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A Santa Sé CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL 1 FRATELLI TUTTI1 escrevia São Francisco de Assis dirigindose a seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho Destes conselhos quero destacar o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço nele declara feliz quem ama o outro o seu irmão tanto quando está longe como quando está junto de si2 Com poucas e simples palavras explicou o essencial duma fraternidade aberta que permite reconhecer valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita 2 Este Santo do amor fraterno da simplicidade e da alegria que me inspirou a escrever a encíclica Laudato si volta a inspirarme para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social Com efeito São Francisco que se sentia irmão do sol do mar e do vento sentia se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres abandonados doentes descartados dos últimos Sem fronteiras 3 Na sua vida há um episódio que nos mostra o seu coração sem fronteiras capaz de superar as distâncias de proveniência nacionalidade cor ou religião é a sua visita ao Sultão Malikal Kamil no Egito A mesma exigiu dele um grande esforço devido à sua pobreza aos poucos recursos que possuía à distância e às diferenças de língua cultura e religião Aquela viagem num momento histórico marcado pelas Cruzadas demonstrava ainda mais a grandeza do amor que queria viver desejoso de abraçar a todos A fidelidade ao seu Senhor era proporcional ao amor que nutria pelos irmãos e irmãs Sem ignorar as dificuldades e perigos São Francisco foi ao encontro do Sultão com a mesma atitude que pedia aos seus discípulos sem negar a própria identidade quando estiverdes entre sarracenos e outros infiéis não façais litígios nem contendas mas sede submissos a toda a criatura humana por amor de Deus3 No contexto de então era um pedido extraordinário É impressionante que há oitocentos anos Francisco recomende evitar toda a forma de agressão ou contenda e também viver uma submissão humilde e fraterna mesmo com quem não partilhasse a sua fé 4 Não fazia guerra dialética impondo doutrinas mas comunicava o amor de Deus compreendera que Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus 1 Jo 4 16 Assim foi pai fecundo que suscitou o sonho duma sociedade fraterna pois só o homem que aceita aproximar se das outras pessoas com o seu próprio movimento não para retêlas no que é seu mas para ajudálas a serem mais elas mesmas é que se torna realmente pai4 Naquele mundo cheio de torreões de vigia e muralhas defensivas as cidades viviam guerras sangrentas entre famílias poderosas ao mesmo tempo que cresciam as áreas miseráveis das periferias excluídas Lá Francisco recebeu no seu íntimo a verdadeira paz libertouse de todo o desejo de domínio sobre os outros fezse um dos últimos e procurou viver em harmonia com todos Foi ele que motivou estas páginas 5 As questões relacionadas com a fraternidade e a amizade social sempre estiveram entre as minhas preocupações A elas me referi repetidamente nos últimos anos e em vários lugares Nesta encíclica quis reunir muitas dessas intervenções situandoas num contexto mais amplo de reflexão Além disso se na redação da Laudato si tive uma fonte de inspiração no meu irmão Bartolomeu o Patriarca ortodoxo que propunha com grande vigor o cuidado da criação agora sentime especialmente estimulado pelo Grande Imã Ahmad AlTayyeb com quem me encontrei em Abu Dhabi para lembrar que Deus criou todos os seres humanos iguais nos direitos nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos5 Não se tratou de mero ato diplomático mas duma reflexão feita em diálogo e dum compromisso conjunto Esta encíclica reúne e desenvolve grandes temas expostos naquele documento que assinamos juntos E aqui na minha linguagem própria acolhi também numerosas cartas e documentos com reflexões que recebi de tantas pessoas e grupos de todo o mundo 6 As páginas seguintes não pretendem resumir a doutrina sobre o amor fraterno mas detêmse na sua dimensão universal na sua abertura a todos Entrego esta encíclica social como humilde contribuição para a reflexão a fim de que perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras Embora a tenha escrito a partir das minhas convicções cristãs que me animam e nutrem procurei fazêlo de tal maneira que a reflexão se abra ao diálogo com todas as pessoas de boa vontade 7 Além disso quando estava a redigir esta carta irrompeu de forma inesperada a pandemia do Covid19 que deixou a descoberto as nossas falsas seguranças Por cima das várias respostas 2 que deram os diferentes países ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto Apesar de estarmos superconectados verificouse uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos Se alguém pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes está a negar a realidade 8 Desejo ardentemente que neste tempo que nos cabe viver reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana possamos fazer renascer entre todos um anseio mundial de fraternidade Entre todos Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente precisamos duma comunidade que nos apoie que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente Como é importante sonhar juntos Sozinho corres o risco de ter miragens vendo aquilo que não existe é juntos que se constroem os sonhos6 Sonhemos como uma única humanidade como caminhantes da mesma carne humana como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções cada qual com a própria voz mas todos irmãos Capítulo I AS SOMBRAS DUM MUNDO FECHADO 9 Sem pretender efetuar uma análise exaustiva nem tomar em consideração todos os aspetos da realidade que vivemos proponho apenas manternos atentos a algumas tendências do mundo atual que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal Sonhos desfeitos em pedaços 10 Durante décadas pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas guerras e fracassos e lentamente ia caminhando para variadas formas de integração Por exemplo avançou o sonho duma Europa unida capaz de reconhecer raízes comuns e regozijarse com a diversidade que a habita Lembremos a firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do continente7 E ganhou força também o anseio duma integração latinoamericana e alguns passos começaram a ser dados Noutros países e regiões houve tentativas de pacificação e reaproximações que foram bemsucedidas e outras que pareciam promissoras 11 Mas a história dá sinais de regressão Reacendemse conflitos anacrónicos que se consideravam superados ressurgem nacionalismos fechados exacerbados ressentidos e agressivos Em vários países uma certa noção de unidade do povo e da nação penetrada por diferentes ideologias cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais Isto lembranos que cada geração deve fazer 3 suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e leválas a metas ainda mais altas É o caminho O bem como aliás o amor a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre hão de ser conquistados cada dia Não é possível contentarse com o que já se obteve no passado nem instalarse a gozálo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos8 12 Abrirse ao mundo é uma expressão de que hoje se apropriaram a economia e as finanças Referese exclusivamente à abertura aos interesses estrangeiros ou à liberdade dos poderes económicos para investir sem entraves nem complicações em todos os países Os conflitos locais e o desinteresse pelo bem comum são instrumentalizados pela economia global para impor um modelo cultural único Esta cultura unifica o mundo mas divide as pessoas e as nações porque a sociedade cada vez mais globalizada tornanos vizinhos mas não nos faz irmãos9 Encontramonos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência Em contrapartida aumentam os mercados onde as pessoas desempenham funções de consumidores ou de espectadores O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres tornandoas mais vulneráveis e dependentes Desta forma a política tornase cada vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais que aplicam o lema divide e reinarás O fim da consciência histórica 13 Pelo mesmo motivo favorece também uma perda do sentido da história que desagrega ainda mais Notase a penetração cultural duma espécie de desconstrucionismo em que a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero De pé deixa apenas a necessidade de consumir sem limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo Neste contexto colocavase um conselho que dei aos jovens Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história não aproveitardes da experiência dos mais velhos desprezardes todo o passado olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece não será uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz Aquela pessoa precisa de vós vazios desenraizados desconfiados de tudo para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos Assim procedem as ideologias de variadas cores que destroem ou desconstroem tudo o que for diferente podendo assim reinar sem oposições Para isso precisam de jovens que desprezem a história rejeitem a riqueza espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações ignorem tudo quanto os precedeu10 14 São as novas formas de colonização cultural Não nos esqueçamos de que os povos que alienam a sua tradição e por mania imitativa violência imposta imperdoável negligência ou apatia toleram que se lhes roube a alma perdem juntamente com a própria fisionomia espiritual a sua consistência moral e por fim a independência ideológica económica e 4 política11 Uma maneira eficaz de dissolver a consciência histórica o pensamento crítico o empenho pela justiça e os percursos de integração é esvaziar de sentido ou manipular as grandes palavras Que significado têm hoje palavras como democracia liberdade justiça unidade Foram manipuladas e desfiguradas para utilizálas como instrumento de domínio como títulos vazios de conteúdo que podem servir para justificar qualquer ação Sem um projeto para todos 15 A melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante mesmo disfarçada por detrás da defesa de alguns valores Usase hoje em muitos países o mecanismo político de exasperar exacerbar e polarizar Com várias modalidades negase a outros o direito de existir e pensar e para isso recorrese à estratégia de ridicularizálos insinuar suspeitas sobre eles e reprimilos Não se acolhe a sua parte da verdade os seus valores e assim a sociedade empobrecese e acaba reduzida à prepotência do mais forte Desta forma a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum limitandose a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro Neste mesquinho jogo de desqualificações o debate é manipulado para o manter no estado de controvérsia e contraposição 16 Nesta luta de interesses que nos coloca a todos contra todos onde vencer se torna sinónimo de destruir como se pode levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem está caído na estrada Hoje um projeto com grandes objetivos para o desenvolvimento de toda a humanidade soa como um delírio Aumentam as distâncias entre nós e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés 17 Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós mesmos Mas precisamos de nos constituirmos como um nós que habita a casa comum Um tal cuidado não interessa aos poderes económicos que necessitam dum ganho rápido Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares Nesta cultura que estamos a desenvolver vazia fixada no imediato e sem um projeto comum é previsível que perante o esgotamento de alguns recursos se vá criando um cenário favorável para novas guerras disfarçadas sob nobres reivindicações12 O descarte mundial 18 Partes da humanidade parecem sacrificáveis em benefício duma seleção que favorece a um setor humano digno de viver sem limites No fundo as pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar especialmente se são pobres ou deficientes se ainda não servem como os nascituros ou já não servem como os idosos Tornamonos insensíveis a qualquer forma de desperdício a começar pelo alimentar que aparece entre os mais deploráveis13 5 19 A falta de filhos que provoca um envelhecimento da população juntamente com o abandono dos idosos numa dolorosa solidão exprimem implicitamente que tudo acaba connosco que só contam os nossos interesses individuais Assim objeto de descarte não são apenas os alimentos ou os bens supérfluos mas muitas vezes os próprios seres humanos14 Vimos o que aconteceu com as pessoas de idade nalgumas partes do mundo por causa do coronavírus Não deviam morrer assim Na realidade porém tinha já acontecido algo semelhante devido às ondas de calor e noutras circunstâncias cruelmente descartados Não nos damos conta de que isolar os idosos e abandonálos à responsabilidade de outros sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso mutila e empobrece a própria família Além disso acaba por privar os jovens daquele contacto que lhes é necessário com as suas raízes e com uma sabedoria que a juventude sozinha não pode alcançar 20 Este descarte exprimese de variadas maneiras como por exemplo na obsessão por reduzir os custos laborais sem se dar conta das graves consequências que provoca pois o desemprego daí resultante tem como efeito direto alargar as fronteiras da pobreza15 Além disso o descarte assume formas abjetas que julgávamos já superadas como o racismo que se dissimula mas não cessa de reaparecer De novo nos envergonham as expressões de racismo demonstrando assim que os supostos avanços da sociedade não são assim tão reais nem estão garantidos duma vez por todas 21 Há regras económicas que foram eficazes para o crescimento mas não de igual modo para o desenvolvimento humano integral16 Aumentou a riqueza mas sem equidade e assim nascem novas pobrezas17 Quando dizem que o mundo moderno reduziu a pobreza fazemno medindoa com critérios doutros tempos não comparáveis à realidade atual Pois noutros tempos por exemplo não ter acesso à energia elétrica não era considerado um sinal de pobreza nem causava grave incómodo A pobreza sempre se analisa e compreende no contexto das possibilidades reais dum momento histórico concreto Direitos humanos não suficientemente universais 22 Muitas vezes constatase que de facto os direitos humanos não são iguais para todos O respeito destes direitos é condição preliminar para o próprio progresso económico e social de um país Quando a dignidade do homem é respeitada e os seus direitos são reconhecidos e garantidos florescem também a criatividade e a audácia podendo a pessoa humana explanar suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum18 Mas observando com atenção as nossas sociedades contemporâneas deparamos com numerosas contradições que induzem a perguntar nos se deveras a igual dignidade de todos os seres humanos solenemente proclamada há 70 anos é reconhecida respeitada protegida e promovida em todas as circunstâncias Persistem hoje no mundo inúmeras formas de injustiça alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um modelo económico fundado no lucro que não hesita em explorar descartar e até matar o homem Enquanto uma parte da humanidade vive na opulência outra parte vê a própria 6 dignidade não reconhecida desprezada ou espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados19 Que diz isto a respeito da igualdade de direitos fundada na mesma dignidade humana 23 De modo análogo a organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens As palavras dizem uma coisa mas as decisões e a realidade gritam outra Com efeito duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão maustratos e violência porque frequentemente têm menores possibilidades de defender os seus direitos20 24 Reconhecemos igualmente que apesar de a comunidade internacional ter adotado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno ainda hoje milhões de pessoas crianças homens e mulheres de todas as idades são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura Hoje como ontem na raiz da escravatura está uma conceção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objeto Com a força o engano a coação física ou psicológica a pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus é privada da liberdade mercantilizada reduzida a propriedade de alguém é tratada como meio e não como fim As redes criminosas utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo21 E a aberração não tem limites quando são subjugadas mulheres forçadas depois a abortar um ato abominável que chega mesmo ao sequestro da pessoa para vender os seus órgãos Isto torna o tráfico de pessoas e outras formas atuais de escravatura num problema mundial que precisa de ser tomado a sério pela humanidade no seu conjunto porque assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objetivos assim também a ação para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes atores que compõem a sociedade22 Conflito e medo 25 As guerras os atentados as perseguições por motivos raciais ou religiosos e tantas afrontas contra a dignidade humana são julgados de maneira diferente segundo convenham ou não a certos interesses fundamentalmente económicos o que é verdade quando convém a uma pessoa poderosa deixa de o ser quando já não a beneficia Estas situações de violência vãose multiplicando cruelmente em muitas regiões do mundo a ponto de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma terceira guerra mundial por pedaços23 26 Isto não surpreende se atendermos à falta de horizontes capazes de nos fazer convergir para a unidade pois em qualquer guerra o que acaba destruído é o próprio projeto de fraternidade inscrito na vocação da família humana pelo que toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a retirada24 Assim o nosso mundo avança numa dicotomia sem sentido 7 pretendendo garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança25 27 Paradoxalmente existem medos ancestrais que não foram superados pelo progresso tecnológico mais ainda souberam esconderse e revigorarse por detrás das novas tecnologias Também hoje atrás das muralhas da cidade antiga está o abismo o território do desconhecido o deserto O que vier de lá não é fiável porque desconhecido não familiar não pertence à aldeia Tratase do território do que é bárbaro do qual há que defenderse a todo o custo Consequentemente criamse novas barreiras de autodefesa de tal modo que deixa de haver o mundo para existir apenas o meu mundo e muitos deixam de ser considerados seres humanos com uma dignidade inalienável passando a ser apenas os outros Reaparece a tentação de fazer uma cultura dos muros de erguer os muros muros no coração muros na terra para impedir este encontro com outras culturas com outras pessoas E quem levanta um muro quem constrói um muro acabará escravo dentro dos muros que construiu sem horizontes Porque lhe falta esta alteridade26 28 A solidão os medos e a insegurança de tantas pessoas que se sentem abandonadas pelo sistema fazem com que se crie um terreno fértil para as máfias Com efeito estas impõemse apresentandose como protetoras dos esquecidos muitas vezes através de vários tipos de ajuda enquanto perseguem os seus interesses criminosos Há uma pedagogia tipicamente mafiosa que com um falso espírito comunitário cria laços de dependência e subordinação dos quais é muito difícil libertarse Globalização e progresso sem um rumo comum 29 O Grande Imã Ahmad AlTayyeb e eu não ignoramos os avanços positivos que se verificaram na ciência na tecnologia na medicina na indústria e no bemestar sobretudo nos países desenvolvidos Todavia ressaltamos que juntamente com tais progressos históricos grandes e apreciados se verifica uma deterioração da ética que condiciona a atividade internacional e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração solidão e desespero nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições numa situação mundial dominada pela incerteza pela deceção e pelo medo do futuro e controlada por míopes interesses económicos Assinalamos também as graves crises políticas a injustiça e a falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais A respeito de tais crises que fazem morrer à fome milhões de crianças já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome reina um inaceitável silêncio internacional27 Perante tal panorama embora nos fascinem os inúmeros avanços não descortinamos um rumo verdadeiramente humano 30 No mundo atual esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia doutros tempos Vemos como reina uma 8 indiferença acomodada fria e globalizada filha duma profunda desilusão que se esconde por detrás desta ilusão enganadora considerar que podemos ser omnipotentes e esquecer que nos encontramos todos no mesmo barco Esta desilusão que deixa para trás os grandes valores fraternos conduz a uma espécie de cinismo Esta é a tentação que temos diante de nós se formos por este caminho do desengano ou da desilusão O isolamento e o fechamento em nós mesmos ou nos próprios interesses nunca serão o caminho para voltar a dar esperança e realizar uma renovação mas é a proximidade a cultura do encontro O isolamento não a proximidade sim Cultura do confronto não cultura do encontro sim28 31 Neste mundo que corre sem um rumo comum respirase uma atmosfera em que a distância entre a obsessão pelo próprio bemestar e a felicidade da humanidade partilhada parece aumentar até fazer pensar que entre o indivíduo e a comunidade humana já esteja em curso um cisma Porque uma coisa é sentirse obrigado a viver juntos outra é apreciar a riqueza e a beleza das sementes de vida em comum que devem ser procuradas e cultivadas em conjunto29 A tecnologia regista progressos contínuos mas como seria bom se ao aumento das inovações científicas e tecnológicas correspondesse também uma equidade e uma inclusão social cada vez maior Como seria bom se enquanto descobrimos novos planetas longínquos também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso redor30 As pandemias e outros flagelos da história 32 É verdade que uma tragédia global como a pandemia do Covid19 despertou por algum tempo a consciência de sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco onde o mal de um prejudica a todos Recordamonos de que ninguém se salva sozinho que só é possível salvarnos juntos Por isso a tempestade dizia eu desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas os nossos projetos os nossos hábitos e prioridades Com a tempestade caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso eu sempre preocupado com a própria imagem e ficou a descoberto uma vez mais esta abençoada pertença comum a que não nos podemos subtrair a pertença como irmãos31 33 O mundo avançava implacavelmente para uma economia que utilizando os progressos tecnológicos procurava reduzir os custos humanos e alguns pretendiam fazernos crer que era suficiente a liberdade de mercado para garantir tudo Mas o golpe duro e inesperado desta pandemia fora de controle obrigou por força a pensar nos seres humanos em todos mais do que nos benefícios de alguns Hoje podemos reconhecer que alimentamonos com sonhos de esplendor e grandeza e acabamos por comer distração fechamento e solidão empanturramo nos de conexões e perdemos o gosto da fraternidade Buscamos o resultado rápido e seguro e encontramonos oprimidos pela impaciência e a ansiedade Prisioneiros da virtualidade perdemos o gosto e o sabor da realidade32 A tribulação a incerteza o medo e a consciência dos próprios limites que a pandemia despertou fazem ressoar o apelo a repensar os nossos 9 estilos de vida as nossas relações a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da nossa existência 34 Se tudo está interligado é difícil pensar que este desastre mundial não tenha a ver com a nossa maneira de encarar a realidade pretendendo ser senhores absolutos da própria vida e de tudo o que existe Não quero dizer que se trate duma espécie de castigo divino Nem seria suficiente afirmar que o dano causado à natureza acaba por se cobrar dos nossos atropelos É a própria realidade que geme e se rebela Vem à mente o conhecido verso do poeta Virgílio evocando as lágrimas das coisas das vicissitudes da história33 35 Contudo rapidamente esquecemos as lições da história mestra da vida34 Passada a crise sanitária a pior reação seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta No fim oxalá já não existam os outros mas apenas um nós Oxalá não seja mais um grave episódio da história cuja lição não fomos capazes de aprender Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de respiradores em parte como resultado de sistemas de saúde que foram sendo desmantelados ano após ano Oxalá não seja inútil tanto sofrimento mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos enfim que precisamos e somos devedores uns dos outros para que a humanidade renasça com todos os rostos todas as mãos e todas as vozes livre das fronteiras que criamos 36 Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e solidariedade à qual saibamos destinar tempo esforço e bens desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e deixará muitos à mercê da náusea e do vazio Além disso não se deveria ignorar ingenuamente que a obsessão por um estilo de vida consumista sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter só poderá provocar violência e destruição recíproca35 O princípio salvese quem puder traduzirseá rapidamente no lema todos contra todos e isso será pior que uma pandemia Sem dignidade humana nas fronteiras 37 Tanto na propaganda dalguns regimes políticos populistas como na leitura de abordagens económicoliberais defendese que é preciso evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes Simultaneamente argumentase que convém limitar a ajuda aos países pobres para que toquem o fundo e decidam adotar medidas de austeridade Não se dão conta que atrás destas afirmações abstratas difíceis de sustentar há muitas vidas dilaceradas Muitos fogem da guerra de perseguições de catástrofes naturais Outros com pleno direito andam à procura de oportunidades para si e para a sua família Sonham com um futuro melhor e desejam criar condições para que se realize36 38 Infelizmente outros são atraídos pela cultura ocidental nutrindo por vezes expetativas irrealistas que os expõem a pesadas deceções Traficantes sem escrúpulos frequentemente 10 ligados a cartéis da droga e das armas exploram a fragilidade dos imigrantes que ao longo do seu percurso muitas vezes encontram a violência o tráfico de seres humanos o abuso psicológico e mesmo físico e tribulações indescritíveis37 As pessoas que emigram experimentam a separação do seu contexto de origem e muitas vezes também um desenraizamento cultural e religioso A fratura tem a ver também com as comunidades de origem que perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores e as famílias particularmente quando emigra um ou ambos os progenitores deixando os filhos no país de origem38 Por conseguinte também deve ser reafirmado o direito a não emigrar isto é a ter condições para permanecer na própria terra39 39 Ainda por cima nalguns países de chegada os fenómenos migratórios suscitam alarme e temores frequentemente fomentados e explorados para fins políticos Assim se difunde uma mentalidade xenófoba de clausura e retraimento em si mesmos40 Os migrantes não são considerados suficientemente dignos de participar na vida social como os outros esquecendose que têm a mesma dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa Consequentemente têm de ser eles os protagonistas da sua própria promoção41 Nunca se dirá que não sejam humanos mas na prática com as decisões e a maneira de os tratar manifestase que são considerados menos valiosos menos importantes menos humanos É inaceitável que os cristãos partilhem esta mentalidade e estas atitudes fazendo às vezes prevalecer determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé a dignidade inalienável de toda a pessoa humana independentemente da sua origem cor ou religião e a lei suprema do amor fraterno 40 As migrações constituirão uma pedra angular do futuro do mundo42 Hoje porém são afetadas por uma perda daquele sentido de responsabilidade fraterna sobre o qual assenta toda a sociedade civil43 A Europa por exemplo corre sérios riscos de ir por este caminho Entretanto ajudada pelo seu grande património cultural e religioso possui os instrumentos para defender a centralidade da pessoa humana e encontrar o justo equilíbrio entre estes dois deveres o dever moral de tutelar os direitos dos seus cidadãos e o dever de garantir a assistência e o acolhimento dos imigrantes44 41 Compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas migrantes compreendoo como um aspeto do instinto natural de autodefesa Mas também é verdade que uma pessoa e um povo só são fecundos se souberem criativamente integrar no seu seio a abertura aos outros Convido a ultrapassar estas reações primárias porque o problema surge quando estas dúvidas e este medo condicionam de tal forma o nosso modo de pensar e agir que nos tornam intolerantes fechados talvez até sem disso nos apercebermos racistas E assim o medo privanos do desejo e da capacidade de encontrar o outro45 A ilusão da comunicação 11 42 Paradoxalmente se por um lado crescem as atitudes fechadas e intolerantes que à vista dos outros nos fecham em nós próprios por outro reduzemse ou desaparecem as distâncias a ponto de deixar de existir o direito à intimidade Tudo se torna uma espécie de espetáculo que pode ser espiado observado e a vida acaba exposta a um controle constante Na comunicação digital querse mostrar tudo e cada indivíduo tornase objeto de olhares que esquadrinham desnudam e divulgam muitas vezes anonimamente Diluise o respeito pelo outro e assim ao mesmo tempo que o apago ignoro e mantenho afastado posso despudoradamente invadir até ao mais recôndito da sua vida 43 Entretanto os movimentos digitais de ódio e destruição não constituem como alguns pretendem fazer crer uma ótima forma de mútua ajuda mas meras associações contra um inimigo Além disso os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência isolamento e perda progressiva de contacto com a realidade concreta dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas46 Fazem falta gestos físicos expressões do rosto silêncios linguagem corpórea e até o perfume o tremor das mãos o rubor a transpiração porque tudo isso fala e faz parte da comunicação humana As relações digitais que dispensam da fadiga de cultivar uma amizade uma reciprocidade estável e até um consenso que amadurece com o tempo têm aparência de sociabilidade mas não constroem verdadeiramente um nós na verdade habitualmente dissimulam e ampliam o mesmo individualismo que se manifesta na xenofobia e no desprezo dos frágeis A conexão digital não basta para lançar pontes não é capaz de unir a humanidade Agressividade despudorada 44 Ao mesmo tempo que defendem o próprio isolamento consumista e acomodado as pessoas escolhem vincularse de maneira constante e obsessiva Isto favorece o pululamento de formas insólitas de agressividade com insultos impropérios difamação afrontas verbais até destroçar a figura do outro num desregramento tal que se existisse no contacto pessoal acabaríamos todos por nos destruir entre nós A agressividade social encontra um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e nos computadores 45 Isto permitiu que as ideologias perdessem todo o respeito Aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer sem correr o risco de perder o respeito de todos hoje pode ser pronunciado com toda a grosseria até por algumas autoridades políticas e ficar impune Não se pode ignorar que há interesses económicos gigantescos que operam no mundo digital capazes de realizar formas de controle que são tão subtis quanto invasivas criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático O funcionamento de muitas plataformas acaba frequentemente por favorecer o encontro entre pessoas com as mesmas ideias dificultando o confronto entre as diferenças Estes circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas fomentando preconceitos e ódios47 12 46 Devese reconhecer que os fanatismos que induzem a destruir os outros são protagonizados também por pessoas religiosas sem excluir os cristãos que podem fazer parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital Mesmo nos media católicos é possível ultrapassar os limites tolerandose a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia48 Agindo assim qual contribuição se dá para a fraternidade que o Pai comum nos propõe Informação sem sabedoria 47 A verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade Hoje porém tudo se pode produzir dissimular modificar Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne insuportável Em consequência implementase um mecanismo de seleção criandose o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo que não gosto as coisas atraentes das desagradáveis A mesma lógica preside à escolha das pessoas com quem se decide partilhar o mundo Assim as pessoas ou situações que feriam a nossa sensibilidade ou nos causavam aversão hoje são simplesmente eliminadas nas redes virtuais construindo um círculo virtual que nos isola do mundo em que vivemos 48 Sentarse a escutar o outro caraterístico dum encontro humano é um paradigma de atitude recetiva de quem supera o narcisismo e acolhe o outro prestalhe atenção dálhe lugar no próprio círculo Mas o mundo de hoje na sua maioria é um mundo surdo Às vezes a velocidade do mundo moderno o frenesi impedenos de escutar bem o que outro diz Quando está a meio do seu diálogo já o interrompemos e queremos replicar quando ele ainda não acabou de falar Não devemos perder a capacidade de escuta São Francisco de Assis escutou a voz de Deus escutou a voz dos pobres escutou a voz do enfermo escutou a voz da natureza E transformou tudo isso num estilo de vida Desejo que a semente de São Francisco cresça em tantos corações49 49 Ao desaparecer o silêncio e a escuta transformando tudo em cliques e mensagens rápidas e ansiosas colocase em perigo esta estrutura básica duma comunicação humana sábia Criase um novo estilo de vida no qual cada um constrói o que deseja ter à sua frente excluindo tudo aquilo que não se pode controlar ou conhecer superficial e instantaneamente Por sua lógica intrínseca esta dinâmica impede aquela reflexão serena que poderia levarnos a uma sabedoria comum 50 Podemos buscar juntos a verdade no diálogo na conversa tranquila ou na discussão apaixonada É um caminho perseverante feito também de silêncios e sofrimentos capaz de recolher pacientemente a vasta experiência das pessoas e dos povos A acumulação esmagadora de informações que nos inundam não significa maior sabedoria A sabedoria não se fabrica com buscas impacientes na internet nem é um somatório de informações cuja veracidade não está garantida Desta forma não se amadurece no encontro com a verdade As conversas 13 giram em última análise ao redor das notícias mais recentes são meramente horizontais e cumulativas Mas não se presta uma atenção prolongada e penetrante ao coração da vida nem se reconhece o que é essencial para dar um sentido à existência Assim a liberdade transforma se numa ilusão que nos vendem confundindose com a liberdade de navegar frente a um visor O problema é que um caminho de fraternidade local e universal só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos a encontros reais Sujeições e autodepreciação 51 Alguns países economicamente bemsucedidos são apresentados como modelos culturais para os países pouco desenvolvidos em vez de procurar que cada um cresça com o seu estilo peculiar desenvolvendo as suas capacidades de inovar a partir dos valores da sua própria cultura Esta nostalgia superficial e triste que induz a copiar e comprar em vez de criar gera uma baixa autoestima nacional Nos setores acomodados de muitos países pobres e às vezes naqueles que conseguiram sair da pobreza notase a incapacidade de aceitar caraterísticas e processos próprios caindo num desprezo da própria identidade cultural como se fosse a causa de todos os seus males 52 Uma maneira fácil de dominar alguém é destruirlhe a autoestima Por detrás destas tendências que visam uniformizar o mundo afloram interesses de poder que se aproveitam da baixa autoestima ao mesmo tempo que através dos media e das redes procuram criar uma nova cultura ao serviço dos mais poderosos Disto tiram vantagem o oportunismo da especulação financeira e a exploração onde aqueles que sempre ficam a perder são os pobres Por outro lado ignorar a cultura dum povo faz com que muitos líderes políticos não sejam capazes de promover um projeto eficaz que possa ser livremente assumido e sustentado ao longo do tempo 53 Esquecese de que não há alienação pior do que experimentar que não se tem raízes não se pertence a ninguém Uma terra será fecunda um povo dará frutos e será capaz de gerar o amanhã apenas na medida em que dá vida a relações de pertença entre os seus membros na medida em que cria laços de integração entre as gerações e as diferentes comunidades que o compõem e ainda na medida em que quebra as espirais que obscurecem os sentidos afastando nos sempre uns dos outros50 Esperança 54 Apesar destas sombras densas que não se devem ignorar nas próximas páginas desejo dar voz a tantos percursos de esperança Com efeito Deus continua a espalhar sementes de bem na humanidade A recente pandemia permitiunos recuperar e valorizar tantos companheiros e companheiras de viagem que no medo reagiram dando a própria vida Fomos capazes de reconhecer como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns que sem dúvida escreveram os acontecimentos decisivos da nossa história compartilhada médicos 14 enfermeiros e enfermeiras farmacêuticos empregados dos supermercados pessoal de limpeza cuidadores transportadores homens e mulheres que trabalham para fornecer serviços essenciais e de segurança voluntários sacerdotes religiosas compreenderam que ninguém se salva sozinho51 55 Convido à esperança que nos fala duma realidade que está enraizada no mais fundo do ser humano independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive Falanos duma sede duma aspiração dum anseio de plenitude de vida bemsucedida de querer agarrar o que é grande o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes como a verdade a bondade e a beleza a justiça e o amor A esperança é ousada sabe olhar para além das comodidades pessoais das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna52 Caminhemos na esperança Capítulo II UM ESTRANHO NO CAMINHO 56 Tudo o que mencionei no capítulo anterior é mais do que uma asséptica descrição da realidade pois as alegrias e as esperanças as tristezas e as angústias dos homens de hoje sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem são também as alegrias e as esperanças as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração53 Com a intenção de procurar uma luz no meio do que estamos a viver e antes de propor algumas linhas de ação quero dedicar um capítulo a uma parábola narrada por Jesus Cristo há dois mil anos Com efeito apesar desta encíclica se dirigir a todas as pessoas de boa vontade independentemente das suas convicções religiosas a parábola em questão é expressa de tal maneira que qualquer um de nós pode deixarse interpelar por ela Levantouse então um doutor da Lei e perguntou a Jesus para O experimentar Mestre que hei de fazer para possuir a vida eterna Disselhe Jesus Que está escrito na Lei Como lês O outro respondeu Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração com toda a tua alma com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo Disselhe Jesus Respondeste bem faz isso e viverás Mas ele querendo justificar a pergunta feita disse a Jesus E quem é o meu próximo Tomando a palavra Jesus respondeu Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que depois de o despojarem e encherem de pancadas o abandonaram deixandoo meio morto Por coincidência descia por aquele caminho um sacerdote que ao vêlo passou ao largo Do mesmo modo também um levita passou por aquele lugar e ao vêlo passou adiante Mas um samaritano que ia de viagem chegou ao pé dele e vendoo encheuse de compaixão Aproximouse ligoulhe as feridas deitando nelas azeite e vinho colocouo sobre a sua própria montada levouo para uma 15 estalagem e cuidou dele No dia seguinte tirando dois denários deuos ao estalajadeiro dizendo Trata bem dele e o que gastares a mais pagartoei quando voltar Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores Respondeu O que usou de misericórdia para com ele Jesus retorquiu Vai e faz tu também o mesmo Lc 10 25 37 A perspetiva de fundo 57 Esta parábola recolhe uma perspetiva de séculos Pouco depois da narração da criação do mundo e do ser humano a Bíblia propõe o desafio das relações entre nós Caim elimina o seu irmão Abel e ressoa a pergunta de Deus Onde está Abel teu irmão A resposta é a mesma que damos nós muitas vezes Sou porventura guarda do meu irmão Gn 4 9 Com a sua pergunta Deus coloca em questão todo o tipo de determinismo ou fatalismo que pretenda justificar como única resposta possível a indiferença E ao invés habilitanos a criar uma cultura diferente que nos conduza a superar as inimizades e cuidar uns dos outros 58 O livro de Job invoca o facto de ter um mesmo Criador como base para sustentar alguns direitos em comum Pois Aquele que me criou no ventre também o criou a ele um só nos formou a ambos no seio materno 31 15 Muitos séculos depois Santo Ireneu de Lião expressará o mesmo conceito recorrendo à imagem da melodia Assim quem ama a verdade não deve deixarse enganar pela diferença entre cada um dos sons nem imaginar que um músico seja o artífice e o criador deste som e outro o artífice e o criador do outro mas há de pensar que um único músico os produziu a ambos54 59 Nas tradições judaicas o dever de amar o outro e cuidar dele parecia limitarse às relações entre os membros duma mesma nação O antigo preceito amarás o teu próximo como a ti mesmo Lv 19 18 geralmente entendiase como referido aos compatriotas Todavia especialmente no judaísmo que se desenvolveu fora da terra de Israel as fronteiras foramse ampliando Aparece o convite a não fazer aos outros o que não queres que te façam a ti cf Tob 4 15 E a propósito dizia no século I aC o sábio Hillel Isto é a Lei e os Profetas Todo o resto é comentário55 O desejo de imitar o comportamento divino levou a superar aquela tendência de limitar o amor aos mais próximos A compaixão do homem tem por objeto o próximo mas a misericórdia divina estendese a todo o ser vivo Sir 18 13 60 O preceito de Hillel recebeu uma formulação positiva no Novo Testamento O que quiserdes que vos façam os homens fazeio também a eles porque isto é a Lei e os Profetas Mt 7 12 Este apelo é universal tende a abraçar a todos apenas pela sua condição humana porque o Altíssimo o Pai do Céu faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus Mt 5 45 Em consequência exigese Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso Lc 6 36 61 Como motivo para alargar o coração a fim de não excluir o estrangeiro invocase a memória 16 que o povo judeu conserva de ter vivido como estrangeiro no Egito E tal motivo aparece já nos textos mais antigos da Bíblia Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás porque foste estrangeiro residente na terra do Egito Ex 22 20 Não oprimirás um estrangeiro residente vós conheceis a vida do estrangeiro residente porque fostes estrangeiros residentes na terra do Egito Ex 23 9 Se um estrangeiro vier residir contigo na tua terra não o oprimirás O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amáloás como a ti mesmo porque fostes estrangeiros na terra do Egito Lv 19 3334 Quando vindimares a tua vinha não rebusques o que ficou deixao para o estrangeiro o órfão e a viúva Lembrate que foste escravo na terra do Egito Dt 24 2122 No Novo Testamento ressoa intensamente o apelo ao amor fraterno Toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra ama o teu próximo como a ti mesmo Gl 5 14 Quem ama o seu irmão permanece na luz e não corre perigo de tropeçar Mas quem tem ódio ao seu irmão está nas trevas 1 Jo 2 1011 Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos Quem não ama permanece na morte 1 Jo 3 14 Aquele que não ama o seu irmão a quem vê não pode amar a Deus a quem não vê 1 Jo 4 20 62 Mesmo esta proposta de amor podia ser mal compreendida Foi por alguma razão que perante a tentação das primeiras comunidades cristãs criarem grupos fechados e isolados São Paulo exortava os seus discípulos a ter caridade uns para com os outros e para com todos 1 Ts 3 12 e na comunidade de João pediase que fossem bem recebidos os irmãos mesmo sendo estrangeiros 3 Jo 5 Esse contexto ajuda a entender o valor da parábola do bom samaritano ao amor não lhe interessa se o irmão ferido vem daqui ou dacolá Com efeito é o amor que rompe as cadeias que nos isolam e separam lançando pontes amor que nos permite construir uma grande família onde todos nos podemos sentir em casa Amor que sabe de compaixão e dignidade56 O abandonado 63 Conta Jesus que havia um homem ferido estendido por terra no caminho que fora assaltado Passaram vários ao seu lado mas foramse não pararam Eram pessoas com funções importantes na sociedade que não tinham no coração o amor pelo bem comum Não foram capazes de perder uns minutos para cuidar do ferido ou pelo menos procurar ajuda Um parou ofereceulhe proximidade curouo com as próprias mãos pôs também dinheiro do seu bolso e ocupouse dele Sobretudo deulhe algo que neste mundo apressado regateamos tanto deulhe o seu tempo Tinha certamente os seus planos para aproveitar aquele dia a bem das suas necessidades compromissos ou desejos Mas conseguiu deixar tudo de lado à vista do ferido e sem o conhecer considerouo digno de lhe dedicar o seu tempo 64 Com quem te identificas É uma pergunta sem rodeios direta e determinante a qual deles te assemelhas Precisamos de reconhecer a tentação que nos cerca de se desinteressar dos 17 outros especialmente dos mais frágeis Digamos que crescemos em muitos aspetos mas somos analfabetos no acompanhar cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas Habituamonos a olhar para o outro lado passar à margem ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em cima 65 Assaltam uma pessoa na rua e muitos fogem como se não tivessem visto nada Sucede muitas vezes que pessoas atropelam alguém com o seu carro e fogem Pensam só em evitar problemas não importa se um ser humano morre por sua culpa Mas estes são sinais dum estilo de vida generalizado que se manifesta de várias maneiras porventura mais subtis Além disso como estamos todos muito concentrados nas nossas necessidades ver alguém que está mal incomodanos perturbanos porque não queremos perder tempo por culpa dos problemas alheios São sintomas duma sociedade enferma pois procura construirse de costas para o sofrimento 66 É melhor não cair nesta miséria Fixemos o modelo do bom samaritano É um texto que nos convida a fazer ressurgir a nossa vocação de cidadãos do próprio país e do mundo inteiro construtores dum novo vínculo social Embora esteja inscrito como lei fundamental do nosso ser é um apelo sempre novo que a sociedade se oriente para a prossecução do bem comum e a partir deste objetivo reconstrua incessantemente a sua ordem política e social o tecido das suas relações o seu projeto humano Com os seus gestos o bom samaritano fez ver que a existência de cada um de nós está ligada à dos outros a vida não é tempo que passa mas tempo de encontro57 67 Esta parábola é um ícone iluminador capaz de manifestar a opção fundamental que precisamos de tomar para reconstruir este mundo que nos está a peito Diante de tanta dor à vista de tantas feridas a única via de saída é ser como o bom samaritano Qualquer outra opção deixanos ou com os salteadores ou com os que passam ao largo sem se compadecer com o sofrimento do ferido na estrada A parábola mostranos as iniciativas com que se pode refazer uma comunidade a partir de homens e mulheres que assumem como própria a fragilidade dos outros não deixam constituirse uma sociedade de exclusão mas fazemse próximos levantam e reabilitam o caído para que o bem seja comum Ao mesmo tempo a parábola advertenos sobre certas atitudes de pessoas que só olham para si mesmas e não atendem às exigências ineludíveis da realidade humana 68 A narração digamolo claramente não desenvolve uma doutrina feita de ideais abstratos nem se limita à funcionalidade duma moral éticosocial Mas revelanos uma caraterística essencial do ser humano frequentemente esquecida fomos criados para a plenitude que só se alcança no amor Viver indiferentes à dor não é uma opção possível não podemos deixar ninguém caído nas margens da vida Isto deve indignarnos de tal maneira que nos faça descer da nossa serenidade alterandonos com o sofrimento humano Isto é dignidade 18 Uma história que se repete 69 A narração é simples e linear mas contém toda a dinâmica da luta interior que se verifica na elaboração da nossa identidade que se verifica em toda a existência projetada na realização da fraternidade humana Enquanto caminhamos inevitavelmente embatemos no homem ferido Hoje há cada vez mais feridos A inclusão ou exclusão da pessoa que sofre na margem da estrada define todos os projetos económicos políticos sociais e religiosos Dia a dia enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou viandantes indiferentes que passam ao largo E se estendermos o olhar à totalidade da nossa história e ao mundo no seu conjunto reconheceremos que todos somos ou fomos como estas personagens todos temos algo do ferido do salteador daqueles que passam ao largo e do bom samaritano 70 Digno de nota é o facto de as diferenças entre as personagens na parábola ficarem completamente transformadas ao confrontarse com a dolorosa aparição do caído do humilhado Já não há distinção entre habitante da Judeia e habitante da Samaria não há sacerdote nem comerciante existem simplesmente dois tipos de pessoas aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao largo aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo De facto caem as nossas múltiplas máscaras os nossos rótulos e os nossos disfarces é a hora da verdade Debruçarnosemos para tocar e cuidar das feridas dos outros Abaixarnosemos para levar às costas o outro Este é o desafio atual de que não devemos ter medo Nos momentos de crise a opção tornase premente poderíamos dizer que neste momento quem não é salteador e quem não passa ao largo ou está ferido ou carrega aos ombros algum ferido 71 A história do bom samaritano repetese tornase cada vez mais evidente que a incúria social e política faz de muitos lugares do mundo estradas desoladas onde as disputas internas e internacionais e o saque de oportunidades deixam tantos marginalizados atirados para a margem da estrada Na sua parábola Jesus não propõe vias alternativas como por exemplo no caso daquele homem ferido ou de quem o ajudou terem dado espaço nos seus corações ao ódio ou à sede de vingança que sucederia Jesus não Se detém nisso Confia na parte melhor do espírito humano e com a parábola animao a aderir ao amor reintegrar o ferido e construir uma sociedade digna de tal nome As personagens 72 A parábola começa com os salteadores O ponto de partida escolhido por Jesus é um assalto já consumado Não nos faz deter na lamentação do facto nem dirige o nosso olhar para os salteadores São coisas do nosso conhecimento Vimos avançar no mundo as sombras densas do abandono da violência usada para mesquinhos interesses de poder acúmulo e repartição A questão poderia ser deixaremos ali estirado por terra o homem maltratado para correr cada qual a esconderse da violência ou a perseguir os ladrões Será o ferido a justificação das nossas 19 divisões irreconciliáveis das nossas cruéis indiferenças dos nossos confrontos internos 73 De imediato a parábola faznos pousar o olhar claramente naqueles que passam ao largo Esta perigosa indiferença que leva a não parar inocente ou não fruto do desprezo ou duma triste distração faz das duas personagens o sacerdote e o levita um reflexo não menos triste daquela distância menosprezadora que te isola da realidade Há muitas maneiras de passar ao largo que são complementares uma é ensimesmarse desinteressarse dos outros ficar indiferente outra seria olhar só para fora Relativamente a esta última maneira de passar ao largo nalguns países ou em certos setores deles verificase um desprezo dos pobres e da sua cultura bem como um viver com o olhar voltado para fora como se um projeto de país importado procurasse ocupar o seu lugar Assim se pode justificar a indiferença de alguns pois aqueles que poderiam tocar os seus corações com as suas reivindicações simplesmente não existem estão fora do seu horizonte de interesses 74 Nas pessoas que passam ao largo há um detalhe que não podemos ignorar eram pessoas religiosas Mais ainda dedicavamse a dar culto a Deus um sacerdote e um levita Isto é uma forte chamada de atenção indica que o facto de crer em Deus e O adorar não é garantia de viver como agrada a Deus Uma pessoa de fé pode não ser fiel a tudo o que essa mesma fé exige dela e no entanto sentirse perto de Deus e julgarse com mais dignidade do que os outros Mas há maneiras de viver a fé que facilitam a abertura do coração aos irmãos e esta será a garantia duma autêntica abertura a Deus São João Crisóstomo expressou com muita clareza este desafio que se apresenta aos cristãos Queres honrar o Corpo de Cristo Não permitas que seja desprezado nos seus membros isto é nos pobres que não têm que vestir nem O honres aqui no templo com vestes de seda enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez58 O paradoxo é que às vezes quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes 75 Habitualmente os salteadores do caminho têm como aliados secretos aqueles que passam pelo caminho olhando para o outro lado O círculo encerrase entre aqueles que usam e enganam a sociedade para chupála e aqueles que julgam manter a pureza na sua função crítica mas ao mesmo tempo vivem desse sistema e seus recursos Verificase uma triste hipocrisia quando a impunidade do delito o uso das instituições para interesses pessoais ou corporativos e outros males que não conseguimos banir se associam a uma desqualificação permanente de tudo à constante sementeira de suspeitas que gera desconfiança e perplexidade Ao engano de que tudo está mal corresponde o dito ninguém o pode consertar Sendo assim que posso fazer eu Deste modo alimentase o desencanto e a falta de esperança e isto não estimula um espírito de solidariedade e generosidade Fazer um povo precipitar no desânimo é o epílogo dum perfeito círculo vicioso assim procede a ditadura invisível dos verdadeiros interesses ocultos que se apoderaram dos recursos e da capacidade de ter opinião e pensamento próprios 76 Olhemos enfim o ferido Às vezes sentimonos como ele gravemente feridos e atirados para a 20 margem da estrada Sentimonos também abandonados pelas nossas instituições desguarnecidas e carentes ou voltadas para servir os interesses de poucos fora e dentro Com efeito na sociedade globalizada existe um estilo elegante de olhar para o outro lado que se pratica de maneira recorrente sob as aparências do politicamente correto ou das modas ideológicas olhamos para aquele que sofre mas não o tocamos transmitimolo ao vivo e até proferimos um discurso aparentemente tolerante e cheio de eufemismos59 Recomeçar 77 Cada dia énos oferecida uma nova oportunidade uma etapa nova Não devemos esperar tudo daqueles que nos governam seria infantil Gozamos dum espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas Hoje temos à nossa frente a grande ocasião de expressar o nosso ser irmãos de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si a dor dos fracassos em vez de fomentar ódios e ressentimentos Como o viandante ocasional da nossa história é preciso apenas o desejo gratuito puro e simples de ser povo de ser constantes e incansáveis no compromisso de incluir integrar levantar quem está caído embora muitas vezes nos vejamos imersos e condenados a repetir a lógica dos violentos de quantos nutrem ambições só para si mesmos espalhando confusão e mentira Deixemos que outros continuem a pensar na política ou na economia para os seus jogos de poder Alimentemos o que é bom e coloquemonos ao serviço do bem 78 É possível começar por baixo e caso a caso lutar pelo mais concreto e local até ao último ângulo da pátria e do mundo com o mesmo cuidado que o viandante da Samaria teve por cada chaga do ferido Procuremos os outros e ocupemonos da realidade que nos compete sem temer a dor nem a impotência porque naquela está todo o bem que Deus semeou no coração do ser humano As dificuldades que parecem enormes são a oportunidade para crescer e não a desculpa para a tristeza inerte que favorece a sujeição Mas não o façamos sozinhos individualmente O samaritano procurou um estalajadeiro que pudesse cuidar daquele homem como nós estamos chamados a convidar outros e a encontrarnos num nós mais forte do que a soma de pequenas individualidades lembremonos de que o todo é mais do que a parte sendo também mais do que a simples soma delas60 Renunciemos à mesquinhez e ao ressentimento de particularismos estéreis de contraposições sem fim Deixemos de ocultar a dor das perdas e assumamos os nossos delitos desmazelos e mentiras A reconciliação reparadora ressuscitar nosá fazendo perder o medo a nós mesmos e aos outros 79 O samaritano do caminho partiu sem esperar reconhecimentos nem obrigados A dedicação ao serviço era a grande satisfação diante do seu Deus e na própria vida e consequentemente um dever Todos temos uma responsabilidade pelo ferido que é o nosso povo e todos os povos da terra Cuidemos da fragilidade de cada homem cada mulher cada criança e cada idoso com a mesma atitude solidária e solícita a mesma atitude de proximidade do bom samaritano 21 O próximo sem fronteiras 80 Jesus propôs esta parábola para responder a uma pergunta Quem é o meu próximo Lc 10 29 A palavra próximo na sociedade do tempo de Jesus costumava indicar a pessoa que está mais vizinha mais próxima Pensavase que a ajuda devia encaminharse em primeiro lugar para aqueles que pertencem ao próprio grupo à própria raça Para alguns judeus de então um samaritano era considerado um ser desprezível impuro e por conseguinte não estava incluído entre o próximo a quem se deveria ajudar O judeu Jesus transforma completamente esta impostação não nos convida a interrogarnos quem é vizinho a nós mas a tornarnos nós mesmos vizinhos próximos 81 A proposta é fazerse presente a quem precisa de ajuda independentemente de fazer parte ou não do próprio círculo de pertença Neste caso o samaritano foi quem se fez próximo do judeu ferido Para se tornar próximo e presente ultrapassou todas as barreiras culturais e históricas A conclusão de Jesus é um pedido Vai e faz tu também o mesmo Lc 10 37 Por outras palavras desafianos a deixar de lado toda a diferença e em presença do sofrimento fazernos vizinhos a quem quer que seja Assim já não digo que tenho próximos a quem devo ajudar mas que me sinto chamado a tornarme eu um próximo dos outros 82 O problema é que Jesus destaca explicitamente que o homem ferido era um judeu habitante da Judeia enquanto aquele que se deteve e o ajudou era um samaritano habitante da Samaria Este detalhe revestese duma importância excecional ao refletirmos sobre um amor que se abre a todos Os samaritanos habitavam numa região que fora contagiada por ritos pagãos o que aos olhos dos judeus os tornava impuros detestáveis perigosos De facto um antigo texto hebraico que menciona as nações odiadas referese à Samaria afirmando até que nem sequer é um povo e acrescenta que é o povo insensato que habita em Siquém Sir 50 2526 83 Isto explica por que uma mulher samaritana quando Jesus lhe pediu de beber tenha observado Como é que Tu sendo judeu me pedes de beber a mim que sou samaritana Jo 4 9 E noutra ocasião ao procurar acusações que pudessem desacreditar Jesus a coisa mais ofensiva que encontraram foi dizerLhe tens um demónio e és um samaritano Jo 8 48 Portanto este encontro misericordioso entre um samaritano e um judeu é uma forte provocação que desmente toda a manipulação ideológica desafiandonos a ampliar o nosso círculo a dar à nossa capacidade de amar uma dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos todas as barreiras históricas ou culturais todos os interesses mesquinhos A provocação do forasteiro 84 Por fim lembro que Jesus diz noutra parte do Evangelho Era forasteiro e recolhesteme Mt 25 35 Jesus podia dizer estas palavras porque tinha um coração aberto que assumia os 22 dramas dos outros São Paulo exortava Alegraivos com os que se alegram chorai com os que choram Rm 12 15 Quando o coração assume esta atitude é capaz de se identificar com o outro sem se importar com o lugar onde nasceu nem donde vem Entrando nesta dinâmica em última análise experimenta que os outros são a sua carne Is 58 7 85 Para os cristãos as palavras de Jesus têm ainda outra dimensão transcendente Implicam reconhecer o próprio Cristo em cada irmão abandonado ou excluído cf Mt 25 4045 Na realidade a fé cumula de motivações inauditas o reconhecimento do outro pois quem acredita pode chegar a reconhecer que Deus ama cada ser humano com um amor infinito e que assim lhe confere uma dignidade infinita61 Além disso acreditamos que Cristo derramou o seu sangue por todos e cada um pelo que ninguém fica fora do seu amor universal E se formos à fonte suprema que é a vida íntima de Deus encontramonos com uma comunidade de três Pessoas origem e modelo perfeito de toda a vida em comum A teologia continua a enriquecerse graças à reflexão sobre esta grande verdade 86 Às vezes deixame triste o facto de apesar de estar dotada de tais motivações a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência Hoje com o desenvolvimento da espiritualidade e da teologia não temos desculpas Todavia ainda há aqueles que parecem sentirse encorajados ou pelo menos autorizados pela sua fé a defender várias formas de nacionalismo fechado e violento atitudes xenófobas desprezo e até maustratos àqueles que são diferentes A fé com o humanismo que inspira deve manter vivo um sentido crítico perante estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuarse Para isso é importante que a catequese e a pregação incluam de forma mais direta e clara o sentido social da existência a dimensão fraterna da espiritualidade a convicção sobre a dignidade inalienável de cada pessoa e as motivações para amar e acolher a todos Capítulo III PENSAR E GERAR UM MUNDO ABERTO 87 O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza não se desenvolve nem pode encontrar a sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo62 aos outros E não chega a reconhecer completamente a sua própria verdade senão no encontro com os outros Só comunico realmente comigo mesmo na medida em que me comunico com o outro63 Isso explica por que ninguém pode experimentar o valor de viver sem rostos concretos a quem amar Aqui está um segredo da existência humana autêntica já que a vida subsiste onde há vínculo comunhão fraternidade e é uma vida mais forte do que a morte quando se constrói sobre verdadeiras relações e vínculos de fidelidade Pelo contrário não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como ilhas nestas atitudes prevalece a morte64 23 Mais além 88 A partir da intimidade de cada coração o amor cria vínculos e amplia a existência quando arranca a pessoa de si mesma para o outro65 Feitos para o amor existe em cada um de nós uma espécie de lei de êxtase sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser66 Por isso o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo deixar de procurar apoio em si mesmo deixarse levar67 89 Mas não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo nem mesmo à minha própria família porque é impossível compreenderme a mim mesmo sem uma teia mais ampla de relações e não só as do momento atual mas também as relações dos anos anteriores que me foram configurando ao longo da minha vida A minha relação com uma pessoa que estimo não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo nem eu vivo apenas relacionandome com ela A nossa relação se é sadia e autêntica abrenos aos outros que nos fazem crescer e enriquecem O mais nobre sentido social hoje facilmente fica anulado sob intimismos egoístas com aparência de relações intensas Pelo contrário o amor autêntico que ajuda a crescer e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam completar O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o coração em redor para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a todos Os grupos fechados e os casais autorreferenciais que se constituem como um nós contraposto ao mundo inteiro habitualmente são formas idealizadas de egoísmo e mera autoproteção 90 Não é sem razão que muitas populações pequenas e sobrevivendo em áreas desérticas conseguiram desenvolver uma generosa capacidade de acolhimento dos peregrinos que passavam dando assim um sinal exemplar do dever sagrado da hospitalidade Viveramno também as comunidades monásticas medievais como se verifica na Regra de São Bento Embora pudessem perturbar a ordem e o silêncio dos mosteiros Bento exigia que se tratasse os pobres e os peregrinos com toda a consideração e carinho possíveis68 A hospitalidade é uma maneira concreta de não se privar deste desafio e deste dom que é o encontro com a humanidade mais além do próprio grupo Aquelas pessoas reconheciam que todos os valores por elas cultivados deviam ser acompanhados por esta capacidade de se transcender a si mesmas numa abertura aos outros O valor único do amor 91 As pessoas podem desenvolver algumas atitudes que apresentam como valores morais fortaleza sobriedade laboriosidade e outras virtudes Mas para orientar adequadamente os atos das várias virtudes morais é necessário considerar também a medida em que eles realizam um dinamismo de abertura e união para com outras pessoas Este dinamismo é a caridade que Deus infunde Caso contrário talvez tenhamos só uma aparência de virtudes que serão incapazes de construir a vida em comum Por isso dizia São Tomás de Aquino citando Santo Agostinho que 24 a temperança duma pessoa avarenta nem sequer era virtuosa69 Com outras palavras explicava São Boaventura que as restantes virtudes sem a caridade não cumprem estritamente os mandamentos como Deus os compreende70 92 A estatura espiritual duma vida humana é medida pelo amor que constitui o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade duma vida humana71 Todavia há crentes que pensam que a sua grandeza está na imposição das suas ideologias aos outros ou na defesa violenta da verdade ou em grandes demonstrações de força Todos nós crentes devemos reconhecer isto em primeiro lugar está o amor o amor nunca deve ser colocado em risco o maior perigo é não amar cf 1 Cor 13 113 93 Procurando especificar em que consiste a experiência de amar que Deus torna possível com a sua graça São Tomás de Aquino explicavaa como um movimento que centra a atenção no outro considerandoo como um só comigo mesmo72 A atenção afetiva prestada ao outro provoca uma orientação que leva a procurar o seu bem gratuitamente Tudo isto parte duma estima duma apreciação que em última análise é o que está por detrás da palavra caridade o ser amado é caro para mim ou seja é estimado como de grande valor73 E do amor pelo qual uma pessoa me agrada depende que lhe dê algo grátis74 94 Sendo assim o amor implica algo mais do que uma série de ações benéficas As ações derivam duma união que propende cada vez mais para o outro considerandoo precioso digno aprazível e bom independentemente das aparências físicas ou morais O amor ao outro por ser quem é impelenos a procurar o melhor para a sua vida Só cultivando esta forma de nos relacionarmos é que tornaremos possível aquela amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos A progressiva abertura do amor 95 Enfim o amor colocanos em tensão para a comunhão universal Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude isolandose Pela sua própria dinâmica o amor exige uma progressiva abertura maior capacidade de acolher os outros numa aventura sem fim que faz convergir todas as periferias rumo a um sentido pleno de mútua pertença Dissenos Jesus Vós sois todos irmãos Mt 23 8 96 Esta necessidade de ir além dos próprios limites vale também para as diferentes regiões e países De facto o número sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra Assim nos dinamismos da história independentemente da diversidade das etnias das sociedades e das culturas vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros75 25 Sociedades abertas que integram a todos 97 Existem periferias que estão próximas de nós no centro duma cidade ou na própria família Também há um aspeto da abertura universal do amor que não é geográfico mas existencial a capacidade diária de alargar o meu círculo chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo de interesses embora se encontrem perto de mim Por outro lado cada irmã ou cada irmão que sofre abandonado ou ignorado pela minha sociedade é um forasteiro existencial embora tenha nascido no mesmo país Pode ser um cidadão com todos os documentos em ordem mas fazemno sentir como um estrangeiro na sua própria terra O racismo é um vírus que muda facilmente e em vez de desaparecer dissimulase mas está sempre à espreita 98 Quero lembrar estes exilados ocultos que são tratados como corpos estranhos à sociedade76 Muitas pessoas com deficiência sentem que vivem sem pertença nem participação Ainda há tanto que as impede de beneficiar da plena cidadania O objetivo não é apenas cuidar delas mas acompanhálas e ungilas de dignidade para uma participação ativa na comunidade civil e eclesial Tratase de um caminho exigente e também cansativo que contribuirá cada vez mais para a formação de consciências capazes de reconhecer cada um como pessoa única e irrepetível Penso igualmente nos idosos que inclusive por causa da sua deficiência são por vezes sentidos como um peso Mas todos podem dar uma contribuição singular para o bem comum através de sua biografia original Permiti que insista Tende a coragem de dar voz àqueles que são discriminados por causa de sua condição de deficiência porque infelizmente em certas nações ainda hoje é difícil reconhecêlos como pessoas de igual dignidade77 Noções inadequadas dum amor universal 99 O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo que chamamos amizade social em cada cidade ou em cada país Se for genuína esta amizade social dentro duma sociedade é condição para possibilitar uma verdadeira abertura universal Não se trata daquele falso universalismo de quem precisa de viajar constantemente porque não suporta nem ama o próprio povo Quem olha para a sua gente com desprezo estabelece na própria sociedade categorias de primeira e segunda classe de pessoas com mais ou menos dignidade e direitos Deste modo nega que haja espaço para todos 100 Também não estou a propor um universalismo autoritário e abstrato ditado ou planificado por alguns e apresentado como um presumível ideal para homogeneizar dominar e saquear Há um modelo de globalização que visa conscientemente uma uniformidade unidimensional e procura eliminar todas as diferenças e as tradições numa busca superficial de unidade Se uma globalização pretende fazer a todos iguais como se fosse uma esfera tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa e de cada povo78 Este falso sonho 26 universalista acaba por privar o mundo da variedade das suas cores da sua beleza e em última análise da sua humanidade Com efeito o futuro não é monocromático mas se tivermos coragem para isso podemos contemplálo na variedade e na diversidade das contribuições que cada um pode dar Como precisa a nossa família humana de aprender a viver conjuntamente em harmonia e paz sem necessidade de sermos todos iguais79 Superar um mundo de sócios 101 Retomemos agora a parábola do bom samaritano que ainda tem muito a propornos Havia um homem ferido no caminho As personagens que passavam ao lado dele não se concentravam na chamada íntima a fazerse próximos mas na sua função na posição social que ocupavam numa profissão prestigiosa na sociedade Sentiamse importantes para a sociedade de então e o que mais as preocupava era o papel que deviam desempenhar O homem ferido e abandonado no caminho era um incómodo para este projeto uma interrupção e tratavase de alguém que por sua vez não ocupava função alguma Era um ninguém não pertencia a um grupo considerado notável não tinha papel algum na construção da história Entretanto o generoso samaritano opunhase a estas classificações fechadas embora ele mesmo estivesse fora de qualquer uma destas categorias sendo simplesmente um estranho sem um lugar próprio na sociedade Assim livre de todas as etiquetas e estruturas foi capaz de interromper a sua viagem mudar os seus programas estar disponível para se abrir à surpresa do homem ferido que precisava dele 102 Que reação poderia provocar hoje essa narração num mundo onde constantemente aparecem e crescem grupos sociais que se agarram a uma identidade que os separa dos outros Como pode aquela impressionar pessoas que tendem a organizarse de maneira a impedir qualquer presença estranha que possa turbar tal identidade e esta organização autodefensiva e autorreferencial Neste esquema fica excluída a possibilidade de fazerse próximo sendo possível apenas ser próximo de quem me permite consolidar os benefícios pessoais Assim o termo próximo perde todo o significado fazendo sentido apenas a palavra sócio aquele que é associado para determinados interesses80 Liberdade igualdade e fraternidade 103 A fraternidade não é resultado apenas de situações onde se respeitam as liberdades individuais nem mesmo da prática duma certa equidade Embora sejam condições que a tornam possível não bastam para que surja como resultado necessário a fraternidade Esta tem algo de positivo a oferecer à liberdade e à igualdade Que sucede quando não há a fraternidade conscientemente cultivada quando não há uma vontade política de fraternidade traduzida numa educação para a fraternidade o diálogo a descoberta da reciprocidade e enriquecimento mútuo como valores Sucede que a liberdade se atenua predominando assim uma condição de solidão de pura autonomia para pertencer a alguém ou a alguma coisa ou apenas para possuir e desfrutar Isso não esgota de maneira alguma a riqueza da liberdade que se orienta sobretudo 27 para o amor 104 Tampouco se alcança a igualdade definindo abstratamente que todos os seres humanos são iguais mas resulta do cultivo consciente e pedagógico da fraternidade Aqueles que são capazes apenas de ser sócios criam mundos fechados Em semelhante esquema que sentido pode ter a pessoa que não pertence ao círculo dos sócios e chega sonhando com uma vida melhor para si e sua família 105 O individualismo não nos torna mais livres mais iguais mais irmãos A mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade Nem pode sequer preservarnos de tantos males que se tornam cada vez mais globais Mas o individualismo radical é o vírus mais difícil de vencer Ilude Faznos crer que tudo se reduz a deixar à rédea solta as próprias ambições como se acumulando ambições e seguranças individuais pudéssemos construir o bem comum Amor universal que promove as pessoas 106 Para se caminhar rumo à amizade social e à fraternidade universal há que fazer um reconhecimento basilar e essencial darse conta de quanto vale um ser humano de quanto vale uma pessoa sempre e em qualquer circunstância Se cada um vale assim tanto temos de dizer clara e firmemente que o simples facto de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente81 Trata se de um princípio elementar da vida social que é habitualmente e de várias maneiras ignorado por quantos sentem que não convém à sua visão do mundo ou não serve os seus objetivos 107 Todo o ser humano tem direito de viver com dignidade e desenvolverse integralmente e nenhum país lhe pode negar este direito fundamental Todos o possuem mesmo quem é pouco eficiente porque nasceu ou cresceu com limitações De facto isto não diminui a sua dignidade imensa de pessoa humana que se baseia não nas circunstâncias mas no valor do seu ser Quando não se salvaguarda este princípio elementar não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade 108 Há sociedades que acolhem apenas parcialmente este princípio Aceitam que haja possibilidades para todos mas suposto isto defendem que tudo depende de cada um Segundo esta perspetiva parcial não teria sentido investir para que os lentos fracos ou menos dotados possam também singrar na vida82 Investir a favor das pessoas frágeis pode não ser rentável pode implicar menor eficiência requer um Estado presente e ativo e instituições da sociedade civil que ultrapassem a liberdade dos mecanismos eficientistas de certos sistemas económicos políticos ou ideológicos porque estão verdadeiramente orientados em primeiro lugar para as pessoas e o bem comum 28 109 Alguns nascem em famílias com boas condições económicas recebem boa educação crescem bem alimentados ou possuem por natureza notáveis capacidades Seguramente não precisarão dum Estado ativo e apenas pedirão liberdade Mas obviamente não se aplica a mesma regra a uma pessoa com deficiência a alguém que nasceu num lar extremamente pobre a alguém que cresceu com uma educação de baixa qualidade e com reduzidas possibilidades para cuidar adequadamente das suas enfermidades Se a sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da eficiência não há lugar para tais pessoas e a fraternidade não passará duma palavra romântica 110 A verdade é que a simples proclamação da liberdade económica enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente ter acesso a ela tornase um discurso contraditório83 Palavras como liberdade democracia ou fraternidade esvaziamse de sentido Na realidade enquanto o nosso sistema económicosocial ainda produzir uma só vítima que seja e enquanto houver uma pessoa descartada não poderá haver a festa da fraternidade universal84 Uma sociedade humana e fraterna é capaz de preocuparse por garantir de modo eficiente e estável que todos sejam acompanhados no percurso da sua vida não apenas para assegurar as suas necessidades básicas mas para que possam dar o melhor de si mesmos ainda que o seu rendimento não seja o melhor mesmo que sejam lentos embora a sua eficiência não seja relevante 111 A pessoa humana com os seus direitos inalienáveis está naturalmente aberta a criar vínculos Habita nela radicalmente o apelo a transcenderse a si mesma no encontro com os outros É preciso porém ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos De facto há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais sintome tentado a dizer individualistas que esconde uma conceção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico quase como uma mónada monás cada vez mais insensível Na realidade se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior acaba por conceberse sem limitações e por conseguinte tornarse fonte de conflito e violência85 Promover o bem moral 112 Não podemos deixar de afirmar que o desejo e a busca do bem dos outros e da humanidade inteira implicam também procurar um desenvolvimento das pessoas e das sociedades nos distintos valores morais que concorrem para um amadurecimento integral No Novo Testamento mencionase um fruto do Espírito Santo cf Gal 5 22 expresso em grego pela palavra agathosyne Indica o apego ao bem a busca do bem mais ainda é buscar aquilo que vale mais o melhor para os outros o seu amadurecimento o seu crescimento numa vida saudável o cultivo dos valores e não só o bemestar material No latim há um termo semelhante benevolentia isto é a atitude de querer o bem do outro É um forte desejo do bem uma inclinação para tudo o que seja bom e exímio que impele a encher a vida dos outros com coisas belas sublimes 29 edificantes 113 Nesta linha com tristeza volto a destacar que vivemos já muito tempo na degradação moral baldandonos à ética à bondade à fé à honestidade chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por colocarnos uns contra os outros na defesa dos próprios interesses86 Voltemos a promover o bem para nós mesmos e para toda a humanidade e assim caminharemos juntos para um crescimento genuíno e integral Cada sociedade precisa de garantir a transmissão dos valores caso contrário transmitemse o egoísmo a violência a corrupção nas suas diversas formas a indiferença e em última análise uma vida fechada a toda a transcendência e entrincheirada nos interesses individuais O valor da solidariedade 114 Quero destacar a solidariedade que como virtude moral e comportamento social fruto da conversão pessoal exige empenho por parte duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter educativo e formativo Penso em primeiro lugar nas famílias chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível Constituem o primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade da convivência e da partilha da atenção e do cuidado pelo outro São também o espaço privilegiado para a transmissão da fé a começar por aqueles primeiros gestos simples de devoção que as mães ensinam aos filhos Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa de educar as crianças e os jovens na escola ou nos vários centros de agregação infantil e juvenil devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve as dimensões moral espiritual e social da pessoa Os valores da liberdade respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais tenra idade Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social têm responsabilidades no campo da educação e da formação especialmente na sociedade atual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de informação e comunicação87 115 Nestes momentos em que tudo parece diluirse e perder consistência faznos bem invocar a solidez88 que deriva do facto de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na procura dum destino comum A solidariedade manifestase concretamente no serviço que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros O serviço é em grande parte cuidar da fragilidade Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias da nossa sociedade do nosso povo Nesta tarefa cada um é capaz de pôr de lado as suas exigências expetativas desejos de omnipotência à vista concreta dos mais frágeis O serviço fixa sempre o rosto do irmão toca a sua carne sente a sua proximidade e em alguns casos até padece com ela e procura a promoção do irmão Por isso o serviço nunca é ideológico dado que não servimos ideias mas pessoas89 116 Os últimos em geral praticam aquela solidariedade tão especial que existe entre quantos 30 sofrem entre os pobres e que a nossa civilização parece ter esquecido ou pelo menos tem grande vontade de esquecer Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada diria que algumas vezes a transformamos num palavrão que não se pode dizer mas é uma palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos É pensar e agir em termos de comunidade de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns É também lutar contra as causas estruturais da pobreza a desigualdade a falta de trabalho a terra e a casa a negação dos direitos sociais e laborais É fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro A solidariedade entendida no seu sentido mais profundo é uma forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem90 117 Quando falamos em cuidar da casa comum que é o planeta fazemos apelo àquele mínimo de consciência universal e de preocupação pelo cuidado mútuo que ainda possa existir nas pessoas De facto se alguém tem água de sobra mas poupaa pensando na humanidade é porque atingiu um nível moral que lhe permite transcenderse a si mesmo e ao seu grupo de pertença Isto é maravilhosamente humano Requerse este mesmo comportamento para reconhecer os direitos de todo o ser humano incluindo os nascidos fora das nossas próprias fronteiras Repropor a função social da propriedade 118 O mundo existe para todos porque todos nós seres humanos nascemos nesta terra com a mesma dignidade As diferenças de cor religião capacidade local de nascimento lugar de residência e muitas outras não podem anteporse nem ser usadas para justificar privilégios de alguns em detrimento dos direitos de todos Por conseguinte como comunidade temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento integral 119 Nos primeiros séculos da fé cristã vários sábios desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados91 Isto levou a pensar que se alguém não tem o necessário para viver com dignidade é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido São João Crisóstomo resume isso dizendo que não fazer os pobres participar dos próprios bens é roubar e tirarlhes a vida não são nossos mas deles os bens que aferrolhamos92 E São Gregório Magno dilo assim Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário não oferecemos o que é nosso limitamonos a restituir o que lhes pertence93 120 Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II cuja veemência talvez tenha passado despercebida Deus deu a terra a todo género humano para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém94 Nesta linha lembro que a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada95 O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o primeiro princípio de toda a ordem 31 éticosocial96 é um direito natural primordial e prioritário97 Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas quaisquer que sejam eles incluindo o da propriedade privada não devem como afirmava São Paulo VI impedir mas pelo contrário facilitar a sua realização98 O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais deixandoos sem relevância prática Direitos sem fronteiras 121 Por conseguinte ninguém pode ser excluído não importa onde tenha nascido e menos ainda contam os privilégios que outros possam ter porque nasceram em lugares com maiores possibilidades Os confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isto se cumpra Assim como é inaceitável que uma pessoa tenha menos direitos pelo simples facto de ser mulher de igual modo é inaceitável que o local de nascimento ou de residência determine de por si menores oportunidades de vida digna e de desenvolvimento 122 O desenvolvimento não deve orientarse para a acumulação sempre maior de poucos mas há de assegurar os direitos humanos pessoais e sociais económicos e políticos incluindo os direitos das nações e dos povos99 O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres nem acima do respeito pelo ambiente pois quem possui uma parte é apenas para a administrar em benefício de todos100 123 É verdade que a atividade dos empresários é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos101 Deus incitanos esperando que desenvolvamos as capacidades que Ele nos deu bem como as potencialidades de que encheu o universo Nos seus desígnios cada homem é chamado a promover o seu próprio desenvolvimento102 e isto inclui a implementação das capacidades económicas e tecnológicas para fazer crescer os bens e aumentar a riqueza Mas estas capacidades dos empresários que são um dom de Deus deveriam em todo o caso orientarse claramente para o desenvolvimento das outras pessoas e a superação da miséria especialmente através da criação de oportunidades de trabalho diversificadas A par do direito de propriedade privada sempre existe o princípio mais importante e antecedente da subordinação de toda a propriedade privada ao destino universal dos bens da terra e consequentemente o direito de todos ao seu uso103 Direitos dos povos 124 Hoje requerse que a convicção do destino comum dos bens da terra se aplique também aos países aos seus territórios e aos seus recursos Se o olharmos não só a partir da legitimidade da 32 propriedade privada e dos direitos dos cidadãos duma determinada nação mas também a partir do primeiro princípio do destino comum dos bens então podemos dizer que cada país é também do estrangeiro já que os bens dum território não devem ser negados a uma pessoa necessitada que provenha doutro lugar Pois como ensinaram os bispos dos Estados Unidos há direitos fundamentais que precedem qualquer sociedade porque derivam da dignidade concedida a cada pessoa enquanto criada por Deus104 125 Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o intercâmbio entre países Se toda a pessoa possui uma dignidade inalienável se todo o ser humano é meu irmão ou minha irmã e se na realidade o mundo pertence a todos não importa se alguém nasceu aqui ou vive fora dos confins do seu próprio país Também a minha nação é corresponsável pelo seu desenvolvimento embora possa cumprir tal responsabilidade de várias maneiras acolhendoo generosamente quando o requeira uma necessidade imperiosa promovendoo na sua própria terra não desfrutando nem esvaziando de recursos naturais a países inteiros e não favorecendo sistemas corruptos que impedem o desenvolvimento digno dos povos Isto que é válido para as nações aplicase às diferentes regiões de cada país entre as quais se verificam muitas vezes graves desigualdades Entretanto a incapacidade de reconhecer a igual dignidade humana leva às vezes a que as regiões mais desenvolvidas dalguns países aspirem por libertarse do fardo das regiões mais pobres para aumentar ainda mais o seu nível de consumo 126 Falamos duma nova rede nas relações internacionais porque não é possível resolver os graves problemas do mundo pensando apenas em termos de mútua ajuda entre indivíduos ou pequenos grupos Lembremonos que a desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações internacionais105 E a justiça exige reconhecer e respeitar não só os direitos individuais mas também os direitos sociais e os direitos dos povos106 Quanto afirmamos implica que se assegure o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso107 que às vezes é fortemente dificultado pela pressão resultante da dívida externa Em muitos casos o pagamento da dívida não só não favorece o desenvolvimento mas limitao e condicionao intensamente Embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga a maneira de cumprir este dever que muitos países pobres têm para com países ricos não deve levar a comprometer a sua subsistência e crescimento 127 Tratase sem dúvida doutra lógica Se não se fizer esforço para entrar nesta lógica as minhas palavras parecerão um devaneio Mas se se aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples facto de possuir a inalienável dignidade humana é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar numa humanidade diferente É possível desejar um planeta que garanta terra teto e trabalho para todos Este é o verdadeiro caminho da paz e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas Com efeito a paz real e duradoura é possível só a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana 33 inteira108 Capítulo IV UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO 128 Se esta afirmação como seres humanos somos irmãos e irmãs não ficar pela abstração mas se tornar verdade encarnada e concreta colocanos uma série de desafios que nos fazem mover obrigam a assumir novas perspetivas e produzir novas reações O limite das fronteiras 129 Quando o próximo é uma pessoa migrante sobrevêm desafios complexos109 O ideal seria sem dúvida tornar desnecessárias as migrações e para isso o caminho é criar reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem a fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral Mas enquanto não houver sérios progressos nesta linha é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família mas também realizarse plenamente como pessoa Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes que chegam podem resumirse em quatro verbos acolher proteger promover e integrar Com efeito não se trata de impor do alto programas assistenciais mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações para construir cidades e países que mesmo conservando as respetivas identidades culturais e religiosas estejam abertos às diferenças e saibam valorizálas em nome da fraternidade humana110 130 Isto implica algumas respostas indispensáveis sobretudo em benefício daqueles que fogem de graves crises humanitárias Por exemplo incrementar e simplificar a concessão de vistos adotar programas de patrocínio privado e comunitário abrir corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis oferecer um alojamento adequado e decente garantir a segurança pessoal e o acesso aos serviços essenciais assegurar uma adequada assistência consular o direito de manter sempre consigo os documentos pessoais de identidade um acesso imparcial à justiça a possibilidade de abrir contas bancárias e a garantia do necessário para a subsistência vital darlhes liberdade de movimento e a possibilidade de trabalhar proteger os menores e assegurarlhes o acesso regular à educação prever programas de custódia temporária ou acolhimento garantir a liberdade religiosa promover a sua inserção social favorecer a reunificação familiar e preparar as comunidades locais para os processos de integração111 131 Para aqueles que chegaram há bastante tempo e já fazem parte do tecido social é importante aplicar o conceito de cidadania que se baseia na igualdade dos direitos e dos deveres sob cuja sombra todos gozam da justiça Por isso é necessário empenharse por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso 34 discriminatório do termo minorias que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos discriminandoos112 132 Além das várias ações indispensáveis os Estados não podem incrementar por conta própria soluções adequadas porque as consequências das opções de cada um recaem inevitavelmente sobre toda a comunidade internacional Assim as respostas só poderão ser fruto dum trabalho comum113 gerando uma legislação governance global para as migrações Em todo o caso há necessidade de estabelecer projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência deveriam ajudar realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento e ao mesmo tempo favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas solidárias mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas ideologicamente alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se destinam114 Os dons recíprocos 133 A chegada de pessoas diferentes que provêm dum contexto vital e cultural distinto transformase num dom porque as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral para todos115 Por isso peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países fazendoos ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano116 134 Entretanto quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente permiteselhe continuar a ser ela própria ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento As várias culturas cuja riqueza se foi criando ao longo dos séculos devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre Isso porém sem deixar de as estimular a que permitam surgir de si mesmas algo de novo no encontro com outras realidades Não se pode ignorar o risco de acabarem vítimas duma esclerose cultural Para isso precisamos de comunicar descobrir as riquezas de cada um valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos Tornase necessário um diálogo paciente e confiante para que as pessoas as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias117 135 Retomo aqui um exemplo que dei há tempos a cultura dos latinos é um fermento de valores e possibilidades que pode fazer muito bem aos Estados Unidos Uma intensa imigração acaba sempre por marcar e transformar a cultura dum lugar Na Argentina a forte imigração italiana marcou a cultura da sociedade e no estilo cultural de Buenos Aires é muito visível a presença de aproximadamente 200000 judeus Se forem ajudados a integrarse os imigrantes são uma bênção uma riqueza e um novo dom que convida a sociedade a 35 crescer118 136 Numa perspetiva mais ampla eu e o Grande Imã Ahmad AlTayyeb lembramos que o relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível que não pode ser comutada nem transcurada para que ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvarse da fragilidade da divisão do conflito e do declínio científico técnico e cultural É importante prestar atenção às diferenças religiosas culturais e históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade da cultura e da civilização oriental e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns para ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente evitando o uso da política de duas medidas119 O intercâmbio fecundo 137 Na realidade a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos Um país que progride com base no seu substrato cultural original é um tesouro para toda a humanidade Precisamos de fazer crescer a consciência de que hoje ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém A pobreza a degradação os sofrimentos dum lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que finalmente afetarão todo o planeta Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies deveria afligirnos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou doutros limites estruturais É que isto acaba por nos empobrecer a todos 138 Se isto foi sempre verdade hoje a certeza é maior do que nunca devido à realidade dum mundo tão interconectado pela globalização Precisamos que um ordenamento jurídico político e económico mundial incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos120 Isto redundará em benefício de todo o planeta porque a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres trará criação de riqueza para todos121 Do ponto de vista do desenvolvimento integral isto pressupõe que se conceda também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns122 e procure incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza e pelo subdesenvolvimento123 Gratuitidade que acolhe 139 Todavia não quero limitar esta abordagem a qualquer forma de utilitarismo Existe a gratuitidade é a capacidade de fazer algumas coisas pelo simples facto de serem boas sem olhar a êxitos nem esperar receber imediatamente algo em troca Isto permite acolher o estrangeiro mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis Mas há países que 36 pretendem receber apenas cientistas ou investidores 140 Quem não vive a gratuitidade fraterna transforma a sua existência num comércio cheio de ansiedade está sempre a medir aquilo que dá e o que recebe em troca Em contrapartida Deus dá de graça chegando ao ponto de ajudar mesmo os que não são fiéis e fazer com que o Sol se levante sobre os bons e os maus Mt 5 45 Por isso Jesus recomenda Quando deres esmola que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita a fim de que a tua esmola permaneça em segredo Mt 6 34 Recebemos a vida de graça não pagamos por ela De igual modo todos podemos dar sem esperar recompensa fazer o bem sem pretender outro tanto da pessoa que ajudamos É aquilo que Jesus dizia aos seus discípulos Recebestes de graça dai de graça Mt 10 8 141 A verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo medese por esta capacidade de pensar não só como país mas também como família humana e isto comprovase sobretudo nos períodos críticos Os nacionalismos fechados manifestam em última análise esta incapacidade de gratuitidade a errada persuasão de que podem desenvolverse à margem da ruína dos outros e que fechandose aos demais estarão mais protegidos O migrante é visto como um usurpador que nada oferece Assim chegase a pensar ingenuamente que os pobres são perigosos ou inúteis e os poderosos generosos benfeitores Só poderá ter futuro uma cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito Local e universal 142 Ocorre lembrar que entre a globalização e a localização também se gera uma tensão É preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local que nos faz caminhar com os pés por terra As duas coisas unidas impedem de cair em algum destes dois extremos o primeiro que os cidadãos vivam num universalismo abstrato e globalizante o outro extremo é que se transformem num museu folclórico de eremitas localistas condenados a repetir sempre as mesmas coisas incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras124 É preciso olhar para o global que nos resgata da mesquinhez caseira Quando a casa deixa de ser lar para se tornar confinamento calabouço resgatanos o global porque é como a causa final que nos atrai para a plenitude Ao mesmo tempo temos de assumir intimamente o local pois tem algo que o global não possui ser fermento enriquecer colocar em marcha mecanismos de subsidiariedade Portanto a fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos essenciais Separálos leva a uma deformação e a uma polarização nociva O sabor local 143 A solução não é uma abertura que renuncie ao próprio tesouro Tal como não há diálogo 37 com o outro sem identidade pessoal assim também não há abertura entre povos senão a partir do amor à terra ao povo aos próprios traços culturais Não me encontro com o outro se não possuo um substrato onde estou firme e enraizado pois é a partir dele que posso acolher o dom do outro e oferecerlhe algo de autêntico Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original se estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura Cada qual ama e cuida com particular responsabilidade da sua terra e preocupase com o seu país assim como deve amar e cuidar da própria casa para que não caia ciente de que não o virão fazer os vizinhos O próprio bem do mundo requer que cada um proteja e ame a sua própria terra caso contrário as consequências do desastre dum país repercutirseão em todo o planeta Isto baseiase no sentido positivo do direito de propriedade guardo e cultivo algo que possuo a fim de que possa ser uma contribuição para o bem de todos 144 Além disso é um pressuposto para intercâmbios sadios e enriquecedores A base adquirida a partir da experiência da vida transcorrida num certo lugar e numa determinada cultura é o que torna uma pessoa capaz de apreender aspetos da realidade que não conseguem entender tão facilmente quantos não possuem essa experiência O universal não deve ser o domínio homogéneo uniforme e padronizado duma única forma cultural imperante que perderá as cores do poliedro e ficará enfadonha É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos capazes de comunicar segundo a própria diversidade antes pelo contrário foi uma tentativa nascida do orgulho e da ambição humana que visava criar uma unidade diferente da desejada por Deus no seu plano providencial para as nações cf Gn 11 111 145 Existe uma falsa abertura ao universal que deriva da superficialidade vazia de quem não é capaz de compreender até ao fundo a sua pátria ou de quem lida com um ressentimento não resolvido face ao seu povo Em todo o caso é preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós Mas há que o fazer sem se evadir nem se desenraizar É necessário mergulhar as raízes na terra fértil e na história do próprio lugar que é um dom de Deus Trabalhase no pequeno no que está próximo mas com uma perspetiva mais ampla Não é a esfera global que aniquila nem a parte isolada que esteriliza125 É o poliedro onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor o todo é mais que a parte sendo também mais do que a simples soma delas126 O horizonte universal 146 Há narcisismos bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura Escondem um espírito fechado que devido a uma certa insegurança e medo do outro prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda Mas não é possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao universal sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes sem se deixar enriquecer por outras culturas nem se solidarizar com os dramas dos outros povos Este localismo encerrase obsessivamente numas poucas ideias costumes 38 e seguranças revelandose incapaz de admirar as múltiplas possibilidades e belezas que oferece o mundo inteiro e carecendo duma solidariedade autêntica e generosa Deste modo a vida local deixa de ser verdadeiramente recetiva já não se deixa completar pelo outro consequentemente fica limitada nas suas possibilidades de desenvolvimento tornase estática e adoece Na realidade toda a cultura saudável é por natureza aberta e acolhedora pelo que uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura127 147 Temos de reconhecer que quanto menor for a amplitude da mente e do coração duma pessoa tanto menos poderá interpretar a realidade circundante em que está imersa Sem o relacionamento e o confronto com quem é diferente tornase difícil ter um conhecimento claro e completo de si mesmo e da sua terra uma vez que as outras culturas não constituem inimigos de quem seja preciso defenderse mas reflexos distintos da riqueza inexaurível da vida humana Ao olhar para si mesmo do ponto de vista do outro de quem é diferente cada um pode reconhecer melhor as peculiaridades da sua própria pessoa e cultura as suas riquezas possibilidades e limites A experiência que se realiza num lugar deve desenvolverse ora em contraste ora em sintonia com as experiências doutras pessoas que vivem em contextos culturais diversos128 148 Na realidade uma sã abertura nunca ameaça a identidade porque ao enriquecerse com elementos doutros lugares uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição mas integra as novidades segundo modalidades próprias Isto provoca o nascimento duma nova síntese que em última análise beneficia a todos já que a cultura donde provêm estas contribuições acaba mais desenvolvida Por isso exortei os povos nativos a cuidarem das suas próprias raízes e culturas ancestrais mas esclarecendo que não era minha intenção propor um indigenismo completamente fechado ahistórico estático que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem pois a própria identidade cultural aprofundase e enriquecese no diálogo com os que são diferentes e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece129 O mundo cresce e enchese de nova beleza graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas fora de qualquer imposição cultural 149 Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países mas sim a própria comunhão que existe entre eles a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular É neste entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano e aí encontra a sua beleza Assim cada pessoa nascida num determinado contexto sabe que pertence a uma família maior sem a qual não é possível ter uma compreensão plena de si mesma 150 Esta abordagem exige em última análise que se aceite com alegria que nenhum povo nenhuma cultura nenhum indivíduo pode obter tudo de si mesmo Os outros são constitutivamente necessários para a construção duma vida plena A consciência do limite ou da exiguidade longe de ser uma ameaça tornase a chave segundo a qual sonhar e elaborar um 39 projeto comum Com efeito o homem é o ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira130 A partir da própria região 151 Graças ao intercâmbio regional a partir do qual os países mais frágeis se abrem ao mundo inteiro é possível fazer com que as particularidades não se diluam na universalidade Uma adequada e autêntica abertura ao mundo pressupõe a capacidade de se abrir ao vizinho numa família de nações A integração cultural económica e política com os povos vizinhos deve ser acompanhada por um processo educativo que promova o valor do amor ao vizinho primeiro exercício indispensável para se conseguir uma sadia integração universal 152 Nalguns bairros populares vivese ainda aquele espírito de vizinhança segundo o qual cada um sente espontaneamente o dever de acompanhar e ajudar o vizinho Nos lugares que conservam tais valores comunitários as relações de proximidade são marcadas pela gratuitidade solidariedade e reciprocidade partindo do sentido de um nós do bairro131 Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos com a capacidade de construir uma vizinhança cordial entre os seus povos Mas as visões individualistas traduzemse nas relações entre países O risco de viver acautelandonos uns dos outros vendo os outros como concorrentes ou inimigos perigosos é transferido para o relacionamento com os povos da região Talvez tenhamos sido educados neste medo e nesta desconfiança 153 Existem países poderosos e empresas grandes que lucram com este isolamento e preferem negociar com cada país separadamente Entretanto para os países pequenos ou pobres abrese a possibilidade de alcançar acordos regionais com os seus vizinhos que lhes permitam negociar em bloco evitando tornarse segmentos marginais e dependentes das grandes potências Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população Capítulo V A POLÍTICA MELHOR 154 Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social é necessária a política melhor a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum Mas hoje infelizmente muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente Populismos e liberalismos 155 O desprezo pelos vulneráveis pode esconderse em formas populistas que demagogicamente se servem deles para os seus fins ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos Em ambos os casos é palpável a dificuldade de pensar 40 num mundo aberto onde haja lugar para todos que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas Popular ou populista 156 Nos últimos anos os termos populismo e populista invadiram os meios de comunicação e a linguagem em geral perdendo assim o valor que poderiam conter para compor uma das polaridades da sociedade dividida Chegouse ao ponto de pretender classificar os indivíduos os grupos as sociedades e os governos a partir da divisão binária populista ou não populista Já não é possível que alguém manifeste a sua opinião sobre um tema qualquer sem tentarem classificálo num desses dois polos umas vezes para o desacreditar injustamente outras para o exaltar desmedidamente 157 Mas a pretensão de introduzir o populismo como chave de leitura da realidade social contém outro ponto fraco ignora a legitimidade da noção de povo A tentativa de fazer desaparecer da linguagem esta categoria poderia levar à eliminação da própria palavra democracia cujo significado é precisamente governo do povo Contudo para afirmar que a sociedade é mais do que a mera soma de indivíduos necessitase do termo povo A verdade é que há fenómenos sociais que estruturam as maiorias existem megatendências e aspirações comunitárias além disso podese pensar em objetivos comuns independentemente das diferenças para implementar juntos um projeto compartilhado enfim é muito difícil projetar algo de grande a longo prazo se não se consegue tornálo um sonho coletivo Tudo isto está expresso no substantivo povo e no adjetivo popular Se não se incluíssem na linguagem juntamente com uma sólida crítica da demagogia terseia renunciado a um aspeto fundamental da realidade social 158 Subjacente encontrase um malentendido Povo não é uma categoria lógica nem uma categoria mística no sentido de que tudo o que faz o povo é bom ou no sentido de que o povo seja uma entidade angelical É uma categoria mítica Quando explicas o que é um povo recorres a categorias lógicas porque precisas de o descrever é verdade elas são necessárias Mas deste modo não consegues explicar o sentido de pertença a um povo a palavra povo tem algo mais que não se pode explicar logicamente Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade comum formada por vínculos sociais e culturais E isto não é algo de automático muito pelo contrário é um processo lento e difícil rumo a um projeto comum132 159 Existem líderes populares capazes de interpretar o sentir dum povo a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade O serviço que prestam congregando e guiando pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum Mas degenera num populismo insano quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo sob qualquer sinal ideológico ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder Outras vezes procura aumentar a popularidade fomentando as 41 inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores da população E o caso agravase quando se pretende com formas rudes ou subtis o servilismo das instituições e da legalidade 160 Os grupos populistas fechados deformam a palavra povo porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo De facto a categoria povo é aberta Um povo vivo dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso E fálo não se negando a si mesmo mas com a disposição de se deixar mover interpelar crescer enriquecer por outros e assim pode evoluir 161 Outra expressão degenerada duma autoridade popular é a busca do interesse imediato Respondese a exigências populares com o fim de ter garantido os votos ou o apoio do povo mas sem avançar numa tarefa árdua e constante que proporcione às pessoas os recursos para o seu desenvolvimento de modo que possam sustentar a vida com o seu esforço e criatividade Nesta linha deixei claro longe de mim propor um populismo irresponsável133 Por um lado a superação da desigualdade requer que se desenvolva a economia fazendo frutificar as potencialidades de cada região e assegurando assim uma equidade sustentável134 por outro os planos de assistência que acorrem a determinadas emergências deveriam considerarse apenas como respostas provisórias135 162 A grande questão é o trabalho Ser verdadeiramente popular porque promove o bem do povo é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um as suas capacidades a sua iniciativa as suas forças Esta é a melhor ajuda para um pobre o melhor caminho para uma existência digna Por isso insisto que ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentirlhes uma vida digna através do trabalho136 Por mais que mudem os sistemas de produção a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço Com efeito não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho137 Numa sociedade realmente desenvolvida o trabalho é uma dimensão essencial da vida social porque não é só um modo de ganhar o pão mas também um meio para o crescimento pessoal para estabelecer relações sadias expressarse a si próprio partilhar dons sentirse corresponsável no desenvolvimento do mundo e finalmente viver como povo Valores e limites das visões liberais 163 A categoria de povo que inclui intrinsecamente uma avaliação positiva dos vínculos comunitários e culturais habitualmente é rejeitada pelas visões liberais individualistas que consideram a sociedade como uma mera soma de interesses que coexistem Falam de respeito pelas liberdades mas sem a raiz duma narrativa comum Em certos contextos é frequente acusar como populistas quantos defendem os direitos dos mais frágeis da sociedade Para as 42 referidas visões a categoria de povo é uma mitificação de algo que não existe na realidade Aqui porém criase uma polarização desnecessária pois nem a ideia de povo nem a de próximo são categorias puramente míticas ou românticas que excluam ou desprezem a organização social a ciência e as instituições da sociedade civil138 164 A caridade reúne as duas dimensões a mítica e a institucional pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo instituições direito técnica experiência contribuições profissionais análise científica procedimentos administrativos Porque de facto não há vida privada se não for protegida por uma ordem pública um lar acolhedor doméstico não tem intimidade se não estiver sob a tutela da legalidade dum estado de tranquilidade fundado na lei e na força e com a condição dum mínimo de bemestar garantido pela divisão do trabalho pelas trocas comerciais pela justiça social e pela cidadania política139 165 A verdadeira caridade é capaz de incluir tudo isto na sua dedicação e se se deve expressar no encontro de pessoa a pessoa também consegue chegar a uma irmã a um irmão distante e até desconhecido através dos vários recursos que as instituições duma sociedade organizada livre e criativa são capazes de gerar Se voltarmos ao caso do bom samaritano vemos que até ele precisou da existência duma estalagem que lhe permitisse resolver o que não estava em condições de garantir sozinho naquele momento O amor ao próximo é realista e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os últimos Às vezes deparamonos com ideologias de esquerda ou pensamentos sociais cultivando hábitos individualistas e procedimentos ineficazes porque beneficiam a poucos entretanto a multidão dos abandonados fica à mercê da possível boa vontade de alguns Isto demonstra que é necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível via de saída uma única metodologia aceitável uma receita económica aplicável igualmente por todos e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor percursos diferentes 166 A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade duma mudança nos corações humanos nos hábitos e estilos de vida É o que acontece quando a propaganda política os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingénua à vista de interesses económicos desenfreados e da organização das sociedades ao serviço daqueles que já têm demasiado poder Por isso a minha crítica ao paradigma tecnocrático não significa que só procurando controlar os seus excessos é que poderemos estar seguros já que o perigo maior não está nas coisas nas realidades materiais nas organizações mas no modo como as pessoas se servem delas A questão é a fragilidade humana a tendência humana constante para o egoísmo que faz parte daquilo que a tradição cristã chama concupiscência a inclinação do ser humano a fechar 43 se na imanência do próprio eu do seu grupo dos seus interesses mesquinhos Esta concupiscência não é um defeito do nosso tempo existe desde que o homem é homem limitandose simplesmente a transformarse adquirir modalidades diferentes no decorrer dos séculos utilizando os instrumentos que o momento histórico coloca à sua disposição Mas é possível dominála com a ajuda de Deus 167 A tarefa educativa o desenvolvimento de hábitos solidários a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças às aberrações aos abusos dos poderes económicos tecnológicos políticos e mediáticos Há visões liberais que ignoram este fator da fragilidade humana e imaginam um mundo que corresponda a uma determinada ordem que poderia por si só assegurar o futuro e a solução de todos os problemas 168 O mercado por si só não resolve tudo embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal Tratase dum pensamento pobre repetitivo que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja O neoliberalismo reproduzse sempre igual a si mesmo recorrendo à mágica teoria do derrame ou do gotejamento sem a nomear como única via para resolver os problemas sociais Não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a desigualdade sendo esta fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social Por um lado é indispensável uma política económica ativa visando promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial140 para ser possível aumentar os postos de trabalho em vez de os reduzir A especulação financeira tendo a ganância de lucro fácil como objetivo fundamental continua a fazer estragos Por outro lado sem formas internas de solidariedade e de confiança mútua o mercado não pode cumprir plenamente a própria função económica E hoje foi precisamente esta confiança que veio a faltar141 O fim da história não foi como previsto tendo as receitas dogmáticas da teoria económica imperante demonstrado que elas mesmas não são infalíveis A fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos142 169 Em determinadas visões económicas fechadas e monocromáticas parece que não têm lugar por exemplo os Movimentos Populares que reúnem desempregados trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos Na realidade criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária É necessário pensar a participação social política e económica segundo modalidades tais que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum e por sua vez se incentive a que estes movimentos estas experiências de 44 solidariedade que crescem de baixo do subsolo do planeta confluam sejam mais coordenados se encontrem143 Mas fazêlo sem trair o seu estilo caraterístico porque são semeadores de mudanças promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo como numa poesia144 Neste sentido são poetas sociais que à sua maneira trabalham propõem promovem e libertam Com eles será possível um desenvolvimento humano integral que implica superar a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres mas nunca com os pobres nunca dos pobres e muito menos inserida num projeto que reúna os povos145 Embora incomodem e mesmo se alguns pensadores não sabem como classificálos é preciso ter a coragem de reconhecer que sem eles a democracia atrofiase tornase um nominalismo uma formalidade perde representatividade vaise desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade na construção de seu destino146 O poder internacional 170 Deixaime repetir aqui que a crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual Mas não houve uma reação que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo147 Antes pelo contrário parece que as reais estratégias posteriormente desenvolvidas no mundo se têm orientado para maior individualismo menor integração maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos 171 Gostaria de insistir no facto que dar a cada um o que lhe é devido segundo a definição clássica de justiça significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar omnipotente autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais A efetiva distribuição do poder sobretudo político económico militar e tecnológico entre uma pluralidade de sujeitos e a criação dum sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses realiza a limitação do poder Mas hoje o panorama mundial apresentanos muitos direitos falsos e ao mesmo tempo amplos setores sem proteção vítimas inclusivamente dum mau exercício do poder148 172 O século XXI assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais sobretudo porque a dimensão económicofinanceira de carater transnacional tende a prevalecer sobre a política Neste contexto tornase indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar149 Quando se fala duma possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito150 não se deve necessariamente pensar numa autoridade pessoal Mas deveria prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais 45 173 Nesta linha lembro que é necessária uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura económica e financeira internacional para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações151 Isto pressupõe sem dúvida limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e ao mesmo tempo para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas Na verdade a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estadomembro sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência152 Com efeito a tarefa das Nações Unidas com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações aos mediadores e à arbitragem como é proposto pela Carta das Nações Unidas verdadeira norma jurídica fundamental153 É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto 174 Requerse coragem e generosidade para estabelecer livremente certos objetivos comuns e assegurar o cumprimento em todo o mundo dalgumas normas essenciais Para que isto seja verdadeiramente útil devese apoiar a exigência de fazer fé nos compromissos subscritos pacta sunt servanda154 a fim de evitar a tentação de fazer apelo mais ao direito da força que à força do direito155 Nesta perspetiva os instrumentos normativos para a solução pacífica das controvérsias devem ser repensados de tal modo que lhes sejam reforçados o alcance e a obrigatoriedade156 Dentre esses instrumentos normativos há que favorecer os acordos multilaterais entre os Estados porque garantem melhor do que os acordos bilaterais o cuidado dum bem comum realmente universal e a tutela dos Estados mais vulneráveis 175 Graças a Deus muitos grupos e organizações da sociedade civil ajudam a compensar as debilidades da Comunidade Internacional a sua falta de coordenação em situações complexas a sua carência de atenção relativamente a direitos humanos fundamentais e a situações muito críticas de alguns grupos Assim adquire uma expressão concreta o princípio da subsidiariedade que garante a participação e a ação das comunidades e organizações de nível menor que integram de modo complementar a ação do Estado Muitas vezes realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heroicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade Uma caridade social e política 176 Atualmente muitos possuem uma má noção da política e não se pode ignorar que frequentemente por trás deste facto estão os erros a corrupção e a ineficiência de alguns políticos A isto vêm juntarse as estratégias que visam enfraquecêla substituíla pela economia 46 ou dominála por alguma ideologia E contudo poderá o mundo funcionar sem política Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política157 A política necessária 177 Gostaria de insistir que a política não deve submeterse à economia e esta não deve submeterse aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia158 Embora se deva rejeitar o mau uso do poder a corrupção a falta de respeito das leis e a ineficiência não se pode justificar uma economia sem política porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos da crise atual159 Pelo contrário precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da crise160 Penso numa política salutar capaz de reformar as instituições coordenálas e dotálas de bons procedimentos que permitam superar pressões e inércias viciosas161 Não se pode pedir isto à economia nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado 178 Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato lembro que a grandeza política mostrase quando em momentos difíceis se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever num projeto de nação162 e mais ainda num projeto comum para a humanidade presente e futura Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais mas é o que exige uma justiça autêntica porque como ensinaram os bispos de Portugal a terra é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte163 179 A sociedade mundial tem graves carências estruturais que não se resolvem com remendos ou soluções rápidas meramente ocasionais Há coisas que devem ser mudadas com reajustamentos profundos e transformações importantes E só uma política sã poderia conduzir o processo envolvendo os mais diversos setores e os conhecimentos mais variados Desta forma uma economia integrada num projeto político social cultural e popular que vise o bem comum pode abrir caminho a oportunidades diferentes que não implica frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso mas orientar esta energia por novos canais164 O amor político 180 Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes que assegurem a sua real possibilidade Todo e qualquer esforço nesta linha tornase um exercício alto da caridade Com efeito um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada mas quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos entra no campo da caridade mais ampla a caridade política165 Tratase de 47 avançar para uma ordem social e política cuja alma seja a caridade social166 Convido uma vez mais a revalorizar a política que é uma sublime vocação é uma das formas mais preciosas de caridade porque busca o bem comum167 181 Todos os compromissos decorrentes da doutrina social da Igreja derivam da caridade que é como ensinou Jesus a síntese de toda a Lei cf Mt 22 3640168 Isto exige reconhecer que o amor cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo é também civil e político manifestandose em todas as ações que procuram construir um mundo melhor169 Por este motivo o amor expressase não só nas relações íntimas e próximas mas também nas macrorrelações como relacionamentos sociais económicos e políticos170 182 Esta caridade política supõe ter maturado um sentido social que supere toda a mentalidade individualista A caridade social levanos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas consideradas não só individualmente mas também na dimensão social que as une171 Cada um é plenamente pessoa quando pertence a um povo e viceversa não há um verdadeiro povo sem referência ao rosto de cada pessoa Povo e pessoa são termos correlativos Contudo hoje pretendese reduzir as pessoas a indivíduos facilmente manipuláveis por poderes que visam interesses ilegítimos A boa política procura caminhos de construção de comunidade nos diferentes níveis da vida social a fim de reequilibrar e reordenar a globalização para evitar os seus efeitos desagregadores Amor eficaz 183 A partir do amor social172 é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nos podemos sentir chamados Com o seu dinamismo universal a caridade pode construir um mundo novo173 porque não é um sentimento estéril mas o modo melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos O amor social é uma força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente desde o interior as estruturas organizações sociais ordenamentos jurídicos174 184 A caridade está no centro de toda a vida social sadia e aberta Todavia hoje não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais175 É muito mais do que um sentimentalismo subjetivo naturalmente se aparece unida ao compromisso com a verdade para que não acabe prisioneira das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos176 É precisamente a relação da caridade com a verdade que favorece o seu universalismo evitando assim que ela acabe confinada num âmbito restrito e carente de relações177 Caso contrário será excluída dos projetos e processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance universal no diálogo entre o saber e a realização prática178 Privada da verdade a emotividade fica sem conteúdos relacionais e sociais Por isso a abertura à verdade protege a caridade duma fé falsa que a priva de amplitude humana e universal179 48 185 A caridade precisa da luz da verdade que buscamos constantemente e esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé180 sem relativismos Isto supõe também o desenvolvimento das ciências e a sua contribuição insubstituível para encontrar os percursos concretos e mais seguros para alcançar os resultados esperados Com efeito quando está em jogo o bem dos outros não bastam as boas intenções mas é preciso conseguir efetivamente aquilo de que eles e seus países necessitam para se realizar A atividade do amor político 186 Existe o chamado amor elícito expressa os atos que brotam diretamente da virtude da caridade dirigidos a pessoas e povos Mas há também um amor imperado traduz os atos de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias regulamentos mais justos estruturas mais solidárias181 Por isso é um ato de caridade igualmente indispensável o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria182 É caridade acompanhar uma pessoa que sofre mas é caridade também tudo o que se realiza mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio e isto é caridade primorosa mas o político constróilhe uma ponte e isto também é caridade É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendolhe comida mas o político crialhe um emprego exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política Os sacrifícios do amor 187 Esta caridade coração do espírito da política é sempre um amor preferencial pelos últimos que subjaz a todas as ações realizadas em seu favor183 Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade levandonos a perceber a dignidade do outro é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa respeitados no seu estilo próprio e cultura e por conseguinte verdadeiramente integrados na sociedade Um tal olhar é o núcleo do autêntico espírito da política Os caminhos que se abrem a partir dele são diferentes dos caminhos dum pragmatismo sem alma Por exemplo não se pode enfrentar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que só tranquilizam e transformam os pobres em seres domesticados e inofensivos Como é triste ver que por detrás de presumíveis obras altruístas o outro é reduzido à passividade184 O necessário é haver distintos canais de expressão e participação social A educação está ao serviço deste caminho para que cada ser humano possa ser artífice do seu destino Demonstra aqui o seu valor o princípio de subsidiariedade inseparável do princípio de solidariedade 188 Isto demonstra a urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais Os políticos são chamados a cuidar da fragilidade da fragilidade dos povos e das pessoas Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à 49 cultura do descarte significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungilo de dignidade185 Embora acarrete certamente imenso trabalho que tudo se faça para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana186 O político é operoso é um construtor com grandes objetivos com olhar amplo realista e pragmático inclusive para além do seu próprio país As maiores preocupações dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens mas por não encontrar uma solução eficaz para o fenómeno da exclusão social e económica com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos tráfico de órgãos e tecidos humanos exploração sexual de meninos e meninas trabalho escravo incluindo a prostituição tráfico de drogas e de armas terrorismo e criminalidade internacional organizada Tal é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as consciências Devemos ter cuidado com as nossas instituições para que sejam realmente eficazes na luta contra estes flagelos187 Conseguese isto aproveitando de forma inteligente os grandes recursos do desenvolvimento tecnológico 189 Ainda estamos longe duma globalização dos direitos humanos mais essenciais Por isso a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e irrenunciáveis o de eliminar efetivamente a fome Com efeito quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos tratandoos como uma mercadoria qualquer milhões de pessoas sofrem e morrem de fome Por outro lado descartamse toneladas de alimentos Isto constitui um verdadeiro escândalo A fome é criminosa a alimentação é um direito inalienável188 Muitas vezes hoje enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou ideológicas deixamos que irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede sem um teto ou sem acesso a serviços de saúde Juntamente com estas necessidades elementares por satisfazer outra vergonha para a humanidade que a política internacional não deveria continuar a tolerar não se ficando por discursos e boas intenções é o tráfico de pessoas Tratase daquele mínimo que não se pode adiar mais Amor que integra e reúne 190 A caridade política expressase também na abertura a todos Sobretudo o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro procurando a convergência pelo menos nalguns temas Sabe escutar o ponto de vista do outro facilitando um espaço a todos Com renúncias e paciência um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom onde todos encontram um lugar Nisto não resultam as negociações de tipo económico é algo mais é um intercâmbio de dons a favor do bem comum Parece uma utopia ingénua mas não podemos renunciar a este sublime objetivo 191 Vendo que todo o tipo de intolerância fundamentalista danifica as relações entre pessoas grupos e povos comprometamonos a viver e ensinar o valor do respeito o amor capaz de 50 aceitar as várias diferenças a prioridade da dignidade de todo o ser humano sobre quaisquer ideias sentimentos atividades e até pecados que possa ter Enquanto os fanatismos as lógicas fechadas e a fragmentação social e cultural proliferam na sociedade atual um bom político dá o primeiro passo para que se ouçam as diferentes vozes É verdade que as diferenças geram conflitos mas a uniformidade gera asfixia e neutralizanos culturalmente Não nos resignemos a viver fechados num fragmento da realidade 192 Neste contexto gostaria de lembrar que eu juntamente com o Grande Imã Ahmad AlTayyeb pedimos aos artífices da política internacional e da economia mundial para se comprometer seriamente na difusão da tolerância da convivência e da paz para intervir o mais breve possível a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente189 E quando uma determinada política semeia o ódio e o medo em relação a outras nações em nome do bem do próprio país é necessário estar alerta reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo Mais fecundidade que resultados 193 Ao mesmo tempo que realiza esta atividade incansável cada político permanece um ser humano chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais diárias É uma pessoa e precisa de se dar conta que o mundo moderno devido à sua perfeição técnica tende a racionalizar cada vez mais a satisfação dos desejos humanos classificados e distribuídos entre vários serviços Um homem é chamado cada vez menos pelo seu próprio nome cada vez menos será tratado como pessoa este ser único no mundo que tem o seu próprio coração os seus sofrimentos problemas e alegrias e a sua própria família Só se conhecerão as suas doenças para tratálas a sua falta de dinheiro para fornecêlo a sua necessidade de casa para alojálo o seu desejo de lazer e de distrações para lhos organizar E contudo amar o mais insignificante dos seres humanos como a um irmão como se existisse apenas ele no mundo não é perder tempo190 194 Na política há lugar também para amar com ternura Em que consiste a ternura No amor que se torna próximo e concreto É um movimento que brota do coração e chega aos olhos aos ouvidos e às mãos A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes191 No meio da atividade política os mais pequeninos frágeis e pobres devem enternecernos eles têm o direito de arrebatar a nossa alma o nosso coração Sim eles são nossos irmãos e como tais devemos amálos e tratálos192 195 Isto ajudanos a reconhecer que nem sempre se trata de obter grandes resultados que às vezes não são possíveis Na atividade política é preciso recordarse de que independentemente da aparência cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação Por isso se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor isso já justifica o dom da minha vida É maravilhoso ser povo fiel de Deus E ganhamos plenitude quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes193 Os grandes objetivos sonhados nas estratégias 51 só em parte se alcançam Mas sem olhar a isso quem ama e deixou de entender a política como uma mera busca de poder está seguro de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor não se perde nenhuma das suas preocupações sinceras com os outros não se perde nenhum ato de amor a Deus não se perde nenhuma das suas generosas fadigas não se perde nenhuma dolorosa paciência Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida194 196 Por outro lado é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia Ao amor a boa política une a esperança a confiança nas reservas de bem que apesar de tudo existem no coração do povo Por isso a vida política autêntica que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos renovase com a convicção de que cada mulher cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais intelectuais culturais e espirituais195 197 Vista desta maneira a política é mais nobre do que a aparência o marketing as diferentes formas de maquilhagem mediática Tudo isto semeia apenas divisão inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum Ao pensar no futuro alguns dias as perguntas devem ser Para quê Para onde estou realmente apontando Passados alguns anos ao refletir sobre o próprio passado a pergunta não será Quantos me aprovaram quantos votaram em mim quantos tiveram uma imagem positiva de mim As perguntas talvez dolorosas serão Quanto amor coloquei no meu trabalho Em que fiz progredir o povo Que marcas deixei na vida da sociedade Que laços reais construí Que forças positivas desencadeei Quanta paz social semeei Que produzi no lugar que me foi confiado Capítulo VI DIÁLOGO E AMIZADE SOCIAL 198 Aproximarse expressarse ouvirse olharse conhecerse esforçarse por entenderse procurar pontos de contacto tudo isto se resume no verbo dialogar Para nos encontrar e ajudar mutuamente precisamos de dialogar Não é necessário dizer para que serve o diálogo é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas que mantiveram unidas famílias e comunidades O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as desavenças e os conflitos e contudo de forma discreta mas muito mais do que possamos notar ajuda o mundo a viver melhor O diálogo social para uma nova cultura 199 Alguns tentam fugir da realidade refugiandose em mundos privados enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva mas entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível o diálogo O diálogo entre as gerações o diálogo no povo porque 52 todos somos povo a capacidade de dar e receber permanecendo abertos à verdade Um país cresce quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais a cultura popular a cultura universitária a cultura juvenil a cultura artística e a cultura tecnológica a cultura económica e a cultura da família e a cultura dos meios de comunicação196 200 Muitas vezes confundese o diálogo com algo muito diferente uma troca febril de opiniões nas redes sociais muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável Não passam de monólogos que avançam em paralelo talvez impondose à atenção dos outros pelo seu tom alto e agressivo Mas os monólogos não empenham a ninguém a ponto de os seus conteúdos aparecerem não raro oportunistas e contraditórios 201 A difusão altissonante de factos e reivindicações nos media na realidade o que faz muitas vezes é obstruir as possibilidades do diálogo pois permite a cada um manter intactas e sem variantes as próprias ideias interesses e opções desculpandose com os erros alheios Predomina o costume de denegrir rapidamente o adversário aplicandolhe atributos humilhantes em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso onde se procure alcançar uma síntese que vá mais além O pior é que esta linguagem habitual no contexto mediático duma campanha política generalizouse de tal maneira que a usam diariamente todos Com frequência o debate é manipulado por determinados interesses detentores de maior poder que procuram desonestamente inclinar a opinião pública a seu favor E não me refiro apenas ao governo vigente porque um tal poder manipulador pode ser económico político mediático religioso ou de qualquer outro género Às vezes é justificado ou desculpado quando a sua dinâmica corresponde aos próprios interesses económicos ou ideológicos mas mais cedo ou mais tarde voltase contra esses mesmos interesses 202 A falta de diálogo supõe que ninguém nos diferentes setores está preocupado com o bem comum mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona ou na melhor das hipóteses com impor o seu próprio modo de pensar Assim a conversação reduzirseá a meras negociações para que cada um possa agarrar todo o poder e as maiores vantagens possíveis sem uma busca conjunta que gere bem comum Os heróis do futuro serão aqueles que souberem quebrar esta lógica morbosa e ultrapassando as conveniências pessoais decidam sustentar respeitosamente uma palavra densa de verdade Queira Deus que estes heróis se estejam gerando silenciosamente no coração da nossa sociedade Construir juntos 203 O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos A partir da própria identidade o outro tem algo para dar e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo Sem dúvida quando uma pessoa ou um grupo é coerente com o que pensa adere firmemente a valores e convicções e desenvolve um 53 pensamento isto irá de uma maneira ou outra beneficiar a sociedade mas só se verifica realmente na medida em que o referido desenvolvimento se realizar em diálogo e na abertura aos outros Com efeito num verdadeiro espírito de diálogo nutrese a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz embora não se possa assumilo como uma convicção própria Deste modo tornase possível ser sincero sem dissimular o que acreditamos nem deixar de dialogar procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos197 O debate público se verdadeiramente der espaço a todos e não manipular nem ocultar informações é um estímulo constante que permite alcançar de forma mais adequada a verdade ou pelo menos exprimila melhor Impede que os vários setores se instalem cómodos e autossuficientes na sua maneira de ver as coisas e nos seus interesses limitados Pensemos que as diferenças são criativas criam tensão e na resolução duma tensão está o progresso da humanidade198 204 Atualmente há a convicção de que além dos progressos científicos especializados é necessária a comunicação interdisciplinar uma vez que a realidade é uma só embora possa ser abordada sob distintas perspetivas e com diferentes metodologias Não se deve ocultar o risco de um progresso científico ser considerado a única abordagem possível para se entender um aspeto da vida da sociedade e do mundo Ao contrário um investigador que avança frutuosamente na sua análise mas está de igual modo disposto a reconhecer outras dimensões da realidade que investiga graças ao trabalho doutras ciências e conhecimentos abrese para conhecer a realidade de maneira mais íntegra e plena 205 Neste mundo globalizado os mass media podem ajudar a sentirnos mais próximos uns dos outros a fazernos perceber um renovado sentido de unidade da família humana que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna Podem ajudarnos nisso especialmente nos nossos dias em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos e isto é uma coisa boa é um dom de Deus199 Mas é necessário verificar continuamente que as formas atuais de comunicação nos orientem efetivamente para o encontro generoso a busca sincera da verdade íntegra o serviço a aproximação dos últimos e o compromisso de construir o bem comum Ao mesmo tempo como indicaram os bispos da Austrália não podemos aceitar um mundo digital projetado para explorar as nossas fraquezas e tirar fora o pior das pessoas200 A base dos consensos 206 O relativismo não é a solução Sob o véu duma presumível tolerância acabase por facilitar que os valores morais sejam interpretados pelos poderosos segundo as conveniências da hora Se em última análise não há verdades objetivas nem princípios estáveis fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes Quando é a cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objetiva ou quaisquer princípios universalmente válidos as leis só 54 se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar201 207 É possível prestar atenção à verdade buscar a verdade que corresponde à nossa realidade mais profunda Que é a lei sem a convicção alcançada através dum longo caminho de reflexão e sabedoria de que cada ser humano é sacro e inviolável Para que uma sociedade tenha futuro é preciso ter maturado um vivo respeito pela verdade da dignidade humana à qual nos submetemos Então absterseá de matar alguém não apenas para evitar o desprezo social e o peso da lei mas por convicção É uma verdade irrenunciável que reconhecemos com a razão e aceitamos com a consciência Uma sociedade é nobre e respeitável nomeadamente porque cultiva a busca da verdade e pelo seu apego às verdades fundamentais 208 Temos de nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada O que chamamos verdade não é só a comunicação de factos operada pelo jornalismo É antes de mais nada a busca dos fundamentos mais sólidos que estão na base das nossas opções e também das nossas leis Isto implica aceitar que a inteligência humana pode ir além das conveniências do momento atual e captar algumas verdades que não mudam que eram verdade antes de nós e sempre o serão Indagando sobre a natureza humana a razão descobre valores que são universais porque derivam dela 209 Caso contrário não poderia porventura suceder que os direitos humanos fundamentais hoje considerados invioláveis acabassem negados pelos poderosos de turno depois de terem obtido o consenso duma população adormecida e amedrontada Nem seria suficiente um mero consenso entre os vários povos porque igualmente manipulável Existem já provas abundantes de todo o bem que somos capazes de realizar mas ao mesmo tempo devemos reconhecer a capacidade de destruição que existe em nós Não será este individualismo indiferente e desalmado em que caímos resultado também da preguiça de buscar os valores mais altos que estão para além das necessidades momentâneas Ao relativismo juntase o risco de que o poderoso ou o mais hábil consiga impor uma suposta verdade Pelo contrário diante das normas morais que proíbem o mal intrínseco não existem privilégios ou exceções para ninguém Ser o dono do mundo ou o último miserável sobre a face da terra não faz diferença alguma perante as exigências morais todos somos absolutamente iguais202 210 Um fenómeno atual que nos está a arrastar para uma lógica perversa e vazia é a assimilação da ética e da política à física Não existem o bem e o mal em si mesmos mas apenas um cálculo de vantagens e desvantagens O deslocamento da razão moral traz como consequência que o direito não se pode referir a uma conceção fundamental de justiça mas tornase um espelho das ideias dominantes Entramos aqui numa degradação vaise nivelando por baixo mediante um consenso superficial e comprometedor Assim em última análise triunfa a lógica da força 55 O consenso e a verdade 211 Numa sociedade pluralista o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional Falamos de um diálogo que precisa de ser enriquecido e iluminado por razões por argumentos racionais por uma variedade de perspetivas por contribuições de diversos conhecimentos e pontos de vista e que não exclui a convicção de que é possível chegar a algumas verdades fundamentais que devem e deverão ser sempre defendidas Aceitar que há alguns valores permanentes embora nem sempre seja fácil reconhecêlos confere solidez e estabilidade a uma ética social Mesmo quando os reconhecemos e assumimos através do diálogo e do consenso vemos que estes valores basilares estão para além de qualquer consenso reconhecemolos como valores transcendentes aos nossos contextos e nunca negociáveis Poderá crescer a nossa compreensão do seu significado e importância e neste sentido o consenso é uma realidade dinâmica mas em si mesmos são apreciados como estáveis pelo seu sentido intrínseco 212 Se algo permanece sempre conveniente para o bom funcionamento da sociedade não será porque atrás disso há uma verdade perene que a inteligência pode captar Na própria realidade do ser humano e da sociedade na sua natureza íntima há uma série de estruturas basilares que sustentam o seu desenvolvimento e sobrevivência Daí derivam certas exigências que podem ser descobertas através do diálogo embora não sejam construídas em sentido estrito pelo consenso O facto de certas normas serem indispensáveis para a própria vida social é um indício externo de como elas sejam algo intrinsecamente bom Portanto não é necessário contrapor a conveniência social o consenso e a realidade duma verdade objetiva As três coisas podem unirse harmoniosamente quando as pessoas através do diálogo têm a coragem de levar a fundo uma questão 213 Se devemos em qualquer situação respeitar a dignidade dos outros isto significa que esta não é uma invenção nem uma suposição nossa mas que existe realmente neles um valor superior às coisas materiais e independente das circunstâncias e exige um tratamento distinto Que todo o ser humano possui uma dignidade inalienável é uma verdade que corresponde à natureza humana independentemente de qualquer transformação cultural Por isso o ser humano possui a mesma dignidade inviolável em todo e qualquer período da história e ninguém pode sentirse autorizado pelas circunstâncias a negar esta convicção nem a agir em sentido contrário Assim a inteligência pode perscrutar a realidade das coisas através da reflexão da experiência e do diálogo para reconhecer nessa realidade que a transcende a base de certas exigências morais universais 214 Aos agnósticos este fundamento poderlhesá aparecer como suficiente para conferir aos princípios éticos basilares e não negociáveis uma validade universal de tal forma firme e estável que consiga impedir novas catástrofes Para os crentes a natureza humana fonte de princípios 56 éticos foi criada por Deus que em última análise confere um fundamento sólido a estes princípios203 Isto não estabelece um fixismo ético nem abre a estrada à imposição dum sistema moral uma vez que os princípios morais fundamentais e universalmente válidos podem dar lugar a várias normativas práticas Por isso fica sempre um espaço para o diálogo Uma nova cultura 215 A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro na vida204 Já várias vezes convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces muitos lados mas todos compõem uma unidade rica de matizes porque o todo é superior à parte205 O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrandose enriquecendose e iluminandose reciprocamente embora isso envolva discussões e desconfianças Na realidade de todos se pode aprender alguma coisa ninguém é inútil ninguém é supérfluo Isto implica incluir as periferias Quem vive nelas tem outro ponto de vista vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes O encontro feito cultura 216 A palavra cultura indica algo que penetrou no povo nas suas convicções mais profundas e no seu estilo de vida Quando falamos duma cultura no povo tratase de algo mais que uma ideia ou uma abstração inclui as aspirações o entusiasmo e em última análise um modo de viver que carateriza aquele grupo humano Assim falar de cultura do encontro significa que nos apaixona como povo querer encontrarnos procurar pontos de contacto lançar pontes projetar algo que envolva a todos Isto tornouse uma aspiração e um estilo de vida O sujeito desta cultura é o povo não um setor da sociedade que tenta manter tranquilo o resto com recursos profissionais e mediáticos 217 A paz social é laboriosa artesanal Seria mais fácil conter as liberdades e as diferenças com um pouco de astúcia e algumas compensações mas esta paz seria superficial e frágil não o fruto duma cultura do encontro que a sustente Integrar as realidades diferentes é muito mais difícil e lento embora seja a garantia duma paz real e sólida Isto não se consegue agrupando só os puros porque até mesmo as pessoas que possam ser criticadas pelos seus erros têm algo a oferecer que não se deve perder206 Nem consiste numa paz que surja acalmando as reivindicações sociais ou impedindoas de criar confusão pois não é um consenso de escritório nem uma paz efémera para uma feliz minoria207 O que conta é gerar processos de encontro processos que possam construir um povo capaz de recolher as diferenças Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo Ensinemoslhes a boa batalha do encontro O prazer de reconhecer o outro 57 218 Isto implica o hábito de reconhecer ao outro o direito de ser ele próprio e de ser diferente A partir deste reconhecimento feito cultura tornase possível a criação dum pacto social Sem este reconhecimento surgem maneiras subtis de fazer com que o outro perca todo o seu significado se torne irrelevante fazer com que na sociedade não lhe seja reconhecido qualquer valor Por trás da repulsa de certas formas visíveis de violência muitas vezes escondese outra violência mais dissimulada a daqueles que desprezam o diferente sobretudo quando as suas reivindicações prejudicam dalguma maneira os próprios interesses 219 Quando uma parte da sociedade pretende apropriarse de tudo aquilo que o mundo oferece como se os pobres não existissem virá o momento em que isso terá as suas consequências Ignorar a existência e os direitos dos outros provoca mais cedo ou mais tarde alguma forma de violência muitas vezes inesperada Os sonhos de liberdade igualdade e fraternidade podem permanecer no nível de meras formalidades porque não são efetivamente para todos Sendo assim não se trata apenas de procurar um encontro entre aqueles que detêm várias formas de poder económico político ou académico um efetivo encontro social coloca em verdadeiro diálogo as grandes formas culturais que representam a maioria da população Muitas vezes as boas propostas não são assumidas pelos setores mais pobres porque se apresentam com uma roupagem cultural que não é a deles e com a qual não podem sentirse identificados Por conseguinte um pacto social realista e inclusivo deve ser também um pacto cultural que respeite e assuma as diversas visões do mundo as culturas e os estilos de vida que coexistem na sociedade 220 Por exemplo os povos nativos não são contra o progresso embora tenham uma ideia diferente de progresso frequentemente mais humanista que a da cultura moderna dos povos desenvolvidos Não é uma cultura orientada para benefício daqueles que detêm o poder daqueles que precisam de criar uma espécie de paraíso sobre a terra A intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma verdadeira forma de violência própria dos especialistas em ética sem bondade que vivem julgando os outros Mas nenhuma mudança autêntica profunda e estável é possível se não se realizar a partir das várias culturas principalmente dos pobres Um pacto cultural pressupõe que se renuncie a compreender de maneira monolítica a identidade dum lugar e exige que se respeite a diversidade oferecendolhe caminhos de promoção e integração social 221 Este pacto implica também aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem comum Ninguém será capaz de possuir toda a verdade nem satisfazer a totalidade dos seus desejos porque uma tal pretensão levaria a querer destruir o outro negandolhe os seus direitos A busca duma falsa tolerância deve dar lugar ao realismo dialogante por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus princípios mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser fiel aos dele Tal é o autêntico reconhecimento do outro que só o amor torna possível e que significa colocarse no lugar do outro para descobrir o que há de autêntico ou pelo menos de compreensível no meio das suas motivações e interesses 58 Recuperar a amabilidade 222 O individualismo consumista provoca muitos abusos Os outros tornamse meros obstáculos para a agradável tranquilidade própria e assim acabase por tratálos como incómodos e a agressividade aumenta Isto acentuase e atinge níveis exasperantes em períodos de crise situações catastróficas momentos difíceis quando aflora o espírito do salvese quem puder Contudo ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade há pessoas que o conseguem tornandose estrelas no meio da escuridão 223 São Paulo designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes Gal 5 22 que expressa um estado de ânimo não áspero rude duro mas benigno suave que sustenta e conforta A pessoa que possui esta qualidade ajuda os outros para que a sua existência seja mais suportável sobretudo quando sobrecarregados com o peso dos seus problemas urgências e angústias É um modo de tratar os outros que se manifesta de diferentes formas amabilidade no trato cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos tentativa de aliviar o peso dos outros Supõe dizer palavras de incentivo que reconfortam consolam fortalecem estimulam em vez de palavras que humilham angustiam irritam desprezam208 224 A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes Hoje raramente se encontram tempo e energias disponíveis para se demorar a tratar bem os outros para dizer com licença desculpe obrigado Contudo de vez em quando verificase o milagre duma pessoa amável que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção oferecer um sorriso dizer uma palavra de estímulo possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença Este esforço vivido dia a dia é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as incompreensões e evita os conflitos O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa Dado que pressupõe estima e respeito quando se torna cultura numa sociedade transforma profundamente o estilo de vida as relações sociais o modo de debater e confrontar as ideias Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes Capítulo VII PERCURSOS DUM NOVO ENCONTRO 225 Em muitas partes do mundo fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas há necessidade de artesãos de paz prontos a gerar com inventiva e ousadia processos de cura e de um novo encontro Recomeçar a partir da verdade 59 226 Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos conflitos Com o tempo todos mudamos A tribulação e os confrontos transformaramnos Além disso já não há espaço para diplomacias vazias dissimulações discursos com duplo sentido ocultamentos bons modos que escondem a realidade Os que se defrontaram duramente falam a partir da verdade nua e crua Precisam de aprender a cultivar uma memória penitencial capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias insatisfações confusões ou projeções Só da verdade histórica dos factos poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos De facto o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça que honra a memória das vítimas e abre passo a passo para uma esperança comum mais forte que a vingança209 Como disseram os bispos do Congo a propósito dum conflito que não cessa de reacenderse os acordos de paz no papel nunca serão suficientes será preciso ir mais longe integrando a exigência de verdade sobre as origens desta crise recorrente O povo tem direito de saber o que aconteceu210 227 Com efeito a verdade é uma companheira inseparável da justiça e da misericórdia Se por um lado são essenciais as três todas juntas para construir a paz por outro cada uma delas impede que as restantes sejam adulteradas De facto a verdade não deve levar à vingança mas antes à reconciliação e ao perdão A verdade é contar às famílias dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados pelos agentes de violência A verdade é reconhecer o sofrimento das mulheres vítimas de violência e de abusos Cada ato de violência cometido contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade cada morte violenta diminuinos como pessoas A violência gera mais violência o ódio gera mais ódio e a morte mais morte Temos de quebrar esta corrente que aparece como inelutável211 A arquitetura e o artesanato da paz 228 O percurso para a paz não implica homogeneizar a sociedade mas permitenos trabalhar juntos Pode unir muitos nas pesquisas comuns onde todos ganham Perante um certo objetivo comum poderseá contribuir com diferentes propostas técnicas distintas experiências e trabalhar em prol do bem comum É preciso procurar identificar bem os problemas que atravessa uma sociedade para aceitar que existem diferentes maneiras de encarar as dificuldades e resolvêlas O caminho para uma melhor convivência implica sempre reconhecer a possibilidade de que o outro contribua com uma perspetiva legítima pelo menos em parte algo que possa ser recuperado mesmo que se tenha equivocado ou tenha agido mal Porque o outro nunca há de ser circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito mas deve ser considerado pela promessa que traz em si mesmo212 uma promessa que deixa sempre um lampejo de esperança 229 Como ensinaram os bispos da África do Sul a verdadeira reconciliação alcançase de maneira proativa formando uma nova sociedade baseada no serviço aos outros e não no 60 desejo de dominar uma sociedade baseada na partilha do que se possui com os outros e não na luta egoísta de cada um pela maior riqueza possível uma sociedade na qual o valor de estar juntos como seres humanos é em última análise mais importante do que qualquer grupo menor seja ele a família a nação a etnia ou a cultura213 E os bispos da Coreia do Sul destacaram que uma verdadeira paz só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do diálogo buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo214 230 O árduo esforço por superar o que nos divide sem perder a identidade de cada um pressupõe que em todos permaneça vivo um sentimento basilar de pertença Porque a nossa sociedade ganha quando cada pessoa cada grupo social se sente verdadeiramente de casa Numa família os pais os avós os filhos são de casa ninguém fica excluído Se alguém tem uma dificuldade mesmo grave ainda que seja por culpa dele os outros correm em sua ajuda apoiam no a sua dor é de todos Nas famílias todos contribuem para o projeto comum todos trabalham para o bem comum mas sem anular o indivíduo pelo contrário sustentamno promovemno Podem brigar entre si mas há algo que não se move este laço familiar As brigas de família tornamse reconciliações mais tarde As alegrias e as penas de cada um são assumidas por todos Isto sim é ser família Oh se pudéssemos conseguir ver o adversário político ou o vizinho de casa com os mesmos olhos com que vemos os filhos esposas maridos pais ou mães como seria bom Amamos a nossa sociedade ou continua a ser algo distante algo anónimo que não nos corresponde não nos insere não nos compromete215 231 Muitas vezes há grande necessidade de negociar e assim desenvolver percursos concretos para a paz Mas os processos efetivos duma paz duradoura são antes de mais nada transformações artesanais realizadas pelos povos onde cada pessoa pode ser um fermento eficaz com o seu estilo de vida diária As grandes transformações não são construídas à escrivaninha ou no escritório Por isso cada qual desempenha um papel fundamental num único projeto criador para escrever uma nova página da história uma página cheia de esperança cheia de paz cheia de reconciliação216 Existe uma arquitetura da paz na qual intervêm as várias instituições da sociedade cada uma dentro de sua competência mas há também um artesanato da paz que nos envolve a todos A partir de distintos processos de paz que se desenvolvem em vários lugares do mundo aprendemos que estes caminhos de pacificação de primazia da razão sobre a vingança de delicada harmonia entre a política e o direito não podem prescindir das pessoas implicadas nos processos Não basta o desenho de quadros normativos e acordos institucionais entre grupos políticos ou económicos de boa vontade Além disso é sempre enriquecedor incorporar nos nossos processos de paz a experiência de setores que em muitas ocasiões foram deixados de lado para que sejam precisamente as comunidades a revestir os processos de memória coletiva217 232 Nunca está terminada a construção da paz social num país mas é uma tarefa que não dá tréguas e exige o compromisso de todos Uma obra que nos pede para não esmorecermos no esforço por construir a unidade da nação e apesar dos obstáculos das diferenças e das 61 diversas abordagens sobre o modo como conseguir a convivência pacífica persistirmos na labuta por favorecer a cultura do encontro que exige que no centro de toda a ação política social e económica se coloque a pessoa humana a sua sublime dignidade e o respeito pelo bem comum Que este esforço nos faça esquivar de toda a tentação de vingança e busca de interesses apenas particulares e a curto prazo218 As manifestações públicas violentas de um lado ou do outro não ajudam a encontrar vias de saída sobretudo porque quando se incentivam como bem assinalaram os bispos da Colômbia as mobilizações dos cidadãos nem sempre aparecem claras as origens e objetivos das mesmas não faltam formas de manipulação política e apropriações a favor de interesses particulares219 Sobretudo com os últimos 233 A promoção da amizade social implica não só a aproximação entre grupos sociais distanciados a partir dum período conflituoso da história mas também a busca dum renovado encontro com os setores mais pobres e vulneráveis A paz não é apenas ausência de guerra mas o empenho incansável especialmente daqueles que ocupamos um cargo de maior responsabilidade de reconhecer garantir e reconstruir concretamente a dignidade tantas vezes esquecida ou ignorada de irmãos nossos para que possam sentirse os principais protagonistas do destino da própria nação220 234 Muitas vezes os últimos da sociedade foram ofendidos com generalizações injustas Se às vezes os mais pobres e os descartados reagem com atitudes que parecem antissociais é importante compreender que em muitos casos tais reações têm a ver com uma história de desprezo e falta de inclusão social Como ensinam os bispos latinoamericanos só a proximidade que nos faz amigos nos permite apreciar profundamente os valores dos pobres de hoje seus legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé A opção pelos pobres deve conduzirnos à amizade com os pobres221 235 Aqueles que pretendem pacificar uma sociedade não devem esquecer que a desigualdade e a falta de desenvolvimento humano integral impedem que se gere a paz Na verdade sem igualdade de oportunidades as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que mais cedo ou mais tarde há de provocar a explosão Quando a sociedade local nacional ou mundial abandona na periferia uma parte de si mesma não há programas políticos nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade222 Se se trata de recomeçar sempre há de ser a partir dos últimos O valor e o significado do perdão 236 Alguns preferem não falar de reconciliação porque pensam que o conflito a violência e as ruturas fazem parte do funcionamento normal duma sociedade De facto em qualquer grupo humano há lutas de poder mais ou menos subtis entre vários setores Outros defendem que dar 62 lugar ao perdão equivale a ceder o espaço próprio para que outros dominem a situação Por isso consideram que é melhor manter um jogo de poder que permita assegurar um equilíbrio de forças entre os diferentes grupos Outros consideram que a reconciliação seja empreendimento de fracos que não são capazes dum diálogo em profundidade e por isso optam por escapar dos problemas escondendo as injustiças Incapazes de enfrentar os problemas preferem uma paz aparente O conflito inevitável 237 O perdão e a reconciliação são temas de grande relevo no cristianismo e com várias modalidades noutras religiões O risco reside em não entender adequadamente as convicções dos crentes e apresentálas de tal modo que acabem por alimentar o fatalismo a inércia ou a injustiça e por outro lado a intolerância e a violência 238 Jesus Cristo nunca convidou a fomentar a violência ou a intolerância Ele próprio condenava abertamente o uso da força para se impor aos outros Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores e que os grandes exercem sobre elas o seu poder Não seja assim entre vós Mt 20 2526 Por outro lado o Evangelho pede para perdoar setenta vezes sete Mt 18 22 dando o exemplo do servo sem compaixão que foi perdoado mas por sua vez mostrouse incapaz de perdoar aos outros cf Mt 18 2335 239 Se lermos outros textos do Novo Testamento podemos notar que realmente as comunidades primitivas imersas num mundo pagão repleto de corrupção e aberrações viviam animadas por um sentido de paciência tolerância compreensão A este respeito são muito claros alguns textos convidase a corrigir os adversários com suavidade 2 Tim 2 25 ou exortase a que não digam mal de ninguém nem sejam conflituosos mas sejam afáveis mostrando sempre amabilidade para com todos os homens Pois também nós éramos outrora insensatos Tit 3 23 O livro dos Atos dos Apóstolos mostra que os discípulos perseguidos por algumas autoridades tinham a simpatia de todo o povo 2 47 cf 4 2133 5 13 240 Entretanto ao refletirmos sobre o perdão a paz e a concórdia social deparamonos com um texto de Jesus Cristo que nos surpreende Não penseis que vim trazer a paz à terra não vim trazer a paz mas a espada Porque vim separar o filho do seu pai a filha da sua mãe e a nora da sua sogra de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares Mt 10 3436 É importante situálo no contexto do capítulo onde está inserido Aqui vêse claramente que o tema em questão é o da fidelidade à própria opção sem ter vergonha ainda que isso traga contrariedades e mesmo que os entes queridos se oponham a tal opção Portanto não convida a procurar conflitos mas simplesmente a suportar o conflito inevitável para que o respeito humano não leve a faltar à fidelidade em nome duma suposta paz familiar ou social São João Paulo II disse que a Igreja não pretende condenar toda e qualquer forma de conflitualidade social A Igreja sabe bem que ao longo da história os conflitos de interesse entre diversos grupos sociais 63 surgem inevitavelmente e que perante eles o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente223 As lutas legítimas e o perdão 241 Não se trata de propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso corrupto um criminoso ou alguém que degrada a nossa dignidade Somos chamados a amar a todos sem exceção mas amar um opressor não significa consentir que continue a ser tal nem leválo a pensar que é aceitável o que faz Pelo contrário amálo corretamente é procurar de várias maneiras que deixe de oprimir tirarlhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano Perdoar não significa permitir que continuem a espezinhar a própria dignidade e a do outro ou deixar que um criminoso continue a fazer mal Quem sofre injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada uma dignidade que Deus ama Se um delinquente cometeu um delito contra mim ou contra um ente querido ninguém me proíbe de exigir justiça e me acautelar para que essa pessoa ou qualquer outra não volte a lesarme nem cause a outros o mesmo dano Competeme fazêlo e o perdão não só não anula esta necessidade mas reclamaa 242 O importante é não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do nosso povo ou por uma necessidade morbosa desencadeando uma série de vinganças Ninguém alcança a paz interior nem se reconcilia com a vida dessa maneira A verdade é que nenhuma família nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro se o motor que os une congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio Não podemos pôrnos de acordo e unirnos para nos vingarmos para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais224 Assim não se ganha nada e a longo prazo perdese tudo 243 Sem dúvida não é tarefa fácil superar a amarga herança de injustiças hostilidades e desconfiança deixada pelo conflito Só se pode conseguir superando o mal com o bem cf Rm 12 21 e cultivando aquelas virtudes que promovem a reconciliação a solidariedade e a paz225 Deste modo a bondade a quem a faz crescer dentro de si dá uma consciência tranquila uma alegria profunda mesmo no meio de dificuldades e incompreensões E até perante as ofensas sofridas a bondade não é fraqueza mas verdadeira força capaz de renunciar à vingança226 É necessário reconhecer na própria vida que inclusive aquele juízo duro que tenho no coração contra o meu irmão ou a minha irmã a ferida não curada aquele mal não perdoado o rancor que só me faz mal é uma parte de guerra que tenho dentro é um fogo no coração que deve ser apagado a fim de não irromper num incêndio227 A verdadeira superação 244 Quando os conflitos não se resolvem mas se escondem ou são enterrados no passado há 64 silêncios que podem significar tornarse cúmplice de graves erros e pecados A verdadeira reconciliação não escapa do conflito mas alcançase dentro do conflito superandoo através do diálogo e de negociações transparentes sinceras e pacientes A luta entre diferentes setores quando livre de inimizades e ódio mútuo transformase pouco a pouco numa concorrência honesta fundada no amor da justiça228 245 Várias vezes propus um princípio que é indispensável para construir a amizade social a unidade é superior ao conflito Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro mas na resolução num plano superior que preserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste229 Sabemos bem que todas as vezes que aprendemos como pessoas e comunidades a olhar para mais alto do que nós mesmos e os nossos interesses particulares a compreensão e o compromisso recíprocos transformamse em solidariedade numa área onde os conflitos as tensões e mesmo aqueles a quem seria possível considerar como contrapostos no passado podem alcançar uma unidade multiforme que gera nova vida230 A memória 246 De quem sofreu muito de maneira injusta e cruel não se deve exigir uma espécie de perdão social A reconciliação é um facto pessoal e ninguém pode impôla ao conjunto duma sociedade embora a deva promover Na esfera estritamente pessoal com uma decisão livre e generosa alguém pode renunciar a exigir um castigo cf Mt 5 4446 mesmo que a sociedade e a sua justiça o busquem legitimamente Mas não é possível decretar uma reconciliação geral pretendendo encerrar por decreto as feridas ou cobrir as injustiças com um manto de esquecimento Quem se pode arrogar o direito de perdoar em nome dos outros É comovente ver a capacidade de perdão dalgumas pessoas que souberam ultrapassar o dano sofrido mas também é humano compreender aqueles que não o podem fazer Em todo o caso o que nunca se deve propor é o esquecimento 247 A Shoah não deve ser esquecida É o símbolo dos extremos aonde pode chegar a malvadez do homem quando atiçado por falsas ideologias esquece a dignidade fundamental de cada pessoa a qual merece respeito absoluto seja qual for o povo a que pertença e a religião que professe231 Ao recordála não posso deixar de repetir esta oração LembraiVos de nós na vossa misericórdia Dainos a graça de nos envergonharmos daquilo que como homens fomos capazes de fazer de nos envergonharmos desta máxima idolatria de termos desprezado e destruído a nossa carne aquela que Vós formastes da lama aquela que vivificastes com o vosso sopro de vida Nunca mais Senhor nunca mais232 248 Não se devem esquecer os bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui Uma vez mais aqui faço memória de todas as vítimas e inclinome perante a força e a dignidade das pessoas que tendo sobrevivido àqueles primeiros momentos suportaram nos seus corpos 65 durante muitos anos os sofrimentos mais agudos e nas suas mentes os germes da morte que continuaram a consumir a sua energia vital Não podemos permitir que a atual e as novas gerações percam a memória do que aconteceu aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno233 Também não devemos esquecer as perseguições o comércio dos escravos e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em vários países e tantos outros factos históricos que nos fazem envergonhar de sermos humanos Devem ser recordados sempre repetidamente sem nos cansarmos nem anestesiarmos 249 Hoje é fácil cair na tentação de voltar página dizendo que já passou muito tempo e é preciso olhar para diante Isso não por amor de Deus Sem memória nunca se avança não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa Precisamos de manter viva a chama da consciência coletiva testemunhando às sucessivas gerações o horror daquilo que aconteceu que assim aviva e preserva a memória das vítimas para que a consciência humana se torne cada vez mais forte contra toda a vontade de domínio e destruição234 Precisam disso as próprias vítimas indivíduos grupos sociais ou nações para não cederem à lógica que leva a justificar a represália e qualquer violência em nome do mal imenso que sofreram Por isso não me refiro só à memória dos horrores mas também à recordação daqueles que no meio dum contexto envenenado e corrupto foram capazes de recuperar a dignidade e com pequenos ou grandes gestos optaram pela solidariedade o perdão a fraternidade É muito salutar fazer memória do bem Perdão sem esquecimentos 250 O perdão não implica esquecimento Antes mesmo que haja algo que de forma alguma pode ser negado relativizado ou dissimulado todavia podemos perdoar Mesmo que haja algo que jamais deve ser tolerado justificado ou desculpado todavia podemos perdoar Mesmo quando houver algo que por nenhum motivo devemos permitirnos esquecer todavia podemos perdoar O perdão livre e sincero é uma grandeza que reflete a imensidão do perdão divino Se o perdão é gratuito então podese perdoar até a quem resiste ao arrependimento e é incapaz de pedir perdão 251 Aqueles que perdoam de verdade não esquecem mas renunciam a deixarse dominar pela mesma força destruidora que os lesou Quebram o círculo vicioso frenam o avanço das forças da destruição Decidem não continuar a injetar na sociedade a energia da vingança que mais cedo ou mais tarde acaba por cair novamente sobre eles próprios Com efeito a vingança nunca sacia verdadeiramente a insatisfação das vítimas Há crimes tão horrendos e cruéis que fazer sofrer quem os cometeu não serve para sentir que se reparou o dano não bastaria sequer matar o criminoso nem se poderiam encontrar torturas comparáveis àquilo que pode ter sofrido a vítima A vingança não resolve nada 252 Também não estamos a falar de impunidade Mas a justiça procurase de modo adequado só por amor à própria justiça por respeito das vítimas para evitar novos crimes e visando 66 preservar o bem comum não como a suposta descarga do próprio rancor O perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento 253 Se houve injustiças de parte a parte é preciso reconhecer claramente a possibilidade de não terem tido a mesma gravidade ou de não serem comparáveis A violência exercida a partir das estruturas e do poder do Estado não está ao mesmo nível que a violência de grupos particulares Em todo o caso não se pode pretender que sejam recordados apenas os sofrimentos injustos duma das partes Como ensinaram os bispos da Croácia devemos o mesmo respeito a toda a vítima inocente Aqui não pode haver diferenças étnicas confessionais nacionais ou políticas235 254 Peço a Deus que prepare os nossos corações para o encontro com os irmãos independentemente das diferenças de ideias língua cultura religião que unja todo o nosso ser com o óleo da sua misericórdia que cura as feridas dos erros das incompreensões das controvérsias peço a graça que nos envie com humildade e mansidão pelas sendas desafiadoras mas fecundas da busca da paz236 A guerra e a pena de morte 255 Há duas situações extremas que podem chegar a apresentarse como soluções em circunstâncias particularmente dramáticas sem se dar conta que são respostas falsas não resolvem os problemas que pretendem superar e em última análise nada mais fazem que acrescentar novos fatores de destruição no tecido da sociedade nacional e mundial Tratase da guerra e da pena de morte A injustiça da guerra 256 No coração dos que maquinam o mal há falsidade mas aqueles que têm conselhos de paz viverão na alegria Prov 12 20 No entanto há quem busque soluções na guerra que frequentemente se nutre com a perversão das relações com as ambições hegemónicas os abusos de poder com o medo do outro e a diferença vista como obstáculo237 A guerra não é um fantasma do passado mas tornouse uma ameaça constante O mundo está a encontrar cada vez mais dificuldade no lento caminho da paz que empreendera e começava a dar alguns frutos 257 Dado que se estão a criar novamente as condições para a proliferação de guerras lembro que a guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio ambiente Se se quiser um desenvolvimento humano integral autêntico para todos é preciso continuar incansavelmente no esforço de evitar a guerra entre as nações e os povos Para isso é preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações aos mediadores e à arbitragem como é proposto pela Carta das Nações Unidas verdadeira norma 67 jurídica fundamental238 Quero destacar que os 75 anos de existência das Nações Unidas e a experiência dos primeiros 20 anos deste milénio mostram que a plena aplicação das normas internacionais é realmente eficaz e que a sua inobservância é nociva A Carta das Nações Unidas respeitada e aplicada com transparência e sinceridade é um ponto de referência obrigatório de justiça e um veículo de paz Mas isto pressupõe não disfarçar intenções ilícitas nem colocar os interesses particulares de um país ou grupo acima do bem comum mundial Se a norma é considerada um instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é desencadeiamse forças incontroláveis que causam grande dano às sociedades aos mais frágeis à fraternidade ao meio ambiente e aos bens culturais com perdas irrecuperáveis para a comunidade global 258 Deste modo facilmente se opta pela guerra valendose de todo o tipo de desculpas aparentemente humanitárias defensivas ou preventivas recorrendose mesmo à manipulação da informação De facto nas últimas décadas todas as guerras pretenderam ter uma justificação O Catecismo da Igreja Católica fala da possibilidade duma legítima defesa por meio da força militar o que supõe demonstrar a existência de algumas condições rigorosas de legitimidade moral239 Mas caise facilmente numa interpretação demasiado larga deste possível direito Assim pretendese indevidamente justificar inclusive ataques preventivos ou ações bélicas que dificilmente não acarretem males e desordens mais graves do que o mal a eliminar240 A questão é que a partir do desenvolvimento das armas nucleares químicas e biológicas e das enormes e crescentes possibilidades que oferecem as novas tecnologias conferiuse à guerra um poder destrutivo incontrolável que atinge muitos civis inocentes É verdade que nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma e nada garante que o utilizará bem241 Assim já não podemos pensar na guerra como solução porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua Perante esta realidade hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar duma possível guerra justa Nunca mais a guerra242 259 É importante acrescentar que com o desenvolvimento da globalização aquilo que pode aparecer como uma solução imediata ou prática para uma região da terra desencadeia uma corrente de fatores violentos muitas vezes subterrâneos que acabam por atingir todo o planeta e abrir caminho para novas e piores guerras futuras No nosso mundo já não existem só pedaços de guerra num país ou noutro mas vivese uma guerra mundial aos pedaços porque os destinos dos países estão intensamente ligados entre si no cenário mundial 260 Como dizia São João XXIII não é mais possível pensar que nesta nossa era atómica a guerra seja um meio apto para ressarcir direitos violados243 Afirmavao num período de forte tensão internacional manifestando assim o grande anseio de paz que se difundia nos tempos da guerra fria Reforçou a convicção de que as razões da paz são mais fortes do que todo o cálculo de interesses particulares e toda a confiança posta no uso das armas Mas por falta duma visão de futuro e duma consciência compartilhada sobre o nosso destino comum não se exploraram 68 adequadamente as oportunidades que oferecia o fim da guerra fria Em vez disso cedeuse à busca de interesses particulares sem se preocupar com o bem comum universal Assim irrompeu novamente o fantasma enganador da guerra 261 Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou A guerra é um fracasso da política e da humanidade uma rendição vergonhosa uma derrota perante as forças do mal Não fiquemos em discussões teóricas tomemos contacto com as feridas toquemos a carne de quem paga os danos Voltemos o olhar para tantos civis massacrados como danos colaterais Interroguemos as vítimas Prestemos atenção aos prófugos àqueles que sofreram as radiações atómicas ou os ataques químicos às mulheres que perderam os filhos às crianças mutiladas ou privadas da sua infância Consideremos a verdade destas vítimas da violência olhemos a realidade com os seus olhos e escutemos as suas histórias com o coração aberto Assim poderemos reconhecer o abismo do mal no coração da guerra e não nos turvará o facto de nos tratarem como ingénuos porque escolhemos a paz 262 Tampouco serão suficientes as normas se se pensa que a solução para os problemas atuais consiste em dissuadir os outros através do medo ameaçandoos com o uso de armas nucleares químicas ou biológicas Com efeito se tomarmos em consideração as principais ameaças contra a paz e a segurança com as suas múltiplas dimensões neste mundo multipolar do século XXI como por exemplo o terrorismo os conflitos assimétricos a segurança informática os problemas ambientais a pobreza muitas dúvidas emergem acerca da insuficiência da dissuasão nuclear para responder de modo eficaz a tais desafios Estas preocupações assumem ainda mais consistência quando consideramos as catastróficas consequências humanitárias e ambientais que derivam de qualquer utilização das armas nucleares com efeitos devastadores indiscriminados e incontroláveis no tempo e no espaço Devemos perguntarnos também quanto seja sustentável um equilíbrio baseado no medo quando de facto ele tende a aumentar o temor e a ameaçar as relações de confiança entre os povos A paz e a estabilidade internacionais não podem ser fundadas num falso sentido de segurança na ameaça de uma destruição recíproca ou de um aniquilamento total na manutenção de um equilíbrio de poder Em tal contexto o objetivo final da eliminação total das armas nucleares tornase um desafio mas também um imperativo moral e humanitário A crescente interdependência e a globalização significam que a resposta que se der à ameaça de armas nucleares deve ser coletiva e planeada baseada na confiança recíproca que só pode ser construída através do diálogo sinceramente dirigido para o bem comum e não para a tutela de interesses velados ou particulares244 E com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares constituamos um Fundo mundial245 para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras nem precisem de abandonar os seus países à procura duma vida mais digna A pena de morte 69 263 Há outra maneira de eliminar o outro não destinada aos países mas às pessoas é a pena de morte São João Paulo II declarou de forma clara e firme que a mesma é inadequada no plano moral e já não é necessária no plano penal246 Não é possível pensar num recuo relativamente a esta posição Hoje afirmamos com clareza que a pena de morte é inadmissível247 e a Igreja comprometese decididamente a propor que seja abolida em todo o mundo248 264 No Novo Testamento ao mesmo tempo que se pede aos indivíduos para não fazerem justiça por si próprios cf Rm 12 19 reconhecese a necessidade de as autoridades imporem penas àqueles que praticam o mal cf Rm 13 4 1 Ped 2 14 Com efeito a vida em comum estruturada em volta de comunidades organizadas precisa de regras de convivência cuja livre violação exige uma resposta adequada249 Isto implica que a autoridade pública legítima possa e deva infligir penas proporcionadas à gravidade dos delitos250 e que se garanta ao poder judiciário a necessária independência no âmbito da lei251 265 Desde os primeiros séculos da Igreja alguns manifestaramse claramente contrários à pena de morte Por exemplo Lactâncio defendia que não há qualquer distinção que se possa fazer sempre será crime matar um homem252 O Papa Nicolau I exortava Esforçaivos por livrar da pena de morte não só cada um dos inocentes mas também todos os culpados253 E por ocasião do julgamento de alguns homicidas que assassinaram dois sacerdotes Santo Agostinho pediu ao juiz para não tirar a vida aos assassinos e justificavao da seguinte maneira Não que pretendamos com isto impedir que se tire a indivíduos celerados a liberdade de cometer delitos mas queremos que para esse fim seja suficiente que deixandoos vivos e sem mutilálos em parte alguma do corpo aplicando as leis repressivas eles sejam afastados da sua agitação insana para serem reconduzidos a uma vida salutar e pacífica ou que retirados das suas ações perversas sejam ocupados nalgum trabalho útil Também isto é uma condenação mas quem não entenderia que se trata mais dum benefício que dum suplício uma vez que não se deixa campo livre à audácia da ferocidade nem se retira o remédio do arrependimento Indignate contra a iniquidade mas sem esqueceres a humanidade não dês livre curso à volúpia da vingança contra as atrocidades dos pecadores mas pretende antes curar as suas feridas254 266 Os medos e os rancores levam facilmente a entender as penas de maneira vingativa se não cruel em vez de as considerar como parte dum processo de cura e reinserção na sociedade Hoje tanto por parte de alguns setores da política como de certos meios de comunicação por vezes incitase à violência e à vingança pública e privada não só contra quantos são responsáveis por ter cometido delitos mas também contra aqueles sobre os quais recai a suspeita fundada ou não de ter infringido a lei Há por vezes a tendência a construir deliberadamente inimigos figuras estereotipadas que concentram em si todas as caraterísticas que a sociedade sente ou interpreta como ameaçadoras Os mecanismos de formação destas imagens são os mesmos que outrora permitiram a expansão das ideias racistas255 Isso tornou particularmente perigoso o costume crescente que há nalguns países de recorrer a 70 prisões preventivas a reclusões sem julgamento e especialmente à pena de morte 267 Quero assinalar que é impossível imaginar que hoje os Estados não possam dispor de outro meio que não seja a pena capital para defender a vida de outras pessoas do agressor injusto De particular gravidade se revestem as chamadas execuções extrajudiciais ou extralegais que são homicídios deliberados cometidos por alguns Estados e pelos seus agentes com frequência feitos passar como confrontos com delinquentes ou apresentados como consequências indesejadas do uso razoável necessário e proporcional da força para manter e aplicar a lei256 268 Os argumentos contrários à pena de morte são muitos e bem conhecidos A Igreja frisou oportunamente alguns deles como a possibilidade da existência de erro judicial e o uso que dela fazem os regimes totalitários e ditatoriais que a utilizam como instrumento de supressão da dissidência política ou perseguição das minorias religiosas e culturais todas vítimas que para as suas respetivas legislações são delinquentes Por conseguinte todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje a lutar não só pela abolição da pena de morte legal ou ilegal em todas as suas formas mas também para melhorar as condições carcerárias no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade E relaciono isto com a prisão perpétua A prisão perpétua é uma pena de morte escondida257 269 Lembremos que nem sequer o homicida perde a sua dignidade pessoal e o próprio Deus Se constitui seu garante258 A rejeição firme da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a dignidade inalienável de todo o ser humano e aceitar que tenha um lugar neste universo Visto que não o nego ao pior dos criminosos não o negarei a ninguém darei a todos a possibilidade de compartilhar comigo este planeta apesar do que nos possa separar 270 Aos cristãos que hesitam e se sentem tentados a ceder a qualquer forma de violência convidoos a lembrar este anúncio do livro de Isaías transformarão as suas espadas em relhas de arado 2 4 Para nós esta profecia encarna em Jesus Cristo que ao ver um discípulo excitado pela violência lhe disse com firmeza Mete a tua espada na bainha pois todos quantos se servirem da espada morrerão à espada Mt 26 52 Era um eco daquela antiga admoestação Ao homem pedirei contas da vida do homem seu irmão A quem derramar o sangue do homem pela mão do homem será derramado o seu Gn 9 56 Esta reação de Jesus que brotou espontaneamente do seu coração supera a distância dos séculos e chega até hoje como um apelo incessante Capítulo VIII AS RELIGIÕES AO SERVIÇO DA FRATERNIDADE NO MUNDO 271 As várias religiões ao partir do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como 71 criatura chamada a ser filho ou filha de Deus oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade O diálogo entre pessoas de diferentes religiões não se faz apenas por diplomacia amabilidade ou tolerância Como ensinaram os bispos da Índia o objetivo do diálogo é estabelecer amizade paz harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais num espírito de verdade e amor259 O fundamento último 272 Como crentes pensamos que sem uma abertura ao Pai de todos não podem haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade Estamos convencidos de que só com esta consciência de filhos que não são órfãos podemos viver em paz entre nós260 Com efeito a razão por si só é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles mas não consegue fundar a fraternidade261 273 Nesta linha quero lembrar um texto memorável Se não existe uma verdade transcendente na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens Com efeito o seu interesse de classe de grupo de nação contrapõenos inevitavelmente uns aos outros Se não se reconhece a verdade transcendente triunfa a força do poder e cada um tende a aproveitarse ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião sem atender aos direitos do outro A raiz do totalitarismo moderno portanto deve ser individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana imagem visível de Deus invisível e precisamente por isso pela sua própria natureza sujeito de direitos que ninguém pode violar seja indivíduo grupo classe nação ou Estado Nem tampouco o pode fazer a maioria de um corpo social lançandose contra a minoria262 274 A partir da nossa experiência de fé e da sabedoria que se vem acumulando ao longo dos séculos e aprendendo também das nossas inúmeras fraquezas e quedas como crentes das diversas religiões sabemos que tornar Deus presente é um bem para as nossas sociedades Buscar a Deus com coração sincero desde que não o ofusquemos com os nossos interesses ideológicos ou instrumentais ajuda a reconhecernos como companheiros de estrada verdadeiramente irmãos Julgamos que quando se pretende em nome duma ideologia expulsar Deus da sociedade acabase adorando ídolos e bem depressa o próprio homem se sente perdido a sua dignidade é espezinhada os seus direitos violados Conheceis bem a brutalidade a que pode conduzir a privação da liberdade de consciência e da liberdade religiosa e como desta ferida se gera uma humanidade radicalmente empobrecida porque fica privada de esperança e de ideais263 275 Temos de reconhecer que entre as causas mais importantes da crise do mundo moderno se contam uma consciência humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos bem como o predomínio do individualismo e das filosofias materialistas que divinizam o homem e 72 colocam os valores mundanos e materiais no lugar dos princípios supremos e transcendentes264 Não se pode admitir que no debate público só tenham voz os poderosos e os cientistas Deve haver um lugar para a reflexão que provém de um fundo religioso que recolhe séculos de experiência e sabedoria Os textos religiosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas possuem uma força motivadora mas de facto são desprezados pela miopia dos racionalismos265 276 Por estas razões embora a Igreja respeite a autonomia da política não relega a sua própria missão para a esfera do privado Pelo contrário não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor nem deixar de despertar as forças espirituais266 que possam fecundar toda a vida social É verdade que os ministros da religião não devem fazer política partidária própria dos leigos mas mesmo eles não podem renunciar à dimensão política da existência267 que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral A Igreja tem um papel público que não se esgota nas suas atividades de assistência ou de educação mas busca a promoção do homem e da fraternidade universal268 Não pretende disputar poderes terrenos mas oferecerse como uma família entre as famílias a Igreja é isto disponível para testemunhar ao mundo de hoje a fé a esperança e o amor ao Senhor mas também àqueles que Ele ama com predileção Uma casa com as portas abertas A Igreja é uma casa com as portas abertas porque é mãe269 E como Maria a Mãe de Jesus queremos ser uma Igreja que serve que sai de casa que sai dos seus templos que sai das suas sacristias para acompanhar a vida sustentar a esperança ser sinal de unidade para lançar pontes abater muros semear reconciliação270 A identidade cristã 277 A Igreja valoriza a ação de Deus nas outras religiões e nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver esses preceitos e doutrinas que refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens271 Todavia como cristãos não podemos esconder que se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas perderemos a alegria que brota da compaixão a ternura que nasce da confiança a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoadosenviados Se a música do Evangelho cessar de repercutir nas nossas casas nas nossas praças nos postos de trabalho na política e na economia teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade de todo o homem e mulher272 Outros bebem doutras fontes Para nós este manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo Dele brota para o pensamento cristão e para a ação da Igreja o primado reservado à relação ao encontro com o mistério sagrado do outro à comunhão universal com a humanidade inteira como vocação de todos273 278 Chamada a encarnarse em todas as situações e presente através dos séculos em todo o 73 lugar da terra isto mesmo significa católica a Igreja pode a partir da sua experiência de graça e pecado compreender a beleza do convite ao amor universal Com efeito tudo o que é humano nos diz respeito onde quer que as assembleias dos povos se reúnam para determinar os direitos e os deveres do homem sentimonos honrados quando nolo permitem tomando lugar nelas274 Para muitos cristãos este caminho de fraternidade tem também uma Mãe chamada Maria Ela recebeu junto da Cruz esta maternidade universal cf Jo 19 26 e cuida não só de Jesus mas também do resto da sua descendência Ap 12 17 Com o poder do Ressuscitado Ela quer dar à luz um mundo novo onde todos sejamos irmãos onde haja lugar para cada descartado das nossas sociedades onde resplandeçam a justiça e a paz 279 Como cristãos pedimos que nos países onde somos minoria nos seja garantida a liberdade tal como nós a favorecemos para aqueles que não são cristãos onde eles são minoria Existe um direito humano fundamental que não deve ser esquecido no caminho da fraternidade e da paz é a liberdade religiosa para os crentes de todas as religiões Esta liberdade manifesta que podemos encontrar um bom acordo entre culturas e religiões diferentes testemunha que as coisas que temos em comum são tantas e tão importantes que é possível individuar uma estrada de convivência serena ordenada e pacífica na aceitação das diferenças e na alegria de sermos irmãos porque filhos de um único Deus275 280 Ao mesmo tempo pedimos a Deus que fortaleça a unidade dentro da Igreja unidade que se enriquece com diferenças que se reconciliam pela ação do Espírito Santo Com efeito num só Espírito fomos todos batizados para formar um só corpo 1 Cor 12 13 onde cada um presta a sua contribuição peculiar Como dizia Santo Agostinho o ouvido vê através do olho e o olho escuta através do ouvido276 Também é urgente continuar a dar testemunho dum caminho de encontro entre as várias confissões cristãs Não podemos esquecer o desejo expresso por Jesus Que todos sejam um só Jo 17 21 Ao escutar o seu convite reconhecemos com tristeza que no processo de globalização falta ainda a contribuição profética e espiritual da unidade entre todos os cristãos Todavia apesar de estarmos ainda a caminho para a plena comunhão já temos o dever de oferecer um testemunho comum do amor de Deus por todas as pessoas trabalhando em conjunto ao serviço da humanidade277 Religião e violência 281 Entre as religiões é possível um caminho de paz O ponto de partida deve ser o olhar de Deus Porque Deus não olha com os olhos Deus olha com o coração E o amor de Deus é o mesmo para cada pessoa seja qual for a religião E se é um ateu é o mesmo amor Quando chegar o último dia e houver a luz suficiente na terra para poder ver as coisas como são não faltarão surpresas278 282 Também os crentes precisam de encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem 74 de escondermos as convicções próprias que nos apaixonam para podermos encontrarnos com outros que pensam de maneira diferente Com efeito quanto mais profunda sólida e rica for uma identidade mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica279 Como crentes somos desafiados a retornar às nossas fontes para nos concentrarmos no essencial a adoração de Deus e o amor ao próximo para que alguns aspetos da nossa doutrina fora do seu contexto não acabem por alimentar formas de desprezo ódio xenofobia negação do outro A verdade é que a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais mas nas suas deformações 283 O culto sincero e humilde a Deus leva não à discriminação ao ódio e à violência mas ao respeito pela sacralidade da vida ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bemestar de todos280 Na realidade aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus pois Deus é amor 1 Jo 4 8 Por isso o terrorismo execrável que ameaça a segurança das pessoas tanto no Oriente como no Ocidente tanto no Norte como no Sul espalhando pânico terror e pessimismo não se deve à religião embora os terroristas a instrumentalizem mas tem origem no cúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos nas políticas de fome de pobreza de injustiça de opressão de arrogância por isso é necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do fornecimento de dinheiro de armas de planos ou justificações e também a cobertura mediática e considerar tudo isto como crimes internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial É preciso condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações281 As convicções religiosas sobre o sentido sagrado da vida humana consentemnos reconhecer os valores fundamentais da nossa humanidade comum valores em nome dos quais se pode e deve colaborar construir e dialogar perdoar e crescer permitindo que o conjunto das diferentes vozes forme um canto nobre e harmonioso e não gritos fanáticos de ódio282 284 Às vezes a violência fundamentalista desencadeiase em alguns grupos de qualquer religião pela imprudência dos seus líderes Mas o mandamento da paz está inscrito nas profundezas das tradições religiosas que nós representamos Nós líderes religiosos somos chamados a ser verdadeiros dialogantes a agir na construção da paz e não como intermediários mas como mediadores autênticos Os intermediários procuram contentar todas as partes com a finalidade de obter um lucro para si mesmos O mediador ao contrário é aquele que nada reserva para si próprio mas que se dedica generosamente até se consumir consciente de que o único lucro é a paz Cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz unindo e não dividindo extinguindo o ódio em vez de o conservar abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros283 Apelo 285 Naquele encontro fraterno que recordo jubilosamente com o Grande Imã Ahmad AlTayyeb declaramos firmemente que as religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio hostilidade extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue 75 Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que abusaram nalgumas fases da história da influência do sentimento religioso sobre os corações dos homens Com efeito Deus o TodoPoderoso não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas284 Por isso quero retomar aqui o apelo à paz justiça e fraternidade que fizemos juntos Em nome de Deus que criou todos os seres humanos iguais nos direitos nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos a povoar a terra e espalhar sobre ela os valores do bem da caridade e da paz Em nome da alma humana inocente que Deus proibiu de matar afirmando que qualquer um que mate uma pessoa é como se tivesse morto toda a humanidade e quem quer que salve uma pessoa é como se tivesse salvo toda a humanidade Em nome dos pobres dos miseráveis dos necessitados e dos marginalizados a quem Deus ordenou socorrer como um dever exigido a todos os homens e de modo particular às pessoas facultosas e abastadas Em nome dos órfãos das viúvas dos refugiados e dos exilados das suas casas e dos seus países de todas as vítimas das guerras das perseguições e das injustiças dos fracos de quantos vivem no medo dos prisioneiros de guerra e dos torturados em qualquer parte do mundo sem distinção alguma Em nome dos povos que perderam a segurança a paz e a convivência comum tornandose vítimas das destruições das ruínas e das guerras Em nome da fraternidade humana que abraça todos os homens uneos e tornaos iguais Em nome desta fraternidade dilacerada pelas políticas de integralismo e divisão e pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências ideológicas odiosas que manipulam as ações e os destinos dos homens Em nome da liberdade que Deus deu a todos os seres humanos criandoos livres e enobrecendoos com ela Em nome da justiça e misericórdia fundamentos da prosperidade e pilares da fé Em nome de todas as pessoas de boa vontade presentes em todos os cantos da terra Em nome de Deus e de tudo isto declaramos adotar a cultura do diálogo como caminho a 76 colaboração comum como conduta o conhecimento mútuo como método e critério285 286 Neste espaço de reflexão sobre a fraternidade universal sentime motivado especialmente por São Francisco de Assis e também por outros irmãos que não são católicos Martin Luther King Desmond Tutu Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros Mas quero terminar lembrando uma outra pessoa de profunda fé que a partir da sua intensa experiência de Deus realizou um caminho de transformação até se sentir irmão de todos Refirome ao Beato Carlos de Foucauld 287 O seu ideal duma entrega total a Deus encaminhouo para uma identificação com os últimos os mais abandonados no interior do deserto africano Naquele contexto afloravam os seus desejos de sentir todo o ser humano como um irmão286 e pedia a um amigo Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos287 Enfim queria ser o irmão universal288 Mas somente identificandose com os últimos é que chegou a ser irmão de todos Que Deus inspire este ideal a cada um de nós Amen Oração ao Criador Senhor e Pai da humanidade que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade infundi nos nossos corações um espírito fraterno Inspirainos o sonho de um novo encontro de diálogo de justiça e de paz Estimulainos a criar sociedades mais sadias e um mundo mais digno sem fome sem pobreza sem violência sem guerras Que o nosso coração se abra a todos os povos e nações da terra para reconhecer o bem e a beleza que semeastes em cada um deles para estabelecer laços de unidade de projetos comuns de esperanças compartilhadas Amen Oração cristã ecuménica Deus nosso Trindade de amor a partir da poderosa comunhão da vossa intimidade divina infundi no meio de nós o rio do amor fraterno 77 Dainos o amor que transparecia nos gestos de Jesus na sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã Concedeinos a nós cristãos que vivamos o Evangelho e reconheçamos Cristo em cada ser humano para O vermos crucificado nas angústias dos abandonados e dos esquecidos deste mundo e ressuscitado em cada irmão que se levanta Vinde Espírito Santo Mostrainos a vossa beleza refletida em todos os povos da terra para descobrirmos que todos são importantes que todos são necessários que são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus Amen Dado em Assis junto do túmulo de São Francisco na véspera da Memória litúrgica do referido Santo 3 de outubro do ano 2020 oitavo do meu pontificado Franciscus 1 Admoestações 6 1 Fonti francescane 155 Tradução da expressão italiana Todos irmãos 2 Ibid 25 o c 175 3 São Francisco de Assis Regra não bulada dos Frades Menores 16 36 Fonti francescane 4243 4 Eloi Leclerc ofm Exilio y ternura Madrid 1987 205 5 Francisco Ahmad AlTayyeb Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 21 6 Francisco Discurso no encontro ecuménico e interreligioso com os jovens Skopje Macedónia do Norte 7 de maio de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 14V2019 13 7 Francisco Discurso no Parlamento Europeu Estrasburgo 25 de novembro de 2014 AAS 106 78 2014 996 8 Francisco Discurso no encontro com as autoridades a sociedade civil e o corpo diplomático Santiago Chile 16 de janeiro de 2018 AAS 110 2018 256 9 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 19 AAS 101 2009 655 10 Exort ap póssinodal Christus vivit 25 de março de 2019 181 11 Card Raúl Silva Henríquez sdb Homilia no Te Deum em Santiago do Chile 18 de setembro de 1974 12 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 57 AAS 107 2015 869 13 Idem Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 11 de janeiro de 2016 AAS 108 2016 120 14 Idem Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 13 de janeiro de 2014 AAS 106 2014 83 84 15 Cf Idem Discurso à Fundação Centesimus annus pro Pontifice 25 de maio de 2013 Insegnamenti I1 2013 238 16 Cf São Paulo VI Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 14 AAS 59 1967 264 17 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 22 AAS 101 2009 657 18 Francisco Discurso no encontro com as autoridades e o corpo diplomático Tirana Albânia 21 de setembro de 2014 AAS 106 2014 773 19 Idem Mensagem aos participantes na Conferência internacional sobre Os direitos humanos no mundo contemporâneo conquistas omissões negações 10 de dezembro de 2018 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 11XII2018 16 20 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 212 AAS 105 2013 1108 21 Idem Mensagem para o 48º Dia Mundial da Paz de 2015 8 de dezembro de 2014 34 AAS 107 2015 6971 22 Ibid 5 o c 72 79 23 Idem Mensagem para o 49º Dia Mundial da Paz de 2016 8 de dezembro de 2015 2 AAS 108 2016 49 24 Idem Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 8 de dezembro de 2019 1 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1724XII2019 8 25 Francisco Discurso sobre as armas nucleares Nagasáqui Japão 24 de novembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 03XII2019 9 26 Idem Discurso aos professores e estudantes do Colégio São Carlos de Milão 6 de abril de 2019 LOsservatore Romano 0809IV2019 6 27 Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 21 28 Francisco Discurso ao mundo académico e cultural Cagliari Itália 22 de setembro de 2013 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 29IX2013 8 29 Idem Carta Humana communitas ao Presidente da Academia Pontifícia para a Vida por ocasião do XXV aniversário da sua instituição 6 de janeiro de 2019 26 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 22I2019 89 30 Idem Vídeomensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver 26 de abril de 2017 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 04V2017 16 31 Homilia durante o Momento extraordinário de oração em tempos de epidemia 27 de março de 2020 LOsservatore Romano 29III2020 10 32 Francisco Homilia durante a Santa Missa Skopje Macedónia do Norte 7 de maio de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 14V2019 11 33 Cf Eneida I 462 Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt são lágrimas das coisas as peripécias dos mortais confrangem a alma 34 Historia magistra vitae Cícero De Oratore 2 36 35 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 204 AAS 107 2015 928 36 Idem Exort ap póssinodal Christus vivit 25 de março de 2019 91 80 37 Ibid 92 38 Ibid 93 39 Bento XVI Mensagem para o 99º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2013 12 de outubro de 2012 AAS 104 2012 908 40 Francisco Exort ap póssinodal Christus vivit 25 de março de 2019 92 41 Idem Mensagem para o 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2020 13 de maio de 2020 LOsservatore Romano 16V2020 8 42 Idem Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 11 de janeiro de 2016 AAS 108 2016 124 43 Idem Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 13 de janeiro de 2014 AAS 106 2014 84 44 Idem Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 11 de janeiro de 2016 AAS 108 2016 123 45 Francisco Mensagem para o 105º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2019 27 de maio de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 04VI2019 12 46 Idem Exort ap póssinodal Christus vivit 25 de março de 2019 88 47 Ibid 89 48 Francisco Exort ap Gaudete et exsultate 19 de março de 2018 115 49 Do filme de Wim Wenders O Papa Francisco Um homem de palavra A esperança é uma mensagem universal 2018 50 Francisco Discurso no encontro com as autoridades a sociedade civil e o corpo diplomático Tallinn Estónia 25 de setembro de 2018 LOsservatore Romano 27IX2018 9 51 Cf Francisco Homilia durante o Momento extraordinário de oração em tempos de epidemia 27 de março de 2020 LOsservatore Romano 29III2020 10 Idem Mensagem para o 4º Dia Mundial dos Pobres 13 de junho de 2020 6 LOsservatore Romano 14VI2020 8 52 Idem Discurso no encontro com os jovens do Centro Cultural Padre Félix Varela Havana Cuba 20 de setembro de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 24IX2015 81 9 53 Conc Ecum Vat II Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 1 54 Adversus haereses 2 25 2 PG 71 708709 55 Talmud Bavli Talmud de Babilónia Shabbat 31 a 56 Francisco Discurso no encontro com os assistidos nas obras sociocaritativas da Igreja Tallinn Estónia 25 de setembro de 2018 LOsservatore Romano 27IX2018 8 57 Idem Vídeomensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver 26 de abril de 2017 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 04V2017 16 58 Homiliae in Matthaeum 50 34 PG 58 508 59 Francisco Mensagem por ocasião do Encontro dos Movimentos Populares em Modesto Estados Unidos dAmérica 10 de fevereiro de 2017 AAS 109 2017 291 60 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 235 AAS 105 2013 1115 61 São João Paulo II Alocução do Angelus rezado com os inválidos Osnabrück República Federal da Alemanha 16 de novembro de 1980 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 23XI1980 20 62 Conc Ecum Vat II Const past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes 24 63 Gabriel Marcel Du refus à linvocation Paris 1940 50 64 Francisco Alocução do Angelus 10 de novembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 12XI2019 3 65 Cf São Tomás de Aquino Scriptum super Sententiis lib III dist 27 q 1 a 1 ad 4 Dicitur amor extasim facere et fervere quia quod fervet extra se bullit et exhalat dizse que o amor produz êxtase e efervescência contanto que o efervescente ferva fora de si e expire 66 Karol Wojtila Amore e responsabilità Casale Monferrato 1983 90 67 Karl Rahner Kleines Kirchenjahr Ein Gang durch den Festkreis Friburgo 1981 30 82 68 Regula 53 15 Pauperum et peregrinorum maxime susceptioni cura sollicite exhibeatur 69 Cf Summa theologiae IIII q 23 art 7 Santo Agostinho Contra Julianum 4 18 PL 44 748 De quantos prazeres se privam os avarentos para aumentar os seus tesouros ou com medo de os ver diminuir 70 Secundum acceptionem divinam São Boaventura Scriptum super Sententiis lib III dist 27 a 1 q 1 concl 4 71 Bento XVI Carta enc Deus caritas est 25 de dezembro de 2005 15 AAS 98 2006 230 72 Summa theologiae IIII q 27 art 2 resp 73 Cf ibid III q 26 art 3 resp 74 Ibid q 110 art 1 resp 75 Francisco Mensagem para o 47º Dia Mundial da Paz de 2014 8 de dezembro de 2013 1 AAS 106 2014 22 76 Cf Idem Alocução do Angelus 29 de dezembro de 2013 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 02I2014 12Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 12 de janeiro de 2015 AAS 107 2015 165 77 Francisco Mensagem para o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência 3 de dezembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10XII2019 4 78 Idem Discurso no Encontro em prol da liberdade religiosa Filadélfia Estados Unidos dAmérica 26 de setembro de 2015 AAS 107 2015 10501051 79 Idem Discurso no Encontro com os jovens Tóquio Japão 25 de novembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 03XII2019 14 80 Nestas considerações deixome inspirar pelo pensamento de Paul Ricoeur Le socius et le prochain in Idem Histoire et vérité Paris 1967 113127 81 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 190 AAS 105 2013 1100 82 Ibid 209 o c 1107 83 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 129 AAS 107 2015 899 83 84 Idem Mensagem para o evento Economy of Francesco 1 de maio de 2019 Insegnamenti II2 2014 625626 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 21V2019 7 85 Idem Discurso no Parlamento Europeu Estrasburgo 25 de novembro de 2014 AAS 106 2014 997 86 Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 229 AAS 107 2015 937 87 Francisco Mensagem para o 49º Dia Mundial da Paz de 2016 8 de dezembro de 2015 6 AAS 108 2016 5758 88 A solidez está na raiz etimológica da palavra solidariedade Esta segundo o significado ético político assumido nos últimos dois séculos gera uma construção social segura e firme 89 Francisco Homilia na Santa Missa Havana Cuba 20 de setembro de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 24IX2015 68 90 Idem Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos populares 28 de outubro de 2014 AAS 106 2014 851852 91 Cf São Basílio Homilia 21 Quod rebus mundanis adhaerendum non sit 3 e 5 PG 31 545 549 Regulae brevius tractatae 92 PG 31 11451148 São Pedro Crisólogo Sermo 123 PL 52 536540 Santo Ambrósio De Nabuthe 2752 PL 14 738739 Santo Agostinho In Iohannis Evangelium 6 25 PL 35 14361437 92 De Lazarum Concio 2 6 PG 48 992D 93 Regula pastoralis 3 21 PL 77 87 94 Carta enc Centesimus annus 1 de maio de 1991 31 AAS 83 1991 831 95 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 93 AAS 107 2015 884 96 São João Paulo II Carta enc Laborem exercens 14 de setembro de 1981 19 AAS 73 1981 626 97 Cf Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 172 98 Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 22 AAS 59 1967 268 99 São João Paulo II Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de dezembro de 1987 33 AAS 80 1988 557 84 100 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 95 AAS 107 2015 885 101 Ibid 129 o c 899 102 Cf São Paulo VI Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 15 AAS 59 1967 265 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 16 AAS 101 2009 652 103 Cf Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 93 AAS 107 2015 884885 Idem Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 189190 AAS 105 2013 1099 1100 104 Conferência dos Bispos católicos dos Estados Unidos Open wide our Hearts The enduring Call to Love A Pastoral Letter against Racism novembro de 2018 105 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 51 AAS 107 2015 867 106 Cf Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 6 AAS 101 2009 644 107 São João Paulo II Carta enc Centesimus annus 1 de maio de 1991 35 AAS 83 1991 838 108 Francisco Discurso sobre as armas nucleares Nagasáqui Japão 24 de novembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 03XII2019 9 109 Cf Bispos Católicos do México e dos Estados Unidos Carta pastoral Strangers no longer together on the journey of hope janeiro de 2003 110 Francisco Catequese na Audiência Geral 3 de abril de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 09IV2019 3 111 Cf Francisco Mensagem para o 104º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 14 de janeiro de 2018 AAS 109 2017 918923 112 Francisco Ahmad AlTayyeb Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 22 113 Francisco Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 11 de janeiro de 2016 AAS 108 2016 124 85 114 Ibid o c 122 115 Francisco Exort ap póssinodal Christus vivit 25 de março de 2019 93 116 Ibid 94 117 Idem Discurso no Encontro com as autoridades e o corpo diplomático Sarajevo Bósnia Herzegovina 6 de junho de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 11VI2015 3 118 Francisco em diálogo com Reyes Alcaide Latinoamérica Conversaciones con Hernán Reyes Alcaide Buenos Aires 2017 105 119 Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 22 120 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 67 AAS 101 2009 700 121 Ibid 60 o c 695 122 Ibid 67 o c 700 123 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 447 124 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 234 AAS 105 2013 1115 125 Ibid 235 o c 1115 126 Ibidem o c 1115 127 São João Paulo II Discurso aos representantes do mundo da cultura Buenos Aires Argentina 12 de abril de 1987 4 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10V1987 8 128 Cf Idem Discurso aos Cardeais e à Cúria 21 de dezembro de 1984 4 AAS 76 1984 506 129 Exort ap póssinodal Querida Amazonia 2 de fevereiro de 2020 37 130 Georg Simmel Brücke und Tür Essays des Philosophen zur Geschichte Religion Kunst 86 und Gesellschaft Estugarda 1957 6 131 Cf Jaime HoyosVásquez Lógica de las relaciones sociales Reflexión ontológica in Revista Universitas Philosophica 1516 dezembro 1990 a junho 1991 Bogotá 95106 132 Antonio Spadaro sj Le orme di un pastore Una conversazione con Papa Francesco in Jorge Mario Bergoglio Papa Francisco Nei tuoi occhi è la mia parola Omelie e discorsi di Buenos Aires 19992013 Milão 2016 XVI cf Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 220221 AAS 105 2013 11101111 133 Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 204 AAS 105 2013 1106 134 Cf ibid 204 o c 11051106 135 Ibid 202 o c 1105 136 Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 128 AAS 107 2015 898 137 Francisco Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé 12 de janeiro de 2015 AAS 107 2015 165 cf Idem Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares 28 de outubro de 2014 AAS 106 2014 851859 138 Algo parecido podemos dizer da categoria bíblica Reino de Deus 139 Paul Ricoeur Le socius et le prochain in Idem Histoire et vérité Paris 1967 122 140 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 129 AAS 107 2015 899 141 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 35 AAS 101 2009 670 142 Francisco Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares 28 de outubro de 2014AAS 106 2014 858 143 Ibidem 144 Idem Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares 5 de novembro de 2016 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10XI2016 10 145 Ibid o c 12 146 Ibidem 87 147 Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 189 AAS 107 2015 922 148 Discurso à Organização das Nações Unidas Nova Iorque Estados Unidos dAmérica 25 de setembro de 2015 AAS 107 2015 1037 149 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 175 AAS 107 2015 916917 150 Cf Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 67 AAS 101 2009 700701 151 Ibid 67 o c 700 152 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 434 153 Francisco Discurso à Organização das Nações Unidas Nova Iorque Estados Unidos dAmérica 25 de setembro de 2015 AAS 107 2015 1037 e 1041 154 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 437 155 São João Paulo II Mensagem para o 37º Dia Mundial da Paz de 2004 8 de dezembro de 2003 5 AAS 96 2004 117 156 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 439 157 Cf Conferência dos Bispos de França Comissão Social Declaração Réhabiliter la politique 17 de fevereiro de 1999 158 Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 189 AAS 107 2015 922 159 Ibid 196 o c 925 160 Ibid 197 o c 925 161 Ibid 181 o c 919 162 Ibid 178 o c 918 163 Conferência Episcopal Portuguesa Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem comum 15 de setembro de 2003 20 cf Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 159 AAS 107 2015 914 164 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 191 AAS 107 2015 923 88 165 Pio XI Discurso à Federação Universitária Católica Italiana 18 de dezembro de 1927 LOsservatore Romano 23XII1927 3 166 Cf Idem Carta enc Quadragesimo anno 15 de maio de 1931 88 AAS 23 1931 206 207 167 Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 205 AAS 105 2013 1106 168 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 2 AAS 101 2009 642 169Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 231 AAS 107 2015 937 170 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 2 AAS 101 2009 642 171 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 207 172 São João Paulo II Carta enc Redemptor hominis 4 de março de 1979 15 AAS 71 1979 288 173 Cf São Paulo VI Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 44 AAS 59 1967 279 174 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 207 175 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 2 AAS 101 2009 642 176 Ibid 3 o c 643 177 Ibid 4 o c 643 178 Ibidem 179 Ibid 3 o c 643 180 Ibid 3 o c 642 181 A doutrina moral católica na esteira do ensinamento de São Tomás de Aquino prevê esta distinção de ato elícito e ato imperado cf Summa theologiae III q 817 vejase também Marcellino Zalba sj Theologiae moralis summa Theologia moralis fundamentalis Tractatus de virtutibus theologicis I Madrid 1952 69 Antonio Royo Marín op Teología de la Perfección Cristiana Madrid 1962 192196 89 182 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 208 183 Cf São João Paulo II Carta enc Sollicitudo rei socialis 30 de dezembro de 1987 42 AAS 80 1988 572574 Idem Carta enc Centesimus annus 1 de maio de 1991 11 AAS 83 1991 806807 184 Francisco Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares 28 de outubro de 2014 AAS 106 2014 852 185 Francisco Discurso no Parlamento Europeu Estrasburgo França 25 de novembro de 2014 AAS 106 2014 999 186 Idem Discurso no encontro com as autoridades e o corpo diplomático Bangui República CentroAfricana 29 de novembro de 2015 AAS 107 2015 1320 187 Idem Discurso à Organização das Nações Unidas Nova Iorque Estados Unidos dAmérica 25 de setembro de 2015 AAS 107 2015 1039 188 Francisco Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares 28 de outubro de 2014AAS 106 2014 853 189 Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 21 190 René Voillaume Frère de tous Paris 1968 1213 191 Francisco Vídeomensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver 26 de abril de 2017 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 04V2017 17 192 Idem Catequese na Audiência Geral 18 de fevereiro de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 19II2015 20 193 Idem Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 274 AAS 105 2013 1130 194 Ibid 279 o c 1132 195 Francisco Mensagem para o 52º Dia Mundial da Paz de 2019 8 de dezembro de 2018 5 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1825XII2018 9 196 Francisco Discurso no encontro com a classe dirigente Rio de Janeiro Brasil 27 de julho 90 de 2013 AAS 105 2013 683684 197 Francisco Exort ap póssinodal Querida Amazonia 2 de fevereiro de 2020 108 198 Filme de Wim Wenders O Papa Francisco Um homem de palavra A esperança é uma mensagem universal 2018 199 Francisco Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais 24 de janeiro de 2014 AAS 106 2014 113 200 Conferência dos Bispos Católicos da Austrália Departamento para a Justiça Social Making it real genuine human encounter in our digital world novembro de 2019 5 201 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 123 AAS 107 2015 896 202 São João Paulo II Carta enc Veritatis splendor 6 de agosto de 1993 96 AAS 85 1993 1209 203 Como cristãos acreditamos também que Deus dá a sua graça para se poder agir como irmãos 204 Vinicius de Moraes Samba da Bênção no disco Um encontro no Au bon Gourmet Rio de Janeiro 02VIII1962 205 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 237 AAS 105 2013 1116 206 Ibid 236 o c 1115 207 Ibid 218 o c 1110 208 Francisco Exort ap póssinodal Amoris laetitia 19 de março de 2016 100 AAS 108 2016 351 209 Francisco Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 8 de dezembro de 2019 2 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1727XII2019 9 210 Conferência Episcopal do Congo Message au Peuple de Dieu et aux femmes et aux hommes de bonne volonté 09V2018 211 Francisco Alocução na Liturgia de Reconciliação Villavicencio Colômbia 8 de setembro de 2017 AAS 109 2017 10631064 e 1066 91 212 Idem Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 8 de dezembro de 2019 3 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1727XII2019 9 213 Conferência dos Bispos da África do Sul Pastoral letter on christian hope in the current crisis maio de 1986 214 Conferência dos Bispos católicos da Coreia Appeal of the Catholic Church in Korea for Peace on the Korean Peninsula 15 de agosto de 2017 215 Francisco Discurso no encontro com a sociedade civil Quito Equador 7 de julho de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 09VII2015 10 216 Idem Discurso no encontro interreligioso com os jovens Maputo Moçambique 5 de setembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10IX2019 4 217 Francisco Homilia dignidade da pessoa e direitos humanos Cartagena das Índias Colômbia 10 de setembro de 2017 AAS 109 2017 1086 218 Idem Discurso no Encontro com as autoridades o corpo diplomático e representantes da sociedade civil Bogotá Colômbia 7 de setembro de 2017 AAS 109 2017 1029 219 Conferência Episcopal da Colômbia Por el bien de Colombia diálogo reconciliación y desarrollo integral 26 de novembro de 2019 4 220 Francisco Discurso no encontro com as autoridades o corpo diplomático e alguns representantes da sociedade civil Maputo Moçambique 5 de setembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10IX2019 3 221 V Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe Documento de Aparecida 29 de junho de 2007 398 222 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 59 AAS 105 2013 1044 223 Carta enc Centesimus annus 1 de maio de 1991 14 AAS 83 1991 810 224 Francisco Homilia na Missa pelo progresso dos povos Maputo Moçambique 6 de setembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 10IX2019 12 225 Idem Discurso na cerimónia de chegada Colombo Sri Lanka 13 de janeiro de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 15I2015 3 92 226 Idem Discurso no Centro de Assistência Betânia Tirana Albânia 21 de setembro de 2014 Insegnamenti II2 2014 288 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 25IX2014 13 227 Idem Vídeomensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver 26 de abril de 2017 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 04V2017 16 228 Pio XI Carta enc Quadragesimo anno 15 de maio de 1931 114 AAS 23 1931 213 229 Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 228 AAS 105 2013 1113 230 Francisco Discurso no encontro com as autoridades a sociedade civil e o corpo diplomático Riga Letónia 24 de setembro de 2018 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 27IX2018 10 231 Idem Discurso na Cerimónia de BoasVindas Tel Aviv Israel 25 de maio de 2014 Insegnamenti II1 2014 604 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 31V2014 7 8 232 Idem Invocação na Visita ao Memorial de Yad Vashem 26 de maio de 2014 AAS 106 2014 228 233 Discurso no Memorial da Paz Hiroxima Japão 24 de novembro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 03XII2019 12 234 Francisco Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 8 de dezembro de 2019 2 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1724XII2019 8 235 Conferência dos Bispos da Croácia Letter on the Fiftieth Anniversary of the End of the Second World War 1 de maio de 1995 236 Francisco Homilia na Santa Missa Amã Jordânia 24 de maio de 2014 Insegnamenti II1 2014 593 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 31V2014 3 237 Idem Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 8 de dezembro de 2019 1 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 1724XII2019 8 238 Idem Discurso à Organização das Nações Unidas Nova Iorque Estados Unidos dAmérica 25 de setembro de 2015 AAS 107 2015 1041 239 Catecismo da Igreja Católica 2039 93 240 Ibidem 241 Francisco Carta enc Laudato si 24 de maio de 2015 104 AAS 107 2015 888 242 Mesmo Santo Agostinho que elaborou uma ideia da guerra justa que hoje já não defendemos disse que matar a guerra com a palavra e alcançar e conseguir a paz com a paz e não com a guerra é maior glória do que a dar aos homens com a espada Epistula 229 2 PL 33 1020 243 Carta enc Pacem in terris 11 de abril de 1963 127 AAS 55 1963 291 244 Francisco Mensagem à Conferência da ONU finalizada a negociar um instrumento juridicamente vinculante sobre a proibição das armas nucleares 23 de março de 2017 AAS 109 2017 394396 245 Cf São Paulo VI Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 51 AAS 59 1967 282 246 Cf Carta encEvangelium vitae 25 de março de 1995 56 AAS 87 1995 463464 247 Francisco Discurso na comemoração do 25º aniversário do Catecismo da Igreja Católica 11 de outubro de 2017 AAS 109 2017 1196 248 Cf Congr para a Doutrina da Fé Carta aos Bispos a respeito da nova redação do nº 2267 do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte 1 de agosto de 2018 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 09VIII2018 67 e 10 249 Francisco Discurso a uma delegação da Associação Internacional de Direito Penal 23 de outubro de 2014 AAS 106 2014 840 250 Conselho Pontifício Justiça e paz Compêndio da Doutrina Social da Igreja 402 251 São João Paulo II Discurso à Associação Nacional Italiana dos Magistrados 31 de março de 2000 4 AAS 92 2000 633 252 Divinae Institutiones 6 20 17 PL 6 708 253 Epistula 97 responsa ad consulta bulgarorum 25 PL 119 991 254 Epistula ad Marcellinum 133 12 PL 33 509 255 Francisco Discurso a uma delegação da Associação Internacional de Direito Penal 23 de 94 outubro de 2014 AAS 106 2014 840841 256 Ibid o c 842 257 Ibidem 258 São João Paulo II Carta encEvangelium vitae 25 de março de 1995 9 AAS 87 1995 411 259 Conferência dos Bispos Católicos da Índia Response of the church in India to the present day challenges 9 de março de 2016 260 Francisco Homilia na Missa matutina de Santa Marta 17 de maio de 2020 261 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 19 AAS 101 2009 655 262 São João Paulo II Carta enc Centesimus annus 1 de maio de 1991 44 AAS 83 1991 849 263 Francisco Discurso no Encontro Interreligioso Tirana Albânia 21 de setembro de 2014 Insegnamenti II2 2014 277 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 25IX2014 11 264 Francisco Ahmad AlTayyeb Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 21 265 Francisco Exort ap Evangelii gaudium 24 de novembro de 2013 256 AAS 105 2013 1123 266 Bento XVI Carta enc Deus caritas est 25 de dezembro de 2005 28 AAS 98 2006 240 267 O ser humano é um animal político Aristóteles Política parágrafo 1253a linhas 13 268 Bento XVI Carta enc Caritas in veritate 29 de junho de 2009 11 AAS 101 2009 648 269 Francisco Discurso no encontro com a comunidade católica Rakovsky Bulgária 6 de maio de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 07V2019 9 270 Idem Homilia durante a Santa Missa Santiago de Cuba 22 de setembro de 2015 AAS 107 2015 1005 95 271 Conc Ecum Vat II Decl sobre as relações da Igreja com as religiões nãocristãs Nostra aetate 2 272 Francisco Discurso no encontro ecuménico Riga Letónia 24 de setembro de 2018 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 27IX2018 11 273 Idem Lectio divina na Pontifícia Universidade Lateranense 26 de março de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 09IV2019 6 274 São Paulo VI Carta enc Ecclesiam suam 6 de agosto de 1964 54 101 AAS 56 1964 650 275 Francisco Discurso às autoridades Belém Palestina 25 de maio de 2014 Insegnamenti II1 2014 597 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 31V2014 5 276 Enarrationes in Psalmos 130 6 PL 37 1707 277 Papa Francisco e Patriarca Ecuménico Bartolomeu Declaração conjunta Jerusalém Israel 25 de maio de 2014 5 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 31V2014 22 278 Do filme de Wim Wenders O Papa Francisco Um homem de palavra A esperança é uma mensagem universal 2018 279 Francisco Exort ap póssinodal Querida Amazonia 2 de fevereiro de 2020 106 280 Idem Homilia durante a Santa Missa Colombo Sri Lanka 14 de janeiro de 2015 AAS 107 2015 139 281 Francisco Ahmad AlTayyeb Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 22 282 Francisco Discurso no encontro com as autoridades e o corpo diplomático Sarajevo BósniaHerzegovina 6 de junho de 2015 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 11VI2015 3 283 Idem Discurso no Encontro internacional organizado pela Comunidade de Santo Egídio 30 de setembro de 2013 Insegnamenti I2 2013 301302 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 06X2013 11 284 Francisco Ahmad AlTayyeb Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz 96 mundial e da convivência comum Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019 LOsservatore Romano ed semanal portuguesa de 05II2019 22 285 Ibidem 286 Cf Carlos de Foucauld Meditação sobre o Pai Nosso 23 de janeiro de 1897 Opere spirituali Roma 1983 555562 287 Idem Carta a Henry de Castries 29 de novembro de 1901 288 Idem Carta a Madame de Bondy 7 de janeiro de 1902 Assim o designava também São Paulo VI elogiando o seu serviço Carta enc Populorum progressio 26 de março de 1967 12 AAS 59 1967 263 Copyright Libreria Editrice Vaticana 97