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Edição José Adolfo de Granville Ponce Normalização e revisão Katumi Ussami Nakamoto Capa e diagramação Ary Almeida Normanha Arte Ábaco Produções Gráficas Na execução desta obra houve a colaboração da Faculdade IberoAmericana de Letras e Ciências Humanas ISBN 85 08 03455 5 1994 Todos os direitos reservados pela Editora Ática SA Rua Barão de Iguape 110 CEP 01507900 Tel PABX 2789322 Fax 011 2774146 C Postal 8656 End Telegráfico Bomlivro São Paulo SUMÁRIO 1 IDADE MÉDIA 9 11 Primeiro período Trovadorismo 1189 ou 11981434 9 111 Portugal estrutura social 10 112 Jograis Trovadores Cancioneiros 13 113 Cantigas de amigo e suas relações sociais 16 114 Cantigas de amor e suas relações sociais 16 115 Cantigas satíricas 19 116 Prosa medieval 20 117 Outras produções 21 12 Segundo período Humanismo 14341527 21 121 Fernão Lopes 22 122 O humanismo de Fernão Lopes 23 123 Poesia humanista 24 124 As origens do teatro português 25 125 Gil Vicente e o teatro português 25 126 Características da obra vicentina 27 SUGESTÕES PARA LEITURA 30 SÍNTESE 31 2 RENASCIMENTO 15271580 33 21 O Renascimento 34 22 A poesia renascentista 36 23 Luís Vaz de Camões 37 231 Camões lírico 38 232 Camões épico 41 233 Características do poema épico Os Lusíadas 44 234 Camões e o teatro 45 24 Novelas de cavalaria 47 SUGESTÕES PARA LEITURA 47 SÍNTESE 48 3 BARROCO 15801756 49 31 Panorama histórico 50 32 Barroco 52 33 Padre Antonio Vieira 54 34 Características da obra de Vieira 56 35 Outros autores barrocos 59 36 Poesia barroca 60 SUGESTÕES PARA LEITURA 62 SÍNTESE 62 4 ARCADISMO OU NEOCLASSICISMO 17561825 63 41 Panorama da época 63 42 O Iluminismo em Portugal 64 43 Características do Arcadismo 65 44 O Arcadismo em Portugal 69 45 Poetas árcades 70 451 Nicolau Tolentino de Almeida 70 452 Manuel Maria Barbosa du Bocage 71 4521 Características da obra de Bocage 72 453 Filinto Elísio 74 SUGESTÕES PARA LEITURA 74 SÍNTESE 75 5 ROMANTISMO 18251865 76 51 Panorama histórico 76 52 Romantismo 78 53 Romantismo em Portugal 80 54 Almeida Garrett 81 55 Alexandre Herculano 86 56 Castilho 87 57 Camilo Castelo Branco 88 58 Poetas ultraromânticos 90 59 Júlio Dinis 91 510 João de Deus 92 SUGESTÕES PARA LEITURA 94 SÍNTESE 95 6 REALISMONATURALISMO 18651900 98 61 Realismo em Portugal 100 62 Características do Realismo 103 63 Antero de Quental 107 64 Eça de Queirós 109 65 Cesário Verde 114 66 Guerra Junqueiro 117 67 Fialho de Almeida 118 SUGESTÕES PARA LEITURA 119 SÍNTESE 119 7 DECADENTISMOSIMBOLISMO 18901915 122 71 Decadentismosimbolismo em Portugal 123 72 Características do decadentismosimbolismo 125 73 O impressionismo 126 74 O simbolismo 127 75 Antonio Nobre 128 76 Camilo Pessanha 129 77 Raul Brandão 130 SUGESTÕES PARA LEITURA 131 SÍNTESE 132 8 MODERNISMO O ORFISMO 19151927 O PRESENCISMO 19271940 133 81 Modernismo em Portugal 135 82 Características do Modernismo 136 83 Vanguardismo 137 84 Fernando Pessoa 138 841 Tendência de vanguarda em Fernando Pessoa 139 842 Os heterônimos 142 85 SáCarneiro 147 86 Almada Negreiros 148 87 O Presencismo 148 SUGESTÕES PARA LEITURA 152 SÍNTESE 152 Benjamin Abdala Junior Maria Aparecida Paschoalino História Social da Literatura Portuguesa 4ª edição Os concelhos propiciaram ao rei D Afonso Henriques as forças militares necessárias para a Independência As lutas contra Afonso VII foram constantes Só em 1143 foi negociado um acordo definitivo de paz na Conferência de Samora Apesar do reconhecimento de Leão e Castela faltava que o papa desse a Afonso Henriques o título de rei Isso só acontece em 1179 Portugal tornavase assim um país autônomo mas a luta pela concretização dessa independência alongouse até o reinado de D Afonso III 12481279 com a expulsão dos sarracenos 111 Portugal estrutura social O feudalismo se caracteriza como um sistema social em que predominam grupos sociais fechados impossibilitando uma grande mobilidade social Além disso há a profunda ligação de dependência de homem para homem relação entre os senhores os que têm a propriedade da terra e os servos os que não têm a propriedade e estão presos a ela Aos servos competia trabalhar à nobreza feudal competia defender a sociedade e à Igreja orar pela sociedade Portanto os nobres defensores militares podiam ocupar escalões superiores nessa hierarquia feudal e vassálica O direito à propriedade era reservado a eles bem como o parcelamento do poder público criando assim em cada região uma hierarquia de instâncias autônomas A estrutura social portuguesa dos séculos XI a XIV revelava típicos caracteres feudais Em Portugal dentro dos coutos se a propriedade fosse da Igreja ou das honras se fosse da nobreza os senhores eram a autoridade absoluta e só prestavam obediência ao rei que detinha os direitos de justiça suprema Nesse tipo de propriedade vivia uma população composta principalmente por servos trabalhadores impedidos de deixarem o senhorio e obrigados ao pagamento de tributos prestações de serviço e de uma renda proporcional à produção do ano Também havia os escravos muçulmanos capturados nas campanhas militares da Reconquista que teoricamente foi a guerra contra os infiéis e na prática foi a luta peninsular pela ampliação dos domínios territoriais Em torno da morada dos nobres paço solar vivia um outro tipo de servo aquele que se dedicava a serviço doméstico ou artesanato Era alimentado e vestido pelo senhor Ainda havia os trabalhadores rurais que se distinguiam dos servos por estarem ligados ao senhor por contratos de arrendamento ou de trabalho assalariado Aparentemente podiam deixar seus senhores Cultivavam a terra sentindose proprietários e com isso estavam mais estreitamente associados a um espaço que em teoria possuíam Na prática esse espaço pertencia ao senhor que não desmembrava seus domínios Acima desses havia os infanções nobres de alta linhagem e os fidalgos cavaleiros e escudeiros que formavam uma pequena nobreza de homens de armas ligados à casa do grande senhor Na posição mais alta havia os senhores ricoshomens que exerciam domínio administrativo militar e judicial num distrito chamado terra e cuja ação estava sempre limitada pela ação do rei Por último o clero desempenhava um papel importante pela influência religiosa e pelas riquezas que possuía Podia ser subdividido em alto e baixo clero clero regular e clero secular As terras da nobreza e do clero eram isentas de impostos e seus domínios aumentavam por novas doações ou por usurpação Boa parte dos rendimentos do rei era também cedida aos nobres e ao clero a título de préstimos Em consequência da Reconquista os homens que trabalhavam na terra a agricultura era a base da economia portuguesa e que se ofereciam a lutar tinham condições de sofrer uma promoção social Porém mesmo com a perspectiva de aquisição de um novo status social o certo é que o sistema políticosocial dessa época se caracterizou pela intensa relação de dependência das diversas categorias pois enquanto os trabalhadores eram vassalos dos senhores nobres e eclesiásticos estes eram vassalos do rei Cada grupo tinha seus códigos de comportamento deveres e direitos bem diferenciados mas todos relacionavamse nesse nível de dependência vassálica Essa organização social é reiterada pelo espírito teocêntrico pois a visão de Deus como ser absoluto capaz de ditar as normas sociais o comportamento individual de estabelecer o limite entre o bem e o mal acaba por determinar também toda uma concepção servil em que o homem nasce para obedecer ou mesmo para seguir o caminho previamente determinado pelo ser absoluto A explicação dos atos humanos por forças ocultas era a consequência da ignorância científica A religiosidade do português medieval revelavase pela frequência à missa e a outras cerimônias da Igreja nas abstinências e jejuns nas peregrinações ou romarias As Igrejas eram lotadas todas as manhãs Havia santuários nas cidades e no campo Mas foi sobretudo a partir do século XIII que se notou como no resto da Europa uma modificação nas práticas religiosas o homem passa a entender a necessidade de se unir mais diretamente a Deus O maior contato entre homem e natureza que é obra divina representa a ligação homem e Deus É a busca da santificação da vida cotidiana É a fase da pregação do amor e humildade como essência do cristianismo Porém o dogma do homem fadado por forças ocultas permanece orientando o espírito do homem medieval 5 Não haveria teocentrismo sem existir o feudalismo e viceversa afinal um está a serviço do outro da mesma forma que não haveria o nobre ocioso se não houvesse o servo trabalhador A Igreja rica senhora feudal ensinava os mistérios da fé as orações a missa mas também teve o papel importante de divulgar a educação Com as dificuldades de comunicação e de transporte com a raridade de livros antes da invenção da imprensa os livros eram reproduzidos em cópias manuscritas e com o analfabetismo geral o centro da instrução pública só poderia se localizar nas catedrais ou escolas episcopais nos conventos e mosteiros Ensinavase a gramática ler e escrever o latim Mas Portugal dos séculos XII a XV não falava o latim a não ser entre embaixadores Logo havia a necessidade de vocabulários das duas línguas a latina e a portuguesa O português converteuse em língua oficial desde o reinado de D Dinis 12791325 mas as escolas e mestres particulares não o ensinavam até finais da Idade Média Os poucos que aprendiam a escrever aproximavam a linguagem escrita da linguagem falada e por isso os primeiros textos escritos em português nos princípios do século XIII são quase traduções literais do substrato latino As grandes massas adquiriam conhecimentos teóricos e práticos transmitidos por via oral Tradições populares romances sermões e provérbios tinham papel importante na formação dos indivíduos A vida fechada a extensão restrita dos conhecimentos o conservadorismo das crenças a dificuldade de acompanhar o que acontecia noutros locais não dava para estabelecer graus de ensino Entrava na Universidade gente de qualquer idade O estudante não tinha como se manter pois não havia possibilidade de trabalhar e estudar e era comum o estudante pedir esmolas Desde o reinado de D Afonso Henriques o país conheceu o desenvolvimento da navegação costeira e comercial A dinamização dos portos marítimos Lisboa e Porto e fluviais propiciou a atividade mercantil que já existia na Europa A economia portuguesa de base essencialmente agrícola já oferecia para esse comércio de exportação o azeite o vinho o mel o sal o peixe salgado e tinha de retorno o cereal e os tecidos Casamentos entre filhos de reis e senhores franceses a crescente atividade de mercadores ambulantes propiciaram o desenvolvimento do comércio externo Quanto ao comércio interno cada latifúndio mandava à cidade só os excedentes para serem trocados por dinheiro Mais tarde passouse a enviar o máximo de sua produção estabelecendose uma troca organizada entre campo e cidade Além dos mercados havia as feiras que agilizaram o desenvolvimento do comércio interno e que chegam a atingir seu ápice no reinado de D Dinis Foi esse rei que fomentou a agricultura incentivou a distribuição e circulação da propriedade favorecendo o estabelecimento de pequenos proprietários desenvolveu as feiras fundou a Universidade portuguesa em Lisboa 1290 transferida depois para Coimbra mandou traduzir obras notáveis e foi além de tudo um grande trovador Com o início da dinastia de Avis 1385 o país começa a sofrer transformações na sua estrutura social A ascensão de D João I depois de uma Revolução em que o Mestre de Avis vence os castelhanos em Aljubarrota marca a vitória da burguesia e registra um novo caminho que será trilhado pelos Descobrimentos É a queda da antiga aristocracia representada pela dinastia afonsina e a substituição por uma gente nova constituída pelos burgueses mercadores A tomanda de Ceuta 1415 a chegada de Vasco da Gama às Índias 1498 e a descoberta do Brasil 1500 caracterizam a formação do grande império português Sobre essa etapa Fernando Pessoa registra Ó MAR SALGADO quanto do teu sal São lágrimas de Portugal Por te cruzarmos quantas mães choraram Quantos filhos em vão resaram Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso ó mar 12 Jograis Trovadores Cancioneiros Desde o reinado de D Sancho I 11851211 filho de Afonso Henriques a literatura oral foi divulgada por jograis recitadores cântores e músicos que perambulavam pelas feiras castelos e aldeias O jogral cantava a poesia a poesia estava ligada à música que era composta pelo trovador mediante soldo O trovador de nível social superior era em geral representante da nobreza Havia também o menestrel músico agregado a uma corte A grande época da cultura trovadoresca ou das cantigas foi entre 1250 e 1350 Essa literatura cantada foi registrada em coleções Os Cancioneiros Eles nos dão a mostra de uma literatura peninsular em língua galegoportuguesa e não propriamente de uma literatura portuguesa como se houvesse na época uma só literatura românica peninsular Três Cancioneiros são conhecidos Cancioneiro da Ajuda o mais antigo com 310 cantigas quase todas de amor Cancioneiro da Biblioteca Nacional também chamado de CollociBrancutti com 1647 cantigas distribuídas em quatro tipos e Cancioneiro da Vaticana com 1205 cantigas também distribuídas em quatro tipos 13 Cantigas de amigo e suas relações sociais As cantigas de amigo se caracterizam pelo fato de o trovador cantar a realidade da mulher o eu feminino exterioriza suas emoções aflições expectativas encontros amorosos desencontros etc 3 9 PÓSMODERNISMO O NEOREALISMO E AS TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS 1939Atualidade 155 91 NeoRealismo 157 92 Características do NeoRealismo 159 93 Alves Redol 162 94 Manuel da Fonseca 163 95 Carlos de Oliveira 165 96 José Cardoso Pires 168 97 Augusto Abelaira 169 98 Vergílio Ferreira 169 99 José Gomes Ferreira 170 910 Fernando Namora 172 911 Urbano Tavares Rodrigues 172 912 Outros escritores 173 913 O Surrealismo 174 914 O experimentalismo poético 177 915 O novoromance português 178 916 A literatura de autoria feminina 181 SUGESTÕES PARA LEITURA 181 SÍNTESE 10 APÊNDICE AS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA 185 101 A questão da língua nacional 187 102 As literaturas 188 103 Cabo Verde 190 104 Angola 193 105 Moçambique 196 106 São Tomé e Príncipe 197 107 GuinéBissau 197 SUGESTÕES PARA LEITURA 198 SÍNTESE 198 CADERNO ICONOGRÁFICO 201 BIBLIOGRAFIA GERAL 235 1 Idade Média Trovadorismo 1189 ou 11981434 Humanismo 14341527 Se outros por ventura em esta cronica buscam fremosura e novidade de palavras e non a certidom das estorias desprazerlheá de nosso razoado muito ligeiro a eles douvir e nom sem gram trabalho a nós de ordenar Mas nós nom curando de seu juizo leixados os compostos e afei tados razoamentos que muito deleitom aqueles que ouvem ante poemos a simprez verdade que a afremosentada falsidade Fernão LOPES Crônica de D João I 11 Primeiro período Trovadorismo 1189 ou 11981434 Portugal de Dona Tareja a Afonso Henriques A independência portuguesa foi conseguida de forma gradativa contra os reinos cristãos da Península Ibérica região que abarca os atuais territórios de Portugal e Espanha Ao final do século XI Afonso VI do reino de Leão havia conseguido uma tênue unidade política entre esses reinos cristãos Estreitou as fronteiras entre eles Dentro dos princípios do feudalismo casou Urraca sua filha que deveria sucedêlo no trono com o conde Raimundo de Borgonha que viera lutar contra os mouros Outra filha sua não legítima D Tareja casouse com o primo do primeiro genro D Henrique de Borgonha Ao primeiro genro o rei doou a região da Galícia Ao segundo a área entre o Minho e o Tejo denominada Condado Portucalense A tranqüilidade de política era entretanto enganosa com a morte do imperador Afonso VI vão ocorrer novamente as lutas políticomilitares entre os reinados cristãos A hegemonia política da Península Ibérica foi disputada entre Urraca e o rei de Aragão com vantagem para a primeira E o Condado Portucalense procurou ir afastandose da tutela desses reinos mais fortes em especial dos galegos A revolta ocorreu com Afonso Henriques filho de Tareja que não aceitava o domínio de sua região O processo de independência de Portugal está ligado à diferenciação das atividades econômicas da região e às rivalidades entre os grupos feudais Foi entretanto o povo quem participou ativamente desse processo através de organizações municipais os concelhos populares Havia neles maior liberdade e relações sociais mais avançadas que levaram a população a lutar para afastar do país a servidão de outras regiões cristãs Nesse tipo de canção há formas e objetivos bastante particulares Observase que a cantiga é comumente construída em paralelismos a saber a unidade rítmica não é a estrofe mas o conjunto de estrofes ou um par de dísticos duas estrofes de dois versos Esse par de dísticos sempre procura dizer a mesma idéia E o último verso de cada estrofe é o primeiro verso da estrofe seguinte Exemplificando com uma cantiga de D Dinis Ai flores ai flores do verde pino se sabedes novas do meu amigo Ai Deus e u é Ai flores ai flores do verde ramo se sabedes novas do meu amado Ai Deus e u é Se sabedes novas do meu amigo aquele que mentiu do que pôs comigo Ai Deus e u é Se sabedes novas do meu amado aquele que mentiu do que mi á jurado Ai Deus e u é Vós preguntades polo vossamigo E eu ben vos digo que é sane vivo Ai Deus e u é Vós me preguntades polo voss amado E eu ben vos digo que é vive sano Ai Deus e u é E eu ben vos digo que é sane vivo e será voscanto prazo saído Ai Deus e u é E eu ben vos digo que é vive é sano e será voscanto prazo passado Ai Deus e u é O paralelismo e o refrão são elementos típicos da cantiga de amigo Essa forma é importante porque pressupõe a existência de um coro As estrofes organizadas aos pares sugerem a alternância de dois cantores ou mesmo de dois grupos deles O verso da estrofe anterior que é repetido no início da nova estrofe parece ser a mesma técnica da primitiva composição improvisada comum aos repentistas Essa cantiga pode ser reduzida a poucos versos se eliminarmos as repetições mas o que interessa é que tal processo paralelístico mostranos que a cantiga enquanto texto estava ligado ao canto e à dança O processo da apresentação da cantiga de amigo evidencia um aspecto importante ela era representada pelo texto pelo canto e pela dança O texto portanto não era autônomo Pressupõese que esses três elementos dessem dinamicidade à apresentação Importante observar que um grande número de cantigas de amigo registradas pelos Cancioneiros revelam sua inspiração na vida popular das zonas rurais A mulher é personagem principal que vai se encontrar com o namorado junto à fonte que vai à romaria e lá espera encontrar o amigo que vai lavar as roupas ou os cabelos etc Há portanto uma ação da personagem não apenas o desabafo intimista Essa ação se desenrola com diálogos ou monólogos em um cenário muito simples paisagisticamente primitivo e natural Esses caracteres a nível de conteúdo revelam que o lirismo da cantiga de amigo confundese com as formas dramática e narrativa A narração que implica ação personagem tempo espaço torna essas canções mais vivas mais próximas da realidade da mulher Em outros termos a vida popular da mulher tornase material das cantigas e o dinamismo dessa vida que inclui amor decepção alegria tristeza etc se traduz no que é cantadonarrado e na forma de cantar Mas há outro tipo de cantiga de amigo a nível de conteúdo a moça está restrita ao ambiente de casa a discutir com a mãe com as amigas ou mesmo a pedir autorização para namorar Sente ciúme sabe provocálo sabe conquistar Curiosamente os trovadores que desenvolveram tal tipo de cantiga de amigo mostram a expectativa da mulher em relação ao namoro e casamento O enfoque mudou a esse romance do amor burguês ligase uma estrutura formal mais complicada Em lugar dos dísticos agora são estrofes de três quatro ou mais versos Ao invés do paralelismo há o emparelhamento ou a segunda estrofe de cada par só repete a idéia geral da anterior O refrão deixa de existir Estamos diante de uma cantiga de maestria E há ainda a cantiga de amigo de amor cortês tão elaborada quanto a de amor burguês As cantigas de amigo refletem o ambiente das comunidades agricultas onde a mulher era vista com importância social Mas já no século XI poetas árabes é hébreus compunham suas carjas que eram cantigas de mulher compostas em língua moçárabe língua românica fortemente influenciada por arabismos Mesmo que remontemos às carjas para buscarmos as origens da cantiga de amigo o certo é que esse tipo de lirismo se fez possível graças à importância da mulher no ambiente rural As figuras naturais fonte riacho árvores aves contextualizam o ambiente e também atuam sobre o eu feminino despertando o amor ou a confissão do desejo É o ambiente com a atuação animista integrando sentimentos e objetos Sensuais não raras vezes as cantigas de amigo são impregnadas de um realismo amoroso que nos parece exprimir mais do que uma situação individual de origens populares reflete uma visão de mundo sem solenidade sem as artificiosas cortesias tão comuns ao ambiente nobre Naquelas em que o trovador expressa o amor burguês eou cortês sintomaticamente existem artifícios formais e de conteúdo Há os jogos amorosos subterfúgios de conquista e a própria perspectiva do casamento O contato do trovador com a mulher simples burguesa e cortesã resultou no conhecimento de sua psicologia de suas ânsias e expectativas A variedade temática da cantiga de amigo é a comprovação disso É nessa variação e na forma pela qual a mulher é configurada mais simples ou menos simples que podemos perceber a medida do artificialismo desse ou daquele ambiente desse ou daquele objetivo feminino Cantigas de amigo e suas variedades QUANTO AO ASSUNTO albas alvas ou serenas cantigas de influência provençal cujo tema fala do amanhecer pastorelas cantigas em que a personagem central é uma pastora barcarolas ou marinhas cantigas que se referem ao mar ou ao rio bailias ou bailadas cantigas em que há dança ou baile romaria cantigas que se prendem à peregrinação tenções cantigas em que a moça dialoga com a mãe a irmã uma amiga e até com a natureza QUANTO À FORMA maestria cantigas de amigo que não têm refrão sob evidente influência provençal refrão cantigas que possuem refrão ou estribilho paralelísticas cantigas que têm paralelismo 114 Cantigas de amor e suas relações sociais Na cantiga de amor o trovador fala das emoções do eu masculino Diferentemente da maioria das cantigas de amigo é aqui que o trovador assume o ideal do amor cortês O amor não é a experiência vivida ou aguardada às margens da fonte mas é acima de tudo a experiência de amar sem ser correspondido de sonhar com o objeto inacessível E quanto mais intangível se torna a figura feminina mais ela é símbolo de perfeição e pureza A falta de reciprocidade a coloca num plano superior ao do poeta que por sua vez ama com verdadeiro amor e como verdadeiro poeta porque o amor existe no plano ideal Criase assim um estereótipo a mulher deve ser inacessível e a esse ideal de amor corresponde um tipo físico É a mulher delicada de cabelos claros de riso sutil de gestos refinados e dignos Como se vê diferente em tudo da mulher rural que no mínimo era estragada pelo sol ou embrutecida pelo trabalho rude O trovador vive servilmente em função da dama A relação servil se consuma tal como na organização social Ele deve ser fiel a um código de obrigações e deveres como por exemplo jamais perder a discrição pois tornar público o objeto de amor é romper as barreiras do mundo ideal É faltar à obrigação do autodomínio O amor aristocrático não é tão objetivo e real como na cantiga de amigo Escondese o trovador no requinte e convencionalismo de salão Nessa caracterização do amor cortês a figura do trovador nos faz retomar algumas características do cavaleiro medieval defensor do senhor feudal deveria ter coragem lealdade e generosidade A nível religioso deveria ser obediente e casto A nível social deveria ser cortês humilde O cavaleiro não possuía direitos só deveres Tais virtudes que lhe permitiriam ascender socialmente tornavamno honrado e digno O trovador mantém sua dignidade à medida que cumpre com seus deveres ama um símbolo feminino o que o dispensa de adentrar nos domínios sensuais da mulher Em algumas cantigas em que o sensualismo é sugerido o efeito produzido é de exaltação à pureza da mulher O trovador se mantém honrado pela fidelidade a esse símbolo e pela discrição social Sua cortesia é fundamentada na humildade na certeza de que a realização amorosa é impossível Historicamente em Portugal os cavaleiros estão ligados aos trovadores Viviam na corte com papéis e deveres bem discernidos A corte era o local onde as graças femininas nasciam onde filhos e filhas de nobres aprendiam as artes as maneiras próprias de donzéis e donzelas E o cavaleiro que ocupava o espaço da nobreza sem ter os poderes do senhor feudal acaba por ser vassalo desse tipo feminino numa relação em que se evidencia a metáfora social do vassalo e senhor feudal quando não revela a sublimiação da posição social do vassalo A cantiga de amor teve suas origens no sul da França A influência francesa chega a Portugal graças à atuação dos jograis pelas estreitas relações entre a Península e aquele país era comum o casamento entre portugueses e princesas que foram criadas em cortes política e culturalmente ligadas à França Mas se o amor cortês surgiu nas cortes occitanicas e teve os provençais como os grandes mestres o certo é que ele é expressão de um amor que reflete nitidamente o nível das relações sociais de um dado momento feudal Se retomarmos as características do próprio sistema feudal veremos com que identidade o amor cortês as reflete Apesar das influências provençais os trovadores peninsulares romperam com algumas obrigatoriedades da moda descrever a brisa da primavera o canto dos rouxinóis etc e introduziram novos aspectos paralelismos e refrão A cantiga de maestria artificiosa e refinada cede às influências populares O primeiro documento literário galegoportuguês foi de Paio Soares de Taveirós Cantiga da Ribeirinha de 1189 ou 1198 Muitos outros trovadores se destacaram D Dinis o rei trovador João Soares de Paiva João Garcia de Guilhade Martim Codax Nuno Fernandes Torneol e outros É desse autor a cantiga de amor que apresentamos Quereu a Deus rogar de coração comome que é cuitado damor que el me leixe veer mia senhor mui ced e se mel non quiser oir logo lheu querrei outra ren pedir que me non leixe mais eno mundo viver E se mel á de fazer algum ben oirmiá quanto ben no mundoei E se mio el non quiser amostrar logo lheu outra ren querrei rogar que me non leixe mais eno mundo viver E se mel amostrara mia senhor que ameu mais ca o meu coração vedes o que lhe rogarei enton que me dê seu ben que mé muit mester e rogalhei que se o non fezer que me non leixe mais eno mundo viver E rogalh ei se me ben á fazer que el me leixe viver en logar u a veja e lhe possa falar por quanta coita me por ela deu se non vedes que lhe rogarei eu que me non leixe mais eno mundo viver Cantigas de amor e suas variedades QUANTO AO ASSUNTO temática pouco variada A fremosa senhor é enaltecida O amor é um fatalismo que provoca grande dor coita e o resultado é morrer de amor Cantigas de amor e suas variedades Cont QUANTO À FORMA maestria cantiga sem refrão ou estribilho tem três ou mais estrofes regulares devendo submeterse a certos formalismos estilísticos dobre atafinda finda etc refrão cantiga com estribilho ou refrão descordo ou desacordo cantiga em que a intranquilidade de espírito era expressa pela variedade métrica diferente estrutura estrófica 115 Cantigas satíricas As modalidades satíricas medievais mais conhecidas são escárnio e maldizer Cantigas de escárnio são aquelas em que o trovador critica sem individualizar a personalidade criticada Maldizer é aquela em que a pessoa criticada é individualizada Essas cantigas revelam aspectos típicos da vida dos jograis bem como da corte Eles levam uma vida diferente daquela de artificialismo cortês ou do regime servil do trabalhador Socialmente pária suas experiências contam da mulher versátil de uma bebediera do fidalgo com pretensões a senhor feudal da sovinice de um senhor etc Esse tipo de cantiga não se restringe ao jogral pois qualquer trovador até o rei D Dinis tratava dessa temática Há cantigas que mostram a rivalidade entre jograis e trovadores aqueles que queriam ascender da condição de executadores para compositores e estes defendiam a manutenção da hierarquia Politicamente a sátira foi pouco utilizada mas ela é o documento de uma época pois a condição dos jograis andando de castelo a castelo de feira em feira propiciou o conhecimento da realidade sob múltiplos aspectos Observemos a canção de João Garcia Guilhade Ai dona fea fostevos queixar porque vos nunca louven eu trobar mais ora quero fazer un cantar en que vos loarei toda via e vedes como vos quero loar dona fea velha e sandia Ai dona fea se Deus me perdon e pois havedes tan gran coraçon que vos eu loe en esta razon vos quero já loar toda via e vedes qual será a loaçon dona fea velha e sandia Dona tea nunca vos eu loei en meu trobar pero muito trobei mais ora já un bon cantar farei en que vos loarei toda via e direivos como vos loarei dona fea velha e sandia Cantigas satíricas e suas variedades Cantiga de escárnio sátira a alguém com sutileza Processo estilístico utilizado ironia Cantiga de maldizer sátira direta com linguagem obscena Cantiga de seguir imitação cômica de outra cantiga Tenção de briga constituída por um diálogo entre dois ou mais trovadores com a obrigação de que a resposta de cada um tinha de ser iniciada com as rimas do verso anterior 116 Prosa medieval Novelas de cavalaria Foi a partir do século XIII durante o reinado de Afonso III que apareceram as novelas de cavalaria Nenhuma autenticamente portuguesa as novelas eram traduzidas do francês e não em raros momentos sofreram alterações Originariamente essa prosa cavaleiresca surgiu da evolução das poesias de temas guerreiros canções de gesta e prosificadas passaram a ser lidas na corte Das que circulavam notabilizaramse História de Merlin cuja versão portuguesa desapareceu José de Arimatéia e A Demanda do Santo Graal Tais narrativas de caráter místico apresentam o cavaleiro concebido pela Igreja o herói casto fiel dedicado o escolhido para a peregrinação mística Observamos que esta concepção de cavaleiro medieval contrapõese a do cavaleiro freqüentador da corte que comumente estava envolvido em amores ilícitos Aliás a origem do cavaleiro feudal está ligada à luta pela defesa da Europa Ocidental contra os sarracenos eslavos magiares e dinamarqueses que ameaçavam destruir a cristandade Esses cavaleiros não eram os perfeitos gentishomens cheios de doçura e poesia Eram animalescos na sua fúria guerreira Com as Cruzadas era preciso conceber outro tipo de cavaleiro mais condizente com a realidade As novelas de cavalaria tratam da nova versão do cavaleiro Daquele que é tentado sexualmente mas permanece casto Daquele que é cortês e que tem em troca a honra eou a vida eterna Esse tipo de narrativa é a expressão da ideologia religiosa para ser herói é preciso cumprir juramentos e obrigações e só assim o homem é levado às alturas da santidade Opondose a esse tipo surgiu a novela de cavalaria Amadis de Gaula 1508 Escrita em 12 livros na Península Ibérica sua autoria é desconhecida Amadis é o perfeito cavaleiro amor cortês e vassálico Mas há a quebra da ordem medieval quando Amadis e Oriana se casam Essa novela reflete o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna época de transição cujos marcos literários mais significativos foram representados por Fernão Lopes e Gil Vicente 117 Outras produções A produção de hagiografias narrações que contam a vida de santos foi comum no período trovadoresco Escritas em latim elas refletem o espírito do homem medieval Paralelamente desenvolviase a crônica que é a origem da historiografia portuguesa Destacamos as Crônicas Breves do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra correspondentes a quatro fragmentos publicados por Alexandre Herculano em Portugaliae Monumenta Historica e a Crônica Geral de Espanha 1344 que talvez tenha sido elaborada por D Pedro Conde de Barcelos filho bastardo de D Dinis Os livros de linhagens eram relações genealógicas com o objetivo de estabelecer graus de parentesco Com dupla finalidade essa produção evitava o casamento entre parentes próximos até o 7º grau e solucionava problemas relativos a heranças São essas produções que antecedem a historiografia de Fernão Lopes cuja obra marca transformações da história e da própria concepção histórica 12 Segundo período Humanismo 14341527 Com a ascensão do Mestre de Avis em 1385 Portugal começou a trilhar o caminho dos Descobrimentos O Mestre D João I e seus sucessores eram apoiados pela burguesia o que implicou o maior desenvolvimento do comércio e da camada de mercadores o que desafia o poder dos nobres O efeito imediato do desenvolvimento do comércio é o crescimento das cidades que passam a ganhar novas funções é o lugar de competição e de vendas O espírito do homem medieval fechado no feudo na obediência ao senhor e aos princípios teocêntricos ganha nova dimensão As transformações sociais implicam uma nova descoberta a consciência de que o homem 20 21 é uma força criadora capaz de dominar o universo como nos descobrimentos e transformálo Há a consciência de que é necessário o saber é através do conhecimento que o homem e a vida se transformam O mercador de tecidos estabelecido no Porto ou em Lisboa além de ler e escrever aprende a contar A extensão de seus negócios acarreta maiores conhecimentos geográficos Conhecedor do seu ramo entende de tecelagem tinturaria decoração de panos Conhece o mercado entende de oferta e procura sabe do transporte do que o país pode fabricar dos recursos e do poder de compra das províncias Seu saber não é local como era para o servo é nacional A noção de destino fadado por forças ocultas começa a ser substituída pela noção prática do lucro com mais lucro ou menos a vida é melhor ou pior A cultura se amplia Na Europa a descoberta da imprensa reflete o crescimento de um público leitor A difusão de notícias se acelera Lá se intensifica o conhecimento da cultura grecolatina porque agora a descoberta do poder humano identifica o novo ao clássico homem Mas a cultura religiosa convive com a cultura clássica como feudalismo convive com o comércio apesar da nitida decadência do teocentrismo A essa fase de transição chamamos Humanismo Como toda transição essa também registra a decadência de uma estrutura social de um modo de vida e o surgimento de outro Só é possível entender o Renascimento antropocêntrico do século XVI a partir desse movimento Trovarorismo e Humanismo Os primeiros anúncios dessa transição foram registrados pela literatura que é uma das maneiras de ver e pensar o mundo Dante Alighieri 12651321 Francesco Petrarca 13041374 Giovanni Boccaccio 13131375 entre outros Em Portugal o Humanismo teve como marco inicial em 1434 a nomeação de Fernão Lopes como cronistamor do reino 121 Fernão Lopes De incerto nascimento 1378 1383 local desconhecido os documentos mais antigos em que se encontra o nome do autor são de 14181419 quando D Duarte o nomeou guarda das escrituras da Torre do Tombo ainda no reinado de D João I Só em 1434 D Duarte sucedendo ao pai o incumbe de colocar em crônicas a vida dos reis de Portugal desde Afonso Henriques até D João I Afonso VI substitui Fernão Lopes em 1454 por já estar tam velho e flaco que per ssy nem pode bem servir o dito offício O primeiro cronista português deve ter morrido em 1459 22 23 ou mesmo a identidade entre o autor e as pessoas anônimas A coletividade com que Fernão Lopes se identificia é conforme o ponto de vista a gente miúda que triunfa sobre os opressores isto é os senhores feudais ou o povo português que repele os castelhanos Tratase de fato da mesma entidade visto que segundo as crônicas é no povo miúdo que se encontra a genuidade nacional o amor da terra e os fidalgos desnaturados se comprometem com Castela À genialidade desse cronista espírito de investigação e criativa maneira de narrar sucedem outros cronistas de menor importância em termos de renovação Gomes Eanes de Azurara 14101473 ou 1474 autor da 3ª parte da Crônica de D João I Crônica do Infante D Henrique ou o Livro dos Feitos do Infante Crônicas de D Pedro de Meneses Crônica de D Duarte de Meneses Crônica dos Feitos de Guiné Crônica de D Fernando Conde de VilaReal extraviada O cronista tenta continuar a linha de Fernão Lopes apoiandose entretanto em testemunhos orais relatou fatos quase ou contemporâneos a ele A visão histórica também difere do antecessor são indivíduos que fazem a história É a visão cavaleiresca que ainda permanece nos finais da Idade Média Vasco Fernandes de Lucena foi o terceiro cronistamor mas deixa o cargo sem nada escrever Rui de Pina quarto cronistamor teria vivido entre 14401522 Autor de Sancho I Afonso II Sancho II Afonso III D Dinis Afonso IV D Duarte Afonso V e D João II Sua experiência pessoal está ligada à nobreza e foi o homem de confiança das cortes de D João II e D Manuel De visão mais ampla que a de Azurara Rui de Pina procura ressaltar nas crônicas o papel do povo nas transformações históricas Pesa sobre ele o fato de haver escrito obras calcadas de outras e até mesmo de crônicas perdidas de Fernão Lopes 123 Poesia humanista O novo clima cultural a partir da dinastia de Avis não deixou de influenciar o desenvolvimento da poesia Garcia de Resende recolheu essa poética do final do século no Cancioneiro Geral 1516 São poesias já dissociadas da música elaboradas para serem lidas e recitadas nas cortes nos serões literários enquanto os nobres se divertiam jogando ou ouvindo músicas Há grande variedade temática o amor ainda ligado ao sofrimento a sátira a expansão marítima é tratada por alguns poetas como uma aventura desastrosa a religião e algumas incipientes iniciativas épicas É importante ressaltar que em algumas poesias já aparecem reflexos da poesia italiana principalmente de Petrarca 13041374 a idealização da mulher a saudade do tempo em que foi feliz no amor e mesmo o reflexo do mundo interior sobre os lugares onde viveu seus amores Entre os 286 poetas figuram o próprio Garcia de Resende Gil Vicente Sá de Miranda e Bernardim Ribeiro Esse Cancioneiro registra a poesia que circula em ambientes fechados A arte poética escrita que vem prenunciar um novo estado a maior individualização da arte a arte a serviço de um público letrado como um meio de comunicação para uma classe social e não como um processo capaz de estabelecer relações interhumanas 124 As origens do teatro português Não há documento que registre a existência do teatro litúrgico em Portugal Entretanto se não houvesse esse teatro não haveria motivo para a existência de numerosas proibições destinadas a extinguir tal devassidão dos costumes Bispos e arcebispos portugueses protestavam contra o pecado de dançar nas Igrejas ou de usar máscaras profanas Aceitavam as representações como a do presépio dos reis magos Evidentemente eram contra o teatro que as pessoas simples traziam para dentro da Igreja a experiência humana exterior ao adro não era possível encenar dentro da Igreja Em praças públicas e na corte havia os jograis remediadores cujo trabalho consistia em imitar ridicularizando pessoas Não chega a constituir teatro porque não há a unidade textorepresentação Havia o momo que era apresentação mascarada pomposa fundamentada na mímica comum no reinado de D João II como documentou Rui de Pina quarto cronistamor de Portugal e também Garcia de Resende poeta e compilador das poesias humanistas o arremedilho que seria uma farsa curta farsa é a peça de crítica aos costumes o entremez que era uma encenação entre um ato e outro os mistérios e milagres que eram breves quadros religiosos encenados em datas como Natal e Páscoa foram comuns no restante da Europa Esses elementos compõem a fase prévicentina e serão fundamentais na produção de Gil Vicente 125 Gil Vicente e o teatro português Nasceu em 1465 ou 1466 provavelmente em Guimarães Em 1509 o rei D Manuel o nomeou ourives da rainha D Leonor viúva de D João II e em 1513 foi nomeado oficialmente mestre da balança da Casa da Moeda de Lisboa No documento de nomeação está registrado Gil Vicente como trovador e mestre da balança A primeira peça de Gil Vicente Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro foi encenada em 1502 na câmara da rainha D Maria em 24 25 comemoração ao nascimento do príncipe futuro D João III Assistiram à encenação o rei D Manuel D Leonor irmã de D Manuel e viúva de D João II a infante D Beatriz mãe de D Manuel e também a duquesa de Bragança irmã do rei Como a corte era bilíngüe Gil Vicente recitou em castelhano à maneira palaciana do poeta Juan del Encina O sucesso foi tamanho que D Leonor pediu para que fosse repetida a encenação por ocasião do Natal Gil Vicente então apresenta na data religiosa o Auto Pastoril Castelhano A partir daí estava inaugurado o teatro português Na sua carreira de dramaturgo foi protegido pela rainha D Leonor Sua atividade foi inclusive de organizar festas palacianas era remunerada recebia tenças de D João III Era homem de confiança e isso lhe deixava à vontade para escrever ao rei em 1531 uma carta na qual se pronunciava contra a perseguição movida aos cristãosnovos e judeus É provável que Gil Vicente tenha morrido entre 1536 e 1540 Sua última peça Floresta de Enganos foi encenada em 1536 Seu filho Luís Vicente editou suas obras em 1562 Compilacam de todalas obras de Gil Vicente À parte a omissão de algumas obras que desapareceram e outras cujo texto ele alterou restamnos 46 peças sendo uma em castelhano 16 bilíngues e as restantes em língua portuguesa Gil Vicente viveu no contexto histórico marcado pelas grandes descobertas e ao mesmo tempo pelo ambiente palaciano medieval religioso e conservador A formação e atuação do autor estão ligadas a três reinados que interferiram evidentemente na sua concepção de vida O restante da Europa vivia a autêntica Revolução Comercial e a burguesia se constituía em um poder capaz de alterar a estrutura feudal iniciando a Idade Moderna Enquanto isso Portugal se debatia entre a ação dos mercadores e dos senhores que não aceitavam a agonia do feudalismo D João II no seu reinado 14811495 tentou travar o crescente poderio das casas nobres do reino já vimos que a realeza doava terras aos nobres leigos e religiosos Por essa época o próprio rei D João II dizia que o pai o deixara rei das estradas de Portugal A terra era da nobreza e do clero Ao mesmo tempo o monarca dava um grande impulso à navegação Esse rei e os dois posteriores não conseguiram esmagar o poderio de algumas das mais importantes famílias mas conseguiram criar uma nova nobreza de corte Esse grupo oferecia os funcionários para cargos metropolitanos e ultramarinos para a colonização para o exército e diplomacia etc Simultaneamente a grande maioria dos nobres se dedicava a atividades comerciais em franca competição com a crescente burguesia O rei era o grande exemplomercador e monopolista e os nobres investem seus rendimentos em transporte e exploração econômica Não se tornaram verdadeiros homens de negócio afinal reinvestiam os lucros em terra e em atividades não produtivas como luxo e construção mas impediam o desenvolvimento pleno da burguesia Em Portugal o nobre se envolveu com o comércio para alargar seu poderio enquanto na Itália a burguesia ascendia à aristocracia Os sucessores D Manuel 14951521 e D João III 15211557 herdaram o vasto império D Manuel fez voltar ao país os nobres exilados por seu antecessor Aparentemente mais tolerante com os judeus que D João reduziria à escravatura acaba obrigandoos à conversão pois não interessava ao reino a saída dos infiéis lucrativos D João III no seu longo reinado teve uma atuação cultural que quase o elevou à condição de mecenas Nesse período a corte foi o centro de letrados e artistas desenvolviase o teatro vicentino e simultaneamente surgia o Renascimento com Sá de Miranda No período anterior a 1536 deuse uma influência das idéias erasmitas no pensamento nacional O rei chegou a encarar a hipótese de Erasmo de Roterdam 14691536 se instalar na corte Incentivador do ensino reforma a Universidade custeia bolsas para estudantes portugueses estudarem em Paris Em contraposição conseguiu o estabelecimento da Inquisição 1536 e entregase nas mãos da Companhia de Jesus 1540 a grande arma da Igreja contra os protestantes o exército de Cristo que atuava catequizando os homens dos novos mundos e que também atuava em escolas nas ruas alfabetizando qualquer camada social Enquanto a maioria dos que recebi am instrução são conservadoramente educados pelos jesuítas os que podem vão estudar nas universidades do exterior O contato com novas idéias precurssoras da Reforma protestante que propunham a reforma interna da Igreja Erasmo de Roterdam a leitura da Bíblia independente das interpretações da Igreja induz o homem letrado a concepções cada vez mais distantes da orientação medieval teocêntrica Gil Vicente se formou e atuou no ambiente políticoeconômico e cultural desses três reinados desse clima que gera o Renascimento movimento ao qual ele não está inserido Humanista reflete o estado oscilante de um mundo velho e de sua decomposição É evidente que nessa decadência está a origem dos novos tempos O próprio fato de receber tenças pelo trabalho artístico anuncia um tempo em que o artista terá sua obra transformada em objeto de consumo 126 Características da obra vicentina O teatro de Gil Vicente foi considerado já na época do autor um teatro rico e original Foi o primeiro a fazer valer o texto literário sobre a cenografia e o espetáculo A princípio buscou as idéias nas representações pastorís de Juan del Encina Mas a essa experiência integra outros elementos tipicamente populares desenvolvidos na Idade Média as narrativas de origens cavaleirescas os milagres e mistérios as farsas gênero popular com finalidades satíricas os entremezes a mistura do cômico e religioso a crítica social e o mistério o lirismo de cantigas etc De cultura teológica expressando uma concepção teocêntrica numa época de nítidas transformações acreditou na necessidade de desnudar o homem dizer das suas misérias e apontar o caminho para a redenção O ser humano é seu objeto de preocupação O homem de seu tempo de qualquer categoria social é motivo de reflexão porque vive num contexto em que os costumes se degradam Gil Vicente cria o retrato do cigano do judeu do camponês da moça casadoura do papa do médico do camponês do fidalgo decadente da alcoviteira do marido traído e de outros mais que compõem a realidade da época Ressalta as crenças o artificialismo a imoralidade as superstições Critica o homem que abandona o campo e se entrega às aventuras do mar Os costumes são outros Os novos valores se associam à decadência humana Criador de tipos sociais consegue definir o personagem a partir do seu vestuário característico do tipo psicológico e mesmo de uma linguagem peculiar Não perdoou nada Acreditando na função moralizadora do teatro colocou em cena fatos e situações que revelam a imoralidade dos frades os religiosos são mais atacados pelo autor A ambição a indisciplina e o utilitarismo são a contradição entre o ideal e a prática religiosa Há críticos que o consideraram préreformista como Teófilo Braga no século XIX Mas Gil Vicente crítico dos costumes estava longe de expressar ou propor a rebelião dos reformistas protestantes Ésses se opuseram à Igreja porque estavam imbuídos de um espírito antropocêntrico fortalecidos e apoiados pela burguesia Gil Vicente não se identifica com os valores da burguesia De espírito e formação medievais ele esteve enraizado numa concepção teológica A crítica ao homem tem como função abrir sua consciência e reaproximálo de Deus Nesse prisma é fácil perceber que o autor expressa os valores sociais hierárquicos e tradicionais O pensamento cristão e a crítica aos costumes não chegam a se constituir uma bipolaridade a crítica existe em função do pensamento cristão O paraíso está reservado ao simples e humilde ao puro e não ao frade que ambicionando a ascensão utiliza de artifícios para fingir a palidez do jejum Romagem dos Agravados 1533 Ou então os tradicionais usurpadores e exploradores do povo meirinhos corregedores juízes que representam uma justiça com bolsos cheios Barca do Inferno 1517 Floresta de Enganos 1536 A esses personagens que são tipos sociais opõese a figura do lavrador Barca do Purgatório 1518 Romagem dos Agravados e é sugado pelo trabalho pelos frades e pelos cobradores de renda A corte o clero o homem do povo tipos folclóricos a alcoviteira o bobo a beberrona o judeu etc são somados à figura da moça da vila Quem tem Farelós 1515 Farsa de Inês Pereira 1523 Sinal dos novos tempos elas expressam a rebeldia contra o trabalho doméstico ou a fidelidade conjugal E há a figura do soldado que no Auto da Índia 1509 parte para o Oriente com o propósito de se enriquecer Além de voltar pobre foi traído pela mulher Sobre isso comenta Luciana Stegagno Picchio em História do teatro português E a outra face do imperialismo não mais os cavaleiros da Fé montados em seus cavalos de vitoriosas espadas em riste mas a arraiamiúda para quem o Oriente é o mais das vezes negócio magro no qual se se salva a pele se perde a mulher pelo menos Este povo não fala de cruzadas e apenas diz Fomos ao rio de Meca pelejamos e roubamos Nas peças religiosas o autor coloca sempre em relevo a oposição dos dois mundos material e sobrenatural profano e divino trevas e luzes O Auto da Alma 1518 é a exemplificação mais acabada da concepção religiosa de Gil Vicente A alma que é uma entidade é tentada pelo demônio O pecado é representado por braceletes espelho sapatos vestido colorido e por um tempo cronológico pois o diabo ensina a noção de dias da semana é o tempo material Há a oposição entre o mundo imaterial e intemporal da alma e o mundo material e temporal do demônio A alma é despertada por esses elementos do mundo material mas não consegue ser seduzida pelo demônio porque o Anjo a socorre A ordem se restabelece a entidade divina permanece dissociada do mundo material e da luxúria transcende o tempo cronológico porque ao plano divino está ligada a intemporalidade O teatro de Gil Vicente era representado na corte numa época em que o Renascimento já se fazia presente Mas o teatro vicentino difere do teatro renascentista As peças de Gil Vicente apresentam uma sucessão de pequenos quadros Tudo acontece sem que o autor observe o tempo e o espaço No teatro renascentista desenvolvido por autores seus contemporâneos Sá de Miranda o tempo histórico está associado ao tempo dramático segundo as leis clássicas da verossimilhança Mas o teatro vicentino prenuncia o renascentista como o quadro abaixo exemplificará Teatro Vicentino Características medievais Características renascentistas 1 Emprego de alegorias e símbolos 1 Atitude crítica perante o drama social e religioso da época Teatro Vicentino Cont Características medievais Características renascentistas 2 Temas espirituais bíblicos com alusões à vida eterna 2 Humanismo religioso condenando a perseguição aos judeus e cristãosnovos 3 Personagens populares com seus hábitos e linguagem 3 Emprego de figuras mitológicas 4 Personagens sobrenaturais e figuras alegóricas 5 Inclusão de cantigas e danças populares 6 Verso usado redondilha maior 7 sílabas Sugestões para leitura Em As relações de dependência Portugal na Europa do seu tempo História sócioeconômica medieval comparada Lisboa Seara Nova 1977 p 185329 de Armando CASTRO encontrase um estudo em que são estabelecidas as relações de subordinação entre os indivíduos e grupos da sociedade portuguesa medieval Além dessas relações sociais de dependência em O Romantismo da cavalaria cortesã História social da literatura e da arte São Paulo Ed Mestre Jou 1972 v1 p 269312 de Arnould HAUSER encontrase uma análise de caráter sóciocultural do amor cortês e da mulher esta como elemento dinamizador da cultura Há ainda o estudo comparativo entre poesia cavaleiresca do amor espiritualizando e a novela de cavalaria do amor sensual e erótico para concluir que houve uma inversão das relações amorosas o que implica em novo culto do amor Em Das origens a Fernão Lopes História da literatura portuguesa 5 ed Porto Porto Ed sd p 3096 de Antônio José SARAIVA e Óscar LOPES encontrase um estudo social das instituições de cultura do ambiente cultural da Europa e das produções literárias iniciais de Portugal Em Gil Vicente História do teatro português Lisboa Portugália Ed 1964 p 3986 de Luciana Stegagno PICCHIO encontrase um estudo do homem e da obra vicentina mostrando através de textos todo o contexto sóciocultural em que viveu o autor justificando assim sua postura satírica em relação à época Síntese Período Medieval 1 Primeira fase 1189 ou 11981434 Origem e formação de Portugal Portugal e estrutura social feudalismo Jograis trovadores cancioneiros da literatura oral à escrita Cantigas de Amigo Cantigas de Amor Cantigas Satíricas tensão de briga Prosa Medieval crônicas livros de linhagens 2 Características Predomínio da literatura oral Cantares de amigo associados ao canto e à dança impregnação do realismo da vida campesina sensualidade queixume euforia amor popular e amor burguês Cantares de amor e o amor cortês vassalagem amorosa impregnação do idealismo coita de amor e idealização da mulher origem provençal Cantares satíricos escárnio maldizer seguir e tensão de briga Prosa medieval novelas de cavalaria biografias crônicas livros de linhagem o heroísmo de influência religiosa e feudal 3 Principais autores Paio Soares de Taveirós D Dinis Trovadores Martim Codax Aires Nunes João Garcia de Guilhade 4 Segunda fase 14341527 Portugal e estrutura social do feudalismo aos mercadores Humanismo Fernão Lopes e seus sucessores Gomes Eanes de AZurara Vasco Fernandes de Lucena Rui de Pina Poesia humanista Cancioneiro Geral de Garcia de Resende Teatro português das origens a Gil Vicente 5 Características Divulgação dos mestres da Antiguidade grecolatina Incentivo às Universidades e laicização da cultura Culto do Homem Crônicas e histórias voltadas para a coletividade Poesia palaciana Teatro popular 6 Principais autores Fernão Lopes Características Cronista realista Técnica literária da narrativa Criador de perfis psicológicos Pintor de cenas e paisagens Povo como agente da história Gil Vicente Características Teatro popular Sátira à sociedade portuguesa Visão religiosa medieval moralizadora 2 Renascimento 15271580 Vê que aqueles que devem à pobreza Amor divino e ao povo caridade Amam somente mandos e riqueza Simulando justiça e integridade Da feia tirania e de aspereza Fazem direito e vá severidade Leis em favor do rei se estabelecem As em favor do povo só perecem CAMÕES Os Lusíadas Portugal do século XVI apresenta uma fisionomia especial e dupla é um país renovado que conserva a estrutura econômica medieval Os descobrimentos que apresentaram novas paisagens novos valores costumes faunas etc alargam o conhecimento do mundo e do homem Para se chegar aos descobrimentos foi necessário saber a ciência da navegação que surgiu da prática de navegar Sua origem está portanto na figura do navegador dos colonos ultramarinos e viajantes Mas a descoberta de outros mundos contribuíram para o avanço das ciências aperfeiçoouse a navegação a astronomia a matemática e a própria medicina No reinado de D João III 15211557 há a reforma da Universidade 1537 é a experiência levando a escola a se adaptar aos novos tempos Em 1547 foi fundado o Colégio das Artes em Coimbra Para dirigilo e organizálo são chamados da França mestres e pedagogos que a exemplo de André de Gouveia 14971548 pedagogio português que vivia na França professam concepções e ideologias inconformistas Ensinavase além do latim o grego o hebraico a matemática a lógica e a filosofia com clara influência do racionalismo aristotélico Opõemse claramente à teologia medieval Com a morte de Gouveia o Colégio das Artes entra em crise sofre a ação da Inquisição Professores são presos outros condenados e alguns afastados da cátedra E em 1555 o Colégio das Artes estava por fim nas mãos da Companhia de Jesus transformado em centro de formação teológica Evidentemente os avanços e recuos culturais processados na corte de D João III revelam o ambiente político e econômico de seu reinado as forças novas representadas pela burguesia mercante que compreende uma nova visão de mundo fundamentada na experiência opõemse à tradicional e religiosa nobreza ideologicamente conservadora A nível econômico Portugal não tinha capital suficiente para suportar os investimentos em suas colônias Era um grande império sem condições de sustentálo e não podia concorrer com os países protestantes Endividado com esses países com empréstimos sucessivos empregava o lucro obtido com o comércio em pagamento de juros No mar o trabalho português era ameaçado e dificultado por piratas e corsários não raras vezes financiado por reis estrangeiros E também nessa crise o governo recua sentindose ameaçado pelas idéias reformistas dos protestantes que ameaçavam a tradição católica Nesse contexto contraditoriamente a arte era estimulada na corte ao mesmo tempo que o ambiente cultural era invadido pela atuação da Inquisição Jesuítas Inquisição e Coroa estavam fortemente unidos contra a heresia o fermento cultural e qualquer desobediência ao Concílio de Trento 15451563 que reafirmou os dogmas católicos e o purismo do Evangelho A direção da cultura pela Igreja e pelo Estado não se efetuou apenas sobre as universidades e colégios A censura organizada se estabeleceu com a Inquisição 1540 apesar de desde a década de 1520 haver uma vaga supervisão régia sobre a imprensa A partir de 1540 o Santo Ofício visita livrarias e casas à procura de livros heréticos que falassem sobre coisas lascivas e desonestas Gil Vicente Camões Sá de Miranda Antonio Ferreira Bernardino Ribeiro entre outros foram considerados agentes contra a Fé e os costumes A Inquisição a censura e a ação dos jesuítas fizeram afrouxar escritores e editores impedindo Portugal de acompanhar ao mesmo ritmo o desenvolvimento científico e cultural da Europa Como resultado desse momento de contrarenovação e de crise assistimos ao ressurgimento da teologia Esses fatores de renovação e recuo revelam que as novas idéias convivem com as outras de origem medieval Nesse clima o Renascimento português teve peculiaridades próprias 21 O Renascimento A Época Clássica abrange os séculos XVI XVII e XVIII isto é os períodos do Renascimento Barroco e Arcadismo O Renascimento consistiu numa concepção de arte baseada na identidade e imitação dos clássicos gregos e latinos Essa identidade não surge do nada O Renascimento evolução natural do Humanismo é nas artes o reflexo das transformações sucedidas no Ocidente No final da Idade Média a vida econômica e social se emancipou da prisão eclesiástica e feudal principalmente na Itália Como vimos em séculos anteriores já apreciam a Dante 12651321 e Petrarca 13041374 que prenunciam respectivamente a glorificação das paixões terrenas e a adoração à cultura romana A emancipação do velho sistema implicou a descoberta de um novo mundo e de um novo homem E a arte se volta para a realidade mais imediata As idéias acerca da eternidade salvação e redenção passam a ser secundárias A certeza de que o ser humano constitui a força racional dominadora e transformadora do universo leva as pessoas cultas da época a se identificarem com a cultura clássica pelo próprio relevo que era atribuído ao homem e à vida terrena Os deuses gregos representativos da figura humana passam a ser a simbologia que substitui nas artes a instituição da Igreja O racionalismo acaba por ser uma decorrência natural o mundo o homem e a vida são vistos sob o prisma da razão Não é o fim da emoção mas a procura de uma expressão impessoal comum ao contexto em que o homem ganha um sentido universal O renascentista procura entender a harmonia do universo e para participar dela é necessário utilizar a razão e a inteligência A noção de Beleza Bem e Verdade está associada ao equilíbrio entre emoção e razão A nova cultura e a nova expressão artística surgiram na Itália porque foi nesse país que primeiramente se organizou uma nova vida econômica a partir dos mercadores de Veneza nele se aperfeiçoou o sistema de livre concorrência dele surgiu o primeiro sistema bancário a emancipação da burguesia urbana e porque o contato diário com as lembranças do mundo clássico criaram um clima propício para retomar a tradição cultural E o desenvolvimento da arte se torna parte desse processo de racionalização da vida e dos costumes Esse processo de legitimar a razão interfere na forma da arte era preciso obedecer às regras estabelecidas como verdadeiras Essas regras eram as fórmulas empregadas pelos antigos Esse novo ideal artístico chega a Portugal e tem como marco histórico a volta de Sá de Miranda da Itália em 1527 O contexto histórico do Renascimento português apresentou elementos desencorajantes mas não impediu o surgimento de grandes obras literárias Entretanto seus autores os que escreveram até 1570 revelam um claro contraste ao otimismo proveniente das conquistas sucede o desencanto Em Portugal além da consciência do homem enquanto ser universal há também a consciência de nação as grandes descobertas vêm acrescentar à visão de grandeza material Nessa euforia é o luxo que sobressai na corte Lisboa transformase em grande centro comercial Mas o verdadeiro escritor como Camões sentese profundamente desiludido em face de tantas contradições É a concorrência entre o desenvolvimento das capacidades humanas e a selvagem lei da competição Há em Portugal nesse período renascentista um primeiro momento de entusiasmo e depois o desencanto que expressa o germe da decadência O país que viveu a euforia dos descobrimentos e que levou a Europa a novas rotas presenc ia o seu desmoronamento Depois de D João III sucedem D Catarina e D Sebastião que morto na batalha de Alcácer Quibir 1578 vem caracterizar o domínio do império português pela Espanha domínio que dura até 1640 O Renascimento português caracterizouse por esse contexto histórico 22 A poesia renascentista Muitos dos poetas renascentistas haviam contribuído no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende 1516 Ai introduziram alguns modelos formais de origem clássica Francisco de Sá de Miranda Coimbra 14811558 foi formado em Leis pela Universidade de Lisboa Depois de passar seis anos na Itália ao regressar 1527 começou a poetar à maneira renascentista introduzindo o decassílabo heróico verso de dez sílabas com a acentuação realçada na 6ª e 10ª sílabas o terceto a oitava rima estrofe de 8 versos com as rimas abababcc que foi utilizada por Camões em Os Lusíadas o soneto Dante e principalmente Petrarca divulgaram essa forma fixa dois quartetos e dois tercetos a canção composta de introdução texto e finda a introdução era às vezes de caráter geográfico e na finda o poeta personifica o poema comentandoo ou dedicando a alguém e a carta embora tenha cultivado esse gênero em redondilha maior Sá de Miranda introduziu a medida nova que é a técnica de versejar à maneira clássica sem deixar de cultivar a medida velha que é a antiga redondilha maior ou menor usada pelos trovadores galegoportugueses Além disso Sá de Miranda cultivou pela primeira vez em Portugal a comédia clássica em prosa Os Estrangeiros 1526 e Os Vilhalpandos 1538 Sob a influência dos latinos Plauto 250184 aC e Terêncio 194159 aC e dos italianos Ariosto 14741533 Maquiavel 14691527 e Bibiena 14701520 essas comédias apresentam temas extraídos da vida particular Esse e mais outros poetas representam o lirismo renascentista se bem que todos acabaram por ocupar um segundo plano frente à genialidade de Camões Bernardim Ribeiro antes de 1536 poeta que compartilha com Sá de Miranda a glória de introduzir em Portugal a égloga poesia de tema bucólico desenvolvida por Virgílio no século I aC e difundida por Dante no século XVII Além de poeta Bernardim Ribeiro escreveu Menina e moça novela sentimental oposta à novela de cavalaria porque não há o predomínio da ação em que o autor analisa a alma humana dominada pelo amor Antônio Ferreira 15281569 autor de sonetos insertos nos Poemas lusitanos 1598 também foi doutrinador do Classicismo Sua obra mais famosa é o A Castro de 1587 baseada no caso amoroso de Inês de Castro e D Pedro I Tratase de uma tragédia escrita em versos à maneira grega cabendo ao autor a glória de haver introduzido em Portugal a tragédia em língua portuguesa 23 Luís Vaz de Camões Oriundo de uma família fidgalga mas empobrecida parece ter nascido em Lisboa em 1524 ou 1525 Talvez tenha frequentado as aulas do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra sob a proteção de um tio D Bento de Camões O certo é que sua obra revela uma sólida formação cultural escritores clássicos renascentistas cronistas portugueses obras de cosmografia de filosofia tudo está nitidamente expresso na sua obra Em 1545 regressa a Lisboa centro comercial lugar de boêmias de vida intensa Teria sido frequentador dos serões do Paço Real mas certamente foi frequentador das ruas onde se envolveu com brigas e prostitutas À formação no Mosteiro de Santa Cruz associa uma vida fundamentada na experiência tumultuada e aventuresca À semelhança de muitos fidalgos empobrecidos inscrevese em 1550 para ir à Índia Não chegou a partir e continuou a morar em Lisboa no bairro da Mouraria até que é obrigado a partir em 1552 envolvese numa desordem e fere um oficial do Paço Preso D João o perdoa em 1553 estranho perdão pois o poeta tem de pagar 4 000 réis de multa O perdão está fundamentado em dois motivos não ter deixado o oficial com deformidade e por ser Camões um mancebo pobre que tencionava ir para a Índia Pouco depois de libertado parte para a Índia a serviço de Portugal Suas experiências não diminuem na ida perto do cabo da Boa Esperança sofre uma grande tempestade em 1553 chega a Goa e dois anos depois parte para o Cruzeiro de Meca para guerrear contra naus turcas Saindo de Goa as naus portuguesas foram ancorar no Monte Félix sobre o qual o escritor escreveu Junto de um seco fero e estéril monte Inútil e despido calvo informe Da natureza em tudo aborrecido Onde nem ave voa ou fera dorme Nem río claro corre ou ferve fonte Nem verde ramo faz doce ruído Cujo nome do vulgo introduzido É Félix por antífrase infelice De volta a Goa em 1556 representou a peça Auto de Filodemo na ocasião em que D Francisco Barreto assumia o cargo de governador da Índia Um ano depois foi nomeado provedormor dos bens de defuntos e ausentes em Macau na China Acusado de prevaricador no desempenho do cargo volta a Goa sob prisão Durante essa viagem inícios de 1559 o poeta naufragou junto à foz do rio Mecão salvouse a nado mas morreu a moça chinesa com quem vivia conjugalmemte a Dinamene de suas poesias Preso outra vez por dívidas não pagas depois vivendo miseravelmente em Moçambique acaba por lá reencontrando Diogo do Couto historiador renascentista que junto de outros amigos lhe oferece roupas e a passagem de regresso a Lisboa Por essa altura já preparava para impressão Os Lusíadas e compilava suas poesias líricas com o título de Parnaso que lhe foi roubado Paupérimo chega a Lisboa em 1570 Publica Os Lusíadas em 1572 e no mesmo ano D Sebastião lhe concede a tença renda anual de 15000 réis pelo trabalho feito na Índia e pelo que mostrou no livro Isso não o tira da miséria Morre em 1580 no mesmo ano em que Portugal caiu sob o domínio da Espanha O grande gênio da literatura portuguesa foi enterrado por uma companhia beneficente a Companhia dos Cortesãos Esse grande contraste foi mais um dos que envolveu a existência de Camões A experiência pessoal do poeta não está dissociada do contexto social também repleto de contradições Vivendo intensamente sua época soube perceber que no grande império português já se anunciava a sua própria decadência como prenunciou em Os Lusíadas 231 Camões lírico O poeta morreu sem ter publicado as líricas Mas as primeiras edições de sua obra começaram a ser publicadas já no século XVI Eram poesias compiladas de vários manuscritos que estavam nas mãos de colecionadores de poesias Camões é o grande autor da literatura portuguesa Sua obra reflete o tempo histórico a que pertenceu É um tempo em que desenvolvimento associase a decadência viver a morrer alegrarse a entristecerse É um tempo cujos valores se fundamentam na razão e na experiência Mas a emoção ganha força porque é individualizada e simultaneamente não individual Esses elementos antagônicos fazem de Camões um autor de características universais Portanto sua obra reflete o tempo histórico no qual viveu e um tempo sem limites cronológicos Sensível à cultura do seu tempo envolvido pela filosofia clássica definese como renascentista mas suas reflexões o tornam além do Renascimento barroco ou moderno sua poesia trata de temas atemporais Notase por isso sua influência em Gregório de Matos ou em Vinícius de Morais entre outros Escreve poesias que revelam a tradição popular dos trovadores medievais como por exemplo as redondilhas Também escreve éclogas odes exaltação entusiástica canções sextina elegias oitavas sonetos epopéia tudo sob influência clássica Essa variedade de formas nos mostra a variedade de temas Mais ainda a variedade de formas nos mostra o conflito cultural de uma época em que valores medievais se unem a valores renascentistas Um mundo fechado feudal que coexiste com o mundo aberto e móvel dos burgueses um mundo medieval cuja cultura se assenta sobre as tradições populares e o mundo renascentista cuja cultura se assenta na leitura dos clássicos somente pelos que têm acesso à cultura De uma face a tradição cristã oriunda da Idade Média de outra a descoberta do mundo de prazer O resultado disso é a mistura do cristianismo à neoplatônica concepção de vida a vida terrena é um caminho para se chegar ao mundo das idéias o Bem e a Verdade platônica se ligam à idéia de Deus No seu lirismo há uma sondagem em torno dos paradoxos interiores ao homem Há uma dramática reflexão sobre os mistérios da condição humana Oh Como se me alonga de ano em ano A peregrinação cansada minha Como se encurta e como ao fim caminha Este meu breve e vão discurso humano Vaise gastando a idade e cresce o dano Perdeseme um remédio que inda tinha Se por experiência se adivinha Qualquer grande esperança é grande engano A vida é o cárcere sem alternativas Não cuide o pensamento que pode achar na morte O que não pode achar tua longa vida O conhecimento mais profundo da realidade coloca em relevo numerosos paradoxos amor é fogo que arde sem se ver O aspecto dual das emoções e da própria vida convergem para a certeza da morte tudo é tragicamente irremediável ou para um total descrédito da vida material expressando uma visão neoplatônica o mundo terreno é constituído apenas por sombras das realidades verdadeiras que se encontram no mundo do qual descendemos É o caso de Babel e Sião Quem do vil contentamento Cá deste mundo visível Quanto ao homem for possível Passar logo o entendimento Para o mundo inteligível Ali achará alegria Em tudo perfeita e cheia De tão suave harmonia Que nem por pouca escasseia Nem por sobejã enfastia 39 Esse lugar puro representado por Camões pode ser simbolizado pela mulher aquela que diviniza o poeta que é capaz de leválo a um processo de purificação como vemos num dos mais famosos sonetos do autor Alma minha gentil que te partiste Tão cedo desta vida descontente Repousa lá no Céu eternamente E viva eu cá na terra sempre triste Se lá no assento etéreo onde subiste Memória desta vida se consente Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste E se vires que pode merecerte Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa sem remédio de perderte Roga a Deus que teus anos encurtou Que tão cedo de cá me leve a verte Quão cedo de meus olhos te levou Podemos dividir sua lírica em duas correntes a tradicional e a renascentista São características da poesia tradicional a redondilha onde os temas remontam os cancioneiros fazem lembrar as pastorelas as barcarolas e as serranilhas temas da moça que vai à fonte temas humorísticos o estilo palaciano fútil com trocadilhos e jogos de palavras e o tema neoplatônico São características da corrente renascentista que é a medida nova o amor petrarquista a mulher é idealizada expressa as contradições causadas pelo amor por meio de antíteses na ausência da mulher amada sua imagem ideal mais se ativa a natureza se transforma mediante o estado interior do poeta Mas há em Camões a união do petrarquismo ao sensual em Transformase o amador na cousa amada a posse abstrata e imaterial não satisfaz o poeta Por isso o amor puro e vivo necessita concretizarse Também há a expressão autobiográfica fala em Dinamene a chinesa que amou nos seus erros erros meus má fortuna amor ardente as injustas perseguições estão aludidas em toda obra o desconsolo O dia em que nasci moura e pereça Ao desconcerto do mundo ao contexto em que os maus são protegidos e os bons castigados Camões apresenta as seguintes alternativas aurea mediocritas tranqüilidade da vida rústica e a resignação perante os desígnios de Deus incompreensíveis para o nosso entendimento É na corrente renascentista que Camões explora o tema da efemeridade das emoções e da vida Mudamse os tempos mudamse as vontades Mudase o ser mudase a confiança Nas composições de medida nova soneto canções odes éclogas sextina oitavas elegias há evidente predomínio das antíteses e paradoxos hipérboles anáforas e outras figuras poéticas que implicam maior trabalho formal Seja na corrente tradicional ou renascentista o certo é que a obra camoniana apresenta uma variedade de visões sobre o desconcerto do mundo As idéias contrárias provenientes de uma formação renascentista e da cultura medieval fundamentam sua obra lírica As contradições são expressões dum mundo em desalinho que através do tempo ganhará relevo como aconteceu na literatura barroca no século XVII E Camões não apenas o reflete como também antevê esse mundo à medida que coloca em destaque no uso abundante de paradoxos e antíteses a nãoestabilidade e a nãoharmonia existentes no universo dos seres e das coisas O universo fixo estável e harmônico está desconcertado nas poesias líricas de Camões Poesia que não reflete o entusiasmo momentâneo nem o instante aparentemente farto em riquezas A lírica camoniana exprime tensões fundamentais concepções de amor e mulher neoplatônica e sensual espiritualidade e carnalidade a vida é traçada sem que o homem disso participe para a desordem do mundo a solução é o retiro bucólico eou a recordação do mundo ideal platônico As tensões os paradoxos e a visão de um mundo que se define por antíteses revelam que Camões viveu em uma época de contradições em um contexto cuja ordem é aristocrática e simultaneamente burguesa em um tempo em que a visão feudal e cristã do mundo é abalada pela visão racional e burguesa sem que uma suceda à outra mas ambas coexistem Logo as duas visões de mundo são expressões de dois grupos sociais distintos Camões as assimilou porque viveu nessa época Viveu o período em que esses grupos mais se antagonizaram A consciência desalentada de que tudo é paradoxal e nenhuma verdade terrena é absoluta advém do instante em que a experiência prova que a vida é norteada por contrastes que a morte de um mundo implica o surgimento do outro Morte e Vida Eternidade e Efemeridade etc Autor que apresenta o complexo de contradições acaba por mergulhar nos paradoxos do homem medieval renascentista ou moderno afinal o homem de hoje é o resultado ampliado das expectativas e aflições dúvidas e incertezas daquele que viveu na infância da história burguesa Dizer que Camões fala para um público do século XX é confirmar a sua grandiosidade de artista porque soube poetar sobre uma temática que expressa as indefinições da própria burguesia 4041 Homero séc IX aC foi quem introduziu esse tipo de poesia autor de Ilíada que narra a desavença entre os chefes gregos Agamenon e Aquiles e de Odisséia que narra as peripécias de Ulisses Os romanos herdeiros da cultura grega seguem a trilha de Homero Virgílio séc I aC escreve Eneida que narra a destruição de Tróia e a fuga de Enéias para a Itália Durante a Idade Média surgiram obras épicas sob a influência da cultura romana na França Canção de Rolando séc XII na Espanha Poema del Cid XII e na Itália A divina comédia séc XIV de Dante Alighieri Com o Renascimento a redescoberta do mundo grecolatino estimula a criação de epopeias nacionais na Itália Boiardo 14411494 escreve Orlando enamorado que apresenta o herói Orlando que se enamora de Angélica princesa infiel que procura a discórdia entre os cavaleiros cristãos Ariosto 14741533 escreve Orlando furioso que continua a narrativa de Boiardo apresentando a fúria do herói Orlando porque Angélica apaixonase por outro Mas o tema central é a luta entre cristãos e mouros sendo esses os derrotados Torquato Tasso 15441595 escreve Jerusalém libertada epopeia de menor importância cujo tema é a libertação de Jerusalém pelos cruzados de Godofredo de Bouillon Em Portugal Camões escreve Os Lusíadas O autor se utiliza da viagem de Vasco da Gama para contar a história de Portugal desde sua formação Do lirismo universalizante agora é o poeta do assunto coletivo É o cantor dos portugueses ou dos lusíadas que são os descendentes de Luso companheiro do deus Baco A exaltação à história de Portugal implica cantar a expansão marítima e as decorrentes conquistas Os antecedentes dessa expansão são entusiasticamente apresentados Mas são os descobrimentos que propiciam o canto e a imortalização dos heróis porque com eles surgiu um novo reino Portugal foi o desbravador do caminho marítimo e sua contribuição para o desenvolvimento comercial do mundo implicou o golpe definitivo contra as forças do feudalismo se bem que na terra portuguesa não chegou a ser um golpe definitivo Os novos horizontes os obstáculos enfrentados os novos povos e culturas diferentes são conquistas do povo português O expansionismo português se concretizou pela ação colonialista Mas é inegável que aos descobrimentos estava ligada uma visão de mundo fundamentada na ânsia de liberdade A possibilidade de locomoção de viagens e de comércio significava para o homem a liberdade desconhecida no mundo medieval Os homens dessa época acreditavam que por esse caminho a sociedade seria mais justa porque o referencial significativo de injustiça estava ligado ao mundo feudal Aliás Camões é um renascentista e esse período cultural está ligado estreitamente às descobertas O autor enaltece os feitos nacionais porque foram os lusitanos os desbravadores Portugal das grandes descobertas foi consequência de sua primeira revolução popular 1383 com D João o Mestre de Avis As noções de tomada e conquista não se associam à façanha da nobreza feudal cavaleiresca e sim a um empreendimento da burguesia comercial representante das idéias antifeudais Portanto cantar as descobertas é cantar suas origens e elas estão ligadas a um mundo que se transforma subvertendo a ordem feudal Cantar as descobertas não é cantar a cruí expansão mercantilista que assim se caracterizou depois mas cantar o homem agente da história e transformador do universo Mas Camões não só cantou a história que antecede as descobertas e as próprias descobertas no episódio do Velho do Restelo canto IV ele critica e lamenta na hora da partida da armada de Vasco da Gama a aventura marítima Ó gloria de mandar ó vá cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama Ó fraudulento gosto que se atiça Cúa aura popular que honra se chama Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama Que mortes que perigos que tormentas Que crueldades neles experimentas Dura inquietação dalma e da vida Fonte de desamparos e adultérios Sagaz consumidora conhecida De fazendas de reinos e de impérios Chamamte ilustre chamamte subida Sendo dina de infames Vitupérios Chamamte Fama e Glória soberana Nomes com quem se o povo néscio engana Estâncias 9596 Nessa recriminação Camões procura evidenciar o contraste entre o desenvolvimento de uma política de navegação e a triste condição do povo que vivendo de uma economia de base agrária fica à mercê dos grandes feitos E além disso já existe para o autor a perspectiva de que a conquista está associada à formação do império colonial Essa perspectiva não é predominante na obra mas é índice da capacidade camoniana de antever as conseqüências das descobertas Porém essa atitude crítica original em poema épico pelo seu caráter de exaltação não é única O poeta soube perceber a decadência de Portugal Não mais Musa não mais que a Lira tenho Destemperada e a voz enrugquecida E não do canto mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida O favor com que mais se acende o engenho Não no dá a pátria não que está metida No gosto da cobiça e na rudeza Dhúa austera apagada e vil tristeza Estância 145C X 43 233 Características do poema épico Os Lusíadas Os principais elementos da épica são a ação a personagem o maravilhoso é a forma Na épica clássica o herói é um semideus ou um ser superior Na obra Os Lusíadas há um herói individual Vasco da Gama e o herói coletivo que é o povo português Nessa inovação camoniana há um duplo aspecto o herói pode ser considerado um ser real e não mitológico e o herói português é semideus o que diferencia o lusitano dos demais homens Camões canta as armas e os barões assinalados que edificaram o novo império e atribui a eles poderes especiais como se percebe na 3ª estrofe do primeiro canto Cessem do sábio Grego e do Troiano As navegações grandes que fizeram Calese de Alexandro e de Trajano A fama das vitórias que tiveram Que eu canto o peito ilustre Lusitano A quem Neptuno e Marte obedeceram Cesse tudo o que a Musa antiga canta Que outro valor mais alto se alevanta A ação é o desenvolvimento do fato heróico Na obra há uma dupla ação histórica e uma ação mitológica a primeira ação histórica é a narração da viagem de Vasco da Gama à Índia e o seu regresso 14971499 A segunda ação histórica é a exposição da história de Portugal desde as origens do condado feita pela voz de Vasco da Gama ao rei de Melinde e feita por seu irmão Paulo da Gama ao Catual A ação mitológica compreende a luta travada entre Vênus protetora dos portugueses e Baco qe os combatia Os episódios são portanto históricos e mitológicos Os históricos se baseiam na história de Portugal Entre vários há como exemplo a Batalha de Ourique canto III a Batalha de Aljubarrota canto IV etc Os episódios mitológicos se baseiam na mitologia pagã como exemplos o Concílio dos deuses no Olimpo canto I ou quando Vênus pede a Júpiter proteção para os portugueses canto II etc Mas há outros tipos de episódios os líricos episódio de Inês de Castro canto III episódio do Velho do Restelo canto IV em que Camões expressa sua emoção mais particular enaltece a histórica Inês de Castro a do amor ilícito e observar que a colocação desse episódio significa eternizar historicamente um caso de amor abominado ou enaltece o velho que é contra a política de expansão Camões mais uma vez contraria as epopeias clássicas nelas o episódio lírico é obra do herói Nos Lusíadas os episódios líricos são obras das personagens secundárias Mas se os heróis são Vasco da Gama e o povo português as personagens secundárias têm de ganhar relevo pois são o povo Há os episódios simbólicos que contêm um significado simbólico o sonho de D Manuel canto IV que é símbolo da política de expansão o Velho do Restelo canto IV que é símbolo da política agrária o Gigante Adamastor canto V que é símbolo da força da natureza e dos perigos que ela opõe ao trabalho do homem os Doze da Inglaterra canto VI símbolo do cavaleirismo medieval português a Ilha dos Amores canto IXX símbolo das honras e prêmio a que os heróis têm direito etc Há os episódios naturalistas que são os que apresentam fenômenos naturais Entre vários exemplos há a tempestade canto VI Segundo as regras clássicas a ação deve ter as seguintes qualidades unidade a ação deve ter harmonia variedade a ação deve ser diversificada conter episódios que dinamizem a obra verdade ação baseada em assunto histórico apesar de poder ter mitologia integridade ação com começo meio e fim Os Lusíadas têm essas qualidades bem como a estrutura da obra está harmoniosamente dividida em quatro partes a proposição parte em que o poeta expõe o assunto de que vai tratar cantar armas e barões invocação parte em que roga aos entes sobrehumanos inspiração para escrever o poema invoca a Tágides dedicatória parte em que o poeta dedica o poema a alguma personagem a D Sebastião narração que é o desenvolvimento da narrativa No nível formal Os Lusíadas estão divididos em 10 cantos cada um com número variável de estrofes As estrofes são oitavas com versos decassílabos heróicos acentuação nas 6a e 10a sílabas e sáficos acentuação nas 4a 8a e 10a sílabas A rima obedece ao seguinte esquema abababbc Para escrever a obra Camões utilizouse de várias fontes históricas de cronistas portugueses como Fernão Lopes e também de fontes literárias Eneida de Virgílio e mesmo a Inês de Castro trovas de Garcia de Resende poeta e compilador do Cancioneiro Geral de 1516 Auto de Filodemo representado na Índia escrito em português e castelhano em prosa e em redondilha maior O tema dos casamentos de condição social diferente será muito explorado no século XIX pelo Romantismo Todo teatro do século XVI está caracterizado pelas duas influências que marcam Camões A chamada escola vicentina que envolve vários escritores de temática e forma populares convive com o teatro renascentista Representando essa corrente temos Antônio Ferreira 15281569 com Castro tragédia sobre Inês de Castro Jorge Ferreira de Vasconcelos 15151585 com as comédias Eufrosina proibida pelo Index inquisitorial em 1581 trata da oposição entre amor petrarquista e sensual Ulíssimo 1547 tratase de uma crítica à burguesia lisboeta do século XVI e Aulegrafia que significa descrição da corte escrita entre 15481554 Historiografia No século XVI a historiografia revela também duas tendências que caracterizam bem o contexto social dividido entre os valores culturais da Idade Média e do Renascimento Gaspar Correia 14951561 autor de Lendas da Índia narra a história da Índia desde 1498 até 1550 Tem um conceito de história muito semelhante ao de Fernão Lopes reconstituição da verdade dos fatos Fiel a esse conceito denuncia roubos mortes adultérios etc Os acontecimentos são dispostos em ordem cronológica e enriquecidos por anedotas aventuras romanescas outros costumes hábitos e superstições do oriente Fernão Lopes de Castanheda 15001559 autor de História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses 15511561 em 10 livros Faltoulhe o alvará régio para impressão do 9o e 10o livros e estes acabaram por desaparecer Sob influência de Fernão Lopes entende que é preciso reconstituir os acontecimentos sem deturpação Como Camões também refletiu o período das descobertas e entendeu que os feitos históricos dos portugueses eram superiores aos dos povos da Antiguidade João de Barros 14961570 autor de Panegíricos de D João III 1533 e da Infanta D Maria 1555 de as Décadas da Ásia Década I 1552 narra os sucessos históricos desde o início dos descobrimentos promovidos pelo Infante D Henrique Década II 1553 Década III 1563 Década IV publicada só em 1615 Mais comprometido com uma concepção apologética entendia que o historiador devia cultuar a verdade mas poderia ocultar o que não fosse dignificante João de Barros acreditava nas funções formadora e utilitária da história os governantes deviam aprender com ela a evitar os erros passados e a prever o futuro enfim a governar melhor Opondose a isso Damião de Góis 15021574 autor de Crônica do felicíssimo rei D Manuel 15601567 e da Crônica do príncipe D João 1567 com uma concepção científica e crítica da história procura reconstituir os acontecimentos e também criticar as personalidades que neles intervieram Seguindo essa linha está Diogo do Couto 15421616 que continuou as Décadas de João de Barros escrevendo desde 4a à 12a Além da historiografia houve em Portugal narrativas de viagens e de naufrágios literatura muito interessante como documento da face oculta das descobertas Fernão Mendes Pinto 15091583 em Peregrinação não só apresenta o exotismo do Oriente costumes justiça comércio etc como satiriza o contraste entre o modo como os portugueses teorizam o cristianismo e as ações que pratica Sua obra nos mostra uma concepção anticlássica do homem o herói é o antiherói que tem mais medo que coragem Na História trágicomarítima narrativas de vários autores compilada por Bernardo Gomes de Brito 16881760 temos uma série de motivos que levaram a sucessivos naufrágios no século XVI como por exemplo o uso de madeiras impróprias para embarcações ambição de oficiais para terem a glória de chegar primeiro e ter promoções afastavam suas naus de outras ignorância de pilotos ataques de corsários etc 24 Novelas de Cavalaria A Crônica do imperador Clarimundo 1520 de autoria de João de Barros apresenta a vida aventureosa desse Imperador herdeiro do trono da Hungria e de Constantinopla avô do conde D Henrique Ao percorrer o mundo passa pelo território que mais tarde será Portugal As façanhas heróicas de seus descendentes desde D Afonso Henriques até às navegações e conquistas na África e Oriente são profetizadas A novela de cavalaria se nacionaliza os heróis são portugueses porque o século XVI apresenta farto material Mas o gênero literário de origem medieval vem nos confirmar mais uma vez que o Renascimento apresenta uma face dupla porque reúne as características da cultura medieval e da cultura clássica é o mundo da ordem feudal e o mundo da ordem burguesa coexistindo e provocando uma estrutura de pensamento paradoxal e contrastante Assim se processou o Renascimento português Sugestões para leitura Em Os Lusíadas e o Ideal Renascentista da Epopéia Comentários em torno de um pseudoproblema Para a história da cultura em Portugal Lisboa Publicações EuropaAmérica 1961 v I p 83132 de Antônio José Saraiva encontrase uma leitura da épica camoniana em que fatos e episódios históricos são comentados e esclarecidos bem como o autor analisa a técnica de composição utilizada pelo poeta épico O Renascimento português em busca de sua especificidade Lisboa Imprensa NacionalCasa da Moeda 1980 de Joaquim Barradas de Carvalho é um breve estudo sobre o Renascimento português que trata de diferenciar Humanismo de Renascimento bem como de caracterizar a produção literária em relação com o contexto das descobertas Síntese Renascimento 1 Portugal e a convivência feudalismo e mercantilismo 2 As grandes descobertas e o Renascimento Cultural Sá de Miranda marco de uma nova forma literária 3 Características do movimento Imitação dos clássicos gregos e latinos Racionalismo Antropocentrismo Neoplatonismo 4 Principais autores Sá de Miranda introdutor do movimento Bernardim Ribeiro poeta e novelista Antônio Ferreira poeta e dramaturgo Luís Vaz de Camões Lírico Épico Características Dramaturgo renascentista Prenunciador do Barroco Escritor mais representativo 5 Prosa historiográfica Gaspar Correia Fernão Lopes de Castanheda João de Barros Damião de Góis e outros 6 Novela de Cavalaria João de Barros nacionalização da novela de cavalaria 3 Barroco 15801756 Não são só ladrões diz o Santo os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos ou o governo das províncias ou a administração das cidades os quais já com manha já com força roubam e despojam os povos Os outros ladrões roubam um homem estes roubam cidades e reinos os outros furtam debaixo do seu risco estes sem temor nem perigo os outros se furtam são enforcados estes furtam e enforcam Padre VIEIRA Sermão do Bom Ladrão 31 Panorama histórico Desde o passado mais remoto sempre houve a tentativa de unificação da Península Ibérica Até o século XV Castela se preocupou com essa união sob a sua direta suserania No final da Idade Média esse ideal se dificultou os países tiveram seus dialetos locais transformados em línguas os padrões culturais revelamse suscetíveis a influências estrangeiras que extrapolam os limites ibéricos os interesses econômicos seccionam áreas bem definidas separando ainda mais os países ibéricos Mas o sonho de unificação não se perdeu Não se trata da ingênua visão de que ansiavam um ideal de pátria comum O constante fortalecimento da autoridade e a força exibidos por monarcas poderosos como por exemplo os reis da França da Inglaterra ou o imperador da Alemanha contrastavam com os senhores de Castela Aragão e Portugal No século XVI os laços de dinastias entre famílias reais portuguesas e espanholas se dão com muita insistência D Manuel por exemplo casou sucessivamente com três princesas espanholas D João III com D Catarina a irmã de D Carlos I de Espanha etc A união da península não era apenas um sonho limitado ao palácio real era um ideal possível tendose em vista que a partir da 2ª metade do século XVI o império português e sua organização econômica formavam um complemento do império espanhol o tráfico com a Índia e Oriente absorvia grande quantidade de prata que a Europa já não conseguia fornecer e a Espanha supria com as minas e tesouros mexicanos e peruanos Assim Portugal passa a depender da produção espanhola As relações econômicas iamse tornando cada vez mais interdependentes Mercadores e capitalistas espanhóis controlavam parte do tráfico português e tinham papel importante nos negócios com a Coroa Comerciantes e navios portugueses serviam de intermediários entre Espanha e outras regiões da Europa Nessas atividades cada vez mais ligadas Portugal e Espanha passam a ter inimigos comuns mouros e turcos pirataria franceses ingleses e holandeses Culturalmente esse ideal de unificação seria o final de um processo antigo de castelhanizar Portugal A corte real portuguesa sempre fora o centro de produções culturais Mas a partir do reinado de D Manuel casado tantas vezes com espanholas as atividades são bilíngües como foi visto com Gil Vicente e o próprio Camões Cada vez mais há um número maior de estudantes portugueses em universidades espanholas e professores espanhóis em Portugal Nessas interrelações dinásticas e econômicas a cultura também se faz a nível de interinfluências numerosas traduções de autores portugueses são conhecidas na Espanha diversos autores espanhóis são igualmente bilíngües e escreviam em português É nesse contexto que D Sebastião 15541578 filho de D João e Joana irmã de Filipe II rei da Espanha tornase o herdeiro do trono Pela tenra idade tornamse necessárias as regências de D Catarina sua avó e depois do tioavô D Henrique cardeal arcebispo de Lisboa e inquisidormor Nas regências e no governo de D Sebastião o país viveu o fortalecimento do espírito religioso à medida que recrudescia a ação da Inquisição D Sebastião aos 14 anos de idade tomou conta do governo Doente mental e físico preocupouse com os ideais de conquista e expansão da fé Marrocos era o objetivo primeiro Em 1578 com exército fraco e desorganizado D Sebastião invade o território marroquino e é esmagado em Alcácer Quibir Morto o rei e com ele a elite aristocrática Portugal fica mais endividado a aventura foi dispendiosa e tem no cardeal D Henrique o parente mais próximo para assumir o trono Velho morre logo em seguida Filipe II contando com o exército português fraco e esmagado pela aventura em Marrocos e com a fama de ser bom administrador com a promessa de conservar a soberania portuguesa tem o apoio da nobreza e do clero que temiam que o poder caísse nas mãos de D Antonio filho varão dos filhos de D Manuel Para a burguesia a união ibérica traria o fortalecimento do sistema financeiro a abertura de novos mercados e a supressão de obstáculos alfandegários De 1580 a 1640 Portugal esteve sob o domínio espanhol Com os outros Filipes III e IV a política de Madri tendia a centralizar a administração e pouco a pouco Portugal e outras unidades políticas como Aragão Catalunha etc que formavam a monarquia espanhola perdem a autonomia Com medidas impopulares impostos aumentados Casa da Índia e finanças portuguesas fiscalizadas o governo espanhol tornase odiado A união com a Espanha fiel perseguidora dos protestantes fez com que a Holanda e Inglaterra se voltassem contra Portugal os holandeses sucessivamente iam chegando à Índia Ceilão Pernambuco É nesse ambiente histórico que se desenvolve o sebastianismo crença no retorno de D Sebastião que recuperaria o trono A crença no seu retorno associada à necessidade de mudanças políticas evolui para o patriotismo e isso implica na oposição à união ibérica Sob o ponto de vista econômico a situação portuguesa estava pior Navios holandeses e ingleses chegavam à Europa com especiarias ouro africano e vários outros produtos Os ataques estrangeiros ao Brasil às Índias Ocidentais à costa ocidental africana e às rotas de navegação diminuíram o tráfico de escravos açúcar e tabaco A Espanha igualmente atravessava uma crise porque a produção de prata das suas colônias diminuíra Colonos espanhóis e a Inquisição perseguiam os portugueses com a desculpa de judaísmo porque esses ameaçavam o império castelhano à medida que se iam estabelecendo no México Peru e La Plata Em 1640 aristocratas conspiram e o Duque de Bragança foi aclamado D João IV Proclamada a separação mas para mantêla houve 28 anos de luta Na Guerra da Restauração foi necessário mobilizar todos os esforços e grandes somas de dinheiro As colônias ultramarinas não podiam ter ajuda contra os freqüentes ataques estrangeiros Com a morte de D João IV 1656 o novo rei é Afonso VI que durante um bom tempo teve a regência da mãe por ser ele doente e menor de idade O seu reinado também foi de luta pela restauração além de ter passado por um processo escandaloso em que o papa anulou seu casamento com D Maria princesa francesa que acaba por fim ficando com D Pedro seu irmão Em 1668 pelo Tratado de Lisboa a Espanha reconheceu a independência de Portugal quando o trono estava nas mãos de D Pedro príncipe regente Esse período de conturbação política é intensificado pela presença sempre constante do Tribunal da Santa Inquisição que perseguia as idéias que se opunham aos seus dogmas e os livros que feriam seus preceitos A Igreja Católica era a grande aliada das monarquias nacionais da Espanha como fora em Portugal para compensar sua fraqueza na Europa Seu objetivo explícito era evangelizar segundo sua fé É nesse clima confuso e inseguro de lutas e atuação do Santo Ofício de domínio espanhol e independência de crise e riqueza que se desenvolveu o Barroco português E simultâneo a tudo isso no Brasil são descobertas minas de ouro 16931695 o ouro que irá para a metrópole durante quase um século para pagar as dívidas que Portugal contraíra no exterior 25 32 Barroco As épocas históricas e artísticas não são isoladas umas das outras são interpenetradas porque os sistemas de valores que as produzem não começam ou acabam de modo repentino O Renascimento colocou em pauta o Humanismo o gosto pelo que é terreno O mundo renascentista era visto de maneira nítida sem o dogmatismo religioso da Idade Média Foi o mundo em que se instalou a filosofia racionalista e a sua concepção humanista determinou a visão antropocêntrica moderna O Renascimento assumiu em cada país um aspecto próprio pois em algumas nações o espírito medieval era uma presença inegável Portugal foi um exemplo no período da renascença duas culturas opostas coexistiram A partir do século XVI a ação da ContraReforma da Companhia de Jesus e a batalha de Alcácer Quibir vêm imprimir uma contrareação a tudo que a renascença representava Sob a influência da Igreja e o inquisitorial Santo Ofício surge uma geração que tenta reencontrar a tradição cristã exprimindoa sob novas formas intelectuais e artísticas é a tentativa de retomar à imagem do homem medieval servo do poder espiritual O Barroco é a tentativa de ligar o homem ao Divino ligação rompida pelo Renascimento que entendia o homem voltado para a terra Há a redescoberta dos terrores do inferno e as ânsias de eternidade E tudo isso se opõe à visão racional do homem da renascença Esse duelo entre a tradição medieval e o espírito renascentista tão profundo na Espanha e em Portugal revela um antagonismo cada vez maior de um lado o poder absoluto dos reis e da nobreza rural e mercantil apoiado pela Igreja e de outro a burguesia o novo grupo social que sustenta o poder cujos valores técnicos científicos e políticos não se coadunam com as normas e dogmas da Igreja A linha da tradição cristã medieval não desaparecera principalmente nos países ibéricos mas é retomada com a energia religiosa e repressiva da ContraReforma Não é gratuito que a Espanha tenha sido o berço do Barroco foco de irradiação da ContraReforma foi lá que o Barroco mais se caracterizou e de lá se estendeu para o resto da Europa Miguel Ângelo na fase final Juízo Final 1541 revela a espanholização por que passava a Itália por meio dos soldados jesuíticos os instrumentos do espírito da ContraReforma O Barroco é fruto de uma época em que o conservadorismo da Igreja se intensifica como reação aos novos tempos e aos novos valores representados pela burguesia amor luxo dinheiro posição aventura descobertas invenções modernas etc Esse duelo de forças sociais e econômicas propicia o surgimento de uma literatura cujos valores também estão em duelo Mas a retomada dos valores medievais e religiosos não é capaz de apagar a evolução e as transformações históricas o homem ocidental conheceu a partir do Renascimento o alargamento espacial da terra as solicitações e atrações da vida humana uma nova visão de liberdade que se opõe à tradicional eternidade Surge inevitavelmente a tendência de conciliar as visões opostas porque em história e nas artes é impossível o simples retorno mesmo com tribunal de Inquisição não se varre simplesmente a evolução histórica Portanto é pelo dualismo que o Barroco se caracteriza as oposições as contradições e a tensão são geradas pelo espírito cristão antiterreno teocêntrico e pelo espírito renascentista racionalista mundano Por isso no espírito setecentista há uma série de antíteses espírito e carne sensualismo e misticismo religiosidade e erotismo realismo e idealismo céu e terra É a tensão proveniente de Fé e Razão da Idade Média e do Renascimento Em todas as manifestações da época hábitos e maneiras de viver e agir houve esse eixo ideológico dualista São comuns o descontentamento provocado pelo conflito homem e contexto histórico o tema da morte que procura mostrar ao homem o senso de sua miséria É o pessimismo acerca da vida terrena só minorado com a crença na vida celeste É comum o tema da penitência em que se enfatiza no mártir a dor e o prazer arrependimento e alegria vergonha e esperança Se nas idéias há a confrontação violenta de temas opostos amor e dor vida e morte juventude e velhice obscenidade e refinamento nas artes visuais há o choque de cores o exagero de relevos Do conflito entre o homem e o mundo inseguro surge um estilo que para traduzilo são necessários artifícios e figuras apropriadas antíteses paradoxos assíntetos metáforas simbolismos sensuais sinestesias hipérboles e catacreses O estilo trabalhado cultismo ou gongorismo porque Gôngora o desenvolveu com trocadilhos e as idéias rebuscadas conceptismo têm um mesmo princípio a procura de uma nova linguagem e de um novo sentido para o mundo Como diz Alfredo Bosi em História concisa da literatura brasileira o autor barroco tem estilo voltado para a alusão e não para a cópia e para a ilusão enquanto fuga da realidade convencional A ação religiosa empreendida pelo Santo Ofício ou pelos soldados jesuíticos criou uma atmosfera desencantada uma tensão entre o otimismo proveniente das conquistas burguesas e o pessimismo proveniente da impiedosa censura representada pela Igreja Católica A etimologia de barroco tem despertado numerosas controvérsias mas a origem ibérica parece ser a mais aceita barroco designa uma pérola de superfície irregular Nessa acepção barroco sintetiza e explica a arte que reúne a irregularidade os contrastes e as tensões O segundo momento da Renascença em Portugal representado por Camões já estava marcado pelo desengano pela melancolia pela certeza de que só pelas oposições e antíteses o mundo e a vida seriam passíveis de representação Logo o Barroco foi o desenvolvimento natural do Renascimento e foi também sua antítese a síntese do Renascimento e Barroco surgirá com o neoclassicismo no século XVIII Os marcos cronológicos portanto sempre funcionam para fins didáticos 1580 marca o início do Barroco porque com o domínio espanhol e a morte de Camões entramos em outro contexto histórico e cultural O ano de 1756 marca o final do período Barroco porque nesse ano foi fundada a Arcádia Lusitana com propostas ideológicas antibarrocas ou anticontrareformistas 26 33 Padre Antonio Vieira Padre Antonio Vieira Lisboa 1608 Bahia 1697 foi a grande expressão da prosa barroca Português desde os 7 anos morou na Bahia para onde veio com a família Foi no Colégio dos Jesuítas que ele estudou e aos 15 anos já ingressava na Companhia de Jesus Logo depois já recebia a incumbência de relatar os trabalhos anuais da Companhia bem como de lecionar Retórica aos noviços de Olinda Seu brilhantismo de orador já era reconhecido Para o autor o ato de pregar tinha como fim último a reafirmação dos dogmas da Igreja da redenção humana e da autoridade absoluta do papa Como bom jesuíta encarnando o espírito da Companhia de Jesus sua atividade religiosa estava conciliada com propósitos políticos A pregação de Vieira foi uma forma de luta mas uma luta fundamentada na ideologia contrareformista o sonho de uma Igreja poderosa e triunfante evidentemente aliada ao Império Português Em 1640 logo depois de ser ordenado 1634 conheceu o êxito com o Sermão Pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda sermão em ação de graças pela vitória dos portugueses contra a invasão holandesa Tirais também o Brasil aos portugueses que assim estas terras vastíssimas como as remotíssimas do Oriente as conquistaram à custa de tantas vidas e tanto sangue mais por dilatar vosso nome e vossa fé que esse era o zelo daqueles cristianíssimos reis que por amplificar e estender seu império Como se percebe para o jesuíta o combate entre as potências mercantis pelo monopólio do açúcar configurase como luta entre catolicismo e calvinismo Com a Restauração Vieira parte imediatamente para Lisboa para levar a D João IV o apoio da colônia na luta pela independência da Espanha O monarca impressionado o torna pregador da corte Mais evidentemente comprometido com o poder Vieira passa a dar cobertura aos projetos de D João IV Famoso o pregador colocase francamente a favor do poder econômico da burguesia mercantil representada pelos cristãosnovos Tentava financiar a luta pela independência portuguesa com o capital desse grupo que a Inquisição reprimia A defesa dos judeus convertidos desperta o ódio da Inquisição Encarregado de missões diplomáticas sempre atuou sem que os valores religiosos ortodoxos impedissem negociações com comunidades judaicas No seu espírito havia a crença de que era preciso reestabelecer o império português e católico sustentado pelo rei nobreza e clero Portanto apesar de fiel seguidor dos princípios jesuíticos ele acreditava que os meios justificavam os fins com o dinheiro dos judeus seria possível reestruturar o império lusitano e católico Na visão da Companhia de Jesus o autor era mais fiel ao rei que a ela e por isso ele quase foi expulso da Companhia Mas é de se observar que a ligação com a comunidade judaica e com a burguesia mercantil era uma ligação estratégica Isso não implica na desobediência à Companhia e sim na aceitação de que todos os meios são válidos para se atingir o poder religioso Inteligente ativo ao ser exilado para o Maranhão a Inquisição não o perdoou pela defesa da comunidade judaica o autor trava uma luta contra os colonos portugueses porque para a Companhia de Jesus era importante que os índios estivessem reservados a ela enquanto os colonos os queriam para resolver o problema da mãodeobra escrava Foi quando ele defensor da liberdade dos nativos propôs que negros de Angola fossem importados como escravos para os colonos como já ocorria no restante do Brasil Mas essa é apenas uma face de Vieira A outra é a sua pregação em que identifica os sofrimentos de Cristo aos dos escravos como o Sermão XIV do Rosário Em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz e em toda sua paixão A sua cruz foi composta de dois madeiros e a vossa em um engenho é de três Cristo despido e vós despidos Cristo sem comer e vós famintos Cristo em tudo maltratado e vós maltratados em tudo Ou então no mesmo sermão sobre o trabalho bruto em contraste com a ociosidade do senhor Vieira comenta Eles mandam e vós servis eles dormem e vós velais eles descansam e vós trabalhais eles gozam o fruto de vossos trabalhos e o que vós colheis deles é um trabalho sobre outro Não há trabalhos mais doces que os das vossas oficinas mas toda essa doçura para quem é Sois como as abelhas de quem disse o poeta Sic vos non vobis mellificatis apes Esse verso latino foi atribuído a Virgílio Assim vós mas não para vós fabricais o mel abelhas O espírito jesuítico da ContraReforma ligado aos valores religiosos medievais unese ao espírito mercantilista do homem moderno ele conseguiu que D João IV fundasse a Companhia Geral do Comércio do Brasil 1649 que gozava de monopólio comercial à semelhança das companhias holandesas Autêntico homem barroco vivendo visões tão opostas sua arte reflete uma cultura cujos valores estão antagonizados debatemse princípios políticoeconômicosociais da Idade Média e da Renascença burguesa Logo sua obra constitui também a estreita ligação entre o tema sacro e o político Só quando D João morre 1656 a Inquisição se sente à vontade para processálo por opiniões heréticas no livro profético Esperanças de Portugal ele previu a ressurreição de D João IV e do império universal dos jesuítas e dos portugueses Anistiado depois de D Pedro depor seu irmão D Afonso VI parte em 1669 para Roma e tenta levar a Santa Sé a agir contra a Inquisição Em 1681 regressa à Bahia onde exerceu a função de superior das missões em Maranhão e de todo Brasil 34 Características da obra de Vieira Antes de morrer aos 90 anos o autor trabalhou na compilação dos sermões 200 das cartas mais de 500 relatórios documentos de caráter político e diplomático além de fazer o ajuste final no livro de profecias Clavis Prophetarum A característica comum às produções de Vieira é a união do tema religioso à questão da política brasileira ou portuguesa ofensivo ataca tanto a Inquisição portuguesa na eterna perseguição aos judeus quanto à escravidão que se imprime à vida o indígena Desenvolve um raciocínio ambíguo realista os homens de negócio nunca foram tão ricos nem tão poderosos como hoje estão no mundo em defesa de um modelo político burguês a propriedade está no mercado e religiosoprofético prevê a conversão dos judeus em nome de Bandarra sapateiro que viveu na época de D João III e que anunciara a vinda de um rei encoberto redentor da humanidade Ou então a crença sebastianista Essa contradição aparece sob outras formas é humanitário na descrição da vida hábitos e costumes dos indígenas e no ataque aos colonos escravagistas Mas isso não impede a sugestão de importar escravos negros O sermão se desenvolve a partir de um texto bíblico ao autor cabe a função de comentar desenvolver decifrar o mistério contido no tema Esse tema é isolado do contexto Ele escolhe um fragmento que é considerado na sua particularidade Disso ele estabelece comentários desde a etimologia das palavras até os vários significados dos termos as oposições entre sinônimos e antônimos número de sílabas etc Esse trabalho formal é a procura dos mistérios contidos no texto Subjacente a esse jogo há uma perspectiva ideológica Vieira entende que há uma relação substancial entre a palavra e a coisa que ela designa Não se trata de ver a arbitrariedade do signo linguístico mas de crer que na essência das palavras está contida a essência das coisas Logo entender a essência misteriosa que há no texto decifrado é atingir o conhecimento Essa visão contrapõese à renascentista pois o conhecimento humano estava fundamentado na experiência Para o autor palavras frases carregam essências misteriosas como os homens que não passam de invólucros onde estão contidas verdades fundamentais Portanto a crença nessa essência em prejuízo do conhecimento experimental pressupõe a crença num Deus criador das coisas e do sentido das coisas Mas o sermão é tenso porque Vieira fala para um tipo de homem cujos objetivos de vida são outros práticos e nãomisteriosos É isso o leva a malabarismos a jogos de raciocínios baseados em perguntas e respostas procurandose assim transformar arbitrariedades e fantasias em fatos aparentemente concretos e indiscutíveis Esse trabalho no plano das idéias conceptismo é consciente tem o objetivo de incutir valores religiosos E a execução desse malabarismo necessita obrigatoriamente da construção de oposições e paradoxos Apesar de as desenvolver Vieira critica aqueles que se utilizam desse processo mental pelo simples propósito de brincar com as palavras e com as contradições de idéias Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras Se de uma parte está branco da outra háse estar negro se de uma parte está dia da outra háse estar noite se de uma parte dizem luz da outra háse dizer sombra se de uma parte dizem desceu da outra háse dizer subiu Basta que não havemos de ver húm sermão duas palavras em paz Todas háode estar sempre em fronteira com o seu contrário Se nesse texto do Sermão de São Pedro o autor critica o jogo de idéias no famoso Sermão da Sexagésima ele critica o cultismo ou gongorismo por achar que esse estilo busca efeitos verbais Ataca o que considera um estilo tão empecado um estilo tão dificultoso um estilo tão afetado um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza esse estilo de pregar não é pregar culto Em outra parte ele acrescenta Esse desventurado estilo que hoje se usa os que querem honrar chamamlhe culto os que o condenam chamamlhe escuro mas ainda lke fazem muita honra O estilo culto é escuro é negro é negro boçal e muito cerrado O ataque de Vieira aos estilos conceptista e cultista não se caracteriza como autocrítica apesar de ter desenvolvido esses dois estilos Sua censura recai sobre aqueles que brincam com idéias e palavras com puros objetivos estéticos A obra de Vieira ao contrário tem a intenção de converter O autor aponta a multiplicidade de temas em muitos pregadores Usase hoje o modo que chamam de apostilar o Evangelho em que tomam muitas matérias levantam muitos assuntos e quem levanta muita caça e não segue nenhuma não é muito que se recolha com as mãos vazias Sua obra tem um poderoso sentido de unidade o sermão tem apenas um assunto numa clara influência clássica1ição que nos dá a Arte poética de Horácio Os sermões seguem a estrutura clássica que compreende intróito ou exórdio em que o orador diz o plano que se utilizará na análise o desenvolvimento ou argumento em que apresenta o sermão propriamente dito e a peroração em que finaliza conclamando os ouvintes a seguirem a prática das virtudes propostas Para o autor as partes que constituem o perfeito orador são três ensinar deleitar e mover Portanto pregar é fundamentalmente agir Falar não é apenas falar é pensar e basicamente fazer Logo a ação está diretamente ligada ao que se pensa Vieira foi de uma época em que o clero se profanizou no Brasil e em toda Europa e nessa visão há um intuito moralizador Para ele pregar é agir como diz no Sermão da Sexagésima Será porventura o não fazer fruto hoje a palavra de Deus pela circunstância da pessoa Será que antigamente os pregadores eram santos eram varões apostólicos e exemplares e hoje os pregadores são eu e outros como eu Quanto ao público Vieira estabelece que ao pregador não cabe a função de apenas agradar A doutrina que eles desestimam essa é a que lhes devemos pregar Pois o gostarem ou não gostarem os ouvintes Oh que advertência tão digna Que médico há que repare no gosto do enfermo quando se trata de lhe dar saúde Sarem e não gostem Salvemse e amarguelhes que para isso somos médicos de almas O sermão para ele não é apenas pensamento e palavra pregase com gesto e voz Voz forte um trovão que assombre e faça tremer o mundo como se tirasse o homem do tempo presente e o projetasse para o futuro eterno A visão de que herói é santo herói é mártir é própria da época É uma arte que mostra o martírio que acentua o sofrimento do leitor e do ouvinte para valorizar aquele que é herói Vieira nesse sentido sadomasoquista descreve a crucifixão Despido e com os olhos no chão o afrontadíssimo Jesus mandamlhe que se deite na cruz Levantou o Senhor os olhos ao céu pôs os joelhos em terra cruzou as mãos sobre o peito oferecendose ao sacrifício e fazendo logo com grande sujeição e humildade o que se lhe mandavam deitouse sobre a cruz estendeu os braços sobre os braços e os pés para a parte dos pés e a cabeça sobre os espinhos Esta foi a cama em que receberam para morrer aquele corpo tão cansado tão chagado e tão lastimado que quando não fora de Deus bastava ser do homem mais vil para que o tratassem com mais humanidade os homens mas se não há piedade na terra no céu a haverá Essa minuciosidade e esse sentido de crueldade são próprias do Barroco de um tempo em que o sofrimento extrapolou os limites das sacristias e atingiu os alunos de jesuítas os mais ortodoxos como já foi visto cuja pedagogia era baseada no judiar no punir É próprio de um tempo em que a crença cristã se impõe pelo tribunal da Inquisição A obra de Vieira reúne as características de uma educação fundamentada na escola jesuítica com toda a força religiosa representada pela Companhia de Jesus E além disso há um propósito fundamental que é persuadir o que implica no desenvolvimento da arte de convencer seja usando jogos de idéias e palavras seja provocando o ouvinte e até o Senhor O discurso de Vieira é tipicamente barroco A sua visão religiosa associada ao realismo com que vê o homem e a vida faz dele um autêntico representante da época 35 Outros autores barrocos No Barroco português a prosa foi mais explorada Além de Vieira tivemos Padre Manuel Bernardes 16441710 cuja produção é de um pensador cristão marcado pela clausura Contemplando o plano espiritual o autor quis mostrar ao homem que a relação com Deus se torna possível pelo culto das virtudes morais Sua obra mais importante e mais famosa é Nova floresta 17061728 escrita em 5 volumes D Francisco Manuel de Melo 16081666 foi outro autor da época Ligado à cultura aristocrática ibérica da época da Restauração produziu uma obra variada e numerosa que compreende poesia historiografia teatro polêmica biografia literatura moralista epistolografia em português e castelhano Foi na epistolografia que o autor mais se destacou mais de 20 000 cartas moralista suas cartas refletem o estado contraditório do homem com seus hábitos e costumes autenticamente barrocos Sua obra Carta de guia de casados 1651 fala das relações conjugais com ironia e humor A historiografia da época perde nitidamente o fervor entusiástico e ufanista da época renascentista O contexto inseguro e desastrado não propicia o otimismo Entre os historiadores houve sacerdotes do Mosteiro de Alcobaça que tentaram na obra Monarquia lusitana publicada entre 15971727 criar uma obra coletva Os sacerdotes autores numa concepção medieval da história procuram narrar o tempo do nascimento do mundo até o reinado de D João I No que de pior pode suceder os sacerdotes consideraram verdadeiros documentos que na realidade não eram ou inventaram outros quando julgavam necessários Opondose a essa historiografia desacreditada está Frei Luís de Sousa ou Manuel de Sousa Coutinho 15551632 cuja vida inspirou Garrett a produzir a tragédia Frei Luís de Sousa verdadeira obraprima A sua historiografia de que tão pouca coisa ficou procura apresentar os fatos com rigor Suas obras História de São Domingos particular do reino e conquistas de Portugal 16231662 e 1678 e Anais de D João III publicada em 1844 são baseadas em apontamentos deixados por Frei Luís de Cácegas Mas o que mais se destacou durante o século XVII foi a epistolografia A carta em prosa pessoal ou não mostrase como um verdadeiro documento da época e da vida diária É na carta que o autor não só relata mas estabelece comentários dandonos um testemunho do que pensa e como pensa o homem desse período Além de Vieira e D Francisco Manuel de Melo há especialmente Sóror Mariana Alcoforado Beja 16401723 No convento de Nossa Senhora da Conceição em Beja enamorase de um oficial francês Chamilly que servia Portugal nas Guerras da Restauração Obrigados a se separar porque ele foi chamado de volta à França trocam cartas As escritas pela Sóror foram publicadas em Paris 1669 sem o nome do destinatário e do tradutor As cinco cartas foram seguidamente traduzidas pelo sucesso obtido e em Portugal só em 1810 Filinto Elísio as vernaculizou As cartas tratam de uma paixão violenta incontrolada A consciência moral é suplantada pelo sentimento e pela atração sensual Mas há o dualismo ânsia de esquecer a relação pecaminosa e a súplica pela relação incontrolável Além do dualismo típico do Barroco a própria condição de Sóror Mariana reafirma o contexto de uma época em que era comum a subversão à ordem monástica Esse estado de coisas era fruto de uma aristocracia que orgulhosa de sua condição evitava unir suas filhas à burguesia que além do comércio exterior dedicavase a contrabandos às profissões liberais e ao funcionalismo Como dizem Antônio Saraiva e Óscar Lopes enchendo os conventos de mulheres sem casamento condigno relaxa e mundaniza a disciplina monástica enchemse as rodas de expostos enjeitados O teatro barroco foi representado por Antonio José da Silva alcunhado o judeu nasceu no Rio de Janeiro 1705 morto em Coimbra pela Inquisição em 1739 Com o judeu a dramaturgia portuguesa se transforma pois a tentativa teatral no século XVII resultou na representação de peças em ambientes fechados mosteiros e conventos ou na imitação de Gil Vicente O autor reúne a influência da comédia clássica e do teatro espanhol italiano e francês Atribui às suas peças o nome de óperas porque havia o acompanhamento de música e canto Escreveu suas peças em prosa grande novidade pois o teatro anterior desde Gil Vicente era escrito em versos utilizouse de aspectos da sociedade lisboeta para satirizar através do riso Além disso usa o discurso barroco para provocar risos antíteses e trocadilhos o que não deixa de ser um prenúncio do declínio dessa escola Autor de entre outras Esopaida ou vida de Esopo 1734 Encantos de Medéia 1735 porém é com Guerras de Alecrim e da Manjerona 1737 que o escritor consegue o equilíbrio entre o cômico os recursos técnicos e os diálogos 36 Poesia barroca Nesse período surgiram e se multiplicaram academias a dos Singulares a dos Generosos tanto em Portugal como no Brasil Sempre ligadas às casas de aristocratas e ao ambiente eclesiástico elas reuniam filhos letrados da burguesia que estavam identificados a nível social aos aristocratas de sangue Evidentemente a poesia cultivada nas academias expressa o espírito cortês É a produção amaneirada distante de uma perspectiva mais popular Os poetas acadêmicos disputavam certames com objetivo de despertar e cultivar a agudeza dos engenhos Essa produção em ambientes fechados ou mesmo a produção coletiva em torno de um tema como foi comum é uma das características do período ou seja a valorização de encontros organizados em grupos literários e em capelas A Academia mais duradoura foi a dos Generosos 16471667 e 16851868 a qual esteve ligado D Francisco Manuel de Melo Foi frequentada pela aristocracia militar e linhagista que nessa época histórica conturbada forma uma elite que procura seus modelos na corte filipina O ambiente da corte espanhola antes e durante a Restauração serve de inspiração aos poetas barrocos O fato de os poetas estarem ligados a academias fechadas dependentes da alta aristocracia propicia uma poética que no seu conjunto está comprometida com temas superficiais Fênix Renascida 17161728 e Postilhão de Apolo 17611762 são coletâneas que reúnem as poesias da época O conteúdo dessa produção marca nitidamente a decadência cultural portuguesa o bolo podre e a conseqüente disinteria o desmaio de uma senhora a bajulação de personalidades da corte etc Apesar de as duas coletâneas eliminarem muito dos exageros dessa produção elas documentam uma época cuja produção poética procura a síntese de um conteúdo superficial e de uma forma pobre antíteses forçadas pedantismo uso exagerado de hipérbatos esvaziando seu sentido poético rimas impostas uso obrigatório de certas palavras e certos trocadilhos Enfim há nessa criação um significado próprio de uma época em que a degenerescência social e cultural afetam a literatura É inegável o caráter decadente bem como a presença de certas tensões próprias do contexto a consciência da transitoriedade da vida e a extrema valorização da matéria os prazeres que se opõem à contrição religiosa Mas nessas duas coletâneas há a presença de uma poesia satírica que coloca em pauta os costumes Gregório de Matos 16331696 que zomba dos amores de freiras e de outras ridículas situações sociais como o problema do fidalgo de alta estirpe que é obrigado a viver de baixos rendimentos Como dizem Antônio Saraiva e Óscar Lopes o panorama de afundamento da pequena nobreza perante a burguesia que algumas dessas poesias não dão o ataque à clausura à hipocrisia beata ao formalismo gongórico que outras ressummam a incrível libertinagem mental e física revelada por exemplo na correspondência de Frei Lucas de Santa Catarina com outros frades e freiras este surto ocasional de espírito plebeu em Diogo Camacho são indícios das contradições profundas que se escondem sob a fachada barroca a qual corresponde a uma sociedade em mudança que pretende ocultar O artificialismo a pompa o exagero a aparente gratuidade são formas desta negação mas o próprio frêmito que percorre este estilo atormentado resulta das contradições ocultas Sugestões para leitura Em O Clássico e o Barroco Os sermões de padre Antonio Vieira São Paulo Melhoramentos 1963 p 1024 o organizador Jamil Almansur HADAD apresenta um estudo sobre as raízes clássicas de Padre Antonio Vieira sob o ângulo do ensaísta brasileiro Em Antonio Vieira e o usar bem o jogo ColóquioLetras Lisboa nº 4 dez 1971 p 517 de Affonso ÁVILA encontrase um estudo sobre o Sermão da Sexagésima a linguagem e jogos ambíguos o estilo ornado revelam a vinculação da linguagem literária ao momento histórico Síntese Barroco 1 Portugal sob domínio da Espanha fracasso econômico ContraReforma estagnação cultural recrudescimento da Inquisição Sebastianismo e patriotismo Restauração 2 Barroco e suas relações históricas 3 Características do movimento Dualismo razão e emoção Medievalismo e renascimento Conceptismo e cultismo 4 Principais autores Sermões Padre António Vieira jCartas Obras proféticas Maior prosador barroco Autor lusobrasileiro Conceptista Religioso político e profético Outros autores D Francisco Manuel de Melo Os historiadores de Alcobaça Fei Luís de Sousa Sóror Mariana Alcoforado Antônio José da Silva Poesia Barroca Surgimento de Academias 4 Arcadismo ou Neoclassicismo 17561825 Pavorosa Ilusão da Eternidade Temor dos vivos cárcere dos mortos De almas vãs sonho vão chamado Inferno Sistema de política opressora Freio que a mão dos déspotas dos bonzos Forjou para a boçal credulidade BOCAGE Espístola a Marília 41 Panorama da época A Europa do século XVIII está muito além de Portugal apesar desse país procurar seguir alguns de seus passos Na Inglaterra do século XVII a burguesia assumiu o poder na França isso ocorrerá só em 1789 e no século seguinte esse país vive a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo O desenvolvimento das técnicas de produção acarretou a grande evolução das ciências naturais para expandir a produção era preciso conhecer as propriedades da matéria O conhecimento da realidade a partir do método experimental e analítico acaba por influenciar as ciências humanas Filósofos passam a acreditar que a razão é a única fonte do conhecimento da natureza e da vida em sociedade Portanto a religião e a Igreja são vistas como instrumento de ignorância e tirania O conhecimento e o domínio da natureza eram as condições básicas da liberdade Logo cientistas e filósofos não aceitam no plano político o Estado absolutista e suas instituições São contra a constante intervenção do poder real na economia pois isso limitava o direito da propriedade Iluminismo é o nome que se dá a esse movimento de renovação intelectual iniciado na Inglaterra e que chega ao apogeu na França da Revolução O Iluminismo é a ideologia da burguesia em ascensão e que surgiu das transformações econômicas políticas e sociais européias Na medida em que criticava o Estado Absolutista e a política econômica do mercantilismo o Iluminismo preconizava a igualdade de poderes e a liberdade de propriedade 31 Na França aparece a Enciclopédia das Ciências das Artes e dos Ofícios 1751 dirigida por Diderot e DAlembert com colaboradores como Voltaire e Rousseau A organização da enciclopédia representou uma tentativa de sistematizar todo o conhecimento humano disponível até então Voltaire 16941778 um dos grandes pensadores do Iluminismo preocupouse fundamentalmente com questões políticas e sociais Criticou a Igreja Católica e as relações de servidão Partidário das liberdades individuais preconizava a ascensão de um soberano esclarecido e não de uma revolução social JeanJacques Rousseau 17121778 na obra Da origem da desigualdade achava que a propriedade privada era um mal inevitável Acreditava na possibilidade de limitar grandes propriedades e com isso defendia os pequenos proprietários Na obra O contrato social defende o ideal democrático de que o soberano deve ser a vontade geral Esse ideal foi seguido por Robespierre um dos líderes da Revolução Francesa Nessa época surge o liberalismo econômico Adam Smith em A riqueza das nações achava que o Estado não deveria interferir na vida econômica A burguesia já fortalecida pela exploração colonial e pelos monopólios comerciais não mais precisava do apoio do Estado Absolutista Esse passava a ser um entrave ao crescimento natural dos capitais e ao modo de produção capitalista Certos de que o trabalho é que constitui a verdadeira fonte de riqueza reivindicam a liberdade de uma economia fundamentada na oferta e procura produção e consumo Na Inglaterra o desenvolvimento do modo de produção capitalista fundamentado na grande indústria e na exploração do trabalho assalariado necessitava de amplos mercados produtores e consumidores Isso entra em conflito com o monopólio comercial das metrópoles sobre as colônias Foi um século de revoluções de lutas e independência de colônias Foi um século em que se presencial em Portugal como na Europa o Despotismo Esclarecido cujo mentor na filosofia foi Voltaire 42 O Iluminismo em Portugal O Absolutismo tradicional proclamava a subordinação do monarca às leis de Deus leis interpretadas pela Igreja evidentemente aos costumes do país e às leis que o rei e seus antecedentes promulgava para a nação Em oposição o Despotismo Esclarecido entendia que as leis de Deus as naturais e da nação deveriam ser interpretadas pelo soberano Dessa maneira o despotismo das Luzes tende a nivelar todas as classes sociais perante o poder real abolir os privilégios baseados na hereditariedade tradição etc Esse período começou em Portugal a partir de 1755 com o reinado de D José 17501777 Seu grande criador foi Marquês de Pombal que em parte adotou teorias de alguns pedagogos e portugueses que tinham vivido no estrangeiro pejorativamente chamados os estrangeirados Luís Antônio Verney 17181792 Ribeiro Sanches 16991783 colaborador da Enciclopédia de dAlembert entre outros No direito o fundamento político dos estados ilustrados ou iluminados era a razão A lei de 1790 unificando a jurisdição em todo o país constitui um novo passo no sentido de abolir os privilégios feudais e de impor a todos a autoridade única da Coroa Além do direito o Iluminismo desempenhou um papel decisivo na cultura em geral e em particular na educação regular O atraso do sistema de ensino português era grande O Estado despótico adotava a política da intervenção direta no ensino e no sistema cultural mediante a censura estatal a censura religiosa é substituída pela Real Mesa Censória de 1768 O ensino jesuítico é proibido e substituído por uma educação renovada e mais progressiva Verney com o seu Verdadeiro método de estudar 1746 cobre todos os campos da educação As reformas educacionais implicam nos conhecimentos da escrita línguas retórica aritmética humanidades retórica poesia e história ciências aritmética geometria álgebra ótica etc dança esporte A Universidade de Évora cujos proprietários eram jesuítas foi extinta Em Lisboa surge uma Escola de Comércio para os jovens burgueses Em 1768 estava criada a imprensa régia Na ciência o movimento foi mais modesto mas não menos importante as ciências matemáticas e físicas e naturais despertam grande interesse e os livros são traduzidos ou adaptados de manuais estrangeiros Surge como reflexo das luzes e do racionalismo uma nova Lisboa metade da cidade foi destruída por um terremoto 1755 Caíram em ruínas o palácio real igrejas hospital ópera ruas e bairros opulentos O futuro Marquês de Pombal ao invés de reedificar a cidade a partir do traçado anterior manda destruir as ruínas e decide que fosse levantada uma cidade esclarecida racionalmente planejada e edificada com ruas praças e casas traçadas à régua e compasso Enquanto a nova Lisboa revela a ideologia racional dos iluministas há em Portugal a convivência com o estilo tenso do Barroco o ouro que ia do Brasil para Portugal e o vinho exportado para Inglaterra trouxeram prosperidade ao reino acarretando a construção de mansões aristocráticas que seguiam as formas tradicionais do Barroco A renovação cultural que se processa acarreta também a substituição da influência espanhola pelas influências francesa italiana inglesa e alemã Muito antes de 1640 a Espanha era inimiga de Portugal Até os fins do século XVII a Espanha ocupava entre os países dirigentes da Europa um papel importante no ramo do saber No século XVIII não bastava cons 32 siderála inimiga política Muito mais do que isso a estagnação da Espanha chegava a significar um obstáculo situado entre Portugal e o restante da Europa A língua espanhola deixa de ser a segunda língua do país a favor do francês As gramáticas do italiano inglês e francês começam a aparecer e naturalmente obras literárias são traduzidas Peças de teatro de franceses e italianos vêm rejeitar o tradicional teatro espanhol que passa a ser visto como antiquado e de mau gosto O latim como consequência do declínio da Igreja também declina Multiplicamse as Academias As primeiras da época barroca tinham um papel conservador encomiásticas reuniam aristocratas e representavam a ideologia desse grupo No século XVIII elas ganham um novo sentido o sentido da Ilustração Em 1720 D João V instituiu a Academia Real da História seguindo os exemplos das academias reais da França e Itália mas original porque essa se especializa no estudo da História A importância dessa academia reside no fato de ter sido concedida a ela uma imprensa própria e também a isenção da censura régia E mesmo o fato de metade de seus membros não pertencerem à ordem clerical significou o surto de uma intelligentzia laica Outra importante academia foi a Arcádia Lusitana 1756 a 1774 fundada segundo o modelo da Academia dellArcadia italiana De iniciativa particular e não régia ela reunia burgueses que se dedicavam à literatura pela organização igualitária filiase ao ideal democrático com presidente eleito e pastores com nomes fictícios tentam demonstrar a renúncia ao seu status social Com sua fundação marcase o início de uma nova época literária um novo gosto estético ligado ao racionalismo das luzes Simultaneamente a isso são feitos tardiamente os cancioneiros barrocos Fênix Renascida e Postilhão de Apolo que registram os momentos barrocos É uma época em que talentos artísticos e musicais surgem em espetáculos coletivos favorecidos por salões aristocráticos picnics teatros de bairros populares festas de jardim sem comentarmos o papel dos botequins onde se reuniam músicos e amadores da literatura A fundação da Academia Real das Ciências 1779 foi importantíssima pois um de seus objetivos consistia em relacionar o ensino universitário ao desenvolvimento da investigação econômica e científica Marquês de Pombal ministro do rei D José realizou uma série de reformas na administração do Estado na educação e na economia inspirado na filosofia iluminista e na política econômica do mercantilismo A utilização dos princípios filosóficos dos ilustrados nessas reformas visavam a impedir o surgimento de uma revolução social que pusesse fim ao poder absoluto dos soberanos e às relações servis de produção É por isso que Pombal procura desenvolver a administração estatal com a finalidade de tornar mais eficiente a intervenção do Estado na economia Pombal estimula a atividade manufatureira reforça o poder mercantil e o monopólio colonial O Estado tornase o grande agente do desenvolvimento econômico com a fundação das companhias de comércio e tendo sob seu controle a vida econômica nacional Libertar a educação do controle da Igreja baseiase no princípio iluminista de que a razão é fonte do conhecimento A expulsão dos jesuítas de Portugal e das colônias implica entregar a escola a um poder público organizado A caridade religiosa que consistia também em educar é substituída por uma educação sistematizada A perseguição aos jesuítas também pode ser explicada como uma forma de garantia do fortalecimento do poder real da mesma forma como Pombal perseguiu a nobreza afinal por mais distante da realidade e das necessidades sociais em que viviam os jesuítas eles já estavam inseridos no contexto histórico português Com a morte de D José 1777 e a saída de Pombal ficou evidente que o país havia mudado na superfície apenas As mudanças não atingiram a estrutura da velha sociedade portuguesa A velha aristocracia retorna à corte chega a ser compensada pelas perseguições do período pombalino A rainha viúva D Maria I tem sua loucura reconhecida oficialmente só em 1795 quando é substituída pelo príncipe regente o futuro D João VI A Inglaterra domina a diplomacia e portos portugueses impedindo que as idéias revolucionárias dos Estados Unidos cheguem a Portugal As reformas pombalinas são anuladas jesuítas voltam a ensinar agigantase a aversão da velha aristocracia pelos homens cultos os iluministas adeptos de Pombal há repressão violenta contra a maçonaria D Maria participa da Aliança contra a França revolucionária e o Estado Português é abalado mais ainda pelos gastos com o exército português Enquanto Portugal luta contra a França corsários franceses saqueiam navios portugueses a corte está mergulhada em diversões fúteis porém caras a Marinha suga fortunas para sua manutenção o ouro brasileiro esgota e o povo vive numa miséria contrastante A Paris revolucionária dava o golpe definitivo na monarquia absoluta e iniciava o poder burguês Porém em Portugal Pina Manique 17331805 tornase o grande senhor do reinado de D Maria I como intendentegeral da polícia desenvolveu uma forte e intensa repressão às pessoas e idéias que sugerissem identidade com a França Proibiu a circulação de livros considerados perigosos perseguiu e castigou os que pensavam diferente da ordem oficial Escritores poetas sábios e artistas foram exilados e Portugal mais uma vez foi mergulhado pelo obscurantismo repressor Nesse ambiente ilustrado e antiilustrado desenvolveuse o Arcadismo português 43 Características do Arcadismo Vimos que o Renascimento foi um período artístico que compreendeu uma nova visão de mundo fundamentada na razão e na experiência na valorização do homem expressão de uma nova fase histórica em que a burguesia ascendeu como poder econômico em que as descobertas vieram dar fim ao enclausuramento de um sistema de vida feudal O Barroco natural evolução do Renascimento e de uma consciência já desencantada acaba por tentar a conciliação dos valores antagônicos os novos renascentistas e os velhos de origem medieval É o conflito entre a ideologia burguesa e feudal entre a Reforma e a ContraReforma O Arcadismo é a expressão na literatura do momento ideológico que se impõe no meio do século XVIII representa a crítica da burguesia culta ao modo de vida simbolizado pela nobreza e clero Ligado ao contexto iluminista é natural que os escritores fossem formados por uma visão racional Da mesma forma que filósofos e cientistas entendiam que com a razão e através dela seria entendido o mundo ou seria atingido o conhecimento o autor árcade entende que a arte é regida pelo espírito da verossimilhança a verdade possível constituída por verdades constatáveis e verdades imaginadas Logo a literatura árcade deve ser verossimilhante deve ser constituída de imaginação mas de uma imaginação que não se choque com a natureza das coisas O objetivo é atrelar a imaginação à razão a moderação do processo imaginativo é desempenho da razão Os antigos são retomados a imitação dos clássicos Petrarca Camões e de suas fontes Homero Píndaro Virgílio Horácio Ovídio garante um bom modelo que foi esquecido na época barroca Imitálos implicava na participação dos valores literários já reconhecidos como clássicos é a imitação dos gregos e latinos como fonte de inspiração Mas há outro fator importante retomar modelos temas e personagens antigos é moderar a emoção do árcade é um excelente recurso de despersonalização do lirismo como diz Antonio Candido em Formação da literatura brasileira volume I A Antigüidade como forma de moderação no tema e na forma é a obediência a gêneros e espécies literários tradicionais e isso impediria excessos libertários do autor No século das luzes quando se presencia o início da urbanização as obras procuram o ideal do homem natural Nessa procura revelase a subjacente ideologia de uma época que se opõe ao pedantismo ao requinte da etiqueta aos abusos de uma sociedade em que o homem está sob o comando do despotismo sob uma ordem antinatural e antiracional A volta aos antigos não significa apenas a volta a uma concepção artística e sim a uma concepção moral diferente daquela do século XVII não basta desenvolver agudezas de raciocínio conceptismo mas o importante é oferecer ao homem uma reflexão sobre a vida baseada na simplicidade Acima das contradições sociais está o mito do homem natural O mito do bom selvagem de Rousseau vem corroborar o ideal do homem natural síntese da espontaneidade e simplicidade Fica evidente que a noção de liberdade não se coaduna com a ordem aristocrática e despótica a felicidade está no reencontro do Homem com a Natureza preceito horaciano do fugere urbem O pastoralismo árcade se desenvolve portanto estreitamente ligado ao desenvolvimento da cultura urbana A oposição campocidade que sempre existiu na história de Portugal como decorrência de uma organização econômica dividida entre desenvolvimento do comércio citadino e o obstáculo feudal centralizado na zona rural é enriquecida no século XVIII o burguês anseia o ambiente natural que está nas mãos dos nobres como sendo o reino da simplicidade O Homem espontâneo e natural é capaz de chegar à Verdade e à Beleza E a Razão é o fundamento do verdadeiro e do belo Esse homem invocado essa concepção de que a verdade da existência está associada à espontaneidade acaba por ser uma ponte entre o Arcadismo e Romantismo o ideal de naturalidade desembocará na explosão de sentimentos espontâneos A lógica da razão do árcade que preconiza a naturalidade dará origem à lógica da emoção do romântico por essa razão muitos árcades foram préromânticos As características do Arcadismo são decorrentes de um contexto social histórico e filosófico que marcam a transição do século XVIII a visão iluminista racional e burguesa que leva o despotismo a se manter no poder renovandose mas ficando no poder tem uma segunda face que culmina com a Revolução Francesa e a tomada do poder pela burguesia Portanto o Arcadismo traz consigo a própria origem do Romantismo As características do Arcadismo refletem pois a visão racional da vida que é associada ao ideal de Rousseau do homem natural A supremacia da razão inspira o espírito de verossimilhança a necessidade de impedir rasgos emotivos que leva à imitação dos clássicos a exaltação da verdade natural do homem natural exaltação da vida campestre a manifestação individual substituída pela figura do pastor artificialismo decorrente da contradição entre homem urbanizado e o ideal de homem natural a paisagem é decorativa daí as descrições de superfície pastores ideados para provocar a distância homem e autor Suporte dessa significação o discurso árcade procura o ideal de simplicidade não mais os exageros cultistas prevalece o gosto pelos versos brancos pela estrofação livre e pela liberdade na composição do decassílabo características formais que estarão com os românticos 44 O Arcadismo em Portugal Com a fundação da Arcádia Lusitana em 1756 iniciavase uma nova etapa literária em termos de criação e uma nova fase no setor doutrinário as teorias sobre Arte Poética de Cândido Lusitano 17191773 inspiradas em Boileau a rebeldia contra o Barroco inutilia truncat a tentativa de restabelecer a simplicidade da arte renascentista e antiga pertencem a um 69 contexto em que as discussões literárias estão em comum acordo com as discussões e reformas de ordem geral À Arcádia Lusitana estiveram ligados entre outros os poetas Antônio Dinis da Cruz e Silva 17311799 cujo pseudônimo era Elpino Nonacriense um dos fundadores da Arcádia e Pedro Antônio Correia Garção 17241772 de pseudônimo Córidon Erimanteu também doutrinador do movimento Em 1790 foi fundada a Academia das BelasArtes logo depois denominada Nova Arcádia Três anos depois já publicava algumas obras poéticas de seus sócios sob o título de Almanaque das musas Seus integrantes mais importantes foram Domingos Calda Barbosa 17401800 brasileiro que ficou famoso nos ambientes aristocráticos pela interpretação e composição de modinhas e lunduns Padre José Agostinho Macedo 17611831 poeta satírico Com ele se desentendeu o poeta Bocage e das divergências internas da Nova Arcádia em 1794 ela acaba desaparecendo Houve outros centros acadêmicos Arcádia Portuense Conimbricense e os Árcades de Guimarães formados por poetas que queriam combater a Arcádia Além disso houve também poetas independentes 45 Poetas árcades 451 Nicolau Tolentino de Almeida Nicolau Tolentino Lisboa 17401811 é o autor de Obras poéticas 2 volumes 1801 e Obras póstumas 1836 Estudou em Coimbra foi professor régio de Retórica em Lisboa e como poeta representa o que há de melhor na poesia satírica dos costumes da época Não participou de nenhuma academia sua obra está constituída pela sátira e por homenagem aos poderosos dos quais dependia Entretanto essa sátira açoita exatamente os poetas que viviam da mendicância de favores Como diz Rodrigues Lapa no prefácio de Sátiras de Nicolau Tolentino nessa época saíam da Universidade formadas de bachareis de direito Muitos porém não tinham emprego e levavam uma existência de estúrdia e pelintrice Para viver só um recurso bajular os grandes os senhores da velha fidalguia que detinham o poder Assim se gerou esse grosseiro mecenatismo da época o visconde o conde o marquês muito sic fidalgos mas duvidosamente cultos ouviam a troco dum jantar ou dum colete as poesias encomiásticas do pobre vate que lhes mendigava os favores para poder viver ou ao menos vegeta Tolentino foi um desses poetas com a diferença que transformou essa realidade em tema de poesia como se vê no poema que é dedicado a D José para obter emprego na Real Secretaria Nesta cansada triste poesia vedes Senhor um novo pertencente que aborrece o que estima toda a gente que é ter no mundo cargos e valia Sobre alto trono há anos que regia de dócil povo turba obediente mas quer antes sentarse humildemente num banco da Real Secretaria Qual modesto capucho reverendo que em fim de guardiaria trienal passa a porteiro as chaves recebendo Em mim conheço vocação igual e coa mesma humildade hoje pertendo passar de mestre a ser oficial Apesar de ter sido filho de família remediada não cansou de falar de sua miséria real ou não pois vivia envolvido em jogos se autoironizando Mas além de documentar por meio de sátira a situação do poeta mais do que nunca um vendedor do próprio trabalho ele explorou os hábitos e costumes misérias e situações grotescas das classes sociais não da alta sociedade pois como diz Rodrigues Lapa não iria pintar os ridículos de quem lhe dava o peru Sem criticar pessoas individualmente numa linguagem prosaica comum e rica cria tipos que extrapolam o ambiente português o poeta pobre o velho pai enganado a velha disforme e desdentada o jogador o soldado mercenário etc É com Nicolau Tolentino que a crítica aos costumes teve seu maior representante 452 Manuel Maria Barbosa du Bocage Bocage 17651805 é o pastor Elmano Sadino da Nova Arcádia Elmano é anagrama de Manoel e Sadino é homenagem ao rio Sado que passa por Setúbal sua terra natal Desde cedo o poeta se sente identificado com Camões Camões grande Camões quão semelhante Acho teu fado ao meu quando os cotejo 71 em Goa colônia portuguesa e de ir a Macau já desertado o poeta a reencontra casada com seu irmão Por bárbaros sertões gemi vagante Faltame ainda o pior faltame agora Ver Gertrúria nos braços de outro amante Boêmio conheceu a vida devassa em Lisboa em Goa e mesmo depois do decepcionante reencontro com Gertrudes vive intensamente outros amores bem como o sofrimento Em 1797 foi preso e processado pelas idéias anticatólicas e antimonarquistas Depois de meses de prisão consegue sua transferência para o mosteiro de São Bento Dizem os biógrafos que de lá ele saiu arrependido e transformado O certo é que Bocage ao ser liberto passa a viver de traduções sustentando a si e a sua irmã Em vida o poeta publicou Idilios marítimos recitados na Academia das BelasArtes 1791 e as Rimas 3 volumes 1791 1799 1804 Em 1853 Inocêncio Pereira da Silva publicou Poesias 6 volumes reunindo toda produção de Bocage 4521 Características da obra de Bocage O Bocage que ficou famoso é o mito do homem e autor depravado Esse Bocage visto como autor de piadas e anedotas anônimas foi criado pela imaginação popular Mas essa criação não saiu do nada O Bocage português ficou famoso pela divulgação do poema Epístola a Marília especialmente pelo amor sensual e pouco árcade que expressa Se obter não podes a união solene Que alucinas os mortais por que te esquivas Da natural prisão do terno laço Que com lágrimas e ais te estou pedindo Reclama o teu poder os teus direitos Da justiça despótica extorquidos Não chega aos corações o jus paterno Se a chama da ternura os afogueia De amor há precisão há liberdade E ia pois do temor sacode o jugo Acanhada donzela e do teu pejo Destra iludindo as vigilantes guardas Pelas sombras da noite a amor propicias Ah Fazeme ditoso e sê ditosa Amar é um dever além de um gosto Uma necessidade não um crime Qual a impostura horríssona apregoa Céus não existem não existe inferno O prêmio da virtude é a virtude É castigo do vício o próprio vício Essa visão sensual do amor associada à corajosa negação dos céus foi uma das peças utilizadas pela Intendência Geral da polícia para prender Bocage Mas como se percebe nada tem a ver com o mito piadista O Bocage satírico é aquele que critica o poder que consegue perceber a estreita união que existe entre os dogmas da Igreja e o poder absolutista dos reis como se vê em Epístola a Marília Pavorosa ilusão da Eternidade Terror dos vivos cárcere dos mortos Dalmas vãs sonho vão chamado inferno Sistema da política opressora Freio que a mão dos déspotas dos bonzos Forjou para a boçal credulidade Dogma funesto que o remorso arraigas Nos ternos corações e a paz lhe arrancas Dogma funesto detestável crença Que envenena delícias inocentes A imaginação popular não partiu do nada a repressão que lhe foi feita em vida acaba por divulgar sua obra e a figura do poeta O mistério que se cria pela censura se incumbe de divulgar até o que não é de Bocage Formase um anedotário grosseiro ou não que é engordado através dos tempos A poesia lírica de Bocage popularmente menos conhecida porque não houve motivos para a dura atuação da censura é considerada pela crítica tradicional como sua produção superior Acreditar na superioridade do lirismo bocagiano sobre a parte satírica é repetir a ação censória afinal Bocage satírico foi um dos poucos da época que conseguiu perceber que na frustração de amor está implícita a frustração de um ambiente aprisionante e opressor O lirismo de Bocage revela a orientação do academicismo do século XVIII a presença de pseudônimos pastoris da mitologia clássica a ânsia do locus amenus ilustrando o fugere urbem que é a procura do ambiente natural em oposição à vida urbana a produção de sonetos do mote glosado tão típico de ambientes acadêmicos quando se lança o mote para o poema ser improvisado Mas o que diferencia Bocage dos demais acadêmicos é sua originalidade Importuna Razão não me persigas Cesse a ríspida voz que em vão murmura Se a lei do Amor se a força da ternura Nem domas nem contrastas nem mitigas Se acusas os mortais e os não obrigas Se conhecendo o mal não dás a cura Deixame apreciar minha loucura Importuno Razão não me persigas É teu fim teu projeto encher de pejo Esta alma frágil vítima daquela Que injusta e vária noutros laços vejo Queres que fuja de Marília bela Que a maldiga a desdenhe e o meu desejo É carpir delirar morrer por ela Como se percebe o envolvimento amoroso leva o poeta a não obedecer à razão Essa atitude que prenuncia o Romantismo associase a outras na mesma linha de sentimento X razão o cenário lúgubre relacionase ao estado emocional do poeta presença constante da 1ª pessoa do singular eu poético e seus sentimentos o locus horrendus que é a inversão do locus amenus o tema constante da negação e niilismo que será retomado por Antero de Quental o erotismo ameno e o estilo hiperbólico A obra lírica de Bocage revela nitidamente a evolução por que passa o poeta da expressão poética que traduz o sentimento de tranquilidade da simplicidade do locus amenus germina a poesia confessional em que o tema da morte angustia em que a Noite sucede ao Dia a escuridão à claridade Ó retrato da Morte Ó Noite amiga Por cuja escuridão suspiro a tanto 453 Filinto Elísio Filinto Elísio pseudônimo arcádico do padre Francisco Manuel do Nascimento 17341819 organizou o Grupo da Ribeira das Naus e com a queda do marquês de Pombal foi denunciado à Inquisição por defender filosofias modernas ideais iluministas Foi obrigado a refugiarse em Paris onde veio a falecer 74 75 5 Romantismo 18251865 Este é um século democrático tudo o que se fizer há de ser pelo povo e com o povo ou não se faz Dailhe a verdade do passado no romance e no drama histórico no drama e na novela da atualidade ofereceilhe o espelho em que se mire à si e ao seu tempo à sociedade que lhe está por cima abaixo ao seu nível e o povo há de aplaudir porque entende é preciso entender para apreciar e gostar Almeida GARRET Ao Conservatório Real 51 Panorama histórico O início atribulado do século XIX em Portugal é apenas uma amostra do que serão os anos oitocentos O regente D João VI seguidor da política externa da mãe louca D Maria I teve uma diplomacia dúbia de compromissos com Espanha Inglaterra e França Nos fins de 1806 quando Napoleão decretou o bloqueio continental nenhuma nação podia negociar ou ter relações de qualquer tipo com a Inglaterra foi enviada a D João VI uma nota diplomática exigindo o fechamento dos portos aos ingleses a prisão de cidadãos ingleses e o confisco dos navios e bens britânicos O regente tenta ser apaziguador mas Portugal é invadido novembro de 1807 pelo exército francês aliado ao espanhol que sem ter perdido as esperanças sonhava com a união ibérica A família real e o governo fogem para o Brasil e durante 14 anos a metrópole transformouse em colônia da colônia Aqui a vida da corte e lá os invasores pilhando roubando matando Parte do exército português foi dissolvido e o restante partiu para lutar por Napoleão Quatro anos de guerra 18071811 deixaram o país em situação lastimável nação saqueada e politicamente confusa pois era um protetorado inglês e colônia brasileira A regência em Portugal apesar de tantas mudanças ainda mantinha os antigos métodos de governo ou seja a perseguição feroz aos liberais O descontentamento com o rei e com a regência do Marquês de Minas que funcionava em Portugal prepara o ambiente para a rebelião Beresford 17681854 general inglês que foi nomeado para reorganizar o exército português resolve vir ao Brasil para obter de D João VI amplos poderes para reprimir e evitar o perigo do liberalismo que na Espanha já triunfara desde o começo de 1820 como também para melhorar a condição do exército português Nessa ausência há uma revolta do exército 2481820 que logo consegue novas adesões Formase a Junta Provisória do Governo Supremo do Reino que tinha como objetivo tomar conta da Regência e convocar uma assembléia para elaborar nova constituição Foram organizadas as eleições para as cortes e a grande maioria eleita representativa da burguesia ou dos proprietários comerciantes e burocratas se dispõe firmemente a trazer de volta do Brasil o rei D João VI que só regressa em 1821 No regresso o monarca jura a nova Constituição mas a rainha Carlota Joaquina e seu filho mais novo D Miguel opõemse e passam a liderar o Partido Absolutista Mas os liberais também não estavam unidos uma grande parte de juristas e burocratas os mais progressistas defendiam os princípios revolucionários franceses e americanos E assim exigiam cortes eleitas por todas classes sociais logo defendiam uma nova Constituição e propunham reformas profundas na administração pública A eles se opunha a maior parte de militares que haviam liderado e efetivado a revolta mais moderados propunha a volta do Rei o fim da dominação inglesa no exército e a convocação das Cortes tradicionais isto é com representantes do clero nobreza e povo Jesuítas e burocratas controlaram por algum tempo as cortes instituíram a liberdade de imprensa redigiram uma Constituição bem progressista acabaram com a Inquisição ao que alguns setores do Exército responderam com tentativas de golpe rebeliões armadas mas fracassadas Para culminar o Brasil ficou independente em 1822 E esse era o único ponto em que os representantes da burguesia mais revolucionários e do Exército mais conservadores se identificavam a colônia precisava voltar à sua antiga condição periférica de sustentação da economia portuguesa Os liberais não eram tão liberais com a colônia A perda do Brasil numa época em que a proposta era a reedificação de Portugal implicou uma impopularidade muito grande dos novos dirigentes O partido liberal ficou isolado sem apoio e desacreditado clero e nobreza há muito resistiam aos liberais Carlota Joaquina representando uma política mais absolutista acaba por se tornar popular Logo foi simples nesse contexto proclamar a restauração do Absolutismo 1823 Os antiliberais pegam as armas em Vila Franca de Xira Nesse movimento anticonstitucional chamado Vilafrancana o infante D Miguel era o líder mas evidentemente representava um grupo de pessoas do velho regime e algumas inclusive que participaram da Revolução de 20 Nessa contrarevolução também houve uma divisão pois D Miguel e sua mãe extremistas à direita tinham em D João VI a ala moderada ao centro Numa nova revolta em abril de 1824 Abrilada os extremistas levam D João VI a se refugiar num navio de guerra inglês E apoiado pela Inglaterra submete o filho D Miguel a sair do país Até à morte do rei 76 77 1826 o país foi governado por um absolutismo moderado A esperança de uma nova Constituição não saiu disso A morte do rei leva D Miguel ao poder D Pedro o filho mais velho era imperador do Brasil e já não se aceitava nem aqui e nem em Portugal a união das duas coroas Com o miguelismo em 1828 as Cortes foram dissolvidas e quando revocadas a ordem era a mesma do velho regime absolutista Apesar de ter tido apoio estrangeiro Inglaterra Áustria França o rei acabou por ficar sozinho o país sob seu comando conheceu uma repressão violenta milhares de liberais fugiram outros tantos presos e a administração foi de absoluta incompetência Foi pior que o despotismo pombalino entretanto a população aplaude à principal o rei os liberais passaram a ser vistos como ateus inimigos do país e responsáveis pela instabilidade do regime Mas isso não impede a guerra civil que foi favorecida pelo liberalismo europeu e que na Inglaterra foi representado pela subida de um gabinete liberal e na França pela Revolução de 30 Exilados liberais moderados e radicais liderados por D Pedro que abdicara da coroa brasileira para seu filho depõem D Miguel Mas esse contexto entre liberais e absolutistas mesmo com a vitória dos liberais não terminou De 1834 a 1850 presenciase revolução e contrarevolução motins e contramotins choques entre liberais à esquerda e liberais mais conservadores Em 1851 encontrase a solução com o governo da Regeneração Saldanha 17901876 assume o poder apoiado por uma burguesia unificada É esse contexto político e social que propicia o desenvolvimento do Romantismo português 52 Romantismo As origens do movimento romântico remontamnos à evolução econômicasocial e política da burguesia Seu encerramento está relacionado com as consequências econômicosociais da Segunda Revolução Industrial A situação européia era de crise social e não mais se justificava a defesa dos ideais do liberalismo burguês O Romantismo está relacionado com o surgimento de um novo públicoleitor Este de origem burguesa formou o seu gosto literário através da leitura de jornais vendidos a preços acessíveis Além disso a elevação do poder aquisitivo da classe média e um sistema de impressão em escala comercial propiciaram o alargamento do mercado consumidor Se no classicismo tínhamos um público aristocrático palaciano agora este é mais amplo e precisava ser motivado para adquirir a obra de arte Ali nesse setor como no conjunto da sociedade uma democratização da cultura As primeiras manifestações literárias do Romantismo ou de um préromantismo ocorreram nos países europeus mais desenvolvidos em especial na Alemanha e na Inglaterra destacandose Goethe 17491832 e Schiller 17591805 Foi entretanto na França que o novo movimento literário ganhou proporções revolucionárias Opondose à cultura aristocrática da vida da corte essa nova literatura vem carregada de valores antiabsolutistas e anticlassicos Há a partir de então uma nova relação entre escritor e público nessa maior proximidade novo estilo novo significado estético e novos gêneros literários são criados Padrões clássicos são ignorados Aqueles valores mitológicos retóricos e regras literárias que indicavam uma concepção do mundo estático são deixados de lado em nome da tradição de origem nacional e da liberdade de criação uma concepção dinâmica que recusava modelos absolutos Há evidentemente um inconformismo em relação a temas a intelectualismos e absolutismos literários O ossianismo iniciado na Escócia por Macpherson 17601763 a redescoberta de Shakespeare o Sturm und Drang década de 1770 na Alemanha à redescoberta de contos medievais e lendas de origens germânicas vêm mostrar uma nova direção literária de caráter histórico que tão bem reflete os novos tempos da revolução da burguesia Em termos sociais a nobreza perde o poder político e econômico e a burguesia dita os novos valores Os papéis sociais têm nova correlação nobreza decadente grande e pequena burguesia camponeses e operários esses em número crescente pela incontrolável industrialização A euforia provocada pela Revolução Francesa associada à liberdade de ascensão econômica e individual é o suporte e inspiração de uma literatura de emoções individuais A idéia de que o indivíduo com sua vida material e intelectual é transitório enfatiza o caráter relativo do que há no universo nada é absoluto Essa nova visão nada mais é que um novo modo de conceber o mundo é a ideologia da nova sociedade que vê limitações e relatividades do homem e da história As emoções individuais a visão relativa do universo o apego às tradições nacionais a mitologização da história vêm se opor aos séculos de racionalismo absolutismo e impessoalismo A ânsia de glorificar a pátria e de fazer confissões pessoais são as duas faces do mesmo individualismo que se manifesta em favor do espírito e contra as coisas materiais Mas a euforia do romântico se mistura ao desencanto da época pósrevolucionária a consciência de que os ideais de Igualdade Liberdade e Fraternidade se limitavam à economia permitindo a livre iniciativa O pessimismo que é frontalmente a negação e rejeição da realidade vem da nãoextensão desses ideais ao campo social 78 79 São duas etapas bem distintas a eufórica fase de idealização da realidade em que tudo é motivo para que o autor decante a vida e a negativista fase de fuga do real O Romantismo é um modo de produção artística e também um modo de pensar a vida e por essa razão o niilismo literário está não raras vezes ligado à biografia do autor Mas a esse pessimismo sucede a necessidade de crítica da realidade constituise uma 3ª fase romântica ou mais propriamente prérealista A essa nova forma de pensar a vida vem de forma correlata a necessidade de uma nova maneira de a expressar desenvolvese o romance e simultaneamente o drama formas literárias mais populares e democráticas 53 Romantismo em Portugal O Romantismo português como ocorreu nos demais países europeus esteve associado ao desenvolvimento da imprensa e à afirmação social de um novo públicoleitor o burguês Não temos mais uma produção que seguia os padrões clássicos de ideologia aristocrática para quem não existia a história Para o novo público tudo é relativo e está em contínua transformação Não lhe interessam os padrões clássicos mas a novidade que vai ser transmitida normalmente pelos jornal Os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal desenvolveram atividade jornalística E contribuíram uns mais outros menos para afirmação do liberalismo no país Três escritores se destacaram na implantação desse movimento nesse país Garrett Herculano e Castilho Constituem o primeiro movimento do Romantismo com produções ainda ligadas ao neoclassicismo Garrett foi inicialmente o escritor mais ativo do grupo inclusive politicamente era o mais radical Herculano mais moderado secundouo sua importância vai fazerse sentir gradativamente e marcará os últimos anos de sua vida quando afirmouse o movimento realista Castilho personalidade contraditória colocouse como romântico embora ideologicamente fosse um neoclássico Sua influencia vai exercerse mais no campo pedagógico e jornalístico do que propriamente no desenvolvimento da arte romántica Camões 1825 de Almeida Garrett foi o marco inicial do Romantismo português O novo gosto literário entretanto só veio a solidificarse com o decorrer da década de 1830 É dessa época A voz do profeta 1836 de Alexandre Herculano período onde aparecem as primeiras traduções de Walter Scott A democratização da arte não fica restrita à poesia e à prosa de ficção atinge também o teatro Garrett é designado pelo governo para reformar o teatro português estimulando o aparecimento do autor nacional O segundo momento do Romantismo coexiste com o primeiro e com o terceiro de transição para o Realismo É uma arte que oscila entre o medievalismo de um grupo de poetas de Coimbra e o ultraromantismo desenvolvido também nessa cidade e mais acentuadamente no Porto décadas de 1840 e 1850 Destacase nessa segunda etapa a obra de Camilo Castelo Branco basicamente ultraromântica mas que já apresenta a observação da realidade de um realista Sua obra situase entre as mais significativas da literatura portuguesa A poesia desse período tem valor menor Apenas para referência histórica podemos citar o nome de Soares de Passos Dois escritores da estética romântica das décadas de 1850 a 1860 foram particularmente significativos durante o período da monarquia constitucional da Regeneração Na prosa Júlio Dinis escritor fundamental para a consciência coletiva da classe média dessa época na poesia João de Deus onde em alguns poemas já aparece a crítica à venalidade do regime político regenerador A base social do Romantismo português foi muito fraca mais fraca ainda a ideológica Os escritores mais combativos como Garrett ainda estão sob influência do Iluminismo neoclássico Como conseqüência apresentam publicações com inovações ainda tímidas se as comparamos com as dos países mais desenvolvidos O movimento entretanto foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa A despeito das influências de escritores europeus sobretudo de Chateaubriand Walter Scott e Victor Hugo atualizouse dentro de um contexto popular e democrático a tradição literária mais significativa do país Se as produções não foram tão originais ou contundentes como as da Europa desenvolvida isso se deve às contradições da burguesia portuguesa ainda muito ligada ao campo Os setores mais atrevidos eram os do comércio Faltou ao país uma autêntica revolução industrial A situação de dependência do imperialismo em especial da Inglaterra trouxe o atraso econômico e não tornou possível a constituição de um público leitor mais significativo Mais de 80 da população continuava analfabeta e concentrada sobretudo no campo 54 Almeida Garrett Há uma simetria entre a vida e a obra de Almeida Garrett João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett 17991854 suas produções literárias revelam tanto na forma como no conteúdo as contradições ideológicas em que se debateu E as contradições de sua personalidade no que ela possuía de conservadora e de revolucionária Garrett formouse dentro do Arcadismo identificandose ideologicamente com a corrente iluminista de esquerda É dessa época o poema O Retrato de Vênus 1822 que escandalizou setores reacionários ligados à Igreja O poeta foi acusado de materialista e de obsceno julgado foi absolvido Pouco antes 1821 fizera representar a tragédia Catão com algumas menções ao movimento revolucionário português Nessas produções Garrett afastouse da educação religiosa que recebera Estava então próximo da poética defendida pelo neoclassico Filinto Elísio que morreu exilado em Paris 1819 vítima do absolutismo monárquico Essas produções constituem igualmente a concretização artística dos ideais liberais e revolucionários que encontrou na Universidade de Coimbra Lá além de cursar Direito participou dos movimentos políticos de seu tempo defendendo os princípios da Revolução Liberal 1820 Garrett considerava o Arcadismo um movimento revolucionário em oposição ao gongorismo barroco Sua inclinação para o Romantismo não foi radical alinhouse entre os escritores sociais que estabelecem uma linha de continuidade entre os ideais libertários do Iluminismo e do Romantismo Não há pois ruptura acentuada entre suas produções catalogadas dentro do Arcadismo e do Romantismo A incorporação da técnica romântica está associada à leitura de escritores ingleses dessa tendência literária a partir de seu exílio em 1823 A contrarevolução absolutista chefiada por D Miguel perseguiu os liberais portugueses e forçouos ao exílio Garrett tentou voltar clandestinamente mas foi deportado em seguida à sua entrada no país Na Inglaterra Garrett escreve os poemas longos Camões e D Branca publicados em 1825 e 1826 respectivamente em Paris Camões é considerado o primeiro texto do Romantismo português apesar de suas formas neoclássicas Antônio José Saraiva na Introdução a Camões e D Branca considera que A novidade do poema Camões vinha de que nele encontravam expressão artisticamente superior diversas tendências e aspirações que procuravam caminho através dos nossos préromânticos Eis algumas características do Camões em relação aos poemas clássicos que o precedem tomando por ponto de referência Os Lusíadas a o encontrar uma analogia entre o mundo moral e certos aspectos da Natureza de acordo com Byron o oceano indomado por tiranos é uma expressão do anseio de liberdade b a descrição esfumada e subjetiva da paisagem em contraste com a nitidez da visão camoniana de que é exemplo a descrição de Lisboa e do Tejo na escuridão noturna c o individualismo isto é a afirmação dos direitos e da razão do indivíduo contra o meio social que está no conteúdo de toda a história de Camões segundo Garrett d a atribuição ao herói de características como o extremismo dos sentimentos sem relação alguma como a realidade circunstante Aliás a intenção do Autor não é expor uma verossimilhança psicológica mas expressar atitudes e ideias através do herói assim o amor por Natércia e pela Pátria são as cordas únicas e retílineas do maquinismo da alma de Camões Quanto à versificação e ao estilo o poema Camões não se afasta muito da técnica dos arcades utiliza o verso branco de dez sílabas que já fora utilizado por Cruz e Silva por Bocage por José Agostinho de Macedo Evita o recurso às entidades mitológicas como o faziam já alguns arcades O propósito de decalar o poema camoniano poderia colocarse dentro da linha arcádica de recorrer aos clássicos quinhentistas Como Camões tomara Virgílio como modelo Garrett toma como modelo Camões sem no entanto deixar de refletir a influência do próprio Virgílio A estrutura do poema imita a dos Lusíadas começa no meio da ação e os fatos antecedentes tornamse mais conhecidos pela narrativa do herói a visão de Camões nos Jerônimos corresponde ao sonho de D Manuel Dois cantos do poema são decalcados sobre o texto dos Lusíadas vários versos são transcritos literalmente há até uma transcrição entre comas e toda a linguagem tem um nítido cunho camoniano O Camões é a este respeito um documento eloquente da capacidade receptiva de Garrett e da facilidade com que ele se tornava eco de personalidades diferentes da sua Garrett permanece assim preso aos modelos antigos atitude ideológica própria do neoclassicismo Ele não se aventura para a chamada espontaneidade criativa um dos traços básicos da escrita romântica Há além disso um universalismo épico que contrasta com o individualismo romântico como podemos verificar no desfecho de Camões Oh consolarme exclama e das mãos trêmulas A epístola fatal lhe cai Perdido É tudo pois No peito a voz lhe fica E do tamanho golpe amortecido Inclina a frente como se passara Fecha languidamente os olhos tristes Ansiado o nobre conde se aproxima Do leito Ail tarde vens auxílio do homem Os olhos turvos para o céu levanta E já no arranco extremo Pátria ao menos Juntos morreremos E expirou coa pátria A ação do poema desenvolvese em torno de um exilado que volta à pátria e vai morrer com ela Se encontramos certos ingredientes românticos como a bondade natural Rousseau ou o individualismo melancólico de Byron George Gordon Noel Byron 17881824 eles são tênues em comparação com o universalismo de suas personagens No exemplo o destino do herói identificase com o da pátria Ele não tem individualidade própria suas ações são modeladas pela voz do poeta faltandolhe uma dimensão interior e maior individualidade Em 1826 Garrett retorna a Portugal para dedicarse ao jornalismo engajase diretamente na luta liberal Perseguido politicamente foi obrigado a retornar ao antigo exílio a Inglaterra É dessa época o início dos estudos dos romances populares portugueses que vêm desde a Idade Média Politicamente Garrett procura aproximarse dos monarquistas liberais Em 1831 funda em Londres o jornal O Precursor em que defende a união dos liberais em torno de D Pedro IV D Pedro I no Brasil que havia abdicado do trono brasileiro Garrett participou logo depois das expedições militares contra o absolutismo miguelista em companhia de um jovem amigo Alexandre Herculano É dessa época o início da escrita do romance histórico O arco de Santana publicado posteriormente em 1845 e 1850 em 2 volumes É nítida a influência de Walter Scott em suas produções Continuou ainda a pesquisar os romances tradicionais portugueses para publicar mais tarde O Romanceiro 1851 Com a vitória liberal Garrett dedicouse à diplomacia Demitido do cargo de cônsul na Bélgica volta a Portugal Divorciase de sua esposa sua vida conheceu várias paixões amorosas Tornase um dos intelectuais do regime liberal em 1836 é encarregado de fundar e organizar um teatro nacional em 1837 foi eleito deputado É de 1838 a primeira peça teatral romântica portuguesa Um auto de Gil Vicente de Garrett Em 1841 na oposição escreveu O alfageme de Santarém publicado no ano seguinte com o aumento das tensões políticas viuse ainda obrigado a exilarse por pouco tempo na embaixada do Brasil em 1844 No ano anterior iniciara a publicação de uma das principais narrativas do Romantismo português Viagens na minha terra publicação em 2 volumes em 1846 A perspectiva seguida por Garrett nas Viagens na minha terra é popular denuncia a oligarquia portuguesa os barões e os frades como podemos observar neste fragmento que registra o sonho do narradorpersonagem desse livro Mas eu sonhei com o frade com a velha e com uma enorme constelação de barões que luziam num céu de papel donde choviam como farrapos de neve numa noite polar notas azuis verdes brancas amarelas de todas as cores e matizes possíveis Eram milhões e milhões Nunca vi tanto milhão nem ouvi falar de tanta riqueza senão nas mil e uma noites Acordei no outro dia e não vi nada só uns pobres que pediam esmola à porta Meti a mão na algibeira e não achei senão notas papéis A obraprima do teatro romântico português é Frei Luís de Souza publicada em 1844 em 1845 escreveu Os exilados em defesa dos perseguidos políticos portugueses Iniciase nessa época seu relacionamento amoroso com a viscondessa da Luz Rosa Maria Montúfar Barreiros que vai inspirarlhes os poemas de Folhas Caídas 1853 Este Inferno de Amar Este inferno de amar como eu amo Quem mo pôs aqui na lima quem foi Esta chama que alenta e consome Que é a vida e que a vida destrói Como é que se veio atear Quando ai quando se há de apagar Eu não sei não me lembra o passado A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez foi um sonho Em que paz tão serena a dormi Oh que doce era aquele sonhar Quem me veio ai de mim despertar Só me lembra que um dia formoso Eu passei dava o Sol tanta luz E os meus olhos que vagos giravam Em seus olhos ardentes os pus Que fez ela eu que fiz Não no sei Mas nessa hora a viver comecei Os poemas como acontecera nas Viagens na minha terra são construídos a partir da observação e da vivência da realidade atual São os mais românticos do poeta e os mais próximos de sua vida afetiva Jacinto do Prado Coelho observa que com Folhas Caídas Garrett afrontava conscientemente a opinião pública os amores com Rosa Montúfar andavam de boca em boca a chave biográfica das Folhas Caídas estava portanto previamente dada a insistência no uso da palavra rosa e luz até nos títulos das poesias tirava quaisquer dúvidas quanto à decifração Garrett portanto sabia que as Folhas Caídas iam ser lidas com o prazer do escândalo iam ser maliciosamente referidas às personagens de uma história de amor condenável Um passo da Advertência mostra como ele previa quase divertido a reação dos leitores Ainda assim no ignoto deo alusão ao primeiro texto poético da coletânea não imaginem alguma divindade meiovelada com cendal transparente que o devoto está morrendo que lhe caia para que todos a vejam bem clara Este despudor este exibicionismo de Garrett encontrava justificativa na estética vigente romanticamente poesia e documento humano beleza e expressão vital identificavamse Problemática da história literária Garrett a essa altura já estava longe da combatividade política de sua juventude e maturidade Com a eclosão do movimento político da Regene 55 Alexandre Herculano A projeção de Alexandre Herculano Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo 18101877 na história de seu país fazse como em Garrett simultaneamente como cidadão e como escritor Ideologicamente foi menos radical um liberal moderado mas bastante coerente em suas posições políticas Não registra por exemplo as oscilações de Garrett que veio a comprometerse com o poder político em várias ocasiões ao contrário sua conduta evolui gradativamente para posições mais sociais As produções de Herculano obedecem ao princípio romântico de busca da realidade ideal para o país através da reconstituição das formas sociais mais significativas de sua história nela encontrariam os modelos a serem desenvolvido Esse historicismo veio inicialmente das leituras de Chateaubriand em sua infância acrescentalhe depois o romantismo histórico e social de Walter Scott e de Victor Hugo Dentro da ficção histórica Herculano publicou O bobo 1843 onde aparece a formação de Portugal em meio a uma intriga romântica Eurico o presbítero 1844 que registra a situação histórica sob o domínio mouro e que coloca criticamente a questão do celibato clerical Ó monge de Cister 1841 edição completa em 1878 que marca o momento histórico da centralização política monárquica A documentação para a reconstituição do passado constitui valioso material para a sua História de Portugal 18461853 4 volumes e a História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal 18541859 3 volumes Outras produções de Alexandre Herculano são o conto Lendas e narrativas 1851 a poesia Poesias 1850 o ensaísmo crítico Opúsculos 18731908 10 volumes a coleção documental Portugaliae Monumenta Historica publicação iniciada por Herculano em 1856 e ainda não completada etc Ocorre um certo esquematismo na construção da prosa de ficção de Alexandre Herculano a novela portuguesa moderna ainda estava dando os seus primeiros passos era ainda o início de sua trajetória histórica Antônio José Saraiva e Óscar Lopes indicam esses problemas formais Na composição das novelas procurou Herculano ordenar os diversos elementos e tendências que ali cumulou sucedemse as cenas dramáticas de interior dominadas pelo diálogo e pela descrição minuciosa do ambiente arquitetura mobiliário etc as cenas ao ar livre procissões tumultos e comícios populares etc as reflexões moraisreligiosas a explicação históricosocial Normalmente cada um destes gêneros de exposição dramático narrativodescritivo expositivo e didático ocupa o seu capítulo próprio Não há uma integração perfeita entre estes elementos ligados por contigüidades História da literatura portuguesa A historiografia de Herculano foi profundamente revolucionária para a época Colocouse contra a intervenção de fatores místicos ou lendários na história de seu país Valorizou por outro lado a intervenção das classes sociais comprovando seus pontos de vista através de valiosa documentação Suas insuficiências estão no excessivo peso que deu aos fatores jurídicoinstitucionais A objetividade do método histórico de Herculano motivou grandes resistências por parte dos conservadores Entre elas está a polêmica em torno da batalha de Ourique importante para a formação da nacionalidade Os tradicionalistas viam na vitória portuguesa uma intervenção divina e exageravam as forças inimigas Herculano colocoua em seu devido lugar reduzindoa a um confronto sem nada de espetacular ou excepcional A partir dessa polêmica afirmouse a face contestatória de Herculano 1850 preocupado agora com a situação social de seu país e de Europa Tornase cada vez mais um escritor combativo apresentando em sua prática confluências com o pensamento político social e econômico da geração realista de 1870 Como eles pretendia uma ampla reforma das instituições e colocavase contra a crescente concentração da riqueza em mãos de uma oligarquia associada ao clero Defende ardentemente o municipalismo forma administrativa de oposição ao centralismo burocrático imposto pelos grupos sociais dominantes Sua perspectiva é liberalburguesa com pontos de contato com o socialismo utópico reformista defendido pela geração realista Defendia a liberdade de pensamento e reagiu contra a proibição das Conferências do Cassino 1871 Defendeu ainda o casamento civil a separação da Igreja dos negócios civis e a nãointrodução no país das ordens religiosas Alexandre Herculano embora colocandose contra o clero reacionário mostrouse ideologicamente um cristão Não chega pois ao anticlericalismo dos realistas portugueses Encontramos em suas narrativas históricas uma religiosidade mística em seus poemas essa religiosidade alternase com um certo panfletarismo de forma contraditória Tal contradição é visível nos próprios títulos de suas primeiras coletâneas A harpa do crente 1838 e A cruz mutilada 1849 reunidas posteriormente em Poesias 1850 56 Castelo O nome de Antônio Feliciano de Castilho 18001875 está associado à introdução do Romantismo em Portugal e à sua suplantação pelo Realismo Castilho apesar de divulgador da nova corrente literária foi um conservador procurou tomar acadêmico de acordo com uma forma de pensamento neoclássico o que o Romantismo possuía de transformador Perseguiu o ideal de moderação com que atenuava a inovação artística dos escritores que gravitavam em torno de sua pessoa Castilho cego aos 6 anos de idade recebeu formação clássica e clerical e um senso de disciplina que não lhe permitiram penetrar naquilo que o Romantismo possuía de revolucionário a liberdade de criação Não percebeu o sentido real da história e da relatividade das formas artísticas Foi um intransigente E essa intransigência levouo a criticar os jovens escritores realistas fazendo eclodir a Questão Coimbra As observações críticas de Castilho apareceram na cartapósfacio ao Poema da mocidade do futuro romancista anticlerical Pinheiro Chagas As respostas a elas e a polêmica que geraram marcam o início da afirmação do Realismo e comprometeram negativamente Castilho com o que havia de conservador em termos artísticos no país A obra de Castilho é bastante grande mas desprovida de maior valor artístico Serve como documento para o estudo do gosto literário durante o romantismo português Camilo escrevia com facilidade mas faltoulhe muitas vezes maior contenção artística Esta ele adquiriu em parte em suas últimas produções quando adquiriu o sentido de rigor artístico perseguido pelo Realismo A parte marcante de sua obra é a novela Publicou ainda contos entre os quais estão Doze casamentos felizes de 1861 poesia teatro historiografia historiografia literária crítica literária memórias e polêmica Sua produção é vastíssima entre as maiores das literaturas de língua portuguesa Há correlação entre o passionalismo das novelas camilianas e a vida de seu autor onde se acumulam paixões e desgraças Órfão aos dez anos o futuro escritor voltouse apaixonadamente para o mundanismo afim do ultraromantismo Fazia parte desse comportamento social procurar não conter o sentimento ou o instinto acumula então casos amorosos com mulheres de todas as condições sociais após afastarse de sua primeira esposa Com Ana Plácido estabilizase emocionalmente mas o casal foi processado por adultério ela era casada Absolvidos casaramse mais tarde após o falecimento do marido Essa exacerbação sentimental foi correlata igualmente a uma existência trágica com contínuos problemas econômicos Escrevia sem parar pela necessidade de sustentar a família Foi ainda envolvido pela morte da primeira esposa e da filha que tivera com ela e pelos problemas dos filhos de seu segundo casamento Para culminar os efeitos da sífilis contraída na juventude intensificaramse na velhice quando já estava praticamente cego Ao verificar que a cegueira não teria cura suicidouse A produção novelesca de Camilo é muito irregular alternamse narrativas bem construídas com outras medíocres Apesar do romanesco e do repetitivo que encontramos em boa parte de sua obra ela possui um valor de ordem social a denúncia dos setores oligárquicos Ele não aceita os preconceitos da nobreza fossilizada os novosricos os brasileiros os burgueses obcecados pelo dinheiro e o clero venal Podemos discernir uma linha de desenvolvimento da novela camiliana apesar de sua irregularidade e de seus avanços e recuos estéticos Presa ao gosto popular ela oscila do romantismo a Herculano para as formas realistas de representação passando pelo ultraromantismo que permeia mais ou menos todas as suas produções Este é o seu traço distintivo sua força artística está na novela passional onde se situam as produções mais típicas desse escritor Anátema 1851 foi o ponto de partida para as produções mais elaboradas de Camilo Castelo Branco Nessa novela a primeira publicada em volume caracteriza a personagem protagonista como satânica é um padre Está próximo de tópicos narrativos que poderíamos encontrar em Alexandre Herculano ou em Victor Hugo NotreDame de Paris Encontramos em Anátema uma concentração de recursos narrativos que irão aparecer depois em outras produções do escritor Esquematicamente podemos agrupar essas produções de acordo com a ênfase dada em relação a determinados temas Entre as narrativas de mistério ou de terror à maneira de Eugène Sue podemos destacar Os mistérios de Lisboa 1854 e Livro negro do padre Dinis 1855 Mais numerosas do que essas primeiras são as novelas de assuntos históricos como O judeu 1866 onde faz uma biografia romanceada do dramaturgo Antônio José da Silva O santo da montanha 1866 com informações históricas do século XVII e a série O regicida 1874 A filha do regicida 1875 e A caveira da mártir 1876 ambientada no tempo de D João IV e onde se faz denúncia do Estado autoritário e da hipocrisia das instituições Amor de perdição 1863 é uma novela paradigmática entre as de assunto passional Outras novelas importantes dessa linha temática são Carlota Ângela 1858 Amor de salvação 1864 A doida do Canal 1867 e O retrato de Ricardina 1868 Nessas narrativas Camilo segue o esquema tradicional do folhetim o amor se engrandece em face das dificuldades sociais tornandose eterno É tão grandioso que não pode ficar restrito ao plano terreno É um amor fatal que dá origem ao sofrimento amoroso É um amor obsessivo os heróis são incapazes de pensar em outra coisa inclusive nas causas sociais que motivam o conflito que vivenciam Estas são um dado bruto colocado pelo narrador As soluções amorosas do idealismo sentimental das narrativas passionais atenuamse nas novelas satíricas onde Camilo faz crítica de costumes Entre elas destacamos Coração cabeça e estômago 1862 e A queda dum anjo 1866 Essa linha de maior ênfase sociológica vai ter suas melhores realizações artísticas nas últimas narrativas publicadas pelo escritor agora sob relativa influência do RealismoNaturalismo Eusébio Macário 1879 A corja 1880 A brasileira de Prazins 1882 A intenção de Camilo em relação a Eusébio Macário e A corja era parodiar o método realista mas na verdade incorporouo afastandose em boa medida do ultraromantismo Continua afeito às peripécias romanescas mas utiliza as novas técnicas de descrição do cotidiano que já experimentara anteriormente em As novelas do Minho 18751877 Camilo Castelo Branco As tensões da obra de Camilo Castelo Branco 18251890 têm relação estreita com circunstâncias observadas ou vivenciadas pelo escritor Sua escrita entretanto é contraditória ao registrar esse pólo concreto da realidade cotidiana ele o equaciona ideologicamente de acordo com o idealismo sentimental que motivou a estética romântica A técnica de Camilo é folhetinesca e está relacionada com a expansão do jornalismo As narrativas eram publicadas em capítulos que precisavam motivar o leitor a adquirir o capítulo seguinte A escrita deveria então ser bastante simples para facilitar o entendimento A trama deveria enredar emocionalmente esse leitor jogando com suas expectativas Honoré de Balzac e Eugène Sue são os modelos dessa escrita É possível inovar mesmo atendendo a necessidades comerciais E ainda aqui é necessário talento para associar a esquemas narrativos já vistos e incorporados ao gosto do públicoleitor formas narrativas inovadoras Foi o que fez Camilo em seus textos literários mais significativos em outros menos elaborados artisticamente predominam clichês e expedientes melodramáticos No conjunto sua obra renova a escrita literária portuguesa Atualiza dentro das condições específicas do país técnicas que tinham grande público dentro do contexto europeu Seu trabalho artístico além disso renovou a linguagem literária afastando ou procurando afastar o empolamento retórico Renovou o vernáculo castiço e comunicouse com o grande público sem deixar de fazer obra de arte tempo por sua popularidade o poema foi declamado e cantado durante muitos anos quase sempre acompanhado ao piano Esses saraus faziam parte da faceta lúdica da burguesia portuguesa que podia assim fazer suas extravagâncias imitando o mundanismo parisiense que a atraía Nestes encontros de fruição artística notabilizouse a poetisa Maria Browne Maria da Felicidade do Couto Browne 17971861 que assinava seus poemas com os pseudônimos de Coruja Trovadora e Sóror Dolores Tornouse conhecida por seu envolvimento amoroso com Camilo Castelo Branco 59 Júlio Dinis A obra de Júlio Dinis pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho 18391871 registra a influência inglesa na formação da consciência da classe média portuguesa Essa influência marcante no período liberal contrapõese aos padrões tradicionais identificados com uma situação précapitalista dos setores agrários do país A produção literária de Júlio Dinis é de transição para o Realismo Ele se afasta do passionalismo ultraromântico apresentando os conflitos vivenciados por seus personagens de forma analítica A solução desses conflitos tem sempre uma base sócioeconômica Há um ideal de contenção e racionalidade que deve ser levado para todos os campos de atividade humana O processo de educação do futuro escritor baseouse nos padrões ingleses seus avós maternos eram britânicos de caráter liberalburguês Desenvolveu seu sentido de observação da realidade no curso de Medicina da cidade do Porto Concluído chegou a lecionar nessa escola por curto período Vítima de tuberculose o médicoescritor foi obrigado a se afastar dessas atividades morrendo logo depois aos 32 anos de idade A obra de Júlio Dinis dividese entre o romance As pupilas do senhor reitor 1867 Uma família inglesa 1868 A morgadinha dos canaviais 1868 Os fidalgos da casa mourisca 1871 novela Serões de província 1870 poesia Poesias 1873 teatro Um rei popular 1858 Um segredo de família 1860 etc e Inéditos e esparsos 1910 Ideologicamente corresponde às aspirações das classes médias identificadas com o regime político da Regeneração Todas as tensões sociais poderiam ser equacionadas através da democracia liberal o rico poderia associarse harmonicamente com o pobre dependeria apenas de sua aplicação e de seu trabalho Todos os conflitos poderiam ser resolvidos à luz da razão da técnica e da ciência inclusive os sentimentais Não temos mais o passionalismo de Camilo Castelo Branco que coloca freqüentemente barreiras sociais intransponíveis para seus heróis estas poderiam agora ser removidas através da razão e do trabalho Não há além disso possibilidade de uma solução meramente sentimental o amor está correlacionado com outras atividades humanas e é indissociável delas Por estes vales sozinho Queres ser meu aliado Mas dizeme esse focinho Pareceme ensangüentado É sangue de um desvairado Que se julgava adivinho Que se julgava inspirado E devorasteo Coitado O pobre do cordeirinho Foi andando de mansinho Foi andando disfarçado E dizendo horrorizado Com semelhante malvado Meu pobre velo nevado Meu pobre velo de arminho E não quis ser aliado Neste poema já aparece a crítica ao ultraromantismo o tigre devorou o herói romântico desvairadoQue se julgava adivinhoQue se julgava inspirado João de Deus foi contemporâneo da geração realista e manteve relações de amizade com vários escritores desse movimento em especial com Teófilo Braga A sua obra poética foi inicialmente reunida na coletânea Flores do campo 1869 ampliada posteriormente para Campo de flores 1893 em uma edição organizada por Teófilo Braga Publicou ainda Prosas 1898 edição póstuma e A cartilha maternal 1876 que nos traz outra faceta do poeta a de pedagogo voltado para os problemas educacionais de seu país Suas proposições nesse campo tiveram profundas repercussões em sua época e acabaram por ser adotadas oficialmente no processo de alfabetização escolar Sugestões para leitura Alberto FERREIRA O caminho encruzilhado do Romantismo português In Perspectiva do Romantismo português Lisboa Ed 70 1971 p 73124 apresenta de forma crítica algumas questões ideológicas relacionadas com escritores desse movimento Para um estudo mais específico é conveniente a consulta de Antônio José SARAIVA Almeida Garrett In Para a história da cultura em Portugal 3 ed Lisboa EuropaAmérica 1972 v 2 p 1359 Jacinto do Prado COELHO Raízes e sentido da obra camiliana In Camilo Castelo Branco obra seletà Rio de Janeiro José Aguilar 1960 v 1 p 962 e Maria Aparecida SANTILLI Conclusão Júlio Dinis romancista social In Júlio Dinis romancista social São Paulo FF LCHUniv de São Paulo p 187208 Síntese Romantismo A introdução do Romantismo Almeida Garrett Ideologia Liberal de esquerda Dentro da tradição do Iluminismo associa Arcadismo a Romantismo Prática Escritor militante Exilouse várias vezes Vida amorosa intensa Participou do poder político Principais produções Poesia Retrato de Vênus escandalizou conservadores Considerado o primeiro poema romântico português Semelhança com Os Lusíadas Folhas Caídas são os seus poemas mais românticos Romance Viagens na minha terra Observação da realidade Denúncia da oligarquia Teatro Frei Luís de Sousa Obraprima do teatro romântico português Prosa Romanceiro Pesquisa de narrativas tradicionais Alexandre Herculano Ideologia Liberal moderado Formouse dentro do Romantismo Prática Coerência política Pesquisa histórica para definir nacionalidade Polêmica com conservadores Defendeu escritores realistas O idealismo de Júlio Dinis faz com que ele veja a realidade como que formada de estratos sociais intercambiáveis Através desse idealismo constrói suas narrativas procurando estabelecer fusão de classes e faixas sociais através dos amores e do casamento com perspectivas otimistas de futuro e as complicações armadas no presente dos acontecimentos deixam no leitor a grata sensação de que todos os males têm remédio e a ventura é a razão final de tudo como diria Cecília Meireles Os heróis e heroínas dinisianos assim sensíveis afetivas diligentes religiosos movidos do respeito por si mesmos e escarcidos pela razão buscam pelo domínio de si próprios chegar às formas de vida exigidas por sua constituição e pelas condições do seu estado social Maria Aparecida Santilli Júlio Dinis romancista social A perspectiva ideológica de Júlio Dinis situase dentro da consciência possível da classe média reformista de seu tempo que o escritor não ultrapassou E não o fez Não por falta sua mas porque um criador literário por mais lúcido por mais desejoso de uma ordem nova e de uma harmonia final não pode ultrapassar por completo as circunstâncias em que viveu e escreveu Luta entretanto pelo encontro E será o desejo de encontrar uma das causas do fascínio da obra do Autor de Os Fidalgos da Casa Mourisca uma escrita a lerse hoje como a nostálgica proposta de um futuro a que as forças da História não deram licença para existir Maria Lúcia Lepécki Romantismo e realismo na obra de Júlio Dinis 510 João de Deus A poética de João de Deus João Ramos de Deus 18301896 inserese numa perspectiva popular Atualiza dentro de uma situação de transição do Romantismo para o Realismo formas poéticas tradicionais que remontam ao cancioneiro medieval Revigora dessa forma essa tradição lírica afastandose ao mesmo tempo dos clichês literários do ultraromantismo Suas melhores produções evidenciam um certo rigor estrutural a par da singeleza popular Observemos o poema Alma Perdida da coletânea Campo de flores Deus cria as almas aos pares Cada um dos seus olhares É um casal que voou Às vezes cruzam nos ares Essas pombinhas o vôo Mas Deus criouas aos pares Partindo juntas de um ponto Cuidam também que de pronto Se tornam a ajuntar Mas andam almas sem conto No mundo à busca de par Partindo juntas de um ponto A minha irmã não sei dela Ao avistar de uma estrela Um filho ao colo da mãe Uma graça como aquela Só contemplandose bem E a minha irmã não sei dela Levado daquele encanto Pelo afeto mais santo E mais profundo que há Não me lembrou se entretanto Minha irmã ficava lá Levado daquele encanto Pobre de uma alma perdida Da sua irmã nesta vida Que é um contínuo gemer É uma noite comprida Sem nunca lhe amanhecer Pobre de uma alma perdida Ainda quem sempre espera Achar a alma sincera Que Deus lhe deu por irmã Talvez ache a companheira Por quem suspira amanhã Feliz de quem sempre espera O poema está construído com base na tensão dialética uniãoseparação com as repetições próprias da tradição popular É uma canção forma poética para ser cantada e por isso bastante musical Essa simplicidade do lirismo amoroso de João de Deus afastam as suas produções das tensões psíquicas que marcarão os poemas realistas O espiritualismo de João de Deus visível no poema acima não descarta sua criticidade Esta aparece marcadamente em sua atividade jornalística mas também em suas produções poéticas Meia fábula Disse um tigre mosqueado A um pobre cordeirinho Tu andas muito arriscado Observações sobre sua obra Ficção o problema da integração entre a matéria histórica e ficcional História Método objetivo de investigação e documentação As polêmicas com os conservadores Principais produções O bobo Ficção Eurico o presbítero O monge de Cister Lendas e narrativas História História de Portugal História da origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal Poesia Poesias Coleção documental Portugaliae Monumenta Historica Castilho Divulgador do Romantismo Ideologicamente ainda ligado ao neoclassicismo Polêmica com realistas O ultraromantismo Camilo Castelo Branco Um dos grandes prosadores em língua portuguesa Utilizou técnica folhetinesca Biografia paixão e desgraças correlação com os temas de sua obra Evolução romantismoultraromantismotransição para o Realismo Notabilizouse dentro dessa forma narrativa As novelas passionais são as mais típicas do autor Principais produções Novelas de mistério ou terror Os mistérios de Lisboa Livro negro de padre Dinis Novelas históricas O judeu O santo da montanha A filha do regicida Amor de perdição paradigmática Novelas passionais Carlota Ângela Amor de salvação A doida do Candal Novelas satíricas Coração cabeça estômago A queda dum anjo Novelas de influência realista Eusébio Macário A corja A brasileira de Prazins As novelas do Minho Soares de Passos Paradigma do poeta ultraromântico Caricaturizado pelos escritores realistas Autor do Noivado do Sepulcro Uma poetisa Maria Browne A transição para o Realismo Júlio Dinis É mais significativo na prosa de ficção Ligado à formação da consciência da classe média liberalburguesa Afastase do passionalismo ultraromântico Tensões psicológicas das personagens ligadas à situação sócioeconômica Soluções idealistas para as diferenças sociais Principais produções As pupilas do senhor reitor Uma família inglesa A morgadinha dos canaviais Os fidalgos da casa mourisca João de Deus poeta Características Atualiza formas poéticas da tradição popular Espiritualismo e criticidade Principal produção literária Campo de flores 6 RealismoNaturalismo 18651900 O Romantismo era a apoteose do sentimento o Realismo é a anatomia do caráter É a crítica do homem É a arte que nos pinta a nossos olhos para condenar o que houver de mal na sociedade Eça de QUEIRÓS Conferência no Cassino Lisbonense O período histórico que marca os últimos anos do Romantismo em Portugal já indicava uma sociedade em crise A situação era de descontentamento geral atingindo a quase todos setores sociais em especial aos camponeses São significativas a revolta de camponeses da região do rio Minho denominada de Maria da Fonte personagem mítica com participação ativa de mulheres e a rebelião de soldados conhecida como a Patuleia o termo poderia vir da expressão popular pata ao léu respectivamente em 1846 e 1847 Esses movimentos políticomilitares são similares ideologicamente à revolução de 1848 na França têm um caráter pequenoburguês e servem de válvula de escape para os grupos sociais frustrados com os rumos tomados pela revolução burguesa Mas as condições eram diferentes nos dois países se na França o movimento teve suas bases no desenvolvimento industrial em Portugal apenas reflete a crise no setor agrário de um país dependente em especial da Inglaterra A dependência da monarquia portuguesa era total Para derrotar a patuléia teve mesmo de valerse da intervenção inglesa e espanhola no país A crise política entretanto continuou e só foi resolvida a partir do golpe de Estado do marechal Saldanha instituindose a monarquia parlamenta de acordo com o modelo inglês Iniciase então o período histórico conhecido por Regeneração 18511910 pois pretendiase a regeneração de Portugal O liberalismo parlamentar estabeleceu a rotatividade no poder de um partido mais conservador o Partido Regenerador e outros menos conservadores os Histórico Reformista e Progressista Nas situações de crise substituiase o partido majoritário e se convocava novas eleições que seriam totalmente manipuladas pelo novo partido escolhido pelo rei Os responsáveis pelas crises serão sempre os partidos e não o rei por outro lado o novo partido indicado para governar vai ganhar sempre João de Deus poeta romântico de transição para o Realismo referese criticamente a esses processos no poema Eleições Há entre elrei e o povo Por certo um acordo eterno Forma elrei governo novo Logo o povo é do governo Por aquele acordo eterno Que há entre elrei e o povo Graças a esta harmonia Que é realmente um mistério Havendo tantas facções O governo o ministério Ganha sempre as eleições Por enorme maioria Havendo tantas facções É realmente um mistério A política econômica desenvolvimentista seguida pelo regime liberal trouxe grande aumento da produção agrícola beneficiando os proprietários da terra que passaram a residir nas cidades Em consequência temos o crescimento de uma classe média citadina de raízes agrárias que veio somarse à comercial grupo social bastante beneficiado pelo desenvolvimento dos novos meios de comunicação As diferenças entre burgueses e aristocratas eram equacionadas dentro do governo aos camponeses restava apenas a emigração já que os benefícios do liberalismo regenerador apenas beneficiava os proprietários e estimulava a concentração econômica O processo de capitalização do campo beneficiou o comércio mas não a indústria em face do atrelamento econômico do país ao imperialismo da Inglaterra Ao contrário agravouse o estado de dependência industrial o produto importado seria superior e mais barato que qualquer concorrente nacional O desenvolvimento capitalista centrado em estruturas agrárias e comerciais apenas capacitou o consumidor a importar novos produtos bem ao gosto do status pretendido pelas novas classes médias A burguesia portuguesa ao contrário do que aconteceu nas regiões de maior desenvolvimento da Europa não assumiu o controle efetivo de seu próprio país Os bancos portugueses os maiores beneficiários da nova circulação de riqueza permaneceram afetos à esfera do crédito sem qualquer política de capitalização industrial O desenvolvimento material possibilitou a ativação da vida cultural nas cidades A produção literária cresceu acentuadamente O homem citadino quer informarse de tudo Consome jornais revistas romances transformandose num público significativo E naturalmente queria ver seus problemas retratados na literatura Dessa forma criamse as bases para 99 representação da realidade cotidiana com a abordagem dos problemas sociais políticos econômicos e psicológicos desse novo públicoleitor Dentre os meios de comunicação devese destacar o jornalismo É um veículo de democratização da cultura A maior parte dos escritores colaborava de forma sistemática às vezes em vários jornais envolvendose nos problemas mais atuais da vida nacional A relativa liberdade de imprensa levava o homem das cidades à participação Entretanto o campo onde se concentrava a maior parte da população permanecia longe dessas atividades o índice de analfabetismo continuaria lá em torno de 80 até 1900 A crise política da monarquia adiada pelo regime constitucional do período da Regeneração vai ser acentuada a partir de 1890 após o episódio conhecido como Ultimato Portugal procurava tardiamente expandirse e consolidar posições na África mas foi contido de forma arbitrária pela Inglaterra que tinha interesse nas regiões da atual Rodésia e Zâmbia Os ingleses tinham Portugal atrelado à sua economia e pretendiam a sua total subordinação em matéria de política exterior Exigiram então que o país se retirasse dessas regiões alegando interesses nacionais ou Portugal aceitava ou ocorreriam represálias militares A monarquia aceitou as exigências sem maior resistência demonstrando a sua fraqueza Em consequência houve a ruptura do pacto político do regime liberalconservador parte da burguesia ligada à intelectualidade e ao povo afastouse da alta burguesia financista monárquica Dessa situação beneficiase o Partido Republicano que irá assumir o poder mais tarde em 1910 61 Realismo em Portugal O Realismo português iniciase em 1865 com a Questão Coimbra entra em franca decadência a partir de 1890 e termina em 1900 com a morte de Eça de Queirós São datas esquemáticas e favorecem uma orientação didática O movimento está ligado ao surgimento de um vigoroso grupo de intelectuais a Geração de 70 São nomes significativos desse grupo o poeta Antero de Quental o ficcionista Eça de Queirós o republicano e depois ministro da monarquia Oliveira Martins o futuro chefe do Governo Provisório Republicano Teófilo Braga o futuro Presidente da República Manuel de Arriaga o poeta patriota Guerra Junqueiro e muitos outros O movimento iniciouse em Coimbra sob grande influência de escritores de preocupações sociais do Romantismo como Victor Hugo Heine e Michelet que haviam sido desconsiderados pelos românticos portugueses Além disso os novos escritores estavam influenciados pelas novas teorias que vinham da França como o positivismo de Comte o evolucionismo de Darwin o determinismo de Taine o anticlericalismo de Renan e o socialismo reformista de Proudhon 100 de levar à população os debates do grupo e contribuir para a reforma da sociedade portuguesa As conferências foram atacadas pelos jornais conservadores que as consideravam subversivas e foram em seguida proibidas pelo governo A arbitrariedade gerou um protesto da intelectualidade portuguesa inclusive com o apoio do romântico Alexandre Herculano Era o sinal de uma maré conservadora que invadia a Europa após a Comuna de Paris em 1871 Dentre as conferências realizadas está a de Eça de Queirós A Nova Literatura onde defende a função social da literatura realista e critica o Romantismo O Romantismo era a apoteose do sentimento o Realismo é a anatomia do caráter É a crítica do homem É a arte que nos pinta a nossos olhos para nos conhecermos para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos para condenar o que houver de mau na nossa sociedade O grupo vai dispersarse no decorrer da década de 70 mas cada escritor vai realizar suas melhores produções nesse período e na década seguinte Voltarão a reunirse entretanto em 1887 e 1888 para formarem o grupo dos Vencidos da Vida já que embora vencedores em termos de reconhecimento social consideravamse vencidos em termos de ideais Limitamse agora a alegres jantares afastandose das reuniões contundentes da época de juventude Nem todos participaram desses jantares e entre os que participaram estava Guerra Junqueiro que ainda acreditava nesses ideais A crise de desalento da Geração de 70 é ideológica Estava bastante distante do povo e não percebia as transformações que estavam ocorrendo Ficam então bastante surpresos com as manifestações populares ocorridas após o Ultimato em 1891 E é na perspectiva dessa ascensão do movimento de massas que vai aparecer a poesia combativa de Guerra Junqueiro Ele denuncia a miséria do povo e faz propaganda republicana Sua perspectiva ideológica é da pequena burguesia citadina que aspirava por mudanças políticas de caráter republicano democrático nacional e popular O sentimento de inferioridade pequenoburguês procura desmascarar o regime como podemos verificar nestes dois fragmentos de Finis Patriae 1891 de Guerra Junqueiro Faminto nu sem mãe sem leito roubei um pão Quem vai além de farda e grãocruz ao peito Um ladrão Que é da Nação Morreu na história Do imenso império extraordinário Só aos ladrões ficou defeso O espaço triste e necessário Onde o Bretão erga um Calvário E cuspa rindo o seu desprezo A primeira grande manifestação do grupo ocorreu com a Questão Coimbra uma polêmica literária travada em 1865 e 1866 sob a forma de folhetos e artigos em jornais O poeta romântico António Feliciano de Castilho através de um posfácio a Poema da mocidade de Pinheiro Chagas enquanto apadrinhava o seu autor censurou os novos temas e o estilo poético da escola coimbrã citando os nomes de Antero de Quental Teófilo Braga e Vieira de Castro A resposta veio através dos folhetos Bom Senso e Bom Gosto e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais 1865 de Antero de Quental que ainda recebeu a solidariedade de Teófilo Braga em Teocracias Literárias 1866 A polêmica envolveu partidários dos dois lados e assinala o triunfo de uma nova camada de intelectuais mais atualizada e dinâmica sobre o provincianismo dos ultraromânticos portugueses Mais do que isso assinala o triunfo de uma concepção de literatura que tinha como objetivo central a intervenção do escritor no sentido de diagnosticar os problemas sociais do país Pretendiam uma revolução no pensamento e na sociedade como ocorria na Europa A perspectiva do grupo era ainda neoromântica e revelava certas contradições que vieram a marcar a maior parte das produções realistas em Portugal O conhecido folheto Bom Senso e Bom Gosto é bastante revelador dessas incongruências Diz Antero de Quental em resposta a Castilho que O escritor quer o espírito livre de jugos o pensamento livre de preconceitos e respeitos inúteis o coração livre de vaidades incorruptível e intemerato Só assim serão grandes e fecundas as suas obras só assim merecerá o lugar de censor entre os homens porque o terá alcançado não pelo favor das turbas inconscientes e injustas mas elevandose naturalmente sobre todos pela ciência pelo paciente estudo de si e dos outros pela limpeza interior duma alma que só vê e busca o bem o belo o verdadeiro Antero como se vê opõe as qualidades éticas do escritor às das turbas inconstantes e injustas Ao defender a liberdade de pensamento ele defende a posição de censor entre os homens para o escritor A contradição será ainda maior se considerarmos o fato de que Antero se considerava um socialista Sua ideologia ao situarse em uma posição superior ao povo é elitista com conceitos abstratos tal como aparecem no folheto O bem o belo o verdadeiro são conceitos vagos e nada têm a ver com os valores baseados na ciência e na experiência do movimento realista Após a polêmica os antigos estudantes voltarão a reunirse com novas adesões em Lisboa a partir de 1868 Formam o grupo do Cenáculo Afirmase a preocupação social o socialismo reformista de Proudhon é mais discutido e há maior preocupação política Realizamse nesse sentido as Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense 1871 com o objetivo 101 de levar à população os debates do grupo e contribuir para a reforma da sociedade portuguesa As conferências foram atacadas pelos jornais conservadores que as consideravam subversivas e foram em seguida proibidas pelo governo A arbitrariedade gerou um protesto da intelectualidade portuguesa inclusive com o apoio do romântico Alexandre Herculano Era o sinal de uma maré conservadora que invadia a Europa após a Comuna de Paris em 1871 Dentre as conferências realizadas está a de Eça de Queirós A Nova Literatura onde defende a função social da literatura realista e critica o Romantismo O Romantismo era a apoteose do sentimento o Realismo é a anatomia do caráter É a crítica do homem É a arte que nos pinta a nossos olhos para nos conhecermos para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos para condenar o que houver de mau na nossa sociedade O grupo vai dispersarse no decorrer da década de 70 mas cada escritor vai realizar suas melhores produções nesse período e na década seguinte Voltarão a reunirse entretanto em 1887 e 1888 para formarem o grupo dos Vencidos da Vida já que embora vencedores em termos de reconhecimento social consideravamse vencidos em termos de ideais Limitamse agora a alegres jantares afastandose das reuniões contundentes da época de juventude Nem todos participaram desses jantares e entre os que participaram estava Guerra Junqueiro que ainda acreditava nesses ideais A crise de desalento da Geração de 70 é ideológica Estava bastante distante do povo e não percebia as transformações que estavam ocorrendo Ficam então bastante surpresos com as manifestações populares ocorridas após o Ultimato em 1891 E é na perspectiva dessa ascensão do movimento de massas que vai aparecer a poesia combativa de Guerra Junqueiro Ele denuncia a miséria do povo e faz propaganda republicana Sua perspectiva ideológica é da pequena burguesia citadina que aspirava por mudanças políticas de caráter republicano democrático nacional e popular O sentimento de inferioridade pequenoburguês procura desmascarar o regime como podemos verificar nestes dois fragmentos de Finis Patriae 1891 de Guerra Junqueiro Faminto nu sem mãe sem leito roubei um pão Quem vai além de farda e grãocruz ao peito Um ladrão Que é da Nação Morreu na história Do imenso império extraordinário Só aos ladrões ficou defeso O espaço triste e necessário Onde o Bretão erga um Calvário E cuspa rindo o seu desprezo 102 62 Características do Realismo O movimento realista está ligado à ascensão da pequena burguesia citadina na segunda metade do século XIX Ao contrário da alta burguesia interessada no jogo vazio das formas artísticas a arte pel arte motiva a uma arte voltada para a solução dos problemas sociais isto é uma arte engajada de compromisso É uma arte que se coloca também contra o tradicionalismo romântico e procura incorporar os descobrimentos científicos de seu tempo O Realismo evoluiu gradativamente para o Naturalismo ou melhor a tendência artística que marca a segunda metade do século XIX é na verdade o Naturalismo entendido como uma forma histórica do Realismo de caráter mecanicista e positivista O Realismo existe como tendência dominante ou não em todas as épocas históricas é mais uma atitude do artista diante da representação da realidade Teremos realismo se houver ênfase na caracterização da realidade concreta referida pelo texto artístico No Naturalismo temos um ponto de vista tecnológico A realidade deve ser representada a partir da observação empírica todos os detalhes devem ser vistos e o artista deve ser neutro impassível objetivo A neutralidade entretanto não existe e os artistas aparecem de forma explícita ou implícita como defensores dos valores ideológicos de sua época O relacionamento da arte com a vida deve ser total Gustavo Courbet 1819 1877 o maior nome da pintura realista francesa afirmava Eu não sou apenas socialista sou também democrata e republicano numa palavra partidário da revolução e mais do que tudo realista isto é amigo autêntico da verdade real Os principais escritores dessa literatura de combate na França foram inicialmente Honoré de Balzac 17991850 e Stendhal pseudônimo de Henry Beyle 17831842 que vieram do Romantismo Suas produções têm um caráter menos mecanicista mais dialético a realidade é representada de forma mais problemática já que ela se mostrava ambígua Em Gustave Flaubert 18211880 e em Émile Zola 18401902 escritores que produziram posteriormente já aparece de forma mais evidente o mecanicismo positivista que impulsionou essa literatura social São as seguintes as principais teorias que deram fundamento ideológico à literatura realistanaturalista a teoria determinista de Hippolite Taine 18251893 segundo a qual a obra de arte deveria reproduzir situações condicionadas pela herança pelo meio e pela circunstância momento a filosofia positivista de Auguste Comte 17981857 que defendia a reforma social através do conhecimento empírico baseado na 103 observação experimentação e comparação Propugnava uma espécie de religião da ciência já que todos os fatos do mundo físico social ou espiritual possuem conexões imediatas mecânicas É precursor da moderna tecnocracia o socialismo utópico de PierreJoseph Proudhon 18091865 contrário à luta política mas defensor de associações de auxílio mútuo formadas por pequenos produtores Sua perspectiva ideológica era pequenoburguesa ateu e antiburguês foi defensor dos valores da família o evolucionismo de Charles Robert Darwin 18091882 segundo o qual as espécies animais não teriam sido criadas ao mesmo tempo as mais simples teriam dado origem gradativamente às mais complexas os estudos do fisiologista Claude Bernard 18131878 que descobriu entre outras coisas que as doenças de modo geral nada mais são do que anomalias ou distúrbios dos órgãos do corpo humano e não do espírito os estudos anticlericais sobre a veracidade de fatos religiosos do historiador e filólogo francês JosephErnest Renan 18231892 As teorias positivistas do século XIX surgiram em decorrência das solitações materiais ou ideológicas da Revolução Industrial nos países mais desenvolvidos Não era o caso de Portugal que possuía ainda formas capitalistas primárias associadas a sobrevivências feudais O Realismo vai chegar ao país por importação Foi mais uma posição intelectual de grupos reformistas minoritários Contudo sua influência será bastante importante em setores burgueses mais progressistas A ausência de uma base social similar à da França condicionará uma atualização do mecanicismo positivista A interferência ideológica da situação portuguesa atenuará a contundência que o Realismo teve na França As produções literárias portuguesas serão mais tímidas e mesmo os escritores mais radicais mostram em suas obras traços ideológicos do Romantismo que tanto combatiam Podemos sintetizar o sentido ideológico de construção da escrita do RealismoNaturalismo português nos seguintes pontos crítica ao tradicionalismo vazio da sociedade portuguesa produto segundo eles da educação romântica muito convencional e distante da realidade Há um comprometimento ético do escritor em relação à realidade a ser representada com toda a veracidade e o seu papel é semelhante ao de um profeta com uma missão a cumprir crítica ao conservadorismo da Igreja uma instituição voltada para o passado e que impedia o desenvolvimento natural da sociedade Esse aspecto foi bastante desenvolvido pelo RealismoNaturalismo português em face da importância dessa instituição no país visão objetiva e natural da realidade o escritor deveria construir suas personagens através dos tipos concretos existentes na vida social observando suas relações com o meio A personalidade desses tipos seria definida sobretudo pelos caracteres psicossociais isto é pela influência do meio ambiente em menor escala pelos seus componentes psicofisiológicos isto é pela influência dos órgãos e glândulas do corpo humano em sua conduta preocupação com a reforma e não com a revolução da sociedade com o objetivo de democratizar sobretudo numa perspectiva republicana o poder político e de instituir amplas reformas sociais Procuravam diagnosticar os problemas da vida social e apontar soluções reformistas de caráter às vezes socialista mas mantendose a estrutura do regime capitalista representação da vida contemporânea procurando mostrar todos os seus detalhes significativos Há a preocupação de se estabelecer conexões rigorosas de causa e efeito entre os fenômenos observados já que as leis naturais são equivalentes por exemplo nos campos da física química e biologia Para ilustrar a recepção do RealismoNaturalismo em Portugal transcrevemos a seguir um fragmento do artigo Idealismo e Realismo de Eça de Queirós incluído nas Cartas Inéditas de Fradique Mendes personagem que o autor criou para ser seu portavoz O fragmento permite verificar o sentido da crítica ao Romantismo Define além disso algumas linhas estéticas seguidas pelo RealismoNaturalismo português especialmente naquelas produções mais enquadradas nos padrões desse movimento Agora temos a escola realista Não perdoemme não há escola realista Escola é a imitação sistemática dos processos dum mestre Pressupõe uma origem individual uma retórica ou uma maneira consagrada Ora o naturalismo não nasceu peculiar dum artista é um movimento geral da arte num certo momento da sua evolução A sua maneira não está consagrada porque cada temperamento individual tem a sua maneira própria Daudet é tão diferente de Flaubert como Zola é diferente de Dickens Dizer escola realista é tão grotesco como dizer escola republicana O naturalismo é a forma científica que toma a arte como a república é a forma política que toma a democracia como o positivismo é a forma experimental que toma a filosofia Tudo isto se prende e se reduz a esta fórmula geral que fora da observação dos fatos e da experiência dos fenômenos o espírito não pode obter nenhuma soma de verdade Outrora uma novela romântica em lugar de estudar o homem inventavao Hoje o romance estudao na sua realidade social Outrora no drama no romance concebiase o jogo das paixões a priori hoje analisase a posteriori por processos tão exatos como os da própria fisiologia Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os seres vivos que a constituição intrínseca duma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito duma donzela que há no mundo uma fenomenalidade única que a lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas o romance em lugar de imaginar tinha simplesmente de observar Eça de Queirós mostrouse sempre bastante programático em suas atividades de escritor define antecipadamente o método que vai aplicar em seus romances Sua perspectiva metodológica é do empirismo a experiência é a única forma de conhecimento da realicdade O ficcionista situase assim como um homem de seu tempo identificado com a doutrina positivista que se vale do método empírico O universo é entendido pelo mecanicismo positivista como se fosse uma grande máquina onde cada peça no setor político social econômico etc deveria ajustarse mecanicamente a outra Cada fato seria dessa maneira explicável observandose suas causas e seus movimentos relações Da observação experimentação e comparação surgiriam as leis que explicariam todos os fatos Elas seriam universais poderiam ser aplicadas em todas as áreas em todos os casos e eternas válidas em qualquer época A doutrina positivista levava a uma concepção de mundo sem maiores problemas Bastaria caracterizar através da experimentação as leis mecânicas que regulariam todas as atividades do mundo para adequarnos a elas Tratase de uma adequação nossa às leis naturais e o mundo assim caminharia por conta própria de acordo com os princípios do laissezfaire Esse princípio é básico para a doutrina liberal da Europa industrializada do século XIX total liberdade para os indivíduos nos assuntos políticos sociais econômicos etc O liberalismo tinha como ideal estabelecer como único poder do governo o de executar essas leis naturais Seu desenvolvimento máximo nos países desenvolvidos ocorreu por volta de 1870 época inclusive em que se acentuou a oposição dos vários movimentos socialistas aos seus princípios Na prática verificavase que a livre concorrência ou o livre jogo de forças apenas beneficiava os que tinham mais força A solução seria então para os socialistasreformistas portugueses politicamente republicanos uma maior intervenção social do governo para promover a democratização do liberalismo Outra solução seria o chamado socialismo utópico de acordo com o modelo proudhoniano de se estabelecer cooperativas operárias para se contraporem à força do grande capital Os realistasnaturalistas portugueses oscilaram entre essas duas orientações ou procuraram conciliálas A perspectiva que adotaram foi entretanto reformista e desconheceram a forma de socialismo marxista Para Karl Marx 18181883 os operários deveriam rejeitar essas formas de socialismo que considerava utópicas ou filantrópicas ou ainda sentimentais Defendia a concepção de um socialismo revolucionário para leválos a dominar o poder político do Estado 63 Antero de Quental Antero Tarquínio de Quental 18421891 de origem aristocrática foi o principal líder do Realismo português Revela em sua obra e em suas atividades políticas de forma enfática as contradições desse movimento em Portugal uma teoria adquirida intelectualmente dos países mais desenvolvidos mas desligada da situação histórica concreta de um país subdesenvolvido A produção poética de Antero pode ser dividida em três partes 1ª As poesias de juventude escritas até 1864 excetuandose as odes e que figuram nas seguintes edições que incorporam gradativamente novos poemas dessa época Sonetos 1861 Primaveras românticas 1875 e Raios de extinta luz 1892 As poesias desse período não apresentam unidade temática mas predomina uma ideologia romântica bastante sentimentalista 2ª As poesias de combate das Odes modernas 1865 poemas bastante contraditórios onde é substituída uma visão cristã do mundo por uma religiosidade naturalista panteísta identificação de Deus com o mundo concreto A revolução é vista em termos dessa religiosidade ideais como Liberdade Igualdade e Justiça são transformados em valores santificados O próprio ato de escrever transformase num ato de fé revolucionária uma utopia que o escritor procura alcançar seguindo o humanitarismo proudhoniano 3ª As poesias dilemáticas que enfatizam a divisão do poeta já registradas nas fases anteriores entre o Ideal que leva ao Absoluto ou a Deus e o Real que leva às ciências experimentais Nesta última fase o poeta mostrase angustiado e pessimista oscila dilemáticamente entre o registro de um mundo perfeitamente configurado onde tudo se explicaria explicação religiosa e o das ciências naturais que não consegue substituílo em seus valores absolutos Dessa dialética são construídas as partes finais dos Sonetos Completos 1886 coletânea de poemas que também incorpora poemas das fases anteriores O soneto Tormento do Ideal exemplifica o caráter da tensão idealreal forma material em Antero Conheci a Beleza que não morre E fiquei triste Como quem da serra Mais alta que haja olhando aos pés a terra E o mar vê tudo a maior nau ou torre Minguar fundirse sob a luz que jorre Assim eu vi o mundo e o que ele encerra Perder a cor bem como a nuvem que erra Ao pôr do sol e sobre o mar discorre Pedindo à forma em vão a idéa pura Tropeço em sombras na matéria dura E encontro a imperfeição de quanto existe Recebi o batismo dos poetas E assentado entre as formas incompletas Para sempre fiquei pálido e triste O poeta frustrase por não conseguir uma síntese entre o conhecimento subjetivo idéia e o objetivo formas reais Uma idéia pura pediria uma forma plena totalizadora para assim chegarse a uma síntese de absolutos O poema bem feito forma seria a manifestação concreta do absoluto Nas formas clássicas segundo o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel 17701831 haveria a adequação entre forma e conteúdo mas isso não ocorre no poema romântico onde o conteúdo extravasaria a forma Antero na época um dos maiores conhecedores da dialética hegeliana em Portugal mostrase à procura do equilíbrio clássico perdido onde haveria a síntese formaconteúdo em comunhão com o absoluto Teoria e prática pareciam não se ajustar Essa consciência trouxe ao escritor e ao político um certo distanciamento crítico dos fatos e do mecanicismo das teorias positivistas Ideologicamente ambíguo Antero foi não obstante o principal ativista do Realismo português Desencadeou a Questão Coimbra publicando o folheto Bom Senso e Bom Gosto e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais 1865 e vai depois participar do grupo do Cenáculo e organizar as Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense É sua a conferência Causas da Decadência dos Povos Peninsulares Publica além disso artigos em jornais republicanos e folhetos de propaganda socialista para as organizações operárias Funda com José Fontana a seção portuguesa da Organização Internacional dos Trabalhadores 1872 Entretanto seu idealismo místico vai reacender logo depois quando adoece levandoo a uma psicose depressiva Dividido ainda tenta uma prática política candidatandose simbolicamente por duas vezes a deputado socialista Retirase em seguida da vida pública e duvida das possibilidades revolucionárias das camadas populares Nessa atmosfera participa do grupo dos Vencidos da Vida 18871888 Sobrevém contrariamente às expectativas dos intelectuais portugueses o episódio do Ultimato 1890 e Antero de Quental é convidado para presidir a Liga Patriótica do Norte organização progressista que pretendia reformar a vida portuguesa Os tempos entretanto eram outros os participantes de esquerda do Partido Republicano mostravamse mais ativos do que o antigo líder socialista Ferido em seu orgulho Antero demitese e retirase novamente da vida pública frustrado Suicidouse logo depois Publicara pouco antes o texto que é considerado seu testamento filosófico Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX 1890 64 Eça de Queirós A obra de José Maria Eça de Queirós 18451900 é a mais representativa das tensões ideológicas do Realismo em Portugal É também a mais importante do ponto de vista da elaboração artística Há uma analogia entre a biografia do escritor e o sentido da construção de seus romances a distância Na vida Eça esteve quase sempre distante das situações que mais despertaram a sua atenção a família e a realidade concreta de seu país Do ponto de vista artístico referese às personagens e aos fatos representados na maior parte de suas narrativas de forma crítica e distanciada A distância de sua família deveuse às circunstâncias de nascimento do escritor seus pais pertencentes à burguesia letrada só se casaram quatro anos depois e tentaram ocultálo por muito tempo A criança passou a infância e adolescência distante de seus irmãos em casa de uma ama e depois na de seus avós paternos Ficou posteriormente em colégio interno e ingressou na Universidade de Coimbra sempre longe dos pais Na universidade permanece à margem aprecia apenas de longe à Questão Coimbra 1865 em que Antero de Quental e Teófilo Braga torpedeavam o Romantismo ultrapassado de António Feliciano de Castilho Quando estreou como escritor nas Notas Marginais Eça ainda não se ligara ao grupo realista o que veio a acontecer só mais tarde em 1870 Após formarse advogado o escritor vai finalmente residir com os pais em Lisboa Este é um período de aproximações além da convivência familiar vai participar através do jornalismo das discussões dos problemas políticos nacionais Dirige por curto período um jornal de oposição ao governo na cidade de Évora mergulhando na realidade de seu país Retornando a Lisboa no final de 1867 participa do grupo do Cenáculo onde estuda e discute as teorias do RealismoNaturalismo Nos artigos de jornal começa a emergir o grande escritor realista Em 1870 publica ao regressar a Lisboa de uma viagem ao Oriente uma novela policial O mistério da estrada de Sintra em colaboração com seu amigo e colega de escola Ramalho Ortigão Em seguida deslocase por seis meses para Leiria como estágio para a carreira diplomática que pretendia seguir Retornando novamente a Lisboa Eça de Queirós profere uma entusiástica palestra A Nova Literatura ou O Realismo como Nova Expressão da Arte 1871 dentro das Conferências Democráticas do Cassino Lisboense organizadas pelo grupo do Cenáculo Entretanto os contatos mais frequentes com a realidade portuguesa vão terminar logo após a proibição das conferências do Cassino Eça é nomeado cônsul em Havana Cuba Na carreira diplomática distante do país diminui a irreverência do cidadão e acentuase a do escritor Transferido para a Inglaterra em 1874 publica a primeira versão de O crime do padre Amaro no ano seguinte este romance publicado na forma de folhetim foi reformulado em 1876 na edição em volume e refundido na edição de 1880 Distante da pátria colabora em vários jornais de Portugal e do Brasil e se propõe a realizar através de romances um vasto inquérito da sociedade portuguesa da época O projeto é realizado apenas parcialmente pois faltavalhe a verificação própria do RealismoNaturalismo conforme definiu em sua conferência no Cassino Publica O primo Basílio 1878 Em 1886 aos 41 anos casase Eça de Queirós com a filha de seu antigo colega de viagem ao Oriente o conde de Resende Atenuase agora também a irreverência do escritor sintonizado com o grupo dos Vencidos da Vida As narrativas A relíquia e Os Maias escritas nos anos anteriores ao seu casamento são publicadas em 1887 e 1888 Na atmosfera do vencismo mas com uma perspectiva mais patriótica do período pósUltimato surgirão A ilustre casa de Ramires 1900 e A cidade e as serras 1901 Eça de Queirós passa então os últimos anos de sua vida em Paris para onde se transferiu É o antigo demolidor da moral burguesa dos tempos do Cenáculo tem a sua irreverência atenuada pelas atividades da diplomacia e por uma vida burguesa As produções literárias de Eça de Queirós podem ser explicadas a partir de dois pólos de tensões ideológicas o de sentido mais conservador que se enraíza em sua origem social e o reformista próprio das reivindicações pequenoburguesas de sua época adquiridos sobretudo através de leituras e de debates intelectuais por volta de 1870 Sua iniciação literária fazse dentro do Romantismo Afastase entretanto dos esquematismos ultraromânticos e introduz o romantismo social sob influência da épica popular de VictorMarie Hugo 18021885 a historiografia apaixonada dos movimentos populares de Jules Michelet 17981874 e o lirismo irônico e satírico do poeta alemão Heinrich Heine 17971856 A perspectiva de Eça filtrada por causa dessas influências mostrase dilacerante e sombria Andamos todos sofrendo Passamos lentos desconsolados e alumiados pelo sol negro da melancolia Nem largos risos nem bênçãos fecundas A esperança fugiu para além das estrelas das nuvens e dos caminhos lácteos Nos corações nascem amores sombrios e loucos E tudo porque um dia nasceu uma criança estranha que foi alimentada com um leite mórbido como a lua e envolta numa túnica lívida como a morte A visão pessimista desse fragmento das Notas marginais contrariava o otimismo oficial do regime político da Regeneração A novela O mistério da estrada de Sintra 1871 publicada em seguida em colaboração com Ramalho Ortigão já nos indica um afastamento do escritor em relação a esse lirismo dilacerante das Notas marginais A mudança virá logo depois de forma vertiginosa Afirmase o reformismo sobre o conservadorismo isto é o realismonaturalismo sobre o lirismo neoromântico Começam a ser publicadas as Farpas 1871 crônicas sobre assuntos de atualidade também em colaboração com Ramalho Ortigão As Farpas colocaram em prática o programa definido nas Conferências do Cassino Afirmou então o escritor em sua conferência O Romantismo era a apoteose do sentimento o Realismo é a anatomia do caráter É a crítica do homem É a arte que nos pinta a nossos olhos para condenar o que houver de mau na sociedade Definidos esses princípios do engajamento artístico Eça de Queirós vai pretender realizar um grande inquérito da sociedade portuguesa através da literatura A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa tal qual fez o Constitucionalismo desde 1830 e mostrarlhe como num espelho que triste país eles formam eles e elas É o fim nas Cenas Portuguesas É necessário acutilar o mundo oficial o mundo sentimental o mundo literário o mundo agrícola o mundo supersticioso e com todo respeito pelas instituições de origem eterna destruir as falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma sociedade podre É o que afirma em carta a Teófilo Braga em 1878 Pretende criticar para corrigir Interessa ao escritor o caso típico da vida social seu significado coletivo e não a particularidade individual São produções dessa fase naturalista O crime do padre Amaro 1875 O primo Basílio 1878 O 111 mandarim 1879 A relíquia 1887 Os Maias 1888 A capital 1925 e A tragédia da rua das Flores 1980 Esses romances constituem parte do pretendido inquérito da sociedade portuguesa em todos os seus aspectos projeto que não se completou A parte mais fraca dessa investigação social deveuse ao pouco conhecimento do povo por parte do escritor Personagens populares com exceção da criada Juliana O primo Basílio só aparecem de forma rápida ou formando a paisagem social sem uma função mais importante na trama desenvolvida E mesmo Juliana é difícil de ser entendida no quadro da vida portuguesa faltandolhe a tipicidade pretendida pela estética realistanaturalista Antônio José Saraiva As idéias de Eça de Queirós resume nas seguintes diretrizes a orientação ideológica desse inquérito social a idéia de consciência de onde vem a busca da igualdade a idéia de evolução como realização da igualdade entre os homens a idéia de que o homem é produto do meio e não um absoluto a idéia de que a gênese e a função da arte devem ser consideradas dentro do grupo social e não dentro do indivíduo absoluto e divino A orientação ideológica positivista situa as produções queirosianas dentro do gradativismo reformista O curso natural da história conduziria o homem ao socialismo pela intervenção da consciência e do esclarecimento E essa ânsia de intervir na realidade vai fazer com que a voz dos narradores de seus romances seja colocada acima da das personagens e mesmo dos fatos sociais afastando assim a pretendida neutralidade científica do movimento realistanaturalista Dessa forma o narrador de O crime do padre Amaro explicita as suas opiniões sobre a sociedade portuguesa E assim uma burguesia entorpecida esperava deter com alguns polícias uma revolução social e uma mocidade envernizada de literatura decidia destruir num folhetim uma sociedade de dezoito séculos Os narradores dessa fase parecem mais preocupados com o ambiente do que com as personagens Parecem além disso construir suas personagens de fora organizando a narrativa com os valores defendidos pelo grupo do Cenáculo Falta em muitas situações dessas narrativas a dinamização por dentro da vida psicológica dessas personagens E talvez porque faltasse a Eça de Queirós maior convicção em relação às teses apresentadas ele vai utilizarse sistematicamente da ironia O recurso irônico por indefinir as fronteiras entre a subjetividade do narrador e a objetividade da realidade a que se refere destrói o pragmatismo das teses realistasnaturalistas É recurso estilístico eficaz para ser utilizado por um escritor de formação eclética como Eça de Queirós Com a ironia temos um maior grau de ambigüidade da escrita literária o que em parte afasta o esquematismo positivista Com Os Maias Eça de Queirós encerra a sua fase mais positivista É o seu romance mais bem elaborado as tensões dialéticas personagempersonagem narradorpersonagem e personagemsituação social entrecruzamse dinamicamente Temos uma abordagem ampla e bastante concreta da alta burguesia lisboeta A ausência continuada do país e a afirmação do pólo ideológico mais conservador vão fazer com que Eça de Queirós se afaste dessa estética experimental do RealismoNaturalismo E mais uma vez é notável a sua consciência artística Em carta a Teófilo Braga confessa sinto que possuo o processo como ninguém mas faltamme as teses E a Ramalho Ortigão quando estava na Inglaterra Para escrever qualquer página qualquer linha tenho de fazer dois violentos esforços desprenderme inteiramente da impressão que me dá a sociedade que me cerca e evocar por um retesamento da reminiscência a sociedade que está longe Isto faz com que os meus personagens sejam cada vez menos portugueses sem por isso serem ingleses começaram a ser convencionais vãose tornando uma maneira De modo que estou nesta crise intelectual ou tenho de me recolher ao meio onde posso produzir por processo experimental isto é ir para Portugal ou tenho de me entregar à literatura puramente fantasista ou humorista Esta é a última fase literária de Eça de Queirós a do destaque para essa fantasia a que se refere onde se inserem A correspondência de Fradique Mendes 1900 A ilustre casa de Ramires 1900 e A cidade e as serras 1901 A situação social já não é tão determinante da ação das personagens como ocorria na fase anterior As relações entre as personagens e a realidade são simplificadas e as soluções dos conflitos dependem mais de seus aspectos subjetivos do que da situação social Há um obscurecimento do real em face da personagem No ensaio Positivismo e Idealismo já encontramos o escritor não mais olhando para a frente mas para trás Ao registrar que as massas reagem contra a estrutura geral da sociedade contemporânea tal como a tem criado o positivismo não vai a fundo na busca de suas motivações ou do significado estéticoideológico de uma ruptura com o Naturalismo 114 Eça que sempre teve consciência do ofício de escritor voltado para o futuro olha agora para o passado para fixar conforme a moda formas há muito tempo estabelecidas Em literatura estamos assistindo ao descrédito do naturalismo A simpatia o favor vão todos para o romance de imaginação de psicologia sentimental ou humorista de ressurreição arqueológica e préhistórica e até de capa e espada com maravilhosos imbrogliós como nos robustos tempos de DArtagnan Os imbroglíos da fantasia propiciam na verdade soluções fáceis Não temos mais o ceticismo irônico dos romances naturalistas nem mesmo a insatisfação melancólica das narrativas da primeira fase Ao invés do pessimismo problemático afirmase o otimismo fácil que deixaria satisfeito qualquer político da monarquia constitucional portuguesa que o escritor anteriormente tanto criticara É uma volta ideológica às raízes sociais o reformismo mais de ordem intelectual amainouse ao curso dos anos e da continuada distância do país Ao invés por exemplo de soluções econômicas proudhonianas temos agora a do grande empreendedor capitalista voltado para o campo do país A cidade e as serras ou das colônias A ilustre casa de Ramires 65 Cesário Verde O trabalho poético de José Joaquim Cesário Verde 18551886 registra as tensões sociais do processo de urbanização em Portugal Sua escrita poética é o ponto de partida de várias tendências de vanguarda e do modernismo de seu país como o tratamento estilístico do decadentismosimbolismo ou o sensacionismo de Fernando Pessoa Sua consciência artesanal do poema visto como objeto estético construído a partir de uma multiplicidade de perspectivas aproximao igualmente da modernidade dos movimentos de vanguarda e da literatura contemporânea O principal mérito de Cesário Verde entretanto é ter tematizado com grande força poética o operariado lisboeta com uma produção que o singulariza no conjunto da Literatura Portuguesa É precursor dentro de uma ótica pequenoburguesa das preocupações do movimento neorealista que viria a se firmar depois da Segunda Guerra Mundial Cesário Verde de origem burguesa iniciouse literariamente sob influência do Parnasianismo mas evoluiu rapidamente para um realismo de caráter dialético onde registra imagens do cotidiano citadino contraposto ao do campo Não é o progresso da cidade que provoca a reação emotiva e crítica do poeta mas as condições em que esse desenvolvimento 115 ocorre os operários provenientes das regiões rurais são reduzidos em seus valores humanos e transformados em animais como nesta passagem de Cristalizações Homens de carga Assim as bestas vão curvadas Que vida tão custosa Que diabo E os cavadores pousam as enxudas E cospem nas calosas mãos gretadas Para que não lhes escorregue o cabo O sofrimento citadino que registra na sua escrita poética não é puramente literário mas possui um referencial histórico e concreto A população da cidade é fixada em processo isto é com imagens em movimento como acontece com a pintura impressionista Há semelhança entre os seus procedimentos estilísticos e os do decadentismosimbolismo francês em especial com o poeta Charles Pierre Baudelaire 18211867 Há entretanto uma diferença fundamental em relação a Baudelaire a realidade em Cesário Verde é histórica com homens concretos Não há preocupações psicológicas ou metafísicas os abismos existenciais têm fundamentação sociológica Sua preocupação é caracterizar uma alma popular onde as tradições culturais e a própria escrita seriam objetivadas E sinto se me ponho a recordar Tanto utensílio tantas perspectivas As tradições antigas primitivas E a formidável alma popular Oh Que brava alegria eu tenho quando Sou talqual como os mais E sem talento Faço um trabalho técnico violento Cantando pratiquejando batalhando A objetivação dessas duas estrofes do poema Nós também ocorre com a metáfora básica de seus poemas a cidademulher O poeta busca nas imagens concretas da cidade a dimensão humana o sensualismo que ela perdeu devido ao grosseiro desenvolvimento capitalista A fria cidademulher o subjuga como ao operário Ela é dominadora faltalhe a naturalidade que é própria do amor Nas relações amorosas entre o poeta e a cidademulher falta igualmente a vitalidade biológica inerente ao amor realista A plasticidade da cidade atrai o poeta mas ele rejeita a sua fria dominação Há então uma dialética de atraçãorepulsão em relação à cidademulher procura como solução transformála dentro do interior citadino através de imagens vitalizadoras do campo natural como nesta passagem de Num Bairro Moderno E eu recompunha por anatomia Um novo corpo orgânico aos bocados Achava os tons e as formas Descobria uma cabeça numa melancia E nuns repolhos seios injectados A cidademulher é montada por flashes uma forma de composição similar à das montagens cinematográficas Esse processo evolui para a justaposição de imagens fragmentárias e múltiplas Essa fragmentação referese a uma sociedade dividida onde a noção de progresso se une à de decadência em que o heróico se justapõe ao antiheróico a fome à fartura o delírio o sonho e a fantasia às opressões da realidade O poema O Sentimento de um Ocidental sintetiza essa visão fragmentada de forma frustradora como podemos notar nesta estrofe E enorme nesta massa irregular De prédios sepulcrais com dimensões de montes A Dor humana busca os amplos horizontes E tem marés de fel como um sinistro mar A desilusão do poeta vem de suas próprias limitações históricas Se ele consegue decompor e recompor o mundo passado e presente não pode entretanto construir materialmente um outro mundo Este é um modo de o poema expressar a consciência da contradição E esta é uma forma de resistência à alienação social As contradições registradas por Cesário Verde ao nível individual são de sua época Mais do que o reformismo da perspectiva do RealismoNaturalismo da geração de 1870 o poeta registra poeticamente um sistema social sem futuro que dialeticamente se autodestrói a época de crise e de tão profundas contradições vivida por Portugal e todo o Ocidente no século XIX ofereceu a Cesário Verde uma multiplicidade de problemas instabilidades e vivências oriundos de profundas transformações sociais É essa época e o sentimento que ela provoca que faz de Cesário Verde um espectador e um crítico militante um lírico amoroso que através de seu relacionamento com a cidade e com a mulher expressa contradições que sendo suas ao nível subjetivo acabam por refletir e configurar as de nível social Maria Aparecida Paschoalin A poesia de Cesário Verde lirismo e realidade social 116 66 Guerra Junqueiro A poesia mais popular e participante do Realismo em Portugal foi a de Abílio Manuel Guerra Junqueiro 18501923 O poeta dentro das formas populares da tradição literária de seu país atualiza modelos artísticos que encontramos sobretudo no romantismo social de Victor Hugo e modelos ideológicos do RealismoNaturalismo europeu Descendente de ricos proprietários agrários Guerra Junqueiro iniciouse literariamente em Coimbra onde trocou a Faculdade de Teologia pela de Direito A orientação de sua poesia para a oratória já era então bem evidente Publica A morte de D João 1874 quando já participava do grupo do Cenáculo O poeta oscilava numa tensão ideológica entre o seu anticlerycalismo contra as formas exteriores de religiosidade da Igreja e uma forma de religiosidade panteísta de caráter humanitário e fraternal de acordo com a perspectiva proudhoniana Ao curso dos anos 70 e 80 vai tendendo para a religiosidade panteísta É dessa época A velhice do Padre Eterno 1885 quando se relacionava com literatos e aristocratas do grupo dos Vencidos da Vida Após o Ultimato 1890 Guerra Junqueiro rompe com seu amigo Oliveira Martins que participava do governo monárquico e ingressa ativamente na propaganda republicana São dessa época os poemas satíricos de Finis Patriae 1891 Crianças rotas sem abrigo A enxrega é pobre e a roupa é leve Quarto sem luz mesa sem trigo Quem é que bate ao meu postigo A coletânea de poemas Pátria 1896 inserese no saudossismo patriótico desencadeado pelo episódio do Ultimato Ao procurar os valores mais significativos de sua pátria Guerra Junqueiro destaca os valores do campo e constrói Os simples 1892 de caráter lírico Sua escrita poética mostrase nessa época impregnada de um neoromantismo ou um neosimbolismo de caráter popular de um sentimentalismo popular Identificase sentimentalmente com a situação de miséria das camadas mais pobres da população A religiosidade panteísta já evidente nos poemas anteriores afirmase ainda mais em Guerra Junqueiro Nessa perspectiva aparece Oração do pão 1903 onde o poeta mostrase mais preocupado com questões filosóficas e distante das reivindicações sociais Com a República Guerra Junqueiro retornará à vida política mas não será mais o panfletário anticlerical e antimonárquico da poesia de combate 117 do naturalismonaturalismo Foi deputado em 1914 e em seguida participará da representação diplomática portuguesa na Suíça Outras produções de Guerra Junqueiro A musa em férias 1871 Poesias dispersas 1920 Vibrações líricas 1925 e Horas de lutas 1924 são coletâneas que incorporam os livros publicados anteriormente O autor também deixou obras em prosa de menor valor literário Contos para a infância 1877 e Prosas dispersas 1920 67 Fialho de Almeida A prosa de ficção de José Valentim Fialho de Almeida 18571911 apresenta tensões similares às de Cesário Verde na poesia Dividido entre a cidade e o campo ele apresenta uma crítica bastante contundente à sociedade burguesa Essas pobres tecedeiras quase todas do tipo raquítico com carocos no peito e rosetas nos malares de febre lenta Simpáticas e industriasas abelhas que à noite pedem ao tear o suprimento do pão que a seara de três a quatro sementes lhes recusa Saibam quantos O ponto de vista defendido por Fialho de Almeida é popular mas seu estilo narrativo oscila entre uma técnica de raízes plebéias e o aristocratismo das técnicas do decadentismo francês Sua escrita é polifônica há uma pluralidade de vozes díspares dentro de uma mesma narrativa ou entre uma narrativa e outra Tal comportamento dilacerante da escrita lembra igualmente a técnica de composição barroca bastante arraigada no pensamento ibérico A adesão de Fialho à perspectiva popular é semelhante à de outro escritor polifônico Fedor Mikhailovitch Dostoïevski 18211881 O escritor realista russo como acontece com o português procura identificarse com os proletários através de um amor fraternal O grito de revolta que encontramos no conjunto da obra desses ficcionistas é simultaneamente contra a condição social e contra a condição humana A escrita de Fialho de Almeida oscila entre o registro de quadros citadinos e de ambientes rurais Toda uma variedade de marginais são enfocados boêmios intelectuais que se refugiam na estesia sentimento do belo ao procurar fugir da agressividade do mundo e as humildes personagens proletárias vítimas do sistema social A produção artística de Fialho é bastante vasta e múltipla Há uma prosa de caráter mais jornalístico em Os gatos 18891894 folhetins que vão gradativamente se afastando dos padrões do RealismoNaturalismo quando o escritor incorpora a técnica impressionista O impressionismo distorce subjetivamente a realidade que é apresentada de maneira disforme desfocada Muitas de suas narrativas poderiam ser consideradas a ainda expressionistas pela deformação da realidade suas personagens são reduzidas a verdadeiros monstros como ocorre na narrativa O Anão A degradação biológica e social de suas personagens tem sua origem no sistema econômico Fialho além de escritor foi médico as deformidades físicas que observou pediam uma deformação da escrita literária A solução técnica polifônica que encontrou foi altamente criativa e o coloca entre os principais estilistas da Literatura Portuguesa Fialho de Almeida escreveu contos crônicas e reportagens Do ponto de vista literário os contos em especial os contos rústicos constituem a parte mais importante Contos 1881 A cidade do vício 1882 Lisboa galante 1890 O país das uvas 1893 e Aves migradoras 1921 Sugestões para leitura Em Significação ideológica da Questão Coimbrã Perspectiva do romantismo português Lisboa Ed 70 1971 p 245273 de Alberto FERREIRA encontrase uma análise do caráter ideológico dos escritores que participaram de forma mais direta ou indireta da eclosão do movimento realista em Portugal Carlos REIS na parte inicial de Introdução à leitura dOs Maias 3 ed Coimbra Almedina 1981 p 1322 analisa a evolução literária de Eça de Queirós situandoa diante do contexto da época Esse estudo permite apreciar o sentido de desenvolvimento do RealismoNaturalismo português A ruptura dessa corrente literária para certas formas da modernidade artística constitui matéria de reflexão crítica de Jacinto do Prado COELHO em três artigos sobre Cesário Verde Problemática da história literária 2 ed Lisboa Ática 1961 p 181198 Síntese RealismoNaturalismo 1 Três momentos do Realismo a A eclosão a Questão Coimbrã Posfácio de Castilho critica Antero de Quental Teófilo Braga Vieira de Castro 119 Respostas Antero de Quental Teófilo Braga Bom senso e bom gosto A dignidade das letras e as literaturas oficiais Teocracias Literárias b A afirmação o grupo do Cenáculo As Farpas de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão As Conferências do Cassino c A decadência os Vencidos da Vida Episódio do Ultimato Suicídio de Antero de Quental Características do movimento Arte engajada compromisso entre arte e realidade social Base teórica Determinismo de Taine Positivismo de Comte Socialismo utópico de Proudhon Evolucionismo de Darwin Fisiologismo de Claude Bernard Anticlericalismo de Renan Prática realista Crítica à educação romântica Crítica ao conservadorismo da Igreja Visão objetiva da realidade Reforma social Representação da vida contemporânea O empirismo naturalista e o liberalismo Principais escritores Antero de Quental posição de liderança Fases 1ª Juventude Sonetos 2ª Combate Odes modernas 3ª Dilemática Sonetos completos Eça de Queirós escritor mais representativo Fases 1ª Neoromântica Notas marginais 2ª Realistanaturalista O crime do padre Amaro 3ª Afastamento do Naturalismo A ilustre casa de Ramires Cesário Verde Características Registra processo de urbanização Tematizou o operariado Precursor do Modernismo Guerra Junqueiro Características Poesia militante e popular Afastamento dos padrões realistas Fialho de Almeida Características Humanitarismo popular Técnicas decadentistas 120 121