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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2024 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri O Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos São Paulo 2024 B236 Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito São Paulo sn 2024 63 p 30 cm Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito 2024 Orientadora Profa Dra Maria Celeste Cordeiro dos Santos 1 Ficção literária 2 Direito 3 Literatura I Santos Maria Celeste Cordeiro Leite dos II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito III Título CDD 340 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Banca Examinadora Profa Doutora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos PUCSP AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 RESUMO PalavrasChave Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 ABSTRACT Keywords SUMÁRIO INTRODUÇÃO Em construção10 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO12 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem12 12 A linguagem em Umberto Eco17 13 A importância da semântica para o Direito21 14 A língua como ferramenta no meio jurídico31 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia36 15 Argumentação39 CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA43 21 As correntes clássicas Direito e Literatura48 211 Direito da Literatura48 212 Direito como literatura51 213 Literatura como direito52 214 Direito na Literatura54 215 Direito pela literatura58 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim58 221 Uma breve definição do termo59 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito62 CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO63 31 O Fictício e o real64 32 O Fictício e a literatura64 33 O Fictício e o direito64 CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO EM DESENVOLVIMENTO64 41 La Pacha mama64 42 O estigma do condenado64 43 Ronald Dworkin e o romance continuado64 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça64 CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL65 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press68 51 A regulamentação da Inteligência Artificial73 512 A regulamentação brasileira79 52 A Máquina e a Entropia85 53 Desencanto em desenvolvimento88 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção89 REFERÊNCIAS89 INTRODUÇÃO Em construção DEDICATÓRIA 12 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO Neste capítulo a proposta é dissertar sobre a relação da semântica que está situada na semiótica estudo do signo e o Direito um fenômeno social que pode ser estudado sob várias perspectivas epistemológicas Aqui enfatizamos o estudo Direito em uma intersecção com a literatura com o enfoque na linguagem1 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem A expressão No Início Havia o Verbo é encontrada no Evangelho de João no Novo Testamento da Bíblia Sagrada no versículo 11 Ela faz parte do relato sobre a criação do mundo e é uma referência ao princípio da criação divina destacando o papel central do Verbo ou da Palavra de Deus nesse processo A expressão encontrada no Evangelho de João carrega uma profundidade simbólica que pode ser relacionada aos primórdios da linguagem humana No contexto bíblico ela se refere ao princípio da criação divina onde o Verbo ou a Palavra de Deus desempenha um papel fundamental na manifestação do mundo físico e espiritual Ao analisar essa expressão sob a ótica da linguagem humana podese interpretála como uma reflexão sobre a origem e o poder da palavra como veículo primordial de comunicação e criação Assim como o Verbo divino é visto como a força que dá origem ao universo a palavra humana é fundamental para a expressão do pensamento a comunicação entre os indivíduos e a criação de significados e conceitos Além disso a expressão No Início Havia o Verbo sugere uma ligação intrínseca entre linguagem e pensamento O Verbo é concebido como a expressão da mente divina a palavra humana é vista como uma extensão do pensamento permitindo que ideias abstratas e conceitos complexos sejam comunicados e compartilhados entre os indivíduos A palavra enquanto signo linguístico artificial desempenha o papel de representante sendo composta por duas partes o significante que é a forma material do signo e o significado que é a imagem mental evocada por esse significante2 As palavras são instrumentos elaborados e versáteis que permitem a criação circulação e assimilação de representações da realidade possibilitando aos indivíduos 1 A Hernández Gil Metodología de la Ciencia del Derecho Madrid 1971 II p 160 2 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 13 materializarem conceitos e atribuindo significados aos objetos ao seu redor Como signo a palavra seja na forma escrita ou falada evoca conceitos em nossa mente os quais são representados por seus significados convencionados No entanto uma mesma palavra pode ter vários significados e um mesmo significado pode ser representado por diferentes palavras sendo essas sinônimas ou quase sinônimas3 Para compreender o significado pretendido pelo escritor é fundamental considerar o contexto em que a palavra está inserida pois o significado do texto é deduzido a partir do conjunto de todas as palavras que o compõem formando uma rede de significados interligados Assim a clareza do texto é essencial para que as palavras sejam compreendidas pelo receptor possibilitando a transmissão eficaz da mensagem concebida pelo emissor Logo é necessário que o receptor conheça as palavras utilizadas pelo emissor e possa atribuirlhes os significados apropriados a fim de garantir a adequada apreensão da mensagem Termos desconhecidos ou inadequados podem dificultar a compreensão do texto tornandoo lento e incompleto e em alguns casos podem tornálo completamente incompreensível para o leitor4 O estudo da linguagem o que inclui a palavra e o seu uso representa um dos campos mais antigos de investigação sistemática tendo suas raízes traçadas até a antiguidade clássica da Índia e da Grécia Embora possua uma longa história de realizações a abordagem contemporânea para esse estudo é relativamente recente datando aproximadamente dos últimos 40 anos Nesse período conceitos fundamentais da tradição foram revitalizados e reconstruídos proporcionando uma linha de investigação altamente produtiva5 Já em Santo Agostinho6 na idade média a linguagem funda o conhecimento das coisas sem linguagem não há mundo e em consequência o conhecimento das coisas se alcança com a palavra A palavra é um tipo especial de signo cuja diferença específica é de ser voz articulada A palavra é o que profere mediante a articulação da voz e significa algo ut verbum sit quod cum aliquo significatu voce profertur IV 8 Agostinho considera a palavra desde uma perspectiva semiótica Isto é a sua teoria da 3 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 4 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 5 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 6 AGOSTINHOSanto De Magistro Porto Alegre RS Editora Fi 2015 14 linguagem é uma inflexão uma modalidade de teoria dos signos As palavras como signo das coisas mantêm um papel no processo de aprendizagem e ensino pois nada se pode ensinar sem signo pois nada pode mostrarse sem signo e o pensamento vai dos signos às coisas significadas A questão do uso de signos para realização da comunicação por meio da linguagem atravessou séculos e aparece na contemporaneidade claramente em Chomsky7 demonstrando que é notável o fascínio duradouro exercido pela linguagem ao longo dos séculos A capacidade linguística humana é considerada uma característica essencial da espécie apresentando pouca variação entre os indivíduos e não possuindo equivalentes significativos em outras formas de vida Embora fenômenos análogos possam ser encontrados em insetos esses estão distantes na evolução cerca de um bilhão de anos Ademais a linguagem permeia todos os aspectos da vida pensamento e interação humanos Ela é em grande parte responsável pela existência de uma história e uma evolução cultural exclusivas dos seres humanos assim como pela diversidade complexa e rica da humanidade Além disso contribui para o sucesso biológico humano conforme evidenciado pela densa população humana atual8 A visão cartesiana de que a habilidade de utilizar signos linguísticos para expressar pensamentos distingue verdadeiramente o ser humano de outras formas de vida ou máquinas continua sendo amplamente aceita Outro autor considerado contemporâneo como Humberto Maturana traz em evidência a questão simbólica A linguagem é comumente entendida como um sistema de comunicação simbólica no qual os símbolos são concebidos como entidades abstratas9 É amplamente aceito que a linguagem serve como a base fundamental da comunicação No entanto os signos se organizam em códigos que constituem os sistemas de linguagem Esses códigos desempenham uma função primordial ao possibilitar a compreensão da dimensão representativa de objetos e fenômenos em diversas áreas do conhecimento humano10 A questão simbólica na linguagem se impõe pois em todos os sistemas de signos concebidos pelo homem a linguagem surge como uma entidade fundamental no processo de desenvolvimento humano sendo indispensável para os avanços culturais 7 Ibid 8CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 9 MATURANA R Humberto Emoções e linguagem na educação e na política Tradução José Fernando Campos Fortes Belo Horizonte UFMG 1999 10 Ibid 15 alcançados pela humanidade É por meio da linguagem que ocorre a comunicação entre os indivíduos a organização do pensamento o compartilhamento e o registro de conhecimentos sempre com a presença dos signos Ao discutir a relevância da linguagem para o desenvolvimento humano referimonos tanto à linguagem oral que facilita a interação entre as pessoas quanto à linguagem escrita cuja capacidade de expressar ideias e impulsionar o desenvolvimento do pensamento é inegável Em um nível mais profundo ao explicar o comportamento humano mediado por signos a linguagem estabelece conexões entre estímulos externos e internos os quais são interpretados pelo indivíduo resultando em novas ações e reações aos referidos estímulos11 Vygotsky12 psicólogo russo no final do século passado enfatiza que o homem desenvolveu um sistema de sinais um conjunto de estímulos artificiais condicionados por meio dos quais ele estabelece conexões e induz reações necessárias do organismo A analogia do também russo Pavlov Matos 1995 que compara a parte externa dos grandes hemisférios cerebrais a um vasto sistema de sinais demonstrar que o homem criou a chave desse sistema de sinais da linguagem sendo capaz de controlar a atividade externa e direcionar o comportamento humano13 Neste sistema de sinais da linguagem a palavra se destaca pela sua vinculação com o pensamento Para elucidar a formação da ligação entre o pensamento e a palavra seja ela verbalizada ou não e seu subsequente desenvolvimento Vigotski destaca o significado da palavra como a unidade indivisível entre ambos os processos o significado da palavra é ao mesmo tempo um fenômeno de discurso e intelectual14 Em Vigotski a compreensão do papel funcional do significado da palavra no ato do pensamento requer a análise do processo que interliga o significado da palavra à atividade mental especialmente na forma como a criança emprega a palavra para auxiliála na resolução de tarefas apresentadas a ela É importante destacar que a relação entre pensamento e palavra é um processo dialético que passa por várias fases as quais estão não apenas relacionadas à idade da criança mas principalmente à sua capacidade de utilizar a palavra para direcionar sua atenção e sua memória durante as diversas operações que realiza pois 11 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 12 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 13 Ibid 14 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 p 398 16 A palavra enquanto signo pode ser utilizada de diferentes maneiras como meio de comunicação e organização da ação para a concretização das operações intelectuais necessárias É justamente a observação do modo como a criança utiliza a palavra nessas circunstâncias que nos permite compreender em que estágio de desenvolvimento intelectual ela se encontra bem como nos possibilita obter indícios que apontem para a explicação do processo de formação dos conceitos na criança tornando possível compreender como ela se vale da linguagem para organizar voluntariamente seu pensamento15 Explica Umberto Eco que a semiótica é a disciplina que estuda as relações entre o código e a mensagem entre o signo e o discurso16 E as palavras do ponto de vista da semântica e semiótica estão relacionadas por meio do estudo dos signos e dos significados na linguagem e na comunicação humana Como disciplina da linguística a semântica se concentra no estudo do significado das palavras frases e expressões em um determinado contexto A análise dos sinais linguísticos serve para verificação de como esses sinais são utilizados para transmitir informações Ademais a análise ajuda na compreensão de como os significados são atribuídos e interpretados pelos falantes de uma determinada língua De acordo com o médico alemão Petri 17 a língua desempenha um papel fundamental como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade na qual ele está inserido É por meio da língua que a realidade se converte em signos com a associação de sons a significados possibilitando assim a comunicação linguística A semântica está preocupada com a compreensão dos significados das unidades linguísticas e como elas se relacionam entre si para formar estruturas de sentido18 Por outro lado a semiótica é uma disciplina mais ampla que investiga os processos de comunicação e significação em diferentes sistemas de signos não se limitando apenas à linguagem verbal Ela estuda os signos e os sistemas de signos em geral incluindo não apenas palavras e frases mas também imagens gestos símbolos códigos culturais e outros elementos que são utilizados para representar e comunicar significados No estudo da semiótica é fundamental destacar que essa disciplina derivada do termo grego semeion que significa signo constituise como a teoria geral dos 15 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 p 932 16 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 19 17 PETRI Maria José Constantino Manual de linguagem jurídica São Paulo Saraiva 2008 18 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 17 signos De acordo com Peirce19 um dos principais teóricos da semiótica um signo é algo que representa alguma coisa para alguém em um contexto específico Dessa forma o caráter essencial do signo é sua capacidade de representação de estar presente em lugar de algo ausente e não ser o próprio algo em si O signo atua como um mediador entre o objeto ausente e o intérprete presente sendo responsável por facilitar a compreensão e a interpretação do mundo ao nosso redor É por meio da articulação dos signos que se constrói o sentido permitindo a comunicação e a troca de significados entre os indivíduos20 A semiótica busca compreender como os signos são produzidos interpretados e utilizados em diferentes contextos culturais e sociais21 Enquanto a semântica se concentra especificamente no estudo dos significados das palavras e das estruturas linguísticas a semiótica amplia essa análise para incluir uma variedade de sistemas de signos e os processos de comunicação e significação que ocorrem dentro deles Em resumo a semântica é uma subárea da linguística enquanto a semiótica é uma disciplina mais abrangente que transcende os limites da linguagem verbal22 12 A linguagem em Umberto Eco Umberto Eco23 renomado semiótico italiano dedicou boa parte de sua obra à investigação da linguagem em suas diversas formas e aplicações Sua abordagem é abrangente desde questões filosóficas e teóricas até análises práticas da linguagem em diferentes contextos culturais e sociais Obra Aberta24 é uma obra seminal que estabeleceu a reputação de Umberto Eco como um teórico internacionalmente reconhecido Publicada pela primeira vez em 1962 esta coletânea de artigos oferece uma visão da evolução do conceito de abertura um tema central na obra de Eco Este conceito desenvolvido ao longo do final da 19 Peirce apud NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 20 NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 21 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 22 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 23 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 24 ECO Umberto Obra aberta 1962 São Paulo Perspectiva 1968 18 década de 1950 é evidente não apenas no conteúdo dos ensaios mas também na própria composição da coletânea Na introdução à edição brasileira Eco destaca a natureza fluida e em constante evolução de Obra Aberta Ele revela que desde a redação do primeiro ensaio em 1958 nunca parou de revisálo Cada edição seja em francês italiano espanhol ou em outras línguas apresenta variações significativas entre si Eco enfatiza que até mesmo a segunda edição italiana na qual esta edição brasileira se baseia difere das demais Essas diferenças ilustram a natureza aberta e adaptável da obra refletindo o próprio conceito de abertura que Eco explora em seus ensaios A partir dessas reflexões é possível entender Obra Aberta25 não apenas como uma coletânea de ensaios mas como um exemplo vivo do conceito que busca elucidar A obra de Eco continua a desafiar e inspirar leitores e estudiosos demonstrando como a noção de abertura pode se manifestar não apenas no conteúdo de uma obra mas também em sua própria forma e evolução ao longo do tempo e das traduções Em seus estudos Eco explorou temas como a natureza da linguagem suas funções comunicativas e seus mecanismos de significação Ele enfatizou a complexidade e a ambiguidade da linguagem destacando como as palavras podem adquirir diferentes significados dependendo do contexto em que são utilizadas e das convenções compartilhadas pelos falantes de uma determinada comunidade linguística Além disso Eco investigou os processos de codificação e decodificação da linguagem analisando como os signos são produzidos e interpretados pelos indivíduos Ele também examinou a relação entre linguagem e pensamento argumentando que a linguagem é fundamental na estruturação e na expressão do pensamento humano No debate hermenêutico nas primeiras décadas de XX se confrontavam duas abordagens distintas sobre a interpretação de textos Por um lado havia a busca pelo sentido do texto na intenção do autor ou seja o que o autor quis dizer com suas palavras Por outro lado surgia a perspectiva de analisar o texto por si só independente das intenções do autor buscando compreender o que o texto diz por si mesmo em relação à sua coerência contextual e aos sistemas de significação que o sustentam26 25 Ibid 26 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 19 De forma gradativa ocorreu o abandono pela busca da intenção do autor como única fonte de significado surgindo uma oposição entre outras duas abordagens na interpretação textual A primeira é o enfoque generativo que se concentra nas regras de produção do texto buscando entender como o texto é construído e organizado Já no enfoque interpretativo há a volta para a recepção do texto pelo destinatário considerando seus próprios sistemas de significação e desejos27 Karam28 explica que a partir dessas perspectivas Eco distingue entre a interpretação semântica que se concentra nos aspectos linguísticos e na estrutura do texto e a interpretação crítica que considera o contexto social cultural e histórico na análise do texto Enquanto a interpretação semântica é realizada pelo leitormodelo ingênuo que se limita à compreensão literal do texto a interpretação crítica busca ir além analisando as entrelinhas as conexões simbólicas e as possíveis camadas de significado presentes no texto29 Essas distinções são fundamentais para uma compreensão mais ampla e aprofundada da significação textual contribuindo para uma análise mais rica e complexa dos discursos e das obras literárias Eco30 explica que o resultado do processo pelo qual o destinatário diante da manifestação linear do texto preenchea de significado é aquela por meio da qual procuramos explicar por que razões estruturais pode o texto produzir aquelas ou outras alternativas interpretações semânticas Umberto Eco31 destaca a diferença entre o uso e a interpretação de um texto enfatizando que toda interpretação parte da leitura semântica para chegar à leitura crítica Enquanto a leitura semântica se baseia na compreensão literal do texto a leitura crítica busca analisar e interpretar além do significado superficial considerando o contexto as entrelinhas e as possíveis camadas de significado presentes no texto No entanto Eco observa que o uso de um texto pode ir além do seu significado semântico podendo ignorálo completamente e atribuirlhe arbitrariamente qualquer significado muitas vezes atendendo a suposições e interesses do leitor Isso pode levar a interpretações equivocadas e distorcidas do texto que não se fundamentam em uma análise cuidadosa e justificável 27 Ibid 28 Ibid 29 Ibid 30 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 12 31 Ibid 20 Assim a instrumentalização do texto ou seja o uso do texto para atender a propósitos alheios à sua verdadeira intenção está relacionada à ausência ou à precariedade da justificativa que fundamentaria a atribuição de sentido oferecida Eco adverte que entre a intenção inacessível do autor e a discutível intenção do leitor encontrase a intenção transparente do texto Esta última muitas vezes contesta interpretações que são insustentáveis à luz do próprio texto ressaltando a importância de uma abordagem crítica e cuidadosa na interpretação textual32 Outro aspecto importante da abordagem de Eco é sua ênfase na intertextualidade e na interdisciplinaridade Ele reconheceu que a linguagem não existe em um vácuo mas está intrinsecamente ligada a outras formas de expressão cultural como a literatura a arte e a música Nesse sentido suas análises da linguagem frequentemente dialogam com outros campos do conhecimento enriquecendo assim sua compreensão da complexidade da comunicação humana O trabalho de Umberto Eco sobre a linguagem oferece uma visão ampla e profunda desse fenômeno fundamental da experiência humana Sua abordagem interdisciplinar e sua perspectiva sofisticada continuam a influenciar estudiosos de linguagem e comunicação em todo o mundo proporcionando conhecimentos valiosos sobre a natureza e o funcionamento da linguagem em suas diversas manifestações Na área do Direito os estudos de Umberto Eco sobre semiótica fornecem a compreensão da linguagem jurídica A semiótica de Eco enfatiza a importância do contexto e da interpretação na atribuição de significados aos signos jurídicos o que é fundamental para a análise e a aplicação das normas legais Além disso sua abordagem pragmática da semiótica ressalta a necessidade de considerar o uso e a função dos signos jurídicos em situações específicas levando em conta o contexto social cultural e histórico em que são empregados33 Os estudos de Eco34 também podem ajudar a entender como a linguagem jurídica é usada como uma ferramenta de persuasão e argumentação no contexto legal Suas reflexões sobre retórica e argumentação podem ser aplicadas para analisar como os 32 Ibid 33 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 34 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 21 advogados e os juristas constroem seus argumentos e persuadem os juízes e os júris em casos judiciais Além disso sua abordagem da linguagem como um sistema de signos dinâmico e em constante evolução auxiliam a compreender como a linguagem jurídica se adapta e se transforma ao longo do tempo refletindo mudanças na sociedade e na cultura Desta forma ao analisar as obras e os estudos de Umberto Eco sobre linguagem e semiótica é notável que as contribuições do autor oferecem uma base teórica sólida para a compreensão da linguagem usada na área do Direito ajudando a analisar e interpretar de forma mais profunda e abrangente os textos legais as decisões judiciais e os discursos jurídicos O Direito em sua função de regular comportamentos socialmente aceitáveis não apenas reconhece mas também antecipa a dinâmica dos eventos Isso é evidenciado pela existência de lacunas legais que permitem análises minuciosas pela inclusão do plano do deverser como parte integrante do sistema jurídico e pela consideração da complexidade dos fenômenos humanos durante reformas legislativas e na interpretação das leis Essas práticas incentivam abordagens inovadoras na interpretação das normas legais35 Ao considerar o Direito como um fenômeno cultural que surge do processo criativo humano é importante destacar a necessidade de uma interpretação normativa flexível e aberta Uma vez que o direito é moldado pela sociedade é compreensível que ele reflita os acontecimentos do dia a dia a diversidade e a integração de elementos da realidade Nesse sentido o estudo da semiótica jurídica é relevante pois promove a reflexão sobre o discurso jurídico como parte integrante de um campo de conhecimento mais amplo que não deve ser isolado dos demais posto que suas fundamentações estão intrinsecamente ligadas às necessidades humanas36 13 A importância da semântica para o Direito Ricardo Guastini professor emérito de Filosofia do Direito e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência explica que o Direito moderno é um fenômeno essencialmente linguístico O direito é o discurso das 35 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 36 NASCIMENTO Lorivaldo A religião como fenômeno cultural à luz da Constituição federal de 1988 Meritum v 13 n 2 p 394419 2018 22 autoridades normativas ou seja um conjunto de textos enunciados jurídicos que expressam normas Um discurso uma sequência de enunciados de palavras dotadas de forma sintática e sentidos completos Os enunciados que compõem o direito são prescritivos normativos diretivos Nesse contexto a Jurisprudência é uma metalinguagem uma linguagem de segundo grau e a sua linguagem objeto é o Direito Ela é deste modo a análise da linguagem do Direito37 Ao discorrer sobre o fenômeno do Direito nesta perspectiva o estudo da linguagem se faz necessário A linguagem é uma complexa ferramenta de comunicação humana38 Mas a linguagem não só é uma importante ferramenta para o intercâmbio de informações e conhecimentos mas também pode ser utilizada como uma forma de controle39 Maria Celeste Cordeiro Leite Santos40 explica que Saussure definiu o discurso como linguagem em ação o discurso é assumido nesta acepção como uma ação humana ato de falar que serve de signos ação em que alguém apela ao entendimento de outrem Assim enfatiza a autora a língua é um sistema de signos que se estruturam uns aos outros O fenômeno linguístico concreto é o discurso speech um ato de discurso e uma sequência fonética de estrutura sintática correta com significado semântico e função pragmática41 A linguagem desempenha um papel fundamental ao traduzir e fixar o pensamento por meio das palavras sendo essencial para a clareza do pensamento uma vez que um maior conhecimento vocabular contribui para uma maior clareza mental ou melhor escola dessas palavras42 Em suma de acordo com o ambiente que se desenvolve a linguagem mas atenção deve o locutor desprender para atribuir corretamente as palavras De acordo com o Ensaio sobre a Origem da Linguagem 1772 escrito pelo filósofo e escritor alemão Johann Gottfried Von Herder a linguagem não se limita apenas a ser um instrumento de comunicação mas é intrínseca ao próprio ato do pensamento O conhecimento não pode ser dissociado da forma linguística em que é 37 Guastini Riccardo Las dos caras de la filosofía analítica del derecho positivo Italia Istituto Tarello per la Filosofia del diritto 2016 38 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 17 39 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 19 40 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 122123 41 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 123 42 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 23 expresso e por essa razão a linguagem também representa o limite ainda que flexível do pensamento Além disso a linguagem não é organizada apenas de acordo com princípios racionais posto que as palavras têm o poder de irradiar a capacidade de comunicação para os mais diversos aspectos da vida e das forças que a permeiam modificandoa e expressandoa de maneira única43 Segundo Bakhtin44 a linguagem é concebida como um processo coletivo no qual os membros de uma sociedade ou grupo social criam e recriam ao longo da história um sistema articulado de significados e uma visão de mundo por meio da interação verbal Bakhtin em sua análise concebe a linguagem como uma prática social fundamentada na língua percebendo esta última não como um sistema abstrato mas como um processo em constante evolução moldado pelo fenômeno da interação verbal na sociedade Citado autor enfatiza a importância da fala como um fenômeno social e não individual intrinsecamente ligado à enunciação que estabelece a intersubjetividade e promove a interação entre os falantes A visão de Bakhtin ressalta a dimensão social da linguagem situando tanto na língua quanto nos indivíduos que a utilizam dentro de um contexto sóciohistórico45 Ele argumenta que a língua se manifesta na vida por meio de enunciados concretos assim como a vida influencia a língua Nesse processo dinâmico a linguagem se torna um campo de conflito ideológico refletindo e expressando as divergências e contradições presentes na sociedade Portanto a palavra pode ser considerada sob a ótica de Bakhtin como um fenômeno ideológico carregando consigo valores culturais que refletem os conflitos e as discordâncias sociais o que a torna um espaço privilegiado para a manifestação e o embate de ideias A filosofia da linguagem segundo Umberto Eco dos estoicos passando por Santo Agostinho até Wittgenstein aborda os sistemas da lógica formal lógica das linguagens naturais bem como a semântica a sintática e a pragmática tratando deste modo da semiótica Ao construir o sistema da semiótica se construí a ideia de que o homem é um animal simbólico Explica Umberto Eco citando Saussure que a semiótica é uma ciência que estuda a vida dos signos no marco da vida social Os signos são entidades de duas caras significante e significado que se estabelecem de um sistema de regras Eles expressam 43 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 44 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 45 Ibid 24 ideias que são fenômenos do humano são artifícios comunicativos portanto artificiais convencionais como o alfabeto Já Peirce segundo Umberto Eco considera que a semiótica é a doutrina da natureza essencial e de variantes fundantes de qualquer classe possível de simiosis Os simiosis são uma ação uma cooperação de um signo seu objeto e seu interpretante Aqui se tem três entidades abstratas O signo é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém Já essa outra coisa precisa de um interpretante que é outro signo que traduz e explica o signo anterior e assim infinitamente46 O signo é estudo sob a perspectiva da sintática semântica e pragmática A sintática estuda a relação entre os signos é a teoria da construção da linguagem É um sistema de signo que se relaciona de acordo com regras sintáticas de formação que permite combinar signos elementares e as de derivação que geram novas expressões Já a semântica estuda a relação dos signos com os objetos verificando os modos e regras segundo os quais as palavras aplicamse aos objetos Essa relação a que vincula as afirmações do discurso com o campo a que ele se refere A pragmática estuda a relação dos signos com os usuários47 A relação entre semântica e Direito é um campo que pode ser entendido como o estudo que investiga como a linguagem influencia na atividade de interpretação e aplicação do direito A semântica como disciplina linguística concentrase na análise dos signos e sua relação com os objetos Mas essa relação já era bem explorada pelos juristas romanos que já sabiam que existiam expressões no Direito que intelectum iuris habebant 48 ou seja expressões que não teriam outro referente a não ser um conceito que muitas vezes era criado pelo Direito Em outras palavras um modelo conceitual que não corresponde a nenhum objeto material49 Também se destaca que uma das primeiras obras semânticas registradas está incluída em um livro de Direito Tratase do título 16 do livro do livro 50 do Digesto de Justiniano cujo título De verborum significatione ou seja Dos significados das palavras sendo ali explorado o 246 passagens de juristas que precisam o significado e alcance de determinadas expressões jurídicas50 46 UMBERTO Eco Tratado de Semiótica General BarcelonaValentino Bompiani 2000p 26 UMBERTO Eco A Estrutura Ausente São Paulo Perspectiva P 17 47 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 4045 48 Digesto 5 3 50 49 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 50 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 25 No âmbito jurídico essa relação entre Direito e semântica aparece claramente na atividade de interpretação do Direito Assim a precisão na interpretação de termos legais é essencial e necessária para a aplicação das leis uma vez que o direito tem como uma de suas funções regularizar condutas51 A linguagem jurídica é conhecida por sua complexidade e especificidade muitas vezes contendo termos técnicos e expressões com significados precisos dentro do contexto legal A semântica desempenha um papel fundamental na interpretação desses termos garantindo que as leis sejam aplicadas de maneira consistente e coerente52 Assim as se torna praticamente inevitável as leis devem ser sempre interpretadas53 A fixação do significado de uma palavra no contexto jurídico exigirá sempre a análise que inclui os usos linguísticos da palavra no sentido comum e técnicojurídico pois a linguagem dos juristas se distingue da linguagem comum dando assim melhor precisão Além disso a semântica é essencial na redação de contratos estatutos e outras formas de documentos legais Uma escolha inadequada de palavras ou uma formulação ambígua pode levar a interpretações equivocadas e litígios Portanto os redatores jurídicos devem estar cientes das nuances semânticas e buscar uma linguagem clara e precisa54 Outro aspecto relevante é a interpretação legislativa e judicial Os tribunais muitas vezes são confrontados com questões de interpretação de termos legais e sua aplicação a casos específicos A semântica desempenha um papel central na análise dessas questões ajudando os juízes a entenderem o significado exato da lei e como ela se aplica aos fatos em questão55 51 MORRIS Charles Writings on the general theory of signs p 210 In ARAUJO Clarice von Oertzen de Semiótica jurídica Enciclopédia jurídica da PUCSP Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire Coord Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito Celso Fernandes Campilongo Álvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire coord de tomo 1 ed São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2017 Disponível em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete96edicao1semioticajuridica Acesso em 10 fev 2024 52 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 53 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 54 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 55 Ibid 26 Ambiguidade e vagueza Há distintos objetos que podem ser designados pela mesma palavra que não são agrupados de forma arbitraria ou casual sempre existindo um critério para o seu uso Quando agrupamos distintos objetos e aludimos com a mesma palavra quando há certas propriedades comum As palavras têm a função de denotar o conjunto de objetos que exibem as características ou propriedades por isso aplicamos a mesma palavra e conotam essas propriedades Assim as palavras possuem um significado denotativo ou extensão conjunto de objetos os quais se aplica a palavra e outro significado conotativo ou intensão propriedades por virtude as quais aplicamos a esses objetos uma mesma palavra É como se uma palavra fosse usada para conotar a reunião de propriedade56 Mas nem sempre as palavras são usadas para conotar as mesmas propriedades dependendo muitas vezes do contexto linguístico do uso sendo que em alguns casos há dúvidas sobre o uso de determinada palavra Este aspecto importante da interseção entre semântica e direito é a ambiguidade linguística Esta por sua vez é uma característica intrínseca da linguagem que pode ocorrer quando uma palavra expressão ou estrutura sintática possui mais de um significado ou interpretação possível Essa ambiguidade pode surgir de diferentes maneiras como por meio de duplo sentido polissemia homonímia ou ainda pela falta de clareza na construção da frase Onofre Sossolote 2015 Essa ambiguidade pode ser tanto uma ferramenta criativa na literatura permitindo jogos de palavras e interpretações múltiplas quanto uma fonte de confusão na comunicação cotidiana Em contextos formais como o jurídico ou o científico a ambiguidade linguística pode ser especialmente problemática uma vez que a precisão e a clareza na comunicação são essenciais para evitar malentendidos e interpretações equivocadas57 Para lidar com a ambiguidade linguística é importante utilizar estratégias como o esclarecimento do contexto a definição precisa dos termos utilizados e a formulação de frases claras e concisas Além disso para o receptor da mensagem é fundamental ao buscar esclarecer qualquer dúvida ou interpretação ambígua por meio de perguntas ou solicitações de esclarecimento Palavras e frases podem ter múltiplos significados ou interpretações o que pode levar a disputas sobre a aplicação da lei A 56 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 28 57 ONOFRE Marília Blundi SOSSOLOTE Cássia Regina Coutinho Ambiguidade Paráfrase e Desambiguização Linguasagem v 24 n 1 2015 27 análise semântica ajuda a esclarecer essas ambiguidades e a determinar os significados por trás das leis e regulamentos58 E outros casos há incerteza na aplicação ou interpretação assim a dúvida recai sobre o campo de aplicação ocorrendo uma imprecisão A imprecisão está em uma zona mais ou menos estendida de casos em que a palavra poderia ser usada No direito aparece esse fenômeno quando falamos de prazo razoável erro substancial injúria grave perigo iminente velocidade excessiva59 O termo se torna vago quando há três zonas uma central de certeza positiva a aplicação não oferece dúvida uma certeza negativa de que o termo não se aplica e uma outra zona de penumbra a aplicação é duvidosa60 A relação entre semântica e direito é profunda e complexa A análise semântica é essencial na interpretação e aplicação do direito garantindo que as leis sejam interpretadas de maneira precisa e consistente e que os documentos legais sejam redigidos de forma clara e inequívoca Incidência e aplicação do direito David Hume61 ao abordar a metaética destacou a distinção entre afirmações descritivas e prescritivas enfatizando a impossibilidade de derivar o deverser a partir do ser Nessa perspectiva enunciados factuais apenas implicam outros enunciados factuais Por outro lado o direito enquanto subsistema social está intimamente relacionado aos fatos Ele se baseia em fontes materiais por meio do processo de enunciação dos fatos jurídicos ou normas de conduta orientadas para a conduta humana A premissa de que a linguagem do direito constitui a realidade jurídica destaca a intersecção de linguagens A construção de uma regra jurídica sua formulação com uma estrutura lógica a confirmação da hipótese de incidência e sua aplicação sobre a situação concreta são considerados eventos factuais O ingresso do fato no contexto jurídico é o que caracteriza o fenômeno do fato jurídico O jurista ao interpretar uma 58 COSTA Larissa Silva SANTOS Maria José Veloso da Costa GUEDES Vania Lisboa da Silveira Estudo da terminologia da área disciplinar de Direito e a proposição de um Sistema de Organização do Conhecimento em Direito Penal Encontros Bibli revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação v 27 p 121 2022 59 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 32 60 SESMA Victoria Iturralde Lenguaje Legal y Sistema Jurídico Tecnos Madrid 1989 p 33 61 HUME David A treatise on human nature Livro III Nova York 1961 28 norma jurídica deve analisar minuciosamente os componentes da hipótese de incidência compreendendo as consequências que estão previamente determinadas62 É essencial para a construção da base normativa que o jurista participe ativamente na formação do fato jurídico As prescrições jurídicas são concebidas como proposições que envolvem os termos obrigatório proibido e permitido direcionadas às ações humanas Dessa maneira as ações não são meramente intervenções no contexto social ou natural mas também interferências que abordam como as coisas deveriam ou poderiam ter ocorrido apresentando características de tipicidade É nesse sentido que ocorre o recorte da realidade social conferindo ao fato sua natureza jurídica63 O Direito sendo um fenômeno comunicacional e linguístico está intrinsecamente ligado ao contexto e portanto todo enunciado dentro desse contexto é considerado argumentativo A mensagem transmitida ocorre através de um canal estabelecido entre o autor e o receptor cujo significado é determinado pela intenção de quem transmite e pela interpretação do receptor A significação resulta da interação entre elementos linguísticos que se relacionam com o contexto incluindo o implícito o pressuposto e o subentendido64 Uma frase é uma estrutura linguística que possui relações sintáticas e uma semântica enquanto um enunciado vai além incorporando informações derivadas da situação em que é produzido ou seja seu contexto Assim a compreensão de um enunciado no Direito depende não apenas da análise da estrutura linguística mas também da consideração do contexto em que é proferido65 O fenômeno da incidência normativa ocorre quando se descreve um evento do mundo físicosocial ocorrido em circunstâncias específicas de espaço e tempo que se alinha estreitamente com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata também conhecida como regramatriz de incidência Em decorrência disso surge necessariamente outro enunciado protocolar e denotativo por razões de obrigação jurídica estabelecendo uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito Esse segundo enunciado seguindo uma sequência lógica e não cronológica deve estar 62 CARVALHO Paulo de Barros Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência 9 ed São Paulo Saraiva 2012 63 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 64 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 65 Ibid 29 em total conformidade com os critérios estabelecidos para as consequências da norma geral e abstrata66 Assim enquanto na norma geral e abstrata há um enunciado conotativo na norma individual e concreta há um enunciado denotativo ambos possuindo a prescritividade intrínseca à linguagem jurídica Essa distinção entre os enunciados reflete a aplicação prática da norma jurídica a casos específicos mantendo a coerência e a consistência dentro do sistema jurídico67 Em Paulo de Barros há normas jurídicas onde existe uma linguagem própria que as materialize O autor cita dois planos o direito positivo formado pelas normas jurídicas e materializado em linguagem prescritiva sintaticamente fechado em uma linguagem própria e a realidade social O mundo social para ser jurídico deve integrar o sistema do direito positivo onde se instalam as consequências jurídicas Explica Paulo de Barros Ali onde houver direito haverá sempre normas e onde houver normas jurídicas haverá certamente uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão Para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito necessária se faz também a existência de uma linguagem linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se instaura entre duas pessoas E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade porquanto se ocorrerem alterações na circunstância social descrita no antecedente de regra jurídica como ensejadora de efeitos de direito mas que por qualquer razão não vieram a encontrar a forma própria de linguagem não serão considerados fatos jurídicos e por conseguinte não propagarão direitos e deveres68 Assim a incidência não é automática pois depende de uma linguagem competente atribuindo juridicidade ao fato e imputando efeitos jurídicos O Direito dispõe de normas gerais e abstratas que não atuam diretamente sobre as condutas intersubjetivas sendo que a partir das normas gerais e abstratas são criadas outras individuais e concretas diretamente voltadas aos comportamentos atuando em cada caso69 Isto ocorre com a aplicação do direito aplicação do direito é incidência pois a norma jurídica não incide sozinha ela precisa ser aplicada70 66 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 67 Ibid 68 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 10 69 CARVALHO Aurora Tomazini de de teoria geral do direito o construtivismo lógicosemântico 2 ed São Paulo Noeses 2010 P245 70 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 9 30 Fabiana Del Padre Tomé71 argumenta que o sistema do direito positivo estabelece os momentos nos quais os fatos devem ser estabelecidos por meio da linguagem das provas as quais são essenciais para tornar os eventos da vida social juridicamente reconhecidos e igualmente fundamentais para as regras jurídicas A positivação desses fatos depende da sua conformidade com a descrição da hipótese normativa Quando ocorre a subsunção ou seja quando o fato jurídico descrito na linguagem prescrita pelo direito coincide com a descrição da hipótese legal estabelece se por meio da ação humana o vínculo abstrato pelo qual o sujeito ativo adquire o direito subjetivo de exigir a prestação enquanto o sujeito passivo fica obrigado a cumprila72 Além disso é importante considerar a pluridimensionalidade do fato ou seja examinálo sob diferentes perspectivas Um mesmo fato jurídico pode afetar diversos bens juridicamente protegidos que podem ser distintos e gerar diversas relações jurídicas inclusive de natureza sancionatória estritamente tributária ou penal por exemplo no caso de descaminho envolvendo questões tributárias e criminais e até mesmo a incidência de dois ou mais tributos como na importação Nestes casos o intérprete do direito realiza um esforço para selecionar os valores desejáveis pelo respectivo ramo do direito sem se preocupar com considerações pertencentes a outras áreas do ordenamento jurídico embora isso não signifique que tais considerações não existam isso justifica a realização deste corte metodológico específico73 Desta forma a relação entre semântica e direito é de extrema importância na compreensão do funcionamento do sistema jurídico A semântica como campo da linguística que estuda o significado das palavras e das sentenças é fundamental na interpretação e na aplicação das normas jurídicas A partir das discussões apresentadas por diversos autores tornase evidente que a linguagem jurídica não é apenas um instrumento de comunicação mas também um meio de construção da realidade jurídica No contexto do direito as palavras e as sentenças possuem um significado específico que vai além do seu sentido comum na linguagem cotidiana Os enunciados jurídicos são formulados de maneira precisa e técnica visando a expressar de forma clara e inequívoca as normas e os princípios que regem as relações sociais A linguagem jurídica portanto possui características próprias que a distinguem de outros tipos de 71 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 72 Ibid 73 Ibid 31 linguagem como a linguagem coloquial ou a linguagem técnica de outras áreas do conhecimento74 A compreensão da semântica no contexto jurídico é essencial para a interpretação das normas e para a solução de conflitos de interpretação Através de uma análise semântica cuidadosa é possível identificar o verdadeiro sentido e alcance das disposições legais evitando interpretações arbitrárias ou distorcidas que possam comprometer a segurança jurídica Além disso a semântica é fundamental na redação de contratos decisões judiciais e outros documentos jurídicos garantindo que estes sejam claros precisos e inequívocos É importante ressaltar que a relação entre semântica e direito não se limita apenas à interpretação das normas jurídicas mas também abrange questões mais amplas relacionadas à comunicação e à argumentação no âmbito jurídico Uma compreensão sólida da semântica é portanto essencial para todos aqueles que atuam no campo do direito contribuindo para uma aplicação mais justa eficiente e coerente das leis 14 A língua como ferramenta no meio jurídico Ao abordar A língua como ferramenta no meio jurídico devese alertar os profissionais do direito sobre os riscos associados ao descaso com a linguagem jurídica destacando os problemas decorrentes dessa negligência Essa atitude para os advogados pode impactar negativamente diversos aspectos como o insucesso nas demandas dos clientes Para os profissionais do direito o descuido pode ter como consequência a reputação prejudicada e o atraso no andamento dos processos e procedimentos legais No contexto jurídico o direito se manifesta por meio da palavra sua ferramenta funcional essencial presente em diversos documentos como leis pareceres razões sentenças acórdãos e outros atos judiciais os quais demandam o uso da linguagem para a compreensão da matéria jurídica Assim a expressão lógica concisa clara e precisa representa uma qualidade essencial da linguagem jurídica escrita75 74 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 COULTHARD Malcolm COLARES Virgínia SOUSASILVA Rui Linguagem Direito os eixos temáticos Recife ALIDI 2015 75 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 32 É imprescindível desconstruir a imagem distorcida que muitas pessoas têm dos profissionais do direito e a linguagem desempenha um papel fundamental nesse processo Os profissionais devem manter e utilizar palavras adequadas ao conteúdo que desejam comunicar A linguagem clara e tecnicamente precisa sempre favorece a comunicação e é mais útil para melhor aplicação do direito Portanto a análise dos textos jurídicoprocessuais deve contemplar problemas linguísticogramaticais e de coerência que podem comprometer a transmissão eficaz da informação ou até inviabilizar a comunicação como um todo76 A Língua Portuguesa é notável por sua vasta gama de recursos o que pode tornar sua utilização desafiadora especialmente no âmbito jurídico Nesse contexto o direito emerge como uma ciência essencialmente relacionada à palavra representando o dinâmico emprego da linguagem Para compreender adequadamente esse contexto é necessário elucidar alguns conceitos fundamentais relacionados ao funcionamento da linguagem A Linguagem é um sistema de signos empregado para estabelecer a comunicação sendo a linguagem humana considerada o sistema mais complexo de todos Seu surgimento e desenvolvimento estão intrinsecamente ligados à necessidade de comunicação entre os seres humanos sendo resultado do aprendizado social e reflexo da cultura de uma determinada comunidade Dominar a linguagem é essencial para a integração do indivíduo na sociedade77 A linguagem verbal é a capacidade que o ser humano possui de expressar seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais denominado língua Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para sua utilização Assim qualquer forma de linguagem se desenvolve com base no uso de um sistema ou código de comunicação ou seja a língua A linguagem é uma característica universal da humanidade enquanto a língua é o sistema linguístico particular de uma determinada comunidade grupo ou povo78 O sistema de linguagem é a estrutura organizacional que rege uma língua enquanto a língua é o código que viabiliza a comunicação composto por signos e suas combinações A língua possui um caráter abstrato e é manifestada por meio de atos de fala individuais Dessa forma enquanto a língua representa um conjunto de 76 OLIVEIRA Ana Larissa Adorno Marciotto DIAS Luiz Francisco MARQUES João Pedro Cirino Linguagem jurídica produção textual direito e argumentação Editora Diálogos 2023 v 1 77 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 78 Ibid 33 potencialidades dos atos de fala estes por sua vez são atos de realização concreta da língua79 É de extrema relevância no âmbito jurídico saber expressarse de maneira adequada e precisa A formulação dos argumentos e pedidos por exemplo em uma petição pelo profissional do direito depende em grande parte da habilidade de empregar as palavras de forma precisa e contextualizada combinandoas com seu conhecimento para alcançar os objetivos do cliente Para isso é necessário utilizar um vocabulário adequado e dominar a arte de contextualizar as palavras A comunicação humana é amplamente mediada pela palavra estabelecendo assim a linguagem como um dos principais meios de interação entre os indivíduos Em todos os níveis de manifestação como humanidade comunidade e indivíduo o homem está intrinsecamente ligado ao fenômeno da linguagem Desconsiderar a importância dessa ligação seria negligenciar uma realidade fundamental O pensamento humano e sua expressão por meio da palavra conferem ao homem uma posição destacada na hierarquia zoológica distinguindoo entre os demais seres vivos80 Segundo Xavier81 devese saber utilizar esse dom da evolução de forma competente e ética pois o poder da palavra exerce uma influência profundamente conservadora em nossas vidas Assim é inegável que a palavra e o direito estão intrinsecamente interligados pois o Direito é a ciência da palavra Para o jurista dirseá agora a palavra é seu cartão de visita82 A palavra é fundamental nas diversas atividades realizadas pelo profissional do direito como peticionar contestar apelar arrazoar inquirir persuadir provar tergiversar julgar absolver ou condenar Portanto é imprescindível que os profissionais tenham cautela ao lidar com os termos utilizados na prática jurídica Existem exemplos claros em que há sutis diferenças semânticas entre termos que podem passar despercebidas para o leigo mas que possuem significados distintos no contexto jurídico Por exemplo os termos domicílio residência e habitação têm significados jurídicos específicos que os diferenciam entre si Da mesma forma termos como 79 Ibid 80 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 81 Ibid 82 Ibid p 10 34 posse domínio ou propriedade83 possuem nuances que os distinguem uns dos outros Além disso certos conceitos jurídicos como decadência prescrição preclusão e perempção embora possam parecer similares em seu sentido geral possuem significados distintos e implicam em consequências jurídicas específicas É fundamental que se tenha ciência dessas diferenças e utilize os termos de maneira precisa e adequada de acordo com o contexto e a natureza da questão jurídica em questão84 As formas linguísticas podem apresentar variações que são conhecidas como variantes linguísticas Entre essas variantes é possível destacar a distinção entre a língua padrão e a língua nãopadrão A língua padrão referese à forma de linguagem que é considerada normativa sendo utilizada em contextos formais como na escrita oficial na literatura e na comunicação formal Por outro lado a língua nãopadrão engloba as formas de linguagem que fogem às normas estabelecidas sendo frequentemente utilizadas em contextos informais e coloquiais85 Ademais também é comum observar a diferenciação entre a linguagem culta ou padrão e a linguagem popular ou subpadrão A linguagem culta ou padrão é aquela que segue as normas gramaticais e vocabulário considerados mais elevados sendo associada a grupos sociais privilegiados e utilizada em situações formais Já a linguagem popular ou subpadrão é caracterizada por uma linguagem mais informal com menos rigidez gramatical e vocabulário mais acessível sendo comumente utilizada em contextos cotidianos e informais86 Essas variantes linguísticas refletem as diversidades culturais sociais e regionais de uma comunidade contribuindo para a riqueza e a complexidade da linguagem humana As variações extralinguísticas ocorrem devido a fatores sociológicos variações originadas por idade sexo profissão nível de estudo classe social raça geográficas compreendem variações regionais Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua particularmente com relação ao vocabulário e expressões idiomáticas contextuais envolve assunto tipo de 83 Ibid p 11 84 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 85 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 86 Ibid 35 interlocutor lugar em que a comunicação ocorre relações que unem interlocutores87 Medeiros e Tomasi88 destacam a importância do estudo dos diferentes níveis de linguagem para o cotidiano de um profissional do direito Segundo eles existem três níveis de linguagem distintos o nível culto o nível comum e o nível popular O nível culto é predominantemente utilizado por intelectuais diplomatas e cientistas especialmente na forma escrita Na modalidade oral é empregado em discursos de cerimônias e em situações formais como audiências em tribunais Caracterizase por um vocabulário diversificado e uma sintaxe complexa incluindo a linguagem técnica e científica a linguagem burocrática e a linguagem profissional A linguagem técnica e científica compartilha semelhanças com o nível culto empregando um vocabulário específico relacionado a uma determinada área profissional A variante burocrática é caracterizada pelo uso excessivo de termos técnicos jargões e formalidades Por fim a linguagem profissional também pertencente ao nível culto utiliza expressões específicas de uma área de conhecimento em particular89 No nível comum a linguagem é desprovida de formalidades e refinamentos gramaticais É uma forma de linguagem mais acessível e utilizada em contextos informais Por último o nível popular é caracterizado por uma linguagem espontânea e descontraída cujo objetivo principal é a comunicação clara e eficaz É empregado em situações informais e cotidianas buscando uma interação mais direta e informal entre os interlocutores90 Conforme destacam os autores o nível popular da linguagem é funcional principalmente porque recorre a outros meios de expressão além das palavras como por exemplo a entonação especialmente na linguagem oral Essa variante linguística tende a afastarse das normas gramaticais estabelecidas priorizando uma comunicação mais imediata e espontânea pois Ela compreende a vocabulário pobre ou restrito b construções que se afastam do padrão gramatical ou simplificação sintática utilização de variantes não admitidas pela gramática como pega ele namora com ou mistura de pronomes pessoais possessivos e de tratamento tu e você Sr e VSa teu e seu ausência de rigor quanto à concordância verbal eles foi c repetições frequentes d uso de gíria ou de linguagem obscena e redundâncias91 87 Ibid p 25 88 Ibid 89 Ibid 90 Ibid 91 Ibid p 35 36 Na comunicação entre o advogado e seu cliente é possível que ocorra a presença simultânea de todos os níveis da linguagem Portanto o conhecimento por parte do advogado acerca das diferentes variantes linguísticas tornase fundamental 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia O advogado deve zelar pela linguagem que utiliza uma vez que desempenha uma função pública essencial à administração da Justiça conforme estabelecido no artigo 2 da Lei 890694 Estatuto da Advocacia e da OAB Segundo esse artigo o advogado é considerado indispensável à administração da Justiça Além disso o artigo 2 do Código de Ética e Disciplina da OAB ressalta que o advogado enquanto indispensável à administração da justiça é defensor do Estado democrático de direito da cidadania da moralidade pública da justiça e da paz social devendo subordinar a atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce Portanto o uso adequado da linguagem pelo advogado reflete o compromisso com a ética a justiça e o Estado de direito92 O advogado consciente da importância de sua atividade profissional deve dominar de forma adequada sua principal ferramenta de trabalho que é a linguagem e se esforçar para aprimorála continuamente conforme estabelecido no Código de Ética e Disciplina da OAB no artigo 2 parágrafo único IV93 Esse dispositivo legal não se refere apenas ao aprimoramento jurídico mas abrange também o desenvolvimento profissional em geral incluindo o refinamento linguístico e a prudência na redação de textos pertinentes ao contexto jurídico A utilização cuidadosa da palavra é essencial uma vez que ela é fundamental para diversas atividades advocatícias como a defesa a acusação a argumentação e a persuasão94 Além disso a lei estabelece certos deveres para os advogados incluindo o aprimoramento e a diligência linguística e prevê sanções em caso de descumprimento Conforme disposto no artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB o advogado é responsável pelos atos que pratica no exercício profissional com dolo ou culpa podendo 92 BRASIL Lei nº 8906 de 4 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB Diário Oficial da União Brasília DF 5 jul 1994 93 Ibid 94 Ibid 37 resultar em danos para o cliente ou para o processo95 Essa responsabilidade é subjetiva e depende da verificação de culpa conforme definido no artigo 14 4º do Código de Defesa do Consumidor96 Portanto para que o advogado seja responsabilizado é necessário comprovar que sua conduta lesiva envolveu culpa que pode se manifestar na forma de dolo ou culpa em sentido estrito O ato cometido com dolo é aquele realizado com a intenção de causar dano ou assumindo o risco de que ele ocorra enquanto o ato praticado com culpa em sentido estrito ocorre involuntariamente devido a uma conduta negligente imprudente ou imperita No caso em que o advogado comete uma falha grave na utilização da linguagem resultando em prejuízo para a administração da justiça configurase claramente um caso de imperícia Isso ocorre devido à deficiência no aprimoramento técnicolinguístico do profissional o que compromete a qualidade do serviço prestado É importante ressaltar que se trata de imperícia e não simples negligência que seria uma omissão pois o advogado em sua prática profissional requer habilidades específicas em relação à linguagem incluindo o domínio da gramática e técnicas de argumentação Essas habilidades são essenciais para diferenciálo de profissionais de outras áreas97 Assim como um cirurgião plástico precisa ter habilidade no manuseio do bisturi o advogado precisa dominar a palavra que é sua principal ferramenta de trabalho e sem a qual seu serviço não pode ser realizado O uso inadequado da linguagem portanto reflete a falta de habilidade técnica do profissional do Direito caracterizando uma manifestação de imperícia98 Um dos problemas recorrentes relacionados ao uso inadequado da linguagem está ligado à utilização de termos e expressões ambíguas e vagas As palavras enquanto signos podem evocar um ou vários conceitos e é importante restringir a multiplicidade de significados de cada palavra no texto específico para evitar ambiguidades e vaguidades de sentido É fundamental destacar que ambas as situações não são 95 Ibid 96 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 set 1990 97 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 98 Ibid 38 sinônimas A vagueza se caracteriza pela imprecisão de sentido deixada por uma palavra ou expressão99 Por outro lado a ambiguidade está contida na vagueza mas não se confunde com ela Enquanto uma palavra vaga apresenta vários significados indeterminados uma palavra ou expressão ambígua evoca significados determinados passíveis de aplicação no texto Na prática enquanto na vagueza é impossível afirmar se a interpretação de A ou de B está correta na ambiguidade é possível considerar que tanto A quanto B podem ser interpretados de maneira correta100 É relevante salientar que o uso de palavras vagas e ambíguas pode comprometer totalmente a peça processual distorcendo a narrativa dos fatos enfraquecendo os argumentos e tornando os pedidos imprecisos No caso de petições iniciais isso pode resultar na inépcia da peça e sua consequente rejeição conforme estabelecido no art 295 inc I do CPC 2015 No contexto jurídico a clareza a concisão e a precisão são elementos fundamentais em um texto superando a busca pela sofisticação da linguagem É essencial que o texto seja organizado com raciocínio lógico e coerente originado de uma seleção cuidadosa de fatos relevantes que compõem o caso em questão Uma linguagem clara é aquela que possui alta qualidade sem omissões ou uso de termos que sejam compreendidos apenas por um grupo específico de pessoas Ao se defender a simplificação da linguagem jurídica não se está propondo sua vulgarização ou desencorajando o uso de termos técnicos necessários ao contexto forense Pelo contrário se busca combater os excessos que podem dificultar o entendimento do cidadão comum tornandoa mais acessível a todos e promovendo o acesso à Justiça É importante ressaltar que escrever bem não significa escrever extensamente A prolixidade é vista como um defeito não como uma qualidade Um texto simples porém elegante com um vocabulário contextualizado será respeitado admirado e 99 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 FERREIRA Luís Henrique Costa FERREIRA Daniel Pinheiro Mota A Lei de Abuso de Autoridade e a Atividade de Polícia Judiciária Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública RIBSP ISSN 25952153 v 3 n 6 p 99117 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 100 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 39 recomendado por ser convincente e seguro101 Até mesmo o expresidente dos Estados Unidos Barack Obama destacou a importância da simplicidade ao questionar por que não seria possível elaborar um simples termo de adesão de cartão de crédito em apenas uma página Siegel 2010 Conforme observado pelo desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Alexandre Moreira Germano102 a tendência moderna deveria apontar para redações bem escritas porém simplificadas e objetivas que evitassem o uso de uma linguagem rebuscada e termos jurídicos excessivamente complexos O foco principal seria facilitar a compreensão do processo que tem por objetivo resolver conflitos entre as partes envolvidas sem a necessidade de grandes digressões literárias Germano também recomendou evitar o uso de termos em latim ou em outros idiomas que não sejam o vernáculo uma vez que considera que o português atende a todas as exigências do texto jurídico 15 Argumentação Dominar a comunicação em todos os níveis é essencial para o profissional do direito uma vez que sua ferramenta de trabalho a palavra quando utilizada com eficiência tem o poder de convencer persuadir e influenciar as pessoas Essa capacidade de influência é uma forma de exercer poder sobre os outros estimulandoos a enxergar o mundo por uma nova ótica O estudo da argumentação remonta à antiguidade mas seu desenvolvimento e sua aplicação no contexto jurídico contemporâneo merecem atenção especial Recentemente podese encontrar trabalhos pioneiros que inserem a disciplina de argumentação nas faculdades de Direito demonstrando sua crescente importância na formação acadêmica dos estudantes Um marco significativo foi a introdução do curso de argumentação na Universidade de Bruxelas pelo filósofo do Direito e linguista Chaím Perelman principalmente com sua obra Tratado da argumentação a nova retórica103 Durante séculos o papel da argumentação no direito era secundário pois as decisões judiciais não precisavam ser fundamentadas de forma específica Os juízes 101 PEREIRA Eleude Lílian Oliveira BUENO Ademir Moreira Os desafios da comunicação o equilíbrio entre objetividade e prolixidade Revista Organização Sistêmica v 10 n 19 p 5869 2021 102 GERMANO Alexandre Moreira Técnica de redação forense São Paulo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 2005 103 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 40 cujo principal objetivo era buscar o justo muitas vezes confundiam preceitos jurídicos com critérios morais e religiosos dada a falta de clareza nas fontes do direito Nesse contexto o direito limitavase principalmente à atribuição de órgãos para legislar e aplicar a lei sem a necessidade de uma argumentação racional explícita nos julgamentos Assim o estudo da argumentação foi relegado a segundo plano embora valores e subjetividade desempenhassem um papel significativo na aplicação dos elementos persuasivos104 No meio jurídico a argumentação pela palavra é fundamental É por meio dela que se constroem teses ou refutações e se busca a justiça O pensamento argumentativo está sempre presente no discurso forense pois o conflito entre as partes exige uma sustentação lógica que será analisada pelo juiz ao fundamentar sua decisão105 Portanto um texto jurídico bem elaborado e fundamentado em argumentos sólidos tem o poder de convencer o leitor Isso ocorre porque a argumentação é produzida por meio de técnicas discursivas e elementos linguísticos que têm o propósito de persuadir Conforme observado por Tyteca e Perelman106 a argumentação que busca a adesão é uma ação e para alcançar esse objetivo são necessários conhecimento amplo do assunto abordado domínio dos recursos de linguagem compreensão do leitor e seleção cuidadosa dos argumentos a serem utilizados É fundamental manter o foco no destinatário do texto para produzir uma mensagem clara e uma argumentação bem construída A argumentação é compreendida como uma atividade discursiva e social que envolve a defesa de pontos de vista e a consideração de objeções e perspectivas alternativas Seu objetivo principal é aumentar ou reduzir a aceitabilidade dos pontos de vista em questão Quando esses elementos são combinados criase no discurso um processo de negociação que permite lidar com divergências entre diferentes concepções sobre fenômenos do mundo sejam eles físicos ou sociais107 Esse processo de negociação de perspectivas divergentes confere à argumentação um potencial epistêmico tornandoa um recurso fundamental na construção do conhecimento e como argumentado neste artigo no desenvolvimento do pensamento reflexivo Em outras palavras a argumentação não apenas defende pontos de vista mas também promove a troca de ideias e a reflexão sobre diferentes 104 Ibid 105 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 106 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim 2002 op cit 107 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 41 perspectivas contribuindo para uma compreensão mais ampla e profunda dos temas em discussão108 Podese dizer que a argumentação simples evidencia A jurisprudência desempenha um papel fundamental como fonte do Direito representando uma construção contínua de entendimentos pelo Poder Judiciário Sua principal utilidade reside no princípio da equidade pois busca garantir resultados equivalentes para casos que em sua essência sejam semelhantes O uso da jurisprudência muitas vezes se transforma em argumento por analogia quando um julgado específico é utilizado como parâmetro ou paradigma para o resultado desejado em um caso semelhante109 O uso do argumento a simili assim como ocorria com o argumento de autoridade pode seguir regras para aumentar sua eficiência Essas regras antes de buscarem a lógica formal estão preocupadas com a persuasão do discurso buscando um discurso sólido que evite falácias e enganos seguindo um percurso coerente110 A analogia estabelece uma proporção assimétrica entre elementos conhecidos foro e menos conhecidos tema Por conta dessa assimetria o argumento por analogia requer uma série de ideias menores que comprovem a proporção existente em campos diferentes A jurisprudência quando utilizada como argumento pode ser vista por dois prismas diferentes como persuasão ad verecundiam é valioso apresentar vários julgados de tribunais diversos para demonstrar que um julgado tem apoio em posicionamentos de diferentes autoridades No entanto o excesso de julgados raramente contribui para a persuasão O peso da jurisprudência reside na autoridade do órgão prolator sua atualidade e na proximidade entre foro e tema características essas que são intrínsecas ao argumento por analogia111 O objetivo da argumentação é persuadir o destinatário a acreditar em algo ou a agir de determinada maneira Essa concepção é amplamente aceita pois o propósito final do argumentador é influenciar o pensamento ou o comportamento do receptor No contexto jurídico essa persuasão pode se manifestar de várias formas desde convencer um juiz a decidir a favor de uma determinada parte até estimular uma ação específica 108 Ibid 109 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 110 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 111 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 42 por parte do destinatário112 Assim persuasiva é a argumentação que não pretende valer senão para um auditório particular e chamar convincente a que lhe é permitido obter a adesão de todo ser racional 113 No entanto há quem defenda que o objetivo principal da argumentação vai além de simplesmente fazer o destinatário acreditar em algo pois busca também motiválo a agir de acordo com o que foi proposto Isso implica que o argumentador visa não apenas à adesão intelectual do receptor mas também à sua ação prática 114 Por exemplo um advogado pode argumentar em favor de uma determinada tese não apenas para que o juiz acredite nela mas também para que o juiz aja deferindo o pedido relacionado à tese Essa abordagem embora pragmática reconhece a complexidade da relação entre o crer e o fazer destacando que a eficácia da argumentação nem sempre se traduz diretamente em ação No entanto mesmo com essa distinção o objetivo final da argumentação permanece sendo fazer o destinatário acreditar na tese proposta Os meios utilizados para alcançar esse objetivo incluem transmitir a tese de forma clara e persuasiva de modo que o raciocínio do receptor se alinhe com o percurso argumentativo proposto No contexto jurídico isso pode envolver técnicas específicas de persuasão adaptadas às peculiaridades da atividade forense115 No discurso judiciário o fator de persuasão mais eficaz é o raciocínio jurídico que envolve tanto a interpretação da lei quanto a análise das provas apresentadas No entanto esse raciocínio não é unilateral pois a lógica jurídica não é exata e depende dos argumentos para ser expressa Portanto ao apresentar esse raciocínio o argumentador busca realçar os elementos favoráveis à sua posição utilizando técnicas de argumentação para isso116 Dessa forma podese dizer que o objetivo da argumentação é fazer com que o destinatário acredite em uma afirmação e os meios para alcançar esse objetivo 112 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 113 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite DOS SANTOS Celeste Leite Persuasão e Verdade São Paulo Cultural Paulista 1995 P 53 114 Ibid 115 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 116 CITELLI Adilson Linguagem e persuasão São Paulo Ed Ática 2001 RODRÍGUEZ Víctor Gabriel Argumentação jurídica São Paulo WMF Martins 2005 43 envolvem a amplificação dos elementos favoráveis ou seja destacar e valorizar esses aspectos Essa prática de amplificar aspectos favoráveis não é exclusiva do discurso jurídico e é comumente observada em outras áreas ou mesmo em interações cotidianas No entanto no contexto jurídico essas técnicas são mais complexas e elaboradas mas ainda seguem o mesmo princípio destacar os aspectos que reforçam a tese defendida Portanto o advogado que busca persuadir em juízo procura desenvolver um percurso argumentativo eficaz baseado no fortalecimento do raciocínio jurídico válido pois é essa fundamentação que tem maior peso na tomada de decisão judicial e na obtenção de um resultado favorável Assim a essência da lei é ordenar vetar permitir e punir Por isso o texto jurídico deve ser redigido de maneira adequadamente argumentativa para solucionar conflitos e não para provocálos como ocorre quando uma norma ou parte dela é redigida de forma inadequada CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA Não faltam exemplos de como a literatura e o direito se relacionam e como um influencia fortemente o outro Casos mais comuns para os juristas são aqueles que evocam Antigona117 uma vez que a peça é recorrentemente tratada como um exemplo de o direito quase divino de enterrar o seu familiar ou amado morto118 sendo que tal direito não poderia ser subjugado por nenhuma norma decreto dos homens Outro exemplo muito recorrente é o Processo de Frans Kafka119 e o trecho mais citado 117 Neste conto o rei Creonte após uma batalha que levou à morte do irmão de Antígona determina que não poderia ocorrer o sepultamento do morto uma vez que se tratava de um traidor Contudo Antígona incrédula com tamanha barbaridade se contrapõe a ordem do seu soberano Não conheces o decreto de Creonte sobre nossos irmãos A um glorifica a outro cobre de infâmia A Etéocles dizem determinou dar baseado no direito e na lei sepultura digna de quem desce ao mundo dos mortos Mas quanto ao corpo de Polinice infaustamente morto ordenou aos cidadãos comentase que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse abandonado sem lágrimas sem exéquias doce tesouro de aves que o espreitam famintas Sófocles Antígona Traduzido do Grego por Donaldo Schüler Disponível em httpswwwlpmcombrlivrosImagensantigona2010pdf 118Disponível em httpswwwconjurcombr2020jul21mariateresaoliveiraantigonanossosmortos textO20enredo20trata20das20desventurase20integra20a20Trilogia20Tebana 119 KAFKA Franz O Processo Tradução e Posfácio de Modesto Carone 11 ed São Paulo Companhia de Bolso 2005 44 provavelmente é diante da lei A obra será tratada mais adiante mas a influência do autor e suas obras foi tão impactante no meio jurídico que criou o termo kafkiano O termo em uma tradução aproximada remete às relações do Estado e cidadão uma vez que o cidadão não se opõe às imposições estatais e se submete às suas burocracias de forma passiva gerando um sentimento de culpa pela sua estagnação Esse sentimento de estagnação e submissão ao sistema burocrático estatal pode ser traduzido como a forma que Joseph K se viu em sua desventura literária assim sustenta Marco Aurélio Werle120 pareceme que kafkiana não é tanto a situação de opressão do Estado ou das estruturas burocráticas sobre o indivíduo no sentido de que as mesmas sufocariam a liberdade humana e a constituição psíquica do homem de fora para dentro como opressão da superestrutura Kafkiano é antes o modo como hoje os indivíduos procuram intencionalmente mesmo sem terem plena consciência as situações de opressão para poderem se sentir seguros e felizes numa espécie de construção de culpa que é ao mesmo tempo uma transferência da culpa Ou seja atualmente kafkiana é a reivindicação ampla e irrestrita de integração ao sistema feita tanto por indivíduos quanto por determinados grupos Grifos nossos A contradição ocorre pois Joseph K na visão de alguns autores121 não se defende das suas acusações e por isso talvez tivesse esse estigma de culpado sem ao menos saber sobre a sua acusação Há outros exemplos que buscam demonstrar como a literatura interage com o meio jurídico mas o objeto de análise do presente capítulo são as correntes que buscam estudar essas interações e descrever quais são os meios pelos quais essas interações podem ocorrer Logo se a linguagem é o instrumento laboral pelo qual um jurista se manifesta então há importância nas fontes literárias que nos cercam122 120 Digressões sobre o que é kafkiano hoje a partir de O processo Disponível em fileCUsersDellDownloadszeluizDigressoessobreoqueC3A9kafkianopdf 121 MERQUIOR J G Arte e sociedade em Marcuse Adorno e Benjamin Ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p127 122 Pertinente citar a colocação de Paulo Leminski que embora a literatura não seja palatável na atualidade há pouco tempo o meio jurídico reconhecia a sua importância ou no mínimo as fontes literárias Parece que a aproximação entre direito e literatura no passado não se mostrava tão problemática Em textos clássicos da literatura universal é possível identificar temas muito caros ao universo jurídico o que parece demonstrar que o afastamento do selo direito e literatura se dá devido a uma determinada racionalidade jurídica que enclausura o jurídico numa perspectiva de objetividade normativa No entanto não é incomum aos agentes do direito parecendo até mais palatável a aproximação do direito de outras esferas como a economia Direito econômico ou direito e economia e a psicanálise por exemplo Direito literatura e a construção do saber jurídico Paulo Leminski e a crítica do formalismo jurídico Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid496629000967071pdfseque 45 Ainda cabe destacar o patamar que alguns autores atingiram como Kafka em suas obras que geram sentimentos confusos e intrigantes ou a clássica jornada do herói em Ilíada de Homero a busca de um amor em A divina comédia de Dante Alighieri a angústia de Hamlet de William Shakespeare a procura pelo conhecimento em Fausto de Johann Wolfgang von Goethe o incompreensível monstro de Frankenstein de Mary Shelley E quem nunca presenciou as referências atuais e antigas de Admirável mundo novo de Aldous Huxley ou a crítica e distopia de 1984 de George Orwell Todas essas obras e muitas outras chegaram ao patamar de obras conhecidas como clássicas ou cânones pelo menos no nosso meio ocidental tanto para a literatura como para o Direito Porém restam os questionamentos o que é um clássico ou um cânone O que uma obra literária precisa apresentar para ser um cânone E como o meio jurídico interage com essas obras O Clássico e o Cânone Em meio aos estudos para responder a essas questões nos deparamos com algumas obras que em algum momento não foram bemvistas na nossa sociedade moderna123 Algumas delas tiveram até censuras parciais talvez pelo seu conteúdo sensível ou por um receio de propagação de suas ideias Talvez além da notoriedade de sua época para sobreviver às intempéries uma obra para ser considerada um clássico deve possuir um grau de excelência e harmonia relacionada com sua época124 É relevante conceituar um clássico e uma obra CLÁSSICO lat Classicus in Classic fr Classique ai Klassische it Clássico No latim tardio esse adjetivo designava o que é excelente 123 A título de exemplo é possível citar a obra denominada de Mein Kempf que no ano de 2023 teve sua circulação restringida em parte do território nacional através da lei 13493 de 31 de maio de 2023 Disponível em httpswwwcamarapoarsgovbrdracoprocessos137516Lei13493pdf que proibia a sua circulação de distribuição em território nacional Uma justificativa para a censura da determinada obra talvez seja a subversão do leitor e a propagação de preconceitos contra a comunidade semita Mein Kampf tem importância histórica enquanto um documentotestemunho da barbárie que culminou com o assassinato de mais de seis milhões de judeus milhares de ciganos testemunhas de Jeová e outros tantos inimigos do regime Carrega consigo nas linhas e entrelinhas o capital simbólico da intolerância e do genocídio e como tal deve ser analisado e criticado Os argumentos expõem claramente a ideologia racial que moveu o seu autor a adotar o antissemitismo como política do Estado alemão Tanto a obra apócrifa Os Protocolos dos Sábios de Sião como Mein Kampf cumpriram com o seu papel panfletário ao ampliar o medo aos judeus com a acusação aos comunistas que agiam nas sombras e nos becos escuros da sociedade Tais mitos ao serem reabilitados neste século 21 sob o prisma das conspirações mundiais expõem novamente a lógica acusatória cujas raízes remontam ao século 15 com a criação do mito ariano como muito bem demonstrou Leon Poliakov em seus estudos sobre pureza de sangue Jornal da USP Disponível em httpsjornaluspbrarticulistasmarialuizatuccicarneiromeinkampfabibliada ignorancia 124 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 147 46 em sua classe ou o que pertence a uma classe excelente especialmente à classe militar Aulo Gélio Ato Att XIX 815 contrapunha o escritor C ao escritor proletário proletaríus Mas a difusão dessa palavra para designar um modo ou estilo excelente e próprio dos antigos na arte e na vida é devida ao Romantismo que gostava de definirse e entenderse sempre em relação ao classicismo Segundo Hegel o caráter clássico é definido como a união total do conteúdo ideal com a forma sensível O ideal da arte encontra na arte C a sua realização perfeita a forma sensível foi transfigurada subtraída à finitude e inteiramente conformada à infinitude do Conceito isto é do Espírito Autoconsciente E isso acontece porque na arte C Dessas ideias de Hegel repetidas de forma pouco diferente por numerosos escritores do período romântico nasceu o ideal convencional do classicismo como medida equilíbrio serenidade e harmonia os na Revue Internationale de Philosophie 1958 1 n 43 Grifos nossos A palavra cânone125 guarda sua definição em algo ou objeto que é cânon o termo parece remeter a algo que foi selecionado para ser o critério de escolha em alguma área do conhecimento em outras palavras busca definir algo que será idealizado para a definição de critério de regras CÂNON gr ravtòv in Canon fr Canon ai Kanon it Cânone Critério ou regra de escolhas para um campo qualquer de conhecimento ou de ação É provável que esse termo tenha sido introduzido pelo escultor Policleto que deu esse título a uma obra na qual descrevia a simetria do corpo e indicava as regras e as proporções que o escultor deve respeitar 40 A 3 Diels Epicuro chamou de canônica a ciência do critério para ele critério é a sensação no domínio do conhecimento e o prazer no domínio prático DIÓG L X 30 Esse termo foi retomado pelos matemáticos do séc XVIII e Leibniz o emprega para designar as fórmulas gerais que dão o que se pede Mathematische Schriften VIII 217 Observase que a melhor definição do que seria uma obra clássica ou cânone seja o grau de excelência e notoriedade que uma obra atinge e possa ser enquadrada como ideal algo que toda obra dentro de um determinado campo busca atingir Contudo há um autor que merece destaque quando falamos de um cânone literário e sua definição Harold Bloom foi um crítico literário estadunidense conhecido por suas obras e mais notoriamente a sua obra denominada O Cânone Ocidental Nela o autor atribui a característica de cânone às obras que possuem a capacidade de atribuir ou comunicar ao leitor uma sensação de estranheza126 Segundo o autor essa estranheza não pode ser 125 Ibid 126 Nas palavras do próprio autor tentei encarar diretamente a grandeza perguntar o que torna canônicos o autor e as obras A resposta na maioria das vezes provou ser a estranheza um tipo de 47 assimilada e muitas vezes captura o leitor de tal modo que este deixa de ver essa obra como estranha A explicação de Harold Bloom convida o leitor a questionarse como um cânone é formado se a sua criação passa por essa sensação de estranheza uma vez que as palavras clássico e Cânon remetem a excelência ou ideal para um determinado meio Talvez a resposta que melhor se encaixe para essa definição seja a que o cânon ou o clássico atingem essa sensação de estranheza de tal modo que mesmo após a sua publicação ele seja reconhecido como um novo ideal a ser alcançado pelas obras vindouras Em outras palavras essas obras atingem um grau de excelência elevado que ditam o que será o novo ideal a ser alcançado das gerações futuras127 Mesmo após passar por toda essa aprovação um cânone ainda pode não sobreviver às intempéries e às gerações vindouras assim uma obra de grande notoriedade pode ser excluída da lista de leitura de um determinado meio pois não acolhe os preceitos necessários para a sua permanência ou ainda pode ser considerada ofensiva por sua linguagem ou colocações128 Para a proteção e propagação de obras que semeiam gerações futuras talvez devesse existir algum órgão ou o próprio meio acadêmico poderia proteger a integridade dessas obras contudo na obra de Harold Blomm ele traz o apontamento de Sir Frank Kermode em seu Forms of Attention Formas de atenção 1985 129 Os cânones que negam a distinção entre conhecimento e opinião que são instrumentos de sobrevivência feitos para resistir ao tempo não à razão são evidentemente desconstrutiveis se as pessoas acham que não deve haver tais coisas podem muito bem encontrar os meios para destruilas A defesa delas não pode mais ser empreendida por um poder institucional central não podem mais ser compulsórias embora seja difícil ver como a operação normal de instituições cultas incluindo o recrutamento pode passar sem elas Grifos nossos originalidade que ou não pode ser assimilada ou nos assimila de tal modo que deixamos de vêla como estranha 127 Vale destacar que não necessariamente uma obra será aclamada no seu lançamento e trará o reconhecimento para o seu autor na data da sua publicação um ótimo exemplo desse caso é o clássico Moby Dick que em sua estreia não alcançou nem uma fração do sucesso que veio a ser após anos da morte do seu autor Disponível em httpsoperamundiuolcombrhojenahistoriapodcasthojena historia1891morreescritorhermanmelvilleautordemobydicktextHerman20Melville20foi 20o20terceirobancC3A1rio2C20depois20professor20e20fazendeiro Acesso em 10 jan 2024 128 A título de exemplo é possível citar as obras de Monteiro Lobato que sofreram uma repaginada na atualidade Disponível em httpswwwuolcombrecoaultimasnoticias20210129devemoseditaros termosracistasnasobrasdemonteirolobatohtm ou obras norte americanas como O sol é para todos Disponível em httpsbrasilelpaiscombrasil20161205cultura1480966487043756html Acesso em 15 fev 2024 129 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 48 Em sentido oposto possivelmente Sir Frank Kermode aponte que os cânones são evidentemente destruíveis pela vontade das pessoas e nesse sentido não há razão para eleger um órgão governamental ou acadêmico para protegêlo Neste sentido cabe aos próprios leitores ou à própria época reconhecer o cânone e preserválo como tal Estudar Direito e Literatura é realizar um mergulho no mundo das obras literárias e por consequência a eleição das obras influi na analise a ser realizada O clássico e o cânone ocupam um lugar importante nesta configuração entre o direito e a literatura o uso do cânone é o que doa a simetria as regras as proporções como um critério que ajuda a acessar o conhecimento Por fim resguardamos a última pergunta suscitada acima no presente capítulo como o meio jurídico interage com essas obras As interações do meio jurídico podem ser definidas como as correntes clássicas do direito e literatura As correntes interagem com o meio literário e com o meio jurídico de formas diversas para melhor definir e explicar as interações dessas correntes e esses meios é mister compreender quais são os tipos de interações e como elas ocorrem 21 As correntes clássicas Direito e Literatura 211 Direito da Literatura A primeira corrente sobre direito e literatura é conhecida como o direito da literatura e ela busca informar a maneira que a lei e a jurisprudência se deparam com a literatura de uma determinada região Neste ponto o enfoque dessa interação se desdobra muitas vezes sob o prisma do particular e do Estado É possível citar temas como ramos do direito privado tais como direitos autorais e copyright ou direito público como a liberdade de expressão ou as gamas do direito penal como delitos opinativos A título de exemplo temos os tipos penais de calúnia difamação injúria ataques à ordem pública e aos bons costumes etc130 Um exemplo notável aqui na América do Sul é o panteão de livros da renomada artista Marta Minujín Após a ditadura militar da Argentina Marta retorna para o seu país com o intuito de montar um grande panteão como todos os livros que foram censurados durante os anos de opressão no seu país O monumento foi concebido como uma intervenção temporária e por isso no dia 24 de dezembro de 1983 a 130 TORRES Oscar Enrique Derecho e Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum México 2017 p 2728 49 estrutura foi desfeita permitindo ao público remover os livros Por volta de 12000 volumes foram distribuídos entre os presentes que faziam parte do público enquanto aproximadamente 8 mil foram doados às bibliotecas públicas Nas palavras de Minujín o ato refletia a ação de retornar o trabalho ao público131 No caso narrado acima é possível observar que a ordem posta na argentina da época da ditadura limitava em muito o acesso dos argentinos aos livros Um exemplo claro de como o direito pode limitar e moldar a produção literatura e o acesso às obras literárias de um determinado país é por meio do direito da literatura daquele país Para melhor destacar apontamse o artigo 32 da Constituição da argentina132 o inciso IX do artigo 5º da Constituição brasileira e o artigo 10 do Convênio Europeu para proteção dos direitos humanos Artigo 32 El Congreso federal no dictará leyes que restrinjan la libertad de imprenta o establezcan sobre ella la jurisdicción federal133 Artigo 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Artigo 10 Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito inclui a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias sem interferência das autoridades públicas e sem considerar fronteiras Ainda nesse sentido é possível observar a legislação que um país exerce sobre o tema literatura ou como a literatura se desenvolve em cada país em razão das possibilidades admitidas ou não admitidas pelo direito como é o caso da censura134 Em outras palavras a censura apesar de limitar a liberdade criativa de determinados autores pode ser um exemplo para demonstrar como o direito e a literatura interagem em determinados países na perspectiva do direito da literatura 131 Segunda a notícia a obra da artista continha autores clássicos da literatura argentina e mundial Disponível em httpswwwufrgsbrarteversaoslivrosproibidosdemartaminujin Acesso em 07 jan 2024 132 Ainda o decreto 127997 declara compreendido na garantia constitucional que ampara a liberdade de expressão ao serviço de Internet Vide site oficial httpswwwargentinagobarnormativanacionaldecreto1279199747583texto Acesso em 07 jan 2024 133 O Congresso federal não ditará leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou estabeleçam jurisdição federal sobre ela tradução livre 134 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez Moreno El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 p 0809 50 Dentro da interdição via lei da liberdade de expressão e criativa o direito da literatura que pode ser entendido como a regulamentação da expressão literária possui diversos exemplos que podem ser observados Podese citar a proibiçãocensura em diversos países do livro Suicídio manual de uso publicado em 01 de janeiro de 1991 Não há necessidade de o livro ser lido até o final para que um leitor minimamente diligente consiga imaginar o seu conteúdo e por se tratar de um tema sensível e polêmico em vários países como na Espanha os autores iniciam os prólogos do livro questionando a sua vasta censura na França e em diversos outros países135 A controvérsia do tema não é objeto de estudo mas a censura e a vasta repercussão do livro são exemplos do que definimos como direito da literatura Como podemos observar o referido livro pela sua mera existência pode ser enquadrado como passível de censura uma vez que o tema é um verdadeiro tabu em diversas sociedades136 Isto porque o suicídio não é visto como uma questão individual Segundo a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ENSP a questão não é apenas sobre saúde individual137 uma vez que o suicídio é abordado e tratado como uma questão de múltiplos fatores tais como famílias religião saúde pública sendo considerado uma questão sensível para a atualidade O direito da literatura também pode tratar de questões de direitos autorais de um determinado país ou do uso de Copyright Assim podemos observar a relação entre um autor e a sua obra pela interação que a legislação permite ou pela liberdade e 135 O autor abre a contracapa do livro com uma justificativa para a existência do livro e ainda enfatiza que ele foi censurado na França Un manual de suicidio por qué Porque creemos que la automuerte es un derecho y un derecho no es nada sin los medios para ejercerlo La justicia francesa no comparte la reflexión de los autores de Suicidio manual de uso El libro que tiene en las manos actualmente está prohibido en Francia No obstante sus adversarios habrán necesitado ocho años para conseguir su objetivo hacer desaparecer el libro Seguramente soñaban con una desaparición más ruidosa con un inquisitorial auto de fe pero ha sido una muerte discreta de la que puede afectar a un libro difundido en Francia en más de 105000 ejemplares Desde 1982 se han sucedido en Francia las persecuciones judiciales contra los autores de Suicidio Manual de uso convertidos en delincuentes comunes hasta que en diciembre de 1987 el libro era virtualmente prohibido por la introducción en el código penal francés de un artículo que reprimía la colaboración en el suicidio GUILON Claude LE BONNJEC Yves Suicidio Manual de uso 1 ed sl Ediciones de la Tempestad 1991 136 Um exemplo de como esse tema é sensível para a atualidade é o processo milionário que a Netflix respondeu no ano de 2020 por retratar uma cena do ato nas telas na série denominada 13 reasons why Disponível em httpswwwcnnbrasilcombrentretenimentoprocessocontraanetflixporcenasde suicidioem13reasonswhyearquivado 137 Vide colocação da própria universidade httpsinformeenspfiocruzbrnoticias47219 51 proteção dessa interação138 A proteção de direitos autorais também influencia no processo criativo na circulação de obras literários e na sua questão financeira 212 Direito como literatura O direito como literatura compreende os métodos e aplicações da crítica literária com a literatura ou seja pode ser interpretado como uma abordagem ao discurso jurídico por intermédio de análises e críticas literárias Nos Estados Unidos esse método de estudo é o mais comum e há material mais farto de como alguns juristas fazem essa interação A interação obedece em alguns casos métodos de interpretação de lei associado com a similaridade com os textos literários e em outros casos na aplicação e na análise de textos jurídicos com algum recurso literário139 Em Martha Nussbaum Justicia poética y a James Boyd White The Legal Imagination um juiz pode ser capaz de dar voz ao sem voz e tirar o sujeito do anonimato e dos discursos redutores O jurista está na posição de um artista da linguagem segundo James Boyd White o jurista está consciente do caráter construtivo e fictício das interpretações O direito e a literatura são dois imaginários sociais que se reforçam mas se opõem também140 Essa intersecção pode ser alcançada na perspectiva de um jurista que através de sua peça processual seja ela um advogado com uma exordial um promotor com uma denúncia ou mesmo um juiz determinado com uma sentença que buscam pelo uso da palavra trazer do anonimato vozes daqueles que não podem ser ouvidos em uma sentença ou nessa peça processual É o caso muitas vezes das vítimas que são invisibilizadas no processo que tem uma formação dicotômica autor da ação e réu A título de exemplo é cabível observar como uma interpretação mais literária poderia influenciar na perspectiva e na aplicação de uma norma jurídica O princípio DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS em uma tradução livre pode ser interpretado 138 Vale destacar a lei 9610 de 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9610htmtextL9610textLEI20NC2BA 2096102C20DE201920DE20FEVEREIRO20DE201998textAltera2C20atualiza 20e20consolida20aautorais20e20dC3A120outras20providC3AAnciastextArt 201C2BA20Esta20Lei20regulaos20que20lhes20sC3A3o20conexos Acesso em 10 fev 2024 139 OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 48 140TORRES Oscar Enrique Derecho literatura El derecho en la literatura Ciudad de México Editorial Libitum 2017 P 29 52 como DÁME O FATO QUE TE DAREI O DIREITO141 O princípio determina que o juiz mediante a provocação de uma das partes pode decidir sobre a matéria no processo com os fatos que se abstraem do caso concreto O que pode fazer com que o magistrado decida em uma interpretação mais abrangente em relação aos pontos debatidos durante o processo Por um lado tal princípio atribui maior celeridade ao processo pois o juiz tem maiores meios para decidir sobre um determinado caso Mas o art 10 da lei 13105 de março de 2015 Código de Processo Civil determina142 Art 10 O juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício Mesmo com a interpretação e a aplicação do princípio anterior o art 10 do CPC é contundente em estabelecer que o contraditório e a ampla defesa das partes devem prevalecer Por esse motivo mesmo com um princípio fundamentando a decisão de um determinado magistrado hipotético se analisarmos um caso que o art 10 do CPC entra em um aparente conflito com o princípio supramencionado provavelmente o citado artigo deve prevalecer uma vez que a interpretação no caso concreto com base no referido princípio não será antecipada pelo magistrado e o artigo 10 do CPC de 2015 busca vedar decisões surpresas143 É nítido que o novo CPC tem a clara intenção de dar essa perspectiva mais ampla para as manifestações entre as partes O direito como literatura ou a aplicação mais crítica do direito se insere mais na chamada integridade de Ronald Dworkin Esse tipo de análise será matéria mais objetiva em capítulos futuros principalmente quando for abordada a análise de Ronald Dworkin e sua abordagem de direito como integridade144 Por ora ainda dentro desse tópico passamos a análise da próxima intersecção entre o direito e a literatura 213 Literatura como direito 141 Vide o Supremo Tribunal Federal Disponível em httpsportalstfjusbrjurisprudenciatesauropesquisaasppesquisaLivreDA20MIHI20FACTUM 20DABO20TIBI20JUS Acesso em 07 mar 2024 142 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201520182015leil13105htm Acesso em 05 abr 2024 143 Princípio da vedação da decisão surpresa Disponível em httpswwwtjdftjusbrconsultasjurisprudenciajurisprudenciaemtemasnovocodigodeprocesso civilprincipiodavedacaoadecisaosurpresa Acesso em 16 mar 2024 144 DWORKIN Ronald O império do direito Tradução Jefferson Luiz Camargo Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios São Paulo Martins Fontes 2007 53 Ainda sobre o tema é cabível mencionar a literatura como direito que vem a ser um meio de interpretar ou aplicar no meio literário um caso evidentemente jurídico ou evocar para o meio literário interpretações que buscam moldes em outras obras Como se aos moldes de uma jurisprudência ou precedente uma obra buscasse em outra obra uma certa validação145 Como exemplo do presente tópico podemos observar o programa DIREITO LITERATURA146 Esse programa é uma atração televisiva apresentada por Lenio Luiz Streck e foi originalmente criado pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica IHJ O programa é produzido e coordenado por André Karam Trindade sendo transmitido pela TV Unisinos e pela TV Justiça e divulgado semanalmente Tradicionalmente apresentamse debates entre professores de diferentes áreas do conhecimento ou seja se trata de um programa com foco multidisciplinar segundo a descrição o programa possui o objetivo de difundir no Brasil o estudo das interfaces entre Direito e Literatura bem como de desenvolver um novo modo de pensar o direito 147 O que se destaca do programa são os fenômenos sociais que adentram no interior das culturas jurídica e literária Nos episódios os apresentadores por muitas vezes trazem temas claramente literários e tentam aproximálos ao direito através do instrumento de análise crítico Nas palavras dos seus idealizadores trazer ao conhecimento do público obras que marcaram gerações levantando questões e proporcionando debates sobre temas da atualidade presentes nos textos literários148 A próxima corrente de intersecção entre direito e literatura talvez seja a mais difundida no meio jurídico para além de uma análise de uma obra sob o prisma literário 145TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 31 146 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 147 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 148 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 54 direito como literatura ou observar os limites jurídicos que o direito impõe à literatura direito da literatura Assim a seguir serão abordadas questões mais amplas e como a literatura pode contribuir de maneira mais direta para o meio jurídico 214 Direito na Literatura O Direito na literatura pode ser entendido como a corrente mais difundida quando abordamos a intersecção entre direito e literatura uma vez que essa corrente é a que possui uma vasta gama de meios de interação os dois fenômenos sociais Em suma o direito na literatura se aprofunda nos meios pelos quais a literatura pode contribuir para a elucidação de questões importantes do direito tais como a Justiça e Poder149 Essa abordagem também pode acontecer quando ocorrem intersecções entre elas e outras áreas que percorrem o imaginário social No direito na literatura um universo de narrativas e prescrições de antigas ou novas civilizações fictícias ou reais percorre o meio jurídico150 E a esse caminho é mister salientar a obra Contar a lei As fontes do imaginário Jurídico de François Ost que explica que as narrativas e as imaginações dos literários não se opõem à argumentação racional jurídica mas complementam para melhor elucidação sobre o tema151 Neste sentido a literatura juntamente com esse imaginário coletivo não se coloca em posição adversa das questões argumentativas jurídicas e suas formalidades pelo contrário busca uma nova ótica ou trazer luz àquilo que não era tão claro para o jurista O direito na literatura encontra sua definição ainda segundo José Calvo152 como meio empregado para abordar temas jurídicos Ou seja quando um autor literário se utiliza de temas latentes dentro da sua obra literária para abordar temas jurídicos Um exemplo desse tipo de aplicação são autores como Dostoievsky sendo tratados para abordar temas já presentes no meio jurídico dado que essa interpretação auxilia no imaginário criativo do leitor para se tornar um melhor operador do meio jurídico153 149SANTOS M C C L dos ARAUJO M 2023 Dialogando com François Ost iurisfictio Revista Internacional Consinter de Direito v 9 n 16 2021 httpsdoiorg1019135revistaconsinter0001602 150 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 3031 151 NUSSBAUM Martha Justicia Poética la imaginación literaria y la vida pública Editorial Andrés Bell 1997 p 25 152 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 89 153 Vide os estudos norteamericanos apontados pelo professor OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 4950 55 Alguns estudos já apontaram como o meio jurídico se desenvolve ou desabrocha com a exploração e discussão de fontes sociais culturais e literárias mais fartas Não por acaso o edital da magistratura do Tribunal Federal da 4ª Região datado de 2016 na sua segunda parte Anexo II traz conteúdos que não estão dentro desse formalismo jurídico técnico e mais próximos do campo social e até mesmo de como a figura do magistrado se insere dentro da sociedade sob uma ótica política e social154 ANEXO II NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA A SOCIOLOGIA DO DIREITO 3 Direito Comunicação Social e opinião pública 4 Conflitos sociais e mecanismos de resolução Sistemas não judiciais de composição de litígios B PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 1 Psicologia e comunicação relacionamento interpessoal relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia D FILOSOFIA DO DIREITO 1 O conceito de justiça Sentido lato de Justiça como valor universal Sentido estrito de Justiça como valor jurídicopolítico Divergências sobre o conteúdo do conceito 4 O conceito de Política Política e Direito 5 Ideologias 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU Grifos nossos A aplicação desses conceitos jurídicos tais como termos que advêm da literatura ou conceitos que são fortemente abordados e discutidos dentro de fontes literárias e trazidos para o meio jurídico podem ser entendidos como essa intersecção abordada pelo autor José Calvo contudo o ponto que se extrai de maneira mais veemente é o papel que a literatura exerce sobre a figura dos operadores do direito que segundo o próprio autor necessitam de fortes fontes literárias para cultivar um bom raciocínio jurídico155 e não se tornar uma mera máquina operacional Vale destacar que o autor aborda não só o direito enquanto discurso literário mas também a literatura enquanto recurso jurídico quando o meio jurídico intervém no imaginário literário156 El Derecho en la Literatura plantea una intersección de carácter instrumental en recorrido de sentido doble el Derecho en cuanto recurso literario y también la Literatura en cuanto recurso jurídico En ambos sentidos el carácter instrumental de la intersección revierte en utilidades varias El Derecho en cuanto recurso literario es decir la 154 Vide o edital para se tornar um juiz substituto 1ª posto em que um magistrado inicia a sua carreira dentro da magistratura Disponível em httpsdhg1h5j42swfqcloudfrontnet20200723121204rlpseieditaldeabarturapdf 155 Uma vez que o próprio autor começa a sua obra apontando as limitações de um operador do direito que não possui um forte arcabouço literário A lawyer without history or literature is a mechanic a mere working mason if he possesses some knowledge of these he may venture to call himself an architect Sir Walter Scott 17711832 Guy Mannering or the Astrologer 1815 Chap Xxxvii GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 Grifos nossos 156 Ibid p 313 56 presencia de lo jurídico en el contexto de la ficción literaria contribuye a la formación de los juristas a través del entendimiento sociológico y iusfilosófico de las concepciones de la justicia por ej ordalías talión y venganza justicia retributivaprincipio de conciliación 7 y del Derecho por ej derecho naturalderecho positivo157 Grifos nossos A maior contribuição que essa abordagem nos oferece é observar o direito não apenas como uma estética literária mas como pode oferecer ao jurista uma ética para alcançar talvez caminhos mais sensíveis e menos diretos para esses operadores É muito comum para uma pessoa que busca o socorro do judiciário procurar o auxílio de um advogado para que o seu pleito seja escutado não apenas que a lide da sua demanda seja solucionada mas muitas vezes a pessoa busca ser escutada e acolhida pelo meio jurídico para que o seu pleito seja ouvido e depois solucionado A literatura não contribui somente para fomentar a estética do pleito dessa pessoa com palavras rebuscadas ou uma prolixidade formalística muito comum do meio jurídico mas também permite que a manifestação de quem a conhece e a utiliza seja ouvida por meios mais diferentes daqueles que detêm poder para exercer uma decisão O que o próprio autor sustenta é o poder de empatia ética que é a direção mais humanística para o direito158 La inmersión jurídica en las fuentes literarias y viceversa actúa con poder de empatía power of empathy ética En esta dirección humanista se expresa Nussbaum al opinar que la imaginación literaria vale para guiar a los jueces en sus juicios a los legisladores en su labor legislativa y a los políticos cuando midan la calidad de vida de gentes cercanas y lejanas Grifos nossos159 Possivelmente essa seja a maior contribuição da literatura para os anos vindouros uma vez que a empatia ainda não é tratada dessa forma como meio e fim em si mesma por grandes corporações ou sistemas de decisões A realidade de inteligências 157 O Direito na Literatura coloca uma intersecção de natureza instrumental num caminho de mão dupla o Direito como recurso literário e também a Literatura como recurso jurídico Em ambos os sentidos a natureza instrumental da intersecção resulta em diversas utilidades O direito como recurso literário ou seja a presença do jurídico no contexto da ficção literária contribui para a formação de juristas através da compreensão sociológica e jurídicofilosófica das concepções de justiça eg provações retaliação e vingança retribuição justiçaprincípio da conciliação e direito por exemplo direito naturaldireito positivo 158 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 316 159 A imersão jurídica nas fontes literárias e viceversa atua com poder ético de empatia Nussbaum se expressa nessa direção humanista ao acreditar que a imaginação literária é útil para orientar os juízes em seus julgamentos os legisladores em seu trabalho legislativo e os políticos quando medem a qualidade de vida das pessoas próximas e distantes 57 artificiais e meios logarítmicos que possuem por objetivo simular o raciocínio humano serão matérias dos capítulos futuros Contudo resta claro que os sistemas de inteligência artificial não têm o objetivo final de sentir emoções ou trabalhar a empatia160 Por mais que esses conceitos literários estejam sendo utilizados para a estética e gestão de pessoas no meio jurídico161 o operador do direito sempre pode utilizar esses meios literários para contribuir com o pedido ou com a decisão de uma demanda social a título de exemplo através de uma petição ou através de uma sentença por parte de um magistrado Por mais que existem diversas definições sobre o direito na literatura elenca se para a melhor abordagem e continuidade do presente estudo a definição de François Ost uma vez que a sua definição do direito na literatura se aproxima muito do próximo tema Iurisfictio François Ost afirma que a análise do texto que aborda a Iurisfictio pode perfeitamente se encaixar em uma análise da intersecção do direito na literatura162 Ainda nesse tema é possível fazer a análise de outros tipos de obras que apelam para o imaginário fictício da literatura tais como distopias ou utopias e buscam uma fuga criativa Neste sentido cabe salientar o aparecimento de séries e documentários que buscam uma reflexão ou até campanhas publicitárias de caráter governamental que procuram diretrizes não apenas através de normas mas com ideias criativas163 É nítida a participação do meio jurídico não somente através de normas postas ou estudos formais sobre temas que afetam o coletivo por exemplo temas de 160 Empatia pode ser entendida como meio de se colocar emotivamente na posição de outrem EMPATIA in Empathy fr Empathie ai Einfühlung it Empatia União ou Fusão emotiva com outros seres ou objetos considerados animados O termo alemão encontrase em Herder Vom Erkennenn und Empfinden Werke ed Suphan VIII p 165 ocorreria mediante um ato de imitação e de projeção A reprodução das manifestações corpóreas alheias devida ao instinto de imitação reproduziria em nós mesmos as emoções que costumam acompanhálas colocandonos assim no estado emotivo da pessoa a quem essas manifestações pertencem É justamente essa projeção em outro ser de um estado emotivo despertado em nós pela reprodução imitativa da expressão corpórea dos outros p ex quadro somático do medo ou do ódio etc que seria o modo de comunicação entre as pessoas ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 325 161 É possível observar esse fenômeno pela própria definição do tribunal de Santa Catarina que define a importância da empatia nos meios de desenvolvimento entre pessoas além de ressaltar essa qualidade na gestão entre indivíduos Disponível em httpswwwtjscjusbrwebservidordicasdegestaoassetpublisherVzr9I2D1M5Lhcontenta importanciadaempatianagestaodepessoas 162 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 10 163 No final de 2022 o governo da Espanha lançou uma campanha chamada Basta de Distopias com o intuito de que sua população imaginasse e tentasse criar um futuro melhor um exemplo de uma tentativa do Estado de construir uma realidade diferente apelando para o imaginário criativo da sua população Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvoqvPQU7sAt1s Acesso em 15 abr 2024 58 saúde pública ou políticas governamentais164 Esses são casos em que o poder público apela para o imaginário coletivo através de anúncios músicas e outros meios para direcionar ou comunicar algo 215 Direito pela literatura No tema Direito e Literatura é cabível vislumbrar mais uma interseção denominada direito pela literatura ou através da literatura Segundo François Ost o direito pela literatura ocorre quando um autor jurídico destaca uma tese jurídica buscando recursos literários para tentar sustentála pois os recursos meramente jurídicos não conseguem contemplála Um exemplo desse tipo de intersecção direito pela literatura é o autor Victor Hugo que enquanto fazia parte da casa legislativa do seu próprio país criou uma obra literária para defender a tese contra a pena de morte Victor Hugo sempre promovia suas ideias jurídicas e políticas através da literatura como foi o caso da publicação Histoire dun crime O autor escreveu o livro em meados da dissolução do senado da época e denunciou o golpe dado pelo sobrinho de Napoleão165 Além dos meios literários e políticos Victor Hugo sustenta uma clara tese jurídica da proibição da pena de morte no caso narrado mas se utiliza da literatura para sustentar a sua argumentação Esse caso pode ser entendido como um exemplo de quando a arte e a literatura passam a ser os únicos meios jurídicos cabíveis para sustentar uma argumentação 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim 164 É possível observar em campanhas governamentais que utilizam desse imaginário coletivo ou até mesmo de seres ficcionais para estabelecer uma campanha a título de exemplo podemos citar a O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência PROERD que é originário do programa norteamericano Drug Abuse Resistance Education DARE criado em meados de 1983 Em 2013 houve uma campanha no Rio Grande do Sul e resultou no Currículo PROERD Caindo na REAL para 5º e 7º anos do Ensino Fundamental das escolas essa campanha mantém o compromisso de fornecer instrução de ponta capaz de prevenir o uso de drogas por meio do desenvolvimento das habilidades básicas necessárias para que escolhas seguras e responsáveis sejam feitas por parte da juventude Segundo a própria campanha Essas habilidades vão além da questão das drogas pois possibilitam escolhas saudáveis e madura em todos os aspectos da vida do jovem cidadão Vide site oficial da brigada militar do Rio Grande do Sul httpswwwbrigadamilitarrsgovbrproerdtextNa20tarde20do 20dia2030autoria20do20Maj20Giovany20Bortolini Acesso em 10 jan 2024 165 FREITAS Maria Teresa Literatura e história O Exemplo de Victor Hugo Língua e Literatura n 15 p 119135 1986 p 134 Disponível em httpsrevistasuspbrlinguaeliteraturaarticleview113987 Acesso em 20 fev 2024 59 221 Uma breve definição do termo JURISFICTIO ou IURISFICTIO é a expressão latina para se referirse à iurisficción ela pode ser entendida como um processo criativo que combina o estilo literário de um jurista acompanhado necessariamente de uma reflexão sobre a justiça o direito ou uma determinada tese sobre um problema jurídico166 Para melhor elucidar a definição de Iurisfictio é importante salientar que o termo pretende primeiramente enriquecer o meio jurídico por intermédio de um imaginário que reconhece ou codifica a realidade e ao mesmo tempo libera os possíveis É mister salientar que a Iurisfictio demonstra clara diferença das demais aproximações narrativistas167 da jurisprudência que por sua vez difere dos fatos jurídicos A Iurisfictio se baseia no campo literário o que François Ost atribui como sendo uma utopia criadora168 ou seja se trata de uma criação no campo literário que posteriormente vai levar a uma reflexão no meio jurídico A Iurisfictio se demonstra estar disponível para qualquer campo jurídico que pretenda demonstrar uma nova perspectiva sobre algum tema Não obstante ainda atribui ao advogado ao juiz ou jurista a capacidade de ter uma nova perspectiva sobre aspectos jurídicos analisados por meios de contos novelas teatros poesias e peças literárias169 A relação entre o direito e a literatura não é nova e nem traz consigo grandes mudanças do ponto de vista de grandes alterações no ordenamento jurídico porém a Iurisfictio apresenta uma nova perspectiva no campo jurídico uma vez que pode gerar uma aproximação com um certo imaginário utópico trazido por François Ost ou mesmo alegórico 166 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 17 167 Ao contrário dos franceses os narrativistas norteamericanos encararam a narrativa não como um obstáculo mas como substituto à cientificidade da história Podemos dizer que o narrativismo nasce em oposição à filosofia analítica que queria impor à história as leis gerais das ciências naturais que propunham uma unidade científica Como afirma Paul Ricoeur os narrativistas buscam o caráter configurante da narrativa e não apenas o episódico como os historiadores SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 168 OST François Ditesmoi ce que vous lisez In Koen LEMMENS Koen Org Droit et Littérature Limal Anthemis 2007 p 1329 169 Prólogo de TORRES Oscar Enrique OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 60 O termo alegórico pode ser utilizado nesse sentido pois a palavra alegoria de acordo com o dicionário170 possui diversas definições podendo ser considerada modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos ideias qualidades sob forma figurada Na perspectiva filosófica alegoria pode ser considerada Método de interpretação aplicado aos pensadores gregos Alegoria Texto filosófico escrito de maneira simbólica com o intuito de apresentar topologicamente ideias e concepções intelectuais Grifos nossos Por fim na perspectiva literária a definição encontra resguardo como uma cadeia de metáforas sequência logicamente ordenada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enunciadas171 A metáfora172 por sua vez advém do grego e traz a ideia de mudança ou transposição173 Em suma a alegoria do ponto de vista literário pode ser entendida como uma sequência lógica encadeada por intermédio de metáforas Assim possibilita de maneira análoga apresentar a perspectiva que o Iurisfictio representa para o direito uma sequência lógica encadeada por diversas metáforas literárias Fílon174 contrapõe o sentido alegórico ao sentido literal de determinada coisa ALEGORIA gr àXkrxyopia lat Allegoria in Allegory fr Allégorie ai Allegorie it Allegoria A primeira aplicação importante do método alegórico é o comentário ao Gêneses de Fílon de Alexandria séc I Fílon não hesita em contrapor o sentido alegórico ao sentido literal e em qualificar de tolo eür0rc este último Para demonstrar a contraposição entre o sentido literal e o alegórico Fílon explica 170 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 171 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 172 Ibid p 1281 173 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 667 METÁFORA gr uexaepopá in Metaphor fr Métaphore ai Metapher it Metáfora Transferência de significado Aristóteles diz A M consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa transferência que pode realizarse do gênero para a espécie da espécie para o gênero de uma espécie para outra ou com base numa analogia Poet 21 1457 b 7 A noção de M algumas vezes foi empregada para determinar a natureza da linguagem em geral v LINGUAGEM Como instrumento linguístico hoje sua definição não é diferente da definição de Aristóteles Disponível em httpsmarcosfabionuvafileswordpresscom201204nicolaabbagnanodicionariodefilosofiapdf Acesso em 10 abr 2024 174 Fílon de Alexandria ABBAGNANO Nicola 2007 op cit p 23 61 E Deus acabou no sétimo dia as obras que Ele criou Gên II 2 É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu em seis dias ou em geral no tempo Por quê Porque todo tempo é um conjunto de dias e de noites necessariamente produzidos pelo movimento do sol que vai para cima e para baixo da terra mas o sol é uma parte do céu de tal modo que se conclui que o tempo é mais recente do que o mundo Grifo nosso Resta clara a contraposição feita por Filon pois por mais que se fale de uma metáfora realizada para demonstrar a criação do mundo como pode ser verificada em Gênesis a lógica dessa criação só pode ser entendida por meio de uma alegoria uma vez que o nosso entendimento de tempo ou de dias é mais recente que a criação do mundo Sob essa ótica de Filon podemos concluir que a alegoria só pode ser atingida através de uma perspectiva literária Logo se encadearmos essa alegoria dentro do direito é possível questionar Onde podemos observar a Iurisfictio na filosofia do direito Para responder à questão levantada é importante entender como a Iurisfictio se insere dentro da filosofia do direito A Iurisfictio não pode ser chamada do que é conhecido como ficção jurídica uma vez que a ficção jurídica é criada pelo direito e está profundamente relacionada ao progresso do ordenamento jurídico175 A ficção jurídica não está vinculada à realidade objetiva realidade fática que será tratada no próximo capítulo ou seja ela guarda profunda relação com os conceitos abstratos não podendo tais conceitos ser definidos como uno para todos Deste modo a ficção jurídica constitui um expediente técnico No direito não faltam exemplos desses conceitos técnicos jurídicos de caráter dogmático que não guardam laços com a realidade objetiva Assim podemos observar a boafé quando falamos de contratos artigo 420 do Código Civil brasileiro ou a moralidade no direito administrativo artigo 37 da Constituição brasileira mas seria totalmente ficcional propor uma unicidade para tais conceitos Ademais a ficção jurídica assume apenas que a norma dentro do ordenamento jurídico é válida Uma norma não é necessariamente um enunciado sobre a realidade posta portanto Não tem como ser verdadeira ou falsa Uma norma é válida ou não válida O fundamento para a validade de uma norma não é como o teste de veracidade de um enunciado do 175 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 p 20 62 ser a sua conformidade à realidade Como já dissemos uma norma não é válida por ser eficaz176 A Iurisfictio se encontra dentro do que podemos considerar uma intersecção entre o direito e a literatura e ocupa um espaço que difere das intersecções clássicas direito da literatura direito como literatura e direito na literatura A Iurisfictio pode ser observada mais próxima do direito na literatura uma vez que promove análises críticas ao meio jurídico por meio de obras literárias cujos autores são juristas 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito A geometria do Jardim foi criada por Jose Calvo para descrever uma metáfora que talvez explique onde dentro da filosofia está a literatura O autor inicia o texto com uma metáfora para descrever as avenidas da filosofia177 como essas vias funcionam por 176 KELSEN Hans Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 2009 p 161162 177GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 34 un parque temático Tiene esta locución un perfil de especialidad que en mi caso se contrae al índice de materias y problemas propios de la disciplina Filosofía del Derecho Si desarrolláramos esa imagen podría decirse también que como en cualquier parque que se precie allí habrá largas avenidas arboladas profundas y umbrías alamedas y asimismo soleados paseos de florecidas rosaledas extensos prados en verdores tornadizos y también parajes apartados que ha mucho no se transitan Y en él hay por supuesto un jardín No es de recreo sino botánico esto es un terreno cercado donde habiendo permanecido al abrigo del inclemente invierno adelantan para el estudio brotes de alguna especie difícil singular o nueva Sería de proponer que alguien dedicara una reflexión algo más acrecentada que esta mi a sólo germinal a la semejanza del oficio de la investigación científica con arte del cuido y cultivo de jardines siquiera por razón de los afanes y desvelos así como del placer y goce estético que de ambas aplicaciones resulta me parece haber arreglado con sementeras y planteles y por medio de esquejes yemas de injerto y otras técnicas y procedimientos donde la curiosidad instructiva siempre fue compañera de la experimentación intelectual Es el fértil jardín de la Teoría literaria del Derecho Pero nada diré sin embargo acerca de su flora o variedad de frutos sino de las diversas veredas que en él formaron los pasos recorridos Cuanto aquí exponga se ceñirá únicamente a la geometría del jardín tejida toda ella de intersecciones Así pues no es aquél un jardín senderos que se bifurcan como en la borgeana trama del alternativo destino que diseñan varios porvenires sino atravesado por sendas y caminos que se entrelazan intercessões instrumentais estruturais e institucionais Granada Espanha 2008 p 34 um parque temático Esta frase tem um perfil de especialidade que no meu caso está contratado ao índice de assuntos e problemas específicos da disciplina Filosofia do Direito Se desenvolvêssemos essa imagem poderíamos também dizer que como em qualquer parque que se preze haverá longas avenidas arborizadas avenidas profundas e sombreadas e também passeios ensolarados de jardins de rosas floridos extensos prados em verdes mutáveis e também lugares isolados que não transitam há muito tempo E nele tem claro um jardim Não é recreativo mas botânico isto é uma área cercada onde tendo permanecido abrigados do inverno rigoroso são avançados para estudo brotos de algumas espécies difíceis únicas ou novas Seria sugerido que alguém dedicasse uma reflexão mais aprofundada do que esta minha à apenas germinal a semelhança da profissão de investigação científica com a arte de cuidar e cultivar jardins mesmo por causa dos esforços e cuidados bem como o prazer e o prazer estético que resulta de ambas as aplicações Parece que consegui com canteiros e mudas e por meio de estacas enxertia de botões e outras técnicas e procedimentos onde a curiosidade instrutiva sempre foi companheira da experimentação intelectual É o jardim fértil da Teoria Literária do Direito Mas nada direi porém sobre a sua flora ou variedade de frutos mas sim sobre os vários caminhos que formaram os passos nela percorridos O que aqui se expõe estará limitado apenas à geometria do jardim todo ele tecido 63 intersecções dentre as ciências e os meios pelos quais as ciências se desenvolvem Esse parque temático proposto por José Calvo pode ser entendido como um lugar de espaças passarelas ambientes plumados encantados pelos quais os juristas transitam Neste parque temático existe um Jardim não recreativo mas sim um jardim botânico No parque florescem os mais variados tipos de plantas semeadas por anos pelos mais variados tipos de investigações científicas Esse é o fértil terreno onde surge o jardim advindo do labor de inúmeras indagações perguntas respostas e imaginações É nesse terreno fértil que está o imaginário criativo que é possível abordar a literatura como um jardim conhecido por todas as demais ciências uma vez que as passarelas desse jardim percorrem todas os demais campos das ciências A literatura é a fonte do imaginário da qual as ciências jurídicas e as passarelas filosóficas irão tanger de alguma forma seja em áreas mais óbvias como é o caso do direito penal a exemplo de Crime e castigo de Dostoievski ou áreas que não são tão latentes para as paixões humanas como o direito tributário 178 A literatura na hipótese do jardim apresentada por José Calvo pode ser traduzida como um meio pelo qual todas as ciências jurídicas encontram alguma intersecção para que possam florescer CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO de intersecções Assim não se trata de um jardim com caminhos que se bifurcam como na trama borgesiana do destino alternativo desenhado por vários futuros mas atravessado por caminhos e caminhos que se entrelaçam 178 Ribeiro Moacyr Petrocelli de Ávila O princípio do pecunia non olet e seus reflexos no direito penal JECRIM 2012 No direito tributário existe um princípio muito conhecido que teve sua origem com um conto Supostamente o Imperador Vespasiano pediu que seu filho buscasse um pouco do dinheiro arrecadado e já com o dinheiro nas mãos determinou que seu filho o aproximasse e cheirasse Feito isso o Imperador proferiu a célebre frase Está vendo filho não tem cheiro Daí non olet Disponível em httpswwwibccrimorgbrnoticiasexibir5486textNessa20ocasiC3A3o2C20o 20Imperador20VespasianoE2809CnC3A3o20cheiraE2809D Acesso em 07 mar 2024 64 31 O Fictício e o real 32 O Fictício e a literatura 33 O Fictício e o direito EM DESENVOLVIMENTO No presente capítulo o termo que se entende como fictício será desenvolvido e a sua relação com a realidade a literatura e o direito Os conceitos tratados nesse capítulo serão embasados nas obras do pensador Mario Bunge passando pela a corrente dos ficcionalistas para acessar os conceitos de ficção e a realidade CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO EM DESENVOLVIMENTO 41 La Pacha mama 42 O estigma do condenado 43 Ronald Dworkin e o romance continuado 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça No presente capítulo será desenvolvido figuras de personagens outrora aceitos como ficcionais e que invadem o mundo jurídico Tais como La Pacha Mama que no passado era tida como um ente representado como a mãe natureza e agora ocupa de certa forma espaço meio jurídico em especial na constituição do Equador e da Bolívia O capítulo discorre também sobre a hipótese de Gaia de Zaffaroni 65 Em seguida será tratado o estigma e o efeito da figura de um condenado como por exemplo um sacrifício de René Girard em Violência e o Sagrado ou o Homo Sacer de Giorgio Agamben Por fim o conceito de romance continuado de Ronald Dworkin será trabalhando juntamente com a criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e o STJ Superior Tribunal de Justiça para demonstrar a aplicação da alegoria jurídica criada por Dworkin e a sua aplicação em cortes superiores Além de Dworkin nosso marco teórico está fundamentado em François OST Capítulo em desenvolvimento CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL O escritor de ficção científica Isaac Asimov em meados do século passado se dedicou a um campo a qual se tornou referência a robótica e as máquinas inteligentes O autor coloca o robô na perspectiva de servo do homem179 e a narrativa também envolve uma questão subjetividade já evidenciada no título que usa o pronome eu A obra é considerada um clássico da literatura e da ficção cientifica180 sendo um clássico obrigatório que preenche as prateleiras de muitos acervos O livro foi publicado no ano de 1950 e serviu como base para a criação de um filme interpretado pelo autor Will Smith que possui o mesmo nome que a obra literária As duas obras se diferem bastante enquanto o filme tem um enfoque muito claro em cenas de ação e conclusões supérfluas para os problemas apresentados o livro por sua vez é um conjunto de nove contos que descrevem a diversas formas evolução da tecnologia por meio de uma inteligência artificial IA avançada e a inclusão dela em autômatos em uma projeção de futuro entre os anos de 19962052 É no ano de 2035 que os robôs assumem papel de relevância na vida das pessoas substituindo os humanos na realização de tarefas cotidianas e como forma de garantia de um ciclo perfeito de segurança se cria comandos denominados as Três Leis da Robótica A humanidade fez a previsão do avanço desenfreado da tecnologia e 179 SANTOS Vítor M F Robótica industrial Apontamentos teóricos Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 P 8 180ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 66 das inteligências artificiais de forma que foi proposto que nenhum autômato ou máquina com inteligência artificial poderia ser criado e saísse de fábrica sem que sua programação tivesse as três leis básicas Os robôs teriam embutidos em seus cérebros positrônicos conceito que o autor do livro criou para se referir aos cérebros das máquinas inteligência artificial que imitam as funções cognitivas humanas as três leis Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei Um robô deve proteger sua própria existência desde que não entre em conflito com as leis anteriores Isaac Asimov traz outra história em sua obra Robôs do Amanhecer apresentando a quarta lei Lei Zero que deriva para solucionar conflitos oriundos da aplicação das leis anteriores Assim parara fins de solução dos conflitos entre a lei a quarta lei surge Um robô não pode causar mal à humanidade ou por omissão permitir que a humanidade sofra algum mal nem permitir que ela própria o faça Como é possível observar o autor propõe que segundo as leis e comandos já citados seria possível moldar o comportamento de máquinas estabelecendo normas como parâmetros das condutas dos robôs No decorrer do livro há o desenvolvimento de questões adjacentes181 mas é nítida a conclusão o eixo central conduz ao pensamento de que mesmo com o estabelecimento claro de diretrizes bem delimitadas uma máquina pode buscar ultrapassar limites de sua própria construção inicial ou seja que existir uma evolução constante ou um autoaperfeiçoamento invariavelmente que pode ultrapassar os limites predeterminados para os autômatos Em suma as determinações e comandos mesmo limites claros para a existência de alguns autômatos podem ser ultrapassados em razão da evolução e aperfeiçoamento da máquina O autor da obra Eu Robô não faz uma grande diferenciação entre um autômato que possui capacidade cognitiva ou de raciocínio e uma IA Inteligência Artificial mas no próprio ano de 1950 Turing abre as portas para essa diferenciação 181 Na obra se tem reflexão como se um robô pode ser imputado se o robô pode agir livremente diante as três leis Se os robôs são seres livres e responsáveis e por consequência imputáveis pelo Direito 67 com trabalho publicado pela Universidade de Oxford Alan Mathison Turing um dos pais da robótica computação e Inteligência Artificial matemático cientista da computação lógico e criptoanalista publicou Computing Machinery and Intelligence182 trazendo o que ficaria conhecido como teste de Turing A partir dessa obra há o desenvolvimento de outros conceitos que já estavam em discussão nos anos de 1930 evoluindo deste modo para aclarar a ideia de Inteligência Artificial e robôs A Inteligência artificial pode ser entendida como a capacidade de uma máquina de produzir competências semelhantes às de um ser humano tais como raciocínio e aprendizagem Neste contexto a IA permite que os sistemas que as permeiam sejam percebidos e possibilitando a solução de problemas A máquina recebe processa dados e responde conforme a sua programação de forma que a máquina é capaz de adaptar o seu comportamento processando os dados que está recebendo e os dados anteriores183 Para melhor elucidar o que podemos definir como uma IA é valido salientar os apontamentos de John MCCarthy um dos maiores cientistas da computação e considerado outro pai de diversas tecnologias que se tem hoje em dia184 185 John McCarthy em seu artigo datado de 2004186 fornece uma definição abrangente de inteligência artificial IA MCCarthy considera que a Inteligência Artificial é a ciência e engenharia dedicada à criação de máquinas inteligentes especialmente programas de computação inteligentes187 Ele destaca que embora a IA esteja intrinsecamente relacionada à tarefa de imitar a inteligência humana por meio de computadores essa 182TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 183 Documento publicado pelo parlamento europeu para encontrar uma definição do que se entende por Inteligência artificial TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona disponível httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804o queeainteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial20IA 20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 184 Nota de falecimento e um pouco da sua história G1 Morre John McCarthy pioneiro da Inteligência Artificial e pai do Lisp Disponível em httpsg1globocomtecnologianoticia201110morrejohnmccarthypioneirodainteligencia artificialhtml Acesso em 08 ago 2024 185 COMPUTAÇÃO UFPEL John McCarthy 19272011 Prestigiado em diversas universidades como um dos fundadores de muitos paradigmas que temos sobre a robótica hoje em dia Disponível em httpswpufpeledubrcomputacaoccompjohnmccarthy Acesso em 10 ago 2024 186 MCCARTH John What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 08 ago2024 187 No mesmo artigo quando é perguntado sobre a definição de IA ele destaca Q What is artificial intelligence A It is the science and engineering of making intelligent machines especially intelligent computer programs It is related to the similar task of using computers to understand human intelligence but AI does not have to confine itself to methods that are biologically observable Q Yes but what is intelligence A Intelligence is the computational part of the ability to achieve goals in the world Varying kinds and degrees of intelligence occur in people many animals and some machines 68 disciplina não se limita a métodos derivados da observação biológica Em outras palavras a IA não está sujeita ao raciocínio humano Imitar a inteligência humana pensar será possível essas habilidades para uma máquina Turing já havia apresentado a provocativa indagação As máquinas pensam188 A partir dessa pergunta ele concebeu o conhecido teste de Turing que consiste em um método em que um interrogador humano tentaria discernir entre as respostas de texto provenientes de um computador e de um humano O teste de Turing apresenta três personagens um homem uma mulher e um juiz Os três personagens só podem comunicarse por meio de máquinas de datilografar indiretamente e devem tentar se passar um pelo gênero do outro O teste começa quando Turing propõe substituir a figura de um dos personagens por uma máquina o que provocaria imediatamente o questionamento de como a máquina se passaria por uma pessoa189 Apesar de ter sido objeto de escrutínio ao longo dos anos o teste de Turing mantémse como uma peça crucial na história da IA persistindo como uma referência significativa na área190 Essa proposta de Turing estabeleceu os fundamentos para o campo da inteligência artificial marcando um ponto de partida essencial para explorar a capacidade das máquinas em imitar a inteligência humana A fusão das definições de McCarthy e dos conceitos pioneiros de Turing proporciona uma compreensão mais profunda do escopo e da evolução da IA ao longo do tempo Mesmo assim a Inteligência Artificial está longe de possuir um conceito uníssono pois existem diversos tipos de computadores e programas que possuem diversos recursos que podem atribuir novas formas ou métodos que fazem com que as máquinas possam aprender191 Porém uma definição mais abrangente pode servir de 188 Questões colocadas na obra Eu Robô persistem e ultrapassam as fronteiras de qualquer marco conceitual Ainda não há respostas exatas para as questões Quando um esquema de percepção poderá ser chamado de consciência Quando calcular probabilidades pode iniciar uma busca pela verdade Quando uma simulação de personalidade se torna o doloroso átomo de uma alma 189 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press 190 Sobre o tema a Faculdade de Física da USP se prontificou a preparar um breve resumo das contribuições do matemático para o meio acadêmico e sintetizar parte da sua história até o desfecho do seu trágico e irreparável fim ONODY Roberto N Teste de Turing e Inteligência Artificial Disponível em httpswww2ifscuspbrportalifsctestedeturingeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 191 SANTAELLA Lucia A Inteligência Artificial é Inteligente 7 ed São Paulo Câmara Brasileira do Livro 2023 p 138 69 parâmetro Assim a IA pode ser entendida como um programa ou uma máquina que possua inteligência continua ou seja capacidade contínua de aprendizagem Em Eu Robô é possível observar os modelos mais sofisticados que poderiam ser facilmente considerados uma espécie de IA uma vez que os modelos exemplificados na obra possuem um uma espécie de inteligência192 contínua que passariam no teste de Turing Ao longo da narrativa por mais que a sociedade e o meio científico se esforcem para conseguir desenvolver uma IA que consiga seguir os raciocínios que uma pessoa seguiria ou atribuir a uma IA a capacidade de responder de questionamentos da mesma maneira que uma pessoa responderia ainda assim faltaria algum ingrediente para que a imitação da inteligência humana seja completa Apesar de a IA se aproximar mecanicamente de um raciocínio humano pode estar distante de qualidades muito presente ao homem Em primeiro lugar não há consenso sobre uma definição sobre a IA mas há um consenso que uma máquina tende a aprender por intermédio de parâmetros programações diferentes dos parâmetros que seriam atribuídos em um primeiro momento pelos humanos Agora os parâmetros programações determinados para as máquinas aparecem também como problemas Um dos problemas desses parâmetros de aprendizado são os meios pelos quais uma IA acumula e processa informações Como explica Gunther Teubner a inteligência artificial é enigmática criando às vezes um ambiente de opacidade onde o humano navega que por vezes expande as habilidades cognitivas humanas as podem realizar uma perversão que escapa do controle humano Mesmo quando se persiste em um objetivo humano esses sistemas podem com extrema eficiência subverter as intenções e escolhas humanas A opacidade deixa o ambiente incontrolável e quando mais esses sistemas adquirem mais qualidade e eficiência mas eles estendem a capacidade de danos potenciais193 Um exemplo dos problemas gerados pelos parâmetros é clássico caso da COMPAS nos Estados Unidos O caso COMPAS versa sobre uma empresa de 192 A inteligência pode ser entendida como a faculdade de conhecer compreender e aprender ou capacidade de compreender e resolver novos problemas e adaptarse a novas situações A Inteligência artificial pode ser entendida como um ramo da informática que visa dotar computadores a capacidade de simular a aspectos da inteligência humana HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p1094 193 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 70 softwares e desenvolvimento cujo nome atendia por Northpointe Inc194 A empresa desenvolveu um programa visando identificar o grau de periculosidade e reincidência na esfera penal de determinados indivíduos que estavam sendo processados pelo Estado O programa COMPAS Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions195 foi instalado no Estado de Wisconsin por volta de 2012 Após a implementação do sistema iniciouse o procedimento em massa de averiguação de periculosidade de indivíduos que respondiam processo criminal Mas longo diversos apontamentos sobre o software196 e questões jurídicas que vieram à tona comprometendo a eficiência do sistema Neste cenário em fevereiro de 2013 Eric Loomis foi abordado dirigindo um carro que segundo as autoridades policiais estava em uma cena de tiroteio Ele foi preso e declarado culpado segundo as acusações Entretanto o que chama a atenção é que o processo foi conduzido e instruído com uma ficha que analisa informações dados para que seja determinado o grau de periculosidade de um determinado indivíduo197 A análise foi feita com a utilização do COMPAS e apesar de Eric confessar o ocorrido pegou a pena máxima de 6 anos pela sua acusação por conta da periculosidade do seu perfil não sendo aplicada nenhuma atenuante nem a atenuante de confissão A defesa de Eric Loomis contestou a utilização do COMPAS como forma de averiguação do perfil do acusado questionando quais eram os requisitos e as diretrizes de comando utilizados na programação do software para que ele chegasse as conclusões de alta periculosidade do réu198 O caso chegou à Suprema Corte norteamericana em 194 Ao que tudo indica a empresa alterou o nome em meados de 2017 para Equivant httpswwwuclalawrevieworginjusticeexmachinapredictivealgorithmsincriminalsentencing ftn3 Em 2019 a empresa lançou um Guia com os benefícios e práticas do COMPAS nos Estados Unidos e a empresa assinou a obra como Equivant httpswwwequivantcomwpcontentuploadsPractitionersGuidetoCOMPASCore040419pdf 195 Em uma tradução livre pode ser lido como Perfil de gerenciamento de infratores correcionais para sanções alternativas httpswwwconjurcombr2021out15opiniaometodocompasanalogiasistema lombrosiano 196 Diversos Jornais apontam sobre a periculosidade de um sistema de computação exemplos The New York Times httpswwwnytimescom20170501uspoliticssenttoprisonbyasoftwareprograms secretalgorithmshtml Jornal do Estado de Wisconsin httpswwwwisbarorgNewsPublicationsInsideTrackPagesArticleaspx Volume9Issue14ArticleID25730 e uma reportagem jornalística de um jornal denominado Propublica httpswwwpropublicaorgarticlemachinebiasriskassessmentsincriminalsentencing 197 Documento que demonstra a utilização do sistema COMPAS como Rastreio Análise de possível membro de gangue salientese o item 4 httpswwwdocumentcloudorgdocuments2702103Sample RiskAssessmentCOMPASCOREhtmldocumentp1a296558 198 É possível observar no documento de contestação do Eric Loomis na página 04 que a defesa questiona a utilização do COMPAS como Software que não pode ser averiguado o que impossibilita defender o 71 outubro de 2016 Diante da Suprema Corte a defesa alegou que a utilização do software para analisar o perfil de um acusado produziu a sua condenação e a dosimetria da pena e tal situação ofendia os direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório do acusado Isto porque sem que existissem informações sobre os parâmetros utilizados pelo sistema a defesa não poderia contrapor a decisão de periculosidade produzida pela máquina199 A demanda foi julgada pela Suprema Corte norteamericana que optou por afastar a tese de que o sistema COMPAS tomou decisão no desfecho do caso além de ressaltar que a utilização do software foi apenas uma ferramenta de auxílio para a tomada de decisão do magistrado A corte considerou que o juiz competente julgou corretamente o caso e a utilização do COMPAS foi irrelevante para o caso concreto pois a condenação do acusado foi atribuída por uma análise individual do seu perfil depois revisada por um juiz competente A decisão da Corte foi muito criticada por optar pelo mundo jurídico pois a Corte optou por não adentrar em debates sobre a na legalidade da utilização de sistemas de inteligência artificial e a questão da opacidade na tomada de decisão no âmbito do Poder Judiciário Alguns grupos de defesa de minorias criticaram e protestaram contra os Estados Unidos da América que tentou ingressar ao caso como amicus curiae200 com o objetivo de defender a utilização de sistemas de inteligências artificiais A ficção científica em uma intersecção do direito e da literatura traz uma realidade diatópica201 com repercussão em direitos como privacidade e intimidade como nos casos de obras literárias que narram situações de sistema de monitoramento constante na sociedade onde não é possível estabelecer quem está monitorando e quem está sendo monitorado202 acusado pois não há acesso aos comandos e diretrizes do Software Além de questionar o porquê do programa levar em consideração o gênero e a cor de pele do analisado como parte dos requisitos de análise httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201702166387certpetitionpdf 199 Harvard publicou um documento relatando o caso e apontando alguns perigos da utilização do sistema para a averiguação de perfis perigosos Disponível em httpsharvardlawrevieworgprintvol130state vloomis Acesso em 15 ago 2024 200 Documento oficial enviado a Suprema Corte Norte Americana Disponível em httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201705166387CVSGLoomisACPetpdf Acesso em 15 ago 2024 201 Casos de ficção científica GIBSON William Neuromancer 3 ed São Paulo Aleph 2016 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 202 A título de exemplo é possível citar a série premiada Black Mirror que busca demonstrar por meio de distopias digitais os limites e meios pelos quais a tecnologia toma conta da nossa sociedade Emissoras originais Netflix Channel 4 Autores Charlie Brooker Jesse Armstrong William Bridges Criador do Roteiro Charlie Brooker Primeiro episódio 4 de dezembro de 2011 Reino Unido 72 No caso COMPAS além das questões postas pela defesa técnica como a ofensa ao contraditório existiram críticas em razão da utilização de critérios discriminatórios203 A questão consiste no fato de que se for atribuído um dado tendencioso às máquinas elas serão tendenciosas e portanto o resultado será enviesado204 Mas como um sistema se torna discriminatório205 Os vieses de confirmação de um determinado programa difere completamente dos meios pelos quais uma pessoa humana processa essas informações206 O problema que deve ser observado consiste em como os dados são imputados nas máquinas Assim a questão é como ocorre o alinhamento das expectativas entre os sistemas de inteligência artificial e o humano O que esperamos das máquinas Quais os limites que essas máquinas devem ter A resposta está na questão do alinhamento entre os interesses humanos e as máquinas207 atrás dos processamentos de informações e da geração de informações208 Assim a questão é sobre a conformidade da inteligência artificial com os propósitos estabelecidos pelos humanos o que inclui também questões de moralidade humana e ética Ao abordar o problema do alinhamento Brian Christian em sua obra propõe que uma máquina interpreta e entende o meio que a cerca de forma que difere do entendimento humano Por óbvio a máquina entende e responde segundo a sua base de dados e atribui os comandos do seu entendimento A pergunta que o autor estabelece é 203 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompasalgorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareusamericanoscria injusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 204 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 205 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompasalgorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareusamericanoscria injusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 206 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 207 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 208 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 73 Qual a base de dados que atribuímos para uma máquina analisar e quais os limites de respostas que a máquina deve possuir209 Outro exemplo que é oportuno de ser observado dentro dessa análise sobre a base de dados que se fornece para uma determinada máquina é o caso do algoritmo do Twitter Em 2020 o antigo Twitter sofreu diversas denúncias de privilegiar as aparições ou as feições de pessoas brancas em detrimento a pessoas pretas 210 As notícias da época faziam afirmações como se a programação privilegiasse automaticamente sem comandos aparentes o modelo fotogénico ariano e atribuísse a essas pessoas relevância na plataforma O que se coloca em discussão é a viabilidade de uma máquina processar ou até mesmo ter meios para chegar a um resultado fora da sua base de dados ou fora dos limites que determinamos211 O problema não está apenas no resultado mas na base de dados Uma máquina não processa e chega a um resultado com muito desvio em relação a sua base de dados ou fora dos limites que se determina para ela212 Neste sentido é necessário determinar quais as diretrizes comandos que devem ser alinhados com a máquina na produção de informações e dados 51 A regulamentação da Inteligência Artificial A Ideia de cérebros digitais ou inteligências artificiais quase 100 autônomas que executam o trabalho de um determinado indivíduo com certa facilidade não é mais algo que pertence às telas de ficção científica Hoje tal situação pertence à realidade da nossa atualidade exemplos não faltam são eles as máquinas que executam boletins matinais ou que auxiliam em grandes operações de transporte piloto automático de uma embarcação ou de um avião213 209 CHRISTIAN Brian The Alignment Problem Machine Learning and Human Values A Norton Professional Book EUA p 1011 out 2021 Disponível em httpscpbuse1wpmucdncomsitespsuedudist0110933files202208ChristianAlignmentProblem IntroandCh1pdf Acesso em 20 jul 2024 210 Matéria realizada e noticiada pela noticiada pela British Broadcasting Corporation Corporação Britânica de Radiodifusão mais conhecida pela sigla BBC httpswwwbbccomnewstechnology 57192898 Ou é possível citar a matéria realizada pela CBS httpswwwcbsnewscomnewstwitterkills itsautomaticcroppingfeatureaftercomplaints 211 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 212 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 74 Por mais que essas questões já estejam permeando a nossa realidade o Brasil está incipiente no debate sobre a regulamentação dessas novas tecnologias e de como será a responsabilização da ação praticada por uma IA214 ou atores coletivos215 Não obstante mesmo com o advento de uma legislação novas sobre o tema é uma tarefa árdua determinar onde inicia e finaliza qualquer responsabilidade da conduta praticada por um software e a responsabilidade de um ser humano sobre as ações da IA e a individualização das ações humanas para efeitos de responsabilidades A questão é como lidar com a questão de responsabilidade da IA Seria a inteligência artificial responsável por suas supostas condutas ou as pessoas envolvidas no processo de criação e na utilização das IAs são responsáveis e deveriam responder pelos seus atos Se voltarmos para os casos anteriores é possível observar o sistema COMPAS apenas como uma ferramenta que o Estado de Wisconsin estava utilizando para perpetuar ações reprováveis de cunho racial completamente intimidadoras com a população negra ou o sistema era utilizado como uma ferramenta para que o Estado de Wisconsin estabelecesse o grau de periculosidade para os processados criminalmente Na realidade as informações geradas pelas máquinas acabam por perpetuar discriminações de cunho racial Já no caso do Twitte seria possível responsabilizar a plataforma pela base de dados completamente enviesada mesmo que a base de dados tenha sido formada a partir das opções de parte da população norteamericana Neste caso ainda é cabível observar que um sistema operacional atribui somente aquilo que foi determinado na sua base de dados Se falamos para uma máquina otimizar a entrada e a permanência de usuários em uma rede como é possível culpabilizar a máquina por maximizar o que os usuários apreciam e afastar ou obscurecer o que os usuários desgostam 213 FORNASIER Mateus de Oliveira A inteligência Artificial como pessoa 1 ed Londrina Editora Thoth 2021 p 2223 214 Somente em 2023 houve propostas de lei para tentar regulamentar a conduta de uma IA pelo senado Disponível em httpswwwcamaralegbrnoticias968967PROPOSTAREGULAMENTA UTILIZACAODAINTELIGENCIAARTIFICIAL Acesso em 30 ago 2024 215 Gunther Teubner e Anna Beckers falam em um estranho hibridismo na ação que unem as pessoas humanas e os algoritmos que não só comunicam entre si mas também unem forças para formar novos tipos de atores coletivos BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 75 Nesse ponto podese analisar a melhor alternativa para respostas a partir da averiguação sobre o limite do risco216 entre uma máquina e um indivíduo entre um criador e a sua criação entre um autor e sua obra ou entre um cientista e a sua criação217 Apesar do tema já estar sendo tratado nos meios literários há muito tempo o meio jurídico ainda procura encontrar qual a melhor alternativa para abordar essas questões218 Em 2018 o Parlamento Europeu comunicou a imprensa que estaria chamando os melhores especialistas para tratar sobre o tema de IA219 Em 2021 o parlamento da União Europeia delimitou os limites a partir dos riscos220 advindos da utilização das IAs Niklas Luhmann explica que muitos delimitam a noção de risco a partir da impossibilidade de chegar à seguridade absoluta que está amparada no desejo que cientistas têm de encontrar a seguridade com a precisão numérica O sociólogo da teoria dos sistemas sociais estabelece o conceito de risco na distinção entre risco e perigo o que sugere a incerteza quanto aos danos futuros O dano provável é consequência da ação e está pressuposto na consciência deste dano O perigo é o dano atribuído a causas externas que fogem ao controle O conceito de atribuição é utilizado como uma observação de como acontece a atribuição do risco o qual inclui a contingência Assim 216 Risco pode ser entendido como aquilo que se aproxima do que é terrível ou em uma abordagem existencialista podemos entender risco como uma indeterminação efetiva RISCO gr KÍVSUVOÇ in Risk fr Risque ai Wcigniss Cjedhr it Rischio Aristóteles considerava o R como o aproximarse daquilo que é terrível Rei II 5 1382 a 33 existencialismo contemporâneo A pretensão implícita na decisão baseiase numa indeterminação efetiva ou seja na possibilidade de que as coisas se passem de maneira diferente daquilo que eu decido mas também se baseia no fato de eu que decido assumir esse R bem como na consideração de todas as possíveis garantias que eu possa obter ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins fontes 2007 p 859 217 CASTRO Ruy Frankenstein Uma história de Mary Shelley 32 Reimpr São Paulo Companhia das Letras 2014 Título original Franknstein or the modern Prometheus Esse pequeno conto demonstra o remorso e o arrependimento que o Dr Franknstein tem pela sua criação que apesar de ter sido um grande sucesso se mostrou um monstro que destruiu todas as suas expectativas Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombrtrechos10479pdf Acesso em 15 maio 2024 218 Para a ONU já é um consenso que a humanidade deve dominar não ser dominada pelas máquinas Inteligências Artificiais como está no site oficial httpsnewsunorgptstory2024031829446 219 Site oficial com um pequeno fluxo de tempo do ocorrido até chegar nas diretrizes europeias httpsdigitalstrategyeceuropaeuptpolicieseuropeanapproachartificialintelligence 220 Site oficial da União europeia sobre o tema TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidauesobreia primeiraregulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 76 é impossível pensar em uma conduta isenta do risco pois as tecnologias de informações221 não garantem que se pode os danos222 Recentemente a União Europeia baixou um regulamento com o chamado pacote de riscos com quatro classificações o risco inaceitável o risco elevado o risco limitado e risco mínimo Em janeiro de 2024 chegou um pacote de inovação no domínio da IA para apoiar as empresas em fase de arranque e os domínios da inteligência artificial Risco Inaceitável Os sistemas de IA de risco inaceitável são sistemas categorizados como uma ameaça para as pessoas e devem ser proibidos Estes sistemas incluem as manipulação cognitivocomportamental de pessoas ou grupos vulneráveis específicos A título de exemplo é possível citar os brinquedos ativados por voz que incentivam comportamentos perigosos nas crianças ou seja algum brinquedo que possa incitar algum comportamento indesejado em uma criança que tenha algum tipo de ativação por voz Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é a pontuação social que pode ser entendido como classificação de pessoas com base no comportamento estatuto socioeconómico caraterísticas pessoais Como exemplo podese citar um aplicativo que separa as pessoas pelas suas condições monetárias ou classe econômica Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é o policiamento preditivo ou seja a utilização da IA como ferramenta de prática da segurança pública que utiliza dados estatísticos de séries temporais para criação de algoritmos e modelos de predição A identificação biométrica é outro risco com a categorização de pessoas singulares ou seja traçar um mapa biométrico através de características singulares de um determinado indivíduo Neste caso se uma característica de um determinado indivíduo chama atenção a inteligência artificial não pode traçar as características biométricas para categorizar essa pessoa nem identificar Por fim ainda nesses sistemas de riscos inaceitáveis temos o sistema de identificação biométrica em tempo real e a distância através de um sistema de 221 Luhmann explica que vivemos em uma sociedade de risco pelo avanço das novas tecnologias e a relação que estabelecemos com essas tecnologias LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p131132 222 LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p36 40 77 reconhecimento facial por exemplo um sistema que reconhece em tempo real os traços biométricos de um determinado indivíduo esse sistema representa um potencial risco constante para o monitoramento de qualquer indivíduo Esse sistema em tempo real possui exceções para fins de aplicações O regulamento determina que serão permitidos num número limitado de casos considerados graves enquanto os sistemas de pós identificação biométrica à distância em que a identificação ocorre após um atraso significativo só serão permitidos para repressão de crimes graves e após a aprovação de um tribunal competente O exemplo a mais claro para esse caso é um sistema carcerário que busca respeitar a integridade dos seus detentos e mesmo assim busca um monitoramento Risco elevado Os riscos elevados são os sistemas de IA que afetam de forma negativa a segurança e os direitos fundamentais e são divididos em duas categorias 1 Sistemas de IA que são utilizados em produtos abrangidos pela legislação da União Europeia em matéria de segurança dos produtos Isto inclui brinquedos aviação automóveis dispositivos médicos e elevadores 2 Sistemas de IA que se enquadram em áreas específicas que terão de ser registados numa base de dados da União Europeia como exemplo gestão e funcionamento de infraestruturas essenciais educação e formação profissional emprego gestão dos trabalhadores e acesso ao trabalho por conta própria acesso e usufruto de serviços privados essenciais e de serviços e benefícios públicos aplicação da lei gestão da migração do asilo e do controlo das fronteiras assistência na interpretação jurídica e na aplicação da lei O regulamento ainda aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados tanto antes de serem colocados no mercado como durante todo o seu ciclo de vida Ainda dobre os riscos o regulamento estabelece o que seria uma IA Geral ou generativa Inteligência artificial geral e generativa 78 A IA generativa tal como o famoso ChatGPT deve cumprir os seguintes requisitos de transparência divulgar que o conteúdo foi gerado pela IA conceber o modelo para evitar que este gere conteúdos ilegais publicar resumos dos dados protegidos por direitos de autor utilizados para a formação O regulamento aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados antes de serem colocados no mercado e durante todo o seu ciclo de vida Ainda existem os modelos de IA de uso geral de maior impacto que podem representar um alto risco ou um risco sistémico como o modelo de GPT4 pois seus avanços e limitações ainda não foram conhecidos completamente por se tratar de tecnologias extremamente novas e de ponta Por esse motivo esses modelos deveriam ser submetidos a avaliações exaustivas e serem comunicadas as ocorrências de quaisquer incidentes graves às comissões competentes Risco limitado Os sistemas de inteligência artificial de risco limitado devem cumprir requisitos mínimos de transparência que permitam aos usuários tomarem decisões informadas ou seja os próprios usuários podem ter controle sobre a sua utilização e as divulgações de seus dados e depois de interagir com as aplicações o usuário humano pode decidir se quer continuar a utilizálas Nestes casos os usuários devem ser alertados para o fato de estarem a interagir com a IA Isto diz respeito também aos sistemas de IA que geram ou manipulam conteúdos de imagem áudio ou vídeo por exemplo os deepfakes Risco mínimo ou nulo A maioria dos sistemas de IA não acarreta riscos e portanto não são regulamentados nem afetados pelo Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia São exemplos os jogos de vídeo com IA ou os filtros de spam Vale destacar o regulamento europeia não procurou estabelecer diretrizes normativas leis abertas como na ficção de Eu Robô as leis da robótica mas sim estabelecer proibições e 79 interdições sobre os riscos inaceitáveis bem como estabelecer os limites aos riscos elevados e limitados permitindo os riscos mínimos ou nulos 512 A regulamentação brasileira No mais podemos observar como a legislação brasileira se comporta e como já fora observado o Brasil inicia o debate sobre a produção de uma lei no que tange assegurar um ambiente seguro para o convívio com a IA Dentre as propostas destacamse dois projetos de lei o PL 7592023223 e o PL 23382023224 O primeiro projeto é de autoria da Câmara dos deputados e o segundo do Senado Ambos os projetos se assemelham bastante no que diz respeito as normas propostas Destacamse alguns artigos e partes do texto de ambas as propostas em especial da proposta de lei do Senado Federal De início cumpre explicar que enquanto a proposta do Senado está alicerçada na questão do risco a proposta da câmara dos deputados fixa no estabelecimento de diretrizes O projeto da Câmara possui sete artigos e o artigo 1º determina Art 1º Esta Lei dispõe sobre a Inteligência Artificial estabelece parâmetros para sua área de atuação cria segurança jurídica para o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços visando a inovação criação de robôs máquinas e equipamentos que utilizem a Inteligência Artificial nos limites da ética e dos Direitos Humanos Neste projeto há a intenção de criar diretrizes normativas para impor as máquinas quais são os limites de suas ações colocando comandos e diretrizes para guiar a própria existência da inteligência artificial Art 4º As soluções programas e projetos da Inteligência Artificial devem atender II essas soluções não podem ferir seres humanos e nem serem utilizadas em destruição em massa ou como armas de guerra ou defesa III os Robôs e equipamentos derivados da Inteligência Artificial devem cumprir protocolos de Direitos Internacionais de proteção à vida e aos Direitos Humanos 223 Integra do projeto de lei Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebpropmostrarintegracodteor2238606filenamePL 207592023 Acesso em 10 maio 2024 224 Integra do projeto de lei Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumento dm9347622ts1702407086098dispositioninlinegl11om5gnigaNjY5Njc0MjA3LjE3MDc xNzI4NTMgaCW3ZH25XMKMTcwNzczOTEyOS4yLjAuMTcwNzczOTEyOS4wLjAuMA Acesso em 10 maio 2024 80 Os incisos destacados se assemelham muito com as duas primeiras leis da robótica propostas por Asimov em 1950 um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei225 Aqui há os limites do direito e da ficção da realidade e da literatura No projeto do Senado a figura humana aparece como objeto central de direitos que devem ser protegidos por aqueles afetados pela IA226 Art 5º Pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm os seguintes direitos a serem exercidos na forma e nas condições descritas neste Capítulo I direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial II direito à explicação sobre a decisão recomendação ou previsão tomada por sistemas de inteligência artificial III direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado IV direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de inteligência artificial levandose em conta o contexto e o estado da arte do desenvolvimento tecnológico V direito à nãodiscriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos indiretos ilegais ou abusivos e VI direito à privacidade e à proteção de dados pessoais nos termos da legislação pertinente Parágrafo único Os agentes de inteligência artificial informarão de forma clara e facilmente acessível os procedimentos necessários para o exercício dos direitos descritos no caput Vale destacar que os parágrafos grifados demonstram a necessidade de as operações da IA serem transparentes em especial o inciso IV que determina o direito de um indivíduo interagir com uma IA e participar do processo decisórios Também se destaca a questão da supervisão de um humano sobre as decisões tomadas pelas máquinas ou seja qualquer ação tomada por uma IA deve ser supervisionada por um humano ou no mínimo poder ser substituída pela decisão do humano227 225 Segundo Kelsen o direito é uma ordem coativa 226 Interessante colocar a figura humana no cerne do projeto de lei pois até o presente momento não houve consenso nem tentativa eficaz de tornar a figura de uma IA como possuidora de direitos o que ainda levantou a questão da proteção de obras publicadas por uma IA como por exemplo uma imagem ou um texto FARIA Victor Meireles Inteligência artificial e direitos autorais Disponível em httpswwwconjurcombr2023abr27victorfariainteligenciaartificialdireitosautorais Acesso em 08 ago 2024 227 Ainda sobre esse tema cabe destacar o Artigo 8º da mesma lei Art 8º A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial poderá solicitar explicação sobre a decisão previsão ou recomendação com informações a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados assim como sobre os principais fatores que afetam tal previsão ou decisão específica incluindo informações sobre I a racionalidade e a lógica do sistema o significado e as consequências previstas de tal decisão para a pessoa afetada II o grau e o nível de contribuição do sistema de inteligência artificial para a tomada de decisões III os dados processados e a sua fonte os critérios para a tomada de decisão e quando apropriado a sua ponderação aplicados à situação da pessoa afetada IV os mecanismos por meio dos quais a pessoa pode contestar a decisão e V a possibilidade de solicitar intervenção humana nos termos desta Lei Parágrafo único As informações mencionadas no caput serão fornecidas por procedimento gratuito e facilitado em linguagem que permita que a pessoa compreenda o resultado da decisão ou previsão em questão no prazo de até quinze dias a contar da solicitação permitida a prorrogação uma vez por igual período a depender da complexidade do caso 81 Há uma tentativa de prever o comportamento de uma IA ou no mínimo encontrar meios para entender os parâmetros que levaram a um resultado Isto fica nítido no art 8º inciso I da mesma lei A problemática é a improvável realização de previsão dos resultados de uma máquina apenas pelos bancos de dados e seu programa de auto criação O problema de alinhamento também é de difícil superação228 O projeto optar pelo mesmo caminho da regulamentação da União Europeia quanto aos riscos CAPÍTULO III DA CATEGORIZAÇÃO DOS RISCOS Seção I Avaliação preliminar Art 13 Previamente a sua colocação no mercado ou utilização em serviço todo sistema de inteligência artificial passará por avaliação preliminar realizada pelo fornecedor para classificação de seu grau de risco cujo registro considerará os critérios previstos neste capítulo Neste ponto toda IA antes de adentrar ao mercado deve passar por uma categorização de riscos e se submeter a critérios de enquadramento antes de sua aprovação É clara a similaridade entre as categorizações do projeto de lei brasileiro e o regulamento da União Europeia Como no regulamento da União Europeia os riscos excessivos serão vedados de serem utilizados Art 14 São vedadas a implementação e o uso de sistemas de inteligência artificial I que empreguem técnicas subliminares que tenham por objetivo ou por efeito induzir a pessoa natural a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei II que explorem quaisquer vulnerabilidades de grupos específicos de pessoas naturais tais como as associadas a sua idade ou deficiência física ou mental de modo a induzilas a se comportar de forma prejudicial a sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei III pelo poder público para avaliar classificar ou ranquear as pessoas naturais com base no seu comportamento social ou em atributos da sua personalidade por meio de pontuação universal para o acesso a bens e serviços e políticas públicas de forma ilegítima ou desproporcional 229 Art 15 No âmbito de atividades de segurança pública somente é permitido o uso de sistemas de identificação biométrica à distância de forma contínua em espaços acessíveis ao público quando houver previsão em lei federal específica e autorização judicial em conexão com a atividade de persecução penal individualizada nos seguintes casos I persecução de crimes passíveis de pena máxima de reclusão superior a dois anos II busca de vítimas de crimes ou pessoas desaparecidas ou III crime em flagrante 228 Essa ideia fica mais clara no Art 9º da mesma lei A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial terá o direito de contestar e de solicitar a revisão de decisões recomendações ou previsões geradas por tal sistema que produzam efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa seus interesses 229 Neste ponto é clara a tentativa de evitar discriminação por parte dos operadores da Inteligência Artificial 82 Apesar de possuírem exceções do artigo 15 é muito claro que projeto de lei restringe a utilização de identificação biométrica à distância230 O artigo Art 17 dispõe sobre os riscos231 Assim Alto Risco Art 17 São considerados sistemas de inteligência artificial de alto risco aqueles utilizados para as seguintes finalidades II educação e formação profissional incluindo sistemas de determinação de acesso a instituições de ensino ou de formação profissional ou para avaliação e monitoramento de estudantes IV avaliação de critérios de acesso elegibilidade concessão revisão redução ou revogação de serviços privados e públicos que sejam considerados essenciais incluindo sistemas utilizados para avaliar a elegibilidade de pessoas naturais quanto a prestações de serviços públicos de assistência e de seguridade V avaliação da capacidade de endividamento das pessoas naturais ou estabelecimento de sua classificação de créditoVII administração da justiça incluindo sistemas que auxiliem autoridades judiciárias na investigação dos fatos e na aplicação da lei VIII veículos autônomos quando seu uso puder gerar riscos à integridade física de pessoas XI investigação criminal e segurança pública em especial para avaliações individuais de riscos pelas autoridades competentes a fim de determinar o risco de uma pessoa cometer infrações ou de reincidir ou o risco para potenciais vítimas de infrações penais ou para avaliar os traços de personalidade e as características ou o comportamento criminal passado de pessoas singulares ou grupos O inciso II do referido artigo pode vedar experimentos como o ocorrido em uma universidade de Portugal onde tentaram implantar uma Inteligência Artificial dentro de um ambiente escolar com o intuito de desenvolver empatia tanto por parte da IA quanto por parte dos indivíduos que participaram do experimento232 Em um cenário hipotético se essa lei fosse aprovada no Brasil o experimento português em ambiente escolar que supostamente deveria demonstrar empatia poderia ser categorizada como uma IA de alto risco e interditado Os incisos IV V e VIII podem ser enquadrados em um cenário nem tão hipotético No Brasil já existem sistemas de monitoramento constantemente utilizados pelo poder público Na cidade de Pindamonhangaba por exemplo existe um sistema de monitoramento que ao que tudo indica é programado através de Inteligência Artificial para o monitoramento de carros e indivíduos considerados suspeitos para a instituição governamental Segundo o site oficial233 Novas funcionalidades de inteligência irão proporcionar Análise comportamental e individual de cada veículo baseandose nas 230 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 231 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 232 NEVES Céu Patrão CARVALHO Maria GRAÇA Maria Ética aplicada Novas Tecnologias 1 ed PortugalLisboa Lamedina SA 2018 p180181 233 Site oficial do município httpspindamonhangabaspgovbrinteligenciaartificialnomonitoramento 83 informações coletadas pelo sistema Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em furto ou roubo de veículos por meio da análise da circulação dos veículos Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em atividades delituosas por meio da análise de presença nas áreas monitoradas Capacidade de relacionar a circulação conjunta de veículos com objetivo de identificação de membros do crime organizado 234 Capacidade de apontar os prováveis suspeitos de cometimento de crimes especializados como assalto a instituição financeira Os incisos VII e XI é o caso de diversas autoridades estatais que estão utilizando os sistemas de reconhecimento na administração da justiça235 tais como o caso COMPAS ou em alguns casos europeus236 Vale destacar o questionamento que surge da omissão das respectivas casas legislativas responsáveis tanto em âmbito federal quanto os demais entes da federação em legislar sobre uma vez que controle de constitucionalidade deve ter como objetivo proteger direitos dos indivíduos que vivem em uma sociedade237 antes que decorra alguma irregularidade ou alguma supressão de direitos Os casos mais simples talvez sejam os que discutem no ambiente da justiça uma vez há substituição de indivíduos por máquinas238 Mas a questão se expande se observarmos como esse ambiente carece de uma regulamentação e avança em todo 234 A semelhança no caso de State v Loomis chama muito a atenção nesse exemplo para melhor referência e resumo MANTOVANI Otávio Augusto Silva RESENDE Ana Paula Bougleux Andrade Inteligência artificial e direito penal análise do caso State v Loomis à luz dos princípios do dever de fundamentação e individualização das decisões judiciais Academia 2021 Disponível em httpswwwacademiaedu66464899INTELIGC38ANCIAARTIFICIALEDIREITOPENALan C3A1lisedocasoStatevLoomisC3A0luzdosprinc C3ADpiosdodeverdefundamentaC3A7C3A3oeindividualiza C3A7C3A3odasdecisC3B5esjudiciais Acesso em 15 set 2024 235 Esse ato de utilizar sistemas de monitoramento em outros países no auxilio da administração da justiça é um pouco estranho ao nosso ordenamento pois a presença de um advogado deveria ser fator obrigatório segundo a nossa Carta Magna Seção III Da Advocacia e da Defensoria Pública Art 133 O advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv71988pdf sequence10 Acesso em 10 set 2024 Resta o questionamento se a presença do advogado seria colocada durante alguma investigação ou se os advogados teriam algum tipo de acesso ao órgão público ou privado competente para auxiliar na administração da justiça ou interesse do investigado ou monitorado 236 Vide casos europeus que estão sendo discutidos sobre a utilização dessas tecnologias httpsnoticiasuolcombrultimasnoticiasrfi20231025noreinounidousodeinteligenciaartificial peloservicopublicolevantaquestionamentoshtm 237 Para melhor elucidar é mister salientar a colocação do atual Ministro do Pretório Excelso que delimita que o controle preventivo não é meio de declarar nulidades por excelência mas visa impedir que um ato inconstitucional entre em vigor BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 p 04 238 Notícia de um suposto Robô advogado que opera por intermédio de uma Inteligência Artificial httpswwwstartsecomartigosprimeiroroboadvogadopais 84 mundo sobrepujando direitos como proteção aos dados pessoais monitoramento acesso a bens de consumo direitos transindividuais de locomoção e afins Por fim em relação a governança a União os Estados e o Município devem adotar medidas para regular a utilização da Inteligência Artificial dentro do território nacional CAPÍTULO IV DA GOVERNANÇA DOS SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Seção I Disposições Gerais Art 19 Os agentes de inteligência artificial estabelecerão estruturas de governança e processos internos aptos a garantir a segurança dos sistemas e o atendimento dos direitos de pessoas afetadas nos termos previstos no Capítulo II desta Lei e da legislação pertinente Seção II Medidas de Governança para Sistemas de Inteligência Artificial de Alto Risco Art 20 Além das medidas indicadas no art 19 os agentes de inteligência artificial que forneçam ou operem sistemas de alto risco adotarão as seguintes medidas de governança e processos internos Seção III Avaliação de Impacto Algorítmico Art 22 A avaliação de impacto algorítmico de sistemas de inteligência artificial é obrigação dos agentes de inteligência artificial sempre que o sistema for considerado como de alto risco pela avaliação preliminar Parágrafo único A autoridade competente será notificada sobre o sistema de alto risco mediante o compartilhamento das avaliações preliminar e de impacto algorítmico DA RESPONSABILIDADE CIVIL Art 27 O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial moral individual ou coletivo é obrigado a reparálo integralmente independentemente do grau de autonomia do sistema CAPÍTULO VI CÓDIGOS DE BOAS PRÁTICAS E DE GOVERNANÇA Art 30 Os agentes de inteligência artificial poderão individualmente ou por meio de associações formular códigos de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos inclusive sobre reclamações das pessoas afetadas as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para cada contexto de implementação as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e as medidas de segurança técnicas e organizacionais apropriadas para a gestão dos riscos decorrentes da aplicação dos sistemas CAPÍTULO VIII DA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO Seção I Da Autoridade Competente Art 32 O Poder Executivo designará autoridade competente para zelar pela implementação e fiscalização da presente Lei Por fim é cabível destacar as sanções Art 36 Os agentes de inteligência artificial em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade competente I advertência II multa simples limitada no total a R 5000000000 cinquenta milhões de reais por infração sendo no caso de pessoa jurídica de direito privado de 85 até 2 dois por cento de seu faturamento de seu grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício excluídos os tributos III publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência IV proibição ou restrição para participar de regime de sandbox regulatório previsto nesta Lei por até cinco anos V suspensão parcial ou total temporária ou definitiva do desenvolvimento fornecimento ou operação do sistema de inteligência artificial e VI proibição de tratamento de determinadas bases de dados 1º As sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa de forma gradativa isolada ou cumulativa de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios I a gravidade e a natureza das infrações e a eventual violação de direitos II a boafé do infrator III a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator IV a condição econômica do infrator V a reincidência VI o grau do dano VII a cooperação do infrator VIII a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar riscos inclusive a análise de impacto algorítmico e efetiva implementação de código de ética IX a adoção de política de boas práticas e governança X a pronta adoção de medidas corretivas XI a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção e XII a cumulação com outras sanções administrativas eventualmente já aplicadas em definitivo para o mesmo ato ilícito 52 A Máquina e a Entropia Decerto a incerteza239 não é um conceito novo para a robótica Há tempos os físicos e matemáticos trabalham a entropia240 dentro do ambiente científico241 Um dos primeiros a expandir esse conceito para outras áreas do conhecimento além de apresentar com uma nova interpretação foi o físico Werner Heisenberg que ganhou o Prêmio Nobel em 1932 pela apresentação do que ficaria conhecido como o princípio da incerteza242 239 A incerteza pode ser entendida como algo que não está certo dúvida hesitação HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 1063 240 Entropia chamou sempre a atenção dos filósofos porque estabeleceu em nível científico a irreversibilidade dos fenômenos naturais De fato para a mecânica clássica ou newtoniana todos os fenômenos são reversíveis para eles o tempo pode transcorrer indiferentemente em uma ou outra direção do passado para o futuro ou do futuro para o passado O t das equações que exprimem o comportamento dos fenômenos mecânicos é uma variável contínua que não tem sentido determinado O princípio da E ao contrário estabelece um sentido para os fenômenos qual seja a sua irreversibilidade no tempo ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 335 241 O termo foi popularizado pelo cientista CLAUSIUS R The Mechanical Theory of Heat with its Applications to the SteamEngine and to the Physical Properties of Bodies Taylor And Francis Red Lion Court Fleet Street 1865 Apesar das suas aplicações posteriores dentro da filosofia o termo foi utilizado para se referir a alta temperatura de um motor para desempenhar uma determinada função e o baixo rendimento O cientista apontava que esse descompasso como entropia uma vez que a incongruência de um motor para executar uma determinada função não deveria ocorrer para a física da época Resumo da Unicamp CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 2 p 181192 2005 Disponível em httpswwwprpunicampbrpibiccongressosxxicongressopaineis135644pdf Acesso em 01 set 2024 242 O princípio da incerteza proposto por Heisenberg assume a incerteza sobre algumas partículas em determinadas situações conceito que seria de extrema importância para o entendimento da física quântica 86 Com o passar do tempo a entropia abriu espaço para que dentro da robótica ocorressem a construção de novos conceitos como a imprevisibilidade da máquina A imprevisibilidade foi tomando forma e hoje não é tão nítido qual a capacidade de uma máquina de responder uma questão com previsibilidade A imprevisibilidade das máquinas não ocorreu apenas pela entropia ou a incerteza sobre como determinados algoritmos irão se comportar A imprevisibilidade pode ter ocorrido pela falta de conhecimento que temos sobre conceitos a aplicações Mas essa é apenas uma faceta As Big Techs detêm a tecnologia e não há como entender e compreender como as máquinas chegam aos seus resultados Se escrevemos no Google ou no WhatsApp alguma palavra é muito comum que ele complete a palavra antes de terminarmos Mas a incerteza do resultado nesse caso não recai sobre a máquina e sim pela falta de conhecimento sobre os componentes que levam a máquina a supor aquele resultado 243 Quando falamos sobre desenvolvimento das Inteligências Artificiais há o costume de posicionamento sobre o futuro ou se observa qual seria o potencial que essas tecnologias alcançariam Contudo em realidade as máquinas só funcionam com base em dados datas que colocamos sobre esses algoritmos Neste sentido a direção é errada quando se tenta fazer a previsão do resultado dos dados de uma IA pois a máquina sempre será ditada pela fonte de dados que se imputa nela244 Em suma devemos colocar nossa busca no passado e no meio que uma determinada tecnologia será inserida para depois conseguirmos entender os resultados Existem diversos casos que demonstram como os algoritmos de uma máquina podem ser nocivos a ponto de realmente causar mal para uma sociedade245 Esses casos muitas vezes podem estar no limite da ficção mas estão tão inseridos em nossa sociedade quanto possível246 Da mesma forma ainda existem os que buscam trazer transparência para esses conglomerados de informações247 ou física não newtoniana Breve síntese histórica CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 27 n 2 p 181192 2005 Disponível em wwwsbfisicaorgbr Ou httpswwwunicampbrchibenipublicheisenbergpdf Acesso em 15 fev 2024 243 BUCCI Eugênio Incerteza um ensaio Como pensamos a ideia que nos desorienta e orienta o mundo digital 1 ed Belo Horizonte MG Autêntica 2023 p 19 55 244 Documentário Netflix Coded Bias personagem principal afirma que a Ias são pautadas pelo conjunto de datas nos seus algoritmos 245 Weapons of Math Destruction How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy 246 Caso em que a polícia da Inglaterra usava a reconhecimento facial para identificar e armazenar dados de indivíduos Disponível em httpswwwwiredcoukarticleukpolicefacerecognitionexpansion Acesso em 07 mar 2024 87 A observação dos efeitos que o meio pode exercer sobre a máquina pode fazer com que apreendam as extensões dos resultados248 Aqui estão as situações conflituosas decorrentes da utilização da Inteligência artificial com a questão da discriminação e da vigilância Na questão da vigilância é comum a utilização da Inteligência Artificial pelo sistema estatal para monitorar classificar e restringir direitos da população Em meados de 2014 a China implantou um sistema de monitoramento constante através de câmeras de segurança drones e afins com o intuito de monitorar a sua população Não se sabe quando o sistema passou a ranquear as pessoas ou se o plano original era realizar esse ranque para controlar os civis de um país Mas a realidade é que em 2019 a China começou a limitar a movimentação de alguns cidadãos através de um ranque social249 segundo a imprensa Em verdade não é claro se é o próprio sistema de monitoramento chinês que realiza o ranqueamento da população ou se existe alguma agência governamental operada por pessoas que utilizam as gravações e ações da população para realizar esse ranqueamento É claro que o monitoramento 24hrs e o armazenamento das pastas para permitir ou impedir o transporte e acesso a bens de consumo é realizado por uma IA uma vez que seria humanamente impossível monitorar toda uma população dessa maneira as 24 horas por dia e os 7 dias da semana O caso também lembra a ficção uma vez que imaginar que um Estado observaria as ações de sua população com o intuito de controlar as condutas tomadas pelos seus indivíduos parece um enredo que saiu da ficção científica de um livro do Jorge Orwell 1984 A realidade é um pouco mais complicada pois ao contrário da narrativa apresentada pelo célebre autor em que os detalhes dos meios pelo qual as tecnologias funcionam no mundo ficcional são descritos pelo narrador e assim percebidos pelo leitor o regime chinês não apresenta nenhuma transparência250de como essas tecnologias funcionam Fato que contribui para um clima de vigilância constante e 247 Empresa inglesa que luta contra a fiscalização e armazenamento virtual por meio de uma de uma IA de dados pessoais de determinados indivíduos Disponível em httpsbigbrotherwatchorguk Os mesmos dados coletados no índice passado Acesso em 15 maio 2024 248 Em 2016 a Microsoft tentou lançar uma IA com intuito de absorver informações do meio e tentar desenvolver uma persona com base nessa absorção O experimento denominado como Tay foi um fracasso pois os internautas da rede social Twitter Influenciaram fortemente na base de dados dessa IA o que produziu uma série de comentários antissemitas racistas e afins Como resultados a Microsoft veio a público e pediu desculpas formalmente pelo ocorrido anunciando o encerramento da Tay Disponível em httpsblogsmicrosoftcomblog20160325learningtaysintroduction Acesso em 25 ago 2024 249 Notícia da BBC que explica o funcionamento do ranque social da China THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentformarch7201915046443howchinassocialcredit systemblockedmillionsofpeoplefromtravelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 88 não conhecimento das extensões do poder do governo chinês sobre a vida da população civil Nesse sentido não há outro país no mundo que tenha realizado as ações que o governo chinês realizou e por esse motivo não há perspectiva ou comparação com nenhum outro país para podermos vislumbrar as extensões do poder do governo chinês sobre a sua população o que torna a ficção científica o alicerce mais palpável da realidade do governo chinês Esse é um caso de desencanto quando não encontramos casos reais que aproximem o que está na nossa realidade com nenhum outro exemplo e a saída mais próxima é a literatura O caso do governo chinês se aproxima mais de uma distopia251 do que qualquer outro exemplo poderia fazer uma vez que não aproxima de um lugar imaginário Fictício como fez Thomas more em sua obra252 E sim traz a realidade tão latente e atual que a única aproximação que temos é recorrer ao gênero que chamamos de ficção científica 53 Desencanto em desenvolvimento EM desenvolvimento O desencanto pode ser entendido como a substituição da figura do homem como a persona central do meio que o cerca com o de uma ferramenta no caso a 250 Destacase que o emprego da palavra transparência é no sentido do direito do cidadão frente ao Estado ou como destacado Para nós a transparência no sentido estrito do direito público deve ser entendida como uma qualidade um atributo de permeabilidade das ações do governo a partir da disponibilização do acesso às informações acauteladas pelo Estado possibilitando a interferência do cidadão nas tomadas de decisão que devem ser devidamente motivadas para possibilitar o mais amplo controle tanto interno quanto externo das ações do administrador público assim como o inafastável controle judicial e o controle social que poderá refletirse ulteriormente nas escolhas democráticas e republicanas da população E através da transparência que o cidadão deixa de ser um mero espectador do agir estatal e passa a exercer efetivamente a democracia participativa ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 p 39111 251 Aqui a utilização do termo Distopia é para enquadrar o completo oposto de uma utopia quem vem a ser um termo utilizado no meio literário para descrever lugares inexistentes e que se aproximam da perfeição UTOPIA lat Utopia in Utopia fr Utopie ai Utopie it Utopia Thomas More deu esse nome a uma espécie de romance filosófico De optimo reípublicaestatu deque nova insula Utopia 1516 no qual relatava as condições de vida numa ilha desconhecida denominada U nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa Depois disso esse termo passou a designar não só qualquer tentativa análoga tanto anterior quanto posterior como a República de Platão ou a Cidade do Sol de Campanella mas também qualquer ideal político social ou religioso de realização difícil ou impossível Como gênero literário U extrapola a consideração filosófica aqui só observaremos que ela foi e ainda é muito divulgada sendo adaptada até para romances de ficção científica Cabe à filosofia avaliar a U tanto a expressa em forma de romance quanto a expressa em forma de mito ou ideologia etc ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 987 252 Por volta das páginas 61 e 62 Thomas More começa a descrever a ilha que ganharia a alcunha de Utopia MORE Thomas A Utopia São Paulo Editora Martin Claret Ltda 2013 p 6162 89 utilização das IAs O que Weber apontava como o desencanto do mundo pela substituição da figura divina com a figura do Homem pode estar acontecendo novamente com as novas tecnologias e meios Irei desenvolver o tema com base nos marcos teóricos Marx Weber e na obra de Jaques Ellul 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção REFERÊNCIAS ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 90 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 set 1990 BRASIL Lei nº 8906 de 4 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB 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em 01 set 2024 CHRISTIAN Brian The Alignment Problem Machine Learning and Human Values A Norton Professional Book EUA p 1011 out 2021 Disponível em 91 httpscpbuse1wpmucdncomsitespsuedudist0110933files202208ChristianAlignmentProblem IntroandCh1pdf Acesso em 20 jul 2024 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 CITELLI Adilson Linguagem e persuasão São Paulo Ed Ática 2001 COSTA Larissa Silva SANTOS Maria José Veloso da Costa GUEDES Vania Lisboa da Silveira Estudo da terminologia da área disciplinar de Direito e a proposição de um Sistema de Organização do Conhecimento em Direito Penal Encontros Bibli revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação v 27 p 121 2022 COULTHARD Malcolm COLARES Virgínia SOUSASILVA Rui Linguagem Direito os eixos temáticos Recife ALIDI 2015 COMPUTAÇÃO UFPEL John McCarthy 19272011 Prestigiado em diversas universidades como um dos fundadores de muitos paradigmas que temos sobre a robótica hoje em dia Disponível em httpswpufpeledubrcomputacaoccompjohnmccarthy Acesso em 10 ago 2024 DWORKIN Ronald O império do direito Tradução Jefferson Luiz Camargo Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios São Paulo Martins Fontes 2007 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto Obra aberta 1962 São Paulo Perspectiva 1968 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c FARIA Victor Meireles Inteligência artificial e direitos autorais Disponível em httpswwwconjurcombr2023abr27victorfariainteligenciaartificialdireitosautorais Acesso em 08 ago 2024 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 FERREIRA Luís Henrique Costa FERREIRA Daniel Pinheiro Mota A Lei de Abuso de Autoridade e a Atividade de Polícia Judiciária Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública RIBSP ISSN 25952153 v 3 n 6 p 99117 2020 92 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 FREITAS Maria Teresa Literatura e história O Exemplo de Victor Hugo Língua e Literatura n 15 p 119135 1986 Disponível em httpsrevistasuspbrlinguaeliteraturaarticleview113987 Acesso em 20 fev 2024 FORNASIER Mateus de Oliveira A inteligência Artificial como pessoa 1 ed Londrina Editora Thoth 2021 GERMANO Alexandre Moreira Técnica de redação forense São Paulo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 2005 GIBSON William Neuromancer 3 ed São Paulo Aleph 2016 G1 Morre John McCarthy pioneiro da Inteligência Artificial e pai do Lisp Disponível em httpsg1globocomtecnologianoticia201110morrejohnmccarthypioneiroda inteligenciaartificialhtml Acesso em 08 ago 2024 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e 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Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 95 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 SIEGEL Alan Lets simplify legal jargon Filmed Feb 2010 Talk In Less Than 6 Minute Disponível em httpwwwtedcomtalksalansiegelletssimplify legal jargonhtml Acesso em 26 mar 24 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações 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Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 96 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo 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Celeste Cordeiro Leite dos II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito III Título CDD 340 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Banca Examinadora Profa Doutora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos PUCSP DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 RESUMO PalavrasChave Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 ABSTRACT Keywords SUMÁRIO INTRODUÇÃO Em construção10 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO12 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem12 12 A linguagem em Umberto Eco17 13 A importância da semântica para o Direito22 14 A língua como ferramenta no meio jurídico32 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia37 15 Argumentação40 CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA44 21 As correntes clássicas Direito e Literatura49 211 Direito da Literatura49 212 Direito como literatura52 213 Literatura como direito54 214 Direito na Literatura55 215 Direito pela literatura59 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim60 221 Uma breve definição do termo60 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito63 CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO65 31 O Fictício e o real65 32 O Fictício e a literatura65 33 O Fictício e o direito65 CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO65 41 La Pacha mama66 42 Wotan72 43 Ronald Dworkin e o romance continuado77 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça79 CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL88 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press92 51 A regulamentação da Inteligência Artificial97 512 A regulamentação brasileira102 52 A Máquina e a Entropia109 53 Desencanto em desenvolvimento112 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção113 REFERÊNCIAS113 INTRODUÇÃO Em construção 12 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO Neste capítulo a proposta é dissertar sobre a relação da semântica que está situada na semiótica estudo do signo e o Direito um fenômeno social que pode ser estudado sob várias perspectivas epistemológicas Aqui enfatizamos o estudo Direito em uma intersecção com a literatura com o enfoque na linguagem1 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem A expressão No Início Havia o Verbo é encontrada no Evangelho de João no Novo Testamento da Bíblia Sagrada no versículo 11 Ela faz parte do relato sobre a criação do mundo e é uma referência ao princípio da criação divina destacando o papel central do Verbo ou da Palavra de Deus nesse processo A expressão encontrada no Evangelho de João carrega uma profundidade simbólica que pode ser relacionada aos primórdios da linguagem humana No contexto bíblico ela se refere ao princípio da criação divina onde o Verbo ou a Palavra de Deus desempenha um papel fundamental na manifestação do mundo físico e espiritual Ao analisar essa expressão sob a ótica da linguagem humana podese interpretála como uma reflexão sobre a origem e o poder da palavra como veículo primordial de comunicação e criação Assim como o Verbo divino é visto como a força que dá origem ao universo a palavra humana é fundamental para a expressão do pensamento a comunicação entre os indivíduos e a criação de significados e conceitos Além disso a expressão No Início Havia o Verbo sugere uma ligação intrínseca entre linguagem e pensamento O Verbo é concebido como a expressão da mente divina a palavra humana é vista como uma extensão do pensamento permitindo que ideias abstratas e conceitos complexos sejam comunicados e compartilhados entre os indivíduos A palavra enquanto signo linguístico artificial desempenha o papel de representante sendo composta por duas partes o significante que é a forma 1 A Hernández Gil Metodología de la Ciencia del Derecho Madrid 1971 II p 160 13 material do signo e o significado que é a imagem mental evocada por esse significante2 As palavras são instrumentos elaborados e versáteis que permitem a criação circulação e assimilação de representações da realidade possibilitando aos indivíduos materializarem conceitos e atribuindo significados aos objetos ao seu redor Como signo a palavra seja na forma escrita ou falada evoca conceitos em nossa mente os quais são representados por seus significados convencionados No entanto uma mesma palavra pode ter vários significados e um mesmo significado pode ser representado por diferentes palavras sendo essas sinônimas ou quase sinônimas3 Para compreender o significado pretendido pelo escritor é fundamental considerar o contexto em que a palavra está inserida pois o significado do texto é deduzido a partir do conjunto de todas as palavras que o compõem formando uma rede de significados interligados Assim a clareza do texto é essencial para que as palavras sejam compreendidas pelo receptor possibilitando a transmissão eficaz da mensagem concebida pelo emissor Logo é necessário que o receptor conheça as palavras utilizadas pelo emissor e possa atribuirlhes os significados apropriados a fim de garantir a adequada apreensão da mensagem Termos desconhecidos ou inadequados podem dificultar a compreensão do texto tornandoo lento e incompleto e em alguns casos podem tornálo completamente incompreensível para o leitor4 O estudo da linguagem o que inclui a palavra e o seu uso representa um dos campos mais antigos de investigação sistemática tendo suas raízes traçadas até a antiguidade clássica da Índia e da Grécia Embora possua uma longa história de realizações a abordagem contemporânea para esse estudo é relativamente recente datando aproximadamente dos últimos 40 anos Nesse período conceitos fundamentais da tradição foram revitalizados e reconstruídos proporcionando uma linha de investigação altamente produtiva5 2 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 3 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 4 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 5 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 14 Já em Santo Agostinho6 na idade média a linguagem funda o conhecimento das coisas sem linguagem não há mundo e em consequência o conhecimento das coisas se alcança com a palavra A palavra é um tipo especial de signo cuja diferença específica é de ser voz articulada A palavra é o que profere mediante a articulação da voz e significa algo ut verbum sit quod cum aliquo significatu voce profertur IV 8 Agostinho considera a palavra desde uma perspectiva semiótica Isto é a sua teoria da linguagem é uma inflexão uma modalidade de teoria dos signos As palavras como signo das coisas mantêm um papel no processo de aprendizagem e ensino pois nada se pode ensinar sem signo pois nada pode mostrarse sem signo e o pensamento vai dos signos às coisas significadas A questão do uso de signos para realização da comunicação por meio da linguagem atravessou séculos e aparece na contemporaneidade claramente em Chomsky7 demonstrando que é notável o fascínio duradouro exercido pela linguagem ao longo dos séculos A capacidade linguística humana é considerada uma característica essencial da espécie apresentando pouca variação entre os indivíduos e não possuindo equivalentes significativos em outras formas de vida Embora fenômenos análogos possam ser encontrados em insetos esses estão distantes na evolução cerca de um bilhão de anos Ademais a linguagem permeia todos os aspectos da vida pensamento e interação humanos Ela é em grande parte responsável pela existência de uma história e uma evolução cultural exclusivas dos seres humanos assim como pela diversidade complexa e rica da humanidade Além disso contribui para o sucesso biológico humano conforme evidenciado pela densa população humana atual8 A visão cartesiana de que a habilidade de utilizar signos linguísticos para expressar pensamentos distingue verdadeiramente o ser humano de outras formas de vida ou máquinas continua sendo amplamente aceita Outro autor considerado contemporâneo como Humberto Maturana traz em evidência a questão simbólica A linguagem é comumente entendida como um sistema de comunicação simbólica no qual os símbolos são concebidos como entidades abstratas9 É amplamente aceito que a linguagem serve como a base 6 AGOSTINHOSanto De Magistro Porto Alegre RS Editora Fi 2015 7 Ibid 8CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 9 MATURANA R Humberto Emoções e linguagem na educação e na política Tradução José Fernando Campos Fortes Belo Horizonte UFMG 1999 15 fundamental da comunicação No entanto os signos se organizam em códigos que constituem os sistemas de linguagem Esses códigos desempenham uma função primordial ao possibilitar a compreensão da dimensão representativa de objetos e fenômenos em diversas áreas do conhecimento humano10 A questão simbólica na linguagem se impõe pois em todos os sistemas de signos concebidos pelo homem a linguagem surge como uma entidade fundamental no processo de desenvolvimento humano sendo indispensável para os avanços culturais alcançados pela humanidade É por meio da linguagem que ocorre a comunicação entre os indivíduos a organização do pensamento o compartilhamento e o registro de conhecimentos sempre com a presença dos signos Ao discutir a relevância da linguagem para o desenvolvimento humano referimonos tanto à linguagem oral que facilita a interação entre as pessoas quanto à linguagem escrita cuja capacidade de expressar ideias e impulsionar o desenvolvimento do pensamento é inegável Em um nível mais profundo ao explicar o comportamento humano mediado por signos a linguagem estabelece conexões entre estímulos externos e internos os quais são interpretados pelo indivíduo resultando em novas ações e reações aos referidos estímulos11 Vygotsky12 psicólogo russo no final do século passado enfatiza que o homem desenvolveu um sistema de sinais um conjunto de estímulos artificiais condicionados por meio dos quais ele estabelece conexões e induz reações necessárias do organismo A analogia do também russo Pavlov Matos 1995 que compara a parte externa dos grandes hemisférios cerebrais a um vasto sistema de sinais demonstrar que o homem criou a chave desse sistema de sinais da linguagem sendo capaz de controlar a atividade externa e direcionar o comportamento humano13 Neste sistema de sinais da linguagem a palavra se destaca pela sua vinculação com o pensamento Para elucidar a formação da ligação entre o pensamento e a palavra seja ela verbalizada ou não e seu subsequente desenvolvimento Vigotski destaca o significado da palavra como a unidade 10 Ibid 11 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 12 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 13 Ibid 16 indivisível entre ambos os processos o significado da palavra é ao mesmo tempo um fenômeno de discurso e intelectual14 Em Vigotski a compreensão do papel funcional do significado da palavra no ato do pensamento requer a análise do processo que interliga o significado da palavra à atividade mental especialmente na forma como a criança emprega a palavra para auxiliála na resolução de tarefas apresentadas a ela É importante destacar que a relação entre pensamento e palavra é um processo dialético que passa por várias fases as quais estão não apenas relacionadas à idade da criança mas principalmente à sua capacidade de utilizar a palavra para direcionar sua atenção e sua memória durante as diversas operações que realiza pois A palavra enquanto signo pode ser utilizada de diferentes maneiras como meio de comunicação e organização da ação para a concretização das operações intelectuais necessárias É justamente a observação do modo como a criança utiliza a palavra nessas circunstâncias que nos permite compreender em que estágio de desenvolvimento intelectual ela se encontra bem como nos possibilita obter indícios que apontem para a explicação do processo de formação dos conceitos na criança tornando possível compreender como ela se vale da linguagem para organizar voluntariamente seu pensamento15 Explica Umberto Eco que a semiótica é a disciplina que estuda as relações entre o código e a mensagem entre o signo e o discurso16 E as palavras do ponto de vista da semântica e semiótica estão relacionadas por meio do estudo dos signos e dos significados na linguagem e na comunicação humana Como disciplina da linguística a semântica se concentra no estudo do significado das palavras frases e expressões em um determinado contexto A análise dos sinais linguísticos serve para verificação de como esses sinais são utilizados para transmitir informações Ademais a análise ajuda na compreensão de como os significados são atribuídos e interpretados pelos falantes de uma determinada língua De acordo com o médico alemão Petri17 a língua desempenha um papel fundamental como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade na qual ele está inserido É por meio da língua que a realidade se converte em signos com a associação de 14 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 p 398 15 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 p 932 16 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 19 17 PETRI Maria José Constantino Manual de linguagem jurídica São Paulo Saraiva 2008 17 sons a significados possibilitando assim a comunicação linguística A semântica está preocupada com a compreensão dos significados das unidades linguísticas e como elas se relacionam entre si para formar estruturas de sentido18 Por outro lado a semiótica é uma disciplina mais ampla que investiga os processos de comunicação e significação em diferentes sistemas de signos não se limitando apenas à linguagem verbal Ela estuda os signos e os sistemas de signos em geral incluindo não apenas palavras e frases mas também imagens gestos símbolos códigos culturais e outros elementos que são utilizados para representar e comunicar significados No estudo da semiótica é fundamental destacar que essa disciplina derivada do termo grego semeion que significa signo constituise como a teoria geral dos signos De acordo com Peirce19 um dos principais teóricos da semiótica um signo é algo que representa alguma coisa para alguém em um contexto específico Dessa forma o caráter essencial do signo é sua capacidade de representação de estar presente em lugar de algo ausente e não ser o próprio algo em si O signo atua como um mediador entre o objeto ausente e o intérprete presente sendo responsável por facilitar a compreensão e a interpretação do mundo ao nosso redor É por meio da articulação dos signos que se constrói o sentido permitindo a comunicação e a troca de significados entre os indivíduos20 A semiótica busca compreender como os signos são produzidos interpretados e utilizados em diferentes contextos culturais e sociais21 Enquanto a semântica se concentra especificamente no estudo dos significados das palavras e das estruturas linguísticas a semiótica amplia essa análise para incluir uma variedade de sistemas de signos e os processos de comunicação e significação que ocorrem dentro deles Em resumo a semântica é uma subárea da linguística enquanto a semiótica é uma disciplina mais abrangente que transcende os limites da linguagem verbal22 12 A linguagem em Umberto Eco 18 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 19 Peirce apud NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 20 NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 21 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 22 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 18 Umberto Eco23 renomado semiótico italiano dedicou boa parte de sua obra à investigação da linguagem em suas diversas formas e aplicações Sua abordagem é abrangente desde questões filosóficas e teóricas até análises práticas da linguagem em diferentes contextos culturais e sociais Obra Aberta24 é uma obra seminal que estabeleceu a reputação de Umberto Eco como um teórico internacionalmente reconhecido Publicada pela primeira vez em 1962 esta coletânea de artigos oferece uma visão da evolução do conceito de abertura um tema central na obra de Eco Este conceito desenvolvido ao longo do final da década de 1950 é evidente não apenas no conteúdo dos ensaios mas também na própria composição da coletânea Na introdução à edição brasileira Eco destaca a natureza fluida e em constante evolução de Obra Aberta Ele revela que desde a redação do primeiro ensaio em 1958 nunca parou de revisálo Cada edição seja em francês italiano espanhol ou em outras línguas apresenta variações significativas entre si Eco enfatiza que até mesmo a segunda edição italiana na qual esta edição brasileira se baseia difere das demais Essas diferenças ilustram a natureza aberta e adaptável da obra refletindo o próprio conceito de abertura que Eco explora em seus ensaios A partir dessas reflexões é possível entender Obra Aberta25 não apenas como uma coletânea de ensaios mas como um exemplo vivo do conceito que busca elucidar A obra de Eco continua a desafiar e inspirar leitores e estudiosos demonstrando como a noção de abertura pode se manifestar não apenas no conteúdo de uma obra mas também em sua própria forma e evolução ao longo do tempo e das traduções Em seus estudos Eco explorou temas como a natureza da linguagem suas funções comunicativas e seus mecanismos de significação Ele enfatizou a complexidade e a ambiguidade da linguagem destacando como as palavras podem adquirir diferentes significados dependendo do contexto em que são utilizadas e das convenções compartilhadas pelos falantes de uma determinada comunidade linguística 23 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 24 ECO Umberto Obra aberta 1962 São Paulo Perspectiva 1968 25 Ibid 19 Além disso Eco investigou os processos de codificação e decodificação da linguagem analisando como os signos são produzidos e interpretados pelos indivíduos Ele também examinou a relação entre linguagem e pensamento argumentando que a linguagem é fundamental na estruturação e na expressão do pensamento humano No debate hermenêutico nas primeiras décadas de XX se confrontavam duas abordagens distintas sobre a interpretação de textos Por um lado havia a busca pelo sentido do texto na intenção do autor ou seja o que o autor quis dizer com suas palavras Por outro lado surgia a perspectiva de analisar o texto por si só independente das intenções do autor buscando compreender o que o texto diz por si mesmo em relação à sua coerência contextual e aos sistemas de significação que o sustentam26 De forma gradativa ocorreu o abandono pela busca da intenção do autor como única fonte de significado surgindo uma oposição entre outras duas abordagens na interpretação textual A primeira é o enfoque generativo que se concentra nas regras de produção do texto buscando entender como o texto é construído e organizado Já no enfoque interpretativo há a volta para a recepção do texto pelo destinatário considerando seus próprios sistemas de significação e desejos27 Karam28 explica que a partir dessas perspectivas Eco distingue entre a interpretação semântica que se concentra nos aspectos linguísticos e na estrutura do texto e a interpretação crítica que considera o contexto social cultural e histórico na análise do texto Enquanto a interpretação semântica é realizada pelo leitor modelo ingênuo que se limita à compreensão literal do texto a interpretação crítica busca ir além analisando as entrelinhas as conexões simbólicas e as possíveis camadas de significado presentes no texto29 Essas distinções são fundamentais para uma compreensão mais ampla e aprofundada da significação textual contribuindo para uma análise mais rica e complexa dos discursos e das obras literárias Eco30 explica que 26 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 27 Ibid 28 Ibid 29 Ibid 30 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 12 20 o resultado do processo pelo qual o destinatário diante da manifestação linear do texto preenchea de significado é aquela por meio da qual procuramos explicar por que razões estruturais pode o texto produzir aquelas ou outras alternativas interpretações semânticas Umberto Eco31 destaca a diferença entre o uso e a interpretação de um texto enfatizando que toda interpretação parte da leitura semântica para chegar à leitura crítica Enquanto a leitura semântica se baseia na compreensão literal do texto a leitura crítica busca analisar e interpretar além do significado superficial considerando o contexto as entrelinhas e as possíveis camadas de significado presentes no texto No entanto Eco observa que o uso de um texto pode ir além do seu significado semântico podendo ignorálo completamente e atribuirlhe arbitrariamente qualquer significado muitas vezes atendendo a suposições e interesses do leitor Isso pode levar a interpretações equivocadas e distorcidas do texto que não se fundamentam em uma análise cuidadosa e justificável Assim a instrumentalização do texto ou seja o uso do texto para atender a propósitos alheios à sua verdadeira intenção está relacionada à ausência ou à precariedade da justificativa que fundamentaria a atribuição de sentido oferecida Eco adverte que entre a intenção inacessível do autor e a discutível intenção do leitor encontrase a intenção transparente do texto Esta última muitas vezes contesta interpretações que são insustentáveis à luz do próprio texto ressaltando a importância de uma abordagem crítica e cuidadosa na interpretação textual32 Outro aspecto importante da abordagem de Eco é sua ênfase na intertextualidade e na interdisciplinaridade Ele reconheceu que a linguagem não existe em um vácuo mas está intrinsecamente ligada a outras formas de expressão cultural como a literatura a arte e a música Nesse sentido suas análises da linguagem frequentemente dialogam com outros campos do conhecimento enriquecendo assim sua compreensão da complexidade da comunicação humana O trabalho de Umberto Eco sobre a linguagem oferece uma visão ampla e profunda desse fenômeno fundamental da experiência humana Sua abordagem interdisciplinar e sua perspectiva sofisticada continuam a influenciar estudiosos de linguagem e comunicação em todo o mundo proporcionando conhecimentos 31 Ibid 32 Ibid 21 valiosos sobre a natureza e o funcionamento da linguagem em suas diversas manifestações Na área do Direito os estudos de Umberto Eco sobre semiótica fornecem a compreensão da linguagem jurídica A semiótica de Eco enfatiza a importância do contexto e da interpretação na atribuição de significados aos signos jurídicos o que é fundamental para a análise e a aplicação das normas legais Além disso sua abordagem pragmática da semiótica ressalta a necessidade de considerar o uso e a função dos signos jurídicos em situações específicas levando em conta o contexto social cultural e histórico em que são empregados33 Os estudos de Eco34 também podem ajudar a entender como a linguagem jurídica é usada como uma ferramenta de persuasão e argumentação no contexto legal Suas reflexões sobre retórica e argumentação podem ser aplicadas para analisar como os advogados e os juristas constroem seus argumentos e persuadem os juízes e os júris em casos judiciais Além disso sua abordagem da linguagem como um sistema de signos dinâmico e em constante evolução auxiliam a compreender como a linguagem jurídica se adapta e se transforma ao longo do tempo refletindo mudanças na sociedade e na cultura Desta forma ao analisar as obras e os estudos de Umberto Eco sobre linguagem e semiótica é notável que as contribuições do autor oferecem uma base teórica sólida para a compreensão da linguagem usada na área do Direito ajudando a analisar e interpretar de forma mais profunda e abrangente os textos legais as decisões judiciais e os discursos jurídicos O Direito em sua função de regular comportamentos socialmente aceitáveis não apenas reconhece mas também antecipa a dinâmica dos eventos Isso é evidenciado pela existência de lacunas legais que permitem análises minuciosas pela inclusão do plano do deverser como parte integrante do sistema jurídico e pela consideração da complexidade dos fenômenos humanos durante reformas 33 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 34 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 22 legislativas e na interpretação das leis Essas práticas incentivam abordagens inovadoras na interpretação das normas legais35 Ao considerar o Direito como um fenômeno cultural que surge do processo criativo humano é importante destacar a necessidade de uma interpretação normativa flexível e aberta Uma vez que o direito é moldado pela sociedade é compreensível que ele reflita os acontecimentos do dia a dia a diversidade e a integração de elementos da realidade Nesse sentido o estudo da semiótica jurídica é relevante pois promove a reflexão sobre o discurso jurídico como parte integrante de um campo de conhecimento mais amplo que não deve ser isolado dos demais posto que suas fundamentações estão intrinsecamente ligadas às necessidades humanas36 13 A importância da semântica para o Direito Ricardo Guastini professor emérito de Filosofia do Direito e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência explica que o Direito moderno é um fenômeno essencialmente linguístico O direito é o discurso das autoridades normativas ou seja um conjunto de textos enunciados jurídicos que expressam normas Um discurso uma sequência de enunciados de palavras dotadas de forma sintática e sentidos completos Os enunciados que compõem o direito são prescritivos normativos diretivos Nesse contexto a Jurisprudência é uma metalinguagem uma linguagem de segundo grau e a sua linguagem objeto é o Direito Ela é deste modo a análise da linguagem do Direito37 Ao discorrer sobre o fenômeno do Direito nesta perspectiva o estudo da linguagem se faz necessário A linguagem é uma complexa ferramenta de comunicação humana38 Mas a linguagem não só é uma importante ferramenta para o intercâmbio de informações e conhecimentos mas também pode ser utilizada como uma forma de controle39 35 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 36 NASCIMENTO Lorivaldo A religião como fenômeno cultural à luz da Constituição federal de 1988 Meritum v 13 n 2 p 394419 2018 37 Guastini Riccardo Las dos caras de la filosofía analítica del derecho positivo Italia Istituto Tarello per la Filosofia del diritto 2016 38 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 17 39 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 19 23 Maria Celeste Cordeiro Leite Santos40 explica que Saussure definiu o discurso como linguagem em ação o discurso é assumido nesta acepção como uma ação humana ato de falar que serve de signos ação em que alguém apela ao entendimento de outrem Assim enfatiza a autora a língua é um sistema de signos que se estruturam uns aos outros O fenômeno linguístico concreto é o discurso speech um ato de discurso e uma sequência fonética de estrutura sintática correta com significado semântico e função pragmática41 A linguagem desempenha um papel fundamental ao traduzir e fixar o pensamento por meio das palavras sendo essencial para a clareza do pensamento uma vez que um maior conhecimento vocabular contribui para uma maior clareza mental ou melhor escola dessas palavras42 Em suma de acordo com o ambiente que se desenvolve a linguagem mas atenção deve o locutor desprender para atribuir corretamente as palavras De acordo com o Ensaio sobre a Origem da Linguagem 1772 escrito pelo filósofo e escritor alemão Johann Gottfried Von Herder a linguagem não se limita apenas a ser um instrumento de comunicação mas é intrínseca ao próprio ato do pensamento O conhecimento não pode ser dissociado da forma linguística em que é expresso e por essa razão a linguagem também representa o limite ainda que flexível do pensamento Além disso a linguagem não é organizada apenas de acordo com princípios racionais posto que as palavras têm o poder de irradiar a capacidade de comunicação para os mais diversos aspectos da vida e das forças que a permeiam modificandoa e expressandoa de maneira única43 Segundo Bakhtin44 a linguagem é concebida como um processo coletivo no qual os membros de uma sociedade ou grupo social criam e recriam ao longo da história um sistema articulado de significados e uma visão de mundo por meio da interação verbal Bakhtin em sua análise concebe a linguagem como uma prática social fundamentada na língua percebendo esta última não como um sistema 40 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 122123 41 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 123 42 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 43 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 44 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 24 abstrato mas como um processo em constante evolução moldado pelo fenômeno da interação verbal na sociedade Citado autor enfatiza a importância da fala como um fenômeno social e não individual intrinsecamente ligado à enunciação que estabelece a intersubjetividade e promove a interação entre os falantes A visão de Bakhtin ressalta a dimensão social da linguagem situando tanto na língua quanto nos indivíduos que a utilizam dentro de um contexto sóciohistórico45 Ele argumenta que a língua se manifesta na vida por meio de enunciados concretos assim como a vida influencia a língua Nesse processo dinâmico a linguagem se torna um campo de conflito ideológico refletindo e expressando as divergências e contradições presentes na sociedade Portanto a palavra pode ser considerada sob a ótica de Bakhtin como um fenômeno ideológico carregando consigo valores culturais que refletem os conflitos e as discordâncias sociais o que a torna um espaço privilegiado para a manifestação e o embate de ideias A filosofia da linguagem segundo Umberto Eco dos estoicos passando por Santo Agostinho até Wittgenstein aborda os sistemas da lógica formal lógica das linguagens naturais bem como a semântica a sintática e a pragmática tratando deste modo da semiótica Ao construir o sistema da semiótica se construí a ideia de que o homem é um animal simbólico Explica Umberto Eco citando Saussure que a semiótica é uma ciência que estuda a vida dos signos no marco da vida social Os signos são entidades de duas caras significante e significado que se estabelecem de um sistema de regras Eles expressam ideias que são fenômenos do humano são artifícios comunicativos portanto artificiais convencionais como o alfabeto Já Peirce segundo Umberto Eco considera que a semiótica é a doutrina da natureza essencial e de variantes fundantes de qualquer classe possível de simiosis Os simiosis são uma ação uma cooperação de um signo seu objeto e seu interpretante Aqui se tem três entidades abstratas O signo é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém Já essa outra coisa precisa de um interpretante que é outro signo que traduz e explica o signo anterior e assim infinitamente46 O signo é estudo sob a perspectiva da sintática semântica e pragmática A sintática estuda a relação entre os signos é a teoria da construção da linguagem É 45 Ibid 46 UMBERTO Eco Tratado de Semiótica General BarcelonaValentino Bompiani 2000p 26 UMBERTO Eco A Estrutura Ausente São Paulo Perspectiva P 17 25 um sistema de signo que se relaciona de acordo com regras sintáticas de formação que permite combinar signos elementares e as de derivação que geram novas expressões Já a semântica estuda a relação dos signos com os objetos verificando os modos e regras segundo os quais as palavras aplicamse aos objetos Essa relação a que vincula as afirmações do discurso com o campo a que ele se refere A pragmática estuda a relação dos signos com os usuários47 A relação entre semântica e Direito é um campo que pode ser entendido como o estudo que investiga como a linguagem influencia na atividade de interpretação e aplicação do direito A semântica como disciplina linguística concentrase na análise dos signos e sua relação com os objetos Mas essa relação já era bem explorada pelos juristas romanos que já sabiam que existiam expressões no Direito que intelectum iuris habebant 48 ou seja expressões que não teriam outro referente a não ser um conceito que muitas vezes era criado pelo Direito Em outras palavras um modelo conceitual que não corresponde a nenhum objeto material49 Também se destaca que uma das primeiras obras semânticas registradas está incluída em um livro de Direito Tratase do título 16 do livro do livro 50 do Digesto de Justiniano cujo título De verborum significatione ou seja Dos significados das palavras sendo ali explorado o 246 passagens de juristas que precisam o significado e alcance de determinadas expressões jurídicas50 No âmbito jurídico essa relação entre Direito e semântica aparece claramente na atividade de interpretação do Direito Assim a precisão na interpretação de termos legais é essencial e necessária para a aplicação das leis uma vez que o direito tem como uma de suas funções regularizar condutas51 A linguagem jurídica é conhecida por sua complexidade e especificidade muitas vezes contendo termos técnicos e expressões com significados precisos dentro do contexto legal 47 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 4045 48 Digesto 5 3 50 49 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 50 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 51 MORRIS Charles Writings on the general theory of signs p 210 In ARAUJO Clarice von Oertzen de Semiótica jurídica Enciclopédia jurídica da PUCSP Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire Coord Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito Celso Fernandes Campilongo Álvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire coord de tomo 1 ed São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2017 Disponível em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete96edicao1semioticajuridica Acesso em 10 fev 2024 26 A semântica desempenha um papel fundamental na interpretação desses termos garantindo que as leis sejam aplicadas de maneira consistente e coerente52 Assim as se torna praticamente inevitável as leis devem ser sempre interpretadas53 A fixação do significado de uma palavra no contexto jurídico exigirá sempre a análise que inclui os usos linguísticos da palavra no sentido comum e técnicojurídico pois a linguagem dos juristas se distingue da linguagem comum dando assim melhor precisão Além disso a semântica é essencial na redação de contratos estatutos e outras formas de documentos legais Uma escolha inadequada de palavras ou uma formulação ambígua pode levar a interpretações equivocadas e litígios Portanto os redatores jurídicos devem estar cientes das nuances semânticas e buscar uma linguagem clara e precisa54 Outro aspecto relevante é a interpretação legislativa e judicial Os tribunais muitas vezes são confrontados com questões de interpretação de termos legais e sua aplicação a casos específicos A semântica desempenha um papel central na análise dessas questões ajudando os juízes a entenderem o significado exato da lei e como ela se aplica aos fatos em questão55 Ambiguidade e vagueza Há distintos objetos que podem ser designados pela mesma palavra que não são agrupados de forma arbitraria ou casual sempre existindo um critério para o seu uso Quando agrupamos distintos objetos e aludimos com a mesma palavra quando há certas propriedades comum As palavras têm a função de denotar o conjunto de objetos que exibem as características ou propriedades por isso aplicamos a mesma palavra e conotam essas propriedades Assim as palavras possuem um significado denotativo ou extensão conjunto de objetos os quais se aplica a palavra e outro significado conotativo ou intensão 52 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 53 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 54 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 55 Ibid 27 propriedades por virtude as quais aplicamos a esses objetos uma mesma palavra É como se uma palavra fosse usada para conotar a reunião de propriedade56 Mas nem sempre as palavras são usadas para conotar as mesmas propriedades dependendo muitas vezes do contexto linguístico do uso sendo que em alguns casos há dúvidas sobre o uso de determinada palavra Este aspecto importante da interseção entre semântica e direito é a ambiguidade linguística Esta por sua vez é uma característica intrínseca da linguagem que pode ocorrer quando uma palavra expressão ou estrutura sintática possui mais de um significado ou interpretação possível Essa ambiguidade pode surgir de diferentes maneiras como por meio de duplo sentido polissemia homonímia ou ainda pela falta de clareza na construção da frase Onofre Sossolote 2015 Essa ambiguidade pode ser tanto uma ferramenta criativa na literatura permitindo jogos de palavras e interpretações múltiplas quanto uma fonte de confusão na comunicação cotidiana Em contextos formais como o jurídico ou o científico a ambiguidade linguística pode ser especialmente problemática uma vez que a precisão e a clareza na comunicação são essenciais para evitar mal entendidos e interpretações equivocadas57 Para lidar com a ambiguidade linguística é importante utilizar estratégias como o esclarecimento do contexto a definição precisa dos termos utilizados e a formulação de frases claras e concisas Além disso para o receptor da mensagem é fundamental ao buscar esclarecer qualquer dúvida ou interpretação ambígua por meio de perguntas ou solicitações de esclarecimento Palavras e frases podem ter múltiplos significados ou interpretações o que pode levar a disputas sobre a aplicação da lei A análise semântica ajuda a esclarecer essas ambiguidades e a determinar os significados por trás das leis e regulamentos58 E outros casos há incerteza na aplicação ou interpretação assim a dúvida recai sobre o campo de aplicação ocorrendo uma imprecisão A imprecisão está em uma zona mais ou menos estendida de casos em que a palavra poderia ser usada 56 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 28 57 ONOFRE Marília Blundi SOSSOLOTE Cássia Regina Coutinho Ambiguidade Paráfrase e Desambiguização Linguasagem v 24 n 1 2015 58 COSTA Larissa Silva SANTOS Maria José Veloso da Costa GUEDES Vania Lisboa da Silveira Estudo da terminologia da área disciplinar de Direito e a proposição de um Sistema de Organização do Conhecimento em Direito Penal Encontros Bibli revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação v 27 p 121 2022 28 No direito aparece esse fenômeno quando falamos de prazo razoável erro substancial injúria grave perigo iminente velocidade excessiva59 O termo se torna vago quando há três zonas uma central de certeza positiva a aplicação não oferece dúvida uma certeza negativa de que o termo não se aplica e uma outra zona de penumbra a aplicação é duvidosa60 A relação entre semântica e direito é profunda e complexa A análise semântica é essencial na interpretação e aplicação do direito garantindo que as leis sejam interpretadas de maneira precisa e consistente e que os documentos legais sejam redigidos de forma clara e inequívoca Incidência e aplicação do direito David Hume61 ao abordar a metaética destacou a distinção entre afirmações descritivas e prescritivas enfatizando a impossibilidade de derivar o deverser a partir do ser Nessa perspectiva enunciados factuais apenas implicam outros enunciados factuais Por outro lado o direito enquanto subsistema social está intimamente relacionado aos fatos Ele se baseia em fontes materiais por meio do processo de enunciação dos fatos jurídicos ou normas de conduta orientadas para a conduta humana A premissa de que a linguagem do direito constitui a realidade jurídica destaca a intersecção de linguagens A construção de uma regra jurídica sua formulação com uma estrutura lógica a confirmação da hipótese de incidência e sua aplicação sobre a situação concreta são considerados eventos factuais O ingresso do fato no contexto jurídico é o que caracteriza o fenômeno do fato jurídico O jurista ao interpretar uma norma jurídica deve analisar minuciosamente os componentes da hipótese de incidência compreendendo as consequências que estão previamente determinadas62 É essencial para a construção da base normativa que o jurista participe ativamente na formação do fato jurídico As prescrições jurídicas são concebidas como proposições que envolvem os termos obrigatório proibido e permitido direcionadas às ações humanas Dessa maneira as ações não são meramente intervenções no contexto social ou natural mas também interferências que abordam 59 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 32 60 SESMA Victoria Iturralde Lenguaje Legal y Sistema Jurídico Tecnos Madrid 1989 p 33 61 HUME David A treatise on human nature Livro III Nova York 1961 62 CARVALHO Paulo de Barros Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência 9 ed São Paulo Saraiva 2012 29 como as coisas deveriam ou poderiam ter ocorrido apresentando características de tipicidade É nesse sentido que ocorre o recorte da realidade social conferindo ao fato sua natureza jurídica63 O Direito sendo um fenômeno comunicacional e linguístico está intrinsecamente ligado ao contexto e portanto todo enunciado dentro desse contexto é considerado argumentativo A mensagem transmitida ocorre através de um canal estabelecido entre o autor e o receptor cujo significado é determinado pela intenção de quem transmite e pela interpretação do receptor A significação resulta da interação entre elementos linguísticos que se relacionam com o contexto incluindo o implícito o pressuposto e o subentendido64 Uma frase é uma estrutura linguística que possui relações sintáticas e uma semântica enquanto um enunciado vai além incorporando informações derivadas da situação em que é produzido ou seja seu contexto Assim a compreensão de um enunciado no Direito depende não apenas da análise da estrutura linguística mas também da consideração do contexto em que é proferido65 O fenômeno da incidência normativa ocorre quando se descreve um evento do mundo físicosocial ocorrido em circunstâncias específicas de espaço e tempo que se alinha estreitamente com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata também conhecida como regramatriz de incidência Em decorrência disso surge necessariamente outro enunciado protocolar e denotativo por razões de obrigação jurídica estabelecendo uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito Esse segundo enunciado seguindo uma sequência lógica e não cronológica deve estar em total conformidade com os critérios estabelecidos para as consequências da norma geral e abstrata66 Assim enquanto na norma geral e abstrata há um enunciado conotativo na norma individual e concreta há um enunciado denotativo ambos possuindo a prescritividade intrínseca à linguagem jurídica Essa distinção entre os enunciados reflete a aplicação prática da norma jurídica a casos específicos mantendo a coerência e a consistência dentro do sistema jurídico67 63 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 64 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 65 Ibid 66 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 67 Ibid 30 Em Paulo de Barros há normas jurídicas onde existe uma linguagem própria que as materialize O autor cita dois planos o direito positivo formado pelas normas jurídicas e materializado em linguagem prescritiva sintaticamente fechado em uma linguagem própria e a realidade social O mundo social para ser jurídico deve integrar o sistema do direito positivo onde se instalam as consequências jurídicas Explica Paulo de Barros Ali onde houver direito haverá sempre normas e onde houver normas jurídicas haverá certamente uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão Para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito necessária se faz também a existência de uma linguagem linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se instaura entre duas pessoas E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade porquanto se ocorrerem alterações na circunstância social descrita no antecedente de regra jurídica como ensejadora de efeitos de direito mas que por qualquer razão não vieram a encontrar a forma própria de linguagem não serão considerados fatos jurídicos e por conseguinte não propagarão direitos e deveres68 Assim a incidência não é automática pois depende de uma linguagem competente atribuindo juridicidade ao fato e imputando efeitos jurídicos O Direito dispõe de normas gerais e abstratas que não atuam diretamente sobre as condutas intersubjetivas sendo que a partir das normas gerais e abstratas são criadas outras individuais e concretas diretamente voltadas aos comportamentos atuando em cada caso69 Isto ocorre com a aplicação do direito aplicação do direito é incidência pois a norma jurídica não incide sozinha ela precisa ser aplicada70 Fabiana Del Padre Tomé71 argumenta que o sistema do direito positivo estabelece os momentos nos quais os fatos devem ser estabelecidos por meio da linguagem das provas as quais são essenciais para tornar os eventos da vida social juridicamente reconhecidos e igualmente fundamentais para as regras jurídicas A positivação desses fatos depende da sua conformidade com a descrição da hipótese normativa Quando ocorre a subsunção ou seja quando o fato jurídico descrito na linguagem prescrita pelo direito coincide com a descrição da hipótese legal estabelecese por meio da ação humana o vínculo abstrato pelo qual o sujeito ativo 68 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 10 69 CARVALHO Aurora Tomazini de de teoria geral do direito o construtivismo lógicosemântico 2 ed São Paulo Noeses 2010 P245 70 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 9 71 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 31 adquire o direito subjetivo de exigir a prestação enquanto o sujeito passivo fica obrigado a cumprila72 Além disso é importante considerar a pluridimensionalidade do fato ou seja examinálo sob diferentes perspectivas Um mesmo fato jurídico pode afetar diversos bens juridicamente protegidos que podem ser distintos e gerar diversas relações jurídicas inclusive de natureza sancionatória estritamente tributária ou penal por exemplo no caso de descaminho envolvendo questões tributárias e criminais e até mesmo a incidência de dois ou mais tributos como na importação Nestes casos o intérprete do direito realiza um esforço para selecionar os valores desejáveis pelo respectivo ramo do direito sem se preocupar com considerações pertencentes a outras áreas do ordenamento jurídico embora isso não signifique que tais considerações não existam isso justifica a realização deste corte metodológico específico73 Desta forma a relação entre semântica e direito é de extrema importância na compreensão do funcionamento do sistema jurídico A semântica como campo da linguística que estuda o significado das palavras e das sentenças é fundamental na interpretação e na aplicação das normas jurídicas A partir das discussões apresentadas por diversos autores tornase evidente que a linguagem jurídica não é apenas um instrumento de comunicação mas também um meio de construção da realidade jurídica No contexto do direito as palavras e as sentenças possuem um significado específico que vai além do seu sentido comum na linguagem cotidiana Os enunciados jurídicos são formulados de maneira precisa e técnica visando a expressar de forma clara e inequívoca as normas e os princípios que regem as relações sociais A linguagem jurídica portanto possui características próprias que a distinguem de outros tipos de linguagem como a linguagem coloquial ou a linguagem técnica de outras áreas do conhecimento74 A compreensão da semântica no contexto jurídico é essencial para a interpretação das normas e para a solução de conflitos de interpretação Através de uma análise semântica cuidadosa é possível identificar o verdadeiro sentido e 72 Ibid 73 Ibid 74 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 COULTHARD Malcolm COLARES Virgínia SOUSASILVA Rui Linguagem Direito os eixos temáticos Recife ALIDI 2015 32 alcance das disposições legais evitando interpretações arbitrárias ou distorcidas que possam comprometer a segurança jurídica Além disso a semântica é fundamental na redação de contratos decisões judiciais e outros documentos jurídicos garantindo que estes sejam claros precisos e inequívocos É importante ressaltar que a relação entre semântica e direito não se limita apenas à interpretação das normas jurídicas mas também abrange questões mais amplas relacionadas à comunicação e à argumentação no âmbito jurídico Uma compreensão sólida da semântica é portanto essencial para todos aqueles que atuam no campo do direito contribuindo para uma aplicação mais justa eficiente e coerente das leis 14 A língua como ferramenta no meio jurídico Ao abordar A língua como ferramenta no meio jurídico devese alertar os profissionais do direito sobre os riscos associados ao descaso com a linguagem jurídica destacando os problemas decorrentes dessa negligência Essa atitude para os advogados pode impactar negativamente diversos aspectos como o insucesso nas demandas dos clientes Para os profissionais do direito o descuido pode ter como consequência a reputação prejudicada e o atraso no andamento dos processos e procedimentos legais No contexto jurídico o direito se manifesta por meio da palavra sua ferramenta funcional essencial presente em diversos documentos como leis pareceres razões sentenças acórdãos e outros atos judiciais os quais demandam o uso da linguagem para a compreensão da matéria jurídica Assim a expressão lógica concisa clara e precisa representa uma qualidade essencial da linguagem jurídica escrita75 É imprescindível desconstruir a imagem distorcida que muitas pessoas têm dos profissionais do direito e a linguagem desempenha um papel fundamental nesse processo Os profissionais devem manter e utilizar palavras adequadas ao conteúdo que desejam comunicar A linguagem clara e tecnicamente precisa sempre favorece a comunicação e é mais útil para melhor aplicação do direito Portanto a análise dos textos jurídicoprocessuais deve contemplar problemas linguístico 75 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 33 gramaticais e de coerência que podem comprometer a transmissão eficaz da informação ou até inviabilizar a comunicação como um todo76 A Língua Portuguesa é notável por sua vasta gama de recursos o que pode tornar sua utilização desafiadora especialmente no âmbito jurídico Nesse contexto o direito emerge como uma ciência essencialmente relacionada à palavra representando o dinâmico emprego da linguagem Para compreender adequadamente esse contexto é necessário elucidar alguns conceitos fundamentais relacionados ao funcionamento da linguagem A Linguagem é um sistema de signos empregado para estabelecer a comunicação sendo a linguagem humana considerada o sistema mais complexo de todos Seu surgimento e desenvolvimento estão intrinsecamente ligados à necessidade de comunicação entre os seres humanos sendo resultado do aprendizado social e reflexo da cultura de uma determinada comunidade Dominar a linguagem é essencial para a integração do indivíduo na sociedade77 A linguagem verbal é a capacidade que o ser humano possui de expressar seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais denominado língua Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para sua utilização Assim qualquer forma de linguagem se desenvolve com base no uso de um sistema ou código de comunicação ou seja a língua A linguagem é uma característica universal da humanidade enquanto a língua é o sistema linguístico particular de uma determinada comunidade grupo ou povo78 O sistema de linguagem é a estrutura organizacional que rege uma língua enquanto a língua é o código que viabiliza a comunicação composto por signos e suas combinações A língua possui um caráter abstrato e é manifestada por meio de atos de fala individuais Dessa forma enquanto a língua representa um conjunto de potencialidades dos atos de fala estes por sua vez são atos de realização concreta da língua79 É de extrema relevância no âmbito jurídico saber expressarse de maneira adequada e precisa A formulação dos argumentos e pedidos por exemplo em uma petição pelo profissional do direito depende em grande parte da habilidade de 76 OLIVEIRA Ana Larissa Adorno Marciotto DIAS Luiz Francisco MARQUES João Pedro Cirino Linguagem jurídica produção textual direito e argumentação Editora Diálogos 2023 v 1 77 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 78 Ibid 79 Ibid 34 empregar as palavras de forma precisa e contextualizada combinandoas com seu conhecimento para alcançar os objetivos do cliente Para isso é necessário utilizar um vocabulário adequado e dominar a arte de contextualizar as palavras A comunicação humana é amplamente mediada pela palavra estabelecendo assim a linguagem como um dos principais meios de interação entre os indivíduos Em todos os níveis de manifestação como humanidade comunidade e indivíduo o homem está intrinsecamente ligado ao fenômeno da linguagem Desconsiderar a importância dessa ligação seria negligenciar uma realidade fundamental O pensamento humano e sua expressão por meio da palavra conferem ao homem uma posição destacada na hierarquia zoológica distinguindoo entre os demais seres vivos80 Segundo Xavier81 devese saber utilizar esse dom da evolução de forma competente e ética pois o poder da palavra exerce uma influência profundamente conservadora em nossas vidas Assim é inegável que a palavra e o direito estão intrinsecamente interligados pois o Direito é a ciência da palavra Para o jurista dirseá agora a palavra é seu cartão de visita82 A palavra é fundamental nas diversas atividades realizadas pelo profissional do direito como peticionar contestar apelar arrazoar inquirir persuadir provar tergiversar julgar absolver ou condenar Portanto é imprescindível que os profissionais tenham cautela ao lidar com os termos utilizados na prática jurídica Existem exemplos claros em que há sutis diferenças semânticas entre termos que podem passar despercebidas para o leigo mas que possuem significados distintos no contexto jurídico Por exemplo os termos domicílio residência e habitação têm significados jurídicos específicos que os diferenciam entre si Da mesma forma termos como posse domínio ou propriedade83 possuem nuances que os distinguem uns dos outros Além disso certos conceitos jurídicos como decadência prescrição preclusão e perempção embora possam parecer similares em seu sentido geral possuem significados distintos e implicam em consequências jurídicas específicas É fundamental que se tenha ciência dessas diferenças e utilize os termos de maneira 80 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 81 Ibid 82 Ibid p 10 83 Ibid p 11 35 precisa e adequada de acordo com o contexto e a natureza da questão jurídica em questão84 As formas linguísticas podem apresentar variações que são conhecidas como variantes linguísticas Entre essas variantes é possível destacar a distinção entre a língua padrão e a língua nãopadrão A língua padrão referese à forma de linguagem que é considerada normativa sendo utilizada em contextos formais como na escrita oficial na literatura e na comunicação formal Por outro lado a língua nãopadrão engloba as formas de linguagem que fogem às normas estabelecidas sendo frequentemente utilizadas em contextos informais e coloquiais85 Ademais também é comum observar a diferenciação entre a linguagem culta ou padrão e a linguagem popular ou subpadrão A linguagem culta ou padrão é aquela que segue as normas gramaticais e vocabulário considerados mais elevados sendo associada a grupos sociais privilegiados e utilizada em situações formais Já a linguagem popular ou subpadrão é caracterizada por uma linguagem mais informal com menos rigidez gramatical e vocabulário mais acessível sendo comumente utilizada em contextos cotidianos e informais86 Essas variantes linguísticas refletem as diversidades culturais sociais e regionais de uma comunidade contribuindo para a riqueza e a complexidade da linguagem humana As variações extralinguísticas ocorrem devido a fatores sociológicos variações originadas por idade sexo profissão nível de estudo classe social raça geográficas compreendem variações regionais Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua particularmente com relação ao vocabulário e expressões idiomáticas contextuais envolve assunto tipo de interlocutor lugar em que a comunicação ocorre relações que unem interlocutores87 Medeiros e Tomasi88 destacam a importância do estudo dos diferentes níveis de linguagem para o cotidiano de um profissional do direito Segundo eles existem três níveis de linguagem distintos o nível culto o nível comum e o nível popular 84 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 85 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 86 Ibid 87 Ibid p 25 88 Ibid 36 O nível culto é predominantemente utilizado por intelectuais diplomatas e cientistas especialmente na forma escrita Na modalidade oral é empregado em discursos de cerimônias e em situações formais como audiências em tribunais Caracterizase por um vocabulário diversificado e uma sintaxe complexa incluindo a linguagem técnica e científica a linguagem burocrática e a linguagem profissional A linguagem técnica e científica compartilha semelhanças com o nível culto empregando um vocabulário específico relacionado a uma determinada área profissional A variante burocrática é caracterizada pelo uso excessivo de termos técnicos jargões e formalidades Por fim a linguagem profissional também pertencente ao nível culto utiliza expressões específicas de uma área de conhecimento em particular89 No nível comum a linguagem é desprovida de formalidades e refinamentos gramaticais É uma forma de linguagem mais acessível e utilizada em contextos informais Por último o nível popular é caracterizado por uma linguagem espontânea e descontraída cujo objetivo principal é a comunicação clara e eficaz É empregado em situações informais e cotidianas buscando uma interação mais direta e informal entre os interlocutores90 Conforme destacam os autores o nível popular da linguagem é funcional principalmente porque recorre a outros meios de expressão além das palavras como por exemplo a entonação especialmente na linguagem oral Essa variante linguística tende a afastarse das normas gramaticais estabelecidas priorizando uma comunicação mais imediata e espontânea pois Ela compreende a vocabulário pobre ou restrito b construções que se afastam do padrão gramatical ou simplificação sintática utilização de variantes não admitidas pela gramática como pega ele namora com ou mistura de pronomes pessoais possessivos e de tratamento tu e você Sr e VSa teu e seu ausência de rigor quanto à concordância verbal eles foi c repetições frequentes d uso de gíria ou de linguagem obscena e redundâncias91 Na comunicação entre o advogado e seu cliente é possível que ocorra a presença simultânea de todos os níveis da linguagem Portanto o conhecimento por parte do advogado acerca das diferentes variantes linguísticas tornase fundamental 89 Ibid 90 Ibid 91 Ibid p 35 37 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia O advogado deve zelar pela linguagem que utiliza uma vez que desempenha uma função pública essencial à administração da Justiça conforme estabelecido no artigo 2 da Lei 890694 Estatuto da Advocacia e da OAB Segundo esse artigo o advogado é considerado indispensável à administração da Justiça Além disso o artigo 2 do Código de Ética e Disciplina da OAB ressalta que o advogado enquanto indispensável à administração da justiça é defensor do Estado democrático de direito da cidadania da moralidade pública da justiça e da paz social devendo subordinar a atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce Portanto o uso adequado da linguagem pelo advogado reflete o compromisso com a ética a justiça e o Estado de direito92 O advogado consciente da importância de sua atividade profissional deve dominar de forma adequada sua principal ferramenta de trabalho que é a linguagem e se esforçar para aprimorála continuamente conforme estabelecido no Código de Ética e Disciplina da OAB no artigo 2 parágrafo único IV93 Esse dispositivo legal não se refere apenas ao aprimoramento jurídico mas abrange também o desenvolvimento profissional em geral incluindo o refinamento linguístico e a prudência na redação de textos pertinentes ao contexto jurídico A utilização cuidadosa da palavra é essencial uma vez que ela é fundamental para diversas atividades advocatícias como a defesa a acusação a argumentação e a persuasão94 Além disso a lei estabelece certos deveres para os advogados incluindo o aprimoramento e a diligência linguística e prevê sanções em caso de descumprimento Conforme disposto no artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB o advogado é responsável pelos atos que pratica no exercício profissional com dolo ou culpa podendo resultar em danos para o cliente ou para o processo95 Essa responsabilidade é subjetiva e depende da verificação de culpa conforme definido no artigo 14 4º do Código de Defesa do Consumidor96 92 BRASIL Lei nº 8906 de 4 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB Diário Oficial da União Brasília DF 5 jul 1994 93 Ibid 94 Ibid 95 Ibid 96 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 set 1990 38 Portanto para que o advogado seja responsabilizado é necessário comprovar que sua conduta lesiva envolveu culpa que pode se manifestar na forma de dolo ou culpa em sentido estrito O ato cometido com dolo é aquele realizado com a intenção de causar dano ou assumindo o risco de que ele ocorra enquanto o ato praticado com culpa em sentido estrito ocorre involuntariamente devido a uma conduta negligente imprudente ou imperita No caso em que o advogado comete uma falha grave na utilização da linguagem resultando em prejuízo para a administração da justiça configurase claramente um caso de imperícia Isso ocorre devido à deficiência no aprimoramento técnicolinguístico do profissional o que compromete a qualidade do serviço prestado É importante ressaltar que se trata de imperícia e não simples negligência que seria uma omissão pois o advogado em sua prática profissional requer habilidades específicas em relação à linguagem incluindo o domínio da gramática e técnicas de argumentação Essas habilidades são essenciais para diferenciálo de profissionais de outras áreas97 Assim como um cirurgião plástico precisa ter habilidade no manuseio do bisturi o advogado precisa dominar a palavra que é sua principal ferramenta de trabalho e sem a qual seu serviço não pode ser realizado O uso inadequado da linguagem portanto reflete a falta de habilidade técnica do profissional do Direito caracterizando uma manifestação de imperícia98 Um dos problemas recorrentes relacionados ao uso inadequado da linguagem está ligado à utilização de termos e expressões ambíguas e vagas As palavras enquanto signos podem evocar um ou vários conceitos e é importante restringir a multiplicidade de significados de cada palavra no texto específico para evitar ambiguidades e vaguidades de sentido É fundamental destacar que ambas as situações não são sinônimas A vagueza se caracteriza pela imprecisão de sentido deixada por uma palavra ou expressão99 97 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 98 Ibid 99 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 FERREIRA Luís Henrique Costa FERREIRA Daniel Pinheiro Mota A Lei de Abuso de Autoridade e a Atividade de Polícia Judiciária Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública RIBSP ISSN 2595 2153 v 3 n 6 p 99117 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 39 Por outro lado a ambiguidade está contida na vagueza mas não se confunde com ela Enquanto uma palavra vaga apresenta vários significados indeterminados uma palavra ou expressão ambígua evoca significados determinados passíveis de aplicação no texto Na prática enquanto na vagueza é impossível afirmar se a interpretação de A ou de B está correta na ambiguidade é possível considerar que tanto A quanto B podem ser interpretados de maneira correta100 É relevante salientar que o uso de palavras vagas e ambíguas pode comprometer totalmente a peça processual distorcendo a narrativa dos fatos enfraquecendo os argumentos e tornando os pedidos imprecisos No caso de petições iniciais isso pode resultar na inépcia da peça e sua consequente rejeição conforme estabelecido no art 295 inc I do CPC 2015 No contexto jurídico a clareza a concisão e a precisão são elementos fundamentais em um texto superando a busca pela sofisticação da linguagem É essencial que o texto seja organizado com raciocínio lógico e coerente originado de uma seleção cuidadosa de fatos relevantes que compõem o caso em questão Uma linguagem clara é aquela que possui alta qualidade sem omissões ou uso de termos que sejam compreendidos apenas por um grupo específico de pessoas Ao se defender a simplificação da linguagem jurídica não se está propondo sua vulgarização ou desencorajando o uso de termos técnicos necessários ao contexto forense Pelo contrário se busca combater os excessos que podem dificultar o entendimento do cidadão comum tornandoa mais acessível a todos e promovendo o acesso à Justiça É importante ressaltar que escrever bem não significa escrever extensamente A prolixidade é vista como um defeito não como uma qualidade Um texto simples porém elegante com um vocabulário contextualizado será respeitado admirado e recomendado por ser convincente e seguro101 Até mesmo o expresidente dos Estados Unidos Barack Obama destacou a importância da simplicidade ao 100 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 101 PEREIRA Eleude Lílian Oliveira BUENO Ademir Moreira Os desafios da comunicação o equilíbrio entre objetividade e prolixidade Revista Organização Sistêmica v 10 n 19 p 5869 2021 40 questionar por que não seria possível elaborar um simples termo de adesão de cartão de crédito em apenas uma página Siegel 2010 Conforme observado pelo desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Alexandre Moreira Germano102 a tendência moderna deveria apontar para redações bem escritas porém simplificadas e objetivas que evitassem o uso de uma linguagem rebuscada e termos jurídicos excessivamente complexos O foco principal seria facilitar a compreensão do processo que tem por objetivo resolver conflitos entre as partes envolvidas sem a necessidade de grandes digressões literárias Germano também recomendou evitar o uso de termos em latim ou em outros idiomas que não sejam o vernáculo uma vez que considera que o português atende a todas as exigências do texto jurídico 15 Argumentação Dominar a comunicação em todos os níveis é essencial para o profissional do direito uma vez que sua ferramenta de trabalho a palavra quando utilizada com eficiência tem o poder de convencer persuadir e influenciar as pessoas Essa capacidade de influência é uma forma de exercer poder sobre os outros estimulandoos a enxergar o mundo por uma nova ótica O estudo da argumentação remonta à antiguidade mas seu desenvolvimento e sua aplicação no contexto jurídico contemporâneo merecem atenção especial Recentemente podese encontrar trabalhos pioneiros que inserem a disciplina de argumentação nas faculdades de Direito demonstrando sua crescente importância na formação acadêmica dos estudantes Um marco significativo foi a introdução do curso de argumentação na Universidade de Bruxelas pelo filósofo do Direito e linguista Chaím Perelman principalmente com sua obra Tratado da argumentação a nova retórica103 Durante séculos o papel da argumentação no direito era secundário pois as decisões judiciais não precisavam ser fundamentadas de forma específica Os juízes cujo principal objetivo era buscar o justo muitas vezes confundiam preceitos jurídicos com critérios morais e religiosos dada a falta de clareza nas fontes do direito Nesse contexto o direito limitavase principalmente à atribuição de órgãos para legislar e aplicar a lei sem a necessidade de uma argumentação 102 GERMANO Alexandre Moreira Técnica de redação forense São Paulo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 2005 103 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 41 racional explícita nos julgamentos Assim o estudo da argumentação foi relegado a segundo plano embora valores e subjetividade desempenhassem um papel significativo na aplicação dos elementos persuasivos104 No meio jurídico a argumentação pela palavra é fundamental É por meio dela que se constroem teses ou refutações e se busca a justiça O pensamento argumentativo está sempre presente no discurso forense pois o conflito entre as partes exige uma sustentação lógica que será analisada pelo juiz ao fundamentar sua decisão105 Portanto um texto jurídico bem elaborado e fundamentado em argumentos sólidos tem o poder de convencer o leitor Isso ocorre porque a argumentação é produzida por meio de técnicas discursivas e elementos linguísticos que têm o propósito de persuadir Conforme observado por Tyteca e Perelman106 a argumentação que busca a adesão é uma ação e para alcançar esse objetivo são necessários conhecimento amplo do assunto abordado domínio dos recursos de linguagem compreensão do leitor e seleção cuidadosa dos argumentos a serem utilizados É fundamental manter o foco no destinatário do texto para produzir uma mensagem clara e uma argumentação bem construída A argumentação é compreendida como uma atividade discursiva e social que envolve a defesa de pontos de vista e a consideração de objeções e perspectivas alternativas Seu objetivo principal é aumentar ou reduzir a aceitabilidade dos pontos de vista em questão Quando esses elementos são combinados criase no discurso um processo de negociação que permite lidar com divergências entre diferentes concepções sobre fenômenos do mundo sejam eles físicos ou sociais107 Esse processo de negociação de perspectivas divergentes confere à argumentação um potencial epistêmico tornandoa um recurso fundamental na construção do conhecimento e como argumentado neste artigo no desenvolvimento do pensamento reflexivo Em outras palavras a argumentação não apenas defende pontos de vista mas também promove a troca de ideias e a reflexão sobre 104 Ibid 105 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 106 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim 2002 op cit 107 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 42 diferentes perspectivas contribuindo para uma compreensão mais ampla e profunda dos temas em discussão108 Podese dizer que a argumentação simples evidencia A jurisprudência desempenha um papel fundamental como fonte do Direito representando uma construção contínua de entendimentos pelo Poder Judiciário Sua principal utilidade reside no princípio da equidade pois busca garantir resultados equivalentes para casos que em sua essência sejam semelhantes O uso da jurisprudência muitas vezes se transforma em argumento por analogia quando um julgado específico é utilizado como parâmetro ou paradigma para o resultado desejado em um caso semelhante109 O uso do argumento a simili assim como ocorria com o argumento de autoridade pode seguir regras para aumentar sua eficiência Essas regras antes de buscarem a lógica formal estão preocupadas com a persuasão do discurso buscando um discurso sólido que evite falácias e enganos seguindo um percurso coerente110 A analogia estabelece uma proporção assimétrica entre elementos conhecidos foro e menos conhecidos tema Por conta dessa assimetria o argumento por analogia requer uma série de ideias menores que comprovem a proporção existente em campos diferentes A jurisprudência quando utilizada como argumento pode ser vista por dois prismas diferentes como persuasão ad verecundiam é valioso apresentar vários julgados de tribunais diversos para demonstrar que um julgado tem apoio em posicionamentos de diferentes autoridades No entanto o excesso de julgados raramente contribui para a persuasão O peso da jurisprudência reside na autoridade do órgão prolator sua atualidade e na proximidade entre foro e tema características essas que são intrínsecas ao argumento por analogia111 O objetivo da argumentação é persuadir o destinatário a acreditar em algo ou a agir de determinada maneira Essa concepção é amplamente aceita pois o propósito final do argumentador é influenciar o pensamento ou o comportamento do 108 Ibid 109 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 110 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 111 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 43 receptor No contexto jurídico essa persuasão pode se manifestar de várias formas desde convencer um juiz a decidir a favor de uma determinada parte até estimular uma ação específica por parte do destinatário112 Assim persuasiva é a argumentação que não pretende valer senão para um auditório particular e chamar convincente a que lhe é permitido obter a adesão de todo ser racional 113 No entanto há quem defenda que o objetivo principal da argumentação vai além de simplesmente fazer o destinatário acreditar em algo pois busca também motiválo a agir de acordo com o que foi proposto Isso implica que o argumentador visa não apenas à adesão intelectual do receptor mas também à sua ação prática114 Por exemplo um advogado pode argumentar em favor de uma determinada tese não apenas para que o juiz acredite nela mas também para que o juiz aja deferindo o pedido relacionado à tese Essa abordagem embora pragmática reconhece a complexidade da relação entre o crer e o fazer destacando que a eficácia da argumentação nem sempre se traduz diretamente em ação No entanto mesmo com essa distinção o objetivo final da argumentação permanece sendo fazer o destinatário acreditar na tese proposta Os meios utilizados para alcançar esse objetivo incluem transmitir a tese de forma clara e persuasiva de modo que o raciocínio do receptor se alinhe com o percurso argumentativo proposto No contexto jurídico isso pode envolver técnicas específicas de persuasão adaptadas às peculiaridades da atividade forense115 No discurso judiciário o fator de persuasão mais eficaz é o raciocínio jurídico que envolve tanto a interpretação da lei quanto a análise das provas apresentadas No entanto esse raciocínio não é unilateral pois a lógica jurídica não é exata e depende dos argumentos para ser expressa Portanto ao apresentar esse raciocínio o argumentador busca realçar os elementos favoráveis à sua posição utilizando técnicas de argumentação para isso116 112 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 113 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite DOS SANTOS Celeste Leite Persuasão e Verdade São Paulo Cultural Paulista 1995 P 53 114 Ibid 115 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 116 CITELLI Adilson Linguagem e persuasão São Paulo Ed Ática 2001 RODRÍGUEZ Víctor Gabriel Argumentação jurídica São Paulo WMF Martins 2005 44 Dessa forma podese dizer que o objetivo da argumentação é fazer com que o destinatário acredite em uma afirmação e os meios para alcançar esse objetivo envolvem a amplificação dos elementos favoráveis ou seja destacar e valorizar esses aspectos Essa prática de amplificar aspectos favoráveis não é exclusiva do discurso jurídico e é comumente observada em outras áreas ou mesmo em interações cotidianas No entanto no contexto jurídico essas técnicas são mais complexas e elaboradas mas ainda seguem o mesmo princípio destacar os aspectos que reforçam a tese defendida Portanto o advogado que busca persuadir em juízo procura desenvolver um percurso argumentativo eficaz baseado no fortalecimento do raciocínio jurídico válido pois é essa fundamentação que tem maior peso na tomada de decisão judicial e na obtenção de um resultado favorável Assim a essência da lei é ordenar vetar permitir e punir Por isso o texto jurídico deve ser redigido de maneira adequadamente argumentativa para solucionar conflitos e não para provocálos como ocorre quando uma norma ou parte dela é redigida de forma inadequada CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA Não faltam exemplos de como a literatura e o direito se relacionam e como um influencia fortemente o outro Casos mais comuns para os juristas são aqueles que evocam Antigona117 uma vez que a peça é recorrentemente tratada como um exemplo de o direito quase divino de enterrar o seu familiar ou amado morto118 sendo que tal direito não poderia ser subjugado por nenhuma norma decreto dos 117 Neste conto o rei Creonte após uma batalha que levou à morte do irmão de Antígona determina que não poderia ocorrer o sepultamento do morto uma vez que se tratava de um traidor Contudo Antígona incrédula com tamanha barbaridade se contrapõe a ordem do seu soberano Não conheces o decreto de Creonte sobre nossos irmãos A um glorifica a outro cobre de infâmia A Etéocles dizem determinou dar baseado no direito e na lei sepultura digna de quem desce ao mundo dos mortos Mas quanto ao corpo de Polinice infaustamente morto ordenou aos cidadãos comentase que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse abandonado sem lágrimas sem exéquias doce tesouro de aves que o espreitam famintas Sófocles Antígona Traduzido do Grego por Donaldo Schüler Disponível em httpswwwlpmcombrlivrosImagensantigona2010pdf 118Disponível em httpswwwconjurcombr2020jul21mariateresaoliveiraantigonanossosmortos textO20enredo20trata20das20desventurase20integra20a20Trilogia20Tebana 45 homens Outro exemplo muito recorrente é o Processo de Frans Kafka119 e o trecho mais citado provavelmente é diante da lei A obra será tratada mais adiante mas a influência do autor e suas obras foi tão impactante no meio jurídico que criou o termo kafkiano O termo em uma tradução aproximada remete às relações do Estado e cidadão uma vez que o cidadão não se opõe às imposições estatais e se submete às suas burocracias de forma passiva gerando um sentimento de culpa pela sua estagnação Esse sentimento de estagnação e submissão ao sistema burocrático estatal pode ser traduzido como a forma que Joseph K se viu em sua desventura literária assim sustenta Marco Aurélio Werle120 pareceme que kafkiana não é tanto a situação de opressão do Estado ou das estruturas burocráticas sobre o indivíduo no sentido de que as mesmas sufocariam a liberdade humana e a constituição psíquica do homem de fora para dentro como opressão da superestrutura Kafkiano é antes o modo como hoje os indivíduos procuram intencionalmente mesmo sem terem plena consciência as situações de opressão para poderem se sentir seguros e felizes numa espécie de construção de culpa que é ao mesmo tempo uma transferência da culpa Ou seja atualmente kafkiana é a reivindicação ampla e irrestrita de integração ao sistema feita tanto por indivíduos quanto por determinados grupos Grifos nossos A contradição ocorre pois Joseph K na visão de alguns autores121 não se defende das suas acusações e por isso talvez tivesse esse estigma de culpado sem ao menos saber sobre a sua acusação Há outros exemplos que buscam demonstrar como a literatura interage com o meio jurídico mas o objeto de análise do presente capítulo são as correntes que buscam estudar essas interações e descrever quais são os meios pelos quais essas interações podem ocorrer Logo se a linguagem é o instrumento laboral pelo qual um jurista se manifesta então há importância nas fontes literárias que nos cercam122 119 KAFKA Franz O Processo Tradução e Posfácio de Modesto Carone 11 ed São Paulo Companhia de Bolso 2005 120 Digressões sobre o que é kafkiano hoje a partir de O processo Disponível em fileCUsersDellDownloadszeluizDigressoessobreoqueC3A9kafkianopdf 121 MERQUIOR J G Arte e sociedade em Marcuse Adorno e Benjamin Ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p127 122 Pertinente citar a colocação de Paulo Leminski que embora a literatura não seja palatável na atualidade há pouco tempo o meio jurídico reconhecia a sua importância ou no mínimo as fontes literárias Parece que a aproximação entre direito e literatura no passado não se mostrava tão problemática Em textos clássicos da literatura universal é possível identificar temas muito caros ao universo jurídico o que parece demonstrar que o afastamento do selo direito e literatura se dá devido a uma determinada racionalidade jurídica que enclausura o jurídico numa perspectiva de objetividade normativa No entanto não é incomum aos agentes do direito parecendo até mais palatável a aproximação do direito de outras esferas como a economia Direito 46 Ainda cabe destacar o patamar que alguns autores atingiram como Kafka em suas obras que geram sentimentos confusos e intrigantes ou a clássica jornada do herói em Ilíada de Homero a busca de um amor em A divina comédia de Dante Alighieri a angústia de Hamlet de William Shakespeare a procura pelo conhecimento em Fausto de Johann Wolfgang von Goethe o incompreensível monstro de Frankenstein de Mary Shelley E quem nunca presenciou as referências atuais e antigas de Admirável mundo novo de Aldous Huxley ou a crítica e distopia de 1984 de George Orwell Todas essas obras e muitas outras chegaram ao patamar de obras conhecidas como clássicas ou cânones pelo menos no nosso meio ocidental tanto para a literatura como para o Direito Porém restam os questionamentos o que é um clássico ou um cânone O que uma obra literária precisa apresentar para ser um cânone E como o meio jurídico interage com essas obras O Clássico e o Cânone Em meio aos estudos para responder a essas questões nos deparamos com algumas obras que em algum momento não foram bemvistas na nossa sociedade moderna123 Algumas delas tiveram até censuras parciais talvez pelo seu conteúdo sensível ou por um receio de propagação de suas ideias Talvez além da notoriedade de sua época para sobreviver às intempéries uma obra para ser econômico ou direito e economia e a psicanálise por exemplo Direito literatura e a construção do saber jurídico Paulo Leminski e a crítica do formalismo jurídico Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid496629000967071pdfseque 123 A título de exemplo é possível citar a obra denominada de Mein Kempf que no ano de 2023 teve sua circulação restringida em parte do território nacional através da lei 13493 de 31 de maio de 2023 Disponível em httpswwwcamarapoarsgovbrdracoprocessos137516Lei13493pdf que proibia a sua circulação de distribuição em território nacional Uma justificativa para a censura da determinada obra talvez seja a subversão do leitor e a propagação de preconceitos contra a comunidade semita Mein Kampf tem importância histórica enquanto um documentotestemunho da barbárie que culminou com o assassinato de mais de seis milhões de judeus milhares de ciganos testemunhas de Jeová e outros tantos inimigos do regime Carrega consigo nas linhas e entrelinhas o capital simbólico da intolerância e do genocídio e como tal deve ser analisado e criticado Os argumentos expõem claramente a ideologia racial que moveu o seu autor a adotar o antissemitismo como política do Estado alemão Tanto a obra apócrifa Os Protocolos dos Sábios de Sião como Mein Kampf cumpriram com o seu papel panfletário ao ampliar o medo aos judeus com a acusação aos comunistas que agiam nas sombras e nos becos escuros da sociedade Tais mitos ao serem reabilitados neste século 21 sob o prisma das conspirações mundiais expõem novamente a lógica acusatória cujas raízes remontam ao século 15 com a criação do mito ariano como muito bem demonstrou Leon Poliakov em seus estudos sobre pureza de sangue Jornal da USP Disponível em httpsjornaluspbrarticulistasmarialuizatuccicarneiromeinkampf abibliadaignorancia 47 considerada um clássico deve possuir um grau de excelência e harmonia relacionada com sua época124 É relevante conceituar um clássico e uma obra CLÁSSICO lat Classicus in Classic fr Classique ai Klassische it Clássico No latim tardio esse adjetivo designava o que é excelente em sua classe ou o que pertence a uma classe excelente especialmente à classe militar Aulo Gélio Ato Att XIX 815 contrapunha o escritor C ao escritor proletário proletaríus Mas a difusão dessa palavra para designar um modo ou estilo excelente e próprio dos antigos na arte e na vida é devida ao Romantismo que gostava de definirse e entenderse sempre em relação ao classicismo Segundo Hegel o caráter clássico é definido como a união total do conteúdo ideal com a forma sensível O ideal da arte encontra na arte C a sua realização perfeita a forma sensível foi transfigurada subtraída à finitude e inteiramente conformada à infinitude do Conceito isto é do Espírito Autoconsciente E isso acontece porque na arte C Dessas ideias de Hegel repetidas de forma pouco diferente por numerosos escritores do período romântico nasceu o ideal convencional do classicismo como medida equilíbrio serenidade e harmonia os na Revue Internationale de Philosophie 1958 1 n 43 Grifos nossos A palavra cânone125 guarda sua definição em algo ou objeto que é cânon o termo parece remeter a algo que foi selecionado para ser o critério de escolha em alguma área do conhecimento em outras palavras busca definir algo que será idealizado para a definição de critério de regras CÂNON gr ravtòv in Canon fr Canon ai Kanon it Cânone Critério ou regra de escolhas para um campo qualquer de conhecimento ou de ação É provável que esse termo tenha sido introduzido pelo escultor Policleto que deu esse título a uma obra na qual descrevia a simetria do corpo e indicava as regras e as proporções que o escultor deve respeitar 40 A 3 Diels Epicuro chamou de canônica a ciência do critério para ele critério é a sensação no domínio do conhecimento e o prazer no domínio prático DIÓG L X 30 Esse termo foi retomado pelos matemáticos do séc XVIII e Leibniz o emprega para designar as fórmulas gerais que dão o que se pede Mathematische Schriften VIII 217 Observase que a melhor definição do que seria uma obra clássica ou cânone seja o grau de excelência e notoriedade que uma obra atinge e possa ser enquadrada como ideal algo que toda obra dentro de um determinado campo busca atingir Contudo há um autor que merece destaque quando falamos de um cânone literário e sua definição 124 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 147 125 Ibid 48 Harold Bloom foi um crítico literário estadunidense conhecido por suas obras e mais notoriamente a sua obra denominada O Cânone Ocidental Nela o autor atribui a característica de cânone às obras que possuem a capacidade de atribuir ou comunicar ao leitor uma sensação de estranheza126 Segundo o autor essa estranheza não pode ser assimilada e muitas vezes captura o leitor de tal modo que este deixa de ver essa obra como estranha A explicação de Harold Bloom convida o leitor a questionarse como um cânone é formado se a sua criação passa por essa sensação de estranheza uma vez que as palavras clássico e Cânon remetem a excelência ou ideal para um determinado meio Talvez a resposta que melhor se encaixe para essa definição seja a que o cânon ou o clássico atingem essa sensação de estranheza de tal modo que mesmo após a sua publicação ele seja reconhecido como um novo ideal a ser alcançado pelas obras vindouras Em outras palavras essas obras atingem um grau de excelência elevado que ditam o que será o novo ideal a ser alcançado das gerações futuras127 Mesmo após passar por toda essa aprovação um cânone ainda pode não sobreviver às intempéries e às gerações vindouras assim uma obra de grande notoriedade pode ser excluída da lista de leitura de um determinado meio pois não acolhe os preceitos necessários para a sua permanência ou ainda pode ser considerada ofensiva por sua linguagem ou colocações128 Para a proteção e propagação de obras que semeiam gerações futuras talvez devesse existir algum órgão ou o próprio meio acadêmico poderia proteger a integridade dessas obras contudo na obra de Harold Blomm ele traz o 126 Nas palavras do próprio autor tentei encarar diretamente a grandeza perguntar o que torna canônicos o autor e as obras A resposta na maioria das vezes provou ser a estranheza um tipo de originalidade que ou não pode ser assimilada ou nos assimila de tal modo que deixamos de vêla como estranha 127 Vale destacar que não necessariamente uma obra será aclamada no seu lançamento e trará o reconhecimento para o seu autor na data da sua publicação um ótimo exemplo desse caso é o clássico Moby Dick que em sua estreia não alcançou nem uma fração do sucesso que veio a ser após anos da morte do seu autor Disponível em httpsoperamundiuolcombrhojenahistoriapodcasthojenahistoria1891morreescritorhermanmelville autordemobydicktextHerman20Melville20foi20o20terceirobancC3A1rio2C20depois 20professor20e20fazendeiro Acesso em 10 jan 2024 128 A título de exemplo é possível citar as obras de Monteiro Lobato que sofreram uma repaginada na atualidade Disponível em httpswwwuolcombrecoaultimasnoticias20210129devemoseditarostermosracistas nasobrasdemonteirolobatohtm ou obras norte americanas como O sol é para todos Disponível em httpsbrasilelpaiscombrasil20161205cultura1480966487043756html Acesso em 15 fev 2024 49 apontamento de Sir Frank Kermode em seu Forms of Attention Formas de atenção 1985 129 Os cânones que negam a distinção entre conhecimento e opinião que são instrumentos de sobrevivência feitos para resistir ao tempo não à razão são evidentemente desconstrutiveis se as pessoas acham que não deve haver tais coisas podem muito bem encontrar os meios para destruilas A defesa delas não pode mais ser empreendida por um poder institucional central não podem mais ser compulsórias embora seja difícil ver como a operação normal de instituições cultas incluindo o recrutamento pode passar sem elas Grifos nossos Em sentido oposto possivelmente Sir Frank Kermode aponte que os cânones são evidentemente destruíveis pela vontade das pessoas e nesse sentido não há razão para eleger um órgão governamental ou acadêmico para protegêlo Neste sentido cabe aos próprios leitores ou à própria época reconhecer o cânone e preserválo como tal Estudar Direito e Literatura é realizar um mergulho no mundo das obras literárias e por consequência a eleição das obras influi na analise a ser realizada O clássico e o cânone ocupam um lugar importante nesta configuração entre o direito e a literatura o uso do cânone é o que doa a simetria as regras as proporções como um critério que ajuda a acessar o conhecimento Por fim resguardamos a última pergunta suscitada acima no presente capítulo como o meio jurídico interage com essas obras As interações do meio jurídico podem ser definidas como as correntes clássicas do direito e literatura As correntes interagem com o meio literário e com o meio jurídico de formas diversas para melhor definir e explicar as interações dessas correntes e esses meios é mister compreender quais são os tipos de interações e como elas ocorrem 21As correntes clássicas Direito e Literatura 211 Direito da Literatura A primeira corrente sobre direito e literatura é conhecida como o direito da literatura e ela busca informar a maneira que a lei e a jurisprudência se deparam com a literatura de uma determinada região Neste ponto o enfoque dessa interação se desdobra muitas vezes sob o prisma do particular e do Estado É possível citar 129 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 50 temas como ramos do direito privado tais como direitos autorais e copyright ou direito público como a liberdade de expressão ou as gamas do direito penal como delitos opinativos A título de exemplo temos os tipos penais de calúnia difamação injúria ataques à ordem pública e aos bons costumes etc130 Um exemplo notável aqui na América do Sul é o panteão de livros da renomada artista Marta Minujín Após a ditadura militar da Argentina Marta retorna para o seu país com o intuito de montar um grande panteão como todos os livros que foram censurados durante os anos de opressão no seu país O monumento foi concebido como uma intervenção temporária e por isso no dia 24 de dezembro de 1983 a estrutura foi desfeita permitindo ao público remover os livros Por volta de 12000 volumes foram distribuídos entre os presentes que faziam parte do público enquanto aproximadamente 8 mil foram doados às bibliotecas públicas Nas palavras de Minujín o ato refletia a ação de retornar o trabalho ao público131 No caso narrado acima é possível observar que a ordem posta na argentina da época da ditadura limitava em muito o acesso dos argentinos aos livros Um exemplo claro de como o direito pode limitar e moldar a produção literatura e o acesso às obras literárias de um determinado país é por meio do direito da literatura daquele país Para melhor destacar apontamse o artigo 32 da Constituição da argentina132 o inciso IX do artigo 5º da Constituição brasileira e o artigo 10 do Convênio Europeu para proteção dos direitos humanos Artigo 32 El Congreso federal no dictará leyes que restrinjan la libertad de imprenta o establezcan sobre ella la jurisdicción federal133 Artigo 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Artigo 10 Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito inclui a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias sem interferência das autoridades públicas e sem considerar fronteiras 130 TORRES Oscar Enrique Derecho e Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum México 2017 p 2728 131 Segunda a notícia a obra da artista continha autores clássicos da literatura argentina e mundial Disponível em httpswwwufrgsbrarteversaoslivrosproibidosdemartaminujin Acesso em 07 jan 2024 132 Ainda o decreto 127997 declara compreendido na garantia constitucional que ampara a liberdade de expressão ao serviço de Internet Vide site oficial httpswwwargentinagobarnormativanacionaldecreto 1279199747583texto Acesso em 07 jan 2024 133 O Congresso federal não ditará leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou estabeleçam jurisdição federal sobre ela tradução livre 51 Ainda nesse sentido é possível observar a legislação que um país exerce sobre o tema literatura ou como a literatura se desenvolve em cada país em razão das possibilidades admitidas ou não admitidas pelo direito como é o caso da censura134 Em outras palavras a censura apesar de limitar a liberdade criativa de determinados autores pode ser um exemplo para demonstrar como o direito e a literatura interagem em determinados países na perspectiva do direito da literatura Dentro da interdição via lei da liberdade de expressão e criativa o direito da literatura que pode ser entendido como a regulamentação da expressão literária possui diversos exemplos que podem ser observados Podese citar a proibiçãocensura em diversos países do livro Suicídio manual de uso publicado em 01 de janeiro de 1991 Não há necessidade de o livro ser lido até o final para que um leitor minimamente diligente consiga imaginar o seu conteúdo e por se tratar de um tema sensível e polêmico em vários países como na Espanha os autores iniciam os prólogos do livro questionando a sua vasta censura na França e em diversos outros países135 A controvérsia do tema não é objeto de estudo mas a censura e a vasta repercussão do livro são exemplos do que definimos como direito da literatura Como podemos observar o referido livro pela sua mera existência pode ser enquadrado como passível de censura uma vez que o tema é um verdadeiro tabu em diversas sociedades136 Isto porque o suicídio não é visto como uma questão individual Segundo a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ENSP a questão não é apenas sobre saúde individual137 uma vez que o suicídio é abordado 134 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez Moreno El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 p 0809 135 O autor abre a contracapa do livro com uma justificativa para a existência do livro e ainda enfatiza que ele foi censurado na França Un manual de suicidio por qué Porque creemos que la automuerte es un derecho y un derecho no es nada sin los medios para ejercerlo La justicia francesa no comparte la reflexión de los autores de Suicidio manual de uso El libro que tiene en las manos actualmente está prohibido en Francia No obstante sus adversarios habrán necesitado ocho años para conseguir su objetivo hacer desaparecer el libro Seguramente soñaban con una desaparición más ruidosa con un inquisitorial auto de fe pero ha sido una muerte discreta de la que puede afectar a un libro difundido en Francia en más de 105000 ejemplares Desde 1982 se han sucedido en Francia las persecuciones judiciales contra los autores de Suicidio Manual de uso convertidos en delincuentes comunes hasta que en diciembre de 1987 el libro era virtualmente prohibido por la introducción en el código penal francés de un artículo que reprimía la colaboración en el suicidio GUILON Claude LE BONNJEC Yves Suicidio Manual de uso 1 ed sl Ediciones de la Tempestad 1991 136 Um exemplo de como esse tema é sensível para a atualidade é o processo milionário que a Netflix respondeu no ano de 2020 por retratar uma cena do ato nas telas na série denominada 13 reasons why Disponível em httpswwwcnnbrasilcombrentretenimentoprocessocontraanetflixporcenasdesuicidioem13reasons whyearquivado 137 Vide colocação da própria universidade httpsinformeenspfiocruzbrnoticias47219 52 e tratado como uma questão de múltiplos fatores tais como famílias religião saúde pública sendo considerado uma questão sensível para a atualidade O direito da literatura também pode tratar de questões de direitos autorais de um determinado país ou do uso de Copyright Assim podemos observar a relação entre um autor e a sua obra pela interação que a legislação permite ou pela liberdade e proteção dessa interação138 A proteção de direitos autorais também influencia no processo criativo na circulação de obras literários e na sua questão financeira 212 Direito como literatura O direito como literatura compreende os métodos e aplicações da crítica literária com a literatura ou seja pode ser interpretado como uma abordagem ao discurso jurídico por intermédio de análises e críticas literárias Nos Estados Unidos esse método de estudo é o mais comum e há material mais farto de como alguns juristas fazem essa interação A interação obedece em alguns casos métodos de interpretação de lei associado com a similaridade com os textos literários e em outros casos na aplicação e na análise de textos jurídicos com algum recurso literário139 Em Martha Nussbaum Justicia poética y a James Boyd White The Legal Imagination um juiz pode ser capaz de dar voz ao sem voz e tirar o sujeito do anonimato e dos discursos redutores O jurista está na posição de um artista da linguagem segundo James Boyd White o jurista está consciente do caráter construtivo e fictício das interpretações O direito e a literatura são dois imaginários sociais que se reforçam mas se opõem também140 Essa intersecção pode ser alcançada na perspectiva de um jurista que através de sua peça processual seja ela um advogado com uma exordial um promotor com uma denúncia ou mesmo um juiz determinado com uma sentença que buscam pelo uso da palavra trazer do anonimato vozes daqueles que não 138 Vale destacar a lei 9610 de 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9610htmtextL9610textLEI20NC2BA2096102C 20DE201920DE20FEVEREIRO20DE201998textAltera2C20atualiza20e20consolida 20aautorais20e20dC3A120outras20providC3AAnciastextArt201C2BA20Esta 20Lei20regulaos20que20lhes20sC3A3o20conexos Acesso em 10 fev 2024 139 OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 48 140TORRES Oscar Enrique Derecho literatura El derecho en la literatura Ciudad de México Editorial Libitum 2017 P 29 53 podem ser ouvidos em uma sentença ou nessa peça processual É o caso muitas vezes das vítimas que são invisibilizadas no processo que tem uma formação dicotômica autor da ação e réu A título de exemplo é cabível observar como uma interpretação mais literária poderia influenciar na perspectiva e na aplicação de uma norma jurídica O princípio DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS em uma tradução livre pode ser interpretado como DÁME O FATO QUE TE DAREI O DIREITO141 O princípio determina que o juiz mediante a provocação de uma das partes pode decidir sobre a matéria no processo com os fatos que se abstraem do caso concreto O que pode fazer com que o magistrado decida em uma interpretação mais abrangente em relação aos pontos debatidos durante o processo Por um lado tal princípio atribui maior celeridade ao processo pois o juiz tem maiores meios para decidir sobre um determinado caso Mas o art 10 da lei 13105 de março de 2015 Código de Processo Civil determina142 Art 10 O juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício Mesmo com a interpretação e a aplicação do princípio anterior o art 10 do CPC é contundente em estabelecer que o contraditório e a ampla defesa das partes devem prevalecer Por esse motivo mesmo com um princípio fundamentando a decisão de um determinado magistrado hipotético se analisarmos um caso que o art 10 do CPC entra em um aparente conflito com o princípio supramencionado provavelmente o citado artigo deve prevalecer uma vez que a interpretação no caso concreto com base no referido princípio não será antecipada pelo magistrado e o artigo 10 do CPC de 2015 busca vedar decisões surpresas143 É nítido que o novo CPC tem a clara intenção de dar essa perspectiva mais ampla para as manifestações entre as partes O direito como literatura ou a aplicação mais crítica do direito se insere mais na chamada integridade de Ronald Dworkin Esse tipo de análise será matéria mais 141 Vide o Supremo Tribunal Federal Disponível em httpsportalstfjusbrjurisprudenciatesauropesquisaasp pesquisaLivreDA20MIHI20FACTUM20DABO20TIBI20JUS Acesso em 07 mar 2024 142 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201520182015leil13105htm Acesso em 05 abr 2024 143 Princípio da vedação da decisão surpresa Disponível em httpswwwtjdftjusbrconsultasjurisprudenciajurisprudenciaemtemasnovocodigodeprocessocivil principiodavedacaoadecisaosurpresa Acesso em 16 mar 2024 54 objetiva em capítulos futuros principalmente quando for abordada a análise de Ronald Dworkin e sua abordagem de direito como integridade144 Por ora ainda dentro desse tópico passamos a análise da próxima intersecção entre o direito e a literatura 213 Literatura como direito Ainda sobre o tema é cabível mencionar a literatura como direito que vem a ser um meio de interpretar ou aplicar no meio literário um caso evidentemente jurídico ou evocar para o meio literário interpretações que buscam moldes em outras obras Como se aos moldes de uma jurisprudência ou precedente uma obra buscasse em outra obra uma certa validação145 Como exemplo do presente tópico podemos observar o programa DIREITO LITERATURA146 Esse programa é uma atração televisiva apresentada por Lenio Luiz Streck e foi originalmente criado pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica IHJ O programa é produzido e coordenado por André Karam Trindade sendo transmitido pela TV Unisinos e pela TV Justiça e divulgado semanalmente Tradicionalmente apresentamse debates entre professores de diferentes áreas do conhecimento ou seja se trata de um programa com foco multidisciplinar segundo a descrição o programa possui o objetivo de difundir no Brasil o estudo das interfaces entre Direito e Literatura bem como de desenvolver um novo modo de pensar o direito 147 O que se destaca do programa são os fenômenos sociais que adentram no interior das culturas jurídica e literária Nos episódios os apresentadores por muitas 144 DWORKIN Ronald O império do direito Tradução Jefferson Luiz Camargo Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios São Paulo Martins Fontes 2007 145TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 31 146 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 147 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 55 vezes trazem temas claramente literários e tentam aproximálos ao direito através do instrumento de análise crítico Nas palavras dos seus idealizadores trazer ao conhecimento do público obras que marcaram gerações levantando questões e proporcionando debates sobre temas da atualidade presentes nos textos literários148 A próxima corrente de intersecção entre direito e literatura talvez seja a mais difundida no meio jurídico para além de uma análise de uma obra sob o prisma literário direito como literatura ou observar os limites jurídicos que o direito impõe à literatura direito da literatura Assim a seguir serão abordadas questões mais amplas e como a literatura pode contribuir de maneira mais direta para o meio jurídico 214 Direito na Literatura O Direito na literatura pode ser entendido como a corrente mais difundida quando abordamos a intersecção entre direito e literatura uma vez que essa corrente é a que possui uma vasta gama de meios de interação os dois fenômenos sociais Em suma o direito na literatura se aprofunda nos meios pelos quais a literatura pode contribuir para a elucidação de questões importantes do direito tais como a Justiça e Poder149 Essa abordagem também pode acontecer quando ocorrem intersecções entre elas e outras áreas que percorrem o imaginário social No direito na literatura um universo de narrativas e prescrições de antigas ou novas civilizações fictícias ou reais percorre o meio jurídico150 E a esse caminho é mister salientar a obra Contar a lei As fontes do imaginário Jurídico de François Ost que explica que as narrativas e as imaginações dos literários não se opõem à argumentação racional jurídica mas complementam para melhor elucidação sobre o tema151 148 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 149SANTOS M C C L dos ARAUJO M 2023 Dialogando com François Ost iurisfictio Revista Internacional Consinter de Direito v 9 n 16 2021 httpsdoiorg1019135revistaconsinter0001602 150 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 3031 151 NUSSBAUM Martha Justicia Poética la imaginación literaria y la vida pública Editorial Andrés Bell 1997 p 25 56 Neste sentido a literatura juntamente com esse imaginário coletivo não se coloca em posição adversa das questões argumentativas jurídicas e suas formalidades pelo contrário busca uma nova ótica ou trazer luz àquilo que não era tão claro para o jurista O direito na literatura encontra sua definição ainda segundo José Calvo152 como meio empregado para abordar temas jurídicos Ou seja quando um autor literário se utiliza de temas latentes dentro da sua obra literária para abordar temas jurídicos Um exemplo desse tipo de aplicação são autores como Dostoievsky sendo tratados para abordar temas já presentes no meio jurídico dado que essa interpretação auxilia no imaginário criativo do leitor para se tornar um melhor operador do meio jurídico153 Alguns estudos já apontaram como o meio jurídico se desenvolve ou desabrocha com a exploração e discussão de fontes sociais culturais e literárias mais fartas Não por acaso o edital da magistratura do Tribunal Federal da 4ª Região datado de 2016 na sua segunda parte Anexo II traz conteúdos que não estão dentro desse formalismo jurídico técnico e mais próximos do campo social e até mesmo de como a figura do magistrado se insere dentro da sociedade sob uma ótica política e social154 ANEXO II NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA A SOCIOLOGIA DO DIREITO 3 Direito Comunicação Social e opinião pública 4 Conflitos sociais e mecanismos de resolução Sistemas não judiciais de composição de litígios B PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 1 Psicologia e comunicação relacionamento interpessoal relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia D FILOSOFIA DO DIREITO 1 O conceito de justiça Sentido lato de Justiça como valor universal Sentido estrito de Justiça como valor jurídicopolítico Divergências sobre o conteúdo do conceito 4 O conceito de Política Política e Direito 5 Ideologias 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU Grifos nossos A aplicação desses conceitos jurídicos tais como termos que advêm da literatura ou conceitos que são fortemente abordados e discutidos dentro de fontes literárias e trazidos para o meio jurídico podem ser entendidos como essa intersecção abordada pelo autor José Calvo contudo o ponto que se extrai de 152 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 89 153 Vide os estudos norteamericanos apontados pelo professor OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 4950 154 Vide o edital para se tornar um juiz substituto 1ª posto em que um magistrado inicia a sua carreira dentro da magistratura Disponível em httpsdhg1h5j42swfqcloudfrontnet20200723121204rlpseieditaldeabarturapdf 57 maneira mais veemente é o papel que a literatura exerce sobre a figura dos operadores do direito que segundo o próprio autor necessitam de fortes fontes literárias para cultivar um bom raciocínio jurídico155 e não se tornar uma mera máquina operacional Vale destacar que o autor aborda não só o direito enquanto discurso literário mas também a literatura enquanto recurso jurídico quando o meio jurídico intervém no imaginário literário156 El Derecho en la Literatura plantea una intersección de carácter instrumental en recorrido de sentido doble el Derecho en cuanto recurso literario y también la Literatura en cuanto recurso jurídico En ambos sentidos el carácter instrumental de la intersección revierte en utilidades varias El Derecho en cuanto recurso literario es decir la presencia de lo jurídico en el contexto de la ficción literaria contribuye a la formación de los juristas a través del entendimiento sociológico y iusfilosófico de las concepciones de la justicia por ej ordalías talión y venganza justicia retributivaprincipio de conciliación 7 y del Derecho por ej derecho naturalderecho positivo157 Grifos nossos A maior contribuição que essa abordagem nos oferece é observar o direito não apenas como uma estética literária mas como pode oferecer ao jurista uma ética para alcançar talvez caminhos mais sensíveis e menos diretos para esses operadores É muito comum para uma pessoa que busca o socorro do judiciário procurar o auxílio de um advogado para que o seu pleito seja escutado não apenas que a lide da sua demanda seja solucionada mas muitas vezes a pessoa busca ser escutada e acolhida pelo meio jurídico para que o seu pleito seja ouvido e depois solucionado A literatura não contribui somente para fomentar a estética do pleito dessa pessoa com palavras rebuscadas ou uma prolixidade formalística muito comum do meio jurídico mas também permite que a manifestação de quem a conhece e a 155 Uma vez que o próprio autor começa a sua obra apontando as limitações de um operador do direito que não possui um forte arcabouço literário A lawyer without history or literature is a mechanic a mere working mason if he possesses some knowledge of these he may venture to call himself an architect Sir Walter Scott 17711832 Guy Mannering or the Astrologer 1815 Chap Xxxvii GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 Grifos nossos 156 Ibid p 313 157 O Direito na Literatura coloca uma intersecção de natureza instrumental num caminho de mão dupla o Direito como recurso literário e também a Literatura como recurso jurídico Em ambos os sentidos a natureza instrumental da intersecção resulta em diversas utilidades O direito como recurso literário ou seja a presença do jurídico no contexto da ficção literária contribui para a formação de juristas através da compreensão sociológica e jurídicofilosófica das concepções de justiça eg provações retaliação e vingança retribuição justiçaprincípio da conciliação e direito por exemplo direito naturaldireito positivo 58 utiliza seja ouvida por meios mais diferentes daqueles que detêm poder para exercer uma decisão O que o próprio autor sustenta é o poder de empatia ética que é a direção mais humanística para o direito158 La inmersión jurídica en las fuentes literarias y viceversa actúa con poder de empatía power of empathy ética En esta dirección humanista se expresa Nussbaum al opinar que la imaginación literaria vale para guiar a los jueces en sus juicios a los legisladores en su labor legislativa y a los políticos cuando midan la calidad de vida de gentes cercanas y lejanas Grifos nossos159 Possivelmente essa seja a maior contribuição da literatura para os anos vindouros uma vez que a empatia ainda não é tratada dessa forma como meio e fim em si mesma por grandes corporações ou sistemas de decisões A realidade de inteligências artificiais e meios logarítmicos que possuem por objetivo simular o raciocínio humano serão matérias dos capítulos futuros Contudo resta claro que os sistemas de inteligência artificial não têm o objetivo final de sentir emoções ou trabalhar a empatia160 Por mais que esses conceitos literários estejam sendo utilizados para a estética e gestão de pessoas no meio jurídico161 o operador do direito sempre pode utilizar esses meios literários para contribuir com o pedido ou com a decisão de uma demanda social a título de exemplo através de uma petição ou através de uma sentença por parte de um magistrado Por mais que existem diversas definições sobre o direito na literatura elencase para a melhor abordagem e continuidade do presente estudo a definição 158 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 316 159 A imersão jurídica nas fontes literárias e viceversa atua com poder ético de empatia Nussbaum se expressa nessa direção humanista ao acreditar que a imaginação literária é útil para orientar os juízes em seus julgamentos os legisladores em seu trabalho legislativo e os políticos quando medem a qualidade de vida das pessoas próximas e distantes 160 Empatia pode ser entendida como meio de se colocar emotivamente na posição de outrem EMPATIA in Empathy fr Empathie ai Einfühlung it Empatia União ou Fusão emotiva com outros seres ou objetos considerados animados O termo alemão encontrase em Herder Vom Erkennenn und Empfinden Werke ed Suphan VIII p 165 ocorreria mediante um ato de imitação e de projeção A reprodução das manifestações corpóreas alheias devida ao instinto de imitação reproduziria em nós mesmos as emoções que costumam acompanhálas colocandonos assim no estado emotivo da pessoa a quem essas manifestações pertencem É justamente essa projeção em outro ser de um estado emotivo despertado em nós pela reprodução imitativa da expressão corpórea dos outros p ex quadro somático do medo ou do ódio etc que seria o modo de comunicação entre as pessoas ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 325 161 É possível observar esse fenômeno pela própria definição do tribunal de Santa Catarina que define a importância da empatia nos meios de desenvolvimento entre pessoas além de ressaltar essa qualidade na gestão entre indivíduos Disponível em httpswwwtjscjusbrwebservidordicasdegestaoassetpublisher Vzr9I2D1M5Lhcontentaimportanciadaempatianagestaodepessoas 59 de François Ost uma vez que a sua definição do direito na literatura se aproxima muito do próximo tema Iurisfictio François Ost afirma que a análise do texto que aborda a Iurisfictio pode perfeitamente se encaixar em uma análise da intersecção do direito na literatura162 Ainda nesse tema é possível fazer a análise de outros tipos de obras que apelam para o imaginário fictício da literatura tais como distopias ou utopias e buscam uma fuga criativa Neste sentido cabe salientar o aparecimento de séries e documentários que buscam uma reflexão ou até campanhas publicitárias de caráter governamental que procuram diretrizes não apenas através de normas mas com ideias criativas163 É nítida a participação do meio jurídico não somente através de normas postas ou estudos formais sobre temas que afetam o coletivo por exemplo temas de saúde pública ou políticas governamentais164 Esses são casos em que o poder público apela para o imaginário coletivo através de anúncios músicas e outros meios para direcionar ou comunicar algo 215 Direito pela literatura No tema Direito e Literatura é cabível vislumbrar mais uma interseção denominada direito pela literatura ou através da literatura Segundo François Ost o direito pela literatura ocorre quando um autor jurídico destaca uma tese jurídica buscando recursos literários para tentar sustentála pois os recursos meramente jurídicos não conseguem contemplála Um exemplo desse tipo de intersecção direito pela literatura é o autor Victor Hugo que enquanto fazia parte da casa legislativa do seu próprio país criou uma obra literária para defender a tese contra a pena de morte Victor Hugo sempre 162 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 10 163 No final de 2022 o governo da Espanha lançou uma campanha chamada Basta de Distopias com o intuito de que sua população imaginasse e tentasse criar um futuro melhor um exemplo de uma tentativa do Estado de construir uma realidade diferente apelando para o imaginário criativo da sua população Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvoqvPQU7sAt1s Acesso em 15 abr 2024 164 É possível observar em campanhas governamentais que utilizam desse imaginário coletivo ou até mesmo de seres ficcionais para estabelecer uma campanha a título de exemplo podemos citar a O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência PROERD que é originário do programa norteamericano Drug Abuse Resistance Education DARE criado em meados de 1983 Em 2013 houve uma campanha no Rio Grande do Sul e resultou no Currículo PROERD Caindo na REAL para 5º e 7º anos do Ensino Fundamental das escolas essa campanha mantém o compromisso de fornecer instrução de ponta capaz de prevenir o uso de drogas por meio do desenvolvimento das habilidades básicas necessárias para que escolhas seguras e responsáveis sejam feitas por parte da juventude Segundo a própria campanha Essas habilidades vão além da questão das drogas pois possibilitam escolhas saudáveis e madura em todos os aspectos da vida do jovem cidadão Vide site oficial da brigada militar do Rio Grande do Sul httpswwwbrigadamilitarrsgovbrproerdtextNa20tarde 20do20dia2030autoria20do20Maj20Giovany20Bortolini Acesso em 10 jan 2024 60 promovia suas ideias jurídicas e políticas através da literatura como foi o caso da publicação Histoire dun crime O autor escreveu o livro em meados da dissolução do senado da época e denunciou o golpe dado pelo sobrinho de Napoleão165 Além dos meios literários e políticos Victor Hugo sustenta uma clara tese jurídica da proibição da pena de morte no caso narrado mas se utiliza da literatura para sustentar a sua argumentação Esse caso pode ser entendido como um exemplo de quando a arte e a literatura passam a ser os únicos meios jurídicos cabíveis para sustentar uma argumentação 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim 221 Uma breve definição do termo JURISFICTIO ou IURISFICTIO é a expressão latina para se referirse à iurisficción ela pode ser entendida como um processo criativo que combina o estilo literário de um jurista acompanhado necessariamente de uma reflexão sobre a justiça o direito ou uma determinada tese sobre um problema jurídico166 Para melhor elucidar a definição de Iurisfictio é importante salientar que o termo pretende primeiramente enriquecer o meio jurídico por intermédio de um imaginário que reconhece ou codifica a realidade e ao mesmo tempo libera os possíveis É mister salientar que a Iurisfictio demonstra clara diferença das demais aproximações narrativistas167 da jurisprudência que por sua vez difere dos fatos jurídicos A Iurisfictio se baseia no campo literário o que François Ost atribui como sendo uma utopia criadora168 ou seja se trata de uma criação no campo literário que posteriormente vai levar a uma reflexão no meio jurídico 165 FREITAS Maria Teresa Literatura e história O Exemplo de Victor Hugo Língua e Literatura n 15 p 119135 1986 p 134 Disponível em httpsrevistasuspbrlinguaeliteraturaarticleview113987 Acesso em 20 fev 2024 166 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 17 167 Ao contrário dos franceses os narrativistas norteamericanos encararam a narrativa não como um obstáculo mas como substituto à cientificidade da história Podemos dizer que o narrativismo nasce em oposição à filosofia analítica que queria impor à história as leis gerais das ciências naturais que propunham uma unidade científica Como afirma Paul Ricoeur os narrativistas buscam o caráter configurante da narrativa e não apenas o episódico como os historiadores SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 168 OST François Ditesmoi ce que vous lisez In Koen LEMMENS Koen Org Droit et Littérature Limal Anthemis 2007 p 1329 61 A Iurisfictio se demonstra estar disponível para qualquer campo jurídico que pretenda demonstrar uma nova perspectiva sobre algum tema Não obstante ainda atribui ao advogado ao juiz ou jurista a capacidade de ter uma nova perspectiva sobre aspectos jurídicos analisados por meios de contos novelas teatros poesias e peças literárias169 A relação entre o direito e a literatura não é nova e nem traz consigo grandes mudanças do ponto de vista de grandes alterações no ordenamento jurídico porém a Iurisfictio apresenta uma nova perspectiva no campo jurídico uma vez que pode gerar uma aproximação com um certo imaginário utópico trazido por François Ost ou mesmo alegórico O termo alegórico pode ser utilizado nesse sentido pois a palavra alegoria de acordo com o dicionário170 possui diversas definições podendo ser considerada modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos ideias qualidades sob forma figurada Na perspectiva filosófica alegoria pode ser considerada Método de interpretação aplicado aos pensadores gregos Alegoria Texto filosófico escrito de maneira simbólica com o intuito de apresentar topologicamente ideias e concepções intelectuais Grifos nossos Por fim na perspectiva literária a definição encontra resguardo como uma cadeia de metáforas sequência logicamente ordenada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enunciadas171 A metáfora172 por sua vez advém do grego e traz a ideia de mudança ou transposição173 Em suma a alegoria do ponto de vista literário pode ser entendida como uma sequência lógica encadeada por intermédio de metáforas Assim possibilita de maneira análoga apresentar a perspectiva que o Iurisfictio representa para o direito uma sequência lógica encadeada por diversas metáforas literárias 169 Prólogo de TORRES Oscar Enrique OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 170 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 171 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 172 Ibid p 1281 173 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 667 METÁFORA gr uexaepopá in Metaphor fr Métaphore ai Metapher it Metáfora Transferência de significado Aristóteles diz A M consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa transferência que pode realizarse do gênero para a espécie da espécie para o gênero de uma espécie para outra ou com base numa analogia Poet 21 1457 b 7 A noção de M algumas vezes foi empregada para determinar a natureza da linguagem em geral v LINGUAGEM Como instrumento linguístico hoje sua definição não é diferente da definição de Aristóteles Disponível em httpsmarcosfabionuvafileswordpresscom201204nicola abbagnanodicionariodefilosofiapdf Acesso em 10 abr 2024 62 Fílon174 contrapõe o sentido alegórico ao sentido literal de determinada coisa ALEGORIA gr àXkrxyopia lat Allegoria in Allegory fr Allégorie ai Allegorie it Allegoria A primeira aplicação importante do método alegórico é o comentário ao Gêneses de Fílon de Alexandria séc I Fílon não hesita em contrapor o sentido alegórico ao sentido literal e em qualificar de tolo eür0rc este último Para demonstrar a contraposição entre o sentido literal e o alegórico Fílon explica E Deus acabou no sétimo dia as obras que Ele criou Gên II 2 É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu em seis dias ou em geral no tempo Por quê Porque todo tempo é um conjunto de dias e de noites necessariamente produzidos pelo movimento do sol que vai para cima e para baixo da terra mas o sol é uma parte do céu de tal modo que se conclui que o tempo é mais recente do que o mundo Grifo nosso Resta clara a contraposição feita por Filon pois por mais que se fale de uma metáfora realizada para demonstrar a criação do mundo como pode ser verificada em Gênesis a lógica dessa criação só pode ser entendida por meio de uma alegoria uma vez que o nosso entendimento de tempo ou de dias é mais recente que a criação do mundo Sob essa ótica de Filon podemos concluir que a alegoria só pode ser atingida através de uma perspectiva literária Logo se encadearmos essa alegoria dentro do direito é possível questionar Onde podemos observar a Iurisfictio na filosofia do direito Para responder à questão levantada é importante entender como a Iurisfictio se insere dentro da filosofia do direito A Iurisfictio não pode ser chamada do que é conhecido como ficção jurídica uma vez que a ficção jurídica é criada pelo direito e está profundamente relacionada ao progresso do ordenamento jurídico175 A ficção jurídica não está vinculada à realidade objetiva realidade fática que será tratada no próximo capítulo ou seja ela guarda profunda relação com os conceitos abstratos não podendo tais conceitos ser definidos como uno para todos Deste modo a ficção jurídica constitui um expediente técnico No direito não faltam exemplos desses conceitos técnicos jurídicos de caráter dogmático que não guardam laços com a realidade objetiva Assim 174 Fílon de Alexandria ABBAGNANO Nicola 2007 op cit p 23 175 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 p 20 63 podemos observar a boafé quando falamos de contratos artigo 420 do Código Civil brasileiro ou a moralidade no direito administrativo artigo 37 da Constituição brasileira mas seria totalmente ficcional propor uma unicidade para tais conceitos Ademais a ficção jurídica assume apenas que a norma dentro do ordenamento jurídico é válida Uma norma não é necessariamente um enunciado sobre a realidade posta portanto Não tem como ser verdadeira ou falsa Uma norma é válida ou não válida O fundamento para a validade de uma norma não é como o teste de veracidade de um enunciado do ser a sua conformidade à realidade Como já dissemos uma norma não é válida por ser eficaz176 A Iurisfictio se encontra dentro do que podemos considerar uma intersecção entre o direito e a literatura e ocupa um espaço que difere das intersecções clássicas direito da literatura direito como literatura e direito na literatura A Iurisfictio pode ser observada mais próxima do direito na literatura uma vez que promove análises críticas ao meio jurídico por meio de obras literárias cujos autores são juristas 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito A geometria do Jardim foi criada por Jose Calvo para descrever uma metáfora que talvez explique onde dentro da filosofia está a literatura O autor inicia o texto com uma metáfora para descrever as avenidas da filosofia177 como essas 176 KELSEN Hans Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 2009 p 161162 177GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 34 un parque temático Tiene esta locución un perfil de especialidad que en mi caso se contrae al índice de materias y problemas propios de la disciplina Filosofía del Derecho Si desarrolláramos esa imagen podría decirse también que como en cualquier parque que se precie allí habrá largas avenidas arboladas profundas y umbrías alamedas y asimismo soleados paseos de florecidas rosaledas extensos prados en verdores tornadizos y también parajes apartados que ha mucho no se transitan Y en él hay por supuesto un jardín No es de recreo sino botánico esto es un terreno cercado donde habiendo permanecido al abrigo del inclemente invierno adelantan para el estudio brotes de alguna especie difícil singular o nueva Sería de proponer que alguien dedicara una reflexión algo más acrecentada que esta mi a sólo germinal a la semejanza del oficio de la investigación científica con arte del cuido y cultivo de jardines siquiera por razón de los afanes y desvelos así como del placer y goce estético que de ambas aplicaciones resulta me parece haber arreglado con sementeras y planteles y por medio de esquejes yemas de injerto y otras técnicas y procedimientos donde la curiosidad instructiva siempre fue compañera de la experimentación intelectual Es el fértil jardín de la Teoría literaria del Derecho Pero nada diré sin embargo acerca de su flora o variedad de frutos sino de las diversas veredas que en él formaron los pasos recorridos Cuanto aquí exponga se ceñirá únicamente a la geometría del jardín tejida toda ella de intersecciones Así pues no es aquél un jardín senderos que se bifurcan como en la borgeana trama del alternativo destino que diseñan varios porvenires sino atravesado por sendas y caminos que se entrelazan intercessões instrumentais estruturais e institucionais Granada Espanha 2008 p 34 um parque temático Esta frase tem um perfil de especialidade que no meu caso está contratado ao índice de assuntos e 64 vias funcionam por intersecções dentre as ciências e os meios pelos quais as ciências se desenvolvem Esse parque temático proposto por José Calvo pode ser entendido como um lugar de espaças passarelas ambientes plumados encantados pelos quais os juristas transitam Neste parque temático existe um Jardim não recreativo mas sim um jardim botânico No parque florescem os mais variados tipos de plantas semeadas por anos pelos mais variados tipos de investigações científicas Esse é o fértil terreno onde surge o jardim advindo do labor de inúmeras indagações perguntas respostas e imaginações É nesse terreno fértil que está o imaginário criativo que é possível abordar a literatura como um jardim conhecido por todas as demais ciências uma vez que as passarelas desse jardim percorrem todas os demais campos das ciências A literatura é a fonte do imaginário da qual as ciências jurídicas e as passarelas filosóficas irão tanger de alguma forma seja em áreas mais óbvias como é o caso do direito penal a exemplo de Crime e castigo de Dostoievski ou áreas que não são tão latentes para as paixões humanas como o direito tributário 178 problemas específicos da disciplina Filosofia do Direito Se desenvolvêssemos essa imagem poderíamos também dizer que como em qualquer parque que se preze haverá longas avenidas arborizadas avenidas profundas e sombreadas e também passeios ensolarados de jardins de rosas floridos extensos prados em verdes mutáveis e também lugares isolados que não transitam há muito tempo E nele tem claro um jardim Não é recreativo mas botânico isto é uma área cercada onde tendo permanecido abrigados do inverno rigoroso são avançados para estudo brotos de algumas espécies difíceis únicas ou novas Seria sugerido que alguém dedicasse uma reflexão mais aprofundada do que esta minha à apenas germinal a semelhança da profissão de investigação científica com a arte de cuidar e cultivar jardins mesmo por causa dos esforços e cuidados bem como o prazer e o prazer estético que resulta de ambas as aplicações Parece que consegui com canteiros e mudas e por meio de estacas enxertia de botões e outras técnicas e procedimentos onde a curiosidade instrutiva sempre foi companheira da experimentação intelectual É o jardim fértil da Teoria Literária do Direito Mas nada direi porém sobre a sua flora ou variedade de frutos mas sim sobre os vários caminhos que formaram os passos nela percorridos O que aqui se expõe estará limitado apenas à geometria do jardim todo ele tecido de intersecções Assim não se trata de um jardim com caminhos que se bifurcam como na trama borgesiana do destino alternativo desenhado por vários futuros mas atravessado por caminhos e caminhos que se entrelaçam 178 Ribeiro Moacyr Petrocelli de Ávila O princípio do pecunia non olet e seus reflexos no direito penal JECRIM 2012 No direito tributário existe um princípio muito conhecido que teve sua origem com um conto Supostamente o Imperador Vespasiano pediu que seu filho buscasse um pouco do dinheiro arrecadado e já com o dinheiro nas mãos determinou que seu filho o aproximasse e cheirasse Feito isso o Imperador proferiu a célebre frase Está vendo filho não tem cheiro Daí non olet Disponível em httpswwwibccrimorgbrnoticiasexibir5486textNessa20ocasiC3A3o2C20o20Imperador 20VespasianoE2809CnC3A3o20cheiraE2809D Acesso em 07 mar 2024 65 A literatura na hipótese do jardim apresentada por José Calvo pode ser traduzida como um meio pelo qual todas as ciências jurídicas encontram alguma intersecção para que possam florescer CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO 31 O Fictício e o real 32 O Fictício e a literatura 33 O Fictício e o direito EM DESENVOLVIMENTO No presente capítulo o termo que se entende como fictício será desenvolvido e a sua relação com a realidade a literatura e o direito Os conceitos tratados nesse capítulo serão embasados nas obras do pensador Mario Bunge passando pela a corrente dos ficcionalistas para acessar os conceitos de ficção e a realidade CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO O presente capítulo tem como objetivo analisar como determinadas figuras conceitos e construções teóricas transitam entre o mundo fictício e o mundo jurídico real transformandose em elementos concretos do direito contemporâneo Essa transição representa um fenômeno peculiar em que personagens inicialmente concebidos no campo do imaginário da mitologia ou da teoria ganham materialidade jurídica e passam a influenciar decisões normas e até mesmo constituições François Ost em sua obra Contar a lei as fontes do imaginário jurídico estabelece que entre o direito e a literatura existem passagens secretas trocas clandestinas179 Essa permeabilidade entre os campos da ficção e da normatividade jurídica permite que elementos originalmente fictícios ou teóricos adquiram status jurídico 179 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 12 66 influenciando diretamente a construção do direito positivo e sua aplicação pelos tribunais Nesse sentido analisaremos quatro exemplos emblemáticos desse fenômeno a figura da Pacha Mama entidade mítica que ganhou personalidade jurídica em constituições latinoamericanas Wotan arquétipo junguiano que influenciou o imaginário jurídico alemão durante o período nazista a teoria do romance em cadeia de Ronald Dworkin que propõe uma visão do direito como narrativa contínua e por fim as construções jurisprudenciais do STF e do STJ que frequentemente criam personagens jurídicos a partir de interpretações criativas do ordenamento 41 La Pacha mama A Pacha Mama divindade central na cosmologia andina representa a Mãe Terra e simboliza a fertilidade a vida e a harmonia entre os seres humanos e a natureza Tradicionalmente cultuada pelos povos indígenas da região andina especialmente nas áreas que hoje correspondem ao Peru Bolívia Chile Argentina e Equador esta entidade transcendeu seu caráter mitológicoreligioso para adquirir personalidade jurídica em ordenamentos constitucionais contemporâneos configurando um notável exemplo de como um elemento do imaginário pode materializarse no campo jurídico Zaffaroni180 destaca que a Pacha Mama não é uma deidade no sentido de uma personalidade suprahumana mas o todo da natureza compreendida como vida Esta concepção holística da natureza como entidade viva e dotada de direitos representa uma ruptura paradigmática com a tradição jurídica ocidental que historicamente concebeu a natureza como objeto de direitos jamais como sujeito A incorporação da Pacha Mama no ordenamento jurídico constitucional de países como Equador e Bolívia representa o que Zaffaroni denomina giro biocêntrico uma mudança fundamental na concepção antropocêntrica do direito ocidental Segundo o autor A invocação da Pacha Mama vai mais além de uma simples 180 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 28 67 referência à terra em sentido agrícola e inclusive ecológico pois significa uma clara opção pelo reconhecimento de um sujeito de direito diferente do ser humano e portanto não se trata de uma ampliação dos direitos humanos mas sim do reconhecimento dos direitos de entes diversos do humano181 A Constituição do Equador de 2008 foi pioneira ao reconhecer a natureza ou Pacha Mama como sujeito de direitos Em seu artigo 71 estabelece que A natureza ou Pacha Mama onde se reproduz e realiza a vida tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais estrutura funções e processos evolutivos Toda pessoa comunidade povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza182 Este reconhecimento constitucional representa uma inovação jurídica sem precedentes pois desloca a natureza da posição de objeto para a de sujeito de direitos configurando o que Santos183 denomina constitucionalismo transformador Tal transformação não se limita a um mero reconhecimento formal mas implica uma profunda reconfiguração do sistema jurídico que passa a incorporar valores e concepções cosmológicas tradicionalmente marginalizadas pelo direito ocidental A transição da Pacha Mama do campo mitológico para o jurídico constitucional ilustra o que Ost184 caracteriza como o poder instituinte do imaginário ou seja a capacidade que determinadas narrativas e figuras simbólicas têm de transformar e instituir novas realidades jurídicas Neste caso uma entidade originalmente pertencente ao imaginário coletivo dos povos andinos adquire materialidade jurídica tornandose fundamento para decisões judiciais e políticas públicas Para compreender a profundidade desta transformação é necessário examinar as raízes culturais e mitológicas da Pacha Mama na cosmovisão andina Estermann185 explica que na filosofia andina a Pacha Mama não é simplesmente o planeta Terra ou o globo terrestre mas a totalidade do cosmos interrelacionado 181 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 32 182 EQUADOR Constitución de la República del Ecuador Quito Registro Oficial 2008 art 71 183 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 53 184 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 24 185 ESTERMANN Josef Filosofía andina sabiduría indígena para un mundo nuevo 2 ed La Paz ISEAT 2006 p 188 68 como organismo vivo Esta concepção relacional do universo contrasta radicalmente com a visão mecanicista e dualista predominante no pensamento ocidental moderno que separa nitidamente sujeito e objeto cultura e natureza Albó186 observa que na tradição andina a Pacha Mama é concebida como uma entidade viva com a qual os seres humanos mantêm uma relação de reciprocidade e respeito Esta relação se expressa em rituais como a challa e a wilancha nos quais se oferece à Mãe Terra bebidas e alimentos como forma de agradecimento pelos frutos recebidos O autor destaca que estas práticas rituais não são meras superstições mas expressões de uma racionalidade distinta que concebe o cosmos como uma rede de relações recíprocas entre todos os seres A incorporação desta cosmovisão no direito constitucional representa uma ruptura com o paradigma jurídico moderno fundamentado na separação entre natureza e cultura e na concepção da natureza como mero recurso à disposição da exploração humana Como observa Acosta187 O reconhecimento dos Direitos da Natureza na Constituição equatoriana de 2008 representa uma ruptura com as concepções antropocêntricas tradicionais e abre caminho para novas formas de relação entre os seres humanos e a natureza baseadas no respeito e na reciprocidade e não na dominação e exploração Um exemplo concreto dessa materialização jurídica ocorreu em 2011 quando a Corte Provincial de Loja no Equador proferiu a primeira sentença mundial em favor dos direitos da natureza ordenando a interrupção de obras que afetavam o rio Vilcabamba Na decisão o tribunal reconheceu expressamente a natureza como sujeito de direitos aplicando diretamente os dispositivos constitucionais que incorporaram a Pacha Mama ao ordenamento jurídico equatoriano Na sentença a Corte Provincial de Loja afirmou a importância da Natureza é tão evidente e indiscutível que basta dizer que os danos causados a ela são danos geracionais definidos como aqueles que por sua magnitude repercutem não apenas na geração atual mas também nas futuras gerações afetando seus direitos188 186 ALBÓ Xavier Suma qamaña convivir bien Cómo medirlo Vivir bien Paradigma no capitalista La Paz p 133144 2011 p 133 187 ACOSTA Alberto El Buen Vivir en el camino del postdesarrollo una lectura desde la Constitución de Montecristi Policy Paper Quito v 9 n 5 p 136 2010 p 18 188 EQUADOR Corte Provincial de Loja Sentença nº 1112120110010 Caso Rio Vilcabamba Loja 30 de março de 2011 69 Este caso é emblemático porque representa a primeira aplicação concreta dos direitos constitucionais da natureza demonstrando que não se trata de mera declaração retórica mas de direitos plenamente exigíveis perante os tribunais Como observa Prieto Méndez189 a sentença do rio Vilcabamba marca um antes e um depois na história do direito ambiental pois pela primeira vez um tribunal reconhece a natureza como sujeito de direitos e ordena medidas de reparação em seu benefício Outro caso significativo ocorreu em 2019 quando a Corte Constitucional do Equador reconheceu o rio Los Cedros como sujeito de direitos proibindo atividades mineradoras em sua bacia hidrográfica Na decisão o tribunal afirmou que os direitos da natureza como direitos autônomos protegem os ecossistemas por seu valor intrínseco independentemente de sua utilidade para os seres humanos Portanto quando se afetam os ciclos vitais a estrutura as funções e os processos evolutivos de um ecossistema violase o direito da natureza à existência190 Na Bolívia a Lei nº 071 de 2010 conhecida como Lei dos Direitos da Mãe Terra também reconheceu a Pacha Mama como sujeito coletivo de interesse público Em seu artigo 3º a lei estabelece que a Mãe Terra é o sistema vivo dinâmico formado pela comunidade indivisível de todos os sistemas de vida e seres vivos inter relacionados interdependentes e complementares que compartilham um destino comum A Mãe Terra é considerada sagrada a partir das cosmovisões das nações e povos indígenas originários191 A incorporação da Pacha Mama no ordenamento jurídico representa também uma forma de resistência epistêmica ao que Quijano 2000 p 209 denomina colonialidade do saber ou seja a imposição de modelos eurocêntricos de conhecimento e organização social Ao reconhecer juridicamente uma entidade central na cosmologia andina estas constituições desafiam a hegemonia do pensamento jurídico ocidental e abrem espaço para o pluralismo jurídico e epistemológico 189 PRIETO MÉNDEZ Julio Marcelo Derechos de la naturaleza fundamento contenido y exigibilidad jurisdiccional Quito Corte Constitucional del Ecuador 2013 p 75 190 EQUADOR Corte Constitucional do Equador Sentença nº 114919JP21 Caso Bosque Los Cedros Quito 10 de novembro de 2021 191 BOLÍVIA Lei nº 071 de 21 de dezembro de 2010 Ley de Derechos de la Madre Tierra La Paz Gaceta Oficial del Estado Plurinacional de Bolivia 2010 art 3º 70 Mignolo192 argumenta que o reconhecimento constitucional da Pacha Mama representa um processo de descolonização epistêmica no qual saberes e cosmovisões historicamente subalternizados pelo colonialismo são revalorizados e incorporados às instituições estatais Segundo o autor o reconhecimento constitucional da Pacha Mama não é apenas uma questão de direitos ambientais mas parte de um projeto político mais amplo de descolonização do Estado e do direito que busca superar as estruturas monoculturais e eurocêntricas herdadas do colonialismo Esta dimensão descolonial é evidenciada pelo fato de que o reconhecimento dos direitos da natureza está intimamente ligado à luta dos povos indígenas por autonomia e autodeterminação Como observa Walsh O reconhecimento dos direitos da Pacha Mama nas constituições andinas não pode ser dissociado das lutas dos movimentos indígenas por reconhecimento território e autonomia Tratase de um processo de refundação do Estado a partir de lógicas e racionalidades distintas das ocidentais que desafiam o monopólio epistêmico do direito modernocolonial193 Apesar dos avanços representados pelo reconhecimento constitucional da Pacha Mama como sujeito de direitos diversos autores apontam os desafios e contradições envolvidos na implementação efetiva destes direitos Svampa194 destaca que o reconhecimento constitucional dos direitos da natureza coexiste com a intensificação de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração de recursos naturais gerando uma contradição entre o marco normativo biocêntrico e as práticas políticas e econômicas que continuam a reproduzir lógicas antropocêntricas e utilitaristas Esta contradição se manifesta em casos como o do Parque Nacional Yasuní no Equador onde o governo apesar do reconhecimento constitucional dos direitos da natureza autorizou a exploração petrolífera em uma área de extraordinária biodiversidade e habitat de povos indígenas em isolamento voluntário Outro desafio significativo é a tradução intercultural dos conceitos e práticas associados à Pacha Mama para a linguagem e as instituições do direito 192 QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Buenos Aires CLACSO 2000 p 209 193 WALSH Catherine Interculturalidad plurinacionalidad y decolonialidad las insurgencias políticoepistémicas de refundar el Estado Tabula Rasa Bogotá n 9 p 131152 2008 p 138 194 SVAMPA Maristella Las fronteras del neoextractivismo en América Latina conflictos socioambientales giro ecoterritorial y nuevas dependencias Guadalajara CALAS 2019 p 42 71 moderno Santos argumenta que este processo de tradução intercultural é necessário para evitar tanto a assimilação dos saberes indígenas pela racionalidade jurídica ocidental quanto o isolamento destes saberes em guetos culturais Segundo o autor o desafio da tradução intercultural consiste em encontrar equivalentes homeomórficos entre diferentes tradições culturais reconhecendo tanto as semelhanças quanto as diferenças irredutíveis e construindo espaços de inteligibilidade recíproca sem canibalização ou assimilação195 Zaffaroni196 observa que este reconhecimento constitucional não representa um retorno a concepções animistas primitivas mas sim uma resposta contemporânea aos desafios ecológicos globais Não se trata do antigo animismo das religiões totêmicas nem de panteísmo mas sim do reconhecimento de que somos parte de um todo que é a natureza e que sendo parte dela não podemos ignorar que qualquer dano a ela repercute sobre nós mesmos197 Esta perspectiva evidencia como a Pacha Mama ao transcender sua dimensão mitológica e adquirir personalidade jurídica tornase um exemplo paradigmático de personagem que sai do fictício para materializarse no direito positivo transformando não apenas o ordenamento jurídico mas também a própria concepção de sujeito de direito na tradição jurídica contemporânea Cormac Cullinan198 proponente da Jurisprudência da Terra Earth Jurisprudence argumenta que o reconhecimento dos direitos da natureza não é uma inovação radical mas um retorno a uma sabedoria mais antiga que reconhece a interdependência fundamental entre todos os componentes da comunidade da Terra O que é verdadeiramente radical é a concepção moderna que separa os seres humanos da natureza e reduz esta última a meros recursos para exploração A incorporação da Pacha Mama no direito constitucional contemporâneo representa assim não apenas uma inovação jurídica mas também um diálogo intercultural que enriquece o direito com cosmovisões e racionalidades 195 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 59 196 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 41 197 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 41 198 CULLINAN Cormac Wild Law A Manifesto for Earth Justice 2 ed Vermont Chelsea Green Publishing 2011 p 24 72 tradicionalmente marginalizadas pelo pensamento jurídico ocidental Como observa Ost199 o direito se nutre das narrativas que uma sociedade conta sobre si mesma e a narrativa da Pacha Mama oferece ao direito contemporâneo uma nova forma de conceber a relação entre humanidade e natureza baseada não na dominação mas na reciprocidade e no respeito Esta transformação paradigmática tem implicações profundas para o futuro do direito ambiental e para a busca de soluções jurídicas aos desafios ecológicos globais Como argumenta Boff200 o reconhecimento dos direitos da Mãe Terra representa uma mudança de paradigma que pode contribuir para enfrentar a crise ecológica global pois substitui a lógica da exploração pela lógica do cuidado e a visão utilitarista da natureza por uma compreensão da Terra como comunidade de vida da qual fazemos parte Neste sentido a Pacha Mama ao sair do fictício e adquirir personalidade jurídica não apenas enriquece o imaginário jurídico contemporâneo mas também oferece novas ferramentas conceituais e normativas para enfrentar os desafios ecológicos do Antropoceno demonstrando como elementos do imaginário podem materializarse em instituições jurídicas concretas e transformar nossa compreensão do direito e de seus sujeitos 42 Wotan A figura de Wotan divindade germânica associada à guerra à sabedoria e ao êxtase representa um caso singular de personagem mitológico que ressurgiu no imaginário coletivo alemão durante o período nazista influenciando profundamente o pensamento jurídico e político da época Carl Gustav Jung em seu ensaio Wotan publicado em 1936 analisa o fenômeno do ressurgimento deste arquétipo na psique coletiva alemã como uma explicação para os acontecimentos políticos e sociais que culminaram na ascensão do nazismo Jung201 descreve Wotan como um deus da tempestade e da fúria o desencadeador de paixões e de lutas além de ser um mago poderoso e um artista do disfarce Esta caracterização do deus nórdico como uma força irracional 199 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 16 200 BOFF Leonardo O cuidado necessário na vida na saúde na educação na ecologia na ética e na espiritualidade Petrópolis Vozes 2015 p 107 201 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 2 73 violenta e transformadora serve como metáfora para compreender o que Jung considerava uma possessão psíquica coletiva que havia tomado conta da Alemanha nazista Um fator psicológico que atua num povo assume o caráter deste povo e por isso é sempre um deus ou um demônio Wotan desapareceu quando o cristianismo se impôs Mas continuou a viver como inquietação como irrequietude como busca de novas coisas como insatisfação e anseio202 O ressurgimento de Wotan no imaginário alemão não se limitou a uma influência cultural ou estética mas manifestouse concretamente nas instituições políticas e jurídicas do Terceiro Reich O direito nazista com sua ênfase no espírito germânico e no sentimento jurídico do povo Volksgeist representa uma materialização jurídica deste arquétipo onde a racionalidade legal foi substituída por uma concepção mítica e irracional do direito Carl Schmitt um dos principais juristas do período nazista desenvolveu teorias que refletiam essa influência arquetípica Sua concepção decisionista do direito que privilegiava a decisão soberana sobre a norma abstrata e sua teoria do estado de exceção como situação reveladora da verdadeira natureza do poder soberano podem ser interpretadas como manifestações jurídicas do arquétipo de Wotan o deus que transcende as regras estabelecidas e impõe sua vontade através da força e do carisma203 O poema Wotan citado por Jung204 em seu ensaio ilustra como esta figura mitológica foi reinterpretada como símbolo do espírito alemão Tempestade sobre a terra Livre se torna o Deus Que por muito tempo dormiu Ele cavalga sobre os ventos E sobre as ondas selvagens Brandindo sua lança O povo se levanta O povo se agita Ele sacode todos aqueles Que não conseguem resistir Este poema evidencia como o arquétipo de Wotan foi mobilizado para justificar a suspensão da ordem jurídica tradicional e a instauração de um novo 202 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 4 203 AGAMBEN Giorgio Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 p 54 204 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 15 74 direito baseado na vontade do líder e no espírito do povo A Lei de Plenos Poderes Ermächtigungsgesetz de 1933 que concedeu a Hitler autoridade para governar por decreto sem necessidade de aprovação parlamentar pode ser vista como uma materialização jurídica deste princípio wotânico de transcendência das regras estabelecidas205 O caso de Wotan ilustra o que François Ost 2004 p 39 denomina o poder normativo do imaginário ou seja a capacidade que determinadas narrativas e figuras míticas têm de moldar não apenas o imaginário coletivo mas também as instituições jurídicas e políticas No contexto do direito nazista este poder normativo manifestouse na substituição do positivismo jurídico por um direito baseado em conceitos vagos como comunidade popular Volksgemeinschaft e sentimento jurídico sadio do povo gesundes Volksempfinden Jung 1988 p 8 observa que Wotan é uma figura fundamental do inconsciente coletivo germânico um espírito inquieto violento tempestuoso que desencadeia paixões e lutas incita os homens à batalha e produz encantos e ilusões Wotan desapareceu quando o cristianismo se impôs Mas continuou a viver como inquietação como irrequietude como busca de novas coisas como insatisfação e anseio Esta análise junguiana do fenômeno nazista como ressurgimento de um arquétipo adormecido oferece uma perspectiva única para compreender como elementos do imaginário coletivo podem materializarse em instituições jurídicas e políticas O direito nazista com sua rejeição da tradição jurídica liberal e sua ênfase em conceitos como comunidade e raça representa uma manifestação concreta dessa influência arquetípica A transição de Wotan do campo mitológico para o jurídicopolítico durante o período nazista ilustra os perigos do que Cassirer 1976 p 298 denominou o poder do mito na política moderna Segundo este autor o ressurgimento de forças míticas na política do século XX representou uma regressão a formas préracionais de organização social com consequências devastadoras para o direito e a democracia O caso de Wotan demonstra como personagens fictícios ou mitológicos podem sair do fictício não apenas para enriquecer o imaginário jurídico mas 205 STOLLEIS Michael The Law under the Swastika Studies on Legal History in Nazi Germany Chicago University of Chicago Press 1998 p 98 75 também para subvertêlo substituindo princípios racionais por forças irracionais e míticas Esta dimensão sombria da relação entre imaginário e direito serve como alerta para os riscos envolvidos na mobilização de narrativas míticas no campo jurídico político Um aspecto particularmente significativo da materialização jurídica do arquétipo de Wotan pode ser observado na chamada Escola de Direito de Kiel Kieler Schule um grupo de juristas nazistas que buscou reformular completamente a teoria e a prática jurídica alemã de acordo com os princípios nacionalsocialistas Juristas como Karl Larenz Ernst Rudolf Huber Georg Dahm e Friedrich Schaffstein desenvolveram uma teoria jurídica que rejeitava explicitamente o positivismo e o normativismo em favor de uma concepção concretaordenadora do direito baseada na ideia de uma ordem concreta konkrete Ordnung emanada diretamente do espírito do povo206 Esta escola jurídica ao rejeitar a abstração e a generalidade das normas em favor de decisões baseadas em conceitos como comunidade racial e espírito germânico exemplifica o que Müller207 denomina irracionalismo jurídico uma abordagem que substitui a argumentação racional por apelos a forças míticas e instintivas Segundo Müller A Escola de Kiel representou a mais radical tentativa de substituir o pensamento jurídico racional por uma abordagem baseada em conceitos míticos e irracionais Ao invocar o espírito germânico e o sentimento jurídico do povo como fontes primárias do direito estes juristas efetivamente transformaram o arquétipo de Wotan com sua ênfase na vontade no poder e na transcendência das normas em princípio organizador do sistema jurídico nazista208 Esta transformação do arquétipo de Wotan em princípio jurídico concreto manifestouse em diversas decisões judiciais do período nazista nas quais juízes explicitamente rejeitavam a aplicação de normas legais em favor de interpretações baseadas no espírito nacionalsocialista Um exemplo notório é o caso de Marinus van der Lubbe acusado do incêndio do Reichstag que foi condenado à morte com base em uma lei penal retroativa a segunda versão do decreto do incêndio do Reichstag Reichstagsbrandverordnung em flagrante violação ao 206 STOLLEIS Michael A History of Public Law in Germany 19141945 Oxford Oxford University Press 2003 p 332 207 MÜLLER Ingo Hitlers Justice The Courts of the Third Reich Cambridge Harvard University Press 1987 p 76 208 Iden p 78 76 princípio da irretroatividade da lei penal O Tribunal do Reich justificou esta decisão argumentando que o são sentimento do povo gesundes Volksempfinden exigia a punição exemplar independentemente dos princípios jurídicos estabelecidos209 A análise do fenômeno Wotan no direito nazista não representa apenas um interesse histórico mas oferece importantes lições para a compreensão de dinâmicas contemporâneas em que elementos arquetípicos e mitológicos são mobilizados no campo jurídicopolítico Hillman 210 argumenta que os arquétipos como padrões primordiais do inconsciente coletivo nunca desaparecem completamente mas permanecem latentes podendo ser reativados em determinadas circunstâncias históricas e sociais Esta perspectiva sugere a necessidade de vigilância constante contra o ressurgimento de forças míticas irracionais no campo do direito Neumann211 em sua análise do estado nazista observa que o apelo a elementos míticos e arquetípicos não é exclusivo de regimes totalitários mas pode manifestarse também em democracias especialmente em períodos de crise e insegurança Segundo o autor A invocação de elementos míticos e arquetípicos no discurso jurídico político representa sempre um risco para a racionalidade do direito Quando conceitos vagos como vontade do povo espírito nacional ou valores tradicionais substituem a argumentação racional baseada em princípios jurídicos claros abrese espaço para a arbitrariedade e o autoritarismo O caso de Wotan no direito nazista serve como um alerta permanente para os perigos da mitologização do direito212 Esta advertência é particularmente relevante no contexto contemporâneo em que se observa em diversas democracias um ressurgimento de discursos políticos e jurídicos que apelam a elementos míticos e arquetípicos frequentemente associados a concepções organicistas da nação e a narrativas de purificação e regeneração nacional A análise junguiana do fenômeno Wotan oferece assim importantes ferramentas conceituais para compreender e enfrentar 209 FRASER David Law after Auschwitz Towards a Jurisprudence of the Holocaust Durham Carolina Academic Press 2005 p 123 210 HILLMAN James ReVisioning Psychology New York Harper Perennial 2010 p 45 211 NEUMANN Franz Behemoth The Structure and Practice of National Socialism 19331944 Chicago Ivan R Dee 2009 p 467 212 Iden p 470 77 estes desafios contemporâneos demonstrando como o estudo da relação entre mitologia e direito pode contribuir para a defesa da racionalidade jurídica e dos princípios democráticos 43 Ronald Dworkin e o romance continuado Ronald Dworkin filósofo e jurista americano desenvolveu uma das mais influentes teorias jurídicas contemporâneas na qual propõe uma concepção do direito como romance em cadeia chain novel Esta metáfora literária que compara a atividade judicial a um processo de escrita colaborativa representa um caso singular de transição entre o campo teóricofictício e a prática jurídica concreta ilustrando como construções metafóricas podem materializarse em metodologias interpretativas e decisões judiciais Nascido em 1932 em Worcester Estados Unidos Dworkin construiu uma trajetória acadêmica notável Formouse em filosofia pela Universidade de Harvard em 1953 tendo como mentores figuras proeminentes como WO Quine e John Rawls Posteriormente estudou Jurisprudence no Magdalen College da Universidade de Oxford experiência que seria determinante para o desenvolvimento de seu pensamento jurídico Sua formação prática incluiu um estágio com o juiz Learned Hand e um período como advogado no escritório Sullivan and Cromwell antes de iniciar sua carreira acadêmica na Faculdade de Direito de Yale213 A teoria do romance em cadeia é apresentada por Dworkin em sua obra O Império do Direito214 onde ele propõe uma analogia entre a interpretação jurídica e a escrita de um romance por múltiplos autores Segundo esta concepção cada juiz ao decidir um caso atua como um romancista que recebe uma obra parcialmente escrita e deve acrescentar um novo capítulo que seja coerente com o que veio antes e que abra possibilidades para os capítulos futuros Nas palavras de Dworkin cada juiz é como um romancista na corrente Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado não apenas para descobrir o que disseram ou seu estado de espírito quando o disseram mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente da maneira como 213 GUEST Stephen Ronald Dworkin 3 ed Stanford Stanford University Press 2013 p 14 214 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1986 p 238 78 cada romancista forma uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então215 Esta concepção do direito como narrativa contínua representa uma ruptura com o positivismo jurídico de HLA Hart que concebia o direito como um sistema de regras identificáveis por critérios específicos independentemente de seu conteúdo Para Dworkin o direito não se limita a um conjunto de regras mas inclui também princípios fundamentais que devem ser considerados na interpretação e aplicação das normas jurídicas Conforme explica em Levando os Direitos a Sério O positivismo jurídico define o direito como um conjunto de regras adotadas pela comunidade identificáveis por critérios específicos independentemente do seu conteúdo Esse ponto de vista é criticado por ser excessivamente limitado pois não considera adequadamente o papel dos princípios na prática jurídica216 A metáfora do romance em cadeia não é apenas uma construção teórica abstrata mas uma metodologia interpretativa que tem influenciado concretamente a prática judicial em diversos sistemas jurídicos Tribunais constitucionais ao redor do mundo incluindo o Supremo Tribunal Federal brasileiro frequentemente recorrem à noção dworkiniana de integridade e coerência narrativa para fundamentar suas decisões especialmente em casos difíceis que envolvem princípios constitucionais conflitantes Um exemplo concreto dessa influência pode ser observado no julgamento da ADPF 132 pelo STF que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo Na ocasião o Ministro Luiz Fux citou expressamente a teoria de Dworkin ao afirmar que o Direito não é só um conjunto de regras o Direito é um conjunto de regras e de princípios e os princípios são normas jurídicas de textura aberta que comportam mais de uma interpretação E aí é que entra a figura do juiz porque o juiz como dizia Ronald Dworkin não é um mero expectador do fenômeno jurídico217 A transição da metáfora dworkiniana do campo teórico para a prática judicial ilustra o que François Ost 2004 p 18 denomina fertilização cruzada entre direito e literatura Segundo Ost as narrativas literárias e as construções 215 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1986 p 238 216 DWORKIN Ronald Levando os direitos a sério São Paulo Martins Fontes 2002 p 28 217 BRASIL Supremo Tribunal Federal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 Relator Ministro Ayres Britto Brasília 5 de maio de 2011 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 14 out 2011 79 metafóricas não apenas enriquecem o imaginário jurídico mas também fornecem modelos interpretativos que podem ser mobilizados na prática do direito A concepção do direito como romance em cadeia representa uma superação da dicotomia entre criação e aplicação do direito Para Dworkin o juiz não é nem um mero aplicador mecânico de regras preexistentes como sugere o formalismo jurídico nem um criador arbitrário de normas como sugere o realismo jurídico mas um intérprete que participa de uma prática social contínua buscando dar a melhor continuidade possível à história institucional de sua comunidade jurídica Como explica em O Império do Direito A integridade exige que os juízes considerem o direito como um todo coerente como se fosse obra de um único autor expressando uma concepção coerente de justiça e equidade DWORKIN 1986 p 225 Esta visão do direito como narrativa coerente tem implicações profundas para a compreensão da autoridade e da legitimidade das decisões judiciais Se o direito é concebido como um romance em construção coletiva a legitimidade de cada nova adição depende de sua capacidade de manter a coerência narrativa do todo respeitando simultaneamente o passado institucional e as exigências de justiça do presente A teoria dworkiniana do romance em cadeia ilustra como uma construção metafórica inicialmente pertencente ao campo teórico pode materializarse em práticas interpretativas concretas influenciando decisões judiciais e transformando a compreensão do fenômeno jurídico Neste sentido o romance em cadeia de Dworkin representa um exemplo paradigmático de personagem teórico que sai do fictício para habitar o mundo da prática jurídica concreta 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça Os tribunais superiores brasileiros notadamente o Supremo Tribunal Federal STF e o Superior Tribunal de Justiça STJ têm desempenhado um papel cada vez mais proeminente na criação de figuras jurídicas que embora não expressamente previstas na legislação adquirem materialidade e eficácia no ordenamento jurídico Este fenômeno que pode ser caracterizado como uma 80 forma de criação jurídica ilustra como o poder judiciário através de sua atividade interpretativa é capaz de fazer sair do fictício personagens jurídicos que passam a integrar concretamente a realidade normativa A atuação criativa dos tribunais superiores brasileiros pode ser analisada sob a perspectiva do que François Ost218 denomina poder instituinte da jurisdição ou seja a capacidade que os tribunais têm de não apenas aplicar o direito existente mas também de participar ativamente em sua criação e transformação Este poder instituinte manifestase particularmente em casos difíceis nos quais os tribunais são chamados a preencher lacunas normativas ou a adaptar o direito a novas realidades sociais Um exemplo paradigmático dessa criação jurídica pelo STF é o desenvolvimento do conceito de estado de coisas inconstitucional figura jurídica originalmente desenvolvida pela Corte Constitucional colombiana e incorporada ao direito brasileiro através da ADPF 347 julgada em 2015 Nesta decisão o STF reconheceu a existência de um estado de violação generalizada e sistemática de direitos fundamentais no sistema penitenciário brasileiro determinando a adoção de medidas estruturais para sua superação219 Embora o estado de coisas inconstitucional não esteja expressamente previsto na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional esta figura jurídica adquiriu materialidade e eficácia no ordenamento brasileiro através da atividade interpretativa do STF Como observa Campos220 O estado de coisas inconstitucional representa uma técnica de decisão por meio da qual cortes constitucionais diante da constatação de violações generalizadas contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais declaram a absoluta contradição entre os comandos normativos constitucionais e a realidade social determinando a implementação de soluções estruturais Outro exemplo significativo de criação jurídica pelos tribunais superiores é o desenvolvimento da teoria do habeas corpus coletivo pelo STF Tradicionalmente o habeas corpus era concebido como um remédio constitucional de caráter individual destinado a proteger a liberdade de locomoção de pessoas determinadas No entanto em 2018 no julgamento do HC 143641 o STF inovou 218 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 18 219 BRASIL Supremo Tribunal Federal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 Relator Ministro Marco Aurélio Brasília 9 de setembro de 2015 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 19 fev 2016 220 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Estado de Coisas Inconstitucional Salvador JusPodivm 2016 p 284 81 ao admitir a impetração coletiva deste remédio constitucional beneficiando todas as mulheres gestantes puérperas ou mães de crianças sob sua responsabilidade que se encontravam em prisão preventiva221 Esta decisão representou uma transformação significativa na compreensão tradicional do habeas corpus criando uma nova modalidade deste instrumento processual que não estava expressamente prevista no texto constitucional ou na legislação infraconstitucional Como observa Sarmento222 O reconhecimento do habeas corpus coletivo pelo STF representa uma inovação jurisprudencial que amplia significativamente o alcance deste remédio constitucional adaptandoo às necessidades de proteção de direitos fundamentais em uma sociedade de massa marcada por violações estruturais e sistêmicas No âmbito do Superior Tribunal de Justiça um exemplo notável de criação jurídica é o desenvolvimento da teoria da perda de uma chance figura originária do direito francês que foi incorporada ao ordenamento brasileiro através da jurisprudência Esta teoria permite a responsabilização civil pela privação da possibilidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo mesmo quando não é possível estabelecer um nexo causal direto entre a conduta do agente e o dano final No REsp 1254141PR julgado em 2013 o STJ consolidou a aplicação desta teoria no direito brasileiro estabelecendo seus pressupostos e limites Segundo o acórdão a teoria da perda de uma chance aplicase quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda Não se exige a comprovação da existência do dano final bastando a prova da certeza da chance perdida pois esta é o objeto de reparação223 Embora não prevista expressamente na legislação civil brasileira a teoria da perda de uma chance adquiriu materialidade e eficácia no ordenamento jurídico através da atividade criativa do STJ ilustrando como figuras jurídicas podem sair do fictício para integrar concretamente a prática jurídica 221 BRASIL Supremo Tribunal Federal Habeas Corpus nº 143641 Relator Ministro Ricardo Lewandowski Brasília 20 de fevereiro de 2018 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 9 out 2018 222 SARMENTO Daniel O cabimento do habeas corpus coletivo na ordem constitucional brasileira Revista da EMERJ Rio de Janeiro v 21 n 3 p 2752 2019 p 45 223 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1254141PR Relatora Ministra Nancy Andrighi Brasília 4 de dezembro de 2013 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 20 fev 2014 82 A criação jurídica pelos tribunais superiores brasileiros suscita importantes questões sobre os limites da atividade interpretativa judicial e sua legitimidade democrática Críticos deste fenômeno argumentam que a criação de figuras jurídicas não expressamente previstas na legislação representaria uma usurpação das funções legislativas pelo poder judiciário comprometendo o princípio da separação dos poderes Por outro lado defensores desta prática sustentam que ela é necessária para adaptar o direito às novas realidades sociais e garantir a efetividade dos direitos fundamentais em contextos de omissão legislativa Streck224 observa que a criação jurídica pelos tribunais é um fenômeno complexo que não pode ser reduzido a uma simples dicotomia entre ativismo judicial e autocontenção Tratase de um processo hermenêutico que envolve a reconstrução do sentido normativo dos textos jurídicos à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais A análise da criação jurídica pelos tribunais superiores brasileiros à luz da teoria de François Ost permite compreender este fenômeno como uma manifestação do que o autor denomina jogo de espelhos entre direito e ficção Segundo Ost225 o direito não cessa de pôr em cena a ficção enquanto a literatura e outras formas narrativas frequentemente tomam o direito como objeto Neste sentido a criação de figuras jurídicas pelos tribunais pode ser vista como um processo de materialização de construções teóricas ou fictícias que através da atividade interpretativa judicial adquirem concretude e eficácia no mundo jurídico 45 Ronald Dworkin e o direito como integridade uma ponte entre direito e literatura Ronald Dworkin figura notável na filosofia e no direito desenvolveu uma teoria jurídica que estabelece uma conexão profunda entre o direito e a literatura oferecendo uma perspectiva única sobre como elementos narrativos e interpretativos podem materializarse no campo jurídico Nascido em 1932 em Worcester EUA Dworkin iniciou sua trajetória acadêmica na Universidade de Harvard onde se formou em filosofia em 1953 tendo como mentores figuras de destaque como WO Quine e John Rawls Posteriormente aprofundou seus estudos jurídicos no Magdalen College da Universidade de Oxford um passo determinante para sua 224 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional 5 ed Rio de Janeiro Forense 2018 p 67 225 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 15 83 carreira e pensamento Sua experiência prática no direito incluiu um estágio com o renomado juiz Learned Hand do United States Court of Appeals for the Second Circuit e um período de dois anos como advogado associado no escritório Sullivan and Cromwell Sua carreira acadêmica o levou da faculdade de Direito de Yale para Oxford onde ocupou a Cátedra de Jurisprudence e posteriormente para a University College London como Quain Professor of Jurisprudence e após sua aposentadoria em Oxford como Bentham Professor of Jurisprudence Dworkin nunca se distanciou do debate público político e jurídico expressandose ativamente por meio de intervenções literárias e mantendo uma presença vibrante como professor Defensor de posições progressistas ele foi um liberal igualitário e um engajado democrata dedicando sua vida à defesa dos direitos humanos Sua morte aos 81 anos de leucemia em Londres marcou o fim de uma era mas seu legado intelectual materializado em obras como Taking Rights Seriously Laws Empire e Justice for Hedgehogs continua a influenciar profundamente o pensamento jurídico contemporâneo Ronald Dworkin considerado um dos maiores filósofos legais e teóricos de todos os tempos desenvolveu uma teoria jurídica notavelmente original que transcendeu a dicotomia entre o Direito Natural e o Positivismo Legal Sua abordagem metodológica distinta reintegrou o direito como um ramo da moralidade política defendendo como corolário a tese de que existe uma única resposta correta para questões jurídicas complexas Em Taking Rights Seriously Dworkin propôs definir e defender uma teoria liberal do direito criticando agudamente outra teoria amplamente considerada liberal a teoria dominante do direito Esta teoria se dividia em duas partes independentes a primeira o positivismo jurídico que define o direito exclusivamente em termos de regras adotadas por instituições sociais específicas a segunda o utilitarismo que defende que o direito e suas instituições devem servir ao bemestar geral Dworkin argumentava que uma teoria geral do direito deve ser tanto normativa quanto conceitual desafiando a separação entre descrição e prescrição Ele sustentava que o direito como interpretação construtiva opera como uma novela em cadeia integrando integridade e conceitos interpretativos na moralidade política Esta visão coloca o direito em constante diálogo com a filosofia política e 84 moral dependendo também de teorias filosóficas sobre a natureza humana e a objetividade da moralidade Na obra Levando o Direito a Sério Dworkin explora a natureza e a legitimidade do direito confrontandose especialmente com o positivismo jurídico desenvolvido por H L A Hart ao argumentar que uma compreensão adequada do direito transcende a mera aplicação de regras e deve incorporar princípios fundamentais O positivismo jurídico conforme discutido por Dworkin define o direito como um conjunto de regras adotadas pela comunidade identificáveis por critérios específicos independentemente do seu conteúdo Esse ponto de vista é criticado por Dworkin por ser excessivamente restritivo e por não capturar a totalidade do que o direito representa Dworkin critica a visão de John Austin de que as regras jurídicas são meras ordens do soberano argumentando que esta análise falha em reconhecer diferenças cruciais nas atitudes que tomamos em relação ao direito sugerindo que tal perspectiva carece de um critério de legitimidade adequado Embora Dworkin reconheça que a versão do positivismo de Hart é mais sofisticada que a de Austin diferenciando entre regras primárias e secundárias e rejeitando a noção de regras como ordens ele ainda encontra falhas nessa abordagem principalmente na maneira como Hart lida com casos jurídicos imprecisos recorrendo a um poder discricionário por parte dos juízes Assim Dworkin argumenta que além das regras os princípios também são uma componente essencial do direito servindo para preencher lacunas jurídicas e orientar a interpretação e aplicação do direito de maneira a não deixar tudo à discricionariedade dos juízes A análise de Dworkin desafia o positivismo jurídico ao argumentar que uma teoria do direito completa deve ir além da aplicação mecanicista de regras e deve incluir princípios que dão ao direito sua plenitude e legitimidade A obra Império do Direito de Ronald Dworkin destacase como uma de suas principais contribuições à filosofia jurídica Diferente de uma análise descritiva do direito Dworkin adota uma abordagem fundamentalista buscando aprofundar a compreensão do direito através de uma estrutura dialética de argumentação tese antítese e síntese Ele propõe a integridade como o princípio norteador da sua teoria jurídica Dworkin utiliza o caso Riggs vs Palmer para evidenciar a sua teoria No 85 caso um neto assassinou o avô para herdar sua fortuna apesar de não existir na lei um requisito claro que o desqualificasse da herança por esse ato Os juízes apoiados por princípios de justiça tradicionais e buscando coerência no sistema legal decidiram contra o neto enfatizando que ninguém deve se beneficiar de seu próprio erro Destacamse conceituações antagônicas segundo Dworkin 1 Convencionalismo Define que juízes devem seguir o que as convenções jurídicas declararem como direito Dworkin distingue entre convencionalismo estrito e moderado mas argumenta que ambos falham em responder adequadamente ao caso Élmer dado o limite de suas convenções 2 Pragmatismo Jurídico Encara o direito como um instrumento para o futuro sem um conteúdo próprio definido Segundo Dworkin essa visão não proporciona uma resposta adequada para o caso pois ignora as normas vigentes na época 3 Direito como Integridade Dworkin propõe essa visão como a interpretação mais adequada argumentando que o direito deve ser visto como um desenvolvimento contínuo que leva em consideração tanto o passado quanto o futuro em um esforço para manter a coerência e a integridade do sistema jurídico No caso Riggs vs Palmer o juiz Earl apresentou duas razões pela qual o neto não fazia jus ao recebimento da herança Juiz Earl Ele apresentou duas razões Primeiro é razoável admitir que os legisladores têm uma intenção genérica e difusa de respeitar os princípios tradicionais da justiça a menos que indiquem claramente o contrário Segundo tendo em vista que uma lei faz parte de um sistema compreensivo mais vasto o direito como um todo deve ser interpretada de modo a conferir em princípio maior coerência a esse sistema Earl argumentava que em outros contextos o direito respeita o princípio de que ninguém deve beneficiarse de seu próprio erro de tal modo que a lei sucessória devia ser lida no sentido de negar uma herança a alguém que tivesse cometido um homicídio para obtêla226 Na visão de Dworkin o caso não é uma simples discricionariedade pois tratase dos juízes se fundamentando em princípios para justificar uma decisão observando o direito não em uma única esfera mas sim buscando o seu 226 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1999 p 23 86 desenvolvimento É importante observar que enquanto a primeira concepção possui uma visão mais voltada para o passado através da análise de convenções e da jurisprudência vigente a segunda concepção visa somente o futuro pois a decisão do juiz deve se fundamentar somente no futuro da sociedade O direito como integridade busca incorporar elementos que interpretam o direito como um desenvolvimento contínuo pois se desdobram tanto para o passado quanto para o futuro Nas palavras do próprio autor O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo voltados para o passado ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico voltados para o futuro Insiste que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que por esse motivo combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento227 O autor ainda aduz que o direito como integridade é tanto um produto interpretativo abrangente da prática jurídica quanto sua fonte de inspiração pois apresenta aos juízes que decidem casos difíceis uma interpretação contínua Em outras palavras o direito como integridade é o desenvolvimento contínuo praticado pelos juízes para analisar interpretar e reanalisar os seus casos Para exemplificar o conceito de direito como integridade Dworkin utiliza a metáfora do Romance em Cadeia estabelecendo uma ponte explícita entre o direito e a literatura Nesta metáfora Dworkin compara os juízes a romancistas que participam de um projeto coletivo e contínuo Cada juiz ao enfrentar um caso não começa do zero mas se baseia no legado deixado por decisões anteriores Ele deve ler e compreender o trabalho dos juízes que vieram antes dele não apenas para conhecer os fatos ou as decisões mas para entender a lógica coletiva e o propósito dessas decisões dentro da narrativa maior do direito Cada juiz então é como um romancista na corrente Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado não apenas para descobrir o que disseram ou seu estado de espírito quando o disseram mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá se olhar nos livros adequados registros de muitos casos plausivelmente 227 Iden p 271 87 similares decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes Ao decidir o novo caso cada juiz deve considerarse como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia do qual essas inúmeras decisões estruturas convenções e práticas são a história é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção Portanto deve determinar segundo seu próprio julgamento o motivo das decisões anteriores qual realmente é tomado como um todo o propósito ou o tema da prática até então228 Esta metáfora do romance em cadeia ilustra perfeitamente como elementos literários e narrativos podem materializarse no campo jurídico Assim como um romancista que continua uma história iniciada por outros deve respeitar a coerência narrativa os personagens já estabelecidos e o desenvolvimento da trama um juiz deve respeitar os precedentes os princípios jurídicos e a lógica interna do sistema legal ao tomar suas decisões Dworkin introduz ainda a figura imaginativa do juiz Hercúleo dotado de inteligência e tempo infinitos capaz de interpretar perfeitamente toda a complexidade e nuances do direito Este exercício teórico destaca a idealização de uma interpretação jurídica perfeita embora reconheça que na prática os juízes reais só podem aspirar a se aproximar desse ideal fazendo o melhor uso possível de suas habilidades para interpretar e aplicar o direito Na realidade os juízes devem se esforçar para interpretar e continuar a narrativa jurídica da forma mais fiel possível apesar de suas limitações humanas Isso implica em uma busca contínua pela interpretação mais coerente e adequada das leis e decisões passadas visando sempre a integridade e a coesão do sistema jurídico como um todo A teoria do direito como integridade de Dworkin e sua metáfora do romance em cadeia representam um caso paradigmático de como elementos do imaginário literário podem materializarse no campo jurídico Ao conceber o direito como uma narrativa em desenvolvimento contínuo Dworkin não apenas estabelece uma analogia entre direito e literatura mas efetivamente incorpora princípios narrativos e interpretativos na própria estrutura do pensamento jurídico 228 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1999 p 238 88 Esta concepção narrativa do direito tem profundas implicações para a prática jurídica Os juízes ao decidirem casos difíceis não estão simplesmente aplicando regras préestabelecidas mas participando de um processo criativo e interpretativo semelhante ao de um romancista que continua uma obra iniciada por outros Eles devem considerar não apenas o texto da lei mas também os princípios subjacentes a coerência narrativa do sistema jurídico e as implicações de suas decisões para o desenvolvimento futuro do direito Como observa Ost229 o direito se nutre das narrativas que uma sociedade conta sobre si mesma A teoria de Dworkin exemplifica perfeitamente esta relação ao mostrar como o direito pode incorporar elementos narrativos não apenas em seu conteúdo substantivo mas também em sua própria metodologia e estrutura conceitual O romance em cadeia dworkiniano representa assim uma ponte entre o imaginário literário e a realidade jurídica demonstrando como conceitos e metáforas originados no campo da literatura podem materializarse em práticas jurídicas concretas Esta materialização não é meramente ilustrativa ou retórica mas constitutiva da própria natureza do direito como empreendimento interpretativo e narrativo A contribuição de Dworkin para a compreensão da relação entre direito e literatura vai além da simples analogia ou comparação Ao conceber o direito como um romance em cadeia ele efetivamente transforma a prática jurídica incorporando elementos narrativos e interpretativos em sua estrutura fundamental Esta transformação representa um caso paradigmático de como personagens e conceitos do imaginário podem sair do fictício para materializar se no campo jurídico enriquecendo nossa compreensão do direito e de sua relação com outras formas de narrativa social CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL O escritor de ficção científica Isaac Asimov em meados do século passado se dedicou a um campo a qual se tornou referência a robótica e as máquinas inteligentes O autor coloca o robô na perspectiva de servo do homem230 e 229 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 20 230 SANTOS Vítor M F Robótica industrial Apontamentos teóricos Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 P 8 89 a narrativa também envolve uma questão subjetividade já evidenciada no título que usa o pronome eu A obra é considerada um clássico da literatura e da ficção cientifica231 sendo um clássico obrigatório que preenche as prateleiras de muitos acervos O livro foi publicado no ano de 1950 e serviu como base para a criação de um filme interpretado pelo autor Will Smith que possui o mesmo nome que a obra literária As duas obras se diferem bastante enquanto o filme tem um enfoque muito claro em cenas de ação e conclusões supérfluas para os problemas apresentados o livro por sua vez é um conjunto de nove contos que descrevem a diversas formas evolução da tecnologia por meio de uma inteligência artificial IA avançada e a inclusão dela em autômatos em uma projeção de futuro entre os anos de 1996 2052 É no ano de 2035 que os robôs assumem papel de relevância na vida das pessoas substituindo os humanos na realização de tarefas cotidianas e como forma de garantia de um ciclo perfeito de segurança se cria comandos denominados as Três Leis da Robótica A humanidade fez a previsão do avanço desenfreado da tecnologia e das inteligências artificiais de forma que foi proposto que nenhum autômato ou máquina com inteligência artificial poderia ser criado e saísse de fábrica sem que sua programação tivesse as três leis básicas Os robôs teriam embutidos em seus cérebros positrônicos conceito que o autor do livro criou para se referir aos cérebros das máquinas inteligência artificial que imitam as funções cognitivas humanas as três leis Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei Um robô deve proteger sua própria existência desde que não entre em conflito com as leis anteriores Isaac Asimov traz outra história em sua obra Robôs do Amanhecer apresentando a quarta lei Lei Zero que deriva para solucionar conflitos oriundos da aplicação das leis anteriores Assim parara fins de solução dos conflitos entre a 231ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 90 lei a quarta lei surge Um robô não pode causar mal à humanidade ou por omissão permitir que a humanidade sofra algum mal nem permitir que ela própria o faça Como é possível observar o autor propõe que segundo as leis e comandos já citados seria possível moldar o comportamento de máquinas estabelecendo normas como parâmetros das condutas dos robôs No decorrer do livro há o desenvolvimento de questões adjacentes232 mas é nítida a conclusão o eixo central conduz ao pensamento de que mesmo com o estabelecimento claro de diretrizes bem delimitadas uma máquina pode buscar ultrapassar limites de sua própria construção inicial ou seja que existir uma evolução constante ou um autoaperfeiçoamento invariavelmente que pode ultrapassar os limites predeterminados para os autômatos Em suma as determinações e comandos mesmo limites claros para a existência de alguns autômatos podem ser ultrapassados em razão da evolução e aperfeiçoamento da máquina O autor da obra Eu Robô não faz uma grande diferenciação entre um autômato que possui capacidade cognitiva ou de raciocínio e uma IA Inteligência Artificial mas no próprio ano de 1950 Turing abre as portas para essa diferenciação com trabalho publicado pela Universidade de Oxford Alan Mathison Turing um dos pais da robótica computação e Inteligência Artificial matemático cientista da computação lógico e criptoanalista publicou Computing Machinery and Intelligence233 trazendo o que ficaria conhecido como teste de Turing A partir dessa obra há o desenvolvimento de outros conceitos que já estavam em discussão nos anos de 1930 evoluindo deste modo para aclarar a ideia de Inteligência Artificial e robôs A Inteligência artificial pode ser entendida como a capacidade de uma máquina de produzir competências semelhantes às de um ser humano tais como raciocínio e aprendizagem Neste contexto a IA permite que os sistemas que as permeiam sejam percebidos e possibilitando a solução de problemas A máquina recebe processa dados e responde conforme a sua programação de forma que a 232 Na obra se tem reflexão como se um robô pode ser imputado se o robô pode agir livremente diante as três leis Se os robôs são seres livres e responsáveis e por consequência imputáveis pelo Direito 233TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 91 máquina é capaz de adaptar o seu comportamento processando os dados que está recebendo e os dados anteriores234 Para melhor elucidar o que podemos definir como uma IA é valido salientar os apontamentos de John MCCarthy um dos maiores cientistas da computação e considerado outro pai de diversas tecnologias que se tem hoje em dia235 236 John McCarthy em seu artigo datado de 2004237 fornece uma definição abrangente de inteligência artificial IA MCCarthy considera que a Inteligência Artificial é a ciência e engenharia dedicada à criação de máquinas inteligentes especialmente programas de computação inteligentes238 Ele destaca que embora a IA esteja intrinsecamente relacionada à tarefa de imitar a inteligência humana por meio de computadores essa disciplina não se limita a métodos derivados da observação biológica Em outras palavras a IA não está sujeita ao raciocínio humano Imitar a inteligência humana pensar será possível essas habilidades para uma máquina Turing já havia apresentado a provocativa indagação As máquinas pensam239 A partir dessa pergunta ele concebeu o conhecido teste de Turing que consiste em um método em que um interrogador humano tentaria discernir entre as respostas de texto provenientes de um computador e de um humano O teste de Turing apresenta três personagens um homem uma mulher e um juiz Os três personagens só podem comunicarse por meio de máquinas de 234 Documento publicado pelo parlamento europeu para encontrar uma definição do que se entende por Inteligência artificial TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona disponível httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804oqueea inteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial20IA 20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 235 Nota de falecimento e um pouco da sua história G1 Morre John McCarthy pioneiro da Inteligência Artificial e pai do Lisp Disponível em httpsg1globocomtecnologianoticia201110morrejohnmccarthy pioneirodainteligenciaartificialhtml Acesso em 08 ago 2024 236 COMPUTAÇÃO UFPEL John McCarthy 19272011 Prestigiado em diversas universidades como um dos fundadores de muitos paradigmas que temos sobre a robótica hoje em dia Disponível em httpswpufpeledubrcomputacaoccompjohnmccarthy Acesso em 10 ago 2024 237 MCCARTH John What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 08 ago2024 238 No mesmo artigo quando é perguntado sobre a definição de IA ele destaca Q What is artificial intelligence A It is the science and engineering of making intelligent machines especially intelligent computer programs It is related to the similar task of using computers to understand human intelligence but AI does not have to confine itself to methods that are biologically observable Q Yes but what is intelligence A Intelligence is the computational part of the ability to achieve goals in the world Varying kinds and degrees of intelligence occur in people many animals and some machines 239 Questões colocadas na obra Eu Robô persistem e ultrapassam as fronteiras de qualquer marco conceitual Ainda não há respostas exatas para as questões Quando um esquema de percepção poderá ser chamado de consciência Quando calcular probabilidades pode iniciar uma busca pela verdade Quando uma simulação de personalidade se torna o doloroso átomo de uma alma 92 datilografar indiretamente e devem tentar se passar um pelo gênero do outro O teste começa quando Turing propõe substituir a figura de um dos personagens por uma máquina o que provocaria imediatamente o questionamento de como a máquina se passaria por uma pessoa240 Apesar de ter sido objeto de escrutínio ao longo dos anos o teste de Turing mantémse como uma peça crucial na história da IA persistindo como uma referência significativa na área241 Essa proposta de Turing estabeleceu os fundamentos para o campo da inteligência artificial marcando um ponto de partida essencial para explorar a capacidade das máquinas em imitar a inteligência humana A fusão das definições de McCarthy e dos conceitos pioneiros de Turing proporciona uma compreensão mais profunda do escopo e da evolução da IA ao longo do tempo Mesmo assim a Inteligência Artificial está longe de possuir um conceito uníssono pois existem diversos tipos de computadores e programas que possuem diversos recursos que podem atribuir novas formas ou métodos que fazem com que as máquinas possam aprender242 Porém uma definição mais abrangente pode servir de parâmetro Assim a IA pode ser entendida como um programa ou uma máquina que possua inteligência continua ou seja capacidade contínua de aprendizagem Em Eu Robô é possível observar os modelos mais sofisticados que poderiam ser facilmente considerados uma espécie de IA uma vez que os modelos exemplificados na obra possuem um uma espécie de inteligência243 contínua que passariam no teste de Turing Ao longo da narrativa por mais que a sociedade e o meio científico se esforcem para conseguir desenvolver uma IA que consiga seguir os raciocínios que uma pessoa seguiria ou atribuir a uma IA a capacidade de responder de questionamentos da mesma maneira que uma pessoa responderia 240 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press 241 Sobre o tema a Faculdade de Física da USP se prontificou a preparar um breve resumo das contribuições do matemático para o meio acadêmico e sintetizar parte da sua história até o desfecho do seu trágico e irreparável fim ONODY Roberto N Teste de Turing e Inteligência Artificial Disponível em httpswww2ifscuspbrportalifsctestedeturingeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 242 SANTAELLA Lucia A Inteligência Artificial é Inteligente 7 ed São Paulo Câmara Brasileira do Livro 2023 p 138 243 A inteligência pode ser entendida como a faculdade de conhecer compreender e aprender ou capacidade de compreender e resolver novos problemas e adaptarse a novas situações A Inteligência artificial pode ser entendida como um ramo da informática que visa dotar computadores a capacidade de simular a aspectos da inteligência humana HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p1094 93 ainda assim faltaria algum ingrediente para que a imitação da inteligência humana seja completa Apesar de a IA se aproximar mecanicamente de um raciocínio humano pode estar distante de qualidades muito presente ao homem Em primeiro lugar não há consenso sobre uma definição sobre a IA mas há um consenso que uma máquina tende a aprender por intermédio de parâmetros programações diferentes dos parâmetros que seriam atribuídos em um primeiro momento pelos humanos Agora os parâmetros programações determinados para as máquinas aparecem também como problemas Um dos problemas desses parâmetros de aprendizado são os meios pelos quais uma IA acumula e processa informações Como explica Gunther Teubner a inteligência artificial é enigmática criando às vezes um ambiente de opacidade onde o humano navega que por vezes expande as habilidades cognitivas humanas as podem realizar uma perversão que escapa do controle humano Mesmo quando se persiste em um objetivo humano esses sistemas podem com extrema eficiência subverter as intenções e escolhas humanas A opacidade deixa o ambiente incontrolável e quando mais esses sistemas adquirem mais qualidade e eficiência mas eles estendem a capacidade de danos potenciais244 Um exemplo dos problemas gerados pelos parâmetros é clássico caso da COMPAS nos Estados Unidos O caso COMPAS versa sobre uma empresa de softwares e desenvolvimento cujo nome atendia por Northpointe Inc245 A empresa desenvolveu um programa visando identificar o grau de periculosidade e reincidência na esfera penal de determinados indivíduos que estavam sendo processados pelo Estado O programa COMPAS Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions246 foi instalado no Estado de Wisconsin por volta de 2012 Após a implementação do sistema iniciouse o procedimento em massa de 244 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 245 Ao que tudo indica a empresa alterou o nome em meados de 2017 para Equivant httpswwwuclalawrevieworginjusticeexmachinapredictivealgorithmsincriminalsentencingftn3 Em 2019 a empresa lançou um Guia com os benefícios e práticas do COMPAS nos Estados Unidos e a empresa assinou a obra como Equivant httpswwwequivantcomwpcontentuploadsPractitionersGuideto COMPASCore040419pdf 246 Em uma tradução livre pode ser lido como Perfil de gerenciamento de infratores correcionais para sanções alternativas httpswwwconjurcombr2021out15opiniaometodocompasanalogiasistemalombrosiano 94 averiguação de periculosidade de indivíduos que respondiam processo criminal Mas longo diversos apontamentos sobre o software247 e questões jurídicas que vieram à tona comprometendo a eficiência do sistema Neste cenário em fevereiro de 2013 Eric Loomis foi abordado dirigindo um carro que segundo as autoridades policiais estava em uma cena de tiroteio Ele foi preso e declarado culpado segundo as acusações Entretanto o que chama a atenção é que o processo foi conduzido e instruído com uma ficha que analisa informações dados para que seja determinado o grau de periculosidade de um determinado indivíduo248 A análise foi feita com a utilização do COMPAS e apesar de Eric confessar o ocorrido pegou a pena máxima de 6 anos pela sua acusação por conta da periculosidade do seu perfil não sendo aplicada nenhuma atenuante nem a atenuante de confissão A defesa de Eric Loomis contestou a utilização do COMPAS como forma de averiguação do perfil do acusado questionando quais eram os requisitos e as diretrizes de comando utilizados na programação do software para que ele chegasse as conclusões de alta periculosidade do réu249 O caso chegou à Suprema Corte norteamericana em outubro de 2016 Diante da Suprema Corte a defesa alegou que a utilização do software para analisar o perfil de um acusado produziu a sua condenação e a dosimetria da pena e tal situação ofendia os direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório do acusado Isto porque sem que existissem informações sobre os parâmetros utilizados pelo sistema a defesa não poderia contrapor a decisão de periculosidade produzida pela máquina250 A demanda foi julgada pela Suprema Corte norteamericana que optou por afastar a tese de que o sistema COMPAS tomou decisão no desfecho do caso além 247 Diversos Jornais apontam sobre a periculosidade de um sistema de computação exemplos The New York Times httpswwwnytimescom20170501uspoliticssenttoprisonbyasoftwareprogramssecret algorithmshtml Jornal do Estado de Wisconsin httpswwwwisbarorgNewsPublicationsInsideTrackPagesArticleaspx Volume9Issue14ArticleID25730 e uma reportagem jornalística de um jornal denominado Propublica httpswwwpropublicaorgarticlemachinebiasriskassessmentsincriminalsentencing 248 Documento que demonstra a utilização do sistema COMPAS como Rastreio Análise de possível membro de gangue salientese o item 4 httpswwwdocumentcloudorgdocuments2702103SampleRiskAssessment COMPASCOREhtmldocumentp1a296558 249 É possível observar no documento de contestação do Eric Loomis na página 04 que a defesa questiona a utilização do COMPAS como Software que não pode ser averiguado o que impossibilita defender o acusado pois não há acesso aos comandos e diretrizes do Software Além de questionar o porquê do programa levar em consideração o gênero e a cor de pele do analisado como parte dos requisitos de análise httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201702166387certpetitionpdf 250 Harvard publicou um documento relatando o caso e apontando alguns perigos da utilização do sistema para a averiguação de perfis perigosos Disponível em httpsharvardlawrevieworgprintvol130statevloomis Acesso em 15 ago 2024 95 de ressaltar que a utilização do software foi apenas uma ferramenta de auxílio para a tomada de decisão do magistrado A corte considerou que o juiz competente julgou corretamente o caso e a utilização do COMPAS foi irrelevante para o caso concreto pois a condenação do acusado foi atribuída por uma análise individual do seu perfil depois revisada por um juiz competente A decisão da Corte foi muito criticada por optar pelo mundo jurídico pois a Corte optou por não adentrar em debates sobre a na legalidade da utilização de sistemas de inteligência artificial e a questão da opacidade na tomada de decisão no âmbito do Poder Judiciário Alguns grupos de defesa de minorias criticaram e protestaram contra os Estados Unidos da América que tentou ingressar ao caso como amicus curiae251 com o objetivo de defender a utilização de sistemas de inteligências artificiais A ficção científica em uma intersecção do direito e da literatura traz uma realidade diatópica252 com repercussão em direitos como privacidade e intimidade como nos casos de obras literárias que narram situações de sistema de monitoramento constante na sociedade onde não é possível estabelecer quem está monitorando e quem está sendo monitorado253 No caso COMPAS além das questões postas pela defesa técnica como a ofensa ao contraditório existiram críticas em razão da utilização de critérios discriminatórios254 A questão consiste no fato de que se for atribuído um dado tendencioso às máquinas elas serão tendenciosas e portanto o resultado será enviesado255 251 Documento oficial enviado a Suprema Corte Norte Americana Disponível em httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201705166387CVSGLoomisACPetpdf Acesso em 15 ago 2024 252 Casos de ficção científica GIBSON William Neuromancer 3 ed São Paulo Aleph 2016 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 253 A título de exemplo é possível citar a série premiada Black Mirror que busca demonstrar por meio de distopias digitais os limites e meios pelos quais a tecnologia toma conta da nossa sociedade Emissoras originais Netflix Channel 4 Autores Charlie Brooker Jesse Armstrong William Bridges Criador do Roteiro Charlie Brooker Primeiro episódio 4 de dezembro de 2011 Reino Unido 254 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompas algorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareus americanoscriainjusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 255 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 96 Mas como um sistema se torna discriminatório256 Os vieses de confirmação de um determinado programa difere completamente dos meios pelos quais uma pessoa humana processa essas informações257 O problema que deve ser observado consiste em como os dados são imputados nas máquinas Assim a questão é como ocorre o alinhamento das expectativas entre os sistemas de inteligência artificial e o humano O que esperamos das máquinas Quais os limites que essas máquinas devem ter A resposta está na questão do alinhamento entre os interesses humanos e as máquinas258 atrás dos processamentos de informações e da geração de informações259 Assim a questão é sobre a conformidade da inteligência artificial com os propósitos estabelecidos pelos humanos o que inclui também questões de moralidade humana e ética Ao abordar o problema do alinhamento Brian Christian em sua obra propõe que uma máquina interpreta e entende o meio que a cerca de forma que difere do entendimento humano Por óbvio a máquina entende e responde segundo a sua base de dados e atribui os comandos do seu entendimento A pergunta que o autor estabelece é Qual a base de dados que atribuímos para uma máquina analisar e quais os limites de respostas que a máquina deve possuir260 Outro exemplo que é oportuno de ser observado dentro dessa análise sobre a base de dados que se fornece para uma determinada máquina é o caso do algoritmo do Twitter Em 2020 o antigo Twitter sofreu diversas denúncias de privilegiar as aparições ou as feições de pessoas brancas em detrimento a pessoas pretas 261 As notícias da época faziam afirmações como se a programação 256 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompas algorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareus americanoscriainjusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 257 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 258 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 259 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 260 CHRISTIAN Brian The Alignment Problem Machine Learning and Human Values A Norton Professional Book EUA p 1011 out 2021 Disponível em httpscpbuse1wpmucdncomsitespsuedudist0110933files202208ChristianAlignmentProblemIntro andCh1pdf Acesso em 20 jul 2024 261 Matéria realizada e noticiada pela noticiada pela British Broadcasting Corporation Corporação Britânica de Radiodifusão mais conhecida pela sigla BBC httpswwwbbccomnewstechnology57192898 Ou é possível citar a matéria realizada pela CBS httpswwwcbsnewscomnewstwitterkillsitsautomaticcroppingfeature 97 privilegiasse automaticamente sem comandos aparentes o modelo fotogénico ariano e atribuísse a essas pessoas relevância na plataforma O que se coloca em discussão é a viabilidade de uma máquina processar ou até mesmo ter meios para chegar a um resultado fora da sua base de dados ou fora dos limites que determinamos262 O problema não está apenas no resultado mas na base de dados Uma máquina não processa e chega a um resultado com muito desvio em relação a sua base de dados ou fora dos limites que se determina para ela263 Neste sentido é necessário determinar quais as diretrizes comandos que devem ser alinhados com a máquina na produção de informações e dados 51 A regulamentação da Inteligência Artificial A Ideia de cérebros digitais ou inteligências artificiais quase 100 autônomas que executam o trabalho de um determinado indivíduo com certa facilidade não é mais algo que pertence às telas de ficção científica Hoje tal situação pertence à realidade da nossa atualidade exemplos não faltam são eles as máquinas que executam boletins matinais ou que auxiliam em grandes operações de transporte piloto automático de uma embarcação ou de um avião264 Por mais que essas questões já estejam permeando a nossa realidade o Brasil está incipiente no debate sobre a regulamentação dessas novas tecnologias e de como será a responsabilização da ação praticada por uma IA265 ou atores coletivos266 Não obstante mesmo com o advento de uma legislação novas sobre o tema é uma tarefa árdua determinar onde inicia e finaliza qualquer responsabilidade aftercomplaints 262 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 263 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 264 FORNASIER Mateus de Oliveira A inteligência Artificial como pessoa 1 ed Londrina Editora Thoth 2021 p 2223 265 Somente em 2023 houve propostas de lei para tentar regulamentar a conduta de uma IA pelo senado Disponível em httpswwwcamaralegbrnoticias968967PROPOSTAREGULAMENTAUTILIZACAO DAINTELIGENCIAARTIFICIAL Acesso em 30 ago 2024 266 Gunther Teubner e Anna Beckers falam em um estranho hibridismo na ação que unem as pessoas humanas e os algoritmos que não só comunicam entre si mas também unem forças para formar novos tipos de atores coletivos BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 98 da conduta praticada por um software e a responsabilidade de um ser humano sobre as ações da IA e a individualização das ações humanas para efeitos de responsabilidades A questão é como lidar com a questão de responsabilidade da IA Seria a inteligência artificial responsável por suas supostas condutas ou as pessoas envolvidas no processo de criação e na utilização das IAs são responsáveis e deveriam responder pelos seus atos Se voltarmos para os casos anteriores é possível observar o sistema COMPAS apenas como uma ferramenta que o Estado de Wisconsin estava utilizando para perpetuar ações reprováveis de cunho racial completamente intimidadoras com a população negra ou o sistema era utilizado como uma ferramenta para que o Estado de Wisconsin estabelecesse o grau de periculosidade para os processados criminalmente Na realidade as informações geradas pelas máquinas acabam por perpetuar discriminações de cunho racial Já no caso do Twitte seria possível responsabilizar a plataforma pela base de dados completamente enviesada mesmo que a base de dados tenha sido formada a partir das opções de parte da população norteamericana Neste caso ainda é cabível observar que um sistema operacional atribui somente aquilo que foi determinado na sua base de dados Se falamos para uma máquina otimizar a entrada e a permanência de usuários em uma rede como é possível culpabilizar a máquina por maximizar o que os usuários apreciam e afastar ou obscurecer o que os usuários desgostam Nesse ponto podese analisar a melhor alternativa para respostas a partir da averiguação sobre o limite do risco267 entre uma máquina e um indivíduo entre um criador e a sua criação entre um autor e sua obra ou entre um cientista e a sua criação268 267 Risco pode ser entendido como aquilo que se aproxima do que é terrível ou em uma abordagem existencialista podemos entender risco como uma indeterminação efetiva RISCO gr KÍVSUVOÇ in Risk fr Risque ai Wcigniss Cjedhr it Rischio Aristóteles considerava o R como o aproximarse daquilo que é terrível Rei II 5 1382 a 33 existencialismo contemporâneo A pretensão implícita na decisão baseiase numa indeterminação efetiva ou seja na possibilidade de que as coisas se passem de maneira diferente daquilo que eu decido mas também se baseia no fato de eu que decido assumir esse R bem como na consideração de todas as possíveis garantias que eu possa obter ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins fontes 2007 p 859 268 CASTRO Ruy Frankenstein Uma história de Mary Shelley 32 Reimpr São Paulo Companhia das Letras 2014 Título original Franknstein or the modern Prometheus Esse pequeno conto demonstra o remorso e o arrependimento que o Dr Franknstein tem pela sua criação que apesar de ter sido um grande sucesso se 99 Apesar do tema já estar sendo tratado nos meios literários há muito tempo o meio jurídico ainda procura encontrar qual a melhor alternativa para abordar essas questões269 Em 2018 o Parlamento Europeu comunicou a imprensa que estaria chamando os melhores especialistas para tratar sobre o tema de IA270 Em 2021 o parlamento da União Europeia delimitou os limites a partir dos riscos271 advindos da utilização das IAs Niklas Luhmann explica que muitos delimitam a noção de risco a partir da impossibilidade de chegar à seguridade absoluta que está amparada no desejo que cientistas têm de encontrar a seguridade com a precisão numérica O sociólogo da teoria dos sistemas sociais estabelece o conceito de risco na distinção entre risco e perigo o que sugere a incerteza quanto aos danos futuros O dano provável é consequência da ação e está pressuposto na consciência deste dano O perigo é o dano atribuído a causas externas que fogem ao controle O conceito de atribuição é utilizado como uma observação de como acontece a atribuição do risco o qual inclui a contingência Assim é impossível pensar em uma conduta isenta do risco pois as tecnologias de informações272 não garantem que se pode os danos273 Recentemente a União Europeia baixou um regulamento com o chamado pacote de riscos com quatro classificações o risco inaceitável o risco elevado o risco limitado e risco mínimo Em janeiro de 2024 chegou um pacote de inovação no domínio da IA para apoiar as empresas em fase de arranque e os domínios da inteligência artificial Risco Inaceitável mostrou um monstro que destruiu todas as suas expectativas Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombrtrechos10479pdf Acesso em 15 maio 2024 269 Para a ONU já é um consenso que a humanidade deve dominar não ser dominada pelas máquinas Inteligências Artificiais como está no site oficial httpsnewsunorgptstory2024031829446 270 Site oficial com um pequeno fluxo de tempo do ocorrido até chegar nas diretrizes europeias httpsdigital strategyeceuropaeuptpolicieseuropeanapproachartificialintelligence 271 Site oficial da União europeia sobre o tema TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidauesobreiaprimeira regulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 272 Luhmann explica que vivemos em uma sociedade de risco pelo avanço das novas tecnologias e a relação que estabelecemos com essas tecnologias LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p131132 273 LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p3640 100 Os sistemas de IA de risco inaceitável são sistemas categorizados como uma ameaça para as pessoas e devem ser proibidos Estes sistemas incluem as manipulação cognitivocomportamental de pessoas ou grupos vulneráveis específicos A título de exemplo é possível citar os brinquedos ativados por voz que incentivam comportamentos perigosos nas crianças ou seja algum brinquedo que possa incitar algum comportamento indesejado em uma criança que tenha algum tipo de ativação por voz Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é a pontuação social que pode ser entendido como classificação de pessoas com base no comportamento estatuto socioeconómico caraterísticas pessoais Como exemplo podese citar um aplicativo que separa as pessoas pelas suas condições monetárias ou classe econômica Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é o policiamento preditivo ou seja a utilização da IA como ferramenta de prática da segurança pública que utiliza dados estatísticos de séries temporais para criação de algoritmos e modelos de predição A identificação biométrica é outro risco com a categorização de pessoas singulares ou seja traçar um mapa biométrico através de características singulares de um determinado indivíduo Neste caso se uma característica de um determinado indivíduo chama atenção a inteligência artificial não pode traçar as características biométricas para categorizar essa pessoa nem identificar Por fim ainda nesses sistemas de riscos inaceitáveis temos o sistema de identificação biométrica em tempo real e a distância através de um sistema de reconhecimento facial por exemplo um sistema que reconhece em tempo real os traços biométricos de um determinado indivíduo esse sistema representa um potencial risco constante para o monitoramento de qualquer indivíduo Esse sistema em tempo real possui exceções para fins de aplicações O regulamento determina que serão permitidos num número limitado de casos considerados graves enquanto os sistemas de pós identificação biométrica à distância em que a identificação ocorre após um atraso significativo só serão permitidos para repressão de crimes graves e após a aprovação de um tribunal competente O exemplo a mais claro para esse caso é um sistema carcerário que busca respeitar a integridade dos seus detentos e mesmo assim busca um monitoramento 101 Risco elevado Os riscos elevados são os sistemas de IA que afetam de forma negativa a segurança e os direitos fundamentais e são divididos em duas categorias 1 Sistemas de IA que são utilizados em produtos abrangidos pela legislação da União Europeia em matéria de segurança dos produtos Isto inclui brinquedos aviação automóveis dispositivos médicos e elevadores 2 Sistemas de IA que se enquadram em áreas específicas que terão de ser registados numa base de dados da União Europeia como exemplo gestão e funcionamento de infraestruturas essenciais educação e formação profissional emprego gestão dos trabalhadores e acesso ao trabalho por conta própria acesso e usufruto de serviços privados essenciais e de serviços e benefícios públicos aplicação da lei gestão da migração do asilo e do controlo das fronteiras assistência na interpretação jurídica e na aplicação da lei O regulamento ainda aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados tanto antes de serem colocados no mercado como durante todo o seu ciclo de vida Ainda dobre os riscos o regulamento estabelece o que seria uma IA Geral ou generativa Inteligência artificial geral e generativa A IA generativa tal como o famoso ChatGPT deve cumprir os seguintes requisitos de transparência divulgar que o conteúdo foi gerado pela IA conceber o modelo para evitar que este gere conteúdos ilegais publicar resumos dos dados protegidos por direitos de autor utilizados para a formação O regulamento aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados antes de serem colocados no mercado e durante todo o seu ciclo de vida 102 Ainda existem os modelos de IA de uso geral de maior impacto que podem representar um alto risco ou um risco sistémico como o modelo de GPT4 pois seus avanços e limitações ainda não foram conhecidos completamente por se tratar de tecnologias extremamente novas e de ponta Por esse motivo esses modelos deveriam ser submetidos a avaliações exaustivas e serem comunicadas as ocorrências de quaisquer incidentes graves às comissões competentes Risco limitado Os sistemas de inteligência artificial de risco limitado devem cumprir requisitos mínimos de transparência que permitam aos usuários tomarem decisões informadas ou seja os próprios usuários podem ter controle sobre a sua utilização e as divulgações de seus dados e depois de interagir com as aplicações o usuário humano pode decidir se quer continuar a utilizálas Nestes casos os usuários devem ser alertados para o fato de estarem a interagir com a IA Isto diz respeito também aos sistemas de IA que geram ou manipulam conteúdos de imagem áudio ou vídeo por exemplo os deepfakes Risco mínimo ou nulo A maioria dos sistemas de IA não acarreta riscos e portanto não são regulamentados nem afetados pelo Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia São exemplos os jogos de vídeo com IA ou os filtros de spam Vale destacar o regulamento europeia não procurou estabelecer diretrizes normativas leis abertas como na ficção de Eu Robô as leis da robótica mas sim estabelecer proibições e interdições sobre os riscos inaceitáveis bem como estabelecer os limites aos riscos elevados e limitados permitindo os riscos mínimos ou nulos 512 A regulamentação brasileira No mais podemos observar como a legislação brasileira se comporta e como já fora observado o Brasil inicia o debate sobre a produção de uma lei no que tange assegurar um ambiente seguro para o convívio com a IA Dentre as 103 propostas destacamse dois projetos de lei o PL 7592023274 e o PL 23382023275 O primeiro projeto é de autoria da Câmara dos deputados e o segundo do Senado Ambos os projetos se assemelham bastante no que diz respeito as normas propostas Destacamse alguns artigos e partes do texto de ambas as propostas em especial da proposta de lei do Senado Federal De início cumpre explicar que enquanto a proposta do Senado está alicerçada na questão do risco a proposta da câmara dos deputados fixa no estabelecimento de diretrizes O projeto da Câmara possui sete artigos e o artigo 1º determina Art 1º Esta Lei dispõe sobre a Inteligência Artificial estabelece parâmetros para sua área de atuação cria segurança jurídica para o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços visando a inovação criação de robôs máquinas e equipamentos que utilizem a Inteligência Artificial nos limites da ética e dos Direitos Humanos Neste projeto há a intenção de criar diretrizes normativas para impor as máquinas quais são os limites de suas ações colocando comandos e diretrizes para guiar a própria existência da inteligência artificial Art 4º As soluções programas e projetos da Inteligência Artificial devem atender II essas soluções não podem ferir seres humanos e nem serem utilizadas em destruição em massa ou como armas de guerra ou defesa III os Robôs e equipamentos derivados da Inteligência Artificial devem cumprir protocolos de Direitos Internacionais de proteção à vida e aos Direitos Humanos Os incisos destacados se assemelham muito com as duas primeiras leis da robótica propostas por Asimov em 1950 um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei276 Aqui há os limites do direito e da ficção da realidade e da literatura No projeto do Senado a figura humana aparece como objeto central de direitos que devem ser protegidos por aqueles afetados pela IA277 274 Integra do projeto de lei Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebpropmostrarintegra codteor2238606filenamePL207592023 Acesso em 10 maio 2024 275 Integra do projeto de lei Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumento dm9347622ts1702407086098dispositioninlinegl11om5gnigaNjY5Njc0MjA3LjE3MDcxNzI4N TMgaCW3ZH25XMKMTcwNzczOTEyOS4yLjAuMTcwNzczOTEyOS4wLjAuMA Acesso em 10 maio 2024 276 Segundo Kelsen o direito é uma ordem coativa 277 Interessante colocar a figura humana no cerne do projeto de lei pois até o presente momento não houve consenso nem tentativa eficaz de tornar a figura de uma IA como possuidora de direitos o que ainda levantou a 104 Art 5º Pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm os seguintes direitos a serem exercidos na forma e nas condições descritas neste Capítulo I direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial II direito à explicação sobre a decisão recomendação ou previsão tomada por sistemas de inteligência artificial III direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado IV direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de inteligência artificial levandose em conta o contexto e o estado da arte do desenvolvimento tecnológico V direito à nãodiscriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos indiretos ilegais ou abusivos e VI direito à privacidade e à proteção de dados pessoais nos termos da legislação pertinente Parágrafo único Os agentes de inteligência artificial informarão de forma clara e facilmente acessível os procedimentos necessários para o exercício dos direitos descritos no caput Vale destacar que os parágrafos grifados demonstram a necessidade de as operações da IA serem transparentes em especial o inciso IV que determina o direito de um indivíduo interagir com uma IA e participar do processo decisórios Também se destaca a questão da supervisão de um humano sobre as decisões tomadas pelas máquinas ou seja qualquer ação tomada por uma IA deve ser supervisionada por um humano ou no mínimo poder ser substituída pela decisão do humano278 Há uma tentativa de prever o comportamento de uma IA ou no mínimo encontrar meios para entender os parâmetros que levaram a um resultado Isto fica nítido no art 8º inciso I da mesma lei A problemática é a improvável realização de previsão dos resultados de uma máquina apenas pelos bancos de dados e seu programa de auto criação O problema de alinhamento também é de difícil superação279 questão da proteção de obras publicadas por uma IA como por exemplo uma imagem ou um texto FARIA Victor Meireles Inteligência artificial e direitos autorais Disponível em httpswwwconjurcombr2023 abr27victorfariainteligenciaartificialdireitosautorais Acesso em 08 ago 2024 278 Ainda sobre esse tema cabe destacar o Artigo 8º da mesma lei Art 8º A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial poderá solicitar explicação sobre a decisão previsão ou recomendação com informações a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados assim como sobre os principais fatores que afetam tal previsão ou decisão específica incluindo informações sobre I a racionalidade e a lógica do sistema o significado e as consequências previstas de tal decisão para a pessoa afetada II o grau e o nível de contribuição do sistema de inteligência artificial para a tomada de decisões III os dados processados e a sua fonte os critérios para a tomada de decisão e quando apropriado a sua ponderação aplicados à situação da pessoa afetada IV os mecanismos por meio dos quais a pessoa pode contestar a decisão e V a possibilidade de solicitar intervenção humana nos termos desta Lei Parágrafo único As informações mencionadas no caput serão fornecidas por procedimento gratuito e facilitado em linguagem que permita que a pessoa compreenda o resultado da decisão ou previsão em questão no prazo de até quinze dias a contar da solicitação permitida a prorrogação uma vez por igual período a depender da complexidade do caso 279 Essa ideia fica mais clara no Art 9º da mesma lei A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial terá o direito de contestar e de solicitar a revisão de decisões recomendações ou previsões geradas por tal sistema que produzam efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa seus interesses 105 O projeto optar pelo mesmo caminho da regulamentação da União Europeia quanto aos riscos CAPÍTULO III DA CATEGORIZAÇÃO DOS RISCOS Seção I Avaliação preliminar Art 13 Previamente a sua colocação no mercado ou utilização em serviço todo sistema de inteligência artificial passará por avaliação preliminar realizada pelo fornecedor para classificação de seu grau de risco cujo registro considerará os critérios previstos neste capítulo Neste ponto toda IA antes de adentrar ao mercado deve passar por uma categorização de riscos e se submeter a critérios de enquadramento antes de sua aprovação É clara a similaridade entre as categorizações do projeto de lei brasileiro e o regulamento da União Europeia Como no regulamento da União Europeia os riscos excessivos serão vedados de serem utilizados Art 14 São vedadas a implementação e o uso de sistemas de inteligência artificial I que empreguem técnicas subliminares que tenham por objetivo ou por efeito induzir a pessoa natural a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei II que explorem quaisquer vulnerabilidades de grupos específicos de pessoas naturais tais como as associadas a sua idade ou deficiência física ou mental de modo a induzilas a se comportar de forma prejudicial a sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei III pelo poder público para avaliar classificar ou ranquear as pessoas naturais com base no seu comportamento social ou em atributos da sua personalidade por meio de pontuação universal para o acesso a bens e serviços e políticas públicas de forma ilegítima ou desproporcional 280 Art 15 No âmbito de atividades de segurança pública somente é permitido o uso de sistemas de identificação biométrica à distância de forma contínua em espaços acessíveis ao público quando houver previsão em lei federal específica e autorização judicial em conexão com a atividade de persecução penal individualizada nos seguintes casos I persecução de crimes passíveis de pena máxima de reclusão superior a dois anos II busca de vítimas de crimes ou pessoas desaparecidas ou III crime em flagrante Apesar de possuírem exceções do artigo 15 é muito claro que projeto de lei restringe a utilização de identificação biométrica à distância281 O artigo Art 17 dispõe sobre os riscos282 Assim Alto Risco Art 17 São considerados sistemas de inteligência artificial de alto risco aqueles utilizados para as seguintes finalidades II educação e formação profissional incluindo sistemas de determinação de acesso a instituições de ensino ou de formação profissional ou para avaliação e monitoramento de estudantes IV avaliação de critérios de acesso elegibilidade concessão revisão redução ou revogação de serviços privados e públicos que sejam considerados essenciais incluindo sistemas 280 Neste ponto é clara a tentativa de evitar discriminação por parte dos operadores da Inteligência Artificial 281 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 282 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 106 utilizados para avaliar a elegibilidade de pessoas naturais quanto a prestações de serviços públicos de assistência e de seguridade V avaliação da capacidade de endividamento das pessoas naturais ou estabelecimento de sua classificação de créditoVII administração da justiça incluindo sistemas que auxiliem autoridades judiciárias na investigação dos fatos e na aplicação da lei VIII veículos autônomos quando seu uso puder gerar riscos à integridade física de pessoas XI investigação criminal e segurança pública em especial para avaliações individuais de riscos pelas autoridades competentes a fim de determinar o risco de uma pessoa cometer infrações ou de reincidir ou o risco para potenciais vítimas de infrações penais ou para avaliar os traços de personalidade e as características ou o comportamento criminal passado de pessoas singulares ou grupos O inciso II do referido artigo pode vedar experimentos como o ocorrido em uma universidade de Portugal onde tentaram implantar uma Inteligência Artificial dentro de um ambiente escolar com o intuito de desenvolver empatia tanto por parte da IA quanto por parte dos indivíduos que participaram do experimento283 Em um cenário hipotético se essa lei fosse aprovada no Brasil o experimento português em ambiente escolar que supostamente deveria demonstrar empatia poderia ser categorizada como uma IA de alto risco e interditado Os incisos IV V e VIII podem ser enquadrados em um cenário nem tão hipotético No Brasil já existem sistemas de monitoramento constantemente utilizados pelo poder público Na cidade de Pindamonhangaba por exemplo existe um sistema de monitoramento que ao que tudo indica é programado através de Inteligência Artificial para o monitoramento de carros e indivíduos considerados suspeitos para a instituição governamental Segundo o site oficial284 Novas funcionalidades de inteligência irão proporcionar Análise comportamental e individual de cada veículo baseandose nas informações coletadas pelo sistema Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em furto ou roubo de veículos por meio da análise da circulação dos veículos Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em atividades delituosas por meio da análise de presença nas áreas monitoradas Capacidade de relacionar a circulação conjunta de veículos com objetivo de identificação de membros do crime organizado 285 283 NEVES Céu Patrão CARVALHO Maria GRAÇA Maria Ética aplicada Novas Tecnologias 1 ed PortugalLisboa Lamedina SA 2018 p180181 284 Site oficial do município httpspindamonhangabaspgovbrinteligenciaartificialnomonitoramento 285 A semelhança no caso de State v Loomis chama muito a atenção nesse exemplo para melhor referência e resumo MANTOVANI Otávio Augusto Silva RESENDE Ana Paula Bougleux Andrade Inteligência artificial e direito penal análise do caso State v Loomis à luz dos princípios do dever de fundamentação e individualização das decisões judiciais Academia 2021 Disponível em httpswwwacademiaedu66464899INTELIGC38ANCIAARTIFICIALEDIREITOPENALan C3A1lisedocasoStatevLoomisC3A0luzdosprincC3ADpiosdodeverdefundamenta C3A7C3A3oeindividualizaC3A7C3A3odasdecisC3B5esjudiciais Acesso em 15 set 2024 107 Capacidade de apontar os prováveis suspeitos de cometimento de crimes especializados como assalto a instituição financeira Os incisos VII e XI é o caso de diversas autoridades estatais que estão utilizando os sistemas de reconhecimento na administração da justiça286 tais como o caso COMPAS ou em alguns casos europeus287 Vale destacar o questionamento que surge da omissão das respectivas casas legislativas responsáveis tanto em âmbito federal quanto os demais entes da federação em legislar sobre uma vez que controle de constitucionalidade deve ter como objetivo proteger direitos dos indivíduos que vivem em uma sociedade288 antes que decorra alguma irregularidade ou alguma supressão de direitos Os casos mais simples talvez sejam os que discutem no ambiente da justiça uma vez há substituição de indivíduos por máquinas289 Mas a questão se expande se observarmos como esse ambiente carece de uma regulamentação e avança em todo mundo sobrepujando direitos como proteção aos dados pessoais monitoramento acesso a bens de consumo direitos transindividuais de locomoção e afins Por fim em relação a governança a União os Estados e o Município devem adotar medidas para regular a utilização da Inteligência Artificial dentro do território nacional CAPÍTULO IV DA GOVERNANÇA DOS SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Seção I Disposições Gerais Art 19 Os agentes de inteligência artificial estabelecerão estruturas de governança e processos internos aptos a garantir a segurança dos sistemas e o atendimento dos 286 Esse ato de utilizar sistemas de monitoramento em outros países no auxilio da administração da justiça é um pouco estranho ao nosso ordenamento pois a presença de um advogado deveria ser fator obrigatório segundo a nossa Carta Magna Seção III Da Advocacia e da Defensoria Pública Art 133 O advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv71988pdf sequence10 Acesso em 10 set 2024 Resta o questionamento se a presença do advogado seria colocada durante alguma investigação ou se os advogados teriam algum tipo de acesso ao órgão público ou privado competente para auxiliar na administração da justiça ou interesse do investigado ou monitorado 287 Vide casos europeus que estão sendo discutidos sobre a utilização dessas tecnologias httpsnoticiasuolcombrultimasnoticiasrfi20231025noreinounidousodeinteligenciaartificialpelo servicopublicolevantaquestionamentoshtm 288 Para melhor elucidar é mister salientar a colocação do atual Ministro do Pretório Excelso que delimita que o controle preventivo não é meio de declarar nulidades por excelência mas visa impedir que um ato inconstitucional entre em vigor BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 p 04 289 Notícia de um suposto Robô advogado que opera por intermédio de uma Inteligência Artificial httpswwwstartsecomartigosprimeiroroboadvogadopais 108 direitos de pessoas afetadas nos termos previstos no Capítulo II desta Lei e da legislação pertinente Seção II Medidas de Governança para Sistemas de Inteligência Artificial de Alto Risco Art 20 Além das medidas indicadas no art 19 os agentes de inteligência artificial que forneçam ou operem sistemas de alto risco adotarão as seguintes medidas de governança e processos internos Seção III Avaliação de Impacto Algorítmico Art 22 A avaliação de impacto algorítmico de sistemas de inteligência artificial é obrigação dos agentes de inteligência artificial sempre que o sistema for considerado como de alto risco pela avaliação preliminar Parágrafo único A autoridade competente será notificada sobre o sistema de alto risco mediante o compartilhamento das avaliações preliminar e de impacto algorítmico DA RESPONSABILIDADE CIVIL Art 27 O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial moral individual ou coletivo é obrigado a reparálo integralmente independentemente do grau de autonomia do sistema CAPÍTULO VI CÓDIGOS DE BOAS PRÁTICAS E DE GOVERNANÇA Art 30 Os agentes de inteligência artificial poderão individualmente ou por meio de associações formular códigos de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos inclusive sobre reclamações das pessoas afetadas as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para cada contexto de implementação as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e as medidas de segurança técnicas e organizacionais apropriadas para a gestão dos riscos decorrentes da aplicação dos sistemas CAPÍTULO VIII DA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO Seção I Da Autoridade Competente Art 32 O Poder Executivo designará autoridade competente para zelar pela implementação e fiscalização da presente Lei Por fim é cabível destacar as sanções Art 36 Os agentes de inteligência artificial em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade competente I advertência II multa simples limitada no total a R 5000000000 cinquenta milhões de reais por infração sendo no caso de pessoa jurídica de direito privado de até 2 dois por cento de seu faturamento de seu grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício excluídos os tributos III publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência IV proibição ou restrição para participar de regime de sandbox regulatório previsto nesta Lei por até cinco anos V suspensão parcial ou total temporária ou definitiva do desenvolvimento fornecimento ou operação do sistema de inteligência artificial e VI proibição de tratamento de determinadas bases de dados 1º As sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa de forma gradativa isolada ou cumulativa de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios I a gravidade e a natureza das infrações e a eventual violação de direitos II a boafé do infrator III a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator IV a condição econômica do infrator V a reincidência VI o grau do dano VII a cooperação do infrator VIII a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar riscos inclusive a análise de impacto 109 algorítmico e efetiva implementação de código de ética IX a adoção de política de boas práticas e governança X a pronta adoção de medidas corretivas XI a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção e XII a cumulação com outras sanções administrativas eventualmente já aplicadas em definitivo para o mesmo ato ilícito 52 A Máquina e a Entropia Decerto a incerteza290 não é um conceito novo para a robótica Há tempos os físicos e matemáticos trabalham a entropia291 dentro do ambiente científico292 Um dos primeiros a expandir esse conceito para outras áreas do conhecimento além de apresentar com uma nova interpretação foi o físico Werner Heisenberg que ganhou o Prêmio Nobel em 1932 pela apresentação do que ficaria conhecido como o princípio da incerteza293 Com o passar do tempo a entropia abriu espaço para que dentro da robótica ocorressem a construção de novos conceitos como a imprevisibilidade da máquina A imprevisibilidade foi tomando forma e hoje não é tão nítido qual a capacidade de uma máquina de responder uma questão com previsibilidade A imprevisibilidade das máquinas não ocorreu apenas pela entropia ou a incerteza sobre como determinados algoritmos irão se comportar A imprevisibilidade pode ter ocorrido pela falta de conhecimento que temos sobre conceitos a aplicações Mas essa é apenas uma faceta As Big Techs detêm a tecnologia e não 290 A incerteza pode ser entendida como algo que não está certo dúvida hesitação HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 1063 291 Entropia chamou sempre a atenção dos filósofos porque estabeleceu em nível científico a irreversibilidade dos fenômenos naturais De fato para a mecânica clássica ou newtoniana todos os fenômenos são reversíveis para eles o tempo pode transcorrer indiferentemente em uma ou outra direção do passado para o futuro ou do futuro para o passado O t das equações que exprimem o comportamento dos fenômenos mecânicos é uma variável contínua que não tem sentido determinado O princípio da E ao contrário estabelece um sentido para os fenômenos qual seja a sua irreversibilidade no tempo ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 335 292 O termo foi popularizado pelo cientista CLAUSIUS R The Mechanical Theory of Heat with its Applications to the SteamEngine and to the Physical Properties of Bodies Taylor And Francis Red Lion Court Fleet Street 1865 Apesar das suas aplicações posteriores dentro da filosofia o termo foi utilizado para se referir a alta temperatura de um motor para desempenhar uma determinada função e o baixo rendimento O cientista apontava que esse descompasso como entropia uma vez que a incongruência de um motor para executar uma determinada função não deveria ocorrer para a física da época Resumo da Unicamp CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 2 p 181192 2005 Disponível em httpswwwprpunicampbrpibiccongressosxxicongressopaineis135644pdf Acesso em 01 set 2024 293 O princípio da incerteza proposto por Heisenberg assume a incerteza sobre algumas partículas em determinadas situações conceito que seria de extrema importância para o entendimento da física quântica ou física não newtoniana Breve síntese histórica CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 27 n 2 p 181192 2005 Disponível em wwwsbfisicaorgbr Ou httpswwwunicampbrchibenipublicheisenbergpdf Acesso em 15 fev 2024 110 há como entender e compreender como as máquinas chegam aos seus resultados Se escrevemos no Google ou no WhatsApp alguma palavra é muito comum que ele complete a palavra antes de terminarmos Mas a incerteza do resultado nesse caso não recai sobre a máquina e sim pela falta de conhecimento sobre os componentes que levam a máquina a supor aquele resultado 294 Quando falamos sobre desenvolvimento das Inteligências Artificiais há o costume de posicionamento sobre o futuro ou se observa qual seria o potencial que essas tecnologias alcançariam Contudo em realidade as máquinas só funcionam com base em dados datas que colocamos sobre esses algoritmos Neste sentido a direção é errada quando se tenta fazer a previsão do resultado dos dados de uma IA pois a máquina sempre será ditada pela fonte de dados que se imputa nela295 Em suma devemos colocar nossa busca no passado e no meio que uma determinada tecnologia será inserida para depois conseguirmos entender os resultados Existem diversos casos que demonstram como os algoritmos de uma máquina podem ser nocivos a ponto de realmente causar mal para uma sociedade296 Esses casos muitas vezes podem estar no limite da ficção mas estão tão inseridos em nossa sociedade quanto possível297 Da mesma forma ainda existem os que buscam trazer transparência para esses conglomerados de informações298 A observação dos efeitos que o meio pode exercer sobre a máquina pode fazer com que apreendam as extensões dos resultados299 Aqui estão as situações conflituosas decorrentes da utilização da Inteligência artificial com a questão da discriminação e da vigilância Na questão da vigilância é comum a utilização da 294 BUCCI Eugênio Incerteza um ensaio Como pensamos a ideia que nos desorienta e orienta o mundo digital 1 ed Belo Horizonte MG Autêntica 2023 p 19 55 295 Documentário Netflix Coded Bias personagem principal afirma que a Ias são pautadas pelo conjunto de datas nos seus algoritmos 296 Weapons of Math Destruction How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy 297 Caso em que a polícia da Inglaterra usava a reconhecimento facial para identificar e armazenar dados de indivíduos Disponível em httpswwwwiredcoukarticleukpolicefacerecognitionexpansion Acesso em 07 mar 2024 298 Empresa inglesa que luta contra a fiscalização e armazenamento virtual por meio de uma de uma IA de dados pessoais de determinados indivíduos Disponível em httpsbigbrotherwatchorguk Os mesmos dados coletados no índice passado Acesso em 15 maio 2024 299 Em 2016 a Microsoft tentou lançar uma IA com intuito de absorver informações do meio e tentar desenvolver uma persona com base nessa absorção O experimento denominado como Tay foi um fracasso pois os internautas da rede social Twitter Influenciaram fortemente na base de dados dessa IA o que produziu uma série de comentários antissemitas racistas e afins Como resultados a Microsoft veio a público e pediu desculpas formalmente pelo ocorrido anunciando o encerramento da Tay Disponível em httpsblogsmicrosoftcomblog20160325learningtaysintroduction Acesso em 25 ago 2024 111 Inteligência Artificial pelo sistema estatal para monitorar classificar e restringir direitos da população Em meados de 2014 a China implantou um sistema de monitoramento constante através de câmeras de segurança drones e afins com o intuito de monitorar a sua população Não se sabe quando o sistema passou a ranquear as pessoas ou se o plano original era realizar esse ranque para controlar os civis de um país Mas a realidade é que em 2019 a China começou a limitar a movimentação de alguns cidadãos através de um ranque social300 segundo a imprensa Em verdade não é claro se é o próprio sistema de monitoramento chinês que realiza o ranqueamento da população ou se existe alguma agência governamental operada por pessoas que utilizam as gravações e ações da população para realizar esse ranqueamento É claro que o monitoramento 24hrs e o armazenamento das pastas para permitir ou impedir o transporte e acesso a bens de consumo é realizado por uma IA uma vez que seria humanamente impossível monitorar toda uma população dessa maneira as 24 horas por dia e os 7 dias da semana O caso também lembra a ficção uma vez que imaginar que um Estado observaria as ações de sua população com o intuito de controlar as condutas tomadas pelos seus indivíduos parece um enredo que saiu da ficção científica de um livro do Jorge Orwell 1984 A realidade é um pouco mais complicada pois ao contrário da narrativa apresentada pelo célebre autor em que os detalhes dos meios pelo qual as tecnologias funcionam no mundo ficcional são descritos pelo narrador e assim percebidos pelo leitor o regime chinês não apresenta nenhuma transparência301de como essas tecnologias funcionam Fato que contribui para um 300 Notícia da BBC que explica o funcionamento do ranque social da China THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentformarch7201915046443howchinassocialcreditsystem blockedmillionsofpeoplefromtravelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 301 Destacase que o emprego da palavra transparência é no sentido do direito do cidadão frente ao Estado ou como destacado Para nós a transparência no sentido estrito do direito público deve ser entendida como uma qualidade um atributo de permeabilidade das ações do governo a partir da disponibilização do acesso às informações acauteladas pelo Estado possibilitando a interferência do cidadão nas tomadas de decisão que devem ser devidamente motivadas para possibilitar o mais amplo controle tanto interno quanto externo das ações do administrador público assim como o inafastável controle judicial e o controle social que poderá refletirse ulteriormente nas escolhas democráticas e republicanas da população E através da transparência que o cidadão deixa de ser um mero espectador do agir estatal e passa a exercer efetivamente a democracia participativa ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 p 39 111 112 clima de vigilância constante e não conhecimento das extensões do poder do governo chinês sobre a vida da população civil Nesse sentido não há outro país no mundo que tenha realizado as ações que o governo chinês realizou e por esse motivo não há perspectiva ou comparação com nenhum outro país para podermos vislumbrar as extensões do poder do governo chinês sobre a sua população o que torna a ficção científica o alicerce mais palpável da realidade do governo chinês Esse é um caso de desencanto quando não encontramos casos reais que aproximem o que está na nossa realidade com nenhum outro exemplo e a saída mais próxima é a literatura O caso do governo chinês se aproxima mais de uma distopia302 do que qualquer outro exemplo poderia fazer uma vez que não aproxima de um lugar imaginário Fictício como fez Thomas more em sua obra303 E sim traz a realidade tão latente e atual que a única aproximação que temos é recorrer ao gênero que chamamos de ficção científica 53 Desencanto em desenvolvimento EM desenvolvimento O desencanto pode ser entendido como a substituição da figura do homem como a persona central do meio que o cerca com o de uma ferramenta no caso a utilização das IAs O que Weber apontava como o desencanto do mundo pela substituição da figura divina com a figura do Homem pode estar acontecendo novamente com as novas tecnologias e meios Irei desenvolver o tema com base nos marcos teóricos Marx Weber e na obra de Jaques Ellul 302 Aqui a utilização do termo Distopia é para enquadrar o completo oposto de uma utopia quem vem a ser um termo utilizado no meio literário para descrever lugares inexistentes e que se aproximam da perfeição UTOPIA lat Utopia in Utopia fr Utopie ai Utopie it Utopia Thomas More deu esse nome a uma espécie de romance filosófico De optimo reípublicaestatu deque nova insula Utopia 1516 no qual relatava as condições de vida numa ilha desconhecida denominada U nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa Depois disso esse termo passou a designar não só qualquer tentativa análoga tanto anterior quanto posterior como a República de Platão ou a Cidade do Sol de Campanella mas também qualquer ideal político social ou religioso de realização difícil ou impossível Como gênero literário U extrapola a consideração filosófica aqui só observaremos que ela foi e ainda é muito divulgada sendo adaptada até para romances de ficção científica Cabe à filosofia avaliar a U tanto a expressa em forma de romance quanto a expressa em forma de mito ou ideologia etc ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 987 303 Por volta das páginas 61 e 62 Thomas More começa a descrever a ilha que ganharia a alcunha de Utopia MORE Thomas A Utopia São Paulo Editora Martin Claret Ltda 2013 p 6162 113 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção REFERÊNCIAS ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 ACOSTA Alberto El Buen Vivir en el camino del postdesarrollo una lectura desde la Constitución de Montecristi Policy Paper Quito v 9 n 5 p 136 2010 p 18 ACOSTA Alberto Extractivismo y neoextractivismo dos caras de la misma maldición In LANG Miriam MOKRANI Dunia Org Más allá del desarrollo Quito Abya Yala 2013 p 118 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 AGAMBEN Giorgio Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 p 54 ALBÓ Xavier Suma qamaña convivir bien Cómo medirlo Vivir bien Paradigma no capitalista La Paz p 133144 2011 p 133 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 114 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 BOFF Leonardo O cuidado necessário na vida na saúde na educação na ecologia na ética e na espiritualidade Petrópolis Vozes 2015 p 107 BOLÍVIA Lei nº 071 de 21 de dezembro de 2010 Ley de Derechos de la Madre Tierra La Paz Gaceta Oficial del Estado Plurinacional de Bolivia 2010 art 3º BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928 947 2016 BRASIL Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Institui o Código de Processo Civil Código de Processo Civil CPC Brasília DF Senado Federal 2015 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 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desorienta e orienta o mundo digital 1 ed Belo Horizonte MG Autêntica 2023 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Estado de Coisas Inconstitucional Salvador JusPodivm 2016 p 284 CARVALHO Paulo de Barros Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência 9 ed São Paulo Saraiva 2012 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 CASSIRER Ernst O mito do Estado São Paulo Códex 1976 p 298 CASTRO Ruy Frankenstein Uma história de Mary Shelley 32 Reimpr São Paulo Companhia das Letras 2014 CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 2 p 181192 2005 Disponível em httpswwwprpunicampbrpibiccongressosxxicongressopaineis135644pdf Acesso em 01 set 2024 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 CHRISTIAN Brian 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Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 4 118 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 15 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 8 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 KELSEN Hans Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 2009 LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 MANTOVANI Otávio Augusto Silva RESENDE Ana Paula Bougleux Andrade Inteligência artificial e direito penal análise do caso State v Loomis à luz dos princípios do dever de fundamentação e individualização das decisões judiciais Academia 2021 Disponível em httpswwwacademiaedu66464899INTELIG C38ANCIAARTIFICIALEDIREITOPENALanC3A1lisedocasoStatevLoomis C3A0luzdosprincC3ADpiosdodeverdefundamenta 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São Leopoldo Editora Unisinos 2005 OST François Ditesmoi ce que vous lisez In Koen LEMMENS Koen Org Droit et Littérature Limal Anthemis 2007 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 PEREIRA Eleude Lílian Oliveira BUENO Ademir Moreira Os desafios da comunicação o equilíbrio entre objetividade e prolixidade Revista Organização Sistêmica v 10 n 19 p 5869 2021 PERELMAN Chaim TYTECA Lucie Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo Martins Fontes 2005 PETRI Maria José Constantino Manual de linguagem jurídica São Paulo Saraiva 2008 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 PRIETO MÉNDEZ Julio Marcelo Derechos de la naturaleza fundamento contenido y exigibilidad jurisdiccional Quito Corte Constitucional del Ecuador 2013 p 75 QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Buenos Aires CLACSO 2000 p 209 RIBEIRO Moacyr Petrocelli de Ávila O princípio do pecunia non olet e seus reflexos no direito penal JECRIM 2012 121 RODRÍGUEZ Víctor Gabriel Argumentação jurídica São Paulo WMF Martins 2005 SANTAELLA Lucia A Inteligência Artificial é Inteligente 7 ed São Paulo Câmara Brasileira do Livro 2023 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 53 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 59 SANTOS M C C L dos ARAUJO M 2023 Dialogando com François Ost iurisfictio Revista Internacional Consinter de Direito v 9 n 16 1995 httpsdoiorg1019135revistaconsinter0001602 SANTOS Vítor M F Robótica industrial Apontamentos teóricos Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 SARMENTO Daniel O cabimento do habeas corpus coletivo na ordem constitucional brasileira Revista da EMERJ Rio de Janeiro v 21 n 3 p 2752 2019 p 45 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 SIEGEL Alan Lets simplify legal jargon Filmed Feb 2010 Talk In Less Than 6 Minute Disponível em httpwwwtedcomtalksalansiegelletssimplify legal jargonhtml Acesso em 26 mar 24 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 STOLLEIS Michael A History of Public Law in Germany 19141945 Oxford Oxford University Press 2003 p 332 STOLLEIS Michael The Law under the Swastika Studies on Legal History in Nazi Germany Chicago University of Chicago Press 1998 p 98 STONE Christopher D Should Trees Have Standing Toward Legal Rights for Natural Objects Southern California Law Review Los Angeles v 45 p 450501 1972 p 456 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional 5 ed Rio de Janeiro Forense 2018 p 67 122 SVAMPA Maristella Las fronteras del neoextractivismo en América Latina conflictos socioambientales giro ecoterritorial y nuevas dependencias Guadalajara CALAS 2019 p 42 TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv71 988pdfsequence10 Acesso em 10 set 2024 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidaue sobreiaprimeiraregulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804oqueea inteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial20IA 20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentfor march7201915046443howchinassocialcreditsystemblockedmillionsofpeoplefrom travelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 123 WALSH Catherine Interculturalidad plurinacionalidad y decolonialidad las insurgencias políticoepistémicas de refundar el Estado Tabula Rasa Bogotá n 9 p 131152 2008 p 138 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 28 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 32 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 41
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2024 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri O Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos São Paulo 2024 B236 Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito São Paulo sn 2024 63 p 30 cm Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito 2024 Orientadora Profa Dra Maria Celeste Cordeiro dos Santos 1 Ficção literária 2 Direito 3 Literatura I Santos Maria Celeste Cordeiro Leite dos II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito III Título CDD 340 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Banca Examinadora Profa Doutora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos PUCSP AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 RESUMO PalavrasChave Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 ABSTRACT Keywords SUMÁRIO INTRODUÇÃO Em construção10 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO12 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem12 12 A linguagem em Umberto Eco17 13 A importância da semântica para o Direito21 14 A língua como ferramenta no meio jurídico31 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia36 15 Argumentação39 CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA43 21 As correntes clássicas Direito e Literatura48 211 Direito da Literatura48 212 Direito como literatura51 213 Literatura como direito52 214 Direito na Literatura54 215 Direito pela literatura58 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim58 221 Uma breve definição do termo59 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito62 CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO63 31 O Fictício e o real64 32 O Fictício e a literatura64 33 O Fictício e o direito64 CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO EM DESENVOLVIMENTO64 41 La Pacha mama64 42 O estigma do condenado64 43 Ronald Dworkin e o romance continuado64 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça64 CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL65 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press68 51 A regulamentação da Inteligência Artificial73 512 A regulamentação brasileira79 52 A Máquina e a Entropia85 53 Desencanto em desenvolvimento88 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção89 REFERÊNCIAS89 INTRODUÇÃO Em construção DEDICATÓRIA 12 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO Neste capítulo a proposta é dissertar sobre a relação da semântica que está situada na semiótica estudo do signo e o Direito um fenômeno social que pode ser estudado sob várias perspectivas epistemológicas Aqui enfatizamos o estudo Direito em uma intersecção com a literatura com o enfoque na linguagem1 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem A expressão No Início Havia o Verbo é encontrada no Evangelho de João no Novo Testamento da Bíblia Sagrada no versículo 11 Ela faz parte do relato sobre a criação do mundo e é uma referência ao princípio da criação divina destacando o papel central do Verbo ou da Palavra de Deus nesse processo A expressão encontrada no Evangelho de João carrega uma profundidade simbólica que pode ser relacionada aos primórdios da linguagem humana No contexto bíblico ela se refere ao princípio da criação divina onde o Verbo ou a Palavra de Deus desempenha um papel fundamental na manifestação do mundo físico e espiritual Ao analisar essa expressão sob a ótica da linguagem humana podese interpretála como uma reflexão sobre a origem e o poder da palavra como veículo primordial de comunicação e criação Assim como o Verbo divino é visto como a força que dá origem ao universo a palavra humana é fundamental para a expressão do pensamento a comunicação entre os indivíduos e a criação de significados e conceitos Além disso a expressão No Início Havia o Verbo sugere uma ligação intrínseca entre linguagem e pensamento O Verbo é concebido como a expressão da mente divina a palavra humana é vista como uma extensão do pensamento permitindo que ideias abstratas e conceitos complexos sejam comunicados e compartilhados entre os indivíduos A palavra enquanto signo linguístico artificial desempenha o papel de representante sendo composta por duas partes o significante que é a forma material do signo e o significado que é a imagem mental evocada por esse significante2 As palavras são instrumentos elaborados e versáteis que permitem a criação circulação e assimilação de representações da realidade possibilitando aos indivíduos 1 A Hernández Gil Metodología de la Ciencia del Derecho Madrid 1971 II p 160 2 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 13 materializarem conceitos e atribuindo significados aos objetos ao seu redor Como signo a palavra seja na forma escrita ou falada evoca conceitos em nossa mente os quais são representados por seus significados convencionados No entanto uma mesma palavra pode ter vários significados e um mesmo significado pode ser representado por diferentes palavras sendo essas sinônimas ou quase sinônimas3 Para compreender o significado pretendido pelo escritor é fundamental considerar o contexto em que a palavra está inserida pois o significado do texto é deduzido a partir do conjunto de todas as palavras que o compõem formando uma rede de significados interligados Assim a clareza do texto é essencial para que as palavras sejam compreendidas pelo receptor possibilitando a transmissão eficaz da mensagem concebida pelo emissor Logo é necessário que o receptor conheça as palavras utilizadas pelo emissor e possa atribuirlhes os significados apropriados a fim de garantir a adequada apreensão da mensagem Termos desconhecidos ou inadequados podem dificultar a compreensão do texto tornandoo lento e incompleto e em alguns casos podem tornálo completamente incompreensível para o leitor4 O estudo da linguagem o que inclui a palavra e o seu uso representa um dos campos mais antigos de investigação sistemática tendo suas raízes traçadas até a antiguidade clássica da Índia e da Grécia Embora possua uma longa história de realizações a abordagem contemporânea para esse estudo é relativamente recente datando aproximadamente dos últimos 40 anos Nesse período conceitos fundamentais da tradição foram revitalizados e reconstruídos proporcionando uma linha de investigação altamente produtiva5 Já em Santo Agostinho6 na idade média a linguagem funda o conhecimento das coisas sem linguagem não há mundo e em consequência o conhecimento das coisas se alcança com a palavra A palavra é um tipo especial de signo cuja diferença específica é de ser voz articulada A palavra é o que profere mediante a articulação da voz e significa algo ut verbum sit quod cum aliquo significatu voce profertur IV 8 Agostinho considera a palavra desde uma perspectiva semiótica Isto é a sua teoria da 3 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 4 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 5 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 6 AGOSTINHOSanto De Magistro Porto Alegre RS Editora Fi 2015 14 linguagem é uma inflexão uma modalidade de teoria dos signos As palavras como signo das coisas mantêm um papel no processo de aprendizagem e ensino pois nada se pode ensinar sem signo pois nada pode mostrarse sem signo e o pensamento vai dos signos às coisas significadas A questão do uso de signos para realização da comunicação por meio da linguagem atravessou séculos e aparece na contemporaneidade claramente em Chomsky7 demonstrando que é notável o fascínio duradouro exercido pela linguagem ao longo dos séculos A capacidade linguística humana é considerada uma característica essencial da espécie apresentando pouca variação entre os indivíduos e não possuindo equivalentes significativos em outras formas de vida Embora fenômenos análogos possam ser encontrados em insetos esses estão distantes na evolução cerca de um bilhão de anos Ademais a linguagem permeia todos os aspectos da vida pensamento e interação humanos Ela é em grande parte responsável pela existência de uma história e uma evolução cultural exclusivas dos seres humanos assim como pela diversidade complexa e rica da humanidade Além disso contribui para o sucesso biológico humano conforme evidenciado pela densa população humana atual8 A visão cartesiana de que a habilidade de utilizar signos linguísticos para expressar pensamentos distingue verdadeiramente o ser humano de outras formas de vida ou máquinas continua sendo amplamente aceita Outro autor considerado contemporâneo como Humberto Maturana traz em evidência a questão simbólica A linguagem é comumente entendida como um sistema de comunicação simbólica no qual os símbolos são concebidos como entidades abstratas9 É amplamente aceito que a linguagem serve como a base fundamental da comunicação No entanto os signos se organizam em códigos que constituem os sistemas de linguagem Esses códigos desempenham uma função primordial ao possibilitar a compreensão da dimensão representativa de objetos e fenômenos em diversas áreas do conhecimento humano10 A questão simbólica na linguagem se impõe pois em todos os sistemas de signos concebidos pelo homem a linguagem surge como uma entidade fundamental no processo de desenvolvimento humano sendo indispensável para os avanços culturais 7 Ibid 8CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 9 MATURANA R Humberto Emoções e linguagem na educação e na política Tradução José Fernando Campos Fortes Belo Horizonte UFMG 1999 10 Ibid 15 alcançados pela humanidade É por meio da linguagem que ocorre a comunicação entre os indivíduos a organização do pensamento o compartilhamento e o registro de conhecimentos sempre com a presença dos signos Ao discutir a relevância da linguagem para o desenvolvimento humano referimonos tanto à linguagem oral que facilita a interação entre as pessoas quanto à linguagem escrita cuja capacidade de expressar ideias e impulsionar o desenvolvimento do pensamento é inegável Em um nível mais profundo ao explicar o comportamento humano mediado por signos a linguagem estabelece conexões entre estímulos externos e internos os quais são interpretados pelo indivíduo resultando em novas ações e reações aos referidos estímulos11 Vygotsky12 psicólogo russo no final do século passado enfatiza que o homem desenvolveu um sistema de sinais um conjunto de estímulos artificiais condicionados por meio dos quais ele estabelece conexões e induz reações necessárias do organismo A analogia do também russo Pavlov Matos 1995 que compara a parte externa dos grandes hemisférios cerebrais a um vasto sistema de sinais demonstrar que o homem criou a chave desse sistema de sinais da linguagem sendo capaz de controlar a atividade externa e direcionar o comportamento humano13 Neste sistema de sinais da linguagem a palavra se destaca pela sua vinculação com o pensamento Para elucidar a formação da ligação entre o pensamento e a palavra seja ela verbalizada ou não e seu subsequente desenvolvimento Vigotski destaca o significado da palavra como a unidade indivisível entre ambos os processos o significado da palavra é ao mesmo tempo um fenômeno de discurso e intelectual14 Em Vigotski a compreensão do papel funcional do significado da palavra no ato do pensamento requer a análise do processo que interliga o significado da palavra à atividade mental especialmente na forma como a criança emprega a palavra para auxiliála na resolução de tarefas apresentadas a ela É importante destacar que a relação entre pensamento e palavra é um processo dialético que passa por várias fases as quais estão não apenas relacionadas à idade da criança mas principalmente à sua capacidade de utilizar a palavra para direcionar sua atenção e sua memória durante as diversas operações que realiza pois 11 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 12 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 13 Ibid 14 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 p 398 16 A palavra enquanto signo pode ser utilizada de diferentes maneiras como meio de comunicação e organização da ação para a concretização das operações intelectuais necessárias É justamente a observação do modo como a criança utiliza a palavra nessas circunstâncias que nos permite compreender em que estágio de desenvolvimento intelectual ela se encontra bem como nos possibilita obter indícios que apontem para a explicação do processo de formação dos conceitos na criança tornando possível compreender como ela se vale da linguagem para organizar voluntariamente seu pensamento15 Explica Umberto Eco que a semiótica é a disciplina que estuda as relações entre o código e a mensagem entre o signo e o discurso16 E as palavras do ponto de vista da semântica e semiótica estão relacionadas por meio do estudo dos signos e dos significados na linguagem e na comunicação humana Como disciplina da linguística a semântica se concentra no estudo do significado das palavras frases e expressões em um determinado contexto A análise dos sinais linguísticos serve para verificação de como esses sinais são utilizados para transmitir informações Ademais a análise ajuda na compreensão de como os significados são atribuídos e interpretados pelos falantes de uma determinada língua De acordo com o médico alemão Petri 17 a língua desempenha um papel fundamental como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade na qual ele está inserido É por meio da língua que a realidade se converte em signos com a associação de sons a significados possibilitando assim a comunicação linguística A semântica está preocupada com a compreensão dos significados das unidades linguísticas e como elas se relacionam entre si para formar estruturas de sentido18 Por outro lado a semiótica é uma disciplina mais ampla que investiga os processos de comunicação e significação em diferentes sistemas de signos não se limitando apenas à linguagem verbal Ela estuda os signos e os sistemas de signos em geral incluindo não apenas palavras e frases mas também imagens gestos símbolos códigos culturais e outros elementos que são utilizados para representar e comunicar significados No estudo da semiótica é fundamental destacar que essa disciplina derivada do termo grego semeion que significa signo constituise como a teoria geral dos 15 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 p 932 16 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 19 17 PETRI Maria José Constantino Manual de linguagem jurídica São Paulo Saraiva 2008 18 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 17 signos De acordo com Peirce19 um dos principais teóricos da semiótica um signo é algo que representa alguma coisa para alguém em um contexto específico Dessa forma o caráter essencial do signo é sua capacidade de representação de estar presente em lugar de algo ausente e não ser o próprio algo em si O signo atua como um mediador entre o objeto ausente e o intérprete presente sendo responsável por facilitar a compreensão e a interpretação do mundo ao nosso redor É por meio da articulação dos signos que se constrói o sentido permitindo a comunicação e a troca de significados entre os indivíduos20 A semiótica busca compreender como os signos são produzidos interpretados e utilizados em diferentes contextos culturais e sociais21 Enquanto a semântica se concentra especificamente no estudo dos significados das palavras e das estruturas linguísticas a semiótica amplia essa análise para incluir uma variedade de sistemas de signos e os processos de comunicação e significação que ocorrem dentro deles Em resumo a semântica é uma subárea da linguística enquanto a semiótica é uma disciplina mais abrangente que transcende os limites da linguagem verbal22 12 A linguagem em Umberto Eco Umberto Eco23 renomado semiótico italiano dedicou boa parte de sua obra à investigação da linguagem em suas diversas formas e aplicações Sua abordagem é abrangente desde questões filosóficas e teóricas até análises práticas da linguagem em diferentes contextos culturais e sociais Obra Aberta24 é uma obra seminal que estabeleceu a reputação de Umberto Eco como um teórico internacionalmente reconhecido Publicada pela primeira vez em 1962 esta coletânea de artigos oferece uma visão da evolução do conceito de abertura um tema central na obra de Eco Este conceito desenvolvido ao longo do final da 19 Peirce apud NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 20 NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 21 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 22 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 23 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 24 ECO Umberto Obra aberta 1962 São Paulo Perspectiva 1968 18 década de 1950 é evidente não apenas no conteúdo dos ensaios mas também na própria composição da coletânea Na introdução à edição brasileira Eco destaca a natureza fluida e em constante evolução de Obra Aberta Ele revela que desde a redação do primeiro ensaio em 1958 nunca parou de revisálo Cada edição seja em francês italiano espanhol ou em outras línguas apresenta variações significativas entre si Eco enfatiza que até mesmo a segunda edição italiana na qual esta edição brasileira se baseia difere das demais Essas diferenças ilustram a natureza aberta e adaptável da obra refletindo o próprio conceito de abertura que Eco explora em seus ensaios A partir dessas reflexões é possível entender Obra Aberta25 não apenas como uma coletânea de ensaios mas como um exemplo vivo do conceito que busca elucidar A obra de Eco continua a desafiar e inspirar leitores e estudiosos demonstrando como a noção de abertura pode se manifestar não apenas no conteúdo de uma obra mas também em sua própria forma e evolução ao longo do tempo e das traduções Em seus estudos Eco explorou temas como a natureza da linguagem suas funções comunicativas e seus mecanismos de significação Ele enfatizou a complexidade e a ambiguidade da linguagem destacando como as palavras podem adquirir diferentes significados dependendo do contexto em que são utilizadas e das convenções compartilhadas pelos falantes de uma determinada comunidade linguística Além disso Eco investigou os processos de codificação e decodificação da linguagem analisando como os signos são produzidos e interpretados pelos indivíduos Ele também examinou a relação entre linguagem e pensamento argumentando que a linguagem é fundamental na estruturação e na expressão do pensamento humano No debate hermenêutico nas primeiras décadas de XX se confrontavam duas abordagens distintas sobre a interpretação de textos Por um lado havia a busca pelo sentido do texto na intenção do autor ou seja o que o autor quis dizer com suas palavras Por outro lado surgia a perspectiva de analisar o texto por si só independente das intenções do autor buscando compreender o que o texto diz por si mesmo em relação à sua coerência contextual e aos sistemas de significação que o sustentam26 25 Ibid 26 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 19 De forma gradativa ocorreu o abandono pela busca da intenção do autor como única fonte de significado surgindo uma oposição entre outras duas abordagens na interpretação textual A primeira é o enfoque generativo que se concentra nas regras de produção do texto buscando entender como o texto é construído e organizado Já no enfoque interpretativo há a volta para a recepção do texto pelo destinatário considerando seus próprios sistemas de significação e desejos27 Karam28 explica que a partir dessas perspectivas Eco distingue entre a interpretação semântica que se concentra nos aspectos linguísticos e na estrutura do texto e a interpretação crítica que considera o contexto social cultural e histórico na análise do texto Enquanto a interpretação semântica é realizada pelo leitormodelo ingênuo que se limita à compreensão literal do texto a interpretação crítica busca ir além analisando as entrelinhas as conexões simbólicas e as possíveis camadas de significado presentes no texto29 Essas distinções são fundamentais para uma compreensão mais ampla e aprofundada da significação textual contribuindo para uma análise mais rica e complexa dos discursos e das obras literárias Eco30 explica que o resultado do processo pelo qual o destinatário diante da manifestação linear do texto preenchea de significado é aquela por meio da qual procuramos explicar por que razões estruturais pode o texto produzir aquelas ou outras alternativas interpretações semânticas Umberto Eco31 destaca a diferença entre o uso e a interpretação de um texto enfatizando que toda interpretação parte da leitura semântica para chegar à leitura crítica Enquanto a leitura semântica se baseia na compreensão literal do texto a leitura crítica busca analisar e interpretar além do significado superficial considerando o contexto as entrelinhas e as possíveis camadas de significado presentes no texto No entanto Eco observa que o uso de um texto pode ir além do seu significado semântico podendo ignorálo completamente e atribuirlhe arbitrariamente qualquer significado muitas vezes atendendo a suposições e interesses do leitor Isso pode levar a interpretações equivocadas e distorcidas do texto que não se fundamentam em uma análise cuidadosa e justificável 27 Ibid 28 Ibid 29 Ibid 30 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 12 31 Ibid 20 Assim a instrumentalização do texto ou seja o uso do texto para atender a propósitos alheios à sua verdadeira intenção está relacionada à ausência ou à precariedade da justificativa que fundamentaria a atribuição de sentido oferecida Eco adverte que entre a intenção inacessível do autor e a discutível intenção do leitor encontrase a intenção transparente do texto Esta última muitas vezes contesta interpretações que são insustentáveis à luz do próprio texto ressaltando a importância de uma abordagem crítica e cuidadosa na interpretação textual32 Outro aspecto importante da abordagem de Eco é sua ênfase na intertextualidade e na interdisciplinaridade Ele reconheceu que a linguagem não existe em um vácuo mas está intrinsecamente ligada a outras formas de expressão cultural como a literatura a arte e a música Nesse sentido suas análises da linguagem frequentemente dialogam com outros campos do conhecimento enriquecendo assim sua compreensão da complexidade da comunicação humana O trabalho de Umberto Eco sobre a linguagem oferece uma visão ampla e profunda desse fenômeno fundamental da experiência humana Sua abordagem interdisciplinar e sua perspectiva sofisticada continuam a influenciar estudiosos de linguagem e comunicação em todo o mundo proporcionando conhecimentos valiosos sobre a natureza e o funcionamento da linguagem em suas diversas manifestações Na área do Direito os estudos de Umberto Eco sobre semiótica fornecem a compreensão da linguagem jurídica A semiótica de Eco enfatiza a importância do contexto e da interpretação na atribuição de significados aos signos jurídicos o que é fundamental para a análise e a aplicação das normas legais Além disso sua abordagem pragmática da semiótica ressalta a necessidade de considerar o uso e a função dos signos jurídicos em situações específicas levando em conta o contexto social cultural e histórico em que são empregados33 Os estudos de Eco34 também podem ajudar a entender como a linguagem jurídica é usada como uma ferramenta de persuasão e argumentação no contexto legal Suas reflexões sobre retórica e argumentação podem ser aplicadas para analisar como os 32 Ibid 33 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 34 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 21 advogados e os juristas constroem seus argumentos e persuadem os juízes e os júris em casos judiciais Além disso sua abordagem da linguagem como um sistema de signos dinâmico e em constante evolução auxiliam a compreender como a linguagem jurídica se adapta e se transforma ao longo do tempo refletindo mudanças na sociedade e na cultura Desta forma ao analisar as obras e os estudos de Umberto Eco sobre linguagem e semiótica é notável que as contribuições do autor oferecem uma base teórica sólida para a compreensão da linguagem usada na área do Direito ajudando a analisar e interpretar de forma mais profunda e abrangente os textos legais as decisões judiciais e os discursos jurídicos O Direito em sua função de regular comportamentos socialmente aceitáveis não apenas reconhece mas também antecipa a dinâmica dos eventos Isso é evidenciado pela existência de lacunas legais que permitem análises minuciosas pela inclusão do plano do deverser como parte integrante do sistema jurídico e pela consideração da complexidade dos fenômenos humanos durante reformas legislativas e na interpretação das leis Essas práticas incentivam abordagens inovadoras na interpretação das normas legais35 Ao considerar o Direito como um fenômeno cultural que surge do processo criativo humano é importante destacar a necessidade de uma interpretação normativa flexível e aberta Uma vez que o direito é moldado pela sociedade é compreensível que ele reflita os acontecimentos do dia a dia a diversidade e a integração de elementos da realidade Nesse sentido o estudo da semiótica jurídica é relevante pois promove a reflexão sobre o discurso jurídico como parte integrante de um campo de conhecimento mais amplo que não deve ser isolado dos demais posto que suas fundamentações estão intrinsecamente ligadas às necessidades humanas36 13 A importância da semântica para o Direito Ricardo Guastini professor emérito de Filosofia do Direito e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência explica que o Direito moderno é um fenômeno essencialmente linguístico O direito é o discurso das 35 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 36 NASCIMENTO Lorivaldo A religião como fenômeno cultural à luz da Constituição federal de 1988 Meritum v 13 n 2 p 394419 2018 22 autoridades normativas ou seja um conjunto de textos enunciados jurídicos que expressam normas Um discurso uma sequência de enunciados de palavras dotadas de forma sintática e sentidos completos Os enunciados que compõem o direito são prescritivos normativos diretivos Nesse contexto a Jurisprudência é uma metalinguagem uma linguagem de segundo grau e a sua linguagem objeto é o Direito Ela é deste modo a análise da linguagem do Direito37 Ao discorrer sobre o fenômeno do Direito nesta perspectiva o estudo da linguagem se faz necessário A linguagem é uma complexa ferramenta de comunicação humana38 Mas a linguagem não só é uma importante ferramenta para o intercâmbio de informações e conhecimentos mas também pode ser utilizada como uma forma de controle39 Maria Celeste Cordeiro Leite Santos40 explica que Saussure definiu o discurso como linguagem em ação o discurso é assumido nesta acepção como uma ação humana ato de falar que serve de signos ação em que alguém apela ao entendimento de outrem Assim enfatiza a autora a língua é um sistema de signos que se estruturam uns aos outros O fenômeno linguístico concreto é o discurso speech um ato de discurso e uma sequência fonética de estrutura sintática correta com significado semântico e função pragmática41 A linguagem desempenha um papel fundamental ao traduzir e fixar o pensamento por meio das palavras sendo essencial para a clareza do pensamento uma vez que um maior conhecimento vocabular contribui para uma maior clareza mental ou melhor escola dessas palavras42 Em suma de acordo com o ambiente que se desenvolve a linguagem mas atenção deve o locutor desprender para atribuir corretamente as palavras De acordo com o Ensaio sobre a Origem da Linguagem 1772 escrito pelo filósofo e escritor alemão Johann Gottfried Von Herder a linguagem não se limita apenas a ser um instrumento de comunicação mas é intrínseca ao próprio ato do pensamento O conhecimento não pode ser dissociado da forma linguística em que é 37 Guastini Riccardo Las dos caras de la filosofía analítica del derecho positivo Italia Istituto Tarello per la Filosofia del diritto 2016 38 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 17 39 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 19 40 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 122123 41 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 123 42 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 23 expresso e por essa razão a linguagem também representa o limite ainda que flexível do pensamento Além disso a linguagem não é organizada apenas de acordo com princípios racionais posto que as palavras têm o poder de irradiar a capacidade de comunicação para os mais diversos aspectos da vida e das forças que a permeiam modificandoa e expressandoa de maneira única43 Segundo Bakhtin44 a linguagem é concebida como um processo coletivo no qual os membros de uma sociedade ou grupo social criam e recriam ao longo da história um sistema articulado de significados e uma visão de mundo por meio da interação verbal Bakhtin em sua análise concebe a linguagem como uma prática social fundamentada na língua percebendo esta última não como um sistema abstrato mas como um processo em constante evolução moldado pelo fenômeno da interação verbal na sociedade Citado autor enfatiza a importância da fala como um fenômeno social e não individual intrinsecamente ligado à enunciação que estabelece a intersubjetividade e promove a interação entre os falantes A visão de Bakhtin ressalta a dimensão social da linguagem situando tanto na língua quanto nos indivíduos que a utilizam dentro de um contexto sóciohistórico45 Ele argumenta que a língua se manifesta na vida por meio de enunciados concretos assim como a vida influencia a língua Nesse processo dinâmico a linguagem se torna um campo de conflito ideológico refletindo e expressando as divergências e contradições presentes na sociedade Portanto a palavra pode ser considerada sob a ótica de Bakhtin como um fenômeno ideológico carregando consigo valores culturais que refletem os conflitos e as discordâncias sociais o que a torna um espaço privilegiado para a manifestação e o embate de ideias A filosofia da linguagem segundo Umberto Eco dos estoicos passando por Santo Agostinho até Wittgenstein aborda os sistemas da lógica formal lógica das linguagens naturais bem como a semântica a sintática e a pragmática tratando deste modo da semiótica Ao construir o sistema da semiótica se construí a ideia de que o homem é um animal simbólico Explica Umberto Eco citando Saussure que a semiótica é uma ciência que estuda a vida dos signos no marco da vida social Os signos são entidades de duas caras significante e significado que se estabelecem de um sistema de regras Eles expressam 43 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 44 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 45 Ibid 24 ideias que são fenômenos do humano são artifícios comunicativos portanto artificiais convencionais como o alfabeto Já Peirce segundo Umberto Eco considera que a semiótica é a doutrina da natureza essencial e de variantes fundantes de qualquer classe possível de simiosis Os simiosis são uma ação uma cooperação de um signo seu objeto e seu interpretante Aqui se tem três entidades abstratas O signo é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém Já essa outra coisa precisa de um interpretante que é outro signo que traduz e explica o signo anterior e assim infinitamente46 O signo é estudo sob a perspectiva da sintática semântica e pragmática A sintática estuda a relação entre os signos é a teoria da construção da linguagem É um sistema de signo que se relaciona de acordo com regras sintáticas de formação que permite combinar signos elementares e as de derivação que geram novas expressões Já a semântica estuda a relação dos signos com os objetos verificando os modos e regras segundo os quais as palavras aplicamse aos objetos Essa relação a que vincula as afirmações do discurso com o campo a que ele se refere A pragmática estuda a relação dos signos com os usuários47 A relação entre semântica e Direito é um campo que pode ser entendido como o estudo que investiga como a linguagem influencia na atividade de interpretação e aplicação do direito A semântica como disciplina linguística concentrase na análise dos signos e sua relação com os objetos Mas essa relação já era bem explorada pelos juristas romanos que já sabiam que existiam expressões no Direito que intelectum iuris habebant 48 ou seja expressões que não teriam outro referente a não ser um conceito que muitas vezes era criado pelo Direito Em outras palavras um modelo conceitual que não corresponde a nenhum objeto material49 Também se destaca que uma das primeiras obras semânticas registradas está incluída em um livro de Direito Tratase do título 16 do livro do livro 50 do Digesto de Justiniano cujo título De verborum significatione ou seja Dos significados das palavras sendo ali explorado o 246 passagens de juristas que precisam o significado e alcance de determinadas expressões jurídicas50 46 UMBERTO Eco Tratado de Semiótica General BarcelonaValentino Bompiani 2000p 26 UMBERTO Eco A Estrutura Ausente São Paulo Perspectiva P 17 47 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 4045 48 Digesto 5 3 50 49 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 50 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 25 No âmbito jurídico essa relação entre Direito e semântica aparece claramente na atividade de interpretação do Direito Assim a precisão na interpretação de termos legais é essencial e necessária para a aplicação das leis uma vez que o direito tem como uma de suas funções regularizar condutas51 A linguagem jurídica é conhecida por sua complexidade e especificidade muitas vezes contendo termos técnicos e expressões com significados precisos dentro do contexto legal A semântica desempenha um papel fundamental na interpretação desses termos garantindo que as leis sejam aplicadas de maneira consistente e coerente52 Assim as se torna praticamente inevitável as leis devem ser sempre interpretadas53 A fixação do significado de uma palavra no contexto jurídico exigirá sempre a análise que inclui os usos linguísticos da palavra no sentido comum e técnicojurídico pois a linguagem dos juristas se distingue da linguagem comum dando assim melhor precisão Além disso a semântica é essencial na redação de contratos estatutos e outras formas de documentos legais Uma escolha inadequada de palavras ou uma formulação ambígua pode levar a interpretações equivocadas e litígios Portanto os redatores jurídicos devem estar cientes das nuances semânticas e buscar uma linguagem clara e precisa54 Outro aspecto relevante é a interpretação legislativa e judicial Os tribunais muitas vezes são confrontados com questões de interpretação de termos legais e sua aplicação a casos específicos A semântica desempenha um papel central na análise dessas questões ajudando os juízes a entenderem o significado exato da lei e como ela se aplica aos fatos em questão55 51 MORRIS Charles Writings on the general theory of signs p 210 In ARAUJO Clarice von Oertzen de Semiótica jurídica Enciclopédia jurídica da PUCSP Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire Coord Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito Celso Fernandes Campilongo Álvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire coord de tomo 1 ed São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2017 Disponível em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete96edicao1semioticajuridica Acesso em 10 fev 2024 52 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 53 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 54 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 55 Ibid 26 Ambiguidade e vagueza Há distintos objetos que podem ser designados pela mesma palavra que não são agrupados de forma arbitraria ou casual sempre existindo um critério para o seu uso Quando agrupamos distintos objetos e aludimos com a mesma palavra quando há certas propriedades comum As palavras têm a função de denotar o conjunto de objetos que exibem as características ou propriedades por isso aplicamos a mesma palavra e conotam essas propriedades Assim as palavras possuem um significado denotativo ou extensão conjunto de objetos os quais se aplica a palavra e outro significado conotativo ou intensão propriedades por virtude as quais aplicamos a esses objetos uma mesma palavra É como se uma palavra fosse usada para conotar a reunião de propriedade56 Mas nem sempre as palavras são usadas para conotar as mesmas propriedades dependendo muitas vezes do contexto linguístico do uso sendo que em alguns casos há dúvidas sobre o uso de determinada palavra Este aspecto importante da interseção entre semântica e direito é a ambiguidade linguística Esta por sua vez é uma característica intrínseca da linguagem que pode ocorrer quando uma palavra expressão ou estrutura sintática possui mais de um significado ou interpretação possível Essa ambiguidade pode surgir de diferentes maneiras como por meio de duplo sentido polissemia homonímia ou ainda pela falta de clareza na construção da frase Onofre Sossolote 2015 Essa ambiguidade pode ser tanto uma ferramenta criativa na literatura permitindo jogos de palavras e interpretações múltiplas quanto uma fonte de confusão na comunicação cotidiana Em contextos formais como o jurídico ou o científico a ambiguidade linguística pode ser especialmente problemática uma vez que a precisão e a clareza na comunicação são essenciais para evitar malentendidos e interpretações equivocadas57 Para lidar com a ambiguidade linguística é importante utilizar estratégias como o esclarecimento do contexto a definição precisa dos termos utilizados e a formulação de frases claras e concisas Além disso para o receptor da mensagem é fundamental ao buscar esclarecer qualquer dúvida ou interpretação ambígua por meio de perguntas ou solicitações de esclarecimento Palavras e frases podem ter múltiplos significados ou interpretações o que pode levar a disputas sobre a aplicação da lei A 56 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 28 57 ONOFRE Marília Blundi SOSSOLOTE Cássia Regina Coutinho Ambiguidade Paráfrase e Desambiguização Linguasagem v 24 n 1 2015 27 análise semântica ajuda a esclarecer essas ambiguidades e a determinar os significados por trás das leis e regulamentos58 E outros casos há incerteza na aplicação ou interpretação assim a dúvida recai sobre o campo de aplicação ocorrendo uma imprecisão A imprecisão está em uma zona mais ou menos estendida de casos em que a palavra poderia ser usada No direito aparece esse fenômeno quando falamos de prazo razoável erro substancial injúria grave perigo iminente velocidade excessiva59 O termo se torna vago quando há três zonas uma central de certeza positiva a aplicação não oferece dúvida uma certeza negativa de que o termo não se aplica e uma outra zona de penumbra a aplicação é duvidosa60 A relação entre semântica e direito é profunda e complexa A análise semântica é essencial na interpretação e aplicação do direito garantindo que as leis sejam interpretadas de maneira precisa e consistente e que os documentos legais sejam redigidos de forma clara e inequívoca Incidência e aplicação do direito David Hume61 ao abordar a metaética destacou a distinção entre afirmações descritivas e prescritivas enfatizando a impossibilidade de derivar o deverser a partir do ser Nessa perspectiva enunciados factuais apenas implicam outros enunciados factuais Por outro lado o direito enquanto subsistema social está intimamente relacionado aos fatos Ele se baseia em fontes materiais por meio do processo de enunciação dos fatos jurídicos ou normas de conduta orientadas para a conduta humana A premissa de que a linguagem do direito constitui a realidade jurídica destaca a intersecção de linguagens A construção de uma regra jurídica sua formulação com uma estrutura lógica a confirmação da hipótese de incidência e sua aplicação sobre a situação concreta são considerados eventos factuais O ingresso do fato no contexto jurídico é o que caracteriza o fenômeno do fato jurídico O jurista ao interpretar uma 58 COSTA Larissa Silva SANTOS Maria José Veloso da Costa GUEDES Vania Lisboa da Silveira Estudo da terminologia da área disciplinar de Direito e a proposição de um Sistema de Organização do Conhecimento em Direito Penal Encontros Bibli revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação v 27 p 121 2022 59 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 32 60 SESMA Victoria Iturralde Lenguaje Legal y Sistema Jurídico Tecnos Madrid 1989 p 33 61 HUME David A treatise on human nature Livro III Nova York 1961 28 norma jurídica deve analisar minuciosamente os componentes da hipótese de incidência compreendendo as consequências que estão previamente determinadas62 É essencial para a construção da base normativa que o jurista participe ativamente na formação do fato jurídico As prescrições jurídicas são concebidas como proposições que envolvem os termos obrigatório proibido e permitido direcionadas às ações humanas Dessa maneira as ações não são meramente intervenções no contexto social ou natural mas também interferências que abordam como as coisas deveriam ou poderiam ter ocorrido apresentando características de tipicidade É nesse sentido que ocorre o recorte da realidade social conferindo ao fato sua natureza jurídica63 O Direito sendo um fenômeno comunicacional e linguístico está intrinsecamente ligado ao contexto e portanto todo enunciado dentro desse contexto é considerado argumentativo A mensagem transmitida ocorre através de um canal estabelecido entre o autor e o receptor cujo significado é determinado pela intenção de quem transmite e pela interpretação do receptor A significação resulta da interação entre elementos linguísticos que se relacionam com o contexto incluindo o implícito o pressuposto e o subentendido64 Uma frase é uma estrutura linguística que possui relações sintáticas e uma semântica enquanto um enunciado vai além incorporando informações derivadas da situação em que é produzido ou seja seu contexto Assim a compreensão de um enunciado no Direito depende não apenas da análise da estrutura linguística mas também da consideração do contexto em que é proferido65 O fenômeno da incidência normativa ocorre quando se descreve um evento do mundo físicosocial ocorrido em circunstâncias específicas de espaço e tempo que se alinha estreitamente com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata também conhecida como regramatriz de incidência Em decorrência disso surge necessariamente outro enunciado protocolar e denotativo por razões de obrigação jurídica estabelecendo uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito Esse segundo enunciado seguindo uma sequência lógica e não cronológica deve estar 62 CARVALHO Paulo de Barros Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência 9 ed São Paulo Saraiva 2012 63 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 64 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 65 Ibid 29 em total conformidade com os critérios estabelecidos para as consequências da norma geral e abstrata66 Assim enquanto na norma geral e abstrata há um enunciado conotativo na norma individual e concreta há um enunciado denotativo ambos possuindo a prescritividade intrínseca à linguagem jurídica Essa distinção entre os enunciados reflete a aplicação prática da norma jurídica a casos específicos mantendo a coerência e a consistência dentro do sistema jurídico67 Em Paulo de Barros há normas jurídicas onde existe uma linguagem própria que as materialize O autor cita dois planos o direito positivo formado pelas normas jurídicas e materializado em linguagem prescritiva sintaticamente fechado em uma linguagem própria e a realidade social O mundo social para ser jurídico deve integrar o sistema do direito positivo onde se instalam as consequências jurídicas Explica Paulo de Barros Ali onde houver direito haverá sempre normas e onde houver normas jurídicas haverá certamente uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão Para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito necessária se faz também a existência de uma linguagem linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se instaura entre duas pessoas E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade porquanto se ocorrerem alterações na circunstância social descrita no antecedente de regra jurídica como ensejadora de efeitos de direito mas que por qualquer razão não vieram a encontrar a forma própria de linguagem não serão considerados fatos jurídicos e por conseguinte não propagarão direitos e deveres68 Assim a incidência não é automática pois depende de uma linguagem competente atribuindo juridicidade ao fato e imputando efeitos jurídicos O Direito dispõe de normas gerais e abstratas que não atuam diretamente sobre as condutas intersubjetivas sendo que a partir das normas gerais e abstratas são criadas outras individuais e concretas diretamente voltadas aos comportamentos atuando em cada caso69 Isto ocorre com a aplicação do direito aplicação do direito é incidência pois a norma jurídica não incide sozinha ela precisa ser aplicada70 66 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 67 Ibid 68 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 10 69 CARVALHO Aurora Tomazini de de teoria geral do direito o construtivismo lógicosemântico 2 ed São Paulo Noeses 2010 P245 70 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 9 30 Fabiana Del Padre Tomé71 argumenta que o sistema do direito positivo estabelece os momentos nos quais os fatos devem ser estabelecidos por meio da linguagem das provas as quais são essenciais para tornar os eventos da vida social juridicamente reconhecidos e igualmente fundamentais para as regras jurídicas A positivação desses fatos depende da sua conformidade com a descrição da hipótese normativa Quando ocorre a subsunção ou seja quando o fato jurídico descrito na linguagem prescrita pelo direito coincide com a descrição da hipótese legal estabelece se por meio da ação humana o vínculo abstrato pelo qual o sujeito ativo adquire o direito subjetivo de exigir a prestação enquanto o sujeito passivo fica obrigado a cumprila72 Além disso é importante considerar a pluridimensionalidade do fato ou seja examinálo sob diferentes perspectivas Um mesmo fato jurídico pode afetar diversos bens juridicamente protegidos que podem ser distintos e gerar diversas relações jurídicas inclusive de natureza sancionatória estritamente tributária ou penal por exemplo no caso de descaminho envolvendo questões tributárias e criminais e até mesmo a incidência de dois ou mais tributos como na importação Nestes casos o intérprete do direito realiza um esforço para selecionar os valores desejáveis pelo respectivo ramo do direito sem se preocupar com considerações pertencentes a outras áreas do ordenamento jurídico embora isso não signifique que tais considerações não existam isso justifica a realização deste corte metodológico específico73 Desta forma a relação entre semântica e direito é de extrema importância na compreensão do funcionamento do sistema jurídico A semântica como campo da linguística que estuda o significado das palavras e das sentenças é fundamental na interpretação e na aplicação das normas jurídicas A partir das discussões apresentadas por diversos autores tornase evidente que a linguagem jurídica não é apenas um instrumento de comunicação mas também um meio de construção da realidade jurídica No contexto do direito as palavras e as sentenças possuem um significado específico que vai além do seu sentido comum na linguagem cotidiana Os enunciados jurídicos são formulados de maneira precisa e técnica visando a expressar de forma clara e inequívoca as normas e os princípios que regem as relações sociais A linguagem jurídica portanto possui características próprias que a distinguem de outros tipos de 71 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 72 Ibid 73 Ibid 31 linguagem como a linguagem coloquial ou a linguagem técnica de outras áreas do conhecimento74 A compreensão da semântica no contexto jurídico é essencial para a interpretação das normas e para a solução de conflitos de interpretação Através de uma análise semântica cuidadosa é possível identificar o verdadeiro sentido e alcance das disposições legais evitando interpretações arbitrárias ou distorcidas que possam comprometer a segurança jurídica Além disso a semântica é fundamental na redação de contratos decisões judiciais e outros documentos jurídicos garantindo que estes sejam claros precisos e inequívocos É importante ressaltar que a relação entre semântica e direito não se limita apenas à interpretação das normas jurídicas mas também abrange questões mais amplas relacionadas à comunicação e à argumentação no âmbito jurídico Uma compreensão sólida da semântica é portanto essencial para todos aqueles que atuam no campo do direito contribuindo para uma aplicação mais justa eficiente e coerente das leis 14 A língua como ferramenta no meio jurídico Ao abordar A língua como ferramenta no meio jurídico devese alertar os profissionais do direito sobre os riscos associados ao descaso com a linguagem jurídica destacando os problemas decorrentes dessa negligência Essa atitude para os advogados pode impactar negativamente diversos aspectos como o insucesso nas demandas dos clientes Para os profissionais do direito o descuido pode ter como consequência a reputação prejudicada e o atraso no andamento dos processos e procedimentos legais No contexto jurídico o direito se manifesta por meio da palavra sua ferramenta funcional essencial presente em diversos documentos como leis pareceres razões sentenças acórdãos e outros atos judiciais os quais demandam o uso da linguagem para a compreensão da matéria jurídica Assim a expressão lógica concisa clara e precisa representa uma qualidade essencial da linguagem jurídica escrita75 74 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 COULTHARD Malcolm COLARES Virgínia SOUSASILVA Rui Linguagem Direito os eixos temáticos Recife ALIDI 2015 75 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 32 É imprescindível desconstruir a imagem distorcida que muitas pessoas têm dos profissionais do direito e a linguagem desempenha um papel fundamental nesse processo Os profissionais devem manter e utilizar palavras adequadas ao conteúdo que desejam comunicar A linguagem clara e tecnicamente precisa sempre favorece a comunicação e é mais útil para melhor aplicação do direito Portanto a análise dos textos jurídicoprocessuais deve contemplar problemas linguísticogramaticais e de coerência que podem comprometer a transmissão eficaz da informação ou até inviabilizar a comunicação como um todo76 A Língua Portuguesa é notável por sua vasta gama de recursos o que pode tornar sua utilização desafiadora especialmente no âmbito jurídico Nesse contexto o direito emerge como uma ciência essencialmente relacionada à palavra representando o dinâmico emprego da linguagem Para compreender adequadamente esse contexto é necessário elucidar alguns conceitos fundamentais relacionados ao funcionamento da linguagem A Linguagem é um sistema de signos empregado para estabelecer a comunicação sendo a linguagem humana considerada o sistema mais complexo de todos Seu surgimento e desenvolvimento estão intrinsecamente ligados à necessidade de comunicação entre os seres humanos sendo resultado do aprendizado social e reflexo da cultura de uma determinada comunidade Dominar a linguagem é essencial para a integração do indivíduo na sociedade77 A linguagem verbal é a capacidade que o ser humano possui de expressar seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais denominado língua Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para sua utilização Assim qualquer forma de linguagem se desenvolve com base no uso de um sistema ou código de comunicação ou seja a língua A linguagem é uma característica universal da humanidade enquanto a língua é o sistema linguístico particular de uma determinada comunidade grupo ou povo78 O sistema de linguagem é a estrutura organizacional que rege uma língua enquanto a língua é o código que viabiliza a comunicação composto por signos e suas combinações A língua possui um caráter abstrato e é manifestada por meio de atos de fala individuais Dessa forma enquanto a língua representa um conjunto de 76 OLIVEIRA Ana Larissa Adorno Marciotto DIAS Luiz Francisco MARQUES João Pedro Cirino Linguagem jurídica produção textual direito e argumentação Editora Diálogos 2023 v 1 77 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 78 Ibid 33 potencialidades dos atos de fala estes por sua vez são atos de realização concreta da língua79 É de extrema relevância no âmbito jurídico saber expressarse de maneira adequada e precisa A formulação dos argumentos e pedidos por exemplo em uma petição pelo profissional do direito depende em grande parte da habilidade de empregar as palavras de forma precisa e contextualizada combinandoas com seu conhecimento para alcançar os objetivos do cliente Para isso é necessário utilizar um vocabulário adequado e dominar a arte de contextualizar as palavras A comunicação humana é amplamente mediada pela palavra estabelecendo assim a linguagem como um dos principais meios de interação entre os indivíduos Em todos os níveis de manifestação como humanidade comunidade e indivíduo o homem está intrinsecamente ligado ao fenômeno da linguagem Desconsiderar a importância dessa ligação seria negligenciar uma realidade fundamental O pensamento humano e sua expressão por meio da palavra conferem ao homem uma posição destacada na hierarquia zoológica distinguindoo entre os demais seres vivos80 Segundo Xavier81 devese saber utilizar esse dom da evolução de forma competente e ética pois o poder da palavra exerce uma influência profundamente conservadora em nossas vidas Assim é inegável que a palavra e o direito estão intrinsecamente interligados pois o Direito é a ciência da palavra Para o jurista dirseá agora a palavra é seu cartão de visita82 A palavra é fundamental nas diversas atividades realizadas pelo profissional do direito como peticionar contestar apelar arrazoar inquirir persuadir provar tergiversar julgar absolver ou condenar Portanto é imprescindível que os profissionais tenham cautela ao lidar com os termos utilizados na prática jurídica Existem exemplos claros em que há sutis diferenças semânticas entre termos que podem passar despercebidas para o leigo mas que possuem significados distintos no contexto jurídico Por exemplo os termos domicílio residência e habitação têm significados jurídicos específicos que os diferenciam entre si Da mesma forma termos como 79 Ibid 80 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 81 Ibid 82 Ibid p 10 34 posse domínio ou propriedade83 possuem nuances que os distinguem uns dos outros Além disso certos conceitos jurídicos como decadência prescrição preclusão e perempção embora possam parecer similares em seu sentido geral possuem significados distintos e implicam em consequências jurídicas específicas É fundamental que se tenha ciência dessas diferenças e utilize os termos de maneira precisa e adequada de acordo com o contexto e a natureza da questão jurídica em questão84 As formas linguísticas podem apresentar variações que são conhecidas como variantes linguísticas Entre essas variantes é possível destacar a distinção entre a língua padrão e a língua nãopadrão A língua padrão referese à forma de linguagem que é considerada normativa sendo utilizada em contextos formais como na escrita oficial na literatura e na comunicação formal Por outro lado a língua nãopadrão engloba as formas de linguagem que fogem às normas estabelecidas sendo frequentemente utilizadas em contextos informais e coloquiais85 Ademais também é comum observar a diferenciação entre a linguagem culta ou padrão e a linguagem popular ou subpadrão A linguagem culta ou padrão é aquela que segue as normas gramaticais e vocabulário considerados mais elevados sendo associada a grupos sociais privilegiados e utilizada em situações formais Já a linguagem popular ou subpadrão é caracterizada por uma linguagem mais informal com menos rigidez gramatical e vocabulário mais acessível sendo comumente utilizada em contextos cotidianos e informais86 Essas variantes linguísticas refletem as diversidades culturais sociais e regionais de uma comunidade contribuindo para a riqueza e a complexidade da linguagem humana As variações extralinguísticas ocorrem devido a fatores sociológicos variações originadas por idade sexo profissão nível de estudo classe social raça geográficas compreendem variações regionais Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua particularmente com relação ao vocabulário e expressões idiomáticas contextuais envolve assunto tipo de 83 Ibid p 11 84 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 85 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 86 Ibid 35 interlocutor lugar em que a comunicação ocorre relações que unem interlocutores87 Medeiros e Tomasi88 destacam a importância do estudo dos diferentes níveis de linguagem para o cotidiano de um profissional do direito Segundo eles existem três níveis de linguagem distintos o nível culto o nível comum e o nível popular O nível culto é predominantemente utilizado por intelectuais diplomatas e cientistas especialmente na forma escrita Na modalidade oral é empregado em discursos de cerimônias e em situações formais como audiências em tribunais Caracterizase por um vocabulário diversificado e uma sintaxe complexa incluindo a linguagem técnica e científica a linguagem burocrática e a linguagem profissional A linguagem técnica e científica compartilha semelhanças com o nível culto empregando um vocabulário específico relacionado a uma determinada área profissional A variante burocrática é caracterizada pelo uso excessivo de termos técnicos jargões e formalidades Por fim a linguagem profissional também pertencente ao nível culto utiliza expressões específicas de uma área de conhecimento em particular89 No nível comum a linguagem é desprovida de formalidades e refinamentos gramaticais É uma forma de linguagem mais acessível e utilizada em contextos informais Por último o nível popular é caracterizado por uma linguagem espontânea e descontraída cujo objetivo principal é a comunicação clara e eficaz É empregado em situações informais e cotidianas buscando uma interação mais direta e informal entre os interlocutores90 Conforme destacam os autores o nível popular da linguagem é funcional principalmente porque recorre a outros meios de expressão além das palavras como por exemplo a entonação especialmente na linguagem oral Essa variante linguística tende a afastarse das normas gramaticais estabelecidas priorizando uma comunicação mais imediata e espontânea pois Ela compreende a vocabulário pobre ou restrito b construções que se afastam do padrão gramatical ou simplificação sintática utilização de variantes não admitidas pela gramática como pega ele namora com ou mistura de pronomes pessoais possessivos e de tratamento tu e você Sr e VSa teu e seu ausência de rigor quanto à concordância verbal eles foi c repetições frequentes d uso de gíria ou de linguagem obscena e redundâncias91 87 Ibid p 25 88 Ibid 89 Ibid 90 Ibid 91 Ibid p 35 36 Na comunicação entre o advogado e seu cliente é possível que ocorra a presença simultânea de todos os níveis da linguagem Portanto o conhecimento por parte do advogado acerca das diferentes variantes linguísticas tornase fundamental 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia O advogado deve zelar pela linguagem que utiliza uma vez que desempenha uma função pública essencial à administração da Justiça conforme estabelecido no artigo 2 da Lei 890694 Estatuto da Advocacia e da OAB Segundo esse artigo o advogado é considerado indispensável à administração da Justiça Além disso o artigo 2 do Código de Ética e Disciplina da OAB ressalta que o advogado enquanto indispensável à administração da justiça é defensor do Estado democrático de direito da cidadania da moralidade pública da justiça e da paz social devendo subordinar a atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce Portanto o uso adequado da linguagem pelo advogado reflete o compromisso com a ética a justiça e o Estado de direito92 O advogado consciente da importância de sua atividade profissional deve dominar de forma adequada sua principal ferramenta de trabalho que é a linguagem e se esforçar para aprimorála continuamente conforme estabelecido no Código de Ética e Disciplina da OAB no artigo 2 parágrafo único IV93 Esse dispositivo legal não se refere apenas ao aprimoramento jurídico mas abrange também o desenvolvimento profissional em geral incluindo o refinamento linguístico e a prudência na redação de textos pertinentes ao contexto jurídico A utilização cuidadosa da palavra é essencial uma vez que ela é fundamental para diversas atividades advocatícias como a defesa a acusação a argumentação e a persuasão94 Além disso a lei estabelece certos deveres para os advogados incluindo o aprimoramento e a diligência linguística e prevê sanções em caso de descumprimento Conforme disposto no artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB o advogado é responsável pelos atos que pratica no exercício profissional com dolo ou culpa podendo 92 BRASIL Lei nº 8906 de 4 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB Diário Oficial da União Brasília DF 5 jul 1994 93 Ibid 94 Ibid 37 resultar em danos para o cliente ou para o processo95 Essa responsabilidade é subjetiva e depende da verificação de culpa conforme definido no artigo 14 4º do Código de Defesa do Consumidor96 Portanto para que o advogado seja responsabilizado é necessário comprovar que sua conduta lesiva envolveu culpa que pode se manifestar na forma de dolo ou culpa em sentido estrito O ato cometido com dolo é aquele realizado com a intenção de causar dano ou assumindo o risco de que ele ocorra enquanto o ato praticado com culpa em sentido estrito ocorre involuntariamente devido a uma conduta negligente imprudente ou imperita No caso em que o advogado comete uma falha grave na utilização da linguagem resultando em prejuízo para a administração da justiça configurase claramente um caso de imperícia Isso ocorre devido à deficiência no aprimoramento técnicolinguístico do profissional o que compromete a qualidade do serviço prestado É importante ressaltar que se trata de imperícia e não simples negligência que seria uma omissão pois o advogado em sua prática profissional requer habilidades específicas em relação à linguagem incluindo o domínio da gramática e técnicas de argumentação Essas habilidades são essenciais para diferenciálo de profissionais de outras áreas97 Assim como um cirurgião plástico precisa ter habilidade no manuseio do bisturi o advogado precisa dominar a palavra que é sua principal ferramenta de trabalho e sem a qual seu serviço não pode ser realizado O uso inadequado da linguagem portanto reflete a falta de habilidade técnica do profissional do Direito caracterizando uma manifestação de imperícia98 Um dos problemas recorrentes relacionados ao uso inadequado da linguagem está ligado à utilização de termos e expressões ambíguas e vagas As palavras enquanto signos podem evocar um ou vários conceitos e é importante restringir a multiplicidade de significados de cada palavra no texto específico para evitar ambiguidades e vaguidades de sentido É fundamental destacar que ambas as situações não são 95 Ibid 96 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 set 1990 97 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 98 Ibid 38 sinônimas A vagueza se caracteriza pela imprecisão de sentido deixada por uma palavra ou expressão99 Por outro lado a ambiguidade está contida na vagueza mas não se confunde com ela Enquanto uma palavra vaga apresenta vários significados indeterminados uma palavra ou expressão ambígua evoca significados determinados passíveis de aplicação no texto Na prática enquanto na vagueza é impossível afirmar se a interpretação de A ou de B está correta na ambiguidade é possível considerar que tanto A quanto B podem ser interpretados de maneira correta100 É relevante salientar que o uso de palavras vagas e ambíguas pode comprometer totalmente a peça processual distorcendo a narrativa dos fatos enfraquecendo os argumentos e tornando os pedidos imprecisos No caso de petições iniciais isso pode resultar na inépcia da peça e sua consequente rejeição conforme estabelecido no art 295 inc I do CPC 2015 No contexto jurídico a clareza a concisão e a precisão são elementos fundamentais em um texto superando a busca pela sofisticação da linguagem É essencial que o texto seja organizado com raciocínio lógico e coerente originado de uma seleção cuidadosa de fatos relevantes que compõem o caso em questão Uma linguagem clara é aquela que possui alta qualidade sem omissões ou uso de termos que sejam compreendidos apenas por um grupo específico de pessoas Ao se defender a simplificação da linguagem jurídica não se está propondo sua vulgarização ou desencorajando o uso de termos técnicos necessários ao contexto forense Pelo contrário se busca combater os excessos que podem dificultar o entendimento do cidadão comum tornandoa mais acessível a todos e promovendo o acesso à Justiça É importante ressaltar que escrever bem não significa escrever extensamente A prolixidade é vista como um defeito não como uma qualidade Um texto simples porém elegante com um vocabulário contextualizado será respeitado admirado e 99 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 FERREIRA Luís Henrique Costa FERREIRA Daniel Pinheiro Mota A Lei de Abuso de Autoridade e a Atividade de Polícia Judiciária Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública RIBSP ISSN 25952153 v 3 n 6 p 99117 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 100 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 39 recomendado por ser convincente e seguro101 Até mesmo o expresidente dos Estados Unidos Barack Obama destacou a importância da simplicidade ao questionar por que não seria possível elaborar um simples termo de adesão de cartão de crédito em apenas uma página Siegel 2010 Conforme observado pelo desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Alexandre Moreira Germano102 a tendência moderna deveria apontar para redações bem escritas porém simplificadas e objetivas que evitassem o uso de uma linguagem rebuscada e termos jurídicos excessivamente complexos O foco principal seria facilitar a compreensão do processo que tem por objetivo resolver conflitos entre as partes envolvidas sem a necessidade de grandes digressões literárias Germano também recomendou evitar o uso de termos em latim ou em outros idiomas que não sejam o vernáculo uma vez que considera que o português atende a todas as exigências do texto jurídico 15 Argumentação Dominar a comunicação em todos os níveis é essencial para o profissional do direito uma vez que sua ferramenta de trabalho a palavra quando utilizada com eficiência tem o poder de convencer persuadir e influenciar as pessoas Essa capacidade de influência é uma forma de exercer poder sobre os outros estimulandoos a enxergar o mundo por uma nova ótica O estudo da argumentação remonta à antiguidade mas seu desenvolvimento e sua aplicação no contexto jurídico contemporâneo merecem atenção especial Recentemente podese encontrar trabalhos pioneiros que inserem a disciplina de argumentação nas faculdades de Direito demonstrando sua crescente importância na formação acadêmica dos estudantes Um marco significativo foi a introdução do curso de argumentação na Universidade de Bruxelas pelo filósofo do Direito e linguista Chaím Perelman principalmente com sua obra Tratado da argumentação a nova retórica103 Durante séculos o papel da argumentação no direito era secundário pois as decisões judiciais não precisavam ser fundamentadas de forma específica Os juízes 101 PEREIRA Eleude Lílian Oliveira BUENO Ademir Moreira Os desafios da comunicação o equilíbrio entre objetividade e prolixidade Revista Organização Sistêmica v 10 n 19 p 5869 2021 102 GERMANO Alexandre Moreira Técnica de redação forense São Paulo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 2005 103 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 40 cujo principal objetivo era buscar o justo muitas vezes confundiam preceitos jurídicos com critérios morais e religiosos dada a falta de clareza nas fontes do direito Nesse contexto o direito limitavase principalmente à atribuição de órgãos para legislar e aplicar a lei sem a necessidade de uma argumentação racional explícita nos julgamentos Assim o estudo da argumentação foi relegado a segundo plano embora valores e subjetividade desempenhassem um papel significativo na aplicação dos elementos persuasivos104 No meio jurídico a argumentação pela palavra é fundamental É por meio dela que se constroem teses ou refutações e se busca a justiça O pensamento argumentativo está sempre presente no discurso forense pois o conflito entre as partes exige uma sustentação lógica que será analisada pelo juiz ao fundamentar sua decisão105 Portanto um texto jurídico bem elaborado e fundamentado em argumentos sólidos tem o poder de convencer o leitor Isso ocorre porque a argumentação é produzida por meio de técnicas discursivas e elementos linguísticos que têm o propósito de persuadir Conforme observado por Tyteca e Perelman106 a argumentação que busca a adesão é uma ação e para alcançar esse objetivo são necessários conhecimento amplo do assunto abordado domínio dos recursos de linguagem compreensão do leitor e seleção cuidadosa dos argumentos a serem utilizados É fundamental manter o foco no destinatário do texto para produzir uma mensagem clara e uma argumentação bem construída A argumentação é compreendida como uma atividade discursiva e social que envolve a defesa de pontos de vista e a consideração de objeções e perspectivas alternativas Seu objetivo principal é aumentar ou reduzir a aceitabilidade dos pontos de vista em questão Quando esses elementos são combinados criase no discurso um processo de negociação que permite lidar com divergências entre diferentes concepções sobre fenômenos do mundo sejam eles físicos ou sociais107 Esse processo de negociação de perspectivas divergentes confere à argumentação um potencial epistêmico tornandoa um recurso fundamental na construção do conhecimento e como argumentado neste artigo no desenvolvimento do pensamento reflexivo Em outras palavras a argumentação não apenas defende pontos de vista mas também promove a troca de ideias e a reflexão sobre diferentes 104 Ibid 105 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 106 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim 2002 op cit 107 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 41 perspectivas contribuindo para uma compreensão mais ampla e profunda dos temas em discussão108 Podese dizer que a argumentação simples evidencia A jurisprudência desempenha um papel fundamental como fonte do Direito representando uma construção contínua de entendimentos pelo Poder Judiciário Sua principal utilidade reside no princípio da equidade pois busca garantir resultados equivalentes para casos que em sua essência sejam semelhantes O uso da jurisprudência muitas vezes se transforma em argumento por analogia quando um julgado específico é utilizado como parâmetro ou paradigma para o resultado desejado em um caso semelhante109 O uso do argumento a simili assim como ocorria com o argumento de autoridade pode seguir regras para aumentar sua eficiência Essas regras antes de buscarem a lógica formal estão preocupadas com a persuasão do discurso buscando um discurso sólido que evite falácias e enganos seguindo um percurso coerente110 A analogia estabelece uma proporção assimétrica entre elementos conhecidos foro e menos conhecidos tema Por conta dessa assimetria o argumento por analogia requer uma série de ideias menores que comprovem a proporção existente em campos diferentes A jurisprudência quando utilizada como argumento pode ser vista por dois prismas diferentes como persuasão ad verecundiam é valioso apresentar vários julgados de tribunais diversos para demonstrar que um julgado tem apoio em posicionamentos de diferentes autoridades No entanto o excesso de julgados raramente contribui para a persuasão O peso da jurisprudência reside na autoridade do órgão prolator sua atualidade e na proximidade entre foro e tema características essas que são intrínsecas ao argumento por analogia111 O objetivo da argumentação é persuadir o destinatário a acreditar em algo ou a agir de determinada maneira Essa concepção é amplamente aceita pois o propósito final do argumentador é influenciar o pensamento ou o comportamento do receptor No contexto jurídico essa persuasão pode se manifestar de várias formas desde convencer um juiz a decidir a favor de uma determinada parte até estimular uma ação específica 108 Ibid 109 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 110 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 111 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 42 por parte do destinatário112 Assim persuasiva é a argumentação que não pretende valer senão para um auditório particular e chamar convincente a que lhe é permitido obter a adesão de todo ser racional 113 No entanto há quem defenda que o objetivo principal da argumentação vai além de simplesmente fazer o destinatário acreditar em algo pois busca também motiválo a agir de acordo com o que foi proposto Isso implica que o argumentador visa não apenas à adesão intelectual do receptor mas também à sua ação prática 114 Por exemplo um advogado pode argumentar em favor de uma determinada tese não apenas para que o juiz acredite nela mas também para que o juiz aja deferindo o pedido relacionado à tese Essa abordagem embora pragmática reconhece a complexidade da relação entre o crer e o fazer destacando que a eficácia da argumentação nem sempre se traduz diretamente em ação No entanto mesmo com essa distinção o objetivo final da argumentação permanece sendo fazer o destinatário acreditar na tese proposta Os meios utilizados para alcançar esse objetivo incluem transmitir a tese de forma clara e persuasiva de modo que o raciocínio do receptor se alinhe com o percurso argumentativo proposto No contexto jurídico isso pode envolver técnicas específicas de persuasão adaptadas às peculiaridades da atividade forense115 No discurso judiciário o fator de persuasão mais eficaz é o raciocínio jurídico que envolve tanto a interpretação da lei quanto a análise das provas apresentadas No entanto esse raciocínio não é unilateral pois a lógica jurídica não é exata e depende dos argumentos para ser expressa Portanto ao apresentar esse raciocínio o argumentador busca realçar os elementos favoráveis à sua posição utilizando técnicas de argumentação para isso116 Dessa forma podese dizer que o objetivo da argumentação é fazer com que o destinatário acredite em uma afirmação e os meios para alcançar esse objetivo 112 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 113 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite DOS SANTOS Celeste Leite Persuasão e Verdade São Paulo Cultural Paulista 1995 P 53 114 Ibid 115 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 116 CITELLI Adilson Linguagem e persuasão São Paulo Ed Ática 2001 RODRÍGUEZ Víctor Gabriel Argumentação jurídica São Paulo WMF Martins 2005 43 envolvem a amplificação dos elementos favoráveis ou seja destacar e valorizar esses aspectos Essa prática de amplificar aspectos favoráveis não é exclusiva do discurso jurídico e é comumente observada em outras áreas ou mesmo em interações cotidianas No entanto no contexto jurídico essas técnicas são mais complexas e elaboradas mas ainda seguem o mesmo princípio destacar os aspectos que reforçam a tese defendida Portanto o advogado que busca persuadir em juízo procura desenvolver um percurso argumentativo eficaz baseado no fortalecimento do raciocínio jurídico válido pois é essa fundamentação que tem maior peso na tomada de decisão judicial e na obtenção de um resultado favorável Assim a essência da lei é ordenar vetar permitir e punir Por isso o texto jurídico deve ser redigido de maneira adequadamente argumentativa para solucionar conflitos e não para provocálos como ocorre quando uma norma ou parte dela é redigida de forma inadequada CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA Não faltam exemplos de como a literatura e o direito se relacionam e como um influencia fortemente o outro Casos mais comuns para os juristas são aqueles que evocam Antigona117 uma vez que a peça é recorrentemente tratada como um exemplo de o direito quase divino de enterrar o seu familiar ou amado morto118 sendo que tal direito não poderia ser subjugado por nenhuma norma decreto dos homens Outro exemplo muito recorrente é o Processo de Frans Kafka119 e o trecho mais citado 117 Neste conto o rei Creonte após uma batalha que levou à morte do irmão de Antígona determina que não poderia ocorrer o sepultamento do morto uma vez que se tratava de um traidor Contudo Antígona incrédula com tamanha barbaridade se contrapõe a ordem do seu soberano Não conheces o decreto de Creonte sobre nossos irmãos A um glorifica a outro cobre de infâmia A Etéocles dizem determinou dar baseado no direito e na lei sepultura digna de quem desce ao mundo dos mortos Mas quanto ao corpo de Polinice infaustamente morto ordenou aos cidadãos comentase que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse abandonado sem lágrimas sem exéquias doce tesouro de aves que o espreitam famintas Sófocles Antígona Traduzido do Grego por Donaldo Schüler Disponível em httpswwwlpmcombrlivrosImagensantigona2010pdf 118Disponível em httpswwwconjurcombr2020jul21mariateresaoliveiraantigonanossosmortos textO20enredo20trata20das20desventurase20integra20a20Trilogia20Tebana 119 KAFKA Franz O Processo Tradução e Posfácio de Modesto Carone 11 ed São Paulo Companhia de Bolso 2005 44 provavelmente é diante da lei A obra será tratada mais adiante mas a influência do autor e suas obras foi tão impactante no meio jurídico que criou o termo kafkiano O termo em uma tradução aproximada remete às relações do Estado e cidadão uma vez que o cidadão não se opõe às imposições estatais e se submete às suas burocracias de forma passiva gerando um sentimento de culpa pela sua estagnação Esse sentimento de estagnação e submissão ao sistema burocrático estatal pode ser traduzido como a forma que Joseph K se viu em sua desventura literária assim sustenta Marco Aurélio Werle120 pareceme que kafkiana não é tanto a situação de opressão do Estado ou das estruturas burocráticas sobre o indivíduo no sentido de que as mesmas sufocariam a liberdade humana e a constituição psíquica do homem de fora para dentro como opressão da superestrutura Kafkiano é antes o modo como hoje os indivíduos procuram intencionalmente mesmo sem terem plena consciência as situações de opressão para poderem se sentir seguros e felizes numa espécie de construção de culpa que é ao mesmo tempo uma transferência da culpa Ou seja atualmente kafkiana é a reivindicação ampla e irrestrita de integração ao sistema feita tanto por indivíduos quanto por determinados grupos Grifos nossos A contradição ocorre pois Joseph K na visão de alguns autores121 não se defende das suas acusações e por isso talvez tivesse esse estigma de culpado sem ao menos saber sobre a sua acusação Há outros exemplos que buscam demonstrar como a literatura interage com o meio jurídico mas o objeto de análise do presente capítulo são as correntes que buscam estudar essas interações e descrever quais são os meios pelos quais essas interações podem ocorrer Logo se a linguagem é o instrumento laboral pelo qual um jurista se manifesta então há importância nas fontes literárias que nos cercam122 120 Digressões sobre o que é kafkiano hoje a partir de O processo Disponível em fileCUsersDellDownloadszeluizDigressoessobreoqueC3A9kafkianopdf 121 MERQUIOR J G Arte e sociedade em Marcuse Adorno e Benjamin Ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p127 122 Pertinente citar a colocação de Paulo Leminski que embora a literatura não seja palatável na atualidade há pouco tempo o meio jurídico reconhecia a sua importância ou no mínimo as fontes literárias Parece que a aproximação entre direito e literatura no passado não se mostrava tão problemática Em textos clássicos da literatura universal é possível identificar temas muito caros ao universo jurídico o que parece demonstrar que o afastamento do selo direito e literatura se dá devido a uma determinada racionalidade jurídica que enclausura o jurídico numa perspectiva de objetividade normativa No entanto não é incomum aos agentes do direito parecendo até mais palatável a aproximação do direito de outras esferas como a economia Direito econômico ou direito e economia e a psicanálise por exemplo Direito literatura e a construção do saber jurídico Paulo Leminski e a crítica do formalismo jurídico Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid496629000967071pdfseque 45 Ainda cabe destacar o patamar que alguns autores atingiram como Kafka em suas obras que geram sentimentos confusos e intrigantes ou a clássica jornada do herói em Ilíada de Homero a busca de um amor em A divina comédia de Dante Alighieri a angústia de Hamlet de William Shakespeare a procura pelo conhecimento em Fausto de Johann Wolfgang von Goethe o incompreensível monstro de Frankenstein de Mary Shelley E quem nunca presenciou as referências atuais e antigas de Admirável mundo novo de Aldous Huxley ou a crítica e distopia de 1984 de George Orwell Todas essas obras e muitas outras chegaram ao patamar de obras conhecidas como clássicas ou cânones pelo menos no nosso meio ocidental tanto para a literatura como para o Direito Porém restam os questionamentos o que é um clássico ou um cânone O que uma obra literária precisa apresentar para ser um cânone E como o meio jurídico interage com essas obras O Clássico e o Cânone Em meio aos estudos para responder a essas questões nos deparamos com algumas obras que em algum momento não foram bemvistas na nossa sociedade moderna123 Algumas delas tiveram até censuras parciais talvez pelo seu conteúdo sensível ou por um receio de propagação de suas ideias Talvez além da notoriedade de sua época para sobreviver às intempéries uma obra para ser considerada um clássico deve possuir um grau de excelência e harmonia relacionada com sua época124 É relevante conceituar um clássico e uma obra CLÁSSICO lat Classicus in Classic fr Classique ai Klassische it Clássico No latim tardio esse adjetivo designava o que é excelente 123 A título de exemplo é possível citar a obra denominada de Mein Kempf que no ano de 2023 teve sua circulação restringida em parte do território nacional através da lei 13493 de 31 de maio de 2023 Disponível em httpswwwcamarapoarsgovbrdracoprocessos137516Lei13493pdf que proibia a sua circulação de distribuição em território nacional Uma justificativa para a censura da determinada obra talvez seja a subversão do leitor e a propagação de preconceitos contra a comunidade semita Mein Kampf tem importância histórica enquanto um documentotestemunho da barbárie que culminou com o assassinato de mais de seis milhões de judeus milhares de ciganos testemunhas de Jeová e outros tantos inimigos do regime Carrega consigo nas linhas e entrelinhas o capital simbólico da intolerância e do genocídio e como tal deve ser analisado e criticado Os argumentos expõem claramente a ideologia racial que moveu o seu autor a adotar o antissemitismo como política do Estado alemão Tanto a obra apócrifa Os Protocolos dos Sábios de Sião como Mein Kampf cumpriram com o seu papel panfletário ao ampliar o medo aos judeus com a acusação aos comunistas que agiam nas sombras e nos becos escuros da sociedade Tais mitos ao serem reabilitados neste século 21 sob o prisma das conspirações mundiais expõem novamente a lógica acusatória cujas raízes remontam ao século 15 com a criação do mito ariano como muito bem demonstrou Leon Poliakov em seus estudos sobre pureza de sangue Jornal da USP Disponível em httpsjornaluspbrarticulistasmarialuizatuccicarneiromeinkampfabibliada ignorancia 124 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 147 46 em sua classe ou o que pertence a uma classe excelente especialmente à classe militar Aulo Gélio Ato Att XIX 815 contrapunha o escritor C ao escritor proletário proletaríus Mas a difusão dessa palavra para designar um modo ou estilo excelente e próprio dos antigos na arte e na vida é devida ao Romantismo que gostava de definirse e entenderse sempre em relação ao classicismo Segundo Hegel o caráter clássico é definido como a união total do conteúdo ideal com a forma sensível O ideal da arte encontra na arte C a sua realização perfeita a forma sensível foi transfigurada subtraída à finitude e inteiramente conformada à infinitude do Conceito isto é do Espírito Autoconsciente E isso acontece porque na arte C Dessas ideias de Hegel repetidas de forma pouco diferente por numerosos escritores do período romântico nasceu o ideal convencional do classicismo como medida equilíbrio serenidade e harmonia os na Revue Internationale de Philosophie 1958 1 n 43 Grifos nossos A palavra cânone125 guarda sua definição em algo ou objeto que é cânon o termo parece remeter a algo que foi selecionado para ser o critério de escolha em alguma área do conhecimento em outras palavras busca definir algo que será idealizado para a definição de critério de regras CÂNON gr ravtòv in Canon fr Canon ai Kanon it Cânone Critério ou regra de escolhas para um campo qualquer de conhecimento ou de ação É provável que esse termo tenha sido introduzido pelo escultor Policleto que deu esse título a uma obra na qual descrevia a simetria do corpo e indicava as regras e as proporções que o escultor deve respeitar 40 A 3 Diels Epicuro chamou de canônica a ciência do critério para ele critério é a sensação no domínio do conhecimento e o prazer no domínio prático DIÓG L X 30 Esse termo foi retomado pelos matemáticos do séc XVIII e Leibniz o emprega para designar as fórmulas gerais que dão o que se pede Mathematische Schriften VIII 217 Observase que a melhor definição do que seria uma obra clássica ou cânone seja o grau de excelência e notoriedade que uma obra atinge e possa ser enquadrada como ideal algo que toda obra dentro de um determinado campo busca atingir Contudo há um autor que merece destaque quando falamos de um cânone literário e sua definição Harold Bloom foi um crítico literário estadunidense conhecido por suas obras e mais notoriamente a sua obra denominada O Cânone Ocidental Nela o autor atribui a característica de cânone às obras que possuem a capacidade de atribuir ou comunicar ao leitor uma sensação de estranheza126 Segundo o autor essa estranheza não pode ser 125 Ibid 126 Nas palavras do próprio autor tentei encarar diretamente a grandeza perguntar o que torna canônicos o autor e as obras A resposta na maioria das vezes provou ser a estranheza um tipo de 47 assimilada e muitas vezes captura o leitor de tal modo que este deixa de ver essa obra como estranha A explicação de Harold Bloom convida o leitor a questionarse como um cânone é formado se a sua criação passa por essa sensação de estranheza uma vez que as palavras clássico e Cânon remetem a excelência ou ideal para um determinado meio Talvez a resposta que melhor se encaixe para essa definição seja a que o cânon ou o clássico atingem essa sensação de estranheza de tal modo que mesmo após a sua publicação ele seja reconhecido como um novo ideal a ser alcançado pelas obras vindouras Em outras palavras essas obras atingem um grau de excelência elevado que ditam o que será o novo ideal a ser alcançado das gerações futuras127 Mesmo após passar por toda essa aprovação um cânone ainda pode não sobreviver às intempéries e às gerações vindouras assim uma obra de grande notoriedade pode ser excluída da lista de leitura de um determinado meio pois não acolhe os preceitos necessários para a sua permanência ou ainda pode ser considerada ofensiva por sua linguagem ou colocações128 Para a proteção e propagação de obras que semeiam gerações futuras talvez devesse existir algum órgão ou o próprio meio acadêmico poderia proteger a integridade dessas obras contudo na obra de Harold Blomm ele traz o apontamento de Sir Frank Kermode em seu Forms of Attention Formas de atenção 1985 129 Os cânones que negam a distinção entre conhecimento e opinião que são instrumentos de sobrevivência feitos para resistir ao tempo não à razão são evidentemente desconstrutiveis se as pessoas acham que não deve haver tais coisas podem muito bem encontrar os meios para destruilas A defesa delas não pode mais ser empreendida por um poder institucional central não podem mais ser compulsórias embora seja difícil ver como a operação normal de instituições cultas incluindo o recrutamento pode passar sem elas Grifos nossos originalidade que ou não pode ser assimilada ou nos assimila de tal modo que deixamos de vêla como estranha 127 Vale destacar que não necessariamente uma obra será aclamada no seu lançamento e trará o reconhecimento para o seu autor na data da sua publicação um ótimo exemplo desse caso é o clássico Moby Dick que em sua estreia não alcançou nem uma fração do sucesso que veio a ser após anos da morte do seu autor Disponível em httpsoperamundiuolcombrhojenahistoriapodcasthojena historia1891morreescritorhermanmelvilleautordemobydicktextHerman20Melville20foi 20o20terceirobancC3A1rio2C20depois20professor20e20fazendeiro Acesso em 10 jan 2024 128 A título de exemplo é possível citar as obras de Monteiro Lobato que sofreram uma repaginada na atualidade Disponível em httpswwwuolcombrecoaultimasnoticias20210129devemoseditaros termosracistasnasobrasdemonteirolobatohtm ou obras norte americanas como O sol é para todos Disponível em httpsbrasilelpaiscombrasil20161205cultura1480966487043756html Acesso em 15 fev 2024 129 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 48 Em sentido oposto possivelmente Sir Frank Kermode aponte que os cânones são evidentemente destruíveis pela vontade das pessoas e nesse sentido não há razão para eleger um órgão governamental ou acadêmico para protegêlo Neste sentido cabe aos próprios leitores ou à própria época reconhecer o cânone e preserválo como tal Estudar Direito e Literatura é realizar um mergulho no mundo das obras literárias e por consequência a eleição das obras influi na analise a ser realizada O clássico e o cânone ocupam um lugar importante nesta configuração entre o direito e a literatura o uso do cânone é o que doa a simetria as regras as proporções como um critério que ajuda a acessar o conhecimento Por fim resguardamos a última pergunta suscitada acima no presente capítulo como o meio jurídico interage com essas obras As interações do meio jurídico podem ser definidas como as correntes clássicas do direito e literatura As correntes interagem com o meio literário e com o meio jurídico de formas diversas para melhor definir e explicar as interações dessas correntes e esses meios é mister compreender quais são os tipos de interações e como elas ocorrem 21 As correntes clássicas Direito e Literatura 211 Direito da Literatura A primeira corrente sobre direito e literatura é conhecida como o direito da literatura e ela busca informar a maneira que a lei e a jurisprudência se deparam com a literatura de uma determinada região Neste ponto o enfoque dessa interação se desdobra muitas vezes sob o prisma do particular e do Estado É possível citar temas como ramos do direito privado tais como direitos autorais e copyright ou direito público como a liberdade de expressão ou as gamas do direito penal como delitos opinativos A título de exemplo temos os tipos penais de calúnia difamação injúria ataques à ordem pública e aos bons costumes etc130 Um exemplo notável aqui na América do Sul é o panteão de livros da renomada artista Marta Minujín Após a ditadura militar da Argentina Marta retorna para o seu país com o intuito de montar um grande panteão como todos os livros que foram censurados durante os anos de opressão no seu país O monumento foi concebido como uma intervenção temporária e por isso no dia 24 de dezembro de 1983 a 130 TORRES Oscar Enrique Derecho e Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum México 2017 p 2728 49 estrutura foi desfeita permitindo ao público remover os livros Por volta de 12000 volumes foram distribuídos entre os presentes que faziam parte do público enquanto aproximadamente 8 mil foram doados às bibliotecas públicas Nas palavras de Minujín o ato refletia a ação de retornar o trabalho ao público131 No caso narrado acima é possível observar que a ordem posta na argentina da época da ditadura limitava em muito o acesso dos argentinos aos livros Um exemplo claro de como o direito pode limitar e moldar a produção literatura e o acesso às obras literárias de um determinado país é por meio do direito da literatura daquele país Para melhor destacar apontamse o artigo 32 da Constituição da argentina132 o inciso IX do artigo 5º da Constituição brasileira e o artigo 10 do Convênio Europeu para proteção dos direitos humanos Artigo 32 El Congreso federal no dictará leyes que restrinjan la libertad de imprenta o establezcan sobre ella la jurisdicción federal133 Artigo 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Artigo 10 Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito inclui a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias sem interferência das autoridades públicas e sem considerar fronteiras Ainda nesse sentido é possível observar a legislação que um país exerce sobre o tema literatura ou como a literatura se desenvolve em cada país em razão das possibilidades admitidas ou não admitidas pelo direito como é o caso da censura134 Em outras palavras a censura apesar de limitar a liberdade criativa de determinados autores pode ser um exemplo para demonstrar como o direito e a literatura interagem em determinados países na perspectiva do direito da literatura 131 Segunda a notícia a obra da artista continha autores clássicos da literatura argentina e mundial Disponível em httpswwwufrgsbrarteversaoslivrosproibidosdemartaminujin Acesso em 07 jan 2024 132 Ainda o decreto 127997 declara compreendido na garantia constitucional que ampara a liberdade de expressão ao serviço de Internet Vide site oficial httpswwwargentinagobarnormativanacionaldecreto1279199747583texto Acesso em 07 jan 2024 133 O Congresso federal não ditará leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou estabeleçam jurisdição federal sobre ela tradução livre 134 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez Moreno El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 p 0809 50 Dentro da interdição via lei da liberdade de expressão e criativa o direito da literatura que pode ser entendido como a regulamentação da expressão literária possui diversos exemplos que podem ser observados Podese citar a proibiçãocensura em diversos países do livro Suicídio manual de uso publicado em 01 de janeiro de 1991 Não há necessidade de o livro ser lido até o final para que um leitor minimamente diligente consiga imaginar o seu conteúdo e por se tratar de um tema sensível e polêmico em vários países como na Espanha os autores iniciam os prólogos do livro questionando a sua vasta censura na França e em diversos outros países135 A controvérsia do tema não é objeto de estudo mas a censura e a vasta repercussão do livro são exemplos do que definimos como direito da literatura Como podemos observar o referido livro pela sua mera existência pode ser enquadrado como passível de censura uma vez que o tema é um verdadeiro tabu em diversas sociedades136 Isto porque o suicídio não é visto como uma questão individual Segundo a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ENSP a questão não é apenas sobre saúde individual137 uma vez que o suicídio é abordado e tratado como uma questão de múltiplos fatores tais como famílias religião saúde pública sendo considerado uma questão sensível para a atualidade O direito da literatura também pode tratar de questões de direitos autorais de um determinado país ou do uso de Copyright Assim podemos observar a relação entre um autor e a sua obra pela interação que a legislação permite ou pela liberdade e 135 O autor abre a contracapa do livro com uma justificativa para a existência do livro e ainda enfatiza que ele foi censurado na França Un manual de suicidio por qué Porque creemos que la automuerte es un derecho y un derecho no es nada sin los medios para ejercerlo La justicia francesa no comparte la reflexión de los autores de Suicidio manual de uso El libro que tiene en las manos actualmente está prohibido en Francia No obstante sus adversarios habrán necesitado ocho años para conseguir su objetivo hacer desaparecer el libro Seguramente soñaban con una desaparición más ruidosa con un inquisitorial auto de fe pero ha sido una muerte discreta de la que puede afectar a un libro difundido en Francia en más de 105000 ejemplares Desde 1982 se han sucedido en Francia las persecuciones judiciales contra los autores de Suicidio Manual de uso convertidos en delincuentes comunes hasta que en diciembre de 1987 el libro era virtualmente prohibido por la introducción en el código penal francés de un artículo que reprimía la colaboración en el suicidio GUILON Claude LE BONNJEC Yves Suicidio Manual de uso 1 ed sl Ediciones de la Tempestad 1991 136 Um exemplo de como esse tema é sensível para a atualidade é o processo milionário que a Netflix respondeu no ano de 2020 por retratar uma cena do ato nas telas na série denominada 13 reasons why Disponível em httpswwwcnnbrasilcombrentretenimentoprocessocontraanetflixporcenasde suicidioem13reasonswhyearquivado 137 Vide colocação da própria universidade httpsinformeenspfiocruzbrnoticias47219 51 proteção dessa interação138 A proteção de direitos autorais também influencia no processo criativo na circulação de obras literários e na sua questão financeira 212 Direito como literatura O direito como literatura compreende os métodos e aplicações da crítica literária com a literatura ou seja pode ser interpretado como uma abordagem ao discurso jurídico por intermédio de análises e críticas literárias Nos Estados Unidos esse método de estudo é o mais comum e há material mais farto de como alguns juristas fazem essa interação A interação obedece em alguns casos métodos de interpretação de lei associado com a similaridade com os textos literários e em outros casos na aplicação e na análise de textos jurídicos com algum recurso literário139 Em Martha Nussbaum Justicia poética y a James Boyd White The Legal Imagination um juiz pode ser capaz de dar voz ao sem voz e tirar o sujeito do anonimato e dos discursos redutores O jurista está na posição de um artista da linguagem segundo James Boyd White o jurista está consciente do caráter construtivo e fictício das interpretações O direito e a literatura são dois imaginários sociais que se reforçam mas se opõem também140 Essa intersecção pode ser alcançada na perspectiva de um jurista que através de sua peça processual seja ela um advogado com uma exordial um promotor com uma denúncia ou mesmo um juiz determinado com uma sentença que buscam pelo uso da palavra trazer do anonimato vozes daqueles que não podem ser ouvidos em uma sentença ou nessa peça processual É o caso muitas vezes das vítimas que são invisibilizadas no processo que tem uma formação dicotômica autor da ação e réu A título de exemplo é cabível observar como uma interpretação mais literária poderia influenciar na perspectiva e na aplicação de uma norma jurídica O princípio DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS em uma tradução livre pode ser interpretado 138 Vale destacar a lei 9610 de 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9610htmtextL9610textLEI20NC2BA 2096102C20DE201920DE20FEVEREIRO20DE201998textAltera2C20atualiza 20e20consolida20aautorais20e20dC3A120outras20providC3AAnciastextArt 201C2BA20Esta20Lei20regulaos20que20lhes20sC3A3o20conexos Acesso em 10 fev 2024 139 OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 48 140TORRES Oscar Enrique Derecho literatura El derecho en la literatura Ciudad de México Editorial Libitum 2017 P 29 52 como DÁME O FATO QUE TE DAREI O DIREITO141 O princípio determina que o juiz mediante a provocação de uma das partes pode decidir sobre a matéria no processo com os fatos que se abstraem do caso concreto O que pode fazer com que o magistrado decida em uma interpretação mais abrangente em relação aos pontos debatidos durante o processo Por um lado tal princípio atribui maior celeridade ao processo pois o juiz tem maiores meios para decidir sobre um determinado caso Mas o art 10 da lei 13105 de março de 2015 Código de Processo Civil determina142 Art 10 O juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício Mesmo com a interpretação e a aplicação do princípio anterior o art 10 do CPC é contundente em estabelecer que o contraditório e a ampla defesa das partes devem prevalecer Por esse motivo mesmo com um princípio fundamentando a decisão de um determinado magistrado hipotético se analisarmos um caso que o art 10 do CPC entra em um aparente conflito com o princípio supramencionado provavelmente o citado artigo deve prevalecer uma vez que a interpretação no caso concreto com base no referido princípio não será antecipada pelo magistrado e o artigo 10 do CPC de 2015 busca vedar decisões surpresas143 É nítido que o novo CPC tem a clara intenção de dar essa perspectiva mais ampla para as manifestações entre as partes O direito como literatura ou a aplicação mais crítica do direito se insere mais na chamada integridade de Ronald Dworkin Esse tipo de análise será matéria mais objetiva em capítulos futuros principalmente quando for abordada a análise de Ronald Dworkin e sua abordagem de direito como integridade144 Por ora ainda dentro desse tópico passamos a análise da próxima intersecção entre o direito e a literatura 213 Literatura como direito 141 Vide o Supremo Tribunal Federal Disponível em httpsportalstfjusbrjurisprudenciatesauropesquisaasppesquisaLivreDA20MIHI20FACTUM 20DABO20TIBI20JUS Acesso em 07 mar 2024 142 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201520182015leil13105htm Acesso em 05 abr 2024 143 Princípio da vedação da decisão surpresa Disponível em httpswwwtjdftjusbrconsultasjurisprudenciajurisprudenciaemtemasnovocodigodeprocesso civilprincipiodavedacaoadecisaosurpresa Acesso em 16 mar 2024 144 DWORKIN Ronald O império do direito Tradução Jefferson Luiz Camargo Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios São Paulo Martins Fontes 2007 53 Ainda sobre o tema é cabível mencionar a literatura como direito que vem a ser um meio de interpretar ou aplicar no meio literário um caso evidentemente jurídico ou evocar para o meio literário interpretações que buscam moldes em outras obras Como se aos moldes de uma jurisprudência ou precedente uma obra buscasse em outra obra uma certa validação145 Como exemplo do presente tópico podemos observar o programa DIREITO LITERATURA146 Esse programa é uma atração televisiva apresentada por Lenio Luiz Streck e foi originalmente criado pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica IHJ O programa é produzido e coordenado por André Karam Trindade sendo transmitido pela TV Unisinos e pela TV Justiça e divulgado semanalmente Tradicionalmente apresentamse debates entre professores de diferentes áreas do conhecimento ou seja se trata de um programa com foco multidisciplinar segundo a descrição o programa possui o objetivo de difundir no Brasil o estudo das interfaces entre Direito e Literatura bem como de desenvolver um novo modo de pensar o direito 147 O que se destaca do programa são os fenômenos sociais que adentram no interior das culturas jurídica e literária Nos episódios os apresentadores por muitas vezes trazem temas claramente literários e tentam aproximálos ao direito através do instrumento de análise crítico Nas palavras dos seus idealizadores trazer ao conhecimento do público obras que marcaram gerações levantando questões e proporcionando debates sobre temas da atualidade presentes nos textos literários148 A próxima corrente de intersecção entre direito e literatura talvez seja a mais difundida no meio jurídico para além de uma análise de uma obra sob o prisma literário 145TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 31 146 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 147 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 148 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de Pós Graduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 54 direito como literatura ou observar os limites jurídicos que o direito impõe à literatura direito da literatura Assim a seguir serão abordadas questões mais amplas e como a literatura pode contribuir de maneira mais direta para o meio jurídico 214 Direito na Literatura O Direito na literatura pode ser entendido como a corrente mais difundida quando abordamos a intersecção entre direito e literatura uma vez que essa corrente é a que possui uma vasta gama de meios de interação os dois fenômenos sociais Em suma o direito na literatura se aprofunda nos meios pelos quais a literatura pode contribuir para a elucidação de questões importantes do direito tais como a Justiça e Poder149 Essa abordagem também pode acontecer quando ocorrem intersecções entre elas e outras áreas que percorrem o imaginário social No direito na literatura um universo de narrativas e prescrições de antigas ou novas civilizações fictícias ou reais percorre o meio jurídico150 E a esse caminho é mister salientar a obra Contar a lei As fontes do imaginário Jurídico de François Ost que explica que as narrativas e as imaginações dos literários não se opõem à argumentação racional jurídica mas complementam para melhor elucidação sobre o tema151 Neste sentido a literatura juntamente com esse imaginário coletivo não se coloca em posição adversa das questões argumentativas jurídicas e suas formalidades pelo contrário busca uma nova ótica ou trazer luz àquilo que não era tão claro para o jurista O direito na literatura encontra sua definição ainda segundo José Calvo152 como meio empregado para abordar temas jurídicos Ou seja quando um autor literário se utiliza de temas latentes dentro da sua obra literária para abordar temas jurídicos Um exemplo desse tipo de aplicação são autores como Dostoievsky sendo tratados para abordar temas já presentes no meio jurídico dado que essa interpretação auxilia no imaginário criativo do leitor para se tornar um melhor operador do meio jurídico153 149SANTOS M C C L dos ARAUJO M 2023 Dialogando com François Ost iurisfictio Revista Internacional Consinter de Direito v 9 n 16 2021 httpsdoiorg1019135revistaconsinter0001602 150 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 3031 151 NUSSBAUM Martha Justicia Poética la imaginación literaria y la vida pública Editorial Andrés Bell 1997 p 25 152 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 89 153 Vide os estudos norteamericanos apontados pelo professor OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 4950 55 Alguns estudos já apontaram como o meio jurídico se desenvolve ou desabrocha com a exploração e discussão de fontes sociais culturais e literárias mais fartas Não por acaso o edital da magistratura do Tribunal Federal da 4ª Região datado de 2016 na sua segunda parte Anexo II traz conteúdos que não estão dentro desse formalismo jurídico técnico e mais próximos do campo social e até mesmo de como a figura do magistrado se insere dentro da sociedade sob uma ótica política e social154 ANEXO II NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA A SOCIOLOGIA DO DIREITO 3 Direito Comunicação Social e opinião pública 4 Conflitos sociais e mecanismos de resolução Sistemas não judiciais de composição de litígios B PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 1 Psicologia e comunicação relacionamento interpessoal relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia D FILOSOFIA DO DIREITO 1 O conceito de justiça Sentido lato de Justiça como valor universal Sentido estrito de Justiça como valor jurídicopolítico Divergências sobre o conteúdo do conceito 4 O conceito de Política Política e Direito 5 Ideologias 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU Grifos nossos A aplicação desses conceitos jurídicos tais como termos que advêm da literatura ou conceitos que são fortemente abordados e discutidos dentro de fontes literárias e trazidos para o meio jurídico podem ser entendidos como essa intersecção abordada pelo autor José Calvo contudo o ponto que se extrai de maneira mais veemente é o papel que a literatura exerce sobre a figura dos operadores do direito que segundo o próprio autor necessitam de fortes fontes literárias para cultivar um bom raciocínio jurídico155 e não se tornar uma mera máquina operacional Vale destacar que o autor aborda não só o direito enquanto discurso literário mas também a literatura enquanto recurso jurídico quando o meio jurídico intervém no imaginário literário156 El Derecho en la Literatura plantea una intersección de carácter instrumental en recorrido de sentido doble el Derecho en cuanto recurso literario y también la Literatura en cuanto recurso jurídico En ambos sentidos el carácter instrumental de la intersección revierte en utilidades varias El Derecho en cuanto recurso literario es decir la 154 Vide o edital para se tornar um juiz substituto 1ª posto em que um magistrado inicia a sua carreira dentro da magistratura Disponível em httpsdhg1h5j42swfqcloudfrontnet20200723121204rlpseieditaldeabarturapdf 155 Uma vez que o próprio autor começa a sua obra apontando as limitações de um operador do direito que não possui um forte arcabouço literário A lawyer without history or literature is a mechanic a mere working mason if he possesses some knowledge of these he may venture to call himself an architect Sir Walter Scott 17711832 Guy Mannering or the Astrologer 1815 Chap Xxxvii GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 Grifos nossos 156 Ibid p 313 56 presencia de lo jurídico en el contexto de la ficción literaria contribuye a la formación de los juristas a través del entendimiento sociológico y iusfilosófico de las concepciones de la justicia por ej ordalías talión y venganza justicia retributivaprincipio de conciliación 7 y del Derecho por ej derecho naturalderecho positivo157 Grifos nossos A maior contribuição que essa abordagem nos oferece é observar o direito não apenas como uma estética literária mas como pode oferecer ao jurista uma ética para alcançar talvez caminhos mais sensíveis e menos diretos para esses operadores É muito comum para uma pessoa que busca o socorro do judiciário procurar o auxílio de um advogado para que o seu pleito seja escutado não apenas que a lide da sua demanda seja solucionada mas muitas vezes a pessoa busca ser escutada e acolhida pelo meio jurídico para que o seu pleito seja ouvido e depois solucionado A literatura não contribui somente para fomentar a estética do pleito dessa pessoa com palavras rebuscadas ou uma prolixidade formalística muito comum do meio jurídico mas também permite que a manifestação de quem a conhece e a utiliza seja ouvida por meios mais diferentes daqueles que detêm poder para exercer uma decisão O que o próprio autor sustenta é o poder de empatia ética que é a direção mais humanística para o direito158 La inmersión jurídica en las fuentes literarias y viceversa actúa con poder de empatía power of empathy ética En esta dirección humanista se expresa Nussbaum al opinar que la imaginación literaria vale para guiar a los jueces en sus juicios a los legisladores en su labor legislativa y a los políticos cuando midan la calidad de vida de gentes cercanas y lejanas Grifos nossos159 Possivelmente essa seja a maior contribuição da literatura para os anos vindouros uma vez que a empatia ainda não é tratada dessa forma como meio e fim em si mesma por grandes corporações ou sistemas de decisões A realidade de inteligências 157 O Direito na Literatura coloca uma intersecção de natureza instrumental num caminho de mão dupla o Direito como recurso literário e também a Literatura como recurso jurídico Em ambos os sentidos a natureza instrumental da intersecção resulta em diversas utilidades O direito como recurso literário ou seja a presença do jurídico no contexto da ficção literária contribui para a formação de juristas através da compreensão sociológica e jurídicofilosófica das concepções de justiça eg provações retaliação e vingança retribuição justiçaprincípio da conciliação e direito por exemplo direito naturaldireito positivo 158 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 316 159 A imersão jurídica nas fontes literárias e viceversa atua com poder ético de empatia Nussbaum se expressa nessa direção humanista ao acreditar que a imaginação literária é útil para orientar os juízes em seus julgamentos os legisladores em seu trabalho legislativo e os políticos quando medem a qualidade de vida das pessoas próximas e distantes 57 artificiais e meios logarítmicos que possuem por objetivo simular o raciocínio humano serão matérias dos capítulos futuros Contudo resta claro que os sistemas de inteligência artificial não têm o objetivo final de sentir emoções ou trabalhar a empatia160 Por mais que esses conceitos literários estejam sendo utilizados para a estética e gestão de pessoas no meio jurídico161 o operador do direito sempre pode utilizar esses meios literários para contribuir com o pedido ou com a decisão de uma demanda social a título de exemplo através de uma petição ou através de uma sentença por parte de um magistrado Por mais que existem diversas definições sobre o direito na literatura elenca se para a melhor abordagem e continuidade do presente estudo a definição de François Ost uma vez que a sua definição do direito na literatura se aproxima muito do próximo tema Iurisfictio François Ost afirma que a análise do texto que aborda a Iurisfictio pode perfeitamente se encaixar em uma análise da intersecção do direito na literatura162 Ainda nesse tema é possível fazer a análise de outros tipos de obras que apelam para o imaginário fictício da literatura tais como distopias ou utopias e buscam uma fuga criativa Neste sentido cabe salientar o aparecimento de séries e documentários que buscam uma reflexão ou até campanhas publicitárias de caráter governamental que procuram diretrizes não apenas através de normas mas com ideias criativas163 É nítida a participação do meio jurídico não somente através de normas postas ou estudos formais sobre temas que afetam o coletivo por exemplo temas de 160 Empatia pode ser entendida como meio de se colocar emotivamente na posição de outrem EMPATIA in Empathy fr Empathie ai Einfühlung it Empatia União ou Fusão emotiva com outros seres ou objetos considerados animados O termo alemão encontrase em Herder Vom Erkennenn und Empfinden Werke ed Suphan VIII p 165 ocorreria mediante um ato de imitação e de projeção A reprodução das manifestações corpóreas alheias devida ao instinto de imitação reproduziria em nós mesmos as emoções que costumam acompanhálas colocandonos assim no estado emotivo da pessoa a quem essas manifestações pertencem É justamente essa projeção em outro ser de um estado emotivo despertado em nós pela reprodução imitativa da expressão corpórea dos outros p ex quadro somático do medo ou do ódio etc que seria o modo de comunicação entre as pessoas ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 325 161 É possível observar esse fenômeno pela própria definição do tribunal de Santa Catarina que define a importância da empatia nos meios de desenvolvimento entre pessoas além de ressaltar essa qualidade na gestão entre indivíduos Disponível em httpswwwtjscjusbrwebservidordicasdegestaoassetpublisherVzr9I2D1M5Lhcontenta importanciadaempatianagestaodepessoas 162 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 10 163 No final de 2022 o governo da Espanha lançou uma campanha chamada Basta de Distopias com o intuito de que sua população imaginasse e tentasse criar um futuro melhor um exemplo de uma tentativa do Estado de construir uma realidade diferente apelando para o imaginário criativo da sua população Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvoqvPQU7sAt1s Acesso em 15 abr 2024 58 saúde pública ou políticas governamentais164 Esses são casos em que o poder público apela para o imaginário coletivo através de anúncios músicas e outros meios para direcionar ou comunicar algo 215 Direito pela literatura No tema Direito e Literatura é cabível vislumbrar mais uma interseção denominada direito pela literatura ou através da literatura Segundo François Ost o direito pela literatura ocorre quando um autor jurídico destaca uma tese jurídica buscando recursos literários para tentar sustentála pois os recursos meramente jurídicos não conseguem contemplála Um exemplo desse tipo de intersecção direito pela literatura é o autor Victor Hugo que enquanto fazia parte da casa legislativa do seu próprio país criou uma obra literária para defender a tese contra a pena de morte Victor Hugo sempre promovia suas ideias jurídicas e políticas através da literatura como foi o caso da publicação Histoire dun crime O autor escreveu o livro em meados da dissolução do senado da época e denunciou o golpe dado pelo sobrinho de Napoleão165 Além dos meios literários e políticos Victor Hugo sustenta uma clara tese jurídica da proibição da pena de morte no caso narrado mas se utiliza da literatura para sustentar a sua argumentação Esse caso pode ser entendido como um exemplo de quando a arte e a literatura passam a ser os únicos meios jurídicos cabíveis para sustentar uma argumentação 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim 164 É possível observar em campanhas governamentais que utilizam desse imaginário coletivo ou até mesmo de seres ficcionais para estabelecer uma campanha a título de exemplo podemos citar a O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência PROERD que é originário do programa norteamericano Drug Abuse Resistance Education DARE criado em meados de 1983 Em 2013 houve uma campanha no Rio Grande do Sul e resultou no Currículo PROERD Caindo na REAL para 5º e 7º anos do Ensino Fundamental das escolas essa campanha mantém o compromisso de fornecer instrução de ponta capaz de prevenir o uso de drogas por meio do desenvolvimento das habilidades básicas necessárias para que escolhas seguras e responsáveis sejam feitas por parte da juventude Segundo a própria campanha Essas habilidades vão além da questão das drogas pois possibilitam escolhas saudáveis e madura em todos os aspectos da vida do jovem cidadão Vide site oficial da brigada militar do Rio Grande do Sul httpswwwbrigadamilitarrsgovbrproerdtextNa20tarde20do 20dia2030autoria20do20Maj20Giovany20Bortolini Acesso em 10 jan 2024 165 FREITAS Maria Teresa Literatura e história O Exemplo de Victor Hugo Língua e Literatura n 15 p 119135 1986 p 134 Disponível em httpsrevistasuspbrlinguaeliteraturaarticleview113987 Acesso em 20 fev 2024 59 221 Uma breve definição do termo JURISFICTIO ou IURISFICTIO é a expressão latina para se referirse à iurisficción ela pode ser entendida como um processo criativo que combina o estilo literário de um jurista acompanhado necessariamente de uma reflexão sobre a justiça o direito ou uma determinada tese sobre um problema jurídico166 Para melhor elucidar a definição de Iurisfictio é importante salientar que o termo pretende primeiramente enriquecer o meio jurídico por intermédio de um imaginário que reconhece ou codifica a realidade e ao mesmo tempo libera os possíveis É mister salientar que a Iurisfictio demonstra clara diferença das demais aproximações narrativistas167 da jurisprudência que por sua vez difere dos fatos jurídicos A Iurisfictio se baseia no campo literário o que François Ost atribui como sendo uma utopia criadora168 ou seja se trata de uma criação no campo literário que posteriormente vai levar a uma reflexão no meio jurídico A Iurisfictio se demonstra estar disponível para qualquer campo jurídico que pretenda demonstrar uma nova perspectiva sobre algum tema Não obstante ainda atribui ao advogado ao juiz ou jurista a capacidade de ter uma nova perspectiva sobre aspectos jurídicos analisados por meios de contos novelas teatros poesias e peças literárias169 A relação entre o direito e a literatura não é nova e nem traz consigo grandes mudanças do ponto de vista de grandes alterações no ordenamento jurídico porém a Iurisfictio apresenta uma nova perspectiva no campo jurídico uma vez que pode gerar uma aproximação com um certo imaginário utópico trazido por François Ost ou mesmo alegórico 166 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 17 167 Ao contrário dos franceses os narrativistas norteamericanos encararam a narrativa não como um obstáculo mas como substituto à cientificidade da história Podemos dizer que o narrativismo nasce em oposição à filosofia analítica que queria impor à história as leis gerais das ciências naturais que propunham uma unidade científica Como afirma Paul Ricoeur os narrativistas buscam o caráter configurante da narrativa e não apenas o episódico como os historiadores SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 168 OST François Ditesmoi ce que vous lisez In Koen LEMMENS Koen Org Droit et Littérature Limal Anthemis 2007 p 1329 169 Prólogo de TORRES Oscar Enrique OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 60 O termo alegórico pode ser utilizado nesse sentido pois a palavra alegoria de acordo com o dicionário170 possui diversas definições podendo ser considerada modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos ideias qualidades sob forma figurada Na perspectiva filosófica alegoria pode ser considerada Método de interpretação aplicado aos pensadores gregos Alegoria Texto filosófico escrito de maneira simbólica com o intuito de apresentar topologicamente ideias e concepções intelectuais Grifos nossos Por fim na perspectiva literária a definição encontra resguardo como uma cadeia de metáforas sequência logicamente ordenada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enunciadas171 A metáfora172 por sua vez advém do grego e traz a ideia de mudança ou transposição173 Em suma a alegoria do ponto de vista literário pode ser entendida como uma sequência lógica encadeada por intermédio de metáforas Assim possibilita de maneira análoga apresentar a perspectiva que o Iurisfictio representa para o direito uma sequência lógica encadeada por diversas metáforas literárias Fílon174 contrapõe o sentido alegórico ao sentido literal de determinada coisa ALEGORIA gr àXkrxyopia lat Allegoria in Allegory fr Allégorie ai Allegorie it Allegoria A primeira aplicação importante do método alegórico é o comentário ao Gêneses de Fílon de Alexandria séc I Fílon não hesita em contrapor o sentido alegórico ao sentido literal e em qualificar de tolo eür0rc este último Para demonstrar a contraposição entre o sentido literal e o alegórico Fílon explica 170 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 171 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 172 Ibid p 1281 173 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 667 METÁFORA gr uexaepopá in Metaphor fr Métaphore ai Metapher it Metáfora Transferência de significado Aristóteles diz A M consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa transferência que pode realizarse do gênero para a espécie da espécie para o gênero de uma espécie para outra ou com base numa analogia Poet 21 1457 b 7 A noção de M algumas vezes foi empregada para determinar a natureza da linguagem em geral v LINGUAGEM Como instrumento linguístico hoje sua definição não é diferente da definição de Aristóteles Disponível em httpsmarcosfabionuvafileswordpresscom201204nicolaabbagnanodicionariodefilosofiapdf Acesso em 10 abr 2024 174 Fílon de Alexandria ABBAGNANO Nicola 2007 op cit p 23 61 E Deus acabou no sétimo dia as obras que Ele criou Gên II 2 É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu em seis dias ou em geral no tempo Por quê Porque todo tempo é um conjunto de dias e de noites necessariamente produzidos pelo movimento do sol que vai para cima e para baixo da terra mas o sol é uma parte do céu de tal modo que se conclui que o tempo é mais recente do que o mundo Grifo nosso Resta clara a contraposição feita por Filon pois por mais que se fale de uma metáfora realizada para demonstrar a criação do mundo como pode ser verificada em Gênesis a lógica dessa criação só pode ser entendida por meio de uma alegoria uma vez que o nosso entendimento de tempo ou de dias é mais recente que a criação do mundo Sob essa ótica de Filon podemos concluir que a alegoria só pode ser atingida através de uma perspectiva literária Logo se encadearmos essa alegoria dentro do direito é possível questionar Onde podemos observar a Iurisfictio na filosofia do direito Para responder à questão levantada é importante entender como a Iurisfictio se insere dentro da filosofia do direito A Iurisfictio não pode ser chamada do que é conhecido como ficção jurídica uma vez que a ficção jurídica é criada pelo direito e está profundamente relacionada ao progresso do ordenamento jurídico175 A ficção jurídica não está vinculada à realidade objetiva realidade fática que será tratada no próximo capítulo ou seja ela guarda profunda relação com os conceitos abstratos não podendo tais conceitos ser definidos como uno para todos Deste modo a ficção jurídica constitui um expediente técnico No direito não faltam exemplos desses conceitos técnicos jurídicos de caráter dogmático que não guardam laços com a realidade objetiva Assim podemos observar a boafé quando falamos de contratos artigo 420 do Código Civil brasileiro ou a moralidade no direito administrativo artigo 37 da Constituição brasileira mas seria totalmente ficcional propor uma unicidade para tais conceitos Ademais a ficção jurídica assume apenas que a norma dentro do ordenamento jurídico é válida Uma norma não é necessariamente um enunciado sobre a realidade posta portanto Não tem como ser verdadeira ou falsa Uma norma é válida ou não válida O fundamento para a validade de uma norma não é como o teste de veracidade de um enunciado do 175 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 p 20 62 ser a sua conformidade à realidade Como já dissemos uma norma não é válida por ser eficaz176 A Iurisfictio se encontra dentro do que podemos considerar uma intersecção entre o direito e a literatura e ocupa um espaço que difere das intersecções clássicas direito da literatura direito como literatura e direito na literatura A Iurisfictio pode ser observada mais próxima do direito na literatura uma vez que promove análises críticas ao meio jurídico por meio de obras literárias cujos autores são juristas 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito A geometria do Jardim foi criada por Jose Calvo para descrever uma metáfora que talvez explique onde dentro da filosofia está a literatura O autor inicia o texto com uma metáfora para descrever as avenidas da filosofia177 como essas vias funcionam por 176 KELSEN Hans Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 2009 p 161162 177GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 34 un parque temático Tiene esta locución un perfil de especialidad que en mi caso se contrae al índice de materias y problemas propios de la disciplina Filosofía del Derecho Si desarrolláramos esa imagen podría decirse también que como en cualquier parque que se precie allí habrá largas avenidas arboladas profundas y umbrías alamedas y asimismo soleados paseos de florecidas rosaledas extensos prados en verdores tornadizos y también parajes apartados que ha mucho no se transitan Y en él hay por supuesto un jardín No es de recreo sino botánico esto es un terreno cercado donde habiendo permanecido al abrigo del inclemente invierno adelantan para el estudio brotes de alguna especie difícil singular o nueva Sería de proponer que alguien dedicara una reflexión algo más acrecentada que esta mi a sólo germinal a la semejanza del oficio de la investigación científica con arte del cuido y cultivo de jardines siquiera por razón de los afanes y desvelos así como del placer y goce estético que de ambas aplicaciones resulta me parece haber arreglado con sementeras y planteles y por medio de esquejes yemas de injerto y otras técnicas y procedimientos donde la curiosidad instructiva siempre fue compañera de la experimentación intelectual Es el fértil jardín de la Teoría literaria del Derecho Pero nada diré sin embargo acerca de su flora o variedad de frutos sino de las diversas veredas que en él formaron los pasos recorridos Cuanto aquí exponga se ceñirá únicamente a la geometría del jardín tejida toda ella de intersecciones Así pues no es aquél un jardín senderos que se bifurcan como en la borgeana trama del alternativo destino que diseñan varios porvenires sino atravesado por sendas y caminos que se entrelazan intercessões instrumentais estruturais e institucionais Granada Espanha 2008 p 34 um parque temático Esta frase tem um perfil de especialidade que no meu caso está contratado ao índice de assuntos e problemas específicos da disciplina Filosofia do Direito Se desenvolvêssemos essa imagem poderíamos também dizer que como em qualquer parque que se preze haverá longas avenidas arborizadas avenidas profundas e sombreadas e também passeios ensolarados de jardins de rosas floridos extensos prados em verdes mutáveis e também lugares isolados que não transitam há muito tempo E nele tem claro um jardim Não é recreativo mas botânico isto é uma área cercada onde tendo permanecido abrigados do inverno rigoroso são avançados para estudo brotos de algumas espécies difíceis únicas ou novas Seria sugerido que alguém dedicasse uma reflexão mais aprofundada do que esta minha à apenas germinal a semelhança da profissão de investigação científica com a arte de cuidar e cultivar jardins mesmo por causa dos esforços e cuidados bem como o prazer e o prazer estético que resulta de ambas as aplicações Parece que consegui com canteiros e mudas e por meio de estacas enxertia de botões e outras técnicas e procedimentos onde a curiosidade instrutiva sempre foi companheira da experimentação intelectual É o jardim fértil da Teoria Literária do Direito Mas nada direi porém sobre a sua flora ou variedade de frutos mas sim sobre os vários caminhos que formaram os passos nela percorridos O que aqui se expõe estará limitado apenas à geometria do jardim todo ele tecido 63 intersecções dentre as ciências e os meios pelos quais as ciências se desenvolvem Esse parque temático proposto por José Calvo pode ser entendido como um lugar de espaças passarelas ambientes plumados encantados pelos quais os juristas transitam Neste parque temático existe um Jardim não recreativo mas sim um jardim botânico No parque florescem os mais variados tipos de plantas semeadas por anos pelos mais variados tipos de investigações científicas Esse é o fértil terreno onde surge o jardim advindo do labor de inúmeras indagações perguntas respostas e imaginações É nesse terreno fértil que está o imaginário criativo que é possível abordar a literatura como um jardim conhecido por todas as demais ciências uma vez que as passarelas desse jardim percorrem todas os demais campos das ciências A literatura é a fonte do imaginário da qual as ciências jurídicas e as passarelas filosóficas irão tanger de alguma forma seja em áreas mais óbvias como é o caso do direito penal a exemplo de Crime e castigo de Dostoievski ou áreas que não são tão latentes para as paixões humanas como o direito tributário 178 A literatura na hipótese do jardim apresentada por José Calvo pode ser traduzida como um meio pelo qual todas as ciências jurídicas encontram alguma intersecção para que possam florescer CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO de intersecções Assim não se trata de um jardim com caminhos que se bifurcam como na trama borgesiana do destino alternativo desenhado por vários futuros mas atravessado por caminhos e caminhos que se entrelaçam 178 Ribeiro Moacyr Petrocelli de Ávila O princípio do pecunia non olet e seus reflexos no direito penal JECRIM 2012 No direito tributário existe um princípio muito conhecido que teve sua origem com um conto Supostamente o Imperador Vespasiano pediu que seu filho buscasse um pouco do dinheiro arrecadado e já com o dinheiro nas mãos determinou que seu filho o aproximasse e cheirasse Feito isso o Imperador proferiu a célebre frase Está vendo filho não tem cheiro Daí non olet Disponível em httpswwwibccrimorgbrnoticiasexibir5486textNessa20ocasiC3A3o2C20o 20Imperador20VespasianoE2809CnC3A3o20cheiraE2809D Acesso em 07 mar 2024 64 31 O Fictício e o real 32 O Fictício e a literatura 33 O Fictício e o direito EM DESENVOLVIMENTO No presente capítulo o termo que se entende como fictício será desenvolvido e a sua relação com a realidade a literatura e o direito Os conceitos tratados nesse capítulo serão embasados nas obras do pensador Mario Bunge passando pela a corrente dos ficcionalistas para acessar os conceitos de ficção e a realidade CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO EM DESENVOLVIMENTO 41 La Pacha mama 42 O estigma do condenado 43 Ronald Dworkin e o romance continuado 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça No presente capítulo será desenvolvido figuras de personagens outrora aceitos como ficcionais e que invadem o mundo jurídico Tais como La Pacha Mama que no passado era tida como um ente representado como a mãe natureza e agora ocupa de certa forma espaço meio jurídico em especial na constituição do Equador e da Bolívia O capítulo discorre também sobre a hipótese de Gaia de Zaffaroni 65 Em seguida será tratado o estigma e o efeito da figura de um condenado como por exemplo um sacrifício de René Girard em Violência e o Sagrado ou o Homo Sacer de Giorgio Agamben Por fim o conceito de romance continuado de Ronald Dworkin será trabalhando juntamente com a criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e o STJ Superior Tribunal de Justiça para demonstrar a aplicação da alegoria jurídica criada por Dworkin e a sua aplicação em cortes superiores Além de Dworkin nosso marco teórico está fundamentado em François OST Capítulo em desenvolvimento CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL O escritor de ficção científica Isaac Asimov em meados do século passado se dedicou a um campo a qual se tornou referência a robótica e as máquinas inteligentes O autor coloca o robô na perspectiva de servo do homem179 e a narrativa também envolve uma questão subjetividade já evidenciada no título que usa o pronome eu A obra é considerada um clássico da literatura e da ficção cientifica180 sendo um clássico obrigatório que preenche as prateleiras de muitos acervos O livro foi publicado no ano de 1950 e serviu como base para a criação de um filme interpretado pelo autor Will Smith que possui o mesmo nome que a obra literária As duas obras se diferem bastante enquanto o filme tem um enfoque muito claro em cenas de ação e conclusões supérfluas para os problemas apresentados o livro por sua vez é um conjunto de nove contos que descrevem a diversas formas evolução da tecnologia por meio de uma inteligência artificial IA avançada e a inclusão dela em autômatos em uma projeção de futuro entre os anos de 19962052 É no ano de 2035 que os robôs assumem papel de relevância na vida das pessoas substituindo os humanos na realização de tarefas cotidianas e como forma de garantia de um ciclo perfeito de segurança se cria comandos denominados as Três Leis da Robótica A humanidade fez a previsão do avanço desenfreado da tecnologia e 179 SANTOS Vítor M F Robótica industrial Apontamentos teóricos Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 P 8 180ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 66 das inteligências artificiais de forma que foi proposto que nenhum autômato ou máquina com inteligência artificial poderia ser criado e saísse de fábrica sem que sua programação tivesse as três leis básicas Os robôs teriam embutidos em seus cérebros positrônicos conceito que o autor do livro criou para se referir aos cérebros das máquinas inteligência artificial que imitam as funções cognitivas humanas as três leis Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei Um robô deve proteger sua própria existência desde que não entre em conflito com as leis anteriores Isaac Asimov traz outra história em sua obra Robôs do Amanhecer apresentando a quarta lei Lei Zero que deriva para solucionar conflitos oriundos da aplicação das leis anteriores Assim parara fins de solução dos conflitos entre a lei a quarta lei surge Um robô não pode causar mal à humanidade ou por omissão permitir que a humanidade sofra algum mal nem permitir que ela própria o faça Como é possível observar o autor propõe que segundo as leis e comandos já citados seria possível moldar o comportamento de máquinas estabelecendo normas como parâmetros das condutas dos robôs No decorrer do livro há o desenvolvimento de questões adjacentes181 mas é nítida a conclusão o eixo central conduz ao pensamento de que mesmo com o estabelecimento claro de diretrizes bem delimitadas uma máquina pode buscar ultrapassar limites de sua própria construção inicial ou seja que existir uma evolução constante ou um autoaperfeiçoamento invariavelmente que pode ultrapassar os limites predeterminados para os autômatos Em suma as determinações e comandos mesmo limites claros para a existência de alguns autômatos podem ser ultrapassados em razão da evolução e aperfeiçoamento da máquina O autor da obra Eu Robô não faz uma grande diferenciação entre um autômato que possui capacidade cognitiva ou de raciocínio e uma IA Inteligência Artificial mas no próprio ano de 1950 Turing abre as portas para essa diferenciação 181 Na obra se tem reflexão como se um robô pode ser imputado se o robô pode agir livremente diante as três leis Se os robôs são seres livres e responsáveis e por consequência imputáveis pelo Direito 67 com trabalho publicado pela Universidade de Oxford Alan Mathison Turing um dos pais da robótica computação e Inteligência Artificial matemático cientista da computação lógico e criptoanalista publicou Computing Machinery and Intelligence182 trazendo o que ficaria conhecido como teste de Turing A partir dessa obra há o desenvolvimento de outros conceitos que já estavam em discussão nos anos de 1930 evoluindo deste modo para aclarar a ideia de Inteligência Artificial e robôs A Inteligência artificial pode ser entendida como a capacidade de uma máquina de produzir competências semelhantes às de um ser humano tais como raciocínio e aprendizagem Neste contexto a IA permite que os sistemas que as permeiam sejam percebidos e possibilitando a solução de problemas A máquina recebe processa dados e responde conforme a sua programação de forma que a máquina é capaz de adaptar o seu comportamento processando os dados que está recebendo e os dados anteriores183 Para melhor elucidar o que podemos definir como uma IA é valido salientar os apontamentos de John MCCarthy um dos maiores cientistas da computação e considerado outro pai de diversas tecnologias que se tem hoje em dia184 185 John McCarthy em seu artigo datado de 2004186 fornece uma definição abrangente de inteligência artificial IA MCCarthy considera que a Inteligência Artificial é a ciência e engenharia dedicada à criação de máquinas inteligentes especialmente programas de computação inteligentes187 Ele destaca que embora a IA esteja intrinsecamente relacionada à tarefa de imitar a inteligência humana por meio de computadores essa 182TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 183 Documento publicado pelo parlamento europeu para encontrar uma definição do que se entende por Inteligência artificial TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona disponível httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804o queeainteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial20IA 20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 184 Nota de falecimento e um pouco da sua história G1 Morre John McCarthy pioneiro da Inteligência Artificial e pai do Lisp Disponível em httpsg1globocomtecnologianoticia201110morrejohnmccarthypioneirodainteligencia artificialhtml Acesso em 08 ago 2024 185 COMPUTAÇÃO UFPEL John McCarthy 19272011 Prestigiado em diversas universidades como um dos fundadores de muitos paradigmas que temos sobre a robótica hoje em dia Disponível em httpswpufpeledubrcomputacaoccompjohnmccarthy Acesso em 10 ago 2024 186 MCCARTH John What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 08 ago2024 187 No mesmo artigo quando é perguntado sobre a definição de IA ele destaca Q What is artificial intelligence A It is the science and engineering of making intelligent machines especially intelligent computer programs It is related to the similar task of using computers to understand human intelligence but AI does not have to confine itself to methods that are biologically observable Q Yes but what is intelligence A Intelligence is the computational part of the ability to achieve goals in the world Varying kinds and degrees of intelligence occur in people many animals and some machines 68 disciplina não se limita a métodos derivados da observação biológica Em outras palavras a IA não está sujeita ao raciocínio humano Imitar a inteligência humana pensar será possível essas habilidades para uma máquina Turing já havia apresentado a provocativa indagação As máquinas pensam188 A partir dessa pergunta ele concebeu o conhecido teste de Turing que consiste em um método em que um interrogador humano tentaria discernir entre as respostas de texto provenientes de um computador e de um humano O teste de Turing apresenta três personagens um homem uma mulher e um juiz Os três personagens só podem comunicarse por meio de máquinas de datilografar indiretamente e devem tentar se passar um pelo gênero do outro O teste começa quando Turing propõe substituir a figura de um dos personagens por uma máquina o que provocaria imediatamente o questionamento de como a máquina se passaria por uma pessoa189 Apesar de ter sido objeto de escrutínio ao longo dos anos o teste de Turing mantémse como uma peça crucial na história da IA persistindo como uma referência significativa na área190 Essa proposta de Turing estabeleceu os fundamentos para o campo da inteligência artificial marcando um ponto de partida essencial para explorar a capacidade das máquinas em imitar a inteligência humana A fusão das definições de McCarthy e dos conceitos pioneiros de Turing proporciona uma compreensão mais profunda do escopo e da evolução da IA ao longo do tempo Mesmo assim a Inteligência Artificial está longe de possuir um conceito uníssono pois existem diversos tipos de computadores e programas que possuem diversos recursos que podem atribuir novas formas ou métodos que fazem com que as máquinas possam aprender191 Porém uma definição mais abrangente pode servir de 188 Questões colocadas na obra Eu Robô persistem e ultrapassam as fronteiras de qualquer marco conceitual Ainda não há respostas exatas para as questões Quando um esquema de percepção poderá ser chamado de consciência Quando calcular probabilidades pode iniciar uma busca pela verdade Quando uma simulação de personalidade se torna o doloroso átomo de uma alma 189 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press 190 Sobre o tema a Faculdade de Física da USP se prontificou a preparar um breve resumo das contribuições do matemático para o meio acadêmico e sintetizar parte da sua história até o desfecho do seu trágico e irreparável fim ONODY Roberto N Teste de Turing e Inteligência Artificial Disponível em httpswww2ifscuspbrportalifsctestedeturingeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 191 SANTAELLA Lucia A Inteligência Artificial é Inteligente 7 ed São Paulo Câmara Brasileira do Livro 2023 p 138 69 parâmetro Assim a IA pode ser entendida como um programa ou uma máquina que possua inteligência continua ou seja capacidade contínua de aprendizagem Em Eu Robô é possível observar os modelos mais sofisticados que poderiam ser facilmente considerados uma espécie de IA uma vez que os modelos exemplificados na obra possuem um uma espécie de inteligência192 contínua que passariam no teste de Turing Ao longo da narrativa por mais que a sociedade e o meio científico se esforcem para conseguir desenvolver uma IA que consiga seguir os raciocínios que uma pessoa seguiria ou atribuir a uma IA a capacidade de responder de questionamentos da mesma maneira que uma pessoa responderia ainda assim faltaria algum ingrediente para que a imitação da inteligência humana seja completa Apesar de a IA se aproximar mecanicamente de um raciocínio humano pode estar distante de qualidades muito presente ao homem Em primeiro lugar não há consenso sobre uma definição sobre a IA mas há um consenso que uma máquina tende a aprender por intermédio de parâmetros programações diferentes dos parâmetros que seriam atribuídos em um primeiro momento pelos humanos Agora os parâmetros programações determinados para as máquinas aparecem também como problemas Um dos problemas desses parâmetros de aprendizado são os meios pelos quais uma IA acumula e processa informações Como explica Gunther Teubner a inteligência artificial é enigmática criando às vezes um ambiente de opacidade onde o humano navega que por vezes expande as habilidades cognitivas humanas as podem realizar uma perversão que escapa do controle humano Mesmo quando se persiste em um objetivo humano esses sistemas podem com extrema eficiência subverter as intenções e escolhas humanas A opacidade deixa o ambiente incontrolável e quando mais esses sistemas adquirem mais qualidade e eficiência mas eles estendem a capacidade de danos potenciais193 Um exemplo dos problemas gerados pelos parâmetros é clássico caso da COMPAS nos Estados Unidos O caso COMPAS versa sobre uma empresa de 192 A inteligência pode ser entendida como a faculdade de conhecer compreender e aprender ou capacidade de compreender e resolver novos problemas e adaptarse a novas situações A Inteligência artificial pode ser entendida como um ramo da informática que visa dotar computadores a capacidade de simular a aspectos da inteligência humana HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p1094 193 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 70 softwares e desenvolvimento cujo nome atendia por Northpointe Inc194 A empresa desenvolveu um programa visando identificar o grau de periculosidade e reincidência na esfera penal de determinados indivíduos que estavam sendo processados pelo Estado O programa COMPAS Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions195 foi instalado no Estado de Wisconsin por volta de 2012 Após a implementação do sistema iniciouse o procedimento em massa de averiguação de periculosidade de indivíduos que respondiam processo criminal Mas longo diversos apontamentos sobre o software196 e questões jurídicas que vieram à tona comprometendo a eficiência do sistema Neste cenário em fevereiro de 2013 Eric Loomis foi abordado dirigindo um carro que segundo as autoridades policiais estava em uma cena de tiroteio Ele foi preso e declarado culpado segundo as acusações Entretanto o que chama a atenção é que o processo foi conduzido e instruído com uma ficha que analisa informações dados para que seja determinado o grau de periculosidade de um determinado indivíduo197 A análise foi feita com a utilização do COMPAS e apesar de Eric confessar o ocorrido pegou a pena máxima de 6 anos pela sua acusação por conta da periculosidade do seu perfil não sendo aplicada nenhuma atenuante nem a atenuante de confissão A defesa de Eric Loomis contestou a utilização do COMPAS como forma de averiguação do perfil do acusado questionando quais eram os requisitos e as diretrizes de comando utilizados na programação do software para que ele chegasse as conclusões de alta periculosidade do réu198 O caso chegou à Suprema Corte norteamericana em 194 Ao que tudo indica a empresa alterou o nome em meados de 2017 para Equivant httpswwwuclalawrevieworginjusticeexmachinapredictivealgorithmsincriminalsentencing ftn3 Em 2019 a empresa lançou um Guia com os benefícios e práticas do COMPAS nos Estados Unidos e a empresa assinou a obra como Equivant httpswwwequivantcomwpcontentuploadsPractitionersGuidetoCOMPASCore040419pdf 195 Em uma tradução livre pode ser lido como Perfil de gerenciamento de infratores correcionais para sanções alternativas httpswwwconjurcombr2021out15opiniaometodocompasanalogiasistema lombrosiano 196 Diversos Jornais apontam sobre a periculosidade de um sistema de computação exemplos The New York Times httpswwwnytimescom20170501uspoliticssenttoprisonbyasoftwareprograms secretalgorithmshtml Jornal do Estado de Wisconsin httpswwwwisbarorgNewsPublicationsInsideTrackPagesArticleaspx Volume9Issue14ArticleID25730 e uma reportagem jornalística de um jornal denominado Propublica httpswwwpropublicaorgarticlemachinebiasriskassessmentsincriminalsentencing 197 Documento que demonstra a utilização do sistema COMPAS como Rastreio Análise de possível membro de gangue salientese o item 4 httpswwwdocumentcloudorgdocuments2702103Sample RiskAssessmentCOMPASCOREhtmldocumentp1a296558 198 É possível observar no documento de contestação do Eric Loomis na página 04 que a defesa questiona a utilização do COMPAS como Software que não pode ser averiguado o que impossibilita defender o 71 outubro de 2016 Diante da Suprema Corte a defesa alegou que a utilização do software para analisar o perfil de um acusado produziu a sua condenação e a dosimetria da pena e tal situação ofendia os direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório do acusado Isto porque sem que existissem informações sobre os parâmetros utilizados pelo sistema a defesa não poderia contrapor a decisão de periculosidade produzida pela máquina199 A demanda foi julgada pela Suprema Corte norteamericana que optou por afastar a tese de que o sistema COMPAS tomou decisão no desfecho do caso além de ressaltar que a utilização do software foi apenas uma ferramenta de auxílio para a tomada de decisão do magistrado A corte considerou que o juiz competente julgou corretamente o caso e a utilização do COMPAS foi irrelevante para o caso concreto pois a condenação do acusado foi atribuída por uma análise individual do seu perfil depois revisada por um juiz competente A decisão da Corte foi muito criticada por optar pelo mundo jurídico pois a Corte optou por não adentrar em debates sobre a na legalidade da utilização de sistemas de inteligência artificial e a questão da opacidade na tomada de decisão no âmbito do Poder Judiciário Alguns grupos de defesa de minorias criticaram e protestaram contra os Estados Unidos da América que tentou ingressar ao caso como amicus curiae200 com o objetivo de defender a utilização de sistemas de inteligências artificiais A ficção científica em uma intersecção do direito e da literatura traz uma realidade diatópica201 com repercussão em direitos como privacidade e intimidade como nos casos de obras literárias que narram situações de sistema de monitoramento constante na sociedade onde não é possível estabelecer quem está monitorando e quem está sendo monitorado202 acusado pois não há acesso aos comandos e diretrizes do Software Além de questionar o porquê do programa levar em consideração o gênero e a cor de pele do analisado como parte dos requisitos de análise httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201702166387certpetitionpdf 199 Harvard publicou um documento relatando o caso e apontando alguns perigos da utilização do sistema para a averiguação de perfis perigosos Disponível em httpsharvardlawrevieworgprintvol130state vloomis Acesso em 15 ago 2024 200 Documento oficial enviado a Suprema Corte Norte Americana Disponível em httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201705166387CVSGLoomisACPetpdf Acesso em 15 ago 2024 201 Casos de ficção científica GIBSON William Neuromancer 3 ed São Paulo Aleph 2016 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 202 A título de exemplo é possível citar a série premiada Black Mirror que busca demonstrar por meio de distopias digitais os limites e meios pelos quais a tecnologia toma conta da nossa sociedade Emissoras originais Netflix Channel 4 Autores Charlie Brooker Jesse Armstrong William Bridges Criador do Roteiro Charlie Brooker Primeiro episódio 4 de dezembro de 2011 Reino Unido 72 No caso COMPAS além das questões postas pela defesa técnica como a ofensa ao contraditório existiram críticas em razão da utilização de critérios discriminatórios203 A questão consiste no fato de que se for atribuído um dado tendencioso às máquinas elas serão tendenciosas e portanto o resultado será enviesado204 Mas como um sistema se torna discriminatório205 Os vieses de confirmação de um determinado programa difere completamente dos meios pelos quais uma pessoa humana processa essas informações206 O problema que deve ser observado consiste em como os dados são imputados nas máquinas Assim a questão é como ocorre o alinhamento das expectativas entre os sistemas de inteligência artificial e o humano O que esperamos das máquinas Quais os limites que essas máquinas devem ter A resposta está na questão do alinhamento entre os interesses humanos e as máquinas207 atrás dos processamentos de informações e da geração de informações208 Assim a questão é sobre a conformidade da inteligência artificial com os propósitos estabelecidos pelos humanos o que inclui também questões de moralidade humana e ética Ao abordar o problema do alinhamento Brian Christian em sua obra propõe que uma máquina interpreta e entende o meio que a cerca de forma que difere do entendimento humano Por óbvio a máquina entende e responde segundo a sua base de dados e atribui os comandos do seu entendimento A pergunta que o autor estabelece é 203 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompasalgorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareusamericanoscria injusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 204 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 205 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompasalgorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareusamericanoscria injusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 206 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 207 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 208 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 73 Qual a base de dados que atribuímos para uma máquina analisar e quais os limites de respostas que a máquina deve possuir209 Outro exemplo que é oportuno de ser observado dentro dessa análise sobre a base de dados que se fornece para uma determinada máquina é o caso do algoritmo do Twitter Em 2020 o antigo Twitter sofreu diversas denúncias de privilegiar as aparições ou as feições de pessoas brancas em detrimento a pessoas pretas 210 As notícias da época faziam afirmações como se a programação privilegiasse automaticamente sem comandos aparentes o modelo fotogénico ariano e atribuísse a essas pessoas relevância na plataforma O que se coloca em discussão é a viabilidade de uma máquina processar ou até mesmo ter meios para chegar a um resultado fora da sua base de dados ou fora dos limites que determinamos211 O problema não está apenas no resultado mas na base de dados Uma máquina não processa e chega a um resultado com muito desvio em relação a sua base de dados ou fora dos limites que se determina para ela212 Neste sentido é necessário determinar quais as diretrizes comandos que devem ser alinhados com a máquina na produção de informações e dados 51 A regulamentação da Inteligência Artificial A Ideia de cérebros digitais ou inteligências artificiais quase 100 autônomas que executam o trabalho de um determinado indivíduo com certa facilidade não é mais algo que pertence às telas de ficção científica Hoje tal situação pertence à realidade da nossa atualidade exemplos não faltam são eles as máquinas que executam boletins matinais ou que auxiliam em grandes operações de transporte piloto automático de uma embarcação ou de um avião213 209 CHRISTIAN Brian The Alignment Problem Machine Learning and Human Values A Norton Professional Book EUA p 1011 out 2021 Disponível em httpscpbuse1wpmucdncomsitespsuedudist0110933files202208ChristianAlignmentProblem IntroandCh1pdf Acesso em 20 jul 2024 210 Matéria realizada e noticiada pela noticiada pela British Broadcasting Corporation Corporação Britânica de Radiodifusão mais conhecida pela sigla BBC httpswwwbbccomnewstechnology 57192898 Ou é possível citar a matéria realizada pela CBS httpswwwcbsnewscomnewstwitterkills itsautomaticcroppingfeatureaftercomplaints 211 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 212 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 74 Por mais que essas questões já estejam permeando a nossa realidade o Brasil está incipiente no debate sobre a regulamentação dessas novas tecnologias e de como será a responsabilização da ação praticada por uma IA214 ou atores coletivos215 Não obstante mesmo com o advento de uma legislação novas sobre o tema é uma tarefa árdua determinar onde inicia e finaliza qualquer responsabilidade da conduta praticada por um software e a responsabilidade de um ser humano sobre as ações da IA e a individualização das ações humanas para efeitos de responsabilidades A questão é como lidar com a questão de responsabilidade da IA Seria a inteligência artificial responsável por suas supostas condutas ou as pessoas envolvidas no processo de criação e na utilização das IAs são responsáveis e deveriam responder pelos seus atos Se voltarmos para os casos anteriores é possível observar o sistema COMPAS apenas como uma ferramenta que o Estado de Wisconsin estava utilizando para perpetuar ações reprováveis de cunho racial completamente intimidadoras com a população negra ou o sistema era utilizado como uma ferramenta para que o Estado de Wisconsin estabelecesse o grau de periculosidade para os processados criminalmente Na realidade as informações geradas pelas máquinas acabam por perpetuar discriminações de cunho racial Já no caso do Twitte seria possível responsabilizar a plataforma pela base de dados completamente enviesada mesmo que a base de dados tenha sido formada a partir das opções de parte da população norteamericana Neste caso ainda é cabível observar que um sistema operacional atribui somente aquilo que foi determinado na sua base de dados Se falamos para uma máquina otimizar a entrada e a permanência de usuários em uma rede como é possível culpabilizar a máquina por maximizar o que os usuários apreciam e afastar ou obscurecer o que os usuários desgostam 213 FORNASIER Mateus de Oliveira A inteligência Artificial como pessoa 1 ed Londrina Editora Thoth 2021 p 2223 214 Somente em 2023 houve propostas de lei para tentar regulamentar a conduta de uma IA pelo senado Disponível em httpswwwcamaralegbrnoticias968967PROPOSTAREGULAMENTA UTILIZACAODAINTELIGENCIAARTIFICIAL Acesso em 30 ago 2024 215 Gunther Teubner e Anna Beckers falam em um estranho hibridismo na ação que unem as pessoas humanas e os algoritmos que não só comunicam entre si mas também unem forças para formar novos tipos de atores coletivos BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 75 Nesse ponto podese analisar a melhor alternativa para respostas a partir da averiguação sobre o limite do risco216 entre uma máquina e um indivíduo entre um criador e a sua criação entre um autor e sua obra ou entre um cientista e a sua criação217 Apesar do tema já estar sendo tratado nos meios literários há muito tempo o meio jurídico ainda procura encontrar qual a melhor alternativa para abordar essas questões218 Em 2018 o Parlamento Europeu comunicou a imprensa que estaria chamando os melhores especialistas para tratar sobre o tema de IA219 Em 2021 o parlamento da União Europeia delimitou os limites a partir dos riscos220 advindos da utilização das IAs Niklas Luhmann explica que muitos delimitam a noção de risco a partir da impossibilidade de chegar à seguridade absoluta que está amparada no desejo que cientistas têm de encontrar a seguridade com a precisão numérica O sociólogo da teoria dos sistemas sociais estabelece o conceito de risco na distinção entre risco e perigo o que sugere a incerteza quanto aos danos futuros O dano provável é consequência da ação e está pressuposto na consciência deste dano O perigo é o dano atribuído a causas externas que fogem ao controle O conceito de atribuição é utilizado como uma observação de como acontece a atribuição do risco o qual inclui a contingência Assim 216 Risco pode ser entendido como aquilo que se aproxima do que é terrível ou em uma abordagem existencialista podemos entender risco como uma indeterminação efetiva RISCO gr KÍVSUVOÇ in Risk fr Risque ai Wcigniss Cjedhr it Rischio Aristóteles considerava o R como o aproximarse daquilo que é terrível Rei II 5 1382 a 33 existencialismo contemporâneo A pretensão implícita na decisão baseiase numa indeterminação efetiva ou seja na possibilidade de que as coisas se passem de maneira diferente daquilo que eu decido mas também se baseia no fato de eu que decido assumir esse R bem como na consideração de todas as possíveis garantias que eu possa obter ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins fontes 2007 p 859 217 CASTRO Ruy Frankenstein Uma história de Mary Shelley 32 Reimpr São Paulo Companhia das Letras 2014 Título original Franknstein or the modern Prometheus Esse pequeno conto demonstra o remorso e o arrependimento que o Dr Franknstein tem pela sua criação que apesar de ter sido um grande sucesso se mostrou um monstro que destruiu todas as suas expectativas Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombrtrechos10479pdf Acesso em 15 maio 2024 218 Para a ONU já é um consenso que a humanidade deve dominar não ser dominada pelas máquinas Inteligências Artificiais como está no site oficial httpsnewsunorgptstory2024031829446 219 Site oficial com um pequeno fluxo de tempo do ocorrido até chegar nas diretrizes europeias httpsdigitalstrategyeceuropaeuptpolicieseuropeanapproachartificialintelligence 220 Site oficial da União europeia sobre o tema TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidauesobreia primeiraregulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 76 é impossível pensar em uma conduta isenta do risco pois as tecnologias de informações221 não garantem que se pode os danos222 Recentemente a União Europeia baixou um regulamento com o chamado pacote de riscos com quatro classificações o risco inaceitável o risco elevado o risco limitado e risco mínimo Em janeiro de 2024 chegou um pacote de inovação no domínio da IA para apoiar as empresas em fase de arranque e os domínios da inteligência artificial Risco Inaceitável Os sistemas de IA de risco inaceitável são sistemas categorizados como uma ameaça para as pessoas e devem ser proibidos Estes sistemas incluem as manipulação cognitivocomportamental de pessoas ou grupos vulneráveis específicos A título de exemplo é possível citar os brinquedos ativados por voz que incentivam comportamentos perigosos nas crianças ou seja algum brinquedo que possa incitar algum comportamento indesejado em uma criança que tenha algum tipo de ativação por voz Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é a pontuação social que pode ser entendido como classificação de pessoas com base no comportamento estatuto socioeconómico caraterísticas pessoais Como exemplo podese citar um aplicativo que separa as pessoas pelas suas condições monetárias ou classe econômica Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é o policiamento preditivo ou seja a utilização da IA como ferramenta de prática da segurança pública que utiliza dados estatísticos de séries temporais para criação de algoritmos e modelos de predição A identificação biométrica é outro risco com a categorização de pessoas singulares ou seja traçar um mapa biométrico através de características singulares de um determinado indivíduo Neste caso se uma característica de um determinado indivíduo chama atenção a inteligência artificial não pode traçar as características biométricas para categorizar essa pessoa nem identificar Por fim ainda nesses sistemas de riscos inaceitáveis temos o sistema de identificação biométrica em tempo real e a distância através de um sistema de 221 Luhmann explica que vivemos em uma sociedade de risco pelo avanço das novas tecnologias e a relação que estabelecemos com essas tecnologias LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p131132 222 LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p36 40 77 reconhecimento facial por exemplo um sistema que reconhece em tempo real os traços biométricos de um determinado indivíduo esse sistema representa um potencial risco constante para o monitoramento de qualquer indivíduo Esse sistema em tempo real possui exceções para fins de aplicações O regulamento determina que serão permitidos num número limitado de casos considerados graves enquanto os sistemas de pós identificação biométrica à distância em que a identificação ocorre após um atraso significativo só serão permitidos para repressão de crimes graves e após a aprovação de um tribunal competente O exemplo a mais claro para esse caso é um sistema carcerário que busca respeitar a integridade dos seus detentos e mesmo assim busca um monitoramento Risco elevado Os riscos elevados são os sistemas de IA que afetam de forma negativa a segurança e os direitos fundamentais e são divididos em duas categorias 1 Sistemas de IA que são utilizados em produtos abrangidos pela legislação da União Europeia em matéria de segurança dos produtos Isto inclui brinquedos aviação automóveis dispositivos médicos e elevadores 2 Sistemas de IA que se enquadram em áreas específicas que terão de ser registados numa base de dados da União Europeia como exemplo gestão e funcionamento de infraestruturas essenciais educação e formação profissional emprego gestão dos trabalhadores e acesso ao trabalho por conta própria acesso e usufruto de serviços privados essenciais e de serviços e benefícios públicos aplicação da lei gestão da migração do asilo e do controlo das fronteiras assistência na interpretação jurídica e na aplicação da lei O regulamento ainda aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados tanto antes de serem colocados no mercado como durante todo o seu ciclo de vida Ainda dobre os riscos o regulamento estabelece o que seria uma IA Geral ou generativa Inteligência artificial geral e generativa 78 A IA generativa tal como o famoso ChatGPT deve cumprir os seguintes requisitos de transparência divulgar que o conteúdo foi gerado pela IA conceber o modelo para evitar que este gere conteúdos ilegais publicar resumos dos dados protegidos por direitos de autor utilizados para a formação O regulamento aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados antes de serem colocados no mercado e durante todo o seu ciclo de vida Ainda existem os modelos de IA de uso geral de maior impacto que podem representar um alto risco ou um risco sistémico como o modelo de GPT4 pois seus avanços e limitações ainda não foram conhecidos completamente por se tratar de tecnologias extremamente novas e de ponta Por esse motivo esses modelos deveriam ser submetidos a avaliações exaustivas e serem comunicadas as ocorrências de quaisquer incidentes graves às comissões competentes Risco limitado Os sistemas de inteligência artificial de risco limitado devem cumprir requisitos mínimos de transparência que permitam aos usuários tomarem decisões informadas ou seja os próprios usuários podem ter controle sobre a sua utilização e as divulgações de seus dados e depois de interagir com as aplicações o usuário humano pode decidir se quer continuar a utilizálas Nestes casos os usuários devem ser alertados para o fato de estarem a interagir com a IA Isto diz respeito também aos sistemas de IA que geram ou manipulam conteúdos de imagem áudio ou vídeo por exemplo os deepfakes Risco mínimo ou nulo A maioria dos sistemas de IA não acarreta riscos e portanto não são regulamentados nem afetados pelo Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia São exemplos os jogos de vídeo com IA ou os filtros de spam Vale destacar o regulamento europeia não procurou estabelecer diretrizes normativas leis abertas como na ficção de Eu Robô as leis da robótica mas sim estabelecer proibições e 79 interdições sobre os riscos inaceitáveis bem como estabelecer os limites aos riscos elevados e limitados permitindo os riscos mínimos ou nulos 512 A regulamentação brasileira No mais podemos observar como a legislação brasileira se comporta e como já fora observado o Brasil inicia o debate sobre a produção de uma lei no que tange assegurar um ambiente seguro para o convívio com a IA Dentre as propostas destacamse dois projetos de lei o PL 7592023223 e o PL 23382023224 O primeiro projeto é de autoria da Câmara dos deputados e o segundo do Senado Ambos os projetos se assemelham bastante no que diz respeito as normas propostas Destacamse alguns artigos e partes do texto de ambas as propostas em especial da proposta de lei do Senado Federal De início cumpre explicar que enquanto a proposta do Senado está alicerçada na questão do risco a proposta da câmara dos deputados fixa no estabelecimento de diretrizes O projeto da Câmara possui sete artigos e o artigo 1º determina Art 1º Esta Lei dispõe sobre a Inteligência Artificial estabelece parâmetros para sua área de atuação cria segurança jurídica para o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços visando a inovação criação de robôs máquinas e equipamentos que utilizem a Inteligência Artificial nos limites da ética e dos Direitos Humanos Neste projeto há a intenção de criar diretrizes normativas para impor as máquinas quais são os limites de suas ações colocando comandos e diretrizes para guiar a própria existência da inteligência artificial Art 4º As soluções programas e projetos da Inteligência Artificial devem atender II essas soluções não podem ferir seres humanos e nem serem utilizadas em destruição em massa ou como armas de guerra ou defesa III os Robôs e equipamentos derivados da Inteligência Artificial devem cumprir protocolos de Direitos Internacionais de proteção à vida e aos Direitos Humanos 223 Integra do projeto de lei Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebpropmostrarintegracodteor2238606filenamePL 207592023 Acesso em 10 maio 2024 224 Integra do projeto de lei Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumento dm9347622ts1702407086098dispositioninlinegl11om5gnigaNjY5Njc0MjA3LjE3MDc xNzI4NTMgaCW3ZH25XMKMTcwNzczOTEyOS4yLjAuMTcwNzczOTEyOS4wLjAuMA Acesso em 10 maio 2024 80 Os incisos destacados se assemelham muito com as duas primeiras leis da robótica propostas por Asimov em 1950 um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei225 Aqui há os limites do direito e da ficção da realidade e da literatura No projeto do Senado a figura humana aparece como objeto central de direitos que devem ser protegidos por aqueles afetados pela IA226 Art 5º Pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm os seguintes direitos a serem exercidos na forma e nas condições descritas neste Capítulo I direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial II direito à explicação sobre a decisão recomendação ou previsão tomada por sistemas de inteligência artificial III direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado IV direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de inteligência artificial levandose em conta o contexto e o estado da arte do desenvolvimento tecnológico V direito à nãodiscriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos indiretos ilegais ou abusivos e VI direito à privacidade e à proteção de dados pessoais nos termos da legislação pertinente Parágrafo único Os agentes de inteligência artificial informarão de forma clara e facilmente acessível os procedimentos necessários para o exercício dos direitos descritos no caput Vale destacar que os parágrafos grifados demonstram a necessidade de as operações da IA serem transparentes em especial o inciso IV que determina o direito de um indivíduo interagir com uma IA e participar do processo decisórios Também se destaca a questão da supervisão de um humano sobre as decisões tomadas pelas máquinas ou seja qualquer ação tomada por uma IA deve ser supervisionada por um humano ou no mínimo poder ser substituída pela decisão do humano227 225 Segundo Kelsen o direito é uma ordem coativa 226 Interessante colocar a figura humana no cerne do projeto de lei pois até o presente momento não houve consenso nem tentativa eficaz de tornar a figura de uma IA como possuidora de direitos o que ainda levantou a questão da proteção de obras publicadas por uma IA como por exemplo uma imagem ou um texto FARIA Victor Meireles Inteligência artificial e direitos autorais Disponível em httpswwwconjurcombr2023abr27victorfariainteligenciaartificialdireitosautorais Acesso em 08 ago 2024 227 Ainda sobre esse tema cabe destacar o Artigo 8º da mesma lei Art 8º A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial poderá solicitar explicação sobre a decisão previsão ou recomendação com informações a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados assim como sobre os principais fatores que afetam tal previsão ou decisão específica incluindo informações sobre I a racionalidade e a lógica do sistema o significado e as consequências previstas de tal decisão para a pessoa afetada II o grau e o nível de contribuição do sistema de inteligência artificial para a tomada de decisões III os dados processados e a sua fonte os critérios para a tomada de decisão e quando apropriado a sua ponderação aplicados à situação da pessoa afetada IV os mecanismos por meio dos quais a pessoa pode contestar a decisão e V a possibilidade de solicitar intervenção humana nos termos desta Lei Parágrafo único As informações mencionadas no caput serão fornecidas por procedimento gratuito e facilitado em linguagem que permita que a pessoa compreenda o resultado da decisão ou previsão em questão no prazo de até quinze dias a contar da solicitação permitida a prorrogação uma vez por igual período a depender da complexidade do caso 81 Há uma tentativa de prever o comportamento de uma IA ou no mínimo encontrar meios para entender os parâmetros que levaram a um resultado Isto fica nítido no art 8º inciso I da mesma lei A problemática é a improvável realização de previsão dos resultados de uma máquina apenas pelos bancos de dados e seu programa de auto criação O problema de alinhamento também é de difícil superação228 O projeto optar pelo mesmo caminho da regulamentação da União Europeia quanto aos riscos CAPÍTULO III DA CATEGORIZAÇÃO DOS RISCOS Seção I Avaliação preliminar Art 13 Previamente a sua colocação no mercado ou utilização em serviço todo sistema de inteligência artificial passará por avaliação preliminar realizada pelo fornecedor para classificação de seu grau de risco cujo registro considerará os critérios previstos neste capítulo Neste ponto toda IA antes de adentrar ao mercado deve passar por uma categorização de riscos e se submeter a critérios de enquadramento antes de sua aprovação É clara a similaridade entre as categorizações do projeto de lei brasileiro e o regulamento da União Europeia Como no regulamento da União Europeia os riscos excessivos serão vedados de serem utilizados Art 14 São vedadas a implementação e o uso de sistemas de inteligência artificial I que empreguem técnicas subliminares que tenham por objetivo ou por efeito induzir a pessoa natural a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei II que explorem quaisquer vulnerabilidades de grupos específicos de pessoas naturais tais como as associadas a sua idade ou deficiência física ou mental de modo a induzilas a se comportar de forma prejudicial a sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei III pelo poder público para avaliar classificar ou ranquear as pessoas naturais com base no seu comportamento social ou em atributos da sua personalidade por meio de pontuação universal para o acesso a bens e serviços e políticas públicas de forma ilegítima ou desproporcional 229 Art 15 No âmbito de atividades de segurança pública somente é permitido o uso de sistemas de identificação biométrica à distância de forma contínua em espaços acessíveis ao público quando houver previsão em lei federal específica e autorização judicial em conexão com a atividade de persecução penal individualizada nos seguintes casos I persecução de crimes passíveis de pena máxima de reclusão superior a dois anos II busca de vítimas de crimes ou pessoas desaparecidas ou III crime em flagrante 228 Essa ideia fica mais clara no Art 9º da mesma lei A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial terá o direito de contestar e de solicitar a revisão de decisões recomendações ou previsões geradas por tal sistema que produzam efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa seus interesses 229 Neste ponto é clara a tentativa de evitar discriminação por parte dos operadores da Inteligência Artificial 82 Apesar de possuírem exceções do artigo 15 é muito claro que projeto de lei restringe a utilização de identificação biométrica à distância230 O artigo Art 17 dispõe sobre os riscos231 Assim Alto Risco Art 17 São considerados sistemas de inteligência artificial de alto risco aqueles utilizados para as seguintes finalidades II educação e formação profissional incluindo sistemas de determinação de acesso a instituições de ensino ou de formação profissional ou para avaliação e monitoramento de estudantes IV avaliação de critérios de acesso elegibilidade concessão revisão redução ou revogação de serviços privados e públicos que sejam considerados essenciais incluindo sistemas utilizados para avaliar a elegibilidade de pessoas naturais quanto a prestações de serviços públicos de assistência e de seguridade V avaliação da capacidade de endividamento das pessoas naturais ou estabelecimento de sua classificação de créditoVII administração da justiça incluindo sistemas que auxiliem autoridades judiciárias na investigação dos fatos e na aplicação da lei VIII veículos autônomos quando seu uso puder gerar riscos à integridade física de pessoas XI investigação criminal e segurança pública em especial para avaliações individuais de riscos pelas autoridades competentes a fim de determinar o risco de uma pessoa cometer infrações ou de reincidir ou o risco para potenciais vítimas de infrações penais ou para avaliar os traços de personalidade e as características ou o comportamento criminal passado de pessoas singulares ou grupos O inciso II do referido artigo pode vedar experimentos como o ocorrido em uma universidade de Portugal onde tentaram implantar uma Inteligência Artificial dentro de um ambiente escolar com o intuito de desenvolver empatia tanto por parte da IA quanto por parte dos indivíduos que participaram do experimento232 Em um cenário hipotético se essa lei fosse aprovada no Brasil o experimento português em ambiente escolar que supostamente deveria demonstrar empatia poderia ser categorizada como uma IA de alto risco e interditado Os incisos IV V e VIII podem ser enquadrados em um cenário nem tão hipotético No Brasil já existem sistemas de monitoramento constantemente utilizados pelo poder público Na cidade de Pindamonhangaba por exemplo existe um sistema de monitoramento que ao que tudo indica é programado através de Inteligência Artificial para o monitoramento de carros e indivíduos considerados suspeitos para a instituição governamental Segundo o site oficial233 Novas funcionalidades de inteligência irão proporcionar Análise comportamental e individual de cada veículo baseandose nas 230 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 231 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 232 NEVES Céu Patrão CARVALHO Maria GRAÇA Maria Ética aplicada Novas Tecnologias 1 ed PortugalLisboa Lamedina SA 2018 p180181 233 Site oficial do município httpspindamonhangabaspgovbrinteligenciaartificialnomonitoramento 83 informações coletadas pelo sistema Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em furto ou roubo de veículos por meio da análise da circulação dos veículos Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em atividades delituosas por meio da análise de presença nas áreas monitoradas Capacidade de relacionar a circulação conjunta de veículos com objetivo de identificação de membros do crime organizado 234 Capacidade de apontar os prováveis suspeitos de cometimento de crimes especializados como assalto a instituição financeira Os incisos VII e XI é o caso de diversas autoridades estatais que estão utilizando os sistemas de reconhecimento na administração da justiça235 tais como o caso COMPAS ou em alguns casos europeus236 Vale destacar o questionamento que surge da omissão das respectivas casas legislativas responsáveis tanto em âmbito federal quanto os demais entes da federação em legislar sobre uma vez que controle de constitucionalidade deve ter como objetivo proteger direitos dos indivíduos que vivem em uma sociedade237 antes que decorra alguma irregularidade ou alguma supressão de direitos Os casos mais simples talvez sejam os que discutem no ambiente da justiça uma vez há substituição de indivíduos por máquinas238 Mas a questão se expande se observarmos como esse ambiente carece de uma regulamentação e avança em todo 234 A semelhança no caso de State v Loomis chama muito a atenção nesse exemplo para melhor referência e resumo MANTOVANI Otávio Augusto Silva RESENDE Ana Paula Bougleux Andrade Inteligência artificial e direito penal análise do caso State v Loomis à luz dos princípios do dever de fundamentação e individualização das decisões judiciais Academia 2021 Disponível em httpswwwacademiaedu66464899INTELIGC38ANCIAARTIFICIALEDIREITOPENALan C3A1lisedocasoStatevLoomisC3A0luzdosprinc C3ADpiosdodeverdefundamentaC3A7C3A3oeindividualiza C3A7C3A3odasdecisC3B5esjudiciais Acesso em 15 set 2024 235 Esse ato de utilizar sistemas de monitoramento em outros países no auxilio da administração da justiça é um pouco estranho ao nosso ordenamento pois a presença de um advogado deveria ser fator obrigatório segundo a nossa Carta Magna Seção III Da Advocacia e da Defensoria Pública Art 133 O advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv71988pdf sequence10 Acesso em 10 set 2024 Resta o questionamento se a presença do advogado seria colocada durante alguma investigação ou se os advogados teriam algum tipo de acesso ao órgão público ou privado competente para auxiliar na administração da justiça ou interesse do investigado ou monitorado 236 Vide casos europeus que estão sendo discutidos sobre a utilização dessas tecnologias httpsnoticiasuolcombrultimasnoticiasrfi20231025noreinounidousodeinteligenciaartificial peloservicopublicolevantaquestionamentoshtm 237 Para melhor elucidar é mister salientar a colocação do atual Ministro do Pretório Excelso que delimita que o controle preventivo não é meio de declarar nulidades por excelência mas visa impedir que um ato inconstitucional entre em vigor BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 p 04 238 Notícia de um suposto Robô advogado que opera por intermédio de uma Inteligência Artificial httpswwwstartsecomartigosprimeiroroboadvogadopais 84 mundo sobrepujando direitos como proteção aos dados pessoais monitoramento acesso a bens de consumo direitos transindividuais de locomoção e afins Por fim em relação a governança a União os Estados e o Município devem adotar medidas para regular a utilização da Inteligência Artificial dentro do território nacional CAPÍTULO IV DA GOVERNANÇA DOS SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Seção I Disposições Gerais Art 19 Os agentes de inteligência artificial estabelecerão estruturas de governança e processos internos aptos a garantir a segurança dos sistemas e o atendimento dos direitos de pessoas afetadas nos termos previstos no Capítulo II desta Lei e da legislação pertinente Seção II Medidas de Governança para Sistemas de Inteligência Artificial de Alto Risco Art 20 Além das medidas indicadas no art 19 os agentes de inteligência artificial que forneçam ou operem sistemas de alto risco adotarão as seguintes medidas de governança e processos internos Seção III Avaliação de Impacto Algorítmico Art 22 A avaliação de impacto algorítmico de sistemas de inteligência artificial é obrigação dos agentes de inteligência artificial sempre que o sistema for considerado como de alto risco pela avaliação preliminar Parágrafo único A autoridade competente será notificada sobre o sistema de alto risco mediante o compartilhamento das avaliações preliminar e de impacto algorítmico DA RESPONSABILIDADE CIVIL Art 27 O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial moral individual ou coletivo é obrigado a reparálo integralmente independentemente do grau de autonomia do sistema CAPÍTULO VI CÓDIGOS DE BOAS PRÁTICAS E DE GOVERNANÇA Art 30 Os agentes de inteligência artificial poderão individualmente ou por meio de associações formular códigos de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos inclusive sobre reclamações das pessoas afetadas as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para cada contexto de implementação as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e as medidas de segurança técnicas e organizacionais apropriadas para a gestão dos riscos decorrentes da aplicação dos sistemas CAPÍTULO VIII DA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO Seção I Da Autoridade Competente Art 32 O Poder Executivo designará autoridade competente para zelar pela implementação e fiscalização da presente Lei Por fim é cabível destacar as sanções Art 36 Os agentes de inteligência artificial em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade competente I advertência II multa simples limitada no total a R 5000000000 cinquenta milhões de reais por infração sendo no caso de pessoa jurídica de direito privado de 85 até 2 dois por cento de seu faturamento de seu grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício excluídos os tributos III publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência IV proibição ou restrição para participar de regime de sandbox regulatório previsto nesta Lei por até cinco anos V suspensão parcial ou total temporária ou definitiva do desenvolvimento fornecimento ou operação do sistema de inteligência artificial e VI proibição de tratamento de determinadas bases de dados 1º As sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa de forma gradativa isolada ou cumulativa de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios I a gravidade e a natureza das infrações e a eventual violação de direitos II a boafé do infrator III a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator IV a condição econômica do infrator V a reincidência VI o grau do dano VII a cooperação do infrator VIII a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar riscos inclusive a análise de impacto algorítmico e efetiva implementação de código de ética IX a adoção de política de boas práticas e governança X a pronta adoção de medidas corretivas XI a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção e XII a cumulação com outras sanções administrativas eventualmente já aplicadas em definitivo para o mesmo ato ilícito 52 A Máquina e a Entropia Decerto a incerteza239 não é um conceito novo para a robótica Há tempos os físicos e matemáticos trabalham a entropia240 dentro do ambiente científico241 Um dos primeiros a expandir esse conceito para outras áreas do conhecimento além de apresentar com uma nova interpretação foi o físico Werner Heisenberg que ganhou o Prêmio Nobel em 1932 pela apresentação do que ficaria conhecido como o princípio da incerteza242 239 A incerteza pode ser entendida como algo que não está certo dúvida hesitação HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 1063 240 Entropia chamou sempre a atenção dos filósofos porque estabeleceu em nível científico a irreversibilidade dos fenômenos naturais De fato para a mecânica clássica ou newtoniana todos os fenômenos são reversíveis para eles o tempo pode transcorrer indiferentemente em uma ou outra direção do passado para o futuro ou do futuro para o passado O t das equações que exprimem o comportamento dos fenômenos mecânicos é uma variável contínua que não tem sentido determinado O princípio da E ao contrário estabelece um sentido para os fenômenos qual seja a sua irreversibilidade no tempo ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 335 241 O termo foi popularizado pelo cientista CLAUSIUS R The Mechanical Theory of Heat with its Applications to the SteamEngine and to the Physical Properties of Bodies Taylor And Francis Red Lion Court Fleet Street 1865 Apesar das suas aplicações posteriores dentro da filosofia o termo foi utilizado para se referir a alta temperatura de um motor para desempenhar uma determinada função e o baixo rendimento O cientista apontava que esse descompasso como entropia uma vez que a incongruência de um motor para executar uma determinada função não deveria ocorrer para a física da época Resumo da Unicamp CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 2 p 181192 2005 Disponível em httpswwwprpunicampbrpibiccongressosxxicongressopaineis135644pdf Acesso em 01 set 2024 242 O princípio da incerteza proposto por Heisenberg assume a incerteza sobre algumas partículas em determinadas situações conceito que seria de extrema importância para o entendimento da física quântica 86 Com o passar do tempo a entropia abriu espaço para que dentro da robótica ocorressem a construção de novos conceitos como a imprevisibilidade da máquina A imprevisibilidade foi tomando forma e hoje não é tão nítido qual a capacidade de uma máquina de responder uma questão com previsibilidade A imprevisibilidade das máquinas não ocorreu apenas pela entropia ou a incerteza sobre como determinados algoritmos irão se comportar A imprevisibilidade pode ter ocorrido pela falta de conhecimento que temos sobre conceitos a aplicações Mas essa é apenas uma faceta As Big Techs detêm a tecnologia e não há como entender e compreender como as máquinas chegam aos seus resultados Se escrevemos no Google ou no WhatsApp alguma palavra é muito comum que ele complete a palavra antes de terminarmos Mas a incerteza do resultado nesse caso não recai sobre a máquina e sim pela falta de conhecimento sobre os componentes que levam a máquina a supor aquele resultado 243 Quando falamos sobre desenvolvimento das Inteligências Artificiais há o costume de posicionamento sobre o futuro ou se observa qual seria o potencial que essas tecnologias alcançariam Contudo em realidade as máquinas só funcionam com base em dados datas que colocamos sobre esses algoritmos Neste sentido a direção é errada quando se tenta fazer a previsão do resultado dos dados de uma IA pois a máquina sempre será ditada pela fonte de dados que se imputa nela244 Em suma devemos colocar nossa busca no passado e no meio que uma determinada tecnologia será inserida para depois conseguirmos entender os resultados Existem diversos casos que demonstram como os algoritmos de uma máquina podem ser nocivos a ponto de realmente causar mal para uma sociedade245 Esses casos muitas vezes podem estar no limite da ficção mas estão tão inseridos em nossa sociedade quanto possível246 Da mesma forma ainda existem os que buscam trazer transparência para esses conglomerados de informações247 ou física não newtoniana Breve síntese histórica CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 27 n 2 p 181192 2005 Disponível em wwwsbfisicaorgbr Ou httpswwwunicampbrchibenipublicheisenbergpdf Acesso em 15 fev 2024 243 BUCCI Eugênio Incerteza um ensaio Como pensamos a ideia que nos desorienta e orienta o mundo digital 1 ed Belo Horizonte MG Autêntica 2023 p 19 55 244 Documentário Netflix Coded Bias personagem principal afirma que a Ias são pautadas pelo conjunto de datas nos seus algoritmos 245 Weapons of Math Destruction How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy 246 Caso em que a polícia da Inglaterra usava a reconhecimento facial para identificar e armazenar dados de indivíduos Disponível em httpswwwwiredcoukarticleukpolicefacerecognitionexpansion Acesso em 07 mar 2024 87 A observação dos efeitos que o meio pode exercer sobre a máquina pode fazer com que apreendam as extensões dos resultados248 Aqui estão as situações conflituosas decorrentes da utilização da Inteligência artificial com a questão da discriminação e da vigilância Na questão da vigilância é comum a utilização da Inteligência Artificial pelo sistema estatal para monitorar classificar e restringir direitos da população Em meados de 2014 a China implantou um sistema de monitoramento constante através de câmeras de segurança drones e afins com o intuito de monitorar a sua população Não se sabe quando o sistema passou a ranquear as pessoas ou se o plano original era realizar esse ranque para controlar os civis de um país Mas a realidade é que em 2019 a China começou a limitar a movimentação de alguns cidadãos através de um ranque social249 segundo a imprensa Em verdade não é claro se é o próprio sistema de monitoramento chinês que realiza o ranqueamento da população ou se existe alguma agência governamental operada por pessoas que utilizam as gravações e ações da população para realizar esse ranqueamento É claro que o monitoramento 24hrs e o armazenamento das pastas para permitir ou impedir o transporte e acesso a bens de consumo é realizado por uma IA uma vez que seria humanamente impossível monitorar toda uma população dessa maneira as 24 horas por dia e os 7 dias da semana O caso também lembra a ficção uma vez que imaginar que um Estado observaria as ações de sua população com o intuito de controlar as condutas tomadas pelos seus indivíduos parece um enredo que saiu da ficção científica de um livro do Jorge Orwell 1984 A realidade é um pouco mais complicada pois ao contrário da narrativa apresentada pelo célebre autor em que os detalhes dos meios pelo qual as tecnologias funcionam no mundo ficcional são descritos pelo narrador e assim percebidos pelo leitor o regime chinês não apresenta nenhuma transparência250de como essas tecnologias funcionam Fato que contribui para um clima de vigilância constante e 247 Empresa inglesa que luta contra a fiscalização e armazenamento virtual por meio de uma de uma IA de dados pessoais de determinados indivíduos Disponível em httpsbigbrotherwatchorguk Os mesmos dados coletados no índice passado Acesso em 15 maio 2024 248 Em 2016 a Microsoft tentou lançar uma IA com intuito de absorver informações do meio e tentar desenvolver uma persona com base nessa absorção O experimento denominado como Tay foi um fracasso pois os internautas da rede social Twitter Influenciaram fortemente na base de dados dessa IA o que produziu uma série de comentários antissemitas racistas e afins Como resultados a Microsoft veio a público e pediu desculpas formalmente pelo ocorrido anunciando o encerramento da Tay Disponível em httpsblogsmicrosoftcomblog20160325learningtaysintroduction Acesso em 25 ago 2024 249 Notícia da BBC que explica o funcionamento do ranque social da China THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentformarch7201915046443howchinassocialcredit systemblockedmillionsofpeoplefromtravelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 88 não conhecimento das extensões do poder do governo chinês sobre a vida da população civil Nesse sentido não há outro país no mundo que tenha realizado as ações que o governo chinês realizou e por esse motivo não há perspectiva ou comparação com nenhum outro país para podermos vislumbrar as extensões do poder do governo chinês sobre a sua população o que torna a ficção científica o alicerce mais palpável da realidade do governo chinês Esse é um caso de desencanto quando não encontramos casos reais que aproximem o que está na nossa realidade com nenhum outro exemplo e a saída mais próxima é a literatura O caso do governo chinês se aproxima mais de uma distopia251 do que qualquer outro exemplo poderia fazer uma vez que não aproxima de um lugar imaginário Fictício como fez Thomas more em sua obra252 E sim traz a realidade tão latente e atual que a única aproximação que temos é recorrer ao gênero que chamamos de ficção científica 53 Desencanto em desenvolvimento EM desenvolvimento O desencanto pode ser entendido como a substituição da figura do homem como a persona central do meio que o cerca com o de uma ferramenta no caso a 250 Destacase que o emprego da palavra transparência é no sentido do direito do cidadão frente ao Estado ou como destacado Para nós a transparência no sentido estrito do direito público deve ser entendida como uma qualidade um atributo de permeabilidade das ações do governo a partir da disponibilização do acesso às informações acauteladas pelo Estado possibilitando a interferência do cidadão nas tomadas de decisão que devem ser devidamente motivadas para possibilitar o mais amplo controle tanto interno quanto externo das ações do administrador público assim como o inafastável controle judicial e o controle social que poderá refletirse ulteriormente nas escolhas democráticas e republicanas da população E através da transparência que o cidadão deixa de ser um mero espectador do agir estatal e passa a exercer efetivamente a democracia participativa ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 p 39111 251 Aqui a utilização do termo Distopia é para enquadrar o completo oposto de uma utopia quem vem a ser um termo utilizado no meio literário para descrever lugares inexistentes e que se aproximam da perfeição UTOPIA lat Utopia in Utopia fr Utopie ai Utopie it Utopia Thomas More deu esse nome a uma espécie de romance filosófico De optimo reípublicaestatu deque nova insula Utopia 1516 no qual relatava as condições de vida numa ilha desconhecida denominada U nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa Depois disso esse termo passou a designar não só qualquer tentativa análoga tanto anterior quanto posterior como a República de Platão ou a Cidade do Sol de Campanella mas também qualquer ideal político social ou religioso de realização difícil ou impossível Como gênero literário U extrapola a consideração filosófica aqui só observaremos que ela foi e ainda é muito divulgada sendo adaptada até para romances de ficção científica Cabe à filosofia avaliar a U tanto a expressa em forma de romance quanto a expressa em forma de mito ou ideologia etc ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 987 252 Por volta das páginas 61 e 62 Thomas More começa a descrever a ilha que ganharia a alcunha de Utopia MORE Thomas A Utopia São Paulo Editora Martin Claret Ltda 2013 p 6162 89 utilização das IAs O que Weber apontava como o desencanto do mundo pela substituição da figura divina com a figura do Homem pode estar acontecendo novamente com as novas tecnologias e meios Irei desenvolver o tema com base nos marcos teóricos Marx Weber e na obra de Jaques Ellul 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção REFERÊNCIAS ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito 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Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 95 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 SIEGEL Alan Lets simplify legal jargon Filmed Feb 2010 Talk In Less Than 6 Minute Disponível em httpwwwtedcomtalksalansiegelletssimplify legal jargonhtml Acesso em 26 mar 24 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv7198 8pdfsequence10 Acesso em 10 set 2024 TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804oqueea inteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial 20IA20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidauesobre iaprimeiraregulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentformarch 7201915046443howchinassocialcreditsystemblockedmillionsofpeoplefrom travelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 96 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2024 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri O Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito MESTRADO EM DIREITO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos São Paulo 2024 B236 Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito São Paulo sn 2024 63 p 30 cm Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito 2024 Orientadora Profa Dra Maria Celeste Cordeiro dos Santos 1 Ficção literária 2 Direito 3 Literatura I Santos Maria Celeste Cordeiro Leite dos II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pósgraduados em Direito III Título CDD 340 Rodrigo de Araújo Alcântara Barbieri Desencanto Entre a Ficção a Literatura e o Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito sob a orientação da Profa Dra Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos Banca Examinadora Profa Doutora Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos PUCSP DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 RESUMO PalavrasChave Barbieri Rodrigo de Araújo Alcântara Desencanto entre a ficção a literatura e o direito 2024 63 p Dissertação Mestrado em Direito Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2024 ABSTRACT Keywords SUMÁRIO INTRODUÇÃO Em construção10 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO12 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem12 12 A linguagem em Umberto Eco17 13 A importância da semântica para o Direito22 14 A língua como ferramenta no meio jurídico32 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia37 15 Argumentação40 CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA44 21 As correntes clássicas Direito e Literatura49 211 Direito da Literatura49 212 Direito como literatura52 213 Literatura como direito54 214 Direito na Literatura55 215 Direito pela literatura59 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim60 221 Uma breve definição do termo60 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito63 CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO65 31 O Fictício e o real65 32 O Fictício e a literatura65 33 O Fictício e o direito65 CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO65 41 La Pacha mama66 42 Wotan72 43 Ronald Dworkin e o romance continuado77 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça79 CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL88 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press92 51 A regulamentação da Inteligência Artificial97 512 A regulamentação brasileira102 52 A Máquina e a Entropia109 53 Desencanto em desenvolvimento112 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção113 REFERÊNCIAS113 INTRODUÇÃO Em construção 12 CAPÍTULO 1 A SEMÂNTICA E O DIREITO Neste capítulo a proposta é dissertar sobre a relação da semântica que está situada na semiótica estudo do signo e o Direito um fenômeno social que pode ser estudado sob várias perspectivas epistemológicas Aqui enfatizamos o estudo Direito em uma intersecção com a literatura com o enfoque na linguagem1 11 No Início Havia o Verbo a palavra os signos e a linguagem A expressão No Início Havia o Verbo é encontrada no Evangelho de João no Novo Testamento da Bíblia Sagrada no versículo 11 Ela faz parte do relato sobre a criação do mundo e é uma referência ao princípio da criação divina destacando o papel central do Verbo ou da Palavra de Deus nesse processo A expressão encontrada no Evangelho de João carrega uma profundidade simbólica que pode ser relacionada aos primórdios da linguagem humana No contexto bíblico ela se refere ao princípio da criação divina onde o Verbo ou a Palavra de Deus desempenha um papel fundamental na manifestação do mundo físico e espiritual Ao analisar essa expressão sob a ótica da linguagem humana podese interpretála como uma reflexão sobre a origem e o poder da palavra como veículo primordial de comunicação e criação Assim como o Verbo divino é visto como a força que dá origem ao universo a palavra humana é fundamental para a expressão do pensamento a comunicação entre os indivíduos e a criação de significados e conceitos Além disso a expressão No Início Havia o Verbo sugere uma ligação intrínseca entre linguagem e pensamento O Verbo é concebido como a expressão da mente divina a palavra humana é vista como uma extensão do pensamento permitindo que ideias abstratas e conceitos complexos sejam comunicados e compartilhados entre os indivíduos A palavra enquanto signo linguístico artificial desempenha o papel de representante sendo composta por duas partes o significante que é a forma 1 A Hernández Gil Metodología de la Ciencia del Derecho Madrid 1971 II p 160 13 material do signo e o significado que é a imagem mental evocada por esse significante2 As palavras são instrumentos elaborados e versáteis que permitem a criação circulação e assimilação de representações da realidade possibilitando aos indivíduos materializarem conceitos e atribuindo significados aos objetos ao seu redor Como signo a palavra seja na forma escrita ou falada evoca conceitos em nossa mente os quais são representados por seus significados convencionados No entanto uma mesma palavra pode ter vários significados e um mesmo significado pode ser representado por diferentes palavras sendo essas sinônimas ou quase sinônimas3 Para compreender o significado pretendido pelo escritor é fundamental considerar o contexto em que a palavra está inserida pois o significado do texto é deduzido a partir do conjunto de todas as palavras que o compõem formando uma rede de significados interligados Assim a clareza do texto é essencial para que as palavras sejam compreendidas pelo receptor possibilitando a transmissão eficaz da mensagem concebida pelo emissor Logo é necessário que o receptor conheça as palavras utilizadas pelo emissor e possa atribuirlhes os significados apropriados a fim de garantir a adequada apreensão da mensagem Termos desconhecidos ou inadequados podem dificultar a compreensão do texto tornandoo lento e incompleto e em alguns casos podem tornálo completamente incompreensível para o leitor4 O estudo da linguagem o que inclui a palavra e o seu uso representa um dos campos mais antigos de investigação sistemática tendo suas raízes traçadas até a antiguidade clássica da Índia e da Grécia Embora possua uma longa história de realizações a abordagem contemporânea para esse estudo é relativamente recente datando aproximadamente dos últimos 40 anos Nesse período conceitos fundamentais da tradição foram revitalizados e reconstruídos proporcionando uma linha de investigação altamente produtiva5 2 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 3 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 4 SILVA Hudson Marques Fundamentalismo Linguístico na Proposta da Linguagem Inclusiva ARTEFACTUMRevista de Estudos em Linguagens e Tecnologia v 20 n 1 2021 5 CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 14 Já em Santo Agostinho6 na idade média a linguagem funda o conhecimento das coisas sem linguagem não há mundo e em consequência o conhecimento das coisas se alcança com a palavra A palavra é um tipo especial de signo cuja diferença específica é de ser voz articulada A palavra é o que profere mediante a articulação da voz e significa algo ut verbum sit quod cum aliquo significatu voce profertur IV 8 Agostinho considera a palavra desde uma perspectiva semiótica Isto é a sua teoria da linguagem é uma inflexão uma modalidade de teoria dos signos As palavras como signo das coisas mantêm um papel no processo de aprendizagem e ensino pois nada se pode ensinar sem signo pois nada pode mostrarse sem signo e o pensamento vai dos signos às coisas significadas A questão do uso de signos para realização da comunicação por meio da linguagem atravessou séculos e aparece na contemporaneidade claramente em Chomsky7 demonstrando que é notável o fascínio duradouro exercido pela linguagem ao longo dos séculos A capacidade linguística humana é considerada uma característica essencial da espécie apresentando pouca variação entre os indivíduos e não possuindo equivalentes significativos em outras formas de vida Embora fenômenos análogos possam ser encontrados em insetos esses estão distantes na evolução cerca de um bilhão de anos Ademais a linguagem permeia todos os aspectos da vida pensamento e interação humanos Ela é em grande parte responsável pela existência de uma história e uma evolução cultural exclusivas dos seres humanos assim como pela diversidade complexa e rica da humanidade Além disso contribui para o sucesso biológico humano conforme evidenciado pela densa população humana atual8 A visão cartesiana de que a habilidade de utilizar signos linguísticos para expressar pensamentos distingue verdadeiramente o ser humano de outras formas de vida ou máquinas continua sendo amplamente aceita Outro autor considerado contemporâneo como Humberto Maturana traz em evidência a questão simbólica A linguagem é comumente entendida como um sistema de comunicação simbólica no qual os símbolos são concebidos como entidades abstratas9 É amplamente aceito que a linguagem serve como a base 6 AGOSTINHOSanto De Magistro Porto Alegre RS Editora Fi 2015 7 Ibid 8CHOMSKY Noam Novos Horizontes no Estudo da Linguagem 1997 Disponível em httpsdoiorg101590S010244501997000300002 Acesso em 25 mar 24 9 MATURANA R Humberto Emoções e linguagem na educação e na política Tradução José Fernando Campos Fortes Belo Horizonte UFMG 1999 15 fundamental da comunicação No entanto os signos se organizam em códigos que constituem os sistemas de linguagem Esses códigos desempenham uma função primordial ao possibilitar a compreensão da dimensão representativa de objetos e fenômenos em diversas áreas do conhecimento humano10 A questão simbólica na linguagem se impõe pois em todos os sistemas de signos concebidos pelo homem a linguagem surge como uma entidade fundamental no processo de desenvolvimento humano sendo indispensável para os avanços culturais alcançados pela humanidade É por meio da linguagem que ocorre a comunicação entre os indivíduos a organização do pensamento o compartilhamento e o registro de conhecimentos sempre com a presença dos signos Ao discutir a relevância da linguagem para o desenvolvimento humano referimonos tanto à linguagem oral que facilita a interação entre as pessoas quanto à linguagem escrita cuja capacidade de expressar ideias e impulsionar o desenvolvimento do pensamento é inegável Em um nível mais profundo ao explicar o comportamento humano mediado por signos a linguagem estabelece conexões entre estímulos externos e internos os quais são interpretados pelo indivíduo resultando em novas ações e reações aos referidos estímulos11 Vygotsky12 psicólogo russo no final do século passado enfatiza que o homem desenvolveu um sistema de sinais um conjunto de estímulos artificiais condicionados por meio dos quais ele estabelece conexões e induz reações necessárias do organismo A analogia do também russo Pavlov Matos 1995 que compara a parte externa dos grandes hemisférios cerebrais a um vasto sistema de sinais demonstrar que o homem criou a chave desse sistema de sinais da linguagem sendo capaz de controlar a atividade externa e direcionar o comportamento humano13 Neste sistema de sinais da linguagem a palavra se destaca pela sua vinculação com o pensamento Para elucidar a formação da ligação entre o pensamento e a palavra seja ela verbalizada ou não e seu subsequente desenvolvimento Vigotski destaca o significado da palavra como a unidade 10 Ibid 11 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 12 VIGOTSKI L S Obras Escogidas Tradução Lydia Kuper Madrid Visor 2000 v 3 13 Ibid 16 indivisível entre ambos os processos o significado da palavra é ao mesmo tempo um fenômeno de discurso e intelectual14 Em Vigotski a compreensão do papel funcional do significado da palavra no ato do pensamento requer a análise do processo que interliga o significado da palavra à atividade mental especialmente na forma como a criança emprega a palavra para auxiliála na resolução de tarefas apresentadas a ela É importante destacar que a relação entre pensamento e palavra é um processo dialético que passa por várias fases as quais estão não apenas relacionadas à idade da criança mas principalmente à sua capacidade de utilizar a palavra para direcionar sua atenção e sua memória durante as diversas operações que realiza pois A palavra enquanto signo pode ser utilizada de diferentes maneiras como meio de comunicação e organização da ação para a concretização das operações intelectuais necessárias É justamente a observação do modo como a criança utiliza a palavra nessas circunstâncias que nos permite compreender em que estágio de desenvolvimento intelectual ela se encontra bem como nos possibilita obter indícios que apontem para a explicação do processo de formação dos conceitos na criança tornando possível compreender como ela se vale da linguagem para organizar voluntariamente seu pensamento15 Explica Umberto Eco que a semiótica é a disciplina que estuda as relações entre o código e a mensagem entre o signo e o discurso16 E as palavras do ponto de vista da semântica e semiótica estão relacionadas por meio do estudo dos signos e dos significados na linguagem e na comunicação humana Como disciplina da linguística a semântica se concentra no estudo do significado das palavras frases e expressões em um determinado contexto A análise dos sinais linguísticos serve para verificação de como esses sinais são utilizados para transmitir informações Ademais a análise ajuda na compreensão de como os significados são atribuídos e interpretados pelos falantes de uma determinada língua De acordo com o médico alemão Petri17 a língua desempenha um papel fundamental como elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade na qual ele está inserido É por meio da língua que a realidade se converte em signos com a associação de 14 VIGOTSKI L S A construção do pensamento e da linguagem Tradução Paulo Bezerra São Paulo Martins Fontes 2010 p 398 15 BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928947 2016 p 932 16 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 19 17 PETRI Maria José Constantino Manual de linguagem jurídica São Paulo Saraiva 2008 17 sons a significados possibilitando assim a comunicação linguística A semântica está preocupada com a compreensão dos significados das unidades linguísticas e como elas se relacionam entre si para formar estruturas de sentido18 Por outro lado a semiótica é uma disciplina mais ampla que investiga os processos de comunicação e significação em diferentes sistemas de signos não se limitando apenas à linguagem verbal Ela estuda os signos e os sistemas de signos em geral incluindo não apenas palavras e frases mas também imagens gestos símbolos códigos culturais e outros elementos que são utilizados para representar e comunicar significados No estudo da semiótica é fundamental destacar que essa disciplina derivada do termo grego semeion que significa signo constituise como a teoria geral dos signos De acordo com Peirce19 um dos principais teóricos da semiótica um signo é algo que representa alguma coisa para alguém em um contexto específico Dessa forma o caráter essencial do signo é sua capacidade de representação de estar presente em lugar de algo ausente e não ser o próprio algo em si O signo atua como um mediador entre o objeto ausente e o intérprete presente sendo responsável por facilitar a compreensão e a interpretação do mundo ao nosso redor É por meio da articulação dos signos que se constrói o sentido permitindo a comunicação e a troca de significados entre os indivíduos20 A semiótica busca compreender como os signos são produzidos interpretados e utilizados em diferentes contextos culturais e sociais21 Enquanto a semântica se concentra especificamente no estudo dos significados das palavras e das estruturas linguísticas a semiótica amplia essa análise para incluir uma variedade de sistemas de signos e os processos de comunicação e significação que ocorrem dentro deles Em resumo a semântica é uma subárea da linguística enquanto a semiótica é uma disciplina mais abrangente que transcende os limites da linguagem verbal22 12 A linguagem em Umberto Eco 18 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 19 Peirce apud NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 20 NIEMEYER Lucy Elementos da semiótica aplicados ao design 2 ed Rio de Janeiro OAB 2007 21 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 22 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 18 Umberto Eco23 renomado semiótico italiano dedicou boa parte de sua obra à investigação da linguagem em suas diversas formas e aplicações Sua abordagem é abrangente desde questões filosóficas e teóricas até análises práticas da linguagem em diferentes contextos culturais e sociais Obra Aberta24 é uma obra seminal que estabeleceu a reputação de Umberto Eco como um teórico internacionalmente reconhecido Publicada pela primeira vez em 1962 esta coletânea de artigos oferece uma visão da evolução do conceito de abertura um tema central na obra de Eco Este conceito desenvolvido ao longo do final da década de 1950 é evidente não apenas no conteúdo dos ensaios mas também na própria composição da coletânea Na introdução à edição brasileira Eco destaca a natureza fluida e em constante evolução de Obra Aberta Ele revela que desde a redação do primeiro ensaio em 1958 nunca parou de revisálo Cada edição seja em francês italiano espanhol ou em outras línguas apresenta variações significativas entre si Eco enfatiza que até mesmo a segunda edição italiana na qual esta edição brasileira se baseia difere das demais Essas diferenças ilustram a natureza aberta e adaptável da obra refletindo o próprio conceito de abertura que Eco explora em seus ensaios A partir dessas reflexões é possível entender Obra Aberta25 não apenas como uma coletânea de ensaios mas como um exemplo vivo do conceito que busca elucidar A obra de Eco continua a desafiar e inspirar leitores e estudiosos demonstrando como a noção de abertura pode se manifestar não apenas no conteúdo de uma obra mas também em sua própria forma e evolução ao longo do tempo e das traduções Em seus estudos Eco explorou temas como a natureza da linguagem suas funções comunicativas e seus mecanismos de significação Ele enfatizou a complexidade e a ambiguidade da linguagem destacando como as palavras podem adquirir diferentes significados dependendo do contexto em que são utilizadas e das convenções compartilhadas pelos falantes de uma determinada comunidade linguística 23 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 24 ECO Umberto Obra aberta 1962 São Paulo Perspectiva 1968 25 Ibid 19 Além disso Eco investigou os processos de codificação e decodificação da linguagem analisando como os signos são produzidos e interpretados pelos indivíduos Ele também examinou a relação entre linguagem e pensamento argumentando que a linguagem é fundamental na estruturação e na expressão do pensamento humano No debate hermenêutico nas primeiras décadas de XX se confrontavam duas abordagens distintas sobre a interpretação de textos Por um lado havia a busca pelo sentido do texto na intenção do autor ou seja o que o autor quis dizer com suas palavras Por outro lado surgia a perspectiva de analisar o texto por si só independente das intenções do autor buscando compreender o que o texto diz por si mesmo em relação à sua coerência contextual e aos sistemas de significação que o sustentam26 De forma gradativa ocorreu o abandono pela busca da intenção do autor como única fonte de significado surgindo uma oposição entre outras duas abordagens na interpretação textual A primeira é o enfoque generativo que se concentra nas regras de produção do texto buscando entender como o texto é construído e organizado Já no enfoque interpretativo há a volta para a recepção do texto pelo destinatário considerando seus próprios sistemas de significação e desejos27 Karam28 explica que a partir dessas perspectivas Eco distingue entre a interpretação semântica que se concentra nos aspectos linguísticos e na estrutura do texto e a interpretação crítica que considera o contexto social cultural e histórico na análise do texto Enquanto a interpretação semântica é realizada pelo leitor modelo ingênuo que se limita à compreensão literal do texto a interpretação crítica busca ir além analisando as entrelinhas as conexões simbólicas e as possíveis camadas de significado presentes no texto29 Essas distinções são fundamentais para uma compreensão mais ampla e aprofundada da significação textual contribuindo para uma análise mais rica e complexa dos discursos e das obras literárias Eco30 explica que 26 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 27 Ibid 28 Ibid 29 Ibid 30 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 p 12 20 o resultado do processo pelo qual o destinatário diante da manifestação linear do texto preenchea de significado é aquela por meio da qual procuramos explicar por que razões estruturais pode o texto produzir aquelas ou outras alternativas interpretações semânticas Umberto Eco31 destaca a diferença entre o uso e a interpretação de um texto enfatizando que toda interpretação parte da leitura semântica para chegar à leitura crítica Enquanto a leitura semântica se baseia na compreensão literal do texto a leitura crítica busca analisar e interpretar além do significado superficial considerando o contexto as entrelinhas e as possíveis camadas de significado presentes no texto No entanto Eco observa que o uso de um texto pode ir além do seu significado semântico podendo ignorálo completamente e atribuirlhe arbitrariamente qualquer significado muitas vezes atendendo a suposições e interesses do leitor Isso pode levar a interpretações equivocadas e distorcidas do texto que não se fundamentam em uma análise cuidadosa e justificável Assim a instrumentalização do texto ou seja o uso do texto para atender a propósitos alheios à sua verdadeira intenção está relacionada à ausência ou à precariedade da justificativa que fundamentaria a atribuição de sentido oferecida Eco adverte que entre a intenção inacessível do autor e a discutível intenção do leitor encontrase a intenção transparente do texto Esta última muitas vezes contesta interpretações que são insustentáveis à luz do próprio texto ressaltando a importância de uma abordagem crítica e cuidadosa na interpretação textual32 Outro aspecto importante da abordagem de Eco é sua ênfase na intertextualidade e na interdisciplinaridade Ele reconheceu que a linguagem não existe em um vácuo mas está intrinsecamente ligada a outras formas de expressão cultural como a literatura a arte e a música Nesse sentido suas análises da linguagem frequentemente dialogam com outros campos do conhecimento enriquecendo assim sua compreensão da complexidade da comunicação humana O trabalho de Umberto Eco sobre a linguagem oferece uma visão ampla e profunda desse fenômeno fundamental da experiência humana Sua abordagem interdisciplinar e sua perspectiva sofisticada continuam a influenciar estudiosos de linguagem e comunicação em todo o mundo proporcionando conhecimentos 31 Ibid 32 Ibid 21 valiosos sobre a natureza e o funcionamento da linguagem em suas diversas manifestações Na área do Direito os estudos de Umberto Eco sobre semiótica fornecem a compreensão da linguagem jurídica A semiótica de Eco enfatiza a importância do contexto e da interpretação na atribuição de significados aos signos jurídicos o que é fundamental para a análise e a aplicação das normas legais Além disso sua abordagem pragmática da semiótica ressalta a necessidade de considerar o uso e a função dos signos jurídicos em situações específicas levando em conta o contexto social cultural e histórico em que são empregados33 Os estudos de Eco34 também podem ajudar a entender como a linguagem jurídica é usada como uma ferramenta de persuasão e argumentação no contexto legal Suas reflexões sobre retórica e argumentação podem ser aplicadas para analisar como os advogados e os juristas constroem seus argumentos e persuadem os juízes e os júris em casos judiciais Além disso sua abordagem da linguagem como um sistema de signos dinâmico e em constante evolução auxiliam a compreender como a linguagem jurídica se adapta e se transforma ao longo do tempo refletindo mudanças na sociedade e na cultura Desta forma ao analisar as obras e os estudos de Umberto Eco sobre linguagem e semiótica é notável que as contribuições do autor oferecem uma base teórica sólida para a compreensão da linguagem usada na área do Direito ajudando a analisar e interpretar de forma mais profunda e abrangente os textos legais as decisões judiciais e os discursos jurídicos O Direito em sua função de regular comportamentos socialmente aceitáveis não apenas reconhece mas também antecipa a dinâmica dos eventos Isso é evidenciado pela existência de lacunas legais que permitem análises minuciosas pela inclusão do plano do deverser como parte integrante do sistema jurídico e pela consideração da complexidade dos fenômenos humanos durante reformas 33 KARAM Henriete Direito e Literatura em sua articulação teórica contribuições de Umberto Eco à hermenêutica jurídica Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM v 17 n 3 p e71424e71424 2022 34 ECO Umberto O signo Tradução Maria de Fátima Marinho Lisboa Presença 1990 ECO Umberto La struttura assente La ricerca semiotica e il metodo strutturale La Nave di Teseo Editore spa 2016a ECO Umberto Os limites da interpretação São Paulo Editora Perspectiva SA 2016b ECO Umberto Trattato di semiotica generale La Nave di Teseo Editore spa 2016c ECO Umberto Cinco sentidos de semántica Acta poética v 39 n 2 p 1333 2018 22 legislativas e na interpretação das leis Essas práticas incentivam abordagens inovadoras na interpretação das normas legais35 Ao considerar o Direito como um fenômeno cultural que surge do processo criativo humano é importante destacar a necessidade de uma interpretação normativa flexível e aberta Uma vez que o direito é moldado pela sociedade é compreensível que ele reflita os acontecimentos do dia a dia a diversidade e a integração de elementos da realidade Nesse sentido o estudo da semiótica jurídica é relevante pois promove a reflexão sobre o discurso jurídico como parte integrante de um campo de conhecimento mais amplo que não deve ser isolado dos demais posto que suas fundamentações estão intrinsecamente ligadas às necessidades humanas36 13 A importância da semântica para o Direito Ricardo Guastini professor emérito de Filosofia do Direito e diretor do Instituto Tarello de Filosofia do Direito no Departamento de Jurisprudência explica que o Direito moderno é um fenômeno essencialmente linguístico O direito é o discurso das autoridades normativas ou seja um conjunto de textos enunciados jurídicos que expressam normas Um discurso uma sequência de enunciados de palavras dotadas de forma sintática e sentidos completos Os enunciados que compõem o direito são prescritivos normativos diretivos Nesse contexto a Jurisprudência é uma metalinguagem uma linguagem de segundo grau e a sua linguagem objeto é o Direito Ela é deste modo a análise da linguagem do Direito37 Ao discorrer sobre o fenômeno do Direito nesta perspectiva o estudo da linguagem se faz necessário A linguagem é uma complexa ferramenta de comunicação humana38 Mas a linguagem não só é uma importante ferramenta para o intercâmbio de informações e conhecimentos mas também pode ser utilizada como uma forma de controle39 35 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 36 NASCIMENTO Lorivaldo A religião como fenômeno cultural à luz da Constituição federal de 1988 Meritum v 13 n 2 p 394419 2018 37 Guastini Riccardo Las dos caras de la filosofía analítica del derecho positivo Italia Istituto Tarello per la Filosofia del diritto 2016 38 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 17 39 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 19 23 Maria Celeste Cordeiro Leite Santos40 explica que Saussure definiu o discurso como linguagem em ação o discurso é assumido nesta acepção como uma ação humana ato de falar que serve de signos ação em que alguém apela ao entendimento de outrem Assim enfatiza a autora a língua é um sistema de signos que se estruturam uns aos outros O fenômeno linguístico concreto é o discurso speech um ato de discurso e uma sequência fonética de estrutura sintática correta com significado semântico e função pragmática41 A linguagem desempenha um papel fundamental ao traduzir e fixar o pensamento por meio das palavras sendo essencial para a clareza do pensamento uma vez que um maior conhecimento vocabular contribui para uma maior clareza mental ou melhor escola dessas palavras42 Em suma de acordo com o ambiente que se desenvolve a linguagem mas atenção deve o locutor desprender para atribuir corretamente as palavras De acordo com o Ensaio sobre a Origem da Linguagem 1772 escrito pelo filósofo e escritor alemão Johann Gottfried Von Herder a linguagem não se limita apenas a ser um instrumento de comunicação mas é intrínseca ao próprio ato do pensamento O conhecimento não pode ser dissociado da forma linguística em que é expresso e por essa razão a linguagem também representa o limite ainda que flexível do pensamento Além disso a linguagem não é organizada apenas de acordo com princípios racionais posto que as palavras têm o poder de irradiar a capacidade de comunicação para os mais diversos aspectos da vida e das forças que a permeiam modificandoa e expressandoa de maneira única43 Segundo Bakhtin44 a linguagem é concebida como um processo coletivo no qual os membros de uma sociedade ou grupo social criam e recriam ao longo da história um sistema articulado de significados e uma visão de mundo por meio da interação verbal Bakhtin em sua análise concebe a linguagem como uma prática social fundamentada na língua percebendo esta última não como um sistema 40 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 122123 41 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite Poder Jurídico e Violência Simbólica São Paulo Cultura Paulista 1985 P 123 42 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 43 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 44 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 24 abstrato mas como um processo em constante evolução moldado pelo fenômeno da interação verbal na sociedade Citado autor enfatiza a importância da fala como um fenômeno social e não individual intrinsecamente ligado à enunciação que estabelece a intersubjetividade e promove a interação entre os falantes A visão de Bakhtin ressalta a dimensão social da linguagem situando tanto na língua quanto nos indivíduos que a utilizam dentro de um contexto sóciohistórico45 Ele argumenta que a língua se manifesta na vida por meio de enunciados concretos assim como a vida influencia a língua Nesse processo dinâmico a linguagem se torna um campo de conflito ideológico refletindo e expressando as divergências e contradições presentes na sociedade Portanto a palavra pode ser considerada sob a ótica de Bakhtin como um fenômeno ideológico carregando consigo valores culturais que refletem os conflitos e as discordâncias sociais o que a torna um espaço privilegiado para a manifestação e o embate de ideias A filosofia da linguagem segundo Umberto Eco dos estoicos passando por Santo Agostinho até Wittgenstein aborda os sistemas da lógica formal lógica das linguagens naturais bem como a semântica a sintática e a pragmática tratando deste modo da semiótica Ao construir o sistema da semiótica se construí a ideia de que o homem é um animal simbólico Explica Umberto Eco citando Saussure que a semiótica é uma ciência que estuda a vida dos signos no marco da vida social Os signos são entidades de duas caras significante e significado que se estabelecem de um sistema de regras Eles expressam ideias que são fenômenos do humano são artifícios comunicativos portanto artificiais convencionais como o alfabeto Já Peirce segundo Umberto Eco considera que a semiótica é a doutrina da natureza essencial e de variantes fundantes de qualquer classe possível de simiosis Os simiosis são uma ação uma cooperação de um signo seu objeto e seu interpretante Aqui se tem três entidades abstratas O signo é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém Já essa outra coisa precisa de um interpretante que é outro signo que traduz e explica o signo anterior e assim infinitamente46 O signo é estudo sob a perspectiva da sintática semântica e pragmática A sintática estuda a relação entre os signos é a teoria da construção da linguagem É 45 Ibid 46 UMBERTO Eco Tratado de Semiótica General BarcelonaValentino Bompiani 2000p 26 UMBERTO Eco A Estrutura Ausente São Paulo Perspectiva P 17 25 um sistema de signo que se relaciona de acordo com regras sintáticas de formação que permite combinar signos elementares e as de derivação que geram novas expressões Já a semântica estuda a relação dos signos com os objetos verificando os modos e regras segundo os quais as palavras aplicamse aos objetos Essa relação a que vincula as afirmações do discurso com o campo a que ele se refere A pragmática estuda a relação dos signos com os usuários47 A relação entre semântica e Direito é um campo que pode ser entendido como o estudo que investiga como a linguagem influencia na atividade de interpretação e aplicação do direito A semântica como disciplina linguística concentrase na análise dos signos e sua relação com os objetos Mas essa relação já era bem explorada pelos juristas romanos que já sabiam que existiam expressões no Direito que intelectum iuris habebant 48 ou seja expressões que não teriam outro referente a não ser um conceito que muitas vezes era criado pelo Direito Em outras palavras um modelo conceitual que não corresponde a nenhum objeto material49 Também se destaca que uma das primeiras obras semânticas registradas está incluída em um livro de Direito Tratase do título 16 do livro do livro 50 do Digesto de Justiniano cujo título De verborum significatione ou seja Dos significados das palavras sendo ali explorado o 246 passagens de juristas que precisam o significado e alcance de determinadas expressões jurídicas50 No âmbito jurídico essa relação entre Direito e semântica aparece claramente na atividade de interpretação do Direito Assim a precisão na interpretação de termos legais é essencial e necessária para a aplicação das leis uma vez que o direito tem como uma de suas funções regularizar condutas51 A linguagem jurídica é conhecida por sua complexidade e especificidade muitas vezes contendo termos técnicos e expressões com significados precisos dentro do contexto legal 47 WARAT Luis Alberto O Direito e sua linguagem Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1984 P 4045 48 Digesto 5 3 50 49 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 50 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 51 MORRIS Charles Writings on the general theory of signs p 210 In ARAUJO Clarice von Oertzen de Semiótica jurídica Enciclopédia jurídica da PUCSP Celso Fernandes Campilongo Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire Coord Tomo Teoria Geral e Filosofia do Direito Celso Fernandes Campilongo Álvaro de Azevedo Gonzaga André Luiz Freire coord de tomo 1 ed São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2017 Disponível em httpsenciclopediajuridicapucspbrverbete96edicao1semioticajuridica Acesso em 10 fev 2024 26 A semântica desempenha um papel fundamental na interpretação desses termos garantindo que as leis sejam aplicadas de maneira consistente e coerente52 Assim as se torna praticamente inevitável as leis devem ser sempre interpretadas53 A fixação do significado de uma palavra no contexto jurídico exigirá sempre a análise que inclui os usos linguísticos da palavra no sentido comum e técnicojurídico pois a linguagem dos juristas se distingue da linguagem comum dando assim melhor precisão Além disso a semântica é essencial na redação de contratos estatutos e outras formas de documentos legais Uma escolha inadequada de palavras ou uma formulação ambígua pode levar a interpretações equivocadas e litígios Portanto os redatores jurídicos devem estar cientes das nuances semânticas e buscar uma linguagem clara e precisa54 Outro aspecto relevante é a interpretação legislativa e judicial Os tribunais muitas vezes são confrontados com questões de interpretação de termos legais e sua aplicação a casos específicos A semântica desempenha um papel central na análise dessas questões ajudando os juízes a entenderem o significado exato da lei e como ela se aplica aos fatos em questão55 Ambiguidade e vagueza Há distintos objetos que podem ser designados pela mesma palavra que não são agrupados de forma arbitraria ou casual sempre existindo um critério para o seu uso Quando agrupamos distintos objetos e aludimos com a mesma palavra quando há certas propriedades comum As palavras têm a função de denotar o conjunto de objetos que exibem as características ou propriedades por isso aplicamos a mesma palavra e conotam essas propriedades Assim as palavras possuem um significado denotativo ou extensão conjunto de objetos os quais se aplica a palavra e outro significado conotativo ou intensão 52 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 53 MOLLFULLEDA Santiago Universitas Tarraconensis Revista de Filologia núm 8 1985 Publicacions Universitat Rovira i Virgili ISSN 26043432 httpsrevistesurvcatindexphputf 54 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 55 Ibid 27 propriedades por virtude as quais aplicamos a esses objetos uma mesma palavra É como se uma palavra fosse usada para conotar a reunião de propriedade56 Mas nem sempre as palavras são usadas para conotar as mesmas propriedades dependendo muitas vezes do contexto linguístico do uso sendo que em alguns casos há dúvidas sobre o uso de determinada palavra Este aspecto importante da interseção entre semântica e direito é a ambiguidade linguística Esta por sua vez é uma característica intrínseca da linguagem que pode ocorrer quando uma palavra expressão ou estrutura sintática possui mais de um significado ou interpretação possível Essa ambiguidade pode surgir de diferentes maneiras como por meio de duplo sentido polissemia homonímia ou ainda pela falta de clareza na construção da frase Onofre Sossolote 2015 Essa ambiguidade pode ser tanto uma ferramenta criativa na literatura permitindo jogos de palavras e interpretações múltiplas quanto uma fonte de confusão na comunicação cotidiana Em contextos formais como o jurídico ou o científico a ambiguidade linguística pode ser especialmente problemática uma vez que a precisão e a clareza na comunicação são essenciais para evitar mal entendidos e interpretações equivocadas57 Para lidar com a ambiguidade linguística é importante utilizar estratégias como o esclarecimento do contexto a definição precisa dos termos utilizados e a formulação de frases claras e concisas Além disso para o receptor da mensagem é fundamental ao buscar esclarecer qualquer dúvida ou interpretação ambígua por meio de perguntas ou solicitações de esclarecimento Palavras e frases podem ter múltiplos significados ou interpretações o que pode levar a disputas sobre a aplicação da lei A análise semântica ajuda a esclarecer essas ambiguidades e a determinar os significados por trás das leis e regulamentos58 E outros casos há incerteza na aplicação ou interpretação assim a dúvida recai sobre o campo de aplicação ocorrendo uma imprecisão A imprecisão está em uma zona mais ou menos estendida de casos em que a palavra poderia ser usada 56 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 28 57 ONOFRE Marília Blundi SOSSOLOTE Cássia Regina Coutinho Ambiguidade Paráfrase e Desambiguização Linguasagem v 24 n 1 2015 58 COSTA Larissa Silva SANTOS Maria José Veloso da Costa GUEDES Vania Lisboa da Silveira Estudo da terminologia da área disciplinar de Direito e a proposição de um Sistema de Organização do Conhecimento em Direito Penal Encontros Bibli revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação v 27 p 121 2022 28 No direito aparece esse fenômeno quando falamos de prazo razoável erro substancial injúria grave perigo iminente velocidade excessiva59 O termo se torna vago quando há três zonas uma central de certeza positiva a aplicação não oferece dúvida uma certeza negativa de que o termo não se aplica e uma outra zona de penumbra a aplicação é duvidosa60 A relação entre semântica e direito é profunda e complexa A análise semântica é essencial na interpretação e aplicação do direito garantindo que as leis sejam interpretadas de maneira precisa e consistente e que os documentos legais sejam redigidos de forma clara e inequívoca Incidência e aplicação do direito David Hume61 ao abordar a metaética destacou a distinção entre afirmações descritivas e prescritivas enfatizando a impossibilidade de derivar o deverser a partir do ser Nessa perspectiva enunciados factuais apenas implicam outros enunciados factuais Por outro lado o direito enquanto subsistema social está intimamente relacionado aos fatos Ele se baseia em fontes materiais por meio do processo de enunciação dos fatos jurídicos ou normas de conduta orientadas para a conduta humana A premissa de que a linguagem do direito constitui a realidade jurídica destaca a intersecção de linguagens A construção de uma regra jurídica sua formulação com uma estrutura lógica a confirmação da hipótese de incidência e sua aplicação sobre a situação concreta são considerados eventos factuais O ingresso do fato no contexto jurídico é o que caracteriza o fenômeno do fato jurídico O jurista ao interpretar uma norma jurídica deve analisar minuciosamente os componentes da hipótese de incidência compreendendo as consequências que estão previamente determinadas62 É essencial para a construção da base normativa que o jurista participe ativamente na formação do fato jurídico As prescrições jurídicas são concebidas como proposições que envolvem os termos obrigatório proibido e permitido direcionadas às ações humanas Dessa maneira as ações não são meramente intervenções no contexto social ou natural mas também interferências que abordam 59 CARRIO Genaro Notas sobre Derecho y Lenguaje Buenos Aires Abeledo Perrot 2011 P 32 60 SESMA Victoria Iturralde Lenguaje Legal y Sistema Jurídico Tecnos Madrid 1989 p 33 61 HUME David A treatise on human nature Livro III Nova York 1961 62 CARVALHO Paulo de Barros Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência 9 ed São Paulo Saraiva 2012 29 como as coisas deveriam ou poderiam ter ocorrido apresentando características de tipicidade É nesse sentido que ocorre o recorte da realidade social conferindo ao fato sua natureza jurídica63 O Direito sendo um fenômeno comunicacional e linguístico está intrinsecamente ligado ao contexto e portanto todo enunciado dentro desse contexto é considerado argumentativo A mensagem transmitida ocorre através de um canal estabelecido entre o autor e o receptor cujo significado é determinado pela intenção de quem transmite e pela interpretação do receptor A significação resulta da interação entre elementos linguísticos que se relacionam com o contexto incluindo o implícito o pressuposto e o subentendido64 Uma frase é uma estrutura linguística que possui relações sintáticas e uma semântica enquanto um enunciado vai além incorporando informações derivadas da situação em que é produzido ou seja seu contexto Assim a compreensão de um enunciado no Direito depende não apenas da análise da estrutura linguística mas também da consideração do contexto em que é proferido65 O fenômeno da incidência normativa ocorre quando se descreve um evento do mundo físicosocial ocorrido em circunstâncias específicas de espaço e tempo que se alinha estreitamente com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e abstrata também conhecida como regramatriz de incidência Em decorrência disso surge necessariamente outro enunciado protocolar e denotativo por razões de obrigação jurídica estabelecendo uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito Esse segundo enunciado seguindo uma sequência lógica e não cronológica deve estar em total conformidade com os critérios estabelecidos para as consequências da norma geral e abstrata66 Assim enquanto na norma geral e abstrata há um enunciado conotativo na norma individual e concreta há um enunciado denotativo ambos possuindo a prescritividade intrínseca à linguagem jurídica Essa distinção entre os enunciados reflete a aplicação prática da norma jurídica a casos específicos mantendo a coerência e a consistência dentro do sistema jurídico67 63 TOMÉ Fabiana MESSIAS Adriano Luiz Construtivismo LógicoSemântico como Metódica para Estudo do Direito Revista Jurídica Cesumar Mestrado v 22 n 1 2022 64 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 65 Ibid 66 FIORIN José Luiz Argumentação São Paulo Contexto 2016 67 Ibid 30 Em Paulo de Barros há normas jurídicas onde existe uma linguagem própria que as materialize O autor cita dois planos o direito positivo formado pelas normas jurídicas e materializado em linguagem prescritiva sintaticamente fechado em uma linguagem própria e a realidade social O mundo social para ser jurídico deve integrar o sistema do direito positivo onde se instalam as consequências jurídicas Explica Paulo de Barros Ali onde houver direito haverá sempre normas e onde houver normas jurídicas haverá certamente uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão Para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direito necessária se faz também a existência de uma linguagem linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vínculo jurídico que se instaura entre duas pessoas E o corolário de admitirmos esses pressupostos é de suma gravidade porquanto se ocorrerem alterações na circunstância social descrita no antecedente de regra jurídica como ensejadora de efeitos de direito mas que por qualquer razão não vieram a encontrar a forma própria de linguagem não serão considerados fatos jurídicos e por conseguinte não propagarão direitos e deveres68 Assim a incidência não é automática pois depende de uma linguagem competente atribuindo juridicidade ao fato e imputando efeitos jurídicos O Direito dispõe de normas gerais e abstratas que não atuam diretamente sobre as condutas intersubjetivas sendo que a partir das normas gerais e abstratas são criadas outras individuais e concretas diretamente voltadas aos comportamentos atuando em cada caso69 Isto ocorre com a aplicação do direito aplicação do direito é incidência pois a norma jurídica não incide sozinha ela precisa ser aplicada70 Fabiana Del Padre Tomé71 argumenta que o sistema do direito positivo estabelece os momentos nos quais os fatos devem ser estabelecidos por meio da linguagem das provas as quais são essenciais para tornar os eventos da vida social juridicamente reconhecidos e igualmente fundamentais para as regras jurídicas A positivação desses fatos depende da sua conformidade com a descrição da hipótese normativa Quando ocorre a subsunção ou seja quando o fato jurídico descrito na linguagem prescrita pelo direito coincide com a descrição da hipótese legal estabelecese por meio da ação humana o vínculo abstrato pelo qual o sujeito ativo 68 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 10 69 CARVALHO Aurora Tomazini de de teoria geral do direito o construtivismo lógicosemântico 2 ed São Paulo Noeses 2010 P245 70 BARROS Paulo Direito Tributário Fundamento da incidência São Paulo Noeses 2011 P 9 71 TOMÉ Fabiana Del Padre A prova no direito tributário 4 ed São Paulo Noeses 2016 31 adquire o direito subjetivo de exigir a prestação enquanto o sujeito passivo fica obrigado a cumprila72 Além disso é importante considerar a pluridimensionalidade do fato ou seja examinálo sob diferentes perspectivas Um mesmo fato jurídico pode afetar diversos bens juridicamente protegidos que podem ser distintos e gerar diversas relações jurídicas inclusive de natureza sancionatória estritamente tributária ou penal por exemplo no caso de descaminho envolvendo questões tributárias e criminais e até mesmo a incidência de dois ou mais tributos como na importação Nestes casos o intérprete do direito realiza um esforço para selecionar os valores desejáveis pelo respectivo ramo do direito sem se preocupar com considerações pertencentes a outras áreas do ordenamento jurídico embora isso não signifique que tais considerações não existam isso justifica a realização deste corte metodológico específico73 Desta forma a relação entre semântica e direito é de extrema importância na compreensão do funcionamento do sistema jurídico A semântica como campo da linguística que estuda o significado das palavras e das sentenças é fundamental na interpretação e na aplicação das normas jurídicas A partir das discussões apresentadas por diversos autores tornase evidente que a linguagem jurídica não é apenas um instrumento de comunicação mas também um meio de construção da realidade jurídica No contexto do direito as palavras e as sentenças possuem um significado específico que vai além do seu sentido comum na linguagem cotidiana Os enunciados jurídicos são formulados de maneira precisa e técnica visando a expressar de forma clara e inequívoca as normas e os princípios que regem as relações sociais A linguagem jurídica portanto possui características próprias que a distinguem de outros tipos de linguagem como a linguagem coloquial ou a linguagem técnica de outras áreas do conhecimento74 A compreensão da semântica no contexto jurídico é essencial para a interpretação das normas e para a solução de conflitos de interpretação Através de uma análise semântica cuidadosa é possível identificar o verdadeiro sentido e 72 Ibid 73 Ibid 74 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 COULTHARD Malcolm COLARES Virgínia SOUSASILVA Rui Linguagem Direito os eixos temáticos Recife ALIDI 2015 32 alcance das disposições legais evitando interpretações arbitrárias ou distorcidas que possam comprometer a segurança jurídica Além disso a semântica é fundamental na redação de contratos decisões judiciais e outros documentos jurídicos garantindo que estes sejam claros precisos e inequívocos É importante ressaltar que a relação entre semântica e direito não se limita apenas à interpretação das normas jurídicas mas também abrange questões mais amplas relacionadas à comunicação e à argumentação no âmbito jurídico Uma compreensão sólida da semântica é portanto essencial para todos aqueles que atuam no campo do direito contribuindo para uma aplicação mais justa eficiente e coerente das leis 14 A língua como ferramenta no meio jurídico Ao abordar A língua como ferramenta no meio jurídico devese alertar os profissionais do direito sobre os riscos associados ao descaso com a linguagem jurídica destacando os problemas decorrentes dessa negligência Essa atitude para os advogados pode impactar negativamente diversos aspectos como o insucesso nas demandas dos clientes Para os profissionais do direito o descuido pode ter como consequência a reputação prejudicada e o atraso no andamento dos processos e procedimentos legais No contexto jurídico o direito se manifesta por meio da palavra sua ferramenta funcional essencial presente em diversos documentos como leis pareceres razões sentenças acórdãos e outros atos judiciais os quais demandam o uso da linguagem para a compreensão da matéria jurídica Assim a expressão lógica concisa clara e precisa representa uma qualidade essencial da linguagem jurídica escrita75 É imprescindível desconstruir a imagem distorcida que muitas pessoas têm dos profissionais do direito e a linguagem desempenha um papel fundamental nesse processo Os profissionais devem manter e utilizar palavras adequadas ao conteúdo que desejam comunicar A linguagem clara e tecnicamente precisa sempre favorece a comunicação e é mais útil para melhor aplicação do direito Portanto a análise dos textos jurídicoprocessuais deve contemplar problemas linguístico 75 NASCIMENTO Edmundo Dantés Linguagem forense a língua portuguesa aplicada à linguagem do foro 12 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 33 gramaticais e de coerência que podem comprometer a transmissão eficaz da informação ou até inviabilizar a comunicação como um todo76 A Língua Portuguesa é notável por sua vasta gama de recursos o que pode tornar sua utilização desafiadora especialmente no âmbito jurídico Nesse contexto o direito emerge como uma ciência essencialmente relacionada à palavra representando o dinâmico emprego da linguagem Para compreender adequadamente esse contexto é necessário elucidar alguns conceitos fundamentais relacionados ao funcionamento da linguagem A Linguagem é um sistema de signos empregado para estabelecer a comunicação sendo a linguagem humana considerada o sistema mais complexo de todos Seu surgimento e desenvolvimento estão intrinsecamente ligados à necessidade de comunicação entre os seres humanos sendo resultado do aprendizado social e reflexo da cultura de uma determinada comunidade Dominar a linguagem é essencial para a integração do indivíduo na sociedade77 A linguagem verbal é a capacidade que o ser humano possui de expressar seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais denominado língua Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para sua utilização Assim qualquer forma de linguagem se desenvolve com base no uso de um sistema ou código de comunicação ou seja a língua A linguagem é uma característica universal da humanidade enquanto a língua é o sistema linguístico particular de uma determinada comunidade grupo ou povo78 O sistema de linguagem é a estrutura organizacional que rege uma língua enquanto a língua é o código que viabiliza a comunicação composto por signos e suas combinações A língua possui um caráter abstrato e é manifestada por meio de atos de fala individuais Dessa forma enquanto a língua representa um conjunto de potencialidades dos atos de fala estes por sua vez são atos de realização concreta da língua79 É de extrema relevância no âmbito jurídico saber expressarse de maneira adequada e precisa A formulação dos argumentos e pedidos por exemplo em uma petição pelo profissional do direito depende em grande parte da habilidade de 76 OLIVEIRA Ana Larissa Adorno Marciotto DIAS Luiz Francisco MARQUES João Pedro Cirino Linguagem jurídica produção textual direito e argumentação Editora Diálogos 2023 v 1 77 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 78 Ibid 79 Ibid 34 empregar as palavras de forma precisa e contextualizada combinandoas com seu conhecimento para alcançar os objetivos do cliente Para isso é necessário utilizar um vocabulário adequado e dominar a arte de contextualizar as palavras A comunicação humana é amplamente mediada pela palavra estabelecendo assim a linguagem como um dos principais meios de interação entre os indivíduos Em todos os níveis de manifestação como humanidade comunidade e indivíduo o homem está intrinsecamente ligado ao fenômeno da linguagem Desconsiderar a importância dessa ligação seria negligenciar uma realidade fundamental O pensamento humano e sua expressão por meio da palavra conferem ao homem uma posição destacada na hierarquia zoológica distinguindoo entre os demais seres vivos80 Segundo Xavier81 devese saber utilizar esse dom da evolução de forma competente e ética pois o poder da palavra exerce uma influência profundamente conservadora em nossas vidas Assim é inegável que a palavra e o direito estão intrinsecamente interligados pois o Direito é a ciência da palavra Para o jurista dirseá agora a palavra é seu cartão de visita82 A palavra é fundamental nas diversas atividades realizadas pelo profissional do direito como peticionar contestar apelar arrazoar inquirir persuadir provar tergiversar julgar absolver ou condenar Portanto é imprescindível que os profissionais tenham cautela ao lidar com os termos utilizados na prática jurídica Existem exemplos claros em que há sutis diferenças semânticas entre termos que podem passar despercebidas para o leigo mas que possuem significados distintos no contexto jurídico Por exemplo os termos domicílio residência e habitação têm significados jurídicos específicos que os diferenciam entre si Da mesma forma termos como posse domínio ou propriedade83 possuem nuances que os distinguem uns dos outros Além disso certos conceitos jurídicos como decadência prescrição preclusão e perempção embora possam parecer similares em seu sentido geral possuem significados distintos e implicam em consequências jurídicas específicas É fundamental que se tenha ciência dessas diferenças e utilize os termos de maneira 80 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 81 Ibid 82 Ibid p 10 83 Ibid p 11 35 precisa e adequada de acordo com o contexto e a natureza da questão jurídica em questão84 As formas linguísticas podem apresentar variações que são conhecidas como variantes linguísticas Entre essas variantes é possível destacar a distinção entre a língua padrão e a língua nãopadrão A língua padrão referese à forma de linguagem que é considerada normativa sendo utilizada em contextos formais como na escrita oficial na literatura e na comunicação formal Por outro lado a língua nãopadrão engloba as formas de linguagem que fogem às normas estabelecidas sendo frequentemente utilizadas em contextos informais e coloquiais85 Ademais também é comum observar a diferenciação entre a linguagem culta ou padrão e a linguagem popular ou subpadrão A linguagem culta ou padrão é aquela que segue as normas gramaticais e vocabulário considerados mais elevados sendo associada a grupos sociais privilegiados e utilizada em situações formais Já a linguagem popular ou subpadrão é caracterizada por uma linguagem mais informal com menos rigidez gramatical e vocabulário mais acessível sendo comumente utilizada em contextos cotidianos e informais86 Essas variantes linguísticas refletem as diversidades culturais sociais e regionais de uma comunidade contribuindo para a riqueza e a complexidade da linguagem humana As variações extralinguísticas ocorrem devido a fatores sociológicos variações originadas por idade sexo profissão nível de estudo classe social raça geográficas compreendem variações regionais Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua particularmente com relação ao vocabulário e expressões idiomáticas contextuais envolve assunto tipo de interlocutor lugar em que a comunicação ocorre relações que unem interlocutores87 Medeiros e Tomasi88 destacam a importância do estudo dos diferentes níveis de linguagem para o cotidiano de um profissional do direito Segundo eles existem três níveis de linguagem distintos o nível culto o nível comum e o nível popular 84 XAVIER Ronaldo Caldeira Xavier Português no Direito Rio de Janeiro Forense 2003 85 MEDEIROS João Bosco TOMASI Carolina Português Forense a produção de sentido São Paulo Atlas 2004 86 Ibid 87 Ibid p 25 88 Ibid 36 O nível culto é predominantemente utilizado por intelectuais diplomatas e cientistas especialmente na forma escrita Na modalidade oral é empregado em discursos de cerimônias e em situações formais como audiências em tribunais Caracterizase por um vocabulário diversificado e uma sintaxe complexa incluindo a linguagem técnica e científica a linguagem burocrática e a linguagem profissional A linguagem técnica e científica compartilha semelhanças com o nível culto empregando um vocabulário específico relacionado a uma determinada área profissional A variante burocrática é caracterizada pelo uso excessivo de termos técnicos jargões e formalidades Por fim a linguagem profissional também pertencente ao nível culto utiliza expressões específicas de uma área de conhecimento em particular89 No nível comum a linguagem é desprovida de formalidades e refinamentos gramaticais É uma forma de linguagem mais acessível e utilizada em contextos informais Por último o nível popular é caracterizado por uma linguagem espontânea e descontraída cujo objetivo principal é a comunicação clara e eficaz É empregado em situações informais e cotidianas buscando uma interação mais direta e informal entre os interlocutores90 Conforme destacam os autores o nível popular da linguagem é funcional principalmente porque recorre a outros meios de expressão além das palavras como por exemplo a entonação especialmente na linguagem oral Essa variante linguística tende a afastarse das normas gramaticais estabelecidas priorizando uma comunicação mais imediata e espontânea pois Ela compreende a vocabulário pobre ou restrito b construções que se afastam do padrão gramatical ou simplificação sintática utilização de variantes não admitidas pela gramática como pega ele namora com ou mistura de pronomes pessoais possessivos e de tratamento tu e você Sr e VSa teu e seu ausência de rigor quanto à concordância verbal eles foi c repetições frequentes d uso de gíria ou de linguagem obscena e redundâncias91 Na comunicação entre o advogado e seu cliente é possível que ocorra a presença simultânea de todos os níveis da linguagem Portanto o conhecimento por parte do advogado acerca das diferentes variantes linguísticas tornase fundamental 89 Ibid 90 Ibid 91 Ibid p 35 37 141 Uso da palavra no Direito pela advocacia O advogado deve zelar pela linguagem que utiliza uma vez que desempenha uma função pública essencial à administração da Justiça conforme estabelecido no artigo 2 da Lei 890694 Estatuto da Advocacia e da OAB Segundo esse artigo o advogado é considerado indispensável à administração da Justiça Além disso o artigo 2 do Código de Ética e Disciplina da OAB ressalta que o advogado enquanto indispensável à administração da justiça é defensor do Estado democrático de direito da cidadania da moralidade pública da justiça e da paz social devendo subordinar a atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce Portanto o uso adequado da linguagem pelo advogado reflete o compromisso com a ética a justiça e o Estado de direito92 O advogado consciente da importância de sua atividade profissional deve dominar de forma adequada sua principal ferramenta de trabalho que é a linguagem e se esforçar para aprimorála continuamente conforme estabelecido no Código de Ética e Disciplina da OAB no artigo 2 parágrafo único IV93 Esse dispositivo legal não se refere apenas ao aprimoramento jurídico mas abrange também o desenvolvimento profissional em geral incluindo o refinamento linguístico e a prudência na redação de textos pertinentes ao contexto jurídico A utilização cuidadosa da palavra é essencial uma vez que ela é fundamental para diversas atividades advocatícias como a defesa a acusação a argumentação e a persuasão94 Além disso a lei estabelece certos deveres para os advogados incluindo o aprimoramento e a diligência linguística e prevê sanções em caso de descumprimento Conforme disposto no artigo 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB o advogado é responsável pelos atos que pratica no exercício profissional com dolo ou culpa podendo resultar em danos para o cliente ou para o processo95 Essa responsabilidade é subjetiva e depende da verificação de culpa conforme definido no artigo 14 4º do Código de Defesa do Consumidor96 92 BRASIL Lei nº 8906 de 4 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil OAB Diário Oficial da União Brasília DF 5 jul 1994 93 Ibid 94 Ibid 95 Ibid 96 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 set 1990 38 Portanto para que o advogado seja responsabilizado é necessário comprovar que sua conduta lesiva envolveu culpa que pode se manifestar na forma de dolo ou culpa em sentido estrito O ato cometido com dolo é aquele realizado com a intenção de causar dano ou assumindo o risco de que ele ocorra enquanto o ato praticado com culpa em sentido estrito ocorre involuntariamente devido a uma conduta negligente imprudente ou imperita No caso em que o advogado comete uma falha grave na utilização da linguagem resultando em prejuízo para a administração da justiça configurase claramente um caso de imperícia Isso ocorre devido à deficiência no aprimoramento técnicolinguístico do profissional o que compromete a qualidade do serviço prestado É importante ressaltar que se trata de imperícia e não simples negligência que seria uma omissão pois o advogado em sua prática profissional requer habilidades específicas em relação à linguagem incluindo o domínio da gramática e técnicas de argumentação Essas habilidades são essenciais para diferenciálo de profissionais de outras áreas97 Assim como um cirurgião plástico precisa ter habilidade no manuseio do bisturi o advogado precisa dominar a palavra que é sua principal ferramenta de trabalho e sem a qual seu serviço não pode ser realizado O uso inadequado da linguagem portanto reflete a falta de habilidade técnica do profissional do Direito caracterizando uma manifestação de imperícia98 Um dos problemas recorrentes relacionados ao uso inadequado da linguagem está ligado à utilização de termos e expressões ambíguas e vagas As palavras enquanto signos podem evocar um ou vários conceitos e é importante restringir a multiplicidade de significados de cada palavra no texto específico para evitar ambiguidades e vaguidades de sentido É fundamental destacar que ambas as situações não são sinônimas A vagueza se caracteriza pela imprecisão de sentido deixada por uma palavra ou expressão99 97 VIANA Daniel Roepke ANDRADE Valdeciliana da Silva Ramos Direito e linguagem os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual Revista de Direitos e Garantias Fundamentais n 5 p 3760 2009 98 Ibid 99 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 FERREIRA Luís Henrique Costa FERREIRA Daniel Pinheiro Mota A Lei de Abuso de Autoridade e a Atividade de Polícia Judiciária Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública RIBSP ISSN 2595 2153 v 3 n 6 p 99117 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 39 Por outro lado a ambiguidade está contida na vagueza mas não se confunde com ela Enquanto uma palavra vaga apresenta vários significados indeterminados uma palavra ou expressão ambígua evoca significados determinados passíveis de aplicação no texto Na prática enquanto na vagueza é impossível afirmar se a interpretação de A ou de B está correta na ambiguidade é possível considerar que tanto A quanto B podem ser interpretados de maneira correta100 É relevante salientar que o uso de palavras vagas e ambíguas pode comprometer totalmente a peça processual distorcendo a narrativa dos fatos enfraquecendo os argumentos e tornando os pedidos imprecisos No caso de petições iniciais isso pode resultar na inépcia da peça e sua consequente rejeição conforme estabelecido no art 295 inc I do CPC 2015 No contexto jurídico a clareza a concisão e a precisão são elementos fundamentais em um texto superando a busca pela sofisticação da linguagem É essencial que o texto seja organizado com raciocínio lógico e coerente originado de uma seleção cuidadosa de fatos relevantes que compõem o caso em questão Uma linguagem clara é aquela que possui alta qualidade sem omissões ou uso de termos que sejam compreendidos apenas por um grupo específico de pessoas Ao se defender a simplificação da linguagem jurídica não se está propondo sua vulgarização ou desencorajando o uso de termos técnicos necessários ao contexto forense Pelo contrário se busca combater os excessos que podem dificultar o entendimento do cidadão comum tornandoa mais acessível a todos e promovendo o acesso à Justiça É importante ressaltar que escrever bem não significa escrever extensamente A prolixidade é vista como um defeito não como uma qualidade Um texto simples porém elegante com um vocabulário contextualizado será respeitado admirado e recomendado por ser convincente e seguro101 Até mesmo o expresidente dos Estados Unidos Barack Obama destacou a importância da simplicidade ao 100 CARVALHO Paulo AQUINO Sérgio Serafim A natureza da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária em matéria tributária Revista da Faculdade de Direito UFPR v 65 n 1 p 8199 2020 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 101 PEREIRA Eleude Lílian Oliveira BUENO Ademir Moreira Os desafios da comunicação o equilíbrio entre objetividade e prolixidade Revista Organização Sistêmica v 10 n 19 p 5869 2021 40 questionar por que não seria possível elaborar um simples termo de adesão de cartão de crédito em apenas uma página Siegel 2010 Conforme observado pelo desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Alexandre Moreira Germano102 a tendência moderna deveria apontar para redações bem escritas porém simplificadas e objetivas que evitassem o uso de uma linguagem rebuscada e termos jurídicos excessivamente complexos O foco principal seria facilitar a compreensão do processo que tem por objetivo resolver conflitos entre as partes envolvidas sem a necessidade de grandes digressões literárias Germano também recomendou evitar o uso de termos em latim ou em outros idiomas que não sejam o vernáculo uma vez que considera que o português atende a todas as exigências do texto jurídico 15 Argumentação Dominar a comunicação em todos os níveis é essencial para o profissional do direito uma vez que sua ferramenta de trabalho a palavra quando utilizada com eficiência tem o poder de convencer persuadir e influenciar as pessoas Essa capacidade de influência é uma forma de exercer poder sobre os outros estimulandoos a enxergar o mundo por uma nova ótica O estudo da argumentação remonta à antiguidade mas seu desenvolvimento e sua aplicação no contexto jurídico contemporâneo merecem atenção especial Recentemente podese encontrar trabalhos pioneiros que inserem a disciplina de argumentação nas faculdades de Direito demonstrando sua crescente importância na formação acadêmica dos estudantes Um marco significativo foi a introdução do curso de argumentação na Universidade de Bruxelas pelo filósofo do Direito e linguista Chaím Perelman principalmente com sua obra Tratado da argumentação a nova retórica103 Durante séculos o papel da argumentação no direito era secundário pois as decisões judiciais não precisavam ser fundamentadas de forma específica Os juízes cujo principal objetivo era buscar o justo muitas vezes confundiam preceitos jurídicos com critérios morais e religiosos dada a falta de clareza nas fontes do direito Nesse contexto o direito limitavase principalmente à atribuição de órgãos para legislar e aplicar a lei sem a necessidade de uma argumentação 102 GERMANO Alexandre Moreira Técnica de redação forense São Paulo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 2005 103 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 41 racional explícita nos julgamentos Assim o estudo da argumentação foi relegado a segundo plano embora valores e subjetividade desempenhassem um papel significativo na aplicação dos elementos persuasivos104 No meio jurídico a argumentação pela palavra é fundamental É por meio dela que se constroem teses ou refutações e se busca a justiça O pensamento argumentativo está sempre presente no discurso forense pois o conflito entre as partes exige uma sustentação lógica que será analisada pelo juiz ao fundamentar sua decisão105 Portanto um texto jurídico bem elaborado e fundamentado em argumentos sólidos tem o poder de convencer o leitor Isso ocorre porque a argumentação é produzida por meio de técnicas discursivas e elementos linguísticos que têm o propósito de persuadir Conforme observado por Tyteca e Perelman106 a argumentação que busca a adesão é uma ação e para alcançar esse objetivo são necessários conhecimento amplo do assunto abordado domínio dos recursos de linguagem compreensão do leitor e seleção cuidadosa dos argumentos a serem utilizados É fundamental manter o foco no destinatário do texto para produzir uma mensagem clara e uma argumentação bem construída A argumentação é compreendida como uma atividade discursiva e social que envolve a defesa de pontos de vista e a consideração de objeções e perspectivas alternativas Seu objetivo principal é aumentar ou reduzir a aceitabilidade dos pontos de vista em questão Quando esses elementos são combinados criase no discurso um processo de negociação que permite lidar com divergências entre diferentes concepções sobre fenômenos do mundo sejam eles físicos ou sociais107 Esse processo de negociação de perspectivas divergentes confere à argumentação um potencial epistêmico tornandoa um recurso fundamental na construção do conhecimento e como argumentado neste artigo no desenvolvimento do pensamento reflexivo Em outras palavras a argumentação não apenas defende pontos de vista mas também promove a troca de ideias e a reflexão sobre 104 Ibid 105 SAVIAN FILHO Juvenal Argumentação a ferramenta do filosofar WMF Martins Fontes 2024 106 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim 2002 op cit 107 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 42 diferentes perspectivas contribuindo para uma compreensão mais ampla e profunda dos temas em discussão108 Podese dizer que a argumentação simples evidencia A jurisprudência desempenha um papel fundamental como fonte do Direito representando uma construção contínua de entendimentos pelo Poder Judiciário Sua principal utilidade reside no princípio da equidade pois busca garantir resultados equivalentes para casos que em sua essência sejam semelhantes O uso da jurisprudência muitas vezes se transforma em argumento por analogia quando um julgado específico é utilizado como parâmetro ou paradigma para o resultado desejado em um caso semelhante109 O uso do argumento a simili assim como ocorria com o argumento de autoridade pode seguir regras para aumentar sua eficiência Essas regras antes de buscarem a lógica formal estão preocupadas com a persuasão do discurso buscando um discurso sólido que evite falácias e enganos seguindo um percurso coerente110 A analogia estabelece uma proporção assimétrica entre elementos conhecidos foro e menos conhecidos tema Por conta dessa assimetria o argumento por analogia requer uma série de ideias menores que comprovem a proporção existente em campos diferentes A jurisprudência quando utilizada como argumento pode ser vista por dois prismas diferentes como persuasão ad verecundiam é valioso apresentar vários julgados de tribunais diversos para demonstrar que um julgado tem apoio em posicionamentos de diferentes autoridades No entanto o excesso de julgados raramente contribui para a persuasão O peso da jurisprudência reside na autoridade do órgão prolator sua atualidade e na proximidade entre foro e tema características essas que são intrínsecas ao argumento por analogia111 O objetivo da argumentação é persuadir o destinatário a acreditar em algo ou a agir de determinada maneira Essa concepção é amplamente aceita pois o propósito final do argumentador é influenciar o pensamento ou o comportamento do 108 Ibid 109 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 110 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 111 FERRAZ JR Tercio Sampaio Argumentação jurídica Editora Manole 2014 TARUFFO Michele DE TEFFÉ Chiara Spadaccini Precedente e jurisprudência civilistica com v 3 n 2 p 116 2014 43 receptor No contexto jurídico essa persuasão pode se manifestar de várias formas desde convencer um juiz a decidir a favor de uma determinada parte até estimular uma ação específica por parte do destinatário112 Assim persuasiva é a argumentação que não pretende valer senão para um auditório particular e chamar convincente a que lhe é permitido obter a adesão de todo ser racional 113 No entanto há quem defenda que o objetivo principal da argumentação vai além de simplesmente fazer o destinatário acreditar em algo pois busca também motiválo a agir de acordo com o que foi proposto Isso implica que o argumentador visa não apenas à adesão intelectual do receptor mas também à sua ação prática114 Por exemplo um advogado pode argumentar em favor de uma determinada tese não apenas para que o juiz acredite nela mas também para que o juiz aja deferindo o pedido relacionado à tese Essa abordagem embora pragmática reconhece a complexidade da relação entre o crer e o fazer destacando que a eficácia da argumentação nem sempre se traduz diretamente em ação No entanto mesmo com essa distinção o objetivo final da argumentação permanece sendo fazer o destinatário acreditar na tese proposta Os meios utilizados para alcançar esse objetivo incluem transmitir a tese de forma clara e persuasiva de modo que o raciocínio do receptor se alinhe com o percurso argumentativo proposto No contexto jurídico isso pode envolver técnicas específicas de persuasão adaptadas às peculiaridades da atividade forense115 No discurso judiciário o fator de persuasão mais eficaz é o raciocínio jurídico que envolve tanto a interpretação da lei quanto a análise das provas apresentadas No entanto esse raciocínio não é unilateral pois a lógica jurídica não é exata e depende dos argumentos para ser expressa Portanto ao apresentar esse raciocínio o argumentador busca realçar os elementos favoráveis à sua posição utilizando técnicas de argumentação para isso116 112 OLBRECHTSTYTECA Lucie PERELMAN Chaim Tratado da argumentação a nova retórica São Paulo 2002 113 SANTOS Maria Celeste Cordeiro Leite DOS SANTOS Celeste Leite Persuasão e Verdade São Paulo Cultural Paulista 1995 P 53 114 Ibid 115 PLANTIN Christian A argumentação São Paulo Parábola Editorial 2008 HARET Florence Cronemberger Analogia e interpretação extensiva apontamentos desses institutos no Direito Tributário brasileiro Revista da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo v 105 p 9911006 2010 116 CITELLI Adilson Linguagem e persuasão São Paulo Ed Ática 2001 RODRÍGUEZ Víctor Gabriel Argumentação jurídica São Paulo WMF Martins 2005 44 Dessa forma podese dizer que o objetivo da argumentação é fazer com que o destinatário acredite em uma afirmação e os meios para alcançar esse objetivo envolvem a amplificação dos elementos favoráveis ou seja destacar e valorizar esses aspectos Essa prática de amplificar aspectos favoráveis não é exclusiva do discurso jurídico e é comumente observada em outras áreas ou mesmo em interações cotidianas No entanto no contexto jurídico essas técnicas são mais complexas e elaboradas mas ainda seguem o mesmo princípio destacar os aspectos que reforçam a tese defendida Portanto o advogado que busca persuadir em juízo procura desenvolver um percurso argumentativo eficaz baseado no fortalecimento do raciocínio jurídico válido pois é essa fundamentação que tem maior peso na tomada de decisão judicial e na obtenção de um resultado favorável Assim a essência da lei é ordenar vetar permitir e punir Por isso o texto jurídico deve ser redigido de maneira adequadamente argumentativa para solucionar conflitos e não para provocálos como ocorre quando uma norma ou parte dela é redigida de forma inadequada CAPÍTULO 2 AS INTERSECÇÕES ENTRE O DIREITO E A LITERATURA Não faltam exemplos de como a literatura e o direito se relacionam e como um influencia fortemente o outro Casos mais comuns para os juristas são aqueles que evocam Antigona117 uma vez que a peça é recorrentemente tratada como um exemplo de o direito quase divino de enterrar o seu familiar ou amado morto118 sendo que tal direito não poderia ser subjugado por nenhuma norma decreto dos 117 Neste conto o rei Creonte após uma batalha que levou à morte do irmão de Antígona determina que não poderia ocorrer o sepultamento do morto uma vez que se tratava de um traidor Contudo Antígona incrédula com tamanha barbaridade se contrapõe a ordem do seu soberano Não conheces o decreto de Creonte sobre nossos irmãos A um glorifica a outro cobre de infâmia A Etéocles dizem determinou dar baseado no direito e na lei sepultura digna de quem desce ao mundo dos mortos Mas quanto ao corpo de Polinice infaustamente morto ordenou aos cidadãos comentase que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse abandonado sem lágrimas sem exéquias doce tesouro de aves que o espreitam famintas Sófocles Antígona Traduzido do Grego por Donaldo Schüler Disponível em httpswwwlpmcombrlivrosImagensantigona2010pdf 118Disponível em httpswwwconjurcombr2020jul21mariateresaoliveiraantigonanossosmortos textO20enredo20trata20das20desventurase20integra20a20Trilogia20Tebana 45 homens Outro exemplo muito recorrente é o Processo de Frans Kafka119 e o trecho mais citado provavelmente é diante da lei A obra será tratada mais adiante mas a influência do autor e suas obras foi tão impactante no meio jurídico que criou o termo kafkiano O termo em uma tradução aproximada remete às relações do Estado e cidadão uma vez que o cidadão não se opõe às imposições estatais e se submete às suas burocracias de forma passiva gerando um sentimento de culpa pela sua estagnação Esse sentimento de estagnação e submissão ao sistema burocrático estatal pode ser traduzido como a forma que Joseph K se viu em sua desventura literária assim sustenta Marco Aurélio Werle120 pareceme que kafkiana não é tanto a situação de opressão do Estado ou das estruturas burocráticas sobre o indivíduo no sentido de que as mesmas sufocariam a liberdade humana e a constituição psíquica do homem de fora para dentro como opressão da superestrutura Kafkiano é antes o modo como hoje os indivíduos procuram intencionalmente mesmo sem terem plena consciência as situações de opressão para poderem se sentir seguros e felizes numa espécie de construção de culpa que é ao mesmo tempo uma transferência da culpa Ou seja atualmente kafkiana é a reivindicação ampla e irrestrita de integração ao sistema feita tanto por indivíduos quanto por determinados grupos Grifos nossos A contradição ocorre pois Joseph K na visão de alguns autores121 não se defende das suas acusações e por isso talvez tivesse esse estigma de culpado sem ao menos saber sobre a sua acusação Há outros exemplos que buscam demonstrar como a literatura interage com o meio jurídico mas o objeto de análise do presente capítulo são as correntes que buscam estudar essas interações e descrever quais são os meios pelos quais essas interações podem ocorrer Logo se a linguagem é o instrumento laboral pelo qual um jurista se manifesta então há importância nas fontes literárias que nos cercam122 119 KAFKA Franz O Processo Tradução e Posfácio de Modesto Carone 11 ed São Paulo Companhia de Bolso 2005 120 Digressões sobre o que é kafkiano hoje a partir de O processo Disponível em fileCUsersDellDownloadszeluizDigressoessobreoqueC3A9kafkianopdf 121 MERQUIOR J G Arte e sociedade em Marcuse Adorno e Benjamin Ensaio crítico sobre a escola neohegeliana de Frankfurt Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1969 p127 122 Pertinente citar a colocação de Paulo Leminski que embora a literatura não seja palatável na atualidade há pouco tempo o meio jurídico reconhecia a sua importância ou no mínimo as fontes literárias Parece que a aproximação entre direito e literatura no passado não se mostrava tão problemática Em textos clássicos da literatura universal é possível identificar temas muito caros ao universo jurídico o que parece demonstrar que o afastamento do selo direito e literatura se dá devido a uma determinada racionalidade jurídica que enclausura o jurídico numa perspectiva de objetividade normativa No entanto não é incomum aos agentes do direito parecendo até mais palatável a aproximação do direito de outras esferas como a economia Direito 46 Ainda cabe destacar o patamar que alguns autores atingiram como Kafka em suas obras que geram sentimentos confusos e intrigantes ou a clássica jornada do herói em Ilíada de Homero a busca de um amor em A divina comédia de Dante Alighieri a angústia de Hamlet de William Shakespeare a procura pelo conhecimento em Fausto de Johann Wolfgang von Goethe o incompreensível monstro de Frankenstein de Mary Shelley E quem nunca presenciou as referências atuais e antigas de Admirável mundo novo de Aldous Huxley ou a crítica e distopia de 1984 de George Orwell Todas essas obras e muitas outras chegaram ao patamar de obras conhecidas como clássicas ou cânones pelo menos no nosso meio ocidental tanto para a literatura como para o Direito Porém restam os questionamentos o que é um clássico ou um cânone O que uma obra literária precisa apresentar para ser um cânone E como o meio jurídico interage com essas obras O Clássico e o Cânone Em meio aos estudos para responder a essas questões nos deparamos com algumas obras que em algum momento não foram bemvistas na nossa sociedade moderna123 Algumas delas tiveram até censuras parciais talvez pelo seu conteúdo sensível ou por um receio de propagação de suas ideias Talvez além da notoriedade de sua época para sobreviver às intempéries uma obra para ser econômico ou direito e economia e a psicanálise por exemplo Direito literatura e a construção do saber jurídico Paulo Leminski e a crítica do formalismo jurídico Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid496629000967071pdfseque 123 A título de exemplo é possível citar a obra denominada de Mein Kempf que no ano de 2023 teve sua circulação restringida em parte do território nacional através da lei 13493 de 31 de maio de 2023 Disponível em httpswwwcamarapoarsgovbrdracoprocessos137516Lei13493pdf que proibia a sua circulação de distribuição em território nacional Uma justificativa para a censura da determinada obra talvez seja a subversão do leitor e a propagação de preconceitos contra a comunidade semita Mein Kampf tem importância histórica enquanto um documentotestemunho da barbárie que culminou com o assassinato de mais de seis milhões de judeus milhares de ciganos testemunhas de Jeová e outros tantos inimigos do regime Carrega consigo nas linhas e entrelinhas o capital simbólico da intolerância e do genocídio e como tal deve ser analisado e criticado Os argumentos expõem claramente a ideologia racial que moveu o seu autor a adotar o antissemitismo como política do Estado alemão Tanto a obra apócrifa Os Protocolos dos Sábios de Sião como Mein Kampf cumpriram com o seu papel panfletário ao ampliar o medo aos judeus com a acusação aos comunistas que agiam nas sombras e nos becos escuros da sociedade Tais mitos ao serem reabilitados neste século 21 sob o prisma das conspirações mundiais expõem novamente a lógica acusatória cujas raízes remontam ao século 15 com a criação do mito ariano como muito bem demonstrou Leon Poliakov em seus estudos sobre pureza de sangue Jornal da USP Disponível em httpsjornaluspbrarticulistasmarialuizatuccicarneiromeinkampf abibliadaignorancia 47 considerada um clássico deve possuir um grau de excelência e harmonia relacionada com sua época124 É relevante conceituar um clássico e uma obra CLÁSSICO lat Classicus in Classic fr Classique ai Klassische it Clássico No latim tardio esse adjetivo designava o que é excelente em sua classe ou o que pertence a uma classe excelente especialmente à classe militar Aulo Gélio Ato Att XIX 815 contrapunha o escritor C ao escritor proletário proletaríus Mas a difusão dessa palavra para designar um modo ou estilo excelente e próprio dos antigos na arte e na vida é devida ao Romantismo que gostava de definirse e entenderse sempre em relação ao classicismo Segundo Hegel o caráter clássico é definido como a união total do conteúdo ideal com a forma sensível O ideal da arte encontra na arte C a sua realização perfeita a forma sensível foi transfigurada subtraída à finitude e inteiramente conformada à infinitude do Conceito isto é do Espírito Autoconsciente E isso acontece porque na arte C Dessas ideias de Hegel repetidas de forma pouco diferente por numerosos escritores do período romântico nasceu o ideal convencional do classicismo como medida equilíbrio serenidade e harmonia os na Revue Internationale de Philosophie 1958 1 n 43 Grifos nossos A palavra cânone125 guarda sua definição em algo ou objeto que é cânon o termo parece remeter a algo que foi selecionado para ser o critério de escolha em alguma área do conhecimento em outras palavras busca definir algo que será idealizado para a definição de critério de regras CÂNON gr ravtòv in Canon fr Canon ai Kanon it Cânone Critério ou regra de escolhas para um campo qualquer de conhecimento ou de ação É provável que esse termo tenha sido introduzido pelo escultor Policleto que deu esse título a uma obra na qual descrevia a simetria do corpo e indicava as regras e as proporções que o escultor deve respeitar 40 A 3 Diels Epicuro chamou de canônica a ciência do critério para ele critério é a sensação no domínio do conhecimento e o prazer no domínio prático DIÓG L X 30 Esse termo foi retomado pelos matemáticos do séc XVIII e Leibniz o emprega para designar as fórmulas gerais que dão o que se pede Mathematische Schriften VIII 217 Observase que a melhor definição do que seria uma obra clássica ou cânone seja o grau de excelência e notoriedade que uma obra atinge e possa ser enquadrada como ideal algo que toda obra dentro de um determinado campo busca atingir Contudo há um autor que merece destaque quando falamos de um cânone literário e sua definição 124 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 147 125 Ibid 48 Harold Bloom foi um crítico literário estadunidense conhecido por suas obras e mais notoriamente a sua obra denominada O Cânone Ocidental Nela o autor atribui a característica de cânone às obras que possuem a capacidade de atribuir ou comunicar ao leitor uma sensação de estranheza126 Segundo o autor essa estranheza não pode ser assimilada e muitas vezes captura o leitor de tal modo que este deixa de ver essa obra como estranha A explicação de Harold Bloom convida o leitor a questionarse como um cânone é formado se a sua criação passa por essa sensação de estranheza uma vez que as palavras clássico e Cânon remetem a excelência ou ideal para um determinado meio Talvez a resposta que melhor se encaixe para essa definição seja a que o cânon ou o clássico atingem essa sensação de estranheza de tal modo que mesmo após a sua publicação ele seja reconhecido como um novo ideal a ser alcançado pelas obras vindouras Em outras palavras essas obras atingem um grau de excelência elevado que ditam o que será o novo ideal a ser alcançado das gerações futuras127 Mesmo após passar por toda essa aprovação um cânone ainda pode não sobreviver às intempéries e às gerações vindouras assim uma obra de grande notoriedade pode ser excluída da lista de leitura de um determinado meio pois não acolhe os preceitos necessários para a sua permanência ou ainda pode ser considerada ofensiva por sua linguagem ou colocações128 Para a proteção e propagação de obras que semeiam gerações futuras talvez devesse existir algum órgão ou o próprio meio acadêmico poderia proteger a integridade dessas obras contudo na obra de Harold Blomm ele traz o 126 Nas palavras do próprio autor tentei encarar diretamente a grandeza perguntar o que torna canônicos o autor e as obras A resposta na maioria das vezes provou ser a estranheza um tipo de originalidade que ou não pode ser assimilada ou nos assimila de tal modo que deixamos de vêla como estranha 127 Vale destacar que não necessariamente uma obra será aclamada no seu lançamento e trará o reconhecimento para o seu autor na data da sua publicação um ótimo exemplo desse caso é o clássico Moby Dick que em sua estreia não alcançou nem uma fração do sucesso que veio a ser após anos da morte do seu autor Disponível em httpsoperamundiuolcombrhojenahistoriapodcasthojenahistoria1891morreescritorhermanmelville autordemobydicktextHerman20Melville20foi20o20terceirobancC3A1rio2C20depois 20professor20e20fazendeiro Acesso em 10 jan 2024 128 A título de exemplo é possível citar as obras de Monteiro Lobato que sofreram uma repaginada na atualidade Disponível em httpswwwuolcombrecoaultimasnoticias20210129devemoseditarostermosracistas nasobrasdemonteirolobatohtm ou obras norte americanas como O sol é para todos Disponível em httpsbrasilelpaiscombrasil20161205cultura1480966487043756html Acesso em 15 fev 2024 49 apontamento de Sir Frank Kermode em seu Forms of Attention Formas de atenção 1985 129 Os cânones que negam a distinção entre conhecimento e opinião que são instrumentos de sobrevivência feitos para resistir ao tempo não à razão são evidentemente desconstrutiveis se as pessoas acham que não deve haver tais coisas podem muito bem encontrar os meios para destruilas A defesa delas não pode mais ser empreendida por um poder institucional central não podem mais ser compulsórias embora seja difícil ver como a operação normal de instituições cultas incluindo o recrutamento pode passar sem elas Grifos nossos Em sentido oposto possivelmente Sir Frank Kermode aponte que os cânones são evidentemente destruíveis pela vontade das pessoas e nesse sentido não há razão para eleger um órgão governamental ou acadêmico para protegêlo Neste sentido cabe aos próprios leitores ou à própria época reconhecer o cânone e preserválo como tal Estudar Direito e Literatura é realizar um mergulho no mundo das obras literárias e por consequência a eleição das obras influi na analise a ser realizada O clássico e o cânone ocupam um lugar importante nesta configuração entre o direito e a literatura o uso do cânone é o que doa a simetria as regras as proporções como um critério que ajuda a acessar o conhecimento Por fim resguardamos a última pergunta suscitada acima no presente capítulo como o meio jurídico interage com essas obras As interações do meio jurídico podem ser definidas como as correntes clássicas do direito e literatura As correntes interagem com o meio literário e com o meio jurídico de formas diversas para melhor definir e explicar as interações dessas correntes e esses meios é mister compreender quais são os tipos de interações e como elas ocorrem 21As correntes clássicas Direito e Literatura 211 Direito da Literatura A primeira corrente sobre direito e literatura é conhecida como o direito da literatura e ela busca informar a maneira que a lei e a jurisprudência se deparam com a literatura de uma determinada região Neste ponto o enfoque dessa interação se desdobra muitas vezes sob o prisma do particular e do Estado É possível citar 129 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 50 temas como ramos do direito privado tais como direitos autorais e copyright ou direito público como a liberdade de expressão ou as gamas do direito penal como delitos opinativos A título de exemplo temos os tipos penais de calúnia difamação injúria ataques à ordem pública e aos bons costumes etc130 Um exemplo notável aqui na América do Sul é o panteão de livros da renomada artista Marta Minujín Após a ditadura militar da Argentina Marta retorna para o seu país com o intuito de montar um grande panteão como todos os livros que foram censurados durante os anos de opressão no seu país O monumento foi concebido como uma intervenção temporária e por isso no dia 24 de dezembro de 1983 a estrutura foi desfeita permitindo ao público remover os livros Por volta de 12000 volumes foram distribuídos entre os presentes que faziam parte do público enquanto aproximadamente 8 mil foram doados às bibliotecas públicas Nas palavras de Minujín o ato refletia a ação de retornar o trabalho ao público131 No caso narrado acima é possível observar que a ordem posta na argentina da época da ditadura limitava em muito o acesso dos argentinos aos livros Um exemplo claro de como o direito pode limitar e moldar a produção literatura e o acesso às obras literárias de um determinado país é por meio do direito da literatura daquele país Para melhor destacar apontamse o artigo 32 da Constituição da argentina132 o inciso IX do artigo 5º da Constituição brasileira e o artigo 10 do Convênio Europeu para proteção dos direitos humanos Artigo 32 El Congreso federal no dictará leyes que restrinjan la libertad de imprenta o establezcan sobre ella la jurisdicción federal133 Artigo 5º IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença Artigo 10 Toda pessoa tem direito à liberdade de expressão Este direito inclui a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou comunicar informações ou ideias sem interferência das autoridades públicas e sem considerar fronteiras 130 TORRES Oscar Enrique Derecho e Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum México 2017 p 2728 131 Segunda a notícia a obra da artista continha autores clássicos da literatura argentina e mundial Disponível em httpswwwufrgsbrarteversaoslivrosproibidosdemartaminujin Acesso em 07 jan 2024 132 Ainda o decreto 127997 declara compreendido na garantia constitucional que ampara a liberdade de expressão ao serviço de Internet Vide site oficial httpswwwargentinagobarnormativanacionaldecreto 1279199747583texto Acesso em 07 jan 2024 133 O Congresso federal não ditará leis que restrinjam a liberdade de imprensa ou estabeleçam jurisdição federal sobre ela tradução livre 51 Ainda nesse sentido é possível observar a legislação que um país exerce sobre o tema literatura ou como a literatura se desenvolve em cada país em razão das possibilidades admitidas ou não admitidas pelo direito como é o caso da censura134 Em outras palavras a censura apesar de limitar a liberdade criativa de determinados autores pode ser um exemplo para demonstrar como o direito e a literatura interagem em determinados países na perspectiva do direito da literatura Dentro da interdição via lei da liberdade de expressão e criativa o direito da literatura que pode ser entendido como a regulamentação da expressão literária possui diversos exemplos que podem ser observados Podese citar a proibiçãocensura em diversos países do livro Suicídio manual de uso publicado em 01 de janeiro de 1991 Não há necessidade de o livro ser lido até o final para que um leitor minimamente diligente consiga imaginar o seu conteúdo e por se tratar de um tema sensível e polêmico em vários países como na Espanha os autores iniciam os prólogos do livro questionando a sua vasta censura na França e em diversos outros países135 A controvérsia do tema não é objeto de estudo mas a censura e a vasta repercussão do livro são exemplos do que definimos como direito da literatura Como podemos observar o referido livro pela sua mera existência pode ser enquadrado como passível de censura uma vez que o tema é um verdadeiro tabu em diversas sociedades136 Isto porque o suicídio não é visto como uma questão individual Segundo a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ENSP a questão não é apenas sobre saúde individual137 uma vez que o suicídio é abordado 134 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez Moreno El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 p 0809 135 O autor abre a contracapa do livro com uma justificativa para a existência do livro e ainda enfatiza que ele foi censurado na França Un manual de suicidio por qué Porque creemos que la automuerte es un derecho y un derecho no es nada sin los medios para ejercerlo La justicia francesa no comparte la reflexión de los autores de Suicidio manual de uso El libro que tiene en las manos actualmente está prohibido en Francia No obstante sus adversarios habrán necesitado ocho años para conseguir su objetivo hacer desaparecer el libro Seguramente soñaban con una desaparición más ruidosa con un inquisitorial auto de fe pero ha sido una muerte discreta de la que puede afectar a un libro difundido en Francia en más de 105000 ejemplares Desde 1982 se han sucedido en Francia las persecuciones judiciales contra los autores de Suicidio Manual de uso convertidos en delincuentes comunes hasta que en diciembre de 1987 el libro era virtualmente prohibido por la introducción en el código penal francés de un artículo que reprimía la colaboración en el suicidio GUILON Claude LE BONNJEC Yves Suicidio Manual de uso 1 ed sl Ediciones de la Tempestad 1991 136 Um exemplo de como esse tema é sensível para a atualidade é o processo milionário que a Netflix respondeu no ano de 2020 por retratar uma cena do ato nas telas na série denominada 13 reasons why Disponível em httpswwwcnnbrasilcombrentretenimentoprocessocontraanetflixporcenasdesuicidioem13reasons whyearquivado 137 Vide colocação da própria universidade httpsinformeenspfiocruzbrnoticias47219 52 e tratado como uma questão de múltiplos fatores tais como famílias religião saúde pública sendo considerado uma questão sensível para a atualidade O direito da literatura também pode tratar de questões de direitos autorais de um determinado país ou do uso de Copyright Assim podemos observar a relação entre um autor e a sua obra pela interação que a legislação permite ou pela liberdade e proteção dessa interação138 A proteção de direitos autorais também influencia no processo criativo na circulação de obras literários e na sua questão financeira 212 Direito como literatura O direito como literatura compreende os métodos e aplicações da crítica literária com a literatura ou seja pode ser interpretado como uma abordagem ao discurso jurídico por intermédio de análises e críticas literárias Nos Estados Unidos esse método de estudo é o mais comum e há material mais farto de como alguns juristas fazem essa interação A interação obedece em alguns casos métodos de interpretação de lei associado com a similaridade com os textos literários e em outros casos na aplicação e na análise de textos jurídicos com algum recurso literário139 Em Martha Nussbaum Justicia poética y a James Boyd White The Legal Imagination um juiz pode ser capaz de dar voz ao sem voz e tirar o sujeito do anonimato e dos discursos redutores O jurista está na posição de um artista da linguagem segundo James Boyd White o jurista está consciente do caráter construtivo e fictício das interpretações O direito e a literatura são dois imaginários sociais que se reforçam mas se opõem também140 Essa intersecção pode ser alcançada na perspectiva de um jurista que através de sua peça processual seja ela um advogado com uma exordial um promotor com uma denúncia ou mesmo um juiz determinado com uma sentença que buscam pelo uso da palavra trazer do anonimato vozes daqueles que não 138 Vale destacar a lei 9610 de 1998 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03leisl9610htmtextL9610textLEI20NC2BA2096102C 20DE201920DE20FEVEREIRO20DE201998textAltera2C20atualiza20e20consolida 20aautorais20e20dC3A120outras20providC3AAnciastextArt201C2BA20Esta 20Lei20regulaos20que20lhes20sC3A3o20conexos Acesso em 10 fev 2024 139 OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 48 140TORRES Oscar Enrique Derecho literatura El derecho en la literatura Ciudad de México Editorial Libitum 2017 P 29 53 podem ser ouvidos em uma sentença ou nessa peça processual É o caso muitas vezes das vítimas que são invisibilizadas no processo que tem uma formação dicotômica autor da ação e réu A título de exemplo é cabível observar como uma interpretação mais literária poderia influenciar na perspectiva e na aplicação de uma norma jurídica O princípio DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS em uma tradução livre pode ser interpretado como DÁME O FATO QUE TE DAREI O DIREITO141 O princípio determina que o juiz mediante a provocação de uma das partes pode decidir sobre a matéria no processo com os fatos que se abstraem do caso concreto O que pode fazer com que o magistrado decida em uma interpretação mais abrangente em relação aos pontos debatidos durante o processo Por um lado tal princípio atribui maior celeridade ao processo pois o juiz tem maiores meios para decidir sobre um determinado caso Mas o art 10 da lei 13105 de março de 2015 Código de Processo Civil determina142 Art 10 O juiz não pode decidir em grau algum de jurisdição com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício Mesmo com a interpretação e a aplicação do princípio anterior o art 10 do CPC é contundente em estabelecer que o contraditório e a ampla defesa das partes devem prevalecer Por esse motivo mesmo com um princípio fundamentando a decisão de um determinado magistrado hipotético se analisarmos um caso que o art 10 do CPC entra em um aparente conflito com o princípio supramencionado provavelmente o citado artigo deve prevalecer uma vez que a interpretação no caso concreto com base no referido princípio não será antecipada pelo magistrado e o artigo 10 do CPC de 2015 busca vedar decisões surpresas143 É nítido que o novo CPC tem a clara intenção de dar essa perspectiva mais ampla para as manifestações entre as partes O direito como literatura ou a aplicação mais crítica do direito se insere mais na chamada integridade de Ronald Dworkin Esse tipo de análise será matéria mais 141 Vide o Supremo Tribunal Federal Disponível em httpsportalstfjusbrjurisprudenciatesauropesquisaasp pesquisaLivreDA20MIHI20FACTUM20DABO20TIBI20JUS Acesso em 07 mar 2024 142 Disponível em httpswwwplanaltogovbrccivil03ato201520182015leil13105htm Acesso em 05 abr 2024 143 Princípio da vedação da decisão surpresa Disponível em httpswwwtjdftjusbrconsultasjurisprudenciajurisprudenciaemtemasnovocodigodeprocessocivil principiodavedacaoadecisaosurpresa Acesso em 16 mar 2024 54 objetiva em capítulos futuros principalmente quando for abordada a análise de Ronald Dworkin e sua abordagem de direito como integridade144 Por ora ainda dentro desse tópico passamos a análise da próxima intersecção entre o direito e a literatura 213 Literatura como direito Ainda sobre o tema é cabível mencionar a literatura como direito que vem a ser um meio de interpretar ou aplicar no meio literário um caso evidentemente jurídico ou evocar para o meio literário interpretações que buscam moldes em outras obras Como se aos moldes de uma jurisprudência ou precedente uma obra buscasse em outra obra uma certa validação145 Como exemplo do presente tópico podemos observar o programa DIREITO LITERATURA146 Esse programa é uma atração televisiva apresentada por Lenio Luiz Streck e foi originalmente criado pelo Instituto de Hermenêutica Jurídica IHJ O programa é produzido e coordenado por André Karam Trindade sendo transmitido pela TV Unisinos e pela TV Justiça e divulgado semanalmente Tradicionalmente apresentamse debates entre professores de diferentes áreas do conhecimento ou seja se trata de um programa com foco multidisciplinar segundo a descrição o programa possui o objetivo de difundir no Brasil o estudo das interfaces entre Direito e Literatura bem como de desenvolver um novo modo de pensar o direito 147 O que se destaca do programa são os fenômenos sociais que adentram no interior das culturas jurídica e literária Nos episódios os apresentadores por muitas 144 DWORKIN Ronald O império do direito Tradução Jefferson Luiz Camargo Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios São Paulo Martins Fontes 2007 145TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 31 146 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 147 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 55 vezes trazem temas claramente literários e tentam aproximálos ao direito através do instrumento de análise crítico Nas palavras dos seus idealizadores trazer ao conhecimento do público obras que marcaram gerações levantando questões e proporcionando debates sobre temas da atualidade presentes nos textos literários148 A próxima corrente de intersecção entre direito e literatura talvez seja a mais difundida no meio jurídico para além de uma análise de uma obra sob o prisma literário direito como literatura ou observar os limites jurídicos que o direito impõe à literatura direito da literatura Assim a seguir serão abordadas questões mais amplas e como a literatura pode contribuir de maneira mais direta para o meio jurídico 214 Direito na Literatura O Direito na literatura pode ser entendido como a corrente mais difundida quando abordamos a intersecção entre direito e literatura uma vez que essa corrente é a que possui uma vasta gama de meios de interação os dois fenômenos sociais Em suma o direito na literatura se aprofunda nos meios pelos quais a literatura pode contribuir para a elucidação de questões importantes do direito tais como a Justiça e Poder149 Essa abordagem também pode acontecer quando ocorrem intersecções entre elas e outras áreas que percorrem o imaginário social No direito na literatura um universo de narrativas e prescrições de antigas ou novas civilizações fictícias ou reais percorre o meio jurídico150 E a esse caminho é mister salientar a obra Contar a lei As fontes do imaginário Jurídico de François Ost que explica que as narrativas e as imaginações dos literários não se opõem à argumentação racional jurídica mas complementam para melhor elucidação sobre o tema151 148 Site oficial do programa vide httpswwwrdlorgbrptprogramadireitoeliteratura Ficha técnica Apresentador Lenio Luiz Streck Convidados André Karam Trindade Draiton Gonzaga de Souza Eloísa Capovilla Francisco Marshall Henriete Karam José Luis bolzan de Morais Kathrin Rosenfield Leonel Severo Rocha Luís Augusto Fischer Mário Fleig e Sergius Gonzaga Produção Executiva André Karam Trindade Patrocínio e apoio Rede Brasileira Direito e Literatura RDL Apoio Programa de PósGraduação em Direito da Unisinos Realização TV Unisinos 149SANTOS M C C L dos ARAUJO M 2023 Dialogando com François Ost iurisfictio Revista Internacional Consinter de Direito v 9 n 16 2021 httpsdoiorg1019135revistaconsinter0001602 150 TORRES Oscar Enrique Derecho y Literatura El derecho en la literatura México Editorial Libitum 2017 p 3031 151 NUSSBAUM Martha Justicia Poética la imaginación literaria y la vida pública Editorial Andrés Bell 1997 p 25 56 Neste sentido a literatura juntamente com esse imaginário coletivo não se coloca em posição adversa das questões argumentativas jurídicas e suas formalidades pelo contrário busca uma nova ótica ou trazer luz àquilo que não era tão claro para o jurista O direito na literatura encontra sua definição ainda segundo José Calvo152 como meio empregado para abordar temas jurídicos Ou seja quando um autor literário se utiliza de temas latentes dentro da sua obra literária para abordar temas jurídicos Um exemplo desse tipo de aplicação são autores como Dostoievsky sendo tratados para abordar temas já presentes no meio jurídico dado que essa interpretação auxilia no imaginário criativo do leitor para se tornar um melhor operador do meio jurídico153 Alguns estudos já apontaram como o meio jurídico se desenvolve ou desabrocha com a exploração e discussão de fontes sociais culturais e literárias mais fartas Não por acaso o edital da magistratura do Tribunal Federal da 4ª Região datado de 2016 na sua segunda parte Anexo II traz conteúdos que não estão dentro desse formalismo jurídico técnico e mais próximos do campo social e até mesmo de como a figura do magistrado se insere dentro da sociedade sob uma ótica política e social154 ANEXO II NOÇÕES GERAIS DE DIREITO E FORMAÇÃO HUMANÍSTICA A SOCIOLOGIA DO DIREITO 3 Direito Comunicação Social e opinião pública 4 Conflitos sociais e mecanismos de resolução Sistemas não judiciais de composição de litígios B PSICOLOGIA JUDICIÁRIA 1 Psicologia e comunicação relacionamento interpessoal relacionamento do magistrado com a sociedade e a mídia D FILOSOFIA DO DIREITO 1 O conceito de justiça Sentido lato de Justiça como valor universal Sentido estrito de Justiça como valor jurídicopolítico Divergências sobre o conteúdo do conceito 4 O conceito de Política Política e Direito 5 Ideologias 6 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ONU Grifos nossos A aplicação desses conceitos jurídicos tais como termos que advêm da literatura ou conceitos que são fortemente abordados e discutidos dentro de fontes literárias e trazidos para o meio jurídico podem ser entendidos como essa intersecção abordada pelo autor José Calvo contudo o ponto que se extrai de 152 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 89 153 Vide os estudos norteamericanos apontados pelo professor OST Francois Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Editora Unisinos 2005 p 4950 154 Vide o edital para se tornar um juiz substituto 1ª posto em que um magistrado inicia a sua carreira dentro da magistratura Disponível em httpsdhg1h5j42swfqcloudfrontnet20200723121204rlpseieditaldeabarturapdf 57 maneira mais veemente é o papel que a literatura exerce sobre a figura dos operadores do direito que segundo o próprio autor necessitam de fortes fontes literárias para cultivar um bom raciocínio jurídico155 e não se tornar uma mera máquina operacional Vale destacar que o autor aborda não só o direito enquanto discurso literário mas também a literatura enquanto recurso jurídico quando o meio jurídico intervém no imaginário literário156 El Derecho en la Literatura plantea una intersección de carácter instrumental en recorrido de sentido doble el Derecho en cuanto recurso literario y también la Literatura en cuanto recurso jurídico En ambos sentidos el carácter instrumental de la intersección revierte en utilidades varias El Derecho en cuanto recurso literario es decir la presencia de lo jurídico en el contexto de la ficción literaria contribuye a la formación de los juristas a través del entendimiento sociológico y iusfilosófico de las concepciones de la justicia por ej ordalías talión y venganza justicia retributivaprincipio de conciliación 7 y del Derecho por ej derecho naturalderecho positivo157 Grifos nossos A maior contribuição que essa abordagem nos oferece é observar o direito não apenas como uma estética literária mas como pode oferecer ao jurista uma ética para alcançar talvez caminhos mais sensíveis e menos diretos para esses operadores É muito comum para uma pessoa que busca o socorro do judiciário procurar o auxílio de um advogado para que o seu pleito seja escutado não apenas que a lide da sua demanda seja solucionada mas muitas vezes a pessoa busca ser escutada e acolhida pelo meio jurídico para que o seu pleito seja ouvido e depois solucionado A literatura não contribui somente para fomentar a estética do pleito dessa pessoa com palavras rebuscadas ou uma prolixidade formalística muito comum do meio jurídico mas também permite que a manifestação de quem a conhece e a 155 Uma vez que o próprio autor começa a sua obra apontando as limitações de um operador do direito que não possui um forte arcabouço literário A lawyer without history or literature is a mechanic a mere working mason if he possesses some knowledge of these he may venture to call himself an architect Sir Walter Scott 17711832 Guy Mannering or the Astrologer 1815 Chap Xxxvii GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 Grifos nossos 156 Ibid p 313 157 O Direito na Literatura coloca uma intersecção de natureza instrumental num caminho de mão dupla o Direito como recurso literário e também a Literatura como recurso jurídico Em ambos os sentidos a natureza instrumental da intersecção resulta em diversas utilidades O direito como recurso literário ou seja a presença do jurídico no contexto da ficção literária contribui para a formação de juristas através da compreensão sociológica e jurídicofilosófica das concepções de justiça eg provações retaliação e vingança retribuição justiçaprincípio da conciliação e direito por exemplo direito naturaldireito positivo 58 utiliza seja ouvida por meios mais diferentes daqueles que detêm poder para exercer uma decisão O que o próprio autor sustenta é o poder de empatia ética que é a direção mais humanística para o direito158 La inmersión jurídica en las fuentes literarias y viceversa actúa con poder de empatía power of empathy ética En esta dirección humanista se expresa Nussbaum al opinar que la imaginación literaria vale para guiar a los jueces en sus juicios a los legisladores en su labor legislativa y a los políticos cuando midan la calidad de vida de gentes cercanas y lejanas Grifos nossos159 Possivelmente essa seja a maior contribuição da literatura para os anos vindouros uma vez que a empatia ainda não é tratada dessa forma como meio e fim em si mesma por grandes corporações ou sistemas de decisões A realidade de inteligências artificiais e meios logarítmicos que possuem por objetivo simular o raciocínio humano serão matérias dos capítulos futuros Contudo resta claro que os sistemas de inteligência artificial não têm o objetivo final de sentir emoções ou trabalhar a empatia160 Por mais que esses conceitos literários estejam sendo utilizados para a estética e gestão de pessoas no meio jurídico161 o operador do direito sempre pode utilizar esses meios literários para contribuir com o pedido ou com a decisão de uma demanda social a título de exemplo através de uma petição ou através de uma sentença por parte de um magistrado Por mais que existem diversas definições sobre o direito na literatura elencase para a melhor abordagem e continuidade do presente estudo a definição 158 GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 316 159 A imersão jurídica nas fontes literárias e viceversa atua com poder ético de empatia Nussbaum se expressa nessa direção humanista ao acreditar que a imaginação literária é útil para orientar os juízes em seus julgamentos os legisladores em seu trabalho legislativo e os políticos quando medem a qualidade de vida das pessoas próximas e distantes 160 Empatia pode ser entendida como meio de se colocar emotivamente na posição de outrem EMPATIA in Empathy fr Empathie ai Einfühlung it Empatia União ou Fusão emotiva com outros seres ou objetos considerados animados O termo alemão encontrase em Herder Vom Erkennenn und Empfinden Werke ed Suphan VIII p 165 ocorreria mediante um ato de imitação e de projeção A reprodução das manifestações corpóreas alheias devida ao instinto de imitação reproduziria em nós mesmos as emoções que costumam acompanhálas colocandonos assim no estado emotivo da pessoa a quem essas manifestações pertencem É justamente essa projeção em outro ser de um estado emotivo despertado em nós pela reprodução imitativa da expressão corpórea dos outros p ex quadro somático do medo ou do ódio etc que seria o modo de comunicação entre as pessoas ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 325 161 É possível observar esse fenômeno pela própria definição do tribunal de Santa Catarina que define a importância da empatia nos meios de desenvolvimento entre pessoas além de ressaltar essa qualidade na gestão entre indivíduos Disponível em httpswwwtjscjusbrwebservidordicasdegestaoassetpublisher Vzr9I2D1M5Lhcontentaimportanciadaempatianagestaodepessoas 59 de François Ost uma vez que a sua definição do direito na literatura se aproxima muito do próximo tema Iurisfictio François Ost afirma que a análise do texto que aborda a Iurisfictio pode perfeitamente se encaixar em uma análise da intersecção do direito na literatura162 Ainda nesse tema é possível fazer a análise de outros tipos de obras que apelam para o imaginário fictício da literatura tais como distopias ou utopias e buscam uma fuga criativa Neste sentido cabe salientar o aparecimento de séries e documentários que buscam uma reflexão ou até campanhas publicitárias de caráter governamental que procuram diretrizes não apenas através de normas mas com ideias criativas163 É nítida a participação do meio jurídico não somente através de normas postas ou estudos formais sobre temas que afetam o coletivo por exemplo temas de saúde pública ou políticas governamentais164 Esses são casos em que o poder público apela para o imaginário coletivo através de anúncios músicas e outros meios para direcionar ou comunicar algo 215 Direito pela literatura No tema Direito e Literatura é cabível vislumbrar mais uma interseção denominada direito pela literatura ou através da literatura Segundo François Ost o direito pela literatura ocorre quando um autor jurídico destaca uma tese jurídica buscando recursos literários para tentar sustentála pois os recursos meramente jurídicos não conseguem contemplála Um exemplo desse tipo de intersecção direito pela literatura é o autor Victor Hugo que enquanto fazia parte da casa legislativa do seu próprio país criou uma obra literária para defender a tese contra a pena de morte Victor Hugo sempre 162 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 10 163 No final de 2022 o governo da Espanha lançou uma campanha chamada Basta de Distopias com o intuito de que sua população imaginasse e tentasse criar um futuro melhor um exemplo de uma tentativa do Estado de construir uma realidade diferente apelando para o imaginário criativo da sua população Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvoqvPQU7sAt1s Acesso em 15 abr 2024 164 É possível observar em campanhas governamentais que utilizam desse imaginário coletivo ou até mesmo de seres ficcionais para estabelecer uma campanha a título de exemplo podemos citar a O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência PROERD que é originário do programa norteamericano Drug Abuse Resistance Education DARE criado em meados de 1983 Em 2013 houve uma campanha no Rio Grande do Sul e resultou no Currículo PROERD Caindo na REAL para 5º e 7º anos do Ensino Fundamental das escolas essa campanha mantém o compromisso de fornecer instrução de ponta capaz de prevenir o uso de drogas por meio do desenvolvimento das habilidades básicas necessárias para que escolhas seguras e responsáveis sejam feitas por parte da juventude Segundo a própria campanha Essas habilidades vão além da questão das drogas pois possibilitam escolhas saudáveis e madura em todos os aspectos da vida do jovem cidadão Vide site oficial da brigada militar do Rio Grande do Sul httpswwwbrigadamilitarrsgovbrproerdtextNa20tarde 20do20dia2030autoria20do20Maj20Giovany20Bortolini Acesso em 10 jan 2024 60 promovia suas ideias jurídicas e políticas através da literatura como foi o caso da publicação Histoire dun crime O autor escreveu o livro em meados da dissolução do senado da época e denunciou o golpe dado pelo sobrinho de Napoleão165 Além dos meios literários e políticos Victor Hugo sustenta uma clara tese jurídica da proibição da pena de morte no caso narrado mas se utiliza da literatura para sustentar a sua argumentação Esse caso pode ser entendido como um exemplo de quando a arte e a literatura passam a ser os únicos meios jurídicos cabíveis para sustentar uma argumentação 22 Iurisfíctio Da filosofia do Direito à metáfora do jardim 221 Uma breve definição do termo JURISFICTIO ou IURISFICTIO é a expressão latina para se referirse à iurisficción ela pode ser entendida como um processo criativo que combina o estilo literário de um jurista acompanhado necessariamente de uma reflexão sobre a justiça o direito ou uma determinada tese sobre um problema jurídico166 Para melhor elucidar a definição de Iurisfictio é importante salientar que o termo pretende primeiramente enriquecer o meio jurídico por intermédio de um imaginário que reconhece ou codifica a realidade e ao mesmo tempo libera os possíveis É mister salientar que a Iurisfictio demonstra clara diferença das demais aproximações narrativistas167 da jurisprudência que por sua vez difere dos fatos jurídicos A Iurisfictio se baseia no campo literário o que François Ost atribui como sendo uma utopia criadora168 ou seja se trata de uma criação no campo literário que posteriormente vai levar a uma reflexão no meio jurídico 165 FREITAS Maria Teresa Literatura e história O Exemplo de Victor Hugo Língua e Literatura n 15 p 119135 1986 p 134 Disponível em httpsrevistasuspbrlinguaeliteraturaarticleview113987 Acesso em 20 fev 2024 166 OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 p 17 167 Ao contrário dos franceses os narrativistas norteamericanos encararam a narrativa não como um obstáculo mas como substituto à cientificidade da história Podemos dizer que o narrativismo nasce em oposição à filosofia analítica que queria impor à história as leis gerais das ciências naturais que propunham uma unidade científica Como afirma Paul Ricoeur os narrativistas buscam o caráter configurante da narrativa e não apenas o episódico como os historiadores SILVA Leonardo de Jesus Um problema historiográfico a representação historiadora entre o historicismo e o narrativismo Revista Expedições Teoria da História Historiografia ano 3 n 4 jul 2012 168 OST François Ditesmoi ce que vous lisez In Koen LEMMENS Koen Org Droit et Littérature Limal Anthemis 2007 p 1329 61 A Iurisfictio se demonstra estar disponível para qualquer campo jurídico que pretenda demonstrar uma nova perspectiva sobre algum tema Não obstante ainda atribui ao advogado ao juiz ou jurista a capacidade de ter uma nova perspectiva sobre aspectos jurídicos analisados por meios de contos novelas teatros poesias e peças literárias169 A relação entre o direito e a literatura não é nova e nem traz consigo grandes mudanças do ponto de vista de grandes alterações no ordenamento jurídico porém a Iurisfictio apresenta uma nova perspectiva no campo jurídico uma vez que pode gerar uma aproximação com um certo imaginário utópico trazido por François Ost ou mesmo alegórico O termo alegórico pode ser utilizado nesse sentido pois a palavra alegoria de acordo com o dicionário170 possui diversas definições podendo ser considerada modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos ideias qualidades sob forma figurada Na perspectiva filosófica alegoria pode ser considerada Método de interpretação aplicado aos pensadores gregos Alegoria Texto filosófico escrito de maneira simbólica com o intuito de apresentar topologicamente ideias e concepções intelectuais Grifos nossos Por fim na perspectiva literária a definição encontra resguardo como uma cadeia de metáforas sequência logicamente ordenada de metáforas que exprimem ideias diferentes das enunciadas171 A metáfora172 por sua vez advém do grego e traz a ideia de mudança ou transposição173 Em suma a alegoria do ponto de vista literário pode ser entendida como uma sequência lógica encadeada por intermédio de metáforas Assim possibilita de maneira análoga apresentar a perspectiva que o Iurisfictio representa para o direito uma sequência lógica encadeada por diversas metáforas literárias 169 Prólogo de TORRES Oscar Enrique OST François Iurisfictio Cidade de México Editorial Libitum 2019 170 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 171 HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 88 172 Ibid p 1281 173 ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 667 METÁFORA gr uexaepopá in Metaphor fr Métaphore ai Metapher it Metáfora Transferência de significado Aristóteles diz A M consiste em dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa transferência que pode realizarse do gênero para a espécie da espécie para o gênero de uma espécie para outra ou com base numa analogia Poet 21 1457 b 7 A noção de M algumas vezes foi empregada para determinar a natureza da linguagem em geral v LINGUAGEM Como instrumento linguístico hoje sua definição não é diferente da definição de Aristóteles Disponível em httpsmarcosfabionuvafileswordpresscom201204nicola abbagnanodicionariodefilosofiapdf Acesso em 10 abr 2024 62 Fílon174 contrapõe o sentido alegórico ao sentido literal de determinada coisa ALEGORIA gr àXkrxyopia lat Allegoria in Allegory fr Allégorie ai Allegorie it Allegoria A primeira aplicação importante do método alegórico é o comentário ao Gêneses de Fílon de Alexandria séc I Fílon não hesita em contrapor o sentido alegórico ao sentido literal e em qualificar de tolo eür0rc este último Para demonstrar a contraposição entre o sentido literal e o alegórico Fílon explica E Deus acabou no sétimo dia as obras que Ele criou Gên II 2 É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu em seis dias ou em geral no tempo Por quê Porque todo tempo é um conjunto de dias e de noites necessariamente produzidos pelo movimento do sol que vai para cima e para baixo da terra mas o sol é uma parte do céu de tal modo que se conclui que o tempo é mais recente do que o mundo Grifo nosso Resta clara a contraposição feita por Filon pois por mais que se fale de uma metáfora realizada para demonstrar a criação do mundo como pode ser verificada em Gênesis a lógica dessa criação só pode ser entendida por meio de uma alegoria uma vez que o nosso entendimento de tempo ou de dias é mais recente que a criação do mundo Sob essa ótica de Filon podemos concluir que a alegoria só pode ser atingida através de uma perspectiva literária Logo se encadearmos essa alegoria dentro do direito é possível questionar Onde podemos observar a Iurisfictio na filosofia do direito Para responder à questão levantada é importante entender como a Iurisfictio se insere dentro da filosofia do direito A Iurisfictio não pode ser chamada do que é conhecido como ficção jurídica uma vez que a ficção jurídica é criada pelo direito e está profundamente relacionada ao progresso do ordenamento jurídico175 A ficção jurídica não está vinculada à realidade objetiva realidade fática que será tratada no próximo capítulo ou seja ela guarda profunda relação com os conceitos abstratos não podendo tais conceitos ser definidos como uno para todos Deste modo a ficção jurídica constitui um expediente técnico No direito não faltam exemplos desses conceitos técnicos jurídicos de caráter dogmático que não guardam laços com a realidade objetiva Assim 174 Fílon de Alexandria ABBAGNANO Nicola 2007 op cit p 23 175 SERRANO Luna Augustin Las Ficciones del Derecho Madrid Dykinson 2013 p 20 63 podemos observar a boafé quando falamos de contratos artigo 420 do Código Civil brasileiro ou a moralidade no direito administrativo artigo 37 da Constituição brasileira mas seria totalmente ficcional propor uma unicidade para tais conceitos Ademais a ficção jurídica assume apenas que a norma dentro do ordenamento jurídico é válida Uma norma não é necessariamente um enunciado sobre a realidade posta portanto Não tem como ser verdadeira ou falsa Uma norma é válida ou não válida O fundamento para a validade de uma norma não é como o teste de veracidade de um enunciado do ser a sua conformidade à realidade Como já dissemos uma norma não é válida por ser eficaz176 A Iurisfictio se encontra dentro do que podemos considerar uma intersecção entre o direito e a literatura e ocupa um espaço que difere das intersecções clássicas direito da literatura direito como literatura e direito na literatura A Iurisfictio pode ser observada mais próxima do direito na literatura uma vez que promove análises críticas ao meio jurídico por meio de obras literárias cujos autores são juristas 23 A metáfora do Jardim e a filosofia do direito A geometria do Jardim foi criada por Jose Calvo para descrever uma metáfora que talvez explique onde dentro da filosofia está a literatura O autor inicia o texto com uma metáfora para descrever as avenidas da filosofia177 como essas 176 KELSEN Hans Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 2009 p 161162 177GONZÁLES José Calvo Derecho y Literatura intercesiones instrumental estructural e institucional Granada España 2008 p 34 un parque temático Tiene esta locución un perfil de especialidad que en mi caso se contrae al índice de materias y problemas propios de la disciplina Filosofía del Derecho Si desarrolláramos esa imagen podría decirse también que como en cualquier parque que se precie allí habrá largas avenidas arboladas profundas y umbrías alamedas y asimismo soleados paseos de florecidas rosaledas extensos prados en verdores tornadizos y también parajes apartados que ha mucho no se transitan Y en él hay por supuesto un jardín No es de recreo sino botánico esto es un terreno cercado donde habiendo permanecido al abrigo del inclemente invierno adelantan para el estudio brotes de alguna especie difícil singular o nueva Sería de proponer que alguien dedicara una reflexión algo más acrecentada que esta mi a sólo germinal a la semejanza del oficio de la investigación científica con arte del cuido y cultivo de jardines siquiera por razón de los afanes y desvelos así como del placer y goce estético que de ambas aplicaciones resulta me parece haber arreglado con sementeras y planteles y por medio de esquejes yemas de injerto y otras técnicas y procedimientos donde la curiosidad instructiva siempre fue compañera de la experimentación intelectual Es el fértil jardín de la Teoría literaria del Derecho Pero nada diré sin embargo acerca de su flora o variedad de frutos sino de las diversas veredas que en él formaron los pasos recorridos Cuanto aquí exponga se ceñirá únicamente a la geometría del jardín tejida toda ella de intersecciones Así pues no es aquél un jardín senderos que se bifurcan como en la borgeana trama del alternativo destino que diseñan varios porvenires sino atravesado por sendas y caminos que se entrelazan intercessões instrumentais estruturais e institucionais Granada Espanha 2008 p 34 um parque temático Esta frase tem um perfil de especialidade que no meu caso está contratado ao índice de assuntos e 64 vias funcionam por intersecções dentre as ciências e os meios pelos quais as ciências se desenvolvem Esse parque temático proposto por José Calvo pode ser entendido como um lugar de espaças passarelas ambientes plumados encantados pelos quais os juristas transitam Neste parque temático existe um Jardim não recreativo mas sim um jardim botânico No parque florescem os mais variados tipos de plantas semeadas por anos pelos mais variados tipos de investigações científicas Esse é o fértil terreno onde surge o jardim advindo do labor de inúmeras indagações perguntas respostas e imaginações É nesse terreno fértil que está o imaginário criativo que é possível abordar a literatura como um jardim conhecido por todas as demais ciências uma vez que as passarelas desse jardim percorrem todas os demais campos das ciências A literatura é a fonte do imaginário da qual as ciências jurídicas e as passarelas filosóficas irão tanger de alguma forma seja em áreas mais óbvias como é o caso do direito penal a exemplo de Crime e castigo de Dostoievski ou áreas que não são tão latentes para as paixões humanas como o direito tributário 178 problemas específicos da disciplina Filosofia do Direito Se desenvolvêssemos essa imagem poderíamos também dizer que como em qualquer parque que se preze haverá longas avenidas arborizadas avenidas profundas e sombreadas e também passeios ensolarados de jardins de rosas floridos extensos prados em verdes mutáveis e também lugares isolados que não transitam há muito tempo E nele tem claro um jardim Não é recreativo mas botânico isto é uma área cercada onde tendo permanecido abrigados do inverno rigoroso são avançados para estudo brotos de algumas espécies difíceis únicas ou novas Seria sugerido que alguém dedicasse uma reflexão mais aprofundada do que esta minha à apenas germinal a semelhança da profissão de investigação científica com a arte de cuidar e cultivar jardins mesmo por causa dos esforços e cuidados bem como o prazer e o prazer estético que resulta de ambas as aplicações Parece que consegui com canteiros e mudas e por meio de estacas enxertia de botões e outras técnicas e procedimentos onde a curiosidade instrutiva sempre foi companheira da experimentação intelectual É o jardim fértil da Teoria Literária do Direito Mas nada direi porém sobre a sua flora ou variedade de frutos mas sim sobre os vários caminhos que formaram os passos nela percorridos O que aqui se expõe estará limitado apenas à geometria do jardim todo ele tecido de intersecções Assim não se trata de um jardim com caminhos que se bifurcam como na trama borgesiana do destino alternativo desenhado por vários futuros mas atravessado por caminhos e caminhos que se entrelaçam 178 Ribeiro Moacyr Petrocelli de Ávila O princípio do pecunia non olet e seus reflexos no direito penal JECRIM 2012 No direito tributário existe um princípio muito conhecido que teve sua origem com um conto Supostamente o Imperador Vespasiano pediu que seu filho buscasse um pouco do dinheiro arrecadado e já com o dinheiro nas mãos determinou que seu filho o aproximasse e cheirasse Feito isso o Imperador proferiu a célebre frase Está vendo filho não tem cheiro Daí non olet Disponível em httpswwwibccrimorgbrnoticiasexibir5486textNessa20ocasiC3A3o2C20o20Imperador 20VespasianoE2809CnC3A3o20cheiraE2809D Acesso em 07 mar 2024 65 A literatura na hipótese do jardim apresentada por José Calvo pode ser traduzida como um meio pelo qual todas as ciências jurídicas encontram alguma intersecção para que possam florescer CAPÍTULO 3 O FICTÍCIO ENTRE A LITERATURA E O DIREITO EM DESENVOLVIMENTO 31 O Fictício e o real 32 O Fictício e a literatura 33 O Fictício e o direito EM DESENVOLVIMENTO No presente capítulo o termo que se entende como fictício será desenvolvido e a sua relação com a realidade a literatura e o direito Os conceitos tratados nesse capítulo serão embasados nas obras do pensador Mario Bunge passando pela a corrente dos ficcionalistas para acessar os conceitos de ficção e a realidade CAPÍTULO 4 PERSONAGENS QUE SAEM DO FICTÍCIO O presente capítulo tem como objetivo analisar como determinadas figuras conceitos e construções teóricas transitam entre o mundo fictício e o mundo jurídico real transformandose em elementos concretos do direito contemporâneo Essa transição representa um fenômeno peculiar em que personagens inicialmente concebidos no campo do imaginário da mitologia ou da teoria ganham materialidade jurídica e passam a influenciar decisões normas e até mesmo constituições François Ost em sua obra Contar a lei as fontes do imaginário jurídico estabelece que entre o direito e a literatura existem passagens secretas trocas clandestinas179 Essa permeabilidade entre os campos da ficção e da normatividade jurídica permite que elementos originalmente fictícios ou teóricos adquiram status jurídico 179 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 12 66 influenciando diretamente a construção do direito positivo e sua aplicação pelos tribunais Nesse sentido analisaremos quatro exemplos emblemáticos desse fenômeno a figura da Pacha Mama entidade mítica que ganhou personalidade jurídica em constituições latinoamericanas Wotan arquétipo junguiano que influenciou o imaginário jurídico alemão durante o período nazista a teoria do romance em cadeia de Ronald Dworkin que propõe uma visão do direito como narrativa contínua e por fim as construções jurisprudenciais do STF e do STJ que frequentemente criam personagens jurídicos a partir de interpretações criativas do ordenamento 41 La Pacha mama A Pacha Mama divindade central na cosmologia andina representa a Mãe Terra e simboliza a fertilidade a vida e a harmonia entre os seres humanos e a natureza Tradicionalmente cultuada pelos povos indígenas da região andina especialmente nas áreas que hoje correspondem ao Peru Bolívia Chile Argentina e Equador esta entidade transcendeu seu caráter mitológicoreligioso para adquirir personalidade jurídica em ordenamentos constitucionais contemporâneos configurando um notável exemplo de como um elemento do imaginário pode materializarse no campo jurídico Zaffaroni180 destaca que a Pacha Mama não é uma deidade no sentido de uma personalidade suprahumana mas o todo da natureza compreendida como vida Esta concepção holística da natureza como entidade viva e dotada de direitos representa uma ruptura paradigmática com a tradição jurídica ocidental que historicamente concebeu a natureza como objeto de direitos jamais como sujeito A incorporação da Pacha Mama no ordenamento jurídico constitucional de países como Equador e Bolívia representa o que Zaffaroni denomina giro biocêntrico uma mudança fundamental na concepção antropocêntrica do direito ocidental Segundo o autor A invocação da Pacha Mama vai mais além de uma simples 180 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 28 67 referência à terra em sentido agrícola e inclusive ecológico pois significa uma clara opção pelo reconhecimento de um sujeito de direito diferente do ser humano e portanto não se trata de uma ampliação dos direitos humanos mas sim do reconhecimento dos direitos de entes diversos do humano181 A Constituição do Equador de 2008 foi pioneira ao reconhecer a natureza ou Pacha Mama como sujeito de direitos Em seu artigo 71 estabelece que A natureza ou Pacha Mama onde se reproduz e realiza a vida tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais estrutura funções e processos evolutivos Toda pessoa comunidade povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza182 Este reconhecimento constitucional representa uma inovação jurídica sem precedentes pois desloca a natureza da posição de objeto para a de sujeito de direitos configurando o que Santos183 denomina constitucionalismo transformador Tal transformação não se limita a um mero reconhecimento formal mas implica uma profunda reconfiguração do sistema jurídico que passa a incorporar valores e concepções cosmológicas tradicionalmente marginalizadas pelo direito ocidental A transição da Pacha Mama do campo mitológico para o jurídico constitucional ilustra o que Ost184 caracteriza como o poder instituinte do imaginário ou seja a capacidade que determinadas narrativas e figuras simbólicas têm de transformar e instituir novas realidades jurídicas Neste caso uma entidade originalmente pertencente ao imaginário coletivo dos povos andinos adquire materialidade jurídica tornandose fundamento para decisões judiciais e políticas públicas Para compreender a profundidade desta transformação é necessário examinar as raízes culturais e mitológicas da Pacha Mama na cosmovisão andina Estermann185 explica que na filosofia andina a Pacha Mama não é simplesmente o planeta Terra ou o globo terrestre mas a totalidade do cosmos interrelacionado 181 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 32 182 EQUADOR Constitución de la República del Ecuador Quito Registro Oficial 2008 art 71 183 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 53 184 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 24 185 ESTERMANN Josef Filosofía andina sabiduría indígena para un mundo nuevo 2 ed La Paz ISEAT 2006 p 188 68 como organismo vivo Esta concepção relacional do universo contrasta radicalmente com a visão mecanicista e dualista predominante no pensamento ocidental moderno que separa nitidamente sujeito e objeto cultura e natureza Albó186 observa que na tradição andina a Pacha Mama é concebida como uma entidade viva com a qual os seres humanos mantêm uma relação de reciprocidade e respeito Esta relação se expressa em rituais como a challa e a wilancha nos quais se oferece à Mãe Terra bebidas e alimentos como forma de agradecimento pelos frutos recebidos O autor destaca que estas práticas rituais não são meras superstições mas expressões de uma racionalidade distinta que concebe o cosmos como uma rede de relações recíprocas entre todos os seres A incorporação desta cosmovisão no direito constitucional representa uma ruptura com o paradigma jurídico moderno fundamentado na separação entre natureza e cultura e na concepção da natureza como mero recurso à disposição da exploração humana Como observa Acosta187 O reconhecimento dos Direitos da Natureza na Constituição equatoriana de 2008 representa uma ruptura com as concepções antropocêntricas tradicionais e abre caminho para novas formas de relação entre os seres humanos e a natureza baseadas no respeito e na reciprocidade e não na dominação e exploração Um exemplo concreto dessa materialização jurídica ocorreu em 2011 quando a Corte Provincial de Loja no Equador proferiu a primeira sentença mundial em favor dos direitos da natureza ordenando a interrupção de obras que afetavam o rio Vilcabamba Na decisão o tribunal reconheceu expressamente a natureza como sujeito de direitos aplicando diretamente os dispositivos constitucionais que incorporaram a Pacha Mama ao ordenamento jurídico equatoriano Na sentença a Corte Provincial de Loja afirmou a importância da Natureza é tão evidente e indiscutível que basta dizer que os danos causados a ela são danos geracionais definidos como aqueles que por sua magnitude repercutem não apenas na geração atual mas também nas futuras gerações afetando seus direitos188 186 ALBÓ Xavier Suma qamaña convivir bien Cómo medirlo Vivir bien Paradigma no capitalista La Paz p 133144 2011 p 133 187 ACOSTA Alberto El Buen Vivir en el camino del postdesarrollo una lectura desde la Constitución de Montecristi Policy Paper Quito v 9 n 5 p 136 2010 p 18 188 EQUADOR Corte Provincial de Loja Sentença nº 1112120110010 Caso Rio Vilcabamba Loja 30 de março de 2011 69 Este caso é emblemático porque representa a primeira aplicação concreta dos direitos constitucionais da natureza demonstrando que não se trata de mera declaração retórica mas de direitos plenamente exigíveis perante os tribunais Como observa Prieto Méndez189 a sentença do rio Vilcabamba marca um antes e um depois na história do direito ambiental pois pela primeira vez um tribunal reconhece a natureza como sujeito de direitos e ordena medidas de reparação em seu benefício Outro caso significativo ocorreu em 2019 quando a Corte Constitucional do Equador reconheceu o rio Los Cedros como sujeito de direitos proibindo atividades mineradoras em sua bacia hidrográfica Na decisão o tribunal afirmou que os direitos da natureza como direitos autônomos protegem os ecossistemas por seu valor intrínseco independentemente de sua utilidade para os seres humanos Portanto quando se afetam os ciclos vitais a estrutura as funções e os processos evolutivos de um ecossistema violase o direito da natureza à existência190 Na Bolívia a Lei nº 071 de 2010 conhecida como Lei dos Direitos da Mãe Terra também reconheceu a Pacha Mama como sujeito coletivo de interesse público Em seu artigo 3º a lei estabelece que a Mãe Terra é o sistema vivo dinâmico formado pela comunidade indivisível de todos os sistemas de vida e seres vivos inter relacionados interdependentes e complementares que compartilham um destino comum A Mãe Terra é considerada sagrada a partir das cosmovisões das nações e povos indígenas originários191 A incorporação da Pacha Mama no ordenamento jurídico representa também uma forma de resistência epistêmica ao que Quijano 2000 p 209 denomina colonialidade do saber ou seja a imposição de modelos eurocêntricos de conhecimento e organização social Ao reconhecer juridicamente uma entidade central na cosmologia andina estas constituições desafiam a hegemonia do pensamento jurídico ocidental e abrem espaço para o pluralismo jurídico e epistemológico 189 PRIETO MÉNDEZ Julio Marcelo Derechos de la naturaleza fundamento contenido y exigibilidad jurisdiccional Quito Corte Constitucional del Ecuador 2013 p 75 190 EQUADOR Corte Constitucional do Equador Sentença nº 114919JP21 Caso Bosque Los Cedros Quito 10 de novembro de 2021 191 BOLÍVIA Lei nº 071 de 21 de dezembro de 2010 Ley de Derechos de la Madre Tierra La Paz Gaceta Oficial del Estado Plurinacional de Bolivia 2010 art 3º 70 Mignolo192 argumenta que o reconhecimento constitucional da Pacha Mama representa um processo de descolonização epistêmica no qual saberes e cosmovisões historicamente subalternizados pelo colonialismo são revalorizados e incorporados às instituições estatais Segundo o autor o reconhecimento constitucional da Pacha Mama não é apenas uma questão de direitos ambientais mas parte de um projeto político mais amplo de descolonização do Estado e do direito que busca superar as estruturas monoculturais e eurocêntricas herdadas do colonialismo Esta dimensão descolonial é evidenciada pelo fato de que o reconhecimento dos direitos da natureza está intimamente ligado à luta dos povos indígenas por autonomia e autodeterminação Como observa Walsh O reconhecimento dos direitos da Pacha Mama nas constituições andinas não pode ser dissociado das lutas dos movimentos indígenas por reconhecimento território e autonomia Tratase de um processo de refundação do Estado a partir de lógicas e racionalidades distintas das ocidentais que desafiam o monopólio epistêmico do direito modernocolonial193 Apesar dos avanços representados pelo reconhecimento constitucional da Pacha Mama como sujeito de direitos diversos autores apontam os desafios e contradições envolvidos na implementação efetiva destes direitos Svampa194 destaca que o reconhecimento constitucional dos direitos da natureza coexiste com a intensificação de um modelo de desenvolvimento baseado na exploração de recursos naturais gerando uma contradição entre o marco normativo biocêntrico e as práticas políticas e econômicas que continuam a reproduzir lógicas antropocêntricas e utilitaristas Esta contradição se manifesta em casos como o do Parque Nacional Yasuní no Equador onde o governo apesar do reconhecimento constitucional dos direitos da natureza autorizou a exploração petrolífera em uma área de extraordinária biodiversidade e habitat de povos indígenas em isolamento voluntário Outro desafio significativo é a tradução intercultural dos conceitos e práticas associados à Pacha Mama para a linguagem e as instituições do direito 192 QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Buenos Aires CLACSO 2000 p 209 193 WALSH Catherine Interculturalidad plurinacionalidad y decolonialidad las insurgencias políticoepistémicas de refundar el Estado Tabula Rasa Bogotá n 9 p 131152 2008 p 138 194 SVAMPA Maristella Las fronteras del neoextractivismo en América Latina conflictos socioambientales giro ecoterritorial y nuevas dependencias Guadalajara CALAS 2019 p 42 71 moderno Santos argumenta que este processo de tradução intercultural é necessário para evitar tanto a assimilação dos saberes indígenas pela racionalidade jurídica ocidental quanto o isolamento destes saberes em guetos culturais Segundo o autor o desafio da tradução intercultural consiste em encontrar equivalentes homeomórficos entre diferentes tradições culturais reconhecendo tanto as semelhanças quanto as diferenças irredutíveis e construindo espaços de inteligibilidade recíproca sem canibalização ou assimilação195 Zaffaroni196 observa que este reconhecimento constitucional não representa um retorno a concepções animistas primitivas mas sim uma resposta contemporânea aos desafios ecológicos globais Não se trata do antigo animismo das religiões totêmicas nem de panteísmo mas sim do reconhecimento de que somos parte de um todo que é a natureza e que sendo parte dela não podemos ignorar que qualquer dano a ela repercute sobre nós mesmos197 Esta perspectiva evidencia como a Pacha Mama ao transcender sua dimensão mitológica e adquirir personalidade jurídica tornase um exemplo paradigmático de personagem que sai do fictício para materializarse no direito positivo transformando não apenas o ordenamento jurídico mas também a própria concepção de sujeito de direito na tradição jurídica contemporânea Cormac Cullinan198 proponente da Jurisprudência da Terra Earth Jurisprudence argumenta que o reconhecimento dos direitos da natureza não é uma inovação radical mas um retorno a uma sabedoria mais antiga que reconhece a interdependência fundamental entre todos os componentes da comunidade da Terra O que é verdadeiramente radical é a concepção moderna que separa os seres humanos da natureza e reduz esta última a meros recursos para exploração A incorporação da Pacha Mama no direito constitucional contemporâneo representa assim não apenas uma inovação jurídica mas também um diálogo intercultural que enriquece o direito com cosmovisões e racionalidades 195 SANTOS Boaventura de Sousa Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde una epistemología del Sur Lima Instituto Internacional de Derecho y Sociedad 2010 p 59 196 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 41 197 ZAFFARONI Eugenio Raúl La Pachamama y el humano Buenos Aires Ediciones Madres de Plaza de Mayo 2017 p 41 198 CULLINAN Cormac Wild Law A Manifesto for Earth Justice 2 ed Vermont Chelsea Green Publishing 2011 p 24 72 tradicionalmente marginalizadas pelo pensamento jurídico ocidental Como observa Ost199 o direito se nutre das narrativas que uma sociedade conta sobre si mesma e a narrativa da Pacha Mama oferece ao direito contemporâneo uma nova forma de conceber a relação entre humanidade e natureza baseada não na dominação mas na reciprocidade e no respeito Esta transformação paradigmática tem implicações profundas para o futuro do direito ambiental e para a busca de soluções jurídicas aos desafios ecológicos globais Como argumenta Boff200 o reconhecimento dos direitos da Mãe Terra representa uma mudança de paradigma que pode contribuir para enfrentar a crise ecológica global pois substitui a lógica da exploração pela lógica do cuidado e a visão utilitarista da natureza por uma compreensão da Terra como comunidade de vida da qual fazemos parte Neste sentido a Pacha Mama ao sair do fictício e adquirir personalidade jurídica não apenas enriquece o imaginário jurídico contemporâneo mas também oferece novas ferramentas conceituais e normativas para enfrentar os desafios ecológicos do Antropoceno demonstrando como elementos do imaginário podem materializarse em instituições jurídicas concretas e transformar nossa compreensão do direito e de seus sujeitos 42 Wotan A figura de Wotan divindade germânica associada à guerra à sabedoria e ao êxtase representa um caso singular de personagem mitológico que ressurgiu no imaginário coletivo alemão durante o período nazista influenciando profundamente o pensamento jurídico e político da época Carl Gustav Jung em seu ensaio Wotan publicado em 1936 analisa o fenômeno do ressurgimento deste arquétipo na psique coletiva alemã como uma explicação para os acontecimentos políticos e sociais que culminaram na ascensão do nazismo Jung201 descreve Wotan como um deus da tempestade e da fúria o desencadeador de paixões e de lutas além de ser um mago poderoso e um artista do disfarce Esta caracterização do deus nórdico como uma força irracional 199 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 16 200 BOFF Leonardo O cuidado necessário na vida na saúde na educação na ecologia na ética e na espiritualidade Petrópolis Vozes 2015 p 107 201 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 2 73 violenta e transformadora serve como metáfora para compreender o que Jung considerava uma possessão psíquica coletiva que havia tomado conta da Alemanha nazista Um fator psicológico que atua num povo assume o caráter deste povo e por isso é sempre um deus ou um demônio Wotan desapareceu quando o cristianismo se impôs Mas continuou a viver como inquietação como irrequietude como busca de novas coisas como insatisfação e anseio202 O ressurgimento de Wotan no imaginário alemão não se limitou a uma influência cultural ou estética mas manifestouse concretamente nas instituições políticas e jurídicas do Terceiro Reich O direito nazista com sua ênfase no espírito germânico e no sentimento jurídico do povo Volksgeist representa uma materialização jurídica deste arquétipo onde a racionalidade legal foi substituída por uma concepção mítica e irracional do direito Carl Schmitt um dos principais juristas do período nazista desenvolveu teorias que refletiam essa influência arquetípica Sua concepção decisionista do direito que privilegiava a decisão soberana sobre a norma abstrata e sua teoria do estado de exceção como situação reveladora da verdadeira natureza do poder soberano podem ser interpretadas como manifestações jurídicas do arquétipo de Wotan o deus que transcende as regras estabelecidas e impõe sua vontade através da força e do carisma203 O poema Wotan citado por Jung204 em seu ensaio ilustra como esta figura mitológica foi reinterpretada como símbolo do espírito alemão Tempestade sobre a terra Livre se torna o Deus Que por muito tempo dormiu Ele cavalga sobre os ventos E sobre as ondas selvagens Brandindo sua lança O povo se levanta O povo se agita Ele sacode todos aqueles Que não conseguem resistir Este poema evidencia como o arquétipo de Wotan foi mobilizado para justificar a suspensão da ordem jurídica tradicional e a instauração de um novo 202 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 4 203 AGAMBEN Giorgio Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 p 54 204 JUNG Carl Gustav Aspectos do drama contemporâneo Petrópolis Vozes 1988 p 15 74 direito baseado na vontade do líder e no espírito do povo A Lei de Plenos Poderes Ermächtigungsgesetz de 1933 que concedeu a Hitler autoridade para governar por decreto sem necessidade de aprovação parlamentar pode ser vista como uma materialização jurídica deste princípio wotânico de transcendência das regras estabelecidas205 O caso de Wotan ilustra o que François Ost 2004 p 39 denomina o poder normativo do imaginário ou seja a capacidade que determinadas narrativas e figuras míticas têm de moldar não apenas o imaginário coletivo mas também as instituições jurídicas e políticas No contexto do direito nazista este poder normativo manifestouse na substituição do positivismo jurídico por um direito baseado em conceitos vagos como comunidade popular Volksgemeinschaft e sentimento jurídico sadio do povo gesundes Volksempfinden Jung 1988 p 8 observa que Wotan é uma figura fundamental do inconsciente coletivo germânico um espírito inquieto violento tempestuoso que desencadeia paixões e lutas incita os homens à batalha e produz encantos e ilusões Wotan desapareceu quando o cristianismo se impôs Mas continuou a viver como inquietação como irrequietude como busca de novas coisas como insatisfação e anseio Esta análise junguiana do fenômeno nazista como ressurgimento de um arquétipo adormecido oferece uma perspectiva única para compreender como elementos do imaginário coletivo podem materializarse em instituições jurídicas e políticas O direito nazista com sua rejeição da tradição jurídica liberal e sua ênfase em conceitos como comunidade e raça representa uma manifestação concreta dessa influência arquetípica A transição de Wotan do campo mitológico para o jurídicopolítico durante o período nazista ilustra os perigos do que Cassirer 1976 p 298 denominou o poder do mito na política moderna Segundo este autor o ressurgimento de forças míticas na política do século XX representou uma regressão a formas préracionais de organização social com consequências devastadoras para o direito e a democracia O caso de Wotan demonstra como personagens fictícios ou mitológicos podem sair do fictício não apenas para enriquecer o imaginário jurídico mas 205 STOLLEIS Michael The Law under the Swastika Studies on Legal History in Nazi Germany Chicago University of Chicago Press 1998 p 98 75 também para subvertêlo substituindo princípios racionais por forças irracionais e míticas Esta dimensão sombria da relação entre imaginário e direito serve como alerta para os riscos envolvidos na mobilização de narrativas míticas no campo jurídico político Um aspecto particularmente significativo da materialização jurídica do arquétipo de Wotan pode ser observado na chamada Escola de Direito de Kiel Kieler Schule um grupo de juristas nazistas que buscou reformular completamente a teoria e a prática jurídica alemã de acordo com os princípios nacionalsocialistas Juristas como Karl Larenz Ernst Rudolf Huber Georg Dahm e Friedrich Schaffstein desenvolveram uma teoria jurídica que rejeitava explicitamente o positivismo e o normativismo em favor de uma concepção concretaordenadora do direito baseada na ideia de uma ordem concreta konkrete Ordnung emanada diretamente do espírito do povo206 Esta escola jurídica ao rejeitar a abstração e a generalidade das normas em favor de decisões baseadas em conceitos como comunidade racial e espírito germânico exemplifica o que Müller207 denomina irracionalismo jurídico uma abordagem que substitui a argumentação racional por apelos a forças míticas e instintivas Segundo Müller A Escola de Kiel representou a mais radical tentativa de substituir o pensamento jurídico racional por uma abordagem baseada em conceitos míticos e irracionais Ao invocar o espírito germânico e o sentimento jurídico do povo como fontes primárias do direito estes juristas efetivamente transformaram o arquétipo de Wotan com sua ênfase na vontade no poder e na transcendência das normas em princípio organizador do sistema jurídico nazista208 Esta transformação do arquétipo de Wotan em princípio jurídico concreto manifestouse em diversas decisões judiciais do período nazista nas quais juízes explicitamente rejeitavam a aplicação de normas legais em favor de interpretações baseadas no espírito nacionalsocialista Um exemplo notório é o caso de Marinus van der Lubbe acusado do incêndio do Reichstag que foi condenado à morte com base em uma lei penal retroativa a segunda versão do decreto do incêndio do Reichstag Reichstagsbrandverordnung em flagrante violação ao 206 STOLLEIS Michael A History of Public Law in Germany 19141945 Oxford Oxford University Press 2003 p 332 207 MÜLLER Ingo Hitlers Justice The Courts of the Third Reich Cambridge Harvard University Press 1987 p 76 208 Iden p 78 76 princípio da irretroatividade da lei penal O Tribunal do Reich justificou esta decisão argumentando que o são sentimento do povo gesundes Volksempfinden exigia a punição exemplar independentemente dos princípios jurídicos estabelecidos209 A análise do fenômeno Wotan no direito nazista não representa apenas um interesse histórico mas oferece importantes lições para a compreensão de dinâmicas contemporâneas em que elementos arquetípicos e mitológicos são mobilizados no campo jurídicopolítico Hillman 210 argumenta que os arquétipos como padrões primordiais do inconsciente coletivo nunca desaparecem completamente mas permanecem latentes podendo ser reativados em determinadas circunstâncias históricas e sociais Esta perspectiva sugere a necessidade de vigilância constante contra o ressurgimento de forças míticas irracionais no campo do direito Neumann211 em sua análise do estado nazista observa que o apelo a elementos míticos e arquetípicos não é exclusivo de regimes totalitários mas pode manifestarse também em democracias especialmente em períodos de crise e insegurança Segundo o autor A invocação de elementos míticos e arquetípicos no discurso jurídico político representa sempre um risco para a racionalidade do direito Quando conceitos vagos como vontade do povo espírito nacional ou valores tradicionais substituem a argumentação racional baseada em princípios jurídicos claros abrese espaço para a arbitrariedade e o autoritarismo O caso de Wotan no direito nazista serve como um alerta permanente para os perigos da mitologização do direito212 Esta advertência é particularmente relevante no contexto contemporâneo em que se observa em diversas democracias um ressurgimento de discursos políticos e jurídicos que apelam a elementos míticos e arquetípicos frequentemente associados a concepções organicistas da nação e a narrativas de purificação e regeneração nacional A análise junguiana do fenômeno Wotan oferece assim importantes ferramentas conceituais para compreender e enfrentar 209 FRASER David Law after Auschwitz Towards a Jurisprudence of the Holocaust Durham Carolina Academic Press 2005 p 123 210 HILLMAN James ReVisioning Psychology New York Harper Perennial 2010 p 45 211 NEUMANN Franz Behemoth The Structure and Practice of National Socialism 19331944 Chicago Ivan R Dee 2009 p 467 212 Iden p 470 77 estes desafios contemporâneos demonstrando como o estudo da relação entre mitologia e direito pode contribuir para a defesa da racionalidade jurídica e dos princípios democráticos 43 Ronald Dworkin e o romance continuado Ronald Dworkin filósofo e jurista americano desenvolveu uma das mais influentes teorias jurídicas contemporâneas na qual propõe uma concepção do direito como romance em cadeia chain novel Esta metáfora literária que compara a atividade judicial a um processo de escrita colaborativa representa um caso singular de transição entre o campo teóricofictício e a prática jurídica concreta ilustrando como construções metafóricas podem materializarse em metodologias interpretativas e decisões judiciais Nascido em 1932 em Worcester Estados Unidos Dworkin construiu uma trajetória acadêmica notável Formouse em filosofia pela Universidade de Harvard em 1953 tendo como mentores figuras proeminentes como WO Quine e John Rawls Posteriormente estudou Jurisprudence no Magdalen College da Universidade de Oxford experiência que seria determinante para o desenvolvimento de seu pensamento jurídico Sua formação prática incluiu um estágio com o juiz Learned Hand e um período como advogado no escritório Sullivan and Cromwell antes de iniciar sua carreira acadêmica na Faculdade de Direito de Yale213 A teoria do romance em cadeia é apresentada por Dworkin em sua obra O Império do Direito214 onde ele propõe uma analogia entre a interpretação jurídica e a escrita de um romance por múltiplos autores Segundo esta concepção cada juiz ao decidir um caso atua como um romancista que recebe uma obra parcialmente escrita e deve acrescentar um novo capítulo que seja coerente com o que veio antes e que abra possibilidades para os capítulos futuros Nas palavras de Dworkin cada juiz é como um romancista na corrente Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado não apenas para descobrir o que disseram ou seu estado de espírito quando o disseram mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente da maneira como 213 GUEST Stephen Ronald Dworkin 3 ed Stanford Stanford University Press 2013 p 14 214 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1986 p 238 78 cada romancista forma uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então215 Esta concepção do direito como narrativa contínua representa uma ruptura com o positivismo jurídico de HLA Hart que concebia o direito como um sistema de regras identificáveis por critérios específicos independentemente de seu conteúdo Para Dworkin o direito não se limita a um conjunto de regras mas inclui também princípios fundamentais que devem ser considerados na interpretação e aplicação das normas jurídicas Conforme explica em Levando os Direitos a Sério O positivismo jurídico define o direito como um conjunto de regras adotadas pela comunidade identificáveis por critérios específicos independentemente do seu conteúdo Esse ponto de vista é criticado por ser excessivamente limitado pois não considera adequadamente o papel dos princípios na prática jurídica216 A metáfora do romance em cadeia não é apenas uma construção teórica abstrata mas uma metodologia interpretativa que tem influenciado concretamente a prática judicial em diversos sistemas jurídicos Tribunais constitucionais ao redor do mundo incluindo o Supremo Tribunal Federal brasileiro frequentemente recorrem à noção dworkiniana de integridade e coerência narrativa para fundamentar suas decisões especialmente em casos difíceis que envolvem princípios constitucionais conflitantes Um exemplo concreto dessa influência pode ser observado no julgamento da ADPF 132 pelo STF que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo Na ocasião o Ministro Luiz Fux citou expressamente a teoria de Dworkin ao afirmar que o Direito não é só um conjunto de regras o Direito é um conjunto de regras e de princípios e os princípios são normas jurídicas de textura aberta que comportam mais de uma interpretação E aí é que entra a figura do juiz porque o juiz como dizia Ronald Dworkin não é um mero expectador do fenômeno jurídico217 A transição da metáfora dworkiniana do campo teórico para a prática judicial ilustra o que François Ost 2004 p 18 denomina fertilização cruzada entre direito e literatura Segundo Ost as narrativas literárias e as construções 215 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1986 p 238 216 DWORKIN Ronald Levando os direitos a sério São Paulo Martins Fontes 2002 p 28 217 BRASIL Supremo Tribunal Federal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 Relator Ministro Ayres Britto Brasília 5 de maio de 2011 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 14 out 2011 79 metafóricas não apenas enriquecem o imaginário jurídico mas também fornecem modelos interpretativos que podem ser mobilizados na prática do direito A concepção do direito como romance em cadeia representa uma superação da dicotomia entre criação e aplicação do direito Para Dworkin o juiz não é nem um mero aplicador mecânico de regras preexistentes como sugere o formalismo jurídico nem um criador arbitrário de normas como sugere o realismo jurídico mas um intérprete que participa de uma prática social contínua buscando dar a melhor continuidade possível à história institucional de sua comunidade jurídica Como explica em O Império do Direito A integridade exige que os juízes considerem o direito como um todo coerente como se fosse obra de um único autor expressando uma concepção coerente de justiça e equidade DWORKIN 1986 p 225 Esta visão do direito como narrativa coerente tem implicações profundas para a compreensão da autoridade e da legitimidade das decisões judiciais Se o direito é concebido como um romance em construção coletiva a legitimidade de cada nova adição depende de sua capacidade de manter a coerência narrativa do todo respeitando simultaneamente o passado institucional e as exigências de justiça do presente A teoria dworkiniana do romance em cadeia ilustra como uma construção metafórica inicialmente pertencente ao campo teórico pode materializarse em práticas interpretativas concretas influenciando decisões judiciais e transformando a compreensão do fenômeno jurídico Neste sentido o romance em cadeia de Dworkin representa um exemplo paradigmático de personagem teórico que sai do fictício para habitar o mundo da prática jurídica concreta 44 A criação jurídica do STF Supremo Tribunal Federal e do STJ Superior Tribunal de Justiça Os tribunais superiores brasileiros notadamente o Supremo Tribunal Federal STF e o Superior Tribunal de Justiça STJ têm desempenhado um papel cada vez mais proeminente na criação de figuras jurídicas que embora não expressamente previstas na legislação adquirem materialidade e eficácia no ordenamento jurídico Este fenômeno que pode ser caracterizado como uma 80 forma de criação jurídica ilustra como o poder judiciário através de sua atividade interpretativa é capaz de fazer sair do fictício personagens jurídicos que passam a integrar concretamente a realidade normativa A atuação criativa dos tribunais superiores brasileiros pode ser analisada sob a perspectiva do que François Ost218 denomina poder instituinte da jurisdição ou seja a capacidade que os tribunais têm de não apenas aplicar o direito existente mas também de participar ativamente em sua criação e transformação Este poder instituinte manifestase particularmente em casos difíceis nos quais os tribunais são chamados a preencher lacunas normativas ou a adaptar o direito a novas realidades sociais Um exemplo paradigmático dessa criação jurídica pelo STF é o desenvolvimento do conceito de estado de coisas inconstitucional figura jurídica originalmente desenvolvida pela Corte Constitucional colombiana e incorporada ao direito brasileiro através da ADPF 347 julgada em 2015 Nesta decisão o STF reconheceu a existência de um estado de violação generalizada e sistemática de direitos fundamentais no sistema penitenciário brasileiro determinando a adoção de medidas estruturais para sua superação219 Embora o estado de coisas inconstitucional não esteja expressamente previsto na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional esta figura jurídica adquiriu materialidade e eficácia no ordenamento brasileiro através da atividade interpretativa do STF Como observa Campos220 O estado de coisas inconstitucional representa uma técnica de decisão por meio da qual cortes constitucionais diante da constatação de violações generalizadas contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais declaram a absoluta contradição entre os comandos normativos constitucionais e a realidade social determinando a implementação de soluções estruturais Outro exemplo significativo de criação jurídica pelos tribunais superiores é o desenvolvimento da teoria do habeas corpus coletivo pelo STF Tradicionalmente o habeas corpus era concebido como um remédio constitucional de caráter individual destinado a proteger a liberdade de locomoção de pessoas determinadas No entanto em 2018 no julgamento do HC 143641 o STF inovou 218 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 18 219 BRASIL Supremo Tribunal Federal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 Relator Ministro Marco Aurélio Brasília 9 de setembro de 2015 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 19 fev 2016 220 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Estado de Coisas Inconstitucional Salvador JusPodivm 2016 p 284 81 ao admitir a impetração coletiva deste remédio constitucional beneficiando todas as mulheres gestantes puérperas ou mães de crianças sob sua responsabilidade que se encontravam em prisão preventiva221 Esta decisão representou uma transformação significativa na compreensão tradicional do habeas corpus criando uma nova modalidade deste instrumento processual que não estava expressamente prevista no texto constitucional ou na legislação infraconstitucional Como observa Sarmento222 O reconhecimento do habeas corpus coletivo pelo STF representa uma inovação jurisprudencial que amplia significativamente o alcance deste remédio constitucional adaptandoo às necessidades de proteção de direitos fundamentais em uma sociedade de massa marcada por violações estruturais e sistêmicas No âmbito do Superior Tribunal de Justiça um exemplo notável de criação jurídica é o desenvolvimento da teoria da perda de uma chance figura originária do direito francês que foi incorporada ao ordenamento brasileiro através da jurisprudência Esta teoria permite a responsabilização civil pela privação da possibilidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo mesmo quando não é possível estabelecer um nexo causal direto entre a conduta do agente e o dano final No REsp 1254141PR julgado em 2013 o STJ consolidou a aplicação desta teoria no direito brasileiro estabelecendo seus pressupostos e limites Segundo o acórdão a teoria da perda de uma chance aplicase quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda Não se exige a comprovação da existência do dano final bastando a prova da certeza da chance perdida pois esta é o objeto de reparação223 Embora não prevista expressamente na legislação civil brasileira a teoria da perda de uma chance adquiriu materialidade e eficácia no ordenamento jurídico através da atividade criativa do STJ ilustrando como figuras jurídicas podem sair do fictício para integrar concretamente a prática jurídica 221 BRASIL Supremo Tribunal Federal Habeas Corpus nº 143641 Relator Ministro Ricardo Lewandowski Brasília 20 de fevereiro de 2018 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 9 out 2018 222 SARMENTO Daniel O cabimento do habeas corpus coletivo na ordem constitucional brasileira Revista da EMERJ Rio de Janeiro v 21 n 3 p 2752 2019 p 45 223 BRASIL Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1254141PR Relatora Ministra Nancy Andrighi Brasília 4 de dezembro de 2013 Diário de Justiça Eletrônico Brasília 20 fev 2014 82 A criação jurídica pelos tribunais superiores brasileiros suscita importantes questões sobre os limites da atividade interpretativa judicial e sua legitimidade democrática Críticos deste fenômeno argumentam que a criação de figuras jurídicas não expressamente previstas na legislação representaria uma usurpação das funções legislativas pelo poder judiciário comprometendo o princípio da separação dos poderes Por outro lado defensores desta prática sustentam que ela é necessária para adaptar o direito às novas realidades sociais e garantir a efetividade dos direitos fundamentais em contextos de omissão legislativa Streck224 observa que a criação jurídica pelos tribunais é um fenômeno complexo que não pode ser reduzido a uma simples dicotomia entre ativismo judicial e autocontenção Tratase de um processo hermenêutico que envolve a reconstrução do sentido normativo dos textos jurídicos à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais A análise da criação jurídica pelos tribunais superiores brasileiros à luz da teoria de François Ost permite compreender este fenômeno como uma manifestação do que o autor denomina jogo de espelhos entre direito e ficção Segundo Ost225 o direito não cessa de pôr em cena a ficção enquanto a literatura e outras formas narrativas frequentemente tomam o direito como objeto Neste sentido a criação de figuras jurídicas pelos tribunais pode ser vista como um processo de materialização de construções teóricas ou fictícias que através da atividade interpretativa judicial adquirem concretude e eficácia no mundo jurídico 45 Ronald Dworkin e o direito como integridade uma ponte entre direito e literatura Ronald Dworkin figura notável na filosofia e no direito desenvolveu uma teoria jurídica que estabelece uma conexão profunda entre o direito e a literatura oferecendo uma perspectiva única sobre como elementos narrativos e interpretativos podem materializarse no campo jurídico Nascido em 1932 em Worcester EUA Dworkin iniciou sua trajetória acadêmica na Universidade de Harvard onde se formou em filosofia em 1953 tendo como mentores figuras de destaque como WO Quine e John Rawls Posteriormente aprofundou seus estudos jurídicos no Magdalen College da Universidade de Oxford um passo determinante para sua 224 STRECK Lenio Luiz Jurisdição constitucional 5 ed Rio de Janeiro Forense 2018 p 67 225 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 15 83 carreira e pensamento Sua experiência prática no direito incluiu um estágio com o renomado juiz Learned Hand do United States Court of Appeals for the Second Circuit e um período de dois anos como advogado associado no escritório Sullivan and Cromwell Sua carreira acadêmica o levou da faculdade de Direito de Yale para Oxford onde ocupou a Cátedra de Jurisprudence e posteriormente para a University College London como Quain Professor of Jurisprudence e após sua aposentadoria em Oxford como Bentham Professor of Jurisprudence Dworkin nunca se distanciou do debate público político e jurídico expressandose ativamente por meio de intervenções literárias e mantendo uma presença vibrante como professor Defensor de posições progressistas ele foi um liberal igualitário e um engajado democrata dedicando sua vida à defesa dos direitos humanos Sua morte aos 81 anos de leucemia em Londres marcou o fim de uma era mas seu legado intelectual materializado em obras como Taking Rights Seriously Laws Empire e Justice for Hedgehogs continua a influenciar profundamente o pensamento jurídico contemporâneo Ronald Dworkin considerado um dos maiores filósofos legais e teóricos de todos os tempos desenvolveu uma teoria jurídica notavelmente original que transcendeu a dicotomia entre o Direito Natural e o Positivismo Legal Sua abordagem metodológica distinta reintegrou o direito como um ramo da moralidade política defendendo como corolário a tese de que existe uma única resposta correta para questões jurídicas complexas Em Taking Rights Seriously Dworkin propôs definir e defender uma teoria liberal do direito criticando agudamente outra teoria amplamente considerada liberal a teoria dominante do direito Esta teoria se dividia em duas partes independentes a primeira o positivismo jurídico que define o direito exclusivamente em termos de regras adotadas por instituições sociais específicas a segunda o utilitarismo que defende que o direito e suas instituições devem servir ao bemestar geral Dworkin argumentava que uma teoria geral do direito deve ser tanto normativa quanto conceitual desafiando a separação entre descrição e prescrição Ele sustentava que o direito como interpretação construtiva opera como uma novela em cadeia integrando integridade e conceitos interpretativos na moralidade política Esta visão coloca o direito em constante diálogo com a filosofia política e 84 moral dependendo também de teorias filosóficas sobre a natureza humana e a objetividade da moralidade Na obra Levando o Direito a Sério Dworkin explora a natureza e a legitimidade do direito confrontandose especialmente com o positivismo jurídico desenvolvido por H L A Hart ao argumentar que uma compreensão adequada do direito transcende a mera aplicação de regras e deve incorporar princípios fundamentais O positivismo jurídico conforme discutido por Dworkin define o direito como um conjunto de regras adotadas pela comunidade identificáveis por critérios específicos independentemente do seu conteúdo Esse ponto de vista é criticado por Dworkin por ser excessivamente restritivo e por não capturar a totalidade do que o direito representa Dworkin critica a visão de John Austin de que as regras jurídicas são meras ordens do soberano argumentando que esta análise falha em reconhecer diferenças cruciais nas atitudes que tomamos em relação ao direito sugerindo que tal perspectiva carece de um critério de legitimidade adequado Embora Dworkin reconheça que a versão do positivismo de Hart é mais sofisticada que a de Austin diferenciando entre regras primárias e secundárias e rejeitando a noção de regras como ordens ele ainda encontra falhas nessa abordagem principalmente na maneira como Hart lida com casos jurídicos imprecisos recorrendo a um poder discricionário por parte dos juízes Assim Dworkin argumenta que além das regras os princípios também são uma componente essencial do direito servindo para preencher lacunas jurídicas e orientar a interpretação e aplicação do direito de maneira a não deixar tudo à discricionariedade dos juízes A análise de Dworkin desafia o positivismo jurídico ao argumentar que uma teoria do direito completa deve ir além da aplicação mecanicista de regras e deve incluir princípios que dão ao direito sua plenitude e legitimidade A obra Império do Direito de Ronald Dworkin destacase como uma de suas principais contribuições à filosofia jurídica Diferente de uma análise descritiva do direito Dworkin adota uma abordagem fundamentalista buscando aprofundar a compreensão do direito através de uma estrutura dialética de argumentação tese antítese e síntese Ele propõe a integridade como o princípio norteador da sua teoria jurídica Dworkin utiliza o caso Riggs vs Palmer para evidenciar a sua teoria No 85 caso um neto assassinou o avô para herdar sua fortuna apesar de não existir na lei um requisito claro que o desqualificasse da herança por esse ato Os juízes apoiados por princípios de justiça tradicionais e buscando coerência no sistema legal decidiram contra o neto enfatizando que ninguém deve se beneficiar de seu próprio erro Destacamse conceituações antagônicas segundo Dworkin 1 Convencionalismo Define que juízes devem seguir o que as convenções jurídicas declararem como direito Dworkin distingue entre convencionalismo estrito e moderado mas argumenta que ambos falham em responder adequadamente ao caso Élmer dado o limite de suas convenções 2 Pragmatismo Jurídico Encara o direito como um instrumento para o futuro sem um conteúdo próprio definido Segundo Dworkin essa visão não proporciona uma resposta adequada para o caso pois ignora as normas vigentes na época 3 Direito como Integridade Dworkin propõe essa visão como a interpretação mais adequada argumentando que o direito deve ser visto como um desenvolvimento contínuo que leva em consideração tanto o passado quanto o futuro em um esforço para manter a coerência e a integridade do sistema jurídico No caso Riggs vs Palmer o juiz Earl apresentou duas razões pela qual o neto não fazia jus ao recebimento da herança Juiz Earl Ele apresentou duas razões Primeiro é razoável admitir que os legisladores têm uma intenção genérica e difusa de respeitar os princípios tradicionais da justiça a menos que indiquem claramente o contrário Segundo tendo em vista que uma lei faz parte de um sistema compreensivo mais vasto o direito como um todo deve ser interpretada de modo a conferir em princípio maior coerência a esse sistema Earl argumentava que em outros contextos o direito respeita o princípio de que ninguém deve beneficiarse de seu próprio erro de tal modo que a lei sucessória devia ser lida no sentido de negar uma herança a alguém que tivesse cometido um homicídio para obtêla226 Na visão de Dworkin o caso não é uma simples discricionariedade pois tratase dos juízes se fundamentando em princípios para justificar uma decisão observando o direito não em uma única esfera mas sim buscando o seu 226 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1999 p 23 86 desenvolvimento É importante observar que enquanto a primeira concepção possui uma visão mais voltada para o passado através da análise de convenções e da jurisprudência vigente a segunda concepção visa somente o futuro pois a decisão do juiz deve se fundamentar somente no futuro da sociedade O direito como integridade busca incorporar elementos que interpretam o direito como um desenvolvimento contínuo pois se desdobram tanto para o passado quanto para o futuro Nas palavras do próprio autor O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo voltados para o passado ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico voltados para o futuro Insiste que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que por esse motivo combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento227 O autor ainda aduz que o direito como integridade é tanto um produto interpretativo abrangente da prática jurídica quanto sua fonte de inspiração pois apresenta aos juízes que decidem casos difíceis uma interpretação contínua Em outras palavras o direito como integridade é o desenvolvimento contínuo praticado pelos juízes para analisar interpretar e reanalisar os seus casos Para exemplificar o conceito de direito como integridade Dworkin utiliza a metáfora do Romance em Cadeia estabelecendo uma ponte explícita entre o direito e a literatura Nesta metáfora Dworkin compara os juízes a romancistas que participam de um projeto coletivo e contínuo Cada juiz ao enfrentar um caso não começa do zero mas se baseia no legado deixado por decisões anteriores Ele deve ler e compreender o trabalho dos juízes que vieram antes dele não apenas para conhecer os fatos ou as decisões mas para entender a lógica coletiva e o propósito dessas decisões dentro da narrativa maior do direito Cada juiz então é como um romancista na corrente Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado não apenas para descobrir o que disseram ou seu estado de espírito quando o disseram mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá se olhar nos livros adequados registros de muitos casos plausivelmente 227 Iden p 271 87 similares decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes Ao decidir o novo caso cada juiz deve considerarse como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia do qual essas inúmeras decisões estruturas convenções e práticas são a história é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção Portanto deve determinar segundo seu próprio julgamento o motivo das decisões anteriores qual realmente é tomado como um todo o propósito ou o tema da prática até então228 Esta metáfora do romance em cadeia ilustra perfeitamente como elementos literários e narrativos podem materializarse no campo jurídico Assim como um romancista que continua uma história iniciada por outros deve respeitar a coerência narrativa os personagens já estabelecidos e o desenvolvimento da trama um juiz deve respeitar os precedentes os princípios jurídicos e a lógica interna do sistema legal ao tomar suas decisões Dworkin introduz ainda a figura imaginativa do juiz Hercúleo dotado de inteligência e tempo infinitos capaz de interpretar perfeitamente toda a complexidade e nuances do direito Este exercício teórico destaca a idealização de uma interpretação jurídica perfeita embora reconheça que na prática os juízes reais só podem aspirar a se aproximar desse ideal fazendo o melhor uso possível de suas habilidades para interpretar e aplicar o direito Na realidade os juízes devem se esforçar para interpretar e continuar a narrativa jurídica da forma mais fiel possível apesar de suas limitações humanas Isso implica em uma busca contínua pela interpretação mais coerente e adequada das leis e decisões passadas visando sempre a integridade e a coesão do sistema jurídico como um todo A teoria do direito como integridade de Dworkin e sua metáfora do romance em cadeia representam um caso paradigmático de como elementos do imaginário literário podem materializarse no campo jurídico Ao conceber o direito como uma narrativa em desenvolvimento contínuo Dworkin não apenas estabelece uma analogia entre direito e literatura mas efetivamente incorpora princípios narrativos e interpretativos na própria estrutura do pensamento jurídico 228 DWORKIN Ronald O império do direito São Paulo Martins Fontes 1999 p 238 88 Esta concepção narrativa do direito tem profundas implicações para a prática jurídica Os juízes ao decidirem casos difíceis não estão simplesmente aplicando regras préestabelecidas mas participando de um processo criativo e interpretativo semelhante ao de um romancista que continua uma obra iniciada por outros Eles devem considerar não apenas o texto da lei mas também os princípios subjacentes a coerência narrativa do sistema jurídico e as implicações de suas decisões para o desenvolvimento futuro do direito Como observa Ost229 o direito se nutre das narrativas que uma sociedade conta sobre si mesma A teoria de Dworkin exemplifica perfeitamente esta relação ao mostrar como o direito pode incorporar elementos narrativos não apenas em seu conteúdo substantivo mas também em sua própria metodologia e estrutura conceitual O romance em cadeia dworkiniano representa assim uma ponte entre o imaginário literário e a realidade jurídica demonstrando como conceitos e metáforas originados no campo da literatura podem materializarse em práticas jurídicas concretas Esta materialização não é meramente ilustrativa ou retórica mas constitutiva da própria natureza do direito como empreendimento interpretativo e narrativo A contribuição de Dworkin para a compreensão da relação entre direito e literatura vai além da simples analogia ou comparação Ao conceber o direito como um romance em cadeia ele efetivamente transforma a prática jurídica incorporando elementos narrativos e interpretativos em sua estrutura fundamental Esta transformação representa um caso paradigmático de como personagens e conceitos do imaginário podem sair do fictício para materializar se no campo jurídico enriquecendo nossa compreensão do direito e de sua relação com outras formas de narrativa social CAPÍTULO 5 EU ROBÔ A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL O escritor de ficção científica Isaac Asimov em meados do século passado se dedicou a um campo a qual se tornou referência a robótica e as máquinas inteligentes O autor coloca o robô na perspectiva de servo do homem230 e 229 OST François Contar a lei as fontes do imaginário jurídico São Leopoldo Unisinos 2004 p 20 230 SANTOS Vítor M F Robótica industrial Apontamentos teóricos Exercícios para aulas práticas Problemas de exame resolvidos Aveiro Portugal Universidade de Aveiro 2004 P 8 89 a narrativa também envolve uma questão subjetividade já evidenciada no título que usa o pronome eu A obra é considerada um clássico da literatura e da ficção cientifica231 sendo um clássico obrigatório que preenche as prateleiras de muitos acervos O livro foi publicado no ano de 1950 e serviu como base para a criação de um filme interpretado pelo autor Will Smith que possui o mesmo nome que a obra literária As duas obras se diferem bastante enquanto o filme tem um enfoque muito claro em cenas de ação e conclusões supérfluas para os problemas apresentados o livro por sua vez é um conjunto de nove contos que descrevem a diversas formas evolução da tecnologia por meio de uma inteligência artificial IA avançada e a inclusão dela em autômatos em uma projeção de futuro entre os anos de 1996 2052 É no ano de 2035 que os robôs assumem papel de relevância na vida das pessoas substituindo os humanos na realização de tarefas cotidianas e como forma de garantia de um ciclo perfeito de segurança se cria comandos denominados as Três Leis da Robótica A humanidade fez a previsão do avanço desenfreado da tecnologia e das inteligências artificiais de forma que foi proposto que nenhum autômato ou máquina com inteligência artificial poderia ser criado e saísse de fábrica sem que sua programação tivesse as três leis básicas Os robôs teriam embutidos em seus cérebros positrônicos conceito que o autor do livro criou para se referir aos cérebros das máquinas inteligência artificial que imitam as funções cognitivas humanas as três leis Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei Um robô deve proteger sua própria existência desde que não entre em conflito com as leis anteriores Isaac Asimov traz outra história em sua obra Robôs do Amanhecer apresentando a quarta lei Lei Zero que deriva para solucionar conflitos oriundos da aplicação das leis anteriores Assim parara fins de solução dos conflitos entre a 231ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 90 lei a quarta lei surge Um robô não pode causar mal à humanidade ou por omissão permitir que a humanidade sofra algum mal nem permitir que ela própria o faça Como é possível observar o autor propõe que segundo as leis e comandos já citados seria possível moldar o comportamento de máquinas estabelecendo normas como parâmetros das condutas dos robôs No decorrer do livro há o desenvolvimento de questões adjacentes232 mas é nítida a conclusão o eixo central conduz ao pensamento de que mesmo com o estabelecimento claro de diretrizes bem delimitadas uma máquina pode buscar ultrapassar limites de sua própria construção inicial ou seja que existir uma evolução constante ou um autoaperfeiçoamento invariavelmente que pode ultrapassar os limites predeterminados para os autômatos Em suma as determinações e comandos mesmo limites claros para a existência de alguns autômatos podem ser ultrapassados em razão da evolução e aperfeiçoamento da máquina O autor da obra Eu Robô não faz uma grande diferenciação entre um autômato que possui capacidade cognitiva ou de raciocínio e uma IA Inteligência Artificial mas no próprio ano de 1950 Turing abre as portas para essa diferenciação com trabalho publicado pela Universidade de Oxford Alan Mathison Turing um dos pais da robótica computação e Inteligência Artificial matemático cientista da computação lógico e criptoanalista publicou Computing Machinery and Intelligence233 trazendo o que ficaria conhecido como teste de Turing A partir dessa obra há o desenvolvimento de outros conceitos que já estavam em discussão nos anos de 1930 evoluindo deste modo para aclarar a ideia de Inteligência Artificial e robôs A Inteligência artificial pode ser entendida como a capacidade de uma máquina de produzir competências semelhantes às de um ser humano tais como raciocínio e aprendizagem Neste contexto a IA permite que os sistemas que as permeiam sejam percebidos e possibilitando a solução de problemas A máquina recebe processa dados e responde conforme a sua programação de forma que a 232 Na obra se tem reflexão como se um robô pode ser imputado se o robô pode agir livremente diante as três leis Se os robôs são seres livres e responsáveis e por consequência imputáveis pelo Direito 233TURING A M Computing Machinery and Intelligence Source Mind New Series v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 Published by Oxford University Press on behalf of the Mind Association Stable Disponível em httpwwwjstororgstable2251299 Acesso em 15 jan 2024 91 máquina é capaz de adaptar o seu comportamento processando os dados que está recebendo e os dados anteriores234 Para melhor elucidar o que podemos definir como uma IA é valido salientar os apontamentos de John MCCarthy um dos maiores cientistas da computação e considerado outro pai de diversas tecnologias que se tem hoje em dia235 236 John McCarthy em seu artigo datado de 2004237 fornece uma definição abrangente de inteligência artificial IA MCCarthy considera que a Inteligência Artificial é a ciência e engenharia dedicada à criação de máquinas inteligentes especialmente programas de computação inteligentes238 Ele destaca que embora a IA esteja intrinsecamente relacionada à tarefa de imitar a inteligência humana por meio de computadores essa disciplina não se limita a métodos derivados da observação biológica Em outras palavras a IA não está sujeita ao raciocínio humano Imitar a inteligência humana pensar será possível essas habilidades para uma máquina Turing já havia apresentado a provocativa indagação As máquinas pensam239 A partir dessa pergunta ele concebeu o conhecido teste de Turing que consiste em um método em que um interrogador humano tentaria discernir entre as respostas de texto provenientes de um computador e de um humano O teste de Turing apresenta três personagens um homem uma mulher e um juiz Os três personagens só podem comunicarse por meio de máquinas de 234 Documento publicado pelo parlamento europeu para encontrar uma definição do que se entende por Inteligência artificial TEMAS PARLAMENTO EUROPEU O que é inteligência artificial e como funciona disponível httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20200827STO85804oqueea inteligenciaartificialecomofuncionatextA20inteligC3AAncia20artificial20IA 20C3A9o20planeamento20e20a20criatividade Acesso em 10 ago 2024 235 Nota de falecimento e um pouco da sua história G1 Morre John McCarthy pioneiro da Inteligência Artificial e pai do Lisp Disponível em httpsg1globocomtecnologianoticia201110morrejohnmccarthy pioneirodainteligenciaartificialhtml Acesso em 08 ago 2024 236 COMPUTAÇÃO UFPEL John McCarthy 19272011 Prestigiado em diversas universidades como um dos fundadores de muitos paradigmas que temos sobre a robótica hoje em dia Disponível em httpswpufpeledubrcomputacaoccompjohnmccarthy Acesso em 10 ago 2024 237 MCCARTH John What is artificial intelligence Stanford University 2007 Disponível em httpjmcstanfordeduarticleswhatisaiwhatisaipdf Acesso em 08 ago2024 238 No mesmo artigo quando é perguntado sobre a definição de IA ele destaca Q What is artificial intelligence A It is the science and engineering of making intelligent machines especially intelligent computer programs It is related to the similar task of using computers to understand human intelligence but AI does not have to confine itself to methods that are biologically observable Q Yes but what is intelligence A Intelligence is the computational part of the ability to achieve goals in the world Varying kinds and degrees of intelligence occur in people many animals and some machines 239 Questões colocadas na obra Eu Robô persistem e ultrapassam as fronteiras de qualquer marco conceitual Ainda não há respostas exatas para as questões Quando um esquema de percepção poderá ser chamado de consciência Quando calcular probabilidades pode iniciar uma busca pela verdade Quando uma simulação de personalidade se torna o doloroso átomo de uma alma 92 datilografar indiretamente e devem tentar se passar um pelo gênero do outro O teste começa quando Turing propõe substituir a figura de um dos personagens por uma máquina o que provocaria imediatamente o questionamento de como a máquina se passaria por uma pessoa240 Apesar de ter sido objeto de escrutínio ao longo dos anos o teste de Turing mantémse como uma peça crucial na história da IA persistindo como uma referência significativa na área241 Essa proposta de Turing estabeleceu os fundamentos para o campo da inteligência artificial marcando um ponto de partida essencial para explorar a capacidade das máquinas em imitar a inteligência humana A fusão das definições de McCarthy e dos conceitos pioneiros de Turing proporciona uma compreensão mais profunda do escopo e da evolução da IA ao longo do tempo Mesmo assim a Inteligência Artificial está longe de possuir um conceito uníssono pois existem diversos tipos de computadores e programas que possuem diversos recursos que podem atribuir novas formas ou métodos que fazem com que as máquinas possam aprender242 Porém uma definição mais abrangente pode servir de parâmetro Assim a IA pode ser entendida como um programa ou uma máquina que possua inteligência continua ou seja capacidade contínua de aprendizagem Em Eu Robô é possível observar os modelos mais sofisticados que poderiam ser facilmente considerados uma espécie de IA uma vez que os modelos exemplificados na obra possuem um uma espécie de inteligência243 contínua que passariam no teste de Turing Ao longo da narrativa por mais que a sociedade e o meio científico se esforcem para conseguir desenvolver uma IA que consiga seguir os raciocínios que uma pessoa seguiria ou atribuir a uma IA a capacidade de responder de questionamentos da mesma maneira que uma pessoa responderia 240 TURING Alan Mathison Computing Machinery and Intelligence Mind v 59 n 236 Oct 1950 pp 433460 28 pages Published By Oxford University Press 241 Sobre o tema a Faculdade de Física da USP se prontificou a preparar um breve resumo das contribuições do matemático para o meio acadêmico e sintetizar parte da sua história até o desfecho do seu trágico e irreparável fim ONODY Roberto N Teste de Turing e Inteligência Artificial Disponível em httpswww2ifscuspbrportalifsctestedeturingeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 242 SANTAELLA Lucia A Inteligência Artificial é Inteligente 7 ed São Paulo Câmara Brasileira do Livro 2023 p 138 243 A inteligência pode ser entendida como a faculdade de conhecer compreender e aprender ou capacidade de compreender e resolver novos problemas e adaptarse a novas situações A Inteligência artificial pode ser entendida como um ramo da informática que visa dotar computadores a capacidade de simular a aspectos da inteligência humana HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p1094 93 ainda assim faltaria algum ingrediente para que a imitação da inteligência humana seja completa Apesar de a IA se aproximar mecanicamente de um raciocínio humano pode estar distante de qualidades muito presente ao homem Em primeiro lugar não há consenso sobre uma definição sobre a IA mas há um consenso que uma máquina tende a aprender por intermédio de parâmetros programações diferentes dos parâmetros que seriam atribuídos em um primeiro momento pelos humanos Agora os parâmetros programações determinados para as máquinas aparecem também como problemas Um dos problemas desses parâmetros de aprendizado são os meios pelos quais uma IA acumula e processa informações Como explica Gunther Teubner a inteligência artificial é enigmática criando às vezes um ambiente de opacidade onde o humano navega que por vezes expande as habilidades cognitivas humanas as podem realizar uma perversão que escapa do controle humano Mesmo quando se persiste em um objetivo humano esses sistemas podem com extrema eficiência subverter as intenções e escolhas humanas A opacidade deixa o ambiente incontrolável e quando mais esses sistemas adquirem mais qualidade e eficiência mas eles estendem a capacidade de danos potenciais244 Um exemplo dos problemas gerados pelos parâmetros é clássico caso da COMPAS nos Estados Unidos O caso COMPAS versa sobre uma empresa de softwares e desenvolvimento cujo nome atendia por Northpointe Inc245 A empresa desenvolveu um programa visando identificar o grau de periculosidade e reincidência na esfera penal de determinados indivíduos que estavam sendo processados pelo Estado O programa COMPAS Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions246 foi instalado no Estado de Wisconsin por volta de 2012 Após a implementação do sistema iniciouse o procedimento em massa de 244 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 245 Ao que tudo indica a empresa alterou o nome em meados de 2017 para Equivant httpswwwuclalawrevieworginjusticeexmachinapredictivealgorithmsincriminalsentencingftn3 Em 2019 a empresa lançou um Guia com os benefícios e práticas do COMPAS nos Estados Unidos e a empresa assinou a obra como Equivant httpswwwequivantcomwpcontentuploadsPractitionersGuideto COMPASCore040419pdf 246 Em uma tradução livre pode ser lido como Perfil de gerenciamento de infratores correcionais para sanções alternativas httpswwwconjurcombr2021out15opiniaometodocompasanalogiasistemalombrosiano 94 averiguação de periculosidade de indivíduos que respondiam processo criminal Mas longo diversos apontamentos sobre o software247 e questões jurídicas que vieram à tona comprometendo a eficiência do sistema Neste cenário em fevereiro de 2013 Eric Loomis foi abordado dirigindo um carro que segundo as autoridades policiais estava em uma cena de tiroteio Ele foi preso e declarado culpado segundo as acusações Entretanto o que chama a atenção é que o processo foi conduzido e instruído com uma ficha que analisa informações dados para que seja determinado o grau de periculosidade de um determinado indivíduo248 A análise foi feita com a utilização do COMPAS e apesar de Eric confessar o ocorrido pegou a pena máxima de 6 anos pela sua acusação por conta da periculosidade do seu perfil não sendo aplicada nenhuma atenuante nem a atenuante de confissão A defesa de Eric Loomis contestou a utilização do COMPAS como forma de averiguação do perfil do acusado questionando quais eram os requisitos e as diretrizes de comando utilizados na programação do software para que ele chegasse as conclusões de alta periculosidade do réu249 O caso chegou à Suprema Corte norteamericana em outubro de 2016 Diante da Suprema Corte a defesa alegou que a utilização do software para analisar o perfil de um acusado produziu a sua condenação e a dosimetria da pena e tal situação ofendia os direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório do acusado Isto porque sem que existissem informações sobre os parâmetros utilizados pelo sistema a defesa não poderia contrapor a decisão de periculosidade produzida pela máquina250 A demanda foi julgada pela Suprema Corte norteamericana que optou por afastar a tese de que o sistema COMPAS tomou decisão no desfecho do caso além 247 Diversos Jornais apontam sobre a periculosidade de um sistema de computação exemplos The New York Times httpswwwnytimescom20170501uspoliticssenttoprisonbyasoftwareprogramssecret algorithmshtml Jornal do Estado de Wisconsin httpswwwwisbarorgNewsPublicationsInsideTrackPagesArticleaspx Volume9Issue14ArticleID25730 e uma reportagem jornalística de um jornal denominado Propublica httpswwwpropublicaorgarticlemachinebiasriskassessmentsincriminalsentencing 248 Documento que demonstra a utilização do sistema COMPAS como Rastreio Análise de possível membro de gangue salientese o item 4 httpswwwdocumentcloudorgdocuments2702103SampleRiskAssessment COMPASCOREhtmldocumentp1a296558 249 É possível observar no documento de contestação do Eric Loomis na página 04 que a defesa questiona a utilização do COMPAS como Software que não pode ser averiguado o que impossibilita defender o acusado pois não há acesso aos comandos e diretrizes do Software Além de questionar o porquê do programa levar em consideração o gênero e a cor de pele do analisado como parte dos requisitos de análise httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201702166387certpetitionpdf 250 Harvard publicou um documento relatando o caso e apontando alguns perigos da utilização do sistema para a averiguação de perfis perigosos Disponível em httpsharvardlawrevieworgprintvol130statevloomis Acesso em 15 ago 2024 95 de ressaltar que a utilização do software foi apenas uma ferramenta de auxílio para a tomada de decisão do magistrado A corte considerou que o juiz competente julgou corretamente o caso e a utilização do COMPAS foi irrelevante para o caso concreto pois a condenação do acusado foi atribuída por uma análise individual do seu perfil depois revisada por um juiz competente A decisão da Corte foi muito criticada por optar pelo mundo jurídico pois a Corte optou por não adentrar em debates sobre a na legalidade da utilização de sistemas de inteligência artificial e a questão da opacidade na tomada de decisão no âmbito do Poder Judiciário Alguns grupos de defesa de minorias criticaram e protestaram contra os Estados Unidos da América que tentou ingressar ao caso como amicus curiae251 com o objetivo de defender a utilização de sistemas de inteligências artificiais A ficção científica em uma intersecção do direito e da literatura traz uma realidade diatópica252 com repercussão em direitos como privacidade e intimidade como nos casos de obras literárias que narram situações de sistema de monitoramento constante na sociedade onde não é possível estabelecer quem está monitorando e quem está sendo monitorado253 No caso COMPAS além das questões postas pela defesa técnica como a ofensa ao contraditório existiram críticas em razão da utilização de critérios discriminatórios254 A questão consiste no fato de que se for atribuído um dado tendencioso às máquinas elas serão tendenciosas e portanto o resultado será enviesado255 251 Documento oficial enviado a Suprema Corte Norte Americana Disponível em httpswwwscotusblogcomwpcontentuploads201705166387CVSGLoomisACPetpdf Acesso em 15 ago 2024 252 Casos de ficção científica GIBSON William Neuromancer 3 ed São Paulo Aleph 2016 WILSON Daniel H Robopocalypse 2 ed São Paulo Bertrand Editora 2014 253 A título de exemplo é possível citar a série premiada Black Mirror que busca demonstrar por meio de distopias digitais os limites e meios pelos quais a tecnologia toma conta da nossa sociedade Emissoras originais Netflix Channel 4 Autores Charlie Brooker Jesse Armstrong William Bridges Criador do Roteiro Charlie Brooker Primeiro episódio 4 de dezembro de 2011 Reino Unido 254 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompas algorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareus americanoscriainjusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 255 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 96 Mas como um sistema se torna discriminatório256 Os vieses de confirmação de um determinado programa difere completamente dos meios pelos quais uma pessoa humana processa essas informações257 O problema que deve ser observado consiste em como os dados são imputados nas máquinas Assim a questão é como ocorre o alinhamento das expectativas entre os sistemas de inteligência artificial e o humano O que esperamos das máquinas Quais os limites que essas máquinas devem ter A resposta está na questão do alinhamento entre os interesses humanos e as máquinas258 atrás dos processamentos de informações e da geração de informações259 Assim a questão é sobre a conformidade da inteligência artificial com os propósitos estabelecidos pelos humanos o que inclui também questões de moralidade humana e ética Ao abordar o problema do alinhamento Brian Christian em sua obra propõe que uma máquina interpreta e entende o meio que a cerca de forma que difere do entendimento humano Por óbvio a máquina entende e responde segundo a sua base de dados e atribui os comandos do seu entendimento A pergunta que o autor estabelece é Qual a base de dados que atribuímos para uma máquina analisar e quais os limites de respostas que a máquina deve possuir260 Outro exemplo que é oportuno de ser observado dentro dessa análise sobre a base de dados que se fornece para uma determinada máquina é o caso do algoritmo do Twitter Em 2020 o antigo Twitter sofreu diversas denúncias de privilegiar as aparições ou as feições de pessoas brancas em detrimento a pessoas pretas 261 As notícias da época faziam afirmações como se a programação 256 Artigo jornalístico que aponta o sistema de Softaware como algo não muito melhor do que a opinião média de um indivíduo Disponível em httpswwwtheatlanticcomtechnologyarchive201801equivantcompas algorithm550646 E Artigo jornalístico que aponta os níveis de periculosidade de indivíduos analisados e compara com outros indivíduos Disponível em httpsapublicaorg201606softwarequeavaliareus americanoscriainjusticasnavidareal Acesso em 30 ago 2024 257 MARQUES Leornado Vieira A Problemática da Inteligência Artificial e dos Vieses Algorítmicos Caso Compas Universidade Presbiteriana Mackenzie GPDIT Campinas São Paulo Disponível em httpslcvfeeunicampbrimagesBTSym19Papers090pdf Acesso em 15 jul 2024 258 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 259 Em uma palestra no canal oficial da universidade de Yale o professor e autor do livro explica qual é o problema do alinhamento mencionado httpswwwyoutubecomwatchvz6atNBhItBs 260 CHRISTIAN Brian The Alignment Problem Machine Learning and Human Values A Norton Professional Book EUA p 1011 out 2021 Disponível em httpscpbuse1wpmucdncomsitespsuedudist0110933files202208ChristianAlignmentProblemIntro andCh1pdf Acesso em 20 jul 2024 261 Matéria realizada e noticiada pela noticiada pela British Broadcasting Corporation Corporação Britânica de Radiodifusão mais conhecida pela sigla BBC httpswwwbbccomnewstechnology57192898 Ou é possível citar a matéria realizada pela CBS httpswwwcbsnewscomnewstwitterkillsitsautomaticcroppingfeature 97 privilegiasse automaticamente sem comandos aparentes o modelo fotogénico ariano e atribuísse a essas pessoas relevância na plataforma O que se coloca em discussão é a viabilidade de uma máquina processar ou até mesmo ter meios para chegar a um resultado fora da sua base de dados ou fora dos limites que determinamos262 O problema não está apenas no resultado mas na base de dados Uma máquina não processa e chega a um resultado com muito desvio em relação a sua base de dados ou fora dos limites que se determina para ela263 Neste sentido é necessário determinar quais as diretrizes comandos que devem ser alinhados com a máquina na produção de informações e dados 51 A regulamentação da Inteligência Artificial A Ideia de cérebros digitais ou inteligências artificiais quase 100 autônomas que executam o trabalho de um determinado indivíduo com certa facilidade não é mais algo que pertence às telas de ficção científica Hoje tal situação pertence à realidade da nossa atualidade exemplos não faltam são eles as máquinas que executam boletins matinais ou que auxiliam em grandes operações de transporte piloto automático de uma embarcação ou de um avião264 Por mais que essas questões já estejam permeando a nossa realidade o Brasil está incipiente no debate sobre a regulamentação dessas novas tecnologias e de como será a responsabilização da ação praticada por uma IA265 ou atores coletivos266 Não obstante mesmo com o advento de uma legislação novas sobre o tema é uma tarefa árdua determinar onde inicia e finaliza qualquer responsabilidade aftercomplaints 262 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 263 Documento que tenta explicar como uma determinada programação atribui as suas conclusões através da sua base de dados e não puramente pelos seus algarismos Disponível em httpsdlacmorgdoipdf1011453022181 Acesso em 07 jun 2024 264 FORNASIER Mateus de Oliveira A inteligência Artificial como pessoa 1 ed Londrina Editora Thoth 2021 p 2223 265 Somente em 2023 houve propostas de lei para tentar regulamentar a conduta de uma IA pelo senado Disponível em httpswwwcamaralegbrnoticias968967PROPOSTAREGULAMENTAUTILIZACAO DAINTELIGENCIAARTIFICIAL Acesso em 30 ago 2024 266 Gunther Teubner e Anna Beckers falam em um estranho hibridismo na ação que unem as pessoas humanas e os algoritmos que não só comunicam entre si mas também unem forças para formar novos tipos de atores coletivos BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 p 1012 98 da conduta praticada por um software e a responsabilidade de um ser humano sobre as ações da IA e a individualização das ações humanas para efeitos de responsabilidades A questão é como lidar com a questão de responsabilidade da IA Seria a inteligência artificial responsável por suas supostas condutas ou as pessoas envolvidas no processo de criação e na utilização das IAs são responsáveis e deveriam responder pelos seus atos Se voltarmos para os casos anteriores é possível observar o sistema COMPAS apenas como uma ferramenta que o Estado de Wisconsin estava utilizando para perpetuar ações reprováveis de cunho racial completamente intimidadoras com a população negra ou o sistema era utilizado como uma ferramenta para que o Estado de Wisconsin estabelecesse o grau de periculosidade para os processados criminalmente Na realidade as informações geradas pelas máquinas acabam por perpetuar discriminações de cunho racial Já no caso do Twitte seria possível responsabilizar a plataforma pela base de dados completamente enviesada mesmo que a base de dados tenha sido formada a partir das opções de parte da população norteamericana Neste caso ainda é cabível observar que um sistema operacional atribui somente aquilo que foi determinado na sua base de dados Se falamos para uma máquina otimizar a entrada e a permanência de usuários em uma rede como é possível culpabilizar a máquina por maximizar o que os usuários apreciam e afastar ou obscurecer o que os usuários desgostam Nesse ponto podese analisar a melhor alternativa para respostas a partir da averiguação sobre o limite do risco267 entre uma máquina e um indivíduo entre um criador e a sua criação entre um autor e sua obra ou entre um cientista e a sua criação268 267 Risco pode ser entendido como aquilo que se aproxima do que é terrível ou em uma abordagem existencialista podemos entender risco como uma indeterminação efetiva RISCO gr KÍVSUVOÇ in Risk fr Risque ai Wcigniss Cjedhr it Rischio Aristóteles considerava o R como o aproximarse daquilo que é terrível Rei II 5 1382 a 33 existencialismo contemporâneo A pretensão implícita na decisão baseiase numa indeterminação efetiva ou seja na possibilidade de que as coisas se passem de maneira diferente daquilo que eu decido mas também se baseia no fato de eu que decido assumir esse R bem como na consideração de todas as possíveis garantias que eu possa obter ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins fontes 2007 p 859 268 CASTRO Ruy Frankenstein Uma história de Mary Shelley 32 Reimpr São Paulo Companhia das Letras 2014 Título original Franknstein or the modern Prometheus Esse pequeno conto demonstra o remorso e o arrependimento que o Dr Franknstein tem pela sua criação que apesar de ter sido um grande sucesso se 99 Apesar do tema já estar sendo tratado nos meios literários há muito tempo o meio jurídico ainda procura encontrar qual a melhor alternativa para abordar essas questões269 Em 2018 o Parlamento Europeu comunicou a imprensa que estaria chamando os melhores especialistas para tratar sobre o tema de IA270 Em 2021 o parlamento da União Europeia delimitou os limites a partir dos riscos271 advindos da utilização das IAs Niklas Luhmann explica que muitos delimitam a noção de risco a partir da impossibilidade de chegar à seguridade absoluta que está amparada no desejo que cientistas têm de encontrar a seguridade com a precisão numérica O sociólogo da teoria dos sistemas sociais estabelece o conceito de risco na distinção entre risco e perigo o que sugere a incerteza quanto aos danos futuros O dano provável é consequência da ação e está pressuposto na consciência deste dano O perigo é o dano atribuído a causas externas que fogem ao controle O conceito de atribuição é utilizado como uma observação de como acontece a atribuição do risco o qual inclui a contingência Assim é impossível pensar em uma conduta isenta do risco pois as tecnologias de informações272 não garantem que se pode os danos273 Recentemente a União Europeia baixou um regulamento com o chamado pacote de riscos com quatro classificações o risco inaceitável o risco elevado o risco limitado e risco mínimo Em janeiro de 2024 chegou um pacote de inovação no domínio da IA para apoiar as empresas em fase de arranque e os domínios da inteligência artificial Risco Inaceitável mostrou um monstro que destruiu todas as suas expectativas Disponível em httpswwwcompanhiadasletrascombrtrechos10479pdf Acesso em 15 maio 2024 269 Para a ONU já é um consenso que a humanidade deve dominar não ser dominada pelas máquinas Inteligências Artificiais como está no site oficial httpsnewsunorgptstory2024031829446 270 Site oficial com um pequeno fluxo de tempo do ocorrido até chegar nas diretrizes europeias httpsdigital strategyeceuropaeuptpolicieseuropeanapproachartificialintelligence 271 Site oficial da União europeia sobre o tema TEMAS PARLAMENTO EUROPEU Lei da EU sobre IA primeira regulamentação de inteligência artificial Disponível em httpswwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20230601STO93804leidauesobreiaprimeira regulamentacaodeinteligenciaartificial Acesso em 08 ago 2024 272 Luhmann explica que vivemos em uma sociedade de risco pelo avanço das novas tecnologias e a relação que estabelecemos com essas tecnologias LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p131132 273 LUHMANN Niklas Sociología del Riesgo 3 ed México Universidad Iberoamericana 2006 p3640 100 Os sistemas de IA de risco inaceitável são sistemas categorizados como uma ameaça para as pessoas e devem ser proibidos Estes sistemas incluem as manipulação cognitivocomportamental de pessoas ou grupos vulneráveis específicos A título de exemplo é possível citar os brinquedos ativados por voz que incentivam comportamentos perigosos nas crianças ou seja algum brinquedo que possa incitar algum comportamento indesejado em uma criança que tenha algum tipo de ativação por voz Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é a pontuação social que pode ser entendido como classificação de pessoas com base no comportamento estatuto socioeconómico caraterísticas pessoais Como exemplo podese citar um aplicativo que separa as pessoas pelas suas condições monetárias ou classe econômica Outro risco que ainda está categorizado como inaceitável é o policiamento preditivo ou seja a utilização da IA como ferramenta de prática da segurança pública que utiliza dados estatísticos de séries temporais para criação de algoritmos e modelos de predição A identificação biométrica é outro risco com a categorização de pessoas singulares ou seja traçar um mapa biométrico através de características singulares de um determinado indivíduo Neste caso se uma característica de um determinado indivíduo chama atenção a inteligência artificial não pode traçar as características biométricas para categorizar essa pessoa nem identificar Por fim ainda nesses sistemas de riscos inaceitáveis temos o sistema de identificação biométrica em tempo real e a distância através de um sistema de reconhecimento facial por exemplo um sistema que reconhece em tempo real os traços biométricos de um determinado indivíduo esse sistema representa um potencial risco constante para o monitoramento de qualquer indivíduo Esse sistema em tempo real possui exceções para fins de aplicações O regulamento determina que serão permitidos num número limitado de casos considerados graves enquanto os sistemas de pós identificação biométrica à distância em que a identificação ocorre após um atraso significativo só serão permitidos para repressão de crimes graves e após a aprovação de um tribunal competente O exemplo a mais claro para esse caso é um sistema carcerário que busca respeitar a integridade dos seus detentos e mesmo assim busca um monitoramento 101 Risco elevado Os riscos elevados são os sistemas de IA que afetam de forma negativa a segurança e os direitos fundamentais e são divididos em duas categorias 1 Sistemas de IA que são utilizados em produtos abrangidos pela legislação da União Europeia em matéria de segurança dos produtos Isto inclui brinquedos aviação automóveis dispositivos médicos e elevadores 2 Sistemas de IA que se enquadram em áreas específicas que terão de ser registados numa base de dados da União Europeia como exemplo gestão e funcionamento de infraestruturas essenciais educação e formação profissional emprego gestão dos trabalhadores e acesso ao trabalho por conta própria acesso e usufruto de serviços privados essenciais e de serviços e benefícios públicos aplicação da lei gestão da migração do asilo e do controlo das fronteiras assistência na interpretação jurídica e na aplicação da lei O regulamento ainda aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados tanto antes de serem colocados no mercado como durante todo o seu ciclo de vida Ainda dobre os riscos o regulamento estabelece o que seria uma IA Geral ou generativa Inteligência artificial geral e generativa A IA generativa tal como o famoso ChatGPT deve cumprir os seguintes requisitos de transparência divulgar que o conteúdo foi gerado pela IA conceber o modelo para evitar que este gere conteúdos ilegais publicar resumos dos dados protegidos por direitos de autor utilizados para a formação O regulamento aponta que todos os sistemas de IA de risco elevado deverão ser avaliados antes de serem colocados no mercado e durante todo o seu ciclo de vida 102 Ainda existem os modelos de IA de uso geral de maior impacto que podem representar um alto risco ou um risco sistémico como o modelo de GPT4 pois seus avanços e limitações ainda não foram conhecidos completamente por se tratar de tecnologias extremamente novas e de ponta Por esse motivo esses modelos deveriam ser submetidos a avaliações exaustivas e serem comunicadas as ocorrências de quaisquer incidentes graves às comissões competentes Risco limitado Os sistemas de inteligência artificial de risco limitado devem cumprir requisitos mínimos de transparência que permitam aos usuários tomarem decisões informadas ou seja os próprios usuários podem ter controle sobre a sua utilização e as divulgações de seus dados e depois de interagir com as aplicações o usuário humano pode decidir se quer continuar a utilizálas Nestes casos os usuários devem ser alertados para o fato de estarem a interagir com a IA Isto diz respeito também aos sistemas de IA que geram ou manipulam conteúdos de imagem áudio ou vídeo por exemplo os deepfakes Risco mínimo ou nulo A maioria dos sistemas de IA não acarreta riscos e portanto não são regulamentados nem afetados pelo Regulamento Inteligência Artificial da União Europeia São exemplos os jogos de vídeo com IA ou os filtros de spam Vale destacar o regulamento europeia não procurou estabelecer diretrizes normativas leis abertas como na ficção de Eu Robô as leis da robótica mas sim estabelecer proibições e interdições sobre os riscos inaceitáveis bem como estabelecer os limites aos riscos elevados e limitados permitindo os riscos mínimos ou nulos 512 A regulamentação brasileira No mais podemos observar como a legislação brasileira se comporta e como já fora observado o Brasil inicia o debate sobre a produção de uma lei no que tange assegurar um ambiente seguro para o convívio com a IA Dentre as 103 propostas destacamse dois projetos de lei o PL 7592023274 e o PL 23382023275 O primeiro projeto é de autoria da Câmara dos deputados e o segundo do Senado Ambos os projetos se assemelham bastante no que diz respeito as normas propostas Destacamse alguns artigos e partes do texto de ambas as propostas em especial da proposta de lei do Senado Federal De início cumpre explicar que enquanto a proposta do Senado está alicerçada na questão do risco a proposta da câmara dos deputados fixa no estabelecimento de diretrizes O projeto da Câmara possui sete artigos e o artigo 1º determina Art 1º Esta Lei dispõe sobre a Inteligência Artificial estabelece parâmetros para sua área de atuação cria segurança jurídica para o investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços visando a inovação criação de robôs máquinas e equipamentos que utilizem a Inteligência Artificial nos limites da ética e dos Direitos Humanos Neste projeto há a intenção de criar diretrizes normativas para impor as máquinas quais são os limites de suas ações colocando comandos e diretrizes para guiar a própria existência da inteligência artificial Art 4º As soluções programas e projetos da Inteligência Artificial devem atender II essas soluções não podem ferir seres humanos e nem serem utilizadas em destruição em massa ou como armas de guerra ou defesa III os Robôs e equipamentos derivados da Inteligência Artificial devem cumprir protocolos de Direitos Internacionais de proteção à vida e aos Direitos Humanos Os incisos destacados se assemelham muito com as duas primeiras leis da robótica propostas por Asimov em 1950 um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal os robôs devem obedecer às ordens dos humanos exceto nos casos em que essas ordens entrem em conflito com a primeira lei276 Aqui há os limites do direito e da ficção da realidade e da literatura No projeto do Senado a figura humana aparece como objeto central de direitos que devem ser protegidos por aqueles afetados pela IA277 274 Integra do projeto de lei Disponível em httpswwwcamaralegbrproposicoesWebpropmostrarintegra codteor2238606filenamePL207592023 Acesso em 10 maio 2024 275 Integra do projeto de lei Disponível em httpslegissenadolegbrsdleggetterdocumento dm9347622ts1702407086098dispositioninlinegl11om5gnigaNjY5Njc0MjA3LjE3MDcxNzI4N TMgaCW3ZH25XMKMTcwNzczOTEyOS4yLjAuMTcwNzczOTEyOS4wLjAuMA Acesso em 10 maio 2024 276 Segundo Kelsen o direito é uma ordem coativa 277 Interessante colocar a figura humana no cerne do projeto de lei pois até o presente momento não houve consenso nem tentativa eficaz de tornar a figura de uma IA como possuidora de direitos o que ainda levantou a 104 Art 5º Pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm os seguintes direitos a serem exercidos na forma e nas condições descritas neste Capítulo I direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial II direito à explicação sobre a decisão recomendação ou previsão tomada por sistemas de inteligência artificial III direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado IV direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de inteligência artificial levandose em conta o contexto e o estado da arte do desenvolvimento tecnológico V direito à nãodiscriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos indiretos ilegais ou abusivos e VI direito à privacidade e à proteção de dados pessoais nos termos da legislação pertinente Parágrafo único Os agentes de inteligência artificial informarão de forma clara e facilmente acessível os procedimentos necessários para o exercício dos direitos descritos no caput Vale destacar que os parágrafos grifados demonstram a necessidade de as operações da IA serem transparentes em especial o inciso IV que determina o direito de um indivíduo interagir com uma IA e participar do processo decisórios Também se destaca a questão da supervisão de um humano sobre as decisões tomadas pelas máquinas ou seja qualquer ação tomada por uma IA deve ser supervisionada por um humano ou no mínimo poder ser substituída pela decisão do humano278 Há uma tentativa de prever o comportamento de uma IA ou no mínimo encontrar meios para entender os parâmetros que levaram a um resultado Isto fica nítido no art 8º inciso I da mesma lei A problemática é a improvável realização de previsão dos resultados de uma máquina apenas pelos bancos de dados e seu programa de auto criação O problema de alinhamento também é de difícil superação279 questão da proteção de obras publicadas por uma IA como por exemplo uma imagem ou um texto FARIA Victor Meireles Inteligência artificial e direitos autorais Disponível em httpswwwconjurcombr2023 abr27victorfariainteligenciaartificialdireitosautorais Acesso em 08 ago 2024 278 Ainda sobre esse tema cabe destacar o Artigo 8º da mesma lei Art 8º A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial poderá solicitar explicação sobre a decisão previsão ou recomendação com informações a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados assim como sobre os principais fatores que afetam tal previsão ou decisão específica incluindo informações sobre I a racionalidade e a lógica do sistema o significado e as consequências previstas de tal decisão para a pessoa afetada II o grau e o nível de contribuição do sistema de inteligência artificial para a tomada de decisões III os dados processados e a sua fonte os critérios para a tomada de decisão e quando apropriado a sua ponderação aplicados à situação da pessoa afetada IV os mecanismos por meio dos quais a pessoa pode contestar a decisão e V a possibilidade de solicitar intervenção humana nos termos desta Lei Parágrafo único As informações mencionadas no caput serão fornecidas por procedimento gratuito e facilitado em linguagem que permita que a pessoa compreenda o resultado da decisão ou previsão em questão no prazo de até quinze dias a contar da solicitação permitida a prorrogação uma vez por igual período a depender da complexidade do caso 279 Essa ideia fica mais clara no Art 9º da mesma lei A pessoa afetada por sistema de inteligência artificial terá o direito de contestar e de solicitar a revisão de decisões recomendações ou previsões geradas por tal sistema que produzam efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa seus interesses 105 O projeto optar pelo mesmo caminho da regulamentação da União Europeia quanto aos riscos CAPÍTULO III DA CATEGORIZAÇÃO DOS RISCOS Seção I Avaliação preliminar Art 13 Previamente a sua colocação no mercado ou utilização em serviço todo sistema de inteligência artificial passará por avaliação preliminar realizada pelo fornecedor para classificação de seu grau de risco cujo registro considerará os critérios previstos neste capítulo Neste ponto toda IA antes de adentrar ao mercado deve passar por uma categorização de riscos e se submeter a critérios de enquadramento antes de sua aprovação É clara a similaridade entre as categorizações do projeto de lei brasileiro e o regulamento da União Europeia Como no regulamento da União Europeia os riscos excessivos serão vedados de serem utilizados Art 14 São vedadas a implementação e o uso de sistemas de inteligência artificial I que empreguem técnicas subliminares que tenham por objetivo ou por efeito induzir a pessoa natural a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei II que explorem quaisquer vulnerabilidades de grupos específicos de pessoas naturais tais como as associadas a sua idade ou deficiência física ou mental de modo a induzilas a se comportar de forma prejudicial a sua saúde ou segurança ou contra os fundamentos desta Lei III pelo poder público para avaliar classificar ou ranquear as pessoas naturais com base no seu comportamento social ou em atributos da sua personalidade por meio de pontuação universal para o acesso a bens e serviços e políticas públicas de forma ilegítima ou desproporcional 280 Art 15 No âmbito de atividades de segurança pública somente é permitido o uso de sistemas de identificação biométrica à distância de forma contínua em espaços acessíveis ao público quando houver previsão em lei federal específica e autorização judicial em conexão com a atividade de persecução penal individualizada nos seguintes casos I persecução de crimes passíveis de pena máxima de reclusão superior a dois anos II busca de vítimas de crimes ou pessoas desaparecidas ou III crime em flagrante Apesar de possuírem exceções do artigo 15 é muito claro que projeto de lei restringe a utilização de identificação biométrica à distância281 O artigo Art 17 dispõe sobre os riscos282 Assim Alto Risco Art 17 São considerados sistemas de inteligência artificial de alto risco aqueles utilizados para as seguintes finalidades II educação e formação profissional incluindo sistemas de determinação de acesso a instituições de ensino ou de formação profissional ou para avaliação e monitoramento de estudantes IV avaliação de critérios de acesso elegibilidade concessão revisão redução ou revogação de serviços privados e públicos que sejam considerados essenciais incluindo sistemas 280 Neste ponto é clara a tentativa de evitar discriminação por parte dos operadores da Inteligência Artificial 281 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 282 Destacase o Art 16 da mesma lei Art 16 Caberá à autoridade competente regulamentar os sistemas de inteligência artificial de risco excessivo 106 utilizados para avaliar a elegibilidade de pessoas naturais quanto a prestações de serviços públicos de assistência e de seguridade V avaliação da capacidade de endividamento das pessoas naturais ou estabelecimento de sua classificação de créditoVII administração da justiça incluindo sistemas que auxiliem autoridades judiciárias na investigação dos fatos e na aplicação da lei VIII veículos autônomos quando seu uso puder gerar riscos à integridade física de pessoas XI investigação criminal e segurança pública em especial para avaliações individuais de riscos pelas autoridades competentes a fim de determinar o risco de uma pessoa cometer infrações ou de reincidir ou o risco para potenciais vítimas de infrações penais ou para avaliar os traços de personalidade e as características ou o comportamento criminal passado de pessoas singulares ou grupos O inciso II do referido artigo pode vedar experimentos como o ocorrido em uma universidade de Portugal onde tentaram implantar uma Inteligência Artificial dentro de um ambiente escolar com o intuito de desenvolver empatia tanto por parte da IA quanto por parte dos indivíduos que participaram do experimento283 Em um cenário hipotético se essa lei fosse aprovada no Brasil o experimento português em ambiente escolar que supostamente deveria demonstrar empatia poderia ser categorizada como uma IA de alto risco e interditado Os incisos IV V e VIII podem ser enquadrados em um cenário nem tão hipotético No Brasil já existem sistemas de monitoramento constantemente utilizados pelo poder público Na cidade de Pindamonhangaba por exemplo existe um sistema de monitoramento que ao que tudo indica é programado através de Inteligência Artificial para o monitoramento de carros e indivíduos considerados suspeitos para a instituição governamental Segundo o site oficial284 Novas funcionalidades de inteligência irão proporcionar Análise comportamental e individual de cada veículo baseandose nas informações coletadas pelo sistema Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em furto ou roubo de veículos por meio da análise da circulação dos veículos Detecção de veículos suspeitos de envolvimento em atividades delituosas por meio da análise de presença nas áreas monitoradas Capacidade de relacionar a circulação conjunta de veículos com objetivo de identificação de membros do crime organizado 285 283 NEVES Céu Patrão CARVALHO Maria GRAÇA Maria Ética aplicada Novas Tecnologias 1 ed PortugalLisboa Lamedina SA 2018 p180181 284 Site oficial do município httpspindamonhangabaspgovbrinteligenciaartificialnomonitoramento 285 A semelhança no caso de State v Loomis chama muito a atenção nesse exemplo para melhor referência e resumo MANTOVANI Otávio Augusto Silva RESENDE Ana Paula Bougleux Andrade Inteligência artificial e direito penal análise do caso State v Loomis à luz dos princípios do dever de fundamentação e individualização das decisões judiciais Academia 2021 Disponível em httpswwwacademiaedu66464899INTELIGC38ANCIAARTIFICIALEDIREITOPENALan C3A1lisedocasoStatevLoomisC3A0luzdosprincC3ADpiosdodeverdefundamenta C3A7C3A3oeindividualizaC3A7C3A3odasdecisC3B5esjudiciais Acesso em 15 set 2024 107 Capacidade de apontar os prováveis suspeitos de cometimento de crimes especializados como assalto a instituição financeira Os incisos VII e XI é o caso de diversas autoridades estatais que estão utilizando os sistemas de reconhecimento na administração da justiça286 tais como o caso COMPAS ou em alguns casos europeus287 Vale destacar o questionamento que surge da omissão das respectivas casas legislativas responsáveis tanto em âmbito federal quanto os demais entes da federação em legislar sobre uma vez que controle de constitucionalidade deve ter como objetivo proteger direitos dos indivíduos que vivem em uma sociedade288 antes que decorra alguma irregularidade ou alguma supressão de direitos Os casos mais simples talvez sejam os que discutem no ambiente da justiça uma vez há substituição de indivíduos por máquinas289 Mas a questão se expande se observarmos como esse ambiente carece de uma regulamentação e avança em todo mundo sobrepujando direitos como proteção aos dados pessoais monitoramento acesso a bens de consumo direitos transindividuais de locomoção e afins Por fim em relação a governança a União os Estados e o Município devem adotar medidas para regular a utilização da Inteligência Artificial dentro do território nacional CAPÍTULO IV DA GOVERNANÇA DOS SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL Seção I Disposições Gerais Art 19 Os agentes de inteligência artificial estabelecerão estruturas de governança e processos internos aptos a garantir a segurança dos sistemas e o atendimento dos 286 Esse ato de utilizar sistemas de monitoramento em outros países no auxilio da administração da justiça é um pouco estranho ao nosso ordenamento pois a presença de um advogado deveria ser fator obrigatório segundo a nossa Carta Magna Seção III Da Advocacia e da Defensoria Pública Art 133 O advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei TACITO Caio Constituição Federal 1988 3 ed Brasília Senado Federal Secretaria Especial de Editoração e Publicações Subsecretaria de Edições Técnicas 2012 v VII p120 Disponível em httpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid139952ConstituicoesBrasileirasv71988pdf sequence10 Acesso em 10 set 2024 Resta o questionamento se a presença do advogado seria colocada durante alguma investigação ou se os advogados teriam algum tipo de acesso ao órgão público ou privado competente para auxiliar na administração da justiça ou interesse do investigado ou monitorado 287 Vide casos europeus que estão sendo discutidos sobre a utilização dessas tecnologias httpsnoticiasuolcombrultimasnoticiasrfi20231025noreinounidousodeinteligenciaartificialpelo servicopublicolevantaquestionamentoshtm 288 Para melhor elucidar é mister salientar a colocação do atual Ministro do Pretório Excelso que delimita que o controle preventivo não é meio de declarar nulidades por excelência mas visa impedir que um ato inconstitucional entre em vigor BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 p 04 289 Notícia de um suposto Robô advogado que opera por intermédio de uma Inteligência Artificial httpswwwstartsecomartigosprimeiroroboadvogadopais 108 direitos de pessoas afetadas nos termos previstos no Capítulo II desta Lei e da legislação pertinente Seção II Medidas de Governança para Sistemas de Inteligência Artificial de Alto Risco Art 20 Além das medidas indicadas no art 19 os agentes de inteligência artificial que forneçam ou operem sistemas de alto risco adotarão as seguintes medidas de governança e processos internos Seção III Avaliação de Impacto Algorítmico Art 22 A avaliação de impacto algorítmico de sistemas de inteligência artificial é obrigação dos agentes de inteligência artificial sempre que o sistema for considerado como de alto risco pela avaliação preliminar Parágrafo único A autoridade competente será notificada sobre o sistema de alto risco mediante o compartilhamento das avaliações preliminar e de impacto algorítmico DA RESPONSABILIDADE CIVIL Art 27 O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial moral individual ou coletivo é obrigado a reparálo integralmente independentemente do grau de autonomia do sistema CAPÍTULO VI CÓDIGOS DE BOAS PRÁTICAS E DE GOVERNANÇA Art 30 Os agentes de inteligência artificial poderão individualmente ou por meio de associações formular códigos de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização o regime de funcionamento os procedimentos inclusive sobre reclamações das pessoas afetadas as normas de segurança os padrões técnicos as obrigações específicas para cada contexto de implementação as ações educativas os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e as medidas de segurança técnicas e organizacionais apropriadas para a gestão dos riscos decorrentes da aplicação dos sistemas CAPÍTULO VIII DA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO Seção I Da Autoridade Competente Art 32 O Poder Executivo designará autoridade competente para zelar pela implementação e fiscalização da presente Lei Por fim é cabível destacar as sanções Art 36 Os agentes de inteligência artificial em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade competente I advertência II multa simples limitada no total a R 5000000000 cinquenta milhões de reais por infração sendo no caso de pessoa jurídica de direito privado de até 2 dois por cento de seu faturamento de seu grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício excluídos os tributos III publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência IV proibição ou restrição para participar de regime de sandbox regulatório previsto nesta Lei por até cinco anos V suspensão parcial ou total temporária ou definitiva do desenvolvimento fornecimento ou operação do sistema de inteligência artificial e VI proibição de tratamento de determinadas bases de dados 1º As sanções serão aplicadas após procedimento administrativo que possibilite a oportunidade da ampla defesa de forma gradativa isolada ou cumulativa de acordo com as peculiaridades do caso concreto e considerados os seguintes parâmetros e critérios I a gravidade e a natureza das infrações e a eventual violação de direitos II a boafé do infrator III a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator IV a condição econômica do infrator V a reincidência VI o grau do dano VII a cooperação do infrator VIII a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar riscos inclusive a análise de impacto 109 algorítmico e efetiva implementação de código de ética IX a adoção de política de boas práticas e governança X a pronta adoção de medidas corretivas XI a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção e XII a cumulação com outras sanções administrativas eventualmente já aplicadas em definitivo para o mesmo ato ilícito 52 A Máquina e a Entropia Decerto a incerteza290 não é um conceito novo para a robótica Há tempos os físicos e matemáticos trabalham a entropia291 dentro do ambiente científico292 Um dos primeiros a expandir esse conceito para outras áreas do conhecimento além de apresentar com uma nova interpretação foi o físico Werner Heisenberg que ganhou o Prêmio Nobel em 1932 pela apresentação do que ficaria conhecido como o princípio da incerteza293 Com o passar do tempo a entropia abriu espaço para que dentro da robótica ocorressem a construção de novos conceitos como a imprevisibilidade da máquina A imprevisibilidade foi tomando forma e hoje não é tão nítido qual a capacidade de uma máquina de responder uma questão com previsibilidade A imprevisibilidade das máquinas não ocorreu apenas pela entropia ou a incerteza sobre como determinados algoritmos irão se comportar A imprevisibilidade pode ter ocorrido pela falta de conhecimento que temos sobre conceitos a aplicações Mas essa é apenas uma faceta As Big Techs detêm a tecnologia e não 290 A incerteza pode ser entendida como algo que não está certo dúvida hesitação HOUAISS Antônio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Moderna 2009 p 1063 291 Entropia chamou sempre a atenção dos filósofos porque estabeleceu em nível científico a irreversibilidade dos fenômenos naturais De fato para a mecânica clássica ou newtoniana todos os fenômenos são reversíveis para eles o tempo pode transcorrer indiferentemente em uma ou outra direção do passado para o futuro ou do futuro para o passado O t das equações que exprimem o comportamento dos fenômenos mecânicos é uma variável contínua que não tem sentido determinado O princípio da E ao contrário estabelece um sentido para os fenômenos qual seja a sua irreversibilidade no tempo ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 335 292 O termo foi popularizado pelo cientista CLAUSIUS R The Mechanical Theory of Heat with its Applications to the SteamEngine and to the Physical Properties of Bodies Taylor And Francis Red Lion Court Fleet Street 1865 Apesar das suas aplicações posteriores dentro da filosofia o termo foi utilizado para se referir a alta temperatura de um motor para desempenhar uma determinada função e o baixo rendimento O cientista apontava que esse descompasso como entropia uma vez que a incongruência de um motor para executar uma determinada função não deveria ocorrer para a física da época Resumo da Unicamp CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 2 p 181192 2005 Disponível em httpswwwprpunicampbrpibiccongressosxxicongressopaineis135644pdf Acesso em 01 set 2024 293 O princípio da incerteza proposto por Heisenberg assume a incerteza sobre algumas partículas em determinadas situações conceito que seria de extrema importância para o entendimento da física quântica ou física não newtoniana Breve síntese histórica CHIBENI Silvio Seno Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg Revista Brasileira de Ensino de Física v 27 n 2 p 181192 2005 Disponível em wwwsbfisicaorgbr Ou httpswwwunicampbrchibenipublicheisenbergpdf Acesso em 15 fev 2024 110 há como entender e compreender como as máquinas chegam aos seus resultados Se escrevemos no Google ou no WhatsApp alguma palavra é muito comum que ele complete a palavra antes de terminarmos Mas a incerteza do resultado nesse caso não recai sobre a máquina e sim pela falta de conhecimento sobre os componentes que levam a máquina a supor aquele resultado 294 Quando falamos sobre desenvolvimento das Inteligências Artificiais há o costume de posicionamento sobre o futuro ou se observa qual seria o potencial que essas tecnologias alcançariam Contudo em realidade as máquinas só funcionam com base em dados datas que colocamos sobre esses algoritmos Neste sentido a direção é errada quando se tenta fazer a previsão do resultado dos dados de uma IA pois a máquina sempre será ditada pela fonte de dados que se imputa nela295 Em suma devemos colocar nossa busca no passado e no meio que uma determinada tecnologia será inserida para depois conseguirmos entender os resultados Existem diversos casos que demonstram como os algoritmos de uma máquina podem ser nocivos a ponto de realmente causar mal para uma sociedade296 Esses casos muitas vezes podem estar no limite da ficção mas estão tão inseridos em nossa sociedade quanto possível297 Da mesma forma ainda existem os que buscam trazer transparência para esses conglomerados de informações298 A observação dos efeitos que o meio pode exercer sobre a máquina pode fazer com que apreendam as extensões dos resultados299 Aqui estão as situações conflituosas decorrentes da utilização da Inteligência artificial com a questão da discriminação e da vigilância Na questão da vigilância é comum a utilização da 294 BUCCI Eugênio Incerteza um ensaio Como pensamos a ideia que nos desorienta e orienta o mundo digital 1 ed Belo Horizonte MG Autêntica 2023 p 19 55 295 Documentário Netflix Coded Bias personagem principal afirma que a Ias são pautadas pelo conjunto de datas nos seus algoritmos 296 Weapons of Math Destruction How Big Data Increases Inequality and Threatens Democracy 297 Caso em que a polícia da Inglaterra usava a reconhecimento facial para identificar e armazenar dados de indivíduos Disponível em httpswwwwiredcoukarticleukpolicefacerecognitionexpansion Acesso em 07 mar 2024 298 Empresa inglesa que luta contra a fiscalização e armazenamento virtual por meio de uma de uma IA de dados pessoais de determinados indivíduos Disponível em httpsbigbrotherwatchorguk Os mesmos dados coletados no índice passado Acesso em 15 maio 2024 299 Em 2016 a Microsoft tentou lançar uma IA com intuito de absorver informações do meio e tentar desenvolver uma persona com base nessa absorção O experimento denominado como Tay foi um fracasso pois os internautas da rede social Twitter Influenciaram fortemente na base de dados dessa IA o que produziu uma série de comentários antissemitas racistas e afins Como resultados a Microsoft veio a público e pediu desculpas formalmente pelo ocorrido anunciando o encerramento da Tay Disponível em httpsblogsmicrosoftcomblog20160325learningtaysintroduction Acesso em 25 ago 2024 111 Inteligência Artificial pelo sistema estatal para monitorar classificar e restringir direitos da população Em meados de 2014 a China implantou um sistema de monitoramento constante através de câmeras de segurança drones e afins com o intuito de monitorar a sua população Não se sabe quando o sistema passou a ranquear as pessoas ou se o plano original era realizar esse ranque para controlar os civis de um país Mas a realidade é que em 2019 a China começou a limitar a movimentação de alguns cidadãos através de um ranque social300 segundo a imprensa Em verdade não é claro se é o próprio sistema de monitoramento chinês que realiza o ranqueamento da população ou se existe alguma agência governamental operada por pessoas que utilizam as gravações e ações da população para realizar esse ranqueamento É claro que o monitoramento 24hrs e o armazenamento das pastas para permitir ou impedir o transporte e acesso a bens de consumo é realizado por uma IA uma vez que seria humanamente impossível monitorar toda uma população dessa maneira as 24 horas por dia e os 7 dias da semana O caso também lembra a ficção uma vez que imaginar que um Estado observaria as ações de sua população com o intuito de controlar as condutas tomadas pelos seus indivíduos parece um enredo que saiu da ficção científica de um livro do Jorge Orwell 1984 A realidade é um pouco mais complicada pois ao contrário da narrativa apresentada pelo célebre autor em que os detalhes dos meios pelo qual as tecnologias funcionam no mundo ficcional são descritos pelo narrador e assim percebidos pelo leitor o regime chinês não apresenta nenhuma transparência301de como essas tecnologias funcionam Fato que contribui para um 300 Notícia da BBC que explica o funcionamento do ranque social da China THE CURRENT How Chinas social credit system blocked millions of people from travelling Disponível em httpswwwcbccaradiothecurrentthecurrentformarch7201915046443howchinassocialcreditsystem blockedmillionsofpeoplefromtravelling15046445 Acesso em 08 ago 2024 301 Destacase que o emprego da palavra transparência é no sentido do direito do cidadão frente ao Estado ou como destacado Para nós a transparência no sentido estrito do direito público deve ser entendida como uma qualidade um atributo de permeabilidade das ações do governo a partir da disponibilização do acesso às informações acauteladas pelo Estado possibilitando a interferência do cidadão nas tomadas de decisão que devem ser devidamente motivadas para possibilitar o mais amplo controle tanto interno quanto externo das ações do administrador público assim como o inafastável controle judicial e o controle social que poderá refletirse ulteriormente nas escolhas democráticas e republicanas da população E através da transparência que o cidadão deixa de ser um mero espectador do agir estatal e passa a exercer efetivamente a democracia participativa ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 p 39 111 112 clima de vigilância constante e não conhecimento das extensões do poder do governo chinês sobre a vida da população civil Nesse sentido não há outro país no mundo que tenha realizado as ações que o governo chinês realizou e por esse motivo não há perspectiva ou comparação com nenhum outro país para podermos vislumbrar as extensões do poder do governo chinês sobre a sua população o que torna a ficção científica o alicerce mais palpável da realidade do governo chinês Esse é um caso de desencanto quando não encontramos casos reais que aproximem o que está na nossa realidade com nenhum outro exemplo e a saída mais próxima é a literatura O caso do governo chinês se aproxima mais de uma distopia302 do que qualquer outro exemplo poderia fazer uma vez que não aproxima de um lugar imaginário Fictício como fez Thomas more em sua obra303 E sim traz a realidade tão latente e atual que a única aproximação que temos é recorrer ao gênero que chamamos de ficção científica 53 Desencanto em desenvolvimento EM desenvolvimento O desencanto pode ser entendido como a substituição da figura do homem como a persona central do meio que o cerca com o de uma ferramenta no caso a utilização das IAs O que Weber apontava como o desencanto do mundo pela substituição da figura divina com a figura do Homem pode estar acontecendo novamente com as novas tecnologias e meios Irei desenvolver o tema com base nos marcos teóricos Marx Weber e na obra de Jaques Ellul 302 Aqui a utilização do termo Distopia é para enquadrar o completo oposto de uma utopia quem vem a ser um termo utilizado no meio literário para descrever lugares inexistentes e que se aproximam da perfeição UTOPIA lat Utopia in Utopia fr Utopie ai Utopie it Utopia Thomas More deu esse nome a uma espécie de romance filosófico De optimo reípublicaestatu deque nova insula Utopia 1516 no qual relatava as condições de vida numa ilha desconhecida denominada U nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa Depois disso esse termo passou a designar não só qualquer tentativa análoga tanto anterior quanto posterior como a República de Platão ou a Cidade do Sol de Campanella mas também qualquer ideal político social ou religioso de realização difícil ou impossível Como gênero literário U extrapola a consideração filosófica aqui só observaremos que ela foi e ainda é muito divulgada sendo adaptada até para romances de ficção científica Cabe à filosofia avaliar a U tanto a expressa em forma de romance quanto a expressa em forma de mito ou ideologia etc ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 p 987 303 Por volta das páginas 61 e 62 Thomas More começa a descrever a ilha que ganharia a alcunha de Utopia MORE Thomas A Utopia São Paulo Editora Martin Claret Ltda 2013 p 6162 113 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS em construção REFERÊNCIAS ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 ACEVES Martha Elena Montemayor MORENO Manuel de J Jiménez El Otro Camino de la Justicia Estudios de Derecho y Literatura en la Antigüedad Clásica México Universidad Nacional Autónoma de México 2023 ACOSTA Alberto El Buen Vivir en el camino del postdesarrollo una lectura desde la Constitución de Montecristi Policy Paper Quito v 9 n 5 p 136 2010 p 18 ACOSTA Alberto Extractivismo y neoextractivismo dos caras de la misma maldición In LANG Miriam MOKRANI Dunia Org Más allá del desarrollo Quito Abya Yala 2013 p 118 ADEODATO João Maurício O esvaziamento do texto e o controle das decisões jurídicas Revista direito e práxis v 12 p 915944 2021 ADEODATO João Maurício Filosofia do direito São Paulo Saraiva Educação SA 1962 AGAMBEN Giorgio Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 p 54 ALBÓ Xavier Suma qamaña convivir bien Cómo medirlo Vivir bien Paradigma no capitalista La Paz p 133144 2011 p 133 ANDRIGHI Fátima Nancy Um Olhar Revisionista sobre a Legislação Infraconstitucional de Família Superior Tribunal de Justiça Doutrina Edição comemorativa 25 anos 2014 ARRUDA Carmen Silva Lima de O Princípio da Transparência Quartier Latin 2020 ASIMOV Isaac Eu Robô 1 ed São Paulo Editora Aleph 2014 Disponível em httpsasdocsnet4OGlzpdfviewer Acesso em 10 ago 2024 AZEREDO J C S Texto sentido e ensino de português In HENRIQUES Claudio Cezar SIMÕES Darcília Org Língua e cidadania novas perspectivas para o ensino 1 ed Rio de Janeiro Europa 2004 BAKHTIN Mikhail Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1979 BARROSO Luis Roberto Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro 6 ed Rio de Janeiro Saraiva 2012 114 BECKERS Anna TEUBNER Gunther Three Liability Regimes for Artificial Intelligence Algorithmic Actants Hybrids OxfordHart Publishing 2022 BIDERMAN Maria Tereza C Teoria linguística leitura e crítica 7 ed São Paulo Martins Fontes 2011 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem Jurídica Semiótica Discurso e Direito São Paulo Saraiva 2017 BITTAR Eduardo Carlos Bianca Linguagem jurídica semiótica discurso e direito São Paulo Saraiva Educação SA 2015 BLOOM Harold O Cânone OcidentalSão Paulo Companhias de Letras 2012p09 BOFF Leonardo O cuidado necessário na vida na saúde na educação na ecologia na ética e na espiritualidade Petrópolis Vozes 2015 p 107 BOLÍVIA Lei nº 071 de 21 de dezembro de 2010 Ley de Derechos de la Madre Tierra La Paz Gaceta Oficial del Estado Plurinacional de Bolivia 2010 art 3º BORTOLANZA Ana Maria Esteves COSTA Selma Aparecida Ferreira A linguagem escrita uma história de sua préhistória na infância Perspectiva v 34 n 3 p 928 947 2016 BRASIL Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Institui o Código de Processo Civil Código de Processo Civil CPC Brasília DF Senado Federal 2015 BRASIL Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 12 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