da Middle Stone Age A coexistência de características inovadoras e conservadoras pode representar uma mudança gradativa mas nem sempre é possível encontrar sinais de transição Em alguns sítios com sequência estratigráfica nítida pode ocorrer o aparecimento de uma tecnologia nova plenamente desenvolvida sem nenhum traço de evolução local Esse fato sugere a difusão cultural de uma região para outra que pode ser embora não necessariamente resultado da migração de populações As alterações climáticas com seus efeitos sobre o meio ambiente também constituíram um estímulo para a adaptação cultural e o avanço tecnológico neste caso todavia o arqueólogo deve se precaver contra interpretações deterministas simplistas Essa divisão bastante arbitrária da Idade da Pedra é um sistema de referência útil no estágio atual dos nossos conhecimentos deve no entanto guardar certa flexibilidade para que possa sofrer constantes modificações É possível que no futuro esse sistema venha a perder sua utilidade caráter que já poderá estar comprometido por uma aplicação muito formal ou muito rígida com finalidades para as quais ele não foi previsto No Quadro da p 527 apresentamos um esquema mais detalhado para ilustrar a maneira pela qual as diversas culturas e as indústrias líticas da Idade da Pedra reconhecidas por arqueólogos na África oriental se enquadram nessa divisão em três períodos Esse quadro se propõe a servir de guia para os conhecimentos atuais e para os principais estudos em curso e não tem a pretensão de ser a interpretação correta nem de permanecer inalterado diante dos resultados de futuras pesquisas ou do reexame de trabalhos já realizados Deve ser considerado simplesmente como um guia e um guia flexível Algumas das culturas aqui citadas e outras deliberadamente omitidas foram classificadas separadamente com base em pesquisas ou descrições insuficientes fundadas na exploração e descrição completa de um único sítio portanto sua validade enquanto unidades culturais pode ser posta em dúvida Outras têm uma extensão temporal ou geográfica enorme A cultura acheulense da Early Stone Age cobre mais de 1 milhão de anos na África oriental e estende se não só pelo continente africano como também por grande parte da Eurásia meridional e ocidental Na primeira fase da Middle Stone Age a indústria sangoense espraiou se de certas regiões da África oriental e meridional até o extremo oeste do continente Entre as mais recentes indústrias representadas na África oriental a stillbayense e a wiltoniense foram descritas pela primeira vez na Província do Cabo na África do Sul Alguns especialistas 527 A Pré História da África Oriental 528 Metodologia e pré história da África no assunto preferem dar nomes novos e distintos às variantes da África oriental Neste capítulo no entanto preferimos adotar uma abordagem mais simplificada apontando algumas dificuldades evidentes e prováveis revisões em certos pontos Os leitores que o desejarem podem acompanhar os novos progressos e debates tomando por base as obras citadas em nossa bibliografia poderão assim tentar a aplicação de uma terminologia mais sofisticada Este texto e o Quadro e as respectivas notas não estão consagrados à terminologia em si isolada a terminologia perde seu significado e valorizá la demais seria prejudicar a compreensão Por outro lado a Idade da Pedra enquanto período pré histórico só pode ser conhecida discutida e estudada por meio de termos e símbolos criados pelos arqueólogos Toda tentativa séria de compreensão desse período e da abundante literatura que lhe é dedicada quer o consideremos num todo ou o analisemos em partes exige o conhecimento da terminologia empregada pelos diversos autores por mais inconsistente e arbitrária que possa ser Este capítulo portanto constitui uma tentativa de introdução à literatura e à compreensão histórica da África oriental da Idade da Pedra Notas referentes ao Quadro p 527 As duas colunas da direita indicam correlações aproximadas com os períodos geológicos e com a divisão cronológica do Paleolítico aplicada à região do Mediterrâneo no norte da África e na Eurásia Elas foram incluídas para simples referência especialmente em relação a outros capítulos deste volume e outras publicações inclusive obras anteriores sobre a arqueologia na África oriental e não são essenciais para a leitura deste capítulo Os termos Inferior Médio e Superior dos quais Inferior designa a época mais antiga seguem a prática geológica normal baseada em sequências estratigráficas Por isso na maioria das obras geológicas e em muitas obras arqueológicas esses quadros são apresentados em ordem lógica ou seja de baixo para cima Nosso quadro ordena se de cima para baixo de acordo com os quadros cronológicos históricos Como está indicado o termo Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra não é equivalente ao Early Stone Age africano Paleolítico tal como foi empregado inicialmente e como ainda é utilizado na Europa significa Idade da Pedra sem produção de alimentos opondo se a Neolítico ou Nova Idade da Pedra que designa Idade da Pedra com produção de alimentos isto é agricultura eou criação de animais precedendo o uso de metais Uma interpretação do 529 A Pré História da África Oriental Neolítico ligeiramente diferente por vezes encontrada prefere os indicadores de uma cultura material avançada em particular a cerâmica ou a pedra polida ao testemunho específico de produção de alimentos Em algumas partes do mundo pode se distinguir um período de transição ou um período de estagnação cultural segundo alguns autores denominado Mesolítico ao qual nos referiremos neste capítulo apenas para notar que não tem qualquer relação com a Middle Stone Age africana engano muito frequente em obras gerais sobre a história da África Em quase todo o continente africano ao sul do Equador não encontramos nenhum período equivalente ao Neolítico de outras partes do mundo pois a produção de alimentos só se difundiu no início da Idade do Ferro2 No entanto nas terras altas do Quênia e do norte da Tanzânia há indícios de produção de alimentos criação de animais se não um pouco de agricultura no fim da Late Stone Age entre 2 mil e 3 mil anos atrás Essa cultura com sua cerâmica e tigelas de pedra é chamada de neolítica por alguns autores Early Stone Age Primeira fase Os mais antigos utensílios de fabricação humana conhecidos datam de um período entre 2 ou 3 milhões de anos e ao menos 1 milhão de anos passados Foram descobertos nas margens de antigos lagos ou pântanos próximos ao Rift Valley no norte da Tanzânia no Quênia e na Etiópia Talvez os mais antigos utensílios talhados sejam as pequenas lascas de quartzo desbastadas que foram encontradas em vários sítios do lago Turkana e do vale do Omo na Etiópia e cuja finalidade ainda é controvertida Contemporâneos ou ligeiramente posteriores a estas são os seixos lascados bem mais conhecidos e abundantes São seixos do tamanho de um punho e pequenos blocos de pedra que sofreram desbaste por lascamentos operados com o auxílio de outra pedra para produzir utensílios cortantes grosseiros mas eficazes Enquanto trabalhos mais pesados como cortar a pele de um animal partir ou triturar materiais vegetais rijos deviam normalmente exigir o emprego do instrumento principal empunhado com firmeza um grande número de lascas em geral mas erroneamente descritas como resíduos de preparação mais finas e portanto mais cortantes conviriam a trabalhos mais leves e mais precisos como a preparação de um animal abatido 2 Muitos autores discordam dessa opinião 530 Metodologia e pré história da África figura 193 Garganta de Olduvai Tanzânia setentrional A garganta que se aprofunda a mais de 100 m na planície revela uma sequência de camadas a maioria antigos leitos lacustres As mais profundas com aproximadamente 2 milhões de anos contêm os restos de alguns dos mais antigos hominídeos seus utensílios do tipo olduvaiense e restos de alimento Nas camadas superiores encontram se bifaces e outros objetos do tipo acheulense segunda fase da Antiga Idade da Pedra Foto J E G Sutton Figura 194 Early Stone Age primeira fase utensílios olduvaienses típicos seixos lascados 531 A Pré História da África Oriental a fabricação de armas de madeira ou o trabalho doméstico no acampamento Na verdade estudos mais aprofundados sobre essas indústrias denominadas indústrias do chopper ou do seixo lascado particularmente os realizados pela Dra Mary Leakey na garganta de Olduvai onde esses utensílios aparecem nos níveis mais inferiores e por J Chavaillon em Melka Konturé na Etiópia revelam uma variedade de tipos e uma sofisticação tecnológica maiores do que até então se supunha Tanto a expressão seixo lascado quanto civilização do seixo lascado esta última empregada com frequência em relação à primeira fase da Early Stone Age são inexatas principalmente porque as pedras escolhidas para a fabricação dos choppers das lascas e de outros utensílios nem sempre eram seixos Ademais o osso e sem dúvida a madeira eram igualmente utilizados Por esse motivo a maioria dos arqueólogos prefere chamar essa fase de Olduvaiense de Olduvai no norte da Tanzânia onde esses utensílios foram descobertos e descritos pela primeira vez Isso não significa é evidente que tenham sido fabricados inicialmente em Olduvai3 Até certo tempo atrás pensava se que os fabricantes desses utensílios de seixos lascados eram capazes de caçar e abater apenas pequenos animais como pássaros lagartos tartarugas e daimões para complementar sua coleta de frutos vegetais e insetos Atualmente há evidências de que eles abatiam também animais de grande porte Entre os restos fósseis encontrados ao lado de utensílios nos sítios de acampamento ou perto deles figuram ossos de elefantes e grandes antílopes É possível que alguns desses animais tenham morrido de causa natural ou que tenham sido feridos por acidente ou ainda mortos por leões e outros predadores Mas é provável que já nessa época remota alguns desses animais fossem apanhados em armadilhas ou conduzidos para as margens de pântanos por grupos de caçadores que os matavam com chuços e maças de madeira e talvez com projéteis de pedra Sem dúvida parte da carne era consumida pelos caçadores no próprio local onde o animal fora abatido mas parte era frequentem ente levada para o acampamento e dividida com o resto do grupo inclusive mulheres e crianças Os restos que chegaram até nossa época compreendem ossos de várias espécies de animais e diversos instrumentos para cortar raspar e triturar eles constituem uma notável evidência do que podia ser um local de habitação no mais primitivo estágio da humanidade Além disso o estudo da distribuição dos restos sugere a construção de abrigos em Olduvai acredita se que algumas pedras dispostas 3 O nome do local é de origem masai Sua forma mais correta seria Oldupai Encontra se também a grafia oldowaiense derivada da forma alemã do nome Oldoway que aparece nos primeiros mapas 532 Metodologia e pré história da África em círculo tenham servido de base para o vigamento de uma cabana ou de um abrigo possivelmente coberto com peles Em Melka Konturé uma plataforma artificial parece ter servido ao mesmo propósito Além dos vários sítios das margens lacustres que se estendem de Olduvai até o lago Turkana entre os quais figuram os mais antigos sítios conhecidos foram descobertas jazidas de seixos lascados desde a África do Sul até as costas do Mediterrâneo Datam possivelmente de um estágio mais evoluído que a fase mais antiga da África oriental É provável que aquele tipo de indústria tenha se originado na África central ou oriental espalhando se em seguida por todo o continente Em razão de sua datação e mais ainda por terem sido ocasionalmente descobertos na África oriental junto a ossos humanos esses utensílios podem ser atribuídos aos mais primitivos hominídeos os Australopithecine ou especificamente ao Homo habilis4 tese ardorosamente defendida por alguns autores Segunda fase O Acheulense ou civilização dos bifaces encontra se tão difundido na África quanto o Olduvaiense e os sítios a ele relacionados são muito mais numerosos fato que se pode atribuir não só a uma população maior como também à crescente produção de utensílios de grandes dimensões facilmente identificáveis Ao contrário do Olduvaiense o Acheulense estende se para além do continente africano onde teve início há mais de 1 milhão de anos até o oeste e o sul da Ásia e pela Europa ocidental e meridional A tradição acheulense perdurou por mais de 1 milhão de anos até épocas relativamente recentes isto é não mais que 100 mil anos atrás Esse período foi marcado por mudanças climáticas em escala mundial5 sendo pouco provável que todas as regiões onde foram encontrados utensílios daquela cultura fossem habitadas permanentemente Além disso a leste da Índia são raras ou inexistem verdadeiras indústrias acheulenses e ao que parece a Ásia oriental conservou uma tecnologia lítica distinta mais próxima do tipo seixo lascado evoluído Esse fato pode representar uma delimitação cultural importante entre Oriente e Ocidente As indústrias acheulenses das quais o biface é o instrumento mais conhecido são em geral associadas ao Homo erectus uma forma intermediária entre os Australopithecine e o homem 4 Ver capítulo 17 deste volume 5 Ver capítulo 16 deste volume 533 A Pré História da África Oriental figura 195 Early Stone Age segunda fase instrumentos acheulenses típicos vista frontal e lateral 1 picão 2 machadinha 3 biface 534 Metodologia e pré história da África moderno Entretanto por volta do fim da fase acheulense a evolução de Homo erectus para os primeiros tipos de Homo sapiens já estava em curso A África foi um dos cenários da evolução do Homo erectus a qual se fez acompanhar de um desenvolvimento cultural atestado pelas técnicas acheulenses de fabricação de utensílios e pelo modo de vida mais eficiente que possivelmente permitiram No entanto as tradições culturais antigas e provavelmente os tipos físicos mais primitivos mantiveram se ainda durante certo tempo ao lado das novas tradições O melhor exemplo desse fato é dado pelos sucessivos níveis de antigas margens de lagos em Olduvai lugar onde utensílios distintos olduvaienses e acheulenses foram produzidos e usados simultaneamente por várias centenas de milênios há cerca de 1 milhão de anos O Acheulense compreende numerosos estágios e variações mas para propósitos mais genéricos basta nos a divisão principal entre o Acheulense Antigo mais simples e rudimentar e o Acheulense Evoluído ao qual pertencem os mais belos bifaces e machadinhas manufaturados Existem coleções desses instrumentos enriquecendo o acervo dos museus da África oriental sendo que as provenientes de Isimila sul das terras altas da Tanzânia classificam se entre as mais belas do mundo Evidentemente o Acheulense Evoluído começou a se desenvolver a partir de certo ponto do Acheulense Antigo tendo as novas técnicas em consequência coexistido durante certo tempo com as antigas tradições No Acheulense a África oriental foi apenas uma das muitas regiões do Mundo Antigo habitadas pelo homem mas aí se descobriram sítios que forneceram algumas das mais valiosas informações sobre a tecnologia e a economia do Homo erectus e do Homo sapiens primitivo Além de Olduvai com suas incomparáveis sequências estratigráficas e de outros depósitos na mesma região há os sítios de Olorgesailie e Kariandusi no Rift Valley do Quênia e várias jazidas a leste do lago Turkana Nsongesi e outros sítios próximos da fronteira entre Uganda e Tanzânia Isimila e Lukuliro no sul da Tanzânia e Melka Konturé na Etiópia onde várias fases do Acheulense foram descobertas As denominações biface e machadinha usadas para designar os dois tipos mais característicos de instrumentos acheulenses são evidentemente termos arqueológicos convencionais O biface ou hand axe acha de mão não era um machado mas certamente um instrumento para uso geral cuja extremidade pontiaguda e longos bordos afiados poderiam servir para cavar e esfolar entre outras coisas A machadinha cleaver com bordo cortante em formato ligeiramente quadrangular serviria propriamente para esfolar animais A diferença entre a tecnologia olduvaiense e a acheulense é em grande parte quantitativa os conjuntos de utensílios bem como os utensílios isolados acheulenses são 535 A Pré História da África Oriental figura 196 Isimila terras altas da Tanzânia meridional Vista da ravina erodida mostrando as camadas onde foram encontrados utensílios acheulenses Foto J E G Sutton Figura 197 Concentração de bifaces machadinhas e outros utensílios acheulenses a pequena colher de pedreiro no centro serve como escala Foto J E G Sutton 536 Metodologia e pré história da África mais facilmente identificados Além disso as técnicas acheulenses com um lascamento mais preciso regular e sistemático nas duas faces executado mais frequentemente com um percutor de madeira cilíndrico ou osso longo de animal que com um percutor de pedra como no Olduvaiense permitiriam a produção de instrumentos maiores com bordos cortantes mais longos e de lascas mais afiadas utilizadas como facas Durante a Early Stone Age as populações consistiam de bandos de caçadores coletores que se deslocavam a cada estação nas savanas e nas regiões menos arborizadas seguindo a flutuação dos recursos vegetais e animais É bastante provável que esses bandos se dividissem em certas épocas do ano e se reunissem ao fim da estação seca formando grupos maiores à beira de lagos ou em qualquer outro território onde houvesse abundância de recursos Levantou se a hipótese de que as enormes concentrações de utensílios acheulenses finamente executados encontradas em sítios como Isimila e Olorgesailie poderiam ser testemunhos dessas reuniões verdadeiros jamborees anuais As primeiras evidências do uso do fogo na África oriental foram descobertas em contextos arqueológicos que continham indústrias do Acheulense Evoluído Obras publicadas até recentemente situam essa descoberta há 50 mil anos aproximadamente data sem dúvida bastante parcimoniosa Na Ásia oriental e na Europa existem boas evidências de que o Homo erectus utilizava o fogo e cozia há meio milhão de anos embora ainda não se tenha absoluta certeza é muito provável que na África o fogo fosse conhecido e alimentos cozidos fossem frequentemente consumidos durante grande parte do Acheulense Middle Stone Age As populações da Middle Stone Age pertenciam à espécie Homo sapiens mas talvez pertencessem inicialmente a subespécies do Homo sapiens ligeiramente diferentes do homem moderno Entretanto por volta do fim desse período não só o homem moderno Homo sapiens sapiens já devia ter surgido como também estariam bastante desenvolvidas na África e em outras regiões as características físicas das raças hoje existentes Em termos tecnológicos houve progressos significativos na Middle Stone Age Abandonou se a técnica básica de fabricação de utensílios de pedra segundo a qual extraíam se lascas de um núcleo até que se aproximasse de uma formá padrão com arestas cortantes utilizáveis Tornou se cada vez maior o emprego de uma técnica mais complexa que consistia na preparação dos núcleos por lascamentos precisos para lhes dar a forma e as proporções favoráveis ao 537 A Pré História da África Oriental figura 198 Middle Stone Age e utensílios de transição o exemplo da direita é uma ponta fina podendo ser encabada talvez como ponta de lança Figura 199 Olorgesailie no Rift Valley do Quênia Escavações em um sítio de ocupação acheulense Foto J E G Sutton 538 Metodologia e pré história da África destacamento de um utensílio acabado Paralelamente era utilizada a técnica de extração de lascas ao acaso que em seguida recebiam uma forma por meio de retoques Essa técnica permitiu a produção de utensílios menores mais finamente trabalhados em geral mais delgados que os da Early Stone Age e portanto mais eficientes e deu ensejo na segunda fase da Middle Stone Age a uma inovação com implicações de longo alcance o encaixe de utensílios de pedra lascada em um cabo de madeira ou de outro material As pontas foliáceas características das indústrias stillbayenses retocadas por pressão com grande precisão eram frequentemente fixadas e coladas em uma fenda praticada na extremidade de um cabo de madeira para formar uma lança Muitos utensílios domésticos deviam ser produzidos de maneira semelhante o que implicava não só o preparo de gomas de resinas vegetais mas também um trabalho mais complexo de desbaste e entalhe da madeira facilitado por um tratamento ao fogo Paralelamente ao avanço tecnológico da Middle Stone Age verificou se um desenvolvimento econômico ou pelo menos certas modificações no processo de adaptação ao meio Neste ponto colocam se duas questões que se acham relacionadas entre si A primeira diz respeito às alterações climáticas6 Suas particularidades datação e correlação com os testemunhos arqueológicos ainda são pouco conhecidas e seria arriscado tentar explicar umas através de referências fáceis às outras Além do mais as alterações climáticas mudanças de climas mais secos para mais úmidos e vice versa afetando a expansão e o recuo das florestas a frequência e o tamanho dos lagos e rios e portanto a distribuição e a abundância das diversas fontes de alimento não tinham nada de novo Devemos indagar por que as alterações climáticas não levaram a um avanço econômico e tecnológico numa fase anterior da Middle Stone Age No atual estágio das pesquisas ainda não é possível responder satisfatoriamente à questão embora se suponha que o crescimento demográfico tenha forçado a procura de modos mais eficazes e variados de exploração do meio ambiente Qualquer que tenha sido a causa foi isso certamente o que ocorreu na Middle Stone Age Nossa segunda questão refere se à especialização regional Os homens começaram a povoar novos territórios No mundo inteiro o Homo sapiens exercia sua capacidade inata de adaptação forçando os limites dos lugares onde se estabelecia Surgiu na África uma nítida divisão cultural entre os povos das regiões de vegetação rasteira e das savanas com árvores esparsas e os povos que penetraram nas regiões mais úmidas de florestas densas Entre os primeiros 6 Ver capítulo 16 deste volume 539 A Pré História da África Oriental desenvolveu se a tradição da caça de animais de grande porte com lança sem que por isso fosse excluída a coleta de alimentos ao passo que os últimos se dedicaram mais à coleta de vegetais e frutos à pesca e à captura de animais à beira dágua com lanças e certamente vários tipos de armadilhas Durante a primeira fase da Middle Stone Age essa especialização regional não foi tão acentuada quanto às vezes se supõe Nas terras altas do Quênia nas proximidades ou mesmo no interior das florestas foram coletados utensílios pertencentes a uma indústria conhecida como Fauresmithiense semelhante às indústrias de Gondar e de Garba III em Melka Konturé É em muitos aspectos um Acheulense Evoluído apresentando o mesmo tipo básico de instrumentos que são todavia menores e combinam novas técnicas de fabricação Contrastam com as indústrias sangoenses mais difundidas cujos melhores exemplares na África oriental foram recolhidos nos arredores do lago Vitória e no Rift Valley ocidental no sul de Uganda em Ruanda e no oeste da Tanzânia As indústrias sangoenses apresentam também uma mistura de instrumentos do tipo acheulense e novas técnicas mas seus traços predominantes são diferentes dos que distinguem a fácies do Fauresmith O que primeiro nos chama a atenção nas séries sangoenses é seu aspecto rudimentar que não é um sinal de retrocesso cultural mas provavelmente de uma atividade tecnológica mais variada Na realidade muitos desses utensílios de aspecto rudimentar seriam utilizados para fabricar outros utensílios especialmente os de madeira Por outro lado os picões maciços deviam ser úteis para cavar raízes que constituíam parte da dieta nas regiões arborizadas A indústria sangoense é encontrada na África oriental já sob forma desenvolvida o que leva a crer que sua origem e evolução a partir de uma fonte acheulense deva ter ocorrido em alguma outra região na parte central ou ocidental do continente É possível que ela tenha se introduzido na parte ocidental da África oriental durante um período úmido quando os limites da floresta equatorial se estenderam fato no entanto bastante discutível É provável que os sítios de acampamento se situassem nas zonas arborizadas e nas margens de rios e lagos e não no interior das grandes florestas Cabe notar que a distribuição dos sítios sangoenses inventariados na bacia do Zaire mostra que a penetração na floresta equatorial foi apenas um pouco maior do que durante o Acheulense Entretanto na segunda fase da Middle Stone Age os artesãos da indústria lupembiense uma forma evoluída e refinada do Sangoense famosa pelo trabalho requintado de suas pontas de lança de pedra pertenciam mais nitidamente ao meio florestal 540 Metodologia e pré história da África figura 1910 Late Stone Age lâmina com bordo de preensão retocado à direita segmento de círculo no centro raspador e micrólito à esquerda feitos de obsidiana no Rift Valley do Quênia Figura 1911 Apis Rock Nasera Tanzânia setentrional As escavações sob o abrigo bem visível à direita revelaram uma sucessão de ocupações humanas da Idade da Pedra Recente Foto J E G Sutton 541 A Pré História da África Oriental O Lupembiense é encontrado também nos arredores do lago Vitória em outras regiões ocidentais da África oriental e na bacia do Zaire contrastando com o Stillbayense das pontas foliáceas presente nas terras altas ao longo do Rift Valley no Quênia e na Etiópia perto do lago Tana abrigo de Gargora ou de Dire Daoua caverna do Porco Espinho Em outras regiões principalmente no sudeste da Tanzânia predominam diferentes tipos de indústrias da Middle Stone Age menos características ou antes não especificadas por falta de informações mais amplas Algumas delas podem ter semelhanças gerais com o Sangoense Lupembiense Havia provavelmente numerosas tradições regionais resultantes talvez de adaptações ao meio ambiente local e que uma vez estabelecidas teriam mantido muitas de suas características distintivas tanto por razões culturais quanto por pressões econômicas e ambientais Tais fatores culturais regionais podem ser responsáveis pela variabilidade que se fará evidente na África oriental após a adoção das inovações tecnológicas da Late Stone Age Late Stone Age Entre 10 e 20 mil anos atrás essas técnicas ainda mais complexas de fabricação de utensílios de pedra tornaram se comuns Ao contrário da Middle Stone Age em que se dava ênfase à produção de lascas extraídas de núcleos preparados a Late Stone Age concentrou se na produção de lâminas pela debitagem por percussão direta ou indireta de fragmentos com bordos paralelos longos e delicados Essas lâminas podiam ser em seguida retocadas tendo em vista uma variedade de formas e finalidades Em geral as peças retocadas eram muito pequenas micrólitos às vezes com menos de 1 cm de comprimento Uma forma comum chamada pelos arqueólogos de segmento de círculo tem gume reto e dorso curvo e sem corte Não constituíam utensílios acabados destinando se a serem fixados a cabos de osso e de madeira O encabamento já se tornara uma prática evoluída e comum Frequentemente vários micrólitos eram fixados em sequência numa fenda de um cabo de madeira constituindo assim um instrumento compósito como uma faca ou serra Em regiões onde as rochas eram adequadas à produção de lâminas principalmente o sílex ou melhor ainda o vidro vulcânico opaco obsidiana encontrados em locais próximos ao Rift Valley no norte da Tanzânia e no Quênia podiam ser confeccionados belos segmentos de círculo lâminas com bordo de preensão retocado furadores buris para entalhar raspadores e outros utensílios típicos Mas em certas regiões só existia quartzo ou pedras de qualidade inferior menos adequadas ao lascamento Com esse tipo de material produziram se utensílios eficazes que no entanto são 542 Metodologia e pré história da África de aspecto grosseiro e irregular Por vezes os arqueólogos encontram milhares de lascas e fragmentos de quartzo em um solo de ocupação da Late Stone Age mas só conseguem reconhecer e classificar como utensílios 2 ou 3 deles Com base nessas inovações tecnológicas é possível reconhecer ou deduzir um certo número de inovações culturais e econômicas Foi provavelmente nessa época que o arco e a flecha começaram a ser utilizados na caça Um ou dois micrólitos podiam ser fixados na extremidade de uma haste de madeira formando uma ponta outros colocados mais embaixo poderiam servir como farpas O preparo de venenos para tais flechas remonta muito provavelmente a essa época sendo sugerido assim como o uso de redes em áreas arborizadas pelas práticas das populações de caçadores coletores atuais ou recentes entre as quais se mantiveram algumas das tradições da Late Stone Age O osso era certamente muito utilizado a descoberta de furadores de pedra e de osso indica que as peles eram costuradas para a confecção de vestimentas e abrigos Contas feitas de sementes osso cascas de ovos de avestruz e mais tarde de pedra poderiam ser pregadas nessas vestimentas ou utilizadas na confecção de colares As mós que aparecem em algumas séries da Late Stone Age eram usadas entre outras coisas para triturar o ocre vermelho mas é provável que tivessem igualmente uma finalidade econômica mais fundamental moer alimentos vegetais Alguns acampamentos da Late Stone Age localizavam se em campo aberto perto de cursos dágua ou lagos e é possível imaginar a existência de abrigos ou choças feitos com estacas arbustos e talvez cobertos com peles Nessa mesma época era comum a ocupação de abrigos sob rocha às vezes incorretamente descritos como cavernas Esses abrigos naturais localizavam se sob falésias ao longo de certos vales ou sob enormes blocos de granito onde quer que houvesse proteção contra a chuva e o vento forte sem que se reduzisse muito a claridade Alguns deles situavam se em locais privilegiados altos de onde se podia observar os movimentos da caça em grande extensão da planície Em tais abrigos um grupo de caçadores poderia pernoitar ou uma família ou grupo de famílias poderia se instalar durante uma estação Alguns abrigos foram habitados de maneira regular ou intermitente por centenas e mesmo milhares de anos durante a Late Stone Age Esse fato explica as sucessivas camadas de restos geralmente cinzas das fogueiras ossos dos animais consumidos utensílios de pedra e resíduos de sua fabricação Em uma região no centro norte da Tanzânia as paredes rochosas de muitos desses abrigos foram decoradas como já dissemos anteriormente com pinturas de animais cenas de caçadas e outros desenhos Embora raramente seja possível estabelecer uma ligação entre determinadas pinturas isoladas e certas camadas 543 A Pré História da África Oriental da sequência da Late Stone Age encontradas nos abrigos a existência de uma relação mais genérica entre ambas é evidente Além disso a maior parte desses desenhos pertence provavelmente aos últimos milênios da Late Stone Age e parte deles deve ter sido contemporânea do período de difusão das comunidades da Idade do Ferro Entretanto a origem dessa arte de caçadores e das crenças e cosmologias correspondentes deve ser muito mais remota A existência de uma antiga tradição comum remontando a vários milênios até o início da Late Stone Age talvez até a Middle Stone Age poderia explicar as semelhanças gerais entre a arte dos caçadores da Tanzânia e a dos caçadores do sul da África O mesmo acontece com as indústrias líticas dessas duas regiões as quais embora não sendo idênticas têm em comum algumas características gerais descritas frequentemente por aproximação como wiltonienses No sul da África demonstrou se que certos exemplares recentes de arte rupestre e de indústrias líticas wiltonienses eram obra dos San entre os quais alguns grupos ainda mantêm um modo de vida baseado na caça e na coleta As características físicas San e as línguas Khoisan com cliques são distintivas dessas populações Atualmente na África oriental há apenas uma pequena região onde são faladas línguas com diques e é exatamente a região da arte rupestre no centro norte da Tanzânia As populações de línguas Khoisan além de apresentarem algumas características somáticas de possível origem San ainda mantêm uma tradição cultural muito forte de caçadores coletores7 Não se pode considerar esse fato como decorrente de uma migração San relativamente recente vinda do sul da África Deve ter havido em certa época um continuum desses caçadores coletores do norte da Tanzânia ao Cabo da Boa Esperança que foi interrompido pela expansão nos últimos três milênios de povos de línguas culturas e economias diferentes de vida pastoril e agrícola As origens desse continuum cultural das savanas do leste e do sul da África datam certamente da Late Stone Age talvez da fase stillbayense da Middle Stone Age Entretanto devemos deixar em aberto a questão da antiguidade dessas origens até que se possa reconhecer e entender melhor nos seus entremeios a segunda fase da Middle Stone Age e a transição para a Late Stone Age representadas pelas indústrias erroneamente definidas como magosienses Observa se na Etiópia que o Magosiense sucede diretamente o Stillbayense em vários sítios sendo testemunho em relação a este último de uma grande diversificação 7 Ver capítulo 11 deste volume 544 Metodologia e pré história da África A suposta existência de uma longa tradição entre as culturas de savana da Late Stone Age poderia explicar algumas variações regionais incluídas na categoria geral do Wiltoniense Era tendência dos arqueólogos no passado incluir nessa categoria quase todas as indústrias em que abundasse o elemento microlítico tanto do leste quanto do sul da África É possível que algumas dessas indústrias nas áreas setentrionais da África oriental tenham pouca ou nenhuma relação com as populações San do sul Além disso na parte ocidental da África oriental poder se ia encontrar uma tradição distinta ligada à bacia do Zaire onde floresceram as indústrias do Tshitoliense derivadas do Sangoense Lupembiense indústrias das florestas e das regiões arborizadas da Middle Stone Age Mas essa ligação não é muito evidente exceto em Ruanda Uma região no entanto contrasta nitidamente com as demais Trata se das terras altas e do Rift Valley do Quênia Algumas indústrias da Late Stone Age que apresentam traços em comum com as indústrias wiltonienses podem ser encontradas nessa área além de outras em que utensílios fabricados com lâminas longas predominam sobre os micrólitos Essas indústrias denominadas Capsiense do Quênia utilizavam a obsidiana local datando de um período entre 10000 e 5000 A melhor série é a que foi recolhida pelo Dr Leakey em Gambles Cave perto de Nakuru na década de 20 Indústrias relacionadas a essa ou derivadas dela continuaram a existir até o fim da Idade da Pedra O Capsiense do Quênia tem analogia com uma tradição de lâminas mais antiga que se difundiu por grande parte do nordeste da África e da região do Mediterrâneo Mas a comparação entre as indústrias líticas não é a única consideração importante Devemos notar que o Capsiense do Quênia e seus artesãos representam o ramo sul oriental da civilização negra fundada na exploração de recursos aquáticos que se estendeu pela África numa faixa ao sul do Saara e acima do vale do Nilo até a África oriental A ocupação dessa área parece ter ocorrido durante um período úmido temporário em que os níveis dos lagos eram elevados e os rios caudalosos O apogeu dessa civilização ocorreu em torno do sétimo milênio antes da Era Cristã As populações ribeirinhas apanhavam peixes e animais aquáticos com lanças e arpões de osso característicos feitos com instrumentos de pedra Estes podem ser encontrados no lago Eduardo Rift Valley ocidental no lago Rodolfo e nas antigas margens do lago Nakuru Já era conhecida a fabricação de cestos e da cerâmica representando esta última uma das mais antigas evidências do uso do cozimento da cerâmica no mundo Todas essas características indicam uma sociedade sedentária cujo habitat principal se situava à beira da água 545 A Pré História da África Oriental O Neolítico Há alguns anos por falta de provas arqueológicas acreditava se que a criação de animais e sobretudo a agricultura se tivessem desenvolvido muito pouco na África oriental antes do primeiro milênio com exceção dos sítios ao longo do vale do Nilo ligados ao Neolítico de Cartum É ainda especulativa a afirmação de que grupos de pescadores parcialmente sedentários vivendo à beira dos grandes lagos e rios a partir do sétimo e do sexto milênios deram origem à criação de animais e talvez à agricultura sendo essa mudança no seu modo de vida causada por um lado pelas pressões ambientais a repentina aceleração do processo de desertificação do Saara no início do terceiro milênio e por outro pela sua avançada tecnologia já conheciam até a cerâmica Pode se supor entretanto que esses povos foram receptivos às técnicas de produção coletiva de alimentos em particular a domesticação de animais e vegetais que vão difundir por toda a região a partir do terceiro milênio atenuando assim o impacto da mudança climática sobre os recursos naturais O sítio mais conhecido desse período é Esh Shaheinab Sudão situado em um antigo terraço pouco ao norte da confluência do Nilo Azul e do Nilo Branco Além de uma indústria lítica de micrólitos geométricos A J Arkell encontrou arpões perfurados na base e anzóis feitos de conchas que atestam a existência da pesca como atividade permanente enxós de riolito goivas pequenos machados de osso polido cerâmica decorada com pontos e linhas onduladas Os restos ósseos incluem espécies selvagens em grande parte peixes mas também cabras e ocasionalmente carneiros Data da segunda metade do quarto milênio No sítio de Kadero próximo a Esh Shaheinab e apresentando material semelhante nove décimos dos restos ósseos coletados pertencem a espécies domesticadas inclusive da família Bovidae Em Agordat na província de Eritreia Etiópia foram descobertos vestígios de quatro sítios de habitação semipermanente Embora o estudo desse sítio tenha se limitado às camadas superficiais foram encontrados machados maças de pedra polida discos e braceletes de pedra cerâmica decorada em relevo ou por incisão com motivos em ziguezague contas ornamentos para os lábios e colares A descoberta de mós de almofarizes e de uma estatueta de pedra representando um bovídeo semelhante aos da espécie criada pelas populações do Grupo C populações centradas na Núbia e a oeste desta sugere a existência de uma economia pastoril e agrícola embora não seja suficiente para prová la No abrigo de Godebra próximo de Axum e datado do terceiro milênio foram descobertos grãos de milho miúdo da variedade Eleusine coracana junto 546 Metodologia e pré história da África a uma indústria de micrólitos geométricos e cerâmica Na Etiópia ainda não se descobriu nenhum vestígio do antigo cultivo do teff Eragrostis tef ainda o cereal básico de alto valor nutritivo para muitos grupos étnicos do norte do país nem da banana da abissínia Ensete edule mais cultivada no sul e tampouco do trigo e da cevada Embora ainda não haja provas da existência de uma agricultura no Quênia há muitos vestígios de atividades pastoris em todo o Rift Valley até a Tanzânia e nas terras altas São encontrados em locais de sepultamento Njoro River Cave perto de Nakuru e Keringet Cave perto de Molo ambos sítios de cremação Ngoron goro Crater no norte da Tanzânia sepultura sob um cairn onde o esqueleto se encontra em posição fletida contendo abundante material arqueológico principalmente mós e pilões aparecem também em sítios de habitação como Crescent Island perto do lago Naivasha e Narosura no sul do Quênia Em Narosura 95 da fauna identificada consiste em animais domésticos dos quais 57 são cabras e carneiros e 39 bovídeos Um estudo dos ossos revelou que animais maiores eram abatidos quando velhos enquanto cabras e carneiros eram mortos bem mais jovens Deduziu se que o gado era criado antes para o consumo do leite e talvez do sangue como entre os atuais Masai que da carne Também em Narosura a presença de mós e pilões constitui apenas uma prova indireta da existência de algum tipo de agricultura No que se refere à África oriental a introdução da criação de animais e da agricultura frequentemente ligadas em uma economia mista foi apresentada muitas vezes como o resultado de duas influências uma proveniente do sul do Saara atual estendendo se até o Sudão e a outra proveniente do Egito estendendo se até a Núbia Cartum É possível que o processo de neolitização tenha chegado às terras altas da Etiópia e daí tenha sido levado para o sul por povos de língua cuxítica em migrações de pequena escala Entretanto como em geral acontece a passagem para uma economia de produção foi gradativa As descobertas arqueológicas mostram que o substrato existente continuou a exercer um importante papel tanto no plano tecnológico quanto no econômico A caça ea pesca foram mantidas não houve ruptura na continuidade da cultura material dos pequenos grupos de pescadores que se tinham tornado parcialmente sedentários muito antes do terceiro milênio nem mesmo na cultura dos caçadores coletores que desconheciam o uso da cerâmica Capsiense do Quênia Elmenteitiense Embora até o momento poucas sejam as evidências do desenvolvimento da agricultura sabemos que ela existia e que a criação de carneiros de cabras e depois de bovídeos desenvolveu se rapidamente a partir do terceiro milênio principalmente durante o segundo milênio Quando se 547 A Pré História da África Oriental iniciou a Idade do Ferro os povos da África oriental provavelmente já tinham ultrapassado o estádio pré agrícola A tradição dos pescadores da África central e oriental Há 8 10 mil anos o clima da África era muito úmido de modo que os lagos eram maiores e mais numerosos os pântanos mais extensos os rios mais longos e caudalosos e os cursos dágua temporários mais regulares Nessas condições um modo de vida bastante característico intimamente ligado aos cursos dágua às terras por eles banhadas e suas fontes de alimento e marcado por avançadas técnicas de pesca e de construção de embarcações difundiu se por todo o continente da costa atlântica até a bacia do Nilo numa larga faixa de território situada entre um Saara extremamente reduzido e uma floresta equatorial consideravelmente ampliada Essa civilização aquática como poderíamos chamá la foi encontrada em numerosos sítios arqueológicos nas terras altas do Saara e na orla sul do deserto desde o Alto Níger passando pela bacia do Chade até o Nilo Médio e desse ponto para o sul até os vales de desabamento rift valleys da África oriental e Equador No Rift ocidental foi encontrada em Ishango na margem congolesa do lago Eduardo no Rift oriental os sítios localizam se ao longo das mais elevadas linhas de margem fósseis dos lagos Turkana e Nakuru no primeiro no fundo da depressão no segundo mais ao sul na parte montanhosa do Rift Valley O sítio mais importante localizado nas proximidades do lago Nakuru foi denominado Gambles Cave trata se na realidade de um abrigo sob rocha explorado pelo Dr L S B Leakey na década de 20 A camada de ocupação mais profunda continha vestígios da Late Stone Age atribuídos ao Capsiense do Quênia Entretanto a presença de cerâmica e de uma indústria óssea típicas aliada à recente datação dessa camada aproximadamente 6000 anos permitem nos considerar o Capsiense do Quênia como a forma local da grande tradição aquática da África A presença de espinhas de peixes conchas de moluscos assim como de ossadas de mamíferos e répteis aquáticos ratos dágua e tartarugas e às vezes hipopótamos e crocodilos nesses antigos acampamentos ou habitações à beira dágua sugere importantes dados econômicos Animais terrestres eram igualmente caçados e é provável que as plantas nutritivas de águas correntes e pântanos fossem sistematicamente colhidas e consumidas A tecnologia empregada na obtenção e na preparação de alimentos apresentava algumas características muito avançadas pontas de arpão esculpidas em osso com instrumentos de pedra e recipientes de cerâmica Os arpões eram fixados com 548 Metodologia e pré história da África fibra na extremidade de lanças de madeira sendo usados para apanhar peixes e outros animais aquáticos tanto em embarcações quanto à beira dágua A cerâmica de grandes proporções era frequentem ente decorada com espinhas de peixe ou conchas em motivos conhecidos como wavy line e dotted wavy line Embora tenha sofrido variações a tradição wavy line e dotted wavy line é característica o suficiente para ser distinguida de outros tipos mais recentes de cerâmica dessas regiões Alguns dos padrões decorativos assim como a forma mais aberta dos recipientes podem ter sido inspirados pelos cestos que provavelmente eram usados para carregar os peixes após a pesca Nos sítios às margens dos lagos da África oriental ao longo do Nilo Médio e no Saara o desenvolvimento da civilização aquática foi datado entre 8000 e 5000 Seu apogeu e maior expansão ocorreram no sétimo milênio Os primeiros arpões foram sem dúvida esculpidos um pouco mais cedo ao passo que a descoberta da cerâmica não deve remontar além de 6000 Os recipientes de cerâmica são os mais antigos da África e encontram se entre os primeiros fabricados no mundo É quase certo que essa invenção tenha ocorrido espontaneamente em alguma parte da faixa central do continente africano Não existe nenhum indício de que as populações ribeirinhas praticassem a agricultura entre 7 mil e 10 mil anos atrás na África oriental ou em qualquer outro ponto do extenso território que ocupavam No entanto a própria magnitude da expansão dessas populações e a rapidez com que ocorreu aliadas à complexidade tecnológica desse novo modo de vida demonstram seu prestígio e domínio cultural durante todo aquele período úmido Considerar essa cultura como simples variante das culturas baseadas na caça e coleta da Late Stone Age seria negar suas características distintivas e suas realizações É possível que essas populações não vivessem em comunidades verdadeiramente permanentes mas com fontes de alimento asseguradas pelos grandes lagos e rios e com uma tecnologia que lhes permitia explorar eficazmente esses recursos foram capazes de manter instalações comunitárias maiores e mais estáveis do que as de quaisquer outras populações anteriores Esses fatores propiciaram não só o crescimento demográfico como também a criação de um novo ambiente social e intelectual caracterizado por um artesanato complexo indispensável à fabricação de embarcações arpões cestos e cerâmica e pelo modo de vida mais evoluído que o uso desses objetos impunha O papel da cerâmica é particularmente importante mais do que em geral supõem historiadores e até mesmo arqueólogos Devido à sua fragilidade a cerâmica tem uma utilidade limitada para sociedades nômades sem bases fixas ou seja para a maior parte das sociedades de caçadores coletores Mas para 549 A Pré História da África Oriental as comunidades permanentes organizadas a cerâmica tem um significado carregado de civilização permitindo maior versatilidade com a introdução ou o aperfeiçoamento dos modos de preparar e cozinhar os alimentos A morfologia dos povos ribeirinhos da África ocidental e oriental provavelmente evoluiu entretanto os poucos restos de esqueletos descobertos indicam que sua origem era basicamente negroide8 Ao que parece foram justamente a expansão e o progresso da cultura e da economia aquáticas há 9 mil ou 10 mil anos que favoreceram a predominância de um tipo definitivamente negroide em toda a região do Sudão até o Médio e o Alto Nilo e a parte setentrional da África oriental Esse fato provavelmente está associado à expansão geográfica e à subsequente dispersão e diferenciação da grande família ou phylum linguística que Greenberg chamou de nilo saariana e que atualmente se encontra bastante fragmentada na região que vai do Alto Níger até a Tanzânia central Para um phylum tão amplamente difundido tal fragmentação é indício de uma antiguidade de vários milhares de anos maior ainda que a de outras famílias linguísticas Níger Congo e diversos ramos do afro asiático que penetraram nessa área da África central Entre as áreas onde o nilo saariano se manteve inclusive seu ramo oriental o Chari Nilo estão as regiões ricas em lagos pântanos e rios nas quais o antigo modo de vida aquático intimamente associado à língua nilo saariana conseguiu subsistir por mais tempo embora tenha sofrido modificações Essa exposição sobre a grande civilização dos meios aquáticos e as línguas nilo saarianas levou nos mais longe do que conviria para o presente capítulo e para este volume No entanto é um aspecto muito importante até hoje negligenciado da história dos povos da África tendo influenciado consideravelmente as populações seguintes suas culturas e economias em grande extensão do continente inclusive na África oriental A partir de aproximadamente 5 mil anos antes da Era Cristã os efeitos do ressecamento geral do clima começaram a ser sentidos O nível dos lagos baixou e a economia de exploração dos recursos aquáticos sofreu um declínio embora persistisse por mais algum tempo no Rift Valley do Quênia Durante o segundo e o primeiro milênios antes da Era Cristã novas populações vindas da Etiópia chegaram à região trazendo gado e provavelmente algumas praticas agrícolas 8 A afirmação frequentemente encontrada relativa a origem caucasoide das populações do Capsiense do Quênia baseia se em uma interpretação incorreta dos trabalhos de Leakey em Gambles Cave e em outros sítios Ver J Afr Hist XV 1974 p 534 C A P Í T U L O 2 0 551 Pré História da África austral Os primeiros hominídeos Darwin e Huxley consideravam os trópicos incluindo talvez o continente africano como o habitat original do homem pois é nessa região que são encontrados o chimpanzé e o gorila seus parentes mais próximos entre os primatas Assim como o ancestral comum ao homem e aos macacos antropoides esses pongídeos são arborícolas as características morfológicas indicam que sua evolução deve ter se completado no decorrer de um longo período de adaptação à vida nas florestas tropicais das áreas de montanhas médias e terras baixas O homem por sua vez não evoluiu na floresta mas nas savanas Na África oriental e austral os mais antigos fósseis de hominídeos foram encontrados nas pradarias semi áridas e nas matas de vegetação decídua Ali seus ancestrais tiveram de enfrentar problemas de sobrevivência completamente diferentes contando com recursos em potencial infinitamente mais variados que aqueles de que dispunham os antropoides Até agora ainda não se chegou a um acordo sobre a época em que as famílias dos hominídeos e dos pongídeos se diferenciaram A partir da interpretação dos testemunhos paleontológicos calculou se que essa diferenciação ocorreu durante o Cenozoico Antigo no decorrer do Mioceno Inferior há aproximadamente 25 milhões de anos Por outro lado trabalhos recentes de bioquímica comparada Pré História da África austral J D Clark 552 Metodologia e pré história da África dos primatas cromossomos proteínas do sérum hemoglobina e diferenças imunológicas entre o homem os antropoides e os macacos do Velho Mundo sugerem que a diferenciação não foi anterior a 10 milhões de anos talvez nem mesmo a 4 milhões Poderíamos crer que as evidências fornecidas pelos próprios fósseis fossem mais concretas mas infelizmente não é o que acontece Se a cronologia longa estiver correta o período crucial durante o qual os hominídeos já estariam sensivelmente diferenciados da linhagem dos macacos antropoides Mioceno RecentePlioceno Antigo entre 12 e 5 milhões de anos forneceu nos até agora pouquíssimos fósseis de primatas na África Só a partir do fim do Plioceno dispomos novamente de material fóssil fragmentário e não há a menor dúvida de que entre esses fósseis existem hominídeos O fóssil Ramapithecus wickeri do Mioceno Recente descoberto em Fort Ternan na bacia do lago Vitória tem de 12 a 14 milhões de anos Infelizmente desse fóssil existem apenas fragmentos da face e dentes mas as características desse material levam a classificar tal fóssil como hominídeo Entretanto para termos certeza de que o resto de sua anatomia e seu sistema de locomoção não diferiam radicalmente daqueles dos hominídeos são necessários restos menos fragmentários e principalmente os ossos do esqueleto pós craniano Se esse espécime já se diferenciara suficientemente ou não como hominídeo é uma questão que deve portanto ficar em suspenso pelo menos por enquanto O Ramapithecus ocupava um habitat onde predominavam florestas galerias cursos de água e savanas numa época em que as florestas perenes que existem hoje somente ao sul da Grande Escarpa na África do Sul eram muito mais extensas que atualmente Visto que o Ramapithecus foi descoberto tanto na África oriental quanto no noroeste da Índia é provável que vivesse também nas savanas do sul da África Os primeiros indícios inequívocos da presença de hominídeos remontam a cerca de 5 milhões de anos atrás época em que os australopithecos ou homens macacos já tinham surgido na parte oriental do Rift Valley Esses australopithecos ocupavam tanto as savanas do sul quanto as da África oriental Acredita se que os mais antigos fósseis da África do Sul datem do fim do Plioceno ou do Pleistoceno Antigo entre 25 e 3 milhões de anos A maior parte do Plioceno caracterizou se por um clima relativamente estável que facilitou o desenvolvimento e a expansão nas savanas de espécies biologicamente adaptadas Esse período de relativa estabilidade chegou ao fim com a diminuição da temperatura no mundo inteiro e com grandes movimentos tectônicos e fenômenos vulcânicos em particular em toda a extensão do Rift Valley Nessa época o sistema de drenagem de inúmeras bacias fluviais e lacustres 553 Pré História da África austral africanas também sofreu modificações muitas vezes consideráveis devido aos dobramentos tectônicos da crosta terrestre As baixas temperaturas que marcam o início do Pleistoceno foram acompanhadas de uma diminuição do índice pluviométrico e de um ressecamento crescente de tal modo que a vegetação árida do Karroo alastrou se no sul da África em detrimento das pradarias e florestas Essas mudanças importantes no clima e no meio ambiente impuseram aos hominídeos ajustamentos significativos e uma concomitante diversificação morfológica ditada provavelmente por reações de adaptação às novas pressões ambientais1 É certo que nessa época tendo abandonado a floresta para viver nas savanas em algum momento do Plioceno ou mesmo antes a forma ancestral dos hominídeos quer ela fosse quadrúmana ou já parcialmente bípede havia passado por uma evolução genética relativamente rápida que lhe permitia adaptar se a vários nichos ecológicos novos Eis porque já no Pleistoceno Inferior parece ter havido no sul da África pelo menos três formas de hominídeos muito provavelmente da mesma espécie capazes de se reproduzirem por entrecruzamento O primeiro fóssil de australopiteco uma criança foi encontrado em 1924 em uma brecha colmatada por calcário numa caverna de Taung no norte da província do Cabo na África do Sul O primeiro indivíduo adulto foi descoberto em 1936 novamente em antigos depósitos de caverna na região de Krugersdorp no Transvaal Desde então inúmeros fósseis de australopitecos e de outros hominídeos foram descobertos como resultado de trabalhos intensivos empreendidos por equipes no nível dos sedimentos depositados pela água na depressão do Rift na África oriental e nas profundas cavernas do planalto calcário da África do Sul onde as condições são favoráveis à preservação de fósseis dessa época Além dessas regiões o único fóssil relacionado aos australopitecos foi encontrado em Korotoro na bacia do lago Chade entretanto atualmente esse espécime é considerado mais recente Assim embora muitos fósseis de australopitecos sejam conhecidos hoje eles provêm de um número limitado de localidades em sua maioria de cavernas da África do Sul e de sítios do Rift Valley pois raramente existem condições favoráveis à preservação de ossos 1 No sul da África a única localidade importante onde foram descobertos fósseis desse período é Langebaanweg no oeste da província do Cabo Esse sítio localiza se perto do litoral e seu meio ambiente é ao mesmo tempo terrestre e o de um estuário Encontra se aí uma fauna abundante e rica em mamíferos africanos de formas arcaicas que datam de cerca de 3 a 5 milhões de anos Embora ainda não tenha sido encontrado nenhum traço de hominídeo existem fósseis de primatas é bem possível que as pesquisas futuras possam revelar restos de hominídeos para comparação com outros da mesma época provenientes da África oriental 554 Metodologia e pré história da África Figura 201 Localização dos depósitos fauresmithienses e sangoenses na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 21 Figura 202 Depósitos de fósseis humanos do Pleistoceno Superior e alguns do Pós Pleistoceno na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 25 555 Pré História da África austral fósseis Em muitas regiões africanas como na região das densas florestas da África ocidental os solos ácidos a erosão e outros fenômenos impediram a preservação de fósseis No entanto existem boas razões para crer que várias formas diferenciadas de hominídeos habitavam as savanas tropicais há 2 ou 3 milhões de anos atrás Na África oriental a datação dos fósseis tem se tornado cada vez mais precisa graças aos métodos radiométricos e à cronologia das reversões paleomagnéticas Até agora os fósseis da África do Sul só puderam ser datados por cronologia relativa através de comparações paleontológicas e geomorfológicas As estimativas mais recentes baseadas no estudo de suínos elefantes e hienas indicam que os mais antigos fósseis do Transvaal têm pelo menos 25 milhões de anos As brechas das cavernas onde esses fósseis foram descobertos a pedreira calcária de Makapan e o sítio tipo de Sterkfontein contêm algumas espécies de mamíferos presentes nos complexos faunísticos da África oriental as quais têm características morfológicas semelhantes às dos fósseis da transição Plio Pleistoceno Os mais antigos espécimes de australopitecine da África do Sul apresentam em sua maioria morfologia grácil A africanus com uma média de 140 m de altura postura ereta os membros inferiores adaptados à locomoção totalmente bípede e os superiores ao uso de instrumentos A cabeça está centrada no alto da coluna vertebral que é sustentada por uma bacia de forma basicamente humana A capacidade craniana os aproxima mais do gorila 450 a 550 cm³ que do homem moderno embora o esqueleto pós craniano e a dentição revelem características essencialmente humanas A face todavia é mais simiesca com prognatismo malares salientes e arcadas supra orbitárias espessas Os pontos de inserção dos músculos da nuca e dos músculos mastigatórios indicam que estes eram muito possantes Em sítios mais recentes as cavernas de Swartkrans e Kromdraai e muito provavelmente também Taung como se acredita hoje o tipo predominante é muito mais robusto A robustus Trata se de indivíduos bem mais pesados com aproximadamente 68 kg Os do sexo masculino têm cristas ósseas uma no alto outra na base do crânio o que permitia a inserção de possantes músculos mastigatórios e da nuca Acreditava se que as formas mais antigas fossem todas do tipo grácil A africanus e as mais recentes todas robustas A robustus Estudos antropométricos recentes porém mostram que a diferenciação não é tão clara como se pensava sabendo se hoje que ambas as formas podem ser contemporâneas isso ocorre em pelo menos um dos sítios da África do Sul Makapan Acontece o mesmo no Pleistoceno Inferior da África oriental os fósseis descobertos nessa região parecem indicar que a diferenciação entre estas 556 Metodologia e pré história da África Figura 203 Principais depósitos de fauna e fósseis humanos do fim do Plioceno fauna fósseis humanos ao início do Pleistoceno na África austral Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Figs 9 Figura 204 Localização dos principais depósitos acheulenses na África austral Acheulense Inferior Superior Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Figs 18 557 Pré História da África austral duas linhagens a partir de um ancestral comum mais próximo da forma grácil pode ter acontecido há 5 milhões de anos Recentemente em 1972 na parte nordeste da bacia do lago Turkana foram encontrados um crânio com uma capacidade craniana de aproximadamente 810 cm2 ossos longos e outros fragmentos de ossos cranianos e pós cranianos que datam de um período entre 3 e 26 milhões de anos Esses fósseis apresentam muitas afinidades com o Homo embora tenham também características que os relacionam aos australopitecos em particular na face e na dentição Em outros depósitos da África oriental principalmente na garganta de Olduvai norte da Tanzânia foram descobertos outros fósseis relacionados a esses com considerável capacidade craniana e que são classificados como australopitecos evoluídos ou como Homo primitivo H habilis Tais fósseis datam de um período entre 2 e 175 milhões de anos2 É muito provável que uma forma primitiva de Homo já existisse no sul da África nessa época mas ainda não foram encontrados fósseis característicos Essa probabilidade é reforçada pela descoberta feita em 1975 em Hadar na parte etíope do Rift Valley conhecida como Triângulo de Afar de fósseis hominídeos com aproximadamente 3 milhões de anos O Dr D Johanson sugeriu que os doze indivíduos descobertos poderiam pertencer a três taxa diferentes um hominídeo grácil representado por um esqueleto muito bem preservado uma forma robusta semelhante ao A robustus e uma terceira forma identificada pelos maxilares superior e inferior mais próxima do Homo sapiens Se esse fato fosse confirmado poderia concluir se que a linhagem Homo já estava diferenciada dos australopitecíneos há 3 milhões de anos O modo de vida dos primeiros hominídeos Embora muitos fósseis de hominídeos australopitecos tenham sido encontrados em cavernas da África do Sul parece pouco provável até mesmo improvável que os sítios onde foram descobertos fossem seus locais de habitação Pensava se que os hominídeos habitavam as profundas cavernas calcárias do Transvaal e que os ossos fósseis ali encontrados fossem restos de animais que eles tinham levado para as grutas para fazerem armas e outros instrumentos No entanto é mais provável que os produtos dessa indústria osteodontoquerática 2 Acredita se atualmente que o fragmento facial e o palato encontrados em Chesowanja na bacia do lago Baringo tenham mais de 3 milhões de anos Como esses fragmentos apresentam algumas características que os ligam ao Homo espécie indeterminada é possível que pertençam a uma época próxima àquela em que a linhagem Homo começou a se diferenciar dos australopitecíneos 558 Metodologia e pré história da África como é denominada constituam apenas os restos da alimentação de algum carnívoro Estudos cuidadosos dos restos de fauna da jazida de Swartkrans indicam que o acúmulo de fósseis de australopitecos e de outros mamíferos nas grutas pode ter várias causas sendo a mais provável a atividade predatória de grandes carnívoros como leopardos ou tigres Entretanto ainda não se chegou a um consenso sobre esse ponto cf Capítulo 17 segunda parte Como a maioria dos materiais são rapidamente destruídos exceto em circunstâncias excepcionais dos primeiros artefatos do homem só sobreviveram os que são feitos de pedra No entanto nas brechas das cavernas da África do Sul Makapan Sterkfontein onde foram descobertos os fósseis dos hominídeos mais antigos não aparece nenhum artefato lítico reconhecido como tal embora tenham sido encontrados utensílios de pedra em três sítios de hominídeos na África oriental que datam de 25 milhões de anos ou mais Na África oriental os sítios de habitação localizavam se perto das margens de um lago ou de um curso de água que desembocava num lago tais sítios podem ser reconhecidos por uma concentração localizada de ossadas e artefatos de pedra Considerando a variedade de espécies e o número de animais evidenciados pelos restos de ossos sistematicamente partidos encontrados nesses depósitos não há dúvida de que se trata de vestígios de atividades coletivas caça e necrofagia dos hominídeos que usavam os instrumentos de pedra para entre outras coisas cortar a carne os ossos e também os alimentos vegetais que deviam constituir a maior parte de sua dieta A variedade dos restos e a diversidade de seu grau de conservação sugerem que esses acampamentos foram ocupados em repetidas ocasiões e não apenas numa parada passageira No entanto existem também os chamados sítios de abate onde apenas um animal de grande porte foi morto e esquartejado por um grupo Em geral a área coberta pelos restos de ocupação deixados nos escarpamentos é pequena indicando que o grupo provavelmente era pouco numeroso apenas duas ou três famílias E discutível até que ponto é verdadeiro o papel de matador predador por vezes atribuído aos primeiros hominídeos Embora a carne constituísse uma parte cada vez mais importante de sua alimentação parece pouco provável que eles fossem mais agressivos que outros carnívoros de grande porte talvez fossem até menos porque não dependiam apenas da carne mas também se utilizavam amplamente de recursos vegetais É evidente no entanto que foi a organização da caça que estimulou o homem primitivo a desenvolver um sistema sócio econômico mais estruturado possibilitado pela sua habilidade para fabricar utensílios com propósitos definidos Na África oriental os vestígios dos acampamentos para os quais eram levados regularmente os produtos da caça e da coleta indicam que os hominídeos do fim do Plioceno e do Pleistoceno Inferior estavam provavelmente 559 Pré História da África austral organizados em grupos sociais flexíveis cuja composição poderia mudar com frequência Esses grupos deviam manter se unidos pela prática de compartilhar o alimento e pela fase em que os jovens dependiam de seus pais para alimentação e aprendizado como as crianças de hoje As atividades que provavelmente levaram os hominídeos a trabalharem a pedra para obter lascas afiadas foram a caça e o consumo da carne A caça exigia organização e comunicação eficazes entre os participantes o que levou com o passar do tempo ao desenvolvimento da linguagem A divisão de tarefas entre homens e mulheres deve ter começado mais ou menos nessa época os homens passaram a se dedicar à caça e as mulheres à coleta de alimentos e aos cuidados com as crianças Se as cavernas do Transvaal não eram os locais de habitação dos hominídeos mas a despensa de algum outro carnívoro de grande porte do qual os próprios hominídeos podem ter sido às vezes vítimas parece provável no entanto que os australopitecos vivessem nas suas imediações Isso porque nas brechas mais recentes do grupo de cavernas de Sterkfontein Swartkrans Kromdraai e de Sterkfontein Extension Site que podem ter 15 milhão de anos foram descobertos utensílios de pedra rudimentares junto aos fósseis Eles são feitos de rochas que não são encontradas nas proximidades das cavernas seixos de quartzito quartzo e diabásio e presume se que sejam provenientes de um acampamento próximo Visto que a maioria dos restos de hominídeos encontrados nas brechas mais recentes de Swartkrans e Kromdraai são de australopitecos robustos supôs se que fossem estes os fabricantes dos utensílios Pensava se o mesmo a respeito de Sterkfontein Extension Site Entretanto fragmentos de um crânio e de uma face e alguns ossos pós cranianos pertencentes a uma espécie primitiva de Homo foram encontrados no mesmo depósito de Swartkrans e é mais provável que seja essa a espécie responsável pelos utensílios Tal fato não exclui a possibilidade de que os australopitecos também fabricassem utensílios um recente experimento realizado em Bristol demonstrou de maneira pitoresca que um jovem orangotango podia fazer lascas a fim de obter comida depois de lhe ter sido ensinado o processo e de ele ter percebido o uso possível das lascas Como os fósseis de australopitecos e de Homo são encontrados nas mesmas localidades na África oriental e meridional e como ocupavam nichos ecológicos idênticos ou muito semelhantes é ainda mais provável que o Australopithecus robustus fosse capaz de fabricar utensílios rudimentares como aqueles que pertencem à mais antiga indústria conhecida a Olduvaiense embora se possa duvidar de que ele tivesse capacidade intelectual para tanto e a fabricação de utensílios pareça relacionada mais especificamente com o surgimento de formas primitivas do Homo H habilis e outros há aproximadamente 25 milhões de anos 560 Metodologia e pré história da África Os primeiros utensílios de pedra as indústrias olduvaienses Embora os primeiros utensílios do homem que sobreviveram sejam feitos de pedra é necessário lembrar que outros materiais poderiam também ter sido empregados madeira casca de árvore osso chifre pele etc É provável que um longo período de utilização de utensílios durante o qual os objetos que por sua forma natural se adequavam a determinado uso receberam pouca ou nenhuma modificação tenha precedido sua fabricação intencional que implicava a vontade expressa de produzir um pequeno número de tipos de utensílios a partir de materiais que sem modificações seriam inutilizáveis Após o lascamento ou outra transformação esses materiais eram desbastados até uma determinada forma e depois aprimorados por retoques Desde o início os utensílios de pedra demonstram a habilidade dos hominídeos para talhar esse material e assimilar os princípios da tecnologia lírica A mais antiga indústria lítica conhecida no mundo foi chamada de Olduvaiense referindo se à garganta de Olduvai na Tanzânia e os exemplares mais antigos da África oriental datam de 26 milhões de anos atrás3 É possível que algumas das descobertas feitas no cascalho de antigos terraços fluviais do Vaal ou do Zambeze ou em altas falésias das costas do sul da África pertençam também a essa época Entretanto como tais utensílios ainda não foram encontrados em estratigrafia associados a elementos que permitam sua datação não se pode afirmar nada sobre sua antiguidade pois eles poderiam ser bem mais recentes Poderíamos pensar que tal como no grande vale do Rift da África oriental no Rift do Malavi tivessem sido preservados tanto utensílios dessa época quanto fósseis de hominídeos Na extremidade norte do Malavi foram encontrados restos de animais do Plio Pleistoceno que constituem o único elo importante entre os vestígios do leste e do sul da África No entanto por alguma razão desconhecida essa área só foi ocupada pelo homem primitivo muito mais tarde e apenas raramente se encontram primatas nos sedimentos das profundas bacias da fossa austral Os utensílios dos depósitos mais recentes de australopitecíneos Swartkrans Kromdraai e Sterkfontein Extension perto de Krugersdorp pertencem a vários 3 Os utensílios do tufo KBS de Koobi Fora haviam sido datados de 26 milhões de anos pelo método do potássio argônio KAr Entretanto resultados mais recentes e correlações da fauna com a formação de Shunguna na bacia do Orno e com a de Koobi Fora no lago Turkana indicam que sua antiguidade pode ter sido superestimada e que uma datação mais provável seria 18 milhão de anos 561 Pré História da África austral tipos característicos choppers obtidos pela retirada de lascas de uma ou duas faces de um seixo ou de um pequeno bloco formando um bordo afiado irregular poliedros que mostram com frequência sinais de golpes mostrando terem sido feitos através de violenta martelagem instrumentos com base plana e borda de preensão arredondada com uma borda ativa feita em parte da circunferência formando um raspador lascas adequadas para cortar e despedaçar e núcleos de onde essas lascas foram intencionalmente debitadas Em geral as lascas e os resíduos de preparação são geralmente raros em Sterkfontein Extension e em Swartkrans o que reforça a suposição de que não se trata de lugares de habitação No entanto à medida que prosseguem as escavações sistemáticas nas brechas desses sítios revelando conjuntos mais completos de utensílios podemos esperar obter maiores dados sobre os artefatos dos primeiros hominídeos Comparados com as indústrias dos sítios da África oriental esses utensílios da África do Sul revelam características mais próximas do Olduvaiense Recente que do Antigo portanto podem ser considerados como pertencentes ao Olduvaiense Evoluído Na África oriental o Olduvaiense Evoluído mais antigo data de aproximadamente 15 milhão de anos atrás tomando por base também os restos de animais fósseis admite se hoje que os sítios mais recentes de australopitecos da África do Sul pertencem a essa mesma época4 Estão presentes então duas linhagens bem distintas de hominídeos a do Australopithecus robustus e uma outra correspondente aos primeiros representantes da verdadeira linhagem Homo O complexo acheulense Pouco mais ou menos nessa época surgiu uma segunda indústria a acheulense caracterizada por grandes instrumentos cortantes conhecidos como bifaces e machadinhas Ela se distingue da olduvaiense pelos utensílios maiores feitos com grandes lascas cuja obtenção a partir de blocos ou boulders exigia força e perícia Em contraste todos os utensílios olduvaienses podem ser seguros na palma da mão ou para trabalhos mais delicados entre o polegar e os outros dedos O Olduvaiense Evoluído e o Acheulense foram descritos como duas indústrias 4 Recentemente o Dr C K Brain afirmou que a brecha mais antiga que contém restos de Australopithecus e de Homo poderia ser dividida em dois níveis No nível I o mais antigo foram encontrados A robustus e Homo sapiens e apenas um utensílio de pedra indiscutível o nível II mais recente contém Homo sapiens Telanrhropus e uma indústria lítica onde aparecem duas machadinhas acheulenses O nível II data provavelmente de 500000 anos BRAIN C K Comunicação pessoal 562 Metodologia e pré história da África contemporâneas algumas vezes encontradas sob uma forma olduvaiense pura ou acheulense pura e algumas vezes misturadas em proporções variáveis no mesmo sítio Essas duas tradições tecnológicas têm sido interpretadas de maneiras diferentes Já foi sugerido que cada uma delas é produto de uma espécie diferente de hominídeos ou ainda que são o resultado de atividades diversas que exigiam conjuntos de utensílios diferentes relacionados com padrões de comportamento distintos ver Capítulo 19 Essas duas tradições persistem e são encontradas em inúmeras combinações até por volta de 200000 anos ou seja bem depois da extinção do A robustus em consequência de sua competição com o Homo Por essa razão adotamos aqui a tese de que a existência desses dois tipos distintos de utensílios se deve a diferenças de atividades ou de modos de exploração de recursos e a escolhas baseadas na tradição ou em preferências individuais tendo sido tais artefatos produzidos por apenas uma população de hominídeos conforme as circunstâncias exigiam O aparecimento relativamente repentino do Acheulense indica portanto que novos recursos estavam sendo explorados ou que melhores métodos tinham sido inventados para utilizar os recursos até então explorados com utensílios do tipo olduvaiense Os mais antigos conjuntos sul africanos de utensílios do Acheulense e que podem ser praticamente contemporâneos dos hominídeos Homo sapiens e A robustus de Swartkrans provêm de duas jazidas próximas situadas na confluência do Yaal e de seu afluente Klip perto de Yereeniging Foram encontrados em um terraço de cascalho dez metros acima do rio atual em sua maioria os utensílios são rolados e desgastados pelo atrito estando em posição derivada e não no seu contexto espacial de origem Uma série de utensílios foram encontrados bifaces pontiagudos feitos com a remoção de algumas lascas grandes machadinhas poliedros seixos lascados raspadores nucleiformes e vários utensílios feitos sobre lascas e pouco retocados bem como núcleos e resíduos de preparação Todos eles revelam o emprego da técnica de percussão com um percutor duro e nesse aspecto são equivalentes ao Abbevilliense da Europa A presença de dois utensílios semelhantes a bifaces em Sterkfontein Extension Site parece confirmar que esse sítio não está afastado no teinpo dos sítios do rio Klip Three Rivers e Klipplaatdrif Algumas descobertas de outros conjuntos de utensílios de aparência antiga foram feitas em diversas partes do sul da África por exemplo em antigos terraços fluviais de Stellenbosch na província do Cabo ou perto de Livingstone em Zâmbia são porém incompletos e datados de maneira imprecisa 563 Pré História da África austral Figura 205 Acheulense Inferior Sterkfontein biface lasca cuboide e dois núcleos Apud MASON R Prehistory of the Transvaal Johannesburg Witwatersrand University Press 1962 Fig 83 Figura 206 Utensílios do Acheulense Superior de Kalambo Falls datados de mais de 190000 anos BP os utensílios grandes são feitos de quartzito e os pequenos de sílex negro 1 raspador convergente 2 raspador côncavo 3 raspador denticulado 4machadinha com arestas divergentes 5 faca sobre lasca com bordos retocados 6machadinha com arestas paralelas 7 biface oval 8 esferoide 9 furador 10 biface oval alongado 11 biface lanceolado Figura 207 Utensílios provenientes dos depósitos de Howiesonspoort 1 2 4 e 5 segmentos de círculo com bordo de preensão retocado 3 trapézio com bordo de preensão retocado 6 núcleo levalloisiense 7 buril 8 artefato retocado 9 furador 10 e 13 pontas bifaces 11 raspador 12 raspador bilateral Os exemplares 2 3 e 5 provêm de Howiesonspoort todos os outros provêm da caverna do Túnel Apud SAMPSON C G The Stone Age Archaeology of Southern Africa Nova York Academic Press 1974 Fig 84 564 Metodologia e pré história da África Em algum ponto entre 1 milhão e 700000 anos atrás a primitiva linhagem Homo representada pelo crânio hominídeo 1470 de Koobi Fora a leste do lago Turkana e pelos fósseis de Homo habilis da garganta de Olduvai da bacia do Orno e de outros sítios foi suplantada por um tipo mais robusto e com maior capacidade craniana conhecido como Homo erectus Na mesma época ou um pouco antes tinha havido uma rápida difusão de grupos hominídeos em direção ao norte da África e fora do continente africano na Europa e na Ásia Fósseis do Homo erectus e restos de sua cultura são encontrados em várias partes do Velho Mundo bastante distanciadas umas das outras Na África foram descobertos fósseis de Homo erectus na parte superior do Bed II da garganta de Olduvai uma forma com cérebro desenvolvido em Melka Konturé na Etiópia e em sítios no litoral e no interior da região noroeste da África e no Magreb onde estão associados a indústrias do Acheulense Antigo É muito provável que os vestígios acheulenses do sul da África tenham sido deixados pelo Homo erectus embora até o momento não se tenha descoberto nenhum fóssil desse hominídeo naquela região É a partir do Acheulense Recente ou Evoluído que começamos a encontrar no sul da África assim como em todo o continente africano uma proliferação de sítios que sugere um aumento geral de número e tamanho dos grupos de hominídeos A pequena quantidade de sítios de períodos mais antigos pode ser parcialmente atribuída à relativa escassez de sedimentos dessa época preservados Provavelmente porém esse não é o principal motivo para explicar o aumento acentuado do número de sítios descobertos pertencentes ao Acheulense Evoluído e sua ampla extensão geográfica De acordo com o Atlas de Pré História Africana são conhecidos na África do Sul 389 sítios desse período tendo se encontrado conjuntos de machadinhas e bifaces típicos na maioria dos sistemas fluviais explorados Apesar do grande número de depósitos conhecidos apenas alguns foram escavados e poucos estão em seu contexto de origem5 que preservaria a distribuição de utensílios e outros sinais de ocupação depois de o sítio ter sido abandonado por seus habitantes Os sítios explorados mostram a variedade de habitats e alguns aspectos do comportamento do homem do Acheulense Nenhum desses sítios foi ainda datado com precisão pois sua idade ultrapassa em muito o alcance da datação pelo radiocarbono além disso as rochas e os sedimentos com os quais estão 5 Por exemplo grandes quantidades de utensílios acheulenses foram encontradas na parte ocidental do vale do rio Vaal e de muitos de seus afluentes Apesar de alguns desses conjuntos de utensílios testemunharem mudanças tecnológicas interessantes todos foram deslocados pela erosão e estão em contexto espacial derivado 565 Pré História da África austral associados não se adequam ao método do potássio argônio ou ao da cronologia baseada nas reversões paleomagnéticas O sítio localizado mais ao norte é o de Kalambo Falls na fronteira entre Zâmbia e Tanzânia na África central onde uma excepcional série de circunstâncias permitiu a conservação de madeira em vários níveis de ocupação É possível datar essa madeira e uma amostra de uma das camadas mais recentes foi datada de 190000 anos através do método da racemização dos aminoácidos J Bada comunicação pessoal Essa data corresponde àquela que foi obtida em Isimila na Tanzânia central onde uma série estratificada acheulense semelhante foi datada de cerca de 260000 anos pelo método do urânio tório É improvável que alguma dessas indústrias seja anterior a 700000 anos quando terminou a última grande época de reversão paleomagnética época de Matuyama nem mais recente que 125000 anos quando começou o último período interglaciário Eemiano durante o qual surgiram indústrias mais avançadas Portanto pertencem essencialmente à época definida como Pleistoceno Médio Os sítios de ocupação de Kalambo Falls localizavam se nos bancos de areia à beira do rio ou possivelmente no interior das florestas que cobriam as margens nessa época O estudo do pólen mostra que no início do Acheulense a temperatura era mais elevada e as precipitações um pouco menos abundantes do que hoje no entanto a transição para um clima mais árido era insuficiente para modificar sensivelmente a vegetação que como agora consistia numa floresta ripícola perene com vales pouco profundos e cheios de relva periodicamente inundados dambos e em matas de Brachystegia nas encostas mais altas Todavia por volta do fim do Acheulense o estudo do pólen e dos vestígios vegetais macroscópicos indica uma baixa da temperatura e um certo aumento nas precipitações tais alterações permitiram que algumas espécies vegetais que existem atualmente 300 m mais acima descessem até o nível da bacia local do Kalambo Acredita se que cada um dos níveis de habitação era ocupado apenas durante uma ou duas estações depois a superfície era coberta por depósitos de areia barro e lama do rio sobre os quais se estabelecia uma nova ocupação Esses horizontes mostram concentrações claramente delimitadas onde foi encontrado um grande número de bifaces e machadinhas muitos utensílios feitos sobre lascas retocadas raspadores nucleiformes e em menor quantidade picões poliedros e esferoides Associados a esta indústria lítica encontraram se vários utensílios de madeira um chuço bastões de cavar bastões curtos e pontiagudos provavelmente usados também para cavar um utensílio fino em forma de lâmina e fragmentos de casca de árvore que podem ter sido usados como bandejas Alguns desses horizontes fornecem numerosos traços do uso do fogo troncos de árvores carbonizados 566 Metodologia e pré história da África carvão vegetal cinzas e concentrações ovais côncavas de grama e de plantas lenhos as partidas e carbonizadas que poderiam ter servido de leitos Além disso havia grande quantidade de grãos e frutos carbonizados pertencentes a gêneros e espécies de plantas comestíveis que ainda hoje crescem na bacia do Kalambo Como essas plantas amadurecem no fim da estação seca setembro e outubro presume se que tais instalações acheulenses eram acampamentos ocupados durante essa estação Nenhum resto de fauna foi preservado em Kalambo Falls Em Mwanganda porém perto de Karonga na extremidade noroeste do lago Malavi existe um outro sítio do Pleistoceno Médio onde próximo a um curso de água que corre na direção leste até o lago foi esquartejado um elefante Ao que parece pelo menos três grupos de indivíduos tomaram parte nessa atividade pois foram descobertos três conjuntos distintos de ossos cada um deles associado a utensílios de pedra utilizados naquele local e depois abandonados Esses utensílios são em sua maioria lascas com poucos retoques pequenos raspadores e alguns seixos lascados trata se na verdade de utensílios do Olduvaiense Evoluído que refletem características do Olduvaiense Primitivo Em Oppermansdrif perto de Bloemhof às margens do rio Vaal As escavações revelaram interessantes dados sobre a eficiência do homem do Acheulense como caçador assim como sobre sua técnica de cortar a carne e se desfazer dos restos de ossos Estes formam vários montes próximos ao curso de água misturados a bifaces provenientes do mesmo horizonte Os utensílios acheulenses são encontrados às vezes associados a afloramentos de matéria prima e em meio a fragmentos de rocha e resíduos de preparação Sítios desse tipo por exemplo Gwelo Kopje em Zimbabwe fornecem nos poucas informações sobre o meio ambiente mas parecem ter sido ocupados regularmente Em Wonderboompoort perto de Pretória no Transvaal foram encontrados restos que formam uma camada de 3 m de espessura esse depósito parece estar associado a um dos pontos de passagem da cadeia de Magaliesberg numa rota de migração de animais entre o middleveld e o highveld Todavia os locais de habitação preferidos durante o Acheulense situavam se sempre perto da água em dambos por exemplo onde a caça se concentrava e onde sempre havia água disponível Um sítio desse tipo existe em Kabwe Broken Hill próximo ao famoso Kopje onde foram descobertos o crânio e outros restos do Homo rhodesiensis Nesse local foram encontrados alguns grandes utensílios cortantes junto a esferoides e inúmeros utensílios pequenos de quartzo Em Lochard no Zimbabwe na região drenada pelos rios Zambeze e Limpopo há um outro sítio localizado em um dambo que ainda não foi 567 Pré História da África austral escavado mas onde foram encontrados muitos bifaces e machadinhas Um outro exemplo é a localidade de Cornélia no norte do Estado Livre de Orange África do Sul Ao contrário dos dois depósitos anteriores em Cornélia encontraram se muitos vestígios de fauna alguns dos quais podem estar relacionados com uma indústria que compreende alguns bifaces e machadinhas e um certo número de poliedros seixos lascados e pequenos utensílios Os animais em particular búbalos gigantes foram provavelmente empurrados para o lamaçal dos dambos e então mortos Há razões para crer que nessa época o high veld era bem irrigado e coberto por relva curta com bosques esparsos e florestas ribeirinhas não muito diferente do que é hoje Na vegetação estépica do Karroo no norte da província do Cabo e em Botsuana a população do acheulense instalou se em torno das depressões e bacias lacustres rasas que então existiam em grande número na região Um exemplo característico desse tipo de assentamento é Doomlagte perto de Kimberley onde se encontrou toda uma série de utensílios aparentemente em seu contexto original incrustados numa crosta calcária Há sinais de repetidas ocupações por um período bastante longo mas não existem restos de animais Em Elandsfontein perto de Hopefield no oeste da província do Cabo as áreas em torno dos charcos ou vleis e as depressões situadas entre as antigas dunas de areia estabilizadas constituíam para o homem do Acheulense ótimos locais para caça de grandes mamíferos A fauna é a do Pleistoceno Médio e em geral característica da fauna histórica do Cabo elefantes rinocerontes hipopótamos girafas antílopes de grande e médio porte Equus e javalis Também aqui os animais parecem ter sido mortos depois de conduzidos para terrenos pantanosos além disso há sinais da prática de envenenar aguadas Nesse sítio foi encontrada a calota craniana de um hominídeo muito semelhante ao de Kabue Broken Hill e inegavelmente mais avançado que o Homo erectus Quanto ao meio ambiente do oeste da província do Cabo nada indica que fosse muito diferente do que é hoje Os homens do Acheulense viveram também no litoral como mostra o importante sítio descoberto mais ao sul na estreita planície costeira no cabo Hangklip False Bay nas dunas de areias consolidadas que recobrem a praia de 18 m Não há restos de fauna mas foi encontrada uma grande quantidade de bifaces bem acabados e um pequeno número de machadinhas bem como raspadores sobre lascas raspadores nucleiformes e pequenos utensílios Entretanto é importante notar que nessa época tanto nas margens atlânticas do Marrocos quanto na bacia mediterrânea o homem não se alimentava de peixes e mamíferos marinhos mas quase tão só de mamíferos terrestres 568 Metodologia e pré história da África Foram ainda ocupadas pelo homem do Acheulense áreas à beira de fontes como a de Amanzi na zona das chuvas de inverno ao sul da Grande Escarpa perto de Port Elizabeth Nesse local há várias nascentes que quando ativas depositaram uma série de camadas estratificadas de areia durante as épocas de inatividade quando cresciam no local caniços e outros tipos de vegetação formaram se camadas de turfa O homem do Acheulense frequentava regularmente essas fontes e acampava em suas imediações onde os utensílios que ele abandonava foram pisoteados por elefantes e outros animais também atraídos pela água As pesquisas revelaram vários conjuntos esparsos de utensílios e com base nos vestígios de madeira plantas e pólen parece que a vegetação não era muito diferente da que existe hoje no cabo Macchia Finalmente na África meridional o homem do Acheulense ocupou às vezes cavernas das quais duas devem ser mencionadas A primeira Cave of Hearths situa se em Makapan no bushveld do norte do Transvaal e contém 9 m de depósitos com fogueiras e níveis de ocupação acheulense A análise dos sedimentos indica que as chuvas eram mais abundantes então do que agora A fauna pertence em geral ao Pleistoceno Médio e assemelha se à do bushveld atual Neste depósito encontrou se também um fragmento de maxilar humano de um indivíduo jovem que pode ter afinidades com os fósseis neandertaloides ou talvez rodesioides6 Os artefatos assemelham se aos de Kalambo Falls Hangklip e outros sítios onde foram descobertos grandes utensílios cortantes junto a um bom número de artefatos pequenos A segunda caverna é a de Montagu no sul da província do Cabo e fica próxima a uma nascente e a um curso de água permanentes no meio da vegetação de maqui Ela também apresenta uma série de camadas de ocupação superpostas do Acheulense Recente mas infelizmente nenhum resto de fauna Esses diversos sítios constituem bons exemplos dos diferentes tipos de habitat ocupados e da variedade do instrumental acheulense do Pleistoceno Médio Todos os habitats têm certas características em comum Todos se situam em campo aberto desde matas decíduas Kalambo Falls e Kabue Broken Hill até pradarias e parques naturais Lochard e Cornélia e maquis Montagu e Amanzi Todos se localizam perto da água onde as árvores forneciam sombra e frutos comestíveis e a caça tendia a se concentrar à medida que a estação seca avançava Todos ficam em locais onde hoje existem associações de vários tipos distintos de vegetação ou seja áreas chamadas ecótones se o quadro geral era o 6 Ver p 581 569 Pré História da África austral mesmo no passado como indicam os vestígios atuais todos esses diferentes tipos de vegetação poderiam ser explorados não muito longe dos locais de habitação Nas áreas em que a fauna foi preservada nota se que havia uma predileção por animais de grande porte como elefantes hipopótamos girafas grandes bovídeos e Equus mas também aparecem restos de pequenos bovídeos suínos etc Uma grande variedade de matérias primas foi usada na fabricação de utensílios de pedra dependendo do material disponível no local Isso demonstra que o homem do Acheulense possuía grande versatilidade e habilidade para lascar muitas rochas usando percutores duros e moles e para fabricar utensílios bem talhados e refinados Demonstra também sua habilidade em selecionar entre as diversas técnicas a mais adequada ao material que estava sendo usado Nas áreas onde grandes seixos de sílex ou quartzito constituíam a matéria prima eles faziam os bifaces lascando diretamente o seixo No entanto quando era necessário usar blocos de pedra maiores desenvolveram vários métodos engenhosos7 preparavam e lascavam um núcleo de tamanho considerável a fim de obter grandes lascas com as quais eram feitos os bifaces e as machadinhas No sul da África é provável que o Acheulense Recente tenha tido uma duração quase igual à desse período na África oriental onde se estendeu de 700000 a 200000 Entretanto não existe ainda nenhum método de datação suficientemente preciso para medir as diferenças de idade entre as várias indústrias acheulenses Quando dispusermos de tais métodos e quando for encontrado maior número de indústrias em contextos estratigráficos talvez se possam definir em termos quantitativos as tendências gerais da tecnologia dos utensílios e estabelecer a possível relação entre as diversas variantes identificadas dentro do complexo acheulense bem como a paleoecologia de um determinado sítio na época em que foi ocupado Conforme mostrou este breve resumo as indústrias acheulenses ajustam se a certos padrões gerais que se encontram reproduzidos por todo o mundo acheulense Há indústrias que consistem principalmente em bifaces e machadinhas outras compreendem seixos lascados e utensílios menores com características do Olduvaiense Evoluído há ainda as que mostram diversas combinações dessas duas tradições e aquelas em que predominam picões raspadores nucleiformes e outros utensílios pesados Portanto embora exista uma infinita variedade na composição das indústrias e na natureza do habitat 7 Por exemplo pseudolevalloisiense protolevalloisiense levalloisiense de Tachengit e de Kombewa Ver Brézillon M N La dénomination des objets de pierre taillée Gallia Préhistoire Paris Supl IV p 7996 e 101 2 570 Metodologia e pré história da África e de seus recursos certas características gerais parecem comuns ao Acheulense como um todo indicando que o modo de vida não variou quase nada de um extremo a outro no mundo dos bifaces O panorama do comportamento dos hominídeos no Pleistoceno Médio mostra nos grupos de caçadores coletores em geral com o mesmo estilo de vida e que tendiam a se agrupar e a estabelecer comunicação entre si com certa eficiência Viviam em grupos maiores que nas épocas anteriores e ocupavam determinadas áreas com mais regularidade seguindo um padrão sazonal estabelecido A estrutura social deveria ser ainda flexível permitindo a livre circulação de indivíduos e ideias No entanto grandes áreas do continente inclusive as florestas permaneciam despovoadas a distribuição esparsa do conjunto da população implicava provavelmente o isolamento quase total de cada um desses grupos em relação a seus vizinhos O acheulense final ou fauresmithiense Sabe se há muito tempo que certas indústrias exrstiram nos planaltos elevados do interior do continente Elas se caracterizam pela presença de bifaces bem acabados e geralmente de tamanho menor de uma grande série de utensílios feitos sobre lascas de raspadores nucleiformes e de um número relativamente pequeno de machadinhas É provável que sejam de uma época mais recente que o Acheulense visto acima nesse caso representam possivelmente um estágio final da tradição dos bifaces Entretanto a maioria delas consiste em coleções de superfície e que por esse motivo podem estar misturadas com materiais mais recentes A matéria prima utilizada era geralmente a lidianita xisto endurecido nas regiões onde essa rocha é abundante em outras áreas o quartzito era mais usado Apenas uma pequena quantidade de séries dessas indústrias provém de escavações e pouquíssimas podem ser consideradas representativas Uma delas origina se de uma antiga depressão perto de Rooidam a oeste de Kimberley Ali a indústria estava contida dentro de um depósito de cerca de 5 m de sedimentos cobertos por uma camada espessa de calcário estépico tais sedimentos representam a acumulação progressiva de coluvião provocada pelas enxurradas Às vezes de dimensões reduzidas os bifaces são em geral rudimentares a maior parte dos utensílios consistem em pequenos raspadores e outros pequenos artefatos retocados todos de lidianita Nesse conjunto de utensílios pode se observar um método de preparação do núcleo conhecido como técnica do núcleo discoide que permite obter várias lascas pequenas A técnica levalloisiense ao contrário pela qual se obtém apenas uma grande 571 Pré História da África austral lasca em cada preparação do núcleo parece não ter sido utilizada Dois outros depósitos no rio Vaal perto de Windsorten e na área da barragem de Verwoerd no rio Orange contêm uma indústria semelhante mas com a presença de ambas as técnicas do núcleo discoide e levalloisiense Parece que a tradição e talvez outros fatores como o tempo poderiam explicar parcialmente tal variedade nas formas das lascas e dos núcleos Essas indústrias receberam o nome de Fauresmithiense em referência à região do Estado Livre de Orange onde os bifaces característicos em forma de amêndoa foram pela primeira vez encontrados em grandes quantidades na superfície Entretanto ainda não se sabe se essas indústrias apresentam características suficientemente diversas do Acheulense para merecerem um nome distinto Elas são encontradas com mais frequência nas pradarias na vegetação do Karroo e no maqui da África do Sul e da Namíbia A única indicação de sua provável idade é uma datação do carbonato de Rovidam feita pelo método do urânio tório que indicou 115000 10000 anos BP8 Permanece desconhecida a época em que as indústrias fauresmithienses foram suplantadas por uma nova tradição ou um novo complexo tecnológico concentrado na produção de utensílios feitos sobre lascas e lâminas e que marca o início da Middle Stone Age E possível que essa mudança tenha ocorrido entre 100000 e 80000 Nas regiões da África central com precipitações pluviométricas maiores e vegetação mais densa o Acheulense Recente foi substituído não pelo Fauresmithiense mas por indústrias que apresentavam uma grande quantidade de utensílios pesados picões bifaces seixos lascados e raspadores nucleiformes Evidentemente esses tipos de utensílios já apareciam nas indústrias acheulenses no entanto com exceção de uma fácies pouco conhecida nessa época jamais tinham prevalecido sobre os demais Mais tarde porém esse equipamento pesado tornou se predominante nas áreas de maiores precipitações e temperaturas mais elevadas onde se encontra junto com uma série de utensílios leves feitos sobre lascas e fragmentos Ele é encontrado em Zâmbia Zimbabwe partes do sudeste da África em particular na planície de Moçambique e nas regiões costeiras de Natal e pertence ao chamado complexo sangoense Em sua maioria as indústrias sangoenses não são datadas a não ser de modo relativo pelo método estratigráfico não se sabe ao certo se elas são contemporâneas do Acheulense Final Fauresmithiense das savanas ervosas ou mais recentes que ele 8 BP before present Antes do presente tomando o ano de 1950 como ponto de referência pois foi nesse ano que se usou pela primeira vez o método do carbono 14 572 Metodologia e pré história da África Figura 208 Utensílios da Middle Stone Age provenientes de Witkrans Cave Exceto o de número 6 que é de xisto todos os demais são de sílex negro 1 e 2 pontas unifaces 3 lâmina utilizada 4 6 e 7 raspadores simples 5 buril sobre truncatura 8 raspador 9 lasca levalloisiense 10 núcleo levalloisiense Apud CLARK J D Human behavioural differences in Southern Africa during de Later Pleistocene American Anthropologist 1971 v 73 Fig 11 Figura 209 Utensílios do Lupembiense Médio de Kalambo Falls entulho I jazida B1 1956 1 raspador côncavo simples sílex 2 raspador denticulado convergente e pontiagudo sílex 3 ponta uniface sílex 4 buril diédrico crosta silicosa 5 machado nucleiforme sílex 6 raspador nucleiforme sílex 7 trinchante quartzito 8 ponta lanceolada sílex Figura 2010 Distribuição de lâminas e fragmentos de lâminas utilizadas com relação a estruturas de blocos de dolerito no horizonte primário em Orangia Apud SAMPSON C G The Stone Age Archaeology of Southern Africa Nova York Academic Press 1974 p 166 Fig 58 573 Pré História da África austral Em Kalambo Falls a fácies local do Sangoense indústria de Chipeta data de 46000 a 38000 BP segundo doze resultados obtidos pelo método do radiocarbono Em Mufo no nordeste de Angola uma fase semelhante data de aproximadamente 38000 BP Em Zimbabwe o Sangoense local indústria de Gwelo é comparável a indústrias anteriormente denominadas Proto Stillbayense9 mas poderia ser anterior a elas É extremamente difícil estabelecer uma correlação entre essas indústrias de tipo sangoense visto que é preciso considerar fatores ecológicos e outros Nas regiões onde o habitat a tradição ou considerações particulares favoreceram o uso desses utensílios pesados é provável que eles tenham exercido desde logo um papel importante e que tal papel tenha persistido por tanto tempo quanto as razões que levaram à sua adoção Não se pode negar a existência de uma correlação entre esse tipo de utensílios e áreas com maior precipitação pluviométrica e consequentemente vegetação mais densa Portanto esses elementos pesados podem ser considerados mais como resultantes de determinações ecológicas que como representantes de um determinado período ou estágio cultural na evolução do instrumental lítico Como essas indústrias sangoenses estão ligadas a áreas de vegetação mais densa pode se esperar que suas primeiras manifestaçõe s tenham sido contemporâneas nessas regiões dos estágios finais do Acheulense Fauresmithiense nas savanas ervosas e que não tenham ocorrido em habitats mais abertos nos quais como vimos era enfatizada a fabricação de outros tipos de utensílios Indústrias de tipo sangoense foram descobertas em Zâmbia Malavi Zimbabwe Moçambique e Angola bem como no norte e no sudeste da África do Sul No Fauresmithiense e no Sangoense portanto podemos perceber o começo de uma especialização regional dos utensílios que reflete padrões de adaptação diferentes conforme se trate de pradarias florestas claras ou florestas densas Middle Stone Age A necessidade de considerar os utensílios de pedra do homem pré histórico que em geral é tudo o que restou dele como produto da atividade e das necessidades imediatas de seus fabricantes e não como obra de populações necessariamente distintas do ponto de vista genético e étnico impõe se 9 A composição desses conjuntos proto stillbayenses em Zimbabwe pode ser melhor observada nos depósitos de cavernas em estratigrafia como as de Pomongwe e Bambata e no sítio aberto do planalto de Chavuma em referência ao qual essa indústria foi recentemente rebatizada como indústria de Chavuma Embora não existam datações precisas parece que a indústria de Chavuma é anterior a 42000 BP Consequentemente a indústria de Gwelo é ainda mais antiga 574 Metodologia e pré história da África particularmente em relação aos vários componentes das indústrias regionais contemporâneas do período conhecido por muito tempo como Middle Stone Age Para classificar um complexo como pertencente à Middle Stone Age tomavam se por base principalmente certas características técnicas e tipológicas bem como o fato de que do ponto de vista da estratigrafia ele se situava entre a Early Stone Age e a Late Stone Age Esses termos evolucionistas cronoestratigráficos têm pouco significado atualmente pois sua definição permanece tão insatisfatória quanto na primeira vez em que foram usados Além disso a datação pelo radiocarbono tem demonstrado que os estágios tecnológicos sobre os quais se fundamentam esses conceitos são antes conjecturais que reais e que as técnicas e os tipos de utensílios que eram seu produto final transcendem limites horizontais tão artificiais como esses Como seu trabalho está intimamente ligado aos artefatos de pedra o pré historiador tende às vezes a negligenciar o fato de que eles representam apenas uma fração de uma vasta gama de materiais e utensílios que não foram preservados Se esses materiais e instrumentos que se perderam estivessem disponíveis para estudos certamente modificariam drasticamente nossas concepções sobre a tecnologia pré histórica Além disso onde há necessidade a tecnologia muda como resultado de novas pressões e da capacidade de seleção e adaptação do grupo Esses dois fatos devem ser levados em conta ao estudar as indústrias líticas que testemunham o comportamento cultural durante o Pleistoceno Recente e o Holoceno Num certo momento entre 100000 e 80000 o nível do mar começou a baixar em relação ao alto nível de 5 a 12 m bem representado pelos restos de praias elevadas em um certo número de localidades do litoral sul do continente10 é logo após essa época que o homem começou a ocupar locais favoráveis nessas praias liberadas pelo mar Alguns desses locais eram cavernas e apesar das particularidades locais a tecnologia desse período é geralmente semelhante na bacia do Mediterrâneo e no sul da África O início do último período glaciário no hemisfério norte corresponde nos trópicos a uma diminuição da temperatura aproximadamente de 6 a 8oC e a um clima mais seco embora um decréscimo nas taxas de evaporação tenha assegurado um suprimento regular de água de superfície e talvez até maior do que atualmente Na mesma época o clima semi árido que então existia na bacia do Zaire na região equatorial reduziu consideravelmente a floresta perene ou substituiu a por campos ou matas mais abertas oferecendo desse modo um 10 Acredita se que esse último nível elevado do mar corresponda à transgressão marinha do último interglaciário Eemiano na bacia do Mediterrâneo onde o nível do mar é geralmente semelhante entre 6 e 8 m 575 Pré História da África austral habitat muito favorável ao homem e aos animais de caça Assim tanto uns quanto outros começaram a migrar para essa região anteriormente desabitada Da mesma forma durante o Pleistoceno Recente o deserto de Namíbia hoje tão inóspito foi ocupado por grupos de caçadores que deixaram seus utensílios nos locais de acampamento Durante a Middle Stone Age a sequência estratigráfica de cada grande região mostra um padrão coerente de progresso tecnológico que se exprime pela fabricação de utensílios cada vez mais elaborados e pela diminuição progressiva no tamanho dos artefatos Entretanto o desenvolvimento cultural em uma região não é necessariamente semelhante ao que se verifica em outra embora possam existir tendências e características comuns Provavelmente muitos fatores ecológicos tecnológicos e sociais foram responsáveis pelas variações regionais que caracterizam essas indústrias do Pleistoceno Superior Modos de vida diferentes exigiam utensílios diversos ou impunham outros usos para os mesmos utensílios e embora desenvolvimentos tecnológicos em escala continental possam ter determinado a época de introdução de uma característica aparentemente nova é provável que a natureza dos recursos existentes e os métodos tradicionais de exploração tenham sido os fatores decisivos para a aceitação de determinado aperfeiçoamento e para a data em que foi adotado Nessa época as técnicas básicas eram o método levalloisiense e o dos núcleos discoides utilizados para extrair lascas debitar as lâminas inicialmente por percussão direta e mais tarde com a ajuda de uma peça intermediária Com as lascas e lâminas fazia se uma série de utensílios leves que eram retocados para formar pontas raspa dores facas buris cinzéis furadores etc No sul da África as indústrias regionais podem ser agrupadas com base em sua tecnologia em três unidades maiores que são em grande parte senão inteiramente também unidades cronológicas Por esse motivo é mais fácil considerá las como grupos ou fases do que como estágios que implicariam relações cronológicas O primeiro desses grupos ou fases Grupo 1 caracteriza se por grandes lascas preparadas pelo método levalloisiense e por longas lâminas obtidas por percussão direta Apenas alguns conjuntos esparsos desses utensílios são conhecidos11 Nos poucos sítios onde existe uma sequência estratigráfica os elementos mais evoluídos tecnicamente são encontrados nas camadas superiores 11 O Pietersburgiense Inferior da camada 4 da Gruta das Lareiras em Makapan o Middle Stone Age I imediatamente acima da praia de 6 8 m na embocadura do rio Klassies um sítio ao ar livre no Orange River Scheme Elandskloof e um sítio no Transvaal central Koedoesrand Além dessas há ainda a indústria de Nakasasa em Kalambo Falls caracterizada por formas semelhantes embora também contenha certos instrumentos bifaciais pesados como os que se espera encontrar em indústrias das matas de Brachystegia 576 Metodologia e pré história da África e os conjuntos líticos do Grupo I são os mais antigos por exemplo em Cave of Hearths e em Kalambo Falls no entanto parece não haver nenhuma coerência cronológica entre as diferentes regiões Por exemplo acredita se que a Middle Stone Age I do rio Klassies date de aproximadamente 80000 anos enquanto a indústria de Nakasasa em Kalambo Falls data de um período entre 39000 e 30000 anos BP As demais séries ainda não foram encontradas em contextos que permitam sua datação Outras indústrias que pertencem ao início do Pleistoceno Superior portanto anteriores a 40000 anos BP mas que não são classificadas no Grupo I apresentam uma série diferente de características É o caso de uma indústria de lascas núcleos raspadores nucleiformes poliedros bigornas e instrumentos de moagem feitos de dolerito que provém do nível I da camada de turfa de Florisbad no Estado Livre de Orange Esses utensílios são em geral atípicos e é possível que não representem toda a gama de artefatos produzidos nessa época no local mas também é possível que apenas uma lâmina longilínea e retocada possa ser associada a eles Nesse mesmo nível foram descobertos um fragmento de crânio de hominídeo e o que parece ser o cabo de uma arma de arremesso curva feita de madeira Este horizonte de Florisbad é anterior a 48000 anos BP Uma outra indústria diferente mas provavelmente contemporânea das do Grupo 1 é a de Chavuma em Zimbabwe que é anterior a 42000 anos BP como dissemos anteriormente Caracteriza se por picões uns poucos bifaces e um importante conjunto de utensílios leves entre os quais há pontas raspadores e lâminas com sinais de utilização Tais utensílios são feitos de matérias primas bastante variadas calcedônia opalina quartzito quartzo e outras A indústria de Twin Rivers em Zâmbia datada de 22800 1000 BP assemelha se à de Chavuma Tal datação porém se estiver correta acentua o fato de que um método baseado na tecnologia tem hoje pouco valor como meio de correlação entre indústrias de diferentes regiões Muitas séries provenientes de cavernas e sítios de superfície são classificadas num segundo grupo Grupo II12 Em geral elas datam de um período entre 40000 e 20000 anos BP mas podem às vezes prolongar se como por exemplo no litoral sul Tais indústrias caracterizam se pelo uso diversificado das técnicas do núcleo discoide e levalloisiense principalmente no que diz respeito à debitagem de lascas triangulares e pela produção de grande número 12 Exemplos de indústrias do Grupo II camada 5 da Gruta das Lareiras camada I da caverna de Mvulu no Transvaal Middle Stone Age II do rio Klassies indústrias de Mossel Bay e da caverna de Skildergat no sul da província do Cabo e indústria stillbayense da caverna de Mumbwa em Zâmbia 577 Pré História da África austral de lâminas Lascas triangulares e lâminas feitas frequentemente de quartzito e lidianita são comuns nas áreas de chuvas de inverno ao sul da Grande Escarpa do sudoeste da África e no highveld do Estado Livre de Orange e do Transvaal Nesses utensílios do Grupo II o trabalho de retoque nunca é muito extenso limitando se geralmente aos bordos que são frequentemente denticulados Nas matas tropicais claras do norte de Limpopo onde a utilização do quartzo era mais difundida a produção concentrava se em lascas mais curtas transformadas em raspadores e em diversas outras formas também com retoques limitados Nesse sítio uma pequena mas significativa parte do conjunto é composta de utensílios pesados cuja produção foi possível como se acredita graças à maior utilização da madeira e de seus produtos Um terceiro grupo de indústrias Grupo III13 situa se aproximadamente entre 35000 e 15000 BP e distingue se por um número maior de utensílios bastante retocados O retoque dos raspadores é semi invadente e não são raras as formas com estrangulamento as pontas foliáceas podem ser retocadas inteiramente em uma ou ambas as faces os furadores e trituradores são característicos De modo geral os utensílios têm dimensões menores e apresentam um trabalho de retoque mais refinado do que o dos grupos anteriores Além dos três grupos descritos há um quarto Grupo IV que se destaca por algumas diferenças significativas em relação aos outros Tal complexo conhecido como Magosiense ou Second Intermediate combina uma forma evol uída e frequentemente miniaturizada das técnicas do núcleo discoide e do levalloisiense com a produção de lâminas delicadas de bordos paralelos debitadas com o auxílio de uma peça intermediária de osso chifre ou madeira dura As matérias primas escolhidas eram geralmente rochas criptocristalinas as pontas triangulares ou foliáceas e os raspadores feitos com essas rochas frequentemente pelos métodos do núcleo discoide e levalloisiense são delicadamente retocadas às vezes acredita se por pressão Ao lado desses utensílios tradicionais da Middle Stone Age foram encontrados outros feitos com lâminas ou fragmentos de lâminas muitos deles de tamanho reduzido com um bordo desbastado ou ainda utilizados e retocados de diversas maneiras bem como vários tipos de buris principalmente uma forma carenada ou poliédrica Esse tipo de utensílios parece ser próprio de certas partes do subcontinente por exemplo Zimbabwe Zâmbia a parte leste do Estado Livre de Orange o sul da província do Cabo e algumas 13 Exemplos a indústria do Pietersburgiense Superior da Gruta das Lareiras e daGruta de Mvulu ou da Gruta de Border em Natal a parte superior da indústria stillbayense da gruta de Peer na província do Cabo a indústria Bambata das cavernas Khami em Zimbabwe 578 Metodologia e pré história da África Figura 2011 Civilização sangoense de Zimbabwe variante do Zambeze divisão superior 1 e 2 picões 3 e 8 machados nucleiformes 4 núcleo discoide 5 e 6 lascas retocadas 7 esferoide Apud CLARK J D The Stone Age Cultures of Northern Rhodesia Cidade do Cabo South African Archaeological Society 1950 Prancha XII Figura 2012 Indústrias da Middle Stone Age provenientes de Twin Rivers Zâmbia datadas de 32000 a 22000 anos BP 1 raspador angular 2 lasca utilizada destacada de um núcleo discoide de tamanho reduzido 3 raspador convergente 4 raspador sem ponta 5 pequeno raspador 6 e 7 bifaces pesados 8 biface Todos os exemplares são feitos de quartzo exceto o n 3 sílex negro e o n 8 dolerito Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 34 Figura 2013 Indústrias de Pietersburg e Bambata provenientes da gruta das Lareiras Cave of Hearths no Transvaal e da gruta de Bambata em Zimbabwe Instrumentos característicos das regiões de arbustos espinhosos e do bushveld Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 35 579 Pré História da África austral áreas da Namíbia No entanto esses utensílios aparentemente não existem na maior parte da região central do planalto interior onde a lidianita constituía a principal matéria prima Se essa distribuição tem uma base ecológica cabe nos tentar determinar o que havia em comum entre as regiões onde as indústrias do Grupo IV foram encontradas Pensava se que essas indústrias evoluídas representavam uma fusão entre as técnicas do núcleo preparado da Middle Stone Age e a da debitagem de lâminas por meio de percutor do Paleolítico Superior Nesse caso elas não seriam muito anteriores a um período entre 15000 e 20000 BP realmente um certo número de datações enquadra se nesse intervalo Mais recentemente porém várias datações muito anteriores a essas14 foram obtidas para as indústrias do Grupo IV que foram denominadas magosienses ou na África do Sul Howiesons Poort do nome do sítio perto de Grahamstown onde os primeiros utensílios característicos foram encontrados Infelizmente com exceção da caverna de Montagu na província do Cabo e da indústria de Tshangula em Zimbabwe ainda não existem informações precisas sobre a composição dessas descobertas de modo que não sabemos se formam um conjunto homogêneo ou se existe mais de uma indústria entre elas Supondo por enquanto que tais complexos sejam homogêneos essas datas antigas indicam que uma tecnologia desenvolvida de lâminas coexistiu no sul da África com as tecnologias tradicionais das lascas preparadas da Middle Stone Age O mesmo ocorre no norte da África onde dois complexos contemporâneos a cultura de Daba e o Ateriense se diferenciam regionalmente No passado a evolução e a sucessão de indústrias líticas eram em geral explicadas pelos movimentos migratórios de populações geneticamente diferentes Todavia essa hipótese não é apoiada por outras evidências sendo mais provável que o grau de adoção e difusão de utensílios entre populações de caçadores coletores tenha dependido muito mais das vantagens de tais utensílios e de sua superioridade sobre o equipamento tradicional sobretudo onde seu emprego facilitasse a exploração de novos recursos A menos que implicassem a ocupação de regiões desabitadas como o Novo Mundo ou a bacia do Zaire e as zonas florestais da África ocidental no fim do Pleistoceno Médio as migrações de longa distância eram provavelmente raras entre os grupos de caçadores coletores relacionando se 14 As indústrias do Grupo IV receberam as seguintes datações na caverna de Montagu entre 23200 e 48850 no rio Klassies no sul da província do Cabo em torno de 36000 BP na caverna de Rose Cottage no Estado Livre de Orange 50000 para o Epi Pietersburgiense na caverna de Border 46300 A indústria de Tshangula em Zimhahwe situa se entre 21700 780 e 25650 1800 anos BP 580 Metodologia e pré história da África Figura 2014 De 1 a 12 utensílios em sílex e calcedônia das indústrias wiltonienses da província do Cabo na África do Sul segundo BURKITT M C 1928 1 2 e 3 raspadores curtos 4 e 5 micrólitos retos com bordo não ativo aparado 6 furador 7 8 e 9 segmentos de círculo 10 e 11 crescentes duplos 12 contas de casca de ovo de avestruz Os exemplares 3 4 e 12 provêm do abrigo na rocha de Wilton e os demais da planície do Cabo De 13 a 20 utensílios das indústrias de Matopan Wiltoniense de Zimbabwe provenientes da caverna de Amadzimba Matopos Hills em Zimbabwe segundo COOKE C K e ROBINSON K R 1954 13 furador espatulado de osso 14 ponta de osso com talão em bisel 15 elemento cilíndrico 16 17 18 e 19 segmentos de círculo e crescentes espessos em quartzo 20 pingente de ardósia Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Fig 56 Figura 2015 Utensílios de madeira provenientes de depósitos do Pleistoceno na África austral 15 cabo de propulsor à esquerda proveniente do nível I da camada de turfa de Florisbad Mineral Spring datado de cerca de 48000 BP comparar com o cabo de um propulsor australiano à direita com entalhes para evitar o deslizamento da mão 16 maça e utensílio com duas pontas provenientes do nível de ocupação acheulense de Kalambo Falls Zâmbia datados de 190000 BP Apud CLARK J D The Prehistory of Africa Londres Thames and Hudson 1970 Pranchas XV e XVI Figura 2016 Lasca enxó em forma de crescente feita de sílex negro montada por meio de mástique sobre um cabo de chifre de rinoceronte proveniente de uma caverna da baía de Plettenberg no leste da província do Cabo segundo CLARK J D 1970 581 Pré História da África austral mais com as populações agrícolas A mais provável explicação para as mudanças observadas nos utensílios é a invenção independente por comunidades quase isoladas que dispunham de recursos e métodos de exploração semelhantes portanto as mudanças seriam devidas mais à difusão de estímulos do que a grandes migrações étnicas A título de explicação é necessário examinar rapidamente os testemunhos fósseis do sul da África após o fim do Acheulense aos quais o crânio de Saldanha parece estar associado Como o crânio descoberto em Kabue Broken Hill se assemelha bastante ao de Saldanha é provável que não haja um intervalo de tempo muito grande entre os dois O pequeno número de artefatos e esferoides leves provenientes de Kabue que parecem estar relacionados aos restos de hominídeos não são característicos e poderiam pertencer a qualquer período entre o Acheulense Recente e o início da Middle Stone Age Nesse depósito foram encontrados horizontes de habitação em estratigrafia atribuídos a esse período de forma que embora se possa presumir que o crânio quase completo e outros restos sejam representativos da família de hominídeo responsável pelo Sangoense local ou pelo Acheulense Final esse fato não poderá ser comprovado até que o próprio fóssil seja datado por um método mais preciso Entretanto as semelhanças entre os fósseis de Saldanha e de Kabue Broken Hill bem como entre o fragmento craniano H 12 do Bed IV de Olduvai e o de Njarassi no Rift do lago Eyasi na África oriental parecem indicar que essas formas rodesioides e outras formas aparentadas ao Homo sapiens substituíram o Homo erectus durante a última parte do Pleistoceno Médio como o homem de Neandertal na Eurásia e que no início do Pleistoceno Superior encontravam se amplamente distribuídas nas regiões tropicais da África subsaariana15 As alterações climáticas que de acordo com estudos palinológicos limnológicos e outros ocorreram na África simultaneamente às que acompanharam a última glaciação na Eurásia bem como a distribuição esparsa e o relativo isolamento das populações de hominídeos causaram certamente transformações e desenvolvimentos em várias direções diferentes no momento em que os hominídeos se adaptavam de modo mais eficiente nos planos cultural e genético aos ambientes diversos que tinham conseguido ocupar Quaisquer que tenham sido as causas domínio da linguagem evolução da estrutura social tecnologia avançada ou outras que deram ao homem moderno Homo sapiens sapiens uma vantagem inegável sobre as outras formas 15 Novas datações de dois dos fósseis de hominídeos obtidas através do método de racemização indicam um período entre 100000 e 200000 BP BADA J Comunicação pessoal 582 Metodologia e pré história da África de hominídeos é claro que elas são a base do intercâmbio genético acarretado pela substituição relativamente rápida das formas neandertaloides rodesioides e outras não tão bem adaptadas O homem moderno representado pelos crânios descobertos na Formação de Kibish na bacia inferior do Orno e em Kangera na bacia do lago Vitória apareceu na África oriental cerca de 200000 anos BP Na África do Sul o crânio de Florisbad que tem mais de 48000 anos pertence a uma forma primitiva e robusta próxima do homem moderno Um certo número de fósseis mais recentes mas datados com menor precisão e que na maioria pertencem ao período entre 35000 e 20000 provenientes de Boskop caverna de Border Tuinplaas Skildergat caverna de Peer Mimbwa e outros sítios representam várias populações já modernas diferenciadas regionalmente e responsáveis por algumas variantes culturais da Middle Stone Age Por volta do fim do Pleistoceno há cerca de 10000 anos atrás populações geneticamente aparentadas mas distintas do ponto de vista regional ancestrais longínquos de alguns povos atuais tinham se diferenciado os troncos de San grandes e pequenos no sul e no centro leste da África os negroides na África equatorial e ocidental e a forma nilótica na África oriental Os fósseis são fragmentários e em geral limitam se a apenas um espécime Raramente se encontram indicações suficientes sobre a amplitude das variações que podemos esperar dentro de uma só população Mesmo assim torna se claro que as raças africanas autóctones têm uma considerável antiguidade no continente onde podemos considerar terem elas evoluído durante o Pleistoceno Superior e os primórdios do Holoceno através de um longo período de adaptação e seleção nas principais regiões biogeográficas Como foi mencionado anteriormente as lâminas obtidas por percussão indireta e diversos utensílios pequenos feitos com lâminas com bordo aparado ou truncamento descobertos entre os utensílios do Grupo IV Howiesons Poort foram considerados no passado como uma evidência de movimentos migratórios das populações tais utensílios teriam sido introduzidos por grupos imigrantes de homens modernos É necessário aguardar o resultado de estudos definitivos sobre os sítios escavados para verificar se essa hipótese étnica será confirmada ou se tal complexo reflete a aceitação de novas técnicas transmitidas pela difusão de um estímulo e adotadas porque permitiam uma melhor exploração dos recursos locais ou ainda se é produto de fatores totalmente diferentes Qualquer que tenha sido a causa quase não há dúvida de que a introdução da tecnologia das lamelas está ligada ao desenvolvimento dos utensílios compostos nos quais duas ou mais peças eou materiais eram combinados para fazer um utensílio mais aperfeiçoado e mais eficiente O encabamento dos utensílios de pedra ou 583 Pré História da África austral de outro material para obter uma eficiência maior começou provavelmente na época das indústrias do Grupo II os traços de adelgaçamento nas faces dorsais das pontas de Mossel Bay ou a retirada do talão por retoques inversos parecem indicar modificações relacionadas com a fixação de cabos Na África o meio mais simples de montar por exemplo uma faca de pedra ou uma ponta de projétil era provavelmente utilizar diversas formas de mástique resina goma látex etc com ligamentos de fibras e tendões O aparecimento do homem moderno na pré história está associado a uma série de práticas e características culturais inovadoras Os sedimentos acumulados nas cavernas e abrigos sob rochas e em alguns sítios favoráveis ao ar livre indicam que desde então as ocupações sazonais tornaram se regra geral Ao que parece estamos diante de grupos muito mais estrutura dos embora ainda abertos e de composição sujeita a frequentes alterações A multiplicidade e a padronização dos diferentes tipos de utensílios a maior frequência de sepulturas intencionais e o hábito de colocar junto ao morto objetos e alimentos para que ele pudesse enfrentar o além o uso mais regular de pigmentos na decoração e possivelmente no ritual e até mesmo o gosto pela música presente na África do Norte tudo testemunha as indiscutíveis vantagens genéticas do Homo sapiens sapiens Um dos aspectos da maior especialização regional dos utensílios pode ser explicado pelas preferências locais por certas espécies de animais de caça e no crescente uso de certos alimentos vegetais que precisavam ser moídos e triturados O material de moagem aparece pela primeira vez com as indústrias dos grupos III e IV e mais particularmente pouco depois de 25000 Um conjunto significativo de utensílios pesados acompanha os utensílios leves do norte e do nordeste de Zâmbia refletindo um sistema de exploração com recursos muito semelhantes aos do Zaire e de Angola A visão tradicional da Middle Stone Age como um conjunto de variantes regionais distintas Stillbay Pietersburg Mossel Bay Howiesons Poort etc todas mais ou menos contemporâneas e caracterizadas por uns poucos fósseis guias parece hoje excessivamente simplificada As indústrias da Middle Stone Age podem ser consideradas como produtos de uma adaptação contínua a regiões ou zonas biogeográficas distintas onde as necessidades e atividades dos grupos humanos determinaram a escolha das matérias primas a serem usadas na fabricação dos utensílios Podemos compreender melhor a importância relativa para o grupo desses diferentes materiais madeira pedra osso chifre etc a partir de uma comparação entre os dados paleoecológicos e os obtidos através de estudos do tipo site catchment analysis análise de área de captação de 584 Metodologia e pré história da África recursos16 Um conjunto de utensílios de pedra comuns não é necessariamente sinal de mediocridade nem um conjunto de utensílios mais refinados representa superioridade Por si só os utensílios líticos podem fornecer apenas uma quantidade mínima de informações sobre o comportamento de quem os produziu Realmente significativa é a associação entre esses utensílios e todos os outros produtos da atividade humana preservados referentes a uma fase de ocupação A estrutura dos sítios da Middle Stone Age é menos conhecida que a dos sítios do Acheulense e de épocas anteriores A Cave of Hearths nos fornece a prova da existência de fogueiras enquanto a caverna de Montagu nos informa sobre a distribuição de artefatos em volta das fogueiras em cada horizonte No sítio de Orange I foram encontradas fundações de pedra de vários pequenos abrigos e em Zeekoegat 27 na região do Orange River Scheme há vestígios de uma grande área de atividade abrigada Pilhas de ossos de uma ou várias caçadas bem sucedidas foram descobertas em Kalkbank na região central do Transvaal finalmente descobertas feitas na caverna dos Leões na Suazilândia parecem indicar que a hematita começou a ser extraída para fabricar pigmento há cerca de 28000 anos atrás Bigornas calçadas para debitagem de pedras aparecem nos horizontes do Rubble I em Kalambo Falls e datam de aproximadamente 27000 BP No mesmo sítio pequenos círculos de pedras parecem ter delimitado antigas fogueiras enquanto em Botsuana foram encontrados vestígios de um acampamento temporário da indústria Bambata dispersos às margens do rio Nata Restos de fauna sob a forma de resíduos de alimentação indicam que a fonte principal de abastecimento era constituída pelos grandes animais alguns como búfalos gnus búbalos zebras e suínos estavam entre as espécies levadas com mais frequência para os locais de habitação Em geral parece existir nos sítios da Middle Stone Age uma variedade maior de espécies do que nos do Acheulense As descobertas sugerem que embora melhores armas permitissem caçadas mais produtivas as espécies capturadas continuavam a ser muito variadas foi apenas durante a Late Stone Age que a caça assumiu um caráter mais seletivo Em resumo não é mais possível considerar as indústrias da Middle Stone Age como uma progressão simples e linear para uma tecnologia mais refinada e evoluída Se as datações estão corretas essas indústrias mostram 16 A site catchment analysis análise de captação de recursos é um método desenvolvido por C VITAFINZI e E S HIGGS 1970 para estabelecer o potencial de recursos de uma região explorada a partir de um determinado sítio pré histórico Para tanto é necessário identificar os limites territoriais e em que medida o habitat e a bioma diferiam dos atuais VITAFINZI C e HIGGS E S Prehistoric economy in the Mount Carmel area of Palestine site catchment analysis Proc of the Preh Soc 1970 36 p 1 37 585 Pré História da África austral ao contrário várias técnicas diferentes com uma base essencialmente econômica Essas técnicas influenciam se mutuamente em graus diversos e podem evoluir em função das necessidades materiais As diversas variantes identificadas provavelmente refletem preferências regionais quanto aos recursos e à sua extração embora a maioria dessas variantes ainda precise ser mais bem definida Em algumas regiões certos sítios com estratigrafia Cave of Hearths por exemplo apresentam uma clara sequência evolutiva enquanto em outras Klassies River na costa meridional da África do Sul e a caverna de Zombepata em Zimbabwe a sequência estratigráfica mostra um padrão semelhante ao das tradições do Musteriense do oeste da França e certos grupos podem se suceder sem continuidade aparente A substituição de um grupo por outro pode ter tido uma origem econômica e refletir alterações ecológicas indicando portanto novas preferências alimentares Os raros testemunhos de que dispomos confirmariam essa hipótese mas ainda não possuímos análises detalhadas da fauna nem dados sobre o pólen que permitam estabelecer se tais transformações ocorreram simultaneamente em vastas regiões biogeográficas ou se refletem apenas uma evolução temporal dos recursos alimentares deste ou daquele habitat Embora a Middle Stone Age no sul da África seja em grande parte contemporânea do Paleolítico Superior na Europa seus estágios mais antigos apesar de pouco conhecidos parecem ser contemporâneos do Musteriense ou do Jabrudiense Pré Aurignaciense do Oriente Médio Late Stone Age No sul da África a imagem clássica da Late Stone Age é a de um conjunto de indústrias compostas principalmente de utensílios microlíticos chamadas comum ente de wiltonienses do nome da caverna no oeste da província do Cabo onde as indústrias características foram encontradas e descritas pela primeira vez da mesma forma que a indústria de raspadores smithfieldiense na área de lidianita do highveld Entretanto em algumas partes do subcontinente encontraram se indústrias que foram denominadas pré wiltonienses Elas surgiram há pouco mais de 20000 anos e assinalam uma mudança radical na tecnologia dos utensílios de pedra Os núcleos preparados da Middle Stone Age dão lugar a núcleos sem forma precisa dos quais são extraídas lascas irregulares Os únicos utensílios que parecem preservar uma forma regular são diversos tipos de raspadores grandes raspadores feitos sobre lascas ou abruptos e vários raspadores menores convexos Espécimes desses utensílios foram encontrados em sítios do 586 Metodologia e pré história da África litoral sul17 do Estado Livre de Orange18 do Transvaal19 e da Namíbia20 onde estão associados à matança de três elefantes Em Zimbabwe a indústria equivalente é o Pomongwiense que se situa entre 9400 e 12200 BP Ela está particularmente associada a extensas fogueiras de cinzas brancas e algumas das primeiras pontas de osso pertencem a essa época Uma indústria possivelmente relacionada à pomongwiense é um dos níveis da caverna de Leopards Hill em Zâmbia que data de 21000 a 23000 BP Outras descobertas desse tipo até agora sem datas foram feitas em Pondoland caverna de Umgazana no vale do médio Zambeze em Zâmbia Lukanda e em outras regiões Essa distribuição geográfica indicaria que tal mudança tecnológica radical pode ter sido bem geral entre 20000 e 9000 anos atrás Suas causas são ainda incertas mas o autor deste capítulo presume que ela poderia ser o resultado de uma associação entre alterações ambientais ocorridas nessa época e que segundo se acredita deixaram vestígios em alguns sítios do sul da África por exemplo na baía de Nelson em Zombepata etc e o desenvolvimento ou a difusão de equipamentos e técnicas mais eficientes relacionados em especial com novos métodos de caça Algumas evidências indicam que essas indústrias pré wiltonienses estavam associadas à caça de grandes animais ungulados búbalos gnus antílopes azuis e zebras Além disso na caverna da baía de Nelson elas parecem coincidir com uma alteração ecológica ocorrida pouco depois de 12000 BP quando a fauna das pradarias foi substituída por espécies da floresta perene Além disso o aparecimento de uma grande quantidade de animais marinhos entre os restos indica que o aumento do nível do mar nos estágios finais do Pleistoceno tinha tornado possível a exploração direta da fauna marinha a partir dessa caverna Acredita se hoje que as indústrias de lamelas com uma alta porcentagem de utensílios microlíticos com bordo aparado tenham surgido no sul da África central muito antes do que se pensava inicialmente Uma das primeiras é representada pelo estágio mais antigo Nachikufiense Nachikufu I em Zâmbia em que a data mais antiga é 16715 95 BP Uma indústria wiltoniense local surgiu em 17 A caverna da baía de Nelson datada entre 18000 e 12000 BP Matjes River datada entre 11250 e 10500 BP e Oakhurst Na caverna da baía de Nelson uma indústria que recobre a indústria de ras padores abruptos data de 12000 a 9000 BP A maioria dos utensílios são feitos sobre lascas grandes não há formas microlíticas Uma indústria pré wiltoniense semelhante é encontrada em outros sítios na região montanhosa do sul por exemplo em Melkhoutboom onde data de 10500 190 anos B P 18 Smithfield A por exemplo a indústria da Fase I de Zeekoegat 13 19 Uitkomst datado de 7680 BP 20 Windhoek datado de 10000 BP 587 Pré História da África austral Zimbabwe aproximadamente em 12000 BP gruta de Tshangula e na África do Sul um pouco mais tarde 8000 a 5000 BP Esses exemplos da África centro sul encontram paralelo nas indústrias puramente microlíticas de lâminas com bordos provenientes de sítios da África oriental os de Uganda gruta de Munyama ilha de Buvuma 14480 130 BP do Rift de NakurujNaivasha em Quênia Prolonged Drift 13300 220 BP e da Tanzânia central abrigo sob rocha de Kiesese 18190 300 BP Uma indústria relacionada a essas mas distinta regionalmente é o Tshitoliense na bacia do Zaire 12970 250 BP A tradição dos micrólitos coincide com o desenvolvimento de formas cada vez mais eficientes de utensílios compostos entre os quais um dos mais significativos foi o arco e flecha Não se sabe em que data essas armas surgiram pela primeira vez na África o que ocorreu provavelmente durante a última fase do Pleistoceno Tão importantes quanto os segmentos de círculo e outros utensílios de pedra com bordo aparado usados como armaduras de flechas foram os diversos tipos de pontas de osso e pontas de arremesso provavelmente também utilizados como pontas de flechas Alguns deles sem dúvida remontam a 12000 anos BP Acredita se que seja possível reconhecer sequências evolutivas nessas indústrias microlíticas em diversas partes do sul da África em outras regiões porém como no noroeste de Zâmbia o núcleo discoide persistiu aparentemente até o segundo milênio antes da Era Cristã enquanto em outras partes no Estado Livre de Orange por exemplo os elementos microlíticos wiltonienses Parecem ter desaparecido dando lugar a indústrias onde predominaram os raspadores Smithfield B Conhecemos um número maior de sítios da Late Stone Age que da Middle Stone Age e há razões para supor que o início do Holoceno foi um período de crescimento demográfico Foi também a partir dessa época por volta de 10000 BP que as cavernas e os abrigos sob rochas passaram a ser ocupados com frequência cada vez maior Os recursos locais foram explorados mais intensamente que antes e os restos de fauna encontrados nos sítios de habitação mostram a crescente importância dada à caça e à captura de determinados animais O sistema de exploração provavelmente não se diferenciava muito do que é utilizado hoje pelos San do Calaari e por outros grupos de caçadores coletores da zona tropical árida Os deslocamentos e o território de um grupo eram determinados pela disponibilidade sazonal de recursos de água vegetais e animais havendo sem dúvida contatos regulares entre grupos vizinhos Os que viviam perto do mar ou de fontes de água doce exploravam agora os recursos locais peixes moluscos e mamíferos aquáticos Outros caçavam sobretudo as grandes manadas de antílopes e outros ainda animais de pequeno porte Na região montanhosa do sul da província do 588 Metodologia e pré história da África Cabo às formas mais comuns de utensílios de pedra são diversos tipos de pequenos raspadores os resíduos de alimento provêm em sua maioria de pequenos mamíferos provavelmente capturados com o auxílio de armadilhas Por outro lado em Zimbabwe Zâmbia e outras regiões nas pradarias e florestas claras as indústrias contêm grandes quantidades de segmentos de círculo microlíticos e lamelas com bordo aparado associados aos restos de grandes mamíferos Esses utensílios indicam que as principais armas eram provavelmente o arco e a flecha os micrólitos eram encabados sozinhos ou aos pares formando largas pontas cortantes semelhantes às do Egito dinástico e às poucas flechas feitas pelos San da época histórica e que foram preservadas A extensão territorial dos grupos de caçadores dependia provavelmente de vários fatores ecológicos Na região oeste da província do Cabo De Hangen demonstrou se que os grupos pré históricos de San passavam o inverno na costa nutrindo se principalmente de alimentos marinhos e o verão nas montanhas cerca de 140 km para o interior onde a dieta consistia em diversos vegetais daimões tartarugas e outros pequenos animais Nas regiões muito favoráveis do sul da África os caçadores coletores da Late Stone Age ocuparam algumas das áreas mais ricas do mundo em recursos alimentares vegetais e animais Em regiões como essas nas quais as fontes de caça eram praticamente inesgotáveis os caçadores tinham tempo suficiente para se dedicarem a atividades intelectuais como prova a magnífica arte rupestre dos montes Drakensberg de Zimbabwe e da Namíbia Embora muitas dessas obras de arte não tenham mais de 2000 ou 3000 anos elas fornecem um registro incomparável do modo de vida desses caçadores coletores pré históricos que em muitos aspectos se perpetuou até hoje entre os San do Calaari central É evidente que as origens dessa arte remontam a épocas muito longínquas as mais antigas pinturas descobertas até agora na África austral provêm do abrigo sob rocha Apollo II no sudoeste africano Namíbia onde aparecem nas superfícies do rochedo numa camada de 28000 anos BP Nos primeiros séculos da Era Cristã as populações de caçadores coletores da Late Stone Age foram substituídas em grande parte do sul da África por povos agricultores que conheciam a metalurgia Esses povos foram provavelmente os precursores de grupos de língua bantu que migraram para o subcontinente vindos de uma região situada no noroeste Chade e Camarões No sul da África portanto não há provas seguras da existência de cultura neolítica o que significa que não havia povos agricultores que fabricassem cerâmica mas apenas populações que utilizavam utensílios de pedra em particular machados amolados e polidos Todavia é necessário salientar que embora não haja traços seguros de agricultura antes da chegada dos povos do início da Idade do Ferro é certo que no sudoeste da 589 Pré História da África austral África já no primeiro século antes da Era Cristã e quase certamente antes ainda alguns grupos da Late Stone Age recente possuíam carneiros e depois bovinos Alguns desses povos podem ser identificados com os Khoi Khoi históricos ou seja com pastores nômades que não praticavam a agricultura mas fabricavam um tipo determinado de cerâmica No entanto nenhum vestígio de habitat pastoril claramente identificado foi descoberto até agora portanto já que não podemos recorrer às pesquisas arqueológicas nossas informações sobre tais grupos devem ser obtidas em fontes históricas Uma questão que também está sem resposta refere se à origem de seu gado Com base em dados linguísticos alguns autores sugerem que ele provinha de povos que falavam línguas do Sudão central e oriental outros porém acreditam que esses animais vinham de povos migrantes do início da Idade do Ferro Qualquer que seja sua origem é pouco provável que essa fase pastoril seja anterior a 300 anos antes da Era Cristã tendo terminado no século XVIII Assim os dados fornecidos pelos estudos da pré história na África austral mostram o importante papel desempenhado pelo alto planalto interior na evolução do homem como fabricante de utensílios A crescente engenhosidade e eficiência com que as sucessivas populações de hominídeos desenvolveram padrões de comportamento e equipamento cultural que lhes permitiram explorar de modo cada vez mais intenso os recursos dos ecossistemas onde viviam ajudam a explicar as diferenças étnicas e culturais que distinguem os povos autóctones do sul da África hoje San Khoi Khoi BergDama OvaTjimba Twa e Bantu Além disso demonstram ainda a grande antiguidade e a continuidade de muitas características de comportamento que persistem até os dias de hoje C A P Í T U L O 2 1 591 Pré História da África Central A bacia do Zaire estende se geograficamente do golfo da Guiné a oeste até a zona dos grandes lagos a leste e entre o décimo paralelo ao sul do equador em Angola e no Shaba ex Catanga e o diviso r de águas das bacias hidrográficas do Chade e do Zaire ao norte1 Representa hoje a zona essencialmente equatorial e sua cobertura vegetal constituída pela grande floresta é a mais densa de toda a África Por outro lado sabe se também que essa zona florestal se estendeu em alguns períodos muito úmidos muito mais ao norte do que atualmente No decorrer dos milênios a floresta regrediu subsistindo somente em galerias de amplitude variável ao longo dos rios Insistimos nessa cobertura vegetal porque foi um fator primordial no desenvolvimento e na evolução das civilizações pré históricas da região Segundo os trabalhos e os conhecimentos atuais as culturas pré históricas e mais particularmente ao que parece as que sucederam ao Acheulense evoluíram no próprio local condicionadas pela floresta primária e sem contato com as populações que viviam nas zonas de vegetação menos densa Ao norte as grandes migrações do Neolítico deslocando se de leste para oeste contornaram a floresta sem penetrá la como se representasse uma barreira um mundo no qual não se aventuravam as populações habituadas a viver nas zonas de savanas 1 Entendemos por África Central os seguintes países Zaire República Centro Africana República Popular do Congo Gabão Camarões e em parte Angola Ruanda e Burundi Pré História da África Central PARTE I R de Bayle des Hermens 592 Metodologia e pré história da África Figura 211 Variações climáticas e indústrias pré históricas da bacia do Zaire segundo G Mortelmans 1952 e nos grandes espaços desbastados Nada do que conhecemos das indústrias do Paleolítico Médio e Superior do Neolítico da arte rupestre pouco conhecida aliás na bacia do Zaire permite afirmar que tenha havido contatos com populações que viviam em um Saara que ainda não era o grande deserto árido de hoje Se pensamos encontrar sinais de contatos é para o leste e para o sul da África que nos devemos voltar e ali então procurar o ponto de partida das migrações dos grupos humanos que povoaram a grande floresta equatorial do oeste 593 Pré História da África Central Do ponto de vista climático o Quaternário dessa região estaria muito mais próximo do Quaternário da África oriental ainda que com variações locais devidas à altitude elevada das zonas montanhosas Segundo G Mortelmans 1952 teria havido quatro períodos pluviais e dois episódios úmidos2 Nakuriano 2o úmido Makaliano 1o úmido Gambliano 4o pluvial Kanjeriano 3o pluvial Kamasiano 2o pluvial Kagueriano 1o pluvial Dessa alternância de períodos relativamente secos com outros muito úmidos depende em certa medida o povoamento de uma região e isso devido a modificações no que hoje chamamos meio ambiente A penetração difícil na grande floresta fez com que vários pré historiadores pensassem que o povoamento dessa zona tenha sido pouco significativo no período que vai do Paleolítico Inferior ao Neolítico De nossa parte não concordamos com esse ponto de vista sendo oportuno desfazer o mito relativo à dificuldade de povoamento da região Se em toda a região as coletas de utensílios líticos foram até certo ponto de pouca monta isto ocorreu porque os estudiosos hesitaram em empreender pesquisas de longa duração sob condições adversas Em vista dos resultados obtidos recentemente por várias missões em Angola na República Centro Africana e no Zaire e considerando a enorme quantidade de pedras lascadas coletadas devemos reconhecer que o povoamento pré histórico do que se convencionou chamar a grande floresta é tão significativo quanto o de outros setores da África Finalmente devemos observar que na zona equatorial úmida os vestígios orgânicos não se conservaram devido à acidez dos terrenos e que portanto com raríssimas exceções relativas a períodos muito recentes e mesmo históricos os fósseis humanos os restos de fauna e o instrumental ósseo estão totalmente ausentes 2 Nakuriano Fase úmida definida pelos depósitos da praia inferior à dos 102 m do lago Nakuru no Quênia Makaliano Fase úmida reconhecida nas praias lacustres dos 114 m e 102 m do lado Nakuru Gambliano Pluvial definido ao redor dos lagos Nakuru Naivasha e sobretudo Elmenteita Gambles Cave no Quênia Kanjeriano 3o pluvial definido por L S B LEAKEY com base em um depósito fossilífero descoberto em Kanjera em Kavirondo Gulf Kamasiano 2o pluvial cujo nome se deve a depósitos de diatomitas estudados por Grégory em Kamasa no Kenya Rift Valley Kagueriano 1o pluvial assim chamado com base no sistema de terraços do rio Kaguera na Tanzânia descoberto por E J Wayland em 1934 594 Metodologia e pré história da África Histórico das pesquisas A pré história da zona da floresta equatorial da bacia do Congo permaneceu ignorada durante muito tempo em razão de sua enorme cobertura vegetal e de suas maciças formações lateríticas nas quais se encontram encerradas as indústrias de várias culturas pré históricas Foi preciso esperar o desenvolvimento das grandes obras públicas construção de estradas de ferro rodovias pontes e canais de saneamento e as prospecções de minerais para que se começasse a conhecer a pré história desse setor para que os geólogos e pré historiadores tivessem acesso aos cortes geológicos reveladores de instrumental lítico No Zaire as primeiras descobertas isoladas de utensílios pré históricos parecem ser as do Comandante C Zboïnsky durante a construção das linhas de estrada de ferro Foram estudadas em 1899 por X Stainer que tentou uma síntese provisória apesar da ausência de qualquer estratigrafia De 1927 a 1938 desenvolvem se as pesquisas e importantes trabalhos são publicados em particular os de J Colette F Cabu E Polinard M Bequaert G Mortelmans o do Rev A Anciaux de Favaux e do Ab H Breuil Os mais recentes são os de H van Moorsel F van Noten e D Cahen cujas pesquisas ainda prosseguem Quanto à República Popular do Congo zona essencialmente florestal os trabalhos publicados são menos numerosos convém entretanto assinalar as pesquisas e estudos de J Babet R L Doize G Droux H Kelley J Lombard e P Leroy particularmente relacionados com as descobertas efetuadas ao longo da estrada de ferro que liga Ponta Negra a Brazzaville A pré história do Gabão é conhecida pelos trabalhos de Guy de Beauchene B Farine B Blankoff e Y Pommeret mas as informações são bastante limitadas e nenhuma estratigrafia foi estabelecida com precisão Os primeiros trabalhos efetuados na República Centro Africana foram os do Prof Lacroix que por volta de 1930 descobriu utensílios pré históricos nas aluviões dos rios do planalto de Muka Essas descobertas foram publicadas em 1933 pelo Ab H Breuil e no mesmo ano Félix Eboué assinalava num estudo de etnografia alguns utensílios de pedra descobertos no decorrer de outros trabalhos Finalmente entre 1966 e 1968 foram efetuadas pesquisas sistemáticas no país por R de Bayle des Hermens As publicações que se seguiram permitem que se tenha uma ideia bastante precisa das indústrias pré históricas encontradas numa zona onde praticamente nada se conhecia 595 Pré História da África Central Até os últimos anos muito pouco se sabia sobre a pré história de Camarões e foi preciso esperar os trabalhos de N David J Hervieu e A Marliac para se ter uma ideia geral de mais uma região da África cuja prospecção arqueológica ainda está por ser feita Sobre Angola podemos citar os nomes de J Janmart H Breuil e J D Clark que efetuaram seus trabalhos nos ricos depósitos de aluviões das minas de diamantes Bases cronológicas Utilizaremos para este parágrafo os trabalhos de cronologia do Quaternário da bacia do Zaire elaborados por G Mortelmans 1955 1957 que frente aos atuais conhecimentos são os mais aceitáveis O pluvial Kagueriano Parece ser o pluvial mais importante dos quatro que se sucederam Foi um período de escavação intensa dos vales e de formação de velhos terraços de cascalhos onde se encontram as mais antigas indústrias da bacia do Zaire Constituídas na quase totalidade por seixos lascados essas indústrias são classificadas num Pré Acheulense Inferior Kafuense segundo G Mortelmans Um período árido importante sucede ao pluvial Kagueriano e os antigos terraços cobrem se de uma maciça camada de laterito onde se encontra um Pré Acheulense mais evoluído porém mal situado cronologicamente devido à falta de estratigrafia O pluvial Kamasiano Situa se no estágio final do Pleistoceno Inferior e abrange todo o Pleistoceno Médio Na realidade divide se em duas fases separadas por um período mais seco Na bacia do Kasai atribuem se a esse período os terraços de 30 m e de 22 24 m no Shaba Catanga e ao que parece no oeste da República Centro Africana os cascalhos de terraços de fundo de talvegues e dos leitos fósseis dos cursos dágua Ocorre nesse caso nas regiões de relevo pouco acentuado a colmatagem de certos leitos de rios e a escavação de novos cursos Nas camadas profundas desses leitos fósseis encontra se um instrumental pré acheulense mais evoluído que o dos antigos terraços do Kagueriano Alguns bifaces começam a aparecer mas seu lugar cronológico não está estabelecido com exatidão 596 Metodologia e pré história da África No fim do período maximal do Kamasiano o Acheulense Inferior sucede às indústrias de seixos lascados Estas ainda se apresentam em grande número porém novos utensílios começam a aparecer os bifaces e as machadinhas em particular Estas últimas bastante raras no início rapidamente passam a ocupar um lugar importante no conjunto de utensílios daquela cultura O primeiro máximo kamasiano é seguido por uma fase moderadamente seca durante a qual ocorrem novas formações de lateritos ruptura de declives e depósitos de limos fluviais A esse período está relacionado um Acheulense Médio cujos utensílios em geral são feitos a partir de lascas frequentemente obtidas por meio de uma técnica de debitagem lateral chamada Victoria West I3 No segundo máximo do Kamasiano4 menos acentuado que o primeiro novos cascalhos são depositados formando se os terraços de 15 m no Kasai O ciclo termina com o início de um novo período seco em que ocorre a formação de novos lateritos A evolução do Acheulense prossegue com uma nova técnica de debitagem a Victoria West II e com o desenvolvimento de um novo instrumento o picão que vai ocupar na zona florestal lugar de destaque dentre os conjuntos industriais que sucedem ao Acheulense O período árido Pós Kamasiano é o mais importante conhecido nessa região O Saara estende se em direção ao sul e o deserto do Calaari em direção ao norte Alguns autores acreditam que a floresta equatorial tenha praticamente desaparecido subsistindo apenas como florestas ciliares Areias vermelhas desérticas acumulam se em espessuras às vezes consideráveis o Acheulense desaparece ou antes parece transformar se naquele mesmo local em uma nova indústria denominada Sangoense em particular na África equatorial e nas zonas florestais Os utensílios se transformam As machadinhas tornam se raras e acabam por desaparecer os bifaces passam a ser mais espessos e maciços os picões tornam se muito abundantes e novos objetos totalmente desconhecidos no Acheulense vêm figurar no conjunto de utensílios peças bifaces alongadas de grandes dimensões Esses instrumentos seriam adaptados à vida em meio florestal Há entretanto uma contradição no que diz respeito ao meio ambiente onde se desenvolveu o Sangoense se se admite que a floresta equatorial tenha praticamente desaparecido no árido Pós Kamasiano em que se situa essa indústria Deve se reconhecer que o Sangoense é uma das indústrias africanas menos conhecidas atualmente 3 Nome dado a duas técnicas de debitagem levalloisiense observadas particularmente nas indústrias recolhidas nas proximidades das quedas do Zambeze em Vitória Victoria Falls 4 Alguns autores consideram este segundo máximo kamasiano o Kanjeriano o que dá quatro períodos úmidos em vez de três dos quais um apresentaria duas fases bem distintas 597 Pré História da África Central O pluvial Gambliano O pluvial Gambliano assiste à reconstituição da floresta equatorial enquanto os rios escavam os vales e depositam às aluviões dos terraços baixos constituídas de areias eólias acumuladas por ocasião do último período árido No Zaire ocidental e no Kasai o Sangoense evolui para uma nova indústria menos maciça o Lupembiense também considerada uma cultura florestal As regiões do sudeste vêem desenvolverem se indústrias semelhantes às da África do Sul e do Quênia indústrias de lascas e lâminas com fácies musteroides conhecidas pelo nome de Middle Stone Age Média Idade da Pedra mal situadas tanto na sua estratigrafia em geral inexistente quanto na sua tipologia O Makaliano e o Nakuriano fases úmidas pós gamblianas Esses dois períodos são muito menos acentuados que os pluviais precedentes entre eles intercala se uma curta fase seca não sendo o Nakuriano nitidamente conhecido na bacia do Zaire No Makaliano os rios escavam ligeiramente seu leito havendo depois nova colmatagem O Lupembiense evolui no mesmo local os utensílios tornam se cada vez menores enquanto os trinchetes e pontas de flecha aparecem em muito maior número no Tshitoliense civilização de caçadores No Zaire oriental no Shaba e em Angola desenvolvem se inúmeras fácies incluídas na Late Stone Age Alta Idade da Pedra conjunto que aliás precisa ser seriamente reexaminado pois compreende várias indústrias tão diferentes e discordantes que não se consegue situá las cronologicamente com exatidão Durante e após o período úmido Nakuriano as indústrias neolíticas entre as quais o Tshitoliense invadem toda a África equatorial onde parecem ter duração muito mais longa que em outros lugares As civilizações do couro e do ferro só mais tarde penetrarão nessa região de difícil acesso o que mostra mais uma vez a evolução local das culturas pré históricas As indústrias pré históricas da bacia do Zaire As indústrias pré acheulenses Em toda a bacia do Zaire conhecem se indústrias pré históricas muito antigas constituídas de seixos partidos Encontram se em geral enterradas sob velhos lateritos como na bacia do Alto Kafila no Zaire e na República Centro Africana nas formações lateríticas do planalto de Salo no Alto Sanga São encontradas ainda nas aluviões profundas dos leitos fósseis de rios dessa mesma região Em 598 Metodologia e pré história da África Angola estão presentes nas aluviões profundas de elementos pesados de inúmeros rios Essas culturas pré históricas antigas chamadas culturas do seixo lascado Pebble Culture Early Stone Age recebem nomes diferentes conforme os lugares ou os pré historiadores que as assinalaram pela primeira vez Na verdade todas são parte de uma lenta evolução das técnicas de lascamento que durou cerca de 2 milhões de anos O Kafuense Sítio epônimo vale do Kafu em Uganda descoberto por E J Wayland em 1919 A indústria é constituída de seixos de rio em geral apresentando destacamentos de três lascas em três direções diferentes raramente numa só o que determina um gume grosseiro Atualmente o Kafuense subdivide se em quatro níveis Kafuense Arcaico Kafuense Antigo Kafuense Recente e Kafuense Evoluído Esses quatro estágios são encontrados em Nsongesi sul de U ganda nos terraços de 82 e 61 m O Kafuense Evoluído é muito semelhante ou mesmo idêntico ao Olduvaiense Alguns pré historiadores consideram que os níveis antigos do Kafuense não apresentam evidências do trabalho humano sendo os seixos fendidos ali encontrados resultantes de fraturas naturais O Olduvaiense Sítio epônimo Olduvai na Tanzânia na planície de Serengeti descoberto por Katwinkel em 1911 e que se tornou célebre a partir de 1926 com os trabalhos e descobertas de L S B Leakey A garganta de Olduvai corta profundamente os depósitos de um antigo lago do Pleistoceno Médio e Superior Ali foram identificados onze níveis cheles acheulenses sobre um Pré Acheulense que constitui o Olduvaiense O Olduvaiense é uma indústria formada a partir de seixos de rio em geral menos planos que os do Kafuense O lascamento é mais desenvolvido e o gume sinuoso é obtido por meio de destacamentos alternados que no último estágio dessa indústria acabam por apresentar uma ponta anunciando já as culturas com bifaces O Olduvaiense foi encontrado no Shaba no oeste da República Centro Africana depósitos de aluviões do Alto Sanga e ao que parece está presente no nordeste de Angola Contudo não foi identificado com segurança em Camarões no Gabão e na República Popular do Congo apesar da descoberta isolada de seixos lascados nesses países às margens do golfo da Guiné 599 Pré História da África Central O Acheulense O Acheulense é uma cultura particularmente bem representada na bacia do Zaire sendo certas jazidas de aluviões ou de terraços de uma riqueza excepcional As divisões do Acheulense em quatro ou cinco estágios conforme os autores correspondem mais especialmente às técnicas de lascamento e de acabamento dos utensílios são mais tipológicas do que estratigráficas As jazidas acheulenses são constituídas em grande parte pelas aluviões de cursos dágua antigos depositadas sob forma de terraços em cascalhos e em areias de talvegue e nos leitos fósseis de pequenos rios cujos cursos foram deslocados As indústrias não se encontram em seu lugar de origem foram transportadas concentradas pelo escoamento sofrendo desgaste durante esse processo Em consequência o estudo do Acheulense nessas jazidas fundamenta se sobretudo na tipologia e não na estratigrafia como em Olduvai onde os depósitos lacustres que encerram as indústrias têm uma espessura de 100 m aproximadamente A indústria acheulense caracteriza se por utensílios bastante variados e muito mais elaborados do que os das culturas pré acheulenses O seixo lascado permanece e embora se torne mais raro à medida que a indústria evolui não chega a desaparecer Utensílios novos adquirem grande importância em primeiro lugar o biface objeto feito a partir de um seixo ou de uma lasca com destacamentos nas duas faces como o próprio nome indica apresenta forma oval ou amigdaloide ponta mais ou menos pronunciada base geralmente arredondada seção na maioria das vezes lenticular e dimensões muito variáveis Um outro utensílio importante é a machadinha caracterizada por um gume oposto à base e talhada a partir de uma lasca Há ainda os picões pouco numerosos no Acheulense Inferior e Médio mas muito abundantes no Acheulense Final Juntamente com esses quatro utensílios figuram no conjunto inúmeras lascas de dimensões muito variadas utilizadas em estado bruto ou retocadas de modo a formar raspadores e outros utensílios menos elaborados como as peças denticuladas por exemplo Há cinco subdivisões do Acheulense baseadas na tipologia e nas técnicas de debitagem Acheulense I Abbevilliense ou Chellense Antigo para alguns autores O instrumental inclui lascas muito grandes obtidas pela percussão de blocos rochosos sobre uma bigorna fixa Essas lascas clactonienses também utilizadas em estado bruto na maioria das vezes são transformadas em bifaces e em machadinhas instrumentos pesados e maciços com arestas laterais muito 600 Metodologia e pré história da África sinuosas O corte de seixos lascados não desapareceu ao contrário desenvolveu se pois alguns bifaces ditos de base reservada são resultado do aperfeiçoamento do lascamento de seixos do Pré Acheulense Este estágio é representado no Shaba pelas jazidas de Kamoa e de Luena descobertas por F Cabu No sul de Angola foi reconhecido na bacia do Luembe Algumas jazidas do oeste da República Centro Africana também pertencem ao Acheulense I Com frequência os utensílios desse estágio recolhidos nas aluviões de terraços ou de leitos fósseis de rios apresentam se muito desgastados devido ao transporte fluvial É particularmente o caso das jazidas de Lopo e de Libangue na República Centro Africana Acheulense II Abbevilliense Recente ou Acheulense Inferior É uma indústria muito semelhante à anterior encontrável igualmente nos cascalhos dos rios de Angola e do Shaba seus utensílios sofreram no entanto um desgaste menor sendo mais bem acabados do ponto de vista do lascamento secundário que os do Acheulense I As arestas dos bifaces e das machadinhas tornam se mais retilíneas ao que parece em consequência de retoques com percutor mole de madeira ou de osso Acheulense III Acheulense Médio Esse estágio é encontrado na superfície sobre os cascalhos de Luena e Kamoa onde se acha incorporado aos limos fluviais Nele se opera uma verdadeira revolução nas técnicas de debitagem a preparação dos núcleos com o objetivo de obter grandes lascas Essa técnica bem conhecida na África meridional é chamada Victoria West I É a técnica protolevalloisiense A preparação do núcleo resulta em um plano de percussão facetado A lasca é retirada lateralmente e em seguida cuidadosamente retocada para a obtenção de um biface machadinha ou raspado r O corte é feito com percutor manual mole Os instrumentos são bastante regulares e simétricos tornando se as arestas laterais praticamente retilíneas As machadinhas são talhadas por retoque alterno dos bordos laterais o que lhes dá uma seção retangular 601 Pré História da África Central Acheulense IV Acheulense Superior Nesse estágio as técnicas de debitagem permanecem basicamente as mesmas mas são aperfeiçoadas técnica Victoria West II Trata se de um núcleo muito mais circular com plano de percussão facetado de onde são destacadas grandes lascas com bulbo situado numa base estreita diferente da base larga usada na técnica Victoria West I Essas lascas servem para a fabricação dos utensílios bifaces raspadores e machadinhas todos finamente retocados A seção das machadinhas é trapezoidal ou lenticular Esse Acheulense Superior encontra se em Kama nos limos do Kamasiano II e no Kasai nos terraços de 15 m Acheulense V Acheulense Evoluído e Final O Acheulense Final presencia uma diversificação cultural em expressões regionais mais bem adaptadas ao que parece ao meio ambiente climático e vegetal Corresponde à instalação do homem nos médios e baixos terraços secos Além das técnicas já conhecidas começa a aparecer a técnica de debitagem Levallois O restante do instrumental não apresenta diferenças em relação aos estágios precedentes exceto quanto à perfeição ao acabamento e ao surgimento de bifaces e de machadinhas de dimensões muito grandes algumas com mais de 30 cm de comprimento Um utensílio desenvolve se de maneira considerável o picão robusto e maciço de seção triangular ou trapezoidal adaptado talvez para o trabalho em madeira com grandes peças bifaciais alongadas já anuncia o complexo Sangoense Encontram se ainda esferas de pedra cuidadosamente preparadas comparáveis às bolas As jazidas do rio Mangala a oeste da República Centro Africana forneceram uma série particularmente importante dessas bolas Esse Acheulense Final é encontrado no Shaba em Kamoa e nos arredores de Kalina no Zaire Também está representado em Angola talvez nas proximidades de Brazzaville e na República Centro Africana pelas ricas jazidas do rio Ngoere no Alto Sanga Em toda a bacia do Zaire desconhecem se infelizmente os criadores dessa cultura em consequência da acidez dos terrenos que não permitiu a consêrvação de restos orgânicos 602 Metodologia e pré história da África O Sangoense O sítio epônimo que deu nome a essa cultura é Sango Bay na margem do lago Vitória na Tanzânia descoberto por E J Wayland em 1920 O Sangoense é uma indústria derivada diretamente do substrato acheulense local e sem introdução de elementos externos Ocupa o fim do pluvial Kanjeriano e continua durante uma fase de transição entre esse pluvial e o grande período árido que o sucede É uma indústria relativamente mal conhecida que apresenta várias fácies locais Estas parecem ter seguido uma evolução interna e se adaptado a um meio florestal ou pelo menos a um ambiente relativamente arborizado uma vez que tal indústria coincide com o início de um período árido Cinco estágios foram identificados nessa cultura Proto Sangoense Sangoense Inferior Sangoense Médio Sangoense Superior e Sangoense Final Do conjunto de utensílios líticos sangoenses o único que chegou até nós sofreu profundas modificações em relação ao Acheulense Final que o precede No início de sua evolução os bifaces continuam a tradição acheulense aos poucos vão se tornando mais maciços mais largos e mais curtos surgindo também alguns outros semelhantes aos picões com duas extremidades pontiagudas Por outro lado as machadinhas desaparecem rapidamente e as poucas que subsistem são de pequenas dimensões com bordos laterais muito sinuosas e talhadas em lascas largas Os seixos lascados ainda estão presentes embora não sejam muito abundantes Os picões que apareceram no fim do Acheulense passam a ocupar um lugar importante no conjunto de utensílios Com grandes dimensões seção triangular losangular ou trapezoidal quando associados a inúmeros raspadores parecem adaptar se ao trabalho da madeira O fenômeno mais notável é o aparecimento de peças bifaciais longas e estreitas lascadas por percussão e geralmente de grande delicadeza Essas peças chegam a representar cerca de um quarto do total conhecido dos instrumentos do Sangoense Foram classificadas em diversos tipos picões plainas buris goivas e punhais que em geral se associam para dar origem a instrumentos múltiplos picões buris picões plainas picões goivas picões punhais Algumas dessas peças atingem por vezes dimensões excepcionais ultrapassando 25 cm de comprimento Com a evolução do Sangoense estes utensílios que praticamente não variam quanto ao tipo diminuem em dimensões e o lascamento atinge grande perfeição O Sangoense é muito abundante na bacia do Zaire É conhecido no Zaire na planície de Kinshasa e no Alto Shaba onde difere do Sangoense das zonas ocidentais pela ausência de punhais e de pontas foliáceas por outro lado incluem 603 Pré História da África Central Figura 212 Monumento megalítico da região de Buar na República Centro Africana Clichê R de Bayle des Hermens Figura 213 Acheulense Superior República Centro Africana rio Ngoere Alto Sanga 1 Machadinha 2 biface Fotos Museu de História Natural 604 Metodologia e pré história da África se na indústria inúmeras bolas poliedros facetados ou esferas cuidadosamente acabadas com picoteamento e numerosas lascas aproveitadas Foi recolhido nas aluviões do rio Luembe em Candala e Lunda no nordeste de Angola onde muitas vezes aparece misturado com indústrias mais antigas ou mais recentes em consequência de sua posição nos cascalhos revolvidos Existe igualmente na República Popular do Congo na margem direita do Stanley Pool e no Gabão onde recentemente foi identificado Na República Centro Africana é conhecido pelas jazidas excepcionalmente ricas do centro este do país onde as aluviões das minas de diamantes no Nzako a Ambilo do Téré Tiaga e Kono forneceram milhares de utensílios em notável estado de conservação que se classificam como pertencentes a um Sangoense Médio ou Superior Até hoje o Sangoense não apareceu verdadeiramente diferenciado em Camarões a propósito discute se sua extensão para o oeste da África Alguns autores assinalaram sua presença no Senegal trata se na realidade de indústrias com peças bifaciais idênticas ou muito próximas das do Sangoense mas ainda muito mal situadas na cronologia pré histórica É possível que grupos humanos tenham se deslocado em direção ao oeste na zona da grande floresta mas até o presente não temos meios de identificar suas influências Como o Acheulense o Sangoense evolui localmente sem grandes contatos com o mundo exterior ao seu meio ambiente florestal É sucedido por uma indústria chamada Lupembiense surgida de condições ainda pouco definidas e que apresentaremos a seguir O Lupembiense O Lupembiense5 é segundo a classificação recomendada no Congresso Pan Africano de 1955 uma indústria da Middle Stone Age Entretanto o termo Middle Stone Age deve ser usado com precaução pois abarca um conjunto de instrumentos bastante heterogêneos cuja posição exata não foi ainda bem definida O Lupembiense desenvolve se no momento em que as condições de pluviosidade voltam ao normal no início do quarto pluvial chamado Gambliano atinge o ápice no decorrer da segunda parte desse período muito úmido e a datação absoluta indica uma duração de aproximadamente 25 mil anos Assim como o Acheulense Final que se desenvolveu localmente o Sangoense também se modificou refinou se adquiriu novas técnicas de lascamento que tiveram seu apogeu no Lupembiense sem que houvesse contatos com elementos estranhos à 5 Lupembiense Sítio epônimo estação pré histórica de Lupemba no Kasai termo criado pelo Abade H BREUIL 605 Pré História da África Central grande floresta a qual continuou a representar um papel protetor No início do Lupembiense subsistem ainda na indústria alguns bifaces que logo desaparecem não foram encontradas machadinhas Do ponto de vista da debitagem a técnica levalloisiense predomina na obtenção de lâminas e lascas o retoque é feito por percussão Num estágio posterior a técnica levalloisiense continua a ser empregada na obtenção de lascas mas uma outra técnica muito mais avançada a debitagem por pressão é utilizada na produção de lâminas bastante grandes que vão permitir a fabricação de peças longas estreitas e notavelmente retocadas Os últimos trabalhos relativos ao Lupembiense permitiram identificar cinco estágios Lupembiense I É encontrado em toda a bacia ocidental do Zaire onde constitui uma evolução local do Sangoense Os elementos acheulenses desaparecem totalmente o lascamento e o retoque são feitos por percussão Os instrumentos do Sangoense subsistem mas evoluem diminuindo em dimensões absolutas Os picões picões plainas picões planos não têm mais do que 15 cm Surgem as goivas buris peças cortantes e serras talhadas a partir de lâminas Com essas peças de cuidadoso acabamento a base dos instrumentos ainda é constituída de lascas grosseiras No final do Lupembiense I começam a aparecer pontas punhais e verdadeiras pontas de flechas Lupembiense II Este estágio foi definido em Pointe Kalina por J Colette mas é conhecido também no Stanley Pool Os buris foliáceos do Lupembiense I evoluem transformando se em machados Buris com bordo retilíneo e um novo tipo de trinchete com gume oblíquo substituem as formas conhecidas no Sangoense As armas compreendem punhais de 15 a 35 cm de comprimento e pontas foliáceas delicadamente talhadas e muito finas Lupembiense III Foi identificado nos depósitos de superfície do Stanley Pool e em alguns depósitos de Angola Nesse estágio a técnica de debitagem da pedra atinge seu apogeu com o retoque pressão As lascas obtidas por uma técnica levalloisiense evoluída são triangulares retangulares ou ovais Surge um instrumental pedunculado que se desenvolve e se torna mais frequente Os utensílios do 606 Metodologia e pré história da África Lupembiense Antigo são encontrados aqui mas com dimensões mais reduzidas picões buris pequenos bifaces alguns raspadores lesmas trinchetes com gume reto ou oblíquo e lâminas com bordo desbastado Os punhais chegam a atingir dimensões consideráveis até 46 cm As pontas são denticuladas constituindo armas mortais os machados tornam se mais comuns embora não abundantes Fato importante é o aparecimento de pontas de flechas de diversos tipos foliáceas losangulares pedunculadas ou não com bordos às vezes denticulados e de grande perfeição Em Angola um estágio tardio do Lupembiense foi datado pelo método do C14 14503 560 anos ou seja 12500 antes da Era Cristã Em relação à Europa situa se no Paleolítico Superior Lupembiense IV O Lupembiense IV é muito mal conhecido Sua principal característica seria a técnica epilevalloisiense de debitagem Lupembo Tshitoliense Este último estágio parece ter ocorrido do ponto de vista estratigráfico na fase árida em que termina o Pleistoceno na África central e oriental imediatamente antes do primeiro período úmido Makaliano As jazidas conhecidas localizam se nas aluviões cascalhosas ou na base da camada úmida que as recobre muitas vezes em ilhas fluviais A técnica de debitagem não se modifica em relação aos outros estágios do Lupembiense ainda é epilevalloisiense Por outro lado o retoque associa à percussão e à pressão uma nova técnica o retoque abrupto que caracteriza o Mesolítico O instrumental ainda compreende buris goivas e bifaces mas desaparecem os raspadores e lâminas com dorso Aos trinchetes vem juntar se um microtrinchete com retoque abrupto dos bordos que pode ser considerado em certos casos como uma armadura de gume transversal As pontas de flechas são mais variadas foliáceas losangulares farpadas raramente denticuladas e pedunculadas Em Angola uma indústria classificada no Lupembo Tshitoliense data de 11189 490 anos O Lupembiense ainda não foi encontrado na República Centro Africana e em Camarões Por outro lado foi assinalado na República Popular do Congo 607 Pré História da África Central e no Gabão mas pelo fato das jazidas situarem se em regiões de difícil acesso continua mal definido Culturas pré históricas de caráter não florestal Enquanto o Lupembiense ocupa a zona florestal do oeste da bacia do Zaire no Shaba e no leste de Angola desenvolvem se culturas de caracteres não florestais o Proto Stillbayense o Stillbayense e o Magosiense Essas culturas vão apresentar uma grande expansão na África do leste e do sul O Proto Stillbayense O sítio epônimo é Stillbay jazida do litoral da província do Cabo O Proto Stillbayense é uma indústria caracterizada por pontas unifaciais raspadores ferramentas denticuladas pedras de arremesso raros bifaces de pequenas dimensões pontas semifoliáceas de seção espessa grosseiramente retocadas em buris também pouco numerosos Esses instrumentos são obtidos por retoque relativamente abrupto O Stillbayense No Stillbayense a natureza dos instrumentos não varia sensivelmente em relação ao estágio anterior mas se nota uma grande perícia nas técnicas de debitagem epilevalloisiense Uma aquisição importante é o retoque pressão utilizado sobretudo na feitura de armas e de pontas musteroides unifaciais ou bifaciais que de modo geral conservam seu talão facetado Em um último estágio conhecido somente no Quênia figuram as lamelas com dorso buris e segmentos de círculo O Proto Stillbayense é muito abundante no Shaba já o Stillbayense é menos comum Os restos humanos mais antigos descobertos no Zaire pertencem ao Stillbayense Trata se de dois molares encontrados junto a quartzos lascados e uma ponta bifacial pelo Rev A Anciaux de Favaux nas brechas ossíferas de Kakontwe O Magosiense O sítio epônimo dessa indústria é Magosi em Uganda descoberto por Wayland em 1926 É uma cultura na qual se encontram as principais peças do Stillbayense Utensílios microlíticos lamelas com bordos desbastados 608 Metodologia e pré história da África segmentos de círculo triângulos raspadores unguiformes pequenos buris e contas feitas de casca de ovo de avestruz completam a indústria O Magosiense parece ter existido em Catanga mas nenhum sítio bem defínido foi até agora registrado com segurança Uma indústria mesolítica O Tshitoliense No final do Pleistoceno dois períodos relativamente secos provocam um recuo da cobertura florestal especialmente nas altitudes É nesses solos desbastados nos arredores das fontes muitas vezes no cume de colhias tabulares ou em desfiladeiros que se instalam os homens do Tshitoliense6 As jazidas desse tipo são conhecidas no planalto Bateke no Stanley Pool na planície de Kinshasa e no nordeste de Angola O instrumental encontrado varia de uma para outra contando ainda com um número proporcionalmente grande de utensílios florestais mas já de dimensões muito reduzidas Aparecem utensílios novos ou pouco conhecidos nas indústrias precedentes plainas lâminas com ponta retocada facas com dorso e sobretudo elementos microlíticos e geométricos trapézios triângulos gomos de laranja e microtrinchetes As pontas de flechas apresentam uma grande variedade de tipos e de formas foliáceas losangulares ovais triangulares farpadas pedunculadas denticuladas e com gume transversal Em sua quase totalidade são talhadas por retoque pressão o que lhes dá grande elegância O Tshitoliense por seu armamento reduzido às pontas de flecha pode ser considerado um Pré Neolítico que não inclui cerâmica nem machados polidos Aparece como uma expressão tardia das culturas florestais africanas antes do desenvolvimento do Neolítico do Zaire ocidental aparentemente de caráter intrusivo O Neolítico Em toda a bacia do Zaire no sentido amplo do termo as civilizações pré históricas mencionadas nos parágrafos anteriores constituem do Pré Acheulense ao Tshitoliense etapas sucessivas de um complexo cultural imenso desenvolvido em meio florestal que como já foi dito evoluiu localmente sem contribuições sensíveis do mundo exterior As fácies neolíticas pois é preciso desde logo deixar claro que houve várias fácies por vezes muito diferentes umas das outras desenvolvem se 6 Tshitoliense Termo criado com base no instrumental lítico recolhido em Tshitolo no Kasai 609 Pré História da África Central no decorrer do último e breve período úmido o Nakuriano O clima de então é sensivelmente o mesmo que conhecemos hoje A cobertura florestal é mais densa pois ainda não sofreu a ação devastadora do homem e as espécies vegetais são as que existem atualmente É portanto no interior de uma floresta tropical muito densa que vindos do norte depois de atravessar o rio nos arredores dos rápidos de Isanghila os criadores de uma cultura neolítica conhecida como do Congo ocidental vão aos poucos se instalando São eles portadores de novas técnicas que em maior ou menor grau irão fundir se com as já existentes no local Esse Neolítico distingue se pelo emprego quase exclusivo de rochas difíceis de trabalhar como os xistos quartzos e a jadeíta As lascas são portanto muito malfeitas resultando um instrumental medíocre Os conjuntos de utensílios variam conforme os sítios Incluem picões grosseiramente elaborados buris seixos lascados de pequenas dimensões pedras perfuradas de várias formas pesos e materiais e sobretudo um grande número de machados Estes últimos são inicialmente lascados e parcialmente polidos depois picoteados e polidos cuidadosamente No Zaire são conhecidos inúmeros polidores que certamente serviram ao polimento de machados As pontas de flechas não estão ausentes mas em geral são de fabricação muito medíocre e talhadas em lascas de quartzo Em alguns sítios mais especificamente em Ishango a indústria apresenta utensílios de osso em particular arpões com uma e mais tarde com duas camadas de farpas Ao lado desse instrumental lítico e ósseo figura em algumas jazidas uma cerâmica abundante muito bem decorada e ornamentada As jazidas neolíticas são conhecidas no Cuango ocidental em associação com o Tshitoliense em ambas as margens do rio Zaire entre o Pool e Congo dia Vanga e em vários pontos da República Popular do Congo Uma fácies que apresenta grande número de machados de hematita com polimento particularmente cuidadoso é encontrada em Uele no norte do Zaire O Neolítico é conhecido sob diversas fácies como já indicamos em Camarões no Gabão e na República Centro Africana Nesse último país a jazida de Batalimo em Lobaye encerra uma indústria em jadeíta na qual inúmeros machados lascados encontram se associados a uma cerâmica muito fina A datação dessa indústria feita pelo método de termoluminescência é 380 220 da Era Cristã A data à primeira vista pode parecer anormal contudo pelo que atualmente se sabe o Neolítico na zona da grande floresta parece ter durado muito mais tempo que nas outras regiões prolongando se até um período histórico A introdução dos metais no local teria ocorrido só bem mais tarde Alguns autores situam o advento do ferro num período já próximo do século IX da Era Cristã 610 Metodologia e pré história da África Os monumentos megalíticos As culturas megalíticas desenvolveram se sob diversas formas na África particularmente na África do norte e no Saara A bacia do Zaire com exceção do noroeste da República Centro Africana não conheceu tais culturas Em Angola no Zaire no Gabão na República Popular do Congo não foi encontrado nenhum monumento megalítico e em Camarões somente algumas pedras colocadas em sentido vertical Em contrapartida a República Centro Africana na região de Buar possui megálitos particularmente notáveis Ocupam eles uma faixa de 130 km de Figura 214 Vaso neolítico de fundo plano República Centro Africana Batalimo Lobaye Foto Laboratório de Pré História Museu de História Natural 611 Pré História da África Central comprimento e 30 km de largura na linha divisória das águas das bacias do Zaire e do Chade Ao que parece não são conhecidos em Camarões e tampouco em outros lugares da República Centro Africana Essa cultura encontra se pois confinada geograficamente ao noroeste do país Os monumentos apresentam se sob a forma de túmulos com dimensões variáveis encimados por um certo número de algumas unidades a várias dezenas de pedras verticalmente colocadas e cuja altura acima do solo chega a ultrapassar 3 m As escavações realizadas em vários desses monumentos revelaram sua estrutura interna mas forneceram poucos elementos arqueológicos quartzo lascado cerâmica e objetos de metal nas camadas superiores Por outro lado os carvões vegetais recolhidos permitiram fazer datações pelo método do C147 Os resultados obtidos fornecem datas extremamente importantes as primeiras relativas às camadas profundas dos monumentos 7440 170 BP ou seja 5490 antes da Era Cristã e 6700 140 BP ou 4750 antes da Era Cristã as segundas 1920 100 BP isto é 30 da Era Cristã e 2400 110 BP ou 450 da Era Cristã Essas duas séries de datações indicam para as camadas mais antigas a idade da edificação dos megálitos e para as mais recentes a idade de uma nova utilização aliás confirmada por alguns objetos metálicos recolhidos nas camadas superiores No estágio em que se encontram as pesquisas não permitem atribuir com certeza os megálitos de Buar ao Neolítico mas pode se dizer que a civilização que os edificou é ao menos contemporânea desse período A arte rupestre Situada entre as duas grandes regiões de arte rupestre Saara e África do Sul a bacia do Zaire também possui uma arte rupestre embora não tão rica quanto se podia esperar em vista de sua localização No Chade no Ennedi e no Borku desenvolveu se uma arte rupestre que faz parte dos grandes complexos saarianos Em Camarões conhece se um sítio de gravuras sobre lajes horizontais polidas e desgastadas pela erosão no norte do país em Bidzar As representações são essencialmente geométricas círculos e arcos ora isolados ora em grupo Em Angola existem gravuras na região de Calola Apresentam se sobre lajes horizontais e os motivos são geométricos como em Camarões Pinturas aparentemente mais recentes foram assinaladas nessa mesma região No Zaire conhecem se vários sítios de diferentes épocas O Shaba parece ser a província 7 BAYLE DES HERMENS R e VIDAL P 1971 p 81 82 612 Metodologia e pré história da África mais rica em arte rupestre e pertencer ao mesmo grupo que a Zâmbia e Angola do leste Esse grupo é caracterizado por uma arte esquemática e não naturalista como a da África do Sul Em 1952 o Ab Henri Breuil publicava as figuras gravadas e pontuadas da gruta de Kiantapo8 e G Mortelmans um ensaio de síntese dos desenhos rupestres do Shaba9 chamando a atenção para as dificuldades de datação dos diferentes estilos devido à falta de documentos arqueológicos Foram descobertas lajes gravadas no Baixo Zaire tendo a arte rupestre nessa região subsistido até época muito recente Séries de gravuras do Monte Gundu no Dele parecem relacionadas aos ritos da água e do fogo Na República Centro Africana a arte rupestre atualmente conhecida está situada no norte e no leste do país Ao norte os abrigos de Toulou da Koumbala e do Djebel Mela apresentam pinturas tratadas com ocre vermelho preto e branco personagens e signos diversos mas ausência de representações animais No leste as jazidas de Lengo e do Mpatou perto de Bakouma apresentam uma arte gravada sobre lajes horizontais de laterito ao que parece relativamente recente e executada por homens que já conheciam o ferro tendo se em conta as inúmeras facas de arremesso e pontas de lança ali encontradas A arte rupestre da bacia do Zaire não tem nenhuma semelhança com a do Saara Seu eixo de penetração deve ser buscado em direção à África do sul e do leste Ela é bastante similar à que se conhece na região bantu é pois recente e até mesmo histórica Entretanto tem grande importância para o estudo das migrações e movimentos de populações de um período muito mal conhecido da preto história ou mesmo da história da África tropical Conclusão De tudo o que expusemos sobre a pré história da bacia do Zaire infere se que até o Acheulense Superior as indústrias pré históricas distinguem se muito pouco do que se conhece nas outras regiões da África subequatorial É a partir do complexo Sangoense que tem início a grande diversificação regional das culturas de fácies florestal com um fato notável o isolamento quase total em que viveram os homens dessa região até a chegada dos neolíticos vindos do norte fugindo talvez das zonas saarianas em razão do dessecamento 8 BREUIL H 1952 p 1 32 14 pranchas 9 MORTELMANS G 1952 p 35 55 9 pranchas 613 Pré História da África Central A grande floresta equatorial constituiu uma barreira natural limitando os contatos com o norte e o sul do Equador Nessa área as culturas neolíticas tiveram uma duração muito maior do que em qualquer outra uma vez que continuaram isoladas e protegidas numa época em que outras regiões já haviam entrado há muito tempo na história com a utilização dos metais e do ferro C A P Í T U L O 2 1 615 Pré História da África Central A África Central tema deste capítulo compreende o Zaire e alguns países limítrofes a República do Congo o Gabão o Rio Muni a República Centro Africana Ruanda Burundi e Angola Desde o final do século XIX essa parte do continente atraiu a atenção dos arqueólogos mas as pesquisas sempre foram muito dispersas Os primeiros pesquisadores que se interessaram pela África Central quiseram inicialmente reconhecer na região períodos semelhantes aos descritos na Europa Foi X Stainer quem tentou um primeiro estudo de conjunto em 1899 mas a J Colette cabe o mérito de ter realizado escavações desde 1925 Bequaert 1938 Entretanto pode se dizer que a pesquisa científica só se ampliou realmente depois da Segunda Guerra Mundial A partir de então estudos sistemáticos foram efetuados por J D Clark na Zâmbia e em Angola R de Bayle des Hermens na República Centro Africana J Nenquin em Ruanda e no Burundi G Mortelmans J de Heinzelin e H van Moorsel no Zaire e pela Sociedade Pré Histórica e Proto Histórica Gabonense no Gabão No Zaire os trabalhos se desenvolveram principalmente a partir da criação do Instituto dos Museus Nacionais em 1970 Nossos conhecimentos entretanto ainda são bastante fragmentários Embora Colette tenha sido um pioneiro realizando o primeiro estudo cronoestratigráfico seu exemplo foi muito pouco seguido e em várias partes da área considerada Pré História da África Central PARTE II F Van Noten com a colaboração de P de Maret J Moeyersons K Muya E Roche 616 Metodologia e pré história da África Figura 215 Zonas de vegetação da África Central 617 Pré História da África Central nossos conhecimentos baseiam se unicamente nas coletas de superfície Mas é preciso ter em conta que a arqueologia na África Central se depara com muitas dificuldades Algumas áreas como o norte por exemplo não se prestam muito bem a escavações em razão das espessas crostas lateríticas enquanto que na floresta as prospecções são difíceis Outros fatores dificultam ainda mais a tarefa de modo geral as condições climáticas e a acidez dos terrenos não permitiram a conservação dos restos ósseos o que explica sua ausência na maioria dos sítios estudados Há entretanto exceções notadamente em Ishango e em Matupi onde o meio calcário possibilitou a boa conservação do material A nomenclatura tem sido constantemente revisada e as subdivisões discutidas com frequência A sucessão das antiga média e recente idades da pedra entrecortada por períodos intermediários parece não ser mais aceitável nem cronológica nem tipologicamente Após um período de rigorosas tentativas de classificação volta se a considerar muito relativas e provisórias essas amplas categorias O estudo de sítios novos escavados e datados sistematicamente confirma esse procedimento Citemos como exemplo a recente Idade da Pedra em 1959 J D Clark situava o início desse período por volta de 7500 BP Em 1971 obtínhamos para a gruta de Munyama em Uganda uma data aproximada de 15000 BP van Noten 1971 e seis anos mais tarde a indústria microlítica de Matupi era datada de 40000 BP aproximadamente van Noten 1977 Há portanto evidentes contradições entre a antiga classificação e as descobertas recentes Ainda que os arqueólogos do mundo inteiro comecem a demonstrar um especial interesse pelo modo de vida do homem pré histórico estudando seu meio ambiente e tentando compreender as relações que mantinha com esse meio a pré história na África Central permaneceu durante muito tempo como um estudo de tipologia e de cronologia Nessa nomenclatura o espaço dedicado ao homem é mínimo Em lugar de organizar um catálogo exaustivo de sítios os quais na maior parte das vezes mostram apenas descobertas de superfície iremos concentrar nos nas raríssimas escavações sistemáticas que forneceram elementos para datações Ishango Gombe Bitorri Kamoa Matupi e Kalambo Esses conjuntos de dados extremamente dispersos deverão ser complementados com informações fornecidas pelo estudo de outras localidades Estamos mais do que nunca convencidos da impossibilidade de estabelecer grandes áreas culturais bem definidas Devemos nos limitar à constatação da 618 Metodologia e pré história da África presença do homem num momento determinado sem poder afirmar ainda se ele evoluiu localmente ou se veio de fora Certamente ele cedo se adaptou a meios bem definidos com clima flora e fauna próprios O caçador coletor primitivo precisava explorar esses meios para sobreviver e já a escolha do material existente ditava seu procedimento quando da fabricação dos utensílios É claro que o homem deve ter respondido de diferentes maneiras às diferentes condições criadas pela diversidade dos meios ambientes da África Central Resultou daí a existência de áreas distintas que por vezes mostram traços comuns mas ao mesmo tempo adaptações regionais e mesmo locais que não se explicam simplesmente pela influência de condições ecológicas diferentes Entretanto seria prematuro falar em áreas culturais Quadro geográfico Os traços gerais da morfologia da imensa região chamada África Central são o resultado de uma série de movimentos tectônicos que já haviam começado no início do Terciário e que provavelmente ainda não cessaram A bacia central cuja altitude não ultrapassa 500 m é rodeada por um cinturão de planaltos de colinas ou de montanhas formados nas camadas geológicas que recobrem o embasamento cristalino pré cambriano Este aflora na periferia é muito acidentado particularmente em Kivu onde chega a elevar se acima de 3000 m e bastante recortado pela erosão Relevos muito elevados dominam o embasamento em alguns lugares os planaltos basálticos cerca de 3000 m da margem sudeste do lago Kivu e da Adamaua cerca de 2500 m os picos vulcânicos na região das Virunga cerca de 4500 m o horst do Ruwenzori 5119 m e o planalto do Huambo cerca de 2600 m Os movimentos tectônicos que afetaram as terras altas provocaram a formação de grabens tais como a fossa a leste da África Central e o buraco do Benue Exceto na região costeira ao sul de Angola e na bacia do Cubango Zambeze a África Central recebe chuvas abundantes Na bacia as precipitações são regulares o ano todo representam mais de 1700 mm de água por ano Nas costas do Gabão no Rio Muni e em Camarões podem atingir 4000 mm Nas regiões onde há uma estação seca três a sete meses as precipitações ainda atingem de 800 a 1200 mm Na África Central a floresta densa e úmida que se desenvolve sob regime pluvial elevado entre as latitudes 50 N e 4o S cobre a bacia do Zaire a maior parte da República Popular do Congo o Gabão o Rio Muni e o sul de Camarões A 619 Pré História da África Central Figura 216 Mapa da África Central com os nomes dos lugares citados no texto leste a floresta transforma se por formações de transição em florestas densas de montanha que ocupam entre 2o N e 8o S as cristas e as vertentes muito bem regadas do leste do Zaire de Ruanda e do Burundi Nos lugares onde sofreu degradação a floresta densa foi substituída por nova vegetação e florestas secundárias 620 Metodologia e pré história da África A floresta equatorial é margeada por florestas densas semidecíduas frequentemente bastante degradadas todavia capazes de sobreviver a uma estação seca de dois a três meses Ao norte elas constituem uma franja pouco extensa em latitude que vai de Camarões ao lago Vitória passando pelo sul da República Centro Africana e na região entre os rios Bomu e Uele Ao sul formam com as savanas de origem antrópica um mosaico vegetal que cobre parte da República Popular do Congo o Baixo Zaire as terras baixas do Cuango o Kasai Sankuru e o Lomami Dispostas em arco ao redor da zona das florestas densas guineenses as florestas abertas e as savanas sudano zambezianas cobrem regiões onde a estação seca chega a atingir sete meses o centro de Camarões a República Centro Africana o Sudão Meridional o leste de Ruanda e do Burundi o Shaba no Zaire a Zâmbia e Angola Grandes depressões pantanosas são encontradas ao longo dos rios sobretudo no curso do Nilo Branco ao sul do Sudão na bacia e na depressão do Upemba no Zaire na bacia do Zambeze em Angola e na Zâmbia Evolução do meio ambiente A reconstituição do meio ambiente do homem pré histórico tornou se um elemento importante das pesquisas arqueológicas Os primeiros estudos a respeito foram realizados no leste da África Vários pesquisadores como E J Wayland 1929 1934 P E Kent 1942 e E Nilsson 1940 1949 haviam observado no Quaternário alternâncias de períodos úmidos pluviais e períodos secos interpluviais Os pluviais foram considerados contemporâneos das glaciações do Hemisfério Norte e chamados do mais antigo ao mais recente Kagueriano Kamasi ano e Gambliano Posteriormente foram reconhecidas duas fases úmidas do início do Holoceno o Makaliano e o Nakuriano L S B Leakey 1949 J D Clark 1962 1963 e outros tentaram depois estender o uso desses nomes que haviam adquirido uma significação estratigráfica específica no leste da África a outras partes do continente Por sua vez autores como T P OBrien 1939 H B S Cooke 1958 R F A Flint 1959 F F Zeuner 1959 e W W Bishop 1965 expressaram suas reservas quanto à generalização da teoria as pesquisas efetuadas na África Central mostraram que existem intervalos de tempo consideráveis entre as fases pluviais das duas regiões 621 Pré História da África Central J de Ploey 1963 foi o primeiro a reconhecer na África Central a existência de um período semi árido no Pleistoceno Superior ao menos em grande parte contemporâneo da glaciação de Würm na Europa Diversos autores J Alexandre S Alexandre 1965 J Moeyersons 1975 constataram a presença dessa fase no Shaba Uma oscilação mais úmida por volta de 6000 BP foi descoberta por J de Ploey 1963 no Baixo Zaire em Mose no Shaba Alexandre comunicação pessoal e em Moussanda no Congo Delibrias et al 1974 47 Os estudos em Kamoa mostraram que essa fase foi precedida por uma outra oscilação úmida entre 12000 BP e 8000 BP separada da oscilação de 6000 BP por uma curta fase de erosão ligada a uma nova ocorrência da seca A oscilação úmida entre 12000 BP e 8000 BP é contemporânea da extensão dos lagos no leste da África encontrada por K W Butzer et al 1972 Os estudos de J de Ploey 1963 1965 1968 1969 no Baixo Zaire e de J Moeyersons 1975 em Kamoa indicam que os períodos mais secos eram caracterizados por uma intensificação dos processos morfogenéticos Assim na região de Kinshasa durante o Leopoldvilliano as colinas foram fortemente desnudadas havendo em consequência intensa sedimentação na planície Do mesmo modo em Kamoa esse período presenciou uma evolução muito grande das vertentes sob forma de estreitamento das bordas dos vales Tudo isso vem confirmar a hipótese de H Rhodenburg 1970 da alternância de fases morfodinâmicas identificadas com os períodos secos e fases estáveis úmidas A evolução do meio ambiente na África Central foi portanto fortemente marcada pelas condições climáticas dos últimos cinquenta milênios Os estudos relativos às formações vegetais atuais e ao seu equilíbrio com o clima bem como as análises palinológicas de diversos sítios permitiram a reconstituição da cobertura vegetal antiga e das condições climáticas que a determinaram É nas regiões montanhosas do leste que se pode perceber melhor alterações climáticas que acompanham as mudanças dos estágios de vegetação Os diagramas polínicos das turfeiras de altitude refletem uma sucessão de floras frias floras quentes e úmidas e floras secas a qual se evidencia sobremaneira no sítio de Kalambo Falls situado a 1200 m de altitude na Zâmbia J D Clark e E M van Zinderen Bakker 1964 descobriram no local uma longa fase seca entre 55000 BP e 10000 BP com duas oscilações úmidas por volta de 43000 BP e 28000 BP e o início de uma fase úmida mais longa por volta de 10000 BP Durante os períodos áridos a temperatura baixou sensivelmente nas terras altas ao redor do graben como J A Coetzee e E M van Zinderen Bakker 1970 já haviam assinalado no monte Quênia onde evidenciaram a Mount Kenya glaciation entre 26000 BP e 14000 BP 622 Metodologia e pré história da África J D Clark e E M van Zinderen Bakker 1962 também estudaram a evolução da cobertura vegetal na região de Lunda Uma floresta aberta seca de Brachystegia ocupou a região entre 40000 BP e 10000 BP dando lugar depois a uma floresta mais cerrada durante a fase úmida de 10000 BP a 5000 BP Segundo o estudo palinológico do sítio de Kamoa feito por E Roche 1975 em complementação ao estudo geomorfológico de J Moeyersons 1975 parece ter havido um período seco do Acheulense Final até 15000 BP Observa se a evolução progressiva de uma savana estépica para a floresta aberta e posteriormente a instalação de uma floresta mais densa com a extensão das galerias florestais consecutiva à umidificação do clima a partir de 12000 BP Segundo M Streel 1963 as florestas abertas secas e as savanas de Acacia teriam se estendido grandemente entre 50000 BP e 20000 BP Essa extensão que supostamente começou no Zambeze oriental teve como efeito o recuo da floresta densa em direção à bacia Para P Duvigneaud 1958 o Shaba pode ser considerado um cruzamento onde a vegetação é o reflexo de influências de diversas regiões guineo congolesa zambeziana e afro oriental Baseando se na teoria da mobilidade do equador térmico enunciada por Milankovitch A Schmitz 1971 acredita que um deslocamento de 8o ao sul durante uma fase quente e úmida que estaria situada entre 12000 e 5000 BP tenha provocado um grande desenvolvimento da floresta densa Esta se teria estendido por todo o Zaire e mesmo a parte de Angola o que é atestado pela presença de faixas de floresta densa mais seca nas florestas abertas atuais As florestas também teriam sido mais extensas ao norte cobrindo a maior parte de Camarões e da República Centro Africana Durante esse período úmido as florestas abertas e as savanas subsistiram em estações que lhes eram favoráveis ou seja nos planaltos e solos pobres É bem provável que os planaltos do Zaire meridional e de Angola jamais tenham conhecido uma vegetação realmente cerrada e que tenha sido a partir dessa região que a floresta aberta começou a estender se novamente quando o clima voltou a ser seco depois de 5000 BP A Schmitz 1971 no entanto acredita que tenha sido fundamentalmente uma ação antrópica que provocou no último milênio o recuo da floresta densa Concluindo a África Central conheceu entre 5000 BP e 10000 BP uma longa fase seca contemporânea da glaciacão de Würm enquanto a fase úmida que se iniciou por volta de 12000 BP corresponderia às oscilações climáticas que marcaram o início do Holoceno Durante esse longo período seco provavelmente interrompido por uma oscilação úmida por volta de 28000 BP foram intensos os processos morfodinâmicos e a floresta aberta ganhou maior 623 Pré História da África Central extensão No período úmido do início do Holoceno a floresta densa estendeu se sobre a maior parte da África Central e seu recuo atual é atribuído à ação do homem Povoamento da África Central Na ausência de ossadas humanas admite se de modo geral que a primeira manifestação da presença do homem sejam os seixos fraturados denominados seixos lascados Estes se comparam aos artefatos do Olduvaiense do sítio epônimo de Olduvai na Tanzânia Verifica se a ocorrência de objetos semelhantes em quase toda a África Central no Zaire na bacia do Kasai e no Shaba em Camarões no Gabão no Congo na República Centro Africana e no nordeste de Angola onde são encontrados nos aluviões Mas nem sempre é fácil saber se esses seixos foram lascados pelo homem ou por agentes naturais Não nos parece correto embora o fato seja muito frequente considerar utensílios todos os seixos que indubitavelmente apresentam marcas de lascamento intencional uma vez que se verifica serem na maior parte núcleos de onde foram destacadas lascas Estas é que foram empregadas quer como utensílios para fins diversos quer como raspadores Nenhum habitat que remonta a essa época foi até hoje assinalado Faltam também artefatos de madeira e de osso que devem ter representado parte bastante significativa no conjunto de utensílios Podemos imaginar que os seixos lascados foram produzidos pelo Australopithecus ou pelo Homo habilis que segundo observações feitas em vários lugares da África certamente eram necrófagos Entretanto a vida social deve ter se organizado a partir desse momento Tal período da história do homem iniciou se há mais de 2 milhões de anos prolongando se até cerca de 500 mil anos atrás Mas foi somente com o instrumental do Acheulense que obtivemos a primeira prova indiscutível da presença do homem na África Central O estágio mais antigo o Acheulense Inferior só é conhecido na região de Lunda Clark 1968 O Acheulense Superior em geral encontrado em meios áridos foi descoberto em diferentes pontos da periferia da bacia central J D Clark descreveu o em Angola J Nenquin em Ruanda e no Burundi e R de Bayle des Hermens na República Centro Africana Kalambo na Zâmbia e Kamoa no Zaire constituem os melhores sítios de referência O Acheulense caracterizou se pelos bifaces e machadinhas que foram objeto de inúmeras tentativas de classificação morfológica Cahen Martin 1972 624 Metodologia e pré história da África Alguns autores quiseram ver neles uma transformação de um estágio arcaico para outro mais evoluído e estabeleceram uma sucessão de cinco estágios do Acheulense de I a V porém essas diferenças tipológicas nem sempre têm grande significação cronológica Como o próprio nome indica o biface é um artefato talhado nas duas faces a partir de um seixo ou de uma lasca grande Caracterizado por uma ponta mais ou menos saliente tem base quase sempre arredondada Além do biface outro instrumento muito característico é a machadinha que termina por um gume Ao lado desses utensílios encontram se artefatos menos característicos tais como triedros picões facas esferoides e outros de pequenas dimensões Embora as descobertas do Acheulense sejam abundantes os sítios onde essa indústria pode ser considerada como estando arqueologicamente em seu próprio contexto ou mesmo representada de forma homogênea ainda são raros Um dos únicos sítios onde o Acheulense foi encontrado em estratigrafia localiza se às margens do rio Kamoa no Shaba Cahen 1975 Este sítio tem vários hectares de extensão Os caçadores coletores que o habitavam deixaram no local seus utensílios e os resíduos de preparação Pode se então deduzir que se trata de um tipo de oficina habitat Em vista da homogeneidade da indústria na qual não se distingue evolução pode se pensar ainda numa acumulação de ocupações sazonais A matéria prima era trazida de um lugar a 15 km do sítio onde se encontram enormes núcleos dormentes As lascas eram transportadas ao sítio onde a debitagem e o acabamento dos utensílios deviam ser realizados O Acheulense Evoluído ou Final de Kamoa é análogo às indústrias encontradas no Saara e na África do Sul A data de 60000 BP proposta deve ser considerada um terminus ante quem a data real em nossa opinião deve ser muito mais antiga De acordo com descobertas feitas em outras regiões da África sabemos que essa indústria deve ser atribuída ao Homo erectus Esse hominídeo devia depender da caça e da coleta para subsistir Supõe se que a vida social continuasse a se desenvolver e que o homem tivesse alcançado o domínio do fogo Evolução tecnológica e adaptação Após o Acheulense distinguimos várias regiões cujas indústrias embora bastante diferentes dão a impressão de uma certa unidade Consideremos de maneira genérica uma parte ocidental e uma parte oriental podendo esta última ser subdividida em duas embora a falta de dados para o norte e o sul da referida área torne as subdivisões bastante conjeturais A parte ocidental que se estende de Angola até o Gabão é a região mais estudada Engloba o Baixo 625 Pré História da África Central Zaire Kinshasa a região de Lunda o Cuango e o Kasai isto é o sudeste da bacia do Zaire A parte oriental abrange a região interlacustre e a região Shaba lago Tanganica Na parte ocidental acredita se reconhecer uma série de indústrias usualmente descritas como uma sucessão tipológico cronológica o Sangoense seguido do Lupembiense por sua vez seguido do Tshitoliense O Sangoense representaria a passagem entre o Acheulense e o Lupembiense e estaria situado no primeiro período intermediário O Lupembiense constituiria a Middle Stone Age enquanto o Lupembo Tshitoliense corresponderia ao segundo período intermediário indo redundar finalmente no Tshitoliense contemporâneo da Late Stone Age da África Oriental e Austral Como que prolongando a técnica acheulense todas essas indústrias são caracterizadas pelo lascamento bifacial enquanto a técnica levalloisiense raramente aparece A parte oriental da África Central apresenta uma mistura mais complexa de indústrias Estas são comparáveis às da parte ocidental mas o lascamento bifacial não é tão abundante Em contrapartida as técnicas de debitagem denominadas musteriense e levalloisiense são muito desenvolvidas e as lâminas e lascas laminares numerosas Desde o segundo período de transição notam se mudanças muito profundas e a tradição interrompe se definitivamente para dar lugar às indústrias microlíticas as quais parecem não ter ligação alguma com as indústrias anteriores Bem características as indústrias de tipo Sangoense e Lupembiense dessas regiões permitem distinguir duas áreas diferentes uma que abrangeria a parte setentrional isto é a região interlacustre caracterizada por bifaces foliáceos lanceolados e punhais a outra a abranger a parte meridional isto é a região do Shaba e as margens do lago Tanganica caracterizada pela ausência de pontas e pela presença de utensílios bifaces de tipo burilou goiva que curiosamente quase não aparecem na região interlacustre Isso ilustra bem o absurdo da distinção entre indústrias de floresta e de savana Aliás nessa época nenhuma região parece ter sido mais arborizada que outra Ao contrário o clima devia ser nitidamente mais seco do que hoje foi somente por volta do fim desse período que a floresta ganhou extensão O sítio de Masango reflete bem o caráter das indústrias da região Observa se ali toda uma gama de pontas bifaces ao lado de elementos grosseiros tais como picões O traço levalloisiense encontra se muito bem representado Cahen Haesaerts van Noten 1972 Uma sequência de indústrias líticas do Sangoense à Late Stone Age teria sido descoberta em Sanga mas ainda não foi detalhadamente estudada Nenquin 1958 626 Metodologia e pré história da África Este quadro apresenta os nomes das indústrias de acordo com os diferentes autores as datações por carbono 14 existentes a evolução do meio e da flora Examinemos agora a região ocidental mais de perto Suas indústrias agrupam toda a gama de elementos encontrados nas regiões orientais o que lhes confere uma maior variedade tipológica correspondendo melhor à ideia que em geral se faz do Sangoense e do Lupembiense Encontram se picões grosseiros que já presentes no Acheulense persistem ainda até o Tshitoliense Esse artefato considerado o fossile directeur do Sangoense na realidade não tem significação cronológica Mas encontramos também associado a ele um instrumental muito elaborado com belas pontas de lanças foliáceas e longos punhais Em seguida 627 Pré História da África Central vêem se igualmente aparecer pontas de flechas provando que o homem já havia descoberto o uso do arco O Homo sapiens parece ter sido o responsável por tais adaptações apesar de não se ter encontrado até agora restos fósseis pertencentes a essa espécie São raros os sítios onde se podem encontrar vários níveis em estratigrafia Foi na ponta de Gombe que J Colette descobriu a primeira sequência dessas indústrias da África Central fornecendo evidências de quatro o Kaliniense o Djokociense o Ndoliense e o Leopoldiense seguido de traços da Idade do Ferro O Primeiro Congresso Pan Africano de Pré História realizado em Nairobi em 1947 não considerou os nomes das indústrias definidas por J Colette e adotou os termos Sangoense e Lupembiense que não tinham nenhuma fundamentação arqueológica séria Esses novos nomes entraram para a literatura e foram empregados indiscriminadamente não só na África Central mas também muito além de seus limites A ponta de Gombe único sítio conhecido onde seria possível estabelecer uma cronologia foi novamente escavada por D Cahen em 1973 e 1974 Cahen 1976 no intuito de precisar e datar a sequência que J Colette havia descoberto Excluindo algumas peças que evocam o Acheulense a sequência inicia se com o Kaliniense caracterizado por picões grosseiros feitos a partir de seixos ou lascas raspadores maciços espessos utensílios denticulados e plainas de grandes dimensões Encontram se também bifaces lanceolados raspadores convergentes além de utensílios bifaces ou unifaces estreitos com bordos mais ou menos paralelos A esse conjunto somam se inúmeras armaduras com gume transversal feitas a partir de lascas pequenos trinchetes e núcleos circulares de tipo musteriense A debitagem comporta lascas do tipo levalloisiense e algumas lâminas de má qualidade Os elementos espessos lembram o Sangoense e os utensílios finos o Lupembiense e mesmo o Tshitoliense O nível seguinte o Djokociense caracteriza se principalmente por pontas de flecha pedunculadas ou foliáceas frequentemente retocadas por pressão a debitagem é a mesma que no Kaliniense O Djokociense evoca o Lupembiense Recente da planície de Kinshasa Moorsel 1968 o Lupembo Tshitoliense na verdade o Tshitoliense Antigo como foi definido por G Mortelmans 1962 e J D Clark 1963 O terceiro nível o Ndoliense apresenta se somente sob a forma de pequenas concentrações As pequenas pontas de flecha foliáceas são típicas a debitagem bipolar era praticada no próprio local o que explica a presença de peças estilhaçadas Essa indústria é similar ao Tshitoliense Tardio Moorsel 1968 Cahen Mortelmans 1973 Uma das datas obtidas para o Kaliniense coincide com a idade estimada para o Sangoense Clark 1969 236 e uma outra com as fases antigas do 628 Metodologia e pré história da África Lupembiense Clark 1963 18 19 Moorsel 1968 221 As datas estimadas para as amostras do nível Djokociense não diferem das que foram calculadas em outros lugares para indústrias análogas Entre as datas associadas ao Ndoliense uma delas corresponde às do Tshitoliense Tardio obtidas anteriormente na planície de Kinshasa e na região de Lunda De maneira geral pode se dizer que as indústrias encontradas em estratigrafia em Lunda em Gombe e na planície de Kinshasa são comparáveis tipologicamente e coincidem cronologicamente O Sangoense Lupembiense Inferior estaria situado entre 45000 e 26000 BP o Lupembiense Inferior iria de 10000 a 7000 BP e o Tshitoliense Superior de 6000 a 4000 ou 3500 BP cf quadro Uma trincheira de prospecção escavada por P de Maret na gruta de Dimba mostrou uma sucessão de quinze camadas arqueológicas e uma data de 20000 650 BP para uma indústria do tipo Lupembiense Superior ou Lupembo Tshitoliense Parece que uma data aproximada de 25000 BP reduziria o hiato existente nas datações entre 27000 BP e 15000 BP assinalado por D Cahen 1977 A gruta de Hau único sítio que talvez se encontrasse na floresta equatorial durante sua ocupação e onde F van Noten descobriu uma indústria Lupembiense seguida de uma Late Stone Age não produziu datações de radiocarbono aceitáveis J P Emphoux 1970 escavou em 1966 a gruta de Bitorri lá encontrando vinte níveis de ocupação da Idade da Pedra Um dos níveis forneceu uma data por radiocarbono de 3930 200 BP e um outro inferior uma data de 4030 200 BP O material lítico que não evoluiu de um nível a outro pode ser considerado como formando uma unidade tipo lógica cuja indústria lembra o Tshitoliense Superior O mesmo pesquisador datou de 6600 130 BP um nível Tshitoliense Médio em Moussanda Delibrias et al 1974 p 47 No Gabão indústrias ditas lupembienses foram várias vezes assinaladas Blankoff 1965 Hadjigeorgiou Pommeret 1965 Farine 1965 Caçadores coletores especializados Em um dado momento provavelmente entre 50000 BP e 40000 BP surgem os micrólitos geométricos segmentos de círculo triângulos retângulos e trapézios Os mais característicos parecem ser os segmentos ainda que na África do Sul tenham sido encontrados no final da Middle Stone Age quando 629 Pré História da África Central provavelmente eram empregados como farpas na base de pontas de lanças1 Por outro lado na Late Stone Age esses micrólitos isolados serviam como armaduras de flechas de lanças de arpões de facas ou de buris Como para o período anterior a região estudada pode ser dividida em duas zonas distintas Na parte ocidental que abrange o norte de Angola o Kasai o Cuango o Baixo Zaire e a República Popular do Congo observa se a persistência da tradição dita lupembiense como se o Lupembiense evoluindo no próprio local tivesse originado o Tshitoliense Os micrólitos geométricos tornam se numerosos mas não dominam da mesma forma que na parte oriental onde representam o elemento essencial do conjunto de utensílios S Miller 1972 que analisou o Tshitoliense e resumiu os trabalhos anteriores definiu essa indústria pela presença de utensílios bifaciais do tipo picão buris de pontas foliáceas de pontas pedunculadas de pequenos trinchetes e de micrólitos geométricos A região de Lunda teria fornecido uma indústria que reagrupava todos esses elementos ainda que geralmente representados de maneira incompleta nos diferentes sítios Distingue se assim uma fácies de vale com abundância de pequenos trinchetes como em Dinga e uma fácies de planalto onde a armadura era constituída principalmente de pontas pedunculadas Bequaert 1952 Um sítio do Planalto de Bateke onde G Mortelmans realizou uma escavação de salvamento em 1959 Cahen Mortelmans 1975 produziu uma indústria dita completa como a descrita na região de Lunda O arenito polimorfo que foi praticamente o único material utilizado no instrumental descoberto provém de depósitos dos quais os mais próximos estão a cerca de 10 km do sítio Essa indústria caracteriza se por uma grande proporção de lascas e de resíduos de lascamento 961 alguns núcleos 14 e alguns instrumentos 24 Ao lado de pontas de flecha foliáceas e pedunculadas foi encontrado um grande número de micrólitos geométricos e uma grande lasca com gume polido A maioria dos núcleos é do tipo circular ou lamelar há também numerosos núcleos pequenos totalmente gastos A debitagem nos casos em que a massa é composta dos resíduos de retoque apresenta algumas lascas levalloisienses lâminas e lamelas Aí estão as características de um Tshitoliense Tardio Este sítio parece ter sido um acampamento de caça pois embora o planalto Bateke seja nitidamente estépico é recortado por galerias florestais que devem ter atraído o homem pré histórico à procura de caça Se a matéria prima utilizada era para lá levada muitos utensílios devem ter sido talhados no próprio local sendo possível que o 1 CARTER F Comunicação pessoal 630 Metodologia e pré história da África látex e o copal encontrados em escavação tenham servido como massa para fixar os micrólitos às hastes das lanças e às flechas Os raspadores buris e machados certamente eram usados para a fabricação dos utensílios compósitos nos quais se empregavam gumes transversais e pontas de flechas pedunculadas bifaces A região de Lunda estudada por J D Clark apresentou um Tshitoliense que estaria situado entre 13000 e 4500 BP Clark 1963 18 19 mas essa indústria teria continuado até o início da Era Cristã Clark 1968 125 149 O Tshitoliense da planície de Kinshasa por sua vez estaria localizado entre 9700 e 5700 BP Moorsel 1968 p 221 Pode se aqui perguntar a que correspondem as fácies reconhecidas no Tshitoliense Tratar se ia de adaptações a meios variados e por exemplo de uma especialização das técnicas de caça ou seriam diferenças unicamente culturais Na parte oriental na periferia da floresta equatorial da República Centro Africana ao Shaba encontram se as indústrias ditas da Late Stone Age As indústrias mais antigas não são tipologicamente diversificadas pois só mais tarde surgiu um instrumental mais especializado É o que se observou na gruta de Matupi onde duas estações de escavações sucessivas em 1973 e 1974 revelaram vestígios de uma longa ocupação humana iniciada bem antes de 40000 BP e continuando sem interrupção perceptível até 3000 BP van Noten 1977 O material por ora estudado provém de um único metro quadrado que forneceu 8045 artefatos foi lascado quase exclusivamente sobre quartzo por um processo característico das indústrias puramente microlíticas a técnica bipolar Os resíduos de lascamento representam 90 o instrumental propriamente dito apenas 54 a que se devem acrescentar as peças que apresentam traços de utilização sem entretanto serem instrumentos acabados e que representam 5 A indústria é tipicamente microlítica o comprimento máximo das lascas atinge cerca de 177 mm Todo o instrumental propriamente dito consiste em ordem de ocorrência em peças entalhadas raspadores furadores buris lascas e lamelas com bordo desbastado lascas retocadas peças quebradas e alguns micrólitos geométricos segmentos semicírculos triângulos O instrumental macrolítico feito de quartzito arenito ou xisto consiste em mós moedores bigornas percutores raspadores côncavos e alguns buris Um fragmento de pedra furada e decorada com incisões foi datado de cerca de 20000 BP2 Os restos ósseos da fauna estão bem conservados indicariam um meio ambiente mais seco que o atual Os ocupantes da gruta caçavam em ordem decrescente bovídeos 2 Conhecidas também sob o nome de Kwé as pedras perfuradas que fazem parte das indústrias da Late Stone Age eram provavelmente empregadas como lastros de bastões usados para escavar 631 Pré História da África Central antílopes e búfalos damões roedores principalmente Thryonomyidea suínos e em menor proporção cercopitecídeos e porcos espinhos Essa caverna que hoje se encontra na floresta equatorial devia situar se em savana durante quase toda sua ocupação mas não longe de florestas galerias como indicam as análises palinológicas Foi ocupada sem interrupção enquanto a indústria muito pouco característica do início se transformava em uma outra mais clássica que forneceu micrólitos geométricos raros utensílios em osso hematita vermelha empregada como corante e rodelas perfuradas de casca de ovo de avestruz Em vista da pobreza de utensílios que pudessem servir como instrumentos ou armas sobretudo nas camadas antigas acreditamos que o instrumental deva ter sido em grande parte de madeira como observamos em Gwisho Fagan van Noten 1972 As escavações feitas por J de Heinzelin em 1950 em Ishango revelaram três indústrias microlíticas Heinzelin 1957 A mais antiga não apresenta micrólitos geométricos a seguinte os mostra em grande quantidade e na mais recente eles são abundantes O caráter tipológico é em geral muito rudimentar a debitagem associa todas as técnicas e deixa se guiar pela natureza do quartzo de má qualidade utilizado como matéria prima Esses elementos lembram incontestavelmente a evolução observada em Matupi Ishango forneceu uma série de arpões que devem ter sido empregados na caça e pesca e que mostram uma nítida evolução variando entre exemplares de duas fileiras de farpas nas camadas inferiores e outros de uma só fileira em níveis mais recentes Uma das descobertas mais espetaculares é um bastonete de osso decorado com estrias e que serve de cabo para uma lasca de quartzo A data atribuída à indústria de Ishango foi de 21000 500 BP que pareceu muito antiga à época da publicação da monografia do sítio contudo em vista das datações obtidas em Matupi esse resultado parece atualmente muito menos improvável Os habitantes de Ishango viviam da pesca e da caça sobretudo da caça do hipopótamo e do topi além de outros mamíferos muitos dos quais estão hoje desaparecidos Os pássaros também eram caçados Entre os peixes encontram se principalmente os silurídeos os ciclídeos e os protopterídeos Os restos humanos descobertos entre os resíduos de cozinha foram estudados por F Twiesselmann 1958 mostram que o sítio era habitado por uma população cujas características biométricas atípicas e rudes não apresentam nenhum vínculo direto com qualquer outra população moderna Ao lado dessas indústrias puramente microlíticas surgem na região interlacustre no Shaba e nas margens do lago Tanganica indústrias tipologicamente intermediárias entre um microlítico puro e as indústrias típicas 632 Metodologia e pré história da África da parte ocidental da África Central Aliás é possível pensar que por seu caráter heteróclito essas indústrias representem um prolongamento da tradição da Middle Stone Age acima descrita J Nenquin deve ter inventado o nome de WiltonTshitoliense para descrever a Late Stone Age em Ruanda e no Burundi Nenquin 1967 onde infelizmente muito poucos sítios foram datados Estima se em 15000 12000 BP a idade da indústria de transição de Kamoa que pode ser comparada ao Lupembo Tshitoliense da parte ocidental No mesmo sítio a Late Stone Age que é pobre e pouco característica é datada de aproximadamente 6000 a 2000 BP Cahen 1975 Parece portanto que diferentes tradições puderam subsistir durante muito tempo lado a lado e efetivamente junto a indústrias de caráter misto encontram se outras puramente microlíticas como em Mukinanira van Noten Hiernaux 1967 e nos lagos Mokoto van Noten 1968 a Na África Central ainda não foi encontrado um sítio de riqueza excepcional que permitisse a reconstituição detalhada do modo de vida desses caçadores cuja existência devia ser comparável à que ainda hoje levam os San no Calaari O sítio de Gwisho na Zâmbia dá uma ideia bastante completa de como era a vida na Late Stone Age no V milênio BP Ao lado de utensílios polidos foi encontrada acontecimento excepcional uma grande quantidade de objetos de madeira e de osso que provam a importância do trabalho da madeira mesmo em savana aberta Fagan van Noten 1972 Fim das idades da pedra A abundância de utensílios polidos em certas regiões fez com que fossem eles considerados o indício de um neolítico mas vimos que tais instrumentos são encontrados desde a Late Stone Age e que eram fabricados e utilizados ainda no século XIX na região do Uele van Noten 1968 Assim sendo a descoberta de utensílios polidos fora de qualquer contexto arqueológico não tem grande significação Entretanto a distribuição dos vestígios apresenta certo interesse pois esses objetos foram assinalados apenas na bacia central No leste tais descobertas são extremamente raras quando muito conhecem se no Burundi dois machados polidos e uma gruta com polidores van Noten 1969 Cahen van Noten 1970 O número de descobertas cresce um pouco em direção ao sudeste onde alguns machados polidos e polidores são assinalados no Shaba enquanto no Kasai embora ainda se encontrem polidores os utensílios polidos praticamente inexistem Celis 1972 633 Pré História da África Central Por outro lado esses elementos representam o essencial das descobertas arqueológicas realizadas ao norte da grande floresta Na bacia do Uele e até Ituri mais de 400 utensílios foram recolhidos inclusive alguns esplêndidos machados de hematita cuidadosamente polidos e inúmeros polidores Até agora um só mapa da distribuição desses utensílios pôde ser levantado van Noten 1968 Ao menos parcialmente o Neolítico Uelense não remontaria além do século XVII pertencendo portanto à Idade do Ferro como parecem indicar as escavações feitas em Buru F e E van Noten 1974 Mais a oeste na região onde o Ubangui penetra na floresta observou se uma outra concentração de machados polidos Muito menos trabalhados que os do Uele em geral são polidos apenas parcialmente Uma prospecção empreendida nessas regiões não permitiu que se descobrissem semelhantes utensílios em contexto arqueológico Mas do outro lado do rio em Batalimo na República Centro Africana R de Bayle 1975 encontrou pela primeira vez em escavação um machado com gume polido associado a uma indústria não microlítica e a cerâmica Esta última apresenta um fundo plano e com frequência é inteiramente decorada combinando caneluras incisões e impressões feitas principalmente com um pente Datada por termoluminescência essa cerâmica não seria anterior ao século IV da Era Cristã o que parece bem recente para uma tal indústria Embora se tenham recolhido isoladamente outros machados polidos em diversos pontos da República Centro Africana não existe que seja do nosso conhecimento um só polidor nessas regiões Antes de abordar a última zona de concentração é preciso assinalar que na ilha de Fernando Pó nos Camarões machados polidos associados a cerâmica foram datados do século VII Martin dei Molino 1965 e permaneceram em uso até época recente A última zona estende se paralelamente à costa atlântica do Gabão até o noroeste de Angola Os utensílios neolíticos encontrados nessa imensa área são geralmente lascados sendo apenas o gume polido No Gabão os machados apresentam bordos sinuosos formando um encaixe característico Pommeret 1966 Um pote descoberto por ocasião de trabalhos de grande escala continha um fragmento de utensílio polido e de carvão vegetal que infelizmente não foi datado Pommeret 1965 Na República Popular do Congo bem como em Angola Martins 1976 conhecem se apenas descobertas de superfície Em contrapartida na ponta de Gombe J Colette encontrou um machado polido aparentemente associado a cerâmica de fundo plano Bequaert 1938 criou o termo neolítico leopoldiense que passou a ser usado para designar inúmeros machados polidos encontrados no Baixo Zaire 634 Metodologia e pré história da África Mortelmans 1959 recolheu em superfície no Congo dia Vanga machados polidos quartzos lascados atípicos e uma cerâmica rudimentar de fundo plano A mesma cerâmica é encontrada nas grutas de Ntadi ntadi Dimba e Ngovo associada nesses dois últimos sítios a machados polidos Por quatro vezes o carvão vegetal das proximidades foi datado de dois séculos antes da Era Cristã Maret 1977 a Infelizmente trata se de sondagens muito limitadas para que se possa excluir definitivamente a possibilidade de atribuição desses vestígios à Idade do Ferro visto que novas escavações mostram que o Leopoldiense da ponta de Gombe talvez avance pela Idade do Ferro Cahen 1976 Mas como esse sítio sofreu grandes perturbações é possível tratar se de uma simples contaminação dos horizontes superiores Em Dimba e Ngovo único sítio onde as ossadas se conservaram a análise da fauna associada não revelou até agora a presença de animais domésticos Na ausência de outros dados socioeconômicos é prematuro admitir um verdadeiro neolítico cujos responsáveis houvessem empregado utensílios polidos e cerâmica e criado gado ou praticado a agricultura O mesmo acontece com todas as outras indústrias de aspecto neolítico coletadas até o momento na África Central não lhes conhecemos nem os utilizadores nem a época nem o sistema econômico Entretanto lançou se recentemente a hipótese de que alguns dos vestígios em questão pertenceriam a um estágio final da Idade da Pedra a que corresponderiam talvez as primeiras etapas da expansão das populações de língua bantu por volta do último milênio antes da Era Cristã isto é antes de adquirirem o domínio do ferro Phillipson 1976 Maret 1977 b van Noten 1978 Devemos também mencionar aqui os megálitos descobertos na região de Buar remontariam ao V ou I milênio antes da Era Cristã podendo no entanto tratar se de um caso de reutilização Bayle des Hermens 1975 Por suas dimensões esses monumentos parecem ser obra de populações sedentárias que supõe se tinham ultrapassado o estágio da caça e da coleta Queremos notar que os pavimentos megalíticos de Api constituem um fenômeno natural e de modo algum trabalho humano van Noten 1973 como é o caso de todas as outras construções consideradas megálitos conhecidas até hoje no Zaire Sequência idealizada Por ocasião do Congresso PanAfricano em Dacar em 1967 J D Clark tentou estabelecer uma sequência na nomenclatura da bacia do Zaire Clark 1971 Retraçando o histórico das diferentes nomenclaturas utilizadas para 635 Pré História da África Central designar as indústrias pós acheulenses da região aqui estudada D Cahen mostrou claramente que se trata de um extraordinário imbróglio Cahen 1977 As recentes escavações feitas em Gombe permitiram restabelecer e datar a sequência arqueológica definida por J Colette Mas as associações entre as peças provenientes de diferentes profundidades mostram que o sítio sofreu muitas perturbações e que as indústrias não são homogêneas Cahen 1976 Os objetos movimentaram se no solo como confirmaram as experiências em laboratório Moeyersons 1977 Portanto é possível que fenômenos similares tenham ocorrido em outros sítios onde os vestígios arqueológicos foram depositados em areias Calaari revolvidas como no nordeste de Angola no Baixo Zaire no Kasai no Shaba e no Congo Cahen Moeyersons 1977 Entretanto não se sabe em que proporção as diferentes indústrias foram afetadas por essas perturbações Por outro lado observa se uma convergência tipológica e cronológica impressionante entre os diferentes sítios pré históricos da bacia meridional do Zaire e em menor escala na da África Central D Cahen 1977 propôs reagrupar esses conjuntos pré históricos convergentes em um único complexo industrial pós Acheulense da África Central que se fosse reduzindo em abrangência até limitar se ao sudoeste da bacia do Zaire Além disso o mesmo autor considera que termos como Sangoense Lupembiense e Tshitoliense não correspondem a nenhuma realidade cientificamente estabelecida Entretanto como tentamos demonstrar neste capítulo parece nos possível após o Acheulense distinguir variantes regionais nas indústrias líticas e seguir sua evolução Por mais esquemáticas e discutíveis que sejam essas distinções refletem uma certa realidade a qual sem dúvida parece agora muito mais complexa do que inicialmente se supunha É aperfeiçoando nossa taxonomia com base em novas escavações que chegaremos a compreender melhor a extraordinária diversidade apresentada pela África Central no decorrer das Idades da Pedra A nomenclatura existente pode em nossa opinião ser mantida como um instrumento de trabalho provisório Conclusão O passado da África Central é ainda pouco conhecido pois só recentemente passou a ser estudado de maneira sistemática mas a arqueologia já registra seus primeiros resultados Assim no espaço de alguns anos o número de datações por carbono 14 quase quintuplicou Maret van Noten Cahen 1977 e puderam ser esboçadas as primeiras sínteses van Noten em preparação 636 Metodologia e pré história da África O objetivo primordial das novas pesquisas era efetuar uma série de escavações abrangendo regiões e períodos diferentes a fim de chegar em prazo razoável ao estabelecimento de um quadro cronoestratigráfico geral para a África Central Esse projeto ambicioso deve ser provisoriamente relegado a segundo plano um sítio chave como o de Gombe colocou em questão não só as nomenclaturas existentes mas também a validade das observações estratigráficas outros sítios como Matupi forneceram novas indústrias cujas datações questionaram sua inserção num amplo quadro onde indústrias e culturas encontrariam definitivamente seu lugar Parece cada vez mais claro que a cada descoberta de novos sítios sempre se encontra algo de original e inesperado Isso vem em acordo com uma de nossas hipóteses de trabalho que previa uma diversidade muito grande em cada uma das indústrias ou culturas O homem frente a um microambiente específico teve que adaptar seu instrumental a esse meio Comprazemo nos a imaginá lo nos limites de seu território a levar uma vida mais sedentária que a vida de nomadismo absoluto atribuída com demasiada frequência aos caçadores coletores Longe de perseguir infatigavelmente a caça essas populações devem ter desenvolvido uma cultura própria síntese harmoniosa entre o meio ambiente e as tradições ancestrais Não acreditamos em um determinismo absoluto do meio Uma vez estabelecido o equilíbrio ecológico o instrumental pode permanecer imutável por longos períodos Nesse caso responde plenamente às exigências do meio e de seus habitantes enquanto esse delicado equilíbrio foi mantido nada houve que impeliu o homem a evoluir rapidamente C A P Í T U L O 2 2 637 Pré História da África do Norte Próximos à Europa e mediterrâneos pela costa marítima setentrional os países do Magreb foram percorridos há mais de um século pelos primeiros pesquisadores interessados em sua pré história Assim acumulou se uma bibliografia abundante de valor altamente variável que foi mais tarde selecionada e classificada 1952 1955 1974 Mas a pesquisa pré histórica dessa parte do norte da África não conservou a dianteira que obteve durante muito tempo apresenta ao contrário certo atraso em dois aspectos essenciais nos métodos de escavação com exceções muito raras e na cronologia absoluta essencialmente limitada às possibilidades do radiocarbono Nesses aspectos a África oriental realizou um progresso infinitamente maior Pela falta de fósseis humanos do Pleistoceno Inferior de datas obtidas pelo método do potássio argônio KAr e de solos de ocupação paleolítico atualmente só é possível avaliar a antiguidade da implantação de hominídeos no Magreb e no Saara por correlações hipotéticas sobre a fauna e a tipologia das indústrias líticas Por falta também de estratigrafias suficientemente extensas e numerosas tem sido difícil estabelecer a continuidade da ocupação humana aliás bastante provável As jazidas essenciais encontram se isoladas tanto no tempo quanto no espaço Ternifine atlantropo na Argélia por exemplo Aguardam ainda em grande parte uma solução os problemas do Musteriense de suas relações com Pré História da África do Norte L Balout 638 Metodologia e pré história da África o Ateriense do homem desta última civilização da passagem do Ateriense ao Iberomaurusiense da estratigrafia do Capsiense dos estágios de neolitização A pesquisa pré histórica forneceu dados importantes ao conhecimento do Quaternário no que diz respeito à estratigrafia e à paleontologia Permitiu o estabelecimento de uma tipologia cujo alcance ultrapassa os limites do Magreb Deve adotar de agora em diante uma óptica paleoetnológica passar do homem e seu meio ao homem em seu meio As mais antigas indústrias humanas o Pré Acheulense Não há falta de testemunhos mas qualquer interpretação além da tipológica é delicada Baseia se na estratigrafia do Quaternário litoral do Marrocos Biberson na paleontologia animal da Argélia Ain Hanech perto de Sétif escavações feitas por C Arambourg e da Tunísia Ain Brimba perto de Kebili e unicamente na tipologia do Saara Reggan In Afaleleh etc Ligações mais ou menos frágeis podem ser estabelecidas entre as jazidas da Tanzânia do Quênia e da Etiópia Dizemos frágeis porque somente o litoral atlântico do Marrocos permitiu o estabelecimento de uma evolução dos seixos lascados nas bases utilizadas por P Biberson e que são parcialmente contestadas porque a fauna não é necessariamente contemporânea porque há presença arqueológica de um lado e estrutura arqueológica de outro porque os métodos de análise tipológica são diferentes na África de língua francesa e de língua inglesa etc Atualmente não parece verossímil que a presença de hominídeos no Magreb e no Saara seja tão antiga quanto na África oriental e meridional Ainda não foram identificadas as indústrias sobre lascas que precederam os seixos lascados Não há traços de uma osteodontokeratic culture nem restos de australopitecos Entretanto acreditamos que os seixos lascados do Marrocos da Argélia e do Saara façam parte de uma cronologia paralela à de Olduvai isto é entre 2 e 1 milhão de anos 25 milhões se considerarmos o seixo com lascamento bifacial do Omo As investigações concentraram se sem dúvida numa correlação cronoestratigrafiaevolução tipológica que resultou no estabelecimento de listas tipológicas com implicações cronológicas testadas pelo trabalho de P Biberson no Marrocos H Hugot e L Ramendo no Saara central H Alimen e J Chavaillon no Saara ocidental A análise é baseada nas características técnicas cuja repetição criou formas sistemáticas A classificação procede do simples ao complexo lascamento unifacial bifacial poliédrico e corresponde provavelmente a uma 639 Pré História da África do Norte Figura 221 Evolução da Pebble Culture para as formas do Acheulense os números e figuras referem se à classificação tipológica usada para o Pré Acheulense africano H machado Foto M Bovis 640 Metodologia e pré história da África sequência cronológica P Biberson e J Chavaillon edificaram sistemas de aspecto regional respectivamente nas praias quaternárias do Marrocos atlântico e nos terrenos de Saura Foi baseando se na paleontologia que os esferoides facetados do Ain Hanech foram situados na evolução da fauna do Villafranchiano conhecida no Marrocos Fouarat na Argélia Ain Boucherit Ain Hanech e na Tunísia lago Ischkeul Ain Brimba Após essas considerações apoiamo nos em uma estratigrafia do Villafranchiano baseada em grande parte na paleontologia animal Nesta série aparecem as indústrias humanas e a evolução em direção aos bifaces e machados do Paleolítico Inferior Clássico pode ser provada mas não há em parte alguma estrutura arqueológica e portanto nenhum quadro paleoetnológico como na Tanzânia Olduvai no Quênia e na Etiópia As indústrias acheulenses Desde o Simpósio de Burg Wartenstein 1965 e o Congresso Pan Africano de Pré História em Dacar 1967 agrupa se sob o termo Acheulense africano todo o Paleolítico Inferior que na Europa ocidental corresponde ao Abbeviliense e ao Acheulense e também ao Clactoniense e ao Levalloisiense ambos muito discutidos O Acheulense é abundante no Magreb e excluindo as estações de superfície apresenta se em três tipos de jazidas bastante particulares a As jazidas relacionadas ao Quaternário litoral continental e até mesmo marinho É o caso do Marrocos atlântico onde P Biberson pôde propor uma sequência acheulense partindo dos seixos lascados da Pebble Culture do Pré Acheulense e chegando ao Paleolítico Médio Ateriense Por razões relacionadas à geomorfologia do litoral a Argélia não foi tão favorecida Entretanto foram assinaladas jazidas na costa kabyle Djidjelli e perto de Annaba Bône Não conheço nenhuma jazida acheulense desse tipo no litoral tunisiano b As jazidas de aluviões fluviais ou lacustres As primeiras são infinitamente mais raras e pobres que as da Europa e as relações estratigráficas e paleontológicas são na maioria das vezes muito imprecisas É o caso de vários sítios marroquinos Uede Mellah e argelinos Ouzidane perto de Tlemcen Champlain perto de Médéa Tamda Uede Sebaou Mansura Constantina Clairfontaine norte de Tebessa SBaikid e sobretudo El Ma 641 Pré História da África do Norte Figura 222 Biface Acheulense o mais evoluído da jazida de Ternifine Argélia ocidental Escavações C Arambourg 1954 Desenho M Dauvois 642 Metodologia e pré história da África El Abiod sul de Tebessa Na Tunísia há o Acheulense de Redeyef Gafsa Vamos apenas mencionar as jazidas de margens de lagos tão extraordinárias na África oriental por exemplo Olorgesailie no Quênia Há o lago Karar Tlemcen onde se encontram escavações muito antigas e mal dirigidas por M Boulle e Abuquir Mostaganem ainda menos conhecida Um único sítio emerge desta imprecisão o de Sidi Zin Le Kef Tunísia onde uma camada contendo machados foi encontrada entre duas outras de bifaces sem machados Por outro lado o Acheulense ligado às jazidas lacustres aparece com bastante frequência desde a Mauritânia até a Líbia c As jazidas relacionadas às antigas fontes artesianas que parecem ter atraído os homens do Acheulense ao Ateriense A princípio é o caso de Tit Mellil Casablanca e de Ain Fritissa sul de Ujda no Marrocos do já citado lago Karar na Argélia e de Chetma Biskra sobre o qual não se tem quase informações e principalmente de Ternifine Mascara Apenas esta última foi objeto de escavações recentes 1954 1956 e sistemáticas confiadas ao professor C Arambourg pela Argélia Todavia não devemos alimentar muitas ilusões a indústria é extremamente interessante a fauna é de uma riqueza prodigiosa e foi aí que se descobriu o atlantropo mas a estratigrafia desta notável jazida apresenta problemas o que deixa em aberto o elenco cronológico no qual se insere o conjunto de documentos Talvez a própria natureza do sítio com areias constantemente revolvidas pelas fontes artesianas tenha impedido o estabelecimento de uma cronoestratigrafia Isto porém não foi demonstrado O estudo dos utensílios parece provar que não se trata de oficinas de lascamento mas sim de locais onde se faziam emboscadas à caça O Acheulense do Magreb e o do Saara não diferem fundamentalmente daquele que foi definido na França Os métodos de análise Bordes 1961 e Balout 1967 não indicam nenhuma diferença básica entre os bifaces O mesmo acontece com os triedros A existência de lascas e de uma pequena indústria em Ternifine por exemplo não nos surpreende A utilização do percutor mole apareceu mais ou menos no fim do Acheulense Antigo lascamento ou relascamento uma única peça foi encontrada em Ternifine biface Vê se também aparecer o golpe de trinchete no desprendimento da extremidade distal dos triedros O traço mais original assinalado já há muito tempo é a importância dos machados sobre lasca É aí que se pode sugerir a existência de um utensílio espécie de machado estritamente africano Na verdade não se apresenta sempre no Acheulense da África é desconhecido no admirável 643 Pré História da África do Norte Figura 223 Machados de riolito do Acheulense encontrados no sítio de Erg Tihodaine Foto M Bovis Figura 224 Ponta do Musteriense El Guettar Tunísia Escavações Dr Gruet Foto M Bovis Figura 225 Esferoides facetados de Ain Hanech Foto M Bovis 644 Metodologia e pré história da África conjunto de El Ma ElAbiod na Argélia para citar um único exemplo por outro lado é encontrado desde o Oriente Próximo até a península indiana Sua presença na Espanha Rio Manzanares perto de Madri e a passagem pelos Pirineus levaram H Alimen a reconsiderar recentemente 1975 o problema da travessia do estreito de Gibraltar bem antes da navegação neolítica Concluiu se pela existência de uma ligação através do fundo alto e raso do estreito que se tornou transitável no decorrer das regressões de Riss Deve se a J Tixier a análise tipológica mais pertinente dos machados do Magreb Duas constatações são de importância capital A primeira é a aparição de método de corte Levallois desde o Acheulense Antigo que resultará na inacreditável estandardização dos machados Tabelbala Tachenghit Saara argelino ocidental A segunda é a técnica da lasca núcleo que permite obter lascas de duas faces de debitagem opostas determinando um gume perfeito em todo o contorno técnica de Kombema na África meridional Teriam esses métodos tão elaborados sido transmitidos pela África à Europa onde a primeira desempenhou um papel pelo menos significativo antes do Paleolítico Médio A definição do Acheulense sempre foi de ordem arqueológica As indústrias associadas aos bifaces abrangem duas glaciações Mindel Riss a interglaciária que as separa e os interestádios que as subdivide P Biberson tentou estabelecer um paralelismo com as transgressões e regressões marinhas Amiriense Mindel Anfatiense Riss Tensiftiense Riss Essas correlações são sempre hipotéticas Um prolongamento na interglaciária Riss Würm é perfeitamente plausível Por falta de datações absolutas devemos apoiar nossas teorias na paleontologia A fauna perde seus componentes oriundos do Villafranchiano Superior e torna se a grande fauna chadiano zambeziana como a qualificava C Arambourg Ainda não conhecemos nada a respeito nem da microfauna nem da flora de Ternifine O atlantropo tanto o de Ternifine Atlanthropus Mauritanicus quanto os descobertos no Marrocos Homem de Rabat e de Sidi Abderrahman Casablanca pertencem ao Homo erectus Esses pitecantropos aliás muito semelhantes aos sinantropos de Pequim situam se de modo muito impreciso numa cronologia 400000 a 500000 anos parece a hipótese mais plausível Em outras regiões esses homens dominaram o fogo e talvez tenham tido uma linguagem rudimentar O Magreb não nos acrescenta nenhum dado nesse campo 645 Pré História da África do Norte Musteriense Ateriense Em 1955 escrevi que duvidava da existência de um Musteriense autônomo na África do norte Fui severamente repreendido pelo Dr Gobert que tinha toda razão Posteriormente 1965 modifiquei meu julgamento mas o problema não estava resolvido estava simplesmente transferido Havia com certeza jazidas genuinamente musterienses no Magreb mas situadas em condições geográficas extraordinárias contrárias a algumas concepções aceitas de etnia pré histórica Seis jazidas na Tunísia Sidi Zin Le Kef Ain Mhrotta Kairuan Ain Meterchem Djebel Chambi Sidi Mansour de Gafsa ElGuettar Gafsa Uede Akarit Gabes uma única na Argélia Retaimia vale do Chelif três no Marrocos Taforalt Ujda Kifanbel Ghomari Taza Djebel Irhoud Safi nenhuma no Saara Há entretanto centenas de sítios pré ou pós musterienses Isto não reflete o estado das pesquisas pois a descoberta do Musteriense era uma preocupação essencial dos pré historiadores formados na França onde ele é abundante como também nas penínsulas Ibérica e Italiana desde Gibraltar por exemplo Há 800 km de Sidi Zin Le Kef até Retaimia 360 km deste sítio à gruta de Taforalt e ainda 700 km até atingir o Djebel Irhoud Trata se entretanto de Musteriense perfeitamente caracterizado assimilável às fácies europeias em particular à técnica de lascamento Levallois Em duas extremidades geográficas temos o testemunho dos homens os neandertalenses do Djebel Irhoud e o mais antigo monumento ritual conhecido o cairn ou Hermaion de El Guettar do qual apenas o cume emergia da fonte à qual ele era sem dúvida consagrado Exceto em Uede Akarit nenhuma jazida musteriense está próxima do litoral Mas onde estaria então situada a costa do golfo de Gabes O Musteriense do Magreb só pode ter vindo do leste O mais notável é que este Musteriense conheceu rapidamente uma evolução original transformou se no próprio local em Ateriense Baseando minhas deduções numa aplicação rigorosa das regras de classificação geológica pelos fósseis mais recentes considerei aterienses esses depósitos industriais do Musteriense onde se encontrava uma ponta pedunculada ateriense El Guettar Ain Metherchem etc Não acredito que esta peça seja uma prova de contemporaneidade de musterienses e aterienses penso que o Musteriense do Magreb tenha sofrido uma mutação diferente da evolução de todos os outros Musterienses J Tixier mostrou que não se trata de uma associação de pontas ou de raspadores pedunculados mas de uma transformação de cerca de trinta formas musterienses em formas aterienses pelo lascamento de um pedúnculo basilar Na Europa e particularmente na 646 Metodologia e pré história da África França o complexo Musteriense seguiu outros caminhos O desenvolvimento do Magrebiense foi tão original que se chegou a adotar uma distinção específica hoje não mais defensável O Ateriense não passa de uma fácies evolutiva própria de uma parte da África do Musteriense coincide com ele até no plano cronológico A definição de R Vaufrey de um Paleolítico Superior não é mais válida Anteriormente alguns autores já haviam sugerido a existência de um Musteriense de utensílios pedunculados da mesma forma como hoje empregamos o termo musteriense de denticulados E como a indústria da jazida epônima do Ateriense Uede Djebbana perto de Bir el Ater sul de Tebessa nunca foi analisada a fundo pelo seu descobridor Ateriense permanece um nomen nudum como dizia M Antoine Trata se de uma evolução precoce do Musteriense abrangendo o Magreb e o Saara de norte a sul e ao mesmo tempo coincide cronologicamente com uma parte do Paleolítico Médio e com pelo menos o início do Paleolítico Superior Entretanto nossas referências cronológicas ainda são muito imprecisas As correlações propostas por G Camps com as datas obtidas por MacBurney em Cirenaica são frágeis pois a identidade das indústrias não foi demonstrada O Ateriense é muito discutível Camps e o Iberomaurusiense não existe Tixier Relações estratigráficas puderam ser estabelecidas com o Quaternário continental ou marinho tanto no Saara quanto no Magreb e tanto em cronologia relativa quanto absoluta O quadragésimo milênio antes da Era Cristã não é sem dúvida a data mais antiga que pode ser atribuída à aparição do Ateriense Nossa dificuldade vem dos limites da fidedignidade do C14 Mas as datas obtidas no Magreb e no Saara inscrevem se entre 37000 a 30000 e constituem uma sequência coerente e plausível O Ateriense é portanto no início um Paleolítico Médio Em seguida é contemporâneo do Castelperroniense e do Aurignaciense isto é da primeira parte do Paleolítico Superior ao menos na França As relações com as formações quaternárias são concordantes Há casos em que o Ateriense foi encontrado em condição original nas praias neotirrenienses emergidas exatamente no início da última grande regressão em Karouba por exemplo perto de Mostaganem Argélia ocidental O fim deste interestádio Würmiano Würm 12 ocorreu por volta de 48000 As formações continentais que recobrem estas praias submersas no mar atual geralmente rubificadas e ricas em Ateriense datam da regressão que pode ter atingido 150 m Seria muito delicado determinar lima data para o fim do Ateriense A conquista do Saara é um fato do mesmo modo que a evolução técnica da indústria em formas mais ou menos anunciadoras do Neolítico 647 Pré História da África do Norte Figura 226 Ateriense do Uede Djouf el Djemel Argélia oriental pontas e raspadores pedunculares racloirs núcleos Levallois Foto M Bovis Figura 227 Indústria do Capsiense típico Foto M Bovis Figura 228 Indústria de armaduras do Capsiense superior triângulos escalenos trapézios e microburis serras lâminas denticuladas pequeno buril de ângulo furadores raspadores núcleos canelados etc Foto M Bovis Figura 229 Indústria do Capsiense superior micrólitos geométricos trapézios triângulos escalenos microburis e instrumentos em forma de crescente Foto M Bovis 648 Metodologia e pré história da África Para H Hugot o Ateriense não transpôs a barreira dos grandes lagos repletos de diatomáceas até o sétimo milênio antes da Era Cristã A prova desse Ateriense Pré Neolítico não se mostrou tão sedutora quanto a hipótese Entretanto não se conhece a indústria intermediária e o principal obstáculo de ordem antropológica está em processo de desintegração todas as recentes descobertas feitas no Marrocos reforçam a hipótese de que o homem ateriense não é mais um neandertalense como os musterienses do Djebel Irhoud mas já um Homo sapiens Paleolítico Superior e Epipaleolítico Quaisquer que possam ter sido os prolongamentos aterienses no Saara no Magreb as coisas se passaram de outro modo É inútil voltar aqui à história da refutação das hipóteses de R Vaufrey encaradas como autoridade durante decênios Mais vantajoso é sem dúvida nenhuma localizar os conhecimentos atuais Estes conhecimentos organizam se em torno de quatro ideias básicas O Iberomaurusiense que separei do Capsiense por razões antropológicas e paleoetnológicas é muito mais antigo do que se imaginava É contemporâneo do Magdaleniense francês e é portanto uma civilização do Paleolítico Superior A controvérsia sobre o Horizonte Collignon que opôs R Vaufrey ao Dr Gobert e a mim mesmo está terminada esta indústria de lamelas mais próxima do Iberomaurusiense do que do Capsiense é anterior a esta última A distinção estabelecida por R Vaufrey de um Capsiense típico substituído por um Capsiense superior ou evoluído dá lugar a uma proliferação das indústrias capsienses apoiada sobre um número bastante grande de datas radiométricas nem todas prontamente aceitas O Neolítico de tradição capsiense criado por R Vaufrey em bases muito estreitas mas estendido por ele mesmo a uma grande parte da África deve ser restrito às suas dimensões originais e ceder as grandes áreas indevidamente conquistadas a outras fácies da neolitização africana O lberomaurusiense A antiga definição de Pallary 1909 ainda citada não é mais aceitável Ele enfatizou insistentemente a profusão de uma técnica a da borda de preensão retocada das lamelas que marcou quase todo o instrumental lítico Será preciso 649 Pré História da África do Norte esperar as minuciosas análises tipológicas de J Tixier para substituir um conjunto de formas precisas por uma técnica global o que havia sido mais ou menos percebido por certos pré historiadores em particular o Dr Gobert na Tunísia As novas escavações feitas por E Saxon na jazida de Tamar Hat cornija de Bejaia Argélia tornaram possível obter datas isotópicas muito altas e compreender melhor estes caçadores de carneiros monteses habitantes de grutas litorâneas separadas do mar por pântanos e uma plataforma continental emersa rica em mariscos O Iberomaurusiense é na realidade uma civilização litorânea e teliense que entretanto conheceu penetrações continentais Destas a jazida menos discutível é a de Columnata Tiaret Argélia Isto não impede que a região de Tânger e a costa do Sahel tunisiano pareçam muito vazias A ausência de Iberomaurusiense na região que vai da Tunísia até o sul do Uede Medjerda pode ser atribuída a um desenvolvimento separado que será exposto mais adiante Mesmo analisado em detalhe o instrumental Iberomaurusiense permanece pobre Algumas centenas de microburis recolhidos bem depois das escavações na jazida típica da Mouila perto de Maghnia Argélia confirmaram estarem eles vinculados à fabricação de pontas em triedro pontiagudo chamadas pontas da Mouila e não à de micrólitos geométricos como no Capsiense A indústria óssea é muito pobre e há somente uma forma original o trinchete Não há nem arte mobiliária nem arte parietal Estamos no tempo de Altamira e de Lascaux e os homens são tanto ao norte como ao sul do Mediterrâneo do tipo Cro Magnon o mesmo de Mechta el Arbi Não há provas satisfatórias da hipótese tradicionalmente aceita sobre uma cultura de origem oriental dividida em dois ramos o Cro Magnon europeu ao norte do Mediterrâneo e ao sul ao longo dos rios africanos o Homem de Mechta el Arbi No plano antropológico podem ser vistos como descendentes dos neandertalenses por intermédio do homem ateriense Por mais sedutora que seja esta hipótese ela não explica o desenvolvimento de uma indústria sem nenhum ponto de comparação com o Musteriense e até mesmo com o Ateriense que a precederam Sugerir que não tenham sido os iberomaurusienses os portadores desta civilização é pouco concebível uma vez que ela não tem raízes locais E não é este o único problema Estes Cro Magnon do Magreb tiveram uma vocação e um destino diametralmente opostos aos dos europeus A indústria lítica contemporânea do Magdaleniense ao menos nos estágios mais antigos era mesolítica na medida em que foi outrora descrita como um Aziliense barbaresco a indústria óssea não teve equivalência com a dos magdalenienses e não 650 Metodologia e pré história da África houve nem arte mobiliária nem arte parietal apesar das informações em contrário no Marrocos Por outro lado sobreviveram até o Neolítico e chegaram a colonizar o arquipélago das Canárias por volta do fim do terceiro milênio antes da Era Cristã Há ainda muitas outras características próprias do Magreb como as mutilações dentárias os cemitérios em grutas ou sob abrigos Afalou bou Rhummel Argélia Taforalt Marrocos e os monumentos funerários Columnata O horizonte collignon e as outras indústrias lamelares pré capsienses Atualmente está provado em bases estratigráficas e geomorfológicas que as indústrias de lamelas da Tunísia Pré Saariana Gafsa Lalla região dos Chotts etc são anteriores a toda a série capsiense Em Gafsa Sidi Mansour o horizonte Collignon insere se num aterro fluvial o estágio final de sedimentação nos lagos é marcado por importantes formações gipsíferas Iniciada uma nova sedimentação ela é imediatamente interrompida por um abaixamento de nível da bacia de Gafsa que causa uma nova erosão O Capsiense típico e evoluído ocupa a superfície dessa erosão como o testemunham os outeiros Ainda não se pode estabelecer nenhuma posição cronológica a não ser que há um pouco de Musteriense na base da sedimentação Estas indústrias lamelares só podem ser associadas ao Iberomaurusiense na medida em que diferem especificamente do Capsiense A tipologia é diferente exceto a proliferação da técnica da borda de preensão retocada Sem dúvida sua origem deve ser pesq uisada em direção ao leste Cirenaica Egito Oriente Próximo Outras indústrias epipaleolíticas originais podem ser situadas no local entre o Iberomaurusiense e fácies capsienses O Columnatiense ao qual se associa a necrópole foi caracterizado no sétimo milênio por uma indústria extremamente microlítica Outros sítios foram descobertos e o mais importante é o de Koudiat Kifêne Lahda Ain MLila Argélia oriental onde a indústria anterior ao Capsiense remonta igualmente do sétimo milênio O termo elassolítico foi proposto para designar este conjunto ultramicrolítico ligado a um gênero de vida que não pode ser definido Outras fácies foram assinaladas na Argélia ocidental em particular o Keremiense e o Kristeliense A lista ainda está longe de se concluir pois na verdade entre o Iberomaurusiense em grande parte paleolítico e o Capsiense houve uma proliferação de indústrias comparável ao que ocorreu no Mesolítico europeu 651 Pré História da África do Norte As fácies capsienses A série capsiense foi a mola mestra das hipóteses de R Vaufrey Capsiense típico superior e de tradição capsiense Embora essa estrutura simplista tenha sido justamente criticada com base sobretudo em inúmeras datas radiométricas deve se reconhecer que as pesquisas realizadas a este respeito não atingiram os progressos desejados nos últimos vinte anos Salvo exceções muito raras as escavações nos viveiros de caracóis ainda não possibilitaram um meio de identificar as estratigrafias nem as estruturas arqueológicas Enquanto não dispusermos de cortes suficientes para observar as superposições das diversas fácies capsienses basearemos as contemporaneidades e as sequências nas datas C14 muito menos confiáveis que uma boa estratigrafia Tendo sido estabelecida em vários pontos a superposição Capsiense SuperiorCapsiense típico permanece o ponto de partida de toda a classificação Em ambos os casos as jazidas reúnem grande quantidade de resíduos revolvidos uma mistura de cinzas e seixos queimados milhares de conchas de caracóis fragmentos de ossadas de animais consumidos pelo homem sua indústria lítica e óssea objetos de adorno arte mobiliária restos humanos etc Admitimos até certa especulação a respeito de habitats sob cabanas que deram origem a esses resíduos talvez cabanas de caniços ligados entre si por argila se considerarmos uma descoberta infelizmente demasiado antiga feita na região de Khenchela Argélia oriental A indústria lítica do Capsiense típico é de uma qualidade notável Os buris de ângulo sobre truncatura são excepcionalmente frequentes Menos numerosas mas também características são as grandes lâminas com borda de preensão retocada conhecidas às vezes por facas com dorso ocreado As lamelas com borda de preensão retocada representam de 14 a 13 do instrumental lítico sendo às vezes obtidas por meio de retoque das extremidades dos buris aiguillons droits de Gobert Já existem microburis que não provêm como no Iberomaurusiense da fabricação das pontas da Mouila mas da manufatura de verdadeiros micrólitos geométricos trapézios triângulos escalenos A indústria óssea é pobre O Capsiense típico só é conhecido numa zona bem delimitada em ambos os lados da fronteira da Argélia com a Tunísia mais ao sul do que ao norte do paralelo 35 Se considerarmos as datações radiométricas o Capsiense típico abrangeria somente o sétimo milênio Seria portanto nesta mesma zona contemporâneo do Capsiense superior fato que contraria as estratigrafias já conhecidas Só acreditarei nessa teoria quando o Capsiense superior for encontrado sob o Capsiense típico Neste caso de onde surgiria o Capsiense 652 Metodologia e pré história da África qualificado como evoluído Além disto não temos dados suficientes a respeito do homem da civilização do Capsiense típico O Capsiense evoluído apresenta uma proliferação de fácies que invadiram o oeste argelino e pelo menos uma parte do Saara Devemos ainda ser prudentes e não cometer o erro de R Vaufrey de estender o Neolítico de tradição capsiense por adições sucessivas a uma grande parte do continente africano Com exceção do que denominei fácies tebessiano ainda sobrecarregado de utensílios pesados do Capsiense típico o Capsiense evoluído é uma indústria de objetos de tamanho pequeno rica em micrólitos geométricos de qualidade técnica geralmente excepcional sobretudo os triângulos e alguns trapézios As distinções feitas em bases estatísticas não são válidas pois trata se de coleções de museus de uma escolha e de uma seleção de escavações em geral mal feitas esporádicas de camadas artificiais de espessura variável conforme os escavadores Um escargotière que estudei o de Ain Dokkara foi ocupado pelo homem durante mil anos desde meados do sétimo milênio até meados do sexto milênio antes da Era Cristã Seria possível caracterizar a indústria por uma estatística global O Capsiense superior ou pelo menos sua extensão setentrional até o quinto milênio antes da Era Cristã perdurou até o processo de neolitização que abrangeu um período muito longo Assim pode se sustentar a contemporaneidade em regiões diferentes de indústrias do Capsiense típico e superior e do Neolítico de tradição capsiense A civilização capsiense durou portanto quase 2000 anos alguns séculos a menos que a do Egito faraônico Se somos incapazes de escrever sua história ao menos agruparemos os elementos essenciais de uma etnia Os homens do Capsiense não pertencem ao tipo cro magnoide de Mechta Afalou são mediterrâneos e o espécime mais completo e mais conservado em condições estratigráficas indiscutíveis é o Homem de Ain Dokkara Tebessa que remonta à metade do sétimo milênio Os habitats capsienses contam se às centenas e perduraram durante séculos chegando alguns a ultrapassar um milênio Um tal sedentarismo pré pastoral e pré agrícola é digno de nota Todavia as habitações não passavam de cabanas de junco e de ramos revestidas de argila ou cobertas com peles O papel reservado à caça não era primordial se considerarmos a pequena quantidade de restos de animais e não sua variedade Os moluscos terrestres tiveram uma importância que não deve ser minimizada já a colheita de vegetais desempenhou um papel que não podemos medir sem excesso de imaginação nem as foices de Columnata nem as esferas de pedra perfurada nem as moletas nem o lustro das colheitas provam a existência de agricultura 653 Pré História da África do Norte A etnia capsiense inuma seus mortos segundo ritos variados frequentemente em decúbito lateral fletido O emprego contínuo do ocre permanece um mistério Mais surpreendente ainda é a utilização das ossadas humanas a mais inesperada é o crânio troféu usado talvez como máscara descoberto em Faid Souar Ain Beida Argélia Quanto aos vivos os capsienses praticavam mutilações dentárias nas mulheres tal prática chegava a atingir os oito incisivos Entretanto são os primeiros artistas do Magreb objetos de adereço cascas de ovos de avestruz gravadas desde o Capsiense típico plaquetas gravadas pedras esculpidas que podem até prenunciar a arte parietal Neolitização e neolíticos Desde 1933 a visão que podemos ter do Neolítico na África do norte foi ordenada sistematizada e uniformizada por R Vaufrey O Neolítico de Tradição Capsiense que este autor localizou por todo o Magreb o Saara e uma parte da África ao sul do Saara tornou se tão aceito que a sigla NTC passou a ser de uso corrente Entretanto Dr Gobert e eu mesmo tínhamos expressado grandes dúvidas a respeito do caráter artificial dessa construção baseada num processo de adições sucessivas cujo conjunto nos parecia discordante Na verdade não havíamos compreendido a linha das deduções de R Vaufrey Por que havia ele tomado como sítio de referência a jazida mais pobre da Meseta de Jaatcha Tunísia Em sua tese 1976 G Roubet expôs o encaminhamento do raciocínio de R Vaufrey Não é o Neolítico em si que o interessa ele quer apenas mostrar a conservação de uma tradição capsiense que se atenua progressivamente ao distanciar se das fontes originais Assim o Neolítico foi apenas um epifenômeno do Capsiense A extensão pretendida para o NTC justifica se pelo enxerto de elementos culturais considerados neolíticos o que resulta numa concepção tipológica do Neolítico e não considera o que ultrapassa e explica as revoluções técnicas a perturbação do gênero de vida De fato a persistência da tradição capsiense refuta a teoria do desenvolvimento de uma cultura neolítica As pontas projéteis pontas de flechas tão abundantes no Saara são testemunhas do prolongamento de um gênero de vida de caçadores predadores que não se poderia qualificar como neolítico Nessas condições deve se confinar o Neolítico de tradição capsiense aos limites originais Foi o que fez C Roubet baseando se nas escavações da gruta Capeletti Aurês Argélia Ao lado da indispensável tipologia a ecologia torna se essencial ou seja o conhecimento do meio em que os homens viviam Assim pode ser definida uma economia pastoral pré agrícola transumante que não é 654 Metodologia e pré história da África Figura 2210 Neolítico de tradição capsiense do Damous el Ahmar Argélia oriental Mó e moleta Traços de carvão e ocre Fragmentos de conchas de Helix Foto M Bovis Figura 2211 Pequena placa calcária gravada Capsiense superior do Khanguet el Mouhaad Argélia oriental Foto M Bovis 655 Pré História da África do Norte Figura 2212 Ain Hanech seixos com lascamento unifacial chopper ou bifacial chopping tool Foto M Bovis Figura 2213 Perônio humano em forma de punhal Capsiense superior Mechta el Arbi Argélia oriental escavações feitas em 1952 Foto M Bovis 656 Metodologia e pré história da África mais o fim da Pré História mas o ponto de partida da civilização montanhesa atual dos Ghaouia de Aurês pequenos pastores de carneiros e cabras Houve portanto entre o quinto e o segundo milênios antes da Era Cristã muitas outras formas de neolitização do Magreb além do NTC stricto sensu Em primeiro lugar as regiões que permaneceram isoladas do Capsiense tiveram uma evolução original com duas características essenciais suceder ao Iberomaurusiense e relacionar se muito cedo com a Europa mediterrânea desde o quinto milênio A partir disso é que se levantou o problema da navegação Há várias fácies litorais do Neolítico completamente independentes de qualquer tradição capsiense que atestam esses contatos com a Europa por sua cerâmica e pela obsidiana importada O mesmo aplica se ao litoral atlântico no Marrocos Em contrapartida o Neolítico de tradição capsiense não pode ser estendido como sugeriu G Camps ao Saara setentrional e menos ainda às regiões mais meridionais do Saara onde se encontra a arte rupestre de Ahaggar e do Tassili nAjjer Entretanto a associação da arte rupestre com o Neolítico proposta por R Vaufrey permanece bastante válida por mais discutível que seja a atribuição da tradição capsiense ao Neolítico Trata se ainda apenas de uma parte das obras gravadas pertencendo a outra à época proto histórica Estas primeiras obras de estilo naturalista não estariam ligadas nem à Europa nem ao Saara sua origem deve ser pesquisada na neolitização capsiense mas a articulação Indústria Arte ainda precisa ser provada Assim apesar da riqueza de testemunhos a pré história do Magreb não foi ainda bem compreendida Somente com grandes escavações e com o auxílio de modernos métodos científicos é que ela poderá progredir C A P Í T U L O 2 3 657 Pré História do Saara O Saara é um imenso deserto que cobre a maior parte do norte da África Não é fácil delimitá lo nem tampouco defini lo A aridez é contudo o denominador comum das diversas regiões que o constituem Estendendo se de leste a oeste por 5700 km entre o mar Vermelho e o Atlântico e de norte a sul por 1500 km entre o Atlas pré saariano e o Sahel sudanês as condições desérticas se instalaram numa área de quase 86 milhões de km2 O Saara como o conhecemos hoje entretanto tem um aspecto muito diferente do que apresentou no decorrer de diversos períodos da Pré História O que lhe confere a unidade atual é a notável indigência da higrometria uma das mais baixas do mundo As principais características desse deserto são além da extrema raridade de água grandes diferenças entre as temperaturas diurnas e noturnas e a abundância de areia que eternamente mobilizada pelo vento inflige intensivo desgaste a um modelado senil Embora seja hoje um deserto o Saara já foi bastante povoado em vários períodos Atribui se o abandono da região pelas últimas etnias que a ocuparam à instalação de um clima cada vez mais seco e quente que provocou a rarefação das precipitações e o esgotamento das fontes e dos rios O consequente desaparecimento da cobertura vegetal e da fauna fonte de subsistência do homem forçou o a procurar regiões periféricas mais clementes Pré História do Saara H J Hugot 658 Metodologia e pré história da África Muitos especialistas dedicaram se ao problema das causas e consequências da desertificação do Saara entre eles E F Gautier1 T Monod2 R Capot Rey3 J Dubief4 L Balout5 K Butzer S A Huzayyin6 etc para citar apenas alguns Conhecem se hoje as razões teóricas pelas quais a monção do golfo da Guiné e a frente fria polar deixaram de ser para o Saara as duas fontes de umidade que comandavam a fertilidade que fez dele na pré história uma região populosa e próspera Mas não há unanimidade quanto ao problema da evolução do clima saariano Ainda não sabemos se a deterioração climática já atingiu seu grau máximo ou se ainda deverá atingi lo Não sabemos também de que forma se deu a desertificação ter se ia propagado regularmente em torno de um ponto central ou teriam as margens do Saara se deslocado num movimento oscilatório que atingia ora o norte ora o sul Quanto à própria sucessão de episódios climáticos que por diversas vezes possibilitaram o estabelecimento de populações no Saara falta muito para que estejamos capacitados a reconstituir sua cronologia exata Embora alguns trabalhos de grande envergadura tenham sido elaborados aqui e acolá devemos reconhecer que são raros e que nada de sério se fez para desenvolvê los Entretanto são eles de uma importância capital não somente no plano da ciência mas também no plano de uma melhor compreensão de um fenômeno que interessa à vida humana O conhecimento das modificações climáticas do Saara durante o Quaternário é doravante de interesse fundamental para o estudo das transformações ecológicas Quando cada metro quadrado tornar se vital para a humanidade esse maravilhoso deserto representará um papel tão importante que seu passado será conhecido com exatidão Histórico O desaparecimento de toda a publicação bibliográfica regular relativa à pesquisa pré histórica do Saara como um todo tornou difícil a compilação dos trabalhos ali realizados No que diz respeito ao período colonial possuímos muitas dessas 1 GAUTIER E F 1928 2 MONOO T 1945 Burg Wartenstein Symposium 1961 3 CAPOT REY R 1953 4 DUBIEF J 1959 5 BALOUT L 1952 p 9 21 6 BUTZER K W 1958 HUZAYYIN S A 1936 p 19 22 659 Pré História do Saara bibliografias que no entanto são incompletas e às vezes encontram se dispersas O fato de algumas descobertas importantes estarem por exemplo consignadas em relatórios militares torna o acesso a elas bastante delicado Com efeito a divisão política do Saara explica por outro lado a dispersão de trabalhos consagrados às suas riquezas pré históricas ingleses espanhóis franceses e italianos e mais recentemente alemães japoneses russos etc deram uma grande contribuição científica à descoberta do passado do Saara Entretanto a penetração no deserto é relativamente recente A primeira observação séria relativa à pré história saariana foi provavelmente a publicada pelo Abade Richard em 18687 a respeito do Saara argeliano No Egito as pesquisas começam quase na mesma época tendo como ponto de partida uma carta de A Arcelin datada de fevereiro de 18678 No oeste as pesquisas só terão início no começo do século As que concernem ao Saara central devem muito às explorações realizadas por Foureau a partir de 18769 culminando com a grande missão de 1898 190010 Nesse meio tempo O Lenz11 assinala a presença de objetos pré históricos em Toudenit em 1886 Logo depois os estudos da pré história saariana iriam atingir uma certa notoriedade arrefecendo se apenas em virtude das duas guerras mundiais Com efeito muitos cientistas foram atraídos pela riqueza pré histórica do Saara Seria impossível apresentar uma lista completa de todos eles mas a leitura de trabalhos antigos será sempre surpreendente tal a riqueza que encerram Os de G B M Flamand12 de Frobenius13 de C Caton Thompson14 por exemplo são indispensáveis para se iniciar qualquer estudo sério da pré história saariana A pesquisa pré histórica ressentiu se no deserto mais do que em qualquer outro lugar de preocupações circunstanciais a que se somou um fenômeno muito particular que por longo tempo impediu a compreensão dos problemas dessa região De fato a pré história foi frequentemente considerada ciência anexa no conjunto dos interesses das missões que se lançavam pelo Saara Assim sendo esteve confiada a amadores ou a especialistas em outras áreas que não dispensaram ao seu conteúdo 7 RICHARD Abade 1868 p 74 75 8 ARCELIN A Em uma carta endereçada à redação da revista Matériaux pour lhistoire primitive de lhomme publicada no t V de 1869 9 FOUREAU F 1883 10 FOUREAU F 1905 11 LENZ O 1884 12 FUMAND G B M 1902 p 535 38 114 15 PERRET R 1937 lista dos sítios estudados 13 FROBENIUS L 1937 14 CATON THOMPSON G e GARDNER E W 1934 660 Metodologia e pré história da África a devida atenção Além disso em um meio de difícil penetração onde a vida depende de cada quilo de carga transportado o volume o peso e a dificuldade de acesso aos documentos pré históricos fizeram com que eles fossem negligenciados Acrescenta se também o fato de o Saara não ser o lugar ideal para viagens e sobretudo para dar aos viajantes o tempo e os meios para proceder a investigações detalhadas Sem dúvida isso explica por que durante muito tempo se falou em indústrias infundadas de ausência completa de estratigrafia de nomen nudum etc Na verdade a pré história do Saara é tão rica quanto qualquer outra Quando se concederam tempo e meios a missões especializadas as coisas mudaram rapidamente Foi o que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial fazendo surgir um número infelizmente pouco elevado de excelentes monografias que se ocuparam em especial do Hoggar de Saura do Chade da Mauritânia do deserto líbio do Fezzan etc A colaboração da indústria e da ciência permitiu que fossem atingidos os surpreendentes resultados registrados nos Documents scientifiques des missions Berliet Ténéré Tchad Documentos Científicos das Missões Berliet Tenere Chade15 No entanto a pré história do Saara não obstante seu alto grau de interesse e sua riqueza está longe de poder ver se representada em um manual Não há sequer uma obra de divulgação a respeito numa época em que no entanto se vai à Lua Resta nos simplesmente lembrar que ela é objeto de um grande número de estudos específicos e de alguns capítulos de obras gerais particularmente em H Alimen16 H J Hugot17 e R Vaufrey18 Pesquisa de uma cronologia Desde seus primórdios a pré história do Saara procurou suas séries de comparação na Europa e principalmente na França Eram comuns termos como Clacto Abbevilliense Chelles Acheulense Musteriense lâminas aurignacienses pontas foliáceas solutrenses etc Sentem se ainda hoje os efeitos dos erros cometidos por essa visão simplista Ora como para todas as pré histórias do mundo a do Saara só pode nascer da análise de monografias exaustivas consagradas a suas diversas indústrias e essas monografias ainda estão sendo aguardadas Uma outra consequência 15 HUGOT H J 1962 16 ALIMEN H 1960 17 HUGOT H J 1970 18 VAUFREY R 1969 661 Pré História do Saara Figura 231 Principais sítios de pinturas e gravuras rupestres saarianas Figura 232 Machado plano com entalhes Gossolorum Níger Figura 233 Machadinha de Ti n Assako Mali 662 Metodologia e pré história da África lastimável da indisciplina da pesquisa pré histórica no Saara é a atribuição conforme as necessidades de status sociais precisos a etnias desaparecidas mesmo sem nenhuma prova concreta da realidade dos fatos que as originaram Duas observações devem ser feitas a respeito da cronologia19 A primeira é que não conhecemos ainda em nenhum ponto do Saara uma estratigrafia20 bastante abrangente para nos permitir estabelecer a sucessão dos estágios pré históricos com precisão A segunda é que salvo para o Neolítico não possuímos datas que nos permitam estabelecer uma cronologia absoluta Apesar de todas essas dificuldades dispomos dos excelentes trabalhos de J Chavaillon para Saura 21 H Faure para o Chade 22 de P Chamard23 para a Mauritânia todos baseados em sólidos estudos periféricos sobre a Argélia24 o Marrocos25 a Líbia 26 etc À luz desses trabalhos pode se fazer uma ideia relativamente precisa das grandes linhas do quadro cronológico da pré história do Saara Entretanto a pobreza de documentos paleontológicos e em geral de matérias orgânicas utilizáveis para datações através da medida da radiatividade subsidente relativos a esse período não permitiu estender a cronologia absoluta para além do Neolítico cf Quadro seguinte 19 Cronologia quaternária sucessão no tempo de diversas fases climáticas No que se refere ao Saara pobre em estratigrafia em muitos casos conta se apenas com elementos de cronologia relativa Uma das melhores cronologias foi apresentada por J CHAVAILLON 1964 Da base ao cume de Saura no noroeste do Saara o autor distinguiu Quaternário Antigo Villafranchiano Aidiense Mazeriense Quaternário Médio Taourirtiense Ougartiense Quaternário Recente Sauriense Guiriense 20 Estratigrafia sendo a estratigrafia a leitura e interpretação das camadas que se depositaram sucessivamente num local para formar o solo é compreensível que o Saara atingido por grandes cataclismas climatológicos não tenha conservado muitos documentos Existe porém o suficiente para mostrar que em diversos lugares há uma série de três terraços chamados antigo médio e recente que são os testemunhos de três grandes episódios climáticos Mas não se deve esquematizar demais Na verdade considerando os microclimas o problema dos episódios climáticos legíveis na estratigrafia é extremamente complexo A estratigrafia revela que por volta do ano 1000 antes da Era Cristã a desertificação já se consumara 21 CHAVAILLON J 1964 22 FAURE H 1962 23 CHAMARD P 1966 1970 24 BALOUT L 1955 25 BIBERSON P 1961 26 MACBURNEY C B M e HEY R W 1955 663 Pré História do Saara Naturalmente o quadro que apresentamos está simplificado ao extremo Em particular ele não apresenta um importante complexo de grandes lascas frequentemente de técnica levalloisiense encontradas em um terreno de bifaces finos de tamanho e peso reduzidos e provavelmente situadas no fim do Acheulense Complexos desse tipo ocorrem em Tiguelguemine27 Broukkou28 etc Enfim notaremos que até o momento presente nada foi encontrado que nos autorize a falar de um Paleolítico Superior29 no Saara o termo não tem 27 HUGOT H J 1962 28 HUGOT H J 1962 29 Paleolítico a nova divisão cronológica devida ao reconhecimento do Homo habilis como ancestral provável da linha atual do homem não modificou os problemas relativos ao Saara Em particular atualmente parece não ter existido nem o Paleolítico Médio nem o Epipaleolítico Ter se ia um Paleolítico Terminal representado pelo Ateriense portanto posterior ao Musteriense e separado do Neolítico por um breve hiato Cronologia da préhistória saariana 664 Metodologia e pré história da África confirmação nos fatos Seria mais perigoso ainda falar em Mesolítico termo que tende a cair em desuso O quadro anterior pode dar ensejo a uma cronologia mais detalhada Relaciona as grandes linhas do que conhecemos da climatologia com o povoamento pré histórico O Saara forneceu poucos esqueletos acompanhados de indústrias que possibilitassem sua classificação Entretanto os que foram encontrados indicam a antiguidade bastante remota do homem O Paleolítico O aparecimento do homem no Saara e a indústria de seixos lascados Nas margens de antigos rios extintos observam se com muita frequencia terraços formados na época em que os rios ainda não haviam secado Esses terraços apresentam três níveis muito distintos que para maior comodidade são denominados terraços antigo médio e recente No djebel Idjerane30 a 120 km a leste de In Salah Saara argeliano o terraço antigo apresentou seixos lascados Sabe se que esses seixos são os primeiros utensílios com marcas observáveis de trabalho humano Na maioria dos casos são meros seixos de rios de alguns dos quais foram destacadas lascas para a obtenção de um gume grosseiro e sinuoso Aventou se a ideia de que esses objetos seriam específicos da indústria do Homo habilis No Saara nigeriano nas ribanceiras do Tafassasset31 antigo afluente do lago Chade existem também grandes quantidades de seixos lascados mas em posição menos significativa que em Idjerane Outros conjuntos como o de Aoulef32 foram revolvidos ou destruídos Quanto à série proveniente de Saura33 é numericamente pouco importante para fornecer material suficiente para um estudo O que se pode afirmar é que a cultura dos seixos lascados estendeu se por todo o Saara então úmido e muito diferente do deserto que hoje conhecemos Infelizmente nenhum fóssil animal ou humano da época chegou até nós restando nos simplesmente formular a hipótese de que esses utensílios muito rudimentares que fora dos sítios onde estão agrupados encontram se 30 BONNET A 1961 p 51 61 31 HUGOT H J 1962 p 151 52 32 HUGOT H J 1955 p 131 49 33 CHAVAlLLON J 1956 665 Pré História do Saara dispersos por todo o Saara são exatamente os que foram lascados e utilizados pelos nossos mais antigos ancestrais O Homo erectus fabricante de bifaces O final da civilização dos seixos lascados deixa aparecer uma evolução técnica que conduz a formas não abandonadas no início do Paleolítico Inferior O mistério que envolve a grande mutação humana e técnica que assinala o aparecimento do biface permanece intato No Saara não se descobriu nenhum esqueleto dos autores desse notável utensílio e seu derivado a machadinha a qual evoca um horizonte florestal que à época devia predominar Apesar de ignorarmos a ecologia dos inventores do seixo lascado estamos um pouco mais bem informados sobre a de seus sucessores Enquanto região de grandes lagos o Saara apresentava uma hidrografia bastante significativa precipitações suficientes para manter um tipo de vegetação indicadora de um clima tendendo a frio Evidentemente a grande fauna etíope fazia se presente em todo o Saara Fato marcante as chuvas torrenciais que caracterizaram o período seguinte destruíram ou danificaram grandemente em quase toda parte os depósitos constituídos nos grandes lagos da época Além disso uma sequência muito seca entre a época precedente e o período de que tratamos pode ter acelerado os processos de destruição Em razão dessas destruições os testemunhos estratigráficos são muito raros embora o número de bifaces encontrados no Saara seja enorme Não podemos afirmar que o hominídeo fóssil do Chade34 tenha sido um fabricante de bifaces Vaufrey35 coloca o encabeçando seu capítulo sobre o Paleolítico Inferior e Médio do Saara Mas esse venerável ancestral a respeito de quem ignoramos se foi um fabricante de utensílios representa apenas uma interessante descoberta paleontológica Em Tihodaine mencionada pela primeira vez por Duveyrier em 186436 e visitada por E F Gautier e M Reygasse em 193237 foi encontrada uma indústria aeheulense com restos de rinoceronte elefante hipopótamo bovídeos búfalo facoquero zebra crocodilo gazela etc Todas as evidências mostram que a indústria acheulense de Tihodaine é evoluída em geral talhada em osso ou 34 COPPENS Y 1962 p 455 9 35 VAUFREY R op cit póstumo 1969 p 21 36 DUVEYRIER H 1864 37 GAUTIER E F e REYGASSE M 1934 666 Metodologia e pré história da África Figura 234 e 235 Seixos lascados Pebble Culture Aoulef Saara argeliano Figura 236 Biface do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano Figura 237 Machadinha do Paleolítico Inferior Tachenghit Saara argeliano 667 Pré História do Saara madeira A indústria já se encontra pois num estágio avançado do Acheulense não sendo uma continuação direta da civilização precedente Não longe de Tihodaine existem duas grandes jazidas acheulenses que apresentam uma mistura de bifaces por vezes de formas bem reduzidas quase sbaikienses e de machadinhas Trata se da jazida do erg de Admer38 descoberta por um militar em 1934 e publicada pela primeira vez por H Lhote e H Kelley em 193639 Essa jazida de superfície está mal datada assim como também a do uede Tafassasset40 descoberta pela missão Berliet Tenere mas sua importância não inspirou os trabalhos que teriam permitido mostrar sua grande valia Tabelbala e Tachenghit41 são conhecidos pelos bifaces em arenito quartzoso avermelhado e principalmente pela série impressionante de machadinhas que revelam uma técnica muito evoluída Nessa mesma parte da África os trabalhos de J Chavaillon e de H Alimen mostraram a presença em seu próprio contexto de um Acheulense Evoluído que precederia imediatamente as indústrias de lascas ou estaria incluído em um Aeheulense Médio É o mesmo caso de Mazer Béni Abbès e Kerzaz42 Em Chebket Mennouna Saura Saara argeliano43 haveria uma série significativa infelizmente ela é muito reduzida em número Em In Ekker como em Meniet e Arak44 o Acheulense Médio encontra se sob as aluviões que contêm o Ateriense em difusão O Acheulense também é encontrado em grande quantidade em Aoulef45 em Sherda46 em el Beyed47 em Esh Shaheinab48 no Saara ocidental49 em Kharga no deserto da Líbia50 Decididamente o Acheulense cobre toda a superfície do Saara mas estamos ainda impossibilitados de classificá lo cronologicamente pois 38 Essa jazida de superfície ilustra bem as dificuldades de fazer uma distinção entre a indústria dominante e as contaminações posteriores por outros objetos mais recentes 39 LHOTE H e KELLEY H 1936 p 217 26 40 HUGOT H J 1962 41 CHAMPAULT B 1953 42 ALIMEN H 1960 p 421 23 43 CHAVAILLON J 1958 p 431 43 1956 p 231 ID 44 HUGOT H J 1963 45 POND W P et al 1938 p 17 21 46 DALLONI M 1948 47 BIRERSON P 1965 p 173 89 48 ARKELL A J 1954 p 30 34 49 ALMAGRO BASCH M 1946 50 CATON THOMPSON G 1952 668 Metodologia e pré história da África à exceção de quatro ou cinco casos ele não se encontra em posição estratigráfica O essencial ainda está por fazer escavações e sondagens seriamente conduzidas Um ponto obscuro as indústrias de lascas O Paleolítico Inferior na Europa e no Saara caracterizou se por um objeto que foi essencial o biface Partindo das mais grosseiras formas agrupadas inicialmente sob o nome de Chellense evoluiu em peças elegantes equilibradas perfeitamente lascadas e bem acabadas como as de Micoque No Saara os primeiros bifaces foram anunciados pelos últimos seixos lascados Rapidamente se opera uma transformação radical na técnica de lascamento e essa habilidade nova da difícil arte de preparar a pedra não desconhece o alijamento e a perfeição das formas Na Europa e no Saara esses progressos só se tornaram possíveis graças à descoberta da eficácia do percutor mole de osso ou de madeira que substituiu o martelo de pedra de pouca precisão dada a violência de seu impacto No entanto apesar de o biface ser essencial o fossile directeur por assim dizer do Paleolítico Superior está longe de ser o único objeto manufaturado pelo Homo erectus Temos muitas razões para acreditar que desde a mais remota origem da técnica as lascas foram igualmente utilizadas e não somente elas mas também uma boa parte dos resíduos múltiplos provenientes do lascamento dos núcleos Por isso é normal a preponderância da lasca no alvorecer do Paleolítico Médio51 A lasca não é portanto uma descoberta é uma transformação Essa transformação se fará notar também pela miniaturização dos bifaces que aos poucos se tornarão armaduras Em contra partida o revolucionário é a generalização da técnica levalloisiense No Saara ela aparece muito cedo é dela que provém o processo de fabricação de certos bifaces de Tachenghit52 é a ela ainda que se deve a indústria de Broukkou ou de Timbrourine Mas apesar desse aparecimento precoce não parece que o modo de vida dos inventores tenha se modificado Esses precursores certamente não são os neandertalenses pois então eles teriam sem dúvida adotado um modo de vida diferente que exigiria a utilização de um armamento e um instrumental mais leves opostos na sua concepção ao peso do biface e da machadinha Na verdade o fato mais impressionante a que não se tem prestado muita atenção não é tanto a ausência de um Musteriense legítimo no Saara ou de qualquer outra forma musteroide 51 Não se deve esquecer no entanto que a verdadeira mutação é humana e assinalada pelo aparecimento do Homem de Neandertal autor das indústrias musterienses 52 TIXIER J 1957 669 Pré História do Saara se operando mas sim o fato do Ateriense que o substituiu e que é com efeito musterizante ser por excelência uma indústria de caçadores O pedúnculo evoca não simplesmente um cabo mas também a azagaia as bolas as grandes lascas pontas levalloisienses fazem pensar em instrumentos de caçadores Em resumo é uma indústria de migrantes e por isso mesmo leve se comparada às indústrias que a precedem O Ateriense No estágio atual da pesquisa o Ateriense53 toma no Saara o lugar ocupado em outras regiões pelo Musteriense Apresenta vários traços deste último pelo destaque que dá à técnica levalloisiense a qual se faz notar não só pela natureza dos retoques mas também pela tipologia dos objetos acabados Entretanto dele se distancia por duas características essenciais a presença de um objeto pedunculado que pode ser uma ponta com ou sem retoque um raspador um buril ou até mesmo um furador diferenças sensíveis no plano estatístico em relação à indústria musteriense clássica mas excluído esse fato persiste a ideia de substrato musteroide e apesar de não possuirmos nenhum esqueleto ateriense é hábito atribuir essa interessante indústria a um parente do Homem de Neandertal O Ateriense como se sabe é uma indústria norte africana que se difundiu intensamente em direção ao sul54 para se fixar ao longo das margens dos grandes lagos do Saara meridional À medida que se estendia para o sul foi se transformando até produzir a deslumbrante fácies do Adrar Bous55 onde se reúnem ao cabedal clássico dos núcleos lâminas lascas raspadores ferramentas denticuladas pontas duplas foliáceas de técnica bifacial e bolas de pedra pontas pedunculadas das muito bem acabadas também de técnica bifacial Uma delas chega a ter 19 cm de comprimento 53 Ateriense indústria de origem norte africana composta essencialmente por uma base musteroide a que se reúne uma série de objetos pedunculados Cronologicamente o Ateriense é posterior ao Musteriense Bastante influenciado pela técnica levalloisiense esse notável instrumental lítico desenvolveu se à medida que penetrava o Saara Seu limite meridional parece ter se constituído pelos grandes lagos do sul já extintos com exceção do Chade Foi na margem nordeste do Chade antigo que se encontraram sítios datados de 9000 a 8000 Esta indústria deve ser atribuída antes a um Paleolítico Terminal que a um Paleolítico Médio 54 HUGOT H J 1967 p 529 56 55 HUGOT H J 1962 p 158 62 670 Metodologia e pré história da África Figura 238 Grande ponta dupla bifacial ateriense Timimoum Saara argeliano Figura 239 Pontas aterienses Aoulef Saara argeliano Figura 2310 Ponta dupla bifacial ateriense Adrar Bous V Níger 671 Pré História do Saara O Ateriense difundiu se imensamente É encontrado na Tunísia56 no Marrocos57 na Argélia58 em Saura no Tidikelt onde utiliza com sucesso o material de primeira qualidade fornecido por uma Arauearia fóssil59 na Mauritânia onde o Adrar estabelece grosso modo sua fronteira60 Encontra se em toda parte no Hoggar61 no erg de Admer62 em Tihodaine63 e no Adrar Bous64 pode se assinalá lo ainda no Fezzan no Zumri sendo Kharga no Egito65 seu derradeiro bastião oriental É muito difícil situar o Ateriense em uma sequência cronológica Seu aparecimento pode ter se dado por volta de 35000 Às margens do lago Chade sua progressão parece ter sido estancada pelo último alto nível das águas Nessas condições ele se estenderia entre 9000 e 7000 Mas são apenas hipóteses Parece lógico que a essa indústria tão marcada por influências do Musteriense deveria suceder um Paleolítico Superior Mas aqui se colocam duas questões Em primeiro lugar podemos situar o Ateriense afinal muito tardio em um Paleolítico Médio Em sua tese magistral L Balout acreditava não dever ceder a essa tentação Em segundo lugar o que na verdade sabemos sobre um Epipaleolítico legítimo no Saara A bem dizer muito pouco a indústria do uede Eched descoberta por R Mauny66 não revelou seu segredo Os conjuntos líticos de estilo capsiense encontrados na orla meridional do Tademaït67 continuam sendo objeto de discussão Apenas a série já antiga de Merdjouma uede Mya planalto do Tademaït Saara central argeliano pode atestar a implantação de um grupo de capsienses verdadeiros numa região hoje abrangida pelo Saara É muito pouco para que tenhamos alguma certeza Por esse motivo para que fosse encontrada uma solução cronológica propôs se agrupar o Ateriense sob o título pouco comprometedor de Paleolítico Terminal 56 GRUET M 1934 57 ANTOINE M 1938 58 REYGASSE M 1922 p 467 72 59 GAUTIER E F 1914 SAINT MARTIN M de 1908 REYGASSE E F 1923 60 GUITAT R 1972 p 29 33 61 HUGOT H J 1962 p 47 70 62 BOBO J 1956 p 263 68 63 BALOUT L In ARAMBOURG C e BALOUT L 1955 p 287 92 64 HUGOT H J 1962 p 158 62 65 CATON THOMPSON G 1952 e 1946 66 Indústria inédita depositada no departamento de pré história do IFAN da Universidade de Dacar 67 HUGOT H J 1952 1955 p 601 03 672 Metodologia e pré história da África O Hiato Recentemente para qualificar uma indústria evoluída pós ateriense do Adrar Bous Níger J D Clark empregou a palavra mesolítico Num plano geral esse termo que felizmente tende a cair em desuso não tem sentido Não corresponde a nada que se conheça no Saara e seu uso só viria consagrar o erro de Arkell68 bastante compreensível no tempo em que esteve trabalhando no Nilo No atual estado da pesquisa os pré historiadores franceses não concordam com o emprego do termo Isso não quer dizer que o problema do Epipaleolítico não exista o Sebiliense III do Egito invadido pelos micrólitos geométricos69 precede o Neolítico A sem se confundir com ele e alguns indícios muito raros é verdade permitem supor que ele possa ter ultrapassado os limites das zonas onde foi reconhecido O Neolítico Ignoramos o essencial a respeito da gênese das etnias neolíticas70 Parecem ter se expandido pelo Saara partindo de pontos diferentes Segundo M C Chamla71 há uma constante no povoamento neolítico do Saara a mestiçagem entre Negros em um extremo e em outro Brancos de origem mesoriental agrupados ordinariamente sob o nome de mediterrânicos Primeiro povoamento neolíticos de tradição sudanesa O povoamento neolítico do Saara está longe de ser homogêneo Se se considerar uma sequência no estabelecimento dos grupos humanos a onda mais antiga parece ser a que formada às margens do Nilo na altura de Cartum e Esh Shaheinab realizou um movimento de leste para oeste ao longo dos 68 ARKELL A J 1949 1953 69 VIGNARD E 1923 p 1 76 70 Neolítico termo utilizado para designar o aparecimento de novas técnicas em particular a arte da cerâmica o polimento da pedra o início da domesticação da agricultura do urbanismo etc que se juntam à base altamente evoluída da indústria lítica do Epipaleolítico No Saara ao que parece os mais antigos sítios neolíticos podem ser atribuídos ao V VI milênio antes da Era Cristã Sabe se que o Neolítico não resultou necessariamente do conhecimento de todas as técnicas mencionadas Entretanto um dos fenômenos mais notáveis que convém considerar é o cozimento dos alimentos que por suas transformações químicas irá influir de forma decisiva na evolução fisiológica do homem O Neolítico saariano e suas múltiplas correntes são o admirável exemplo de uma explosão técnica e não de uma revolução como muitas vezes se afirmou 71 CHAMLA M C 1968 673 Pré História do Saara grandes lagos Parece não ter ultrapassado muito a franja oriental de Aoukâr nem ter penetrado na floresta Em contrapartida fez ao menos duas incursões ao norte uma em Hoggar até a margem setentrional da região pré tassiliana e outra em direção a Saura partindo do Tilemsi Reconhece se facilmente essa brilhante civilização pelo caráter particular e pela riqueza da decoração aplicada à cerâmica No plano industrial entretanto é extremamente difícil defini la pois os neolíticos de tradição sudanesa souberam tirar proveito de tudo Primeiros habitantes do Saara foram eles pescadores caçadores coletores Eram grandes apreciadores do hipopótamo e de bagas de lódão bastardo celtis sp mas não desprezavam o peixe dos lagos nem a tartaruga de água doce nem a melancia O fato de terem fabricado em profusão enxós enxadas moedores mós etc não significa absolutamente que tenham empregado qualquer forma de prática agrícola72 A presença constante de potes com bagas de lódão bastardo e a frequente descoberta de sinais de grãos de cucurbitáceas na escavação dos sítios podem sugerir uma hipótese de protocultura Constata se uma divisão do trabalho em função das tarefas especializadas O polimento da pedra foi muito difundido e a panóplia das armaduras muito rica Caçava se com arco ou com lança utilizava se o arpão e o anzol feitos de osso Machados enxadas enxós de pedra polida ocupam um lugar expressivo no equipamento Hábeis na confecção de contas de pedra dura amazonita calcedônia hematita cornalina etc os especialistas elaboraram um equipamento de perfuração muito engenhoso73 que comporta estilhaços de buris agulhas furadores empregados juntamente com resinas e areia fina O equipamento de trituração é numeroso e requintado Prova a existência se não de uma verdadeira indústria de moagem ao menos do conhecimento da arte da trituração O produto triturado era com certeza o ocre mas talvez também grãos selvagens bagas ervas secas corantes vegetais produtos farmacêuticos etc A cerâmica merece menção especial não só pela riqueza de sua decoração mas também pela beleza das formas realizadas Queremos observar que não foram encontradas as bases cônicas com pequenas 72 Agricultura Cultura racional de plantas selecionadas em áreas do solo especialmente preparadas A prova do conhecimento de uma agricultura pode resultar de provas palinológicas estatisticamente válidas da existência de traços de terrenos cultivados da coleta de vegetais fósseis identificados Isoladamente a presença de um instrumental considerado agrícola não tem significado preciso A enxada pode ter servido para extrair a argila para a fabricação da cerâmica a mó para triturar corantes grãos selvagens produtos medicamentosos etc A adjetivação agrícola resulta portanto de regras precisas e não de hipóteses não verificadas 73 GAUSSEN M e GAUSSEN J 1965 p 237 674 Metodologia e pré história da África cavidades nem as formas alongadas em ânfora Mas foram assinalados alguns bicos invertidos asas e botões Essa primeira onda neolítica é pois bastante conhecida O Neolítico guineense A primeira vaga é seguida mais ao sul pela progressão de uma outra etnia africana que vai ocupar a floresta e que apesar de sua importância permanecerá por muito tempo desconhecida ocultada pela cobertura florestal Esse Neolítico bem identificado na Guiné será chamado por essa razão embora provavelmente se tenha originado na África Central de Neolítico guineense74 O Neolítico de tradição capsiense Um pouco mais tarde o Neolítico de tradição capsiense produto da neolitização no próprio local do antigo Capsiense norte africano vai começar a movimentar se em direção ao sul Chegará ao nordeste da Mauritânia e atingirá o Hoggar já que em Meniet foi descoberto abaixo da superfície dos sítios do Neolítico de tradição sudanesa Seu limite a leste é mais impreciso devido à falta de monografias líbias utilizáveis O Neolítico de tradição capsiense é mais austero que o de tradição sudanesa Sua cerâmica tem pouco ou nenhum ornamento mas enquanto a indústria lítica de tradição sudanesa é de modo geral oportunista a de tradição capsiense é de uma técnica rigorosa e sua fácies saariana acha se enriquecida por uma quantidade deslumbrante de armaduras de pontas de flechas A pedra polida é em geral muito bonita e para desfazer a impressão produzida pela cerâmica as vasilhas de pedra dura e as estatuetas75 zoomórficas são verdadeiras obras primas Com essa fácies do Neolítico encontram se grãos perfurados que são em alguns casos fragmentos de encrina mas de modo geral rodelas confeccionadas com pequenos pedaços de casca de ovo de avestruz Ovos inteiros foram esvaziados e transformados em recipientes e alguns foram gravados com desenhos a traço Sabe se que os iberomaurusienses não são os capsienses Enquanto estes últimos ocuparam principalmente os altos planaltos argelianos onde deixaram curiosos montes de conchas conhecidos com o nome de escargotières os iberomaurusienses estabeleceram se na orla do Mediterrâneo entre a Tunísia e 74 DELCROIX R e VAUFREY R 1939 p 265 312 75 Coleções pré históricas Museu de Etnografia e de Pré história do Bardo Argel álbum no 1 A M G ed Paris 1956 pr 107 10 675 Pré História do Saara Figura 2311 Cerâmica neolítica Dhar Tichitt Mauritânia Figura 2312 Cerâmica de Akreijit Mauritânia 676 Metodologia e pré história da África o Marrocos não se sabe muito bem como estes cro magnoides se instalaram na África do Norte nem como se dividiram nas duas etnias O certo é que ambos foram neolitizados no próprio local Os neolíticos de tradição iberomaurusiense que viviam próximos ao mar não puderam evitar sua influência Caminhando ao longo da costa atlântica marroquina em direção ao sul constata se a existência de kiokennmöddings formados com conchas de moluscos e ostras em seguida com arcas Arca senilis aliás ainda consumidas no Senegal O litoral do Saara marroquino e da Mauritânia foi ocupado por essa fácies muito particular pouco ou nada estudada que se caracteriza por uma cerâmica pouco ornada rude de pedras de fogueira e por uma indústria lítica rara Seria muito interessante saber como se formou e qual a sua origem pois embora possa ter sofrido a influência de sua homóloga o Iberomaurusiense no Marrocos nada sabemos sobre seus elementos constitutivos O tenerense Uma quinta corrente que suscitou o interesse dos especialistas foi a identificada no Adrar Bous e batizada por essa razão com o nome de Tenerense Há pouco tempo J D Clark que esteve no local sugeriu que tal corrente pode ser representativa do Neolítico saariano Isso é impensável a menos que o adjetivo saariano corresponda a uma região geográfica muito extensa Por suas armaduras em flor de lótus discos raspadores côncavos espessos elementos de serra machados com garganta assim como por sua tipologia e composição estatística o Tenerense descoberto por Joubert em 194176 não pode ser considerado um Neolítico saariano clássico pois esse termo se aplica mais especialmente às fácies sudanesas e capsienses que cobrem a maior parte do Saara Vaufrey frequentem ente tentado pelo desejo de agrupar tudo no Neolítico de tradição capsiense77 afirma As influências egípcias reconhecidas no Saara argeliano penetraram em sua mais perfeita forma até o Hoggar e mais adiante Essas estações do Tenere representam um apogeu da indústria neolítica saariana que evoca irresistivelmente o Pré Dinástico egípcio78 Assinalemos entretanto que excluindo o Tenere a influência egípcia não aparece nitidamente a despeito do que afirma Vaufrey 76 JOUBERT G e VAUFREY R 1941 1946 p 325 30 77 VAUFREY R 1938 p 10 29 78 VAUFREY R 1969 p 66 677 Pré História do Saara Resta pois descobrir por que via a magnífica indústria tenerense obtida essencialmente a partir de um jaspe verde recebeu as influências que tão bem ilustra É preciso porém ter cuidado para não estender demais a noção de fácies Atualmente sabemos que uma mesma etnia pode ter respondido com exuberância aos determinismos impostos pela ecologia subsolo minerais etc Onde o jaspe e o sílex permitem obter obras primas a partir da pedra a indústria será diferente da confeccionada com arenitos frágeis O Adrar Bous e o Gossolorum79 são uma só e mesma coisa mas só depois de ter estudado a cerâmica discos machados etc é que se pode acreditar nisso As duas indústrias têm em comum apenas a qualidade de seu lascamento Resta ainda dizer algumas palavras a respeito de uma enorme fácies neolítica encontrada no sudeste da Mauritânia exatamente ao longo do Dhar Tichitt80 Importantes trabalhos realizados nessa região mostram que a indústria bastante tardia está ligada a um excepcional conjunto de aldeias em pedras secas onde o urbanismo81 e a arte das fortificações são do maior interesse Obteve se enfim a prova de que desde 1500 as comunidades locais consumiam milho miúdo o que vem dar um sentido preciso ao enorme equipamento de moagem existente nas ruínas das aldeias Tanto a cerâmica quanto outras características particulares demonstram ser africana a civilização do Dhar Tichitt essa civilização sem dúvida proveio do leste mais especificamente do vizinho Tilemsi mas isso é apenas uma hipótese de caráter provisório Assim o Neolítico pode ser reduzido a algumas linhas de força geradoras de correntes secundárias que se caracterizam por sua base cultural comum identificada pela cerâmica e mais raramente pelas particularidades técnicas aplicadas à indústria lítica ou óssea Em suma o Neolítico estender se á do V milênio antes da Era Cristã ao início do I milênio Durante esse período o nível dos lagos não cessará de baixar Em consequência a grande fauna etíope abandona as margens principalmente no sul a flora se degrada e o homem por sua vez emigra com seus rebanhos 79 HUGOT H J 1962 p 154 63 e 168 70 80 HUGOT H J et al 1973 81 Urbanismo estudo do plano de um conjunto de habitats geralmente ocupados por uma população sedentária e organizados de acordo com um plano preciso em função da divisão do trabalho e das ideias religiosas dos ocupantes O único conjunto que responde a essa definição é o do Dhar Tichitt na Mauritânia cujo início foi datado de 2000 678 Metodologia e pré história da África A fauna e a flora A fauna é herdada do Ateriense que termina no momento em que os lagos atingem o último alto nível identifica se então nas margens ou na própria água a fauna dita etíope com a presença de rinocerontes crocodilos Crocodilus niloticus hipopótamos elefantes zebras girafas búfalos e facoqueros Grandes siluros Clarias percas do nilo Lates niloticus e tartarugas de água doce Trionyx abundam nas águas Os pastos são percorridos por caprinos antílopes etc Essa enumeração surpreende apenas pelo lugar a que se aplica o Saara A flora confunde se totalmente No início do Neolítico ainda são encontradas nogueiras tílias salgueiros e freixos Uma concha de um limnófilo descoberto em Meniet Mouydir Saara argeliano indica uma precipitação de pelo menos 500 mm de água a urze cobre alguns estágios das montanhas Muito rapidamente entretanto essa vegetação se degrada e cede lugar a uma outra mais característica de zona árida cedro pinho de Alep zimbro oliveira almecegueira e entre outras o lódão bastardo muito importante na alimentação dos autóctones Nos lagos há também grande quantidade de moluscos encontram se em certos lugares traços de enormes depósitos de valvas de únio Com efeito uma das características do Saara neolítico nos alvores dessa civilização é a presença de um conjunto de lagos isolados É às margens desses lagos que os neolíticos de tradição sudanesa irão desenvolver se São eles que tornarão possível por seus inúmeros recursos o estabelecimento humano O Saara berço agrícola A ideia foi lançada em diferentes oportunidades e por várias vezes sem verificação das possibilidades do emprego de um termo com implicações tão graves Não se pode provar a prática da agricultura com base apenas na presença de objetos ou utensílios tidos como de uso agrícola A agricultura fica demonstrada ao contrário quando os fósseis grãos ou pólens justificam a hipótese aplicada aos objetos ou utensílios Os sacos de milho miúdo encontrados em Tichitt Mauritânia confirmam as ideias de Munson82 e as de Monod83 a respeito 82 MUNSON P 1968 p 6 13 83 MONOD T 1961 679 Pré História do Saara Quanto ao mais sabemos que os neolíticos do Saara acumularam grandes quantidades de bagas de celtis sp ou lódão bastardo que certamente foram usadas na alimentação Observou se ainda em Meniet e Tichitt a presença de grãos de cucurbitáceas que provavelmente são de melancia e não de citrulus colocinthis Esses dois vegetais pressupõem a coleta no máximo a protocultura mas não a agricultura que se constitui na preparação do solo em vista de uma cultura racional de plantas selecionadas O quadro portanto é bastante pobre Em Meniet84 a análise palinológica de sedimentos neolíticos não forneceu nenhuma indicação precisa do conhecimento de qualquer forma de agricultura No Adrar Bous uma análise sumária não acrescentou nenhum dado novo tampouco em Ti n Assako e nos inúmeros sítios estudados desse ponto de vista Os únicos traços certos de um consumo de produtos vegetais nos sítios neolíticos saarianos são os de grãos ziziphus lotus celtis sp diversas gramíneas selvagens devem se acrescentar ainda os sinais de Pennisetum evidenciados por Munson e os grãos de milho miúdo descobertos em Tichitt nas turfas fossilizadas No entanto é preciso fazer a análise sistemática dos sedimentos neolíticos antes de tirar qualquer conclusão Apesar de seu enorme interesse a palinologia foi muito pouco aplicada no Saara De todo modo embora algumas plantas tenham sido cultivadas no Saara parece improvável que essa região tenha sido o lugar privilegiado onde se desenvolveram as plantas de consumo corrente no norte da África Finalmente depois de muito tempo foram os criadores que em quase todas as regiões sucederam aos caçadores pescadores coletores O fato de um instrumental de pedra constituído de enxadas mós moedores pesos para lastrar bastões de escavação e picões ser encontrado em quase toda a região não implica ipso facto a existência de uma agricultura no sentido real do termo Em todo o Egito onde esse fenômeno se desenvolveu amplamente encontram se traços precisos de sua presença assim como em Tichitt na Mauritânia onde poderiam ser explicados pela existência de aldeias sedentárias Contudo em outras regiões de acordo com o atual estágio de nossos conhecimentos é pouco provável que o mesmo se tenha dado E de qualquer forma não se deve esquecer que em 1000 já havia praticamente ocorrido a desertificação do Saara A cessação das chuvas não favoreceu a agricultura mas isso não implica o desconhecimento de toda a protocultura ou da coleta seletiva que a precedeu Além disso com 84 FLAMAND G B M 1921 680 Metodologia e pré história da África certeza a experimentação de alimentos de origem vegetal deve ter estimulado a busca de espécies determinadas que seria uma primeira forma de seleção Mas só há possibilidade de cultura no quadro de uma sedentarização ou de uma fixação sazonal Ora em grande parte do Saara o Neolítico em seu apogeu faz pensar antes em acampamentos nômades que em aldeias organizadas as quais no entanto existiram A origem da domesticação e o Saara O Saara neolítico teve vida própria Embora os criadores bovidianos do Tassili nAjjer sejam contemporâneos das carroças a solto galope de idade imprecisa mas que podem ser contemporâneas das invasões dos povos do mar que foram dispersados ao tentarem conquistar o Egito não deixaram de desenvolver localmente a arte da criação do gado que sempre surpreende o não iniciado A civilização bovidiana parece ter desenvolvido em seu apogeu métodos tão perfeitos de criação que fazem pressupor um longo aprendizado Os egípcios dedicaram se a múltiplas experiências de domesticação de animais informação que nos é dada pelos baixos relevos que mostram ter se tentado domar felinos e gazelas canídeos e até mesmo hienas Qual era a situação no Saara O galgo sudanês precioso auxiliar dos caçadores nemadi parece ser de origem muito antiga É ele provavelmente que está representado nas pinturas bovidianas Há também outros indícios mas afinal nenhuma prova absoluta Sabe se que em 2000 o boi e o cachorro eram encontrados em Aoukâr mas os rupestres não nos mostram que animais o homem teria tentado domesticar em períodos anteriores A vida neolítica Sabemos que os homens do Neolítico de tradição sudanesa foram de uma curiosidade ilimitada no que diz respeito a novas técnicas Continuaram a lascar a pedra obtendo assim uma maravilhosa panóplia de armaduras de pontas de flechas e um instrumental em geral muito leve composto de lamelas retocadas de diversas maneiras furadores raspadores de formas múltiplas micrólitos geométricos serras etc A característica nova é a técnica sutil do polimento da pedra aplicada aos machados enxadas goivas e buris Por vezes recipientes de pedra dura labrets contas de amazonita cornalina e quartzo e bolas talvez usadas como projéteis de funda vêm completar essa panóplia A ela se acrescenta uma profusão de mós fixas e de moedores que não consistem necessariamente 681 Pré História do Saara Figura 2313 Pontas de flechas neolíticas In Guezzam Níger Figura 2314 Machado com garganta neolítica Adrar Bous Níger Figura 2315 Machado polido neolítico região de Faya Chade 682 Metodologia e pré história da África em prova do conhecimento da agricultura e kwes pedras para lastrar bastões para escavação recentemente ainda em uso na África do Sul e também entre os Pigmeus O conjunto é completado por uma admirável série de vasos de cerâmica cujas formas e decoração já são bem negro africanas O osso foi trabalhado servindo para confeccionar arpões punções agulhas pentes de oleiro brunidores e talvez punhais Os neolíticos de tradição sudanesa souberam adaptar se maravilhosamente ao determinismo mineralógico das regiões que ocupavam o que levou a acreditar numa multiplicidade de bases étnicas apesar de ao contrário parecerem muito estáveis e culturalmente muito unidos fato que se deveria à homogeneidade da inspiração das decorações de sua cerâmica Devemos acrescentar que esses homens formados no cadinho da vida socializada devem ter conhecido a navegação e que é possível que tenham circulado nos lagos com barcos de caniços iguais aos que se conhecem no Chade com o nome de kaddei Os neolíticos de tradição capsiense opõem se em muitos pontos aos seus homólogos e predecessores de tradição sudanesa Esses últimos partindo do Sudão caminharam em diversas vagas de leste para oeste sem atingir ao que parece a costa atlântica Eram melanodermas e quase sempre africanos autênticos Os homens que partiram dos altos planaltos argelianos eram mais mediterrânicos e herdaram de seus predecessores capsienses um dom notável para o lascamento do sílex O inventário de seu instrumental é surpreendente as finas lamelas com retoques quase invisíveis lembram joias Furadores pontas agudas pequenos raspadores juntam se a micrólitos geométricos formados de resíduos de lâminas trapézios retângulos triângulos e segmentos de círculo Mas nem por isso ignoravam a arte da caça pois confeccionavam inúmeras armaduras de pontas de flechas que são hoje lamentavelmente objeto de um grande comércio turístico Os machados polidos são numerosos e desconhecem a forma espessa e reduzida frequente no Neolítico de tradição sudanesa Diferentemente deste a tradição capsiense deu maior importância ao instrumental lítico cuja técnica foi também mais variada Mas sabia igualmente polir vasilhas de pedra dura trabalhar em alto relevo maravilhosas estatuetas como a do bovídeo de Silet o carneiro de Tamentit a gazela do Imakassen A cerâmica entretanto é muito menos rica em formas e decoração Não que faltasse imaginação aos artesãos Ao contrário eles puderam demonstrá la com sua aptidão para decorar ovos de avestruz com os quais inteiros faziam recipientes e partidos inúmeras contas Muitos fragmentos de casca ainda conservam finos desenhos a traço Evidentemente nesse contexto existem também mós fixas e moedores Sabe se com certeza que uma parte desse material serviu para triturar corantes provavelmente utilizados nas pinturas corporais 683 Pré História do Saara O Neolítico litoral é pouco conhecido Os trabalhos a respeito ainda não foram publicados más é sabido que em toda a extensão da costa atlântica a partir do Marrocos existem inúmeros depósitos de conchas por vezes verdadeiros tells misturados com cinzas e fragmentos de cerâmica Isto ocorre até o Senegal parecendo que a esta latitude um movimento étnico proto histórico passa a predominar Mantém se inexplicável a razão pela qual na fronteira da Mauritânia e Saara Ocidental a cerâmica de base redonda ou plana conhecida no Saara dá lugar a uma cerâmica maravilhosa de base nitidamente cônica Entretanto nada foi publicado a respeito dessa nova fácies Mais a leste no Air no Adrar Bous uma jazida sobressai claramente em relação a outras fácies conhecidas do Neolítico saariano de qualquer origem É a que se chamou Tenerense Obtido de um jaspe verde vivo e irrompendo num magnífico instrumental esse Neolítico é rico em formas que evocam o Eneolítico egípcio Discos planos armaduras em flor de lótus raspadores com entalhe chamados crescentes enxadas com gume polido pelo uso podem ser com efeito coincidências mas a essa altura seria verdadeiramente estranho que fossem casuais Acrescentamos ainda que certos tipos de mós fixas associadas a esse brilhante complexo são os mesmos que foram encontrados diante dos baixos relevos egípcios e somos levados a crer que o Adrar Bous foi colonizado por homens que teriam tido contatos estreitos com o Nilo apesar de ser estranho o fato de terem utilizado uma cerâmica semelhante em todos os aspectos à do Neolítico de tradição sudanesa Mas esta última não teve seus arquétipos em Esh Shaheinab Ao sul da linha dos lagos em uma época mais úmida a floresta deve ter sido mais densa e mais verde do que hoje Isso sem dúvida explicaria que se tivesse constituído numa barreira que os habitantes do Saara não conseguiram transpor O estudo do Neolítico florestal que por razões de comodidade e de anterioridade foi denominado guineense mas que na verdade parece ter se originado em local muito mais distante no Congo talvez está apenas começado Conclusão O apaixonante estudo do passado do Saara está ainda engatinhando Oferece aos especialistas e aos homens de boa vontade uma oportunidade excepcional que urge aproveitar antes que a exploração das últimas reservas naturais faça desaparecer para sempre a possibilidade de desvendar o mistério dos problemas que decididamente dizem respeito ao passado do homem Ora 684 Metodologia e pré história da África é tomando consciência do passado que a humanidade poderá forjar seu futuro nossa experiência não se limita ao presente mas vem em linha direta da pré história Negá lo é tirar lhe toda base racional todo valor científico Mas a pesquisa da pré história do Saara deixou de ser individual para tornar se um empreendimento coletivo de equipe portanto que precisa de meios para sua realização É impressionante constatar como ela se encontra abandonada Cabe aos interessados em reconstituir a história desse grande e rude deserto formar os homens que saberão desvendar os seus segredos C A P Í T U L O 2 4 685 Pré História da África ocidental As principais zonas climáticas e fitológicas atravessam toda a África ocidental de leste a oeste As precipitações mais fortes ocorrem perto da costa e diminuem à medida que se vai para o norte e para o interior Ao norte o lado meridional do deserto faz limite com a faixa seca do Sahel mais ao sul encontra se a zona da grande savana entre a savana e a floresta tropical densa e úmida que se limita com a costa fica uma zona de floresta desmoitada que antes havia sido floresta e que a ação do homem transformou em savana O clima e o meio ambiente As precipitações na área são nitidamente sazonais no sul elas predominam de abril a outubro com máxima em julho e outubro no norte de junho a setembro Essas chuvas são trazidas pelos ventos de sudoeste que se enchem de umidade no Atlântico Porém a frente intertropical corta a África ocidental de leste a oeste separando a massa de ar tropical marítima formada sobre o sul do Atlântico da massa de ar continental e seca do Saara A posição da frente varia de acordo com as estações do ano Em janeiro está no extremo sul de modo que os ventos alísios do nordeste vindos da massa setentrional de ar seco descem diretamente na costa da Guiné provocando um grande declínio de umidade Pré História da África ocidental T Shaw 686 Metodologia e pré história da África Figura 241 Zonas de vegetação da África ocidental 687 Pré História da África ocidental Para conhecer a pré história e a arqueologia da África ocidental é imprescindível que se tenha conhecimento dos padrões climáticos e vegetais a localização e a extensão das diferentes zonas de vegetação bem como a posição da frente intertropical sofreram variações no passado afetando as condições em que o homem vivia em diferentes períodos na África ocidental Dentro dessas zonas de vegetação existem certas particularidades geográficas que provocam modificações locais no padrão geral o maciço de Futa Djalon as terras altas da Guiné no Togo a cordilheira Atakora em Camarões o planalto de Bauchi e as terras altas de Mandara o delta interior do Níger e sua grande curva em direção ao norte o lago Chade e o delta da foz do Níger Entre Gana e Nigéria há uma quebra de continuidade no cinturão de floresta tropical úmida que é conhecida como a passagem de Daomé O homem pré histórico Vestígios paleontológicos Até o momento a África ocidental não apresentou vestígios de formas humanas primitivas nem de hominídeos comparáveis aos que foram achados na África oriental e meridional1 nem tampouco artefatos da época correspondente2 Apesar disso poderíamos supor que tais seres existiram na África ocidental A atual falta de dados significa que esses hominídeos realmente não viveram na África ocidental naquela época ou que as evidências ainda não foram encontradas Essa é uma pergunta impossível de ser respondida no momento entretanto na África ocidental não foi realizado nenhum esforço de pesquisa comparável ao que teve lugar na África oriental Devemos admitir também que os depósitos de mesma idade parecem ser raros na África ocidental e é evidente que devido ao alto grau de umidade e acidez do solo as condições de preservação são muito piores3 Esse fato é ilustrado por dados de um período muito mais recente um mapa de distribuição na África das descobertas de vestígios paleontológicos da Late Stone Age aponta um espaço em branco na região da África ocidental Zaire4 Mas depois da elaboração desse mapa descobertas referentes a essa época feitas na Nigéria e em Gana revelam que o espaço em branco indicava uma dada situação de pesquisa e não a ausência de 1 LEAKEY R E F 1973 2 LEAKEY M 1970 3 CLARK J D 1968 p 37 4 GABEL C 1966 p 17 688 Metodologia e pré história da África ocupação humana5 O mesmo podemos dizer em relação ao período anterior que vamos abordar6 e também quanto ao mapa de distribuição dos depósitos fósseis de vertebrados do Pleistoceno Médio e Superior que mostra um espaço em branco semelhante7 Até onde podemos remontar deve ter havido em certas partes da África ocidental condições ecológicas muito semelhantes àquelas que favoreceram o desenvolvimento dos australopitecos da África oriental o que não significa que essas regiões foram de fato ocupadas Há muitas regiões da floresta tropical que poderiam atualmente prover as necessidades dos gorilas mas na verdade eles são encontrados apenas em duas regiões bem delimitadas8 e apesar de uma certa similaridade de condições a savana da África ocidental não sustenta uma caça tão rica em número e em variedade como a da África oriental9 A porção craniofacial de uma caixa craniana encontrada a 200 km a oeste sudoeste de Largeau é uma evidência positiva que fala a favor da possibilidade de serem encontrados na África ocidental alguns dos primeiros hominídeos do começo do Pleistoceno Esse espécime foi chamado de Tchadanthropus uxoris10 inicialmente pensou se que se tratava de um australopiteco11 mas depois consideraram no mais próximo do Homo habilis12 De fato é difícil fazer um julgamento devido à falta de datas exatas e por causa da fragmentação do crânio Um estudo mais minucioso dessa peça com capacidade craniana de 850 a 1200 cm2 e que apresenta características arcaicas e desenvolvidas sugere uma evolução para o Homo erectus13 um estágio mais complexo dos hominídeos Convém repetir que na África ocidental não há exemplos dessa forma embora tenham sido encontrados na Argélia14 alguns espécimes desse mesmo tipo chamados de Atlanthropus mauritanicus As indústrias Embora o homem da pré história tenha feito utensílios tanto de osso e madeira quanto de pedra a madeira raramente é preservada e as condições do solo na África 5 SHAW T 1965 1969b BROTHWELL D e SHAW T 1971 FLIGHT C 1968 1970 6 COPPENS Y BIFAN 1966 p 373 7 COPPENS Y BIFAN 1966 p 374 8 DORST J P e DANDELOT P 1970 p 100 9 DORST J P e DANDELOT P 1970 p 213 23 10 CAMPBELL B G 1965 p 4 9 11 COPPENS Y 1961 12 COPPENS Y 1965a 1965b COOKE H B S 1965 13 COPPENS Y 1966 Anthropologia 14 ARAMBOURG C e HOFSTETTER R 1954 1955 ARAMBOURG C 1954 1966 689 Pré História da África ocidental ocidental não são favoráveis à conservação do osso Além das lascas trabalhadas de modo rudimentar os utensílios de pedra mais simples e mais primitivos são os seixos ou blocos talhados por percussão constituindo instrumentos que apresentam um gume de 3 a 12 cm de comprimento Eles são conhecidos como indústria do seixo lascado ou utensílios olduvaienses referindo se à garganta de Olduvai na Tanzânia São bastante frequentes na África sendo que os homens primitivos que as fabricaram podem muito bem ter se espalhado pela maior parte das savanas e matas do continente Há exemplos desses utensílios em diversos lugares da África ocidental15 mas até o momento não é possível ter certeza se algum deles data genuinamente do mesmo período da indústria olduvaiense que na África oriental situa se entre 2 e 07 milhões de anos Um estudo minucioso dos seixos lascados encontrados ao longo do rio Gâmbia no Senegal demonstrou ser bem provável que alguns deles tenham origem neolítica enquanto outros possivelmente remontariam à Late Stone Age não há evidências estratigráficas que permitam considerá los como indústria da época pré acheulense16 Então só podemos ter certeza de que esses seixos lascados pertencem a um período anterior quando eles são datados independentemente por terem sido encontrados in situ em depósitos que podem ser datados seja de modo relativo seja de modo absoluto A paleontologia permite que se estabeleçam datas relativas para os depósitos de Yayo que revelaram o Tchadanthropus mas infelizmente não foi encontrada aí nenhuma indústria associada A partir das indicações fornecidas pelos ossos de fósseis do extinto Hippopotamus imaguncula extraídos de um poço com profundidade de 58 m situado em Bornu17 é provável que os sedimentos da bacia do Chade contenham material paleontológico e sem dúvida arqueológico do Pleistoceno esse material porém repousa sob uma camada muito espessa de aluviões mais recentes Mudanças climáticas Na Europa ocorreram várias glaciações durante o Quaternário e as quatro principais receberam o nome de rios da Alemanha Sabe se agora que apesar de os fenômenos glaciais apresentarem ritmo e padrão gerais muitas variações locais devem ser levadas em consideração por isso também se usam nomes 15 DAVIES O 1961 p 1 4 DAVIES O 1964 p 83 91 MAUNY R 1963 SOPER R C 1965 p 177 HUGOT H J BIFAN 1966 16 MAUNY R 1968 p 1283 BARBEY C e DESCAMPS C 1969 17 TATTAM C M 1944 p 39 690 Metodologia e pré história da África locais para cada região particular Embora o quadro resultante seja muito mais complexo é provavelmente bem mais próximo da realidade18 A mesma coisa aconteceu na África quando nos vestígios de praias lacustres elevadas graças a fases de erosão e de depósitos de cascalhos os primeiros pesquisadores encontraram traços característicos de períodos do Quaternário ao longo dos quais o clima africano tinha sido muito mais úmido que atualmente Esses períodos de precipitações mais abundantes foram batizados de pluviais A partir do momento em que o conceito de períodos glaciais foi aceito para as zonas temperadas setentrionais o que há de mais natural do que a ideia de que houve no calor dos trópicos um período pluvial correspondente aos períodos glaciais da Europa e da América do Norte19 Com o tempo a ideia de três e depois de quatro períodos pluviais africanos tornou se crença ortodoxa20 supôs se que eles correspondiam às glaciações da era glacial europeia21 embora tenha sido proposta uma nova teoria segundo a qual um período pluvial africano corresponderia a duas glaciações setentrionais22 O fato de ter sido possível expor pontos de vista tão diferentes mostra a quase impossibilidade de qualquer correlação cronológica exata De qualquer forma como se trata de grandes distâncias as correlações geológicas não deveriam ser estabelecidas em função de climas e sim de formações rochosas Além disso os vestígios dos períodos pluviais dão lugar a muita confusão quando comparados com os traços das glaciações23 Com o tempo a própria hipótese de quatro períodos pluviais na África foi posta em dúvida24 A África ocidental não escapou à extrapolação e esforços têm sido feitos no sentido de utilizar os resultados obtidos em outras partes do continente para conferir uma certa significação aos dados que de outro modo ficariam isolados ou difíceis de interpretar25 Mais recentemente entretanto dois elementos contribuíram para o progresso da abordagem científica em relação à África 18 FLINT R F 1971 SPARK B W e WEST R G 1972 19 WAYLAND E J 1934 1952 20 LEAKEY L S B 1950 LEAKEY L S B 1952 Resolução 14 3 p 7 CLARK J D 1957 p XXXI Resolução 2 21 NILSSON E 1952 22 SIMPSON G C 1957 23 CLARK J D 1957 p XXXI Resolução 4 BUTZER K W 1971 p 312 15 24 FLINT R F 1959 25 BOND G 1956 p 197 200 FAGG B E B 1959 p 291 DAVIES O 1964 p 9 12 PIAS J 1967 691 Pré História da África ocidental ocidental uma pesquisa mais aprofundada sobre esse assunto26 e o surgimento de uma nova teoria sobre as mudanças climáticas na África27 No que diz respeito a essas mudanças climáticas a África ocidental não oferece nenhuma informação geológica ou geomorfológica digna de fé que remonte a um período anterior a antes da última glaciação na Europa O estudo do lago Chade evidenciou a existência de altos níveis lacustres a partir de 4000028 Esse nível alto é marcado pelo espinhaço de Bama sobre o qual se eleva Maiduguri que nesse local tem direção noroeste sudeste Depois as duas extremidades estendem se em direção nordeste cercando Largeau toda a depressão do Bodele e o Bahr el Ghazal Esse espinhaço considerado mais uma barra de lagoa do que o traçado real de uma margem pode ter levado 6000 anos para se formar29 O antigo lago ficava a uma altura de 332 m acima do nível do mar ao passo que atualmente a altitude do lago Chade é de 280 m às vezes acontecia de ele transbordar na passagem de Bongor e drenar o Benue Durante esse período mais úmido tudo indica que a floresta da África ocidental estendia se bem mais para o norte do que atualmente no entanto é impossível afirmar que ela tenha atingido a latitude de 11o N30 ou a atual linha isoieta dos 750 mm31 enquanto a palinologia não nos tiver fornecido essa confirmação Aproximadamente na época do último máximo da última glaciação no norte da Europa mais ou menos por volta de 20000 parece que a África ocidental era muito mais seca do que agora Nessa época os rios da região despejavam suas águas num oceano que ficava 100 m abaixo do nível de hoje pois uma grande quantidade de água ficou bloqueada nas calotas glaciais dos pólos Assim em Makurdi o Benue cavou um leito cerca de 20 m abaixo do nível atual do mar que se mostra ainda mais profundo em Iola enquanto isso em Jebba o leito fóssil do Níger se encontra 25 m abaixo do nível do mar e se aprofunda ainda mais em Onitsha32 Também o Senegal corria num leito bem abaixo do nível de agora mas grandes dunas de areia bloquearam sua foz o mesmo acontecendo com o curso médio do Níger Nessa época o lago Chade era seco 26 Associação Senegalesa para o Estudo do Quaternário 1966 1967 1969 BURK K et al 1971 BUT ZER K W 1972 p 312 51 27 ZINDEREN BAKKER E M van 1967 28 SERVANT M et al 1969 GROVE A 1 e WARREN A 1968 BURKE K et al 1971 29 GROVE A T e PULLAN R A 1964 30 DAVIES O 1964 31 DAVIES O 1960 32 VOUTE C 1962 FAURE H e ELOUARD P 1967 692 Metodologia e pré história da África dunas de areia formaram se no fundo do lago e em certas regiões da Nigéria setentrional indicando que havia precipitações anuais inferiores a 150 mm ao passo que atualmente elas ultrapassam 850 mm Embora apenas os depósitos da foz do Senegal e das proximidades do lago Chade possam ser datados de modo absoluto todas as outras evidências indicam que houve um período seco por volta de 18000 Se as dunas de areia foram formadas na latitude de Kano a região florestal e a savana devem ter sido empurradas para bem longe em direção ao sul na verdade é provável que a maior parte da floresta tenha desaparecido com exceção de florestas relíquias em áreas com precipitações mais elevadas tais como a costa da Libéria parte do litoral da Costa do Marfim o delta do Níger e as montanhas de Camarões Aproximadamente no ano 10000 as condições parecem ter evoluído para uma umidade maior O Níger do Mali transbordou sobre o Taoussassill e o Mega Chade como foi chamado33 recobriu novamente uma vasta superfície as dunas de areia formadas durante o período seco anterior ficaram com uma cor avermelhada devido às estações mais úmidas Vestígios de carvão vegetal dispersos em Igbo Ukwu que datam do décimo primeiro e do sétimo milênio antes da Era Cristã podem talvez indicar queima de arbustos e a existência nessa latitude e nessa época de uma vegetação do tipo savana34 É possível que nesse período a floresta tivesse se espalhado outra vez em direção ao norte a partir das zonas refúgios do litoral onde ela sobreviveu no período seco precedente A teoria mais satisfatória para relacionar os acontecimentos climáticos do fim do Quaternário na África ocidental aos do norte da Europa baseia se em provas cada vez mais numerosas de que as variações de temperatura são um fenômeno mundial elas provocaram um deslocamento das zonas climáticas nos dois lados do equador deslocamento esse modificado pela configuração das grandes massas terrestres e oceânicas35 Quando as temperaturas do planeta caíram o resultado foi uma glaciação nas latitudes norte que empurrou o anticiclone polar para o sul as zonas climáticas situadas mais além foram comprimidas em direção ao equador de modo que a frente intertropical norte foi deslocada para o sul de sua posição atual Em consequência disso os ventos secos do nordeste sopravam por mais tempo e com maior força de uma extremidade a outra da África ocidental enquanto os ventos pluviais do sudoeste chamados ventos de monções sopravam com 33 MOREAU R E 1963 SERVANT M et al 1969 34 SHAW T 1970 p 58 91 35 ZINDEREN BAKKER E M van 1967 693 Pré História da África ocidental menos força numa distância menor durante a estação úmida Esse fato explica a coincidência entre um período seco na África ocidental e um período glacial setentrional Nessa mesma época o norte do Saara era mais úmido do que atualmente pois a trajetória das tempestades do Atlântico desembocava no sul da cadeia do Atlas ao invés de passar ao norte da mesma Depois quando as temperaturas mundiais se elevaram as calotas glaciais e a frente intertropical afastaram se para o norte e o nível do mar atingiu a altura de hoje Devido ao deslocamento da trajetória das tempestades do Atlântico em direção ao norte o Saara do norte ficou mais seco porém suas reservas aquáticas e vegetais foram suficientes para adiar o dessecamento final que acabou ocorrendo por volta de 3000 Quando a aridez se tornou tão intensa que a população não tinha mais condições de viver no Saara tal fato naturalmente teve repercussões nas zonas situadas mais ao sul A Idade da Pedra Os termos paleolítico epipaleolítico e neolítico ainda estão em uso no norte da África em compensação os arqueólogos da África subsaariana depois de muito tempo acharam preferível utilizar sua própria terminologia baseada na realidade de um continente e não num sistema europeu imposto de fora Essa nova terminologia foi adotada oficialmente há cerca de vinte anos no 3o Congresso Pan Africano sobre Pré História Nós usaremos então os termos Early Stone Age Middle Stone Age e Late Stone Age36 Os limites cronológicos dessas divisões da Idade da Pedra variam um pouco de região para região Bem aproximadamente podemos estabelecer o período que vai de 2500000 a 50000 para a Early Stone Age de 50000 a 15000 para a Middle Stone Age e finalmente de 15000 a 5000 para a Late Stone Age Com o acúmulo de novas informações essas divisões e datas tão simples passam a ser modificadas e a exigir um quadro mais completo O próprio termo neolítico está sendo cada vez mais criticado quando aplicado à África subsaariana na verdade trata se de um termo ambíguo que não se sabe se indica um período um tipo de tecnologia um tipo de economia ou a combinação dos três37 36 CLARK J D 1957 Resolução 6 37 BISHOP W W e CLARK J D 1967 p 687 899 SHAW T 1967 p 9 43 VOGEL J C e BEAU MONT P B 1972 694 Metodologia e pré história da África A Early Stone Age na África ocidental O Acheulense No sul no leste e no noroeste da África o complexo industrial olduvaiense cedeu seu lugar ao complexo que conhecemos sob o nome de acheulense caracterizado por bifaces Os bifaces são utensílios de forma oval ou oval apontada cujo gume em todo o contorno foi cuidadosamente talhado nos dois lados um outro tipo de biface a machadinha tem um gume transversal retilíneo Embora as mulheres e as crianças provavelmente se encarregassem do fornecimento de pelo menos metade do alimento através da coleta de bagas grãos e raízes os homens agrupavam se e coordenavam seus esforços para caçar animais de grande porte O fogo era conhecido na África desde o final do período acheulense O responsável pela fabricação dos utensílios acheulenses em todos os locais onde foram encontrados é o Homo erectus Sua capacidade cerebral é bem inferior à do homem moderno mas por outro lado ele está bem próximo deste último quanto à estrutura corporal Os tipos de bifaces geralmente considerados como primitivos mais tarde chamados de chelenses não existem no Saara mas foram encontrados no Senegal38 na República da Guiné39 na Mauritânia40 e em Gana bastante rolados na estratigrafia dos aluviões do terraço médio41 qualquer que seja o significado dessa situação em termos de cronologia relativa Sua área de distribuição foi objeto de mapas42 que pareciam indicar uma colonização a partir do rio Níger ao longo da cadeia montanhosa de Atakora e das colinas do Toga Os últimos estágios do Acheulense caracterizados por belos bifaces talhados com percutor de osso ou madeira são prolíficos no Saara ao norte do paralelo 16 Talvez seja conveniente relacionar essa distribuição ao penúltimo período glacial na Europa Riss ou talvez ao primeiro máximo da última glaciação Würm nessa época as chuvas devem ter sido mais abundantes no norte do Saara e a região desértica recuou para o sul oferecendo poucos atrativos para os caçadores coletores As terras elevadas do planalto de Jos parecem ter escapado à regra é possível que o clima não tenha sido tão árido e que tenha favorecido 38 CORBEIL R 1951 39 CREACH P 1951 40 MIAUNY R 1955 p 461 79 41 DAVIES O 1964 p 86 91 42 DAVIES O 1959 695 Pré História da África ocidental a existência de vastas campinas levemente arborizadas do tipo procurado pelo homem do Acheulense Esse planalto apareceu como um promontório de terras habitáveis projetado para o sul de Air e da principal região acheulense do Saara norte do paralelo 16 Com base no método do carbono 14 estabeleceu se que o material associado aos utensílios acheulenses nos cascalhos de base que enchem os canais cavados durante o período úmido anterior data de uma época anterior a 39000 BP43 Quando o homem do Acheulense habitava o planalto de Jos é provável que o maciço de Futa Djalon também tivesse sido favorável à ocupação pelo homem alguns utensílios acheulenses foram descobertos nessa região44 Há também vestígios do Acheulense Médio e Superior nos arredores e ao norte do alto Senegal tais vestígios poderiam ser considerados um elo de ligação entre a região de Futa Djalon e os prolíficos sítios arqueológicos da Mauritânia Traços do Acheulense foram registrados45 no sudeste de Gana e ao longo das cadeias montanhosas do Toga e de Atakora esses traços sugerem a possibilidade de uma penetração pelo norte dessas regiões que deviam ter um meio ambiente favorável Entretanto essa penetração parece não ter sido muito significativa Na verdade nenhum vestígio do Acheulense foi descoberto na região através da estratigrafia e é muito difícil usando apenas a tipologia classificar definitivamente como acheulenses pequenas coleções e raros espécimes Isso acontece porque algumas formas tendem a sobrepor se às formas mais recentes da indústria sangoense46 ou a confundir se com elas O Sangoense É difícil definir o complexo industrial sangoense47 e até se põe em dúvida a sua existência na África ocidental48 Sucedendo o Acheulense e conservando certas peças de seu instrumental tais como picão e o biface vem à luz um novo complexo industrial a machadinha desapareceu os esferoides tornaram se raros e deu se prioridade aos picões geralmente de forma pesada e maciça Encontramos também choppers em geral talhados sobre seixos 43 BARENDSON G W et al 1965 44 CLARK J D Atlas 1967 45 DAVIES O 1964 CLARK J D Atlas 1967 46 DAVIES O 1964 p 83 97 114 137 39 47 CLARK J D 1971 48 WAI OGUSU B 1973 696 Metodologia e pré história da África Figura 242 Cerâmica do Cabo Manuel Senegal fragmentos decorados Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 243 Brunidor de osso encontrado no sítio neolítico do Cabo Manuel Foto I Diagne Museu do IFAN 697 Pré História da África ocidental Na África ocidental a distribuição dos elementos do Sangoense é mais meridional que a do Acheulense49 sugerindo um novo modo de fixação No cabo Manuel em Dacar uma indústria antes considerada neolítica50 agora é reconhecida como sangoense51 ou eventualmente como uma de suas sobrevivências tardias O mesmo pode se dizer de certos elementos coletados em Bamaco52 Na Nigéria os vestígios sangoenses situam se sobretudo na parte do país que se estende do sul do planalto de Jos para o norte da floresta tropical e densa eles também são encontrados ao longo dos vales fluviais em cascalhos existentes entre 10 e 20 m acima do nível atual do rio53 No vale do Níger perto de Bussa existe uma indústria constituída sobretudo de seixos lascados e que não apresenta indícios de picões entretanto por razões geológicas ela é considerada contemporânea do Sangoense54 Constatamos a presença de utensílios sangoenses espalhados no pé da cadeia montanhosa do Atakora Togo e ao sul de Gana55 Esse material é raro no norte de Gana mas aparece com certa frequência no sul Em outras partes da África56 atribuem se ao Sangoense datas que remontam a 50000 e sugeriu se que o complexo industrial sangoense poderia refletir a necessidade de adaptar se a uma região mais arborizada durante um período cada vez mais seco57 Na África ocidental a indústria sangoense não foi datada pelo método do carbono 14 no sul de Gana o material sangoense do atalho da estrada de ferro de Asokrochona é em sua totalidade anterior ao Beach IV de Davies que ele próprio compara ao interestadial de Gottweig58 posição estratigráfica que não fez nada mais do que dar o terminus post quem que nós já devíamos esperar Se perto de Jebba os cascalhos situados de 10 a 20 m acima do Níger foram depositados quando o leito do rio correspondia ao nível do alto mar do Inchiriense Superior59 a presença entre eles de utensílios sangoenses não rolados sugere uma data perto de 30000 os espécimes rolados poderiam 49 CLARK J D Atlas 1967 50 CORBEIL R et al 1948 p 413 51 DAVIES O 1964 p 115 HUGOT H J 1964 p 5 52 DAVIES O 1964 p 113 14 53 DAVIES O 1964 p 113 4 SOPER R C 1965 p 184 86 54 SOPER R C 1965 p 186 88 55 DAVIES O 1964 p 98 100 56 CLARK J D 1970 p 250 57 CLARK J D 1960 p 149 58 DAVIES O 1964 p 23 137 42 59 FAURE H e ELOUARD P 1967 698 Metodologia e pré história da África ser contemporâneos ou mais antigos É possível que a distribuição meridional do Sangoense num meio florestal e ao longo dos rios testemunhe um modo de vida adaptado à seca anterior a 40000 depois disso o lago Chade começou a encher se e a espalhar se Talvez os animais que eram caçados outrora tenham se tornado raros fugindo em direção ao sul o aumento na quantidade de picões pode ser uma resposta à necessidade tanto de arrancar raízes e tubérculos quanto de cavar fossos para pegar animais pois já não era tão fácil caçar em espaço aberto A Middle Stone Age na África ocidental O termo Middle Stone Age serve para descrever um conjunto de complexos industriais aproximadamente de 35000 a 15000 Na África ocidental as indústrias pertencentes à Middle Stone Age foram identificadas com menos certeza do que no resto da África subsaariana Alguns espécimes raros do Lupembiense foram encontrados em Gana60 e na Nigéria61 mas nenhum deles oferece indicações estratigráficas satisfatórias para sua datação No planalto de Jos e ao norte do mesmo nas colinas de Lirue descobriram se séries importantes de um material caracterizado por talões facetados que foram classificadas como pertencentes à Middle Stone Age62 em Nok essas séries estão em estratigrafia entre os cascalhos de base contendo utensílios acheulenses e os depósitos mais recentes que apresentam elementos da cultura Nok63 Sem relação com o complexo industrial lupembiense tais séries teriam mais pontos em comum com as indústrias do Paleolítico Médio do norte da África do tipo geral musteriense e provavelmente refletem um modo de vida mais adaptado à savana Indústrias semelhantes foram encontradas em Gana na Costa do Marfim64 em Dacar65 e no Saara Centrai66 Um fragmento de madeira proveniente dos depósitos de Zenebi no norte da Nigéria um dos sítios aluviais que continham vestígios musterienses fornece uma data de 3485 110 entretanto a posição exata desse fragmento de madeira em relação aos 60 DAVIES O 1964 p 108 13 61 Achado na superfície na região de Afikpo pelo professor D D Hartle e anteriormente nas coleções da Universidade da Nigéria Nsukka 62 SOPER R C 1965 p 188 90 63 FAGG B E B 1956a p 211 14 64 DAVIES O 1964 p 124 42 CLARK J D Atlas 1967 65 CORBEIL R et al 1948 CORBEIL R 1951 RICHARD 1955 66 CLARK J D Atlas 1967 699 Pré História da África ocidental utensílios de pedra não foi precisada e a data é bem mais recente do que se poderia esperar de uma indústria desse tipo67 Em Tiemassas perto da costa do Senegal as escavações arqueológicas revelaram entre outras pontas bifaciais misturadas a utensílios do tipo Paleolítico Médio e Superior No início considerou se que se tratava de uma mescla de elementos neolíticos e mais antigos68 Entretanto um exame mais meticuloso mostrou que essas pontas bifaciais eram parte integrante de uma indústria em estratigrafia não comportando outros elementos neolíticos ela também foi considerada como um exemplo de indústria musteriense caracterizada localmente por esses elementos e que substituiria aqui o ateriense69 encontrado mais ao norte Esse último complexo industrial pertencente ao final do Paleolítico Médio na Argélia estende se em direção ao sul no deserto Davies vê na África ocidental um prolongamento dessa indústria que ele chama de ateriense guineense70 seus argumentos porém não são convincentes sendo postos em dúvida pela maior parte dos pesquisadores71 A Late Stone Age Em quase toda a África a Late Stone Age é caracterizada pelo desenvolvimento de pequenos utensílios de pedra que por essa razão foram chamados de micrólitos Trata se de peças minúsculas cuidadosamente talhadas para serem cravadas nas hastes das flechas formando pontas e farpas ou para constituírem outros tipos de utensílios compostos Elas mostram que seus autores possuíam o arco e que a caça a arco desempenhava um papel importante em sua economia Nesse ponto ficamos confusos com o termo neolítico e com a ambiguidade de seu significado sempre que possível é conveniente evitar seu uso na África principalmente na África subsaariana72 mas deve se levar em conta a persistência desse termo no norte da África e no Saara Nesse deserto encontramos muitas indústrias que foram chamadas de neolíticas por causa de suas formas e que na região central datam do sexto milênio antes da Era Cristã O clima era mais úmido que atualmente o que resultou numa flora do tipo mediterrâneo e numa 67 BARENDSON G W et al 1965 68 DAGAN T 1956 69 GUILLOT R e DESCAMPS C 1969 70 DAVIES O 1964 p 116 23 71 HUGOT H J 1966a 72 BISHOP W W e CLARK J D 1967 p 898 Resolução Q CLARK J D 1967 SHAW T 1967 p 35 Resolução 13 MUNSON P 1968 p 11 Alguns autores não compartilham dessa opinião 700 Metodologia e pré história da África Figura 244 Mó feita de rocha vulcânica encontrada no sítio neolítico de Ngor Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 245 Pendentes de pedra basalto do sítio neolítico de Patte dOie Foto I Diagne Museu do IFAN 701 Pré História da África ocidental população de pastores que podem ou não ter sido agricultores73 Não restam dúvidas acerca da presença de agricultores em Cirenaica em 480074 atualmente porém ficou demonstrado que o Neolítico de tradição capsiense largamente espalhado pelo noroeste da África e que sucedeu às culturas epipaleolíticas não apresentava práticas agrícolas embora ele tenha se estendido para além do segundo milênio antes da Era Cristã75 Houve um tempo em que as descobertas feitas em Rufisque no Senegal foram classificadas como pertencentes ao Neolítico de tradição capsiense76 mas é preferível considerá las como fazendo parte do continuum microlítico espalhado pela África ocidental77 Além dessas escavações perto de Dacar esse continuum microlítico ou Microlítico da Guiné está amplamente distribuído na metade leste da África ocidental na metade oeste porém ele parece estar ausente nos sítios mais meridionais na região da Libéria da Serra Leoa e do sul da República da Guiné Foi na Guiné num certo número de cavernas e abrigos sob rochas que foram feitas as primeiras escavações arqueológicas da África ocidental Algumas dessas escavações aconteceram há mais de setenta anos atrás78 Em alguns sítios existem peças bifaciais que lembram formas anteriores à Late Stone Age entre essas peças algumas parecem pequenas enxadas o que não deixa de ser um testemunho indireto de que se praticou a agricultura Essa possibilidade certamente não deve ser descartada pois nessa época o arroz substitui o inhame como principal colheita na metade oeste da África ocidental esse arroz africano o Oryza glaberrima provavelmente foi domesticado na zona do delta do médio Níger79 Existem também em Gana grandes fragmentos de quartzo com os contornos mal delineados80 que também parecem enxadas e que têm sido considerados como uma prova da existência de práticas agrícolas no local mas não há datas nem maneiras válidas de se comprovar isso A maior parte dos sítios da República da Guiné revelaram micrólitos machados de pedra polida mós e cerâmica o mesmo acontecendo na Guiné Bissau81 Alguns sítios guineenses continham cerâmica se bem que 73 HUGOT H J 1963 p 148 51 MORI F 1965 CAMPS G 1969 74 MCBURNEY C B M 1967 p 298 75 ROUBET C 1971 76 VAUFREY R 1946 ALIMEN H 1857 p 229 33 DAVIES O 1964 p 236 77 HUGOT H J 1957 1964 p 4 6 SHAW T 1971a p 62 78 HAMY E T 1900 GUEBHARD P 1907 1909 DESPLAGNES L BSGC 1907 HUE 1912 HUBERT R 1922 BREUIL H 1931 DELCROIX R e VAUFREY R 1939 SHAW T 1944 79 PORTERES R 1962 p 197 99 80 DAVIES O 1964 p 203 30 81 MATEUS A 1952 702 Metodologia e pré história da África na gruta de Kakimbon ela só apareceu na camada superior82 As escavações efetuadas no abrigo sob a rocha de Blande na extremidade sudeste da República da Guiné revelaram igualmente uma indústria que incluía machados de pedra e cerâmica junto com instrumentos bifaciais de grande porte que lembram as das cavernas de Kindia e Futa Djalon mas sem qualquer elemento microlítico83 Os micrólitos também não aparecem na caverna de Yengema em Serra Leoa onde o nível mais antigo revelou a presença de uma pequena indústria de lascas de quartzo comparada pelo pesquisador à indústria de Ishango do lago Eduardo no nível médio os picões e as enxadas bifaciais que se parecem com parte do material das cavernas guineenses são considerados pelo pesquisador como um complexo industrial lupembiense por fim o nível superior revelou machados de pedra e cerâmica que foram situados com base em duas datações feitas por termoluminescência no período de 2000 a 175084 De qualquer modo aparece um elemento microlítico nos dois outros abrigos sob a rocha explorados mais ao norte de Serra Leoa em Yagala e Kamabai as datações feitas por radiocarbono indicam aqui uma fase da Late Stone Age que vai de 2500 até o século VII da Era Cristã85 Parece que nessa parte oeste da África ocidental nos sítios mais meridionais teria sobrevivido relativamente inalterada uma tradição da Middle Stone Age que pode também existir em Dacar e Bamaco parece também que ela não teria nem inventado nem adotado a técnica microlítica é bem possível que as razões sejam de ordem ecológica pois a técnica microlítica está associada à economia da região das savanas onde a caça desempenhava um papel relevante Se assinalarmos a distribuição dos sítios sem micrólitos Conacri Yengema Blandé e traçarmos uma linha de demarcação entre esses últimos e os sítios que possuem micrólitos Kamabai Yagala Kindia Nhampassere perceberemos que essa linha é bem próxima da que separa a floresta da savana As novas técnicas de machados polidos e de cerâmica chegaram a essa região posteriormente provenientes do norte A data da aparição dessas influências situa se aproximadamente na metade do terceiro milênio antes da Era Cristã o que corresponde ao momento em que o dessecamento do Saara se completa é pois razoável aproximar esses dois eventos e ver neles a influência da migração das populações para fora do Saara Embora não tenhamos ainda nenhuma evidência osteológica a esse 82 HAMY E T 1900 83 HOLAS B 1950 1952 HOLAS B e MAUNY R 1953 84 COON C S 1968 85 ATHERTON J H 1972 703 Pré História da África ocidental respeito é provável que nessa migração tais populações tenham também trazido gado entre outras talvez a cepa ancestral da raça Ndama de Futa Djalon que é imune à tripanossomíase Em quase todo o restante da África ocidental um continuum microlítico precede as técnicas de fabricação de cerâmica e de machados de pedra polida estes últimos mais parecem fazer parte da tradição microlítica do que tê la substituído Em Kourounkorokale perto do Bamaco uma camada inferior com micrólitos e objetos de osso rudimentares está subjacente a uma camada que apresenta micrólitos mais sofisticados machados de osso polido e cerâmica86 Na Nigéria os abrigos sob a rocha de Rop87 no planalto de Bauchi e em Iwo Eleru no Western State revelaram níveis microlíticos sem peças de cerâmica e sem machados polidos sob camadas de indústrias microlíticas que possuíam esses últimos Em Iwo Eleru obteve se uma datação de radiocarbono de 9200 perto da base da camada inferior a transição para a camada superior parece ser pouco posterior a 300088 Em Old Oyo na caverna de Mejiro encontrou se uma indústria microlítica desprovida de cerâmica e de machados de pedra polida essa amostra porém é pequena e não está datada89 Em Gana a caverna de Bosumpra em Abetifi revelou uma associação de peças de cerâmica micrólitos e machados de pedra polida também sem data90 Ainda em Gana há fácies remanescentes da Late Stone Age chamadas de cultura de Kintampo Sucedendo a uma fase anterior dotada de cerâmica e de micrólitos a cultura de Kintampo apresenta machados de pedra polida braceletes de pedra conhecidas a partir dos sítios neolíticos do Saara e um tipo especial de moedor de pedra A fase antiga Punpun data de 1400 enquanto a fase recente apresenta gado doméstico e cabras anãs de uma raça parecida com a Dwarf Shorthorn ou anãs de chifre curto da África ocidental91 Até mesmo no sul da Mauritânia na fase mais antiga Akreijit da sequência de Tichitt os micrólitos estão presentes 86 SZUMOWSKI G 1956 87 FAGG B E B 1944 1972 EYO E WAJA 1972 ROSENFELD A 1972 FAGO A 1972b 88 SHAW T 1969b 89 WILLETT F 1962b 90 SHAW T 1944 91 DAVIES O 1962 1964 p 239 46 1967b p 216 22 FLIGHT C 1968 1970 CARTER P L e FLIGHT C 1972 704 Metodologia e pré história da África Figura 246 Machados polidos de Bel Air em dolerito Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 247 Cerâmica neolítica de Bel Air do sítio de Diakité no Senegal Foto I Diagne Museu do IFAN 705 Pré História da África ocidental junto com a cerâmica e os machados de pedra mas eles desaparecem em todas as fases subsequentes92 Ao longo das margens setentrionais de nossa área na zona do Sahel imediatamente ao sul do deserto saariano a situação é um pouco diversa na última fase da Late Stone Age com adaptações locais à ecologia evidenciadas na cultura material Em Karkarichinkat ao norte de Gao entre 2000 e 1500 as populações pastoris viviam em colinas acima do nível dos cursos de água sazonais elas conheciam a cerâmica e possuíam um equipamento lítico que incluía machados de pedra polida pontas de flechas bifaciais do tipo saariano mas sem base côncava93 e raros micrólitos a pesca era um aspecto importante da economia como ficou largamente evidenciado no sul do Saara nos tempos do Neolítico recente94 No nordeste da Nigéria em Daima constatou se mil anos mais tarde uma situação quase análoga é muito provável que os criadores de gado tenham cultivado o sorgo na argila fértil deixada pela retração do lago Chade e embora eles tivessem utilizado peças de cerâmica machados polidos e uma grande quantidade de objetos de osso não conheciam a indústria de micrólitos95 Na extremidade oposta de nossa região ao longo das margens meridionais da África ocidental na costa atlântica ocorreu uma adaptação a um meio ecológico totalmente diferente Nesse lugar os povos da Late Stone Age utilizavam moluscos abundantes nas lagoas e nos estuários tanto como iscas para pescar quanto para a própria alimentação deixando atrás de si grande acúmulo de conchas Na Costa do Marfim tais concheiras existiram desde 1600 até o século XIV da Era Cristã96 No Senegal descobriu se numa delas um machado feito de osso97 Sítios análogos que foram objeto de estudos na região de Casamance são posteriores à Idade da Pedra98 Em Afikpo no sul da Nigéria foi encontrado um sítio contendo cerâmica machados de pedra polida e uma indústria lítica sem micrólitos a datação por radiocarbono situa essa indústria entre 3000 e 100099 Em Fernando 92 MUNSON P 1968 1970 93 MAUNY R 1955b SMITH A 1974 94 MONOD T e MAUNY R 1957 95 CONNAH G 1967 1969 1971 96 MAUNY R 1973 OLSSON I V 1973 97 JOIRE J 1947 MAUNY R 1957 1961 p 156 62 98 LINARES DE SAPIR O 1971 99 HARTLE D D 1966 1968 706 Metodologia e pré história da África Pó distinguimos quatro fases principais num complexo da Late Stone Age100 que apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida mas não tem micrólitos uma datação por radiocarbono indica o século VI da Era Cristã para a fase mais antiga o que salvo engano torna essa sequência bastante tardia a forma curvada dos machados apresenta pontos em comum com a dos machados provenientes do sudeste da Nigéria101 de Camarões e da República do Chade102 Em resumo a Late Stone Age na África ocidental pode ser dividida em duas fases a fase I cujo início não ultrapassou 10000 tem duas fácies a fácies A apresenta uma indústria de micrólitos associada à caça na savana a fácies B pertence à zona florestal na extremidade sudoeste da África ocidental e não apresenta micrólitos A fase II que começou logo depois de 3000 tem quatro fácies a fácies A na maior parte da savana apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida associados aos micrólitos a fácies B no Sahel inclui a pesca em sua economia e praticamente não apresenta micrólitos apesar de ter uma indústria de objetos de osso como arpões anzóis etc a fácies C é costeira e sua economia é adaptada à exploração de recursos das lagunas e dos estuários a fácies D associada à paisagem da floresta apresenta peças de cerâmica e machados de pedra polida mas não dispõe de micrólitos Durante o terceiro milênio quando os pastores do Saara emigraram pela primeira vez para o sul eles não somente encontraram caçadores microlíticos mas também abandonaram uma região onde o sílex era abundante e foram para outra onde as armaduras e as farpas de flechas só podiam ser feitas de quartzo ou outros tipos de pedras com as quais era extremamente difícil fazer pontas bifaciais Assim em sua maioria eles parecem ter adotado a técnica microlítica local para armar e farpar suas flechas essa técnica era eficaz embora o resultado do ponto de vista estético não fosse muito agradável a olhos modernos Os que chegaram até Ntereso no centro de Gana durante a segunda metade do segundo milênio e aí conservaram suas pontas de flechas bifaciais características constituem uma exceção103 Se essa migração das populações do Saara em direção ao sul representou a introdução de um elemento novo na população autóctone ela não teve influência visível no tipo físico todos pertenciam igualmente à raça negra104 Se 100 MARTIN DE MOLINO 1965 101 KENNEDY R A 1960 102 CLARK J D 1967 p 618 103 DAVIES O 1966a 1967a 1967b p 163 SHAW T 1969c p 227 28 104 CHAMLA M C 1968 BROTHWELL D e SHAW T 1971 707 Pré História da África ocidental como parece provável os imigrantes falavam o protonilo saariano os pequenos grupos devem ter perdido seus dialetos particulares e adotado o níger congo que predominava na região somente os grandes grupos tais como os ancestrais dos Songhai teriam conservado seu próprio idioma105 A economia de produção A passagem de uma situação na qual o homem dependia da caça da pesca e da coleta de frutas silvestres para a prática da agricultura e da criação de gado é o passo mais importante dado por nossos ancestrais no decorrer dos dez últimos milênios Essa revolução não aconteceu num único ponto do mundo para depois espalhar se por todos os lugares mas sim num número limitado de focos Para a Europa a Ásia ocidental e o nordeste da África o foco mais importante se encontra na região montanhosa de Anatólia do Irã e do norte do Iraque Foi nesses lugares que se desenvolveram a cultura do trigo e da cevada e a domesticação da ovelha da cabra e dos bovinos Mais tarde a técnica de produção de alimentos foi introduzida nos grandes vales fluviais do Tigre e do Eufrates do Nilo e do Indo aprimorada pela drenagem e pela irrigação106 No quinto milênio ovinos e bovinos foram domesticados no Egito onde também se cultivaram cereais107 Atualmente temos provas de que o gado domesticado já existia anteriormente nas terras altas saarianas e temos indicações embora insuficientes do cultivo de cereais108 Como mostra o exemplo do vale do Nilo a dificuldade encontrada no cultivo de cereais na África subsaariana reside no fato de que as mais antigas plantas cultivadas o trigo e a cevada dependem das chuvas de inverno e só com bastante dificuldade conseguem desenvolver se ao sul da frente tropical na região das chuvas de verão Foi necessário cultivar gramíneas selvagens apropriadas de onde se originaram diversos tipos de milhetes africanos Dessas gramíneas a mais importante é a Sorghum bicolor ou milho da Guiné cuja cultura se iniciou na primeira metade do segundo milênio na região situada entre o deserto e a savana entre o Nilo e o lago Chade109 Foram cultivadas outras gramíneas selvagens de onde se originaram 105 GREENBERG J H 1963b 106 CLARK G 1969 p 70 e segs UCKO P J e DIMBLEBY G W 1969 107 CATON THOMPSON G e GARDNER E W 1934 SEDDON D 1968 p 490 WENDORF F et al 1970 p 1168 108 MORI F 1965 CAMPS G 1969 109 DE WET J M J e HARLAN J R 1971 708 Metodologia e pré história da África o milhete perolado e o milhete coracan ou finger millet o arroz africano já foi mencionado110 No sul da Mauritânia ao redor de Tichitt há traços do consumo de grãos de gramíneas locais mais aproximadamente em 1000 a proporção de milhete perolado sobe de 5 para 60111 Nas regiões mais úmidas da África ocidental o principal tubérculo era o inhame havendo mais de uma variedade africana112 todavia embora essa cultura tenha existido há 5000 anos atrás ainda não ternos dados arqueológicos e botânicos que possam provar isso uma longa história do cultivo do inhame complementado pelo uso de outros produtos nutritivos como as bagas de palmeiras oleaginosas protegidas ou conservadas ajudariam a explicar a densidade populacional do sul da Nigéria113 Apesar de ser um pré requisito para a urbanização o desenvolvimento da produção de alimentos não implica automaticamente e por si só no crescimento de vilas e cidades Parece que outros elementos entram em jogo tais como o aumento até um certo nível da pressão demográfica e a diminuição das terras cultiváveis114 Na África subsaariana a incidência da malária aumentou em consequência do desmatamento em função da agricultura e da presença de comunidades estáveis mais importantes também o crescimento populacional resultante da prática da agricultura foi mais lento do que deveria ter sido115 e na maior parte das zonas subsaarianas não havia na época falta de terras cultiváveis116 Entretanto no começo do primeiro milênio da Era Cristã estabeleceu se uma economia agrícola suficiente para satisfazer as necessidades de antigos reinos como Gana Mali Songhai Benin e Ashanti O advento do metal Apesar das propostas feitas já há muito tempo baseadas em razões metodológicas válidas para que se abandonasse na Europa o sistema das três 110 PORTERES R 1951 1958 1972 111 MUNSON P 1968 1970 112 COURSEY D G 1967 1972 113 SHAW T 1972 p 27 28 REES A R 1965 114 WEBB M C 1968 115 LIVINGSTONE F B 1958 WIESENFELD S L 1967 COURSEY D G e ALEXANDER J 1968 116 SHAW T 1971b p 150 53 709 Pré História da África ocidental Figura 248 Vaso de fundo plano da Idade do Ferro Foto de I Diagne Museu do IFAN idades Idade da Pedra Idade do Bronze e Idade do Ferro117 ele continuou a ser usado por se mostrar conveniente 117 DANIEL G 1943 710 Metodologia e pré história da África No seu conjunto a África ocidental mal teve a Idade do Bronze No entanto vinda da Espanha e do Marrocos uma de suas fácies se manifestou na Mauritânia onde foram descobertos cerca de 130 objetos de cobre e onde foram exploradas as ricas minas de Akjujt que uma datação em radiocarbono situa no século V antes da Era Cristã além disso foram encontradas pontas de flechas achatadas feitas de cobre no Mali e no sudeste da Argélia118 Por que a África ocidental não conheceu a Idade do Bronze Por que ela não foi mais influenciada pela antiga civilização egípcia As razões residem parcialmente no fato de que o terceiro milênio durante o qual a metalurgia a escrita a construção dos monumentos de pedra a utilização da roda e a centralização do governo se estabeleceram solidamente no Egito foi também a época do dessecamento final do Saara Desse modo as populações abandonaram o deserto e ele não mais serviu de elo indireto entre o Egito e a África ocidental Esse elo só foi restabelecido cerca de 3000 anos mais tarde graças ao camelo As outras razões estão ligadas ao estabelecimento mais tardio e mais lento de uma economia agrícola na África ocidental como foi descrito acima Preocupados em conferir certa dignidade e brilho à história da África ocidental alguns autores tentaram estabelecer uma ligação entre esta e o antigo Egito para que ela partilhasse da mesma glória119 isso parece nos totalmente desnecessário120 O início da Idade do Ferro de aproximadamente 400 a 700 Durante todo o início da Idade do Ferro muitas regiões da África ocidental permaneceram isoladas do exterior e na maioria dos casos os contatos que porventura existiram com o mundo antigo conhecido foram indiretos esporádicos e sem importância121 Muito se tem falado acerca da pretensa viagem de Hanão mas sua narrativa provavelmente é uma invenção122 O relato de Heródoto sobre o comércio mudo dos cartagineses com o ouro da África ocidental é quase com certeza baseado em fatos123 Seguramente devem ter existido alguns motivos de contato com o mundo exterior pois foi no começo desse período que o conhecimento do ferro chegou à África Não se trata apenas da importação de 118 MAUNY R 1951 MAUNY R e HALLEMANS J 1957 LAMBERT N 1970 1971 119 LUCAS J O 1948 DIOP C A 1960 1962 120 SHAW T 1964a p 24 121 LAW R C C 1967 FERGUSSON J 1969 MAUNY R 1970b p 78 137 122 PICARD G C 1971 MAUNY R 1970a 1971 p 75 7 123 HERÓDOTO 1964 Livro IV p 363 711 Pré História da África ocidental Figura 249 Círculo megalítico Tiekene Boussoura Senegal o túmulo do rei aparece em primeiro plano Foto I Diagne Museu do IFAN Figura 2410 Estatueta antropomórfica encontrada em Thiaroye no Senegal Foto I Diagne Museu do IFAN 712 Metodologia e pré história da África objetos de ferro mas também do conhecimento da técnica de transformação do metal difícil de considerar como uma invenção autônoma já que na época não se conhecia nada sobre metalurgia124 Em Taruga na Nigéria central estudou se um certo número de sítios de fundição de ferro o radiocarbono indica datas que vão do século V ao III antes da Era Cristã125 As escavações feitas nos outeiros habitados do vale do Níger também indicam a presença do ferro aproximadamente no século II antes da Era Cristã126 Parece quase certo que o conhecimento da técnica da metalurgia do ferro tenha chegado à África ocidental vinda não de Meroé como foi sugerido com frequência127 mas da região da África do norte então submetida à influência de Cartago talvez os garamantes utilizadores de carros tenham servido de intermediários há gravuras rupestres desses carros ao longo da estrada que liga o Fezzan à curva do médio Níger128 Mais a oeste as pinturas rupestres revelam um outro itinerário de carros que ligava o Marrocos ao sul da Mauritânia talvez tenha sido sob a pressão dos nômades que sabiam manejar o ferro a lança de ponta de metal torna se a arma mais usada e substitui o arco nas gravuras sobre rochas que os homens da Late Stone Age de Tichitt fase Akinjeir se decidiram a fortificar suas aldeias a partir do século V ou IV antes da Era Cristã129 Em Taruga as descobertas feitas por ocasião das escavações foram associadas às estatuetas de terracota desse estilo tão característico ao qual se deu o nome da aldeia nigeriana de Nok onde elas foram encontradas pela primeira vez e em maior número durante a exploração de minas de estanho130 Levando em conta que elas eram provenientes de aluviões contendo estanho foram geralmente as cabeças das estátuas mais sólidas e resistentes que o resto do corpo que permaneceram intatas Foi difícil no início saber se os outros objetos descobertos no cascalho eram todos contemporâneos das estátuas ou se eles representavam uma mistura de objeto da mesma época e de outras mais antigas pois além dos objetos de ferro e de tubos que serviam para tirar o ferro fundido foram encontrados machados de pedra polida e instrumentos menores do tipo da Late Stone Age131 124 DAVIES O 1966b SHAW T 1969b p 227 28 125 FAGG B E B 1968 1969 126 PRIDDY A J 1970 HARTLE D D 1970 YAMAZAKI F et al 1973 p 231 32 127 CLARK G 1969 p 201 128 MAUNY R 1952 LHOTE H 1966 SHAW T 1969c p 229 DANIELS C 1970 p 43 4 HUARD P 1966 129 MAUNY R 1947 e 1971 p 70 MUNSON P 1968 p 10 130 FAGG B E B 1945 1956b 1959 131 FAGG B E B 1956b 713 Pré História da África ocidental Atualmente parece que o material da Late Stone Age é mais antigo e deve se a um depósito aluvial132 Em Taruga não há nenhum vestígio da Idade da Pedra embora se tenha achado um machado de pedra polida num dos raros sítios de ocupação da área133 A datação dos cascalhos situa as estatuetas entre 500 e o ano 200 da Era Cristã lapso de tempo posteriormente confirmado e tornado mais preciso com o auxílio de datações por radiocarbono feitas em Taruga no sítio de ocupação já mencionado século III antes da Era Cristã e por uma outra datação por termoluminescência 620 230134 Embora não seja constante o estilo das terracotas representa uma realização artística admirável e alguns especialistas de história da arte consideram nas como predecessoras de certas formas de arte ioruba que será descoberta mil anos mais tarde a 600 km além na direção do sudeste135 As descobertas da civilização de Nok ocorreram numa vasta região que se estende de sul a oeste do planalto de Jos com cerca de 500 km de comprimento Perto do rio Gâmbia no Senegal e em Gâmbia há um distrito no qual se encontra um grande número de pilares de pedra dispostos verticalmente isolados ou distribuídos em círculos os megalitos mais bem trabalhados são duplos e tendem a representar uma lira As escavações realizadas foram esclarecidas por três datações através de radiocarbono que indicaram os séculos VI e VIII sem considerar duas datas do século I provenientes do antigo solo sob os megalitos e que revelam um terminus post quem para sua construção parece que se tratava de monumentos funerários136 Em Tondidarou na curva do médio Níger um notável conjunto de monumentos de pedra de forma fálica foi arruinado pela ignorância e pelo entusiasmo ingênuo de pesquisadores e administradores do século XX Consequentemente não temos um conhecimento mais profundo sobre eles talvez pertençam à mesma época que os monumentos senegambienses137 No final do período dos primeiros contatos na orla norte da África ocidental as populações negras se relacionaram com os berberes nômades do deserto que a partir de então dispunham de camelos e transportavam para o norte o 132 SHAW T 1963 p 455 133 FAGG A 1972 b 134 FAGG B E B e FLEMING S J 1970 135 FAGG W e WILLETT F 1960 p 32 WILLETT F 1960 p 245 1967 p 119 20 184 1968 p 33 RUBIN A 1970 136 OZANNE P 1966 BEALE F C 1966 CISSÉ K e THILMANS G 1968 FAGAN B M 1969 p 150 DESCAMPS 1971 137 DESPLAGNES A M L 1907a p 40 41 MAES E 1924 MAUNY R 1961 p 129 34 1971a p 133 36 714 Metodologia e pré história da África ouro da África ocidental através do Saara No final do século VIII a fama de Gana a terra do ouro tinha chegado a Bagdá138 Essas regiões setentrionais da África ocidental possuíam agora noções rudimentares de agricultura e uma tecnologia do ferro Elas estavam prontas para iniciar o desenvolvimento político e a formação de Estados para fazer frente à pressão dos nômades vindos do norte para apoderar se enfim do controle lucrativo do comércio do ouro Mais ao sul ao norte da Serra Leoa a passagem para a utilização do ferro não parece ter ocorrido até o século VIII e assim mesmo fez se bem lentamente139 138 LEVTZION N 1971 p 120 139 ATHERTON J H 1972 1973 C A P Í T U L O 2 5 715 Pré História do vale do Nilo Sudão Núbia e Egito três regiões bem diferentes ligadas entre si apenas por um rio constituem um único vale Atualmente porém é difícil imaginar que o imenso deserto que circunda o vale nos dois lados outrora tenha oferecido dependendo das flutuações climáticas e ecológicas pontos de parada locais de passagem ou barreiras intransponíveis com o resto do continente africano Esses mesmos fatores físicos também condicionaram o modo de vida dos primeiros habitantes do vale na sua luta interminável para adaptar se a meios hostis ou favoráveis à sua expansão Nesse contexto traçaremos um relato conciso da longa evolução de tais povos desde as origens da hominização até o apogeu faraônico Determinadas culturas em determinados momentos já são bem conhecidas em muitos outros casos o caráter ainda incompleto das pesquisas de um lado e a tendência exagerada à classificação de outro levaram a uma fragmentação que no futuro poderia tornar se artificial e às vezes até abusiva a multiplicação de tipos em certos casos somente a alguns quilômetros de distância tem algo de pouco verossímil Os historiadores descontentes com essa dispersão procuraram reagrupar os tipos conhecidos em grandes categorias cronológicas embora algumas delas possam com o tempo tornar se inadequadas ou imperfeitas Pré História do vale do Nilo F Debono 716 Metodologia e pré história da África Olduvaiense1 Esta cultura é em toda parte caracterizada pelos seixos lascados choppers Descobertas recentes relativas à origem do homem permitem afirmar que não apenas em outras partes da África mas também no vale do Nilo existem alguns dos primeiros traços deixados pelo homem No Sudão a partir de 1949 foram descobertos em Nuri e Wawa vestígios muito antigos desses seres já humanos tais como seixos grosseiramente lascados formando rústicos utensílios No entanto esses achados isolados e superficiais não podem constituir uma prova definitiva Somente a partir de 1971 depois de pesquisas sistemáticas efetuadas em Tebas no Alto Egito foi possível certificar se a respeito desse ponto A exploração de 25 depósitos aluviais do Quaternário Antigo teve como resultado uma rica coleção desses utensílios primitivos A descoberta em 1974 de três sítios estratificados contendo choppers forneceu informações importantes que acabaram com as últimas dúvidas As camadas de seixos lascados eram subjacentes ao Acheulense antigo Old Stone Age que em suas camadas mais antigas caracteriza se sobretudo por triedros Há bem pouco tempo um dente de um hominídeo foi encontrado nas antigas aluviões da montanha tebana associado aos choppers Lembramos que em meados de 1925 foi encontrada uma sequência parecida nas aluviões de Abbassieh perto do Cairo na época porém os seixos lascados dessa camada foram classificados na categoria dos eólitos Uma contribuição suplementar para o estudo desse período remoto foi dada bem recentemente como resultado de nossas escavações em Adeimah em 1974 no Alto Egito expedição do IFAO2 trata se de um novo depósito que ainda está sendo estudado mas que parece ser semelhante aos anteriores Old Stone Age3 A bela indústria lítica desse período caracterizada pelos bifaces de extremidades estreitadas existe praticamente em toda a África Ela pode mesmo ter surgido nesse continente a partir dos seixos lascados do período 1 Esse período recebe esse nome por causa dos achados na garganta de Olduvai ver capítulo 28 anteriormente foi por vezes chamado de Pré Acheulense ou Paleolítico Arcaico 2 Instituto Francês de Arqueologia Oriental 3 Corresponde grosso modo ao Paleolítico Inferior também frequentemente denominado Acheulense período que vai de cerca de 600000 a 200000 717 Pré História do vale do Nilo anterior e depois se espalhado pelo resto do mundo No vale do Nilo os testemunhos dessa civilização manifestam se sem interrupção aparente desde o Sudão até o Egito Graças a trabalhos recentes essa cultura é mais bem conhecida no norte do Sudão que nas regiões meridionais Em Atbara Wawa e Nuri o Acheulense Inferior ilustrado por bifaces grosseiros com bordos sinuosos é acompanhado de seixos lascados Em Nuri ele desenvolve se com um complexo de transição O Acheulense Superior e Médio estudado sobretudo no norte distingue se pela melhoria no acabamento e pela aparição de indústrias paralevalloisienses Essas últimas que mais tarde deram origem à técnica de debitagem levalloisiense podem ser vistas ainda em Khor Abu Anga Enquanto o Acheulense é encontrado também em outros continentes um tipo sangoense a versão final do Acheulense que persistiu durante muito tempo é peculiar à África Identificado até então principalmente na África central e meridional começa agora a ser detectado também no Sudão em Khor Abu Anga e Sai A partir de Uadi Halfa ele parece perder várias de suas características Ao que tudo indica no Sudão existem muito poucas machadinhas bifaciais com bisel distal Na Núbia egípcia o Acheulense foi encontrado nos antigos terraços do rio Podemos observar aí uma evolução baseada no aperfeiçoamento da técnica de lascamento Suas características tipológicas porém não são suficientemente conhecidas No Egito em compensação os sítios estratificados de Abbassieh perto do Cairo que estudamos recentemente 1974 em Tebas e os velhos terraços do Nilo revelam indústrias acheulenses em estágios sucessivos O nível olduvaiense caracterizado pelos seixos lascados é sucedido por um Acheulense que apresenta triedros bifaces grosseiros e também seixos lascados No nível seguinte há bifaces mais evoluídos e peças protolevalloisienses O sítio de Kharga tem camadas superpostas de um Acheulense mais recente terminando na Middle Stone Age Se os bifaces mostram as formas clássicas encontradas em outros lugares às vezes acham se exemplares cuja extremidade distal foi retrabalhada em forma de machadinha no momento esse é o único tipo de machadinha conhecido no Egito São também característicos do Egito os bifaces trabalhados segundo uma técnica parecida com a de Victoria West que precedeu a clássica técnica de lascamento levalloisiense4 Outros bifaces do tipo sangoense talvez mais recentes são encontrados não muito longe do Cairo 4 Uma grande lasca é destacada por percussão em geral num dos lados mais raramente numa das extremidades a própria lasca é utilizada como utensílio 718 Metodologia e pré história da África Middle Stone Age5 Mudanças nas condições de vida levaram nesse momento ao uso generalizado da lasca ao invés do biface que tornou se raro e depois desapareceu Essas lascas com talões facetados geralmente feitas a partir da técnica paralevalloisiense já mencionada provêm de um núcleo especial que produzia lascas de formas predeterminadas Em algumas partes da África esse procedimento perdurou até o Neolítico o que indicava já ser o resultado de uma reflexão tecnológica avançada A indústria musteriense que usava a técnica de debitagem levalloisiense foi pouco estudada no sul do Sudão embora ela provavelmente exista em Tangasi e sob uma forma mais evoluída em Abu Tabari e Nuri Por outro lado uma recente pesquisa realizada no norte estabeleceu quatro conjuntos distintos o Musteriense núbio o Musteriense denticulado o Sangoense lupembiense e o Khormusiense O Musteriense núbio aproxima se do musteriense da Europa mas não é idêntico a ele Nota se aí uma pequena porcentagem de lascas levalloisienses e utensílios do tipo musteriense pobremente retocados comparáveis aos do Paleolítico Superior e em alguns casos aos bifaces acheulenses mais ou menos de 45000 a 33000 O Musteriense denticulado também apresenta algumas lascas levalloisienses e pouquíssimas lâminas ao passo que as peças denticuladas aparecem em grande quantidade O Sangoense Lupembiense caracteriza se por um incremento da técnica de lascamento levalloisiense à qual se juntam bifaces raspadores laterais peças chanfradas ou denticuladas lascas truncadas e bifaces pontudos com retoques foliáceos O Khormusiense estende se desde Gemai até as imediações de Dongola e compreende uma grande quantidade de lascas levalloisienses retocadas peças denticuladas e mais raramente buris por meio de trabalhos recentes esse período foi datado de cerca de 25000 a 16000 Ultimamente essas estimativas foram revistas e estabeleceu se nova data 41490 a 33800 Em comparação com o norte do Sudão os dados colhidos na Núbia egípcia são insuficientes Os antigos trabalhos de Sandford e Arkell estabeleceram a predominância da técnica de debitagem levalloisiense algumas vezes de tradição acheulense Pesquisas mais atuais 1962 fazem menção a essa técnica em Afyeh e em Khor Daoud Nós mesmos a detectamos em Amada em 1962 1963 5 Esse termo abrange de forma genérica o Paleolitico Médio aproximadamente desde 200000 719 Pré História do vale do Nilo numa forma levalloisiense pura Em Uadi Sebua estudamos umà indústria que com toda certeza pertence à fase final desse período e é associada a lascas não levalloisienses incluindo muitos buris O Ateriense indústria típica do Magreb e do Saara meridional distingue se por lascas de base peduncular acentuada e pelo uso de retoques foliáceos Tendo começado sem dúvida com o Musteriense ele sobreviveu acidentalmente em algumas áreas até o período Neolítico Na Núbia egípcia ele foi há pouco tempo identificado no deserto líbio a noroeste de Abu Simbel6 associado a uma fauna muito rica rinocerontes brancos grandes bovinos asnos selvagens duas espécies de gazela antílopes raposas chacais facocheros avestruzes uma espécie extinta de dromedário e tartarugas Na Núbia o Ateriense parece relacionar se com o Amadiense uma indústria de tradição mustero levalloisiense No Egito ele existe em estado puro nos oásis do leste em Siwa Dakhla e Kharga No deserto oriental é encontrado em Uadi Hammamat No próprio vale do Nilo ele se espalha em pequenos lotes em Tebas e Dara Pode ter influenciado o Hawariense no período seguinte em Esna e Tebas Ele se apresenta em dimensões microlíticas nessa mesma indústria em Abbassieh e Jebel Ahmar perto do Cairo desde no mínimo 44000 até pelo menos 7000 Apesar dos numerosos vestígios das culturas da Middle Stone Age no Egito um estudo tipológico exaustivo de seu instrumental está longe de ser completado Os primeiros trabalhos sobre os velhos terraços do vale do Nilo e do Faium permitiram uma visão geral da civilização que existia nesse período No entanto nossas recentes escavações sistemáticas na montanha de Tebas desde 1971 sob os auspícios da UNESCO revelaram algo de novo Ocorrências estratificadas nos depósitos geológicos e numa centena de sítios desse período colocados em estágios cronológicos sucessivos permitem já esboçar em suas grandes linhas a evolução dessa indústria que se anuncia predominantemente levalloisiense Todas essas pesquisas convergem para demonstrar a existência de um antigo período acheulense levalloisiense seguido de outro marcado por núcleos maciços que se tornam progressivamente menores e mais refinados Numa fase mais recente aparecem sobre as lascas laminares7 muitos retoques secundários de aparência musteriense assim como diversos utensílios Se essas indústrias apresentam elementos semelhantes aos de outras indústrias africanas devemos mencionar ainda uma tipicamente egípcia que nunca foi encontrada em nenhum outro 6 Essas descobertas datam de 1976 Elas foram feitas em Bir Terfawi e Bir Sahara 7 A partir desse período encontraram se duas técnicas de lascamento a levalloisiense clássica e o desprendimento de lâminas alongadas Entre essas duas técnicas existem muitas outras formas de transição 720 Metodologia e pré história da África Figura 251 O Vale das Rainhas Foto J Devisse Figura 252 Pontas de dardos em sílex de Mirgissa Sudão escavações conduzidas por J Vercautter Missão Arqueológica Francesa no Sudão 721 Pré História do vale do Nilo lugar Trata se de uma indústria muito numerosa denominada Jebel Suhan caracterizada pelo uso de núcleos lascados pela técnica levalloisiense com planos de percussão bipolares que depois de usados foram retrabalhados em uma das extremidades para dar origem a um raspador côncavo No que diz respeito ao homem dessa época descobrimos em Silsileh em 1962 dois fragmentos de uma calota craniana que provavelmente datam desse período8 Seu estudo ainda está inacabado mas já revelou algumas características arcaicas associadas a outras mais recentes O prosseguimento desses trabalhos pode elucidar a controvertida questão da origem do homem africano no Paleolítico Médio muito pouco conhecido até o momento através de achados isolados ocorridos em Cirenaica Marrocos e Zâmbia Late Stone Age Na Europa e em outras regiões da África a transição do período anterior para este é em geral marcada por uma ruptura extremamente brutal e rápida em termos tecnológicos e às vezes até em termos humanos Isso porém não se verifica no vale do Nilo A dificuldade em descobrir linhas nítidas de demarcação entre um período e outro torna complicada a tarefa de estabelecer sequências cronológicas No mesmo lugar a partir do período anterior a evolução deu origem a fácies regionais novas por vezes paralelas ajustadas às condições locais Ao mesmo tempo as mudanças nas condições ambientais parecem ter alterado o relacionamento entre os habitantes do vale e seus vizinhos antigas relações foram cortadas e estabeleceram se novas alianças A lista dos tipos culturais recentemente identificados dá a impressão de uma dispersão muito grande Essa é no entanto uma interpretação provisória até que análises mais detalhadas tornem possível estabelecer uma síntese desses tipos Tais comentários aplicam se também ao período seguinte o Epipaleolítico Este período acabou de ser estudado no setor norte do Sudão e mostra duas indústrias distintas o Jemaiense nos arredores de Uadi Halfa apresenta poucas lascas levalloisienses pontas levemente retocadas e caracteriza se por raspadares laterais e distais buris e peças denticuladas cerca de 15000 a 13000 8 Informações cedidas por M P Vandermeersh do Laboratório de Paleontologia Humana Faculdade de Ciências Universidade de Paris VI a quem foi confiado o estudo desses documentos 722 Metodologia e pré história da África o Sebiliense encontrado anteriormente em Kom Ombo no Egito aparece agora no Sudão em Uadi Halfa no estágio I Suas lascas com truncamentos retocados provêm de núcleos discoides ou levalloisienses cerca de 13000 a 9000 Na Núbia egípcia são conhecidas duas indústrias o Amadiense descoberto por nós em Amada expedições do Instituto Alemão 1963 apresenta um instrumental variado predominantemente levalloisiense associado a raspadores limpadores furadores peças feitas pela técnica de Kharga veja mais adiante e exemplos ocasionais de retoques foliáceos que lembram a indústria ateriense o Sebiliense identificado por nós em Sebua expedição do IFAO 1964 em várias localidades também pertence ao estágio I misturado com lascas simples ou levalloisienses alguns raspadores e muitos buris Provavelmente ele existe também em Khor Daoud Foram identificadas ainda as seguintes indústrias pertencentes a esse período Gizeense encontrada perto do Cairo desde 1938 Compreende a técnica Levallois as formas quase geométricas de suas lascas parecem ter semelhanças com o Khormusiense Hawariense antes conhecido como Epilevalloisiense9 indústria microlítica que se estende pelo menos de Esna no Alto Egito até o ápice do Delta e áreas vizinhas Uadi Tumilat Com técnica de retalhamento levalloisiense como o Sebiliense mas não possuindo formas geométricas compreende estágios e fácies diversos ainda em estudo É caracterizado também pelo número de núcleos bipolares provavelmente derivados do chamado núcleo Jebel Suhan já mencionado na Middle Stone Age Alguns núcleos talvez mais recentes que produziram simultaneamente lascas e lamelas de extremidades facetadas constituem a transição para as lamelas de talão liso predominantes na Late Stone Age e no Epipaleolítico O Hawariense de Esna e de Tebas sofreu influência ateriense pois ocasionalmente aparecem retoques foliáceos e peças híbridas Por outro lado lascas microlíticas pedunculadas tipologicamente aterienses são encontradas no Hawariense 9 No início o Sebiliense pareceu caracterizar todo esse período em todos os lugares mas as pesquisas mostra ram que ele caracterizou apenas a área de Kom Ombo Depois disso foi descoberto um tipo contemporâneo porém diferente ao qual o termo epilevalloisiense foi aplicado Após discussões entre especialistas o autor rejeitando a ideia de designar uma cultura unicamente por suas técnicas preferiu designá la pelo nome do lugar onde ela havia sido descoberta Assim o Epilevalloisiense passou a ser o Hawariense 723 Pré História do vale do Nilo de Abbassieh e de Jebel Ahmar perto do Cairo Poderiam essas influências ser o resultado de invasões do vale pelos povos do deserto Kharguiense mais ou menos contemporâneo do Hawariense e cuja existência é contestada por alguns pré historiadores Aparece no oásis de Kharga com uma técnica Levallois Kharguiense que precede a forma Kharguiense pura Essa indústria de lascas levalloisienses com retoques abruptos de aparência disforme ocorre também no oásis de Karkur no Egito e em Oara e Tebas Em Esna Alto Egito e em Amada Núbia egípcia é associada a outras indústrias Epipaleolítico No vale do Nilo em geral esse período difere do anterior graças à substituição das técnicas de destacamento de lascas pelas de produção de lâminas e lamelas microlíticas de talões facetados exceto em casos de repetição sobrevivência ou duplicação As pesquisas efetuadas no norte do Sudão e no sul da Núbia egípcia revelaram um complexo de indústrias que às vezes representam indubitavelmente fácies de uma mesma cultura O Halfiense de Uadi Halfa Khor Koussa seria identificado também ao norte de Kom Ombo Egito Ele representaria uma transição precoce do retalhamento levalloisiense da época precedente para a técnica microlítica que utiliza a lasca ou a lamela O uso da técnica de retoque de Ushtata seria uma prática avançada que apareceria mais tarde com o Ibero maurusiense do Magreb Observa se no Halfiense o emprego sucessivo de lascas e lamelas com dorso raspadores buris e peças escamadas e denticuladas aproximadamente de 18000 a 15000 O Ballaniense mais recente em Uadi Halfa e em Ballana compreende micrólitos truncados outros com o dorso levemente retocado lascas truncadas raspadores buris pontas e núcleos simples ou com planos de percussão opostos aproximadamente de 14000 a 12000 O Qadiense proveniente de Abka e de Toshké na Núbia compreende um conjunto de utensílios que consiste de lascas inicialmente microlíticas e depois lamelares Inclui raspadores dorsos arredondados buris utensílios truncados e pontas que depois se degeneram As sepulturas ovais situadas dentro ou fora das casas são cobertas com lajes Elas revelam a presença de 724 Metodologia e pré história da África um povo muito parecido com o Cro Magnon do Magreb aproximadamente 12000 a 15000 O Arkiniense no Egito conhecido através de um único sítio perto de Uadi Halfa é sobretudo uma indústria de lascas Compreende raspadores distais lamelas com dorso com retoques de Ouchtata semicírculos peças escamadas e pequenos pilões aproximadamente em 7400 O El Kabiense perto de El Kab foi identificado em três camadas de ocupação sucessivas Uma delas revelou o que parece ser uma paleta retangular em osso polido mais ou menos em 5000 O Shamakiense na região de Uadi HaIfa tem núcleos multidirecionais e em sua última fase apresenta utensílios de forma geométrica associados a peças mais grosseiras Seria um desenvolvimento lateral do Capsiense do Magreb mais ou menos de 5000 a 3270 O Silsiliense estudado por nós e por outros depois de nós no Egito na região do Djebel Silsileh perto de Kom Ombo comporta três estágios O Silsiliense I apresenta lamelas levemente retocadas às vezes providas de espiga triângulos irregulares que ocasionalmente também têm espigas microburis uns poucos buris e raspadores além de uma indústria de ossos Os vestígios humanos parecem ser do tipo Cro Magnon cerca de l3000 O Silsiliense II 10 apresenta lâminas e lamelas longas com retoques descontínuos às vezes com espigas buris raspadores e uma indústria de ossos mais ou menos 12000 O Silsiliense III ainda em estudo apresenta uma grande quantidade de lamelas geralmente pouco retocadas pedras de fogão e uma cabana redonda a mais antiga achada até hoje no Egito O Fakuriense estudado na região de Esna parece guardar um certo parentesco com o Ibero Maurusiense Provavelmente ele existiu também em outros lugares do Egito mais ou menos em 13000 Essa indústria caracteriza se por delicadas lamelas retocadas furadores e flechas pequenas O Sebiliense que conserva a técnica de lascamento levalloisiense caracteriza se por lascas de formas geométricas e com bases retocadas Indústria meridional no Egito aparece principalmente em setores de Kom Ombo e 10 Denominação dada por P Smith 1966 relembrando o deus Sebek personificado por um crocodilo divindade associada a essa região Tendo feito escavações nesse sítio nós sugerimos o termo Silsiliense II de Djebel Silsileh situado nessa área como estando mais de acordo com a regra habitual de dar nomes às culturas baseando se na toponímia 725 Pré História do vale do Nilo de Silsileh e em Darau mais particularmente no estágio II Confirmada na Núbia essa indústria é muito mais rara no norte sendo por vezes atípica Nossos trabalhos em Silsileh revelaram também um conjunto de utensílios de osso mós e moletas além de restos humanos que provêm de nossas escavações ainda em estudo aproximadamente 11000 O exemplo do Sebiliense é interessante para discutir As datações físico químicas sugerem uma cronologia que à primeira vista contradiz as informações tecnológicas fornecidas por essa cultura O fato se torna ainda mais notável se lembrarmos que o Sebiliense não está afastado nem no tempo nem no espaço do Fakuriense O Menchiense região de Silsileh compreende uma indústria lítica um pouco aparentada ao Aurignaciense do Levante e uma indústria de ossos moletas lamelas com bordos brilhantes objetos de adorno e restos humanos Uma relativa contemporaneidade com o Sebiliense II ressalta da analogia de certos instrumentos novos de tipo intermediário O Lakeitiense identificado por nós no deserto oriental caracteriza se por serras fortemente denticuladas acompanhadas de pequenas flechas pedunculadas O Helwaniense que nós detectamos nas cercanias de Heluan no sul do Cairo compreende quatro fases distintas a primeira revela uma grande quantidade de lâminas e lamelas às vezes levemente retocadas no estilo oushtata a segunda distingue se por micrólitos que consistem em triângulos isósceles e escalenos segmentos de círculos e microburis a terceira apresenta segmentos de círculos a quarta e última oferece um novo tipo de segmento de círculo com base retilínea O Natufiense da Palestina teria feito incursões sucessivas em território egípcio Em Heluan foi identificada uma fase dessa indústria caracterizada por peças com dorso retocado por retoques cruzados Quanto às pontas de flechas com bases simetricamente entalhadas de início atribuídas ao Natufiense já havia referências a elas na área desde 1876 Nós mesmos encontramos algumas nessa região em 1936 e mais recentemente em 1953 as descobrimos também na parte norte do deserto oriental cerca de 8000 a 7000 Depois elas foram achadas em El Khiam e Jericó na Palestina sendo conhecidas entre os especialistas como pontas de El Khiam A hipótese de infiltrações natufienses tem ainda de ser verificada com bastante cuidado 726 Metodologia e pré história da África Neolítico e Pré Dinástico Esse longo período que grosso modo cobre dois milênios mais ou menos de 5000 a 3000 é analisado aqui detalhadamente Os aspectos materiais de cada uma das culturas ou horizontes culturais que constituem tal período são descritos minuciosamente Compõem assim um repertório indispensável àqueles que desejam apreciar em seu contexto físico a lenta evolução que grupos de povos nômades ou seminômades conduz pouco a pouco à formação de sociedades seja fortemente centralizadas como no Egito seja organizadas em pequenos principados independentes como no Sudão nilótico Quanto ao desenvolvimento histórico dessas sociedades neolíticas e pré dinásticas ele é tratado no capítulo 28 do presente volume Os dois relatos são portanto complementares abordando os problemas sob ângulos diferentes As referências necessárias para permitir que o leitor localize uma determinada cultura descrita neste capítulo no contexto mais geral da evolução histórica do conjunto dos horizontes culturais do capítulo 28 são dadas nas notas de rodapé Esse novo período marca uma etapa decisiva da história da humanidade Tendo mudado de uma vida nômade ou seminômade para uma vida sedentária o homem do Nilo criou as características principais da civilização como a conhecemos hoje O habitat fixo determinou o uso da cerâmica a domesticação e a criação de gado a agricultura e a multiplicidade de utensílios que visam satisfazer às necessidades crescentes dos homens O Cartumiense11 é talvez a cultura mais antiga desse período no Sudão12 Ele é encontrado em mais de uma dezena de localidades espalhadas por uma vasta região estendendo se desde Kassala no leste e sobre 400 km em pleno deserto no oeste até Dongola no norte e quase até Abu Higar às margens do Nilo Branco no sul Os dados obtidos através de escavações em Cartum das quais participamos fornecem as provas de um habitat fixo a utilização de cabanas guarnecidas de cerca o uso em larga escala de uma cerâmica elaborada e o emprego de mós A cerâmica constituída de tigelas caracteriza se por uma decoração de linhas sinuosas cavadas por incisão wavy lines e por pontos impressos dotted lines O instrumental lítico abundante feitos de quartzo nitidamente microlítico e geométrico 11 É a antiga Cartum do capítulo 28 p 820 Nós preferimos conservar o termo Cartumiense prevenindo nos para futuras descobertas que possam revelar fases anteriores a esta 12 Ver capítulo 28 p 82021 727 Pré História do vale do Nilo compreende tipos variados semicírculos e segmentos de círculos triângulos escalenos retângulos trapézios lascas escamadas e furadores Os semicírculos e os segmentos de círculos retocados até no gume mostram semelhanças com os do Wiltoniense e do Neolítico de Hyrax Hill em Zimbabwe Os instrumentos feitos de uma rocha dura chamada riolito são maiores que os de quartzo incluindo lascas e lâminas simples algumas com talão retocado raspadores semicírculos volumosos e uns poucos raspadores Os arpões de osso com farpas em geral unilaterais também são característicos do Cartumiense Há ainda pequenos pilões de pedra com uma cúpula central moedores percutores discos com uma perfuração central algumas mós e contrapesos para rede de pesca provavelmente do mesmo tipo das de Faium em El Omari Egito e no Saara nigeriano Os objetos de adorno incluem contas em forma de disco feitas de casca de ovo de avestruz e alguns pingentes o ocre vermelho ou amarelo era usado para pintar o corpo Os mortos eram enterrados em suas próprias casas deitados de lado e pertenciam a uma raça negra a mais antiga da África Em vida eles sofreram mutilações dentárias rituais como as praticadas entre os capsienses e os ibero maurusienses do Maghreb e entre os povos neolíticos do Quênia Essa prática persistiu por muito tempo no Sudão e em outras partes da África A fauna identificada consistia principalmente de búfalos antílopes hipopótamos gatos selvagens porcos espinhos camundongos crocodilos e uma enorme quantidade de peixes cerca de 4000 O Shaheinabiense aparece em numerosos sítios espalhados pelo sul da Sexta Catarata As escavações em Esh Shaheinab revelam elementos de uma cultura claramente derivada do Cartumiense Suas características peculiares são uma cerâmica especial e o uso de goivas e de machados de osso polido A cerâmica consiste em tigelas decoradas às vezes com dotted lines como no Cartumiense entretanto o que o individualiza é o alisamento das superfícies o engobe vermelho a presença de bordas negras e a decoração em triângulos incisos O equipamento lítico enriqueceu se ainda com peças microlíticas machados polidos goivas polidas planas e cabeças de maças planas ou convexas Os arpões em osso continuam ao passo que aparecem anzóis em madrepérola além de contas em amazonita ou em cornalina e batoques ainda usados atualmente Búfalos antílopes girafas e facocheros eram caçados e a cabra anã domesticada Não há traços de habitações frágeis mas encontram se fogueiras cavadas na terra O Shaheinabiense13 tem 13 Às vezes denominado Neolítico de Cartum 728 Metodologia e pré história da África características similares às de um dos estágios do Faiumiense egípcio como por exemplo o uso de plainas goivas arpões cabeças de maças amazonita e fogueiras escavadas na terra Ele se liga ao Pré Dinástico Antigo do Egito pela cerâmica lisa e a de bordas negras do Alto Egito Os pontos em comum com o oeste Tibesti são sugeridos pela amazonita a goiva e a cerâmica com decoração incisa a cabra anã liga o com o noroeste O sítio de Kadero que ainda está sendo escavado e pertence a um período mais recente revelou a presença de sepulturas cerca de 3500 a cerca de 3000 As escavações ainda em curso 1976 1977 em Kadada na região de Shendi estão fornecendo uma terceira variante do Shaheinabiense provavelmente posterior que compreende sepulturas associadas às habitações Suas características peculiares parecem ser machados de pedra polida de grandes dimensões paletas de pintura de forma quase romboidal discos furados de uso ainda indeterminado vasos caliciformes e jarros usados como sepultura de crianças O Abkiense14 do norte e do sul do Sudão pelo menos até Sai seria contemporâneo sucessivamente do Cartumiense e do Shaheinabiense Ele se prolongaria mesmo além dessa época passando por quatro etapas a primeira é pobre em cerâmica e deriva talvez do Oadiense a segunda compreende um conjunto de peças de cerâmica com orifícios incisos e superfície decorada com traços gravados em ziguezague e pontilhados redondos ou retangulares a terceira apresenta utensílios líticos incluindo furadores feitos sobre lascas às vezes múltiplas e lamelas simples ou com bordos retocados a última possui cerâmica com bordas negras e superfícies vermelhas polidas ou estriadas mais ou menos semelhante ao Shaheinabiense ao Grupo A da Núbia e ao Egito pré dinástico cerca de 3380 a 2985 O Pós Shamakiense encontrado somente em dois sítios é caracterizado por micropontas lamelas entalhadas lascas laterais e plainas sugerindo contatos com o Faium e o oásis de Kharga aproximadamente 3650 a 3270 A ausência na Núbia egípcia das culturas acima mencionadas ou de culturas cronologicamente correspondentes explicar se ia por uma conjuntura ecológica particular pela raridade dos sítios ou talvez mais simplesmente por uma exploração incompleta Por outro lado a Núbia egípcia salvo particularidades locais mostra uma afinidade bastante clara com as civilizações do Pré Dinástico egípcio e mesmo com o Badariense 14 Comparar com o Abkiense do capítulo 28 p 821 729 Pré História do vale do Nilo O Nagadiense I15 aparece entre outros em Eneiba Sebua Shellal e Khor Abu Daoud Núbia até agora o único local onde se encontrou uma área de habitação com depósitos para provisões O Nagadiense II16 aparece perto de Abu Simbel e em Khor Daoud Sebua Bahan e Ohemhit A partir da primeira dinastia os contatos entre a Núbia e o Egito diminuíram As indústrias da Núbia evoluíram no mesmo local em que já existiam mantendo suas características pré históricas até o Novo Império sob os nomes sucessivos de Grupo A17 Grupo B e Grupo C núbios No Egito diferentes condições geográficas e ambientais fizeram evoluir dois grupos culturais distintos que se desenvolveram paralelamente em território egípcio no sul e no norte Eles preservaram esta independência de culturas até que o país foi unificado sob a primeira dinastia O uso do cobre desempenha um papel secundário pois ele se verificou no sul muito antes que no norte por causa da proximidade de pequenos depósitos desse mineral suficientes para uso limitado O grupo cultural do sul Alto Egito O grupo do sul manifestou se desde o começo como uma civilização avançada Ela foi descrita com base no estudo de grandes e numerosos cemitérios e de vestígios pouco importantes de regiões habitadas O Tasiense ainda sumariamente analisado e até mesmo contestado por alguns pré historiadores aparece no Médio Egito em Tasa Badari Mostagedda e Matmar Estudado nas sepulturas e através de parcos vestígios de aldeias ele apresenta características peculiares desconhecidas em outros lugares A cerâmica em sua maioria tigelas escuras mais raramente vermelhas e com bordas negras às vezes com superfícies enrugadas distingue se pelo ângulo pronunciado entre a parte superior reta ou oblíqua e a base estreita Os vasos caliciformes com decoração incisa ou pontilhada ilustram um outro tipo original de caráter inteiramente africano O equipamento lítico inclui sobretudo machados polidos de grandes proporções em calcário silicificado raspadores facas furadores etc Paletas de pintura de forma retangular quase sempre em alabastro anéis braceletes de marfim e conchas marinhas 15 Pré Dinástico Antigo do capítulo 28 p 825 16 Pré Dinástico Médio do capítulo 28 p 826 17 Ver capítulo 28 p 832 33 730 Metodologia e pré história da África perfuradas completam a série de objetos de adorno Há também colheres e anzóis de osso No que diz respeito a costumes funerários os túmulos são ovais ou retangulares apresentando às vezes um nicho lateral que abriga um corpo em decúbito lateral com braços e pernas fletidos a cabeça apontada para o sul e o rosto voltado para o oeste Junto ao morto eram colocados vasos utensílios e enfeites pessoais O Badariense18 civilização brilhante especialmente no Médio Egito aparece em Badari Mostajedda Matmar e Hémamiéh Seu caráter original é realçado por uma cerâmica muito bonita que abrange vasos de diversas cores vermelho marrom cinza ou vermelhos com bordas negras em geral recobertos de linhas finamente incisas sobretudo em posição oblíqua São em especial gamelas estreitas carenadas ou com boca larga Há também tigelas e copos de basalto além de vasos de marfim A parte interna é por vezes ornamentada com motivos vegetais incisos O instrumental lítico inclui armaduras bifaciais com gume denticulado e convexo cabeças de flechas com base côncava ou em forma de folha de louro como também outros utensílios lamelares As conchas de cozinha os pentes as pulseiras os anzóis e as estatuetas de marfim ou osso são de grande valor artístico As estatuetas de mulheres e as de hipopótamos têm uma função ritual Entre os enfeites pessoais encontram se contas de quartzo encaixadas em cobre fundido conchas paletas de pintura em xisto retangulares e em geral com extremidades côncavas Cultivam se o trigo a cevada e o linho o boi e o carneiro são domesticados ao passo que a gazela a avestruz e a tartaruga são caçadas para servirem de alimento Não há vestígios das habitações que não passavam de frágeis cabanas Os mortos contraídos e deitados de lado com a cabeça apontada para o sul e o rosto voltado para oeste eram enterrados em túmulos redondos ovais ou mais raramente retangulares levavam consigo para a vida no além os vários objetos já mencionados É provável que algumas ramificações desiguais dessa cultura sejam descobertas no deserto oriental Uadi Hammamat em Armant Alto Egito na região de Adaima Alto Egito e até mesmo na Núbia O Negadiense I19 é encontrado em Hémamiéh e em Mostagedda em estratigrafia abaixo do Badariense desde o Médio Egito a Núbia e até mesmo o deserto oriental Uadi Hammamat A cerâmica de superfície 18 Pré Dinástico Primitivo capítulo 28 p 824 19 Pré Dinástico Antigo do capítulo 28 p 825 às vezes conhecido como Amratiense 731 Pré História do vale do Nilo lisa ou polida e de cor vermelha marrom ou preta é diferente da do Badariense Uma característica típica do Negadiense I é a decoração na cerâmica os desenhos não são mais gravados e sim pintados em branco sobre vermelho assumindo formas lineares ou apresentando motivos vegetais e composições e estilo naturalista Os vasos de pedra tubulares em geral de basalto com alças perfuradas terminam por uma base cônica O instrumental lítico bifacial inclui flechas com base côncava facas em forma de losango e de vírgula além de outras com extremidade bifurcada em forma de U machados polidos instrumentos lamelares e cabeças de maça discoides ou cônicas As paletas de pintura feitas sobretudo em xisto têm no início a forma de losango e depois a forma de animal Os objetos em marfim e osso pertencentes a uma nova tradição são enfeitados assim como os pentes e os alfinetes com figuras humanas ou de animais Eles eram utilizados para fins mágicos mas às vezes serviam também como arpões As casas identificadas em Mahasna são abrigos frágeis cercados por paliçadas O uso do cobre aumenta cada vez mais Em geral guardavam se as provisões em depósitos cavados na terra no entanto em Mostagedda e Deir el Medineh elas eram guardadas em vasos No que diz respeito aos costumes funerários os mortos eram enterrados em túmulos retangulares deitados de lado e com as pernas encolhidas a cabeça apontada para o sul e o rosto para oeste há exemplos de inumações múltiplas e de corpos desmembrados cerca de 4000 a 3500 O Negadiense II20 estratigraficamente posterior ao Negadiense I em Hémamiéh Mostagedda e Armant é encontrado desde a entrada de Faium em Gerzeh até o sul da Núbia egípcia A cerâmica tradicional do Negadiense I desenvolve se adquirindo orifícios mais estreitos e bordas pronunciadas A cerâmica com decoração branca é substituída por outra cor de rosa decorada em marrom com motivos simbólicos estilizados espirais barcos plantas e figuras com braços erguidos Também são típicos os vasos bojudos com alças onduladas que mais tarde se tornarão tubulares e que na proto história perderão suas alças Os vasos feitos de vários tipos de pedra em geral muito evoluídos reproduzem frequentemente as formas da cerâmica rosa Os instrumentos de pedra também bastante evoluídos incluem facas bifendidas com extremidades em forma de V e outras que apresentam gumes opostos um côncavo e outro convexo com retoques bem regulares sobre uma das faces previamente polida Algumas vezes os cabos 20 Pré Dinástico Médio ou Gerzeense do capítulo 28 p 826 732 Metodologia e pré história da África são cobertos com uma folha de ouro ou de marfim As cabeças das maças são piriformes A indústria do cobre mais evoluída produz pontas alfinetes e machados As paletas cada vez mais estilizadas tornam se finalmente arredondadas ou retangulares As estatuetas de osso ou marfim também se estilizaram bastante As práticas funerárias acusam um refinamento maior as paredes das covas ovais ou retangulares se revestem de madeira lama ou tijolo As recentes escavações realizadas por nós em Adeimah expedição do IFAO 1974 revelaram túmulos de um tipo novo em forma de banheira datando do final dessa civilização Nesse período a disposição das oferendas segue determinados padrões às vezes elas são colocadas em anexos laterais Encontram se ainda corpos desmembrados mas os túmulos múltiplos desaparecem Além disso a orientação dos mortos não é mais uniforme As habitações consistem em cabanas redondas ou semi redondas feitas de argila em abrigos frágeis e em estruturas de terra retangulares como as encontradas em El Amra mais ou menos de 3500 a 3100 O grupo cultural do norte Baixo Egito O grupo cultural do norte diferencia se sensivelmente do do sul sobretudo devido à extensão das regiões habitadas à cerâmica monocrômica e ao costume passageiro de inumar os mortos em suas próprias casas O Faiumiense B21 ainda pouco conhecido foi estudado ao norte do lago Faium e pertenceria ao final do Paleolítico ou melhor ao Neolítico pré cerâmico Ele compreende lamelas simples e microlíticas com dorso retocado arpões de osso e pequenos pilões As mais recentes pesquisas identificaram um estágio intermediário entre o Faiumiense B mais antigo e o Faiumiense A mais próximo de nós Esse estágio que propomos chamar de Faiumiense C apresenta goivas e pontas de flechas bifaciais pedunculadas parecidas com as do deserto ocidental oásis de Siwa na Líbia e constituiria um elo de ligação com o Saara podendo ser datado de aproximadamente 6500 a 5190 O Faiumiense A22 bem melhor estudado em seus locais de habitação apresenta um tipo grosseiro de cerâmica monocrômica lisa ou polida vermelha marrom ou preta compreendendo tigelas copos xícaras selhas retangulares e vasos com pé ou com bordas guarnecidas de saliências arredondadas como 21 Ver Neolítico Faium B capítulo 28 p 820 22 Pré Dinástico Primitivo do capítulo 28 p 821 733 Pré História do vale do Nilo no Badariense A indústria lítica de técnica bifacial avançada compreende flechas com bases triangulares ou côncavas pontas armaduras de foices montadas em cabos retos de madeira machados polidos e uma cabeça de maça discoide Em osso encontramos alfinetes furadores e pontas com bases pedunculadas As paletas de pintura grosseiras são de pedra calcária ou mais raramente de diorito Conchas do mar e fragmentos de cascas de ovos e de microclínio amazonita foram usados para fazer cordões de contas Nos locais de habitação não ficou traço algum dos abrigos sem dúvida muito frágeis mas há muitas fogueiras cavadas no solo semelhantes às achadas em Shaheinab no Sudão Silos constituídos de cestos enterrados no chão agrupados perto das habitações teriam sido usados para armazenar trigo cevada linho e outros produtos O porco a cabra o boi o hipopótamo e a tartaruga serviam de alimento para a população Até o momento não há vestígios de cemitérios que sem dúvida ficavam um pouco afastados Essa cultura cerca de 4441 a 3860 poderia ser contemporânea do Badariense O Merindiense23 ocupa uma extensa área habitada de mais de 2 hectares a oeste do delta do Nilo As escavações ainda por terminar e com resultados publicados somente em forma de relatos preliminares atestam três camadas sucessivas de restos arqueológicos que traçam a evolução de uma mesma cultura no decorrer das épocas Trata se de uma cultura original mas típica do grupo do norte A cerâmica monocrômica lisa polida ou rugosa apresenta tipos variados principalmente tigelas copos pratos e bilhas mas não há nenhuma peça com bocal de bordos estreitados As formas específicas incluem conchas de cozinha como as do Badariense tigelas com saliências arredondadas como as do Badariense e do Faiumiense além de vasos com pés como os do Faiumiense Às vezes esses vasos são decorados com pontos escavados na borda linhas verticais incisas motivos em relevo ou ainda com um desenho em forma de folha de palmeira Há uns poucos vasos feitos de basalto ou de pedra verde dura terminados por um pé do tipo Negadiense I O instrumental lítico bifacial contém os mesmos tipos que aparecem no Faiumiense Há também uma cabeça de maça piriforme ou globular Sovelas agulhas furadores arpões espátulas e anzóis são feitos de osso ou marfim Os objetos de adorno incluem grampos de cabelo pulseiras anéis conchas perfuradas e contas de vários materiais São dignas de menção duas paletas de pintura uma escutiforme em xisto e 23 Ver capítulo 28 p 820 734 Metodologia e pré história da África outra em granito materiais importados do sul As habitações inicialmente são cabanas espaçosas frágeis e ovais sustentadas por estacas depois vêm as cabanas mais resistentes e menores por fim as casas ovais com paredes feitas de massa de argila comprimida formando até alinhamentos de ruas Silos do tipo faiumiense juntam se às cabanas sendo posteriormente substituídos por jarros enterrados no solo Os mortos nem todos é claro eram enterrados em covas ovais sem aparato funerário entre as habitações e voltados ao que parece em direção às suas casas Domesticavam se o porco o carneiro a cabra e o cão e caçavam se hipopótamos crocodilos tartarugas entre outros A pesca também era praticada Tendo se desenvolvido entre 4180 e 3580 essa cultura poderia ser contemporânea do Faiumiense e prolongar se até o começo do Negadiense I O Omariense A 24 outra cultura do grupo do norte apareceu perto de Heluan entre os restos de uma vasta região habitada com mais de 1 km de extensão na entrada de Uadi Hof Um anexo dessa aldeia pré histórica ergue se sobre um planalto no topo de uma falésia abrupta exemplo único no Egito Escavações feitas por nós e ainda inacabadas revelaram os elementos de uma nova civilização diferente da encontrada no sul como em Merinde e em Faium A cerâmica de refinada qualidade e com um estilo mais evoluído que o da dos dois sítios já mencionados embora monocrômica compreende uma grande variedade de tipos Entre os dezessete formatos de vasos lisos ou polidos de cor vermelha marrom ou preta enumeram se alguns com aberturas estreitadas outros ovoides outros ainda cilíndricos tachos com boca larga ou côncavos outros cônicos além de copos e alguns jarros Somente os vasos com saliências arredondadas assemelham se aos de Merinde e Faium Vasos de basalto ou calcita foram muito pouco usados A indústria lítica bifacial de sílex não difere no todo das encontradas nos sítios precedentes já a indústria lamelar apresenta algumas características particulares novas no Egito Trata se de facas com dorso arqueado aparadas perto da ponta com um pequeno cabo na base formado a partir de um duplo entalhe são talvez uma sobrevivência do Matufiense que ocupou a região durante o período anterior Podemos citar ainda contrapesos para rede de pesca de um tipo encontrado no Cartumiense no Faiumiense e no Saara nigeriano onde também existe uma abundante indústria de lascas A indústria de ossos de boa qualidade apresenta os tipos clássicos Os 24 Ver capítulo 28 p 820 735 Pré História do vale do Nilo anzóis porém são feitos de chifre Os objetos de adorno mais numerosos incluem conchas de gastrópodes no mar Vermelho e contas feitas com ovos de avestruz ossos pedras e vértebras de peixes Os numulitídeos fósseis perfurados serviam como pingentes A galena e a resina eram importadas Quanto às paletas para triturar o ocre são grosseiras e feitas em calcário e quartzito A fauna compreende bovinos cabras antílopes porcos hipopótamos uma espécie de cachorro avestruzes lesmas tartarugas e uma grande quantidade de peixes Cultivavam se trigo cevada e linho A vegetação inclui principalmente sicômoros tamareiras tamargas e alfas As habitações são de dois tipos ovais com tetos sustentados por estacas ou redondas parcialmente enterradas no chão distinguindo se dos silos dispostos por toda parte por serem maiores que eles Os mortos sepultados na própria aldeia de maneira mais concentrada que em Merinde estão em geral dispostos segundo uma orientação constante num vaso de barro com a cabeça apontada para o sul e o rosto para o oeste Um dos cadáveres provavelmente o de um chefe segurava um cetro de madeira o cetro Amés com uma forma conhecida no norte do país na época faraônica aproximadamente 3300 O Omariense B25 aparece e se desenvolve no começo do Negadiense I Foi identificado por nós a leste do sítio precedente e difere dele no que diz respeito às práticas funerárias e à indústria Assim o cemitério era bastante afastado da região habitada e consistia em sepulturas cobertas por um amontoado de pedras Nenhuma regra constante orienta o alinhamento dos corpos A região habitada é bem menor que a do Omariense A mas nossas pesquisas nesse campo ainda estão longe de se completarem Enquanto a cerâmica mostra pontos em comum com a do período anterior o equipamento lítico é totalmente diferente Baseado na técnica laminar ele compõe se de pequenas facas de raspadores de dimensões reduzidas chatos e arredondados e também de pequenas talhadeiras Enquanto nossos trabalhos não forem retomados não temos condições de estabelecer datas para esse sítio em relação ao Omariense A O Meadiense26 foi revelado por escavações ainda incompletas efetuadas numa extensa aglomeração próxima de duas necrópoles em Meadi perto 25 Talvez possa ser colocado no Pré Dinástico Recente também conhecido como Gerzeense Recente do capítulo 28 p 827 embora a data ainda permaneça incerta 26 Talvez pertença ao menos em parte ao Pré Dinástico Recente ou Gerzeense Recente ver capítulo 28 p 827 mas pode também ser contemporâneo do Pré Dinástico Médio ou Gerzeense ver capítulo 28 p 827 28 736 Metodologia e pré história da África do Cairo e também por nossas próprias escavações numa terceira necrópole descoberta em Heliópolis um subúrbio do Cairo Trata se de uma cultura bastante diferente das demais e não segue direta e cronologicamente a cultura omariense representando um conjunto cultural secundário dentro do grupo do norte Sua cerâmica monocrômica em geral lisa de cor negra ou marrom mas às vezes vermelha ou coberta de engobe branco é menos refinada que a do Omariense Os modelos mais comuns são vasos ovoides alongados com bordas pronunciadas embora haja pequenos vasos de gargalo globular geralmente com uma decoração de pontos gravados Mais característicos são os vasos com anéis circulares na base base ring que lembram os vasos de basalto desse tipo encontrados em outras regiões e presentes também aqui Parecem ser muito raros provavelmente importados do sul os vasos com decoração marrom do Negadiense II Vasos bojudos e com alças onduladas existentes no Negadiense II e na Palestina também foram encontrados no Meadiense Eles refletem a continuação dos contatos culturais entre o Nilo e a Palestina Da mesma forma os vasos tubulares de basalto são semelhantes aos do Alto Egito na época do Negadiense I Manifesta se em profusão uma bela indústria de lâminas de pedra trabalhadas em instrumentos típicos dessa cultura Mais raras e talvez igualmente importadas do Negadiense I são as facas bifendidas em forma de U É pequena a quantidade de objetos de adorno As poucas paletas de xis to em forma de losango também vêm do Negadiense I as demais são de quartzito ou simples blocos de sílex achatados Um ponto importante é que a cultura meadiense pela primeira vez entre as culturas pré dinásticas do norte do país faz uso do cobre e em escala bastante grande O Faiumiense o Merindiense e o Amariense não o conheciam embora no Alto Egito ele tenha sido usado em períodos bem anteriores Desde o Badariense e sobretudo a partir do Negadiense os povos do vale do Nilo exploraram os pequenos depósitos vizinhos no sul do deserto oriental De fato foram achados alfinetes cinzéis furadores anzóis e machados de cobre Ao mesmo tempo parece ter havido aí uma espécie de afluxo do mineral Em Meadi esse metal começou a ter uma importância notória Em nosso ponto de vista tal fato se deve aos contatos dos meadienses com os depósitos minerais do Sinai Esses contatos são confirmados pelas várias características em comum com as culturas do leste Além da cerâmica já citada presente também na Palestina podemos citar alguns utensílios de sílex e de manganês A fauna 737 Pré História do vale do Nilo compreende bovinos carneiros cabras porcos hipopótamos tartarugas e peixes Os recursos vegetais são o trigo a cevada o rícino e a alfa Na região habitada foi encontrado um grande número de estacas cravadas no chão que permitem provar a existência de cabanas ovais além de vestígios de abrigos toscos Também foram descobertas cabanas mais evoluídas de forma retangular e construídas com tijolos como em Mahasna e outras subterrâneas às quais se tinha acesso através de degraus Jarros enterrados no solo serviam de silos para cereais havendo ainda escavações circulares que constituíam armazéns para provisões nos quais frequentem ente foram descobertos vasos como no Negadiense Os cemitérios afastados das aldeias continham tumbas ovais ou redondas nunca retangulares que preservavam corpos fletidos em decúbito lateral quase sempre com a cabeça apontada para o sul e o rosto para o leste junto com o corpo comumente havia vasos As gazelas sem dúvida animais sagrados eram também enterrados nesse cemitério acompanhadas de muitos vasos Na necrópole de Heliópolis no limite do cemitério desenterramos uma fila de cães dispostos em todos os sentidos e sem aparato funerário provavelmente destinados ao papel de guardiães como o que tinham desempenhado em vida Essa cultura não sucedeu imediatamente à Omariense ela apareceu no fim do Negadiense I e prosseguiu seu desenvolvimento até quase o fim do Negadiense II do Alto Egito A continuação do uso da pedra no período faraônico Após ter descrito as várias tendências existentes no Egito durante o período pré dinástico vamos fazer um resumo de suas principais características tentando explicar as causas de suas disparidades e mostrar como elas se encontraram na época faraônica Durante a longa história dos faraós têm se feito alusões aos dois Egitos o do norte e o do sul unificados pelo legendário Menés fundador da primeira dinastia Essas alusões repousam sobre fatos constatados que remontam a um período muito antigo da pré história Escavações recentes atestaram a veracidade dessa tradição e estabeleceram que esse dualismo regional entre norte e sul do país já prevalecia no estágio conhecido como Neolítico As diferenças não eram meramente geográficas elas envolveram diversos aspectos da vida do homem a ponto de originarem dois grandes grupos culturais específicos que tiveram suas raízes em condições geográficas e ambientais diferentes O grupo do sul surgiu ao longo do estreito corredor do Nilo cercado por duas falésias 738 Metodologia e pré história da África áridas O grupo do norte delineou se no vasto leque do fértil delta de horizontes sem fim O grupo do norte revelou muitas culturas semelhantes em suas grandes linhas mas diversificadas nos detalhes que são mais ou menos sucessivas cronologicamente Já o grupo do sul acusa num fundo comum divergências bem mais pronunciadas que as existentes entre as culturas do norte Tais distinções opõem se nos caracteres desses dois conjuntos que mais tarde constituirão o Grande Egito Assim desde os primeiros estágios o norte apresenta um progresso notável no que diz respeito ao desenvolvimento urbano No Faium achamos pequenos lugarejos um bem próximo ao outro e em Merinde uma verdadeira aldeia de quase 2 hectares com alinhamentos de casas El Omari estende se por mais de 1 km e Meadi por 15 km No sul ao contrário tendo em vista a exiguidade aparente dos sítios muito poucos vestígios urbanos sobreviveram até aqui Quanto às outras manifestações concernentes à vida do homem e às suas realizações no Egito durante esse período a cerâmica do norte seja ela marrom preta ou vermelha apesar da evolução das formas preserva uma monocromia imutável caracterizada pela ausência quase total de decoração No sul em compensação as características distintivas são a multiplicidade de formas e a decoração bastante elaborada com a presença dos famosos vasos de bordas negras Se a cerâmica do norte parece acusar uma certa inferioridade o mesmo não acontece com a indústria do sílex que revela um extraordinário aperfeiçoamento em sua feitura Isso não significa que no sul o acabamento de algumas peças não tenha atingido um nível elevado No campo da arte pura o norte mostra uma indigência absoluta que contrasta com o grande impulso obtido no sul Esse impulso manifestou se desde o Badariense através de estatuetas de terracota osso e marfim e também de objetos de uso diário como pentes conchas de cozinha pingentes belas paletas para triturar cosméticos e amuletos talhados em xisto verde Assim sendo constatamos que há grandes diferenças nos mais variados campos entre as duas partes do Egito Poderíamos dizer que enquanto o norte mostra um desenvolvimento superior sob o ponto de vista da economia e da urbanização o sul atingiu um estágio muito adiantado em termos de habilidade artística prenunciando a época dos faraós A unificação dessas culturas complementares certamente será responsável pela grandeza do Egito faraônico Entretanto o advento do período histórico com a introdução da escrita a unificação do Egito sob um único rei e o desenvolvimento do uso do metal 739 Pré História do vale do Nilo não modificou certos aspectos do modo de vida dos povos do vale do Nilo Referimo nos em particular à persistência no uso do sílex material muitíssimo eficiente e abundante no país que prosseguiu ao longo do período faraônico É importante ressaltar aqui que o domínio do trabalho em sílex realmente alcançou seu apogeu sob as primeiras dinastias como o testemunham as extraordinárias facas ditas de sacrifício dos túmulos reais de Abidos no Alto Egito e de Saqqara e Heluan perto do Cairo a perfeição com que são elaboradas e o seu tamanho são impressionantes Os vestígios de habitações dessa época revelaram todo um instrumental doméstico em sílex e somente alguns objetos de cobre encontrados em Hieracômpolis e em El Kab no Alto Egito e em Uadi Hammamat no deserto oriental Entre os vestígios do Médio Império da antiga Tebas a Karnak recentemente descobertos encontramos uma grande quantidade de peças em sílex elas não diferem em termos de técnica de fabricação e de tipos dos instrumentos utilizados durante o Paleolítico Superior e o Epipaleolítico Há mesmo numerosos buris e alguns micrólitos Além disso as explorações sistemáticas empreendidas por nós desde 1971 na montanha tebana em Luxor revelaram que entre as duzentas oficinas de lascamento de sílex mais da metade não data da pré história e sim do Novo Império Elas abasteciam a capital de grande quantidade de instrumentos produzidos através de uma técnica mais rudimentar que a utilizada no Médio Império Esses instrumentos consistiam quase exclusivamente em lâminas de facas e armaduras de foices Essas últimas persistiram ainda durante a Época Baixa No tempo dos faraós o sílex não foi reservado somente aos utensílios de uso doméstico Os crescentes de sílex serviram para furar braceletes de xisto em Uadi Hammamat objetos de adorno usados desde a proto história até o fim da época arcaica No fim da terceira dinastia num certo momento os crescentes foram empregados para cortar blocos de pedra para a pirâmide de degraus do faraó Djoser em Saqqara Os vasos de pedra macia foram trabalhados com a ajuda desses mesmos instrumentos nas oficinas de Faium perto dos depósitos de calcita até o Antigo Império Desde as primeiras dinastias até o final do Novo Império as flechas dos guerreiros egípcios eram armadas com pontas cortantes de sílex As da época do faraó Tutankhamon XVIII dinastia eram feitas de vidro material de luxo tão eficiente quanto o sílex O Egito faraônico também usou rochas menos frágeis que o sílex para a fabricação de utensílios com fins específicos Os picões e os malhos destinados aos trabalhos em minas e pedreiras providos de encabadouros eram feitos de pedras duras durante o Antigo Império No Médio e no Novo Império eram 740 Metodologia e pré história da África mais toscos e feitos de calcário silicificado Os hipogeus funerários do Antigo Império em Gizeh perto do Cairo os do Médio Império no Médio Egito e os do Novo Império na montanha tebana foram escavados e construídos com essas mesmas ferramentas grosseiras Na Núbia egípcia e em parte da Núbia sudanesa agora submersas as pesquisas arqueológicas não foram levadas muito adiante por ocasião das operações de salvamento Isso nos priva daqui para a frente de valiosos informes sobre o passado dessas regiões entre outras as que se referem à persistência no uso da pedra em épocas históricas Mas o material arqueológico trazido de uma aldeia do Grupo C núbio Médio Império em es Sebua permitiu nos identificar uma série de lâminas lamelas e armaduras de foices em sílex Estas últimas sem dúvida importadas do Egito são similares em todos os aspectos às que foram descobertas em Karnak mencionadas acima e que pertencem ao mesmo período Por outro lado em Amada outra aldeia do Grupo C ainda na Núbia egípcia escavada por nós há algum tempo atrás encontramos provas suplementares relativas à sobrevivência da Idade da Pedra durante a Idade do Metal Do mesmo modo que em es Sebua havia lâminas lamelas e armaduras de foices em sílex de origem egípcia além disso ligadas a essa indústria lítica importada descobrimos no sítio de Amada minúsculas pontas de flechas transversais em ágata e em cornalina como também machados de pedra dura polida de fabricação local Quanto à Núbia sudanesa as escavações empreendidas na fortaleza egípcia de Mirgissa revelou como era de esperar a presença de armas Elas datavam da 28a dinastia e incluíam flechas do tipo clássico isto é com pontas cortantes de pedra como as descritas anteriormente Mas fato novo as cabeças das lanças não eram de metal como no Egito faraônico naquela época mas de sílex feitas segundo uma técnica de lascamento bifacial perfeita semelhante à usada no período Neolítico O reaparecimento desse método tinha por finalidade reproduzir o mais fielmente possível as cabeças de lança de metal A dificuldade em obter o metal foi com certeza o que motivou esse retorno a uma técnica de fabricação esquecida há milênios Conclusão Depois de ter traçado este panorama sumário da história dos primeiros homens que habitaram o vale do Nilo resta nos fazer um balanço final reunir as evidências obtidas e apontar as várias e importantes lacunas que restam 741 Pré História do vale do Nilo No que diz respeito aos períodos mais remotos descobertas bastante recentes confirmam a presença do homem mais primitivo de que se tem notícia o olduvaiense não somente na África do sul e do leste mas também na parte norte do vale do Nilo Nós o conhecemos através de um abundante instrumental lítico Mas seria conveniente continuar as pesquisas para completar a documentação osteológica representada até agora por um único dente humano Explorações semelhantes relativas a essa época deveriam ser feitas no setor sudanês que é um ponto de contato com a Etiópia onde se fizeram achados importantíssimos para esse período O conjunto de instrumentos líticos da Old Stone Age foi muito bem analisado em sua tipologia quase unicamente na região de Uadi Halfa A região de Tebas por sua vez forneceu dados sobre uma das fases mais remotas Porém existem ainda numerosos problemas para serem resolvidos entre outros os que se relacionam com as raças humanas desse período Quanto à Middle Stone Age os testemunhos líticos aparecem em grande número ao longo de todo o vale do Nilo Progressos conseguidos na região de Uadi Halfa permitiram nos compreender melhor a morfologia dos utensílios de pedra nesse determinado setor As proveitosas coletas feitas na montanha de Tebas estão ainda em estudo e permitirão comparações importantes com o material recolhido no sul Os fragmentos de um osso occipital são ainda os únicos vestígios humanos encontrados até agora No deserto líbio a noroeste de Uadi Halfa foi descoberto pela primeira vez um conjunto de utensílios de pedra associado a uma fauna Para esse período há ainda vastas regiões do Sudão a serem exploradas O Ateriense quase contemporâneo foi há pouco tempo constatado no deserto a noroeste de Abu Simbel Associada a uma fauna essa indústria originária do noroeste africano espalhou se muito tarde pela região Seria interessante ver até que ponto ela dataria do mesmo período que as outras descobertas no Egito e se ela pôde influenciar as indústrias tipicamente egípcias Quanto à Late Stone Age e ao Epipaleolítico os achados provenientes apenas de setores bem definidos forneceram numerosos dados antes desconhecidos Contudo talvez pela falta de evidências estratigráficas abusou se das denominações novas apoiadas em estudos estatísticos e análises físico químicas imperfeitas Houve progressos inegáveis no que diz respeito ao Neolítico termo que não tem um sentido preciso no Egito e ao Pré Dinástico ao longo do vale do Nilo Assim no Egito os sítios do grupo cultural do sul revelaram uma copiosa documentação obtida principalmente nos cemitérios Mas é necessário 742 Metodologia e pré história da África fazer pesquisas em grande escala nas regiões habitadas de modo a conseguir informações mais completas sobre as habitações a cerâmica doméstica e os utensílios de pedra Pelo fato de ocuparem uma área bem vasta os sítios do norte do Egito não foram exaustivamente explorados e portanto são conhecidos apenas por relatos parciais Apesar disso forneceram dados bem mais completos que os sítios contemporâneos que ficam ao sul graças às pesquisas realizadas tanto nas habitações quanto nos cemitérios Seria conveniente então que as investigações levadas a efeito nessa parte do Egito interrompidas há alguns anos por diversas razões fossem retomadas a fim de se completar a documentação Quanto à Núbia sudanesa várias civilizações específicas pertencentes a esses períodos foram estudadas cuidadosamente Até agora as mais representativas dentre elas parecem ser a Cartumiense e a Shaheinabiense Mas há muito trabalho ainda por fazer pois foram descobertas dezenas de sítios aparentemente relacionados a essas culturas ou a fases diferentes e que estão esperando pelas escavações O objetivo dessa pesquisa é contribuir para o ajustamento dos elos da corrente da história africana antes do período faraônico C A P Í T U L O 2 6 743 A arte pré histórica africana A arte pré histórica africana J Ki Zerbo Com o aparecimento do homem surgem não só utensílios mas também uma produção artística Homo faber homo artifex A pré história africana não foge à regra Há milênios as relíquias pré históricas deste continente vêm sofrendo degradações provocadas tanto pelo homem quanto pelos elementos naturais Já na pré história movido por uma iconoclastia ritual o homem perpetrou por vezes atos de destruição Os colonizadores civis ou militares os turistas os industriais do petróleo os autóctones entregam se ainda a essas depredações e pilhagens desavergonhadas de que fala L Balout no prefácio da brochura de apresentação da exposição O Saara antes do deserto1 De maneira geral a arte pré histórica africana ornamenta a África na região dos planaltos e dos maciços enquanto a África das altas cordilheiras das depressões e das bacias fluviais e florestais da zona equatorial é incomparavelmente menos rica nesse campo 1 H LHOTE refere se a militares franceses que em 1954 na Argélia cobriram com uma camada de tinta a óleo o magnífico painel de elefantes de Hadjira Mahisserat para melhor fotografá lo Outros criva ram de balas de metralhadora a parede próxima à grande gravura do escorpião em Geret et Taleb Em Beni Unif as cristas decoradas com gravuras foram demolidas e as pedras utilizadas como material de construção etc Cf H LHOTE 1976 Mesmo certos especialistas não estão isentos de culpa inúmeras obras foram recortadas e enviadas para Viena por Emil Holub no fim do século XIX 744 Metodologia e pré história da África Nos setores privilegiados os sítios localizam se essencialmente no nível das falésias formando o rebordo das terras altas sobretudo quando avançam sobre os talvegues de rios atuais ou já desaparecidos Os dois centros mais importantes são a região do Saara e a África austral Entre o Atlas e a floresta tropical de um lado e o mar Vermelho e o Atlântico de outro foram localizados inúmeros sítios contendo dezenas talvez centenas de milhares de gravuras e pinturas Alguns desses centros são hoje mundialmente conhecidos graças aos trabalhos de pré historiadores franceses italianos anglo saxões e cada vez mais africanos Bons exemplos podem ser encontrados na Argélia o sul oranês o Tassili nAjjer Jabbaren Sefar Tissoukai Djanet etc no sul do Marrocos no Fezzan Líbia no Air e no Tenere Níger no Tibesti Chade na Núbia no maciço da Etiópia no Dhar Tichitt Mauritânia em Moçâmedes Angola O segundo epicentro importante situa se no cone meridional da África entre o oceano Índico e o Atlântico tanto no Lesoto quanto em Botsuana em Malavi em Ngwane na Namíbia e na República Sul Africana particularmente nas regiões de Orange do Vaal e do Transvaal etc Nessas regiões as pinturas encontram se em abrigos rochosos ao passo que as gravuras estão a céu aberto As grutas como a de Cango Cabo são excepcionais Raros são os países africanos em que não se tenham descoberto vestígios estéticos embora é verdade nem sempre sejam pré históricos A prospecção no entanto está longe de se completar Por que esse florescimento nos desertos e nas estepes Em primeiro lugar porque na época a região não era de desertos e estepes Em segundo porque ao tornar se como é hoje transformou se num meio propício à conservação graças à própria secura do ar no Saara por exemplo descobriram se objetos que estavam in situ há milênios Por que à beira dos vales que recortam os maciços Por razões de habitat de defesa e de aprovisionamento de água e de caça No Tassili arenítico situado ao redor do núcleo cristalino dos montes do Hoggar que avança para o sul por uma falésia de 500 m as alternâncias de calor e frio sensíveis sobretudo no nível do solo juntamente com os pequenos cursos de água cavaram na base das montanhas coberturas e abrigos grandiosos que dominavam os talvegues dos rios Um dos exemplos mais impressionantes é o abrigo sob rocha de Tin Tazarift Por outro lado os arenitos tabulares foram escavados e sulcados pela erosão eólica formando galerias naturais logo exploradas pelo homem Tal é o quadro de vida traçado com tanta fidelidade e brio pelas obras primas da arte mural africana 745 A arte pré histórica africana Cronologia e evolução Métodos e dificuldades de datação A aplicação do método estratigráfico à rocha in situ frequentemente se revela de pouca utilidade pois o clima úmido que perdurou por longos períodos da pré história provocou uma lixiviação profunda das camadas que recobrem o solo dos abrigos Contudo na África do Sul encontram se às vezes gravuras sob as pinturas os restos de matérias orgânicas pintura caídos das paredes numa camada não explorada podem fornecer alguns indícios Mas os aterros e desaterros às vezes intencionais dessas camadas confundem a datação mesmo relativa que se poderia esperar obter Recorre se então algumas vezes às pátinas dos quadros e das rochas suporte fazendo se um estudo comparado de suas modificações cromáticas Este método que se mostra adequado já que leva em conta o próprio objeto em estudo parte do princípio de que as pátinas mais claras e mais distintas da rocha mãe são as mais recentes Com efeito a formação da pátina opera se lentamente sobre todas as rochas inclusive os arenitos brancos Trata se de um processo análogo à laterização através da qual os óxidos e carbonatos infiltrados sob forma líquida pela chuva ou pela umidade voltam à superfície por capilaridade e graças à evaporação formam uma crosta sólida mais ou menos escura conforme sua antiguidade Ter se ia então tomando como referência a rocha local uma base teórica de cronologia relativa Mas são muitos os obstáculos tudo vai depender da natureza da rocha de ela estar ou não exposta ao sol de ficar na direção do vento ou contra ele etc Essa cronologia é pois dupla ou triplamente relativa2 Outras vezes para avaliar a antiguidade dos quadros tomam se por base os animais representados já que nem todas as espécies viveram nos mesmos grandes períodos O búbalo por exemplo é uma espécie muito antiga hoje extinta conhecida apenas através das ossadas fósseis Mas esses animais não podem ter sido reproduzidos como lembrança de um período anterior Os estilos também não constituem como veremos um ponto de referência preciso longe disso É bem verdade que no começo a observação parece ter sido predominante donde uma veia seminaturalista característica Por outro lado as gravuras bubálicas do Saara são em geral anteriores às pinturas Os objetos subjacentes que têm o mesmo tipo de decoração que as pinturas são em princípio contemporâneos destas Mas não há absolutamente nenhuma regra geral 2 A deformação do perfil do traço que nas gravuras sob o efeito de processos físico químicos passa do V original para uma forma alargada e rebaixada fornece apenas indicações muito vagas sobre a idade do quadro 746 Metodologia e pré história da África Outro procedimento que também se utiliza às vezes é a datação relativa a partir de traçados superpostos ou seja traços que recobrem outros traços e que portanto são mais recentes Contudo nem sempre se encontram tais superposições e além disso a deterioração das rochas e a alteração dos pigmentos frequentemente tornam a interpretação arriscada e contraditória3 Resta é claro o método do C14 que é o ideal mas cuja aplicação é muito rara devido às razões já mencionadas Além do mais impõem se numerosas precauções o fragmento de pintura não esteve em contato com matérias orgânicas recentes O fragmento de carvão não provém de um incêndio provocado por um raio Apesar de tudo as datas obtidas por esse método multiplicam se pouco a pouco Em Meniet por exemplo Mouydir no Saara central um carvão recolhido numa camada profunda forneceu a data de 5410 300 BP A política também pode se imiscuir na cronologia Os observadores bôeres por exemplo estão muito pouco dispostos a aceitar a grande antiguidade da civilização artística dos autóctones africanos Tendem pois a reduzir lhe o desenvolvimento seja por omissão seja aplicando mecanicamente métodos de avaliação utilizados para os rupestres europeus Nessas condições as representações do Drakensberg são situadas por eles como posteriores ao século XVII isto é muito tempo depois da chegada dos Bantu Ora sem contar que a arte rupestre sul africana representa por vezes animais que datam de épocas muito anteriores nessa região parece pouco provável que os San tenham esperado os conflitos com os Bantu para desenvolver uma forma de arte para cuja prática seria necessário um mínimo de estabilidade Convém portanto reexaminar a questão dos períodos Períodos Quando se deseja classificar os achados da arte pré histórica em sequências temporais inteligíveis a primeira abordagem deve ser geológica e ecológica já que era o meio mais determinante do que hoje para os povos então mais desprovidos tecnicamente que estabelecia e impunha o quadro geral da existência O biótopo particularmente condicionava a vida das espécies representadas inclusive a do próprio homem suas técnicas e seus estilos Se 3 J D LAJOUX aplicou as mais recentes técnicas fotográficas nas pinturas de Inahouanrhat Tassili Personagens vermelhas pareciam ter sido pintadas sobre a figura de uma mulher mascarada de cor marrom esverdeada mas os ornamentos brancos da mulher foram acrescentados mais tarde sobre as figuras vermelhas É comum entre os aborígines da Austrália a prática de repintar as representações rupestres wondjina a fim de revigorá las essa prática é acompanhada de narrativas míticas para invocar a chuva L Frobenius observou o mesmo costume entre os jovens senegaleses 747 A arte pré histórica africana é verdade que segundo a expressão de J Ruffie o homem na origem é um animal tropical africano as condições temperadas do norte após as grandes glaciações permitiram a colonização humana da Europa que culminou com o esplêndido desabrochar da arte das galerias subterrâneas há quarenta séculos A arte mural africana é muito posterior Na opinião de certos autores como E Holm suas origens datam do Epipaleolítico mas ela marcou essencialmente o período Neolítico4 Tomou se o hábito de batizar os grandes períodos da arte mural com o nome do animal que lhe serve de referência tipológica Assim quatro grandes sequências foram caracterizadas pelo búbalo o boi o cavalo e o camelo O búbalo Bubalus antiquus era uma espécie de búfalo gigantesco que data segundo os paleontólogos do início do Quaternário É representado desde o começo da arte rupestre aproximadamente 9000 BP até cerca do ano 6000 BP Outros animais que marcam este período são o elefante e o rinoceronte Quanto ao boi trata se tanto do Bos ibericus ou bachyceros com chifres curtos e grossos como do Bos africanus dotado de magníficos chifres em forma de lira Ele aparece por volta do ano 6000 BP O cavalo Equus caballus aparece por volta do ano 3500 BP por vezes atrelado a um carro5 O estilo do galope aéreo embora não seja realista é naturalista na trilha ocidental do Marrocos ao Sudão sendo contudo muito esquematizado na rota oriental do Fezzan6 Aqui já estamos há muito no período histórico em que o hipopótamo desaparece das representações rupestres o que sem dúvida indica o fim das águas perenes O camelo fecha a fila desta 4 O Neolítico saariano mostra se cada vez mais antigo à luz das descobertas recentes Um sítio neolítico que continha cerâmica no maciço de Hoggar foi datado de 8450 BP pelo método do carbono 14 é pois praticamente contemporâneo do Neolítico do oriente próximo Ver também as datas sugeridas por D Olderogge no Capítulo XI para dois sítios na Núbia Ballana 12050 BP e Toshké 12550 BP Em In Itinem foram encontrados restos de alimentos em um abrigo sob rocha decorado com pinturas do período bovidiano A ocupação mais antiga foi datada pelo carbono 14 de 4860 250 B P No maciço de Acacus Líbia F Mori encontrou entre duas camadas com restos de ocupação um fragmento de parede desabada com pintura do período bovidiano As duas camadas foram datadas descobrindo se que o fragmento de parede data de 4730 BP Ver H LHOTE 1976 p 102 e 109 Também é citada a data de 7450 BP para o período bovidiano médio de Acacus cf H J HUGOT 1974 p 274 J D CLARK indica uma data de 6310 250 BP para Solwezi Zâmbia Por outro lado a data indicada na tese de J T LOUW para o abrigo de Mattes Província do Cabo 11250 400 BP é considerada pouco segura O caso de Tin Hanakatem é extraordinário pode se estabelecer uma correlação entre os afrescos e toda uma série de níveis neolíticos e proto históricos que contêm esqueletos ou seja uma estratigrafia humana fácil de datar incluindo até mesmo um nível ateriense Cf Découverte exceptionnelle au Tassili Archeologia n 94 maio 1976 p 28 e 29 5 A chegada do cavalo à África é frequentemente relacionada à chegada dos hicsos ao Egito Ver a esse respeito J KI ZERBO 1973 p 99 6 A respeito das rotas dos carros ver R MAUNY 1961 748 Metodologia e pré história da África caravana histórica Levado para o Egito aproximadamente no ano 500 pelos conquistadores persas aparece com frequência no início da Era Cristã7 Em se tratando da pré história são principalmente os dois primeiros períodos e o início do período equidiano que nos interessam neste trabalho São eles que marcam a vida ativa desse espaço imenso que mais tarde se tornaria o deserto do Saara Por outro lado no interior de cada grande período os especialistas obcecados pela subdivisão cronológica discutem os subperíodos Mas as descobertas prosseguem e é preciso tomar cuidado para não colar apressada e rigidamente etiquetas zoológicas sobre períodos inteiros de um passado tão pouco conhecido Trata se antes se é que posso me expressar assim de dinastias animais iconograficamente muito vagas com inúmeras superposições O carneiro por exemplo classificado como posterior ao búbalo e ao elefante parece ser às vezes seu contemporâneo Está presente nas mesmas paredes representado com as mesmas técnicas e apresentando a mesma pátina Talvez ele fosse pré domesticado ou mantido em cativeiro para fins religiosos Da mesma forma os grandes bois gravados de Dider Tassili um deles com mais de 5 m com grandes chifres em lira incorporando um símbolo parecem contemporâneos do búbalo O boi com pingente de Oued Djerat é colocado por alguns especialistas no período bubálico Por outro lado são frequentes as representações de novos animais como por exemplo as corujas de Tan Terirt que em número de aproximadamente quarenta sobrepõem se às imagens de bovinos Fora da região do Saara os grandes períodos geralmente são posteriores e se definem por critérios que variam de autor para autor sobretudo entre os que para estabelecer uma periodização apóiam se às vezes em técnicas gêneros e estilos8 Técnicas gêneros e estilos Técnicas As gravuras As gravuras encontradas nos locais onde também existem pinturas são em geral anteriores a estas e sua melhor técnica surge nos períodos mais recuados Aparecem sobre rochas areníticas menos duras mas também em granitos 7 Entretanto o camelo parece ser conhecido desde o período faraônico Cf E DEMOUGEOT 1960 p 209 47 8 Na África meridional com base na forma do traço na técnica de trabalho da rocha incisão martelagem mais ou menos acentuada polimento etc e no tipo de seres representados certos autores distinguem dois grandes períodos o primeiro com duas fases e o segundo com quatro 749 A arte pré histórica africana Figura 261 Rinoceronte Blaka Níger Foto H J Hugot Figura 262 Gazela Blaka Níger Foto H J Hugot Figura 263 Bovino Tin Rharo Mali Foto H J Hugot Figura 264 Elefante In Ekker Saara argelino Foto H P C Haam 750 Metodologia e pré história da África e quartzitos sendo executadas com uma pedra apontada golpeada com um percutor neolítico Alguns exemplares de percutores foram encontrados nos locais das gravuras Dispondo apenas desse equipamento mínimo conseguiu se grande precisão técnica O elefante de Bardai é delineado com um traço leve e simples é quase um esboço mas mostra o essencial Já os elefantes de In Galjeien Mathendous e de In Habeter II e o rinoceronte de Gonoa Tibesti são profundamente burilados com um traço ao mesmo tempo pesado e cheio de vida Os entalhes em forma de V ou de U têm aproximadamente 1 cm de profundidade foram feitos com uma machadinha de pedra ou com um pedaço de madeira bem dura utilizando talvez areia úmida como abrasivo Algumas vezes parece que várias técnicas foram combinadas por exemplo a martelagem delicada e a incisão em forma de V A piquetagem prévia deixou aqui e ali traços de asperezas no fundo da ranhura O polimento final era acompanhado por um trabalho de cinzelamento Indiscutivelmente a execução dessas gravuras exigiu por vezes habilidades atléticas No Oued Djerat por exemplo há um elefante de 45 m de altura e esboços de um rinoceronte de 8 m de comprimento Acredita se que na África central e meridional as gravuras de contornos profundamente entalhados estivessem relacionadas a finalidades religiosas enquanto os desenhos feitos com ranhuras mais delicadas teriam uma finalidade pedagógica ou de iniciação O refinamento provém do fato de que algumas superfícies vazadas e polidas com brilhantismo representam as cores das peles dos animais ou dos objetos carregados por eles Encontramos aí uma prefiguração dos baixos relevos do Egito faraônico Com efeito a figura aparece por vezes como um relevo entalhado na rocha vazada com essa finalidade camafeu A rocha matriz é utilizada de maneira muito apropriada Citamos como exemplo uma girafa que foi gravada num bloco alongado de diabásio cujo formato combina perfeitamente com o da girafa Transvaal ocidental Na região de Leeufontein um rinoceronte foi entalhado sobre uma rocha de superfície áspera e com arestas angulosas que reproduzem exatamente a carapaça do animal Na colina de Maretjiesfontein Transvaal ocidental uma zebra quagga foi representada por entalhe e piquetagem sobre um bloco de diabásio e seu maxilar inferior coincide com uma pequena saliência da pedra que lembra sua forma anatômica No Museu do Transvaal há um esplêndido antílope macho cuja crina foi reproduzida por linhas piquetadas e a mecha frontal por entalhes delicados As cores interna azul e superficial ocre vermelho da rocha são utilizadas com perfeição para realçar os contrastes Outra obra prima dos gravadores pré históricos africanos é o grupo de girafas de Blaka com suas pelagens manchadas suas patas em posições extremamente naturais e mesmo 751 A arte pré histórica africana suas caudas em movimento oscilante Em seu aspecto global porém a técnica começou a decair Já durante o período chamado bovidiano as gravuras são frequentemente medíocres como é o caso das girafas de El Greiribat entalhadas com piquetagem larga e grosseira As pinturas As pinturas não devem ser completamente dissociadas das gravuras Em Tissoukai por exemplo há esboços gravados sobre as paredes sugerindo que os artistas gravavam antes de pintar Também aqui os trabalhos artísticos exigiam às vezes proezas atléticas Em Uede Djerat há uma pintura do período equidiano com 9 m de comprimento feita num teto com uma inclinação abrupta Em alguns sítios do Tassili como Tissoukai as pinturas aparecem a mais de 4 m de altura como se a intenção fosse evitar as partes inferiores ao alcance do homem para isso foi necessário utilizar escadas rudimentares e até mesmo andaimes As pinturas são monocromáticas ou policromadas conforme o caso9 No baixo Mertoutek era usado o caulim roxo no abrigo da face sul do Enneri Blaka o caulim ocre vermelho de tipo sanguíneo em outros locais uma paleta furta cor com uma tal combinação de tons que era capaz de recriar as condições e o equilíbrio da realidade Para tanto fazia se necessária uma técnica bastante complexa tendo sido encontrados vestígios de ateliês Em In Itinem por exemplo pequenas mós chatas e minúsculos trituradores para pulverizar rochas assim como pequenos godês de pintura foram descobertos nas escavações Os pigmentos revelaram se muito resistentes conservando até hoje um viço e um frescor extraordinários A gama relativamente rica é constituída de algumas cores básicas o vermelho e o marrom provenientes do ocre tirado do óxido de ferro o branco obtido a partir do caulim do excremento de animais do látex ou de óxidos de zinco o preto extraído do carvão vegetal de ossos calcinados e triturados ou da fumaça e da gordura queimada Além dessas cores eram utilizados também o amarelo o verde o violeta etc Depois de finamente triturados num almofariz com um pilão esses ingredientes eram misturados com um líquido talvez leite cuja caseína é uma excelente liga gordura derretida ou ainda clara do ovo mel ou tutano cozido Isso explica o viço dos tons que perdura há milênios As cores eram aplicadas com os dedos com penas de pássaros com espátulas de palha ou de madeira mascada com pêlos de animais presos a um graveto por meio de tendões e também por um 9 LAJOUX J D 1977 p 151 752 Metodologia e pré história da África processo de pulverização em que o líquido era borrifado com a boca Foi através desse último processo que foram realizadas as mãos em negativo visíveis até hoje nas paredes rochosas e que constituem uma espécie de assinatura original dessas obras primas Algumas vezes faziam se correções nas pinturas mas sem apagar os traços anteriores É essa a origem dos bovinos com quatro chifres homens com três braços etc Também nas pinturas as características da rocha eram utilizadas de modo engenhoso como por exemplo em Tihilahi onde uma fenda natural da parede tornou se o bebedouro sobre o qual a manada se inclina10 As joias A arte ligada aos adornos não exige uma técnica menos desenvolvida muito pelo contrário Algumas contas são de cornalina rocha extremamente dura As técnicas dos joalheiros podem ser reconstituídas através do estudo dos restos deixados em diversas etapas de seu trabalho Inicialmente discos planos eram desprendidos por percussão depois por fricção Em seguida uma lasca pontiaguda grossa e quadrangular era destacada de um bloco de sílex e servia como buril Sua ponta aguçada era cravada no centro do disco em ambos os lados alternadamente produzindo dois furos alinhados O momento mais delicado do trabalho era fazer os dois furos coincidirem O estilete de sílex se transformava então numa broca giratória e com a ajuda de areia fina misturada com resina vegetal limava o furo central até abri lo por completo Outras pedras igualmente duras amazonita hematita calcedônia também eram utilizadas assim como o osso e o marfim na confecção de pingentes braceletes e adornos para o tornozelo A pedra pomes era usada para polir esses ornamentos Em Tin Hanakaten foram descobertas algumas brocas de microdiorito no meio de contas feitas com casca de ovo de avestruz A cerâmica A pasta para a cerâmica era preparada com uma liga feita com estrume de ruminantes A seguir um cordel desse material era enrolado sobre si mesmo e trabalhado com os dedos e com um instrumento alisador O gargalo desses potes tem múltiplas formas anelados alargados inclinados curvos O cozimento devia ser impecável a julgar pelas cores matizadas que vão do rosa ao marrom 10 LAJOUX J D 1977 p 151 753 A arte pré histórica africana escuro O engobe era conhecido assim como o verniz vegetal utilizado ainda hoje na cerâmica da África e para laquear ou ornamentar o assoalho o telhado ou as paredes das casas As decorações magníficas eram feitas com pentes de osso espinhas de peixe impressões de espigas de milho corda e grãos com uma riqueza de imaginação que se expressa através de uma grande variedade de motivos Em Uede Eched no norte do Mali fornos de ceramistas agrupados em local isolado atestam a importância do trabalho desses artífices que nada ficava a dever à habilidade de seus congêneres de Es Shaheinab no Sudão Cartumiense11 A escultura A escultura também está presente limitando se no entanto a miniaturas um ruminante deitado em Uede Amazzar Tassili um boi deitado em Tarzerouck Hoggar uma pequena lebre com longas orelhas caídas sobre o corpo em Adjefou uma impressionante cabeça de carneiro em Tamentit no Touat uma escultura de pedra antropomórfica em Ouan Sidi no Erg oriental uma cabeça de coruja esplendidamente estilizada em Tabelbalet estatuetas de argila que representam formas estilizadas de pássaros mulheres e bovídeos um dos quais ainda apresenta dois pequenos ramos à guisa de chifres em Tin Hanakaten Tipos e estilos Em termos gerais é possível distinguir no Saara três grandes tipos e estilos que coincidem aproximadamente com os períodos mencionados acima O primeiro é o tipo arcaico de tamanho monumental seminaturalista ou simbolista O homem parece estar ainda sob o impacto das primeiras emoções perante a força dos animais selvagens que é preciso dominar eventualmente através da magia Podemos distinguir aí dois estágios O primeiro é o estilo bubálico localizado sobretudo no sul de Orã no Tassili e no Fezzan que apresenta gravuras caracterizadas por um agudo senso de observação As figuras são exclusivamente de animais em geral de grande porte e com frequência isolados O estilo seminaturalista despojado e austero limita se aos traços essenciais feitos com maestria Exemplos desse estilo são o rinoceronte e os pelicanos do Uede Djerat Tassili o elefante de Bardai Chade o elefante de In Galjeien no Uede Mathendous O segundo estágio se caracterizou por antílopes 11 Cf HUGOT J H 1974 p 155 754 Metodologia e pré história da África Figura 265 Pintura rupestre Namíbia Foto A A A Myers n 3672 Figura 266 Pintura rupestre Tibesti Chade Foto Hoa Qui n ART 11003 755 A arte pré histórica africana e argalis geralmente pintados Os homens estão em toda a parte com suas cabeças redondas O estilo ainda é seminaturalista e às vezes simbolista mas as linhas em vez de sóbrias são ao contrário animadas até mesmo dinâmicas ou patéticas Os ritos mágicos estão próximos podemos senti los nos animais totens nos homens mascarados nas danças rituais etc As figuras isoladas não são próprias desta fase Existem representações de pequeno porte mas também frisos e afrescos compostos os maiores do mundo Esse estilo concentrado no Tassili é visto em cenas que retratam argalis com chifres poderosos dançarinos mascarados como em Sefar sítio epônimo segundo J Lajoux a sacerdotisa de Ouanrhet chamada de Dama Branca O segundo grande tipo é o da pintura e da gravura naturalistas com figuras de tamanho pequeno isoladas ou em grupos O estilo é claramente descritivo Já se pode sentir que o homem é ativo e que domina e controla os bovinos caninos ovinos e caprinos As cores se multiplicam É o Saara das aldeias e dos acampamentos O sítio epônimo seria Jabbaren O terceiro tipo estilístico é esquemático simbolista ou abstrato As técnicas anteriores são conservadas mas frequentemente entram em decadência Todavia não se deve crer que tal decadência tenha sido generalizada As técnicas de gravura sobretudo decaem os contornos são vagos o pontilhado e a piquetagem grosseiros Na pintura porém o estilo do traço fino apesar de inferior em certos aspectos ao traço austero e vigoroso dos estágios anteriores permite apreender melhor o movimento às vezes de três quartos de perfil ele se presta bem à estilização e às fórmulas novas A elegância dos traços do homem de Gonoa Saara do Chade por exemplo lembra um bico de pena em que os olhos as pupilas os cabelos a boca e o nariz são representados com uma precisão quase fotográfica Também a técnica da aquarela permite obter nuances muito delicadas como no caso do pequeno antílope de lheren Tassili com patas vacilantes que vem mamar em sua mãe que abaixa ternamente a cabeça Este gênero é adequado à estilização de cavalos e carroças posteriormente de dromedários e também do homem que é representado com dois triângulos como em Assedjen Ouan Mellen ou que tem apenas um longo pescoço em lugar de cabeça Existem portanto tendências simultâneas à precisão do traço e ao esquematismo geométrico um pouco descuidado que se combina no fim do período com os caracteres alfabéticos líbico berberes ou tifinagh Um grande número de detalhes como as selas árabes com contraborraina obviamente posteriores ao século VII da Era Cristã permitem comprovar que essas composições não pertencem à pré história 756 Metodologia e pré história da África Alguns comentários se fazem necessários a propósito desses estilos que evoluem sem limites cronológicos precisos O segundo estágio do estilo arcaico em particular é bastante heterogêneo O bovino que anda a passo lento de Sefar não tem nada em comum com as cabeças mascaradas e os motivos simbolistas Por outro lado certos estereótipos atravessam vários tipos e estilos tal como a técnica pictórica que consiste em representar os bovídeos com os chifres de frente e a cabeça de perfil encontrada em Ouan Render São também estereotipados certos gestos e atitudes como a dos pastores que têm um braço estendido enquanto o outro está dobrado sobre a cintura Enfim nota se claramente a existência de certos temas regionais o carneiro no sul de Orã a espiral no Tassili que não aparece no Fezzan nem no sul de Orã Em compensação os temas sexuais caracterizam sobretudo o Fezzan e o Tassili No que diz respeito ao estilo dos adornos foram encontrados no Capsiense Superior ovos de avestruzes gravados com motivos geométricos Mas é sobretudo ao Neolítico de tradição sudanesa que devemos os instrumentos e armas artísticas os esplêndidos broches de sílex jaspeado envernizados em verde e vermelho escuro a cerâmica decorada com linhas onduladas wavy line as pontas de flechas de Tichitt com suas denticulações cuidadosamente polidas e seu perfeito formato triangular Nas outras regiões da África a tipologia ainda está sendo estudada Na Namíbia por exemplo um autor menciona a existência de vinte estratos e estilos de cores diferentes com quatro grandes fases 1 fase dos grandes animais em estilo arcaico sem figuras humanas 2 painéis de pequenas dimensões com representações humanas 3 fase monocromática com cenas de caça e danças rituais cheias de vida 4 fase policromada que atinge o apogeu estético como no abrigo de Philipp Cave Damaraland e nas pinturas de Brandberg datadas do ano 1500 BP L Frobenius por sua vez distingue dois estilos principais de arte rupestre na África meridional Na ponta sul do continente do Transvaal ao Cabo do Drakensberg oriental às falésias da costa da Namíbia trata se de uma arte naturalista na qual predominam os animais quase sempre representados isoladamente com uma habilidade consumada que reproduz com exatidão as dobras da pele de um paquiderme e as listras da pelagem de uma zebra Mas essa arte é inanimada e fria ainda que as pinturas sejam policromadas e compostas e as cores aplicadas por fricção com notável habilidade Trata se de cenas bem estruturadas de caçadas de danças de procissões e de conselhos Por outro lado do centro do Transvaal ao Zambeze Zâmbia Zimbabwe Malavi a arte é fundamentalmente monocromática baseada no vermelho ou no ocre dos óxidos 757 A arte pré histórica africana de ferro às vezes aproximando se do violeta A rocha suporte é o granito e não o arenito como no caso precedente A técnica utilizada é o desenho que é tão fiel ao real quanto as aquarelas do sul no entanto não se trata de uma fidelidade mecânica A realidade é algumas vezes interpretada em composições cênicas em que se nota uma prodigiosa fertilidade de imaginação12 O homem é retratado com ombros largos e cintura estreita ou seja cuneiforme Visto de frente seus membros aparecem de perfil como nos baixos relevos egípcios No sul os personagens são mais naturais com membros mais harmoniosos em cenas de caça e de combate que às vezes se confundem No norte há cenas de funerais solenes talvez exéquias reais com personagens demonstrando sentimentos pungentes de pesar A fauna ao contrário na grande caverna de Inoro por exemplo desfila não como uma arca de Noé cuidadosamente organizada mas como um bestiário fantasmagórico pássaros gigantescos com bicos semelhantes a mandíbulas de crocodilos elefantes enormes com o dorso denticulado animais bicéfalos Por vezes são mitos elaborados como o da chuva O pano de fundo desses afrescos fantásticos consiste em verdadeiras paisagens onde os rochedos estilizados as árvores identificáveis do ponto de vista botânico e os lagos piscosos estão dispostos de maneira inteligente Essa é a arte do Zimbabwe menos animada fisicamente que a do Sul mas carregada de emoções tumultuosas ou pungentes Segundo Frobenius o estilo cuneiforme estaria ligado a uma civilização altamente desenvolvida e sabemos que na região de Zimbabwe existiram tais civilizações Também de acordo com ele esse estilo anguloso e austero foi substituído por um estilo de traços mais arredondados e flexíveis mais afetado e efeminado quando as sociedades que o haviam inspirado entraram em decadência13 No Alto Volta as gravuras rupestres no norte do país Aribinda têm um estilo seminaturalista ou esquemático enquanto no sul elas são sobretudo de forma geométrica Também existem pinturas nas cavernas da falésia de Banfora Na África central as pesquisas revelaram sítios que comprovam a ocupação humana desde o pré Acheulense até a Idade dos Metais Foram localizados alguns centros de arte rupestre o abrigo de Toulou na região de Ndele habitado desde a pré história até hoje e que apresenta personagens estilizados pintados de vermelho e muito antigos e figuras pintadas de branco com as mãos na 12 A representação da caça e dos animais é no conjunto naturalista às vezes por razões mágicas pois a imagem deve reproduzir o mais exatamente possível o objeto do rito Por outro lado as efígies humanas são com frequência deliberadamente esquemáticas trata se de protegê las contra as influências mágicas 13 HABERLAND E 1973 p 27 758 Metodologia e pré história da África cintura o abrigo de Koumbala os sítios de gravuras nas cabeceiras do Mpatou e os sítios de Lengo Mbomou Essa arte tem muito pouco em comum com a do Saara relacionando se mais com as pinturas da África oriental e meridional14 Motivações e interpretações As representações rupestres foram denominadas petroglifos De fato mais que qualquer outra essa arte representa uma linguagem de signos isto é uma ponte entre o real e a ideia É um símbolo gráfico que requer uma chave para ser entendido O desconhecimento das condições sociais de produção dessa arte é na verdade a maior desvantagem para sua correta explicação Por isso é importante não fazer interpretações apressadas omitindo a etapa da descrição do próprio signo ou seja a análise formal Ora frequentemente a própria descrição já é feita em termos de interpretação O ideal seria uma abordagem estatística que permitiria proceder ao levantamento de dados quantitativos e qualitativos do maior número possível de pinturas a fim de tornar viável uma análise comparativa15 Seria possível verificar por exemplo se os conjuntos de signos encontrados num certo número de quadros obedecem a uma dinâmica qualquer no tempo e no espaço Mas a sequência evolutiva reconstituída será tanto mais plausível quanto mais completa a documentação Enfim essas hipóteses que resultam da análise formal só poderão ser confirmadas se concordarem com a massa de dados que constituem o sistema global dessa sociedade De fato um quadro pré histórico é apenas uma parcela mínima de um macro sistema de informação isto é de uma cultura que compreende muitos outros semelhantes Nesse nível de análise verificamos o quanto é complexo o sistema de signos a que precisamos chegar para apreender o verdadeiro significado de uma representação estética Sem contar que esta última além do significado óbvio pode apresentar um outro oculto pois o signo é não somente signo de algo mas também signo para alguém simbolismo É necessário portanto passar da morfologia à sintaxe social e do simples comentário de um quadro puramente naturalista cujo significado é evidente à decodificação da mensagem cifrada de um quadro abstrato E nesse ponto que a referência ao contexto cultural se torna 14 R de BAYLES des HERMENS 1976 15 Essa abordagem quantitativa pode eventualmente passar por uma análise de computador com as devidas precauções A esse respeito ver os trabalhos de A Striedter no Instituto Frobenius de Frankfurt dirigido pelo Professor Haberland 759 A arte pré histórica africana indispensável pois os objetos são representados de maneiras diferentes segundo as culturas Quanto mais um signo está afastado do objeto designado mais ele é específico de uma cultura mais ele serve de indicador Exatamente como uma mesma onomatopeia que presente em várias línguas não caracteriza nenhuma delas de modo especial nada mais é que o reflexo de uma mesma natureza comum Isso não ocorre com uma palavra típica de uma determinada língua Podemos então considerar as grandes galerias de arte como estações emissoras de mensagens culturais Mas quais são os receptores Será que essas estações não emitiam mensagens sobretudo para os próprios produtores e também para o conjunto de sua sociedade a qual nos deixou uma quantidade demasiado pequena de outros vestígios que pudessem facilitar a leitura e a decodificação dessas mensagens Em resumo a problemática e os métodos de exploração estética devem chegar a uma definição dos tipos de cultura que são a base dessas manifestações parciais Delimitando os espaços culturais em que estão mergulhados podemos reconstituir o contexto histórico em que elas se inseriam É por esse motivo que a descrição de pinturas rupestres africanas por meio de fórmulas ou legendas como Os juízes de paz A dama branca O arrancador de dentes Josefina vendida pelas irmãs Os marcianos é inadequada pois transfere e aliena todo um conjunto cultural interpretando o através do código de um único observador ou de uma outra civilização16 Podemos estabelecer como princípio geral que a arte pré histórica africana deve ser interpretada sobretudo a partir de referências autóctones Apenas quando a solução para um problema não for encontrada no ambiente espaço temporal e cultural do lugar da região ou do continente é que podemos procurar suas causas em outra parte Assim existem duas abordagens principais para a interpretação da arte pré histórica a idealista e a materialista Segundo a explicação idealista essa arte expressava principalmente a visão de mundo das populações da época Essas concepções sozinhas explicam tanto o conteúdo quanto a própria execução das representações E importante pois que nos libertemos do jugo racionalista A arte do sul da África escreve Erik Holm aparece sob sua verdadeira forma se a consideramos como a manifestação do fervor religioso e da necessidade de transcender as coisas essa foi a metafísica da humanidade primitiva e as imagens zoomorfas são apenas uma máscara que disfarça a 16 Sobre esse assunto ver as observações pertinentes de J D LAJOUX 1977 p 115 et seqs Sem negar o direito ao humor nem a imensa cultura do Abade Breuil e os eminentes serviços que prestou ao estudo da pré história em geral e da África em particular devemos dizer que frequentemente ele se deixou levar por essa tendência 760 Metodologia e pré história da África Figura 267 Pista da Serpente pintura rupestre Foto A A A Mauduit n 35 C Figura 268 Dama Branca pintura rupestre Foto A A A Duverger n DUV 4852 761 A arte pré histórica africana verdadeira natureza das aspirações humanas Em vez de nos deixarmos levar por polêmicas contentemo nos com as indicações fornecidas pelo mito elas são suficientemente explícitas17 Nessas condições o simbolismo mitológico e cosmogônico é a chave principal para explorar o universo da arte rupestre L Frobenius desenvolveu brilhantemente as mesmas teses embora ele acrescente também considerações sociológicas Diz se que em Leeufontein o leão foi gravado sobre a face lateral da rocha para ser iluminado pelos primeiros raios do sol porque ele representa o astro do dia enquanto o rinoceronte está voltado para o poente por ser espírito da noite e da escuridão O rinoceronte cujos chifres simbolizam o crescente da lua nova é considerado pela tradição como o assassino da lua E Holm refere se também à finalidade ritual das cavernas situadas nos maciços afastados A lenda cosmogônica coletada entre os San no século XIX pelo filólogo alemão Willem Bleek levou o a afirmar que eles não fazem distinção entre a matéria e o espírito O antílope do Cabo desenhado com os membros atrofiados simboliza a lua nascente Quando aparece diante de figuras humanas como na galeria de Herenveen Drakensberg presume se que esteja sendo adorado O ágil cabrito montês listrado de vermelho simboliza a tempestade o louva a deus simboliza o raio e o elefante a nuvem de chuva como vemos no Monte Saint Paul Drakensberg Esse mito pode ser encontrado não somente em outras partes da África Philipp Cave na Namíbia Djebel Bes Seba e Ain Guedja na Argélia mas também num marfim gravado em La Madeleine na França O magnífico antílope do Cabo no museu do Transvaal apresenta uma pelagem cor de mel isso indicaria simplesmente que o antílope foi criado pelo louva a deus encarnação do sol e que o louva a deus a fim de lustrar o pelo do animal ungiu o com mel puro Se por vezes a zebra quagga foi pintada sem listras como na caverna de Nswatugi nos montes Matopo no Zimbabwe é porque originariamente a zebra não era listrada Ela só adquiria as marcas em sua pelagem depois de seu dorso ter sido queimado pelos raios do sol De acordo com esse ponto de vista bastaria possuir nos seus menores detalhes o metabolismo panteísta das origens africanas para dispor de uma espécie de chave mestra que permitiria decifrar todos os enigmas da arte rupestre africana qualificada como atemporal como omito Mas confessemos isto é mais bonito que verdadeiro 17 HOLM E L Art dans te Monde LAge de pierre p 183 et seqs p 170 et seqs etc 762 Metodologia e pré história da África Os adeptos da abordagem materialista por outro lado afirmam que a arte pré histórica como qualquer outra nada mais é que o reflexo da existência concreta dos homens de uma determinada sociedade um momento ideológico e um instrumento superestrutural que expressa um certo equilíbrio ecológico e sociológico e permite ao homem preservá lo ou melhorá lo em seu favor Em nossa opinião é possível fazer uma síntese dessas duas abordagens que isoladas seriam incompletas A arte pré histórica africana foi incontestavelmente um veículo de mensagens pedagógicas e sociais Os San que constituem hoje o povo mais próximo da realidade das representações rupestres afirmam que seus antepassados lhes explicaram sua visão do mundo a partir desse gigantesco livro de imagens que são as galerias A educação dos povos que desconhecem a escrita está baseada sobretudo na imagem e no som no audiovisual fato comprovado até hoje pela iniciação dos jovens na África subsaariana Os petroglifos da arte são algo semelhante No entanto é evidente que o mito não explica tudo pois antes de produzir o mito é necessário produzir e reproduzir a própria sociedade Assim o mito pode se tornar um meio privilegiado para melhorar ou deteriorar as forças produtivas e as relações de produção Aliás o próprio E Holm sugere isso quando cita o caso do jovem San convencido de que a ponta de flecha talhada em quartzo brilhante é uma parte da estrela que ele invoca ao afiar o gume Você que nunca erra o alvo você que é infalível faça me atingir minha presa Essa frase é de alcance essencialmente utilitarista ao contrário da conclusão idealista de Holm Para sobreviver o homem ordena e mobiliza o Universo É essa a função do mito mas não creio que seja a única18 Não devemos permitir que a floresta de símbolos nos impeça de ver as árvores da realidade concreta Na verdade às vezes a função espiritual pode existir de modo autônomo servindo então subjetivamente não mais como um meio mas como um fim em si O mito representa para o homem um modo de compreender o Universo organizando o ou seja racionalizando o de uma determinada maneira visto que há uma certa lógica imanente no discurso mitológico A finalidade espiritual existe portanto mesmo quando carregada de conteúdos infra estruturais Representar um ser temido já é de fato libertar se dele mantê lo sob nosso olhar significa dominá lo O silêncio mineral quase palpável que existe nos corredores rochosos 18 Do ponto de vista propriamente historiográfico devemos assinalar que os mitos estão às vezes repletos de ensinamentos Assim segundo os San o sol cansado de ser carregado nas costas da zebra abandonou a para se refugiar entre os chifres de um touro Isso nos leva ao outro extremo do continente às figurações norte africanas sul de Orã Saara Egito de bovídeos com discos solares Teria Hátor a deusa vaca nascido de um mito pan africano 763 A arte pré histórica africana secretos e fechados em In Itinem e Tissoukai significaria o recolhimento dos santuários e locais de iniciação ou o esconderijo de animais encurralados ou roubados Talvez os dois As figuras mascaradas com cabeças zoomorfas e os animais com atributos cefálicos discos auréolas barras etc19 frequentemente associados no sul de Orã e no Oued Djerat fazem lembrar personagens em posição de oração diante dos animais Também os três caçadores mascarados de Djerat que parecem cercar um búfalo que traz um disco sobre a cabeça representam talvez uma cena de magia Sendo as máscaras ainda hoje utilizadas por alguns povos africanos por que não basear a interpretação de tais cenas nessa problemática cultural em vez de nos entregarmos à pura especulação Descobriríamos que nem sempre a explicação é de fundo religioso Até hoje os caçadores da zona do Sahel usam uma cabeça de calau que balançam para cima e para baixo imitando esse pássaro para andando de quatro se aproximarem de um antílope antes de atirarem suas flechas Às vezes porém a desproporção entre os meios e o resultado é tamanha que sugere fortemente o uso da magia como quando um homem mascarado arrasta sem esforço um rinoceronte abatido com as patas para o ar numa gravura de In Habeter Líbia Certos ritos de fecundidade aparecem claramente no comportamento das figuras que parecem entregues a cópulas rituais como o coito entre uma mulher e um homem mascarado em Tin Lalan Líbia ou nas figuras com falos protuberantes que executam danças animadas De fato a fertilidade era o que mais importava sobretudo no fim do período pré histórico no Saara ou no deserto da Namíbia quando todo vestígio de vida recuava diante da seca crescente e implacável No sítio neolítico de Tin Felki foi encontrado um adorno de cornalina com formato hexagonal identificado por Hampaté Ba como um talismã de fertilidade utilizado até hoje pelas mulheres peul20 Nesse caso específico não devemos deixar de considerar também a motivação estética Como os homens e as mulheres do Neolítico africano pertenciam à categoria sapiens como nós não podemos lhes negar um sentimento característico de nossa espécie o prazer de criar formas pelo simples e puro gosto de contemplá las A admiração que experimentamos hoje diante dessas criações era ainda mais intensa quando os quadros acabavam de ser criados e seus modelos fervilhavam nas vizinhanças Os pequenos pilões para pós cosméticos as contas de amazonita calcedônia ou de casca de ovo de avestruz do Ténéré assim como os contornos soberbamente 19 Ver os célebres exemplos do boi de Maia Dib Líbia e do carneiro de Boualem Atlas Saariano 20 A cruz de Agadès ou de Iferouane teria se originado do signo de Tanit símbolo sexual feminino 764 Metodologia e pré história da África Figura 269 Detalhe de uma gravura rupestre Alto Volta Foto J Devisse Figura 2610 Pintura rupestre Namíbia Foto A A A Myers n 3808 765 A arte pré histórica africana modelados dos machados com garganta são testemunhas do elevado gosto estético dos africanos daquela época São relativamente numerosos os esboços abandonados como insatisfatórios Por outro lado inúmeros quadros estão de tal maneira expostos ao ar livre e aos transeuntes que não há sombra de dúvida acerca de seu caráter profano Tratava se em geral da arte popular Popular também no sentido de que provavelmente havia uma intenção histórica na sua criação De fato o prazer de recordar e o desejo de perpetuar a lembrança de feitos individuais ou coletivos também fazem parte das características de nossa espécie humana O homem nasceu cronista e os artistas da pré história são os primeiros historiadores africanos pois eles nos legaram em termos legíveis os estágios progressivos do homem africano em suas relações com o meio natural e social O peso da história ou a arte como documento Em que medida a arte pré histórica africana é a edição ilustrada do primeiro livro de história da África O meio ambiente ecológico Em primeiro lugar a arte pré histórica constitui um filme documentário sobre a infra estrutura das primeiras sociedades que viveram em nosso continente por exemplo sobre o seu ambiente ecológico Esse biótopo pode ser comprovado diretamente como no caso dos objetos encontrados in situ mas pode também ser deduzido do conteúdo das pinturas Cabe lembrar como alerta que uma representação estética não é necessariamente uma descrição objetiva do meio ambiente que lhe é contemporâneo O artista poderia ter reproduzido lembranças antigas ou ter materializado miragens e sonhos Mas neste caso não há nenhuma dúvida pois os testemunhos concordam com os resultados da análise geomorfológica que determinou a extensão dos lagos pré históricos e das antigas bacias hidrográficas Num sítio em Adrar Bous datado de 5140 BP pelo método do C14 H Lhote descobriu ossos de hipopótamos o que confirma por exemplo a autenticidade histórica do grupo de hipopótamos reproduzidos em Assedjen Ouan Mellen Ora esse animal é um verdadeiro indicador ecológico pois necessita de águas perenes para sobreviver Um outro indicador é o elefante que consome diariamente enormes quantidades de vegetais O Saara das pinturas pré históricas deve ter sido um grande parque com vegetação mediterrânea da 766 Metodologia e pré história da África Figura 2611 Pinturas rupestres planalto do Tassili nAjjer Argélia Fotos A A A 1 e 4 Naud no 12599 12379 2 e 3 Sudriez no 31 43 767 A arte pré histórica africana qual ainda hoje restam alguns vestígios Esse meio ecológico foi substituído gradativamente por um biótopo sudanês e saheliano21 No período do cavalo e da carroça são encontradas algumas representações de árvores tais como palmeiras que sem dúvida indicam a existência de oásis Na África meridional o estilo nórdico ou rodesiano é marcado por grande número de desenhos de árvores sendo possível identificar algumas delas Nos abrigos e nos lugares hoje desertos havia uma fauna abundante e variada ressuscitando por assim dizer uma espécie de arca de Noé um jardim zoológico petrificado gravuras de peixes de animais selvagens hirsutos e fortes como o antigo búbalo com seus chifres enormes de até 3 m de diâmetro de felinos como o guepardo e o protelo de macacos cercopitecos ou cinocéfalos em Tin Tazarift de avestruzes corujas etc Em todos os lugares aparecem cenas de caça que lembram a eterna luta entre o homem e os animais selvagens Essas cenas cheias de vida e às vezes de violência em que se vê a vitória da inteligência sobre a força bruta não deixam de lembrar os caçadores mencionados por Yoyotte no vale do Nilo pré dinástico com bolsas fálicas entre as pernas suas armas curvas e caudas postiças que na realidade como ainda hoje na África tropical nada mais eram que uma pele de animal levada a tiracolo Em Iheren há uma cena de caça ao leão onde a fera está cercada por lanças ameaçadoras Em Tissoukai um onagro abatido está prestes a ser esquartejado No vale do Nilo na Líbia e em todo o Saara há uma enorme quantidade de pinturas de armadilhas demonstrando a engenhosidade multiforme dos homens de então que adaptavam suas técnicas ao habitat e aos costumes dos animais22 Essa profusão de pinturas cinegéticas encontradas desde o Nilo até o Atlântico evidencia a existência de uma verdadeira civilização de caçadores Não escapavam nem mesmo os animais de grande porte como o elefante como se pode ver na grande cena de caça do alto Mertoutek Em quase toda parte as armadilhas estão associadas aos símbolos dos caçadores num padrão cultural de grande originalidade que existiu em quase toda a África durante dezenas de milhares de anos até uma época bastante avançada no período histórico como indica a lenda de Sundiata 21 Y e M Via 1974 22 Há paliçadas e redes armadilhas com disparador fossos ou trápolas mundéus armadilhas de bloqueio de tensão ou torção como em Dao Timni na fronteira entre o Níger e o Chade onde uma girafa está imobilizada por complexo sistema de tensão que lhe abaixa o pescoço até à horizontal Para detalhes das pesquisas sobre esse importante assunto ver P Huard e J Leclant 1973 p 136 et seqs 768 Metodologia e pré história da África Essas representações nos mostram também a passagem gradativa do estágio de espreita ou captura dos animais para o de seu aprisionamento e em seguida o de sua domesticação Vemos um homem armado com um arco e conduzindo um animal preso por uma trela enquanto uma caçada ao argali em Tissoukai é feita com a ajuda de cães O galgo saluki representado em Sefar com sua cauda enrolada atravessou os tempos como o companheiro do homem do deserto Uma cena de Jabbaren mostra um caçador à espreita diante de um animal selvagem equipado com uma arma curva ele está sendo seguido por um outro animal também à espreita mas que parece domesticado As variedades de bovídeos são retratadas Bos ibericus com chifres curtos e espessos no sul Bos africanus com grandes chifres em forma de lira em Taghit Jabbaren etc Às vezes esses animais aparecem com um pingente no pescoço Oued Djerat Existem ainda bovídeos com chifres esplendidamente trabalhados e decorados artificialmente retorcidos em forma de espiral como em In Itinem A variedade de jumento caçada em Tissoukai é a mesma domesticada desde o Neolítico quando é visto montado por um homem Há também ovinos e caprinos Até mesmo embarcações são reproduzidas como em Tin Tazarift com um perfil que lembra os barcos de papiro dos lagos e rios do Sudão chadiano e da Núbia O contexto humano Em In Itinem há pinturas que mostram homens inclinados para o chão manejando instrumentos angulares que lembram as cenas de colheita com foices dos baixos relevos faraônicos As pinturas de mulheres curvadas na postura característica de quem está joeirando ou respigando parecem indicar o cultivo de cereais durante o Neolítico no Saara aparentemente comprovado pela abundância de mós e pilões para grãos23 No entanto os estudos palinológicos de amostras saarianas apontam para a necessidade de uma certa prudência Talvez se trate de coleta embora seja difícil traçar os limites entre a vegecultura ou protocultura e a agricultura propriamente dita Em Battle Cave moças San partem para a colheita tendo sobre o ombro um bastão para cavar De qualquer maneira a profusão de obras de arte rupestre e de utensílios descobertos em vastas regiões da África em particular nas áreas hoje desérticas dá uma ideia interessante sobre a densidade demográfica dessas regiões A grande quantidade de artefatos sugere às vezes uma produção semi industrial como no nordeste 23 Os que foram descobertos pela missão Berliet Tenere classificam se entre os mais belos 769 A arte pré histórica africana de Béchard e no erg Erroui e mesmo em Madjouba Saara ocidental como provam as observações de T Monod A arte pré histórica africana também fornece muitos dados sobre as vestimentas dos homens de então Como é comum acontecer em épocas primitivas os homens usavam muito mais adornos que as mulheres até o período bovidiano quando a tendência parece inverter se Vestindo peles de animais enfeitando a fronte com faixas decoradas ou usando mantos de plumas os homens ostentam diversas insígnias às vezes enigmáticas colares braçadeiras braceletes etc Frequentemente as mulheres aparecem com um mínimo de roupas portando às vezes a lempe faixa de algodão passada entre as pernas e presa com um cinto com as pontas soltas caídas na frente e atrás comum entre as jovens da região sudanesa Mas há também a tanga com os panos dispostos de diversas maneiras vestidos colantes várias espécies de porta seios inúmeros tipos de adornos de cabeça inclusive um em forma de crista como em Jabbaren As habitações são quase sempre representadas de forma esquemática as cabanas são semi esferas nas quais vemos mobília e cenas domésticas As descobertas nos penhascos de Tichitt Mauritânia onde 127 aldeias já foram identificadas demonstram que os africanos do Neolítico também eram construtores Situadas sobre os contrafortes que formam a extensão meridional do Dahr essas aglomerações em pedra seca cada uma agrupando aproximadamente 3000 pessoas apoiavam se em geral sobre um alicerce de rochas ciclópicas lembrando os zimbabwe da África central e austral Essa arte arquitetônica notável para a época é caracterizada pelos pilares de sustentação feitos de pedra talhada24 Portanto por meio dos afrescos da arte rupestre africana podemos entrever toda uma sociedade que se anima até quase adquirir a terceira dimensão a da vida Em Takedetoumatine por exemplo mulheres de formas roliças e que parecem terem sido bem alimentadas com leite estão sentadas com seus filhos na frente das cabanas novilhos estão cuidadosamente amarrados em fila com uma corda enquanto homens ocupam se em ordenhar vacas É uma cena de crepúsculo impregnada de serenidade pastoril Poderia o número de mulheres ser indício de um regime poligâmico Em Orange Springs e em Nkosisama Stream Natal há cenas de danças cheias de vida que mostram as pessoas 24 Ver os trabalhos de H J Hugot sobre Tichitt 770 Metodologia e pré história da África Figura 2612 Cena erótica Tassili Foto P Colombel n 75321 Figura 2613 Cena erótica Tassili Foto P Colombel n 731075 771 A arte pré histórica africana reunidas principalmente mulheres batendo palmas em torno de dançarinos mascarados Em Jabbaren uma mulher arrasta seu filho rebelde Em Sefar um homem puxa o cabresto de novilhos ainda hoje objeto sagrado dangul entre certos pastores peul O grandioso afresco do abrigo de Iheren um dos pontos altos da pintura pré histórica mostra uma fila de bois finamente ajaezados com odres de água pendurados nos flancos montados por mulheres que ostentam ricos adornos Alguns animais inclinam se para o bebedouro enquanto um imenso rebanho avança de modo majestoso Mulheres enfeitadas estão indolentemente instaladas em frente de suas casas e homens com plumas nos cabelos parecem ter parado para saudá las Dentro das cabanas podem se ver várias peças de mobília Em In Itinem há uma cena onde aparecem figuras eminentes em trajes luxuosos e guerreiros uniformizados o que demonstra o início de uma hierarquização social Arqueiros vestidos com mantos parecem organizados em grupos de patrulha com um comandante Há aqui um certo bafio de forças policiais No sul da África são abundantes as cenas de guerra retratando os inúmeros conflitos entre os San e os Bantu Entretanto nada disso abolia o amor Muitas cenas demonstram que os artistas pré históricos africanos não alimentavam nenhum sentimento de falso pudor quanto a esse aspecto da vida de sua sociedade Existem representações de animais no cio como no contraforte oeste de Blaka onde se vêem dois rinocerontes um dos quais cheira os órgãos sexuais do outro Noutra parte há um bode no ato de cobrir uma cabra As cenas de cópula humana em posições variadas demonstram com ingenuidade e realismo que o homem não inventou nada de essencial nessa área desde os tempos antigos No rochedo Ahanna no Uede Djerat Tassili há uma série de homens mascarados com gigantescos falos eretos prestes a penetrarem mulheres em posição ginecológica Todos os detalhes estão presentes O grande afresco de Tin Lallan Acacus Líbia também é consagrado principalmente a esse mesmo tema orgíaco Hugot Bruggman n 164 Em Inahouanrhat há uma cena mais prosaica de coito a tergo enquanto em Timenzouzine Tassili um casal copulando está cercado por outros três ainda em pé e a atitude de resistência mais ou menos fingida das mulheres é perfeitamente reproduzida Quanto à magia e à religião somos obrigados a admitir que o significado de um grande número de quadros ainda permanece obscuro pois eles estão 772 Metodologia e pré história da África cercados pelo mistério dos mitos O que significam os bois bicéfalos ou os bois com dois corpos hermafroditas e uma só cabeça encontrados no Uede Djerat E as espirais magnificamente gravadas associadas a inúmeros animais como a que está representada sobre o búbalo do Uede Djerat Esse motivo também encontrado na cerâmica de Guerze parece estar ligado aos ritos de caça encantamento assim como a espiral da serpente Mehen da época tini ta I e II dinastias faraônicas25 Para alguns especialistas a espiral significa a continuidade da vida Quanto ao cordão umbilical existente entre duas pessoas partindo por exemplo da intersecção das coxas de uma mulher e chegando ao umbigo de um arqueiro que está caçando parece significar um fluxo místico que parte da mãe em prece com as mãos erguidas e chega até o filho que se encontra em situação de perigo Da mesma forma no sul da África Botsuana um animal que faz chover é conduzido através da região atado a uma corda puxada por uma procissão de pessoas atentas Os motivos ligados ao sol fazem parte do mesmo fundo religioso Entretanto somente a referência ao contexto cultural e cultual genuinamente africano permitirá a compreensão de quadros cujo significado ainda permanece obscuro Foi o que aconteceu quando A Hampaté Bâ reconheceu numa cena de Tin Tazarift denominada até então Os bois esquemáticos como as patas desses animais pareciam reduzidas a tocos supunha se que estivessem deitados o cerimonial de lotori em que os bois são levados à água em celebração à sua origem aquática Ao lado dessa cena há um motivo digital indecifrável no qual Hampaté Bâ detectou uma alusão ao mito da mão de Kikala o primeiro pastor Essa mão simboliza os clãs peul as cores da pelagem dos bois e os quatro elementos naturais26 Em geral o desenvolvimento indica a transição da magia às vezes ligada às danças paroxísticas para a religião como é atestado pela sequência do grande friso em In Itinem que representa o sacrifício de um carneiro Relações e migrações A tendência a explicar todas as características culturais africanas através da teoria das influências exteriores deve ser rejeitada Todavia isso não quer dizer que devamos negar essas influências mas sim defini las com precisão A arte rupestre franco cantábrica que data de 40000 anos aproximadamente 25 Ver também o papel da serpente nas cosmogonias africanas 26 É preciso cuidado para não extrapolar automaticamente os mitos e lendas modernos para explicar cada detalhe dos símbolos encontrados na pré história Cf J D LAJOUX 1977 773 A arte pré histórica africana pertence ao Paleolítico sendo portanto anterior à arte pré histórica africana Por outro lado o Neolítico do Saara é anterior ao da Europa27 Desse modo foi grande a tentação de atribuir à inspiração dos artistas do continente uma origem setentrional Chegou se mesmo a falar de uma arte eurafricana cujo foco teria sido europeu sugerindo assim uma espécie de teoria hamítica da arte pré histórica africana Uma civilização autóctone Não há nada de verdadeiro na teoria referida acima Além do fato de pelo menos 15000 anos separarem os dois movimentos estéticos já foi reconhecido que a arte do Levante espanhol que deveria ser o elo de ligação no caso de uma eventual influência nada tem em comum com a arte originária do sul de Orã do Tassili e do Fezzan L Balout salientou insistentemente não haver conexão entre a pré história da África do norte e a da Espanha durante o Paleolítico Superior Além disso a origem capsiense das gravuras do sul de Orã e do Saara é rejeitada por quase todos os autores A arte pré histórica originou se de fato nos montes Atlas e seus pólos ou epicentros são genuinamente africanos Pergunta se também se não foi a partir do Leste ou seja do vale do Nilo que essa arte expandiu se para o interior do continente Ora é evidente que o desenvolvimento artístico do vale egípcio do rio é bem posterior ao da África saariana e sudanesa As representações saarianas de bovídeos com círculos entre os chifres são bastante anteriores às da vaca celeste Hátor Também o falcão finamente cinzelado sobre a placa de arenito em Hammada el Guir é bem anterior às representações do mesmo gênero porém menores que aparecem nas paletas das tumbas pré dinásticas egípcias prefigurando Hórus O magnífico carneiro com esfera de Boualem é bastante anterior ao carneiro de Amon que surge no Egito apenas durante a XVIII dinastia Malraux considerou as cabeças zoomorfas de Uede Djerat como prefigurações da zoolatria egípcia O mesmo pode se afirmar acerca das deusas com cabeça de pássaro de Jabbaren O seminaturalismo surge no Egito somente na época guerzeense assemelhando se ao das gravuras saarianas do período dos bovinos É o caso dos quadros em Uadi Hammamat que são aliás de execução medíocre Os admiráveis barcos de tipo egípcio do Saara Tin Tazarift são sem dúvida simplesmente de tipo saariano As silhuetas de Rhardes Tissoukai que supostamente representariam Hicsos 27 O Neolítico saariano data pelo menos do oitavo milênio antes da Era Cristã Até pouco tempo atrás prevalecia a opinião de que era posterior ao Neolítico da África do Norte do Egito e do Oriente Próximo H LHOTE 1976 p 227 774 Metodologia e pré história da África o Faraó Antinea com um adorno de cabeça que lembra o pschent faraônico devem em minha opinião ser reavaliadas no sentido inverso em termos de perspectiva histórica É certo que o Egito exerceu uma importante influência sobre o interior da África mas é certo também que essa influência foi limitada No entanto mais evidente ainda é a anterioridade da civilização do Saara pré histórico Há também o fato de nenhum obstáculo além da distância separar os povos de Hoggar Tassili e Fezzan do vale do Nilo que foi por muito tempo até o ressecamento do Saara uma região hostil coberta de pântanos Foi somente a partir do período histórico que o Egito adquiriu o esplendor responsável pela tendência atual de tudo lhe atribuir segundo o princípio de que só se empresta aos ricos Mas em matéria de arte e de técnica os pólos estavam situados originariamente no Saara no Sudão Cartumiense na África oriental e no Oriente Próximo Aliás o Saara pré histórico deve muito mais às influências do sudeste da África que às do Oriente Próximo Já as relações entre o sul da África e a região do Saara não parecem estar baseadas em provas concretas embora Frobenius tenha chamado a atenção para um certo número de analogias28 Chegou se mesmo a falar de uma civilização magosiense que segundo E Holm teria sido quase pan africana mas não há nada muito claro sobre isso De qualquer modo a produção artística da pré história sul africana é em geral posterior à da África do norte do equador apesar de o povoamento da parte meridional do continente ser extremamente antigo29 Como já dissemos certos autores atribuem erroneamente ao século XVII grande período das representações do maciço do Drakensberg ou seja após a chegada dos Bantu Em todo caso do ponto de vista estilístico parece que a pintura do sul não tem afinidades com o período chamado de Cabeças redondas do Saara relacionando se apenas com o período bovidiano Ela se distingue também por motivos típicos como a vegetação abundante as paisagens com representações estilizadas de rochas os temas funerários etc De qualquer maneira o estudo comparativo deve ser mais desenvolvido e principalmente o quadro geral da história do Homo sapiens pré histórico africano deve ser melhor elucidado antes de podermos traçar eventuais flechas que representem a direção de correntes artísticas 28 HAUERLAND E 1973 p 74 29 Cf J D CLARK capítulo 20 deste volume Alguns autores sugerem que a arte rupestre difundiu se a partir do Zimbabwe em direção à Namíbia e ao Cabo em seguida em direção ao Transvaal e à região de Orange quanto às obras policromadas evoluídas novamente do Zimbabwe em direção à Namíbia Cf A R WILLCOX 1963 775 A arte pré histórica africana Esquematismo das teorias raciais Essa observação é ainda mais válida quando consideramos as raças responsáveis pela produção artística Mas não seria um abuso de linguagem utilizar neste caso o conceito de raça30 Poderiam os poucos esqueletos ou restos ósseos disponíveis autorizar a elaboração das ousadas teorias sobre o povoamento por raças pré históricas Entretanto certos autores esquematizaram um processo demográfico de rara complexidade que passamos a relatar Após o povoamento original por africanos autóctones povos neandertalenses do Oriente Próximo teriam emigrado para a África em dois ramos um avançando até o Marrocos e o outro em direção aos planaltos elevados do leste africano através do Chifre da África São os aterienses do Paleolítico Médio Em seguida após uma fase epipaleolítica provavelmente relacionada ao Sebiliense do Egito uma outra vaga de povos cro magnoides teria atingido a África do Norte comportando um núcleo ibero maurusiense e um núcleo capsiense Sem dúvida esses grupos teriam passado por um processo de neolitização em seus novos habitats dando origem em particular ao Neolítico de tradição capsiense que ocupa entre outras regiões o norte do Saara No entanto outros centros apresentam uma notável diversificação técnica e artística Devemos citar sobretudo a forte influência das tradições neolíticas sudanesa e guineense com centros secundários em Ténéré e no litoral atlântico ao norte da Mauritânia31 Na opinião de certos autores o período bubaliano da arte rupestre seria devido a povos mediterrânicos mal definidos brancos segundo alguns mestiços de acordo com outros O período das Cabeças redondas seria atribuído a grupos negroides os quais consideram alguns ter se iam miscigenado com povos do Oriente Próximo e constituiriam o Neolítico de tradição sudanesa O período bovidiano seria obra dos ancestrais dos peul Finalmente mais ao sul a tradição denominada guineense teria influenciado até as construções sobre a falésia de Tichitt Mauritânia É preciso salientar que todas essas reconstituições são demasiado frágeis e privilegiam enormemente as influências extra africanas Chega se ao ponto de falar de nítida influência africana numa representação rupestre do Saara Mas sobretudo essas reconstituições tendem a estabelecer equivalências entre conceitos tão diversos quanto raça etnia gênero de vida e civilização Há referências a negros brancos peul africanos capsienses sudaneses sem 30 O processo de especiação a que se refere J Ruffié já deveria estar em grande parte abolido sobretudo com as miscigenações facilitadas pela ecologia bastante homogênea do habitat saariano Ver capítulo 10 parte II Teorias relativas às raças e história da África p 277 286 31 Cf H J HUGOT 1979 p 62 et seqs 776 Metodologia e pré história da África que por razões óbvias se defina precisamente nenhum desses vocábulos Lhote por exemplo rejeita a influência dos capsienses nas gravuras do período bubaliano32 Entretanto ele declara que nas gravuras em Oued Djerat não há um só perfil genuinamente negroide todos os que aparecem com distinção são incontestavelmente caucasoides Devemos presumir portanto que se tratava de brancos exatamente a impressão que temos após examinar as figuras do sul de Orã e do Fezzan Que pena disse me um dia um colega sul africano que não possam falar33 É com base nessas mesmas frágeis indicações de morfologia antropológica que o período das Cabeças redondas é atribuído aos negros e o período bovidiano aos peul Mas a identificação racial é frequentemente baseada também nos modos de vida e nas culturas o que constitui uma grande aberração Os povos neolíticos de tradição sudanesa são definidos como a etnia dos caçadores pastores originários do leste Os traços finos as técnicas pastoris os ornatos de cabeça em forma de crista das mulheres e a trança de cabelos usada pelos homens bastam para atribuir aos Peul toda a arte rupestre que reproduz essas características embora hoje eles não demonstrem nenhum gosto estético desse gênero e nem mesmo tenham conservado sua lembrança ao contrário do que ocorre entre os San por exemplo E também apesar de todos os estágios e estilos assim como todos os perfis antropológicos estarem largamente reproduzidos na arte rupestre sobrepondo se uns aos outros Ainda hoje em quase todas as regiões da África tropical é possível reconstituir a gama de perfis encontrados nas pinturas do Saara34 Sem contar que um pintor peul pode ter reproduzido dançarinos mascarados da mesma forma que um artista negro pode perfeitamente ter retratado cenas da vida pastoril ou ter transformado os traços de seus heróis e heroínas como fazem atualmente certos pintores senegaleses Os San que são homens pequenos frequentemente não se retratam altos esbeltos e elegantes com anatomias forçadas Toda arte é convenção e jamais alguém viu um povo negro composto apenas de cabeças redondas Além disso seria a especialização agricultores pastores tão acentuada quanto atualmente35 32 Cf H LHOTE 1976 p 110 33 Cf H LHOTE 1976 p 41 34 P V TOBIAS salienta também que todos os tamanhos e formas de crânios são encontrados entre os hotentotes do Cabo 35 É surpreendente que não conheçamos nenhum critério seguro para distinguir os homens do período bubaliano dos homens do primeiro período pastoril bovino I A existência de bovídeos quase certamente domesticados desde a época das belas gravuras naturalistas faria recuar consideravelmente o surgimento da criação de animais Th Monod janeiro 1951 777 A arte pré histórica africana Bem a propósito H J Hugot escreve sobre os homens neolíticos da Mauritânia Quando chegaram os homens negros de Tichitt traziam consigo seus bois Mais adiante ele diz que durante a fase pastoril média chegam os elementos negroides E o grande período bovidiano com as manadas de bois retratadas em profusão36 Portanto o pastoreio não é um critério suficiente assim como não o são a craniometria e as impressões subjetivas sobre as características físicas Não são as raças que fazem a história e a ciência moderna não inclui a raça entre os caracteres somáticos superficiais37 Todas as damas brancas das pinturas rupestres africanas como a que existe na África do Sul que tem apenas o rosto branco e que lembrava a Breuil os afrescos de Cnossos e a passagem de colunas de prospectores vindos do golfo Pérsico representam sem dúvida sacerdotes caçadores ou jovens africanas saindo de cerimônias de iniciação como fazem ainda hoje pintadas com caulim branco cor que denota a morte de uma personalidade anterior e a ascensão a um novo status38 Também existem controvérsias a respeito da autoria das obras de arte rupestre no sul da África Mas neste caso o quadro histórico geral é um pouco mais conhecido Trata se inicialmente das relações entre os Khoi Khoi e os San depois entre os Khoisan e os Bantu Há muitos quadros que retratam essa dinâmica histórica A comparação estatística das mãos positivas desenhadas sobre as rochas corresponde à compleição dos San como também a esteatopigia a semi ereção do pênis etc Quanto às gravuras do período dos cavalos e das carroças elas relacionam se à época histórica Podemos nos indagar se os pintores e os gravadores pertenciam a povos diferentes os primeiros trabalhando nos abrigos e os segundos nas colinas Tudo indica que não De fato os pintores geralmente não podiam trabalhar ao ar livre se o fizeram suas obras certamente perderam as cores e desapareceram Por outro lado o dolerito e o diabásio dos kopje eram as melhores rochas para a gravação pois ofereciam um belo contraste entre a pátina ocre e o interior cinza ou azul da rocha o que não ocorria com o calcário dos abrigos Aliás encontram se por vezes pinturas e gravuras nos mesmos locais e também gravuras que 36 HUGOT H J op cit p 225 74 37 Cf capítulo 10 parte II Teorias relativas às raças e história da África p 277 86 38 Segundo inúmeros autores a Dama Branca de Brandberg cujas reproduções não fazem justiça ao quadro real seria na verdade um rapaz a julgar pelo seu arco suas nádegas estreitas e seu órgão sexual protuberante como acontece frequentemente entre os San cujo pênis é semi ereto Quanto à sua cor devemos salientar que a face não é pintada mas representada pela própria rocha enquanto o corpo é rosa dos pés até a cintura e negro mais acima Aliás a cor não significa nada pois existem elefantes macacos e mulheres pintados de vermelho e homens de branco Cf A R WILLCOX 1963 p 43 45 778 Metodologia e pré história da África foram inicialmente pintadas como no distrito de Tarkestad Acontece ainda de uma mesma convenção estética ser encontrada tanto nas gravuras quanto nas pinturas Estética No âmbito estético propriamente dito a arte pré histórica africana é a fonte de inspiração a introdução brilhante da arte africana moderna cujas raízes foram tão pouco exploradas até agora Há nela uma riqueza de estilos dos quais se pode acompanhar a evolução às vezes quase passo a passo até as criações estéticas modernas A arte africana moderna foi muito influenciada pela arte árabe e pela europeia mas existe também uma antiga tradição cuja matriz se encontra nos abrigos sob rocha e nas galerias pré históricas A pintura baseia se em cores simples como o ocre vermelho o branco o preto o amarelo e acessoriam ente o azul e o verde Ainda hoje essas cores podem ser vistas nas máscaras e nos adornos dos dançarinos Trata se de uma arte fundada na observação na atenção quase amorosa e por vezes reverente diante da realidade Tanto a gravura quanto a pintura apresentam esse aspecto mas de modos diferentes O bovino de Augsburgo Botsuana do qual se conservou apenas a parte anterior é delineado com um traço impecável que reproduz os detalhes anatômicos mais precisos do focinho dos olhos das orelhas dos pêlos etc A girafa em Eneri Blaka é uma verdadeira escultura realista as manchas do pelame foram feitas por martelagem com entalhes delicadamente sombreados para mostrar o contorno da cabeça das arcadas zigomáticas dos chifres dos olhos globulosos das narinas e dos cascos fendidos brilhantes O aspecto natural provém da maestria do traço que delineia soberbamente o perfil da martelagem que refina os detalhes interiores e também da presença de um filhote que se apóia em sua mãe com um movimento de espontaneidade tocante Essa veia de observação também é encontrada no afresco de Iheren onde se comprimem sem jamais se confundirem tal a segurança do traço dezesseis girafas combinadas com graça grupos de mulheres cobertas de adornos viajando em seus bois de carga gazelas e antílopes dorca dama oryx búbalos identificados respectivamente pelos chifres finos pela pelagem branca pelos longos chifres voltados para trás e pela cabeça alongada No mesmo painel uma girafa recém nascida ainda ligada pelo cordão umbilical tenta equilibrar se sobre as patas Um leão com um carneiro entre as garras espreita os homens armados que o perseguem enquanto outros carneiros fogem aterrorizados Um boi se aproxima 779 A arte pré histórica africana de uma poça de água para beber o que faz as rãs saltarem E a agitação brilhante e patética da natureza onde o homem rei é o intruso Mas o naturalismo dos detalhes jamais exclui o recurso ao essencial e uma arte da composição cênica que deriva de uma espécie de abordagem escultural da pintura Assim personagem principal é apresentado em primeiro plano dominando os outros que são relativamente menores É o caso dos grandes caçadores mascarados que se destacam das feras por seu tamanho do faraó abatendo seus inimigos ou do oba de Benin engrandecido em relação a seus súditos A ênfase no essencial dá origem às formas simbolistas antítese do barroco Combinada com a técnica da escultura produz esse ritmo característico que dá vida tanto ao búbalo desenhado com um traço seco e despojado quanto à manada de bovinos de Jabbaren da qual temos a impressão de ouvir o ruído surdo dos cascos a respiração quente e os mugidos A atualidade da arte pré histórica africana Popular e quotidiana essa arte é animada por um senso de humor que é a ironia alegre ou amarga da vida Esotérica ela vibra como um fervor místico levado pelo estilete ou pelo pincel do artista e nos dá alguns dos mais belos florões da arte universal como o carneiro com um disco solar de Boualem cuja atitude hierática anuncia o mistério e convida à meditação39 Essa dupla abordagem traduz bem a dupla condição do homem africano moderno tão espontâneo e quase trivial no dia a dia tão sério e místico quando tomado pelo ritmo de uma dança religiosa Em suma a arte pré histórica africana não está morta Ela vive ainda que apenas nos topônimos que perduram Um vale afluente do Uede Djerat denominado Tin Tehed ou seja o lugar da jumenta é efetivamente marcado por uma bela gravura de asno Issoukai n Afella tem a fama de ser assombrado por espíritos djenoun talvez porque diante de um monte de seixos constituídos por arremessos de pedras votivas exista uma figura zoomorfa assustadora que reúne os atributos da raposa aos da coruja sem falar num sexo de tamanho descomunal 39 É notável que certos autores mencionem a existência de dois carneiros encarregados de proteger o rei contra o mau olhado na corte do imperador do Mali no século XIV O carneiro existe também em outras cortes africanas Meroé Akan Gana Kuba Zaire e Kanem Chade 780 Metodologia e pré história da África Essa arte mereceria ser reintroduzida na vida dos africanos ao menos através de programas escolares pois a distância que dela os separa constitui uma barreira só atravessada pelos estudiosos e especialistas dos países ricos Ela deveria ser ciosamente protegida de danos de todo tipo que constantemente a ameaçam pois é um patrimônio sem preço40 Um registro completo deveria ser organizado para permitir um estudo comparativo De fato a arte é o homem E na medida em que a arte pré histórica é um testemunho integral do homem africano primitivo desde seu meio ecológico até suas emoções mais elevadas na medida em que a imagem é um signo às vezes tão eloquente quanto a escrita podemos afirmar que a arte mural africana é o primeiro livro de história desse continente Mas trata se evidentemente de um testemunho ambíguo e enigmático que precisa do respaldo de outras fontes de informação como a paleontologia a climatologia a arqueologia a tradição oral etc Sozinha a arte pré histórica não revela senão a parte visível de um iceberg É a projeção sobre o quadro mineral e congelado dos abrigos sob rocha de um cenário vivo desaparecido para sempre A arte é reflexo e força motriz Por meio da arte pré histórica o homem africano proclamou através dos tempos sua luta encarniçada para dominar a natureza mas também seu afastamento consciente dessa natureza para alcançar o prazer infinito da criação o êxtase do homem demiurgo 40 Em 1974 um decreto do governo argelino transformou toda a zona das pinturas e gravuras do Tassili em parque nacional C A P Í T U L O 2 7 781 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Durante muito tempo as ideias sobre as origens da agricultura foram fortemente influenciadas pelo etnocentrismo A tendência era e ainda é por vezes a de considerar o berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo sede da revolução neolítica definida por Gordon Childe1 não somente como o local de surgimento da cultura dos cereais mais importantes trigo cevada etc e da criação de animais cabras carneiros mais tarde bovinos que são as bases materiais da civilização ocidental mas também como o núcleo de origem da própria civilização ao menos no que diz respeito ao Velho Mundo Sem dúvida as pesquisas arqueológicas realizadas desde a Segunda Guerra Mundial sobretudo nos últimos vinte anos contribuíram para modificar em parte esse ponto de vista limitado e de certo modo pretensioso Essas Roland Portères professor do Museu Nacional de História Natural de Paris faleceu em 20 de março de 1974 Encarregado pelo Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África de redigir este capítulo sobre as origens e o desenvolvimento das técnicas agrícolas chegou a fazer um esboço que foi no entanto uma de suas últimas tarefas A obra ficou portanto inacabada baseando me nas inúmeras publicações de Roland Portères nas suas anotações e nas nossas frequentes conversas sobre o assunto propus me levar a cabo este trabalho procurando permanecer fiel ao interesse apaixonado que Portères dedicava à fascinante natureza da África a seus países povos e civilizações Ainda que imperfeita esta contribuição à sua obra é uma homenagem prestada ao mestre e ao amigo que tanto fez para um melhor conhecimento da agricultura e das plantas cultivadas do continente africano Jacques Barrau 1 1942 revisto em 1954 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas R Portères e J Barrau 782 Metodologia e pré história da África pesquisas certamente mostraram a importância do crescente fértil na história da agricultura mundial2 mas também revelaram o papel de outras partes do globo nessa evolução tão importante na história da humanidade a produção de alimentos que até então tinham sido coletados no meio ambiente natural Desse modo tornou se mais evidente a significação das invenções agrícolas e do cultivo de vegetais na América3 assim como a relativa anterioridade do centro agrícola do sudeste asiático tropical4 e finalmente a contribuição africana para a história dessa agricultura mundial No entanto o célebre agrônomo e geneticista russo N I Vavilov5 já reconhecia há quase meio século a existência de centros de origem de plantas cultivadas na África mais tarde um de seus colaboradores A Kuptsov6 demonstrou a presença de berços agrícolas primários nesse continente Alguns anos depois um dos autores deste capítulo definiu com precisão a localização o número e o papel desses berços7 Por muito tempo todavia o papel da África no desenvolvimento da agricultura de suas técnicas e de seus recursos foi minimizado até mesmo ignorado devido a preconceitos coloniais e ao desconhecimento da origem de vários cultígenos africanos e em geral da pré história do continente Essa situação mudou radicalmente e nos últimos anos tem se manifestado um grande interesse pelo estudo das origens da agricultura africana como o comprovam por exemplo os ensaios publicados em 1968 em Current Anthropology8 e os inúmeros comentários que provocaram A esse respeito devemos citar também os estudos reunidos por J D Fage e R Oliver9 e ainda mais recentemente a contribuição de W G L Randles para a história da civilização bantu10 Mas antes de tentar uma breve síntese dos conhecimentos sobre a pré história e a história agrícolas da África é conveniente descrever em traços gerais o quadro ecológico em que se desenrolaram 2 Ver por exemplo BRAIDWOOD R L 1960 3 Sobre esse assunto ver por exemplo MACNEISH R S 1964 4 Ver BARRAU J 1975 5 VAVILOV N I 1951 p 1 6 6 KUPSTOV A 1955 e DARLINGTON C D 1963 7 Ver PORTÈRES R 1962 8 DAVIES O The origins of agriculture in West Africa HUGOT H J The origins of agriculture Sahara SEDDON D The origins and development of agriculture in East and Southern Africa 9 FAGE J D e OUVER R 1970 10 RANDLES W G L 1974 783 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas O meio ambiente e as origens da agricultura africana É evidente que as origens a diversificação e o desenvolvimento das técnicas agrícolas estavam estreitamente relacionados às condições do meio ambiente clima hidrografia relevo solos vegetação tipos de plantas originariamente utilizadas e alimentos que forneciam etc Embora esses fatores tenham desempenhado um papel importante até mesmo preponderante na origem da agricultura e da criação de animais não foram entretanto os únicos a interferir pois esses processos implicavam também fatos de cultura e de civilização Mesmo nas épocas pré agrícolas e nos períodos iniciais da agricultura os homens levavam consigo nas migrações ou deslocamentos seus instrumentos técnicas modos de compreender e interpretar o ambiente maneiras de adaptar e utilizar o espaço etc Carregavam também toda uma série de atitudes e comportamentos criados a partir de suas relações com a natureza em seus habitats de origem Assim em uma época em que a Europa apenas emergia do Paleolítico o cultivo de vegetais e a criação de animais já estavam bem estabelecidos no Oriente Próximo onde as primeiras cidades começavam a surgir Ora foi do Oriente Próximo que essa Europa um pouco atrasada recebeu as invenções técnicas e consequentes ideologias que iam tornar possível a sua revolução neolítica baseada na agricultura e na criação de animais Fenômenos semelhantes de difusão ou de intercâmbio aconteceram em outras partes do mundo e evidentemente também na África em razão das migrações internas e externas que afetaram esse continente É essencial todavia compreender as implicações das invenções agrícolas e pastoris assim como do cultivo de plantas e domesticação de animais O homem passou da apropriação de alimentos coleta caça à produção cultivo criação Desse modo progressiva e parcialmente o homem se liberou das imposições dos ecossistemas a que pertencia e onde até o surgimento da agricultura e da criação levava uma vida biocenótica como os outros organismos sujeitos ao curso normal dos processos da natureza A introdução da agricultura e da criação de animais foi a mudança fundamental que permitiu ao homem adaptar se a diversos ambientes e modificar os complexos biológicos fazendo os produzir mais ou fornecer gêneros outros que os produzidos por meios naturais Em consequência do novo papel do homem agricultor ou criador operaram se transformações mais 784 Metodologia e pré história da África ou menos profundas nos meios naturais bem como na quantidade e qualidade dos seus produtos No entanto apesar do domínio do homem sobre os elementos de seu ambiente natural ele não foi capaz de se libertar completa e imediatamente de todas as imposições desse ambiente Assim devemos primeiramente considerar as características ambientais que podem ter exercido um papel preponderante na pré história e na história agrícolas No caso da África faz se necessário traçar um esboço do meio ambiente a África parece estar dividida em largas faixas latitudinais diferenciadas do ponto de vista ecológico e dispostas simetricamente dos dois lados do Equador Como salienta Randles op cit algumas dessas faixas podem ter servido como barreiras para as correntes migratórias norte sul E o caso do Saara da grande floresta equatorial da estepe da Tanzânia e do deserto do Calaari Outras faixas ao contrário ofereciam espaços a essas correntes que nelas poderiam encontrar nichos favoráveis é o caso das savanas do norte e do sul Randles salienta igualmente que nenhuma dessas barreiras era totalmente intransponível o Saara e a grande floresta por exemplo permitiam até certo ponto a circulação humana Na África a latitude não é o único fator a permitir uma delimitação sumária das grandes zonas ecológicas O relevo e portanto a altitude também interferem assim a dorsal Zaire Nilo separa as terras altas do leste da África do peneplano do oeste que por sua vez é dividido por um pequeno eixo elevado que se estende da ilha de Príncipe até o Chade Há portanto exceções nesse zoneamento ecológico latitudinal do continente africano Talvez a mais importante dessas exceções sejam as terras altas que se estendem paralelamente ao Rift do norte do lago Vitória aos montes Munchinga e que citando Randles novamente constituem um estreito corredor salubre através da barreira equatorial mapa 1 Há também o reduto da Etiópia cuja importância para a origem africana das plantas cultivadas será mencionada mais adiante Se combinarmos agora esses dados diversos por mais sumários que sejam veremos que a África comporta ao norte a leste e ao sul uma zona quase semicircular de savanas e estepes rodeando um núcleo de florestas equatoriais depois tanto ao norte como ao sul duas zonas áridas o Saara e o Calaari finalmente no extremo norte e no extremo sul duas estreitas zonas quase homoclimáticas que simplificando bastante poderíamos descrever como mediterrâneas quanto ao clima evidentemente embora existam certas peculiaridades ecológicas no extremo sul da África mapa 2 Partindo do 785 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Figura 271 Zoneamento ecológico latitudinal Figura 272 Diferentes ecossistemas 786 Metodologia e pré história da África coração florestal e deixando de lado as regiões litorâneas temos portanto um gradiente que vai do muito úmido ao muito seco de ecossistemas generalizados do tipo floresta tropical úmida a ecossistemas mais especializados do tipo savana ou estepe e vegetação de deserto11 A propósito dos desertos mais especificamente do Saara é preciso lembrar que nem sempre foram regiões áridas tendo permitido no passado a prática da agricultura e da criação de animais Diversos autores12 sugeriram que certos berços agrícolas e pastoris poderiam estar situados no Saara Retomemos o mapa ecológico do continente africano que acabamos de ver Em nossa opinião é possível presumir que na época pré agrícola fossem praticadas no ecossistema generalizado da grande selva tropical formas de coleta e de caça semelhantes às existentes ainda hoje entre os pigmeus Cabe notar que os recursos alimentares vegetais e animais desses ecossistemas são tão variados e abundantes quanto os componentes de suas biocenoses Nossas observações sobre a economia de grupos de pigmeus revelaram que esses recursos levando se em conta sua abundância e a densidade das populações asseguravam lhes a subsistência sem exigir grandes esforços A mesma constatação é válida para os caçadores coletores de ecossistemas mais especializados de regiões áridas ou semi áridas como os San Kung do Calaari estudados por R B Lee13 No caso desse povo entretanto os recursos são menos variados e sua exploração é limitada pelo suprimento de água em consequência da acentuada variação pluviométrica sazonal só são explorados os recursos próximos a fontes de água Após o fim do Pleistoceno ocorreu uma fase úmida o Makaliense 5500 a 2500 que facilitou os contatos entre o litoral mediterrâneo e as regiões ao sul do Saara enquanto a elevação do nível dos cursos dágua e dos lagos tornou possível mesmo no coração do continente o desenvolvimento da pesca e a relativa sedentarização das populações que se dedicavam a essa atividade condição propícia a uma transição progressiva pata a produção agrícola14 Esse processo foi acelerado sem dúvida pelas migrações provenientes dos berços agrícolas do Oriente Próximo e do Mediterrâneo15 11 Sobre os termos ecossistema especializado e ecossistema generalizado ver HARRIS D 1969 12 Por exemplo CHEVALLIER A 1938 HUGOT H J op cit e HESTER J J 1968 13 LEE R B 1966 14 A respeito da sedentarização dos pescadores e suas relações com as origens da agricultura ver SAUER C O 1952 15 Sobre esse assunto ver CLARK J D 1970 787 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Ademais desde o fim do Pleistoceno ou seja entre 9000 e o início do Makaliense parecem ter existido no continente africano locais privilegiados onde a coleta abundante certamente encorajou a concentração de populações humanas Foi o que aconteceu nas zonas de transição entre floresta e savana situadas na periferia da floresta equatorial nos planaltos herbosos do leste da África nas margens dos lagos e grandes rios inclusive o Nilo assim como nas regiões litorâneas ao norte e ao sul do continente16 Essas zonas de transição particularmente a interface floresta savana tornaram se muito mais tarde nichos privilegiados para o desenvolvimento da agricultura e consequentemente para a emergência de algumas das civilizações africanas Randles op cit escreve a esse respeito que é nos limites das duas savanas sahel e orlas de florestas que se situam as mais prestigiosas civilizações bantu Passamos agora a considerar mais detalhadamente as possibilidades de domesticação vegetal que o continente africano oferecia já que de acordo com a lógica da ecologia são as plantas os produtores primários A origem africana de certas plantas cultivadas As ciências naturais só começaram a se interessar pela origem das plantas cultivadas há relativamente pouco tempo Na verdade com exceção da notável obra de A de Candolle publicada em 1883 foi só com os trabalhos do geneticista soviético N I Vavilov e de sua equipe logo após a revolução de outubro de 1917 que se desenvolveu uma abordagem sintética em escala mundial dessa questão de fundamental importância para a história da humanidade a adaptação do meio ambiente e a utilização de seus recursos17 Combinando uma análise sistemática de dados botânicos e fitogeográficos com levantamentos agrobotânicos e estudos genéticos Vavilov e seus colaboradores com base na variabilidade das plantas cultivadas reconheceram a existência de oito centros de origem de plantas cultivadas dos quais três são centros secundários isto é ligados a centros regionais importantes Apenas um desses centros o Abissínio está situado na África enquanto um outro o Mediterrâneo compreende uma parte do continente africano África do Norte Egito e apresenta igualmente afinidades com o vasto e importante centro do Oriente Próximo onde surgiram entre outras plantas cultivadas os cereais mais importantes trigo cevada centeio 16 Ver CLARK J D 1970 17 Sobre a vasta obra de N I VAVILOV ver 1951 op cit 788 Metodologia e pré história da África No que diz respeito à África as descobertas de Vavilov representaram um progresso sensível em relação às conclusões de Candolle op cit que reconhecia apenas três principais centros de origem para a agricultura e a domesticação de vegetais China Sudeste Asiático com uma extensão até o Egito e América A contribuição de Vavilov para o conhecimento da origem das plantas cultivadas foi também da maior importância no plano teórico tendo evidenciado a necessidade de distinção entre um centro de variação primária caracterizado por uma grande diversidade de formas de uma planta com manifestação majoritária de caracteres dominantes e áreas de variação secundária que apresentam grande número de caracteres recessivos encobertos no centro de variação primária A localização e a distribuição geográficas desses diversos centros de variação permitem determinar o local de um berço agrícola se as áreas desses centros coincidem total ou parcialmente pode se supor que nessa região civilizações exerceram por muito tempo atividades de domesticação e transformação de certas espécies vegetais É importante salientar que o centro de origem botânica de uma espécie vegetal cultivada não coincide necessariamente com as áreas de variabilidade relacionadas às intervenções do homem Em outras palavras a zona ocupada pelas possíveis formas selvagens de um cultígeno distingue se frequentemente e de maneira clara das regiões em que esse cultígeno surgiu em decorrência da ação do homem cultivo seleção e diversificação Há pelo menos uma explicação para esse fato a transferência frequente de espécies selvagens para fora de seu habitat de origem durante a época da coleta18 Quanto ao continente africano um dos autores deste capítulo pôde completar o quadro estabelecido por Vavilov19 demonstrando que além do centro abissinio e da parte africana do centro mediterrâneo havia também um centro afro ocidental e um afro oriental sendo este último provavelmente um prolongamento do centro abissínio nas terras altas equatoriais20 Agrupando e resumindo os dados relativos aos diversos focos ou centros de origem e diversificação das plantas cultivadas temos o seguinte quadro 18 Ver BARRAU J 1962 19 Ver PORTÈRES R 1950 p 9 10 1951 p 239 40 20 Sobre esse assunto ver também SCHNELL R 1957 789 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Centro mediterrâneo porção africana A esse centro corresponde todo um grupo de plantas cultivadas características das regiões mediterrâneas a presença de cereais trigo e cevada principalmente e leguminosas com grãos comestíveis Cicer Lens Pisum Vicia etc denota a afinidade desse centro com o do Oriente Próximo Encontramos também uma série de cultígenos mediterrâneos como a oliveira Olea europea L e a alfarrobeira Ceratonia siliqua L Algumas dessas plantas todavia são próprias da África como a Argania sideroxylon Roem árvore marroquina que fornece óleo e goma Esse centro inclui o Egito cujos laços com o centro do Oriente Próximo são evidentes e cuja influência sobre a história da agricultura e da criação de animais na África setentrional foi importante O Egito divide com a Síria a origem de uma planta de grande interesse econômico o bersim ou trevo de Alexandria Trifolium alexandrinum L Embora essa porção africana do centro mediterrâneo não tenha desempenhado um papel direto na história agrícola da África tropical ela influenciou profundamente o Saara quando este atravessava uma fase climática mais favorável ao desenvolvimento agrícola e pastoril21 Centro abissínio Encontram se aí plantas cultivadas comuns ao centro do Oriente Próximo trigo cevada leguminosas como Cicer Lens Pisum Vicia e aos centros propriamente africanos Sorghum sobre os quais falaremos mais adiante Além disso é fato comprovado que plantas originárias da Ásia tropical passaram por esse centro ao penetrarem na África Entretanto esse centro possui cultígenos característicos como o cafeeiro da Arábia Coffea arabica L a bananeira abissínia Musa ensete I F Gmelin o teff Eragrostis abyssinica Schrad e o niger de sementes oleaginosas Guizotia abyssinica L F Cass Centro leste africano Caracteriza se pelas variedades de sorgo diferenciadas a partir do Sorghum verticilliflorum Stapf variedades de milhetes penicilares como Eleusine coracana Gaertn variedades de gergelim etc 21 Sobre esse assunto ver CLARK J D e HUGOT H J Op cit 790 Metodologia e pré história da África Centro oeste africano É o local de origem de diversas variedades de sorgo derivadas do Sorghum arundinaceum Stapf de milhetes penicilares como Pennisetum pychnostachyum Stapf e Hubb e P Gambiense Stapf e Hubb variedades de milhetes digitários como o iburu Digitaria iburua Stapf e o fonio D exilis Stapf e vários tipos de arroz sobre os quais voltaremos a falar22 Nesse centro podemos distinguir dois grandes setores tropical e subequatorial O setor tropical se subdivide em vários subsetores Senegambiano Níger central Chade nilótico cada um caracterizado por plantas cultivadas específicas principalmente cereais mas também por plantas tuberculares Coleus dazo Chev e oleaginosas como Butyrospermum parkii Don Kotschy conhecido igualmente pelos botânicos como Vitellaria paradoxa Gaertner No setor subequatorial existem principalmente inhames Dioscorea cayenensis Lamk D dumetorum Pax D rotundata Poir plantas de sementes oleaginosas Elaeis guineensis Jacq Telfairia occidentalis Hook F etc e plantas estimulantes Cola nitida A Chev Na verdade esse centro se estende até a África central assim como as áreas de distribuição de certos gêneros de vegetais citados acima Cola Coleus Elaeis etc A ervilha da terra Voandzeia subterranea Thon e a leguminosa geocárpea africana Kerstingiella geocarpa Harms pertencem também ao centro oeste africano Em nossa opinião a leste e ao sul do núcleo formado pela floresta equatorial existiu inicialmente um complexo de cultígenos semelhante ao encontrado no centro oeste africano tal complexo se prolongava em uma faixa que envolvia o núcleo florestal e margeava o centro leste africano ocupando aproximadamente a zona do perímetro florestal onde a coleta era mais intensa23 Os berços agrícolas As conclusões precedentes nos levaram24 a considerar a existência de um certo número de berços agrícolas no continente africano Portanto de norte a sul temos os seguintes berços mapa 3 22 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 23 Ver SEDDON D 1968 op cit 24 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 791 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Figura 273 Os berços agrícolas africanos Figura 274 Mapa geoagrícola da África 792 Metodologia e pré história da África O berço afro mediterrâneo que estendendo se do Egito ao Marrocos influenciou a agricultura e a criação de animais no Saara e trocou influências com o berço do Oriente Próximo através do Egito O berço afro ocidental a oeste com dois setores tropical e subequatorial O berço nilo abissinio a leste com dois setores nilótico e abissínio O berço afro central A leste deste último o berço afro oriental que se estende para o oeste na direção de Angola Mais ao sul parece que as populações de coletores supridas de recursos abundantes e protegidas pela aridez do Calaari resistiram por muito tempo à penetração da agricultura e do pastoreio a partir dos berços que acabamos de descrever particularmente a partir do afro oriental25 Centro hortícola e centro agrícola Na verdade o conceito de berço tem o inconveniente de dar a impressão de um patchwork em se tratando de pré história e história agrícolas Entretanto com base nas conclusões precedentes parece nos possível apresentar um quadro geral mais coerente a Ao núcleo central de florestas ecossistema generalizado corresponde um centro de vegecultura para empregar esse termo insatisfatório criado por R J Braidwood e C A Reed26 que preferimos chamar de centro hortícola onde no entanto a produtividade da coleta no meio florestal permitiu que ela continuasse a existir Devemos salientar que o potencial de plantas domesticáveis desse centro não era tão grande quanto o das florestas tropicais úmidas da Ásia ou da América b À orla das savanas desse núcleo florestal ecossistema mais especializado corresponde um centro agrícola de cereais que se estendia da África ocidental à África oriental e se prolongava para o sul na direção de Angola Ao norte na parte mediterrânea do continente africano a influência da agricultura de cereais da Mesopotâmia se fez sentir nitidamente através do Egito Também o Saara sofreu essa influência na época em que desfrutava de condições favoráveis Esse fato poderia explicar certas difusões tanto para o sul do deserto atual como para o norte a partir da África subsaariana 25 Ver SEDDON D 1968 op cit 26 BRAIDWOOD R J e REED C A 1957 793 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas A influência mesopotâmica atingiu também o reduto etíope que apresenta entretanto semelhanças com o centro agrícola das savanas e estepes e possui características cultigênicas próprias Um centro hortícola difere de um centro agrícola pela predominância de tubérculos multiplicados por via vegetativa e pelas práticas agrícolas semelhantes às da jardinagem No campo o ager das savanas e estepes se opõe de uma certa maneira ao jardim pomar o hortus da floresta e de sua orla No continente africano como um todo os principais implementos agrícolas eram a enxada e a vara para cavar assim como suas variações mas através do Egito e da Etiópia um arado primitivo introduziu se em parte do centro agrícola cerealífero O cultivo do sorgo e do arroz Em contraste com o centro hortícola da floresta tropical localizado em um ecossistema generalizado o centro agrícola africano no ecossistema relativamente especializado das savanas e das estepes caracteriza se pela utilização predominante da reprodução das plantas cultivadas por via sexuada semeadura e pela importância dos cereais no regime alimentar Os tipos de agricultura que se desenvolveram nesse centro baseavam se em um cultivo em massa dos vegetais em oposição ao cultivo individual da horticultura As civilizações do centro agrícola certamente estenderam seus campos à custa da floresta durante sua expansão territorial que aliás deve ter contribuído para o incremento da savana Em termos ecológicos esse aumento da área ocupada pela savana corresponde a uma especialização de ecossistemas originariamente generalizados Portanto tudo se passou como se essas civilizações agrícolas tivessem desse modo adaptado o meio ambiente natural às suas técnicas ou melhor à sua maneira de perceber esse meio Durante a penetração da agricultura na floresta também é possível que tenha ocorrido o processo inverso por exemplo o abandono do cultivo de cereais em favor de culturas características das florestas e até mesmo a hipótese não pode ser ignorada a eventual adoção da coleta de plantas como meio de subsistência por povos agricultores das savanas obrigados a viverem nas florestas durante suas migrações O fato é que os cereais permanecem como culturas características das savanas e das estepes Entre esses cereais e apesar da existência de outras espécies 794 Metodologia e pré história da África Figura 275 Aspecto de uma queimada após a combustão Futa Djalon Pita Timbi Madina Foto R Portères Figura 276 Terra lavrada com o Kadyendo pelos Diula de Oussouye Casamance antes do replantio do arroz Foto R Portères 795 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas cultivadas nos diversos berços do centro agrícola o sorgo Sorghum sp ou milhete grande aparece como o cereal comum a todas as áreas desse centro A origem do sorgo ou melhor das diversas variedades de sorgo foi objeto de opiniões contraditórias27 mas ao que parece sua origem é realmente africana tendo as várias espécies surgido independentemente no interior do centro agrícola africano A espécie selvagem Sorghum arundinaceum Stapf cuja área cobre a zona tropical úmida do Cabo Verde ao oceano Índico deu origem à variedade de sorgos cultivados no oeste da África S aterrimum Stapf S nitens Snowd S drummondii Millsp e Chase S margaritiferum Stapf S guineense Stapf S gambicum Snowd S exsertum Snowd etc A espécie selvagem S verticilliflorum Stapf da África oriental da Eritreia ao sudeste da África deu origem a dois grupos de sorgos cultivados um grupo do sudeste africano os sorgos Kafir S caffrorum Beauv S coriaceum Snowd e S dulcicaule sorgo doce e um grupo nilo chadiano do Sudão nigeriano à Eritreia S nigricans Snowd e S caudatum Stapf A espécie selvagem S aethiopicum Rupr da Eritreia e da Abissínia deu origem ao S rigidum Snowd do Nilo Azul ao S durra Stapf cultivado do Chade à Índia e em todas as regiões semidesérticas ao S cernum Host ao S subglabrescens Schw e Asch das regiões nilóticas e ao S nigricum do delta central do Níger No subsetor do Níger central setor tropical do berço afro ocidental ver acima existe uma variedade especial de sorgo cultivado S mellitum Snowd var mellituni Snowd que por ser rico em açúcar é utilizado no preparo de uma bebida alcoólica28 Aliás diversos tipos de sorgo são utilizados para preparar a cerveja de milhete Efetuaram se cruzamentos entre esses diversos grupos de sorgos cultivados como prova a existência do S conspicuum Snowd da Tanzânia ao Zimbabwe e a Angola e do S roxburghii Stapf Uganda Quênia Zimbabwe África do Sul que parecem ser o resultado do cruzamento entre sorgos da espécie S arundinaceum e da espécie S verticilliflorum Entre as variedades citadas uma delas o S durra merece uma menção especial em razão de sua vasta distribuição do Sudão oriental à Ásia Menor e à Índia da Mesopotâmia ao Irã e ao Guzerate 27 Ver PORTERES R 1962 op cit 28 Ver SCHNELL R 1957 op cit 796 Metodologia e pré história da África Figura 277 O Soung ou pá entre os Seereer Gnominka pescadores rizicultores das ilhas da Petite Côte no Senegal Esse instrumento é utilizado para arar e sulcar o solo dos arrozais de mangue e corresponde ao Kadyendo dos Diula Bayott de Casamance e ao Kofi ou Kop dos Baga do litoral da Guiné Foto R Portères 797 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Como vimos é grande a importância desses cereais para a economia do centro agrícola das savanas e das estepes africanas tal importância ultrapassa aliás os limites do continente africano pois já há muito tempo certas variedades de Sorghum são cultivadas em outras regiões do mundo Assim a África parece ser ao mesmo tempo um conjunto de berços agrícolas originais e um mosaico de centros de origem de plantas cultivadas algumas das quais adquiriram uma importância econômica de escala mundial A África foi o local de origem de outros cereais importantes entre os quais se destaca o arroz Inicialmente a rizicultura baseou se nas variedades de arroz propriamente africanas que merecem atenção Elas são originárias do berço afro ocidental mais precisamente do subsetor do Níger central centro primário e do subsetor senegambiano centro secundário Já na Antiguidade Estrabão referiu se a uma rizicultura africana e no século XIV Ibn Battuta mencionou que o arroz era cultivado na região do Níger29 Esses testemunhos foram frequentemente ignorados e por muito tempo acreditou se que a rizicultura na África tivesse por origem o arroz asiático Oryza sativa L Por volta de 1914 apenas é que se reconheceu a existência de um arroz especificamente africano O glaberrima Steudel com panículas rígidas e eretas e cariopses marrons ou vermelhas Esse arroz pode ser explorado através de coleta mas pode igualmente ser cultivado parece estar relacionado ao O breviligulata A Chev e O Roer encontrado em grande parte da África tropical O arroz africano fornece uma boa ilustração das teorias propostas por N I Vavilov quanto à origem das plantas cultivadas grande extensão da área da espécie selvagem possibilidade máxima de variação do arroz africano com predominância de características dominantes no delta central do Níger centro primário diversificação em variedades com caracteres recessivos no Alto Gâmbia e Casamance centro secundário Portanto a partir do delta central do Níger as variedades cultivadas de arroz africano se difundiram por todo o oeste da África até o litoral da Guiné A coleta da espécie selvagem O glaberrima é sem dúvida muito antiga Esse cereal devia ser abundante nas regiões de coleta relativamente intensiva onde as condições favoreceram o início do cultivo de vegetais Podemos portanto supor que o cultivo desse arroz é pelo menos tão antigo quanto o dos outros cereais africanos 29 Ver SCHNELL R 1957 op cit 798 Metodologia e pré história da África Figura 278 Arrozais em solos hidromorfos sujeitos a cheias temporárias na estação das chuvas rizicultura de impluvium Casamance aldeia bayoyy de Niassa Foto R Portères Figura 279 Ilhas artificiais para a cultura do arroz em arrozais aquáticos muito profundos onde o nível da água não baixa o suficiente Durante a estação seca a terra é ocupada por Scirpus littoralis Schrader Nymphae Lotus em flor Guiné Bissau Kassabol nas proximidades de Cap Varella Foto R Portères 799 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas Mais tarde as variedades de arroz cultivadas da Ásia O sativa foram introduzidas na África possivelmente a partir do século VIII pelos árabes na costa oriental ou a partir do século XVI pelos europeus na costa ocidental Estabelecida a origem de várias espécies cultivadas no presente capítulo só pudemos apresentar um resumo aparece de maneira clara o caráter endógeno das civilizações agrícolas da África a partir dos recursos vegetais dos meios ambientes naturais locais e sem necessariamente implicar influências extra africanas Relações entre a África e a Ásia Como já dissemos acima as difusões provenientes do berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo mesopotâmico devem certamente ter desempenhado papel importante na história antiga da agricultura na África Assim da Abissínia à África do Norte passando pelo vale do Nilo existe uma zona que se pode considerar como pertencente ao domínio paleomediterrâneo definido por Haudricourt e Hedin 1943 op cit No entanto mesmo nessa zona encontramos espécies cultivadas propriamente africanas na Etiópia sobretudo mas também no Egito e na África do Norte Mais interessante mas talvez menos conhecida é a história das relações antigas entre a África e a Ásia A África deu à Ásia vegetais domésticos como o sorgo por exemplo mas recebeu em troca não apenas cultígenos do Oriente Próximo variedades de trigo cevada etc como também plantas vindas do sudeste tropical da Ásia Com efeito parece provável que seja através da via sabeia do sul da Arábia e leste da África seja através de antigos navegadores que aportaram na costa sudeste tenham sido introduzidas no continente africano no passado as bananeiras o inhame grande Dioscorea alata L o taro Colocasia esculenta L Schott e talvez a cana de açúcar Saccarum officinarum L Algumas dessas plantas cultivadas originárias da Ásia sobretudo as bananeiras permitiram uma penetração mais fácil da agricultura nas regiões de florestas tropicais da África O sorgo é um bom exemplo desse intercâmbio entre a África e a Ásia30 Com efeito existem na Ásia variedades de sorgos cultivados de origem africana além das já mencionadas É o caso do S bicolor Moench que parece ser o resultado do cruzamento entre cultígenos do S aethiopicum e a espécie selvagem S sudanense 30 Ver PORTÈRES R 1962 op cit 800 Metodologia e pré história da África Ao S bicolor podemos relacionar principalmente o S dochna Snowd da Índia da Arábia e da Birmânia reintroduzido mais recentemente na África assim como o S miliforme Snowd da Índia introduzido recentemente no Quênia Uma outra variedade de sorgo cultivado S nervosum Bess parece estar relacionado ao S aethiopicum e ao S bicolor é possível que sorgos da Birmânia e da China entre outros estejam relacionados a essa variedade Sem entrar nos detalhes necessariamente complexos desse coquetel genético devemos salientar que existem indícios de antigos contatos entre sorgos africanos e asiáticos Tudo leva a crer que houve relações muito antigas entre a África oriental e a Ásia bem como intercâmbio de vegetais fato que parece confirmado pela existência em épocas pré coloniais de alguns cultígenos ver acima originários do sudeste asiático tropical Não se pode excluir a possibilidade anteriormente mencionada de que a penetração da agricultura na floresta africana foi facilitada pela chegada de cultígenos bananeiras taro etc originárias do ecossistema generalizado que é a floresta tropical úmida do sudeste da Ásia e das Índias Orientais Desta última região aliás vieram os primeiros grupos migrantes que com algumas de suas plantas cultivadas atingiram Madagáscar e a costa oriental da África Se em épocas passadas houve um intercâmbio de plantas cultivadas entre a África e a Ásia parece claro no entanto que a África deve muito à Ásia no que diz respeito aos animais domésticos Certas espécies de suínos da África oriental parecem relacionados aos suínos domesticados na Ásia Como observa C Wrigley31 É quase certo que a criação de animais não se desenvolveu independentemente na África ao sul do Saara onde a fauna não inclui e não incluía nenhum possível ancestral dos bovinos caprinos e ovinos domésticos Essas espécies vieram do Egito através do vale do Nilo Entretanto deve se notar que há uma boa possibilidade de que certos animais tenham sido domesticados na parte africana do domínio paleomediterrâneo ver acima sobretudo os bovinos no Egito onde os homens do pré neolítico caçavam as espécies Bos primigenius e B brachyceros O esboço que apresentamos mostra o quanto a África está longe de ser esse continente que segundo a ideia por muito tempo propalada recebeu o essencial de seu desenvolvimento agrícola e pastoril de outras regiões do mundo É evidente que assim como a Europa e a Ásia a África dos tempos antigos não era refratária às influências exteriores Também é verdade que o norte do continente africano pertence como a Europa e a Ásia a um domínio mediterrâneo que no passado apresentou uma 31 WRIGLEY C 1970 801 Origens desenvolvimento e expansão das técnicas agrícolas continuidade ecológica maior do que atualmente No entanto a África desenvolveu uma agricultura e uma horticultura baseadas principalmente no cultivo de vegetais peculiares ao continente vegetais esses que aliás beneficiaram o resto do mundo como o sorgo por exemplo O fato de que a coleta e a caça permaneceram por muito tempo em algumas regiões da África como fontes de subsistência não significa um atraso mas é resultado da abundância e diversidade dos recursos naturais que permitiram ao homem viver sem muito esforço nos diversos ecossistemas sem ter necessariamente de transformá los À guisa de conclusão Ao lado da coleta encontramos na África essa forma de agricultura nascente que consiste em ajudar em favorecer o desenvolvimento de um vegetal sem no entanto intervir diretamente na sua reprodução É o que ocorre ainda hoje com plantas alimentícias arborescentes como a cola a sapotácea ou o dendezeiro Mas encontramos igualmente todos os estágios da evolução da horticultura e da agricultura Há em resumo uma grande diversidade de técnicas agrícolas tradicionais que incluem toda uma série de utilizações engenhosas dos solos para a cultura das variedades africanas de arroz bem como diversas formas de queimada e de arroteamento com inúmeras variações e ainda sistemas agro silvo pecuários etc O início e o desenvolvimento da agricultura na África estão ligados essencialmente a três centros principais mapa 4 O primeiro que compreendia o norte do continente do Egito ao Marrocos pertencia ao domínio mediterrâneo e sofreu certamente a influência do berço agrícola e pastoril do Oriente Próximo embora tenha sem dúvida desenvolvido recursos próprios O segundo compreendia a faixa periférica de savanas e estepes ao redor do coração florestal da África foi onde se desenvolveu uma agricultura de cereais sorgo milhete etc O terceiro finalmente localizava se na floresta e em sua orla caracterizava se por uma horticultura associada à coleta Algumas das espécies vegetais colhidas deram origem a espécies cultivadas Entre esses centros não existiam barreiras intransponíveis Nas proximidades das culturas dos oásis encontramos variedades de trigo sorgo e milhete nas savanas são encontradas plantas alimentícias originárias da horticultura da 802 Metodologia e pré história da África orla florestal a qual por sua vez cultivou vegetais característicos da coleta especializada praticada na selva tropical A Etiópia por exemplo possui em sua flora econômica tradicional além das espécies que lhe são próprias espécies pertencentes ao domínio mediterrâneo outras originárias do centro agrícola das savanas e das estepes africanas e ainda outras vindas da Ásia Dentre todos esses centros o que parece ter maior significação para a história da agricultura na África é o centro agrícola das savanas e estepes sobretudo suas áreas próximas da floresta dos rios e dos lagos mais importantes Ainda é difícil datar com precisão a pré história e a história da agricultura na África Entretanto pode se presumir que o período decisivo do início da agricultura realmente africana foi o final do Pleistoceno entre 9000 e 5000 Nessa época na periferia do núcleo central constituído por florestas ocorreu ao que parece uma intensificação até mesmo uma especialização na coleta de plantas Nos rios e lagos do interior a pesca se desenvolveu levando a uma relativa sedentarização Em resumo surgiram condições propícias às domesticações Enquanto esperamos que a arqueologia confirme ou não esse ponto de vista podemos presumir ter sido essa a origem da agricultura na África ao passo que no crescente fértil do Oriente Próximo constituíam se as bases agrícolas e pastoris das civilizações da Europa C A P Í T U L O 2 8 803 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Na história geral da África o vale do Nilo ocupa um lugar de destaque Apesar dos obstáculos às vezes exagerados1 representados pelas cataratas o Nilo com seus 6500 km de extensão aproximadamente constitui de norte a sul um meio de comunicação e de intercâmbio transcontinental de considerável importância O vale do Nilo estendendo se ao norte para além do 16o paralelo e ultrapassando os desertos de Bayouda a oeste e de Butana a leste atinge uma região de chuvas anuais e permite alcançar a grande via fluvial leste oeste da África que através dos vales e depressões do Níger e do Chade dos planaltos do Darfur e do Kordofan e das planícies de piemonte do Atbara e do Baraka vai do Atlântico ao mar Vermelho Assim às vantagens de um eixo de comunicação norte sul que se estende dos Grandes Lagos da África equatorial ao Mediterrâneo somam se as do eixo leste oeste com a bacia do Nilo dando acesso às bacias do Zaire do Níger e do Senegal Essa vasta região que ocupa a extremidade nordeste do continente é portanto de excepcional importância desde os primórdios da História da África Infelizmente continua arqueológica e historicamente mal explorada O vale inferior do Nilo da Segunda Catarata ao Mediterrâneo é relativamente bem conhecido graças aos esforços dos arqueólogos que o vêm explorando desde o 1 Sobre as cataratas e seus obstáculos reais ou imaginários a obra mais detalhada continua a ser a de A CHELU 1891 p 30 73 que descreve cada uma das cataratas e apresenta os mapas dos canais navegáveis Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã J Vercoutter 804 Metodologia e pré história da África início do século XIX até os nossos dias Mas o mesmo não ocorre com o vale médio do rio entre a Segunda e a Sexta Cataratas nem com o vale superior de Cartum aos Grandes Lagos e com as regiões desérticas próximas ao Nilo e seus afluentes Toda essa área a leste e a oeste do Nilo continua inexplorada do ponto de vista arqueológico e o conhecimento que se tem de sua História está inteiramente fundamentado em hipóteses muitas vezes baseadas em observações quantitativa e qualitativamente insuficientes ou falhas Neste capítulo seguiremos simultaneamente as ordens cronológica e geográfica Faremos uma divisão em dois períodos primeiro do Neolítico até princípios do terceiro milênio quando aparecem documentos escritos no vale inferior do Nilo sobre esse período apresentaremos partindo do mais conhecido para o desconhecido a saber do norte para o sul tudo o que se sabe a respeito das civilizações que viveram às margens do rio O segundo período que vai de princípios do terceiro milênio até o século V antes da Era Cristã será geograficamente estudado como o primeiro período do vale inferior ao vale superior do Nilo Do Neolítico ao terceiro milênio antes da Era Cristã Nesse período que abrange aproximadamente dois milênios de 5000 a 3000 ocorre a descoberta e a difusão do metal no vale do Nilo e a manifestação dos primeiros sistemas sociais Do ponto de vista histórico é portanto um dos períodos mais importantes senão o mais importante Por ser difícil falarmos dos séculos obscuros da proto história nilótica do quarto milênio antes da Era Cristã de 3800 a 3000 sem nos referirmos ao mesmo tempo às culturas que os precederam recapitularemos rapidamente e sem nos determos em seus aspectos materiais as culturas neolíticas do vale do Nilo já estudadas nesta obra cf capítulo 2 Com efeito todas as pesquisas recentes na Núbia e no Egito confirmaram amplamente o fato de que a descoberta do metal não representa uma quebra na evolução geral das civilizações do nordeste da África As culturas da idade do cobre são as descendentes legítimas e diretas das culturas do Neolítico sendo frequentemente impossível distinguir in loco um sítio arqueológico do fim do Neolítico de um outro do Calcolítico O primeiro rei da dinastia tinita no Egito é o descendente legítimo dos chefes das últimas etnias neolíticas exatamente como os grandes faraós da época tebana descendem dos chefes do Império Menfita 805 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã O vale inferior do Nilo de 4500 a 30002 A organização social que se vê ou melhor que se imagina instalar se no vale inferior do Nilo no Egito a partir de 3000 resulta incontestavelmente das técnicas requeridas pela irrigação para a valorização agrícola do vale Esta tomada de posse do vale pelo homem teve início no Neolítico prosseguindo até o aparecimento de um sistema monárquico unificado Heródoto disse e muitos autores repetiram posteriormente O Egito é uma dádiva do Nilo Desde o início da época histórica quando chegava ao fim o processo de dessecação da África saariana do Atlântico ao mar Vermelho o Egito não poderia ter vivido sem a inundação anual do rio sem a enchente seria como o próprio Saara ou o Neguev Mas esse presente que recebe do Nilo que lhe dá vida pode também transformar se em catástrofe No ano 3 de Osorkon III 754 a inundação foi tão grande que nenhum dique resistiu e os templos de Tebas ficaram como um pântano o Sumossacerdote de Amon teve de suplicar ao deus que impedisse as águas de subirem A mesma catástrofe ocorreu no ano 6 de Taharqa 683 quando todo o vale transformou se em oceano embora o rei temendo perder prestígio tenha apresentado o fenômeno como uma bênção do Céu As enchentes variam bastante excessivamente grandes ou pequenas raramente como se desejaria que fossem3 Assim de 1871 a 1900 foram registradas três enchentes fracas três medíocres dez benéficas onze muito volumosas e três perigosas Em trinta enchentes apenas dez puderam ser consideradas satisfatórias4 Portanto devemos reconhecer que a história da civilização na África nilótica é também a da domesticação por assim dizer do Nilo pelo homem Essa domesticação exige a construção de diques ou aterros uns paralelos outros perpendiculares em relação ao curso do rio Esse sistema permite a construção em ambas as margens de bacias artificiais ou hods destinadas a diminuir a força da enchente a contê la e a estendê la às terras que normalmente não atingiria 2 Sobre a formação do Egito anterior ao Neolítico e ao Calcolítico que presenciam o desenvolvimento dos primeiros sistemas sociais ler o excelente estudo de W C HAYES 1965 Essa obra póstuma editada por K C SEELE contém um capítulo inteiro sobre a formação do Egito I p 1 29 com uma abundante bibliografia analítica nas p 29 41 3 Sobre os perigos da inundação cf J BESANÇON 1957 p 78 84 4 BESANÇON op cit p 82 83 bibliografia p 387 88 806 Metodologia e pré história da África Fruto de uma longa experiência tal sistema só pôde ser implantado progressivamente5 Com efeito para terem real eficácia as bacias artificiais deviam ser metodicamente planejadas para todo o território ou pelo menos para vastas regiões Consequentemente foi necessário um acordo prévio entre grande número de homens para a realização desse trabalho comunitário Eis a origem dos primeiros sistemas sociais no vale inferior do Nilo primeiro agrupamento de etnias em torno de um centro agrícola provincial em seguida união de vários desses centros e finalmente formação de dois agrupamentos políticos maiores um no sul e outro no norte6 A documentação de que dispomos referente a esse período de 5000 a 3000 não permite determinar a natureza do sistema social que é a base da ocupação e valorização do vale inferior do Nilo O próprio termo etnia que acabamos de empregar certamente não é correto Nada nos autoriza a afirmar que houve nessa época grupos étnicos muito diferenciados ao longo do vale do Nilo embora pareça confirmada a existência de grupos políticos ou político religiosos A única indicação de que dispomos fundamenta se nas representações que aparecem em monumentos votivos de pequenas dimensões paletas para maquilagem clavas cerimoniais de significado mágico religioso Essa documentação reflete apenas e bem sumariamente a situação no final do período nas últimas gerações do fim do quarto milênio7 Pode se admitir todavia que o sistema social praticamente não evoluiu ao longo dos dois milênios que durou o período de acordo com as observações feitas a partir dessa documentação O início da história escrita coincide em geral com a fusão dos agrupamentos do norte e do sul em um só sistema e sob a autoridade de um único rei Temos aí esquematicamente a história do vale inferior do Nilo de 5000 a 3000 história como se vê dominada não apenas pela descoberta do metal acontecimento na verdade de importância menor mas principalmente pelo domínio do homem sobre todo o vale Esse domínio independentemente da construção de diques e barragens exigiu o aplanamento do solo a fim de que a água não se estagnasse nas terras baixas e por outro lado se espalhasse a grande distância para ampliar 5 As obras gerais sobre a irrigação no Egito não examinam ao que sabemos a questão do aparecimento e desenvolvimento progressivo da irrigação no Egito O sistema já estabelecido é descrito em J BESANÇON op cit p 85 97 e em F HARTMANN 1923 p 113 18 L KRZYZANIAK 1977 distingue um período de irrigação natural p 52 123 e um período de irrigação controlada p 127 67 Esta teria começado no Gerzehense Nagada II cf ibid p 137 por volta de 3070 290 Quanto a essa data ver H A NORDSTROM 1972 p 5 6 J VERCOUTTER 1967 p 253 57 7 Sobre esses problemas cf J L de CENIVAL 1973 p 49 57 807 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã as terras cultiváveis do vale Trata se sem dúvida de uma vitória do camponês sobre uma natureza indiscutivelmente hostil O Neolítico Encontraremos no capítulo 25 do presente volume uma descrição detalhada do aspecto material das diferentes culturas ou horizontes culturais que constituem por assim dizer a trama da evolução social dessas culturas agrupadas sob os termos gerais de Neolítico e de Pré Dinástico no vale do Nilo tanto no Sudão como no Egito Nas páginas seguintes preocupamo nos unicamente em realçar os aspectos sociais e o desenvolvimento histórico dessas culturas Com efeito Neolítico e Pré Dinástico constituem no vale do Nilo um continuum cultural Apenas para citar um exemplo o Badariense analisado detalhadamente no capítulo 25 é apenas uma etapa na evolução de uma cultura que tendo começado no Tasiense termina no Negadiense II e nas sociedades pré tinitas Em outras palavras apresentamos aqui de forma sintética o que está descrito de forma analítica no capítulo 25 Os dois aspectos dos problemas levantados são complementares e encontraremos entre colchetes as referências que permitirão ao leitor voltar facilmente à descrição detalhada das culturas que são abordadas no presente capítulo apenas de modo genérico O período Neolítico no Egito é conhecido somente através de um pequeno número de sítios que muitas vezes não são contemporâneos O mais antigo localiza se às bordas da depressão do Faium Faiumiense B a oeste do vale no Médio Egito8 Ao norte são conhecidos os sítios de Merinde Beni Salame9 Merindiense no Delta ocidental à beira do deserto cerca de 50 kma noroeste do Cairo e de El Omari10 Omariense A e B próximo ao Cairo perto de Heluan No Médio e no Alto Egito existem os sítios de Deir Taza no sudeste de Assiut e menos importantes os de Toukh e de Armant Cebelein na região de Tebas11 As comparações que podem ser estabelecidas entre esses sítios para se determinar a natureza e a extensão dos diferentes aspectos do 8 Sobre o Neolítico do Faium cf W C HAYES 1965 p 93 99 e 139 40 ver também as observações de F WENDORF R SAID e SCHILD 1970 p 1161 171 9 Sobre o sítio de Merinde Beni Salame cf W C HAYES op cit p 103 16 e 141 43 ver também para a cerâmica L HJALMAR 1962 p 3 e segs 10 Cf W C HAYES op cit p 117 22 e 143 44 11 Infelizmente não dispomos dos estudos e da bibliografia crítica de W C HAYES sobre o Alto Egito a obra ficou incompleta em virtude do falecimento do autor cf op cit p 148 n 1 Tomaremos como ponto de referência o estudo de J VANDIER 1952 p 166 80 808 Metodologia e pré história da África Neolítico que representam tornaram se ainda mais difíceis devido ao fato de não serem contemporâneos segundo as análises do carbono 14 O sítio mais antigo o de Faium A data de 4400 180 em seguida vêm os de Merinde de 4100 180 e de El Omari de 3300 230 por último o de Taza que data do fim do Neolítico12 Em outras palavras os sítios explorados nos elucidam por um lado a fase inicial do Neolítico no Faium e no Delta e por outro a fase final desse período no extremo sul do Delta e no Médio Egito No entanto de 4000 a 3300 isto é durante sete séculos nada sabemos ou muito pouco sobre a evolução geral do Neolítico egípcio na sua totalidade O mesmo ocorre em relação à região ao sul do Médio Egito É certo que as descobertas de superfície nas proximidades do vale e no deserto são numerosas provam a existência do que se chama intervalo úmido ou Neolítico subpluvial13 no fim do sexto milênio que representa uma pausa no processo de dessecação climática do nordeste da África Mas essas descobertas que são vestígios das culturas neolíticas pouco nos elucidam dada a falta de escavações sistemáticas os únicos estudos proveitosos continuam sendo os que se apóiam nos sítios arqueológicos mencionados acima Vastas regiões e longos períodos permanecem ainda inexplorados Esse desconhecimento é ainda mais lamentável por ser geralmente aceito que a revolução neolítica chegou ao Egito proveniente do Oriente Próximo siro palestiniano o crescente fértil onde foi comprovada há muito tempo Foi dessa forma que o protoneolítico de Jericó pôde ser datado de 6800 é portanto bem anterior ao Neolítico do Faium Mas para provar que o Neolítico no vale inferior do Nilo e principalmente no Delta e no Faium veio realmente da Ásia seria necessário conhecer os sítios da orla marítima e da parte oriental do Delta até a altura de Mênfis E são essas justamente algumas das áreas pouco conhecidas por nós Consequentemente a origem asiática do Neolítico egípcio continua sendo uma hipótese14 Hipótese que agora está a exigir confirmação porque no último decênio as pesquisas arqueológicas no Saara provaram que o Neolítico também é muito antigo no local principalmente no Ahaggar onde o sítio de Amekni é quase contemporâneo 12 Sobre o Neolítico Tasiense cf G BRUNTON 1937 p 5 33 Quanto à data cf W F LIBBY 1955 p 77 78 13 BUTZER 1964 p 449 53 e G CAMPS 1974 p 222 14 Estudando o problema da origem do povoamento do Egito pré dinástico E BAUMGARTEL rejeitou em 1955 a possibilidade das procedências ocidental setentrional e oriental cf E BAUMGARTEL 1955 p 19 Os recentes trabalhos dos arqueólogos no Saara cf abaixo revelaram que essa posição devia ser modificada no que diz respeito ao oeste todavia continua válida para o leste 809 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã ao de Jericó protoneolítico15 Não obstante observaremos que as datas desse Neolítico saaro sudanês são todas anteriores às do Neolítico egípcio pelo menos para os sítios do Faium e de Merinde Beni Salame16 atualmente datados e às do Neolítico nubiano17 Além disso os objetos de cerâmica talvez tenham aparecido primeiro na Núbia e depois no Egito18 isso bem entendido se nos basearmos nas fontes de que dispomos atualmente Levando se em conta a antiguidade do Neolítico saaro sudanês vê se que não está excluída a priori a possibilidade de o Neolítico do vale do Nilo tanto no Egito como na Núbia ser o descendente desse Neolítico africano Porém é necessário certa prudência considerando se por um lado a enorme raridade dos sítios neolíticos no vale inferior do Nilo no Egito e por outro lado o fato de somente as margens do rio terem sido cuidadosamente exploradas na Núbia e apenas entre a Primeira Catarata e o sul da Segunda Catarata A faixa que se estende entre o vale do rio e o Saara Oriental é ainda desconhecida do ponto de vista arqueológico Mesmo assim as influências exercidas no Capsiense e no Ibero Maurusiense da África do Norte em direção à Núbia e no Sebiliense e médio Paleolítico da África central igualmente rumo à Núbia19 podem ter persistido no protoneolítico O Delta egípcio constituindo um cruzamento de vários caminhos pôde ser o ponto de encontro de influências vindas tanto do oeste e do sul como do leste e do nordeste Desde a emergência do Neolítico no vale inferior do Nilo constata se uma diferenciação cultural entre o grupo do norte e o do sul É certo que nos dois grupos as populações são constituídas por agricultores e pastores que continuam a praticar a caça e a pesca todavia o próprio material que nos deixaram difere sensivelmente de um grupo a outro em natureza qualidade e quantidade 25 O mesmo ocorre em relação a certos costumes No norte as casas melhor agrupadas podem sugerir uma estrutura social já coerente os mortos são enterrados nas aldeias como se continuassem a pertencer a uma comunidade organizada20 Já no sul as sepulturas são cavadas à beira do deserto as casas estão dispersas mas parece existir uma organização mais 15 G CAMPS 1974 p 224 1969 Amekni data de 6700 antes da Era Cristã o protoneolítico de Jericó de 6800 antes da Era Cristã 16 H NORDSTROM op cit p 5 17 H NORDSTROM op cit p 8 16 17 e 251 18 F WENDORF 1968 p 1053 A cerâmica aparece na Núbia no Shamarkiense em 5750 mas somente em 6391 BP ou seja por volta de 4400 no Faium 19 F WENDORF op cit p 1055 fig 8 20 H JUNKER 1930 p 36 47 Para a bibliografia completa do sítio cf capítulo 25 810 Metodologia e pré história da África próxima à familiar As diferenças entre os dois grupos são também perceptíveis nas técnicas utilizadas por um e outro os artesãos do norte dispõem de um método mais refinado para o trabalho em pedra e passam a fabricar vasos de pedra dando início a uma técnica que se tornará uma das mais características do Egito faraônico arcaico Quanto à cerâmica em compensação se o norte conhece maior variedade de formas o sul possui melhor técnica de fabricação É nessa época de fato que aparece ao lado da cerâmica preta com decoração branca a notável cerâmica vermelha com bordos pretos que será igualmente transmitida ao Egito pré dinástico e arcaico transformando se numa das indústrias mais peculiares do vale do Nilo tanto no Sudão como no Egito Assim desde o Neolítico delineia se a separação entre dois grupos culturais e talvez entre dois sistemas sociais Um situa se ao redor da região de Mênfis Faium e extremidade noroeste do Delta o outro no Médio e no Alto Egito entre Assiut e Tebas21 Essa diferença cultural embora não exclua pontos de contato entre os grupos vai se tornando mais nítida nos últimos séculos do quarto milênio antes da fusão quando se constituíram numa única civilização com características comuns Esse fato ocorreu pouco antes do advento da monarquia unificada no vale egípcio do Nilo por volta de 300022 O PréDinástico É frequente qualificar se o Pré Dinástico egípcio de Eneolítico ou Calcolítico como se o aparecimento do metal representasse um acontecimento capital um momento decisivo no desenvolvimento do vale Devemos salientar que na verdade não há nenhuma ruptura entre o Neolítico e o Eneolítico no vale inferior do Nilo Pelo contrário a continuidade do desenvolvimento é evidente esta a razão pela qual preferimos manter o termo Pré Dinástico para qualificar esses séculos obscuros mas de importância primordial para a História da África O advento do metal no Egito é lento e não parece ter sido obra de povos invasores Contrariamente ao que ocorre em outras civilizações o cobre aparece antes do ouro23 embora este último seja mais facilmente encontrado em estado natural em jazidas localizadas nas proximidades do vale Os primeiros objetos de cobre de pequenas dimensões aparecem no grupo do sul no sítio de Badari 21 Convém observar que o grupo do norte não se expande até o mar é tão continental quanto o grupo do sul cf J L de CENIVAL op cit Mapa A p 50 22 J VERCOUTTER 1967 p 250 53 23 Cf A LUCAS 1962 p 199 200 811 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que deu nome à cultura Badariense24 e no grupo do norte em Demeh Kasr Maroun e Khasmet ed Dib no Faium esse conjunto de sítios é denominado Faium A para diferenciá lo do Faium neolítico ou do Faium B Há discussões a propósito da origem da metalurgia do cobre no Egito25 É possível que tenha sido trazida do exterior do Oriente Próximo nesse caso porém somente em escala muito limitada uns poucos indivíduos revelando aos habitantes do vale a técnica do cobre Entretanto não se poderia afastar a hipótese de um fenômeno de convergência os próprios habitantes do vale do Nilo descobrindo o metal praticamente na mesma época em que era descoberto no crescente fértil Com efeito foi nessa época que talvez acidentalmente as populações badarienses descobriram o esmalte azul ao aquecer pedras ou paletas nas quais havia sido triturado material para a pintura dos olhos à base de malaquita que é um minério de cobre26 Assim os habitantes do vale teriam descoberto simultaneamente o cobre que trabalhavam a frio e a chamada faiança egípcia isto é o esmalte azul que logo passou a ser utilizado na fabricação de contas de adorno Qualquer que seja a origem do metal asiática ou autóctone sua utilização era muito limitada e os utensílios de pedra continuavam a ser os mais comuns tanto no grupo do norte como no do sul Uma coisa é certa a descoberta ou a difusão do metal não alterou em nada a organização social como se pode comprovar pelas sepulturas O Pré Dinástico de aproximadamente 4000 a 3000 pode ser dividido em quatro fases que ajudam a marcar a evolução do vale durante esse período infelizmente ainda bastante obscuro Portanto distinguiremos os Pré Dinásticos Primitivo Antigo Médio e Recente No Pré Dinástico Primitivo Badariense os dois grupos do sul e do norte continuam a evoluir independentemente um do outro No sul a maior parte das informações referentes a essa fase provêm do sítio arqueológico de Badari nos arredores de Deir Tasa Apesar do aparecimento do metal o Badariense27 e 24 Cf capítulo 25 A civilização badariense foi estudada com frequência cf bibliografia abaixo A obra básica continua sendo a de G BRUNTON e G CATON THOMPSON 1928 complementada com G BRUNTON 1948 cap VI p 9 12 25 Cf A LUCAS op cit p 201 06 Sobre a origem da metalurgia do cobre no Oriente Médio antigo cf B J FORBES 1964 p 16 23 O nome hieroglífico do cobre só pôde ser decifrado recentemente cf J R HARRIS 1961 p 50 62 26 A LUCAS op cit p 201 27 Sobre essa civilização as obras básicas continuam sendo as de G BRUNTON 1928 p 142 1937 p 3366 e 1948 p 411 812 Metodologia e pré história da África o Neolítico têm tantos pontos em comum que por vezes pergunta se se essa cultura não seria uma simples variante local do Tasiense neolítico O estudo dos esqueletos revela que os homens do Badariense do Pré Dinástico Primitivo eram fisicamente muito semelhantes aos egípcios que vivem atualmente na mesma região As populações continuavam a viver em choupanas de forma oval um pouco mais confortáveis do que as da época anterior já usavam esteiras trançadas almofadas de couro e até camas de madeira O culto aos mortos desenvolve se o cadáver é isolado em uma câmara de madeira dentro da sepultura oval e cercado de mobília funerária alimento vasos e objetos de uso diário Como os neolíticos do Tasiense os badarienses cultivam e tecem o linho e além disso utilizam o couro obtido pela caça e pela criação Praticam portanto uma economia mista criação e agricultura são ainda suplementadas pela caça e pela pesca Continuam a fabricar vasos vermelhos com bordos pretos e excelente cerâmica vermelha finamente polida A descoberta do esmalte torna possível aos artesãos a fabricação de contas de adorno de um azul intenso O material para a pintura dos olhos é pulverizado sobre paletas de xisto algumas das quais são decoradas assim como pentes de marfim Dessa forma a arte surge gradativamente Pré Dinástico Primitivo Faiumiense A A camada mais recente de Merinde Beni Salame poderia também pertencer a esse Pré Dinástico Primitivo que é conhecido no grupo do Norte graças aos sítios do Faium A28 Como no Badariense o sílex é empregado em escala muito maior do que o metal na fabricação de utensílios Os cera mistas do Faium B produzem maior variedade de formas de vasos que os do Badariense mas sua técnica é menos aperfeiçoada É certo que o artesão do norte revelou se novamente superior modelando belíssimas vasilhas e vasos de pedra principalmente de xisto preto Mas em geral os dois grupos praticamente não se distinguiam cada qual representando apenas a evolução normal da cultura neolítica que o precedeu na região Nada indica que tenha havido em qualquer dos grupos diferenças apreciáveis entre os membros da comunidade Em particular não parece ter existido dentro da coletividade elementos sensivelmente mais ricos do que outros Tudo transcorre como se houvesse igualdade social entre os diversos membros da comunidade independentemente de idade ou sexo Essa conclusão baseia se naturalmente na suposição de que as necrópoles conhecidas e pesquisadas arqueologicamente pertenceram à totalidade do grupo humano em questão em outras palavras 28 G CATON THOMPSON e E W GARDNER 1934 813 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que nenhum membro dessa comunidade foi sepultado fora dessas necrópoles em virtude de alguma discriminação racial religiosa ou social O Pré Dinástico Antigo Negadiense I infelizmente só é conhecido pelos sítios do sul Recebe também o nome de Amratiense derivado do topônimo El Amrah29 perto de Abidos portanto consideravelmente mais ao sul do que Badari O Amratiense corresponde também ao que por vezes se denomina cultura de Nagada I segundo a nomenclatura de Flinders Petrie utilizada principalmente nas datações com carbono 14 A cultura amratiense é descendente quanto à época da badariense não havendo ruptura também nesse caso em alguns sítios a camada amratiense está em contato direto com a camada badariense A cultura amratiense continua a produzir a cerâmica vermelha com bordos pretos da cultura precedente mas introduz a cerâmica decorada com desenhos geométricos e naturalistas pintados de branco fosco sobre fundo vermelho ou marrom avermelhado mais raramente a decoração consiste em incisões preenchidas de branco sobre fundo preto O ceramista amratiense mais inventiva que seu predecessor badariense cria formas novas principalmente de animais A caça tem ainda grande destaque entre os temas da decoração naturalista especialmente a caça ao hipopótamo Pode se então supor que no Pré Dinástico Antigo ainda não estava concluída a transição entre um sistema social formado por caçadores pescadores relativamente nômades e um sistema de aldeias ou grupos de agricultores pastores sedentários Deve se observar que a arma típica do Amratiense é uma clava frequentemente talhada numa pedra dura em forma de tronco de cone30 O fato é importante pois essa arma desaparece completamente após o Amratiense Um dos caracteres do sistema hieroglífico na época histórica emprega a com valor fonético 31 isso significa que foi na época amratiense portanto no Pré Dinástico Antigo por volta de 3800 data fornecida pelo C14 que o sistema de escrita hieroglífica deve ter começado a se formar A arte continua a se desenvolver Nesse período aparecem estatuetas representando homens barbados com estojo fálico mulheres dançando e animais diversos simultaneamente a grande quantidade de paletas para maquilagem com decorações e pentes ornamentados com desenhos de animais32 29 Cf J VANDIER op cit p 23132 O sítio foi descoberto em 1900 Foi publicado por D RANDALL MACIVER e A C MACE 1902 p 352 30 Sobre essa clava cf W M F PETRIE il XXVI e p 2224 31 A H GARDINER 1957 p 510 quadro 1 32 J L de CENIVAL op cit p 1621 814 Metodologia e pré história da África Dentre os sítios do Amratiense agrupados entre Assiut ao norte e Tebas ao sul destacam se os de Nagada Ballas Hou e Abidos É lamentável não se conhecer no grupo do norte nenhum sítio contemporâneo do Amratiense tanto mais que neste último percebem se nítidos vestígios de contato entre o norte e o sul principalmente pela existência de vasos de pedra com formas características do Pré Dinástico setentrional em meio ao mobiliário funerário amratiense Nas práticas funerárias nada indica que tenha ocorrido uma mudança de organização social entre o Pré Dinástico Primitivo e o Pré Dinástico Antigo do Amratiense Observa se ainda a existência de comunidades constituídas de indivíduos que gozam de igualdade social mesmo sob a autoridade de um único chefe ou de um grupo de indivíduos Após um século de existência talvez menos a cultura amratiense incorpora se a uma nova e complexa cultura que mistura elementos do Amratiense com outros de origem incontestavelmente setentrional Essa cultura mista o Pré Dinástico Médio Negadiense II e talvez Omariense A ou Gerzeense Nagada II na nomenclatura de Petrie deriva seu nome do sítio de Gerzeh33 no Baixo Egito perto do Faium onde aparece com maior evidência Apresenta dois aspectos um puramente gerzeense ao norte outro misturando amratiense e gerzeense ao sul34 Essa nova cultura encontra se centralizada ao norte na região ao redor de Mênfis do Faium e da extremidade sul do Delta É sobretudo na cerâmica que o Gerzeense setentrional manifesta sua originalidade com vasos de cor amarelo clara fabricados com material bem diferente daquele utilizado na cerâmica produzida no sul A decoração é naturalista ocre avermelhada sobre fundo claro com novos temas montanhas íbis flamingos aloés e sobretudo embarcações Como os artesãos do Faium A dos quais são sucessores os do Gerzeense fabricam vasos de pedra mas utilizam xisto e outras rochas mais duras brecha basalto diorito serpentina A arma típica dessa cultura é a clava piriforme35 que se tornará a arma real por excelência nos primórdios da História e será como a clava do Amratiense um dos caracteres da escrita hieroglífica36 Nota se também uma evolução social e religiosa Agora os mortos são enterrados em túmulos retangulares com a cabeça voltada para o norte de 33 A aldeia de EIlGerzeh está situada na latitude do Faium portanto bem ao sul do atual Cairo o sítio pré dinástico foi escavado em 1911 Cf W M F PETRIE E MACKAY e G WAINWRIGHT 1912 34 J VERCOUTTER 1967 p 245 67 e J VANDIER op cit p 248 52 e 436 96 35 W M F PETRIE op cit il XXVI e p 22 24 36 A H GARDINER op cit p 510 quadro 3 815 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã frente para leste e não mais para oeste Quanto às embarcações representadas com grande frequência nos objetos de cerâmica do Gerzeense trazem na proa símbolos em que facilmente se reconhecem os precursores das insígnias dos nomos ou províncias do Egito faraônico Ultrapassando a fase da família e da aldeia os grupos humanos passam a reunir se em associações muito mais amplas O poder que resulta dessa nova organização social permite sem dúvida um maior aproveitamento do vale por meio da irrigação e traz por conseguinte um enriquecimento considerável que se reflete na produção de objetos trabalhados vasos de pedra de melhor qualidade e em maior quantidade maior número de instrumentos e armas de cobre tais como tesouras adagas pontas de arpão e machados Na verdade não se trata de um acaso o fato de nessa época os adornos funerários ostentarem ouro e vários tipos de pedras semipreciosas lápis lazúli calcedônia turquesa cornalina ágata A estatuária desenvolve se e os motivos representados falcão e cabeça de vaca principalmente mostram com clareza como a própria religião faraônica também está em formação Hórus o Falcão e Hátor a Vaca já são adorados No sul as culturas posteriores ao Amratiense do Pré Dinástico Antigo estão fortemente impregnadas de influências gerzeenses Assim a cerâmica gerzeense clássica cor de camurça com decoração naturalista vermelha é encontrada lado a lado com a tradicional cerâmica do sul vermelha com bordos pretos ou com decoração em branco fosco A influência é de fato recíproca entre os dois grupos e as semelhanças são numerosas instrumentos líticos notadamente nessa época a técnica de lascamento de instrumentos cortantes de sílex atinge o auge da perfeição e paletas para maquilagem apresentam aspecto análogo nas duas culturas Assim os dois grupos culturais encaminhavam se gradativamente para uma fusão completa Essa fusão entre o norte e o sul acontecerá no Pré Dinástico Recente ou Gerzeense Recente às vezes também denominado Semainiense Omariense B e Meadiense37 Estamos agora no limiar da História essa última fase teve curta duração Se mantivermos a data de 3000 para o início da História o que fizemos para continuarmos fiéis às datas ainda tradicionalmente aceitas o Pré Dinástico Recente provavelmente não teria durado mais de duas ou três gerações no máximo Uma data do C14 para o Pré Dinástico Médio nos revela 37 A expressão é de F PETRIE 1939 p 55 e segs Semaineh é uma aldeia do Alto Egito perto de Qena Cf tb J VERCOUTTER 1967 p 247 50 816 Metodologia e pré história da África que este se prolongou até 3066 o que deixa apenas três quartos de século para a transição do fim do Pré Dinástico Médio ao início da História Ao que tudo indica esse início deveria ser deslocado para uns duzentos anos mais tarde mas mesmo localizando o por volta de 280038 restam apenas pouco mais de dois séculos para uma fase em que se completou o processo de aproveitamento do vale inferior do Nilo e estabeleceu se um sistema social dirigido por uma monarquia de direito divino Essa fase encontra se tão próxima daquela que testemunha o aparecimento da escrita que tentou se extrapolar as informações fornecidas pelos textos escritos para o que a arqueologia nos revela39 Os textos deixam entrever que no início do Pré Dinástico Recente e talvez desde o fim do Pré Dinástico Médio a cidade mais poderosa do sul era Ombos Noubet em egípcio perto de Nagada portanto exatamente no centro da cultura amratiense O deus da cidade é Seth deus animal sobre cuja natureza ainda se discute tem sido identificado como um tamanduá uma espécie de porco uma girafa um animal mítico ou há muito desaparecido da fauna egípcia Os textos nos informam que esse deus meridional entra em luta com um deus falcão Hórus adorado na cidade de Behedet que provavelmente estava localizada no Delta isto é dentro dos domínios da cultura gerzeense Portanto no fim do Pré Dinástico Médio o Egito estaria dividido em duas estruturas sociais uma ao norte dominada por Hórus de Behedet e outra ao sul dirigida por Seth de Ombos Também nesse caso infelizmente as fontes de que dispomos não permitem determinar com precisão a natureza dessas estruturas sociais Pode se no máximo ter uma ideia da importância do chefe de grupo importância que reside em seus poderes mágicos e religiosos que se traduzirá na época histórica no caráter divino do representante da realeza40 Poder se ia talvez admitir a hipótese de o chefe dispor de poderes praticamente ilimitados em relação aos indivíduos da coletividade sendo que esta por sua vez podia quando a ocasião se apresentasse matar o chefe cujos poderes mágicos estivessem em declínio cf A Moret La mise à mort du dieu en Egypte Interpretando os textos admite se que a luta entre esses dois grupos teria terminado numa primeira etapa com uma vitória do norte sobre o sul e que após essa vitória teria sido criado um reino unificado tendo por núcleo Heliópolis41 perto do Cairo a uns 60 km ao norte do sítio de Gerzeh Traduzida em termos 38 A SCHARFF 1950 p 191 39 A obra básica continua sendo o brilhante ensaio de K SETHE 1930 40 Cf G POSENER 1960 41 K SETHE op cit hipótese refutada por H KEES 1961 p 43 817 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã arqueológicos essa vitória do norte sobre o sul corresponderia à penetração da cultura gerzeense em domínio amratiense Durante o Pré Dinástico Recente sempre por extrapolação das informações fornecidas pelos textos teria havido uma evolução política ou social nos dois grupos no norte e no sul A unidade política resultante da vitória do norte sobre o sul no fim do Pré Dinástico Médio ou no início do Pré Dinástico Recente teria tido curta duração e cada grupo teria retornado imediatamente à sua existência independente Após essa evolução constata se que o centro político do norte desloca se de Behedet cuja posição exata é ainda desconhecida para Buto a oeste do Delta a cerca de 40 km do mar região em que não foi possível atingir as camadas arqueológicas contemporâneas do Pré Dinástico Ao mesmo tempo a capital política do sul passava de Ombos para El Kab Nekkeb em egípcio antigo cem quilômetros mais ao sul42 O grupo do sul torna se assim mais meridional e o do norte mais setentrional Em Buto adorava se uma deusa cobra Uadjit em El Kab um abutre fêmea Essas duas divindades na época histórica serão protetoras dos faraós e figurarão regularmente no ritual da cerimônia de coroação43 Alguns documentos posteriores de cerca de um milênio tinham conservado os nomes dos soberanos desses agrupamentos políticos do fim do Pré Dinástico Recente mas poucos chegaram até nós A partir dessa época parece haver uma unidade cultural entre o norte e o sul Assim o deus Hórus originário do norte é também adorado no sul e os chefes políticos no norte como no sul consideram se seus servidores ou partidários com o título de Shemsu Hórus44 Do ponto de vista material há pouca diferença entre a civilização do Pré Dinástico Médio e a do Pré Dinástico Recente mas observa se um incontestável progresso na arte e na técnica A figura humana torna se um tema abordado com frequência pelos artistas e a pintura mural aparece em Hieracômpolis Nekkem em egípcio antigo importante centro situado na margem ocidental do Nilo quase defronte a El Kab45 Hieracômpolis torna se o berço da realeza do sul que por volta de 3000 dá início à luta contra o norte É impossível saber quanto tempo durou essa luta Ocupa os últimos anos do Pré Dinástico Recente e termina com a vitória do sul sobre o norte e com a criação de um estado unificado abrangendo todo o vale desde El Kab até o 42 J VERCOUTTER 1967 p 248 49 43 Cf A H GARDINER 1957 p 71 76 44 Sobre os Shemsou Hor cf J VANDIER op cit p 129 30 e 635 36 45 Hieracômpolis forneceu numerosos documentos pré dinásticos cf PORTER e MOSS 1937 p 191 99 818 Metodologia e pré história da África Mediterrâneo Esse estado será governado por reis do sul originários da região de This46 bem próximo a Abidos que constituem as duas primeiras dinastias denominadas tinitas Por essa razão o breve período do Pré Dinástico Recente é geralmente conhecido como Pré Tinita Os objetos pré tinitas que chegaram até nós foram todos encontrados em Hieracômpolis47 São sobretudo grandes paletas votivas48 decoradas com cenas históricas e grandes clavas esculpidas em calcário As cenas que ornamentam esses dois tipos de documentos permitem nos entrever o sistema político e social dominante na época no vale inferior do Nilo O país está dividido em províncias ou grupos humanos cujas insígnias são vistas acompanhando o soberano nas grandes ocasiões A comparação das insígnias representadas nas embarcações gerzeenses e nas paletas ou clavas pré tinitas com os emblemas dos nomos ou províncias em monumentos da época histórica revela que desde o Gerzeense o sistema social no vale inferior do Nilo no norte como no sul progride em termos geográficos e econômicos e não éticos O grupo humano organiza se em torno de um habitat e de sua divindade Este fato é consequência dos imperativos agrícolas impostos ao vale pelo regime do Nilo tanto ao norte como no sul O grupo só pode sobreviver e desenvolver se na medida em que se torna numeroso e organizado o suficiente para executar os trabalhos que colocarão seu território ao abrigo das enchentes aumentarão as terras cultiváveis e garantirão reservas de alimento indispensáveis devido à irregularidade das cheias do Nilo A dupla organização agrícola e religiosa pois apenas a divindade pode garantir o sucesso dos trabalhos empreendidos e consequentemente a prosperidade do grupo é o fato primordial e permanente que domina o sistema social do vale inferior do Nilo É possível entretanto que esse sistema baseado na distribuição geográfica tenha substituído um sistema mais antigo de fundamento étnico ou social É o que parecem sugerir três palavras do egípcio antigo que existentes desde os primórdios da História persistirão até o fim da civilização egípcia Essas palavras Pât Rekhyt e Henememet49 aplicam se ao que parece a três agrupamentos 46 O sítio da capital não foi descoberto A presença de uma necrópole real dessa época cf W M F PETRIE 1901 na margem oeste do Nilo em Abidos indica que a cidade devia estar localizada nas proximidades 47 O sítio foi explorado em 1898 cf J E QUIBELL Hierakonpolis Londres 1900 1902 48 As mais belas foram reunidas por W M F PETRIE 1953 49 A H GARDINER 1947 v I p 98 112 819 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã humanos muito grandes os Pât seriam os habitantes do vale superior tendo Hórus por senhor os Rekhyt seriam os do vale inferior vencidos no final do Pré Dinástico Recente os Henememet ou povo do Sol teriam habitado a região oriental situada entre o mar Vermelho e o Nilo Essa última região ainda habitada no Neolítico e no Pré Dinástico é importante para a economia do vale visto que fornece metais cobre e ouro E é esse vasto sistema socioétnico que se fracionaria em pequenas unidades geográficas e agrícolas O papel da monarquia será puramente político numa primeira etapa reunirá esses grupos de províncias em duas grandes confederações uma ao norte e outra ao sul numa segunda etapa unificará à força as duas confederações em um único reino garantindo assim um melhor aproveitamento da totalidade do território egípcio Essa segunda tarefa será obra dos primeiros faraós tinitas É nessa época que passamos à História O vale superior do Nilo 5000 a 3000 As diversas culturas do vale inferior do Nilo aqui abordadas não ultrapassam ao sul a região de El Kab A região de Assuã e a Primeira Catarata pertencem já a uma área cultural diferente Do ponto de vista étnico tudo parece indicar que as populações do vale superior do Nilo estavam próximas das do grupo sul do vale inferior badarienses e amratienses Poder se ia estender as comparações aos grupos étnicos dos arredores do Saara oriental mas os estudos antropológicos pertinentes são ainda pouco numerosos50 Neolítico e Pré Dinástico são pouco conhecidos no Egito como constatamos devido ao pequeno número de sítios cientificamente explorados A situação é ainda pior em se tratando do vale superior onde apenas a parte setentrional entre a Primeira e a Segunda Catarata está relativamente bem explorada convém observar que os resultados das escavações feitas de 1960 a 1966 não foram ainda publicados in extenso51 Da Segunda Catarata até os Grandes Lagos da África equatorial os raros elementos conhecidos provêm de relatórios de prospecção em superfície pois é mínimo o número de sítios em que foram realizadas escavações Por essa razão nossos conhecimentos no tempo e no espaço são muito mais limitados em relação ao vale superior do que ao vale egípcio 50 Cf O V NIELSEN 1970 passim e p 22 bibliografia p 136 39 51 Sobre as épocas que aqui nos interessam destacaremos principalmente as obras de F WENDORF 1968 e H NORDSTRÖM 1972 820 Metodologia e pré história da África O Neolítico 5000 a 3800 As primeiras escavações em um sítio indiscutivelmente neolítico foram realizadas na região de Cartum A cultura aí descoberta por vezes conhecida pelo nome de Neolítico de Cartum é geralmente chamada Shaheinab Shaheinabense52 Shaheinab é um sítio de habitat cujas sepulturas não foram encontradas mas o abundante material que forneceu objetos de uso quotidiano prova que os sudaneses da região sobretudo caçadores e pescadores eram também criadores O estudo de sua cerâmica decorada pela impressão de uma roseta rotativa indica que eram provavelmente descendentes de uma outra cultura neolítica mais antiga cujos vestígios foram encontrados em um sítio localizado na própria região de Cartum Esse sítio Cartum Antigo Early Khartoum53 Cartumiense contém túmulos onde negros tinham sido inumados Se como tudo indica Shaheinab provém realmente do Cartum Antigo teríamos de admitir que estamos em presença também nesse caso de uma população negra composta de grupos de caçadores e de pescadores que matavam leões búfalos hipopótamos e igualmente antílopes gazelas órix e lebres cujas ossadas encontramos em suas habitações Suas armas eram machadinhas polidas e clavas semi esféricas que de um modo geral consideramos predecessores da clava troncônica amratiense Trabalhavam a madeira e conheciam a tecelagem embora aparentemente preferissem o couro na confecção das vestimentas Sua civilização é às vezes denominada cultura da goiva dado o grande número de ferramentas desse tipo descobertas no sítio Graças à sua cerâmica bastante característica foi possível provar que a cultura de Shaheinab estendia se não só a oeste Tenere Tibesti e a leste mas também ao sul de Cartum ao longo do Nilo Branco e do Nilo Azul Não há indícios que permitam determinar qual era a sua organização social Seria interessante saber quais eram as ligações entre o Neolítico de Shaheinab e o do vale inferior principalmente do Faium infelizmente não se conhece nenhum sítio ao norte de Cartum entre a Sexta e a Sétima Catarata que permita estabelecer comparações úteis Os trabalhos recentes na baixa Núbia ao norte da Segunda Catarata parecem ter demonstrado que o Neolítico dessa região é semelhante ao de Shaheinab embora ainda apresente diferenças bastantes para 52 Cf A J ARKELL 1953 53 Cf A J ARKELL 1949 821 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã que os arqueólogos anglo saxões que o estudaram tenham no denominado Cartum Variante54 No vale superior a passagem do Neolítico ao Pré Dinástico portanto ao Eneolítico continua ainda muito obscura Algumas sepulturas encontradas na confluência do Nilo Branco e do Nilo Azul poderiam indicar a existência nesse local de uma cultura influenciada pelo Pré Dinástico nubiano conhecido como do Grupo A cf acima mas ainda não pôde ser datada com precisão Nas proximidades da Segunda Catarata em compensação foi descoberta recentemente uma indústria à qual se deu o nome de Abkiense Abkan55 Abkiense derivado do nome do sítio de Abka onde se encontra melhor representada Ela ainda é conhecida apenas por sua produção lítica e por sua cerâmica Nem todos os sítios em que foi encontrada foram publicados Pelo que se sabe essa cultura aparentemente pertence a uma população de caçadores pescadores como a de Shaheinab mas a caça apresenta se menos produtiva talvez por iniciar se a fase de dessecação que vem após o período úmido Para a pesca os homens de Abka parecem utilizar imensas armadilhas permanentes inteligentemente instaladas nos canais da catarata durante a vazante e onde os peixes ficavam presos por ocasião do recuo da inundação A coleta de frutas e plantas silvestres completava lhes os recursos alimentícios A construção das armadilhas feitas de paredões de pedra muitas vezes de grandes dimensões implica um agrupamento social já organizado A cultura abkiense não tem aparentemente relação com a de Shaheinab que in loco em sua forma de Cartum Variante parece ser a um tempo distinta e contemporânea dessa cultura O Abkiense seria uma forma particular do Neolítico que nada deveria ao sul nem ao norte Por outro lado parece que foi realmente do Neolítico abkiense que proveio o Pré Dinástico nubiano Pré Dinástico 3800 a 2800 Quando em 1907 o governo egípcio decidiu elevar mais 7 m a primeira barragem de Assuã inundando assim toda a baixa Núbia de Shellal a Korosko uma prospecção arqueológica sistemática foi empreendida na região a ser inundada Os arqueólogos constatando as diferenças culturais entre o Egito que conheciam bem e a Núbia adotaram um sistema provisório de classificação por letras para as novas culturas que descobriam distinguindo segundo uma 54 F WENDORF 1968 p 768 90 e H NORDSTRÖM 1972 p 9 10 55 Descrição dessa indústria em F WENDORF 1968 p 611 29 cf tb H NORDSTRÖM 1972 p 12 16 822 Metodologia e pré história da África datação relativa o Grupo A o Grupo B o Grupo C etc56 Depois tentou se estabelecer um sistema semelhante ao utilizado para o vale inferior em que o Nubiano Antigo e o Nubiano Médio por exemplo corresponderiam ao Antigo Império e ao Médio Império57 Mas diante das dificuldades encontradas para estender esse sistema da Núbia ao norte da Segunda Catarata até a Núbia ao sul da Segunda Catarata abandonou se provisoriamente a tentativa Portanto continuaremos a utilizar a denominação Grupo A que abrange o Pré Dinástico O Grupo A58 vai do fim do Neolítico por volta de 3800 até o fim do Antigo Império egípcio 2200 aproximadamente Nesse grupo podemos distinguir várias fases o Grupo A antigo de 3800 até 3200 aproximadamente o Grupo A clássico de 3200 a 2800 aproximadamente e o Grupo A recente antigo Grupo B de 2800 até 2200 aproximadamente Consideraremos apenas as duas primeiras fases O Grupo A antigo é o menos conhecido59 Foi durante as recentes escavações na Núbia sudanesa entre 1960 e 1966 que se constatou ser a civilização eneolítica do Grupo A sucessora direta da abkiense do Neolítico portanto será preciso esperar a publicação dos relatórios das escavações in extenso para se ter uma ideia mais precisa do que esse Grupo representa Na baixa Núbia o sítio de Khor Bahan ao sul de Shellal pertence aparentemente a essa fase antiga e é contemporâneo do Gerzeense portanto do Pré Dinástico Médio egípcio Nessa época a agricultura e a criação de gado ausentes no Abkiense são praticadas na baixa Núbia utilizando uma técnica própria do vale superior as comunidades de agricultores construíam por ocasião da vazante barragens de pedra perpendiculares ao rio que tinham por efeito diminuir a força da corrente facilitando o depósito do limo nos campos à margem do Nilo e aumentar a extensão das terras cultiváveis Além disso a descoberta de ossos de bovídeos e caprídeos nos túmulos sem dúvida provenientes de sacrifícios fúnebres sugere que essas comunidades eram seminômades Sendo os campos insuficientes para alimentar um grande número de animais somos levados a crer que as populações deslocavam se durante uma parte do ano para os planaltos vizinhos na época provavelmente recobertos pela estepe como atesta a presença de antílopes e de leões 56 G A REISNER 1910 p 313 32 57 B G TRIGGER 1965 p 67 e segs fig 1 p 46 58 Nem todos os relatórios das escavações feitas na Núbia por solicitação da Unesco tanto no Egito como no Sudão estão publicados Sobre o Grupo A ver H NORDSTRÖM 1972 p 17 32 59 H NORDSTRÖM 1972 p 17 28 e passim 823 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã A descoberta de objetos de cobre nos sítios do Grupo A levanta a questão da difusão desse metal no vale superior Como as populações do Badariense os africanos do Grupo A utilizavam a malaquita como maquilagem para os olhos e a pulverizavam sobre paletas de quartzo conheciam também a técnica de fabricação da massa esmaltada faiança egípcia Considerando se a existência de jazidas de minério de cobre na Núbia exploradas em épocas remotas é bem possível que os objetos de cobre encontrados nos sítios do Grupo A antigo sobretudo agulhas sejam exclusivamente de fabricação local60 As importações provenientes do norte limitam se aparentemente a vasos de pedra alabastro xisto brecha e a matérias primas como o sílex que praticamente não existe nos arenitos da Núbia mas é encontrado em abundância no Egito A cerâmica é ainda do tipo vermelho com bordos pretos e fabricada localmente segundo excelente técnica Na confecção de utensílios e armas as populações do Grupo A utilizavam mais frequentemente a pedra e o osso que o metal facas e clavas exatamente como as do Amratiense são de sílex ou de diorito e basalto as agulhas ou fivelas e furadores são em geral de osso ou de marfim O ouro aparece nas joias As paletas para maquilagem de xisto são provavelmente inspiradas nas egípcias mas encontram se também paletas de quartzo branco que são típicas da cultura do Grupo A61 Ao Grupo A antigo ainda pouco conhecido sucede o Grupo A clássico que a julgar pelo número de túmulos e necrópoles que deixou conhece o que se poderia chamar de explosão demográfica62 Muito próximo de seu predecessor do ponto de vista material o Grupo A clássico diferencia se sobretudo pela importação de um número bem maior de objetos do vale inferior Viu se nesse fenômeno a prova de um comércio ativo entre os vales inferior e superior do Nilo A cerâmica mantém uma qualidade e uma beleza superiores mas simultaneamente aparece um grande número de vasos importados do tipo gerzeense de cor clara Esses vasos foram provavelmente utilizados para conservar matérias perecíveis pensa se particularmente no óleo importadas em troca do marfim e do ébano que vinham do sul A cultura do Grupo A clássico continua a prosperar até aproximadamente 2800 quando de maneira repentina desaparece quase inteiramente cedendo 60 Cabe observar que já no Antigo Império o minério de cobre parece ter sido tratado in loco notadamente em Buhen cf W B EMERY 1965 p 111 14 61 F HINTZE 1967 p 44 62 B G TRIGGER 1965 p 74 75 824 Metodologia e pré história da África lugar à cultura do Grupo A recente antigo grupo B63 muito pobre Esse fato foi visto como consequência dos ataques egípcios desfechados pelos faraós da primeira dinastia tinita Inscrições egípcias dessa época descobertas ao norte da Segunda Catarata tornam essa explicação muito plausível De qualquer forma saímos agora da época pré histórica Em resumo esse obscuro mas importante período em que o vale do Nilo passou do Neolítico ao fim do Pré Dinástico caracteriza se no vale inferior pela passagem de um sistema social baseado em famílias ou grupos restritos de caçadores pescadores que praticam pequena criação e uma agricultura limitada às margens do rio e ao Faium para um sistema complexo de sedentários organizados em aldeias ou grupos de aldeias que praticam a irrigação e uma agricultura especializada Essas aldeias encontram se agrupadas por volta de 3000 sob a autoridade de um único líder o faraó que governa o vale inferior da Primeira Catarata ao Mediterrâneo No vale superior observa se a transição de agrupamentos de pescadores caçadores que praticam uma criação de gado bastante limitada para um sistema que reúne criadores agricultores provavelmente seminômades mas vinculados geograficamente ao rio onde constroem espigões com o objetivo de aumentar as terras cultiváveis A construção desses espigões supõe uma organização coletiva importante menos considerável entretanto que no vale inferior Nessa mesma época a partir de 3300 observa se a difusão do cobre por todo o vale do Nilo Embora a origem da metalurgia do cobre permaneça pouco conhecida e constitua objeto de discussão não é impossível que esta tenha nascido ou que tenha sido reinventada no vale do Nilo A época histórica de 3000 ao século V antes da Era Cristã Quando os primeiros textos egípcios aparecem por volta de 3000 os sistemas sociais já estão estabelecidos ao que parece em todo o vale do Nilo e praticamente não evoluem daí em diante Ao norte temos um sistema de monarquia de direito divino governando um grupo de indivíduos iguais perante o rei pelo menos teoricamente Ao sul o sistema é aparentemente menos rígido e em virtude do nomadismo ou seminomadismo um sistema baseado 63 H S SMITH 1966 p 118 124 825 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã em grande parte na família manteve se provavelmente durante quase todo o período que vai de 3000 ao século V antes da Era Cristã Será apenas no final desse período que o vale do Nilo entre a Primeira Catarata e a confluência do Nilo Branco e do Nilo Azul talvez ainda mais ao sul conhecerá um regime social provavelmente semelhante ao do vale egípcio Levando se em conta o caráter estático desses sistemas sociais ao longo desse período sua evolução será objeto de uma rápida exposição Insistiremos sobretudo em dois fatos culturais que caracterizam esse período a descoberta e a difusão do bronze e muito mais tarde do ferro Evolução dos sistemas sociais Em virtude da falta de documentos jurídicos a organização social no vale inferior é conhecida apenas de modo incompleto De acordo com os autores clássicos entre outros Heródoto e Estrabão a sociedade egípcia teria sido dividida em castas rígidas Tal afirmação certamente é falsa exceto talvez para os militares no final do período faraônico Assim nunca existiu a classe dos sacerdotes como pretende Estrabão Nem é certo que tenha havido uma classe de escravos no sentido que atribuímos à palavra64 Na verdade o sistema social egípcio na época histórica é bastante flexível Está baseado mais na exploração do solo no desenvolvimento do país do que em um direito rígido Como a moeda nunca foi utilizada no Egito o indivíduo deve estar ligado a uma organização que lhe forneça alimento roupas e habitação qualquer que seja sua posição social A mais simples dessas organizações é a propriedade familiar Se a terra pertence ao faraó o direito de cultivá la é às vezes atribuído a um particular que pode transmiti lo a seus herdeiros65 Sempre houve propriedades familiares desse tipo frequentemente exíguas nas quais o próprio chefe de família distribui a renda a seu gosto e a família lato sensu fica na sua inteira dependência A única obrigação do chefe de família é cumprir os deveres para com o Estado impostos corveias prestação de serviços Ao lado das propriedades familiares existem as propriedades religiosas e reais muito mais importantes As propriedades religiosas sobretudo a partir da XVIII dinastia após 1580 eram por vezes muito ricas Assim a 64 Cf as pertinentes observações de G POSENER em G POSENER S SAUNERON e J YOYOTTE 1959 s v Esclavage p 107 65 J PIRENNE 1932 p 200611 e G POSENER 1959 p 76 e 107 826 Metodologia e pré história da África propriedadedo deus Amon inclui 81322 homens 421362 cabeças de gado 43 jardins 2393 km2 de campos 83 barcos 65 aldeias66 Esses bens estendem se pelo Alto e Baixo Egito pela Síria Palestina pela Núbia A propriedade real está constituída nos mesmos moldes e encontra se espalhada pelo país em torno de um palácio ou do templo funerário do soberano Cada indivíduo vive na dependência obrigatória de uma dessas propriedades que supre suas necessidades de maneira bastante hierarquizada A remuneração em espécie varia muito de acordo com a função exercida um escriba recebe mais víveres do que um agricultor ou um artesão isso permite que os mais favorecidos pelo sistema adquiram por sua vez servidores e propriedades familiares vendendo não a sua função mas uma parte da renda destinada a essa função Querendo escapar das limitações impostas pelo sistema social egípcio o indivíduo só dispõe do recurso da fuga Os desertores fogem para oeste perto do deserto onde vivem de ataques às culturas do vale ou então vão para o exterior principalmente para a Síria Palestina67 A estabilidade do sistema social depende em grande parte da autoridade e da energia do poder central o rei e a administração Quando eles são fracos observa se uma grande desorganização no funcionamento do sistema até mesmo revoluções como a que ocorreu entre 2200 e 2100 quando a autoridade do faraó foi colocada em questão e os favoritos destituídos de seus bens68 Conhecem se também desordens locais como a greve dos artesãos da propriedade real de Deir el Medineh em 1165 que não haviam recebido sua cota mensal de víveres nem as vestimentas que lhes eram devidas A situação social de um indivíduo não é fixada definitivamente a qualquer momento pode ser colocada em questão por vontade do faraó ou em virtude de erros cometidos no exercício de uma função Fatos como o rebaixamento de um funcionário e seu retorno à terra são mencionados frequentemente nos textos egípcios69 A partir de 1580 aproximadamente os militares passam a ocupar um lugar à parte no sistema social egípcio Para expulsar os hicsos do Egito e empreender sua política de incursões agressivas na Núbia e na Ásia Menor os faraós criaram um 66 J H BREASTED 1906 p 97 67 Um exemplo significativo é o de Sinuhe que temendo ser implicado numa conspiração palaciana foge para a Palestina Ser lhe á necessário solicitar o perdão do faraó para poder voltar ao Egito Cf G LEFEBVRE 1949 LHistoire de Sinouhé p 1 25 Ver tb W K SIMPSON ed 1972 p 57 74 68 J VANDIER 1962 p 213 20 e 235 37 69 Notadamente no decreto de Nauri no qual é uma das sanções correntes cf F L GRIFFITH 1927 p 200 08 827 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 281 Túmulo de Rekh mi re em Tebas The Metropolitan Museum of Art Egyptian Expedition vol X Figura 282 Túmulo de Huy parede leste fachada sul Figura 283 Navalha Mirgissa Sudão Foto Missão Arqueológica Francesa no Sudão 828 Metodologia e pré história da África verdadeiro exército profissional70 Os militares são recompensados com doações de terras de propriedades agrícolas que podem legar a seus herdeiros contanto que estes prossigam na carreira militar Esse sistema foi se desenvolvendo através dos séculos e acabou por criar no final da história do Egito uma verdadeira casta militar No vale superior do Nilo a organização social é ainda pouco conhecida Vimos que no fim da época pré dinástica estabelecera se um sistema social pelo menos na baixa Núbia que incluía sedentários e nômades ou seminômades sem que se possa saber se uns e outros viviam em comunidade ou simplesmente lado a lado Os raros documentos egípcios que fazem alusão à organização política das populações ao sul da Primeira Catarata sugerem a existência de agrupamentos humanos de baixa densidade esparsamente distribuídos ao longo do vale sob a autoridade de chefes locais cujo poder era hereditário71 A arqueologia praticamente não fornece outras informações A criação continua a ser um fator econômico importante do vale superior provavelmente favorece a sobrevivência das estruturas familiares A partir de 1580 contudo a intervenção egípcia certamente modifica o sistema então vigente ou melhor faz com que desapareça A ocupação dos territórios ao sul de Assuan pelo Egito leva rapidamente ao seu despovoamento72 Para sustentar sua política asiática o Egito explora ao máximo o vale superior cujos habitantes desaparecem provavelmente fugindo para o sul e para o oeste buscando refúgio em regiões ainda hoje desconhecidas pela arqueologia Somente por volta de 750 sob o impulso de soberanos sudaneses originários da região de Dongola presenciamos a criação de um verdadeiro reino organizado inspirado no modelo egípcio Estende se ao que parece da confluência dos dois Nilos ao sul primeiramente até a Segunda Catarata em seguida até o Mediterrâneo incluindo a baixa Núbia de 750 a 65073 Nesse reino o matriarcado exerce uma função importante pelo menos para a família governante mas os documentos são muito raros e pouco explícitos para nos esclarecer sobre o sistema social então vigente 70 R O FAULKNER 1953 p 41 47 71 G POSENER 1940 p 35 38 e 48 62 72 W Y ADAMS 1964 p 104 09 73 H V ZEISSL 1955 p 12 16 829 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 284 Túmulo de Huy Foto The Egypte Exploration Society Difusão dos metais Em princípios do período histórico os metais preciosos ouro e prata assim como o cobre são conhecidos e amplamente difundidos em todo o vale do Nilo A metalurgia desses três metais continua a se desenvolver após o terceiro milênio No segundo milênio aparecem o bronze liga de cobre e estanho e esporadicamente o ferro a partir de 1580 Entre a Primeira e a Terceira Catarata está localizada a maior parte das minas de ouro exploradas pelos egípcios e pelos núbios74 A prospecção de metais preciosos levou os egípcios do Médio Império a ultrapassarem a Segunda Catarata No Novo Império o ouro desempenha um papel primordial na política asiática do Egito para comprar as alianças locais O ouro extraído das minas do 74 J VERCOUTTER 1959 p 128 33 e mapa p 129 830 Metodologia e pré história da África Egito e da Núbia contém sempre uma grande proporção de prata75 distinguindo se o ouro branco ou electrum hadji em egípcio que contém pelo menos 20 de prata do ouro amarelo noub em egípcio a esse respeito convém observar que não se sabe ao certo se o topônimo Núbia tem sua origem nessa palavra egípcia O ouro teve múltiplas aplicações no Egito era empregado na confecção de joias na mobília funerária e mesmo na arquitetura em que a ponta dos obeliscos os pórticos e certas dependências dos templos eram recobertos com folhas de ouro O vale superior do Nilo emprega o ouro com a mesma profusão embora a pilhagem sistemática das sepulturas nos tenha deixado relativamente poucos objetos de ouro amuletos contas de adorno ornamentos para o cabelo braceletes anéis e brincos A mobília de madeira no século XVIII antes da Era Cristã era por vezes recoberta com folhas de ouro A mobília funerária no século VIII é também de uma grande riqueza em ouro e prata como se vê em Nuri abaixo da Quarta Catarata onde apesar das antigas pilhagens foram recolhidos numerosos objetos76 Só a análise em laboratório permite distinguir o cobre do bronze77 Este só aparece no vale do Nilo a partir de 2000 aproximadamente ainda é preciso esperar até 1500 para que seja difundido por vastas áreas sem nunca chegar a tomar o lugar do cobre O bronze liga de cobre e estanho tem a vantagem de ser mais resistente do que o cobre se a proporção de estanho não for muito grande de ter um ponto de fusão mais baixo e de ser de moldagem mais fácil Embora o Egito possua algumas jazidas de estanho o bronze não foi descoberto no vale do Nilo aparentemente vem da Síria78 onde é conhecido desde o início do segundo milênio Nas ligas egípcias a proporção de estanho varia de 2 a 16 Contendo até 4 de estanho o bronze é mais duro que o cobre além dessa porcentagem torna se quebradiço e perde muitas de suas vantagens Essa é provavelmente a razão pela qual nunca tomou o lugar do cobre que pode ser consideravelmente endurecido por simples martelagem Não se possuem análises dos objetos de cobre ou bronze encontrados no vale superior principalmente em Kerma datando do segundo milênio poderiam nos informar se o bronze fora adotado no vale superior De qualquer forma os objetos de cobre ou bronze são abundantes no local mais do que no próprio Egito foram encontradas em Kerma 130 adagas de cobre do período de 1800 75 A LUCAS 1962 p 224 34 76 D DUNHAM 1955 passim 77 A LUCAS op cit p 199 217 e 217 23 78 A LUCAS op cit p 217 18 e 255 57 831 Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã Figura 285 Estátua de cobre de Pépi I Antigo Império Museu do Cairo 832 Metodologia e pré história da África a 1700 aproximadamente isto é mais do que todo o Egito forneceu Nessa época o cobre é utilizado na fabricação de objetos de toucador principalmente espelhos armas e ferramentas vasos jóias incrustações para móveis Geralmente batido é moldado em raríssimos casos O número e a qualidade dos objetos encontrados em Kerma79 provam que o vale superior teve um papel importante na difusão da metalurgia do cobre na África desde o segundo milênio da Era Cristã A magnitude dessa difusão deve se em grande parte à presença de minas de cobre no complexo geológico básico do Nilo Durante muito tempo o vale do Nilo conheceu apenas o ferro meteórico80 É apenas no fim do século VIII antes da Era Cristã que o ferro começa a se difundir pelo vale inferior um século depois é tão utilizado quanto o bronze e o cobre Nessa época é fundido e trabalhado no Egito nos centros de influência grega O vale do Nilo ocupa então um lugar de destaque na difusão do ferro na África81 É possível que esse metal tenha sido trabalhado mais remotamente no vale superior do Nilo do que no vale inferior o que explicaria sua utilização frequente sob a XXV dinastia originário de Dongola por volta de 800 Todavia ainda que o vale superior dispusesse ao mesmo tempo de minério de ferro e de florestas para a fabricação do carvão vegetal necessário à metalurgia do ferro é somente a partir do século I antes da Era Cristã com o desenvolvimento da civilização meroítica entre a Terceira e a Sexta Catarata que o ferro se difundirá por vastas áreas82 Portanto foi sobretudo como iniciadora da civilização de Meroé que a cultura nilótica de Napata do século VII ao século IV antes da Era Cristã desempenhou um papel importante na difusão do ferro na África 79 G A REISNER 1923 cap 26 p 176 205 80 P L SHINNIE 1971 p 92 94 81 A LUCAS 1962 op cit p 235 43 82 O papel de Meroé na difusão do ferro na África não é tão evidente quanto se acreditava há algum tempo cf P L SHINNIE 1971 p 94 95 que cita também B C TRIGGER 1969 p 23 50 Na verdade Meroé não é o único centro possível de difusão O ferro pôde ser difundido a partir da África do Norte através das rotas das caravanas que cruzavam o Saara cf P L SHINNIE 1967 p 168 com uma referência a C HUARD 1960 p 134 78 e 1964 p 49 50 833 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Os capítulos anteriores demonstram amplamente o importante papel desempenhado pela África no alvorecer da humanidade A África e a Ásia atualmente colocadas na periferia do mundo tecnicamente desenvolvido estavam na vanguarda do progresso durante os primeiros 15000 séculos da história do mundo desde o australopiteco e o pitecantropo De acordo com os conhecimentos de que dispomos atualmente a África foi o cenário principal da emergência do homem como espécie soberana na terra assim como do aparecimento de uma sociedade política Mas esse papel eminente na Pré História será substituído durante o período histórico dos dois últimos milênios por uma lei de desenvolvimento caracterizada pela exploração e pela sua redução ao papel de utensílio A África pátria do homem Embora não haja certeza absoluta a esse respeito pelo fato de a história da humanidade continuar obscura desde as origens de a história subterrânea não ter sido inteiramente exumada de as escavações estarem apenas no começo na África e de a acidez do solo devorar muitos restos fósseis as descobertas feitas até aqui já classificam este continente como um dos grandes senão o principal berço do fenômeno de hominização Isso é verdade já na fase do queniapiteco Kenyapithecus wickeri 14 milhões de anos que alguns consideram o iniciador Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada J Ki Zerbo 834 Metodologia e pré história da África da dinastia humana O ramapiteco da Ásia é apenas uma variedade que conseguiu alcançar a Índia a partir da África Mas isso se verifica sobretudo com o australopiteco Australopithecus Africanus ou afarensis que é incontestavelmente o primeiro hominídeo bípede explorador das savanas da África oriental e central e cujas moldagens endocranianas revelaram um desenvolvimento dos lobos frontais e parietais do cérebro testemunhando já um nível elevado das faculdades intelectuais Em seguida temos os zinjantropos e a variedade que tem o tão prestigioso nome de Homo habilis São os primeiros humanos a representarem um novo salto na ascensão para o status de homem moderno Vêm depois os arcantropos pitecantropos e atlantropos os paleantropos ou neandertalenses e finalmente o tipo Homo sapiens sapiens homem de Elmenteita no Quênia de Kibish na Etiópia cujas características frequentemente negroides foram observadas por muitos autores no período Aurignaciense Superior Quer sejam policentristas ou monocentristas todos os estudiosos reconhecem que é na África que se encontram todos os elos da corrente que nos liga aos mais antigos hominídeos e pré hominídeos incluindo as variedades que aparentemente ficaram no estágio de esboço do homem e não puderam empreender a arrancada histórica que permitiu chegar à estatura e ao status de Adão Além disso é na África que se encontram ainda os ancestrais ou melhor os considerados primos do homem Segundo W W Howells os grandes macacos da África o gorila e o chimpanzé estão realmente mais próximos do homem do que qualquer um dos três em relação ao orangotango da Indonésia1 E não sem motivo A Ásia em suas latitudes inferiores e sobretudo a África em virtude de seu notável mergulho no hemisfério sul escapavam das desanimadoras condições climáticas das zonas setentrionais Assim durante os cerca de 200000 anos do Kagueriano a Europa coberta por camadas de gelo não oferece nenhum vestígio de utensílios paleolíticos enquanto a África no mesmo período apresenta três variedades sucessivas de pedras talhadas segundo técnicas em evolução De fato as latitudes tropicais beneficiavam se na época de um clima temperado favorável à vida animal e a seu desenvolvimento Se quisermos detectar as causas do aparecimento do homem temos de levar em conta em primeiro lugar o meio geográfico e ecológico Em seguida é preciso considerar a tecnologia e por fim o meio social A adaptação ao meio A adaptação ao meio foi um dos mais poderosos fatores de formação do homem desde suas origens As características morfossomáticas das populações 1 W W HOWELLS 1972 p 5 835 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada africanas até o presente foram elaboradas nesse período crucial da Pré História Assim o caráter glabro da pele sua cor morena acobreada ou negra a abundância de glândulas sudoríparas as narinas e os lábios proeminentes de grande número de africanos os cabelos crespos encaracolados ou encarapinhados tudo isso provém das condições tropicais A melanina e o cabelos encarapinhados por exemplo protegem do calor Além disso a postura ereta que foi uma etapa tão decisiva do processo de hominização e que implicou ou acarretou um novo arranjo dos ossos da cintura pélvica está ligada na opinião de alguns pré historiadores à adaptação ao meio geográfico das savanas de ervas altas dos planaltos do leste africano era preciso manter se sempre ereto para olhar por cima a fim de espreitar sua presa ou fugir dos animais hostis Outros cientistas Alister Hardy por exemplo consideram o meio aquático responsável não só pelo aparecimento de vida mas também pela hominização Esse é também o ponto de vista de Mrs Elaine Morgan para quem tal processo se teria desenvolvido na África às margens dos grandes lagos ou do oceano Ela explica a postura ereta pela necessidade de manter a cabeça fora da água na qual se havia mergulhado para escapar de animais muito fortes mas que evitam a água Atribui ainda ao meio aquático certas características humanas como a existência de uma camada gordurosa subcutânea a posição retraída dos órgãos sexuais na mulher e o alongamento correspondente do órgão sexual masculino o fato de sermos os únicos primatas que choram etc2 Todas essas adaptações biológicas foram gradativamente incorporadas pela hereditariedade e passaram a ser transmitidas como características permanentes A adaptação ao meio impôs também o estilo dos primeiros utensílios humanos Assim C Gabel manifesta se a favor de uma origem autóctone dos utensílios do tipo capsiano no qual o estilo de lâminas buris e raspadores se adapta a um material excelente a obsidiana O meio tecnológico O meio tecnológico criado pelos hominídeos africanos foi com efeito o segundo fator que lhes permitiu distinguirem se do restante na natureza e posteriormente dominá la É por ter sido faber artesão que o homem se tornou sapiens inteligente Com as mãos livres da necessidade de apoiar o corpo o homem estava apto a aliviar os músculos e os ossos do maxilar e do crânio de numerosos trabalhos 2 A HARDY especialista em biologia marinha citado por Elaine MORGAN 1973 p 33 55 836 Metodologia e pré história da África Daí a liberação e o crescimento da caixa craniana onde os centros sensitivo motores do córtex se desenvolvem Além disso a mão confronta o homem com o mundo natural É uma antena que capta um número infinito de mensagens as quais organizam o cérebro e o fazem chegar ao julgamento particularmente através do conceito de meios apropriados para alcançar um dado fim princípio de identidade e causalidade Após terem aprendido a lascar grosseiramente a pedra quebrando a de modo desigual em pedaços cujo tamanho depende de mero acaso pebble culture do homem de Olduvai os homens pré históricos africanos passaram para uma etapa mais consciente do trabalho criador A presença de utensílios líticos em diferentes estágios de elaboração nas grandes oficinas como as das cercanias de Kinshasa permite concluir que a representação do objeto terminado era apreendida desde a etapa inicial e se materializava lasca a lasca Como em outros lugares o progresso nessa área passou do lascamento obtido através da batida de um seixo contra outro ao lascamento com o auxílio de um percutor menos duro e cilíndrico martelo de madeira de osso etc depois à percussão indireta por intermédio de um cinzel e finalmente à pressão para os retoques de acabamento especialmente nos micrólitos Um progresso constante caracteriza o domínio do homem pré histórico sobre os utensílios Desde os primeiros passos reconhece se na mudança de material no acabamento dos instrumentos e das armas esta busca da eficácia sempre mais apurada e da adaptação a fins cada vez mais complexos que é o sinal da inteligência e que liberta os homens dos estereótipos do instinto Foi assim que se passou do biface factotum às indústrias de lascas Egito Líbia Saara depois às fácies mais especializadas do Ateriense3 do Fauresmithiense4 do Sangoense5 do Stillbayense6 e finalmente às formas mais refinadas do Neolítico Capsiense Wiltoniense Magosiense Elmenteitiense Na África mais do que em qualquer outro lugar é impossível traçar um limiar cronológico nítido que permita demarcar em números precisos a passagem de um estágio a outro As diferentes fases da Pré História aparentemente se sobrepuseram se interpenetraram e coexistiram durante longos períodos Na mesma camada estratigráfica podemos encontrar relíquias da Idade da Pedra primitiva utensílios muito mais evoluídos pedras polidas e até objetos de 3 De Bir el Ater na Argélia 4 De Fauresmith na África do Sul 5 De Sango Bay na margem oeste do lago Vitória 6 De Stillbay na província do Cabo 837 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada metal É assim que o Sangoense que começa a partir da primeira Idade da Pedra se prolonga até o fim do Neolítico O conjunto destes progressos caracterizado por trocas e empréstimos múltiplos apresenta se antes sob a forma de vagas de invenções com amplo raio histórico entrecruzando se às vezes e se inscrevendo numa curva ascendente geral que deságua no período histórico da Antiguidade após o domínio das técnicas agropastoris e a invenção da cerâmica A cultura do trigo da cevada e das plantas têxteis como o linho do Faium expandia se assim como a criação de animais domésticos Dois focos principais de seleção e de exploração agrícolas exerceram sem dúvida uma influência marcante desde o VI ou V milênio o vale do Nilo e a curva do Níger Foram domesticados o sorgo o milho miúdo algumas variedades de arroz o gergelim o fonio e mais ao sul o inhame o dá lbiscus esculentust por suas folhas e fibras a palmeira oleaginosa a noz de cola e provavelmente uma certa variedade de algodão O vale do Nilo beneficiou se além disso dos produtos vindos da Mesopotâmia como o emmer trigo a cevada as cebolas as lentilhas e as ervilhas os melões e os figos ao passo que da Ásia chegavam à cana de açúcar outras variedades de arroz e a banana esta sem dúvida através da Etiópia Este último país instruído sobre os métodos de cultivo pelos camponeses do vale do Nilo desenvolveu também a cultura do café Os sítios de Nakuru e do rio Njoro no Quênia sugerem igualmente o impulso dado à cultura de cereais Grande número de plantas domesticadas durante a Pré História ainda persistem sob formas às vezes melhoradas e alimentam os africanos até hoje Elas propiciaram a fixação e a estabilização dos homens sem o que não há civilização progressiva O verdadeiro Neolítico que se desenvolveu na Europa ocidental apenas entre 3000 e 2000 começou 3000 anos mais cedo no Egito A cerâmica de Elmenteita Quênia que remonta sem dúvida a cinco milênios é um dos elementos que permite inferir que o conhecimento da cerâmica chegou ao Saara e ao Egito a partir das terras altas da África oriental A cerâmica inovação revolucionária acompanha a acumulação primitiva do capital na forma de bens extraídos da natureza pela indústria humana Com a cozinha começa um dos aspectos mais refinados da cultura que nos permite medir o progresso qualitativo alcançado desde o Homo habilis e sua dieta de folhas raízes e carne de animal recém abatido em suma sua economia de caça A dinâmica social Mas essas mudanças qualitativas que confirmavam e consolidavam as aptidões essenciais do homem só foram possíveis através de trocas com seus 838 Metodologia e pré história da África semelhantes e graças a uma dinâmica social que modelou o ser humano pelo menos tanto quanto os impulsos provenientes das profundezas de sua vitalidade dos meandros de seus lobos cerebrais ou dos interstícios de sua subconsciência O fator social teve aliás um papel importante no nível da agressividade pela eliminação violenta dos mais fracos Assim o Homo sapiens teve de expulsar os neandertalenses após uma espécie de guerra mundial que durou muitas dezenas de milênios Mas a dimensão social também desempenhou um papel mais positivo Os estudos comparativos de moldes endocranianos dos paleantropus e do Homo sapiens revelam justamente que nestes últimos as partes corticais que estão ligadas às funções do trabalho e da fala e à regulação do comportamento do indivíduo no seio da coletividade atingem um desenvolvimento considerável7 Na verdade a sociabilidade teve um papel fundamental na aquisição da linguagem desde os sinais sonoros herdados dos antepassados animais até os sons mais articulados combinados de maneiras diferentes em forma de sílabas A fase de lalação caracterizada por monossílabos visava a desencadear como por reflexo condicionado um certo ato gesto ou comportamento ou ainda chamar a atenção para determinado acontecimento ocorrido ou iminente Em resumo no começo a fala era essencialmente relação Ao mesmo tempo o alongamento da mandíbula fazia recuar os órgãos da garganta abaixando assim o ponto de ligação da língua O fluxo de ar expirado não mais se encaminhava diretamente para os lábios como nos macacos mas transpunha uma série de barreiras controladas pelos centros corticais8 Em suma a fala é um processo dialético entre a biologia as técnicas e o espírito mas depende da mediação do grupo Sem um parceiro a lhe fazer eco sem um interlocutor o homem teria permanecido mudo Reciprocamente porém a fala é uma aquisição tão preciosa que nas representações mágicas ou cosmogônicas africanas lhe é reconhecido um poder sobre as coisas O verbo é criador A palavra é também o condutor do progresso É a transmissão dos conhecimentos a tradição ou a herança dos ouvidos É a capitalização do saber que eleva o homem definitivamente acima da eterna mecânica fechada do instinto9 Enfim a fala foi a aurora da autoridade social isto é da liderança e do poder 7 V P IAKIMOV 1972 p 2 8 Cf V BOUNAK 1972 p 69 9 Não é a linguagem que permitiu ao homem conceituar memorizar e retransmitir os conhecimentos adquiridos diretamente na experiência da vida cotidiana o mais extraordinário produto da capacidade científica das sociedades não instruídas B VERHAEGEN 1974 p 154 839 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Emergência das sociedades políticas Se o Homo sapiens é um animal político ele passou a sê lo durante esse período pré histórico É muito difícil periodizar as causas e as etapas desse processo Mas nesse caso também as técnicas de produção e as relações sociais desempenharam um papel importante As técnicas Na verdade os pré hominídeos e os homens pré históricos africanos viveram em rebanhos depois em bandos em grupos e em equipes organizadas graças a tarefas técnicas concretas que eles para sobreviverem e viverem melhor só podiam realizar em grupo O habitat já é um aspecto comunitário que aparece desde os primeiros albores da inteligência humana Há sempre um lugar para reunião mesmo que transitório um lugar adaptado ao repouso à defesa ao abastecimento O fogo já reunia periodicamente os membros do grupo para resguardá los dos animais do medo e da escuridão exterior No vale do Omo Etiópia humildes vestígios líticos intencionalmente dispostos delineiam ainda sobre o solo a planta exumada das cabanas dos primeiros hominídeos Tais abrigos irão se aperfeiçoando até essas aldeias neolíticas localizadas em regiões altas pontos privilegiados protegidos das inundações e dos ataques mas próximas de uma fonte de água como por exemplo na falésia de Tichitt Walata Mauritânia Mas era para a pesca e sobretudo para a caça que a identidade de objetivos se manifestava de modo decisivo Nossos ancestrais pré históricos não podiam abater animais dotados de maior força do que eles a não ser por meio de uma organização superior Reuniam se para encurralar os animais acossando os em direção às falésias e ravinas onde alguns de seus companheiros se tinham postado para liquidá los Cavavam junto às fontes de água onde a caça graúda chegava em grande quantidade na época da seca armadilhas gigantescas dentro das quais os animais caíam Mas era necessário a seguir abater o animal esquartejá lo e transportar os pedaços tarefas que já exigem uma certa divisão do trabalho Esta adquire toda a sua importância no Neolítico graças à crescente diversificação de atividades Realmente o jovem do Paleolítico não tinha escolha Sua orientação profissional era automática coleta caça ou pesca No Neolítico porém a margem de escolha é muito maior o que implica uma criteriosa repartição das tarefas que se tornam cada vez mais especializadas 840 Metodologia e pré história da África para mulheres e homens camponeses e pastores sapateiros artesãos em pedra madeira ou osso e logo ferreiros As relações sociais Essa nova organização e a crescente eficácia das ferramentas permitiram liberar pessoal excedente oferecendo a alguns a possibilidade de abandonar a função de produtor de bens para se dedicarem aos serviços As relações sociais se diversificam ao mesmo tempo que os grupos que se justapõem ou se sobrepõem num esboço de hierarquia É também o momento em que as raças se formam e se fixam as mais arcaicas são os khoisan e os pigmeus O negro de grande porte sudanês ou bantu aparecerá mais tarde assim como o homem de Asselar vale do Oued Tilemsi no Mali O negro que há pouco havia empreendido uma expansão pluricontinental10 diferenciou se e desenvolveu se ao que parece vitoriosamente na África sua terra de origem a partir do Saara No entanto em outras regiões era rechaçado como no reduto dravídico do Deccan na Ásia ou suplantado como na Europa por raças mais bem adaptadas às condições climáticas desfavoráveis Esse fato ocorreu também nas regiões da África do norte em favor das raças mediterrâneas Segundo Furon as estatuetas do Aurignaciense apresentam um tipo étnico negroide Para esse autor de fato os aurignacienses negroides prolongam se numa civilização conhecida como capsiense11 Dumoulin de Laplante por sua vez escreve Nessa época uma migração de negroides do tipo hotentote teria partindo da África meridional e central submergido a África do norte e trazido para a Europa mediterrânea à força uma nova civilização o Aurignaciense12 Deve se portanto concluir que na orla do mundo negro antigas mestiçagens são responsáveis por populações com características negroides menos marcantes prematuramente batizadas de raça parda peul etíopes somalis nilotas etc Falou se mesmo abusivamente de raça camita Um outro domínio em que a representação da vida social nos é mostrada com insuperável vigor é o da arte pré histórica africana mural e plástica Tendo sido a África o continente mais importante na evolução pré histórica aquele onde as populações de hominídeos e posteriormente de hominíeos eram as mais antigas 10 Cf Há 30000 anos a raça negra cobria o mundo Sciences et Avenir outubro 1954 n 92 Ver também A MORET 1931 11 R FURON 1943 p 14 15 12 DUMOULIN DE LAPLANTE 1947 p 13 841 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada as mais numerosas e as mais inventivas não é surpreendente que a arte pré histórica africana seja de longe a mais rica do mundo e que tenha imposto na época um dominium tão importante quanto a música negro africana no mundo de hoje Esses vestígios estão concentrados sobretudo na África meridional e oriental no Saara no Egito e nos altos planaltos do Atlas Seguramente essa arte foi muitas vezes o reflexo do deslumbramento individual diante da efervescente vida animal que se agitava ao redor do abrigo Na maioria das vezes contudo trata se de uma arte social centrada nas tarefas cotidianas os trabalhos e os dias do grupo seus confrontos com as feras ou os clãs hostis suas ânsias e seus terrores seus passatempos e seus jogos em suma os pontos altos da vida coletiva Galerias ou afrescos animados e palpitantes que refletem no espelho das paredes rochosas a vida impetuosa ou bucólica dos primeiros clãs humanos Essa arte que tem sua origem numa técnica apurada até o mais alto grau reflete com frequência também as preocupações e as angústias espirituais do grupo Representa danças de feitiçaria grupos de caçadores mascarados feiticeiros em plena ação mulheres com o rosto pintado de branco como ainda hoje se faz na África negra nas cerimônias de iniciação e que se apressam como que chamadas para algum misterioso encontro Sente se aliás com o correr do tempo uma passagem gradual da magia à religião o que confirma a evolução do homem para a sociedade política durante a Pré História africana já que grande número de líderes são no início simultaneamente chefes e sacerdotes De fato o crescimento das forças produtivas no Neolítico deve ter provocado uma expansão demográfica que por sua vez desencadeou fenômenos migratórios como prova a dispersão característica de certas oficinas pré históricas cujo material lítico apresenta parentesco de estilo O raio de ação dos ataques e das mudanças definitivas estendia se à medida que aumentava a eficácia das ferramentas e das armas às vezes relacionada com a redução de seu peso A África é um continente que os homens percorreram em todos os sentidos atraídos pelos imensos horizontes dessa vasta terra A inextricável confusão das imbricações que o mapa étnico africano apresenta hoje num quebra cabeça que desencorajaria um computador é resultado desse movimento browniano dos povos de envergadura plurimilenar Tanto quanto se possa julgar os primeiros movimentos migratórios parecem ter começado com os Bantu do leste e do nordeste para se expandirem em direção ao oeste e ao norte Depois a partir do Neolítico a tendência geral é aparentemente a descida para o sul como sob o efeito repulsivo do gigantesco deserto terrível faixa ecológica instalada soberanamente desde então de um lado a outro do continente Esse refluxo para o sul e para o leste sudaneses bantu nilotas etc prosseguirá durante o 842 Metodologia e pré história da África Da natureza bruta à humanidade liberada Figura 291 Australopithe cus boisei jazidas do Omo Col Museu do Homem Foto Oster nº 771495493 Figura 292 Laboratório desti nado às pesquisas sobre o rema nejo do delta do Senegal Rosso Bethio Senegal Foto B Nantet 843 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada período histórico até o século XIX quando as últimas vagas terminariam nas costas do mar austral O líder de caravana que carregado de amuletos e armas conduziu o clã ao progresso ou à aventura é o ancestral epônimo que impulsionava seu povo para a história e cujo nome atravessará os séculos aureolado com um halo de veneração quase ritual Na verdade as migrações eram essencialmente fenômenos de grupos atos de componentes eminentemente sociais Essas migrações consequências de vitórias ou derrotas no meio original apresentarão finalmente um saldo com resultados ambíguos Por um lado propiciam de fato o progresso porque a ocupação de porções sucessivas e convergentes garante pouco a pouco a posse ou então o domínio do continente além disso graças às trocas que promovem põem em relevo as inovações por uma espécie de efeito cumulativo Por outro lado contudo diluindo a densidade do povoamento num espaço imenso impedem os grupos humanos de atingirem o limiar de concentração a partir do qual para sobreviver o formigueiro humano é obrigado a se ultrapassar em invenções A dispersão no meio geográfico aumenta a influência deste último e tende a reconduzir os primeiros clãs africanos às origens obscuras em que o homem abria caminho por meio de um parto doloroso através da crosta opaca do universo não inteligente O movimento histórico Assim a trama da evolução humana da qual acabamos de traçar resumidamente o sentido e as etapas revela nos o homem pré histórico africano afastando se penosamente da natureza para mergulhar pouco a pouco na coletividade humana em forma de grupos de comunidades primitivas agregando se e desagregando se para se recompor de outras formas com técnicas que cada vez mais utilizam ferramentas ou armas de ferro em casamentos ou combates que fazem ressoar os primeiros cantos de amor e os primeiros choques de armas da história O que impressiona nessa ascensão é a permanência através do movimento histórico até pleno século XX de comunidades originariamente nascidas na Pré História Aliás se demarcarmos como início da História a utilização de objetos de ferro podemos dizer que a Pré História teve continuidade em várias regiões africanas até o ano 1000 aproximadamente Ainda no século XIX as forças produtivas e as relações socio econômicas de grande número de grupos africanos não apenas paleonegríticos não eram substancialmente diferentes daquelas da Pré História exceto quanto à utilização de instrumentos de metal As técnicas de caça dos 844 Metodologia e pré história da África pigmeus reproduzem em pleno século XX as próprias técnicas dos africanos da Pré História de milhares de anos atrás Para além do esplêndido apogeu da civilização egípcia e das realizações eminentes ou gloriosas de tantos reinos e impérios africanos essa realidade maciça perdura dando corpo e textura à linha de desenvolvimento das sociedades africanas e merece ser destacada de forma conveniente Decerto o sentido da história nunca implicou uma direção unívoca com a qual o espírito dos homens tenha concordado unanimemente As concepções a esse respeito são múltiplas Marx e Teilhard de Chardin têm cada um as suas A própria África produziu pensadores alguns dos quais tinham uma visão profunda da dinâmica e do destino do movimento histórico Santo Agostinho 354 430 faz a visão dos historiadores dar um passo de gigante ao romper com a concepção cíclica do eterno retorno corrente nessa época e professar que do pecado original ao juízo final existe um eixo irreversível traçado em seu conjunto pela vontade divina mas ao longo do qual por seus atos cada homem se salva ou se perde E a cidade terrestre é estudada em seu passado apenas para que nela sejam detectados os sinais anunciadores da Cidade de Deus Por sua vez Ibn Khaldun 1332 1406 embora reconhecendo a Alá um império eminente sobre os destinos humanos é o fundador da História como ciência fundamentada em provas confirmadas pela razão Deve se confiar em seu próprio julgamento já que toda verdade pode ser concebida pela inteligência Por outro lado para ele o objetivo dessa ciência não é apenas a espuma superficial dos acontecimentos qual é a vantagem de relatar os nomes das mulheres de um antigo soberano ou a inscrição gravada em seu anel Ele estuda sobretudo os modos de produção e de vida as relações sociais em suma a civilização al Umrān al Basharī Finalmente elabora para explicar o processo de progressão da história uma teoria dialética que opõe o papel do espírito solidário igualitarista asabiya à ditadura do rei respectivamente nas zonas rurais e pastoris al Umrān al Badawī e nas cidades al Umrān al Hadarī Portanto há uma passagem incessante e alternada do dominium de um ao da outra forma de civilização sem que esse ritmo seja cíclico pois se reproduz a cada vez em um nível superior para dar origem a uma espécie de progressão em espiral Afirmando que as diferenças nos costumes e nas instituições dos diversos povos dependem da maneira como cada um deles provê à sua subsistência Ibn Khaldun formulava com clareza e alguns séculos de antecedência uma das proposições fundamentais do materialismo histórico de Karl Marx Este último após ter analisado com o vigor e o poder de síntese que lhe são característicos 845 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada a lei da evolução do mundo ocidental debruçou se subsidiariamente sobre os modos de produção exóticos Em 1859 em Formen destaca o conceito de modo de produção asiático uma das três formas de comunidade agrárias naturais baseadas na propriedade comum do solo O modo de produção asiático caracteriza se pela existência de comunidades aldeãs de base dominadas por um corpo estatal beneficiário dos excedentes de produção dos camponeses submetidos não a uma escravidão individual mas a uma escravidão geral que os subordina como grupo Portanto concomitantemente a um poder de função pública os dirigentes exercem um poder de exploração das comunidades inferiores Essa comunidade superior atribui a si a propriedade suprema das terras13 comercializa os excedentes e empreende trabalhos de vulto sobretudo de irrigação para aumentar a produção Em resumo exerce sobre as massas uma autoridade qualificada de despotismo oriental Ora os conhecimentos arqueológicos e antropológicos acumulados desde Marx mostraram que o desenvolvimento de certas sociedades não é redutível nem a todos os cinco estágios definidos por Marx em O Capital e erigidos em dogma intangível por Stalin nem à variedade pré capitalista do modo de produção asiático considerado uma variante da passagem para o Estado no caso de sociedades não europeias Em particular e dependendo de estudos monográficos posteriores invalidando essa proposição a análise concreta das estruturas africanas não permite isolar todas as características formuladas por Marx para descrever a sucessão dos diferentes modos de produção Assim no estágio da comunidade primitiva contrariamente às formas europeias antiga e germânica que se diferenciam pelo fato de a apropriação privada do solo já se desenvolver no seio da propriedade comum a realidade africana não revela tal apropriação14 Fora essa notável característica as comunidades originais da África apresentam os mesmos traços de outras do resto do mundo Da mesma forma são muito flagrantes as diferenças que existem entre as estruturas africanas e o modo de produção asiático Com efeito nas comunidades aldeãs africanas a autoridade superior o Estado não é mais proprietária da terra do que os particulares Por outro lado o Estado geralmente não empreende trabalhos de vulto Quanto à própria estrutura 13 A unidade superior é apresentada como o proprietário superior ou como o único proprietário Com efeito Marx ora insiste sobre o fato de que o próprio Estado é o verdadeiro proprietário da terra ora faz simultaneamente observações sobre a importância dos direitos de propriedade das comunidades aldeãs Sem dúvida não existe contradição entre essas duas tendências J CHESNEAUX 1969 p 29 14 Não existe propriedade privada da terra no sentido do direito romano ou do Código Civil J SURET CANALE 1964 p 108 846 Metodologia e pré história da África do poder enquanto superestrutura não se inclui em nenhuma definição de modo de produção embora seja um indício da constituição de classes Essa estrutura na África não apresenta os traços do despotismo oriental descrito por Marx15 Sem negar que tenham existido casos de autocracia sanguinária a autoridade estatal na África negra quase sempre assume a forma de uma monarquia moderada limitada por corpos constituídos e costumes verdadeiras constituições não escritas instituições em geral herdadas da organização ou da estratificação social anteriores Mesmo no caso de impérios prestigiosos e eficientes como o Mali descritos com admiração por Ibn Battuta no século XIV que se estendiam por vastos territórios a descentralização por escolha deliberada deixava as comunidades de base funcionarem dentro de um verdadeiro sistema de autonomia De qualquer modo sendo a escrita em geral pouco utilizada e tendo as técnicas e os meios de deslocamento permanecido pouco desenvolvidos o poder das metrópoles era sempre diminuído pela distância Essa distância tornava igualmente muito concreta a permanente ameaça de os subordinados se livrarem de uma eventual autocracia por meio da fuga Por outro lado na África a produção excedente das comunidades de base parece ter sido modesta exceto quando havia um monopólio estatal sobre gêneros preciosos como o ouro em Gana ou Ashanti o marfim o sal etc No entanto mesmo nesse caso não devemos esquecer a contrapartida de serviços prestados pela chefia segurança justiça mercados etc nem minimizar o fato de que uma boa parte das contribuições e rendas era redistribuída por ocasião das festas costumeiras conforme o código de honra em vigor para os que deviam viver nobremente16 Isso explica a suntuosa generosidade de Kankou Mussa o Magnífico imperador do Mali na época de sua faustosa peregrinação em 1324 Quanto ao modo de produção escravista existia ele na África Também nesse caso somos obrigados a responder negativamente Em quase todas as sociedades ao sul do Saara a escravidão desempenhou um papel apenas marginal Os 15 Se entendemos por despotismo uma autoridade absoluta e arbitrária não podemos rejeitar a ideia de um despotismo africano J SURET CANALE op cit p 125 Não acreditamos que haja razões para encontrar na organização dos Estados africanos a reprodução de um modelo tomado de empréstimo à Ásia no máximo podemos destacar algumas semelhanças superficiais Op cit p 122 16 J MAQUET após ter observado que para G BALANDIER afinal o preço que os detentores do poder político deviam pagar nunca é integralmente recompensado acredita por sua vez que os serviços públicos dos chefes exigem um poder coercitivo apenas nas sociedades muito vastas heterogêneas e urbanas Em qualquer outra parte a estrutura de linhagens e suas sanções não impostas pela força são suficientes Portanto conclui Excetuando a redistribuição era sem contrapartida econômica que o excedente de uma sociedade tradicional era apropriada pelos governantes J MAQUET 1970 p 99 101 847 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada escravos ou melhor os cativos eram quase sempre prisioneiros de guerra O cativeiro não reduzia um homem ao estado de propriedade pura e simples no sentido definido por Catão O próprio escravo africano gozava frequentemente de um certo direito de propriedade e geralmente não era explorado como um instrumento ou animal O prisioneiro de guerra caso não fosse sacrificado ritualmente como acontecia às vezes era muito rapidamente integrado à família da qual se tornara propriedade coletiva Era um complemento humano da família que se beneficiava com o tempo de uma libertação de direito ou de fato Quando empregados como soldados de infantaria os prisioneiros gozavam de vantagens substanciais e às vezes como em Kayor chegavam a ser representados no governo na pessoa do generalíssimo Em Ashanti para garantir a integração nacional era estritamente proibido fazer alusão à origem servil de alguém de modo que um antigo prisioneiro podia tornar se chefe de aldeia A condição de prisioneiro embora comum na África não implicava um papel determinado na produção que caracteriza uma classe social17 Em locais onde a escravidão adquire caráter maciço e qualitativamente diferente como no Daomé em Ashanti e em Zanzibar nos séculos XVIII e XIX trata se de estruturas originadas já de um modo de produção dominante o capitalismo e que na realidade são suscitadas pelo impacto econômico exterior E que dizer do modo de produção feudal Comparações precipitadas levaram alguns autores a qualificarem de feudal uma ou outra chefia africana 18 Também nesse caso contudo falando em termos gerais não há apropriação nem atribuição privada da terra portanto não há feudo O solo é um bem comunitário inalienável a tal ponto que o grupo de conquistadores que se apropria do poder político deixa com frequência a responsabilidade das terras da comunidade ao dirigente autóctone o chefe da terra o teng soba mossi por exemplo Na verdade a autoridade da aristocracia era exercida sobre os bens e os homens sem atingir a propriedade fundiária em si prerrogativa dos autóctones19 Aliás a nobreza africana não entrou para o comércio Continuava a ser sempre um atributo de nascimento do qual ninguém podia privar o titular 17 J SURET CANALE op cit p 119 Ver também A A DIENG C E R M n 114 1974 crítica penetrante e documentadas das teses marxistas elásticas de M DIOP 1971 1972 18 Mesmo quando se pensa como J MAQUET lembrando M BLOCH e GANSHOF que não é o feudo mas a relação entre o senhor e o vassalo que é crucial é claro que não saberíamos dissociar inteiramente um do outro As relações de feudalismo que o autor descreve parecem aliás um tanto peculiares às sociedades interlacustres e estabelecem se frequentemente como em Ankole ou em Buha entre os membros da casta superior Nessas condições trata se da mesma realidade institucional da Europa por exemplo 19 Cf V KABORE 1962 p 609 23 848 Metodologia e pré história da África Finalmente devemos considerar as estruturas socioeconômicas como o sistema familiar matrilinear que caracterizou fortemente as sociedades africanas pelo menos em sua origem antes que influências posteriores como o islamismo a civilização ocidental etc impusessem pouco a pouco o sistema patrilinear Essa estrutura social tão importante para definir o eminente papel da mulher na comunidade comportava igualmente consequências econômicas políticas e espirituais uma vez que ela desempenhava um papel marcante tanto na herança de bens materiais como dos direitos à sucessão real a exemplo do que ocorria em Gana O parentesco uterino parece ter saído das profundezas da Pré História africana do momento em que a sedentarização do Neolítico tinha exaltado as funções domésticas da mulher a ponto de torná las o elemento central do corpo social Numerosas práticas têm origem nesse fato tais como o parentesco de brincadeira o casamento com a irmã o dote pago aos pais da futura esposa etc Nessas condições como se pode descrever a linha de evolução característica das sociedades africanas moldadas pela Pré História Deve se observar inicialmente que durante esse período a África desempenhou nas relações intercontinentais o papel de pólo e foco central de invenção e divulgação das técnicas Mas essa alta função bem depressa se transformou em posição subordinada e periférica em virtude dos fatores internos antagônicos acima mencionados e igualmente em consequência do usufruto de bens e serviços africanos sem compensação suficiente em favor desse continente por exemplo sob a forma de uma transferência equivalente de capitais e de técnicas Essa exploração plurimilenar da África teve três períodos culminantes Primeiro a Antiguidade quando após o declínio do Egito o vale do Nilo e as províncias romanas do resto da África do norte sofrem intensa exploração e tornam se o celeiro de Roma Além dos gêneros alimentícios o Império Romano retirou da África uma quantidade enorme de animais selvagens de escravos e de gladiadores para o exército os palácios os latifúndios e os jogos sanguinários do circo No século XVI começa a sinistra era do tráfico de negros Finalmente no século XIX assistimos à consagração da dependência pela ocupação territorial e pela colonização A acumulação de capital na Europa e o progresso da revolução industrial fenômenos simultâneos e complementares seriam inconcebíveis sem a contribuição forçada da Ásia das Américas e sobretudo da África Paralelamente mesmo durante os séculos de desenvolvimento interno em que a rapina externa não era tão acentuada da Antiguidade ao século XVI numerosas contradições no interior do próprio sistema africano constituíam obstáculos estruturais endógenos à passagem por pressão interna para estruturas 849 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada mais progressivas Como observa com perspicácia J Suret Canale a respeito do modo de produção asiático mas essa observação vale a fortiori para o caso africano incluindo o período colonial Nesse sistema com efeito o recrudescimento da exploração de classe longe de destruir as estruturas baseadas na propriedade coletiva da terra reforça as elas constituem o quadro no qual se efetua a retirada antecipada do sobreproduto condição indispensável da exploração Realmente são as comunidades de base que como tais são responsáveis pelo pagamento do sobreproduto A África dos clãs e das aldeias ainda existentes pouco vinculada à apropriação privada da terra um bem tão vasto e tão precioso mas também tão gratuito quanto o ar ignorou durante muito tempo o problema da aquisição de terras como fonte de conflitos entre grupos sociais Mas essa não foi a única causa do arcaísmo das formas sociais observáveis na África O baixo nível das técnicas e das forças produtivas numa espécie de círculo vicioso era simultaneamente causa e consequência da diluição demográfica num espaço não controlado porque quase ilimitado Em virtude dos obstáculos naturais o tráfico comercial de longa distância quase nunca se tornou muito ponderável apoiando se nos produtos de luxo frequentemente limitados aos oásis econômicos dos palácios De fato sem recorrer à noção plekhariovista de meio geográfico pois este útimo é apenas uma das facetas do meio histórico devemos efetivamente levar em conta as barreiras ecológicas mencionadas na Introdução deste volume A contraprova dessa afirmação é que todas as vezes em que essas barreiras foram total ou parcialmente suprimidas como no vale do Nilo e em menor escala no vale do Níger a dinâmica social ativou se em favor do progresso concomitante da densidade humana e da propriedade privada Assim não houve na África negra em seu conjunto nem fase escravista nem fase feudal como no Ocidente20 Nem se pode dizer que os modos africanos sejam modalidades desses sistemas socioeconômicos pois frequentemente há falta de elementos constitutivos essenciais Isso significa que se deve subtrair a África aos princípios gerais de evolução da espécie humana Evidentemente não No entanto mesmo que esses princípios sejam comuns a toda a humanidade mesmo admitindo que o essencial das categorias metodológicas gerais do 20 J CHESNEAUX op cit p 36 O que parece bem definido é a quase impossibilidade de considerar que as sociedades africanas pré coloniais com raras exceções dependem da escravidão ou do feudalismo propriamente ditos 850 Metodologia e pré história da África materialismo histórico seja universalmente aplicável haveria razões para nos concentrarmos unicamente no essencial as correspondências não mecânicas que podem ser observadas entre as forças produtivas e as relações de produção assim como a passagem não mecânica das formas de sociedade sem classes às formas sociais de lutas de classe Nesse caso conviria analisar as realidades africanas no contexto não de um retorno mas de recurso a Karl Marx Se a razão é una a ciência consiste em aplicá la a cada um de seus objetos Em resumo constata se na África a permanência marcante de um modo de produção sui generis semelhante aos outros tipos de comunidades primitivas mas com diferenças fundamentais especialmente uma espécie de aversão à propriedade privada ou estatal21 A seguir há uma passagem gradual e esporádica para formas estatais elas próprias imersas durante muito tempo na rede de relações pré estatais subjacentes tais formas emergem progressivamente por impulso interno e pressão externa da ganga do coletivismo primitivo desestruturado para se reorganizarem com base na apropriação privada e no fortalecimento do Estado num modo de produção capitalista inicialmente dominante e depois monopolizador O Estado colonial foi na realidade criado para administrar as sucursais periféricas do capital antes de ser substituído por um Estado capitalista independente em meados do século XX Alternativamente ocorreu a transição do predomínio comunitário original para o do capitalismo colonial e depois para uma via socialista de desenvolvimento De qualquer forma um fato se impõe claramente na África por razões estruturais que não sofreram modificações em sua essência há pelo menos meio milênio e levando em conta o crescimento demográfico as forças produtivas estagnaram se fato que não exclui crescimentos esporádicos e localizados com ou sem desenvolvimento Essa estagnação não exclui também o extraordinário florescimento artístico nem o refinamento das relações interpessoais E como se os africanos tivessem investido nessas áreas a essência de sua energia criadora22 Em resumo a civilização material que teve origem nas latitudes tropicais afro asiáticas durante a Pré História espalhou se em direção às latitudes setentrionais até o istmo europeu onde por um processo cumulativo de conjugação de técnicas 21 Aversão que não está relacionada a um específico estado inato nem a uma natureza diferente mas a um meio histórico original 22 Essa é a razão pela qual na definição de um eventual modo de produção africano deveria dar se atenção especial às instituições sociológicas políticas e ideológicas com referência às análises de A GRAMSCI e de N POULANTZAS 851 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada e de açambarcamento de capitais por assim dizer se instalou e se cristalizou brilhantemente E de onde virá a transformação desse sistema que se espalha pelo mundo De seu núcleo ocidental ou da periferia reeditando assim o papel dos bárbaros em relação ao Império Romano A história o dirá Desde já podemos afirmar que a pré história da África é a história da hominização de um primata diferenciado e posteriormente da humanização da Natureza por esse agente vetor responsável por todo o progresso É uma longa marcha durante a qual o equilíbrio entre a natureza e o homem se rompeu pouco a pouco em favor da razão Restava o equilíbrio ou o desequilíbrio dinâmico entre os grupos humanos dentro do continente e em relação ao exterior Ora quanto mais as forças produtivas aumentam mais os antagonismos afiam o gume do interesse e do desejo de poder As lutas de libertação que ainda hoje assolam alguns territórios da África são simultaneamente o indicador e a negação desse empreendimento de domesticação do continente no contexto de um sistema que poderíamos chamar de modo de subprodução africano Mas desde os primeiros balbucios do Homo habilis encontramos já a mesma luta de libertação a mesma intenção obstinada e irreprimível de ter acesso ao ser mais desvencilhando se da alienação pela natureza e depois pelo homem Em suma a criação a autocriação do homem iniciada há milhares de milênios ainda prossegue na África Em outros termos de certa maneira a Pré História da África ainda não terminou 853 Conclusão Da natureza bruta à humanidade liberada Membros do Comitê Científico Internacional para a Redação de uma História Geral da África Prof J F A Ajayi Nigéria 1971 Coordenador do volume VI Prof F A Albuquerque Mourão Brasil 1975 Prof A A Boahen Gana 1971 Coordenador do volume VII S Exa Sr Boubou Hama Níger 19711978 demitido em 1978 falecido em 1982 S Exa Sra Mutumba M Bull Ph D Zâmbia 1971 Prof D Chanaiwa Zimbabue 1975 Prof P D Curtin EUA 1975 Prof J Devisse França 1971 Prof M Difuila Angola 1978 Prof Cheikh Anta Diop Senegal 1971 Prof H Djait Tunísia 1975 Prof J D Fage Reino Unido 19711981 demitido S Exa Sr M El Fasi Marrocos 1971 Coordenador do volume III Prof J L Franco Cuba 1971 Sr Musa H I Galaal Somália 19711981 falecido Prof Dr V L Grottanelli Itália 1971 Prof E Haberland República Federal da Alemanha 1971 Dr Aklilu Habte Etiópia 1971 S Exa Sr A Hampaté Bâ Mali 19711978 demitido 854 Metodologia e pré história da África Dr I S ElHareir Líbia 1978 Dr I Hrbek Tchecoslováquia 1971 Codiretor do volume III Dra A Jones Libéria 1971 Pe Alexis Kagame Ruanda 19711981 falecido Prof I M Kimambo Tanzânia 1971 Prof J KiZerbo Alto Volta 1971 Coordenador do volume I Sr D Laya Níger 1979 Dr A Letnev URSS 1971 Dr G Mokhtar Egito 1971 Coordenador do volume II Prof P Mutibwa Uganda 1975 Prof D T Niane Senegal 1971 Coordenador do volume IV Prof L D Ngcongco Botsuana 1971 Prof T Obenga República Popular do Congo 1975 Prof B A Ogot Quênia 1971 Coordenador do volume V Prof C Ravoajanahary Madagáscar 1971 Sr W Rodney Guiana 19791980 falecido Prof M Shibeika Sudão 19711980 falecido Prof Y A Talib Cingapura 1975 Prof A Teixeira da Mota Portugal 19781982 falecido Mons T Tshibangu Zaire 1971 Prof J Vansina Bélgica 1971 Rt Hon Dr E Williams Trinidad e Tobago 19761978 demitido em 1978 falecido em 1980 Prof A Mazrui Quênia Coordenador do volume VIII não é membro do Comitê Prof C Wondji Costa do Marfim Codiretor do volume VIII não é membro do Comitê Secretaria do Comitê Científico Internacional para a Redação de Uma História Geral da África Sr Maurice Glelé Divisão de Estudos e Difusão de Culturas UNESCO 1 rue Miollis 75015 Paris 855 Dados biográficos dos autores do volume I Dados biográficos dos autores do volume I Introdução J KiZerbo Alto Volta Especialista em metodologia da História da África autor de várias obras sobre a África negra e sua história professor de História no Centre dEnseignement Supérieur de Ougadougou Secretário Geral do Conseil Africain et Malgache pour lEnseignement Supérieur Capítulo 1 J D Fage Reino Unido Especialista em História da África Ocidental autor e coeditor de publicações sobre a História da África ProVice Chancellor da Universidade de Birmingham e exdiretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Birmingham Capítulo 2 S Exa Boubou Hama Níger Especialista em tradições orais autor de várias obras sobre a História do Níger e da região do Sudão exDiretor do Centre Régional de Recherche et de Documentation sur les traditions Orales et pour le Développement des Langues Africaines Capítulo 3 P D Curtin Estados Unidos da América Especialista em história do comércio de escravos autor de várias obras sobre o assunto professor de História na Universidade JohnHopkins Capítulo 4 T Obenga República Popular do Congo Especialista em línguas africanas autor de vários artigos sobre a História da África e de obras sobre a África na Antiguidade professor na Faculdade de Letras da Universidade Marien NGouabi 856 Metodologia e pré história da África Capítulo 5 H Djait Tunísia Especialista em história medieval do Maghreb autor de vários artigos e obras sobre a história da Tunísia professor na Universidade de Túnis Capítulo 6 I Hrbek Tchecoslováquia Especialista em história da África e da civilização árabe autor de várias obras sobre a História da África professor chefe da seção dos países árabes e africanos do Instituto Oriental de Praga Capítulo 7 J Vansina Bélgica Especialista em história da África autor de várias obras sobre a História da África Equatorial professor de História na Universidade de Wisconsin Estados Unidos da América Capítulo 8 S Exa A Hampaté Bâ Mali Especialista em tradições orais autor de várias obras sobre os antigos impérios africanos e a civilização africana Capitulo 9 Z Iskander Egito Especialista em História do Egito autor de várias obras e artigos sobre o Egito antigo diretor geral dos Assuntos Técnicos no Departamento de Antiguidades Capítulo 10 P Diagne Senegal Linguista Doutor em Ciências Políticas e Econômicas autor de duas obras sobre o poder político africano e a gramática wolof professor assistente na Universidade de Dacar Capítulo 11 D A Olderogge URSS Especialista em Ciências Sociais da África autor de várias obras sobre a África membro da Academia de Ciências da URSS Capítulo 12 J H Greenberg Estados Unidos da América Linguista autor de várias obras e artigos sobre Antropologia e Linguística professor de Antropologia na Universidade de Stanford Capítulo 13 S Diarra Mali Especialista em Geografia Tropical professor de Geografia na Universidade de Abidjan Capítulo 14 A Mobogunje Nigéria Autor de diversas obras sobre os Ioruba professor de Geografia na Universidade de Ibadan Capítulo 15 J KiZerbo Alto Volta Vide Introdução Capítulo 16 S Rushdi Egito Físico Presidente da Egyptian Geological Survey and Mining Authority H Faure França Doutor em Ciências especialista em Geologia da França do ultramar obras sobre a Geologia da África Ocidental Mestre de Conferências na Universidade de Dacar e depois na Universidade de Paris V Presidente do Comitê Técnico de Geologia do Quaternário do Centre National de la Recherche Scientifique CNRS 857 Dados biográficos dos autores do volume I Capítulo 17 L Balout França Especialista em PréHistória da África autor de várias obras e artigos sobre a África do Norte exDiretor do Muséum National dHistoire Naturelle de Paris Y Coppens França Especialista em PréHistória autor de várias obras sobre a origem da humanidade Subdiretor do Museu Nacional de História Natural de Paris Capítulo 18 R Leakey Reino Unido Especialista em PréHistória da África autor de obras sobre as escavações relacionadas à investigação da origem do homem na África Oriental Chefe do International Louis Leakey Memorial Institute for African Prehistory Capitulo 19 J E G Sutton Reino Unido Especialista em PréHistória autor de diversas obras e artigos sobre a PréHistória da África exPresidente do Departamento de Arqueologia da Universidade de Oxford Capítulo 20 J D Clark Estados Unidos da América Especialista em PréHistória da África autor de várias publicações sobre a PréHistória e as antigas civilizações africanas professor de História e de Arqueologia Capítulo 21 R de Bayle des Hermens França Especialista em PréHistória autor de várias obras e artigos notadamente sobre a PréHistória da África encarregado de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique de Paris F Van Noten Bélgica Especialista em PréHistória autor de obras e artigos sobre a PréHistória Conservador do Real Museu de Pré História e Arqueologia Capítulo 22 L Balout França Vide capítulo 17 Capítulo 23 H J Hugot França Especialista em PréHistória Mestre de Conferências autor de diversas obras sobre História Natural da Pré História e do Quaternário Subdiretor do Museu Nacional de História Natural de Paris Capítulo 24 T Shaw Reino Unido Professor de História Antiga autor de vários trabalhos sobre a PréHistória da África Ocidental VicePresidente do Congresso Panafricano de PréHistória Capítulo 25 F Debono Reino Unido Especialista em PréHistória do Egito autor de várias obras e artigos sobre a pesquisa PréHistórica no Egito pesquisador Capítulo 26 J KiZerbo Alto Volta Capítulo 27 R Portères França Dedicou grande parte de sua vida à pesquisa botânica na África exprofessor do Museu Nacional de História Natural de Paris falecido 858 Metodologia e pré história da África J Barrau França Autor de diversos trabalhos sobre as plantas tropicais Subdiretor do Laboratório de Etnobotânica e de Etnozoologia Paris Capitulo 28 J Vercoutter França Especialista em História Antiga professor de História Diretor do Institut Français d Archéologie Orientale du Caire Conclusão J KiZerbo Alto Volta Vide Introdução 859 Abreviações e listas de periódicos A A American Anthropologist Washington A A R S C Annales de lAcadémie Royale des Sciences Coloniales Bruxelas A A T A Art Archaeological and Technical Abstracts Nova Iorque A C P M Annals of the Cape Provincial Museums Grahamstown Actas V Congr P P E C Actas dei V Congresso Panafricano de Prehistoria y de Estudio dei Cuaternario Tenerife 1966 Actes I Coll Intern Archéol Afr Actes du Ier Colloque International dArchéologie Africaine Fort Lamy 1116 dez 1966 Publications de lInstitut National Tchadien pour les Sciences Humaines Fort Lamy Actes Coll Intern Fer Actes du Colloque International Le Fer à Travers les Âges Nancy 36 out 1956 Annales de lEst Mém n 16 Nancy Actes II Coll Intern L N A Actes du Second Colloque International de Linguistique NégroAfricaine Dacar Actes 46 Congr A F AS Actes du 46e Congrès de lAssociation Française pour lAvancement des Sciences Montpellier 1922 Actes XV Congr I A A P Actes du Congrès International dAnthropologie et dArchéologie Préhistorique Paris 1931 Actes II Congr P P E Q Actes de la Deuxième Session du Congrès Panafricain de Préhistoire et de lÉtude du Quaternaire Argel serout 1952 Actes IV Congr P P E Q Actes du IVe Congrès Panafricain de Préhistoire et de lEtude du Quaternaire Léopoldville 1959 Tervuren 1962 AMRAC 40 Abreviações e listas de periódicos 860 Metodologia e pré história da África Actes VII Congr P P E Q Actes du VIIe Congrès Panafricain de Préhistoire et de lÉtude du Quaternaire Adis Abeba 1971 Actes III Congr U I S P P Actes du Troisiême Congrès de lUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Zurique 1950 Actes VI Congr U I S P P Actes du VIe Congrès de lUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Roma 1962 Actes IX Congr U I S P P Actes du IXe Congrès de LUnion Internationale des Sciences Préhistoriques et Protohistoriques Nice 1976 Acts IX I N Q U A Congr Acts of the IXth International Association Congress for Quaternal Research Christchurch Nova Zelândia Acts III P C P Q S Acts of the Third Panafrican Congress of Prehistory and Quarternary Studies Livingstone 1955 London Chatto and Windus 1957 A D G Abhandlungen der Deutschen Geographentags Africana Africana Bulletin Uniwersytet Warszawski Studium Afrycanistyczne Varsóvia A G Archaeologia Geographica Hamburgo RFA A G S American Geographical Society Nova Yorque A H S African Historical Studies Boston University African Studies Center Boston A J H G American Journal of Human Genetics American Society of Human Genetics Chicago A J P A American Journal of Physical Anthropology American Association of Physical Anthropologists Filadélfia A L R African Languages Review agora African Languages International African Institute Londres A L S African Language Studies School of Oriental and African Studies Londres A M R A C Annales du Musée Royal dAfrique Centrale Série in 8 Sciences Humaines Tervuren Bélgica A M R C B Annales du Musée Royal du Congo Belge A N African Notes University of Ibadan Institute of African Studies Ibadan Nigéria Annales Economies sociétés civilisations Paris Ant Afr Antiquités Africaines Éditions du Centre National de la Recherche Scien tifique Paris A S A E Annales du Service des Antiquités de lEgypte Cairo A S A M Annals of the South African Museum Cape Town A T Agronomie Tropicale A Z Afrika Zamani Journal de lAssociation des Historiens Africains B A S E Q U A Bulletin de lAssociation Sénégalaise dEtudes Quaternaires Africaines Dacar 861 Abreviações e listas de periódicos B A U G S Bulletin of the All Union Geographical Society B C E H S Bulletin du Comité dÉtudes Historiques et Scientifiques de lAfrique Occidentale Française Dacar B F A Bulletin of the Faculty of Arts Cairo B G H D Bulletin de Géographie Historique et Descriptive Comité des Travaux Historiques Paris B G S A Bulletin of the Geological Society of America Nova Iorque B I E Bulletin de lInstitut dEgypte Cairo B I E G T Bulletin dlnformation et de Liaison des Instituts dEthnosociologie et de Géographie Tropicale Abidjan B I F A N Bulletin de lInstitut Français agora Fondamental dAfrique Noire Dacar B I F A O Bulletin de lInstitut Français dArchéologie Orientale Cairo B I R S C Bulletin de IInstitut de Recherches Scientifiques du Congo B J B E Bulletin du Jardin Botanique de lÉtat Bruxelas B M L Bowman Memorial Lectures The American Geographical Society Nova Iorque B N H S N Bulletin of News of the Historical Society of Nigeria Ibadan B R AS Bulletin of the Royal Asiatic Society B S A Bulletin de la Société dAnthropologie de Paris Paris B S A E British School of Archaeology in Egypt and Egyptian Research Account Londres B S E R P Bulletin de la Société dÉtudes et de Recherches Préhistoriques Les Eyzies França B S O A S Bulletin of the School of Oriental and African Studies Londres B S G C Bulletin de la Société de Géographie Commerciale Bordeaux França B S G F Bulletin de la Société Géologique de France Paris B S H N A N Bulletin de la Société dHistoire Naturelle dAfrique du Nord B S L Bulletin de la Société de Linguistique Paris B S P F Bulletin de la Société Préhistorique Française Paris B S P M Bulletin de la Société Préhistorique du Maroc Rabat B S P P G Bulletin de la Société Préhistorique et Protohistorique Gabonaise Libreville B SR B A P Bulletin de la Société Royale Belge dAnthropologie et de Préhistoire Bruxelas B S R B B Bulletin de la Société Royale de Botanique de Belgique Bruxelas B U P A Boston University Papers on Africa African Studies Center Boston University 1967 C A Current Anthropology Chicago C A E H Cahiers d Anthropologie et dEcologie Humaine Toulouse 862 Metodologia e pré história da África C D A P C Companhia de Diamantes de Angola Publicações Culturais Lisboa C E A Cahiers dÉtudes Africaines Paris Mouton C H E Cahiers dHistoire Egyptienne Heliópolis C H M Cahiers dHistoire Mondiale Paris Librairie des Méridiens C J A S The Canadian Journal of African Studies Revue Canadienne des Études Africaines Canadian Association of African Studies Department of Geography Carleton University Ottawa C L A D Centre de Linguistique Apliquée de Dakar C M Cahiers de la Maboké Tervuren Bélgica Coll C N R S Colloques Internationaux du Centre National de la Recherche Scientifique Paris C O R S TOM Cahiers de lOffice de la Recherche Scientifique et Technique dOutreMer Série Sciences Humaines Paris C R A P E Centre de Recherches d Anthropologie de Préhistoire et dEthnographie dAlger C R A S Compte Rendu Hebdomadaire des Séances de lAcadémie des Sciences Paris C R S B Compte Rendu de la Société de Biogéographie E A J East African Journal East African Institute of Social Cultural Affairs Nairobi Ecol Monogr Ecological Monographs Econ Bot Economic Botany G A Geografiska Annaler Swedish Society of Anthropology and Geography Estocolmo G J The Geographical Journal Londres G S A B Geological Society of America Bulletin Geological Society of America Boulder EUA G S A M Geological Society of America Memoir Boulder EUA LHomme LHomme cahier dethnologie de géographie et de linguistique Paris H T Hesperis Tamuda Université Mohammed V Faculté de Lettres e des Sciences Humaines Rabat Marrocos I J A H S International Journal of African Historical Studies Boston University African Studies Center Boston EUA I J A L International Journal of American Linguistics Linguistic Society of America Chicago EUA I N E A C Institut National pour lÉtude Agronomique du Congo Belge I P H International Association of Paper Historians I R S Institut de Recherches Sahariennes Université dAlger I S H M Institut des Sciences Humaines du Mali J A F Journal of American Folklore Washington 863 Abreviações e listas de periódicos J A H Journal of African History Londres J A L Journal of African Languages Hertford Inglaterra J A O S Journal of the American Oriental Society New Haven J A T B A Journal dAgronomie Tropicale et de Botanique Apliquée J Afr Soc Journal of the African Society Londres J E A Journal of Egyptian Archaeology Egypt Exploration Society Londres J E A S C Journal of the East African Swahili Committee Kampala J H S Journal Historique du Sokoto J H S N Journal of the Historical Society of Nigeria Ibadan J M A S Journal of Modern African Studies CUP Londres J N S Journal of Negro Studies Washington J 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Pasadena EUA PC P Panafricari Congress of Prehistory P NAS Proceedings of National Academy of Sciences P R Polish Review Polish Institute of Arts Sciences in America Nova Iorque Proc Burg Wart Symp Proceedings of the Symposium held at Wartenstein Aus tria on the origin of African domesticated plants 1956 Proc Conf Cult Ecol Proceedings of the Conference of Cultural Ecology Museum of Canada Bulletin Proc VII Congr I N Q U A Proceedings of the VIIth International Association Congress for Quaternal Research 864 Metodologia e pré história da África Proc IX Congr I N Q U A Proceedings of the IXth International Association Congress for Quaternal Research Christchurch Nova Zelândia Proc III Intern W A C Proceedings of the IIIrd International West African Conference Ibadan 1949 Proc Sem A S E W A Proceedings of the Seminar on Application of Sciences in Examination of Works of Art Boston Mass 1958 P T R S Philosophical Transactions of the Royal Society of London A Mathematics and Physical 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Archéologie Méditerranéenne de lAcadémie Polonaise des Sciences ed K Michalowski Varsóvia Trav I R S Travaux de lInstitut de Recherches Sahariennes Université dAlger Argel U J Uganda Journal Uganda Society Kampala W A World Archaeology Londres W A A N West African Archaeological Newsletter Ibadan W A J A West African Journal of Archaeology Ibadan W A R West African Review Elder Dempster Co Londres Z E S Zeitschrift fur Eingeboren in Sprachen Berlim Z Phon Zeitschrift fur Phonetik und Allgemeine Sprach Wissenchaft 865 Referências bibliográficas Todas as referências foram verificadas com o máximo cuidado mas dada a complexidade e o caráter internacional das obras é possível que alguns erros tenham persistido N D I R ADAMS W Y 1964 PostPharaonic Nubia in the light of archaeology JEA 50 281 AGUESSY M 1972 Traditions orales et structures de pensée Essai de méthodolo gie CHM XIV 2 Intr Geral 4 7 10 AITKEN M J 1961 Physics and archaeology London Intersc Pub Ltd X 181 p 9 1963 Magnetic 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árabe Intr Geral 5 6 ALBERTI L 1811 Description physique et historique des Cafres sur la côte méridionale de lAfrique Amsterdam 6 ALEXANDER Sir J 1967 Expedition of discovery into the interior of Africa 2 ed Cape Town 6 ALEXANDRE J ALEXANDRE S 1968 Contribution à lélaboration dune stratigraphie du Quaternaire basée sur les variations de climat dans une région du monde intertropical In VIIe CONGRÈS INQUA 7 21 ALEXANDRE P 1970 Afrique centreéquatoriale et centreoccidentale In His toire générale de lAfrique noire Paris PUF 10 ALEKSEIEV K 1973 Sur la classification anthropologique de la population indigè ne de lAfrique Les problèmes fondamentaux des études africaines Moscou 11 ALIMEN H 1955 Préhistoire de lAfrique Paris Boubée 23 1957 The prehistory of Africa London Hutchinson 24 1960 Découverte dun atelier de lAcheuléen supérieur en place à la limite du 2e pluvial et du 3e pluvial dans les monts dOugarta Sahara occidental BSPF 57 4213 23 1962 Les origines de lhomme Bilan de la science 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Australopithécien nouveau dans les gisements de lOmo Ethiopie SAJS 64 2 589 17 ARAMBOURG C HOFSTETTER R 1954 Découverte en Afrique du Nord de restes humains du Paléolithique inférieur CRAS 239 724 24 1955 Le gisement de Ternifine Résultats des fouilles de 1955 et découvertes de nouveaux restes dAnianthropus CRAS 241 4313 24 1963 Le gisement de Ternifine IPH Archives XXXII Paris Masson 191 p 22 868 Metodologia e pré história da África ARBOUSSET T 1842 Relation dun voyage dexploration Paris 6 ARKELL A J 1949a The Old Stone Age in the AngloEgyptian Sudan Cambridge 25 1949b Early Khartoum An account of the excavation of an early occupation site car ried out by lhe Sudan Government antiquities service 19441945 London Oxford Univ Press 23 25 28 1950 Gold Coast copies of fifth to seventh century bronze lamps Antiquity 24 3840 24 1953 Shaheinab An account of the excavation of a Neolithic occupation site carried out for lhe Sudan antiquities service in 1949 London Oxford Univ Press 23 25 28 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Upper Pleistocene and Holocene stratig raphy and ecology on the basis of vegetation changes in SubSaharan Africa In BISHOP W W CLARK J D ed Background to evolution in Africa Chicago University Press 24 1975 Paleoecology of Africa v 19 16 927 Índice Remissivo Índice Remissivo África meridional aus tral 143 307 309 315 346 350 35556 370 411 42324 476 551 560 568 58889 600 625 644 744 748 756 767 769 84041 África central 64 70 82 25455 309 330 380 382 396 406 411 532 547 549 565 571 586 591 606 61536 674 717 750 757 769 790 809 África equatorial 377 404 409 414 582 59697 803 819 África do nordeste 310 350 416 451 544 707 8034 808 843 721 África do noroeste 356 413 416 507 564 694 701 África do norte 1 42 47 49 50 523 90 98 10813 120 256 298 301 310 327 28 335 35051 376 37879 444 481 501 522 583 610 637 55 676 712 77375 787 799 809 832 840 848 África ocidental 2 5 6 17 47 51 87 101 120 124 128 130 131 133 139 155 170 190 210 229 280 301 305 312 320 321 324 32930 340 346 35051 354 56 361 364 3689 3745 37779 382 496 549 555 579 685 714 792 África oriental 2 13 19 87 118 120 131 160 165 298 301 30910 312 315 335 340 346 348 35051 364 369 37778 382 4048 413 4389 441 444 452 456 472 478 482 494 497 5012 5067 51150 55155 55761 569 5812 587 593 625 6378 542 68789 758 774 792 795 800 834 837 África subequatorial 404 612 928 Metodologia e pré história da África África subsaariana 124 19 51 581 693 698 9 7078 762 792 África do sudeste 114 133 307 330 354 470 571 597 774 782 788 795 África tropical 2 47 45 523 106 112 120 349 351 365 376 448 612 767 776 789 797 Agricultura 26 44 63 4 123 192 266 297 349 363 373 381 383 472 486 520 52829 54558 588 89 634 652 67879 682 701 7078 714 726 768 7818 783 78689 79293 799 802 82224 Animismo 32 210 398 Antropologia 10 467 49 26566 307 323 391 395 Arqueologia 123 21 45 52 55 57 59 60 63 656 70 89 161 165 66 21346 38990 495 528 617 635 687 780 802 816 828 Arte 146 150 169 199 208 218 224 261 279 39091 397 473 482 517 543 588 592 61112 649 653 656 668 677 713 738 74380 81213 817 841 Australopithecus 298 448 456 458 4604 467 46970 476 483 487 498 5001 5036 561 623834 Brasil 512 121 292 Chefes chefias 246 289 30 32 47 63 68 70 734 116 131 145 150 153 182 1901 195 206 304 391 393 735 804 814 81617 825 828 841 8467 Colonial colonialismo 1 112 15 17 20 21 289 30 378 418 512 54 56 59 74 115 130 13233 135 160 163 176 183 211 261 290 361 384 658 84950 Cronologia 65 123 154 1567 15960 16566 203 23132 234 239 253 299 38889 393 402 417 42021 424 25 43537 439 440 42 444 472 476 480 514 522 524 552 555 565 595 604 617 627 63738 644 646 658 660 66264 694 725 7456 Escrita fontes escritas 1 46 10 12 15 17 21 35 412 64 669 77101 10537 13941 146 149 159 1612 1668 208 219 222 252 262 26570 274 27981 32728 335 383 38788 710 738 762 780 806 81314 816 846 Etnias 73 173 192 203 2067 2525 263 265 2834 392 645 6523 657 662 672 6747 7756 8046 Etnocentrismo 40 57 263 781 Evolução evolucionismo 283 388 Genética 249 257 283 285 28788 29091 293 303 310 315 317 319 325 343 497 553 Geografia 7 602 79 86 89 93 96 1001 120 122 149 155 165 184 258 260 340 34565 36784 Geologia 60 390 438 495 520 Griots 29 72 141 150 169 176 178 191 19399 202 204 267 Historiografia da África 122 434 1057 112 117 123 127 129 Hominídeos 601 284 417 44142 444 448 49 451 456 460 462 470 474 488 4915 498 5001 507 511 530 532 55153 555 55764 570 58182 929 Índice Remissivo 589 63738 68788 83435 83941 Hominização 286 447 70 47180 715 833 835 851 Homo erectus 28788 462 46669 48788 499 5012 507 532 534 564 567 581 624 644 665 688 694 Homo habilis 288 462 64 46769 484 499 500 502 504 532 564 623 66364 688 834 837 851 Homo sapiens 60 287 298 47072 484 496 98 500 502 507 522 534 536 538 557 56162 581 627 648 774 83839 Homo sapiens sapiens 496 552536 581 583 834 Índico oceano 2 11819 328 35051 35456 408 744 795 Interdisciplinaridade 387 390 396 línguas 56 11 134 167 1820 26 42 46 4951 534 667 778 823 99 103 1068 11114 11619 12021 12457 129 32 137 1423 162 164 174 178 1804 1957 2034 206 24749 25067 281 291 2956 3001 305 307 30910 312 314 16 31736 33744 372 39293 398 543 546 549 58889 634 759 838 Linguística 146 21 45 60 66 69 70 73 136 162 166 24781 291 295316 317336 33744 389 39293 549 Metodologia 20 59 66 75 13966 26263 387 Migrações 15556 256 290 292 295316 349 374 381 514 546 579 581 5912 612 772 783 786 793 843 Mulheres 15 25 2930 32 73 150 191 203 307 311 393 531 559 653 694 730 753 763 76869 771 77678 813 84041 844 Música 193 195 199 200 207 300 392 583 841 Níger 15 20 27 2930 32 70 78 82 93 107 8 119 128 180 192 196 206 210 250 260 263 303 306 314 326 32933 336 341 35051 35861 383 425 430 432 547 549 661 664 670 672 681 687 6912 697 701 707 71213 727 734 744 749 767 790 795 797 803 837 849 Nilo 53 645 67 69 812 112 254 258 280 292 299 303 310 316 321 333 358 360 372 37677 380 38283 396 405 4078 41011 41315 444 54445 54748 672 683 707 71542 767 7734 787 799 80311 81625 828 32 837 849 Origem africana da huma nidade 61 2869 293 29697 47072 491 51113 522 787 833 Paleontologia 601 473 495 504 63840 644 689 780 Raças teorias raciais 10 14 28 41 200 26263 28392 296 298 301 303 307 310 315 3212 393 496 525 536 582 703 706 727 741 77577 84041 Racismo 401 República CentroAfricana 203 255 305 332 5935 5978 6001 6034 606 60910 615 62023 630 633 Tradição oral 4 21 45 60 63 656 72 75 112 122 124 126 930 Metodologia e pré história da África 129 13966 1679 174 185 189 2057 209 211 26768 389 3912 513 780 Tráfico de escravos 79 28 40 121 130 375 384 848 Utensílios 192 2978 369 3712 374 398 401 405 412 4145 46876 506 51118 522 5246 52944 55889 5937 599 609 618 62327 62933 642 646 652 6645 678 685 689 694 69599 7169 72330 736 739 43 768 8112 823 8347 Durante muito tempo mitos e preconceitos de toda espécie ocultaram ao mundo a verdadeira história da África As sociedades africanas eram vistas como sociedades que não podiam ter história Apesar dos importantes trabalhos realizados desde as primeiras décadas do século XX por pioneiros como Leo Frobenius Maurice Delafosse e Arturo Labriola um grande número de estudiosos não africanos presos a certos postulados afirmava que essas sociedades não podiam ser objeto de um estudo científico devido sobretudo à ausência de fontes e de documentos escritos De fato havia uma recusa a considerar o povo africano como criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram ao longo dos séculos por caminhos próprios as quais os historiadores a menos que abandonem certos preconceitos e renovem seus métodos de abordagem não podem apreender A situação evoluiu muito a partir do fim da Segunda Guerra Mundial e em particular desde que os países africanos tendo conquistado sua independência começaram a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dos intercâmbios que ela implica Um número crescente de historiadores tem se empenhado em abordar o estudo da África com maior rigor objetividade e imparcialidade utilizando com as devidas precauções fontes africanas originais No exercício de seu direito à iniciativa histórica os próprios africanos sentiram profundamente a necessidade de restabelecer em bases sólidas a historicidade de suas sociedades Os especialistas de vários países que trabalharam nesta obra tiveram o cuidado de questionar as simplificações excessivas provenientes de uma concepção linear e restritiva da história universal e de restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessário e possível Esforçaramse por resgatar os dados históricos que melhor permitissem acompanhar a evolução dos diferentes povos africanos em seus contextos socioculturais específicos Esta Coleção traz à luz tanto a unidade histórica da África quanto suas relações com os outros continentes sobretudo as Américas e o Caribe Durante muito tempo as manifestações de criatividade dos descendentes de africanos nas Américas foram isoladas por certos historiadores num agregado heteróclito de africanismos Desnecessário dizer que tal não é a atitude dos autores desta obra Aqui a resistência dos escravos deportados para as Américas a clandestinidade política e cultural a participação constante e maciça dos descendentes de africanos nas primeiras lutas pela independência assim como nos movimentos de libertação nacional são entendidas em sua real significação foram vigorosas afirmações de identidade que contribuíram para forjar o conceito universal de Humanidade Outro aspecto ressaltado nesta obra são as relações da África com o sul da Ásia através do oceano Índico assim como as contribuições africanas a outras civilizações por um processo de trocas mútuas Avaliando o atual estágio de nossos conhecimentos sobre a África propondo diferentes pontos de vista sobre as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da história a História Geral da África tem a indiscutível vantagem de mostrar tanto a luz quanto a sombra sem dissimular as divergências de opinião que existem entre os estudiosos Nesse contexto é de suma importância a publicação dos oito volumes da História Geral da África que ora se apresenta em sua atual versão em português como fruto da parceria entre a Representação da UNESCO no Brasil a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação do Brasil Secad MEC e a Universidade Federal de São Carlos UFSCar UNESCO HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VOLUMES IVIII Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura