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Administração Pública e Políticas Públicas ·
Políticas Públicas
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BrasíliaDF Elaboração E análisE dE Políticas Públicas Elaboração Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt Produção Equipe Técnica de Avaliação Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA 6 INTRODUÇÃO 8 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO 13 CAPÍTULO 1 CENÁRIO HISTÓRICO 13 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS 22 CAPÍTULO 1 EXCURSÃO À ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO CAMPO DE CONHECIMENTO 22 CAPÍTULO 2 POLITY POLITICS E POLICY 25 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS 38 CAPÍTULO 1 ANÁLISE DOS MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS 38 CAPÍTULO 2 NASCIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 44 CAPÍTULO 3 AGENDA 50 CAPÍTULO 4 O PAPEL DO ESTADO 64 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS 68 CAPÍTULO 1 COMPREENSÃO DO PROBLEMA 68 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO 101 CAPÍTULO 1 DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO 102 CAPÍTULO 2 INSTRUMENTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 113 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO 126 CAPÍTULO 1 AVALIAÇÃO COMO UMA REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO 128 REFERÊNCIAS 140 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade Caracterizase pela atualidade dinâmica e pertinência de seu conteúdo bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal adequadas à metodologia da Educação a Distância EaD Pretendese com este material leválo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos possibilitandolhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científicotecnológica impõe ao mundo contemporâneo Elaborouse a presente publicação com a intenção de tornála subsídio valioso de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional Utilizea como instrumento para seu sucesso na carreira Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo os conteúdos são organizados em unidades subdivididas em capítulos de forma didática objetiva e coerente Eles serão abordados por meio de textos básicos com questões para reflexão entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável Ao final serão indicadas também fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares A seguir uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio É importante que ele verifique seus conhecimentos suas experiências e seus sentimentos As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais filmes e sites para aprofundamento do estudo discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso Praticando Sugestão de atividades no decorrer das leituras com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno Atenção Chamadas para alertar detalhestópicos importantes que contribuam para a sínteseconclusão do assunto abordado 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das síntesesconclusões sobre o assunto abordado Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo não há registro de menção Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas baseadas nos objetivos do curso que visam verificar a aprendizagem do curso há registro de menção É a única atividade do curso que vale nota ou seja é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação Para não finalizar Texto integrador ao final do módulo que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado 8 Introdução A ação pública suscita desde o início opiniões apaixonadas Assusta quando não se converte em algo odioso em particular ao sofrerse as suas consequências Ou ao contrário desperta uma adesão incondicional porque o Estado seria o menos ruim dos remédios à disposição dos povos para emendar os defeitos do curso natural das coisas Antes de proceder a uma análise muito frequentemente se está visceralmente a favor ou contra o Estado Outro reflexo obedece à ingenuidade Consiste em tomar como moeda corrente os textos e os discursos oficiais Um bom conhecimento da Constituição matizado com um pouco de direito e moderado pela leitura dos jornais bastará para dar conta do trabalho governamental e administrativo O risco consiste em que se confunda a forma com o fundo e que o trabalho se perceba tal como pretende ser e não tal como é MÉNY THOENIG 1992 p 7 Você concorda com essas ideias Por quê De que forma você costuma abordar os problemas relacionados à ação do governo em sua comunidade Justifique sua resposta 1Tratar de Políticas Públicas é tratar de uma parcela importante da ação de toda a coletividade para o enfrentamento de problemas comuns Aquela parcela das ações e das decisões que a sociedade atribui ao governo ou às autoridades públicas seja isoladamente seja em cooperação com outros grupos ou indivíduos Qualquer que seja a perspectiva que se adote vemos cotidianamente as múltiplas faces da ação governamental Uma prefeitura um ministério ou um Parlamento intervêm cada um a seu modo e de múltiplas maneiras sobre o conjunto da sociedade Tomam decisões alocam recursos impõem obrigações nos âmbitos mais variados desde a segurança pública até a cultura desde a tributação até a procriação Em nossas sociedades a esfera pública e estatal instalouse em todas as partes e cada indivíduo de um modo ou outro sente seus efeitos em sua vida pessoal em suas relações com a coletividade inclusive na forma de gozar da natureza que o rodeia O estudo das Políticas Públicas então representa o estudo da ação das autoridades públicas sobre a sociedade Buscamos responder a perguntas tais como as a seguir O que produzem aqueles que nos governam Quais objetivos pretendem atingir Utililizamse de quais meios 1 Toda esta seção está amplamente baseada em Mény Thoenig 1992 p 7 9 Aparentemente são perguntas simples No entanto como deixa claro o trecho que inicia este capítulo estas perguntas têm sido muito difíceis de responder Inicialmente pela natureza quase pessoal do envolvimento que qualquer estudioso tem com o tema ainda que tratemos o assunto na condição de pesquisadores ou profissionais da ação governamental sempre seremos membros da coletividade e como tal interessados na forma de encaminhar e resolver os problemas públicos porque afetam a todos Mas as dificuldades não ficam restritas à posição do estudioso A própria teoria construída sobre o assunto tem girado em torno de algumas posições ou enfoques que enfatizam apenas aspectos parciais da ação pública O enfoque de ciência administrativa usando principalmente instrumentos da teoria da Administração procura formular métodos ou instrumentos de melhoria da gestão pública estruturas formais de autoridade divisão especializada do trabalho métodos de controle de tempos e movimentos etc independentemente da substância do próprio conteúdo do que a ação governamental impulsionada pelos métodos mais eficazes pode gerar A abordagem da economia pública interessada na escolha dos meios adequados para buscar fins predeterminados dentro de um contexto de escassez Esta análise é essencialmente instrumental os fins consideramse dados e o objeto de estudo é como partir de uma situação inicial e atingir os fins desejados mobilizando os instrumentos disponíveis recursos normas instituições e desenvolvendo mecanismos de coordenação e incentivos aos agentes sociais públicos e privados que intervém no processo respeitadas restrições objetivas orçamentárias técnicas legais ALBI 2000 p 78 A concepção de grupos de pressão e de interesses preocupase com o aspecto de poder de conflitos de interesses entre grupos distintos envolvidos com uma determinada ação governamental de cada ação pública resultam vantagens e custos que incidem diferentemente sobre vários grupos sociais é a dinâmica desses grupos organizandose e interagindo entre si e com o Estado na forma de política partidária mobilização sindical ou corporativa lobbies etc que representa o principal foco de atenção desse tipo de abordagem As visões deterministas de grandes sistemas cujas principais expressões eruditas são os dois extremos do marxismo dogmático e do economicismo universal propõemse a explicar as ações políticas como simples consequências automáticas da realidade econômica a dinâmica socioeconômica seja como luta de classes seja como consequência dos mercados perfeitos gera demandas ou exigências que são automaticamente convertidas em ações pelo Estado o qual não dispõe de nenhum espaço de alternativas a partir do qual possa se mover Todas essas visões são importantes mas cada uma representa apenas um dos aspectos dos problemas públicos uma peça do quebracabeças As perguntas que se colocam diante do estudioso de Políticas Públicas dificilmente são respondidas por uma só perspectiva 10 Diante de um mesmo problema todas as autoridades públicas vão reagir da mesma forma O fator essencial para o resultado de uma ação pública é a decisão adotada Os problemas na sua implementação podem alterar os efeitos pretendidos Todos os cidadãos afetados por uma ação pública o são da mesma maneira ou intensidade Agora leia cuidadosamente o texto a seguir Detalhando mais compõem simultaneamente uma Política Pública a decisão política que a move o programa de ação que a organiza os métodos e os meios apropriados que a executam a mobilização de atores e instituições em torno a ela para obtenção de objetivos particulares a cada um Assim o analista de Políticas Públicas pode verse induzido a interrogarse sobre os critérios de escolha de objetivos e métodos sobre a legitimidade do tomador de decisão ou da ação sobre a adequação dos meios aos fins sobre a qualidade dos métodos ou sobre os custos e os benefícios Relação do caderno com o curso Buscaremos neste Caderno de Estudos oferecer alguns elementos para responder a perguntas amplas como as que foram propostas acima Mas por que este estudo e neste curso Nosso curso é destinado ao entendimento em profundidade dos problemas da Gestão Pública não por acaso estamos em uma especialização em Administração Pública Ora os atos e os fatos de Gestão a serem estudados e avaliados não se exercem no vácuo mas no contexto real da ação estatal Ao se avaliar ou medir o resultado de uma política e mais ainda ao se investigar as suas causas não se pode deixar de olhar para as circunstâncias em que tal política foi demandada concebida e executada Tais circunstâncias não são teóricas partindo de modelos abstratos são concretas com origem nas estruturas interesses e instrumentos disponíveis no momento em que a política surge e se desenvolve É por isso que devemos tratar a Política Pública em si mesmo os interesses que gera a forma como é vista pelos interessados como objetos de pesquisa e não como simples dados ou pressupostos do problema de avaliação numa posição semelhante ao do cientista social Isso pode suscitar na maioria dos profissionais da Gestão Pública em grande maioria com formação e experiência em abordagens distintas como Administração e Auditoria alguma insegurança os objetivos das Políticas Públicas são tomados como um dado pelo administrador que busca os meios eficientes de atingilos bem como pelo auditor que confere se foram atingidos Esses profissionais e muitos outros na esfera governamental raramente enxergam nas circunstâncias de formulação das políticas e de seus objetivos um objeto a ser examinado sob a perspectiva analítica semelhante à que utilizam para os meios de executálas Dito de forma corriqueira nós somos técnicos e não políticos 11 É inegável que o estudo das Políticas Públicas não se confunde com um tratado sobre o Estado ou a sociedade política não pretendemos discutir regimes políticos comportamentos eleitorais ideologias políticas No entanto a especialização acadêmica do técnico no tema da Gestão Pública não pode prescindir do conhecimento rigoroso dos fenômenos sociais envolvidos na determinação dos problemas públicos que a sociedade propõese a abordar na formulação das alternativas para resolvêlos na seleção entre estas alternativas e na sua execução prática Para melhor implementar medir ou controlar é relevante conhecer em profundidade e desde a sua origem aquilo que está sendo implementado medido ou controlado Em resumo compreender a elaboração e a análise de Políticas Públicas fornece um marco um cenário de referência com o qual se pode aplicar com maior precisão as técnicas relativas à gestão à auditoria à análise econômicofinanceira e à avaliação de programas que constituem o desafio cotidiano dos gestores públicos É este o papel de nosso caderno no quadro geral do curso Já começamos a aproximarnos do objeto do nosso curso o estudo das Políticas Públicas Agora pense sobre a seguinte questão Os problemas de Política Pública são os mesmos ao longo do tempo Há no mundo atual alguma característica que diferencia os desafios de Política Pública em relação a outras épocas da nossa história E então Você se lembrou de algo em especial É hora de fazermos uma breve excursão pela história contemporânea Objetivos Conhecer as grandes linhas da evolução histórica da intervenção estatal nas sociedade contemporânea Compreender as especificidades principais do estudo das Políticas Públicas diante de outros ramos do conhecimento e pesquisa na área política Analisar mediante o uso de modelos apropriados as principais características do processo de surgimento e aplicação das Políticas Públicas Conhecer os problemas e os desafios principais do estudo de cada uma das etapas do ciclo de uma Política Pública 13 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO CAPÍTULO 1 Cenário histórico Excederia em muito o nosso objetivo apresentar uma história detalhada da política ou das ações de governo na sociedade contemporânea No entanto é essencial compreender as grandes linhas da evolução histórica da intervenção estatal nas modernas economias capitalistas para que se possa avaliar o impacto das Políticas Públicas na dinâmica social Em seguida faremos algumas observações específicas relativas ao caso brasileiro Ao falar de evolução da intervenção estatal falamos de um conceito muito citado e frequentemente confundido o Welfare State ou em sua versão para o português Estado de BemEstar Social1 De fato o Welfare State é visto como o campo por excelência das pesquisas sobre Políticas Públicas Embora o esforço por parte do Estado em modificar as condições do mercado e proteger os indivíduos de algumas das consequências econômicas desse mesmo mercado sejam antigas2 o Welfare State representa um fator diferencial surgido timidamente a finais do século XIX3 expandindose gradualmente no conjunto da Europa industrial na primeira metade do século passado No imediato pósguerra o desenvolvimento e a generalização das intervenções do Estado nas economias centrais iniciando Estados Unidos Europa Ocidental e Japão tornam essa nova etapa da história do capitalismo nitidamente diferente da anterior A gama e a amplitude das políticas manejadas pelos Estados o modos de intervenção que requerem e a importância dos recursos em jogo modificam a natureza do Estado e das relações sociais MÉNY THOENIG 1992 pp 1920 Gradualmente essa expansão se viu refletida a grande parte dos demais países da periferia capitalista incluída a América Latina ainda que com graus variáveis de cobertura Mas o que vem a ser exatamente a individualidade do Welfare State em relação a outras formas de gasto estatal massivo o gasto militar em períodos de guerra por exemplo Inicialmente a dimensão quantitativa desde o fim da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1980 o grau de participação estatal na economia medida quer em termos de arrecadação 1 Utilizaremos ao longo do texto a expressão original em inglês de uso mais corrente na literatura 2 A exemplo da distribuição de alimentos entre os pobres controles de preços de alimentos manutenção de abrigos e asilos cuja ocorrência pode ser detectada em escala considerável na economia capitalista europeia desde o século XVI MÉNY THOENIG 1992 p 19 3 O marco simbólico desse surgimento é o conjunto de reformas sociais promovidas por Bismarck ainda no Império Alemão no âmbito da assistência previdenciária e social 14 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO de tributos quer em volume de gastos elevouse consistentemente nos países ocidentais Assim ao se falar de Welfare State estáse tratando de um volume de recursos que transforma o Estado no maior e mais importante agente econômico da economia4 Orçamento estatal como porcentagem do pib nos países da OCDE 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1960 1968 1960 1975 1980 1985 2000 PIB Fonte 1960 a 1985 Mény Thoenig 1992 p 22 2000 Albi 2000 p 136 Mas apenas o volume global de receitas e despesas públicas não individualiza o Welfare State um país enfrentando uma guerra em grande escala por exemplo terá gastos estatais iguais ou mesmo maiores que as proporções apresentadas Tais receitas e despesas no fenômeno que nos interessa têm uma destinação específica um conjunto de atividades de redistribuição que tem por objetivo garantir um nível de vida ou bemestar aos cidadãos colocando uma rede protetora que reduza desigualdades ALBI 2000 p 137 Em termos mais precisos a essência do Welfare State é a intervenção governamental pautas mínimas em matéria de renda nutrição saúde habitação e educação garantidos a cada cidadão como um direito político e não como caridade WILENSKY apud MÉNY THOENIG 1992 p 20 Esta destinação da intervenção estatal para gastos sociais alcança dimensões consideráveis sendo razoável uma estimativa de um mínimo de 25 do PIB para qualquer país desenvolvido assume duas formas principais a provisão direta aos cidadãos gratuita ou subsidiada de bens sociais essencialmente de serviços de atendimento à saúde e de educação e de construção de habitações e transferências monetárias diretas a indivíduos ou prestações sociais essencialmente compostas dos benefícios previdenciários decorrentes de aposentadoria orfandade incapacidade permanente seguros contra desemprego ou incapacidade transitória provocada por doença ou acidentes e assistenciais concedidos em função da situação de pobreza do beneficiário sendo este incapaz ou até em alguns países independentemente da capacidade laborativa ALBI 2000 pp 137138 Como descrevia a própria OCDE5 na década de 1980 As despesas públicas destinadas a educação saúde pensões e outros programas de garantia de recursos aumentaram durante os vinte últimos anos 4 Observe que o estudo de Políticas Públicas como veremos abrange mais que a simples ação econômica direta do Estado como arrecadador de recursos e produtor de bens e serviços abrangendo sua atuação como regulador como fixador de normas e pautas de conduta etc No entanto mesmo se visto apenas sob essa ótica econômica limitada o Estado de cuja ação vamos tratar já detém tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento salvo contadíssimas exceções em pequenas economias exportadoras de produtos primários o posto de agente mais importante de qualquer economia que gerencia quase tantos recursos como o mercado ALBI 2000 p 13 5 OCDE é o acrônimo para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Organisation for Economic Co operation and Development organismo internacional formado por 30 países desenvolvidos em 1960 voltado à gestão de negociações econômicas e à promoção de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento e a economia internacional Atualmente é mais conhecido pela produção de indicadores estatísticos e estudos macroeconômicos 15 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I no conjunto dos países da OCDE quase duas vezes mais rapidamente do que o PIB e elas foram o elemento dominante no crescimento das despesas públicas totais desde 1960 elas passaram no conjunto dos sete maiores países da OCDE de cerca de 14 a mais de 24 do PIB6 São esses dois elementos portanto que configuram o espaço social e histórico em que hoje se analisam as Políticas Públicas um Estado que movimenta uma parcela enormemente significativa das riquezas nacionais e que está comprometido a prover um extenso e variado leque de serviços à coletividade leque este mais amplo do que aqueles que as teorias políticas e econômicas tradicionais atribuíam à organização pública na formulação clássica de Adam Smith cabia ao poder estatal tão somente a defesa da nação frente a inimigos externos a administração da justiça e as obras públicas que facilitassem o comércio ALBI 2000 p 13 Por conseguinte as Políticas Públicas de variada natureza objeto do nosso estudo movimentam uma parcela considerável dos recursos de cada nação e atendem a múltiplas necessidades sociais com a consequente complexidade técnica em cada um dos setores de atuação Desde já podemos afirmar com segurança que a operação das diferentes Políticas Públicas tem para o cotidiano e o bemestar das modernas sociedades capitalistas uma importância de mesma ordem de grandeza daquela representada pela realização da atividade produtiva por parte de indivíduos empresas e organizações privadas Alguns autores chegam a afirmar que a ação do Estado nas linhas do Welfare State representa uma característica já indissociável do capitalismo contemporâneo uma esfera pública em que a partir de regras universais e pactadas o fundo público em suas diversas formas passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital de um lado e de outro do financiamento da reprodução da força de trabalho atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais7 Desta maneira a ação estatal por um lado libera o salário direto dos trabalhadores de uma série de possíveis descontos que já são cobertas pela provisão pública dos serviços8 permitindo que a renda domiciliar seja disponibilizada para alimentar o mercado de produtos de consumo de massas De outro lado o gasto do Estado passa a representar também um componente essencial na própria equação financeira das empresas capitalistas sendo também uma precondição essencial da viabilidade do lucro empresarial por meio de uma ação direta que inclui desde os recursos para ciência e tecnologia passa pelos diversos subsídios para a produção sustentando a competitividade das exportações vai através dos juros subsidiados para setores de ponta toma em muitos países a forma de vastos e poderosos setores estatais produtivos cristalizase numa ampla militarização as indústrias e os gastos em armamentos sustenta a agricultura o financiamento dos excedentes agrícolas dos Estados Unidos e a chamada Europa Verde da CEE e o mercado financeiro e de capitais 6 LObservateur de lOCDE 12 janivier 1984 OCDE Paris apud Oliveira 1998 p 21 7 Oliveira 1998 pp 1920 Colocado mais precisamente nos termos da teoria marxiana o fundo púbico é agora um exante das condições de reprodução de cada capital particular e das condições de vida em lugar de seu caráter ex post típico do capitalismo concorrencial p 21 8 Necessidades de alguma forma cobertas pela provisão estatal de medicina socializada educação universal gratuita e obrigatória previdência social segurodesemprego subsídios para transporte auxílios para aquisição de habitação saláriofamília e mesmo subsídios para lazer favorecendo desde as classes médias até o assalariado de nível mais baixo lista baseada em OLIVEIRA 1998 p 20 16 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO através de bancos eou fundos estatais pela utilização de ações de empresas estatais como blue chips intervém na circulação monetária de excedentes pelo open market mantém a valorização dos capitais pela via da dívida pública etc OLIVEIRA 1998 p 20 Portanto este cenário representado pelo Welfare State traz consequências de grande impacto para o nosso estudo Por um lado o conjunto das intervenções estatais mesmo nos casos em que envolve apenas gastos de natureza social como educação e saúde tem um efeito macroeconômico considerável representando um componente importante do crescimento das economias respectivas E este componente é significativamente rígido como veremos em detalhe mais adiante um nível de gastos sociais que se eleva ao longo do tempo gera em favor de sua manutenção interesses os mais diversos em função das vantagens que distribui benefícios diretos aos que são atendidos pelos programas poder político dos burocratas que os dirigem mercado para os fornecedores dos recursos adquiridos pelo Estado para executar os serviços etc Por outro lado as estruturas de financiamento através de impostos são necessariamente complexas e em geral desvinculam os recursos extraídos dos cidadãos pelo Estado dos serviços específicos prestados a cada um9 Isso gera nos cidadãoscontribuintes uma relativa ilusão fiscal que faz com que aceitem um nível de gastos públicos superior àqueles que teriam admitido pagar em estruturas de tributação mais simples As duas últimas décadas testemunham é certo um momento de crise do Welfare State10 crise primeiramente fiscal refletindo a dificuldade das economias centrais de retirarem recursos da atividade econômica de produção de bens e serviços essencialmente recursos retirados das empresas e dos capitais nelas investidos e de aplicaremnos na prestação de serviços sociais gratuitos ou subsidiados à população A dimensão desta crise alcança todas as economias capitalistas em escala nacional refletindose nos desequilíbrios macroeconômicos que se espalharam ao redor do mundo desde os inícios dos anos 1970 desemprego inflação deficits profundos das administrações públicas que alcançam em inúmeras entidades locais uma autêntica falência Estes desequilíbrios têm como uma de suas causas determinantes a incompatibilidade entre os recursos que o sistema de arrecadação fiscal pode extrair da sociedade e o nível mais elevado de recursos que seriam necessários para a manutenção dos serviços sociais na extensão que o Estado tenta darlhes11 Mas crise também é de gestão o próprio crescimento abrupto das demandas que o Estado pretende aprender somado com um amplo leque de erros de formulação e implantação das Políticas PúblicaS12 fez com que viesse à tona uma autêntica sobrecarga sobre o aparelho estatal que se manifesta por exemplo por aumentos descontrolados dos gastos e dos quadros de pessoal multiplicidade de políticas que são mantidas sem avaliação e revisão dos seus objetivos políticas com objetivos demasiado ambiciosos para os meios disponíveis e incapacidade de conciliar demandas contraditórias 9 Esta é uma condição mesma da possibilidade de um gasto público redistributivo 10 Mény Thoenig 1992 pp 3337 11 Uma ressalva fundamental não estamos aqui defendendo que toda a crise da economia mundial nem sequer os fenômenos mais característicos das décadas de 1970 e 1980 seja originária de uma inadequação do tamanho do Estado nem que a crise seja exclusivamente fiscal Seria inadmissível ignorar as demais dimensões da crise os desequilíbrios dos fluxos internacionais de comércio e de capitais as mudanças no padrão de regulação estabelecido pelo sistema de Bretton Woods as decisões autônomas de política fiscal e monetária norteamericana particularmente no governo Reagan Mostramos aqui no entanto e enfaticamente que o problema fiscal originário do crescimento do Welfare State é um componente inafastável de qualquer explicação sobre os desequilíbrios na economia mundial 12 Erros muitas vezes decorrentes da inexperiência ou do voluntarismo dos agentes que a partir da estrutura do Estado pretenderam modificar a sociedade com pautas exageradamente simplificadas e objetivos excessivamente ambiciosos MÉNY THOENIG p 36 denominam esses fenômenos de vontade inconsciente de engenharia social 17 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I Apesar de todas essas dificuldades porém o Welfare State não deixou o primeiro plano da paisagem econômica da sociedade ocidental ainda que poderosamente combatido por reações radicais de simples rechaço à ação estatal ainda que objeto de inúmeras transformações e reformas especialmente nos países de tradição anglosaxônica Estados Unidos e Inglaterra desde o início da década de 1980 Austrália e Nova Zelândia13 a realidade atual não é a ausência do Welfare State mas a manutenção e a convivência com novas demandas e formas de prestação dos serviços que fazem parte do universo histórico do Welfare State Esta mudança é descrita com precisão por Gomà Subirats 1998 pp 137138 As políticas nacionais como sustentamos em outras ocasiões não se inclinarão em direção ao desmantelamento do Estado do bemestar mas em direção a uma tríplice política de reestruturação institucional privatização seletiva e deslegitimação controlada que torne compatíveis os amplos apoios da cidadania aos sistemas de proteção social condicionante político com as políticas de rigor monetário e orçamentário e de ajuste trabalhista condicionante econômico A primeira política reestruturação institucional do Estado do bemestar supõe reduzir o tamanho do Estado em termos econômicos e funcionais Estado este que se supõe sobrecarregado de compromissos políticos e burocráticos A segunda política privatização seletiva implica remercantilizar funções de reprodução social fazendo que o indivíduo a família e a sociedade aumentem suas reponsabilidades A terceira a deslegitimação controlada supõe reforçar o papel dos grupos intermediários da sociedade na resolução dos conflitos sociais ou de outra maneira particularizando a ação coletiva Nesse reformulado Welfare State com todos os seus problemas de sustentabilidade e gestão a análise das Políticas Públicas tornase essencial para a compreensão dos fenômenos de governo e da própria economia Como bem colocam Mény Thoenig 1992 p 39 neste contexto de explosão e logo de crise do Welfare State não surpreende que a análise das Políticas Públicas não se tenha limitado isolada A análise das Políticas Públicas converteuse em parte interessada às vezes sem desejálo de um debate mais amplo sobre a natureza do Estado Welfare state um conceito universal ou nacional Você observará que tratamos de um histórico da evolução ocorrida em um conjunto das principais economias capitalistas cada um a seu tempo e modo uma evolução que em linhas gerais seguiram Estados Unidos Europa Ocidental Canadá Austrália Nova Zelândia Japão De qualquer maneira essa experiência seria relevante para o nosso estudo foi com base nela que a maior parte do instrumental relevante de análise de Políticas Públicas foi construído Muitas referências são feitas a arranjos complexos que foram originalmente observados nesses países centrais 13 Apesar de inserido nas tradições políticas anglosaxônicas a participação do Canadá nesse movimento é consideravelmente menor em extensão e profundidade que nos países citados 18 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO Mas você perguntará E o Brasil Qual é a validade dessa trajetória a dos grandes países capitalistas ocidentais para ajudar a explicar Políticas Públicas aqui Se podemos sintetizar numa expressão o Brasil ensaiou uma aproximação a determinadas características do Welfare State sem alcançar de modo algum a extensão dos gastos e serviços sociais que o caracterizaram internacionalmente A crise portanto impactou de maneira ainda mais grave a frágil estrutura de proteção social brasileira e o país enfrenta desafios ainda maiores para tentar levar adiante Políticas Públicas que persigam ainda que timidamente os objetivos do Welfare State Percorrendo um pouco desta trajetória14 podemos afirmar inicialmente que as iniciativas pioneiras de gastos sociais abrangendo o período dos anos 1930 até o golpe de 1964 eram setorializadas ou de alcance muito limitado organizadas por meio de sindicatos organismos previdenciários classistas15 e entidades assistenciais também classistas16 a previdência a saúde a habitação até mesmo o lazer cobriam apenas categorias profissionais específicas ferroviários portuários servidores públicos A estrutura estatal de previdência e saúde é nesse período residual A escola pública não atendia senão à classe média alta e a uma fração das camadas populares Em suma as medidas sociais esboçadas no período que vai de 1930 a 1964 não estavam integradas não constituíam um espaço próprio da expansão do capital não tinham o porte necessário a constituírem um instrumento de distribuição de renda e não tinham fontes de financiamento compatíveis com as dimensões de uma autêntica política social17 Por estranho que possa parecer à primeira vista as medidas que apontaram para alguns traços associados ao Welfare State ocorreram ao longo da modernização conservadora imposta pelo regime militar pósgolpe de 1964 Ao longo deste período o sistema previdenciário organizado por categorias isoladas foi unificado por meio da fusão de todos os institutos classistas em um único órgão estatal de seguridade social processo completado em 1974 ficando mesmo assim limitado ao segmento de trabalhadores urbanos com carteira assinada Também na década de 1970 o sistema previdenciário foi ampliado para o universo de trabalhadores da agricultura chegando ao final dos anos 1980 com a pretensão de universalidade de cobertura de todos os cidadãos acima de uma certa idade A ampliação da cobertura do sistema de saúde pública iniciase com a unificação dos institutos previdenciários que resulta na criação de um sistema médicohospitalar destinado aos segurados da estrutura estatal da previdência social portanto ainda limitada aos assalariados do setor formal urbano Apenas ao final da década de 1980 iniciase o processo de unificação desta estrutura pública 14 Toda esta seção amplamente baseada em Santos 2001 pp 150169 15 Os antigos Institutos de Aposentadorias e Pensão como IAPI IAPC e IPASE 16 Que persistem ainda hoje na forma das entidades do Sistema S SESI SESC SENAC SENAI etc 17 Esta interpretação possivelmente surpreende e põe em leque algumas crenças correntes sobre a natureza das políticas de Vargas embora seus dois períodos de governo tenham sido essenciais à conformação dos traços subsequentes do desenvolvimento capitalista no Brasil inclusive na regulação das relações de trabalho a política getulista dirigiuse em matéria econômica à relação capitaltrabalho dentro da economia privada leis trabalhistas políticas assistenciais classistas etc Poucas iniciativas getulistas têm a natureza de uma ação estatal direta na extração de recursos coletivos e prestação pública e universalizada de serviços sociais 19 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I fragmentada serviços médicos previdenciários mais as redes limitadas de assistência de governos estaduais e municipais com a formalização da intenção de universalizar o atendimento de saúde Nesta tentativa de universalização cresce o papel do setor privado como fornecedor de serviços de saúde ao poder público abrindo um importante espaço para o investimento do capital privado em hospitais clínicas e laboratórios médicos Iniciase também no período a massificação da política habitacional e de águas e saneamento com a utilização dos recursos parafiscais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço18 para financiar a compra privada de imóveis habitacionais produzidos em massa pelo próprio setor privado No âmbito educacional expandese aceleradamente a matrícula no Ensino Fundamental com metas exclusivamente quantitativas Substituise assim um sistema educacional público elitista por absorver uma fração limitada da população escolar por outro de aspiração universal mas que tendo permanecido aproximadamente constante o esforço financeiro no custeio da educação viu uma deterioração vertiginosa da qualidade Também aí se cria um enorme favorecimento ao investimento de capital com a expansão do ensino privado como praticamente a única alternativa de educação de qualidade para aquele segmento mais favorecido que antes frequentava a escola pública Também são deste momento histórico os primeiros projetos estatais de política assistencial em maior escala envolvendo a implantação de programas de merenda escolar e uma série de gastos de assistência social direta de natureza isolada promovidos pela Legião Brasileira de Assistência Em relação a este conjunto de gastos passou a ter muito recentemente um caráter central na estratégia políticoeconômica corrente sob a forma de transferências de renda direta à população baseada exclusivamente em critérios de pobreza monetária extrema BolsaEscola BolsaFamília etc passaram a assumir nos primeiros anos do século XXI o papel de principal mecanismo de atendimento às carências sociais substituindo na prática e no imaginário social o papel provedor de serviços do Welfare State Tudo isso não ocorre por opção política do regime Ao contrário a adoção das medidas que passamos a detalhar representava uma necessidade da ampliação de mercados no momento por que passava a estrutura econômica saúde educação habitação passam a ser novos mercados disponíveis ao investimento privado com volume considerável de recursos públicos a subsidiálo19 Em apropriada síntese a Política Social estruturada durante os governos militares tinha uma preocupação maior em abrir novos espaços para a expansão do capital do que propriamente caminhar na direção do bemestar da população SANTOS 2001 p 19 No entanto este movimento terá poderoso impacto na história do País para viabilizar a massificação dos atendimentos que expansão de mercados necessitava o Estado viuse obrigado a caminhar gradualmente no discurso e no desenho das políticas na direção da universalização do acesso aos serviços legitimando politicamente essa reivindicação que viria a ser formalmente 18 O FGTS teve por fonte uma nova contribuição parafiscal criada em 1965 como alternativa à regra trabalhista de estabilidade após dez anos de contrato de trabalho Representa assim a substituição de um ônus até então imposto ao capital na relação trabalhista por um mecanismo que aparentemente gravoso como um tributo irá beneficiar o próprio capital na medida em que gera demanda para a produção uma série de setores de indústria de massa como a da construção civil 19 Observese aí a particularidade de que o favorecimento ao capital privado não passa pela absorção das despesas sociais pelo fundo público liberando o salário para o consumo tal como no modelo dos países desenvolvidos Ao contrário caracterizando se a dinâmica econômica como concentradora de renda impedidos os salários de elevaremse a expansão dos mercados ao capital não se deu por uma elevação do consumo dos trabalhadores já empregados mas por crescimento do número de trabalhadores e especialmente pela utilização direta do fundo público para custear novos serviços e produtos 20 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO acolhida como princípio na Constituição da redemocratização em 1988 como contrapartida o financiamento de tais serviços com aspiração universalizante teria de ser feito essencialmente a partir de recursos tributários exigindo uma reestruturação da imposição tributária20 que resultou ao longo do tempo num aumento contínuo e significativo da carga tributária no País21 No entanto essa reformulação da estrutura de financiamento dos gastos sociais ficou a meio caminho o aumento de arrecadação tributária não foi suficiente para arcar com todos os novos compromissos que o Estado vinha assumindo na política social e principalmente na intervenção econômica especialmente os investimentos em infraestrutura os subsídios diretos e indiretos à produção industrial e à agricultura Assim o custeio dos gastos sociais que não são por definição capazes de se autossustentarem economicamente ainda tem como fonte básica de financiamento recursos de terceiros empréstimos oriundos de bancos dívida pública ou fundos sociais22 É este descompasso entre os objetivos do gasto social e suas fontes de financiamento que conduzirá ao colapso financeiro dos serviços públicos da década de 1980 que persiste até hoje inclusive com maior gravidade A partir dos anos 1980 os fundos sociais à base de empréstimos passaram à situação de insolvência os recursos de endividamento interno e externo escassearam e os demais compromissos do orçamento público em particular o pagamento de juros para o estoque acumulado de dívida impediam a destinação do montante minimamente necessário à manutenção ou expansão de políticas de gasto público social Este processo de engessamento do gasto social assume diferentes formas econômicas dissolução do valor real do gasto por meio da alta inflação da contenção e do contingenciamento direto dos recursos aplicados todas com o mesmo efeito de redução dos serviços prestados com a manutenção da precariedade do atendimento à população e mesmo deterioração física daquela infraestrutura de atendimento que se conseguiu instalar no período anterior escolas hospitais conjuntos habitacionais Ao mesmo tempo a sociedade passou a exigir crescentemente como direitos de cidadania a universalização e a qualidade dos serviços assistenciais ainda que centradas em saúde educação e em menor escala habitação essa reivindicação tenha uma extensão mais modesta que o âmbito do Welfare State tradicional Esta reivindicação foi incorporada formalmente na Constituição de 1988 ficando então o Brasil na paradoxal situação de distribuir juridicamente a partir da própria Constituição um leque de direitos sociais extremamente amplos e ambiciosos ao tempo em que tais direitos são minimizados na prática pela recusa23 à alocação dos recursos econômicos necessários 20 Basicamente pela Reforma Tributária de 1965 que produziu os padrões básicos da tributação no Brasil que vigoraram até pelo menos a década de 1990 e cujos conceitos jurídicos constantes no Código Tributário Nacional encontramse vigentes até hoje 21 Este aumento não significa necessariamente maior justiça distributiva o crescimento da tributação fezse basicamente por meio dos tributos indiretos de natureza regressiva Assim se o gasto público aumentado destinase de alguma forma a segmentos mais desfavorecidos este mesmo aumento é financiado por meio de um aumento de impostos incidentes sobre esses mesmos segmentos 22 Aqui entendidos aqueles que como o FGTS têm a natureza de recursos utilizados na política social em caráter de empréstimos ainda que recolhidos compulsoriamente com a obrigação de que os beneficiários finais devolvam de algum modo para os depositantes originais 23 Dizemos recusa e não ausência porque a disponibilidade econômica dos recursos existe No entanto outros compromissos de variada natureza fazem com que primeiro os recursos provenientes do capital sejam poupados à tributação não indo compor o bolo a ser utilizado no gasto público e em seguida os recursos já arrecadados pelo fundo público sejam destinados majoritariamente a outras finalidades em particular pagamento da dívida pública que não o financiamento do gasto social 21 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I O Brasil apresenta então um desafio ainda maior para as Políticas Públicas à parte toda a complexidade desse empreendimento em qualquer época ou lugar o gestor público no Brasil tem que operar e produzir resultados em um contexto de recursos absolutamente escassos pressões de demanda ainda maiores originárias da extrema precariedade social e de um aparelho institucional que historicamente apresenta forte instabilidade estando longe de estar consolidado O estudioso de Políticas Públicas no Brasil encontra portanto um duplo desafio tem que compreender a formação das decisões sobre problemas públicos e a sua aplicação o que torna necessário que faça uso dos conceitos e instrumentos sofisticados disponíveis internacionalmente Ao mesmo tempo não pode ignorar que a aplicação desses mecanismos tem de ser feita no singularíssimo cenário nacional de insuficiências e conflitos o que exige que tenha consciência da evolução histórica do Estado brasileiro como provedor de bens públicos É este duplo desafio que enfrentaremos ao longo do nosso curso buscando construir um conjunto de conhecimentos capazes de orientar cada um dos alunos na abordagem dos problemas públicos na realidade concreta em que vive 22 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS CAPÍTULO 1 Excursão à análise de políticas públicas como campo de conhecimento24 As Políticas Públicas enfocam o que Dewey25 1927 uma vez expressou como o público e seus problemas Preocupamse com como os assuntos e os problemas chegam a ser definidos e construídos e como eles são colocados na agenda política e administrativa Mas é também são estudo de como porquê e para que finalidades os governos praticam determinadas ações ou omissões Você consegue imaginar uma forma ou um modelo de enxergar aspectos comuns de qualquer ação governamental Seria possível essa generalização O estudo de Políticas Públicas que vamos empreender aqui temse caracterizado como uma ciência da ação uma contribuição de especialistas às decisões governamentais especialmente porque como vimos anteriormente as expectativas e os esforços da sociedade passaram a ser nos últimos cinquenta anos cada vez mais canalizadas para os resultados da ação pública Portanto a análise de Políticas Públicas é orientada à ação à melhoria das decisões públicas em curto e longo prazos Para isso naturalmente a pesquisa e a teoria são componentes indispensáveis mas com o objetivo principal de contribuir aos processos reais de decisão É este enfoque que diferencia a análise de Políticas Públicas das abordagens clássicas da ciência política26 Não deixamos de estar ancorados em modelos teóricos até porque toda análise de políticas baseiase explicitamente ou não em uma filosofia política e vinculase com as teorias disponíveis no mercado do pensamento27 Portanto as teorias de Políticas Públicas não são fundamentalmente inovadoras em relação aos demais ramos de saber em geral sustentam ou contradizem teorias 24 Todo este capítulo está amplamente baseada em Mény Thoenig 1992 pp 4447 e 85108 25 Parsons 2001 p XV 26 Estas se preocupam como já vimos anteriormente com teorias interpretativas da natureza do Estado partidos políticos eleições regras jurídicas etc sem entrar no desenvolvimento de alternativas para a decisão pública 27 Interessante imagem presente em Mény Thoenig 1992 p 45 estando o pensamento social num mercado a escolha dos conceitos teóricos e interpretações da realidade tem por base fatores de conveniência ou convencimento do consumidor ou seja aquele que vai aplicálas Aparentemente iconoclasta tal posição encontra eco em muitos segmentos das ciências sociais Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não porque uma das teses foi falsificada mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento Controvérsias resolvemse retoricamente ganha quem tem maior poder de convencer quem torna suas ideias mais plausíveis quem é capaz de formar consenso em torno de si ARIDA 2003 p 34 23 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II propostas pela filosofia política ou o pensamento econômico Mas o que determina sua originalidade é que têm raízes nas pesquisas empíricas e não se desentendem de suas consequências para a ação Desta forma o cientista social econômico ou político interessase pela própria definição de seu trabalho pelo progresso do conhecimento e do saber o objetivo do analista de Políticas Públicas enquanto tal é organizado em torno de uma combinação de um objetivo social e de um corpo de saber extraído essencialmente da ciência MÉNY THOENIG 1992 p 45 O nosso campo de estudo passou portanto por várias etapas e várias controvérsias internas terminando por apresentar uma variedade quase incalculável de abordagens e de autores cada um com um raciocínio significativamente diferente dos demais28 Para dar uma ideia dessa multiplicidade um dos principais trabalhos modernos de síntese da literatura técnica mais conhecida sobre análise de Políticas Públicas que usamos extensamente neste capítulo PARSONS 2001 menciona e discute centenas de outros estudos com enfoques preocupações métodos e critérios distintos Ao estudar Políticas Públicas portanto encontraremos um trabalho intelectual multimétodos multidisciplinar com foco em problemas específicos preocupado em mapear todo o contexto do processo de formulação e implantação de políticas de formulação de alternativas e dos resultados das políticas e cujo objetivo é integrar o conhecimento numa disciplina integrativa com a finalidade de analisar as escolhas públicas e seu processo decisório e portanto contribuir com a democratização da sociedade 29 De fato trabalhamos em ambiente multidisciplinar abrangendo conhecimentos provenientes de áreas de conhecimento tão variadas como Ciência Política Administração Pública Administração de Empresas e Organizações Sociologia Psicologia Economia ou Estatística30 Longe de ser um erro no entanto esta multidisciplinaridade é um dos grandes trunfos da disciplina as fronteiras entre os campos de saber não decorrem dos problemas que enfrentam mas da própria organização interna do trabalho científico Um problema público uma pandemia como a gripe aviária a epidemia de AIDS o aquecimento global a criminalidade nos centros urbanos não pergunta qual 28 Em outras ciências sociais de natureza mais teórica como a Economia e a Sociologia observase que a multiplicidade de autores trata o universo de problemas individuais por meio de um número razoavelmente limitado de abordagens modelos ou estruturas conceituais A análise de Políticas Públicas por sua vez oferece a cada estudioso individual abordar o problema que lhe concerne utilizando um marco de referência próprio com diferenças maiores ou menores em relação aos demais 29 Parsons 2001 p XVI O trecho transcrito é de grande sutileza portanto com possíveis perdas na tradução Assim apresentamos a versão original para que o leitor possa formar sua própria conclusão multimethod multidisciplinary problemfocused concerned to map the contextuality of the policy process policy options and policy outcomes and whose goal is to integrate knowledge into an overarching discipline to analyse public choices and decisionmaking and thereby contribute to the democratization of society SEE LASSWELL 1951a 1968 1970 1971 30 Autores chegam a listar 23 campos diferentes do conhecimento como recursos utilizados pela análise de Políticas Públicas DROR apud PARSONS 2001 p XVI 24 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS disciplina científica pode ocuparse dele a sua solução depende da solução integrada de inúmeros problemas parciais por diferentes ramos do saber A análise de Políticas Públicas e com certeza o nosso trabalho neste curso tem essa humildade essencial de reconhecer que depende de todo o leque de saberes que possa enfrentar um determinado problema A ausência dessa humildade tanto na teoria quanto na prática gera deficiências profundas na capacidade de resolução dos problemas sociais tão bem descritas por Carlos Matus 1987 p 166 Nossa realidade e nossas universidades produzem economistas cegos à política políticos surdos à economia e cientistas políticos que não se inquietam pela incomunicação entre ambos Por essa razão no processo político de nossos países entram diretamente em contado mas não em comunicação dois agentes que falam idiomas distintos e manejam teorias incompatíveis o político convencional e o técnico convencional A gravidade da situação adquire plena complexidade se por sua parte o economista não entende o problema político sob a hipótese nem sempre verificável de que domina realmente o problema de sua especialidade Naturalmente esse diálogo não é criativo e não conduz ao fundo dos problemas ao mesmo tempo em que induz políticas superficiais A explicação econômica não ilumina a explicação política e o mesmo ocorre no sentido inverso Mas se esse campo é tão diferenciado tão cheio de novos caminhos apenas iniciados como eu posso orientarme no meio de tantos conceitos É possível sim São muitas ideias às vezes um pouco abstratas no começo 25 CAPÍTULO 2 Polity politics e policy Este capítulo em particular é o mais desafiador do curso pois apresenta os conceitos analíticos mais fundamentais para que o estudo de cada Política Pública possa ser feito com segurança Mas esta é a razão do estudo na pósgraduação um maior esforço de reflexão analítico para permitir entender melhor e aperfeiçoar aquilo que já fazemos na prática Começamos por um aparente jogo de palavras em inglês que esconde uma diferenciação de grande importância Falamos de três palavrinhas POLITICS POLICY POLITY Estas três palavras são fundamentais para a compreensão das Políticas Públicas evidenciam três dimensões da política em geral A dimensão institucional polity referese à ordem do sistema político delineada pelo sistema jurídico e à estrutura institucional do sistema políticoadministrativo O quadro da dimensão processual politics tem em vista o processo político frequentemente de caráter conflituoso no que diz respeito à imposição de objetivos aos conteúdos e às decisões de distribuição A dimensão material policy referese aos conteúdos concretos isto é à configuração dos programas políticos aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas31 Muitos autores não utilizam a diferenciação polity versus politics tratandoos como um único conceito geral de política institucional32 Agora um cuidado estas dimensões podem até ser tratadas analiticamente de forma separada na verdade é necessário que assim sejam para fins de compreensão das influências mútuas No entanto é preciso que aquele que vê os três conceitos individualmente entenda que no mundo real eles jamais existirão independentes uns dos outros Toda Política Pública é uma interação permanente entre a estrutura institucional a ação dos atores políticos dentro desta estrutura institucional e o conteúdo material do problema dos recursos e das decisões concretas adotadas Como bem sintetiza Frey 2001 p 217 a ordem política concreta forma o quadro dentro do qual se efetiva a política material por meio de estratégias políticas de conflito e de consenso Esta indissociabilidade dos três elementos gerou e ainda gera grandes controvérsias mas o tratamento dos problemas públicos sem essa categorização representa ainda mais dificuldades Era por exemplo mais importante para compreender a política preocupar se com a análise dos comportamentos ou interessarse pelo conteúdo das 31 Em geral cada autor dá sua própria definição desses conceitos Por completo e sintético adotamos a apresentação de Frey 2001 pp 216217 32 Entre eles a maior parte daqueles que fundamentam o nosso estudo eg GOMÀ SUBIRATS 1998 p 23 MÉNY THOENIG 1992 p 44 26 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS decisões adotadas e postas em prática pelos poderes políticos Era mais útil interpretar as últimas intenções de voto do eleitorado e sua afiliação a um partido ou analisar o impacto de uma política governamental E se não se quiser optar qual é ao menos o determinante essencial À pergunta de uns Do Politics determine policies fazia eco a dos demais Do policies determine Politics No primeiro caso a Política Pública se concebe como determinada em sua forma e seu conteúdo pelas instituições os atores políticos a atitude dos governos e dos governados etc Na segunda hipótese a Política Pública se considera como uma variante independente que influi no conteúdo e nas formas da política no sentido de eleições debates discursos ideológicos etc MÉNY THOENIG 1992 p 4445 Recordemos casos concretos da nossa realidade recente para perceber essa diferenciação e consequente interrelação em ambos os sentidos Para isso vamos ver primeiro alguns termos e conceitos básicos comuns à maior parte da literatura técnica sobre análise de Políticas Públicas Do politics determine policies O Brasil assistiu a um acelerado processo de privatização de empresas estatais do setor de infraestrutura na década de 1990 principalmente de empresas siderúrgicas mineradoras e telefônicas além de aberturas significativas no até então monopólio estatal de petróleo Perguntase em que medida a decisão por levar adiante essas privatizações originouse diretamente da posição política e dos interesses que defendiam os governos do período Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso Do policies determine politics Apesar de cumprir um primeiro mandato com crescimento econômico bastante fraco e sofrendo acusações de corrupção em seu governo o presidente Luís Inácio Lula da Silva foi reeleito no Brasil em 2006 com uma expressiva votação Pergunta se em que medida terá influído no resultado eleitoral a ampliação e a aceleração por esse governo de programas de transferência direta de renda monetária como o denominado BolsaFamília As perguntas anteriores evidentemente têm resposta aberta Possivelmente a maioria de nós responderá que sim que alguma influência significativa tiveram os fenômenos mencionados Servem as questões somente para ilustrar no nosso cotidiano a interação entre as dimensões da política O trecho apresentado a seguir bastante extenso demonstra de forma detalhada a possibilidade de interação em um contexto central da vida política moderna o meio ambiente Isto é particularmente óbvio nos casos de políticas setoriais novas e fortemente conflituosas como bem ilustra o caso da política ambiental É inquestionável que o descobrimento da proteção ambiental como uma política setorial peculiar levou a transformações significativas dos arranjos institucionais em todos os níveis de ação 27 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II estatal Por outro lado em consequência da tematização da questão ambiental novos atores políticos associações ambientais institutos de pesquisa ambiental repartições públicas encarregadas com a preservação ambiental entraram em cena transformando e reestruturando o processo político A pergunta pelo grau de influência das estruturas políticas polity e dos processos de negociação política politics sobre o resultado material concreto policy uma orientação característica da policy analysis parte no meu entender do pressuposto de concatenações de efeitos lineares Tal conjectura contradiz a experiência empírica da existência de interrelações entre as três dimensões da política especialmente entre as dimensões policy e politics Ainda que seja imaginável que o arcabouço institucional que por sua vez condiciona os processos políticos possa se manter estável durante um período bastante longo daí poderíamos concluir uma independência relativa da variável polity para essa concreta situação empírica é difícil imaginar uma tal independência para as dimensões politics e policy As disputas políticas e as relações das forças de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos desenvolvidos e implementados A suposição de Lowi 1972 p 299 de que policies determine politics pode até ser válida para um campo específico de política ou um policy issue sob condições particulares mas de forma alguma serve como lei global O exame da vida de certas políticas setoriais sobretudo as de caráter mais dinâmico e polêmico não deixa dúvidas referentes à interdependência entre os processos e os resultados das políticas A evolução histórica da política ambiental por exemplo mostra de forma nítida como ambas dimensões têm se influenciado de forma recíproca e permanente As constelações de atores as condições de interesse em cada situação e as orientações valorativas elementos que podem ser considerados condicionantes do grau de conflito reinante nos processos políticos sofreram modificações significativas à medida que se agravaram os problemas ambientais e se consolidou esse novo campo da política O incremento da consciência ambiental reforçou os conflitos entre os interesses econômicos e ecológicos Da mesma maneira como a dimensão material dos problemas ambientais tem conduzido à cristalização de constelações específicas de interesse os programas ambientais concretos por sua vez elaborados por agentes planejadores devem ser considerados o resultado de um processo político intermediado por estruturas institucionais que reflete constelações específicas de interesse Um plano de zoneamento ambiental que prevê a transformação de zonas industriais ou rurais em zonas de proteção ambiental sem dúvida alguma provoca resistência por parte dos interesses econômicos afetados o que representa uma modificação das condições de politics Eventualmente tais interesses econômicos conseguem exercer uma pressão bastante forte dentro do sistema políticoadministrativo de modo que essas novas condições de politics podem levar à revisão do plano original FREY 2001 p 217220 28 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Policy networks Até agora ao descrevermos uma Política Pública nossa abordagem foi bastante simplificada o Estado por meio de seus agentes públicos identifica problemas formula e executa uma determinada solução a ser recebida e observada por um certo púbicoalvo Esta abordagem embora adequada para uma primeira aproximação terá de ser progressivamente refinada para incorporar um modelo mais preciso da complexa interrelação social envolvida em qualquer política O primeiro refinamento é a noção de redes de políticas ou policy network33 toda Política Pública gera em torno de si múltiplos interesses envolvidos no Estado e fora dele políticos que adotam as decisões burocratas que as implementam pessoas ou organizações que recebem os benefícios almejados dessa política pessoas ou organizações que são contratadas para executarem essa política outras pessoas ou organizações que recebem efeitos secundários ou colaterais da política mudanças ambientais elevação da demanda em determinados mercados etc Cada um desses atores irá agir no sentido de defender seus interesses na formação e na aplicação da política Veremos uma descrição mais detalhada dessas ações ao longo do tempo nos próximos capítulos mas por ora já devemos reconhecer que a análise de qualquer política tem de levar em conta a panóplia de atores presentes de seus recursos papéis e pautas de interação refletindo as formas muito diversas de relação com distintos graus de estruturação estabilidade e dependência mútua que estabelecem entre si a Administração Pública e os interesses organizados alguns mais organizados outros menos34 Recorremos aqui novamente a Frey para uma enunciação mais precisa desse conceito entendese por um policy network as interações das diferentes instituições e grupos tanto do executivo do legislativo quanto da sociedade na gênese e na implementação de uma determinada policy HECLO 1978 p 102 Segundo Miller tratase no caso de policy networks de redes de relações sociais que se repetem periodicamente mas que se mostram menos formais e delineadas do que relações sociais institucionalizadas nas quais é prevista uma distribuição concreta de papéis organizacionais Todavia essas redes sociais evidenciamse suficientemente regulares para que possa surgir confiança entre seus integrantes e se estabelecer opiniões e valores comuns MILLER 1994 p 37935 Ora estas relações sociais de rede passam a assumir um papel relevante no processo decisório das democracias modernas interagindo com e às vezes sobrepondose a os processos e procedimentos formais prescritos nas regras jurídicas O conglomerado de grupos interessados em uma política e formadores de uma policy network tem em geral uma estrutura horizontal de competências uma densidade comunicativa bastante alta e interrelacionado com isso um controle mútuo comparativamente intenso 36 Ou seja 33 Também denominado em outros autores partisan mutual adjustement policy community estruturas de implementação contratos relacionais e clã GOMÀ SUBIRATS 1998 p 27 34 Gomà Subirats 1998 p 27 35 Frey 2001 p 221 36 Frey 2001 p 221 29 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II não estão organizadas hierarquicamente como está o Estado possuindo cada integrante um papel específico gestor público fornecedor de bens e serviços representante de usuários e beneficiários etc a interação entre cada componente da rede em torno do tema é muito frequente e intensa o que deixa claro que uma policy network não é só uma lista de potenciais interessados mas um conjunto dinâmico daqueles que possuindo interesses envolvidos conseguem agir em sua defesa e há uma relação de negociação e conciliação de interesses na medida em que a política envolvida pode gerar efeitos os mais variados sobre cada um deles exigindo a obtenção de acordos e cessões mútuas para levála adiante Em outras palavras os laços entre os integrantes de uma mesma network são alternadamente de conflito e de coalizão tanto entre si quanto em relação a outras redes envolvidas com políticas coincidentes ou concorrentes Em que pese a sua não institucionalização cada policy network tem um grau diferente de complexidade e dificuldade de acesso Temas como as políticas monetária ou de defesa costumam reunir apenas interações complexas por organizações altamente sofisticadas como bancos no primeiro caso e corporações militares e grandes indústrias no segundo Porém esse grau de estruturação da rede também varia ao longo do tempo Tomando por exemplo a política de defesa norteamericana seguramente a intervenção estatal organizada de maior porte físico e financeiro em todo o mundo a sofisticada interação entre as corporações militares as grandes indústrias de material de defesa e as lideranças políticas no topo da burocracia federal americana que caracterizam o perfil decisório nestes temas sofre grandes alterações em momentos de maior comprometimento em conflitos externos principalmente com a participação de um grande número de soldados em situações de combate Guerra do Vietnã invasão do Iraque nestes momentos a mobilização da opinião pública com o surgimento de grupos organizados com o propósito específico de influir nas decisões de comprometimento de soldados com operações bélicas tal como grupos de familiares de soldados e de excombatentes o maior interesse da mídia e o aumento do interesse parlamentar sobre o assunto geram uma grande ampliação da policy network envolvida Levar em conta a estrutura de policy networks significa estar atento para observar que em cada política específica a estrutura e os limites das burocracias grupos políticos e grupos de interesse particulares podem ser alterados em função da negociação de interesses dentro da rede envolvida A isto não escapa naturalmente a realidade brasileira Na luta pelos escassos recursos financeiros surgem relações de cumplicidade setorial tendo como objetivo comum a obtenção de um montante o maior possível de recursos para a sua respectiva área política Na atual conjuntura brasileira caracterizada pela necessidade de um ajuste fiscal essas disputas entre as várias pastas e policy networks pelos recursos assim como entre essas pastas a equipe econômica e a presidência tornamse particularmente acirradas deixando transparecer uma certa incapacidade de ação e logo comprometendo a governabilidade do sistema político Essa consequente debilitação da capacidade de conduzir reformas detectadas como indispensáveis 30 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS não se restringe todavia ao âmbito do poder executivo mas se reproduz no processo legislativo em que frequentemente observase a sobreposição das lealdades partidárias e organizacionais por policy lealdades WINDHOFF HÉRITIER 1987 p 4737 Policy inputs outputs e outcomes Alguns elementos instrumentais na análise de políticas merecem ser conhecidos desde já para que possam ajudarnos nas etapas posteriores38 Vista de uma maneira muito genérica uma Política Pública ou mesmo qualquer ação de uma organização representa uma reunião de recursos humanos de conhecimento materiais financeiros de informação mobilizados e aplicados pela entidade ou autoridade promotora Estes recursos são denominados insumos ou policy inputs da Política Pública A aplicação dos recursos resulta em bens serviços ou condições materiais ex estradas conservadas correspondência datilografada pacientes atendidos que são os produtos imediatos da Política Pública denominados produtos ou policy outputs Muitas vezes estes produtos podem ser recombinados e utilizados no âmbito da mesma ação para a produção de outros resultados imediatos surgindo assim a diferenciação entre produtos intermediários e produtos finais Uma ilustração bastante clara dessa interrelação é o chamado mapa de produto um arranjo gráfico no qual se alinham três componentes básicos insumos produtos intermediários e produtos finais INSUMO INSUMO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO FINAL PRODUTO FINAL INSUMO INSUMO Fonte Bittencourt 2005 p 244 Repare que como aparece no mapa de produtos as setas indicam que a existência do conteúdo da caixa à esquerda insumo ou produto intermediário é necessária para que se produza o conteúdo da caixa à direita produto intermediário ou final Portanto a atividade pública como a de outra organização combina recursos preexistentes para gerar resultados concretos bastante palpáveis muitas vezes reutilizando os resultados parciais obtidos para com eles gerar novos resultados finais A análise de Políticas Públicas porém não pode permanecer apenas neste ponto É importante sem dúvida saber quantos pacientes foram atendidos por um hospital ou quantas crianças foram vacinadas em uma determinada campanha em suma identificar as realizações concretas especificáveis e individualizáveis MÉNY THOENIG 1992 p 93 No entanto este é uma 37 Frey 2001 pp 222223 38 Esta apresentação dos conceitos inclusive as ilustrações está baseada em Bittencourt 2004 p 55 31 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II dimensão ou aspecto de gestão interna objeto principal da atenção das ciências administrativas Administração Pública Gerência Pública etc que enfocam as ferramentas e métodos que assegurem a relação entre os meios consumidos e os resultados que deles diretamente se extraem Ainda que com particularidades ligadas ao contexto jurídico regulamentos especiais do quadro de funcionários públicos regras de orçamento e contabilidade públicas específicas observância de normas e regulamentos mais rígidos são temas obrigatórios de atenção em qualquer organização pública ou privada A ação pública porém tem uma dimensão que a particulariza profundamente legitimase pela busca de finalidades externas suas atividades internas estão subordinadas à satisfação de problemas ou de metas externas A meta de uma Política Pública é modificar os atributos ou características do tecido social que se julgue necessário proteger frente a ameaças ex desastres naturais criminalidade ou transformar em um estado mais satisfatório ex elevação do nível de emprego melhoria do resultado educacional O mapa de produto de uma ação pública portanto é um pouco mais complexo que aquele que visualizamos acima39 A autoridade pública mobiliza e combina recursos para gerar produtos como qualquer organização Porém estes recursos são eles mesmos simples instrumentos para gerar efeitos ou impactos na sociedade Esta é a segunda função de produção da ação pública transformar produtos em efeitos ou impactos40 A conservação das rodovias produto serve para melhorar as condições de segurança do tráfego e reduzir acidentes efeito ou impacto A distribuição de bolsas de estudo para educação superior produto tem por fim a democratização das condições de acesso ao saber na sociedade efeito ou impacto Em suma toda intervenção pública concreta deve engendrar uma alteração do estado natural das coisas na sociedade e pode estar associada a um ou vários impactos Desta forma o mapa de uma Política Pública deve ser ampliado INSUMO INSUMO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO FINAL PRODUTO FINAL INSUMO INSUMO IMPACTO IMPACTO Função de Produção 1 gestão interna Função de Produção 2 gestão das Políticas Públicas Fonte Elaboração própria a partir de Bittencourt 2005 p 244 Muitas vezes a Gestão das Políticas Públicas e mesmo seu acompanhamento concentrase deliberadamente ou não em chamar efeitos a produtos imediatos e concretos ou mesmo em insumos por exemplo o volume de recursos orçamentários aplicados em determinada política 39 É preciso lembrarse de que a ferramenta Mapa de produto tal como apresentada aqui tem uma aplicabilidade mais ampla servindo para analisar tanto Políticas Públicas quanto processos de gestão interna empresarial ou governamental Desta forma é possível utilizála também no sentido que damos à analise neste parágrafo 40 Esta apresentação dos conceitos relativos à segunda função de produção inclusive as ilustrações está baseada em Mény Thoenig 1992 p 93 32 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Esta tentação muito atraente pela aparente simplicidade41 gera uma visão etnocêntrica em que a ação passa a ser vista tão somente da perspectiva do agente público confundindose a atividade interna da autoridade pública com as transformações sociais externas que são sua razão de ser A identificação e o tratamento de impactos apresenta consideráveis dificuldades sendo um dos pontos altos da arte do analista de Políticas Públicas42 Mesmo quando são abordados explicitamente estes efeitos são frequentemente enunciados pelos formuladores das políticas em termos muito gerais e abstratos tais como a segurança em uma coletividade sendo pouco favoráveis ao tratamento rigoroso Além disso podem surgir com um considerável atraso em relação ao tempo em que são realizadas as atividades públicas a exemplo dos efeitos de um programa de construção de estradas sobre o desenvolvimento econômico de uma região Também e principalmente a relação entre os produtos e seus respectivos efeitos está longe de ser linear ou mecânica Embora alguns campos possam ter essa relação definida com alguma precisão caso típico da vacinação contra algumas doenças de epidemiologia conhecida tal como a poliomielite em outros não se pode desenvolver essa relação senão de forma bastante aproximativa por exemplo o efeito de uma política de bolsas ou cotas na Educação Superior sobre a desigualdade socioeconômica Por fim é preciso levar em conta os possíveis efeitos de causalidade diversa Dentre eles os efeitos relacionados entre as Políticas Públicas Uma política tem impactos de diversas ordens entre os quais alguns podem ter consequências sobre outras políticas Estes impactos cruzados podem ocorrer diretamente sobre o públicoalvo ou o objeto da outra Política Pública ou podem simplesmente modificar o ambiente social de forma a produzir mudanças sobre os pontos de partida ou pressupostos da outra política o conceito econômico tradicional de externalidades A política A pode ter efeitos diretos sobre o resultado da política B Efeito cruzado 1 além de efeitos sobre o ambiente social que alteram o ponto de partida da política B Efeito cruzado 2 Efeitos cruzados entre Políticas Públicas EFEITO CRUZADO 2 EFEITO CRUZADO 1 Ponto de Partida Ambiente Social Política Pública A IMPACTO 1 IMPACTO 2 IMPACTO 3 Ponto de Partida Ambiente Social Política Pública B IMPACTO 4 IMPACTO 5 IMPACTO 6 Fonte Elaboração própria a partir de Mény Thoenig 1992 p 95 Exemplificando o primeiro caso uma política de transportes urbanos tendo por objetivo a redução do tempo de deslocamento pendular casatrabalho numa metrópole e que envolva a 41 Ou em argumento mais sofisticado pela facilidade de medição confundida aí com possibilidade de medição Medir impactos sociais de Políticas Públicas é no mais das vezes difícil mas não é impossível 42 Esta apresentação dos conceitos relativos ao tratamento de impactos inclusive as ilustrações está baseada em Mény Thoenig 1992 pp 9495 e Bittencourt 2005 p 244 33 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II construção de vias expressas dirigidas ao centro da cidade pode terminar gerando o incentivo ao uso mais frequente do automóvel particular pela população o que tem o potencial de causar mais engarrafamentos de trânsito e prejudicar não só o seu objetivo inicial redução do tempo de deslocamento quanto o objeto de uma política de redução da contaminação urbana que se faça por meio do incentivo ao transporte coletivo e à redução do uso do automóvel No segundo caso há exemplos clássicos de externalidades ambientais a implantação de sistemas de transporte de massa metrô trens urbanos gera uma grande valorização do preço do solo no seu entorno dificultando a implantação de políticas habitacionais para populações de baixa renda uma política de incentivo à industrialização de uma região periférica pode gerar um aumento na produção de resíduos sólidos efluentes e gases que impacte qualquer política de conservação ambiental ou melhoria da qualidade de vida nessas mesmas regiões Por fim os efeitos observados nas variáveis sociais que são objeto de uma Política Pública podem decorrer de fatores exógenos da vida social que não têm correlação alguma com o próprio programa Determinadas alterações sociais ocorrendo na direção desejada por uma certa Política Pública podem ter origem em outros fatores distintos dessa política Por exemplo a evolução epidemiológica da dengue numa determinada região depende basicamente da população de mosquitos transmissores vetores Esta população depende por sua vez da existência de focos de água a céu aberto Uma política de combate à dengue pela redução de focos de mosquitos transmissores com ações educacionais e de fiscalização pode ter seus efeitos minimizados pela ocorrência de chuvas em volume muito elevado Da mesma forma um verão com pequeno volume de chuva pode ensejar uma redução considerável dos focos de vetores mesmo na ausência de qualquer política Quanto a estas relações de causalidade Cano 2002 pp 1617 relata situações curiosas e intrigantes que descrevem os dilemas do analista de Políticas Públicas Se tudo quanto sabemos é que quando o valor de A é alto o de B também tende a sêlo isto é os dois fenômenos covariam não podemos inferir daí qual dos dois está no começo da cadeia causal Existem muitos exemplos disso na prática Pessoas de alta renda são também em geral pessoas de alto nível de escolaridade e viceversa Isso pode ser devido ao fato de que um alto nível escolar permite empregos melhores e portanto aumenta a renda Por outro lado pessoas com mais dinheiro podem darse ao luxo de continuar estudando e de frequentar os melhores centros educativos o que determina um aumento da escolaridade e viceversa Assim a renda pode causar a escolaridade e viceversa No exemplo anterior a população de cegonhas e a natalidade covariam isto é uma sobe quando a outra sobe simplesmente porque ambas dependem do grau de urbanização Em suma para poder concluir uma relação causal entre A e B é preciso descartar na medida do possível a existência de outras dimensões que estejam causando simultaneamente as duas primeiras 34 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Policy arenas Outro conceito útil para analisar Políticas Públicas é o de arenas de política A definição já tornada clássica43 das policy arenas tem por objetivo a distribuição das distintas políticas em grandes grupos capazes de associar os diversos casos individuais em função de relações mais estáveis e consistentes entre suas características principais O agrupamento em distintas arenas ocorre em função das relações políticas que ocorrem dentro dos grupos envolvidos com cada política individual44 para efeito desta análise assumese que tais relações são determinadas pelas reações e expectativas das pessoas afetadas e estas expectativas são determinadas pelos resultados ou efeitos das políticas45 mais precisamente as reações e as expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de im plementação Os custos e os ganhos que as pessoas esperam de tais medidas tornamse decisivos para a configuração do processo político FREY 2001 p 223 Portanto as políticas agrupamse em algumas grandes arenas do exercício do poder na qual este exercício obedece a estruturas processos e relações grupais similares E tais arenas são descritas por Lowi em quatro46 fórmulas distintas POLÍTICAS DISTRIBUTIVAS Características da política Políticas que distribuem vantagens a um grupo bastante amplo sem regras muito estruturadas e sem imposição de custos ao menos perceptíveis a outros grupos Representam benefícios em pequena escala a um grande número de destinatários ficando em geral os potenciais opositores incluídos na distribuição dos benefícios Interação entre os atores Apresentam baixo grau de conflito dos processos políticos consenso e indiferença amigável Frey 2001 p 223 Os processos decisórios ocorrem de forma atomizada desagregada sem regras gerais Portanto os interesses que se projetam sobre o Estado apresentamse de forma fragmentária de difícil organização interna sendo as coalizões dependentes da citada atitude de indiferença amigável Exemplos São políticas difíceis de serem visualizadas no Estado moderno cada vez mais sujeito a restrições materiais O exemplo clássico de Lowi é a política de ordenação da distribuição de terras no Oeste americano nos sécs XVIII e XIX embora houvesse intervenção estatal os recursos a distribuir eram virtualmente ilimitados47 Mény Thoenig mencionam a distribuição por uma prefeitura de licenças urbanísticas para construir cujo custo para terceiros será sentido apenas a mais longo prazo por meio de elevação do preço do solo e de externalidades ambientais por exemplo Se se toma em conta a diferença entre custos em longo prazo e em curto prazo porém todo tipo de política clientelista distribuição de benefícios assistenciais de pequeno valor com critérios discricionários à custa dos fundos públicos pode ter uma interação do tipo distributivo num primeiro momento ou até que o custo real das medidas seja percebido pelos contribuintes 43 A primeira apresentação do conceito de policy arena surgiu de uma pequena resenha de um outro livro elaborada por Theodore Lowi para a revista World Politics LOWI 1964 Posteriormente o próprio Lowi ampliará estes conceitos p ex LOWI Theodore Four Systems of Policy Politics and Choice In Public Administration Review 324 1992 p 298310 apud Frey 2001 p 257 que serão também apropriados e utilizados por um grande número de autores Nesta apresentação utilizamos o texto original de Lowi além da sua interpretação em Frey 2001 pp 223226 e Mény Thoenig 1992 pp 98102 44 Ainda que os estudos que tratam de policy arenas não tenham utilizado o conceito de policy networks que estudamos acima ele se aplica perfeitamente para descrever o ambiente relevante para a definição das arenas 45 In politics expectations are determined by governmental outputs or policies Lowi 1964 p 687 46 O artigo original LOWI 1964 somente contemplava as três primeiras sendo a última arena de políticas constitutivas incorporada posteriormente por Lowi ao modelo Devemos ressaltar que a interpretação de Mény Thoenig 1992 pp 98100 sobre as características de cada arena difere bastante da dos demais autores citados 35 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II POLÍTICAS REGULATÓRIAS48 Características da política Consistem na aplicação de uma regra geral a casos específicos a imposição de ordens e proibições De uma forma geral o tratamento a ser dado a todos os casos é uniforme no máximo diferenciandose por setor ou segmento da populaçãoalvo A distribuição de custos e benefícios é a priori indefinida podendo afetar distintos grupos tanto de forma equilibrada quanto discriminar alguns setores em favor de outros Interação entre os atores Os processos de conflito consenso e coalizão podem mudar conforme o conteúdo das políticas envolvidas dos processos políticos A política regulatória no mais das vezes é o caso mais concreto de concentração de custos e benefícios para os envolvidos o que faz com que a interação em torno dela seja realizada por um número relativamente pequeno de grupos coesos e internamente organizados grupos estes formados em relação a cada política podendo ocorrer facilmente em políticas distintas diferenças na posição relativa de dois grupos como organizações patronais e sindicatos A estrutura dos grupos organizados costuma coincidir com as divisões setoriais ou de categorias sociais um determinado ramo da indústria ou os sindicatos de determinada categoria de trabalhadores ou os proprietários de terra de uma certa região Exemplos São as Políticas Públicas de tipo tradicional de limitação das liberdades individuais dos afetados em favor de interesses definidos como comuns ou coletivos Tanto podem caminhar em sentido igualitário nos exemplos de Lowi na aplicação de regras impessoais de licitação para uma concessão de radiodifusão ou de linha aérea ou no apontado por Mény Thoenig relativamente à aplicação uniforme do código de trânsito quanto em favor dos mais frágeis como a fiscalização de direitos trabalhistas que fortalece a posição do trabalhador frente ao patrão quanto ainda favorecer a um segmento mais privilegiado MÉNY THOENIG cita as legislações que restringem o acesso a determinadas profissões como exemplos de medida regulatória que acrescenta aos privilégios do público a que se dirige POLÍTICAS REDISTRIBUTIVAS Características da política Têm por objetivo o desvio e o deslocamento consciente de recursos financeiros direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade Frey 2001 p 224 Posta em relevo pela expansão do Welfare State tem um caráter marcadamente econômico envolve basicamente a modificação da distribuição da riqueza e da renda entre os agentes sociais É talvez a mais simples de caracterizar representa medidas de extração de riqueza de um segmento da população e sua concessão a outro por meio de processos que sejam assim identificáveis ainda que indiretamente pelos envolvidos Interação entre os atores Tratase de arena potencialmente conflituosa e polarizada ela suscita uma imediata e visível perda econômica por parte de alguns grupos em favor de outros Pela sua generalidade a configuração dos grupos envolvidos na disputa é bastante abrangente sentamse à mesa basicamente representações de grandes coletivos separados por diferenças muito profundas de inserção social ex confederações sindicais e empresariais de âmbito nacional no caso da política tributária americana citado por Lowi o Tesouro federal e representações muito concentradas dos grandes grupos empresariais As coalizões que se formam são muito estáveis e poderosas e o equilíbrio que atingem é difícil de atingir mas também difícil de modificar Exemplos O exemplo clássico de política redistributiva em praticamente todo o mundo é a previdência social por meio da arrecadação de parcela da renda dos seus associados custeiase o pagamento de benefícios àqueles que o necessitem com critérios de redução de diferenças de renda que beneficiem os estratos de renda mais baixa Também o imposto incidente sobre a renda individual das pessoas físicas tem esta característica ainda que indiretamente as suas alíquotas permitem extrair proporcionalmente mais renda de segmentos de altos rendimentos declarados para custear o fundo público que destinase ao benefício comum 47 47 Naturalmente esta é uma visão teórica de uma estrutura progressiva de impostos que nem sempre coincide com o efeito real da tributação sobre a renda em cada economia No entanto conceitualmente Lowi lembra que o imposto sobre a renda de pessoas físicas é uma política redistributiva mesmo que não seja tecnicamente progressivo 36 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS POLÍTICAS CONSTITUTIVAS OU ESTRUTURADORAS Características da política Têm por objetivo as regras sobre normas ou acerca do poder Mény Thoenig 1992 p 100 ou a determinação das regras do jogo e por conseguinte a estrutura dos processos e conflitos políticos Os resultados das políticas constitutiva também chamadas políticas modificadoras de regras definem as condições sob as quais se irá negociar as demais políticas distributivas redistributivas e regulatórias É difícil exagerar os efeitos das políticas constitutivas ao estruturar a forma de interação dos interessados nas demais políticas elas distribuem posições de poder relativo entre os diferentes agentes vetam ou privilegiam temas para as demais políticas Interação entre os atores Não obstante a sua importância a discussão social sobre tais políticas costuma ser extremamente limitada Como aponta Frey Embora essas políticas possam implicar consequências poderosas para o processo político em geral costumase discutir e decidir sobre modificações do sistema político apenas dentro do próprio sistema políticoadministrativo Raramente essas discussões se tornam fatos políticos envolvendo setores mais amplos da sociedade O interesse da opinião pública é sempre mais dirigido aos conteúdos da política e bem menos aos aspectos processuais e estruturais Assim a discussão de tais medidas costuma realizarse entre grupos de representação situados no topo da esfera política tipicamente partidos e grupos dentro do parlamento nacional em interações mais limitadas com a sociedade também mediadas por representações institucionais de alto escalão Frey 2001 p 225 Exemplos O exemplo citado por Frey é o plebiscito ocorrido no Brasil em 1993 acerca do regime de governo presidencialista ou parlamentarista No entanto há bons exemplos de questões da arena constitutiva que ilustram o impacto desse tipo de decisão na realidade brasileira atual a desconstitucionalização da segurança pública que permitiria aos Estados federados legislarem quanto ao mérito sobre a estrutura dos sistemas policial prisional e judicial a retirada dos direitos trabalhistas do texto da Constituição Federal permitindo que sejam alterados por maiorias políticas eventuais menos amplas que as exigidas para a alteração no texto constitucional a reforma da administração de mão de obra portuária transferindo dos sindicatos a comissões tripartite o poder de definir a distribuição do trabalho e da remuneração dos serviços auxiliares da operação dos portos Em uma certa medida todo o vasto processo de privatização de entidades estatais empreendido no Brasil e no mundo não deixa de ser uma política constitutiva na medida em que a simples transferência da responsabilidade de serviços públicos do ente estatal para provedores privados não altera diretamente as condições do serviço embora modifique radicalmente as regras políticas de negociação da sua prestação Conhecer a arena em que se insere uma determinada política nos ajuda portanto a identificar um esboço da possível forma de interação entre os grupos sociais que nela estiverem envolvidos Para ajudarnos ainda mais neste foco algumas pequenas regras de bolso generalização de comportamentos reiteradamente observados podem sugerir insights úteis na hora de observar as expectativas e reações dos indivíduos e grupos nas diferentes arenas MÉNY THOENIG 1992 p 101102 os custos tendem a imporse sobre os benefícios podendo identificar com alguma clareza os custos e benefícios de uma política os indivíduos e grupos tendem a dar mais peso aos custos sendo muito mais sensíveis ao preço que pagarão que às vantagens que receberão o curto prazo importa mais que o médio prazo os efeitos imediatos de uma política mobilizam os interessados mais que as consequências diferidas no tempo48 os custos e benefícios que afetam a pequenos grupos impõemse aos custos e benefícios que afetam a vastas populações em outras palavras indivíduos ou grupos são muito mais mobilizados por custos ou benefícios que se concentram neles próprios do que por temas que trazem consequências difusas por toda a sociedade Por exemplo são mais comuns as manifestações ativas contra o fechamento de alguma empresa ou em defendendo medidas de favorecimento 48 Vide a discussão acima relativa às políticas clientelistas em geral como inseridas na arena distributiva ainda que representem ao final um custo para outros interessados como os contribuintes se o clientelismo é praticado com recursos públicos 37 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II econômico a um setor específico tarifas protecionistas subsídios do que as ações para modificar políticas que tenham efeitos sobre o aquecimento global ainda que o impacto desse último fenômeno seja muito maior na sociedade como um todo E agora Vimos neste capítulo uma grande variedade de conceitos importantes para a análise das Políticas Públicas Mas vamos usálos todos de uma vez Ao nos defrontarmos com um problema de Política Pública como podemos abordálo O que estudar primeiro São dúvidas importantes e relevantes A organização do trabalho de análise exige ainda mais ferramentas analíticas disponíveis por meio do conceito de ciclo de políticas ou policy cycle 38 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS CAPÍTULO 1 Análise dos modelos de políticas públicas49 Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir A estruturação das Políticas Públicas deve ser compreendida como o produto de um intenso processo de intermediações políticas por meio das quais emergem e tomam forma os projetos e interesses de agentes e agências públicos e privados em pugna por impor um determinado projeto de direção política e de direção ideológica sobre a sociedade e o estado que são governados Os posicionamentos estratégias e táticas de cada um na confrontação estão regidos por princípios de mudança e princípios de conservação TORRES 2006 pp 123124 Para o analista o processo de uma política é o complemento indissociável de sua substância processo e conteúdo constituem as duas caras de uma mesma realidade O trabalho governamental não se limita à tomada de decisão estende se no tempo não só a montante mas também a jusante do que frequentemente e sem razão considerase a intervenção mais nobre e mais significativa Além disso o transcurso do tempo a duração é em si mesmo um elemento estruturante da ação governamental e de outros atores não governamentais MÉNY THOENIG 1992 p 104 As interações entre agentes públicos e privados são inúmeras no tratamento de qualquer problema público Como abordar essas interações Como você acha que poderia ordenar o trabalho de análise de uma Política Pública para que o seu estudo não se perdesse entre tantas informações relevantes Você acha que um modelo único seria capaz de aplicarse a qualquer Política Pública Qual o sentido de existir um modelo 49 O modelo apresentado nesta seção segue as linhas gerais do apresentado em Mény Thoenig 1992 pp 105107 complementado pelas extensões e ampliações cujas fontes originais são em cada momento referenciadas 39 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Considerações sobre o método Segundo Paula 1989 p 47 E o método é o trilhar do conceito é a chave que permite abrir o real revelarselhe o interior sua estrutura destruir o manto de aparências e enganos que o recobrem a pseudoconcreticidade O método arma afiada mapa e obra de arte Passemos logo então ao problema básico Em qualquer modelo de análise e em particular no nosso campo tão complexo das Políticas Públicas o desafio do analista é a maneira de decompor seu objeto de estudo em elementos empíricos mais finos sem que por isto se perca a sua visão de conjunto do objeto estudado Criar um modelo uma representação teórica que selecione os principais traços da realidade estudada permitindo com isso que o estudioso possa organizar nessa representação os fatos empíricos principais que observa possa descrever por meio da representação de forma sintética e articulada o conjunto de fatos que vê e possa formular utilizando a linguagem e as ferramentas intelectuais disponibilizadas pelo modelo hipóteses acerca das relações entre os diferentes traços da realidade começando daí o esforço explicativo50 Como vimos no capítulo anterior e nas reflexões que abrem este texto toda Política Pública traz consigo uma multiplicidade de interações Vimos também que podemos examinar essas interações sob várias perspectivas as dimensões em cena Politics policy polity o conjunto de agentes que interagem policy networks a Política Pública como uma relação entre insumos produtos e impactos policy inputs policy outputs policy outcomes o padrão de interação entre os agentes policy arenas Todas estas perspectivas são importantes mas destinamse a examinar com uma certa profundidade apenas um dos lados desse grande cubo mágico que é uma Política Pública Ao distribuir as observações dos fatos utilizando cada um desses conceitos vemos apenas aquele lado É preciso uma decomposição dos fatos que permita cobrir organizadamente todo o processo da Política Pública e que permita ainda utilizar em conjunto estes outros recursos ou perspectivas principais que analisamos O instrumento de ordenação analítica que foi considerado possivelmente mais útil pela maioria dos autores envolvidos com as Políticas Públicas é o policy cycle ou modelo de ciclo de políticas Intuitivamente o ciclo das políticas é a sequência de atividades do começo ao fim desde o nascimento de um problema até os resultados das políticas adotadas para resolvêlo Cada fase caracterizase por atividades concretas do agente público ex o trabalho legislativo o processo decisório em gabinetes ministeriais a gestão burocrática das medidas adotadas etc e em torno dele a ação coletiva os grupos de lobby as campanhas de imprensa as manifestações populares de rua etc A cada fase corresponderão atores relações compromissos específicos as várias fases correspondem a uma sequência de elementos do processo políticoadministrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder às redes políticas e sociais e às práticas políticoadministrativas que se nela encontram tipicamente FREY 2001 p 226 Vamos portanto descrever as Políticas Públicas segundo as fases que agrupam atividades comuns aproximadamente sequenciais no tempo que levam do surgimento de um problema 50 Um modelo portanto entendido como um instrumento heurístico ou seja voltado aos métodos de resolução prática de problemas ou capaz de dar maior apoio à descoberta de fatos e relações pertinentes na realidade estudada 40 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS público à formulação de uma resposta e implementação das medidas que a materializam seguidas do tratamento dos efeitos dessas medidas sobre a realidade social Na verdade existem vários modelos ligeiramente diferentes de cycle além dos que foram discutidos neste capítulo PARSONS 2001 pp 7475 faz uma resenha de sete outros modelos referidos ao ciclo de políticas e utilizaremos uma síntese que incorpora os modelos apresentados por nossa bibliografia básica Mas tenhamos cuidado Desde o início deixamos claro que não se trata de impor um marco rígido Ao contrário qualquer dos modelos de policy cycle não pode ser tomado como um quadro rígido linear ou formal Os modelos são uma sequência de fases ou etapas que apresentadas sucessiva e cronologicamente para fins didáticos podem na prática superporse no tempo retroceder ou mesmo nunca surgirem51 É preciso entender com clareza que como diz a linguagem popular o modelo de policy cycle é uma trilha não um trilho Voltaremos a estas ressalvas mais adiante Por enquanto você pode dedicar o seu tempo a acompanhar a descrição do modelo de ciclo de políticas com a tranquilidade de que está estudando uma ferramenta bastante útil para o nosso objetivo no curso Apresentando o modelo O ciclo de Política Pública é assim sintetizado por Mény Thoenig 1992 p 105 A identificação de um problema o sistema político percebe que um problema exige um tratamento e o inclui na agenda de uma autoridade pública A formulação de soluções as respostas são estudadas elaboradas e negociadas para estabelecer um processo de ação pela autoridade pública A tomada de decisão o decisor público oficialmente competente escolhe uma solução particular que se converte em política legítima A execução do programa uma política é aplicada e administrada em campo52 É a fase executiva O encerramento da ação é produzida uma avaliação de resultados que desemboca no fim da ação empreendida 51 Por exemplo uma política pode desaparecer porque foi formulada enunciada mas jamais se aplicaram os recursos necessários para que seja implementada no mundo real ou então podem ocorrer decisões pessoais de uma determinada autoridade que não tenham sido precedidas de nenhuma atividade abrangente de formulação de soluções 52 Utilizamos as expressões em campo ou de campo para traduzir do espanhol sobre el terreno pela utilização mais frequente ou coloquial ex fazer trabalhos de campo os dados foram apurados em campo 41 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III De forma muito simplificada a ordenação das etapas de um ciclo de políticas pode ser vista como COMPREENDENDO O PROBLEMA COLOCANDO AS SOLUÇÕES EM PRÁTICA DESENVOLVENDO SOLUÇÕES TESTANDO O SUCESSO E FAZENDOO PERDURAR Adaptado de NAO 2001 p 23 Porém já vimos que as diferentes etapas ou fases interferem umas com as outras sem haver uma sucessão linear ou mesmo um sentido único de dependêcia lógica O modelo completo é portanto mais complexo e pode ser entendido mais detalhadamente pelo esquema gráfico dos autores IDENTIFICAÇÃO DE UM PROBLEMA FORMULAÇÃO DE UMA SOLUÇÃO TOMADA DE DECISÃO EXECUÇÃO OU APLICAÇÃO DA AÇÃO AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS E ENCERRAMENTO DEMANDA POR UMA AÇÃO PÚBLICA PROPOSTA DE UMA RESPOSTA POLÍTICA EFETIVA DE AÇÃO IMPACTOS EM CAMPO AÇÃO POLÍTICA OU REAJUSTE RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA POLÍTICA Fonte Adaptação de Mény Thoenig 1992 p 106 Os próximos capítulos representarão cada um uma ampliação e um aprofundamento de cada uma das etapas o que permitirá que o nosso olhar se aplique sistematicamente a cada um desses grandes grupos de atividades cada um reunindo similaridades na relação entre os atores estado dos problemas abordados ações realizadas etc Você enxerga um sentido mais geral no modelo de ciclo de políticas Serão estas as etapas que uma organização ou uma pessoa percorre para resolver problemas complexos que lhes afetam Em que medida o modelo de ciclo de políticas poderia ser estendido para qualquer situação heurística ou seja qualquer situação de resolução de um problema significativo Aqui também a resposta é aberta Aqueles mais familiarizados com a teoria da Administração ou com a Teoria Econômica poderão ver no policy cycle uma versão simplificada de instrumentos de teoria 42 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS da decisão bastante sofisticados e que incorporam recursos matemáticos complexos É possível até que esta opinião seja em parte correta e este é o grande mérito desta abordagem exatamente o que nos faz e à maioria dos autores da área adotálo como ferramenta de ensino e análise Diante da multiplicidade de fatores que intervém numa Política Pública uma certa simplificação analítica é inevitável e mesmo imprescindível é pouco provável que um único modelo por mais sofisticado que seja possa reunir de forma determinista muito precisa automática matematizada toda essa variedade de fatores dado o enorme número de estruturas e modelos disponíveis como instrumentos analíticos precisamos de alguma forma de reduzir essa complexidade a uma forma mais administrável PARSONS 2001 p 80 A resposta de um modelo de análise de Políticas Públicas é portanto tão aberta quanto as questões que temos proposto para reflexão Todas as ressalvas que se fazem a esse modelo como ferramenta heurística53 são em sua medida válidas O modelo é assim um ponto de partida para exploração das Políticas Públicas mas como todo modelo deve ser tratado com cuidado À semelhança de um mapa simplificado por exemplo de um diagrama esquemático das linhas de trem ou metrô de uma cidade ele permite ver com mais clareza os contornos essenciais ao preço de eliminar boa parte da riqueza de detalhes da realidade Portanto o diagrama é uma orientação para uma determinada finalidade heurística deslocarse utilizando o trem ou metrô não é um mapa da cidade Um modelo é como um diagrama Da mesma forma que um diagrama de linhas de trem ou metrô não é um mapa da cidade um modelo simplifica a realidade inclui os traços relevantes para as suas finalidades e exclui todos os demais detalhes 53 Parsons 2001 p 80 compila as principais críticas desse tipo de abordagem que chama de etapista stagist approach ele não dá qualquer explicação causal de como as políticas se movem de um estágio a outro ele não pode ser testado empiricamente ele caracteriza a gestão de políticas como essencialmente de cima para baixo e falha em reconhecer as ações dos atores na vida real a noção de um ciclo de políticas ignora o mundo real da gestão de políticas que envolve múltiplos níveis de governo e ciclos interagindo entre si ele não proporciona uma visão integrada da análise do processo de formulação de políticas e do próprio esforço analítico que é nele empenhado em termos de conhecimento informação pesquisa A análise de Políticas Públicas não ocorre apenas na fase de avaliação 43 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Portanto usamos este modelo como uma ferramenta para auxiliar a organizar nossos estudos para ajudarnos a localizar e navegar dentro de uma rede complexa de fatos Em cada ponto ou estação etapa ou fase nos termos do modelo teremos que utilizar todos os recursos analíticos disponíveis para identificar e interpretar a realidade da formação e aplicação de Políticas Públicas O que faz nascer uma Política Pública O que faz um assunto qualquer se tornar um problema que chame a atenção do poder público 44 CAPÍTULO 2 Nascimento de Políticas Públicas O problema é sempre que batalha queremos ganhar em primeiro lugar O conflito político não é um debate acadêmico no qual os contendores põemse de acordo previamente na definição dos problemas a discutir Na realidade ao contrário a definição das alternativas é o instrumento supremo do poder raramente os antagonistas podem coincidir em relação a quais são as questões em jogo já que na definição já se coloca a questão do poder Aquele que determina qual é a principal preocupação da política governa o país porque a definição das alternativas é a seleção dos conflitos e a seleção dos conflitos atribui poder Que razões eou condições levam uma autoridade pública a atuar ou a não atuar De onde surgem as Políticas Públicas Como se constroem os problemas sociais O papel dos Analistas de Políticas Públicas lembremos é o de tomálas como objeto de estudo e de questionamento Assim a própria necessidade de uma determinada política é um fato histórico o fato de que em algum momento os agentes envolvidos entre os quais as autoridades públicas tenham concluído por adotar determinada medida é um resultado de um processo social concreto ocorrido em determinada circunstância e num tempo histórico bem definido Não podemos perder isso de vista ao raciocinar sobre a política que daí resultou54 Pois bem como nasce a percepção social de um problema capaz de ensejar a adoção de uma Política Pública Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o transforma em um problema de policy55 A pergunta parece muito simples A resposta não é bem assim Ao discutir o assunto temos alguns reflexos condicionados que prejudicam a compreensão integral do tema O primeiro equívoco é o da simples descrição a apresentação de uma lista mais ou menos desconexa de informações genéricas quando e onde ocorrem os acontecimentos quem realizou tal ou qual ato público etc Por exemplo dizer que o ministro tal desenvolveu e lançou o programa tal para atender 54 O modelo apresentado nesta seção segue as linhas gerais do apresentado em Mény Thoenig 1992 pp 105107 complementado pelas extensões e ampliações cujas fontes originais são em cada momento referenciadas 55 WindhoffHéritier Adriene policyAnalyse Eine Einfuhrung Frankfurt am MainNew York Campus 1987 p 68 apud Frey 2001 p 227 45 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III aos pequenos agricultores na safra deste ano significa fazer uma breve apresentação do problema colocar em grandes linhas o contexto histórico e os principais atores mas não basta para explicar a origem da ação pública o porquê dos acontecimentos A descrição isolada é um trabalho admissível para um jornalista que apenas relata fatos selecionados mas não para quem pretenda analisar a Política Pública sob qualquer aspecto Outra fragilidade é o fascínio pela decisão o nascimento de uma Política Pública é assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante dele nasce a identificação de um problema e a definição precisa de suas características e soluções Assim a análise da Política Pública passa a assumir a forma de um estudo do processo decisório qual a psicologia de quem decide que acontecimentos ocorrem no momento em que se fixam as opções que raciocínios conduzem às escolhas Sem dúvida a decisão é um componente importante de todo o processo de formulação da política Ao considerála porém o único fator determinante o risco de erro na verdade a certeza do erro consiste em ocultar os acontecimentos anteriores à decisão especialmente as condições em que nasce um problema até porque a decisão pode ser uma reação aos acontecimentos e as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema Esta superconcentração na decisão é uma tendência notável na descrição de uma política pela autoridade que é responsável por ela sempre que essa autoridade entenda essa política como bem sucedida Caso os resultados desta política não sejam percebidos como favoráveis à autoridade esta tende a descobrir todos os demais fatores que se somaram ao seu próprio processo decisório e levaram a resultados desfavoráveis Já estudamos que existe em cada caso uma policy network de interessados e intervenientes em uma política o fascínio pela decisão ignora essa rede de agentes e reduz o jogo de poder a uma mera decisão interna do agente público Por fim é preciso cuidar do que já se chamou de desvio macrocontextual mecanicista ou sobredeterminismo o analista passa a esforçarse por explicar em que medida uma Política Pública é resultante imediata efeito automático e dependente de causas que provêm de uma outra ordem de coisas as exigências do desenvolvimento socioeconômico ou ideologia dominante a economia internacional ou qualquer outro fator muito maior e mais amplo que a política em questão O erro aí incide em que uma explicação de envergadura tão ampla perde sua capacidade para demonstrar o porquê de tal aspecto e não outro de uma decisão ou de uma política foi escolhido É claro que não se pode perder de vista que existem fatores ou dinâmicas maiores que condicionam fortemente o surgimento e a discussão dos problemas públicos no entanto estas dinâmicas interagem com todos os demais fatores que começamos a estudar interesses do governo interesses de grupos sociais recursos materiais disponíveis regras institucionais natureza mesma concreta dos problemas a resolver por exemplo o grau de controle possível sobre fenômenos de degradação ambiental a dinâmica própria da evolução de uma epidemia como a gripe aviária Mény Thoenig apontam o surgimento das políticas de segurança nas rodovias francesas podese dizer genericamente que a adoção sistemática de medidas de prevenção de acidentes resultou do custo crescente para a coletividade dos acidentes de trânsito e suas vítimas Esta explicação porém não será capaz de dizer o porquê de estas políticas surgiram na década de 1970 e não antes ou por que nelas se privilegiou o controle de velocidade e não a repressão ao alcoolismo no volante ou seja estas análise mais fina não prescinde de uma avaliação das circunstâncias concretas da formação da 46 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS política em questão Outro interessante exemplo da existência de fatores sociais determinantes de algumas conjunturas setoriais mas que não podem ser tidos como condicionantes exclusivos das políticas para esses setores é oferecido pelo contraste de algumas visões sobre a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro problema que suscita ainda enormes polêmicas no âmbito nacional Em 1982 a vitória de Leonel Brizola significou a suspensão da famigerada política do pénaporta que durante a ditadura caracterizava o comportamento policial nos bairros pobres e favelas O pénaporta não foi substituído por uma política alternativa foi simplesmente suspenso Houve esforços de modernização e moralização das corporações policiais sobretudo na Polícia Militar graças à liderança aberta honesta e inteligente de seu comandante geral coronel Carlos Magnos Nazareth Cerqueira No entanto o governo do PDT acreditava que a criminalidade e a violência eram sintomas dos males sociais e econômicos que afligiam a sociedade brasileira E o sintoma não merece atenção Muito menos o investimento de recursos públicos Importante era a educação para reverter as estruturas que provocam direta ou indiretamente os crimes O primeiro governo Brizola foi fiel a suas convicções e se concentrou na execução do projeto de Darcy Ribeiro os CIEPS Centros Integrados de Educação Popular Destaquese a intervenção pioneira da antropóloga Alba Zaluar que já criticava na primeira metade dos anos 1980 esse reducionismo antiquado que as esquerdas teimavam em repetir como se fora um atavismo atribuir o crime à pobreza de forma mecânica e simplista sem levar em conta as mediações culturais entre outras ofende os pobres e não explica por que a maioria da população pobre não comete crimes O que não quer dizer evidentemente que não haja relação entre a exclusão da cidadania a falta de perspectivas de integração social e econômica por um lado e o crescimento da criminalidade sobretudo entre a juventude por outro SOARES 2000 pp 110111 Primeiros passos visões simplificadas do nascimento de uma política pública Algumas visões ou modelos simplificados já foram tentadas em geral vinculadas aos paradigmas clássicos da ciência política sobre o funcionamento do Estado moderno Todas são válidas para a nossa compreensão iluminam de forma estilizada caminhos possíveis para o surgimento de políticas São por assim dizer tipos ideais weberianos descrições estilizadas ou seja selecionando ou enfatizando determinados traços ou aspectos da realidade de processos históricos que de fato ocorrem porém não se encontram na realidade de forma pura Assim cada uma dessas visões simplificadas tem o valor de uma útil sugestão uma possibilidade a ser formulada e testada A primeira é a ascensão democrática representativa neste cenário a fonte das demandas é a base as necessidades percebidas e enunciadas diretamente por cada indivíduo quer como cidadão comum quer como integrante de organização de interesse privado Quando estas necessidades 47 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III enunciadas crescem são objeto de procedimentos manifestações eleições e da atenção e ação de intermediários políticos qualificados lideranças partidárias parlamentares agentes que contam com algum grau de legitimidade de representação dos interesses parciais que pressionam sobre a autoridade pública para que estas demandas sejam atendidas Como o conjunto de demandas é certamente maior que as possibilidades materiais de intervenção o conjunto de intermediários engajase em negociações que permitam um consenso sobre a divisão da ação pública para o atendimento parcial de um subconjunto de todas as demandas formuladas Numa sofisticação desse modelo se os intermediários não bastam a autoridade pública pode recorrer a meios diretos de sondagem das demandas de cidadãos pesquisas de mercado estudos qualitativos etc Em qualquer caso as necessidades sobem e a autoridade pública está à sua escuta MÉNY THOENIG 1992 p 111 Uma apresentação bastante sugestiva desta visão é dada pela figura a seguir Esta primeira visão é sem dúvida relevante e significativamente próxima à ideia de que se faz do funcionamento de uma democracia conseguindo mostrar a grande massa de interações e pressões entre grupos que movem a política No entanto peca por uma ingenuidade fundamental pressupõe que o sistema político em geral tanto intermediários quanto autoridades públicas não tem projetos ou interesses próprios aplicase tão somente em captar demandas transmitilas e respondêlas diretamente A democracia assim seria absolutamente consensual e transparente Também não leva em conta mesmo admitindose todos os seus pressupostos a possibilidade de deficiências de transmissão da informação a população sente uma necessidade A que a autoridade pública interpreta como um problema de tipo B ao que dará uma solução que seria conveniente em uma situação C também distinta de cada uma das anteriores Visão da ascensão democrática representativa AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO INTERMEDIÁRIOS POPULAÇÃO AS NECESSIDADES CONDICIONAM A OFERTA REPRESENTAÇÃO CONSENSO EXPRESSO Em sentido diametralmente oposto impulsionada pelos movimentos de reforma do Estado reinvenção do governo Estado modesto e modas similares surge a visão da tirania da oferta Seriam sob este ponto de vista as autoridades públicas que modelariam as necessidades 48 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS a oferta governamental de bens e serviços públicos estrutura e condiciona as necessidades de ação pública que a população sente O cidadão assim quer aquilo que lhe é dado e não quer aquilo que lhe é negado Isto pode passar porque os administrados podem ser persuadidos pelos agentes políticos em sua interpretação do que são aspirações legítimas confundindo as suas aspirações com os bens e serviços que os dirigentes públicos podem oferecerlhes Podem também ser diretamente manipulados ou enganados pelos governantes em particular mediante o uso intenso e inescrupuloso dos meios de comunicação passando a acreditar irrestritamente nas informações e juízos de valor que transmitam as autoridades acerca dos problemas públicos e das questões que não o sejam Nesta visão não existem intermediários sendo os agentes distribuídos entre aqueles com poder político em função da inserção como autoridades e aqueles a quem a ação pública se dirige Em uma quase inversão na prática do diagrama anterior poderíamos representar graficamente esta perspectiva observe a seguir Visão da tirania da oferta AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO POPULAÇÃO A OFERTA CONDICIONA AS NECESSIDADES Ainda que se choque com a visão mais disseminada do sistema democrático alguns traços desta visão são bastante claros para nós brasileiros A história brasileira registra de forma marcante a formação de uma modalidade de clientelismo com fortíssimo impacto sobre a estrutura política e presença ainda muito forte nas relações entre o Estado nacional e a sociedade56 As relações políticas do tipo clientelista são um tipo de relação social marcada pela vinculação pessoal de lealdades e troca de favores entre lideranças locais e um conjunto de pessoas subordinadas clientes57 no qual estes líderes tendo acesso a recursos externos de poder mediante uso de verbas públicas e influência sobre os poderes governamentais entabulam com os clientes relações de troca de favores concedidos a partir desses recursos de poder dinheiro facilidades nos benefícios públicos por prestações pessoais dos clientes dentro das instituições de democracia formal principalmente através do direcionamento do voto Ora a característica essencial da relação clientelística é a 56 Já tornouse um clássico o termo coronelismo para descrever as características específicas desse tipo de clientelismo no Brasil rural a partir da obra clássica de Leal 1975 desdobrandose em várias outras formas decorrentes da urbanização e industrialização tardia As referências ao clientelismo no Brasil nesta seção estão baseadas em Nunes 1999 pp 2629 57 Naturalmente o termo clientes aqui tem um significado específico denotando aqueles que se relacionam de forma subordinada a determinada liderança patron na troca específica do clientelismo 49 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III desigualdade os termos de troca são fixados essencialmente pelo líder dos quais dependem os clientes Sendo os líderes coronéis da política latifundiários prefeitos de pequenas cidades pauperizadas chefes de máquinas sindicais e toda uma coleção de agentes típicos da sociologia política nacional os interlocutores em nome do Estado frente aos cidadãos58 a provisão de bens e serviços públicos mediada pelo clientelismo termina por apresentar um forte componente de tirania da oferta Outra percepção bastante sutil é denominada a ilusão natalista Dizer que uma Política Pública nasce requer cuidados especiais uma ação pública não surge necessariamente do vazio por simples efeito de ofertas e demandas do governo e dos cidadãos São possíveis outros cenários Uma ação pública pode nascer porque uma Política Pública já existente durante sua execução ou mesmo já terminada levanta dificuldades encontra obstáculos modifica situações que levam o poder público a intervir sobre outro aspecto de outra forma sobre efeitos comuns ou compartilhados As Políticas Públicas em grande medida alimentamse entre si em grande medida Uma política de incentivos fiscais ou doação de terrenos para industrialização por exemplo tem quase certamente reflexos na política ambiental devendo gerar a necessidade seja de uma intensificação simultânea nos controles de licenciamento com efeitos cruzados e à vezes opostos entre elas seja de posterior intervenção corretiva para recuperação de áreas degradadas A visão dos efeitos cruzados entre políticas matizando e qualificando a noção de nascimento de uma Política Pública gera uma representação visual mais simplificada Visão da ilusão natalista POLÍTICA PÚBLICA A POLÍTICA PÚBLICA B POLÍTICA PÚBLICA C TEMPO 58 O patron é o ator que tem contato com o mundo exterior e tem comando sobre recursos políticos externos O patron tem recursos internos e externos à comunidade dos quais dependem os clientes NUNES 1999 p 27 50 CAPÍTULO 3 Agenda Conceito Todas as visões apresentadas anteriormente são possíveis são sugestões válidas Cabe ao analista de cada política identificar qual ou quais dos processos acima apresentados terá ocorrido na circunstância concreta que está examinando Para isso alguns instrumentos conceituais são muito úteis O primeiro conceito é o de agenda Pode ser abordada inicialmente como o conjunto dos problemas que provocam um debate público incluindo a intervenção ativa das autoridades públicas Repare uma agenda não é um programa eleitoral este é uma lista de problemas propostos ao debate público organizados por uma facção ou segmento político como forma de chamar a atenção de um público eleitoral parlamentar para os temas de seu interesse Nem mesmo é um programa administrativo governamental este é um instrumento de ordenação interna de problemas ou questões elaborado por uma autoridade pública para seu próprio uso Portanto a agenda não é unilateral seu conjunto de problemas é aquele que atrai a controvérsia pública dependendo portanto de múltiplos atores governo parlamento mídia partidos organizações privadas Os assuntos que compõem a agenda que variam com o tempo são os que exigem a intervenção da autoridade pública o que significa também que nem todos os problemas podem estar contidos ao mesmo tempo na agenda da mesma esfera de poder Ao contrário colocar na agenda um determinado assunto aparece como um momentochave na sociedade política É útil a distinção entre Agenda Institucional e Agenda Conjuntural ou Sistêmica A primeira reúne os problemas que dependem fundamentalmente e por consenso de uma autoridade pública podemos fazer uma analogia com o conceito jurídicoadministrativo de competência de uma determinada autoridade São aqueles problemas ou assuntos que de modo mais ou menos pacífico são atribuídos auma determinada autoridade A Constituição de um Estado nacional ou as leis que criam e definem uma entidade administrativa contém uma enumeração bastante precisa dos problemas que tais entes devem enfrentar com frequência definindo até a forma em que tais problemas devam ser suscitados debatidos e enfrentados O exemplo clássico é o orçamento de um governo é periódico na quase totalidade dos casos anual automático em grande medida padronizado ano após ano Nesta agenda poucas surpresas ou variações existem na forma com que os problemas são trazidos à controvérsia Já a agenda conjuntural ou sistêmica recolhe os problemas que não se encontram na competência costumeira ou formalizada da autoridade pública mas que em uma determinada conjuntura social suscitam um interesse ou uma controvérsia tais que fazem com que a intervenção pública seja demandada O exemplo mais tradicional deste tipo de agenda são os problemas relativos ao direito à vida controle da natalidade reprodução assistida interrupção da gravidez Em princípio restritos 51 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III à vida privada a evolução social trouxe consigo mudanças tão grandes e tão polêmicas que tais temas foram trazidos ao primeiro plano da discussão exigindose do poder público que se posicione ou intervenha de maneira extensa para abordálos e regulálos O aparecimento dos problemas nesse tipo de agenda assim é muito mais imprevisível dependendo mais da ação de grupos sociais externos ao Estado e obedecendo a caminhos muito mais variados Em que pese as diferenças há uma estrutura comum em todos os tipos mencionados de agenda que representam da mesma forma que as visões de surgimento de problemas que vimos acima tipos ideais frequentemente mesclandose de forma tão intensa que a fronteira entre ambas perde nitidez O que definitivamente caracteriza e individualiza a agenda é o grau de consenso ou ao contrário de conflito que o problema considerado suscita Evidentemente nenhum assunto na agenda consegue reunir consenso total ou unânime nem gerar conflito total ou irredutível o grau de consenso conflito de um assunto está inserido num continuum que vai de menor a maior conflitividade Verificado um determinado grau de controvérsia acerca de um assunto verificase a oportunidade para que a autoridade pública intervenha ou não na questão Quando dizemos conflito tratase do clássico confronto de interesses materiais ou de privilégios sociais ou de influência política no entanto também existe o conflito de natureza normativa ou cognitiva Este último representa diferenças entre as representações dos fenômenos o sentido e o significado que se dá aos dados brutos aos fatos variando entre grupos e ao longo do tempo O exemplo clássico de conflito cognitivo na formação de agenda é o do sentido dado às estatísticas sobre desemprego quando é que o número de desempregados é considerado insustentável e exige uma intervenção pública A taxa de desocupação estimada pelo IBGE para o Brasil em janeiro de 2007 era de 93 59 o que não pareceu suscitar qualquer grande controvérsia Por outro lado uma taxa desta natureza chegaria a provocar escândalo em países como Irlanda desemprego em 44 para o mesmo período Coreia do Sul 32 Japão 40 ou Holanda 3660 Os limites da tolerabilidade de uma situação ou o grau de conflito que suscita são uma construção social cujo sentido varia segundo cada conjuntura histórica de cada país Personagens da agenda Diante um conflito como os que compõem a agenda de uma determinada autoridade ninguém é igual aos demais Essa afirmação poderia parecer uma banalidade no entanto é relevante ao nosso estudo atentar para uma dimensão especial dessa desigualdade a capacidade de mobilização perante cada um dos problemas61 Neste sentido existem dois tipos de personagens na formação das agendas Os atores propriamente ditos são os que se mobilizam social e politicamente fazendo uso de todos os recursos políticos em geral partidos associações de 59 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Pesquisa Mensal de EmpregoQuadro sintético disponível em http wwwibgegovbrhomeestatisticaindicadorestrabalhoerendimentopmenovaquadrosintetico012007pdf acesso em 11032007 60 Para todos os países dados da OCDE OECD Statistics Standardized Unnemployment Rates disponível em httpstats oecdorgWBOSDefaultaspxQueryName251QueryTypeView acesso em 11032007 De fato a média dos países da OCDE alcança tão somente 58 como taxa de desemprego 61 Esta diferenciação foi introduzida por Cobb R Elder CD Participation in American politics the dyamics of agendabuilding Boston Allymand Bacon 1972 apud MÉNY THOENIG 1992 p 126 52 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS interesse em cada tema movimentos sociais organizados agem como atores em relação às questões de seu interesse A fixação do saláriomínimo no Brasil por exemplo mobiliza diretamente como atores o governo as organizações associativas de nível nacional dos assalariados e dos empresários e outros com interesse direto como outros tipos de empregadores como Estados e Municípios Dentro desse grupo é possível ainda fazer uma distinção entre atores de identificação aqueles que são os mais ativos e promovem diretamente a discussão e as reivindicações sobre o tema atores de atenção aqueles que com menor grau de interesse e atividade apenas observam atentamente o desenrolar da discussão para intervir apenas em situações específicas em que um seu interesse pontual possa ser afetado Os atores públicos aqueles que por diversas razões não apresentam mobilização capaz de influenciar diretamente o desenvolver da discussão um determinado público não é um agregado indistinto de pessoas são aqueles que são afetados pelo assunto em discussão mas não apresentam capacidade de intervenção imediata no entanto podem ter reflexos mediatos ou indiretos por exemplo a capacidade de mobilização imediata do conjunto de aposentados é pequena mas uma política previdenciária que não leve em consideração esse público numeroso certamente terá reflexos eleitorais num futuro um pouco mais longo Este esforço de diferenciação dos envolvidos ainda que apresente naturais insuficiências permite romper com a divisão tradicional entre políticos os que fazem política profissionalmente e público todos os demais que apenas emitem opiniões há muito mais envolvidos em uma Política Pública que apenas os políticos profissionais Insistiremos nessa multiplicidade de personagens por meio de um estudo mais extenso de um caso que aparentemente representaria uma política de alto conteúdo técnico e pequena diversificação de agentes a política de telecomunicações na década 19902000 na Espanha período no qual aquele país saiu de um regime de monopólio estatal para um sistema de concessões privadas completamente alinhado aos padrões liberalizantes e uniformes da União Europeia62 Em conjunto durante a primeira metade dos anos 1990 o setor das telecomunicações na Espanha produziu políticas originais de caráter regulatório e ao mesmo tempo gerou a incorporação aos cenários do setor de uma multidão de novos atores interessados em participar de algum modo na discussão sobre as novas opções políticas e empresariais que se abrem A rapidez da liberalização assim como a intensidade de um certo protecionismo efetivo foram os dois eixos que tentativamente articularam as posições dos atores no setor ainda que em um contexto fluido com contínuos reposicionamentos dadas as sucessivas mudanças normativas as novas possibilidades tecnológicas e o próprio aprendizado dos 62 Compañía Telefónica de España o antigo operador monopolista estatal que privatizado nos anos 1990 assumiu a dianteira no novo perfil empresarial do setor de telecomunicações terminando a década como controlador de inúmeras concessionárias privatizadas de telecomunicações na América Latina inclusive no Brasil 53 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III atores que se iam introduzindo no setor Empresas de serviços transportes elétricas etc bancos associações de profissionais grupos de comunicação multinacionais associações empresariais Administrações locais e regionais etc configuram boa parte desses atore que pugnam por estar presentes no setor ao mesmo tempo em que desenvolvem rápidos processos de aprendizado e de reformulação de interesses e identidades Este processo de entrada constante de novos atores gerou as consequentes tensões de reconhecimento e aceitação por parte dos atores tradicionais já instalados nos âmbitoschave do setor Neste sentido a existência do Conselho Assessor das Telecomunicações constituiu um dos canais de reconhecimento ainda que não o único dos novos atores que desejavam participar no setor A função deste órgão consultivo do governo indica uma interessante pista sobre a natureza dominante do Estado no setor onde os atores comparecem para conseguir informação contatos e introduzir seus pontos de vista diante tomadores de decisão que com suas próprias tensões internas têm capacidade suficiente para seguir seu rumo sem realizar negociações reais com essa variedade de novos atores O papel das associações de usuários também foi bastante destacado As associações de consumidores tiveram escassa presença e só intervieram muito pontualmente em temas relacionados com os aumentos de tarifas telefônicas mas os usuários empresariais constituíramse em um elemento muito destacado na ativação do setor Constituída já deste 1987 por representantes de grandes empresas industriais e de serviços a Associação de Usuários de Telecomunicações AUTEL configurou se ao longo desses anos como uma ativa organização que articulava posições liberalizadoras em linha com a política comunitária da Comunidade Europeia e tinha como objetivo conseguir melhores serviços e custos mais reduzidos nas comunicações de suas empresas O perfil das políticas industriais relacionadas com as novas tecnologias foi bastante baixo nos últimos anos apesar de alguma insistência entre os empresários do setor CASTELLS 1995 No entanto no início dos anos 1990 voltaram a crescer as exportações devido à utilização da Espanha como plataforma de produção para a exportação por parte de várias importantes multinacionais devido ao efeito que implicavam as atividades da Telefónica9 na América Latina Conscientes da dureza da competição industrial e da existência de sofisticados mecanismos de proteção dissimulados e de pouca visibilidade a indústria produtiva implantada na Espanha tentou evitar o dilema nacionalmultinacional Assinalando precisamente a inexistência de uma política efetiva nos primeiros anos noventa os empresários de equipamentos de telecomunicações pediram insistentemente nos últimos anos ma política industrial articulada em torno da maximização do valor agregado nacional entendido em seu sentido mais amplo contribuição ao emprego à balança de pagamentos via exportações à inovação tecnológica por meio de investimentos em PD CANALEJO 1994 p 56 e criticaram as políticas macroeconômicas orientadas a reduzir custos de fatores como os salários enquanto abandonavam as 54 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS intervenções de caráter microeconômico que podem influir na demanda industrial e na geração de habilidades tecnológicas GOMÀ SUBIRATS 1998 pp 287289 Naturalmente cada incorporação de um novo tema à agenda tem uma distribuição específica de atores e públicos e são numerosos os exemplos que mostram os profissionais da política totalmente ultrapassados no protagonismo como atores pelas organizações ou movimentos sociais organizados O exemplo mais recente e mais dramático dessa situação extrema é próximo ao Brasil a violenta crise social com raízes na política econômica que afetou a sociedade argentina nos últimos meses de 2001 Neste momento histórico o processo de introdução de temas à atenção institucional e de defesa de posições sobre problemas públicos tais como o desemprego e o tratamento de poupanças no âmbito do sistema financeiro desbordaram o procedimento institucional habitual sendo pressionados diretamente pela ação de grupos organizados de fora do sistema político A desvalorização cambial e a pesificação63 da economia levou a classe média horrorizada porque perdia suas poupanças em dólares a reunirse de forma inédita em assembleias de vizinhança e para mobilizarse contra os bancos Destroçaram as fachadas os caixas automáticos e atacaram as residências de numerosos políticos a quem culpavam de todos os males do país Durante os primeiros meses de 2002 milhares de cidadãos em sua maioria de classe média autoconvocaramse em praças de bairro e começaram a debater a partir da palavra de ordem Que se vão todos A assembleia foi adotada como forma de discussão direta para resolver todos os problemas e como oposição aos partidos políticos tradicionais SILLETA 2005 p 93 Esta intolerância generalizada da sociedade com seus dirigentes foi a antessala da crise institucional política e de representatividade que sobreveio depois da queda de De la Rúa e que esvaziava permanentemente de legitimidade qualquer decisão que se tomasse desde o ponto mais alto do sistema político Assembleias de vizinhança autoconstituídas e o famoso grito que se vão todos faziam titubear por alguns momentos a democracia argentina tal como era conhecida até então e aumentavam as possibilidades de uma escalada de violência social que pudesse terminar em períodos de anarquia no melhor dos casos ou de manu militari no pior DÍEZ 2003 p 65 Qual será então o percurso de um problema em mãos dos atores e públicos a ele vinculados até receber seu lugar na agenda Nascimento dos problemas As necessidades de ação pública sejam fáceis ou difíceis de enunciar em cada caso evidentemente existem e vêm de várias fontes tornando extremamente desafiadora a tarefa da autoridade pública a identificálas Vejamos de forma gráfica algumas das possíveis origens de necessidades de ação 63 Pesificação foi o nome atribuído ao processo de conversão dos ativos e passivos financeiros denominados em dólares no sistema financeiro argentino para outros ativos e passivos denominados em pesos inconversíveis levada a efeito com o colapso da paridade cambial fixa naquele país em dezembro de 2001 e janeiro de 2002 55 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III pública que se manifestam desde dentro e desde fora da instituição governamental em algumas delas esta localização chega a ser imprecisa COMPROMISSOS CONTIDOS NOS PROGRAMAS ELEITORAIS PARLAMENTARES E COMISSSÕES DO PODER LEGISLATIVO AVANÇOS TECNOLÓGICOS EX A DISSEMINAÇÃO DA INTERNET E AS OPORTUNIDADES DE OFERECER SERVIÇOS ONLINE DECISÕES JUDICIAIS EX IMPONDO UMA DETERMINADA PRESTAÇÃO ESTATAL MANIFESTAÇÕES E LOBBY DE GRUPOS ORGANIZADOS EX ASSOCIAÇÕES DE DEFESA AMBIENTAL SINDICATOS MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS DE CIDADÃOS DIRETAMENTE AO GOVERNO AOS PARLAMENTARES OU VEICULADAS PELA MÍDIA ORGANISMOS INTERNACIONAIS EX AS REGRAS FIXADAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL IDEIAS OU PROJETOS PRÓPRIOS DAS AUTORIDADES TRANSFERÊNCIAS DE COMPETÊNCIAS EX A DESCENTRALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR UMA DETERMINADA ÁREA DE POLÍTICA A UM GOVERNO LOCAL EFEITOS CRUZADOS DE OUTRAS POLÍTICAS EX CONSTRUÇÃO DE SANEAMENTO URBANO REDUZ INCIDÊNCIA DE PROBLEMAS DE SAÚDE ANÁLISE DE TENDÊNCIAS DE RECEITAS E DESPESAS EX ELEVAÇÕES CONTÍNUAS DE CUSTOS REVISÃO POR NÃO SEREM SUSTENTÁVEIS TRATADOS INTERNACIONAIS EX POLÍTICAS AMBIENTAIS EM FUNÇÃO DO PROTOCOLO DE KIOTO Surgidas de Fora da Instituição Governamental Surgidas de Dentro da Instituição Governamental POSSÍVEIS ORIGENS DA NECESSIDADE DE UMA POLÍTICA REVISÕES OU AVALIAÇÕES DAS POLÍTICAS PREEXISTENTES EVENTOS EXTERNOS EX UMA CRISE FINANCEIRA MUNDIAL OU UMA EPIDEMIA Fonte adaptado de NAO 2001 p 39 No entanto venham de onde vierem os fatos objetivos que lhe derem origem a existência como tal de um problema social no sentido que vimos utilizando ou seja um problema reconhecido como tal dentro da sociedade que legitime a intervenção pública aos olhos de segmentos relevantes dessa sociedade procede de duas fontes possíveis as carências objetivas dessa sociedade sobretudo a decisão subjetiva daqueles que em nome da sociedade classificam um certo fenômeno como problema social 56 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Fica evidente portanto que as necessidades nesse âmbito não se definem nem se enunciam com clareza Para uma empresa privada uma necessidade social é tudo aquilo que a empresa pode produzir em bens e serviços e vender no mercado com lucro Um serviço público não tem essa facilidade de definição Muitos substitutos podem ser tentados a definição expressa ou formal por parte de terceiros uma lei específica ou padrões técnicos que substituam o consumidor a partir de um ponto de vista estritamente normativo o caso mais típico é o dos serviços cuja provisão ou disponibilidade seja expressa e claramente determinada por uma lei a necessidade expressa por atos concretos daqueles que seriam os potenciais destinatários dos serviços em um exemplo tristemente comum quando a população de um bairro periférico paga os serviços de transporte clandestino ou irregular expressa por meio de um ato de consumo a necessidade de uma prestação regular do serviço público de transporte a necessidade como tal enunciada pela população mediante manifestações de toda natureza abaixoassinados manifestações de rua pedidos individuais às autoridades situação que muitas vezes gera uma enunciação imprecisa e traz a necessidade de que especialistas intermediários políticos ou as autoridades responsáveis interpretem o desejo latente por detrás da manifestação quanto a este tipo de percepção é preciso extremo cuidado os consumidores ou o público em geral falam pouco por sua vez muitos atores sociais pressurosos vêm falar em seu nome intermediários políticos líderes de grupos organizados e a própria autoridade pública envolvida a necessidade comparativa que emerge do esforço de comparação entre duas ou mais situações sociais ou geográficas em termos de serviços prestados Sintetizando este ponto por meio da definição ilustrativa de Parsons 2001 p 87 existem assuntos issues que podem ou não transformarse em problemas problems a existência de pessoas dormindo nas ruas é um assunto um dado social que em determinadas circunstâncias pode ser considerada um problema de desamparo social a clamar pelo acolhimento dessas pessoas Podese inclusive chegar a um alto grau de consenso sobre o assunto existem pessoas dormindo nas ruas sem que isso implique concordância sobre qual é exatamente o problema neste exemplo falta de oportunidades econômicas versus falta de responsabilidade dos próprios envolvidos É bastante ingênua portanto a hipótese de que os fatos falam por si mesmos ao contrário são atores e públicos que falam em nome dos fatos Neste sentido a inserção de um problema social na agenda é também uma construção cultural um fato que obedece a uma estrutura cognitiva e moral na medida em que representa a consolidação em segmentos significativos de crenças sobre as situações e os acontecimentos que serão vistos como problemas Esta dimensão cognitiva do conflito tem várias faces 57 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO PROBLEMA ESTE FATO SOCIAL É REALMENTE UM PROBLEMA E REQUER MUDANÇAS AS CAUSAS O ACONTECIMENTO A É A CAUSA DO ACONTECIMENTO B AS RESPOSTAS QUE FAZER DIANTE DO PROBLEMA AS RESPONSABILIDADES QUEM DEVE AGIR EM RESPOSTA AO PROBLEMA Um problema público assim é socialmente assumido tal ou qual segmento da sociedade se responsabiliza por ele na medida em que põe recursos para promover a intervenção pública sobre ele para exigir ao poder público que faça algo a respeito A formulação do problema pode afetar tanto os interesses diretos desses segmentos quanto em alguns casos mobilizar posições de princípios e valores o exemplo já mencionado das discussões sobre direitos reprodutivos é talvez o caso mais típico dessa dupla mobilização Mény Thoenig 1992 p 120 mencionam um caso sui generis da realidade americana mas que deixa a questão bastante clara Gusfield toma como exemplo a este respeito o problema da homossexualidade nos Estados Unidos Os psiquiatras foram seus proprietários ou seja a autoridade a que recorriam os outros grupos para obter uma definição e soluções com o que a homossexualidade se viu psiquiatrizada como problema público Pode ocorrer não obstante que um grupo perca seu estatuto de propriedade a favor de outras instituições ou meios O problema público tem todas as possibilidades de verse redefinido em sua estrutura cognitiva e moral Desta maneira a homossexualidade se converteu em uma iniciativa cívica em mãos de grupos que lutavam pela igualdade de direitos para as minorias Ou seja um mesmo fato social é entendido em momentos históricos distintos ora como um problema de saúde pública ora como um indicador de outro problema diferente a necessidade de ampliação do reconhecimento de direitos civis Desta forma o mesmo fato pode constar na agenda sob os mais distintos enfoques Também no mesmo tempo histórico o conflito não é estático os 58 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS atores iniciais que suscitam um determinado problema podem atrair a atenção deliberadamente ou não de outros atores e públicos na medida em que levam adiante suas estratégias Isso decorre por certo do caráter aberto ou insuscetível de definição inequívoca dos problemas dessa natureza o que fica evidente quando são comparados a problemas do mundo físico ou natural que permitem uma enunciação imensamente mais precisa64 Em outros termos os problemas de Políticas Públicas por melhor que se lhes consiga formular são sempre típicos daqueles que Matus 1989 pp 107108 denomina de problemas quase estruturados são condicionados por regras mas as regras não são inequívocas nem invariáveis nem iguais para todos já que os homens criam as regars e às vezes as mudam para solucionar os próprios problemas são problemas nos quais o homem está dentro e a partir desta posição é que o conhece e explica o sistema em que está inserido o problema tem continuidade a solução de um problema gera outros problemas conexos e a eficácia de uma solução é discutível ou relativa aos novos problemas que emergem65 Como consequência do caráter cognitivo de boa parte dos conflitos em torno da inserção de problemas na agenda boa parte dele desenrolase no terreno simbólico ou seja no universo dos valores e normas emocionalmente mobilizadoras Os empresários sabem muito bem apelar para o interesse geral do país o futuro da economia nacional e a geração de empregos quando o tema em questão é a concessão de subsídios estatais a determinado segmento empresarial Inversamente um governo desinteressado na prestação de um determinado serviço que não interessa aos seus interesses eleitorais pode justificar a supressão do mesmo com base na eficiência no uso do dinheiro do contribuinte Estas estratégias porém não devem ser desqualificadas como simples demagogia ou mera racionalização de interesses inconfessáveis Tratase de uma estratégia de formação de alianças com públicos mais amplos quanto mais se transforme o tratamento de um problema em uma visão emocional e simplificada mais amplo tende a ser o interesse que suscita na cidadania por exemplo a existência objetivamente documentada de corrupção policial e judicial por mais graves que sejam suas consequências mobiliza a oposição de muito menos pessoas que as tragédias individuais ocasionadas pela disseminação da criminalidade violenta que é uma de suas consequências Naturalmente o sucesso desse tipo de estratégia de natureza retórica dependerá da habilidade dos atores que a adotem em associar o problema a valores ou emoções que encontrem forte ressonância para os públicos que desejam influenciar Neste sentido os meios de informação e comunicação de massa desempenham um papel absolutamente essencial na associação do problema a uma dimensão emocional relevante na medida em que são a chave por excelência para o acesso a essa dimensão nos segmentos majoritários da população O convencimento pelo apelo à retórica aliás não é um desvio da esfera públicopolítica nas palavras já clássicas de Arida 2003 p 34 o próprio debate científico sobre os temas de economia e sociedade é conduzido pelo poder de aliança com os públicos relevantes Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não porque uma das teses foi falsificada mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento Controvérsias se 64 Repare que dizemos mais precisa em termos comparativos Não se deve afirmar a objetividade absoluta dos problemas das ciências naturais qualquer cientista reagiria vigorosamente a isso mas simplesmente a diferença significativa do grau de precisão descritiva que podem atingir em comparação com os problemas da vida social 65 A descrição do conceito de quaseestruturado aqui é feita de modo apenas ilustrativo com os traços principais desse conceito que é abordado em profundidade em Matus 1989 pp 107108 59 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III resolvem retoricamente ganha quem tem maior poder de convencer quem torna suas ideias mais plausíveis quem é capaz de formar consenso em torno de si Acesso à agenda De tudo o que estudamos até agora percebese que o acesso à agenda não é livre nem neutro O controle do acesso de um problema à agenda de discussão pública é um recurso político decisivo para quem o detém num parlamento determinadas posições de liderança institucional presidência ou secretarias são particularmente disputadas pois permitem selecionar os projetos e proposições que serão trazidos à consideração do colegiado parlamentar Nem é preciso lembrar do enorme poder da imprensa de colocar qualquer tema na ordem do dia do interesse popular ou ao contrário silenciar qualquer tema de suas páginas ou emissões neste sentido a mídia é indiscutivelmente o maior fator de controle de acesso à agenda pública nas sociedades ocidentais modernas Mas podemos perguntar Qualquer assunto pode virar tema da agenda governamental Quais os critérios ou condições que permitem que um determinado assunto faça parte da agenda governamental O problema deve ser responsabilidade de autoridade pública Primeiro o problema deve ser responsabilidade de alguma autoridade pública Responsabilidade aqui é entendida não no rigoroso sentido jurídico de Competência atribuições privativas do ente estatal e expressas em alguma lei mas com um maior grau de flexibilidade que permita inclusive a inclusão de temas na responsabilidade da autoridade considerada Em outras palavras a formação da agenda é também um processo social permanente de atribuição ou cassação de tarefas ou responsabilidades às diferentes autoridades públicas a formalização jurídica das atribuições de entidades não faz mais que traduzir mais ou menos adequadamente as pressões políticas Tomemos exemplos a manutenção da ordem mediante a repressão à criminalidade é inegavelmente responsabilidade e competência jurídica dos entes estatais não há dúvida a este respeito Outros temas são mais polêmicos tendo suscitado historicamente muitas controvérsias legislar em matéria de reprodução humana reprodução assistida interrupção da gravidez célulastronco gerou e ainda gera muita polêmica sobre quais são os limites entre o espaço da autonomia privada e aquele no qual deveria o Estado intervir de qualquer forma Todas as discussões sobre desregulamentação estatal na economia são de uma forma ou de outra No outro extremo dificilmente se conceberia numa democracia moderna a intervenção governamental para modificar a forma de jogo da seleção nacional de futebol por exemplo66 66 O exemplo não é casual as discussões protagonizadas por João Saldanha como técnico da seleção brasileira de futebol em 1969 em torno da escalação do time são recordadas como exemplo quase caricato da ausência de democracia no País 60 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Neste ponto é preciso cuidado com o que significa entrar na agenda temos o impulso intuitivo de associar a atenção da autoridade governamental à realização de atividades para solução concreta do problema nas crônicas políticas e biográficas são muito comuns as afirmações deste tipo Havíamos praticamente ocupado todo o espaço a que nos habilitara a lei que criara a SUDENE Surgira uma nova mentalidade na região Criarase um clima de confiança no governo Se um problema era entregue à SUDENE ninguém duvidava de que alguma solução seria encontrada67 FURTADO 1986 p 174 Mas isto não é sempre verdade a atenção e escuta governamental não significa que a autoridade pública vá agir A atenção pode desembocar em inação e por distintas razões o simples fato de prestar atenção e fazer declarações à imprensa para declarar que se ocupará do problema pode ser considerado politicamente significativo Não faltam exemplos ilustrativos Assim na campanha eleitoral de 1994 quando disputou a prefeitura do Rio pelo PFL César Maia tratou de se credenciar como o representante da direita como o candidato da lei e da ordem Apesar de segurança pública ser um tema afeito ao governo do estado e não à prefeitura ao longo da campanha Maia fez sucessivas promessas ligadas ao tema promessas que ele próprio sabia que jamais poderia cumprir por não serem da alçada de um prefeito Mas se aproveitava da ignorância de alguns e da preocupação crescente de muitos em relação à questão Depois como prefeito já que não poderia mesmo fazer nada de significativo pela segurança pública usou a única forma de que dispunha para seguir empunhando a bandeira abriu polêmica sobre o assunto BENJAMIM 1998 pp 7980 Na realidade as respostas que pode dar a autoridade pública ainda na etapa de formação de agenda são muito variadas O centroavante era esse mas o técnico era o João Saldanha O João Saldanha era o técnico quando lá no estádio do Internacional no intervalo do primeiro para o segundo tempo a imprensa conseguiu o milagre de chegar perto do Presidente o que era uma coisa impossível mas o Médici gostava de futebol e perguntou Presidente o que o senhor acha do time Está bom O senhor faria alguma convocação diferente O Presidente com certa elegância disse Eu convocaria o Dadá Aí os repórteres foram ao João Saldanha o técnico e disseram João Saldanha o Presidente terminou de dizer que se o técnico fosse ele ele convocaria o Dada E João Saldanha respondeu Fiz um trato com o Presidente eu não me meto no Ministério dele e ele não se mete na escalação do Brasil Mas logo logo demitiramno SIMON 2006 p 216 Sobre a existência do episódio há controvérsias históricas Nela eu repetia coisas que ouvira e lera desde que me entendia por gente ou seja desde a Copa de 70 João Saldanha deixara de ser técnico do escrete por se recusar a convocar o centroavante Dario xodó do generalpresidente Médici Zagalo então com apenas um éle assumira em seu lugar e convocara Dario no entanto não ousara mexer no time de feras do João Sem Medo Lembrava isso para criticar o defensivismo da seleção da qual Zagalo era o coordenador técnico Evandro apresentava outra história Saldanha caíra porque a seleção não estava rendendo bem e ainda por cima o técnico implicava com Pelé a quem considerava meio cegueta Segundo ele Médici era até favorável à permanência de Saldanha Contava isso com irrefutáveis veemência e riqueza de detalhes num retrato que não endossava a imagem do herói solitário DAPIEVE 2001 Mas o próprio fato de ocorrer a controvérsia é significativo a possibilidade de intervenção estatal nesse tema específico desperta uma tal rejeição que é considerada indicador de autoritarismo político 67 Percebase que Furtado aponta que a situação relatada é específica resultante do intenso processo histórico de construção de uma política regional que descreve 61 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Algumas são francamente negativas Pode tentar rechaçar recusar a entrada em discussão de algum problema que tenha sido trazido o debate público Pode escolher também atuar contra o problema bloqueálo desativálo transformálo em assunto de pilhéria muitas vezes a iniciativa da oposição parlamentar de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito CPIs recebe tais respostas por parte da maioria legislativa que apoia o Executivo de turno Mais indiretamente a ação governamental pode tentar atacar o problema por meio da ação direta sobre os atores envolvidos desacreditandoos buscando contornar sua intermediação e dirigirse diretamente aos públicos relevantes cultivando rivalidades entre eles buscando cooptálos por meio de vantagens diretas ou indiretas de variada natureza esta cooptação pode ser de natureza ilícita mas não necessariamente o será em todos os casos68 Todo esse leque de não respostas que tendemos a associar com o subdesenvolvimento mostrase de forma exemplar quando do surgimento de escândalos de corrupção no financiamento de partidos políticos Mostramos aqui um exemplo já historicamente depurado longe das polêmicas recentes a Espanha nos primeiros anos da década de 1990 As estratégias levadas a efeito pelos partidos políticos ante os escândalos de corrupção geral endossam empiricamente as implicações teóricas do modelo utilizado Depois da onda de escândalos dos anos 1990 foram os partidos da oposição os primeiros em propor medidas para fazer frente à corrupção no debate no Parlamento sobre o Estado da Nação de 1992 Mais que pela convicção de que estes mecanismos eram realmente necessários tais medidas foram em princípio apresentadas como parte da luta políticopartidária Ainda que como se expôs todos os partidos tinham poucos incentivos para amarrar as próprias mãos os do partido no governo eram ainda menores Para este reconhecer a necessidade de pôr em funcionamento tais medidas pressupunha aceitar sua responsabilidade nos escândalos e dar razão às críticas formuladas pela oposição Quer dizer seria aceitar ante a cidadania que sua honradez deixava muito a desejar Para evitar o custo eleitoral que isto lhe poderia ocasionar o Governo adotou uma série de estratégias voltadas a salvar sua reputação menos custosas sem dúvida que aquelas outras relacionadas com o estabelecimento de controles externos sobre sua atividade Assim a ocultação dos fatos a negação da existência de corrupção institucionalizada e a judicialização da apuração de responsabilidades serão estratégias seguidas pelo partido no governo apoiado em sua maioria absoluta no Parlamento A mudança de estratégia só se produziu dado que a partir de 1993 mas sobretudo a partir de 1994 sua credibilidade estava tão questionada e sua força parlamentar tão enfraquecida que não tinha outra saída que empreender medidas de controle da corrupção COUSINOU 2005 p 74 Mas a autoridade pode também aceitar em maior ou menor grau o problema suscitado Pode responder apenas simbolicamente recebendo os interessados e ouvindoos atentamente A simples escuta parece e é muitas vezes uma mera evasiva mas em determinadas situações dramáticas a simples interlocução respeitosa é parte indispensável da ação política legítima 68 Por exemplo a autoridade governamental pode oferecer ao líder de um movimento contestatário radical um posto no próprio governo com o fim de mobilizar sua influência nesses meios em favor do governo caso que se sucedeu recentemente na Argentina quando o governo Kirchner reduziu a forte pressão de manifestações populares já discutidas neste mesmo capítulo mediante a nomeação de um dos principais líderes desse movimento para um cargo de primeiro escalão no Ministério do Trabalho CURIA 2006 pp 185 e 219 62 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Uma das depoentes sintetizou a natureza do ritual que inadvertidamente realizávamos Eu acredito nesse governo acredito no coronel PATRÍCIO que tem sido muito respeitador e até amigo nessas semanas em que está comandando o 3o BPM Eu acho até que podemos acreditar que a polícia vai mudar Mas para que a gente ouça o coronel Patrício ouça vocês e confie em vocês é preciso que antes a gente conte tudo o que aconteceu aqui tudo o que a gente passou todo o sofrimento desses anos Como sugeria Mandela verdade e reconciliação Os gregos na Antiguidade clássica consideravam o esquecimento a pior punição a mais grave das maldições o pior que se poderia desejar a um ser humano Aprendi no Jacarezinho que a superação da tragédia coletiva depende da celebração pública da memória individual e coletiva dos grupos vitimados pela barbárie do Estado A reconciliação será possível apenas se aprendermos a suportar a verdade Eu sabia que havia violência policial Conhecia detalhes de histórias cruéis Mas nada se compara ao contato direto com os depoimentos vivos dos que carregam a dor de perdas tão trágicas revoltantes injustas fúteis Pela força da emoção compartilham a dor e nos transportam com realismo para as cenas dos crimes SOARES 2000 p 38 Ainda aceitando parcialmente a demanda a autoridade pode invocar razões de força maior para declarar que aceita a necessidade de atuar mas algo imponderável o impede há o argumento bastante comum baseado na falta de recursos orçamentários seja esta escassez real ou não Pode ainda postergar o atendimento real da demanda fazendo uso dos expedientes já clássicos e mesmo caricatos de formar um grupo de trabalho ou uma comissão para estudar o assunto Outra solução aparentemente muito sólida mas em realidade parcial é a simples definição de um procedimento ou regra para tratar o problema sem nenhum compromisso com o conteúdo desse tratamento também é clássico e quase caricato o remédio de criar um organismo governamental especializado para resolver um determinado problema organismo este que necessita não só da criação formal mas também de providências posteriores legislação específica recursos orçamentários formação de pessoal etc Também parcial é tratar uma pequena parte do problema que tenha um valor simbólico mas sem atacar verdadeiramente o fundo do problema distribuir ajuda ocasional aos desempregados em momentos de maior agitação social em lugar de enfrentar as causas do desemprego Por fim o agente governamental pode tomar em conta a totalidade da demanda ou mesmo anteciparse a ela sem esperar que se desenvolva a partir de outros agentes externos O problema deve ser percebido como insatisfatório Aparentemente tratase de condição óbvia mas que nem por isso deixa de ter consequências analíticas Se um grupo relevante de atores consome recursos para inserir um problema na agenda é evidente que em sua percepção há uma diferença entre o que é e o que deveria ser em relação 63 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III a algum fato social diferença esta de tal monta que torna a situação inaceitável para esses agentes fazendoos mobilizarse politicamente Para o nosso estudo resultará de interesse portanto identificar o grau de insatisfação dos atores e públicos em relação à situação considerada como variável importante da dinâmica da formação da agenda O problema deve ser abordável em termos de atenção pública Para que um problema conste na agenda de forma sustentável é preciso que esteja convertido de um certo modo traduzido em dimensões que coincidam com aquelas tratáveis pela autoridade pública Esta possibilidade de tratamento tem duas faces uma de natureza outra instrumental Primeiro a própria natureza de um problema pode ser insuscetível de uma intervenção direta do poder público sendo este inoperante seja de imediato seja em longo prazo O exemplo mais forte dessa natureza insuscetível está na questão das drogas ilícitas é perfeitamente coerente com a natureza da atuação estatal a repressão à oferta de entorpecentes e mesmo a repressão à demanda dos mesmos por meio da imposição de restrições à aquisição e uso dos mesmos a mais extrema das quais é a criminalização69 Por outro lado um dos fatores mais poderosos e assustadores do fenômeno das drogas é o componente subjetivo da demanda aqueles impulsos individuais que fazem nascer nos indivíduos o desejo de iniciar ou continuar o seu consumo e este componente não é inteiramente passível de intervenção estatal podese até restringir fisicamente as oportunidades do contato de um adolescente com drogas por exemplo mas dificilmente se poderá influir diretamente nas inclinações psicológicas ou emocionais que o levam a dar este passo Ainda que se deva buscar meios indiretos de influenciála de acompanhamento médico preventivo de discussão e informação esta dimensão do problema irá depender profundamente da dinâmica intrafamiliar dos traços culturais prevalecentes na comunidade em que se insere o jovem fatores sobre os quais a ação estatal é muito indireta Então os atores que sustentam a necessidade de ação pública sobre esta dimensão específica do problema das drogas defrontamse com um limite bastante fluido sobre a própria possibilidade real daquilo que sustentam70 A dimensão instrumental da possibilidade de tratamento é mais fácil de compreender a ação governamental tem um código procedimental e simbólico uma determinada linguagem É preciso ao ator interessado formular o problema que levanta nos termos da ação política e pública saber a que portas bater que autoridades têm a possibilidade legal material de intervir no assunto ou de poder converterse em intervenientes legítimos em futuro previsível como formular os pedidos linguagem conteúdo técnico para que seja inteligível e em que momento Isto explica em grande medida a força das estruturas clientelistas71 em pequenas cidades do interior pauperizadas nas quais os recursos externos a uma comunidade dos quais esta depende toda a estrutura de serviços públicos prestada por entidades externas são intermediados pelas lideranças locais que são as que detêm o knowhow para formalizar a solicitação credenciarse como gestores locais e atuar como interlocutores dos provedores externos 69 Aqui abordamos o problema do ponto de vista da possibilidade de ação estatal sobre estes aspectos do problema sem entrar em juízo de valor sobre a eficácia relativa de cada um uma vez que os objetivos do texto não abrangem a discussão de mérito sobre o tema 70 O que não impede como deixa claro o texto a proposição de tais ações públicas mas obriga os seus defensores e formuladores a trabalhar nelas tendo em conta o caráter bastante indireto e as possibilidades limitadas da intervenção governamental 71 Recorde que já apresentamos neste capítulo os traços essenciais das relações políticas clientelistas 64 CAPÍTULO 4 O papel do Estado Você poderá estarse perguntando mas se há tanta gente envolvida a ação pública tradicional não conta para nada Estudamos durante tanto tempo Gestão Pública técnicas de análise e formulação de cenários para virem nos dizer que são os atores políticos que demandam as ações do Estado Para quê serviriam os dirigentes políticos se apenas se limitassem a atender aleatoriamente às demandas que lhes chegam E para quê aperfeiçoar a instituição estatal se não influenciaria o atendimento às necessidades da população Ponderações interessantes e importantes De fato o papel do Estado como instituição e dos seus dirigentes políticos eleitos e servidores públicos profissionais é muitíssimo importante eles têm a possibilidade de tomar em mão grande parte do controle da agenda pois manejam a informação e a capacidade de mobilizar vastíssimos recursos em favor dos problemas e ações que formulem A moderna teoria política das democracias desenha um processo político formalinstitucional parecido em suas linhas gerais ao esquematizado na ascensão democrática representativa que já apresentamos neste capítulo os partidos e organizações políticas como intermediários captam as manifestações da demanda popular e traduzemnas nas respectivas ofertas eleitorais apresentando à deliberação do povo em eleições periódicas o conjunto de problemas que os candidatos propõem à agenda Vencedor na contenda eleitoral o partido governante então traz para a prática as medidas submetidas à aprovação popular72 Este processo em democracia de fato ocorre e não se levanta qualquer dúvida quanto a isso Toda a discussão deste capítulo não pretende negar esta realidade central o que é preciso é lembrar a você leitor que este não é o único processo nem o governo é o único ator O governo assim entendido como aqueles que detém a autoridade formal e o acesso aos meios da instituição estatal é um ator importantíssimo ator mas tem necessariamente de interagir com outros muitos atores sindicatos organizações empresariais imprensa apenas para nomear alguns de imensa importância e com outros muitos públicos tanto para levar adiante a sua agenda quanto para responder às agendas que lhe são trazidas por terceiros Observe esta pequena história Há um diálogo entre a prática e a teoria cujo tema é o verbo planejar A professora D Prática pede à Senhorita Teoria Normativa Conjugue o verbo planejar A Senhorita Normativa responde Eu planejo Muito bem continue dizlhe D Prática Já terminei professora responde a Senhorita Normativa MATUS 1989 p 37 Em seu combate às concepções mecanicistas de planejamento e gestão governamental que pressupõem ser o Estado ator único e onisciente Carlos Matus desenvolveu um conjunto de trabalhos essencial para todos os que interessam pela arte e ciência de governo Seu enfoque é o 72 Uma descrição simplificada e didática desse processo sob o ângulo dos partidos políticos pode ser encontrada em Nogueira 2006 pp 117119 65 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III de gestão como resolver os problemas colocados distinto do nosso foco principal mas para bem analisar como gerir o Estado Matus tem de inserir a sua atuação precisamente no ambiente de múltiplos atores que viemos de descrever Desta inserção podemos retirar conceitos extremamente úteis para aprofundar a nossa discussão sobre o papel do Estado na formação da agenda Em que medida então a realidade afastase do modelo ideal que delineamos acima Lembranos Matus 1987 p 162 que Os processos de ganhar eleições fazer planos de desenvolvimento à maneira tradicional e produzir medidas durante o governo respondem a dinâmicas de distinta natureza guiadas por distintos critérios de eficácia em contextos muito diversos e protagonizadas por agentes diferenciados Na instância eleitoral os agentes são distintos dos que atuam no momento do plano econômico de governo e da ação de governo Os critérios de eficácia as restrições e as relações de forças que pesam são também distintas O clima eleitoral e as instituições eleitorais geram motivações e práticas quase opostas às do ambiente de governo a partir do Estado ambiente este que rodeia o cálculo do plano econômico e a administração burocrática ordinária dos organismos públicos Com maior precisão o conceito de triângulo de governo evidencia a força e os limites do papel estatal em todas as etapas do ciclo de políticas MATUS 1987 p 17 O Triângulo de Governo de Matus PROJETO DE GOVERNO GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DE GOVERNO O dirigente estatal eleito traz consigo as ideias e demandas que ofertou ao eleitorado para compor a agenda inclusive com propostas concretas de solução é o seu projeto de governo que será um componente essencial no processo de formação da agenda dos problemas públicos73 Ao agir porém esse dirigente defrontase com os interesses recursos e estratégias de todos os demais atores em cada um dos itens de sua agenda e nos problemas que estes próprios atores sustentam independentemente do governo esta é em uma formulação simples a governabilidade do sistema74 Além disso o agente público encontrase limitado pelas forças e fraquezas de sua própria capacidade gerencial e pela capacidade institucional do aparato público cuja chefia assume a capacidade de governo75 73 Por projeto de governo não se entenda um único documento ou instrumento institucionalizado referese ao conjunto de decisões opções e escolhas deliberada e ativamente assumidos pela autoridade pública por iniciativa própria 74 Mais precisamente a governabilidade do sistema é uma relação entre as variáveis que um ator controla e não controla no processo de governo em relação à ação do dito ator Quanto mais variáveis decisivas controlam maior a sua liberdade de ação e maior para ele a governabilidade do sistema Quanto menos variáveis controla menor sua liberdade de ação e menor a governabilidade do sistema MATUS 1989 p 35 75 Acervo de técnicas métodos destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo para conduzir o processo social rumo a objetivos declarados dados a governabilidade do sistema e o conteúdo programático do projeto do governo A capacidade de governo se expressa em capacidade de direção de gerência e de administração e controle MATUS 1989 p 35 66 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS É nesta interação complexa que atua a autoridade pública no processo de formação da agenda Seu papel como ator na formação de sua própria agenda é veiculado por excelência em seu projeto de governo porém a eficácia da ação em uma situação concreta depende também e às vezes com força maior de outras duas variáveis a envergadura e o conteúdo do projeto de governo e a governabilidade que o sistema social apresenta e gera ante a tentativa de realizar o projeto de governo Nessa tentativa de mudar a equipe de governo está limitada por suas capacidades que serão desafiadas em medida proporcional à ambição do projeto de governo e à dificuldade para mudar expressa pela governabilidade do sistema Por sua vez a governabilidade do sistema não é indiferente Pa capacidade do governo nem à profundidade das mudanças pretendidas pelo projeto de governo As relações de força políticas e econômicas internas e externas geradas em torno da equipe de governo e de seu projeto explicam o balanço da governabilidade É um sistema triangular no qual a capacidade de governo o projeto de governo e a governabilidade influenciamse mutuamente MATUS 2000 pp 1617 Em síntese o atendimento das necessidades dos cidadãos depende e muito do acerto das ações da autoridade pública inclusive para que tais necessidades sejam corretamente identificadas e priorizadas na agenda Esta ação governamental porém não se faz no vácuo ou subjugando automaticamente todos os demais agentes sociais Pelo contrário faz parte da melhor arte de governar a interlocução lúcida com todos os demais atores e públicos no processo múltiplo de formação da agenda inclusive para maximizar a influência que sua própria dimensão e importância tem nessa definição dos problemas a enfrentar Olhando para frente e para trás Agora vamos parar um momento para associar o estudo deste capítulo com os demais Aqui tratamos individualmente dos principais aspectos da etapa de identificação dos problemas dentro do modelo referencial de ciclo de políticas apresentado anteriormente Neste particular terá ficado claro que pela sua inafastável dimensão cognitiva a inserção de um problema na agenda pressupõe uma definição prévia das formas como vai ser enunciado e discutido definição esta que influencia em grande medida a etapa posterior de formulação de soluções Nossos instrumentos e conceitos do capítulo também aqui estão em evidência a formação da agenda é o momento em que mais caracteristicamente se nota a influência da Politics sobre a policy Da mesma forma a formação de agenda é o momento em que os interesses se vão articulando em torno do assunto portanto um momento privilegiado para formular hipóteses sobre qual das policys arenas melhor enquadraria a questão envolvida Também a policy network comparece em sua dimensão analítica fica claro neste capítulo que atores e públicos são o embrião já nesta fase tão preliminar da rede de políticas que se vai formar em torno do problema envolvido 67 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Em contrapartida não se veem com clareza os inputs outputs e outcomes E isso ocorre por uma razão bem clara a policy que os mobiliza e gera está ainda por se formar o que reforça o caráter instrumental e aplicado dos referidos conceitos Mas e agora Os atores conseguiram formular seus problemas e colocálos sob os cuidados e o interesse ativo da autoridade governamental Encerrase aí o jogo de influências e interesses Assumida a demanda a ele colocada o quê e como atuará o agente público que por ela se responsabilize 68 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS CAPÍTULO 1 Compreensão do problema Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir É preciso contudo que as sociedades sejam o que forem se governem é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é a legislar para uma entidade cuja essência desconhece a orientar um agrupamento que segue sem dúvida uma orientação vital que se ignora derivada de leis naturais que também se ignoram e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimirlhe Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e as leis que julga sãos com que se propõe salvála ou conservála PESSOA 2006 p 41 O grande poeta Fernando Pessoa em uma faceta pouco conhecida de sua biografia era um atento observador da cena econômica de sua época tendo trabalhado como correspondente de várias casas comerciais em Lisboa A partir dessa experiência ele nos faz essa advertência em tons bastante dramáticos a ação do Estado se faz sobre uma realidade que ele sequer começa a conhecer ele ignora as relações de causaefeito que dariam a lógica a suas intervenções Desconhece enfim as leis naturais que deveriam ser seguidas por qualquer ação sobre a sociedade Podemos então perguntar sabendo os efeitos que queremos atingir tendo fixado de um modo ou de outro a agenda pública como poderemos saber o quê e como fazer Diante de tantas indeterminações e desconhecidos que processos permitem ao agente público escolher quais serão na prática as ações mais adequadas às finalidades que quer promover 69 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Vamos à leitura do texto Nele discutiremos o momento em que tendo sido atingido um determinado consenso favorável à inclusão de um problema na agenda da ação pública o agente público decide concretamente quais são as ações que virá a levar adiante Estamos agora diante da fase estritamente chamada de tomada de decisão decisionmaking que tem características que a individualizam dentro do processo de formulação de Política Pública policy formulation NOGUEIRA 2006 p 191 tanto quanto do processo mais geral de gestão de organizações Nesta fase e voltando à nossa ordenação apresentada anteriormente estamos em meio à tarefa de compreender o problema parte dessa compreensão envolve a inserção na agenda mas parte fica por fazer para depois desenvolver as soluções possíveis Introdução a decisão como um processo A tomada de decisão termina por ficar entre a formação da política e a implementação no entanto ambas estão profundamente interrelacionadas com decisões afetando a implementação e a implementação inicial afetando estágios posteriores de tomada de decisão que por sua vez afetam implementações posteriores A tomada de decisão não deve portanto ser vista como um processo passivo decisões são processos e as decisões iniciais são frequentemente apenas vagos sinais de direção ensaios iniciais ou experiências piloto para posteriores especificações e revisões76 Quando seguimos o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas do curso vemos que também existem maneiras sistematizadas de dar as respostas às questões que pela inclusão na agenda pública recebem da sociedade a legitimidade para recebêla Diante de um problema público aceito como tal é preciso primeiro estudálo para diagnosticar suas causas e efeitos e possíveis soluções Nesta fase começase por estudar e desenvolver esse leque de soluções gerando propostas de resposta ao problema que motivou a ação do ente público Tal leque pode então ser apresentado à pessoa ou colegiado que tem a autoridade legítima para falando em nome do ente público considerado converter uma solução particular em Política Pública oficialmente adotada momento em que tipicamente se pode identificar o surgimento de políticas específicas de ação isto é de ações intencionais e organizadas originárias da autoridade pública com o fim específico de responder a um problema suscitado na agenda77 Desde agora um necessário esclarecimento é claro que escolhas e decisões num sentido lato são feitas a cada momento da gestão pública Assim os atores decidem o que vão defender na agenda pública ou o agente público encarregado da aplicação de uma determinada medida decide utilizar tais ou quais recursos para atingir os objetivos que lhe são fixados Porém como bem descreve o trecho de Etzioni que abre esta seção existe um ponto do ciclo de políticas no qual as escolhas referemse às grandes linhas do objetivo a perseguir e dos meios a utilizar para solução dos problemas da agenda Ainda que mantendo fortes vinculações com as decisões posteriores que 76 Etzioni A The active society a theory of societal and political processes New York Free Press 1968 pp 203204 apud Parsons 1989 p 245 77 Mény Thoenig 1992 pp 136139 denomina estas duas grandes etapas de fase de formulação e fase de legitimação da decisão Ainda que as duas denominações tenham um sentido teórico preciso e rigoroso e descrição do processo decisório empregue em grande medida os conceitos apresentados pelos autores acima não as utilizaremos aqui por precaução a que se confundam com outros termos constantes do texto 70 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS a desdobram a decisão básica adotada nesta etapa do ciclo de política tem um papel próprio que a torna identificável e que permite abordála analiticamente Portanto nosso exame neste capítulo tem por objeto a decisão tal como descrita nos parágrafos antecedentes e não a generalidade das escolhas individualmente adotadas por qualquer agente ao longo do ciclo de políticas Naturalmente o processo é muito mais complexo no entanto mesmo esta descrição sintética já põe em relevo alguns aspectos importantes que não podem escapar à nossa atenção a decisão envolve não apenas a escolha mas a preparação das alternativas dentre as quais se escolhe um processo decisório sólido não pode prescindir do investimento no estudo do diagnóstico do problema e das alternativas a desenvolver e um bom decisor não pode sêlo se descuida desse investimento na preparação e suporte à decisão dizemos soluções no plural para enfatizar que de uma forma geral existem várias soluções distintas para um problema colocado à ação governamental cada decisão terá seus custos e benefícios tanto materiais quanto políticos e simbólicos e o processo de decidir vai além do mero tecnicismo de maximizar equações implica um juízo de valor entre várias alocações distintas de custos e benefícios entre agentes e grupos sociais Dentro deste marco é preciso reconhecer que o encadeamento das atividades do processo decisório está longe de ser linear tal como se lhe descreve para fins didáticos Durante este processo não apenas entram e saem de cena numerosos atores ministros e outros dirigentes de primeiro escalão no Executivo parlamentares interessados na política específica técnicos e gerentes das agências públicas envolvidas e até mesmo lobistas e outros agentes privados geralmente detentores de sofisticados recursos de acesso dentro mesmo do governo cada um com seus próprios recursos e papéis de intervenção dentro do estudo e eleição de alternativas A análise do problema também pode sofrer atrasos paralisações ou acelerações são bem conhecidas no Brasil as situações de impasse e imobilização de projetos de obras públicas em função da intervenção de órgãos de fiscalização ambiental ausência ou denegação de licenciamento ambiental assim como a grande e por vezes artificial velocidade que adquirem as providências decisórias em projetos e programas selecionados para comporem pacotes de medidas utilizados como vitrine política do governo de turno Sigamos então em maior detalhe o processo de decisão Formulação e análise de alternativas Mais importantes que o próprio processo de decisão são as premissas ou os passos prévios à decisão Mediante o controle dos programas prévios à decisão se condiciona o conteúdo da mesma Neste ponto o elemento crítico é que o ator que ostenta formalmente a prerrogativa decisória não é o único nem muitas vezes o mais importante que participa no processo de decisão já que divide este poder com os atores que controlam e filtram os fluxos de informação prévios e também posteriores à decisão MAS RAMIÓ 1997 p 228 71 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Inicialmente os responsáveis políticos os gabinetes os serviços e as estruturas técnicas realizam estudos para digerir o problema em questão identificar os parâmetros que o provocam mobilizar o conhecimento disponível dados brutos fatos e teorias e por fim estabelecer um diagnóstico É preciso enfatizar a importância do diagnóstico toda Política Pública tem subjacente uma teoria de mudança social Isso significa que uma relação de causa e efeito está contida nas disposições da ação pública considerada o agente público pretende causar determinada mudança na sociedade então deve mobilizar ações e recursos que aplicados à realidade social causem a mudança na direção desejada O decisor governamental comportase como um operador que aposta que ao intervir de uma determinada forma produzirá tal ou qual consequência é portador de uma representação das razões pelas quais se gerará esta consequência uma antecipação do encadeamento de acontecimentos entre suas próprias realizações e os efeitos externos Tomemos um exemplo78 diante do problema da ocorrência de trabalho infantil estabelecese um diagnóstico de suas causas principais centradas na precariedade econômica das famílias que as obrigaria a encaminhar crianças ao trabalho precoce A partir daí a análise governamental considera que a mudança no comportamento das famílias será obtida com a intervenção assistencial oferecendo renda adicional para as famílias que mantiverem crianças na escola Portanto a análise prevê que um determinado efeito a retirada das crianças do trabalho decorrerá de uma intervenção pública a concessão de pagamentos mensais a famílias com crianças em situação de trabalho Vinculação entre diagnóstico e propostas CARÊNCIA ECONÔMICA DAS FAMÍLIAS CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE TRABALHO DIAGNÓSTICO REALIZADO PELO DECISOR PÚBLICO PROPOSTA DERIVADA DO DIAGNÓSTICO CARÊNCIA ECONÔMICA DAS FAMÍLIAS CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE TRABALHO PAGAMENTO PERIÓDICO EM DINHEIRO ÀS FAMÍLIAS Perceba aí a vinculação essencial entre o diagnóstico e a solução a ser adotada a intervenção se faz sobre as causas identificadas portanto o diagnóstico dos fatores de causalidade condiciona em grande medida as ações Neste exemplo o diagnóstico circunscrito à situação da família trazendo implícito o juízo de que a penúria econômica tornaria impossível à família adotar outra estratégia de sobrevivência que não o de promover o trabalho de seus membros em idade infantil faz com que a ação de erradicação do trabalho infantil não intervenha sobre a responsabilidade civil e penal 78 Exemplo baseado em TCU 2003 especialmente pp 7071 este trabalho está disponível na biblioteca do nosso curso 72 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS dos responsáveis por tais crianças na medida em que permitem e mesmo sustentam situações socialmente condenáveis em abuso da condição de guardiães dos menores e tampouco sobre a mesma responsabilidade possivelmente maior daqueles que se beneficiam da contratação de crianças em suas atividades econômicas Desta forma limitase as intervenções públicas às causas que foram diagnosticadas o que faz com que este programa específico não tenha nenhuma medida de caráter repressivo sobre os responsáveis adultos que se beneficiam do trabalho das crianças seja empregandoas seja beneficiandose diretamente do rendimento que auferem79 A partir daí mapeado o problema e o conhecimento disponível estabelecido o diagnóstico possível à administração pública a imaginação mais ou menos criativa terá que mobilizarse para suscitar alternativas e delinear um estado desejável ao qual a política em questão deverá conduzir o problema É preciso então desenhar e desdobrar as soluções extraindolhes as consequências antecipando e descrevendo os méritos e inconvenientes de cada uma os efeitos que induzirá comparado com os efeitos buscados e a evolução estimada do problema considerado após adotada a escolha por alguma delas Neste ponto é válido considerar a não atuação como uma das alternativas ponderandose os resultados de cada uma das ações perante a alternativa de não intervir contando com a evolução espontânea dos fatores que originam o problema Aqui estamos diante idas e voltas entre a simplificação e a complexidade os diferentes aspectos das políticas objetivos soluções efeitos têm de ser compreendidos Portanto têm de ser reduzidos a modelos cognitivos modelos esses que necessária e deliberadamente reduzem a complexidade da realidade a proporções intelectualmente tratáveis No entanto tal redução não pode ser excessiva sob pena de simplificar até a caricatura os problemas sociais com reducionismos do tipo bandido bom é bandido morto ou quem fala em direitos humanos dificulta o trabalho policial para analisar os problemas de segurança pública e criminalidade80 Já neste estágio portanto a substância e o processo estão profundamente misturados nem os objetivos concretos estão definidos desde o princípio na medida em que objetivos gerais do tipo reduzir o analfabetismo ou aumentar a competitividade das empresas do país no exterior necessitam ser traduzidos ou desdobrados em objetivos concretos para que uma política ganhe forma nem os meios de ação são catalogados automaticamente de forma dedutiva Ao contrário a explicitação detalhada dos objetivos e a exploração dos meios a utilizar progridem de forma paralela por iterações sucessivas Aqui também se contrastam os valores ou as ideologias o que queremos fazer com as considerações de viabilidade e realismo o que conseguiremos fazer na prática dando a um processo que aparentemente seria de caráter exclusivamente técnico um surpreendente elemento de cálculo político Afinal as alternativas que se vai apresentar ao decisor são cálculos sociais que mesclam a viabilidade política o objetivo e a solução são admissíveis para terceiros são aceitáveis para quem deve decidir com a racionalidade técnica o objetivo e a solução são pertinentes e compatíveis entre si a solução é factível diante dos meios disponíveis ou a obter 79 Não estamos desconsiderando o fator causal da penúria nem a validade da intervenção assistencial que é inegável Salienta se aqui que o trabalho infantil não tem apenas como causa a precariedade das famílias sendo também influenciado pelos interesses de adultos tanto nas próprias famílias como na condição de empregadores nesse tipo de trabalho degradante absolutamente relevantes diante da situação de incapacidade da criança de decisão autônoma Na medida em que existam tais influências causais igualmente relevantes interesse de adultos uma política de erradicação do trabalho infantil não poderia deixar de intervir também pela via repressiva nesses interesses 80 Exemplos de reducionismos extraídos de Soares 2000 p 43 73 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Processamento das alternativas Já discutimos a importância e os reflexos do processamento formulação e análise das alternativas de decisão Mas você pode perguntar num texto que estuda a elaboração das políticas não seria necessário tratar do bom assessoramento à decisão Quais seriam os fatores que observados fazem com que o trabalho de formulação e análise de alternativas gere resultados mais ricos ou úteis A pergunta é pertinente ainda que não seja um manual do gestor de políticas nosso curso deve fornecer elementos para melhor exercer o processamento de políticas ou o que dá no mesmo neste caso critérios para avaliar a qualidade desse processamento Tomamos por base neste caso um roteiro da entidade de auditoria governamental do Reino Unido NAO 2001 que tem por finalidade exatamente sistematizar a experiência comparativa de todos os departamentos governamentais e fornecer subsídios para garantir que as Políticas Públicas gerem valor em troca dos recursos fornecidos ao Estado pelos cidadãos81 Alguns pontos devem ser observados ao se desenhar as alternativas para uma Política Pública cuja necessidade foi identificada pelo agente ou entidade pública Tais passos têm por finalidade em conjunto avaliar a natureza do problema a ser enfrentado estimar como as políticas desenhadas poderão vir a desenvolverse na prática e por fim identificar e avaliar os riscos para o sucesso dos objetivos formulados Vejamos tais orientações individualizadamente Avaliar a natureza do problema a ser enfrentado Inicialmente a política deve ser desenhada a partir de uma compreensão a mais lúcida possível do problema a ser enfrentado Para isso alguns passos devem merecer a atenção dos responsáveis pela análise das políticas Focar a análise nos componentes principais do problema Cada problema público que demanda uma política tem provavelmente uma multiplicidade de causas A eficácia da resposta depende fortemente da capacidade do formulador da política em identificar as causas mais importantes para focalizar a ação nessas causas concentrando nelas os recursos da intervenção pública isto é concentrando a intervenção naqueles aspectos que quando afetados pela política mais provavelmente ocasionem efeitos sobre o problema final Já discutimos longamente sobre esse ponto quando falamos um pouco antes sobre a importância do diagnóstico Além do caso que apresentamos erradicação do trabalho infantil o NAO exemplifica a focalização por meio do programa de combate ao analfabetismo no Reino Unido das muitas causas prováveis para esse fenômeno origem e condição social da família relações intrafamiliares número de alunos por turma ou outras condições 81 NAO 2001 especialmente pp 3748 publicação que serve de base para toda esta seção e está na biblioteca do curso 74 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS dificultadoras nas escolas falta de materiais didáticos estudos estatísticos prévios identificaram forte correlação entre menores padrões de alfabetização e baixa qualificação profissional dos professores em função disso os esforços foram concentrados no treinamento e qualificação dos professores nas habilidades específicas relacionadas à alfabetização Recolher e organizar os conhecimentos e as experiências adquiridas Muitas situações que se apresentam a um formulador de política não são novas Os entes governamentais possuem uma considerável experiência acumulada embora muitas vezes no caso brasileiro na maioria delas esta experiência não esteja sistematizada ou organizada Investir no estudo da experiência anterior é essencial para não reinventar a roda e também para não repetir erros que foram cometidos anteriormente Este ponto faz lembrar de imediato a crescente importância que vem assumindo o tema de gestão do conhecimento nas organizações organizar classificar sistematizar a informação disponível para que o acesso a ela posteriormente seja o mais eficiente possível Remetenos também à etapa final do ciclo de Políticas Públicas a avaliação é entre outros objetivos o meio por excelência de incorporar de forma consciente e ordenada a experiência passada no processo decisório do presente a ideia que há por trás da avaliação no sentido que lhe estamos imprimindo é integrar dentro de um novo esquema o melhor das estruturas das atividades e dos recursos existentes no programa modificando aquilo que já não resulta útil correto ou eficaz e aprendendo da experiência realizada NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 46 Veremos no capítulo correspondente em maior profundidade o valioso papel que assume a avaliação para subsidiar o desenvolvimento de novas alternativas de políticas O alerta aqui porém é o de que mesmo não estando já disponíveis relatos organizados da experiência anterior é sempre útil investir tempo e recursos em pesquisar situações precedentes e problemas já ocorridos O NAO descreve o grande investimento que uma empresa multinacional de tecnologia da informação faz na montagem de redes internas de comunicação entre os seus funcionários para que compartilhem sistematicamente entre si os problemas enfrentados e as soluções encontradas gerando grandes ganhos com a disseminação das inovações e a capacidade de tratamento rápido dos problemas surgidos Outro exemplo dá conta do risco de não utilizar a experiência acumulada COHEN FRANCO 1993 pp 291299 a avaliação em 1985 de um programa de nutrição escolar promovido na Argentina para todas as escolas públicas mostrou que a maior parte das crianças que compunham o públicoalvo recebiam na merenda menos calorias que o valor mínimo diário biologicamente necessário ocorrendo ao mesmo tempo uma discriminação dentro das próprias famílias na crença de que as 75 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV crianças já comiam na escola o resultado final era que os efeitos do fornecimento de alimentação sobre o rendimento escolar eram negativos ao contrário do que se esperava Portanto prosseguir ou recomeçar o programa nas condições em que era aplicado representava o risco de continuar prejudicando os supostos beneficiários do esforço da Política Pública Consultar os interessados Aqueles diretamente afetados pelas circunstâncias que fazem necessária a política junto com aqueles que sofrerão impactos significativos do tratamento da questão geralmente têm o conhecimento mais amplo e lúcido do assunto São também conhecidos pelo como stakeholders aqueles que detém interesses relevantes stakes no tema em questão Naturalmente as manifestações dos stakeholders têm na maioria das vezes um certo viés em função dos interesses particulares que cada um tem no resultado da política no entanto uma compreensão clara do assunto a ser tratado na pode dispensar a consulta dos interessados com maior envolvimento no assunto por exemplo o públicoalvo ou aqueles que terão interesses contrariados em função de algumas alternativas escolhidas quer seja mediante interlocução direta entrevistas em profundidade grupos focais quer seja por meio de pesquisas de opinião dirigidas a um universo mais numeroso de interessados Em um trabalho bastante prático disponibilizado aos seus auditores e ao público em geral o Tribunal de Contas da União aponta as várias vantagens da consulta aos interessados A análise stakeholder pode ser utilizada para identificar pessoas ou grupos de pessoas interessados na melhoria do desempenho de suas instituições e obter seu apoio para introduzir mudanças identificar conflito de interesses entre as partes envolvidas possibilitando dessa forma diminuir os riscos envolvidos no desenvolvimento de um programaprojeto obter grande quantidade de informações sobre um determinado programaprojeto desenvolver estratégias que permitam implementar efetivamente a melhoria do desempenho82 Já desenvolvemos anteriormente várias considerações sobre o papel dos stakeholders na transmissão de informação e na pressão política por soluções que atendam aos seus interesses retorna agora o tema como componente indispensável da própria análise técnica feita para o suporte à decisão A consulta aos interessados portanto está longe de ser um simples tráfico de influências ao contrário introduzila abertamente como uma etapa da análise documentando e registrando as consultas de forma transparente termina por ser uma força poderosa para minimizar a assimetria de poder que uns interessados têm frente a outros para fazer chegar a sua posição ao decisor se parte da própria instituição pública a consulta a todos os potenciais interessados e a publicidade de seus 82 TCU 2001 p 8 A publicação indicada é um guia bastante prático para operacionalizar a consulta aos interessados em um determinado programa de governo e analisar seus resultados Pode ser encontrada também na página Internet do Tribunal de Contas da União wwwtcugovbr 76 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS resultados tornase mais difícil para alguns deles extraírem vantagens de um acesso privilegiado para transmitir informação e buscar a persuasão em defesa de seus interesses particulares É importante considerar para isso os meios de interlocução uma entidade empresarial de âmbito nacional por exemplo está perfeitamente equipada para responder com fluência consultas feitas por um ofício de um órgão público produzindo análises e argumentos extensos em defesa de suas posições mas a escuta de populações de rua potenciais beneficiários de um programa de assistência social para saber a sua visão ou posicionamento sobre alguma medida de remoção que se pretenda adotar depende de um contato pessoal verbal e direto com alguns de seus componentes que pela sua própria condição não têm representação organizada nem capacidade de diálogo formal Algumas objeções a esta ampla consulta são levantadas em função da possibilidade de que ao circular informação sobre medidas ainda em gestação que podem ou não concretizarse o agente público estaria levantando expectativas que poderiam gerar frustrações mais tarde caso não se confirmem as medidas discutidas com os interessados ou sejam de natureza distinta Este risco é de certa forma inevitável ainda que se deva tentar mitigálo por meio da transparência do conteúdo e da natureza das consultas e os benefícios da abertura aos interessados certamente superam tais riscos O NAO relata o esforço que administrações locais britânicas em promover rodadas periódicas de consulta entrevistas em grupos e pesquisas quantitativas de opinião daí resultando por exemplo a identificação de que os moradores de uma determinada cidade desejavam que a limpeza completa das ruas fosse feita com periodicidade maior do que a habitual o que permitiu o direcionamento de maiores recursos para prioridades escolhidas pelos próprios cidadãos Levanta também o caso crítico da doença da vaca louca epizootia da Encefalopatia Bovina Espongiforme que estalou na GrãBretanha em meados de 1996 Segundo investigação oficial do governo inglês o Ministério da Agricultura buscou intensamente desenvolver medidas que minimizassem o risco de transmissão da doença a seres humanos risco este que todos os estudos até então disponíveis não sustentavam No entanto ao não comunicar ao público e aos mais diretamente interessados inclusive os agricultores e agentes sanitários responsáveis pelas medidas de defesa animal a possibilidade de existência desse risco o governo terminou por gerar uma sensação generalizada de dissimulação e mesmo traição quando anunciou em março de 1996 a suspeita de transmissão da doença a seres humanos Já o TCU ao analisar os stakeholders em relação às políticas de construção naval no Brasil identificou que os interesses do maior agente financiador BNDES na redução do risco de recebimento dos empréstimos fazem com que determinados objetivos do financiamento público disseminação geográfica de empreendimentos navais de menor porte e rentabilidade projetada menor sejam menos prováveis de se atingir mediante os instrumentos até então utilizados fundos públicos de financiamento ainda que os recursos globais aplicados fossem mantidos ou aumentados TCU 2001 p 14 O NAO relata o esforço que administrações locais britânicas em promover rodadas periódicas de consulta entrevistas em grupos e pesquisas quantitativas 77 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV de opinião daí resultando por exemplo a identificação de que os moradores de uma determinada cidade desejavam que a limpeza completa das ruas fosse feita com periodicidade maior do que a habitual o que permitiu o direcionamento de maiores recursos para prioridades escolhidas pelos próprios cidadãos Levanta também o caso crítico da doença da vaca louca epizootia da Encefalopatia Bovina Espongiforme que estalou na GrãBretanha em meados de 1996 Segundo investigação oficial do governo inglês o Ministério da Agricultura buscou intensamente desenvolver medidas que minimizassem o risco de transmissão da doença a seres humanos risco este que todos os estudos até então disponíveis não sustentavam No entanto ao não comunicar ao público e aos mais diretamente interessados inclusive os agricultores e agentes sanitários responsáveis pelas medidas de defesa animal a possibilidade de existência desse risco o governo terminou por gerar uma sensação generalizada de dissimulação e mesmo traição quando anunciou em março de 1996 a suspeita de transmissão da doença a seres humanos Já o TCU ao analisar os stakeholders em relação às políticas de construção naval no Brasil identificou que os interesses do maior agente financiador BNDES na redução do risco de recebimento dos empréstimos fazem com que determinados objetivos do financiamento público disseminação geográfica de empreendimentos navais de menor porte e rentabilidade projetada menor sejam menos prováveis de se atingir mediante os instrumentos até então utilizados fundos públicos de financiamento ainda que os recursos globais aplicados fossem mantidos ou aumentados TCU 2001 p 14 Compreender as necessidades e as características do públicoalvo Consequência inexorável das observações feitas até agora o conhecimento do públicoalvo é indispensável para o sucesso de uma determinada política Os seus beneficiários podem ter aspectos comportamentais que impliquem mudanças ou condicionem os resultados da política Desconsiderálos pode implicar efeitos finais inferiores ou mesmo contrários àqueles que se pretende atingir Aparentemente banal esta recomendação deve ser muitas vezes repetida porque frequentemente é ignorada são frequentes os casos em que o conhecimento real83 sobre as necessidades fragilidades e comportamentos dos supostos beneficiários de uma Política Pública é negligenciado Ora esta negligência abre caminho a que todo um esforço seja posto em marcha inutilmente quer seja por não atacar os aspectos concretos das necessidades enunciadas na fase de formação da agenda quer por desconsiderar restrições ou condicionamentos oriundos do comportamento ou das característica do grupo mais importante de stakeholders 83 Isto é conhecimento ativamente buscado mediante pesquisa em campo e de dados secundários relevantes e não apenas uma descrição pro forma baseada em dados desatualizados ou mesmo nas impressões pessoais dos formuladores das políticas 78 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS As políticas de promoção de igualdade de gênero por meio de incentivos à abertura de pequenos negócios por mulheres no Reino Unido como descreve o NAO tiveram de sofrer várias adaptações para atender a características das potenciais beneficiárias Os treinamentos em habilidades gerenciais tiveram de ser oferecidos a horários compatíveis com responsabilidades familiares já que tais cuidados recaíam fortemente sobre esse grupo o foco da consultoria oferecida teve de concentrar se nas questões de gerenciamento do risco de negócio uma vez que as mulheres do públicoalvo tendiam a ser mais avessas ao risco que a média dos potenciais candidatos a empreendedor Outro caso este clássico é o da avaliação promovida pelo Tribunal de Contas da União no programa TV Escola Este programa se destinava a fornecer a escolas primárias os equipamentos de recepção por satélite e prover canais de programação de conteúdo para utilização nas atividades escolares Para tanto montouse um banco de dados das escolas que comporiam o públicoalvo do programa Ocorre que esse banco de dados já nasceu desatualizado Na execução descentralizada das compras dos Kits verificouse que em várias escolas com mais de cem alunos não seria possível instalar o Kit por falta de energia elétrica por exemplo sendo o equipamento remanejado para outra escola84 Da mesma forma pretendiase que os recursos fossem utilizados na sala de aula Não se observou porém outra característica de um dos grupos beneficiados os professores O Programa TV Escola almeja a melhoria da qualidade do ensino público disponibilizando ferramentas para a capacitação continuada do professor por meio da utilização dos recursos de TV e vídeo Buscando esse objetivo equipamentos e fitas foram cedidos e instalados em escolas uma programação diária foi criada e transmitida por um canal exclusivo de satélite revistas e grades de programação foram produzidas e entregues às escolas buscando instruir o uso e mostrar o que estará sendo exibido no bimestre enfim todo um aparato montado para que a escola forme sua videoteca e a partir dela se dê efetivamente o uso por parte dos professores Ocorre que o principal público do Programa os professores ainda encontra dificuldades para assimilação dessa tecnologia como recurso didáticopedagógico Segundo 41 dos professores entrevistados durante as visitas realizadas pela Equipe de Auditoria em escolas do Acre Goiás Minas Gerais Paraná e 84 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 5192001 Ata 322001 Plenário Diário Oficial da União 05092001 item 332 do Relatório 79 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Pernambuco a falta de capacitação para utilizar o Programa foi considerada como um fator que compromete muito a sua utilização85 Formar um plano de trabalho sólido Não se pode empreender qualquer ação de um mínimo de complexidade sem o apoio de um instrumento prático de planejamento O NAO intitula este instrumento na tradição do gerencialismo britânico de business case fazendo uma interessante analogia com o proceder de qualquer empresa privada ao empreender um projeto investimento ou aquisição de relevância Qualquer que seja o nome porém é inegável a necessidade de se ter organizadamente o registro do leque de possíveis opções a adotar uma avaliação dos respectivos custos a identificação dos responsáveis pela implementação e uma avaliação de sua capacidade de executar tais responsabilidades uma relação a mais precisa possível de quem se pretende beneficiar ou impactar diretamente com a política e quais os mecanismos de gestão a serem empregados Ainda que o formato e as informações que componham o plano de trabalho devam ser adaptadas às necessidades particulares de cada entidade ou programa existindo na tecnologia gerencial um sem número de modelos recursos e ferramentas para a sua preparação e ainda que seja necessário um esforço de síntese para resumir o plano de trabalho aos elementos principais esses elementos básicos de planejamento têm de ser preparados solidamente na fase de análise de alternativas sendo o veículo principal de transmissão organizada e acessível de informação ao tomador de decisão veremos logo adiante como é imprescindível que a massa de informação processada na fase de análise seja estruturada e apresentada de forma sistematizada e coerente ao responsável pela eleição de alguma entre as alternativas A implantação na Petrobras de um sistema de gestão integrada de informações corporativas ERP representa um investimento de grande porte dada a dimensão da empresa comparável em valor tamanho e complexidade com boa parte dos programas e das políticas governamentais Este projeto contou com a elaboração de um estudo onde se sintetizassem os custos e benefícios do projeto 152 Analisemos o processo que culminou na escolha do SAP R3 O Relatório de Seleção de Parceiros fls 168184 Vol Principal traz o processo que originou a escolha do SAP R3 e como integrador a consultoria Ernst Young Foi realizado um longo estudo sendo iniciado em meados de 1997 Nesse ano foram realizadas visitas a diversas empresas foi autorizada a realização de um Business Case Estudo de Retorno de Investimento e em setembro foi constituído um Grupo de Trabalho com a assessoria da empresa Symnetics86 85 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 5192001 Ata 322001 Plenário Diário Oficial da União 05092001 item 332 do Relatório 86 Brasil Tribunal de Contas da União Acórdão 2792001 Ata 492001 Plenário Diário Oficial da União 19112001 item 152 do Relatório 80 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Estimar como as políticas desenhadas poderão vir a desenvolverse na prática Formulada e desenvolvida uma opção qualquer é essencial tentar antecipar com a precisão possível como a política sugerida virá a ser posta em prática é preciso identificar as restrições concretas que terão de ser superadas para o sucesso da alternativa pretendida é necessário refinar e dar maior consistência às estimativas de custos e impactos esta é também a oportunidade de minimizar a possibilidade de que alguma parte dos potenciais beneficiários seja involuntariamente excluída dos efeitos da política pretendida Por fim essa avaliação inicial é um momento valioso para estabelecer as primeiras abordagens de avaliação da política discutindo a relação entre custos benefícios e efetividade e de sustentabilidade da mesma ao longo do tempo Para tanto alguns dos pontos abaixo podem ser úteis à consideração do analista Desenvolver experiênciaspiloto Uma experiênciapiloto é uma boa maneira de obter uma avaliação confiável dos possíveis obstáculos e resultados de uma determinada ação A um custo relativamente pequeno as hipóteses adotadas podem ser postas à prova as respostas dos beneficiários podem ser observadas e os custos podem ter um primeiro orçamento elaborado com dados reais Também aí podem ser observados potenciais obstáculos que não foram previstos no desenho original do programa A realização de pilotos é particularmente importante em programas ou políticas que sejam muito grandes permitindo que o comprometimento de uma elevada soma de recursos seja precedido de um teste real que ajude a levantar todas estas respostas Infelizmente não é uma cultura muito disseminada no Brasil Alguns cuidados no entanto são necessários Da mesma forma que ao fazer um levantamento amostral probabilístico ou não são precisos cuidados intensos para garantir a representatividade da amostra a seleção de qual ou quais ações comporão experiênciaspiloto é muito importante o públicoalvo beneficiado as condições iniciais os recursos empregados devem ser na maior proporção possível representativos do universo geral da política Não se pode dar neste caso definições absolutamente precisas do que seja representativo na medida em que na maioria das situações uma experiênciapiloto não é uma pesquisa amostral portanto não se definem quantitativamente variáveis e parâmetros Ao contrário sua lógica assemelhase muito mais a um estudo de caso onde a situação observada pode e deve sugerir muito mais conclusões que aquelas que estariam previamente modeladas num experimento estatístico No entanto a representatividade definida nos termos qualitativos e de uma certa forma imprecisos em que aqui a colocamos deve ser ao menos uma preocupação que norteie a formação do piloto Por representativas podemos entender condições da populaçãoalvo dos agentes públicos envolvidos da gravidade do problema original que não sejam atípicas que correspondam às condições que possivelmente apresentem a maioria das situações a serem cobertas pelo programa 87 Assim não se deve procurar experiências piloto onde seja mais fácil ou mais barato iniciar ou onde a população esteja mais propensa a aceitar e colaborar com determinadas medidas exatamente porque a facilidade buscada no experimento inicial não será repetida na ação em escala integral O NAO menciona a tendência de 87 Em muitos casos é aceitável uma situação de caso extremo em que se aplique uma determinada ação em condições mais difíceis do que seria normalmente previsível para verificar a sensibilidade dos resultados a situações iniciais mais precárias ou difíceis 81 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV montar as experiênciaspiloto de novas políticas a partir dos grupos de agentes mais qualificados ou entusiasmados o que faria com que esta qualificação acima da média dos agentes superasse eventuais dificuldades que não seriam superáveis pelas equipes habituais que implementariam o programa Por exemplo testar uma tecnologia educacional inovadora a partir de um grupo de professores que fosse aberto à inovação e fortemente interessado na melhoria dos resultados tornaria o piloto mais fácil e mais bemsucedido no entanto pouco se aprenderia sobre as possibilidades dessa inovação no conjunto das escolas com professores menos motivados e menos qualificados para lidar com mudanças Ou seja a realização de experiênciaspiloto é um recurso valioso para avaliação das possibilidades de uma determinada política mas como tal deve ser tratada com o cuidado devido a uma aplicação prática da mesma política que se quer implantar O TCU relata o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que para implementação de uma determinada medida beneficiouse em grande medida da aplicação de uma experiênciapiloto 42 A extinta SVSMS editou a Portaria nº 801 de 07101998 obrigando o cadastramento de todos os medicamentos registrados no País por parte das indústrias farmacêuticas e demais estabelecimentos da cadeia farmacêutica no intuito de verificar as informações do registro Medida similar havia sido adotada pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo CVSSP que ainda desenvolveu um aplicativo computacional para o cadastro das informações 43 Conforme informações à fl 07 vol 01 em setembro de 1999 o CVSSP com a colaboração da Anvisa tornou disponível na Internet o Cadastro Nacional de Empresas e Medicamentos um banco de dados estruturado a partir do cadastro determinado pela Portaria SVSMS nº 801 44 Participaram do cadastro 305 laboratórios que informaram a existência do registro de 9029 produtos que totalizam 23558 apresentações registradas estando 58 delas não comercializadas naquele momento Entretanto as informações precisavam ser validadas integralmente pela Agência para terem efeitos legais 45 A Agência preocupada com a qualidade e veracidade das informações prestadas pelos produtores de medicamentos sobre seus produtos desenvolveu um projeto conhecido como Programa Z destinado a confrontar as informações dos registros com a realidade do mercado constantes do Cadastro de Empresas e Medicamentos da CSVSP no intuito de validar tais informações 46 Uma experiênciapiloto de validação integral das informações constantes no cadastro de registros foi realizada no final de 1999 com os produtos do Laboratório MERCK posteriormente foram incluídos os produtos registrados dos laboratórios ACHE e NOVARTIS demonstrou a necessidade de uma revisão crítica dos procedimentos operacionais técnicos herdados da SVS e adotados até então pela Anvisa em todas as etapas de análise dos processos de registro de medicamentos 82 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS e autorização de funcionamento de empresas Desde então a Agência tem editado diversas Resoluções para atualizar os procedimentos88 Discutir o desenho proposto com os responsáveis pela implementação e avaliação Envolver os responsáveis pela implementação e avaliação de uma política na sua concepção é um pontochave para avaliar as suas possibilidades práticas não obstante esses atores serem consultados quando o são geralmente num estágio muito avançado na concepção das medidas Isso pode ocorrer porque os responsáveis por colocálas em prática terão menos comprometimento se não participaram da sua definição Mais frequentemente porém a ausência dos implementadores na fase de definição põe em xeque o próprio mérito da política é bem conhecida a enorme lacuna de informação e experiência entre um burocrata desenhando uma coleção de medidas em um confortável gabinete refrigerado de uma capital nacional e aquele profissional médico professor policial que vai efetivamente torná las realidade no meio da selva ou na periferia violenta de uma grande metrópole Por mais que tenha buscado reunir o conhecimento e a experiência disponíveis falta ao analista nos órgãos centrais a visão prática handson dos problemas reais da produção nas pontas Os exemplos são infinitos um livro didático para crianças da escola primária produzido por um professor em São Paulo dificilmente poderá contemplar o contexto de vida de alunos que estudam no meio da selva amazônica quem desenha estratégias de abordagem da criminalidade para o centro de Brasília não conhecerá as necessidades de aplicação para áreas do Rio de Janeiro de urbanização densa e precária topografia acidentada e domínio territorial do crime organizado políticas de profilaxia de doenças infecciosas desenvolvidas nos centros urbanos deixam de levar em consideração as condições mais precárias de saneamento e de nutrição de determinados bolsões regionais de pobreza Neste sentido a experiência de quem faz é absolutamente indispensável à viabilidade das propostas de quem formula Os avaliadores por sua vez poderão indicar pontos de verificação que possibilitem ou otimizem a avaliação posterior bem como trazer as experiências observadas na avaliação anterior de políticas semelhantes Existem é verdade riscos muitas vezes os implementadores conhecem apenas um aspecto da política os problemas de sua região ou de um determinado tipo de serviço que compõe o conjunto das medidas formuladas ou têm interesses particulares por exemplo aumentar a importância de sua própria atuação ou diminuir os riscos ou esforços que lhes caberão Portanto a arte do formulador da política consiste em dar voz ativa aos implementadores e avaliadores considerando lhes as ponderações sem perder a perspectiva de qual é o ponto de vista de cada um Identificar e avaliar os riscos para o sucesso dos objetivos formulados Para uma Política Pública os riscos essenciais são a incapacidade de atingir seus objetivos e a existência de efeitos negativos imprevistos Ainda que previsivelmente exista uma atitude de 88 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 16412002 Ata 462002 Plenário Diário Oficial da União 08012003 83 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV atenção dos formuladores de política para tais possibilidades os riscos dessa importância exigem um esforço mais sistemático de gerenciamento e mitigação para reduzir as possibilidade de que alguns de seus determinantes sejam desconsiderados ou de que eventos imprevistos venham a reduzir os serviços pretendidos O gerenciamento de riscos no setor público pode assumir um perfil bastante sofisticado comparável ao grau de desenvolvimento atingido pelas grandes corporações privadas nesse tema89 O aprofundamento em sistemas formalizados de gestão de riscos não cabe nos propósitos do nosso curso90 porém alguns fatores básicos de risco devem ser observados com atenção Risco derivado da capacidade institucional e operacional dos que têm a seu cargo a implementação da política analisada Uma das primeiras e mais importantes fontes de risco de insucesso de uma política é a incapacidade técnica organizativa operacional daqueles que deverão levála a campo tanto um ministério inteiro quanto uma agência autônoma um governo local ou mesmo um agente privado conveniado Para avaliar esse risco é preciso estudar o conhecimento habilidades e recursos técnicos e materiais de que dispõem os responsáveis pela implementação e o tempo e o custo necessários para que os adquiram Esta necessidade é agravada pela característica de execução descentralizada assumida pela maior parte das políticas traçadas pelos governos nacionais em grande proporção as medidas pretendidas pelos governos centrais são da esfera da execução regional ou local ou mesmo dependem da colaboração de terceiros do âmbito privado Uma das gestões mais complexas no Brasil por exemplo é a do Sistema Único de Saúde a política traçada pelo Ministério da Saúde terá de ser posta em prática necessariamente pelos governos estaduais e municipais aos quais pertence a gestão operacional do SUS nos respectivos territórios mais ainda a execução direta das ações de saúde junto ao público pertence não apenas a estes entes mas a um número ainda maior de prestadores de serviços privados contratados Neste contexto para qualquer medida ou ação que pretenda introduzir por exemplo a distribuição gratuita de determinados medicamentos o Ministério da Saúde terá de examinar previamente se os hospitais e estabelecimentos estaduais municipais e privados conveniados terão a capacidade e os meios para executála no exemplo dos medicamentos se os orçamentos descentralizados para estados e municípios comportam a nova despesa se os mecanismos de controle e auditoria têm capacidade de inibir abusos e fraudes na distribuição se os pontos de atendimento em saúde têm capacidade física e técnica para realizar a armazenagem conservação distribuição adequada e acompanhamento farmacêutico dos medicamentos Risco derivado da incapacidade da política de alcançar o públicoalvo que pretende beneficiar Muitos fatores adversos podem afetar a capacidade da política de alcançar aqueles que pretende sejam os seus beneficiários Ao desenhar as alternativas que propõe o analista deve cuidar 89 É bom lembrar que os procedimentos de avaliação de riscos são um dos componentes básicos do modelo de controle interno quase universalmente adotado pelas grandes corporações privadas Modelo COSO PETERS 2004 pp 3341 DELOITTE 2003 90 Para um aprofundamento do estudo do tema especificamente na área de gestão pública confira STANTON 2005 BUTTIMER 2001 e NAO 2004 84 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS especialmente para que o serviço ou produto oferecido seja tornado acessível na sua operação cotidiana ao públicoalvo Por exemplo uma entidade de promoção de pequenos negócios deve ao ofertar serviços de consultoria aos pequenos empresários assegurarse de que estes empresários podem ter acesso real aos consultores por exemplo localizando os consultores fisicamente junto a sindicatos ou associações dos próprios empresários ou em centros comunitários feiras e mercados mantendo mecanismos confiáveis de comunicação via Internet para que qualquer informação ou serviço desejado possa ser solicitada online pelo empresário Também se deve levar em consideração a eventual necessidade de incentivos para que ocorra a adesão dos beneficiários ao serviço a introdução da apresentação de declarações de imposto pela via da Internet por parte dos contribuintes em seus primeiros anos91 não prescinde da oferta de facilidades para induzir o contribuinte a mudar tão radicalmente seus hábitos de relacionamento com o fisco ex menores prazos de tramitação do processo tributário e de restituição do imposto pago a maior Se atualmente consideramos corriqueiro este relacionamento com as agências tributárias a introdução no Brasil de meios de comunicação eletrônica em processos judiciais já prevista em leis processuais tende a exigir também maiores facilidades frente ao procedimento tradicional para romper significativamente o conservadorismo desse tipo de interação com o poder público Ainda neste ponto o acesso dos potenciais beneficiários a uma determinada política depende também de algo aparentemente óbvio mas nem sempre assegurado que conheçam a sua existência Isso implica um cuidadoso esforço de comunicação e divulgação centrado nos meios capazes de atingir a populaçãoalvo No já citado exemplo da população de rua dificilmente uma divulgação baseada em veículos de imprensa eletrônica ou escrita teria sucesso em darlhes a conhecer alguma medida que pudesse beneficiálos pelo simples fato de que não têm acesso regular aos meios de comunicação Risco derivado da ausência de estimativa de custos Sem dúvida estimar os custos de uma determinada política é uma tarefa difícil ela pode não ter um período definido de execução prolongandose por vários exercícios pode também mobilizar uma grande quantidade de recursos diferentes financeiros e recursos materiais e humanos aplicados diretamente pelo ente promotor No entanto o cuidado de estimar os custos na precisão possível mesmo que numa projeção limitada a dois ou três anos é providência indispensável ao desenvolvimento de alternativas de política Somente com um estudo por mais estimativo que seja dos custos relativos poderá a escolha recair sobre uma alternativa materialmente viável e que represente melhor relação custobenefício frente às demais Alguns custos são mais fáceis de estimar que outros por exemplo o orçamento de uma obra ou da compra de equipamentos frente ao custo de utilização da infraestrutura já existente outros dependerão em grande medida da demanda pelo serviço por exemplo o número de pacientes que buscarem os hospitais públicos para um novo tipo de tratamento muitos tipos de custos dependem também do 91 Ou pelo menos até a ampla consolidação desse mecanismo de interação o que ocorreu com o Imposto de Renda federal no Brasil 85 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV próprio sucesso na implementação do programa atrasos na realização de obras ou investimentos acarretam quase inevitavelmente aumento dos custos unitários enquanto uma qualidade de serviços muito precária pode causar a perda de interesse por parte dos potenciais beneficiários reduzindo a demanda pelos serviços e assim paradoxalmente reduzindo o custo total aplicado Alegase por vezes que os resultados dos programas não podem ser monetizados e portanto não podem ser confrontados com os custos De fato converter os resultados de um programa assistencial em valores monetários nem sempre é fácil dependendo de muitas hipóteses simplificadoras Cohen Franco 1993 pp 193196 cita o exemplo de um programa de nutrição suplementar a gestantes e crianças até seis anos no Chile entendido como investimento em capital humano foi necessário fazer sucessivas associações entre as melhoras nutricionais das crianças atendidas e um melhor rendimento escolar a melhor escolarização e uma maior produtividade no trabalho da população que a recebeu por conseguinte uma maior criação de valor dessa mão de obra melhor escolarizada correspondida com um aumento provável da renda por ela gerada Essa longa cadeia de associações gerou uma estimativa de resultado monetário final para o programa No entanto esta monetização não é necessária em todos os casos basta alinhar os custos com definições precisas e quantificáveis dos resultados por exemplo vidas salvas para uma política de redução de acidentes de trânsito pacientes recuperados para um programa de tratamento de drogodependentes Na prática o reconhecimento da inviabilidade de tradução monetária dos resultados de alguns programas pode mesmo fortalecer o esforço de estimativas e avaliações de custos na medida em que permite ao formulador das alternativas concentrarse em estimar custos em função de parâmetros mais precisos gerados pela quantificação de resultados não monetários Em todos estes casos portanto alguma estimativa é possível e necessária sob pena de comprometer a ação pública em verdadeiro voo cego ao iniciar ações que não sabe se poderá custear nem quanto terá de retirar de outras finalidades de Política Pública também legítimas Escolha de uma alternativa O que tiver de ser será Conheço essa filosofia costumam chamarlhe predestinação fatalismo fado mas o que realmente significa é que farás o que te der na real gana como sempre Significa que farei aquilo que tiver de fazer nada menos Há pessoas para quem é o mesmo aquilo que fizeram e aquilo que pensaram que teriam de fazer Ao contrário do que julga o senso comum as coisas da vontade nunca são simples o que é simples é a indecisão a incerteza a irresolução Quem tal diria não te admires vamos sempre aprendendo A minha missão acabou tu farás o que entenderes Assim é SARAMAGO 2005 p 32 Desenvolvidas as alternativas elencados os prováveis custos benefícios e riscos tais alternativas devem reduzirse a apenas uma que será o curso de ação adotado Um único curso de ação é claro pode e muitas vezes deve assumir a forma de uma combinação de várias medidas ou mesmo um leque de opções que preveja um curso principal e medidas alternativas em contingências que afetem o curso principal Todas estas formas são no entanto um único curso de ação definido pela autoridade ainda que complexo ou com previsão de contingências 86 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Autonomia relativa do decisor Esta é uma fase do processo decisório em que são mais claramente visíveis as considerações de caráter político que dão forma à decisão pública É possível entender aí que num certo sentido muito específico a autoridade regularmente investida do poder decisório vai legitimar a opção escolhida na medida em que as normas jurídicas formais ou mesmo costumeiras conferemlhe o poder de decidir em nome da coletividade envolvida Na maioria dos casos as regras de procedimento permitem ao decisor a discricionariedade de escolher qualquer solução mesmo alguma ainda não suscitada ou preparada ao longo do processo de análise e desenvolvimento de soluções Esta liberdade no entanto é menos frequente do que pode fazer crer a leitura direta das normas em geral quem decide ratifica simplesmente as opções adrede preparadas ou modificalhes apenas em detalhe Isto se dá por vários motivos Primeiro porque a concepção especialmente jurídica de discricionariedade envolve a sua diferenciação da arbitrariedade Discricionário é aquele espaço de decisão que pode o administrador público ocupar para colhendo os fatos obter a melhor solução do ponto de vista do interesse público e não do ponto de vista de sua preferência individual a depender da natureza da questão resta pouco espaço ao agente público para sustentar frente aos demais atores sociais determinadas escolhas por exemplo deixar de aplicar um programa de vacinação contra doenças erradicáveis como a poliomielite quando não disponha de argumentos suficientemente persuasivos para tanto Na realidade o próprio discurso jurídico com suas tão frequentes ambiguidades já chega a admitir que o poder discricionário encontra limites estreitos e tem natureza totalmente instrumental a liberdade de decidir é tão somente um recurso do administrador público para atingir a situação mais adequada no plano dos fatos e esta solução é passível de confronto por qualquer parte interessada É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima perfeita adequada às circunstâncias concretas que ante o caráter polifacético multifário dos fatos da vida se vê compelia a outorgar ao administrador que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio certa margem de liberdade para que este sopesando as circunstâncias possa dar verdadeira satisfação à finalidade lega Então a discrição nasce precisamente do propósito normativo de que só se tome a providência excelente e não a providência sofrível e eventualmente ruim porque se não fosse por isso ela teria sido redigida vinculadamente BANDEIRA DE MELLO 1998 p 35 Por outro lado o próprio ato gerencial de decidir não é de todo livre Quem decide não tem tempo para atuar em todas as etapas do processo Faltamlhe às vezes influências para poder romper os compromissos que neutralizam ou mobilizam a outros atores que contam o cálculo de viabilidade política a que aludimos antes Faltamlhe quase sempre o conhecimento e a informação sobre o conteúdo técnico das iniciativas e das opções possíveis Tomemos o exemplo do ministro da área de transportes ao assinar um contrato com determinada empresa para construir um trecho de rodovia O ministro pode conferir algumas 87 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV grandes dimensões ou características do contrato mas não tem fisicamente o tempo92 de examinar cada opção e cálculo do projeto de engenharia ou de conferir cada procedimento da licitação ou a razoabilidade do preço de cada item contido na oferta da empresa contratada Portanto a capacidade de intervenção na decisão por parte do ministro fica profundamente limitada diante das opções técnicas que lhe são apresentadas E ao examinarmos o extremo oposto é que vemos que esta aparente limitação é na realidade um cuidado básico para preservar a qualidade da política Carlos Matus 2000 p 36 explora o que seria ou infelizmente o que é uma tomada de decisão sem o adequado processamento técnico O governante habituase a tomar decisões mal processadas ancoradas em uma solução preferida sem considerar o amplo leque de opções mediante a analise das vantagens e desvantagens políticas econômicas técnicas e organizativas Em muitos casos as decisões recaem sobre malestares quer dizer sobre problemas crus nem bem formulados nem bem descritos e sem propostas alternativas de enfrentamento Em outros casos o processamento é deficiente e incide sobre aspectos técnicos sem considerar a viabilidade política e jurídica Ou ao contrário o processamento é estritamente político em detrimento das considerações técnicas Também pode ocorrer a situação em que o tomador de decisão está pessoalmente convencido de que seus conselheiros ou colaboradores anteciparam seus interesses valores ou preferências Racionalidade e racionalidades do decisor Já vimos que o decisor tem uma autonomia relativa podendo decidir dentro de certos limites colocados pelas circunstâncias de cada processo decisório em particular Limitada ou não porém cabelhe individualmente93 a prerrogativa de uma decisão Qual seria então a lógica que preside a autoridade no momento de optar entre as alternativas desenvolvidas É neste momento que devemos começar a estudar os diferentes matizes da racionalidade da decisão Racionalidade é preciso dizer não é um valor absoluto mas um conceito relativo à situação de cada indivíduo ou grupo Portanto a afirmação de que uma decisão é racional é muito frequente na discussão cotidiana da política mas em geral embute uma hipótese implícita de qual é a posição ou situação em relação à qual a racionalidade é pronunciada Mais precisamente A possibilidade de se tratar uma decisão ou política em termos de eficácia ou racionalidade requer a adoção do ponto de vista de determinado ator de maneira que se possam estabelecer com clareza os objetivos da política em questão para se discutirem em seguida os problemas relativos às condições de sua adequada realização num ambiente dado A perspectiva 92 Mesmo que por hipótese tivesse pessoalmente a qualificação técnica necessária 93 Individualmente não obriga a que o decisor seja uma pessoa física apenas mas sim que seja uma única instância de decisão que pode ser unipessoal caso mais comum ou colegiada por exemplo a decisão de um tribunal ou de uma assembleia deliberativa Neste último caso pressupõese que as regras de procedimento interno do grupo colegiado ensejem a formação de uma vontade final única que prevaleça como a decisão daquela instância deliberativa ainda que possam existir posições divergentes no interior do colegiado que não obstante assumem a posição de vencidas prevalecendo a posição vencedora para todos os efeito 88 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS característica dos estudos de Políticas Públicas tende inevitavelmente a dar ênfase à eficácia global das políticas ou decisões mesmo quando se tem em mente a diversidade de categorias sociais ou de focos de interesses para os quais tais decisões podem ser relevantes Assim se se tem de considerar problemas de racionalidade do ponto de vista da sociedade como um todo tendese naturalmente a salientar aqueles fatores que permitem ver as relações entre as diferentes categorias ou focos de interesses como sendo relações do tipo soma variável em que todos têm a possibilidade de realizar ganhos simultâneos bastando para isso que se tomem as decisões corretas racionais Ése levado portanto a eleger o ponto de vista daquele ator que pode ser considerado como expressando o objetivo comum de maximização geral O estado ou alguma agência particular do mesmo em dados casos surge como candidato óbvio manifestandose a propensão a favorecer aquelas dimensões da estrutura e do comportamento do estado que permitem vêlo como o instrumento de objetivos compartilhados em detrimento dos traços mediante os quais ele se mostra antes como o resultado ou a expressão da luta entre interesses opostos REIS 2000 pp 9899 Racionalidade política e racionalidade técnica Com tal advertência em mente sigamos a explorar o vasto universo das racionalidades A primeira presente em toda a experiência cotidiana da política é a dualidade racionalidade técnica versus racionalidade política94 Nas atividades governamentais convivem atores sociais diferentes com papéis diferentes esta aparente tautologia foi tematizada originalmente por Max Weber que deu margem ao modelo clássico de administração pública burocrática que até hoje tem o protagonismo neste campo do saber Convivem lado a lado o político o técnico e o burocrata95 Estas figuras naturalmente estão representados como tipos ideais weberianos categorias abstratas baseadas no desenvolvimento racional unilateral de determinadas características96 indicando apenas os traços fundamentais de sua inserção no jogo decisório o que não quer dizer que todo indivíduo em posição denominada de político ou técnica aja segundo sugere o desenvolvimento do tipo ideal O político idealmente toma decisões em função da solução dos problemas da conjuntura histórica do ponto de vista do subconjunto da sociedade que representa Ao mesmo tempo tem de organizar e manter continuamente abertos os canais para tomar essas decisões Deve então buscar com suas decisões simultaneamente atingir situações globais supostamente melhores que as atuais ao mesmo tempo em que tem de considerar como as decisões realimentam o próprio jogo do poder influenciando por exemplo os futuros resultados eleitorais e em 94 A apresentação deste conceito de racionalidades técnica e política está baseada em Cohen Franco 1993 pp 6469 que utilizam os conceitos elaborados por José Medina Echavarría 95 Veremos que ao final incluiremos o técnico e o burocrata cada um a seu modo na racionalidade técnica 96 Um tipo ideal decorre do desenvolvimento pela razão aplicada pelo observador de determinadas características fundamentais ao objeto que pretende representar Nesse ponto perde contato com o objeto real e suas outras inumeráveis características individuais que não foram escolhidas tornandose assim uma categoria artificial por deliberadamente diferir da manifestação no mundo dos fatos a partir do qual foi concebida Sua utilidade metodológica inclusive reside exatamente na possibilidade de comparação com seu objeto real correspondente sublinhando aquilo no qual o objeto real afastase ou aproximase do respectivo tipo ideal Para maior aprofundamento na abordagem metodológica dos tipos ideais ver Freund 1975 e Gusmão 1962 89 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV determinados casos a estabilidade das regras do jogo do poder tais como o respeito às instituições e à lei Esta será a racionalidade política que leva em conta valorativamente os efeitos das políticas no conjunto da sociedade e nos diferentes interesses que a compõem O cálculo político portanto deverá levar em conta os comportamentos atuais e futuros dos diferentes interessados e em última instância fazer escolhas privilegiando uns interesses em favor de outros Já o personagem técnico encontrase mais voltado à racionalidade de meios não lhe pertence fixar os fins e os condicionantes a imagem ideal da sociedade pretendida que são definidos pelo político ainda que o possam ser em grau muito alto de generalidade Pode então construir sua lógica e seu discurso a partir das realidades factuais inerentes ao programa ou política considerados discutirlhe custos e benefícios com base em padrões e critérios centrados no conhecimento técnicocientífico previamente estabelecido O burocrata por sua vez é aquele agente direcionado pelo estrito cumprimento das normas procedimentais formais leis regulamentos precedentes cuja participação no processo decisório e de implementação se concentra na observância de todos os controles e as garantias formais do moderno proceder administrativo não por outra razão denominado desde Weber procedimento burocrático Para nossas finalidades porém é fácil ver que a racionalidade burocrática também é de natureza estritamente instrumental utilizando critérios também de natureza técnica só que mais restritos a esse segmento do conhecimento sobre os procedimentos válidos do ponto de vista formal Dessa forma a racionalidade técnica tem a participação conjunta não de todo sem conflitos é claro do interveniente técnico e de seu colega burocrata Ainda que em tipos ideais é preciso entender a existência e o mérito da existência dessas duas racionalidades superpondose no processo decisório o caráter democrático da sociedade exige que a lógica política dê a última palavra a eficácia concreta das decisões exige que a racionalidade técnica seja considerada com peso Em síntese as decisões últimas da sociedade são de caráter político Mas a preparação de qualquer decisão tem que ser técnica97 De fato a estrutura do processo decisório que utilizamos para apresentar a etapa de tomada de decisão é exatamente baseada nesta dicotomia de racionalidades permitindo um momento de intervenção a cada um Mas isto não se dá na prática sem conflitos Existem âmbitos que são próprios dos políticos e outros que correspondem aos técnicos Como não é fácil definir os limites entre eles chegase inclusive a negar a necessidade de respeitar a existência de um ou de outro Em algumas ocasiões falta o substrato técnico e as decisões são tomadas sem base suficiente para que possam alcançar resultados eficazes Em outras situações se tende a supervalorizar o papel dos técnicos afirmando que as decisões apenas devem se inspirar em suas recomendações e considerando os políticos como fatores que tendem a prejudicar o bom traçado das políticas COHEN FRANCO 1993 p 67 97 Arida Pérsio Deficit de cabeças In Solnik A Os pais do cruzado contam porque não deu certo São Paulo LPM 1987 p 128 apud Cohen Franco 1993 p 67 90 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Existem naturalmente casos de distorção radical desses papéis políticos interessados apenas em sedimentar coalizões de interesses independentemente dos benefícios trazidos à população no uso dos escassos recursos públicos técnicos que não consideram senão a lógica parcial que utilizam pretendendo impôla como a única legítima para as escolhas sociais Em todos esses casos é preciso dizer os que sustentam tais posições tendem a perseguir antes os próprios interesses pessoais que os interesses sociais confiados ao seu cuidado Assim nem planejadores têm todas as respostas técnicas sem o que o mecanismo da democracia formal seria incapaz de permitir aos cidadãos titularizarem as escolhas no tocante aos assuntos públicos nem os políticos têm o condão de fazerem o que desejarem sem levar em conta a realidade concreta exposta pelo estudo técnico Na realidade a fluidez da fronteira entre as duas racionalidades abre amplo espaço para uma interpenetração da atuação dos dois grupos ao técnico cabe detectar os momentos em que a flexibilidade relativa do sistema social aumenta o leque de alternativas viáveis que pode desenvolver a partir de proposições que alterem em alguma medida os pressupostos ou os projetos políticos que lhe foram apresentados Ao político por sua vez a lógica técnica conferelhe poderosos argumentos no seu próprio âmbito de intervenção por exemplo quando o raciocínio técnico sugere a necessidade de revisão de custos de um certo projeto servirá de forte instrumento político para lidar com pressões de interesses Ambos os grupos necessitam compreender a existência do outro e a respeitarse mutuamente a participação dado que são igualmente indispensáveis para o processo decisório no âmbito da democracia moderna Racionalidade absoluta e racionalidade limitada Outra importante distinção conceitual sobre o processo decisório que terá as mais profundas repercussões analíticas especialmente no campo das ciências sociais aplicadas à análise dos problemas públicos é sobre os limites de possibilidade do que pode ser uma decisão racional98 Quase espontaneamente vem à mente de todos os observadores um modelo preciso o do decisor racional Esta espontaneidade ressalvemos não é gratuita este decisor racional ou maximizador interessado ou homo oeconomicus é o pressuposto fundamental sobre o qual foi erguido o edifício teórico da microeconomia e da macroeconomia convencionais cuja abordagem teórica se expandiu para as demais ciências sociais e que se incorporou profundamente no discurso social Pois bem esse famoso decisor novamente um suposto teórico um instrumento analítico tão distinto de pessoas reais quanto os tipos ideais que já discutimos o que faz ele Ele é o detentor da alegada racionalidade absoluta sendo um ator frente a um problema deve adotar uma situação de escolha Escolhe suas preferências propõese objetivos fixa seus valores seleciona suas vantagens Logo busca as alternativas disponíveis para responder ao problema Faz um inventário exaustivo delas e identifica seus efeitos e seus méritos específicos Em seguida adota um critério de escolha tão objetivo como seja possível quer dizer que permita determinar a melhor relação 98 Estes conceitos estão amplamente baseados em Mény Thoenig 1992 pp 139144 91 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV entre as vantagens e os inconvenientes de cada alternativa A quantidade de alternativas disponíveis será explorada finalmente com a ajuda desse critério e daí sairá a solução MÉNY THOENIG 1992 p 139 Decidir em Políticas Públicas então é maximizar os resultados em relação aos custos e as vantagens em relação com os inconvenientes sob o ponto de vista da coletividade Belo modelo sem dúvida Na verdade em suas linhas gerais é isto que vimos descrevendo ao longo da nossa análise do processo decisório Podemos compreendêlo melhor desdobrado no esquema a seguir Racionalidade absoluta IDENTIFICAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS BUSCA DE TODAS AS ALTERNATIVAS POSSÍVEIS E SEUS EFEITOS IDENTIFIICAÇÃO E ADOÇÃO DE UM CRITÉRIO OBJETIVO ESCOLHA DE UMA SOLUÇÃO Mas é preciso perguntar qualquer um pode agir com a racionalidade absoluta sempre que desejar bem conduzir uma Política Pública A resposta rigorosa é depende Depende da ocorrência prévia de certas condições ou postulados em qualquer circunstância da decisão considerada existe um critério de escolha objetivo acessível a quem deve decidir e cujo valor é compartilhado por todos os stakeholders relevantes as preferências do decisor e desses stakeholders relevantes não são ambíguas mas estáveis e explícitas o tomador de decisão conhece ou pode conhecer todas as alternativas possíveis o mundo é uma casa transparente por fim esse decisor é puro intelecto nada o mobiliza ou importa salvo o problema que está gerindo Existirão tais condições na realidade concreta De sua simples leitura salta aos olhos a impressão de que não E a grande contribuição de Herbert Simon às ciências sociais99 consiste em haver demonstrado o irrealismo desses pressupostos Em primeiro lugar a informação é escassa e tem custos Quem decide tem que pagar um preço por obtêla seja no tempo que dispende seja no custo monetário direto seja sob a forma de dependência 99 Simon H Administrative Behavior New York Free Press 1957 apud MÉNY THOENIG 1992 p 157 Esta é a obra seminal da teoria da racionalidade limitada posteriormente refletida em um semnúmero de desenvolvimentos teóricos posteriores 92 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS de terceiros que possuam a informação ou possam confirmála e aos quais se deverá retribuir de alguma maneira Repare que este custo incide tanto individualmente para o responsável pela escolha das alternativas quanto para o conjunto dos agentes públicos responsáveis pela decisão ou seja pelo processo decisório que envolve o estudodesenvolvimento de alternativas e a escolha Por outro lado uma informação pode por em questão a própria visão de mundo ou valores do responsável pela decisão e este diante da divergência entre seus valores subjetivos e alguma informação objetiva pode preferir deixar de lado a informação e salvaguardar sua visão de mundo Além disso os critérios de escolha são escassos e pouco discerníveis Os métodos disponíveis para definir o ótimo arbitrar ou estimar vantagens e inconvenientes são muito raros e difíceis de encontrar se chegarem a existir Ao falar em métodos de escolha entre alternativas a literatura habitualmente recorre aos exemplos de projetos sofisticados com metodologias bastante formalizadas e quantitativamente definidas exemplo típico grandes projetos de engenharia de infraestruturas Mas a realidade só é modelável com esse grau de precisão em determinados e limitados âmbitos do conhecimento a maioria das decisões cotidianas tangencia aspectos inquantificáveis geralmente envolvendo o comportamento humano ex quanto variará a disposição das pessoas em vacinarse contra uma doença infecciosa em função de um maior investimento em publicidade Mais escasso ainda será o consenso social e político sobre qual o critério a utilizar mesmo que tal critério seja desenvolvido e explicitado com objetividade suficiente para um tal debate Tampouco o agente de decisão tem capacidade cognitiva de gerar e trabalhar um inventário exaustivo das alternativas possíveis Os indivíduos variam em suas capacidades de administrar a complexidade alguns não podem passar à ação sem reunir uma grande massa de dados outros não são capazes de decidir se as alternativas não são reduzidas a um mínimo100 Matus 2000 p 43 lembra que o conhecimento que os líderes de modo geral têm limitase quase sempre a poucas opções as quais muitas vezes circunscrevemse aos limites da vigência de seus mandatos Em função de tal predisposição gerase um processo de autoconvencimento que leva ao comprometimento prematuro com uma proposta e a adesão à mesma confundese com lealdade Outro condicionante grave a necessidade de escolher desencadeia uma tensão psicológica trazendo momentos de incerteza pressão e tensão Em jogo estão interesses futuro há fortes razões para desestabilização das personalidades101 Alguns dirigentes protelarão ao máximo as decisões outros decidirão a qualquer preço somente para veremse livres da pressão por decidir É ainda Matus que descreve A repetição de condições angustiantes relativas a responsabilidade e tensão torna perigosamente possível o erro no manejo de decisões em situações de crise nas quais inevitavelmente as decisões devem ser tomadas no ato no calor da ora sob condições extremas de tensão de desequilíbrio emocional perigo confusão angústia e às vezes sem que seja possível controlar o tempo O dirigente expõese a decisões de pânico como tomar a frente tipo de extremismo perigoso retroceder em 100 Qual o técnico do setor público que não se terá deparado após um complexo processo de síntese e exposição analítica dos aspectos essenciais de um problema com a irritada demanda de um gabinete de autoridade ou da autoridade mesma para resumir o assunto às vezes fixando a priori um número mínimo de páginas para o documento a ser preparado 101 Mény Thoenig 1992 p 142 menciona como exemplo que o presidente norteamericano Lyndon Johnson político extremamente calejado era conhecido por levantarse angustiado à noite para passear diante dos retratos de seus antecessoers 93 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV meio ao caos abandonar desnecessariamente os objetivos refugiarse na indecisão paralisante subutilizar o poder acumulado abandonarse às circunstâncias adotar trajetórias caóticas de ação refugiarse na passividade espera de que os problemas se resolvam por si mesmos tornarse vítima do complexo de incompreensão que aumenta sua irritabilidade ante as críticas etc Em síntese a racionalidade absoluta não tem sentido real Os compromissos o subjetivo o setorial o não consensual o não reprodutível por terceiros constituem um dado essencial do ato decisório É certo que existe racionalidade mas tratase de uma racionalidade limitada102 A decisão torna se um compromisso entre um problema e as condicionantes da situação enfrentada pelo decisor este faz o melhor que pode na situação em que se encontra A atividade do decisor neste contexto é recordar e esplorar o pequeno número de alternativas possíveis aquelas de que ele dispõe que conhece ou parecem aceitáveis a si e a terceiros Com isso minimiza a busca e a análise das alternativas A partir daí procura um critério de escolha razoável mescla de racionalidade e intuição Com tal critério em mão detémse na primeira solução que parece satisfatória a si mesmo e aos demais interlocutores relevantes Não busca o melhor ou o ótimo contentase em evitar o pior ou o menos razoável O processo da racionalidade limitada pode ser visualizado no esquema a seguir Racionalidade limitada PROBLEMA PREFERÊNCIAS DO DECISOR OBRIGAÇÕES DO DECISOR CONTEXTO BUSCA DE UMA VARIEDADE RESTRITA DE ALTERNATIVAS RECURSO A CRITÉRIOS RAZOÁVEIS DE ESCOLHA SELEÇÃO DE UMA OPÇÃO SATISFATÓRIA Concretamente várias heurísticas podem ser utilizadas preferencialmente em função da personalidade da história de vida e das pressões incidentes sobre a autoridade envolvida adotar de saída uma alternativa privilegiada que o decisor prefere e que confronta individualmente com quaisquer outras possíveis recorrer aos antecedentes à experiência buscar repetir alternativas já utilizadas antes por ele ou por outros recorrer à jurisprudência das decisões lançar mão de critérios com aparência de normas com bases mais ou menos bemformuladas retoricamente mas de escassa ou nula fundamentação objetiva 102 O termo em inglês também bastante utilizado é bounded rationality 94 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS chamadas de regras da experiência o termo inglês é mais sugestivo rules of thumb103 Qualquer que seja a solução individual que o decisor adote em cada caso concreto é preciso admitir a forte probabilidade da decisão vir condicionada pelas restrições bastante severas mas reais da racionalidade limitada cuja consideração permite uma abordagem mais verossímil e objetiva desta etapa do ciclo de políticas Um aviso a decisão não é tudo Puro engano de inocentes e desprevenidos o princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha o princípio é um processo lentíssimo demorado que exige tempo e paciência para se perceber em que direcção quer ir que tenteia o caminho como um cego o princípio é só o princípio o que fez vale tanto como nada SARAMAGO 2000 p 76 No imaginário da Gestão Pública tanto em sua versão formalizada no ordenamento jurídico quanto na mídia na cultura organizacional das agências públicas e na vox populi tudo converge para a valorização quando não para a sacralização da tomada de decisões As Constituições as leis administrativas os organogramas esmeramse em detalhar as regras de procedimento e competência que definem quem tem direito a assinar o quê em que circunstâncias ao fim de quais trâmites O decisor final é a pessoa que conta aquela cujos humores interesses e gestos se observam Todo o conteúdo da ação pública repousaria sobre seus ombros sua responsabilidade Conselheiros assessores e especialistas seriam então figuras auxiliares meros fornecedores de informação No entanto o rigor metodológico aconselha fortemente tomar esta primazia do ato decisório como uma hipótese a ser confrontada com as observações reais Desde os primórdios do estudo de Políticas Públicas este papel central do agente no papel e momento de decidir suscita polêmicas profundas104 Dahl e Hunter por exemplo divergem radicalmente sobre qual é o verdadeiro titular das decisões relevantes nas administrações locais norteamericanas o primeiro sustenta ser o processo decisório diluído entre muitos atores relevantes em muitos momentos no tempo a análise do segundo concentra o poder de decidir em pequenos grupos de representantes de grandes interesses empresariais numa estrutura quase piramidal que concentra poder nas mãos de uma reduzida oligarquia que move todos os fios para ampliar seu interesse Não há a rigor uma resposta certa a esta divergência interpretativa De fato se ampliarmos a busca para outros estudos de políticas podemos encontrar descrições de processos decisórios em ambas as linhas de visão Alguns casos descrevem ambientes de decisão bastante fragmentados e pluralistas No âmbito do ensino em contrapartida aparecem com mais força os movimentos educativos como instrumentos de ação coletiva setorial junto a sindicatos implicados em negociações de modelo substantivas e de gestão mais 103 Mény Thoenig 1992 p 143 exemplificam com a ideia mais ou menos corrente em Política Pública de que uma população imigrante superior a 15 da população de um território desencadeia surtos racistas na sua coletividade Apesar do evidente despropósito desta afirmação este é segundo os autores citados um critério levado em consideração em algumas situações 104 Mény Thoenig 1992 pp 129135 descreve as mais importantes destas polêmicas que aqui utilizamos para exemplificar o argumento desenvolvido 95 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV além das estritamente trabalhistas Em consequência o eixo básico de interação governopartidos no âmbito da política de saúde deslocase na direção de um padrão de interações muito mais fragmentado e menos institucional Em ambos os setores as relações de poder apresentam elementos de simetria com importantes eixos de conflito mas também com comunidades de interesses e grandes coalizões estáveis com certo grau de institucionalidade105 Outras abordagens relatam traços de um processo decisório tão concentrado que chegam a parecer caricaturais embora rigorosos O isolacionismo político o macartismo a indiferença em relação ao crime o desinteresse pelos problemas sociais a negligência com os serviços públicos em Austin o lixo é recolhido uma única vez por semana e as ruas residenciais não possuem iluminação pública a crença fanática nos direitos do Estado do Texas frente ao governo federal o controle total das cidades e do Estado pelos homens de negócios por meio dos conselhos dos cidadãos tudo isso dá a Dallas como ao Texas uma situação específica que deve ser considerada Esta visão não é uma utopia ela existe ela causa inveja a muitos homens de negócios e a alguns militares ditatoriais seus aliados ela é Dallas praticamente governada por um Conselho de Cidadãos composto de 234 homens de negócios escolhidos segundo seus estatutos entre os milionários os presidentes e diretoresgerais das grandes companhias106 Muitos outros estudos107 de processos decisórios ao longo de varias décadas nos países desenvolvidos convergem para a confirmação do que apresentamos neste capítulo a fase de decisão é um momento da dinâmica de uma Política Pública tão complexo e interrelacionado com os demais quanto qualquer outro Já advertimos anteriormente para o perigo do fascínio pela decisão o nascimento de uma Política Pública não deve ser assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante O processo decisório a psicologia de quem decide os acontecimentos que ocorrem no momento em que se fixam as opções os raciocínios que conduzem às escolhas são elementos importantíssimos para o resultado final da ação pública e o decisor legitimado politicamente é na maioria dos casos aquele que põe em marcha as atividades internas do processo decisório No entanto ainda que seja ele quem assina e resolve em última instância tem de apoiar se em opções de soluções concretas cuja formulação detalhada tecnicamente constituída é feita por terceiros que reforçam assim pela via do conhecimento aplicado à decisão a própria legitimidade da mesma agora sob a ótica do conteúdo Além disso o processo decisório não existe de per si não tem sentido sem os acontecimentos anteriores às atividades de decisão as condições em que nasce o problema considerado as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema e por outro lado não pode ser visto em sua relação com a Política Pública sem considerar seus desdobramentos na implementação 105 Gomà Subirats 1998 pp 401402 descrevendo as políticas de educação e saúde levadas a cabo na Espanha da última década do século XX 106 Rodrigues 1982 pp 129130 as agudas observações de um intelectual brasileiro no Texas dos anos 60 em plena luta pelos direitos civis e pela ampliação dos direitos sociais no contexto da Nova Fronteira do governo Kennedy 107 Resenhados em Mény Thoenig 1992 pp 131135 96 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Aproximação ao caso brasileiro Levando em conta a instabilidade e fluidez das estruturas institucionais e dos padrões político administrativos de países em desenvolvimento caracterizados por democracias do tipo delegativo como é o caso do Brasil podemos concluir que nesses países mais ainda do que em democracias consolidadas a policy analysis deve enfocar os fatores condicionantes das Políticas Públicas polity e Politics dando ênfase na sua dimensão processual a fim de poder fazer justiça à realidade empírica bastante complexa e em constante transformação FREY 2001 p 251 O enfoque da nossa disciplina é essencialmente metodológico voltado ao estudo dos conceitos e instrumentos de análise do processo de Políticas Públicas Por isso mesmo buscamos apoio nos conceitos teóricos disponibilizados em nível internacional independentemente da origem Escapa nos por inalcançável a possibilidade de estabelecer um estudo sistematizado do processo histórico de atuação do Estado brasileiro possibilidade esta que exigiria o recurso a análises históricas bastante mais extensas com outro foco e diferentes instrumentos Não podemos no entanto deixar de oferecer uma pequena janela sobre a realidade latinoamericana e brasileira para ilustrar a circunstância inescapável de que como lembra o breve trecho que abre esta seção a análise de qualquer Política Pública não poderá deixar de considerar as relações entre o conteúdo da política as regras e mecanismos institucionais e suas fragilidades e o comportamento real dos atores ou nos termos em que colocamos anteriormente a policy somente se compreende integralmente se vista em conjunto com a Politics e a polity Iniciando com uma visão mais geral uma síntese interessante do funcionamento do mecanismo governamental brasileiro pode ser encontrada no conceito de regime de obediência débil à semelhança de todos os países latinoamericanos108 Este tipo de regime caracteriza países cujas estruturas e práticas institucionais de poder político e ação estatal dependem fundamentalmente da sua interação com interesses privados Isso decorre do caráter incompleto do pacto que sustenta a organização política e institucional que revela a fragmentação social do uso recorrente dos mecanismos de exceção para governar fator dominante de precariedade política e da cultura do atalho como mecanismo de sobrevivência social que submerge os procedimentos públicos no rastro da informalidade Tratemos cada um desses fatores com mais vagar A informalidade no âmbito da Política Pública caracteriza a instrumentalização quase permanente das instituições por lógicas privadas individuais grupais ou de facções políticas ou a forma como os interesses privados dominam os âmbitos estatais utilizandoos em busca de um benefício determinado Repare que não se trata da luta política aberta que representa exatamente a defesa de posições parciais para obter a sua implantação pelo Estado mas sim o controle direto desse mesmo Estado ou frações dele não para que execute o papel de promotor de uma lógica comum ou compatibilizadora dos interesses parciais mas para que adote como seus os fins do grupo privado que nele penetrou As instituições governamentais veemse assim oscilando entre dois extremos a manutenção e mesmo ampliação da mais precisa e extrema formalidade jurídica que chega a ser entendida como desenvolvimento institucional e a mais vigorosa informalidade dos 108 Torres pp 114120 De especial importância o fato de que o modelo de obediências débeis é uma tentativa de buscar traços comuns a muitas experiências históricas latinoamericanas o que permite uma interessante síntese dos aspectos principais do problema que ressaltamos 97 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV particularismos que internamente as dominam Assim as lógicas privadas e as facções políticas capturam e definem cada sentença judicial cada lei e cada tarefa de governo As instituições e as ações estatais são mobilizadas porque há um interesse particular que as impele a fazêlo porque há alguém que as converte em instrumento TORRES 2006 p 117 Por sua vez os mecanismos clássicos de organização e participação política nas democracias de tipo ocidental servem precariamente a essa função nos regimes de obediência débil os partidos políticos não conseguiram constituirse em instâncias de cristalização e explicitação dos interesses e tensões latentes na sociedade a ação política dos grupos de interesse fazse diretamente privadamente e a participação dos partidos termina por ser tão instrumentalizada quanto o domínio do Estado acima referido Na micropolítica das decisões o intercâmbio de favores e pressões sobre os agentes políticos individuais termina por imporse sobre quaisquer considerações de discussão institucional ou programática Por fim a fragmentação social implica a indisponibilidade da vontade coletiva de aderir a regras comuns e impessoais e menos ainda de sustentálas ou de agir organizadamente em defesa explícita e aberta de interesses particulares na arena política os cidadãos não costumam se organizar em torno de interesses específicos desde Tocqueville um dos elementos fundamentais para preservar a liberdade política na democracia de massa mas que eles deixam se levar pelas paixões e emoções instantâneas FREY 2001 p 245 Sob tais condições a prática das decisões em Política Pública afastase significativamente das condições da moderna democracia institucional aquelas que estudamos como o estado da arte ainda assim este afastamento não pode ser assumido ostensivamente na medida em que se choca com todo o ideário político de democratização e modernização homologandose aos principais países ocidentais Sintetiza Frey 2001 p 249 adequadamente este dilema Porém em face da disseminação irresistível do ideário democrático por um lado e à fragilidade e precariedade das novas instituições democráticas por outro encontramos várias instituições não formalizadas que desempenham a função de sustentáculos do poder oligárquico e exercem influência decisiva nos processos políticoadministrativos ODonnell menciona sobretudo o clientelismo o patrimonialismo e a corrupção ODonnell 1991 p 30 O agir estatal e administrativo se baseia em formas clientelistas de interação visa mais ao caso individual e não soluções coletivas A política efetiva não vem sendo produzida e implementada ou só em proporções limitadas dentro das instituições e de acordo com os procedimentos formalmente previstos na Constituição ou nas leis orgânicas dos municípios e segue só de forma restrita os padrões de política aspirados teoricamente com os respectivos arranjos institucionais e procedimentais Sob estas tensões a linearidade dos modelos de processo decisório é claramente ultrapassada passam a coexistir no miolo mesmo da decisão agentes agências e discursos cujos interesses evoluem sempre de maneira incerta A invocação do interesse público nestes casos estará sempre sob a suspeita de encobrir diretamente um interesse privado as limitações universais da racionalidade limitada podem ser utilizadas como mero pretexto para a conversão da racionalidade 98 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS do Estado enquanto um ponto distinto das racionalidades individuais ou grupais em racionalidade de um único interesse particular Neste sentido o processo decisório não apenas é capturado diretamente pelo conflito de interesses particulares mas prossegue ao longo da execução Não apenas se alimenta o conflito nos termos distorcidos que apresentamos nesta última seção no âmbito da definição dos fins das Políticas Públicas mas a disputa pela apropriação da ação pública prossegue na medida em que as políticas avançam da decisão para a implementação A estruturação das Políticas Públicas é percebida como um processo que pode modificar sentido e conteúdo na medida em que os enunciados tenham de ajustarse aos contextos em que devam ser levados à prática Os objetivos iniciais podem ser subestimados pelos novos objetivos operacionais sua hierarquia podese ver invertida e os meios utilizados de facto podem ter origem num compromisso político econômico ou institucional e assim diferir dos meios previstos in abstracto MONNIER 1991 p 136 Operacionalmente os enunciados de política formalizados pelo decisor e levados às instâncias de implementação passam a ser objeto da negociação sobre os meios Este confronto envolve por igual os agentes políticos e aqueles de inserção formalmente burocrática servidores de carreira ambos impactados pela dinâmica da negociação e fazendo com que as relações hierárquicas e funcionais no âmbito do setor público fiquem condicionadas fortemente pela dinâmica das relações políticas A alguns parecerá talvez uma descrição um pouco carregada nas tintas De fato são tendências entrevistas no funcionamento real das nossas sociedades É preciso oferecer ao leitor um contraste também teórico ao modelo tradicional A resposta corroborativa dessa nova teoria exigiria uma revisão exaustiva dos casos históricos afinal os estudos de Políticas Públicas enfocam basicamente casos empíricos e seus resultados têm portanto pelo menos em um primeiro momento apenas validade situacional No entanto existem amplos precedentes e graves de políticas implantadas no Brasil em maior ou menor grau sob os parâmetros aqui levantados Veremos um caso paradigmático a definição pelo Congresso Nacional do orçamento federal Diante da essencial função legislativa de autorização da despesa pública como se comportam os deputados e os senadores na condição de titulares dessa decisão A pesquisa em profundidade de Marcos Otávio Bezerra sobre tais processos decisórios oferece um quadro bastante grave Os recursos remanejados pelos parlamentares durante a fase legislativa de elaboração do projeto de Lei Orçamentária isto é aqueles utilizados para a elaboração das emendas parlamentares incidem somente sobre uma parcela do recurso total do orçamento da União Ter uma ideia mais precisa do que significa essa parcela é um passo importante para se compreender a atuação dos parlamentares na elaboração do orçamento Como tem sido divulgado entre outros pelos próprios parlamentares o valor remanejado por meio da apresentação das emendas individuais e coletivas tem correspondido nos últimos anos a menos de 2 do total do orçamento Essas emendas incidem sobre os recursos destinados a investimentos Ao interesse dos parlamentares em aprovar recursos para suas bases eleitorais se opõe a concepção de que a discussão do orçamento em sua fase legislativa deve 99 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV priorizar a análise das grandes questões nacionais Apesar desta posição ser defendida por alguns deputados senadores e técnicos das assessorias de orçamento as evidências apontam para o fato de que são as discussões a respeito das emendas para as bases o que realmente mobiliza os parlamentares Alguns meses antes do início das investigações da CPMI do Orçamento em um aparte o senador Jutahy Magalhães chamava atenção para esta questão Nós nos preocupamos com a divisão de recursos pelos parlamentares mas não nos preocupamos com a política global voltada para o interesse nacional ALUÍSIO BEZERRA Críticas ao Orçamento da União discurso pronunciado em 26393 p 5 As emendas que têm por objetivo o desenvolvimento de programas nos estados e municípios aos quais os parlamentares estão politicamente vinculados são designadas comumente como emendas paroquiais O termo tem um sentido pejorativo é utilizado em comparação com as emendas voltadas para as questões tidas como mais amplas e remete à preocupação dos parlamentares com a destinação de recursos para suas bases eleitorais Se esse tipo de emenda é tida como paroquial os parlamentares que as elaboram não raras vezes são rotulados como vereadores federais e o orçamento da União por conseguinte devido à natureza dos projetos aprovados pequenos projetos é comparado com os orçamentos Municipais A aproximação do poder federal do poder municipal é fundada na constatação de uma certa continuidade nas práticas políticas relacionadas à elaboração do orçamento nessas duas dimensões do poder público A obtenção de recursos federal estadual ou municipal para o atendimento de demandas particularísticas ou seja de recursos que são dirigidos para as localidades às quais os políticos são vinculados parece ser uma preocupação presente em distintas instâncias políticas e neste sentido um elemento significativo da atividade política A prioridade dada pelos parlamentares à aprovação de emendas que atendam aos interesses de suas bases eleitorais manifestase por exemplo no tempo gasto nas discussões sobre estas emendas e aquelas relativas às macroalocações Técnicos das Assessorias de Orçamento do Congresso indicam onde se concentram os interesses dos parlamentares cujas energias são mobilizadas em torno da parcela de recursos que podem ser realocados para a implementação de projetos locais Observese o que diz Orestes um dos informantes O Congresso gasta 99 de tempo de discussão do orçamento discutindo isso que representa 15 a 3 do orçamento E não discute o resto das macroalocações do orçamento Mas esse diagnóstico contém também um julgamento a respeito da atuação dos parlamentares no que concerne à elaboração do orçamento Isto fica mais claro no comentário efetuado por outro técnico Garcia Lamentavelmente o que predomina ainda nas reuniões da Comissão ou das Subcomissões é a discussão em torno dessa porcaria emendas paroquiais O relator setorial numa área qualquer ele perde 90 do tempo dele discutindo com cada parlamentar as emendinhas de caráter paroquial e os outros 10 é que ele vai cuidar realmente das emendas de interesse coletivo Aos olhos dos técnicos essa é uma posição frequente nas Assessorias e de alguns parlamentares as emendas paroquiais são valoradas negativamente e consideradas como de menor importância 100 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS na discussão do projeto de lei orçamentária Este julgamento está assentado na concepção reforçada pelas assessorias técnicas de que os parlamentares devem concentrar seus interessas na discussão das grandes questões e prioridades nacionais Neste sentido estes tendem a incentivar e valorizar os debates a respeito das emendas coletivas bancadas e comissões Apesar das críticas à prioridade concedida pelos parlamentares às emendas individuais do ponto de vista de seu significado político há técnicos das Assessorias que consideram a aprovação das mesmas como um direito Como informa Garcia Os vereadores federais têm todo direito de pleitear obrinhas de menor porte para os municípios porque seguramente eles também estão sendo pressionados pelos prefeitos e vereadores locais Essas emendas são julgadas como um direito quando considerada da perspectiva da lógica das relações que vinculam os parlamentares às lideranças políticas estaduais e municipais No entanto se o referencial é o papel do Congresso na elaboração do orçamento este interesse dos parlamentares passa a ser questionado quando é predominante e exclusivo ou seja sobrepõe se à discussão sobre as obras e programas de abrangência nacional A atuação dos parlamentares é vista como crítica quando estes cuidam exclusivamente de seus interesses BEZERRA 1999 pp 6671 Não podemos excursionar muito sobre esta realidade sob pena de abrir uma nova frente de estudo tão ou mais ampla que a totalidade da nossa disciplina Estas últimas observações são uma matização do processo teórico um alerta no sentido de que a teoria é um instrumento para compreender a realidade e a arte da análise de políticas como aliás a análise de todo o universo da Gestão Pública está em combinar o rigor da teoria com a força da realidade dos fatos históricos utilizando a análise teórica como bússola para discernir os grandes movimentos da história Ao final de toda a discussão sobre o processo de decisão reflita sobre mais algumas questões importantes Uma Política Pública estará inteiramente definida quando se fixam seus enunciados ou seja a decisão formal por adotar tal ou qual medida As condições em que é levada à prática uma Política Pública afetam os seus resultados diante de objetivos formulados no processo político 101 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO É o que veremos no próximo capítulo que vai discutir a implementação das políticas Até lá Infelizmente a experiência também já nos ensinou que até as mais perfeitas e acabadas ideias podem fracassar quando chega a hora da sua execução seja por hesitações de último momento seja por desajuste entre aquilo de que se estava à espera e aquilo que realmente se obteve seja porque se deixou fugir o domínio da situação num momento crítico seja por uma lista de mil outras razões possíveis que não vale a pena estar a esmiuçar aqui nem teríamos tempo para examinar por tudo isto tornase indispensável ter sempre preparada e pronta para aplicar uma ideia substituta ou complementar da anterior que impeça como neste caso poderia ocorrer o surgimento de um vazio de poder outra expressão essa mais temível é o poder na rua de desastrosas consequências SARAMAGO 2004 p 64 Uma vez mais recorremos à visão literária sobre o mundo para fomentar a meditação sobre algo tão múltiplo como o estudo da ação pública Pense bem uma vez decidida pela autoridade pública uma determinada linha de ação terá ela automaticamente seguramente a ação desejada Mais ainda o que será realizado em seu nome será aquilo que foi intencionado Já vimos que algumas realidades históricas como que estendem o processo de decisão o processo de disputa entre diferentes alternativas além da apresentação dos enunciados de políticas Será isto uma distorção específica de determinadas trajetórias nacionais ou este raciocínio terá uma aplicação mais universal 102 CAPÍTULO 1 Desafio da implementação Um estudo da implementação é um estudo da mudança como ocorre a mudança possivelmente como ela pode ser induzida É também um estudo da microestrutura da vida política como as organizações dentro e fora do sistema político conduzem seus negócios e interagem umas com as outras o que as motiva a agir da forma como agem e o que as poderia motivar a agir de forma diferente JENKINS 1978 p 203 apud PARSONS 1989 pp 461462 De acordo com o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas estaremos agora na hora de colocar as soluções em prática Intuitivamente nada mais simples uma vez que se decide passar à execução daquilo que foi decidido É claro que a enunciação de um marco normativo de intenções textos legais documentos discursos encontra seguimento na adoção de providências concretas Esta tomada de medidas práticas é inclusive identificável em suas grandes linhas podendo configurar com clareza uma etapa própria em nosso modelo de ciclo de políticas Ocorre que a realidade como sempre ocorre no universo de Políticas Públicas não é nunca tão linear A formulação das políticas não termina com a sua aprovação a política está sendo decidida à medida que é aplicada e está sendo aplicada à medida que vai sendo decidida HOLT 1975 p 98 apud PARSONS 1989 p 462 Parafraseando a frase já clássica sobre guerra e política109 a implementação é a continuação da formulação da política por outros meios A tradição dos estudos em Ciência Política e Administração envolvendo as Políticas Públicas no entanto tem enfatizado uma demarcação bastante rígida entre política e administração a primeira concluiria com a decisão com a emissão de enunciados formais a segunda principiaria nos enunciados da política sendo o papel do administrador levar a cabo as decisões adotadas pelos formuladores das políticas A interrelação entre os políticos aqui entendidos como tomadores de decisão os administradores e os demais prestadores de serviço envolvidos na mettre en oeuvre têm sido até as últimas décadas uma espécie de elo perdido no processo de políticas A política era julgada e analisada em função das decisões e dos tomadores de decisão e não em função dos executores nas ruas Esta posição tem também reforço na tradição inglesa de governo que embora não tenha sido transplantada a muitos outros países110 tem uma ascendência fortíssima sobre o imaginário e os mitos fundadores da maioria dos países ocidentais na arquitetura de governo surgida das revoluções inglesas e de sua longa evolução parlamentarista existe conceitualmente uma espécie 109 Na linguagem comum a guerra é a continuação da política por outros meios Mais precisamente guerra nada mais e que a continuação do intercurso da política com a inclusão de outros meios CLAUSEWITZ apud HUNTINGTON 1996 p 75 A ideia de parafrasear Clausewitz está em Parsons 1989 p 462 110 Podese dizer em grandes linhas que tal tradição alcançou plenamente as estruturas de governo dos países escandinavos Dinamarca Noruega Islândia Suécia grandes países da Commonwealth Canadá Austrália Nova Zelândia e inspirou formalmente embora a igualdade das práticas seja questionável os demais países daquela Comunidade mas não transladou se aos países da Europa Continental nem aos Estados Unidos 103 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V de muralha chinesa entre um andar superior político que os objetivos das ações públicas e todo o restante do edifício composto por uma burocracia profissional e politicamente neutra que leva adiante as medidas que se lhe encomendam com a única restrição de manter a observância estrita das leis e regulamentos Este modelo um tipo ideal weberiano por excelência não é evidentemente capaz de abranger a dinâmica do funcionamento do Estado moderno e de fato não chegou a ter a predominância mesmo teórica ou ideológica em outros tipos de sociedade como os da Europa continental Vejamos primeiro a visão tradicional convencional do que é implementação O modelo tradicional top down Três crenças fundamentais dão suporte à visão convencional da implementação a administração pública responsável por levar a efeito as medidas decididas pelos políticos funciona como uma pirâmide hierarquizada e centralizada uma ordem emitida da cúpula dessa pirâmide é suficiente para que todos os escalões obedeçamna e transmitamna integralmente até aqueles que na base devem executar diretamente as tarefas que envolve a decisão corre de cima para baixo o que representa exatamente a denominação top down para o modelo existe uma muralha chinesa uma distinção radical entre o universo político aqueles escolhidos por eleições e o administrativo funcionários profissionais politicamente neutros e cada um desses grupos tem uma lógica própria não adotando a lógica do outro a atividade administrativa tem por princípio básico a eficiência a otimização dos resultados frente aos recursos esta eficiência deriva de métodos de trabalho e procedimentos cientificamente desenhados para obter a otimização instrumental do trabalho Em consequência desses princípios não existe praticamente autoridade discricionária nenhuma liberdade de ação aos escalões de execução das políticas a decisão encontrase no topo da pirâmide não em sua base Por isso implementar no modelo top down significa que quem decide o político e ao longo da cadeia de comando o superior hierárquico da escala administrativa atribui ao executor o subordinado na hierarquia administrativa uma determinada tarefa com base em critérios técnicos impessoais de competência e de legalidade a Política Pública se comunica e entrega ao executor sob a forma de interações específicas predeterminadas e formais procedimentos operacionais e programas de atividades 104 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO o executor põe em prática as instruções de acordo com os objetivos e indicações formulados pelo tomador de decisão Uma descrição ainda mais precisa do modelo top down é dada por Hood WILEY 1976 apud PARSONS 1989 pp 465 ORDENS A IMPLEMENTAÇÃO ESTÁ A CARGO DE UMA ORGANIZAÇÃO UNITÁRIA CENTRALIZADA À IMAGEM DE UM EXÉRCITO AS NORMAS SÃO APLICADAS INCONDICIONALMENTE E OS OBJETIVOS FORMULADOS INEQUIVOCAMENTE AS PESSOAS ENVOLVIDAS CUMPREM RIGOROSAMENTE AS ORDENS RECEBIDAS EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO DENTRO DAS UNIDADES DA ORGANIZAÇÃO E ENTRE ESTAS NÃO EXISTEM PRESSÕES DE TEMPO OU CRONOGRAMA Portanto no enfoque top down a influência da implementação é apenas instrumental existe uma separação radical no conteúdo nas responsabilidades e no tempo entre a concepção de uma política e sua implementação Levar à prática é um processo linear que desce do topo até a base da pirâmide hierárquica o topo governa pela definição do sentido e dos fins e pela manutenção do rigor hierárquico e a base aplica por observância da hierarquia A passagem do topo à base ou do centro à periferia representa a transformação dos objetivos em meios a substituição da política pela técnica a desaparição dos desafios de conflito em favor das racionalidades da gestão O enfoque é melhor compreendido no esquema gráfico a seguir O enfoque Top down da implementação FORMULAÇÃO DE DECISÃO EXECUÇÃO INSTRUMENTAL IMPACTO DA POLÍTICA SOBRE A SOCIEDADE Tempo decorrido Topo de hierarquia Base de hierarquia Esta visão convencional por seu lado tem muitas razões para assumir esta forte ascendência na cultura das administrações públicas da mídia e do público É razoavelmente simples de compreender é compatível com o discurso formal de governo e administração pública oriundo da doutrina jurídica de características normativas o dever ser por fim tem o grande mérito de ser voltada para a ação enfatiza o movimento na realização prática das decisões formais No entanto e como tantas vezes temos tido que enfatizar em nosso curso de Políticas Públicas o mundo real não é tão simples nem linear Em termos teóricos a validade preditiva de qualquer 105 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V modelo top down na implementação de um programa dependeria da existência no mundo real de uma série de pressupostos extremamente fortes111 Pressupostos teóricos dos modelos Top down NÃO EXISTEM RESTRIÇÕES EXTERNAS À AGÊNCIA GOVERNAMENTAL RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO EXISTEM TEMPO E RECURSOS ADEQUADOS DISPONÍVEIS PARA A EXECUÇÃO DO PROGRAMA NA PROPORÇÃO CORRETA EM TODAS AS ETAPAS DA EXECUÇÃO DO PROGRAMA A POLÍTICA ESTÁ BASEADA EM UMA TEORIA DE MUDANÇA SOCIAL VÁLIDA OU SEJA EXISTE REALMENTE UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE AS INTERVENÇÕES REALIZADAS E AS CONSEQUÊNCIAS ESPERADAS ALÉM DISSO A RELAÇÃO É DIRETA E EXISTE POUCA OU NENHUMA INTERAÇÃO CRUZADA COM OS EFEITOS DE OUTRAS POLÍTICAS EXISTE UMA ÚNICA AGÊNCIA RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO QUE NÃO DEPENDE DE TERCEIROS PARA O SEU SUCESSO EXISTE COMPREENSÃO E CONSENSO SOBRE OS OBJETIVOS A ATINGIR ANTES E DURANTE TODA A EXECUÇÃO AS TAREFAS A CARGO DE CADA EXECUTOR NECESSÁRIAS AO ATINGIMENTO DOS OBJETIVOS PODEM SER ESPECIFICADAS EM PERFEITO DETALHAMENTO E SEQUÊNCIA EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO E COORDENAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES EXECUTORES DO PROGRAMA AQUELES EM POSIÇÃO HIERÁRQUICA SUPERIOR PODEM EXIGIR E OBTER PERFEITA OBEDIÊNCIA DE SEUS SUBORDINADOS SEM QUALQUER RESISTÊNCIA DOS EXECUTORES FRENTE À AUTORIDADE QUE DECIDE Ora mesmo a nível teórico são condições cuja ocorrência é pouco convincente pouco mais que um devaneio ou wishful thinking Na própria pesquisa acadêmica os mais diferentes estudos empíricos há várias décadas insistem em descobrir que o que acontece na base da pirâmide no local onde as decisões políticas deveriam ser convertidas em produtos concretos o que ocorre é muito mais complexo e diferente do que se esperaria no raciocínio top down Esta é a origem de uma das expressões mais importantes da análise de Política Pública o conceito de implementation gap deficit de implementação numa tradução livre Os resultados esperados mesmo com um planejamento cuidadoso não são aqueles que se espera são menores ou são simplesmente diferentes Na verdade não só os resultados finais mas as ações mesmas executadas pelos agentes da política estatal são diferentes das que constavam do plano enunciado Deficit de implementação ou Implementation gap Resultados PREVISTO OU PLANEJADO REALIZADO EXECUÇÃO DAS AÇÕES PRESCRITAS ATIGIMENTO DOS OBJETIVOS Tempo decorrido DEFICIT DE IMPLEMENTAÇÃO 111 A especificação teórica dos pressupostos a partir de um estudo metodológico dos diferentes modelos pode ser encontrada em Gunn Lewis Why is implementation so dificult Management Services in Government 3316976 apud Parsons 2001 pp 465466 também mencionado em Mény Thoenig 1992 pp 162163 106 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO O gráfico anterior nos dá uma imagem conceitual para o deficit de implementação Os executores possuem na prática uma importante autonomia de ação independentemente das prescrições legais não dependente da racionalidade que os escalões superiores enunciam autonomia esta feita em torno dos jogos de influência e de negociações em torno da aplicação das normas e dos procedimentos sobre o mundo real A autoridade que concebe e enuncia a política encontrase muitas vezes demasiado distante dos executores as muitas políticas faltam clareza e precisão na formulação das medidas concretas destinadas a alcançar o objetivo desejado seja por seu caráter excessivamente sucinto ou excessivamente abstrato seja pelas complicações que incidem sobre ela reações hostis da opinião pública interesses particulares de capturar a política ou seus efeitos para fins privados uma série de condições que foram assumidas como hipóteses portanto não são verificadas no mundo real MényThoenig oferece um exemplo clássico de implementation gap o governo federal americano formulou uma política de fomento ao desenvolvimento de empresas na cidade de Oakland mediante a subscrição direta de capital em empresas num montante de 23 milhões de dólares que geraria 3000 empregos novos ao final de três anos foram aplicados apenas 4 milhões de dólares que geraram 68 novos empregos MÉNY THOENIG 1992 p 164 Na realidade brasileira a área de segurança pública112 é um exemplo de que essa diferença entre o mundo normativo ou prescrito e o mundo real é absolutamente dramática Veja o testemunho de alguns policiais a respeito da diferença entre a política fixada e a realidade nas pontas Muitas vezes o que ocorre na polícia O pessoal que faz a parte de administração o pessoal interno que não tem acesso ao dinheiro do bicho ao dinheiro do balcão acaba cobrando tudo ao pessoal das delegacias Cobra carbono cobra gasolina cobra pneu cobra conserto do carro Por isso quando a polícia reclama que não tem viaturas que não tem papel isso muitas vezes não é verdade O Estado todo mês dá as cotas de papel e de material de expediente paga os consertos de viaturas dá verba para a manutenção paga combustível só que muito disso é desviado e é preciso pagar ou então comprar no comércio As delegacias que têm acerto com contravenção com ferrosvelhos frequentemente usam parte do dinheiro para a sua própria manutenção A corrupção então é justificada como forma de manter a delegacia funcionando O jogo do bicho trabalhou muito tempo com isso Se ele dava R 30 mil por mês para uma delegacia o delegado tirava R2 mil ou R3 mil para a manutenção É surrealista essa situação113 O verbo é trabalhar Quando o subordinado chama o comandante pelo rádio e pergunta chefe posso trabalhar o meliante está pedindo autorização para fazêlo cantar ou seja para fazêlo contar o que sabe Da mesma forma que o governador autoriza o secretário de segurança a autorizar o comandante da PM a autorizar o policial quando lhe diz Faça o que for necessário para resolver o problema O governador dorme o sono dos justos o secretário descansa em berço esplêndido 112 Mencionamos a segurança pública porque o debate nacional recente sobre o assunto suscitou uma grande e documentada polêmica sobre as dificuldades da implementação de políticas eficazes Portanto o fato de que os problemas policiais são utilizados aqui como exemplo não significa que são mais críticos que os do sistema prisional ou dos hospitais públicos ou do judiciário para dar apenas mais alguns exemplos apenas vêm sendo melhor e mais fartamente documentados 113 Depoimento do delegado Hélio Luz que foi Chefe de Polícia no Rio de Janeiro entre 1995 e 1997 apud Benjamim 1998 p 25 107 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V o comandante repousa como um cristão e o soldado lá na ponta suja as mãos de sangue Se der m o bagulho estoura no elo mais fraco é claro Quem paga o pato é o soldado Quem frequenta as listas das entidades internacionais de direitos humanos é o soldado O governador é ambíguo para descansar em paz o secretário é sutil para preservar a consciência o comandante cultiva os eufemismos e opta pelo vocabulário enviesado para proteger a honra e o emprego Sobra para o soldado que bota pra f por dever de ofício É curioso a ambiguidade só pode ser cultivada nos ambientes solenes do Palácio do Governo onde a impostura e a violência são adocicadas pela coreografia elegante da política Quando a arena é a favela os rituais são outros menos sofisticados Na praça de guerra não há espaço nem tempo para a solenidade e as ambivalências O que era doce fica amargo azeda e cai de podre A gente que atua lá na ponta da cadeia de decisões colhe o fruto podre e faz o que pode para digerir SOARES BATISTA PIMENTEL 2008 p 37 Enfim é preciso buscar novas abordagens marcos analíticos mais humildes por isso mais potentes que tentem dar conta de toda a complexidade real do processo de implementação Visões alternativas e tentativa de um marco analítico Desde os anos 1970 em especial a literatura vem produzindo modelos mais próximos desta perspectiva incorporar o papel dos agentes técnicos e políticos na implementação considerados como agentes com interesses portanto nem neutros nem passivos enxergar na implementação a potencialidade de influir no próprio conteúdo da política escolhida aceitar que o compromisso entre posições antagônicas é característica inseparável da ação política e em maior ou menor grau persiste ao longo de todo o ciclo de políticas Sobre este último ponto inclusive muitas políticas são intencionalmente ambíguas abstratas ou vagas pois definilas com precisão significaria fazer escolhas que o tomador de decisão não tem capacidade política para impor o que implica em que paradoxalmente se transfira aos executores na base da pirâmide o encargo de decidir o conteúdo real das políticas o exemplo anteriormente citado da intervenção policial nas áreas de favelas revela bem essa descentralização forçada por impasses na cúpula Além disso numa sociedade moderna os atores sociais são capazes de reagir com diferentes graus de eficácia às políticas formuladas pelo governo os possíveis beneficiários podem não reconhecer uma intervenção como benefício e sentirse agredidos os adversários mobilizam todo o leque de recursos de que dispõem para bloquear desviar mitigar criar exceções Com estes cuidados podemos avançar também baseados em Mény Thoenig 1992 pp 168 174 na criação de um marco analítico alguns perfis de análise da implementação de Políticas Públicas Não se trata de um instrumento normativo prescritivo do tipo deve ser assim mas ao contrário uma lente que focaliza os elementos principais Este marco decompõese em uma teoria do processo de mudança que evidencia as hipóteses feitas pelo tomador da decisão acerca das causalidades que a política vai pôr em marcha 108 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO um sistema de ação ou leque de mecanismos utilizados para concretizar o processo de mudança Evidenciar a teoria do processo de mudança Como já dissemos antes executar é aplicar um programa de ação a um problema situação ou comportamento A Política Pública deseja modificar alguma situação social e portanto um certo número de pessoas terá o seu comportamento transformado em alvo dos executores114 tratase de intervir para influenciar por diversas formas de persuasão e coerção a ação de indivíduos ou grupos Num exemplo bastante simples uma política de trânsito pode consistir em uma presença ostensiva de policiais nas estradas fazendo barreiras controles por radar lançando multas distribuindo folhetos e oferecendo orientações todos estes meios com o objetivo de alterar o comportamento dos condutores para que não ultrapassem a velocidade máxima permitidas É preciso reparar que existem várias causalidades numa política geral tanto as de nível global referentes aos grandes objetivos da política quanto as de natureza operacional envolvendo as pequenas ações encadeadas que compõem a política No exemplo citado existe uma hipótese mais global que a presença da polícia na estrada reduzirá o número de acidentes que se compõe de uma série de causalidades Determinação emanada da autoridade de trânsito fará os policiais executarem as medidas prescritas na forma preconizada Ação dos policiais será capaz de induzir os condutores a manterse dentro da velocidade máxima recomendada Redução da velocidade será capaz de reduzir a ocorrência de acidentes Para analisar a implementação portanto é preciso deixar explícitos os principais elementos dessa sequência de causalidades Para tanto alguns traços podem ser levantados Ora mesmo a nível teórico são condições cuja ocorrência é pouco convincente pouco mais que um devaneio ou wishful thinking Na própria pesquisa acadêmica os mais diferentes estudos empíricos há várias décadas insistem em descobrir que o que acontece na base da pirâmide no local em que as decisões políticas deveriam ser convertidas em produtos concretos o que ocorre é muito mais complexo e diferente do que se esperaria no raciocínio top down Esta é a origem de uma das expressões mais importantes da análise de Política Pública o conceito de implementation gap déficit de implementação numa tradução livre Os resultados alcançados mesmo com um planejamento cuidadoso não são aqueles que se espera são menores ou são simplesmente diferentes Na verdade não só os resultados finais mas as mesmas ações executadas pelos agentes da política estatal são diferentes das que constavam do plano enunciado 114 É possível imaginar situações pontuais em que a ação da política seja voltada exclusivamente a alvos físicos ex a construção de estrada no entanto é muito difícil conceber que a ação sobre o meio físico não tenha como consequência alguma modificação no padrão de comportamento social no exemplo dado a utilização posterior da estrada construída com a redução de custos na atividade econômica derivada dessa utilização 109 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V CAUSALIDADES IMPLÍCITAS NA POLÍTICA A TEORIA DE MUDANÇA SOCIAL OBJETIVOS ENUNCIADOS Existem critérios quantitativos ou qualitativos explicitados pela autoridade pública quanto aos resultados a serem atingidos pela política Esses critérios são precisos ou ambíguos São rígidos ou flexíveis POPULAÇÃO AFETADA Existem hipóteses sobre a forma de reação da população afetada Esperase que se conformem que resistam que apóiem ou se adaptem com mudanças de comportamento Como a política interage com a população Oferece incentivos Impõe limitações ou exigências Simplesmente oferece serviços independentemente da resposta É uma combinação dessas formas de interagir HORIZONTE TEMPORAL Existem prazos fixados ou previstos para a realização das tarefas de execução e para a obtenção dos resultados Esses critérios estão definidos de forma precisos ou ambígua Representam etapas escalonadas no tempo ou fixam apenas um limite final EXECUTORES MOBILIZADOS Existem postulados ou expectativas em relação à sua atuação Esperase que obedeçam por respeito à hierarquia ou por adesão ativa ao conteúdo da política Seu interesse em apropriarse da execução é marginal ou prioritário em relação a suas atividades diárias Lidam com um problema único tratado por uma política definida ou tratase de simplesmente mais uma atividade entre outras É interessante estender as considerações sobre alguns aspectos Primeiro os aspectos de prazo são chave para analisar a implementação A autoridade pública administra um hiato temporal legisla ou decide em um momento t suas prescrições podem aplicarse desde o dia seguinte ou alguns meses mais tarde por exemplo uma obra de grande porte demanda necessariamente vários meses desde a decisão até o primeiro movimento de terrra a execução pode continuar indefinidamente ou por um prazo mais dilatado no entanto a situação do problema no tempo t n não necessariamente corresponde àquela em t outros fatores sociais podem ter modificado as condições originais a execução mesma pode ter afetado estas condições outros fatores podem ter influenciado no contexto social em que a política deve ser executada115 Também o comportamento dos executores precisa ser qualificado como veremos na seção posterior para colocar em prática uma determinada política uma autoridade depende de terceiros agências técnicas servidores públicos outros entes políticos como governos locais e municipais organizações não governamentais Ora estes agentes não são neutros têm seus próprios interesses o analista deve tentar pensar sobre as consequências desses interesses sobre o resultado final da política Qual será a racionalidade do executor frente à do decisor Terá ele o incentivo a pôr a mão na massa com o esforço que seria necessário para obter os resultados previstos Existe apenas um executor possível a cargo de todas as etapas ou a responsabilidade é compartilhada por vários 115 O exemplo mais forte dessa defasagem temporal que apesar de caricato é autêntico é a legislação básica do direito comercial do Brasil formalmente a fonte do direito comercial brasileiro em 2007 permanece sendo o Código Comercial de 1850 Lei no 556 de 25 de junho de 1850 De fato o Código Civil de 2001 ao estabelecer dispositivos de direito comercial tem o cuidado de revogar individualmente determinadas partes daquela lei centenária sem afastála na totalidade 110 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO indivíduos ou grupos De outro lado podese levar adiante a política com vários executores em paralelo ou talvez competindo entre si Perceber o sistema de ação Não se deve cair na tentação simplificadora de acreditar que toda Política Pública engendra automaticamente um processo de execução específico uma política dada não é necessariamente o problema principal de que se ocupa o executor por exemplo a obrigação de implantar uma política intensiva de trânsito possivelmente representa um fardo adicional nem sempre desejado para uma unidade policial que já tem a responsabilidade de prevenção e repressão da criminalidade na área em que atua Por outro lado a visão diametralmente oposta é também excessivamente simplificadora não se deve achar que por ser um acréscimo de responsabilidades uma nova política será automaticamente rechaçada e boicotada pelo aparado administrativo Isto representa uma visão inteiramente caricata da burocracia estatal é perfeitamente possível que uma política seja percebida pelos executores como um avanço significativo sendo por isso adotada com prioridade e entusiasmo Ao contrário de ambos os postulados extremos a execução de uma nova política estrutura um novo campo de ação em que intervém determinados atores principalmente aqueles que no desenho da política têm as responsabilidades de execução dentro das circunstâncias concretas que vivem as outras responsabilidades que já têm os seus objetivos institucionais a sua percepção das urgências É o que se denomina aqui de sistema de ação O analista deve observar então que existe uma estrutura formal de execução e um sistema de ação que se forma na prática MÉNY THOENIG 1992 p 171 A primeira que já discutimos extensamente é o que a autoridade fixa ou define como deve ser a execução as disposições formais os enunciados de política o que se deve fazer quem deve fazer o mundo prescrito enfim Por outro lado o sistema de ação que deve preocupar o analista como seu objetivo final de exame representa aquele campo de ação que na prática a política vai gerar uma distribuição de tarefas atitudes relações entre os atores Importantíssimo é observar as diferenças entre o prescrito e o real entre a estrutura formal e o sistema de ação e investigar as suas possíveis causas BITTENCOURT 2005 Os executores e os destinatários das políticas não são sistemas estanques que recebem passivamente as ordens ou as intervenções há interações e jogo político Em um momento t n um programa de ação corre o risco de não se parecer com o que era em t por uma infinidade de ações possíveis a instabilidade ou mudança do próprio tomador de decisão um mesmo governo pode adotar posturas diferentes antes e depois de uma eleição importante a respeito de medidas impopulares como aumento de tarifas públicas a aprendizagem a partir da execução determinadas medidas podem mostrarse na prática tão inadequadas frente aos objetivos inicialmente planejados que levem a autoridade a modificar o seu conteúdo em função dos insucessos verificados na execução 111 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V a implementação serve de momento de revelação da ambiguidade que estiver contida na fase de formulação é na hora de levar à prática que a agenda oculta vem à tona Se as pressões dos interesses conflitantes não foram dirimidas na fase de tomada de decisão ou seja se o resultado final da política em termos de quem é beneficiado e quem é penalizado é formulado de maneira ambígua ou contraditória a realidade da execução forçará a que custos sejam impostos a alguns para que a política possa ser materialmente implantada e benefícios sejam impostos a outros Desta forma a revelação do conteúdo real da política é inevitável na sua implementação A visão do processo de execução pode então ser sumarizada com mais clareza no diagrama a seguir AUTORIDADE RESPONSÁVEL PELA DECISÃO OBJETIVOS E CONTEÚDO PRESCRIÇÃO PARA A EXECUÇÃO Estrutura formal de execução Sistema de ação EXECUTORES OFICIALMENTE E NA PRÁTICA DESTINATÁRIOS FINAIS TERCEIROS ENVOLVIDOS Dentro destas restrições então as perguntaschave para análise da implementação que podem ser buscados pelo analista como princípio de um modelo explicativo são reunidas na forma de uma seleção de questões que podem ser aplicadas aos casos concretos estudados116 Tratase de uma síntese das ferramentas que um marco analítico pode proporcionar ao estudo da política enquanto implementação Já vimos na seção anterior a pesquisa dos elementos de causalidade que embasaram a política Vamos agora estender os questionamentos para todo o espectro da implementação Poderá um analista ao estudar o processo de implementação perguntar e pesquisar o seguinte 116 O modelo apresentado é baseado em Sabatier P A What can we learn from implementation research 1986 apud Parsons 2001 p 486 O marco das questões de Sabatier é destacado por Parsons em sua exaustiva apresentação da literatura como tendo suportado um grande número de estudos de caso nos Estados Unidos e Europa sempre demonstrando sua utilidade para embasar a pesquisa empírica 112 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO OBJETIVOS CAUSALIDADE Foram enunciados objetivos precisos e consistentes Dos objetivos formulados podese extrair padrões confiáveis de avaliação dos resultados A política baseiase em uma teoria da mudança social adequada para as transformações que pretende ESTRUTURA DE EXECUÇÃO ENVOLVIMENTO DOS EXECUTORES POSIÇÃO DOS INTERESSADOS STAKEHOLDERS Foi levada em consideração a estrutura formallegal mais adequada e capaz de maximizar a obediência daqueles que devam implementar a política Verificase uma insuficiência das estruturas administrativas eou organizativas para absorver a política envolvida no seu leque de responsabilidades Os responsáveis pela execução apresentavam disponibilidade comprometimento e habilidade necessários à implementação da política enunciada O desenho da política levou em conta as prováveis reações e interesses dos executores e buscou montar estruturas de incentivos em função desses interesses Verificase ação significativa favorável ou contrária de outros atores em relação à política Quem são esses atores Os destinatários dos benefícios Aqueles que dela recebem custos Os que pretendem participar do processo de execução ex fornecendo bens e serviços Amental Houve interferência na execução de outras autoridades como lideranças parlamentares ministérios de finanças ou de orçamento ou outros grupos de poder centralizado MUDANÇAS NO CONTEXTO SOCIAL Ocorreram mudanças em outras variáveis socioeconômicas que afetassem objetivos ou possibilidades da política considerada Estas mudanças alteraram as posições de interesse apoio ou oposição dos executores ou demais stakeholders Estas perguntas foram mais desenvolvidas no modelo da seção anterior que pode ser aplicado em conjunto para uma análise mais completa 113 CAPÍTULO 2 Instrumentos das políticas públicas Na vida econômica as possibilidades para a ação social racional para reformas em síntese para resolver problemas não dependem de nossas escolhas sobre alternativas míticas e grandiosas mas basicamente das escolhas sobre tecnologias sociais específicas tecnologias e não ismos são o cerne da ação social racional no mundo ocidental117 Passamos agora a uma face pouco lembrada da análise de Políticas Públicas como é que na prática as intenções dos enunciados de políticas são transformadas em ações concretas Qualquer que seja o executor de uma política ele tem de lançar mão de recursos e atos concretos para transformar suas intenções em realidade Pois bem por quais meios ou instrumentos ou mais provavelmente combinações de meios ou instrumentos é implementado o processo de produção de bens e serviços públicos118 Em primeiro lugar o que pode ser considerado um instrumento de Política Pública Tomemos a definição de Salamon 2002 p 19 explorando a riqueza conceitual dessa noção INSTRUMENTO DE AÇÃO PÚBLICA Um instrumento de ação pública ou de Política Pública é um método identificável por meio do qual a ação coletiva é estruturada para enfrentar um problema público Na aparência simples o conceito deve ser desdobrado em várias direções de aprofundamento Primeiro cada instrumento reúne uma coleção de várias ações concretas que por assumirem características comuns passam a constituir um método identificável de ação coletiva Não são portanto ações ou instituições iguais mas distintas guardando alguns traços comuns que permitem associálas por exemplo o repasse de dinheiro a governos locais para que executem determinadas atividades do governo central é um instrumento claramente identificado mas existem inúmeros tipos de repasse diferentes baseados na especificação exata dos produtos a alcançar baseados na população de cada região baseados em metas gerais de qualidade de um determinado serviço etc Além disso eles estruturam a ação coletiva Isto significa que as relações entre os envolvidos em cada instrumento não são livres temporárias ou descompromissadas Ao contrário são de alguma forma institucionalizadas ou seja padrões de comportamento estáveis valorizados e recorrentes HUNTINGTON 1968 p 12 que definem portanto a partir de sua escolha quem está envolvido na execução de uma determinada política quais os papéis de cada um e as relações que mantém entre si Em outras palavras a escolha dos instrumentos é uma parcela considerável da definição do 117 Dahl Robert Lindblom Charles Politics economics and welfare planning and politicoeconomic systems resolved indo basic social processes New Yok Harper and RowPublishers 1953 p 6 apud Salamon 2002 p 1 Traduzimos a expressão particular social tehniques por tecnologias sociais específicas enfatizando o aspecto parcial e aplicado do conceito introduzido pelo trecho transcrito 118 Utilizamos como base desta seção o exaustivo e detalhado levantamento proporcionado por Salamon 2002 outra perspectiva mais superficial no que diz respeito ao detalhamento individual dos instrumentos de políticas pode ser encontrada em Parsons 2001 pp 492542 114 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO sistema de ação de que tratamos na seção anterior Finalmente a ação organizada pelos instrumentos é ação coletiva respondendo a problemas públicos e não ação governamental em sentido estrito Isto porque a participação na execução das políticas como também já vimos não é restrita ao governo em sentido formal inúmeros agentes podem ser mobilizados ou mobilizarse para a ação e o problema a ser enfrentado por uma Política Pública não é um problema governamental em si mas um problema que afeta na maioria dos casos a vários segmentos sociais portanto um problema público que após a incorporação à agenda tornase também um problema governamental como já vimos detalhadamente Tenhamos o cuidado de repassar a diferenciação básica entre uma Política Pública e um instrumento a política é o conjunto de ações coletivas baseadas nas decisões das autoridades políticas para o enfrentamento de um determinado problema social Os instrumentos são as diferentes formas que esse enfrentamento pode assumir Um instrumento por exemplo a concessão de empréstimos subsidiados pode ser empregado em inúmeras políticas que abordem vários problemas diferentes Uma política destinase em tese a um único problema mas pode fazer uso de vários instrumentos a redução dos custos de transporte para as exportações pode incluir por exemplo a realização de obras públicas nas estradas a concessão de empréstimos em condições favorecidas para as empresas de transporte de carga e a isenção de impostos sobre os veículos de transporte todos representando instrumentos diferentes Não por acaso denominamse instrumentos como um instrumento de trabalho cumprem basicamente a mesma função mas podem ser empregados em várias finalidades diferentes um martelo ou uma escavadeira são instrumentos que cumprindo basicamente o mesmo papel podem ser empregados em inúmeras obras diferentes cada uma com suas características e objetivos Como apresentar então este universo vasto de instrumentos A simples descrição linear faria esmaeceremse as especificidades de cada um perdendose a finalidade que assume a inclusão desse ponto no nosso curso Ao contrário devemos estruturar a análise dos instrumentos mediante atributos principais SALAMON 2002 p 20 que são exatamente as características comuns que associam os mecanismos individuais em modalidades de instrumentos Assim um instrumento de Política Pública teria a caracterizálo um tipo de bem ou atividade que gera ou produz diretamente por exemplo um pagamento em dinheiro ou uma restrição ou proibição um meio de oferecer aos destinatários o seu produto119 por exemplo um empréstimo uma bolsa de estudos ou uma apropriação direta pelo sistema tributário um sistema ou conjunto de organizações e grupos que estão envolvidos na oferta do seu produto120 por exemplo uma agência governamental um banco privado uma creche não governamental um conjunto de regras formais eou informais definindo as relações entre as entidades envolvidas na oferta 119 O termo original é delivery vehicle veículo de entrega que apesar de representar uma analogia perfeita não tem sentido se for traduzido literalmente 120 O termo original é delivery system sistema de entrega que oferece o mesmo problema do atributo anterior 115 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V Quais seriam então esses instrumentos Vejamos cada um deles de acordo com a estrutura de atributos que aqui definimos Naturalmente a classificação aqui apresentada não pretende ser definitiva ou incontestável existem inúmeras formas de distribuir os instrumentos entre categorias enfatizando um ou outro aspecto que se considere principal Assim um mecanismo de aposentadoria e pensões como o brasileiro apresenta o recolhimento pelo beneficiário de uma parcela mensal de prêmio ou poupança o que poderia inserilo entre os mecanismos de seguro por outro lado seu fluxo financeiro não é individualizado como em outros países e os benefícios pagos a cada indivíduo não dependem apenas do montante acumulado no sistema de seguridade social características que o tornam um pagamento ou transferência estatal direta A classificação em qualquer dos dois grupos seria portanto discutível frente ao outro mas para as finalidades do nosso curso é necessário e suficiente destacar que o mecanismo previdenciário tem as duas características especiais mencionadas121 Em outras palavras em Políticas Públicas nossa tarefa não é pôr políticas individuais em caixas mas sim analisar e mapear o conjunto de elementos que formam os campos específicos de políticas PARSONS 2001 pp 493 Portanto apresentamos os instrumentos seguindo a categorização de Salamon como meio de apresentar as suas principais características e demonstrarlhes a variedade ficando aberta a possibilidade de que em análises com outras finalidades possam ser reagrupados em função de outros focos de interesse INTERVENÇÃO ESTATAL DIRETA Direct Government A intervenção estatal representa a produção e entrega direta de bens e serviços aos cidadãos por servidores públicos inseridos hierarquicamente em uma estrutura governamental formal Não prescinde da utilização de insumos adquiridos de terceiros bens ou mesmo serviços mas estes insumos são apenas meios auxiliares cabendo a principal parcela na definição do bem ou produto final à ação dos agentes públicos por exemplo o serviço de policiamento nas ruas demanda a aquisição de combustível para os veículos policiais como insumos mas a responsabilidade formal e material pela prestação do serviço recai sobre os funcionários policiais com os recursos materiais fornecidos pela agência estatal de polícia PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos gratuitamente ou não MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Provisão direta mediante recursos humanos e materiais de que dispõe o Estado ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais atuando diretamente OBSERVAÇÕES Apesar de toda a ênfase dos últimos anos na descentralização e utilização de parcerias com entes não governamentais a intervenção direta ainda representa uma porção considerável da ação governamental Em função das características de comando e controle de administração centralizada e hierarquizada típicas das agências governamentais erguidas nos padrões da administração burocrática este instrumento de Política Pública é particularmente adequado ao exercício dos poderes estatais de natureza coercitiva defesa militar polícia justiça arrecadação de tributos na medida em que o exercício de tal coerção é habitualmente predeterminado com muita rigidez pelas leis e regulamentos como garantia dos próprios indivíduos frente ao Estado e o reforço da estrutura de comando centralizado e hierárquico ainda que não seja garantia absoluta de cumprimento estrito desses regulamentos como já vimos é enxergado como a solução que mais se aproxima de assegurar o máximo de correspondência entre o enunciado de política prescrito e o efetivamente realizado 121 Para outros fins porém a categorização tem uma enorme relevância política Para um Roosevelt tentando uma mudança social tão forte na ultraliberal sociedade americana dos anos 1930 do século passado foi essencial que o mecanismo ainda incipiente de seguridade social para invalidez idade e desemprego surgisse com uma contribuição compulsória dos empregados para que se pudesse caracterizálo politicamente como um seguro e não como uma prestação pública direta cuja aceitação pelo sistema político possivelmente não seria possível SALAMON 2002 p 22 116 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES Muitas Políticas Públicas podem ter a simples disseminação de informações como seu instrumento básico o enfrentamento de problemas que dependem fundamentalmente da ação individual dos cidadãos em que os comportamentos a modificar ocorram de forma pulverizada com poucas possibilidades de monitoramento e fiscalização depende essencialmente da persuasão dos indivíduos por meio da informação e orientação A disseminação de informação tem um caráter essencialmente preventivo São casos clássicos a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis a prevenção de incêndios florestais e a vacinação em massa no caso de epidemias situações nas quais a sanção do comportamento indesejado após a sua ocorrência tem efeitos na melhor das hipóteses limitados uma vez que os danos que a política via a evitar são dificilmente recuperáveis após ocorrida a conduta Em escala mais ampla a simples disseminação organizada de informações é um dos instrumentos mais utilizados em combinação com qualquer dos demais como forma de orientar influenciar ou persuadir outros atores na arena da Política Pública considerada Naturalmente ao se trata de divulgar por divulgar ou mera propaganda a utilização deste instrumento deve estar fundamentada em uma compreensão aprofundada sobre a forma com que a informação irá influenciar o comportamento dos agentes privados no sentido desejado por cada política Neste sentido temse presente que a informação não é necessariamente objetiva o processo de produzir e divulgar informação carrega consigo valores normativos presentes na relação entre os formuladores da política os cidadãos e os demais atores envolvidos PRODUTOATIVIDADE GERADO Informações tornadas acessíveis ao públicoalvo de uma determinada política MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Regras e regulamentos ação direta das agências governamentais para produção e disseminação das informações ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais todo agente privado ao qual seja imposta a obrigação de divulgar publicamente determinadas informações a seu respeito OBSERVAÇÕES Também podem ser incluídas nesta categoria para fins analíticos as normas públicas que impõem a terceiros a obrigação de divulgação de informações sobre suas atividades ou produtos por exemplo a divulgação da lista de doadores para campanhas eleitorais de candidatos a divulgação de tabelas nutricionais de produtos alimentares a publicação de determinados relatórios financeiros e contábeis por parte de corporações privadas cotizadas em bolsa Aqui também ocorre uma superposição porque a imposição da obrigação pode ser entendida como atividade de regulação de natureza social ou no caso dos demonstrativos financeiros de companhias abertas regulação econômica uma vez mais o enquadramento a ser adotado é aquele que melhor sirva aos propósitos de cada análise 117 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V REGULAÇÃO DE NATUREZA ECONÔMICA Este instrumento tem características bastante específicas a fixação de limites ou condicionamentos ao funcionamento de determinados mercados de produção de bens e serviços por meio da imposição de controles administrativos aos preços praticados pelos agentes privados ou aos volumes de oferta a serem atingidos pelos agentes privados ou às possibilidades de que os agentes privados possam entrar ou sair do mercado barreiras à entrada ou à saída Tratase portanto de regras incidentes sobre a produção econômica privada no que se diferencia de outras regras tais como as de préqualificação para o fornecimento de bens e serviços diretamente ao governo Aplicase em geral a mercados em que se verifique a ocorrência de monopólios naturais distribuição de eletricidade água e esgoto telecomunicações com utilização do espectro de radiofrequência tais como telefonia móvel rádio e televisão telecomunicações com utilização de infraestrutura fixa como telefonia fixa e televisão a cabo Desta forma a prestação por empresas privadas de serviços considerados públicos123 mas remunerados pelos usuários como os mencionados serviços de abastecimento de água eletricidade esgoto telecomunicações habitualmente denominados de concessão de serviços públicos representam a rigor uma operação privada de mercado sob os condicionantes de uma regulação econômica bastante mais severa124 Um caso particular da regulação econômica estendendose além dos monopólios naturais para qualquer ramo de atividade econômica são os mecanismos de defesa da concorrência controlando a possível formação ocasional de monopólios ou outras estruturas de mercado que impeçam o funcionamento em qualquer mercado específico dos mecanismos concorrenciais julgados mínimos pela lei ou seus regulamentos PRODUTOATIVIDADE GERADO Limites ou condicionamentos aos preços praticados no mercado por agentes privados MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Controles restrições e condicionamentos sobre tarifas e sobre o acesso ao mercado incluídos tanto na legislação pertinente quanto na atuação administrativa das instituições reguladoras em cada caso específico tanto mediante autorizações prévias quanto por meio de penalizações por descumprimento ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Entes reguladores de natureza pública mas não necessariamente encaixados na estrutura hierárquica da administração estatal Esta condição por vezes ambígua e certamente sui generis do ente regulador uma agência com poderes estatais mas não subordinada ao governo é defendida vigorosamente na teoria como uma defesa contra o oportunismo governamental da mesma forma que os agentes privados em condições de monopólio podem adotar comportamentos oportunistas em desfavor dos consumidores elevando preços de serviços essenciais como água ou luz por exemplo sem possibilidade de que o consumidor tenha fornecedores alternativos também o governo poderia aproveitar situações irreversíveis a exemplo do investimento privado imobilizado em uma grande hidrelétrica que deveria ter determinadas condições pactuadas de retorno num horizonte de tempo largo para alterar unilateralmente os contratos impondo ao investidor privado preços mais baixos ou condições menos favoráveis do que as que ele tinha assegurados quando ingressou no mercado e realizou as inversões Sob esta teoria os entes reguladores deveriam ter a independência de oporse a ambos os oportunismos A discussão sobre as possibilidades desta independência e o risco de captura regulatória do regulador pelos agentes que ele deve controlar ainda é no entanto acesa e inconclusa125 OBSERVAÇÕES A dificuldade em caracterizar os parâmetros de mercado o quê é grau de concorrência adequado num mercado o que são preços justos para os consumidores e o próprio choque de interesses envolvido fazem com que as leis relativas à regulação econômica sejam frequentemente vagas e imprecisas deixando uma considerável parcela de discricionariedade na mão dos técnicos responsáveis pelo exercício das funções do ente regulador e uma considerável margem de discussão judicial em função das divergências de interpretação técnica e valorativa dos fatos 122 123 124 122 Na acepção jurídica tradicional aqueles serviços cuja prestação é indispensável à comunidade e deve obrigatoriamente obedecer a padrões e garantias de fornecimento muito mais rígidos que os demais bens e serviços 123 Analisamos aqui o caso mais comum em que a empresa prestadora tem todos os meios humanos e materiais para executar a prestação do serviço quer construindo ela própria a infraestrutura necessária quer adquirindoa ao Estado por compra ou arrendamento em processos de privatização Na linguagem corrente também se associa estes tipos de atuação a uma privatização ou terceirização da prestação do serviço Existem exceções muito pontuais em que uma empresa privada opera em diferentes graus de associação com uma entidade ou empresa pública que é a titular da execução do serviço mas cede o gerenciamento ao parceiro privado ou utilizase dele na qualidade de consultor ou subcontratado Estas exceções obedecem a um tratamento caso a caso 124 Para uma discussão ao mesmo tempo profunda e realista dos riscos de oportunismo e das profundas falhas dos mecanismos teóricos de regulação quando são levados à prática vide Rey López 2003 especialmente pp 6670 118 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO REGULAÇÃO DE NATUREZA SOCIAL Uma das funções consideradas fundamentais para a existência do poder estatal a regulação social é voltada à restrição de comportamentos e atitudes que possam ameaçar a saúde segurança ou bemestar da coletividade126 mediante a edição de regras que definam o que é permissível ou proibido assim como as sanções ou recompensas que derivam das diferentes condutas Abordam por exemplo normas ambientais ou de segurança do trabalho ou de saúde pública ou de trânsito ou de posturas urbanas ou tantas outras mais Difere da regulação de natureza econômica mais pelo objeto específico do que é regulado condições econômicas de oferta de bens e serviços em determinado mercado do que por qualquer elemento intrínseco na realidade as empresas que se enfrentam aos reguladores econômicos nos aspectos comerciais e de preços também têm que encarar a regulação social nos aspectos ambiental segurança etc PRODUTOATIVIDADE GERADO Proibições ou restrições de conduta MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Normas e regulamentos ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais atuando diretamente OBSERVAÇÕES Uma atividade de regulação tem portanto quatro elementos básicos regras que definem comportamentos e resultados esperados padrões que servem como critérios de cumprimento das regras sanções pelo descumprimento das regras sendo também possível a fixação de prêmios ou recompensas pelo cumprimento de determinados padrões e um aparato administrativo que aplica as regras e sanções Neste ponto também há uma certa superposição das classificações o serviço de fiscalização por exemplo o policiamento de trânsito é em si um serviço prestado diretamente à sociedade podendo então enquadrarse como intervenção estatal direta mas também compõe o núcleo do instrumento da regulação social uma vez que sem a fiscalização a fixação de normas e proibições seria inócua Uma vez mais o enquadramento de uma determinada atividade em um tipo ou outro de instrumento deve ser feito da forma que melhor sirva analiticamente ao estudioso da Política Pública considerada 125 CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS Quando o governo decide não produzir um determinado bem ou serviço por si próprio pode optar por adquirilo diretamente de um terceiro mediante uma transação comercial semelhante às que se fazem no mercado privado Sob esta modalidade estamos tratando dos fornecimentos ao próprio serviço estatal não a terceiros Tratase portanto de mecanismo de natureza inteiramente instrumental na medida em que irá fornecer bens ou serviços que servem de insumo a outros instrumentos de Política Pública uma política de defesa aérea militar é inequivocamente executada diretamente pelo segmento militar do governo ainda que a maior parte dos recursos possa ser destinada à compra de aviões armas peças e combustíveis mediante a contratação Dificilmente um procedimento de contratação será sozinho responsável pela implementação de uma política na medida em que destinase a obter bens e serviços para o próprio governo Destacamos aqui a contratação de bens e serviços como um instrumento de política porque no mundo moderno a importância da atividade de contratação é enorme para o sucesso da execução de todos os demais instrumentos cujos insumos a contratação fornece É praticamente impossível uma atividade governamental que não use extensamente bens ou serviços contratados a terceiros Portanto a análise de uma política independente todos os demais instrumentos utilizados não prescinde do exame da qualidade e adequação da contratação que a suporta PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados a agências governamentais por terceiros MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES 125 O conceito guarda similaridade com a noção de poder de polícia do Direito Administrativo a limitação de direitos individuais com a finalidade de proteger os direitos do conjunto dos integrantes da coletividade 119 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS Purchaseofservice contracting Uma parte importante e crescente da prestação de serviços públicos em todo o mundo tem sido descentralizada de forma radical em lugar de produzir diretamente um bem ou serviço a ser ofertado a terceiros o governo paga a um terceiro privado empresa comercial ou entidade sem fins lucrativos para que o produza e entregue Assim a contratação de creches ou escolas privadas para oferecerem vagas para crianças beneficiárias da assistência pública em lugar da manutenção pelo poder público de creches ou escolas próprias é um exemplo tradicional da terceirização dos serviços No caso brasileiro o exemplo mais significativo deste tipo de prestação é a contratação pelo Sistema Único de Saúde de um enorme volume de serviços médicos e hospitalares a entidades privadas conveniadas Difere da contratação em sentido estrito na medida em que o serviço a ser contratado não é prestado diretamente ao governo mas a um terceiro sendo então o contratado responsável principal por todo o processo de execução da Política Pública Difere da tradicional concessão de serviços públicos medida que esta é remunerada pelo usuário portanto o bem ou serviço é vendido pela empresa provedora diretamente a este ainda que com restrições regulatórias bastante rígidas sobre os termos dessa venda enquanto a relação entre o beneficiário final e o contratado de um serviço terceirizado é apenas o de fornecimento do bem ou serviço sendo a relação pecuniária entre o contratado e a agência governamental contratante Um exemplo ilustra bem essa última diferença quando uma prefeitura seleciona uma empresa de ônibus para operar uma linha de transporte coletivo esta empresa estará prestando o serviço e recebendo a remuneração diretamente do passageiro127 e tratarseá de uma atividade econômica direta sobre a qual o governo aplica o instrumento da regulação econômica Já quando a mesma prefeitura seleciona a mesma empresa para operar serviços de transporte escolar que recolham gratuitamente os alunos de escolas públicas e os levem às escolas pagando à empresa por viagem realizada estará utilizando o instrumento da terceirização dos serviços Por fim se a seleção da empresa destinase a simplesmente transportar médicos da prefeitura para prestarem serviços na zona rural tratase de contratação pura e simples Este instrumento tem tido uma crescente visibilidade sendo muitas vezes apontado como panaceia para a alegada ineficiência governamental a experiência histórica mostra porém que este instrumento tem como todos os demais vantagens e desvantagens e sua utilização pode ser vantajosa se presentes determinados requisitos nomeadamente a existência de organizações privadas capazes de prestar o serviço a custos aceitáveis a natureza do serviço que tipicamente deve ser pouco capitalintensivo128 Por outro lado existem restrições que exigem séria atenção especialmente pela dificuldade de especificar adequadamente o conteúdo o resultado quantitativo e qualitativo do serviço a ser prestado e portanto de se avaliar o desempenho do fornecedor na prestação do serviço para a maioria dos serviços públicos terceirizados ainda é um grande desafio a concepção de recursos de medição de custos e resultados o que abre caminho inclusive para maiores possibilidades de corrupção e desvio de recursos nesse tipo de contratos PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados diretamente aos cidadãos por terceiros remunerados pelas agências governamentais MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES 126 127 126 É claro que existem sistemas de transporte metropolitano mais complexos em que a tarifa paga pelo usuário é apenas recolhida pelas empresas operadoras das linhas sendo posteriormente redistribuída por uma autoridade central segundo critérios que estabeleça Para nossos exemplo no entanto consideramos o caso mais simples de exploração direta na qual a receita do operador do transporte corresponde àquela arrecadada diretamente dos passageiros durante a prestação do serviço 127 Com algumas exceções notáveis tais como os serviços de recolhimento de lixo e as contratações de serviços hospitalares de maior complexidade por parte dos sistemas de saúde pública 120 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO TRANSFERÊNCIAS Grants Uma transferência no sentido de análise de Políticas Públicas que aqui enfatizamos é um pagamento feito por um governo a outro governo entidade não governamental ou mesmo indivíduo com a finalidade de estimular ou apoiar algum tipo de atividade realizado pelo beneficiário que seja do interesse do doador Por este instrumento o concedente dos recursos participa financeiramente da prestação do serviço final enquanto deixa em mãos do receptor dos mesmos a responsabilidade pela execução concreta A responsabilidade pela provisão do serviço é então compartilhada por mais de uma entidade organização ou nível de governo As transferências não se destinam a serem devolvidas não sendo portanto um empréstimo Também pressupõem um acordo expresso ou tácito entre doador e receptor quanto aos objetivos e condições da aplicação dos recursos diferindo neste ponto das chamadas transferências automáticas existentes no Brasil a exemplo dos recursos de FPE e FPM que representam simplesmente uma repartição incondicional e prevista em lei do produto da arrecadação tributária entre diferentes entes governamentais O receptor por sua vez não está obrigado a prestar serviços diretamente ao doador em troca dos recursos mas sim prestar os serviços previamente definidos na transferência que podem inclusive ser serviços diretamente voltados aos seus interesses institucionais Tomemos os vários exemplos brasileiros pelo Programa Nacional de Merenda Escolar o governo federal distribui automaticamente recursos a todas as prefeituras do país com a condição de que sejam utilizados exclusivamente na compra de alimentos a serem servidos aos alunos das escolas públicas desta forma o governo central utiliza a estrutura administrativa das prefeituras para executar um programa de distribuição de renda por meio da alimentação escolar Já pelo recente Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica FUNDEB o governo federal transfere a determinados governos estaduais um valor destinado a complementar os recursos dessas entidades governamentais para aplicação num leque de finalidades voltadas à educação salários de professores material escolar transporte de escolares etc Uma agência de fomento à ciência o CNPq por exemplo transfere recursos a universidades públicas e privadas e a bolsistas individuais para financiar a realização de pesquisas por ele aprovadas Todos estes são exemplos de transferências É preciso reconhecer a dificuldade de diferenciar em alguns casos as transferências da simples terceirização de serviços Uma prefeitura que transfira recursos a uma entidade beneficente para manter uma creche está em princípio terceirizando mediante um acordo com um ente privado um serviço de sua responsabilidade Um critério geral razoável é a responsabilidade pela prestação do serviço a responsabilidade pelos serviços de policiamento no Brasil é dos governos estaduais se o governo federal transfere recursos para fortalecer as instituições policiais com treinamento equipamentos infraestrutura etc está fazendo uma transferência uma vez que apoia um outro ente na realização de serviços que lhe são próprios O mesmo ocorre com os mencionados Fundos de Educação e Merenda Escolar à medida que a competência para prestar estes serviços é dos governos estaduais e municipais Por outro lado a competência para executar a fiscalização das condições de segurança do trabalho é do governo federal se este transfere recursos a um governo estadual para que este assuma ou complemente tais atuações de fiscalização estará terceirizando um serviço próprio PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos gratuitamente ou não MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Instrumentos jurídicos de concessão de recursos a terceiros a expressão brasileira mais comum é convênios de natureza não comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Outros níveis de governos regionais municipais e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES É útil para a análise posterior a diferenciação entre os tipos de transferência em função da especificidade da aplicação dos recursos que exige É possível identificar três grandes tipos o primeiro destinase a um amplo leque de utilizações por parte do receptor com um mínimo de restrições quanto ao uso dos fundos por parte do receptor Em geral representa simples equalização de receitas entre governos subnacionais chamados exatamente equalization grants ou general purpose grants justificada pela teoria econômica como formas de compensação a determinadas regiões com a finalidade de não gerar externalidades negativas derivadas da insuficiência de arrecadação externalidades estas que terminariam por prejudicar as demais regiões não são comuns no Brasil o segundo tipo é mais direcionado porém com aplicações definidas com um certo grau de generalidade ex para saúde ou assistência social deixando ao receptor um grande grau de discricionariedade na sua aplicação os chamados block grants no Brasil encontramse exemplos significativos nas transferências fundo a fundo do Sistema Único de Saúde e do já citado FUNDEB o terceiro tipo numericamente mais comum no Brasil e em outros países é a transferência que define com grande grau de detalhe a aplicação do dinheiro pelo recebedor categorical grants antes do repasse do recurso o receptor e o doador assumem compromissos tácitos ou expressos acerca do destino detalhado do mesmo o atendimento social a tantas famílias a construção de tal obra conforme detalhamento de projeto etc No Brasil este tipo de transferência é conhecido na linguagem comum como convênio Uma última precisão é necessária o termo Convênio no Brasil tem um significado legal preciso art 116 da Lei Federal no 866693 acordo de mútua vontade entre a administração pública e qualquer ente para execução descentralizada de tarefas de interesse comum Ora interesse comum tanto o repasse de recursos para a execução de Políticas Públicas de responsabilidade do doador na nossa classificação uma terceirização de serviços públicos quanto o apoio financeiro a políticas de responsabilidade do receptor na nossa grade uma transferência O que tipifica o convênio precisamente nos termos da legislação brasileira é a possibilidade de celebração sem concorrência para escolha da contraparte da administração doadora dos recursos o que não é uma precondição ou uma característica individualizadora segundo nossa categorização podese contratar um serviço público a outro ente governamental sem licitação ou estabelecer uma concorrência entre projetos sociais para receberem apoios mediante transferências Portanto é necessário muito cuidado ao associar qualquer das categorias aqui apresentadas ao conceito de convênio tal como aparece na legislação brasileira 121 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V EMPRÉSTIMOS ESTATAIS DIRETOS Quando uma agência governamental utiliza fundos do tesouro público para emprestar diretamente a um terceiro privado com a obrigação de pagamento estamos diante da concessão de empréstimos estatais diretos Este tipo de crédito é utilizado para incentivar o direcionamento de fundos para atividades consideradas importantes política ou economicamente O uso de fundos públicos dá determinadas características próprias a esses créditos que os diferenciam dos créditos comerciais podem ser direcionados para setores de interesse governamental e não aqueles mais lucrativos como não são captados no mercado poem ser emprestados a taxas mais baixas ou prazos mais alongados com a finalidade de subsidiar indiretamente a atividade financiada podem mesmo direcionarse a setores de maior risco ou a operações que imponham menos exigências de garantia como o microcrédito a empreendedores da economia informal sob critérios razoáveis à medida que um montante maior de perdas por inadimplência é suportável pelo fundo público que não terá a obrigação de reembolsar a terceiros pelo recurso captado PRODUTOATIVIDADE GERADO Pagamentos em dinheiro sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de empréstimo de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais diretamente ou mediante bancos e outros agentes operadores OBSERVAÇÕES Destacase o fato de que o que individualiza esse instrumento é a utilização de fundos públicos e não o agente responsável pelo empréstimo A concessão de crédito por uma instituição financeira de propriedade governamental mas em condições de mercado basicamente empréstimos provenientes de recursos captados por essa instituição no mercado concorrendo com os demais bancos pode caracterizar se como a utilização de uma empresa governamental como instrumento de política por exemplo direcionando seus empréstimos a um determinado setor de atividade como o agrícola ou o habitacional mas não como empréstimo estatal direto Da mesma forma um empréstimo com fundos públicos pode ser operado por bancos privados que têm acesso a esses fundos como agentes credenciados pelo Tesouro como é o caso dos financiamentos concedidos pelo BNDES na modalidade via agentes operada por bancos comerciais em nome do BNDES mas utilizando os repasses dos fundos públicos que movimenta aquele Banco como o FAT GARANTIAS E AVAIS Para incentivar o crédito em determinadas áreas ou setores o governo pode optar por emitir garantias e avais aos empréstimos privados que atendam às condições que uma determinada Política Pública estabelecer Desta forma pretende influenciar o comportamento dos agentes privados do mercado de crédito elevando sua disposição de emprestar naquelas condições uma vez que o risco do empréstimo será coberto ou reduzido em função da garantia prestada pelo governo Na prática o governo ao atuar como garantidor assume o risco de inadimplência dos empréstimos avalizados cabendo a si o papel de ressarcir aos bancos os empréstimos não honrados e buscar executar os créditos assim honrados diretamente em face dos tomadores inadimplentes A concessão de garantias ou avais pelo governo pode também suprir um problema crônico de determinados setores econômicos informais ou em formação que se deseja ver incentivados que é a ausência de bens patrimoniais para oferecimento como garantia de empréstimos PRODUTOATIVIDADE GERADO Pagamentos em dinheiro sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de empréstimo privados de natureza comercial e com algum tipo de garantia governamental ao emprestador e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Bancos comerciais geralmente estabelecendo relações contratuais com agências governamentais relativas à concessão das garantias ou avais OBSERVAÇÕES Ao contrário do que possa parecer o mecanismo de concessão de avais e garantias permite uma intervenção governamental mais rápida e direta à medida que utiliza recursos e estruturas administrativas que já existem nos bancos comerciais Por outro lado as garantias e avais são uma oportunidade de alavancar os recursos públicos aplicados pois permite um impacto significativo no direcionamento do crédito sem implicar num desembolso imediato já que o gasto estatal somente será realizado se e quando os créditos avalizados não forem honrados pelos tomadores nos Estados Unidos por exemplo o montante total de garantias e avais do governo federal alcançava mais de 11000 bilhões de dólares no ano 2000 frente a pouco menos de 200 bilhões aplicados em empréstimos federais diretos tendo a proporção entre os dois sido multiplicada por quase dez entre 1980 e 2000 122 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO SEGUROS A montagem de um mecanismo governamental de seguros guarda muitas similaridades básicas com o mercado privado de seguros O seguro governamental porém tende a cobrir riscos que não podem ser adequadamente gerenciados por seguradoras privadas devido ao seu potencial de imprevisibilidade ou a sua grande extensão tipicamente quebras de safra por fenômenos climáticos como no programa brasileiro PROAGRO ou perdas decorrentes de catástrofes naturais como inundações e tornados ou a garantia de cobertura de depósitos bancários em caso de insolvência dos bancos Por outro lado enquanto o mercado privado busca a geração de lucros e uma cobertura de riscos autossustentável os seguros governamentais em geral procuram minimizar os demais custos de uma intervenção direta considerada inevitável em caso de grandes infortúnios ou evitar grandes perdas aos segurados privados que poderiam resultar em instabilidade social política ou econômica Assim o custo de uma possível política governamental de auxílio a vítimas de grandes sinistros passa a ser na proporção possível distribuído entre os seus próprios beneficiários PRODUTOATIVIDADE GERADO Proteção financeira a um agente privado em casos de infortúnio sob as condições de uma apólice de seguros MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Apólices de seguro diretamente oferecidas por agência governamental aos cidadãos podendo utilizar eventualmente seguradoras e corretores privados como agentes de distribuição mas mantendo a titularidade do contrato de seguro e dos riscos nas mãos da agência governamental ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais que podem em função dos custos envolvidos estabelecer relações contratuais com seguradoras privadas para negociação e pulverização dos riscos sem perder a gestão global do programa OBSERVAÇÕES Mesmo com a possibilidade sempre implícita do recurso a despesas fiscais para custeio dos prejuízos segurados a emissão de seguros governamentais é uma tarefa que exige o maior esforço de gerenciamento do risco para minimizar a possibilidade de prejuízos exatamente porque envolve fenômenos segurados que não têm um perfil de risco conhecido ou previsível dentro de parâmetros de segurança que permitiriam um mercado privado completo a exemplo de catástrofes naturais ou que envolvem perdas tão grandes que ultrapassam a escala de operação dos mercados privados como uma crise de quebra de bancos Portanto os mecanismos de seguro são candidatos naturais a esqueletos fiscais caso não sejam adequadamente gerenciados ainda persiste o prejuízo do Fundo de Compensação de Variações Salariais FCVS por exemplo tomado como um mecanismo de seguro contra o descasamento de taxas nos empréstimos habitacionais oficiais no Brasil Uma última observação diz respeito aos mecanismos de seguridade social previdência social e segurosaúde de diferentes países de que já falamos anteriormente em diferentes graus tais mecanismos têm combinado características de seguro prêmios na forma de cotizações sociais pagamentos em função de infortúnios previamente especificados e uma estrutura de financiamento que assegura o pagamento independentemente da disponibilidade de recursos no fundo especificamente formado pelas contribuições Este é o caso mais clássico das potencialidades e dos limites do seguro público por um lado não é admissível que os riscos envolvidos incapacidade financeira por morte idade invalidez doença sejam arcados apenas pelos indivíduos o que faz com que a intervenção estatal direta seja inevitável em última instância Por outro lado algum grau de vinculação entre contribuições e benefícios torna possível um esforço de gerenciamento dos riscos financeiros envolvidos minimizando o custo do subsídio estatal por meio da coparticipação nesse financiamento dos próprios beneficiários segundo parâmetros atuariais 123 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V INCENTIVOS FISCAIS Tax expenditures Outro instrumento que experimentou extraordinário crescimento nas últimas décadas é o dos incentivos fiscais ou renúncia de receitas Um incentivo fiscal é um dispositivo na legislação tributária que encoraja determinado ato por parte de indivíduos ou corporações assegurando que a obrigação tributária desses contribuintes será postergada reduzida ou eliminada se praticarem tal ato Pelo incentivo fiscal portanto o governo não gasta em determinada finalidade os recursos arrecadados mediante impostos ele permite que os contribuintes gastem por conta própria na mesma finalidade os recursos que se não o fizessem seriam devidos na forma de imposto PRODUTOATIVIDADE GERADO Incentivos financeiros a agentes privados na forma de redução do valor de impostos a pagar MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais com função tributária OBSERVAÇÕES Considerase na teoria econômica que muitas vezes é mais vantajoso utilizar o interesse próprio do contribuinte em adquirir no mercado de fornecedores já instalados os bens ou serviços que se lhe quer conceder em lugar de mobilizar os recursos públicos em montar a partir do zero uma estrutura de produção do bem ou serviço por razões de aproveitamento das economias de escala já existentes e de uma maior eficiência das transações de mercado Inúmeros exemplos são oferecidos em várias realidades nacionais reduções no imposto de renda das famílias em função dos valores gastos com educação em escolas particulares ou dos gastos com médicos e hospitais reduções nos impostos das corporações em função dos recursos que invistam em setores ou regiões de interesse da autoridade pública Por outro lado levantamse críticas de várias naturezas o custo desse tipo de instrumento é difícil de mensurar uma vez que representa algo que não foi arrecadado mas poderia ter sido sendo bastante opaco na discussão do orçamento público além disso a redução no imposto atinge apenas aqueles que têm renda para pagálo sendo pouco capaz de alcançar populações de estratos menores de renda e bemestar em cuja cesta de despesas o pagamento de impostos diretos tem pequena importância MULTAS E SObRETAXAS A imposição de proibições e restrições que é objeto da regulação social pode ser viabilizada também por outro instrumento a fixação de penalizações financeiras aos cidadãos ou a imposição de sobretaxas que tornem a conduta indesejada mais cara aos interessados Assim taxas adicionais impostas ao álcool ou aos cigarros podem ser uma medida adicional de restrição ao consumo destas substâncias não excluindo mas antes complementando outras medidas diretas como proibições de consumo em locais públicos proibição total do consumo por menores etc A persuasão obtida por meio destas medidas pode ser graduada em função do valor que for fixado para a multa ou sobretaxa agindo assim como um meio de desencorajar antes que proibir determinadas atitudes como no caso das taxas adicionais sobre o álcool Por outro lado a expropriação pecuniária na forma de multa com finalidade sancionatória é também um poderoso recurso dissuasor de condutas na medida em que causa um forte e desagradável impacto no bemestar o pagamento de uma multa elevada por excesso de velocidade terá no condutor impacto semelhante ao da suspensão temporária de seu direito de dirigir Alegadamente o mecanismo de imposição de sanções pecuniárias teria o mérito de utilizar o sistema de preços como veículo de informação e condicionamento das condutas individuais tornando mais caros os atos que merecem a proibição ou desencorajamento da Política Pública aproveitando a extraordinária capacidade do mercado como indutor de condutas dos agentes privados Esta vantagem é inegável desde que se observe que determinados bens ou atos não podem verse suscetíveis a qualquer tipo de precificação monetária PRODUTOATIVIDADE GERADO Penalização financeira a agentes privados na forma de exigência de pagamentos com fins de sanção MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais OBSERVAÇÕES Uma variante desse instrumento sendo considerada e aplicada em alguns países especialmente em controle ambiental é a venda de licenças onerosas para determinadas atividades também conhecidas como direitos de poluição Estas licenças representam a aquisição por empresas do direito de emitir uma determinada quantidade de poluentes emissão esta que gera custos e externalidades à coletividade e que a permissão pretende recuperar no sentido material Em uma certa medida o mecanismo de mercados de carbono estabelecido pelo Protocolo de Quioto sobre o aquecimento global é uma variante desse instrumento 124 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO LEGISLAÇÃO DE RESPONSABILIDADES Liability law Por via dessa legislação buscase criar o direito de pessoas ou entidades buscarem mediante o sistema judicial compensações compulsórias junto a terceiros por danos que tenham sofrido como consequência das condutas negligentes ou de algum outro modo inadequadas por esses mesmos terceiros Dependendo de cada sistema jurídico esse direito poderá ser estabelecido por precedentes judiciais common law por lei em sentido formal ou por regulamentação administrativa Este mecanismo procura prevenir determinadas ações inibindo o comportamento dos indivíduos por meio da ameaça de ter de arcar com indenizações a terceiros caso adotem as ações contestadas PRODUTOATIVIDADE GERADO Penalização financeira a agentes privados na forma de fixação da obrigação de compensar materialmente a terceiros pelas consequências de seus atos MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Leis que fixem a responsabilidade perante terceiros por determinados atos e o direito dos afetados de exigila perante tribunais tort law ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Sistema judicial OBSERVAÇÕES A utilização desse instrumento termina por ser extremamente barata para a entidade estatal uma vez que os custos públicos da legislação de responsabilização somente aparecem nos orçamentos por meio do custo da manutenção do sistema judicial que de uma forma ou de outra já existiria por todas as funções assumidas pelo judiciário na estrutura estatal moderna e do custo da responsabilidade atribuída pelo judiciário ao próprio governo como demandado por ter causado dano a outros frente aos custos de montagem e manutenção de uma estrutura de fiscalização direta sobre a conduta que se quer inibir com a legislação de responsabilização Por outro lado tratase de instrumento que incentiva a litigiosidade e a conflitividade social ensejando a construção de indústrias de processos de indenização além de pelas características abertas desse tipo de tipificação legal e pelas insuficiências do mecanismo judicial sujeitarse a um elevado grau de imprevisibilidade em relação à decisão final elevando a incerteza e os custos da atividade privada Portanto a proliferação de institutos de responsabilização ante terceiros deve ser ponderada com extremo cuidado pelo formulador de políticas EMPRESAS GOVERNAMENTAIS Uma empresa governamental é uma entidade legalmente distinta do resto do governo com a forma jurídica de uma corporação privada no caso brasileiro tecnicamente uma entidade de direito privado criada mantida ou controlada pelo governo podendo ter acionistas minoritários com a finalidade essencial de aproveitar os recursos gerenciais supostamente mais ágeis de um ente privado para produzir bens ou serviços específicos de interesse do governo Geralmente esperase que as atividades desse tipo de empresa sejam geradores de receita econômica por transações de mercado e autossustentáveis mas isso não necessariamente ocorre com todas as empresas Em qualquer caso porém a razão majoritária para o investimento estatal na instituição e manutenção de empresas governamentais é a expectativa de contar com operações mais eficientes do que seria possível por meio de uma agência governamental tradicional em busca de determinados objetivos de Política Pública O conceito de empresa governamental portanto difere da simples propriedade estatal da corporação que pode ser obtido por exemplo com a aquisição de uma empresa privada em dificuldades com o fim de evitarlhe a falência ou com a expropriação de uma empresa em função de dívidas tributárias com o Estado para estas últimas empresas a de propriedade formalmente estatal não obedece a qualquer objetivo do Estado em si mas a uma circunstância irrelevante do ponto de vista de Política Pública PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos embora seja rara a prestação gratuita a empresa governamental pode apresentar arranjos de financiamento que permitam que seja fornecida a valores inferiores aos que seriam cobrados em condições de mercado MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Provisão direta mediante recursos humanos e materiais de que dispõe a empresa governamental ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresa criada custeada ou patrocinada sob diferentes arranjos pelo Estado OBSERVAÇÕES A variedade de arranjos institucionais desse tipo de empresa é muito grande existem empresas criadas para explorar um setor de atividade econômica exatamente como uma empresa privada o faria em função da ausência de investimento privado este é o sentido original da criação no Brasil das grandes estatais produtivas como Petrobras CVRD e siderúrgicas boa parte das quais hoje privatizada Outras empresas são simples braços operacionais da produção de bens e serviços para o governo que prefere organizar certas áreas na forma empresarial em lugar de um departamento no Brasil o Serviço Federal de Processamento de Dados e a Casa da Moeda que executam serviços que nos Estados Unidos são responsabilidade de agências governamentais diretas Por fim algumas empresas são instrumentos de prestação de serviços que não são nem remotamente de natureza comercial constituindo típico braço de intervenção governamental em Políticas Públicas no Brasil a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais um serviço de pesquisa geológica tradicional ou as diferentes empresas estaduais ou municipais de regulação dos sistemas de trânsito e transporte urbano Nos Estados Unidos considerase também como instrumentos de política um tipo específico de corporação privada Governmentsponsored enterprises criada em geral pelo conjunto de empresas de um determinado setor todos os exemplos são do setor financeiro para a prestação de serviços específicos de interesse de todas as empresas Este tipo de empresa tem objetivos estatutários bastante rígidos aprovados pelo governo normalmente voltados para a estabilização dos mercados de crédito por meio do desenvolvimento de um mercado secundário de securitização de empréstimos principalmente agrícolas habitacionais e estudantis e em troca da observância estrita desses objetivos estatutários recebe benefícios fiscais isenção de requisitos regulatórios e uma certa percepção por parte dos mercados ainda que sem uma regulamentação formal de que esta entidade receberá do governo suporte financeiro em caso de dificuldades de liquidez A esta variedade corresponde um leque igualmente amplo de sistemas de financiamento desde empresas que são inteiramente autossustentáveis até aquelas que dependem totalmente de recursos orçamentários transferidos pelo governo para cobrir suas despesas com a maioria delas combinando em proporções diferentes receitas próprias e subsídios governamentais no seu financiamento 125 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V VOUCHERS Tecnicamente um subsídio que assegura um poder aquisitivo limitado a um indivíduo para que escolha entre um conjunto limitado de bens e serviços um programa que utiliza vouchers consiste em entregar aos beneficiários diretos tíquetes ou outros meios de pagamento que permitam que estes escolham entre um universo de fornecedores mais ou menos limitado aquele que virá a fornecer um bem ou serviço especificado pelo programa São exemplos no Brasil os programas de vale alimentação e valetransporte que por meio de tíquetes ou cartões magnéticos permitem aos beneficiários que paguem por tais bens e serviços especificados O voucher distinguese de uma simples transferência de renda à medida que as regras de cada programa podem especificar que produtos podem ser pagos com esse instrumento e o governo pode controlar esse direcionamento mediante o gerenciamento do processo de conversão pelo fornecedor desse voucher em remuneração Assim mesmo com vouchers na mão apenas o fornecedor que obedeça às condições estabelecidas pela agência responsável pelo programa conseguirá trocálos por dinheiro PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos por terceiros privados cabendo ao beneficiário a escolha do prestador dentro de um universo mais amplo de possíveis prestadores MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Remuneração aos terceiros prestadores do serviço de ressarcimento pelo Estado dos serviços prestados individualmente a cada beneficiário representando na prática um subsídio ao consumo ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agência governamental e prestadores privados empresas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES O principal aspecto dos programas baseados em vouchers é a possibilidade que abrem de controlar por um lado a utilização do subsídio em tais ou quais bens ou serviços e por outro de ampliar ao máximo possível a rede de possíveis fornecedores Desta forma aliviase o governo de ter que implantar diretamente estruturas de fornecimento do bem ou serviço por outro fica facilitado ao beneficiário obtêlo em condições mais favoráveis perto de sua casa por exemplo e sobretudo não se afetam as condições de concorrência entre os fornecedores aproveitando plenamente as vantagens que possa oferecer a estrutura de mercado correspondente O instrumento do voucher que em alguns casos como o de subsídio à educação privada pode coincidir em sua utilização com o incentivo fiscal tem especial aplicação quando se pretende conceder subsídios em larga escala pulverizados entre indivíduos direcionados e de pequeno valor caso típico de programas assistenciais dirigidos a populações carentes em grandes áreas urbanas Como saber se a política teve os resultados esperados Como aprender com os erros e acertos da ação governamental 126 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir Dois sacerdotes discutiam se era correto ou não fumar enquanto rezavam Ambos esgrimiam todo tipo de argumentos em defesa de sua postura sem chegar a um acordo Decidiram consultar o superior do convento cada um por seu lado Quando voltaram a encontrarse o sacerdote a favor de fumar disse Meu superior disse que estava muito correto fumar Como pode ser disse o outro a mim ele disse enfaticamente que era errado o que você perguntou a ele Perguntei se era correto fumar enquanto rezava Está explicado eu perguntei se estava certo rezar enquanto fumava NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 105 À sua maneira todos os cidadãos emitem juízos sobre o que faz o governo de um Estado ou de uma municipalidade Na realidade para a consideração de fatos concretos não basta mudar o preconceito favorável ou desfavorável que o cidadão ou o usuário tem da autoridade pública Com base em sua opinião molda uma percepção seletiva dos fatos O eleitor resolutamente partidário da esquerda encontrará todas as virtudes em um governo de esquerda e não considerará mais que as ações e os traços favoráveis O de direita ao contrário filtrará os atos de governo e reterá unicamente os que se acomodem a sua antipatia congênita A análise científica por sua vez trata de acrescentar a consideração de fatos concretos em detrimento da influência dos preconceitos Se a avaliação implica juízo este deve resultar de observações concretas baseadas em normas ou valores os mais objetivos possíveis MÉNY THOENIG 1992 p 195 Você se recorda das discussões cotidianas sobre as Políticas Públicas mais importantes que mais atraem a atenção pública Quais são os critérios apresentados pelas pessoas a mídia os líderes políticos para formar e defender uma opinião Após todo o largo processo que vai da percepção de um problema público até a execução de medidas concretas para enfrentálo por meio de uma Política Pública o que mais restaria a fazer 127 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI Como aproveitar todo o potencial de experiências erros e acertos que uma Política Pública pode oferecer O trabalho de avaliação de Políticas Públicas é visto sob duas perspectivas principais MÉNY THOENIG 1992 p 194 Uma delas enfatiza o lado prático apresentando diferentes metodologias e instrumentos de coleta e tratamento de dados Esta primeira abordagem é útil e necessária mas exige para um mínimo de qualidade ao menos uma disciplina específica em qualquer curso de pós graduação pois representa uma transmissão de habilidades muito específicas de caráter aplicado Em outras palavras uma abordagem de formação de avaliadores128 A segunda perspectiva que adotamos seguindo a filosofia desta disciplina e de todo o nosso curso enfoca a avaliação dentro do processo mais geral de gestão e execução das políticas quem são seus atores quais são suas finalidades como se pode aproveitar seus esforços Em síntese formar analistas de Políticas Públicas que saibam o que esperar de uma avaliação como inserir os produtos da avaliação em um estudo global da política Para isto consideremos primeiro algumas necessidades de informação de qualquer organização em busca de seus objetivos 128 A apresentação mais interessante e prática de que dispomos atualmente em português dessa abordagem amplamente testada por diferentes instituições governamentais de auditoria no Brasil está em TCU 2000 texto que compõe a biblioteca do nosso curso Também em português e disponíveis no Brasil existem excelentes manuais metodológicos voltados especificamente para a avaliação de Políticas Públicas Cohen Franco 1999 e Worthen Sanders Fitzpatrick 2004 128 CAPÍTULO 1 Avaliação como uma reflexão sobre a ação Poderia dizer para onde tenho que ir a partir daqui perguntou Alice Isso depende de aonde você quer chegar respondeu o Gato Não tem muita importância aonde vou chegar começou a dizer Alice Nesse caso dá no mesmo para onde você vai interrompeu o Gato desde que chegue em algum lugar completou Alice querendo explicar Ah você sempre vai chegar em algum lugar disse o Gato se andar o suficiente Alice no País das Maravilhas CARROL 2002 apud NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 27 Qualquer grupo ou organização acaba tendo que formular em algum momento de sua trajetória questões semelhantes às de Alice em seu famoso diálogo com o Gato no País das Maravilhas Sabemos e expressamos com clareza a situação que desejamos para o nosso grupo ou quais os nossos objetivos Tendo claros os nossos objetivos estamos dirigindonos a eles ou caminhamos em direção oposta Como diz Alice para onde tenho que ir Na maioria das situações não são perguntas simples a passagem de uma situação atual a uma situação desejada no futuro depende de sucessivas escolhas entre alternativas divergentes escolhas que são feitas com grande limitação da informação disponível sobre cada uma dessas alternativas como já vimos exaustivamente no nosso estudo das etapas anteriores do processo de Políticas Públicas Mas Alice não pergunta apenas em abstrato para onde deve ir Ela tem o cuidado de especificar que vai a alguma parte a partir daqui Ou seja o ponto onde se está e o caminho que se levou até alcançálo são também fatores da maior importância para definir os rumos desejáveis e as possibilidades de alcançálos As organizações também precisam conhecer com alguma precisão as condições reais de sua situação presente para que possam escolher seus caminhos Em resumo para fazer qualquer coisa para introduzir mudanças em uma situação não desejável ou que não nos agrada para ir a algum lugar é preciso ter objetivos claros e explícitos e saber de que maneira tentaremos atingilos por qual caminho seguir a direção desejada Para isto primeiro é preciso programar as ações do grupo social envolvido ou seja formular um plano de trabalho Também necessitamos saber de onde partimos onde estamos em outras palavras um diagnóstico da situação problemática a ser resolvida mediante a ação Assim se desenvolvem alternativas e se escolhe entre elas um formulador de políticas na verdade o raciocínio aplicase a qualquer grupo social129 formula objetivos para sua ação e prevê medidas 129 Esta noção de grupo ou organização para o raciocínio aqui desenvolvido é a mais ampla possível vale tanto para uma microempresa funcionando numa economia de mercado quanto para o governo de um país inteiro Encaixase portanto em qualquer dos níveis de complexidade da Política Pública que estiver sendo estudada 129 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI para alcançálos Objetivos ações e resultados porém precisam ser examinados confirmados medidos É preciso olhar para a realidade e confirmar na prática se aquilo que se planejou de fato ocorre É preciso colher da experiência da ação o máximo de lições para corrigir erros e melhorar a prática futura Cada vez em que se está fazendo essa confirmação com base nos fatos está entrando em ação um mecanismo de avaliação130 Esta é a função básica da avaliação das Políticas Públicas entendida como uma parte inseparável da função gerencial das políticas publicas em qualquer nível de governo Avaliação portanto pode ser entendida como uma atividade consciente de reflexão sobre a ação baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informações sobre a realidade da organização com a finalidade de emitir opiniões ou avaliações fundamentadas sobre a atividade da organização opiniões estas que devem ser comunicadas a diferentes interessados e que devem conter recomendações ou subsídios para melhorar a ação e os resultados presentes e futuros NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 31 Vamos então refletir um pouco mais desdobrando logicamente o nosso conceito inicial A avaliação é uma atividade consciente ou planejada o governo ou organização que aplica quaisquer mecanismos de avaliação tem consciência da sua necessidade sabe que é um esforço necessário e para o qual é preciso dedicar tempo e recursos O seu caráter planejado significa que o grupo ou organização tem a oportunidade de refletir e escolher quais mecanismos e instrumentos são mais adequados para conseguir as respostas que deseja É uma reflexão sobre a ação ou um momento do processo gerencial no qual a organização ou uma parte dela precisa necessariamente afastarse do papel de tomador de decisões assumir a um papel distinto o daquele que vê a ação da organização de uma perspectiva externa à própria ação e pensa sobre ela segundo critérios próprios previamente escolhidos especificamente para a atividade de controle É baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informação o que implica em que seu valor e qualidade dependem da observância de regras ou métodos previamente definidos e explicitados para a sua realização e principalmente do compromisso exclusivo com a realidade dos fatos Não é qualquer reflexão sobre a realidade da organização que podemos chamar de avaliação Avaliação qualquer avaliação só tem valor como tal se for inteiramente centrado em fatos A avaliação de uma política educacional por exemplo pode ser feito a partir do levantamento das informações sobre os seus resultados reais comparandoos aos planejados Se algum tipo de reflexão criticar essa mesma política em função de que seus objetivos não são desejáveis socialmente não será uma ação avaliativa embora legítima essa reflexão estará em outro domínio da ação organizacional ou mais precisamente nas etapas de formação de agenda e tomada de decisões É preciso muita atenção do analista de Políticas Públicas neste último ponto ao examinar ou protagonizar uma discussão sobre a política considerada deve ter segurança do que está diante de si Podese estar discutindo o quê foi feito como foi feito quais os resultados baseados em fatos observados e aí estarseá diante 130 Na realidade a lógica aqui formulada pode ser estendida integralmente para a noção de controle em uma organização do qual a avaliação seria a manifestação ou especialidade aplicada à gestão das Políticas Públicas 130 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO de uma avaliação Porém se a agenda da discussão incluir informações normativas sobre o que deveria ou não ser feito sobre a desejabilidade de favorecer o interesse do grupo A em face do grupo B já não se está fazendo avaliação mas recolocando as questões da agenda e das escolhas Ambas as discussões são legítimas mas os pressupostos os envolvidos os valores são inteiramente distintos Na avaliação com todas as limitações que tem qualquer estudo desse tipo buscase ao máximo possível a objetividade Na escolha política ao contrário tratase de explicitar discutir e ordenar valores o que deve ser O analista de Políticas Públicas pode contribuir em ambos os momentos desde que saiba em qual deles se encontra Numa avaliação o produto final é uma opinião fundamentada A reflexão avaliativa como vimos anteriormente atende à necessidade da organização ou do formulador de políticas em verificar como as suas decisões e escolhas tiveram reflexos na realidade dos fatos A simples descrição de fatos ainda que feita com precisão não atenderia a estas necessidades A opinião que é produto da avaliação neste sentido representa a associação dos fatos e dados reais com as dimensões relevantes da ação e do planejamento da própria organização ou Política Pública no nosso exemplo de política educacional constatar que a taxa de escolarização da população cresceu em tantos por cento é uma mera afirmação sobre fatos mas comparar o objetivo de um programa de apoio à permanência de crianças na escola formulado em termos da mesma taxa de escolarização com a constatação real da evolução dessa taxa no públicoalvo do programa é uma opinião de controle sobre esse programa Uma opinião avaliativa então tem obrigatoriamente dois requisitos por um lado a coleta de fatos por outro a escolha de um parâmetro ou referência baseado na realidade da Política Pública um padrão de comparação que demonstre a relação entre os fatos examinados e a realidade ou o interesse da Política Pública este padrão pode ser um valor planejado ou esperado pela organização promotora ou pelo enunciado da política ou um padrão de conduta fixado pela lei ou a própria evolução ao longo do tempo do valor observado Este padrão de comparação é denominado na maioria das avaliações de critério de avaliação ou critério de controle131 A opinião da avaliação então é esta comparação entre a realidade observada e o critério previamente estabelecido em função da necessidade da organização que promove a avaliação Existe ainda um ponto que às vezes é negligenciado as opiniões têm de ser comunicadas aos interessados e devem conter recomendações sobre a ação Naturalmente como o objetivo da avaliação é o de que a organização ou o formulador da política possa utilizar suas opiniões para corrigir rumos e melhorar práticas ela de nada adiantará se os responsáveis pelas decisões relevantes e todos aqueles que dentro da policy network tenham interesses legítimos nas ações examinadas não tiverem acesso aos seus resultados Isto implica em que aqueles que realizarem a avaliação têm de ter especial atenção com as formas pelas quais suas opiniões atingirão os destinatários implicando também por consequência na necessidade de definir antecipadamente quais os destinatários mais importantes de cada avaliação este cuidado implica em pesquisar entender e explicitar sempre que possível antecipadamente as necessidades informativas desses destinatários pois de nada lhes adiantará informação avaliativa que não esteja dentro de suas necessidades Também dentro do mesmo objetivo geral de para corrigir rumos e melhorar práticas é razoável esperar que todo o esforço empenhado na reflexão sobre a ação mediante a avaliação seja aproveitado não apenas na 131 Para um aprofundamento no conceito de critério essencial para o aprofundamento metodológico consultar Bittencourt 2000 texto integrante da biblioteca do nosso curso que versa especificamente sobre isto 131 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI comparação entre a realidade e o critério mas também na indagação de causas e consequências do resultado desta comparação Para chegar à opinião avaliativa a organização ou ente governamental realizou uma reflexão um processo de análise e interpretação da realidade Nada mais produtivo que essa reflexão seja integralmente refletida na opinião inclusive com todos os desdobramentos lógicos de causaefeito que puderem ser gerados a partir dessa mesma análise a avaliação é o momento privilegiado para a organização identificar e sistematizar as lições aprendidas Daí a necessidade de as avaliações geram na maior extensão possível recomendações para aperfeiçoamento da ação Estas recomendações claro está não implicam em que aqueles que as realizam passarão a tomar decisões as recomendações fornecem propostas subsídios e argumentos para serem utilizados pelos responsáveis pelas decisões aos formuladores da política aos atores na formação da agenda132 Em alguns casos do controle no setor governamental as recomendações do controle têm um caráter mais forte relacionado ao cumprimento de normas legais e dificilmente deixam de ser acatadas mesmo assim quem formula as recomendações não assume a gestão nem a responsabilidade direta pelas decisões Avaliação pesquisa científica monitoramento cada um no seu lugar o que isto quer dizer é que saberíamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições em vez de perdermos tanto tempo com as identidades e as coerências que essas têm obrigação de explicarse por si mesmas SARAMAGO 2000 p 26 Tendo lido até aqui alguém poderia sentirse confuso ao pensar que a reflexão sobre a ação que denominamos avaliação confundese com a própria pesquisa científica Não é bem assim existe muitos pontos de coincidência mas são tipos de reflexão distintos De fato muitos instrumentos de pesquisa e análise dos fatos são usados por ambos Afinal o processo de explicação ou fundamentação das opiniões da avaliação é semelhante ao da ciência o rigor nas formas de alcançar asseverações confiáveis é comum Em ambos os casos não se trata só de criticar ou de elogiar há que fundamentar as afirmações para distinguilas de crenças opiniões ou juízos emocionais em outras palavras são modos de indagação disciplinada aquela que produz conhecimento que é confirmável e replicável por terceiros que permite explicitar a natureza dos dados das fontes e do contexto em que foram recolhidos assim como os processos de transformação dos dados em informação interpretações conclusões extrapolações recomendações É a fundamentação que permite na avaliação emitir a partir dessa fundamentação as recomendações para superar deficiências ou aprofundar as vantagens já obtidas com a ação avaliada Porém já vimos que a avaliação como um mecanismo de controle ocupase essencialmente da melhoria da ação e portanto tem na formulação das recomendações e subsídios a essa mesma ação a sua essência A avaliação procura identificar fatos e tendências relevantes para a agenda da gestão Mesmo quando é o agente que avalia quem seleciona os exames que vai realizar os aspectos da 132 Neste sentido ao formular recomendações o avaliador na verdade qualquer agente da função de controle está atuando como consultor aquele que está em posição de exercer alguma influencia sobre um indivíduo grupo ou organização basicamente servindo como auxiliar os executivos e profissionais da organização nas tomadas de decisões mas que não tem poder direto para produzir mudanças ou programas de implementação quem tem controle direto da situação e das decisões é um gerente não um consultor Block 2001 p 2 Oliveira 2005 p 21 132 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO realidade que vai analisar ele não pode deixar de pautarse pelos objetivos maiores que fizeram com que aquele controle avaliativo viesse a ser instituído Já a ciência tem por preocupação aumentar o corpo de conhecimentos Seu foco é o conhecimento sobre a realidade e ela termina com conclusões sobre como e porquê ocorrem os fatos que observa independentemente da relação destas conclusões com um determinado programa de ação Por consequência os critérios que na avaliação devem obrigatoriamente vincularse a alguma dimensão relevante da ação controlada recebem na pesquisa científica tratamento diferente o cientista é em grande medida livre para formular perguntas a que sua investigação vai responder e o objetivo de seu trabalho é essencialmente responder a estas perguntas e aumentar o conhecimento sobre a realidade Em síntese a pesquisa científica termina com as conclusões sobre como ocorrem os fatos realimentando a teoria a avaliação deve terminar com recomendações que modifiquem confirmem ou acrescentem o que já se vinha fazendo Também o foco difere a pesquisa científica pode dedicarse a qualquer aspecto da realidade social enquanto a avaliação só tem sentido se abordar a forma com que os poderes públicos abordam os problemas sociais que ganham a agenda Naturalmente haverá momentos em que os limites entre avaliação e ciência não estarão muito precisos a avaliação dos resultados de um novo programa de ação governamental certamente produz relevante conhecimento sobre a realidade social sobre a qual este programa procurou intervir Por exemplo quando se põe à prova uma modalidade de intervenção em Política Pública que se considera inovadora a avaliação incluirá um processo rigoroso e sistemático de coleta de informação para emitir juízos e recomendações informações estas que poderão subsidiar uma comparação de natureza estritamente científica entre a eficácia da nova intervenção frente a outras tradicionais de intervir sobre o mesmo problema Por outro lado nada impede ao contrário é extremamente recomendável que os avaliadores recorram a fatos e análises já produzidos e disponibilizados pela ciência na elaboração de seu próprio trabalho E muitos cientistas certamente têm em mente os problemas relevantes da ação social que fornecem importantes perguntas sobre a realidade para orientar seus programas de pesquisa Mas na sua essência como procedimentos de reflexão tratase de duas naturezas distintas Isto implica até mesmo numa distinção entre as habilidades requeridas aos profissionais de cada tipo de investigação ao cientista exigese conhecimentos metodológicos básicos e domínio exaustivo do setor de conhecimento que pesquisa Já o avaliador necessita de um conhecimento metodológico amplo mas o conhecimento sobre a natureza da Política Pública que avalia não precisa ser tão exaustivo e pode mesmo irse desenvolvendo ao longo do processo avaliativo Isso decorre tanto da estrutura da formação do conhecimento em cada ramo quanto das características organizacionais do trabalho de cada um tipicamente a organização ou unidade encarregada de produzir avaliação enfrenta os desafios de avaliar em diferentes áreas de aplicação de um mesmo ramo de conhecimento como saúde ou educação e por vezes as equipes de avaliação de programas têm de ser literalmente generalistas produzindo avaliações nos setores os mais distintos Do avaliador além disso e por fortes razões que já veremos adiante exigemse conhecimentos bastante seguros do universo da análise de Políticas Públicas como campo de conhecimento a exemplo de como a estamos apresentando no nosso curso Outras atividades por sua vez gravitam em volta das Políticas Públicas em sociedades avançadas Uma delas é a do monitoramento entendido como coleta sistematizada contínua e periódica de 133 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI informações sobre a execução de programas ou políticas com objetivo de acompanhar a evolução de sua execução insumos atividades resultados e a sua correspondência ao planejado Esta modalidade de ação de controle embora também constitua uma retroalimentação da maior importância para a gestão da execução das políticas bem como uma fonte de informações em geral valiosa para avaliações posteriores não alcança o sentido e a profundidade de uma avaliação O simples acompanhamento ou monitoramento é antes uma importante fonte de informação bruta para diversos fins inclusive o da própria avaliação Mas faltalhe a amplitude a flexibilidade metodológica o alcance a todas as etapas do ciclo de políticas e sobretudo o esforço de juízo valorativo que caracterizam a avaliação Da mesma forma têm surgido diversas iniciativas de organização sistemática e periódica de informações sobre as mais variadas políticas e realidades relacionadas a um determinado tema o abuso de drogas a igualdade de gênero o meio ambiente denominadas observatórios de problemas públicos Tais iniciativas são a rigor um esforço de monitoramento de diferentes aspectos dos problemas que lhes interessam só que a um nível mais global ou consolidado Pelas mesmas razões a avaliação não se pode confundir com esses projetos Ou seja avaliação e monitoramento individual ou na forma de observatórios não se confundem Ao contrário beneficiamse e potencializamse mutuamente A informação do monitoramento é com frequência extremamente útil como insumo para a avaliação Por outro lado uma avaliação em profundidade em um determinado programa ou política pode contribuir substancialmente na identificação de novas variáveis e indicadores que sirvam às finalidades de monitoramento Trata se no entanto de atividades A avaliação dentro do ciclo de políticas Se tomarmos linear e literalmente o modelo a avaliação seria o fecho da sequência de etapas ocorreria após a implementação Mas vamos pensar Para quê servirá uma avaliação feita depois da Política Pública sem que seus resultados fossem utilizados de alguma maneira Tendo em vista as finalidades da avaliação qual seria a utilidade de realizar o esforço de avaliação sem que seus resultados pudessem ser utilizados na própria política É possível contemplar algumas formas de avaliação que tivessem outros propósitos tais como responsabilizar os gestores pelos resultados veremos um pouco disso adiante Mas seria razoável deixar de aproveitar os recursos aplicados no trabalho avaliativo em todas as demais etapas do processo de formulação e execução de Políticas Públicas Ao contrário avaliar é aprender Portanto a avaliação deve servir como insumo a todos os seguintes passos do processo de política Na identificação do problema e formação de agenda os resultados de uma avaliação são argumentos extremamente poderosos para reforçar ou rechaçar 134 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO a inclusão de temas na agenda a detecção de novos problemas suscitados pela aplicação das políticas já em funcionamento pode abrir toda uma nova agenda para a sociedade Na formulação de soluções o desenvolvimento das soluções para políticas fase exploratória por natureza beneficiase enormemente do conhecimento dos problemas já enfrentados e das soluções que foram encontradas em casos anteriores ou similares de fato a avaliação é um dos insumos mais importantes para o desenvolvimento das soluções Neste caso existe inclusive o termo avaliação ex ante que representa um exercício de simulação ou modelagem da Política Pública considerada tentando explorar os cenários possíveis de execução para verificar a viabilidade ou as relações entre custo e resultado prováveis COHEN FRANCO 1999 p 108 Embora não seja avaliação nos termos em que aqui utilizamos pois não contém uma coleta de dados reais da política sendo avaliada o raciocínio utilizado e as metodologias empregadas são muito próximos aos da avaliação e a própria utilização do termo avaliação denota a íntima relação entre as informação dessa etapa e o estudo para o desenvolvimento de novas alternativas Na tomada de decisão da mesma forma que na formação de agenda os problemas encontrados nas políticas anteriores representam fortes argumentos no processo decisório defensores de determinadas escolhas podem sustentálas em função de sucessos anteriores tomadores de decisão têm muito a aprender com escolhas anteriores que resultaram em insucesso Na implementação do programa a avaliação permite que os erros e acertos de implementações anteriores possam ser conhecidos e utilizados como orientação para executores posteriores Assim a representação gráfica do ciclo de política pode ser enriquecida com a inclusão das relações da avaliação com as demais fases Compreendendo o problema Colocando as soluções em prática Desenvolvendo soluções TESTANDO O SUCESSO E FAZENDOO PERDURAR INFORMAÇÕES RELEVANTES Dentro do conceito graficamente ilustrado o aprendizado da avaliação é um instrumento precioso para testar ou sucesso recolher as experiências erros e acertos para fazer perdurar os efeitos positivos Já no modelo completo vemos ilustrado em maior detalhe o fluxo de informações proveniente da avaliação irrigando cada uma das etapas anteriores 135 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI EXECUÇÃO OU APLICAÇÃO DA AÇÃO DEMANDA POR UMA AÇÃO PÚBLICA IDENTIFICAÇÃO DE UM PROBLEMA PROPOSTA DE UMA RESPOSTA POLÍTICA EFETIVA DE AÇÃO IMPACTOS EM CAMPO AÇÃO POLÍTICA OU REAJUSTE AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS E ENCERRAMENTO FORMULAÇÃO DE UMA SOLUÇÃO RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA POLÍTICA INFORMAÇÕES RELEVANTES TOMADA DE DECISÃO Um pouco mais sobre a avaliação funções e características Prevenimos porém desde já que não será possível chegar a uma conclusão ainda que provisória como o são todas se não começarmos por admitir uma premissa inicial certamente chocante para as almas rectas e bem formadas mas não por isso menos verdadeira a premissa de que em muitos casos o pensamento manifestado foi por assim dizer atirado para a linha de frente por um outro pensamento que não considerou oportuno manivestarse SARAMAGO 2008 p 285 Tratemos a avaliação com um pouco mais de detalhe Já vimos que a função da avaliação é proporcionar recomendações úteis Mas úteis em que sentido Em quê especificamente poderia ser insumido ou utilizado o rico conhecimento produzido pela avaliação A informação produzida pela avaliação tem vocação de ser utilizada retroalimentando as diferentes etapas do ciclo de políticas em três finalidades principais Melhoria do programa ou política avaliado A avaliação tem esse papel por excelência a retroalimentação e o aprendizado sobre a própria prática Pode assim tornarse instrumento para aperfeiçoamento da própria atividade avaliada bem como um forte impulso para a garantia de qualidade Ao evidenciar erros e acertos pode orientar os executores na correção de desvios verificados em relação aos objetivos além de poder trazer à cena eventuais consequências indesejadas ou inesperadas que sugiram até mesmo a modificação dos objetivos fixados pelo formulador das políticas Prestação de contas Accountability Avaliar também é uma forma de prestar contas no sentido mais amplo do termo Isto adquire um sentido ainda maior quando se trata de programas e Políticas Públicas já que a prestação de contas faz parte indiscutível dos princípios de um sistema democrático o cidadão tem direito a saber não só em que se estão empregando os fundos públicos mas também com que grau de idoneidade eficácia e eficiência estão sendo alocados geridos e empregados tais fundos 136 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO A prestação de contas por sua vez tem vária s perspectivas distintas a perspectiva política essencial para que os titulares da representação política comprovem que os responsáveis administrativos estão realmente executando os objetivos que se lhes determinou a perspectiva técnicoorganizativa representa a possibilidade de que os dirigentes administrativos possam conhecer o desempenho dos subordinados ou que alguém que descentraliza recursos e competências a outra entidade possa entender como tais meios são utilizados por aqueles a quem foram confiados a perspectiva da cidadania se for levada a efeito permitirá que a avaliação sirva aos cidadãos para ajuizar das ações dos políticos eleitos como seus agentes em particular para exigirlhes responsabilidades nas eleições periódicas por fim avaliar sob a perspectiva do cliente significa descobrir como os destinatários de uma política a recebem quais os benefícios que efetivamente recebem e qual o grau de equidade na distribuição dos benefícios dos esforços públicos Prospectiva Naturalmente a relação mais direta de um trabalho de avaliação é com a política ou programa concreto da qual se ocupa Porém um conjunto de avaliações gera uma informação sistemática que representa importantíssima base de conhecimento para a formulação e a análise de um semnúmero de políticas no futuro Ao se avaliar sistematicamente os diferentes programas de prevenção à dependência química está sendo construído conhecimento sobre as diferentes formas de prevenção as medidas que o poder público pode adotar e as respostas que suscitam nos potenciais afetados enfim os acertos e erros acumulados sobre como fazer prevenção e cura Este conhecimento tem o potencial de orientar qualquer ação futura nesta área tanto mais quanto mais estudos sejam desenvolvidos a partir os resultados de conjuntos de avaliações com similaridades ou relações entre si Qualquer que seja a perspectiva que adote a avaliação algumas características se fazem presentes Em primeiro lugar é preciso reconhecer o caráter político da avaliação Já sustentamos na seção anterior que a avaliação busca atingir o máximo grau possível de objetividade e busca de fatos Isto é absolutamente verdadeiro e inteiramente compatível com a afirmação do caráter político da avaliação Como conciliar a objetividade133 com um caráter político Isso depende fundamentalmente do entendimento do político não como pejorativo ou seja como instrumento de barganha ou disputa entre grupos em favor de seu acesso ao poder Ao contrário entender e assumir o caráter político da avaliação significa compreender que ela pode e deve abarcar não apenas dados técnicos relativos à execução física e técnica da área de atuação da Política Pública avaliada mas as interações de vários atores dentro de e entre burocracias clientes grupos de interesse organizações e parlamentos e sobre como relacionamse uns com os outros a partir de diferentes posições de poder influência e autoridade RUEDA 2003 p 16 Ora o que vimos ao longo de todas as etapas do ciclo de política é que uma Política Pública nasce ganha vida e é aplicada sobre a realidade prática exatamente sob tais condicionamentos indissociáveis estes da própria política Então reconhecerlhes a existência e influência será precisamente uma exigência da objetividade em particular quando se entre no exame de possíveis causas de resultados em desacordo com os objetivos Os objetivos foram fixados sob determinados condicionantes políticos a execução foi desdobrada também sob outros condicionantes políticos ora a ninguém surpreenderá que eventuais diferenças entre os dois possam ser atribuídas não só a fenômenos do clima ou mera aleatoriedade mas também ao efeito desses condicionantes políticos É preciso ter sob os olhos ao avaliar não apenas os objetivos enunciados de uma política mas também compreender os processos organizativos que tornaram concreta essa política e as interrelações que teve com todos os stakeholders em particular os mais frágeis ou incapazes de mobilização que demasiadas vezes só tem o momento da avaliação para terem seus valores e interesses ressaltados 133 Objetividade aqui dentro das possibilidades que oferece qualuqer análise da realidade social Ficamos aqui à margem das discussões epistemológicas sobre as dificuldades da ciência social e suas atividades correlatas de assumirem os mesmos padrões metodológicos e de objetividade de outras ciências da natureza Consideramos objetivo para os fins desta análise da avaliação de Políticas Públicas aquele conhecimento que obedece aos padrões exigidos para qualquer área da ciência social 137 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI Pode haver um justo temor a contaminar a lógica avaliativa que deve ser a mais objetiva possível com um viés de interesse político a orientarlhe as conclusões Este risco é inevitável e deve ser minimizado com o aprofundamento das exigências de rigor metodológico na realidade o risco do avaliador enredarse em julgamentos motivados por interesse político é muito maior quando ele não tem ou afirma não ter para efeitos externos consciência da sua inserção num processo político Não obstante o risco sempre presente de uma captura do avaliador pelo raciocínio político no sentido pejorativo a entrada da avaliação no processo de formulação de Políticas Públicas é indispensável exatamente porque ao trazer considerações ancoradas em rigor e objetividade ajuda a controlar e minimizar as considerações particularistas ou fundadas em defesa de interesses ou seja permite caracterizar determinadas análises e posições como parciais e voltadas para interesses específicos o que é legítimo desde que se lhes reconheça como tal Isto traz algumas exigências para a avaliação Tendo em vista seu caráter político que aliás não passa despercebido a nenhum stakeholder é essencial que a avaliação gere credibilidade o que exige ao avaliador um esforço permanente de imparcialidade objetividade e rigor metodológico um avaliador que caia nos riscos da captura como discutimos acima cedo deixará de exercer influência como tal Além disso a avaliação precisa manterse fiel ao princípio básico enunciado desde o começo deste capítulo não existem modelos préfabricados cada avaliação atende à necessidade informativa de alguém em um determinado momento portanto ensejará a construção de critérios especificamente voltados para essa necessidade cada situação avaliativa pode requerer uma resposta avaliativa única adaptada às circunstâncias concretas o que não retira em absoluto o rigor e a objetividade em cada uma dessas ocorrências Por fim a tempestividade é outro fator crucial a avaliação não se faz em abstrato mas para aprender sobre determinado curso de ação Se este aprendizado não vem no momento em que os interessados possam utilizálo na ação que está sendo avaliada ou em outras ações que possam ser concretamente previstas ou demandadas o efeito da avaliação termina por esvairse Quando o clima político muda apresentar os resultados de uma avaliação demasiado tarde pode significar o mesmo que não apresentálos Não obstante apresentálos a tempo pode marcara a diferença entre ser escutados ou não que se utilizem os resultados ou não ou que se aumente ou diminua a credibilidade do avaliador Em outras palavras se se tarda muito em responder as perguntas da avaliação pode ser que o debate que as gerou já não seja o mesmo que essas perguntas sejam já irrelevantes ou que os destinatários da avaliação tenham desaparecido RUEDA 2003 p 18 A necessidade de tempestividade sugere inclusive que o avaliador considere a utilidade de prover os destinatários com os produtos intermediários de seu trabalho existem muitos projetos de avaliação extremamente complexos que necessitam de um prazo de vários meses ou mesmo anos Esses projetos são em regra compostos de várias etapas encadeadas cujos resultados parciais podem ser bastante bem aproveitados como produtos intermediários disponibilizados aos destinatários antes da conclusão final Por exemplo a própria construção dos critérios de avaliação em projetos de grande dificuldade técnica já pode oferecer material de primeira qualidade para o autoaperfeiçoamento do programa avaliado e daqueles a serem lançados A divulgação de resultados intermediários como 138 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO produtos do trabalho avaliativo é também prática bastante corrente nas grandes instituições voltadas ao trabalho de avaliação de programas como o Government Accountablity Office norteamericano e o National Audit Office do Reino Unido Outra característica relevante é a natureza opinativa da avaliação De fato ela existe para formular opiniões juízos uma avaliação é um juízo feito sobre um dado com referência a um valor na sintética definição de Mény Thoenig 1992 p 195 Isto implica uma redobrada exigência de rigor e sistematicidade Os valores o conteúdo de mérito da opinião o que é desejável ou não será sempre questionável em bases igualmente valorativas deverá portanto ficar explicitado metodologicamente na definição dos critérios que poderão ser escolhidos pelo avaliador ou fixados por terceiros que tenham legitimidade para fazêlo De qualquer modo o trabalho de avaliação identifica concentra e explicita o seu conteúdo normativo nos critérios permitindo que a natureza valorativa da opinião resida especificamente em tais critérios e na prática permitindo que a informação sistematizada sobre a realidade possa ser inclusive reaproveitada pelos destinatários contrastandoa com outros critérios de seu interesse Existem critérios certos Evidentemente que não as bases para julgamento valorativo podem ser diferentes em função do âmbito da política avaliada ou das finalidades específicas da avaliação Alguns critérios clássicos a nível internacional utilizados na prática das avaliações de programa no Brasil ilustram esta multiplicidade BITTENCOURT 2005 pp 244245 Economicidade Minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade sem comprometimento dos padrões de qualidade Eficiência relação entre os produtos bens e serviços gerados por uma atividade e os custos dos insumos empregados em um determinado período de tempo Eficácia grau de alcance das metas programadas em um determinado período de tempo independentemente dos custos implicados Efetividade relação entre os resultados alcançados impactos observados e os objetivos impactos esperados que motivaram a atuação institucional Além dos clássicos citados não se ignorar a emergência de novos parâmetros para organizações e Políticas Públicas que refletem os novos problemas que ganharam o acesso à agenda pública mais recentemente Equidade a medida da possibilidade de acesso aos benefícios de uma determinada ação por parte dos grupos sociais menos favorecidos em comparação com as mesmas possibilidades da média do país Avaliar a equidade significa examinar se há uma distribuição igualitária dos recursos entre os que tem direito a recebêlos Transparência Responsabilidade o grau em que uma determinada ação permite a visibilidade e a prestação de contas de seus recursos e objetivos bem como a atribuição clara de responsabilidades aos diferentes agentes nela envolvidos Participação social a abertura que uma determinada Política Pública contempla para que nela se veiculem as opiniões e preferências dos interessados o que não apenas é instrumental mas tem um valor por si próprio como mecanismo pedagógico de autoorganização popular Sustentabilidade num sentido mais estrito a compatibilidade de uma ação com a sua inserção no meio ambiente natural que a cerca e que deve abrigála num sentido lato a capacidade dessa ação gerar por si própria os recursos financeiros materiais e naturais que lhe assegurem a continuidade Em síntese o caráter sistemático da avaliação a objetividade que pode alcançar em um meio tão fluido como o da luta política é obtido pela presença indissociável de dois elementos em primeiro lugar o estabelecimento prévio dos critérios de avaliação nos quais se contêm e vão verse refletivas 139 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI as perspectivas valorativas que serão utilizadas para julgar os resultados em segundo lugar porque os juízos além das perspectivas valorativas preestabelecidas são realizados com base em uma informação coletada e analisada sistematicamente RUEDA 2003 p 20 Por fim é muito interessante notar os efeitos que muitas vezes se obtém nas Políticas Públicas pelo simples fato de avaliar As pessoas que participam em um processo de avaliação todos os envolvidos não apenas o avaliador tendem a tornarse mais conscientes do programa ou política considerado Como insistimos desde o começo a avaliação é reflexão e revisão e o mero fato de se abrir um espaço e um tempo formalizados para isso tem efeitos positivos em si mesmo Além disso a estrutura de reflexão que for utilizada para avaliar pode trazer consequências significativas para os próprios atores da política avaliada as metodologias participativas ajudam as pessoas envolvidas a refletir sobre sua própria prática a pensar de forma crítica e a perguntarse o porquê de seus atos e obrigações já uma avaliação baseada em raciocínios teóricos forçará aos profissionais a analisar e evidenciar portanto a tornarse conscientes de premissas e hipóteses subjacentes à formulação do programa Em suma as recomendações finais são o resultado final e mais visível do processo avaliativo No entanto seus efeitos estendemse a muito mais que um conjunto de propostas formalizadas 140 REFERÊNCIAS ALBI Emilio Público y privado un acuerdo necesario Barcelona Ariel 2000 ALBI Emilio GONZÁLESPÁRAMO José Manuel CASASNOVAS Guillem López Gestión pública fundamentos técnicas y casos Barcelona Ariel 2000 ARIDA Pérsio A história do pensamento econômico como teoria e retórica In GALA REGO 2003 BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Discricionariedade e controle jurisdicional São Paulo Malheiros Editores 1998 BENJAMIN Cid Hélio luz um xerife de esquerda Rio de Janeiro ContrapontoRelume Dumará1998 BEZERRA Marcos Otavio Em nome das bases sn política favor e dependência pessoal Rio de Janeiro RelumeDumará 1999 BITTENCOURT Fernando A jangada de pedra os caminhos da auditoria In Revista de Informação 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elaborado como requisito parcial para obtenção de grau de Doctor en Política y Gobierno Departamento de Ciencia Política y de la Administración Universidad Nacional de Educación a DistanciaUNED Madrid Departamento de Ciencia Política y de la Administración Universidad Nacional de Educación a DistanciaUNED 2005 141 REFERÊNCIAS CURIA Walter El último peronista la cara oculta de Kirchner Buenos Aires Editorial Sudamericana 2006 DAPIEVE Arthur Minutos de silêncio In O Globo 2962001 Rio de Janeiro O Globo 2001 Também disponível em httpobservatorioultimosegundoigcombrartigosmem040720012 htm Acesso em 1832007 DELOITTE Touche Tohmatsu Lei sarbanesoxley guia para melhorar a governança corporativa através de eficazes controles internos São Paulo Deloitte 2003 Disponível em wwwdeloittecom brcorpgov DÍEZ Alejandro Rodríguez Historia secreta devaluación y pesificación Buenos Aires Bifronte Editores 2003 FRANCO Rolando LANZARO Jorge Coords Política y Políticas Públicas en los procesos de reforma de 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de Contas da União Manual de auditoria de natureza operacional Brasília TCU Coordenadoria de Fiscalização e Controle 2000 TCU Brasil Tribunal de Contas da União SEASMPAS Melhoramento do desempenho do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil In Auditorias do Tribunal de Contas da União 621 2003 Brasília Tribunal de Contas da União 2003 144 REFERÊNCIAS TCU Brasil Tribunal de Contas da União Técnicas de Auditoria análise Stakeholder Brasília TCU Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo 2001 TORRES Pedro Medellín La política y las Políticas Públicas en regímenes de obediencias endebles uma propuesta para abordar las Políticas Públicas en América Latina In Franco Lanzaro 2006 WORTHEN Blaine Sanders James Fitzpatrick Jody Avaliação de programas concepções e práticas São Paulo Gente 2004
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BrasíliaDF Elaboração E análisE dE Políticas Públicas Elaboração Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt Produção Equipe Técnica de Avaliação Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA 6 INTRODUÇÃO 8 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO 13 CAPÍTULO 1 CENÁRIO HISTÓRICO 13 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS 22 CAPÍTULO 1 EXCURSÃO À ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO CAMPO DE CONHECIMENTO 22 CAPÍTULO 2 POLITY POLITICS E POLICY 25 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS 38 CAPÍTULO 1 ANÁLISE DOS MODELOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS 38 CAPÍTULO 2 NASCIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 44 CAPÍTULO 3 AGENDA 50 CAPÍTULO 4 O PAPEL DO ESTADO 64 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS 68 CAPÍTULO 1 COMPREENSÃO DO PROBLEMA 68 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO 101 CAPÍTULO 1 DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO 102 CAPÍTULO 2 INSTRUMENTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 113 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO 126 CAPÍTULO 1 AVALIAÇÃO COMO UMA REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO 128 REFERÊNCIAS 140 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade Caracterizase pela atualidade dinâmica e pertinência de seu conteúdo bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal adequadas à metodologia da Educação a Distância EaD Pretendese com este material leválo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos possibilitandolhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científicotecnológica impõe ao mundo contemporâneo Elaborouse a presente publicação com a intenção de tornála subsídio valioso de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional Utilizea como instrumento para seu sucesso na carreira Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo os conteúdos são organizados em unidades subdivididas em capítulos de forma didática objetiva e coerente Eles serão abordados por meio de textos básicos com questões para reflexão entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável Ao final serão indicadas também fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares A seguir uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio É importante que ele verifique seus conhecimentos suas experiências e seus sentimentos As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais filmes e sites para aprofundamento do estudo discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso Praticando Sugestão de atividades no decorrer das leituras com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno Atenção Chamadas para alertar detalhestópicos importantes que contribuam para a sínteseconclusão do assunto abordado 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das síntesesconclusões sobre o assunto abordado Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo não há registro de menção Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas baseadas nos objetivos do curso que visam verificar a aprendizagem do curso há registro de menção É a única atividade do curso que vale nota ou seja é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação Para não finalizar Texto integrador ao final do módulo que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado 8 Introdução A ação pública suscita desde o início opiniões apaixonadas Assusta quando não se converte em algo odioso em particular ao sofrerse as suas consequências Ou ao contrário desperta uma adesão incondicional porque o Estado seria o menos ruim dos remédios à disposição dos povos para emendar os defeitos do curso natural das coisas Antes de proceder a uma análise muito frequentemente se está visceralmente a favor ou contra o Estado Outro reflexo obedece à ingenuidade Consiste em tomar como moeda corrente os textos e os discursos oficiais Um bom conhecimento da Constituição matizado com um pouco de direito e moderado pela leitura dos jornais bastará para dar conta do trabalho governamental e administrativo O risco consiste em que se confunda a forma com o fundo e que o trabalho se perceba tal como pretende ser e não tal como é MÉNY THOENIG 1992 p 7 Você concorda com essas ideias Por quê De que forma você costuma abordar os problemas relacionados à ação do governo em sua comunidade Justifique sua resposta 1Tratar de Políticas Públicas é tratar de uma parcela importante da ação de toda a coletividade para o enfrentamento de problemas comuns Aquela parcela das ações e das decisões que a sociedade atribui ao governo ou às autoridades públicas seja isoladamente seja em cooperação com outros grupos ou indivíduos Qualquer que seja a perspectiva que se adote vemos cotidianamente as múltiplas faces da ação governamental Uma prefeitura um ministério ou um Parlamento intervêm cada um a seu modo e de múltiplas maneiras sobre o conjunto da sociedade Tomam decisões alocam recursos impõem obrigações nos âmbitos mais variados desde a segurança pública até a cultura desde a tributação até a procriação Em nossas sociedades a esfera pública e estatal instalouse em todas as partes e cada indivíduo de um modo ou outro sente seus efeitos em sua vida pessoal em suas relações com a coletividade inclusive na forma de gozar da natureza que o rodeia O estudo das Políticas Públicas então representa o estudo da ação das autoridades públicas sobre a sociedade Buscamos responder a perguntas tais como as a seguir O que produzem aqueles que nos governam Quais objetivos pretendem atingir Utililizamse de quais meios 1 Toda esta seção está amplamente baseada em Mény Thoenig 1992 p 7 9 Aparentemente são perguntas simples No entanto como deixa claro o trecho que inicia este capítulo estas perguntas têm sido muito difíceis de responder Inicialmente pela natureza quase pessoal do envolvimento que qualquer estudioso tem com o tema ainda que tratemos o assunto na condição de pesquisadores ou profissionais da ação governamental sempre seremos membros da coletividade e como tal interessados na forma de encaminhar e resolver os problemas públicos porque afetam a todos Mas as dificuldades não ficam restritas à posição do estudioso A própria teoria construída sobre o assunto tem girado em torno de algumas posições ou enfoques que enfatizam apenas aspectos parciais da ação pública O enfoque de ciência administrativa usando principalmente instrumentos da teoria da Administração procura formular métodos ou instrumentos de melhoria da gestão pública estruturas formais de autoridade divisão especializada do trabalho métodos de controle de tempos e movimentos etc independentemente da substância do próprio conteúdo do que a ação governamental impulsionada pelos métodos mais eficazes pode gerar A abordagem da economia pública interessada na escolha dos meios adequados para buscar fins predeterminados dentro de um contexto de escassez Esta análise é essencialmente instrumental os fins consideramse dados e o objeto de estudo é como partir de uma situação inicial e atingir os fins desejados mobilizando os instrumentos disponíveis recursos normas instituições e desenvolvendo mecanismos de coordenação e incentivos aos agentes sociais públicos e privados que intervém no processo respeitadas restrições objetivas orçamentárias técnicas legais ALBI 2000 p 78 A concepção de grupos de pressão e de interesses preocupase com o aspecto de poder de conflitos de interesses entre grupos distintos envolvidos com uma determinada ação governamental de cada ação pública resultam vantagens e custos que incidem diferentemente sobre vários grupos sociais é a dinâmica desses grupos organizandose e interagindo entre si e com o Estado na forma de política partidária mobilização sindical ou corporativa lobbies etc que representa o principal foco de atenção desse tipo de abordagem As visões deterministas de grandes sistemas cujas principais expressões eruditas são os dois extremos do marxismo dogmático e do economicismo universal propõemse a explicar as ações políticas como simples consequências automáticas da realidade econômica a dinâmica socioeconômica seja como luta de classes seja como consequência dos mercados perfeitos gera demandas ou exigências que são automaticamente convertidas em ações pelo Estado o qual não dispõe de nenhum espaço de alternativas a partir do qual possa se mover Todas essas visões são importantes mas cada uma representa apenas um dos aspectos dos problemas públicos uma peça do quebracabeças As perguntas que se colocam diante do estudioso de Políticas Públicas dificilmente são respondidas por uma só perspectiva 10 Diante de um mesmo problema todas as autoridades públicas vão reagir da mesma forma O fator essencial para o resultado de uma ação pública é a decisão adotada Os problemas na sua implementação podem alterar os efeitos pretendidos Todos os cidadãos afetados por uma ação pública o são da mesma maneira ou intensidade Agora leia cuidadosamente o texto a seguir Detalhando mais compõem simultaneamente uma Política Pública a decisão política que a move o programa de ação que a organiza os métodos e os meios apropriados que a executam a mobilização de atores e instituições em torno a ela para obtenção de objetivos particulares a cada um Assim o analista de Políticas Públicas pode verse induzido a interrogarse sobre os critérios de escolha de objetivos e métodos sobre a legitimidade do tomador de decisão ou da ação sobre a adequação dos meios aos fins sobre a qualidade dos métodos ou sobre os custos e os benefícios Relação do caderno com o curso Buscaremos neste Caderno de Estudos oferecer alguns elementos para responder a perguntas amplas como as que foram propostas acima Mas por que este estudo e neste curso Nosso curso é destinado ao entendimento em profundidade dos problemas da Gestão Pública não por acaso estamos em uma especialização em Administração Pública Ora os atos e os fatos de Gestão a serem estudados e avaliados não se exercem no vácuo mas no contexto real da ação estatal Ao se avaliar ou medir o resultado de uma política e mais ainda ao se investigar as suas causas não se pode deixar de olhar para as circunstâncias em que tal política foi demandada concebida e executada Tais circunstâncias não são teóricas partindo de modelos abstratos são concretas com origem nas estruturas interesses e instrumentos disponíveis no momento em que a política surge e se desenvolve É por isso que devemos tratar a Política Pública em si mesmo os interesses que gera a forma como é vista pelos interessados como objetos de pesquisa e não como simples dados ou pressupostos do problema de avaliação numa posição semelhante ao do cientista social Isso pode suscitar na maioria dos profissionais da Gestão Pública em grande maioria com formação e experiência em abordagens distintas como Administração e Auditoria alguma insegurança os objetivos das Políticas Públicas são tomados como um dado pelo administrador que busca os meios eficientes de atingilos bem como pelo auditor que confere se foram atingidos Esses profissionais e muitos outros na esfera governamental raramente enxergam nas circunstâncias de formulação das políticas e de seus objetivos um objeto a ser examinado sob a perspectiva analítica semelhante à que utilizam para os meios de executálas Dito de forma corriqueira nós somos técnicos e não políticos 11 É inegável que o estudo das Políticas Públicas não se confunde com um tratado sobre o Estado ou a sociedade política não pretendemos discutir regimes políticos comportamentos eleitorais ideologias políticas No entanto a especialização acadêmica do técnico no tema da Gestão Pública não pode prescindir do conhecimento rigoroso dos fenômenos sociais envolvidos na determinação dos problemas públicos que a sociedade propõese a abordar na formulação das alternativas para resolvêlos na seleção entre estas alternativas e na sua execução prática Para melhor implementar medir ou controlar é relevante conhecer em profundidade e desde a sua origem aquilo que está sendo implementado medido ou controlado Em resumo compreender a elaboração e a análise de Políticas Públicas fornece um marco um cenário de referência com o qual se pode aplicar com maior precisão as técnicas relativas à gestão à auditoria à análise econômicofinanceira e à avaliação de programas que constituem o desafio cotidiano dos gestores públicos É este o papel de nosso caderno no quadro geral do curso Já começamos a aproximarnos do objeto do nosso curso o estudo das Políticas Públicas Agora pense sobre a seguinte questão Os problemas de Política Pública são os mesmos ao longo do tempo Há no mundo atual alguma característica que diferencia os desafios de Política Pública em relação a outras épocas da nossa história E então Você se lembrou de algo em especial É hora de fazermos uma breve excursão pela história contemporânea Objetivos Conhecer as grandes linhas da evolução histórica da intervenção estatal nas sociedade contemporânea Compreender as especificidades principais do estudo das Políticas Públicas diante de outros ramos do conhecimento e pesquisa na área política Analisar mediante o uso de modelos apropriados as principais características do processo de surgimento e aplicação das Políticas Públicas Conhecer os problemas e os desafios principais do estudo de cada uma das etapas do ciclo de uma Política Pública 13 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO CAPÍTULO 1 Cenário histórico Excederia em muito o nosso objetivo apresentar uma história detalhada da política ou das ações de governo na sociedade contemporânea No entanto é essencial compreender as grandes linhas da evolução histórica da intervenção estatal nas modernas economias capitalistas para que se possa avaliar o impacto das Políticas Públicas na dinâmica social Em seguida faremos algumas observações específicas relativas ao caso brasileiro Ao falar de evolução da intervenção estatal falamos de um conceito muito citado e frequentemente confundido o Welfare State ou em sua versão para o português Estado de BemEstar Social1 De fato o Welfare State é visto como o campo por excelência das pesquisas sobre Políticas Públicas Embora o esforço por parte do Estado em modificar as condições do mercado e proteger os indivíduos de algumas das consequências econômicas desse mesmo mercado sejam antigas2 o Welfare State representa um fator diferencial surgido timidamente a finais do século XIX3 expandindose gradualmente no conjunto da Europa industrial na primeira metade do século passado No imediato pósguerra o desenvolvimento e a generalização das intervenções do Estado nas economias centrais iniciando Estados Unidos Europa Ocidental e Japão tornam essa nova etapa da história do capitalismo nitidamente diferente da anterior A gama e a amplitude das políticas manejadas pelos Estados o modos de intervenção que requerem e a importância dos recursos em jogo modificam a natureza do Estado e das relações sociais MÉNY THOENIG 1992 pp 1920 Gradualmente essa expansão se viu refletida a grande parte dos demais países da periferia capitalista incluída a América Latina ainda que com graus variáveis de cobertura Mas o que vem a ser exatamente a individualidade do Welfare State em relação a outras formas de gasto estatal massivo o gasto militar em períodos de guerra por exemplo Inicialmente a dimensão quantitativa desde o fim da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1980 o grau de participação estatal na economia medida quer em termos de arrecadação 1 Utilizaremos ao longo do texto a expressão original em inglês de uso mais corrente na literatura 2 A exemplo da distribuição de alimentos entre os pobres controles de preços de alimentos manutenção de abrigos e asilos cuja ocorrência pode ser detectada em escala considerável na economia capitalista europeia desde o século XVI MÉNY THOENIG 1992 p 19 3 O marco simbólico desse surgimento é o conjunto de reformas sociais promovidas por Bismarck ainda no Império Alemão no âmbito da assistência previdenciária e social 14 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO de tributos quer em volume de gastos elevouse consistentemente nos países ocidentais Assim ao se falar de Welfare State estáse tratando de um volume de recursos que transforma o Estado no maior e mais importante agente econômico da economia4 Orçamento estatal como porcentagem do pib nos países da OCDE 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1960 1968 1960 1975 1980 1985 2000 PIB Fonte 1960 a 1985 Mény Thoenig 1992 p 22 2000 Albi 2000 p 136 Mas apenas o volume global de receitas e despesas públicas não individualiza o Welfare State um país enfrentando uma guerra em grande escala por exemplo terá gastos estatais iguais ou mesmo maiores que as proporções apresentadas Tais receitas e despesas no fenômeno que nos interessa têm uma destinação específica um conjunto de atividades de redistribuição que tem por objetivo garantir um nível de vida ou bemestar aos cidadãos colocando uma rede protetora que reduza desigualdades ALBI 2000 p 137 Em termos mais precisos a essência do Welfare State é a intervenção governamental pautas mínimas em matéria de renda nutrição saúde habitação e educação garantidos a cada cidadão como um direito político e não como caridade WILENSKY apud MÉNY THOENIG 1992 p 20 Esta destinação da intervenção estatal para gastos sociais alcança dimensões consideráveis sendo razoável uma estimativa de um mínimo de 25 do PIB para qualquer país desenvolvido assume duas formas principais a provisão direta aos cidadãos gratuita ou subsidiada de bens sociais essencialmente de serviços de atendimento à saúde e de educação e de construção de habitações e transferências monetárias diretas a indivíduos ou prestações sociais essencialmente compostas dos benefícios previdenciários decorrentes de aposentadoria orfandade incapacidade permanente seguros contra desemprego ou incapacidade transitória provocada por doença ou acidentes e assistenciais concedidos em função da situação de pobreza do beneficiário sendo este incapaz ou até em alguns países independentemente da capacidade laborativa ALBI 2000 pp 137138 Como descrevia a própria OCDE5 na década de 1980 As despesas públicas destinadas a educação saúde pensões e outros programas de garantia de recursos aumentaram durante os vinte últimos anos 4 Observe que o estudo de Políticas Públicas como veremos abrange mais que a simples ação econômica direta do Estado como arrecadador de recursos e produtor de bens e serviços abrangendo sua atuação como regulador como fixador de normas e pautas de conduta etc No entanto mesmo se visto apenas sob essa ótica econômica limitada o Estado de cuja ação vamos tratar já detém tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento salvo contadíssimas exceções em pequenas economias exportadoras de produtos primários o posto de agente mais importante de qualquer economia que gerencia quase tantos recursos como o mercado ALBI 2000 p 13 5 OCDE é o acrônimo para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Organisation for Economic Co operation and Development organismo internacional formado por 30 países desenvolvidos em 1960 voltado à gestão de negociações econômicas e à promoção de estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento e a economia internacional Atualmente é mais conhecido pela produção de indicadores estatísticos e estudos macroeconômicos 15 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I no conjunto dos países da OCDE quase duas vezes mais rapidamente do que o PIB e elas foram o elemento dominante no crescimento das despesas públicas totais desde 1960 elas passaram no conjunto dos sete maiores países da OCDE de cerca de 14 a mais de 24 do PIB6 São esses dois elementos portanto que configuram o espaço social e histórico em que hoje se analisam as Políticas Públicas um Estado que movimenta uma parcela enormemente significativa das riquezas nacionais e que está comprometido a prover um extenso e variado leque de serviços à coletividade leque este mais amplo do que aqueles que as teorias políticas e econômicas tradicionais atribuíam à organização pública na formulação clássica de Adam Smith cabia ao poder estatal tão somente a defesa da nação frente a inimigos externos a administração da justiça e as obras públicas que facilitassem o comércio ALBI 2000 p 13 Por conseguinte as Políticas Públicas de variada natureza objeto do nosso estudo movimentam uma parcela considerável dos recursos de cada nação e atendem a múltiplas necessidades sociais com a consequente complexidade técnica em cada um dos setores de atuação Desde já podemos afirmar com segurança que a operação das diferentes Políticas Públicas tem para o cotidiano e o bemestar das modernas sociedades capitalistas uma importância de mesma ordem de grandeza daquela representada pela realização da atividade produtiva por parte de indivíduos empresas e organizações privadas Alguns autores chegam a afirmar que a ação do Estado nas linhas do Welfare State representa uma característica já indissociável do capitalismo contemporâneo uma esfera pública em que a partir de regras universais e pactadas o fundo público em suas diversas formas passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital de um lado e de outro do financiamento da reprodução da força de trabalho atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais7 Desta maneira a ação estatal por um lado libera o salário direto dos trabalhadores de uma série de possíveis descontos que já são cobertas pela provisão pública dos serviços8 permitindo que a renda domiciliar seja disponibilizada para alimentar o mercado de produtos de consumo de massas De outro lado o gasto do Estado passa a representar também um componente essencial na própria equação financeira das empresas capitalistas sendo também uma precondição essencial da viabilidade do lucro empresarial por meio de uma ação direta que inclui desde os recursos para ciência e tecnologia passa pelos diversos subsídios para a produção sustentando a competitividade das exportações vai através dos juros subsidiados para setores de ponta toma em muitos países a forma de vastos e poderosos setores estatais produtivos cristalizase numa ampla militarização as indústrias e os gastos em armamentos sustenta a agricultura o financiamento dos excedentes agrícolas dos Estados Unidos e a chamada Europa Verde da CEE e o mercado financeiro e de capitais 6 LObservateur de lOCDE 12 janivier 1984 OCDE Paris apud Oliveira 1998 p 21 7 Oliveira 1998 pp 1920 Colocado mais precisamente nos termos da teoria marxiana o fundo púbico é agora um exante das condições de reprodução de cada capital particular e das condições de vida em lugar de seu caráter ex post típico do capitalismo concorrencial p 21 8 Necessidades de alguma forma cobertas pela provisão estatal de medicina socializada educação universal gratuita e obrigatória previdência social segurodesemprego subsídios para transporte auxílios para aquisição de habitação saláriofamília e mesmo subsídios para lazer favorecendo desde as classes médias até o assalariado de nível mais baixo lista baseada em OLIVEIRA 1998 p 20 16 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO através de bancos eou fundos estatais pela utilização de ações de empresas estatais como blue chips intervém na circulação monetária de excedentes pelo open market mantém a valorização dos capitais pela via da dívida pública etc OLIVEIRA 1998 p 20 Portanto este cenário representado pelo Welfare State traz consequências de grande impacto para o nosso estudo Por um lado o conjunto das intervenções estatais mesmo nos casos em que envolve apenas gastos de natureza social como educação e saúde tem um efeito macroeconômico considerável representando um componente importante do crescimento das economias respectivas E este componente é significativamente rígido como veremos em detalhe mais adiante um nível de gastos sociais que se eleva ao longo do tempo gera em favor de sua manutenção interesses os mais diversos em função das vantagens que distribui benefícios diretos aos que são atendidos pelos programas poder político dos burocratas que os dirigem mercado para os fornecedores dos recursos adquiridos pelo Estado para executar os serviços etc Por outro lado as estruturas de financiamento através de impostos são necessariamente complexas e em geral desvinculam os recursos extraídos dos cidadãos pelo Estado dos serviços específicos prestados a cada um9 Isso gera nos cidadãoscontribuintes uma relativa ilusão fiscal que faz com que aceitem um nível de gastos públicos superior àqueles que teriam admitido pagar em estruturas de tributação mais simples As duas últimas décadas testemunham é certo um momento de crise do Welfare State10 crise primeiramente fiscal refletindo a dificuldade das economias centrais de retirarem recursos da atividade econômica de produção de bens e serviços essencialmente recursos retirados das empresas e dos capitais nelas investidos e de aplicaremnos na prestação de serviços sociais gratuitos ou subsidiados à população A dimensão desta crise alcança todas as economias capitalistas em escala nacional refletindose nos desequilíbrios macroeconômicos que se espalharam ao redor do mundo desde os inícios dos anos 1970 desemprego inflação deficits profundos das administrações públicas que alcançam em inúmeras entidades locais uma autêntica falência Estes desequilíbrios têm como uma de suas causas determinantes a incompatibilidade entre os recursos que o sistema de arrecadação fiscal pode extrair da sociedade e o nível mais elevado de recursos que seriam necessários para a manutenção dos serviços sociais na extensão que o Estado tenta darlhes11 Mas crise também é de gestão o próprio crescimento abrupto das demandas que o Estado pretende aprender somado com um amplo leque de erros de formulação e implantação das Políticas PúblicaS12 fez com que viesse à tona uma autêntica sobrecarga sobre o aparelho estatal que se manifesta por exemplo por aumentos descontrolados dos gastos e dos quadros de pessoal multiplicidade de políticas que são mantidas sem avaliação e revisão dos seus objetivos políticas com objetivos demasiado ambiciosos para os meios disponíveis e incapacidade de conciliar demandas contraditórias 9 Esta é uma condição mesma da possibilidade de um gasto público redistributivo 10 Mény Thoenig 1992 pp 3337 11 Uma ressalva fundamental não estamos aqui defendendo que toda a crise da economia mundial nem sequer os fenômenos mais característicos das décadas de 1970 e 1980 seja originária de uma inadequação do tamanho do Estado nem que a crise seja exclusivamente fiscal Seria inadmissível ignorar as demais dimensões da crise os desequilíbrios dos fluxos internacionais de comércio e de capitais as mudanças no padrão de regulação estabelecido pelo sistema de Bretton Woods as decisões autônomas de política fiscal e monetária norteamericana particularmente no governo Reagan Mostramos aqui no entanto e enfaticamente que o problema fiscal originário do crescimento do Welfare State é um componente inafastável de qualquer explicação sobre os desequilíbrios na economia mundial 12 Erros muitas vezes decorrentes da inexperiência ou do voluntarismo dos agentes que a partir da estrutura do Estado pretenderam modificar a sociedade com pautas exageradamente simplificadas e objetivos excessivamente ambiciosos MÉNY THOENIG p 36 denominam esses fenômenos de vontade inconsciente de engenharia social 17 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I Apesar de todas essas dificuldades porém o Welfare State não deixou o primeiro plano da paisagem econômica da sociedade ocidental ainda que poderosamente combatido por reações radicais de simples rechaço à ação estatal ainda que objeto de inúmeras transformações e reformas especialmente nos países de tradição anglosaxônica Estados Unidos e Inglaterra desde o início da década de 1980 Austrália e Nova Zelândia13 a realidade atual não é a ausência do Welfare State mas a manutenção e a convivência com novas demandas e formas de prestação dos serviços que fazem parte do universo histórico do Welfare State Esta mudança é descrita com precisão por Gomà Subirats 1998 pp 137138 As políticas nacionais como sustentamos em outras ocasiões não se inclinarão em direção ao desmantelamento do Estado do bemestar mas em direção a uma tríplice política de reestruturação institucional privatização seletiva e deslegitimação controlada que torne compatíveis os amplos apoios da cidadania aos sistemas de proteção social condicionante político com as políticas de rigor monetário e orçamentário e de ajuste trabalhista condicionante econômico A primeira política reestruturação institucional do Estado do bemestar supõe reduzir o tamanho do Estado em termos econômicos e funcionais Estado este que se supõe sobrecarregado de compromissos políticos e burocráticos A segunda política privatização seletiva implica remercantilizar funções de reprodução social fazendo que o indivíduo a família e a sociedade aumentem suas reponsabilidades A terceira a deslegitimação controlada supõe reforçar o papel dos grupos intermediários da sociedade na resolução dos conflitos sociais ou de outra maneira particularizando a ação coletiva Nesse reformulado Welfare State com todos os seus problemas de sustentabilidade e gestão a análise das Políticas Públicas tornase essencial para a compreensão dos fenômenos de governo e da própria economia Como bem colocam Mény Thoenig 1992 p 39 neste contexto de explosão e logo de crise do Welfare State não surpreende que a análise das Políticas Públicas não se tenha limitado isolada A análise das Políticas Públicas converteuse em parte interessada às vezes sem desejálo de um debate mais amplo sobre a natureza do Estado Welfare state um conceito universal ou nacional Você observará que tratamos de um histórico da evolução ocorrida em um conjunto das principais economias capitalistas cada um a seu tempo e modo uma evolução que em linhas gerais seguiram Estados Unidos Europa Ocidental Canadá Austrália Nova Zelândia Japão De qualquer maneira essa experiência seria relevante para o nosso estudo foi com base nela que a maior parte do instrumental relevante de análise de Políticas Públicas foi construído Muitas referências são feitas a arranjos complexos que foram originalmente observados nesses países centrais 13 Apesar de inserido nas tradições políticas anglosaxônicas a participação do Canadá nesse movimento é consideravelmente menor em extensão e profundidade que nos países citados 18 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO Mas você perguntará E o Brasil Qual é a validade dessa trajetória a dos grandes países capitalistas ocidentais para ajudar a explicar Políticas Públicas aqui Se podemos sintetizar numa expressão o Brasil ensaiou uma aproximação a determinadas características do Welfare State sem alcançar de modo algum a extensão dos gastos e serviços sociais que o caracterizaram internacionalmente A crise portanto impactou de maneira ainda mais grave a frágil estrutura de proteção social brasileira e o país enfrenta desafios ainda maiores para tentar levar adiante Políticas Públicas que persigam ainda que timidamente os objetivos do Welfare State Percorrendo um pouco desta trajetória14 podemos afirmar inicialmente que as iniciativas pioneiras de gastos sociais abrangendo o período dos anos 1930 até o golpe de 1964 eram setorializadas ou de alcance muito limitado organizadas por meio de sindicatos organismos previdenciários classistas15 e entidades assistenciais também classistas16 a previdência a saúde a habitação até mesmo o lazer cobriam apenas categorias profissionais específicas ferroviários portuários servidores públicos A estrutura estatal de previdência e saúde é nesse período residual A escola pública não atendia senão à classe média alta e a uma fração das camadas populares Em suma as medidas sociais esboçadas no período que vai de 1930 a 1964 não estavam integradas não constituíam um espaço próprio da expansão do capital não tinham o porte necessário a constituírem um instrumento de distribuição de renda e não tinham fontes de financiamento compatíveis com as dimensões de uma autêntica política social17 Por estranho que possa parecer à primeira vista as medidas que apontaram para alguns traços associados ao Welfare State ocorreram ao longo da modernização conservadora imposta pelo regime militar pósgolpe de 1964 Ao longo deste período o sistema previdenciário organizado por categorias isoladas foi unificado por meio da fusão de todos os institutos classistas em um único órgão estatal de seguridade social processo completado em 1974 ficando mesmo assim limitado ao segmento de trabalhadores urbanos com carteira assinada Também na década de 1970 o sistema previdenciário foi ampliado para o universo de trabalhadores da agricultura chegando ao final dos anos 1980 com a pretensão de universalidade de cobertura de todos os cidadãos acima de uma certa idade A ampliação da cobertura do sistema de saúde pública iniciase com a unificação dos institutos previdenciários que resulta na criação de um sistema médicohospitalar destinado aos segurados da estrutura estatal da previdência social portanto ainda limitada aos assalariados do setor formal urbano Apenas ao final da década de 1980 iniciase o processo de unificação desta estrutura pública 14 Toda esta seção amplamente baseada em Santos 2001 pp 150169 15 Os antigos Institutos de Aposentadorias e Pensão como IAPI IAPC e IPASE 16 Que persistem ainda hoje na forma das entidades do Sistema S SESI SESC SENAC SENAI etc 17 Esta interpretação possivelmente surpreende e põe em leque algumas crenças correntes sobre a natureza das políticas de Vargas embora seus dois períodos de governo tenham sido essenciais à conformação dos traços subsequentes do desenvolvimento capitalista no Brasil inclusive na regulação das relações de trabalho a política getulista dirigiuse em matéria econômica à relação capitaltrabalho dentro da economia privada leis trabalhistas políticas assistenciais classistas etc Poucas iniciativas getulistas têm a natureza de uma ação estatal direta na extração de recursos coletivos e prestação pública e universalizada de serviços sociais 19 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I fragmentada serviços médicos previdenciários mais as redes limitadas de assistência de governos estaduais e municipais com a formalização da intenção de universalizar o atendimento de saúde Nesta tentativa de universalização cresce o papel do setor privado como fornecedor de serviços de saúde ao poder público abrindo um importante espaço para o investimento do capital privado em hospitais clínicas e laboratórios médicos Iniciase também no período a massificação da política habitacional e de águas e saneamento com a utilização dos recursos parafiscais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço18 para financiar a compra privada de imóveis habitacionais produzidos em massa pelo próprio setor privado No âmbito educacional expandese aceleradamente a matrícula no Ensino Fundamental com metas exclusivamente quantitativas Substituise assim um sistema educacional público elitista por absorver uma fração limitada da população escolar por outro de aspiração universal mas que tendo permanecido aproximadamente constante o esforço financeiro no custeio da educação viu uma deterioração vertiginosa da qualidade Também aí se cria um enorme favorecimento ao investimento de capital com a expansão do ensino privado como praticamente a única alternativa de educação de qualidade para aquele segmento mais favorecido que antes frequentava a escola pública Também são deste momento histórico os primeiros projetos estatais de política assistencial em maior escala envolvendo a implantação de programas de merenda escolar e uma série de gastos de assistência social direta de natureza isolada promovidos pela Legião Brasileira de Assistência Em relação a este conjunto de gastos passou a ter muito recentemente um caráter central na estratégia políticoeconômica corrente sob a forma de transferências de renda direta à população baseada exclusivamente em critérios de pobreza monetária extrema BolsaEscola BolsaFamília etc passaram a assumir nos primeiros anos do século XXI o papel de principal mecanismo de atendimento às carências sociais substituindo na prática e no imaginário social o papel provedor de serviços do Welfare State Tudo isso não ocorre por opção política do regime Ao contrário a adoção das medidas que passamos a detalhar representava uma necessidade da ampliação de mercados no momento por que passava a estrutura econômica saúde educação habitação passam a ser novos mercados disponíveis ao investimento privado com volume considerável de recursos públicos a subsidiálo19 Em apropriada síntese a Política Social estruturada durante os governos militares tinha uma preocupação maior em abrir novos espaços para a expansão do capital do que propriamente caminhar na direção do bemestar da população SANTOS 2001 p 19 No entanto este movimento terá poderoso impacto na história do País para viabilizar a massificação dos atendimentos que expansão de mercados necessitava o Estado viuse obrigado a caminhar gradualmente no discurso e no desenho das políticas na direção da universalização do acesso aos serviços legitimando politicamente essa reivindicação que viria a ser formalmente 18 O FGTS teve por fonte uma nova contribuição parafiscal criada em 1965 como alternativa à regra trabalhista de estabilidade após dez anos de contrato de trabalho Representa assim a substituição de um ônus até então imposto ao capital na relação trabalhista por um mecanismo que aparentemente gravoso como um tributo irá beneficiar o próprio capital na medida em que gera demanda para a produção uma série de setores de indústria de massa como a da construção civil 19 Observese aí a particularidade de que o favorecimento ao capital privado não passa pela absorção das despesas sociais pelo fundo público liberando o salário para o consumo tal como no modelo dos países desenvolvidos Ao contrário caracterizando se a dinâmica econômica como concentradora de renda impedidos os salários de elevaremse a expansão dos mercados ao capital não se deu por uma elevação do consumo dos trabalhadores já empregados mas por crescimento do número de trabalhadores e especialmente pela utilização direta do fundo público para custear novos serviços e produtos 20 UNIDADE I CONTEXTO HISTÓRICO acolhida como princípio na Constituição da redemocratização em 1988 como contrapartida o financiamento de tais serviços com aspiração universalizante teria de ser feito essencialmente a partir de recursos tributários exigindo uma reestruturação da imposição tributária20 que resultou ao longo do tempo num aumento contínuo e significativo da carga tributária no País21 No entanto essa reformulação da estrutura de financiamento dos gastos sociais ficou a meio caminho o aumento de arrecadação tributária não foi suficiente para arcar com todos os novos compromissos que o Estado vinha assumindo na política social e principalmente na intervenção econômica especialmente os investimentos em infraestrutura os subsídios diretos e indiretos à produção industrial e à agricultura Assim o custeio dos gastos sociais que não são por definição capazes de se autossustentarem economicamente ainda tem como fonte básica de financiamento recursos de terceiros empréstimos oriundos de bancos dívida pública ou fundos sociais22 É este descompasso entre os objetivos do gasto social e suas fontes de financiamento que conduzirá ao colapso financeiro dos serviços públicos da década de 1980 que persiste até hoje inclusive com maior gravidade A partir dos anos 1980 os fundos sociais à base de empréstimos passaram à situação de insolvência os recursos de endividamento interno e externo escassearam e os demais compromissos do orçamento público em particular o pagamento de juros para o estoque acumulado de dívida impediam a destinação do montante minimamente necessário à manutenção ou expansão de políticas de gasto público social Este processo de engessamento do gasto social assume diferentes formas econômicas dissolução do valor real do gasto por meio da alta inflação da contenção e do contingenciamento direto dos recursos aplicados todas com o mesmo efeito de redução dos serviços prestados com a manutenção da precariedade do atendimento à população e mesmo deterioração física daquela infraestrutura de atendimento que se conseguiu instalar no período anterior escolas hospitais conjuntos habitacionais Ao mesmo tempo a sociedade passou a exigir crescentemente como direitos de cidadania a universalização e a qualidade dos serviços assistenciais ainda que centradas em saúde educação e em menor escala habitação essa reivindicação tenha uma extensão mais modesta que o âmbito do Welfare State tradicional Esta reivindicação foi incorporada formalmente na Constituição de 1988 ficando então o Brasil na paradoxal situação de distribuir juridicamente a partir da própria Constituição um leque de direitos sociais extremamente amplos e ambiciosos ao tempo em que tais direitos são minimizados na prática pela recusa23 à alocação dos recursos econômicos necessários 20 Basicamente pela Reforma Tributária de 1965 que produziu os padrões básicos da tributação no Brasil que vigoraram até pelo menos a década de 1990 e cujos conceitos jurídicos constantes no Código Tributário Nacional encontramse vigentes até hoje 21 Este aumento não significa necessariamente maior justiça distributiva o crescimento da tributação fezse basicamente por meio dos tributos indiretos de natureza regressiva Assim se o gasto público aumentado destinase de alguma forma a segmentos mais desfavorecidos este mesmo aumento é financiado por meio de um aumento de impostos incidentes sobre esses mesmos segmentos 22 Aqui entendidos aqueles que como o FGTS têm a natureza de recursos utilizados na política social em caráter de empréstimos ainda que recolhidos compulsoriamente com a obrigação de que os beneficiários finais devolvam de algum modo para os depositantes originais 23 Dizemos recusa e não ausência porque a disponibilidade econômica dos recursos existe No entanto outros compromissos de variada natureza fazem com que primeiro os recursos provenientes do capital sejam poupados à tributação não indo compor o bolo a ser utilizado no gasto público e em seguida os recursos já arrecadados pelo fundo público sejam destinados majoritariamente a outras finalidades em particular pagamento da dívida pública que não o financiamento do gasto social 21 CONTEXTO HISTÓRICO UNIDADE I O Brasil apresenta então um desafio ainda maior para as Políticas Públicas à parte toda a complexidade desse empreendimento em qualquer época ou lugar o gestor público no Brasil tem que operar e produzir resultados em um contexto de recursos absolutamente escassos pressões de demanda ainda maiores originárias da extrema precariedade social e de um aparelho institucional que historicamente apresenta forte instabilidade estando longe de estar consolidado O estudioso de Políticas Públicas no Brasil encontra portanto um duplo desafio tem que compreender a formação das decisões sobre problemas públicos e a sua aplicação o que torna necessário que faça uso dos conceitos e instrumentos sofisticados disponíveis internacionalmente Ao mesmo tempo não pode ignorar que a aplicação desses mecanismos tem de ser feita no singularíssimo cenário nacional de insuficiências e conflitos o que exige que tenha consciência da evolução histórica do Estado brasileiro como provedor de bens públicos É este duplo desafio que enfrentaremos ao longo do nosso curso buscando construir um conjunto de conhecimentos capazes de orientar cada um dos alunos na abordagem dos problemas públicos na realidade concreta em que vive 22 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS CAPÍTULO 1 Excursão à análise de políticas públicas como campo de conhecimento24 As Políticas Públicas enfocam o que Dewey25 1927 uma vez expressou como o público e seus problemas Preocupamse com como os assuntos e os problemas chegam a ser definidos e construídos e como eles são colocados na agenda política e administrativa Mas é também são estudo de como porquê e para que finalidades os governos praticam determinadas ações ou omissões Você consegue imaginar uma forma ou um modelo de enxergar aspectos comuns de qualquer ação governamental Seria possível essa generalização O estudo de Políticas Públicas que vamos empreender aqui temse caracterizado como uma ciência da ação uma contribuição de especialistas às decisões governamentais especialmente porque como vimos anteriormente as expectativas e os esforços da sociedade passaram a ser nos últimos cinquenta anos cada vez mais canalizadas para os resultados da ação pública Portanto a análise de Políticas Públicas é orientada à ação à melhoria das decisões públicas em curto e longo prazos Para isso naturalmente a pesquisa e a teoria são componentes indispensáveis mas com o objetivo principal de contribuir aos processos reais de decisão É este enfoque que diferencia a análise de Políticas Públicas das abordagens clássicas da ciência política26 Não deixamos de estar ancorados em modelos teóricos até porque toda análise de políticas baseiase explicitamente ou não em uma filosofia política e vinculase com as teorias disponíveis no mercado do pensamento27 Portanto as teorias de Políticas Públicas não são fundamentalmente inovadoras em relação aos demais ramos de saber em geral sustentam ou contradizem teorias 24 Todo este capítulo está amplamente baseada em Mény Thoenig 1992 pp 4447 e 85108 25 Parsons 2001 p XV 26 Estas se preocupam como já vimos anteriormente com teorias interpretativas da natureza do Estado partidos políticos eleições regras jurídicas etc sem entrar no desenvolvimento de alternativas para a decisão pública 27 Interessante imagem presente em Mény Thoenig 1992 p 45 estando o pensamento social num mercado a escolha dos conceitos teóricos e interpretações da realidade tem por base fatores de conveniência ou convencimento do consumidor ou seja aquele que vai aplicálas Aparentemente iconoclasta tal posição encontra eco em muitos segmentos das ciências sociais Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não porque uma das teses foi falsificada mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento Controvérsias resolvemse retoricamente ganha quem tem maior poder de convencer quem torna suas ideias mais plausíveis quem é capaz de formar consenso em torno de si ARIDA 2003 p 34 23 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II propostas pela filosofia política ou o pensamento econômico Mas o que determina sua originalidade é que têm raízes nas pesquisas empíricas e não se desentendem de suas consequências para a ação Desta forma o cientista social econômico ou político interessase pela própria definição de seu trabalho pelo progresso do conhecimento e do saber o objetivo do analista de Políticas Públicas enquanto tal é organizado em torno de uma combinação de um objetivo social e de um corpo de saber extraído essencialmente da ciência MÉNY THOENIG 1992 p 45 O nosso campo de estudo passou portanto por várias etapas e várias controvérsias internas terminando por apresentar uma variedade quase incalculável de abordagens e de autores cada um com um raciocínio significativamente diferente dos demais28 Para dar uma ideia dessa multiplicidade um dos principais trabalhos modernos de síntese da literatura técnica mais conhecida sobre análise de Políticas Públicas que usamos extensamente neste capítulo PARSONS 2001 menciona e discute centenas de outros estudos com enfoques preocupações métodos e critérios distintos Ao estudar Políticas Públicas portanto encontraremos um trabalho intelectual multimétodos multidisciplinar com foco em problemas específicos preocupado em mapear todo o contexto do processo de formulação e implantação de políticas de formulação de alternativas e dos resultados das políticas e cujo objetivo é integrar o conhecimento numa disciplina integrativa com a finalidade de analisar as escolhas públicas e seu processo decisório e portanto contribuir com a democratização da sociedade 29 De fato trabalhamos em ambiente multidisciplinar abrangendo conhecimentos provenientes de áreas de conhecimento tão variadas como Ciência Política Administração Pública Administração de Empresas e Organizações Sociologia Psicologia Economia ou Estatística30 Longe de ser um erro no entanto esta multidisciplinaridade é um dos grandes trunfos da disciplina as fronteiras entre os campos de saber não decorrem dos problemas que enfrentam mas da própria organização interna do trabalho científico Um problema público uma pandemia como a gripe aviária a epidemia de AIDS o aquecimento global a criminalidade nos centros urbanos não pergunta qual 28 Em outras ciências sociais de natureza mais teórica como a Economia e a Sociologia observase que a multiplicidade de autores trata o universo de problemas individuais por meio de um número razoavelmente limitado de abordagens modelos ou estruturas conceituais A análise de Políticas Públicas por sua vez oferece a cada estudioso individual abordar o problema que lhe concerne utilizando um marco de referência próprio com diferenças maiores ou menores em relação aos demais 29 Parsons 2001 p XVI O trecho transcrito é de grande sutileza portanto com possíveis perdas na tradução Assim apresentamos a versão original para que o leitor possa formar sua própria conclusão multimethod multidisciplinary problemfocused concerned to map the contextuality of the policy process policy options and policy outcomes and whose goal is to integrate knowledge into an overarching discipline to analyse public choices and decisionmaking and thereby contribute to the democratization of society SEE LASSWELL 1951a 1968 1970 1971 30 Autores chegam a listar 23 campos diferentes do conhecimento como recursos utilizados pela análise de Políticas Públicas DROR apud PARSONS 2001 p XVI 24 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS disciplina científica pode ocuparse dele a sua solução depende da solução integrada de inúmeros problemas parciais por diferentes ramos do saber A análise de Políticas Públicas e com certeza o nosso trabalho neste curso tem essa humildade essencial de reconhecer que depende de todo o leque de saberes que possa enfrentar um determinado problema A ausência dessa humildade tanto na teoria quanto na prática gera deficiências profundas na capacidade de resolução dos problemas sociais tão bem descritas por Carlos Matus 1987 p 166 Nossa realidade e nossas universidades produzem economistas cegos à política políticos surdos à economia e cientistas políticos que não se inquietam pela incomunicação entre ambos Por essa razão no processo político de nossos países entram diretamente em contado mas não em comunicação dois agentes que falam idiomas distintos e manejam teorias incompatíveis o político convencional e o técnico convencional A gravidade da situação adquire plena complexidade se por sua parte o economista não entende o problema político sob a hipótese nem sempre verificável de que domina realmente o problema de sua especialidade Naturalmente esse diálogo não é criativo e não conduz ao fundo dos problemas ao mesmo tempo em que induz políticas superficiais A explicação econômica não ilumina a explicação política e o mesmo ocorre no sentido inverso Mas se esse campo é tão diferenciado tão cheio de novos caminhos apenas iniciados como eu posso orientarme no meio de tantos conceitos É possível sim São muitas ideias às vezes um pouco abstratas no começo 25 CAPÍTULO 2 Polity politics e policy Este capítulo em particular é o mais desafiador do curso pois apresenta os conceitos analíticos mais fundamentais para que o estudo de cada Política Pública possa ser feito com segurança Mas esta é a razão do estudo na pósgraduação um maior esforço de reflexão analítico para permitir entender melhor e aperfeiçoar aquilo que já fazemos na prática Começamos por um aparente jogo de palavras em inglês que esconde uma diferenciação de grande importância Falamos de três palavrinhas POLITICS POLICY POLITY Estas três palavras são fundamentais para a compreensão das Políticas Públicas evidenciam três dimensões da política em geral A dimensão institucional polity referese à ordem do sistema político delineada pelo sistema jurídico e à estrutura institucional do sistema políticoadministrativo O quadro da dimensão processual politics tem em vista o processo político frequentemente de caráter conflituoso no que diz respeito à imposição de objetivos aos conteúdos e às decisões de distribuição A dimensão material policy referese aos conteúdos concretos isto é à configuração dos programas políticos aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas31 Muitos autores não utilizam a diferenciação polity versus politics tratandoos como um único conceito geral de política institucional32 Agora um cuidado estas dimensões podem até ser tratadas analiticamente de forma separada na verdade é necessário que assim sejam para fins de compreensão das influências mútuas No entanto é preciso que aquele que vê os três conceitos individualmente entenda que no mundo real eles jamais existirão independentes uns dos outros Toda Política Pública é uma interação permanente entre a estrutura institucional a ação dos atores políticos dentro desta estrutura institucional e o conteúdo material do problema dos recursos e das decisões concretas adotadas Como bem sintetiza Frey 2001 p 217 a ordem política concreta forma o quadro dentro do qual se efetiva a política material por meio de estratégias políticas de conflito e de consenso Esta indissociabilidade dos três elementos gerou e ainda gera grandes controvérsias mas o tratamento dos problemas públicos sem essa categorização representa ainda mais dificuldades Era por exemplo mais importante para compreender a política preocupar se com a análise dos comportamentos ou interessarse pelo conteúdo das 31 Em geral cada autor dá sua própria definição desses conceitos Por completo e sintético adotamos a apresentação de Frey 2001 pp 216217 32 Entre eles a maior parte daqueles que fundamentam o nosso estudo eg GOMÀ SUBIRATS 1998 p 23 MÉNY THOENIG 1992 p 44 26 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS decisões adotadas e postas em prática pelos poderes políticos Era mais útil interpretar as últimas intenções de voto do eleitorado e sua afiliação a um partido ou analisar o impacto de uma política governamental E se não se quiser optar qual é ao menos o determinante essencial À pergunta de uns Do Politics determine policies fazia eco a dos demais Do policies determine Politics No primeiro caso a Política Pública se concebe como determinada em sua forma e seu conteúdo pelas instituições os atores políticos a atitude dos governos e dos governados etc Na segunda hipótese a Política Pública se considera como uma variante independente que influi no conteúdo e nas formas da política no sentido de eleições debates discursos ideológicos etc MÉNY THOENIG 1992 p 4445 Recordemos casos concretos da nossa realidade recente para perceber essa diferenciação e consequente interrelação em ambos os sentidos Para isso vamos ver primeiro alguns termos e conceitos básicos comuns à maior parte da literatura técnica sobre análise de Políticas Públicas Do politics determine policies O Brasil assistiu a um acelerado processo de privatização de empresas estatais do setor de infraestrutura na década de 1990 principalmente de empresas siderúrgicas mineradoras e telefônicas além de aberturas significativas no até então monopólio estatal de petróleo Perguntase em que medida a decisão por levar adiante essas privatizações originouse diretamente da posição política e dos interesses que defendiam os governos do período Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso Do policies determine politics Apesar de cumprir um primeiro mandato com crescimento econômico bastante fraco e sofrendo acusações de corrupção em seu governo o presidente Luís Inácio Lula da Silva foi reeleito no Brasil em 2006 com uma expressiva votação Pergunta se em que medida terá influído no resultado eleitoral a ampliação e a aceleração por esse governo de programas de transferência direta de renda monetária como o denominado BolsaFamília As perguntas anteriores evidentemente têm resposta aberta Possivelmente a maioria de nós responderá que sim que alguma influência significativa tiveram os fenômenos mencionados Servem as questões somente para ilustrar no nosso cotidiano a interação entre as dimensões da política O trecho apresentado a seguir bastante extenso demonstra de forma detalhada a possibilidade de interação em um contexto central da vida política moderna o meio ambiente Isto é particularmente óbvio nos casos de políticas setoriais novas e fortemente conflituosas como bem ilustra o caso da política ambiental É inquestionável que o descobrimento da proteção ambiental como uma política setorial peculiar levou a transformações significativas dos arranjos institucionais em todos os níveis de ação 27 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II estatal Por outro lado em consequência da tematização da questão ambiental novos atores políticos associações ambientais institutos de pesquisa ambiental repartições públicas encarregadas com a preservação ambiental entraram em cena transformando e reestruturando o processo político A pergunta pelo grau de influência das estruturas políticas polity e dos processos de negociação política politics sobre o resultado material concreto policy uma orientação característica da policy analysis parte no meu entender do pressuposto de concatenações de efeitos lineares Tal conjectura contradiz a experiência empírica da existência de interrelações entre as três dimensões da política especialmente entre as dimensões policy e politics Ainda que seja imaginável que o arcabouço institucional que por sua vez condiciona os processos políticos possa se manter estável durante um período bastante longo daí poderíamos concluir uma independência relativa da variável polity para essa concreta situação empírica é difícil imaginar uma tal independência para as dimensões politics e policy As disputas políticas e as relações das forças de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos desenvolvidos e implementados A suposição de Lowi 1972 p 299 de que policies determine politics pode até ser válida para um campo específico de política ou um policy issue sob condições particulares mas de forma alguma serve como lei global O exame da vida de certas políticas setoriais sobretudo as de caráter mais dinâmico e polêmico não deixa dúvidas referentes à interdependência entre os processos e os resultados das políticas A evolução histórica da política ambiental por exemplo mostra de forma nítida como ambas dimensões têm se influenciado de forma recíproca e permanente As constelações de atores as condições de interesse em cada situação e as orientações valorativas elementos que podem ser considerados condicionantes do grau de conflito reinante nos processos políticos sofreram modificações significativas à medida que se agravaram os problemas ambientais e se consolidou esse novo campo da política O incremento da consciência ambiental reforçou os conflitos entre os interesses econômicos e ecológicos Da mesma maneira como a dimensão material dos problemas ambientais tem conduzido à cristalização de constelações específicas de interesse os programas ambientais concretos por sua vez elaborados por agentes planejadores devem ser considerados o resultado de um processo político intermediado por estruturas institucionais que reflete constelações específicas de interesse Um plano de zoneamento ambiental que prevê a transformação de zonas industriais ou rurais em zonas de proteção ambiental sem dúvida alguma provoca resistência por parte dos interesses econômicos afetados o que representa uma modificação das condições de politics Eventualmente tais interesses econômicos conseguem exercer uma pressão bastante forte dentro do sistema políticoadministrativo de modo que essas novas condições de politics podem levar à revisão do plano original FREY 2001 p 217220 28 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Policy networks Até agora ao descrevermos uma Política Pública nossa abordagem foi bastante simplificada o Estado por meio de seus agentes públicos identifica problemas formula e executa uma determinada solução a ser recebida e observada por um certo púbicoalvo Esta abordagem embora adequada para uma primeira aproximação terá de ser progressivamente refinada para incorporar um modelo mais preciso da complexa interrelação social envolvida em qualquer política O primeiro refinamento é a noção de redes de políticas ou policy network33 toda Política Pública gera em torno de si múltiplos interesses envolvidos no Estado e fora dele políticos que adotam as decisões burocratas que as implementam pessoas ou organizações que recebem os benefícios almejados dessa política pessoas ou organizações que são contratadas para executarem essa política outras pessoas ou organizações que recebem efeitos secundários ou colaterais da política mudanças ambientais elevação da demanda em determinados mercados etc Cada um desses atores irá agir no sentido de defender seus interesses na formação e na aplicação da política Veremos uma descrição mais detalhada dessas ações ao longo do tempo nos próximos capítulos mas por ora já devemos reconhecer que a análise de qualquer política tem de levar em conta a panóplia de atores presentes de seus recursos papéis e pautas de interação refletindo as formas muito diversas de relação com distintos graus de estruturação estabilidade e dependência mútua que estabelecem entre si a Administração Pública e os interesses organizados alguns mais organizados outros menos34 Recorremos aqui novamente a Frey para uma enunciação mais precisa desse conceito entendese por um policy network as interações das diferentes instituições e grupos tanto do executivo do legislativo quanto da sociedade na gênese e na implementação de uma determinada policy HECLO 1978 p 102 Segundo Miller tratase no caso de policy networks de redes de relações sociais que se repetem periodicamente mas que se mostram menos formais e delineadas do que relações sociais institucionalizadas nas quais é prevista uma distribuição concreta de papéis organizacionais Todavia essas redes sociais evidenciamse suficientemente regulares para que possa surgir confiança entre seus integrantes e se estabelecer opiniões e valores comuns MILLER 1994 p 37935 Ora estas relações sociais de rede passam a assumir um papel relevante no processo decisório das democracias modernas interagindo com e às vezes sobrepondose a os processos e procedimentos formais prescritos nas regras jurídicas O conglomerado de grupos interessados em uma política e formadores de uma policy network tem em geral uma estrutura horizontal de competências uma densidade comunicativa bastante alta e interrelacionado com isso um controle mútuo comparativamente intenso 36 Ou seja 33 Também denominado em outros autores partisan mutual adjustement policy community estruturas de implementação contratos relacionais e clã GOMÀ SUBIRATS 1998 p 27 34 Gomà Subirats 1998 p 27 35 Frey 2001 p 221 36 Frey 2001 p 221 29 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II não estão organizadas hierarquicamente como está o Estado possuindo cada integrante um papel específico gestor público fornecedor de bens e serviços representante de usuários e beneficiários etc a interação entre cada componente da rede em torno do tema é muito frequente e intensa o que deixa claro que uma policy network não é só uma lista de potenciais interessados mas um conjunto dinâmico daqueles que possuindo interesses envolvidos conseguem agir em sua defesa e há uma relação de negociação e conciliação de interesses na medida em que a política envolvida pode gerar efeitos os mais variados sobre cada um deles exigindo a obtenção de acordos e cessões mútuas para levála adiante Em outras palavras os laços entre os integrantes de uma mesma network são alternadamente de conflito e de coalizão tanto entre si quanto em relação a outras redes envolvidas com políticas coincidentes ou concorrentes Em que pese a sua não institucionalização cada policy network tem um grau diferente de complexidade e dificuldade de acesso Temas como as políticas monetária ou de defesa costumam reunir apenas interações complexas por organizações altamente sofisticadas como bancos no primeiro caso e corporações militares e grandes indústrias no segundo Porém esse grau de estruturação da rede também varia ao longo do tempo Tomando por exemplo a política de defesa norteamericana seguramente a intervenção estatal organizada de maior porte físico e financeiro em todo o mundo a sofisticada interação entre as corporações militares as grandes indústrias de material de defesa e as lideranças políticas no topo da burocracia federal americana que caracterizam o perfil decisório nestes temas sofre grandes alterações em momentos de maior comprometimento em conflitos externos principalmente com a participação de um grande número de soldados em situações de combate Guerra do Vietnã invasão do Iraque nestes momentos a mobilização da opinião pública com o surgimento de grupos organizados com o propósito específico de influir nas decisões de comprometimento de soldados com operações bélicas tal como grupos de familiares de soldados e de excombatentes o maior interesse da mídia e o aumento do interesse parlamentar sobre o assunto geram uma grande ampliação da policy network envolvida Levar em conta a estrutura de policy networks significa estar atento para observar que em cada política específica a estrutura e os limites das burocracias grupos políticos e grupos de interesse particulares podem ser alterados em função da negociação de interesses dentro da rede envolvida A isto não escapa naturalmente a realidade brasileira Na luta pelos escassos recursos financeiros surgem relações de cumplicidade setorial tendo como objetivo comum a obtenção de um montante o maior possível de recursos para a sua respectiva área política Na atual conjuntura brasileira caracterizada pela necessidade de um ajuste fiscal essas disputas entre as várias pastas e policy networks pelos recursos assim como entre essas pastas a equipe econômica e a presidência tornamse particularmente acirradas deixando transparecer uma certa incapacidade de ação e logo comprometendo a governabilidade do sistema político Essa consequente debilitação da capacidade de conduzir reformas detectadas como indispensáveis 30 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS não se restringe todavia ao âmbito do poder executivo mas se reproduz no processo legislativo em que frequentemente observase a sobreposição das lealdades partidárias e organizacionais por policy lealdades WINDHOFF HÉRITIER 1987 p 4737 Policy inputs outputs e outcomes Alguns elementos instrumentais na análise de políticas merecem ser conhecidos desde já para que possam ajudarnos nas etapas posteriores38 Vista de uma maneira muito genérica uma Política Pública ou mesmo qualquer ação de uma organização representa uma reunião de recursos humanos de conhecimento materiais financeiros de informação mobilizados e aplicados pela entidade ou autoridade promotora Estes recursos são denominados insumos ou policy inputs da Política Pública A aplicação dos recursos resulta em bens serviços ou condições materiais ex estradas conservadas correspondência datilografada pacientes atendidos que são os produtos imediatos da Política Pública denominados produtos ou policy outputs Muitas vezes estes produtos podem ser recombinados e utilizados no âmbito da mesma ação para a produção de outros resultados imediatos surgindo assim a diferenciação entre produtos intermediários e produtos finais Uma ilustração bastante clara dessa interrelação é o chamado mapa de produto um arranjo gráfico no qual se alinham três componentes básicos insumos produtos intermediários e produtos finais INSUMO INSUMO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO FINAL PRODUTO FINAL INSUMO INSUMO Fonte Bittencourt 2005 p 244 Repare que como aparece no mapa de produtos as setas indicam que a existência do conteúdo da caixa à esquerda insumo ou produto intermediário é necessária para que se produza o conteúdo da caixa à direita produto intermediário ou final Portanto a atividade pública como a de outra organização combina recursos preexistentes para gerar resultados concretos bastante palpáveis muitas vezes reutilizando os resultados parciais obtidos para com eles gerar novos resultados finais A análise de Políticas Públicas porém não pode permanecer apenas neste ponto É importante sem dúvida saber quantos pacientes foram atendidos por um hospital ou quantas crianças foram vacinadas em uma determinada campanha em suma identificar as realizações concretas especificáveis e individualizáveis MÉNY THOENIG 1992 p 93 No entanto este é uma 37 Frey 2001 pp 222223 38 Esta apresentação dos conceitos inclusive as ilustrações está baseada em Bittencourt 2004 p 55 31 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II dimensão ou aspecto de gestão interna objeto principal da atenção das ciências administrativas Administração Pública Gerência Pública etc que enfocam as ferramentas e métodos que assegurem a relação entre os meios consumidos e os resultados que deles diretamente se extraem Ainda que com particularidades ligadas ao contexto jurídico regulamentos especiais do quadro de funcionários públicos regras de orçamento e contabilidade públicas específicas observância de normas e regulamentos mais rígidos são temas obrigatórios de atenção em qualquer organização pública ou privada A ação pública porém tem uma dimensão que a particulariza profundamente legitimase pela busca de finalidades externas suas atividades internas estão subordinadas à satisfação de problemas ou de metas externas A meta de uma Política Pública é modificar os atributos ou características do tecido social que se julgue necessário proteger frente a ameaças ex desastres naturais criminalidade ou transformar em um estado mais satisfatório ex elevação do nível de emprego melhoria do resultado educacional O mapa de produto de uma ação pública portanto é um pouco mais complexo que aquele que visualizamos acima39 A autoridade pública mobiliza e combina recursos para gerar produtos como qualquer organização Porém estes recursos são eles mesmos simples instrumentos para gerar efeitos ou impactos na sociedade Esta é a segunda função de produção da ação pública transformar produtos em efeitos ou impactos40 A conservação das rodovias produto serve para melhorar as condições de segurança do tráfego e reduzir acidentes efeito ou impacto A distribuição de bolsas de estudo para educação superior produto tem por fim a democratização das condições de acesso ao saber na sociedade efeito ou impacto Em suma toda intervenção pública concreta deve engendrar uma alteração do estado natural das coisas na sociedade e pode estar associada a um ou vários impactos Desta forma o mapa de uma Política Pública deve ser ampliado INSUMO INSUMO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO INTERMEDIÁRIO PRODUTO FINAL PRODUTO FINAL INSUMO INSUMO IMPACTO IMPACTO Função de Produção 1 gestão interna Função de Produção 2 gestão das Políticas Públicas Fonte Elaboração própria a partir de Bittencourt 2005 p 244 Muitas vezes a Gestão das Políticas Públicas e mesmo seu acompanhamento concentrase deliberadamente ou não em chamar efeitos a produtos imediatos e concretos ou mesmo em insumos por exemplo o volume de recursos orçamentários aplicados em determinada política 39 É preciso lembrarse de que a ferramenta Mapa de produto tal como apresentada aqui tem uma aplicabilidade mais ampla servindo para analisar tanto Políticas Públicas quanto processos de gestão interna empresarial ou governamental Desta forma é possível utilizála também no sentido que damos à analise neste parágrafo 40 Esta apresentação dos conceitos relativos à segunda função de produção inclusive as ilustrações está baseada em Mény Thoenig 1992 p 93 32 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Esta tentação muito atraente pela aparente simplicidade41 gera uma visão etnocêntrica em que a ação passa a ser vista tão somente da perspectiva do agente público confundindose a atividade interna da autoridade pública com as transformações sociais externas que são sua razão de ser A identificação e o tratamento de impactos apresenta consideráveis dificuldades sendo um dos pontos altos da arte do analista de Políticas Públicas42 Mesmo quando são abordados explicitamente estes efeitos são frequentemente enunciados pelos formuladores das políticas em termos muito gerais e abstratos tais como a segurança em uma coletividade sendo pouco favoráveis ao tratamento rigoroso Além disso podem surgir com um considerável atraso em relação ao tempo em que são realizadas as atividades públicas a exemplo dos efeitos de um programa de construção de estradas sobre o desenvolvimento econômico de uma região Também e principalmente a relação entre os produtos e seus respectivos efeitos está longe de ser linear ou mecânica Embora alguns campos possam ter essa relação definida com alguma precisão caso típico da vacinação contra algumas doenças de epidemiologia conhecida tal como a poliomielite em outros não se pode desenvolver essa relação senão de forma bastante aproximativa por exemplo o efeito de uma política de bolsas ou cotas na Educação Superior sobre a desigualdade socioeconômica Por fim é preciso levar em conta os possíveis efeitos de causalidade diversa Dentre eles os efeitos relacionados entre as Políticas Públicas Uma política tem impactos de diversas ordens entre os quais alguns podem ter consequências sobre outras políticas Estes impactos cruzados podem ocorrer diretamente sobre o públicoalvo ou o objeto da outra Política Pública ou podem simplesmente modificar o ambiente social de forma a produzir mudanças sobre os pontos de partida ou pressupostos da outra política o conceito econômico tradicional de externalidades A política A pode ter efeitos diretos sobre o resultado da política B Efeito cruzado 1 além de efeitos sobre o ambiente social que alteram o ponto de partida da política B Efeito cruzado 2 Efeitos cruzados entre Políticas Públicas EFEITO CRUZADO 2 EFEITO CRUZADO 1 Ponto de Partida Ambiente Social Política Pública A IMPACTO 1 IMPACTO 2 IMPACTO 3 Ponto de Partida Ambiente Social Política Pública B IMPACTO 4 IMPACTO 5 IMPACTO 6 Fonte Elaboração própria a partir de Mény Thoenig 1992 p 95 Exemplificando o primeiro caso uma política de transportes urbanos tendo por objetivo a redução do tempo de deslocamento pendular casatrabalho numa metrópole e que envolva a 41 Ou em argumento mais sofisticado pela facilidade de medição confundida aí com possibilidade de medição Medir impactos sociais de Políticas Públicas é no mais das vezes difícil mas não é impossível 42 Esta apresentação dos conceitos relativos ao tratamento de impactos inclusive as ilustrações está baseada em Mény Thoenig 1992 pp 9495 e Bittencourt 2005 p 244 33 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II construção de vias expressas dirigidas ao centro da cidade pode terminar gerando o incentivo ao uso mais frequente do automóvel particular pela população o que tem o potencial de causar mais engarrafamentos de trânsito e prejudicar não só o seu objetivo inicial redução do tempo de deslocamento quanto o objeto de uma política de redução da contaminação urbana que se faça por meio do incentivo ao transporte coletivo e à redução do uso do automóvel No segundo caso há exemplos clássicos de externalidades ambientais a implantação de sistemas de transporte de massa metrô trens urbanos gera uma grande valorização do preço do solo no seu entorno dificultando a implantação de políticas habitacionais para populações de baixa renda uma política de incentivo à industrialização de uma região periférica pode gerar um aumento na produção de resíduos sólidos efluentes e gases que impacte qualquer política de conservação ambiental ou melhoria da qualidade de vida nessas mesmas regiões Por fim os efeitos observados nas variáveis sociais que são objeto de uma Política Pública podem decorrer de fatores exógenos da vida social que não têm correlação alguma com o próprio programa Determinadas alterações sociais ocorrendo na direção desejada por uma certa Política Pública podem ter origem em outros fatores distintos dessa política Por exemplo a evolução epidemiológica da dengue numa determinada região depende basicamente da população de mosquitos transmissores vetores Esta população depende por sua vez da existência de focos de água a céu aberto Uma política de combate à dengue pela redução de focos de mosquitos transmissores com ações educacionais e de fiscalização pode ter seus efeitos minimizados pela ocorrência de chuvas em volume muito elevado Da mesma forma um verão com pequeno volume de chuva pode ensejar uma redução considerável dos focos de vetores mesmo na ausência de qualquer política Quanto a estas relações de causalidade Cano 2002 pp 1617 relata situações curiosas e intrigantes que descrevem os dilemas do analista de Políticas Públicas Se tudo quanto sabemos é que quando o valor de A é alto o de B também tende a sêlo isto é os dois fenômenos covariam não podemos inferir daí qual dos dois está no começo da cadeia causal Existem muitos exemplos disso na prática Pessoas de alta renda são também em geral pessoas de alto nível de escolaridade e viceversa Isso pode ser devido ao fato de que um alto nível escolar permite empregos melhores e portanto aumenta a renda Por outro lado pessoas com mais dinheiro podem darse ao luxo de continuar estudando e de frequentar os melhores centros educativos o que determina um aumento da escolaridade e viceversa Assim a renda pode causar a escolaridade e viceversa No exemplo anterior a população de cegonhas e a natalidade covariam isto é uma sobe quando a outra sobe simplesmente porque ambas dependem do grau de urbanização Em suma para poder concluir uma relação causal entre A e B é preciso descartar na medida do possível a existência de outras dimensões que estejam causando simultaneamente as duas primeiras 34 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS Policy arenas Outro conceito útil para analisar Políticas Públicas é o de arenas de política A definição já tornada clássica43 das policy arenas tem por objetivo a distribuição das distintas políticas em grandes grupos capazes de associar os diversos casos individuais em função de relações mais estáveis e consistentes entre suas características principais O agrupamento em distintas arenas ocorre em função das relações políticas que ocorrem dentro dos grupos envolvidos com cada política individual44 para efeito desta análise assumese que tais relações são determinadas pelas reações e expectativas das pessoas afetadas e estas expectativas são determinadas pelos resultados ou efeitos das políticas45 mais precisamente as reações e as expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de im plementação Os custos e os ganhos que as pessoas esperam de tais medidas tornamse decisivos para a configuração do processo político FREY 2001 p 223 Portanto as políticas agrupamse em algumas grandes arenas do exercício do poder na qual este exercício obedece a estruturas processos e relações grupais similares E tais arenas são descritas por Lowi em quatro46 fórmulas distintas POLÍTICAS DISTRIBUTIVAS Características da política Políticas que distribuem vantagens a um grupo bastante amplo sem regras muito estruturadas e sem imposição de custos ao menos perceptíveis a outros grupos Representam benefícios em pequena escala a um grande número de destinatários ficando em geral os potenciais opositores incluídos na distribuição dos benefícios Interação entre os atores Apresentam baixo grau de conflito dos processos políticos consenso e indiferença amigável Frey 2001 p 223 Os processos decisórios ocorrem de forma atomizada desagregada sem regras gerais Portanto os interesses que se projetam sobre o Estado apresentamse de forma fragmentária de difícil organização interna sendo as coalizões dependentes da citada atitude de indiferença amigável Exemplos São políticas difíceis de serem visualizadas no Estado moderno cada vez mais sujeito a restrições materiais O exemplo clássico de Lowi é a política de ordenação da distribuição de terras no Oeste americano nos sécs XVIII e XIX embora houvesse intervenção estatal os recursos a distribuir eram virtualmente ilimitados47 Mény Thoenig mencionam a distribuição por uma prefeitura de licenças urbanísticas para construir cujo custo para terceiros será sentido apenas a mais longo prazo por meio de elevação do preço do solo e de externalidades ambientais por exemplo Se se toma em conta a diferença entre custos em longo prazo e em curto prazo porém todo tipo de política clientelista distribuição de benefícios assistenciais de pequeno valor com critérios discricionários à custa dos fundos públicos pode ter uma interação do tipo distributivo num primeiro momento ou até que o custo real das medidas seja percebido pelos contribuintes 43 A primeira apresentação do conceito de policy arena surgiu de uma pequena resenha de um outro livro elaborada por Theodore Lowi para a revista World Politics LOWI 1964 Posteriormente o próprio Lowi ampliará estes conceitos p ex LOWI Theodore Four Systems of Policy Politics and Choice In Public Administration Review 324 1992 p 298310 apud Frey 2001 p 257 que serão também apropriados e utilizados por um grande número de autores Nesta apresentação utilizamos o texto original de Lowi além da sua interpretação em Frey 2001 pp 223226 e Mény Thoenig 1992 pp 98102 44 Ainda que os estudos que tratam de policy arenas não tenham utilizado o conceito de policy networks que estudamos acima ele se aplica perfeitamente para descrever o ambiente relevante para a definição das arenas 45 In politics expectations are determined by governmental outputs or policies Lowi 1964 p 687 46 O artigo original LOWI 1964 somente contemplava as três primeiras sendo a última arena de políticas constitutivas incorporada posteriormente por Lowi ao modelo Devemos ressaltar que a interpretação de Mény Thoenig 1992 pp 98100 sobre as características de cada arena difere bastante da dos demais autores citados 35 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II POLÍTICAS REGULATÓRIAS48 Características da política Consistem na aplicação de uma regra geral a casos específicos a imposição de ordens e proibições De uma forma geral o tratamento a ser dado a todos os casos é uniforme no máximo diferenciandose por setor ou segmento da populaçãoalvo A distribuição de custos e benefícios é a priori indefinida podendo afetar distintos grupos tanto de forma equilibrada quanto discriminar alguns setores em favor de outros Interação entre os atores Os processos de conflito consenso e coalizão podem mudar conforme o conteúdo das políticas envolvidas dos processos políticos A política regulatória no mais das vezes é o caso mais concreto de concentração de custos e benefícios para os envolvidos o que faz com que a interação em torno dela seja realizada por um número relativamente pequeno de grupos coesos e internamente organizados grupos estes formados em relação a cada política podendo ocorrer facilmente em políticas distintas diferenças na posição relativa de dois grupos como organizações patronais e sindicatos A estrutura dos grupos organizados costuma coincidir com as divisões setoriais ou de categorias sociais um determinado ramo da indústria ou os sindicatos de determinada categoria de trabalhadores ou os proprietários de terra de uma certa região Exemplos São as Políticas Públicas de tipo tradicional de limitação das liberdades individuais dos afetados em favor de interesses definidos como comuns ou coletivos Tanto podem caminhar em sentido igualitário nos exemplos de Lowi na aplicação de regras impessoais de licitação para uma concessão de radiodifusão ou de linha aérea ou no apontado por Mény Thoenig relativamente à aplicação uniforme do código de trânsito quanto em favor dos mais frágeis como a fiscalização de direitos trabalhistas que fortalece a posição do trabalhador frente ao patrão quanto ainda favorecer a um segmento mais privilegiado MÉNY THOENIG cita as legislações que restringem o acesso a determinadas profissões como exemplos de medida regulatória que acrescenta aos privilégios do público a que se dirige POLÍTICAS REDISTRIBUTIVAS Características da política Têm por objetivo o desvio e o deslocamento consciente de recursos financeiros direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade Frey 2001 p 224 Posta em relevo pela expansão do Welfare State tem um caráter marcadamente econômico envolve basicamente a modificação da distribuição da riqueza e da renda entre os agentes sociais É talvez a mais simples de caracterizar representa medidas de extração de riqueza de um segmento da população e sua concessão a outro por meio de processos que sejam assim identificáveis ainda que indiretamente pelos envolvidos Interação entre os atores Tratase de arena potencialmente conflituosa e polarizada ela suscita uma imediata e visível perda econômica por parte de alguns grupos em favor de outros Pela sua generalidade a configuração dos grupos envolvidos na disputa é bastante abrangente sentamse à mesa basicamente representações de grandes coletivos separados por diferenças muito profundas de inserção social ex confederações sindicais e empresariais de âmbito nacional no caso da política tributária americana citado por Lowi o Tesouro federal e representações muito concentradas dos grandes grupos empresariais As coalizões que se formam são muito estáveis e poderosas e o equilíbrio que atingem é difícil de atingir mas também difícil de modificar Exemplos O exemplo clássico de política redistributiva em praticamente todo o mundo é a previdência social por meio da arrecadação de parcela da renda dos seus associados custeiase o pagamento de benefícios àqueles que o necessitem com critérios de redução de diferenças de renda que beneficiem os estratos de renda mais baixa Também o imposto incidente sobre a renda individual das pessoas físicas tem esta característica ainda que indiretamente as suas alíquotas permitem extrair proporcionalmente mais renda de segmentos de altos rendimentos declarados para custear o fundo público que destinase ao benefício comum 47 47 Naturalmente esta é uma visão teórica de uma estrutura progressiva de impostos que nem sempre coincide com o efeito real da tributação sobre a renda em cada economia No entanto conceitualmente Lowi lembra que o imposto sobre a renda de pessoas físicas é uma política redistributiva mesmo que não seja tecnicamente progressivo 36 UNIDADE II CONCEITOS BÁSICOS POLÍTICAS CONSTITUTIVAS OU ESTRUTURADORAS Características da política Têm por objetivo as regras sobre normas ou acerca do poder Mény Thoenig 1992 p 100 ou a determinação das regras do jogo e por conseguinte a estrutura dos processos e conflitos políticos Os resultados das políticas constitutiva também chamadas políticas modificadoras de regras definem as condições sob as quais se irá negociar as demais políticas distributivas redistributivas e regulatórias É difícil exagerar os efeitos das políticas constitutivas ao estruturar a forma de interação dos interessados nas demais políticas elas distribuem posições de poder relativo entre os diferentes agentes vetam ou privilegiam temas para as demais políticas Interação entre os atores Não obstante a sua importância a discussão social sobre tais políticas costuma ser extremamente limitada Como aponta Frey Embora essas políticas possam implicar consequências poderosas para o processo político em geral costumase discutir e decidir sobre modificações do sistema político apenas dentro do próprio sistema políticoadministrativo Raramente essas discussões se tornam fatos políticos envolvendo setores mais amplos da sociedade O interesse da opinião pública é sempre mais dirigido aos conteúdos da política e bem menos aos aspectos processuais e estruturais Assim a discussão de tais medidas costuma realizarse entre grupos de representação situados no topo da esfera política tipicamente partidos e grupos dentro do parlamento nacional em interações mais limitadas com a sociedade também mediadas por representações institucionais de alto escalão Frey 2001 p 225 Exemplos O exemplo citado por Frey é o plebiscito ocorrido no Brasil em 1993 acerca do regime de governo presidencialista ou parlamentarista No entanto há bons exemplos de questões da arena constitutiva que ilustram o impacto desse tipo de decisão na realidade brasileira atual a desconstitucionalização da segurança pública que permitiria aos Estados federados legislarem quanto ao mérito sobre a estrutura dos sistemas policial prisional e judicial a retirada dos direitos trabalhistas do texto da Constituição Federal permitindo que sejam alterados por maiorias políticas eventuais menos amplas que as exigidas para a alteração no texto constitucional a reforma da administração de mão de obra portuária transferindo dos sindicatos a comissões tripartite o poder de definir a distribuição do trabalho e da remuneração dos serviços auxiliares da operação dos portos Em uma certa medida todo o vasto processo de privatização de entidades estatais empreendido no Brasil e no mundo não deixa de ser uma política constitutiva na medida em que a simples transferência da responsabilidade de serviços públicos do ente estatal para provedores privados não altera diretamente as condições do serviço embora modifique radicalmente as regras políticas de negociação da sua prestação Conhecer a arena em que se insere uma determinada política nos ajuda portanto a identificar um esboço da possível forma de interação entre os grupos sociais que nela estiverem envolvidos Para ajudarnos ainda mais neste foco algumas pequenas regras de bolso generalização de comportamentos reiteradamente observados podem sugerir insights úteis na hora de observar as expectativas e reações dos indivíduos e grupos nas diferentes arenas MÉNY THOENIG 1992 p 101102 os custos tendem a imporse sobre os benefícios podendo identificar com alguma clareza os custos e benefícios de uma política os indivíduos e grupos tendem a dar mais peso aos custos sendo muito mais sensíveis ao preço que pagarão que às vantagens que receberão o curto prazo importa mais que o médio prazo os efeitos imediatos de uma política mobilizam os interessados mais que as consequências diferidas no tempo48 os custos e benefícios que afetam a pequenos grupos impõemse aos custos e benefícios que afetam a vastas populações em outras palavras indivíduos ou grupos são muito mais mobilizados por custos ou benefícios que se concentram neles próprios do que por temas que trazem consequências difusas por toda a sociedade Por exemplo são mais comuns as manifestações ativas contra o fechamento de alguma empresa ou em defendendo medidas de favorecimento 48 Vide a discussão acima relativa às políticas clientelistas em geral como inseridas na arena distributiva ainda que representem ao final um custo para outros interessados como os contribuintes se o clientelismo é praticado com recursos públicos 37 CONCEITOS BÁSICOS UNIDADE II econômico a um setor específico tarifas protecionistas subsídios do que as ações para modificar políticas que tenham efeitos sobre o aquecimento global ainda que o impacto desse último fenômeno seja muito maior na sociedade como um todo E agora Vimos neste capítulo uma grande variedade de conceitos importantes para a análise das Políticas Públicas Mas vamos usálos todos de uma vez Ao nos defrontarmos com um problema de Política Pública como podemos abordálo O que estudar primeiro São dúvidas importantes e relevantes A organização do trabalho de análise exige ainda mais ferramentas analíticas disponíveis por meio do conceito de ciclo de políticas ou policy cycle 38 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS CAPÍTULO 1 Análise dos modelos de políticas públicas49 Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir A estruturação das Políticas Públicas deve ser compreendida como o produto de um intenso processo de intermediações políticas por meio das quais emergem e tomam forma os projetos e interesses de agentes e agências públicos e privados em pugna por impor um determinado projeto de direção política e de direção ideológica sobre a sociedade e o estado que são governados Os posicionamentos estratégias e táticas de cada um na confrontação estão regidos por princípios de mudança e princípios de conservação TORRES 2006 pp 123124 Para o analista o processo de uma política é o complemento indissociável de sua substância processo e conteúdo constituem as duas caras de uma mesma realidade O trabalho governamental não se limita à tomada de decisão estende se no tempo não só a montante mas também a jusante do que frequentemente e sem razão considerase a intervenção mais nobre e mais significativa Além disso o transcurso do tempo a duração é em si mesmo um elemento estruturante da ação governamental e de outros atores não governamentais MÉNY THOENIG 1992 p 104 As interações entre agentes públicos e privados são inúmeras no tratamento de qualquer problema público Como abordar essas interações Como você acha que poderia ordenar o trabalho de análise de uma Política Pública para que o seu estudo não se perdesse entre tantas informações relevantes Você acha que um modelo único seria capaz de aplicarse a qualquer Política Pública Qual o sentido de existir um modelo 49 O modelo apresentado nesta seção segue as linhas gerais do apresentado em Mény Thoenig 1992 pp 105107 complementado pelas extensões e ampliações cujas fontes originais são em cada momento referenciadas 39 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Considerações sobre o método Segundo Paula 1989 p 47 E o método é o trilhar do conceito é a chave que permite abrir o real revelarselhe o interior sua estrutura destruir o manto de aparências e enganos que o recobrem a pseudoconcreticidade O método arma afiada mapa e obra de arte Passemos logo então ao problema básico Em qualquer modelo de análise e em particular no nosso campo tão complexo das Políticas Públicas o desafio do analista é a maneira de decompor seu objeto de estudo em elementos empíricos mais finos sem que por isto se perca a sua visão de conjunto do objeto estudado Criar um modelo uma representação teórica que selecione os principais traços da realidade estudada permitindo com isso que o estudioso possa organizar nessa representação os fatos empíricos principais que observa possa descrever por meio da representação de forma sintética e articulada o conjunto de fatos que vê e possa formular utilizando a linguagem e as ferramentas intelectuais disponibilizadas pelo modelo hipóteses acerca das relações entre os diferentes traços da realidade começando daí o esforço explicativo50 Como vimos no capítulo anterior e nas reflexões que abrem este texto toda Política Pública traz consigo uma multiplicidade de interações Vimos também que podemos examinar essas interações sob várias perspectivas as dimensões em cena Politics policy polity o conjunto de agentes que interagem policy networks a Política Pública como uma relação entre insumos produtos e impactos policy inputs policy outputs policy outcomes o padrão de interação entre os agentes policy arenas Todas estas perspectivas são importantes mas destinamse a examinar com uma certa profundidade apenas um dos lados desse grande cubo mágico que é uma Política Pública Ao distribuir as observações dos fatos utilizando cada um desses conceitos vemos apenas aquele lado É preciso uma decomposição dos fatos que permita cobrir organizadamente todo o processo da Política Pública e que permita ainda utilizar em conjunto estes outros recursos ou perspectivas principais que analisamos O instrumento de ordenação analítica que foi considerado possivelmente mais útil pela maioria dos autores envolvidos com as Políticas Públicas é o policy cycle ou modelo de ciclo de políticas Intuitivamente o ciclo das políticas é a sequência de atividades do começo ao fim desde o nascimento de um problema até os resultados das políticas adotadas para resolvêlo Cada fase caracterizase por atividades concretas do agente público ex o trabalho legislativo o processo decisório em gabinetes ministeriais a gestão burocrática das medidas adotadas etc e em torno dele a ação coletiva os grupos de lobby as campanhas de imprensa as manifestações populares de rua etc A cada fase corresponderão atores relações compromissos específicos as várias fases correspondem a uma sequência de elementos do processo políticoadministrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder às redes políticas e sociais e às práticas políticoadministrativas que se nela encontram tipicamente FREY 2001 p 226 Vamos portanto descrever as Políticas Públicas segundo as fases que agrupam atividades comuns aproximadamente sequenciais no tempo que levam do surgimento de um problema 50 Um modelo portanto entendido como um instrumento heurístico ou seja voltado aos métodos de resolução prática de problemas ou capaz de dar maior apoio à descoberta de fatos e relações pertinentes na realidade estudada 40 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS público à formulação de uma resposta e implementação das medidas que a materializam seguidas do tratamento dos efeitos dessas medidas sobre a realidade social Na verdade existem vários modelos ligeiramente diferentes de cycle além dos que foram discutidos neste capítulo PARSONS 2001 pp 7475 faz uma resenha de sete outros modelos referidos ao ciclo de políticas e utilizaremos uma síntese que incorpora os modelos apresentados por nossa bibliografia básica Mas tenhamos cuidado Desde o início deixamos claro que não se trata de impor um marco rígido Ao contrário qualquer dos modelos de policy cycle não pode ser tomado como um quadro rígido linear ou formal Os modelos são uma sequência de fases ou etapas que apresentadas sucessiva e cronologicamente para fins didáticos podem na prática superporse no tempo retroceder ou mesmo nunca surgirem51 É preciso entender com clareza que como diz a linguagem popular o modelo de policy cycle é uma trilha não um trilho Voltaremos a estas ressalvas mais adiante Por enquanto você pode dedicar o seu tempo a acompanhar a descrição do modelo de ciclo de políticas com a tranquilidade de que está estudando uma ferramenta bastante útil para o nosso objetivo no curso Apresentando o modelo O ciclo de Política Pública é assim sintetizado por Mény Thoenig 1992 p 105 A identificação de um problema o sistema político percebe que um problema exige um tratamento e o inclui na agenda de uma autoridade pública A formulação de soluções as respostas são estudadas elaboradas e negociadas para estabelecer um processo de ação pela autoridade pública A tomada de decisão o decisor público oficialmente competente escolhe uma solução particular que se converte em política legítima A execução do programa uma política é aplicada e administrada em campo52 É a fase executiva O encerramento da ação é produzida uma avaliação de resultados que desemboca no fim da ação empreendida 51 Por exemplo uma política pode desaparecer porque foi formulada enunciada mas jamais se aplicaram os recursos necessários para que seja implementada no mundo real ou então podem ocorrer decisões pessoais de uma determinada autoridade que não tenham sido precedidas de nenhuma atividade abrangente de formulação de soluções 52 Utilizamos as expressões em campo ou de campo para traduzir do espanhol sobre el terreno pela utilização mais frequente ou coloquial ex fazer trabalhos de campo os dados foram apurados em campo 41 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III De forma muito simplificada a ordenação das etapas de um ciclo de políticas pode ser vista como COMPREENDENDO O PROBLEMA COLOCANDO AS SOLUÇÕES EM PRÁTICA DESENVOLVENDO SOLUÇÕES TESTANDO O SUCESSO E FAZENDOO PERDURAR Adaptado de NAO 2001 p 23 Porém já vimos que as diferentes etapas ou fases interferem umas com as outras sem haver uma sucessão linear ou mesmo um sentido único de dependêcia lógica O modelo completo é portanto mais complexo e pode ser entendido mais detalhadamente pelo esquema gráfico dos autores IDENTIFICAÇÃO DE UM PROBLEMA FORMULAÇÃO DE UMA SOLUÇÃO TOMADA DE DECISÃO EXECUÇÃO OU APLICAÇÃO DA AÇÃO AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS E ENCERRAMENTO DEMANDA POR UMA AÇÃO PÚBLICA PROPOSTA DE UMA RESPOSTA POLÍTICA EFETIVA DE AÇÃO IMPACTOS EM CAMPO AÇÃO POLÍTICA OU REAJUSTE RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA POLÍTICA Fonte Adaptação de Mény Thoenig 1992 p 106 Os próximos capítulos representarão cada um uma ampliação e um aprofundamento de cada uma das etapas o que permitirá que o nosso olhar se aplique sistematicamente a cada um desses grandes grupos de atividades cada um reunindo similaridades na relação entre os atores estado dos problemas abordados ações realizadas etc Você enxerga um sentido mais geral no modelo de ciclo de políticas Serão estas as etapas que uma organização ou uma pessoa percorre para resolver problemas complexos que lhes afetam Em que medida o modelo de ciclo de políticas poderia ser estendido para qualquer situação heurística ou seja qualquer situação de resolução de um problema significativo Aqui também a resposta é aberta Aqueles mais familiarizados com a teoria da Administração ou com a Teoria Econômica poderão ver no policy cycle uma versão simplificada de instrumentos de teoria 42 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS da decisão bastante sofisticados e que incorporam recursos matemáticos complexos É possível até que esta opinião seja em parte correta e este é o grande mérito desta abordagem exatamente o que nos faz e à maioria dos autores da área adotálo como ferramenta de ensino e análise Diante da multiplicidade de fatores que intervém numa Política Pública uma certa simplificação analítica é inevitável e mesmo imprescindível é pouco provável que um único modelo por mais sofisticado que seja possa reunir de forma determinista muito precisa automática matematizada toda essa variedade de fatores dado o enorme número de estruturas e modelos disponíveis como instrumentos analíticos precisamos de alguma forma de reduzir essa complexidade a uma forma mais administrável PARSONS 2001 p 80 A resposta de um modelo de análise de Políticas Públicas é portanto tão aberta quanto as questões que temos proposto para reflexão Todas as ressalvas que se fazem a esse modelo como ferramenta heurística53 são em sua medida válidas O modelo é assim um ponto de partida para exploração das Políticas Públicas mas como todo modelo deve ser tratado com cuidado À semelhança de um mapa simplificado por exemplo de um diagrama esquemático das linhas de trem ou metrô de uma cidade ele permite ver com mais clareza os contornos essenciais ao preço de eliminar boa parte da riqueza de detalhes da realidade Portanto o diagrama é uma orientação para uma determinada finalidade heurística deslocarse utilizando o trem ou metrô não é um mapa da cidade Um modelo é como um diagrama Da mesma forma que um diagrama de linhas de trem ou metrô não é um mapa da cidade um modelo simplifica a realidade inclui os traços relevantes para as suas finalidades e exclui todos os demais detalhes 53 Parsons 2001 p 80 compila as principais críticas desse tipo de abordagem que chama de etapista stagist approach ele não dá qualquer explicação causal de como as políticas se movem de um estágio a outro ele não pode ser testado empiricamente ele caracteriza a gestão de políticas como essencialmente de cima para baixo e falha em reconhecer as ações dos atores na vida real a noção de um ciclo de políticas ignora o mundo real da gestão de políticas que envolve múltiplos níveis de governo e ciclos interagindo entre si ele não proporciona uma visão integrada da análise do processo de formulação de políticas e do próprio esforço analítico que é nele empenhado em termos de conhecimento informação pesquisa A análise de Políticas Públicas não ocorre apenas na fase de avaliação 43 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Portanto usamos este modelo como uma ferramenta para auxiliar a organizar nossos estudos para ajudarnos a localizar e navegar dentro de uma rede complexa de fatos Em cada ponto ou estação etapa ou fase nos termos do modelo teremos que utilizar todos os recursos analíticos disponíveis para identificar e interpretar a realidade da formação e aplicação de Políticas Públicas O que faz nascer uma Política Pública O que faz um assunto qualquer se tornar um problema que chame a atenção do poder público 44 CAPÍTULO 2 Nascimento de Políticas Públicas O problema é sempre que batalha queremos ganhar em primeiro lugar O conflito político não é um debate acadêmico no qual os contendores põemse de acordo previamente na definição dos problemas a discutir Na realidade ao contrário a definição das alternativas é o instrumento supremo do poder raramente os antagonistas podem coincidir em relação a quais são as questões em jogo já que na definição já se coloca a questão do poder Aquele que determina qual é a principal preocupação da política governa o país porque a definição das alternativas é a seleção dos conflitos e a seleção dos conflitos atribui poder Que razões eou condições levam uma autoridade pública a atuar ou a não atuar De onde surgem as Políticas Públicas Como se constroem os problemas sociais O papel dos Analistas de Políticas Públicas lembremos é o de tomálas como objeto de estudo e de questionamento Assim a própria necessidade de uma determinada política é um fato histórico o fato de que em algum momento os agentes envolvidos entre os quais as autoridades públicas tenham concluído por adotar determinada medida é um resultado de um processo social concreto ocorrido em determinada circunstância e num tempo histórico bem definido Não podemos perder isso de vista ao raciocinar sobre a política que daí resultou54 Pois bem como nasce a percepção social de um problema capaz de ensejar a adoção de uma Política Pública Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o transforma em um problema de policy55 A pergunta parece muito simples A resposta não é bem assim Ao discutir o assunto temos alguns reflexos condicionados que prejudicam a compreensão integral do tema O primeiro equívoco é o da simples descrição a apresentação de uma lista mais ou menos desconexa de informações genéricas quando e onde ocorrem os acontecimentos quem realizou tal ou qual ato público etc Por exemplo dizer que o ministro tal desenvolveu e lançou o programa tal para atender 54 O modelo apresentado nesta seção segue as linhas gerais do apresentado em Mény Thoenig 1992 pp 105107 complementado pelas extensões e ampliações cujas fontes originais são em cada momento referenciadas 55 WindhoffHéritier Adriene policyAnalyse Eine Einfuhrung Frankfurt am MainNew York Campus 1987 p 68 apud Frey 2001 p 227 45 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III aos pequenos agricultores na safra deste ano significa fazer uma breve apresentação do problema colocar em grandes linhas o contexto histórico e os principais atores mas não basta para explicar a origem da ação pública o porquê dos acontecimentos A descrição isolada é um trabalho admissível para um jornalista que apenas relata fatos selecionados mas não para quem pretenda analisar a Política Pública sob qualquer aspecto Outra fragilidade é o fascínio pela decisão o nascimento de uma Política Pública é assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante dele nasce a identificação de um problema e a definição precisa de suas características e soluções Assim a análise da Política Pública passa a assumir a forma de um estudo do processo decisório qual a psicologia de quem decide que acontecimentos ocorrem no momento em que se fixam as opções que raciocínios conduzem às escolhas Sem dúvida a decisão é um componente importante de todo o processo de formulação da política Ao considerála porém o único fator determinante o risco de erro na verdade a certeza do erro consiste em ocultar os acontecimentos anteriores à decisão especialmente as condições em que nasce um problema até porque a decisão pode ser uma reação aos acontecimentos e as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema Esta superconcentração na decisão é uma tendência notável na descrição de uma política pela autoridade que é responsável por ela sempre que essa autoridade entenda essa política como bem sucedida Caso os resultados desta política não sejam percebidos como favoráveis à autoridade esta tende a descobrir todos os demais fatores que se somaram ao seu próprio processo decisório e levaram a resultados desfavoráveis Já estudamos que existe em cada caso uma policy network de interessados e intervenientes em uma política o fascínio pela decisão ignora essa rede de agentes e reduz o jogo de poder a uma mera decisão interna do agente público Por fim é preciso cuidar do que já se chamou de desvio macrocontextual mecanicista ou sobredeterminismo o analista passa a esforçarse por explicar em que medida uma Política Pública é resultante imediata efeito automático e dependente de causas que provêm de uma outra ordem de coisas as exigências do desenvolvimento socioeconômico ou ideologia dominante a economia internacional ou qualquer outro fator muito maior e mais amplo que a política em questão O erro aí incide em que uma explicação de envergadura tão ampla perde sua capacidade para demonstrar o porquê de tal aspecto e não outro de uma decisão ou de uma política foi escolhido É claro que não se pode perder de vista que existem fatores ou dinâmicas maiores que condicionam fortemente o surgimento e a discussão dos problemas públicos no entanto estas dinâmicas interagem com todos os demais fatores que começamos a estudar interesses do governo interesses de grupos sociais recursos materiais disponíveis regras institucionais natureza mesma concreta dos problemas a resolver por exemplo o grau de controle possível sobre fenômenos de degradação ambiental a dinâmica própria da evolução de uma epidemia como a gripe aviária Mény Thoenig apontam o surgimento das políticas de segurança nas rodovias francesas podese dizer genericamente que a adoção sistemática de medidas de prevenção de acidentes resultou do custo crescente para a coletividade dos acidentes de trânsito e suas vítimas Esta explicação porém não será capaz de dizer o porquê de estas políticas surgiram na década de 1970 e não antes ou por que nelas se privilegiou o controle de velocidade e não a repressão ao alcoolismo no volante ou seja estas análise mais fina não prescinde de uma avaliação das circunstâncias concretas da formação da 46 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS política em questão Outro interessante exemplo da existência de fatores sociais determinantes de algumas conjunturas setoriais mas que não podem ser tidos como condicionantes exclusivos das políticas para esses setores é oferecido pelo contraste de algumas visões sobre a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro problema que suscita ainda enormes polêmicas no âmbito nacional Em 1982 a vitória de Leonel Brizola significou a suspensão da famigerada política do pénaporta que durante a ditadura caracterizava o comportamento policial nos bairros pobres e favelas O pénaporta não foi substituído por uma política alternativa foi simplesmente suspenso Houve esforços de modernização e moralização das corporações policiais sobretudo na Polícia Militar graças à liderança aberta honesta e inteligente de seu comandante geral coronel Carlos Magnos Nazareth Cerqueira No entanto o governo do PDT acreditava que a criminalidade e a violência eram sintomas dos males sociais e econômicos que afligiam a sociedade brasileira E o sintoma não merece atenção Muito menos o investimento de recursos públicos Importante era a educação para reverter as estruturas que provocam direta ou indiretamente os crimes O primeiro governo Brizola foi fiel a suas convicções e se concentrou na execução do projeto de Darcy Ribeiro os CIEPS Centros Integrados de Educação Popular Destaquese a intervenção pioneira da antropóloga Alba Zaluar que já criticava na primeira metade dos anos 1980 esse reducionismo antiquado que as esquerdas teimavam em repetir como se fora um atavismo atribuir o crime à pobreza de forma mecânica e simplista sem levar em conta as mediações culturais entre outras ofende os pobres e não explica por que a maioria da população pobre não comete crimes O que não quer dizer evidentemente que não haja relação entre a exclusão da cidadania a falta de perspectivas de integração social e econômica por um lado e o crescimento da criminalidade sobretudo entre a juventude por outro SOARES 2000 pp 110111 Primeiros passos visões simplificadas do nascimento de uma política pública Algumas visões ou modelos simplificados já foram tentadas em geral vinculadas aos paradigmas clássicos da ciência política sobre o funcionamento do Estado moderno Todas são válidas para a nossa compreensão iluminam de forma estilizada caminhos possíveis para o surgimento de políticas São por assim dizer tipos ideais weberianos descrições estilizadas ou seja selecionando ou enfatizando determinados traços ou aspectos da realidade de processos históricos que de fato ocorrem porém não se encontram na realidade de forma pura Assim cada uma dessas visões simplificadas tem o valor de uma útil sugestão uma possibilidade a ser formulada e testada A primeira é a ascensão democrática representativa neste cenário a fonte das demandas é a base as necessidades percebidas e enunciadas diretamente por cada indivíduo quer como cidadão comum quer como integrante de organização de interesse privado Quando estas necessidades 47 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III enunciadas crescem são objeto de procedimentos manifestações eleições e da atenção e ação de intermediários políticos qualificados lideranças partidárias parlamentares agentes que contam com algum grau de legitimidade de representação dos interesses parciais que pressionam sobre a autoridade pública para que estas demandas sejam atendidas Como o conjunto de demandas é certamente maior que as possibilidades materiais de intervenção o conjunto de intermediários engajase em negociações que permitam um consenso sobre a divisão da ação pública para o atendimento parcial de um subconjunto de todas as demandas formuladas Numa sofisticação desse modelo se os intermediários não bastam a autoridade pública pode recorrer a meios diretos de sondagem das demandas de cidadãos pesquisas de mercado estudos qualitativos etc Em qualquer caso as necessidades sobem e a autoridade pública está à sua escuta MÉNY THOENIG 1992 p 111 Uma apresentação bastante sugestiva desta visão é dada pela figura a seguir Esta primeira visão é sem dúvida relevante e significativamente próxima à ideia de que se faz do funcionamento de uma democracia conseguindo mostrar a grande massa de interações e pressões entre grupos que movem a política No entanto peca por uma ingenuidade fundamental pressupõe que o sistema político em geral tanto intermediários quanto autoridades públicas não tem projetos ou interesses próprios aplicase tão somente em captar demandas transmitilas e respondêlas diretamente A democracia assim seria absolutamente consensual e transparente Também não leva em conta mesmo admitindose todos os seus pressupostos a possibilidade de deficiências de transmissão da informação a população sente uma necessidade A que a autoridade pública interpreta como um problema de tipo B ao que dará uma solução que seria conveniente em uma situação C também distinta de cada uma das anteriores Visão da ascensão democrática representativa AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO INTERMEDIÁRIOS POPULAÇÃO AS NECESSIDADES CONDICIONAM A OFERTA REPRESENTAÇÃO CONSENSO EXPRESSO Em sentido diametralmente oposto impulsionada pelos movimentos de reforma do Estado reinvenção do governo Estado modesto e modas similares surge a visão da tirania da oferta Seriam sob este ponto de vista as autoridades públicas que modelariam as necessidades 48 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS a oferta governamental de bens e serviços públicos estrutura e condiciona as necessidades de ação pública que a população sente O cidadão assim quer aquilo que lhe é dado e não quer aquilo que lhe é negado Isto pode passar porque os administrados podem ser persuadidos pelos agentes políticos em sua interpretação do que são aspirações legítimas confundindo as suas aspirações com os bens e serviços que os dirigentes públicos podem oferecerlhes Podem também ser diretamente manipulados ou enganados pelos governantes em particular mediante o uso intenso e inescrupuloso dos meios de comunicação passando a acreditar irrestritamente nas informações e juízos de valor que transmitam as autoridades acerca dos problemas públicos e das questões que não o sejam Nesta visão não existem intermediários sendo os agentes distribuídos entre aqueles com poder político em função da inserção como autoridades e aqueles a quem a ação pública se dirige Em uma quase inversão na prática do diagrama anterior poderíamos representar graficamente esta perspectiva observe a seguir Visão da tirania da oferta AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO POPULAÇÃO A OFERTA CONDICIONA AS NECESSIDADES Ainda que se choque com a visão mais disseminada do sistema democrático alguns traços desta visão são bastante claros para nós brasileiros A história brasileira registra de forma marcante a formação de uma modalidade de clientelismo com fortíssimo impacto sobre a estrutura política e presença ainda muito forte nas relações entre o Estado nacional e a sociedade56 As relações políticas do tipo clientelista são um tipo de relação social marcada pela vinculação pessoal de lealdades e troca de favores entre lideranças locais e um conjunto de pessoas subordinadas clientes57 no qual estes líderes tendo acesso a recursos externos de poder mediante uso de verbas públicas e influência sobre os poderes governamentais entabulam com os clientes relações de troca de favores concedidos a partir desses recursos de poder dinheiro facilidades nos benefícios públicos por prestações pessoais dos clientes dentro das instituições de democracia formal principalmente através do direcionamento do voto Ora a característica essencial da relação clientelística é a 56 Já tornouse um clássico o termo coronelismo para descrever as características específicas desse tipo de clientelismo no Brasil rural a partir da obra clássica de Leal 1975 desdobrandose em várias outras formas decorrentes da urbanização e industrialização tardia As referências ao clientelismo no Brasil nesta seção estão baseadas em Nunes 1999 pp 2629 57 Naturalmente o termo clientes aqui tem um significado específico denotando aqueles que se relacionam de forma subordinada a determinada liderança patron na troca específica do clientelismo 49 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III desigualdade os termos de troca são fixados essencialmente pelo líder dos quais dependem os clientes Sendo os líderes coronéis da política latifundiários prefeitos de pequenas cidades pauperizadas chefes de máquinas sindicais e toda uma coleção de agentes típicos da sociologia política nacional os interlocutores em nome do Estado frente aos cidadãos58 a provisão de bens e serviços públicos mediada pelo clientelismo termina por apresentar um forte componente de tirania da oferta Outra percepção bastante sutil é denominada a ilusão natalista Dizer que uma Política Pública nasce requer cuidados especiais uma ação pública não surge necessariamente do vazio por simples efeito de ofertas e demandas do governo e dos cidadãos São possíveis outros cenários Uma ação pública pode nascer porque uma Política Pública já existente durante sua execução ou mesmo já terminada levanta dificuldades encontra obstáculos modifica situações que levam o poder público a intervir sobre outro aspecto de outra forma sobre efeitos comuns ou compartilhados As Políticas Públicas em grande medida alimentamse entre si em grande medida Uma política de incentivos fiscais ou doação de terrenos para industrialização por exemplo tem quase certamente reflexos na política ambiental devendo gerar a necessidade seja de uma intensificação simultânea nos controles de licenciamento com efeitos cruzados e à vezes opostos entre elas seja de posterior intervenção corretiva para recuperação de áreas degradadas A visão dos efeitos cruzados entre políticas matizando e qualificando a noção de nascimento de uma Política Pública gera uma representação visual mais simplificada Visão da ilusão natalista POLÍTICA PÚBLICA A POLÍTICA PÚBLICA B POLÍTICA PÚBLICA C TEMPO 58 O patron é o ator que tem contato com o mundo exterior e tem comando sobre recursos políticos externos O patron tem recursos internos e externos à comunidade dos quais dependem os clientes NUNES 1999 p 27 50 CAPÍTULO 3 Agenda Conceito Todas as visões apresentadas anteriormente são possíveis são sugestões válidas Cabe ao analista de cada política identificar qual ou quais dos processos acima apresentados terá ocorrido na circunstância concreta que está examinando Para isso alguns instrumentos conceituais são muito úteis O primeiro conceito é o de agenda Pode ser abordada inicialmente como o conjunto dos problemas que provocam um debate público incluindo a intervenção ativa das autoridades públicas Repare uma agenda não é um programa eleitoral este é uma lista de problemas propostos ao debate público organizados por uma facção ou segmento político como forma de chamar a atenção de um público eleitoral parlamentar para os temas de seu interesse Nem mesmo é um programa administrativo governamental este é um instrumento de ordenação interna de problemas ou questões elaborado por uma autoridade pública para seu próprio uso Portanto a agenda não é unilateral seu conjunto de problemas é aquele que atrai a controvérsia pública dependendo portanto de múltiplos atores governo parlamento mídia partidos organizações privadas Os assuntos que compõem a agenda que variam com o tempo são os que exigem a intervenção da autoridade pública o que significa também que nem todos os problemas podem estar contidos ao mesmo tempo na agenda da mesma esfera de poder Ao contrário colocar na agenda um determinado assunto aparece como um momentochave na sociedade política É útil a distinção entre Agenda Institucional e Agenda Conjuntural ou Sistêmica A primeira reúne os problemas que dependem fundamentalmente e por consenso de uma autoridade pública podemos fazer uma analogia com o conceito jurídicoadministrativo de competência de uma determinada autoridade São aqueles problemas ou assuntos que de modo mais ou menos pacífico são atribuídos auma determinada autoridade A Constituição de um Estado nacional ou as leis que criam e definem uma entidade administrativa contém uma enumeração bastante precisa dos problemas que tais entes devem enfrentar com frequência definindo até a forma em que tais problemas devam ser suscitados debatidos e enfrentados O exemplo clássico é o orçamento de um governo é periódico na quase totalidade dos casos anual automático em grande medida padronizado ano após ano Nesta agenda poucas surpresas ou variações existem na forma com que os problemas são trazidos à controvérsia Já a agenda conjuntural ou sistêmica recolhe os problemas que não se encontram na competência costumeira ou formalizada da autoridade pública mas que em uma determinada conjuntura social suscitam um interesse ou uma controvérsia tais que fazem com que a intervenção pública seja demandada O exemplo mais tradicional deste tipo de agenda são os problemas relativos ao direito à vida controle da natalidade reprodução assistida interrupção da gravidez Em princípio restritos 51 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III à vida privada a evolução social trouxe consigo mudanças tão grandes e tão polêmicas que tais temas foram trazidos ao primeiro plano da discussão exigindose do poder público que se posicione ou intervenha de maneira extensa para abordálos e regulálos O aparecimento dos problemas nesse tipo de agenda assim é muito mais imprevisível dependendo mais da ação de grupos sociais externos ao Estado e obedecendo a caminhos muito mais variados Em que pese as diferenças há uma estrutura comum em todos os tipos mencionados de agenda que representam da mesma forma que as visões de surgimento de problemas que vimos acima tipos ideais frequentemente mesclandose de forma tão intensa que a fronteira entre ambas perde nitidez O que definitivamente caracteriza e individualiza a agenda é o grau de consenso ou ao contrário de conflito que o problema considerado suscita Evidentemente nenhum assunto na agenda consegue reunir consenso total ou unânime nem gerar conflito total ou irredutível o grau de consenso conflito de um assunto está inserido num continuum que vai de menor a maior conflitividade Verificado um determinado grau de controvérsia acerca de um assunto verificase a oportunidade para que a autoridade pública intervenha ou não na questão Quando dizemos conflito tratase do clássico confronto de interesses materiais ou de privilégios sociais ou de influência política no entanto também existe o conflito de natureza normativa ou cognitiva Este último representa diferenças entre as representações dos fenômenos o sentido e o significado que se dá aos dados brutos aos fatos variando entre grupos e ao longo do tempo O exemplo clássico de conflito cognitivo na formação de agenda é o do sentido dado às estatísticas sobre desemprego quando é que o número de desempregados é considerado insustentável e exige uma intervenção pública A taxa de desocupação estimada pelo IBGE para o Brasil em janeiro de 2007 era de 93 59 o que não pareceu suscitar qualquer grande controvérsia Por outro lado uma taxa desta natureza chegaria a provocar escândalo em países como Irlanda desemprego em 44 para o mesmo período Coreia do Sul 32 Japão 40 ou Holanda 3660 Os limites da tolerabilidade de uma situação ou o grau de conflito que suscita são uma construção social cujo sentido varia segundo cada conjuntura histórica de cada país Personagens da agenda Diante um conflito como os que compõem a agenda de uma determinada autoridade ninguém é igual aos demais Essa afirmação poderia parecer uma banalidade no entanto é relevante ao nosso estudo atentar para uma dimensão especial dessa desigualdade a capacidade de mobilização perante cada um dos problemas61 Neste sentido existem dois tipos de personagens na formação das agendas Os atores propriamente ditos são os que se mobilizam social e politicamente fazendo uso de todos os recursos políticos em geral partidos associações de 59 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Pesquisa Mensal de EmpregoQuadro sintético disponível em http wwwibgegovbrhomeestatisticaindicadorestrabalhoerendimentopmenovaquadrosintetico012007pdf acesso em 11032007 60 Para todos os países dados da OCDE OECD Statistics Standardized Unnemployment Rates disponível em httpstats oecdorgWBOSDefaultaspxQueryName251QueryTypeView acesso em 11032007 De fato a média dos países da OCDE alcança tão somente 58 como taxa de desemprego 61 Esta diferenciação foi introduzida por Cobb R Elder CD Participation in American politics the dyamics of agendabuilding Boston Allymand Bacon 1972 apud MÉNY THOENIG 1992 p 126 52 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS interesse em cada tema movimentos sociais organizados agem como atores em relação às questões de seu interesse A fixação do saláriomínimo no Brasil por exemplo mobiliza diretamente como atores o governo as organizações associativas de nível nacional dos assalariados e dos empresários e outros com interesse direto como outros tipos de empregadores como Estados e Municípios Dentro desse grupo é possível ainda fazer uma distinção entre atores de identificação aqueles que são os mais ativos e promovem diretamente a discussão e as reivindicações sobre o tema atores de atenção aqueles que com menor grau de interesse e atividade apenas observam atentamente o desenrolar da discussão para intervir apenas em situações específicas em que um seu interesse pontual possa ser afetado Os atores públicos aqueles que por diversas razões não apresentam mobilização capaz de influenciar diretamente o desenvolver da discussão um determinado público não é um agregado indistinto de pessoas são aqueles que são afetados pelo assunto em discussão mas não apresentam capacidade de intervenção imediata no entanto podem ter reflexos mediatos ou indiretos por exemplo a capacidade de mobilização imediata do conjunto de aposentados é pequena mas uma política previdenciária que não leve em consideração esse público numeroso certamente terá reflexos eleitorais num futuro um pouco mais longo Este esforço de diferenciação dos envolvidos ainda que apresente naturais insuficiências permite romper com a divisão tradicional entre políticos os que fazem política profissionalmente e público todos os demais que apenas emitem opiniões há muito mais envolvidos em uma Política Pública que apenas os políticos profissionais Insistiremos nessa multiplicidade de personagens por meio de um estudo mais extenso de um caso que aparentemente representaria uma política de alto conteúdo técnico e pequena diversificação de agentes a política de telecomunicações na década 19902000 na Espanha período no qual aquele país saiu de um regime de monopólio estatal para um sistema de concessões privadas completamente alinhado aos padrões liberalizantes e uniformes da União Europeia62 Em conjunto durante a primeira metade dos anos 1990 o setor das telecomunicações na Espanha produziu políticas originais de caráter regulatório e ao mesmo tempo gerou a incorporação aos cenários do setor de uma multidão de novos atores interessados em participar de algum modo na discussão sobre as novas opções políticas e empresariais que se abrem A rapidez da liberalização assim como a intensidade de um certo protecionismo efetivo foram os dois eixos que tentativamente articularam as posições dos atores no setor ainda que em um contexto fluido com contínuos reposicionamentos dadas as sucessivas mudanças normativas as novas possibilidades tecnológicas e o próprio aprendizado dos 62 Compañía Telefónica de España o antigo operador monopolista estatal que privatizado nos anos 1990 assumiu a dianteira no novo perfil empresarial do setor de telecomunicações terminando a década como controlador de inúmeras concessionárias privatizadas de telecomunicações na América Latina inclusive no Brasil 53 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III atores que se iam introduzindo no setor Empresas de serviços transportes elétricas etc bancos associações de profissionais grupos de comunicação multinacionais associações empresariais Administrações locais e regionais etc configuram boa parte desses atore que pugnam por estar presentes no setor ao mesmo tempo em que desenvolvem rápidos processos de aprendizado e de reformulação de interesses e identidades Este processo de entrada constante de novos atores gerou as consequentes tensões de reconhecimento e aceitação por parte dos atores tradicionais já instalados nos âmbitoschave do setor Neste sentido a existência do Conselho Assessor das Telecomunicações constituiu um dos canais de reconhecimento ainda que não o único dos novos atores que desejavam participar no setor A função deste órgão consultivo do governo indica uma interessante pista sobre a natureza dominante do Estado no setor onde os atores comparecem para conseguir informação contatos e introduzir seus pontos de vista diante tomadores de decisão que com suas próprias tensões internas têm capacidade suficiente para seguir seu rumo sem realizar negociações reais com essa variedade de novos atores O papel das associações de usuários também foi bastante destacado As associações de consumidores tiveram escassa presença e só intervieram muito pontualmente em temas relacionados com os aumentos de tarifas telefônicas mas os usuários empresariais constituíramse em um elemento muito destacado na ativação do setor Constituída já deste 1987 por representantes de grandes empresas industriais e de serviços a Associação de Usuários de Telecomunicações AUTEL configurou se ao longo desses anos como uma ativa organização que articulava posições liberalizadoras em linha com a política comunitária da Comunidade Europeia e tinha como objetivo conseguir melhores serviços e custos mais reduzidos nas comunicações de suas empresas O perfil das políticas industriais relacionadas com as novas tecnologias foi bastante baixo nos últimos anos apesar de alguma insistência entre os empresários do setor CASTELLS 1995 No entanto no início dos anos 1990 voltaram a crescer as exportações devido à utilização da Espanha como plataforma de produção para a exportação por parte de várias importantes multinacionais devido ao efeito que implicavam as atividades da Telefónica9 na América Latina Conscientes da dureza da competição industrial e da existência de sofisticados mecanismos de proteção dissimulados e de pouca visibilidade a indústria produtiva implantada na Espanha tentou evitar o dilema nacionalmultinacional Assinalando precisamente a inexistência de uma política efetiva nos primeiros anos noventa os empresários de equipamentos de telecomunicações pediram insistentemente nos últimos anos ma política industrial articulada em torno da maximização do valor agregado nacional entendido em seu sentido mais amplo contribuição ao emprego à balança de pagamentos via exportações à inovação tecnológica por meio de investimentos em PD CANALEJO 1994 p 56 e criticaram as políticas macroeconômicas orientadas a reduzir custos de fatores como os salários enquanto abandonavam as 54 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS intervenções de caráter microeconômico que podem influir na demanda industrial e na geração de habilidades tecnológicas GOMÀ SUBIRATS 1998 pp 287289 Naturalmente cada incorporação de um novo tema à agenda tem uma distribuição específica de atores e públicos e são numerosos os exemplos que mostram os profissionais da política totalmente ultrapassados no protagonismo como atores pelas organizações ou movimentos sociais organizados O exemplo mais recente e mais dramático dessa situação extrema é próximo ao Brasil a violenta crise social com raízes na política econômica que afetou a sociedade argentina nos últimos meses de 2001 Neste momento histórico o processo de introdução de temas à atenção institucional e de defesa de posições sobre problemas públicos tais como o desemprego e o tratamento de poupanças no âmbito do sistema financeiro desbordaram o procedimento institucional habitual sendo pressionados diretamente pela ação de grupos organizados de fora do sistema político A desvalorização cambial e a pesificação63 da economia levou a classe média horrorizada porque perdia suas poupanças em dólares a reunirse de forma inédita em assembleias de vizinhança e para mobilizarse contra os bancos Destroçaram as fachadas os caixas automáticos e atacaram as residências de numerosos políticos a quem culpavam de todos os males do país Durante os primeiros meses de 2002 milhares de cidadãos em sua maioria de classe média autoconvocaramse em praças de bairro e começaram a debater a partir da palavra de ordem Que se vão todos A assembleia foi adotada como forma de discussão direta para resolver todos os problemas e como oposição aos partidos políticos tradicionais SILLETA 2005 p 93 Esta intolerância generalizada da sociedade com seus dirigentes foi a antessala da crise institucional política e de representatividade que sobreveio depois da queda de De la Rúa e que esvaziava permanentemente de legitimidade qualquer decisão que se tomasse desde o ponto mais alto do sistema político Assembleias de vizinhança autoconstituídas e o famoso grito que se vão todos faziam titubear por alguns momentos a democracia argentina tal como era conhecida até então e aumentavam as possibilidades de uma escalada de violência social que pudesse terminar em períodos de anarquia no melhor dos casos ou de manu militari no pior DÍEZ 2003 p 65 Qual será então o percurso de um problema em mãos dos atores e públicos a ele vinculados até receber seu lugar na agenda Nascimento dos problemas As necessidades de ação pública sejam fáceis ou difíceis de enunciar em cada caso evidentemente existem e vêm de várias fontes tornando extremamente desafiadora a tarefa da autoridade pública a identificálas Vejamos de forma gráfica algumas das possíveis origens de necessidades de ação 63 Pesificação foi o nome atribuído ao processo de conversão dos ativos e passivos financeiros denominados em dólares no sistema financeiro argentino para outros ativos e passivos denominados em pesos inconversíveis levada a efeito com o colapso da paridade cambial fixa naquele país em dezembro de 2001 e janeiro de 2002 55 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III pública que se manifestam desde dentro e desde fora da instituição governamental em algumas delas esta localização chega a ser imprecisa COMPROMISSOS CONTIDOS NOS PROGRAMAS ELEITORAIS PARLAMENTARES E COMISSSÕES DO PODER LEGISLATIVO AVANÇOS TECNOLÓGICOS EX A DISSEMINAÇÃO DA INTERNET E AS OPORTUNIDADES DE OFERECER SERVIÇOS ONLINE DECISÕES JUDICIAIS EX IMPONDO UMA DETERMINADA PRESTAÇÃO ESTATAL MANIFESTAÇÕES E LOBBY DE GRUPOS ORGANIZADOS EX ASSOCIAÇÕES DE DEFESA AMBIENTAL SINDICATOS MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS DE CIDADÃOS DIRETAMENTE AO GOVERNO AOS PARLAMENTARES OU VEICULADAS PELA MÍDIA ORGANISMOS INTERNACIONAIS EX AS REGRAS FIXADAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL IDEIAS OU PROJETOS PRÓPRIOS DAS AUTORIDADES TRANSFERÊNCIAS DE COMPETÊNCIAS EX A DESCENTRALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR UMA DETERMINADA ÁREA DE POLÍTICA A UM GOVERNO LOCAL EFEITOS CRUZADOS DE OUTRAS POLÍTICAS EX CONSTRUÇÃO DE SANEAMENTO URBANO REDUZ INCIDÊNCIA DE PROBLEMAS DE SAÚDE ANÁLISE DE TENDÊNCIAS DE RECEITAS E DESPESAS EX ELEVAÇÕES CONTÍNUAS DE CUSTOS REVISÃO POR NÃO SEREM SUSTENTÁVEIS TRATADOS INTERNACIONAIS EX POLÍTICAS AMBIENTAIS EM FUNÇÃO DO PROTOCOLO DE KIOTO Surgidas de Fora da Instituição Governamental Surgidas de Dentro da Instituição Governamental POSSÍVEIS ORIGENS DA NECESSIDADE DE UMA POLÍTICA REVISÕES OU AVALIAÇÕES DAS POLÍTICAS PREEXISTENTES EVENTOS EXTERNOS EX UMA CRISE FINANCEIRA MUNDIAL OU UMA EPIDEMIA Fonte adaptado de NAO 2001 p 39 No entanto venham de onde vierem os fatos objetivos que lhe derem origem a existência como tal de um problema social no sentido que vimos utilizando ou seja um problema reconhecido como tal dentro da sociedade que legitime a intervenção pública aos olhos de segmentos relevantes dessa sociedade procede de duas fontes possíveis as carências objetivas dessa sociedade sobretudo a decisão subjetiva daqueles que em nome da sociedade classificam um certo fenômeno como problema social 56 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Fica evidente portanto que as necessidades nesse âmbito não se definem nem se enunciam com clareza Para uma empresa privada uma necessidade social é tudo aquilo que a empresa pode produzir em bens e serviços e vender no mercado com lucro Um serviço público não tem essa facilidade de definição Muitos substitutos podem ser tentados a definição expressa ou formal por parte de terceiros uma lei específica ou padrões técnicos que substituam o consumidor a partir de um ponto de vista estritamente normativo o caso mais típico é o dos serviços cuja provisão ou disponibilidade seja expressa e claramente determinada por uma lei a necessidade expressa por atos concretos daqueles que seriam os potenciais destinatários dos serviços em um exemplo tristemente comum quando a população de um bairro periférico paga os serviços de transporte clandestino ou irregular expressa por meio de um ato de consumo a necessidade de uma prestação regular do serviço público de transporte a necessidade como tal enunciada pela população mediante manifestações de toda natureza abaixoassinados manifestações de rua pedidos individuais às autoridades situação que muitas vezes gera uma enunciação imprecisa e traz a necessidade de que especialistas intermediários políticos ou as autoridades responsáveis interpretem o desejo latente por detrás da manifestação quanto a este tipo de percepção é preciso extremo cuidado os consumidores ou o público em geral falam pouco por sua vez muitos atores sociais pressurosos vêm falar em seu nome intermediários políticos líderes de grupos organizados e a própria autoridade pública envolvida a necessidade comparativa que emerge do esforço de comparação entre duas ou mais situações sociais ou geográficas em termos de serviços prestados Sintetizando este ponto por meio da definição ilustrativa de Parsons 2001 p 87 existem assuntos issues que podem ou não transformarse em problemas problems a existência de pessoas dormindo nas ruas é um assunto um dado social que em determinadas circunstâncias pode ser considerada um problema de desamparo social a clamar pelo acolhimento dessas pessoas Podese inclusive chegar a um alto grau de consenso sobre o assunto existem pessoas dormindo nas ruas sem que isso implique concordância sobre qual é exatamente o problema neste exemplo falta de oportunidades econômicas versus falta de responsabilidade dos próprios envolvidos É bastante ingênua portanto a hipótese de que os fatos falam por si mesmos ao contrário são atores e públicos que falam em nome dos fatos Neste sentido a inserção de um problema social na agenda é também uma construção cultural um fato que obedece a uma estrutura cognitiva e moral na medida em que representa a consolidação em segmentos significativos de crenças sobre as situações e os acontecimentos que serão vistos como problemas Esta dimensão cognitiva do conflito tem várias faces 57 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO PROBLEMA ESTE FATO SOCIAL É REALMENTE UM PROBLEMA E REQUER MUDANÇAS AS CAUSAS O ACONTECIMENTO A É A CAUSA DO ACONTECIMENTO B AS RESPOSTAS QUE FAZER DIANTE DO PROBLEMA AS RESPONSABILIDADES QUEM DEVE AGIR EM RESPOSTA AO PROBLEMA Um problema público assim é socialmente assumido tal ou qual segmento da sociedade se responsabiliza por ele na medida em que põe recursos para promover a intervenção pública sobre ele para exigir ao poder público que faça algo a respeito A formulação do problema pode afetar tanto os interesses diretos desses segmentos quanto em alguns casos mobilizar posições de princípios e valores o exemplo já mencionado das discussões sobre direitos reprodutivos é talvez o caso mais típico dessa dupla mobilização Mény Thoenig 1992 p 120 mencionam um caso sui generis da realidade americana mas que deixa a questão bastante clara Gusfield toma como exemplo a este respeito o problema da homossexualidade nos Estados Unidos Os psiquiatras foram seus proprietários ou seja a autoridade a que recorriam os outros grupos para obter uma definição e soluções com o que a homossexualidade se viu psiquiatrizada como problema público Pode ocorrer não obstante que um grupo perca seu estatuto de propriedade a favor de outras instituições ou meios O problema público tem todas as possibilidades de verse redefinido em sua estrutura cognitiva e moral Desta maneira a homossexualidade se converteu em uma iniciativa cívica em mãos de grupos que lutavam pela igualdade de direitos para as minorias Ou seja um mesmo fato social é entendido em momentos históricos distintos ora como um problema de saúde pública ora como um indicador de outro problema diferente a necessidade de ampliação do reconhecimento de direitos civis Desta forma o mesmo fato pode constar na agenda sob os mais distintos enfoques Também no mesmo tempo histórico o conflito não é estático os 58 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS atores iniciais que suscitam um determinado problema podem atrair a atenção deliberadamente ou não de outros atores e públicos na medida em que levam adiante suas estratégias Isso decorre por certo do caráter aberto ou insuscetível de definição inequívoca dos problemas dessa natureza o que fica evidente quando são comparados a problemas do mundo físico ou natural que permitem uma enunciação imensamente mais precisa64 Em outros termos os problemas de Políticas Públicas por melhor que se lhes consiga formular são sempre típicos daqueles que Matus 1989 pp 107108 denomina de problemas quase estruturados são condicionados por regras mas as regras não são inequívocas nem invariáveis nem iguais para todos já que os homens criam as regars e às vezes as mudam para solucionar os próprios problemas são problemas nos quais o homem está dentro e a partir desta posição é que o conhece e explica o sistema em que está inserido o problema tem continuidade a solução de um problema gera outros problemas conexos e a eficácia de uma solução é discutível ou relativa aos novos problemas que emergem65 Como consequência do caráter cognitivo de boa parte dos conflitos em torno da inserção de problemas na agenda boa parte dele desenrolase no terreno simbólico ou seja no universo dos valores e normas emocionalmente mobilizadoras Os empresários sabem muito bem apelar para o interesse geral do país o futuro da economia nacional e a geração de empregos quando o tema em questão é a concessão de subsídios estatais a determinado segmento empresarial Inversamente um governo desinteressado na prestação de um determinado serviço que não interessa aos seus interesses eleitorais pode justificar a supressão do mesmo com base na eficiência no uso do dinheiro do contribuinte Estas estratégias porém não devem ser desqualificadas como simples demagogia ou mera racionalização de interesses inconfessáveis Tratase de uma estratégia de formação de alianças com públicos mais amplos quanto mais se transforme o tratamento de um problema em uma visão emocional e simplificada mais amplo tende a ser o interesse que suscita na cidadania por exemplo a existência objetivamente documentada de corrupção policial e judicial por mais graves que sejam suas consequências mobiliza a oposição de muito menos pessoas que as tragédias individuais ocasionadas pela disseminação da criminalidade violenta que é uma de suas consequências Naturalmente o sucesso desse tipo de estratégia de natureza retórica dependerá da habilidade dos atores que a adotem em associar o problema a valores ou emoções que encontrem forte ressonância para os públicos que desejam influenciar Neste sentido os meios de informação e comunicação de massa desempenham um papel absolutamente essencial na associação do problema a uma dimensão emocional relevante na medida em que são a chave por excelência para o acesso a essa dimensão nos segmentos majoritários da população O convencimento pelo apelo à retórica aliás não é um desvio da esfera públicopolítica nas palavras já clássicas de Arida 2003 p 34 o próprio debate científico sobre os temas de economia e sociedade é conduzido pelo poder de aliança com os públicos relevantes Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não porque uma das teses foi falsificada mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento Controvérsias se 64 Repare que dizemos mais precisa em termos comparativos Não se deve afirmar a objetividade absoluta dos problemas das ciências naturais qualquer cientista reagiria vigorosamente a isso mas simplesmente a diferença significativa do grau de precisão descritiva que podem atingir em comparação com os problemas da vida social 65 A descrição do conceito de quaseestruturado aqui é feita de modo apenas ilustrativo com os traços principais desse conceito que é abordado em profundidade em Matus 1989 pp 107108 59 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III resolvem retoricamente ganha quem tem maior poder de convencer quem torna suas ideias mais plausíveis quem é capaz de formar consenso em torno de si Acesso à agenda De tudo o que estudamos até agora percebese que o acesso à agenda não é livre nem neutro O controle do acesso de um problema à agenda de discussão pública é um recurso político decisivo para quem o detém num parlamento determinadas posições de liderança institucional presidência ou secretarias são particularmente disputadas pois permitem selecionar os projetos e proposições que serão trazidos à consideração do colegiado parlamentar Nem é preciso lembrar do enorme poder da imprensa de colocar qualquer tema na ordem do dia do interesse popular ou ao contrário silenciar qualquer tema de suas páginas ou emissões neste sentido a mídia é indiscutivelmente o maior fator de controle de acesso à agenda pública nas sociedades ocidentais modernas Mas podemos perguntar Qualquer assunto pode virar tema da agenda governamental Quais os critérios ou condições que permitem que um determinado assunto faça parte da agenda governamental O problema deve ser responsabilidade de autoridade pública Primeiro o problema deve ser responsabilidade de alguma autoridade pública Responsabilidade aqui é entendida não no rigoroso sentido jurídico de Competência atribuições privativas do ente estatal e expressas em alguma lei mas com um maior grau de flexibilidade que permita inclusive a inclusão de temas na responsabilidade da autoridade considerada Em outras palavras a formação da agenda é também um processo social permanente de atribuição ou cassação de tarefas ou responsabilidades às diferentes autoridades públicas a formalização jurídica das atribuições de entidades não faz mais que traduzir mais ou menos adequadamente as pressões políticas Tomemos exemplos a manutenção da ordem mediante a repressão à criminalidade é inegavelmente responsabilidade e competência jurídica dos entes estatais não há dúvida a este respeito Outros temas são mais polêmicos tendo suscitado historicamente muitas controvérsias legislar em matéria de reprodução humana reprodução assistida interrupção da gravidez célulastronco gerou e ainda gera muita polêmica sobre quais são os limites entre o espaço da autonomia privada e aquele no qual deveria o Estado intervir de qualquer forma Todas as discussões sobre desregulamentação estatal na economia são de uma forma ou de outra No outro extremo dificilmente se conceberia numa democracia moderna a intervenção governamental para modificar a forma de jogo da seleção nacional de futebol por exemplo66 66 O exemplo não é casual as discussões protagonizadas por João Saldanha como técnico da seleção brasileira de futebol em 1969 em torno da escalação do time são recordadas como exemplo quase caricato da ausência de democracia no País 60 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Neste ponto é preciso cuidado com o que significa entrar na agenda temos o impulso intuitivo de associar a atenção da autoridade governamental à realização de atividades para solução concreta do problema nas crônicas políticas e biográficas são muito comuns as afirmações deste tipo Havíamos praticamente ocupado todo o espaço a que nos habilitara a lei que criara a SUDENE Surgira uma nova mentalidade na região Criarase um clima de confiança no governo Se um problema era entregue à SUDENE ninguém duvidava de que alguma solução seria encontrada67 FURTADO 1986 p 174 Mas isto não é sempre verdade a atenção e escuta governamental não significa que a autoridade pública vá agir A atenção pode desembocar em inação e por distintas razões o simples fato de prestar atenção e fazer declarações à imprensa para declarar que se ocupará do problema pode ser considerado politicamente significativo Não faltam exemplos ilustrativos Assim na campanha eleitoral de 1994 quando disputou a prefeitura do Rio pelo PFL César Maia tratou de se credenciar como o representante da direita como o candidato da lei e da ordem Apesar de segurança pública ser um tema afeito ao governo do estado e não à prefeitura ao longo da campanha Maia fez sucessivas promessas ligadas ao tema promessas que ele próprio sabia que jamais poderia cumprir por não serem da alçada de um prefeito Mas se aproveitava da ignorância de alguns e da preocupação crescente de muitos em relação à questão Depois como prefeito já que não poderia mesmo fazer nada de significativo pela segurança pública usou a única forma de que dispunha para seguir empunhando a bandeira abriu polêmica sobre o assunto BENJAMIM 1998 pp 7980 Na realidade as respostas que pode dar a autoridade pública ainda na etapa de formação de agenda são muito variadas O centroavante era esse mas o técnico era o João Saldanha O João Saldanha era o técnico quando lá no estádio do Internacional no intervalo do primeiro para o segundo tempo a imprensa conseguiu o milagre de chegar perto do Presidente o que era uma coisa impossível mas o Médici gostava de futebol e perguntou Presidente o que o senhor acha do time Está bom O senhor faria alguma convocação diferente O Presidente com certa elegância disse Eu convocaria o Dadá Aí os repórteres foram ao João Saldanha o técnico e disseram João Saldanha o Presidente terminou de dizer que se o técnico fosse ele ele convocaria o Dada E João Saldanha respondeu Fiz um trato com o Presidente eu não me meto no Ministério dele e ele não se mete na escalação do Brasil Mas logo logo demitiramno SIMON 2006 p 216 Sobre a existência do episódio há controvérsias históricas Nela eu repetia coisas que ouvira e lera desde que me entendia por gente ou seja desde a Copa de 70 João Saldanha deixara de ser técnico do escrete por se recusar a convocar o centroavante Dario xodó do generalpresidente Médici Zagalo então com apenas um éle assumira em seu lugar e convocara Dario no entanto não ousara mexer no time de feras do João Sem Medo Lembrava isso para criticar o defensivismo da seleção da qual Zagalo era o coordenador técnico Evandro apresentava outra história Saldanha caíra porque a seleção não estava rendendo bem e ainda por cima o técnico implicava com Pelé a quem considerava meio cegueta Segundo ele Médici era até favorável à permanência de Saldanha Contava isso com irrefutáveis veemência e riqueza de detalhes num retrato que não endossava a imagem do herói solitário DAPIEVE 2001 Mas o próprio fato de ocorrer a controvérsia é significativo a possibilidade de intervenção estatal nesse tema específico desperta uma tal rejeição que é considerada indicador de autoritarismo político 67 Percebase que Furtado aponta que a situação relatada é específica resultante do intenso processo histórico de construção de uma política regional que descreve 61 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Algumas são francamente negativas Pode tentar rechaçar recusar a entrada em discussão de algum problema que tenha sido trazido o debate público Pode escolher também atuar contra o problema bloqueálo desativálo transformálo em assunto de pilhéria muitas vezes a iniciativa da oposição parlamentar de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito CPIs recebe tais respostas por parte da maioria legislativa que apoia o Executivo de turno Mais indiretamente a ação governamental pode tentar atacar o problema por meio da ação direta sobre os atores envolvidos desacreditandoos buscando contornar sua intermediação e dirigirse diretamente aos públicos relevantes cultivando rivalidades entre eles buscando cooptálos por meio de vantagens diretas ou indiretas de variada natureza esta cooptação pode ser de natureza ilícita mas não necessariamente o será em todos os casos68 Todo esse leque de não respostas que tendemos a associar com o subdesenvolvimento mostrase de forma exemplar quando do surgimento de escândalos de corrupção no financiamento de partidos políticos Mostramos aqui um exemplo já historicamente depurado longe das polêmicas recentes a Espanha nos primeiros anos da década de 1990 As estratégias levadas a efeito pelos partidos políticos ante os escândalos de corrupção geral endossam empiricamente as implicações teóricas do modelo utilizado Depois da onda de escândalos dos anos 1990 foram os partidos da oposição os primeiros em propor medidas para fazer frente à corrupção no debate no Parlamento sobre o Estado da Nação de 1992 Mais que pela convicção de que estes mecanismos eram realmente necessários tais medidas foram em princípio apresentadas como parte da luta políticopartidária Ainda que como se expôs todos os partidos tinham poucos incentivos para amarrar as próprias mãos os do partido no governo eram ainda menores Para este reconhecer a necessidade de pôr em funcionamento tais medidas pressupunha aceitar sua responsabilidade nos escândalos e dar razão às críticas formuladas pela oposição Quer dizer seria aceitar ante a cidadania que sua honradez deixava muito a desejar Para evitar o custo eleitoral que isto lhe poderia ocasionar o Governo adotou uma série de estratégias voltadas a salvar sua reputação menos custosas sem dúvida que aquelas outras relacionadas com o estabelecimento de controles externos sobre sua atividade Assim a ocultação dos fatos a negação da existência de corrupção institucionalizada e a judicialização da apuração de responsabilidades serão estratégias seguidas pelo partido no governo apoiado em sua maioria absoluta no Parlamento A mudança de estratégia só se produziu dado que a partir de 1993 mas sobretudo a partir de 1994 sua credibilidade estava tão questionada e sua força parlamentar tão enfraquecida que não tinha outra saída que empreender medidas de controle da corrupção COUSINOU 2005 p 74 Mas a autoridade pode também aceitar em maior ou menor grau o problema suscitado Pode responder apenas simbolicamente recebendo os interessados e ouvindoos atentamente A simples escuta parece e é muitas vezes uma mera evasiva mas em determinadas situações dramáticas a simples interlocução respeitosa é parte indispensável da ação política legítima 68 Por exemplo a autoridade governamental pode oferecer ao líder de um movimento contestatário radical um posto no próprio governo com o fim de mobilizar sua influência nesses meios em favor do governo caso que se sucedeu recentemente na Argentina quando o governo Kirchner reduziu a forte pressão de manifestações populares já discutidas neste mesmo capítulo mediante a nomeação de um dos principais líderes desse movimento para um cargo de primeiro escalão no Ministério do Trabalho CURIA 2006 pp 185 e 219 62 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS Uma das depoentes sintetizou a natureza do ritual que inadvertidamente realizávamos Eu acredito nesse governo acredito no coronel PATRÍCIO que tem sido muito respeitador e até amigo nessas semanas em que está comandando o 3o BPM Eu acho até que podemos acreditar que a polícia vai mudar Mas para que a gente ouça o coronel Patrício ouça vocês e confie em vocês é preciso que antes a gente conte tudo o que aconteceu aqui tudo o que a gente passou todo o sofrimento desses anos Como sugeria Mandela verdade e reconciliação Os gregos na Antiguidade clássica consideravam o esquecimento a pior punição a mais grave das maldições o pior que se poderia desejar a um ser humano Aprendi no Jacarezinho que a superação da tragédia coletiva depende da celebração pública da memória individual e coletiva dos grupos vitimados pela barbárie do Estado A reconciliação será possível apenas se aprendermos a suportar a verdade Eu sabia que havia violência policial Conhecia detalhes de histórias cruéis Mas nada se compara ao contato direto com os depoimentos vivos dos que carregam a dor de perdas tão trágicas revoltantes injustas fúteis Pela força da emoção compartilham a dor e nos transportam com realismo para as cenas dos crimes SOARES 2000 p 38 Ainda aceitando parcialmente a demanda a autoridade pode invocar razões de força maior para declarar que aceita a necessidade de atuar mas algo imponderável o impede há o argumento bastante comum baseado na falta de recursos orçamentários seja esta escassez real ou não Pode ainda postergar o atendimento real da demanda fazendo uso dos expedientes já clássicos e mesmo caricatos de formar um grupo de trabalho ou uma comissão para estudar o assunto Outra solução aparentemente muito sólida mas em realidade parcial é a simples definição de um procedimento ou regra para tratar o problema sem nenhum compromisso com o conteúdo desse tratamento também é clássico e quase caricato o remédio de criar um organismo governamental especializado para resolver um determinado problema organismo este que necessita não só da criação formal mas também de providências posteriores legislação específica recursos orçamentários formação de pessoal etc Também parcial é tratar uma pequena parte do problema que tenha um valor simbólico mas sem atacar verdadeiramente o fundo do problema distribuir ajuda ocasional aos desempregados em momentos de maior agitação social em lugar de enfrentar as causas do desemprego Por fim o agente governamental pode tomar em conta a totalidade da demanda ou mesmo anteciparse a ela sem esperar que se desenvolva a partir de outros agentes externos O problema deve ser percebido como insatisfatório Aparentemente tratase de condição óbvia mas que nem por isso deixa de ter consequências analíticas Se um grupo relevante de atores consome recursos para inserir um problema na agenda é evidente que em sua percepção há uma diferença entre o que é e o que deveria ser em relação 63 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III a algum fato social diferença esta de tal monta que torna a situação inaceitável para esses agentes fazendoos mobilizarse politicamente Para o nosso estudo resultará de interesse portanto identificar o grau de insatisfação dos atores e públicos em relação à situação considerada como variável importante da dinâmica da formação da agenda O problema deve ser abordável em termos de atenção pública Para que um problema conste na agenda de forma sustentável é preciso que esteja convertido de um certo modo traduzido em dimensões que coincidam com aquelas tratáveis pela autoridade pública Esta possibilidade de tratamento tem duas faces uma de natureza outra instrumental Primeiro a própria natureza de um problema pode ser insuscetível de uma intervenção direta do poder público sendo este inoperante seja de imediato seja em longo prazo O exemplo mais forte dessa natureza insuscetível está na questão das drogas ilícitas é perfeitamente coerente com a natureza da atuação estatal a repressão à oferta de entorpecentes e mesmo a repressão à demanda dos mesmos por meio da imposição de restrições à aquisição e uso dos mesmos a mais extrema das quais é a criminalização69 Por outro lado um dos fatores mais poderosos e assustadores do fenômeno das drogas é o componente subjetivo da demanda aqueles impulsos individuais que fazem nascer nos indivíduos o desejo de iniciar ou continuar o seu consumo e este componente não é inteiramente passível de intervenção estatal podese até restringir fisicamente as oportunidades do contato de um adolescente com drogas por exemplo mas dificilmente se poderá influir diretamente nas inclinações psicológicas ou emocionais que o levam a dar este passo Ainda que se deva buscar meios indiretos de influenciála de acompanhamento médico preventivo de discussão e informação esta dimensão do problema irá depender profundamente da dinâmica intrafamiliar dos traços culturais prevalecentes na comunidade em que se insere o jovem fatores sobre os quais a ação estatal é muito indireta Então os atores que sustentam a necessidade de ação pública sobre esta dimensão específica do problema das drogas defrontamse com um limite bastante fluido sobre a própria possibilidade real daquilo que sustentam70 A dimensão instrumental da possibilidade de tratamento é mais fácil de compreender a ação governamental tem um código procedimental e simbólico uma determinada linguagem É preciso ao ator interessado formular o problema que levanta nos termos da ação política e pública saber a que portas bater que autoridades têm a possibilidade legal material de intervir no assunto ou de poder converterse em intervenientes legítimos em futuro previsível como formular os pedidos linguagem conteúdo técnico para que seja inteligível e em que momento Isto explica em grande medida a força das estruturas clientelistas71 em pequenas cidades do interior pauperizadas nas quais os recursos externos a uma comunidade dos quais esta depende toda a estrutura de serviços públicos prestada por entidades externas são intermediados pelas lideranças locais que são as que detêm o knowhow para formalizar a solicitação credenciarse como gestores locais e atuar como interlocutores dos provedores externos 69 Aqui abordamos o problema do ponto de vista da possibilidade de ação estatal sobre estes aspectos do problema sem entrar em juízo de valor sobre a eficácia relativa de cada um uma vez que os objetivos do texto não abrangem a discussão de mérito sobre o tema 70 O que não impede como deixa claro o texto a proposição de tais ações públicas mas obriga os seus defensores e formuladores a trabalhar nelas tendo em conta o caráter bastante indireto e as possibilidades limitadas da intervenção governamental 71 Recorde que já apresentamos neste capítulo os traços essenciais das relações políticas clientelistas 64 CAPÍTULO 4 O papel do Estado Você poderá estarse perguntando mas se há tanta gente envolvida a ação pública tradicional não conta para nada Estudamos durante tanto tempo Gestão Pública técnicas de análise e formulação de cenários para virem nos dizer que são os atores políticos que demandam as ações do Estado Para quê serviriam os dirigentes políticos se apenas se limitassem a atender aleatoriamente às demandas que lhes chegam E para quê aperfeiçoar a instituição estatal se não influenciaria o atendimento às necessidades da população Ponderações interessantes e importantes De fato o papel do Estado como instituição e dos seus dirigentes políticos eleitos e servidores públicos profissionais é muitíssimo importante eles têm a possibilidade de tomar em mão grande parte do controle da agenda pois manejam a informação e a capacidade de mobilizar vastíssimos recursos em favor dos problemas e ações que formulem A moderna teoria política das democracias desenha um processo político formalinstitucional parecido em suas linhas gerais ao esquematizado na ascensão democrática representativa que já apresentamos neste capítulo os partidos e organizações políticas como intermediários captam as manifestações da demanda popular e traduzemnas nas respectivas ofertas eleitorais apresentando à deliberação do povo em eleições periódicas o conjunto de problemas que os candidatos propõem à agenda Vencedor na contenda eleitoral o partido governante então traz para a prática as medidas submetidas à aprovação popular72 Este processo em democracia de fato ocorre e não se levanta qualquer dúvida quanto a isso Toda a discussão deste capítulo não pretende negar esta realidade central o que é preciso é lembrar a você leitor que este não é o único processo nem o governo é o único ator O governo assim entendido como aqueles que detém a autoridade formal e o acesso aos meios da instituição estatal é um ator importantíssimo ator mas tem necessariamente de interagir com outros muitos atores sindicatos organizações empresariais imprensa apenas para nomear alguns de imensa importância e com outros muitos públicos tanto para levar adiante a sua agenda quanto para responder às agendas que lhe são trazidas por terceiros Observe esta pequena história Há um diálogo entre a prática e a teoria cujo tema é o verbo planejar A professora D Prática pede à Senhorita Teoria Normativa Conjugue o verbo planejar A Senhorita Normativa responde Eu planejo Muito bem continue dizlhe D Prática Já terminei professora responde a Senhorita Normativa MATUS 1989 p 37 Em seu combate às concepções mecanicistas de planejamento e gestão governamental que pressupõem ser o Estado ator único e onisciente Carlos Matus desenvolveu um conjunto de trabalhos essencial para todos os que interessam pela arte e ciência de governo Seu enfoque é o 72 Uma descrição simplificada e didática desse processo sob o ângulo dos partidos políticos pode ser encontrada em Nogueira 2006 pp 117119 65 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III de gestão como resolver os problemas colocados distinto do nosso foco principal mas para bem analisar como gerir o Estado Matus tem de inserir a sua atuação precisamente no ambiente de múltiplos atores que viemos de descrever Desta inserção podemos retirar conceitos extremamente úteis para aprofundar a nossa discussão sobre o papel do Estado na formação da agenda Em que medida então a realidade afastase do modelo ideal que delineamos acima Lembranos Matus 1987 p 162 que Os processos de ganhar eleições fazer planos de desenvolvimento à maneira tradicional e produzir medidas durante o governo respondem a dinâmicas de distinta natureza guiadas por distintos critérios de eficácia em contextos muito diversos e protagonizadas por agentes diferenciados Na instância eleitoral os agentes são distintos dos que atuam no momento do plano econômico de governo e da ação de governo Os critérios de eficácia as restrições e as relações de forças que pesam são também distintas O clima eleitoral e as instituições eleitorais geram motivações e práticas quase opostas às do ambiente de governo a partir do Estado ambiente este que rodeia o cálculo do plano econômico e a administração burocrática ordinária dos organismos públicos Com maior precisão o conceito de triângulo de governo evidencia a força e os limites do papel estatal em todas as etapas do ciclo de políticas MATUS 1987 p 17 O Triângulo de Governo de Matus PROJETO DE GOVERNO GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DE GOVERNO O dirigente estatal eleito traz consigo as ideias e demandas que ofertou ao eleitorado para compor a agenda inclusive com propostas concretas de solução é o seu projeto de governo que será um componente essencial no processo de formação da agenda dos problemas públicos73 Ao agir porém esse dirigente defrontase com os interesses recursos e estratégias de todos os demais atores em cada um dos itens de sua agenda e nos problemas que estes próprios atores sustentam independentemente do governo esta é em uma formulação simples a governabilidade do sistema74 Além disso o agente público encontrase limitado pelas forças e fraquezas de sua própria capacidade gerencial e pela capacidade institucional do aparato público cuja chefia assume a capacidade de governo75 73 Por projeto de governo não se entenda um único documento ou instrumento institucionalizado referese ao conjunto de decisões opções e escolhas deliberada e ativamente assumidos pela autoridade pública por iniciativa própria 74 Mais precisamente a governabilidade do sistema é uma relação entre as variáveis que um ator controla e não controla no processo de governo em relação à ação do dito ator Quanto mais variáveis decisivas controlam maior a sua liberdade de ação e maior para ele a governabilidade do sistema Quanto menos variáveis controla menor sua liberdade de ação e menor a governabilidade do sistema MATUS 1989 p 35 75 Acervo de técnicas métodos destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo para conduzir o processo social rumo a objetivos declarados dados a governabilidade do sistema e o conteúdo programático do projeto do governo A capacidade de governo se expressa em capacidade de direção de gerência e de administração e controle MATUS 1989 p 35 66 UNIDADE III MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS É nesta interação complexa que atua a autoridade pública no processo de formação da agenda Seu papel como ator na formação de sua própria agenda é veiculado por excelência em seu projeto de governo porém a eficácia da ação em uma situação concreta depende também e às vezes com força maior de outras duas variáveis a envergadura e o conteúdo do projeto de governo e a governabilidade que o sistema social apresenta e gera ante a tentativa de realizar o projeto de governo Nessa tentativa de mudar a equipe de governo está limitada por suas capacidades que serão desafiadas em medida proporcional à ambição do projeto de governo e à dificuldade para mudar expressa pela governabilidade do sistema Por sua vez a governabilidade do sistema não é indiferente Pa capacidade do governo nem à profundidade das mudanças pretendidas pelo projeto de governo As relações de força políticas e econômicas internas e externas geradas em torno da equipe de governo e de seu projeto explicam o balanço da governabilidade É um sistema triangular no qual a capacidade de governo o projeto de governo e a governabilidade influenciamse mutuamente MATUS 2000 pp 1617 Em síntese o atendimento das necessidades dos cidadãos depende e muito do acerto das ações da autoridade pública inclusive para que tais necessidades sejam corretamente identificadas e priorizadas na agenda Esta ação governamental porém não se faz no vácuo ou subjugando automaticamente todos os demais agentes sociais Pelo contrário faz parte da melhor arte de governar a interlocução lúcida com todos os demais atores e públicos no processo múltiplo de formação da agenda inclusive para maximizar a influência que sua própria dimensão e importância tem nessa definição dos problemas a enfrentar Olhando para frente e para trás Agora vamos parar um momento para associar o estudo deste capítulo com os demais Aqui tratamos individualmente dos principais aspectos da etapa de identificação dos problemas dentro do modelo referencial de ciclo de políticas apresentado anteriormente Neste particular terá ficado claro que pela sua inafastável dimensão cognitiva a inserção de um problema na agenda pressupõe uma definição prévia das formas como vai ser enunciado e discutido definição esta que influencia em grande medida a etapa posterior de formulação de soluções Nossos instrumentos e conceitos do capítulo também aqui estão em evidência a formação da agenda é o momento em que mais caracteristicamente se nota a influência da Politics sobre a policy Da mesma forma a formação de agenda é o momento em que os interesses se vão articulando em torno do assunto portanto um momento privilegiado para formular hipóteses sobre qual das policys arenas melhor enquadraria a questão envolvida Também a policy network comparece em sua dimensão analítica fica claro neste capítulo que atores e públicos são o embrião já nesta fase tão preliminar da rede de políticas que se vai formar em torno do problema envolvido 67 MODELO DE CICLO DE POLÍTICAS UNIDADE III Em contrapartida não se veem com clareza os inputs outputs e outcomes E isso ocorre por uma razão bem clara a policy que os mobiliza e gera está ainda por se formar o que reforça o caráter instrumental e aplicado dos referidos conceitos Mas e agora Os atores conseguiram formular seus problemas e colocálos sob os cuidados e o interesse ativo da autoridade governamental Encerrase aí o jogo de influências e interesses Assumida a demanda a ele colocada o quê e como atuará o agente público que por ela se responsabilize 68 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS CAPÍTULO 1 Compreensão do problema Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir É preciso contudo que as sociedades sejam o que forem se governem é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é a legislar para uma entidade cuja essência desconhece a orientar um agrupamento que segue sem dúvida uma orientação vital que se ignora derivada de leis naturais que também se ignoram e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimirlhe Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e as leis que julga sãos com que se propõe salvála ou conservála PESSOA 2006 p 41 O grande poeta Fernando Pessoa em uma faceta pouco conhecida de sua biografia era um atento observador da cena econômica de sua época tendo trabalhado como correspondente de várias casas comerciais em Lisboa A partir dessa experiência ele nos faz essa advertência em tons bastante dramáticos a ação do Estado se faz sobre uma realidade que ele sequer começa a conhecer ele ignora as relações de causaefeito que dariam a lógica a suas intervenções Desconhece enfim as leis naturais que deveriam ser seguidas por qualquer ação sobre a sociedade Podemos então perguntar sabendo os efeitos que queremos atingir tendo fixado de um modo ou de outro a agenda pública como poderemos saber o quê e como fazer Diante de tantas indeterminações e desconhecidos que processos permitem ao agente público escolher quais serão na prática as ações mais adequadas às finalidades que quer promover 69 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Vamos à leitura do texto Nele discutiremos o momento em que tendo sido atingido um determinado consenso favorável à inclusão de um problema na agenda da ação pública o agente público decide concretamente quais são as ações que virá a levar adiante Estamos agora diante da fase estritamente chamada de tomada de decisão decisionmaking que tem características que a individualizam dentro do processo de formulação de Política Pública policy formulation NOGUEIRA 2006 p 191 tanto quanto do processo mais geral de gestão de organizações Nesta fase e voltando à nossa ordenação apresentada anteriormente estamos em meio à tarefa de compreender o problema parte dessa compreensão envolve a inserção na agenda mas parte fica por fazer para depois desenvolver as soluções possíveis Introdução a decisão como um processo A tomada de decisão termina por ficar entre a formação da política e a implementação no entanto ambas estão profundamente interrelacionadas com decisões afetando a implementação e a implementação inicial afetando estágios posteriores de tomada de decisão que por sua vez afetam implementações posteriores A tomada de decisão não deve portanto ser vista como um processo passivo decisões são processos e as decisões iniciais são frequentemente apenas vagos sinais de direção ensaios iniciais ou experiências piloto para posteriores especificações e revisões76 Quando seguimos o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas do curso vemos que também existem maneiras sistematizadas de dar as respostas às questões que pela inclusão na agenda pública recebem da sociedade a legitimidade para recebêla Diante de um problema público aceito como tal é preciso primeiro estudálo para diagnosticar suas causas e efeitos e possíveis soluções Nesta fase começase por estudar e desenvolver esse leque de soluções gerando propostas de resposta ao problema que motivou a ação do ente público Tal leque pode então ser apresentado à pessoa ou colegiado que tem a autoridade legítima para falando em nome do ente público considerado converter uma solução particular em Política Pública oficialmente adotada momento em que tipicamente se pode identificar o surgimento de políticas específicas de ação isto é de ações intencionais e organizadas originárias da autoridade pública com o fim específico de responder a um problema suscitado na agenda77 Desde agora um necessário esclarecimento é claro que escolhas e decisões num sentido lato são feitas a cada momento da gestão pública Assim os atores decidem o que vão defender na agenda pública ou o agente público encarregado da aplicação de uma determinada medida decide utilizar tais ou quais recursos para atingir os objetivos que lhe são fixados Porém como bem descreve o trecho de Etzioni que abre esta seção existe um ponto do ciclo de políticas no qual as escolhas referemse às grandes linhas do objetivo a perseguir e dos meios a utilizar para solução dos problemas da agenda Ainda que mantendo fortes vinculações com as decisões posteriores que 76 Etzioni A The active society a theory of societal and political processes New York Free Press 1968 pp 203204 apud Parsons 1989 p 245 77 Mény Thoenig 1992 pp 136139 denomina estas duas grandes etapas de fase de formulação e fase de legitimação da decisão Ainda que as duas denominações tenham um sentido teórico preciso e rigoroso e descrição do processo decisório empregue em grande medida os conceitos apresentados pelos autores acima não as utilizaremos aqui por precaução a que se confundam com outros termos constantes do texto 70 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS a desdobram a decisão básica adotada nesta etapa do ciclo de política tem um papel próprio que a torna identificável e que permite abordála analiticamente Portanto nosso exame neste capítulo tem por objeto a decisão tal como descrita nos parágrafos antecedentes e não a generalidade das escolhas individualmente adotadas por qualquer agente ao longo do ciclo de políticas Naturalmente o processo é muito mais complexo no entanto mesmo esta descrição sintética já põe em relevo alguns aspectos importantes que não podem escapar à nossa atenção a decisão envolve não apenas a escolha mas a preparação das alternativas dentre as quais se escolhe um processo decisório sólido não pode prescindir do investimento no estudo do diagnóstico do problema e das alternativas a desenvolver e um bom decisor não pode sêlo se descuida desse investimento na preparação e suporte à decisão dizemos soluções no plural para enfatizar que de uma forma geral existem várias soluções distintas para um problema colocado à ação governamental cada decisão terá seus custos e benefícios tanto materiais quanto políticos e simbólicos e o processo de decidir vai além do mero tecnicismo de maximizar equações implica um juízo de valor entre várias alocações distintas de custos e benefícios entre agentes e grupos sociais Dentro deste marco é preciso reconhecer que o encadeamento das atividades do processo decisório está longe de ser linear tal como se lhe descreve para fins didáticos Durante este processo não apenas entram e saem de cena numerosos atores ministros e outros dirigentes de primeiro escalão no Executivo parlamentares interessados na política específica técnicos e gerentes das agências públicas envolvidas e até mesmo lobistas e outros agentes privados geralmente detentores de sofisticados recursos de acesso dentro mesmo do governo cada um com seus próprios recursos e papéis de intervenção dentro do estudo e eleição de alternativas A análise do problema também pode sofrer atrasos paralisações ou acelerações são bem conhecidas no Brasil as situações de impasse e imobilização de projetos de obras públicas em função da intervenção de órgãos de fiscalização ambiental ausência ou denegação de licenciamento ambiental assim como a grande e por vezes artificial velocidade que adquirem as providências decisórias em projetos e programas selecionados para comporem pacotes de medidas utilizados como vitrine política do governo de turno Sigamos então em maior detalhe o processo de decisão Formulação e análise de alternativas Mais importantes que o próprio processo de decisão são as premissas ou os passos prévios à decisão Mediante o controle dos programas prévios à decisão se condiciona o conteúdo da mesma Neste ponto o elemento crítico é que o ator que ostenta formalmente a prerrogativa decisória não é o único nem muitas vezes o mais importante que participa no processo de decisão já que divide este poder com os atores que controlam e filtram os fluxos de informação prévios e também posteriores à decisão MAS RAMIÓ 1997 p 228 71 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Inicialmente os responsáveis políticos os gabinetes os serviços e as estruturas técnicas realizam estudos para digerir o problema em questão identificar os parâmetros que o provocam mobilizar o conhecimento disponível dados brutos fatos e teorias e por fim estabelecer um diagnóstico É preciso enfatizar a importância do diagnóstico toda Política Pública tem subjacente uma teoria de mudança social Isso significa que uma relação de causa e efeito está contida nas disposições da ação pública considerada o agente público pretende causar determinada mudança na sociedade então deve mobilizar ações e recursos que aplicados à realidade social causem a mudança na direção desejada O decisor governamental comportase como um operador que aposta que ao intervir de uma determinada forma produzirá tal ou qual consequência é portador de uma representação das razões pelas quais se gerará esta consequência uma antecipação do encadeamento de acontecimentos entre suas próprias realizações e os efeitos externos Tomemos um exemplo78 diante do problema da ocorrência de trabalho infantil estabelecese um diagnóstico de suas causas principais centradas na precariedade econômica das famílias que as obrigaria a encaminhar crianças ao trabalho precoce A partir daí a análise governamental considera que a mudança no comportamento das famílias será obtida com a intervenção assistencial oferecendo renda adicional para as famílias que mantiverem crianças na escola Portanto a análise prevê que um determinado efeito a retirada das crianças do trabalho decorrerá de uma intervenção pública a concessão de pagamentos mensais a famílias com crianças em situação de trabalho Vinculação entre diagnóstico e propostas CARÊNCIA ECONÔMICA DAS FAMÍLIAS CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE TRABALHO DIAGNÓSTICO REALIZADO PELO DECISOR PÚBLICO PROPOSTA DERIVADA DO DIAGNÓSTICO CARÊNCIA ECONÔMICA DAS FAMÍLIAS CAUSALIDADE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE TRABALHO PAGAMENTO PERIÓDICO EM DINHEIRO ÀS FAMÍLIAS Perceba aí a vinculação essencial entre o diagnóstico e a solução a ser adotada a intervenção se faz sobre as causas identificadas portanto o diagnóstico dos fatores de causalidade condiciona em grande medida as ações Neste exemplo o diagnóstico circunscrito à situação da família trazendo implícito o juízo de que a penúria econômica tornaria impossível à família adotar outra estratégia de sobrevivência que não o de promover o trabalho de seus membros em idade infantil faz com que a ação de erradicação do trabalho infantil não intervenha sobre a responsabilidade civil e penal 78 Exemplo baseado em TCU 2003 especialmente pp 7071 este trabalho está disponível na biblioteca do nosso curso 72 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS dos responsáveis por tais crianças na medida em que permitem e mesmo sustentam situações socialmente condenáveis em abuso da condição de guardiães dos menores e tampouco sobre a mesma responsabilidade possivelmente maior daqueles que se beneficiam da contratação de crianças em suas atividades econômicas Desta forma limitase as intervenções públicas às causas que foram diagnosticadas o que faz com que este programa específico não tenha nenhuma medida de caráter repressivo sobre os responsáveis adultos que se beneficiam do trabalho das crianças seja empregandoas seja beneficiandose diretamente do rendimento que auferem79 A partir daí mapeado o problema e o conhecimento disponível estabelecido o diagnóstico possível à administração pública a imaginação mais ou menos criativa terá que mobilizarse para suscitar alternativas e delinear um estado desejável ao qual a política em questão deverá conduzir o problema É preciso então desenhar e desdobrar as soluções extraindolhes as consequências antecipando e descrevendo os méritos e inconvenientes de cada uma os efeitos que induzirá comparado com os efeitos buscados e a evolução estimada do problema considerado após adotada a escolha por alguma delas Neste ponto é válido considerar a não atuação como uma das alternativas ponderandose os resultados de cada uma das ações perante a alternativa de não intervir contando com a evolução espontânea dos fatores que originam o problema Aqui estamos diante idas e voltas entre a simplificação e a complexidade os diferentes aspectos das políticas objetivos soluções efeitos têm de ser compreendidos Portanto têm de ser reduzidos a modelos cognitivos modelos esses que necessária e deliberadamente reduzem a complexidade da realidade a proporções intelectualmente tratáveis No entanto tal redução não pode ser excessiva sob pena de simplificar até a caricatura os problemas sociais com reducionismos do tipo bandido bom é bandido morto ou quem fala em direitos humanos dificulta o trabalho policial para analisar os problemas de segurança pública e criminalidade80 Já neste estágio portanto a substância e o processo estão profundamente misturados nem os objetivos concretos estão definidos desde o princípio na medida em que objetivos gerais do tipo reduzir o analfabetismo ou aumentar a competitividade das empresas do país no exterior necessitam ser traduzidos ou desdobrados em objetivos concretos para que uma política ganhe forma nem os meios de ação são catalogados automaticamente de forma dedutiva Ao contrário a explicitação detalhada dos objetivos e a exploração dos meios a utilizar progridem de forma paralela por iterações sucessivas Aqui também se contrastam os valores ou as ideologias o que queremos fazer com as considerações de viabilidade e realismo o que conseguiremos fazer na prática dando a um processo que aparentemente seria de caráter exclusivamente técnico um surpreendente elemento de cálculo político Afinal as alternativas que se vai apresentar ao decisor são cálculos sociais que mesclam a viabilidade política o objetivo e a solução são admissíveis para terceiros são aceitáveis para quem deve decidir com a racionalidade técnica o objetivo e a solução são pertinentes e compatíveis entre si a solução é factível diante dos meios disponíveis ou a obter 79 Não estamos desconsiderando o fator causal da penúria nem a validade da intervenção assistencial que é inegável Salienta se aqui que o trabalho infantil não tem apenas como causa a precariedade das famílias sendo também influenciado pelos interesses de adultos tanto nas próprias famílias como na condição de empregadores nesse tipo de trabalho degradante absolutamente relevantes diante da situação de incapacidade da criança de decisão autônoma Na medida em que existam tais influências causais igualmente relevantes interesse de adultos uma política de erradicação do trabalho infantil não poderia deixar de intervir também pela via repressiva nesses interesses 80 Exemplos de reducionismos extraídos de Soares 2000 p 43 73 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Processamento das alternativas Já discutimos a importância e os reflexos do processamento formulação e análise das alternativas de decisão Mas você pode perguntar num texto que estuda a elaboração das políticas não seria necessário tratar do bom assessoramento à decisão Quais seriam os fatores que observados fazem com que o trabalho de formulação e análise de alternativas gere resultados mais ricos ou úteis A pergunta é pertinente ainda que não seja um manual do gestor de políticas nosso curso deve fornecer elementos para melhor exercer o processamento de políticas ou o que dá no mesmo neste caso critérios para avaliar a qualidade desse processamento Tomamos por base neste caso um roteiro da entidade de auditoria governamental do Reino Unido NAO 2001 que tem por finalidade exatamente sistematizar a experiência comparativa de todos os departamentos governamentais e fornecer subsídios para garantir que as Políticas Públicas gerem valor em troca dos recursos fornecidos ao Estado pelos cidadãos81 Alguns pontos devem ser observados ao se desenhar as alternativas para uma Política Pública cuja necessidade foi identificada pelo agente ou entidade pública Tais passos têm por finalidade em conjunto avaliar a natureza do problema a ser enfrentado estimar como as políticas desenhadas poderão vir a desenvolverse na prática e por fim identificar e avaliar os riscos para o sucesso dos objetivos formulados Vejamos tais orientações individualizadamente Avaliar a natureza do problema a ser enfrentado Inicialmente a política deve ser desenhada a partir de uma compreensão a mais lúcida possível do problema a ser enfrentado Para isso alguns passos devem merecer a atenção dos responsáveis pela análise das políticas Focar a análise nos componentes principais do problema Cada problema público que demanda uma política tem provavelmente uma multiplicidade de causas A eficácia da resposta depende fortemente da capacidade do formulador da política em identificar as causas mais importantes para focalizar a ação nessas causas concentrando nelas os recursos da intervenção pública isto é concentrando a intervenção naqueles aspectos que quando afetados pela política mais provavelmente ocasionem efeitos sobre o problema final Já discutimos longamente sobre esse ponto quando falamos um pouco antes sobre a importância do diagnóstico Além do caso que apresentamos erradicação do trabalho infantil o NAO exemplifica a focalização por meio do programa de combate ao analfabetismo no Reino Unido das muitas causas prováveis para esse fenômeno origem e condição social da família relações intrafamiliares número de alunos por turma ou outras condições 81 NAO 2001 especialmente pp 3748 publicação que serve de base para toda esta seção e está na biblioteca do curso 74 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS dificultadoras nas escolas falta de materiais didáticos estudos estatísticos prévios identificaram forte correlação entre menores padrões de alfabetização e baixa qualificação profissional dos professores em função disso os esforços foram concentrados no treinamento e qualificação dos professores nas habilidades específicas relacionadas à alfabetização Recolher e organizar os conhecimentos e as experiências adquiridas Muitas situações que se apresentam a um formulador de política não são novas Os entes governamentais possuem uma considerável experiência acumulada embora muitas vezes no caso brasileiro na maioria delas esta experiência não esteja sistematizada ou organizada Investir no estudo da experiência anterior é essencial para não reinventar a roda e também para não repetir erros que foram cometidos anteriormente Este ponto faz lembrar de imediato a crescente importância que vem assumindo o tema de gestão do conhecimento nas organizações organizar classificar sistematizar a informação disponível para que o acesso a ela posteriormente seja o mais eficiente possível Remetenos também à etapa final do ciclo de Políticas Públicas a avaliação é entre outros objetivos o meio por excelência de incorporar de forma consciente e ordenada a experiência passada no processo decisório do presente a ideia que há por trás da avaliação no sentido que lhe estamos imprimindo é integrar dentro de um novo esquema o melhor das estruturas das atividades e dos recursos existentes no programa modificando aquilo que já não resulta útil correto ou eficaz e aprendendo da experiência realizada NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 46 Veremos no capítulo correspondente em maior profundidade o valioso papel que assume a avaliação para subsidiar o desenvolvimento de novas alternativas de políticas O alerta aqui porém é o de que mesmo não estando já disponíveis relatos organizados da experiência anterior é sempre útil investir tempo e recursos em pesquisar situações precedentes e problemas já ocorridos O NAO descreve o grande investimento que uma empresa multinacional de tecnologia da informação faz na montagem de redes internas de comunicação entre os seus funcionários para que compartilhem sistematicamente entre si os problemas enfrentados e as soluções encontradas gerando grandes ganhos com a disseminação das inovações e a capacidade de tratamento rápido dos problemas surgidos Outro exemplo dá conta do risco de não utilizar a experiência acumulada COHEN FRANCO 1993 pp 291299 a avaliação em 1985 de um programa de nutrição escolar promovido na Argentina para todas as escolas públicas mostrou que a maior parte das crianças que compunham o públicoalvo recebiam na merenda menos calorias que o valor mínimo diário biologicamente necessário ocorrendo ao mesmo tempo uma discriminação dentro das próprias famílias na crença de que as 75 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV crianças já comiam na escola o resultado final era que os efeitos do fornecimento de alimentação sobre o rendimento escolar eram negativos ao contrário do que se esperava Portanto prosseguir ou recomeçar o programa nas condições em que era aplicado representava o risco de continuar prejudicando os supostos beneficiários do esforço da Política Pública Consultar os interessados Aqueles diretamente afetados pelas circunstâncias que fazem necessária a política junto com aqueles que sofrerão impactos significativos do tratamento da questão geralmente têm o conhecimento mais amplo e lúcido do assunto São também conhecidos pelo como stakeholders aqueles que detém interesses relevantes stakes no tema em questão Naturalmente as manifestações dos stakeholders têm na maioria das vezes um certo viés em função dos interesses particulares que cada um tem no resultado da política no entanto uma compreensão clara do assunto a ser tratado na pode dispensar a consulta dos interessados com maior envolvimento no assunto por exemplo o públicoalvo ou aqueles que terão interesses contrariados em função de algumas alternativas escolhidas quer seja mediante interlocução direta entrevistas em profundidade grupos focais quer seja por meio de pesquisas de opinião dirigidas a um universo mais numeroso de interessados Em um trabalho bastante prático disponibilizado aos seus auditores e ao público em geral o Tribunal de Contas da União aponta as várias vantagens da consulta aos interessados A análise stakeholder pode ser utilizada para identificar pessoas ou grupos de pessoas interessados na melhoria do desempenho de suas instituições e obter seu apoio para introduzir mudanças identificar conflito de interesses entre as partes envolvidas possibilitando dessa forma diminuir os riscos envolvidos no desenvolvimento de um programaprojeto obter grande quantidade de informações sobre um determinado programaprojeto desenvolver estratégias que permitam implementar efetivamente a melhoria do desempenho82 Já desenvolvemos anteriormente várias considerações sobre o papel dos stakeholders na transmissão de informação e na pressão política por soluções que atendam aos seus interesses retorna agora o tema como componente indispensável da própria análise técnica feita para o suporte à decisão A consulta aos interessados portanto está longe de ser um simples tráfico de influências ao contrário introduzila abertamente como uma etapa da análise documentando e registrando as consultas de forma transparente termina por ser uma força poderosa para minimizar a assimetria de poder que uns interessados têm frente a outros para fazer chegar a sua posição ao decisor se parte da própria instituição pública a consulta a todos os potenciais interessados e a publicidade de seus 82 TCU 2001 p 8 A publicação indicada é um guia bastante prático para operacionalizar a consulta aos interessados em um determinado programa de governo e analisar seus resultados Pode ser encontrada também na página Internet do Tribunal de Contas da União wwwtcugovbr 76 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS resultados tornase mais difícil para alguns deles extraírem vantagens de um acesso privilegiado para transmitir informação e buscar a persuasão em defesa de seus interesses particulares É importante considerar para isso os meios de interlocução uma entidade empresarial de âmbito nacional por exemplo está perfeitamente equipada para responder com fluência consultas feitas por um ofício de um órgão público produzindo análises e argumentos extensos em defesa de suas posições mas a escuta de populações de rua potenciais beneficiários de um programa de assistência social para saber a sua visão ou posicionamento sobre alguma medida de remoção que se pretenda adotar depende de um contato pessoal verbal e direto com alguns de seus componentes que pela sua própria condição não têm representação organizada nem capacidade de diálogo formal Algumas objeções a esta ampla consulta são levantadas em função da possibilidade de que ao circular informação sobre medidas ainda em gestação que podem ou não concretizarse o agente público estaria levantando expectativas que poderiam gerar frustrações mais tarde caso não se confirmem as medidas discutidas com os interessados ou sejam de natureza distinta Este risco é de certa forma inevitável ainda que se deva tentar mitigálo por meio da transparência do conteúdo e da natureza das consultas e os benefícios da abertura aos interessados certamente superam tais riscos O NAO relata o esforço que administrações locais britânicas em promover rodadas periódicas de consulta entrevistas em grupos e pesquisas quantitativas de opinião daí resultando por exemplo a identificação de que os moradores de uma determinada cidade desejavam que a limpeza completa das ruas fosse feita com periodicidade maior do que a habitual o que permitiu o direcionamento de maiores recursos para prioridades escolhidas pelos próprios cidadãos Levanta também o caso crítico da doença da vaca louca epizootia da Encefalopatia Bovina Espongiforme que estalou na GrãBretanha em meados de 1996 Segundo investigação oficial do governo inglês o Ministério da Agricultura buscou intensamente desenvolver medidas que minimizassem o risco de transmissão da doença a seres humanos risco este que todos os estudos até então disponíveis não sustentavam No entanto ao não comunicar ao público e aos mais diretamente interessados inclusive os agricultores e agentes sanitários responsáveis pelas medidas de defesa animal a possibilidade de existência desse risco o governo terminou por gerar uma sensação generalizada de dissimulação e mesmo traição quando anunciou em março de 1996 a suspeita de transmissão da doença a seres humanos Já o TCU ao analisar os stakeholders em relação às políticas de construção naval no Brasil identificou que os interesses do maior agente financiador BNDES na redução do risco de recebimento dos empréstimos fazem com que determinados objetivos do financiamento público disseminação geográfica de empreendimentos navais de menor porte e rentabilidade projetada menor sejam menos prováveis de se atingir mediante os instrumentos até então utilizados fundos públicos de financiamento ainda que os recursos globais aplicados fossem mantidos ou aumentados TCU 2001 p 14 O NAO relata o esforço que administrações locais britânicas em promover rodadas periódicas de consulta entrevistas em grupos e pesquisas quantitativas 77 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV de opinião daí resultando por exemplo a identificação de que os moradores de uma determinada cidade desejavam que a limpeza completa das ruas fosse feita com periodicidade maior do que a habitual o que permitiu o direcionamento de maiores recursos para prioridades escolhidas pelos próprios cidadãos Levanta também o caso crítico da doença da vaca louca epizootia da Encefalopatia Bovina Espongiforme que estalou na GrãBretanha em meados de 1996 Segundo investigação oficial do governo inglês o Ministério da Agricultura buscou intensamente desenvolver medidas que minimizassem o risco de transmissão da doença a seres humanos risco este que todos os estudos até então disponíveis não sustentavam No entanto ao não comunicar ao público e aos mais diretamente interessados inclusive os agricultores e agentes sanitários responsáveis pelas medidas de defesa animal a possibilidade de existência desse risco o governo terminou por gerar uma sensação generalizada de dissimulação e mesmo traição quando anunciou em março de 1996 a suspeita de transmissão da doença a seres humanos Já o TCU ao analisar os stakeholders em relação às políticas de construção naval no Brasil identificou que os interesses do maior agente financiador BNDES na redução do risco de recebimento dos empréstimos fazem com que determinados objetivos do financiamento público disseminação geográfica de empreendimentos navais de menor porte e rentabilidade projetada menor sejam menos prováveis de se atingir mediante os instrumentos até então utilizados fundos públicos de financiamento ainda que os recursos globais aplicados fossem mantidos ou aumentados TCU 2001 p 14 Compreender as necessidades e as características do públicoalvo Consequência inexorável das observações feitas até agora o conhecimento do públicoalvo é indispensável para o sucesso de uma determinada política Os seus beneficiários podem ter aspectos comportamentais que impliquem mudanças ou condicionem os resultados da política Desconsiderálos pode implicar efeitos finais inferiores ou mesmo contrários àqueles que se pretende atingir Aparentemente banal esta recomendação deve ser muitas vezes repetida porque frequentemente é ignorada são frequentes os casos em que o conhecimento real83 sobre as necessidades fragilidades e comportamentos dos supostos beneficiários de uma Política Pública é negligenciado Ora esta negligência abre caminho a que todo um esforço seja posto em marcha inutilmente quer seja por não atacar os aspectos concretos das necessidades enunciadas na fase de formação da agenda quer por desconsiderar restrições ou condicionamentos oriundos do comportamento ou das característica do grupo mais importante de stakeholders 83 Isto é conhecimento ativamente buscado mediante pesquisa em campo e de dados secundários relevantes e não apenas uma descrição pro forma baseada em dados desatualizados ou mesmo nas impressões pessoais dos formuladores das políticas 78 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS As políticas de promoção de igualdade de gênero por meio de incentivos à abertura de pequenos negócios por mulheres no Reino Unido como descreve o NAO tiveram de sofrer várias adaptações para atender a características das potenciais beneficiárias Os treinamentos em habilidades gerenciais tiveram de ser oferecidos a horários compatíveis com responsabilidades familiares já que tais cuidados recaíam fortemente sobre esse grupo o foco da consultoria oferecida teve de concentrar se nas questões de gerenciamento do risco de negócio uma vez que as mulheres do públicoalvo tendiam a ser mais avessas ao risco que a média dos potenciais candidatos a empreendedor Outro caso este clássico é o da avaliação promovida pelo Tribunal de Contas da União no programa TV Escola Este programa se destinava a fornecer a escolas primárias os equipamentos de recepção por satélite e prover canais de programação de conteúdo para utilização nas atividades escolares Para tanto montouse um banco de dados das escolas que comporiam o públicoalvo do programa Ocorre que esse banco de dados já nasceu desatualizado Na execução descentralizada das compras dos Kits verificouse que em várias escolas com mais de cem alunos não seria possível instalar o Kit por falta de energia elétrica por exemplo sendo o equipamento remanejado para outra escola84 Da mesma forma pretendiase que os recursos fossem utilizados na sala de aula Não se observou porém outra característica de um dos grupos beneficiados os professores O Programa TV Escola almeja a melhoria da qualidade do ensino público disponibilizando ferramentas para a capacitação continuada do professor por meio da utilização dos recursos de TV e vídeo Buscando esse objetivo equipamentos e fitas foram cedidos e instalados em escolas uma programação diária foi criada e transmitida por um canal exclusivo de satélite revistas e grades de programação foram produzidas e entregues às escolas buscando instruir o uso e mostrar o que estará sendo exibido no bimestre enfim todo um aparato montado para que a escola forme sua videoteca e a partir dela se dê efetivamente o uso por parte dos professores Ocorre que o principal público do Programa os professores ainda encontra dificuldades para assimilação dessa tecnologia como recurso didáticopedagógico Segundo 41 dos professores entrevistados durante as visitas realizadas pela Equipe de Auditoria em escolas do Acre Goiás Minas Gerais Paraná e 84 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 5192001 Ata 322001 Plenário Diário Oficial da União 05092001 item 332 do Relatório 79 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV Pernambuco a falta de capacitação para utilizar o Programa foi considerada como um fator que compromete muito a sua utilização85 Formar um plano de trabalho sólido Não se pode empreender qualquer ação de um mínimo de complexidade sem o apoio de um instrumento prático de planejamento O NAO intitula este instrumento na tradição do gerencialismo britânico de business case fazendo uma interessante analogia com o proceder de qualquer empresa privada ao empreender um projeto investimento ou aquisição de relevância Qualquer que seja o nome porém é inegável a necessidade de se ter organizadamente o registro do leque de possíveis opções a adotar uma avaliação dos respectivos custos a identificação dos responsáveis pela implementação e uma avaliação de sua capacidade de executar tais responsabilidades uma relação a mais precisa possível de quem se pretende beneficiar ou impactar diretamente com a política e quais os mecanismos de gestão a serem empregados Ainda que o formato e as informações que componham o plano de trabalho devam ser adaptadas às necessidades particulares de cada entidade ou programa existindo na tecnologia gerencial um sem número de modelos recursos e ferramentas para a sua preparação e ainda que seja necessário um esforço de síntese para resumir o plano de trabalho aos elementos principais esses elementos básicos de planejamento têm de ser preparados solidamente na fase de análise de alternativas sendo o veículo principal de transmissão organizada e acessível de informação ao tomador de decisão veremos logo adiante como é imprescindível que a massa de informação processada na fase de análise seja estruturada e apresentada de forma sistematizada e coerente ao responsável pela eleição de alguma entre as alternativas A implantação na Petrobras de um sistema de gestão integrada de informações corporativas ERP representa um investimento de grande porte dada a dimensão da empresa comparável em valor tamanho e complexidade com boa parte dos programas e das políticas governamentais Este projeto contou com a elaboração de um estudo onde se sintetizassem os custos e benefícios do projeto 152 Analisemos o processo que culminou na escolha do SAP R3 O Relatório de Seleção de Parceiros fls 168184 Vol Principal traz o processo que originou a escolha do SAP R3 e como integrador a consultoria Ernst Young Foi realizado um longo estudo sendo iniciado em meados de 1997 Nesse ano foram realizadas visitas a diversas empresas foi autorizada a realização de um Business Case Estudo de Retorno de Investimento e em setembro foi constituído um Grupo de Trabalho com a assessoria da empresa Symnetics86 85 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 5192001 Ata 322001 Plenário Diário Oficial da União 05092001 item 332 do Relatório 86 Brasil Tribunal de Contas da União Acórdão 2792001 Ata 492001 Plenário Diário Oficial da União 19112001 item 152 do Relatório 80 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Estimar como as políticas desenhadas poderão vir a desenvolverse na prática Formulada e desenvolvida uma opção qualquer é essencial tentar antecipar com a precisão possível como a política sugerida virá a ser posta em prática é preciso identificar as restrições concretas que terão de ser superadas para o sucesso da alternativa pretendida é necessário refinar e dar maior consistência às estimativas de custos e impactos esta é também a oportunidade de minimizar a possibilidade de que alguma parte dos potenciais beneficiários seja involuntariamente excluída dos efeitos da política pretendida Por fim essa avaliação inicial é um momento valioso para estabelecer as primeiras abordagens de avaliação da política discutindo a relação entre custos benefícios e efetividade e de sustentabilidade da mesma ao longo do tempo Para tanto alguns dos pontos abaixo podem ser úteis à consideração do analista Desenvolver experiênciaspiloto Uma experiênciapiloto é uma boa maneira de obter uma avaliação confiável dos possíveis obstáculos e resultados de uma determinada ação A um custo relativamente pequeno as hipóteses adotadas podem ser postas à prova as respostas dos beneficiários podem ser observadas e os custos podem ter um primeiro orçamento elaborado com dados reais Também aí podem ser observados potenciais obstáculos que não foram previstos no desenho original do programa A realização de pilotos é particularmente importante em programas ou políticas que sejam muito grandes permitindo que o comprometimento de uma elevada soma de recursos seja precedido de um teste real que ajude a levantar todas estas respostas Infelizmente não é uma cultura muito disseminada no Brasil Alguns cuidados no entanto são necessários Da mesma forma que ao fazer um levantamento amostral probabilístico ou não são precisos cuidados intensos para garantir a representatividade da amostra a seleção de qual ou quais ações comporão experiênciaspiloto é muito importante o públicoalvo beneficiado as condições iniciais os recursos empregados devem ser na maior proporção possível representativos do universo geral da política Não se pode dar neste caso definições absolutamente precisas do que seja representativo na medida em que na maioria das situações uma experiênciapiloto não é uma pesquisa amostral portanto não se definem quantitativamente variáveis e parâmetros Ao contrário sua lógica assemelhase muito mais a um estudo de caso onde a situação observada pode e deve sugerir muito mais conclusões que aquelas que estariam previamente modeladas num experimento estatístico No entanto a representatividade definida nos termos qualitativos e de uma certa forma imprecisos em que aqui a colocamos deve ser ao menos uma preocupação que norteie a formação do piloto Por representativas podemos entender condições da populaçãoalvo dos agentes públicos envolvidos da gravidade do problema original que não sejam atípicas que correspondam às condições que possivelmente apresentem a maioria das situações a serem cobertas pelo programa 87 Assim não se deve procurar experiências piloto onde seja mais fácil ou mais barato iniciar ou onde a população esteja mais propensa a aceitar e colaborar com determinadas medidas exatamente porque a facilidade buscada no experimento inicial não será repetida na ação em escala integral O NAO menciona a tendência de 87 Em muitos casos é aceitável uma situação de caso extremo em que se aplique uma determinada ação em condições mais difíceis do que seria normalmente previsível para verificar a sensibilidade dos resultados a situações iniciais mais precárias ou difíceis 81 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV montar as experiênciaspiloto de novas políticas a partir dos grupos de agentes mais qualificados ou entusiasmados o que faria com que esta qualificação acima da média dos agentes superasse eventuais dificuldades que não seriam superáveis pelas equipes habituais que implementariam o programa Por exemplo testar uma tecnologia educacional inovadora a partir de um grupo de professores que fosse aberto à inovação e fortemente interessado na melhoria dos resultados tornaria o piloto mais fácil e mais bemsucedido no entanto pouco se aprenderia sobre as possibilidades dessa inovação no conjunto das escolas com professores menos motivados e menos qualificados para lidar com mudanças Ou seja a realização de experiênciaspiloto é um recurso valioso para avaliação das possibilidades de uma determinada política mas como tal deve ser tratada com o cuidado devido a uma aplicação prática da mesma política que se quer implantar O TCU relata o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que para implementação de uma determinada medida beneficiouse em grande medida da aplicação de uma experiênciapiloto 42 A extinta SVSMS editou a Portaria nº 801 de 07101998 obrigando o cadastramento de todos os medicamentos registrados no País por parte das indústrias farmacêuticas e demais estabelecimentos da cadeia farmacêutica no intuito de verificar as informações do registro Medida similar havia sido adotada pelo Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo CVSSP que ainda desenvolveu um aplicativo computacional para o cadastro das informações 43 Conforme informações à fl 07 vol 01 em setembro de 1999 o CVSSP com a colaboração da Anvisa tornou disponível na Internet o Cadastro Nacional de Empresas e Medicamentos um banco de dados estruturado a partir do cadastro determinado pela Portaria SVSMS nº 801 44 Participaram do cadastro 305 laboratórios que informaram a existência do registro de 9029 produtos que totalizam 23558 apresentações registradas estando 58 delas não comercializadas naquele momento Entretanto as informações precisavam ser validadas integralmente pela Agência para terem efeitos legais 45 A Agência preocupada com a qualidade e veracidade das informações prestadas pelos produtores de medicamentos sobre seus produtos desenvolveu um projeto conhecido como Programa Z destinado a confrontar as informações dos registros com a realidade do mercado constantes do Cadastro de Empresas e Medicamentos da CSVSP no intuito de validar tais informações 46 Uma experiênciapiloto de validação integral das informações constantes no cadastro de registros foi realizada no final de 1999 com os produtos do Laboratório MERCK posteriormente foram incluídos os produtos registrados dos laboratórios ACHE e NOVARTIS demonstrou a necessidade de uma revisão crítica dos procedimentos operacionais técnicos herdados da SVS e adotados até então pela Anvisa em todas as etapas de análise dos processos de registro de medicamentos 82 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS e autorização de funcionamento de empresas Desde então a Agência tem editado diversas Resoluções para atualizar os procedimentos88 Discutir o desenho proposto com os responsáveis pela implementação e avaliação Envolver os responsáveis pela implementação e avaliação de uma política na sua concepção é um pontochave para avaliar as suas possibilidades práticas não obstante esses atores serem consultados quando o são geralmente num estágio muito avançado na concepção das medidas Isso pode ocorrer porque os responsáveis por colocálas em prática terão menos comprometimento se não participaram da sua definição Mais frequentemente porém a ausência dos implementadores na fase de definição põe em xeque o próprio mérito da política é bem conhecida a enorme lacuna de informação e experiência entre um burocrata desenhando uma coleção de medidas em um confortável gabinete refrigerado de uma capital nacional e aquele profissional médico professor policial que vai efetivamente torná las realidade no meio da selva ou na periferia violenta de uma grande metrópole Por mais que tenha buscado reunir o conhecimento e a experiência disponíveis falta ao analista nos órgãos centrais a visão prática handson dos problemas reais da produção nas pontas Os exemplos são infinitos um livro didático para crianças da escola primária produzido por um professor em São Paulo dificilmente poderá contemplar o contexto de vida de alunos que estudam no meio da selva amazônica quem desenha estratégias de abordagem da criminalidade para o centro de Brasília não conhecerá as necessidades de aplicação para áreas do Rio de Janeiro de urbanização densa e precária topografia acidentada e domínio territorial do crime organizado políticas de profilaxia de doenças infecciosas desenvolvidas nos centros urbanos deixam de levar em consideração as condições mais precárias de saneamento e de nutrição de determinados bolsões regionais de pobreza Neste sentido a experiência de quem faz é absolutamente indispensável à viabilidade das propostas de quem formula Os avaliadores por sua vez poderão indicar pontos de verificação que possibilitem ou otimizem a avaliação posterior bem como trazer as experiências observadas na avaliação anterior de políticas semelhantes Existem é verdade riscos muitas vezes os implementadores conhecem apenas um aspecto da política os problemas de sua região ou de um determinado tipo de serviço que compõe o conjunto das medidas formuladas ou têm interesses particulares por exemplo aumentar a importância de sua própria atuação ou diminuir os riscos ou esforços que lhes caberão Portanto a arte do formulador da política consiste em dar voz ativa aos implementadores e avaliadores considerando lhes as ponderações sem perder a perspectiva de qual é o ponto de vista de cada um Identificar e avaliar os riscos para o sucesso dos objetivos formulados Para uma Política Pública os riscos essenciais são a incapacidade de atingir seus objetivos e a existência de efeitos negativos imprevistos Ainda que previsivelmente exista uma atitude de 88 Brasil Tribunal de Contas da União Decisão 16412002 Ata 462002 Plenário Diário Oficial da União 08012003 83 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV atenção dos formuladores de política para tais possibilidades os riscos dessa importância exigem um esforço mais sistemático de gerenciamento e mitigação para reduzir as possibilidade de que alguns de seus determinantes sejam desconsiderados ou de que eventos imprevistos venham a reduzir os serviços pretendidos O gerenciamento de riscos no setor público pode assumir um perfil bastante sofisticado comparável ao grau de desenvolvimento atingido pelas grandes corporações privadas nesse tema89 O aprofundamento em sistemas formalizados de gestão de riscos não cabe nos propósitos do nosso curso90 porém alguns fatores básicos de risco devem ser observados com atenção Risco derivado da capacidade institucional e operacional dos que têm a seu cargo a implementação da política analisada Uma das primeiras e mais importantes fontes de risco de insucesso de uma política é a incapacidade técnica organizativa operacional daqueles que deverão levála a campo tanto um ministério inteiro quanto uma agência autônoma um governo local ou mesmo um agente privado conveniado Para avaliar esse risco é preciso estudar o conhecimento habilidades e recursos técnicos e materiais de que dispõem os responsáveis pela implementação e o tempo e o custo necessários para que os adquiram Esta necessidade é agravada pela característica de execução descentralizada assumida pela maior parte das políticas traçadas pelos governos nacionais em grande proporção as medidas pretendidas pelos governos centrais são da esfera da execução regional ou local ou mesmo dependem da colaboração de terceiros do âmbito privado Uma das gestões mais complexas no Brasil por exemplo é a do Sistema Único de Saúde a política traçada pelo Ministério da Saúde terá de ser posta em prática necessariamente pelos governos estaduais e municipais aos quais pertence a gestão operacional do SUS nos respectivos territórios mais ainda a execução direta das ações de saúde junto ao público pertence não apenas a estes entes mas a um número ainda maior de prestadores de serviços privados contratados Neste contexto para qualquer medida ou ação que pretenda introduzir por exemplo a distribuição gratuita de determinados medicamentos o Ministério da Saúde terá de examinar previamente se os hospitais e estabelecimentos estaduais municipais e privados conveniados terão a capacidade e os meios para executála no exemplo dos medicamentos se os orçamentos descentralizados para estados e municípios comportam a nova despesa se os mecanismos de controle e auditoria têm capacidade de inibir abusos e fraudes na distribuição se os pontos de atendimento em saúde têm capacidade física e técnica para realizar a armazenagem conservação distribuição adequada e acompanhamento farmacêutico dos medicamentos Risco derivado da incapacidade da política de alcançar o públicoalvo que pretende beneficiar Muitos fatores adversos podem afetar a capacidade da política de alcançar aqueles que pretende sejam os seus beneficiários Ao desenhar as alternativas que propõe o analista deve cuidar 89 É bom lembrar que os procedimentos de avaliação de riscos são um dos componentes básicos do modelo de controle interno quase universalmente adotado pelas grandes corporações privadas Modelo COSO PETERS 2004 pp 3341 DELOITTE 2003 90 Para um aprofundamento do estudo do tema especificamente na área de gestão pública confira STANTON 2005 BUTTIMER 2001 e NAO 2004 84 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS especialmente para que o serviço ou produto oferecido seja tornado acessível na sua operação cotidiana ao públicoalvo Por exemplo uma entidade de promoção de pequenos negócios deve ao ofertar serviços de consultoria aos pequenos empresários assegurarse de que estes empresários podem ter acesso real aos consultores por exemplo localizando os consultores fisicamente junto a sindicatos ou associações dos próprios empresários ou em centros comunitários feiras e mercados mantendo mecanismos confiáveis de comunicação via Internet para que qualquer informação ou serviço desejado possa ser solicitada online pelo empresário Também se deve levar em consideração a eventual necessidade de incentivos para que ocorra a adesão dos beneficiários ao serviço a introdução da apresentação de declarações de imposto pela via da Internet por parte dos contribuintes em seus primeiros anos91 não prescinde da oferta de facilidades para induzir o contribuinte a mudar tão radicalmente seus hábitos de relacionamento com o fisco ex menores prazos de tramitação do processo tributário e de restituição do imposto pago a maior Se atualmente consideramos corriqueiro este relacionamento com as agências tributárias a introdução no Brasil de meios de comunicação eletrônica em processos judiciais já prevista em leis processuais tende a exigir também maiores facilidades frente ao procedimento tradicional para romper significativamente o conservadorismo desse tipo de interação com o poder público Ainda neste ponto o acesso dos potenciais beneficiários a uma determinada política depende também de algo aparentemente óbvio mas nem sempre assegurado que conheçam a sua existência Isso implica um cuidadoso esforço de comunicação e divulgação centrado nos meios capazes de atingir a populaçãoalvo No já citado exemplo da população de rua dificilmente uma divulgação baseada em veículos de imprensa eletrônica ou escrita teria sucesso em darlhes a conhecer alguma medida que pudesse beneficiálos pelo simples fato de que não têm acesso regular aos meios de comunicação Risco derivado da ausência de estimativa de custos Sem dúvida estimar os custos de uma determinada política é uma tarefa difícil ela pode não ter um período definido de execução prolongandose por vários exercícios pode também mobilizar uma grande quantidade de recursos diferentes financeiros e recursos materiais e humanos aplicados diretamente pelo ente promotor No entanto o cuidado de estimar os custos na precisão possível mesmo que numa projeção limitada a dois ou três anos é providência indispensável ao desenvolvimento de alternativas de política Somente com um estudo por mais estimativo que seja dos custos relativos poderá a escolha recair sobre uma alternativa materialmente viável e que represente melhor relação custobenefício frente às demais Alguns custos são mais fáceis de estimar que outros por exemplo o orçamento de uma obra ou da compra de equipamentos frente ao custo de utilização da infraestrutura já existente outros dependerão em grande medida da demanda pelo serviço por exemplo o número de pacientes que buscarem os hospitais públicos para um novo tipo de tratamento muitos tipos de custos dependem também do 91 Ou pelo menos até a ampla consolidação desse mecanismo de interação o que ocorreu com o Imposto de Renda federal no Brasil 85 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV próprio sucesso na implementação do programa atrasos na realização de obras ou investimentos acarretam quase inevitavelmente aumento dos custos unitários enquanto uma qualidade de serviços muito precária pode causar a perda de interesse por parte dos potenciais beneficiários reduzindo a demanda pelos serviços e assim paradoxalmente reduzindo o custo total aplicado Alegase por vezes que os resultados dos programas não podem ser monetizados e portanto não podem ser confrontados com os custos De fato converter os resultados de um programa assistencial em valores monetários nem sempre é fácil dependendo de muitas hipóteses simplificadoras Cohen Franco 1993 pp 193196 cita o exemplo de um programa de nutrição suplementar a gestantes e crianças até seis anos no Chile entendido como investimento em capital humano foi necessário fazer sucessivas associações entre as melhoras nutricionais das crianças atendidas e um melhor rendimento escolar a melhor escolarização e uma maior produtividade no trabalho da população que a recebeu por conseguinte uma maior criação de valor dessa mão de obra melhor escolarizada correspondida com um aumento provável da renda por ela gerada Essa longa cadeia de associações gerou uma estimativa de resultado monetário final para o programa No entanto esta monetização não é necessária em todos os casos basta alinhar os custos com definições precisas e quantificáveis dos resultados por exemplo vidas salvas para uma política de redução de acidentes de trânsito pacientes recuperados para um programa de tratamento de drogodependentes Na prática o reconhecimento da inviabilidade de tradução monetária dos resultados de alguns programas pode mesmo fortalecer o esforço de estimativas e avaliações de custos na medida em que permite ao formulador das alternativas concentrarse em estimar custos em função de parâmetros mais precisos gerados pela quantificação de resultados não monetários Em todos estes casos portanto alguma estimativa é possível e necessária sob pena de comprometer a ação pública em verdadeiro voo cego ao iniciar ações que não sabe se poderá custear nem quanto terá de retirar de outras finalidades de Política Pública também legítimas Escolha de uma alternativa O que tiver de ser será Conheço essa filosofia costumam chamarlhe predestinação fatalismo fado mas o que realmente significa é que farás o que te der na real gana como sempre Significa que farei aquilo que tiver de fazer nada menos Há pessoas para quem é o mesmo aquilo que fizeram e aquilo que pensaram que teriam de fazer Ao contrário do que julga o senso comum as coisas da vontade nunca são simples o que é simples é a indecisão a incerteza a irresolução Quem tal diria não te admires vamos sempre aprendendo A minha missão acabou tu farás o que entenderes Assim é SARAMAGO 2005 p 32 Desenvolvidas as alternativas elencados os prováveis custos benefícios e riscos tais alternativas devem reduzirse a apenas uma que será o curso de ação adotado Um único curso de ação é claro pode e muitas vezes deve assumir a forma de uma combinação de várias medidas ou mesmo um leque de opções que preveja um curso principal e medidas alternativas em contingências que afetem o curso principal Todas estas formas são no entanto um único curso de ação definido pela autoridade ainda que complexo ou com previsão de contingências 86 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Autonomia relativa do decisor Esta é uma fase do processo decisório em que são mais claramente visíveis as considerações de caráter político que dão forma à decisão pública É possível entender aí que num certo sentido muito específico a autoridade regularmente investida do poder decisório vai legitimar a opção escolhida na medida em que as normas jurídicas formais ou mesmo costumeiras conferemlhe o poder de decidir em nome da coletividade envolvida Na maioria dos casos as regras de procedimento permitem ao decisor a discricionariedade de escolher qualquer solução mesmo alguma ainda não suscitada ou preparada ao longo do processo de análise e desenvolvimento de soluções Esta liberdade no entanto é menos frequente do que pode fazer crer a leitura direta das normas em geral quem decide ratifica simplesmente as opções adrede preparadas ou modificalhes apenas em detalhe Isto se dá por vários motivos Primeiro porque a concepção especialmente jurídica de discricionariedade envolve a sua diferenciação da arbitrariedade Discricionário é aquele espaço de decisão que pode o administrador público ocupar para colhendo os fatos obter a melhor solução do ponto de vista do interesse público e não do ponto de vista de sua preferência individual a depender da natureza da questão resta pouco espaço ao agente público para sustentar frente aos demais atores sociais determinadas escolhas por exemplo deixar de aplicar um programa de vacinação contra doenças erradicáveis como a poliomielite quando não disponha de argumentos suficientemente persuasivos para tanto Na realidade o próprio discurso jurídico com suas tão frequentes ambiguidades já chega a admitir que o poder discricionário encontra limites estreitos e tem natureza totalmente instrumental a liberdade de decidir é tão somente um recurso do administrador público para atingir a situação mais adequada no plano dos fatos e esta solução é passível de confronto por qualquer parte interessada É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima perfeita adequada às circunstâncias concretas que ante o caráter polifacético multifário dos fatos da vida se vê compelia a outorgar ao administrador que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio certa margem de liberdade para que este sopesando as circunstâncias possa dar verdadeira satisfação à finalidade lega Então a discrição nasce precisamente do propósito normativo de que só se tome a providência excelente e não a providência sofrível e eventualmente ruim porque se não fosse por isso ela teria sido redigida vinculadamente BANDEIRA DE MELLO 1998 p 35 Por outro lado o próprio ato gerencial de decidir não é de todo livre Quem decide não tem tempo para atuar em todas as etapas do processo Faltamlhe às vezes influências para poder romper os compromissos que neutralizam ou mobilizam a outros atores que contam o cálculo de viabilidade política a que aludimos antes Faltamlhe quase sempre o conhecimento e a informação sobre o conteúdo técnico das iniciativas e das opções possíveis Tomemos o exemplo do ministro da área de transportes ao assinar um contrato com determinada empresa para construir um trecho de rodovia O ministro pode conferir algumas 87 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV grandes dimensões ou características do contrato mas não tem fisicamente o tempo92 de examinar cada opção e cálculo do projeto de engenharia ou de conferir cada procedimento da licitação ou a razoabilidade do preço de cada item contido na oferta da empresa contratada Portanto a capacidade de intervenção na decisão por parte do ministro fica profundamente limitada diante das opções técnicas que lhe são apresentadas E ao examinarmos o extremo oposto é que vemos que esta aparente limitação é na realidade um cuidado básico para preservar a qualidade da política Carlos Matus 2000 p 36 explora o que seria ou infelizmente o que é uma tomada de decisão sem o adequado processamento técnico O governante habituase a tomar decisões mal processadas ancoradas em uma solução preferida sem considerar o amplo leque de opções mediante a analise das vantagens e desvantagens políticas econômicas técnicas e organizativas Em muitos casos as decisões recaem sobre malestares quer dizer sobre problemas crus nem bem formulados nem bem descritos e sem propostas alternativas de enfrentamento Em outros casos o processamento é deficiente e incide sobre aspectos técnicos sem considerar a viabilidade política e jurídica Ou ao contrário o processamento é estritamente político em detrimento das considerações técnicas Também pode ocorrer a situação em que o tomador de decisão está pessoalmente convencido de que seus conselheiros ou colaboradores anteciparam seus interesses valores ou preferências Racionalidade e racionalidades do decisor Já vimos que o decisor tem uma autonomia relativa podendo decidir dentro de certos limites colocados pelas circunstâncias de cada processo decisório em particular Limitada ou não porém cabelhe individualmente93 a prerrogativa de uma decisão Qual seria então a lógica que preside a autoridade no momento de optar entre as alternativas desenvolvidas É neste momento que devemos começar a estudar os diferentes matizes da racionalidade da decisão Racionalidade é preciso dizer não é um valor absoluto mas um conceito relativo à situação de cada indivíduo ou grupo Portanto a afirmação de que uma decisão é racional é muito frequente na discussão cotidiana da política mas em geral embute uma hipótese implícita de qual é a posição ou situação em relação à qual a racionalidade é pronunciada Mais precisamente A possibilidade de se tratar uma decisão ou política em termos de eficácia ou racionalidade requer a adoção do ponto de vista de determinado ator de maneira que se possam estabelecer com clareza os objetivos da política em questão para se discutirem em seguida os problemas relativos às condições de sua adequada realização num ambiente dado A perspectiva 92 Mesmo que por hipótese tivesse pessoalmente a qualificação técnica necessária 93 Individualmente não obriga a que o decisor seja uma pessoa física apenas mas sim que seja uma única instância de decisão que pode ser unipessoal caso mais comum ou colegiada por exemplo a decisão de um tribunal ou de uma assembleia deliberativa Neste último caso pressupõese que as regras de procedimento interno do grupo colegiado ensejem a formação de uma vontade final única que prevaleça como a decisão daquela instância deliberativa ainda que possam existir posições divergentes no interior do colegiado que não obstante assumem a posição de vencidas prevalecendo a posição vencedora para todos os efeito 88 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS característica dos estudos de Políticas Públicas tende inevitavelmente a dar ênfase à eficácia global das políticas ou decisões mesmo quando se tem em mente a diversidade de categorias sociais ou de focos de interesses para os quais tais decisões podem ser relevantes Assim se se tem de considerar problemas de racionalidade do ponto de vista da sociedade como um todo tendese naturalmente a salientar aqueles fatores que permitem ver as relações entre as diferentes categorias ou focos de interesses como sendo relações do tipo soma variável em que todos têm a possibilidade de realizar ganhos simultâneos bastando para isso que se tomem as decisões corretas racionais Ése levado portanto a eleger o ponto de vista daquele ator que pode ser considerado como expressando o objetivo comum de maximização geral O estado ou alguma agência particular do mesmo em dados casos surge como candidato óbvio manifestandose a propensão a favorecer aquelas dimensões da estrutura e do comportamento do estado que permitem vêlo como o instrumento de objetivos compartilhados em detrimento dos traços mediante os quais ele se mostra antes como o resultado ou a expressão da luta entre interesses opostos REIS 2000 pp 9899 Racionalidade política e racionalidade técnica Com tal advertência em mente sigamos a explorar o vasto universo das racionalidades A primeira presente em toda a experiência cotidiana da política é a dualidade racionalidade técnica versus racionalidade política94 Nas atividades governamentais convivem atores sociais diferentes com papéis diferentes esta aparente tautologia foi tematizada originalmente por Max Weber que deu margem ao modelo clássico de administração pública burocrática que até hoje tem o protagonismo neste campo do saber Convivem lado a lado o político o técnico e o burocrata95 Estas figuras naturalmente estão representados como tipos ideais weberianos categorias abstratas baseadas no desenvolvimento racional unilateral de determinadas características96 indicando apenas os traços fundamentais de sua inserção no jogo decisório o que não quer dizer que todo indivíduo em posição denominada de político ou técnica aja segundo sugere o desenvolvimento do tipo ideal O político idealmente toma decisões em função da solução dos problemas da conjuntura histórica do ponto de vista do subconjunto da sociedade que representa Ao mesmo tempo tem de organizar e manter continuamente abertos os canais para tomar essas decisões Deve então buscar com suas decisões simultaneamente atingir situações globais supostamente melhores que as atuais ao mesmo tempo em que tem de considerar como as decisões realimentam o próprio jogo do poder influenciando por exemplo os futuros resultados eleitorais e em 94 A apresentação deste conceito de racionalidades técnica e política está baseada em Cohen Franco 1993 pp 6469 que utilizam os conceitos elaborados por José Medina Echavarría 95 Veremos que ao final incluiremos o técnico e o burocrata cada um a seu modo na racionalidade técnica 96 Um tipo ideal decorre do desenvolvimento pela razão aplicada pelo observador de determinadas características fundamentais ao objeto que pretende representar Nesse ponto perde contato com o objeto real e suas outras inumeráveis características individuais que não foram escolhidas tornandose assim uma categoria artificial por deliberadamente diferir da manifestação no mundo dos fatos a partir do qual foi concebida Sua utilidade metodológica inclusive reside exatamente na possibilidade de comparação com seu objeto real correspondente sublinhando aquilo no qual o objeto real afastase ou aproximase do respectivo tipo ideal Para maior aprofundamento na abordagem metodológica dos tipos ideais ver Freund 1975 e Gusmão 1962 89 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV determinados casos a estabilidade das regras do jogo do poder tais como o respeito às instituições e à lei Esta será a racionalidade política que leva em conta valorativamente os efeitos das políticas no conjunto da sociedade e nos diferentes interesses que a compõem O cálculo político portanto deverá levar em conta os comportamentos atuais e futuros dos diferentes interessados e em última instância fazer escolhas privilegiando uns interesses em favor de outros Já o personagem técnico encontrase mais voltado à racionalidade de meios não lhe pertence fixar os fins e os condicionantes a imagem ideal da sociedade pretendida que são definidos pelo político ainda que o possam ser em grau muito alto de generalidade Pode então construir sua lógica e seu discurso a partir das realidades factuais inerentes ao programa ou política considerados discutirlhe custos e benefícios com base em padrões e critérios centrados no conhecimento técnicocientífico previamente estabelecido O burocrata por sua vez é aquele agente direcionado pelo estrito cumprimento das normas procedimentais formais leis regulamentos precedentes cuja participação no processo decisório e de implementação se concentra na observância de todos os controles e as garantias formais do moderno proceder administrativo não por outra razão denominado desde Weber procedimento burocrático Para nossas finalidades porém é fácil ver que a racionalidade burocrática também é de natureza estritamente instrumental utilizando critérios também de natureza técnica só que mais restritos a esse segmento do conhecimento sobre os procedimentos válidos do ponto de vista formal Dessa forma a racionalidade técnica tem a participação conjunta não de todo sem conflitos é claro do interveniente técnico e de seu colega burocrata Ainda que em tipos ideais é preciso entender a existência e o mérito da existência dessas duas racionalidades superpondose no processo decisório o caráter democrático da sociedade exige que a lógica política dê a última palavra a eficácia concreta das decisões exige que a racionalidade técnica seja considerada com peso Em síntese as decisões últimas da sociedade são de caráter político Mas a preparação de qualquer decisão tem que ser técnica97 De fato a estrutura do processo decisório que utilizamos para apresentar a etapa de tomada de decisão é exatamente baseada nesta dicotomia de racionalidades permitindo um momento de intervenção a cada um Mas isto não se dá na prática sem conflitos Existem âmbitos que são próprios dos políticos e outros que correspondem aos técnicos Como não é fácil definir os limites entre eles chegase inclusive a negar a necessidade de respeitar a existência de um ou de outro Em algumas ocasiões falta o substrato técnico e as decisões são tomadas sem base suficiente para que possam alcançar resultados eficazes Em outras situações se tende a supervalorizar o papel dos técnicos afirmando que as decisões apenas devem se inspirar em suas recomendações e considerando os políticos como fatores que tendem a prejudicar o bom traçado das políticas COHEN FRANCO 1993 p 67 97 Arida Pérsio Deficit de cabeças In Solnik A Os pais do cruzado contam porque não deu certo São Paulo LPM 1987 p 128 apud Cohen Franco 1993 p 67 90 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Existem naturalmente casos de distorção radical desses papéis políticos interessados apenas em sedimentar coalizões de interesses independentemente dos benefícios trazidos à população no uso dos escassos recursos públicos técnicos que não consideram senão a lógica parcial que utilizam pretendendo impôla como a única legítima para as escolhas sociais Em todos esses casos é preciso dizer os que sustentam tais posições tendem a perseguir antes os próprios interesses pessoais que os interesses sociais confiados ao seu cuidado Assim nem planejadores têm todas as respostas técnicas sem o que o mecanismo da democracia formal seria incapaz de permitir aos cidadãos titularizarem as escolhas no tocante aos assuntos públicos nem os políticos têm o condão de fazerem o que desejarem sem levar em conta a realidade concreta exposta pelo estudo técnico Na realidade a fluidez da fronteira entre as duas racionalidades abre amplo espaço para uma interpenetração da atuação dos dois grupos ao técnico cabe detectar os momentos em que a flexibilidade relativa do sistema social aumenta o leque de alternativas viáveis que pode desenvolver a partir de proposições que alterem em alguma medida os pressupostos ou os projetos políticos que lhe foram apresentados Ao político por sua vez a lógica técnica conferelhe poderosos argumentos no seu próprio âmbito de intervenção por exemplo quando o raciocínio técnico sugere a necessidade de revisão de custos de um certo projeto servirá de forte instrumento político para lidar com pressões de interesses Ambos os grupos necessitam compreender a existência do outro e a respeitarse mutuamente a participação dado que são igualmente indispensáveis para o processo decisório no âmbito da democracia moderna Racionalidade absoluta e racionalidade limitada Outra importante distinção conceitual sobre o processo decisório que terá as mais profundas repercussões analíticas especialmente no campo das ciências sociais aplicadas à análise dos problemas públicos é sobre os limites de possibilidade do que pode ser uma decisão racional98 Quase espontaneamente vem à mente de todos os observadores um modelo preciso o do decisor racional Esta espontaneidade ressalvemos não é gratuita este decisor racional ou maximizador interessado ou homo oeconomicus é o pressuposto fundamental sobre o qual foi erguido o edifício teórico da microeconomia e da macroeconomia convencionais cuja abordagem teórica se expandiu para as demais ciências sociais e que se incorporou profundamente no discurso social Pois bem esse famoso decisor novamente um suposto teórico um instrumento analítico tão distinto de pessoas reais quanto os tipos ideais que já discutimos o que faz ele Ele é o detentor da alegada racionalidade absoluta sendo um ator frente a um problema deve adotar uma situação de escolha Escolhe suas preferências propõese objetivos fixa seus valores seleciona suas vantagens Logo busca as alternativas disponíveis para responder ao problema Faz um inventário exaustivo delas e identifica seus efeitos e seus méritos específicos Em seguida adota um critério de escolha tão objetivo como seja possível quer dizer que permita determinar a melhor relação 98 Estes conceitos estão amplamente baseados em Mény Thoenig 1992 pp 139144 91 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV entre as vantagens e os inconvenientes de cada alternativa A quantidade de alternativas disponíveis será explorada finalmente com a ajuda desse critério e daí sairá a solução MÉNY THOENIG 1992 p 139 Decidir em Políticas Públicas então é maximizar os resultados em relação aos custos e as vantagens em relação com os inconvenientes sob o ponto de vista da coletividade Belo modelo sem dúvida Na verdade em suas linhas gerais é isto que vimos descrevendo ao longo da nossa análise do processo decisório Podemos compreendêlo melhor desdobrado no esquema a seguir Racionalidade absoluta IDENTIFICAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS BUSCA DE TODAS AS ALTERNATIVAS POSSÍVEIS E SEUS EFEITOS IDENTIFIICAÇÃO E ADOÇÃO DE UM CRITÉRIO OBJETIVO ESCOLHA DE UMA SOLUÇÃO Mas é preciso perguntar qualquer um pode agir com a racionalidade absoluta sempre que desejar bem conduzir uma Política Pública A resposta rigorosa é depende Depende da ocorrência prévia de certas condições ou postulados em qualquer circunstância da decisão considerada existe um critério de escolha objetivo acessível a quem deve decidir e cujo valor é compartilhado por todos os stakeholders relevantes as preferências do decisor e desses stakeholders relevantes não são ambíguas mas estáveis e explícitas o tomador de decisão conhece ou pode conhecer todas as alternativas possíveis o mundo é uma casa transparente por fim esse decisor é puro intelecto nada o mobiliza ou importa salvo o problema que está gerindo Existirão tais condições na realidade concreta De sua simples leitura salta aos olhos a impressão de que não E a grande contribuição de Herbert Simon às ciências sociais99 consiste em haver demonstrado o irrealismo desses pressupostos Em primeiro lugar a informação é escassa e tem custos Quem decide tem que pagar um preço por obtêla seja no tempo que dispende seja no custo monetário direto seja sob a forma de dependência 99 Simon H Administrative Behavior New York Free Press 1957 apud MÉNY THOENIG 1992 p 157 Esta é a obra seminal da teoria da racionalidade limitada posteriormente refletida em um semnúmero de desenvolvimentos teóricos posteriores 92 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS de terceiros que possuam a informação ou possam confirmála e aos quais se deverá retribuir de alguma maneira Repare que este custo incide tanto individualmente para o responsável pela escolha das alternativas quanto para o conjunto dos agentes públicos responsáveis pela decisão ou seja pelo processo decisório que envolve o estudodesenvolvimento de alternativas e a escolha Por outro lado uma informação pode por em questão a própria visão de mundo ou valores do responsável pela decisão e este diante da divergência entre seus valores subjetivos e alguma informação objetiva pode preferir deixar de lado a informação e salvaguardar sua visão de mundo Além disso os critérios de escolha são escassos e pouco discerníveis Os métodos disponíveis para definir o ótimo arbitrar ou estimar vantagens e inconvenientes são muito raros e difíceis de encontrar se chegarem a existir Ao falar em métodos de escolha entre alternativas a literatura habitualmente recorre aos exemplos de projetos sofisticados com metodologias bastante formalizadas e quantitativamente definidas exemplo típico grandes projetos de engenharia de infraestruturas Mas a realidade só é modelável com esse grau de precisão em determinados e limitados âmbitos do conhecimento a maioria das decisões cotidianas tangencia aspectos inquantificáveis geralmente envolvendo o comportamento humano ex quanto variará a disposição das pessoas em vacinarse contra uma doença infecciosa em função de um maior investimento em publicidade Mais escasso ainda será o consenso social e político sobre qual o critério a utilizar mesmo que tal critério seja desenvolvido e explicitado com objetividade suficiente para um tal debate Tampouco o agente de decisão tem capacidade cognitiva de gerar e trabalhar um inventário exaustivo das alternativas possíveis Os indivíduos variam em suas capacidades de administrar a complexidade alguns não podem passar à ação sem reunir uma grande massa de dados outros não são capazes de decidir se as alternativas não são reduzidas a um mínimo100 Matus 2000 p 43 lembra que o conhecimento que os líderes de modo geral têm limitase quase sempre a poucas opções as quais muitas vezes circunscrevemse aos limites da vigência de seus mandatos Em função de tal predisposição gerase um processo de autoconvencimento que leva ao comprometimento prematuro com uma proposta e a adesão à mesma confundese com lealdade Outro condicionante grave a necessidade de escolher desencadeia uma tensão psicológica trazendo momentos de incerteza pressão e tensão Em jogo estão interesses futuro há fortes razões para desestabilização das personalidades101 Alguns dirigentes protelarão ao máximo as decisões outros decidirão a qualquer preço somente para veremse livres da pressão por decidir É ainda Matus que descreve A repetição de condições angustiantes relativas a responsabilidade e tensão torna perigosamente possível o erro no manejo de decisões em situações de crise nas quais inevitavelmente as decisões devem ser tomadas no ato no calor da ora sob condições extremas de tensão de desequilíbrio emocional perigo confusão angústia e às vezes sem que seja possível controlar o tempo O dirigente expõese a decisões de pânico como tomar a frente tipo de extremismo perigoso retroceder em 100 Qual o técnico do setor público que não se terá deparado após um complexo processo de síntese e exposição analítica dos aspectos essenciais de um problema com a irritada demanda de um gabinete de autoridade ou da autoridade mesma para resumir o assunto às vezes fixando a priori um número mínimo de páginas para o documento a ser preparado 101 Mény Thoenig 1992 p 142 menciona como exemplo que o presidente norteamericano Lyndon Johnson político extremamente calejado era conhecido por levantarse angustiado à noite para passear diante dos retratos de seus antecessoers 93 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV meio ao caos abandonar desnecessariamente os objetivos refugiarse na indecisão paralisante subutilizar o poder acumulado abandonarse às circunstâncias adotar trajetórias caóticas de ação refugiarse na passividade espera de que os problemas se resolvam por si mesmos tornarse vítima do complexo de incompreensão que aumenta sua irritabilidade ante as críticas etc Em síntese a racionalidade absoluta não tem sentido real Os compromissos o subjetivo o setorial o não consensual o não reprodutível por terceiros constituem um dado essencial do ato decisório É certo que existe racionalidade mas tratase de uma racionalidade limitada102 A decisão torna se um compromisso entre um problema e as condicionantes da situação enfrentada pelo decisor este faz o melhor que pode na situação em que se encontra A atividade do decisor neste contexto é recordar e esplorar o pequeno número de alternativas possíveis aquelas de que ele dispõe que conhece ou parecem aceitáveis a si e a terceiros Com isso minimiza a busca e a análise das alternativas A partir daí procura um critério de escolha razoável mescla de racionalidade e intuição Com tal critério em mão detémse na primeira solução que parece satisfatória a si mesmo e aos demais interlocutores relevantes Não busca o melhor ou o ótimo contentase em evitar o pior ou o menos razoável O processo da racionalidade limitada pode ser visualizado no esquema a seguir Racionalidade limitada PROBLEMA PREFERÊNCIAS DO DECISOR OBRIGAÇÕES DO DECISOR CONTEXTO BUSCA DE UMA VARIEDADE RESTRITA DE ALTERNATIVAS RECURSO A CRITÉRIOS RAZOÁVEIS DE ESCOLHA SELEÇÃO DE UMA OPÇÃO SATISFATÓRIA Concretamente várias heurísticas podem ser utilizadas preferencialmente em função da personalidade da história de vida e das pressões incidentes sobre a autoridade envolvida adotar de saída uma alternativa privilegiada que o decisor prefere e que confronta individualmente com quaisquer outras possíveis recorrer aos antecedentes à experiência buscar repetir alternativas já utilizadas antes por ele ou por outros recorrer à jurisprudência das decisões lançar mão de critérios com aparência de normas com bases mais ou menos bemformuladas retoricamente mas de escassa ou nula fundamentação objetiva 102 O termo em inglês também bastante utilizado é bounded rationality 94 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS chamadas de regras da experiência o termo inglês é mais sugestivo rules of thumb103 Qualquer que seja a solução individual que o decisor adote em cada caso concreto é preciso admitir a forte probabilidade da decisão vir condicionada pelas restrições bastante severas mas reais da racionalidade limitada cuja consideração permite uma abordagem mais verossímil e objetiva desta etapa do ciclo de políticas Um aviso a decisão não é tudo Puro engano de inocentes e desprevenidos o princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha o princípio é um processo lentíssimo demorado que exige tempo e paciência para se perceber em que direcção quer ir que tenteia o caminho como um cego o princípio é só o princípio o que fez vale tanto como nada SARAMAGO 2000 p 76 No imaginário da Gestão Pública tanto em sua versão formalizada no ordenamento jurídico quanto na mídia na cultura organizacional das agências públicas e na vox populi tudo converge para a valorização quando não para a sacralização da tomada de decisões As Constituições as leis administrativas os organogramas esmeramse em detalhar as regras de procedimento e competência que definem quem tem direito a assinar o quê em que circunstâncias ao fim de quais trâmites O decisor final é a pessoa que conta aquela cujos humores interesses e gestos se observam Todo o conteúdo da ação pública repousaria sobre seus ombros sua responsabilidade Conselheiros assessores e especialistas seriam então figuras auxiliares meros fornecedores de informação No entanto o rigor metodológico aconselha fortemente tomar esta primazia do ato decisório como uma hipótese a ser confrontada com as observações reais Desde os primórdios do estudo de Políticas Públicas este papel central do agente no papel e momento de decidir suscita polêmicas profundas104 Dahl e Hunter por exemplo divergem radicalmente sobre qual é o verdadeiro titular das decisões relevantes nas administrações locais norteamericanas o primeiro sustenta ser o processo decisório diluído entre muitos atores relevantes em muitos momentos no tempo a análise do segundo concentra o poder de decidir em pequenos grupos de representantes de grandes interesses empresariais numa estrutura quase piramidal que concentra poder nas mãos de uma reduzida oligarquia que move todos os fios para ampliar seu interesse Não há a rigor uma resposta certa a esta divergência interpretativa De fato se ampliarmos a busca para outros estudos de políticas podemos encontrar descrições de processos decisórios em ambas as linhas de visão Alguns casos descrevem ambientes de decisão bastante fragmentados e pluralistas No âmbito do ensino em contrapartida aparecem com mais força os movimentos educativos como instrumentos de ação coletiva setorial junto a sindicatos implicados em negociações de modelo substantivas e de gestão mais 103 Mény Thoenig 1992 p 143 exemplificam com a ideia mais ou menos corrente em Política Pública de que uma população imigrante superior a 15 da população de um território desencadeia surtos racistas na sua coletividade Apesar do evidente despropósito desta afirmação este é segundo os autores citados um critério levado em consideração em algumas situações 104 Mény Thoenig 1992 pp 129135 descreve as mais importantes destas polêmicas que aqui utilizamos para exemplificar o argumento desenvolvido 95 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV além das estritamente trabalhistas Em consequência o eixo básico de interação governopartidos no âmbito da política de saúde deslocase na direção de um padrão de interações muito mais fragmentado e menos institucional Em ambos os setores as relações de poder apresentam elementos de simetria com importantes eixos de conflito mas também com comunidades de interesses e grandes coalizões estáveis com certo grau de institucionalidade105 Outras abordagens relatam traços de um processo decisório tão concentrado que chegam a parecer caricaturais embora rigorosos O isolacionismo político o macartismo a indiferença em relação ao crime o desinteresse pelos problemas sociais a negligência com os serviços públicos em Austin o lixo é recolhido uma única vez por semana e as ruas residenciais não possuem iluminação pública a crença fanática nos direitos do Estado do Texas frente ao governo federal o controle total das cidades e do Estado pelos homens de negócios por meio dos conselhos dos cidadãos tudo isso dá a Dallas como ao Texas uma situação específica que deve ser considerada Esta visão não é uma utopia ela existe ela causa inveja a muitos homens de negócios e a alguns militares ditatoriais seus aliados ela é Dallas praticamente governada por um Conselho de Cidadãos composto de 234 homens de negócios escolhidos segundo seus estatutos entre os milionários os presidentes e diretoresgerais das grandes companhias106 Muitos outros estudos107 de processos decisórios ao longo de varias décadas nos países desenvolvidos convergem para a confirmação do que apresentamos neste capítulo a fase de decisão é um momento da dinâmica de uma Política Pública tão complexo e interrelacionado com os demais quanto qualquer outro Já advertimos anteriormente para o perigo do fascínio pela decisão o nascimento de uma Política Pública não deve ser assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante O processo decisório a psicologia de quem decide os acontecimentos que ocorrem no momento em que se fixam as opções os raciocínios que conduzem às escolhas são elementos importantíssimos para o resultado final da ação pública e o decisor legitimado politicamente é na maioria dos casos aquele que põe em marcha as atividades internas do processo decisório No entanto ainda que seja ele quem assina e resolve em última instância tem de apoiar se em opções de soluções concretas cuja formulação detalhada tecnicamente constituída é feita por terceiros que reforçam assim pela via do conhecimento aplicado à decisão a própria legitimidade da mesma agora sob a ótica do conteúdo Além disso o processo decisório não existe de per si não tem sentido sem os acontecimentos anteriores às atividades de decisão as condições em que nasce o problema considerado as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema e por outro lado não pode ser visto em sua relação com a Política Pública sem considerar seus desdobramentos na implementação 105 Gomà Subirats 1998 pp 401402 descrevendo as políticas de educação e saúde levadas a cabo na Espanha da última década do século XX 106 Rodrigues 1982 pp 129130 as agudas observações de um intelectual brasileiro no Texas dos anos 60 em plena luta pelos direitos civis e pela ampliação dos direitos sociais no contexto da Nova Fronteira do governo Kennedy 107 Resenhados em Mény Thoenig 1992 pp 131135 96 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS Aproximação ao caso brasileiro Levando em conta a instabilidade e fluidez das estruturas institucionais e dos padrões político administrativos de países em desenvolvimento caracterizados por democracias do tipo delegativo como é o caso do Brasil podemos concluir que nesses países mais ainda do que em democracias consolidadas a policy analysis deve enfocar os fatores condicionantes das Políticas Públicas polity e Politics dando ênfase na sua dimensão processual a fim de poder fazer justiça à realidade empírica bastante complexa e em constante transformação FREY 2001 p 251 O enfoque da nossa disciplina é essencialmente metodológico voltado ao estudo dos conceitos e instrumentos de análise do processo de Políticas Públicas Por isso mesmo buscamos apoio nos conceitos teóricos disponibilizados em nível internacional independentemente da origem Escapa nos por inalcançável a possibilidade de estabelecer um estudo sistematizado do processo histórico de atuação do Estado brasileiro possibilidade esta que exigiria o recurso a análises históricas bastante mais extensas com outro foco e diferentes instrumentos Não podemos no entanto deixar de oferecer uma pequena janela sobre a realidade latinoamericana e brasileira para ilustrar a circunstância inescapável de que como lembra o breve trecho que abre esta seção a análise de qualquer Política Pública não poderá deixar de considerar as relações entre o conteúdo da política as regras e mecanismos institucionais e suas fragilidades e o comportamento real dos atores ou nos termos em que colocamos anteriormente a policy somente se compreende integralmente se vista em conjunto com a Politics e a polity Iniciando com uma visão mais geral uma síntese interessante do funcionamento do mecanismo governamental brasileiro pode ser encontrada no conceito de regime de obediência débil à semelhança de todos os países latinoamericanos108 Este tipo de regime caracteriza países cujas estruturas e práticas institucionais de poder político e ação estatal dependem fundamentalmente da sua interação com interesses privados Isso decorre do caráter incompleto do pacto que sustenta a organização política e institucional que revela a fragmentação social do uso recorrente dos mecanismos de exceção para governar fator dominante de precariedade política e da cultura do atalho como mecanismo de sobrevivência social que submerge os procedimentos públicos no rastro da informalidade Tratemos cada um desses fatores com mais vagar A informalidade no âmbito da Política Pública caracteriza a instrumentalização quase permanente das instituições por lógicas privadas individuais grupais ou de facções políticas ou a forma como os interesses privados dominam os âmbitos estatais utilizandoos em busca de um benefício determinado Repare que não se trata da luta política aberta que representa exatamente a defesa de posições parciais para obter a sua implantação pelo Estado mas sim o controle direto desse mesmo Estado ou frações dele não para que execute o papel de promotor de uma lógica comum ou compatibilizadora dos interesses parciais mas para que adote como seus os fins do grupo privado que nele penetrou As instituições governamentais veemse assim oscilando entre dois extremos a manutenção e mesmo ampliação da mais precisa e extrema formalidade jurídica que chega a ser entendida como desenvolvimento institucional e a mais vigorosa informalidade dos 108 Torres pp 114120 De especial importância o fato de que o modelo de obediências débeis é uma tentativa de buscar traços comuns a muitas experiências históricas latinoamericanas o que permite uma interessante síntese dos aspectos principais do problema que ressaltamos 97 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV particularismos que internamente as dominam Assim as lógicas privadas e as facções políticas capturam e definem cada sentença judicial cada lei e cada tarefa de governo As instituições e as ações estatais são mobilizadas porque há um interesse particular que as impele a fazêlo porque há alguém que as converte em instrumento TORRES 2006 p 117 Por sua vez os mecanismos clássicos de organização e participação política nas democracias de tipo ocidental servem precariamente a essa função nos regimes de obediência débil os partidos políticos não conseguiram constituirse em instâncias de cristalização e explicitação dos interesses e tensões latentes na sociedade a ação política dos grupos de interesse fazse diretamente privadamente e a participação dos partidos termina por ser tão instrumentalizada quanto o domínio do Estado acima referido Na micropolítica das decisões o intercâmbio de favores e pressões sobre os agentes políticos individuais termina por imporse sobre quaisquer considerações de discussão institucional ou programática Por fim a fragmentação social implica a indisponibilidade da vontade coletiva de aderir a regras comuns e impessoais e menos ainda de sustentálas ou de agir organizadamente em defesa explícita e aberta de interesses particulares na arena política os cidadãos não costumam se organizar em torno de interesses específicos desde Tocqueville um dos elementos fundamentais para preservar a liberdade política na democracia de massa mas que eles deixam se levar pelas paixões e emoções instantâneas FREY 2001 p 245 Sob tais condições a prática das decisões em Política Pública afastase significativamente das condições da moderna democracia institucional aquelas que estudamos como o estado da arte ainda assim este afastamento não pode ser assumido ostensivamente na medida em que se choca com todo o ideário político de democratização e modernização homologandose aos principais países ocidentais Sintetiza Frey 2001 p 249 adequadamente este dilema Porém em face da disseminação irresistível do ideário democrático por um lado e à fragilidade e precariedade das novas instituições democráticas por outro encontramos várias instituições não formalizadas que desempenham a função de sustentáculos do poder oligárquico e exercem influência decisiva nos processos políticoadministrativos ODonnell menciona sobretudo o clientelismo o patrimonialismo e a corrupção ODonnell 1991 p 30 O agir estatal e administrativo se baseia em formas clientelistas de interação visa mais ao caso individual e não soluções coletivas A política efetiva não vem sendo produzida e implementada ou só em proporções limitadas dentro das instituições e de acordo com os procedimentos formalmente previstos na Constituição ou nas leis orgânicas dos municípios e segue só de forma restrita os padrões de política aspirados teoricamente com os respectivos arranjos institucionais e procedimentais Sob estas tensões a linearidade dos modelos de processo decisório é claramente ultrapassada passam a coexistir no miolo mesmo da decisão agentes agências e discursos cujos interesses evoluem sempre de maneira incerta A invocação do interesse público nestes casos estará sempre sob a suspeita de encobrir diretamente um interesse privado as limitações universais da racionalidade limitada podem ser utilizadas como mero pretexto para a conversão da racionalidade 98 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS do Estado enquanto um ponto distinto das racionalidades individuais ou grupais em racionalidade de um único interesse particular Neste sentido o processo decisório não apenas é capturado diretamente pelo conflito de interesses particulares mas prossegue ao longo da execução Não apenas se alimenta o conflito nos termos distorcidos que apresentamos nesta última seção no âmbito da definição dos fins das Políticas Públicas mas a disputa pela apropriação da ação pública prossegue na medida em que as políticas avançam da decisão para a implementação A estruturação das Políticas Públicas é percebida como um processo que pode modificar sentido e conteúdo na medida em que os enunciados tenham de ajustarse aos contextos em que devam ser levados à prática Os objetivos iniciais podem ser subestimados pelos novos objetivos operacionais sua hierarquia podese ver invertida e os meios utilizados de facto podem ter origem num compromisso político econômico ou institucional e assim diferir dos meios previstos in abstracto MONNIER 1991 p 136 Operacionalmente os enunciados de política formalizados pelo decisor e levados às instâncias de implementação passam a ser objeto da negociação sobre os meios Este confronto envolve por igual os agentes políticos e aqueles de inserção formalmente burocrática servidores de carreira ambos impactados pela dinâmica da negociação e fazendo com que as relações hierárquicas e funcionais no âmbito do setor público fiquem condicionadas fortemente pela dinâmica das relações políticas A alguns parecerá talvez uma descrição um pouco carregada nas tintas De fato são tendências entrevistas no funcionamento real das nossas sociedades É preciso oferecer ao leitor um contraste também teórico ao modelo tradicional A resposta corroborativa dessa nova teoria exigiria uma revisão exaustiva dos casos históricos afinal os estudos de Políticas Públicas enfocam basicamente casos empíricos e seus resultados têm portanto pelo menos em um primeiro momento apenas validade situacional No entanto existem amplos precedentes e graves de políticas implantadas no Brasil em maior ou menor grau sob os parâmetros aqui levantados Veremos um caso paradigmático a definição pelo Congresso Nacional do orçamento federal Diante da essencial função legislativa de autorização da despesa pública como se comportam os deputados e os senadores na condição de titulares dessa decisão A pesquisa em profundidade de Marcos Otávio Bezerra sobre tais processos decisórios oferece um quadro bastante grave Os recursos remanejados pelos parlamentares durante a fase legislativa de elaboração do projeto de Lei Orçamentária isto é aqueles utilizados para a elaboração das emendas parlamentares incidem somente sobre uma parcela do recurso total do orçamento da União Ter uma ideia mais precisa do que significa essa parcela é um passo importante para se compreender a atuação dos parlamentares na elaboração do orçamento Como tem sido divulgado entre outros pelos próprios parlamentares o valor remanejado por meio da apresentação das emendas individuais e coletivas tem correspondido nos últimos anos a menos de 2 do total do orçamento Essas emendas incidem sobre os recursos destinados a investimentos Ao interesse dos parlamentares em aprovar recursos para suas bases eleitorais se opõe a concepção de que a discussão do orçamento em sua fase legislativa deve 99 FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS UNIDADE IV priorizar a análise das grandes questões nacionais Apesar desta posição ser defendida por alguns deputados senadores e técnicos das assessorias de orçamento as evidências apontam para o fato de que são as discussões a respeito das emendas para as bases o que realmente mobiliza os parlamentares Alguns meses antes do início das investigações da CPMI do Orçamento em um aparte o senador Jutahy Magalhães chamava atenção para esta questão Nós nos preocupamos com a divisão de recursos pelos parlamentares mas não nos preocupamos com a política global voltada para o interesse nacional ALUÍSIO BEZERRA Críticas ao Orçamento da União discurso pronunciado em 26393 p 5 As emendas que têm por objetivo o desenvolvimento de programas nos estados e municípios aos quais os parlamentares estão politicamente vinculados são designadas comumente como emendas paroquiais O termo tem um sentido pejorativo é utilizado em comparação com as emendas voltadas para as questões tidas como mais amplas e remete à preocupação dos parlamentares com a destinação de recursos para suas bases eleitorais Se esse tipo de emenda é tida como paroquial os parlamentares que as elaboram não raras vezes são rotulados como vereadores federais e o orçamento da União por conseguinte devido à natureza dos projetos aprovados pequenos projetos é comparado com os orçamentos Municipais A aproximação do poder federal do poder municipal é fundada na constatação de uma certa continuidade nas práticas políticas relacionadas à elaboração do orçamento nessas duas dimensões do poder público A obtenção de recursos federal estadual ou municipal para o atendimento de demandas particularísticas ou seja de recursos que são dirigidos para as localidades às quais os políticos são vinculados parece ser uma preocupação presente em distintas instâncias políticas e neste sentido um elemento significativo da atividade política A prioridade dada pelos parlamentares à aprovação de emendas que atendam aos interesses de suas bases eleitorais manifestase por exemplo no tempo gasto nas discussões sobre estas emendas e aquelas relativas às macroalocações Técnicos das Assessorias de Orçamento do Congresso indicam onde se concentram os interesses dos parlamentares cujas energias são mobilizadas em torno da parcela de recursos que podem ser realocados para a implementação de projetos locais Observese o que diz Orestes um dos informantes O Congresso gasta 99 de tempo de discussão do orçamento discutindo isso que representa 15 a 3 do orçamento E não discute o resto das macroalocações do orçamento Mas esse diagnóstico contém também um julgamento a respeito da atuação dos parlamentares no que concerne à elaboração do orçamento Isto fica mais claro no comentário efetuado por outro técnico Garcia Lamentavelmente o que predomina ainda nas reuniões da Comissão ou das Subcomissões é a discussão em torno dessa porcaria emendas paroquiais O relator setorial numa área qualquer ele perde 90 do tempo dele discutindo com cada parlamentar as emendinhas de caráter paroquial e os outros 10 é que ele vai cuidar realmente das emendas de interesse coletivo Aos olhos dos técnicos essa é uma posição frequente nas Assessorias e de alguns parlamentares as emendas paroquiais são valoradas negativamente e consideradas como de menor importância 100 UNIDADE IV FORMULAÇÃO E ESCOLHA DE ALTERNATIVAS DE POLÍTICAS na discussão do projeto de lei orçamentária Este julgamento está assentado na concepção reforçada pelas assessorias técnicas de que os parlamentares devem concentrar seus interessas na discussão das grandes questões e prioridades nacionais Neste sentido estes tendem a incentivar e valorizar os debates a respeito das emendas coletivas bancadas e comissões Apesar das críticas à prioridade concedida pelos parlamentares às emendas individuais do ponto de vista de seu significado político há técnicos das Assessorias que consideram a aprovação das mesmas como um direito Como informa Garcia Os vereadores federais têm todo direito de pleitear obrinhas de menor porte para os municípios porque seguramente eles também estão sendo pressionados pelos prefeitos e vereadores locais Essas emendas são julgadas como um direito quando considerada da perspectiva da lógica das relações que vinculam os parlamentares às lideranças políticas estaduais e municipais No entanto se o referencial é o papel do Congresso na elaboração do orçamento este interesse dos parlamentares passa a ser questionado quando é predominante e exclusivo ou seja sobrepõe se à discussão sobre as obras e programas de abrangência nacional A atuação dos parlamentares é vista como crítica quando estes cuidam exclusivamente de seus interesses BEZERRA 1999 pp 6671 Não podemos excursionar muito sobre esta realidade sob pena de abrir uma nova frente de estudo tão ou mais ampla que a totalidade da nossa disciplina Estas últimas observações são uma matização do processo teórico um alerta no sentido de que a teoria é um instrumento para compreender a realidade e a arte da análise de políticas como aliás a análise de todo o universo da Gestão Pública está em combinar o rigor da teoria com a força da realidade dos fatos históricos utilizando a análise teórica como bússola para discernir os grandes movimentos da história Ao final de toda a discussão sobre o processo de decisão reflita sobre mais algumas questões importantes Uma Política Pública estará inteiramente definida quando se fixam seus enunciados ou seja a decisão formal por adotar tal ou qual medida As condições em que é levada à prática uma Política Pública afetam os seus resultados diante de objetivos formulados no processo político 101 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO É o que veremos no próximo capítulo que vai discutir a implementação das políticas Até lá Infelizmente a experiência também já nos ensinou que até as mais perfeitas e acabadas ideias podem fracassar quando chega a hora da sua execução seja por hesitações de último momento seja por desajuste entre aquilo de que se estava à espera e aquilo que realmente se obteve seja porque se deixou fugir o domínio da situação num momento crítico seja por uma lista de mil outras razões possíveis que não vale a pena estar a esmiuçar aqui nem teríamos tempo para examinar por tudo isto tornase indispensável ter sempre preparada e pronta para aplicar uma ideia substituta ou complementar da anterior que impeça como neste caso poderia ocorrer o surgimento de um vazio de poder outra expressão essa mais temível é o poder na rua de desastrosas consequências SARAMAGO 2004 p 64 Uma vez mais recorremos à visão literária sobre o mundo para fomentar a meditação sobre algo tão múltiplo como o estudo da ação pública Pense bem uma vez decidida pela autoridade pública uma determinada linha de ação terá ela automaticamente seguramente a ação desejada Mais ainda o que será realizado em seu nome será aquilo que foi intencionado Já vimos que algumas realidades históricas como que estendem o processo de decisão o processo de disputa entre diferentes alternativas além da apresentação dos enunciados de políticas Será isto uma distorção específica de determinadas trajetórias nacionais ou este raciocínio terá uma aplicação mais universal 102 CAPÍTULO 1 Desafio da implementação Um estudo da implementação é um estudo da mudança como ocorre a mudança possivelmente como ela pode ser induzida É também um estudo da microestrutura da vida política como as organizações dentro e fora do sistema político conduzem seus negócios e interagem umas com as outras o que as motiva a agir da forma como agem e o que as poderia motivar a agir de forma diferente JENKINS 1978 p 203 apud PARSONS 1989 pp 461462 De acordo com o nosso roteiro analítico do modelo de ciclo de políticas estaremos agora na hora de colocar as soluções em prática Intuitivamente nada mais simples uma vez que se decide passar à execução daquilo que foi decidido É claro que a enunciação de um marco normativo de intenções textos legais documentos discursos encontra seguimento na adoção de providências concretas Esta tomada de medidas práticas é inclusive identificável em suas grandes linhas podendo configurar com clareza uma etapa própria em nosso modelo de ciclo de políticas Ocorre que a realidade como sempre ocorre no universo de Políticas Públicas não é nunca tão linear A formulação das políticas não termina com a sua aprovação a política está sendo decidida à medida que é aplicada e está sendo aplicada à medida que vai sendo decidida HOLT 1975 p 98 apud PARSONS 1989 p 462 Parafraseando a frase já clássica sobre guerra e política109 a implementação é a continuação da formulação da política por outros meios A tradição dos estudos em Ciência Política e Administração envolvendo as Políticas Públicas no entanto tem enfatizado uma demarcação bastante rígida entre política e administração a primeira concluiria com a decisão com a emissão de enunciados formais a segunda principiaria nos enunciados da política sendo o papel do administrador levar a cabo as decisões adotadas pelos formuladores das políticas A interrelação entre os políticos aqui entendidos como tomadores de decisão os administradores e os demais prestadores de serviço envolvidos na mettre en oeuvre têm sido até as últimas décadas uma espécie de elo perdido no processo de políticas A política era julgada e analisada em função das decisões e dos tomadores de decisão e não em função dos executores nas ruas Esta posição tem também reforço na tradição inglesa de governo que embora não tenha sido transplantada a muitos outros países110 tem uma ascendência fortíssima sobre o imaginário e os mitos fundadores da maioria dos países ocidentais na arquitetura de governo surgida das revoluções inglesas e de sua longa evolução parlamentarista existe conceitualmente uma espécie 109 Na linguagem comum a guerra é a continuação da política por outros meios Mais precisamente guerra nada mais e que a continuação do intercurso da política com a inclusão de outros meios CLAUSEWITZ apud HUNTINGTON 1996 p 75 A ideia de parafrasear Clausewitz está em Parsons 1989 p 462 110 Podese dizer em grandes linhas que tal tradição alcançou plenamente as estruturas de governo dos países escandinavos Dinamarca Noruega Islândia Suécia grandes países da Commonwealth Canadá Austrália Nova Zelândia e inspirou formalmente embora a igualdade das práticas seja questionável os demais países daquela Comunidade mas não transladou se aos países da Europa Continental nem aos Estados Unidos 103 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V de muralha chinesa entre um andar superior político que os objetivos das ações públicas e todo o restante do edifício composto por uma burocracia profissional e politicamente neutra que leva adiante as medidas que se lhe encomendam com a única restrição de manter a observância estrita das leis e regulamentos Este modelo um tipo ideal weberiano por excelência não é evidentemente capaz de abranger a dinâmica do funcionamento do Estado moderno e de fato não chegou a ter a predominância mesmo teórica ou ideológica em outros tipos de sociedade como os da Europa continental Vejamos primeiro a visão tradicional convencional do que é implementação O modelo tradicional top down Três crenças fundamentais dão suporte à visão convencional da implementação a administração pública responsável por levar a efeito as medidas decididas pelos políticos funciona como uma pirâmide hierarquizada e centralizada uma ordem emitida da cúpula dessa pirâmide é suficiente para que todos os escalões obedeçamna e transmitamna integralmente até aqueles que na base devem executar diretamente as tarefas que envolve a decisão corre de cima para baixo o que representa exatamente a denominação top down para o modelo existe uma muralha chinesa uma distinção radical entre o universo político aqueles escolhidos por eleições e o administrativo funcionários profissionais politicamente neutros e cada um desses grupos tem uma lógica própria não adotando a lógica do outro a atividade administrativa tem por princípio básico a eficiência a otimização dos resultados frente aos recursos esta eficiência deriva de métodos de trabalho e procedimentos cientificamente desenhados para obter a otimização instrumental do trabalho Em consequência desses princípios não existe praticamente autoridade discricionária nenhuma liberdade de ação aos escalões de execução das políticas a decisão encontrase no topo da pirâmide não em sua base Por isso implementar no modelo top down significa que quem decide o político e ao longo da cadeia de comando o superior hierárquico da escala administrativa atribui ao executor o subordinado na hierarquia administrativa uma determinada tarefa com base em critérios técnicos impessoais de competência e de legalidade a Política Pública se comunica e entrega ao executor sob a forma de interações específicas predeterminadas e formais procedimentos operacionais e programas de atividades 104 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO o executor põe em prática as instruções de acordo com os objetivos e indicações formulados pelo tomador de decisão Uma descrição ainda mais precisa do modelo top down é dada por Hood WILEY 1976 apud PARSONS 1989 pp 465 ORDENS A IMPLEMENTAÇÃO ESTÁ A CARGO DE UMA ORGANIZAÇÃO UNITÁRIA CENTRALIZADA À IMAGEM DE UM EXÉRCITO AS NORMAS SÃO APLICADAS INCONDICIONALMENTE E OS OBJETIVOS FORMULADOS INEQUIVOCAMENTE AS PESSOAS ENVOLVIDAS CUMPREM RIGOROSAMENTE AS ORDENS RECEBIDAS EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO DENTRO DAS UNIDADES DA ORGANIZAÇÃO E ENTRE ESTAS NÃO EXISTEM PRESSÕES DE TEMPO OU CRONOGRAMA Portanto no enfoque top down a influência da implementação é apenas instrumental existe uma separação radical no conteúdo nas responsabilidades e no tempo entre a concepção de uma política e sua implementação Levar à prática é um processo linear que desce do topo até a base da pirâmide hierárquica o topo governa pela definição do sentido e dos fins e pela manutenção do rigor hierárquico e a base aplica por observância da hierarquia A passagem do topo à base ou do centro à periferia representa a transformação dos objetivos em meios a substituição da política pela técnica a desaparição dos desafios de conflito em favor das racionalidades da gestão O enfoque é melhor compreendido no esquema gráfico a seguir O enfoque Top down da implementação FORMULAÇÃO DE DECISÃO EXECUÇÃO INSTRUMENTAL IMPACTO DA POLÍTICA SOBRE A SOCIEDADE Tempo decorrido Topo de hierarquia Base de hierarquia Esta visão convencional por seu lado tem muitas razões para assumir esta forte ascendência na cultura das administrações públicas da mídia e do público É razoavelmente simples de compreender é compatível com o discurso formal de governo e administração pública oriundo da doutrina jurídica de características normativas o dever ser por fim tem o grande mérito de ser voltada para a ação enfatiza o movimento na realização prática das decisões formais No entanto e como tantas vezes temos tido que enfatizar em nosso curso de Políticas Públicas o mundo real não é tão simples nem linear Em termos teóricos a validade preditiva de qualquer 105 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V modelo top down na implementação de um programa dependeria da existência no mundo real de uma série de pressupostos extremamente fortes111 Pressupostos teóricos dos modelos Top down NÃO EXISTEM RESTRIÇÕES EXTERNAS À AGÊNCIA GOVERNAMENTAL RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO EXISTEM TEMPO E RECURSOS ADEQUADOS DISPONÍVEIS PARA A EXECUÇÃO DO PROGRAMA NA PROPORÇÃO CORRETA EM TODAS AS ETAPAS DA EXECUÇÃO DO PROGRAMA A POLÍTICA ESTÁ BASEADA EM UMA TEORIA DE MUDANÇA SOCIAL VÁLIDA OU SEJA EXISTE REALMENTE UMA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE AS INTERVENÇÕES REALIZADAS E AS CONSEQUÊNCIAS ESPERADAS ALÉM DISSO A RELAÇÃO É DIRETA E EXISTE POUCA OU NENHUMA INTERAÇÃO CRUZADA COM OS EFEITOS DE OUTRAS POLÍTICAS EXISTE UMA ÚNICA AGÊNCIA RESPONSÁVEL PELA EXECUÇÃO QUE NÃO DEPENDE DE TERCEIROS PARA O SEU SUCESSO EXISTE COMPREENSÃO E CONSENSO SOBRE OS OBJETIVOS A ATINGIR ANTES E DURANTE TODA A EXECUÇÃO AS TAREFAS A CARGO DE CADA EXECUTOR NECESSÁRIAS AO ATINGIMENTO DOS OBJETIVOS PODEM SER ESPECIFICADAS EM PERFEITO DETALHAMENTO E SEQUÊNCIA EXISTE PERFEITA COMUNICAÇÃO E COORDENAÇÃO ENTRE OS DIFERENTES EXECUTORES DO PROGRAMA AQUELES EM POSIÇÃO HIERÁRQUICA SUPERIOR PODEM EXIGIR E OBTER PERFEITA OBEDIÊNCIA DE SEUS SUBORDINADOS SEM QUALQUER RESISTÊNCIA DOS EXECUTORES FRENTE À AUTORIDADE QUE DECIDE Ora mesmo a nível teórico são condições cuja ocorrência é pouco convincente pouco mais que um devaneio ou wishful thinking Na própria pesquisa acadêmica os mais diferentes estudos empíricos há várias décadas insistem em descobrir que o que acontece na base da pirâmide no local onde as decisões políticas deveriam ser convertidas em produtos concretos o que ocorre é muito mais complexo e diferente do que se esperaria no raciocínio top down Esta é a origem de uma das expressões mais importantes da análise de Política Pública o conceito de implementation gap deficit de implementação numa tradução livre Os resultados esperados mesmo com um planejamento cuidadoso não são aqueles que se espera são menores ou são simplesmente diferentes Na verdade não só os resultados finais mas as ações mesmas executadas pelos agentes da política estatal são diferentes das que constavam do plano enunciado Deficit de implementação ou Implementation gap Resultados PREVISTO OU PLANEJADO REALIZADO EXECUÇÃO DAS AÇÕES PRESCRITAS ATIGIMENTO DOS OBJETIVOS Tempo decorrido DEFICIT DE IMPLEMENTAÇÃO 111 A especificação teórica dos pressupostos a partir de um estudo metodológico dos diferentes modelos pode ser encontrada em Gunn Lewis Why is implementation so dificult Management Services in Government 3316976 apud Parsons 2001 pp 465466 também mencionado em Mény Thoenig 1992 pp 162163 106 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO O gráfico anterior nos dá uma imagem conceitual para o deficit de implementação Os executores possuem na prática uma importante autonomia de ação independentemente das prescrições legais não dependente da racionalidade que os escalões superiores enunciam autonomia esta feita em torno dos jogos de influência e de negociações em torno da aplicação das normas e dos procedimentos sobre o mundo real A autoridade que concebe e enuncia a política encontrase muitas vezes demasiado distante dos executores as muitas políticas faltam clareza e precisão na formulação das medidas concretas destinadas a alcançar o objetivo desejado seja por seu caráter excessivamente sucinto ou excessivamente abstrato seja pelas complicações que incidem sobre ela reações hostis da opinião pública interesses particulares de capturar a política ou seus efeitos para fins privados uma série de condições que foram assumidas como hipóteses portanto não são verificadas no mundo real MényThoenig oferece um exemplo clássico de implementation gap o governo federal americano formulou uma política de fomento ao desenvolvimento de empresas na cidade de Oakland mediante a subscrição direta de capital em empresas num montante de 23 milhões de dólares que geraria 3000 empregos novos ao final de três anos foram aplicados apenas 4 milhões de dólares que geraram 68 novos empregos MÉNY THOENIG 1992 p 164 Na realidade brasileira a área de segurança pública112 é um exemplo de que essa diferença entre o mundo normativo ou prescrito e o mundo real é absolutamente dramática Veja o testemunho de alguns policiais a respeito da diferença entre a política fixada e a realidade nas pontas Muitas vezes o que ocorre na polícia O pessoal que faz a parte de administração o pessoal interno que não tem acesso ao dinheiro do bicho ao dinheiro do balcão acaba cobrando tudo ao pessoal das delegacias Cobra carbono cobra gasolina cobra pneu cobra conserto do carro Por isso quando a polícia reclama que não tem viaturas que não tem papel isso muitas vezes não é verdade O Estado todo mês dá as cotas de papel e de material de expediente paga os consertos de viaturas dá verba para a manutenção paga combustível só que muito disso é desviado e é preciso pagar ou então comprar no comércio As delegacias que têm acerto com contravenção com ferrosvelhos frequentemente usam parte do dinheiro para a sua própria manutenção A corrupção então é justificada como forma de manter a delegacia funcionando O jogo do bicho trabalhou muito tempo com isso Se ele dava R 30 mil por mês para uma delegacia o delegado tirava R2 mil ou R3 mil para a manutenção É surrealista essa situação113 O verbo é trabalhar Quando o subordinado chama o comandante pelo rádio e pergunta chefe posso trabalhar o meliante está pedindo autorização para fazêlo cantar ou seja para fazêlo contar o que sabe Da mesma forma que o governador autoriza o secretário de segurança a autorizar o comandante da PM a autorizar o policial quando lhe diz Faça o que for necessário para resolver o problema O governador dorme o sono dos justos o secretário descansa em berço esplêndido 112 Mencionamos a segurança pública porque o debate nacional recente sobre o assunto suscitou uma grande e documentada polêmica sobre as dificuldades da implementação de políticas eficazes Portanto o fato de que os problemas policiais são utilizados aqui como exemplo não significa que são mais críticos que os do sistema prisional ou dos hospitais públicos ou do judiciário para dar apenas mais alguns exemplos apenas vêm sendo melhor e mais fartamente documentados 113 Depoimento do delegado Hélio Luz que foi Chefe de Polícia no Rio de Janeiro entre 1995 e 1997 apud Benjamim 1998 p 25 107 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V o comandante repousa como um cristão e o soldado lá na ponta suja as mãos de sangue Se der m o bagulho estoura no elo mais fraco é claro Quem paga o pato é o soldado Quem frequenta as listas das entidades internacionais de direitos humanos é o soldado O governador é ambíguo para descansar em paz o secretário é sutil para preservar a consciência o comandante cultiva os eufemismos e opta pelo vocabulário enviesado para proteger a honra e o emprego Sobra para o soldado que bota pra f por dever de ofício É curioso a ambiguidade só pode ser cultivada nos ambientes solenes do Palácio do Governo onde a impostura e a violência são adocicadas pela coreografia elegante da política Quando a arena é a favela os rituais são outros menos sofisticados Na praça de guerra não há espaço nem tempo para a solenidade e as ambivalências O que era doce fica amargo azeda e cai de podre A gente que atua lá na ponta da cadeia de decisões colhe o fruto podre e faz o que pode para digerir SOARES BATISTA PIMENTEL 2008 p 37 Enfim é preciso buscar novas abordagens marcos analíticos mais humildes por isso mais potentes que tentem dar conta de toda a complexidade real do processo de implementação Visões alternativas e tentativa de um marco analítico Desde os anos 1970 em especial a literatura vem produzindo modelos mais próximos desta perspectiva incorporar o papel dos agentes técnicos e políticos na implementação considerados como agentes com interesses portanto nem neutros nem passivos enxergar na implementação a potencialidade de influir no próprio conteúdo da política escolhida aceitar que o compromisso entre posições antagônicas é característica inseparável da ação política e em maior ou menor grau persiste ao longo de todo o ciclo de políticas Sobre este último ponto inclusive muitas políticas são intencionalmente ambíguas abstratas ou vagas pois definilas com precisão significaria fazer escolhas que o tomador de decisão não tem capacidade política para impor o que implica em que paradoxalmente se transfira aos executores na base da pirâmide o encargo de decidir o conteúdo real das políticas o exemplo anteriormente citado da intervenção policial nas áreas de favelas revela bem essa descentralização forçada por impasses na cúpula Além disso numa sociedade moderna os atores sociais são capazes de reagir com diferentes graus de eficácia às políticas formuladas pelo governo os possíveis beneficiários podem não reconhecer uma intervenção como benefício e sentirse agredidos os adversários mobilizam todo o leque de recursos de que dispõem para bloquear desviar mitigar criar exceções Com estes cuidados podemos avançar também baseados em Mény Thoenig 1992 pp 168 174 na criação de um marco analítico alguns perfis de análise da implementação de Políticas Públicas Não se trata de um instrumento normativo prescritivo do tipo deve ser assim mas ao contrário uma lente que focaliza os elementos principais Este marco decompõese em uma teoria do processo de mudança que evidencia as hipóteses feitas pelo tomador da decisão acerca das causalidades que a política vai pôr em marcha 108 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO um sistema de ação ou leque de mecanismos utilizados para concretizar o processo de mudança Evidenciar a teoria do processo de mudança Como já dissemos antes executar é aplicar um programa de ação a um problema situação ou comportamento A Política Pública deseja modificar alguma situação social e portanto um certo número de pessoas terá o seu comportamento transformado em alvo dos executores114 tratase de intervir para influenciar por diversas formas de persuasão e coerção a ação de indivíduos ou grupos Num exemplo bastante simples uma política de trânsito pode consistir em uma presença ostensiva de policiais nas estradas fazendo barreiras controles por radar lançando multas distribuindo folhetos e oferecendo orientações todos estes meios com o objetivo de alterar o comportamento dos condutores para que não ultrapassem a velocidade máxima permitidas É preciso reparar que existem várias causalidades numa política geral tanto as de nível global referentes aos grandes objetivos da política quanto as de natureza operacional envolvendo as pequenas ações encadeadas que compõem a política No exemplo citado existe uma hipótese mais global que a presença da polícia na estrada reduzirá o número de acidentes que se compõe de uma série de causalidades Determinação emanada da autoridade de trânsito fará os policiais executarem as medidas prescritas na forma preconizada Ação dos policiais será capaz de induzir os condutores a manterse dentro da velocidade máxima recomendada Redução da velocidade será capaz de reduzir a ocorrência de acidentes Para analisar a implementação portanto é preciso deixar explícitos os principais elementos dessa sequência de causalidades Para tanto alguns traços podem ser levantados Ora mesmo a nível teórico são condições cuja ocorrência é pouco convincente pouco mais que um devaneio ou wishful thinking Na própria pesquisa acadêmica os mais diferentes estudos empíricos há várias décadas insistem em descobrir que o que acontece na base da pirâmide no local em que as decisões políticas deveriam ser convertidas em produtos concretos o que ocorre é muito mais complexo e diferente do que se esperaria no raciocínio top down Esta é a origem de uma das expressões mais importantes da análise de Política Pública o conceito de implementation gap déficit de implementação numa tradução livre Os resultados alcançados mesmo com um planejamento cuidadoso não são aqueles que se espera são menores ou são simplesmente diferentes Na verdade não só os resultados finais mas as mesmas ações executadas pelos agentes da política estatal são diferentes das que constavam do plano enunciado 114 É possível imaginar situações pontuais em que a ação da política seja voltada exclusivamente a alvos físicos ex a construção de estrada no entanto é muito difícil conceber que a ação sobre o meio físico não tenha como consequência alguma modificação no padrão de comportamento social no exemplo dado a utilização posterior da estrada construída com a redução de custos na atividade econômica derivada dessa utilização 109 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V CAUSALIDADES IMPLÍCITAS NA POLÍTICA A TEORIA DE MUDANÇA SOCIAL OBJETIVOS ENUNCIADOS Existem critérios quantitativos ou qualitativos explicitados pela autoridade pública quanto aos resultados a serem atingidos pela política Esses critérios são precisos ou ambíguos São rígidos ou flexíveis POPULAÇÃO AFETADA Existem hipóteses sobre a forma de reação da população afetada Esperase que se conformem que resistam que apóiem ou se adaptem com mudanças de comportamento Como a política interage com a população Oferece incentivos Impõe limitações ou exigências Simplesmente oferece serviços independentemente da resposta É uma combinação dessas formas de interagir HORIZONTE TEMPORAL Existem prazos fixados ou previstos para a realização das tarefas de execução e para a obtenção dos resultados Esses critérios estão definidos de forma precisos ou ambígua Representam etapas escalonadas no tempo ou fixam apenas um limite final EXECUTORES MOBILIZADOS Existem postulados ou expectativas em relação à sua atuação Esperase que obedeçam por respeito à hierarquia ou por adesão ativa ao conteúdo da política Seu interesse em apropriarse da execução é marginal ou prioritário em relação a suas atividades diárias Lidam com um problema único tratado por uma política definida ou tratase de simplesmente mais uma atividade entre outras É interessante estender as considerações sobre alguns aspectos Primeiro os aspectos de prazo são chave para analisar a implementação A autoridade pública administra um hiato temporal legisla ou decide em um momento t suas prescrições podem aplicarse desde o dia seguinte ou alguns meses mais tarde por exemplo uma obra de grande porte demanda necessariamente vários meses desde a decisão até o primeiro movimento de terrra a execução pode continuar indefinidamente ou por um prazo mais dilatado no entanto a situação do problema no tempo t n não necessariamente corresponde àquela em t outros fatores sociais podem ter modificado as condições originais a execução mesma pode ter afetado estas condições outros fatores podem ter influenciado no contexto social em que a política deve ser executada115 Também o comportamento dos executores precisa ser qualificado como veremos na seção posterior para colocar em prática uma determinada política uma autoridade depende de terceiros agências técnicas servidores públicos outros entes políticos como governos locais e municipais organizações não governamentais Ora estes agentes não são neutros têm seus próprios interesses o analista deve tentar pensar sobre as consequências desses interesses sobre o resultado final da política Qual será a racionalidade do executor frente à do decisor Terá ele o incentivo a pôr a mão na massa com o esforço que seria necessário para obter os resultados previstos Existe apenas um executor possível a cargo de todas as etapas ou a responsabilidade é compartilhada por vários 115 O exemplo mais forte dessa defasagem temporal que apesar de caricato é autêntico é a legislação básica do direito comercial do Brasil formalmente a fonte do direito comercial brasileiro em 2007 permanece sendo o Código Comercial de 1850 Lei no 556 de 25 de junho de 1850 De fato o Código Civil de 2001 ao estabelecer dispositivos de direito comercial tem o cuidado de revogar individualmente determinadas partes daquela lei centenária sem afastála na totalidade 110 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO indivíduos ou grupos De outro lado podese levar adiante a política com vários executores em paralelo ou talvez competindo entre si Perceber o sistema de ação Não se deve cair na tentação simplificadora de acreditar que toda Política Pública engendra automaticamente um processo de execução específico uma política dada não é necessariamente o problema principal de que se ocupa o executor por exemplo a obrigação de implantar uma política intensiva de trânsito possivelmente representa um fardo adicional nem sempre desejado para uma unidade policial que já tem a responsabilidade de prevenção e repressão da criminalidade na área em que atua Por outro lado a visão diametralmente oposta é também excessivamente simplificadora não se deve achar que por ser um acréscimo de responsabilidades uma nova política será automaticamente rechaçada e boicotada pelo aparado administrativo Isto representa uma visão inteiramente caricata da burocracia estatal é perfeitamente possível que uma política seja percebida pelos executores como um avanço significativo sendo por isso adotada com prioridade e entusiasmo Ao contrário de ambos os postulados extremos a execução de uma nova política estrutura um novo campo de ação em que intervém determinados atores principalmente aqueles que no desenho da política têm as responsabilidades de execução dentro das circunstâncias concretas que vivem as outras responsabilidades que já têm os seus objetivos institucionais a sua percepção das urgências É o que se denomina aqui de sistema de ação O analista deve observar então que existe uma estrutura formal de execução e um sistema de ação que se forma na prática MÉNY THOENIG 1992 p 171 A primeira que já discutimos extensamente é o que a autoridade fixa ou define como deve ser a execução as disposições formais os enunciados de política o que se deve fazer quem deve fazer o mundo prescrito enfim Por outro lado o sistema de ação que deve preocupar o analista como seu objetivo final de exame representa aquele campo de ação que na prática a política vai gerar uma distribuição de tarefas atitudes relações entre os atores Importantíssimo é observar as diferenças entre o prescrito e o real entre a estrutura formal e o sistema de ação e investigar as suas possíveis causas BITTENCOURT 2005 Os executores e os destinatários das políticas não são sistemas estanques que recebem passivamente as ordens ou as intervenções há interações e jogo político Em um momento t n um programa de ação corre o risco de não se parecer com o que era em t por uma infinidade de ações possíveis a instabilidade ou mudança do próprio tomador de decisão um mesmo governo pode adotar posturas diferentes antes e depois de uma eleição importante a respeito de medidas impopulares como aumento de tarifas públicas a aprendizagem a partir da execução determinadas medidas podem mostrarse na prática tão inadequadas frente aos objetivos inicialmente planejados que levem a autoridade a modificar o seu conteúdo em função dos insucessos verificados na execução 111 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V a implementação serve de momento de revelação da ambiguidade que estiver contida na fase de formulação é na hora de levar à prática que a agenda oculta vem à tona Se as pressões dos interesses conflitantes não foram dirimidas na fase de tomada de decisão ou seja se o resultado final da política em termos de quem é beneficiado e quem é penalizado é formulado de maneira ambígua ou contraditória a realidade da execução forçará a que custos sejam impostos a alguns para que a política possa ser materialmente implantada e benefícios sejam impostos a outros Desta forma a revelação do conteúdo real da política é inevitável na sua implementação A visão do processo de execução pode então ser sumarizada com mais clareza no diagrama a seguir AUTORIDADE RESPONSÁVEL PELA DECISÃO OBJETIVOS E CONTEÚDO PRESCRIÇÃO PARA A EXECUÇÃO Estrutura formal de execução Sistema de ação EXECUTORES OFICIALMENTE E NA PRÁTICA DESTINATÁRIOS FINAIS TERCEIROS ENVOLVIDOS Dentro destas restrições então as perguntaschave para análise da implementação que podem ser buscados pelo analista como princípio de um modelo explicativo são reunidas na forma de uma seleção de questões que podem ser aplicadas aos casos concretos estudados116 Tratase de uma síntese das ferramentas que um marco analítico pode proporcionar ao estudo da política enquanto implementação Já vimos na seção anterior a pesquisa dos elementos de causalidade que embasaram a política Vamos agora estender os questionamentos para todo o espectro da implementação Poderá um analista ao estudar o processo de implementação perguntar e pesquisar o seguinte 116 O modelo apresentado é baseado em Sabatier P A What can we learn from implementation research 1986 apud Parsons 2001 p 486 O marco das questões de Sabatier é destacado por Parsons em sua exaustiva apresentação da literatura como tendo suportado um grande número de estudos de caso nos Estados Unidos e Europa sempre demonstrando sua utilidade para embasar a pesquisa empírica 112 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO OBJETIVOS CAUSALIDADE Foram enunciados objetivos precisos e consistentes Dos objetivos formulados podese extrair padrões confiáveis de avaliação dos resultados A política baseiase em uma teoria da mudança social adequada para as transformações que pretende ESTRUTURA DE EXECUÇÃO ENVOLVIMENTO DOS EXECUTORES POSIÇÃO DOS INTERESSADOS STAKEHOLDERS Foi levada em consideração a estrutura formallegal mais adequada e capaz de maximizar a obediência daqueles que devam implementar a política Verificase uma insuficiência das estruturas administrativas eou organizativas para absorver a política envolvida no seu leque de responsabilidades Os responsáveis pela execução apresentavam disponibilidade comprometimento e habilidade necessários à implementação da política enunciada O desenho da política levou em conta as prováveis reações e interesses dos executores e buscou montar estruturas de incentivos em função desses interesses Verificase ação significativa favorável ou contrária de outros atores em relação à política Quem são esses atores Os destinatários dos benefícios Aqueles que dela recebem custos Os que pretendem participar do processo de execução ex fornecendo bens e serviços Amental Houve interferência na execução de outras autoridades como lideranças parlamentares ministérios de finanças ou de orçamento ou outros grupos de poder centralizado MUDANÇAS NO CONTEXTO SOCIAL Ocorreram mudanças em outras variáveis socioeconômicas que afetassem objetivos ou possibilidades da política considerada Estas mudanças alteraram as posições de interesse apoio ou oposição dos executores ou demais stakeholders Estas perguntas foram mais desenvolvidas no modelo da seção anterior que pode ser aplicado em conjunto para uma análise mais completa 113 CAPÍTULO 2 Instrumentos das políticas públicas Na vida econômica as possibilidades para a ação social racional para reformas em síntese para resolver problemas não dependem de nossas escolhas sobre alternativas míticas e grandiosas mas basicamente das escolhas sobre tecnologias sociais específicas tecnologias e não ismos são o cerne da ação social racional no mundo ocidental117 Passamos agora a uma face pouco lembrada da análise de Políticas Públicas como é que na prática as intenções dos enunciados de políticas são transformadas em ações concretas Qualquer que seja o executor de uma política ele tem de lançar mão de recursos e atos concretos para transformar suas intenções em realidade Pois bem por quais meios ou instrumentos ou mais provavelmente combinações de meios ou instrumentos é implementado o processo de produção de bens e serviços públicos118 Em primeiro lugar o que pode ser considerado um instrumento de Política Pública Tomemos a definição de Salamon 2002 p 19 explorando a riqueza conceitual dessa noção INSTRUMENTO DE AÇÃO PÚBLICA Um instrumento de ação pública ou de Política Pública é um método identificável por meio do qual a ação coletiva é estruturada para enfrentar um problema público Na aparência simples o conceito deve ser desdobrado em várias direções de aprofundamento Primeiro cada instrumento reúne uma coleção de várias ações concretas que por assumirem características comuns passam a constituir um método identificável de ação coletiva Não são portanto ações ou instituições iguais mas distintas guardando alguns traços comuns que permitem associálas por exemplo o repasse de dinheiro a governos locais para que executem determinadas atividades do governo central é um instrumento claramente identificado mas existem inúmeros tipos de repasse diferentes baseados na especificação exata dos produtos a alcançar baseados na população de cada região baseados em metas gerais de qualidade de um determinado serviço etc Além disso eles estruturam a ação coletiva Isto significa que as relações entre os envolvidos em cada instrumento não são livres temporárias ou descompromissadas Ao contrário são de alguma forma institucionalizadas ou seja padrões de comportamento estáveis valorizados e recorrentes HUNTINGTON 1968 p 12 que definem portanto a partir de sua escolha quem está envolvido na execução de uma determinada política quais os papéis de cada um e as relações que mantém entre si Em outras palavras a escolha dos instrumentos é uma parcela considerável da definição do 117 Dahl Robert Lindblom Charles Politics economics and welfare planning and politicoeconomic systems resolved indo basic social processes New Yok Harper and RowPublishers 1953 p 6 apud Salamon 2002 p 1 Traduzimos a expressão particular social tehniques por tecnologias sociais específicas enfatizando o aspecto parcial e aplicado do conceito introduzido pelo trecho transcrito 118 Utilizamos como base desta seção o exaustivo e detalhado levantamento proporcionado por Salamon 2002 outra perspectiva mais superficial no que diz respeito ao detalhamento individual dos instrumentos de políticas pode ser encontrada em Parsons 2001 pp 492542 114 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO sistema de ação de que tratamos na seção anterior Finalmente a ação organizada pelos instrumentos é ação coletiva respondendo a problemas públicos e não ação governamental em sentido estrito Isto porque a participação na execução das políticas como também já vimos não é restrita ao governo em sentido formal inúmeros agentes podem ser mobilizados ou mobilizarse para a ação e o problema a ser enfrentado por uma Política Pública não é um problema governamental em si mas um problema que afeta na maioria dos casos a vários segmentos sociais portanto um problema público que após a incorporação à agenda tornase também um problema governamental como já vimos detalhadamente Tenhamos o cuidado de repassar a diferenciação básica entre uma Política Pública e um instrumento a política é o conjunto de ações coletivas baseadas nas decisões das autoridades políticas para o enfrentamento de um determinado problema social Os instrumentos são as diferentes formas que esse enfrentamento pode assumir Um instrumento por exemplo a concessão de empréstimos subsidiados pode ser empregado em inúmeras políticas que abordem vários problemas diferentes Uma política destinase em tese a um único problema mas pode fazer uso de vários instrumentos a redução dos custos de transporte para as exportações pode incluir por exemplo a realização de obras públicas nas estradas a concessão de empréstimos em condições favorecidas para as empresas de transporte de carga e a isenção de impostos sobre os veículos de transporte todos representando instrumentos diferentes Não por acaso denominamse instrumentos como um instrumento de trabalho cumprem basicamente a mesma função mas podem ser empregados em várias finalidades diferentes um martelo ou uma escavadeira são instrumentos que cumprindo basicamente o mesmo papel podem ser empregados em inúmeras obras diferentes cada uma com suas características e objetivos Como apresentar então este universo vasto de instrumentos A simples descrição linear faria esmaeceremse as especificidades de cada um perdendose a finalidade que assume a inclusão desse ponto no nosso curso Ao contrário devemos estruturar a análise dos instrumentos mediante atributos principais SALAMON 2002 p 20 que são exatamente as características comuns que associam os mecanismos individuais em modalidades de instrumentos Assim um instrumento de Política Pública teria a caracterizálo um tipo de bem ou atividade que gera ou produz diretamente por exemplo um pagamento em dinheiro ou uma restrição ou proibição um meio de oferecer aos destinatários o seu produto119 por exemplo um empréstimo uma bolsa de estudos ou uma apropriação direta pelo sistema tributário um sistema ou conjunto de organizações e grupos que estão envolvidos na oferta do seu produto120 por exemplo uma agência governamental um banco privado uma creche não governamental um conjunto de regras formais eou informais definindo as relações entre as entidades envolvidas na oferta 119 O termo original é delivery vehicle veículo de entrega que apesar de representar uma analogia perfeita não tem sentido se for traduzido literalmente 120 O termo original é delivery system sistema de entrega que oferece o mesmo problema do atributo anterior 115 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V Quais seriam então esses instrumentos Vejamos cada um deles de acordo com a estrutura de atributos que aqui definimos Naturalmente a classificação aqui apresentada não pretende ser definitiva ou incontestável existem inúmeras formas de distribuir os instrumentos entre categorias enfatizando um ou outro aspecto que se considere principal Assim um mecanismo de aposentadoria e pensões como o brasileiro apresenta o recolhimento pelo beneficiário de uma parcela mensal de prêmio ou poupança o que poderia inserilo entre os mecanismos de seguro por outro lado seu fluxo financeiro não é individualizado como em outros países e os benefícios pagos a cada indivíduo não dependem apenas do montante acumulado no sistema de seguridade social características que o tornam um pagamento ou transferência estatal direta A classificação em qualquer dos dois grupos seria portanto discutível frente ao outro mas para as finalidades do nosso curso é necessário e suficiente destacar que o mecanismo previdenciário tem as duas características especiais mencionadas121 Em outras palavras em Políticas Públicas nossa tarefa não é pôr políticas individuais em caixas mas sim analisar e mapear o conjunto de elementos que formam os campos específicos de políticas PARSONS 2001 pp 493 Portanto apresentamos os instrumentos seguindo a categorização de Salamon como meio de apresentar as suas principais características e demonstrarlhes a variedade ficando aberta a possibilidade de que em análises com outras finalidades possam ser reagrupados em função de outros focos de interesse INTERVENÇÃO ESTATAL DIRETA Direct Government A intervenção estatal representa a produção e entrega direta de bens e serviços aos cidadãos por servidores públicos inseridos hierarquicamente em uma estrutura governamental formal Não prescinde da utilização de insumos adquiridos de terceiros bens ou mesmo serviços mas estes insumos são apenas meios auxiliares cabendo a principal parcela na definição do bem ou produto final à ação dos agentes públicos por exemplo o serviço de policiamento nas ruas demanda a aquisição de combustível para os veículos policiais como insumos mas a responsabilidade formal e material pela prestação do serviço recai sobre os funcionários policiais com os recursos materiais fornecidos pela agência estatal de polícia PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos gratuitamente ou não MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Provisão direta mediante recursos humanos e materiais de que dispõe o Estado ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais atuando diretamente OBSERVAÇÕES Apesar de toda a ênfase dos últimos anos na descentralização e utilização de parcerias com entes não governamentais a intervenção direta ainda representa uma porção considerável da ação governamental Em função das características de comando e controle de administração centralizada e hierarquizada típicas das agências governamentais erguidas nos padrões da administração burocrática este instrumento de Política Pública é particularmente adequado ao exercício dos poderes estatais de natureza coercitiva defesa militar polícia justiça arrecadação de tributos na medida em que o exercício de tal coerção é habitualmente predeterminado com muita rigidez pelas leis e regulamentos como garantia dos próprios indivíduos frente ao Estado e o reforço da estrutura de comando centralizado e hierárquico ainda que não seja garantia absoluta de cumprimento estrito desses regulamentos como já vimos é enxergado como a solução que mais se aproxima de assegurar o máximo de correspondência entre o enunciado de política prescrito e o efetivamente realizado 121 Para outros fins porém a categorização tem uma enorme relevância política Para um Roosevelt tentando uma mudança social tão forte na ultraliberal sociedade americana dos anos 1930 do século passado foi essencial que o mecanismo ainda incipiente de seguridade social para invalidez idade e desemprego surgisse com uma contribuição compulsória dos empregados para que se pudesse caracterizálo politicamente como um seguro e não como uma prestação pública direta cuja aceitação pelo sistema político possivelmente não seria possível SALAMON 2002 p 22 116 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES Muitas Políticas Públicas podem ter a simples disseminação de informações como seu instrumento básico o enfrentamento de problemas que dependem fundamentalmente da ação individual dos cidadãos em que os comportamentos a modificar ocorram de forma pulverizada com poucas possibilidades de monitoramento e fiscalização depende essencialmente da persuasão dos indivíduos por meio da informação e orientação A disseminação de informação tem um caráter essencialmente preventivo São casos clássicos a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis a prevenção de incêndios florestais e a vacinação em massa no caso de epidemias situações nas quais a sanção do comportamento indesejado após a sua ocorrência tem efeitos na melhor das hipóteses limitados uma vez que os danos que a política via a evitar são dificilmente recuperáveis após ocorrida a conduta Em escala mais ampla a simples disseminação organizada de informações é um dos instrumentos mais utilizados em combinação com qualquer dos demais como forma de orientar influenciar ou persuadir outros atores na arena da Política Pública considerada Naturalmente ao se trata de divulgar por divulgar ou mera propaganda a utilização deste instrumento deve estar fundamentada em uma compreensão aprofundada sobre a forma com que a informação irá influenciar o comportamento dos agentes privados no sentido desejado por cada política Neste sentido temse presente que a informação não é necessariamente objetiva o processo de produzir e divulgar informação carrega consigo valores normativos presentes na relação entre os formuladores da política os cidadãos e os demais atores envolvidos PRODUTOATIVIDADE GERADO Informações tornadas acessíveis ao públicoalvo de uma determinada política MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Regras e regulamentos ação direta das agências governamentais para produção e disseminação das informações ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais todo agente privado ao qual seja imposta a obrigação de divulgar publicamente determinadas informações a seu respeito OBSERVAÇÕES Também podem ser incluídas nesta categoria para fins analíticos as normas públicas que impõem a terceiros a obrigação de divulgação de informações sobre suas atividades ou produtos por exemplo a divulgação da lista de doadores para campanhas eleitorais de candidatos a divulgação de tabelas nutricionais de produtos alimentares a publicação de determinados relatórios financeiros e contábeis por parte de corporações privadas cotizadas em bolsa Aqui também ocorre uma superposição porque a imposição da obrigação pode ser entendida como atividade de regulação de natureza social ou no caso dos demonstrativos financeiros de companhias abertas regulação econômica uma vez mais o enquadramento a ser adotado é aquele que melhor sirva aos propósitos de cada análise 117 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V REGULAÇÃO DE NATUREZA ECONÔMICA Este instrumento tem características bastante específicas a fixação de limites ou condicionamentos ao funcionamento de determinados mercados de produção de bens e serviços por meio da imposição de controles administrativos aos preços praticados pelos agentes privados ou aos volumes de oferta a serem atingidos pelos agentes privados ou às possibilidades de que os agentes privados possam entrar ou sair do mercado barreiras à entrada ou à saída Tratase portanto de regras incidentes sobre a produção econômica privada no que se diferencia de outras regras tais como as de préqualificação para o fornecimento de bens e serviços diretamente ao governo Aplicase em geral a mercados em que se verifique a ocorrência de monopólios naturais distribuição de eletricidade água e esgoto telecomunicações com utilização do espectro de radiofrequência tais como telefonia móvel rádio e televisão telecomunicações com utilização de infraestrutura fixa como telefonia fixa e televisão a cabo Desta forma a prestação por empresas privadas de serviços considerados públicos123 mas remunerados pelos usuários como os mencionados serviços de abastecimento de água eletricidade esgoto telecomunicações habitualmente denominados de concessão de serviços públicos representam a rigor uma operação privada de mercado sob os condicionantes de uma regulação econômica bastante mais severa124 Um caso particular da regulação econômica estendendose além dos monopólios naturais para qualquer ramo de atividade econômica são os mecanismos de defesa da concorrência controlando a possível formação ocasional de monopólios ou outras estruturas de mercado que impeçam o funcionamento em qualquer mercado específico dos mecanismos concorrenciais julgados mínimos pela lei ou seus regulamentos PRODUTOATIVIDADE GERADO Limites ou condicionamentos aos preços praticados no mercado por agentes privados MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Controles restrições e condicionamentos sobre tarifas e sobre o acesso ao mercado incluídos tanto na legislação pertinente quanto na atuação administrativa das instituições reguladoras em cada caso específico tanto mediante autorizações prévias quanto por meio de penalizações por descumprimento ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Entes reguladores de natureza pública mas não necessariamente encaixados na estrutura hierárquica da administração estatal Esta condição por vezes ambígua e certamente sui generis do ente regulador uma agência com poderes estatais mas não subordinada ao governo é defendida vigorosamente na teoria como uma defesa contra o oportunismo governamental da mesma forma que os agentes privados em condições de monopólio podem adotar comportamentos oportunistas em desfavor dos consumidores elevando preços de serviços essenciais como água ou luz por exemplo sem possibilidade de que o consumidor tenha fornecedores alternativos também o governo poderia aproveitar situações irreversíveis a exemplo do investimento privado imobilizado em uma grande hidrelétrica que deveria ter determinadas condições pactuadas de retorno num horizonte de tempo largo para alterar unilateralmente os contratos impondo ao investidor privado preços mais baixos ou condições menos favoráveis do que as que ele tinha assegurados quando ingressou no mercado e realizou as inversões Sob esta teoria os entes reguladores deveriam ter a independência de oporse a ambos os oportunismos A discussão sobre as possibilidades desta independência e o risco de captura regulatória do regulador pelos agentes que ele deve controlar ainda é no entanto acesa e inconclusa125 OBSERVAÇÕES A dificuldade em caracterizar os parâmetros de mercado o quê é grau de concorrência adequado num mercado o que são preços justos para os consumidores e o próprio choque de interesses envolvido fazem com que as leis relativas à regulação econômica sejam frequentemente vagas e imprecisas deixando uma considerável parcela de discricionariedade na mão dos técnicos responsáveis pelo exercício das funções do ente regulador e uma considerável margem de discussão judicial em função das divergências de interpretação técnica e valorativa dos fatos 122 123 124 122 Na acepção jurídica tradicional aqueles serviços cuja prestação é indispensável à comunidade e deve obrigatoriamente obedecer a padrões e garantias de fornecimento muito mais rígidos que os demais bens e serviços 123 Analisamos aqui o caso mais comum em que a empresa prestadora tem todos os meios humanos e materiais para executar a prestação do serviço quer construindo ela própria a infraestrutura necessária quer adquirindoa ao Estado por compra ou arrendamento em processos de privatização Na linguagem corrente também se associa estes tipos de atuação a uma privatização ou terceirização da prestação do serviço Existem exceções muito pontuais em que uma empresa privada opera em diferentes graus de associação com uma entidade ou empresa pública que é a titular da execução do serviço mas cede o gerenciamento ao parceiro privado ou utilizase dele na qualidade de consultor ou subcontratado Estas exceções obedecem a um tratamento caso a caso 124 Para uma discussão ao mesmo tempo profunda e realista dos riscos de oportunismo e das profundas falhas dos mecanismos teóricos de regulação quando são levados à prática vide Rey López 2003 especialmente pp 6670 118 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO REGULAÇÃO DE NATUREZA SOCIAL Uma das funções consideradas fundamentais para a existência do poder estatal a regulação social é voltada à restrição de comportamentos e atitudes que possam ameaçar a saúde segurança ou bemestar da coletividade126 mediante a edição de regras que definam o que é permissível ou proibido assim como as sanções ou recompensas que derivam das diferentes condutas Abordam por exemplo normas ambientais ou de segurança do trabalho ou de saúde pública ou de trânsito ou de posturas urbanas ou tantas outras mais Difere da regulação de natureza econômica mais pelo objeto específico do que é regulado condições econômicas de oferta de bens e serviços em determinado mercado do que por qualquer elemento intrínseco na realidade as empresas que se enfrentam aos reguladores econômicos nos aspectos comerciais e de preços também têm que encarar a regulação social nos aspectos ambiental segurança etc PRODUTOATIVIDADE GERADO Proibições ou restrições de conduta MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Normas e regulamentos ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais atuando diretamente OBSERVAÇÕES Uma atividade de regulação tem portanto quatro elementos básicos regras que definem comportamentos e resultados esperados padrões que servem como critérios de cumprimento das regras sanções pelo descumprimento das regras sendo também possível a fixação de prêmios ou recompensas pelo cumprimento de determinados padrões e um aparato administrativo que aplica as regras e sanções Neste ponto também há uma certa superposição das classificações o serviço de fiscalização por exemplo o policiamento de trânsito é em si um serviço prestado diretamente à sociedade podendo então enquadrarse como intervenção estatal direta mas também compõe o núcleo do instrumento da regulação social uma vez que sem a fiscalização a fixação de normas e proibições seria inócua Uma vez mais o enquadramento de uma determinada atividade em um tipo ou outro de instrumento deve ser feito da forma que melhor sirva analiticamente ao estudioso da Política Pública considerada 125 CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS Quando o governo decide não produzir um determinado bem ou serviço por si próprio pode optar por adquirilo diretamente de um terceiro mediante uma transação comercial semelhante às que se fazem no mercado privado Sob esta modalidade estamos tratando dos fornecimentos ao próprio serviço estatal não a terceiros Tratase portanto de mecanismo de natureza inteiramente instrumental na medida em que irá fornecer bens ou serviços que servem de insumo a outros instrumentos de Política Pública uma política de defesa aérea militar é inequivocamente executada diretamente pelo segmento militar do governo ainda que a maior parte dos recursos possa ser destinada à compra de aviões armas peças e combustíveis mediante a contratação Dificilmente um procedimento de contratação será sozinho responsável pela implementação de uma política na medida em que destinase a obter bens e serviços para o próprio governo Destacamos aqui a contratação de bens e serviços como um instrumento de política porque no mundo moderno a importância da atividade de contratação é enorme para o sucesso da execução de todos os demais instrumentos cujos insumos a contratação fornece É praticamente impossível uma atividade governamental que não use extensamente bens ou serviços contratados a terceiros Portanto a análise de uma política independente todos os demais instrumentos utilizados não prescinde do exame da qualidade e adequação da contratação que a suporta PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados a agências governamentais por terceiros MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES 125 O conceito guarda similaridade com a noção de poder de polícia do Direito Administrativo a limitação de direitos individuais com a finalidade de proteger os direitos do conjunto dos integrantes da coletividade 119 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS Purchaseofservice contracting Uma parte importante e crescente da prestação de serviços públicos em todo o mundo tem sido descentralizada de forma radical em lugar de produzir diretamente um bem ou serviço a ser ofertado a terceiros o governo paga a um terceiro privado empresa comercial ou entidade sem fins lucrativos para que o produza e entregue Assim a contratação de creches ou escolas privadas para oferecerem vagas para crianças beneficiárias da assistência pública em lugar da manutenção pelo poder público de creches ou escolas próprias é um exemplo tradicional da terceirização dos serviços No caso brasileiro o exemplo mais significativo deste tipo de prestação é a contratação pelo Sistema Único de Saúde de um enorme volume de serviços médicos e hospitalares a entidades privadas conveniadas Difere da contratação em sentido estrito na medida em que o serviço a ser contratado não é prestado diretamente ao governo mas a um terceiro sendo então o contratado responsável principal por todo o processo de execução da Política Pública Difere da tradicional concessão de serviços públicos medida que esta é remunerada pelo usuário portanto o bem ou serviço é vendido pela empresa provedora diretamente a este ainda que com restrições regulatórias bastante rígidas sobre os termos dessa venda enquanto a relação entre o beneficiário final e o contratado de um serviço terceirizado é apenas o de fornecimento do bem ou serviço sendo a relação pecuniária entre o contratado e a agência governamental contratante Um exemplo ilustra bem essa última diferença quando uma prefeitura seleciona uma empresa de ônibus para operar uma linha de transporte coletivo esta empresa estará prestando o serviço e recebendo a remuneração diretamente do passageiro127 e tratarseá de uma atividade econômica direta sobre a qual o governo aplica o instrumento da regulação econômica Já quando a mesma prefeitura seleciona a mesma empresa para operar serviços de transporte escolar que recolham gratuitamente os alunos de escolas públicas e os levem às escolas pagando à empresa por viagem realizada estará utilizando o instrumento da terceirização dos serviços Por fim se a seleção da empresa destinase a simplesmente transportar médicos da prefeitura para prestarem serviços na zona rural tratase de contratação pura e simples Este instrumento tem tido uma crescente visibilidade sendo muitas vezes apontado como panaceia para a alegada ineficiência governamental a experiência histórica mostra porém que este instrumento tem como todos os demais vantagens e desvantagens e sua utilização pode ser vantajosa se presentes determinados requisitos nomeadamente a existência de organizações privadas capazes de prestar o serviço a custos aceitáveis a natureza do serviço que tipicamente deve ser pouco capitalintensivo128 Por outro lado existem restrições que exigem séria atenção especialmente pela dificuldade de especificar adequadamente o conteúdo o resultado quantitativo e qualitativo do serviço a ser prestado e portanto de se avaliar o desempenho do fornecedor na prestação do serviço para a maioria dos serviços públicos terceirizados ainda é um grande desafio a concepção de recursos de medição de custos e resultados o que abre caminho inclusive para maiores possibilidades de corrupção e desvio de recursos nesse tipo de contratos PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados diretamente aos cidadãos por terceiros remunerados pelas agências governamentais MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresas privadas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES 126 127 126 É claro que existem sistemas de transporte metropolitano mais complexos em que a tarifa paga pelo usuário é apenas recolhida pelas empresas operadoras das linhas sendo posteriormente redistribuída por uma autoridade central segundo critérios que estabeleça Para nossos exemplo no entanto consideramos o caso mais simples de exploração direta na qual a receita do operador do transporte corresponde àquela arrecadada diretamente dos passageiros durante a prestação do serviço 127 Com algumas exceções notáveis tais como os serviços de recolhimento de lixo e as contratações de serviços hospitalares de maior complexidade por parte dos sistemas de saúde pública 120 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO TRANSFERÊNCIAS Grants Uma transferência no sentido de análise de Políticas Públicas que aqui enfatizamos é um pagamento feito por um governo a outro governo entidade não governamental ou mesmo indivíduo com a finalidade de estimular ou apoiar algum tipo de atividade realizado pelo beneficiário que seja do interesse do doador Por este instrumento o concedente dos recursos participa financeiramente da prestação do serviço final enquanto deixa em mãos do receptor dos mesmos a responsabilidade pela execução concreta A responsabilidade pela provisão do serviço é então compartilhada por mais de uma entidade organização ou nível de governo As transferências não se destinam a serem devolvidas não sendo portanto um empréstimo Também pressupõem um acordo expresso ou tácito entre doador e receptor quanto aos objetivos e condições da aplicação dos recursos diferindo neste ponto das chamadas transferências automáticas existentes no Brasil a exemplo dos recursos de FPE e FPM que representam simplesmente uma repartição incondicional e prevista em lei do produto da arrecadação tributária entre diferentes entes governamentais O receptor por sua vez não está obrigado a prestar serviços diretamente ao doador em troca dos recursos mas sim prestar os serviços previamente definidos na transferência que podem inclusive ser serviços diretamente voltados aos seus interesses institucionais Tomemos os vários exemplos brasileiros pelo Programa Nacional de Merenda Escolar o governo federal distribui automaticamente recursos a todas as prefeituras do país com a condição de que sejam utilizados exclusivamente na compra de alimentos a serem servidos aos alunos das escolas públicas desta forma o governo central utiliza a estrutura administrativa das prefeituras para executar um programa de distribuição de renda por meio da alimentação escolar Já pelo recente Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica FUNDEB o governo federal transfere a determinados governos estaduais um valor destinado a complementar os recursos dessas entidades governamentais para aplicação num leque de finalidades voltadas à educação salários de professores material escolar transporte de escolares etc Uma agência de fomento à ciência o CNPq por exemplo transfere recursos a universidades públicas e privadas e a bolsistas individuais para financiar a realização de pesquisas por ele aprovadas Todos estes são exemplos de transferências É preciso reconhecer a dificuldade de diferenciar em alguns casos as transferências da simples terceirização de serviços Uma prefeitura que transfira recursos a uma entidade beneficente para manter uma creche está em princípio terceirizando mediante um acordo com um ente privado um serviço de sua responsabilidade Um critério geral razoável é a responsabilidade pela prestação do serviço a responsabilidade pelos serviços de policiamento no Brasil é dos governos estaduais se o governo federal transfere recursos para fortalecer as instituições policiais com treinamento equipamentos infraestrutura etc está fazendo uma transferência uma vez que apoia um outro ente na realização de serviços que lhe são próprios O mesmo ocorre com os mencionados Fundos de Educação e Merenda Escolar à medida que a competência para prestar estes serviços é dos governos estaduais e municipais Por outro lado a competência para executar a fiscalização das condições de segurança do trabalho é do governo federal se este transfere recursos a um governo estadual para que este assuma ou complemente tais atuações de fiscalização estará terceirizando um serviço próprio PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos gratuitamente ou não MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Instrumentos jurídicos de concessão de recursos a terceiros a expressão brasileira mais comum é convênios de natureza não comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Outros níveis de governos regionais municipais e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES É útil para a análise posterior a diferenciação entre os tipos de transferência em função da especificidade da aplicação dos recursos que exige É possível identificar três grandes tipos o primeiro destinase a um amplo leque de utilizações por parte do receptor com um mínimo de restrições quanto ao uso dos fundos por parte do receptor Em geral representa simples equalização de receitas entre governos subnacionais chamados exatamente equalization grants ou general purpose grants justificada pela teoria econômica como formas de compensação a determinadas regiões com a finalidade de não gerar externalidades negativas derivadas da insuficiência de arrecadação externalidades estas que terminariam por prejudicar as demais regiões não são comuns no Brasil o segundo tipo é mais direcionado porém com aplicações definidas com um certo grau de generalidade ex para saúde ou assistência social deixando ao receptor um grande grau de discricionariedade na sua aplicação os chamados block grants no Brasil encontramse exemplos significativos nas transferências fundo a fundo do Sistema Único de Saúde e do já citado FUNDEB o terceiro tipo numericamente mais comum no Brasil e em outros países é a transferência que define com grande grau de detalhe a aplicação do dinheiro pelo recebedor categorical grants antes do repasse do recurso o receptor e o doador assumem compromissos tácitos ou expressos acerca do destino detalhado do mesmo o atendimento social a tantas famílias a construção de tal obra conforme detalhamento de projeto etc No Brasil este tipo de transferência é conhecido na linguagem comum como convênio Uma última precisão é necessária o termo Convênio no Brasil tem um significado legal preciso art 116 da Lei Federal no 866693 acordo de mútua vontade entre a administração pública e qualquer ente para execução descentralizada de tarefas de interesse comum Ora interesse comum tanto o repasse de recursos para a execução de Políticas Públicas de responsabilidade do doador na nossa classificação uma terceirização de serviços públicos quanto o apoio financeiro a políticas de responsabilidade do receptor na nossa grade uma transferência O que tipifica o convênio precisamente nos termos da legislação brasileira é a possibilidade de celebração sem concorrência para escolha da contraparte da administração doadora dos recursos o que não é uma precondição ou uma característica individualizadora segundo nossa categorização podese contratar um serviço público a outro ente governamental sem licitação ou estabelecer uma concorrência entre projetos sociais para receberem apoios mediante transferências Portanto é necessário muito cuidado ao associar qualquer das categorias aqui apresentadas ao conceito de convênio tal como aparece na legislação brasileira 121 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V EMPRÉSTIMOS ESTATAIS DIRETOS Quando uma agência governamental utiliza fundos do tesouro público para emprestar diretamente a um terceiro privado com a obrigação de pagamento estamos diante da concessão de empréstimos estatais diretos Este tipo de crédito é utilizado para incentivar o direcionamento de fundos para atividades consideradas importantes política ou economicamente O uso de fundos públicos dá determinadas características próprias a esses créditos que os diferenciam dos créditos comerciais podem ser direcionados para setores de interesse governamental e não aqueles mais lucrativos como não são captados no mercado poem ser emprestados a taxas mais baixas ou prazos mais alongados com a finalidade de subsidiar indiretamente a atividade financiada podem mesmo direcionarse a setores de maior risco ou a operações que imponham menos exigências de garantia como o microcrédito a empreendedores da economia informal sob critérios razoáveis à medida que um montante maior de perdas por inadimplência é suportável pelo fundo público que não terá a obrigação de reembolsar a terceiros pelo recurso captado PRODUTOATIVIDADE GERADO Pagamentos em dinheiro sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de empréstimo de natureza comercial e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais diretamente ou mediante bancos e outros agentes operadores OBSERVAÇÕES Destacase o fato de que o que individualiza esse instrumento é a utilização de fundos públicos e não o agente responsável pelo empréstimo A concessão de crédito por uma instituição financeira de propriedade governamental mas em condições de mercado basicamente empréstimos provenientes de recursos captados por essa instituição no mercado concorrendo com os demais bancos pode caracterizar se como a utilização de uma empresa governamental como instrumento de política por exemplo direcionando seus empréstimos a um determinado setor de atividade como o agrícola ou o habitacional mas não como empréstimo estatal direto Da mesma forma um empréstimo com fundos públicos pode ser operado por bancos privados que têm acesso a esses fundos como agentes credenciados pelo Tesouro como é o caso dos financiamentos concedidos pelo BNDES na modalidade via agentes operada por bancos comerciais em nome do BNDES mas utilizando os repasses dos fundos públicos que movimenta aquele Banco como o FAT GARANTIAS E AVAIS Para incentivar o crédito em determinadas áreas ou setores o governo pode optar por emitir garantias e avais aos empréstimos privados que atendam às condições que uma determinada Política Pública estabelecer Desta forma pretende influenciar o comportamento dos agentes privados do mercado de crédito elevando sua disposição de emprestar naquelas condições uma vez que o risco do empréstimo será coberto ou reduzido em função da garantia prestada pelo governo Na prática o governo ao atuar como garantidor assume o risco de inadimplência dos empréstimos avalizados cabendo a si o papel de ressarcir aos bancos os empréstimos não honrados e buscar executar os créditos assim honrados diretamente em face dos tomadores inadimplentes A concessão de garantias ou avais pelo governo pode também suprir um problema crônico de determinados setores econômicos informais ou em formação que se deseja ver incentivados que é a ausência de bens patrimoniais para oferecimento como garantia de empréstimos PRODUTOATIVIDADE GERADO Pagamentos em dinheiro sob a forma de empréstimos reembolsáveis pelo beneficiário MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Contratos de empréstimo privados de natureza comercial e com algum tipo de garantia governamental ao emprestador e pagamentos em dinheiro ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Bancos comerciais geralmente estabelecendo relações contratuais com agências governamentais relativas à concessão das garantias ou avais OBSERVAÇÕES Ao contrário do que possa parecer o mecanismo de concessão de avais e garantias permite uma intervenção governamental mais rápida e direta à medida que utiliza recursos e estruturas administrativas que já existem nos bancos comerciais Por outro lado as garantias e avais são uma oportunidade de alavancar os recursos públicos aplicados pois permite um impacto significativo no direcionamento do crédito sem implicar num desembolso imediato já que o gasto estatal somente será realizado se e quando os créditos avalizados não forem honrados pelos tomadores nos Estados Unidos por exemplo o montante total de garantias e avais do governo federal alcançava mais de 11000 bilhões de dólares no ano 2000 frente a pouco menos de 200 bilhões aplicados em empréstimos federais diretos tendo a proporção entre os dois sido multiplicada por quase dez entre 1980 e 2000 122 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO SEGUROS A montagem de um mecanismo governamental de seguros guarda muitas similaridades básicas com o mercado privado de seguros O seguro governamental porém tende a cobrir riscos que não podem ser adequadamente gerenciados por seguradoras privadas devido ao seu potencial de imprevisibilidade ou a sua grande extensão tipicamente quebras de safra por fenômenos climáticos como no programa brasileiro PROAGRO ou perdas decorrentes de catástrofes naturais como inundações e tornados ou a garantia de cobertura de depósitos bancários em caso de insolvência dos bancos Por outro lado enquanto o mercado privado busca a geração de lucros e uma cobertura de riscos autossustentável os seguros governamentais em geral procuram minimizar os demais custos de uma intervenção direta considerada inevitável em caso de grandes infortúnios ou evitar grandes perdas aos segurados privados que poderiam resultar em instabilidade social política ou econômica Assim o custo de uma possível política governamental de auxílio a vítimas de grandes sinistros passa a ser na proporção possível distribuído entre os seus próprios beneficiários PRODUTOATIVIDADE GERADO Proteção financeira a um agente privado em casos de infortúnio sob as condições de uma apólice de seguros MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Apólices de seguro diretamente oferecidas por agência governamental aos cidadãos podendo utilizar eventualmente seguradoras e corretores privados como agentes de distribuição mas mantendo a titularidade do contrato de seguro e dos riscos nas mãos da agência governamental ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais que podem em função dos custos envolvidos estabelecer relações contratuais com seguradoras privadas para negociação e pulverização dos riscos sem perder a gestão global do programa OBSERVAÇÕES Mesmo com a possibilidade sempre implícita do recurso a despesas fiscais para custeio dos prejuízos segurados a emissão de seguros governamentais é uma tarefa que exige o maior esforço de gerenciamento do risco para minimizar a possibilidade de prejuízos exatamente porque envolve fenômenos segurados que não têm um perfil de risco conhecido ou previsível dentro de parâmetros de segurança que permitiriam um mercado privado completo a exemplo de catástrofes naturais ou que envolvem perdas tão grandes que ultrapassam a escala de operação dos mercados privados como uma crise de quebra de bancos Portanto os mecanismos de seguro são candidatos naturais a esqueletos fiscais caso não sejam adequadamente gerenciados ainda persiste o prejuízo do Fundo de Compensação de Variações Salariais FCVS por exemplo tomado como um mecanismo de seguro contra o descasamento de taxas nos empréstimos habitacionais oficiais no Brasil Uma última observação diz respeito aos mecanismos de seguridade social previdência social e segurosaúde de diferentes países de que já falamos anteriormente em diferentes graus tais mecanismos têm combinado características de seguro prêmios na forma de cotizações sociais pagamentos em função de infortúnios previamente especificados e uma estrutura de financiamento que assegura o pagamento independentemente da disponibilidade de recursos no fundo especificamente formado pelas contribuições Este é o caso mais clássico das potencialidades e dos limites do seguro público por um lado não é admissível que os riscos envolvidos incapacidade financeira por morte idade invalidez doença sejam arcados apenas pelos indivíduos o que faz com que a intervenção estatal direta seja inevitável em última instância Por outro lado algum grau de vinculação entre contribuições e benefícios torna possível um esforço de gerenciamento dos riscos financeiros envolvidos minimizando o custo do subsídio estatal por meio da coparticipação nesse financiamento dos próprios beneficiários segundo parâmetros atuariais 123 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V INCENTIVOS FISCAIS Tax expenditures Outro instrumento que experimentou extraordinário crescimento nas últimas décadas é o dos incentivos fiscais ou renúncia de receitas Um incentivo fiscal é um dispositivo na legislação tributária que encoraja determinado ato por parte de indivíduos ou corporações assegurando que a obrigação tributária desses contribuintes será postergada reduzida ou eliminada se praticarem tal ato Pelo incentivo fiscal portanto o governo não gasta em determinada finalidade os recursos arrecadados mediante impostos ele permite que os contribuintes gastem por conta própria na mesma finalidade os recursos que se não o fizessem seriam devidos na forma de imposto PRODUTOATIVIDADE GERADO Incentivos financeiros a agentes privados na forma de redução do valor de impostos a pagar MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais com função tributária OBSERVAÇÕES Considerase na teoria econômica que muitas vezes é mais vantajoso utilizar o interesse próprio do contribuinte em adquirir no mercado de fornecedores já instalados os bens ou serviços que se lhe quer conceder em lugar de mobilizar os recursos públicos em montar a partir do zero uma estrutura de produção do bem ou serviço por razões de aproveitamento das economias de escala já existentes e de uma maior eficiência das transações de mercado Inúmeros exemplos são oferecidos em várias realidades nacionais reduções no imposto de renda das famílias em função dos valores gastos com educação em escolas particulares ou dos gastos com médicos e hospitais reduções nos impostos das corporações em função dos recursos que invistam em setores ou regiões de interesse da autoridade pública Por outro lado levantamse críticas de várias naturezas o custo desse tipo de instrumento é difícil de mensurar uma vez que representa algo que não foi arrecadado mas poderia ter sido sendo bastante opaco na discussão do orçamento público além disso a redução no imposto atinge apenas aqueles que têm renda para pagálo sendo pouco capaz de alcançar populações de estratos menores de renda e bemestar em cuja cesta de despesas o pagamento de impostos diretos tem pequena importância MULTAS E SObRETAXAS A imposição de proibições e restrições que é objeto da regulação social pode ser viabilizada também por outro instrumento a fixação de penalizações financeiras aos cidadãos ou a imposição de sobretaxas que tornem a conduta indesejada mais cara aos interessados Assim taxas adicionais impostas ao álcool ou aos cigarros podem ser uma medida adicional de restrição ao consumo destas substâncias não excluindo mas antes complementando outras medidas diretas como proibições de consumo em locais públicos proibição total do consumo por menores etc A persuasão obtida por meio destas medidas pode ser graduada em função do valor que for fixado para a multa ou sobretaxa agindo assim como um meio de desencorajar antes que proibir determinadas atitudes como no caso das taxas adicionais sobre o álcool Por outro lado a expropriação pecuniária na forma de multa com finalidade sancionatória é também um poderoso recurso dissuasor de condutas na medida em que causa um forte e desagradável impacto no bemestar o pagamento de uma multa elevada por excesso de velocidade terá no condutor impacto semelhante ao da suspensão temporária de seu direito de dirigir Alegadamente o mecanismo de imposição de sanções pecuniárias teria o mérito de utilizar o sistema de preços como veículo de informação e condicionamento das condutas individuais tornando mais caros os atos que merecem a proibição ou desencorajamento da Política Pública aproveitando a extraordinária capacidade do mercado como indutor de condutas dos agentes privados Esta vantagem é inegável desde que se observe que determinados bens ou atos não podem verse suscetíveis a qualquer tipo de precificação monetária PRODUTOATIVIDADE GERADO Penalização financeira a agentes privados na forma de exigência de pagamentos com fins de sanção MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Recursos de arrecadação compulsória do sistema tributário ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agências governamentais OBSERVAÇÕES Uma variante desse instrumento sendo considerada e aplicada em alguns países especialmente em controle ambiental é a venda de licenças onerosas para determinadas atividades também conhecidas como direitos de poluição Estas licenças representam a aquisição por empresas do direito de emitir uma determinada quantidade de poluentes emissão esta que gera custos e externalidades à coletividade e que a permissão pretende recuperar no sentido material Em uma certa medida o mecanismo de mercados de carbono estabelecido pelo Protocolo de Quioto sobre o aquecimento global é uma variante desse instrumento 124 UNIDADE V COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO LEGISLAÇÃO DE RESPONSABILIDADES Liability law Por via dessa legislação buscase criar o direito de pessoas ou entidades buscarem mediante o sistema judicial compensações compulsórias junto a terceiros por danos que tenham sofrido como consequência das condutas negligentes ou de algum outro modo inadequadas por esses mesmos terceiros Dependendo de cada sistema jurídico esse direito poderá ser estabelecido por precedentes judiciais common law por lei em sentido formal ou por regulamentação administrativa Este mecanismo procura prevenir determinadas ações inibindo o comportamento dos indivíduos por meio da ameaça de ter de arcar com indenizações a terceiros caso adotem as ações contestadas PRODUTOATIVIDADE GERADO Penalização financeira a agentes privados na forma de fixação da obrigação de compensar materialmente a terceiros pelas consequências de seus atos MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Leis que fixem a responsabilidade perante terceiros por determinados atos e o direito dos afetados de exigila perante tribunais tort law ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Sistema judicial OBSERVAÇÕES A utilização desse instrumento termina por ser extremamente barata para a entidade estatal uma vez que os custos públicos da legislação de responsabilização somente aparecem nos orçamentos por meio do custo da manutenção do sistema judicial que de uma forma ou de outra já existiria por todas as funções assumidas pelo judiciário na estrutura estatal moderna e do custo da responsabilidade atribuída pelo judiciário ao próprio governo como demandado por ter causado dano a outros frente aos custos de montagem e manutenção de uma estrutura de fiscalização direta sobre a conduta que se quer inibir com a legislação de responsabilização Por outro lado tratase de instrumento que incentiva a litigiosidade e a conflitividade social ensejando a construção de indústrias de processos de indenização além de pelas características abertas desse tipo de tipificação legal e pelas insuficiências do mecanismo judicial sujeitarse a um elevado grau de imprevisibilidade em relação à decisão final elevando a incerteza e os custos da atividade privada Portanto a proliferação de institutos de responsabilização ante terceiros deve ser ponderada com extremo cuidado pelo formulador de políticas EMPRESAS GOVERNAMENTAIS Uma empresa governamental é uma entidade legalmente distinta do resto do governo com a forma jurídica de uma corporação privada no caso brasileiro tecnicamente uma entidade de direito privado criada mantida ou controlada pelo governo podendo ter acionistas minoritários com a finalidade essencial de aproveitar os recursos gerenciais supostamente mais ágeis de um ente privado para produzir bens ou serviços específicos de interesse do governo Geralmente esperase que as atividades desse tipo de empresa sejam geradores de receita econômica por transações de mercado e autossustentáveis mas isso não necessariamente ocorre com todas as empresas Em qualquer caso porém a razão majoritária para o investimento estatal na instituição e manutenção de empresas governamentais é a expectativa de contar com operações mais eficientes do que seria possível por meio de uma agência governamental tradicional em busca de determinados objetivos de Política Pública O conceito de empresa governamental portanto difere da simples propriedade estatal da corporação que pode ser obtido por exemplo com a aquisição de uma empresa privada em dificuldades com o fim de evitarlhe a falência ou com a expropriação de uma empresa em função de dívidas tributárias com o Estado para estas últimas empresas a de propriedade formalmente estatal não obedece a qualquer objetivo do Estado em si mas a uma circunstância irrelevante do ponto de vista de Política Pública PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos embora seja rara a prestação gratuita a empresa governamental pode apresentar arranjos de financiamento que permitam que seja fornecida a valores inferiores aos que seriam cobrados em condições de mercado MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Provisão direta mediante recursos humanos e materiais de que dispõe a empresa governamental ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Empresa criada custeada ou patrocinada sob diferentes arranjos pelo Estado OBSERVAÇÕES A variedade de arranjos institucionais desse tipo de empresa é muito grande existem empresas criadas para explorar um setor de atividade econômica exatamente como uma empresa privada o faria em função da ausência de investimento privado este é o sentido original da criação no Brasil das grandes estatais produtivas como Petrobras CVRD e siderúrgicas boa parte das quais hoje privatizada Outras empresas são simples braços operacionais da produção de bens e serviços para o governo que prefere organizar certas áreas na forma empresarial em lugar de um departamento no Brasil o Serviço Federal de Processamento de Dados e a Casa da Moeda que executam serviços que nos Estados Unidos são responsabilidade de agências governamentais diretas Por fim algumas empresas são instrumentos de prestação de serviços que não são nem remotamente de natureza comercial constituindo típico braço de intervenção governamental em Políticas Públicas no Brasil a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais um serviço de pesquisa geológica tradicional ou as diferentes empresas estaduais ou municipais de regulação dos sistemas de trânsito e transporte urbano Nos Estados Unidos considerase também como instrumentos de política um tipo específico de corporação privada Governmentsponsored enterprises criada em geral pelo conjunto de empresas de um determinado setor todos os exemplos são do setor financeiro para a prestação de serviços específicos de interesse de todas as empresas Este tipo de empresa tem objetivos estatutários bastante rígidos aprovados pelo governo normalmente voltados para a estabilização dos mercados de crédito por meio do desenvolvimento de um mercado secundário de securitização de empréstimos principalmente agrícolas habitacionais e estudantis e em troca da observância estrita desses objetivos estatutários recebe benefícios fiscais isenção de requisitos regulatórios e uma certa percepção por parte dos mercados ainda que sem uma regulamentação formal de que esta entidade receberá do governo suporte financeiro em caso de dificuldades de liquidez A esta variedade corresponde um leque igualmente amplo de sistemas de financiamento desde empresas que são inteiramente autossustentáveis até aquelas que dependem totalmente de recursos orçamentários transferidos pelo governo para cobrir suas despesas com a maioria delas combinando em proporções diferentes receitas próprias e subsídios governamentais no seu financiamento 125 COLOCANDO EM PRÁTICA DESAFIO DA IMPLEMENTAÇÃO UNIDADE V VOUCHERS Tecnicamente um subsídio que assegura um poder aquisitivo limitado a um indivíduo para que escolha entre um conjunto limitado de bens e serviços um programa que utiliza vouchers consiste em entregar aos beneficiários diretos tíquetes ou outros meios de pagamento que permitam que estes escolham entre um universo de fornecedores mais ou menos limitado aquele que virá a fornecer um bem ou serviço especificado pelo programa São exemplos no Brasil os programas de vale alimentação e valetransporte que por meio de tíquetes ou cartões magnéticos permitem aos beneficiários que paguem por tais bens e serviços especificados O voucher distinguese de uma simples transferência de renda à medida que as regras de cada programa podem especificar que produtos podem ser pagos com esse instrumento e o governo pode controlar esse direcionamento mediante o gerenciamento do processo de conversão pelo fornecedor desse voucher em remuneração Assim mesmo com vouchers na mão apenas o fornecedor que obedeça às condições estabelecidas pela agência responsável pelo programa conseguirá trocálos por dinheiro PRODUTOATIVIDADE GERADO Bens ou serviços fornecidos ou prestados direta e fisicamente aos cidadãos por terceiros privados cabendo ao beneficiário a escolha do prestador dentro de um universo mais amplo de possíveis prestadores MEIOS DE OFERECER O PRODUTOATIVIDADE Remuneração aos terceiros prestadores do serviço de ressarcimento pelo Estado dos serviços prestados individualmente a cada beneficiário representando na prática um subsídio ao consumo ORGANIZAÇÕES ENVOLVIDAS NA OFERTA DO PRODUTOATIVIDADE Agência governamental e prestadores privados empresas e organizações não governamentais sem fins lucrativos OBSERVAÇÕES O principal aspecto dos programas baseados em vouchers é a possibilidade que abrem de controlar por um lado a utilização do subsídio em tais ou quais bens ou serviços e por outro de ampliar ao máximo possível a rede de possíveis fornecedores Desta forma aliviase o governo de ter que implantar diretamente estruturas de fornecimento do bem ou serviço por outro fica facilitado ao beneficiário obtêlo em condições mais favoráveis perto de sua casa por exemplo e sobretudo não se afetam as condições de concorrência entre os fornecedores aproveitando plenamente as vantagens que possa oferecer a estrutura de mercado correspondente O instrumento do voucher que em alguns casos como o de subsídio à educação privada pode coincidir em sua utilização com o incentivo fiscal tem especial aplicação quando se pretende conceder subsídios em larga escala pulverizados entre indivíduos direcionados e de pequeno valor caso típico de programas assistenciais dirigidos a populações carentes em grandes áreas urbanas Como saber se a política teve os resultados esperados Como aprender com os erros e acertos da ação governamental 126 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO Antes de começar a leitura do texto reflita sobre as observações a seguir Dois sacerdotes discutiam se era correto ou não fumar enquanto rezavam Ambos esgrimiam todo tipo de argumentos em defesa de sua postura sem chegar a um acordo Decidiram consultar o superior do convento cada um por seu lado Quando voltaram a encontrarse o sacerdote a favor de fumar disse Meu superior disse que estava muito correto fumar Como pode ser disse o outro a mim ele disse enfaticamente que era errado o que você perguntou a ele Perguntei se era correto fumar enquanto rezava Está explicado eu perguntei se estava certo rezar enquanto fumava NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 105 À sua maneira todos os cidadãos emitem juízos sobre o que faz o governo de um Estado ou de uma municipalidade Na realidade para a consideração de fatos concretos não basta mudar o preconceito favorável ou desfavorável que o cidadão ou o usuário tem da autoridade pública Com base em sua opinião molda uma percepção seletiva dos fatos O eleitor resolutamente partidário da esquerda encontrará todas as virtudes em um governo de esquerda e não considerará mais que as ações e os traços favoráveis O de direita ao contrário filtrará os atos de governo e reterá unicamente os que se acomodem a sua antipatia congênita A análise científica por sua vez trata de acrescentar a consideração de fatos concretos em detrimento da influência dos preconceitos Se a avaliação implica juízo este deve resultar de observações concretas baseadas em normas ou valores os mais objetivos possíveis MÉNY THOENIG 1992 p 195 Você se recorda das discussões cotidianas sobre as Políticas Públicas mais importantes que mais atraem a atenção pública Quais são os critérios apresentados pelas pessoas a mídia os líderes políticos para formar e defender uma opinião Após todo o largo processo que vai da percepção de um problema público até a execução de medidas concretas para enfrentálo por meio de uma Política Pública o que mais restaria a fazer 127 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI Como aproveitar todo o potencial de experiências erros e acertos que uma Política Pública pode oferecer O trabalho de avaliação de Políticas Públicas é visto sob duas perspectivas principais MÉNY THOENIG 1992 p 194 Uma delas enfatiza o lado prático apresentando diferentes metodologias e instrumentos de coleta e tratamento de dados Esta primeira abordagem é útil e necessária mas exige para um mínimo de qualidade ao menos uma disciplina específica em qualquer curso de pós graduação pois representa uma transmissão de habilidades muito específicas de caráter aplicado Em outras palavras uma abordagem de formação de avaliadores128 A segunda perspectiva que adotamos seguindo a filosofia desta disciplina e de todo o nosso curso enfoca a avaliação dentro do processo mais geral de gestão e execução das políticas quem são seus atores quais são suas finalidades como se pode aproveitar seus esforços Em síntese formar analistas de Políticas Públicas que saibam o que esperar de uma avaliação como inserir os produtos da avaliação em um estudo global da política Para isto consideremos primeiro algumas necessidades de informação de qualquer organização em busca de seus objetivos 128 A apresentação mais interessante e prática de que dispomos atualmente em português dessa abordagem amplamente testada por diferentes instituições governamentais de auditoria no Brasil está em TCU 2000 texto que compõe a biblioteca do nosso curso Também em português e disponíveis no Brasil existem excelentes manuais metodológicos voltados especificamente para a avaliação de Políticas Públicas Cohen Franco 1999 e Worthen Sanders Fitzpatrick 2004 128 CAPÍTULO 1 Avaliação como uma reflexão sobre a ação Poderia dizer para onde tenho que ir a partir daqui perguntou Alice Isso depende de aonde você quer chegar respondeu o Gato Não tem muita importância aonde vou chegar começou a dizer Alice Nesse caso dá no mesmo para onde você vai interrompeu o Gato desde que chegue em algum lugar completou Alice querendo explicar Ah você sempre vai chegar em algum lugar disse o Gato se andar o suficiente Alice no País das Maravilhas CARROL 2002 apud NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 27 Qualquer grupo ou organização acaba tendo que formular em algum momento de sua trajetória questões semelhantes às de Alice em seu famoso diálogo com o Gato no País das Maravilhas Sabemos e expressamos com clareza a situação que desejamos para o nosso grupo ou quais os nossos objetivos Tendo claros os nossos objetivos estamos dirigindonos a eles ou caminhamos em direção oposta Como diz Alice para onde tenho que ir Na maioria das situações não são perguntas simples a passagem de uma situação atual a uma situação desejada no futuro depende de sucessivas escolhas entre alternativas divergentes escolhas que são feitas com grande limitação da informação disponível sobre cada uma dessas alternativas como já vimos exaustivamente no nosso estudo das etapas anteriores do processo de Políticas Públicas Mas Alice não pergunta apenas em abstrato para onde deve ir Ela tem o cuidado de especificar que vai a alguma parte a partir daqui Ou seja o ponto onde se está e o caminho que se levou até alcançálo são também fatores da maior importância para definir os rumos desejáveis e as possibilidades de alcançálos As organizações também precisam conhecer com alguma precisão as condições reais de sua situação presente para que possam escolher seus caminhos Em resumo para fazer qualquer coisa para introduzir mudanças em uma situação não desejável ou que não nos agrada para ir a algum lugar é preciso ter objetivos claros e explícitos e saber de que maneira tentaremos atingilos por qual caminho seguir a direção desejada Para isto primeiro é preciso programar as ações do grupo social envolvido ou seja formular um plano de trabalho Também necessitamos saber de onde partimos onde estamos em outras palavras um diagnóstico da situação problemática a ser resolvida mediante a ação Assim se desenvolvem alternativas e se escolhe entre elas um formulador de políticas na verdade o raciocínio aplicase a qualquer grupo social129 formula objetivos para sua ação e prevê medidas 129 Esta noção de grupo ou organização para o raciocínio aqui desenvolvido é a mais ampla possível vale tanto para uma microempresa funcionando numa economia de mercado quanto para o governo de um país inteiro Encaixase portanto em qualquer dos níveis de complexidade da Política Pública que estiver sendo estudada 129 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI para alcançálos Objetivos ações e resultados porém precisam ser examinados confirmados medidos É preciso olhar para a realidade e confirmar na prática se aquilo que se planejou de fato ocorre É preciso colher da experiência da ação o máximo de lições para corrigir erros e melhorar a prática futura Cada vez em que se está fazendo essa confirmação com base nos fatos está entrando em ação um mecanismo de avaliação130 Esta é a função básica da avaliação das Políticas Públicas entendida como uma parte inseparável da função gerencial das políticas publicas em qualquer nível de governo Avaliação portanto pode ser entendida como uma atividade consciente de reflexão sobre a ação baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informações sobre a realidade da organização com a finalidade de emitir opiniões ou avaliações fundamentadas sobre a atividade da organização opiniões estas que devem ser comunicadas a diferentes interessados e que devem conter recomendações ou subsídios para melhorar a ação e os resultados presentes e futuros NIRENBERG BRAWERMAN RUIZ 2003 p 31 Vamos então refletir um pouco mais desdobrando logicamente o nosso conceito inicial A avaliação é uma atividade consciente ou planejada o governo ou organização que aplica quaisquer mecanismos de avaliação tem consciência da sua necessidade sabe que é um esforço necessário e para o qual é preciso dedicar tempo e recursos O seu caráter planejado significa que o grupo ou organização tem a oportunidade de refletir e escolher quais mecanismos e instrumentos são mais adequados para conseguir as respostas que deseja É uma reflexão sobre a ação ou um momento do processo gerencial no qual a organização ou uma parte dela precisa necessariamente afastarse do papel de tomador de decisões assumir a um papel distinto o daquele que vê a ação da organização de uma perspectiva externa à própria ação e pensa sobre ela segundo critérios próprios previamente escolhidos especificamente para a atividade de controle É baseada em procedimentos sistemáticos de coleta e análise de informação o que implica em que seu valor e qualidade dependem da observância de regras ou métodos previamente definidos e explicitados para a sua realização e principalmente do compromisso exclusivo com a realidade dos fatos Não é qualquer reflexão sobre a realidade da organização que podemos chamar de avaliação Avaliação qualquer avaliação só tem valor como tal se for inteiramente centrado em fatos A avaliação de uma política educacional por exemplo pode ser feito a partir do levantamento das informações sobre os seus resultados reais comparandoos aos planejados Se algum tipo de reflexão criticar essa mesma política em função de que seus objetivos não são desejáveis socialmente não será uma ação avaliativa embora legítima essa reflexão estará em outro domínio da ação organizacional ou mais precisamente nas etapas de formação de agenda e tomada de decisões É preciso muita atenção do analista de Políticas Públicas neste último ponto ao examinar ou protagonizar uma discussão sobre a política considerada deve ter segurança do que está diante de si Podese estar discutindo o quê foi feito como foi feito quais os resultados baseados em fatos observados e aí estarseá diante 130 Na realidade a lógica aqui formulada pode ser estendida integralmente para a noção de controle em uma organização do qual a avaliação seria a manifestação ou especialidade aplicada à gestão das Políticas Públicas 130 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO de uma avaliação Porém se a agenda da discussão incluir informações normativas sobre o que deveria ou não ser feito sobre a desejabilidade de favorecer o interesse do grupo A em face do grupo B já não se está fazendo avaliação mas recolocando as questões da agenda e das escolhas Ambas as discussões são legítimas mas os pressupostos os envolvidos os valores são inteiramente distintos Na avaliação com todas as limitações que tem qualquer estudo desse tipo buscase ao máximo possível a objetividade Na escolha política ao contrário tratase de explicitar discutir e ordenar valores o que deve ser O analista de Políticas Públicas pode contribuir em ambos os momentos desde que saiba em qual deles se encontra Numa avaliação o produto final é uma opinião fundamentada A reflexão avaliativa como vimos anteriormente atende à necessidade da organização ou do formulador de políticas em verificar como as suas decisões e escolhas tiveram reflexos na realidade dos fatos A simples descrição de fatos ainda que feita com precisão não atenderia a estas necessidades A opinião que é produto da avaliação neste sentido representa a associação dos fatos e dados reais com as dimensões relevantes da ação e do planejamento da própria organização ou Política Pública no nosso exemplo de política educacional constatar que a taxa de escolarização da população cresceu em tantos por cento é uma mera afirmação sobre fatos mas comparar o objetivo de um programa de apoio à permanência de crianças na escola formulado em termos da mesma taxa de escolarização com a constatação real da evolução dessa taxa no públicoalvo do programa é uma opinião de controle sobre esse programa Uma opinião avaliativa então tem obrigatoriamente dois requisitos por um lado a coleta de fatos por outro a escolha de um parâmetro ou referência baseado na realidade da Política Pública um padrão de comparação que demonstre a relação entre os fatos examinados e a realidade ou o interesse da Política Pública este padrão pode ser um valor planejado ou esperado pela organização promotora ou pelo enunciado da política ou um padrão de conduta fixado pela lei ou a própria evolução ao longo do tempo do valor observado Este padrão de comparação é denominado na maioria das avaliações de critério de avaliação ou critério de controle131 A opinião da avaliação então é esta comparação entre a realidade observada e o critério previamente estabelecido em função da necessidade da organização que promove a avaliação Existe ainda um ponto que às vezes é negligenciado as opiniões têm de ser comunicadas aos interessados e devem conter recomendações sobre a ação Naturalmente como o objetivo da avaliação é o de que a organização ou o formulador da política possa utilizar suas opiniões para corrigir rumos e melhorar práticas ela de nada adiantará se os responsáveis pelas decisões relevantes e todos aqueles que dentro da policy network tenham interesses legítimos nas ações examinadas não tiverem acesso aos seus resultados Isto implica em que aqueles que realizarem a avaliação têm de ter especial atenção com as formas pelas quais suas opiniões atingirão os destinatários implicando também por consequência na necessidade de definir antecipadamente quais os destinatários mais importantes de cada avaliação este cuidado implica em pesquisar entender e explicitar sempre que possível antecipadamente as necessidades informativas desses destinatários pois de nada lhes adiantará informação avaliativa que não esteja dentro de suas necessidades Também dentro do mesmo objetivo geral de para corrigir rumos e melhorar práticas é razoável esperar que todo o esforço empenhado na reflexão sobre a ação mediante a avaliação seja aproveitado não apenas na 131 Para um aprofundamento no conceito de critério essencial para o aprofundamento metodológico consultar Bittencourt 2000 texto integrante da biblioteca do nosso curso que versa especificamente sobre isto 131 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI comparação entre a realidade e o critério mas também na indagação de causas e consequências do resultado desta comparação Para chegar à opinião avaliativa a organização ou ente governamental realizou uma reflexão um processo de análise e interpretação da realidade Nada mais produtivo que essa reflexão seja integralmente refletida na opinião inclusive com todos os desdobramentos lógicos de causaefeito que puderem ser gerados a partir dessa mesma análise a avaliação é o momento privilegiado para a organização identificar e sistematizar as lições aprendidas Daí a necessidade de as avaliações geram na maior extensão possível recomendações para aperfeiçoamento da ação Estas recomendações claro está não implicam em que aqueles que as realizam passarão a tomar decisões as recomendações fornecem propostas subsídios e argumentos para serem utilizados pelos responsáveis pelas decisões aos formuladores da política aos atores na formação da agenda132 Em alguns casos do controle no setor governamental as recomendações do controle têm um caráter mais forte relacionado ao cumprimento de normas legais e dificilmente deixam de ser acatadas mesmo assim quem formula as recomendações não assume a gestão nem a responsabilidade direta pelas decisões Avaliação pesquisa científica monitoramento cada um no seu lugar o que isto quer dizer é que saberíamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições em vez de perdermos tanto tempo com as identidades e as coerências que essas têm obrigação de explicarse por si mesmas SARAMAGO 2000 p 26 Tendo lido até aqui alguém poderia sentirse confuso ao pensar que a reflexão sobre a ação que denominamos avaliação confundese com a própria pesquisa científica Não é bem assim existe muitos pontos de coincidência mas são tipos de reflexão distintos De fato muitos instrumentos de pesquisa e análise dos fatos são usados por ambos Afinal o processo de explicação ou fundamentação das opiniões da avaliação é semelhante ao da ciência o rigor nas formas de alcançar asseverações confiáveis é comum Em ambos os casos não se trata só de criticar ou de elogiar há que fundamentar as afirmações para distinguilas de crenças opiniões ou juízos emocionais em outras palavras são modos de indagação disciplinada aquela que produz conhecimento que é confirmável e replicável por terceiros que permite explicitar a natureza dos dados das fontes e do contexto em que foram recolhidos assim como os processos de transformação dos dados em informação interpretações conclusões extrapolações recomendações É a fundamentação que permite na avaliação emitir a partir dessa fundamentação as recomendações para superar deficiências ou aprofundar as vantagens já obtidas com a ação avaliada Porém já vimos que a avaliação como um mecanismo de controle ocupase essencialmente da melhoria da ação e portanto tem na formulação das recomendações e subsídios a essa mesma ação a sua essência A avaliação procura identificar fatos e tendências relevantes para a agenda da gestão Mesmo quando é o agente que avalia quem seleciona os exames que vai realizar os aspectos da 132 Neste sentido ao formular recomendações o avaliador na verdade qualquer agente da função de controle está atuando como consultor aquele que está em posição de exercer alguma influencia sobre um indivíduo grupo ou organização basicamente servindo como auxiliar os executivos e profissionais da organização nas tomadas de decisões mas que não tem poder direto para produzir mudanças ou programas de implementação quem tem controle direto da situação e das decisões é um gerente não um consultor Block 2001 p 2 Oliveira 2005 p 21 132 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO realidade que vai analisar ele não pode deixar de pautarse pelos objetivos maiores que fizeram com que aquele controle avaliativo viesse a ser instituído Já a ciência tem por preocupação aumentar o corpo de conhecimentos Seu foco é o conhecimento sobre a realidade e ela termina com conclusões sobre como e porquê ocorrem os fatos que observa independentemente da relação destas conclusões com um determinado programa de ação Por consequência os critérios que na avaliação devem obrigatoriamente vincularse a alguma dimensão relevante da ação controlada recebem na pesquisa científica tratamento diferente o cientista é em grande medida livre para formular perguntas a que sua investigação vai responder e o objetivo de seu trabalho é essencialmente responder a estas perguntas e aumentar o conhecimento sobre a realidade Em síntese a pesquisa científica termina com as conclusões sobre como ocorrem os fatos realimentando a teoria a avaliação deve terminar com recomendações que modifiquem confirmem ou acrescentem o que já se vinha fazendo Também o foco difere a pesquisa científica pode dedicarse a qualquer aspecto da realidade social enquanto a avaliação só tem sentido se abordar a forma com que os poderes públicos abordam os problemas sociais que ganham a agenda Naturalmente haverá momentos em que os limites entre avaliação e ciência não estarão muito precisos a avaliação dos resultados de um novo programa de ação governamental certamente produz relevante conhecimento sobre a realidade social sobre a qual este programa procurou intervir Por exemplo quando se põe à prova uma modalidade de intervenção em Política Pública que se considera inovadora a avaliação incluirá um processo rigoroso e sistemático de coleta de informação para emitir juízos e recomendações informações estas que poderão subsidiar uma comparação de natureza estritamente científica entre a eficácia da nova intervenção frente a outras tradicionais de intervir sobre o mesmo problema Por outro lado nada impede ao contrário é extremamente recomendável que os avaliadores recorram a fatos e análises já produzidos e disponibilizados pela ciência na elaboração de seu próprio trabalho E muitos cientistas certamente têm em mente os problemas relevantes da ação social que fornecem importantes perguntas sobre a realidade para orientar seus programas de pesquisa Mas na sua essência como procedimentos de reflexão tratase de duas naturezas distintas Isto implica até mesmo numa distinção entre as habilidades requeridas aos profissionais de cada tipo de investigação ao cientista exigese conhecimentos metodológicos básicos e domínio exaustivo do setor de conhecimento que pesquisa Já o avaliador necessita de um conhecimento metodológico amplo mas o conhecimento sobre a natureza da Política Pública que avalia não precisa ser tão exaustivo e pode mesmo irse desenvolvendo ao longo do processo avaliativo Isso decorre tanto da estrutura da formação do conhecimento em cada ramo quanto das características organizacionais do trabalho de cada um tipicamente a organização ou unidade encarregada de produzir avaliação enfrenta os desafios de avaliar em diferentes áreas de aplicação de um mesmo ramo de conhecimento como saúde ou educação e por vezes as equipes de avaliação de programas têm de ser literalmente generalistas produzindo avaliações nos setores os mais distintos Do avaliador além disso e por fortes razões que já veremos adiante exigemse conhecimentos bastante seguros do universo da análise de Políticas Públicas como campo de conhecimento a exemplo de como a estamos apresentando no nosso curso Outras atividades por sua vez gravitam em volta das Políticas Públicas em sociedades avançadas Uma delas é a do monitoramento entendido como coleta sistematizada contínua e periódica de 133 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI informações sobre a execução de programas ou políticas com objetivo de acompanhar a evolução de sua execução insumos atividades resultados e a sua correspondência ao planejado Esta modalidade de ação de controle embora também constitua uma retroalimentação da maior importância para a gestão da execução das políticas bem como uma fonte de informações em geral valiosa para avaliações posteriores não alcança o sentido e a profundidade de uma avaliação O simples acompanhamento ou monitoramento é antes uma importante fonte de informação bruta para diversos fins inclusive o da própria avaliação Mas faltalhe a amplitude a flexibilidade metodológica o alcance a todas as etapas do ciclo de políticas e sobretudo o esforço de juízo valorativo que caracterizam a avaliação Da mesma forma têm surgido diversas iniciativas de organização sistemática e periódica de informações sobre as mais variadas políticas e realidades relacionadas a um determinado tema o abuso de drogas a igualdade de gênero o meio ambiente denominadas observatórios de problemas públicos Tais iniciativas são a rigor um esforço de monitoramento de diferentes aspectos dos problemas que lhes interessam só que a um nível mais global ou consolidado Pelas mesmas razões a avaliação não se pode confundir com esses projetos Ou seja avaliação e monitoramento individual ou na forma de observatórios não se confundem Ao contrário beneficiamse e potencializamse mutuamente A informação do monitoramento é com frequência extremamente útil como insumo para a avaliação Por outro lado uma avaliação em profundidade em um determinado programa ou política pode contribuir substancialmente na identificação de novas variáveis e indicadores que sirvam às finalidades de monitoramento Trata se no entanto de atividades A avaliação dentro do ciclo de políticas Se tomarmos linear e literalmente o modelo a avaliação seria o fecho da sequência de etapas ocorreria após a implementação Mas vamos pensar Para quê servirá uma avaliação feita depois da Política Pública sem que seus resultados fossem utilizados de alguma maneira Tendo em vista as finalidades da avaliação qual seria a utilidade de realizar o esforço de avaliação sem que seus resultados pudessem ser utilizados na própria política É possível contemplar algumas formas de avaliação que tivessem outros propósitos tais como responsabilizar os gestores pelos resultados veremos um pouco disso adiante Mas seria razoável deixar de aproveitar os recursos aplicados no trabalho avaliativo em todas as demais etapas do processo de formulação e execução de Políticas Públicas Ao contrário avaliar é aprender Portanto a avaliação deve servir como insumo a todos os seguintes passos do processo de política Na identificação do problema e formação de agenda os resultados de uma avaliação são argumentos extremamente poderosos para reforçar ou rechaçar 134 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO a inclusão de temas na agenda a detecção de novos problemas suscitados pela aplicação das políticas já em funcionamento pode abrir toda uma nova agenda para a sociedade Na formulação de soluções o desenvolvimento das soluções para políticas fase exploratória por natureza beneficiase enormemente do conhecimento dos problemas já enfrentados e das soluções que foram encontradas em casos anteriores ou similares de fato a avaliação é um dos insumos mais importantes para o desenvolvimento das soluções Neste caso existe inclusive o termo avaliação ex ante que representa um exercício de simulação ou modelagem da Política Pública considerada tentando explorar os cenários possíveis de execução para verificar a viabilidade ou as relações entre custo e resultado prováveis COHEN FRANCO 1999 p 108 Embora não seja avaliação nos termos em que aqui utilizamos pois não contém uma coleta de dados reais da política sendo avaliada o raciocínio utilizado e as metodologias empregadas são muito próximos aos da avaliação e a própria utilização do termo avaliação denota a íntima relação entre as informação dessa etapa e o estudo para o desenvolvimento de novas alternativas Na tomada de decisão da mesma forma que na formação de agenda os problemas encontrados nas políticas anteriores representam fortes argumentos no processo decisório defensores de determinadas escolhas podem sustentálas em função de sucessos anteriores tomadores de decisão têm muito a aprender com escolhas anteriores que resultaram em insucesso Na implementação do programa a avaliação permite que os erros e acertos de implementações anteriores possam ser conhecidos e utilizados como orientação para executores posteriores Assim a representação gráfica do ciclo de política pode ser enriquecida com a inclusão das relações da avaliação com as demais fases Compreendendo o problema Colocando as soluções em prática Desenvolvendo soluções TESTANDO O SUCESSO E FAZENDOO PERDURAR INFORMAÇÕES RELEVANTES Dentro do conceito graficamente ilustrado o aprendizado da avaliação é um instrumento precioso para testar ou sucesso recolher as experiências erros e acertos para fazer perdurar os efeitos positivos Já no modelo completo vemos ilustrado em maior detalhe o fluxo de informações proveniente da avaliação irrigando cada uma das etapas anteriores 135 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI EXECUÇÃO OU APLICAÇÃO DA AÇÃO DEMANDA POR UMA AÇÃO PÚBLICA IDENTIFICAÇÃO DE UM PROBLEMA PROPOSTA DE UMA RESPOSTA POLÍTICA EFETIVA DE AÇÃO IMPACTOS EM CAMPO AÇÃO POLÍTICA OU REAJUSTE AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS E ENCERRAMENTO FORMULAÇÃO DE UMA SOLUÇÃO RESOLUÇÃO DE UM PROBLEMA OU FINAL DE UMA POLÍTICA INFORMAÇÕES RELEVANTES TOMADA DE DECISÃO Um pouco mais sobre a avaliação funções e características Prevenimos porém desde já que não será possível chegar a uma conclusão ainda que provisória como o são todas se não começarmos por admitir uma premissa inicial certamente chocante para as almas rectas e bem formadas mas não por isso menos verdadeira a premissa de que em muitos casos o pensamento manifestado foi por assim dizer atirado para a linha de frente por um outro pensamento que não considerou oportuno manivestarse SARAMAGO 2008 p 285 Tratemos a avaliação com um pouco mais de detalhe Já vimos que a função da avaliação é proporcionar recomendações úteis Mas úteis em que sentido Em quê especificamente poderia ser insumido ou utilizado o rico conhecimento produzido pela avaliação A informação produzida pela avaliação tem vocação de ser utilizada retroalimentando as diferentes etapas do ciclo de políticas em três finalidades principais Melhoria do programa ou política avaliado A avaliação tem esse papel por excelência a retroalimentação e o aprendizado sobre a própria prática Pode assim tornarse instrumento para aperfeiçoamento da própria atividade avaliada bem como um forte impulso para a garantia de qualidade Ao evidenciar erros e acertos pode orientar os executores na correção de desvios verificados em relação aos objetivos além de poder trazer à cena eventuais consequências indesejadas ou inesperadas que sugiram até mesmo a modificação dos objetivos fixados pelo formulador das políticas Prestação de contas Accountability Avaliar também é uma forma de prestar contas no sentido mais amplo do termo Isto adquire um sentido ainda maior quando se trata de programas e Políticas Públicas já que a prestação de contas faz parte indiscutível dos princípios de um sistema democrático o cidadão tem direito a saber não só em que se estão empregando os fundos públicos mas também com que grau de idoneidade eficácia e eficiência estão sendo alocados geridos e empregados tais fundos 136 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO A prestação de contas por sua vez tem vária s perspectivas distintas a perspectiva política essencial para que os titulares da representação política comprovem que os responsáveis administrativos estão realmente executando os objetivos que se lhes determinou a perspectiva técnicoorganizativa representa a possibilidade de que os dirigentes administrativos possam conhecer o desempenho dos subordinados ou que alguém que descentraliza recursos e competências a outra entidade possa entender como tais meios são utilizados por aqueles a quem foram confiados a perspectiva da cidadania se for levada a efeito permitirá que a avaliação sirva aos cidadãos para ajuizar das ações dos políticos eleitos como seus agentes em particular para exigirlhes responsabilidades nas eleições periódicas por fim avaliar sob a perspectiva do cliente significa descobrir como os destinatários de uma política a recebem quais os benefícios que efetivamente recebem e qual o grau de equidade na distribuição dos benefícios dos esforços públicos Prospectiva Naturalmente a relação mais direta de um trabalho de avaliação é com a política ou programa concreto da qual se ocupa Porém um conjunto de avaliações gera uma informação sistemática que representa importantíssima base de conhecimento para a formulação e a análise de um semnúmero de políticas no futuro Ao se avaliar sistematicamente os diferentes programas de prevenção à dependência química está sendo construído conhecimento sobre as diferentes formas de prevenção as medidas que o poder público pode adotar e as respostas que suscitam nos potenciais afetados enfim os acertos e erros acumulados sobre como fazer prevenção e cura Este conhecimento tem o potencial de orientar qualquer ação futura nesta área tanto mais quanto mais estudos sejam desenvolvidos a partir os resultados de conjuntos de avaliações com similaridades ou relações entre si Qualquer que seja a perspectiva que adote a avaliação algumas características se fazem presentes Em primeiro lugar é preciso reconhecer o caráter político da avaliação Já sustentamos na seção anterior que a avaliação busca atingir o máximo grau possível de objetividade e busca de fatos Isto é absolutamente verdadeiro e inteiramente compatível com a afirmação do caráter político da avaliação Como conciliar a objetividade133 com um caráter político Isso depende fundamentalmente do entendimento do político não como pejorativo ou seja como instrumento de barganha ou disputa entre grupos em favor de seu acesso ao poder Ao contrário entender e assumir o caráter político da avaliação significa compreender que ela pode e deve abarcar não apenas dados técnicos relativos à execução física e técnica da área de atuação da Política Pública avaliada mas as interações de vários atores dentro de e entre burocracias clientes grupos de interesse organizações e parlamentos e sobre como relacionamse uns com os outros a partir de diferentes posições de poder influência e autoridade RUEDA 2003 p 16 Ora o que vimos ao longo de todas as etapas do ciclo de política é que uma Política Pública nasce ganha vida e é aplicada sobre a realidade prática exatamente sob tais condicionamentos indissociáveis estes da própria política Então reconhecerlhes a existência e influência será precisamente uma exigência da objetividade em particular quando se entre no exame de possíveis causas de resultados em desacordo com os objetivos Os objetivos foram fixados sob determinados condicionantes políticos a execução foi desdobrada também sob outros condicionantes políticos ora a ninguém surpreenderá que eventuais diferenças entre os dois possam ser atribuídas não só a fenômenos do clima ou mera aleatoriedade mas também ao efeito desses condicionantes políticos É preciso ter sob os olhos ao avaliar não apenas os objetivos enunciados de uma política mas também compreender os processos organizativos que tornaram concreta essa política e as interrelações que teve com todos os stakeholders em particular os mais frágeis ou incapazes de mobilização que demasiadas vezes só tem o momento da avaliação para terem seus valores e interesses ressaltados 133 Objetividade aqui dentro das possibilidades que oferece qualuqer análise da realidade social Ficamos aqui à margem das discussões epistemológicas sobre as dificuldades da ciência social e suas atividades correlatas de assumirem os mesmos padrões metodológicos e de objetividade de outras ciências da natureza Consideramos objetivo para os fins desta análise da avaliação de Políticas Públicas aquele conhecimento que obedece aos padrões exigidos para qualquer área da ciência social 137 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI Pode haver um justo temor a contaminar a lógica avaliativa que deve ser a mais objetiva possível com um viés de interesse político a orientarlhe as conclusões Este risco é inevitável e deve ser minimizado com o aprofundamento das exigências de rigor metodológico na realidade o risco do avaliador enredarse em julgamentos motivados por interesse político é muito maior quando ele não tem ou afirma não ter para efeitos externos consciência da sua inserção num processo político Não obstante o risco sempre presente de uma captura do avaliador pelo raciocínio político no sentido pejorativo a entrada da avaliação no processo de formulação de Políticas Públicas é indispensável exatamente porque ao trazer considerações ancoradas em rigor e objetividade ajuda a controlar e minimizar as considerações particularistas ou fundadas em defesa de interesses ou seja permite caracterizar determinadas análises e posições como parciais e voltadas para interesses específicos o que é legítimo desde que se lhes reconheça como tal Isto traz algumas exigências para a avaliação Tendo em vista seu caráter político que aliás não passa despercebido a nenhum stakeholder é essencial que a avaliação gere credibilidade o que exige ao avaliador um esforço permanente de imparcialidade objetividade e rigor metodológico um avaliador que caia nos riscos da captura como discutimos acima cedo deixará de exercer influência como tal Além disso a avaliação precisa manterse fiel ao princípio básico enunciado desde o começo deste capítulo não existem modelos préfabricados cada avaliação atende à necessidade informativa de alguém em um determinado momento portanto ensejará a construção de critérios especificamente voltados para essa necessidade cada situação avaliativa pode requerer uma resposta avaliativa única adaptada às circunstâncias concretas o que não retira em absoluto o rigor e a objetividade em cada uma dessas ocorrências Por fim a tempestividade é outro fator crucial a avaliação não se faz em abstrato mas para aprender sobre determinado curso de ação Se este aprendizado não vem no momento em que os interessados possam utilizálo na ação que está sendo avaliada ou em outras ações que possam ser concretamente previstas ou demandadas o efeito da avaliação termina por esvairse Quando o clima político muda apresentar os resultados de uma avaliação demasiado tarde pode significar o mesmo que não apresentálos Não obstante apresentálos a tempo pode marcara a diferença entre ser escutados ou não que se utilizem os resultados ou não ou que se aumente ou diminua a credibilidade do avaliador Em outras palavras se se tarda muito em responder as perguntas da avaliação pode ser que o debate que as gerou já não seja o mesmo que essas perguntas sejam já irrelevantes ou que os destinatários da avaliação tenham desaparecido RUEDA 2003 p 18 A necessidade de tempestividade sugere inclusive que o avaliador considere a utilidade de prover os destinatários com os produtos intermediários de seu trabalho existem muitos projetos de avaliação extremamente complexos que necessitam de um prazo de vários meses ou mesmo anos Esses projetos são em regra compostos de várias etapas encadeadas cujos resultados parciais podem ser bastante bem aproveitados como produtos intermediários disponibilizados aos destinatários antes da conclusão final Por exemplo a própria construção dos critérios de avaliação em projetos de grande dificuldade técnica já pode oferecer material de primeira qualidade para o autoaperfeiçoamento do programa avaliado e daqueles a serem lançados A divulgação de resultados intermediários como 138 UNIDADE VI APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO produtos do trabalho avaliativo é também prática bastante corrente nas grandes instituições voltadas ao trabalho de avaliação de programas como o Government Accountablity Office norteamericano e o National Audit Office do Reino Unido Outra característica relevante é a natureza opinativa da avaliação De fato ela existe para formular opiniões juízos uma avaliação é um juízo feito sobre um dado com referência a um valor na sintética definição de Mény Thoenig 1992 p 195 Isto implica uma redobrada exigência de rigor e sistematicidade Os valores o conteúdo de mérito da opinião o que é desejável ou não será sempre questionável em bases igualmente valorativas deverá portanto ficar explicitado metodologicamente na definição dos critérios que poderão ser escolhidos pelo avaliador ou fixados por terceiros que tenham legitimidade para fazêlo De qualquer modo o trabalho de avaliação identifica concentra e explicita o seu conteúdo normativo nos critérios permitindo que a natureza valorativa da opinião resida especificamente em tais critérios e na prática permitindo que a informação sistematizada sobre a realidade possa ser inclusive reaproveitada pelos destinatários contrastandoa com outros critérios de seu interesse Existem critérios certos Evidentemente que não as bases para julgamento valorativo podem ser diferentes em função do âmbito da política avaliada ou das finalidades específicas da avaliação Alguns critérios clássicos a nível internacional utilizados na prática das avaliações de programa no Brasil ilustram esta multiplicidade BITTENCOURT 2005 pp 244245 Economicidade Minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade sem comprometimento dos padrões de qualidade Eficiência relação entre os produtos bens e serviços gerados por uma atividade e os custos dos insumos empregados em um determinado período de tempo Eficácia grau de alcance das metas programadas em um determinado período de tempo independentemente dos custos implicados Efetividade relação entre os resultados alcançados impactos observados e os objetivos impactos esperados que motivaram a atuação institucional Além dos clássicos citados não se ignorar a emergência de novos parâmetros para organizações e Políticas Públicas que refletem os novos problemas que ganharam o acesso à agenda pública mais recentemente Equidade a medida da possibilidade de acesso aos benefícios de uma determinada ação por parte dos grupos sociais menos favorecidos em comparação com as mesmas possibilidades da média do país Avaliar a equidade significa examinar se há uma distribuição igualitária dos recursos entre os que tem direito a recebêlos Transparência Responsabilidade o grau em que uma determinada ação permite a visibilidade e a prestação de contas de seus recursos e objetivos bem como a atribuição clara de responsabilidades aos diferentes agentes nela envolvidos Participação social a abertura que uma determinada Política Pública contempla para que nela se veiculem as opiniões e preferências dos interessados o que não apenas é instrumental mas tem um valor por si próprio como mecanismo pedagógico de autoorganização popular Sustentabilidade num sentido mais estrito a compatibilidade de uma ação com a sua inserção no meio ambiente natural que a cerca e que deve abrigála num sentido lato a capacidade dessa ação gerar por si própria os recursos financeiros materiais e naturais que lhe assegurem a continuidade Em síntese o caráter sistemático da avaliação a objetividade que pode alcançar em um meio tão fluido como o da luta política é obtido pela presença indissociável de dois elementos em primeiro lugar o estabelecimento prévio dos critérios de avaliação nos quais se contêm e vão verse refletivas 139 APRENDENDO COM AS POLÍTICAS AVALIAÇÃO UNIDADE VI as perspectivas valorativas que serão utilizadas para julgar os resultados em segundo lugar porque os juízos além das perspectivas valorativas preestabelecidas são realizados com base em uma informação coletada e analisada sistematicamente RUEDA 2003 p 20 Por fim é muito interessante notar os efeitos que muitas vezes se obtém nas Políticas Públicas pelo simples fato de avaliar As pessoas que participam em um processo de avaliação todos os envolvidos não apenas o avaliador tendem a tornarse mais conscientes do programa ou política considerado Como insistimos desde o começo a avaliação é reflexão e revisão e o mero fato de se abrir um espaço e um tempo formalizados para isso tem efeitos positivos em si mesmo Além disso a estrutura de reflexão que for utilizada para avaliar pode trazer consequências significativas para os próprios atores da política avaliada as metodologias participativas ajudam as pessoas envolvidas a refletir sobre sua própria prática a pensar de forma crítica e a perguntarse o porquê de seus atos e obrigações já uma avaliação baseada em raciocínios teóricos forçará aos profissionais a analisar e evidenciar portanto a tornarse conscientes de premissas e hipóteses subjacentes à formulação do programa Em suma as recomendações finais são o resultado final e mais visível do processo avaliativo No entanto seus efeitos estendemse a muito mais que um conjunto de propostas formalizadas 140 REFERÊNCIAS ALBI Emilio Público y privado un acuerdo necesario Barcelona Ariel 2000 ALBI Emilio GONZÁLESPÁRAMO José Manuel CASASNOVAS Guillem López Gestión pública fundamentos técnicas y casos Barcelona Ariel 2000 ARIDA Pérsio A história do pensamento econômico como teoria e retórica In GALA REGO 2003 BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Discricionariedade e controle jurisdicional São Paulo Malheiros Editores 1998 BENJAMIN Cid Hélio luz um xerife de esquerda Rio de Janeiro ContrapontoRelume Dumará1998 BEZERRA Marcos Otavio Em nome das bases sn política favor e dependência pessoal Rio de Janeiro RelumeDumará 1999 BITTENCOURT Fernando A jangada de pedra os caminhos da auditoria In Revista de Informação 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