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MARION SEGAUD ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO HABITAR FUNDAR DISTRIBUIR TRANSFORMAR edições sesc Anthropologie de lespace por Marion SEGAUD ARMANDCOLLIN Paris 2010 para a segunda edição ARMAND COLLIN é uma marca da DUNOD Éditeur 5 rue Laromiguière 75005 PARIS Edições Sesc São Paulo 2016 Todos os direitos reservados Tradução Eric R R Heneault Preparação Karen Amaral Sacconi Revisão Karina A C Taddeo Pedro Silva Projeto gráfico Thiago Lacaz Imagem da capa Detalhe de AtelierTensão de José De Quadros óleo sobre tela 190 x 180 cm 20052006 fotografia Everton Ballardin Se376a Segaud Marion Antropologia do espaço habitar fundar distribuir transformar Marion Segaud Tradução de Eric R R Heneault São Paulo Edições Sesc São Paulo 2016 312 p il Bibliografia e Índice Temático Lugares ISBN 9788569298816 1 Antropologia do espaço 2 Arquitetura 3 Habitar 4 Fundar 5 Distribuir 6 Transformar 1 Título 11 Heneault Eric CDD 301 Edições Sesc São Paulo rua Cantagalo 74 13º14º andar 03319000 São Paulo SP Brasil tel 55 11 22276500 edicoesedicoessescsporgbr sescsporgbredicoes edicoessesescsp 4 Fundar Começando por encerrar num recinto circular os santuários de Héstia de Zeus e de Atenas ao qual dará o nome de Acrópole em seguida dividirá em doze partes a cidade e seu território inteiro Então serão feitos cinco mil e quarenta lotes mas cada um será dividido em dois e duas partes serão juntadas para que cada lote tenha uma parte próxima e uma parte afastada A população será distribuída em doze seções e então após ter atribuído doze lotes a doze deuses darseá um nome e consagrarseá o lote que pertence a cada deus será a tribo Distinguirseão também os doze setores da cidade do mesmo modo que se dividiu o resto de território e cada cidadão receberá duas habitações uma perto do centro outra perto das fronteiras é assim que se completará a fundação Platão As Leis Livro IV Condições necessárias para a fundação de um Estado Fundar é uma operação voluntarista que decide uma implantação pontual casa monumento ou mais ampla cidade território É cumprida por uma autoridade reconhecida civil ou religiosa segundo ritos Tratase de pensar o sítio o começo e as origens de fazer território Fundar é sempre atribuir qualidades a um espaço é estabelecer uma relação de parte da extensão com o mundo tecendo vínculos simbólicos é relacionar um lugar com o universo De certo modo é também pedir a permissão de se estabelecer em algum lugar assim a fundação pode ser considerada uma resposta a essa autorização como um ato de reparação Essa relação é interativa na medida em que uma vez fundado o próprio lugar é ao mesmo tempo produto e produtor de simbologia e de sociabilidade De fato a fundação diz como deve ser organizada e distribuída a extensão para poder acolher identificar e legitimar uma instalação pelo fundador Tratase de estabelecer uma relação inaugural por meio do espaço com outrem o que indica a expressão atual fundar um lar eou com o cosmos sagrado Porém sempre há fundação Existem não fundações Em certas sociedades sedentárias ou nômades as operações de fundação parecem não existir Entre os guaiaquis grupos amazônicos nômades a mobilidade se conjugava de forma peculiar com a inscrição num território Organizados em bandos cada um possuindo seu território de colheita e de caça eles transferiam permanentemente seu acampamento1 conforme a busca por suprimentos Somente uma vez por ano na estação mais fria como os esquimós descritos por Mauss eles se reuniam num único lugar um centro sempre móvel em que desenvolviam sua sociabilidade jogos festas uniões reafirmando assim uma unidade social e política Acima desse centro pairavam os espíritos dos mortos que participavam da dimensão simbólica desse espaço Dessa forma a tribo se reaproximava no tempo reconstituindose como totalidade ao reencontrar seus ancestrais CLASTRES 1990 1 O acampamento era quase indiscernível na floresta O espaço dos janomâmis parece mais sedentário suas instalações eram relativamente duráveis os espaços das casas e dos jardins eram bem distintos da floresta Entretanto como para os guaiaquis H Clastres considera que são as relações entre as pessoas que fornecem referências fixas e que preponderam sobre os vínculos com a localidad Nos lares um corredor de circulação e por fim a praça a céu aberto vazia nessa estrutura cada rito tem um lugar definido é no fundo que se isola a filha para sua primeira menstruação ou o guerreiro que matou As sessões de xamanismo ocorrem no corredor de circulação na beira da praça as piras funerárias As relações de parentesco portanto não são as únicas a se inscreverem lá a habitação pela sua própria arquitetura é o suporte da representação do mundo do centro consequentemente de um espaço territorializado CLASTRES 1990 A divisão comunitária dos jardins e os regulamentos de uso da colheita larvas em árvores compartilhadas por alguns grupos fazem com que nenhum lugar fixo seja propriamente atribuído mas compart ilhado Uma vez esgotados os territórios se deslocam permanentemente e são sobretudo considerações políticas que determinam as novas localizações e a distância entre as comunidades Como os primeiros estes índios da floresta não têm vínculos locais e não estão enraizados em lugar nenhum porque não deixam nada para trás que possa retêlos nomes que seja possível reutilizar plantações casas usadas e de antemão destinadas a serem devolvidas à floresta já que sua construção não é acompanhada de nenhum gesto que pudesse lembrar mesmo de longe uma fundação Mas sobretudo seu ritual funerário inteiramente focado em apagar os rastros dos mortos traduz uma vontade de não deixar nada na terra que se assemelhe a lugares sagrados mesmo que seja para evitar tais lugares nada que possa fazer do seu território uma terra ancestral Nesse rito consequentemente a mobilidade encontra sua condição de mobilidade CLASTRES 1990 Assim a mobilidade e a territorialização desses aborígenes ao implementar ritos que pudessem parecer destinados a impedir qualquer forma de enraizamento narravam mitos que consolidam sua ocupação de direito nos espaços que percorrem No Japão Caillet e Beillevaire 1990 estimam que a cultura japonesa se preocupa pouco com a fundação entendida como a ideia de que o homem pode instaurar um corte de ordem espacial e temporal porque a visão do começo do mundo se baseia numa metáfora vegetal o desabrochar de um junco o crescimento dos vegetais algo distante da ideia de criação ex nihilo e envolve mais um processo de autogênese Tratase portanto de um modelo de desenvolvimento genealógico contínuo que está na base da unidade política do Japão Como na gênese da linhagem imperial o ponto de vista genealógico que preside à organização comunitária da aldeia associase a uma referência ao lugar Essa referência nutre um sentimento de enraizamento e reforça a ideia de uma consubstancialidade entre os habitantes Assim as divindades dos santuários tutelares das aldeias são quase indiferentemente chamadas ujigami deus da linhagem e ubasunagami deuses do lugar de nascimento Parece justificado ver nisso o reflexo de uma imbricação estrutural entre laços de sangue e laços de solo CAILLET BEILLEVAIRE 1990 Segundo os autores as crenças xintoístas ao contrário das budistas de origem continental não prescrevem nenhum gesto prévio para a construção de uma cidade Eles consideram que a ausência no Japão de qualquer ideia de fundação que não seja cosmogônica está vinculada ao fato de a linhagem imperial se impor como um referente permanente e global da história nacional Assim cada sociedade seja primitiva tradicional ou moderna enfrenta problemas muito diversos em suas relações com o espaço Ainda hoje existem permanências nos rituais de fundação que se manifestam em alguns países pela presença de pessoas idôneas astrólogos quer se trate da construção de casas familiares2 ou de prédios coletivos Sudeste Asiático Na França por exemplo assentar a pedra fundamental sempre é uma cerimônia corrente que materializa a entrada da construção num tempo concreto vivido 2 Na Índia por exemplo cf R Dulau La maison tamoule traditionnelle 1994 Falase de rituais de fundação quando uma sociedade um grupo ou um indivíduo constroem vínculos simbólicos entre seu território o ambiente construído e suas próprias representações do universo Fundar sempre e fixar no solo um conjunto de crenças de visões do mundo É uma maneira de tornar um espaço seu de apropriarse dele ao distinguílo dos outros espaços e de outrem Portanto é uma maneira de classificar Nesse sentido M Douglas 1972 retomando as ideias de Durkheim e Mauss insiste no aspecto antropológico das classificações onipresentes na vida cotidiana elas se concretizam nela sob diversas formas As fronteiras os limites que decorrem delas sejam simbólicos ou físicos pouco nítidos ou fortes qualquer que seja sua forma de representação e tratamento são reveladores dos tipos de classificação que geram O próprio fato de diferenciar dois espaços ao atribuirlhes qualidades diferentes faz parte desses universais que todos os seres humanos compartilham e que têm sentido e existência a partir do momento em que são capazes de interpretar o mundo de desenvolver uma atividade simbólica por meio da linguagem e dos sinais3 Afinal o que é delimitar senão distinguir dois ou vários espaços atribuindolhes qualidades diferentes o meu e aquele do outro o espaço do meu hábitat espaço de segurança de ordem e o outro alhures espaço perigoso não humano bárbaro Portanto tratase de criar certa descontinuidade ao classificar e categorizar É um dado imprescindível que inevitavelmente instaura uma hierarquia Mas para fundar por onde começar Desenhando um centro ou traçando um limite Quando se fala hoje de fundação pensase em geral na fundação de cidades antigas4 Mas não se deve descartar fundações mais recentes em territórios virgens como as cidades novas francesas a criação por deslocamento de capitais como Brasília ou aquelas mais problemáticas conduzidas por regimes autoritários Birmânia Uzbequistão Da mesma forma a história do urbanismo mostra que após catástrofes naturais ou não proceder a criações urbanas pode ser interpretado como refundações reconstruções Fundar pode se fazer por meio de práticas rituais traçados que dizem respeito tanto à casa como à aldeia ou à cidade podem ser objetos5 e também narracões envolvendo um mito de origem Um assunto de deuses e reis Rituais e narrativas de fundação Os ritos são procedimentos repetidos destinados a transmitir e orientar uma ação a produzir um efeito num contexto dado em geral são o ponto forte de uma cerimônia conjunto qualificado de ritual São frequentemente operações que antecipam acompanham ou sancionam a fundação constituem sinais que indicam como as sociedades constroem sua relação com o mundo Os ritos de fundação são formas de legitimação Podem ser de tipo divinatório aruspicação teofania etc ou prefigurar a cidade por uma marcação no solo A literatura etnológica6 está repleta de descrições dessas práticas cujo objetivo é fazer um espaço passar de um status para outro São 3 O Neolítico hoje é considerado como um período complexo 9500 aC no Oriente 5000 aC no Ocidente em que ocorrem mudanças na ocupação e gestão do espaço acompanhadas de mutações técnicas e também intelectuais A agricultura e a criação de animais se desenvolvem As recentes pesquisas Guilaine 2005 insistem no aspecto cognitivo e ideológico que ampara a domesticação social dos indivíduos o sedentarismo implica que o lar portanto a casa se torne o centro de novas relações sociais No vale do Jordão aparecem casas redondas e semicirculares de madeira tijolos e pedras apresentando já uma distribuição do espaço em células destinadas a receber algumas funções estoque habitação No decorrer do século IX aC as casas se tornam circulares e aparecem construções monumentais torres muralhas locais de cerimônias 4 A identificação de uma fundação é complicada Ela compete à arqueologia e passa por diferentes indícios que podem induzir a erro como os levantamentos de traçados a exegese das narrações de fundação frequentemente por meio da epigrafia etc 5 O Museu do Louvre possui um cone de fundação em barro que data do III milênio aC e celebra a construção de uma casa de justiça na Mesopotâmia Fincavamse cones de barro com inscrições nas paredes dos prédios oficiais A inscrição votiva tinha por finalidade preservar a memória do edifício do deus que nele morava ou do príncipe construtor para a eternidade 6 As fontes mais acessíveis permanecem aquelas que já mencionamos em Anthropologie de lespace completadas por algumas novas isto é para o Himalaia o livro de Barré et al 1981 para a África Frobénius para Madagascar Leenhardt 1947 para o Oeste da África os fails Lebeuf 1961 Cartry e Libersky 1990 para o Sudeste da Ásia Condominas 1980 e MatrasGuin e Taillard 1992 para a Tanzânia Thornton 1980 para os navajos Pinxten van Dooren Harvey 1983 para o Japão PezeuMassabuau 1981 Caillet e Beillevaire 1990 para o Novo Mundo Bernard e Gruzinski 1991 Sobre diferentes regiões do mundo o livro coordenado por M Détenne 1990 traz muitas informações preciosas destinadas a se repetir todas as vezes que as circunstâncias se reproduzem quando se constrói uma casa por exemplo como se se tratasse de criar um tipo de continuidade dentro de uma mesma cultura A panóplia é imensa podem ser sacrifícios doações variadas tabuletas objetos preciosos etc São mencionados em inúmeras narrativas de fundação Entretanto é preciso estar ciente de que essas narrativas através dos séculos acabam se tornando construções às quais cada um traz sua própria interpretação A narrativa mais conhecida é a da funda ção de Roma sobre o monte Palatino Do modo como chegou até nós resulta da síntese de inúmeras versões elaboradas no decorrer dos séculos O que se atesta é a resposta à pergunta feita por B LiouGille 2005 afinal o que significa fundar Roma Era escolher o fundador Rômulo ou Remo definir o sítio e a área da cidade nova sulcus primigenius sulco original com a aprovação dos deuses auspícios darlhe um nome delimitar o pomerium erguer a muralha arrumar um local de reunião para o populus cidadãos mobilizados pelo exército campo de Marte para os patres cúria e os quirites cidadãos não mobilizados foro solidificar a comunidade pela criação de um mundus organizar a sociedade fundar as três tribos e as trinta cúrias estabelecer uma constituição leis de Rômulo Tudo isso merece ser chamado de fundação de Roma LIOUGILLE 2005 Isso mostra bem que não se trata somente de um ritual de fundação ou de elaboração de um traçado mas de um conjunto de operações deliberadas Em certas sociedades encontrase uma manifestação que antecipa a fundação e está em sua origem Chamase teofania isto é a manifestação sensível de uma presença divina que indica onde fundar Esse sinal e sua resposta por meio da fundação manifestam a legitimidade da ação num lugar determinado uma necessidade de proteção por um ritual que pode se reproduzir periodicamente cerimônias percursos e processões são manifestações recorrentes disso Mas pode se tratar também de gênios tutelares como na fundação de aldeias no Vietnã NGUYEN 1992 Em outras sociedades a decisão de fundar uma cidade é política pertence ao rei inspirado por uma vontade divina que aparece na forma de sonho como no Oriente Próximo antigo GRANDPIERRE 2005 Liga das a um indivíduo a uma dinastia tais sociedades são frequentemente objeto de destruição ou abandono quando este desaparece às vezes existem várias refundações porque as cidades são reconstruídas inúmeras vezes como Mari7 cujo primeiro assentamento data de 2950 aC ou Babilônia O arqueólogo portanto deve explorar múltiplas refundações A fundação assim é claramente uma inscrição no tempo para que um nome perdure No Médio Egito no final da XVIII dinastia a fundação de Tell elAmarna resultou do mandato do faraó Amenófis IV Aquenáton de criar uma nova capital por razões ideológicas substituir uma divindade tutelar Amon de Tebas por uma nova divindade mais abstrata já que designada sob o termo aton o disco TALLET 2005 Ela é revelada por uma série de estelasfronteiras gravadas balizando o conjunto do território da cidade e seus arredores Podese tratar também de fundação resultante de vontade coletiva como na Grécia Por volta do final do século VIII aC a Grécia abandona progressivamente um sistema político fundado em pequenas comunidades mais ou menos agregadas na Ática por um sistema mais centralizado em torno da pólis Estabelecese um espaço político comum organizado novo espaço cívico em que cada comunidade será representada e participará alternativamente do poder Fundar uma cidade então é fundar uma pólis E é fortalecida por essa nova unidade que a Grécia vai estabelecer colônias em torno do Mediterrâneo Náxos é fundada por volta de 735 Siracusa por volta de 733 Mégara Hyblaea por volta de 728 A tradição8 quer que antes de tudo se consulte o oráculo de Apolo em Delfos A divindade mais frequentemente citada portanto é Apolo Arcágeta fundador mas existiam outros O herói fundador é geralmente o chefe da expedição a quem posteriormente se dedica um culto Como 7 A narração da fundação de Mari e da sua reconstrução citada por Grandpierres segundo uma inscrição suméria é a seguinte YadhunLim filho de Yaggid de Tuttul e do país de Hana o rei forte que domina as margens do rio Eufrates Dagan proclamou minha realeza além disso nas terras queimadas num lugar de sede em que nunca rei algum erguerua uma cidade eu concebi o desejo e ergui uma cidade Cavei sua vala Chameia DurYadhunLim Então abri um canal e o chamei IschimYadhun Aumentei meu país firmei os fundamentos de Mari e de meu país assim deixei meu nome para a eternidade 8 Segundo Trézin 2005 tratarseia de tradições apócrifas que revelam a importância que no decorrer dos séculos ganhou o oráculo de Delfos importância que então ele certamente não tinha distribuir de forma igual e democrática os colonos pelo território13 Tratase de um princípio de distribuição fundiária É preciso esquecer a ideia segundo a qual a planta em tabuleiro era igual em todo lugar ao contrário ela se adaptava a cada singularidade morfológica dos sítios colonizados Convém igualmente segundo C Maumi desconstruir o mito da planta hipodâmica de fato Hipódamo de Mileto é frequentemente considerado o primeiro arquiteto e o ancestral totêmico do urbanismo século V aC Contudo seu mérito não está na invenção de um sistema quadriculado mas no fato de ter pensado como um conjunto a organização do espaço urbano e da sociedade local Como inúmeros pensadores daquela época do Iluminismo grego ele desenvolve uma teoria social em que os grupos e as instituições estão repartidos de maneira racional na cidade A cidade ideal a seu ver devia abrigar dez mil homens e ser organizada em três classes os artesãos os lavradores e os militares Repartiase em três zonas sagrada pública e privada Segundo R Martin 1966 os documentos epigráficos encontrados no porto do Pireu indicam um sistema de demarcação que delimita essas zonas especializadas Centralidades geométricas e simbólicas na cidade e na casa Falar aqui de centralidade pode parecer incongruente mas afinal de contas ela pode ser considerada como um efeito dos traçados um ponto de fundação Os gregos sempre imprescindíveis permitem entender mais uma vez os vínculos entre espacial e social No lar primitivo Vernant 1981 descreve o megaron micênico como uma lareira redonda fixada no chão que se inscreve no centro de um espaço circular delimitado por quatro colunas Elevandose até a cumeeira esses pilares propiciam um buraco no teto pelo qual sai a fumaça Seja queimando incenso na lareira seja deixando a carne das vítimas se consumir ou ainda grelhando durante as refeições a porção de comida reservada aos deuses na chama acesa em seu altar doméstico Héstia faz subir as oferendas familiares até a morada dos deuses do Olimpo Héstia simboliza para o grupo doméstico o centro isto é um ponto fixo no chão que permite estabilizar delimitar a extensão terrestre É por aí também que se efetuam os contatos entre os diferentes níveis cósmicos sob a terra sobre a terra e no céu Para os membros do oikos a lareira central da casa marca também o caminho das relações com os deuses de baixo e os deuses de cima o eixo que de uma extremidade à outra faz todas as partes do universo se comunicarem VERNANT 1981 O centro portanto é designado pelos termos Héstia deusa do lar e ônfalo umbigo A constelação de lareiras domésticas que constituem as centralidades autônomas das pequenas comunidades disseminadas pela Ática vai se reduzir a uma centralidade única em Atenas com a reforma de Clístenes no século I Lévêque e VidalNaquet 1983 falam do nascimento de um espaço cívico no qual Héstia simboliza o centro de um espaço constituído por relações reversíveis O advento da pó1is vai transformar a representação mental do espaço disso resultará um universo homogêneo sem hierarquia e sem níveis É um novo quadro territorial que se desenha o centro político se desloca e se constrói em torno da Acrópole e depois da ágora a cidade se torna o coração de um território homogêneo federal onde cada comunidade será representada alternativamente num centro geométrico De singulares que eram as lareiras se confundem numa lareira comum Do mesmo modo todas as narrações da fundação de Roma relatam a existência de um mundus que se concretizava numa vala em que eram depositadas no momento da fundação torrões de terra oriundos das diferentes regiões das quais a cidade pretendia ser a capital e uma amostra do que era necessário para os novos cidadãos Assim o mundus simbolizava a reunião da comunidade num lugar determinado dentro das muralhas e era objeto de rituais LIOLUGILLE 2005 Mas também federava as tribos horizontalmente dispersas pelo território e permitia em determinados momentos do calendário a ligação entre os mundos de baixo o dos infernos e o dos mortos e o de cima da comunidade dos vivos 13 Os primeiros a terem chegado à colônia podiam pretender os mesmos direitos sua propriedade era inalienável Planta da aldeia de Kejara Segundo C LéviStrauss Tristes Tropiques Paris Plon 1955 eixos passouse a uma organização em que as casas comuns a várias famílias estão dispostas ao longo de uma trilha frente a frente de cada lado desse eixo numa racionalidade totalmente ocidental Desorientados em relação aos pontos cardeais privados da planta que fornece um argumento a sua sabedoria os indígenas logo perdem o senso das tradições como se seu sistema social e religioso fosse complicado demais para abrir mão do esquema que se tornou patente na planta da aldeia e cujos contornos seus gestos cotidianos perpetuamente refrescam LÉVISTRAUSS 1955 Esse exemplo emblemático mostra uma leitura da imbricação dessas duas esferas do social e do espacial além da maneira como elas respectivamente se consolidam Orientação e delimitação processos consubstanciais e recorrentes É para fins de análise que os diferenciamos pois em geral contribuem juntos para estruturar o espaço A observação de suas combinações e interpretações pelos grupos pode em certas áreas geográficas revelar regras e modelos de divisão do espaço15 Orientação da casa das aldeias e das cidades Podemos considerar que desde as origens a orientação foi relacionada com a sobrevivência do homem e que a dimensão astrológica presidiu à sua localização no espaço O curso do sol a posição dos astros e também o movimento das correntes fluviais eou marítimas o vento dominante e mais tarde a agulha magnética ao servirem de pontos de referência favoreceram a construção pelos homens de direções que organizam sua relação com o espaço Mas se todas as sociedades lidam com as orientações que levam a representações particulares do mundo nem todas usaram originalmente da mesma maneira o sistema cardeal Este consiste numa representação geométrica em que os pontos são fixos o norte e o sul são determinados pela posição do sol e mais tarde pela agulha magnética esse sistema permite traçar eixos nortesul e lesteoeste cujo cruzamento cria setores e zonas específicas Se todas as culturas conhecidas reconhecem o nascer e o pôr do sol podemos deduzir razoavelmente que percebem pelo menos duas direções leste e oeste num plano horizontal a posição do sol no zênite vai variar conforme estivermos no hemisfério Norte ou Sul São os significados e as definições que os povos lhes dão que divergem Nas sociedades sedentárias tradicionais A orientação pode se manifestar em diferentes escalas na casa na cidade ou no território inteiro Na escala do território entre os zunis Cassirer 1977 explica que a totalidade do espaço está dividida em sete regiões norte sul leste oeste mundo superior mundo inferior centro do mundo e as coisas e pessoas estão distribuídas nelas de forma definitiva Tal descrição já havia sido desenvolvida por Mauss que via nela um verdadeiro arranjo do universo organizado num sistema que ordena todos os fatos da natureza assim como os homens e os animais Na China antiga os pontos cardeais ganham sentido por meio das cores16 e determinam as estações isto é elementos não espaciais Na dinastia Zhou século XI aC o sul representava o centro cósmico do universo sendo a capital o centro social O céu era dividido em cinco setores cada um associado a uma direção um elemento e uma cor Havia correspondência entre os orientes os setores e a cores o setor leste era dominado pela madeira e pela cor verde o sul pelo fogo e pelo vermelho o oeste pelo metal e pelo branco o norte pela água e pelo preto e o centro pela terra e pelo amarelo A totalidade da terra era orientada como o conjunto dos assentamentos humanos Por ocasião das cerimônias de enfuetação todo ano os vassalos vindos dos Quatro Orientes chegavam ao centro do Império e se distribuíam em torno de um altar quadrado o centro que representa a totalidade do império O Filho do Céu 15 Sobre o Sudeste Asiático reportemos ao sintético e bem documentado artigo de J MatrasGuin 1992 16 A associação de cores às direções e aos pontos cardeais se encontra em várias sociedades no Ocidente e no Oriente o imperador era o garantidor da ordem social consolidada de certo modo pela ordem espacial Era o mediador entre o céu e a terra Granet 1968 descreve como ao percorrer o Mingtang a casa do calendário o imperador seguia o ciclo das estações parando a leste no equinócio do outono e ao norte no solstício de inverno Assim ele representava concomitantemente o espaço e o tempo porque enquanto se deslocava ia de um ponto ao outro e fazia com que as estações ocorressem Seria mais exato dizer não que o soberano se desloca no espaço ou no tempo mas que o EspaçoTempo se desdobra à medida que ele se desloca Espaço e Tempo permanecem indissociáveis ainda mais que nunca são quadros abstratos neutros O espaço chinês é um espaço vital polarizado pelos quatro orientes sifang notese de passagem que o termo fang significa ao mesmo tempo oriente e quadrado onde o filho do céu protótipo do homem vem oportunamente tomar lugar e o tempo é um tempo vivido ritmado pelas quatro estações sishi o termo shi significa estação e também momento oportuno propício Portanto o espaço na China não é um palco vazio CHENG 1993 No Extremo Oriente ao contrário do Oriente Próximo ou da Europa o ordenamento do espaço apresenta uma grande homogeneidade FORÊT 1993 fundada na utilização de conceitos geomânticos17 Essas sociedades têm características semelhantes de cultura geografia planícies aluviais e montanhas e clima A transição de uma paisagem natural de pântanos para uma paisagem cultural de canais diques e lagoas exigiu investimentos consideráveis no decorrer dos séculos feitos por um vasto campesinato dirigido por uma burocracia complexa Esses dois atores do ordenamento do espaço que são o camponês e o burocrata compartilham a mesma avaliação dos recursos ambientais e a mesma concepção de vida em harmonia com a natureza As sociedades da Ásia oriental portanto elaboram conceitos de harmonia e de implicação na natureza que associam de forma particularmente estreita paisagem e cultura FORÊT 1993 Na escala das cidades sabese que na China a perenidade das construções constituída no Ocidente por meio do tombamento não é vivida da mesma maneira ZHANG 2003 A arquitetura chinesa era essencialmente feita com materiais perecíveis Mas além dessa fragilidade técnica P Clément 1987 mostra em seu estudo sobre as cidades capitais chinesas que estas não somente são precárias como de extrema mobilidade em todo o território e também dentro de um mesmo sítio Uma vez destruída a cidade nova era objeto de um verdadeiro projeto urbano que antecipava sua forma e seus limites O imperador cumpria o ato primordial de fundação ao determinar as orientações e a implantação em função dos elementos geográficos e geomânticos O que importava não era a cidade em si uma criação temporária mas o território Essencialmente política ela era ao mesmo tempo o cume e o pivô do império em harmonia com o universo e garantidora da hierarquia social A escolha do sítio e a fundação da cidade imperial de Hué no Vietnã respondem aos princípios da geomancia chinesa adaptada ao simbolismo vietnamita assim como a considerações estratégicas e geográficas Correspondem a regras estritas de orientação de dimensão dos edifícios e de cores dos materiais LAHEURTE 1993 Como em várias sociedades tradicionais encontrase em Bali uma oposição entre os territórios selvagens e as terras habitadas pelo homem A essa oposição sucede outra sagradonão sagrado A fundação de uma cidade de um reino de uma casa ou de um território é um ato de consagração que visa transformar o caos em cosmos e que segundo Nathalie LancretSimon 1993 é uma repetição do ato cosmogônico original da criação do mundo As principais etapas da fundação são descritas começando pela criação de um centro o monte sagrado por excelência é o monte Agung que segundo a tradição é o ponto sagrado a partir do qual a ilha foi criada ou de um ponto fixo que permite orientar o território segundo um sistema nawa sanga que comporta nove direções 17 A Dellissen resume apropriadamente A função geral da geomancia é uma função de harmonização Mas tratase de muito mais que uma simples harmonização do construído e da paisagem A geomancia tem duplo papel de um pensamento e de um processo de harmonização com a natureza que vale para o espaço humano orientações escalas formas territórios e para o tempo humano ciclos cósmicos estações presença dos mortos história social Cf Des dragons dans le paysage coréen LHomme et la société Anthropologie de Iespace habité nº 104 1992 p 1522 158 159 1 Centro da mandala Palácio alunalun mercado e alguns edifícios públicos 2 Primeiro anel Residências dos aristocratas ou jero as pessoas de dentro 3 Segundo anel Primeiras aldeias anexadas à cidadecapital Utama Superior Madya Médio Nista Inferior Templo Palácio Alunalun Cemitério figura 14 Os modelos celestes da trimandala e da mandala Fonte N Lancret Badung Asies 1993 quatro direções principais que constituem uma divisão quaternária do espaço o centro e quatro direções intermediárias figura 14 Entre os navajos a percepção da posição do sol se realiza por meio das montanhas sagradas que delimitam o mundo navajo Finalmente na escala doméstica entre os dogons da África as orientações se concretizam na estruturação do espaço doméstico e nos mitos Sejam eles pontos ou direções os pontos cardeais organizam as ações humanas ajudam os homens a se posicionar no espaço a se mover a edificar etc Na África entre os gourmantchés e os kasenas Cartry e Liberski 1990 relatam as diferentes etapas que antecipam a fundação das casas Entendese que até mesmo para uma construção banal uma casa tratase de um conjunto complexo de procedimentos Primeiramente há a escolha do sítio localização e também orientação que se realiza por meio de consultas divinatórias há as narrativas que fazem referência a mitos e às categorias usadas para pensar a fundação os rituais e então o trabalho de construção propriamente dito em todas essas etapas intervêm atores diversos Ao contrário no que diz respeito à grande casa achuar da Amazônia DESCOLA 1986 nem sua construção nem sua inauguração é objeto de qualquer ritual Nas sociedades tradicionais nômades As coisas nem sempre são simples Por exemplo entre os mouros18 AM Frérot 1996 nota certa indecisão na determinação tradicional das orientações cardeais O referente cardeal não é unificado e depende de noções estruturantes e não da rosa dos ventos as referências determinantes o meio ambiente cotidiano as margens regiões geográficas e polos econômicos atrativos a orientação das dunas e outras linhas do relevo o sentido do vento dominante são referências geográficas que podem variar conforme o local onde está o observador os mouros sempre estruturam seu espaço em relação à vivência percebida identificada ou representada FRÉROT 1996 18 República Islâmica da Mauritânia 160 161 Como essas sociedades móveis devem se adequar permanentemente à área que vão ocupar a orientação é omnipresente não somente preside à implantação da unidade residencial o acampamento mas também à da tenda que é regida por regras estritas Dentro desta objetos e pessoas são igualmente distribuídos em determinadas direções BOULAYE 2005 Na Mongólia BIANQUISGASSER 1999 a implantação da iurta para um casamento ou uma etapa do percurso da nomadização é feita no dia bom segundo um calendário conservado atrás de uma haste na parte nordeste o calendário mongol é dividido em períodos de doze dias correspondentes a doze animais do mesmo modo cada dia se baseia em doze signos BIANQUISGASSER 1999 Estabelecida a localização e feita a instalação o dono da casa percorre três vezes o recinto rezando e purificando o local com queima de zimbro A ordenação interior da iurtá é organizada segundo dois eixos um lesteoeste orientação definida de dentro olhandose para o sul dividindo o espaço entre mulheres a leste e homens a oeste o segundo divide a iurta em três partes norte centro e sul em que se repartem atividades e indivíduos Até onde sabemos não existe inventário dos sistemas de orientação assemelhamse a permanências mas com infinitas variantes Estimase segundo F PaulLévy que têm em comum organizar as balizas do movimento e também qualificar e organizar o espaço em diferentes zonas dos pontos de vista geográfico social e simbólico Nesta margem do rio naquela do lado da nascente do lado da foz na zona a montante na zona a jusante ao norte ao sul no centro etc situamse grupos atividades hábitats monumentos etc de valor de naturezas diferentes como são diferentes o valor e a natureza dos espaços qualificados pelos eixos orientadores PAULLÉVY 1983 Assim os sistemas de orientação servem para qualificar o espaço dandolhe sentido e conteúdo Autorizam ou proíbem o estabelecimento das relações dos indivíduos entre si e com seu ambiente Portanto existe um aspecto social sob as orientações De fato em várias sociedades tradicionais a orientação toma formas de atribuição A descrição bem conhecida que Bourdieu 1972 faz da casa cabila mostra que como em várias sociedades muçulmanas a orientação determina o lugar do homem e da mulher como o dos animais da lareira e dos utensílios da vida cotidiana Ele nota que a orientação dentro da casa é inversa àquela do espaço externo o que o leva a falar de um espaço invertido Na Birmânia dormese de preferência na metade leste da casa sendo o lugar sob o altar do Buda reservado para o dono da casa Deitase com a cabeça orientada para este pinhão segundo os birmaneses o nome que lhe dão gaungyin ou pinhão de cabeça vem precisamente da posição do corpo mais comum durante o sono o outro pinhão a oeste é o dos pés tcheyin Assim se opõem o pinhão da cabeça e o pinhão dos pés a frente e os fundos a parte alta e a baixa da casa O eixo pinhão de cabeça pinhão dos pés é o da cumeira das casas e da orientação geral do bairro pagodeavenida Na casa permite localizar os espaços privilegiados do sagrado e do profano O eixo fachada dianteirafachada traseira permite ir do público ao privado espaço de recepção quarto das filhas púberes ou do jovem casal do masculino ao feminino espaços onde dormem os homensquarto com pedra de tanahka e cozinha Por fim intervém o eixo vertical que contribui para delimitar o espaço citado por referências de níveis o cômodo principal que abriga os altares e cujo assoalho serve para se deitar e dormir é o mais alto sobre estacas a cozinha fica num nível mais baixo assim como o cômodo da frente e a soleira da entrada onde as pessoas se descalçam BRAC DE LA FERRIÈRE 1992 Existem inúmeros exemplos nas sociedades tradicionais de tipos de orientação da casa em função de diferentes elementos físicos e simbólicos No livro Anthropologie de Iespace utilizamos o termo alocação para designar essa relação entre o espaço e as injunções sociais próprias a cada sociedade e em particular os fatos que dizem respeito aos lugares e locais em que os grupos e indivíduos devem se encontrar É difícil determinar se a localização dos indivíduos ou grupos no espaço da casa ou da aldeia se explica por seu gênero idade ou status social e familiar e se a orientação além de efeitos espaciais produz efeitos sociais A causalidade implícita quando falamos de efeitos não é unívoca BRAC DE LA FERRIÈRE 1992 162 163 Fundar Ainda hoje a orientação das construções especialmente das habitações dálhes um valor de conforto físico e estético portanto de qualidade que influencia o mercado A orientação conforme o sol para a rua ou o pátio com ou sem vista com vizinhos mais ou menos próximos ou inexistentes altera amplamente os preços em nossas sociedades contemporâneas O antigo sistema chamado geomancia chinesa feng shui vento e água ainda está presente na Ásia nas construções modernas Diz respeito à escolha dos locais e à adaptação das construções às características do meio ambiente com a finalidade de conseguir harmonizar a relação entre o homem e a natureza O sistema que preside à escolha do local e da planta do edifício é baseado no conhecimento dos fluxos de energia como na acupuntura que atravessam a terra à imagem do corpo na origem da energia vital produzida pela oposição do yin e do yang CLÉMENT CHARPENTIER HAK SHIN 1987 Esse conhecimento muito antigo foi assunto de vários tratados e utiliza a orientação como um tipo de operadora da fundação e também como condição para a harmonia Assim a geomancia chinesa aplicada ao espaço determina o local propício à ocupação do espaço dos vivos e dos mortos Não dissocia o local escolhido para a fundação do meio ambiente global organizado por um conjunto de forças e redes de energia espalhadas por todo o território Ela está no fundamento da paisagem Tal abordagem é contrária à racionalidade ocidental que presidiu à modernidade arquitetônica Fingerhuth 2004 recomenda interpelar os conceitos do taoísmo para refletir sobre um urbanismo segundo a hipermodernidade Inspirandose em noções não racionais ele exorta os profissionais a utilizar as emoções as sensações as experiências sensíveis e a espiritualidade para intervir na transformação das cidades modernas Aliás essa busca pela harmonia do homem e do meio ambiente se inscreve nas temáticas atuais de desenvolvimento sustentável19 Considerase ainda hoje que os princípios de fundação da casa tradicional merina de Madagascar sempre estão presentes na mente mesmo quando se trata de habitações urbanas20 Assim tratar das orientações do espaço e dentro do espaço é entender como o homem em todos os tempos e em todas as sociedades procura se posicionar da melhor forma possível em relação ao seu entorno às suas representações do universo Também é saber que para muitas delas a orientação se reveste de dimensões propriamente políticas na medida em que organiza o lugar de cada um individualmente eou coletivamente fazendoo participar de uma totalidade particular qualificada A delimitação21 a questão do limite Delimitar é uma operação elementar consubstancial à orientação que situa o homem em relação ao restante do mundo que introduz um interior em relação a um exterior Ela institui uma ruptura naquilo que é contínuo criando uma fronteira uma borda uma orla ou seja uma separação entre duas zonas Portanto tratase de um processo de qualificação que permite diferenciar um espaço de outro Segundo M Détienne 1990 A questão da fundação deve ser tratada por meio de uma série de interrogações sobre o local o limite o início os gestos os objetos os ingredientes a autonomia da fundação as maneiras de individualizar o fundador O que é um lugar Tem nome É fixo O que significa habitar ordenar construir Tratase de uma sequência contínua Existem lugares que falam outros que assinalam O limite de onde vem Da aldeia da selva É fixo móvel poroso aberto invariável Deve ser sempre retraçado Ou se estiver definitivamente traçado como e por que meios Pode ser colocado no centro na lareira por exemplo localizarse na janela nas dobras nas trancas DÉTIENNE 1990 Podemos pensar que independentemente das suas figuras as práticas de delimitação feitas pelo homem dizem respeito à esfera práticosimbólica Delimitar é dar sentido à extensão algo que só pode acontecer porque o homem aprendeu a manusear a dimensão simbólica isto é com a aparição da linguagem como ferramenta de comunicação 19 O livro de O Mangin La Condition urbaine 2005 vai no mesmo sentido ao propor fundar a póscidade oriunda da globalização numa nova condição urbana que associa lugares e fluxos numa cultura urbana dos limites recorrendo às experiências urbanas corporais e multidimensionais 20 A casa se inscreve numa ordem astrológica que a organiza em função dos signos do zodíaco o sagrado tem papel importante segundo C FournetGuérin 2004 21 Colocar em primeiro lugar a orientação e em segundo a delimitação resulta de uma decisão totalmente arbitrária Fundar Em nosso livro Anthropologie de lespace havíamos proposto considerar que a distinção entre espaço humanizadoespaço não humanizado era relativamente constante em várias sociedades tradicionais Tratamos essa distinção entre o povo fali de Camarões LEBEUF 1961 para quem o mito de origem descreve a criação do mundo e a tartaruga mítica traça uma delimitação entre o mundo dos homens me cento o que conheço e o mundo selvagem me ceniuba o que não conheço Na China GRANET 1968 a representação do universo passa por uma imagem do mundo habitado limitado pelos quatro lados do espaço além dos quais se encontram as regiões os Quatro Mares ocupados pelos bárbaros aparentados ao reino animal Os humanos chineses não podem ir lá sob pena de perder sua humanidade Tratase de um espaço diluído que se opõe ao espaço pleno total o do centro que é fechado repleto de atributos e reúne todos os emblemas lugar das reuniões federais ele é o grupo em si Na Grécia arcaica a terra era um disco envolto por um rio circular Oceano sem origem nem fim VERNANT 1981 Acima da terra como uma tigela de pontacabeça apoiada no contorno do Oceano elevase o céu de bronze É chamado de bronze para expressar sua inalterável solidez Domínio dos deuses o céu é indestrutível Para o grego arcaico a terra é primeiramente aquilo sobre o que se pode andar em total segurança um assento sólido e seguro que não corre o risco de cair Assim imaginam sob ela raízes que garantem sua estabilidade VERNANT 1981 Xenófanes diz que elas se fincam infinitamente sem limites Hesíodo imagina uma jarra de gargalo estreito do qual saem as raízes do mundo Nessa jarra reina o mundo subterrâneo mundo da desordem espaço não orientado Zeus tampou a jarra para impedir a comunicação entre o mundo subterrâneo mundo do caos sem orientações e o mundo dos homens Essa representação do mundo indica limites nivelados verticalmente níveis que não se comunicam o mais alto ocupado pelos deuses o do meio em que ficam os homens e o de baixo espaço dos mortos e dos deuses subterrâneos O selvagem e o doméstico22 A relação entre o homem e seu meio ambiente passa pela delimitação entre esses dois elementos que podem assumir várias representações P Descola 2005 em sua tarefa de desconstrução das categorias tradicionais da antropologia mostra que as oposições entre selvagem e doméstico ou entre natureza e cultura decorrem de classificações que não são tão universais quanto se achou durante muito tempo Para certas sociedades a dualidade dessas categorias não funciona de maneira tão firme ou está até ausente Em particular para os povos nômades caçadorescoletores a ocupação do espaço não se irradia a partir de um ponto fixo mas se espalha como uma rede de itinerários balizados por paradas mais ou menos pontuais e mais ou menos recorrentes Socializado em todo lugar porque percorrido sem tréguas o meio ambiente dos caçadorescoletores itinerantes apresenta constantemente as marcas dos eventos que nele ocorrem e que revivificam até hoje antigas continuidades DESCOLA 2005 A área é marcada por sinais permanentes ou efêmeros túmulos kerns23 balizada por referências geográficas montanhas rios etc e também pela experiência e memória íntima de cada um Para os aborígenes a oposição entre selvagem e doméstico não faz muito sentido não somente porque faltam espécies domesticadas mas sobretudo porque a totalidade do meio ambiente percorrido é habitada como uma moradia espaçosa e familiar ordenada ao fio das gerações com tamanha discrição que o toque dos sucessivos locatários se tornou quase imperceptível DESCOLA 2005 A questão dos limites aparece quando se desenvolvem a agricultura e a sedentarização A delimitação pode consistir então em separar mentalmente zonas silvestres e zonas cultivadas criando entre esses dois espaços zonas intermediárias com qualidades distintas Cada 22 Ven P Descola 2005 23 A palavra bretã kern denota um monte de pedras usado para delimitar uma propriedade NT sociedade cria assim interiores mais ou menos fechados com limites mais ou menos rígidos e exteriores que respondem a diferentes gradações de meio ambiente Diferentes termos utilizados na antiga República do Alto Volta hoje Burkina Faso na África pelos gurunxes permitem entender a percepção de uma sucessão de espaços da casa até os confins do território a palavra sago mato é utilizada para expressar o conjunto da aldeia como espaço construído e das terras cultivadas a palavra gabio mato grande é uma mistura de terras ao mesmo tempo cultivadas e não cultivadas que se amplia conforme as direções gao é o mato que se estende além do gabio aolon gaoe é um mato perigoso porque impenetrável e bagó é um mato distante espaço sem nome porque desconhecido Por fim há o mato sagrado muito localizado lugar de culto e de proibições BATTAILLON ROQUE 1981 Para ilustrar a incerteza das delimitações e a falta de operacionalidade das oposições em certas sociedades P Descola 1986 cita os achuares que não opõem diretamente seu meio ambiente doméstico próximo casa jardim ao da floresta que os circunda selvagem sendo esta também amplamente socializada Sagradoprofano Segundo Mircea Eliade 1979 a delimitação entre um espaço sagrado e um espaço profano parece ser geralmente fundadora A cerca o muro ou o círculo de pedras que circundam o espaço sagrado contam entre as mais antigas estruturas arquitetônicas conhecidas dos santuários A cerca não implica e não significa somente a presença contínua de uma cratofania ou hierofania dentro do recinto tem também por objetivo preservar o profano do perigo ao qual se exporia ao se penetrar nele sem perceber A importância ritual do limiar do templo ou da casa algumas valorizações ou interpretações diversas que tenham recebido no decorrer do tempo explicamse também pela função separadora dos limites ELIADE 1979 Seja entre humano e não humano entre sagrado e profano entre si e os outros o limite gera espaços de qualidades diferentes Hoje a distinção se entende mais frequentemente por meio da oposição espacializada entre o aqui e o alhures entre o lar privado e o exterior público Mas não devemos ver nisso uma delimitação sempre nítida existem margens entremeios espaços intermediários que alguns dispositivos permitem apreender O que na verdade dá sentido aos limites é o fato de poder ultrapassálos seja virtualmente à força ou mediante autorização Dispositivos de delimitação e passagens Voltando ao mito da fundação de Roma lêse que o fundador Rômulo define a superfície da nova cidade traçando um sulco com um arado que joga os torrões para dentro o instrumento de madeira com base de metal é puxado por um touro à direita e uma vaca à esquerda Esse rito é executado por Rômulo que usa roupas idênticas às dos sacerdotes Para manter o traçado e fixar o sulco dispõemse pedras a intervalos regulares Levantase o arado para criar portas onde se quer entrar e sair da cidade cruzar a muralha virtual e provisória porém sagrada Remo comete um grave erro ao pular por cima do sulco sem passar pelas portas por derrisão Rômulo se vê obrigado a matar seu irmão para anular o agouro LIOUGILLE 2005 Vêse a importância das portas e a ideia de transgressão que leva ao castigo e portanto à reparação aqui a reparação extrema a morte É em geral por meio da observação das práticas diferenciadas que se apreende a passagem de um espaço para outro Hoje ainda entrar numa igreja é um ato acompanhado de posturas corporais gestos modulações da voz que indicam que estamos cientes da mudança de espaço Assim a delimitação nem sempre se revela por uma marcação física mas por um sinal do tipo práticosimbólico Vimos como no Cairo o transeunte pode sem ver sinais externos entrar numa zona controlada pelos habitantes Imperceptivelmente ele pode passar de um espaço público para um espaço semiprivado hetta embora ainda esteja na mesma rua Não há limite nem sinalética flagrante mas a atitude as roupas o olhar dos habitantes indicam essa mudança de status do espaço DEPAULE ARNAUD 1984 No Japão tirar os sapatos e deixálos na porta é uma regra à qual obedecem até os semteto na estação e no parque de Shinjuku em Tóquio antes de entrar em suas casas de papelão Portanto existem diferentes tipos de limites que podem ser mais ou menos rígidos ou mais ou menos claros É certo que existem balizas guaritas barreiras valas muros portas janelas todo um conjunto de marcações físicas e simbólicas que autorizam ou impedem a passagem que controlam e filtram São dispositivos que mais uma vez determinam e qualificam os espaços A questão resumese então ao cruzamento Conforme se trata de casa ou cidade os dispositivos serão diferentes Não há necessidade aqui de nos determinos no significado das portas das cidades e das diferentes formas de cruzamento das muralhas A gestão dos limites no espaço doméstico o limiar Por outro lado no que diz respeito ao espaço doméstico podemos estudar um dos elementos de cruzamento do limite por meio de uma noção complexa a de limiar O limiar existe em todas as sociedades por meio dele são três dimensões que se entrecruzam espacial social e simbólica Dispositivo material e simbólico ao mesmo tempo é estático e dinâmico O limiar existe para ser cruzado e essa passagem é acompanhada de rituais24 descobrir a cabeça para entrar num lugar ou ao contrário cobrirse véu ao sair num espaço público pedir a autorização para entrar ao cruzar o limiar tirar os sapatos Esses rituais podem ser cotidianos ou excepcionais podem fazer uso da própria arquitetura ou de dispositivos materiais campainha códigos ou visuais Retomamos aqui o posicionamento teórico de P Bonnin 2000 para quem se há um rito de passagem é que há separação cruzamento de limite Por mais interessante que seja a descrição do seu desenrolar da sua ritualização a passagem não pode ser entendida abstraindose o limite a fronteira que ela abole local e momentaneamente Mais exatamente é a dualidade a ambivalência separaçãopassagem que deve ser tomada como objeto porque ela nos revela sua fragilidade a incerteza intrínseca e por isso mesmo a importância dessa estrutura simbólica BONNIN 2000 Assim o limiar instaura a interação e permite gerenciar a relação com o outro A observação fina que P Bonnin faz da gestão do limiar na habitação tradicional e na habitação moderna urbana no Japão além do seu aspecto comentátorio apresenta a nosso ver quatro consequências metodológicas a comparação dentro de uma mesma sociedade de dois tipos de espaço evidencia ao mesmo tempo a permanência e a transformação de um mesmo fenômeno indica também a pertinência do estudo de um espaço banal do cotidiano como indicador de adaptação e transformação ao encenar as novas figuras da habitação urbana globalizada permite mostrar como a espessura reveste o espaço cujo aspecto propriamente funcional técnico está transfigurado por fim ela funciona como um operador a partir do qual se apreendem as oposições que fazem funcionar o espaço doméstico privadopúblico internoexterno etc Voltaremos a discutir de forma mais detalhada no capítulo 5 Distribuir sobre as modalidades japonesas Por enquanto damos outros exemplos dessa função que frequentemente é ao mesmo tempo delimitação e geração de espaços intermediários da qual participa o limiar Como mediador o limiar organiza as relações sociais paradoxalmente preenche a dupla função de separar e vincular Nas sociedades tradicionais árabes muçulmanas sabese que a entrada da casa portanto o limiar organizase em torno de vários elementos para separar dois mundos o feminino e o masculino Na civilização islâmica a porta da casa é completada por outra parede no Magrebe a skifa em Bali o lawang que preserva a intimidade do 24 O trabalho de Van Gennep 1909 embora a dimensão espacial tenha sido sobre os ritos de passagem é fundador pouco tratada figura 15 Planta de casa tradicional com acesso em ziguezague Nain Irã Segundo G Monnier La porte Alternatives 2004 espaço doméstico porém impõe um percurso tortuoso No Irã o acesso à casa tradicional uma vez cruzada a porta emenda várias mudanças de direção essa parede construída e esses ziguezagues garantem o espaço privado contra o acesso dos olhares MONNIER 2004 Mas o limiar também serve para distribuir os indivíduos no espaço permite desenvolver estratégias de retiro diante da chegada de um visitante ou a possível intrusão de estranhos25 O que o comanda a porta pode ser aberta fechada ou apenas entreaberta Os visitantes conforme o status a idade eou o sexo ficarão confinados em determinados lugares intermediários como as varandas as entradas ou dentro da habitação em certos cômodos Na França o limiar da casa moderna se concretiza como um cômodo em si a entrada É preciso relembrar que nos anos 1970 a inovação arquitetônica passou pela supressão das entradas em certos apartamentos A sociologia do hábitat mostrou que essa novidade não agradou aos habitantes que viam nela a supressão do vestíbulo que permitia realizar a transição entre dentro e fora Identificar a entrada da sua habitação é uma necessidade psicológica para o habitante foi aliás o que entenderam os renovadores dos conjuntos de habitações sociais ao marcar os seguintes com sinais arquitetônicos distintivos colunas frontões alpendres cores Conforme as culturas o limiar é indicado ordenado significado por objetos peculiares A cultura ocidental coloca na entrada doméstica objetos que marcam a transição casacos guardachuvas sapatos espelhos para o lado de fora ROSSELIN 1999 Assim o limiar acolhe as interações entre indivíduos Elas são objeto de rituais que variam conforme as regras sociais e as épocas Goffman 1975 descreveu as múltiplas formas muito codificadas desses intercâmbios 25 O homem ou estranho pode se anunciar pela voz tornandose o limiar então sonoro Outra passagem a janela Na gestão cotidiana do limite há na casa um dispositivo que pode ser entendido como um limiar Tratase não de uma passagem material de cruzamento físico mas do caminho do olhar De fato a janela comanda toda a organização do espaço doméstico No século XVII tornouse tema privilegiado das pinturas de gênero KNAFOU STASZAK 2003 o que revela uma nova atitude mental Elemento técnico cujas funções são a circulação do ar a vista e a iluminação solar a janela é também espaço de transição que relaciona o exterior com o interior Acompanhar seus diversos tratamentos no decorrer da história da arquitetura indica bem mais do que um simples percurso de formas revela a maneira como os homens trataram sua relação com o meio ambiente e interpretaram a relação entre o interior e o exterior da construção conforme as épocas As vicissitudes da janela portanto atestam a maneira como os homens concebem e representam para si o teatro do mundo As dedute vistas sistematizadas em inúmeras pinturas renascentistas foram utilizadas para manifestar o domínio recémadquirido graças ao uso da perspectiva da representação de paisagens distantes Essas cenas profanas indicam também a nova representação que o homem renascentista faz do mundo e do lugar que nele ocupa Logo as cenas urbanas vão substituir as paisagens bucólicas As janelas então deixarão ver o espectáculo urbano26 que se torna o dos assuntos urbanos cujos momentos marcantes serão revelados pelas festas pela chegada de personagens importantes ou de navios Progressivamente o conjunto janela associada à disposição do espaço interno vai indicar uma mudança na atitude do indivíduo em relação ao exterior Para tanto é preciso que o urbano esteja constituído para deixar de considerar a casa como uma fortaleza é preciso que se estabeleça certa civilidade isto é uma relação urbana dos indivíduos entre si27 Progressivamente imaginase e moldase a relação social entre a conformação interna da habitação isto é a distribuição e a cena urbana JC Depaule 1985 revela uma verdadeira arte da abertura em seu estudo sobre as janelas no mundo árabe muçulmano Seu livro que propõe um tipo de filosofia moral do hábitat descreve as relações complexas entre os usos das janelas as conformações internas do espaço doméstico e os costumes Entendese então o que quer dizer morar a janela vêse que a relação entre a abertura e o meio ambiente não é reversível nem análoga As estruturas de moucharabieh treliças que apareceram no Cairo no século XV permitem entre outras funções ver o espetáculo urbano sem ser visto elas não autorizam o universo isto é o olhar externo para dentro da habitação Ao examinarmos o caso das janelas holandesas CIERAAD 1999 constatamos uma situação bem diferente Se a mulher é frequentemente representada nos quadros dos séculos XVII e XVIII perto dessa abertura na fronteira entre o espaço privado doméstico e o espaço público hoje o olhar pode ir nos dois sentidos e é curioso perceber que nas cidades holandesas é possível ver o interior doméstico a partir da rua através de elementos plantas meias cortinas etc que filtram a visão sem ocultála totalmente 1 Cieraad faz uma interpretação do simbolismo desse limite numa análise histórica e arquitetônica que lembra o lugar da janela na construção assim como da mulher na sociedade holandesa The hymen as the historically vital physical borderline of the woman coincides with the windowpane as the vital societal borderline between public and private space The sexual status of the portrayed women was indicated not only by the condition of the windowpane or by its veiling with a curtain but also by the locking or unlocking of the window28 Nessa dinâmica criada pelo dispositivo de cruzamento do olhar é preciso entender que assistimos a dois movimentos cujas direções não são nem um pouco análogas Isso foi muito bem explicado pelos sociólogos do hábitat que após terem registrado por meio de profundas investigações a palavra dos habitantes puderam falar de relações que se constroem indo do interior para o exterior e do exterior para o interior Essas relações 26 Em geral no norte da Europa os quadros representam mulheres sentadas ao lado da janela 27 É possível entender esse processo por meio da história da construção da Strada Nuova em Gênova verdadeira revolução construtiva e social Polegri 28 O hímen enquanto fronteira historiamente física e vital da mulher coincide com a vidraça enquanto fronteira societal vital entre o espaço público e privado O status sexual das mulheres retratadas era indicado não somente pela condição da vidraça ou pelo fato de ela estar velada por uma cortina como também pelo trancamento ou destrancamento da janela NT mobilizam o olhar e as representações mas também as práticas materiais e simbólicas do mesmo modo elas induzem ordenações particulares H Raymond fala de relação perfeita para evocar o que na França baseiase numa convenção do habitar segundo a qual é sempre a um termo fixo o interior que se refere o sistema da relação perfeita entre interior e exterior é o exterior que deve ter a mesma cara e causa surpresa quando o interior não corresponde O que JM Léger 1990 mostra pelo estudo de realizações inovadoras é a frequente dificuldade na arquitetura moderna de alcançar uma verdadeira transparência semiológica segundo a qual a fachada seria o reflexo do interior avaliado Ele mostra igualmente como do interior para o exterior a relação se constrói e se mantém por meio de uma série de dispositivos como as janelas e sua decoração cortinas plantas Refundar Na escala do território e a respeito de certas operações urbanísticas é possível falar de refundação Porém identificar uma fundação antiga gera inúmeros problemas tanto técnicos quanto teóricos para a história urbana Como fazer com que as ruínas falem como interpretar as epigrafias como aproveitar a análise filológica e interpretar as narrativas de fundação que frequentemente são míticas Quatro dados primordiais se encontram em todo trabalho de identificação de fundação para o historiador a data da fundação a escolha do local a autoridade fundadora e os ritos de fundação29 Poderíamos classificar separadamente as cerimônias e os rituais que aparecem após catástrofes naturais como terremotos grandes incêndios30 erupções vulcânicas eou guerras porque as necessidades como purificação e condição de regeneração da cidade que então pode começar de novo Os habitantes aliás serão considerados os novos fundadores O incêndio faz dos habitantes de Chicago homens e mulheres enérgicos de costumes simples trabalhadores cheios de abnegação semelhantes àqueles que Outro elemento justifica o uso do termo quando se trata por meio de obras pequenas de nova distribuição dos lugares simbólicos que no final leva a uma nova leitura da cidade Essas ações visam sempre o centro deslocandoo ou desdobrandoo Por fim essas operações se caracterizam geralmente por sua brevidade e pelo fato de serem feitas por iniciativa de um único promotor O conceito de refundação aparece então como um instrumento de análise útil para entender intervenções no tecido urbano requer para cada caso que se ultrapassem as abordagens setoriais da cidade adotando um ponto de vista pluridisciplinar que combine as abordagens históricas morfológicas sociais etc É o caso de O Ratouis 1997 que seguiu a reconstrução após a Segunda Guerra Mundial de Dunquerque lugar privilegiado de experimentação do urbanismo moderno O percurso deste capítulo não foi inutilmente sinuoso partimos das ações primordiais de fundação para mostrar que elas iniciavam invariavelmente outras ações também primordiais que são a orientação e a delimitação Percorremos extensões declinamos territórios de várias escalas para chegarmos no nível do espaço doméstico Este nos pareceu pertinente para mostrar que o ato de delimitar também implica uma gestão do limite e que era importante entender o aspecto frequentemente bem distante da função aparente de alguns elementos como o limiar ou a janela construíram Chicago e garantiram com toda a força seu prodigioso destino escreveram Colbert e Chamberlin citados por H Harter 2004 31 Segundo a Geografía y descripción universal de las Indias de López de Velasco 1574 mais de cem cidades haviam sido fundadas desde o começo da conquista 32 As armas dos índios não justificavam esse tipo de defesa 33 Exceto no caso da criação de represas como a das Três Gargantas na China que exigiu o deslocamento e a realocação de milhões de pessoas 34 Talvez daqui a algumas décadas cheguemos a falar também de uma nova fase após a reconstrução de refundação para a cidade de Dunquerque a aglomeração encabeçada pela municipalidade urbana foi objeto de reflexões sobre a centralidade dessa nova entidade urbana A refundação se baseia num operador de deslocamento e inversão do centro aberto à cidade para as bacias criando continuidade mediante a implantação de edifícios e a abertura de ruas transformando de certa forma o vazio da água em cheio simbólico figura 16 Contemplação a partir da janela Desenho Gilles Barbey de refundação passam muitas vezes pela consideração da repetição KIERKEGAARD 1843 portanto por uma discussão sobre a própria localização aqui ou em outro lugar da reconstrução Mas nos deslocamentos das implantações urbanas não havia apenas considerações de ordem física Musset 2002 mostra que a reconstrução de uma cidade da conquista espanhola do Novo Mundo não somente permitia corrigir falhas da primeira implantação como participava de questões de poder e dinheiro Os conquistadores espanhóis logo vão criar uma rede de cidades51 todas idênticas progressivamente a construção vai ser codificada por decretos da Coroa espanhola segundo uma planta geométrica em grade geralmente sem muralhas de proteção32 Musset estuda esse fenômeno de transferência de cidades que vai cobrir vários séculos na América Latina e que aparece como um instrumento de ordenamento do território Se as catástrofes continuam atuais o deslocamento das cidades destruídas não está mais em pauta33 Por outro lado os historiadores às vezes se interessam por certas operações urbanas cuja especificidade justifica a utilização do termo refundação Pensamos nas ações de grande escala que pela primeira vez nos tempos modernos utilizaram sistematicamente os mecanismos do arrendamento como motor das transformações Viena com a Ringstrasse Paris com Haussmann Genebra com a operação do bairro das Bergues iniciada por Dufour que vai modificar totalmente a estrutura urbana da cidade34 O conceito de refundação permite entender os efeitos das transformações a longo prazo mais ou menos antecipadas por seus promovedores A história do urbanismo está pontuada por esses momentos decisivos que não são exclusivos da era industrial nos séculos XIII e XIV na Itália o poder municipal procura assentar sua autoridade a partir das suas sedes palácios e da reestruturação do espaço circundante Mas mesmo assim será que podemos utilizar o termo refundação toda vez que há uma operação de certa amplidão no tecido urbano Será uma refundação o que designam os inúmeros termos utilizados para as intervenções setoriais urbanas reestruturação extensão reforma renovação Essa é a questão levantada por A Corboz 2001 O autor sugere utilizar esse conceito quando numa situação histórica dada ele se baseia na vontade de um novo poder portanto de um ato político visando de maneira mais ou menos explícita influenciar a sociedade NOME DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NOME DA ALUNO RESUMO CRÍTICO Fundar CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 NOME DA ALUNA RESUMO CRÍTICO Fundar Relatório de entrevista apresentado à disciplina Análise Elaboração Leitura e Técnica de Textos Científicos AELTTC do 1º Período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco UNIVASF ministrada pelo professor Afonso Henrique Novaes Menezes para obtenção de nota CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 1 RESUMO Inicialmente é introduzido no texto o conceito de fundar como um processo voluntário e intencional sendo essa efetuada por um autoridade socialmente reconhecida sendo essa fundação uma resposta simbólica de determinado corpo social sendo reveladores do tipo de simbologia que irá compor uma identidade identidade social essa que gera delimitações tornandoo esse fundar caracterizado por uma simbologia única Entretanto há culturas como a japonesa que não possuem o fundar concreto ou bem estabelecido Em Rituais e narrativas de fundamentação o autor introduz a noção de ritos sendo esse conjunto de cerimônias que são repetidas tal como são destinadas a transmitir e orientar determinado comportamento visando um efeito objetivo único Nesse viés o rito do fundar visa a legitimação social Em contrapartida a contextos em que o processo de fundação é antecipado por manifestações onde no caso da teofania há uma presença sensível do divino que irá indicar o local para efetivar o processo de fundação Já em outras sociedades o processo que indica onde fundar é um processo político O processo de traçar geograficamente a fundação sendo estes geralmente uma operação vinculada a arquétipos a grade sendo esse o produto dos traçados retilíneos isto é focada na matemática e a mandala sendo essa relacionada com implantações divinas religiosas ou civis Tal como o processo de repartição da fundação gera implicações sociais sendo que perpassam a noção espacial até a significação social desse processo isto é a noção socioespacial e as consequências desses processos Vale ainda refletir sobre o processo de orientação e delimitação das fundações sendo o processo de orientação vinculado a cunhos geográficos como a posição espacial a questão do tempo em relação ao sol ou uso da astrologia para identificar o lado norte ou sul É impreterível ressaltar que apesar da convergência do processo de orientação o meio pelo qual essa orientação ocorre ganha caráter singulares conforme o contexto histórico e cultural Já a questão do limite é a ação complementar ao processo de orientação uma vez que corrobora com o processo de situar o homem em relação aos outros indivíduos outras civilizações ou outras cidades Logo limitar esta presente a esfera práticosimbólica de cunho mais universal uma vez que ultrapassa as fronteiras daquela civilização sendo esse processo realizado por meio da linguagem presente no processo de comunicação Nesse âmbito a questão da delimitação está vinculada ao processo de sedentarização do homem quando ele começa a se estabelecer e passa a limitar o que é seu para por exemplo realizar a agricultura e saber que o alimento produzido ali é seu A delimitação pode ser realizada por meio de diversos critérios como na dicotomia sagrado e profano onde o que está dentro da fundação religiosa é religiosa por meio de dispositivos que visam o processo de delimitar Sob essa ótica o limiar está presente em todas as sociedades através da integração das dimensões espacial socialsimbólica sendo um meio de interação gerenciada com o outro Em última análise dentro do estudo dos territórios em certas operações urbanísticas é possível falar de refundação sendo esse processo posterior ao processo de identificação de uma fundação antiga gerando inúmeras questões técnicas e teóricas para a história urbana Além disso esse conceito permite a compreensão dos efeitos e das consequências dos processos de transformação ao longo do tempo logo esse elemento se torna um instrumento de análise sócioespacial 2 APRECIAÇÃO CRÍTICA O quarto capítulo em questão intitulado em Fundar visa passar e refletir sobre o processo de construção do fundar sendo esse um processo simbólico de construção identitária que corrobora com a construção de uma noção de pertencimento que pode está vinculado com questões políticas sociais e até mesmo com a religião Logo unido ao conceito nos é apresentada possibilidades de viés para a construção da fundação os chamados rituais Ao longo da obra para efetivar o processo de compreensão do leitor sobre a proposta do livro há utilização de inúmeros exemplos práticos trazendo questões facilmente conhecidas como no caso da Grécia Esse processo atrelado a uma linguagem simples a autora da obra torna acessível o processo de compreensão Com isso a obra se torna uma leitura obrigatória dentro de sua área de pesquisa isto é dentro da antropologia do espaço NOME DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NOME DA ALUNO RESUMO CRÍTICO Fundar CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 NOME DA ALUNA RESUMO CRÍTICO Fundar Relatório de entrevista apresentado à disciplina Análise Elaboração Leitura e Técnica de Textos Científicos AELTTC do 1º Período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco UNIVASF ministrada pelo professor Afonso Henrique Novaes Menezes para obtenção de nota CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 1 RESUMO Inicialmente é introduzido no texto o conceito de fundar como um processo voluntário e intencional sendo essa efetuada por um autoridade socialmente reconhecida sendo essa fundação uma resposta simbólica de determinado corpo social sendo reveladores do tipo de simbologia que irá compor uma identidade identidade social essa que gera delimitações tornandoo esse fundar caracterizado por uma simbologia única Entretanto há culturas como a japonesa que não possuem o fundar concreto ou bem estabelecido Em Rituais e narrativas de fundamentação o autor introduz a noção de ritos sendo esse conjunto de cerimônias que são repetidas tal como são destinadas a transmitir e orientar determinado comportamento visando um efeito objetivo único Nesse viés o rito do fundar visa a legitimação social Em contrapartida a contextos em que o processo de fundação é antecipado por manifestações onde no caso da teofania há uma presença sensível do divino que irá indicar o local para efetivar o processo de fundação Já em outras sociedades o processo que indica onde fundar é um processo político O processo de traçar geograficamente a fundação sendo estes geralmente uma operação vinculada a arquétipos a grade sendo esse o produto dos traçados retilíneos isto é focada na matemática e a mandala sendo essa relacionada com implantações divinas religiosas ou civis Tal como o processo de repartição da fundação gera implicações sociais sendo que perpassam a noção espacial até a significação social desse processo isto é a noção socioespacial e as consequências desses processos Vale ainda refletir sobre o processo de orientação e delimitação das fundações sendo o processo de orientação vinculado a cunhos geográficos como a posição espacial a questão do tempo em relação ao sol ou uso da astrologia para identificar o lado norte ou sul É impreterível ressaltar que apesar da convergência do processo de orientação o meio pelo qual essa orientação ocorre ganha caráter singulares conforme o contexto histórico e cultural Já a questão do limite é a ação complementar ao processo de orientação uma vez que corrobora com o processo de situar o homem em relação aos outros indivíduos outras civilizações ou outras cidades Logo limitar esta presente a esfera práticosimbólica de cunho mais universal uma vez que ultrapassa as fronteiras daquela civilização sendo esse processo realizado por meio da linguagem presente no processo de comunicação Nesse âmbito a questão da delimitação está vinculada ao processo de sedentarização do homem quando ele começa a se estabelecer e passa a limitar o que é seu para por exemplo realizar a agricultura e saber que o alimento produzido ali é seu A delimitação pode ser realizada por meio de diversos critérios como na dicotomia sagrado e profano onde o que está dentro da fundação religiosa é religiosa por meio de dispositivos que visam o processo de delimitar Sob essa ótica o limiar está presente em todas as sociedades através da integração das dimensões espacial socialsimbólica sendo um meio de interação gerenciada com o outro Em última análise dentro do estudo dos territórios em certas operações urbanísticas é possível falar de refundação sendo esse processo posterior ao processo de identificação de uma fundação antiga gerando inúmeras questões técnicas e teóricas para a história urbana Além disso esse conceito permite a compreensão dos efeitos e das consequências dos processos de transformação ao longo do tempo logo esse elemento se torna um instrumento de análise sócio espacial 2 APRECIAÇÃO CRÍTICA O quarto capítulo em questão intitulado em Fundar visa passar e refletir sobre o processo de construção do fundar sendo esse um processo simbólico de construção identitária que corrobora com a construção de uma noção de pertencimento que pode está vinculado com questões políticas sociais e até mesmo com a religião Logo unido ao conceito nos é apresentada possibilidades de viés para a construção da fundação os chamados rituais Ao longo da obra para efetivar o processo de compreensão do leitor sobre a proposta do livro há utilização de inúmeros exemplos práticos trazendo questões facilmente conhecidas como no caso da Grécia Esse processo atrelado a uma linguagem simples a autora da obra torna acessível o processo de compreensão Com isso a obra se torna uma leitura obrigatória dentro de sua área de pesquisa isto é dentro da antropologia do espaço
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MARION SEGAUD ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO HABITAR FUNDAR DISTRIBUIR TRANSFORMAR edições sesc Anthropologie de lespace por Marion SEGAUD ARMANDCOLLIN Paris 2010 para a segunda edição ARMAND COLLIN é uma marca da DUNOD Éditeur 5 rue Laromiguière 75005 PARIS Edições Sesc São Paulo 2016 Todos os direitos reservados Tradução Eric R R Heneault Preparação Karen Amaral Sacconi Revisão Karina A C Taddeo Pedro Silva Projeto gráfico Thiago Lacaz Imagem da capa Detalhe de AtelierTensão de José De Quadros óleo sobre tela 190 x 180 cm 20052006 fotografia Everton Ballardin Se376a Segaud Marion Antropologia do espaço habitar fundar distribuir transformar Marion Segaud Tradução de Eric R R Heneault São Paulo Edições Sesc São Paulo 2016 312 p il Bibliografia e Índice Temático Lugares ISBN 9788569298816 1 Antropologia do espaço 2 Arquitetura 3 Habitar 4 Fundar 5 Distribuir 6 Transformar 1 Título 11 Heneault Eric CDD 301 Edições Sesc São Paulo rua Cantagalo 74 13º14º andar 03319000 São Paulo SP Brasil tel 55 11 22276500 edicoesedicoessescsporgbr sescsporgbredicoes edicoessesescsp 4 Fundar Começando por encerrar num recinto circular os santuários de Héstia de Zeus e de Atenas ao qual dará o nome de Acrópole em seguida dividirá em doze partes a cidade e seu território inteiro Então serão feitos cinco mil e quarenta lotes mas cada um será dividido em dois e duas partes serão juntadas para que cada lote tenha uma parte próxima e uma parte afastada A população será distribuída em doze seções e então após ter atribuído doze lotes a doze deuses darseá um nome e consagrarseá o lote que pertence a cada deus será a tribo Distinguirseão também os doze setores da cidade do mesmo modo que se dividiu o resto de território e cada cidadão receberá duas habitações uma perto do centro outra perto das fronteiras é assim que se completará a fundação Platão As Leis Livro IV Condições necessárias para a fundação de um Estado Fundar é uma operação voluntarista que decide uma implantação pontual casa monumento ou mais ampla cidade território É cumprida por uma autoridade reconhecida civil ou religiosa segundo ritos Tratase de pensar o sítio o começo e as origens de fazer território Fundar é sempre atribuir qualidades a um espaço é estabelecer uma relação de parte da extensão com o mundo tecendo vínculos simbólicos é relacionar um lugar com o universo De certo modo é também pedir a permissão de se estabelecer em algum lugar assim a fundação pode ser considerada uma resposta a essa autorização como um ato de reparação Essa relação é interativa na medida em que uma vez fundado o próprio lugar é ao mesmo tempo produto e produtor de simbologia e de sociabilidade De fato a fundação diz como deve ser organizada e distribuída a extensão para poder acolher identificar e legitimar uma instalação pelo fundador Tratase de estabelecer uma relação inaugural por meio do espaço com outrem o que indica a expressão atual fundar um lar eou com o cosmos sagrado Porém sempre há fundação Existem não fundações Em certas sociedades sedentárias ou nômades as operações de fundação parecem não existir Entre os guaiaquis grupos amazônicos nômades a mobilidade se conjugava de forma peculiar com a inscrição num território Organizados em bandos cada um possuindo seu território de colheita e de caça eles transferiam permanentemente seu acampamento1 conforme a busca por suprimentos Somente uma vez por ano na estação mais fria como os esquimós descritos por Mauss eles se reuniam num único lugar um centro sempre móvel em que desenvolviam sua sociabilidade jogos festas uniões reafirmando assim uma unidade social e política Acima desse centro pairavam os espíritos dos mortos que participavam da dimensão simbólica desse espaço Dessa forma a tribo se reaproximava no tempo reconstituindose como totalidade ao reencontrar seus ancestrais CLASTRES 1990 1 O acampamento era quase indiscernível na floresta O espaço dos janomâmis parece mais sedentário suas instalações eram relativamente duráveis os espaços das casas e dos jardins eram bem distintos da floresta Entretanto como para os guaiaquis H Clastres considera que são as relações entre as pessoas que fornecem referências fixas e que preponderam sobre os vínculos com a localidad Nos lares um corredor de circulação e por fim a praça a céu aberto vazia nessa estrutura cada rito tem um lugar definido é no fundo que se isola a filha para sua primeira menstruação ou o guerreiro que matou As sessões de xamanismo ocorrem no corredor de circulação na beira da praça as piras funerárias As relações de parentesco portanto não são as únicas a se inscreverem lá a habitação pela sua própria arquitetura é o suporte da representação do mundo do centro consequentemente de um espaço territorializado CLASTRES 1990 A divisão comunitária dos jardins e os regulamentos de uso da colheita larvas em árvores compartilhadas por alguns grupos fazem com que nenhum lugar fixo seja propriamente atribuído mas compart ilhado Uma vez esgotados os territórios se deslocam permanentemente e são sobretudo considerações políticas que determinam as novas localizações e a distância entre as comunidades Como os primeiros estes índios da floresta não têm vínculos locais e não estão enraizados em lugar nenhum porque não deixam nada para trás que possa retêlos nomes que seja possível reutilizar plantações casas usadas e de antemão destinadas a serem devolvidas à floresta já que sua construção não é acompanhada de nenhum gesto que pudesse lembrar mesmo de longe uma fundação Mas sobretudo seu ritual funerário inteiramente focado em apagar os rastros dos mortos traduz uma vontade de não deixar nada na terra que se assemelhe a lugares sagrados mesmo que seja para evitar tais lugares nada que possa fazer do seu território uma terra ancestral Nesse rito consequentemente a mobilidade encontra sua condição de mobilidade CLASTRES 1990 Assim a mobilidade e a territorialização desses aborígenes ao implementar ritos que pudessem parecer destinados a impedir qualquer forma de enraizamento narravam mitos que consolidam sua ocupação de direito nos espaços que percorrem No Japão Caillet e Beillevaire 1990 estimam que a cultura japonesa se preocupa pouco com a fundação entendida como a ideia de que o homem pode instaurar um corte de ordem espacial e temporal porque a visão do começo do mundo se baseia numa metáfora vegetal o desabrochar de um junco o crescimento dos vegetais algo distante da ideia de criação ex nihilo e envolve mais um processo de autogênese Tratase portanto de um modelo de desenvolvimento genealógico contínuo que está na base da unidade política do Japão Como na gênese da linhagem imperial o ponto de vista genealógico que preside à organização comunitária da aldeia associase a uma referência ao lugar Essa referência nutre um sentimento de enraizamento e reforça a ideia de uma consubstancialidade entre os habitantes Assim as divindades dos santuários tutelares das aldeias são quase indiferentemente chamadas ujigami deus da linhagem e ubasunagami deuses do lugar de nascimento Parece justificado ver nisso o reflexo de uma imbricação estrutural entre laços de sangue e laços de solo CAILLET BEILLEVAIRE 1990 Segundo os autores as crenças xintoístas ao contrário das budistas de origem continental não prescrevem nenhum gesto prévio para a construção de uma cidade Eles consideram que a ausência no Japão de qualquer ideia de fundação que não seja cosmogônica está vinculada ao fato de a linhagem imperial se impor como um referente permanente e global da história nacional Assim cada sociedade seja primitiva tradicional ou moderna enfrenta problemas muito diversos em suas relações com o espaço Ainda hoje existem permanências nos rituais de fundação que se manifestam em alguns países pela presença de pessoas idôneas astrólogos quer se trate da construção de casas familiares2 ou de prédios coletivos Sudeste Asiático Na França por exemplo assentar a pedra fundamental sempre é uma cerimônia corrente que materializa a entrada da construção num tempo concreto vivido 2 Na Índia por exemplo cf R Dulau La maison tamoule traditionnelle 1994 Falase de rituais de fundação quando uma sociedade um grupo ou um indivíduo constroem vínculos simbólicos entre seu território o ambiente construído e suas próprias representações do universo Fundar sempre e fixar no solo um conjunto de crenças de visões do mundo É uma maneira de tornar um espaço seu de apropriarse dele ao distinguílo dos outros espaços e de outrem Portanto é uma maneira de classificar Nesse sentido M Douglas 1972 retomando as ideias de Durkheim e Mauss insiste no aspecto antropológico das classificações onipresentes na vida cotidiana elas se concretizam nela sob diversas formas As fronteiras os limites que decorrem delas sejam simbólicos ou físicos pouco nítidos ou fortes qualquer que seja sua forma de representação e tratamento são reveladores dos tipos de classificação que geram O próprio fato de diferenciar dois espaços ao atribuirlhes qualidades diferentes faz parte desses universais que todos os seres humanos compartilham e que têm sentido e existência a partir do momento em que são capazes de interpretar o mundo de desenvolver uma atividade simbólica por meio da linguagem e dos sinais3 Afinal o que é delimitar senão distinguir dois ou vários espaços atribuindolhes qualidades diferentes o meu e aquele do outro o espaço do meu hábitat espaço de segurança de ordem e o outro alhures espaço perigoso não humano bárbaro Portanto tratase de criar certa descontinuidade ao classificar e categorizar É um dado imprescindível que inevitavelmente instaura uma hierarquia Mas para fundar por onde começar Desenhando um centro ou traçando um limite Quando se fala hoje de fundação pensase em geral na fundação de cidades antigas4 Mas não se deve descartar fundações mais recentes em territórios virgens como as cidades novas francesas a criação por deslocamento de capitais como Brasília ou aquelas mais problemáticas conduzidas por regimes autoritários Birmânia Uzbequistão Da mesma forma a história do urbanismo mostra que após catástrofes naturais ou não proceder a criações urbanas pode ser interpretado como refundações reconstruções Fundar pode se fazer por meio de práticas rituais traçados que dizem respeito tanto à casa como à aldeia ou à cidade podem ser objetos5 e também narracões envolvendo um mito de origem Um assunto de deuses e reis Rituais e narrativas de fundação Os ritos são procedimentos repetidos destinados a transmitir e orientar uma ação a produzir um efeito num contexto dado em geral são o ponto forte de uma cerimônia conjunto qualificado de ritual São frequentemente operações que antecipam acompanham ou sancionam a fundação constituem sinais que indicam como as sociedades constroem sua relação com o mundo Os ritos de fundação são formas de legitimação Podem ser de tipo divinatório aruspicação teofania etc ou prefigurar a cidade por uma marcação no solo A literatura etnológica6 está repleta de descrições dessas práticas cujo objetivo é fazer um espaço passar de um status para outro São 3 O Neolítico hoje é considerado como um período complexo 9500 aC no Oriente 5000 aC no Ocidente em que ocorrem mudanças na ocupação e gestão do espaço acompanhadas de mutações técnicas e também intelectuais A agricultura e a criação de animais se desenvolvem As recentes pesquisas Guilaine 2005 insistem no aspecto cognitivo e ideológico que ampara a domesticação social dos indivíduos o sedentarismo implica que o lar portanto a casa se torne o centro de novas relações sociais No vale do Jordão aparecem casas redondas e semicirculares de madeira tijolos e pedras apresentando já uma distribuição do espaço em células destinadas a receber algumas funções estoque habitação No decorrer do século IX aC as casas se tornam circulares e aparecem construções monumentais torres muralhas locais de cerimônias 4 A identificação de uma fundação é complicada Ela compete à arqueologia e passa por diferentes indícios que podem induzir a erro como os levantamentos de traçados a exegese das narrações de fundação frequentemente por meio da epigrafia etc 5 O Museu do Louvre possui um cone de fundação em barro que data do III milênio aC e celebra a construção de uma casa de justiça na Mesopotâmia Fincavamse cones de barro com inscrições nas paredes dos prédios oficiais A inscrição votiva tinha por finalidade preservar a memória do edifício do deus que nele morava ou do príncipe construtor para a eternidade 6 As fontes mais acessíveis permanecem aquelas que já mencionamos em Anthropologie de lespace completadas por algumas novas isto é para o Himalaia o livro de Barré et al 1981 para a África Frobénius para Madagascar Leenhardt 1947 para o Oeste da África os fails Lebeuf 1961 Cartry e Libersky 1990 para o Sudeste da Ásia Condominas 1980 e MatrasGuin e Taillard 1992 para a Tanzânia Thornton 1980 para os navajos Pinxten van Dooren Harvey 1983 para o Japão PezeuMassabuau 1981 Caillet e Beillevaire 1990 para o Novo Mundo Bernard e Gruzinski 1991 Sobre diferentes regiões do mundo o livro coordenado por M Détenne 1990 traz muitas informações preciosas destinadas a se repetir todas as vezes que as circunstâncias se reproduzem quando se constrói uma casa por exemplo como se se tratasse de criar um tipo de continuidade dentro de uma mesma cultura A panóplia é imensa podem ser sacrifícios doações variadas tabuletas objetos preciosos etc São mencionados em inúmeras narrativas de fundação Entretanto é preciso estar ciente de que essas narrativas através dos séculos acabam se tornando construções às quais cada um traz sua própria interpretação A narrativa mais conhecida é a da funda ção de Roma sobre o monte Palatino Do modo como chegou até nós resulta da síntese de inúmeras versões elaboradas no decorrer dos séculos O que se atesta é a resposta à pergunta feita por B LiouGille 2005 afinal o que significa fundar Roma Era escolher o fundador Rômulo ou Remo definir o sítio e a área da cidade nova sulcus primigenius sulco original com a aprovação dos deuses auspícios darlhe um nome delimitar o pomerium erguer a muralha arrumar um local de reunião para o populus cidadãos mobilizados pelo exército campo de Marte para os patres cúria e os quirites cidadãos não mobilizados foro solidificar a comunidade pela criação de um mundus organizar a sociedade fundar as três tribos e as trinta cúrias estabelecer uma constituição leis de Rômulo Tudo isso merece ser chamado de fundação de Roma LIOUGILLE 2005 Isso mostra bem que não se trata somente de um ritual de fundação ou de elaboração de um traçado mas de um conjunto de operações deliberadas Em certas sociedades encontrase uma manifestação que antecipa a fundação e está em sua origem Chamase teofania isto é a manifestação sensível de uma presença divina que indica onde fundar Esse sinal e sua resposta por meio da fundação manifestam a legitimidade da ação num lugar determinado uma necessidade de proteção por um ritual que pode se reproduzir periodicamente cerimônias percursos e processões são manifestações recorrentes disso Mas pode se tratar também de gênios tutelares como na fundação de aldeias no Vietnã NGUYEN 1992 Em outras sociedades a decisão de fundar uma cidade é política pertence ao rei inspirado por uma vontade divina que aparece na forma de sonho como no Oriente Próximo antigo GRANDPIERRE 2005 Liga das a um indivíduo a uma dinastia tais sociedades são frequentemente objeto de destruição ou abandono quando este desaparece às vezes existem várias refundações porque as cidades são reconstruídas inúmeras vezes como Mari7 cujo primeiro assentamento data de 2950 aC ou Babilônia O arqueólogo portanto deve explorar múltiplas refundações A fundação assim é claramente uma inscrição no tempo para que um nome perdure No Médio Egito no final da XVIII dinastia a fundação de Tell elAmarna resultou do mandato do faraó Amenófis IV Aquenáton de criar uma nova capital por razões ideológicas substituir uma divindade tutelar Amon de Tebas por uma nova divindade mais abstrata já que designada sob o termo aton o disco TALLET 2005 Ela é revelada por uma série de estelasfronteiras gravadas balizando o conjunto do território da cidade e seus arredores Podese tratar também de fundação resultante de vontade coletiva como na Grécia Por volta do final do século VIII aC a Grécia abandona progressivamente um sistema político fundado em pequenas comunidades mais ou menos agregadas na Ática por um sistema mais centralizado em torno da pólis Estabelecese um espaço político comum organizado novo espaço cívico em que cada comunidade será representada e participará alternativamente do poder Fundar uma cidade então é fundar uma pólis E é fortalecida por essa nova unidade que a Grécia vai estabelecer colônias em torno do Mediterrâneo Náxos é fundada por volta de 735 Siracusa por volta de 733 Mégara Hyblaea por volta de 728 A tradição8 quer que antes de tudo se consulte o oráculo de Apolo em Delfos A divindade mais frequentemente citada portanto é Apolo Arcágeta fundador mas existiam outros O herói fundador é geralmente o chefe da expedição a quem posteriormente se dedica um culto Como 7 A narração da fundação de Mari e da sua reconstrução citada por Grandpierres segundo uma inscrição suméria é a seguinte YadhunLim filho de Yaggid de Tuttul e do país de Hana o rei forte que domina as margens do rio Eufrates Dagan proclamou minha realeza além disso nas terras queimadas num lugar de sede em que nunca rei algum erguerua uma cidade eu concebi o desejo e ergui uma cidade Cavei sua vala Chameia DurYadhunLim Então abri um canal e o chamei IschimYadhun Aumentei meu país firmei os fundamentos de Mari e de meu país assim deixei meu nome para a eternidade 8 Segundo Trézin 2005 tratarseia de tradições apócrifas que revelam a importância que no decorrer dos séculos ganhou o oráculo de Delfos importância que então ele certamente não tinha distribuir de forma igual e democrática os colonos pelo território13 Tratase de um princípio de distribuição fundiária É preciso esquecer a ideia segundo a qual a planta em tabuleiro era igual em todo lugar ao contrário ela se adaptava a cada singularidade morfológica dos sítios colonizados Convém igualmente segundo C Maumi desconstruir o mito da planta hipodâmica de fato Hipódamo de Mileto é frequentemente considerado o primeiro arquiteto e o ancestral totêmico do urbanismo século V aC Contudo seu mérito não está na invenção de um sistema quadriculado mas no fato de ter pensado como um conjunto a organização do espaço urbano e da sociedade local Como inúmeros pensadores daquela época do Iluminismo grego ele desenvolve uma teoria social em que os grupos e as instituições estão repartidos de maneira racional na cidade A cidade ideal a seu ver devia abrigar dez mil homens e ser organizada em três classes os artesãos os lavradores e os militares Repartiase em três zonas sagrada pública e privada Segundo R Martin 1966 os documentos epigráficos encontrados no porto do Pireu indicam um sistema de demarcação que delimita essas zonas especializadas Centralidades geométricas e simbólicas na cidade e na casa Falar aqui de centralidade pode parecer incongruente mas afinal de contas ela pode ser considerada como um efeito dos traçados um ponto de fundação Os gregos sempre imprescindíveis permitem entender mais uma vez os vínculos entre espacial e social No lar primitivo Vernant 1981 descreve o megaron micênico como uma lareira redonda fixada no chão que se inscreve no centro de um espaço circular delimitado por quatro colunas Elevandose até a cumeeira esses pilares propiciam um buraco no teto pelo qual sai a fumaça Seja queimando incenso na lareira seja deixando a carne das vítimas se consumir ou ainda grelhando durante as refeições a porção de comida reservada aos deuses na chama acesa em seu altar doméstico Héstia faz subir as oferendas familiares até a morada dos deuses do Olimpo Héstia simboliza para o grupo doméstico o centro isto é um ponto fixo no chão que permite estabilizar delimitar a extensão terrestre É por aí também que se efetuam os contatos entre os diferentes níveis cósmicos sob a terra sobre a terra e no céu Para os membros do oikos a lareira central da casa marca também o caminho das relações com os deuses de baixo e os deuses de cima o eixo que de uma extremidade à outra faz todas as partes do universo se comunicarem VERNANT 1981 O centro portanto é designado pelos termos Héstia deusa do lar e ônfalo umbigo A constelação de lareiras domésticas que constituem as centralidades autônomas das pequenas comunidades disseminadas pela Ática vai se reduzir a uma centralidade única em Atenas com a reforma de Clístenes no século I Lévêque e VidalNaquet 1983 falam do nascimento de um espaço cívico no qual Héstia simboliza o centro de um espaço constituído por relações reversíveis O advento da pó1is vai transformar a representação mental do espaço disso resultará um universo homogêneo sem hierarquia e sem níveis É um novo quadro territorial que se desenha o centro político se desloca e se constrói em torno da Acrópole e depois da ágora a cidade se torna o coração de um território homogêneo federal onde cada comunidade será representada alternativamente num centro geométrico De singulares que eram as lareiras se confundem numa lareira comum Do mesmo modo todas as narrações da fundação de Roma relatam a existência de um mundus que se concretizava numa vala em que eram depositadas no momento da fundação torrões de terra oriundos das diferentes regiões das quais a cidade pretendia ser a capital e uma amostra do que era necessário para os novos cidadãos Assim o mundus simbolizava a reunião da comunidade num lugar determinado dentro das muralhas e era objeto de rituais LIOLUGILLE 2005 Mas também federava as tribos horizontalmente dispersas pelo território e permitia em determinados momentos do calendário a ligação entre os mundos de baixo o dos infernos e o dos mortos e o de cima da comunidade dos vivos 13 Os primeiros a terem chegado à colônia podiam pretender os mesmos direitos sua propriedade era inalienável Planta da aldeia de Kejara Segundo C LéviStrauss Tristes Tropiques Paris Plon 1955 eixos passouse a uma organização em que as casas comuns a várias famílias estão dispostas ao longo de uma trilha frente a frente de cada lado desse eixo numa racionalidade totalmente ocidental Desorientados em relação aos pontos cardeais privados da planta que fornece um argumento a sua sabedoria os indígenas logo perdem o senso das tradições como se seu sistema social e religioso fosse complicado demais para abrir mão do esquema que se tornou patente na planta da aldeia e cujos contornos seus gestos cotidianos perpetuamente refrescam LÉVISTRAUSS 1955 Esse exemplo emblemático mostra uma leitura da imbricação dessas duas esferas do social e do espacial além da maneira como elas respectivamente se consolidam Orientação e delimitação processos consubstanciais e recorrentes É para fins de análise que os diferenciamos pois em geral contribuem juntos para estruturar o espaço A observação de suas combinações e interpretações pelos grupos pode em certas áreas geográficas revelar regras e modelos de divisão do espaço15 Orientação da casa das aldeias e das cidades Podemos considerar que desde as origens a orientação foi relacionada com a sobrevivência do homem e que a dimensão astrológica presidiu à sua localização no espaço O curso do sol a posição dos astros e também o movimento das correntes fluviais eou marítimas o vento dominante e mais tarde a agulha magnética ao servirem de pontos de referência favoreceram a construção pelos homens de direções que organizam sua relação com o espaço Mas se todas as sociedades lidam com as orientações que levam a representações particulares do mundo nem todas usaram originalmente da mesma maneira o sistema cardeal Este consiste numa representação geométrica em que os pontos são fixos o norte e o sul são determinados pela posição do sol e mais tarde pela agulha magnética esse sistema permite traçar eixos nortesul e lesteoeste cujo cruzamento cria setores e zonas específicas Se todas as culturas conhecidas reconhecem o nascer e o pôr do sol podemos deduzir razoavelmente que percebem pelo menos duas direções leste e oeste num plano horizontal a posição do sol no zênite vai variar conforme estivermos no hemisfério Norte ou Sul São os significados e as definições que os povos lhes dão que divergem Nas sociedades sedentárias tradicionais A orientação pode se manifestar em diferentes escalas na casa na cidade ou no território inteiro Na escala do território entre os zunis Cassirer 1977 explica que a totalidade do espaço está dividida em sete regiões norte sul leste oeste mundo superior mundo inferior centro do mundo e as coisas e pessoas estão distribuídas nelas de forma definitiva Tal descrição já havia sido desenvolvida por Mauss que via nela um verdadeiro arranjo do universo organizado num sistema que ordena todos os fatos da natureza assim como os homens e os animais Na China antiga os pontos cardeais ganham sentido por meio das cores16 e determinam as estações isto é elementos não espaciais Na dinastia Zhou século XI aC o sul representava o centro cósmico do universo sendo a capital o centro social O céu era dividido em cinco setores cada um associado a uma direção um elemento e uma cor Havia correspondência entre os orientes os setores e a cores o setor leste era dominado pela madeira e pela cor verde o sul pelo fogo e pelo vermelho o oeste pelo metal e pelo branco o norte pela água e pelo preto e o centro pela terra e pelo amarelo A totalidade da terra era orientada como o conjunto dos assentamentos humanos Por ocasião das cerimônias de enfuetação todo ano os vassalos vindos dos Quatro Orientes chegavam ao centro do Império e se distribuíam em torno de um altar quadrado o centro que representa a totalidade do império O Filho do Céu 15 Sobre o Sudeste Asiático reportemos ao sintético e bem documentado artigo de J MatrasGuin 1992 16 A associação de cores às direções e aos pontos cardeais se encontra em várias sociedades no Ocidente e no Oriente o imperador era o garantidor da ordem social consolidada de certo modo pela ordem espacial Era o mediador entre o céu e a terra Granet 1968 descreve como ao percorrer o Mingtang a casa do calendário o imperador seguia o ciclo das estações parando a leste no equinócio do outono e ao norte no solstício de inverno Assim ele representava concomitantemente o espaço e o tempo porque enquanto se deslocava ia de um ponto ao outro e fazia com que as estações ocorressem Seria mais exato dizer não que o soberano se desloca no espaço ou no tempo mas que o EspaçoTempo se desdobra à medida que ele se desloca Espaço e Tempo permanecem indissociáveis ainda mais que nunca são quadros abstratos neutros O espaço chinês é um espaço vital polarizado pelos quatro orientes sifang notese de passagem que o termo fang significa ao mesmo tempo oriente e quadrado onde o filho do céu protótipo do homem vem oportunamente tomar lugar e o tempo é um tempo vivido ritmado pelas quatro estações sishi o termo shi significa estação e também momento oportuno propício Portanto o espaço na China não é um palco vazio CHENG 1993 No Extremo Oriente ao contrário do Oriente Próximo ou da Europa o ordenamento do espaço apresenta uma grande homogeneidade FORÊT 1993 fundada na utilização de conceitos geomânticos17 Essas sociedades têm características semelhantes de cultura geografia planícies aluviais e montanhas e clima A transição de uma paisagem natural de pântanos para uma paisagem cultural de canais diques e lagoas exigiu investimentos consideráveis no decorrer dos séculos feitos por um vasto campesinato dirigido por uma burocracia complexa Esses dois atores do ordenamento do espaço que são o camponês e o burocrata compartilham a mesma avaliação dos recursos ambientais e a mesma concepção de vida em harmonia com a natureza As sociedades da Ásia oriental portanto elaboram conceitos de harmonia e de implicação na natureza que associam de forma particularmente estreita paisagem e cultura FORÊT 1993 Na escala das cidades sabese que na China a perenidade das construções constituída no Ocidente por meio do tombamento não é vivida da mesma maneira ZHANG 2003 A arquitetura chinesa era essencialmente feita com materiais perecíveis Mas além dessa fragilidade técnica P Clément 1987 mostra em seu estudo sobre as cidades capitais chinesas que estas não somente são precárias como de extrema mobilidade em todo o território e também dentro de um mesmo sítio Uma vez destruída a cidade nova era objeto de um verdadeiro projeto urbano que antecipava sua forma e seus limites O imperador cumpria o ato primordial de fundação ao determinar as orientações e a implantação em função dos elementos geográficos e geomânticos O que importava não era a cidade em si uma criação temporária mas o território Essencialmente política ela era ao mesmo tempo o cume e o pivô do império em harmonia com o universo e garantidora da hierarquia social A escolha do sítio e a fundação da cidade imperial de Hué no Vietnã respondem aos princípios da geomancia chinesa adaptada ao simbolismo vietnamita assim como a considerações estratégicas e geográficas Correspondem a regras estritas de orientação de dimensão dos edifícios e de cores dos materiais LAHEURTE 1993 Como em várias sociedades tradicionais encontrase em Bali uma oposição entre os territórios selvagens e as terras habitadas pelo homem A essa oposição sucede outra sagradonão sagrado A fundação de uma cidade de um reino de uma casa ou de um território é um ato de consagração que visa transformar o caos em cosmos e que segundo Nathalie LancretSimon 1993 é uma repetição do ato cosmogônico original da criação do mundo As principais etapas da fundação são descritas começando pela criação de um centro o monte sagrado por excelência é o monte Agung que segundo a tradição é o ponto sagrado a partir do qual a ilha foi criada ou de um ponto fixo que permite orientar o território segundo um sistema nawa sanga que comporta nove direções 17 A Dellissen resume apropriadamente A função geral da geomancia é uma função de harmonização Mas tratase de muito mais que uma simples harmonização do construído e da paisagem A geomancia tem duplo papel de um pensamento e de um processo de harmonização com a natureza que vale para o espaço humano orientações escalas formas territórios e para o tempo humano ciclos cósmicos estações presença dos mortos história social Cf Des dragons dans le paysage coréen LHomme et la société Anthropologie de Iespace habité nº 104 1992 p 1522 158 159 1 Centro da mandala Palácio alunalun mercado e alguns edifícios públicos 2 Primeiro anel Residências dos aristocratas ou jero as pessoas de dentro 3 Segundo anel Primeiras aldeias anexadas à cidadecapital Utama Superior Madya Médio Nista Inferior Templo Palácio Alunalun Cemitério figura 14 Os modelos celestes da trimandala e da mandala Fonte N Lancret Badung Asies 1993 quatro direções principais que constituem uma divisão quaternária do espaço o centro e quatro direções intermediárias figura 14 Entre os navajos a percepção da posição do sol se realiza por meio das montanhas sagradas que delimitam o mundo navajo Finalmente na escala doméstica entre os dogons da África as orientações se concretizam na estruturação do espaço doméstico e nos mitos Sejam eles pontos ou direções os pontos cardeais organizam as ações humanas ajudam os homens a se posicionar no espaço a se mover a edificar etc Na África entre os gourmantchés e os kasenas Cartry e Liberski 1990 relatam as diferentes etapas que antecipam a fundação das casas Entendese que até mesmo para uma construção banal uma casa tratase de um conjunto complexo de procedimentos Primeiramente há a escolha do sítio localização e também orientação que se realiza por meio de consultas divinatórias há as narrativas que fazem referência a mitos e às categorias usadas para pensar a fundação os rituais e então o trabalho de construção propriamente dito em todas essas etapas intervêm atores diversos Ao contrário no que diz respeito à grande casa achuar da Amazônia DESCOLA 1986 nem sua construção nem sua inauguração é objeto de qualquer ritual Nas sociedades tradicionais nômades As coisas nem sempre são simples Por exemplo entre os mouros18 AM Frérot 1996 nota certa indecisão na determinação tradicional das orientações cardeais O referente cardeal não é unificado e depende de noções estruturantes e não da rosa dos ventos as referências determinantes o meio ambiente cotidiano as margens regiões geográficas e polos econômicos atrativos a orientação das dunas e outras linhas do relevo o sentido do vento dominante são referências geográficas que podem variar conforme o local onde está o observador os mouros sempre estruturam seu espaço em relação à vivência percebida identificada ou representada FRÉROT 1996 18 República Islâmica da Mauritânia 160 161 Como essas sociedades móveis devem se adequar permanentemente à área que vão ocupar a orientação é omnipresente não somente preside à implantação da unidade residencial o acampamento mas também à da tenda que é regida por regras estritas Dentro desta objetos e pessoas são igualmente distribuídos em determinadas direções BOULAYE 2005 Na Mongólia BIANQUISGASSER 1999 a implantação da iurta para um casamento ou uma etapa do percurso da nomadização é feita no dia bom segundo um calendário conservado atrás de uma haste na parte nordeste o calendário mongol é dividido em períodos de doze dias correspondentes a doze animais do mesmo modo cada dia se baseia em doze signos BIANQUISGASSER 1999 Estabelecida a localização e feita a instalação o dono da casa percorre três vezes o recinto rezando e purificando o local com queima de zimbro A ordenação interior da iurtá é organizada segundo dois eixos um lesteoeste orientação definida de dentro olhandose para o sul dividindo o espaço entre mulheres a leste e homens a oeste o segundo divide a iurta em três partes norte centro e sul em que se repartem atividades e indivíduos Até onde sabemos não existe inventário dos sistemas de orientação assemelhamse a permanências mas com infinitas variantes Estimase segundo F PaulLévy que têm em comum organizar as balizas do movimento e também qualificar e organizar o espaço em diferentes zonas dos pontos de vista geográfico social e simbólico Nesta margem do rio naquela do lado da nascente do lado da foz na zona a montante na zona a jusante ao norte ao sul no centro etc situamse grupos atividades hábitats monumentos etc de valor de naturezas diferentes como são diferentes o valor e a natureza dos espaços qualificados pelos eixos orientadores PAULLÉVY 1983 Assim os sistemas de orientação servem para qualificar o espaço dandolhe sentido e conteúdo Autorizam ou proíbem o estabelecimento das relações dos indivíduos entre si e com seu ambiente Portanto existe um aspecto social sob as orientações De fato em várias sociedades tradicionais a orientação toma formas de atribuição A descrição bem conhecida que Bourdieu 1972 faz da casa cabila mostra que como em várias sociedades muçulmanas a orientação determina o lugar do homem e da mulher como o dos animais da lareira e dos utensílios da vida cotidiana Ele nota que a orientação dentro da casa é inversa àquela do espaço externo o que o leva a falar de um espaço invertido Na Birmânia dormese de preferência na metade leste da casa sendo o lugar sob o altar do Buda reservado para o dono da casa Deitase com a cabeça orientada para este pinhão segundo os birmaneses o nome que lhe dão gaungyin ou pinhão de cabeça vem precisamente da posição do corpo mais comum durante o sono o outro pinhão a oeste é o dos pés tcheyin Assim se opõem o pinhão da cabeça e o pinhão dos pés a frente e os fundos a parte alta e a baixa da casa O eixo pinhão de cabeça pinhão dos pés é o da cumeira das casas e da orientação geral do bairro pagodeavenida Na casa permite localizar os espaços privilegiados do sagrado e do profano O eixo fachada dianteirafachada traseira permite ir do público ao privado espaço de recepção quarto das filhas púberes ou do jovem casal do masculino ao feminino espaços onde dormem os homensquarto com pedra de tanahka e cozinha Por fim intervém o eixo vertical que contribui para delimitar o espaço citado por referências de níveis o cômodo principal que abriga os altares e cujo assoalho serve para se deitar e dormir é o mais alto sobre estacas a cozinha fica num nível mais baixo assim como o cômodo da frente e a soleira da entrada onde as pessoas se descalçam BRAC DE LA FERRIÈRE 1992 Existem inúmeros exemplos nas sociedades tradicionais de tipos de orientação da casa em função de diferentes elementos físicos e simbólicos No livro Anthropologie de Iespace utilizamos o termo alocação para designar essa relação entre o espaço e as injunções sociais próprias a cada sociedade e em particular os fatos que dizem respeito aos lugares e locais em que os grupos e indivíduos devem se encontrar É difícil determinar se a localização dos indivíduos ou grupos no espaço da casa ou da aldeia se explica por seu gênero idade ou status social e familiar e se a orientação além de efeitos espaciais produz efeitos sociais A causalidade implícita quando falamos de efeitos não é unívoca BRAC DE LA FERRIÈRE 1992 162 163 Fundar Ainda hoje a orientação das construções especialmente das habitações dálhes um valor de conforto físico e estético portanto de qualidade que influencia o mercado A orientação conforme o sol para a rua ou o pátio com ou sem vista com vizinhos mais ou menos próximos ou inexistentes altera amplamente os preços em nossas sociedades contemporâneas O antigo sistema chamado geomancia chinesa feng shui vento e água ainda está presente na Ásia nas construções modernas Diz respeito à escolha dos locais e à adaptação das construções às características do meio ambiente com a finalidade de conseguir harmonizar a relação entre o homem e a natureza O sistema que preside à escolha do local e da planta do edifício é baseado no conhecimento dos fluxos de energia como na acupuntura que atravessam a terra à imagem do corpo na origem da energia vital produzida pela oposição do yin e do yang CLÉMENT CHARPENTIER HAK SHIN 1987 Esse conhecimento muito antigo foi assunto de vários tratados e utiliza a orientação como um tipo de operadora da fundação e também como condição para a harmonia Assim a geomancia chinesa aplicada ao espaço determina o local propício à ocupação do espaço dos vivos e dos mortos Não dissocia o local escolhido para a fundação do meio ambiente global organizado por um conjunto de forças e redes de energia espalhadas por todo o território Ela está no fundamento da paisagem Tal abordagem é contrária à racionalidade ocidental que presidiu à modernidade arquitetônica Fingerhuth 2004 recomenda interpelar os conceitos do taoísmo para refletir sobre um urbanismo segundo a hipermodernidade Inspirandose em noções não racionais ele exorta os profissionais a utilizar as emoções as sensações as experiências sensíveis e a espiritualidade para intervir na transformação das cidades modernas Aliás essa busca pela harmonia do homem e do meio ambiente se inscreve nas temáticas atuais de desenvolvimento sustentável19 Considerase ainda hoje que os princípios de fundação da casa tradicional merina de Madagascar sempre estão presentes na mente mesmo quando se trata de habitações urbanas20 Assim tratar das orientações do espaço e dentro do espaço é entender como o homem em todos os tempos e em todas as sociedades procura se posicionar da melhor forma possível em relação ao seu entorno às suas representações do universo Também é saber que para muitas delas a orientação se reveste de dimensões propriamente políticas na medida em que organiza o lugar de cada um individualmente eou coletivamente fazendoo participar de uma totalidade particular qualificada A delimitação21 a questão do limite Delimitar é uma operação elementar consubstancial à orientação que situa o homem em relação ao restante do mundo que introduz um interior em relação a um exterior Ela institui uma ruptura naquilo que é contínuo criando uma fronteira uma borda uma orla ou seja uma separação entre duas zonas Portanto tratase de um processo de qualificação que permite diferenciar um espaço de outro Segundo M Détienne 1990 A questão da fundação deve ser tratada por meio de uma série de interrogações sobre o local o limite o início os gestos os objetos os ingredientes a autonomia da fundação as maneiras de individualizar o fundador O que é um lugar Tem nome É fixo O que significa habitar ordenar construir Tratase de uma sequência contínua Existem lugares que falam outros que assinalam O limite de onde vem Da aldeia da selva É fixo móvel poroso aberto invariável Deve ser sempre retraçado Ou se estiver definitivamente traçado como e por que meios Pode ser colocado no centro na lareira por exemplo localizarse na janela nas dobras nas trancas DÉTIENNE 1990 Podemos pensar que independentemente das suas figuras as práticas de delimitação feitas pelo homem dizem respeito à esfera práticosimbólica Delimitar é dar sentido à extensão algo que só pode acontecer porque o homem aprendeu a manusear a dimensão simbólica isto é com a aparição da linguagem como ferramenta de comunicação 19 O livro de O Mangin La Condition urbaine 2005 vai no mesmo sentido ao propor fundar a póscidade oriunda da globalização numa nova condição urbana que associa lugares e fluxos numa cultura urbana dos limites recorrendo às experiências urbanas corporais e multidimensionais 20 A casa se inscreve numa ordem astrológica que a organiza em função dos signos do zodíaco o sagrado tem papel importante segundo C FournetGuérin 2004 21 Colocar em primeiro lugar a orientação e em segundo a delimitação resulta de uma decisão totalmente arbitrária Fundar Em nosso livro Anthropologie de lespace havíamos proposto considerar que a distinção entre espaço humanizadoespaço não humanizado era relativamente constante em várias sociedades tradicionais Tratamos essa distinção entre o povo fali de Camarões LEBEUF 1961 para quem o mito de origem descreve a criação do mundo e a tartaruga mítica traça uma delimitação entre o mundo dos homens me cento o que conheço e o mundo selvagem me ceniuba o que não conheço Na China GRANET 1968 a representação do universo passa por uma imagem do mundo habitado limitado pelos quatro lados do espaço além dos quais se encontram as regiões os Quatro Mares ocupados pelos bárbaros aparentados ao reino animal Os humanos chineses não podem ir lá sob pena de perder sua humanidade Tratase de um espaço diluído que se opõe ao espaço pleno total o do centro que é fechado repleto de atributos e reúne todos os emblemas lugar das reuniões federais ele é o grupo em si Na Grécia arcaica a terra era um disco envolto por um rio circular Oceano sem origem nem fim VERNANT 1981 Acima da terra como uma tigela de pontacabeça apoiada no contorno do Oceano elevase o céu de bronze É chamado de bronze para expressar sua inalterável solidez Domínio dos deuses o céu é indestrutível Para o grego arcaico a terra é primeiramente aquilo sobre o que se pode andar em total segurança um assento sólido e seguro que não corre o risco de cair Assim imaginam sob ela raízes que garantem sua estabilidade VERNANT 1981 Xenófanes diz que elas se fincam infinitamente sem limites Hesíodo imagina uma jarra de gargalo estreito do qual saem as raízes do mundo Nessa jarra reina o mundo subterrâneo mundo da desordem espaço não orientado Zeus tampou a jarra para impedir a comunicação entre o mundo subterrâneo mundo do caos sem orientações e o mundo dos homens Essa representação do mundo indica limites nivelados verticalmente níveis que não se comunicam o mais alto ocupado pelos deuses o do meio em que ficam os homens e o de baixo espaço dos mortos e dos deuses subterrâneos O selvagem e o doméstico22 A relação entre o homem e seu meio ambiente passa pela delimitação entre esses dois elementos que podem assumir várias representações P Descola 2005 em sua tarefa de desconstrução das categorias tradicionais da antropologia mostra que as oposições entre selvagem e doméstico ou entre natureza e cultura decorrem de classificações que não são tão universais quanto se achou durante muito tempo Para certas sociedades a dualidade dessas categorias não funciona de maneira tão firme ou está até ausente Em particular para os povos nômades caçadorescoletores a ocupação do espaço não se irradia a partir de um ponto fixo mas se espalha como uma rede de itinerários balizados por paradas mais ou menos pontuais e mais ou menos recorrentes Socializado em todo lugar porque percorrido sem tréguas o meio ambiente dos caçadorescoletores itinerantes apresenta constantemente as marcas dos eventos que nele ocorrem e que revivificam até hoje antigas continuidades DESCOLA 2005 A área é marcada por sinais permanentes ou efêmeros túmulos kerns23 balizada por referências geográficas montanhas rios etc e também pela experiência e memória íntima de cada um Para os aborígenes a oposição entre selvagem e doméstico não faz muito sentido não somente porque faltam espécies domesticadas mas sobretudo porque a totalidade do meio ambiente percorrido é habitada como uma moradia espaçosa e familiar ordenada ao fio das gerações com tamanha discrição que o toque dos sucessivos locatários se tornou quase imperceptível DESCOLA 2005 A questão dos limites aparece quando se desenvolvem a agricultura e a sedentarização A delimitação pode consistir então em separar mentalmente zonas silvestres e zonas cultivadas criando entre esses dois espaços zonas intermediárias com qualidades distintas Cada 22 Ven P Descola 2005 23 A palavra bretã kern denota um monte de pedras usado para delimitar uma propriedade NT sociedade cria assim interiores mais ou menos fechados com limites mais ou menos rígidos e exteriores que respondem a diferentes gradações de meio ambiente Diferentes termos utilizados na antiga República do Alto Volta hoje Burkina Faso na África pelos gurunxes permitem entender a percepção de uma sucessão de espaços da casa até os confins do território a palavra sago mato é utilizada para expressar o conjunto da aldeia como espaço construído e das terras cultivadas a palavra gabio mato grande é uma mistura de terras ao mesmo tempo cultivadas e não cultivadas que se amplia conforme as direções gao é o mato que se estende além do gabio aolon gaoe é um mato perigoso porque impenetrável e bagó é um mato distante espaço sem nome porque desconhecido Por fim há o mato sagrado muito localizado lugar de culto e de proibições BATTAILLON ROQUE 1981 Para ilustrar a incerteza das delimitações e a falta de operacionalidade das oposições em certas sociedades P Descola 1986 cita os achuares que não opõem diretamente seu meio ambiente doméstico próximo casa jardim ao da floresta que os circunda selvagem sendo esta também amplamente socializada Sagradoprofano Segundo Mircea Eliade 1979 a delimitação entre um espaço sagrado e um espaço profano parece ser geralmente fundadora A cerca o muro ou o círculo de pedras que circundam o espaço sagrado contam entre as mais antigas estruturas arquitetônicas conhecidas dos santuários A cerca não implica e não significa somente a presença contínua de uma cratofania ou hierofania dentro do recinto tem também por objetivo preservar o profano do perigo ao qual se exporia ao se penetrar nele sem perceber A importância ritual do limiar do templo ou da casa algumas valorizações ou interpretações diversas que tenham recebido no decorrer do tempo explicamse também pela função separadora dos limites ELIADE 1979 Seja entre humano e não humano entre sagrado e profano entre si e os outros o limite gera espaços de qualidades diferentes Hoje a distinção se entende mais frequentemente por meio da oposição espacializada entre o aqui e o alhures entre o lar privado e o exterior público Mas não devemos ver nisso uma delimitação sempre nítida existem margens entremeios espaços intermediários que alguns dispositivos permitem apreender O que na verdade dá sentido aos limites é o fato de poder ultrapassálos seja virtualmente à força ou mediante autorização Dispositivos de delimitação e passagens Voltando ao mito da fundação de Roma lêse que o fundador Rômulo define a superfície da nova cidade traçando um sulco com um arado que joga os torrões para dentro o instrumento de madeira com base de metal é puxado por um touro à direita e uma vaca à esquerda Esse rito é executado por Rômulo que usa roupas idênticas às dos sacerdotes Para manter o traçado e fixar o sulco dispõemse pedras a intervalos regulares Levantase o arado para criar portas onde se quer entrar e sair da cidade cruzar a muralha virtual e provisória porém sagrada Remo comete um grave erro ao pular por cima do sulco sem passar pelas portas por derrisão Rômulo se vê obrigado a matar seu irmão para anular o agouro LIOUGILLE 2005 Vêse a importância das portas e a ideia de transgressão que leva ao castigo e portanto à reparação aqui a reparação extrema a morte É em geral por meio da observação das práticas diferenciadas que se apreende a passagem de um espaço para outro Hoje ainda entrar numa igreja é um ato acompanhado de posturas corporais gestos modulações da voz que indicam que estamos cientes da mudança de espaço Assim a delimitação nem sempre se revela por uma marcação física mas por um sinal do tipo práticosimbólico Vimos como no Cairo o transeunte pode sem ver sinais externos entrar numa zona controlada pelos habitantes Imperceptivelmente ele pode passar de um espaço público para um espaço semiprivado hetta embora ainda esteja na mesma rua Não há limite nem sinalética flagrante mas a atitude as roupas o olhar dos habitantes indicam essa mudança de status do espaço DEPAULE ARNAUD 1984 No Japão tirar os sapatos e deixálos na porta é uma regra à qual obedecem até os semteto na estação e no parque de Shinjuku em Tóquio antes de entrar em suas casas de papelão Portanto existem diferentes tipos de limites que podem ser mais ou menos rígidos ou mais ou menos claros É certo que existem balizas guaritas barreiras valas muros portas janelas todo um conjunto de marcações físicas e simbólicas que autorizam ou impedem a passagem que controlam e filtram São dispositivos que mais uma vez determinam e qualificam os espaços A questão resumese então ao cruzamento Conforme se trata de casa ou cidade os dispositivos serão diferentes Não há necessidade aqui de nos determinos no significado das portas das cidades e das diferentes formas de cruzamento das muralhas A gestão dos limites no espaço doméstico o limiar Por outro lado no que diz respeito ao espaço doméstico podemos estudar um dos elementos de cruzamento do limite por meio de uma noção complexa a de limiar O limiar existe em todas as sociedades por meio dele são três dimensões que se entrecruzam espacial social e simbólica Dispositivo material e simbólico ao mesmo tempo é estático e dinâmico O limiar existe para ser cruzado e essa passagem é acompanhada de rituais24 descobrir a cabeça para entrar num lugar ou ao contrário cobrirse véu ao sair num espaço público pedir a autorização para entrar ao cruzar o limiar tirar os sapatos Esses rituais podem ser cotidianos ou excepcionais podem fazer uso da própria arquitetura ou de dispositivos materiais campainha códigos ou visuais Retomamos aqui o posicionamento teórico de P Bonnin 2000 para quem se há um rito de passagem é que há separação cruzamento de limite Por mais interessante que seja a descrição do seu desenrolar da sua ritualização a passagem não pode ser entendida abstraindose o limite a fronteira que ela abole local e momentaneamente Mais exatamente é a dualidade a ambivalência separaçãopassagem que deve ser tomada como objeto porque ela nos revela sua fragilidade a incerteza intrínseca e por isso mesmo a importância dessa estrutura simbólica BONNIN 2000 Assim o limiar instaura a interação e permite gerenciar a relação com o outro A observação fina que P Bonnin faz da gestão do limiar na habitação tradicional e na habitação moderna urbana no Japão além do seu aspecto comentátorio apresenta a nosso ver quatro consequências metodológicas a comparação dentro de uma mesma sociedade de dois tipos de espaço evidencia ao mesmo tempo a permanência e a transformação de um mesmo fenômeno indica também a pertinência do estudo de um espaço banal do cotidiano como indicador de adaptação e transformação ao encenar as novas figuras da habitação urbana globalizada permite mostrar como a espessura reveste o espaço cujo aspecto propriamente funcional técnico está transfigurado por fim ela funciona como um operador a partir do qual se apreendem as oposições que fazem funcionar o espaço doméstico privadopúblico internoexterno etc Voltaremos a discutir de forma mais detalhada no capítulo 5 Distribuir sobre as modalidades japonesas Por enquanto damos outros exemplos dessa função que frequentemente é ao mesmo tempo delimitação e geração de espaços intermediários da qual participa o limiar Como mediador o limiar organiza as relações sociais paradoxalmente preenche a dupla função de separar e vincular Nas sociedades tradicionais árabes muçulmanas sabese que a entrada da casa portanto o limiar organizase em torno de vários elementos para separar dois mundos o feminino e o masculino Na civilização islâmica a porta da casa é completada por outra parede no Magrebe a skifa em Bali o lawang que preserva a intimidade do 24 O trabalho de Van Gennep 1909 embora a dimensão espacial tenha sido sobre os ritos de passagem é fundador pouco tratada figura 15 Planta de casa tradicional com acesso em ziguezague Nain Irã Segundo G Monnier La porte Alternatives 2004 espaço doméstico porém impõe um percurso tortuoso No Irã o acesso à casa tradicional uma vez cruzada a porta emenda várias mudanças de direção essa parede construída e esses ziguezagues garantem o espaço privado contra o acesso dos olhares MONNIER 2004 Mas o limiar também serve para distribuir os indivíduos no espaço permite desenvolver estratégias de retiro diante da chegada de um visitante ou a possível intrusão de estranhos25 O que o comanda a porta pode ser aberta fechada ou apenas entreaberta Os visitantes conforme o status a idade eou o sexo ficarão confinados em determinados lugares intermediários como as varandas as entradas ou dentro da habitação em certos cômodos Na França o limiar da casa moderna se concretiza como um cômodo em si a entrada É preciso relembrar que nos anos 1970 a inovação arquitetônica passou pela supressão das entradas em certos apartamentos A sociologia do hábitat mostrou que essa novidade não agradou aos habitantes que viam nela a supressão do vestíbulo que permitia realizar a transição entre dentro e fora Identificar a entrada da sua habitação é uma necessidade psicológica para o habitante foi aliás o que entenderam os renovadores dos conjuntos de habitações sociais ao marcar os seguintes com sinais arquitetônicos distintivos colunas frontões alpendres cores Conforme as culturas o limiar é indicado ordenado significado por objetos peculiares A cultura ocidental coloca na entrada doméstica objetos que marcam a transição casacos guardachuvas sapatos espelhos para o lado de fora ROSSELIN 1999 Assim o limiar acolhe as interações entre indivíduos Elas são objeto de rituais que variam conforme as regras sociais e as épocas Goffman 1975 descreveu as múltiplas formas muito codificadas desses intercâmbios 25 O homem ou estranho pode se anunciar pela voz tornandose o limiar então sonoro Outra passagem a janela Na gestão cotidiana do limite há na casa um dispositivo que pode ser entendido como um limiar Tratase não de uma passagem material de cruzamento físico mas do caminho do olhar De fato a janela comanda toda a organização do espaço doméstico No século XVII tornouse tema privilegiado das pinturas de gênero KNAFOU STASZAK 2003 o que revela uma nova atitude mental Elemento técnico cujas funções são a circulação do ar a vista e a iluminação solar a janela é também espaço de transição que relaciona o exterior com o interior Acompanhar seus diversos tratamentos no decorrer da história da arquitetura indica bem mais do que um simples percurso de formas revela a maneira como os homens trataram sua relação com o meio ambiente e interpretaram a relação entre o interior e o exterior da construção conforme as épocas As vicissitudes da janela portanto atestam a maneira como os homens concebem e representam para si o teatro do mundo As dedute vistas sistematizadas em inúmeras pinturas renascentistas foram utilizadas para manifestar o domínio recémadquirido graças ao uso da perspectiva da representação de paisagens distantes Essas cenas profanas indicam também a nova representação que o homem renascentista faz do mundo e do lugar que nele ocupa Logo as cenas urbanas vão substituir as paisagens bucólicas As janelas então deixarão ver o espectáculo urbano26 que se torna o dos assuntos urbanos cujos momentos marcantes serão revelados pelas festas pela chegada de personagens importantes ou de navios Progressivamente o conjunto janela associada à disposição do espaço interno vai indicar uma mudança na atitude do indivíduo em relação ao exterior Para tanto é preciso que o urbano esteja constituído para deixar de considerar a casa como uma fortaleza é preciso que se estabeleça certa civilidade isto é uma relação urbana dos indivíduos entre si27 Progressivamente imaginase e moldase a relação social entre a conformação interna da habitação isto é a distribuição e a cena urbana JC Depaule 1985 revela uma verdadeira arte da abertura em seu estudo sobre as janelas no mundo árabe muçulmano Seu livro que propõe um tipo de filosofia moral do hábitat descreve as relações complexas entre os usos das janelas as conformações internas do espaço doméstico e os costumes Entendese então o que quer dizer morar a janela vêse que a relação entre a abertura e o meio ambiente não é reversível nem análoga As estruturas de moucharabieh treliças que apareceram no Cairo no século XV permitem entre outras funções ver o espetáculo urbano sem ser visto elas não autorizam o universo isto é o olhar externo para dentro da habitação Ao examinarmos o caso das janelas holandesas CIERAAD 1999 constatamos uma situação bem diferente Se a mulher é frequentemente representada nos quadros dos séculos XVII e XVIII perto dessa abertura na fronteira entre o espaço privado doméstico e o espaço público hoje o olhar pode ir nos dois sentidos e é curioso perceber que nas cidades holandesas é possível ver o interior doméstico a partir da rua através de elementos plantas meias cortinas etc que filtram a visão sem ocultála totalmente 1 Cieraad faz uma interpretação do simbolismo desse limite numa análise histórica e arquitetônica que lembra o lugar da janela na construção assim como da mulher na sociedade holandesa The hymen as the historically vital physical borderline of the woman coincides with the windowpane as the vital societal borderline between public and private space The sexual status of the portrayed women was indicated not only by the condition of the windowpane or by its veiling with a curtain but also by the locking or unlocking of the window28 Nessa dinâmica criada pelo dispositivo de cruzamento do olhar é preciso entender que assistimos a dois movimentos cujas direções não são nem um pouco análogas Isso foi muito bem explicado pelos sociólogos do hábitat que após terem registrado por meio de profundas investigações a palavra dos habitantes puderam falar de relações que se constroem indo do interior para o exterior e do exterior para o interior Essas relações 26 Em geral no norte da Europa os quadros representam mulheres sentadas ao lado da janela 27 É possível entender esse processo por meio da história da construção da Strada Nuova em Gênova verdadeira revolução construtiva e social Polegri 28 O hímen enquanto fronteira historiamente física e vital da mulher coincide com a vidraça enquanto fronteira societal vital entre o espaço público e privado O status sexual das mulheres retratadas era indicado não somente pela condição da vidraça ou pelo fato de ela estar velada por uma cortina como também pelo trancamento ou destrancamento da janela NT mobilizam o olhar e as representações mas também as práticas materiais e simbólicas do mesmo modo elas induzem ordenações particulares H Raymond fala de relação perfeita para evocar o que na França baseiase numa convenção do habitar segundo a qual é sempre a um termo fixo o interior que se refere o sistema da relação perfeita entre interior e exterior é o exterior que deve ter a mesma cara e causa surpresa quando o interior não corresponde O que JM Léger 1990 mostra pelo estudo de realizações inovadoras é a frequente dificuldade na arquitetura moderna de alcançar uma verdadeira transparência semiológica segundo a qual a fachada seria o reflexo do interior avaliado Ele mostra igualmente como do interior para o exterior a relação se constrói e se mantém por meio de uma série de dispositivos como as janelas e sua decoração cortinas plantas Refundar Na escala do território e a respeito de certas operações urbanísticas é possível falar de refundação Porém identificar uma fundação antiga gera inúmeros problemas tanto técnicos quanto teóricos para a história urbana Como fazer com que as ruínas falem como interpretar as epigrafias como aproveitar a análise filológica e interpretar as narrativas de fundação que frequentemente são míticas Quatro dados primordiais se encontram em todo trabalho de identificação de fundação para o historiador a data da fundação a escolha do local a autoridade fundadora e os ritos de fundação29 Poderíamos classificar separadamente as cerimônias e os rituais que aparecem após catástrofes naturais como terremotos grandes incêndios30 erupções vulcânicas eou guerras porque as necessidades como purificação e condição de regeneração da cidade que então pode começar de novo Os habitantes aliás serão considerados os novos fundadores O incêndio faz dos habitantes de Chicago homens e mulheres enérgicos de costumes simples trabalhadores cheios de abnegação semelhantes àqueles que Outro elemento justifica o uso do termo quando se trata por meio de obras pequenas de nova distribuição dos lugares simbólicos que no final leva a uma nova leitura da cidade Essas ações visam sempre o centro deslocandoo ou desdobrandoo Por fim essas operações se caracterizam geralmente por sua brevidade e pelo fato de serem feitas por iniciativa de um único promotor O conceito de refundação aparece então como um instrumento de análise útil para entender intervenções no tecido urbano requer para cada caso que se ultrapassem as abordagens setoriais da cidade adotando um ponto de vista pluridisciplinar que combine as abordagens históricas morfológicas sociais etc É o caso de O Ratouis 1997 que seguiu a reconstrução após a Segunda Guerra Mundial de Dunquerque lugar privilegiado de experimentação do urbanismo moderno O percurso deste capítulo não foi inutilmente sinuoso partimos das ações primordiais de fundação para mostrar que elas iniciavam invariavelmente outras ações também primordiais que são a orientação e a delimitação Percorremos extensões declinamos territórios de várias escalas para chegarmos no nível do espaço doméstico Este nos pareceu pertinente para mostrar que o ato de delimitar também implica uma gestão do limite e que era importante entender o aspecto frequentemente bem distante da função aparente de alguns elementos como o limiar ou a janela construíram Chicago e garantiram com toda a força seu prodigioso destino escreveram Colbert e Chamberlin citados por H Harter 2004 31 Segundo a Geografía y descripción universal de las Indias de López de Velasco 1574 mais de cem cidades haviam sido fundadas desde o começo da conquista 32 As armas dos índios não justificavam esse tipo de defesa 33 Exceto no caso da criação de represas como a das Três Gargantas na China que exigiu o deslocamento e a realocação de milhões de pessoas 34 Talvez daqui a algumas décadas cheguemos a falar também de uma nova fase após a reconstrução de refundação para a cidade de Dunquerque a aglomeração encabeçada pela municipalidade urbana foi objeto de reflexões sobre a centralidade dessa nova entidade urbana A refundação se baseia num operador de deslocamento e inversão do centro aberto à cidade para as bacias criando continuidade mediante a implantação de edifícios e a abertura de ruas transformando de certa forma o vazio da água em cheio simbólico figura 16 Contemplação a partir da janela Desenho Gilles Barbey de refundação passam muitas vezes pela consideração da repetição KIERKEGAARD 1843 portanto por uma discussão sobre a própria localização aqui ou em outro lugar da reconstrução Mas nos deslocamentos das implantações urbanas não havia apenas considerações de ordem física Musset 2002 mostra que a reconstrução de uma cidade da conquista espanhola do Novo Mundo não somente permitia corrigir falhas da primeira implantação como participava de questões de poder e dinheiro Os conquistadores espanhóis logo vão criar uma rede de cidades51 todas idênticas progressivamente a construção vai ser codificada por decretos da Coroa espanhola segundo uma planta geométrica em grade geralmente sem muralhas de proteção32 Musset estuda esse fenômeno de transferência de cidades que vai cobrir vários séculos na América Latina e que aparece como um instrumento de ordenamento do território Se as catástrofes continuam atuais o deslocamento das cidades destruídas não está mais em pauta33 Por outro lado os historiadores às vezes se interessam por certas operações urbanas cuja especificidade justifica a utilização do termo refundação Pensamos nas ações de grande escala que pela primeira vez nos tempos modernos utilizaram sistematicamente os mecanismos do arrendamento como motor das transformações Viena com a Ringstrasse Paris com Haussmann Genebra com a operação do bairro das Bergues iniciada por Dufour que vai modificar totalmente a estrutura urbana da cidade34 O conceito de refundação permite entender os efeitos das transformações a longo prazo mais ou menos antecipadas por seus promovedores A história do urbanismo está pontuada por esses momentos decisivos que não são exclusivos da era industrial nos séculos XIII e XIV na Itália o poder municipal procura assentar sua autoridade a partir das suas sedes palácios e da reestruturação do espaço circundante Mas mesmo assim será que podemos utilizar o termo refundação toda vez que há uma operação de certa amplidão no tecido urbano Será uma refundação o que designam os inúmeros termos utilizados para as intervenções setoriais urbanas reestruturação extensão reforma renovação Essa é a questão levantada por A Corboz 2001 O autor sugere utilizar esse conceito quando numa situação histórica dada ele se baseia na vontade de um novo poder portanto de um ato político visando de maneira mais ou menos explícita influenciar a sociedade NOME DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NOME DA ALUNO RESUMO CRÍTICO Fundar CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 NOME DA ALUNA RESUMO CRÍTICO Fundar Relatório de entrevista apresentado à disciplina Análise Elaboração Leitura e Técnica de Textos Científicos AELTTC do 1º Período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco UNIVASF ministrada pelo professor Afonso Henrique Novaes Menezes para obtenção de nota CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 1 RESUMO Inicialmente é introduzido no texto o conceito de fundar como um processo voluntário e intencional sendo essa efetuada por um autoridade socialmente reconhecida sendo essa fundação uma resposta simbólica de determinado corpo social sendo reveladores do tipo de simbologia que irá compor uma identidade identidade social essa que gera delimitações tornandoo esse fundar caracterizado por uma simbologia única Entretanto há culturas como a japonesa que não possuem o fundar concreto ou bem estabelecido Em Rituais e narrativas de fundamentação o autor introduz a noção de ritos sendo esse conjunto de cerimônias que são repetidas tal como são destinadas a transmitir e orientar determinado comportamento visando um efeito objetivo único Nesse viés o rito do fundar visa a legitimação social Em contrapartida a contextos em que o processo de fundação é antecipado por manifestações onde no caso da teofania há uma presença sensível do divino que irá indicar o local para efetivar o processo de fundação Já em outras sociedades o processo que indica onde fundar é um processo político O processo de traçar geograficamente a fundação sendo estes geralmente uma operação vinculada a arquétipos a grade sendo esse o produto dos traçados retilíneos isto é focada na matemática e a mandala sendo essa relacionada com implantações divinas religiosas ou civis Tal como o processo de repartição da fundação gera implicações sociais sendo que perpassam a noção espacial até a significação social desse processo isto é a noção socioespacial e as consequências desses processos Vale ainda refletir sobre o processo de orientação e delimitação das fundações sendo o processo de orientação vinculado a cunhos geográficos como a posição espacial a questão do tempo em relação ao sol ou uso da astrologia para identificar o lado norte ou sul É impreterível ressaltar que apesar da convergência do processo de orientação o meio pelo qual essa orientação ocorre ganha caráter singulares conforme o contexto histórico e cultural Já a questão do limite é a ação complementar ao processo de orientação uma vez que corrobora com o processo de situar o homem em relação aos outros indivíduos outras civilizações ou outras cidades Logo limitar esta presente a esfera práticosimbólica de cunho mais universal uma vez que ultrapassa as fronteiras daquela civilização sendo esse processo realizado por meio da linguagem presente no processo de comunicação Nesse âmbito a questão da delimitação está vinculada ao processo de sedentarização do homem quando ele começa a se estabelecer e passa a limitar o que é seu para por exemplo realizar a agricultura e saber que o alimento produzido ali é seu A delimitação pode ser realizada por meio de diversos critérios como na dicotomia sagrado e profano onde o que está dentro da fundação religiosa é religiosa por meio de dispositivos que visam o processo de delimitar Sob essa ótica o limiar está presente em todas as sociedades através da integração das dimensões espacial socialsimbólica sendo um meio de interação gerenciada com o outro Em última análise dentro do estudo dos territórios em certas operações urbanísticas é possível falar de refundação sendo esse processo posterior ao processo de identificação de uma fundação antiga gerando inúmeras questões técnicas e teóricas para a história urbana Além disso esse conceito permite a compreensão dos efeitos e das consequências dos processos de transformação ao longo do tempo logo esse elemento se torna um instrumento de análise sócioespacial 2 APRECIAÇÃO CRÍTICA O quarto capítulo em questão intitulado em Fundar visa passar e refletir sobre o processo de construção do fundar sendo esse um processo simbólico de construção identitária que corrobora com a construção de uma noção de pertencimento que pode está vinculado com questões políticas sociais e até mesmo com a religião Logo unido ao conceito nos é apresentada possibilidades de viés para a construção da fundação os chamados rituais Ao longo da obra para efetivar o processo de compreensão do leitor sobre a proposta do livro há utilização de inúmeros exemplos práticos trazendo questões facilmente conhecidas como no caso da Grécia Esse processo atrelado a uma linguagem simples a autora da obra torna acessível o processo de compreensão Com isso a obra se torna uma leitura obrigatória dentro de sua área de pesquisa isto é dentro da antropologia do espaço NOME DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO NOME DA ALUNO RESUMO CRÍTICO Fundar CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 NOME DA ALUNA RESUMO CRÍTICO Fundar Relatório de entrevista apresentado à disciplina Análise Elaboração Leitura e Técnica de Textos Científicos AELTTC do 1º Período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco UNIVASF ministrada pelo professor Afonso Henrique Novaes Menezes para obtenção de nota CIDADE SIGLA DO ESTADO 2022 1 RESUMO Inicialmente é introduzido no texto o conceito de fundar como um processo voluntário e intencional sendo essa efetuada por um autoridade socialmente reconhecida sendo essa fundação uma resposta simbólica de determinado corpo social sendo reveladores do tipo de simbologia que irá compor uma identidade identidade social essa que gera delimitações tornandoo esse fundar caracterizado por uma simbologia única Entretanto há culturas como a japonesa que não possuem o fundar concreto ou bem estabelecido Em Rituais e narrativas de fundamentação o autor introduz a noção de ritos sendo esse conjunto de cerimônias que são repetidas tal como são destinadas a transmitir e orientar determinado comportamento visando um efeito objetivo único Nesse viés o rito do fundar visa a legitimação social Em contrapartida a contextos em que o processo de fundação é antecipado por manifestações onde no caso da teofania há uma presença sensível do divino que irá indicar o local para efetivar o processo de fundação Já em outras sociedades o processo que indica onde fundar é um processo político O processo de traçar geograficamente a fundação sendo estes geralmente uma operação vinculada a arquétipos a grade sendo esse o produto dos traçados retilíneos isto é focada na matemática e a mandala sendo essa relacionada com implantações divinas religiosas ou civis Tal como o processo de repartição da fundação gera implicações sociais sendo que perpassam a noção espacial até a significação social desse processo isto é a noção socioespacial e as consequências desses processos Vale ainda refletir sobre o processo de orientação e delimitação das fundações sendo o processo de orientação vinculado a cunhos geográficos como a posição espacial a questão do tempo em relação ao sol ou uso da astrologia para identificar o lado norte ou sul É impreterível ressaltar que apesar da convergência do processo de orientação o meio pelo qual essa orientação ocorre ganha caráter singulares conforme o contexto histórico e cultural Já a questão do limite é a ação complementar ao processo de orientação uma vez que corrobora com o processo de situar o homem em relação aos outros indivíduos outras civilizações ou outras cidades Logo limitar esta presente a esfera práticosimbólica de cunho mais universal uma vez que ultrapassa as fronteiras daquela civilização sendo esse processo realizado por meio da linguagem presente no processo de comunicação Nesse âmbito a questão da delimitação está vinculada ao processo de sedentarização do homem quando ele começa a se estabelecer e passa a limitar o que é seu para por exemplo realizar a agricultura e saber que o alimento produzido ali é seu A delimitação pode ser realizada por meio de diversos critérios como na dicotomia sagrado e profano onde o que está dentro da fundação religiosa é religiosa por meio de dispositivos que visam o processo de delimitar Sob essa ótica o limiar está presente em todas as sociedades através da integração das dimensões espacial socialsimbólica sendo um meio de interação gerenciada com o outro Em última análise dentro do estudo dos territórios em certas operações urbanísticas é possível falar de refundação sendo esse processo posterior ao processo de identificação de uma fundação antiga gerando inúmeras questões técnicas e teóricas para a história urbana Além disso esse conceito permite a compreensão dos efeitos e das consequências dos processos de transformação ao longo do tempo logo esse elemento se torna um instrumento de análise sócio espacial 2 APRECIAÇÃO CRÍTICA O quarto capítulo em questão intitulado em Fundar visa passar e refletir sobre o processo de construção do fundar sendo esse um processo simbólico de construção identitária que corrobora com a construção de uma noção de pertencimento que pode está vinculado com questões políticas sociais e até mesmo com a religião Logo unido ao conceito nos é apresentada possibilidades de viés para a construção da fundação os chamados rituais Ao longo da obra para efetivar o processo de compreensão do leitor sobre a proposta do livro há utilização de inúmeros exemplos práticos trazendo questões facilmente conhecidas como no caso da Grécia Esse processo atrelado a uma linguagem simples a autora da obra torna acessível o processo de compreensão Com isso a obra se torna uma leitura obrigatória dentro de sua área de pesquisa isto é dentro da antropologia do espaço