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Administração ·
Sociologia
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195 Ricardo Antunes Marcio Pochmann A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Nas quase três décadas de prevalência dos anos dourados do capita lismo do segundo PósGuerra houve importantes avanços no tocante ao grau de conquistas laborais que terminaram estabelecendo um patamar mais avançado de segurança do trabalhador O crescimento do processo de acumulação fordista daquele período foi acompanhado simultaneamen te pela diminuição do desemprego e pela elevação dos salários dos ocupa dos no total da renda nacional No último quartel do século 20 contudo emergiram forças destrutivas do trabalho vivo adicionais Com a intensi ficação do processo de acumulação pósfordista constatase a inversão das bases de garantia da segurança do trabalhador Inexoravelmente passouse a assistir ao retorno do desemprego es trutural que logrou mais força à medida que ganhou maior dimensão a globalização neoliberal Se isso se transformou numa realidade generali zada nas economias centrais na periferia do capitalismo mundial onde o grau de seguridade social não havia avançado tanto durante os anos dou rados deuse uma ampliação ainda mais intensa nos níveis de precarização e desemprego Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP e autor entre outros de Adios al Trabajo Herramienta 2003 e Los Sentidos del Trabajo Herramienta 2005 Coordenador das Coleções Mundo do Trabalho Ed Boitempo e Trabalho e Emancipação Ed Expressão Popular Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da UNICAMP e autor entre outros de O emprego na Globalização Ed Boitempo e Atlas da Exclusão Social no Brasil Ed Cortez livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 195 196 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA Diante de tal quadro este ensaio procura destacar a situação atual de desconstrução do trabalho acompanhada sobretudo pelo desemprego estrutural Para tanto a análise encontrase dividida em duas partes A primeira parte trata das forças responsáveis pela desconstrução do traba lho Já a segunda referese à situação em curso do desemprego estrutural e das transformações do processo de empobrecimento dos trabalhadores no Brasil FORÇAS DA DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO Foi em meados da década de 1970 que se desencadeou um conjunto muito grande de mudanças de modo mais ou menos simultâneo afetan do fortemente o capitalismo e o sistema de produção de mercadorias Essas transformações objetivavam tanto recuperar os níveis de acumula ção e reprodução do capital quanto repor a hegemonia que o capitalismo vinha perdendo no interior do espaço produtivo desde as explosões do final da década de 1960 quando as lutas sociais do trabalho passaram a reivindicar diretamente o controle social da produção Essas mudanças acarretaram profundas repercussões nos universos do trabalho e das classes trabalhadoras Podemos dizer que o mundo do trabalho sofreu uma mutação de forte envergadura Por sua vez a empre sa dita moderna fosse ela uma fábrica uma escola ou um banco ao alterar seu modo de operação gerou fortes conseqüências tanto no que concerne ao trabalho quanto ao mundo do capital Sabemos que foi a partir daqueles anos que se aprofundou o proces so de financeirização da economia traço marcante da chamada mundialização do capital para lembrar a tese de François Chesnais financeirização que é expressão de uma crise estrutural mais profunda normalmente simplificada sob a denominação de crise do taylorismo e fordismo Chesnais 1996 Tal fenômeno tem uma dimensão mais com plexa presente no próprio movimento de acumulação e crise Estávamos concluindo então os chamados anos dourados os anos 194060 marca dos pela vigência do welfare State que atingiu uma parcela de países cen trais importantes principalmente da Europa Ocidental Nesse período houve uma clara simbiose entre o welfare State e o padrão taylorista e fordista em ascensão nos EUA desde os anos 1920 Como funcionava a empresa taylorista e fordista em seu processo produtivo Tratavase de uma produção cronometrada homogênea com livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 196 197 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL ritmo controlado buscando como disse Ford que a opção do consumi dor fosse escolher entre um carro Ford preto modelo T ou um carro Ford preto modelo T Por ser homogênea a produção davase em ritmo seriado e em linhas rígidas Essa produção em massa favoreceria um barateamen to dos preços sendo ampliado desse modo o consumo também em mas sa e por conseguinte incrementados os salários dos operários Esse cenário foi dominante até o início dos anos 1970 quando ocor reu a crise estrutural do sistema produtivo Aquilo que a imprensa à épo ca denominou crise do petróleo em verdade foi expressão de uma tur bulência muito mais intensa que de certo modo se prolonga até os dias de hoje uma vez que o vasto e global processo de reestruturação produti va ainda não encerrou seu ciclo Pois bem nessas mudanças todas a empresa taylorista e fordista mos trou que tinha cumprido sua trajetória Tratavase então de implementar novos mecanismos e formas de acumulação capazes de oferecer respostas ao quadro crítico que se desenhava Foram várias as experiências nesse sentido na Suécia em Kalmar no Norte da Itália por meio da chamada Terceira Itália na Califórnia nos EUA no Reino Unido na Alemanha e em diversos outros países e regiões Estávamos presenciando a partir da década de 1970 a experimentação daquilo que o cientista social e geógrafo norteamericano David Harvey 1992 chamou de era da acumulação flexível Tratavase de garantir a acumulação porém de modo cada vez mais flexível Daí é que se gestou a chamada empresa flexível Essa transformação estrutural que deslanchou a chamada reestruturação produtiva do capital em escala global teve forte incre mento após as vitórias do neoliberalismo de Margareth Thatcher na In glaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos quando um novo re ceituário um novo desenho ideopolítico apresentouse como alternati va em substituição ao welfare State Começava a se expandir a pragmática neoliberal Sob a regência do mundo do mercado incentivaramse as privatiza ções e as desregulamentações de todo tipo da economia às relações traba lhistas do mundo financeiro às leis fiscais Foi assim que se expandiu o neoliberalismo Vale lembrar entretanto que a redução do Estado no âmbito produtivo e na prestação de serviços públicos foi substituída pelo fortalecimento da ênfase privatista do aparato estatal de que foi exemplo o governo Margareth Thatcher Altamente intervencionista esse gover no teve a clara finalidade de desregulamentar a economia e privatizála livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 197 198 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA além de impedir a atuação dos sindicatos no âmbito das comissões esta tais prática largamente utilizada durante a fase trabalhista anterior A Inglaterra foi em grande medida o laboratório europeu desse experimento Posteriormente vieram os Estados Unidos com Ronald Reagan e a Alemanha Pouco a pouco esse ideário e essa pragmática tor naramse dominantes apresentandose em alguns casos como a única alternativa Mas vale também lembrar que antes deles a ditadura militar de Pinochet igualmente estruturara a economia chilena em moldes neoliberais o que outrossim mostra bem até onde é capaz de chegar a barbárie neoliberal Essa reestruturação produtiva fundamentouse ainda no que o ideário dominante denominou como lean production isto é a empresa enxuta a empresa moderna a empresa que constrange restringe co íbe limita o trabalho vivo ampliando o maquinário tecnocientífico o que Marx denominou como trabalho morto Ela redesenha cada vez mais a planta produtiva reduzindo força de trabalho e ampliando sua produ tividade O resultado está em toda parte desemprego explosivo precarização ilimitada rebaixamento salarial perda de direitos etc Verificase a expan são daquilo que Juan Castillo cunhou como liofilização organizacional um processo no qual substâncias vivas são eliminadas Tratase do traba lho vivo que é substituído pela maquinaria técnocientifica pelo trabalho morto A liofilização organizacional não é outra coisa senão o processo de enxugamento das empresas Castillo 1996 Antunes 2003 2005 Des se modo aqueles setores que eram os pilares da economia produtiva no século 20 cujo melhor exemplo é a indústria automobilística sofreram fortes mutações Nessa nova empresa liofilizada é necessário um novo tipo de trabalho e um novo tipo do que antes se chamava de trabalhador o qual atualmente os capitais denominam de modo mistificado como colaborador Qual é esse novo tipo de trabalhador Primeiro ele deve ser mais polivalente do que o trabalhador ou trabalhadora da empresa de tipo taylorista e fordista O trabalho moderno buscado progressivamente pelas empresas não é mais aquele fundamentado na especialização taylorista e fordista do passado quando uma profissão era centrada em uma atividade específica O novo trabalho deu origem à chamada desespecialização multifuncional ao trabalho multifuncional que de fato expressa a enorme intensificação dos ritmos tempos e processos laborais livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 198 199 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Como resultado o trabalho dos nossos dias é mais desespecializado e multifuncional cujos ritmos e processos tempos e movimentos são mais intensamente explorados Esse trabalho perdeu a especialização adquirida em décadas anteriores quando havia o predomínio da empresa de tipo taylorista e fordista e tornouse cada vez mais multifuncional polivalente segundo a terminologia dominante Isso inclui tanto o mundo fabril in dustrial quanto o chamado setor de serviços ainda que seja importante dizer que essa divisão setorial dada a penetração do capital em todos os setores é cada vez mais inexistente vejamse as expressões indústria de serviços serviços industriais agronegócios que são exemplos da imbricação crescente entre os três setores Lojkine 1995 Os serviços públicos como os serviços de saúde energia telecomu nicações e previdência entre outros sofreram um significativo processo de mercantilização de mercadorização que afetou ainda mais fortemente a classe trabalhadora também em seus universos estatal e público As em presas passaram inicialmente nos países centrais e posteriormente nos países dependentes a assimilar muitos aspectos do toyotismo variante que se originou no Japão do PósSegunda Guerra Esse sistema por sua vez teve origem na experiência norteameri cana dos supermercados mantendose estoques os menores possíveis o chamado estoque mínimo e tomou como base a indústria têxtil na qual osas trabalhadoresas operavam várias máquinas simultaneamente ao contrário da relação um trabalhador uma máquina como ocorria no sistema taylorizado e fordizado Antunes 2003 2005 Além da operação de várias máquinas por isso se fala em especialização multifuncional no mundo do trabalho atual temse a intensificação do trabalho imaterial como se não bastasse a enorme exploração ainda dominante sobre o trabalho material Essa é a que hoje o discurso dominante qualifica como sociedade do conhecimento dada pelo exercício do trabalho nas esferas de comunicação marketing etc Estamos presenciando a sociedade do logos da marca do simbóli co Nela o design da Nike a concepção de um novo software da Microsoft o modelo novo da Benetton resultam do labor chamado imaterial que articulado ao trabalho material expressa vivamente as formas contempo râneas da criação do valor São novas formas de trabalho e de criação do valor Há ainda um outro traço central das novas modalidades laborais que é dado pela crescente informalização do trabalho Esse trabalho é des livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 199 200 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA provido de regulamentação com redução quando não eliminação de direitos conquistados por meio de duras e longas lutas sociais Na Toyota por exemplo um núcleo estável de força de trabalho dotado de qualifica ção técnica era preservado para poder manter a produção sendo que quando se precisava ampliála se recorria à terceirização Quando o mer cado necessita aumentase a produção e elevase o número de terceirizados quando o mercado retraise reduzemse a produção e os terceirizados Podese compreender portanto o porquê da exigência mundial dos capitais pela legislação flexibilizada do trabalho visando tornála compa tível com a flexibilização produtiva vigente nas empresas Vale lembrar que até recentemente de 25 a 30 da classe trabalhadora japonesa ti nham emprego vitalício obtido aliás não por uma legislação legal mas por um direito consuetudinário Com a ocidentalização do toyotismo a partir dos anos 1970 esse traço fundamental do modelo japonês ficou restrito ao Japão Nos últi mos anos ele está sendo fortemente questionado também em seu país de origem uma vez que o Ocidente toyotizado tornouse mais produtivo e acabou por afetar as próprias condições de trabalho no Japão Por isso se pode também compreender a atual crise japonesa Todos presenciam os resultados intensificamse as formas de extra ção de trabalho e ampliamse as terceirizações sendo as noções de tempo e de espaço também profundamente afetadas Tudo isso muda muito o modo de o capital produzir as mercadorias e valorizarse Hoje onde ha via uma empresa concentrada podese mediante o incremento tecnológicoinformacional criaremse centenas de pequenas unidades in terligadas pela rede com número muito mais reduzido de trabalhadores e produzindo muitas vezes mais O trabalho tornase quase virtual num mundo real conforme pode ser constatado em O Caracol e sua Concha Antunes 2005a Huws 2003 Diante desses efeito estamos vivenciando a erosão do trabalho estável com profundas conseqüências sociais Foi por estar atento a esse complexo que Richard Sennet 1999 em A Corrosão do Caráter afirmou Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo Como se podem manter relações sociais duráveis Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identi dade e história de vida numa sociedade composta de episódios e livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 200 201 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL fragmentos As condições da nova economia alimentam ao con trário a experiência como a deriva no tempo de lugar em lugar de emprego em emprego O autor acrescenta ainda que o capitalismo de nossos dias de curto prazo tende à corrosão do caráter dos indivíduos sobretudo das qualida des de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros e dão a cada um deles um senso de solidariedade e identidade Tratase em suma de um crescente processo de desconstrução do trabalho típico de nossa sociedade involucral do desperdício da mercadoria crescentemente desprovida de utilidade social Quando olhamos para o chão produtivo o que vemos é um mundo do trabalho crescentemente precarizado Foi nesse contexto em que proliferaram também as distintas for mas de empreendedorismo cooperativismo trabalho voluntário etc entre as mais distintas formas alternativas daquilo que Vasapollo 2005 denominou como expressões diferenciadas de trabalho atípico Por sua vez os capitais utilizaramse de elementos que de certo modo estiveram presentes nas lutas sociais dos anos 60 como controle operário e partici pação social para darlhes uma outra configuração muito distinta emi nentemente patronal de modo a incorporar elementos do discurso ope rário agora sob clara condução do capital Bernardo 2000 2004 O exemplo das cooperativas talvez seja o mais eloqüente uma vez que em sua origem elas nasceram como reais instrumentos de luta e de fesa dos trabalhadores contra a precarização do trabalho e o desemprego Em contrapartida dadas as mutações que estamos analisando os capitais vêm em escala global criando cooperativas falsas como forma de precarizar ainda mais os direitos do trabalho visando até mesmo à sua redução e destruição Sabemos que as cooperativas originais criadas autonomamente pe los trabalhadores têm um sentido muito menos despótico e mais autôno mo em oposição ao arbitratismo fabril e ao planejamento gerencial sen do por isso reais instrumentos de minimização da barbárie e do desem prego estrutural consistindo também num efetivo embrião de exercício autônomo do trabalho As cooperativas de orientação patronal têm ao contrário sentido completamente inverso Na fase capitalista das megafusões verdadeiros empreendimentos patronais para destruir direi tos sociais do trabalho e precarizar ainda mais a classe trabalhadora são denominados freqüentemente pelos capitais como cooperativas Estes livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 201 202 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA transfiguraram muitas das experiências empreendidas pelos trabalhado res utilizandose de suas autênticas denominações convertendoas en tão em instrumental de destruição dos direitos visando à intensificação das formas de exploração da força de trabalho Outro exemplo forte desse processo é o chamado empreendedoris mo o qual Luciano Vasapollo 2005 caracteriza de modo claro As novas figuras do mercado de trabalho os novos fenômenos do empreendedorismo cada vez mais se configuram em formas ocul tas de trabalho assalariado subordinado precarizado instável tra balho autônomo de última geração que mascara a dura realidade da redução do ciclo produtivo Na verdade tratase de uma nova marginalização social e não de um novo empresariado Podese presenciar o mesmo quadro de precarização quando se ana lisam no contexto europeu as diversas modalidades de flexibilização do trabalho que sempre acabam trazendo de modo embutido diferentes formas de precarização Ainda nas palavras de Vasapollo 2005 A nova condição de trabalho está sempre perdendo mais direitos e garantias sociais Tudo se converte em precariedade sem qualquer garantia de continuidade O trabalhador precarizado se encontra ademais em uma fronteira incerta entre ocupação e nãoocupação e também em um não menos incerto reconhecimento jurídico diante das garantias sociais Flexibilização desregulação da relação de tra balho ausência de direitos Aqui a flexibilização não é riqueza A flexibilização por parte do contratante mais frágil a força de traba lho é um fator de risco e a ausência de garantias aumenta essa debili dade Nessa guerra de desgaste a força de trabalho é deixada comple tamente descoberta seja em relação ao próprio trabalho atual para o qual não possui garantias seja em relação ao futuro seja em relação à renda já que ninguém o assegura nos momentos de nãoocupação Proliferam nesse cenário aberto pelo neoliberalismo e pela reestruturação produtiva de amplitude mundial as distintas formas de flexibilização salarial de horário funcional ou organizativa entre ou tros exemplos Desse modo a flexibilização pode ser entendida como li berdade da empresa para desempregar trabalhadores sem penalidades quando a produção e as vendas diminuem para reduzir o horário de tra balho ou para recorrer a mais horas de trabalho para ter a possibilidade de pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 202 203 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL para poder subdividir a jornada de trabalho em dias ou semanas segundo as conveniências das empresas mudando os horários e as características do trabalho por turno por escala em tempo parcial horário flexível etc entre tantas outras formas de precarização da força de trabalho cf idem É por isso que acrescenta Vasapollo idem a flexibilização definitivamente não é solução para aumentar os ín dices de ocupação Ao contrário é uma imposição à força de traba lho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições É nesse contexto que estão sendo reforçadas as novas ofertas de trabalho por meio do denominado mercado ilegal no qual está sendo difundido o trabalho irregular precário e sem ga rantias Com o pósfordismo e a mundialização econômicoprodu tiva o trabalho ilegal vem assumindo dimensões gigantescas tam bém porque os países industrializados deslocaram suas produções para além dos limites nacionais e sobretudo vêm investindo em países nos quais as garantias trabalhistas são mínimas e é alta a espe cialização do trabalho conseguindo assim custos fundamentalmen te mais baixos e aumentando a competitividade Nesta fase crítica para o universo laboral caracterizada por uma espécie de processo de precarização estrutural do trabalho os capitais glo bais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho As mutações que vêm ocorrendo no universo produtivo em escala global sob comando do chamado processo de globalização ou de mundialização do capital vêm combinando de modo aparentemente pa radoxal a era da informatização por meio do avanço tecnocientífico com a época da informalização Tratase pois de uma precarização ili mitada do trabalho a qual também atinge uma amplitude global Os capitais passaram então a exigir a flexibilização dos direitos do trabalho forçando os governos nacionais a ajustaremse à fase da acumu lação flexível Flexibilizar a legislação social do trabalho significa não é possível terse qualquer ilusão sobre isso aumentar ainda mais os meca nismos de extração do sobretrabalho e ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora desde o início da Revolução Industrial na Inglaterra e especialmente pós1930 quando se começou a gestar o welfare State Como a lógica capitalista é acentuadamente destrutiva os governos nacionais são cada vez mais pressionados a adaptar a legislação social naci livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 203 204 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA onal dos respectivos países às exigências do sistema global do capital e aos imperativos do mercado destruindo profundamente os direitos do traba lho onde eles ainda se mantenham Por causa disso é que a legislação soci al do trabalho está sendo desmontada onde as resistências não têm a força suficiente para impedilas É também por isso que estão ocorrendo greves e manifestações em vários países como Itália Espanha e Alemanha entre outros desencadeando ações coletivas contrárias à política de destruição dos direitos públicos e sociais Sabemos que a globalização neoliberal e a internacionalização dos processos pro dutivos estão acompanhadas da realidade de centenas e centenas de milhões de trabalhadores desempregados e precarizados no mundo inteiro O sistema fordista nos havia acostumado ao trabalho ple no e de duração indeterminada Agora ao contrário um grande número de trabalhadores tem um contrato de curta duração ou de meio expediente os novos trabalhadores podem ser alugados por algumas poucas horas ao dia por cinco dias da semana ou por pou cas horas em dois ou três dias da semana Vasapollo 2005 Se a impulsão pela flexibilização do trabalho é uma exigência dos capitais em escala cada vez mais global as respostas do mundo do traba lho devem configurarse de modo crescentemente internacionalizadas mundializadas articulando intimamente as ações nacionais com seus ne xos internacionais Se a era da mundialização do capital realizouse entra mos também na era da mundialização das lutas sociais das forças do tra balho ampliadas pelas forças do nãotrabalho expressas nas massas de desempregados que se multiplicam pelo mundo Uma forma de se concretizar essas lutas sociais é impedindo a desconstrução dos direitos sociais e obstando a expansão das formas dife renciadas de precarização do trabalho travando a desconstrução do traba lho realizada pelo capital e recuperando eou criando uma nova forma de sociabilidade do trabalho efetivamente dotada de sentido Sem isso pode mos constatar o agravamento do quadro geral de desemprego estrutural bem como a transformação do próprio trabalhador ocupado em um seg mento ainda mais empobrecido No caso brasileiro isso parece algo ine gável conforme podemos verificar a seguir livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 204 205 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL EXPLOSÃO DO DESEMPREGO E EMPOBRECIMENTO DOS TRABALHADORES Com o avanço do desemprego aberto podese ter uma dimensão quantitativa do processo de degradação do trabalho na periferia do capita lismo mundial Desde 1998 esse desemprego encontrase acima de 9 do total da força de trabalho no Brasil se considerada somente a medida simplista de desemprego procura ativa disponibilidade imediata para tra balhar e sem atividade superior a uma hora na semana da pesquisa Mas se tomada como referência a situação mais ampla do desemprego estrutural como uma pressão contínua por demanda de trabalho a taxa de desempre go chega a alcançar 27 do total da força de trabalho uma vez que se incor pora não somente o desemprego aberto mas também os trabalhadores com jornadas inferiores a 15 horas semanais os com remuneração abaixo de meio salário mínimo mensal e aqueles que demandam ocupação Podese também considerar a dimensão qualitativa do desemprego capaz de caracterizar melhor a desvalorização dos trabalhadores sob a globalização neoliberal Neste caso constatase que para o conjunto das famílias de baixa renda por exemplo a taxa de desemprego no Brasil subiu de 94 para 138 entre 1992 e 2002 enquanto que para os seg mentos com maior remuneração o desemprego subiu mais rapidamente passando de 26 para 39 Nesse sentido o total de desempregados pertencentes às famílias de baixa renda subiu de 27 milhões em 1992 para 48 milhões em 2003 enquanto na classe média alta que em geral apresenta maior escolaridade o desemprego que afetava 232 mil pessoas em 1992 abrangeu o contingente de 435 mil em 2002 Em função disso a parcela da força de trabalho pertencente às famílias de baixa renda aumen tou sua participação relativa no total dos desempregados Em 2002 por exemplo 62 dos desempregados pertenciam justamente às famílias de baixa renda com o restante dividido entre famílias de classe média 324 do total dos desempregados e de classe média alta 56 desse total Também em relação ao nível de escolaridade contatase que a taxa de desemprego subiu em um ritmo mais rápido para os trabalhadores com mais anos de estudos Para os indivíduos com 14 anos de estudo por exemplo a variação do desemprego no período foi de 769 uma dife rença três vezes maior que a verificada para aqueles que tinham até três anos de estudo O que surpreende quando as taxas de desemprego para os livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 205 206 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA três níveis de renda são examinadas mais detalhadamente em função da escolaridade é a constatação de que para os grupos de rendas familiares per capita média e alta essas taxas sofrem uma mudança a partir da faixa de nove anos de estudo daí em diante o aumento do desemprego é me nos acentuado enquanto que na classe baixa as taxas mantêmse cres centes à medida que aumenta o nível de escolaridade das pessoas sem qualquer alteração Assim em um mercado de trabalho que se estreita e tem comportamento pouco dinâmico os empregos mais nobres foram sendo preservados para os segmentos de mais alta renda embora em di mensão insuficiente para permitir a contínua mobilidade socioprofissional O resultado desse quadro tem sido o aprofundamento da crise de reprodução social no interior do mercado de trabalho De forma emblemática percebese o maior peso dos trabalhadores ativos no interi or da pobreza brasileira Isso é o que podemos constatar a partir análise da evolução da pobreza no Brasil Nas duas últimas décadas notase o aparecimento de uma nova for ma de reprodução da pobreza cada vez mais concentrada no segmento da população que se encontra ativa no interior do mercado de trabalho de sempregados e ocupação precária No passado por exemplo a situação de pobreza estava mais relacionada ao segmento inativo da população crianças idosos doentes portadores de necessidades especiais entre ou tros Assim terse acesso à ocupação no mercado de trabalho era condi ção quase suficiente para se superar o limite da pobreza absoluta Devido às alterações ocorridas no comportamento da economia na cional que passou pela abertura comercial financeira e produtiva desde 1990 como fruto da adesão passiva e subordinada do Brasil à globalização neoliberal a pobreza sofreu uma importante inflexão no tocante à parce la da população inativa Quando se toma como referência a situação da pobreza segundo a condição de atividade da população percebese que ela regrediu justamente nos segmentos inativos com queda de 227 para os inativos com mais de 10 anos de idade e de 203 para inativos de até 10 anos de idade Esses dois segmentos de inativos foram em especial beneficiados diretos das inovações de políticas sociais derivadas da Constituição Fede ral de 1988 Para os inativos de mais idade destacamse os exemplos da ampliação de cobertura da previdência e assistência social e da Lei Orgâni ca da Assistência Social entre outras enquanto para os inativos de menos idade ressaltamse as medidas vinculadas à garantia de renda como o PETI livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 206 207 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e os variados programas de transferência de renda vinculados à educação Já para o conjunto da população ativa no interior do mercado de trabalho que depende exclusivamente do trabalho como determinante da situação de vida e renda o contexto foi outro Entre os anos de 1989 e 2005 o desemprego passou de 19 milhão de trabalhadores 3 da PEA para 89 milhões 93 da PEA bem como houve piora nas con dições e relações de trabalho ainda que possam ser destacadas as medi das atenuantes de fortalecimento do salário mínimo e de valorização do seguro desemprego entre outras modalidades de políticas públicas para o trabalho qualificação profissional intermediação de mãodeobra Nesse ambiente instável do mercado de trabalho a taxa de pobreza en tre os ocupados caiu 257 e entre os desempregados 36 Por conta disso alterouse a composição da pobreza segundo condição de ativida de No Brasil como um todo os inativos perderam participação relativa no total da população pobre de 567 para 48 enquanto os ativos aumentaram significativamente de 433 para 52 o que ocorreu so bretudo entre os desempregados Se o critério de análise for o comportamento da pobreza somente entre os ocupados de todo o País podem ser observadas mudanças inte ressantes para o mesmo período de tempo Em todas as posições na ocu pação a condição de empregado foi a única que registrou aumento da taxa de pobreza Entre 1989 e 2005 a taxa de pobreza entre os emprega dos cresceu 539 Para o mesmo período de tempo a taxa de pobreza entre os empregadores caiu 446 entre os trabalhadores por conta pró pria caiu 267 e entre os sem remuneração caiu 207 Não sem motivo a composição do total de pobres ocupados no Brasil sofreu uma importante alteração entre 1989 e 2005 Somente os ocupados nãoremunerados aumentaram a sua posição relativa 548 enquanto os empregadores registraram o maior decrescimento na partici pação relativa 222 seguidos dos empregados 146 e dos trabalha dores por conta própria 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este ensaio buscou tornar evidente a principal força responsável pelo avanço mais recente da desconstrução do trabalho no mundo capita livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 207 208 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA lista Apesar do patrimônio dos trabalhadores ter acumulado ganhos im portantes nas chamadas três décadas gloriosas do capitalismo do segun do PósGuerra verificamse mais recentemente sinais de regressão no grau de segurança laboral A globalização neoliberal rompeu com o curso do quase pleno emprego e da proteção social ampliada instalada em várias nações do mundo Mesmo na periferia do capitalismo que jamais registrou um patamar de conquista dos trabalhadores equivalente ao das economias avançadas houvera melhoras importantes em relação ao começo do sé culo 20 Atualmente contudo a situação inverteuse com a piora das condições e relações de trabalho inclusive no centro do capitalismo Na periferia a destruição dos direitos do trabalho tornouse uma ação quase que contínua especialmente nos governos dóceis à globalização neoliberal Isso pareceu ficar muito evidente quando se buscou breve mente descrever os principais aspectos relacionados à alteração da po breza no Brasil Ao contrário do ciclo de industrialização que era em balado por acelerada expansão da produção e por conseqüência de emprego e renda domiciliar per capita o atual ciclo econômico nacional asfixia o potencial de crescimento do País Desde a década de 1990 a queda na proporção de pobres no total da população tornouse somente possível com o avanço do gasto social estimulado fundamentalmente pela Constituição Federal de 1988 Não há dúvida de que a estabilização monetária contribuiu para aliviar a si tuação de pobreza mas em frente ao desempenho desfavorável do mer cado de trabalho o segmento ativo da população tornouse bem mais vulnerável ao rebaixamento das condições de vida e trabalho Mesmo assim a taxa de pobreza no País declinou Mas isso se deveu principal mente ao papel ampliado das políticas sociais de atenção tanto aos inati vos de mais idade previdência social LOAS entre outros como aos inativos de menos idade PETI e programas de transferência de renda vinculada à educação Dessa forma os inativos deixaram de responder pela maior participação no total dos pobres do País a qual se concen trou na população ativa em especial nos desempregados e ocupados precariamente no mercado de trabalho livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 208 209 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL REFERÊNCIAS ANTUNES Ricardo Adios al trabajo Ensayo sobre las metamorfosis y el rol central del mundo del trabajo 2 ed Buenos Aires Ed Herramienta 2003 Los sentidos del trabajo Buenos Aires Ed Herramienta 2005 O caracol e sua concha ensaios sobre a nova morfologia do trabalho São Paulo Boitempo 2005a Org Riqueza e miséria do trabalho no Brasil São Paulo Boitempo 2006 BERNARDO João Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores São Pau lo Boitempo 2000 Democracia totalitária teoria e prática da empresa soberana São Paulo Cortez 2004 CASTILLO Juan J Sociologia del Trabajo Madrid CIS 1996 CHESNAIS François A mundialização do capital São Paulo Xamã 1996 FORRESTER V Horror econômico São Paulo Unesp 1997 HARVEY David A condição pósmoderna São Paulo Loyola 1992 HUWS Ursula The making of a cybertariat virtual work in a real world New York Mon thly Review Press London The Merlin Press 2003 INTIGNANO B A fábrica de desempregados Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1999 LOJKINE Jean A Revolução informacional São Paulo Ed Cortez 1995 POCHMANN M O emprego na globalização São Paulo Boitempo 2001 Desempregados do Brasil In ANTUNES R Org Riqueza e miséria do traba lho no Brasil São Paulo Boitempo 2006 SALM C et al Emprego e desemprego no Brasil Novos Estudos São Paulo CEBRAP n 45 1996 SENNET R A corrosão do caráter Rio de Janeiro Record 1999 SINGER P Globalização e desemprego São Paulo Contexto 1998 VASAPOLLO L O trabalho atípico e a precariedade São Paulo Expressão Popular 2005 livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 209
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195 Ricardo Antunes Marcio Pochmann A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Nas quase três décadas de prevalência dos anos dourados do capita lismo do segundo PósGuerra houve importantes avanços no tocante ao grau de conquistas laborais que terminaram estabelecendo um patamar mais avançado de segurança do trabalhador O crescimento do processo de acumulação fordista daquele período foi acompanhado simultaneamen te pela diminuição do desemprego e pela elevação dos salários dos ocupa dos no total da renda nacional No último quartel do século 20 contudo emergiram forças destrutivas do trabalho vivo adicionais Com a intensi ficação do processo de acumulação pósfordista constatase a inversão das bases de garantia da segurança do trabalhador Inexoravelmente passouse a assistir ao retorno do desemprego es trutural que logrou mais força à medida que ganhou maior dimensão a globalização neoliberal Se isso se transformou numa realidade generali zada nas economias centrais na periferia do capitalismo mundial onde o grau de seguridade social não havia avançado tanto durante os anos dou rados deuse uma ampliação ainda mais intensa nos níveis de precarização e desemprego Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP e autor entre outros de Adios al Trabajo Herramienta 2003 e Los Sentidos del Trabajo Herramienta 2005 Coordenador das Coleções Mundo do Trabalho Ed Boitempo e Trabalho e Emancipação Ed Expressão Popular Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da UNICAMP e autor entre outros de O emprego na Globalização Ed Boitempo e Atlas da Exclusão Social no Brasil Ed Cortez livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 195 196 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA Diante de tal quadro este ensaio procura destacar a situação atual de desconstrução do trabalho acompanhada sobretudo pelo desemprego estrutural Para tanto a análise encontrase dividida em duas partes A primeira parte trata das forças responsáveis pela desconstrução do traba lho Já a segunda referese à situação em curso do desemprego estrutural e das transformações do processo de empobrecimento dos trabalhadores no Brasil FORÇAS DA DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO Foi em meados da década de 1970 que se desencadeou um conjunto muito grande de mudanças de modo mais ou menos simultâneo afetan do fortemente o capitalismo e o sistema de produção de mercadorias Essas transformações objetivavam tanto recuperar os níveis de acumula ção e reprodução do capital quanto repor a hegemonia que o capitalismo vinha perdendo no interior do espaço produtivo desde as explosões do final da década de 1960 quando as lutas sociais do trabalho passaram a reivindicar diretamente o controle social da produção Essas mudanças acarretaram profundas repercussões nos universos do trabalho e das classes trabalhadoras Podemos dizer que o mundo do trabalho sofreu uma mutação de forte envergadura Por sua vez a empre sa dita moderna fosse ela uma fábrica uma escola ou um banco ao alterar seu modo de operação gerou fortes conseqüências tanto no que concerne ao trabalho quanto ao mundo do capital Sabemos que foi a partir daqueles anos que se aprofundou o proces so de financeirização da economia traço marcante da chamada mundialização do capital para lembrar a tese de François Chesnais financeirização que é expressão de uma crise estrutural mais profunda normalmente simplificada sob a denominação de crise do taylorismo e fordismo Chesnais 1996 Tal fenômeno tem uma dimensão mais com plexa presente no próprio movimento de acumulação e crise Estávamos concluindo então os chamados anos dourados os anos 194060 marca dos pela vigência do welfare State que atingiu uma parcela de países cen trais importantes principalmente da Europa Ocidental Nesse período houve uma clara simbiose entre o welfare State e o padrão taylorista e fordista em ascensão nos EUA desde os anos 1920 Como funcionava a empresa taylorista e fordista em seu processo produtivo Tratavase de uma produção cronometrada homogênea com livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 196 197 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL ritmo controlado buscando como disse Ford que a opção do consumi dor fosse escolher entre um carro Ford preto modelo T ou um carro Ford preto modelo T Por ser homogênea a produção davase em ritmo seriado e em linhas rígidas Essa produção em massa favoreceria um barateamen to dos preços sendo ampliado desse modo o consumo também em mas sa e por conseguinte incrementados os salários dos operários Esse cenário foi dominante até o início dos anos 1970 quando ocor reu a crise estrutural do sistema produtivo Aquilo que a imprensa à épo ca denominou crise do petróleo em verdade foi expressão de uma tur bulência muito mais intensa que de certo modo se prolonga até os dias de hoje uma vez que o vasto e global processo de reestruturação produti va ainda não encerrou seu ciclo Pois bem nessas mudanças todas a empresa taylorista e fordista mos trou que tinha cumprido sua trajetória Tratavase então de implementar novos mecanismos e formas de acumulação capazes de oferecer respostas ao quadro crítico que se desenhava Foram várias as experiências nesse sentido na Suécia em Kalmar no Norte da Itália por meio da chamada Terceira Itália na Califórnia nos EUA no Reino Unido na Alemanha e em diversos outros países e regiões Estávamos presenciando a partir da década de 1970 a experimentação daquilo que o cientista social e geógrafo norteamericano David Harvey 1992 chamou de era da acumulação flexível Tratavase de garantir a acumulação porém de modo cada vez mais flexível Daí é que se gestou a chamada empresa flexível Essa transformação estrutural que deslanchou a chamada reestruturação produtiva do capital em escala global teve forte incre mento após as vitórias do neoliberalismo de Margareth Thatcher na In glaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos quando um novo re ceituário um novo desenho ideopolítico apresentouse como alternati va em substituição ao welfare State Começava a se expandir a pragmática neoliberal Sob a regência do mundo do mercado incentivaramse as privatiza ções e as desregulamentações de todo tipo da economia às relações traba lhistas do mundo financeiro às leis fiscais Foi assim que se expandiu o neoliberalismo Vale lembrar entretanto que a redução do Estado no âmbito produtivo e na prestação de serviços públicos foi substituída pelo fortalecimento da ênfase privatista do aparato estatal de que foi exemplo o governo Margareth Thatcher Altamente intervencionista esse gover no teve a clara finalidade de desregulamentar a economia e privatizála livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 197 198 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA além de impedir a atuação dos sindicatos no âmbito das comissões esta tais prática largamente utilizada durante a fase trabalhista anterior A Inglaterra foi em grande medida o laboratório europeu desse experimento Posteriormente vieram os Estados Unidos com Ronald Reagan e a Alemanha Pouco a pouco esse ideário e essa pragmática tor naramse dominantes apresentandose em alguns casos como a única alternativa Mas vale também lembrar que antes deles a ditadura militar de Pinochet igualmente estruturara a economia chilena em moldes neoliberais o que outrossim mostra bem até onde é capaz de chegar a barbárie neoliberal Essa reestruturação produtiva fundamentouse ainda no que o ideário dominante denominou como lean production isto é a empresa enxuta a empresa moderna a empresa que constrange restringe co íbe limita o trabalho vivo ampliando o maquinário tecnocientífico o que Marx denominou como trabalho morto Ela redesenha cada vez mais a planta produtiva reduzindo força de trabalho e ampliando sua produ tividade O resultado está em toda parte desemprego explosivo precarização ilimitada rebaixamento salarial perda de direitos etc Verificase a expan são daquilo que Juan Castillo cunhou como liofilização organizacional um processo no qual substâncias vivas são eliminadas Tratase do traba lho vivo que é substituído pela maquinaria técnocientifica pelo trabalho morto A liofilização organizacional não é outra coisa senão o processo de enxugamento das empresas Castillo 1996 Antunes 2003 2005 Des se modo aqueles setores que eram os pilares da economia produtiva no século 20 cujo melhor exemplo é a indústria automobilística sofreram fortes mutações Nessa nova empresa liofilizada é necessário um novo tipo de trabalho e um novo tipo do que antes se chamava de trabalhador o qual atualmente os capitais denominam de modo mistificado como colaborador Qual é esse novo tipo de trabalhador Primeiro ele deve ser mais polivalente do que o trabalhador ou trabalhadora da empresa de tipo taylorista e fordista O trabalho moderno buscado progressivamente pelas empresas não é mais aquele fundamentado na especialização taylorista e fordista do passado quando uma profissão era centrada em uma atividade específica O novo trabalho deu origem à chamada desespecialização multifuncional ao trabalho multifuncional que de fato expressa a enorme intensificação dos ritmos tempos e processos laborais livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 198 199 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Como resultado o trabalho dos nossos dias é mais desespecializado e multifuncional cujos ritmos e processos tempos e movimentos são mais intensamente explorados Esse trabalho perdeu a especialização adquirida em décadas anteriores quando havia o predomínio da empresa de tipo taylorista e fordista e tornouse cada vez mais multifuncional polivalente segundo a terminologia dominante Isso inclui tanto o mundo fabril in dustrial quanto o chamado setor de serviços ainda que seja importante dizer que essa divisão setorial dada a penetração do capital em todos os setores é cada vez mais inexistente vejamse as expressões indústria de serviços serviços industriais agronegócios que são exemplos da imbricação crescente entre os três setores Lojkine 1995 Os serviços públicos como os serviços de saúde energia telecomu nicações e previdência entre outros sofreram um significativo processo de mercantilização de mercadorização que afetou ainda mais fortemente a classe trabalhadora também em seus universos estatal e público As em presas passaram inicialmente nos países centrais e posteriormente nos países dependentes a assimilar muitos aspectos do toyotismo variante que se originou no Japão do PósSegunda Guerra Esse sistema por sua vez teve origem na experiência norteameri cana dos supermercados mantendose estoques os menores possíveis o chamado estoque mínimo e tomou como base a indústria têxtil na qual osas trabalhadoresas operavam várias máquinas simultaneamente ao contrário da relação um trabalhador uma máquina como ocorria no sistema taylorizado e fordizado Antunes 2003 2005 Além da operação de várias máquinas por isso se fala em especialização multifuncional no mundo do trabalho atual temse a intensificação do trabalho imaterial como se não bastasse a enorme exploração ainda dominante sobre o trabalho material Essa é a que hoje o discurso dominante qualifica como sociedade do conhecimento dada pelo exercício do trabalho nas esferas de comunicação marketing etc Estamos presenciando a sociedade do logos da marca do simbóli co Nela o design da Nike a concepção de um novo software da Microsoft o modelo novo da Benetton resultam do labor chamado imaterial que articulado ao trabalho material expressa vivamente as formas contempo râneas da criação do valor São novas formas de trabalho e de criação do valor Há ainda um outro traço central das novas modalidades laborais que é dado pela crescente informalização do trabalho Esse trabalho é des livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 199 200 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA provido de regulamentação com redução quando não eliminação de direitos conquistados por meio de duras e longas lutas sociais Na Toyota por exemplo um núcleo estável de força de trabalho dotado de qualifica ção técnica era preservado para poder manter a produção sendo que quando se precisava ampliála se recorria à terceirização Quando o mer cado necessita aumentase a produção e elevase o número de terceirizados quando o mercado retraise reduzemse a produção e os terceirizados Podese compreender portanto o porquê da exigência mundial dos capitais pela legislação flexibilizada do trabalho visando tornála compa tível com a flexibilização produtiva vigente nas empresas Vale lembrar que até recentemente de 25 a 30 da classe trabalhadora japonesa ti nham emprego vitalício obtido aliás não por uma legislação legal mas por um direito consuetudinário Com a ocidentalização do toyotismo a partir dos anos 1970 esse traço fundamental do modelo japonês ficou restrito ao Japão Nos últi mos anos ele está sendo fortemente questionado também em seu país de origem uma vez que o Ocidente toyotizado tornouse mais produtivo e acabou por afetar as próprias condições de trabalho no Japão Por isso se pode também compreender a atual crise japonesa Todos presenciam os resultados intensificamse as formas de extra ção de trabalho e ampliamse as terceirizações sendo as noções de tempo e de espaço também profundamente afetadas Tudo isso muda muito o modo de o capital produzir as mercadorias e valorizarse Hoje onde ha via uma empresa concentrada podese mediante o incremento tecnológicoinformacional criaremse centenas de pequenas unidades in terligadas pela rede com número muito mais reduzido de trabalhadores e produzindo muitas vezes mais O trabalho tornase quase virtual num mundo real conforme pode ser constatado em O Caracol e sua Concha Antunes 2005a Huws 2003 Diante desses efeito estamos vivenciando a erosão do trabalho estável com profundas conseqüências sociais Foi por estar atento a esse complexo que Richard Sennet 1999 em A Corrosão do Caráter afirmou Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo Como se podem manter relações sociais duráveis Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identi dade e história de vida numa sociedade composta de episódios e livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 200 201 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL fragmentos As condições da nova economia alimentam ao con trário a experiência como a deriva no tempo de lugar em lugar de emprego em emprego O autor acrescenta ainda que o capitalismo de nossos dias de curto prazo tende à corrosão do caráter dos indivíduos sobretudo das qualida des de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros e dão a cada um deles um senso de solidariedade e identidade Tratase em suma de um crescente processo de desconstrução do trabalho típico de nossa sociedade involucral do desperdício da mercadoria crescentemente desprovida de utilidade social Quando olhamos para o chão produtivo o que vemos é um mundo do trabalho crescentemente precarizado Foi nesse contexto em que proliferaram também as distintas for mas de empreendedorismo cooperativismo trabalho voluntário etc entre as mais distintas formas alternativas daquilo que Vasapollo 2005 denominou como expressões diferenciadas de trabalho atípico Por sua vez os capitais utilizaramse de elementos que de certo modo estiveram presentes nas lutas sociais dos anos 60 como controle operário e partici pação social para darlhes uma outra configuração muito distinta emi nentemente patronal de modo a incorporar elementos do discurso ope rário agora sob clara condução do capital Bernardo 2000 2004 O exemplo das cooperativas talvez seja o mais eloqüente uma vez que em sua origem elas nasceram como reais instrumentos de luta e de fesa dos trabalhadores contra a precarização do trabalho e o desemprego Em contrapartida dadas as mutações que estamos analisando os capitais vêm em escala global criando cooperativas falsas como forma de precarizar ainda mais os direitos do trabalho visando até mesmo à sua redução e destruição Sabemos que as cooperativas originais criadas autonomamente pe los trabalhadores têm um sentido muito menos despótico e mais autôno mo em oposição ao arbitratismo fabril e ao planejamento gerencial sen do por isso reais instrumentos de minimização da barbárie e do desem prego estrutural consistindo também num efetivo embrião de exercício autônomo do trabalho As cooperativas de orientação patronal têm ao contrário sentido completamente inverso Na fase capitalista das megafusões verdadeiros empreendimentos patronais para destruir direi tos sociais do trabalho e precarizar ainda mais a classe trabalhadora são denominados freqüentemente pelos capitais como cooperativas Estes livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 201 202 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA transfiguraram muitas das experiências empreendidas pelos trabalhado res utilizandose de suas autênticas denominações convertendoas en tão em instrumental de destruição dos direitos visando à intensificação das formas de exploração da força de trabalho Outro exemplo forte desse processo é o chamado empreendedoris mo o qual Luciano Vasapollo 2005 caracteriza de modo claro As novas figuras do mercado de trabalho os novos fenômenos do empreendedorismo cada vez mais se configuram em formas ocul tas de trabalho assalariado subordinado precarizado instável tra balho autônomo de última geração que mascara a dura realidade da redução do ciclo produtivo Na verdade tratase de uma nova marginalização social e não de um novo empresariado Podese presenciar o mesmo quadro de precarização quando se ana lisam no contexto europeu as diversas modalidades de flexibilização do trabalho que sempre acabam trazendo de modo embutido diferentes formas de precarização Ainda nas palavras de Vasapollo 2005 A nova condição de trabalho está sempre perdendo mais direitos e garantias sociais Tudo se converte em precariedade sem qualquer garantia de continuidade O trabalhador precarizado se encontra ademais em uma fronteira incerta entre ocupação e nãoocupação e também em um não menos incerto reconhecimento jurídico diante das garantias sociais Flexibilização desregulação da relação de tra balho ausência de direitos Aqui a flexibilização não é riqueza A flexibilização por parte do contratante mais frágil a força de traba lho é um fator de risco e a ausência de garantias aumenta essa debili dade Nessa guerra de desgaste a força de trabalho é deixada comple tamente descoberta seja em relação ao próprio trabalho atual para o qual não possui garantias seja em relação ao futuro seja em relação à renda já que ninguém o assegura nos momentos de nãoocupação Proliferam nesse cenário aberto pelo neoliberalismo e pela reestruturação produtiva de amplitude mundial as distintas formas de flexibilização salarial de horário funcional ou organizativa entre ou tros exemplos Desse modo a flexibilização pode ser entendida como li berdade da empresa para desempregar trabalhadores sem penalidades quando a produção e as vendas diminuem para reduzir o horário de tra balho ou para recorrer a mais horas de trabalho para ter a possibilidade de pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 202 203 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL para poder subdividir a jornada de trabalho em dias ou semanas segundo as conveniências das empresas mudando os horários e as características do trabalho por turno por escala em tempo parcial horário flexível etc entre tantas outras formas de precarização da força de trabalho cf idem É por isso que acrescenta Vasapollo idem a flexibilização definitivamente não é solução para aumentar os ín dices de ocupação Ao contrário é uma imposição à força de traba lho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições É nesse contexto que estão sendo reforçadas as novas ofertas de trabalho por meio do denominado mercado ilegal no qual está sendo difundido o trabalho irregular precário e sem ga rantias Com o pósfordismo e a mundialização econômicoprodu tiva o trabalho ilegal vem assumindo dimensões gigantescas tam bém porque os países industrializados deslocaram suas produções para além dos limites nacionais e sobretudo vêm investindo em países nos quais as garantias trabalhistas são mínimas e é alta a espe cialização do trabalho conseguindo assim custos fundamentalmen te mais baixos e aumentando a competitividade Nesta fase crítica para o universo laboral caracterizada por uma espécie de processo de precarização estrutural do trabalho os capitais glo bais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho As mutações que vêm ocorrendo no universo produtivo em escala global sob comando do chamado processo de globalização ou de mundialização do capital vêm combinando de modo aparentemente pa radoxal a era da informatização por meio do avanço tecnocientífico com a época da informalização Tratase pois de uma precarização ili mitada do trabalho a qual também atinge uma amplitude global Os capitais passaram então a exigir a flexibilização dos direitos do trabalho forçando os governos nacionais a ajustaremse à fase da acumu lação flexível Flexibilizar a legislação social do trabalho significa não é possível terse qualquer ilusão sobre isso aumentar ainda mais os meca nismos de extração do sobretrabalho e ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora desde o início da Revolução Industrial na Inglaterra e especialmente pós1930 quando se começou a gestar o welfare State Como a lógica capitalista é acentuadamente destrutiva os governos nacionais são cada vez mais pressionados a adaptar a legislação social naci livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 203 204 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA onal dos respectivos países às exigências do sistema global do capital e aos imperativos do mercado destruindo profundamente os direitos do traba lho onde eles ainda se mantenham Por causa disso é que a legislação soci al do trabalho está sendo desmontada onde as resistências não têm a força suficiente para impedilas É também por isso que estão ocorrendo greves e manifestações em vários países como Itália Espanha e Alemanha entre outros desencadeando ações coletivas contrárias à política de destruição dos direitos públicos e sociais Sabemos que a globalização neoliberal e a internacionalização dos processos pro dutivos estão acompanhadas da realidade de centenas e centenas de milhões de trabalhadores desempregados e precarizados no mundo inteiro O sistema fordista nos havia acostumado ao trabalho ple no e de duração indeterminada Agora ao contrário um grande número de trabalhadores tem um contrato de curta duração ou de meio expediente os novos trabalhadores podem ser alugados por algumas poucas horas ao dia por cinco dias da semana ou por pou cas horas em dois ou três dias da semana Vasapollo 2005 Se a impulsão pela flexibilização do trabalho é uma exigência dos capitais em escala cada vez mais global as respostas do mundo do traba lho devem configurarse de modo crescentemente internacionalizadas mundializadas articulando intimamente as ações nacionais com seus ne xos internacionais Se a era da mundialização do capital realizouse entra mos também na era da mundialização das lutas sociais das forças do tra balho ampliadas pelas forças do nãotrabalho expressas nas massas de desempregados que se multiplicam pelo mundo Uma forma de se concretizar essas lutas sociais é impedindo a desconstrução dos direitos sociais e obstando a expansão das formas dife renciadas de precarização do trabalho travando a desconstrução do traba lho realizada pelo capital e recuperando eou criando uma nova forma de sociabilidade do trabalho efetivamente dotada de sentido Sem isso pode mos constatar o agravamento do quadro geral de desemprego estrutural bem como a transformação do próprio trabalhador ocupado em um seg mento ainda mais empobrecido No caso brasileiro isso parece algo ine gável conforme podemos verificar a seguir livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 204 205 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL EXPLOSÃO DO DESEMPREGO E EMPOBRECIMENTO DOS TRABALHADORES Com o avanço do desemprego aberto podese ter uma dimensão quantitativa do processo de degradação do trabalho na periferia do capita lismo mundial Desde 1998 esse desemprego encontrase acima de 9 do total da força de trabalho no Brasil se considerada somente a medida simplista de desemprego procura ativa disponibilidade imediata para tra balhar e sem atividade superior a uma hora na semana da pesquisa Mas se tomada como referência a situação mais ampla do desemprego estrutural como uma pressão contínua por demanda de trabalho a taxa de desempre go chega a alcançar 27 do total da força de trabalho uma vez que se incor pora não somente o desemprego aberto mas também os trabalhadores com jornadas inferiores a 15 horas semanais os com remuneração abaixo de meio salário mínimo mensal e aqueles que demandam ocupação Podese também considerar a dimensão qualitativa do desemprego capaz de caracterizar melhor a desvalorização dos trabalhadores sob a globalização neoliberal Neste caso constatase que para o conjunto das famílias de baixa renda por exemplo a taxa de desemprego no Brasil subiu de 94 para 138 entre 1992 e 2002 enquanto que para os seg mentos com maior remuneração o desemprego subiu mais rapidamente passando de 26 para 39 Nesse sentido o total de desempregados pertencentes às famílias de baixa renda subiu de 27 milhões em 1992 para 48 milhões em 2003 enquanto na classe média alta que em geral apresenta maior escolaridade o desemprego que afetava 232 mil pessoas em 1992 abrangeu o contingente de 435 mil em 2002 Em função disso a parcela da força de trabalho pertencente às famílias de baixa renda aumen tou sua participação relativa no total dos desempregados Em 2002 por exemplo 62 dos desempregados pertenciam justamente às famílias de baixa renda com o restante dividido entre famílias de classe média 324 do total dos desempregados e de classe média alta 56 desse total Também em relação ao nível de escolaridade contatase que a taxa de desemprego subiu em um ritmo mais rápido para os trabalhadores com mais anos de estudos Para os indivíduos com 14 anos de estudo por exemplo a variação do desemprego no período foi de 769 uma dife rença três vezes maior que a verificada para aqueles que tinham até três anos de estudo O que surpreende quando as taxas de desemprego para os livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 205 206 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA três níveis de renda são examinadas mais detalhadamente em função da escolaridade é a constatação de que para os grupos de rendas familiares per capita média e alta essas taxas sofrem uma mudança a partir da faixa de nove anos de estudo daí em diante o aumento do desemprego é me nos acentuado enquanto que na classe baixa as taxas mantêmse cres centes à medida que aumenta o nível de escolaridade das pessoas sem qualquer alteração Assim em um mercado de trabalho que se estreita e tem comportamento pouco dinâmico os empregos mais nobres foram sendo preservados para os segmentos de mais alta renda embora em di mensão insuficiente para permitir a contínua mobilidade socioprofissional O resultado desse quadro tem sido o aprofundamento da crise de reprodução social no interior do mercado de trabalho De forma emblemática percebese o maior peso dos trabalhadores ativos no interi or da pobreza brasileira Isso é o que podemos constatar a partir análise da evolução da pobreza no Brasil Nas duas últimas décadas notase o aparecimento de uma nova for ma de reprodução da pobreza cada vez mais concentrada no segmento da população que se encontra ativa no interior do mercado de trabalho de sempregados e ocupação precária No passado por exemplo a situação de pobreza estava mais relacionada ao segmento inativo da população crianças idosos doentes portadores de necessidades especiais entre ou tros Assim terse acesso à ocupação no mercado de trabalho era condi ção quase suficiente para se superar o limite da pobreza absoluta Devido às alterações ocorridas no comportamento da economia na cional que passou pela abertura comercial financeira e produtiva desde 1990 como fruto da adesão passiva e subordinada do Brasil à globalização neoliberal a pobreza sofreu uma importante inflexão no tocante à parce la da população inativa Quando se toma como referência a situação da pobreza segundo a condição de atividade da população percebese que ela regrediu justamente nos segmentos inativos com queda de 227 para os inativos com mais de 10 anos de idade e de 203 para inativos de até 10 anos de idade Esses dois segmentos de inativos foram em especial beneficiados diretos das inovações de políticas sociais derivadas da Constituição Fede ral de 1988 Para os inativos de mais idade destacamse os exemplos da ampliação de cobertura da previdência e assistência social e da Lei Orgâni ca da Assistência Social entre outras enquanto para os inativos de menos idade ressaltamse as medidas vinculadas à garantia de renda como o PETI livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 206 207 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e os variados programas de transferência de renda vinculados à educação Já para o conjunto da população ativa no interior do mercado de trabalho que depende exclusivamente do trabalho como determinante da situação de vida e renda o contexto foi outro Entre os anos de 1989 e 2005 o desemprego passou de 19 milhão de trabalhadores 3 da PEA para 89 milhões 93 da PEA bem como houve piora nas con dições e relações de trabalho ainda que possam ser destacadas as medi das atenuantes de fortalecimento do salário mínimo e de valorização do seguro desemprego entre outras modalidades de políticas públicas para o trabalho qualificação profissional intermediação de mãodeobra Nesse ambiente instável do mercado de trabalho a taxa de pobreza en tre os ocupados caiu 257 e entre os desempregados 36 Por conta disso alterouse a composição da pobreza segundo condição de ativida de No Brasil como um todo os inativos perderam participação relativa no total da população pobre de 567 para 48 enquanto os ativos aumentaram significativamente de 433 para 52 o que ocorreu so bretudo entre os desempregados Se o critério de análise for o comportamento da pobreza somente entre os ocupados de todo o País podem ser observadas mudanças inte ressantes para o mesmo período de tempo Em todas as posições na ocu pação a condição de empregado foi a única que registrou aumento da taxa de pobreza Entre 1989 e 2005 a taxa de pobreza entre os emprega dos cresceu 539 Para o mesmo período de tempo a taxa de pobreza entre os empregadores caiu 446 entre os trabalhadores por conta pró pria caiu 267 e entre os sem remuneração caiu 207 Não sem motivo a composição do total de pobres ocupados no Brasil sofreu uma importante alteração entre 1989 e 2005 Somente os ocupados nãoremunerados aumentaram a sua posição relativa 548 enquanto os empregadores registraram o maior decrescimento na partici pação relativa 222 seguidos dos empregados 146 e dos trabalha dores por conta própria 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este ensaio buscou tornar evidente a principal força responsável pelo avanço mais recente da desconstrução do trabalho no mundo capita livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 207 208 PRODUÇÃO DE POBREZA E DESIGUALDADE NA AMÉRICA LATINA lista Apesar do patrimônio dos trabalhadores ter acumulado ganhos im portantes nas chamadas três décadas gloriosas do capitalismo do segun do PósGuerra verificamse mais recentemente sinais de regressão no grau de segurança laboral A globalização neoliberal rompeu com o curso do quase pleno emprego e da proteção social ampliada instalada em várias nações do mundo Mesmo na periferia do capitalismo que jamais registrou um patamar de conquista dos trabalhadores equivalente ao das economias avançadas houvera melhoras importantes em relação ao começo do sé culo 20 Atualmente contudo a situação inverteuse com a piora das condições e relações de trabalho inclusive no centro do capitalismo Na periferia a destruição dos direitos do trabalho tornouse uma ação quase que contínua especialmente nos governos dóceis à globalização neoliberal Isso pareceu ficar muito evidente quando se buscou breve mente descrever os principais aspectos relacionados à alteração da po breza no Brasil Ao contrário do ciclo de industrialização que era em balado por acelerada expansão da produção e por conseqüência de emprego e renda domiciliar per capita o atual ciclo econômico nacional asfixia o potencial de crescimento do País Desde a década de 1990 a queda na proporção de pobres no total da população tornouse somente possível com o avanço do gasto social estimulado fundamentalmente pela Constituição Federal de 1988 Não há dúvida de que a estabilização monetária contribuiu para aliviar a si tuação de pobreza mas em frente ao desempenho desfavorável do mer cado de trabalho o segmento ativo da população tornouse bem mais vulnerável ao rebaixamento das condições de vida e trabalho Mesmo assim a taxa de pobreza no País declinou Mas isso se deveu principal mente ao papel ampliado das políticas sociais de atenção tanto aos inati vos de mais idade previdência social LOAS entre outros como aos inativos de menos idade PETI e programas de transferência de renda vinculada à educação Dessa forma os inativos deixaram de responder pela maior participação no total dos pobres do País a qual se concen trou na população ativa em especial nos desempregados e ocupados precariamente no mercado de trabalho livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 208 209 A DESCONSTRUÇÃO DO TRABALHO E A EXPLOSÃO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL E DA POBREZA NO BRASIL REFERÊNCIAS ANTUNES Ricardo Adios al trabajo Ensayo sobre las metamorfosis y el rol central del mundo del trabajo 2 ed Buenos Aires Ed Herramienta 2003 Los sentidos del trabajo Buenos Aires Ed Herramienta 2005 O caracol e sua concha ensaios sobre a nova morfologia do trabalho São Paulo Boitempo 2005a Org Riqueza e miséria do trabalho no Brasil São Paulo Boitempo 2006 BERNARDO João Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores São Pau lo Boitempo 2000 Democracia totalitária teoria e prática da empresa soberana São Paulo Cortez 2004 CASTILLO Juan J Sociologia del Trabajo Madrid CIS 1996 CHESNAIS François A mundialização do capital São Paulo Xamã 1996 FORRESTER V Horror econômico São Paulo Unesp 1997 HARVEY David A condição pósmoderna São Paulo Loyola 1992 HUWS Ursula The making of a cybertariat virtual work in a real world New York Mon thly Review Press London The Merlin Press 2003 INTIGNANO B A fábrica de desempregados Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1999 LOJKINE Jean A Revolução informacional São Paulo Ed Cortez 1995 POCHMANN M O emprego na globalização São Paulo Boitempo 2001 Desempregados do Brasil In ANTUNES R Org Riqueza e miséria do traba lho no Brasil São Paulo Boitempo 2006 SALM C et al Emprego e desemprego no Brasil Novos Estudos São Paulo CEBRAP n 45 1996 SENNET R A corrosão do caráter Rio de Janeiro Record 1999 SINGER P Globalização e desemprego São Paulo Contexto 1998 VASAPOLLO L O trabalho atípico e a precariedade São Paulo Expressão Popular 2005 livroproducaodepobrezap65 2672007 0019 209