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1 FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM E O DIREITO SUCESSÓRIO Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho Juiz de Direito Presidente do IBDFAM seção do Estado de Alagoas Professor de Direito Civil da Faculdade de Alagoas FAL Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Alagoas ESMAL Professor de Cursos de PósGraduação em Direito Civil e Direito Privado A dignidade deixou de ser uma questão filosófica para se tornar uma questão social Rodrigo da Cunha Pereira Sumário 1 A vocação hereditária e a interpretação do artigo 1798 do Código Civil diante da possibilidade material da fecundação artificial post mortem 2 O princípio constitucional da igualdade entre os filhos A presunção da paternidade na fecundação artificial homóloga ainda que falecido o marido aplicação da regra do artigo 1597 inciso III do Código Civil à fecundação póstuma3 As posições doutrinárias acerca dos efeitos da fecundação artificial post mortem nos direitos de família e das sucessões 4 A possibilidade do reconhecimento de efeitos jurídicos à inseminação artificial post mortem 5 Conclusão 6 Bibliografia Na França em agosto de 1981 Corine Richard encontrou o amor no jovem Alain Parpallaix passando a conviverem Poucas semanas depois da união surgiram sintomas de câncer nos testículos de Alain que antes de submeterse à quimioterapia o ameaçava com a esterilidade optou em depositar seu esperma numa clínica de conservação de sêmen para uso futuro Corine e Alain casaramse in extremis mas dois dias depois da cerimônia o varão faleceu alguns meses depois Corine comparece à clínica para ser inseminada com os gametas de seu finado esposo mas os responsáveis pela empresa recusaram o pedido por falta de previsão legal A jovem bateu às portas do Tribunal de Créteil França onde se discutiu a titularidade das células e a existência de um contrato de depósito que obrigaria o centro a restituir o esperma alegando os médicos que não se cuidava de pacto de entrega na 2 medida que o material da pessoa morta é uma coisa fora do comércio e no território francês não havia lei que autorizasse a fecundação póstuma Depois de longo debate a decisão do Tribunal condenou a clínica a devolver à viúva o sêmen reclamado impondo uma clásula penal por eventual demora Infelizmente a inseminação não teve sucesso pois os espermatozóides já não mais estavam potencializados para a fecundação1 Registrese recentemente matéria veiculada no Diário de Notícias onde se noticia que o esperma de um oficial falecido em Taiwan foilhe retirado mais de dois dias depois do óbito para que a noiva pudesse conceber um filho seu por inseminação artificial O ministro da defesa tinha recusado o pedido da noiva numa primeira fase mas face à pressão popular o primeiroministro acabou por ceder 1 A VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1798 DO CÓDIGO CIVIL DIANTE DA POSSIBILIDADE MATERIAL DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM O Código Civil ao tratar da vocação hereditária no artigo 1798 dispõe que legitimamse a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão o que em tese excluiria o nascido após a morte do autor da herança mediante fecundação artificial sem que tenha havido prévia concepção à participação na sucessão Para Giselda Hironaka tanto podem ser herdeiros legítimos testamentários ou mesmo legatários os indivíduos que já tivessem nascido quando do momento do exato falecimento do de cujus bem assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento2 E acrescenta na condição de pessoas concebidas 1 Situação relatada por José Carlos Teixeira Giorgis A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 2 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p86 3 estão duas classes médicolegais o feto fase que vai da concepção até o início do desalojar do ser do aparelho reprodutor feminino e o feto nascente período que se situa entre o início da expulsão fetal e o momento em que se estabelece vida autônoma3 No caso da técnica conceptiva post mortem ainda sequer há embrião no momento do falecimento do excônjuge ou excompanheiro de modo que a hipótese sob apreciação não envolve a problemática dos embriões excedentários inclusive no que pertine à presunção referida no artigo 1597 inciso IV do Código Civil ao admitir que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga Assim para compreensão da vocação hereditária e sua interpretação de acordo com o artigo 1798 do Código Civil devese levar em conta em princípio a simultaneidade de existência entre o herdeiro concebido e o autor da sucessão4 Guilherme Calmon doutrina que tal regra é inserida no âmbito do artigo 1798 do Código Civil de 2002 de forma mais técnica porque se refere tanto à sucessão legítima quanto à sucessão testamentária 5 As novas técnicas de inseminação artificial possibilitam no entanto a ocorrência material de filiação biológica após a morte do autor da sucessão de modo que o homem ou a mulher que houver conservado material genético esperma ou óvulo poderá possibilitar que terceiro especialmente o cônjuge ou companheiro utilize do mesmo após o seu falecimento Nesse sentido registra Guilherme Calmon 3 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p87 4 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p87 5 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 Segundo o autor mencionado o Código Civil de 1916 de maneira menos rigorosa tratou da matéria nos artigos 1717 e 1718 consagrando a regra no sentido de que somente as pessoas que ao menos tinham sido concebidas antes da morte do autor da sucessão teriam aptidão para suceder 4 é possível que o sêmen o embrião e também o óvulo quanto a este as experiências científicas são mais recentes possam ser criopreservados ou seja armazenados através de técnicas próprias de resfriamento e congelamento o que possibilita desse modo que mesmo após a morte da pessoa seu material fecundante possa ser utilizado em tese na reprodução medicamente assistida6 No Brasil não temos legislação proibitiva da inseminação post mortem como acontece na Alemanha e Suécia tampouco existe lei admitindo tal prática Na França vedase inseminação post mortem e dispõe que o consentimento externado em vida perde o efeito no entanto uma proposição de lei preconiza complementar o artigo 725 do Code Civil a fim de reconhecer a capacidade sucessória da criança concebida post mortem nos seguintes termos Para suceder é necessário existir no momento da abertura da sucessão salvo nos casos de inseminação post mortem quando o marido defunto expressou inequivocamente a sua vontade por ato notarial e sob a condição que a inseminação tenha sido feita nos 180 dias após a sua morte Nesse sentido José Carlos Teixeira Giorgis esclarece que a possibilidade de aproveitamento do material depositado para uso depois da morte do doador é assunto controvertido nos diversos ordenamentos jurídicos acrescentando que é procedimento vedado nas legislações alemã sueca francesa as regras espanholas também a proíbem embora garanta os direitos do nascituro desde que haja declaração feita em escritura pública ou testamento as normas inglesas a aceitam mas sem direitos hereditários salvo documento expresso a lei portuguesa também o interdita seja no casamento ou na união de fato7 Para Guilherme Calmon a temática ligada ao direito à reprodução se torna mais complexa diante da possibilidade da técnica de reprodução assistida homóloga 6 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 7 José Carlos Teixeira Giorgis A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 5 ocorrer no período em que já havia falecido o marido ou o companheiro e portanto o nascimento ocorrer depois dos trezentos dias do falecimento do exparceiro8 Seguindo o mesmo entendimento Eduardo de Oliveira Leite afirma Questão tormentosa e que certamente vai se colocar à argúcia dos magistrados diz respeito aos filhos decorrentes das procriações artificiais ou como querem alguns juristas dos filhos engendrados com assistência médica9 Temos portanto que a fecundação artificial post mortem é temática aberta no nosso direito e assim apta as mais diversas interpretações A questão polêmica é justamente definir qual a qualificação jurídica do nascido mediante procriação artificial ocorrida após a morte do de cujus Doutrina Eduardo de Oliveira Leite que quanto à criança concebida por inseminação post mortem ou seja criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos pela utilização de sêmen congelado é situação anômala quer no plano do estabelecimento da filiação quer no do direito das sucessões Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão E conclui solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post mortem10 Para o mesmo autor a inseminação post mortem não se justifica porque não há mais o casal e poderia acarretar perturbações psicológicas graves em relação à criança e à mãe concluindo quanto ao desaconselhamento de tal prática11 Guilherme Calmon indaga se haverá ou não possibilidade de estabelecimento do vínculo de paternidade no caso de inseminação fertilização ou outra técnica conceptiva post mortem asseverando que no estágio atual da matéria no direito 8 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 731 9 Eduardo de Oliveira Leite Comentários ao Novo Código Civil vol XXI p 109 10Eduardo de Oliveira Leite Comentários ao Novo Código Civil vol XXI p 110 11 Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 154155 6 brasileiro não há como se admitir mesmo com vontade expressa deixada em vida pelo falecido o acesso da exesposa ou excompanheira às técnicas de reprodução assistida homóloga diante do princípio da igualdade em direito entre os filhos 12 No nosso modo de sentir não se pode excluir da participação nas repercussões jurídicas no âmbito do direito de família e no direito das sucessões aquele que foi engendrado com intervenção médica ocorrida após o falecimento do autor da sucessão ao argumento de que tal solução prejudicaria ou excluiria o direito dos outros herdeiros já existentes ou pelo menos concebidos no momento da abertura da sucessão Além disso não devem prevalecer as assertivas que privilegiam a suposta segurança no processo sucessório A título de exemplo observese que se o falecido não tinha filhos deixando somente cônjuge sobrevivente e ascendentes do primeiro grau pai e mãe vivos a herança seria partida em três quotas iguais nos termos dos artigos 1836 e 1837 do Código Civil no entanto havendo ação de investigação de partenidade post mortem julgada procedente restariam excluídos da sucessão os ascendentes enquanto o cônjuge a depender do regime de bens cf art 1829 I do CC poderia ou não concorrer com o descendente reconhecido judicialmente Verificase que tal fato existência de filho nãoreconhecido modificaria substancialmente a vocação hereditária donde se conclui que a segurança no procedimento sucessório é sempre relativa A possibilidade jurídica da utilização da ação de petição de herança nos termos do artigo 1824 do Código Civil dá a perfeita noção da segurança apenas relativa de qualquer sucessão à medida que com a referida ação o herdeiro preterido objetiva não só a declaração da qualidade de herdeiro como também a restituição do patrimônio deixado pelo falecido Ademais a doutrina predominante é no sentido de que a petição de herança não prescreve A ação é imprescritível podendo por isso ser intentada a qualquer tempo Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde 13 Giselda Hironaka adverte que essa construção teórica pode restar ineficaz na 12 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 733 13 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 196 7 prática uma vez que sempre que transcorrido o lapso temporal referente à prescrição aquisitiva pode o meio originário de aquisição da propriedade ser oposto como meio de defesa pelo herdeiro aparente ou quem por ele ou como seu sucessor se encontre na posse dos bens da herança14 Na hipótese acima ventilada não se vai discutir se o autor da herança desejou ter o filho manifestou inequivocamente a sua vontade o simples fato de a criança existir e uma vez comprovada a relação de parentesco já seria suficiente para fazer inserir na ordem de vocação hereditária um herdeiro legítimo da classe dos descendentes de primeiro grau na condição de filho com direito à sucessão Ainda que se trate de uma relação instável passageira não desejada o filho assim gerado terá direito de ser reconhecido voluntária ou judicialmente não se discutindo juridicamente acerca de possíveis distúrbios psicológicos graves em relação à criança ao contrário a impossibilidade do seu reconhecimento certamente lhe causaria maiores perturbações e prejuízos Qual a diferença então para a situação em que o filho foi concebido após o falecimento do genitor mormente quando este deliberou de modo inequívoco através de ato autêntico documento escrito ou testamento em preservar seu material genético para posterior utilização inclusive para após a sua morte 2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS A PRESUNÇÃO DA PATERNIDADE NA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA AINDA QUE FALECIDO O MARIDO APLICAÇÃO DA REGRA DO ART 1597 INCISO III DO CÓDIGO CIVIL À FECUNDAÇÃO PÓSTUMA Em sistemas jurídicos como o nosso onde se consagra constitucionalmente a igualdade entre os filhos independente da situação jurídica dos pais nos termos do 14 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 196 No mesmo sentido Orlando Gomes Sucessões p 2423 8 artigo 227 6º da Constituição Federal não se poderia admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho concebido mediante fecundação artificial post mortem Tal situação não encontra guarida constitucional ao contrário o legislador constitucional não previu exceção não cabendo ao legislador ordinário tampouco ao intérprete estabelecer exceções ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos Ao contrário do que parecer compreender Guilherme Calmon15 entendo que o princípio constitucional da igualdade entre os filhos independente de qualificação e origem atua em socorro à situação do concebido após o falecimento do autor da sucessão isso porque solução restritiva em desfavor do mesmo redundaria em discrimine atentatório à igualdade com os demais filhos seus irmãos biológicos A deliberação do casal sobre a criopreservação de gametas está prevista na Resolução n 135892 do Conselho Federal de Medicina onde no item V1 consta que as clínicas centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides óvulos e pré embriões além disso no momento da criopreservação ou cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade por escrito quanto ao destino que será dado aos pré embriões criopreservados em caso de divórcio doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos grifei e quando desejam doálos Não se pode deixar de considerar que existe uma interpretação equivocada da situação envolvendo o concebido após o falecimento do genitor porquanto se observam os interesses de terceiros dos herdeiros existentes até o momento enquanto se olvida o direito do cônjuge sobrevivente bem assim e principalmente o direito da criança engendrada nessas especiais circunstâncias Não há hipótese em nosso ordenamento jurídico da impossibilidade de reconhecimento de filiação A realidade social muitas vezes impede materialmente tal reconhecimento contudo juridicamente sempre há a possibilidade de obterse tal desiderato Não é o fato da prémorte de um dos genitores que vai afastar aprioristicamente o direito do nascido mediante inseminação artificial póstuma de ter consignado em sua certidão originária o nome dos pais embora eventualmente um já esteja falecido 15 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732733 9 O direito à reprodução é reconhecido como direito fundamental embora não absoluto assim como os demais direitos fundamentais no entanto dentro da perspetiva do planejamento familiar no campo da saúde relacionado à sexualidade e à procriação é livre a decisão do casal Conforme ressalta Guilherme Calmon a liberdade de planejamento familiar é conseqüência do direito à liberdade previsto no artigo 5º caput e inciso II da Carta Magna com a observância de que o exercício da liberdade pressupõe responsabilidade e a existência de limites imanentes considerando o postulado basilar da convivência em grupo ou seja o respeito à dignidade e aos demais valores e bens jurídicos das outras pessoas no exercício dos seus direitos fundamentais16 Eduardo de Oliveira Leite ressalta que assim como a vida sexual do casal é comum a ambos e depende da anuência ou animus de cada cônjuge da mesma forma diante da esterelidade a decisão de procriar artificialmente depende de um desejo comum que determina o projeto parental e conclui o recurso à procriação artificial não deita suas raízes no puro egoísmo mas é antes de tudo resultado de um projeto parental tendente a contornar problemas oriundos de um handicap de ordem natural17 Não se admite porém que a deliberação de ter um filho tenha sido inicialmente manifestada e por circunstância imprevista como p ex uma morte prematura possa esse projeto não ser materializado após o falecimento do cônjuge ou companheiro O planejamento familiar sem dúvida dáse quando vivos os partícipes mais seus efeitos podem se produzir para após a morte Havendo testamento o desejo manifestado em vida será cumprido porém depois da morte Afinal porque seria diferente com a intenção de ter um filho após a morte As vicissitudes da vida são as mais diversas e muitas vezes um projeto plenamente exeqüível fica impossibilitado por circunstâncias absolutamente alheias à nossa vontade O avanço da biomedicina possibilita que a intenção de ter um filho no âmbito de um projeto parental possa se concretizar depois da morte de um dos cônjuges ou companheiros 16 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 709 17 Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 346 e 153 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade p 142 seguindo o mesmo entendimento afirma O desejo de ter filhos não pode ser reduzido ao simples ato de procriar pois diretamente ligado a ele achase o desejo de promover o desenvolvimento de uma criança e o de regir uma família 10 O Código Civil ao tratar da presunção da paternidade pater is est quem nuptia demonstrant no artigo 1597 inciso III dispõe Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido A inseminação artificial post mortem é espécie de inseminação artificial homóloga18 à medida que o material genético utilizado no procedimento é fornecido pelo próprio casal que se submete à reprodução assistida no entanto nesses casos surgem algumas dúvidas quanto à filiação visto que a esposa ou companheira será inseminada com os gametas de seu marido ou companheiro já falecido19 Destarte a criança gerada através da realização da inseminação artificial mesmo se falecido o marido tem direito à presunção da filiação como concebida na constância do casamento por fecundação artificial homóloga nos termos do artigo 1597 inciso III do Código Civil20 Paulo Lôbo enfatiza ao comentar o dispositivo em referência que a presunção tradicional contida no inciso II do artigo sob comento atribui a paternidade ao marido da mãe em relação ao filho nascido dentro dos 300 dias após a morte daquele A fecundação artificial homóloga poderá ocorrer em tempo posterior a esse persistindo a presunção da paternidade do falecido desde que se prove que foi utilizado seu gameta por parte de entidade que se incumbiu do armazenamento O princípio da autonomia dos sujeitos como um dos fundamentos do biodireito condiciona a utilização do material genético do falecido ao consentimento expresso que tenha deixado para esse fim Assim não poderá a viúva exigir que a clínica de reprodução assistida lhe entregue o sêmen armazenado para que seja nela inseminado por não ser objeto de 18 Para Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 154155 a inseminação post mortem é também denominada inseminação intermediária já que não é homóloga nem heteróloga 19 Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França A reprodução assistida e as relações de parentesco Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8102005 20 No mesmo sentido Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França A reprodução assistida e as relações de parentesco Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8102005 11 herança A paternidade deve ser consentida porque não perde a dimensão da liberdade A utilização não consentida do sêmen deve ser equiparada à do dador anônimo o que não implica atribuição de paternidade21 Importante acrescentar que na Jornada de Direito Civil ocorrida no Superior Tribunal de Justiça nos dias 11 a 13 de junho de 2002 aprovouse proposição no seguinte sentido Interpretase o inciso III do art 1597 para que seja presumida a paternidade do marido falecido que seja obrigatório que a mulher ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido esteja ainda na condição de viúva devendo haver autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte Para a maioria dos autores a presunção do art 1597 do Código Civil diz respeito apenas ao casamento não abrangendo portanto a união estável posição com a qual não concorda Paulo Lôbo ao afirmar que ainda que o artigo sob comento refirase à constância do casamento a presunção de filiação paternidade e maternidade aplicase à união estável22 3 AS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DOS EFEITOS DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM NOS DIREITOS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES Existem duas correntes básicas que dividem os doutrinadores no sentido de saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte23 Os primeiros defendem essa proteção ao argumento de ser convergente do direito da criança à existência A outra posição sustenta a impossibilidade dessa técnica 21 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 51 22 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 59 23 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 12 como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais24 Para a corrente restritiva mesmo que haja o consentimento prévio à criopreservação do sêmen e óvulo na inseminação artificial post mortem a morte funciona como causa revogadora da permissão ao emprego da técnica médica Quanto aos efeitos da fecundação artificial post mortem existem três posições doutrinárias a saber A primeira que poderíamos denominar de excludente não reconhece qualquer direito ao filho engendrado após a morte do genitor mediante assistência médica quer no âmbito do direito de família quer para fins sucessórios Além disso os defensores desta corrente entendem que há proibição para realização de tal prática como acontece em países como a Alemanha e Suécia que adotam sistemas positivos restritivos em que se proíbem e sancionam as atuações consideradas socialmente danosas Para Mônica Aguiar mesmo que tenha ocorrido um inseminação que tal a morte opera como revogação do consentimento prestado e portanto o concebido será filho apenas do cônjuge sobrevivente25 No mesmo sentido Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior afirma que o embrião fecundado post mortem não teria direito sucessório algum pois não é pessoa concebida e muito menos pessoa nascida26 não se enquadrando na regra contida no artigo 1798 do Código Civil A segunda posição relativamente excludente admite efeitos mitigados no direito de família sem no entanto reconhecer à criança gerada nessas especiais circunstâncias a condição de herdeiro do genitor prémorto A esse respeito Guilherme Calmon pondera que a despeito da proibição no direito brasileiro se 24 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 25 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 26 Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior Técnicas de reprodução assistida e o biodireito Disponível em httpwwwjusnavigandicombr Acesso em 100ut2005 13 eventualmente tal técnica for empregada a paternidade poderá ser estabelecida com base no fundamento biológico e o pressuposto do risco mas não para fins de direitos sucessórios o que pode conduzir a criança prejudicada a pleitear a reparação dos danos materiais que sofrer de sua mãe e dos profissionais que a auxiliaram a procriar utilizandose do sêmen de cônjuge ou companheiro já falecido com fundamento na responsabilidade civil 27 O autor não menciona qual o dispositivo legal constitucional ou infraconstitucional onde se encontre inserida a proibição no direito brasileiro à fecundação artificial post mortem Ademais a tese da responsabilização civil da genitora da criança por se haver submetido à técnica de inseminação após a morte do cônjuge ou companheiro utilizando material genético deste não deve prevalecer porque se assim fosse os filhos de relações eventuais não planejadas não programadas e muitas vezes indesejadas teriam os mesmos ou mais direitos para responsabilizar os genitores No caso da inseminação post mortem o filho é desejado querido muitas vezes fez parte de um projeto parental que não se concretizou por circunstâncias alheias à vontade dos interessados A perspectiva excludente vai de encontro aos modernos princípios do direito de família especialmente aos princípios da igualdade de filiação da afetividade e da dignidade da pessoa humana Importante esclarecer que alguns autores defendem a possibilidade de inserção do concebido após a morte do autor da herança apenas no âmbito da sucessão testamentária quando houver expressa disposição de última vontade em favor de prole eventual do próprio de cujus Nesse sentido constatase observação de Guilherme Calmon in verbis Alguns autores têm sustentado que a parte final do artigo 1718 do Código de 1916 admite a disposição testamentária em favor de prole eventual própria quando o testador prevendo a possibilidade de vir a falecer antes da concepção da criança confecciona seu testamento referindo à prole dele próprio no 27 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 733 14 Código Civil de 2002 o artigo 1799 inciso I admite o chamamento na sucessão testamentária dos filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que tais pessoas estejam vivas à época da abertura da sucessão28 Ao tratar sobre a mesma matéria Juliane Fernandes Queiroz conclui que se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiros também o pode sem qualquer restrição à sua própria prole e acrescenta Desnecessário lembrar que seria altamente prejudicial à ordem jurídica a espera indefinida de uma possível prole tendo em vista que o sêmen pode ficar crioconservado por anos ou décadas e só após ser utilizado Portanto deverá ser fixado o prazo de espera do nascimentos dos filhos dentro da própria disposição testamentária ou mesmo através de uma lei que regule o assunto29 Em sentido contrário Giselda Hironaka aduz que é claro que não poderá indicar sua própria prole eventual uma vez que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão No entanto admite que o testador poderá fazêlo por via reflexa basta que indique a doadora do óvulo se testador ou o doador do espermatozóide se testadora30 4 A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE EFEITOS JURÍDICOS À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM A terceira corrente que designamos como inclusiva à qual nos filiamos reconhece plenos efeitos à inseminação artificial post mortem admitindo iguais direitos na seara do direito de família e no âmbito das sucessões àquele nascido mediante essa técnica 28 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 29 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial p 80 30 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 96 15 Tratase por certo de espécie de inseminação artificial homóloga uma vez que o material genético sêmen e óvulo é do par casado ou em união estável que pretende haver o filho assim engendrado Biologicamente portanto não há qualquer dúvida sobre a paternidade e maternidade e acaso exista o laboratório ou médico que efetuou a técnica de inseminação post mortem terá plenas condições científicas de esclarecer inclusive para o efeito de posterior registro da criança nascida Não se identifica expressa proibição do uso dessa técnica no Brasil31 tampouco existe legislação permissiva O que de fato há é omissão legislativa sobre a matéria em comento A interpretação do sistema jurídico é que vai dar ao estudioso a perfeita compreensão da dimensão jurídica do tema da fecunção artificial post mortem a começar pela interpretação necessária do artigo 226 da Constituição Federal que ao tratar da família como base da sociedade não fez qualquer referência a que tipo de família o Estado garante especial proteção Nos parágrafos do referido dispositivo constitucional o legislador menciona expressamente como entidades familiares o casamento a união estável e a entidade monoparental Tratase da consagração do princípio do pluralismo das entidades familiares Segundo Paulo Lôbo o caput do art 226 é cláusula geral de inclusão não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade estabilidade e ostensibilidade32 e conclui Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art 226 da Constituição são meramente exemplificativos sem embargo de serem os mais comuns por isso mesmo merecendo referência expressa As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput Como todo conceito 31 O Projeto de Lei 9099 parece excluir a possibilidade da fecundação post mortem O artigo 15 5º impõe como obrigatório o descarte de gametas e embriões nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes inciso V e no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservaods inciso VI Em complemento o artigo 20 prevê que havendo fecundação post mortem no caso de burla desse dispositivo a criança não se beneficia de efeitos patrimonias e sucessórios em relação ao falecido 32 Paulo Luiz Netto Lobo Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clausus in Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a vacatio legis p 89107 16 indeterminado depende de concretização dos tipos na experiência da vida conduzindo à tipicidade aberta dotada de ductilidade e adaptabilidade33 Mônica Aguiar ao trazer considerações sobre procriação assistida no direito estrangeiro pondera que as informações desses regramentos podem servir de guia para o legislador pátrio mas há que se fazer antes uma escolha política quanto a saber se deve aterse a reconhecer como entidades familiares somente aquelas inseridas de modo expresso no art 226 da Constituição Federal ou se ao revés devem ser admitidos outros modelos de família E ainda como opção de poder fixar a existência ou não de um direito à procriação o qual respaldaria o emprego das técnicas por pessoa solteira ou por casal homossexual34 O planejamento familiar é de livre deliberação do casal fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável nos termos do artigo 226 7º da Magna Carta vedada qualquer forma coercitiva para o exercício desse direito por parte de instituições oficiais ou privadas Ademais não se pode negar a possibilidade de a pessoa sozinha ter um projeto parental que atenda perfeitamente aos interesses da criança o que vem de encontro ao contido na Lei nº 926396 que prevê no seu artigo 3º caput que o planejamento familiar é parte integrante de várias ações em prol da mulher do homem ou do casal numa perspectiva mais abrangente que a do texto constitucional mas perfeitamente adequada ao nosso sistema jurídico Nos termos da legislação supramencionada entendese por planejamento familiar o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta iguais direitos de constituição limitação ou aumento da prole pela mulher pelo homem ou pelo casal enquanto no plano governamental o planejamento familiar deverá ser dotado de natureza promocional não coercitiva orientado por ações preventivas e educativas35 Assim em um sistema jurídico como o nosso que reconhece o pluralismo das entidades familiares e a plena liberdade do planejamento familiar fundado nos 33Paulo Luiz Netto Lobo Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clausus in Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a vacatio legis p 95 34 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 128 35 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 44 17 princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável não se pode admitir norma ou regra restritiva à inseminação artificial post mortem além disso é perfeitamente possível que o projeto parental se tenha iniciado em vida dos cônjuges ou companheiros e venha a se concretizar após a morte de um dos mesmos A inequívoca manifestação de vontade fundada no consentimento expresso que tenha deixado o falecido para utilização do material genético deixado para esse fim legitima e legaliza a inseminação post mortem fazendo com que os efeitos jurídicos sejam reconhecidos em sua plenitude àquele nascido mediante a utilização da préfalada técnica Aquele assim concebido e nascido é filho para todos os efeitos jurídicos a começar pela subsunção ao regramento constitucional da igualdade da filiação previsto no artigo 227 6º da Constituição Federal norma que não admite qualquer exceção legal de modo que o filho biológico concebido após o falecimento de um dos genitores mediante inseminação artificial é parente da classe dos descendentes de primeiro grau do falecido O reconhecimento do mesmo é presumido nos termos do artigo 1597 inciso III do Código Civil ao admitir como concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação homóloga mesmo que falecido o marido Encontrandose o cônjuge sobrevivente na condição de viúvoa e havendo autorização expressa do outro cônjuge à realização da inseminação póstuma não há qualquer dúvida sobre a incidência da presunção estabelecida na legislação civil É importante acrescentar que a obrigação de o cônjuge ou companheiro sobrevivente se submeter à inseminação post mortem é apenas de natureza moral tendo em vista que não estaria juridicamente obrigado a realizar o desejo manifestado em vida pelo falecido A expressa manifestação de vontade do cônjuge que veio a falecer é imprescindível à realização da fecundação artificial post mortem e ao reconhecimento dos efeitos jurídicos quanto à criança nascida com o uso dessa técnica e tem a mesma importância para a chamada adoção póstuma prevista no artigo 42 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente quando vier a ocorrer o falecimento do adotante no curso do 18 processo antes de proferida a sentença exigindose inequívoca manifestação de vontade quanto à adoção Nesse sentido Carlos Eduardo Pachi Dentro de critérios de facilitação da adoção a norma prevê a possibilidade de continuação do processo de adoção mesmo quanto o adotante ou adotantes venham a falecer Exigese no entanto que haja inequívoca manifestação de vontade36 Portanto como na adoção havendo inequívoca manifestação de vontade dos adotantes que venham a falecer depois de iniciado o processo de adoção admitese a conclusão do procedimento assim também deve ocorrer na fecundação post mortem uma vez que solução diversa irá de encontro ao melhor interesse da criança a qual tem o direito de ser reconhecida filha do pai falecido para todos os efeitos jurídicos no âmbito do direito de família e das sucessões Na hipótese de a inseminação post mortem ser realizada em relação a casal que vive em união estável para aqueles como Paulo Lôbo37 que admitem a aplicabilidade da presunção de filiação paternidade e maternidade à união estável as mesmas conclusões quanto ao casamento valem para o companheirismo Não se admitindo a presunção restaria a providência da autorização judicial para registro mediante alvará quando não houvesse situação litigiosa quanto à atribuição da filiação ou havendo litigiosidade o concebido deveria propor investigação de paternidade possivelmente cumulada com petição de herança Acrescentese além disso que a companheira sobrevivente poderia intentar ainda durante o período de gestação ação declaratória de união estável cumulada com autorização para registro da criança no nome do falecido de modo que a situação 36 Carlos Eduardo Pachi Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado comentários jurídicos e sociais Munir Cury Coord p 164 37 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 59 19 quando do nascimento com vida já estaria juridicamente resolvida No âmbito do processo sucessório deveria ser manejada a petição de herança bem assim o pedido de reserva de bens nos autos do respectivo inventário As soluções apontadas quanto ao reconhecimento de efeitos mitigados ao nascido mediante inseminação póstuma no âmbito do direito de família excluídas as relações sucessórias contrariam claramente o princípio constitucional da igualdade de filiação consagrado no artigo 227 6º da Constituição Federal uma vez que o legislador constitucional não previu qualquer exceção ao princípio da isonomia entre os filhos independente da situação fáticojurídica em que se encontrem os pais não cabendo ao intérprete mesmo em hipóteses não previstas expressamente pelo legislador estabelecer restrições Giselda Hironaka ao tratar do princípio constitucional de igualdade entre os filhos afirma A Constituição Federal não faz distinção entre os filhos qualquer que seja sua origem ou o tipo de relação mantida por seus genitores38 Ao explanar sobre o princípio da igualdade na filiação Paulo Lôbo ressalta que não se permite que a interpretação das normas relativas à filiação possa revelar qualquer resíduo de desigualdade de tratamento aos filhos independentemente de sua origem desaparecendo os efeitos jurídicos diferenciados nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos entre irmãos e no que concerne aos laços de parentesco39 Quanto aos efeitos sucessórios decorrentes da inseminação póstuma José Luiz Gavião de Almeida entende que quando o legislador atual tratou do tema no artigo 1798 do Código Civil apenas quis repetir o contido no Código de 1916 beneficiando 38 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 93 39 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 40 20 o concepturo ou seja o embrião ainda não concebido apenas na sucessão testamentária porque era impossível com os conhecimentos de então imaginarse que um morto pudesse ter filhos E conclui E reconhecendo o legislador efeitos pessoais ao concepturo relação de filiação não se justifica o plurido de afastar os efeitos patrimoniais especialmente o hereditário Essa sistemática é reminescência do antigo tratamento dado aos filhos que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios Mas os privados desse direito também não nascia relação de filiação Agora quando a lei garante o vínculo não se justifica privar o infante de legitimação para recolher a herança Isso mais se justifica quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro40 Entendemos que os efeitos sucessórios da inseminação post mortem são amplos não se restringindo à sucessão testamentária pois se é certo que o falecido poderá chamar a suceder por testamento a prole eventual de terceiros nos termos do artigo 1799 inciso I do Código Civil poderá igualmente beneficiar a sua própria prole eventual inclusive estabelecendo se a deixa testamentária saíra da sua parte disponível ou se constitui adiantamento da legítima com necessidade de colação Existe uma questão relevante e pouco enfrentada que diz respeito à fixação do prazo para utilização pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente do material genético preservado A nãofixação de prazo para prole eventual do autor da sucessão surgida por fecundação artificial post mortem ocasionaria a perspectiva da utilização da ação de petição de herança pela criança gerada na reprodução medicamernte assistida sendo que os seus efeitos patrimoniais se submeteriam ao prazo previsto para prescrição aquisitiva uma vez que segundo Juliane Fernandes Queiroz41 o sêmen pode ficar crioconservado 40 José Luiz Gavião de Almeida Código civil comentado Direitos das sucessões Sucessão em geral Sucessão legítima v XVIII p 104 41 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial p 80 21 por anos ou décadas e só após ser utilizado sendo altamente prejudicial à ordem jurídica a espera indefinida de uma possível prole Assim entendemos que caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento autêntico ou por testamento fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos o qual não deve ultrapassar os dois anos previstos para concepção da prole eventual de terceiro ou não havendo prazo previamente estabelecido aplicarse por analogia o prazo constante do art 1800 4º do Código Civil ou seja de dois anos a contar da abertura da sucessão A perspectiva da exclusão de direitos àquele concebido e gerado mediante fecundação artificial post mortem viola os princípios da dignidade humana do melhor interesse da criança porquanto segundo a lição de Emmanuel Kant42 dignidade é tudo aquilo que não tem um preço seja pecuniário seja estimativo ou seja o que é inestimável indisponível O reconhecimento de amplos direitos à criança nascida mediante fecundação póstuma respeita a Constituição Federal à medida que o legislador se preocupou com a dignidade das pessoas e a proteção à família dáse nas pessoas de cada um dos que a integram art 226 8º 5 CONCLUSÃO A fecundação artificial post mortem é procedimento não regulamentado em nossa legislação constitucional ou infraconstitucional Diante da possibilidade material da utilização dessa técnica necessária a compreensão da vocação hereditária através da interpretação do artigo 1798 do Código Civil diante da perspectiva da inseminação póstuma Tratase de técnica de fecundação artificial homóloga pois através da inseminação post mortem é utilizado o material genético do casal casado ou em união estável com a particularidade de que um dos genitores já se encontra falecido É necessário o consentimento expresso do autor da herança manifestado em vida através de ato autêntico ou por testamento de outro lado é preciso que o cônjuge 42 Immanuel Kant Fundamentação da metafísica dos costumes p 77 22 ou companheiro sobrevivente continue na condição de viúvo ou não tenha constituído uma outra união estável a fim de evitar a confusão de paternidade Realizada a fecundação artificial post mortem envolvendo um casal casado surge a presunção de paternidade prevista no artigo 1597 inciso III do Código Civil regramento que se aplica à união estável desde que devidamente demonstrada a sua existência e não havendo litígio sobre a materialização da referida entidade familiar A criança assim concebida e gerada tem iguais direitos de família e de sucessões em comparação com os herdeiros da mesma classe e do mesmo grau ou seja é filha do falecido e do cônjuge ou companheiro sobrevivente em atenção ao princípio constitucional da igualdade de filiação previsto no artigo 227 6º da Constituição Federal corroborado pelo artigo 1596 do Código Civil No âmbito do direito das sucessões a interpretação da vocação hereditária regulamentada no artigo 1798 do Código Civil deve observar que o legislador não previu a possibilidade de uma pessoa falecida puder gerar um filho através da utilização do seu material genético crioconservado de sorte que não havendo expressa vedação legal deve o intérprete compatibilizar essa nova perspectiva com os princípios constitucionais da igualdade da filiação e da liberdade do planejamento familiar previstos nos artigos 227 6º e 226 7º da Constituição Federal O planejamento familiar de livre deliberação do casal ocorre com a manifestação de vontade em vida inclusive quanto à realização de um projeto parental mas pode por circunstâncias alheias à vontade dos partícipes ser efetivado post mortem viabilizando o nascimento de uma criança por inseminação póstuma Objetivando não permitir que se prolongue indefinidamente a perspectiva da fecundação post mortem entendemos que deverá o falecido haver estabelecido por documento escrito ou através de testamento prazo não superior a dois anos para realização do procedimento e concepção de sua prole eventual caso contrário há de se aplicar por analogia o prazo máximo de dois anos previsto para concepção da prole 23 eventual de terceiro beneficiada na sucessão testamentária de acordo com o artigo 1799 inciso I cc artigo 1800 4º do Código Civil A possibilidade de não se reconhecer direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune em última análise o afeto a intenção de ter um filho com a pessoa amada embora eventualmente afastada do convívio terreno Punese o desejo de ter um filho de realizar um sonho Punese o amor que transpõe barreiras temporais o amor perene o amor verdadeiro a fim de se privilegiar supostos direitos patrimoniais dos demais herdeiros Tal perspectiva vai de encontro aos modernos princípios do direito de família especialmente aos princípios da igualdade de filiação da afetividade e da dignidade da pessoa humana BIBLIOGRAFIA AGUIAR Mônica Direito à filiação e bioética Rio de Janeiro Forense 2005 ALDROVANDI Andréa e FRANÇA Danielle Galvão A reprodução assistida e as relações de parentes Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8out2005 ALMEIDA José Luiz Gavião Código Civil Comentado Direito das sucessões Sucesão em geral Sucessão legítima São Paulo Atlas v XVIII 2003 ALMEIDA JÚNIOR Jesualdo Eduardo Técnicas de reprodução assistida e o biodireito Disponível em httpjusnavigandicombr Acesso em 10out2005 BARBOSA Heloísa Helena Direito à identida genética In PEREIRA Rodrigo da Cunha coord Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a Vacatio Legis Belo Horizonte Del Rey 2002 p 379 389 DIAS Maria Berenice Manual de Direito das famílias Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 24 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro direito das sucessões 16 ed São Paulo Saraiva 2002 v 6 GAMA Guilherme Calmon Nogueira da A nova filiação o biodireito e as relações parentais Rio de Janeiro Renovar 2003 GIORGIS José Carlos Teixeira A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 GOMES Orlando Sucessões 11 ed Rio de Janeiro Forense 2001 HABERMAS Jürgen O Futuro da Natureza Humana São Paulo Martins Fontes 2004 HIRONAKA Giselda Maria Fernandes Novaes Comentários ao Código Civil parte especial do direito das sucessões São Paulo Saraiva 2003 v 20 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad de Paulo Quintela Lisboa Ed 70 1986 LEITE Gisele Conseqüências jurídicas da inseminação artificial Disponível em httpwwwpassosuemgcombr Acesso em 28set2005 LEITE Eduardo de Oliveira Procriações artificiais e o direito aspectos médicos religiosos psicológicos e jurídicos São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1995 Comentários ao Novo Código Civil volume XXI do direito das sucessões 2ª ed Rio de Janeiro Forense 2003 LÔBO PAULO LUIZ NETTO Código Civil Comentado direito de família Relações de parentesco Direito Patrimonial Álvaro Vilaça Azevedo coord São Paulo Atlas 2003 v XVI 25 Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clasus In Rodrigo da Cunha Pereira coord Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a Vacatio Legis Belo Horizonte Dey Rey 2002 p 89107 PACHI Carlos Eduardo Estatudo da Criança e do Adolescente Comentado comentários jurídicos e sociais Munir Cury coord São Paulo Malheiros 2003 QUEIROZ Juliane Fernandes Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial Belo Horisonte Del Rey 2001 VELOSO Zeno Comentários ao Código Civil parte especial do direito das sucessões São Paulo Saraiva 2003 v 21 Inicialmente é importante trazer o conceito de reprodução humana assistida Com o avançar dos anos e consequentemente da tecnologia surgiu a reprodução humana assistida como uma forma de possibilitar aos casais que possuem dificuldades de gerar filho realizarem seu sonho de paternidade ou maternidade Maria Leal de Jussara Meireles em seu livro Reprodução assistida e o novo Código Civil brasileiro In MEIRELES Jussara Maria Leal de Coord Estudos de Biodireito Curitiba Genesis 2004 assim conceitua A fecundação resultante de reprodução medicamente assistida é utilizada em substituição à concepção natural quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos de gerar São técnicas de interferência no processo natural daí o nome de reprodução assistida Falando dos métodos propriamente ditos temos inseminação artificial fecundação in vitro e gestação por substituição ou Cessão temporária de útero Já as técnicas para realização dos procedimentos são denominadas reprodução assistida homóloga reprodução assistida heteróloga e reprodução assistida post mortem Pois bem A respeito do direito sucessório do filho nascido post mortem os direitos assegurados no ordenamento jurídico brasileiro a jurisprudência as normas e as resoluções infra legais é que fundamentam as decisões do judiciário nos casos concretos isso porque há sim uma ausência de regulamentação específica do tema em questão Tratando especificamente do nosso código civil de 2002 nele há o reconhecimento da existência do instituto que pauta o presente trabalho Vejamos por exemplo o Art1597 III Art 1597 Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos I nascidos cento e oitenta dias pelo menos depois de estabelecida a convivência conjugal II nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte separação judicial nulidade e anulação do casamento III havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido IV havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga V havidos por inseminação artificial heteróloga desde que tenha prévia autorização do marido Veja que o inciso III inclui os nascidos por meio dessa técnica na presunção filial Citamos também o artigo Art 1596 assim disposto Os filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Ou seja não há diferenças entre filhos não importando como foram concebidos Ainda temos também o art1798 assim disposto Legitimamse a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão Ou seja ampliando o rol dos herdeiros posto que legitima os nascituros a suceder pois só considera capaz de herdar os nascidos ou concebidos à época da abertura da sucessão só que infelizmente perceba que não abrange os concepturos Sendo conceituados os concepturos como filhos que poderão eventualmente ser concebidos por meio da reprodução assistida homóloga post mortem Com isso o que podemos extrair é que esses nomeados concepturos se sujeitaram a regra disposta no artigo 1799 I do Código Cível ou seja Art 1799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder I os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que vivas estas ao abrirse a sucessão II as pessoas jurídicas III as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação Entretanto veja que no supracitado artigo o direito está condicionado ao nascimento desse eventual filho no momento em que se abre a sucessão Enfim conclusão outra não resta o nosso Código Civil não proíbe a reprodução assistida porém por outro lado também não a regulamenta Agora em sede de enunciados podemos citar os abaixo mencionados De extrema importância se faz citar entendimento elaborado o enunciado nº 104 da I jornada de direito civil Enunciado No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial juridicamente qualificada gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida dependendo da manifestação expressa ou implícita da vontade no curso do casamento Também citase enunciado 106 do CJF Enunciado Para que seja presumida a paternidade do marido falecido será obrigatório que a mulher ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido esteja na condição de viúva sendo obrigatória ainda a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte Enfim feita as devidas introduções trataremos de 3 situações quais sejam Inseminação artificial homóloga post mortem com o consentimento expresso deixado pelo marido e Inseminação artificial homóloga post mortem sem consentimento e sem oposição deixada pelo marido e por fim Inseminação artificial homóloga post mortem com manifestação expressa de oposição Citamos aqui o livro direito das sucessões de Giselda Maria Fernandes Novaes HIRONAKA Direito das sucessões São Paulo Revistas dos tribunais 2007 que sobre o tema sustenta que quando tiver sido realizada com a anuência expressa do marido estão cumpridos os requisitos necessários do enunciado do conselho da justiça federal além de também estarem de acordo com as normas indicadas na resolução do conselho federal de medicina Quando sem consentimento e sem oposição a doutrina posicionase contrariamente à realização da reprodução havendo algumas correntes a favor da reprodução nesse caso agora já se tratando do caso em que há manifesta expressa de oposição é consolidado entendimento contrário à realização do procedimento em tela assim como o estabelecimento da filiação Agora tratando especificamente do direito sucessório há divergência doutrinária pelo simples motivo de não haver legislação especifica que regula o assunto conforme já explicado nesse trabalho Há uma corrente que sustenta que o filho concebido através da reprodução assistida post mortem não possui nenhum direito sucessório Essa corrente lê friamente o artigo 1798 do código civil ou seja para quem a defende um filho nascido ainda quando pais estão vivos será sim considerado herdeiro legitimo há o nascido por meio de inseminação artificial após a morte do pai poderia quando muito ser lido como sendo herdeiro testamentário Só que essa visão ao meu ver é extremamente ultrapassada e inclusive viola o disposto na nossa constituição federal fazendo diferença entre filhos quando não deveria se fazer Fato é que o que chamamos de concepturos deve sim ser considerado um legitimo herdeiro sem diferenciação alguma Ora a nossa carta magna de 1988 carrega em seu seio garantias e equidade em vários campos do Direito incluindo no que diz respeito aos direitos dos filhos Logo resta mais do que óbvio que as suas disposições alcançam todos os vínculos de filiação não sendo mais permitidas as diversas categorias de filhos legítimos ilegítimos naturais adotivos ou incestuosos bem como passa a ser vedada qualquer forma de distinção entre eles Aqui citase o artigo 227 6 da CF88 os filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Vemos que nesse sentido inclusive o artigo 1596 do CC02 tem exatamente o mesmo texto constitucional restando consagrado tanto na nossa constituição quanto em nosso código civil o princípio da igualdade entre os filhos Citase Flávio Tartuce que assim aduz em seu livro Direito Civil Direito de Família Vol 5 15ª ed Rio de Janeiro Forense 2020 Esses comandos legais regulamentam especialmente na ordem familiar a isonomia constitucional ou igualdade em sentido amplo retirado do art 5 caput da CF88 um dos princípios do Direito Civil Constitucional Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes Enfim é preciso dizer que ao realizar pesquisas podemos concluir que o ordenamento jurídico como um todo a nossa jurisprudência e até mesmo a doutrina majoritariamente entendem pelo não acolhimento da sucessão legítima do concebido post mortem para eles o concebido post mortem deve ser considerado apenas herdeiro testamentário Ou seja em razão da lacuna legislativa e ausência de legislação especifica têmse divergentes correntes doutrinárias quanto aos efeitos sucessórios da inseminação post mortem Em meio a toda essa confusão jurídica urge a necessidade de que esse assunto seja possua regulamentação jurídica prevendo sua aplicabilidade suas consequências posto que o ordenamento jurídico pátrio não acompanhou a evolução das técnicas médicas É improrrogável que seja formulado diretrizes legislativas para o aclaramento de questões jurídicas sobre reprodução assistida e seus efeitos Para finalizar hoje ante a falta de regulamentação a melhor solução para o caso é o filho póstumo ingressar judicialmente para fazer jus ao seu direito como sucessor legitimo do falecido caso este não tenha deixado testamento
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1 FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM E O DIREITO SUCESSÓRIO Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho Juiz de Direito Presidente do IBDFAM seção do Estado de Alagoas Professor de Direito Civil da Faculdade de Alagoas FAL Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado de Alagoas ESMAL Professor de Cursos de PósGraduação em Direito Civil e Direito Privado A dignidade deixou de ser uma questão filosófica para se tornar uma questão social Rodrigo da Cunha Pereira Sumário 1 A vocação hereditária e a interpretação do artigo 1798 do Código Civil diante da possibilidade material da fecundação artificial post mortem 2 O princípio constitucional da igualdade entre os filhos A presunção da paternidade na fecundação artificial homóloga ainda que falecido o marido aplicação da regra do artigo 1597 inciso III do Código Civil à fecundação póstuma3 As posições doutrinárias acerca dos efeitos da fecundação artificial post mortem nos direitos de família e das sucessões 4 A possibilidade do reconhecimento de efeitos jurídicos à inseminação artificial post mortem 5 Conclusão 6 Bibliografia Na França em agosto de 1981 Corine Richard encontrou o amor no jovem Alain Parpallaix passando a conviverem Poucas semanas depois da união surgiram sintomas de câncer nos testículos de Alain que antes de submeterse à quimioterapia o ameaçava com a esterilidade optou em depositar seu esperma numa clínica de conservação de sêmen para uso futuro Corine e Alain casaramse in extremis mas dois dias depois da cerimônia o varão faleceu alguns meses depois Corine comparece à clínica para ser inseminada com os gametas de seu finado esposo mas os responsáveis pela empresa recusaram o pedido por falta de previsão legal A jovem bateu às portas do Tribunal de Créteil França onde se discutiu a titularidade das células e a existência de um contrato de depósito que obrigaria o centro a restituir o esperma alegando os médicos que não se cuidava de pacto de entrega na 2 medida que o material da pessoa morta é uma coisa fora do comércio e no território francês não havia lei que autorizasse a fecundação póstuma Depois de longo debate a decisão do Tribunal condenou a clínica a devolver à viúva o sêmen reclamado impondo uma clásula penal por eventual demora Infelizmente a inseminação não teve sucesso pois os espermatozóides já não mais estavam potencializados para a fecundação1 Registrese recentemente matéria veiculada no Diário de Notícias onde se noticia que o esperma de um oficial falecido em Taiwan foilhe retirado mais de dois dias depois do óbito para que a noiva pudesse conceber um filho seu por inseminação artificial O ministro da defesa tinha recusado o pedido da noiva numa primeira fase mas face à pressão popular o primeiroministro acabou por ceder 1 A VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1798 DO CÓDIGO CIVIL DIANTE DA POSSIBILIDADE MATERIAL DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM O Código Civil ao tratar da vocação hereditária no artigo 1798 dispõe que legitimamse a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão o que em tese excluiria o nascido após a morte do autor da herança mediante fecundação artificial sem que tenha havido prévia concepção à participação na sucessão Para Giselda Hironaka tanto podem ser herdeiros legítimos testamentários ou mesmo legatários os indivíduos que já tivessem nascido quando do momento do exato falecimento do de cujus bem assim todos os que já estivessem concebidos no mesmo momento2 E acrescenta na condição de pessoas concebidas 1 Situação relatada por José Carlos Teixeira Giorgis A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 2 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p86 3 estão duas classes médicolegais o feto fase que vai da concepção até o início do desalojar do ser do aparelho reprodutor feminino e o feto nascente período que se situa entre o início da expulsão fetal e o momento em que se estabelece vida autônoma3 No caso da técnica conceptiva post mortem ainda sequer há embrião no momento do falecimento do excônjuge ou excompanheiro de modo que a hipótese sob apreciação não envolve a problemática dos embriões excedentários inclusive no que pertine à presunção referida no artigo 1597 inciso IV do Código Civil ao admitir que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga Assim para compreensão da vocação hereditária e sua interpretação de acordo com o artigo 1798 do Código Civil devese levar em conta em princípio a simultaneidade de existência entre o herdeiro concebido e o autor da sucessão4 Guilherme Calmon doutrina que tal regra é inserida no âmbito do artigo 1798 do Código Civil de 2002 de forma mais técnica porque se refere tanto à sucessão legítima quanto à sucessão testamentária 5 As novas técnicas de inseminação artificial possibilitam no entanto a ocorrência material de filiação biológica após a morte do autor da sucessão de modo que o homem ou a mulher que houver conservado material genético esperma ou óvulo poderá possibilitar que terceiro especialmente o cônjuge ou companheiro utilize do mesmo após o seu falecimento Nesse sentido registra Guilherme Calmon 3 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p87 4 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p87 5 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 Segundo o autor mencionado o Código Civil de 1916 de maneira menos rigorosa tratou da matéria nos artigos 1717 e 1718 consagrando a regra no sentido de que somente as pessoas que ao menos tinham sido concebidas antes da morte do autor da sucessão teriam aptidão para suceder 4 é possível que o sêmen o embrião e também o óvulo quanto a este as experiências científicas são mais recentes possam ser criopreservados ou seja armazenados através de técnicas próprias de resfriamento e congelamento o que possibilita desse modo que mesmo após a morte da pessoa seu material fecundante possa ser utilizado em tese na reprodução medicamente assistida6 No Brasil não temos legislação proibitiva da inseminação post mortem como acontece na Alemanha e Suécia tampouco existe lei admitindo tal prática Na França vedase inseminação post mortem e dispõe que o consentimento externado em vida perde o efeito no entanto uma proposição de lei preconiza complementar o artigo 725 do Code Civil a fim de reconhecer a capacidade sucessória da criança concebida post mortem nos seguintes termos Para suceder é necessário existir no momento da abertura da sucessão salvo nos casos de inseminação post mortem quando o marido defunto expressou inequivocamente a sua vontade por ato notarial e sob a condição que a inseminação tenha sido feita nos 180 dias após a sua morte Nesse sentido José Carlos Teixeira Giorgis esclarece que a possibilidade de aproveitamento do material depositado para uso depois da morte do doador é assunto controvertido nos diversos ordenamentos jurídicos acrescentando que é procedimento vedado nas legislações alemã sueca francesa as regras espanholas também a proíbem embora garanta os direitos do nascituro desde que haja declaração feita em escritura pública ou testamento as normas inglesas a aceitam mas sem direitos hereditários salvo documento expresso a lei portuguesa também o interdita seja no casamento ou na união de fato7 Para Guilherme Calmon a temática ligada ao direito à reprodução se torna mais complexa diante da possibilidade da técnica de reprodução assistida homóloga 6 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 7 José Carlos Teixeira Giorgis A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 5 ocorrer no período em que já havia falecido o marido ou o companheiro e portanto o nascimento ocorrer depois dos trezentos dias do falecimento do exparceiro8 Seguindo o mesmo entendimento Eduardo de Oliveira Leite afirma Questão tormentosa e que certamente vai se colocar à argúcia dos magistrados diz respeito aos filhos decorrentes das procriações artificiais ou como querem alguns juristas dos filhos engendrados com assistência médica9 Temos portanto que a fecundação artificial post mortem é temática aberta no nosso direito e assim apta as mais diversas interpretações A questão polêmica é justamente definir qual a qualificação jurídica do nascido mediante procriação artificial ocorrida após a morte do de cujus Doutrina Eduardo de Oliveira Leite que quanto à criança concebida por inseminação post mortem ou seja criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos pela utilização de sêmen congelado é situação anômala quer no plano do estabelecimento da filiação quer no do direito das sucessões Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão E conclui solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post mortem10 Para o mesmo autor a inseminação post mortem não se justifica porque não há mais o casal e poderia acarretar perturbações psicológicas graves em relação à criança e à mãe concluindo quanto ao desaconselhamento de tal prática11 Guilherme Calmon indaga se haverá ou não possibilidade de estabelecimento do vínculo de paternidade no caso de inseminação fertilização ou outra técnica conceptiva post mortem asseverando que no estágio atual da matéria no direito 8 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 731 9 Eduardo de Oliveira Leite Comentários ao Novo Código Civil vol XXI p 109 10Eduardo de Oliveira Leite Comentários ao Novo Código Civil vol XXI p 110 11 Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 154155 6 brasileiro não há como se admitir mesmo com vontade expressa deixada em vida pelo falecido o acesso da exesposa ou excompanheira às técnicas de reprodução assistida homóloga diante do princípio da igualdade em direito entre os filhos 12 No nosso modo de sentir não se pode excluir da participação nas repercussões jurídicas no âmbito do direito de família e no direito das sucessões aquele que foi engendrado com intervenção médica ocorrida após o falecimento do autor da sucessão ao argumento de que tal solução prejudicaria ou excluiria o direito dos outros herdeiros já existentes ou pelo menos concebidos no momento da abertura da sucessão Além disso não devem prevalecer as assertivas que privilegiam a suposta segurança no processo sucessório A título de exemplo observese que se o falecido não tinha filhos deixando somente cônjuge sobrevivente e ascendentes do primeiro grau pai e mãe vivos a herança seria partida em três quotas iguais nos termos dos artigos 1836 e 1837 do Código Civil no entanto havendo ação de investigação de partenidade post mortem julgada procedente restariam excluídos da sucessão os ascendentes enquanto o cônjuge a depender do regime de bens cf art 1829 I do CC poderia ou não concorrer com o descendente reconhecido judicialmente Verificase que tal fato existência de filho nãoreconhecido modificaria substancialmente a vocação hereditária donde se conclui que a segurança no procedimento sucessório é sempre relativa A possibilidade jurídica da utilização da ação de petição de herança nos termos do artigo 1824 do Código Civil dá a perfeita noção da segurança apenas relativa de qualquer sucessão à medida que com a referida ação o herdeiro preterido objetiva não só a declaração da qualidade de herdeiro como também a restituição do patrimônio deixado pelo falecido Ademais a doutrina predominante é no sentido de que a petição de herança não prescreve A ação é imprescritível podendo por isso ser intentada a qualquer tempo Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde 13 Giselda Hironaka adverte que essa construção teórica pode restar ineficaz na 12 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 733 13 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 196 7 prática uma vez que sempre que transcorrido o lapso temporal referente à prescrição aquisitiva pode o meio originário de aquisição da propriedade ser oposto como meio de defesa pelo herdeiro aparente ou quem por ele ou como seu sucessor se encontre na posse dos bens da herança14 Na hipótese acima ventilada não se vai discutir se o autor da herança desejou ter o filho manifestou inequivocamente a sua vontade o simples fato de a criança existir e uma vez comprovada a relação de parentesco já seria suficiente para fazer inserir na ordem de vocação hereditária um herdeiro legítimo da classe dos descendentes de primeiro grau na condição de filho com direito à sucessão Ainda que se trate de uma relação instável passageira não desejada o filho assim gerado terá direito de ser reconhecido voluntária ou judicialmente não se discutindo juridicamente acerca de possíveis distúrbios psicológicos graves em relação à criança ao contrário a impossibilidade do seu reconhecimento certamente lhe causaria maiores perturbações e prejuízos Qual a diferença então para a situação em que o filho foi concebido após o falecimento do genitor mormente quando este deliberou de modo inequívoco através de ato autêntico documento escrito ou testamento em preservar seu material genético para posterior utilização inclusive para após a sua morte 2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS A PRESUNÇÃO DA PATERNIDADE NA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA AINDA QUE FALECIDO O MARIDO APLICAÇÃO DA REGRA DO ART 1597 INCISO III DO CÓDIGO CIVIL À FECUNDAÇÃO PÓSTUMA Em sistemas jurídicos como o nosso onde se consagra constitucionalmente a igualdade entre os filhos independente da situação jurídica dos pais nos termos do 14 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 196 No mesmo sentido Orlando Gomes Sucessões p 2423 8 artigo 227 6º da Constituição Federal não se poderia admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho concebido mediante fecundação artificial post mortem Tal situação não encontra guarida constitucional ao contrário o legislador constitucional não previu exceção não cabendo ao legislador ordinário tampouco ao intérprete estabelecer exceções ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos Ao contrário do que parecer compreender Guilherme Calmon15 entendo que o princípio constitucional da igualdade entre os filhos independente de qualificação e origem atua em socorro à situação do concebido após o falecimento do autor da sucessão isso porque solução restritiva em desfavor do mesmo redundaria em discrimine atentatório à igualdade com os demais filhos seus irmãos biológicos A deliberação do casal sobre a criopreservação de gametas está prevista na Resolução n 135892 do Conselho Federal de Medicina onde no item V1 consta que as clínicas centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides óvulos e pré embriões além disso no momento da criopreservação ou cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade por escrito quanto ao destino que será dado aos pré embriões criopreservados em caso de divórcio doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos grifei e quando desejam doálos Não se pode deixar de considerar que existe uma interpretação equivocada da situação envolvendo o concebido após o falecimento do genitor porquanto se observam os interesses de terceiros dos herdeiros existentes até o momento enquanto se olvida o direito do cônjuge sobrevivente bem assim e principalmente o direito da criança engendrada nessas especiais circunstâncias Não há hipótese em nosso ordenamento jurídico da impossibilidade de reconhecimento de filiação A realidade social muitas vezes impede materialmente tal reconhecimento contudo juridicamente sempre há a possibilidade de obterse tal desiderato Não é o fato da prémorte de um dos genitores que vai afastar aprioristicamente o direito do nascido mediante inseminação artificial póstuma de ter consignado em sua certidão originária o nome dos pais embora eventualmente um já esteja falecido 15 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732733 9 O direito à reprodução é reconhecido como direito fundamental embora não absoluto assim como os demais direitos fundamentais no entanto dentro da perspetiva do planejamento familiar no campo da saúde relacionado à sexualidade e à procriação é livre a decisão do casal Conforme ressalta Guilherme Calmon a liberdade de planejamento familiar é conseqüência do direito à liberdade previsto no artigo 5º caput e inciso II da Carta Magna com a observância de que o exercício da liberdade pressupõe responsabilidade e a existência de limites imanentes considerando o postulado basilar da convivência em grupo ou seja o respeito à dignidade e aos demais valores e bens jurídicos das outras pessoas no exercício dos seus direitos fundamentais16 Eduardo de Oliveira Leite ressalta que assim como a vida sexual do casal é comum a ambos e depende da anuência ou animus de cada cônjuge da mesma forma diante da esterelidade a decisão de procriar artificialmente depende de um desejo comum que determina o projeto parental e conclui o recurso à procriação artificial não deita suas raízes no puro egoísmo mas é antes de tudo resultado de um projeto parental tendente a contornar problemas oriundos de um handicap de ordem natural17 Não se admite porém que a deliberação de ter um filho tenha sido inicialmente manifestada e por circunstância imprevista como p ex uma morte prematura possa esse projeto não ser materializado após o falecimento do cônjuge ou companheiro O planejamento familiar sem dúvida dáse quando vivos os partícipes mais seus efeitos podem se produzir para após a morte Havendo testamento o desejo manifestado em vida será cumprido porém depois da morte Afinal porque seria diferente com a intenção de ter um filho após a morte As vicissitudes da vida são as mais diversas e muitas vezes um projeto plenamente exeqüível fica impossibilitado por circunstâncias absolutamente alheias à nossa vontade O avanço da biomedicina possibilita que a intenção de ter um filho no âmbito de um projeto parental possa se concretizar depois da morte de um dos cônjuges ou companheiros 16 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 709 17 Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 346 e 153 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade p 142 seguindo o mesmo entendimento afirma O desejo de ter filhos não pode ser reduzido ao simples ato de procriar pois diretamente ligado a ele achase o desejo de promover o desenvolvimento de uma criança e o de regir uma família 10 O Código Civil ao tratar da presunção da paternidade pater is est quem nuptia demonstrant no artigo 1597 inciso III dispõe Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido A inseminação artificial post mortem é espécie de inseminação artificial homóloga18 à medida que o material genético utilizado no procedimento é fornecido pelo próprio casal que se submete à reprodução assistida no entanto nesses casos surgem algumas dúvidas quanto à filiação visto que a esposa ou companheira será inseminada com os gametas de seu marido ou companheiro já falecido19 Destarte a criança gerada através da realização da inseminação artificial mesmo se falecido o marido tem direito à presunção da filiação como concebida na constância do casamento por fecundação artificial homóloga nos termos do artigo 1597 inciso III do Código Civil20 Paulo Lôbo enfatiza ao comentar o dispositivo em referência que a presunção tradicional contida no inciso II do artigo sob comento atribui a paternidade ao marido da mãe em relação ao filho nascido dentro dos 300 dias após a morte daquele A fecundação artificial homóloga poderá ocorrer em tempo posterior a esse persistindo a presunção da paternidade do falecido desde que se prove que foi utilizado seu gameta por parte de entidade que se incumbiu do armazenamento O princípio da autonomia dos sujeitos como um dos fundamentos do biodireito condiciona a utilização do material genético do falecido ao consentimento expresso que tenha deixado para esse fim Assim não poderá a viúva exigir que a clínica de reprodução assistida lhe entregue o sêmen armazenado para que seja nela inseminado por não ser objeto de 18 Para Eduardo de Oliveira Leite Procriações artificiais e o direito p 154155 a inseminação post mortem é também denominada inseminação intermediária já que não é homóloga nem heteróloga 19 Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França A reprodução assistida e as relações de parentesco Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8102005 20 No mesmo sentido Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França A reprodução assistida e as relações de parentesco Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8102005 11 herança A paternidade deve ser consentida porque não perde a dimensão da liberdade A utilização não consentida do sêmen deve ser equiparada à do dador anônimo o que não implica atribuição de paternidade21 Importante acrescentar que na Jornada de Direito Civil ocorrida no Superior Tribunal de Justiça nos dias 11 a 13 de junho de 2002 aprovouse proposição no seguinte sentido Interpretase o inciso III do art 1597 para que seja presumida a paternidade do marido falecido que seja obrigatório que a mulher ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido esteja ainda na condição de viúva devendo haver autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte Para a maioria dos autores a presunção do art 1597 do Código Civil diz respeito apenas ao casamento não abrangendo portanto a união estável posição com a qual não concorda Paulo Lôbo ao afirmar que ainda que o artigo sob comento refirase à constância do casamento a presunção de filiação paternidade e maternidade aplicase à união estável22 3 AS POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DOS EFEITOS DA FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM NOS DIREITOS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES Existem duas correntes básicas que dividem os doutrinadores no sentido de saber se a vontade de procriar deve ser protegida para além da morte23 Os primeiros defendem essa proteção ao argumento de ser convergente do direito da criança à existência A outra posição sustenta a impossibilidade dessa técnica 21 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 51 22 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 59 23 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 12 como forma de assegurar o direito do filho a uma estrutura familiar formada por ambos os pais24 Para a corrente restritiva mesmo que haja o consentimento prévio à criopreservação do sêmen e óvulo na inseminação artificial post mortem a morte funciona como causa revogadora da permissão ao emprego da técnica médica Quanto aos efeitos da fecundação artificial post mortem existem três posições doutrinárias a saber A primeira que poderíamos denominar de excludente não reconhece qualquer direito ao filho engendrado após a morte do genitor mediante assistência médica quer no âmbito do direito de família quer para fins sucessórios Além disso os defensores desta corrente entendem que há proibição para realização de tal prática como acontece em países como a Alemanha e Suécia que adotam sistemas positivos restritivos em que se proíbem e sancionam as atuações consideradas socialmente danosas Para Mônica Aguiar mesmo que tenha ocorrido um inseminação que tal a morte opera como revogação do consentimento prestado e portanto o concebido será filho apenas do cônjuge sobrevivente25 No mesmo sentido Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior afirma que o embrião fecundado post mortem não teria direito sucessório algum pois não é pessoa concebida e muito menos pessoa nascida26 não se enquadrando na regra contida no artigo 1798 do Código Civil A segunda posição relativamente excludente admite efeitos mitigados no direito de família sem no entanto reconhecer à criança gerada nessas especiais circunstâncias a condição de herdeiro do genitor prémorto A esse respeito Guilherme Calmon pondera que a despeito da proibição no direito brasileiro se 24 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 25 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 117 26 Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior Técnicas de reprodução assistida e o biodireito Disponível em httpwwwjusnavigandicombr Acesso em 100ut2005 13 eventualmente tal técnica for empregada a paternidade poderá ser estabelecida com base no fundamento biológico e o pressuposto do risco mas não para fins de direitos sucessórios o que pode conduzir a criança prejudicada a pleitear a reparação dos danos materiais que sofrer de sua mãe e dos profissionais que a auxiliaram a procriar utilizandose do sêmen de cônjuge ou companheiro já falecido com fundamento na responsabilidade civil 27 O autor não menciona qual o dispositivo legal constitucional ou infraconstitucional onde se encontre inserida a proibição no direito brasileiro à fecundação artificial post mortem Ademais a tese da responsabilização civil da genitora da criança por se haver submetido à técnica de inseminação após a morte do cônjuge ou companheiro utilizando material genético deste não deve prevalecer porque se assim fosse os filhos de relações eventuais não planejadas não programadas e muitas vezes indesejadas teriam os mesmos ou mais direitos para responsabilizar os genitores No caso da inseminação post mortem o filho é desejado querido muitas vezes fez parte de um projeto parental que não se concretizou por circunstâncias alheias à vontade dos interessados A perspectiva excludente vai de encontro aos modernos princípios do direito de família especialmente aos princípios da igualdade de filiação da afetividade e da dignidade da pessoa humana Importante esclarecer que alguns autores defendem a possibilidade de inserção do concebido após a morte do autor da herança apenas no âmbito da sucessão testamentária quando houver expressa disposição de última vontade em favor de prole eventual do próprio de cujus Nesse sentido constatase observação de Guilherme Calmon in verbis Alguns autores têm sustentado que a parte final do artigo 1718 do Código de 1916 admite a disposição testamentária em favor de prole eventual própria quando o testador prevendo a possibilidade de vir a falecer antes da concepção da criança confecciona seu testamento referindo à prole dele próprio no 27 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 733 14 Código Civil de 2002 o artigo 1799 inciso I admite o chamamento na sucessão testamentária dos filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que tais pessoas estejam vivas à época da abertura da sucessão28 Ao tratar sobre a mesma matéria Juliane Fernandes Queiroz conclui que se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiros também o pode sem qualquer restrição à sua própria prole e acrescenta Desnecessário lembrar que seria altamente prejudicial à ordem jurídica a espera indefinida de uma possível prole tendo em vista que o sêmen pode ficar crioconservado por anos ou décadas e só após ser utilizado Portanto deverá ser fixado o prazo de espera do nascimentos dos filhos dentro da própria disposição testamentária ou mesmo através de uma lei que regule o assunto29 Em sentido contrário Giselda Hironaka aduz que é claro que não poderá indicar sua própria prole eventual uma vez que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão No entanto admite que o testador poderá fazêlo por via reflexa basta que indique a doadora do óvulo se testador ou o doador do espermatozóide se testadora30 4 A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE EFEITOS JURÍDICOS À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST MORTEM A terceira corrente que designamos como inclusiva à qual nos filiamos reconhece plenos efeitos à inseminação artificial post mortem admitindo iguais direitos na seara do direito de família e no âmbito das sucessões àquele nascido mediante essa técnica 28 Guilherme Calmon Nogueira da Gama A nova filiação p 732 29 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial p 80 30 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 96 15 Tratase por certo de espécie de inseminação artificial homóloga uma vez que o material genético sêmen e óvulo é do par casado ou em união estável que pretende haver o filho assim engendrado Biologicamente portanto não há qualquer dúvida sobre a paternidade e maternidade e acaso exista o laboratório ou médico que efetuou a técnica de inseminação post mortem terá plenas condições científicas de esclarecer inclusive para o efeito de posterior registro da criança nascida Não se identifica expressa proibição do uso dessa técnica no Brasil31 tampouco existe legislação permissiva O que de fato há é omissão legislativa sobre a matéria em comento A interpretação do sistema jurídico é que vai dar ao estudioso a perfeita compreensão da dimensão jurídica do tema da fecunção artificial post mortem a começar pela interpretação necessária do artigo 226 da Constituição Federal que ao tratar da família como base da sociedade não fez qualquer referência a que tipo de família o Estado garante especial proteção Nos parágrafos do referido dispositivo constitucional o legislador menciona expressamente como entidades familiares o casamento a união estável e a entidade monoparental Tratase da consagração do princípio do pluralismo das entidades familiares Segundo Paulo Lôbo o caput do art 226 é cláusula geral de inclusão não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade estabilidade e ostensibilidade32 e conclui Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art 226 da Constituição são meramente exemplificativos sem embargo de serem os mais comuns por isso mesmo merecendo referência expressa As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput Como todo conceito 31 O Projeto de Lei 9099 parece excluir a possibilidade da fecundação post mortem O artigo 15 5º impõe como obrigatório o descarte de gametas e embriões nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes inciso V e no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservaods inciso VI Em complemento o artigo 20 prevê que havendo fecundação post mortem no caso de burla desse dispositivo a criança não se beneficia de efeitos patrimonias e sucessórios em relação ao falecido 32 Paulo Luiz Netto Lobo Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clausus in Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a vacatio legis p 89107 16 indeterminado depende de concretização dos tipos na experiência da vida conduzindo à tipicidade aberta dotada de ductilidade e adaptabilidade33 Mônica Aguiar ao trazer considerações sobre procriação assistida no direito estrangeiro pondera que as informações desses regramentos podem servir de guia para o legislador pátrio mas há que se fazer antes uma escolha política quanto a saber se deve aterse a reconhecer como entidades familiares somente aquelas inseridas de modo expresso no art 226 da Constituição Federal ou se ao revés devem ser admitidos outros modelos de família E ainda como opção de poder fixar a existência ou não de um direito à procriação o qual respaldaria o emprego das técnicas por pessoa solteira ou por casal homossexual34 O planejamento familiar é de livre deliberação do casal fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável nos termos do artigo 226 7º da Magna Carta vedada qualquer forma coercitiva para o exercício desse direito por parte de instituições oficiais ou privadas Ademais não se pode negar a possibilidade de a pessoa sozinha ter um projeto parental que atenda perfeitamente aos interesses da criança o que vem de encontro ao contido na Lei nº 926396 que prevê no seu artigo 3º caput que o planejamento familiar é parte integrante de várias ações em prol da mulher do homem ou do casal numa perspectiva mais abrangente que a do texto constitucional mas perfeitamente adequada ao nosso sistema jurídico Nos termos da legislação supramencionada entendese por planejamento familiar o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta iguais direitos de constituição limitação ou aumento da prole pela mulher pelo homem ou pelo casal enquanto no plano governamental o planejamento familiar deverá ser dotado de natureza promocional não coercitiva orientado por ações preventivas e educativas35 Assim em um sistema jurídico como o nosso que reconhece o pluralismo das entidades familiares e a plena liberdade do planejamento familiar fundado nos 33Paulo Luiz Netto Lobo Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clausus in Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a vacatio legis p 95 34 Mônica Aguiar Direito à filiação e bioética p 128 35 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 44 17 princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável não se pode admitir norma ou regra restritiva à inseminação artificial post mortem além disso é perfeitamente possível que o projeto parental se tenha iniciado em vida dos cônjuges ou companheiros e venha a se concretizar após a morte de um dos mesmos A inequívoca manifestação de vontade fundada no consentimento expresso que tenha deixado o falecido para utilização do material genético deixado para esse fim legitima e legaliza a inseminação post mortem fazendo com que os efeitos jurídicos sejam reconhecidos em sua plenitude àquele nascido mediante a utilização da préfalada técnica Aquele assim concebido e nascido é filho para todos os efeitos jurídicos a começar pela subsunção ao regramento constitucional da igualdade da filiação previsto no artigo 227 6º da Constituição Federal norma que não admite qualquer exceção legal de modo que o filho biológico concebido após o falecimento de um dos genitores mediante inseminação artificial é parente da classe dos descendentes de primeiro grau do falecido O reconhecimento do mesmo é presumido nos termos do artigo 1597 inciso III do Código Civil ao admitir como concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação homóloga mesmo que falecido o marido Encontrandose o cônjuge sobrevivente na condição de viúvoa e havendo autorização expressa do outro cônjuge à realização da inseminação póstuma não há qualquer dúvida sobre a incidência da presunção estabelecida na legislação civil É importante acrescentar que a obrigação de o cônjuge ou companheiro sobrevivente se submeter à inseminação post mortem é apenas de natureza moral tendo em vista que não estaria juridicamente obrigado a realizar o desejo manifestado em vida pelo falecido A expressa manifestação de vontade do cônjuge que veio a falecer é imprescindível à realização da fecundação artificial post mortem e ao reconhecimento dos efeitos jurídicos quanto à criança nascida com o uso dessa técnica e tem a mesma importância para a chamada adoção póstuma prevista no artigo 42 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente quando vier a ocorrer o falecimento do adotante no curso do 18 processo antes de proferida a sentença exigindose inequívoca manifestação de vontade quanto à adoção Nesse sentido Carlos Eduardo Pachi Dentro de critérios de facilitação da adoção a norma prevê a possibilidade de continuação do processo de adoção mesmo quanto o adotante ou adotantes venham a falecer Exigese no entanto que haja inequívoca manifestação de vontade36 Portanto como na adoção havendo inequívoca manifestação de vontade dos adotantes que venham a falecer depois de iniciado o processo de adoção admitese a conclusão do procedimento assim também deve ocorrer na fecundação post mortem uma vez que solução diversa irá de encontro ao melhor interesse da criança a qual tem o direito de ser reconhecida filha do pai falecido para todos os efeitos jurídicos no âmbito do direito de família e das sucessões Na hipótese de a inseminação post mortem ser realizada em relação a casal que vive em união estável para aqueles como Paulo Lôbo37 que admitem a aplicabilidade da presunção de filiação paternidade e maternidade à união estável as mesmas conclusões quanto ao casamento valem para o companheirismo Não se admitindo a presunção restaria a providência da autorização judicial para registro mediante alvará quando não houvesse situação litigiosa quanto à atribuição da filiação ou havendo litigiosidade o concebido deveria propor investigação de paternidade possivelmente cumulada com petição de herança Acrescentese além disso que a companheira sobrevivente poderia intentar ainda durante o período de gestação ação declaratória de união estável cumulada com autorização para registro da criança no nome do falecido de modo que a situação 36 Carlos Eduardo Pachi Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado comentários jurídicos e sociais Munir Cury Coord p 164 37 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 59 19 quando do nascimento com vida já estaria juridicamente resolvida No âmbito do processo sucessório deveria ser manejada a petição de herança bem assim o pedido de reserva de bens nos autos do respectivo inventário As soluções apontadas quanto ao reconhecimento de efeitos mitigados ao nascido mediante inseminação póstuma no âmbito do direito de família excluídas as relações sucessórias contrariam claramente o princípio constitucional da igualdade de filiação consagrado no artigo 227 6º da Constituição Federal uma vez que o legislador constitucional não previu qualquer exceção ao princípio da isonomia entre os filhos independente da situação fáticojurídica em que se encontrem os pais não cabendo ao intérprete mesmo em hipóteses não previstas expressamente pelo legislador estabelecer restrições Giselda Hironaka ao tratar do princípio constitucional de igualdade entre os filhos afirma A Constituição Federal não faz distinção entre os filhos qualquer que seja sua origem ou o tipo de relação mantida por seus genitores38 Ao explanar sobre o princípio da igualdade na filiação Paulo Lôbo ressalta que não se permite que a interpretação das normas relativas à filiação possa revelar qualquer resíduo de desigualdade de tratamento aos filhos independentemente de sua origem desaparecendo os efeitos jurídicos diferenciados nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos entre irmãos e no que concerne aos laços de parentesco39 Quanto aos efeitos sucessórios decorrentes da inseminação póstuma José Luiz Gavião de Almeida entende que quando o legislador atual tratou do tema no artigo 1798 do Código Civil apenas quis repetir o contido no Código de 1916 beneficiando 38 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Comentários ao Código Civil v 20 p 93 39 Paulo Luiz Netto Lobo Código Civil Comentado v XVI p 40 20 o concepturo ou seja o embrião ainda não concebido apenas na sucessão testamentária porque era impossível com os conhecimentos de então imaginarse que um morto pudesse ter filhos E conclui E reconhecendo o legislador efeitos pessoais ao concepturo relação de filiação não se justifica o plurido de afastar os efeitos patrimoniais especialmente o hereditário Essa sistemática é reminescência do antigo tratamento dado aos filhos que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios Mas os privados desse direito também não nascia relação de filiação Agora quando a lei garante o vínculo não se justifica privar o infante de legitimação para recolher a herança Isso mais se justifica quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro40 Entendemos que os efeitos sucessórios da inseminação post mortem são amplos não se restringindo à sucessão testamentária pois se é certo que o falecido poderá chamar a suceder por testamento a prole eventual de terceiros nos termos do artigo 1799 inciso I do Código Civil poderá igualmente beneficiar a sua própria prole eventual inclusive estabelecendo se a deixa testamentária saíra da sua parte disponível ou se constitui adiantamento da legítima com necessidade de colação Existe uma questão relevante e pouco enfrentada que diz respeito à fixação do prazo para utilização pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente do material genético preservado A nãofixação de prazo para prole eventual do autor da sucessão surgida por fecundação artificial post mortem ocasionaria a perspectiva da utilização da ação de petição de herança pela criança gerada na reprodução medicamernte assistida sendo que os seus efeitos patrimoniais se submeteriam ao prazo previsto para prescrição aquisitiva uma vez que segundo Juliane Fernandes Queiroz41 o sêmen pode ficar crioconservado 40 José Luiz Gavião de Almeida Código civil comentado Direitos das sucessões Sucessão em geral Sucessão legítima v XVIII p 104 41 Juliane Fernandes Queiroz Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial p 80 21 por anos ou décadas e só após ser utilizado sendo altamente prejudicial à ordem jurídica a espera indefinida de uma possível prole Assim entendemos que caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento autêntico ou por testamento fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos o qual não deve ultrapassar os dois anos previstos para concepção da prole eventual de terceiro ou não havendo prazo previamente estabelecido aplicarse por analogia o prazo constante do art 1800 4º do Código Civil ou seja de dois anos a contar da abertura da sucessão A perspectiva da exclusão de direitos àquele concebido e gerado mediante fecundação artificial post mortem viola os princípios da dignidade humana do melhor interesse da criança porquanto segundo a lição de Emmanuel Kant42 dignidade é tudo aquilo que não tem um preço seja pecuniário seja estimativo ou seja o que é inestimável indisponível O reconhecimento de amplos direitos à criança nascida mediante fecundação póstuma respeita a Constituição Federal à medida que o legislador se preocupou com a dignidade das pessoas e a proteção à família dáse nas pessoas de cada um dos que a integram art 226 8º 5 CONCLUSÃO A fecundação artificial post mortem é procedimento não regulamentado em nossa legislação constitucional ou infraconstitucional Diante da possibilidade material da utilização dessa técnica necessária a compreensão da vocação hereditária através da interpretação do artigo 1798 do Código Civil diante da perspectiva da inseminação póstuma Tratase de técnica de fecundação artificial homóloga pois através da inseminação post mortem é utilizado o material genético do casal casado ou em união estável com a particularidade de que um dos genitores já se encontra falecido É necessário o consentimento expresso do autor da herança manifestado em vida através de ato autêntico ou por testamento de outro lado é preciso que o cônjuge 42 Immanuel Kant Fundamentação da metafísica dos costumes p 77 22 ou companheiro sobrevivente continue na condição de viúvo ou não tenha constituído uma outra união estável a fim de evitar a confusão de paternidade Realizada a fecundação artificial post mortem envolvendo um casal casado surge a presunção de paternidade prevista no artigo 1597 inciso III do Código Civil regramento que se aplica à união estável desde que devidamente demonstrada a sua existência e não havendo litígio sobre a materialização da referida entidade familiar A criança assim concebida e gerada tem iguais direitos de família e de sucessões em comparação com os herdeiros da mesma classe e do mesmo grau ou seja é filha do falecido e do cônjuge ou companheiro sobrevivente em atenção ao princípio constitucional da igualdade de filiação previsto no artigo 227 6º da Constituição Federal corroborado pelo artigo 1596 do Código Civil No âmbito do direito das sucessões a interpretação da vocação hereditária regulamentada no artigo 1798 do Código Civil deve observar que o legislador não previu a possibilidade de uma pessoa falecida puder gerar um filho através da utilização do seu material genético crioconservado de sorte que não havendo expressa vedação legal deve o intérprete compatibilizar essa nova perspectiva com os princípios constitucionais da igualdade da filiação e da liberdade do planejamento familiar previstos nos artigos 227 6º e 226 7º da Constituição Federal O planejamento familiar de livre deliberação do casal ocorre com a manifestação de vontade em vida inclusive quanto à realização de um projeto parental mas pode por circunstâncias alheias à vontade dos partícipes ser efetivado post mortem viabilizando o nascimento de uma criança por inseminação póstuma Objetivando não permitir que se prolongue indefinidamente a perspectiva da fecundação post mortem entendemos que deverá o falecido haver estabelecido por documento escrito ou através de testamento prazo não superior a dois anos para realização do procedimento e concepção de sua prole eventual caso contrário há de se aplicar por analogia o prazo máximo de dois anos previsto para concepção da prole 23 eventual de terceiro beneficiada na sucessão testamentária de acordo com o artigo 1799 inciso I cc artigo 1800 4º do Código Civil A possibilidade de não se reconhecer direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune em última análise o afeto a intenção de ter um filho com a pessoa amada embora eventualmente afastada do convívio terreno Punese o desejo de ter um filho de realizar um sonho Punese o amor que transpõe barreiras temporais o amor perene o amor verdadeiro a fim de se privilegiar supostos direitos patrimoniais dos demais herdeiros Tal perspectiva vai de encontro aos modernos princípios do direito de família especialmente aos princípios da igualdade de filiação da afetividade e da dignidade da pessoa humana BIBLIOGRAFIA AGUIAR Mônica Direito à filiação e bioética Rio de Janeiro Forense 2005 ALDROVANDI Andréa e FRANÇA Danielle Galvão A reprodução assistida e as relações de parentes Disponível em httpwwwjusnavegandicombr Acesso em 8out2005 ALMEIDA José Luiz Gavião Código Civil Comentado Direito das sucessões Sucesão em geral Sucessão legítima São Paulo Atlas v XVIII 2003 ALMEIDA JÚNIOR Jesualdo Eduardo Técnicas de reprodução assistida e o biodireito Disponível em httpjusnavigandicombr Acesso em 10out2005 BARBOSA Heloísa Helena Direito à identida genética In PEREIRA Rodrigo da Cunha coord Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a Vacatio Legis Belo Horizonte Del Rey 2002 p 379 389 DIAS Maria Berenice Manual de Direito das famílias Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 24 DINIZ Maria Helena Curso de direito civil brasileiro direito das sucessões 16 ed São Paulo Saraiva 2002 v 6 GAMA Guilherme Calmon Nogueira da A nova filiação o biodireito e as relações parentais Rio de Janeiro Renovar 2003 GIORGIS José Carlos Teixeira A inseminação póstuma Disponível em httpwwwespacovitalcombr Acesso em 2102005 GOMES Orlando Sucessões 11 ed Rio de Janeiro Forense 2001 HABERMAS Jürgen O Futuro da Natureza Humana São Paulo Martins Fontes 2004 HIRONAKA Giselda Maria Fernandes Novaes Comentários ao Código Civil parte especial do direito das sucessões São Paulo Saraiva 2003 v 20 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Trad de Paulo Quintela Lisboa Ed 70 1986 LEITE Gisele Conseqüências jurídicas da inseminação artificial Disponível em httpwwwpassosuemgcombr Acesso em 28set2005 LEITE Eduardo de Oliveira Procriações artificiais e o direito aspectos médicos religiosos psicológicos e jurídicos São Paulo Editora Revista dos Tribunais 1995 Comentários ao Novo Código Civil volume XXI do direito das sucessões 2ª ed Rio de Janeiro Forense 2003 LÔBO PAULO LUIZ NETTO Código Civil Comentado direito de família Relações de parentesco Direito Patrimonial Álvaro Vilaça Azevedo coord São Paulo Atlas 2003 v XVI 25 Entidades familiares constitucionalizadas para além do numerus clasus In Rodrigo da Cunha Pereira coord Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família Família e cidadania O novo CCB e a Vacatio Legis Belo Horizonte Dey Rey 2002 p 89107 PACHI Carlos Eduardo Estatudo da Criança e do Adolescente Comentado comentários jurídicos e sociais Munir Cury coord São Paulo Malheiros 2003 QUEIROZ Juliane Fernandes Paternidade aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial Belo Horisonte Del Rey 2001 VELOSO Zeno Comentários ao Código Civil parte especial do direito das sucessões São Paulo Saraiva 2003 v 21 Inicialmente é importante trazer o conceito de reprodução humana assistida Com o avançar dos anos e consequentemente da tecnologia surgiu a reprodução humana assistida como uma forma de possibilitar aos casais que possuem dificuldades de gerar filho realizarem seu sonho de paternidade ou maternidade Maria Leal de Jussara Meireles em seu livro Reprodução assistida e o novo Código Civil brasileiro In MEIRELES Jussara Maria Leal de Coord Estudos de Biodireito Curitiba Genesis 2004 assim conceitua A fecundação resultante de reprodução medicamente assistida é utilizada em substituição à concepção natural quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos de gerar São técnicas de interferência no processo natural daí o nome de reprodução assistida Falando dos métodos propriamente ditos temos inseminação artificial fecundação in vitro e gestação por substituição ou Cessão temporária de útero Já as técnicas para realização dos procedimentos são denominadas reprodução assistida homóloga reprodução assistida heteróloga e reprodução assistida post mortem Pois bem A respeito do direito sucessório do filho nascido post mortem os direitos assegurados no ordenamento jurídico brasileiro a jurisprudência as normas e as resoluções infra legais é que fundamentam as decisões do judiciário nos casos concretos isso porque há sim uma ausência de regulamentação específica do tema em questão Tratando especificamente do nosso código civil de 2002 nele há o reconhecimento da existência do instituto que pauta o presente trabalho Vejamos por exemplo o Art1597 III Art 1597 Presumemse concebidos na constância do casamento os filhos I nascidos cento e oitenta dias pelo menos depois de estabelecida a convivência conjugal II nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte separação judicial nulidade e anulação do casamento III havidos por fecundação artificial homóloga mesmo que falecido o marido IV havidos a qualquer tempo quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga V havidos por inseminação artificial heteróloga desde que tenha prévia autorização do marido Veja que o inciso III inclui os nascidos por meio dessa técnica na presunção filial Citamos também o artigo Art 1596 assim disposto Os filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Ou seja não há diferenças entre filhos não importando como foram concebidos Ainda temos também o art1798 assim disposto Legitimamse a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão Ou seja ampliando o rol dos herdeiros posto que legitima os nascituros a suceder pois só considera capaz de herdar os nascidos ou concebidos à época da abertura da sucessão só que infelizmente perceba que não abrange os concepturos Sendo conceituados os concepturos como filhos que poderão eventualmente ser concebidos por meio da reprodução assistida homóloga post mortem Com isso o que podemos extrair é que esses nomeados concepturos se sujeitaram a regra disposta no artigo 1799 I do Código Cível ou seja Art 1799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder I os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador desde que vivas estas ao abrirse a sucessão II as pessoas jurídicas III as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação Entretanto veja que no supracitado artigo o direito está condicionado ao nascimento desse eventual filho no momento em que se abre a sucessão Enfim conclusão outra não resta o nosso Código Civil não proíbe a reprodução assistida porém por outro lado também não a regulamenta Agora em sede de enunciados podemos citar os abaixo mencionados De extrema importância se faz citar entendimento elaborado o enunciado nº 104 da I jornada de direito civil Enunciado No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial juridicamente qualificada gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida dependendo da manifestação expressa ou implícita da vontade no curso do casamento Também citase enunciado 106 do CJF Enunciado Para que seja presumida a paternidade do marido falecido será obrigatório que a mulher ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido esteja na condição de viúva sendo obrigatória ainda a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte Enfim feita as devidas introduções trataremos de 3 situações quais sejam Inseminação artificial homóloga post mortem com o consentimento expresso deixado pelo marido e Inseminação artificial homóloga post mortem sem consentimento e sem oposição deixada pelo marido e por fim Inseminação artificial homóloga post mortem com manifestação expressa de oposição Citamos aqui o livro direito das sucessões de Giselda Maria Fernandes Novaes HIRONAKA Direito das sucessões São Paulo Revistas dos tribunais 2007 que sobre o tema sustenta que quando tiver sido realizada com a anuência expressa do marido estão cumpridos os requisitos necessários do enunciado do conselho da justiça federal além de também estarem de acordo com as normas indicadas na resolução do conselho federal de medicina Quando sem consentimento e sem oposição a doutrina posicionase contrariamente à realização da reprodução havendo algumas correntes a favor da reprodução nesse caso agora já se tratando do caso em que há manifesta expressa de oposição é consolidado entendimento contrário à realização do procedimento em tela assim como o estabelecimento da filiação Agora tratando especificamente do direito sucessório há divergência doutrinária pelo simples motivo de não haver legislação especifica que regula o assunto conforme já explicado nesse trabalho Há uma corrente que sustenta que o filho concebido através da reprodução assistida post mortem não possui nenhum direito sucessório Essa corrente lê friamente o artigo 1798 do código civil ou seja para quem a defende um filho nascido ainda quando pais estão vivos será sim considerado herdeiro legitimo há o nascido por meio de inseminação artificial após a morte do pai poderia quando muito ser lido como sendo herdeiro testamentário Só que essa visão ao meu ver é extremamente ultrapassada e inclusive viola o disposto na nossa constituição federal fazendo diferença entre filhos quando não deveria se fazer Fato é que o que chamamos de concepturos deve sim ser considerado um legitimo herdeiro sem diferenciação alguma Ora a nossa carta magna de 1988 carrega em seu seio garantias e equidade em vários campos do Direito incluindo no que diz respeito aos direitos dos filhos Logo resta mais do que óbvio que as suas disposições alcançam todos os vínculos de filiação não sendo mais permitidas as diversas categorias de filhos legítimos ilegítimos naturais adotivos ou incestuosos bem como passa a ser vedada qualquer forma de distinção entre eles Aqui citase o artigo 227 6 da CF88 os filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação Vemos que nesse sentido inclusive o artigo 1596 do CC02 tem exatamente o mesmo texto constitucional restando consagrado tanto na nossa constituição quanto em nosso código civil o princípio da igualdade entre os filhos Citase Flávio Tartuce que assim aduz em seu livro Direito Civil Direito de Família Vol 5 15ª ed Rio de Janeiro Forense 2020 Esses comandos legais regulamentam especialmente na ordem familiar a isonomia constitucional ou igualdade em sentido amplo retirado do art 5 caput da CF88 um dos princípios do Direito Civil Constitucional Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes Enfim é preciso dizer que ao realizar pesquisas podemos concluir que o ordenamento jurídico como um todo a nossa jurisprudência e até mesmo a doutrina majoritariamente entendem pelo não acolhimento da sucessão legítima do concebido post mortem para eles o concebido post mortem deve ser considerado apenas herdeiro testamentário Ou seja em razão da lacuna legislativa e ausência de legislação especifica têmse divergentes correntes doutrinárias quanto aos efeitos sucessórios da inseminação post mortem Em meio a toda essa confusão jurídica urge a necessidade de que esse assunto seja possua regulamentação jurídica prevendo sua aplicabilidade suas consequências posto que o ordenamento jurídico pátrio não acompanhou a evolução das técnicas médicas É improrrogável que seja formulado diretrizes legislativas para o aclaramento de questões jurídicas sobre reprodução assistida e seus efeitos Para finalizar hoje ante a falta de regulamentação a melhor solução para o caso é o filho póstumo ingressar judicialmente para fazer jus ao seu direito como sucessor legitimo do falecido caso este não tenha deixado testamento