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Psicologia ·
Psicologia Social
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204 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO Monah Winograd O homem sem resto e a resistência ambivalente do dejeto 205 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM NOS ANOS 19701980 A LEITURA DA POLITICA COMO BIOPOLÍTICA proposta por Foucault 2008a 2008b 2010 lançou luz sobre a maneira como o poder desde a virada do século XIX se infiltra disciplina e controla de dentro e por dentro não apenas cada indivíduo mas também o seu conjunto as populações A biopolítica e os biopoderes locais e capilares governam e gerem a saúde a higiene a alimentação a sexualidade a natalidade etc penetrado nas e se misturando às malhas da vida e como reza o liberalismo visando a maximização dos resultados com o menor custo possível o modelo é o da produção industrial e a grande e paradoxal preocupação a de não governar demais Trocando em miúdos as tecnologias do poder tem como objetivo controlar a vida para assegurar a melhor gestão da força de trabalho Como toda e qualquer sociedade é ao mesmo tempo interna e externa ao Estado um dos 206 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO grandes núcleos tecnológicos dos procedimentos políticos no Ocidente passa por uma espécie de medicina social endossada por todos Consequentemente a tarefa política para os que não são liberais consiste em entender a vida também como o lugar de emergência de contrapoderes e de produção de subjetividades capazes de momentos de desassujeitamento ou seja a tarefa é fazer da biopolítica justamente a possibilidade de reformulação ética da relação política Como Foucault mesmo disse em 1982 a análise a elaboração a retomada da questão das relações de poder e do agonismo entre relações de poder e intransitividade da liberdade são uma tarefa política incessante são mesmo a tarefa política inerente a toda existência social DREYFUS RABINOW 1995 Mais recentemente Achille Mbembe 2017 a partir de Foucault e Agamben propôs que a expressão máxima do biopoder reside na verdade e em grande parte na capacidade de ditar quem vive e quem morre Ou seja controlar a mortalidade é o verdadeiro domínio e controle da vida e a expressão máxima da biopolítica é como necropolítica forma de guerra que supõe a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e de populações Dividindo as pessoas entre os vivos e os mortos o poder se inscreve em um controle dos corpos que distribui a humanidade em grupos e a população em subgrupos entre os quais há uma cesura nós e os outros os que devem morrer porque não são gente porque não tem humanidade bandido bom é bandido morto Como escreveu George Orwell 1971 todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros Se olharmos para nossa história veremos facilmente que estas formas de política não são expressão de insanidade ou de ruptura entre os impulsos e apetites do corpo e os interesses da mente Muito pelo contrário segundo Daniel de Pinho Barreiros 2018 historiador e estudioso da teoria da evolução darwinista e dos conflitos intersocietários anteriores ao advento do Estado compartilhamos com os chimpanzés comuns além de 988 dos genes a violência letal fratricida a capacidade de construir mecanismos etológicos complexos de gerenciamento de conflitos a projeção da violência e do poder para o nível extragrupo e o processo cognitivo de ressignificação da natureza de 207 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM um coespecífico ou seja a capacidade de desconhecer um igual deschimpizá lo ou desumanizalo e transformálo em um outro cuja vida não importa porque desligado da macrounidade social e tratado como animal de caça não como inimigo que mereça esse nome como os orangotangos para os chimpanzés Nas palavras dramáticas de Barreiros a violência intergrupal e a desumanização ainda que combatidas firmemente nos domínios do consciente encontram repouso firme nos recônditos do inconsciente coletivo herdados de um turbulento passado evolucionário 2018 p 4647 A prova disso está numa matéria televisiva do Jornal da Band do último dia 1209 que mostrava como os militares são a ambulância do Brasil na Amazônia e durante a qual um oficial de serviço no barco Rondônia que leva assistência médica e medicamentos para os ribeirinhos da bacia amazônica disse sorrindo humanitariamente na Amazônia tem índio tem onça mas tem gente também gente como a gente Não é novidade que o termo política deriva do grego politikê e designa a atividade que organiza e gere uma coletividade cujos membros fazem corpo por acordo tácito ou explícito em um destino comum Em português onde o termo apareceu durante o século XV a noção de política é plurivalente ela concerne ao mesmo tempo à atividade organizadora à arte de governar à prática ou profissão de conduzir negócios políticos à teoria dos regimes e à ciência que analisa todos esses fenômenos Portanto uma atividade política é aquela que orienta a vida coletiva na direção da preservação do bem comum e do interesse geral de uma unidade política determinada relativamente unida e independente em um território com tamanho variável Notese que o problema aqui parece ser o da identidade e identificação das unidades políticas determinadas relativamente autônomas e independentes em um território com tamanho variável ou seja quem são o nós e quem são os outros como na velha piada do soldado de binóculo no forte dando o alarme capitão capitão os índios estão vindo O capitão pergunta e são amigos ou inimigos E o soldado devem ser amigos estão todos juntos Ao que o capitão insiste estou perguntando se vêm com jeito de paz ou de guerra E o soldado vem com jeito de zona todo mundo pintado e gritando E o capitão e quantos são O soldado acho que uns mil e três Como 208 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO assim mil e três pergunta o capitão O soldado responde vem três na frente e uns mil atrás Na Grécia Antiga da qual herdamos o termo política e o termo democracia embora seu sentido tenha se transformado ao longo da história somente os atenienses de nascimento com pai e mãe atenienses homens livres e maiores de 18 anos eram considerados cidadãos membros legítimos de uma unidade política determinada relativamente autônoma e independente em um território com tamanho variável no caso Atenas Ficavam de fora estrangeiros mulheres crianças e escravos Lembremos novamente de Foucault 1984 quando ele esclareceu que para o homem livre grego o bem conduzirse incluía a justa maneira de governar sua mulher seus filhos seus escravos seu lar justa maneira que pressupunha um poder exercido sobre si mediante o poder sobre os outros os que não eram cidadãos ou seja o resto que não era pouca gente mas que para os gregos nem gente era Somente quem pudesse não se preocupar com a própria sobrevivência cotidiana o que exigia ter à sua disposição força de trabalho alheia gozava de tempo livre para discutir e decidir sobre os rumos da cidade o que resultava em que apenas um grupo muito pequeno de homens livres participasse da política Os outros eram todo o resto que era quase todo mundo Voltando à questão do necropoder e da necropolítica em 1931 tendo os acordos de paz do pósguerra falhado e as tensões sociais se acentuado na direção da ascensão de regimes totalitários em vários países o Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações pediu ao Instituto Internacional para Cooperação Intelectual para promover trocas de cartas entre intelectuais de renome a respeito de assuntos de interesses comuns à Liga das Nações Um dos intelectuais convidados foi Einstein que no ano seguinte escolheu Freud como interlocutor As duas cartas foram publicadas em Paris em 1933 em alemão francês e inglês simultaneamente tendo sua circulação sido não por acaso proibida numa Alemanha grávida de Hitler Einstein começou perguntando se haveria algum modo de livrar a humanidade das guerras e adiantou ele mesmo uma espécie de nãoresposta Como pessoa isenta de preconceitos nacionalistas pessoalmente vejo uma forma 209 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM simples de abordar o aspecto superficial isto é administrativo do problema a instituição por meio de acordo internacional de um organismo legislativo e jurídico para arbitrar todo conflito que surja entre as nações Cada nação submeterseia à obediência às ordens emanadas desse organismo legislativo a recorrer às suas decisões em todos os litígios a aceitar irrestritamente suas decisões e a por em prática todas as medidas que o tribunal considerasse necessárias para a execução de seus decretos FREUD EINSTEIN 2005 p 22 Mas o próprio Einstein reconhecia o fracasso de todos os esforços nesse sentido atribuindoo à fome de poder político de dinheiro e de controle que partia de um pequeno grupo de pessoas em cada nação e que dobrava a vontade de uma maioria resignada a perder e a sofrer com a guerra Para ele o desejo de ódio e de destruição que em tempos normais existe apenas em estado latente muito facilmente pode ser despertado e elevado à potência de uma psicose coletiva Declinando do convite de solucionar o problema da evitação da guerra mas seguindo de bom grado a trilha aberta por Einstein Freud começou analisando as relações entre direito e violência para chegar na questão de uma pulsão de ódio e de destruição tão indispensável quanto outra que tende a conservar e a unir pulsão de morte e pulsão de vida Raramente uma ação qualquer é obra de apenas uma destas pulsões e a pulsão de morte se torna pulsão de destruição ao ser dirigida para os objetos o que é bom esclarecer não é necessariamente ruim sendo mesmo condição de possibilidade de preservação da vida pois qualquer vivo só conserva sua vida ao destruir outras É o que fazemos por exemplo quando comemos e para desespero do vegetarianos mesmo que não comamos nenhum tipo de carne Mas ao contrário do que suspeitava Einstein uma parte desta pulsão de morte permanece bem ativa e operante em cada um e não em estado latente como queria Einstein De certo modo podese mesmo dizer que ela está mais próxima da nossa natureza do que nossa resistência a elas como entendeu o historiador evolucionista referido acima o que não quer dizer que seja mais profunda ou mais essencial mas sim que ela está aí e participa do que nos define como humanos demasiado humanos Ou seja não há a perspectiva de abolir as 210 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO tendências agressivas do ser humano não há como extirpar o mal nem mesmo com a influência da educação e da cultura Quase como a banalidade do mal que se apresenta quando falha a faculdade de pensar e o pensamento não consegue se desdobrar proliferar e aprofundar como definiu Hannah Arendt durante o tempo em que foi correspondente do The New York Times em Jerusalém fazendo a cobertura do julgamento de Eichmann ARENDT 2000 Por isso nos indignamos com a guerra por que não podemos deixar de fazêla porque como escreveu Umberto Eco em um de seus Cinco Escritos Morais E é isto o que nos aflige Descobrimonos mas sem o confessarmos coresponsáveis ECO 2014 p 123 Em uma entrevista concedida em 1977 ao jornalista Julio Lerner da TV Cultura Clarice Lispector disse a respeito do conto de sua autoria preferido uma bala bastava o resto era vontade de matar LISPECTOR 1997 Nesse conto sobre o assassinato de Mineirinho homicida contumaz morto com 13 tiros a narradora diz a primeira lei a que protege corpo e vida insubstituíveis é a de que não matarás Ela é minha maior garantia assim não me matam porque eu não quero morrer e assim não me deixam matar porque ter matado será a escuridão para mim Esta é a lei Mas há alguma coisa que se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança no terceiro me deixa alerta no quarto desassossegada o quinto e o sexto me cobrem de vergonha o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror no nono e no décimo minha boca está trêmula no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus no décimo segundo chamo meu irmão O décimo terceiro tiro me assassina porque eu sou o outro Porque eu quero ser o outro LISPECTOR 1978 p124 E mais adiante Meu erro é o meu espelho onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos LISPECTOR 1978 p125 Em Mineirinho diz Clarice a fala humana já falhou ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização LISPECTOR 1978 p126 211 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM Talvez seja o mesmo grito o barulho do silêncio que subjaz a Tudo BECKETT 2001 p 170 uma protuberância paradoxal do vazio ao qual Beckett queria chegar quando rasgava o véu da língua cavando nela um buraco atrás do outro até que aquilo que está a espreita por trás seja isto alguma coisa ou nada comece a atravessar BECKETT 2001 p 169 Na mesma linha quando Andy Warhol comentou sua adesão à repetição no livro POPism 1980 ele disse Não quero que seja essencialmente o mesmo quero que seja exatamente o mesmo Porque quanto mais você olha para a mesma coisa mais o sentido escapa WARHOL 2013 p 50 e mais o Real se insinua pelo ponto traumático que rompe o anteparo da repetição ao fazer escoar todo o significado Por isso no O que resta de Auschwitz Agamben 2008 descreveu o testemunho como valendo essencialmente pelo que falta nele pelo que no seu centro é intestemunhável porque para testemunhar o Real a língua deve ceder lugar para uma nãolíngua Antes de finalizar é preciso ainda retomar a questão da guerra da pulsão de destruição e dos totalitarismos de todos os tipos da esquerda para a direita e viceversa como psicoses coletivas às quais Einstein se referiu em sua carta para Freud Adorno 2015 nos anos 50 ao discutir a ideia de que teríamos vivido uma neurose política derivada de um recalque político o recalque da culpa na Alemanha por exemplo lembra que manifestações de identificação rígida com um grupo são em grande medida frutos de um narcisismo coletivo A fragilidade do eu regredido como efeito de seu encontro inevitável com o Real com o que rompe o anteparo da repetição em Warhol com o bruto grito desarticulado e mudo de Mineirinho com o intestemunhável de Agamben ou com aquilo que está à espreita em Beckett procura compensação numa imagem coletiva onipotente arrogante e semelhante ao próprio eu enfraquecido compondo um nós cujo resto são os outros A incorporação desta tendência nos indivíduos forma e conforma uma força coletiva cuja extensão já nos é conhecida Ocorre que narcisismo coletivo não implica e nunca implicou perda ou ausência de Princípio de Realidade Muito pelo contrário narcisismo coletivo e Princípio de Realidade andam de mãos dadas A ótica dos grupos totalitários não é irrealista embora seja obscura em muitos aspectos Narcisismo significa 212 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO investimento libidinal no próprio eu ou no nós assim conformado pelo laço afetivo da identificação em vez de amor aos outros nos quais se projeta todo o Mal Nas palavras de Adorno o mecanismo desse deslocamento não é outro que o mecanismo social que oferece um prêmio pelo enrijecimento de cada indivíduo pela crua vontade de autoconservação ADORNO 2015 p27 Ou seja as metas pulsionais do narcisismo coletivo são inteiramente compatíveis com objetivos racionais e com um discernimento claro e perspicaz das condições dadas A ideologia que governa no Brasil de hoje por exemplo tendente ao totalitarismo está inteiramente harmonizada com os fortes interesses de quem a compartilha Por outro lado é claro que é inerente a este narcisismo um momento autodestrutivo mas ele não é maior e nem pior que o da ordem mundial na qual ele se forma insistentemente Não teria Hitler de certo modo visto a Europa de sua época mais realisticamente do que os estadistas da Sociedade das Nações Definitivamente todo totalitarismo e suas necropolíticas fundamentam se menos numa pergunta neurótica pelo sentido da vida do que em necessidades muito concretas derivadas por exemplo do desemprego tecnológico da divergência entre estados dos meios de produção e propriedade das matérias primas e da onipresente impossibilidade econômica de sustentar a própria vida a partir de sua força de trabalho impossibilidade que numa racionalidade próxima da dos chimpanzés impele os homens aos movimentos heterodoxos de grupo próximos das psicoses particularmente da paranoia Mas também não é verdade que os aderentes a sistemas totalitários sejam loucos ou psicóticos Ao contrário como propôs Simmel 2013 no início do século passado o sistema delirante coletivo com seu delírio encapsulado permite que os indivíduos se comportem de forma mais realista porque neles paradoxalmente o Real se esconde no próprio realismo na frieza na ausência de afeto e no desconhecimento dos outros do resto que os poupa do conflito neurótico mas nem por isso os torna mais inteligentes Homens sem resto cadavericamente obedientes como se autodefiniu Eichmann em Jerusalém E sem pensamento e profundidade tal como Hannah Arendt entendia Além de terem nessa necrocisão entre nós e os outros a oportunidade de satisfação da parte da pulsão de morte que permanece ativa em todos nós 213 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM 214 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO REFERÊNCIAS ADORNO Theodor Observações sobre política e neurose 1954 In ADORNO Theodor Ensaios sobre Psicologia Social e Psicanálise p 191198 São Paulo UNESP 2015 AGAMBEN Giorgio O que resta de Auschwitz São Paulo Boitempo 2008 ARENDT Hannah Eichmann em Jerusalém um relato sobre a banalidade do mal 1963 São Paulo Companhia das Letras 2000 BARREIROS Daniel de Pinho Guerra Ética e Etologia In José Luis Fiori Org Sobre a Guerra Petrópolis Vozes 2018 V 1 p 2347 BECKETT Samuel Carta Alemã 1937 In Andrade Fábio de Souza Samuel Beckett o silêncio possível São Paulo Ateliê 2001 pp167171 ECO Umberto Cinco Escritos Morais Lisboa Difel 82 1997 FOUCAULT M O sujeito e o poder In DREYFUS H RABINOW P Michel Foucault uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 FOUCAULT Michel 1984 Entrevista com Michel Foucault In Motta Manoel Barros da Org Ditos e escritos Rio de Janeiro Forense Universitária v1 1999 p300312 FOUCAULT Michel Segurança Território população curso dado no Collège de France 1977 1978 São Paulo Martins Fontes 2008a FOUCAULT Michel Nascimento da biopolítica curso dado no Collège de France 19781979 São Paulo Martins Fontes 2008b Se assim é não há porque não praticarmos a resistência ambivalente do resto ou do dejeto pois como escreveu Freud no O futuro de uma ilusão a voz da inteligência é tênue porém não descansa até que tenha conseguido fazer se ouvir O primado da inteligência está é certo num futuro distante mas provavelmente não num futuro infinitamente distante FREUD 1996 p 278 Ouçamos a História o movimento de justiça social mais incisivo nos EUA não foi exatamente uma guerra civil mas o que derivou de um discurso de Martin Luther King marcado pela expressão de um pensamento utópico e onírico I have a dream Hoje as coisas mudaram embora continuem iguais Agora é preciso ter com Zizek 2019 a coragem da desesperança numa Matrix em expansão Bemvindos ao deserto do Real 215 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM FOUCAULT Michel Em defesa da sociedade curso no Collège de France 19751976 São Paulo Martins Fontes 2010 FREUD Sigmund O futuro de uma ilusão 1927 Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud V XXI Rio de Janeiro Imago 1996 FREUD Sigmund EINSTEIN Albert Um diálogo entre Einstein e Freud porque a guerra 1933 Edição FADISMA Faculdade de Direito de Santa Maria 2005 LISPECTOR Clarice Entrevista concedida ao jornalista Júlio Lerner em 1 de fevereiro de 1977 São Paulo TV Cultura programa Panorama 1997 Disponível em httpswwwrevistabula com503aultimaentrevistadeclaricelispector Acesso 29SET 2019 LISPECTOR Clarice Mineirinho In LISPECTOR Clarice A legião estrangeira Rio de Janeiro Editora do Autor 1978 p123127 MBEMBE Achille Necropolítica In Arte Ensaios 232 2017 Recuperado de https revistasufrjbrindexphpaearticleview8993 ORWELL George A revolução dos bichos Porto Alegre Globo 1971 SIMMEL Georg As grandes cidades e a vida do espírito 1903 In BOTELHO André Org Essencial Sociologia São Paulo Penguin ClassicsCia das Letras 2013 WARHOL Andy POPismo Os anos sessenta segundo Warhol 1980 Rio de Janeiro Cobogó 2013 ZIZEK Slavoj A coragem da desesperança crônicas de um ano em que agimos perigosamente Rio de Janeiro Zahar 2019 As Homossexualidades na Psicanálise na história de sua despatologização Copyright 2013 Antonio Quinet Marco Antonio Coutinho Jorge Proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer sistema sem prévio consentimento de Segmento Farma Editores Ltda Todos os direitos reservados a Segmento Farma Ltda DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP M7h QUINET Antonio As homossexualidades na Psicanálise na história de sua despatologização Antonio Quinet Marco Antonio Coutinho Jorge organizadores São Paulo Segmento Farma 2013 392 p ISBN 9788579000645 Inclui referências bibliográficas 1 Psicanálise e Homossexualidade 2 Homossexualismo Aspectos psicológicos 3 Homossexualismo Aspectos sociais I Jorge Marco Antonio Coutinho II Título CDD 61685834 Índices para catálogo sistemático 1 Psicanálise Homossexualidade 61685834 2 Homossexualismo Psicologia 6168583 3 Homossexualismo Sociedade 306766 IMPRESSO NO BRASIL 2013 O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seus autores Produzido por Segmento Farma Editores Ltda em julho de 2013 Material de distribuição exclusiva à classe médica Rua Anseriz 27 Campo Belo 04618050 São Paulo SP Fone 11 30933300 wwwsegmentofarmacombr segmentofarmasegmentofarmacombr Diretorgeral Idecio O Patricio Diretor executivo Jorge Rangel Gerente financeira Andréa Rangel Gerente comercial Rodrigo Mourão Editorachefe Daniela Barros MTB 39311 Comunicações médicas Cristiana Bravo Gerentes de negócios Marcela Crespi e Philipp Santos Coordenadora comercial Andrea Figueiro Gerente editorial Cristiane Mezzari Coordenadora editorial Sandra Regina Santana Assistentes editoriais Camila Mesquita e Patricia Harumi Capa Marcelo Peigo Diagramação Flávio Santana Revisora Viviane Rodrigues Zeppelini Produtor gráfico Fabio Rangel Cód da publicação 1411052013 Foto da capa Antonio Quinet CAPÍTULO 6 Psicanálise xenofobia algumas reflexões Betty Bernardo Fuks É comumente admitido que a Psicanálise trouxe uma contribuição decisiva ainda que tão contestada para o desenvolvimento de uma crítica contra toda a forma de preconceito bem como se reconhece que as marginalidades social cultural e a pessoalmente sentida por Freud enquanto judeu vienense da diáspora que viveu e produziu nas circunstâncias especiais de tempo e espaço na virada do século XX em Viena mostraramse fundamentais para a constituição da prática e da teoria analítica No entanto a experiência cultural inscrita no percurso da vida e da produção do fundador do método analítico não foi apenas uma marca histórica que ele recebeu passivamente Contam muito a repercussão íntima e a resposta transformadora que lhe facultaram desenvolver progressivamente a constituição da própria judeidade o modo próprio de ser judeu isto é uma maneira de tornarse outro e traçar as estratégias de tolerância à alteridade e de combate às resistências à Psicanálise Um olhar retrospectivo ao final do século 19 permite identificar o modo como a disciplina freudiana ganhou um lugar na primeira fileira das produções culturais vienenses que abalaram às normas vigentes e dissolveram preconceitos ao apostar no progresso inquestionável da modernidade O conceito de Inconsciente e sua decorrência imediata a sexualidade infantil granjearam simpatias e adesões assim como uma intensa resistência manifesta sob a forma de críticas negativas e extremamente pejorativas Logo a ideia sobre a importância da presença da sexualidade na formação da subjetividade foi acusada de subproduto da modernidade vienense Freud associou essa recriminação a um outro preconceito que no início do século XX era mantido velado acusaremme de vienense é apenas um substituto eufemístico de outra acusação que ninguém ousa fazer abertamente1 ou seja à sua condição de judeu Historicamente no final da Antiguidade a noção patrística de que os judeus eram extremamente carnais pela importância que davam ao sexo e à reprodução foi o tópicos de grande parte dos escritos cristãos Santo Agostinho no Tractatus adversus Judaeos faz a seguinte acusação Considerai o Israel segundo a carne I Cor 1018 Este nós sabemos que é o Israel carnal mas os judeus não compreendem este significado e assim tornaramse indiscutivelmente carnais2 Assim como bem assinalou Jacques Derrida3 em Mal dArchive une impression freudienne a descoberta freudiana independentemente do próprio Freud foi reconhecida como uma ciência judaica sob a forma de acusação antes durante e depois do nazismo Em relação à ciência Freud sempre se pronunciou contra esse tipo de qualificação4 não deveria existir ciência ariana e ciência judaica particular Esses resultados deveriam ser idênticos apenas a apresentação poderia variarSe as diferenças se estendem à interpretação dos dados objetivos da ciência é porque alguma coisa não vai bem No entanto foi em função de uma suposta divisão entre inconsciente ariano e inconsciente judaico e do valor da sexualidade humana na teoria psicanalítica que Carl Gustav Jung se separou do movimento psicanalítico em 1913 chegando a estimular a proibição da Psicanálise na Alemanha Uma grande ironia Em Jung havia sido depositado a esperança de que a Psicanálise pudesse desalojarse de Viena e do gueto judaico que havia se formado em torno dela5 Vinte anos depois quando Hitler subiu ao poder na Alemanha acusando o movimento modernista de idéias estrangeiras a divisão entre ciência judaica e ciência estrangeira começou a se materializar No inverno de 1933 em base ao decreto de exclusão dos judeus da direção das associações científicas os psicanalistas judeus Max Eitingon Ernst Simmel e Otto Fenichel se demitem da direção da Sociedade Alemã de Psicanálise DPG O antissemitismo de Jung com Freud e Adler são propagados pontos de vista especificamente judeus e como também pode ser comprovado pontos de vista que têm um caráter essencialmente desagregador6 fora posto em prática Em 1935 a situação se agrava numa assembleia presidida por Ernest Jones presidente da International Psychoanalytical Association IPA todos os membros da DPG de origem judaica foram expulsos Apenas um analista não judeu Bernard Kamm protestou contra a decisão e se demitiu com os colegas judeus Dias depois os membros remanescentes que acreditavam que com a arianização da DPG a Psicanálise seria deixada em paz são surpreendidos com a notícia de sua dissolução e a integração de todos ao Instituto Goering Os nazistas assumiram a limpeza o nome de Freud e o da Psicanálise foram definitivamente apagados do Instituto78 Apesar da acusação que pesa sobre Freud de ter sido incapaz de compreender a realidade do nazismo e prorrogado em demasia sua saída de Viena a realidade é que compreender o ódio ao outro por pequenas disputas através do paradigma do judeu o ancestral estrangeiro das massas foi sem duvida um dos motores da escrita de O Homem Moisés e o Monoteísmo Entretanto mesmo nessa grande obra escrita em plena ascensão do nazismo o pensamento freudiano sobre a intolerância transcende a questão do ódio milenar ao judeu Obviamente que isso não poderia ocorrer de outra forma Freud sempre esteve voltado à escuta dos destinos das pulsões na cultura o que lhe permitiu situar a xenofobia na dimensão agressiva do sujeito à diferença no outro Não é por acaso que em seu pensamento o estrangeiro do grego xenos é definido como o outro ambíguo familiar e estranho ao sujeito o que é próprio heimlich mas só existe como o seu avesso unheimlich Desse modo justamente a presença do estrangeiro incomoda porque lembra que ao eu ou ao grupo que poderia ser outro que a sua identidade não está totalmente assegurada Vejamos duas figuras de alteridade assombravam a modernidade vienense feminilidade e judeidade De uma maneira geral esse pânico da feminização correspondia ao horror de sua judeizaçãoo que serviu de esteio ao discurso xenofóbico endossar e propagar o mito da mulher ter trazido o pecado ao mundo e a atribuir ao judeu o perigo de degeneração do órgão sexual masculino A ideia veiculada pelo discurso médicosocial vienense de que a prática da circuncisão do povo judeu expõe o varão às doenças sexualmente transmissíveis e a degeneração do órgão masculino forneceu subsídios ao projeto antissemita da diabolização do judeu No campo da filosofia é na escrita de Otto Weininger Sexo e carácter 1994 que feminilidade e judeidade aparecem em estreita relação fazendo precisamente da mulher e do judeu o espírito mesmo da modernidade e da sexualidade o valor supremo Essa proposta de um elo indissolúvel entre feminilidade e judaísmo tornouse bastante conhecida entre os intelectuais vienenses Freud ao redigir o caso do Pequeno Hans lembra as ideias de Weininger9 ao assinalar que o complexo de castração é a raiz mais profunda do antisemitismo uma vez que já no quarto das crianças o menino ouve dizer que cortaram algo no pênis dos judeus um pedaço do pênis pensa ele e isso lhe dá o direito de desprezálo Desde então a Psicanálise formulou em sua linguagem específica um tema central da teoria crítica do final do século XIX e começo do século XX a raiz inconsciente mais forte para o sentimento de superioridade sobre as figuras da mulher e do judeu é a diferença sexual10 Sob a sombra dessa realidade discriminatória generalizada da modernidade vienense Freud elabora e sustenta sua teoria da sexualidade da qual o conceito de complexo de castração se sobressai Longe de fazer apenas uma analogia entre o Judeu e o Feminino insistiu em demonstrar que a vivência sinistra diante da circuncisão é homóloga à impressão inquietante causada pelo sexo da mulher Ambas provocam um horror determinado o horror à castração E quando em 79 Psicanálise fazemos referência a esse tipo de aversão entramos no campo da angústia signo do colapso de todos os pontos referenciais identificatórios que a diferença causa Assim a diferença pode estar em qualquer lugar bastando que o real do outro se manifeste como estrangeiro Assim quanto mais o discurso se exercita no sentido da uniformização tanto mais o disforme tende a se manifestar E esse disforme estritamente particular nós analistas designamos gozo aquilo que faz do outro um outro1 Outro que só resta odiar já que põe em xeque a forma de gozar a qual tanto se idealiza É esse odiar o gozo do outro que Jacques Lacan justamente12 chamou de racismo ou segregação O horror à homossexualidade uma outra fonte de xenofobia também invadiu a Europa préSegunda Guerra O narcisismo das pequenas diferenças o impedimento que o outro seja um perfeito semelhante foi inteiramente manipulado no sentido de elevar os impulsos hostis da massa contra aqueles que como os judeus e as mulheres estavam apenas um pouco mais além do espelho ideal vigente a raça pura isto é a raça sem outro Embora Freud não tenha se detido especificamente sobre o fenômeno da homofobia como o fez com o horror à mulher e o ódio ao judeu desde o Manuscrito H até o Esboço de Psicanálise se debruçou com muita acuidade sobre a questão da homossexualidade Em geral o que se conclui da leitura dos principais textos em que o tema aparece embora apresentem também algumas ambiguidades é que na teoria freudiana a homossexualidade diz respeito à uma posição libidinal uma orientação sexual tão legítima quando a heterossexual3 Acredito que tal posição tenha sido o alicerce éticoteórico desde o qual Freud declarou ao jornal vienense Die Zeit14 A homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais Eu tenho a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados como doentes pois uma tal orientação não é uma doença Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande números de pensadores que admiramos justamente em razão de sua saúde mental Os homossexuais não são pessoas doentes Permitamme fazer um desvio e dar maior ênfase à questão da homofobia que junto ao antissemitismo e ao antifeminismo tornouse alvo privilegiado da ideologia nazista por considerar que até hoje permanece presente embora velada entre os herdeiros de Freud Com isso pretendo mostrar que muitos daqueles que se dizem psicanalistas insistem em usar a Psicanálise como um instrumento xenofóbico a serviço dos próprios preconceitos e ideais e com isso abalam os alicerces de uma prática voltada ao não idêntico e a uma teoria que tem como fundamento o reconhecimento do outro Nunca é demais lembrar que no século XX o nazismo elevou ao paroxismo o ódio ao gozo do outro ao criar eficientes fábricas de extermínio de alteridades Muito conhecemos sobre o destino dos judeus durante a catástrofe que inundou 80 a civilização de sangue e dor Por outro lado pouco se sabe sobre o destino dos homossexuais que junto aos doentes mentais ciganos comunistas e judeus foram enviados aos campos de extermínio sob o pretexto de que eram degenerados sujos e portadores de uma doença incurável A submissão da ciência e a participação dela no projeto nazista para darlhe base objetiva incluía pesquisas genéticas que davam curso à fantasia nazista de pureza racial e domínio universal A ciência praticada nos campos de concentração e de extermínio fornecia bases racionais à foraclusão crescente do sujeito Em nome da morfologia judaica e da genética dos doentes mentais e homossexuais era permitido nos campos de extermínio e até mesmo na cidade cometer qualquer tipo de delito contra homens mulheres e crianças cuja vida matável no dizer de G Agamben não merecia ser vivida15 Em plena modernidade a xenofobia encontrou nas máquinas de fabricar cadáveres um instrumento jamais imaginado e os modernos se mostraram mais bárbaros que os selvagens Nos campos os homossexuais eram conhecidos pela expressão código 175 numa alusão às acusações do parágrafo 175 do Código Criminal da Alemanha que definia como ilegais os atos antinaturais e indecentes entre sujeitos do mesmo sexo Os nazistas amplificaram o alcance desse estatuto vigente desde o século XIX para transformar simples olhares e simples toques em motivos legais para perseguir investigar e condenar os degenerados fora da norma Em consequência disso no mesmo ano em que sob ordens de Goebbels livros não arianos entre eles os de Freud eram jogados às fogueiras de Berlim barreiras contra a perseguição aos homossexuais desabaram e o homossexualismo passou a ser considerado uma traição à pátria A partir daí foram criadas diversas campanhas públicas para corrigir e eliminar o que era conhecido como atos indecentes O argumento de que a escolha homossexual ameaçava as gerações futuras da Alemanha fez de muitos homens e mulheres prisioneiros da Gestapo Em Auschwitz os homossexuais eram identificados pelo triângulo rosa que eram obrigados a usar em seus uniformes Também não era incomum encontrar muitos prisioneiros usando a estrela amarela de Davi sinal de que eram judeus Em outros campos homossexuais tinham de usar uniformes marcados com uma faixa azul signo de que aqueles prisioneiros eram uma ameaça à sociedade ariana É digno de nota que enquanto a realidade da violência sobre os homens homossexuais se fez implacável os nazistas muitas vezes pouparam as mulheres de serem confinadas nos campos da morte Eles acreditavam ser mais fácil reeducar uma mulher a assumir papéis como esposas e mães A violência contra a mulher nesse período negro da história fezse por meio da obrigação de procriar traumaticamente fora do registro do desejo Sob situações de estupros reais e simbólicos a mulher tornouse alvo da violência e da crueldade assassina nazista Notase que o dispositivo de repúdio ao feminino denegação da castração apareceu como uma tentativa de transformar as lésbicas em verdadeiras vacas de reprodução da raça pura 81 Poucos foram os homossexuais que conseguiram escapar da morte e testemunhar a crueldade a que foram submetidos nos campos de concentração É o caso de Pierre Seel que narrou em seu livro Moi Pierre Seel déporté homosexuel16 as atrocidades sofridas por homossexuais em SchirmeckVorbrück na região da Alsácia Um dia os altofalantes ordenaramnos que fôssemos imediatamente ao centro do campo Gritos e latidos induziramnos a chegar rapidamente Rodeados por homens das SS devíamos formar um quadrado e esperar firmes como fazíamos durante as formaturas da manhã O comandante estava presente com todos os seus colaboradores mais importantes Pensei que nos iam inundar de novo com a sua fé cega no Reich em conjunto com uma lista de instruções insultos e ameaças emulando as famosas verborreias do seu chefe Adolph Hitler Mas a situação era muito pior uma execução Dois soldados das SS trouxeram um jovem até ao centro do quadrado que formávamos Horrorizado reconheci Jo o meu doce amigo de 18 anos Ainda não o tinha visto no campo Tinha chegado antes ou depois de mim Não nos tínhamos visto nos dias anteriores à minha detenção pela Gestapo Fiquei paralisado de terror Tinha rezado para que conseguisse escapar às suas rondas às suas listas às suas humilhações Mas aqui estava ante os meus olhos impotentes que se encheram de lágrimas Ao contrário de mim ele não tinha transportado cartas perigosas destruído cartazes ou assinado alguma declaração E no entanto tinhamno aprisionado e ia morrer As listas estavam realmente completas Que se tinha passado De que o tinham acusado os monstros A minha dor fezme esquecer completamente o conteúdo da sua sentença de morte Nesse momento os altofalantes emitiram música clássica muito barulhenta enquanto os homens das SS o despiram completamente Violentamente enfiaramlhe um balde de latão pela cabeça Atiçaram ferozes cães pastores alemães sobre ele os cães começaram por lhe morder as coxas e as virilhas e depois devoraramno em frente a todos nós Os seus gritos de dor foram amplificados e distorcidos pelo balde que permanecia atado à sua cabeça O meu corpo rígido se cambaleava os meus olhos escancaravamse de par em par por tanto horror lágrimas corriam pela minha cara rezava fervorosamente que desmaiasse rapidamente Desde esse dia continuo a acordar frequentemente a meio da noite aos gritos Durante mais de cinquenta anos essa cena repetiuse incessantemente na minha mente Nunca esquecerei o bárbaro assassinato do meu amor em frente dos meus olhos dos nossos olhos porque houve centenas de testemunhos 82 Observase nesse fragmento autobiográfico de cunho testemunhal a impossibilidade do autor de se liberar do sofrimento ao qual foram impostos milhares de seres humanos É essa a mesma realidade dos escritores judeus que testemunham com seus escritos a devastação subjetiva vivida nos campos de extermínio São relatos feitos como escreveu Primo Levi em Os afogados e os sobreviventes por uma obrigação moral para com os emudecidos ou então para nos livrarmos de sua memória com certeza o fazemos por um impulso forte e duradouro17 Entretanto ao contrário dos judeus cujos escritos inaugurou uma nova face da literatura a literatura de testemunho poucos foram os homossexuais que tiveram a oportunidade de testemunhar o real do Holocausto Em geral os que regressaram dos campos à casa se viam impossibilitados de transmitir o ocorrido dado aos preconceitos que vigoravam de forma cruel e arbitrária contra a homossexualidade Uma pesquisa feita na Alemanha junto os sobreviventes homossexuais da Segunda Guerra revelou o silêncio coletivo em que viveram longos anos por temor de confessar o motivo do internamento Receavam a estigmatização e temiam possíveis denúncias que causariam perda de emprego até mesmo a impossibilidade de contrato de locação mantinha todos calados18 Por décadas mesmo depois da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial os homossexuais continuaram sujeitos ao código criminal que o regime de Hitler empregara como base para sua perseguição A lei 175 foi repelida em 1994 mas apenas em 2002 o governo alemão pediu perdão oficialmente aos homossexuais condenados Na França enquanto as leis antissemitas foram extintas logo após a guerra pelo General de Gaulle o artigo do código contra a homossexualidade permaneceu vigente tornouse mais rígido em 1962 e deixou de ser ilegal apenas em 1981 Socialmente inaudíveis os homossexuais não tiveram voz ativa na historiografia do Holocausto e do pósguerra19 O testemunho de Pierre Seel tornouse paradigmático Ao voltar do campo diante da homofobia da família e da população de seu país sentiase um estrangeiro sem casa nem pátria20 Pressionado a levar uma vida normal casou e formou uma família de três filhos Mais tarde percebendo que tomara o caminho contrário ao próprio desejo e que mantinhase submetido à violência homofóbica quebrou o silêncio e testemunhou o que foram aqueles anos de horror e sofrimento que abalaram os alicerces da civilização ocidental Seel resgatou em seu livro a memória de um grupo que por muito tempo não pôde denunciar os crimes dos quais foram vítimas Voltemos à Psicanálise Infelizmente a posição de Freud em relação ao homossexualismo resenhada aqui anteriormente não se tornou um consenso entre os analistas Abraham diretor da Sociedade Psicanalítica de Berlim considerava que a escolha homossexual era de fato um impedimento ao exercício da profissão de analista Anna Freud classificava a homossexualidade como uma anomalía passível de ser tratada Com isso concordava com o ideário sociocultural que dizia ser a homossexualidade uma questão médica Melanie Klein entendia as 83 homossexualidades feminina e a masculina como resultados de uma identificação patológica da criança com a mãe no caso da menina ou com o pai no caso do menino E finalmente Ernest Jones presidente da International Psychoanalytical Association IPA que presidiu a assembleia da DPG mencionada acima de expulsão dos judeus era frontalmente contra a entrada de homossexuais no movimento psicanalítico posição que foi inteiramente refutada por Freud em carta assinada juntamente com Otto Rank enviada ao colega20 O que temos de verificar é em que medida essa gama de preconceitos escorados em teorias xenofóbicas contribuiu e continua contribuindo para distorcer os princípios de liberdade e subversão que fundaram a Psicanálise Uma coisa é certa o desmentido da verdade freudiana a atração entre sujeitos do mesmo sexo é uma posição libidinal entre os pósfreudianos certamente provocou e corroborou com o silêncio de muitos homossexuais após a Segunda Guerra Neste sentido tem razão Chaim Katz21 quando mostra que o desenvolvimento da identidade teoria e prática psicanalítica e a construção de instituições psicanalíticas no período pósguerra não devem ser observados separadamente Mas como podemos sucumbir a homofobia se até algumas igrejas em oposição às igrejas conservadoras acostumadas ao uso do estímulo à intolerância batalham a favor da tolerância sexual Quão difícil é perceber que a história do movimento psicanalítico inclui o uso da Psicanálise como já disse por parte de muitos em instrumento de manipulações cruéis capaz de ferir humilhar e exterminar com qualquer resquício de alteridade É como um resto inassimilável que a questão da xenofobia retorna ao campo psicanalítico depois da Segunda Guerra As implicações do nazismo no movimento psicanalítico são de longo alcance e sem dúvida atingiram dimensões de um trauma até hoje não suplantado que vão desde à destruição de instituições psicanalíticas no continente europeu à cooperação de alguns psicanalistas com o sistema nazista22 Os que conhecem um pouco da história da Psicanálise sabem que o fato de Freud ter fundado uma disciplina embasada na desconstrução de preconceitos não quer dizer que seu alcance possa sobrepujar os impulsos humanos destrutivos que depois de Auschwitz tomaram feições bestiais Em se tratando de um texto sobre Psicanálise e xenofobia seria oportuno lembrar que nos anos 1980 numa mesa redonda na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRJ o episódio de Amilcar Lobo o torturador candidato à analista da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro tornouse público graças à revelação de uma expresa política da ditadura militar brasileira Inês Etienne Romeu e pela denuncia pública corajosamente assumida pelo psicanalista Hélio Pelegrino23 A Psicanálise posta à serviço do período mais duro e repressivo pelo qual o Brasil já passou conhecido como anos de chumbo permitiu que Lobo passasse a integrar a equipe de torturadores políticos do Destacamento de Operações de Informações Centro de Operações de Defesa Interna DOICODI 84 A participação ativa de um candidato a analista nas operações de tortura não era do desconhecimento de seu analista Além disso a própria Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ além de fazer vistas grossas ao fato que feria a ética psicanalítica em nome de uma pretensa neutralidade científica e procedeu estritamente dentro dos critérios dos órgãos de repressão militar num ato semelhante a dos dirigentes da DPG em obediência ao Terceiro Reich Instalou um processo inquisitorial contra a psicanalista Helena Viana por ela ter denunciado o ocorrido ao jornal argentino Voz Operária A verdade é que o valente ato dessa analista abriu as portas para que muitos analistas pudessem mostrar o uso ignóbil que Amilcar com requintes de perversidade e crueldade fez da prática psicanalítica o ponto de levála para os rituais xenofóbicos da ditadura militar Não há espaço para analisar profundamente essa página negra da história da Psicanálise no Brasil No entanto certamente o teor da denúncia feita na PUC não é diferente do testemunho de Seel e nem dos sobreviventes do Holocausto São testemunhos que aportam uma ética frente à destruição e portanto precisam ser lembrados toda a vez que estivermos diante de episódios xenofóbicos sejam eles chauvinistas antifeministas racistas homofóbicos e todos aqueles respaldados em diagnósticos psiquiátricos à serviço das grandes indústrias farmacêuticas Para enfatizar o quanto é difícil desviar o curso dos preconceitos e da destruição lembro aqui as palavras que Freud endereçou a Laforgue24 aturdeme o fato de que os próprios analistas não sejam modificados por sua relação com a análise Ou seja a Psicanálise é libertária sim mas poucos são os que se permitem viver a radicalidade de uma ascese contínua na direção ao mais além do próprio eu e das ideologias Não seria esta uma das condições requeridas ao analista em seu exercício de levar adiante a descoberta do país do Outro O Inconsciente Não caberia aqui retraçar esse conceito mas apenas fazer notar que ele exige do psicanalista não se deixar seduzir sob hipótese alguma às políticas utópica que incitam ao racismo e à segregação aqueles que lembram a falta no Outro RESUMO Psicanálise A Psicanálise trouxe ao longo de sua fundamentação diversas contribuições relacionadas a temas polêmicos sociais bem como sexualidade marginalidade e preconceitos Seu criador Freud recebeu marca histórica por fundar então o método analítico a partir da mudança do conceito de judaísmo A partir de seus estudos e aplicações Freud buscou mudar alguns conceitos já cristalizados socialmente e que de forma ou de outra iam contra seus estudos em relação à Psicanálise Seus estudos eram muito baseados em aspectos da sexualidade infantil e no inconsciente A partir desse cenário Freud caracterizou a discriminação pela diferença em Xenofobia Ele explica que isso ocorre pois estamos todos em constante mudanças e transformações sendo assim nenhum ser humano possui identidade certa estamos aptos a mudar o tempo todo e isso incomodava muitas pessoas naquela época e inclusive nos dias atuais Podemos caracterizar então que tudo que é diferente ou estrangeiro de nós pode nos assustar pois se trata de algo ou alguém desconhecido Muitos acreditavam que a mulher era símbolo do pecado quando não fizesse sexo buscando apenas procriar Quanto aos homossexuais acreditavam que eram seres absurdos Essa temática teve grande repercussão na Europa no momento Pré Segunda Guerra Mundial Acreditavase que era muito mais oportuno matar homens pois eles não tinham regeneração as mulheres aos olhos dos nazistas poderiam ser reeducadas e poderiam fazer parte da sociedade para procriar mesmo que sendo sem seu desejo próprio A visão Freudiana acredita que homens e mulheres são iguais bem como suas orientações sexuais E essa visão foi totalmente contra a visão cristalizada da época que consistia que homossexuais judeus ciganos e comunistas deveriam ser exterminados Sendo assim era permitido no meio social o ato de discriminações e violências verbais e físicas para esse público pois eles não eram caracterizados como indivíduos de respeito Qualquer olhar ou toque diferenciado era julgado e discriminado podendo ser levado a fortes punições sociais A perspectiva Freudiana teve suas distinções no que diz respeito a pensamentos discriminatórios por exemplo Abraham que era Diretor da Sociedade Psicanalítica de Berlim acreditava que ser homossexual era uma escolha e uma escolha errada Ana Freud por sua vez acreditava que homossexuais tinham tratamento para reverter o quadro Embora Freud tenha desenvolvido a temática Freudiana afim de combater as intolerâncias e discriminações não podemos concluir que essa premissa tenha sido alcançada infelizmente
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204 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO Monah Winograd O homem sem resto e a resistência ambivalente do dejeto 205 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM NOS ANOS 19701980 A LEITURA DA POLITICA COMO BIOPOLÍTICA proposta por Foucault 2008a 2008b 2010 lançou luz sobre a maneira como o poder desde a virada do século XIX se infiltra disciplina e controla de dentro e por dentro não apenas cada indivíduo mas também o seu conjunto as populações A biopolítica e os biopoderes locais e capilares governam e gerem a saúde a higiene a alimentação a sexualidade a natalidade etc penetrado nas e se misturando às malhas da vida e como reza o liberalismo visando a maximização dos resultados com o menor custo possível o modelo é o da produção industrial e a grande e paradoxal preocupação a de não governar demais Trocando em miúdos as tecnologias do poder tem como objetivo controlar a vida para assegurar a melhor gestão da força de trabalho Como toda e qualquer sociedade é ao mesmo tempo interna e externa ao Estado um dos 206 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO grandes núcleos tecnológicos dos procedimentos políticos no Ocidente passa por uma espécie de medicina social endossada por todos Consequentemente a tarefa política para os que não são liberais consiste em entender a vida também como o lugar de emergência de contrapoderes e de produção de subjetividades capazes de momentos de desassujeitamento ou seja a tarefa é fazer da biopolítica justamente a possibilidade de reformulação ética da relação política Como Foucault mesmo disse em 1982 a análise a elaboração a retomada da questão das relações de poder e do agonismo entre relações de poder e intransitividade da liberdade são uma tarefa política incessante são mesmo a tarefa política inerente a toda existência social DREYFUS RABINOW 1995 Mais recentemente Achille Mbembe 2017 a partir de Foucault e Agamben propôs que a expressão máxima do biopoder reside na verdade e em grande parte na capacidade de ditar quem vive e quem morre Ou seja controlar a mortalidade é o verdadeiro domínio e controle da vida e a expressão máxima da biopolítica é como necropolítica forma de guerra que supõe a instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e de populações Dividindo as pessoas entre os vivos e os mortos o poder se inscreve em um controle dos corpos que distribui a humanidade em grupos e a população em subgrupos entre os quais há uma cesura nós e os outros os que devem morrer porque não são gente porque não tem humanidade bandido bom é bandido morto Como escreveu George Orwell 1971 todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros Se olharmos para nossa história veremos facilmente que estas formas de política não são expressão de insanidade ou de ruptura entre os impulsos e apetites do corpo e os interesses da mente Muito pelo contrário segundo Daniel de Pinho Barreiros 2018 historiador e estudioso da teoria da evolução darwinista e dos conflitos intersocietários anteriores ao advento do Estado compartilhamos com os chimpanzés comuns além de 988 dos genes a violência letal fratricida a capacidade de construir mecanismos etológicos complexos de gerenciamento de conflitos a projeção da violência e do poder para o nível extragrupo e o processo cognitivo de ressignificação da natureza de 207 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM um coespecífico ou seja a capacidade de desconhecer um igual deschimpizá lo ou desumanizalo e transformálo em um outro cuja vida não importa porque desligado da macrounidade social e tratado como animal de caça não como inimigo que mereça esse nome como os orangotangos para os chimpanzés Nas palavras dramáticas de Barreiros a violência intergrupal e a desumanização ainda que combatidas firmemente nos domínios do consciente encontram repouso firme nos recônditos do inconsciente coletivo herdados de um turbulento passado evolucionário 2018 p 4647 A prova disso está numa matéria televisiva do Jornal da Band do último dia 1209 que mostrava como os militares são a ambulância do Brasil na Amazônia e durante a qual um oficial de serviço no barco Rondônia que leva assistência médica e medicamentos para os ribeirinhos da bacia amazônica disse sorrindo humanitariamente na Amazônia tem índio tem onça mas tem gente também gente como a gente Não é novidade que o termo política deriva do grego politikê e designa a atividade que organiza e gere uma coletividade cujos membros fazem corpo por acordo tácito ou explícito em um destino comum Em português onde o termo apareceu durante o século XV a noção de política é plurivalente ela concerne ao mesmo tempo à atividade organizadora à arte de governar à prática ou profissão de conduzir negócios políticos à teoria dos regimes e à ciência que analisa todos esses fenômenos Portanto uma atividade política é aquela que orienta a vida coletiva na direção da preservação do bem comum e do interesse geral de uma unidade política determinada relativamente unida e independente em um território com tamanho variável Notese que o problema aqui parece ser o da identidade e identificação das unidades políticas determinadas relativamente autônomas e independentes em um território com tamanho variável ou seja quem são o nós e quem são os outros como na velha piada do soldado de binóculo no forte dando o alarme capitão capitão os índios estão vindo O capitão pergunta e são amigos ou inimigos E o soldado devem ser amigos estão todos juntos Ao que o capitão insiste estou perguntando se vêm com jeito de paz ou de guerra E o soldado vem com jeito de zona todo mundo pintado e gritando E o capitão e quantos são O soldado acho que uns mil e três Como 208 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO assim mil e três pergunta o capitão O soldado responde vem três na frente e uns mil atrás Na Grécia Antiga da qual herdamos o termo política e o termo democracia embora seu sentido tenha se transformado ao longo da história somente os atenienses de nascimento com pai e mãe atenienses homens livres e maiores de 18 anos eram considerados cidadãos membros legítimos de uma unidade política determinada relativamente autônoma e independente em um território com tamanho variável no caso Atenas Ficavam de fora estrangeiros mulheres crianças e escravos Lembremos novamente de Foucault 1984 quando ele esclareceu que para o homem livre grego o bem conduzirse incluía a justa maneira de governar sua mulher seus filhos seus escravos seu lar justa maneira que pressupunha um poder exercido sobre si mediante o poder sobre os outros os que não eram cidadãos ou seja o resto que não era pouca gente mas que para os gregos nem gente era Somente quem pudesse não se preocupar com a própria sobrevivência cotidiana o que exigia ter à sua disposição força de trabalho alheia gozava de tempo livre para discutir e decidir sobre os rumos da cidade o que resultava em que apenas um grupo muito pequeno de homens livres participasse da política Os outros eram todo o resto que era quase todo mundo Voltando à questão do necropoder e da necropolítica em 1931 tendo os acordos de paz do pósguerra falhado e as tensões sociais se acentuado na direção da ascensão de regimes totalitários em vários países o Comitê Permanente para a Literatura e as Artes da Liga das Nações pediu ao Instituto Internacional para Cooperação Intelectual para promover trocas de cartas entre intelectuais de renome a respeito de assuntos de interesses comuns à Liga das Nações Um dos intelectuais convidados foi Einstein que no ano seguinte escolheu Freud como interlocutor As duas cartas foram publicadas em Paris em 1933 em alemão francês e inglês simultaneamente tendo sua circulação sido não por acaso proibida numa Alemanha grávida de Hitler Einstein começou perguntando se haveria algum modo de livrar a humanidade das guerras e adiantou ele mesmo uma espécie de nãoresposta Como pessoa isenta de preconceitos nacionalistas pessoalmente vejo uma forma 209 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM simples de abordar o aspecto superficial isto é administrativo do problema a instituição por meio de acordo internacional de um organismo legislativo e jurídico para arbitrar todo conflito que surja entre as nações Cada nação submeterseia à obediência às ordens emanadas desse organismo legislativo a recorrer às suas decisões em todos os litígios a aceitar irrestritamente suas decisões e a por em prática todas as medidas que o tribunal considerasse necessárias para a execução de seus decretos FREUD EINSTEIN 2005 p 22 Mas o próprio Einstein reconhecia o fracasso de todos os esforços nesse sentido atribuindoo à fome de poder político de dinheiro e de controle que partia de um pequeno grupo de pessoas em cada nação e que dobrava a vontade de uma maioria resignada a perder e a sofrer com a guerra Para ele o desejo de ódio e de destruição que em tempos normais existe apenas em estado latente muito facilmente pode ser despertado e elevado à potência de uma psicose coletiva Declinando do convite de solucionar o problema da evitação da guerra mas seguindo de bom grado a trilha aberta por Einstein Freud começou analisando as relações entre direito e violência para chegar na questão de uma pulsão de ódio e de destruição tão indispensável quanto outra que tende a conservar e a unir pulsão de morte e pulsão de vida Raramente uma ação qualquer é obra de apenas uma destas pulsões e a pulsão de morte se torna pulsão de destruição ao ser dirigida para os objetos o que é bom esclarecer não é necessariamente ruim sendo mesmo condição de possibilidade de preservação da vida pois qualquer vivo só conserva sua vida ao destruir outras É o que fazemos por exemplo quando comemos e para desespero do vegetarianos mesmo que não comamos nenhum tipo de carne Mas ao contrário do que suspeitava Einstein uma parte desta pulsão de morte permanece bem ativa e operante em cada um e não em estado latente como queria Einstein De certo modo podese mesmo dizer que ela está mais próxima da nossa natureza do que nossa resistência a elas como entendeu o historiador evolucionista referido acima o que não quer dizer que seja mais profunda ou mais essencial mas sim que ela está aí e participa do que nos define como humanos demasiado humanos Ou seja não há a perspectiva de abolir as 210 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO tendências agressivas do ser humano não há como extirpar o mal nem mesmo com a influência da educação e da cultura Quase como a banalidade do mal que se apresenta quando falha a faculdade de pensar e o pensamento não consegue se desdobrar proliferar e aprofundar como definiu Hannah Arendt durante o tempo em que foi correspondente do The New York Times em Jerusalém fazendo a cobertura do julgamento de Eichmann ARENDT 2000 Por isso nos indignamos com a guerra por que não podemos deixar de fazêla porque como escreveu Umberto Eco em um de seus Cinco Escritos Morais E é isto o que nos aflige Descobrimonos mas sem o confessarmos coresponsáveis ECO 2014 p 123 Em uma entrevista concedida em 1977 ao jornalista Julio Lerner da TV Cultura Clarice Lispector disse a respeito do conto de sua autoria preferido uma bala bastava o resto era vontade de matar LISPECTOR 1997 Nesse conto sobre o assassinato de Mineirinho homicida contumaz morto com 13 tiros a narradora diz a primeira lei a que protege corpo e vida insubstituíveis é a de que não matarás Ela é minha maior garantia assim não me matam porque eu não quero morrer e assim não me deixam matar porque ter matado será a escuridão para mim Esta é a lei Mas há alguma coisa que se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança no terceiro me deixa alerta no quarto desassossegada o quinto e o sexto me cobrem de vergonha o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror no nono e no décimo minha boca está trêmula no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus no décimo segundo chamo meu irmão O décimo terceiro tiro me assassina porque eu sou o outro Porque eu quero ser o outro LISPECTOR 1978 p124 E mais adiante Meu erro é o meu espelho onde vejo o que em silêncio eu fiz de um homem Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos LISPECTOR 1978 p125 Em Mineirinho diz Clarice a fala humana já falhou ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização LISPECTOR 1978 p126 211 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM Talvez seja o mesmo grito o barulho do silêncio que subjaz a Tudo BECKETT 2001 p 170 uma protuberância paradoxal do vazio ao qual Beckett queria chegar quando rasgava o véu da língua cavando nela um buraco atrás do outro até que aquilo que está a espreita por trás seja isto alguma coisa ou nada comece a atravessar BECKETT 2001 p 169 Na mesma linha quando Andy Warhol comentou sua adesão à repetição no livro POPism 1980 ele disse Não quero que seja essencialmente o mesmo quero que seja exatamente o mesmo Porque quanto mais você olha para a mesma coisa mais o sentido escapa WARHOL 2013 p 50 e mais o Real se insinua pelo ponto traumático que rompe o anteparo da repetição ao fazer escoar todo o significado Por isso no O que resta de Auschwitz Agamben 2008 descreveu o testemunho como valendo essencialmente pelo que falta nele pelo que no seu centro é intestemunhável porque para testemunhar o Real a língua deve ceder lugar para uma nãolíngua Antes de finalizar é preciso ainda retomar a questão da guerra da pulsão de destruição e dos totalitarismos de todos os tipos da esquerda para a direita e viceversa como psicoses coletivas às quais Einstein se referiu em sua carta para Freud Adorno 2015 nos anos 50 ao discutir a ideia de que teríamos vivido uma neurose política derivada de um recalque político o recalque da culpa na Alemanha por exemplo lembra que manifestações de identificação rígida com um grupo são em grande medida frutos de um narcisismo coletivo A fragilidade do eu regredido como efeito de seu encontro inevitável com o Real com o que rompe o anteparo da repetição em Warhol com o bruto grito desarticulado e mudo de Mineirinho com o intestemunhável de Agamben ou com aquilo que está à espreita em Beckett procura compensação numa imagem coletiva onipotente arrogante e semelhante ao próprio eu enfraquecido compondo um nós cujo resto são os outros A incorporação desta tendência nos indivíduos forma e conforma uma força coletiva cuja extensão já nos é conhecida Ocorre que narcisismo coletivo não implica e nunca implicou perda ou ausência de Princípio de Realidade Muito pelo contrário narcisismo coletivo e Princípio de Realidade andam de mãos dadas A ótica dos grupos totalitários não é irrealista embora seja obscura em muitos aspectos Narcisismo significa 212 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO investimento libidinal no próprio eu ou no nós assim conformado pelo laço afetivo da identificação em vez de amor aos outros nos quais se projeta todo o Mal Nas palavras de Adorno o mecanismo desse deslocamento não é outro que o mecanismo social que oferece um prêmio pelo enrijecimento de cada indivíduo pela crua vontade de autoconservação ADORNO 2015 p27 Ou seja as metas pulsionais do narcisismo coletivo são inteiramente compatíveis com objetivos racionais e com um discernimento claro e perspicaz das condições dadas A ideologia que governa no Brasil de hoje por exemplo tendente ao totalitarismo está inteiramente harmonizada com os fortes interesses de quem a compartilha Por outro lado é claro que é inerente a este narcisismo um momento autodestrutivo mas ele não é maior e nem pior que o da ordem mundial na qual ele se forma insistentemente Não teria Hitler de certo modo visto a Europa de sua época mais realisticamente do que os estadistas da Sociedade das Nações Definitivamente todo totalitarismo e suas necropolíticas fundamentam se menos numa pergunta neurótica pelo sentido da vida do que em necessidades muito concretas derivadas por exemplo do desemprego tecnológico da divergência entre estados dos meios de produção e propriedade das matérias primas e da onipresente impossibilidade econômica de sustentar a própria vida a partir de sua força de trabalho impossibilidade que numa racionalidade próxima da dos chimpanzés impele os homens aos movimentos heterodoxos de grupo próximos das psicoses particularmente da paranoia Mas também não é verdade que os aderentes a sistemas totalitários sejam loucos ou psicóticos Ao contrário como propôs Simmel 2013 no início do século passado o sistema delirante coletivo com seu delírio encapsulado permite que os indivíduos se comportem de forma mais realista porque neles paradoxalmente o Real se esconde no próprio realismo na frieza na ausência de afeto e no desconhecimento dos outros do resto que os poupa do conflito neurótico mas nem por isso os torna mais inteligentes Homens sem resto cadavericamente obedientes como se autodefiniu Eichmann em Jerusalém E sem pensamento e profundidade tal como Hannah Arendt entendia Além de terem nessa necrocisão entre nós e os outros a oportunidade de satisfação da parte da pulsão de morte que permanece ativa em todos nós 213 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM 214 MORTE ARTE E PATRIMÔNIO REFERÊNCIAS ADORNO Theodor Observações sobre política e neurose 1954 In ADORNO Theodor Ensaios sobre Psicologia Social e Psicanálise p 191198 São Paulo UNESP 2015 AGAMBEN Giorgio O que resta de Auschwitz São Paulo Boitempo 2008 ARENDT Hannah Eichmann em Jerusalém um relato sobre a banalidade do mal 1963 São Paulo Companhia das Letras 2000 BARREIROS Daniel de Pinho Guerra Ética e Etologia In José Luis Fiori Org Sobre a Guerra Petrópolis Vozes 2018 V 1 p 2347 BECKETT Samuel Carta Alemã 1937 In Andrade Fábio de Souza Samuel Beckett o silêncio possível São Paulo Ateliê 2001 pp167171 ECO Umberto Cinco Escritos Morais Lisboa Difel 82 1997 FOUCAULT M O sujeito e o poder In DREYFUS H RABINOW P Michel Foucault uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 FOUCAULT Michel 1984 Entrevista com Michel Foucault In Motta Manoel Barros da Org Ditos e escritos Rio de Janeiro Forense Universitária v1 1999 p300312 FOUCAULT Michel Segurança Território população curso dado no Collège de France 1977 1978 São Paulo Martins Fontes 2008a FOUCAULT Michel Nascimento da biopolítica curso dado no Collège de France 19781979 São Paulo Martins Fontes 2008b Se assim é não há porque não praticarmos a resistência ambivalente do resto ou do dejeto pois como escreveu Freud no O futuro de uma ilusão a voz da inteligência é tênue porém não descansa até que tenha conseguido fazer se ouvir O primado da inteligência está é certo num futuro distante mas provavelmente não num futuro infinitamente distante FREUD 1996 p 278 Ouçamos a História o movimento de justiça social mais incisivo nos EUA não foi exatamente uma guerra civil mas o que derivou de um discurso de Martin Luther King marcado pela expressão de um pensamento utópico e onírico I have a dream Hoje as coisas mudaram embora continuem iguais Agora é preciso ter com Zizek 2019 a coragem da desesperança numa Matrix em expansão Bemvindos ao deserto do Real 215 INTERLOCUÇÕES LUGARES E DOCUMENTOS POST MORTEM FOUCAULT Michel Em defesa da sociedade curso no Collège de France 19751976 São Paulo Martins Fontes 2010 FREUD Sigmund O futuro de uma ilusão 1927 Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud V XXI Rio de Janeiro Imago 1996 FREUD Sigmund EINSTEIN Albert Um diálogo entre Einstein e Freud porque a guerra 1933 Edição FADISMA Faculdade de Direito de Santa Maria 2005 LISPECTOR Clarice Entrevista concedida ao jornalista Júlio Lerner em 1 de fevereiro de 1977 São Paulo TV Cultura programa Panorama 1997 Disponível em httpswwwrevistabula com503aultimaentrevistadeclaricelispector Acesso 29SET 2019 LISPECTOR Clarice Mineirinho In LISPECTOR Clarice A legião estrangeira Rio de Janeiro Editora do Autor 1978 p123127 MBEMBE Achille Necropolítica In Arte Ensaios 232 2017 Recuperado de https revistasufrjbrindexphpaearticleview8993 ORWELL George A revolução dos bichos Porto Alegre Globo 1971 SIMMEL Georg As grandes cidades e a vida do espírito 1903 In BOTELHO André Org Essencial Sociologia São Paulo Penguin ClassicsCia das Letras 2013 WARHOL Andy POPismo Os anos sessenta segundo Warhol 1980 Rio de Janeiro Cobogó 2013 ZIZEK Slavoj A coragem da desesperança crônicas de um ano em que agimos perigosamente Rio de Janeiro Zahar 2019 As Homossexualidades na Psicanálise na história de sua despatologização Copyright 2013 Antonio Quinet Marco Antonio Coutinho Jorge Proibida a reprodução total ou parcial desta obra por qualquer sistema sem prévio consentimento de Segmento Farma Editores Ltda Todos os direitos reservados a Segmento Farma Ltda DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP M7h QUINET Antonio As homossexualidades na Psicanálise na história de sua despatologização Antonio Quinet Marco Antonio Coutinho Jorge organizadores São Paulo Segmento Farma 2013 392 p ISBN 9788579000645 Inclui referências bibliográficas 1 Psicanálise e Homossexualidade 2 Homossexualismo Aspectos psicológicos 3 Homossexualismo Aspectos sociais I Jorge Marco Antonio Coutinho II Título CDD 61685834 Índices para catálogo sistemático 1 Psicanálise Homossexualidade 61685834 2 Homossexualismo Psicologia 6168583 3 Homossexualismo Sociedade 306766 IMPRESSO NO BRASIL 2013 O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade de seus autores Produzido por Segmento Farma Editores Ltda em julho de 2013 Material de distribuição exclusiva à classe médica Rua Anseriz 27 Campo Belo 04618050 São Paulo SP Fone 11 30933300 wwwsegmentofarmacombr segmentofarmasegmentofarmacombr Diretorgeral Idecio O Patricio Diretor executivo Jorge Rangel Gerente financeira Andréa Rangel Gerente comercial Rodrigo Mourão Editorachefe Daniela Barros MTB 39311 Comunicações médicas Cristiana Bravo Gerentes de negócios Marcela Crespi e Philipp Santos Coordenadora comercial Andrea Figueiro Gerente editorial Cristiane Mezzari Coordenadora editorial Sandra Regina Santana Assistentes editoriais Camila Mesquita e Patricia Harumi Capa Marcelo Peigo Diagramação Flávio Santana Revisora Viviane Rodrigues Zeppelini Produtor gráfico Fabio Rangel Cód da publicação 1411052013 Foto da capa Antonio Quinet CAPÍTULO 6 Psicanálise xenofobia algumas reflexões Betty Bernardo Fuks É comumente admitido que a Psicanálise trouxe uma contribuição decisiva ainda que tão contestada para o desenvolvimento de uma crítica contra toda a forma de preconceito bem como se reconhece que as marginalidades social cultural e a pessoalmente sentida por Freud enquanto judeu vienense da diáspora que viveu e produziu nas circunstâncias especiais de tempo e espaço na virada do século XX em Viena mostraramse fundamentais para a constituição da prática e da teoria analítica No entanto a experiência cultural inscrita no percurso da vida e da produção do fundador do método analítico não foi apenas uma marca histórica que ele recebeu passivamente Contam muito a repercussão íntima e a resposta transformadora que lhe facultaram desenvolver progressivamente a constituição da própria judeidade o modo próprio de ser judeu isto é uma maneira de tornarse outro e traçar as estratégias de tolerância à alteridade e de combate às resistências à Psicanálise Um olhar retrospectivo ao final do século 19 permite identificar o modo como a disciplina freudiana ganhou um lugar na primeira fileira das produções culturais vienenses que abalaram às normas vigentes e dissolveram preconceitos ao apostar no progresso inquestionável da modernidade O conceito de Inconsciente e sua decorrência imediata a sexualidade infantil granjearam simpatias e adesões assim como uma intensa resistência manifesta sob a forma de críticas negativas e extremamente pejorativas Logo a ideia sobre a importância da presença da sexualidade na formação da subjetividade foi acusada de subproduto da modernidade vienense Freud associou essa recriminação a um outro preconceito que no início do século XX era mantido velado acusaremme de vienense é apenas um substituto eufemístico de outra acusação que ninguém ousa fazer abertamente1 ou seja à sua condição de judeu Historicamente no final da Antiguidade a noção patrística de que os judeus eram extremamente carnais pela importância que davam ao sexo e à reprodução foi o tópicos de grande parte dos escritos cristãos Santo Agostinho no Tractatus adversus Judaeos faz a seguinte acusação Considerai o Israel segundo a carne I Cor 1018 Este nós sabemos que é o Israel carnal mas os judeus não compreendem este significado e assim tornaramse indiscutivelmente carnais2 Assim como bem assinalou Jacques Derrida3 em Mal dArchive une impression freudienne a descoberta freudiana independentemente do próprio Freud foi reconhecida como uma ciência judaica sob a forma de acusação antes durante e depois do nazismo Em relação à ciência Freud sempre se pronunciou contra esse tipo de qualificação4 não deveria existir ciência ariana e ciência judaica particular Esses resultados deveriam ser idênticos apenas a apresentação poderia variarSe as diferenças se estendem à interpretação dos dados objetivos da ciência é porque alguma coisa não vai bem No entanto foi em função de uma suposta divisão entre inconsciente ariano e inconsciente judaico e do valor da sexualidade humana na teoria psicanalítica que Carl Gustav Jung se separou do movimento psicanalítico em 1913 chegando a estimular a proibição da Psicanálise na Alemanha Uma grande ironia Em Jung havia sido depositado a esperança de que a Psicanálise pudesse desalojarse de Viena e do gueto judaico que havia se formado em torno dela5 Vinte anos depois quando Hitler subiu ao poder na Alemanha acusando o movimento modernista de idéias estrangeiras a divisão entre ciência judaica e ciência estrangeira começou a se materializar No inverno de 1933 em base ao decreto de exclusão dos judeus da direção das associações científicas os psicanalistas judeus Max Eitingon Ernst Simmel e Otto Fenichel se demitem da direção da Sociedade Alemã de Psicanálise DPG O antissemitismo de Jung com Freud e Adler são propagados pontos de vista especificamente judeus e como também pode ser comprovado pontos de vista que têm um caráter essencialmente desagregador6 fora posto em prática Em 1935 a situação se agrava numa assembleia presidida por Ernest Jones presidente da International Psychoanalytical Association IPA todos os membros da DPG de origem judaica foram expulsos Apenas um analista não judeu Bernard Kamm protestou contra a decisão e se demitiu com os colegas judeus Dias depois os membros remanescentes que acreditavam que com a arianização da DPG a Psicanálise seria deixada em paz são surpreendidos com a notícia de sua dissolução e a integração de todos ao Instituto Goering Os nazistas assumiram a limpeza o nome de Freud e o da Psicanálise foram definitivamente apagados do Instituto78 Apesar da acusação que pesa sobre Freud de ter sido incapaz de compreender a realidade do nazismo e prorrogado em demasia sua saída de Viena a realidade é que compreender o ódio ao outro por pequenas disputas através do paradigma do judeu o ancestral estrangeiro das massas foi sem duvida um dos motores da escrita de O Homem Moisés e o Monoteísmo Entretanto mesmo nessa grande obra escrita em plena ascensão do nazismo o pensamento freudiano sobre a intolerância transcende a questão do ódio milenar ao judeu Obviamente que isso não poderia ocorrer de outra forma Freud sempre esteve voltado à escuta dos destinos das pulsões na cultura o que lhe permitiu situar a xenofobia na dimensão agressiva do sujeito à diferença no outro Não é por acaso que em seu pensamento o estrangeiro do grego xenos é definido como o outro ambíguo familiar e estranho ao sujeito o que é próprio heimlich mas só existe como o seu avesso unheimlich Desse modo justamente a presença do estrangeiro incomoda porque lembra que ao eu ou ao grupo que poderia ser outro que a sua identidade não está totalmente assegurada Vejamos duas figuras de alteridade assombravam a modernidade vienense feminilidade e judeidade De uma maneira geral esse pânico da feminização correspondia ao horror de sua judeizaçãoo que serviu de esteio ao discurso xenofóbico endossar e propagar o mito da mulher ter trazido o pecado ao mundo e a atribuir ao judeu o perigo de degeneração do órgão sexual masculino A ideia veiculada pelo discurso médicosocial vienense de que a prática da circuncisão do povo judeu expõe o varão às doenças sexualmente transmissíveis e a degeneração do órgão masculino forneceu subsídios ao projeto antissemita da diabolização do judeu No campo da filosofia é na escrita de Otto Weininger Sexo e carácter 1994 que feminilidade e judeidade aparecem em estreita relação fazendo precisamente da mulher e do judeu o espírito mesmo da modernidade e da sexualidade o valor supremo Essa proposta de um elo indissolúvel entre feminilidade e judaísmo tornouse bastante conhecida entre os intelectuais vienenses Freud ao redigir o caso do Pequeno Hans lembra as ideias de Weininger9 ao assinalar que o complexo de castração é a raiz mais profunda do antisemitismo uma vez que já no quarto das crianças o menino ouve dizer que cortaram algo no pênis dos judeus um pedaço do pênis pensa ele e isso lhe dá o direito de desprezálo Desde então a Psicanálise formulou em sua linguagem específica um tema central da teoria crítica do final do século XIX e começo do século XX a raiz inconsciente mais forte para o sentimento de superioridade sobre as figuras da mulher e do judeu é a diferença sexual10 Sob a sombra dessa realidade discriminatória generalizada da modernidade vienense Freud elabora e sustenta sua teoria da sexualidade da qual o conceito de complexo de castração se sobressai Longe de fazer apenas uma analogia entre o Judeu e o Feminino insistiu em demonstrar que a vivência sinistra diante da circuncisão é homóloga à impressão inquietante causada pelo sexo da mulher Ambas provocam um horror determinado o horror à castração E quando em 79 Psicanálise fazemos referência a esse tipo de aversão entramos no campo da angústia signo do colapso de todos os pontos referenciais identificatórios que a diferença causa Assim a diferença pode estar em qualquer lugar bastando que o real do outro se manifeste como estrangeiro Assim quanto mais o discurso se exercita no sentido da uniformização tanto mais o disforme tende a se manifestar E esse disforme estritamente particular nós analistas designamos gozo aquilo que faz do outro um outro1 Outro que só resta odiar já que põe em xeque a forma de gozar a qual tanto se idealiza É esse odiar o gozo do outro que Jacques Lacan justamente12 chamou de racismo ou segregação O horror à homossexualidade uma outra fonte de xenofobia também invadiu a Europa préSegunda Guerra O narcisismo das pequenas diferenças o impedimento que o outro seja um perfeito semelhante foi inteiramente manipulado no sentido de elevar os impulsos hostis da massa contra aqueles que como os judeus e as mulheres estavam apenas um pouco mais além do espelho ideal vigente a raça pura isto é a raça sem outro Embora Freud não tenha se detido especificamente sobre o fenômeno da homofobia como o fez com o horror à mulher e o ódio ao judeu desde o Manuscrito H até o Esboço de Psicanálise se debruçou com muita acuidade sobre a questão da homossexualidade Em geral o que se conclui da leitura dos principais textos em que o tema aparece embora apresentem também algumas ambiguidades é que na teoria freudiana a homossexualidade diz respeito à uma posição libidinal uma orientação sexual tão legítima quando a heterossexual3 Acredito que tal posição tenha sido o alicerce éticoteórico desde o qual Freud declarou ao jornal vienense Die Zeit14 A homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais Eu tenho a firme convicção de que os homossexuais não devem ser tratados como doentes pois uma tal orientação não é uma doença Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande números de pensadores que admiramos justamente em razão de sua saúde mental Os homossexuais não são pessoas doentes Permitamme fazer um desvio e dar maior ênfase à questão da homofobia que junto ao antissemitismo e ao antifeminismo tornouse alvo privilegiado da ideologia nazista por considerar que até hoje permanece presente embora velada entre os herdeiros de Freud Com isso pretendo mostrar que muitos daqueles que se dizem psicanalistas insistem em usar a Psicanálise como um instrumento xenofóbico a serviço dos próprios preconceitos e ideais e com isso abalam os alicerces de uma prática voltada ao não idêntico e a uma teoria que tem como fundamento o reconhecimento do outro Nunca é demais lembrar que no século XX o nazismo elevou ao paroxismo o ódio ao gozo do outro ao criar eficientes fábricas de extermínio de alteridades Muito conhecemos sobre o destino dos judeus durante a catástrofe que inundou 80 a civilização de sangue e dor Por outro lado pouco se sabe sobre o destino dos homossexuais que junto aos doentes mentais ciganos comunistas e judeus foram enviados aos campos de extermínio sob o pretexto de que eram degenerados sujos e portadores de uma doença incurável A submissão da ciência e a participação dela no projeto nazista para darlhe base objetiva incluía pesquisas genéticas que davam curso à fantasia nazista de pureza racial e domínio universal A ciência praticada nos campos de concentração e de extermínio fornecia bases racionais à foraclusão crescente do sujeito Em nome da morfologia judaica e da genética dos doentes mentais e homossexuais era permitido nos campos de extermínio e até mesmo na cidade cometer qualquer tipo de delito contra homens mulheres e crianças cuja vida matável no dizer de G Agamben não merecia ser vivida15 Em plena modernidade a xenofobia encontrou nas máquinas de fabricar cadáveres um instrumento jamais imaginado e os modernos se mostraram mais bárbaros que os selvagens Nos campos os homossexuais eram conhecidos pela expressão código 175 numa alusão às acusações do parágrafo 175 do Código Criminal da Alemanha que definia como ilegais os atos antinaturais e indecentes entre sujeitos do mesmo sexo Os nazistas amplificaram o alcance desse estatuto vigente desde o século XIX para transformar simples olhares e simples toques em motivos legais para perseguir investigar e condenar os degenerados fora da norma Em consequência disso no mesmo ano em que sob ordens de Goebbels livros não arianos entre eles os de Freud eram jogados às fogueiras de Berlim barreiras contra a perseguição aos homossexuais desabaram e o homossexualismo passou a ser considerado uma traição à pátria A partir daí foram criadas diversas campanhas públicas para corrigir e eliminar o que era conhecido como atos indecentes O argumento de que a escolha homossexual ameaçava as gerações futuras da Alemanha fez de muitos homens e mulheres prisioneiros da Gestapo Em Auschwitz os homossexuais eram identificados pelo triângulo rosa que eram obrigados a usar em seus uniformes Também não era incomum encontrar muitos prisioneiros usando a estrela amarela de Davi sinal de que eram judeus Em outros campos homossexuais tinham de usar uniformes marcados com uma faixa azul signo de que aqueles prisioneiros eram uma ameaça à sociedade ariana É digno de nota que enquanto a realidade da violência sobre os homens homossexuais se fez implacável os nazistas muitas vezes pouparam as mulheres de serem confinadas nos campos da morte Eles acreditavam ser mais fácil reeducar uma mulher a assumir papéis como esposas e mães A violência contra a mulher nesse período negro da história fezse por meio da obrigação de procriar traumaticamente fora do registro do desejo Sob situações de estupros reais e simbólicos a mulher tornouse alvo da violência e da crueldade assassina nazista Notase que o dispositivo de repúdio ao feminino denegação da castração apareceu como uma tentativa de transformar as lésbicas em verdadeiras vacas de reprodução da raça pura 81 Poucos foram os homossexuais que conseguiram escapar da morte e testemunhar a crueldade a que foram submetidos nos campos de concentração É o caso de Pierre Seel que narrou em seu livro Moi Pierre Seel déporté homosexuel16 as atrocidades sofridas por homossexuais em SchirmeckVorbrück na região da Alsácia Um dia os altofalantes ordenaramnos que fôssemos imediatamente ao centro do campo Gritos e latidos induziramnos a chegar rapidamente Rodeados por homens das SS devíamos formar um quadrado e esperar firmes como fazíamos durante as formaturas da manhã O comandante estava presente com todos os seus colaboradores mais importantes Pensei que nos iam inundar de novo com a sua fé cega no Reich em conjunto com uma lista de instruções insultos e ameaças emulando as famosas verborreias do seu chefe Adolph Hitler Mas a situação era muito pior uma execução Dois soldados das SS trouxeram um jovem até ao centro do quadrado que formávamos Horrorizado reconheci Jo o meu doce amigo de 18 anos Ainda não o tinha visto no campo Tinha chegado antes ou depois de mim Não nos tínhamos visto nos dias anteriores à minha detenção pela Gestapo Fiquei paralisado de terror Tinha rezado para que conseguisse escapar às suas rondas às suas listas às suas humilhações Mas aqui estava ante os meus olhos impotentes que se encheram de lágrimas Ao contrário de mim ele não tinha transportado cartas perigosas destruído cartazes ou assinado alguma declaração E no entanto tinhamno aprisionado e ia morrer As listas estavam realmente completas Que se tinha passado De que o tinham acusado os monstros A minha dor fezme esquecer completamente o conteúdo da sua sentença de morte Nesse momento os altofalantes emitiram música clássica muito barulhenta enquanto os homens das SS o despiram completamente Violentamente enfiaramlhe um balde de latão pela cabeça Atiçaram ferozes cães pastores alemães sobre ele os cães começaram por lhe morder as coxas e as virilhas e depois devoraramno em frente a todos nós Os seus gritos de dor foram amplificados e distorcidos pelo balde que permanecia atado à sua cabeça O meu corpo rígido se cambaleava os meus olhos escancaravamse de par em par por tanto horror lágrimas corriam pela minha cara rezava fervorosamente que desmaiasse rapidamente Desde esse dia continuo a acordar frequentemente a meio da noite aos gritos Durante mais de cinquenta anos essa cena repetiuse incessantemente na minha mente Nunca esquecerei o bárbaro assassinato do meu amor em frente dos meus olhos dos nossos olhos porque houve centenas de testemunhos 82 Observase nesse fragmento autobiográfico de cunho testemunhal a impossibilidade do autor de se liberar do sofrimento ao qual foram impostos milhares de seres humanos É essa a mesma realidade dos escritores judeus que testemunham com seus escritos a devastação subjetiva vivida nos campos de extermínio São relatos feitos como escreveu Primo Levi em Os afogados e os sobreviventes por uma obrigação moral para com os emudecidos ou então para nos livrarmos de sua memória com certeza o fazemos por um impulso forte e duradouro17 Entretanto ao contrário dos judeus cujos escritos inaugurou uma nova face da literatura a literatura de testemunho poucos foram os homossexuais que tiveram a oportunidade de testemunhar o real do Holocausto Em geral os que regressaram dos campos à casa se viam impossibilitados de transmitir o ocorrido dado aos preconceitos que vigoravam de forma cruel e arbitrária contra a homossexualidade Uma pesquisa feita na Alemanha junto os sobreviventes homossexuais da Segunda Guerra revelou o silêncio coletivo em que viveram longos anos por temor de confessar o motivo do internamento Receavam a estigmatização e temiam possíveis denúncias que causariam perda de emprego até mesmo a impossibilidade de contrato de locação mantinha todos calados18 Por décadas mesmo depois da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial os homossexuais continuaram sujeitos ao código criminal que o regime de Hitler empregara como base para sua perseguição A lei 175 foi repelida em 1994 mas apenas em 2002 o governo alemão pediu perdão oficialmente aos homossexuais condenados Na França enquanto as leis antissemitas foram extintas logo após a guerra pelo General de Gaulle o artigo do código contra a homossexualidade permaneceu vigente tornouse mais rígido em 1962 e deixou de ser ilegal apenas em 1981 Socialmente inaudíveis os homossexuais não tiveram voz ativa na historiografia do Holocausto e do pósguerra19 O testemunho de Pierre Seel tornouse paradigmático Ao voltar do campo diante da homofobia da família e da população de seu país sentiase um estrangeiro sem casa nem pátria20 Pressionado a levar uma vida normal casou e formou uma família de três filhos Mais tarde percebendo que tomara o caminho contrário ao próprio desejo e que mantinhase submetido à violência homofóbica quebrou o silêncio e testemunhou o que foram aqueles anos de horror e sofrimento que abalaram os alicerces da civilização ocidental Seel resgatou em seu livro a memória de um grupo que por muito tempo não pôde denunciar os crimes dos quais foram vítimas Voltemos à Psicanálise Infelizmente a posição de Freud em relação ao homossexualismo resenhada aqui anteriormente não se tornou um consenso entre os analistas Abraham diretor da Sociedade Psicanalítica de Berlim considerava que a escolha homossexual era de fato um impedimento ao exercício da profissão de analista Anna Freud classificava a homossexualidade como uma anomalía passível de ser tratada Com isso concordava com o ideário sociocultural que dizia ser a homossexualidade uma questão médica Melanie Klein entendia as 83 homossexualidades feminina e a masculina como resultados de uma identificação patológica da criança com a mãe no caso da menina ou com o pai no caso do menino E finalmente Ernest Jones presidente da International Psychoanalytical Association IPA que presidiu a assembleia da DPG mencionada acima de expulsão dos judeus era frontalmente contra a entrada de homossexuais no movimento psicanalítico posição que foi inteiramente refutada por Freud em carta assinada juntamente com Otto Rank enviada ao colega20 O que temos de verificar é em que medida essa gama de preconceitos escorados em teorias xenofóbicas contribuiu e continua contribuindo para distorcer os princípios de liberdade e subversão que fundaram a Psicanálise Uma coisa é certa o desmentido da verdade freudiana a atração entre sujeitos do mesmo sexo é uma posição libidinal entre os pósfreudianos certamente provocou e corroborou com o silêncio de muitos homossexuais após a Segunda Guerra Neste sentido tem razão Chaim Katz21 quando mostra que o desenvolvimento da identidade teoria e prática psicanalítica e a construção de instituições psicanalíticas no período pósguerra não devem ser observados separadamente Mas como podemos sucumbir a homofobia se até algumas igrejas em oposição às igrejas conservadoras acostumadas ao uso do estímulo à intolerância batalham a favor da tolerância sexual Quão difícil é perceber que a história do movimento psicanalítico inclui o uso da Psicanálise como já disse por parte de muitos em instrumento de manipulações cruéis capaz de ferir humilhar e exterminar com qualquer resquício de alteridade É como um resto inassimilável que a questão da xenofobia retorna ao campo psicanalítico depois da Segunda Guerra As implicações do nazismo no movimento psicanalítico são de longo alcance e sem dúvida atingiram dimensões de um trauma até hoje não suplantado que vão desde à destruição de instituições psicanalíticas no continente europeu à cooperação de alguns psicanalistas com o sistema nazista22 Os que conhecem um pouco da história da Psicanálise sabem que o fato de Freud ter fundado uma disciplina embasada na desconstrução de preconceitos não quer dizer que seu alcance possa sobrepujar os impulsos humanos destrutivos que depois de Auschwitz tomaram feições bestiais Em se tratando de um texto sobre Psicanálise e xenofobia seria oportuno lembrar que nos anos 1980 numa mesa redonda na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRJ o episódio de Amilcar Lobo o torturador candidato à analista da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro tornouse público graças à revelação de uma expresa política da ditadura militar brasileira Inês Etienne Romeu e pela denuncia pública corajosamente assumida pelo psicanalista Hélio Pelegrino23 A Psicanálise posta à serviço do período mais duro e repressivo pelo qual o Brasil já passou conhecido como anos de chumbo permitiu que Lobo passasse a integrar a equipe de torturadores políticos do Destacamento de Operações de Informações Centro de Operações de Defesa Interna DOICODI 84 A participação ativa de um candidato a analista nas operações de tortura não era do desconhecimento de seu analista Além disso a própria Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro SBPRJ além de fazer vistas grossas ao fato que feria a ética psicanalítica em nome de uma pretensa neutralidade científica e procedeu estritamente dentro dos critérios dos órgãos de repressão militar num ato semelhante a dos dirigentes da DPG em obediência ao Terceiro Reich Instalou um processo inquisitorial contra a psicanalista Helena Viana por ela ter denunciado o ocorrido ao jornal argentino Voz Operária A verdade é que o valente ato dessa analista abriu as portas para que muitos analistas pudessem mostrar o uso ignóbil que Amilcar com requintes de perversidade e crueldade fez da prática psicanalítica o ponto de levála para os rituais xenofóbicos da ditadura militar Não há espaço para analisar profundamente essa página negra da história da Psicanálise no Brasil No entanto certamente o teor da denúncia feita na PUC não é diferente do testemunho de Seel e nem dos sobreviventes do Holocausto São testemunhos que aportam uma ética frente à destruição e portanto precisam ser lembrados toda a vez que estivermos diante de episódios xenofóbicos sejam eles chauvinistas antifeministas racistas homofóbicos e todos aqueles respaldados em diagnósticos psiquiátricos à serviço das grandes indústrias farmacêuticas Para enfatizar o quanto é difícil desviar o curso dos preconceitos e da destruição lembro aqui as palavras que Freud endereçou a Laforgue24 aturdeme o fato de que os próprios analistas não sejam modificados por sua relação com a análise Ou seja a Psicanálise é libertária sim mas poucos são os que se permitem viver a radicalidade de uma ascese contínua na direção ao mais além do próprio eu e das ideologias Não seria esta uma das condições requeridas ao analista em seu exercício de levar adiante a descoberta do país do Outro O Inconsciente Não caberia aqui retraçar esse conceito mas apenas fazer notar que ele exige do psicanalista não se deixar seduzir sob hipótese alguma às políticas utópica que incitam ao racismo e à segregação aqueles que lembram a falta no Outro RESUMO Psicanálise A Psicanálise trouxe ao longo de sua fundamentação diversas contribuições relacionadas a temas polêmicos sociais bem como sexualidade marginalidade e preconceitos Seu criador Freud recebeu marca histórica por fundar então o método analítico a partir da mudança do conceito de judaísmo A partir de seus estudos e aplicações Freud buscou mudar alguns conceitos já cristalizados socialmente e que de forma ou de outra iam contra seus estudos em relação à Psicanálise Seus estudos eram muito baseados em aspectos da sexualidade infantil e no inconsciente A partir desse cenário Freud caracterizou a discriminação pela diferença em Xenofobia Ele explica que isso ocorre pois estamos todos em constante mudanças e transformações sendo assim nenhum ser humano possui identidade certa estamos aptos a mudar o tempo todo e isso incomodava muitas pessoas naquela época e inclusive nos dias atuais Podemos caracterizar então que tudo que é diferente ou estrangeiro de nós pode nos assustar pois se trata de algo ou alguém desconhecido Muitos acreditavam que a mulher era símbolo do pecado quando não fizesse sexo buscando apenas procriar Quanto aos homossexuais acreditavam que eram seres absurdos Essa temática teve grande repercussão na Europa no momento Pré Segunda Guerra Mundial Acreditavase que era muito mais oportuno matar homens pois eles não tinham regeneração as mulheres aos olhos dos nazistas poderiam ser reeducadas e poderiam fazer parte da sociedade para procriar mesmo que sendo sem seu desejo próprio A visão Freudiana acredita que homens e mulheres são iguais bem como suas orientações sexuais E essa visão foi totalmente contra a visão cristalizada da época que consistia que homossexuais judeus ciganos e comunistas deveriam ser exterminados Sendo assim era permitido no meio social o ato de discriminações e violências verbais e físicas para esse público pois eles não eram caracterizados como indivíduos de respeito Qualquer olhar ou toque diferenciado era julgado e discriminado podendo ser levado a fortes punições sociais A perspectiva Freudiana teve suas distinções no que diz respeito a pensamentos discriminatórios por exemplo Abraham que era Diretor da Sociedade Psicanalítica de Berlim acreditava que ser homossexual era uma escolha e uma escolha errada Ana Freud por sua vez acreditava que homossexuais tinham tratamento para reverter o quadro Embora Freud tenha desenvolvido a temática Freudiana afim de combater as intolerâncias e discriminações não podemos concluir que essa premissa tenha sido alcançada infelizmente