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Conteudista Prof Me Marcus Saldanha da Gama Guedes Nogueira Revisão Técnica Profª Dra Ana Barbara A Pederiva Revisão Textual Esp Laís Otero Fugaitti Objetivos da Unidade Estudar os textos historiográficos como documentos de pesquisa Discutir os documentos como fonte de pesquisa e circunscrição das fontes Refletir sobre o papel do historiador no processo de pesquisa Compreender a elaboração do texto historiográfico e os trabalhos de conclusão de curso Material Teórico Material Complementar Referências História e Pesquisa a Elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso Introdução Refletir sobre os textos historiográficos e como eles são confeccionados é tarefa fundamental para o historiador afinal os textos são o resultado das pesquisas históricas realizadas Sabemos que toda pesquisa deve se iniciar pela confecção de um projeto afinal ele será a bússola que guiará todos os passos da pesquisa Portanto nesta Unidade iremos conhecer a prática da pesquisa e a confecção de textos historiográficos destacando a elaboração de artigos científicos Vamos lá Pesquisa Básica em História Vamos começar a discutir esse importante tópico primeiramente com a justificativa de uma pesquisa De acordo com Leão 2016 quando iniciamos um projeto de pesquisa adentramos o campo do conhecimento específico pelo qual o pesquisador historiador buscará informações relevantes que preencherão o tema dando sentido e fundamento para a própria pesquisa Sendo assim ter uma justificativa plausível que explique as especificidades e as contribuições que serão relatadas ajudará muito na sua apresentação inicial e final Para dar sentido ao que estamos discutindo o primeiro ponto é diferenciar pesquisa básica de pesquisa aplicada pois esses dois tipos serão utilizados por você durante toda a sua vida acadêmica e até profissional A utilização do próprio termo pesquisa já nos dá uma dica do que estamos falando aqui Pesquisa vem do latim perquirere e quer dizer investigar com perseverança dando o entendimento de que o pesquisador Página 1 de 3 Material Teórico historiador deve sempre procurar o conhecimento Vamos também relacionar de que modo os dois tipos de pesquisa podem andar juntos Segundo Andrade 2017 a pesquisa básica que é extremamente usada por universidades do mundo todo também é conhecida como pesquisa pura e tem como principal objetivo semear conhecimento científico sem necessariamente ter uma aplicação prática Preocupada em aprofundarse sobre um conteúdo é feita com o intuito de ampliar o conhecimento a respeito de determinado assunto Tem como base a construção de teorias Ela não requer lucro e deve ser justificável do ponto de vista de suas razões ou seja para que serve O que será estudado e por quê Os resultados obtidos são difundidos para toda a comunidade isto é não são apenas armazenados no centro de estudos pelo qual a pesquisa se iniciou Já a pesquisa aplicada como o próprio nome diz tem a sua base de conhecimento gerada por meio do direcionamento de solução de problemas predefinidos anteriormente em relação aos seus custos e ao seu tempo Uma vez mencionados custos e tempo temos a relação de instituições financiadoras que procuram um benefício econômico e social voltadas para a aplicação imediata relacionada à realidade do mundo Muitas universidades ao redor do globo têm parcerias com a iniciativa privada que busca esses centros de excelência para adquirir mais informações sobre situações específicas Claro que por se tratar de financiamento essas pesquisas também têm diferentemente da pesquisa básica e pura uma preocupação com a relação custobenefício como forma de compensação eou investimento Veja no Quadro 1 mais diferenças entre pesquisa básica ou pura e pesquisa aplicada Quadro 1 Diferenças Entre Pesquisa Básica ou Pura e Pesquisa Aplicada Pesquisa Pura Pesquisa Aplicada Constrói novos conhecimentos por meio de Constrói novos conhecimentos por meio da Pesquisa Pura Pesquisa Aplicada teorias prática Amplia a teoria existente ou cria uma nova Cria um processo ou produto Não precisa solucionar um problema real ou social Encontra solução para um problema concreto Fonte adaptado de MORETTI 2022 Aí vem a pergunta já mencionada no caminho científico que estamos percorrendo podemos usar as duas Sim podemos Embora a pauta do tópico seja a pesquisa básica é fundamental que saibamos a diferença entre as duas pois ambos os tipos podem ser complementares e certamente irão ampliar e difundir o conhecimento sobre diversos temas e assuntos que fazem parte do passado do presente e do futuro Vale lembrar que não há impedimentos em uma pesquisa básica ou pura podendo proporcionar conhecimentos com a aplicação prática e uma pesquisa prática pode conduzir a descobertas científicas Agora que já sabemos a diferença entre pesquisa básica ou pura e pesquisa aplicada vamos entender a diferença entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa que podem e devem ser aplicadas à pesquisa básica de História nossa pauta inicial Já sabendo que nosso objetivo aqui é a pesquisa básica nosso próximo passo é definir se vamos utilizar a classificação qualitativa ou quantitativa Essa metodologia nos dará um direcionamento de como o pesquisador historiador irá se comportar durante sua pesquisa visando entender as causas envolvidas na abordagem do problema Para Lakatos e Marconi 2017 a pesquisa quantitativa é baseada em números que podem ser estruturados de formas estatísticas fazendo com que o pesquisador possa tirar conclusões gerais Ela funciona em forma de questionário de maneira fechada A pesquisa qualitativa tem como base coletar informações com a intenção de descrever investigações baseadas em impressões opiniões e pontos de vista Ela também funciona em forma de questionário mas de maneira aberta Veja no Quadro 2 mais características que marcam a distinção entre pesquisa quantitativa e qualitativa Quadro 2 Características que Marcam a Distinção entre Pesquisa Quantitativa e Pesquisa Qualitativa Dimensão Qualitativa Quantitativa Objetivo Compreender razões valores motivações e fenômenos Quantificar causas e determinar dados Abordagem Observacional Experimental Pressuposição básica Realidade construída a partir de fenômenos socialmente construídos Realidade construída a partir de dados mensuráveis Pesquisador Participante do fenômeno Neutro Amostra Pequena Grande Coleta de dados Não estruturada Estruturada Dimensão Qualitativa Quantitativa Análise de dados Análise subjetiva e interpretativa Análise estatística Resultado Compreensão inicial e baixa generalização Alto grau de generalização Como você pôde ver as diferenças entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa envolvem o quesito dimensão com o objetivo principal de distinguir ambas as qualificações relacionadas ao objetivo à abordagem à pressuposição básica ao papel do pesquisador e à amostra Essas diferenças nos ajudam a entender a funcionalidade da pesquisa relacionada ao fenômeno que se pretende estudar dando direcionamento ao investigador Porém elas ainda não param por aí Novamente podemos fazer o mesmo questionamento A pesquisa quantitativa e a qualitativa podem andar juntas Sim A relação entre as duas deve ser harmônica e complementar As informações numéricas baseadas na tabulação de dados estatísticos precisam do complemento de pessoas que abrem em muitos casos espaço para detalhes importantíssimos e que devem ser avaliados com extremo cuidado principalmente no caso da pesquisa básica de História em que os depoimentos funcionam como provas fundamentais dos momentos históricos vividos por pessoas em determinadas épocas além de relatos de estudiosos sobre os mais variados temas históricos pesquisados O Texto Historiográfico Conforme Rodrigues et al 2017 Historiografia é o estudo de como a História é escrita e como nossa compreensão histórica pode mudar de acordo com o tempo Para um primeiro entendimento é preciso diferenciar Historiografia e História pois o texto historiográfico estará inserido entre esses dois pilares Sendo assim a Historiografia consiste no estudo das melhores formas de interpretar as fontes históricas e como os fatos históricos foram descritos A História é justamente o que está escrito sobre o passado Dessa forma vamos começar então por clarificar a importância do texto historiográfico dentro do material de pesquisa Ao falarmos de Historiografia podemos concluir que a sua definição é a maneira como compreendemos que os fatos históricos foram paulatinamente mudando com o tempo Essas mudanças estão relacionadas ao que estava ou está sendo escrito e divulgado no texto historiográfico Para Bauer Oliveira e Alves 2020 quando um pesquisador escreve um texto historiográfico ele tem como objetivo a transmissão desse mesmo texto Assim ele tem a função de fazer com que exista compreensão de outros historiadores sobre um assunto particular e não somente analisar e debater o seu próprio assunto É importante também destacar que quando estamos trabalhando com Historiografia é necessário entender que ela não está livre de críticas revisões ou interpretações distintas por conta de diversos historiadores que seguem suas linhas de pesquisas e convicções pessoais Convicções essas que variam de acordo com a corrente que cada um prefere seguir A ciência histórica produz respostas diferentes para diversos tipos de questionamentos e muitas vezes para a mesma pergunta Os historiadores estudam analisam e refletem sobre o mesmo conjunto de fatos mas acabam algumas vezes chegando a conclusões diferentes Outro ponto importante de acordo com Barros 2020 é quando existe a análise para um texto historiográfico e a escolha dos conteúdos que se pretendem abordar Por sua vez para que isso possa se encaixar no texto vamos apresentar características historiográficas que o pesquisador deve conhecer e aprimorar Num primeiro momento começaremos com a distinção entre dois dos modelos que surgiram no século XIX justamente em um momento no qual a História começou a ser considerada como ciência Nessa época a História dava os primeiros passos como disciplina acadêmica Assim uma então chamada comunidade científica de historiadores profissionais passou a se formar desenvolvendo periódicos acadêmicos e contribuindo firmemente para a reflexão teóricometodológica Os pesquisadores não apenas escrevem sobre a História mas também discutem a sua representatividade e a produção historiográfica de diversos pontos de vista de acordo com o meio em que o texto historiográfico foi desenvolvido Dentro desse contexto segundo Gervinus 2010 surgiram as primeiras diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Essas distinções apontam algumas questões básicas como podemos ver na Figura 1 Figura 1 Diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Fonte Reprodução de Barros 2011 ParaTodosVerem ilustração destacando as diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Os fundamentos do Positivismo identificados como de perspectiva generalizante são descritos em três círculos cinzas com as seguintes inscrições 1 leis geraisuniversalidade humana as sociedades humanas são reguladas por leis naturais invariáveis independentes da ação humana 2 identidade de métodos entre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais e 3 objetividade científicaneutralidade o objeto de estudo já está na natureza e o cientista dele se apropria separado de seu objeto de estudo o historiador pode ser neutro e imparcial Ainda em Perspectiva Generalizada temos um retângulo com o seguinte conteúdo Outros aspectos decorrentes da proposta positivista do século XIX Noção de progresso presente no desenvolvimento histórico das sociedades Previsibilidade da História ou Determinismo Utilitarismo aplicado ao conhecimento histórico Ambição de utilizar a História para favorecer uma conciliação entre as classes Depois os fundamentos do Historicismo identificados como de perspectiva particularizante são descritos em três círculos lilases 1 relatividade do objeto histórico inexistem leis de caráter geral que sejam válidas para todas as sociedades qualquer fenômeno só pode ser compreendido dentro da História 2 distinção de métodos entre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais diferença de fatos históricos e fatos naturais e 3 subjetividade do historiador o historiador também está mergulhado na História Ainda em Perspectiva Particularizante temos um retângulo com o seguinte conteúdo interno Outros aspectos presentes no Historicismo do século XIX Uma história sob o signo dos grandes Estados Nacionais Uma história essencialmente narrativa Desenvolvimento da crítica documental Fim da descrição Resumindo essas diferenças entendemos que os historicistas compreendem a história de maneira diferente do padrão científico sendo ela uma história específica distinta das ciências naturais Em oposição os positivistas ligam os modelos históricos em conjunto as ciências sociais e naturais Conforme a História foi evoluindo surgiram outras características e correntes de estudo e análise de fatores históricos que devem ser consideradas pela figura do pesquisador ao iniciar e ao desenvolver a sua produção Continuando com o Positivismo vamos ver as distinções entre mais duas delas o Marxismo e a Escola dos Annales Segundo Löwy 2018 para começar o entendimento é preciso voltar a fazer considerações sobre o Positivismo como já vínhamos diferenciandoo do Historicismo Surgido na França no século XIX tem como base análises deterministas defendendo a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro O termo foi usado pela primeira vez pelo filósofo Claude Henri Rouvroy contudo foi Auguste Comte discípulo de Rouvroy que desenvolveu essa corrente filosófica Tendo a matemática a física a biologia a sociologia a astronomia e a química como modelos científicos o Positivismo destaca sua metodologia na observação dos fenômenos Todo conhecimento que não pode ser comprovado cientificamente é descartado O Positivismo desenvolvido por Comte tem como ponto de partida a Lei dos Três Estados que vamos ver agora No Marxismo o enfoque acontece de maneira diferente pois enquanto os historiadores positivistas se baseavam no acontecimento eou nas ações individuais esses pontos para os historiadores marxistas são consequências naturais da produção historiográfica Para Marx a luta de classes era o verdadeiro fundamento de uma história que se movimenta constantemente O trabalho característica fundamental na tese de Marx é compreendido como múltiplas relações entre o ser humano e a natureza Essa relação está pertencente como condição material da vida em sociedade representando o modelo de produção de organização social e econômica de determinado período histórico Depois de entender a introdução das diferenças entre o positivismo e o marxismo entra em foco a Escola dos Annales Para Reis 2000 essa corrente de pensamento historiográfico surgiu com a criação de uma revista Analles de História Econômica e Social Foi concebida pelos professores da Universidade de Estrasburgo Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929 que tinham como objetivo incentivar estudos sobre as estruturas econômicas e sociais de modo que esses mesmos estudos pudessem contribuir favorecendo contatos interdisciplinares com as ciências sociais Esse modo de ver o texto historiográfico ampliou muito o horizonte do pesquisador fazendo com que ele pudesse recuperar o passado por meio de questionamentos adotados no hoje no agora no presente Para uma análise mais profunda do Teológico em que o ser humano busca explicação para a realidade por meio de entidades supranaturais Positivo em que não se explica porque mas sim como levando em consideração as leis de causa e efeito em que toda ação tem uma reação Metafísico em que deuses são substituídos por entidades abstratas para explicar a realidade pesquisador com base no texto historiográfico a História passa de narrativa a problema e com isso é possível optar por escolher objetos no passado começando a questionar esses mesmos objetos no presente apresentando suas definições e conceitos O historiador dessa forma reconhece a sua presença fundamental na pesquisa em que se baseará o texto historiográfico escolhendo interrogando questionando selecionando analisando definindo e então conceituando Fontes de Pesquisa Segundo Barros 2015 as fontes históricas de pesquisa são o material do pesquisador sendo consideradas tudo aquilo que os seres humanos deixaram como vestígio com o passar dos tempos Esses vestígios são indispensáveis ao historiador Este imenso conjunto de vestígios dos mais simples aos mais complexos constitui o universo de possibilidades de onde os historiadores irão constituir as suas fontes históricas Também é verdade que os grandes processos naturais e planetários mesmo sem a interferência originária do homem mas incidindo sobre este podem produzir vestígios que oportunamente poderão conformar fontes históricas Por ora todavia vamos nos ater mais especificamente às fontes históricas produzidas diretamente pela ação e existência humanas No sentido que acabamos de indicar são fontes históricas tanto os já tradicionais documentos textuais crônicas memórias registros cartoriais processos criminais cartas legislativas jornais obras de literatura correspondências públicas e privadas e tantos mais como também quaisquer outros registros ou Como observamos nesse trecho da citação as fontes históricas se diversificam em vários tipos como BARROS 2019a p 1 Textos documentos oficiais cartas diários pergaminhos ou qualquer parte escrita contida em algum espaço ou objeto Representações pictóricas fotos quadros pinturas e afrescos Registros orais testemunhos pessoais e registros orais contidos em qualquer equipamento Vestígios arqueológicos estruturas de construções objetos e estátuas materiais que possam nos fornecer um testemunho ou um discurso proveniente do passado humano da realidade que um dia foi vivida e que se apresenta como relevante para o Presente do historiador Incluemse como possibilidades documentais ou mais precisamente no âmbito do que chamamos de fontes históricas desde os vestígios arqueológicos e outras fontes de cultura material a arquitetura de um prédio uma igreja as ruas de uma cidade monumentos cerâmicas utensílios da vida cotidiana até representações pictóricas entre outras fontes imagéticas e as chamadas fontes da história oral testemunhos colhidos ou provocados pelo historiador A partir desses elementos é possível identificar marcas históricas que registraram a presença de tempo de algum fator histórico que está sendo analisado e pesquisado pelo historiador Como apresenta Barros 2019b é importante destacar que houve uma mudança nos paradigmas das fontes históricas que acabamos de estudar Durante muito tempo o historiador tinha como ponto base por exemplo os museus nacionais e internacionais para busca de informações Partiase do pressuposto de que a escrita apresentava uma sobreposição em relação a outros tipos de fontes A partir de 1920 essa visão começou a mudar e é por isso que estudamos na parte de texto historiográfico as correntes históricas que são tão importantes dentro do objeto de pesquisa conduzido pelo historiador Com a fundação da Escola de Annales por historiadores franceses outros tipos de produções como sons roupas imagens e qualquer registro encontrado de cidadãos comuns começaram a ganhar destaque na análise de fontes históricas Qualquer registro histórico que tivesse fator preponderante na análise de descoberta tornouse básico no exame do pesquisador De acordo com Barros 2015 o rigor da análise histórica contínua contudo abre espaço definitivamente para mais fontes de pesquisa que são auxiliadas atualmente pela tecnologia tecnologia essa que se torna uma importante aliada da História Esses tipos de fontes históricas ainda seguem a classificação quanto à materialidade e à imaterialidade como se pode observar no Quadro 3 Quadro 3 Tipos de Fontes Históricas Fontes Materiais Fontes Imateriais Textos Costumes Pinturas Lendas Fontes Materiais Fontes Imateriais Construções Tradições Objetos Ritos Filmes Folclore Fonte Acervo do conteudista Como você pôde observar no Quadro 3 a diferença entre as fontes materiais e imateriais dentro do contexto historiográfico se traduz de modo claro e transparente para que o historiador possa fazer a devida análise As fontes materiais são indícios concretos produzidos manualmente pelo ser humano Já as fontes imateriais são definidas por evidências que sobrevivem nas sociedades e podem ser detectadas ao longo do tempo para construir uma narrativa histórica Saiba Mais Além de ser um marco histórico a Catedral de NotreDame é fonte material importantíssima para historiadores do mundo todo Após o grande incêndio que destruiu quase toda a sua estrutura ela vem sendo restaurada por meio de tecnologia digital Figura 2 Catedral de NotreDame Fonte Getty Images ParaTodosVerem fotografia colorida da Catedral de NotreDame vista de frente É uma igreja em estilo gótico com duas torres sua fachada é de cor clara Ao redor da catedral estão centenas de pessoas Fim da descrição É preciso analisar as diferentes fontes históricas para que o historiador possa redigir com o máximo de segurança possível o texto historiográfico com a finalidade de passar a análise correta dos fatos que pretende pesquisar inclusive fazendo a delimitação e a circunscrição das fontes estudadas O Papel do Historiador Chegamos ao ponto central do projeto de História o próprio historiador É ele o responsável por todas as partes do projeto desde a dúvida principal passando pela problemática e chegando até a apresentação deste Segundo Bauer Oliveira e Alves 2020 os historiadores são investigadores que esclarecem processos importantes ao longo da História do mundo em que vivemos visando compreender as ações de pessoas dos mais diversos cargos posições políticas e etnias até mesmo de cidadãos comuns que deixaram rastros preciosos para compreensão da evolução da humanidade A História vive o passado apresentado no presente e pensando no futuro Já que estamos falando de historiadores não podíamos deixar de passar por Heródoto um dos primeiros historiadores do mundo a conceber a História como problema filosófico revelando situações e aspectos importantes do comportamento humano Heródoto criou o termo Historie que significa pesquisa razão que por si só já é o suficiente para trazêlo aqui como um marco entre os historiadores Assim sendo o campo de pesquisa não é tão somente trabalhado em documentos escritos e oficiais mas também é considerada como pesquisa toda a produção humana que tenha ideias e características de um tempo que pretende ser estudado fazendo com que na essência de todo historiador exista um pesquisador Esses termos foram usados incondicionalmente durante todo esse texto Resgatando mais um historiador com fundamental papel em pesquisa de história chegamos a Marc Bloch que se posicionava diante da História como essa sendo a ciência dos seres humanos no tempo Bloch foi um dos fundadores da Escola de Annales e responsável por trazer novos conceitos sobre documentos historiográficos que abrem precedentes para interdisciplinaridade além de obras literárias sobre o ofício do historiador Outros historiadores de diversos países e continentes marcaram a História por meio de contribuições extremamente preciosas como Sima Qian AlTabari François Mignet Gustave Glotz Karl Marx Oswald Spengler Manuel Moreno Fraginals Paul Veyne Fritz Stern Joan Wallach Scott Francis Paul Prucha Edmund Morgan John Whitney Hall Robert Conquest Elizabeth Eisenstein Andrey Korotayev Tito Lívio e Eric Hobsbawm No Brasil também temos importantes nomes como Luiz Felipe de Alencastro Gilberto Freyre Laura de Mello e Souza Sérgio Buarque de Holanda Mary Del Priore Caio Prado Júnior Jaime Pinsky e tantos outros Por falar em Brasil a profissão de historiador pôde ser devidamente regulamentada no país por meio da instituição responsável que é a Associação Nacional de História Anpuh que tem uma equipe formada para regulamentação do profissional Como já discutimos antes é claro que nenhuma pesquisa está livre das associações que o próprio historiador irá fazer dependendo da formação da ideologia e das experiências que ele tenha vivido anteriormente O mais importante é que os projetos de pesquisa em história continuem trazendo fatos e acontecimentos para que as pessoas possam cada vez mais aprender com o passado e fazer com que a sociedade possa almejar um futuro melhor para cada um de nós Trabalhos de Conclusão de Curso Com certeza você já ouviu falar em Trabalho de Conclusão de Curso TCC não é mesmo Os TCC podem ser os mais variados entre eles temos monografia dissertação de mestrado tese de doutorado artigo científico ensaio e estudo de caso por exemplo Os TCC são trabalhos acadêmicos desenvolvidos pelos alunos que objetivam a finalização de uma etapa de estudos e pesquisas normalmente em cursos de graduação e de pósgraduação lato sensu e stricto sensu Por possuírem características científicas objetivam demonstrar de forma organizada os conhecimentos construídos durante sua formação Para além de avaliar os alunos esses trabalhos auxiliam na democratização do conhecimento na medida que apresentam à sociedade resultados análises e interpretações sobre os mais diversos temas culturais sociais políticos e econômicos Tipos de TCC Conheça os Cinco mais Utilizados na Monografia Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Tipos de TCC Conheça os Formatos Mais Pedidos Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Cada tipo de trabalho possui suas características e especificidades Uma tese de doutorado é diferente em sua estrutura por exemplo de um artigo científico que é diferente de um ensaio Nesta Disciplina trabalharemos especificamente com o artigo científicoacadêmico Artigo CientíficoAcadêmico O artigo científicoacadêmico é um texto com autoria declarada e que objetiva apresentar reflexões sobre determinado assunto os métodos e técnicas utilizados durante a pesquisa em diversas áreas do conhecimento Leitura Para saber mais sobre os diferentes tipos de TCC acesse Sabemos que após a definição e delimitação do tema de pesquisa precisamos elaborar o projeto que descreverá todas as etapas da pesquisa e servirá de guia para sua realização Portanto após a construção do projeto e efetivamente da pesquisa realizada chega o momento de apresentação dos resultados Como vimos esses resultados podem ser apresentados de diferentes formas monografias dissertações teses ensaios etc Nosso objetivo nesta disciplina é apresentar e elaborar um artigo acadêmicocientífico para podermos conhecer todas as etapas da pesquisa e escrita histórica As diferentes revistas acadêmicascientíficas possuem suas próprias regras de organização e formatação Normalmente na área da História utilizamos as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Vamos entender como construir um artigo científico De acordo com a ABNT ARTIGO 2023 um artigo científico possui estrutura e formatação conforme Leitura Artigo Científico ABNT Margens Tamanho Fonte Espaçamento Para conhecer a estrutura e formatação do artigo científicoacadêmico acesse o conteúdo a seguir descritas a seguir Estrutura do Artigo CientíficoAcadêmico Parte externa Parte interna Capa elemento obrigatório Lombada elemento opcional somente para trabalhos que serão encadernados Elementos prétextuais Folha de rosto elemento obrigatório Errata elemento opcional Folha de aprovação elemento obrigatório Dedicatória elemento opcional Agradecimentos elemento opcional Epígrafe elemento opcional Resumo na língua vernácula elemento obrigatório Resumo em língua estrangeira elemento obrigatório Lista de ilustrações elemento opcional Lista de tabelas elemento opcional Lista de abreviaturas e siglas elemento opcional Lista de símbolos elemento opcional Sumário elemento obrigatório Formatação do Artigo CientíficoAcadêmico Elementos textuais Introdução elemento obrigatório Desenvolvimento elemento obrigatório Conclusão elemento obrigatório Elementos póstextuais Referências elemento obrigatório Glossário elemento opcional Apêndice elemento opcional Anexo elemento opcional Índice elemento opcional Tamanho da fonte salvo algumas exceções citações textuais entre aspas de mais de três linhas paginação notas de rodapé legendas texto da fonte das ilustrações figuras e tabelas em que utilizamos tamanho 10 o tamanho deverá ser sempre 12 Fonte poderá escolher entre Arial ou Times New Roman Espaçamento deverá ser de 15 para capa folha de rosto dedicatória agradecimentos epígrafe listas sumário introdução desenvolvimento conclusão glossário apêndice e anexo e simples isto é de 10 para resumo abstract citações de mais de três linhas notas de rodapé legendas e fontes de ilustrações paginação e referências Margens esquerda e superior 3 cm direita e inferior 2 cm Agora que já conhecemos a estrutura e a formatação de um artigo acadêmico chegou o momento de escrevêlo Escrita do Artigo CientíficoAcadêmico Quando escrevemos um texto acadêmicocientífico alguns pontos são essenciais Em primeiro lugar sempre que utilizar ideias de outro autor por meio de citações diretas e indiretas é fundamental citar a fonte da informação artigo site livro etc caso isso não seja realizado pode configurar plágio que é o roubo de propriedade intelectual Durante seu texto é fundamental contextualizar o temaassunto da pesquisa Para isso você pode dialogar com os seus referenciais teóricos e metodológicos isto é utilizar citações diretas e indiretas de autores que leu durante a pesquisa e de fontesdocumentos analisados Escrita Acadêmica 7 Dicas para Escrever Cada Vez Melhor Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Vamos Ser Claros Guia para Escrita de Textos Acadêmicos Leituras Quer conhecer algumas sugestões para escrever textos acadêmicos Acesse Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Como Fazer Citações em Textos Acadêmicos ABNT NBR 10520 Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Outro ponto relevante é explicar como a pesquisa foi realizada ou seja os materiais e métodos que foram utilizados assim como informar quais foram seus objetivos de pesquisa e problematização questões eou hipóteses levantadas Por fim indicamse quais foram suas conclusões Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade Sites Tesauro do Arquivo Histórico de São Paulo Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Scielo Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE ProQuest Página 2 de 3 Material Complementar Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Scopus Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Educational Resources Information Center ERIC Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE EBSCO Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Leitura Tesauro para Estudos de Gênero e Sobre Mulheres Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE ANDRADE M M Introdução à metodologia do 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httpswwwscielobrjctaNcZVg5KKxpvkJWqZDVX6jFNabstractlangpt Acesso em 04052021 REIS J C Escola dos Annales a inovação em História São Paulo Paz Terra 2000 RODRIGUES H E NICOLAZZI F Entrevista com François Hartog História Historiografia e tempo presente História da Historiografia Ouro Preto n 10 p 351 371 dez 2012 Disponível em httpwwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview478331 Acesso em 09052022 RODRIGUES R R et al org Possibilidades de pesquisa em História São Paulo Contexto 2017 ebook RÜSEN J Como dar sentido ao passado questões relevantes de metahistória História da Historiografia Ouro Preto n 2 p 163209 mar 2009 Disponível em httpwwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview1212 Acesso em 09052022 217 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos Guilherme Franzon Berti Silvana Jeha e Joel Birman escreveram um livro que resultado do pósdouto rado de Silvana Jeha no Programa de Pósgraduação em Teoria Psicanalítica no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ circula nos campos da história da psicanálise da história da arte e da literatura femi nista resgatando a vida e a obra de Aurora Cursino dos Santos seu delírio sua memória e as violências que sofreu em um passado tão recente Aurora Cursino dos Santos nascida em 1896 em São José dos Campos SP en tendeu que seu sofrimento começou com o casamento casouse com um homem de quem não gostava e não muito tempo depois entregouse à prostituição Ela foi prostituta entre 1910 e 1930 no Rio de Janeiro e em São Paulo e apesar de mais tarde ter buscado outras formas de sustento sem permanecer em um emprego viveu em albergues até ser internada em hospitais psiquiátricos Em 1944 inter nada no Hospital Psiquiátrico do Juquery participou da oficina de pintura criada por Osório César 18951979 e Mário Yahn 19081977 em que fez mais de 200 pinturas em sua maioria a óleo sobre papelcartão e embalagem industrial Em 1955 ela foi lobotomizada falecendo em 1959 com 63 anos Para Jeha e Birman 2022 o que define Aurora é o crepuscular o noturno e em suas obras feitas de cores vivas com mescla de fatos da vida e da imaginação textos e personagens observamos a noite como esconderijo a cidade avessa que não dorme o sexo pago ou não o sonho o pesadelo o mundo apartado Jeha Birman 2022 p 24 Aurora que produziu imagens embaçadas pela lou cura e pela memória teve suas lembranças atravessadas pelos delírios e percorreu muitos temas pessoais e sociais evidenciando a violência os crimes as relações familiares imaginadas e reais a condição da mulher os políticos e a prostituição Todo esse repertório da artista foi um jorro de gritos e sussurros sobre opres sões e violências e eventualmente algumas belezas Jeha Birman 2022 p 33 Os quadros de Aurora observam os autores estilisticamente podem ser cha mados de pictografias São pinturas com textos obras tagarelas que recria ram o passado sem deixar espaços vazios Essas pinturas algumas exibidas no Masp no MAMSP no MACSP no CCBBRio na Bienal de São Paulo no Sesc Pompeia e no MARRio não foram até então objeto de pesquisa nem de exposi BERTI Guilherme Franzon 218 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 ção individual Aurora não está incluída na história da arte nem na das mulheres somente na dos artistas loucos O livro de Jeha e Birman 2022 na contramão desse apagamento resgata a artista e contesta os paradigmas da história da arte da mulher da loucura e da psicanálise Aurora em suas pinturas protesta ser puta mãe esposa e filha enfim ser mulher foi e ainda é uma experiência trágica Jeha Birman 2022 p 21 aos olhos da sociedade uma prostituta seria moralmente incapaz de aceder ao que existiria de sublime na experiência da maternidade Jeha Bir man 2022 p 41 também protesta contra homens que dirigem a vida e a genitá lia juízes médicos militares e doutores num país onde valores cristãos e conservadores se enfiam vagina e útero adentro das mulheres dizendo o que elas devem fazer com os seus corpos Jeha Birman 2022 p 40 e denuncia as mulheres herdam a violência na tradição patriarcal de mãe para filha Jeha Birman 2022 p 49 O fim trágico a artista às margens da sociedade foi punida de forma violenta e cruel pelas práticas disciplinares do discurso psiquiátrico Esse contexto leva os autores a um questionamento ímpar Por que poucos artistas intelectuais psicanalistas e feministas escutaram as prostitutas e hoje apenas uma minoria as escuta Jeha Birman 2022 p 72 Talvez essa pergun ta ressoe em alguma medida com a provocação de Preciado 2022 p 328 Hoje para vocês psicanalistas é mais importante ouvir as vozes dos corpos excluídos pelo regime patriarcocolonial do que reler Freud e Lacan e com a insistência de Magallanes 2021 para levarmos em conta a violência que os sistemas estruturais simbólicos e estatais exercem sobre os corpos as maneiras como marginalizam causam sofrimento psíquico e constituem os sujeitos Entendo que Jeha e Birman 2022 nesse livro também repensam a psicanálise e colocam em prática a hipótese de Birman 2023 de que em nossa sociedade existem dívidas marcadas por apagamentos pela foraclusão que se não são colocadas efetivamente no campo da clínica social brasileira ou dos processos de análise dos analisantes nós estamos diante de um algo que não se analisa um algo que não se desconstrói e onde reprodu zimos essa violência endêmica que vivemos no Brasil a cada vez mais nas últimas décadas Birman 2023 p 25 Aurora no manicômio depósito dos indesejados valeuse da arte como re gistro subjetivo de sua memória da loucura de suas experiências e para tratar de uma realidade coletiva da mulher no que tange à opressão de gênero de sexualidade dos deveres de mãe filha e esposa Jeha Birman 2022 p 77 Para os autores ela não foi somente artista louca foi historiadora do Brasil interpretou 219 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos a cena social brasileira apresentou a violência do hospício e seus procedimentos ditos terapêuticos foi uma artista de vanguarda e sua narrativa assim como a de outras pessoas precisa ser incorporada à história social à história das sen sibilidades da arte do negro da mulher da prostituta Jeha Birman 2022 p 77 e da psicanálise Os autores nesse livro resgataram para a psicanálise para a história da arte e para o feminismo a sinfonia noturna de Aurora e em seu ato contribuíram para afrouxar a camisa de força dos sujeitos da história Jeha Birman 2022 p 10 apontando caminhos para um possível acerto de contas com a realidade brasileira Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida 2022 deve ser lido atentamente é obra importante para nosso tempo a escrita é impecável e apre senta de maneira formidável caminhos para avançar debates contemporâneos sobre o malestar em nossa sociedade Referências bibliográficas Birman J 2023 janeirojunho Movimento psicanalítico invisibilidades e des mentidos Cadernos de Psicanálise CPRJ Rio de Janeiro 4548 1126 Recu perado em 20 de outubro 2023 de httpswwwcprjcombrojscprjindex phpcprjarticleview484 Jeha S Birman J 2022 Aurora memória e delírios de uma mulher da vida São Paulo Veneta Magallanes F 2021 Notas introductorias hacia una teoría metapsicopolítica y de imaginación corporeopolítica Psicoanálisis Buenos Aires 431 101109 Recuperado em 20 de outubro 2023 de httpswwwpsicoanalisisapdebaorg wpcontentuploads2021119MAGALLANESpdf Preciado P 2022 Eu sou o monstro que vos fala Cadernos PET Filosofia Curi tiba 221 278331 Recuperado em 20 de outubro 2023 de httpdxdoi org105380petfilov22i188248 Recebido 01062023 Aprovado 15062023 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARTES VISUAIS CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS BEATRIZ PEDROSA BORGES ARTE E TERAPIA Poéticas da psique MarabáPA 2023 BEATRIZ PEDROSA BORGES ARTE E TERAPIA Poéticas da psique Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Linguística Letras e Artes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em Artes Visuais Orientadora Profa Dra Silvia Helena dos Santos Cardoso Coorientador Prof Dr Armando de Queiroz Santos Junior MarabáPA 2022 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Biblioteca Setorial Campus do Tauarizinho B732a Borges Beatriz Pedrosa Arte e Terapia Poéticas da psique Beatriz Pedrosa Borges 2023 Orientadora Silvia Helena dos Santos Cardoso coorientadora Armando de Queiroz Santos Junior Trabalho de Conclusão de Curso graduação Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Instituto de Linguística Letras e Artes Faculdade de Artes Visuais Curso de Licenciatura Plena em Artes Visuais Marabá 2023 1 Arteterapia 2 Criatividade 3 Poesia 4 Arte I Cardoso Silvia Helena dos Santos orient II Santos Junior Armando de Queiroz coorient III Título CDD 22 ed 61585156 Elaborado por Renata Matos de Souza CRB21586 Para navegar contra a corrente são necessárias condições raras espírito de aventura coragem perseverança e paixão Nise da Silveira AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus que é minha força e base para tudo sem Ele eu não sou nada agradeço também a minha mãe Gerlanea Pedrosa que é maravilhosa e está sempre me apoiando para que eu cresça agradeço a minha avó Francisca Raimunda que vibrou de felicidade quando soube que eu tinha passado na faculdade e também a minha professora Silvia Helena Cardoso pela orientação e direção no desenvolvimento desta pesquisa agradeço ao meu professor coorientador Armando Queiroz por toda a paciência e o cuidado me auxiliando no processo de produção deste trabalho DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família e a todos que me apoiaram aos meus futuros alunos e também à luta antimanicomial LISTA DE FIGURAS Figura 01 Desenho Abstrato feito por paciente do CAPS sd 16 Figura 02 Cena da Série Ratched da Netflix Dr Hanover realiza uma Lobotomia 17 Figura 03 Adelina retrata o mito de Dafne 1959 20 Figura 04 Representação do Sol como origem dos ventos st 21 Figura 05 Representação de uma Mandala 23 Figura 06 Planetário de Deus 1947 25 Figura 07 Árvore da esperança mantémte firme autorretrato de Frida Kahlo 1946 27 Figura 08 Imolação do cavalo 1969 desenho retratando a imolação do instinto sexual 28 Figura 09 Moisés de Michelangelo 15131515 31 Figura 10 Janelas do mundo de André Vicente Gonçalves sd 32 Figura 11 Hugo Denizart Bispo do Rosário 1982 Impressões Fotográficas 34 Figura 12 Objetos de Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira 35 Figura 13 O Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário sd 37 Figura 14 Detalhe de Obra de Arthur Bispo do Rosário Colônia Juliano Moreira sd 38 Figura 15 Acadêmicos do Cubango O Rei que bordou o mundo 2018 39 Figura 16 Obra de Aurora Cursino st sd 42 Figura 17 Série Bichos 1960 de Lygia Clark 44 Figura 18 Máscara Sensorial 1967 de Lygia Clark 45 Figura 19 Frame do Documentário Memória do Corpo 1984 46 Figura 20 Vestido de Gilete e Acrílico 2010 de Nazareth Pacheco 47 Figura 21 Pintura Abstrata st Acervo CAPSMarabá 50 Figura 22 Cueva de las manos sd Pintura rupestre na Argentina 52 Figura 23 Imagem representativa da pirâmide de Maslow 1950 53 Figura 24 Pintura Autoral Abstrata sd Acervo CAPS 54 Figura 25 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 55 Figura 26 tapete de cama Romeu e Julieta sd de Arthur Bispo do Rosário 56 Figura 27 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 28 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 29 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 30 Desenho feito por paciente do CAPS sd 59 Figura 31 Desenho feito por paciente do CAPS sd 59 Figura 32 Bolsas feitas de pinturas da sessão terapêutica do CAPS sd 60 Figura 33 Pintura em preto e branco feita por um paciente do CAPS sd 61 Figura 34 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS 62 Figura 35 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS 63 Figura 36 Tríade em preto e branco feita por paciente do CAPS sd 63 Figura 37 Pintura feita por paciente do CAPS sd 64 Figura 38 Pintura feita por paciente do CAPS sd 65 Figura 39 Pintura feita por paciente do CAPS sd 65 Figura 40 Bordando minhas telas 2022 Acervo pessoal 67 Figura 41 Primeiro bordado autoral 30x24 série linhas do corpo 2022 68 Figura 42 Segundo bordado autoral 30x30 série Linhas do Corpo 2022 69 Figura 43 Terceiro bordado autoral 30x30cm série Linhas do Corpo 2022 70 Figura 44 Despojos da cidade de Ouro Preto fotografia 2018 Coleção do autor 71 Figura 45 Quinto bordado autoral 20x20 série linhas do corpo 2022 72 Figura 46 Sexto bordado autoral 30x24cm série Linhas do Corpo 2022 73 Figura 47 Sétimo bordado autoral 25x25cm série linhas do corpo 2022 74 Figura 48 Oitavo bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 75 Figura 49 Nono bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 76 Figura 50 Décimo bordado 30x24 série linhas do corpo 2022 77 Figura 51 Bordado em bolsa da série linhas do corpo 2022 78 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 1 A ARTE E A PSIQUE HUMANA 13 11 A ARTE E SUAS REPRESENTAÇÕES PSÍQUICAS 15 12 A ARTE COMO CONSOLAÇÃO 29 CAPÍTULO 2 A ARTE E A LOUCURA 32 21 A ARTE E A LOUCURA 33 22 ARTE LOBOTOMIZADA 40 23 LYGIA CLARK DA ARTE PARA A TERAPIA 42 CAPÍTULO 3 ARTETERAPIA 47 31 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTETERAPIA 48 32 MINHAS EXPERIÊNCIAS NA ARTETERAPIA COMO PACIENTE 53 33 CAPS MARABÁ 61 CAPÍTULO 4 LINHAS DO CORPO EM BUSCA DE UMA POÉTICA VISUAL 67 41 EXPRESSÃO DO OPRIMIDO 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 81 REFERENCIAL FÍLMICO 82 CONSULTA EM SITES 82 INSTAGRAM 83 PROJETO DE CURSO A Dançaperformance como a voz do corpo 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CURSO 94 RESUMO As linhas de pesquisa do presente trabalho discorrem entre a teoria e o desenvolvimento poético visual refletindo sobre o uso da arte em meios terapêuticos e sobre sua contribuição para o homem e sua vivência apontando a mim como fonte de pesquisa Discutindo sobre a arte e suas representações psíquicas sua utilidade como forma de expressão e eficácia no tratamento de transtornos psicológicos e psiquiátricos apontando sua contribuição para a luta antimanicomial e também para o fim do uso de métodos psiquiátricos desumanos Durante o desenvolvimento da pesquisa foram apontados vários artistas que transitaram entre a arte e a possível loucura como Arthur Bispo do Rosário e Aurora Cursino São exploradas as diversas formas de arteterapia entre elas a pintura as terapias sensoriais como a obra Bicho de Lygia Clark e a dança que é a linguagem artística desenvolvida no Plano de Curso Todo este trabalho é regido pelo ponto de partida de que o uso da arte com fins terapêuticos é um método eficaz no que diz respeito a tratamentos psicológicos Palavraschave Arteterapia Poética Visual Representações Visuais Arte e Educação 12 INTRODUÇÃO O seguinte trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a relação entre a arte e a psicologia refletindo sobre o seu papel em tratamentos psicológicos ou como é mais citado no trabalho Arteterapia Essa pesquisa será apresentada como Trabalho de Conclusão de CursoTCC que está vinculado à Faculdade de Artes VisuaisFAV ao Instituto Linguística Letras e ArtesILLA e à Universidade do Sul e Sudeste do ParáUNIFESSPA seguindo a linha de Pesquisa de em Arte Educação Ensino e Aprendizagem e tocando delicadamente em Poéticas Visuais O intuito desta pesquisa é o de narrar como foram se constituindo os processos iniciais da Arteterapia e também apontar dados sobre o uso da mesma assim como sua influência em tratamentos psicológicos e seu importante papel no processo de expressão da psique Em seus quatro capítulos apresentamos figuras importantes no processo de concepção da Arteterapia que vai de psiquiatra artistas e pessoas com transtornos mentais No primeiro capítulo apresentamos Nise da Silveira uma pioneira no surgimento da Arteterapia e seu importante papel nesse processo assim como os impactos positivos que ela trouxe para a história da psiquiatria e consequentemente da arte Neste capítulo podemos conhecer a história de pacientes psiquiátricos que tiveram seus quadros clínicos positivamente alterados através da prática artística como método terapêutico No segundo capítulo faremos uma reflexão sobre a polêmica ligação entre a arte e a loucura através da história de vida de Arthur Bispo do Rosário É nesse capítulo que podemos acompanhar o questionamento sobre o que seria ou não Arte que trouxe dúvidas quanto à produção reveladora de Bispo Aqui conheceremos também uma outra artista considerada louca Aurora Cursino que é hoje conhecida como a Artista Lobotomizada Apresentaremos a artista Lygia Clark que explora através de suas obras as experiências sensoriais estimulando principalmente sentidos como tato e paladar O terceiro capítulo traz de forma mais direta a definição de arteterapia usando falas de arteterapeutas para afirmar sobre o seu poder curativo e reflete sobre a indispensabilidade da arte e sobre o seu papel no desenvolvimento do homem desde a PréHistória Traz também um relato pessoal onde aponto como dados da pesquisa a minha experiência psicológica e minha ligação com a arte mais especificamente com a arte como ferramenta de tratamento Para o auxílio desse relato trago fotos de algumas das práticas artísticas que tive contato no Centro de Atenção Psicossocial CAPS e também na ala psiquiátrica do Hospital Municipal de Marabá HMM O quarto e último capítulo apresenta um trabalho poético autoral onde eu trago bordados manuais em que utilizo como suporte a tela e discorro sobre suas representatividades no que diz respeito a mim e minha história de vida Apresento também as considerações finais que refletem sobre a valorização da arte principalmente no campo educacional 13 Como resultado deste trabalho de pesquisa elaboramos um Plano de Curso que conta com dez encontros de aulas com duração de duas horasaulas cada onde será trabalhado de forma lúdica a Arteterapia com foco na Dançaterapia tendo como público alvo alunos de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental No decorrer das aulas desse plano os discentes conhecerão espaços que praticam Dançaterapia e terão também a experiência prática da mesma através de dinâmicas e oficinas 14 CAPÍTULO 1 A ARTE E A PSIQUE HUMANA 15 A arte é mais que uma ferramenta ela é um meio de sentir e de expressar emoções nos permite compartilhar sensações e nos proporciona uma comunicação que excede as palavras pois ao olharmos um quadro e nos depararmos com o silêncio da sala de uma galeria de exposição ouvimos e vemos aquilo que o quadro nos mostra é quase como se a obra sussurrasse no nosso ouvido o que o artista pretendia falar eou aquilo que queremos ouvir seja os dois a mesma coisa ou não Anotações Autorais 2022 16 11 A arte e suas representações psíquicas Figura 1 Desenho Abstrato feito por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPSMarabá A arteterapia é um método que usa as diferentes linguagens artísticas como a dança a pintura e o desenho para fins terapêuticos onde essas práticas atuam como meio de expressão e também de tratamento Antes da arteterapia começar a ser utilizada os métodos de tratamentos eram muitos cruéis dolorosos e até desumanos Um desses métodos era a Lobotomia que consiste em uma cirurgia que retira parte do cérebro e também o Eletrochoque mas tudo isso mudou e uma das pessoas que foram fundamentais para essa transformação foi a Dra Psiquiatra Nise Magalhães da Silveira Em 1944 Nise da Silveira como ficou conhecida entrou para a equipe do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II no bairro de Engenho de Dentro no Rio de Janeiro onde revolucionou a história da psiquiatria direcionando o tratamento de seus pacientes através de linguagens artísticas explorando e desenvolvendo a comunicação e 17 também buscando entender os traumas e transtornos psíquicos dos pacientes Nise da Silveira iniciou então a sua revolução no mundo da psiquiatria usando como ferramentas as possibilidades que a arte nos proporciona Os métodos de tratamentos citados acima podem ser vistos representados em filmes e séries como no caso da Ratched 2020 que conta a história de uma enfermeira que trabalha em um hospital psiquiátrico onde auxilia em processos terapêuticos e também em Lobotomias É possível constatar também que alguns pacientes não possuíam nenhum tipo de transtorno e eram tachados de loucos apenas por não se encaixarem nos moldes da sociedade como por exemplo comportamentos e orientações sexuais consideradas inadequadas socialmente Figura 2 Cena da Série Ratched da Netflix em que o Dr Hanover realiza uma Lobotomia Fonte Portfólio de PsicologiaSAPO1 Nise da Silveira ao iniciar o tratamento de arteterapia com seus pacientes pôde observar que alguns com quadro de esquizofrenia severa tiveram mudanças significativas em seu comportamento tornandose mais comunicáveis como é o caso de Emygdio de Barros Diagnosticado com esquizofrenia e internado há 23 anos quando começou a frequentar o ateliê de pintura da Dra Nise da Silveira Barros teve melhora significativa 1 Fonte httpsjoananunesportefoliodepsicologiablogssapoptalobotomia12874 Acessado em 02022023 18 voltando a morar com a família e se destacando na pintura passando a ser reconhecido como artista pelo crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa2 Além do uso da arte como ferramenta terapêutica Nise também utilizou os animais como apoio psicológico pois acreditava e afirmava que o apego emocional positivo gerava bons resultados comportamentais nos pacientes já que os animais desempenhavam um papel de terapeutas e também de apoio emocional Um exemplo de resultados positivos da relação entre doente e animal é Joana outra paciente que desenvolveu o papel de cuidadora e ajudante em uma clínica veterinária podendo ter alta logo após Além de usar a arteterapia como ferramenta de tratamento Nise da Silveira decidiu trabalhar as relações emocionais de seus pacientes através do contato com animais como exemplo os cachorros pois afirmava que as relações e o apego emocional entre o paciente e seu animal gerava bons resultados em seu comportamento A paciente Joana foi um dos bons exemplos dessa estratégia terapêutica desenvolvendo o papel de cuidadora e ajudante em clínica veterinária tendo alta posteriormente A história do Hospital Engenho de Dentro é contada no filme dirigido por Roberto Berline Nise o Coração da Loucura 2016 que mostra como a Dra Nise da Silveira mudou o cenário precário tanto do hospital quanto da Psiquiatria usando da Arteterapia como práticas e posicionamentos que impulsionaram movimentos que lutavam contra a reclusão e tratamentos dolorosos em pessoas com transtornos mentais Esses movimentos foram importantes para constituir o cenário clínico e terapêutico atual e tornandose conhecidos como Movimento de Luta Antimanicomial3 sendo celebrado em 18 de maio de cada ano No filme Nise o Coração da Loucura 2016 podemos ver que a Dra representada pela atriz brasileira Glória Pires luta contra métodos como a psicocirurgia mais conhecida por Lobotomia descoberta em pesquisas pelo Dr Antônio Egas Moniz que ganhou o prêmio 2 Mário Pedrosa Timbaúba Pernambuco 1900 Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1981 Crítico de arte jornalista professor Realiza seus estudos no Institut Quinche em Lausanne Suíça em 1913 Entre 1920 e 1922 vive em São Paulo e trabalha como redator de política internacional no jornal Diário da Noite e produz artigos de crítica literária Fonte httpsenciclopediaitauculturalorgbrpessoa445mariopedrosa Acessado em 09022023 3 O Movimento da Luta Antimanicomial se caracteriza pela luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental Dentro desta luta está o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em nome de pretensos tratamentos ideia baseada apenas nos preconceitos que cercam a doença mental O Movimento da Luta Antimanicomial faz lembrar que como todo cidadão estas pessoas têm o direito fundamental à liberdade o direito a viver em sociedade além do direito a receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que abrir mão de seu lugar de cidadãos Fonte httpsbvsmssaudegovbr185dia nacionaldalutaantimanicomial2 Acessado em 12032023 19 Nobel O eletrochoque e a lobotomia eram vistos como os métodos mais eficazes da época para o tratamento de psicóticos e esquizofrênicos além de serem vistos como uma descoberta quase que divina Nas primeiras cenas do filme vemos o quanto a psiquiatria daquela época se maravilhou com tais métodos situação que a Dra Nise da Silveira não concordava e começou a lutar contra esses tratamentos No início de seu trabalho no Hospital de Engenho de Dentro um de seus primeiros passos para mudar a situação foi escolher e preparar um lugar que seria destinado às práticas artísticas e terapêuticas como a pintura desenho e a escultura Ao pesquisar é possível ver que muitos dos pacientes esquizofrênicos da Dra Nise da Silveira obtiveram melhoras como o paciente Emygdio de Barros já citado acima e a paciente Adelina Gomes A paciente simpatizou com as linguagens artísticas trabalhadas dedicando se muito a cada uma delas obtendo melhoras em seu comportamento agressivo tornandose uma pessoa mais dócil através da pintura Adelina retratava suas metamorfoses vegetais descritas na obra Imagens do Inconsciente 2015 de autoria da Dra Nise da Silveira A psicóloga junguiana dirá que cada metamorfose encerra significações específicas No caso particular de Adelina é um mito grego que encontramos paralelo esclarecedor no mito de Dafne Apolo persegue Dafne em uma corrida louca através de campos e bosques fugindo sempre a Ninfa busca refúgio junto de sua mãe a terra que a acolhe e a metamorfoseia em loureiro SILVEIRA 2015 p 219 Ao se metamorfosear de acordo com o mito de Dafne Adelina demonstra esconder seus instintos femininos os instintos eróticos e maternos 20 Figura 3 Adelina retrata o mito de Dafne 1959 Fonte Vestindo o que forma uma corola é possível identificar a cabeça e um busto no cálice da flor Guache sobre papel 48 x 33 cm 19594 De acordo com a teoria de Carl Gustav Jung 18751961 a Dra Nise da Silveira escreveu sobre o inconsciente coletivo como instintos vivências e conhecimentos psíquicos que seriam herdados de gerações passadas guardados em uma das camadas da Psique Como se cada camada do inconsciente em todos os seres humanos estivessem interligadas por aquilo que pode ser chamado de memórias ancestrais e que eram manifestadas através dos desenhos e pinturas dos esquizofrênicos e psicóticos Um primeiro exemplo de inconsciente coletivo é descrito por Jung em suas pesquisas Jung conta que em 1906 encontrou no corredor do hospital psiquiátrico onde trabalhava um esquizofrênico que tentava olhar o sol piscando as pálpebras e movendo a cabeça de um lado para o outro O doente disselhe que quando movia a cabeça o pênis do sol também se movia e esse movimento era a origem do vento Quatro anos depois de haver 4 Fonte httpsmediumcomcaioandartadelinagomesmetamorfoses550a5210523c Acessado em 09022023 21 registrado essa observação sem compreender a significação daquela imagem alucinatória Jung encontrou idêntica imagem igualmente responsável pela origem do vento nas visões de adeptos de Mitra divindade solar descrita num texto traduzido de papiros gregos publicado pela primeira vez em 1910 SILVEIRA 2015 p 149 A Dra Nise da Silveira reflete sobre esta questão como poderíamos explicar que a alucinação de um esquizofrênico condizia especificamente com a tradução de um documento que só teria sido publicado pela primeira vez anos depois De acordo com a teoria de Jung isso se caracterizaria como uma manifestação do Inconsciente coletivo O paciente carioca Carlos Pertuis 1910 1977 diagnosticado com esquizofrenia também expressa em suas pinturas algo muito semelhante à teoria de que o Sol é a origem do vento vista na citação acima Figura 4 Representação do Sol como origem dos ventos st Fonte SILVEIRA 2015 p 150 Em sua obra a Dra Nise da Silveira fala sobre esse e outros fenômenos psíquicos aos quais para detectálos ela se utiliza da observação das pinturas e dos desenhos feitos por seus pacientes como atividade terapêutica Por ser formada em medicina psiquiátrica ela define melhor esses acontecimentos psíquicos identificados através da produção artística 22 desenvolvida Neste sentido a Arteterapia colaborou para que os pacientes e seus sintomas fossem identificados e tratados Nise da Silveira se utiliza da produção de seus pacientes para identificar possíveis lutas entre o consciente e o inconsciente que podem ser expressas através de formas imperfeitas orgânicas e abstratas Observando as pinturas e os desenhos de pessoas afetadas psicologicamente percebese a tentativa da mente de se regenerar Essa tentativa é expressa muitas vezes em forma de Mandala que segundo a teoria junguiana é um círculo mágico que representa simbolicamente a luta pela unidade total do eu Silveira 2015 Apesar da palavra Mandala significar círculo ela pode conter em sua composição outras formas geométricas porém a organização dessas formas juntas devem resultar em uma figura circular A Mandala é vista como um símbolo de harmonia e equilíbrio e faz parte de algumas religiões e crenças entre elas o Budismo 23 Figura 5 Representação de uma Mandala5 Um outro uso frequente das mandalas relacionado com a arteterapia são os livros de terapia antiestresse como por exemplo Mandalas para relaxar 2019 e Controlando a ansiedade e colorindo a vida 2015 livros com diversos tipos de mandalas para colorir A produção artesanal de mandalas em barbante também é uma atividade terapêutica frequente em espaços como clínicas de reabilitação e Centro de Atenção PsicossocialCAPS Uma forte característica da mandala é que ela dirige o olhar de quem a vê ao centro do desenho Este é um gesto que por assim dizer resume a psicologia jungiana apontar para o centro o self simbolizado pela mandala O self é o princípio e o arquétipo da orientação e do sentido nisso reside sua função curativa Silveira 2015 p 60 5 Mandala é uma palavra sânscrita que significa círculo A Mandala também possui outros significados como círculo mágico ou concentração de energia Universalmente a Mandala é o símbolo da totalidade da integração e da harmonia Em várias épocas e culturas a mandala foi usada como expressão científica artística e religiosa Fonte httpswwwclicterapiacombrmandalasterapeuticas Acessado em 09022023 24 Mandalas costumam apresentarse em alucinações expressando a junção do consciente e inconsciente ou seja a unidade total do eu mas conhecido como self Um exemplo de Mandala surgida do inconsciente é a mandala pintada por Carlos Pertuis já citado acima Carlos intitula sua Mandala que tem como elemento central uma flor como Planetário de Deus 25 Figura 6 Planetário de Deus 1947 Fonte Enciclopédia Itaú Cultural6 De acordo com De Boton e Armstrong 2014 podemos observar que muitas vezes nos dirigimos à arte procurando algo que nos falte por exemplo uma pessoa que nasceu e sempre viveu em uma cidade ensolarada onde o céu quase nunca se fecha e traz uma chuva geralmente se sente agraciada com uma fotografia de pessoas brincando na neve uma mulher estéril que sonha em ser mãe e gerar um filho se comoveria ao ver um quadro uma fotografia ou até mesmo uma cena de filme que retrata uma mãe amamentando seu bebê ou preparando o lanche do seu primeiro dia na escola É assim também com a arte tendemos a produzir ou a apreciar coisas que almejamos e por isso a produção artística de forma terapêutica nos coloca frente aos nossos medos e desafios e pode revelar desejos guardados no subconsciente A arte é além de tudo um instrumento Um instrumento é uma extensão do corpo que permite realizar um desejo e é necessário por causa de algum impedimento da nossa constituição física Uma faca é uma resposta a nossa necessidade e incapacidade de cortar Uma garrafa é uma resposta a necessidade e incapacidade de carregar água Para descobrirmos a finalidade da arte é 6 Fonte httpsenciclopediaitauculturalorgbrobra11570oplanetariodedeus Acessado em 06022023 26 preciso perguntar o que deveríamos fazer com nossa mente e nossas emoções mas não conseguimos fazer muito bem De Boton Armstrong 2014 p 5 A arte possui assim um poder consolador já que pode expressar aquilo que desejamos e imaginamos ser a felicidade absoluta O prazer com obras graciosas se alimenta da insatisfação se não achássemos a vida difícil a beleza não teria a atração que tem De Boton Armstrong 2014 p 20 A arte revela traços do nosso inconsciente que nos define entre eles nossos medos e desejos portanto ela também nos auxilia no autoconhecimento e como sendo um meio de expressão nos ajuda a conhecer o próximo Alguns artistas exploram os autorretratos como forma de conhecer mais de si e de expressar esse conhecimento uma dessas artistas é Frida Kahlo grande parte de suas obras retratam ela mesma Em uma de suas frases ela afirma Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor De Boton Armstrong 2014 Segundo os autores ao olharmos para um autorretrato podemos nos deparar com traços físicos e também da personalidade de quem a fez em uma de suas obras Frida se retrata como sendo duas mulheres uma delas está visivelmente vulnerável deitada em uma cama e ferida já a outra está imponentemente sentada ao lado com uma bandeira que diz Árvore da esperança mantémte firme 1946 Além da possibilidade da obra estar expressando duas faces da personalidade da artista 27 Figura 7 Árvore da esperança mantémte firme autorretrato de Frida Kahlo 19467 Fonte Wikipédia Em outra situação podemos ver a expressão do inconsciente através de uma imolação sexual como por exemplo o caso de Octávio um dos pacientes esquizofrênicos que frequentava o ateliê da Dra Nise da Silveira Octávio tinha desejos homossexuais a qual ele reprimia mas que se revelavam em suas pinturas onde era frequente a representação do sacrifício desses desejos como podese ver na imagem abaixo onde o homem sacrifica o cavalo que representaria aqui suas vontades sexuais 7 Fonte httpsptwikipediaorgwikiC381rvoredaEsperanC3A7aMantenhaseFirme Acessado em 06022023 28 Figura 8 Imolação do cavalo 1969 desenho retratando a imolação do instinto sexual Fonte SILVEIRA 2015 p 1098 É importante lembrar que essa interpretação foi feita por um paciente esquizofrênico no caso de Octávio portanto isso não diz que toda pintura ou desenho que ilustre o sacrifício de um animal significa reprimir instintos sexuais de quem o fez No que se diz respeito ao tratamento de um psicótico eou esquizofrênico a prática artística tem uma grande importância visto que no nosso inconsciente existem diferentes personalidades como no caso da anima e do animus afirmadas por Jung como sendo a parte feminina do homem e a parte masculina da mulher respectivamente que se revelam através da expressão artística Uma questão polêmica sobre a loucura em relação a arte é sobre o potencial criativo que diverge da lógica do mercado de arte onde no decorrer da história da arte podemos ver artistas com transtornos mentais e emocionais que se desenvolveram expressivamente e foram reconhecidos um desses artistas é Vincent Willem Van Gogh 18531890 Apesar de possuir transtorno bipolar e depressão de acordo com uma percepção diagnóstica recente do seu estado mental sendo também alcoólatra foi um grande pintor do pósimpressionismo 8 Fonte httpsbrpinterestcompin89438742572069446 Acessado em 07012023 29 porém não podemos esquecer que o irmão comercializava suas obras em Londres maior centro comercial das artes naquele momento A história de trajetória da educadora Maria Tecla Artemisia Montessori 18701952 contada no filme Maria Montessori uma vida dedicada às crianças 2007 faz um paralelo com a luta da Dra Nise da Silveira Enquanto Maria Montessori aplicava seus métodos de ensino e prova que crianças intituladas retardadas são capazes de crescer em seu aprendizado e serem alfabetizadas Nise também aplica seus novos métodos de tratamento provando que é eficaz o tratamento de transtornos mentais através da arte e que transtornos mentais não tiram a capacidade criativa da pessoa humana Além do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro no Rio de Janeiro um outro pioneiro do uso da arte para tratamentos mentais foi o psiquiatra Osório César 18951979 que é também o fundador da Escola Livre de Artes Plásticas do Hospital do Juqueri no interior de São Paulo Exemplos de processos terapêuticos em Arteterapia que inspiraram novas abordagens humanizadas relacionando arte e loucura Assim podemos perceber que existem hoje muitas exposições e museus curando a arte ligada à loucura expondo obras produzidas por pacientes psiquiátricos como no caso do Museu Imagens do Inconsciente que é composto por obras de pacientes da Dra Nise da Silveira o Museu Bispo do Rosário e também o Museu Emílio Ribas que tem como parte do acervo pinturas e desenhos produzidos por pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri 30 12 A Arte como consolação A arte nos impulsiona a perceber as coisas do cotidiano como se fossem algo novo vemos algumas vezes pinturas e desenhos que retratam apenas uma cena comum ao nosso dia a dia mas o fato de elas estarem na tela de um artista nos faz olhar essa cena como se fosse algo nunca visto assim enxergamos valor nas coisas que passam pelos nossos olhos todos os dias despercebidamente nesse sentido a arte provoca a nossa sensibilidade A arte remove nossa casca e nos salva do habitual descaso pelo que está ao nosso redor Recuperamos a sensibilidade olhamos o velho de novas maneiras Deixamos de supor que as únicas soluções são a novidade e o glamour De Boton Armstrong 2014 p 65 A arte também expressa aspectos de uma determinada época em tempos em que predominava o poder religioso ou seja a igreja era um dos maiores poderes a arte expressava cenas e personagens bíblicos como é o exemplo de Moisés e Davi que foram esculpidos por Michelangelo 14751564 A fruição destas obras nos oferecem possibilidades de investigar a alma humana em sua profundidade como podemos observar na leitura que Sigmund Freud 18561939 fez de Moisés revelando através de uma análise lê a pedra o mármore esculpido como se lesse a alma humana Da mesma maneira situações do cotidiano nos oferecem esta possibilidade de reflexão sensível 31 Figura 9 Moisés de Michelangelo 151315159 Fonte Wikipédia A arte nos mostra paisagens que não são tão comuns como imaginamos e que por isso observamos com desejo como no caso de paisagens naturais que se tornam exuberantes ao olhos de quem mora em cidades grandes com prédios e trânsito lotado mas também pode nos trazer à tona cenários que fazem parte da nossa convivência como fez o fotógrafo André Vicente Gonçalves que decidiu fotografar os diferentes tipos de janelas que encontrou pelo mundo resultando em uma série fotográfica intitulada janelas do mundo 9 Fonte httpsptwikipediaorgwikiMoisC3A9s28Michelangelo29 Acessado em 09032023 32 Figura 10 Janelas do mundo de André Vicente Gonçalves sd 10 Fonte Site ArchDaily Essas paisagens que estão tão perto de nós e que não costumamos nos atentar merecem sim visibilidade pois elas dizem respeito a identidade de uma sociedade e consequentemente também a nossa e mesmo fora do padrão elas possuem sua beleza particular e a manifestação depende de quem a observa Podemos aprender a ver novas coisas em coisas velhas assim como diz o escritor norteamericano Ralph Waldo Emerson 18031882 abrir espaço na alma para reconhecer outras formas de beleza como nos lembra De Boton e Armstrong 2014 A arte então pode ser descrita como uma força que nos impulsiona a pensar a observar as pequenas coisas e a refletir sobre a vida ela nos faz crescer e também nos mostra a grandeza do mundo A verdadeira finalidade da arte é criar um mundo onde ela seja menos necessária e menos excepcional um mundo onde os valores atualmente encontrados celebrados e fetichizados em doses concentradas entre as paredes dos museus estejam difundidos de forma mais indiscriminada por toda a terra DE BOTTON ARMSTRONG 2014 p 232 10 Fonte httpswww1folhauolcombrilustrada202205quemfoiauroracursinoartistalobotomizadaque pintouasubmissaofemininashtml Acessado em 12092022 33 CAPÍTULO 2 A ARTE E A LOUCURA 34 21 A arte e a loucura Figura 11 Hugo Denizart Bispo do Rosário 1982 Impressões Fotográficas Cortesia Denizart Cordeiro Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Um dos artistas que está fortemente ligado à discussão sobre arte e loucura é Arthur Bispo do Rosário 19091989 Bispo levava uma vida comum trabalhou na Marinha por nove anos e teve uma pequena carreira no pugilismo ou boxe até que em 1938 manifestou problemas psicológicos A partir de alucinações em que acreditava estar recebendo a missão de preparar o mundo para o dia do Juízo Final Bispo então se dedica em cumprir sua missão de preparação do mundo e as coisas nele existentes Essa dedicação resulta em produções 35 artísticas como bordados ou pequenas instalações em que ele se utilizava de objetos sem valor social para dar novos significados prática que se aproxima dos reademades conceito artístico desenvolvido pelo artista francês Marcel Duchamp 18871968 Figura 12 Objetos de Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira 11 Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Um dos aspectos da missão de Bispo era o fato de que ele acreditava ter que modificar as coisas deste mundo para apresentálas a Deus isso fez com que ele criasse inúmeros objetos ressignificados ou seja atribuindo novos sentidos Partindo desse ponto podemos perceber que Bispo não se preocupava em produzir Arte e sim em cumprir sua missão divina Por esse motivo suas obras só foram expostas como Arte após 43 anos do início de sua jornada Atualmente existem outras possibilidades para análises uma delas é a aproximação com a Arte Contemporânea uma vez que as produções artísticas de Bispo ocupam espaços expositivos onde não o diferenciam dos demais artistas contemporâneos Sua obra é analisada por seu valor artístico não se limitando somente a delírios psicóticos Uma dessas exposições foi Ordenação e Vertigem com a curadoria de Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo em 2003 Recentemente o Itaú Cultural em São Paulo trouxe a mostra Bispo do Rosário Eu Vim Aparição Impregnação e Impacto 2022 com curadoria de Ricardo Resende do Museu Arthur 11 Fonte httpsptwikipediaorgwikiOsBichos Acessado em 12092022 36 Bispo do Rosário Arte Contemporânea mBRAC onde foram apresentadas 400 obras entre mantos estandartes esculturas e outros A produção de Arthur Bispo do Rosário lhe trazia um sentimento de missão cumprida já que ele acreditava estar modificando o mundo através de suas composições e ressignificações para um objetivo maior que era preparálo para o Juízo Final Neste sentido a Arte aparece como uma ferramenta de transformação para refazer o mundo nova maneira de enxergálo Imagine que Bispo não se visse capaz de preparar o mundo para o Juízo Final isso somaria angústia e traria efeitos negativos a sua existência assim a arte se torna remédio para a alma Anotações Autorais 2022 A produção de um artista traz consigo uma série de decisões por ele tomadas para chegar a algum resultado desde a cor e a técnica utilizadas até como expor publicamente a obra porém Bispo não foi motivado por tais decisões uma vez que não produziu com o intuito artístico ao contrário seguia sua meta divina o que torna suas produções singulares Uma das principais obras do artista é o Manto da Apresentação 1987 feito com tecidos e linhas recicladas de roupas velhas e que traz uma riqueza de bordados manuais com formas abstratas como a mandala colorida que ilustram tanto elementos desse mundo como também relacionadas ao divino Bispo pretendia usar o Manto da Apresentação no dia do Juízo Final onde segundo ele haveria o julgamento dos vivos e dos mortos Frequentemente a mandala surge como fenômeno psicológico primário que apenas reflete a estrutura quaternária básica da psique em imagens compostas de quatro elementos semelhantes ou múltiplos de quatro também semelhantes SILVEIRA 2015 p 67 De acordo com a Dra Nise da Silveira as mandalas dizem muito sobre o estado psíquico de quem a fez no momento em que as fez As mandalas representadas no Manto e em outras obras são de múltiplos de quatro e nos faz refletir que mesmo com delírios e alucinações Bispo possuía em seu consciente ligações com a realidade que são representadas através de pequenas características na sua produção 37 Figura 13 O Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário sd12 Fonte Pinterest É interessante perceber que apesar de viver a maior parte de sua vida internado em hospitais psiquiátricos as produções de Bispo não representam os lugares onde ele viveu apenas as matérias primas utilizadas tais como cordas e roupas velhas pertenciam aos espaços 12 Em uma definição sucinta self inclui um corpo físico processos de pensamento e uma experiência consciente de que alguém é único e se diferencia dos outros o que envolve a representação mental de experiências pessoais FontehttpswwwscielobrjpaideiaaBcb4hf9B9TmfwqZJtQRPTRslangpttextEm20uma 20definiC3A7C3A3o20sucinta2C20selfGazzaniga202620Heatherton2C202003 Acessado em 10032023 38 Figura 14 Detalhe de Obra de Arthur Bispo do Rosário Colônia Juliano Moreira sd Costura revestimento bordado escrita Coleção PCJRMuseu Bispo do Rosário Arte Contemporânea Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Como sabemos a vida de Bispo era regida por suas alucinações e sua missão divina que eram expressas e materializadas através de suas produções Apesar de os símbolos e as escritas presentes não serem decifráveis as obras do artista nos dizem sobre o que ele acreditava ser o seu papel no mundo Contemporaneamente a história e a trajetória de Arthur Bispo do Rosário também está presente em desfiles de Carnaval como em 2018 com a escola de samba Acadêmicos do Cubango com o tema O Rei que bordou o mundo além de diversas exposições em museus e centros culturais como já escrito 39 Figura 15 Acadêmicos do Cubango O Rei que bordou o mundo 201813 Fonte Pinterest Em julho de 2011 o programa jornalístico De Lá Pra Cá entrevistou Ricardo Aquino exdiretor do Museu Bispo do Rosário e também o ator João Miguel que representou Bispo em um monólogo Na entrevista ao programa Miguel disse Eu não acho que a obra do Bispo seja uma obra feita da loucura o espetáculo que eu faço tudo que o Bispo me ensinou a partir desse contato de admiração artística pelo o artista que ele é são aspectos de lucidez e não da loucura catalogada Na mesma entrevista Ricardo Aquino 13 Fonte httpsportallygiaclarkorgbracervo212mascarassensoriais Acessado em 12092022 40 quando questionado sobre a sanidade de Bispo afirmou Pra psiquiatria ele estava esquizofrênico pra arte ele estava são artista Na exposição Ordenação e Vertigem 2003 Ricardo Aquino fez o comentário Como Deleuze apontou o paciente clinica a si quando cria e nessa situação ele não está doente e sim artista ORDENAÇÃO e VERTIGEM 2003 p 81 Ao decorrer da pesquisa percebemos que a loucura aparece também com seguinte definição sentimento ou sensação que foge ao controle da razão Para a pesquisadora Lúcia Santaella não há arte sem paixão e no seio da paixão a loucura se anima Ordenação e Vertigem 2003 41 22 ARTE LOBOTOMIZADA Aurora Cursino 18961959 foi uma das pacientes internadas no Hospital do Juquery e que participou da Escola de Artes Plásticas fundada por Osório César Aurora sofreu Lobotomia e ficou conhecida como a Artista Lobotomizada Ela produziu um acervo com cerca de 200 quadros e algumas de suas obras fizeram parte da exposição Imagens do Inconsciente 2000 na Bienal de São Paulo Aurora é assunto de um catálogo que discute sobre temas polêmicos como violência sexo e submissão feminina publicado pela Veneta Editora A publicação tem como título Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida e traz cerca de 78 reproduções de suas obras Assim como sua obra foi apresentada na revista Gama ressaltando o tema arte e loucura O jornalista Leonardo Neiva faz a seguinte observação Tendo ficado boa parte da vida internada em hospitais psiquiátricos a artista que também já foi prostituta e empregada doméstica é presença marcada na maioria dos materiais e pesquisas que envolvem arte e loucura mas raramente é citada ao se falar na história da arte no Brasil Gama 2022 p 01 As produções de Bispo e de Aurora possuem algo em comum o uso de palavras em suas composições As obras de Bispo do Rosário trazem uma escrita ligada ao divino e consequentemente também ao futuro enquanto Aurora trabalha com palavras que contam parte de sua história e de sua trajetória como prostituta 42 Figura 16 Obra de Aurora Cursino st sd14 Fonte Folha de SPauloUOL 14 Fonte httpsbrpinterestcomnociamlygiaclark Acessado em 12012023 43 23 LYGIA CLARK DA ARTE PARA A TERAPIA O trabalho sensorial da artista brasileira Lygia Clark 19201988 explora sensações guardadas na mente humana e também cria novas memórias através da experiência vivida durante a interação com suas obras artísticas Clark acaba por romper o padrão até então esperado de interação entre obra e público fazendo com que o público seja parte efetiva da obra Com essa prática de interação Clark acaba transformando sua exposição em uma experiência terapêutica onde o indivíduo manipula a obra e também é manipulado por ela A obra para Lygia Clark só funciona com a interação obrapúblico e públicoobra Vale lembrar que uma das funções da psique é guardar as lembranças se utilizando de âncoras de memórias As principais dessas âncoras são alguns dos nossos sentidos como o tato paladar olfato audição e visão por isso é normal sentirmos um perfume ou ouvirmos algum som que nos traz memórias antigas ou que estavam guardadas em uma camada mais profunda da nossa mente Lygia Clark nem sempre trabalhou com essa abordagem no começo de sua trajetória se dedicou à pintura mas a mudança ocorreu por volta de 1960 quando a artista expôs a primeira obra que trabalhava com a interação do público a obra Bichos 1960 composta por pequenas esculturas feitas de metal com dobradiças o que permitia modificações criando novas formas 44 Figura 17 Série Bichos 1960 de Lygia Clark15 Fonte Galeria Murilo Castro A obra de Lygia Clark estimula também o Self 16 isto é uma unidade do corpo e da mente pois em suas obras a experiência corporal gera forte conexão com a memória existente como no caso da obra Túnel 1973 que consiste em um grande túnel de tecido em que a pessoa se movimenta a procura da saída e traz uma sensação física próxima ao parto humano Assim a obra não é somente o objeto feito por ela mas toda a experiência vivenciada Uma de suas obras mais interessantes são as Máscaras Sensoriais 1967 que são máscaras de tecido com furos no lugar dos olhos contendo diversos elementos que podem modificar a visão de quem a está usando um desses elementos é o espelho Além desses elementos as máscaras se diferem em cheiro e em seu peso de forma que cada máscara traz consigo uma sensação sensorial diferente A experiência sentida ao usar as máscaras alcança também o Self já que a pessoa sente o espaço com o corpo e também com a mente 15 Fonte httpsmurilocastrocombr2015arteriofeirainternacionaldeartedoriodejaneiro09a1309 artrio2015023 Acessado em 14012023 16 Esta expografia se inspira na maneira como Bispo organizou seus objetos em sua cela na Colônia Juliano Moreira Sem hierarquias essa organização constitui uma única obra de múltiplas partes que não foram nomeadas pelo artista tendo apenas títulos atribuídos por pesquisadores Texto Curatorial da Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 45 Figura 18 Máscara Sensorial 1967 de Lygia Clark17 Fonte Portal Lygia Clark A artista Lygia Clark decidiu então em 1978 se aprofundar no uso de experiências sensoriais estimulando o corpo de forma terapêutica com psicóticos No documentário Memória do Corpo 1984 de Mário Carneiro podemos ver alguns objetos que Lygia elaborou para lhe ajudar a gerar uma experiência que tem como base as sensações onde a pessoa era estimulada a relaxar de forma profunda e se conectar com seu interior A artista sofreu críticas de alguns psicanalistas em função do seu trabalho terapêutico que apesar de inovador para a época Lygia Clark não possuía formação na área Para o crítico de arte Paulo Sérgio Duarte o trabalho da artista conectava as pessoas às partes de seu corpo de forma individual fazendo com que consequentemente se conectassem também com o seu todo 17 Fonte httpswwwcanalsaudefiocruzbr Acessado em 14012023 46 O artista pernambucano Lula Wanderley deu continuidade ao trabalho terapêutico de Lygia Clark no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro Em certa ocasião Wanderley relatou um acontecimento um paciente em surto ao aguardar ser atendido na sala de espera manuseia conchas almofadas de areia sacos cheios de água e um cobertor de bolinhas de isopor e logo consegue sair do estado de surto dizendo que eram esses os objetos que o acalmaram no surto e que se fosse psicólogo era assim que escolheria tratar seus pacientes Figura 19 Frame do Documentário Memória do Corpo 1984 Fonte httpsbrpinterestcompin619174648748308649 Acessado em 07022023 Atualmente é muito comum em canais do Youtube a prática do ASMR mas o que é ASMR Autonomous Sensory Meridian Response Resposta Sensorial Autônoma dos Meridianos é basicamente uma resposta do seu corpo a estímulos sensoriais como por exemplo o tato e a audição que podem causar um relaxamento eou uma sensação de prazer Muito conhecido nas redes sociais e em canais que tem como principal conteúdo esta prática O ASMIR pode se aproximar do trabalho de Lygia Clark já que traz sensações de relaxamento Contudo diferentemente de assistir um vídeo no celular ou TV o trabalho de 46 Lygia por ser presencial explorava a totalidade dos sentidos isto pode ser visto no documentário Memória do Corpo 1984 Não podemos esquecer mesmo que de forma rápida de Nazareth Pacheco 1961 outra artista brasileira que também explora as sensações do corpo Pacheco busca expressar em sua obra a dor sentida por ela em cirurgias sofridas no decorrer da vida E essa sensação de dor é representada por objetos cortantes como giletes No documentário Gilete Azul 2003 somos levados quase que instantaneamente pela obra Vestido de Gilete e Acrílico 2010 a imaginar e sentir a dor É nesse aspecto que o trabalho de Nazareth se aproxima ao de Lygia pois as duas artistas trabalham com sensações e vivências onde arte e vida se confundem Figura 20 Vestido de Gilete e Acrílico 2010 de Nazareth Pacheco19 Fonte Galeria Murilo Castro 19 Fonte httpseswikipediaorgwikiCuevadelasManos Acessado em 15012023 47 CAPÍTULO 3 ARTETERAPIA As coisas não são ultrapassadas tão facilmente são transformadas NISE DA SILVEIRA 48 31 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTE TERAPIA A Arteterapia é uma terapia que se utiliza de diferentes formas de fazer arte para amenizar sintomas psicológicos promover o autoconhecimento e disponibilizar formas de expressão O desenvolvimento da arteterapia não depende de boa desenvoltura na área artística não é preciso ter práticas de técnicas pois ela visa seu valor no processo de produção onde o paciente se desprende e livremente busca um resultado a partir de uma experiência com o processo Crianças e adultos autistas em sua maioria tem um certo grau de dificuldade no que diz respeito a comunicação verbal situação em que a arteterapia pode desenvolver essa habilidade oral e também pode servir como um meio de comunicação e de expressão tanto intrapessoal quanto interpessoal Tanto autistas quanto pessoas com outro tipo de transtorno mental podem apresentar uma dificuldade psicomotora que pode ser amenizada ou tratada com fisioterapia eou a prática da arteterapia Não só no caso do Autismo mas também na Síndrome de Down transtornos comportamentais como a hiperatividade e outros transtornos mentais a arteterapia se apresenta como ótima ferramenta de tratamento Sem contra indicação ela é utilizada em Centros de Atenção Psicossocial CAPS por todo o Brasil Essa terapia ocupacional tem surtido bons efeitos tanto no comportamento quanto atuado no exercício de expressão e comunicação médicopaciente A prática da arteterapia traz bons efeitos no que diz respeito aos sintomas de doenças psicológicas ajudando a amenizar a agressividade como aconteceu no caso de Adelina 19161984 paciente da Dra Nise da Silveira a melancolia a angústia o medo Uma das práticas da Arteterapia é a musicoterapia que se utiliza do som e do ritmo para atividades terapêuticas Esta prática é aplicada em diferentes instituições como a Associação de Pais e Amigos do Centro de Reabilitação ASPAC instituição que oferece atendimento clínico e social a crianças com deficiências ou atraso no desenvolvimento A musicoterapia traz benefícios para pessoas com dificuldades na fala ansiedade autismo entre outros podendo ajudar até em casos de dor crônica 49 Figura 21 Pintura Abstrata st Acervo CAPSMarabá Fonte Acervo CAPSMarabá No Canal Saúde20 em 2018 o Programa Sala de Convidados com o tema a arte e a cura com a participação da psicóloga Neli Almeida fundadora do coletivo carnavalesco Tá pirando pirado pirou de Marlene Duarte oficineira do CAPS João Ferreira Filho da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e da arteterapeuta Angela Philippini foi discutido assuntos que exploram a arte como forma de tratamento e de reencontro consigo mesma Quando se fala sobre não haver comprovações científicas de que a arte traz melhoras no estado psíquico dos pacientes Angela Philippini afirmou que a arteterapia traz mudanças positivas perceptíveis Angela aponta pesquisas que falam sobre a liberação de neurotransmissores como dopamina serotonina e endorfina no exercício das atividades criativas Na cartilha do Sistema Único de SaúdeSUS a arteterapia é apontada como ferramenta que auxilia na promoção na reabilitação e na recuperação da saúde tendo como principal característica o acesso aos sentimentos não expressos em palavras Em 20 Fonte httpsblogopinionboxcompiramidedemaslow Acessado em 15012023 50 2006 foi fundada a União Brasileira de Associações de Arteterapia UBAAT que objetiva assegurar a qualidade da formação dos profissionais da área As práticas criativas e de expressão que as diferentes linguagens artísticas promovem ajudam o indivíduo seja ele doente ou não a compreender melhor suas emoções resolver conflitos internos e expressar suas dificuldades além de estimular e manter o impulso criador Instituições de saúde tanto particulares quanto públicas têm explorado a prática da arteterapia e seus benefícios não só no caso de saúde mental mas também em casos de dependência química e alcoólica O impulso criativo traz renovação e pode proporcionar um renascimento para o indivíduo lhe dando uma nova visão do mundo e também de si mesma agindo como efeito de cura O conceito de cura aqui utilizado pode significar tanto uma grande progressão seguida de alta médica e ausência total de sintomas quanto uma leve melhora já que tanto o trabalho psiquiátrico quanto o terapêutico é movido por tal expectativa Na História da Humanidade a arte teve um importante papel pois através das pinturas e desenhos feitos pelo o homem do Paleolítico foi possível sabermos detalhes de sua vida como os rituais que eles realizavam e também sobre os animais que caçavam para se alimentar com o passar do tempo esses agrupamentos humanos começaram a explorar as pinturas não somente para relatar seu cotidiano mas passando a criar composições imagéticas e simbólicas 51 Figura 22 Cueva de las manos sd Pintura rupestre na Argentina21 Fonte Wikipédia Na década de 1950 o psicólogo Abraham Maslow 19081970 desenvolveu uma pesquisa para selecionar as necessidades humanas e descobrir o que faz as pessoas felizes No decorrer desse estudo Maslow em uma pirâmide organizou uma cadeia de necessidades humanas estando dá base ao topo colocadas de acordo com a sua importância Segundo Maslow no paleolítico não existiam moradias que garantiam segurança física nem tão pouco reconhecimento e status que são duas categorias abaixo da categoria que se encaixa na prática artística de acordo com a pirâmide por ele sugerida Porém o homem já exercia a sua criatividade desenhando nas paredes das cavernas e construindo seus utensílios e vestimentas o que põe em dúvida a divisão hierárquica do psicólogo e coloca a arte e a prática criativa como uma das primeiras e mais essenciais realizações do homem responsável pela sua sobrevivência e crescimento intelectual 21 Fonte httpswwwfacebookcomsemprevivafreigalvaoaboutlocaleptBR Acessado em 13012023 52 Figura 23 Imagem representativa da pirâmide de Maslow 1950 Fonte Blog Opinion Box A arte é de suma importância para o nosso crescimento nos auxiliando a compreender melhor o mundo ou simplesmente aceitálo com suas divergências embelezando nossa caminhada e como foi mostrado também exercendo seu poder terapêutico 53 32 MINHAS EXPERIÊNCIAS NA ARTETERAPIA COMO PACIENTE Figura 24 Pintura Autoral Abstrata sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Como já foi visto no decorrer deste texto a arte quando utilizada com intuitos terapêuticos ou seja como arteterapia traz benefícios em diversos casos dependência química estresse depressão e várias outras doenças psicológicas e psiquiátricas no meu caso não foi diferente diagnosticada com Transtorno de Personalidade Limítrofe TPL ou como é chamado comumente transtorno borderline vivi um período de intensas crises um quadro de auto agressão e mutilação tentativas de suicídio onde em uma delas tive que passar por um processo de lavagem estomacal para desintoxicação por tomar grande dose de medicamentos Estive um tempo com a suspeita médica de esquizofrenia sendo essa descartada após um acompanhamento psicoterápico Tive contatos com arteterapia primeiramente com as sessões terapêuticas do Centro de Atenção Psicossocial CAPS de Marabá a qual sou paciente até hoje No primeiro momento participei da terapia de pintura em tecido ministrada por uma funcionária do 54 CAPS as sessões eram sempre iniciadas com uma conversa que muitas vezes trazia a tona nossas angústias e alegrias referentes àquela semana de forma que nos estimulasse a usar a prática de pintura em tecido para expressar tais sentimentos Depois da pintura éramos convidados a falar sobre como foi o processo do pintar e o que sentimos quando o fazíamos momento em que alguns de nós chorávamos outros riam e tinha aqueles que nada diziam Esse momento da semana era para mim bastante valioso era onde eu me descrevia de uma forma não explícita e isso me causava alívio Figura 25 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Uma outra prática de arteterapia que participei no CAPS foi a de expressão corporal Nela eu dançava pulava sorria chorava destensionava ao mesmo tempo em que relaxava Lembrome que em muitas sessões de relaxamento me transformei em água e me derramei Nas sessões de expressão corporal deitávamos no chão fechávamos os olhos e nos imaginávamos como água e vento nos conectávamos com nós mesmas Nesse momento os medos ficavam pequenos ou grandes e sentíamos um por vez era como uma batalha em que nem sempre vencíamos mas que nos ensinava a lidar com os nossos demônios e desse jeito me fazia mais confiante o que me ajudou em minhas crises de ansiedade onde me mentalizava forte assim como eu era forte em água eu poderia ser forte em mim mesma 55 Um importante contato que tive com terapia artística foi quando estive internada na Ala Psiquiátrica do Hospital Municipal de MarabáHMM em fevereiro de 2019 com fortes crises não me recordo muito desta época mas me lembro de alguns momentos vividos naquele lugar Dois desses momentos foi praticando arteterapia mas especificamente dança e artesanato Eu me lembro dos sorrisos da minha mãe me olhando dançar eu nunca tinha me sentido tão à vontade na frente dela mas mesmo presa naquela ala psiquiátrica naquele momento eu me senti mais livre do que nunca aquela dança me deixou fisicamente exausta e mentalmente leve Assim também foi quando fizemos juntos pacientes e enfermeiros um tapete de fiapos enquanto eu media e cortava pedaços de barbante que seriam desfiados para fazer o tapete eu me recuperava recuperava minha coordenação motora que fora afetada pelo uso de muitos medicamentos que eram um total de oito comprimidos diários naquela época me recuperava porque me lembrava de quando era criança e brincava de fazer roupinhas de boneca e porque em momentos agudos da crise não consegui me ver como alguém que possuísse um futuro diferente da morte como agora eu via naquele momento O tapete na imagem abaixo é uma das peças que compõem a exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto 2022 Essa peça é semelhante ao tapete feito por mim na seção terapêutica da Ala Psiquiátrica do HMM já citada acima 56 Figura 26 tapete de cama Romeu e Julieta sd de Arthur Bispo do Rosário Montagem e Costura Coleção PCRJMuseu Bispo do Rosário Arte Contemporânea Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Hoje olhando para o meu desenvolvimento psíquico e para todas as informações e conhecimentos que consegui com a minha pesquisa reconheço o peso que tem a arteterapia no tratamento mental O tratamento alopático que não tem eficácia isoladamente nos casos de transtornos mentais e somados à experiência e à prática de arteterapia resultam em significativas melhorias As pinturas feitas nas oficinas de arteterapia do CAPS são importante canal de comunicação não verbal pois é também através delas que os terapeutas percebem sinais como melancolia e tendências suicidas por exemplo Os terapeutas observam em alerta esses sinais que podem se manifestar nas pinturas e nos desenhos 57 Figura 27 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 28 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá 58 Figura 29 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Observe que a variedade de cores utilizadas nessas pinturas é pequena limitandose a preto diferentes tons de cinza e o vermelho que faz alusão ao sangue e a morte Algumas das pinturas observadas possuem também algumas declarações escritas como a pintura abaixo que contém um texto de desabafo Figura 30 Desenho feito por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 59 Figura 31 Desenho feito paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá As pinturas feitas pelos pacientes do CAPS incluindo a mim são também utilizadas para a confecção de peças que depois são vendidas em feiras organizadas pela instituição peças como bolsas cortinas e demais utensílios que são feitos também pelos pacientes em sessões de artesanato 60 Figura 32 Bolsas feitas de pinturas da sessão terapêutica do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 61 33 CAPS MARABÁ Fundado há mais de 17 anos o Centro de Atenção Psicossocial CAPS é responsável pelo o atendimento e recuperação de pacientes com problemas psiquiátricos de Marabá e região oferecendo atendimentos psiquiátricos disponibilizando medicamentos psicoterapia e também atividades interativas de arteterapia como a oficina de pintura de carimbó de expressão corporal teatro e artesanato Os pacientes da instituição participam também de ações culturais além das dependências do CAPS como a ação de luta antimanicominal que ocorreu em 18 de maio de 2019 na Praça Duque de Caxias em Marabá contando com música atividade física dança e também rodas de conversa Entre estas atividades ocorreu também a 1º Mostra de Pinturas Terapêuticas 2019 com o nome da psiquiatra pioneira em arteterapia Nise da Silveira onde foram expostas algumas das pinturas feitas pelos pacientes do CAPS Figura 33 Pintura em preto e branco feita por um paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 62 Em uma visita ao Acervo de Arteterapia do CAPS de Marabá tive a oportunidade de fotografar algumas dessas pinturas onde percebi uma forte presença de elementos circulares totalmente ou parcialmente abstratos e também algumas com a palavra escrita Apesar das diversidades em pinturas coloridas as que me marcaram são feitas usando preto branco e também diferentes gradações de cinza pois essas tonalidades enfatizam o tema melancólico dessas obras Algumas dessas são feitas por mim mesma e que fazem parte do acervo da instituição Figura 34 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPSMarabá 63 Figura 35 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 36 Tríade em preto e branco feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 64 Duas das pinturas mostradas anteriormente possuem um elemento semelhante ao que aparece na obra O Grito 1893 do artista norueguês Edvard Munch Na obra O Grito a figura expressa angústia e desespero assim como parece também expressar na pintura acima Outro elemento que relaciona as duas produções é o ato de gritar que na obra do artista é identificada pela intensidade da expressão facial da figura pintada e que também pode ser percebido na pintura do Acervo CAPS através da observação da linha em espiral que surge da boca da figura Algumas pinturas coloridas do Acervo CAPS parecem exercer um papel ordenador sendo assim o grito de reestruturação de uma mente desordenada Figura 37 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 65 Figura 38 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 39 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 66 CAPÍTULO 4 LINHAS DO CORPO EM BUSCA DE UMA POÉTICA VISUAL 67 41 EXPRESSÃO DO OPRIMIDO Figura 40 Bordando minhas telas 2022 Fonte Acervo Pessoal Buscando contar minha história expressando angústias e medos produzi um trabalho poético uma série de bordados em dez telas e uma bolsa de pano buscando expressar sentimentos vividos por mim no período de crise psicológica que enfrentei onde sentia medo de mim mesma e de tudo que o futura poderia me trazer O suporte escolhido foi a tela e o bordado como expressão e linguagem A primeira tela produzida traz uma expressão da automutilação que eu sofri no período de crise trazendo também em si uma declaração de sofrimento Fazendo alusão ao nome da série de 68 bordados Linhas do corpo a primeira tela traz uma escrita em vermelho simulando cortes feitos no braço Figura 41 Primeiro bordado autoral 30x24 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Em uma das sessões de psicoterapia que participei foi proposto pela psicóloga que eu utilizasse um caderno para escrever sobre os meus sentimentos e sobre aquilo que me atormentava Seguindo a sugestão comecei a escrever cartas direcionadas a Deus a mim mesma e também textos poéticos A partir destes textos produzi a segunda tela da série Linhas do Corpo onde eu expresso o medo interior sentindo por mim 69 Nessa e em outras telas da série a cor utilizada para o bordado em escrita é a cor vermelha que simboliza o sangue Figura 42 Segundo bordado autoral 30x30 série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Algumas religiões veem os problemas psicológicos também como problemas espirituais uma delas é o Cristianismo que é a religião que sigo Segundo algumas passagens da Bíblia recebemos em nossa mente setas do Maligno que são pensamentos de derrota maldade contra o próximo contra si mesma e pensamentos de morte Na terceira tela feita por mim busquei expressar as setas recebidas no meu coração Além do bordado utilizei nessa tela uma técnica chamada patch aplique que consiste em recortar retalhos de tecido aplicálos em uma superfície nesse caso a tela Além da linha um outro material usado neste trabalho foi o couro sintético o qual usei para realizar o patch aplique 70 Figura 43 Terceiro bordado autoral 30x30cm série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 No quarto trabalho foi bordado em linha preta uma figura não humana com expressão corporal melancólica que se encontra no centro de uma grande espiral verde que representa um estado de inércia emocional em que eu nem me sentia mal nem feliz onde a vida apenas parecia uma grande dormência que perdurava por minutos ou por dias 71 Figura 44 Quarto bordado autoral 22x16 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 A mente humana juntamente com o corpo se manifesta de diferentes modos de acordo com o que sofre Algumas pessoas podem adquirir diversos tipos de Transtornos Obsessivos Compulsivos TOCs e manias físicas e mentais uma das manias que eu adquiri foi de contornar as pessoas na mente eu olhava para alguém e quando me dava conta já estava desenhado essa pessoa na mente ou eu simplesmente começava a desenhar uma forma específica de espiral infinita é o que desenhei na minha quinta tela 72 Figura 45 Quinto bordado autoral 20x20 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Nesta tela a minha intenção era retratar o sentimento sentindo por mim em uma crise por várias vezes quando eu estava passando mal minha mãe me perguntava o que eu sentia sem saber responder e expressar a minha resposta era sempre a mesma agonia essa era a sensação sentida por mim que tentei expressar no sexto bordado 73 Figura 46 Sexto bordado autoral 30x24cm série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 A segunda tela apresentada acima traz escrito um texto autoral pode ser assim menina Fig 42 na qual busquei representar graficamente meus sentimentos No sétimo bordado a palavra monstro retorna que se refere a mim mesma Além da representação 74 do monstro essa tela mostra também uma mente confusa e atormentada Essa confusão é expressa pela ausência de cabeça tendo no lugar um emaranhado de linhas Figura 47 Sétimo bordado autoral 25x25cm série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Um dos sintomas do Transtorno de Personalidade Limítrofe TPL é a variação de humor durante muito tempo sofri com essa variação rápida de humor porém hoje reconheço que apesar de dolorida essa variação me trouxe uma certa resiliência aprendi a ser mais forte e tentar ficar bem mesmo que não consigo Acima de tudo é tentar com todas as minhas forças 75 Figura 48 Oitavo bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Para algumas pessoas não é fácil se abrir contar algo que lhe aflige desabafar com alguém isso acaba trazendo a si mesma um peso que vai aumentando cada vez mais Para todos é importante conseguir conversar sobre suas dores em especial para pessoas com transtornos pois um dos meios de tratamentos é a psicoterapia que se baseia no diálogo entre o indivíduo e o terapeuta Esse diálogo pode ser facilitado pela arte como já foi salientado anteriormente Porém ainda sim é preciso um esforço para romper com as barreiras do silêncio O silêncio angustiante da alma um grito que não pode ser ouvido por alguém além de você mesma uma voz ensurdecedora na sua cabeça uma angústia que sufoca não há quem possa te ouvir 76 Figura 49 Nono bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Uma das coisas mais importantes para a autocura é a fé o homem necessita acreditar em algo seja na sua força seja na natureza ou em Deus A psicóloga Maria Antônia de Camargo Maia22 afirma que a fé influencia nos sentimentos Por muito tempo eu vivi afastada de um templo e não congreguei em nenhuma igreja mas meu coração sempre esteve de certa forma ligado a Deus e hoje eu tenho a convicção de que isso me ajudou Algumas vezes eu pensei em tirar minha própria vida chegando até mesmo a tentar isso porém sempre em minha cabeça eu pensava em Deus e em como ele ficaria triste e 22 Fonte httpswwwarchdailycombrbr775067arteearquiteturajanelasdomundoandregoncalves Acessado em 03022023 77 separado de mim Quando retornei à igreja e a congregação tive ajuda de pessoas que são importantíssimas pra mim e me ajudaram a superar as crises vejo hoje essas pessoas como anjos enviados por Deus já não consigo mais me ver sem exercer minha fé e reconheço a importância agora quero sempre levar Deus em mim e que a vontade dele seja feita em minha vida assim como diz o Pai Nosso Nas duas últimas produções da série eu busquei representar Deus como Jesus o Leão da tribo de Judá e como o espírito santo que é uma junção de Deus pai e Deus filho vivendo em mim Figura 50 Décimo bordado 30x24 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 78 Figura 51 Bordado em bolsa da série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Após os quarenta dias do Dilúvio Noé envia pássaros para procurarem terra seca com tentativas falhas até que uma pomba volta com um galho no bico demonstrando assim ter encontrado vegetação que não estivesse encoberta por água assim como esse pequeno galho representou a esperança de um novo tempo Jesus significa pra mim um novo começo 79 Todos esses desenhos bordados representam uma parte da minha vida e luta e assim como eles estão bordados na tela todas as lembranças estão também de certa forma bordadas em mim A arte foi uma ajuda na minha vida e hoje me utilizo dela para expressar minha força e vitória 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da análise desse trabalho de pesquisa é perceptível que a arte é uma ótima ferramenta terapêutica e também um importante meio de expressão tanto interpessoal como intrapessoal a arte acessa camadas internas da psique da pessoa e através da expressão dessas camadas revela segredos sobre sentimentos traumas e possíveis delírio Além disso ela pode também auxiliar no desembaraço desses delírios e proporcionar experiências prazerosas e terapêuticas que podem auxiliar no tratamento de transtornos mentais e psicológicos revelando assim o seu potencial curativo A arteterapia que consiste no uso da arte para fins terapêuticos ajudou algumas pessoas com transtornos mentais a se estabilizarem e adquirirem certa liberdade de expressão uma dessas pessoas foi Arthur Bispo do Rosário Ainda hoje podemos ver em institutos clínicas terapêuticas e hospitais o uso dessas terapias artísticas que tem se tornado assunto de pesquisas demonstrando melhoras significativas Alguns artistas como Lygia Clark e Nazareth Pacheco têm se utilizado de experiências sensoriais ligadas aos sentidos do corpo humano e também da memória afetiva por proporcionarem experiências ao público Visto a importância da arte na vida da humanidade já que ela esteve presente ao longo do seu processo histórico e social é preciso que a torne um assunto mais frequente em sala de aula como também fora dela de forma que seja do conhecimento de todos a importância da sua prática pois como foi salientado neste trabalho a prática da arte é também uma prática terapêutica que auxilia a pessoa há se conectar consigo mesma e também com a sua ancestralidade psíquica já que a arte é como uma lâmina que transpassa o crânio e atinge tanto o consciente quanto o inconsciente 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE Darlene Queiroz dos Santos ARANTES Adriana Rocha Vilela A História do Ensino da Arte no Brasil tendências e concepções Disponível em httpcatolicadeanapolisedubrrevistamagistrowpcontentuploads201609a hist C3B3riadoensinodaartenobrasiltendC3AAnciaseconcep C3A7C3B5espdf Acesso em 07052022 ANDRADE Raimundo Soares A Interdisciplinaridade da Arte Disponível em Acesso em 18082022 BARBOSA Ana Mae Arteeducação e desenvolvimento humano Licenciatura em artes Visuais UFJF 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vcBHnPPgNLMM Acesso em 07052022 BARBOSA Ana Mae A imagem no ensino da arte anos 1980 e novos tempos 4ª ed São Paulo Perspectiva 2001 CAVALCANTI Ana Maria Obra de Arthur Bispo do Rosário Disponível em httpwww50emaiscombrobradearthurbispodorosariovaleidaabienal Acesso em 18082022 COELHO Valéria Arthur Bispo do Rosário Disponível em httpshardecorcombrarthurbispodorosario Acesso em 07052022 COURI Aline Entre a loucura e a genialidade Arthur Bispo do Rosário Disponível em Acesso em 18082022 GOMBRICH EH A história da Arte Rio de Janeiro LTC 2013 GOMPERTZ Will Pense como um artista e tenha uma vida mais criativa e produtiva SP Zahar 2016 GONZAGA Ana Assemblagem a arte de reunir objetos diversos para contar histórias Disponível em httpsnovaescolaorgbrconteudo1987assemblageaartede reunir objetosdiversosparacontarhistorias Acesso em 19082022 LIMA Elizabeth Maria Freire de Araújo PELBART Peter Pál Arte clínica e loucura um território em mutação História Ciências Saúde Manguinhos Rio de Janeiro v14 n3 p709735 julset 2007 ROSÁRIO Arthur Bispo Arthur Bispo do Rosário Organizador dos caos São Paulo 2012 3334 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvt6Jou6DlEek Acesso em 13062022 SILVEIRA Nise da Imagens do inconsciente Nise da Silveira Petrópolis RJ Vozes 2015 ORDENAÇÃO E VERTIGEM Catálogo de Exposição 2 volumes Curadoria de Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva SPSP Centro Cultural Banco do Brasil 2003 82 TOZZI Márcia de Oliveira EXPRESSÃO ESQUIZOFRENIA ARTE Hans Prinzhorn e a produção artística dos sujeitos asilados Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras UNESP Assis 2018 ZAMBONI Silvio A pesquisa em arte um paralelo entre a arte e a ciência 2 ed Campinas São Paulo Autores Associados 2001 ZILLI Maria Cristina Arthur Bispo do Rosário A alucinante fábrica de símbolos Disponível em httptcconlineutpbrmediatcc201607ARTHURBISPO DOROSARIOpdf Acesso em 14082022 REFERENCIAL FÍLMICO ARTHUR Bispo do Rosário S l s n 2011 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0oUwX6uFoTk Acesso em 09072022 MEMÓRIA do Corpo S l s n 1985 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vc3VU6KtfhSI Acesso em 19082022 NISE o Coração da Loucura Direção Roberto Berliner S l s n 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvbOrymJuwVvI Acesso em 16032022 MARIA MONTESSORI UMA VIDA DEDICADA AS CRIANÇAS Direção Gianluca Maria Tavarelli 2007 Disponível em httpswwwfilmesdetvcommariamontessori2007html Acesso em0705 2022 O PRISIONEIRO da Passagem Hugo Denizart S l s n 1982 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv8MzFTaOvsCQ Acesso em 09032022 CONSULTA EM SITES HAÔR Victor Saúde Mental Centro de Atendimento Psicossocial completa 17 anos Prefeitura de Marabá s l p 11 29 out 2021 Disponível em httpsmarabapagovbrcaps17anos Acesso em 08092022 MANDALA um importante instrumento de meditação e concentração Educa mais Brasil ano 2019 p 11 6 mar 2019 Disponível em httpswwweducamaisbrasilcombrenemartesmandala Acesso em 18082022 MUSEU Bispo do Rosário O Manto de Bispo Rio de Janeiro p 11 1 mar 2021 Disponível em httpsmuseubispodorosariocomomantodebispo Acesso em 14062022 SÁ Roberta Mendes de A estética da obra de Arthur Bispo do Rosário Nucleodoconhecimento S l p 11 4 dez 2020 Disponível em httpswwwnucleodoconhecimentocombrarteesteticadaobra Acesso em 12052022 83 UOL Conheça o centro psiquiátrico que usa a terapia de Lygia Clarck com concha e almofada Folha de SPaulo S l p 11 15 maio 2022 Disponível em httpswww1folhauolcombrilustrada202205conhecacentropsiquiatricoqueusa terapiadelygiaclarkcomconchaealmofadashtml Acesso em 10 072022 WIKIPEDIA Brasil Nise da Silveira Nise da Silveira Wikipédia s l 06072022 Disponível em httpsptwikipediaorgwikiNisedaSilveira Acesso em 08072022 INSTAGRAM MUSEU BISPO DO ROSÁRIO Rio de Janeiro Instagram museubispodorosario Disponível em httpsinstagramcommuseubispodorosarioigshidYmMyMTA2M2Y Acesso em23072022 TRIP Rio de Janeiro Instagram revistatrip Disponível em httpsinstagramcomrevistatripigshidYmMyMTA2M2Y Acesso em 20062022 84 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARTES VISUAIS LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS BEATRIZ PEDROSA BORGES PROJETO DE CURSO A Dançaperformance como a voz do corpo Projeto de Curso para o Ensino de Artes Visuais apresentado como parte dos requisitos obrigatórios para a aprovação no curso de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Linguística Letras e Artes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do ParáUNIFESSPA Orientação Profa Dra Silvia Helena dos Santos Cardoso Coorientação Prof Dr Armando de Queiroz Santos Junior Marabá Pará 2023 85 1 INTRODUÇÃO Este plano de curso foi desenvolvido a partir das pesquisas realizadas no decorrer do Trabalho de Conclusão de CursoTCC que tem como tema Arte e Terapia poéticas da psique Procurase estabelecer relações entre a arte e as práticas terapêuticas em tratamentos mentais e psicológicos refletindo também sobre o poder curativo da arte A dançaperformance assim como outras formas de expressões artísticas fazem parte da vida do homem desde a préhistória seja de forma racional e planejada ou de forma inteiramente instintiva A dança está ligada também a religião e crenças e é uma das diversas formas de expressão de sentimentos que pode também resultar em reações psíquicas positivas já que libera também substâncias cerebrais como endorfina dopamina e serotonina conhecidas como hormônios do prazer e da felicidade Através do estudo da dançaperformance tanto como atividade terapêutica quanto como expressão artística serão elaboradas e realizadas 10 aulas com duração de 2 horas cada com alunos do 6º ao 9º ano explorando as sensações dos movimentos corporais e o seu poder de expressão de forma teórica e também prática Colocaremos aqui a dançaperformance como principal voz do corpo de forma que ela fale e expresse sobre os sentimentos de quem a executa gerando assim a possibilidade de possíveis interpretações A dança aqui também será apresentada como um meio de expressão comum aos homens e aos animais Através de dinâmicas os alunos terão a experiência de se comunicar exclusivamente por movimentos corporais explorando assim as sensações desses movimentos Durante as aulas os alunos serão estimulados a refletirem sobre a DançaterapiaPerformance e também a compartilhar suas reflexões 86 Objetivo Geral Instigar nos alunos participantes reflexões sobre movimentos corporais e sua expressão dos sentimentos refletindo sobre a sua ligação com a arteterapia Objetivos Específicos Incentivar os alunos a refletirem sobre a expressão corporal Estimular o uso dos movimentos como meio de expressão Promover aos alunos experiências com seu próprio corpo Estimular a observação com relação aos outros participantes 2 TEMA GERAL A dança como a voz do corpo 3 CONTEÚDO E PROGRAMAÇÃO a O que é Arteterapia b Contextualização histórica da dança c A dança como um meio de expressão d A dança e seu potencial terapêutico Dançaterapia e Performance e Espaços da região que fazem o uso da Dançaterapia f Dinâmica mímica aprendendo a ouvir o corpo g Socialização da dinâmicaatividade preparatória h Atividade préavaliativa i Sessão de Dançaterapia e Performance j Avaliação e Reflexões 87 4 IDENTIFICAÇÃO DO PÚBLICO ALVO Alunos do 6º ano ao 9º anoFundamental II 5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA Serão 10 aulas de 2 horas cada Encontro 1 Objetivo específico Apresentar o conteúdo a ser trabalhado e estimular os alunos a refletirem sobre o que é Arteterapia Conteúdo específico Apresentação do conteúdo da proposta Definição de Arteterapia Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 30 min Apresentação da proposta de sequência didática a ser desenvolvida onde será apresentado todo o conteúdo programático 30 min Explicação sobre o que é Arteterapia e como ela surgiu 55 min Roda de conversa em que os alunos irão socializar sobre o que entenderam sobre Arteterapia e quais formas são conhecidas Encontro 2 Objetivo específico Contextualização histórica da Dança e Performance Conteúdo específico Dança ancestral e Dança popular Brasileira Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 1 hora e 55 min Contextualização histórica da dança falando sobre 1 Dança ancestral 2 Danças milenares 88 3 A história da dança no Brasil e as danças populares brasileiras Encontro 3 Objetivo específico Apontar a dança e a performance como um meio de expressão Conteúdo específico Observação dos movimentos provocados pela dançaperformance dos homens animais alguns insetos e pássaros Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 55 min Falar sobre a dança como meio de expressão comum entre humanos e alguns animais citando como exemplo insetos e pássaros 20 min Passar o vídeo The Waggle Dance of the Honeybee A Dança das Abelhas encontrado no link abaixo que demonstra sobre como as abelhas se comunicam através do movimentodança 40 min roda de conversa sobre o vídeo apresentado Materiais necessários Datashow e Computador Link do vídeo a ser apresentado httpswwwyoutubecomwatchvbFDGPgXtKUt274s Encontro 4 Objetivo específico A dança e seu potencial terapêutico Dançaterapia e Performance Conteúdo específico Reconhecimento e Vivência da dança e performance como expressão Metodologia 89 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação de presença dos alunos 30 min Momento de reflexão em que cada um dos alunos irá dizer se eles acham que a dança pode ser usada de forma terapêutica e porquê 55 min Explanar sobre o potencial terapêutico da dança e da performance dando ênfase nos efeitos positivos da saúde física e emocional 20 min Apresentar o vídeo Love during the Quarantine 2020 de Juliana Moraes apresentar o vídeo Dançaterapia faz sucesso entre terceira idade 2021 que apresenta uma reportagem sobre os benefícios da dançaterapia à saúde Apresentar também o vídeo Curso de capacitação em Dançaterapia oficial 2015 que mostra imagens de pessoas em uma sessão de Dançaterapia 10 min os alunos irão refletir sobre como eles imaginavam a dançaterapia e se os vídeos responderam às ideias iniciais Materiais necessários Datashow e Computador Links dos vídeos a serem apresentados httpswwwfacebookcomZikziraPhysicalTheatrevideosjulianamoraesprofessor fordancestudiesattheuniversityunicampcampinasan2707920209497421 httpswwwyoutubecomwatchv49NhaWMEoLU httpswwwyoutubecomwatchvfPmMCVwavI Encontro 5 Objetivo específico Espaços da região que fazem o uso da Dançaterapia Conteúdos específicos Informar aos alunos sobre os espaços que fazem o uso da Dançaterapia Relatar a minha experiência como paciente da Dançaterapia Metodologia 90 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Serão apresentados exemplos de instituições da região Marabá que se utilizam de Dançaterapia como o Centro de Atenção Psicossocial CAPS e a ala psiquiátrica do Hospital Municipal de Marabá HMM 30 min Neste momento falarei da minha experiência como paciente de Dançaterapia nesses dois espaços CAPS e HMM 50 min Como atividade os alunos irão em grupos de 4 discentes pesquisar instituições brasileiras que se utilizam de arteterapia seja ela na dança ou em outras linguagens artísticas como esculturamodelagem pintura teatroperformance entre outras 20 min Apresentação dos resultados da pesquisa Encontro 6 Objetivo específico Dinâmica mímica aprendendo a ouvir o corpo Conteúdo específico Proporcionar uma experiência para os alunos com a Dançaterapia e Mímica Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Explicação de como irá funcionar a dinâmica desta aula e preparação das palavras a serem sorteadas 60 min Dinâmica de Dançaterapia e Mímica Serão sorteadas palavras para todos os alunos e estes serão responsáveis por interpretálas através exclusivamente de movimentos corporais eou dança de forma que os outros alunos irão tentar decifrar e descobrir que palavra elea está representando Materiais necessários papéis com palavras ou frases a serem descritas 91 Encontro 7 Objetivo específico Socialização da dinâmicaatividade preparatória Conteúdo específico A relação entre a vivência e o conhecimento da Dançaterapia Performance e Mímica com o desenvolvimento histórico da dança como expressão humana Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 55 min Socialização da dinâmica anterior momento em que todos os alunos falarão sobre a experiência da aula passada dizendo sobre as sensações e se já tinham tido alguma experiência semelhante se sim como foi essa experiência 60 min aula sobre a dança na história da evolução do homem Encontro 8 Objetivo específico Atividade préavaliativa Conteúdo específico Oferecer uma dinâmica que envolva a escrita sobre a história da Dança da Performance e da Mímica como método préavaliativo Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 1 hora e 15 min Atividade préavaliativa nesta aula os alunos irão elaborar 5 questões sobre o assunto a dança na história de evolução do homem estudado na aula anterior Depois de elaboradas e escritas irão realizar uma troca de folha de questões com o colega mais próximo de modo que cada um responda individualmente as questões elaboradas pelo amigo Ao fim será recolhido todas as atividades respondidas e contabilizado o desenvolvimento individual para a avaliação final 92 Encontro 9 Objetivo específico Sessão de Dançaterapia e Performance Conteúdos específicos Proporcionar aos alunos um momento de expressão de seus sentimentos através de movimentos corporais Trabalhar o movimento corporal como prática terapêutica Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 95 min Como última aula de experiência prática teremos uma sessão de Dançaterapia em que os alunos serão postos deitados no chão com os olhos vendados serão ditas palavras espontâneas como medo água morte respiração agonia fuga sufoco entre outras Nesse momento os alunos serão instruídos a sentirem tais palavras e pensarem em tudo que elas provocaram em suas mentes Enquanto isso ainda com os olhos vendados eles irão movimentar de forma livre o seu corpo Por exemplo balançar os braços pernas por a língua para fora esticarse encolherse fazer os movimentos que seu corpo solicitar de forma espontânea e incentivado pelas palavras ditas 20 min Rápida socialização Materiais necessários Faixas de tecido para vendar os alunos 93 Encontro 10 Objetivos específicos Avaliação e Reflexões Conteúdo específico Avaliar o aprendizado e as experiências dos alunos durante as 9 aulas anteriores Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Dar o comando da produção textual avaliativa a seguir 1 hora e 40 min Com o intuito de avaliar o aprendizado dos alunos sobre a Dançaterapia Performance e Mímica eles produziram um texto escrito falando sobre a relação da Dançaterapia com a arte e a importância da arte para e expressão do homem Métodos avaliativos Participação oral Realização das atividades Envolvimento nas dinâmicas Produção textual final 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA Ana Mae Arteeducação e desenvolvimento humano Licenciatura em Artes Visuais UFJF 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv cBHnPPgNLMM Acesso em 23 de junho 2021 CARVALHO E SILVA Danielle PEREIRA E SILVA Elaine ANDRADE Fhillipy Corpo em Cena Mímica e sua relação com a corporeidade In Psicologiapt Teresina Piauí 2014 Disponível em httpswwwpsicologiaptartigostextosA0831pdf Acesso em 03032023 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes necessários à prática educativa 25edição São Paulo Paz e Terra 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 MORAIS Juliana Martins Rodrigues Tese de Doutorado em Artes 2011 Texto para prosa dança e verso traços de discursos coreográficos Doutorado Universidade Estadual de Campinas UNICAMP S l 2011 SITES BLOG SÓ DANÇA Brasil Blog só Dança conteúdo para apaixonados por Dança terapia da dança o poder do movimento na saúde mental Só Dança S l p 1 1 16 out 2019 Disponível em httpsblogsodancacombrterapiada dancatextAprimora20a20capacidade20cognitiva20e20estimula20a 20memC3B3riatextComo20consequC3AAncia2C20al C3A9m20de20vocC3AAferramenta20poderosa20de 20crescimento20pessoal Acesso em 24 nov 2022 BEZERRA Juliana História da Dança origem evolução tipos e no Brasil Toda matéria s l 2011 Disponível em httpswwwtodamateriacombrhistoriada danca Acesso em 17 nov 2022 CURSO de Capacitação em Dançaterapia Oficial 2015 S l s n 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvfPmMCVwavI Acesso em 17 nov 2022 CARRANO Eveline A Dança e o movimento Corporal no Trabalho Arteterapêutico Ateliê de Artes e Terapias S l p 11 6 jul 2017 Disponível em httpswwwarteseterapiascomsinglepost20170706adanC3A7aeo movimentocorporalnotrabalhoarteterapC3AAutico Acesso em 22 nov 2022 DANÇA Terapia faz sucesso entre a terceira idade S l s n 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv49NhaWMEoLU Acesso em 17 nov 2022 95 SAMPAIO Thiago Oliveira da Motta Os animais têm linguagem Parte 01 Introdução e principais conceitos Linguística S l p 11 21 jan 2021 Disponível em httpswwwblogsunicampbrlinguistica20190121quais primatastemlinguagemumpouquinhodebiolinguistica Acesso em 22 nov 2022 REFERENCIAL FÍLMICO MARIA MONTESSORI UMA VIDA DEDICADA AS CRIANÇAS Direção Gianluca Maria Tavarelli 2007 Disponível em httpswwwfilmesdetvcommaria montessori2007html Acesso em 7 mar 2022 ENTRE A MARGEM E O DELÍRIO AURORA CURSINO E A PRODUÇÃO ARTÍSTICA NO CONTEXTO DA PSIQUIATRIA BRASILEIRA SOBRENOME nome do acadêmico Resumo a pesquisa desenvolvida tem como intuito discutir a relação entre a expressão artística produzida em instituições psiquiátricas e seus significados sociais tomando como estudo de caso a obra de Aurora Cursino dos Santos Assim como diversas manifestações artísticas marginalizadas a produção de Aurora emergiu em um contexto marcado por exclusão desigualdade e silenciamento revelando críticas à sociedade brasileira por meio de imagens textos e memórias Por muito tempo obras produzidas por internos de hospitais psiquiátricos foram discriminadas pelos discursos médicos e pelas instituições oficiais da arte classificadas apenas como delírios ou sintomas No entanto pesquisas recentes têm reconhecido o valor histórico estético e político dessas produções evidenciando que a arte de Aurora constitui importante testemunho das violências de gênero e das dinâmicas de patologização que atravessaram o período manicomial Desta forma o presente trabalho tem como objetivo discutir a inserção da obra de Aurora Cursino no campo da história da arte e analisar como sua produção contribui para compreender experiências femininas subjetivas e sociais em um contexto de opressão A metodologia adotada baseiase em levantamento bibliográfico em artigos científicos livros e documentos que abordam a trajetória da artista a arte produzida em hospitais psiquiátricos e os debates sobre arte marginal buscando por meio da análise crítica apontar caminhos para o reconhecimento dessas obras como patrimônio cultural e histórico Palavraschaves Expressão Artística Arte Marginal Psiquiatria Gênero Aurora Cursino ABSTRACT the present research aims to discuss the relationship between artistic expression produced within psychiatric institutions and its social meanings using the work of Aurora Cursino dos Santos as a case study Like many marginalized artistic manifestations Auroras production emerged in a context marked by exclusion inequality and silencing revealing critical reflections on Brazilian society through images texts and fragmented memories For a long time artworks created by psychiatric patients were discriminated against by medical discourse and official art institutions being classified merely as symptoms or delirious expressions However recent studies have recognized the historical aesthetic and political value of these creations highlighting that Auroras work constitutes an important testimony of gender violence and the mechanisms of pathologization present during the Brazilian manicomial period Thus this study aims to discuss the inclusion of Aurora Cursinos artistic production in the field of art history and to analyze how her work contributes to understanding feminine subjective and social experiences within a context of institutional oppression The methodology is based on a bibliographic review of scientific articles books and documents that address the artists trajectory art produced in psychiatric hospitals and debates on outsider and marginal art seeking through critical analysis to propose pathways for recognizing these works as cultural and historical heritage Keywords Artistic Expression Marginal Art Psychiatry Gender Aurora Cursino 1 INTRODUÇÃO Neste mundo tecnológico a sociedade encontrase rodeada por obras de artes e sem se dar conta em alguns casos As obras de artes fazem parte da história contada no passado estão juntas de cada indivíduo no presente e por meio delas será possível construir futuro Como diz Prosser 2014 p727 Ela está em rochas e cavernas em estruturas arquitetônicas dentro de museus galerias e casas nos imensos painéis existentes em muitas cidades nas praças nas igrejas nas calçadas nos muros no gibi na revista na publicidade e em outros espaços Por meio dos artefatos encontrados podese escrever a história dos povos que aqui habitaram descobrindo o seu estilo de vida religião e atividades econômicas As primeiras pinturas encontradas que datam do período da préhistória do Brasil eram realizadas em cavernas nas cores marrom e vermelha predominantemente Nas pinturas ditas rupestres eram retratados animais imagens que lembram o sol várias atividades humanas e rituais religiosos Cada desenho encontrado possui uma infinidade de características e significados das estruturas sociais de seus períodos Algumas características da arte do período da préhistória são retratadas por Parellada e Liccardo si apud PROSSER 2014 p4 por meio de seus estudos o autor pode perceber que as pinturas que datam do período das cavernas geralmente possuem as cores marrons e vermelhas sendo raramente de cor preta Os desenhos que predominam são os de animais perfil de cervídeos pássaros lagartos cobras e peixes As representações de humanos aparecem atreladas a outros animais ou a formas geométricas Outro vestígio importante da arte visual em nossa sociedade são as construções de Sambaquis que foram construídos há milhares de anos por meio de restos de conchas de moluscos espinhos de peixes das antigas civilizações que habitavam o litoral Encontramse vestígios de fósseis das pessoas que ali viviam suas ferramentas utilizadas Segundo Prosser 2014 p731 Tudo isso sugere uma aproximação entre as concepções de vida e morte nesses agrupamentos humanos um longo período para a construção de um sambaqui cujo término poderia constituir o fechamento de um ciclo para aquela comunidade e grupos humanos relativamente sedentários Devese preservar todo o tipo de manifestação artística presente em nosso espaço de convívio datada dos primórdios das primeiras sociedades tendo a consciência de sua importância perante aos adventos sociais que estamos vivendo pois por meio de estudos desses patrimônios culturais conseguiremos entender nossa história e desenvolvimento até o momento É nesse ponto que o debate sobre a arte e a história social se encontra com o tema central deste artigo a produção artística de sujeitos internados especialmente mulheres submetidas a processos de patologização e silenciamento dentro da psiquiatria brasileira A arte produzida por essas pessoas muitas vezes rotulada como loucas delirantes ou insanas registra não apenas estados psíquicos individuais mas também estruturas de opressão que atravessam gênero classe e moralidade O caso de Aurora Cursino dos Santos é emblemático Assim como os artefatos préhistóricos revelam práticas culturais de povos ancestrais as pinturas de Aurora realizadas dentro do Hospital do Juquery durante a década de 1940 e 1950 constituem testemunhos preciosos sobre a realidade de mulheres marginalizadas no Brasil do século XX Suas obras mesclam texto cor e narrativa produzindo aquilo que Jeha e Birman chamam de pictografias registros visuais que contam memórias violências críticas sociais e subjetividades silenciadas pelo manicômio Assim da mesma forma que as pinturas rupestres ajudam a reconstituir sociedades antigas as criações de Aurora permitem compreender as estruturas de exclusão e os mecanismos de controle que atravessaram a psiquiatria histórica brasileira além de revelarem experiências pessoais de dor resistência e imaginação Preservar essas obras e reconhecêlas como patrimônio cultural é portanto tão essencial quanto proteger sítios arqueológicos ou produções artísticas canônicas pois ambas as formas de expressão integram a narrativa ampliada da humanidade Dessa perspectiva compreender a obra de Aurora Cursino significa ampliar o próprio conceito de arte na sociedade da arte préhistórica à arte marginal das cavernas aos manicômios dos registros coletivos aos delírios narrativos de mulheres silenciadas A história da arte ao incorporar essas produções tornase mais diversa crítica e sensível às vozes que por tanto tempo foram excluídas 2 REFERENCIAL TEÓRICO A relação entre arte e psicanálise oferece um eixo interpretativo importante para compreender a produção de Aurora Cursino no interior do Hospital Psiquiátrico do Juquery A articulação entre essas duas esferas não é casual desde Freud a psicanálise reconhece na techné entendida como o fazer nascer fazer brotar um princípio comum à criação artística e ao trabalho analítico Assim como o escultor libera a forma latente aprisionada no bloco de pedra o analista conduz o sujeito a desvelar conteúdos que permaneciam silenciados adormecidos ou soterrados pela experiência traumática Criar nesse sentido tornase um gesto de sobrevivência psíquica No caso de Aurora essa fronteira entre arte e psicanálise adquire contornos ainda mais intensos Internada em um ambiente de violência institucional marcada pela exclusão de gênero e pela patologização de sua história de vida a artista utiliza a tela como espaço de extração e elaboração subjetiva Se para a pintura o vazio da tela exige a criação de partículas de cor onde nada existia a produção de Aurora parece operar em sentido duplo de um lado a necessidade de inscrever imagens que organizem o caos interno de outro a tarefa de retirar da própria matéria psíquica carregada de memórias corporais erotismo violência e religiosidade formas latentes que precisavam emergir para não adoecer ainda mais Assim como na metáfora freudiana da escultura Aurora remove camadas expõe fissuras e revela a substância oculta que seus diagnósticos psiquiátricos jamais alcançaram Suas obras não são apenas criações pictóricas mas processos de subjetivação nos quais aquilo que estava soterrado dor culpa desejo delírio encontra uma possibilidade de expressão A pintura nesse caso não replica a realidade ela extrai o nãodito o irrepresentável E é justamente nesse ponto que a arte outsider produzida por Aurora encontra sua força ela nasce como gesto de existência num contexto que buscava silenciála Portanto ao aproximar arte e psicanálise compreendemos que a produção de Aurora Cursino não se limita ao campo da arte de loucos ou à estética da marginalidade Sua obra funciona como dispositivo de ressignificação como método de acesso a conteúdos que o manicômio tentava apagar e como exercício de criatividade que na acepção freudiana permite criar para não sucumbir Ao trazer para a superfície a forma que habitava sua experiência traumática Aurora afirmase mesmo no silêncio do manicômio como sujeito e artista 21 Arte e psiquiatria a produção artística como linguagem do sujeito A relação entre arte e saúde mental tem sido amplamente analisada por diversos autores especialmente a partir das experiências pioneiras de Nise da Silveira que defendeu a criação artística como uma forma de expressão simbólica e reorganização do mundo interno De acordo com Borges 2023 a produção artística em ambientes psiquiátricos permite ao indivíduo expressar conteúdos subjetivos comunicar sensações e romper barreiras impostas pela institucionalização constituindo um importante recurso terapêutico Essa perspectiva rejeita a leitura reducionista da arte produzida por internos como sintoma ou delírio Em vez disso considera que ela constitui uma linguagem própria capaz de construir narrativas sobre o sujeito e o mundo ao seu redor É nessa direção que se insere a obra de Aurora Cursino cuja produção ultrapassa o registro patológico e adquire dimensão estética simbólica e histórica 22 Arte produzida em instituições psiquiátricas A história da produção artística em hospitais psiquiátricos revela tensões entre práticas de repressão e espaços de expressão criativa Segundo Andriolo 2006 a arte realizada nesses ambientes foi durante décadas categorizadas como ingênua ou onírica classificações que limitaram seu reconhecimento e serviram para reforçar a leitura médica da loucura Para o autor essa rotulação contribuiu para reduzir a potência estética dessas produções e manteve os artistas psiquiatrizados à margem dos circuitos oficiais da arte No Hospital do Juquery onde Aurora Cursino produziu mais de 200 obras oficinas de pintura coordenadas por Osório César e Mário Yahn permitiram que internos realizassem experimentações pictóricas embora essas práticas coexistissem com tratamentos violentos como eletrochoque contenções e lobotomia Assim a arte emergiu como espaço de respiro resistência e subjetivação em meio ao ambiente opressivo do manicômio A obra de Aurora Cursino apresentada por meio da figura 1 é um exemplar para compreender como sua produção visual emerge como forma de expressão psíquica em um contexto de extrema violência institucional A composição irregular a presença de formas fragmentadas e a sobreposição de símbolos denotam a tentativa de elaborar experiências traumáticas através da pintura Assim como outros artistas produzidos dentro de instituições psiquiátricas Aurora construiu um vocabulário próprio marcado por repetições rupturas e escolhas cromáticas que revelam uma subjetividade tensionada pela medicalização pelo estigma e pelas dinâmicas de exclusão que atravessam sua trajetória enquanto mulher pobre e patologizada A imagem contribui de maneira decisiva para entender como arte delírio e resistência se entrecruzam em sua produção Figura 1 Obra de Aurora Cursino Fonte Fundação Bienal de São Paulo 2023 A obra de Aurora composta por pictografias repletas de texto narrativa e crítica social desafia as classificações tradicionais da arte psiquiátrica De acordo com Berti 2023 seus quadros são marcados por um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências combinando memórias pessoais experiências traumáticas e leitura crítica da sociedade brasileira Figura 2 Obra de Aurora Cursino Fonte Fundação Bienal de São Paulo 2023 23 Gênero patologização e silenciamento de mulheres A análise da obra de Aurora requer a compreensão de como a psiquiatria histórica atuou sobre mulheres especialmente aquelas que se desviavam de normas de comportamento Conforme demonstra Saisse 2023 mulheres internadas entre as décadas de 1930 e 1990 foram submetidas a um processo de psiquiatrização que combinava moralidade misoginia e controle social Muitas delas como Aurora Adelina Gomes e Stella do Patrocínio eram classificadas como loucas não por apresentarem necessariamente quadros clínicos graves mas por ocuparem posições sociais desvalorizadas prostitutas mulheres pobres negras consideradas indisciplinadas ou sexualmente desviantes Esse processo contribuiu para apagamentos históricos e para a deslegitimação das produções culturais dessas mulheres A trajetória de Aurora prostituta internada compulsoriamente e posteriormente lobotomizada evidencia a interseção entre gênero e violência institucional Sua arte denuncia diretamente esse contexto como mostra Berti 2023 que apresenta trechos em que Aurora questiona a condição feminina no Brasil e as violências sofridas em sua vida Assim estudar sua obra implica também compreender como sistemas de poder operam na construção do sofrimento psíquico e na produção social da loucura feminina 24 Arte marginal e outsider debates contemporâneos A arte produzida por sujeitos marginalizados como pacientes psiquiátricos populações periféricas artistas autodidatas ou grupos excluídos vem sendo discutida no âmbito da História da Arte sob as categorias de arte marginal arte bruta ou outsider art Tais categorias embora úteis também carregam tensões pois podem reforçar estigmas ao separar essa produção do cânone artístico No caso de Aurora Cursino sua obra foi por muito tempo invisibilizada e reduzida ao campo da arte dos loucos como aponta Berti 2023 Contudo pesquisas recentes como as de Jeha e Birman 2022 defendem que sua produção deve ser entendida como documento histórico e estético operando como uma verdadeira narrativa sobre a violência institucional o cotidiano urbano e a condição feminina no século XX Aurora portanto atravessa e tensiona os limites das categorias tradicionais da arte sua produção é ao mesmo tempo artística autobiográfica política e histórica Reconhecêla como parte do patrimônio cultural brasileiro é passo fundamental para reposicionar a arte marginal dentro das discussões contemporâneas sobre diversidade e inclusão na História da Arte 3 METODOLOGIA A presente pesquisa caracterizase como um estudo qualitativo desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica Segundo Lakatos e Marconi 2010 a pesquisa bibliográfica consiste no levantamento seleção e análise de materiais já publicados como livros artigos científicos documentos e trabalhos acadêmicos que fornecem subsídios teóricos para compreender determinado fenômeno Dessa forma este estudo fundamentase em obras que discutem arte marginal psiquiatria gênero e a trajetória de Aurora Cursino dos Santos A escolha pela abordagem qualitativa justificase pelo fato de que conforme afirmam Lakatos e Marconi 2010 esse tipo de investigação busca interpretar significados ideias e construções simbólicas permitindo compreender fenômenos sociais em profundidade Assim a análise prioriza a interpretação das produções artísticas de Aurora à luz de seu contexto histórico social e institucional Foram consultados artigos científicos livros trabalhos de conclusão de curso e documentos que abordam a obra de Aurora Cursino a história da psiquiatria no Brasil a arte produzida em hospitais psiquiátricos e discussões sobre gênero e exclusão social A técnica utilizada para tratamento dos dados foi a análise de conteúdo que permite identificar categorias temáticas e interpretar informações relevantes presentes nas fontes estudadas A metodologia adotada portanto possibilita compreender a produção artística de Aurora Cursino não apenas como expressão individual mas como documento histórico e social alinhado aos objetivos do estudo 4 ANÁLISES E DISCUSSÕES A análise da produção artística de Aurora Cursino dos Santos realizada durante sua internação no Hospital Psiquiátrico do Juquery revela não apenas uma expressão individual atravessada por sofrimento mas também um conjunto de narrativas visuais que dialogam com gênero violência institucional e memória As obras recuperadas e discutidas por diversos autores apontam a força simbólica e crítica de sua produção Diversos pesquisadores ressaltam que Aurora utilizou a pintura como uma forma de registrar suas vivências e denunciar as opressões sofridas Segundo o artigo de Berti 2023 as obras de Aurora constituem um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências e eventualmente algumas belezas Suas pinturas com textos classificadas como pictografias combinam imaginação fatos autobiográficos fragmentos de memória e crítica ao contexto social sobretudo à violência patriarcal que marcou sua trajetória O mesmo autor destaca que Aurora protestava contra o papel imposto às mulheres e denunciava explicitamente a dificuldade da experiência feminina ser puta mãe esposa e filha enfim ser mulher foi e ainda é uma experiência trágica Esse testemunho artístico produzido dentro de um manicômio revela que a arte se tornou um meio de resistência frente ao silenciamento institucional A partir da análise das obras notase que Aurora confronta visualmente e textualmente as estruturas de poder que atravessaram sua vida como juízes médicos e autoridades ela protesta contra homens que dirigem a vida e a genitália juízes médicos militares A produção artística de Aurora só pode ser compreendida plenamente a partir da perspectiva de gênero As pesquisas de Saisse 2023 mostram que mulheres internadas em instituições psiquiátricas foram historicamente silenciadas patologizadas e invisibilizadas como produtoras de cultura Aurora Adelina Gomes e Stella do Patrocínio formam assim um trio de mulheres cuja obra desafia a lógica manicomial ainda que tenham sido relegadas à categoria de loucas pelo discurso médico e social Esse apagamento é ressaltado no próprio artigo de Berti ao afirmar que Aurora não está incluída na história da arte nem na das mulheres somente na dos artistas loucos Essas evidências reforçam a crítica de que a trajetória de Aurora foi moldada não apenas pelo sofrimento psíquico mas pela interseção entre classe gênero e moralidade Sua condição de prostituta mencionada reiteradamente nos documentos influenciou sua captura institucional e as interpretações moralizantes sobre sua vida A internação e posterior lobotomia realizada em 1955 representam o ápice da violência institucional que conforme Saisse 2023 atingia de maneira desproporcional mulheres consideradas desviantes ou insubmissas A partir desse ponto de vista a análise das obras de Aurora dá visibilidade àquilo que a psiquiatria procurou ocultar subjetividades femininas que afirmavam pela arte sua própria história O TCC Arte e Terapia Poéticas da Psique 2023 destaca que práticas de expressão artística dentro de instituições psiquiátricas permitem a construção de sentidos e o resgate da subjetividade dos internos funcionando como ferramenta terapêutica e comunicativa Esse entendimento aproxima a produção de Aurora das abordagens desenvolvidas por Nise da Silveira no Engenho de Dentro ainda que Aurora estivesse inserida no ateliê do Juquery O autor Andriolo 2006 argumenta que a produção artística em hospitais psiquiátricos foi historicamente dividida entre obras vistas como oníricas ou ingênuas classificações que reduziram seu valor e complexidade Essas leituras reforçaram o silenciamento de artistas como Aurora e impediram que suas obras fossem analisadas como produções culturais significativas Contudo as obras de Aurora escapam a essas classificações Suas pictografias repletas de textos e narrativas operam como registros autobiográficos documentos sociais críticas políticas testemunhos históricos além de expressões simbólicas do trauma e da resistência As manifestações artísticas produzidas no contexto manicomial foram frequentemente classificadas como arte marginal ou arte dos loucos o que contribuiu para o afastamento desses trabalhos do circuito oficial da arte Contudo autores como Jeha Birman e Berti 2023 argumentam que Aurora foi além de artista uma verdadeira historiadora do Brasil pois sua obra registra e interpreta criticamente a cena social brasileira expondo violências desigualdades e tensões de sua época Ao trazer à tona sua obra o debate atual corrige apagamentos historiográficos e amplia o conceito de arte no Brasil incluindo produções que por muito tempo foram silenciadas pela própria estrutura manicomial A singularidade da obra de Aurora reside em sua capacidade de transformar memória delírio e crítica social em uma linguagem híbrida Suas pinturas não deixam espaços vazios como afirma Berti 2023 e misturam textos densos com imagens de forte carga simbólica Essa característica confere caráter literário e documental à sua produção Ao analisar suas obras percebese que Aurora constrói um mundo próprio mas intimamente relacionado ao mundo social cenas de prostituição referências políticas denúncias de violência sexual críticas a autoridades e reflexões sobre maternidade e religiosidade são recorrentes 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa buscou discutir a produção artística de Aurora Cursino dos Santos a partir de sua inserção no campo da arte marginal articulando os eixos da psiquiatria do gênero e da violência institucional Ao reunir contribuições teóricas de estudos sobre arte em ambientes manicomiais outsider art patologização de mulheres e memória social foi possível compreender que a obra de Aurora ultrapassa o âmbito estético para se constituir como documento histórico e político A análise das pictografias evidencia que a artista transformou experiências de sofrimento silenciamento e opressão em narrativa visual crítica denunciando práticas violentas que marcaram a história da psiquiatria brasileira A presença de textos fragmentos corporais símbolos e alusões diretas à eletroconvulsoterapia demonstra que suas obras são construídas como testemunhos de um sistema que disciplinava medicalizava e normatizava corpos considerados desviantes Nesse sentido Aurora não apenas produziu arte mas elaborou uma forma de resistência simbólica recuperando sua voz por meio da pintura Os estudos utilizados dos autores como os de Berti Saisse Andriolo Jeha e Birman revelam que as mulheres internadas em instituições psiquiátricas enfrentaram duplos processos de exclusão a condição de pacientes em um modelo manicomial violento e a condição de mulheres submetidas a moralidades rígidas à pobreza e ao estigma A trajetória de Aurora reflete exatamente esse entrecruzamento e sua obra permite iluminar aspectos pouco debatidos da história social brasileira especialmente no que diz respeito ao controle institucional sobre corpos femininos Além disso a pesquisa reafirma a importância da revisão crítica do lugar da arte marginal e da arte produzida em instituições psiquiátricas O reconhecimento tardio da obra de Aurora demonstra como o sistema da arte invisibilizou por décadas produções que não se encaixavam nos parâmetros formais do cânone Entretanto como apontam autores contemporâneos essas obras constituem patrimônios simbólicos fundamentais para a compreensão da diversidade de experiências humanas e para a desconstrução das hierarquias que estruturaram a História da Arte tradicional Assim concluise que a obra de Aurora Cursino representa não apenas uma expressão singular de criatividade mas também um arquivo sensível das violências institucionais e das resistências possíveis em contextos de extrema vulnerabilidade Sua produção reafirma que a arte é capaz de transcender limites impostos reconstruir subjetividades e denunciar estruturas sociais opressoras Ao resgatar e analisar sua trajetória este trabalho contribui para ampliar a visibilidade de artistas marginalizados e reforça a necessidade de preservar estudar e valorizar tais produções dentro dos debates contemporâneos sobre arte saúde mental gênero e memória histórica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRIOLO Arley O silêncio da pintura ingênua nos ateliês psiquiátricos Psicologia Teoria e Pesquisa Brasília v 22 n 2 p 227232 2006 BBC NEWS BRASIL A história de Aurora Cursino e os delírios que se tornaram arte Disponível em httpswwwbbccomportuguesegeral63669678 Acesso em 16 nov 2024 BERTI Guilherme Franzon A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos Stylus Revista de Psicanálise São Paulo n 46 p 217219 jun 2023 BORGES Beatriz Pedrosa Arte e terapia poéticas da psique 2023 Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Artes Visuais Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Marabá 2023 EDITORA INTERSABERES Por dentro da arte 1 ed Curitiba Intersaberes 2013 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 JEHA Silvana BIRMAN Joel Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida São Paulo Veneta 2022 LAKATOS Eva Maria MARCONI Marina de Andrade Fundamentos de metodologia científica 7 ed São Paulo Atlas 2010 MOLINARI Gilson Expressão vital O resgate do ser através da psicologia e da arte 1 ed São Paulo Labrador 2024 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 PROSSER Elisabeth Seraphim A arte em todo lugar os caminhos do cotidiano e a história das artes visuais no paraná os caminhos do cotidiano e a história das artes visuais no Paraná Coleção Agrinho p 727780 jan 2014 Disponível em httpwwwagrinhocombrsitewpcontentuploads20140943Arteemtodo lugarpdf Acesso em 17 nov 2025 PROSSER R A arte na préhistória brasileira Revista do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais v X n X p 727731 2014 ROCHA Fernando Janelas da psicanálise transmissão clínica paternidade mitos arte 1 ed São Paulo Blucher 2019 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 SAISSE Clarice Fonseca Mulheres artistas psiquiatrizadas 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio 2023 Trabalho de Conclusão de Curso História da Arte Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2023 227 Psicologia Teoria e Pesquisa MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 O Silêncio da Pintura Ingênua nos Ateliês Psiquiátricos Arley Andriolo1 Universidade de São Paulo RESUMO As pinturas produzidas nos ateliês psiquiátricos que representam paisagens lugares e outros temas do mundo exterior não receberam grande atenção dos pesquisadores O problema está numa idéia acerca da criação artística na qual as referências ao mundo material e às imagens do inconsciente representam dois tipos distintos de obras de arte Este artigo analisa esse problema por meio de uma abordagem fenomenológica por meio da qual concluise a indistinção da separação entre o mundo exterior e a criação interior na produção da obra de arte A obra de arte está enraizada entre o artista e o mundo Palavraschave psicologia da arte arte bruta recepção estética percepção The Silence of Naïve Painting in the Psychiatric Artists Workshops ABSTRACT The paintings produced in the psychiatric artists workshops that represent landscapes places and other themes of the exterior world did not receive great attention from the researchers The problem lies on an idea about the artistic creation in which the references to the material world and the unconscious images represent two distinct types of works of art This article analyses this problem by means of a phenomenological approach through which one can conclude the undistinguished separation of the external world and the interior creation in the production of a work of art The work of art is rooted between the artist and the world Key words psychology of art raw art esthetic reception perception campestres revelando particularidades da vida rural brasi leira festas populares vilarejos animais etc Essas duas variedades foram reconhecidas pela crítica de arte e pelos psicólogos como referentes a dois campos de saberes dis tintos O primeiro configuravase como objeto privilegia do de psiquiatras e psicólogos enquanto o segundo entra va para o campo propriamente artístico de obras nomeadas ingênuas Com base no termo oitocentista naïveté fixado sobre tudo pelo escritor realista francês Champfleury a noção de ingenuidade em arte passou a designar um esquema técni co notável na produção plástica de pessoas pobres e sem educação formal Qual seja a pintura de cavalete realiza da em cores primárias sobre tela representando cenas de vida campestre com festas populares casarios fazendas entre outros temas provincianos Não será necessário de monstrar aqui os problemas pertinentes ao campo da arte ingênua Para a compreensão da questão basta considerar a acepção romântica do termo por exemplo observável na síntese escrita por Pedro Manuel 1979 p 821 inti tulada Os primitivos no livro Arte no Brasil Ali lêse a seguinte epígrafe Nas criações plásticas espontâneas a visão otimista e ingênua de um mundo ideal pleno de felicidade Desse modo a delimitação temática e técnica da arte primitiva nesse contexto equivalente de arte ingênua ocultava os conflitos de classe social manifestos na pro dução plástica popular Em primeiro lugar devido a sua recepção a partir do olhar romântico do conhecedor de arte delimitavamse as obras por uma determinada repre sentação de um Brasil imaginário sem tensões e lutas so ciais Em segundo lugar nos anos 1970 o campo da arte ingênua abriase à participação de outros interessados que não apenas o restrito círculo de artistas populares dedica dos à pintura Andriolo 2004 Falas do tipo colorismo primitivo e ingenuidade subordinavam o problema de Averiguando a coleção de pinturas e desenhos do acer vo do Museu Osório Cesar no Complexo Hospitalar de Juquery salta aos olhos a grande quantidade de obras que se enquadram dentro daquilo que os estudiosos convencio naram chamar de art naïf ou arte ingênua No entan to elas ali estão silenciadas Examinando os intérpretes das obras produzidas no contexto asilar entre psiquiatras psicólogos e críticos de arte nada ou pouco se diz a seu respeito Diante dessa dupla constatação este texto pretende apontar o porquê desse silêncio Basicamente por meio de uma revisão dos discursos produzidos acerca da produção artística daquele hospital podese identificar a presença de um pressuposto teórico da Psicologia da Arte que distin guia duas categorias de obras de arte uma considerava as representações de imagens exteriores ao criador por isso pouco interessantes ao exame psicológico outra reconhe cia as imagens provenientes do interior por conseguinte sugerindo o objeto privilegiado da Psicologia A pintura ingênua nos asilos Pelo menos desde a década de 1930 as produções plás ticas do Hospital de Juquery foram expostas fora dos mu ros da instituição Em todas as mostras dois conjuntos de obras apresentavamse bem distintos Um grupo era forma do por pinturas densas carregadas de tintas em pinceladas fortes repletas de imagens oníricas desenhos sobrepos tos e escrituras enigmáticas Outro vertia cenas bucólicas 1 Endereço Laboratório de Estudos em Psicologia da Arte Departamento de Psicologia Social e do Trabalho IPUSP Av Prof Mello Moraes 1721 Bloco A Cidade Universitária São Paulo SP Brasil 05508900 Email arleyuspbr 228 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Andriolo classes produzindo a ilusão de harmonia campestre do ser brasileiro muito de acordo com a visão européia de nossa arte ao que se pode deduzir do sucesso de nossos primiti vos noutros países Podese afirmar portanto que embora os pintores pro venientes dos hospícios sejam representados pelo drama evocado em suas obras procedimento que adjudica a in ternação foram eles também criadores incessantes de um imaginário alegre e ingênuo O mesmo médico que chama va a atenção para o sofrimento psíquico de Aurora projeta do em parte de suas obras comparava as pinturas de Farid com as de Heitor dos Prazeres Fraletti 1954 Farid Geber nascido por volta de 1918 foi internado no Juquery sob o julgamento de ser catatônico ou esquizo frênico Os pareceres médicos acerca de suas pinturas não deixavam de procurar as estereotipias de sua expressão plás tica Yahn 1951 No entanto a rica produção iconográfica de Farid realizada na década de 1950 passa por cenas ru rais e religiosas atingindo mesmo o detalhamento poético numa gravura onde pássaros de frente e de lado dispõemse sobre um telhado sd gravura em linóleo sobre papel 324 x 404 cm col MOC2 A temática dos pássaros aparece de maneira genial num desenho sd grafite e lápis de cor so bre papel 034 x 0415 cm col MOC no qual está riscada uma árvore sobre um fundo vermelho a ocupar exatamente o centro da composição sobre ela pousam vários pássaros todos iguais na cor amarela e peito vermelho Noutra obra uma representação típica dos ingênuos 4 fev 1954 lápis de cor e grafite sobre papel 037 x 041 cm col MOC uma festa popular nos revela dois grupos de personagens um vestido de azul e verde e outro de vermelho preparados para tocar seus instrumentos O marcante bucolismo dessa produção fez ilustração de um suplemento do Correio Paulistano 19 fev 1956 pp 4 5 quando apresentou quatro imagens de Farid Geber e uma de Shara Campos também ela interna do Juquery dedicada a retratar jardins flores e árvores As expressões plásticas que podem ser enquadradas nessa visão ingênua não são uma exceção em meio ao conjunto de obras remanescen tes dos ateliês psiquiátricos Baseandose na coleção do Hospital de Juquery podese encontrar nomes como Braz Navas 19191968 Sabado Quinterni c 1923 Francis ca Baron c 1925 Ioitiro Akaba 1968 Masayo Seta 19271990 e Toski Todo 19201971 Navas realizou entre outras uma série de pequenos desenhos cujo tema condutor é a natureza sejam árvores alinhadas no primeiro plano em meio às quais aparecem animais cavalos bois às vezes um galo ou casas chou panas e igrejinhas Mostra seu domínio na distribuição dos elementos pelo plano por meio de riscos rápidos formando a vegetação esparsa um carro e uma carroça uma igreja e outras edificações Sem título década de 1950 lápis de cera e grafite sobre papel 15 x 12 cm col MOC Sabado por sua vez embora mais esquemático em seus traços retrata a imagem da paisagem em cores primárias como num dese nho em que um homem de chapéu toca sua flauta diante de uma casa cercada de grama e árvores Sem título 27 jan 1950 guache sobre cartão 57 x 49 cm col CEE Por sua vez Francisca Baron Ribeiro com suas cores vivas pintou uma paisagem lacustre onde um pescador e sua rede estão acompanhados por duas garças deixando ao fundo as casi nhas a mata e as montanhas Sem título c 1949 guache sobre cartão 50 x 62 cm col CEE Entre os imigrantes japoneses conduzidos ao Juquery encontramse pintores de paisagens e cenas cotidianas que relembram sua terra natal dandolhes um colorido forte e onírico Dentre eles Ioitiro Akaba assinou uma vasta co leção de obras que remontam a 1934 na qual estão cenas de porto altamente detalhadas com barcos casas pesca pessoas algumas vezes o porto que parece ser composto aos moldes de uma construção oriental personagens por tando sombrinhas e belas vestimentas além de flores em vasos entre elas Sem título sd guache sobre papel 335 x 484 cm col MOC O tema portuário nele longe de ser uma representação estática e estereotipada é extremamente variado tem suas construções à margem ou nos barcos e personagens há aqueles que são evidentemente brasileiros Masayo Seta também inscreve pessoas trajando quimonos em seus desenhos delimitando as áreas de cor em verme lho amarelo e azul por formas geométricas da arquitetu ra Sem título sd aquarela sobre papel 323 x 472 cm col MOC A imigrante Toski Todo completa essa breve descrição com suas cenas do cotidiano japonês paisagens sintéticas bem como casas montanhas e árvores nas quais a fluidez da pintura torna o campo mais imaginário mais fabuloso como se vê em sua paisagem onde nuvens verme lhas e pretas avançam por trás da graciosa luminária para estenderse além da montanha e das casas Sem título sd aquarela e guache sobre papel 35 x 465 cm col MOC Parece óbvia essa enumeração da pintura simples e bu cólica produzida no hospício desenvolvendo uma lingua gem que refaz as imagens dos primitivos ou ingênuos pintores populares No entanto a recepção dessas obras como representantes do campo da arte ingênua interdita valhes a leitura psicológica O relativo silêncio conferido a essas pinturas evidencia um problema nuclear da Psicologia da Arte sobretudo quando voltada aos habitantes do asilo Uma conexão para o silêncio Uma conexão importante entre a recepção e o silêncio dessas pinturas pode ser localizada no início do século XX Particularmente esse problema é notável na interpretação divulgada originalmente por Osório Thaumaturgo Cesar médico psiquiatra atuante no Hospital de Juquery desde a segunda década daquele século autor de um conhecido artigo intitulado A arte primitiva nos alienados em 1925 Pouco tempo depois em 1929 lançou sua principal obra dedicada às produções plásticas no hospital A expressão artística nos alienados contribuição ao estudo dos symbo los na arte Entre as proposições contidas nesse livro está um mo delo classificatório que foi referido ao lado do esquema de Prinzhorn na breve história das idéias de arte e loucura es crita por Robert Volmat 1955 Tal método dividia as obras em quatro grupos conforme resumiu Andriolo 2003 1 arte do primitivo desenho e música 2 arte primitiva ou arcaica desenho escultura decoração poesia música dança 3 arte clássica ou acadêmica desenho pintura escultura decoração poesia música dança 4 arte de vanguarda desenho pintura escultura decoração poesia música dança Para o encaminhamento deste texto é suficiente dizer que as produções agrupadas sob a designação de aca dêmicas ou clássicas eram reconhecidas devido a sua objetividade e referência ao mundo exterior São pinturas consideradas pouco simbólicas que por isso não interes saram ao médico do Juquery Nas palavras de Osório Cesar 1929 p 24 2 As siglas das coleções citadas referemse aos seguintes acervos CEE Centre dÉtude de lExpression Centre Hospitalier SainteAnne Paris Fr MACUSP Museu de Arte Contemporânea da Universi dade de São Paulo SP Br MOC Museu Osório Cesar Complexo Hospitalar do Juquery Franco da Rocha SP Br 229 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Pintura Ingênua nos Ateliês Psiquiátricos muitas vezes a arte dos alienados é uma arte normal bem equilibrada e por isto mesmo sem grande interesse para o nos so estudo a não ser no tocante a um ou outro ponto de con cepção original que ela possa ter Por isso comparamos as manifestações artísticas dos alienados que pertencem a esse grupo com a arte comum à arte acadêmica Ao reduzir todas as pinturas que representavam de al guma forma o mundo exterior à arte acadêmica o Dr Cesar interditava a leitura psicológica dessas imagens por julgar que ali não se manifestavam as componentes sub jetivas Por outro lado interessavase pela arte moderna porque segundo ele aproximase das obras primitivas neste caso relativo a aborígines e dos loucos Dife rentemente da arte ingênua das pinturas de paisagem de naturezas mortas ou outros objetos reconhecidos no mundo exterior a arte moderna tornava visíveis os sím bolos necessários para a decifração da subjetividade do criador A afirmação do Dr Cesar permite compreender porque aquelas obras consideradas ingênuas eram ao mesmo tempo expostas e silenciadas A noção que opõe subjeti vidade e objetividade em correlação à representação das imagens mentais e do mundo exterior desconsidera os pro cessos próprios da produção plástica Esta é uma questão fundamental a ser enfrentada pelos psicólogos dedicados às artes visuais Ao reduzir a questão a um jogo de proje ções esquecese tanto do que há de mundo no trabalho do artista quanto do que há de matéria na própria obra de arte A seguir apresentarei o problema da oposição entre inte rior e exterior na produção artística do qual desdobrase o problema da oposição entre alegria e sofrimento na obra de arte para concluir que o silêncio da pintura ingênua decorrente dessas falsas oposições devese basicamente à desconsideração da própria obra de arte O problema da oposição entre interior e exterior na produção artística A abordagem estética orientada pela fenomenologia fornece uma contribuição decisiva Particularmente Mer leauPonty não deixa de apontar o equívoco do psicologis mo que supõe uma projeção direta dos conteúdos incons cientes nas imagens artísticas Para esse filósofo o trabalho artístico não é somente metamorfose do imaginário mas também resposta ao que o mundo o passado as obras fei tas pediam cumprimento fraternidade MerleauPonty 19521989 p 104 Em seu Conversas de 1948 o filósofo lembra que a arte e o pensamento modernos são difíceis não porque se baseiam unicamente em conteúdos subje tivos mas porque invertem o senso comum Os objetos não se insinuam ao olhar como objetos bem conhecidos mas detêm o olhar colocamlhe questões comunicam lhe estranhamente sua substância secreta o próprio modo de sua materialidade e por assim dizer sangram diante de nós MerleauPonty 19482004 p 55 Quatro anos depois em A linguagem indireta e as vozes do silêncio MerleauPonty insiste na inadequação da distinção entre a pintura clássica e a pintura moderna guiada pela maior ou menor ancoragem no mundo Não se pode definir a primeira pela representação da natureza e a segunda pela referência ao subjetivo Não se trata de escolher entre o mundo e a arte entre os sentidos e a pintura absoluta ambos imbricamse mutuamente MerleauPonty 19521989 p 96 A experiência perceptiva anterior à atividade artística projeta o artista por meio de seu corpo numa experiência essencial do mundo Nos cursos ministrados na Sorbonne MerleauPonty apóia sua reflexão no historiador da arte Erwin Panofsky notadamente no livro A perspectiva como forma simbólica de 1924 para demarcar a histori cidade da experiência perceptiva em relação à experiência do mundo Dizia então Um quadro é o traço manifesto de uma certa relação cultural com o mundo aquele que o percebe percebe ao mesmo tempo um certo tipo de civilização Nos casos em que a arte procurou fazerse o menos subjetiva possível essa arte é a expressão de uma certa maneira de ser do homem Merleau Ponty 19681990 p 293 Às tensões interiores que orientam o trabalho do artis ta aliase um sentimento do mundo um engajamento que viesse completar seu sistema de expressão do espaço Daí o vínculo fundamental entre a História da Arte e a Psico logia da Arte como mostrou FrayzePereira 1994 Por exemplo Gombrich 1977 concluiu que a Kunstwollen a vontade de formar é sobretudo uma vontade de conformar ou seja de realizar uma síntese plástica entre o esquema mental e a experiência do mundo Nesse sentido perceber não se reduz a constituir diante de si um conjunto de objetos Com JeanPierre Charcosset 1982 podese compreender que toda obra de arte baseia se numa certa descoberta do mundo Mundo que não se pode mais considerar como vitrine Gegenwelt ou como ambiente Unwelt mas como Lebenswelt no dizer de Husserl este mundo da vida é entendido não apenas conforme a tra dução habitual como mundo vivido porque ele é para nós não apenas o mundo onde nós vivemos ou que nós vivemos mas este mundo do qual nós vivemos como ele vive de nós Charcosset 1982 p 58 Eis o ponto nodal da estética merleaupontyana tanto o conhecimento quanto a obra de arte dependem da explora ção do mundo pelo corpo e da sua relação com as coisas Conceitualmente tratase da fórmula carnal Merleau Ponty 1964 Dufrenne 1982 FrayzePereira 1995a An driolo 2005 Ao ser considerada uma obra de arte e não apenas um documento clínico restrito à análise psicopatológica a pin tura dos habitantes do asilo revelanos um trabalho de cria ção fundado na percepção e na experiência do mundo As sim considerase o processo perceptivo como um encontro com significados No mundo notou Paul Crowther 1982 as coisas imprimemse sobre nosso corpo como presenças sensoriais emblemas não apenas como imagens men tais ou construção mental sobre dados Daí resultam duas noções 1 a percepção é criativa porque o corpo ao articu lar o mundo conforme significados remete o sujeito a sua vida passada e futura 2 o corpo opera entre as coisas e as pessoas de modo préreflexivo Conforme a Fenomenologia da percepção a vida consciente e perceptiva é sustentada por um arco intencional que projeta em torno de nós nos so passado nosso futuro nosso meio humano nossa situ ação física nossa situação ideológica MerleauPonty 19451999 p 190 A partir daí a pintura desperta o delírio da própria visão o pintor pratica uma teoria mágica da visão como escreveu MerleauPonty 1964 p 26 em O olho e o espírito o espírito sai pelos olhos para ir passear nas coisas Quan do a percepção encontra um significado imediatamente incompreensível mas que exige sua preservação e articu 230 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Andriolo lação estáse diante de um ponto de decolagem da cria ção artística Crowther 1982 p 141 Diz MerleauPonty 19521989 p 100 é necessário que haja ocorrido este momento fecundo em que germina à superfície de sua experiência em que um sentido operante e latente assume os emblemas que vão liberálo e tornálo maneável para o artista e ao mesmo tempo que aces sível aos outros O pintor em ação desconhece a antítese do homem e do mundo O problema da oposição entre alegria e sofrimento na produção artística O problema do sofrimento na criação artística abre um outro campo de reflexões que não será abordado aqui ver p ex FrayzePereira 1995b Sumariamente a questão da leitura que distingue os campos da arte ingênua e da psi copatologia da arte desdobra um outro equívoco a opo sição entre uma pintura orientada pela alegria e outra pelo sofrimento Ao considerar um artista como primitivo ou ingênuo a crítica acompanhava a leitura psicopatológica de arte que supunha dois campos artísticos definidos pela maior ou menor aderência ao mundo Mesmo resguardan do um sentido psicológico para as produções ditas naïves subliminarmente prolongavase o problema de distinguir as obras que apresentavam cenas campestres paisagens rurais festas populares daquelas imagens de cores densas de ce nas fantásticas e perturbadoras o primeiro grupo associa do à felicidade pueril e o segundo ao sofrimento do drama subjetivo As considerações feitas até aqui acerca da criação ar tística com base no processo perceptivo e numa operação expressiva que não abandona jamais o mundo demonstram a inviabilidade tanto da distinção entre mundo exterior e mundo interior quanto de uma pintura devotada à alegria e outra fundada no sofrimento Todo artista em operação dentro ou fora do asilo experimenta seus momentos de feli cidade e de sofrimento Ainda que seus pincéis registrem as agruras das condições de isolamento ou representem uma fuga idílica sua obra plástica não deixará de reviver sua própria experiência Apenas a título de exemplo não será difícil notar a fra gilidade da noção de felicidade aplicada aos pintores ingê nuos Tomando como base as quatro fases da trajetória de José Antônio da Silva notadas por SantAnna assim como fizera Spanudis encontraríamos a primeira delas girando em torno de 1946 e 1948 ou seja entre o dia de sua descoberta e o contato direto com o museu paulista do contato com a crítica de arte e seu autoreconhecimento como primitivo Predominavam então as telas de colori dos escuros um torpor angustiante e sufocado pintando paisagens muitas vezes associadas por um contorno que vai do escuro no plano inferior do espaço pictórico ao acin zentado no horizonte As margens laterais apresentamse constantemente fechadas por formas de colorido escuro ou opaco SantAnna 1993 p 166 O reconhecimento de Silva pelos três intelectuais paulis tas deuse num momento em que sua obra relatava o drama de sua vida e não em cenas idílicas definidas como naïves SantAnna 1993 p 166 é categórico ao afirmar que as pinturas de José Antônio no início de sua carreira como artista apresentavam desenhos de traços mais rústicos na maioria tristes sufocados por soluções cromáticas pouco iluminadas nostálgicos e quase sempre fechados em todas as extremidades simbolizando a ausência do vislumbre de saída da situação existencial em que o autor se encontra va Seu Cavalo indomável de 1949 óleo sobre tela 35 x 50 cm col MACUSP composto de tons de marrom e verdeescuro é exemplar desse momento no qual o céu ne buloso sombreia o campo tornando ainda mais impressio nantes as árvores secas ao fundo da cena O cavalo negro enfurecido destacase no primeiro plano reservando o can to inferior direito para o pobre cavaleiro estirado ao chão sob as patas traseiras do animal Assim colocada a questão não se poderá separar dois campos da pintura nos hospitais psiquiátricos por sua maior ou menor aderência ao mundo bem como não se poderá distinguilos pela temática dos sentimentos evocados Pode se concluir pois que a instituição psiquiátrica não encerra o drama psíquico da mesma maneira que a prática pictórica ingênua não o ausenta Conclusão Para concluir convém notar que a leitura psicológica estreita além de desdobrar os problemas da oposição entre exterior e interior alegria e sofrimento desconsidera por decorrência a própria materialidade da obra de arte Mesmo no sentido catártico dizia Dufrenne 1982 p 102 diferen temente do sonho o trabalho da obra obriga o criador a afrontar a resistência da matéria E no dizer de Frayze Pereira 1995b p 103 uma obra não é um fato nem mate rial nem ideal mas trabalho entendendose por trabalho a negação do dado imediato enquanto imediato e ao mesmo tempo construção de um novo objeto Nesse sentido a obra de arte é dotada de uma dimensão fundamental de re flexão acerca da experiência do mundo uma operação de interiorização e exteriorização que entrega ao mundo uma obra expressiva As pinturas de Farid Gerber de Braz Navas de Sabado Quinterni de Francisca Baron de Ioitiro Akaba de Masayo Seta de Toski Todo bem como as paisagens sombrias de Aurora Cursino todos habitantes do Juquery na década de 1950 não são apenas representações do mundo exterior objetos e construções do asilo como também não são pro jeções diretas das imagens do inconsciente Todas elas são operações expressivas que exigem do espectador um retor no à experiência da obra numa leitura particular que nos coloca diante da experiência do outro O problema da materialidade da obra nas produções de internos tem uma significação específica porque seus auto res estão em grande parte desprovidos de materiais neces sários à prática artística Considerese o fato desses artistas não possuírem outra coisa senão o seu próprio corpo Thé voz sd O pedaço de carvão a tinta o papel o barro os retalhos de pano o miolo de pão ou outros materiais tornamse extensão do próprio corpo do artista Corpo que é condição decisiva da percepção e da criação corpo que não é objeto mas que é mediação ou seja carne na concepção merleaupontyana Aqueles artistas mesmo quando entre gues às mais fantásticas imagens refazem meticulosamente a exploração do mundo como foi exemplar a difícil traje tória do desenhista Rubens Garcia inventando imagens tão fabulosas ao mesmo tempo que concretamente enraizadas no mundo visível Corporalmente situado no mundo o artista internado ou não realiza uma operação expressiva cuja síntese mes cla definitivamente o mundo interior e o mundo exterior O resultado dessa operação é um entredois materializado na obra de arte seja qual for o tema tratado Ao silêncio historicamente imposto à pintura ingênua dos ateliês psi quiátricos a própria materialidade das obras responde de maneira eloqüente Apresentandose como objeto estético para novos espectadores no longo percurso da recepção 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes Escola de Belas Artes CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Rio de Janeiro 2023 2 CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História da Arte Orientador Prof Dr Ivair Junior Reinaldim Rio de Janeiro 2023 CIP Catalogação na Publicação Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos peloa autora sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto CRB76283 S158m Saisse Clarice MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 AURORA CURSINO DOS SANTOS ADELINA GOMES E STELLA DO PATROCÍNIO Clarice Saisse Rio de Janeiro 2023 166 f Orientador Ivair Reinaldim Trabalho de conclusão de curso graduação Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes Bacharel em História da Arte 2023 1 mulheres 2 artistas 3 psiquiatria 4 narrativa 5 arte moderna I Reinaldim Ivair orient II Título 4 CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História da Arte Orientador Prof Dr Ivair Junior Reinaldim Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Ivair Junior Reinaldim EBAUFRJ Orientador Profa Dra Dinah de Oliveira EBAUFRJ Membro interno Prof Dr Marcelo Campos UERJ Membro externo 6 Para a minha mãe e para as mulheres da minha família por terem me tornado a mulher que sou 7 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe por tudo seu amor me protege e nunca me deixa esquecer que a felicidade não é um sonho tão distante Mãe é uma frase cheia completa À minha avó Orlanda e meu avô Humberto por tudo mas também pelo apoio ao estudo de artes sempre separando reportagens de jornal livros folhetos e revistas com meu nome escrito identificando seu pensamento carinhoso À minha tia Valéria por ser muito mais do que uma tia precisaria ser meu alicerce Às que me deram família até quando achei que não tinha mais Aline Débora Flavia Isis Karine Linck Phellipe Rebecca Thamiris Thayná Vitória e Yasmin Eu amo vocês Às Rainhas do Micão nossas festas de aniversário surpresa que todas já sabíamos que iam acontecer trocas e risadas Sem vocês a história da arte não teria sido tão divertida e leve Agradeço às minhas orientadoras do projeto Laboratório Poético que ao longo de três anos incríveis nunca me deixaram esquecer e me mostraram meu amor pela pesquisa que pode ser poética e artística O convívio com vocês me deu tanto que passei a vêlas não somente como minhas orientadoras mas como parceiras de pesquisa artística nesse país Anna Thereza Menezes e Marilane Abreu Agradeço ao meu orientador que esteve presente na minha trajetória acadêmica desde o meu primeiro período até o último tendo sido a pessoa que escolhi a dedo para estar me orientando ao longo do processo de pesquisa e escrita para concluir o curso Sua orientação foi tudo que sonhei ser e até mais obrigada Encerro esse ciclo cheia de boas saudades 8 Gostaríamos de iniciar pondo um intervalo no domínio da visibilidade Gostaríamos de iniciar traçando uma cartografia que não depende da ideia de localização Gostaríamos de iniciar propondo uma prática composicional indisciplinar e fugitiva Gostaríamos de iniciar pensando a destruição do mundo como conhecemos como uma forma de cuidado Gostaríamos de iniciar pela descolonização da matéria colonizada Gostaríamos de iniciar com uma espada a cortar o mundoferida Gostaríamos de iniciar com uma convulsão na gramática Gostaríamos de iniciar com um acidente na percepção Musa Michelle Mattiuzzi e Jota Mombaça Já não temos tempo mas sabemos bem que o tempo não anda só para a frente Não vim aqui para cantar a esperança Não temo a negatividade desta época porque aprendi com os cálculos de Denise Ferreira da Silva que menos com menos dá mais e portanto nossas vidas negativadas se somam e se multiplicam à revelia Então eu vim para cantar à revelia Jota Mombaça 9 RESUMO essa pesquisa se dedica ao estudo de três mulheres artistas que foram psiquiatrizadas e internadas em instituições psiquiátricas durante o período manicomial brasileiro compondo também a arte moderna brasileira também se dedica a entender como foi criado o estereótipo da loucura nas mulheres ao longo da história e da história da arte a partir disso foi trabalhada a imagem clássica da mulher louca em relação com a imagem humanizada construída através da narrativa dessa monografia a partir das três artistas escolhidas Aurora Cursino dos Santos interna do hospital psiquiátrico do juquery Adelina Gomes interna do antigo centro psiquiátrico hoje instituto municipal nise da silveira e Stella do Patrocínio interna da colônia juliano moreira a pesquisa começou por meu interesse em estudar a produção artística de internos que também foram artistas e ganhou corpo para se desenvolver no presente estudo depois de ter me perguntado sobre o pouco destaque que as artistas internas mulheres tiveram na história dos ateliês da Dra Nise da Silveira desde então adotei o recorte de gênero como direcionamento de pesquisa com o objetivo de encontrar essas mulheres pesquisálas e trazêlas para o campo da história da arte de onde também foram silenciadas e apagadas mas escolhi não me ater somente às artistas do ateliês da Dra Nise da Silveira abrangendo outras instituições psiquiátricas palavraschave mulheres artistas psiquiatria narrativa arte moderna 10 ABSTRACT this research is dedicated to study three women in arts who have been psichiatrized and psychiatric hospital intern during the asylum period being as well an important part of brazilian modern art the research is also dedicated to understanding how madness stereotype in women was developed through history and art history from that i put some effort to work on the classic image of madwoman in a relational dynamic to the humanized image developed through the narrative in this monography along side with the three women the author choose Aurora Cursino dos Santos intern at psychiatric hospital of juquery Adelina Gomes intern at the old psychiatric center today nise da silveira municipal institute and Stella do Patrocínio intern at juliano moreira colony the research started when i took interest in study the artistic production of interns who also have been artists and has gained body to develop into the present study after i asked myself about how little representation and visibility women in history of the Dra Nise da Silveira9s ateliers has received ever since i9ve assumed a gender focus as my research posture establishing the goal of finding those women develope research about them and bring them to the art history field where they have been silenced and suffered erasure but i choose not to research only the artists of Dra Nise da Silveira9s ateliers embracing other psychiatric institutions keywords women artists psychiatry narrative modern art 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO12 CAPÍTULO 1 imaginários brutais encontram Aurora Adelina e Stella17 11 a criação da imagem da mulher louca na história da arte21 CAPÍTULO 2 Aurora Cursino dos Santos31 21 biografia possível31 22 sequestros ao corpo da mulher e a lobotomia41 23 questão historiográfica sobre Aurora51 24 metodologia para enxergar Aurora e Aurora enquanto artista52 25 Aurora no juquery59 26 a maternidade a memória e a exigência pelo discurso da verdade71 27 eu Aurora Cursino reafirmação de vida84 CAPÍTULO 3 Adelina Gomes92 31 biografia possível93 32 a metodologia para Adelina o gesto e a fuga103 33 os gestos de Adelina como comunicação108 34 Adelina de corpo em barro peito aberto as esculturas115 CAPÍTULO 4 Stella do Patrocínio136 41 biografia possível137 42 metodologia para Stella sua voz a oralidade144 43 malezinho prazeres o falatório147 CONSIDERAÇÕES FINAIS157 REFERÊNCIAS160 ANEXO 1 Lista de mulheres artistas psiquiatrizadas ou com diagnósticos psiquiátricos166 12 introdução fazer história da arte como quem olha para o objeto e com palavras de comer reolhar tudo até abandonar a nomeação objeto e utilizar alguma outra que ainda não conheço Trecho de caderno de pesquisa 2021 pintar o que eu quero que exista Pri Barbosa você me diz eu vi que você faz muitas coisas mas qual delas é a sua coisa mesmo a que você realmente faz te respondo escrever porque é como aprendi a me mover nesse mundo o que me dá teto emocional e onde amolo a faca trecho de caderno de pesquisa 2021 espera estou inventando uma língua para dizer o que preciso Ana Martins Marques a minha pesquisa é trabalho de dedicação funda na vida de mulheres que foram silenciadas e violentadas de formas diversas o meu tema é sobre mulheres artistas que foram institucionalizadas durante o período manicomial brasileiro de dentro desse tema tive que escolher quantas mulheres pesquisaria e quais seriam tendo optado por três de modo que esse trabalho se desenvolve sobre quatro capítulos o primeiro se aprofunda na questão da loucura a partir do recorte de gênero de mulheres buscando explicar como foi criada a imagem estereotipada da mulher louca ao longo da história e também da história da arte o segundo é dedicado inteiramente à Aurora Cursino dos Santos que foi tornada interna do hospital psiquiátrico do juquery em franco da rocha são paulo o terceiro também é dedicado somente à Adelina Gomes que foi internada no antigo centro psiquiátrico nacional hoje em dia instituto municipal nise da silveira no engenho de dentro rio de janeiro o quarto e último capítulo dedicado inteiramente à Stella do Patrocínio que foi interna da colônia juliano moreira em jacarepaguá rio de janeiro as três 13 foram internadas e faleceram dentro da instituição psiquiátrica de modo que ao entrarem nunca mais saíram as três também em algum momento de sua trajetória enquanto carcerárias tiveram meio por onde se expressar o que foi compreendido como arte Aurora foi pintora Adelina foi pintora e escultora e Stella do Patrocínio contava histórias através de sua oralidade que como ela mesma chamava ficou conhecida por falatório a escolha por três mulheres em instituições psiquiátricas diferentes foi intencional pois assim poderia pesquisar três contextos diversos e mostrar que a tortura os maus tratos e tratamentos desumanos eram uma prática comum do período manicomial práticas essas que não deveriam jamais ter sido permitidas ou aclamadas pelo corpo médico que na época enxergava as psicocirurgias por exemplo como procedimento de alta tecnologia essa alta tecnologia foi instrumento de tortura feito sem o consentimento das pessoas a criação do primeiro capítulo foi uma escolha metodológica que aconteceu no processo na verdade ele foi o último capítulo a ser construído porque eu ia trabalhar somente com três capítulos para três mulheres mas começando a escrever o capítulo de Aurora Cursino dos Santos ele surgiu da extrema necessidade de falar primeiro sobre a imagem da mulher louca eu entendi que escrevendo sobre mulheres tidas como loucas eu precisava fazer uma escolha com esse trabalho eu poderia reforçar a imagemestereótipo da loucura nas mulheres ou poderia trabalhar em cima de uma ruptura sobre essa imagem a minha escolha foi a de trabalhar com a ruptura visando criar espaço de fôlego sobre uma tradição que subalternizou e invalidou muitas mulheres sobre uma tradição imagética de estereótipo solidificada através da história a minha escolha sobre escrever capítulos para Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio foi por identificar muitas lacunas em suas histórias Aurora Cursino dos Santos não tinha uma publicação sequer que a estudasse quando comecei a pesquisar somente algumas poucas páginas em um catálogo de arte Adelina Gomes é reconhecida no campo entre arte e loucura mas tudo que vi escrito sobre seu trabalho foi a partir das pinturas que fez não encontrei um trabalho que se aprofundasse em suas esculturas além do que foi escrito pela Dra Nise da Silveira que também estudou mais as pinturas Stella do Patrocínio teve felizmente nos últimos anos incríveis trabalhos feitos sobre ela mas quando 14 comecei a pesquisar seus áudios sua voz ainda eram propriedade privada de Carla Guagliardi diante da escolha que fiz de não reproduzir a imagem da mulher louca tomei um outro cuidado com as nomeações que fiz ao longo dos capítulos você poderá perceber que usei a expressão mulheres que foram psiquiatrizadas em vez de mulheres que tiveram diagnóstico psiquiátrico isso porque as três foram diagnosticadas como esquizofrênicas mas muitas pessoas receberam diagnósticos ou foram internadas mesmo estando plenamente saudáveis e muitas outras adoeceram por estarem dentro da instituição por quase toda a vida então entendendo isso ponho em dúvida seus diagnósticos e independente de terem sido reais ou não digo que foram psiquiatrizadas ou seja para além de alguém ter um diagnóstico essas mulheres foram enquadradas como malucas e doidas como loucas o que fez suas falas e expressão serem postas em dúvida somente por terem um diagnóstico psiquiátrico foram silenciadas e não puderam escolher tantas coisas sobre suas próprias vidas porque foram psiquiatrizadas no que diz respeito à maneira que escrevo você já deve ter percebido que meu texto está quase inteiramente em letra minúscula o que também foi uma escolha metodológica escolhi escrever tudo em letra minúscula exceto o nome de mulheres fossem cis ou trans e pessoas não binárias fiz essa escolha por entender a palavra como imagem e como símbolo por entender a palavra e o texto como lugar de estruturação política e de poder não segui a norma gramatical da língua portuguesa não segui sua estrutura de poder nem reproduzi seus símbolos de poder assumi uma postura em que me recusei a escrever o nome de homens que embasados pelo pensamento científico colonialista se sentiram no direito de fazer aplicações de eletrochoque ou lobotomia no corpo de seres humanos em condição de fragilidade me recusei a dar destaque a nomes repetidamente utilizados na história da arte me recusei a escrever a partir de referências majoritariamente de homens brancos porque não é o lugar de discurso que quero agenciar meu pensamento e a minha escrita escrevi o nome dos homens e seus poucos trabalhos aos quais fiz referência com letra minúscula para não colocálos em um lugar de poder mais uma vez é uma postura política de hierarquia no texto demarco então um território de cuidado com a escrita e escrevendo com afeto busquei não reproduzir ciclos de sofrimento de onde estou no texto na pesquisa busquei ao fazer isso agenciar outras relações na escrita alterando a 15 relação de poder patriarcal a escrita pode velar e reproduzir violências e não quis fazer isso com esse trabalho a última questão metodológica do trabalho diz respeito a como me posicionei para escrever os capítulos 2 3 e 4 não adotei uma única abordagem metodológica para desenvolver a pesquisa sobre as artistas porque percebi a necessidade de observar o que cada uma precisava por não adotar uma abordagem para as três o texto talvez não tenha ficado com aparência uniforme mas essa foi a pesquisa dissonante que busquei fazer desde o princípio não era do meu interesse seguir todas as regras ou diretrizes academicistas mas sim fazer o trabalho que me parecia necessário ser feito expliquei nos próprios capítulos quais métodos utilizei para desenvolvêlos e espero que não estejam de fato tão uniformes isso não significa que o texto como um todo não possua coerência de pesquisa um dos meus objetivos com esse tema foi o de alargar o pouco que fosse o campo de pesquisa da história da arte arte e loucura não são estudados na graduação a não ser que algum professor opte por trabalhar o tema para minha sorte isso aconteceu comigo e por fim se tornou meu tema de pesquisa frequentemente a graduação em história da arte na ufrj única que posso citar pois foi onde estudei teve o posicionamento de que alguns temas não faziam parte do campo vi isso acontecer com as pesquisas das minhas amigas e senti eu mesma dificuldade com o meu próprio tema pelo posicionamento e lacunas do curso que mesmo lacunar tem tanto a oferecer meu outro objetivo com meu tema que é o principal foi o que alimentou meu desejo pela pesquisa e pelo tema foi o de partilhar a existência dessas mulheres artistas e ressignificar o pouco que eu pudesse suas imagens para além do eixo das minhas amigas e da minha família queria que elas fossem cada vez mais vistas mais estudadas e mais conhecidas como parte da história da arte moderna brasileira o corpo a história de vida e história enquanto artistas foi tirada dessas mulheres através das violências e dos apagamentos às vezes é muito difícil sequer ouvir seus nomes se não fizermos esforços para encontrálas então vamos ouvilas de novo e de novo celebro suas vidas tudo o que de maravilhoso fizeram e criaram ao longo de suas vidas espero ter conseguido fazer isso com o texto e as imagens que disponibilizo foi um trabalho que fiz com amor amor ao meu tema e amor à pesquisa em arte e em história da arte nesse país pode parecer que elas 16 não tiveram espaço na história da arte mas o que não tem espaço está em todo lugar Jota Mombaça 17 capítulo 1 imaginários brutais encontram Aurora Adelina e Stella você não sabe o que é ter as pessoas olhando para você como se fosse louco anônimo proponho a seguir um exercício de deslocamento para se fazer com o corpo e com a imaginação quem é você e o que oa assegura disso quando leio as palavras escritas de alguém não existe voz na verdade a única coisa que existe são as palavras da pessoa e a leitura que faço dentro da minha mente ao ler as palavras dançam na minha pele e nesse espaço que é meu corpo fluem isentas da ação da gravidade flutuam livres de peso a única coisa que garante serem reais sou eu mesma escolhi o exemplo da leitura porque é nesse lugar que você se encontra agora dentro do meu texto realizando uma leitura mas o que te assegura de que isso é real você é o suficiente para atestar essa realidade o que a impede de que se desmonte e se todas as pessoas ao seu redor te afirmassem que nada disso é real você teria tanta certeza então a esquizofrenia é um diagnóstico psiquiátrico que tem como um dos sintomas o delírio isso quer dizer que pessoas diagnosticadas com esquizofrenia são atravessadas por episódios de alucinação distorcendo eou inserindo elementos irreais na realidade mas como separar um do outro não ficamos constantemente questionando se nossas percepções sensoriais são reais ou não as pessoas que vivenciam sintomas de psicose também não se eu escuto alguém dizer alguma coisa se eu vejo algo essas não são partes concretas da realidade eu ouvi eu senti e não são realidade penso que esse estranhamento pode ser bem vindo para quem não experiencia os sintomas uma vez que somos nós que perpetuamos o conceito de alteridade frequentemente sem tomarmos consciência disso a alteridade é o conceito que determina como absorvemos a nós mesmas no mundo e as outras pessoas no entanto o referencial é sempre o homem universal sendo este um conjunto de homens brancos auto entendidos como racionais pessoas lidas como 18 loucas escapam do conceito do homem universal sendo perpetuamente atravessadas pelo olhar de estranheza deslocamento e não pertencimento que a alteridade instaura e legitima tudo que foge da concepção de homem universal se torna o outro bell hooks em seu livro Ensinando a transgredir divide conosco como a teoria pode ser um lugar de cura e acolhimento de onde estruturamos o mundo e nossas questões afirma que quando nossa experiência vivida da teorização está fundamentalmente ligada a processos de autorrecuperação de libertação coletiva não existe brecha entre a teoria e a prática hooks 2017 pp 8586 dizer isso significa articular teoria e prática em um território comum a vida atravessa e preenche a teoria de modo que se espelha nas nossas atitudes e posturas cotidianas entrar em contato com o conceito de alteridade não nos traz reverberações na prática se não entendermos que ela está enraizada estruturalmente nas nossas percepções e leitura de mundodas pessoas ou seja nas nossas vidas a teoria como um espaço preenchido por nossas vidas é uma forma de fazer ruir a ideia de que vida e teoria pertencem a campos diferentes e até mesmo opostos da mesma forma que frequentemente separamos o conhecimento do nosso lado emocional a teoria quando se declara abertamente articulada à vida se torna então honesta e capaz de gerar movimento de conectar efetivamente teoria e prática não existe teoria que não esteja vinculada à vida de quem a escreve porque não existe um sujeito oculto não existe neutralidade todas e todos partimos de algum lugar que está relacionado a quem somos o que pensamos e como pensamos como sentimos de onde somos desse modo me proponho escrever a partir da vida e escrever um texto que possa ser pensado como texto prática ou seja escrever já no exercício consciente de cuidado sobre a não reprodução de violência e visando uma escrita acadêmica que seja humanizada em detrimento de um texto despessoalizado ao entendermos essas questões podemos então destruir nossos comportamentos que perpetuam essa violência e reconstruir posturas que sejam empáticas para a subjetividade e a vida das pessoas agora dando maior enfoque para o tema dessa monografia entrelaçar teoria e prática nos auxilia também na responsabilidade de não reproduzir o ciclo de violência manicomial dizer isso significa que os manicômios não deixaram de existir eles são reatualizados 19 diariamente em nossas mentes comportamentos e na medicalização da vida o pensamento manicomial é tutela controle de vida é ferramenta para identificar e determinar que corpos são normais e quais são anormais que corpos são aceitos e quais são rejeitados pela sociedade representando a falência do estado por fim o pensamento manicomial funcionou e continua a funcionar como máquina reprodutora de sofrimento psíquico separando quais corpos têm direito a vida e quais não esse lugar da rejeição exclusão social produção de sofrimentos e vulnerabilidades se trata novamente do conceito de alteridade que atravessa o pensamento manicomial e que perpetua a inserção de pessoas em sofrimento psíquico no lugar do outro escrevo que existe uma atualização dos manicômios porque em vez de a sociedade produzir condições de isolamento em cárcere físico prisão internação psiquiátrica como ocorria no período manicomial o isolamento social passa por uma mudança principal apontada pela Dra Nise da Silveira no documentário Posfácio Imagens do Inconsciente agora se os manicômios estão sendo desmontados aos poucos como foram conhecidos a nova camisa de força é a camisa química a superdose de medicamento que além de ser uma ferramenta de isolamento faz com que esses corpos rejeitados pelo sistema fiquem dopados dóceis sonolentos um paralelo distante com a situação do cárcere manicomial mas que ainda assim me parece possível de ser estabelecido é o isolamento social que a pandemia de COVID19 provocou no mundo ao mesmo tempo em que temos diferenças gritantes nessa relação como o fato de que não ficamos encarcerados em nossas casas não vivenciamos tratamentos violentos eletroconvulsoterapia lobotomia cela forte lençol de contenção camisa de força não utilizamos uniformes entre outros apesar de tantas diferenças as pessoas que puderam ficar em casa durante o ano de 2020 vivenciaram um tipo de isolamento o distanciamento social a solidão e para muitas mulheres vulnerabilidades e violências inúmeras porque o espaço da casa nem sempre é um espaço seguro muitas vezes não foi mais possível ver as pessoas que amamos ou nos locomover na cidade como antes e apesar de todas as diferenças se o isolamento social provocou efeitos tão violentos como depressão ansiedade pânico e fobia social não há como dimensionar o trauma causado às pessoas encarceradas pelo modelo manicomial 20 até então estruturei e articulei algumas questões no texto o delírio em pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas o deslocamento da percepção entre real e irreal a importância de olharmos a teoria como um espaço preenchido por nossas vidas e o conceito de alteridade acredito serem questões importantes para começarmos a falar sobre Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio sim esse é um texto sobre história da arte porque a partir das narrativas dessas mulheres restauramos um fluxo de narrativa histórica que também foi interrompido pelo conceito de homem universal o homem universal não é só o homem branco é também a heteronormatividade a cisgeneridade a razãopensamento unicamente racional sem ativação do corpo são as formas padronizadas de existir a distância que se fabrica entre o homem universal e o resto da humanidade não é somente uma distância é um lugar de poder em que se fabricam as noções de superioridade e subalternidade a vida a história e a arte dessas mulheres desestabilizam todos esses conceitos de universalidade desafiando portanto a posição subalterna em que foram encarceradas a estrutura de poder no plano do presente e do futuro queimam simbolicamente nossas concepções de mundo porque apesar da movimentação que fizeram infelizmente nada impediu que passassem suas vidas encarceradas vivenciando violência institucional e tendo todas elas falecido inseridas nesse contexto o mundo em que vivemos está acabando morrendo de maneira simbólica pela forma como nos relacionamos como nos percebemos de dentro dessa morte precisamos ter a sabedoria de olhar dentro da boca do que está morto e fazer nascer vida os ciclos de vida são essencialmente entrelaçados aos ciclos de morte se entendemos isso podemos articular que ao mesmo tempo em que a sociedade produz vida também produz morte produz racismo lgbtqiafobia machismos desigualdade social todos esses são dispositivos de fazer morrer de aniquilar de matar sendo portanto características de um mundo que está morrendo quando articulamos teoriaspráticas de vida que desestabilizam essas violências estruturais manifestamos uma recusa diante de modos de vida violentos sufocamos essas políticas que nos matam não somente de corpo matado as mortes físicas mas também as do plano do simbólico é a morte de um projeto de sociedade são mortes imateriais é a morte de estruturas colonizadoras e patriarcais compulsoriamente heterossexuais o que Aurora Adelina e Stella produziram 21 matam essas concepções de mundo nós enterramos as concepções de aniquilamento para daqui em diante fazer nascer coisas que fazem nascer mais coisas nós plantamos e cultivamos vida eu gostaria que existisse uma forma de quantificar em realidade qual é a parcela da população mundial que corresponde ao conceito do homem universal mas não preciso eu e você sabemos que o que existe em detrimento é simbolicamente a humanidade inteira é desse lugar que estou é desse lugar que esse texto está e daqui partimos para reconstruir esse mundo falido Aurora Cursino dos Santos 18961959 Adelina Gomes 19161984 e Stella do Patrocínio 19411992 são mulheres que foram enquadradas como loucas quase em um sentido criminal porque foram encarceradas por quase a vida inteira vivenciando violência manicomial foram psiquiatrizadas e inseridas no espaço institucional de internação nesse espaço essas mulheres tiveram contato com a criação artística e passaram elas mesmas a criarem esse capítulo se debruça em como ao longo da história certas imagens foram responsáveis por criar o estereótipo da mulher louca que se perpetua e produz violências 11 a criação da imagem da mulher louca na história da arte armas contra tudo o que não te deixa livre revolta contra tudo que te acorrenta KAHLO 2017 p 216 através da repetição de imagens são criados imaginários na sociedade o imaginário social da loucura pode ser consultado se pesquisarmos a palavra louco no dicionário um exemplo são as definições do dicionário michaelis de atitudes alteradas excessivamente extravagante no comportamento desprovido de juízo contrário de bom senso fora da normalidade que age de forma irracional louco de pedra doido varrido doido manso entre outras no entanto é preciso entender que a loucura traz questões para as mulheres que não traz para os homens mesmo existindo pontos de encruza como são os conceitos oferecidos pelo dicionário michaelis estereótipos vivenciados por homens e mulheres no contexto da loucura a mulher com diagnóstico psiquiátrico está 22 vulnerável a violências que os homens não estão de forma tão recorrente suas questões de gênero serão outras no livro Luta Antimanicomial e Feminismos discussões de gênero raça e classe para a reforma psiquiátrica brasileira com a organização de Melissa de Oliveira Pereira e Rachel Gouveia Passos as autoras e organizadoras afirmam que ao fazerem uma pesquisa acerca dos diagnósticos das mulheres encontraram recorrentemente uma associação com a sexualidade critérios como a beleza e a 8feiura9 das mulheres o não desejo pelo matrimônio ou pela maternidade se tornaram centrais nas avaliações médicas tanto para a internação quanto para a permanência das mulheres nas instituições do século xx PEREIRA PASSOS 2017 p 38 a historiadora Magali Engel em um momento de sua tese de doutorado chamada A loucura na cidade do Rio de Janeiro ideias e vivências 18301930 discute a percepção da loucura por psiquiatras no início da literatura sobre a saúde mental e aponta que era comum os alienistas terem fatores sociais como causa para o adoecimento psíquico mesmo depois da comprovação de que um dos principais gatilhos para o desenvolvimento das doenças era a hereditariedade muitos alienistas continuaram a ter a desordem social como fator e cita um trecho falando sobre a má conduta das mulheres como um desses fatores além das mulheres muitas vezes terem sido institucionalizadas pelos delírios do patriarcado como não terem desejo pelo casamento e por terem filhos Melissa Pereira e Rachel Gouveia discutem como os sofrimentos psíquicos das mulheres são invisibilizados por serem lidos como frescura quando interseccionamos raça e gênero os sofrimentos gerados pelo racismo não são levados em consideração e permanecem invisíveis PEREIRA PASSOS 2017 p 38 não é incomum que mulheres institucionalizadas em hospícios tenham vivenciado assédio e abuso sexual sem jamais serem sequer escutadas sem terem tido a chance de contarem suas histórias e serem acolhidas em 1887 a jornalista estadunidense Nellie Bly finge ser louca1 para ser internada em um manicômio e poder relatar as condições das mulheres institucionalizadas durante o período 1 o que demonstra que no século xix a imagem acerca do que é uma mulher louca já estava bem estabelecida ao ponto da jornalista saber que atitudes ter para ser lida socialmente como louca mesmo que não fosse e que a imagem criada por ela fosse o suficiente para fazer ser institucionalizada 23 manicomial em seu livro a autora relata a presença de uma mulher grávida que já estava na instituição por tempo demais para ter sido internada já grávida ela relata também ter escutado o som de um bebê chorando não há como a mulher em questão não ter sido abusada entrelaçado ao imaginário de loucura as mulheres com diagnósticos psiquiátricos são postas como corpos sem controle sem razão exageradas histéricas e portanto silenciadas através da consulta ao dicionário acessamos algumas palavras que dão nome a esse imaginário de corpos psiquiatrizados em adoecimento mental a autora Tatiana Fecchio da Cunha Gonçalves com sua tese A Representação do louco e da loucura nas imagens de quatro fotógrafos brasileiros do século XX Alice Brill leonid streliaev cláudio edinger Claudia Martins nos fornece as imagens desse estereótipo a tese da autora estuda a representação do louco e da loucura na história da arte e na fotografia e identifica nessas imagens a pretensão de terem cunho documental atestarem uma verdade um fato assim como as palavras as imagens são discursos e Tatiana se dedica a essas imagens investigando os elementos que nelas constroem a imagem naturalizada que fazemos das pessoas com diagnósticos psiquiátricos bem como da própria loucura ou seja estudando as imagens a autora identifica estereótipos da loucura que são postos como fatos a autora teve outro objetivo com sua tese além de realizar um estudo quase arqueológico de significações presentes nas imagens ao desdobrar camadas de significações impressas nas fotografiasesculturaspinturas ao longo do tempo Tatiana também desejava ampliar as possibilidades de análise em função do confrontamento junto a formas de apreender e descrever o 8louco9 como diverso excluído e estigmatizado ao longo dos tempos GONÇALVES 2010 pp 3 esse embate é fundamental para deslocarmos do eixo a visão tradicional e violenta que pessoas sem diagnóstico psiquiátrico estruturam e repetem sobre a loucura e sobre as pessoas em situação de sofrimento psíquico Aurora Adelina e Stella não são a imagem que fizemos delas ao escutarmos que eram loucas esquizofrênicas ao longo da história a figura do louco teve diversas representações e interpretações do que seria a loucura como alguns traços da expressão da fisionomia a aparência física traços de caráter a gestualidade e posturas do corpo esses são alguns exemplos do que poderia ser considerado ao olhar médico como estados alterados indicativos de loucura uma das teorias no entanto interpreta a 24 loucura como emoções intensas de acordo com Kromm 1984 p 55 apud GONÇALVES 2010 p 25 a insanidade é generalizada como qualquer emoção ou gesto exagerado que pode dar o aspecto visual de caos e por isto implicando em pensamento desordenado essa teoria fundamentou que a imagem da loucura estaria atrelada aos exageros emocionais em parte essa caracterização do que seria uma pessoa louca está relacionada com a contrarreforma e o barroco por causa da época em que se populariza a teoria século xvii mas mesmo antes do século xvii a gestualidade intensa já era configurada como loucura e especificamente atrelada à imagem da mulher com diagnóstico psiquiátrico aqui então encontramos com uma das prováveis origens da mulher que é controlada a partir do argumento do exagero do estado histérico lendo a pesquisa de Tatiana me perguntei qual seria a leitura da sociedade perante uma mulher dessa época que estivesse enfurecida com raiva que tentasse falar o que pensa que discordasse de um homem também me perguntei se essa mulher seria uma mulher branca ou uma mulher não branca também me perguntei se alguma mulher desse período se deu o direito à raiva e se alguma dessas mulheres sentisse vontade de gritar eu sou uma mulher branca vivendo no rio de janeiro do século xxi e às vezes sinto vontade de gritar o que provavelmente faz com que elas tivessem muito mais motivos do que eu eu me irrito e sinto raiva e expresso essa raiva por vezes existem inúmeros casos documentados que comprovam quantas mulheres foram institucionalizadas no manicômio contra sua vontade por apresentarem desvios do comportamento feminino exigido pela sociedade isso quer dizer que elas não tinham condições psiquiátricas mas sim eram mulheres lidas como rebeldes para seu tempo inconvenientes e consequentemente perigosas a resposta do poder patriarcal foi o encarceramento em manicômios chego a me perguntar se Aurora Adelina e Stella realmente tinham algum diagnóstico psiquiátrico ou não na época em que foram internadas contra sua vontade acho difícil que exista alguma mulher que já não tenha escutado hoje em dia que está exagerando ou que está maluca desequilibrada olha seu estado como está afetada melhor ir dormir para esfriar a cabeça por que está tão nervosa ou você está sendo muito irresponsável se eu sentir que devo vou gritar com você de novo sim essa sou eu vestindo meu corpo nesse texto e os exemplos infelizmente não acabam porque o patriarcado é uma máquina de fazer distorções que os 25 homens não se dão ao trabalho de entender eles mesmos fazem as distorções cotidianamente e sentem revolta quando confrontados sobre nossas inquietações e protestos no livro Irmã Outsider ensaios e conferências de Audre Lorde a autora escreve no capítulo Machismo uma doença americana de blackface que homens se esquivam do que é apontado pelas mulheres por nos considerarem 8viscerais9 demais a dor é muito visceral particularmente para pessoas que estão feridas LORDE 2020 p 80 a raiva aos poucos se torna tecnologia de sobrevivência para mulheres que querem continuar vivas emocionalmente fisicamente psicologicamente a questão com a raiva é que ela pode te engolir então também precisamos ter cuidado as redes de apoio também são tecnologia de sobrevivência Tatiana também aponta que se tornou comum ao representar a loucura e a mulher o ato de puxar os cabelos combinado com esse exagero emocional dois exemplos que seguiram essa maneira de criação de imagem são um detalhe da lamentação de cristo feita por donatello e a obra louca da casa dos loucos de geraert lambertsz figura 1 à esquerda detalhe da lamentação de cristo donatello victoria and albert museum c 145859 relevo em bronze figura 2 à direita louca da casa dos loucos geraert lambertsz museu rijksmuseum em pesthuis c 1615 escultura 26 depois de olhar essas imagens eu espero despir seus olhos com o que tenho para mostrar a seguir são imagens que não precisam que eu diga algo por elas porque são dotadas de potência tão vibradora que retomam a ideia da imagem como discurso com outra força com outras coisas a serem ditas é verdadeiramente um susto para o olhar para os preconceitos as barreiras são imagens sinceras atravessam meu corpo de um lugar que ainda não compreendo por inteiro provavelmente não tenho as palavras voltando mais uma vez para a dificuldade de articular o dizer expressa por Gloria Anzaldúa provavelmente é porque a alteridade coisifica o ser humano até que ele seja desumanizado por completo é quando o corpo social permite a violência e a tortura mas essas são imagens humanas sem coisificações uma delas é um autorretrato feito por Aurora Cursino dos Santos a outra uma pintura feita por Adelina Gomes que apesar de não ser um autorretrato declarado pela artista assim o enxergo a última imagem é uma fotografia de Stella do Patrocínio antes de ser encarcerada pela instituição psiquiátrica 27 figura 3 Adonei Aurora ExCaipirinha Aurora Cursino dos Santos museu de arte osório cesar são paulo 50 x 325cm sem data óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 28 figura 4 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 613 x 505cm 12021968 óleo sobre tela fonte retirada do site mii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml 29 figura 5 Stella do Patrocínio em liberdade antes da internação acervo pessoal da família sd fotografia fonte retirada do site quatrocincoumfolhauolcombrbrartigosliteraturabrasileiraanaopoetamaispoet aquejali essas três imagens operam na lógica de representação das próprias artistas sobre elas mesmas até mesmo a fotografia de Stella do Patrocínio por ter sido feita a partir de um contexto que não a anula essa imagem também representa como ela 30 teve agência sobre si mesma então as três fogem2 do estereótipo da loucura ao qual não correspondem por serem vidas e não estereótipos e a partir daqui nesse texto finalmente caminhamos junto com elas Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio buscando ouvir o que suas palavras e imagens acionam e movimentam me emociono mais uma vez abram os caminhos 2 o conceito de fuga de Jota Mombaça que articulo ao longo do texto fala sobre a fuga como a criação de um lugar que cada pessoa faz onde não exista brutalidade onde podemos ser quem somos longe das violências que a sociedade produz como racismo patriarcado entre outras 31 capítulo 2 Aurora Cursino dos Santos acabei de encontrar outra artista mulher seu nome é Masayo Seta e estou emocionada quantas outras mulheres podem estar por aí eu confio no direcionamento que minhas perguntas criam para a arte Trecho de caderno de pesquisa 11 de maio de 2021 eu tateei o chão com as mãos durante muito tempo até chegar a esse tema de pesquisa não tinha coragem ainda para ficar em pé e olhar o horizonte em parte porque não sabia o que encontraria mas o maior receio de todos era o de não encontrar nenhuma outra mulher o patriarcado nos faz acreditar todos os dias que nossas vozes não são o bastante e que não teremos semelhantes a nós para olhar nos olhos e seguir para onde quer que pensemos ir ainda bem que no caminho eu encontrei semelhantes e nos olhamos para juntas olharmos mais longe e encontrar mais de nós ao longo da pesquisa desenvolvi uma ação em paralelo a de começar uma lista com todos os nomes de mulheres artistas que como Aurora Adelina e Stella foram psiquiatrizadas ou tiveram diagnóstico psiquiátrico a lista está disponível no anexo 1 e para a minha surpresa fui capaz de reunir nomes em quantidade que seus nomes e histórias abram caminhos também 21 biografia possível figura 6 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel assinatura da própria Aurora Cursino dos Santos fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 32 figura 7 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel a Caipirinha era como a própria Aurora se chamava parecendo um apelido carinhoso fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório césar eu vi Aurora Cursino dos Santos 18961959 pela primeira vez através do catálogo da mostra do redescobrimento imagens do inconsciente o catálogo possui 255 páginas com doze artistas apresentados em que somente duas são mulheres Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes somando as duas um total de 15 páginas das 255 do catálogo inteiro talvez para entender melhor o que isso significa elas ocupam aproximadamente 588 do catálogo inteiro e Adelina Gomes é a única mulher negra presente nas páginas se incluirmos o fato de que a maioria da população internada em manicômios era negra incluindo as mulheres Adelina ser a única mulher negra se torna ainda mais sintomático o racismo e a invisibilização não são um delírio são fatos concretos nas 8 páginas sobre Aurora há uma fotografia da artista fazendo uma pintura ao consultar o livro Arte e Loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz pude encontrar a mesma imagem e percebi então a fotografia do catálogo está cortada dando enfoque para Aurora mas a foto inteira revela outras cinco mulheres apagadas no recorte da foto não consegui encontrar seus nomes a imagem retrata a escola livre de artes plásticas elap criada pelo dr osório cesar no hospital psiquiátrico do juquery de modo que todas essas cinco mulheres possivelmente são artistas ou trabalhavam na escola todas omitidas do catálogo na ação de cortar a fotografia criando mais uma fissura ao optar pelo apagamento3 3 tentei encontrar o nome dessas mulheres através da comissão de ensino e pesquisa do complexo hospitalar do juquery e da consulta no arquivo público do estado de são paulo mas devido a uma mudança de prédios no complexo hospitalar e a minha indisponibilidade de fazer uma visita física ao arquivo público não pude consultar as fontes observo também que quando o catálogo se propõe a falar sobre Aurora ela é o foco do capítulo e possivelmente por essa razão as outras mulheres não apareceram mas considerando a lacuna de registros acerca de mulheres institucionalizadas nesse contexto continua me parecendo mais interessante que a escolha na construção de narrativa fosse a de que a fotografia não tivesse sido cortada assim quem sabe em algum momento poderemos dar nome aos rostos 33 figura 8 escola livre arquivo museu osório césar são paulo sd fotografia fonte Arte e loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz p 77 Aurora foi fotografada também pela fotógrafa pintora e crítica de arte Alice Brill no hospital psiquiátrico do juquery em 1950 imagem essa que reproduzo abaixo 34 figura 9 interna do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu antes de dar continuidade ao texto trago uma pergunta para Alice Brill o título da fotografia feita por ela realmente é interna do hospital psiquiátrico do juquery o que muito me doeu transcrever porque essa interna do hospital possui nome as pessoas têm nomes por que dar esse título genérico uniformizado desumanizante e despessoalizado à fotografia se Alice Brill tinha acesso ao seu nome Aurora Cursino dos Santos no mais se não soubesse seu nome inteiro a própria imagem traz identificado em meio às pinturas de Aurora seu nome escrito AURORA está difícil a leitura através da fotografia mas não teria como Alice não ter visto 35 figura 10 detalhe de interna do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu através da pesquisa feita pela historiadora Silvana Jeha sobre a artista Aurora Cursino dos Santos pude acessar mais informações sobre sua vida Aurora nasceu no interior de são paulo em são josé dos campos no ano de 1896 a artista veio de uma família com alguma condição financeira seu pai chamado pedro cursino dos santos tinha um pequeno armazém e a mãe de Aurora não se sabe o nome apesar de Silvana mencionar a aparição de uma mulher chamada Benedita em suas pinturas que pelo que pude observar aconteceu mais de uma vez mas em uma delas Aurora escreve sou filha de pedro e Ligia Aurora Cursino Zantos naça caipirinha figura 11 de modo que não há como ter certeza sobre quem foi sua mãe não se sabe se Aurora teve irmãos ou irmãs estudou até o terceiro ano primário que atualmente corresponderia ao 4º ano do ensino fundamental não se sabe por que parou de estudar 36 figura 11 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 58 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar o catálogo da mostra do redescobrimento aponta que Aurora cresceu em casa sob influência do pai ocupandose de prendas domésticas4 e por imposição deste foi obrigada a casarse com um homem de quem não gostava ficando apenas um dia com o marido e completa diz que seu sofrimento começou com o casamento entregouse a uma vida mundana cheia de prazeres prostituindose p 68 não sei ao certo que parte de se casar com um homem contra a vontade e precisar abandonálo tem relação com uma vida cheia de prazeres 4 aproveito para corrigir por trabalho doméstico não remunerado 37 o texto do catálogo afirma também que Aurora viajou para portugal e que posteriormente desiste de trabalhar como prostituta trabalhando como empregada doméstica em diversas casas sem conseguir se estabilizar em nenhum emprego sem emprego não existe a possibilidade de moradia o texto do catálogo então afirma que Aurora passa a viver em albergues noturnos mas a versão em inglês os chama de shelters for the homeless em tradução livre abrigo para pessoas em situação de rua o percurso do que se conhece sobre a biografia de Aurora é cenário de atitudes patriarcais criando interferências ao longo de sua vida ao ponto de se tornar uma mulher em situação de rua uma mulher psiquiatrizada carcerária do serviço de saúde não é de conhecimento quando Aurora se casou para podermos estimar quando se separa de seu exmarido e sai da casa mas o primeiro endereço encontrado dela fora da sua cidade natal foi rua dos inválidos 84 na lapa rio de janeiro esse dado tem data de 1919 de modo que devia ter entre 23 24 anos e ao que tudo indica já atuava como prostituta JEHA birman 2022 p 45 de acordo com a pesquisa de Jeha Aurora foi prostituta de luxo estando relacionada a pessoas poderosas como o aristocrata carioca josé eduardo macedo soares extenente da marinha dono dos jornais o imparcial e diário carioca e pai da arquiteta Lota de Macedo Soares que se tornou conhecida por ser uma das responsáveis pela construção do parque do flamengo no rio de janeiro isso se deu a convite de carlos lacerda na época deputado federal em 1932 Aurora morou novamente em são paulo informação que pôde ser acessada devido à artista ter se inscrito em um curso emergencial de enfermagem da cruz azul o hospital cruz azul foi fundado para abrigar os feridos e familiares da força pública de são paulo da revolta de 1924 JEHA birman 2022 p 49 e o curso de enfermagem emergencial foi montado visando que as enfermeiras pudessem atender os soldados que estavam entrincheirados na revolução constitucionalista de 1932 que foi um movimento armado formado pela elite e classe média de são paulo contra o governo de getúlio vargas Aurora foi uma das 140 mulheres inscritas no curso de enfermagem e através do site da biblioteca nacional digital pude encontrar listagem respectiva à três turmas de 1932 que iam iniciar os exames para habilitação de enfermeiras naquela data 27 de julho de 1932 seus nomes eram 38 primeira turma Augusta Vale Teresa Coelho Carmen de Freitas Aida Fraise Alice Monteiro Fieori Cleobe Figueiredo Isabel Wilken Nair Monteiro Maria José Monteiro Maria de Campos Moura Elisa Colli Julieta Colli Naika P e Gallo Helena Zirk Zoé Gallo Afonsina Bueno Edeitrudes Gomes Pereira Izilia de Azevedo Pinheiro Elvira Mafel Alice Lernes segunda turma Alice Rebouças da Silva Beatriz Gartine Penteado Gloria Breswer Moura Abreu Maria Aparecida de Castro Maria Luiza Brito Inés Fontenho Eglantina Amaro Dirole Garcia Nina Graça Martins Julieta F da Graça Martins Lea de Morais Maria Monteiro Jandira Chinachi Brisa Nobre Elisita Nobre Lina Barales Odenia Damazio Olga Damazio terceira turma Natalina Colli Ilda de Toledo Zaira Lee Sarah Campos Sales Ofelia de Oliveira Borges Agar Medeiros de Queiroga Violeta de Andrade Laura Simões e Silva Matilde de Divittis Elvira de Divittis Jean J de Divittis Noemia Siqueira Campos Carolina Siqueira Campos Arminda Soares Franco Valdemira Mariana Maria de Barros Iracema Rocha de Almeida Ofelia da Fonseca a partir desses nomes me parece que Aurora não chegou a cursar a formação de enfermeira o jornal correio de s paulo possui 61 resultados se buscarmos cruz azul e entre eles há um chamamento de algumas alunas para comparecerem à cruz azul surgindo nomes que não estão na listagem da prova isso mostra que nem todas as mulheres cursando estão nessa lista das provas mas em nenhum dos nomes que apareceram na pesquisa pude encontrar Aurora os 61 resultados vão de 1932 até 1935 em 1935 há registro de um novo endereço Aurora morava na pensãohotel avenida na avenida mem de sá também na lapa no rio de janeiro em uma de suas pinturas a artista retratou o hotel avenida imagem que traz elementos católicos através da presença de uma freira mostrando um dos temas comuns na produção de Aurora Cursino além da sexualidade com cenas que retratam a prostituição e o corpo feminino também a presença da religiosidade na vida da artista pela observação de suas obras parece que Aurora pode ter sido devota da Nossa Senhora Aparecida ela repetiu muito o nome da santa em seus textos que estão presentes nas pinturas 39 figura 12 Hotel Avenida Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 50 x 405cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida pelo acervo do museu de arte osório cesar não é de conhecimento até quando Aurora foi prostituta mas sabendo que começou a trabalhar cedo e que não conseguiu se sustentar como empregada doméstica tendo sido tornada interna somente em 1941 é muito provável que tenha exercido durante muitos anos se fizer a suposição de que começou em 1919 40 e parou em 1941 são 22 anos como sabemos infelizmente Aurora vivenciou diversas camadas de violência ao longo da vida e entre elas há registro documental de uma tentativa de abuso sexual em 1919 justamente época em que morava na rua dos inválidos existe documentação do ocorrido porque a artista prestou queixa abrindo um processo contra o agressor em que relata a agressão de um jornalista de cor preta que a agride porque não quis fazer atos libidinosos com ele Aurora o denunciou por agressão depois dela não consentir uma relação sexual ele puxou seus cabelos arrancou sua blusa mordeu seus lábios e tentou violentála ela gritou e a vizinha e um amigo dela apareceram no dia seguinte foi à delegacia denunciálo fazendo um exame de corpo de delito que confirmou a agressão tinha escoriações na mão e hematoma no braço arquivo nacional 19191936 a violência contra qualquer mulher foi silenciada por muito tempo sendo naturalizada pelas normas sociais vigentes e contra a prostituta era muitas vezes negligenciada até 1940 a pena para o estupro de prostituta era menor do que o de outras mulheres5 Aurora denunciou seu agressor de quem não sabia o nome indicou macedo soares como testemunha mas ele não prestou depoimento foi um ato corajoso à medida que denunciar um homem por violência poderia prejudicála no métier uma puta não deveria reivindicar direitos muito menos sobre o seu corpo enfim sem provas sem testemunhas e sem o nome do agressor o processo foi arquivado JEHA birman 2022 p 47 por mais infeliz que seja a descoberta desse dado sobre a sua vida achei importante trazer para o texto porque pode oferecer um pouco mais de compreensão sobre as temáticas tratadas em suas obras pois entre elas está a de violência e o abuso mostrando que Aurora também estava pintando a partir de suas memórias como será possível ver ao longo dessa monografia infelizmente é comum que a biografia dessas mulheres esteja cheia de lacunas pouco se sabe sobre suas vidas e família antes de serem internadas e pouco se sabe sobre elas após a internação a artista selecionada que mais possui dados biográficos é Stella do Patrocínio devido a um trabalho muito recente feito por Anna Carolina Vicentini Zacharias dentre as diversas camadas de violência que todas vivenciaram ao longo de suas vidas o apagamento de suas histórias é mais uma delas de modo que meu 5 no artigo 268 do código penal de 1890 vigente até 1940 a pena para o estupro de 8mulher honesta9 era de um a seis anos se a estuprada fosse 8mulher pública ou prostituta9 a pena diminuía para seis meses a dois anos JEHA birman 2022 p 47 41 esforço em trazêlas se dá a partir do desejo de que sejam tão humanizadas quanto possível a violência racista patriarcal e institucional as desumanizou até onde pôde 22 sequestros ao corpo da mulher e a lobotomia quem poderia ter sido Aurora sem tantas marcas de violência quem eu seria hoje e quem você seria hoje sem o histórico de violência patriarcal o que esses assaltos cotidianos levam da vida das mulheres pergunto com a raiva de quem deseja ter mais do que um corpo cuja imagem possibilita saqueamentos inestimáveis em 1941 aos 45 anos Aurora passa pelo que foi sua primeira internação psiquiátrica no hospital psiquiátrico de perdizes três anos depois com 48 anos é internada no hospital psiquiátrico do juquery em são paulo até a sua morte em outubro de 1959 com 63 anos em 1949 é criada a seção de artes plásticas do juquery depois chamada de escola livre de artes plásticas do juquery elap dirigida pelo dr osório cesar a qual Aurora passa a fazer parte criando suas pinturas infelizmente não se sabe como Aurora foi internada como chegou à instituição psiquiátrica foi a polícia alguém que a conhecesse uma denúncia no caso de Adelina Gomes há uma suposição e com Stella do Patrocínio ela mesma narra o episódio da internação mas com Aurora não se sabe nada é como se nunca tivesse sequer acontecido além da violência manicomial da internação em si também não é de conhecimento que tipo de tratamento Aurora recebeu enquanto interna mas esse é um período que as opções de tratamento oferecidas eram muito violentas de modo que com certeza ela passou por pelo menos um deles ao longo de sua internação além disso ela possui uma pintura que reproduzo abaixo que retrata o que seria uma máquina de eletrochoque além de ser uma palavra presente em suas pinturas não duvido nem por um segundo que tenha passado por esse aparelho de tortura ou que tenha estado próxima o suficiente além da máquina de eletrochoque nessa pintura Aurora retrata ela e o músico compositor zequinha de abreu em uma cama no hotel são paulo próximo da estação sorocabana o músico escreveu uma composição em homenagem à Aurora Cursino dos Santos 42 figura 13 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 60 x 78cm 12031950 óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar apesar de não sabermos muita coisa sobre sua vida e sobre a internação em si é de conhecimento que Aurora sofreu uma lobotomia em 1955 atentar ao ano para seguimento da leitura e mesmo que 1959 seja a data de sua morte física não consigo deixar de ver essa situação como um outro tipo de morte física antes de seu corpo inteiro morrer de fato através da pesquisa de Eliza Toledo chamada Circulação e aplicação da psicocirurgia no hospital psiquiátrico do juquery São Paulo Uma questão de gênero 19361956 se obteve o dado de que 95 das psicocirurgias realizadas no juquery entre 1941 e 1956 foram feitas em mulheres são 15 anos de psicocirurgias feitas preferencialmente nas mulheres internas e Aurora está dentro desse dado sua lobotomia foi em 1955 o juquery foi como um laboratório de estudo de psicocirurgia no país aplicado preferencialmente em mulheres procedimento que hoje é proibido no estado de são paulo 43 a justificativa médica mais comum para a realização de psicocirurgias foi a das pacientes serem violentas ou agressivas como se já não fosse uma justificativa absurda o bastante e que não justifica nada me parece quase um sarcasmo o corpo médico chamar uma paciente de violenta quando o tratamento que oferecem é eletrochoque coma insulínico injeções de insulina cela forte e medicação dopante como se todo o aparato médico institucional para cuidar das pessoas não fosse agressivo e violento a níveis alarmantes então surpresos de que esse tipo de tratamento não promovesse cura a coisa mais lógica a ser feita era entrar na cabeça das pessoas e remover uma parte de seu cérebro claro por que não principalmente se fosse uma mulher a lobotomia durante o tempo que Aurora Cursino esteve internada no juquery pelo que pude reunir da literatura me parece que os psiquiatras que cuidaram dela foram o dr osório cesar e o dr mário yahn Aurora não é descrita como violenta ou agressiva em momento algum o que me fez chegar em duas perguntas gostaria de saber quem deu a ordem da lobotomia de Aurora e gostaria de saber o porquê então pesquisei muito e apesar de não ter encontrado o responsável encontrei a justificativa médica para a sua lobotomia apresento aqui a minha justificativa para trazer essas informações para a monografia em momento algum deixei de denunciar as violências brutais que essas mulheres foram forçadas a viver isso não resume suas vidas mas não pode ser esquecido é preciso manter o passado vivo para não repetirmos os mesmos erros frase que é tão forte e ao mesmo tempo parece representar principalmente os erros de homens brancos apesar de ser enunciada de modo geral se referindo a humanidade então não posso fazer silêncio sobre essa parte da pesquisa esse silêncio passou a me ferir porque se me calo me coloco conivente e ferir mais ainda à Aurora que foi quem sofreu lobotomia injustamente não deixarei de fora essa parte de sua história que somente protege os psiquiatras e o psiquiatra que decidiu pela lobotomia não tive acesso ao seu prontuário médico de modo que as vias institucionais não me permitem afirmar que as informações que encontrei são de fato sobre a Aurora mas em meu íntimo e como pesquisadora não tenho dúvida e isso me basta por enquanto 44 dentre as referências que li cheguei na pesquisa de Eliza Toledo acerca das psicocirurgias no juquery Eliza realizou a pesquisa a partir dos prontuários que eu não acessei de modo que ela por medida de proteção aos pacientes não revela seus nomes mas em determinado momento do texto ela traz informações de maneira anônima sobre uma interna do juquery comparando o que ela traz de informação sobre essa interna anônima com outras informações contidas no catálogo da mostra do redescobrimento entendo mesmo que não possa afirmar por não ter tido acesso aos prontuários que se trata de Aurora Cursino dos Santos reproduzo agora o texto do catálogo e em sequência a parte da tese de Eliza que vocês verão repete o que está escrito do catálogo cresceu em casa sob influência do pai ocupandose de prendas domésticas e por imposição deste foi obrigada a casarse com um homem de quem não gostava ficando apenas um dia com o marido diz que seu sofrimento começou com o casamento entregouse a uma vida mundana cheia de prazeres prostituindose acumulou dinheiro e viajou para portugal a passeio com o passar dos anos começou a desiludirse com esse tipo de vida e procurou outra atividade para sustentarse trabalhou como doméstica em diversas casas mas não se fixava em nenhum emprego por último começou a viver em albergues noturnos a partir daí foi internada no hospital psiquiátrico de perdizes onde permaneceu por três anos em 1944 com 48 anos de idade foi internada no hospital do juqueri catálogo mostra do redescobrimento 2000 p 68 agora a tese de Eliza que teve acesso ao prontuário outra paciente branca casada doméstica e de instrução primária foi internada no hospital de perdizes em 1941 ocasião sobre a qual consta o seguinte registro médico vida de vagabunda mora no albergue noturno a sua internação é necessária no exame no ato da entrada naquele hospital o médico responsável afirmava a sensível baixa de senso crítico e moral da paciente o que provavelmente a fazia cometer atos de desatino ou de revolta no mesmo exame em relato sobre o estado psíquico detalhado as informações narradas pela paciente segundo o relato médico merecem aqui ser citadas contanos que o seu sofrimento começou com o casamento foi obrigada pelos pais a casarse contra sua vontade com um homem por quem não sentia a menor afeição ficou somente um dia com o marido e depois separouse algum tempo após prostituiuse começando então a levar uma vida cheia de prazeres era moça bonita e todos a procuravam chegou a ganhar algum dinheiro e já esteve em portugal a passeio com o correr do tempo os anos iam se passando e então começou a desiludirse da vida que vivia já 45 não era procurada com tanta assiduidade sendo preciso procurar um emprego para poder sustentarse rg 29298 no decurso de sua internação o médico constatou em 1944 que seu estado caminhava progressivamente para o pior e em dezembro daquele ano ela foi transferida para o hospital central de juquery aos 48 anos de idade TOLEDO 2019 p 224 grifos meus as partes que grifei são informações sobre quando foi internada e onde em 1941 no hospital de perdizes e em 1944 transferida para o juquery exatamente como Aurora grifei também a estruturação narrativa dos psiquiatras que fazem uso de palavras como vagabunda e reclamam sobre não ter senso crítico nem moral além de cometer atos de desatino ou de revolta o que para a época era mais do que suficiente para enquadrar uma mulher como louca e trancála pelo resto de sua vida o que mostra o tipo de psiquiatra que a atendeu mas o que torna os dois trechos alarmantes quando vistos juntos é o relato feito pela própria Aurora é a mesma narrativa os mesmos acontecimentos as mesmas palavras assumo nesse texto que se trata dela e de agora em diante escreverei diretamente assumindo que é Aurora entendendo e deixando claro que não vi os prontuários chamo a atenção também para como o discurso é lúcido e me pergunto como Aurora chegou ao hospital de perdizes informação que não é de conhecimento agora cito as outras informações escritas na tese de Eliza que será visto como os próprios médicos reforçam o que afirmei sobre a lucidez de seu discurso em relação ao seu estado mental a descrição médica é de que a moça estava deprimida mas orientada em relação ao meio e lugar vinha com diagnóstico de neurolues atribuído no hospital psiquiátrico de perdizes mas essa hipótese foi afastada na internação no juquery onde atestaram que a paciente sofria de personalidade psicótica amoral os médicos alegavam que ela prostituiuse vivendo uma vida irregular cheia de prazeres a qual contava com certa ênfase ao analisar seu histórico os médicos informavam que após prostituirse começou a trabalhar como arrumadeira em várias casas mas os patrões não gostavam de seu serviço assim desgostosa dessa forma de trabalho foi para um albergue noturno esteve ainda internada duas vezes no ambulatório de higiene mental durante sua passagem pelo juquery apresentavase obediente dormia e alimentavase regularmente distraíase com serviços leves de costura no entanto mostravase às vezes revoltada contra tudo e todos além de denotar certa indiferença e deixar transparecer em suas explanações visível baixa do senso crítico e moral rg 29298 TOLEDO 2019 p 224 46 Aurora estava orientada em relação ao meio e lugar isso não é característica de uma pessoa esquizofrênica no que diz respeito ao diagnóstico psiquiátrico podemos ver só nesse trecho como ela teve diferentes diagnósticos o que somente reforça para mim como Aurora foi psiquiatrizada e não que realmente tinha esquizofrenia depois vemos novamente a informação de que os médicos alegavam que era se prostituía tendo vivido uma vida de prazeres e que contava com certa ênfase ela trabalhou assim durante anos e anos de sua vida não é comum então que narrasse situações que viveu mas com essa citação podemos perceber incômodo meu grifo em seguida reforça o que me levou a questionar porquê Aurora foi lobotomizada se não era descrita como agressiva pelo contrário a chamaram de obediente o que faz um psiquiatra lobotomizar uma mulher que é descrita como obediente e depois novamente podemos perceber o tom de incômodo quando os médicos falam sobre sua revolta indiferença e suas falas que para eles representavam baixa de senso moral e crítico é de revirar os olhos e o estômago a próxima parte que cito é a última da escrita de Eliza sobre Aurora de modo que reproduzo na íntegra o que há em sua tese sobre a artista é a parte que me fez supor o responsável pela lobotomia e concluir o motivo que os psiquiatras encontraram para lobotomizála ao longo de cinco anos de internação os médicos consideraram que seu quadro configurava um caso de típica síndrome de esquizofrenia paranoide que transparecia no contraste entre seu aspecto de senhora já idosa e a coquetterie exagerada apesar da mudança de diagnóstico para um quadro esquizofrênico foi mantido o caráter de personalidade prépsicótica de psicopata amoral o cunho sexual sintomático foi assim conservado por meio da ideia de que em toda a conversação há sempre um fundo sexual velado não sendo entretanto pornográfica rg 29298 em julho de 1953 ano da operação reafirmouse o diagnóstico de personalidade psicótica amoral até o momento da indicação da psicocirurgia ela já havia passado por tratamentos com tônicos reconstituintes insulinoterapia sintomáticos e laborterapia em setembro daquele ano foi realizada a leucotomia transorbitória bilateral sem que conste na ficha da cirurgia qualquer relato sobre o pósoperatório calma trabalhava ainda na seção de pintura e em 1956 o médico responsável afirmava que a paciente sofria de delírio persecutório erótico que traduzia em conversas solilóquios e numa intensa produção pictórica uma vez que seus quadros eram quase sempre de tonalidade sombria e com 47 motivos sexuais rg 29298 notamos ainda que no quadro clínico dessa paciente como no da paciente anterior não sobressaíam atitudes consideradas agressivas prevalecendo apenas comportamentos desviantes de ordem sexual de maneira diferente da paciente citada anteriormente e de Angelina N cujo tratamento com a psicocirurgia foi relatado na obra tratamento cirúrgico das moléstias mentais leucotomia yahn et al 1951 segundo os relatos dos técnicos os sintomas de cunho sexual não cederam com a operação ela faleceu no hospital em 1959 TOLEDO 2019 p 225 pelo que leio desses trechos os médicos saíram de manifestar incômodo sobre seu discurso imoral até o patologizarem o cunho sexual era realmente sintomático ou eles queriam que fosse e como assim cunho sexual velado o que Aurora falava que eles entendiam dessa maneira não confio em suas análises e julgamentos como eu disse nada em Aurora a descreveu como agressiva e mesmo assim a compreensão desse ou desses psiquiatras foi a de que havia comportamento desviante de ordem sexual esse era o grande incômodo que Aurora causou a eles tão grande que justificou uma lobotomia que sequer teve relato de pós operatório nada nenhum registro o que fizeram com o registro de toda maneira segundo os relatos dos técnicos os sintomas de cunho sexual não cederam com a operação ela foi lobotomizada por sua fala de cunho sexual pelos incômodos que causou e morreu apenas poucos anos depois da brutalidade desse procedimento para mim é tortura no que diz respeito ao médico responsável essa última citação me gera suspeitas de que tenha sido o dr osório cesar devido a descrição presente o médico responsável afirmava que a paciente sofria de delírio persecutório erótico que traduzia em conversas solilóquios e numa intensa produção pictórica uma vez que seus quadros eram quase sempre de tonalidade sombria e com motivos sexuais TOLEDO 2019 p 225 o psiquiatra que escreveu sobre esse aspecto de Aurora suas longas conversas durante sua intensa produção pictórica em monólogos conversando consigo mesma intensamente a chamando de verborréica foi o próprio repito aqui um trecho que já trouxe outras duas vezes no capítulo mais a frente somente para fins de comparação com esse trecho específico Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido 48 muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 deixo então aqui a minha suspeita sobre o médico responsável pela lobotomia de Aurora ter sido o dr osório cesar uma informação que não condiz com a de Aurora é a data da lobotomia na literatura fora do prontuário se afirma que a lobotomia ocorreu em 1955 e no trabalho de Eliza ela afirma que a lobotomia foi feita em 1953 diante de tantas informações compatíveis levando aqui a hipótese de que a data de 1955 esteja incorreta por razões que desconheço assumindo em meu texto que Aurora foi lobotomizada em julho de 1953 ao longo do pouco que se sabe sobre a vida da artista antes de ser internada observo também uma sequência de mortes simbólicas emocionais psicológicas a violência do casamento forçado a provável dificuldade de se manter viva no cotidiano a inexistência de uma moradia um emprego estável a internação provavelmente compulsória a violência do espaço manicomial essa foi uma mulher em situação de vulnerabilidade social e de gênero que esperança de vida poderia existir nesse contexto é inevitável pontuar como seu corpo foi atravessado por violências essa não pode ser a única narrativa de sua vida mas é uma parte importante que a maioria da população feminina vivencia cotidianamente mesmo que os tipos de dor sejam diversos essa forma de pensamento me acompanhará durante toda a escrita uma vez que se aplica não só a Aurora mas também a Adelina Gomes e Stella do Patrocínio na sua primeira internação no hospital psiquiátrico de perdizes Aurora teve o diagnóstico de personalidade psicopática amoral mas em 1944 com a internação no juquery foi diagnosticada com esquizofrenia parafrênica a mudança de diagnóstico me remete novamente ao fato de que muitas mulheres eram internadas sem nem mesmo terem alguma condição psiquiátrica como é o caso da jornalista Nellie Bly que se internou em um manicômio feminino em nova iorque no século xix sem ter nenhuma questão psiquiátrica a autora relatou o ocorrido em seu livro Dez 49 dias no manicômio destacando que foi examinada por médicos e nenhum deles identificou que era uma mulher saudável no espaço da instituição psiquiátrica o livro também relata a situação de diversas mulheres que foram levadas contra sua vontade levadas sem sequer saber para onde estavam indo por amigos sobrinhos maridos filhos todas abandonadas mulheres que falavam outra língua e jamais puderam compreender o ocorrido ou se expressar por não terem seu direito ao intérprete assegurado mulheres a quem os psiquiatras não deram ouvidos além do silenciamento internação compulsória Nellie Bly registra por exemplo o nascimento de um bebê dentro da instituição esse bebê jamais poderia ter sido concebido como fruto de um relacionamento saudável entre um homem e uma mulher essa mulher era interna subalternizada dentro do espaço manicomial refém dessa relação de poder essa mulher foi abusada sexualmente e infelizmente se no pouco tempo que Nellie permanece na instituição foi possível registrar um caso de estupro é porque isso era uma prática Tillie Mayard Anne Neville Louise Schanz Louise Josephine Despreau Sarah Fishbaum sra McCartney Mary Hughes Margaret sra Turney esses são alguns dos nomes que a jornalista consegue coletar no tempo como interna entre inúmeros casos há também o de uma companheira de Nellie no espaço do manicômio que afirma estar bem e que começou a ter questões psiquiátricas pela forma violenta pela qual foi tratada não há como saber se seria o caso de Aurora ou não um relato do dr osório cesar pontua características que reforçam o discurso da loucura no entanto o relato é de 1972 o que significa que foi escrito após a morte de Aurora se estivesse viva estaria internada há 31 anos mas de toda maneira ficou 18 anos de sua vida internada essa informação somente me assegura mais de que talvez o espaço manicomial e as violências cotidianas possam ter vindo a ser os causadores de sua condição psiquiátrica Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 50 lendo com atenção a narrativa proposta pelo dr embasa a loucura em Aurora além disso a fonte ser um doutor faz o discurso ganhar o peso de quem entende do profissional é um argumento de autoridade no entanto gostaria de revisitar esse trecho pensando nele não apenas como um relato de sintomas de uma paciente que é o que demonstra ser mas repensálo a partir do seguinte trecho de Nellie Bly nunca estive tão cansada quanto sentada naquele banco várias pacientes se sentavam sobre um dos pés ou de lado para variar mas eram sempre instruídas a ficar eretas se falavam eram repreendidas com ordens de calar a boca se queriam andar por aí a fim de tirar a rigidez do corpo eram instruídas a se sentar e ficar quietas o que exceto a tortura produziria insanidade mais rápido que esse tratamento aqui está um grupo de mulheres enviadas para serem curadas eu gostaria que os médicos especialistas me condenando por minha ação a qual provou a capacidade deles pegassem uma mulher perfeitamente sã e saudável trancafiassemna e a fizessem ficar sentada das 6 às 20 horas em bancos retos não permitissem conversar ou se mexer durante essas horas não dessem a ela nada para ler e não a deixassem saber nada do mundo ou o que ocorre lá fora dessem a ela comida ruim e tratamento severo e observassem quanto tempo levaria para deixála louca dois meses a tornariam uma ruína mental e fisicamente BLY 2020 p 66 grifos meus o relato de Nellie Bly não parece descrever a vida que Aurora Cursino dos Santos teve como interna no juquery tendo acesso a uma oficina da artes que se tornou uma escola dentro da instituição no entanto por mais positiva que tenha vindo a ser a presença dos ateliês os traços da tortura continuam presentes o encarceramento os eletrochoques e posteriormente a lobotomia de modo que somente a existência de uma oficina artística não é suficiente para dizer que o juquery era um espaço de tratamento mais humanizado pois não era quando o dr osório cesar escreve sobre Aurora ela estaria presa há 31 anos mas em vida ficou 18 anos internada não 18 meses 18 anos seria esse um relato de uma paciente que chega ao espaço psiquiátrico adoecida mentalmente ou das condições que a adoeceram sua fala médica empalidece como argumento independente dela ter chegado à instituição psiquiátrica saudável ou não o modelo manicomial é uma instituição falida que provocou e provoca6 profunda 6 apesar do modelo manicomial perante a lei ter sido extinguido utilizo ainda o tempo presente na provocação de que a lógica manicomial permanece de que os manicômios também permanecem 51 violência e sofrimento para as pessoas que estiveram nesse espaço pessoas como a Dra Nise da Silveira a Doutora Enfermeira7 Ivone Lara conhecida como dona Ivone Lara Margarida Trindade como Terapeuta Ocupacional são algumas que podemos dar nome para dizer que tornaram esse espaço menos violento com certeza existem muitos outros nomes que merecem o reconhecimento 23 questão historiográfica sobre Aurora quando comecei a pesquisar sobre Aurora o caminho era um o meu desejo de reunir informações sobre a artista e compartilhálas na escrita com o objetivo de que aos poucos pudesse criar um compilado de informações sobre ela que antes não existiam as informações divulgadas sobre ela eram quase inexistentes o único material que eu tinha era o do catálogo da mostra do redescobrimento a narrativa sobre ela se restringia ao discurso da narrativa oficial artista prostituta louca institucionalizada em manicômios e lobotomizada uma vez que me percebia como já sendo capaz de fazer alterações na maneira como se escreveu sobre ela e como foi construída a narrativa de percepção sobre ela decidi incluíla em minha pesquisa o primeiro escrito que li sobre Aurora se referiu ao modo como ela se entregou à uma vida de prazeres eu já escrevi sobre essa expressão antes mas sinceramente me gera raiva toda vez é um absurdo entendo algumas limitações perante à elaboração de conhecimento devido a questões históricas no entanto não deixa de ser absurdo eu já era capaz de escrever sobre ela de forma mais humana do que a fonte que havia encontrado um catálogo de arte com certo renome no meio depois descobri a pesquisadora da história Silvana Jeha a quem muito agradeço por estar passos à frente com um propósito similar ela também estava pesquisando sobre Aurora e reunindo informações sobre a vida da artista depois descobri que estava escrevendo um livro e fiz a escolha de interromper momentaneamente meu processo de pesquisa tendo escrito então sobre Adelina Gomes e Stella do Patrocínio eu queria esperar o livro lêlo e então voltar a escrever sobre Aurora Cursino dos Santos aqui estou e tudo mudou 7 o conselho federal de enfermagem cofen autorizou às Enfermeiras e enfermeiros o uso do título de doutor através do artigo 6º incisos i ii iii iv da lei 749886 52 não desejo que minha escrita seja um eco uma repetição isso significa que tendo saído o livro e tendo começado a leitura precisei mudar meu olhar e reelaborar a escrita desse capítulo a mim mesma e o processo na escrita o corpo assume direções e focos de observação optei por manter os dados biográficos possíveis sobre Aurora porque apesar da pesquisa preciosa de Silvana já conter essas informações ainda como historiadora da arte observo a importância de que nesse sentido minha escrita seja um eco porque desejo que Aurora alcance mais esteja registrada em mais espaços esse texto nesse sentido também se torna um espaço físico e imaterial então repeti tudo quanto pude de sua biografia aqui neste capítulo informações que em sua maioria já estão no livro de Silvana pontuando que não é possível ser exatamente igual ao livro dela somos pessoas diferentes com enfoques diferentes para além da biografia alterei então o sentido de meu corpo e da escrita já deixando como referência para a continuidade da minha pesquisa o livro Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida de Silvana Jeha e joel birman meu objetivo continua sendo o de compartilhar mais informações sobre Aurora e trabalhar em como é vista tendo cuidado e atenção com as minhas palavras e desenvolvimento ao longo do texto somente buscarei não repetir tanto algumas questões que iria trabalhar na artista por isso já ter sido feito por Silvana anteriormente havia separado como temas do capítulo a maternidade a violência e a prostituição em Aurora Cursino dos Santos mas agora não mais aproveito também para destacar outra diferença sobre nossas áreas de conhecimento uma vez que Silvana escreveu a partir de sua formação como historiadora e que eu escrevo a partir de minha formação enquanto historiadora da arte 24 metodologia para enxergar Aurora e Aurora enquanto artista para me sentir capaz de me aprofundar nas obras de Aurora Cursino dos Santos e desenvolver uma leitura sobre elas precisei estabelecer algumas questões metodológicas que também foram necessárias para desenvolver a pesquisa sobre Adelina Gomes e Stella do Patrocínio em cada capítulo a abordagem metodológica tomou forma específica e própria pois busquei tentar perceber o que era a necessidade de cada artista 53 no caso específico de Aurora sua produção artística envolve somente pinturas mas suas obras misturam imagem e escrita característica que não está presente em nenhum outro capítulo então para acessar as narrativas de Aurora busquei desenvolver relação de contato íntimo com suas imagens as vendo em repetição lendo também seus escritos e observando os silêncios quando a imagem quase não traz a escrita os silêncios ficam tão marcantes quanto quando há escrita porque assim como a escrita sua ausência fica evidente assumi a postura de sua escrita também como imagem entendendo que em seu trabalho há imagem escrita e imagem compreendendo o texto como imagem outra característica de suas pinturas é que um elemento está profundamente entrelaçado imagem escrita e imagem no outro ao longo de sua vasta produção não podem ser separados ou lidos separadamente outra postura metodológica que para mim é muito importante e acredito ser onde me diferencio principalmente do trabalho feito por Silvana Jeha foi que não trouxe dúvidas acerca das narrativas de Aurora ou seja não desenvolvi o trabalho pontuando que determinado elemento de sua expressão poderia não ser real justamente por ser a postura que adotei desde o primeiro capítulo assim fiz também com os capítulos 3 e 4 muito me incomoda o quão frequente a palavra e comunicação dessas mulheres esteja facilmente posta à dúvida com a justificativa psiquiátrica então não fiz dessa maneira não levantei dúvidas além do incômodo que me leva a tomar tal postura mulheres brancas e mulheres não brancas são constantemente postas em posição de delírio até quando não foram psiquiatrizadas sendo desde já um território complexo e movediço no sentido de que facilmente a comunicação das mulheres é levada a um outro lugar deslocando a narrativa de onde foi posta pela comunicadora pela mulher em questão para outro lugar distorcendo sua expressão outra justificativa para não pôr em dúvida a expressão de nenhuma das três artistas escolhidas por mim foi que em grande parte suas produções pertencem ao território da memória me soa injusta e absurda a busca por um discurso de verdade se tratando de memória até quem não foi psiquiatrizada passa para um outro lugar de discurso que não traz consigo o compromisso duro da verdade pura não sei por que isso poderia ser cobrado então de qualquer mulher inclusive as que foram psiquiatrizadas Conceição Evaristo diz na memória realidade e ficção se 54 misturam também já afirmei que invento sim e sem o menor pudor as histórias são inventadas mesmo as reais quando são contadas EVARISTO 2013 p 11 essas foram as posturas metodológicas que adotei e defendo a partir delas dedico meu olhar para Aurora Cursino dos Santos para o que ela mesma comunica através das imagens e do que é sabido de sua história antes de situar Aurora no contexto do juquery trago alguns desenvolvimentos sobre o hospital e como seus internos começam a produzir arte o juquery enquanto espaço manicomial em que os internos estavam produzindo algum tipo de arte é relatado por osório cesar desde a década de 1920 quando começou a trabalhar no hospital o prédio do maoc cujo projeto arquitetônico foi criado pelo escritório de arquitetura ramos de azevedo já foi residência do dr francisco franco da rocha fundador do hospital psiquiátrico do juquery e leva o nome de um dos principais expoentes da arteterapia no Brasil o médico osório thaumaturgo cesar que também foi músico e crítico de arte casado com a pintora tarsila do amaral seus estudos sobre a expressão artística dos alienados tiveram influência no circuito intelectual e artístico paulistano osório ingressou no hospital na década de 1920 e após observar as criações dos internos fundou a escola livre de artes plásticas elap do juquery onde os pacientes produziam diversas atividades artísticas como desenho pintura escultura e modelagens em argila e cerâmica FRANCO DA ROCHA 76 ANOS 2020 grifo meu antes mesmo de Aurora ter sido transferida para o juquery o dr osório cesar já registrava a presença de internos produzindo alguma forma de arte em suas publicações sobre o assunto faz referência à várias manifestações expressivas dos internos inclusive desenhos executados nos muros e terreiros dos pavilhões feitos com carvão ou instrumentos pontiagudos convém ressaltar que em 1927 existiam setores de bordados e outros tipos de artesanato em todos os pavilhões e colônias do hospital FERRAZ 1998 p 52 mas o que osório repara é que mesmo fora desses setores de produção artística os internos estavam criando não se restringindo às artes plásticas alguns internos formaram também um conjunto musical chamado de charanga hebefrênica com cerca de 15 pessoas no entanto essas aparições de manifestações artísticas dos internos sofreu mudança a partir de 1939 quando foram transferidos para lá todos os deficientes 55 mentais que estavam em cadeias públicas desde 1920 FERRAZ 1998 p 56 e com essa ação feita por ademar de barros as condições do hospital se tornaram desumanas de acordo com Heloisa Toledo Ferraz em 1928 o número de internos somava 1900 mais 129 pensionistas mas no início dos anos 1970 o número de pacientes chegou a 13000 com relação às atividades artísticas e artesanais junto aos internados só foi possível uma continuidade com a criação de um organismo paraestatal a instituição de assistência social aos psicopatas FERRAZ 1998 p 56 e que dentre os objetivos principais dessa instituição estava o desenvolvimento de atividades artísticas como música pintura escultura e cerâmica a instituição ficou na responsabilidade do dr osório cesar durante muitos anos que além de atuar como médico psiquiatra do juquery foi orientador artístico voluntariamente depois o outro médico psiquiatra que começa a acompanhar a produção artística dos internos foi o dr mário yahn a partir de 1948 desse modo quando Aurora é tornada interna do juquery em 1944 ainda não existia a seção de artes plásticas que somente passou a existir oficialmente em 1949 a primeira diretoria da seção foi do dr mário yahn e a partir de 1950 fica sob a orientação do dr osório cesar que começa a definir diretrizes futuramente aplicadas também à elap não sei a partir de quando mas Aurora começou a participar dos ateliês ainda na época da seção de artes plásticas provavelmente desde o seu início de modo que podemos começar a pensar suas produções tendo início entre meados dos anos 1940 e início dos anos 1950 trabalho semelhante ao do dr osório cesar e mário yahn foi o que começou a ser feito pela Dra Nise da Silveira no rio de janeiro que também cria ateliês para a produção artística e expressão dos internos no entanto o trabalho feito no juquery tinha algumas diferenças do que foi feito pela Dra Nise no engenho de dentro os artistas do juquery recebiam orientação durante as atividades dos ateliês oa orientadora seria responsável não por um ensino de arte mas por cuidar para que os trabalhos tivessem uma organização e guardálos FERRAZ 1998 p 66 um exemplo foi a artista Maria Leontina que foi a primeira orientadora das oficinas ela verificava os trabalhos e selecionava os de melhor qualidade estética dentre os trabalhos escolhidos organizavase na seção uma exposição permanente FERRAZ 1998 p 66 56 figura 14 escola livre arquivo museu osório césar são paulo sd fotografia fonte Arte e loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz p 67 na imagem podemos ver Maria Leontina e o dr mário yahn em pé ao fundo já no engenho de dentro não havia esse tipo de orientação como no juquery e a Dra Nise em determinado momento do seu trabalho percebeu a importância que um acompanhante tinha no desenvolvimento expressivo dos artistas que não deveria fazer qualquer interferência apenas se colocar próximo aos seus clientes com fins de que pudessem sentir que alguém tomava interesse pela sua comunicação esse gesto afetivo os incentivava no juquery não havia um trabalho pautado por afeto como o desenvolvido pela Dra por exemplo que também lutava 57 contra a prática terapêutica vigente na época isso também não ocorria no juquery pois como podemos lembrar há o exemplo infeliz de Aurora que foi lobotomizada outra diferença importante que me gera a sensação de que no juquery o interesse pela produção dos internos era mais voltada para o cunho artístico do que para utilizar essas imagens visando compreender melhor o mundo interno dos pacientes como era feito pela Dra Nise foi que na transição da seção de artes plásticas para a escola livre de artes plásticas os artistas que estavam sendo atendidos por osório cesar como Aurora foram incorporados à nova seção sendo os demais selecionados por intermédio de testes em que eram solicitados para desenhar FERRAZ 1998 p 66 grifo meu jamais na história do trabalho feito pela Dra Nise no engenho de dentro houve testes para que os internos pudessem se expressar quem demonstrasse interesse ou quisesse estar naturalmente poderia começar a frequentar os ateliês o trabalho da escola livre de artes plásticas do juquery possibilitou a expressão criativa artística e comunicação dos internos participantes o trabalho feito pelo dr osório cesar e pelo dr mário yahn sem dúvida foi muito importante mas em um espaço tão marcado pela brutalidade como eram os manicômios não me parece ter sido a melhor escolha a implementação de testes muito menos me parece que o dr osório cesar realmente se dedicou a ouvir Aurora Cursino tanto pela citação que trouxe anteriormente quando ele fala sobre seu processo criativo quanto pelo direcionamento ser a busca por trabalhos de qualidade estética em vez de utilizar as imagens criadas pelos artistas para entenderem melhor suas questões promovendo tratamento humanizado outro indicativo que encontrei foi no próprio livro de Ferraz ao mostrar como osório cesar observava e classificava as obras de sua coleção a classificação era dividida em quatro desenhos rudimentares e automáticos arte simbólica e decorativa neoprimitivismo e produções de caráter acadêmico como veremos mais à frente observando as obras de Aurora ao meu ver nenhuma dessas classificações a inclui Aurora Cursino dos Santos produziu somente pinturas que como falei acima misturavam escrita e imagem seu período de produção se deu a partir de meados dos anos 1940 e acredito eu que tenha produzido até próximo de sua morte que se deu em 1959 com 63 anos não há como dizer como a lobotomia afetou sua criação os principais temas que apareceram em suas pinturas foram 58 a condição da mulher clérigos autoridades policiais políticos personagens literários familiares e paisagens de são josé dos campos sp prostituição boemia crimes principalmente cometidos com facadas além de roubos retratos com vestimentas de uma certa época cidades europeias que dão a entender que ela possivelmente viajou para em algum período de sua atuação profissional religiosidade cenas de sexo em geral eivadas de malestar sugerindo estupros talvez um aborto e profusão de pênis ânus vaginas partos além disso para concluir esse recenseamento sumário cenas dela hospitalizada e do próprio juquery o repertório de Aurora é um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências e eventualmente algumas belezas JEHA birman 2022 p 33 ainda enquanto carcerária na instituição psiquiátrica do juquery participou de exposições como a 1ª exposição de arte do hospital do juquery no museu de arte moderna de são paulo 1948 e a exposição internacional de arte psicopatológica em paris na frança 1950 após seu falecimento suas obras continuaram a integrar exposições como a 16ª bienal internacional de são paulo 1981 e a mostra do redescobrimento na exposição imagens do inconsciente 2000 em nenhuma delas Aurora pôde estar presente para ver suas obras sendo expostas reflexão que a própria Dra Nise da Silveira fez ao visitar a 16ª bienal internacional de são paulo dizendo estou me sentindo humilhada enquanto nós estamos na bienal curtindo a chamada arte incomum os autores dessas obras estão dentro de cárceres psiquiátricos recebendo tratamentos desumanos eles são infelizes eles são os verdadeiros pacientes de paciência mesmo porque lhes é negado o direito de serem livres de estarem aqui junto conosco na bienal discutindo sua própria arte ou de seus colegas SILVEIRA apud mello 2015 p 212 para falar sobre o processo criativo de Aurora acho importante nos atentarmos novamente à citação que trouxe do dr osório cesar quando diz que Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo 59 período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 chamo a atenção de novo aqui pois o que para o médico psiquiatra foi tido como apenas um relato sobre os sintomas psiquiátricos de Aurora para mim mostra uma imagem inédita de Aurora deixa registrado um dado sobre seu processo criativo enquanto artista se parar de escrever agora posso tirar um momento e imaginála pintando graças a esse escrito a vejo com uma cartolina um pincel na mão pintando em um diálogo cíclico com as próprias imagens que criou escrevendo e pintando por cima da escrita para voltar a escrever mais alguma coisa vinda de seus pensamentos ou de sua fala não sei e essa é uma imagem muito bonita nós nunca teremos esse vislumbre real não deve existir fotografia ou imagem que tenha registrado Aurora durante esse processo é uma imagem que só poderemos acessar através desse relato e do cuidado com a leitura utilizandoa para imaginar eu imagino Aurora você também posso dizer com certeza que para o dr quando escreveu isso se tratava de relato de sintomas porque ele usa a palavra interromper afirmando que seu processo criativo foi interrompido pelas alucinações auditivas outra questão que me chama a atenção é que ele afirma Aurora como autodidata na criação de suas pinturas mas no catálogo da mostra do redescobrimento está escrito que a própria Aurora afirmou que na mocidade teria tido aulas de pintura 2000 p 68 dentre tantos temas tratados por Aurora em suas pinturas selecionei três para desenvolver a pesquisa divididos nos subitens 25 26 e 27 através de suas pinturas abordei como a própria Aurora percebia e retratou sua experiência enquanto interna do juquery depois falei sobre o tema da maternidade e por fim minha percepção sobre como a repetição de Aurora em escrever seu nome nas suas pinturas pode ser configurado como reafirmação de sua vida reunindo obras em que isso ocorreu daqui começo finalmente a olhála olhar de verdade 25 Aurora no juquery assim como não temos muitas informações sobre a vida de Aurora Cursino dos Santos antes da internação não temos muitas após ter sido institucionalizada o que existe de mais volumoso a seu respeito foi o que ela mesma criou através de 60 suas pinturas que hoje em dia estão no acervo do museu de arte osório cesar em franco da rocha são paulo e outras obras em acervo particular Aurora foi tornada interna em 1941 no hospital de perdizes onde não há qualquer pesquisa feita eou divulgada referente ao seu tempo de interna enquanto esteve lá em 1944 é transferida para o juquery por razões que não se conhecem que por sua vez era chamado por seus internos de habitação do diabo casa infernal desterro bastilha estabelecimento de vingança espelho do mundo CUNHA 1986 p13 apud JEHA birman 2022 p 67 essas adjetivações servem fielmente para demonstrar como o juquery não oferecia tratamento digno aos internos mesmo com a oficina de arte tendo proporcionado a expressão de seus participantes o horror manicomial atravessou a vida desses internos assim como atravessou a de Aurora figura 15 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 576 x 498cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 61 esse subcapítulo se pretende a falar do juquery do ponto de vista da Aurora a partir do que suas pinturas mostram sobre esse espaço como se a partir de certos detalhes das obras eu pudesse reunir um diário dela onde se expressou e escreveu sobre sua experiência enquanto interna na obra acima figura 15 podemos ver uma mulher de nome desconhecido que veste um jaleco podendo ser uma médica ou enfermeira e dentre os escritos ao seu redor seleciono um em específico amparando os bens dispostos ao bem proceder pesso ao chefe da cabeca eletricista devolver a ella zitentar consta projectar matar eu Aurora Cursino dos Santos nos pateos enlouquessendo e depois o zegredo é a concsiençia della e depois desprezando Aurora Cursino por ter capa da policia melhor é repetitiva a aparição da palavra eletricista que combinada a chefe da cabeca eletricista me remete aos eletrochoques e talvez à pessoa que administrava eletrochoques o chefe da cabeça eletricista e depois a narrativa de Aurora ao dizer que consta projetar mataremna ela ficando nos pátios enlouquecendo além de narrar o desprezo sobre ela Aurora também escreve sobre o chefe da cabela eletricista devolver algo a ela o que me deixa com a forte sensação dos saques ao seu corpo físicos e emocionais e os saques ocorridos durante seu tempo enquanto interna do juquery de toda maneira Aurora parece guardar consigo um segredo a concsiençia della esse parece ser o porto de ancoragem diante da narrativa presente nessa imagem além do desprezo além dos saques desconhecidos feitos a uma Aurora subalterna além da tortura de pátios ociosos que levam a enloquecer o segredo é a consciência dela é onde ela subverte a subalternidade é onde o chefe da cabeça eletricista não pode acessar seus segredos é onde nem ele nem ninguém podem roubar algo dela relendo suas palavras nessa pintura esses trechos me fizeram lembrar orações preces como alguém que entoa um pedido amparando os bens dispostos a bem proceder peço às vezes os prontuários serem documentos sigilosos parece ser mais sobre proteger os torturadores do que a proteção aos dados dos internos o silêncio não me parece ter protegido Aurora Cursino dos Santos de nada na verdade parece o aval perfeito para manter tantos silêncios acerca de seus tratamentos buscarei além desse diário com as narrativas de Aurora caminhos por onde mostrar sua agência sobre si mesma e esse é um posicionamento de olhar e leitura 62 sobre as obras de Aurora que adotei também com Adelina e Stella apesar do triste cenário de cárcere manicomial que as três vivenciaram todas foram capazes de exercer agência sobre elas próprias de maneiras que parecem sutis mas conseguiram a maneira que observo a agência de Aurora sobre ela mesma nessa imagem é através do segredo que guarda e de mostrar o quão atenta estava a essa máquina de enlouquecer que foram os hospícios ela sabia que estava nos pátios a enlouquecer sabia que esse tipo de espaço provocava esse tipo de adoecimento às pessoas e diante disso ela guarda um tesouro sua consciência sua narrativa a expressão de sua história através das imagens e textos em outra pintura a figura 16 Aurora retrata outra cena no hospital do juquery 63 figura 16 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 537 x 355cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar essa imagem diferente da figura 15 quase não traz consigo a escrita de Aurora sua presença se dá sem palavras que parecem ter sido engolidas as 64 únicas coisas escritas são noturno no juqueri palavras que dizem pouco mas o suficiente para entrarmos na pintura demarcando seu corpo circunscrito no hospício a cena representada parece ser retratada dentro de um quarto muito vazio onde ficam destacadas a cama e uma aparente janela que pela rajada de tinta branca parece ter barras duas mulheres estão destacadas por seu tamanho vestindo jaleco e um chapéu característico dos uniformes de enfermeiras da década de 1950 o que me faz questionar se a mulher da figura 15 era realmente uma enfermeira as duas partilham um entreolhar comum e deitada na cama está possivelmente Aurora Cursino dos Santos com uma proporção minúscula ao ser comparada com as enfermeiras miúda com o corpo inteiro coberto na cama as palavras não explodem na imagem como outras pinturas que já vimos e veremos à frente por isso disse que parecem ter sido engolidas parecem ter ficado todas dentro de Aurora dessa vez o que escapou foi a observação que Aurora fez da cena a construindo na pintura a cena parece carregada pelos olhares e linguagem corporal das figuras uma das enfermeiras está de braços cruzados como insatisfeita apesar de não parecer impaciente a mais próxima da cama segura algo vermelho enquanto Aurora desvia o olhar para o outro lado seu olhar protesta recusa e as enfermeiras se olham como quem indaga e agora com o quarto tão vazio à noite no juqueri Aurora pequenininha quase sumindo na cama mas com alguma agência de si protestando contra a vontade de duas enfermeiras enormes mesmo tão pequena mas a pergunta ecoa em minha cabeça e agora um certo medo pairando sobre essa pergunta talvez exatamente o momento que Aurora capturou através das imagens palavras talvez não teriam sido tão expressivas 65 figura 17 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 58 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 66 figura 18 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 75x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 67 as figuras 17 e 18 apesar de bem diferentes trazem consigo temáticas semelhantes e que se relacionam com a figura 16 as duas falam sobre o temor de Aurora com as enfermeiras no momento do banho no juquery de modo que o que as relaciona com a figura 16 é justamente o temor sobre a figura das enfermeiras na imagem da figura 17 parece que as palavras engolem a mulher que está no centro delas fica alguma dúvida se ela está vestindo um jaleco branco mas parece que sim de modo que pode ser a representação de uma enfermeira as palavras de Aurora a rodeiam deixandoa sem ter por onde escapar e dizem deus me livre zenhor jesus também me livrem desae eu menina ate a poucos annos enfermeiras dos misteas me asphnisiaram nas aguas e me apunhalaram nas aguas derramei sangue muitas vezes cahi no chão quasi morta tanto fazia eu vir rotunda ou de baixo senhor jesus do pastres prolestantes me livre de eu tomar a calir em mãos calir em mãos de enfermeiras em banho ou em facadas dentro ou fora das aguas me livrae já na figura 18 temos uma pessoa em específico médica ou enfermeira que é nomeada Clélia na pintura Aurora se direciona diretamente a ela afirmando de modo imperativo que a Clélia fique longe dela Clélia afaste executarme no banho é uma mensagem clara através da pintura Aurora manifesta sua vontade e a direciona a uma pessoa se provavelmente essa fala não era o suficiente para que Aurora pudesse de fato realizar sua vontade de ficar longe dessa mulher ela faz isso através da pintura dizendolhe que se mantenha longe afirmando claramente sua vontade em um espaço de controle que não privilegia ou escuta a voz das internas Aurora encontra mais um jeito de dizer o que pensa através dessa repetição entre o tema das enfermeiras do juquery e o quão violento é o banho mencionado por Aurora podemos ter mais uma faceta sobre sua vivência enquanto interna o momento do banho como uma violência que de acordo com Jeha poderiam ser em banheiras ou em jatos muito fortes p 69 Aurora descreve que se machucou e compara os banhos com facadas afirmando que ficou asfixiada além disso Silvana Jeha também explica em seu livro que Aurora se refere à rotunda onde havia celas e doentes considerados pela equipe asilar como mais 8descontrolados9 correspondia às chamadas casas ou quartosfortes dos manicômios JEHA birman 2022 p 69 68 além dessas imagens Silvana Jeha trabalha mais uma em seu livro que também adiciono a esse texto pois se relaciona novamente com a temática do eletrochoque que citei anteriormente figura 19 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 655cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar nessa imagem podemos ver novamente a característica da pintura de Aurora quando está misturando escrita e imagem as palavras vão em um crescendo ocupando o papel e compondo o espaço em conjunto com as figurações que a artista faz nesta em específico há uma mulher e ao redor dela está escrito pesso sua magestade e rei da belgica pelo meu zacrificio nas macas para elle auxiliar a l yspetoria nacional a exterminar a acção indigna de enfermeiras ladronas que trabalham encabecam e sao do bloco ladrões casas de familias a impedir me perseguindo calumniando e azujando para desviar a invest do lado das ladronas e assim roubando aqui no juqueri e aorrivelo mal que me fazem com o electricista quero sahir e ter zocego e meu trabalho eu Aurora cursino dos Zantos 69 aqui novamente além da repetição sobre o incômodo acerca das enfermeiras Aurora torna a repetir o assunto do eletricista afirmando que aqui no juquery é horrível o mal que me fazem com o eletricista quero sair e ter sossego e meu trabalho eu Aurora Cursino dos Santos ela denuncia novamente o mal que o eletrochoque faz a ela e manifesta seu desejo de sair do juquery de não mais ficar lá de ir embora e ser livre ter sossego outro elemento que aparece agora pela primeira vez no capítulo porque é recorrente nas obras de Aurora Cursino dos Santos é o brasão da república que aparece no canto superior direito dessa mesma imagem ficando destacado porque parece que Aurora evita escrever muito próximo dele dando um espaço o brasão da república é um dos símbolos responsáveis por representar a própria república e é curioso que apareça frequentemente nas pinturas como é possível saber com o pouco de sua biografia Aurora Cursino teve envolvimento com pessoas de destaque na sociedade e havia nela algum engajamento político pois além de ter se inscrito para trabalhar como enfermeira na revolta contra o governo de vargas em 1932 questões políticas e figuras políticas aparecem em suas pinturas como a menção a reis e rainhas presidentes e príncipes oficiais e política bustos de pessoas que parecem nobres camponeses trabalhando no campo e em plantações menção a nomes da política brasileira como floriano peixoto e nilo peçanha acredito que tudo isso é capaz de mostrar seu envolvimento com questões políticas ao longo de sua vida outro detalhe que posso reforçar é relembrar que Aurora nasceu em 1896 e a proclamação da república foi em 1889 tinham passado somente 7 anos apesar de esse não ser o tema do subcapítulo acho importante abrir um parentesis pois em uma de suas pinturas retratando a cidade onde nasceu são josé dos campos ela representa uma grande casa com um milharal e pessoas negras que com certeza ainda estavam trabalhando em situação análoga à escravidão a abolição jurídica da escravatura com a lei áurea no brasil data de 13 de maio de 1888 a pintura retrata um homem branco vestindo um terno e chapéu na frente da casa que se põe em pé para observar as duas pessoas negras que estão no campo a casa cercada poderiam essas pessoas sair o homem branco impõe atitude semelhante ao feitor que fiscaliza e observa tudo dentre as duas pessoas negras há um homem que parece estar de costas usando chapéu a mulher negra 70 carrega algo em suas mãos como se estivesse saindo da casa e indo para algum outro lugar a terceira pessoa está de costas e parece usar um vestido vermelho figura 20 são josé dos campos Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 40cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar tudo isso para reforçar a aparição de assuntos políticos em suas imagens mesmo que essa última não pareça nada com uma percepção crítica acerca da escravidão parecendo mais um retrato de sua memória mas nessa lembrança aparece essa questão voltando ao brasão na pintura da figura 19 algumas imagens com temática política estão com ele e outras que parecem narrar apenas episódios da história de Aurora também recebem o brasão o que me chama a atenção é que esse símbolo quando em papel é comum em documentos oficiais mas Aurora Cursino dos Santos o reproduz em suas próprias narrativas uma mulher que não seria vista em nada como símbolo oficial da república psiquiatrizada vista como esquizofrênica internada em um manicômio até morrer e prostituta uma mulher que provavelmente fez abortos teve filhos e os perdeu e fala sobre isso mas que poderia ser parte integrante do símbolo se o país tivesse o 71 compromisso de se mostrar como realmente é de forma independente ao inserir o brasão em suas imagens me parece que Aurora se insere na história oficial narrando através de suas obras o abuso e a violência manicomial o controle institucional sobre um corpo que não interessa ao estado a violência patriarcal sobre o corpo de uma mulher cis e a prostituição no início do século xx mais uma vez exercendo agência sobre si própria 26 a maternidade a memória e a exigência pelo discurso da verdade um dos temas mais abordados ao longo de anos e anos da produção artística feita por Aurora Cursino dos Santos foi a maternidade não qualquer maternidade mas a afirmação dela própria enquanto mãe inúmeras vezes justamente por ser um assunto tão repetido por ela é um dos principais quando pensamos em Aurora mas na mesma medida em que é um dos principais por ser tão retratado pela artista é um dos temas mais postos em questão Aurora foi realmente mãe ou não não importa quantas vezes a artista tenha reafirmado esse lugar esse mesmo número de vezes recebeu a dúvida de quem se dedicou pouco que fosse a estudar sobre ela e isso me gera um incômodo sem tamanho porque essa pergunta se tornou pautável pelo fato de que Aurora foi psiquiatrizada e psiquiatrizada de uma maneira que há relatos de seus delírios feitos até pelo dr osório cesar somente isso foi o suficiente para questionála e questionála de maneira incessante não há material sobre Aurora que eu tenha lido que conseguiu escrever sobre sua maternidade sem inserir logo antes ou depois a dúvida sua voz não importou dedico esse subcapítulo à sua voz à importância de sua voz à minha fúria diante da não escuta e principalmente à poder finalmente criar um espaço que não a questione em suas afirmações tão contundentes pretendo demonstrar o quão contundentes foram através da repetição do tema de modo que deixarei disponibilizado para consulta todas as obras de Aurora que pude acessar e trazem consigo a afirmação dela em seu lugar de mãe para esse subcapítulo selecionei algumas entre as várias pinturas que retratam o tema não me importará aqui identificar seus filhos filhas ou seuseus pais somente darei enfoque à sua história à sua narrativa às suas afirmações fui mãe 72 as obras que pude ter acesso foram as do incrível acervo do museu de arte osório cesar que gentilmente me foram disponibilizadas por elielton ribeiro a quem agradeço diretamente aproveito para agradecer também a todos do museu que contribuíram e contribuem para o cuidado e disponibilização do acervo não teria sido capaz de escrever esse capítulo sem o acesso que me foi dado às obras pois não teria como ir até franco da rocha no momento dentre as obras do acervo pude contar um total de 29 pinturas que trazem consigo o tema dos filhos de Aurora algumas abordam principalmente esse assunto outras não o abordam de maneira principal falando também de outras questões da artista ainda assim são 29 pinturas isso sem contar as que apenas mencionam filhos ou reproduzem imagens de mães com crianças essas não contabilizei por não trazerem consigo a afirmação direta como ocorre nessas 29 dentre as 29 em momentos Aurora fala sobre ter filhas e em momentos fala sobre ter filhos frequentemente falando no plural destaca sua experiência de ter sido mãe mais de uma vez selecionei 8 obras de Aurora para desenvolver esse subcapítulo e as dividi em quatro categorias a afirmação sobre ser mãe a dor de mãe a espera pelos filhos e por fim a candura de mãe essa primeira obra abre a pesquisa sobre maternidade e Aurora justamente por ela própria trazer o questionamento que por mais de 29 vezes foi levado até ela e continua sendo Aurora Cursino Santos é mãe 73 figura 21 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 33cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 74 na pintura podemos ver uma parte do corpo de uma mulher que assumo ser Aurora despida com sua vagina aparecendo é possível ver o rosto de um bebê representando o nascimento de um de seus filhos na frente dela há um homem de terno que assumo ser dr virgílio do nascimento como é narrado na imagem e está escrito Aurora Cursino dos Santos é mãe dr virgílio do nazcimento viu nascer meu filho mostre ele a zua mãe diante da pergunta Aurora Cursino dos Santos é mãe a artista responde com uma testemunha alguém que teria visto um de seus filhos nascer e essa pessoa seria o dr virgílio achei importante começar com essa imagem porque parece ter encaixado perfeitamente com o que buscava dizer a própria Aurora trabalhou esse questionamento em uma de suas pinturas e ela mesma respondeu me fez pensar se em vida ela ouviu alguém a questionar sobre o assunto para que a dúvida tenha vindo a fazer parte de suas obras acredito que a resposta dela deveria ser o bastante as duas pinturas a seguir são as últimas que estão inseridas na classificação da afirmação sobre ser mãe 75 figura 22 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 43 x 54cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 23 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 65 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar eu as escolhi porque além de falarem diretamente sobre a maternidade de Aurora ela mesma trouxe para essas imagens novas afirmações sobre o assunto dizendo dei a luz um filho e este tenente é meu filho são afirmativas muito 76 diretas que não deixam espaço algum para o questionamento ela deu à luz a um bebê o tenente da imagem é filho de Aurora lendo as imagens separadamente na figura 22 Aurora escreveu Cursino dei a luz um filho do dr altino arantes e um chefe gerente do mesmo na imagem podemos ver Aurora sentada em uma cama fazendo o parto desse filho e podemos ver nitidamente a representação de sua vagina o que demonstra um conhecimento de Aurora sobre seu próprio corpo mas também sobre seu corpo durante o momento do parto ao seu lado um tanto distante está um homem de pé vestindo terno provavelmente o pai da criança chamado por Aurora de dr altino arantes na figura 23 Aurora escreveu eu Aurora Cursino Santos e casodo com filha de um coronel este tenente e meu filho com um coronel do exercito 1º regimento de artilharia p vermelha e de um chefe azteca índio indios na imagem podemos ver um homem fardado e uma mulher vestindo roupas que denotam classe social elevada para a classificação a dor de mãe escolhi apenas uma imagem pois não desejo focar no sofrimento de Aurora mas como ela retrata temas que também fazem parte de sua tristeza trouxe a imagem abaixo 77 figura 24 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 33cm sd óleo sobre papel 78 nessa imagem podemos ver um homem que parece vestir um uniforme oficial na cintura algum tipo de arma e em seu colo um bebê ao redor dos dois Aurora escreveu zenhor brasil conde director das prizões da zibéria e moscou meu filho nosso filho feito de trahicão porque tomou de mim não foi amor zexesuual meu nem vosso foi pur injeções p zerioga e cheiros electricos para mim dentre alguns assuntos trazidos por Aurora para essa imagem ela pode representar a dor de uma mãe porque em determinado momento da escrita Aurora pergunta ao homem por que tomou o filho dela sugerindo que o bebê tenha sido levado embora e ela então não pôde mais o ver foi mais um de seus filhos que perdeu e digo mais um pois em uma outra pintura Aurora fala sobre adoção não me parece lógico Aurora reclamar a dor de mãe de ter seu filho levado de alguma maneira sem ter sentido isso na pele as próximas duas imagens são representativas da classificação a espera pelos filhos 79 figura 25 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar entre as representações de seus filhos Aurora pintou também a vinda desses filhos para visitála as duas imagens que trouxe são frente e verso do mesmo eucatex que ela usou para pintar e aproveito para destacar suas dimensões são pinturas bem grandes e em geral as pinturas de Aurora possuem grandes dimensões que podem ser acompanhadas na legenda de cada imagem que está nessa pesquisa 80 na figura 25 podemos ver um filho loiro e na figura 27 um filho moreno o que me faz dizer que essas pinturas representam dois filhos diferentes que vão até Aurora visitála na figura 25 um dos filhos está indo ao encontro de Aurora em um barco no mar à noite o barco do rapaz é muito bem iluminado criando um clarão na pintura e iluminando também a água a luz nessa imagem me faz pensar sobre algo especial para Aurora que se ilumina através da noite escura ao lado do filho Aurora escreveu de chopin veio me ver especiador eu Aurora Cursino Santos zer a zua mãe com essa imagem tão forte reproduzo novamente apenas um pedaço dela abaixo é a espera da mãe por um filho que a vem ver iluminando tudo figura 26 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fragmento da obra reproduzida na figura 24 fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 81 figura 27 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar na figura 27 podemos ver agora um outro filho que também vai ao seu encontro para fazer uma visita esse diferente da imagem anterior já chegou mas Aurora não se pinta junto com o filho podemos apenas ver um pedaço de um móvel com uma luminária que também ilumina a pintura e seu filho vestindo um terno ao lado dele ela escreveu um filho veio ver zua mãe dormindo eu Aurora Cursino Zantos zua mãe mesmo que o filho tenha ido até ela ela mesma não o vê por estar dormindo ou talvez a imagem seja justamente a representação de um sonho que ela pode ter tido durante o sono onde encontra um de seus filhos 82 as próximas imagens são representativas da categoria a candura de mãe figura 28 a zombra nacional e Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 65 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 83 figura 29 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 62 x 505cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar essas duas imagens apesar de diferentes trazem algo em comum caso tenham sido pintadas em dias diferentes o que não é possível saber seria como se Aurora tivesse retomando o tema pois escreve exatamente a mesma coisa nas duas na figura 28 Aurora parece pintar um ambiente doméstico à noite como se estivesse em um quarto ela e sua filha novamente uma luminária parece que Aurora está tecendo alguma coisa e ao seu lado a filha observa na mesa em que 84 estão parece ter um grande papel que apesar de difícil consegui ler o que está escrito mãe e desdobrar fibra por fibra e coração na figura 29 agora sem a presença de Aurora somente a filha que parece ser a mesma da figura 28 até a roupa pois ambas vestem roupa cor de rosa com uma vela que ilumina a pintura mesmo o ambiente parecendo mais claro a filha está em frente a mesa e agora podemos vêla com mais detalhes sobre a mesa está o mesmo texto da pintura anterior ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração disse alguem as duas pinturas me parecem complementares como se fossem representadas em momentos diferentes mas revisitando a mesma situação a filha a presença da luz e o texto com a definição do que é ser mãe escrita por Aurora na segunda pintura com Aurora ausente a filha fica com o escrito da mãe deixando para ela o que para mim soa como um bilhete de amor escolhi encerrar este subcapítulo com essas imagens justamente por me parecerem as mais fortes entre as representações de Aurora Cursino sobre o tema dos filhos tanto pelas cenas que ela pintou quanto pelo que escreveu que demonstram em profundidade o afeto de uma mãe por seus filhos a candura e sinceridade com as quais falou sobre ser mãe nessas duas imagens comove e me faz questionar mais uma vez como a incerteza sobre Aurora Cursino dos Santos ter sido mãe pode ser tão grande 29 pinturas gritam mais alto do que um diagnóstico psiquiátrico que por uma vez já foi atestado de forma errada mas ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração 27 eu Aurora Cursino reafirmação de vida 85 figura 30 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel assinatura da própria Aurora Cursino dos Santos a pintura está reproduzida inteira na figura 19 esse subcapítulo é o que encerra por enquanto minha pesquisa sobre Aurora Cursino dos Santos e esse tema dentre tantos que eu poderia escolher me pareceu ser o melhor a reafirmação da vida ele não está escrito em nenhum lugar em momento algum vi alguma pintura de Aurora que ela mesma expressasse diretamente com suas palavras uma afirmação sobre sua própria vida mas repetidamente ela escreveu o próprio nome fosse somente Aurora fosse Aurora Cursino fosse Aurora Cursino dos Santos ou a capirinha como se chamava quase como uma criança que quando aprende seu nome por inteiro o escreve várias vezes mas Aurora era uma mulher adulta encarcerada contra sua vontade durante 18 anos de sua vida vivenciando inúmeros episódios de violência manicomial de dentro desse contexto se expressando através das pinturas ela repetiu seu nome é essa repetição vista do contexto em que viveu que enxergo uma pulsão de reafirmação da sua existência e de desejo pela vida dela mesma pretendo embasar esse pensamento da mesma forma que fiz para falar sobre a maternidade contabilizando todas as vezes que pude encontrar seu nome repetido em suas pinturas e escolhendo algumas dessas imagens para deixálas aqui diferente do subcapítulo sobre a maternidade não terei muito no que me aprofundar nas 86 imagens em si uma vez que são somente a repetição do nome de Aurora meu fôlego maior será trazer essa perspectiva e demonstrála através do número de vezes que Aurora escreve o próprio nome em suas imagens seria muito interessante se as imagens estivessem datadas assim poderia demonstrar a repetição ao longo dos anos mas infelizmente estão sem data de toda maneira Aurora Cursino dos Santos escreveu seu nome por 79 vezes dentre as mais de 200 pinturas que estão no acervo do museu de arte osório cesar setenta e nove vezes ela escreveu seu nome por vezes mais de uma vez em uma mesma pintura a repetição ocorre nas histórias que conta sobre sua vida tendo me gerado dúvida em algumas vezes se seu nome está escrito porque foi assinado ou se ela realmente não assinava só escrevia o nome até quando tive dúvida contabilizei também mas em maioria foram as vezes que não tive dúvida trago abaixo alguns fragmentos de imagem reproduzindo a escrita de seu nome feita por ela mesma figura 31 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 32 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 33 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 87 encerro o capítulo com cinco imagens uma delas traz também o nome de Aurora escrito por ela mas as outras quatro não no entanto as reproduzo aqui por entender que representaram os desejos de Aurora para ela mesma em sua vida infelizmente não foram desejos respeitados ou honrados e me parece difícil que tenham ocorrido mas seus sonhos são maiores do que qualquer violência que tenham infligido a ela por maiores que tenham sido e foram para além da brutalidade da qual seu corpo e ela mesma não tiveram escapatória passo à frente a expressão dos seus sonhos uma vez que já dei ciência das violências que Aurora viveu que enxerguemos também seus desejos 88 figura 34 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 505 x 498cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar EU AURORA ESTAVA AQUI e Aurora Cursino dos Santos esta imagem mostra também um homem que parece estar indo embora na escuridão enquanto há uma figura santa que parece guardar a porta me gerando a sensação de que repele o homem a mesma porta que traz escrito EU AURORA ESTAVA AQUI não pude deixar de notar que o homem pintado se assemelha muito com o dr osório cesar figuras 35 e 36 fotografia do dr osório cesar e fragmento de pintura de Aurora Cursino dos Santos a da figura 34 sd óleo sobre papel fonte retirado do site aventurasnahistoriauolcombrnoticiasreportagemosoriocesartentouestimularpr oducaoartisticadospacientesdojuqueryphtml e imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 89 figura 37 fragmento de sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar mas eu Aurora tenho esperança figura 38 fragmento de sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar e por preverme feliz no futuro figura 39 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 16071 90 agradecida agora abramse as portas figura 40 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 51 x 66cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar pedido a santa visitar a n senhora apparesçida pessoas de boa vomtade com os outros ou mulher da vida e trabalhar 91 figura 41 internos do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu 92 Capítulo 3 Adelina Gomes onde nossas vidas impossíveis se manifestam umas nas outras e manifestam com sua dissonância dimensões e modalidades de mundo que nos recusamos a entregar ao poder aqui aqui ainda Jota Mombaça as imagens que nunca vimos nos dando a impressão que de fato não existem eu beijo a palma das minhas mãos e depois as apoio no solo elas são minhas ferramentas extensões da minha voz e do meu corpo com o que quero dizer com o corpo tomo fôlego e então começo a escavar não como quem cria buracos mas na intenção de evidenciar os vazios e alterar nossa forma de fazer ver na verdade os vazios estão cheios do não escutado Trecho de caderno de pesquisa 2021 a criação artística dessas mulheres é o trabalho da intimidade profunda fazer brotar para o lado externo do corpo o que estava tão por dentro é a expressão emocional e o emocional é sempre político quando sentido na pele de uma mulher não apenas por ser mulher mas também porque somos sempre interseccionadas e atravessadas por diversas outras questões como raça e classe Grada Kilomba fala sobre a dimensão política do pessoal em sua palestra performance chamada Descolonizando o conhecimento ao dizer que para descolonizar o conhecimento temos que entender que todos nós falamos de tempos e de lugares específicos a partir de realidades e histórias específicas não existem discursos neutros ao escrever sobre Aurora Cursino dos Santos me pareceu um erro não passar por sua biografia pelo fato de ainda existirem vazios tão grandes pouco preenchidos sobre sua história a biografia também se tornou parte fundamental da minha pesquisa por compreendêla como um fator que humaniza essas mulheres que foram colocadas no lugar do exótico do diferente um produto a ser explorado pelo mercado de arte e um corpo a ser excluído e apagado da sociedade pelo sistema quando comecei a pesquisar sobre Aurora ainda não existia a obra da pesquisadora Silvana Jeha Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida que foi capaz de aprofundar a biografia da artista mesmo que nossos enfoques de pesquisa sejam diferentes ela historiadora e eu historiadora da arte 93 com Adelina Gomes 19161984 tive a impressão inicial de que o vazio era menor porque eu não tinha material algum sobre a vida de Aurora e porque a Dra Nise da Silveira psiquiatra que fez o acompanhamento médico de Adelina Gomes a partir de 1946 se ocupou também de trazer informações sobre a biografia de Adelina mas ao me aproximar da contribuição de Silveira ficou ainda mais evidente para mim que seu enfoque era a análise dos trabalhos de Adelina do ponto de vista psiquiátrico da médica em busca de compreender sua paciente visando contribuir da maneira que fosse possível para a melhora de sua saúde mental ou seja a dedicação à biografia da artista somente teve espaço em seus escritos por esse conhecimento ter relevância no tratamento e na análise dos trabalhos de Adelina compreendidos pela psiquiatra como documentos plásticos eu tinha errado errei ao pensar que a biografia de Adelina estivesse mais completa ao tentar me aprofundar um pouco mais que fosse em sua vida não consegui não há material ou pesquisas feitas que falem mais sobre a artista infelizmente esse é um vazio comum a essas mulheres que pesquiso Aurora e Stella do Patrocínio que deu fôlego ao quarto capítulo somente possuem mais informações biográficas devido a trabalhos muito recentes feitos por pesquisadoras brasileiras Adelina ainda não tem quem tenha feito isso por ela então reúno aqui o que pude encontrar mesmo que ainda tão vazio 31 biografia possível Adelina Gomes foi uma mulher negra vinda de uma família humilde e filha de pais ditos camponeses os quais não se sabe o nome há relato da presença de uma irmã feito pela Dra Nise da Silveira em seu livro Imagens do Inconsciente mas também não encontrei seu nome ou qualquer fonte que mostrasse existirem mais irmãsirmãos também não encontrei nada que me tenha feito concluir ser sua única irmã apesar de eu não ter encontrado seus nomes a Dra Nise fala de um apego muito grande de Adelina em relação à mãe mencionando também como sua mãe exercia grande influência sobre ela enquanto isso a única informação que a Dra Nise disponibiliza sobre a irmã de Adelina foi para relatar que em 1961 ela faz uma visita para Adelina e assim a Dra Nise é capaz de ter antecedentes ou seja informações sobre sua vida antes 94 da internação informações essas que possibilitaram em conjunto com a pesquisa da médica compreender um pouco melhor o mundo interno da artista quando soube da existência de uma irmã e que essa irmã fez uma visita foi um momento empolgante para mim mas que logo deu lugar a muitas perguntas sem resposta qual era seu nome por que essa irmã fez a visita e por que fez a visita após 24 anos de internação por que somente após esse tempo todo em que contexto a irmã forneceu informações para a Dra Nise ela voltou a visitar Adelina depois de 1961 ao que parece talvez tenha sido a única visita que Adelina recebeu da irmã fico com essa impressão porque a Dra Nise não escreveu sobre outras caso realmente tenha sido a única por que nunca mais voltou espero poder responder essas perguntas seguindo minha pesquisa para além desta monografia no futuro pois não pude respondêlas agora e espero poder formular novas perguntas a partir do site do cinquentenário do museu de imagens do inconsciente informase que Adelina nasceu em campos dos goytacazes no rio de janeiro em 1916 e faleceu em 1984 no centro psiquiátrico pedro ii onde passou 47 anos de sua vida como carcerária do sistema manicomial quase sua vida inteira Adelina foi internada em 17 de março de 1937 tendo sido diagnosticada com esquizofrenia não se sabe o dia em que ela nasceu mas sabemos que dia foi internada essa informação sim é possível ser achada facilmente mas seu aniversário não penso sobre como os processos de institucionalização podem ser violentos de maneira tão sutil Adelina foi internada muito jovem podemos perceber comparando o ano de nascimento com o de internação foi tornada interna aos 21 anos e faleceu aos 68 anos faço questão de escrever foi tornada interna em vez de tornouse interna para frisar uma demarcação de lugares e relação de poder entre uma mulher negra e o sistema institucional sua internação ocorreu no instituto municipal nise da silveira no engenho de dentro rio de janeiro na época chamavase centro psiquiátrico nacional mas quando foi criado 1911 esse terreno do engenho de dentro era uma colônia agrícola para as alienadas8 do hospício nacional de alienados ao longo da década de 1940 o hospício nacional de alienados é transferido para o engenho de dentro e 8 alienado e alienada era a palavra utilizada na época para nomear a pessoa em situação de sofrimento mental interna das instituições manicomiais 95 com a transferência é renomeado como centro psiquiátrico nacional que depois é nomeado centro psiquiátrico pedro ii e somente nos anos 2000 após se tornar uma instituição municipal passa a ter o nome que hoje conhecemos instituto municipal nise da silveira assim como Adelina Stella do Patrocínio foi institucionalizada aos 21 anos mas diferente de Stella que narra como foi levada ao manicômio não sabemos como ocorreu o processo de institucionalização de Adelina alguém a levou os pais a polícia duvido da hipótese de que a própria Adelina optasse pela internação e fossei voluntariamente até uma instituição então não escrevo tornouse interna escrevo que alguém a impôs esse lugar institucionalizado que é o cárcere manicomial não escrevo que Adelina ela mesma se internou não apago a violência que é uma institucionalização manicomial não apago o provável contexto de que alguémalgo teve mais poder de agência sobre Adelina do que ela mesma teve sobre si como uma internação compulsória em um site do museu de imagens do inconsciente9 que se propõe a oferecer uma biografia sobre Adelina está escrito que a família a interna na instituição o que parece fazer sentido porque pessoas que têm o diagnóstico de esquizofrenia costumam ter um episódio de surto depois do surto são levadas até médicos que atestam a condição de saúde mental da pessoa com Adelina foi assim falase que a artista teve um surto dentro de casa então parece fazer sentido que a própria família a tenha levado no entanto tive dificuldade de confirmar que a própria família a internou porque encontrei uma inconsistência no site lá está informado que Adelina Gomes começou sua produção artística a partir do trabalho em barro mas de acordo com o livro Imagens do Inconsciente a Dra Nise da Silveira afirma que seu primeiro contato não foi com o barro ela escreve que Adelina começou a trabalhar com esse material somente em 1948 além da afirmação da Dra no livro é possível encontrar também um trabalho de 1946 ano que começou a participar das oficinas de criação de Silveira que é um guache em papel por essa razão não pude confirmar a internação feita pela família por mais coerente que me tenha parecido com a idade que Adelina Gomes foi institucionalizada aos 21 anos partilho que eu estava no 6º período da graduação em história da arte divido essa 9 miiorgbradelinabio 96 informação a título de comparação entre as oportunidades oferecidas a mulheres brancas e negras levando em consideração também que quando Adelina tinha 21 anos era 1937 e quando eu tinha 21 anos era 2019 essa demarcação histórica é relevante porque nos anos 19301940 época em que Adelina foi presa a formação de uma mulher com acesso à educação ainda era em sua maioria a formação de professora me pergunto se Adelina poderia ter sido professora se poderia ter sido o que quisesse ser mãe esposa médica pesquisadora o que fosse mas a partir do trabalho humanizado feito pela Dra Nise da Silveira que explicarei mais à frente Adelina teve oportunidade de se expressar e se tornou artista visual enquanto interna institucionalizada com trabalhos que integram o acervo do museu não pontuo isso como uma espécie de redenção como se todo o percurso de sofrimento dela valesse porque no final ela se tornou uma artista com visibilidade e importância não essa não é uma história que começa bem passa por um drama e no final ganha um final feliz que dá sentido ao sofrimento da protagonista não há redenção ou perdão possível ao sofrimento infligido a Adelina Gomes essa é uma dívida impagável10 então escrevo sobre seu lugar de artista não como redenção mas como um lugar que deve ser reconhecido com a criação de imagens Adelina pôde encontrar espaço para exercer agência sobre si em todos os capítulos busquei adicionar pelo menos uma imagem que traga a assinatura com o nome das artistas feitas por elas mesmas infelizmente não pude fazer isso com Adelina Gomes pois de acordo com a pesquisa que fiz não encontrei trabalhos assinados e de acordo com o museu de imagens do inconsciente não há obra de Adelina que esteja assinada por ela trago ainda outra reflexão acerca de sua escolaridade pois de acordo com o documentário de leon hirszman chamado imagens do inconsciente 1982 Adelina estudou somente até o curso primário de modo que completou o que seria atualmente o 5º ano do ensino fundamental I o site do cinquentenário do museu de imagens do inconsciente informa também que Adelina Gomes aprendeu variados trabalhos manuais numa escola profissional mas pergunto para essa informação genérica que tipo de trabalhos manuais qual era o objetivo dessa escola profissional que habilitação profissional proporcionava o que a caracterizava por 10 referência à obra de Denise Ferreira da Silva o livro chamado A Dívida Impagável 97 profissional e qual era seu tempo de duração Adelina concluiu essa formação e sim quando e quando começou a formação ela teve tempo de exercer uma profissão se sim qual e se não por que não teve tempo novamente perguntas sem resposta e também por isso não pude compreender se sua escolaridade se estendeu para além do curso primário se levarmos em consideração a faixa etária comum a cada momento da vida escolar podemos estimar que Adelina pode ter estudado até por volta dos 911 anos11 caso tenha ingressado no sistema de ensino na faixa etária padrão então se Adelina Gomes deixou a escola com 11 anos quando foi internada estava sem estudar há 10 anos o site do cinquentenário também fornece outras informações que adjetivam Adelina as quais opto por não reproduzir aqui por entender que criam uma imagem sobre quem ela foi não é essa a imagem que desejo transmitir com essa pesquisa quando adjetivamos alguém caracterizamos essa pessoa e não estou dizendo que essas não eram características de Adelina estou dizendo que faço aqui um esforço para não reproduzir aspectos gerais sobre Adelina fugindo da imagem criada sobre ela com as poucas informações que se tem aqui nesse espaço busco humanizar Adelina enxergar uma vida para além das violências vividas por ela sem as apagar e apresentála na medida do possível como uma mulher negra que sobreviveu a diversas camadas de violência ao racismo ao patriarcado à violência manicomial e institucional como alguém inteligente portadora de suas vulnerabilidades uma artista que criou trabalhos articulando visualidades potentes que tencionaram o sistema e o mercado de arte mas principalmente e fundamentalmente uma mulher que apesar de ter sido posta como subalterna pelo sistema institucional conseguiu fugir e ter agência sobre si mesma quando escrevo fugir estou articulando e conversando diretamente com um texto de Jota Mombaça que usarei ao longo do capítulo chamado Carta às que vivem e vibram apesar do Brasil retirado do livro Ñ vão nos matar agora12 12 indico que desenvolvi o conceito de fuga e a minha percepção do que significa Adelina Gomes ter tido agência sobre si mesma no subcapítulo 32 11 com essa informação sabemos que Adelina ainda teve 1 ano a mais de estudo do que Aurora Cursino dos Santos e que é provável que as duas tenham parado de estudar com idades similares entre 9 10 ou 11 anos 98 figura 42 Adelina Gomes12021968 óleo sobre tela 644 x 535 cm coleção museu de imagens do inconsciente rio de janeiro fonte retirado do site mii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml apesar de a minha pesquisa não se concentrar nas pinturas feitas pela artista trouxe essa imagem justamente porque dialoga com o que venho escrevendo Adelina Gomes teve agência sobre si mesma criando imagens que permitissem se expressar os temas comuns às pinturas dela foram a representação da mulher do gato e das flores de modo que esse trabalho condensa em si os temas principais das obras da artista escolhi essa imagem para esse momento da escrita porque apesar de não ser um fato sempre pensei nela como um autorretrato a mulher que ali está me remete a como vejo Adelina o formato do 99 rosto o cabelo como um pequeno afro a linha fina da boca mas que na pintura parece repuxar em um sorriso e principalmente os olhos um pouco caídos e sempre penetrantes posicionados fixamente como se quem olhasse a mulher na pintura tivesse a certeza de que também está sendo visto por ela o rosto me transmite certa serenidade mas se me demorar o pouco que seja parece que a mulherAdelina está comunicando algo não diria que parece que ela iria abrir a boca para dizer algo diria que com seu olhar ela já está comunicando algo confiante algo altiva algo dona de si que justamente me remete à camada em que Adelina tem poder sobre ela mesma trago abaixo algumas fotografias da artista visando mostrar as semelhanças que enxergo com a mulher da pintura figura 43 fotografia de Adelina Gomes em seu prontuário sd fonte frame retirado do documentário de leon hirszman imagens do inconsciente 100 figura 44 fotografia de Adelina Gomes sd fonte miiorgbradelinabio figura 45 comparação entre o olhar na pintura e o olhar na fotografia até aqui foi possível compreender que pouco se sabe sobre a vida de Adelina Gomes até sua internação mesmo com as informações coletadas pela Dra Nise da Silveira percebo que infelizmente também há pouca informação sobre como foi sua vida a partir dos 21 anos quando foi encarcerada no manicômio esse vácuo permanece até setembro de 1946 quando passa a fazer parte do setor de terapêutica ocupacional do hospital de modo que há um vazio de informação sobre Adelina durante 9 anos quem coordenava o setor de terapêutica ocupacional era a Dra Nise da Silveira de modo que a partir de setembro de 1946 Adelina Gomes passa a ficar aos seus cuidados a médica se tornou mundialmente reconhecida por proporcionar 101 um tratamento que rejeitava completamente a psiquiatria tradicional fazendo com que seus pacientes que ela chamava de clientes não mais fossem torturados com os tratamentos tradicionais que envolviam eletrochoque sem estudo suficiente dos parâmetros de aplicação em humanos como compreensão de voltagem e duração dos choques entre outras opções que sequer são legalizadas atualmente quando Adelina Gomes deu entrada no hospital e foi internada o tratamento prescrito para ela com o diagnóstico de esquizofrenia foi o de eletrochoque e injeções de insulina A Dra Nise relata ao consultar os dados de Adelina antes de assumir seu tratamento que ela teve constante piora de seu quadro percebida pela psiquiatria tradicional como alguém que não demonstrava sinais para a possibilidade de cura se por um lado o tratamento que recebeu da psiquiatria tradicional foi eletrochoque e injeção de insulina o tratamento oferecido pela Dra Nise era fundamentado por uma conduta de afeto e livre expressão de seus clientes no setor de terapêutica ocupacional ala do hospital que foi dada à médica quando se opôs a seguir a psiquiatria tradicional esse espaço lhe foi dado como espécie de punição da equipe médica do hospital por ser afastado hoje a médica é venerada por seu belo trabalho mas na época enfrentou muitas dificuldades que envolviam desde o desrespeito do corpo médico com o qual trabalhava até a falta de material para conduzir o tratamento de seus pacientes nada disso a impediu de seguir transformando a vida de muitas pessoas é nesse contexto que Adelina começou seu trabalho com imagens que mais tarde fez com que fosse vista como artista o trabalho com a livre expressão que a Dra Nise da Silveira conduzia no setor de terapêutica ocupacional logo o transforma em ateliês de criação plurais onde os pacientes tinham possibilidade de fazer pintura modelagem entre outros a médica começou a fazer uso das imagens para acessar o mundo interno dos pacientes pois ao perceber que frequentemente a esquizofrenia dificultava a expressão verbal começou a prezar por um caminho de comunicação através das imagens criadas pelos pacientes a Dra Nise via essas imagens como documentos plásticos e as analisava em sequência de produção cronológica logo devido ao volume imenso de imagens e seu contínuo crescimento a psiquiatra cria o museu de imagens do inconsciente 1952 visando armazenar as obras feitas pelos pacientes 102 nos ateliês Adelina Gomes começou a criar suas próprias imagens em 1946 corto para um novo parágrafo visando dar destaque a essa frase pois aqui começo o desfecho do subcapítulo sobre a biografia e inauguro um novo momento do texto Adelina começou a criar suas próprias imagens depois de 9 anos vivenciando tratamentos inadequados ela começa a poder se expressar livremente depois de 9 anos de brutalidade manicomial ela começa a usar imagens para se comunicar esse marco guarda grande potência em si pois mesmo que não tenha podido ficar livre fisicamente da instituição manicomial tornouse possível estar nesse espaço de maneira um pouco mais humanizada levando em consideração que a própria Dra Nise da Silveira afirmava que dentro do hospital psiquiátrico não havia ambiente adequado para proporcionar o tratamento figura 46 Adelina Gomes modelando barro nos ateliês sd museu de imagens do inconsciente fonte frame do documentário de leon hirszman imagens do inconsciente de 1946 até o falecimento de Adelina em 1984 a artista criou cerca de 17500 obras dentre elas estão pinturas modelagens flores de papel e desenhos de dimensões variadas que encontramse no acervo do museu de imagens do inconsciente o maior fôlego empreendido na análise das suas imagens até hoje foi feito pela Dra Nise da Silveira principalmente investigando os desenhos e pinturas com o objetivo de acessar e compreender dentro do possível o mundo interno da 103 artista ao informar isso já demarco a minha diferença de abordagem com o trabalho visto que a Dra atuou com olhar clínico ao ver essas imagens e eu as olharei como historiadora da arte também destaco outra diferença pois as obras que escolhi me aproximar foram as modelagens enquanto a Dra Nise desenvolveu mais seu trabalho com os desenhos e pinturas ela também desenvolveu uma análise acerca das modelagens mas irei tratar somente delas delas e do conceito de gesto 32 a metodologia para Adelina Gomes o gesto e a fuga conheci Adelina Gomes de um jeito diferente de como conheci Aurora Cursino dos Santos porque foi muito mais imediato quando encontrei com Aurora já estava fazendo minha pesquisa procurando por artistas mulheres que tivessem tido diagnósticos psiquiátricos com Adelina eu sequer tinha decidido pesquisar mais a fundo sobre o tema muito menos pensei que seria o da minha monografia para o curso de história da arte mas já tinha escutado seu nome quando decidi escrever sobre Adelina não sabia sobre o que falaria que obras iria escolher mas então revi as imagens dela modelando o barro no documentário de leon hirszman e me comoveram profundamente foi o gesto de suas mãos que me cativou posteriormente a Dra Nise da Silveira deu nome ao que senti vendo essas imagens era sobre dar corpo a uma imagem com as próprias mãos e era sobre fazer isso intimamente a fala da Dra Nise me ofereceu além de compreensão sobre o que senti uma chave metodológica para acessar o trabalho que irei desenvolver a partir de agora sobre as esculturas de Adelina Gomes articulo o conceito de gesto utilizando sua definição de senso comum ou seja o gesto como um movimento do corpo objetivando a expressão mas também penso o gesto como imagem como meio de comunicação que não articula a oralidade desse modo minhas abordagens metodológicas são completamente diferentes para desenvolver a pesquisa com cada artista com Aurora Cursino dos Santos capítulo 2 articulei sua fala em conjunto com a escrita e a produção de imagens e com Stella do Patrocínio capítulo 4 a abordagem foi inteiramente pautada pela oralidade da artista de modo que trabalhei a partir de escuta ativa em 104 repetição olhando por esse viés Adelina me pede o contrário nem uma multiplicidade de linguagens nem somente a oralidade com ela apenas as imagens com o gesto e com as modelagens a diferença de metodologias não me torna fragmentária em minha pesquisa como todo não penso o texto como desagregado todas as artistas partilham o lugar comum de terem sido mulheres institucionalizadas no período manicomial brasileiro a partir da década de 19401950 a partir de seus lugares em comum me dediquei profundamente a enxergar suas particularidades suas necessidades de expressão me pus como canal visando fazer o que pudesse para ampliar suas próprias vozes não tanto a minha essa é a pesquisa essa é a dedicação a partir disso assumo e gosto do meu texto com caráter dual aqui a escrita se bifurca se trifurca e conflui na mesma medida dito isso o que significa pensar o gesto como imagem o que significa articular o conceito de gesto como metodologia em Adelina Gomes o que significa perceber o gesto como expressão não oral após o diagnóstico Adelina Gomes verbalizou muito pouco em vida quase não falava com o tratamento proporcionado pela Dra Nise da Silveira a médica relata uma melhora de comportamento a artista se torna mais positiva mais bem humorada e por vezes passou a falar algumas frases mas mesmo assim falava pouco essa não era sua principal forma de comunicação seu meio de se expressar se tornou uma comunicação através das imagens que criava com o documentário de leon hirszman além de perceber sua comunicação a partir da criação de imagens encontrei com a expressão através do gesto enquanto Adelina modelava seus gestos também eram comunicativos e expressavam sobre ela então pelo gesto também ser uma linguagem que não é oral comunicação não verbal o adoto como método no que diz respeito ao gesto como imagem por ser não verbal e pela comunicação via gesto ser algo que depende do olhar atento dos olhos passei a percebêlos também como imagens o gesto como uma imagem que se comunica de forma tão própria que por vezes se torna difícil explicar um gesto com palavras o gesto quando comunicação cristalina quando as palavras falham mas quem olha de maneira atenta é capaz de entender o que exprime então para mim além das obras que Adelina pintou e modelou o gesto se tornou também uma das maneiras pelas quais observo sua expressão 105 ao dizer isso a leitora e o leitor poderão perceber que ao longo do capítulo fiz uso de frases que carregam as seguintes palavras Adelina elaborou Adelina se debruçou atentamente Adelina articulou as questões de Adelina as questões trabalhadas pela artista entre outras as frases estão com essa formulação porque essas foram as conclusões que fiz a partir de sua expressão gestual aqui está uma introdução sobre como eu mesma escolhi como posicionamento político articular a pessoa que foi Adelina uma vez que devido à artista ser atravessada pelo diagnóstico de esquizofrenia verbos como elaborar e articular se tornam problemas do ponto de vista da psicanálise isso acontece porque são verbos que expressam funções desempenhadas pelo consciente e como Adelina era atravessada por episódios de delírio estaria sobre a influência do inconsciente logo ela não poderia elaborar ou articular questões de maneira consciente como as pessoas não esquizofrênicas mas eu não sou da área da saúde eu sou da história da arte e desse lugar de pesquisa possuo autonomia para dizer que sim Adelina articulava que Adelina elaborava da mesma forma que uma pessoa não esquizofrênica não mas isso não significa que ela também não possa elaborar aqui além de demarcar meu lugar de fala em termos de áreas de conhecimento busco aporte teórico também na própria Dra Nise da Silveira e no psicanalista Carl Jung reforçando que uma pessoa em situação de adoecimento mental atravessada por episódios de delírio atravessada pelo inconsciente também traz consigo a ação do consciente Adelina não viveu em episódio de delírio durante sua vida inteira o consciente também esteve presente cito abaixo a Dra Nise a imagem não é simples cópia psíquica de objetos externos mas uma representação imediata produto da função imaginativa do inconsciente que se manifesta de maneira súbita mas sem possuir necessariamente caráter patológico desde que o indivíduo a distinga do real sensorial percebendoa como imagens internas na qualidade de experiência psíquica a imagem interna será mesmo em muitos casos mais importante que as imagens das coisas externas acentuamos que a imagem interna não é um simples conglomerado de conteúdos do inconsciente constitui uma unidade e contém um sentido particular expressão da situação do consciente e do inconsciente constelados por experiências vividas pelo indivíduo SILVEIRA 2001 p 82 grifo meu e carl jung a partir da Dra Nise 106 a psicopatologia junguiana é uma ciência que mostra aquilo que está acontecendo na psique durante a psicose notese entretanto que jung nunca usa a expressão psicopatologia da esquizofrenia mas escreve constantemente psicologia da esquizofrenia já seu primeiro livro 1907 tem o título de psicologia da demência precoce nas memórias jung diz que ao escrever aquele livro seu objetivo era mostrar que os delírios e alucinações não eram sintomas específicos da doença mas também tinham uma significação humana nos escritos posteriores continua empregando a expressão psicologia da esquizofrenia em conteúdo das psicoses demonstra que todas as manifestações da esquizofrenia delírios estereotipias etc são suscetíveis de compreensão psicológica do mesmo modo que os sonhos de neuróticos ou de pessoas normais o que varia é a complexidade da trama de elementos e a dificuldade de separar fios condutores dentro do emaranhado de fragmentos de dramas arcaicos sobre os quais somos de uma ignorância lamentavelmente quase total em resumo segundo jung será necessário para compreender a natureza das perturbações psíquicas situálas dentro do contexto da psique humana como um todo jung apud SILVEIRA 2015 p 148 grifo meu tudo isso pra dizer e posicionar Adelina Gomes como alguém que apesar da influência do inconsciente também tinha consigo a influência do consciente tudo isso pra dizer que ela também elaborava e articulava que ela teve agência sobre si essa é a imagem de Adelina Gomes que eu desejo fazer nascer não a Adelina da psicanálise que não elabora não a Adelina como alguém que somente foi carcerária não a Adelina consagrada pela arte moderna brasileira quase como cota a única mulher entre uma seleção de artistas homens do museu de imagens do inconsciente que tiveram destaque13 não a Adelina de mário pedrosa então não usei mário pedrosa não usei os textos de mário pedrosa e não os li não seriam suficientes para essa pesquisa mas a Adelina que se expressa via gesto e via imagem a Adelina que ao criar realiza uma fuga muito potente a fuga de Jota Mombaça a Adelina que nasce com a cura das teorias textos e conceitos feitos pela arte contemporânea pelo pensamento de classe racial feminista e decolonial 13 no período da arte moderna brasileira as obras dos artistas do museu de imagens do inconsciente mii começaram a ganhar destaque no circuito de arte isso aconteceu porque a arte moderna buscava produzir um novo tipo de arte que fosse contra a arte tradicional rejeitando moldes de criação acadêmicos que na época seguiam o estilo neoclássico as obras dos artistas do mii não buscavam criar imagens a partir do que era possível ver com os olhos mas seus mundos internos de modo que seus trabalhos eram exatamente o que a arte moderna estava buscando obras de arte que proporcionariam a ruptura com o tradicional então alguns artistas do mii se tornaram destaque e entre esses nomes somente um era de mulher o de Adelina Gomes todos os outros eram homens fernando diniz isaac liberato emygdio de barros carlos pertuis 107 no livro Ñ vão nos matar agora Jota recebe quem a lê com o texto Carta às que vivem e vibram apesar do Brasil onde conheci o conceito de fuga a fuga de Jota eu vejo em Adelina Gomes e vejo que ela fez sem o objetivo consciente de fazêla não era sobre querer ser subversiva de lutar contra os controles estabelecidos sobre seu corpo assim como a agência que exerceu sobre si mesma não foi desejante de sair do lugar de subalternidade e lutar pelo seu poder interno esses conceitos e essas articulações teóricas sequer chegaram até ela e justamente por isso quando Adelina começa a ter agência de si se expressando eu o vejo como um desejo tão latente e forte um desejo genuíno sim um desejo de Adelina mesmo que não fosse consciente esse desejo de exercer poder sobre si mesma de tomar as rédeas é de onde nasceram as teorias é o que fez com que existissem quando nada desse pensamento existia ou era divulgado Adelina estava fazendo isso sem a consciência mas era genuíno ela queria poder se expressar não há como negar isso afirmo porque conforme teve oportunidade ela começou a fazêlo e olho essa expressão também a partir da fuga de Jota a fuga de Jota é onde a gente se encontra é onde a mira não alcança é o apesar o terreno de força que contradiz toda brutalidade é onde há beleza a fuga não é sobre fugir fisicamente a artista não fugiu do controle manicomial não fugiu da instituição seu corpo não se tornou livre em vida mas ela fez a fuga ali com ela mesma criando suas imagens uma vez que a meta da fuga não é tanto o outro lado mas o aqui esse aqui para onde estamos indo e onde já estamos o aqui de onde viemos ela foi capaz de exercer agência sobre si e estruturar partes dela mesma ao longo da vida tanto no sentido de estar com elamesma14 quanto no sentido médico de demonstrar melhora no seu quadro clínico a fuga de Jota é sobre uma dimensão que não é física é onde se nega a brutalidade onde nos recusamos a entregar o poder ao fazer a fuga negamos aspectos de subalternidade onde Adelina pôde construir partes de si longe da submissão fazendo a fuga Adelina agencia sobre si mesma fazendo a fuga nos ateliês Adelina Gomes começou a criar suas próprias imagens em 1946 me cito 14 elamesma tudo junto pensando em uma tradução livre da palavra herself do inglês como se a tradução entre o português ela mesma não fosse capaz de dar conta do que herself expressa um sentido ainda mais interno do feminino que é importante no contexto da minha pesquisa 108 esse foram os conceitos que usei para enxergar Adelina para buscar entender o pouco que fosse o que ela queria comunicar e para criar a imagem que acredito ser a dela sem omitir as violências que vivenciou e sem romantizar sua vida tendo explicado minha abordagem metodológica agora posso me dedicar a mostrar o que entendo que Adelina Gomes expressava através de seus gestos e meu olhar para suas esculturas 33 os gestos de Adelina como comunicação durante 1948 1949 e 195015 a Dra Nise da Silveira relatou como modelar era a atividade que absorvia Adelina Gomes por horas nos ateliês e podemos ver um pouco dessas imagens no documentário de leon hirzsman onde veremos também seus gestos ao modelar a minha premissa com o gesto como forma de comunicação é a de que a partir do gestual Adelina Gomes também estava expressando seu mundo interno de modo que estava acessando seus afetos ao esculpir além disso também desenvolvi o pensamento acerca do gesto como forma de criar caminhos e como Adelina Gomes criou caminhos internos para si através dos gestos que fizeram nascer as esculturas Fayga Ostrower escreve sobre as mãos como ferramentas a partir da evolução dos seres humanos dizendo que como se fossem uma extensão física da mente as mãos se tornaram órgão executor do pensamento OSTROWER 1983 p 296 apesar de não estar abordando aqui o conceito de evolução desenvolvido pelos homens brancos o que Fayga diz sobre as mãos como ferramentas do corpo me interessa para ler Adelina Gomes podemos a partir disso pensar no corpo como extensão física dos afetos de modo que as mãos se tornam para Adelina órgãos executores do seu coração de suas questões emocionais é como afirma o trabalho de Alyson Provax com as palavras feelings live in the body em tradução livre os sentimentos moram no corpo 15 além desse período de produção de esculturas no livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise há uma peça que data 1954 o que mostra que Adelina Gomes produziu esculturas não só durante os anos citados pela médica 109 figura 47 trabalho sem título Alyson Provax sd fonte retirado da página do instagram da artista se parto do princípio que Adelina esculpia a partir de seus afetos vejo sua produção artística como expressão e também como um trabalho emocional que Adelina desenvolveu sobre si mesma de novo mesmo que esse desenvolvimento não seja da mesma maneira que uma pessoa não esquizofrênica desenvolve suas questões ao esculpir enxergo nas mãos de Adelina os gestos de intimidade cuidado curiosidade e novos conhecimentos ali ela bate na porta limpa os pés no tapete e entra entra nelamesma observando as imagens de Adelina modelando é possível ver o gestual das mãos da artista como se o movimento estivesse perpetuamente gravado vestígio de vida de mulheres que já morreram fisicamente desse lugar de pensamento suas esculturas se tornam memórias gestuais memórias vivas concretas e materiais de seus gestos e tudo que carregaram em cada movimento 110 figura 48 Adelina Gomes modelando o barro nas oficinas de terapêutica ocupacional sd fonte frames retirados do documentário de leon hirszman são obras matéricas que funcionam como receptáculos da imaterialidade de toda e qualquer questão que Adelina tenha tido enquanto as criava o que permaneceu de suas obras não são somente os elementos materiais a matéria das esculturas é também o que de imaterial Adelina pôs no barro que afetos motivaram a movimentação de suas mãos e de seu corpo no gesto escultórico quais foram seus sentimentos ao esculpir seus pensamentos seus desejos todas essas afetações e atravessamentos também estão nas esculturas e ao ficarem no passado porém registradas na matéria se tornam memórias no entanto estando gravadas pelo seu toque no barro se presentificam e nunca morrem são memórias vivas receptáculo viagem no tempo beijo entre passado presente e futuro a memória é uma ação política como afirma o trabalho de francisco mallmann de modo que mais uma vez insiro Adelina seu corpo suas questões no entendimento de que o pessoal também é político que suas emoções são políticas suas questões ao serem ligadas ao fato de ser mulher negra com um diagnóstico psiquiátrico seu corpo institucionalizado pelo modelo manicomial de onde veio sua história familiar estruturalmente patriarcal e seu direito ao espaço da cidade negado pelo encarceramento do manicômio todas essas são questões 111 políticas que estão articuladas em sua produção octavio ignácio que também foi interno no engenho de dentro diz que o muro é muito bonito para quem passa do lado de fora é bem feito bem arrumado mas para quem está aqui dentro é horrível o muro não deveria ser assim deveria ter algumas aberturas você vê a entrada do hospital é enorme mas se um de nós quiser passar por ela para ir lá fora não deixam olha é verdade que do lado de dentro deste muro que pega de esquina a esquina tem banquinhos árvores pra nos dias de visita os doentes ficarem lá mas mesmo assim todos nós somos controlados este muro serve para fechar a nossa vista para o lado de fora nós nunca podemos ser considerados gente com um muro deste tapando a nossa visão ignácio apud SILVEIRA 2015 p 32 é fundamental o olhar atento para o gesto de Adelina Gomes como ponto de costura para a trama de todo o fazer das esculturas olhar de lupa para esse detalhe em específico entendendo que ao propor atenção sobre Adelina no ato de modelagem também articulo as esculturas em si a partir de um lugar que mescla materialidade e imaterialidade acima falei sobre as mãos da artista como ferramentas para a materialização de suas questões emocionais porque de fato é um momento de corpo importante ali se funda o ponto de transição que transforma coisas imateriais e invisíveis em materiais é onde ambas as esferas se roçam se esbarram se tocam se fundem mas olhar para as mãos é novamente uma forma de afetação em detalhe porque a ação de modelar envolve uma disposição de corpo inteiro investindo tempo energia direcionamento foco abstração disponibilidade emocional afetiva para se permitir afundar nas questões conforme foram sendo trabalhadas principalmente se levarmos em consideração que as questões emocionais que a artista trabalhou na sua criação foram em maioria a expressão de situações de trauma vivenciados ao longo de sua vida como mulher negra dessa forma expressando seu mundo interno percebo em seu processo de criação as movimentações imateriais que motivam o gesto escultórico de Adelina Gomes suas memórias e afetos 113 figuras 49 50 e 51 Adelina Gomes modelando o barro nas oficinas de terapêutica ocupacional sd fonte frames retirados do documentário de leon hirszman ainda com o pensamento absorvido nos frames aqui dispostos de Adelina modelando a argila no documentário de leon hirszman me precipito em nova reflexão a da gestualidade como caminho entendendo o gesto como uma ação que une o corpo em impulsos materiais o gesto sendo operado e imateriais como as emoções desejos reflexões compreendo também que o gesto nunca pode ser uma ação solitária ou seja faz parte de uma cadeia de ações e reações de um ciclo orgânico que não acaba encontrei pensamento semelhante nas palavras de Gloria Anzaldúa Gloria está falando sobre a escrita que não é a forma como Adelina se expressa uma vez que a artista articula a criação de imagens com seu corpo mesmo com a diferença de linguagens uma escrita e uma através de imagens o que Anzaldúa expressa vai de encontro com Adelina Gomes Anzaldúa diz que a escrita me possui e me impulsiona a saltar num nãolugar fora do tempo fora do espaço onde eu me esqueço de mim mesma e sinto que sou o universo isso é poder não é no papel que você cria mas em suas entranhas em suas vísceras e da sua matéria viva a isso eu chamo de escrita orgânica ANZALDÚA 2021 p 59 114 ou seja para Gloria a criação vem de um ciclo orgânico que parte de suas entranhas de dentro de modo que a criação é matéria viva primeiro as entranhas o mundo interno depois a disposição do corpo em externar para Gloria a maneira de externar é através do papel da escrita para Adelina Gomes o corpo se dispõe e aí começam os gestos sobre o barro aí começa a modelagem que dá origem às esculturas o que Anzaldúa escreve nesse trecho é sobre seu processo de criação e o que ele proporciona para ela poder sobre si mesma e essa dinâmica é como enxergo o processo de criação de Adelina também ambas produzem a partir de si mesmas a partir das suas questões e ao fazerem isso podem ir de encontro a outras mulheres que se identifiquem com o que expressam com a maneira pela qual expressam ou seus processos que foi o que tornou possível o paralelo que fiz entre Gomes e Anzaldúa ao criarem a partir de si mesmas com tanta honestidade as ressonâncias de seus trabalhos comunicam e afetam quem possui questões que se esbarram isso também é poder dessa maneira com esse tipo de processo que é orgânico Adelina Gomes é um exemplo de como o gesto é algo contínuo imaterial emocional assim como Anzaldúa fala sobre a escrita isso porque além do processo criativo ser algo que vem de dentro também não há como dizer em que momento começa o gesto de modelar desde antes de estar de fato esculpindo com o barro o gesto já estava sendo feito em seu corpo mente coração em suas vísceras matéria viva para começar a esculpir a artista precisou decidir que iria e para decidir que iria esculpir precisou de uma motivação de um desejo que a impulsionasse nesse sentido em meu entendimento não é possível que o gesto de esculpir comece somente quando Adelina toca o barro e vemos que ela está esculpindo o gesto começaria antes na parte imaterial que não acessamos completamente tudo isso possui relação com o entendimento do gesto como caminho porque existiria um movimento dos desejos de Adelina a guiando passo a passo até que se tornou possível se expressar através de sua criação artística Nellie Wong é uma poeta e ativista de causas feministas e socialistas e é citada por Gloria Anzaldúa em A Vulva é uma ferida aberta outros ensaios ao falar sobre como é importante que nós mulheres que escrevemos entremos em contato com nossos desejos sonhos e fantasias porque essas são peças fundamentais da vida criativa Nellie diz como os desejos sonhos e fantasias que temos são recursos para chegarmos ao coração das coisas o que logo me fez encontrar com Adelina e com a arte dela 115 apesar de Nellie estar falando sobre uma possibilidade de caminho para mulheres escritoras assim como Gloria eu vejo suas palavras espelhadas na criação artística de Adelina ainda que em seu caso não exista uma mediação apenas do consciente ocorrendo no seu processo criativo mas sim também do inconsciente profundo como disse Dra Nise da Silveira no entanto o inconsciente não se isola das camadas dos desejos sonhos e fantasias de modo que estes continuaram fazendo parte ativa da vida de Adelina não lobotomizada articulando racional e emocional conectada com seus afetos e afetações o que em Adelina me abriu para esse olhar foi perceber sua arte como forma de chegar ao coração das coisas no caso o coração das suas coisas as coisas de sua vida suas emoções traumas memórias acredito que através da expressão criativa e da arte como ferramenta Adelina teve a possibilidade de chegar ao coração das suas coisas suas questões o que Nellie escreve sobre essa questão é que os desejos sonhos e fantasias são partes importantes de nossas vidas criativas eles são os passos que uma escritora avança para construir seu ofício eles são os espectros de recursos para chegarmos à verdade das coisas à iminência e ao impacto do conflito humano NELLIE apud ANZALDÚA 2021 p 61 e é exatamente o que Adelina Gomes faz com suas imagens lidando com suas questões e conflitos internos estruturando verdades sobre seu emocional diante das situações de vida que experienciou estar genuinamente conectada e com possibilidade expressiva acerca de seus sentimentos Adelina chega ao coração cerne articulando assuntos que foram caros em sua vida é como a Dra Nise da Silveira escreveu em seu livro Imagens do inconsciente o mundo interno do psicótico permanece com riquezas mesmo depois de longos anos com a mente adoecida existe um caminho de cuidado para a melhora existe esperança 34 Adelina de corpo em barro peito aberto as esculturas imagens maravilhosas inundam a ação iansanegrao 7 de outubro de 2021 116 mudei para o mundo das imagens mudou a alma para outra coisa as imagens tomam a alma da pessoa DINIZ apud SILVEIRA 1981 p 13 ao pensar o processo do gesto de Adelina Gomes como um caminho guiado por seus desejos sonhos e fantasias me surgem algumas questões como é esse caminho e o que o caracteriza de que maneira se estrutura não tenho a pretensão de responder tudo alguns questionamentos existem para abrir caminhos não encerrálos e ao mesmo tempo existem perguntas às quais não possuímos direito de resposta algumas coisas são reservadas ao íntimo ou outras esferas ao passo que Aurora Cursino dos Santos e Stella do Patrocínio trazem consigo muito forte a fala e a palavra escrita me parece concreto o bastante afirmar que os caminhos de Adelina são caminhos principalmente visuais antes de aprofundar na escrita sobre os caminhos visuais é preciso entender que o sentido de desejo e fantasia trabalhados em minha escrita tocam profundamente com o conceito de erótico escrito por Audre Lorde o erótico é um recurso intrínseco a cada uma de nós localizado em um plano profundamente feminino e espiritual e que tem firmes raízes no poder de nossos sentimentos reprimidos e desconsiderados para se perpetuar toda opressão precisa corromper ou deturpar as várias fontes de poder na cultura do oprimido que podem fornecer a energia necessária à mudança no caso das mulheres isso significou a supressão do erótico como fonte considerável de poder e de informações ao longo de nossas vidas LORDE 2020 p 67 para a autora o erótico é uma fonte de poder e informações que encoraja a buscar uma vida de excelência errôneamente atitudes patriarcais fizeram com que o conceito fosse compreendido como o oposto de pornográfico quando em verdade se trata de fazer florescer os verdadeiros sentimentos de uma pessoa funcionando como afirmação da força vital das mulheres segundo Audre Lorde a pornografia é uma forma de enfatizar sensações sem sentimento não se relacionando com o que enche a palavra erótico de significado as palavras são 117 imagens simbólicas cheias preenchidas quando as dotamos de seus significados tenho buscado fazer isso com respeito o erótico é o encanto pela vida e pela realização a busca por satisfação genuína em qualquer plano da nossa vida porque não é sobre o que fazemos mas sobre a intensidade e completude do que sentimos em qualquer coisa que decidamos fazer ao conhecermos a extensão do que somos capazes de experimentar podemos constatar quais dos nossos vários esforços de vida nos colocam mais perto dessa plenitude LORDE 2020 p 69 refletindo sobre a criação de imagens de Adelina Gomes seu caminhopercurso visual através de seus gestos permitiu com que ela transformasse o silêncio em linguagem como aponta um outro texto de Audre Lorde poder se expressar foi uma maneira de exercer seu potencial erótico que foi silenciado durante 9 anos de internação manicomial até começar a ser tratada pela Dra Nise da Silveira pensando o erótico o desejo e os afetos de Adelina Gomes no processo de criar imagens como direcionamentos imateriais presentes nas esculturas encontro com as palavras da Dra Nise ao afirmar que era surpreendente verificar a existência de uma pulsão configuradora de imagens SILVEIRA 1981 p 13 nas pessoas que tratou ao escrever isso ela confirma que antes mesmo da feitura visual das imagens precisa existir o desejo inicial de configurar e formular imagens isso estrutura e guia minha direção de olhar para Adelina como uma mulher com desejos movimentantes ou seja a artista não somente sentia e decodificava suas vontades de alguma forma mas também criava movimento a partir deles suas imagens são seu dizer são a quebra do silêncio são possibilidade de movimentação o poder contido no ato da expressão através de seus gestos me leva ao trabalho da artista Laís Amaral com sua pesquisa sobre vazantes nascentes onde silêncios começaram a virar esculturas e desenhos no momento do fala ou do vazar quando vi a imagem desse trabalho de Laís foi através da pesquisadora independente Nathalia Grilo que articula sua pesquisa como tecnologia de terra muito molhada que a primeira deusa velha lenta escura macerou obrigada 118 Nathalia obrigada Laís essa imagem me permitiu um sentir e um conversar com Adelina em meu texto não só através das minhas palavras mas conversar através de imagens em meu entendimento isso configura como potência uma vez que Adelina estabelece diálogo principalmente por imagem não por palavra figura 52 sem título Laís Amaral 2017 escultura em argila fonte imagem retirada do instagram da artista como historiadora da arte nesse ponto do texto já deve estar evidente que não pretendi nem tinha como objetivo olhar e conversar com Adelina articulando questões que envolvessem quais os afetos ela buscou expressar em suas esculturas não me pareceu possível inflar minhas palavras de significados que desconheço então optei pelo caminho que acompanharam até então a partir da escultura de Laís Amaral sinto os afetos de Adelina como um inchaço e a expressão em seu caminho de imagens não como um esvaziamento mas como algo que vaza e inunda ela transforma o silêncio através de seu corpo seu gesto afetos e do barro talvez a imagem que meu texto pode ter transmitido é a de Adelina como alguém que quando finalmente pôde se expressar esvaziouse no entanto não enxergo expressão como um esvaziamento como se criasse um espaço não preenchido desocupado a expressão artística de Adelina Gomes criou 119 as esculturas que produziu durante tanto tempo sua expressão um vazante aberto inundando tudo ao redor e também a ela mesma por dentro expressar carrega também suas reverberações internas reorganizações movimenta tudo me movimenta a escrever preenchida também por esses desejos movimentantes mergulho nas imagens da artista desse capítulo Adelina Gomes começou a modelar as figuras em barro em 1948 e se dedicou inteiramente a elas até 1950 passando horas de seus dias na feitura das peças depois de dois anos após ter sido ingressada na seção de terapêutica ocupacional a artista que vinha produzindo principalmente desenhos e pinturas começa a criar imagens tridimensionais a partir do barro o que já me gera uma questão por quê o que motivou sua escolha por interromper a criação no papel para começar com a argila com o barro Adelina Gomes produziu uma série de peças que foram vistas pela Dra Nise da Silveira como grandes mães ou terríveis mães também foi uma questão para mim pensar se Adelina usou o barro somente para fazer essas peças e depois voltou ao papel que foi a impressão que tive ao ler o capítulo 7 do livro Imagens do Inconsciente chamado O tema mítico de Dafne que foi onde a Dra se debruçou para escrever sobre Adelina sua produção de imagens e o que ela compreendeu que queriam dizer a partir de muitos anos de pesquisa não tendo a resposta para nenhuma dessas perguntas me limitei a trabalhar sem as respostas deixandoas para outro momento as peças em barro foram um dos primeiros lugares de expressão emocional de Adelina um dos primeiros encontros com a possibilidade de escoamento de si própria para outro lugar que não fosse dentro delamesma16 Dra Nise pensava essas esculturas como grandes mães pela semelhança com esculturas feitas no período da pré história as pequenas vênus como a de willendorf e a vênus de lespugue desse modo estava presente no pensamento da Dra Nise que todas as modelagens eram representações de mulheres pensamento que adotei para a minha pesquisa também Adelina fez todas as suas esculturas em barro mas posteriormente foram feitos moldes em gesso sendo essas as imagens que se tem acesso atualmente a passagem do barro para gesso não foi feito por Adelina na verdade nunca pude 16 a mesma mudança que fiz ao escrever elamesma 120 ver o aspecto de suas esculturas originais a passagem para o gesso pode ter sido uma escolha museal ou de conservação imagino eu não é de meu conhecimento se a Dra Nise dispunha de um forno para que as peças de Adelina pudessem ser queimadas quando a argila não passa pelo processo de queima começa a esfarelar com o tempo então por isso imagino que a escolha pelo gesso possa ter sido feita visando a conservação e permanência de seus trabalhos através do tempo além disso quando uma peça é feita pensando na queima existem algumas etapas que devem ser cumpridas visando diminuir o risco de que quebrem ao irem para o forno como bater a argila antes da modelagem depois cortar ao meio para verificar se não ficou com alguma bolha de ar se tiver ficado quando o barro esquentar a bolha iria dilatar e quebrar a peça por exemplo existem poucos trabalhos que se voltaram para estudar as esculturas de Adelina Gomes então a fonte de pesquisa principal que tive foi a própria Dra Nise e seu olhar para essas peças das quais também não pude encontrar muitos registros fotográficos utilizarei os do livro Imagens do Inconsciente que mostram algumas peças todas já em gesso nenhuma imagem sequer das originais em barro17 apesar de ter como base o trabalho da Dra Nise já deixo aqui com a ousadia que me cabe que trarei uma leitura um pouco diferente da dela de maneira geral o que Silveira informa sobre essas peças é processo de uma pesquisa que já vem em conjunto com os desenhos de Adelina a médica psiquiatra lê a expressão de Adelina a partir do mito grego de Dafne uma ninfa filha de dois deuses no mito apolo se apaixona por ela que sempre foge dele buscando refúgio em sua mãe a deusa Terra que sempre a transforma em uma árvore o loureiro o mito de Dafne exemplifica a condição da filha que se identifica tão estreitamente com a mãe a ponto dos próprios instintos não lograrem desenvolverse SILVEIRA 2022 p181 a Dra Nise se apoia nesse mito para ler Adelina porque um tempo antes de a artista ter o episódio de surto ela havia se apaixonado por um homem que a mãe não aprovou e por esse motivo Adelina não se casa depois do surto as imagens constantes que a artista produz são sempre flores plantas mulheres mulheres que se transformam em plantas e gatas 17 pude agendar uma visita técnica ao museu de imagens do inconsciente onde espero poder tirar minhas dúvidas no entanto essa parte da minha pesquisa não poderá ser inserida na monografia devido ao prazo de entrega 121 quando começou a modelar as esculturas Dra Nise as enxerga como matriarcas que provocavam medo em Adelina uma representação do arquétipo da mãe possessiva e imponente tempo depois de produzir tais imagens começa a conseguir criar desenhos de mulheres que não mais se transformam em plantas e de mulheres próximas a homens um deles depois se entende que era um dos pacientes da Dra Nise com quem Adelina Gomes partilhou afeição a partir da leitura da Dra Nise sobre essas esculturas como matriarcas é que desenvolvo alguns aspectos de reflexão diferentes dos dela classifiquei as esculturas que aparecem no livro em quatro categorias diferentes começando pelas primeiras peças que Adelina fez e indo até as últimas18 1 mães terríveis 2 mães com cetro tridente 3 mães com aspecto compassivo e amoroso 4 mães com o coração fora do peito de acordo com a Dra Nise conforme Adelina foi criando as peças foi capaz de aos poucos despotencializar as grandes mães de seu aspecto terrível de sua força rigor possessividade p 186 e no íntimo contato que é dar corpo a uma imagem com as próprias mãos a modeladora foi devagar descobrindo o outro lado das deusas mães seu aspecto compassivo e amoroso p 186 isso porque as últimas esculturas começaram a aparecer com o coração do lado de fora diferentemente do que eu tinha imaginado as modelagens possuem grandes dimensões não são pequenas como as vênus da pré história trago duas imagens retiradas do site rede humaniza sus para que se possa ter noção e além disso as dimensões das esculturas estão identificadas nas imagens ao longo do capítulo 18 deixo primeiras e útlimas entre aspas porque trabalharei apenas as esculturas que aparecem no livro totalizando 9 das 9 trabalharei 8 Adelina Gomes trabalhou com essas peças em 1948 1949 e 1950 de modo que essas não podem ser as únicas que ela fez por isso não posso afirmar que alguma delas é a primeira e que alguma foi a última assim pensarei primeiras e últimas a partir das 9 que estão no livro somente 122 figura 53 esculturas de Adelina Gomes década de 1950 fonte redehumanizasusnet67373adelinagomesmuseudeimagensdoinconscienteeng enhodedentro figura 54 esculturas de Adelina Gomes década de 1950 123 fonte redehumanizasusnet67373adelinagomesmuseudeimagensdoinconscienteeng enhodedentro a primeira escultura apresentada em um primeiro momento me fez pensar que trazia consigo as mãos para trás como quem as esconde sendo a única entre as analisadas com essa característica todas as outras trazem as mãos à frente ou não há a presença das mãos figura 55 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 41x63x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 124 figura 56 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 41x63x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 no entanto observandoa minha percepção mudou e fez mais sentido perceber a escultura em duas faces o corpo inteiro em uma direção e somente a cabeça virada no sentido contrário o corpo está para frente e somente a cabeça virada para trás o que me deu essa leitura foi justamente a comparação entre os braços os ombros e a cabeça da peça essa última posicionada completamente diferente do resto da peça as mãos parecem pousadas no próprio corpo da escultura como se fosse alguém sentado com as mãos sobre as pernas seus dedos muito longos e afiados 125 percebendo isso a escultura de Adelina acabou me remetendo à imagem do adinkra iorubá do sankofa que além de ser representado como um pássaro com a cabeça virada para trás também pode ser um coração o que de novo me remete à Adelina tanto pelo meu olhar sobre como a artista aborda assuntos do seu íntimo quanto por uma outra questão que desenvolvi mais à frente o adinkra sankofa pode ser explicado a partir do ditado exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje ou seja a importância do passado na construção do presente e do futuro em uma perspectiva de que o tempo é cíclico e não linear figura 57 representação do adinkra sankofa em suas duas formas fonte valkiriascombramarelooamanhaeancestral a perspectiva de tempo também me parece se conectar com Adelina uma vez que seus trabalhos também são feitos a partir de suas memórias na construção do presente que ela estava vivenciando no ateliê da Dra Nise da Silveira outro detalhe que amarro nessa reflexão é o de que a cabeça da escultura está virada para trás assim como no sankofa e que a cabeça é justamente o ôrí o que conecta uma pessoa ao seu orixá o que permite também que a pessoa se conecte com ela mesma enxergando o processo de criação de Adelina como parte fundamental da sua reestruturação e expressão delamesma mais uma vez olhar para a escultura a partir dessas chaves de leitura parece fazer ainda mais sentido a segunda escultura já representa a cabeça voltada para a frente do corpo as mãos ainda apoiadas mas agora não mais afiadas mas completamente arredondadas enxergo as duas como processo de abertura de caminhos para as esculturas seguintes 126 figura 58 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 a partir da terceira escultura começo a enxergálas não mais com a predominância da mãe terrível como foi a leitura da Dra Nise ao mesmo tempo que Adelina Gomes se protege na sombra da mãe começam a surgir elementos que me remetem à fuga como no conceito de Jota Mombaça que desenvolvi anteriormente esses elementos me parecem ser mais sobre a presença da própria Adelina nas esculturas do que somente o arquétipo da mãe terrível enxergo isso até na primeira escultura quando a cabeça da peça aparece virada para trás mas a partir de agora me soa mais aparente 127 figura 59 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 128 figura 60 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 nessa peça a Dra Nise destaca a presença de chifres e um cetro tripartido relacionando os chifres como símbolos de força poder e fertilidade já o cetro a médica relaciona com a deusa Hécate mas não consigo deixar de associar também a exu pois essa é também uma das maneiras pela qual é representado assim como Hécate é a deusa dos caminhos exu é orixá das encruzilhadas dos encontros da comunicação dos caminhos da vida e do viver a força dinâmica que possibilita a ação CARVALHO 2019 p10 essa imagem com esse cetro parece um trabalho de abertura de caminho para as esculturas que viriam à frente além de pensar as próprias esculturas em si como força de movimentação como caminhos portais abertos à mão através do corpo por Adelina depois dessas primeiras peças a artista começou a produzir mães que começam a ter as mãos no peito como se em um esforço de abrilo é comovente 129 para mim observar essas mãos indo ao peito para abrir esse espaço do corpo dessas mulheres através do barro porque parecem símbolo do que Adelina faz com elamesma para se expressar suas mãos indo ao barro para esculpir mãos em mulheres que abrem o peito também isso também é o que olho como não somente a representação da mãe terrível as mãos eu vejo como da própria Adelina figura 61 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 64x48x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 130 figura 62 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 48x30x29cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 em seguida aparecem as esculturas com o coração para o lado de fora o peito aberto esses corações que escapam do corpo das peças depois do peito ter sido aberto em um esforço das mãos dessas esculturas também vejo como Adelina mesmo que a artista se esconda na imagem da mãe as mãos ao peito o coração que sai do peito esses são elementos das esculturas que para mim mostram a Adelina aparecendo por trás da grande mãe vejo como a parte dela que escapa que foge que faz a fuga através das modelagens criando na própria modelagem portais de passagem essa abertura de peito é um caminho que Adelina Gomes cria ela abre caminhos vejo o coração como os instintos e os 131 afetos de Adelina em fuga que começam a escapar da mãe indo de encontro consigomesma figura 63 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 52x38x34cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 132 figura 64 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 47x30x29cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 133 figura 65 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 52x265x24cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 por que o peito e por que o coração saindo do peito Adelina poderia ter aberto as esculturas em qualquer lugar no entanto ela abre é o peito e do peito ela faz corações vazantes a Dra Nise diz que o coração é o órgão símbolo da vida afetiva p 196 o peito da mãe é um caminho que ela abre e modela por onde elamesma pode fazer a fuga e criar o mundo dela própria é uma rota de escape e uma rota de escape jamais poderia ser forjada por quem oprime quem cria esses caminhos é quem precisa são as pessoas postas como subordinadas diante dessa perspectiva a imagem das esculturas começa a parecer como uma imagem partida que expõe mais de uma perspectiva ali está presente a mãe mas também a adição de detalhes íntimos que caracterizam a própria Adelina as esculturas se tornam imagens múltiplas assim como exu é portal de caminhos as esculturas possuem mais de uma chave de leitura 134 apesar do trabalho belíssimo feito pela Dra Nise da Silveira com a leitura das imagens não consigo deixar de ver a cabeça as mãos ao peito o coração o cetro e os chifres das esculturas também como um espaço pelo qual Adelina Gomes permitiu seus instintos escaparem afinal mesmo com a presença do trauma da mãe o processo de cura é da Adelina essas imagens também são elamesma A Dra Nise vê as grandes mães somente como a representação da mãe e do arquétipo de mãe suas duas faces eu vejo também Adelina vejo também a agência dela sobre ela própria até trabalhar seus traumas ao ponto de conseguir criar pinturas que representassem uma imagem de uma noiva junto com um noivo e de também conseguir criar desenhos com imagens de Maria com o sagrado coração a presença forte e marcante da mãe arquetípica que é a representação do amor19 figuras 66 e 67 sem título Adelina Gomes à esquerda 09061975 485x335cm óleo sobre papel à direita 24051978 552x364cm óleo sobre cartolina pintura fonte Imagens do Inconsciente 2022 do corpo em barro Adelina Gomes abre o peito com o gesto com suas mãos com seu corpo com seus afetos e memórias ela volta para elamesma fugindo da brutalidade fazendo a fuga para um mundo em que ela retorna para si de encontro ao seu erótico onde há beleza mesclando inconsciente e consciente 19 trouxe essas imagens para a monografia somente para que o trabalho faça mais sentido uma vez que as pinturas não foram meu enfoque de pesquisa 135 136 capítulo 4 Stella do Patrocínio 0508 0538 CD 01 áudio 02 Carla que que cê vê Stella eu vejo o mundo a família silêncio curto mundo e a família silêncio curto a família que vive no mundo e vive na casa que tá sempre no mundo que tá sempre na casa silêncio médio e a dra elizabeth disse assim pra mim e você queria ver mais do que isso pra que silêncio médio e você queria ver mais do que isso pra que Carla você queria Stella ver mais do que isso queria 2843 2852 CD 01 áudio 02 Carla Stella você sonha Stella sonho quando tô dormindo silêncio médio acordada não sonho não tô na realidade diálogo entre Stella do Patrocínio e Carla Guagliardi comecei o primeiro capítulo me perguntando depois de tudo que li e escutei sobre essas três artistas por que a invalidação de seus discursos era legitimada a partir do adoecimento mental do sofrimento que vivenciaram por que estivemos assegurados em colocar suas falas em questionamento sem que isso gerasse incômodo por que nenhuma das vezes o questionamento se voltou para nós supostamente mentalmente saudáveis me perguntei se não éramos nós os responsáveis por tantas dúvidas sobre suas vidas embasados por um discurso psicopatoligizante que legitima a dúvida e as encarcerou no local do delírio a esquizofrenia não consiste em uma desconexão com o real o tempo inteiro então quando escutei Stella do Patrocínio dizendo acordada não sonho não tô na realidade não pude deixar de ver a possibilidade de um movimento cíclico na escrita começar o primeiro e o último capítulo com o mesmo questionamento e dessa vez ecoado pela voz de Stella a quem dedico minha escrita agora 137 figura 68 fragmento de página do caderno de desenhos de Stella do Patrocínio entregue por Mônica Ribeiro de Souza em 20 de janeiro de 1990 fonte acervo de Mônica Ribeiro de Souza apud Anna Carolina Vicentini Zacharias o fragmento acima está apresentado por inteiro no decorrer do capítulo e mostra o nome de Stella do Patrocínio escrito por ela própria escolher começar com essa imagem é uma escolha pensada uma postura manifesto a agência de Stella sobre si mesma contida no ato de alguém que afirma seu próprio nome mas principalmente uma mulher negra que faz isso encarcerada contra a vontade Stella do Patrocínio é seu nome sua identidade sua voz 41 biografia possível Stella do Patrocínio foi uma mulher negra nascida em 9 de janeiro de 1941 na cidade do rio de janeiro filha de Zilda Francisca do Patrocínio e manoel do patrocínio seus pais tiveram seis filhos na ordem de nascimento germiniano do patrocínio 12 de maio de 1934 Olívia do Patrocínio da Conceição 21 de junho de 1935 antônio do patrocínio 10 de janeiro de 1938 carlos chagas do patrocínio 21 de novembro de 1938 Stella do Patrocínio e Ruth do Patrocínio 25 de junho de 1942 apesar dessa apresentação inicial espelho a escrita de Anna Carolina Vicentini Zacharias em sua dissertação chamada Stella do Patrocínio da internação involuntária à poesia brasileira e a fala de Diane Lima na palestra Lançamento do Programa Stella do Patrocínio a história que fala no canal do youtube do museu bispo do rosário ao afirmarem que esses dados apesar de serem importantes não respondem quem foi Stella isso é o que a história de sua psiquiatrização deixou dela essa afirmativa vale também para os dados apresentados sobre as vidas de Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes nos capítulos anteriores o meu papel ao escrever com essas mulheres não é o de dar conta de quem são acredito que somente elas poderiam fazer isso mas estando no lugar de historiadora da arte sinto que o que posso fazer é ressoar o que elas falaram expressaram e junto disso trazer as questões que observei em suas falas nada pode dar conta do vazio gigante que se faz a partir do silenciamento dessas e de várias outras mulheres no entanto esses dados carregam uma importância que diz respeito à humanização essa que foi tomada à força de Aurora Adelina e Stella a partir do momento que foram institucionalizadas e pelo que sabemos de suas histórias 138 desde antes disso também a falta de informações sobre suas famílias sobre suas vidas a violência do espaço manicomial dos tratamentos das fichas as fotografias 3x4 o uniforme essas mulheres foram pessoas os dados as humanizam Stella afirma em um dos áudios que estudou o ginasial e fez curso normal antes de ser institucionalizada pela internação psiquiátrica com 21 anos trabalhava como doméstica e um de seus sobrinhos relatou para Anna Carolina Vicentini que tem lembrança da tia sempre carregando cadernos e escrevendo que Stella efetivamente buscou trabalhar com outros empregos para deixar de atuar como doméstica mas não conseguia de acordo com ele Stella do Patrocínio era uma mulher bastante inteligente e dedicada a autora escrevia assiduamente em um caderno mas ele não se recorda se suas anotações eram estudos processos criativos ou se eram cartas de todo modo segundo ele a tia escrevia com bastante frequência e muito bem ele ainda se lembra que a tia tentava através dos estudos ocupar outras funções empregatícias além daquela que exercia como doméstica o que nunca chegou a acontecer as portas estavam fechadas para Stella do Patrocínio quando ela tentava outra fonte de renda segundo ele essa dificuldade de mesmo estudando conseguir se desvencilhar dos serviços domésticos em casa de família pode ter sido um fator desencadeador do que ele denominou surto racismo né perguntei a ele olhando meio de esguio ele acenou com a cabeça que sim em resposta ZACHARIAS 2020 p 180 depois da internação em 1962 não voltou a sair do cárcere manicomial tendo falecido em 1992 aos 51 anos na colônia juliano moreira de modo que passou 30 anos de sua vida internada no manicômio o diagnóstico que consta na ficha médica é o de esquizofrenia hebefrênica evoluindo sob reações psicóticas e a primeira internação foi no hospício pedro ii no entanto passou a maior parte do tempo que esteve institucionalizada na colônia juliano moreira durante 26 anos o episódio da primeira internação no hospício pedro ii foi narrado por Stella a transcrição abaixo foi feita por Mônica Ribeiro de Souza que atuou como estagiária de psicologia na colônia juliano moreira apesar de ser grande me pareceu importante que o relato da própria Stella estivesse aqui não somente o compilado de dados sobre a internação como a data e o diagnóstico da ficha 139 principalmente se tratando de uma internação compulsória como foi tendo sido roubada a opção de Stella tomar decisões sobre seu corpo e como você veio pra colônia p eu tava andando na rua voluntários da pátria ao lado do luiz com um óculos vestido azul sapato preto com uma bolsa branca com um dinheirinho dentro porque eu ia pegar o ônibus e ia saltar na central do brasil na central do brasil eu ia tomar uma refeição ia tomar um ônibus na central do brasil que ia pra copacabana ia chegar a copacabana e aí eu peguei o que você me perguntou mesmo hein e perguntei por que você veio pra colônia p ah é aí eu peguei o carro ainda na rua voluntários da pátria com o luiz ao lado do luiz o luiz foi ao bar eu estava ao lado do luiz caminhando ao lado do luiz na rua voluntários da pátria caminhando na rua voluntários da pátria ao lado do luiz o luiz entrou no bar sentou na cadeira tocou na mesa falou com o dono do bar pra aprontar pra ele uma cocacola e um pão de sal com salsicha ele tomou a refeição sozinho não pagou pra mim nem eu pedi nem eu disse nada nem tomei dele nem eu pedi a ele pra pagar pra mim aí ele tomou quando ele acabou que nós saímos eu perdi o óculos perdi o óculos perdi o óculos que tava comigo um óculos escuro parecia que ele tinha me dado um bofetão na cara pra mim perder o óculos o óculos pulou no chão eu caí o óculos pulou no chão na rua voluntários da pátria eu caí por cima do óculos e o óculos e eu ficamos no chão aí veio aí veio uma velhinha na porta do apartamento dela me levantou disse que não tinha sido nada pra mim parar de ficar chorando aí veio uma dona me botou pra dentro do posto do pronto socorro perto da praia de botafogo e lá eu dentro do pronto socorro ela me aplicou uma injeção me deu um remédio me fez um eletrochoque me mandou tomar um banho de chuveiro mandou procurar mesa cadeira cadeira mesa me deu uma bandeja com arroz chuchu carne feijão e aí chamou uma ambulância uma ambulância assistência e disse carreguem ela mas não disse pra onde carreguem ela ela achou que tinha o direito de me governar na hora né me viu sozinha e luiz não tava mais na hora que o óculos caiu eu não sei pra onde ele foi porque eu fiquei de repente mais mas aqui depois que eu estou aqui ele já veio aqui já veio aqui já foi embora tornou a vir tornou a ir embora o luiz o luiz é meu amigo aí me trouxeram pra cá mandou carreguem ela deu ordem carreguem ela na ambulância carreguem ela carregaram me trouxeram pra cá como indigente sem família vim pra cá estou aqui como indigente sem ter família nenhuma morando no hospital estou aqui como indigente sem ter ninguém por mim sem ter família e morando no hospital e o luiz foi pra onde p eu não sei pra onde ele foi porque de repente eu fiquei sozinha ele sumiu de repente desapareceu e não apareceu mais mas aqui depois que eu estou aqui ele já veio aqui já foi embora tornou a vier tornou a ir embora o luiz e o que o luiz é seu p o luiz é meu amigo 140 eu vim pra Colônia porque eu fui governada né RIBEIRO apud ZACHARIAS 2020 p 335336 através da pesquisa de Carolina Zacharias por meio da qual consultei a maior parte das informações biográficas acerca de Stella a pesquisadora descobriu que Stella estava internada na colônia juliano moreira no mesmo período que a mãe Zilda Francisca do Patrocínio o sobrinho de Stella com quem Anna Carolina conversou tinha uma fotografia das duas juntas na colônia que reproduzo abaixo figura 68 Stella do Patrocínio e Zilda Francisca do Patrocínio na colônia juliano moreira sd fonte acervo pessoal do sobrinho de Stella apud Zacharias 141 diferente dos capítulos anteriores estou me estendendo mais na escrita sobre a biografia de Stella mas isso se deu exclusivamente porque devido à pesquisa recente de Anna Carolina pude encontrar mais informações biográficas sobre ela do que pude fazer com Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes caso seja do interesse recomendo profundamente a leitura da tese de Carolina lá será possível encontrar ainda mais informações além das que dispus aqui como também refletir sobre as questões propostas pela pesquisa da autora fiz questão de adicionar mais dados neste item do capítulo uma vez que era possível a chegada de Do Patrocínio na colônia data de 1966 tendo sido alocada no núcleo teixeira brandão destinado às mulheres internas alguns anos depois duas psicólogas chamadas Denise Correia e Marlene Sá Freire começam a ter interesse em inserir atividades artísticas no núcleo e para isso convidam a artista plástica e professora do parque lage Nelly Gutmacher para que planejasse e orientasse as atividades no núcleo para isso Gutmacher convidou dois dos seus alunos Carla Guagliardi e marcio rolo às psicólogas competiam a coordenação administrativa e a monitoria dos encontros para que o galpão pudesse ser ativado as idealizadoras do projeto as psicólogas Denise Correa e Marlene Sá Freire precisaram reformálo e o fizeram junto da equipe de artistas contratados para a sua realização para que o projeto pudesse funcionar Denise e Marlene visitaram a escola do parque lage em especial uma oficina de materiais e viram que Nelly Gutmacher trabalhava com os materiais mais diversos assim elas escreveram um projeto e o submeteram para a análise da direção da cjm que o aprovou o projeto de livre criação artística começou no dia 05 de setembro de 1986 marcado para terminar depois de exatos seis meses ele foi prorrogado por mais três as atividades eram realizadas todas as sextasfeiras das 8h às 12h e delas participaram mais de 50 mulheres20 ZACHARIAS 2020 p 98 grifo meu apesar de o projeto de livre criação artística unir arte e psiquiatria como ocorreu com a iniciativa da Dra Nise da Silveira no setor de terapêutica ocupacional as atividades no núcleo teixeira brandão não tiveram o objetivo de promover o uso da arte como terapia o objetivo principal do projeto era promover 20 até então pude reunir cerca de 11 nomes de mulheres incluindo Stella do Patrocínio que participaram do projeto na colônia juliano moreira no entanto o relato é o de mais de 50 mulheres terem participado grifei essa parte da citação para dar ênfase ao fato de que existem muito mais mulheres artistas para ainda serem reencontradas do que as que pude reunir os nomes nessa monografia 142 momentos de distração às mulheres do núcleo teixeira brandão ou deixar que se o a priori artístico e conceitual existisse as frequentadoras o dissessem ZACHARIAS 2020 pp 107108 o material que utilizei neste capítulo para refletir a expressão de Stella do Patrocínio foram áudios gravados pela artista plástica Carla Guagliardi durante o acontecimento do projeto de livre criação artística esse não é o único material criado por Stella do Patrocínio uma vez que a partir do trabalho de Mônica Ribeiro junto com Stella há também a produção de um caderno de onde retirei o fragmento que Do Patrocínio escreve seu próprio nome disponho a imagem inteira abaixo figura 69 sem título Stella do Patrocínio página do caderno de desenhos de Stella entregue por Ribeiro de Souza em 20 de jan de 1990 Fonte acervo de Mônica Ribeiro de Souza apud Zacharias não tratarei das imagens do caderno porque em um primeiro momento que abordo Stella do Patrocínio na minha escrita pareceu mais importante entrar em 143 contato com o que foi dito por ela seu falatório os cadernos viriam depois mas devido à disponibilidade de espaço que a monografia oferece não se mostrou viável nesse momento escrever sobre ambos o falatório e o caderno os áudios consistem em conversas entre Carla Guagliardi na época estagiária de arte e Stella do Patrocínio relato essas informações para começar a dar às leitoras e leitores o contexto de existência desse material Stella do Patrocínio foi alocada no lugar artístico de poeta no entanto em uma das conversas com Carla Guagliardi ela afirma que o que fala são histórias que conta anedotas e chama seu ato de falar de falatório a citação abaixo as falas em itálico são as de Stella fala uma poesia pra gente também não não tenho mais lembrança de poesia mais nenhuma faz uma poesia pra mim eu não tenho mais lembrança de poesia mas tudo o que você fala é poesia Stella é só história que eu tô contando anedota conversa entre Stella do Patrocínio e Carla Guagliardi gravada pela artista plástica durante o projeto oficina de livre criação artística colônia juliano moreira rio de janeiro 19861988 acervo da artista dessa maneira pontuo que não escuto Stella e penso seu falatório como poesia neste trabalho sigo sua fala e estarei tratando do falatório como contação de histórias contação de anedotas como falatório mesmo como oralidade desenvolvi melhor essa questão no item 43 malezinho prazeres o falatório aproveito para deixar comentado aqui que em todas as transcrições de falas da Stella irei colocar suas falas em itálico e deixarei as de suas interlocutoras sem itálico como foi feito na citação acima acho importante destacar que o trecho acima possui um erro na transcrição em uma das falas de Stella uma vez que escutando os áudios percebi que ela em vez de afirmar que é só história que eu tô contando anedota na verdade ela apenas respondeu que é história que eu tô contando anedota Stella não diz só história esse é um detalhe que pode soar sem importância no entanto não penso dessa maneira como não foi o que de fato ela disse optei por trazer isso para a escrita e também porque em uma primeira leitura com a transcrição só história comecei a desenvolver uma reflexão sobre como por vezes colocase a poesia em uma instância superior da mesma forma que historicamente é feito com a relação 144 dos conceitos arte e artesanato nessa relação conceitual a arte ganha espaço do que se é produzido por pessoas brancas ou o que passa a ser legitimado no circuito artístico que também opera em lógica branca colonial já o conceito de artesanato frequentemente abrange trabalhadores populares populações indígenas tidas como à margem percebi erro em minha reflexão quando escutei Stella e em verdade ela afirma somente que é história que eu to contando ela conta histórias ponto final descartei minha primeira reflexão 42 metodologia para Stella sua voz a oralidade o exercício que tenho feito para poder me aproximar de Aurora Adelina e de Stella e então desenvolver pensamentos e emoções para conversarmos a partir de e com elas é um exercício que se divide em talvez duas frentes ciente das distâncias simbólicas e de experiências de vida que eu tenho em relação a essas três mulheres no primeiro momento busquei absorver uma carga de leitura crítica que falasse sobre cárcere luta antimanicomial machismos feminismo interseccional racismo sobre a experiência do cárcere manicomial tanto por pessoas que vivenciaram esse espaço como as próprias artistas no lugar de encarceramento como também fazendo a leitura de relatos de profissionais da enfermagem de médicos assumindo sempre uma postura de reflexão cuidadosa a segunda frente por outro lado foi que para poder realizar a escrita desse texto precisei colocar meu corpo à disposição de uma escuta ativa para o que essas mulheres comunicaram através da expressão no texto chamado escuta de andré mesquita presente no livro vocabulário político para processos estéticos o autor aponta que escutar requer um momento crítico de abertura de não ação como aprendizado em outro momento da escrita fala sobre a figura do ritmanalista como alguém que não se enxerga como superior estando atento a ouvir os diferentes ritmos produzidos pelas pessoas pelos silêncios o corpo que dança o corpo que se movimenta pela rua o corpo que luta o corpo que colide com outro corpo todos esses corpos criam ritmos são focos de experiência e de sons a escuta e a execução de diferentes partituras mesquita apud vocabulários políticos 2014 p 135 145 apesar das metáforas muito ligadas ao universo musical essa foi a entrega que busquei fazer no meu momento de não ação de escuta entendendo isso pontuo agora uma diferença específica na criação artística entre Aurora e Adelina em relação à Stella para depois começar a tratar de sua oralidade chamada por ela mesma de falatório meu exercício de escuta se deteve nas obras de Aurora nas de Adelina e no caso de Stella o material com o qual busquei estabelecer proximidade foram os áudios sendo esse o material que registra seu falatório dessa maneira acentuo que diferente da expressão de Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes o falatório registrado de Stella do Patrocínio não foi uma forma de expressão espontâneaindividual como são as pinturas e modelagens de Aurora e Adelina respectivamente como bem aponta Anna Carolina Vicentini Zacharias em sua tese os áudios são um diálogo com Aurora tratei de suas pinturas e com Adelina de suas modelagens que não deixam de ser uma forma de comunicação mas não são um diálogo são formas de expressão numa dinâmica que envolvem somente elas próprias suas criações não foram feitas em conjunto com mais alguém21 além disso a característica de diálogo estabelecido nos áudios de Carla Guagliardi com Stella do Patrocínio se dá entre duas mulheres em posições extremamente díspares naquele contexto que trocavam afeto e conversavam em um mesmo espaço e como dissemos no tópico anterior dividir o mesmo espaço geográfico não é o mesmo que ocupar o mesmo lugar simbólico não eram duas mulheres conversando em pé de igualdade isto seria impossível visto que poderes maiores as separavam então as vivências de Guagliardi e Do Patrocínio embora fossem compartilhadas nos momentos de conversa poderiam ser entendidas de diferentes maneiras por uma e pela outra ZACHARIAS 2020 p 103 esse apontamento é importante para que entendamos as camadas de dinâmica no relacionamento entre as duas uma vez que estando fora da relação como ouvinte externa essas nuances são importantes para o exercício de escuta e reflexão certamente a conversa entre duas pessoas que ocupam o mesmo território simbólico e físico por exemplo uma conversa entre duas internas da colônia juliano 21 entendo que o momento da criação de uma pintura ou de uma modelagem diversas são as interferências e afetações de outras pessoas mas reforço a perspectiva da autoria 146 moreira poderia vir a ter outras nuances outros assuntos e direcionamentos que não existiriam na conversa entre uma mulher encarcerada e uma com seu direito de ir e vir garantido outra camada de análise sobre esse material antes de abordálo especificamente é a maneira como o diálogo entre as duas ocorre Carolina Zacharias destaca que as conversas ora se assemelham a entrevistas jornalísticas ora parecem ser produções a duas vozes conversando e se completando ZACHARIAS 2020 p 103 tive a possibilidade de entrar em contato com Carla Guagliardi e escutar as gravações repetidamente de modo que entro em concordância com o que a autora escreve em sua tese é importante que esses fatores de análise sejam destacados porque quando escrevo sobre Aurora Cursino e Adelina Gomes não existe essa diferença nas fontes que fiz consulta ambas trabalharam em uma esfera subjetiva de expressão que não envolveu diretamente outras pessoas foi o desenvolvimento de um trabalho pessoal e íntimo sem interferências diretas quando digo diretas é porque a possibilidade de expressão para ambas se deu devido a um trabalho anterior e contínuo realizado no caso de Adelina pela Dra Nise da Silveira e a equipe de terapêutica ocupacional e no caso de Aurora pelo dr osório cesar e a equipe da escola livre de artes plásticas pensando essas formas de intervenção como indiretas no sentido de que não pintaram junto com Aurora Cursino ou modelaram junto com Adelina Gomes não existe nenhum registro do falatório de Stella do Patrocínio que traga consigo essa carga de espontaneidade de ter sido feito de forma individual e de um trabalho sem interferências no entanto o que diz respeito à questão das interferências me parece incomum que existam fontes orais constituídas por somente uma pessoa ao passo que me parece mais comum que uma fonte visualplásticamatérica seja feita por uma única pessoa escrever dessa maneira pode gerar a sensação de que deixo em evidência a interferência nas gravações de Stella do Patrocínio como algo que atrapalharia o falatório no entanto não é de forma alguma o que procuro dividir com vocês é importante entender que a interferência ou seja as falas de Carla existem porque as falas de Stella não foram ditas a partir somente de um processo subjetivo apenas dela mas não é um fator negativo a oralidade é possível sem interferências 147 a dinâmica da fala frequentemente ocorre em conjunto com a dinâmica da escuta e da troca o que constitui o diálogo na palestra performance de Grada Kilomba Descolonizando o conhecimento a relação entre fala e escuta fica explícita durante o momento em que realiza um experimento com a platéia ela pede para que as pessoas comecem a conversar entre si e enquanto isso ela começa a falar sua voz se torna inaudível ela não atinge não transmite as outras vozes abafam sua fala que fica silenciada no documentário cuidado como método a artista Carla Guagliardi é entrevistada e fala sobre Stella do Patrocínio afirmando que na época em que o projeto ocorria no núcleo teixeira brandão a Stella se recusava ou não sentia nenhuma atração especial em trabalhar com nenhuma atividade plástica mas ela aparecia com frequência para conversar essa fala é fundamental porque demonstra que o desejo de diálogo alimentava em alguma dimensão e em alguma proporção o falatório e viceversa esse movimento de aparecer com frequência para conversar denota um desejo de Stella que independente de qual seja coloca o diálogo a interferência em um lugar de suprir e preencher seus desejos o falatório não era uma criação unicamente individual mas algo que partiu do desejo de troca no livro Afrografias da Memória de Leda Maria Martins a autora discorre sobre essa questão dinâmica que a oralidade demanda cada palavra proferida é única a expressão oral renasce constantemente é produto de uma interação em dois níveis o nível individual e o nível social porque a palavra é proferida para ser ouvida ela emana de uma pessoa para atingir uma ou muitas coisas SANTOS apud MARTINS 1997 p 147 43 malezinho prazeres o falatório ao afirmar que não escuto nem penso o falatório de Stella do Patrocínio como poesia aponto em uma direção diferente da que foi dada ao seu falatório após sua morte se você pesquisar por Stella do Patrocínio na internet é possível encontrar facilmente descrições que a caracterizam como poeta esse título somente foi dado a Stella após sua morte principalmente devido ao trabalho feito por Viviane Mosé no livro Reino dos Bichos e dos animais é meu nome em que a autora transcreveu as falas de Stella em formato versificado como poesia Viviane também optou por retirar as falas de Carla Guagliardi o que gera a falsa impressão 148 da fala espontânea e individual à leitoraleitor que entra em contato com a obra sem saber muito mais sobre Stella do Patrocínio por fim o livro foi finalista do prêmio jabuti em 2002 o que mais uma vez legitimou Stella no lugar de poeta o livro viabilizou grande destaque e reconhecimento para Stella do Patrocínio que até então não havia tido visibilidade foi através desse livro que ouvi falar de Stella pela primeira vez e outras pesquisadoras como a própria Anna Carolina Vicentini relatam o mesmo de modo que penso que o trabalho de Viviane teve e ainda tem sua importância uma vez que outres pesquisadores de Stella ainda por nascerem também podem ter sua primeira via de contato através da obra de Viviane no entanto não foi como Stella se posicionou sobre o assunto de fato ela nega falar poesia e afirmou que seu fazer era contar histórias anedotas o falatório a criação artística de Stella era prática de enunciação de forma que seu trabalho era com as palavras seguirei nesse caminho pensando Stella como contadora de histórias e anedotas como quem cria falatório nesse sentido penso o falatório de Stella do Patrocínio como um lugar de possibilidade de agência sobre si mesma e sobre sua história é um momento em que não falam por ela pelo contrário Carla oferece o diálogo e a escuta importante não esquecer no entanto que Stella permaneceu encarcerada mesmo durante esses momentos em que teve alguma agência sobre si tomo emprestada a orelha do livro de Leda Maria Martins em Afrografias da Memória novamente escrita pela pesquisadora e escritora Lúcia Castello Branco que discorre rapidamente sobre como a oralidade é aquilo que é da ordem do corpo das pulsações e da voz ainda nesse livro a autora discorre sobre a enunciação da fala na congada no item A Palavra Proferida que utilizo para estabelecer relação com o falatório de Stella do Patrocínio a congada é uma manifestação artístico cultural de raiz africana que celebra a devoção à Nossa Senhora do Rosário a congada envolve consigo a memória rituais de linguagem encenação dança cantares rituais gestos música com uma importância em torno da performance oral durante a escrita Leda Maria Martins cita MariaJosé Hourantier ao falar de uma estética teatral negroafricana afirmando que na África tudo começa a termina pela palavra e tudo dela procede HOURANTIER apud MARTINS 1997 pp 148 a escrita de Leda sobre a oralidade na congada muito me remeteu ao falatório de 149 Stella do Patrocínio com sua criação partindo das palavras mas principalmente da oralidade de seu falatório Leda afirma que a palavra dita é sopro hálito dicção acontecimento e performance índice de sabedoria MARTINS 1997 p 146 destacando também que a palavra combinada aos outros elementos que configuram a congada como a performance é carregada de poder sendo um poder de ação que movimenta e guia durante seus momentos de realização se a palavra adquire tal poder de ação é porque ela está impregnada de àse pronunciada com o hálito veículo existencial com a saliva a temperatura é a palavra soprada vivida acompanhada das modulações da carga emocional da história pessoal e do poder daquele que a profere SANTOS apud MARTINS 1997 p146 no falatório de Stella do Patrocínio enxergo todas essas características abordadas por Juliana Elbein dos Santos a pronúncia com hálito com saliva com temperatura o som de palavras vividas uma vez que Stella estava falando sobre suas experiências de vida impressões do mundo suas observações sua história suas questões emocionais em suas palavras nesses dois seguintes diálogos ela mesma aponta como está atenta ao mundo observando sentindo absorvendo conectada mesmo contra sua vontade se tratando de um cárcere com o que acontece ao seu redor no seu cotidiano e também com seus desejos de mundo o diálogo seguinte foi entre Stella do Patrocínio e a interlocutora que não reconheço a voz como de Carla o que que ce tá botando pra dentro agora o chocolate que eu botei pra dentro você que tô botando pra dentro a família toda que tô botando pra dentro o mundo que eu to botando pra dentro de tanto olhar de tanto olhar hmm isso mesmo enxergar olhar ver espiar silêncio curto sentir e notar to botando tudo pra dentro porque boto pra dentro eu tô botando eu botei pra fora através dos olhos né é sabe que os olhos são as janelas do espírito da alma são mesmo as janelas da alma é mesmo eu não sabia não sabia 150 tô aprendendo agora e queria ver mais diálogo entre Carla e Stella que que ce vê eu vejo o mundo a família silêncio curto mundo e a família silêncio curto a família que vive no mundo e vive na casa que tá sempre no mundo que tá sempre na casa silêncio médio e a dra elizabeth disse assim pra mim e você queria ver mais do que isso pra que silêncio médio e você queria ver mais do que isso pra que você queria ver mais do que isso queria foi com essa fala que comecei o capítulo de Stella com um desejo ela queria ver mais mais talvez na escrita não esteja evidente o peso que essa fala carrega pois leia em voz alta para você mesma que Stella do Patrocínio queria mais e dê uma pausa para sentir o que isso significa e representa o desejo interrompido de Stella não é algo pontual isolado é um problema estrutural do sistema carcerário manicomial é um problema estruturalmente racista patriarcal capitalista quantas pessoas queriam e querem mais até hoje e são interrompidas impedidas nas diversas esferas de viver em sociedade demorar três horas para chegar ao trabalho é um impedimento a perspectiva da passagem de trem aumentar para sete reais é um impedimento depender de três conduções no transporte público para chegar a algum destino é um impedimento a revista policial nos ônibus da cidade são impedimentos eu estou dando exemplos da locomoção na cidade porque foi nesse espaço que Stella do Patrocínio foi interrompida e encarcerada no hospício ela estava andando na rua ela estava indo para algum lugar e nunca chegou ela e sua mãe faleceram e foram enterradas como indigentes elas eram donas de uma identidade os desejos interrompidos de Stella do Patrocínio são responsabilidade do estado que foi e todos os dias é incapaz de garantir direitos seu corpo foi impedido preso fiscalizado e a todo momento ela observava e denunciava o fato eles quem os fiscais os vigia mas onde eles estão tão no mundo e na casa me vigiando e me fiscalizando 151 depois em outro áudio eu sou seguida acompanhada imitada assemelhada tomada conta fiscalizada examinada revistada silêncio curto tem as que são igualzinho a mim tem as que se veste se calça igual a mim as que são diferente22 da diferença entre nós silêncio médio é tudo bom e nada presta em diversos momentos durante a escuta percebi falas muito doloridas vindo de Stella sobre ela mesma o cotidiano o espaço manicomial hospitalar foram esses um dos assuntos mais repetidos por ela talvez a mais dolorida de todas foi em um momento que a interlocutora pergunta o que ela acha do amor que que cê acha do amor eu não gosto de amar por que porque sou indigente indiferente não não é verdade indiferente cê não é isso não é verdade você é muito afetiva muito afetuosa muito carinhosa muito especial você não é indiferente é muito bonita tem uma luz linda cê sabe disso silêncio médio não sabe a solidão e o abandono são característicos dos espaços de cárcere esse especificamente manicomial historicamente utilizados como forma de realizar uma limpeza social nas cidades afastados dos centros isolados portanto também espaços que falham em assegurar saúde emocional colaborando para que os pacientes presidiários e presidiárias carreguem o sentimento relatado por Stella de ser indigente indiferente dessa forma não consigo deixar de pensar nos manicômios também como atualizações coloniais instituições de controle de corpos que não querem ser vistos pela sociedade racista patriarcal de uma dessas falas doídas de Stella do Patrocínio surge a música da Linn da Quebrada chamada medrosa ode à Stella do Patrocínio em que a artista musicaliza o falatório de Stella como diz o nome da música de fato uma ode que consiste em poema destinado ao canto com a voz a oralidade o canto de Linn da Quebrada sinto que Stella é acolhida em sua tristeza como se de alguma forma no momento em que Stella começa esse pedaço de seu falatório Linn a encontrasse e 22 escutando Stella do Patrocínio nesse momento do áudio tive dúvida se ela disse diferente ou indiferente 152 falasse junto com ela como se seu canto fosse abraço mãos dadas descanso achei semelhante até o ritmo que foi dada à música de Linn ao ritmo do falatório de Stella no trecho utilizado na música o que acredito não ser obra do acaso a meu ver todas essas questões estão atravessadas no falatório de Stella do Patrocínio Leda Maria Martins se refere à oralidade também como forma de sabedoria quando se pensa em contação de histórias frequentemente o fazer é associado também à transmissão de conhecimento aos que escutam e fazem parte da dinâmica da contação Stella do Patrocínio reúne oralidade e conhecimento sabedoria em seu falatório como mencionado anteriormente depois de ouvir os áudios comecei a identificar alguns assuntos se repetindo como a questão de ser doente mental ou sobre a dinâmica do espaço manicomial em que estava inserida seu encarceramento seu desejo por mais por terem sido esses um dos assuntos mais repetidos optei por abordálos neste capítulo não há como saber se Stella do Patrocínio considerava seu falatório como forma de transmitir conhecimento mas ao compartilhálo com Carla Guagliardi com a outra interlocutora conversando com ela que talvez seja Nelly Gutmacher e por fim com as pessoas dentro do gravador23 que entendo como eu e quem mais a escute pelos áudios Stella dividiu também conhecimento sobre a vivência no espaço manicomial sobre racismo e machismo sobre a própria oralidade o que me faz pensar em sua oralidade também como denúncia e novamente um espaço para ter agência sobre si mesma e sobre sua história tão atravessada por controles impostos durante as gravações alguns diálogos não me parecem ter sido feitos por Carla Guagliardi porque identifiquei uma diferença de voz no entanto Anna Carolina Vicentini Zacharias ao topar com a mesma questão afirma que 23 que que ce perguntou pra mim aquela hora eu perguntei se tem gente aí dentro cê acha que tem porque transmite voz é sinal que tem fica ouvindo a gente fica falando a mesma coisa e essa voz é a voz de nós mesmos é a voz da gente transmitindo pra eles e eles imitando a gente eles quem são os moradores que moram aí dentro pra gravar a voz na hora de gravar nunca tinha pensado nisso será que eles são pequenos são pequenos do tamanho do rádio de pilha não dá pra nós enxergar 153 entrevistei tanto Carla Guagliardi quanto Nelly Gutmacher as entrevistadas contudo divergem em relação às gravações Guagliardi afirma que às vezes Nelly era a interlocutora de Stella mas Gutmacher nega as suas participações em conversas com Do Patrocínio afirmando que essa tinha sido uma ideia de Carla e executada somente por ela ZACHARIAS 2020 p 102 dessa forma não sendo possível para mim nesse momento pesquisar mais a fundo deixo a questão em aberta e aponto que conforme abordo o falatório estou dizendo se o diálogo ocorre com Carla Guagliardi ou com essa voz que identifiquei como diferente da dela uma vez que além de identificar diferença em determinado momento dos áudios CD 02 áudio 01 há uma conversa que comprova minha suspeita a conversa se deu entre Stella e a pessoa que não reconheço elas conversam sobre quem estaria no teixeira brandão na semana seguinte e a pessoa afirma que ela Carla marcio rolo e algumas outras pessoas continuariam visitando o teixeira brandão de modo que ela mesma que falava não era a Carla mencionei como Stella do Patrocínio realizou denúncias do manicômio e da lógica manicomial no falatório de forma repetitiva em diferentes áudios no próprio relato de Stella sobre o momento em que é sequestrada e levada para o hospício há crítica ali sobre o controle de seu corpo aí veio uma dona me botou pra dentro do posto do pronto socorro perto da praia de botafogo e lá eu dentro do pronto socorro ela me aplicou uma injeção me deu um remédio me fez um eletrochoque me mandou tomar um banho de chuveiro mandou procurar mesa cadeira cadeira mesa me deu uma bandeja com arroz chuchu carne feijão e aí chamou uma ambulância uma ambulância assistência e disse carreguem ela mas não disse pra onde carreguem ela ela achou que tinha o direito de me governar na hora né a forma que Stella relata a sequência atropelada de acontecimentos um atrás do outro todos relatados com ela em posição de passividade deram a ela a levaram fizeram injeção e eletrochoque nela mandaram chamaram carregaram e por fim sua afirmação lúcida ela achou que tinha o direito de me governar a pessoa achou mas não tinha iam levar Stella para algum lugar e ninguém a disse que lugar era esse é o relato de alguém que entende o peso do controle e o critica não tinham o direito de ter feito isso volto para o sistema falido do estado volto para o abraço que Linn da Quebrada dá a Stella 154 em outros momentos Stella do Patrocínio denuncia o controle no dia que você parar de tomar essas injeções você fica curada fico completamente curada se eu não tomar remédio não tomar injeção não tomar eletrochoque silêncio curto eu não fico carregada de veneno envenenada você toma eletrochoque eu tomei no pronto socorro do rio de janeiro e continuo tomando aqui aqui é e disseram que não dá mais mas dá sim dá dá quem é que dá eletrochoque os que trabalham com a falange falanginha falangeta os que trabalham com a voz ativa médio reflexiva refletindo bem no que está falando um dos significados de falange é o sentido militar remonta ao tempo antigo dos gregos são tropas armadas além disso é interessante que Stella do Patrocínio afirma que são as pessoas que trabalham com voz ativa e vozes que são reflexivas refletindo bem isso denuncia duas questões a relação de poder e essa fala que reflete pensa o poder está presente quando Stella demarca que existe uma voz ativa é a mesma voz que dá as ordens toma as decisões decisões estas que se tratam sobre o corpo de Stella e que não são as que ela quer a outra questão que Stella traz nesse momento do falatório é a da reflexão a loucura carrega consigo o estereótipo do delírio mas eles da falange que usam voz ativa são também os que fazem uso consciente da razão eles refletem bem e essas são as pessoas que controlam seu corpo que dão a ordem do eletrochoque que o permitem e portanto fazem com que a violência ocorra repetidamente quem me dera tivessem trabalhado só com o delírio Stella do Patrocínio também aborda frequentemente no falatório a dinâmica do cotidiano borrado do manicômio e aqui que que cê faz na colônia como que é seu dia a dia aqui na colônia cê acorda de manhã faz o que segunda terça quarta quinta sexta sábado domingo janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro toma fôlego dia tarde e noite eu fico eu fico pastando à vontade fico pastando à vontade que nem cavalo 155 é é e em outro momento pensar pra que pra passar o tempo será que o tempo passa quem passa somos nós e a gente passa pra onde passa da vida pra morte ao responder Stella opta novamente por esse falatório sem pausas enunciando as palavras junto às outras em somente um fôlego relatando que segunda terça quarta quinta sexta e assim vai também com os meses com os momentos do dia dia tarde noite como se todos fossem um borrão algo sem muita nitidez todos os dias da semana momentos do dia e meses do ano são a resposta para como é o cotidiano dela todos a mesma coisa em um só fôlego os dias passam as semanas passam e os anos passam ao mesmo tempo no entanto parece existir um esforço para que os dias e os meses não se misturem em algo que não há mais como identificar perdendo a noção de tempo porque mesmo sem nitidez Stella responde informando quais são os dias da semana quais são os meses que compõem o ano quais são os momentos do dia quase como um relógio dia tarde e noite ela faz a contagem está atenta ao tempo e principalmente atenta à passagem do tempo em outro momento do falatório que não cito ela novamente repete a sequência dos dias da semana os meses e ainda em outro áudio Stella pergunta que dia era aquele foram muitos dias de escuta dedicada à Stella do Patrocínio para enfim poder suturar minha escrita mesmo assim não foi o bastante mesmo assim esse capítulo é lacunar porque estive trabalhando em torno de sua oralidade de seu falatório e depois precisei transcrever Stella quando queria ter podido anexar de alguma forma seu falatório não precisei transcrever Aurora ou Adelina e esse foi um momento de alguma tristeza a transcrição não dá conta da voz de Stella dos áudios feitos através do aparelho de gravação gravando voz que tá sendo palavras ao vento 1591399 1591899 CD 02 áudio 01 então buscando plantar algo dentro 156 dessa lacuna deixo aqui expresso que esse capítulo incompleto somente se enche de hálito através do falatório Sara Ramos é mestranda em literatura comparada pela UNILA e escreveu sobre Stella também além de indicar sua dissertação Stella do Patrocínio entre a letra e a negra garganta de carne incentivo que busquem os arquivos de áudio das conversas entre Carla Guagliardi e Stella do Patrocínio que foram anexados junto à tese na plataforma digital da UNILA assim poderão ouvila celebro de maneira vibrante a voz de Stella do Patrocínio seu falatório compondo o acesso público tendo em vista que sua voz nunca devia ter sido propriedade privada de ninguém 157 considerações finais faz escuro mas eu canto essa monografia e essa conclusão são uma prece um movimento um desejo dançante uma oração uma reza forte uma fé bem plantada uma batida forte do meu coração são sobre algo do espírito de cuidado com a espiritualidade esse é um sonho é o sonho da Clarice de quatro anos atrás quando teve medo de não encontrar informações suficientes pra fazer esse trabalho de pesquisa é o que eu sonho oferecer à essas mulheres uma imagem mais fiel à quem foram e ao que produziram é o que me impede de dormir mesmo com sono às 3 da manhã de uma quintafeira qualquer do cotidiano porque acredito com tanta força nesse trabalho que quando deito começo a pensar sobre e me cria euforia a euforia interrompe o sono e sinto desejo de escrever é o que me faz escrever no metrô e no ônibus quando não posso estar em casa essa monografia e essa conclusão são um manifesto escrito a muitas mãos mesmo que ecoando somente através das minhas palavras porque reúne tudo que li até aqui tudo que conversei as terapias tudo que minhas amigas dividiram comigo os acolhimentos as palavras de motivação as incansáveis horas de pesquisa e os cansaços também eu tenho esperança de que cada vez mais a teoria possa ser um lugar de cura que o texto possa ser um lugar espaço território que moldemos com nossos corpos desejos e que ele siga o caminho do que precisa ser feito como precisa ser feito e de que modo e formato precisa ser feito que as regras se dobrem frente o que nós escritoras e escritores quando precisemos delas diferentes em nossas palavras que o peso do que está estabelecido não seja maior do que a necessidade que o fazer da escrita pede por isso fiz tantas modificações por isso abordagens metodológicas diferentes para cada capítulo por isso a recusa das normas de língua portuguesa e até algumas da abnt para as feridas as machucadas as que sofreram abuso e violência as que não puderam ter agência sobre seus corpos em vida ou que nesse momento não podem ter agência sobre si mas sabem que terão as que tiveram os desejos contrariados as falidas as que sentem dor e não encontram conforto e alívio as 158 que não puderam descansar e que mesmo após suas mortes e principalmente depois disso tiveram seus nomes usados sem cuidado por aqueles que se perderam no que significa curadoria de que peso é revestido o entendimento histórico que a teoria possa lhes dar um lugar em que descansem que haja acalento e colo que o choro seja respeitado e acolhido não desrespeitado que a ferida aberta que esse sofrimento do qual não houve escape que tudo vaze no espaço vazio entre as minhas palavras e o meu texto que tudo vaze pelas minhas mãos pelos meus olhos que as minhas palavras possam ser carinho no meio disso tudo espaço de descanso e refazimento afetivo que esse trabalho gire chaves outras que não as do desrespeito que esse esforço seja mais um tijolo por onde mais pessoas construam que venham os caminhos eu busquei me doar a vocês de colo e de cuidado porque colo e cuidado são o que a escrita sempre me deu essa monografia foi para vocês porque também foi pra mim meu trabalho se pretendeu à curar mesmo que pouco a história a narrativa e a produção artística dessas mulheres e modéstia parte sinto que cumpri o trabalho agora você pode conhecer um pouco mais sobre essas artistas se as conhecia se não conhecia agora sabe seus nomes e pôde ler sobre suas vidas de maneira humanizada agora esses nomes estão inseridos no circuito de pesquisa da história da arte dentro da própria história da arte não conheço outro trabalho do campo teórico do qual parto que tenha se dedicado a isso eu era estudante e a partir dessa pesquisa me torno historiadora da arte essa pesquisa começou com o meu desejo de dividir a existência de mulheres artistas que foram psiquiatrizadas com mais pessoas do que só as minhas amigas ou a minha família o corpo dessas mulheres foi censurado violentado e posto recluso ao espaço da instituição psiquiátrica durante o período manicomial a área da história da arte quando não excluiu romantizou a ideia do artista gênio e do artista louco quantas foram as vezes que no campo da arte foi feita a associação da criatividade do artista com seu sofrimento até hoje isso acontece e eu não precisei ler em um artigo acadêmico eu vi diante dos meus olhos uma professora que tive dizer em sala de aula que se fosse para produzir coisas incríveis como van gogh então ela queria ter tido depressão 159 o estereótipo e a romantização do artista gêniolouco deve cessar em vez de romantizar pessoas com diagnósticos psiquiátricos e pessoas que foram psiquiatrizadas que são artistas nós devíamos efetivamente tentar criar possibilidade de inserção social real porque nós excluímos essas pessoas nós enquanto indivíduos e nós enquanto instituição de ensino e nós enquanto campo da história da arte no que diz respeito ao campo da história da arte onde atuo e movimento acredito que esse trabalho foi capaz de dar mais um passo na direção da inclusão de mulheres artistas psiquiatrizadas aqui você foi capaz de ler sobre a biografia e produção artística dessas três mulheres Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio que esse trabalho seja capaz de inspirar mais pessoas a pesquisarem mais mulheres como elas foram que ele mostre que é possível sim mesmo que pareça que essas mulheres não existem ou que pareça não existirem informações o bastante às vezes não vai ser o bastante mas é possível contar suas histórias obrigada 160 REFERÊNCIAS Adelina Gomes bio museu de imagens do inconsciente sem ano disponível em httpswwwmiiorgbradelinabio último acesso em 2023 Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente na 11ª bienal de berlim sem ano disponível em httpmii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml último acesso em 2023 ANZALDÚA Gloria A vulva é uma ferida aberta outros ensaios tradução tatiana nascimento 1 ed rio de Janeiro a bolha editora 2021 ANZALDÚA Gloria Como domar uma língua selvagem tradução PINTO Joana Plaza SANTOS Karla Cristina dos VERAS Viviana cadernos de letras da uff dossiê difusão da língua portuguesa nº 39 p 297309 2009 Blackouts instagram rio de janeiro 7 de outubro de 2021 disponível em instagramcompCUvXmTxl9TpigshidMzRlODBiNWFlZA3D3D último acesso em 2023 BLY Nellie Dez dias em um hospício tradução Karine Ribeiro 1 ed são caetano do sul são paulo wish 2020 CARVALHO Priscila Roberta Exu nas escolas cosmovisões epistemologias e valores civilizatórios iorubanos como caminho para uma educação decolonial orientador professor especialista arthur josé baptista 2019 41 f trabalho de conclusão de curso especialista pósgraduação em educação das relações étnicoraciais no ensino básico do programa de pósgraduação pesquisa extensão e cultura do colégio pedro ii rio de janeiro 2019 cinquentenário museu imagens do inconsciente centro cultural do ministério de saúde sem ano disponível em 161 wwwccmssaudegovbrcinquentenariodomuseuadelinagomesphp último acesso em 2023 cuidado como método arte política clínica daniel leão e Jessica Gogan sl sn 2018 1 vídeo 13143 disponível em institutomesaorgrevistamesaedicoes5portfoliocuidadocomometodoartepolitic aeclinicaem4territoriosnoriodejaneiro último acesso em 7 de janeiro de 2022 DA SILVA Denise Ferreira A Dívida Impagável são paulo 2019 Descolonizando o Conhecimento Grada Kilomba mitsp e olhares instituto cultural sl sn 2021 1 vídeo 10151 disponível em wwwyoutubecomwatchviLYGbXewyxs último acesso em 2023 ENGEL Magali Gouveia A loucura na cidade do rio de janeiro ideias e vivências 18301930 orientadora Profª Dra Maria Clementina Pereira Cunha março1995 624 f tese doutorado em história pósgraduação em história da universidade estadual de campinas campinas 1995 EVARISTO Conceição Becos da memória 3 ed Rio de Janeiro Pallas 2018 FERRAZ Maria Heloisa Corrêa de Toledo Arte e Loucura limites do imprevisível São Paulo Lemos Editorial 1998 franco da rocha 76 anos prefeitura de franco da rocha 2020 disponível em wwwfrancodarochaspgovbrfrancoartigonoticia9966textOsC3B3rio2 0ingressou20no20hospital20namodelagens20em20argila20e20cer C3A2mica último acesso em 2023 GONÇALVES Tatiana Fecchio da Cunha A Representação do louco e da loucura nas imagens de quatro fotógrafos brasileiros do século XX Alice Brill leonid streliaev cláudio edinger Claudia Martins orientadora Profª Dra Claudia Valladão de Mattos coorientação Profª Dra Lucia Helena Reil 2010 319 f tese 162 doutorado pósgraduação do programa do instituto de artes da universidade estadual de campinas campinas 2010 HOOKS bell Ensinando a transgredir educação como prática da liberdade tradução marcelo brandão cipolla 2 ed são paulo editora wmf martins fontes 2017 p 83104 imagens do inconsciente leon hirszman sl sn 1982 1 vídeo 55 minutos imasns instituto municipal de assistência à saúde nise da silveira base de dados história e loucura sem ano disponível em historiaeloucuragovbrindexphpinstitutomunicipaldeassistenciasaudeniseda silveira último acesso em 2023 JEHA Silvana birman joel Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida são paulo veneta 2022 KAHLO Frida O diário de Frida Kahlo um autorretrato íntimo tradução mário pontes 5 ed rio de janeiro josé olympio editora 2017 o diário de frida kahlo KAHLO 2017 p 216 lançamento do programa Stella do Patrocínio a história que fala museu bispo do rosário e Diane Lima sl sn 2021 1 vídeo 12855 disponível em wwwyoutubecomwatchvev10K1JEmg último acesso em 2023 LINN DA QUEBRADA medrosa ode à Stella do Patrocínio rio de janeiro 2021 291499 LORDE Audre Irmã outsider ensaios e conferências tradução Stephanie Borges 1 ed Belo Horizonte Autêntica Editora 2020 capítulos Machismo uma doença americana de blackface o erótico transformar o silencio em linguagem 163 louco no dicionário michaelis michaelis online 2021 disponível em michaelisuolcombrmodernoportuguesbuscaportuguesbrasileirolouco último acesso em 2021 MARTINS Leda Afrografias da memória O Reinado do Rosário no Jatobá são paulo perspectiva belo horizonte mazza edições 1997 MARQUES Ana Maria Linha de Rebentação lisboa edição douda correria 2019 mello l c nise da Silveira caminhos de uma psiquiatra rebelde rio de janeiro automática edições 2ª ed 2015 p 212 MENEGHEL Stela Nazareth BARBIANI Rosangela BRITO Sarita KORNDORFER Carla ROTERMUND Juliana ROZA Marisa Dalla STEFFEN Helenita WUNDER Ana Paula Impacto de grupos de mulheres em situação de vulnerabilidade de gênero cad de saúde pública rio de janeiro vol 194 p 955963 julago 2003 disponível em doiorg101590S0102311X2003000400018 último acesso em 13 de junho de 2023 na encruzilhada com Stella do Patrocínio podcast 451 mhz ano visto em 2022 disponível em 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Antimanicomial e Feminismos discussões de gênero raça e classe para a reforma psiquiátrica brasileira 1 ed rio de janeiro autografia 2017 SILVEIRA Nise da Posfácio Imagens do Inconsciente sl sn 2014 1 vídeo 11900 disponível em wwwyoutubecomwatchvEDg0zjMe4nA último acesso 13 de junho de 2023 SILVEIRA Nise da Imagens do Inconsciente 6ª reimpressão petrópolis rio de janeiro vozes 2015 SILVEIRA Nise da O mundo das imagens 1 ed 2ª reimpressão rio de janeiro editora ática 2001 p 82 TOLEDO Eliza Teixeira de Circulação e aplicação da psicocirurgia no hospital psiquiátrico do juquery orientadora Profª Dra Cristiana Facchinetti coorientadora Profª Dra Ilana Löwy 2019 296 f tese doutorado em história das ciências e da saúde Fundação Oswaldo Cruz Casa de Oswaldo Cruz 2019 165 ZACHARIAS Anna Vicentini Stella do Patrocínio da internação involuntária à poesia brasileira orientadora Profª Dra Daniela Birman 2020 364 f dissertação mestrado em teoria e história literária instituto de estudos da linguagem da universidade estadual de campinas campinas 2020 ZACHARIAS Anna Carolina Vicentini Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui revista cult 2020 disponível em revistacultuolcombrhomestelladopatrocinioretornosempreesteveaqui último acesso em 2023 2º seminário cultura e saúde l dia 4 palestra de Silvana Jeha sl sn 2020 1 vídeo 32510 disponível em youtubecomwatchv33On1Ub42g8 último acesso em 13 de maio de 2023 166 ANEXO 1 lista de mulheres artistas psiquiatrizadas ou com diagnósticos psiquiátricos museu de imagens do inconsciente 1 Adelina Gomes 2 Beta d9Rocha livro foi publicado sobre ela pela Editoria Ministério da Saúde chamado A História de Beta e livro chamado Meu convívio com a esquizofrenia seu nome completo era Albertina Borges D9Rocha 3 Anna Letycia 4 Rizza Conde as artistas entre os números 5 e 21 são da época da Dra Nise da Silveira no período manicomial 5 Carmine Noceto 6 Everaldine Santana 7 Maria Tereza J C Castro 8 Marie Kollandjieva 9 Ively Domingues Kanss 10 Maria Nunes Valle 11 Aurora Castro Fonseca 12 Alda Mescalda 13 Djanira B Brito 14 Helena Davidson 15 Sônia dos Santos 167 16 Faiedna 17 Valentine Belokamen 18 Jandira de Oliveira 19 Alemã 20 Doralice Vilela 21 Sonia Ivenicki 22 Laura Ramos encontrei seu nome na página 142 do livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise da Silveira 23 Norma Nascimento encontrei seu nome na página 143 do livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise da Silveira colônia juliano moreira 24 Stella do Patrocínio 25 Iracema Conceição dos Santos realizava instalações 26 Maria Hortênsia Bandeira da Costa confeccionava bonecas o trabalho de Mônica aponta que apresentou desenhos e que Maria José de Almeida da Costa que fazia bonecas essas duas encontrei na tese de Ana Carolina Vicentini Zacharias na página 108 artistas participantes de exposição ar subterrâneo no paço imperial além de Iracema e Maria Hortênsia importante destacar que o encarte da exposição apresentava o nome dessas mulheres sem nenhum de seus sobrenomes e que não tinha o nome de Stella do Patrocínio pude encontrar os sobrenomes através do trabalho de estágio de Mônica Ribeiro de Souza através da tese de Anna Carolina Vicentini Zacharias 27 Carolina Vieira Machado desenhos 168 28 Januária Marta de Souza desenhos 29 Maria José de Almeida Costa 30 Maria Jovem desenhos na tese de Monica está Maria Jove mas no encarte Maria Jovem 31 Nilsa 32 Simone Faria Maciel desenhos 33 Tereza de Jesus desenhos 34 Neusa Ferreira Gomes essa não estava no encarte da exposição roupas hospital psiquiátrico do juquery 35 Aurora Cursino dos Santos 36 Maria Aparecida Dias tem obra datada de 1989 1990 1991 1994 1995 1997 1998 37 Claudinha D9Onofrio 38 Marianinha Guimarães 39 Masayo Seta 40 Lourdes da Costa Justino 41 Alcina Teixeira Gandini 42 Aline Ferreira Luz 43 Alzira Louveiro 44 Ana Câmara 45 Ana David Silva 169 46 Edna Maria Lessa Novaes sem data 47 Fátima Ferreira tem obras datadas de 1990 e 1992 48 Haydée 49 Helena 50 Luciene 51 Maria das Graças Caetano tem obra datada de 2015 52 Maria Leite 53 Rosângela 54 Cacilda de Souza e Silva 55 Cleusa 56 Conceição Uzaio Ferreira 57 Eliza Ribeiro 58 Francisca Baron Ribeiro 59 Helena Gadia 60 Leina trabalhos com data de 2006 61 Locene 62 Lydia Mendonça 63 Maria Iozina 65 Nivalda Maria das Dores 66 Regina Irene Simões 67 Reiko Watanabe 170 68 Maria L M 69 Sarah Amonsin Oliveira 70 Shara Serinna Campos 71 Tamara 72 Conceição 73 Irene Faustino Da Silva

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Conteudista Prof Me Marcus Saldanha da Gama Guedes Nogueira Revisão Técnica Profª Dra Ana Barbara A Pederiva Revisão Textual Esp Laís Otero Fugaitti Objetivos da Unidade Estudar os textos historiográficos como documentos de pesquisa Discutir os documentos como fonte de pesquisa e circunscrição das fontes Refletir sobre o papel do historiador no processo de pesquisa Compreender a elaboração do texto historiográfico e os trabalhos de conclusão de curso Material Teórico Material Complementar Referências História e Pesquisa a Elaboração de Trabalhos de Conclusão de Curso Introdução Refletir sobre os textos historiográficos e como eles são confeccionados é tarefa fundamental para o historiador afinal os textos são o resultado das pesquisas históricas realizadas Sabemos que toda pesquisa deve se iniciar pela confecção de um projeto afinal ele será a bússola que guiará todos os passos da pesquisa Portanto nesta Unidade iremos conhecer a prática da pesquisa e a confecção de textos historiográficos destacando a elaboração de artigos científicos Vamos lá Pesquisa Básica em História Vamos começar a discutir esse importante tópico primeiramente com a justificativa de uma pesquisa De acordo com Leão 2016 quando iniciamos um projeto de pesquisa adentramos o campo do conhecimento específico pelo qual o pesquisador historiador buscará informações relevantes que preencherão o tema dando sentido e fundamento para a própria pesquisa Sendo assim ter uma justificativa plausível que explique as especificidades e as contribuições que serão relatadas ajudará muito na sua apresentação inicial e final Para dar sentido ao que estamos discutindo o primeiro ponto é diferenciar pesquisa básica de pesquisa aplicada pois esses dois tipos serão utilizados por você durante toda a sua vida acadêmica e até profissional A utilização do próprio termo pesquisa já nos dá uma dica do que estamos falando aqui Pesquisa vem do latim perquirere e quer dizer investigar com perseverança dando o entendimento de que o pesquisador Página 1 de 3 Material Teórico historiador deve sempre procurar o conhecimento Vamos também relacionar de que modo os dois tipos de pesquisa podem andar juntos Segundo Andrade 2017 a pesquisa básica que é extremamente usada por universidades do mundo todo também é conhecida como pesquisa pura e tem como principal objetivo semear conhecimento científico sem necessariamente ter uma aplicação prática Preocupada em aprofundarse sobre um conteúdo é feita com o intuito de ampliar o conhecimento a respeito de determinado assunto Tem como base a construção de teorias Ela não requer lucro e deve ser justificável do ponto de vista de suas razões ou seja para que serve O que será estudado e por quê Os resultados obtidos são difundidos para toda a comunidade isto é não são apenas armazenados no centro de estudos pelo qual a pesquisa se iniciou Já a pesquisa aplicada como o próprio nome diz tem a sua base de conhecimento gerada por meio do direcionamento de solução de problemas predefinidos anteriormente em relação aos seus custos e ao seu tempo Uma vez mencionados custos e tempo temos a relação de instituições financiadoras que procuram um benefício econômico e social voltadas para a aplicação imediata relacionada à realidade do mundo Muitas universidades ao redor do globo têm parcerias com a iniciativa privada que busca esses centros de excelência para adquirir mais informações sobre situações específicas Claro que por se tratar de financiamento essas pesquisas também têm diferentemente da pesquisa básica e pura uma preocupação com a relação custobenefício como forma de compensação eou investimento Veja no Quadro 1 mais diferenças entre pesquisa básica ou pura e pesquisa aplicada Quadro 1 Diferenças Entre Pesquisa Básica ou Pura e Pesquisa Aplicada Pesquisa Pura Pesquisa Aplicada Constrói novos conhecimentos por meio de Constrói novos conhecimentos por meio da Pesquisa Pura Pesquisa Aplicada teorias prática Amplia a teoria existente ou cria uma nova Cria um processo ou produto Não precisa solucionar um problema real ou social Encontra solução para um problema concreto Fonte adaptado de MORETTI 2022 Aí vem a pergunta já mencionada no caminho científico que estamos percorrendo podemos usar as duas Sim podemos Embora a pauta do tópico seja a pesquisa básica é fundamental que saibamos a diferença entre as duas pois ambos os tipos podem ser complementares e certamente irão ampliar e difundir o conhecimento sobre diversos temas e assuntos que fazem parte do passado do presente e do futuro Vale lembrar que não há impedimentos em uma pesquisa básica ou pura podendo proporcionar conhecimentos com a aplicação prática e uma pesquisa prática pode conduzir a descobertas científicas Agora que já sabemos a diferença entre pesquisa básica ou pura e pesquisa aplicada vamos entender a diferença entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa que podem e devem ser aplicadas à pesquisa básica de História nossa pauta inicial Já sabendo que nosso objetivo aqui é a pesquisa básica nosso próximo passo é definir se vamos utilizar a classificação qualitativa ou quantitativa Essa metodologia nos dará um direcionamento de como o pesquisador historiador irá se comportar durante sua pesquisa visando entender as causas envolvidas na abordagem do problema Para Lakatos e Marconi 2017 a pesquisa quantitativa é baseada em números que podem ser estruturados de formas estatísticas fazendo com que o pesquisador possa tirar conclusões gerais Ela funciona em forma de questionário de maneira fechada A pesquisa qualitativa tem como base coletar informações com a intenção de descrever investigações baseadas em impressões opiniões e pontos de vista Ela também funciona em forma de questionário mas de maneira aberta Veja no Quadro 2 mais características que marcam a distinção entre pesquisa quantitativa e qualitativa Quadro 2 Características que Marcam a Distinção entre Pesquisa Quantitativa e Pesquisa Qualitativa Dimensão Qualitativa Quantitativa Objetivo Compreender razões valores motivações e fenômenos Quantificar causas e determinar dados Abordagem Observacional Experimental Pressuposição básica Realidade construída a partir de fenômenos socialmente construídos Realidade construída a partir de dados mensuráveis Pesquisador Participante do fenômeno Neutro Amostra Pequena Grande Coleta de dados Não estruturada Estruturada Dimensão Qualitativa Quantitativa Análise de dados Análise subjetiva e interpretativa Análise estatística Resultado Compreensão inicial e baixa generalização Alto grau de generalização Como você pôde ver as diferenças entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa envolvem o quesito dimensão com o objetivo principal de distinguir ambas as qualificações relacionadas ao objetivo à abordagem à pressuposição básica ao papel do pesquisador e à amostra Essas diferenças nos ajudam a entender a funcionalidade da pesquisa relacionada ao fenômeno que se pretende estudar dando direcionamento ao investigador Porém elas ainda não param por aí Novamente podemos fazer o mesmo questionamento A pesquisa quantitativa e a qualitativa podem andar juntas Sim A relação entre as duas deve ser harmônica e complementar As informações numéricas baseadas na tabulação de dados estatísticos precisam do complemento de pessoas que abrem em muitos casos espaço para detalhes importantíssimos e que devem ser avaliados com extremo cuidado principalmente no caso da pesquisa básica de História em que os depoimentos funcionam como provas fundamentais dos momentos históricos vividos por pessoas em determinadas épocas além de relatos de estudiosos sobre os mais variados temas históricos pesquisados O Texto Historiográfico Conforme Rodrigues et al 2017 Historiografia é o estudo de como a História é escrita e como nossa compreensão histórica pode mudar de acordo com o tempo Para um primeiro entendimento é preciso diferenciar Historiografia e História pois o texto historiográfico estará inserido entre esses dois pilares Sendo assim a Historiografia consiste no estudo das melhores formas de interpretar as fontes históricas e como os fatos históricos foram descritos A História é justamente o que está escrito sobre o passado Dessa forma vamos começar então por clarificar a importância do texto historiográfico dentro do material de pesquisa Ao falarmos de Historiografia podemos concluir que a sua definição é a maneira como compreendemos que os fatos históricos foram paulatinamente mudando com o tempo Essas mudanças estão relacionadas ao que estava ou está sendo escrito e divulgado no texto historiográfico Para Bauer Oliveira e Alves 2020 quando um pesquisador escreve um texto historiográfico ele tem como objetivo a transmissão desse mesmo texto Assim ele tem a função de fazer com que exista compreensão de outros historiadores sobre um assunto particular e não somente analisar e debater o seu próprio assunto É importante também destacar que quando estamos trabalhando com Historiografia é necessário entender que ela não está livre de críticas revisões ou interpretações distintas por conta de diversos historiadores que seguem suas linhas de pesquisas e convicções pessoais Convicções essas que variam de acordo com a corrente que cada um prefere seguir A ciência histórica produz respostas diferentes para diversos tipos de questionamentos e muitas vezes para a mesma pergunta Os historiadores estudam analisam e refletem sobre o mesmo conjunto de fatos mas acabam algumas vezes chegando a conclusões diferentes Outro ponto importante de acordo com Barros 2020 é quando existe a análise para um texto historiográfico e a escolha dos conteúdos que se pretendem abordar Por sua vez para que isso possa se encaixar no texto vamos apresentar características historiográficas que o pesquisador deve conhecer e aprimorar Num primeiro momento começaremos com a distinção entre dois dos modelos que surgiram no século XIX justamente em um momento no qual a História começou a ser considerada como ciência Nessa época a História dava os primeiros passos como disciplina acadêmica Assim uma então chamada comunidade científica de historiadores profissionais passou a se formar desenvolvendo periódicos acadêmicos e contribuindo firmemente para a reflexão teóricometodológica Os pesquisadores não apenas escrevem sobre a História mas também discutem a sua representatividade e a produção historiográfica de diversos pontos de vista de acordo com o meio em que o texto historiográfico foi desenvolvido Dentro desse contexto segundo Gervinus 2010 surgiram as primeiras diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Essas distinções apontam algumas questões básicas como podemos ver na Figura 1 Figura 1 Diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Fonte Reprodução de Barros 2011 ParaTodosVerem ilustração destacando as diferenças entre o Positivismo e o Historicismo Os fundamentos do Positivismo identificados como de perspectiva generalizante são descritos em três círculos cinzas com as seguintes inscrições 1 leis geraisuniversalidade humana as sociedades humanas são reguladas por leis naturais invariáveis independentes da ação humana 2 identidade de métodos entre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais e 3 objetividade científicaneutralidade o objeto de estudo já está na natureza e o cientista dele se apropria separado de seu objeto de estudo o historiador pode ser neutro e imparcial Ainda em Perspectiva Generalizada temos um retângulo com o seguinte conteúdo Outros aspectos decorrentes da proposta positivista do século XIX Noção de progresso presente no desenvolvimento histórico das sociedades Previsibilidade da História ou Determinismo Utilitarismo aplicado ao conhecimento histórico Ambição de utilizar a História para favorecer uma conciliação entre as classes Depois os fundamentos do Historicismo identificados como de perspectiva particularizante são descritos em três círculos lilases 1 relatividade do objeto histórico inexistem leis de caráter geral que sejam válidas para todas as sociedades qualquer fenômeno só pode ser compreendido dentro da História 2 distinção de métodos entre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais diferença de fatos históricos e fatos naturais e 3 subjetividade do historiador o historiador também está mergulhado na História Ainda em Perspectiva Particularizante temos um retângulo com o seguinte conteúdo interno Outros aspectos presentes no Historicismo do século XIX Uma história sob o signo dos grandes Estados Nacionais Uma história essencialmente narrativa Desenvolvimento da crítica documental Fim da descrição Resumindo essas diferenças entendemos que os historicistas compreendem a história de maneira diferente do padrão científico sendo ela uma história específica distinta das ciências naturais Em oposição os positivistas ligam os modelos históricos em conjunto as ciências sociais e naturais Conforme a História foi evoluindo surgiram outras características e correntes de estudo e análise de fatores históricos que devem ser consideradas pela figura do pesquisador ao iniciar e ao desenvolver a sua produção Continuando com o Positivismo vamos ver as distinções entre mais duas delas o Marxismo e a Escola dos Annales Segundo Löwy 2018 para começar o entendimento é preciso voltar a fazer considerações sobre o Positivismo como já vínhamos diferenciandoo do Historicismo Surgido na França no século XIX tem como base análises deterministas defendendo a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro O termo foi usado pela primeira vez pelo filósofo Claude Henri Rouvroy contudo foi Auguste Comte discípulo de Rouvroy que desenvolveu essa corrente filosófica Tendo a matemática a física a biologia a sociologia a astronomia e a química como modelos científicos o Positivismo destaca sua metodologia na observação dos fenômenos Todo conhecimento que não pode ser comprovado cientificamente é descartado O Positivismo desenvolvido por Comte tem como ponto de partida a Lei dos Três Estados que vamos ver agora No Marxismo o enfoque acontece de maneira diferente pois enquanto os historiadores positivistas se baseavam no acontecimento eou nas ações individuais esses pontos para os historiadores marxistas são consequências naturais da produção historiográfica Para Marx a luta de classes era o verdadeiro fundamento de uma história que se movimenta constantemente O trabalho característica fundamental na tese de Marx é compreendido como múltiplas relações entre o ser humano e a natureza Essa relação está pertencente como condição material da vida em sociedade representando o modelo de produção de organização social e econômica de determinado período histórico Depois de entender a introdução das diferenças entre o positivismo e o marxismo entra em foco a Escola dos Annales Para Reis 2000 essa corrente de pensamento historiográfico surgiu com a criação de uma revista Analles de História Econômica e Social Foi concebida pelos professores da Universidade de Estrasburgo Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929 que tinham como objetivo incentivar estudos sobre as estruturas econômicas e sociais de modo que esses mesmos estudos pudessem contribuir favorecendo contatos interdisciplinares com as ciências sociais Esse modo de ver o texto historiográfico ampliou muito o horizonte do pesquisador fazendo com que ele pudesse recuperar o passado por meio de questionamentos adotados no hoje no agora no presente Para uma análise mais profunda do Teológico em que o ser humano busca explicação para a realidade por meio de entidades supranaturais Positivo em que não se explica porque mas sim como levando em consideração as leis de causa e efeito em que toda ação tem uma reação Metafísico em que deuses são substituídos por entidades abstratas para explicar a realidade pesquisador com base no texto historiográfico a História passa de narrativa a problema e com isso é possível optar por escolher objetos no passado começando a questionar esses mesmos objetos no presente apresentando suas definições e conceitos O historiador dessa forma reconhece a sua presença fundamental na pesquisa em que se baseará o texto historiográfico escolhendo interrogando questionando selecionando analisando definindo e então conceituando Fontes de Pesquisa Segundo Barros 2015 as fontes históricas de pesquisa são o material do pesquisador sendo consideradas tudo aquilo que os seres humanos deixaram como vestígio com o passar dos tempos Esses vestígios são indispensáveis ao historiador Este imenso conjunto de vestígios dos mais simples aos mais complexos constitui o universo de possibilidades de onde os historiadores irão constituir as suas fontes históricas Também é verdade que os grandes processos naturais e planetários mesmo sem a interferência originária do homem mas incidindo sobre este podem produzir vestígios que oportunamente poderão conformar fontes históricas Por ora todavia vamos nos ater mais especificamente às fontes históricas produzidas diretamente pela ação e existência humanas No sentido que acabamos de indicar são fontes históricas tanto os já tradicionais documentos textuais crônicas memórias registros cartoriais processos criminais cartas legislativas jornais obras de literatura correspondências públicas e privadas e tantos mais como também quaisquer outros registros ou Como observamos nesse trecho da citação as fontes históricas se diversificam em vários tipos como BARROS 2019a p 1 Textos documentos oficiais cartas diários pergaminhos ou qualquer parte escrita contida em algum espaço ou objeto Representações pictóricas fotos quadros pinturas e afrescos Registros orais testemunhos pessoais e registros orais contidos em qualquer equipamento Vestígios arqueológicos estruturas de construções objetos e estátuas materiais que possam nos fornecer um testemunho ou um discurso proveniente do passado humano da realidade que um dia foi vivida e que se apresenta como relevante para o Presente do historiador Incluemse como possibilidades documentais ou mais precisamente no âmbito do que chamamos de fontes históricas desde os vestígios arqueológicos e outras fontes de cultura material a arquitetura de um prédio uma igreja as ruas de uma cidade monumentos cerâmicas utensílios da vida cotidiana até representações pictóricas entre outras fontes imagéticas e as chamadas fontes da história oral testemunhos colhidos ou provocados pelo historiador A partir desses elementos é possível identificar marcas históricas que registraram a presença de tempo de algum fator histórico que está sendo analisado e pesquisado pelo historiador Como apresenta Barros 2019b é importante destacar que houve uma mudança nos paradigmas das fontes históricas que acabamos de estudar Durante muito tempo o historiador tinha como ponto base por exemplo os museus nacionais e internacionais para busca de informações Partiase do pressuposto de que a escrita apresentava uma sobreposição em relação a outros tipos de fontes A partir de 1920 essa visão começou a mudar e é por isso que estudamos na parte de texto historiográfico as correntes históricas que são tão importantes dentro do objeto de pesquisa conduzido pelo historiador Com a fundação da Escola de Annales por historiadores franceses outros tipos de produções como sons roupas imagens e qualquer registro encontrado de cidadãos comuns começaram a ganhar destaque na análise de fontes históricas Qualquer registro histórico que tivesse fator preponderante na análise de descoberta tornouse básico no exame do pesquisador De acordo com Barros 2015 o rigor da análise histórica contínua contudo abre espaço definitivamente para mais fontes de pesquisa que são auxiliadas atualmente pela tecnologia tecnologia essa que se torna uma importante aliada da História Esses tipos de fontes históricas ainda seguem a classificação quanto à materialidade e à imaterialidade como se pode observar no Quadro 3 Quadro 3 Tipos de Fontes Históricas Fontes Materiais Fontes Imateriais Textos Costumes Pinturas Lendas Fontes Materiais Fontes Imateriais Construções Tradições Objetos Ritos Filmes Folclore Fonte Acervo do conteudista Como você pôde observar no Quadro 3 a diferença entre as fontes materiais e imateriais dentro do contexto historiográfico se traduz de modo claro e transparente para que o historiador possa fazer a devida análise As fontes materiais são indícios concretos produzidos manualmente pelo ser humano Já as fontes imateriais são definidas por evidências que sobrevivem nas sociedades e podem ser detectadas ao longo do tempo para construir uma narrativa histórica Saiba Mais Além de ser um marco histórico a Catedral de NotreDame é fonte material importantíssima para historiadores do mundo todo Após o grande incêndio que destruiu quase toda a sua estrutura ela vem sendo restaurada por meio de tecnologia digital Figura 2 Catedral de NotreDame Fonte Getty Images ParaTodosVerem fotografia colorida da Catedral de NotreDame vista de frente É uma igreja em estilo gótico com duas torres sua fachada é de cor clara Ao redor da catedral estão centenas de pessoas Fim da descrição É preciso analisar as diferentes fontes históricas para que o historiador possa redigir com o máximo de segurança possível o texto historiográfico com a finalidade de passar a análise correta dos fatos que pretende pesquisar inclusive fazendo a delimitação e a circunscrição das fontes estudadas O Papel do Historiador Chegamos ao ponto central do projeto de História o próprio historiador É ele o responsável por todas as partes do projeto desde a dúvida principal passando pela problemática e chegando até a apresentação deste Segundo Bauer Oliveira e Alves 2020 os historiadores são investigadores que esclarecem processos importantes ao longo da História do mundo em que vivemos visando compreender as ações de pessoas dos mais diversos cargos posições políticas e etnias até mesmo de cidadãos comuns que deixaram rastros preciosos para compreensão da evolução da humanidade A História vive o passado apresentado no presente e pensando no futuro Já que estamos falando de historiadores não podíamos deixar de passar por Heródoto um dos primeiros historiadores do mundo a conceber a História como problema filosófico revelando situações e aspectos importantes do comportamento humano Heródoto criou o termo Historie que significa pesquisa razão que por si só já é o suficiente para trazêlo aqui como um marco entre os historiadores Assim sendo o campo de pesquisa não é tão somente trabalhado em documentos escritos e oficiais mas também é considerada como pesquisa toda a produção humana que tenha ideias e características de um tempo que pretende ser estudado fazendo com que na essência de todo historiador exista um pesquisador Esses termos foram usados incondicionalmente durante todo esse texto Resgatando mais um historiador com fundamental papel em pesquisa de história chegamos a Marc Bloch que se posicionava diante da História como essa sendo a ciência dos seres humanos no tempo Bloch foi um dos fundadores da Escola de Annales e responsável por trazer novos conceitos sobre documentos historiográficos que abrem precedentes para interdisciplinaridade além de obras literárias sobre o ofício do historiador Outros historiadores de diversos países e continentes marcaram a História por meio de contribuições extremamente preciosas como Sima Qian AlTabari François Mignet Gustave Glotz Karl Marx Oswald Spengler Manuel Moreno Fraginals Paul Veyne Fritz Stern Joan Wallach Scott Francis Paul Prucha Edmund Morgan John Whitney Hall Robert Conquest Elizabeth Eisenstein Andrey Korotayev Tito Lívio e Eric Hobsbawm No Brasil também temos importantes nomes como Luiz Felipe de Alencastro Gilberto Freyre Laura de Mello e Souza Sérgio Buarque de Holanda Mary Del Priore Caio Prado Júnior Jaime Pinsky e tantos outros Por falar em Brasil a profissão de historiador pôde ser devidamente regulamentada no país por meio da instituição responsável que é a Associação Nacional de História Anpuh que tem uma equipe formada para regulamentação do profissional Como já discutimos antes é claro que nenhuma pesquisa está livre das associações que o próprio historiador irá fazer dependendo da formação da ideologia e das experiências que ele tenha vivido anteriormente O mais importante é que os projetos de pesquisa em história continuem trazendo fatos e acontecimentos para que as pessoas possam cada vez mais aprender com o passado e fazer com que a sociedade possa almejar um futuro melhor para cada um de nós Trabalhos de Conclusão de Curso Com certeza você já ouviu falar em Trabalho de Conclusão de Curso TCC não é mesmo Os TCC podem ser os mais variados entre eles temos monografia dissertação de mestrado tese de doutorado artigo científico ensaio e estudo de caso por exemplo Os TCC são trabalhos acadêmicos desenvolvidos pelos alunos que objetivam a finalização de uma etapa de estudos e pesquisas normalmente em cursos de graduação e de pósgraduação lato sensu e stricto sensu Por possuírem características científicas objetivam demonstrar de forma organizada os conhecimentos construídos durante sua formação Para além de avaliar os alunos esses trabalhos auxiliam na democratização do conhecimento na medida que apresentam à sociedade resultados análises e interpretações sobre os mais diversos temas culturais sociais políticos e econômicos Tipos de TCC Conheça os Cinco mais Utilizados na Monografia Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Tipos de TCC Conheça os Formatos Mais Pedidos Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Cada tipo de trabalho possui suas características e especificidades Uma tese de doutorado é diferente em sua estrutura por exemplo de um artigo científico que é diferente de um ensaio Nesta Disciplina trabalharemos especificamente com o artigo científicoacadêmico Artigo CientíficoAcadêmico O artigo científicoacadêmico é um texto com autoria declarada e que objetiva apresentar reflexões sobre determinado assunto os métodos e técnicas utilizados durante a pesquisa em diversas áreas do conhecimento Leitura Para saber mais sobre os diferentes tipos de TCC acesse Sabemos que após a definição e delimitação do tema de pesquisa precisamos elaborar o projeto que descreverá todas as etapas da pesquisa e servirá de guia para sua realização Portanto após a construção do projeto e efetivamente da pesquisa realizada chega o momento de apresentação dos resultados Como vimos esses resultados podem ser apresentados de diferentes formas monografias dissertações teses ensaios etc Nosso objetivo nesta disciplina é apresentar e elaborar um artigo acadêmicocientífico para podermos conhecer todas as etapas da pesquisa e escrita histórica As diferentes revistas acadêmicascientíficas possuem suas próprias regras de organização e formatação Normalmente na área da História utilizamos as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Vamos entender como construir um artigo científico De acordo com a ABNT ARTIGO 2023 um artigo científico possui estrutura e formatação conforme Leitura Artigo Científico ABNT Margens Tamanho Fonte Espaçamento Para conhecer a estrutura e formatação do artigo científicoacadêmico acesse o conteúdo a seguir descritas a seguir Estrutura do Artigo CientíficoAcadêmico Parte externa Parte interna Capa elemento obrigatório Lombada elemento opcional somente para trabalhos que serão encadernados Elementos prétextuais Folha de rosto elemento obrigatório Errata elemento opcional Folha de aprovação elemento obrigatório Dedicatória elemento opcional Agradecimentos elemento opcional Epígrafe elemento opcional Resumo na língua vernácula elemento obrigatório Resumo em língua estrangeira elemento obrigatório Lista de ilustrações elemento opcional Lista de tabelas elemento opcional Lista de abreviaturas e siglas elemento opcional Lista de símbolos elemento opcional Sumário elemento obrigatório Formatação do Artigo CientíficoAcadêmico Elementos textuais Introdução elemento obrigatório Desenvolvimento elemento obrigatório Conclusão elemento obrigatório Elementos póstextuais Referências elemento obrigatório Glossário elemento opcional Apêndice elemento opcional Anexo elemento opcional Índice elemento opcional Tamanho da fonte salvo algumas exceções citações textuais entre aspas de mais de três linhas paginação notas de rodapé legendas texto da fonte das ilustrações figuras e tabelas em que utilizamos tamanho 10 o tamanho deverá ser sempre 12 Fonte poderá escolher entre Arial ou Times New Roman Espaçamento deverá ser de 15 para capa folha de rosto dedicatória agradecimentos epígrafe listas sumário introdução desenvolvimento conclusão glossário apêndice e anexo e simples isto é de 10 para resumo abstract citações de mais de três linhas notas de rodapé legendas e fontes de ilustrações paginação e referências Margens esquerda e superior 3 cm direita e inferior 2 cm Agora que já conhecemos a estrutura e a formatação de um artigo acadêmico chegou o momento de escrevêlo Escrita do Artigo CientíficoAcadêmico Quando escrevemos um texto acadêmicocientífico alguns pontos são essenciais Em primeiro lugar sempre que utilizar ideias de outro autor por meio de citações diretas e indiretas é fundamental citar a fonte da informação artigo site livro etc caso isso não seja realizado pode configurar plágio que é o roubo de propriedade intelectual Durante seu texto é fundamental contextualizar o temaassunto da pesquisa Para isso você pode dialogar com os seus referenciais teóricos e metodológicos isto é utilizar citações diretas e indiretas de autores que leu durante a pesquisa e de fontesdocumentos analisados Escrita Acadêmica 7 Dicas para Escrever Cada Vez Melhor Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Vamos Ser Claros Guia para Escrita de Textos Acadêmicos Leituras Quer conhecer algumas sugestões para escrever textos acadêmicos Acesse Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Como Fazer Citações em Textos Acadêmicos ABNT NBR 10520 Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Outro ponto relevante é explicar como a pesquisa foi realizada ou seja os materiais e métodos que foram utilizados assim como informar quais foram seus objetivos de pesquisa e problematização questões eou hipóteses levantadas Por fim indicamse quais foram suas conclusões Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade Sites Tesauro do Arquivo Histórico de São Paulo Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Scielo Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE ProQuest Página 2 de 3 Material Complementar Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Scopus Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Educational Resources Information Center ERIC Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE EBSCO Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE Leitura Tesauro para Estudos de Gênero e Sobre Mulheres Clique no botão para conferir o conteúdo ACESSE ANDRADE M M Introdução à metodologia do 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httpswwwhistoriaeparcerias2019rjanpuhorgresourcesanais11hep20191569 Página 3 de 3 Referências 693608ARQUIVObd3da9a036a806b478945059af9aa52epdf Acesso em 25042020 BARROS J D A Fonte históricas introdução aos seus usos historiográficos Petrópolis Vozes 2019b BARROS J D A A fonte histórica e seu lugar de produção Petrópolis Vozes 2020 BAUER C S OLIVEIRA S ALVES A C Z Conteúdo e metodologia do ensino de História Porto Alegre Sagah 2020 ebook BORGES J L História da eternidade São Paulo Companhia das Letras 2010 CHARTIER R A ordem dos livros leitores autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII Brasília Editora UnB 1992 DIVISÃO de bibliotecas e documentação da PUCRio Rio de Janeiro 202 Disponível em httpswwwdbdpucriobrsitenovoaviso Acesso em 11082023 FEBVRE L Combates pela história Lisboa Presença 1989 FREITAS M C org Historiografia brasileira em perspectiva 7 ed São Paulo Contexto 2014 ebook GERVINUS G G Fundamentos de teoria da História Petrópolis Vozes 2010 LAKATOS E M MARCONI M A Técnicas de pesquisa 8 ed São Paulo Atlas 2017 LANGLOIS C V SEIGNOBOS C Introdução aos estudos históricos São Paulo Renascença 1946 LEÃO L M Metodologia do estudo e pesquisa facilitando a vida dos estudantes professores e pesquisadores Petrópolis Vozes 2016 LÖWY M Marxismo contra positivismo São Paulo Cortez 2018 MARTINS J R Os intérpretes do brasil pensamento sociopolítico lastreado no fluxo de ideias narrativas e realidades na busca de uma identidade nacional brasileira Revista NEP Núcleo de Estudos Paranaenses UFPR Curitiba v 3 n 2 p 92123 jun 2017 Disponível em httpsrevistasufprbrneparticleview53518 Acesso em 04052021 MORETTI I Tipos de pesquisa aprenda a classificar a sua corretamente Viacarreiracom S l 16092022 Disponível em httpsviacarreiracomtipos depesquisa Acesso em 11082023 REIS D S BAGNO M Os intérpretes e a formação do Brasil os quatro primeiros séculos de uma história esquecida Cadernos de Tradução Florianópolis v 36 n 3 p 81108 setdez 2016 Disponível em httpswwwscielobrjctaNcZVg5KKxpvkJWqZDVX6jFNabstractlangpt Acesso em 04052021 REIS J C Escola dos Annales a inovação em História São Paulo Paz Terra 2000 RODRIGUES H E NICOLAZZI F Entrevista com François Hartog História Historiografia e tempo presente História da Historiografia Ouro Preto n 10 p 351 371 dez 2012 Disponível em httpwwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview478331 Acesso em 09052022 RODRIGUES R R et al org Possibilidades de pesquisa em História São Paulo Contexto 2017 ebook RÜSEN J Como dar sentido ao passado questões relevantes de metahistória História da Historiografia Ouro Preto n 2 p 163209 mar 2009 Disponível em httpwwwhistoriadahistoriografiacombrrevistaarticleview1212 Acesso em 09052022 217 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos Guilherme Franzon Berti Silvana Jeha e Joel Birman escreveram um livro que resultado do pósdouto rado de Silvana Jeha no Programa de Pósgraduação em Teoria Psicanalítica no Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ circula nos campos da história da psicanálise da história da arte e da literatura femi nista resgatando a vida e a obra de Aurora Cursino dos Santos seu delírio sua memória e as violências que sofreu em um passado tão recente Aurora Cursino dos Santos nascida em 1896 em São José dos Campos SP en tendeu que seu sofrimento começou com o casamento casouse com um homem de quem não gostava e não muito tempo depois entregouse à prostituição Ela foi prostituta entre 1910 e 1930 no Rio de Janeiro e em São Paulo e apesar de mais tarde ter buscado outras formas de sustento sem permanecer em um emprego viveu em albergues até ser internada em hospitais psiquiátricos Em 1944 inter nada no Hospital Psiquiátrico do Juquery participou da oficina de pintura criada por Osório César 18951979 e Mário Yahn 19081977 em que fez mais de 200 pinturas em sua maioria a óleo sobre papelcartão e embalagem industrial Em 1955 ela foi lobotomizada falecendo em 1959 com 63 anos Para Jeha e Birman 2022 o que define Aurora é o crepuscular o noturno e em suas obras feitas de cores vivas com mescla de fatos da vida e da imaginação textos e personagens observamos a noite como esconderijo a cidade avessa que não dorme o sexo pago ou não o sonho o pesadelo o mundo apartado Jeha Birman 2022 p 24 Aurora que produziu imagens embaçadas pela lou cura e pela memória teve suas lembranças atravessadas pelos delírios e percorreu muitos temas pessoais e sociais evidenciando a violência os crimes as relações familiares imaginadas e reais a condição da mulher os políticos e a prostituição Todo esse repertório da artista foi um jorro de gritos e sussurros sobre opres sões e violências e eventualmente algumas belezas Jeha Birman 2022 p 33 Os quadros de Aurora observam os autores estilisticamente podem ser cha mados de pictografias São pinturas com textos obras tagarelas que recria ram o passado sem deixar espaços vazios Essas pinturas algumas exibidas no Masp no MAMSP no MACSP no CCBBRio na Bienal de São Paulo no Sesc Pompeia e no MARRio não foram até então objeto de pesquisa nem de exposi BERTI Guilherme Franzon 218 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 ção individual Aurora não está incluída na história da arte nem na das mulheres somente na dos artistas loucos O livro de Jeha e Birman 2022 na contramão desse apagamento resgata a artista e contesta os paradigmas da história da arte da mulher da loucura e da psicanálise Aurora em suas pinturas protesta ser puta mãe esposa e filha enfim ser mulher foi e ainda é uma experiência trágica Jeha Birman 2022 p 21 aos olhos da sociedade uma prostituta seria moralmente incapaz de aceder ao que existiria de sublime na experiência da maternidade Jeha Bir man 2022 p 41 também protesta contra homens que dirigem a vida e a genitá lia juízes médicos militares e doutores num país onde valores cristãos e conservadores se enfiam vagina e útero adentro das mulheres dizendo o que elas devem fazer com os seus corpos Jeha Birman 2022 p 40 e denuncia as mulheres herdam a violência na tradição patriarcal de mãe para filha Jeha Birman 2022 p 49 O fim trágico a artista às margens da sociedade foi punida de forma violenta e cruel pelas práticas disciplinares do discurso psiquiátrico Esse contexto leva os autores a um questionamento ímpar Por que poucos artistas intelectuais psicanalistas e feministas escutaram as prostitutas e hoje apenas uma minoria as escuta Jeha Birman 2022 p 72 Talvez essa pergun ta ressoe em alguma medida com a provocação de Preciado 2022 p 328 Hoje para vocês psicanalistas é mais importante ouvir as vozes dos corpos excluídos pelo regime patriarcocolonial do que reler Freud e Lacan e com a insistência de Magallanes 2021 para levarmos em conta a violência que os sistemas estruturais simbólicos e estatais exercem sobre os corpos as maneiras como marginalizam causam sofrimento psíquico e constituem os sujeitos Entendo que Jeha e Birman 2022 nesse livro também repensam a psicanálise e colocam em prática a hipótese de Birman 2023 de que em nossa sociedade existem dívidas marcadas por apagamentos pela foraclusão que se não são colocadas efetivamente no campo da clínica social brasileira ou dos processos de análise dos analisantes nós estamos diante de um algo que não se analisa um algo que não se desconstrói e onde reprodu zimos essa violência endêmica que vivemos no Brasil a cada vez mais nas últimas décadas Birman 2023 p 25 Aurora no manicômio depósito dos indesejados valeuse da arte como re gistro subjetivo de sua memória da loucura de suas experiências e para tratar de uma realidade coletiva da mulher no que tange à opressão de gênero de sexualidade dos deveres de mãe filha e esposa Jeha Birman 2022 p 77 Para os autores ela não foi somente artista louca foi historiadora do Brasil interpretou 219 Stylus Revista de Psicanálise São Paulo no 46 p 217219 junho 2023 A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos a cena social brasileira apresentou a violência do hospício e seus procedimentos ditos terapêuticos foi uma artista de vanguarda e sua narrativa assim como a de outras pessoas precisa ser incorporada à história social à história das sen sibilidades da arte do negro da mulher da prostituta Jeha Birman 2022 p 77 e da psicanálise Os autores nesse livro resgataram para a psicanálise para a história da arte e para o feminismo a sinfonia noturna de Aurora e em seu ato contribuíram para afrouxar a camisa de força dos sujeitos da história Jeha Birman 2022 p 10 apontando caminhos para um possível acerto de contas com a realidade brasileira Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida 2022 deve ser lido atentamente é obra importante para nosso tempo a escrita é impecável e apre senta de maneira formidável caminhos para avançar debates contemporâneos sobre o malestar em nossa sociedade Referências bibliográficas Birman J 2023 janeirojunho Movimento psicanalítico invisibilidades e des mentidos Cadernos de Psicanálise CPRJ Rio de Janeiro 4548 1126 Recu perado em 20 de outubro 2023 de httpswwwcprjcombrojscprjindex phpcprjarticleview484 Jeha S Birman J 2022 Aurora memória e delírios de uma mulher da vida São Paulo Veneta Magallanes F 2021 Notas introductorias hacia una teoría metapsicopolítica y de imaginación corporeopolítica Psicoanálisis Buenos Aires 431 101109 Recuperado em 20 de outubro 2023 de httpswwwpsicoanalisisapdebaorg wpcontentuploads2021119MAGALLANESpdf Preciado P 2022 Eu sou o monstro que vos fala Cadernos PET Filosofia Curi tiba 221 278331 Recuperado em 20 de outubro 2023 de httpdxdoi org105380petfilov22i188248 Recebido 01062023 Aprovado 15062023 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARTES VISUAIS CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS BEATRIZ PEDROSA BORGES ARTE E TERAPIA Poéticas da psique MarabáPA 2023 BEATRIZ PEDROSA BORGES ARTE E TERAPIA Poéticas da psique Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Linguística Letras e Artes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em Artes Visuais Orientadora Profa Dra Silvia Helena dos Santos Cardoso Coorientador Prof Dr Armando de Queiroz Santos Junior MarabáPA 2022 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Biblioteca Setorial Campus do Tauarizinho B732a Borges Beatriz Pedrosa Arte e Terapia Poéticas da psique Beatriz Pedrosa Borges 2023 Orientadora Silvia Helena dos Santos Cardoso coorientadora Armando de Queiroz Santos Junior Trabalho de Conclusão de Curso graduação Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Instituto de Linguística Letras e Artes Faculdade de Artes Visuais Curso de Licenciatura Plena em Artes Visuais Marabá 2023 1 Arteterapia 2 Criatividade 3 Poesia 4 Arte I Cardoso Silvia Helena dos Santos orient II Santos Junior Armando de Queiroz coorient III Título CDD 22 ed 61585156 Elaborado por Renata Matos de Souza CRB21586 Para navegar contra a corrente são necessárias condições raras espírito de aventura coragem perseverança e paixão Nise da Silveira AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus que é minha força e base para tudo sem Ele eu não sou nada agradeço também a minha mãe Gerlanea Pedrosa que é maravilhosa e está sempre me apoiando para que eu cresça agradeço a minha avó Francisca Raimunda que vibrou de felicidade quando soube que eu tinha passado na faculdade e também a minha professora Silvia Helena Cardoso pela orientação e direção no desenvolvimento desta pesquisa agradeço ao meu professor coorientador Armando Queiroz por toda a paciência e o cuidado me auxiliando no processo de produção deste trabalho DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família e a todos que me apoiaram aos meus futuros alunos e também à luta antimanicomial LISTA DE FIGURAS Figura 01 Desenho Abstrato feito por paciente do CAPS sd 16 Figura 02 Cena da Série Ratched da Netflix Dr Hanover realiza uma Lobotomia 17 Figura 03 Adelina retrata o mito de Dafne 1959 20 Figura 04 Representação do Sol como origem dos ventos st 21 Figura 05 Representação de uma Mandala 23 Figura 06 Planetário de Deus 1947 25 Figura 07 Árvore da esperança mantémte firme autorretrato de Frida Kahlo 1946 27 Figura 08 Imolação do cavalo 1969 desenho retratando a imolação do instinto sexual 28 Figura 09 Moisés de Michelangelo 15131515 31 Figura 10 Janelas do mundo de André Vicente Gonçalves sd 32 Figura 11 Hugo Denizart Bispo do Rosário 1982 Impressões Fotográficas 34 Figura 12 Objetos de Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira 35 Figura 13 O Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário sd 37 Figura 14 Detalhe de Obra de Arthur Bispo do Rosário Colônia Juliano Moreira sd 38 Figura 15 Acadêmicos do Cubango O Rei que bordou o mundo 2018 39 Figura 16 Obra de Aurora Cursino st sd 42 Figura 17 Série Bichos 1960 de Lygia Clark 44 Figura 18 Máscara Sensorial 1967 de Lygia Clark 45 Figura 19 Frame do Documentário Memória do Corpo 1984 46 Figura 20 Vestido de Gilete e Acrílico 2010 de Nazareth Pacheco 47 Figura 21 Pintura Abstrata st Acervo CAPSMarabá 50 Figura 22 Cueva de las manos sd Pintura rupestre na Argentina 52 Figura 23 Imagem representativa da pirâmide de Maslow 1950 53 Figura 24 Pintura Autoral Abstrata sd Acervo CAPS 54 Figura 25 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 55 Figura 26 tapete de cama Romeu e Julieta sd de Arthur Bispo do Rosário 56 Figura 27 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 28 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 29 Pintura Autoral sd Acervo CAPS 58 Figura 30 Desenho feito por paciente do CAPS sd 59 Figura 31 Desenho feito por paciente do CAPS sd 59 Figura 32 Bolsas feitas de pinturas da sessão terapêutica do CAPS sd 60 Figura 33 Pintura em preto e branco feita por um paciente do CAPS sd 61 Figura 34 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS 62 Figura 35 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS 63 Figura 36 Tríade em preto e branco feita por paciente do CAPS sd 63 Figura 37 Pintura feita por paciente do CAPS sd 64 Figura 38 Pintura feita por paciente do CAPS sd 65 Figura 39 Pintura feita por paciente do CAPS sd 65 Figura 40 Bordando minhas telas 2022 Acervo pessoal 67 Figura 41 Primeiro bordado autoral 30x24 série linhas do corpo 2022 68 Figura 42 Segundo bordado autoral 30x30 série Linhas do Corpo 2022 69 Figura 43 Terceiro bordado autoral 30x30cm série Linhas do Corpo 2022 70 Figura 44 Despojos da cidade de Ouro Preto fotografia 2018 Coleção do autor 71 Figura 45 Quinto bordado autoral 20x20 série linhas do corpo 2022 72 Figura 46 Sexto bordado autoral 30x24cm série Linhas do Corpo 2022 73 Figura 47 Sétimo bordado autoral 25x25cm série linhas do corpo 2022 74 Figura 48 Oitavo bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 75 Figura 49 Nono bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 76 Figura 50 Décimo bordado 30x24 série linhas do corpo 2022 77 Figura 51 Bordado em bolsa da série linhas do corpo 2022 78 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 1 A ARTE E A PSIQUE HUMANA 13 11 A ARTE E SUAS REPRESENTAÇÕES PSÍQUICAS 15 12 A ARTE COMO CONSOLAÇÃO 29 CAPÍTULO 2 A ARTE E A LOUCURA 32 21 A ARTE E A LOUCURA 33 22 ARTE LOBOTOMIZADA 40 23 LYGIA CLARK DA ARTE PARA A TERAPIA 42 CAPÍTULO 3 ARTETERAPIA 47 31 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTETERAPIA 48 32 MINHAS EXPERIÊNCIAS NA ARTETERAPIA COMO PACIENTE 53 33 CAPS MARABÁ 61 CAPÍTULO 4 LINHAS DO CORPO EM BUSCA DE UMA POÉTICA VISUAL 67 41 EXPRESSÃO DO OPRIMIDO 68 CONSIDERAÇÕES FINAIS 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 81 REFERENCIAL FÍLMICO 82 CONSULTA EM SITES 82 INSTAGRAM 83 PROJETO DE CURSO A Dançaperformance como a voz do corpo 84 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DO CURSO 94 RESUMO As linhas de pesquisa do presente trabalho discorrem entre a teoria e o desenvolvimento poético visual refletindo sobre o uso da arte em meios terapêuticos e sobre sua contribuição para o homem e sua vivência apontando a mim como fonte de pesquisa Discutindo sobre a arte e suas representações psíquicas sua utilidade como forma de expressão e eficácia no tratamento de transtornos psicológicos e psiquiátricos apontando sua contribuição para a luta antimanicomial e também para o fim do uso de métodos psiquiátricos desumanos Durante o desenvolvimento da pesquisa foram apontados vários artistas que transitaram entre a arte e a possível loucura como Arthur Bispo do Rosário e Aurora Cursino São exploradas as diversas formas de arteterapia entre elas a pintura as terapias sensoriais como a obra Bicho de Lygia Clark e a dança que é a linguagem artística desenvolvida no Plano de Curso Todo este trabalho é regido pelo ponto de partida de que o uso da arte com fins terapêuticos é um método eficaz no que diz respeito a tratamentos psicológicos Palavraschave Arteterapia Poética Visual Representações Visuais Arte e Educação 12 INTRODUÇÃO O seguinte trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a relação entre a arte e a psicologia refletindo sobre o seu papel em tratamentos psicológicos ou como é mais citado no trabalho Arteterapia Essa pesquisa será apresentada como Trabalho de Conclusão de CursoTCC que está vinculado à Faculdade de Artes VisuaisFAV ao Instituto Linguística Letras e ArtesILLA e à Universidade do Sul e Sudeste do ParáUNIFESSPA seguindo a linha de Pesquisa de em Arte Educação Ensino e Aprendizagem e tocando delicadamente em Poéticas Visuais O intuito desta pesquisa é o de narrar como foram se constituindo os processos iniciais da Arteterapia e também apontar dados sobre o uso da mesma assim como sua influência em tratamentos psicológicos e seu importante papel no processo de expressão da psique Em seus quatro capítulos apresentamos figuras importantes no processo de concepção da Arteterapia que vai de psiquiatra artistas e pessoas com transtornos mentais No primeiro capítulo apresentamos Nise da Silveira uma pioneira no surgimento da Arteterapia e seu importante papel nesse processo assim como os impactos positivos que ela trouxe para a história da psiquiatria e consequentemente da arte Neste capítulo podemos conhecer a história de pacientes psiquiátricos que tiveram seus quadros clínicos positivamente alterados através da prática artística como método terapêutico No segundo capítulo faremos uma reflexão sobre a polêmica ligação entre a arte e a loucura através da história de vida de Arthur Bispo do Rosário É nesse capítulo que podemos acompanhar o questionamento sobre o que seria ou não Arte que trouxe dúvidas quanto à produção reveladora de Bispo Aqui conheceremos também uma outra artista considerada louca Aurora Cursino que é hoje conhecida como a Artista Lobotomizada Apresentaremos a artista Lygia Clark que explora através de suas obras as experiências sensoriais estimulando principalmente sentidos como tato e paladar O terceiro capítulo traz de forma mais direta a definição de arteterapia usando falas de arteterapeutas para afirmar sobre o seu poder curativo e reflete sobre a indispensabilidade da arte e sobre o seu papel no desenvolvimento do homem desde a PréHistória Traz também um relato pessoal onde aponto como dados da pesquisa a minha experiência psicológica e minha ligação com a arte mais especificamente com a arte como ferramenta de tratamento Para o auxílio desse relato trago fotos de algumas das práticas artísticas que tive contato no Centro de Atenção Psicossocial CAPS e também na ala psiquiátrica do Hospital Municipal de Marabá HMM O quarto e último capítulo apresenta um trabalho poético autoral onde eu trago bordados manuais em que utilizo como suporte a tela e discorro sobre suas representatividades no que diz respeito a mim e minha história de vida Apresento também as considerações finais que refletem sobre a valorização da arte principalmente no campo educacional 13 Como resultado deste trabalho de pesquisa elaboramos um Plano de Curso que conta com dez encontros de aulas com duração de duas horasaulas cada onde será trabalhado de forma lúdica a Arteterapia com foco na Dançaterapia tendo como público alvo alunos de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental No decorrer das aulas desse plano os discentes conhecerão espaços que praticam Dançaterapia e terão também a experiência prática da mesma através de dinâmicas e oficinas 14 CAPÍTULO 1 A ARTE E A PSIQUE HUMANA 15 A arte é mais que uma ferramenta ela é um meio de sentir e de expressar emoções nos permite compartilhar sensações e nos proporciona uma comunicação que excede as palavras pois ao olharmos um quadro e nos depararmos com o silêncio da sala de uma galeria de exposição ouvimos e vemos aquilo que o quadro nos mostra é quase como se a obra sussurrasse no nosso ouvido o que o artista pretendia falar eou aquilo que queremos ouvir seja os dois a mesma coisa ou não Anotações Autorais 2022 16 11 A arte e suas representações psíquicas Figura 1 Desenho Abstrato feito por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPSMarabá A arteterapia é um método que usa as diferentes linguagens artísticas como a dança a pintura e o desenho para fins terapêuticos onde essas práticas atuam como meio de expressão e também de tratamento Antes da arteterapia começar a ser utilizada os métodos de tratamentos eram muitos cruéis dolorosos e até desumanos Um desses métodos era a Lobotomia que consiste em uma cirurgia que retira parte do cérebro e também o Eletrochoque mas tudo isso mudou e uma das pessoas que foram fundamentais para essa transformação foi a Dra Psiquiatra Nise Magalhães da Silveira Em 1944 Nise da Silveira como ficou conhecida entrou para a equipe do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II no bairro de Engenho de Dentro no Rio de Janeiro onde revolucionou a história da psiquiatria direcionando o tratamento de seus pacientes através de linguagens artísticas explorando e desenvolvendo a comunicação e 17 também buscando entender os traumas e transtornos psíquicos dos pacientes Nise da Silveira iniciou então a sua revolução no mundo da psiquiatria usando como ferramentas as possibilidades que a arte nos proporciona Os métodos de tratamentos citados acima podem ser vistos representados em filmes e séries como no caso da Ratched 2020 que conta a história de uma enfermeira que trabalha em um hospital psiquiátrico onde auxilia em processos terapêuticos e também em Lobotomias É possível constatar também que alguns pacientes não possuíam nenhum tipo de transtorno e eram tachados de loucos apenas por não se encaixarem nos moldes da sociedade como por exemplo comportamentos e orientações sexuais consideradas inadequadas socialmente Figura 2 Cena da Série Ratched da Netflix em que o Dr Hanover realiza uma Lobotomia Fonte Portfólio de PsicologiaSAPO1 Nise da Silveira ao iniciar o tratamento de arteterapia com seus pacientes pôde observar que alguns com quadro de esquizofrenia severa tiveram mudanças significativas em seu comportamento tornandose mais comunicáveis como é o caso de Emygdio de Barros Diagnosticado com esquizofrenia e internado há 23 anos quando começou a frequentar o ateliê de pintura da Dra Nise da Silveira Barros teve melhora significativa 1 Fonte httpsjoananunesportefoliodepsicologiablogssapoptalobotomia12874 Acessado em 02022023 18 voltando a morar com a família e se destacando na pintura passando a ser reconhecido como artista pelo crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa2 Além do uso da arte como ferramenta terapêutica Nise também utilizou os animais como apoio psicológico pois acreditava e afirmava que o apego emocional positivo gerava bons resultados comportamentais nos pacientes já que os animais desempenhavam um papel de terapeutas e também de apoio emocional Um exemplo de resultados positivos da relação entre doente e animal é Joana outra paciente que desenvolveu o papel de cuidadora e ajudante em uma clínica veterinária podendo ter alta logo após Além de usar a arteterapia como ferramenta de tratamento Nise da Silveira decidiu trabalhar as relações emocionais de seus pacientes através do contato com animais como exemplo os cachorros pois afirmava que as relações e o apego emocional entre o paciente e seu animal gerava bons resultados em seu comportamento A paciente Joana foi um dos bons exemplos dessa estratégia terapêutica desenvolvendo o papel de cuidadora e ajudante em clínica veterinária tendo alta posteriormente A história do Hospital Engenho de Dentro é contada no filme dirigido por Roberto Berline Nise o Coração da Loucura 2016 que mostra como a Dra Nise da Silveira mudou o cenário precário tanto do hospital quanto da Psiquiatria usando da Arteterapia como práticas e posicionamentos que impulsionaram movimentos que lutavam contra a reclusão e tratamentos dolorosos em pessoas com transtornos mentais Esses movimentos foram importantes para constituir o cenário clínico e terapêutico atual e tornandose conhecidos como Movimento de Luta Antimanicomial3 sendo celebrado em 18 de maio de cada ano No filme Nise o Coração da Loucura 2016 podemos ver que a Dra representada pela atriz brasileira Glória Pires luta contra métodos como a psicocirurgia mais conhecida por Lobotomia descoberta em pesquisas pelo Dr Antônio Egas Moniz que ganhou o prêmio 2 Mário Pedrosa Timbaúba Pernambuco 1900 Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1981 Crítico de arte jornalista professor Realiza seus estudos no Institut Quinche em Lausanne Suíça em 1913 Entre 1920 e 1922 vive em São Paulo e trabalha como redator de política internacional no jornal Diário da Noite e produz artigos de crítica literária Fonte httpsenciclopediaitauculturalorgbrpessoa445mariopedrosa Acessado em 09022023 3 O Movimento da Luta Antimanicomial se caracteriza pela luta pelos direitos das pessoas com sofrimento mental Dentro desta luta está o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em nome de pretensos tratamentos ideia baseada apenas nos preconceitos que cercam a doença mental O Movimento da Luta Antimanicomial faz lembrar que como todo cidadão estas pessoas têm o direito fundamental à liberdade o direito a viver em sociedade além do direito a receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que abrir mão de seu lugar de cidadãos Fonte httpsbvsmssaudegovbr185dia nacionaldalutaantimanicomial2 Acessado em 12032023 19 Nobel O eletrochoque e a lobotomia eram vistos como os métodos mais eficazes da época para o tratamento de psicóticos e esquizofrênicos além de serem vistos como uma descoberta quase que divina Nas primeiras cenas do filme vemos o quanto a psiquiatria daquela época se maravilhou com tais métodos situação que a Dra Nise da Silveira não concordava e começou a lutar contra esses tratamentos No início de seu trabalho no Hospital de Engenho de Dentro um de seus primeiros passos para mudar a situação foi escolher e preparar um lugar que seria destinado às práticas artísticas e terapêuticas como a pintura desenho e a escultura Ao pesquisar é possível ver que muitos dos pacientes esquizofrênicos da Dra Nise da Silveira obtiveram melhoras como o paciente Emygdio de Barros já citado acima e a paciente Adelina Gomes A paciente simpatizou com as linguagens artísticas trabalhadas dedicando se muito a cada uma delas obtendo melhoras em seu comportamento agressivo tornandose uma pessoa mais dócil através da pintura Adelina retratava suas metamorfoses vegetais descritas na obra Imagens do Inconsciente 2015 de autoria da Dra Nise da Silveira A psicóloga junguiana dirá que cada metamorfose encerra significações específicas No caso particular de Adelina é um mito grego que encontramos paralelo esclarecedor no mito de Dafne Apolo persegue Dafne em uma corrida louca através de campos e bosques fugindo sempre a Ninfa busca refúgio junto de sua mãe a terra que a acolhe e a metamorfoseia em loureiro SILVEIRA 2015 p 219 Ao se metamorfosear de acordo com o mito de Dafne Adelina demonstra esconder seus instintos femininos os instintos eróticos e maternos 20 Figura 3 Adelina retrata o mito de Dafne 1959 Fonte Vestindo o que forma uma corola é possível identificar a cabeça e um busto no cálice da flor Guache sobre papel 48 x 33 cm 19594 De acordo com a teoria de Carl Gustav Jung 18751961 a Dra Nise da Silveira escreveu sobre o inconsciente coletivo como instintos vivências e conhecimentos psíquicos que seriam herdados de gerações passadas guardados em uma das camadas da Psique Como se cada camada do inconsciente em todos os seres humanos estivessem interligadas por aquilo que pode ser chamado de memórias ancestrais e que eram manifestadas através dos desenhos e pinturas dos esquizofrênicos e psicóticos Um primeiro exemplo de inconsciente coletivo é descrito por Jung em suas pesquisas Jung conta que em 1906 encontrou no corredor do hospital psiquiátrico onde trabalhava um esquizofrênico que tentava olhar o sol piscando as pálpebras e movendo a cabeça de um lado para o outro O doente disselhe que quando movia a cabeça o pênis do sol também se movia e esse movimento era a origem do vento Quatro anos depois de haver 4 Fonte httpsmediumcomcaioandartadelinagomesmetamorfoses550a5210523c Acessado em 09022023 21 registrado essa observação sem compreender a significação daquela imagem alucinatória Jung encontrou idêntica imagem igualmente responsável pela origem do vento nas visões de adeptos de Mitra divindade solar descrita num texto traduzido de papiros gregos publicado pela primeira vez em 1910 SILVEIRA 2015 p 149 A Dra Nise da Silveira reflete sobre esta questão como poderíamos explicar que a alucinação de um esquizofrênico condizia especificamente com a tradução de um documento que só teria sido publicado pela primeira vez anos depois De acordo com a teoria de Jung isso se caracterizaria como uma manifestação do Inconsciente coletivo O paciente carioca Carlos Pertuis 1910 1977 diagnosticado com esquizofrenia também expressa em suas pinturas algo muito semelhante à teoria de que o Sol é a origem do vento vista na citação acima Figura 4 Representação do Sol como origem dos ventos st Fonte SILVEIRA 2015 p 150 Em sua obra a Dra Nise da Silveira fala sobre esse e outros fenômenos psíquicos aos quais para detectálos ela se utiliza da observação das pinturas e dos desenhos feitos por seus pacientes como atividade terapêutica Por ser formada em medicina psiquiátrica ela define melhor esses acontecimentos psíquicos identificados através da produção artística 22 desenvolvida Neste sentido a Arteterapia colaborou para que os pacientes e seus sintomas fossem identificados e tratados Nise da Silveira se utiliza da produção de seus pacientes para identificar possíveis lutas entre o consciente e o inconsciente que podem ser expressas através de formas imperfeitas orgânicas e abstratas Observando as pinturas e os desenhos de pessoas afetadas psicologicamente percebese a tentativa da mente de se regenerar Essa tentativa é expressa muitas vezes em forma de Mandala que segundo a teoria junguiana é um círculo mágico que representa simbolicamente a luta pela unidade total do eu Silveira 2015 Apesar da palavra Mandala significar círculo ela pode conter em sua composição outras formas geométricas porém a organização dessas formas juntas devem resultar em uma figura circular A Mandala é vista como um símbolo de harmonia e equilíbrio e faz parte de algumas religiões e crenças entre elas o Budismo 23 Figura 5 Representação de uma Mandala5 Um outro uso frequente das mandalas relacionado com a arteterapia são os livros de terapia antiestresse como por exemplo Mandalas para relaxar 2019 e Controlando a ansiedade e colorindo a vida 2015 livros com diversos tipos de mandalas para colorir A produção artesanal de mandalas em barbante também é uma atividade terapêutica frequente em espaços como clínicas de reabilitação e Centro de Atenção PsicossocialCAPS Uma forte característica da mandala é que ela dirige o olhar de quem a vê ao centro do desenho Este é um gesto que por assim dizer resume a psicologia jungiana apontar para o centro o self simbolizado pela mandala O self é o princípio e o arquétipo da orientação e do sentido nisso reside sua função curativa Silveira 2015 p 60 5 Mandala é uma palavra sânscrita que significa círculo A Mandala também possui outros significados como círculo mágico ou concentração de energia Universalmente a Mandala é o símbolo da totalidade da integração e da harmonia Em várias épocas e culturas a mandala foi usada como expressão científica artística e religiosa Fonte httpswwwclicterapiacombrmandalasterapeuticas Acessado em 09022023 24 Mandalas costumam apresentarse em alucinações expressando a junção do consciente e inconsciente ou seja a unidade total do eu mas conhecido como self Um exemplo de Mandala surgida do inconsciente é a mandala pintada por Carlos Pertuis já citado acima Carlos intitula sua Mandala que tem como elemento central uma flor como Planetário de Deus 25 Figura 6 Planetário de Deus 1947 Fonte Enciclopédia Itaú Cultural6 De acordo com De Boton e Armstrong 2014 podemos observar que muitas vezes nos dirigimos à arte procurando algo que nos falte por exemplo uma pessoa que nasceu e sempre viveu em uma cidade ensolarada onde o céu quase nunca se fecha e traz uma chuva geralmente se sente agraciada com uma fotografia de pessoas brincando na neve uma mulher estéril que sonha em ser mãe e gerar um filho se comoveria ao ver um quadro uma fotografia ou até mesmo uma cena de filme que retrata uma mãe amamentando seu bebê ou preparando o lanche do seu primeiro dia na escola É assim também com a arte tendemos a produzir ou a apreciar coisas que almejamos e por isso a produção artística de forma terapêutica nos coloca frente aos nossos medos e desafios e pode revelar desejos guardados no subconsciente A arte é além de tudo um instrumento Um instrumento é uma extensão do corpo que permite realizar um desejo e é necessário por causa de algum impedimento da nossa constituição física Uma faca é uma resposta a nossa necessidade e incapacidade de cortar Uma garrafa é uma resposta a necessidade e incapacidade de carregar água Para descobrirmos a finalidade da arte é 6 Fonte httpsenciclopediaitauculturalorgbrobra11570oplanetariodedeus Acessado em 06022023 26 preciso perguntar o que deveríamos fazer com nossa mente e nossas emoções mas não conseguimos fazer muito bem De Boton Armstrong 2014 p 5 A arte possui assim um poder consolador já que pode expressar aquilo que desejamos e imaginamos ser a felicidade absoluta O prazer com obras graciosas se alimenta da insatisfação se não achássemos a vida difícil a beleza não teria a atração que tem De Boton Armstrong 2014 p 20 A arte revela traços do nosso inconsciente que nos define entre eles nossos medos e desejos portanto ela também nos auxilia no autoconhecimento e como sendo um meio de expressão nos ajuda a conhecer o próximo Alguns artistas exploram os autorretratos como forma de conhecer mais de si e de expressar esse conhecimento uma dessas artistas é Frida Kahlo grande parte de suas obras retratam ela mesma Em uma de suas frases ela afirma Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor De Boton Armstrong 2014 Segundo os autores ao olharmos para um autorretrato podemos nos deparar com traços físicos e também da personalidade de quem a fez em uma de suas obras Frida se retrata como sendo duas mulheres uma delas está visivelmente vulnerável deitada em uma cama e ferida já a outra está imponentemente sentada ao lado com uma bandeira que diz Árvore da esperança mantémte firme 1946 Além da possibilidade da obra estar expressando duas faces da personalidade da artista 27 Figura 7 Árvore da esperança mantémte firme autorretrato de Frida Kahlo 19467 Fonte Wikipédia Em outra situação podemos ver a expressão do inconsciente através de uma imolação sexual como por exemplo o caso de Octávio um dos pacientes esquizofrênicos que frequentava o ateliê da Dra Nise da Silveira Octávio tinha desejos homossexuais a qual ele reprimia mas que se revelavam em suas pinturas onde era frequente a representação do sacrifício desses desejos como podese ver na imagem abaixo onde o homem sacrifica o cavalo que representaria aqui suas vontades sexuais 7 Fonte httpsptwikipediaorgwikiC381rvoredaEsperanC3A7aMantenhaseFirme Acessado em 06022023 28 Figura 8 Imolação do cavalo 1969 desenho retratando a imolação do instinto sexual Fonte SILVEIRA 2015 p 1098 É importante lembrar que essa interpretação foi feita por um paciente esquizofrênico no caso de Octávio portanto isso não diz que toda pintura ou desenho que ilustre o sacrifício de um animal significa reprimir instintos sexuais de quem o fez No que se diz respeito ao tratamento de um psicótico eou esquizofrênico a prática artística tem uma grande importância visto que no nosso inconsciente existem diferentes personalidades como no caso da anima e do animus afirmadas por Jung como sendo a parte feminina do homem e a parte masculina da mulher respectivamente que se revelam através da expressão artística Uma questão polêmica sobre a loucura em relação a arte é sobre o potencial criativo que diverge da lógica do mercado de arte onde no decorrer da história da arte podemos ver artistas com transtornos mentais e emocionais que se desenvolveram expressivamente e foram reconhecidos um desses artistas é Vincent Willem Van Gogh 18531890 Apesar de possuir transtorno bipolar e depressão de acordo com uma percepção diagnóstica recente do seu estado mental sendo também alcoólatra foi um grande pintor do pósimpressionismo 8 Fonte httpsbrpinterestcompin89438742572069446 Acessado em 07012023 29 porém não podemos esquecer que o irmão comercializava suas obras em Londres maior centro comercial das artes naquele momento A história de trajetória da educadora Maria Tecla Artemisia Montessori 18701952 contada no filme Maria Montessori uma vida dedicada às crianças 2007 faz um paralelo com a luta da Dra Nise da Silveira Enquanto Maria Montessori aplicava seus métodos de ensino e prova que crianças intituladas retardadas são capazes de crescer em seu aprendizado e serem alfabetizadas Nise também aplica seus novos métodos de tratamento provando que é eficaz o tratamento de transtornos mentais através da arte e que transtornos mentais não tiram a capacidade criativa da pessoa humana Além do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro no Rio de Janeiro um outro pioneiro do uso da arte para tratamentos mentais foi o psiquiatra Osório César 18951979 que é também o fundador da Escola Livre de Artes Plásticas do Hospital do Juqueri no interior de São Paulo Exemplos de processos terapêuticos em Arteterapia que inspiraram novas abordagens humanizadas relacionando arte e loucura Assim podemos perceber que existem hoje muitas exposições e museus curando a arte ligada à loucura expondo obras produzidas por pacientes psiquiátricos como no caso do Museu Imagens do Inconsciente que é composto por obras de pacientes da Dra Nise da Silveira o Museu Bispo do Rosário e também o Museu Emílio Ribas que tem como parte do acervo pinturas e desenhos produzidos por pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri 30 12 A Arte como consolação A arte nos impulsiona a perceber as coisas do cotidiano como se fossem algo novo vemos algumas vezes pinturas e desenhos que retratam apenas uma cena comum ao nosso dia a dia mas o fato de elas estarem na tela de um artista nos faz olhar essa cena como se fosse algo nunca visto assim enxergamos valor nas coisas que passam pelos nossos olhos todos os dias despercebidamente nesse sentido a arte provoca a nossa sensibilidade A arte remove nossa casca e nos salva do habitual descaso pelo que está ao nosso redor Recuperamos a sensibilidade olhamos o velho de novas maneiras Deixamos de supor que as únicas soluções são a novidade e o glamour De Boton Armstrong 2014 p 65 A arte também expressa aspectos de uma determinada época em tempos em que predominava o poder religioso ou seja a igreja era um dos maiores poderes a arte expressava cenas e personagens bíblicos como é o exemplo de Moisés e Davi que foram esculpidos por Michelangelo 14751564 A fruição destas obras nos oferecem possibilidades de investigar a alma humana em sua profundidade como podemos observar na leitura que Sigmund Freud 18561939 fez de Moisés revelando através de uma análise lê a pedra o mármore esculpido como se lesse a alma humana Da mesma maneira situações do cotidiano nos oferecem esta possibilidade de reflexão sensível 31 Figura 9 Moisés de Michelangelo 151315159 Fonte Wikipédia A arte nos mostra paisagens que não são tão comuns como imaginamos e que por isso observamos com desejo como no caso de paisagens naturais que se tornam exuberantes ao olhos de quem mora em cidades grandes com prédios e trânsito lotado mas também pode nos trazer à tona cenários que fazem parte da nossa convivência como fez o fotógrafo André Vicente Gonçalves que decidiu fotografar os diferentes tipos de janelas que encontrou pelo mundo resultando em uma série fotográfica intitulada janelas do mundo 9 Fonte httpsptwikipediaorgwikiMoisC3A9s28Michelangelo29 Acessado em 09032023 32 Figura 10 Janelas do mundo de André Vicente Gonçalves sd 10 Fonte Site ArchDaily Essas paisagens que estão tão perto de nós e que não costumamos nos atentar merecem sim visibilidade pois elas dizem respeito a identidade de uma sociedade e consequentemente também a nossa e mesmo fora do padrão elas possuem sua beleza particular e a manifestação depende de quem a observa Podemos aprender a ver novas coisas em coisas velhas assim como diz o escritor norteamericano Ralph Waldo Emerson 18031882 abrir espaço na alma para reconhecer outras formas de beleza como nos lembra De Boton e Armstrong 2014 A arte então pode ser descrita como uma força que nos impulsiona a pensar a observar as pequenas coisas e a refletir sobre a vida ela nos faz crescer e também nos mostra a grandeza do mundo A verdadeira finalidade da arte é criar um mundo onde ela seja menos necessária e menos excepcional um mundo onde os valores atualmente encontrados celebrados e fetichizados em doses concentradas entre as paredes dos museus estejam difundidos de forma mais indiscriminada por toda a terra DE BOTTON ARMSTRONG 2014 p 232 10 Fonte httpswww1folhauolcombrilustrada202205quemfoiauroracursinoartistalobotomizadaque pintouasubmissaofemininashtml Acessado em 12092022 33 CAPÍTULO 2 A ARTE E A LOUCURA 34 21 A arte e a loucura Figura 11 Hugo Denizart Bispo do Rosário 1982 Impressões Fotográficas Cortesia Denizart Cordeiro Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Um dos artistas que está fortemente ligado à discussão sobre arte e loucura é Arthur Bispo do Rosário 19091989 Bispo levava uma vida comum trabalhou na Marinha por nove anos e teve uma pequena carreira no pugilismo ou boxe até que em 1938 manifestou problemas psicológicos A partir de alucinações em que acreditava estar recebendo a missão de preparar o mundo para o dia do Juízo Final Bispo então se dedica em cumprir sua missão de preparação do mundo e as coisas nele existentes Essa dedicação resulta em produções 35 artísticas como bordados ou pequenas instalações em que ele se utilizava de objetos sem valor social para dar novos significados prática que se aproxima dos reademades conceito artístico desenvolvido pelo artista francês Marcel Duchamp 18871968 Figura 12 Objetos de Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira 11 Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Um dos aspectos da missão de Bispo era o fato de que ele acreditava ter que modificar as coisas deste mundo para apresentálas a Deus isso fez com que ele criasse inúmeros objetos ressignificados ou seja atribuindo novos sentidos Partindo desse ponto podemos perceber que Bispo não se preocupava em produzir Arte e sim em cumprir sua missão divina Por esse motivo suas obras só foram expostas como Arte após 43 anos do início de sua jornada Atualmente existem outras possibilidades para análises uma delas é a aproximação com a Arte Contemporânea uma vez que as produções artísticas de Bispo ocupam espaços expositivos onde não o diferenciam dos demais artistas contemporâneos Sua obra é analisada por seu valor artístico não se limitando somente a delírios psicóticos Uma dessas exposições foi Ordenação e Vertigem com a curadoria de Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo em 2003 Recentemente o Itaú Cultural em São Paulo trouxe a mostra Bispo do Rosário Eu Vim Aparição Impregnação e Impacto 2022 com curadoria de Ricardo Resende do Museu Arthur 11 Fonte httpsptwikipediaorgwikiOsBichos Acessado em 12092022 36 Bispo do Rosário Arte Contemporânea mBRAC onde foram apresentadas 400 obras entre mantos estandartes esculturas e outros A produção de Arthur Bispo do Rosário lhe trazia um sentimento de missão cumprida já que ele acreditava estar modificando o mundo através de suas composições e ressignificações para um objetivo maior que era preparálo para o Juízo Final Neste sentido a Arte aparece como uma ferramenta de transformação para refazer o mundo nova maneira de enxergálo Imagine que Bispo não se visse capaz de preparar o mundo para o Juízo Final isso somaria angústia e traria efeitos negativos a sua existência assim a arte se torna remédio para a alma Anotações Autorais 2022 A produção de um artista traz consigo uma série de decisões por ele tomadas para chegar a algum resultado desde a cor e a técnica utilizadas até como expor publicamente a obra porém Bispo não foi motivado por tais decisões uma vez que não produziu com o intuito artístico ao contrário seguia sua meta divina o que torna suas produções singulares Uma das principais obras do artista é o Manto da Apresentação 1987 feito com tecidos e linhas recicladas de roupas velhas e que traz uma riqueza de bordados manuais com formas abstratas como a mandala colorida que ilustram tanto elementos desse mundo como também relacionadas ao divino Bispo pretendia usar o Manto da Apresentação no dia do Juízo Final onde segundo ele haveria o julgamento dos vivos e dos mortos Frequentemente a mandala surge como fenômeno psicológico primário que apenas reflete a estrutura quaternária básica da psique em imagens compostas de quatro elementos semelhantes ou múltiplos de quatro também semelhantes SILVEIRA 2015 p 67 De acordo com a Dra Nise da Silveira as mandalas dizem muito sobre o estado psíquico de quem a fez no momento em que as fez As mandalas representadas no Manto e em outras obras são de múltiplos de quatro e nos faz refletir que mesmo com delírios e alucinações Bispo possuía em seu consciente ligações com a realidade que são representadas através de pequenas características na sua produção 37 Figura 13 O Manto da Apresentação de Arthur Bispo do Rosário sd12 Fonte Pinterest É interessante perceber que apesar de viver a maior parte de sua vida internado em hospitais psiquiátricos as produções de Bispo não representam os lugares onde ele viveu apenas as matérias primas utilizadas tais como cordas e roupas velhas pertenciam aos espaços 12 Em uma definição sucinta self inclui um corpo físico processos de pensamento e uma experiência consciente de que alguém é único e se diferencia dos outros o que envolve a representação mental de experiências pessoais FontehttpswwwscielobrjpaideiaaBcb4hf9B9TmfwqZJtQRPTRslangpttextEm20uma 20definiC3A7C3A3o20sucinta2C20selfGazzaniga202620Heatherton2C202003 Acessado em 10032023 38 Figura 14 Detalhe de Obra de Arthur Bispo do Rosário Colônia Juliano Moreira sd Costura revestimento bordado escrita Coleção PCJRMuseu Bispo do Rosário Arte Contemporânea Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Como sabemos a vida de Bispo era regida por suas alucinações e sua missão divina que eram expressas e materializadas através de suas produções Apesar de os símbolos e as escritas presentes não serem decifráveis as obras do artista nos dizem sobre o que ele acreditava ser o seu papel no mundo Contemporaneamente a história e a trajetória de Arthur Bispo do Rosário também está presente em desfiles de Carnaval como em 2018 com a escola de samba Acadêmicos do Cubango com o tema O Rei que bordou o mundo além de diversas exposições em museus e centros culturais como já escrito 39 Figura 15 Acadêmicos do Cubango O Rei que bordou o mundo 201813 Fonte Pinterest Em julho de 2011 o programa jornalístico De Lá Pra Cá entrevistou Ricardo Aquino exdiretor do Museu Bispo do Rosário e também o ator João Miguel que representou Bispo em um monólogo Na entrevista ao programa Miguel disse Eu não acho que a obra do Bispo seja uma obra feita da loucura o espetáculo que eu faço tudo que o Bispo me ensinou a partir desse contato de admiração artística pelo o artista que ele é são aspectos de lucidez e não da loucura catalogada Na mesma entrevista Ricardo Aquino 13 Fonte httpsportallygiaclarkorgbracervo212mascarassensoriais Acessado em 12092022 40 quando questionado sobre a sanidade de Bispo afirmou Pra psiquiatria ele estava esquizofrênico pra arte ele estava são artista Na exposição Ordenação e Vertigem 2003 Ricardo Aquino fez o comentário Como Deleuze apontou o paciente clinica a si quando cria e nessa situação ele não está doente e sim artista ORDENAÇÃO e VERTIGEM 2003 p 81 Ao decorrer da pesquisa percebemos que a loucura aparece também com seguinte definição sentimento ou sensação que foge ao controle da razão Para a pesquisadora Lúcia Santaella não há arte sem paixão e no seio da paixão a loucura se anima Ordenação e Vertigem 2003 41 22 ARTE LOBOTOMIZADA Aurora Cursino 18961959 foi uma das pacientes internadas no Hospital do Juquery e que participou da Escola de Artes Plásticas fundada por Osório César Aurora sofreu Lobotomia e ficou conhecida como a Artista Lobotomizada Ela produziu um acervo com cerca de 200 quadros e algumas de suas obras fizeram parte da exposição Imagens do Inconsciente 2000 na Bienal de São Paulo Aurora é assunto de um catálogo que discute sobre temas polêmicos como violência sexo e submissão feminina publicado pela Veneta Editora A publicação tem como título Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida e traz cerca de 78 reproduções de suas obras Assim como sua obra foi apresentada na revista Gama ressaltando o tema arte e loucura O jornalista Leonardo Neiva faz a seguinte observação Tendo ficado boa parte da vida internada em hospitais psiquiátricos a artista que também já foi prostituta e empregada doméstica é presença marcada na maioria dos materiais e pesquisas que envolvem arte e loucura mas raramente é citada ao se falar na história da arte no Brasil Gama 2022 p 01 As produções de Bispo e de Aurora possuem algo em comum o uso de palavras em suas composições As obras de Bispo do Rosário trazem uma escrita ligada ao divino e consequentemente também ao futuro enquanto Aurora trabalha com palavras que contam parte de sua história e de sua trajetória como prostituta 42 Figura 16 Obra de Aurora Cursino st sd14 Fonte Folha de SPauloUOL 14 Fonte httpsbrpinterestcomnociamlygiaclark Acessado em 12012023 43 23 LYGIA CLARK DA ARTE PARA A TERAPIA O trabalho sensorial da artista brasileira Lygia Clark 19201988 explora sensações guardadas na mente humana e também cria novas memórias através da experiência vivida durante a interação com suas obras artísticas Clark acaba por romper o padrão até então esperado de interação entre obra e público fazendo com que o público seja parte efetiva da obra Com essa prática de interação Clark acaba transformando sua exposição em uma experiência terapêutica onde o indivíduo manipula a obra e também é manipulado por ela A obra para Lygia Clark só funciona com a interação obrapúblico e públicoobra Vale lembrar que uma das funções da psique é guardar as lembranças se utilizando de âncoras de memórias As principais dessas âncoras são alguns dos nossos sentidos como o tato paladar olfato audição e visão por isso é normal sentirmos um perfume ou ouvirmos algum som que nos traz memórias antigas ou que estavam guardadas em uma camada mais profunda da nossa mente Lygia Clark nem sempre trabalhou com essa abordagem no começo de sua trajetória se dedicou à pintura mas a mudança ocorreu por volta de 1960 quando a artista expôs a primeira obra que trabalhava com a interação do público a obra Bichos 1960 composta por pequenas esculturas feitas de metal com dobradiças o que permitia modificações criando novas formas 44 Figura 17 Série Bichos 1960 de Lygia Clark15 Fonte Galeria Murilo Castro A obra de Lygia Clark estimula também o Self 16 isto é uma unidade do corpo e da mente pois em suas obras a experiência corporal gera forte conexão com a memória existente como no caso da obra Túnel 1973 que consiste em um grande túnel de tecido em que a pessoa se movimenta a procura da saída e traz uma sensação física próxima ao parto humano Assim a obra não é somente o objeto feito por ela mas toda a experiência vivenciada Uma de suas obras mais interessantes são as Máscaras Sensoriais 1967 que são máscaras de tecido com furos no lugar dos olhos contendo diversos elementos que podem modificar a visão de quem a está usando um desses elementos é o espelho Além desses elementos as máscaras se diferem em cheiro e em seu peso de forma que cada máscara traz consigo uma sensação sensorial diferente A experiência sentida ao usar as máscaras alcança também o Self já que a pessoa sente o espaço com o corpo e também com a mente 15 Fonte httpsmurilocastrocombr2015arteriofeirainternacionaldeartedoriodejaneiro09a1309 artrio2015023 Acessado em 14012023 16 Esta expografia se inspira na maneira como Bispo organizou seus objetos em sua cela na Colônia Juliano Moreira Sem hierarquias essa organização constitui uma única obra de múltiplas partes que não foram nomeadas pelo artista tendo apenas títulos atribuídos por pesquisadores Texto Curatorial da Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 45 Figura 18 Máscara Sensorial 1967 de Lygia Clark17 Fonte Portal Lygia Clark A artista Lygia Clark decidiu então em 1978 se aprofundar no uso de experiências sensoriais estimulando o corpo de forma terapêutica com psicóticos No documentário Memória do Corpo 1984 de Mário Carneiro podemos ver alguns objetos que Lygia elaborou para lhe ajudar a gerar uma experiência que tem como base as sensações onde a pessoa era estimulada a relaxar de forma profunda e se conectar com seu interior A artista sofreu críticas de alguns psicanalistas em função do seu trabalho terapêutico que apesar de inovador para a época Lygia Clark não possuía formação na área Para o crítico de arte Paulo Sérgio Duarte o trabalho da artista conectava as pessoas às partes de seu corpo de forma individual fazendo com que consequentemente se conectassem também com o seu todo 17 Fonte httpswwwcanalsaudefiocruzbr Acessado em 14012023 46 O artista pernambucano Lula Wanderley deu continuidade ao trabalho terapêutico de Lygia Clark no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro Em certa ocasião Wanderley relatou um acontecimento um paciente em surto ao aguardar ser atendido na sala de espera manuseia conchas almofadas de areia sacos cheios de água e um cobertor de bolinhas de isopor e logo consegue sair do estado de surto dizendo que eram esses os objetos que o acalmaram no surto e que se fosse psicólogo era assim que escolheria tratar seus pacientes Figura 19 Frame do Documentário Memória do Corpo 1984 Fonte httpsbrpinterestcompin619174648748308649 Acessado em 07022023 Atualmente é muito comum em canais do Youtube a prática do ASMR mas o que é ASMR Autonomous Sensory Meridian Response Resposta Sensorial Autônoma dos Meridianos é basicamente uma resposta do seu corpo a estímulos sensoriais como por exemplo o tato e a audição que podem causar um relaxamento eou uma sensação de prazer Muito conhecido nas redes sociais e em canais que tem como principal conteúdo esta prática O ASMIR pode se aproximar do trabalho de Lygia Clark já que traz sensações de relaxamento Contudo diferentemente de assistir um vídeo no celular ou TV o trabalho de 46 Lygia por ser presencial explorava a totalidade dos sentidos isto pode ser visto no documentário Memória do Corpo 1984 Não podemos esquecer mesmo que de forma rápida de Nazareth Pacheco 1961 outra artista brasileira que também explora as sensações do corpo Pacheco busca expressar em sua obra a dor sentida por ela em cirurgias sofridas no decorrer da vida E essa sensação de dor é representada por objetos cortantes como giletes No documentário Gilete Azul 2003 somos levados quase que instantaneamente pela obra Vestido de Gilete e Acrílico 2010 a imaginar e sentir a dor É nesse aspecto que o trabalho de Nazareth se aproxima ao de Lygia pois as duas artistas trabalham com sensações e vivências onde arte e vida se confundem Figura 20 Vestido de Gilete e Acrílico 2010 de Nazareth Pacheco19 Fonte Galeria Murilo Castro 19 Fonte httpseswikipediaorgwikiCuevadelasManos Acessado em 15012023 47 CAPÍTULO 3 ARTETERAPIA As coisas não são ultrapassadas tão facilmente são transformadas NISE DA SILVEIRA 48 31 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTE TERAPIA A Arteterapia é uma terapia que se utiliza de diferentes formas de fazer arte para amenizar sintomas psicológicos promover o autoconhecimento e disponibilizar formas de expressão O desenvolvimento da arteterapia não depende de boa desenvoltura na área artística não é preciso ter práticas de técnicas pois ela visa seu valor no processo de produção onde o paciente se desprende e livremente busca um resultado a partir de uma experiência com o processo Crianças e adultos autistas em sua maioria tem um certo grau de dificuldade no que diz respeito a comunicação verbal situação em que a arteterapia pode desenvolver essa habilidade oral e também pode servir como um meio de comunicação e de expressão tanto intrapessoal quanto interpessoal Tanto autistas quanto pessoas com outro tipo de transtorno mental podem apresentar uma dificuldade psicomotora que pode ser amenizada ou tratada com fisioterapia eou a prática da arteterapia Não só no caso do Autismo mas também na Síndrome de Down transtornos comportamentais como a hiperatividade e outros transtornos mentais a arteterapia se apresenta como ótima ferramenta de tratamento Sem contra indicação ela é utilizada em Centros de Atenção Psicossocial CAPS por todo o Brasil Essa terapia ocupacional tem surtido bons efeitos tanto no comportamento quanto atuado no exercício de expressão e comunicação médicopaciente A prática da arteterapia traz bons efeitos no que diz respeito aos sintomas de doenças psicológicas ajudando a amenizar a agressividade como aconteceu no caso de Adelina 19161984 paciente da Dra Nise da Silveira a melancolia a angústia o medo Uma das práticas da Arteterapia é a musicoterapia que se utiliza do som e do ritmo para atividades terapêuticas Esta prática é aplicada em diferentes instituições como a Associação de Pais e Amigos do Centro de Reabilitação ASPAC instituição que oferece atendimento clínico e social a crianças com deficiências ou atraso no desenvolvimento A musicoterapia traz benefícios para pessoas com dificuldades na fala ansiedade autismo entre outros podendo ajudar até em casos de dor crônica 49 Figura 21 Pintura Abstrata st Acervo CAPSMarabá Fonte Acervo CAPSMarabá No Canal Saúde20 em 2018 o Programa Sala de Convidados com o tema a arte e a cura com a participação da psicóloga Neli Almeida fundadora do coletivo carnavalesco Tá pirando pirado pirou de Marlene Duarte oficineira do CAPS João Ferreira Filho da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e da arteterapeuta Angela Philippini foi discutido assuntos que exploram a arte como forma de tratamento e de reencontro consigo mesma Quando se fala sobre não haver comprovações científicas de que a arte traz melhoras no estado psíquico dos pacientes Angela Philippini afirmou que a arteterapia traz mudanças positivas perceptíveis Angela aponta pesquisas que falam sobre a liberação de neurotransmissores como dopamina serotonina e endorfina no exercício das atividades criativas Na cartilha do Sistema Único de SaúdeSUS a arteterapia é apontada como ferramenta que auxilia na promoção na reabilitação e na recuperação da saúde tendo como principal característica o acesso aos sentimentos não expressos em palavras Em 20 Fonte httpsblogopinionboxcompiramidedemaslow Acessado em 15012023 50 2006 foi fundada a União Brasileira de Associações de Arteterapia UBAAT que objetiva assegurar a qualidade da formação dos profissionais da área As práticas criativas e de expressão que as diferentes linguagens artísticas promovem ajudam o indivíduo seja ele doente ou não a compreender melhor suas emoções resolver conflitos internos e expressar suas dificuldades além de estimular e manter o impulso criador Instituições de saúde tanto particulares quanto públicas têm explorado a prática da arteterapia e seus benefícios não só no caso de saúde mental mas também em casos de dependência química e alcoólica O impulso criativo traz renovação e pode proporcionar um renascimento para o indivíduo lhe dando uma nova visão do mundo e também de si mesma agindo como efeito de cura O conceito de cura aqui utilizado pode significar tanto uma grande progressão seguida de alta médica e ausência total de sintomas quanto uma leve melhora já que tanto o trabalho psiquiátrico quanto o terapêutico é movido por tal expectativa Na História da Humanidade a arte teve um importante papel pois através das pinturas e desenhos feitos pelo o homem do Paleolítico foi possível sabermos detalhes de sua vida como os rituais que eles realizavam e também sobre os animais que caçavam para se alimentar com o passar do tempo esses agrupamentos humanos começaram a explorar as pinturas não somente para relatar seu cotidiano mas passando a criar composições imagéticas e simbólicas 51 Figura 22 Cueva de las manos sd Pintura rupestre na Argentina21 Fonte Wikipédia Na década de 1950 o psicólogo Abraham Maslow 19081970 desenvolveu uma pesquisa para selecionar as necessidades humanas e descobrir o que faz as pessoas felizes No decorrer desse estudo Maslow em uma pirâmide organizou uma cadeia de necessidades humanas estando dá base ao topo colocadas de acordo com a sua importância Segundo Maslow no paleolítico não existiam moradias que garantiam segurança física nem tão pouco reconhecimento e status que são duas categorias abaixo da categoria que se encaixa na prática artística de acordo com a pirâmide por ele sugerida Porém o homem já exercia a sua criatividade desenhando nas paredes das cavernas e construindo seus utensílios e vestimentas o que põe em dúvida a divisão hierárquica do psicólogo e coloca a arte e a prática criativa como uma das primeiras e mais essenciais realizações do homem responsável pela sua sobrevivência e crescimento intelectual 21 Fonte httpswwwfacebookcomsemprevivafreigalvaoaboutlocaleptBR Acessado em 13012023 52 Figura 23 Imagem representativa da pirâmide de Maslow 1950 Fonte Blog Opinion Box A arte é de suma importância para o nosso crescimento nos auxiliando a compreender melhor o mundo ou simplesmente aceitálo com suas divergências embelezando nossa caminhada e como foi mostrado também exercendo seu poder terapêutico 53 32 MINHAS EXPERIÊNCIAS NA ARTETERAPIA COMO PACIENTE Figura 24 Pintura Autoral Abstrata sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Como já foi visto no decorrer deste texto a arte quando utilizada com intuitos terapêuticos ou seja como arteterapia traz benefícios em diversos casos dependência química estresse depressão e várias outras doenças psicológicas e psiquiátricas no meu caso não foi diferente diagnosticada com Transtorno de Personalidade Limítrofe TPL ou como é chamado comumente transtorno borderline vivi um período de intensas crises um quadro de auto agressão e mutilação tentativas de suicídio onde em uma delas tive que passar por um processo de lavagem estomacal para desintoxicação por tomar grande dose de medicamentos Estive um tempo com a suspeita médica de esquizofrenia sendo essa descartada após um acompanhamento psicoterápico Tive contatos com arteterapia primeiramente com as sessões terapêuticas do Centro de Atenção Psicossocial CAPS de Marabá a qual sou paciente até hoje No primeiro momento participei da terapia de pintura em tecido ministrada por uma funcionária do 54 CAPS as sessões eram sempre iniciadas com uma conversa que muitas vezes trazia a tona nossas angústias e alegrias referentes àquela semana de forma que nos estimulasse a usar a prática de pintura em tecido para expressar tais sentimentos Depois da pintura éramos convidados a falar sobre como foi o processo do pintar e o que sentimos quando o fazíamos momento em que alguns de nós chorávamos outros riam e tinha aqueles que nada diziam Esse momento da semana era para mim bastante valioso era onde eu me descrevia de uma forma não explícita e isso me causava alívio Figura 25 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Uma outra prática de arteterapia que participei no CAPS foi a de expressão corporal Nela eu dançava pulava sorria chorava destensionava ao mesmo tempo em que relaxava Lembrome que em muitas sessões de relaxamento me transformei em água e me derramei Nas sessões de expressão corporal deitávamos no chão fechávamos os olhos e nos imaginávamos como água e vento nos conectávamos com nós mesmas Nesse momento os medos ficavam pequenos ou grandes e sentíamos um por vez era como uma batalha em que nem sempre vencíamos mas que nos ensinava a lidar com os nossos demônios e desse jeito me fazia mais confiante o que me ajudou em minhas crises de ansiedade onde me mentalizava forte assim como eu era forte em água eu poderia ser forte em mim mesma 55 Um importante contato que tive com terapia artística foi quando estive internada na Ala Psiquiátrica do Hospital Municipal de MarabáHMM em fevereiro de 2019 com fortes crises não me recordo muito desta época mas me lembro de alguns momentos vividos naquele lugar Dois desses momentos foi praticando arteterapia mas especificamente dança e artesanato Eu me lembro dos sorrisos da minha mãe me olhando dançar eu nunca tinha me sentido tão à vontade na frente dela mas mesmo presa naquela ala psiquiátrica naquele momento eu me senti mais livre do que nunca aquela dança me deixou fisicamente exausta e mentalmente leve Assim também foi quando fizemos juntos pacientes e enfermeiros um tapete de fiapos enquanto eu media e cortava pedaços de barbante que seriam desfiados para fazer o tapete eu me recuperava recuperava minha coordenação motora que fora afetada pelo uso de muitos medicamentos que eram um total de oito comprimidos diários naquela época me recuperava porque me lembrava de quando era criança e brincava de fazer roupinhas de boneca e porque em momentos agudos da crise não consegui me ver como alguém que possuísse um futuro diferente da morte como agora eu via naquele momento O tapete na imagem abaixo é uma das peças que compõem a exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto 2022 Essa peça é semelhante ao tapete feito por mim na seção terapêutica da Ala Psiquiátrica do HMM já citada acima 56 Figura 26 tapete de cama Romeu e Julieta sd de Arthur Bispo do Rosário Montagem e Costura Coleção PCRJMuseu Bispo do Rosário Arte Contemporânea Fonte Fonte Exposição Bispo do Rosário Eu VIM Aparição Impregnação e Impacto Itaú Cultural São PauloSP 2022 Hoje olhando para o meu desenvolvimento psíquico e para todas as informações e conhecimentos que consegui com a minha pesquisa reconheço o peso que tem a arteterapia no tratamento mental O tratamento alopático que não tem eficácia isoladamente nos casos de transtornos mentais e somados à experiência e à prática de arteterapia resultam em significativas melhorias As pinturas feitas nas oficinas de arteterapia do CAPS são importante canal de comunicação não verbal pois é também através delas que os terapeutas percebem sinais como melancolia e tendências suicidas por exemplo Os terapeutas observam em alerta esses sinais que podem se manifestar nas pinturas e nos desenhos 57 Figura 27 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 28 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá 58 Figura 29 Pintura Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Observe que a variedade de cores utilizadas nessas pinturas é pequena limitandose a preto diferentes tons de cinza e o vermelho que faz alusão ao sangue e a morte Algumas das pinturas observadas possuem também algumas declarações escritas como a pintura abaixo que contém um texto de desabafo Figura 30 Desenho feito por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 59 Figura 31 Desenho feito paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá As pinturas feitas pelos pacientes do CAPS incluindo a mim são também utilizadas para a confecção de peças que depois são vendidas em feiras organizadas pela instituição peças como bolsas cortinas e demais utensílios que são feitos também pelos pacientes em sessões de artesanato 60 Figura 32 Bolsas feitas de pinturas da sessão terapêutica do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 61 33 CAPS MARABÁ Fundado há mais de 17 anos o Centro de Atenção Psicossocial CAPS é responsável pelo o atendimento e recuperação de pacientes com problemas psiquiátricos de Marabá e região oferecendo atendimentos psiquiátricos disponibilizando medicamentos psicoterapia e também atividades interativas de arteterapia como a oficina de pintura de carimbó de expressão corporal teatro e artesanato Os pacientes da instituição participam também de ações culturais além das dependências do CAPS como a ação de luta antimanicominal que ocorreu em 18 de maio de 2019 na Praça Duque de Caxias em Marabá contando com música atividade física dança e também rodas de conversa Entre estas atividades ocorreu também a 1º Mostra de Pinturas Terapêuticas 2019 com o nome da psiquiatra pioneira em arteterapia Nise da Silveira onde foram expostas algumas das pinturas feitas pelos pacientes do CAPS Figura 33 Pintura em preto e branco feita por um paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 62 Em uma visita ao Acervo de Arteterapia do CAPS de Marabá tive a oportunidade de fotografar algumas dessas pinturas onde percebi uma forte presença de elementos circulares totalmente ou parcialmente abstratos e também algumas com a palavra escrita Apesar das diversidades em pinturas coloridas as que me marcaram são feitas usando preto branco e também diferentes gradações de cinza pois essas tonalidades enfatizam o tema melancólico dessas obras Algumas dessas são feitas por mim mesma e que fazem parte do acervo da instituição Figura 34 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPSMarabá 63 Figura 35 Pintura em preto e branco Autoral sd Acervo CAPS Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 36 Tríade em preto e branco feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 64 Duas das pinturas mostradas anteriormente possuem um elemento semelhante ao que aparece na obra O Grito 1893 do artista norueguês Edvard Munch Na obra O Grito a figura expressa angústia e desespero assim como parece também expressar na pintura acima Outro elemento que relaciona as duas produções é o ato de gritar que na obra do artista é identificada pela intensidade da expressão facial da figura pintada e que também pode ser percebido na pintura do Acervo CAPS através da observação da linha em espiral que surge da boca da figura Algumas pinturas coloridas do Acervo CAPS parecem exercer um papel ordenador sendo assim o grito de reestruturação de uma mente desordenada Figura 37 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 65 Figura 38 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá Figura 39 Pintura feita por paciente do CAPS sd Fonte Acervo CAPS Marabá 66 CAPÍTULO 4 LINHAS DO CORPO EM BUSCA DE UMA POÉTICA VISUAL 67 41 EXPRESSÃO DO OPRIMIDO Figura 40 Bordando minhas telas 2022 Fonte Acervo Pessoal Buscando contar minha história expressando angústias e medos produzi um trabalho poético uma série de bordados em dez telas e uma bolsa de pano buscando expressar sentimentos vividos por mim no período de crise psicológica que enfrentei onde sentia medo de mim mesma e de tudo que o futura poderia me trazer O suporte escolhido foi a tela e o bordado como expressão e linguagem A primeira tela produzida traz uma expressão da automutilação que eu sofri no período de crise trazendo também em si uma declaração de sofrimento Fazendo alusão ao nome da série de 68 bordados Linhas do corpo a primeira tela traz uma escrita em vermelho simulando cortes feitos no braço Figura 41 Primeiro bordado autoral 30x24 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Em uma das sessões de psicoterapia que participei foi proposto pela psicóloga que eu utilizasse um caderno para escrever sobre os meus sentimentos e sobre aquilo que me atormentava Seguindo a sugestão comecei a escrever cartas direcionadas a Deus a mim mesma e também textos poéticos A partir destes textos produzi a segunda tela da série Linhas do Corpo onde eu expresso o medo interior sentindo por mim 69 Nessa e em outras telas da série a cor utilizada para o bordado em escrita é a cor vermelha que simboliza o sangue Figura 42 Segundo bordado autoral 30x30 série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Algumas religiões veem os problemas psicológicos também como problemas espirituais uma delas é o Cristianismo que é a religião que sigo Segundo algumas passagens da Bíblia recebemos em nossa mente setas do Maligno que são pensamentos de derrota maldade contra o próximo contra si mesma e pensamentos de morte Na terceira tela feita por mim busquei expressar as setas recebidas no meu coração Além do bordado utilizei nessa tela uma técnica chamada patch aplique que consiste em recortar retalhos de tecido aplicálos em uma superfície nesse caso a tela Além da linha um outro material usado neste trabalho foi o couro sintético o qual usei para realizar o patch aplique 70 Figura 43 Terceiro bordado autoral 30x30cm série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 No quarto trabalho foi bordado em linha preta uma figura não humana com expressão corporal melancólica que se encontra no centro de uma grande espiral verde que representa um estado de inércia emocional em que eu nem me sentia mal nem feliz onde a vida apenas parecia uma grande dormência que perdurava por minutos ou por dias 71 Figura 44 Quarto bordado autoral 22x16 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 A mente humana juntamente com o corpo se manifesta de diferentes modos de acordo com o que sofre Algumas pessoas podem adquirir diversos tipos de Transtornos Obsessivos Compulsivos TOCs e manias físicas e mentais uma das manias que eu adquiri foi de contornar as pessoas na mente eu olhava para alguém e quando me dava conta já estava desenhado essa pessoa na mente ou eu simplesmente começava a desenhar uma forma específica de espiral infinita é o que desenhei na minha quinta tela 72 Figura 45 Quinto bordado autoral 20x20 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Nesta tela a minha intenção era retratar o sentimento sentindo por mim em uma crise por várias vezes quando eu estava passando mal minha mãe me perguntava o que eu sentia sem saber responder e expressar a minha resposta era sempre a mesma agonia essa era a sensação sentida por mim que tentei expressar no sexto bordado 73 Figura 46 Sexto bordado autoral 30x24cm série Linhas do Corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 A segunda tela apresentada acima traz escrito um texto autoral pode ser assim menina Fig 42 na qual busquei representar graficamente meus sentimentos No sétimo bordado a palavra monstro retorna que se refere a mim mesma Além da representação 74 do monstro essa tela mostra também uma mente confusa e atormentada Essa confusão é expressa pela ausência de cabeça tendo no lugar um emaranhado de linhas Figura 47 Sétimo bordado autoral 25x25cm série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Um dos sintomas do Transtorno de Personalidade Limítrofe TPL é a variação de humor durante muito tempo sofri com essa variação rápida de humor porém hoje reconheço que apesar de dolorida essa variação me trouxe uma certa resiliência aprendi a ser mais forte e tentar ficar bem mesmo que não consigo Acima de tudo é tentar com todas as minhas forças 75 Figura 48 Oitavo bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Para algumas pessoas não é fácil se abrir contar algo que lhe aflige desabafar com alguém isso acaba trazendo a si mesma um peso que vai aumentando cada vez mais Para todos é importante conseguir conversar sobre suas dores em especial para pessoas com transtornos pois um dos meios de tratamentos é a psicoterapia que se baseia no diálogo entre o indivíduo e o terapeuta Esse diálogo pode ser facilitado pela arte como já foi salientado anteriormente Porém ainda sim é preciso um esforço para romper com as barreiras do silêncio O silêncio angustiante da alma um grito que não pode ser ouvido por alguém além de você mesma uma voz ensurdecedora na sua cabeça uma angústia que sufoca não há quem possa te ouvir 76 Figura 49 Nono bordado autoral 25x25 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Uma das coisas mais importantes para a autocura é a fé o homem necessita acreditar em algo seja na sua força seja na natureza ou em Deus A psicóloga Maria Antônia de Camargo Maia22 afirma que a fé influencia nos sentimentos Por muito tempo eu vivi afastada de um templo e não congreguei em nenhuma igreja mas meu coração sempre esteve de certa forma ligado a Deus e hoje eu tenho a convicção de que isso me ajudou Algumas vezes eu pensei em tirar minha própria vida chegando até mesmo a tentar isso porém sempre em minha cabeça eu pensava em Deus e em como ele ficaria triste e 22 Fonte httpswwwarchdailycombrbr775067arteearquiteturajanelasdomundoandregoncalves Acessado em 03022023 77 separado de mim Quando retornei à igreja e a congregação tive ajuda de pessoas que são importantíssimas pra mim e me ajudaram a superar as crises vejo hoje essas pessoas como anjos enviados por Deus já não consigo mais me ver sem exercer minha fé e reconheço a importância agora quero sempre levar Deus em mim e que a vontade dele seja feita em minha vida assim como diz o Pai Nosso Nas duas últimas produções da série eu busquei representar Deus como Jesus o Leão da tribo de Judá e como o espírito santo que é uma junção de Deus pai e Deus filho vivendo em mim Figura 50 Décimo bordado 30x24 série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 78 Figura 51 Bordado em bolsa da série linhas do corpo 2022 Fonte Acervo Pessoal 2022 Após os quarenta dias do Dilúvio Noé envia pássaros para procurarem terra seca com tentativas falhas até que uma pomba volta com um galho no bico demonstrando assim ter encontrado vegetação que não estivesse encoberta por água assim como esse pequeno galho representou a esperança de um novo tempo Jesus significa pra mim um novo começo 79 Todos esses desenhos bordados representam uma parte da minha vida e luta e assim como eles estão bordados na tela todas as lembranças estão também de certa forma bordadas em mim A arte foi uma ajuda na minha vida e hoje me utilizo dela para expressar minha força e vitória 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da análise desse trabalho de pesquisa é perceptível que a arte é uma ótima ferramenta terapêutica e também um importante meio de expressão tanto interpessoal como intrapessoal a arte acessa camadas internas da psique da pessoa e através da expressão dessas camadas revela segredos sobre sentimentos traumas e possíveis delírio Além disso ela pode também auxiliar no desembaraço desses delírios e proporcionar experiências prazerosas e terapêuticas que podem auxiliar no tratamento de transtornos mentais e psicológicos revelando assim o seu potencial curativo A arteterapia que consiste no uso da arte para fins terapêuticos ajudou algumas pessoas com transtornos mentais a se estabilizarem e adquirirem certa liberdade de expressão uma dessas pessoas foi Arthur Bispo do Rosário Ainda hoje podemos ver em institutos clínicas terapêuticas e hospitais o uso dessas terapias artísticas que tem se tornado assunto de pesquisas demonstrando melhoras significativas Alguns artistas como Lygia Clark e Nazareth Pacheco têm se utilizado de experiências sensoriais ligadas aos sentidos do corpo humano e também da memória afetiva por proporcionarem experiências ao público Visto a importância da arte na vida da humanidade já que ela esteve presente ao longo do seu processo histórico e social é preciso que a torne um assunto mais frequente em sala de aula como também fora dela de forma que seja do conhecimento de todos a importância da sua prática pois como foi salientado neste trabalho a prática da arte é também uma prática terapêutica que auxilia a pessoa há se conectar consigo mesma e também com a sua ancestralidade psíquica já que a arte é como uma lâmina que transpassa o crânio e atinge tanto o consciente quanto o inconsciente 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE Darlene Queiroz dos Santos ARANTES Adriana Rocha Vilela A História do Ensino da Arte no Brasil tendências e concepções Disponível em httpcatolicadeanapolisedubrrevistamagistrowpcontentuploads201609a hist C3B3riadoensinodaartenobrasiltendC3AAnciaseconcep C3A7C3B5espdf Acesso em 07052022 ANDRADE Raimundo Soares A Interdisciplinaridade da Arte Disponível em Acesso em 18082022 BARBOSA Ana Mae Arteeducação e desenvolvimento humano Licenciatura em artes Visuais UFJF 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vcBHnPPgNLMM Acesso em 07052022 BARBOSA Ana Mae A imagem no ensino da arte anos 1980 e novos tempos 4ª ed São Paulo Perspectiva 2001 CAVALCANTI Ana Maria Obra de Arthur Bispo do Rosário Disponível em httpwww50emaiscombrobradearthurbispodorosariovaleidaabienal Acesso em 18082022 COELHO Valéria Arthur Bispo do Rosário Disponível em httpshardecorcombrarthurbispodorosario Acesso em 07052022 COURI Aline Entre a loucura e a genialidade Arthur Bispo do Rosário Disponível em Acesso em 18082022 GOMBRICH EH A história da Arte Rio de Janeiro LTC 2013 GOMPERTZ Will Pense como um artista e tenha uma vida mais criativa e produtiva SP Zahar 2016 GONZAGA Ana Assemblagem a arte de reunir objetos diversos para contar histórias Disponível em httpsnovaescolaorgbrconteudo1987assemblageaartede reunir objetosdiversosparacontarhistorias Acesso em 19082022 LIMA Elizabeth Maria Freire de Araújo PELBART Peter Pál Arte clínica e loucura um território em mutação História Ciências Saúde Manguinhos Rio de Janeiro v14 n3 p709735 julset 2007 ROSÁRIO Arthur Bispo Arthur Bispo do Rosário Organizador dos caos São Paulo 2012 3334 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvt6Jou6DlEek Acesso em 13062022 SILVEIRA Nise da Imagens do inconsciente Nise da Silveira Petrópolis RJ Vozes 2015 ORDENAÇÃO E VERTIGEM Catálogo de Exposição 2 volumes Curadoria de Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva SPSP Centro Cultural Banco do Brasil 2003 82 TOZZI Márcia de Oliveira EXPRESSÃO ESQUIZOFRENIA ARTE Hans Prinzhorn e a produção artística dos sujeitos asilados Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras UNESP Assis 2018 ZAMBONI Silvio A pesquisa em arte um paralelo entre a arte e a ciência 2 ed Campinas São Paulo Autores Associados 2001 ZILLI Maria Cristina Arthur Bispo do Rosário A alucinante fábrica de símbolos Disponível em httptcconlineutpbrmediatcc201607ARTHURBISPO DOROSARIOpdf Acesso em 14082022 REFERENCIAL FÍLMICO ARTHUR Bispo do Rosário S l s n 2011 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0oUwX6uFoTk Acesso em 09072022 MEMÓRIA do Corpo S l s n 1985 Disponível em httpswwwyoutubecomwatch vc3VU6KtfhSI Acesso em 19082022 NISE o Coração da Loucura Direção Roberto Berliner S l s n 2016 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvbOrymJuwVvI Acesso em 16032022 MARIA MONTESSORI UMA VIDA DEDICADA AS CRIANÇAS Direção Gianluca Maria Tavarelli 2007 Disponível em httpswwwfilmesdetvcommariamontessori2007html Acesso em0705 2022 O PRISIONEIRO da Passagem Hugo Denizart S l s n 1982 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv8MzFTaOvsCQ Acesso em 09032022 CONSULTA EM SITES HAÔR Victor Saúde Mental Centro de Atendimento Psicossocial completa 17 anos Prefeitura de Marabá s l p 11 29 out 2021 Disponível em httpsmarabapagovbrcaps17anos Acesso em 08092022 MANDALA um importante instrumento de meditação e concentração Educa mais Brasil ano 2019 p 11 6 mar 2019 Disponível em httpswwweducamaisbrasilcombrenemartesmandala Acesso em 18082022 MUSEU Bispo do Rosário O Manto de Bispo Rio de Janeiro p 11 1 mar 2021 Disponível em httpsmuseubispodorosariocomomantodebispo Acesso em 14062022 SÁ Roberta Mendes de A estética da obra de Arthur Bispo do Rosário Nucleodoconhecimento S l p 11 4 dez 2020 Disponível em httpswwwnucleodoconhecimentocombrarteesteticadaobra Acesso em 12052022 83 UOL Conheça o centro psiquiátrico que usa a terapia de Lygia Clarck com concha e almofada Folha de SPaulo S l p 11 15 maio 2022 Disponível em httpswww1folhauolcombrilustrada202205conhecacentropsiquiatricoqueusa terapiadelygiaclarkcomconchaealmofadashtml Acesso em 10 072022 WIKIPEDIA Brasil Nise da Silveira Nise da Silveira Wikipédia s l 06072022 Disponível em httpsptwikipediaorgwikiNisedaSilveira Acesso em 08072022 INSTAGRAM MUSEU BISPO DO ROSÁRIO Rio de Janeiro Instagram museubispodorosario Disponível em httpsinstagramcommuseubispodorosarioigshidYmMyMTA2M2Y Acesso em23072022 TRIP Rio de Janeiro Instagram revistatrip Disponível em httpsinstagramcomrevistatripigshidYmMyMTA2M2Y Acesso em 20062022 84 UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE LINGUÍSTICA LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARTES VISUAIS LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS BEATRIZ PEDROSA BORGES PROJETO DE CURSO A Dançaperformance como a voz do corpo Projeto de Curso para o Ensino de Artes Visuais apresentado como parte dos requisitos obrigatórios para a aprovação no curso de Licenciatura em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Linguística Letras e Artes da Universidade Federal do Sul e Sudeste do ParáUNIFESSPA Orientação Profa Dra Silvia Helena dos Santos Cardoso Coorientação Prof Dr Armando de Queiroz Santos Junior Marabá Pará 2023 85 1 INTRODUÇÃO Este plano de curso foi desenvolvido a partir das pesquisas realizadas no decorrer do Trabalho de Conclusão de CursoTCC que tem como tema Arte e Terapia poéticas da psique Procurase estabelecer relações entre a arte e as práticas terapêuticas em tratamentos mentais e psicológicos refletindo também sobre o poder curativo da arte A dançaperformance assim como outras formas de expressões artísticas fazem parte da vida do homem desde a préhistória seja de forma racional e planejada ou de forma inteiramente instintiva A dança está ligada também a religião e crenças e é uma das diversas formas de expressão de sentimentos que pode também resultar em reações psíquicas positivas já que libera também substâncias cerebrais como endorfina dopamina e serotonina conhecidas como hormônios do prazer e da felicidade Através do estudo da dançaperformance tanto como atividade terapêutica quanto como expressão artística serão elaboradas e realizadas 10 aulas com duração de 2 horas cada com alunos do 6º ao 9º ano explorando as sensações dos movimentos corporais e o seu poder de expressão de forma teórica e também prática Colocaremos aqui a dançaperformance como principal voz do corpo de forma que ela fale e expresse sobre os sentimentos de quem a executa gerando assim a possibilidade de possíveis interpretações A dança aqui também será apresentada como um meio de expressão comum aos homens e aos animais Através de dinâmicas os alunos terão a experiência de se comunicar exclusivamente por movimentos corporais explorando assim as sensações desses movimentos Durante as aulas os alunos serão estimulados a refletirem sobre a DançaterapiaPerformance e também a compartilhar suas reflexões 86 Objetivo Geral Instigar nos alunos participantes reflexões sobre movimentos corporais e sua expressão dos sentimentos refletindo sobre a sua ligação com a arteterapia Objetivos Específicos Incentivar os alunos a refletirem sobre a expressão corporal Estimular o uso dos movimentos como meio de expressão Promover aos alunos experiências com seu próprio corpo Estimular a observação com relação aos outros participantes 2 TEMA GERAL A dança como a voz do corpo 3 CONTEÚDO E PROGRAMAÇÃO a O que é Arteterapia b Contextualização histórica da dança c A dança como um meio de expressão d A dança e seu potencial terapêutico Dançaterapia e Performance e Espaços da região que fazem o uso da Dançaterapia f Dinâmica mímica aprendendo a ouvir o corpo g Socialização da dinâmicaatividade preparatória h Atividade préavaliativa i Sessão de Dançaterapia e Performance j Avaliação e Reflexões 87 4 IDENTIFICAÇÃO DO PÚBLICO ALVO Alunos do 6º ano ao 9º anoFundamental II 5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA Serão 10 aulas de 2 horas cada Encontro 1 Objetivo específico Apresentar o conteúdo a ser trabalhado e estimular os alunos a refletirem sobre o que é Arteterapia Conteúdo específico Apresentação do conteúdo da proposta Definição de Arteterapia Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 30 min Apresentação da proposta de sequência didática a ser desenvolvida onde será apresentado todo o conteúdo programático 30 min Explicação sobre o que é Arteterapia e como ela surgiu 55 min Roda de conversa em que os alunos irão socializar sobre o que entenderam sobre Arteterapia e quais formas são conhecidas Encontro 2 Objetivo específico Contextualização histórica da Dança e Performance Conteúdo específico Dança ancestral e Dança popular Brasileira Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 1 hora e 55 min Contextualização histórica da dança falando sobre 1 Dança ancestral 2 Danças milenares 88 3 A história da dança no Brasil e as danças populares brasileiras Encontro 3 Objetivo específico Apontar a dança e a performance como um meio de expressão Conteúdo específico Observação dos movimentos provocados pela dançaperformance dos homens animais alguns insetos e pássaros Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 55 min Falar sobre a dança como meio de expressão comum entre humanos e alguns animais citando como exemplo insetos e pássaros 20 min Passar o vídeo The Waggle Dance of the Honeybee A Dança das Abelhas encontrado no link abaixo que demonstra sobre como as abelhas se comunicam através do movimentodança 40 min roda de conversa sobre o vídeo apresentado Materiais necessários Datashow e Computador Link do vídeo a ser apresentado httpswwwyoutubecomwatchvbFDGPgXtKUt274s Encontro 4 Objetivo específico A dança e seu potencial terapêutico Dançaterapia e Performance Conteúdo específico Reconhecimento e Vivência da dança e performance como expressão Metodologia 89 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação de presença dos alunos 30 min Momento de reflexão em que cada um dos alunos irá dizer se eles acham que a dança pode ser usada de forma terapêutica e porquê 55 min Explanar sobre o potencial terapêutico da dança e da performance dando ênfase nos efeitos positivos da saúde física e emocional 20 min Apresentar o vídeo Love during the Quarantine 2020 de Juliana Moraes apresentar o vídeo Dançaterapia faz sucesso entre terceira idade 2021 que apresenta uma reportagem sobre os benefícios da dançaterapia à saúde Apresentar também o vídeo Curso de capacitação em Dançaterapia oficial 2015 que mostra imagens de pessoas em uma sessão de Dançaterapia 10 min os alunos irão refletir sobre como eles imaginavam a dançaterapia e se os vídeos responderam às ideias iniciais Materiais necessários Datashow e Computador Links dos vídeos a serem apresentados httpswwwfacebookcomZikziraPhysicalTheatrevideosjulianamoraesprofessor fordancestudiesattheuniversityunicampcampinasan2707920209497421 httpswwwyoutubecomwatchv49NhaWMEoLU httpswwwyoutubecomwatchvfPmMCVwavI Encontro 5 Objetivo específico Espaços da região que fazem o uso da Dançaterapia Conteúdos específicos Informar aos alunos sobre os espaços que fazem o uso da Dançaterapia Relatar a minha experiência como paciente da Dançaterapia Metodologia 90 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Serão apresentados exemplos de instituições da região Marabá que se utilizam de Dançaterapia como o Centro de Atenção Psicossocial CAPS e a ala psiquiátrica do Hospital Municipal de Marabá HMM 30 min Neste momento falarei da minha experiência como paciente de Dançaterapia nesses dois espaços CAPS e HMM 50 min Como atividade os alunos irão em grupos de 4 discentes pesquisar instituições brasileiras que se utilizam de arteterapia seja ela na dança ou em outras linguagens artísticas como esculturamodelagem pintura teatroperformance entre outras 20 min Apresentação dos resultados da pesquisa Encontro 6 Objetivo específico Dinâmica mímica aprendendo a ouvir o corpo Conteúdo específico Proporcionar uma experiência para os alunos com a Dançaterapia e Mímica Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Explicação de como irá funcionar a dinâmica desta aula e preparação das palavras a serem sorteadas 60 min Dinâmica de Dançaterapia e Mímica Serão sorteadas palavras para todos os alunos e estes serão responsáveis por interpretálas através exclusivamente de movimentos corporais eou dança de forma que os outros alunos irão tentar decifrar e descobrir que palavra elea está representando Materiais necessários papéis com palavras ou frases a serem descritas 91 Encontro 7 Objetivo específico Socialização da dinâmicaatividade preparatória Conteúdo específico A relação entre a vivência e o conhecimento da Dançaterapia Performance e Mímica com o desenvolvimento histórico da dança como expressão humana Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 55 min Socialização da dinâmica anterior momento em que todos os alunos falarão sobre a experiência da aula passada dizendo sobre as sensações e se já tinham tido alguma experiência semelhante se sim como foi essa experiência 60 min aula sobre a dança na história da evolução do homem Encontro 8 Objetivo específico Atividade préavaliativa Conteúdo específico Oferecer uma dinâmica que envolva a escrita sobre a história da Dança da Performance e da Mímica como método préavaliativo Metodologia 5 min os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 1 hora e 15 min Atividade préavaliativa nesta aula os alunos irão elaborar 5 questões sobre o assunto a dança na história de evolução do homem estudado na aula anterior Depois de elaboradas e escritas irão realizar uma troca de folha de questões com o colega mais próximo de modo que cada um responda individualmente as questões elaboradas pelo amigo Ao fim será recolhido todas as atividades respondidas e contabilizado o desenvolvimento individual para a avaliação final 92 Encontro 9 Objetivo específico Sessão de Dançaterapia e Performance Conteúdos específicos Proporcionar aos alunos um momento de expressão de seus sentimentos através de movimentos corporais Trabalhar o movimento corporal como prática terapêutica Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 95 min Como última aula de experiência prática teremos uma sessão de Dançaterapia em que os alunos serão postos deitados no chão com os olhos vendados serão ditas palavras espontâneas como medo água morte respiração agonia fuga sufoco entre outras Nesse momento os alunos serão instruídos a sentirem tais palavras e pensarem em tudo que elas provocaram em suas mentes Enquanto isso ainda com os olhos vendados eles irão movimentar de forma livre o seu corpo Por exemplo balançar os braços pernas por a língua para fora esticarse encolherse fazer os movimentos que seu corpo solicitar de forma espontânea e incentivado pelas palavras ditas 20 min Rápida socialização Materiais necessários Faixas de tecido para vendar os alunos 93 Encontro 10 Objetivos específicos Avaliação e Reflexões Conteúdo específico Avaliar o aprendizado e as experiências dos alunos durante as 9 aulas anteriores Metodologia 5 min Os primeiros 5 minutos serão destinados a confirmação da presença dos alunos 15 min Dar o comando da produção textual avaliativa a seguir 1 hora e 40 min Com o intuito de avaliar o aprendizado dos alunos sobre a Dançaterapia Performance e Mímica eles produziram um texto escrito falando sobre a relação da Dançaterapia com a arte e a importância da arte para e expressão do homem Métodos avaliativos Participação oral Realização das atividades Envolvimento nas dinâmicas Produção textual final 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA Ana Mae Arteeducação e desenvolvimento humano Licenciatura em Artes Visuais UFJF 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv cBHnPPgNLMM Acesso em 23 de junho 2021 CARVALHO E SILVA Danielle PEREIRA E SILVA Elaine ANDRADE Fhillipy Corpo em Cena Mímica e sua relação com a corporeidade In Psicologiapt Teresina Piauí 2014 Disponível em httpswwwpsicologiaptartigostextosA0831pdf Acesso em 03032023 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes necessários à prática educativa 25edição São Paulo Paz e Terra 1996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 MORAIS Juliana Martins Rodrigues Tese de Doutorado em Artes 2011 Texto para prosa dança e verso traços de discursos coreográficos Doutorado Universidade Estadual de Campinas UNICAMP S l 2011 SITES BLOG SÓ DANÇA Brasil Blog só Dança conteúdo para apaixonados por Dança terapia da dança o poder do movimento na saúde mental Só Dança S l p 1 1 16 out 2019 Disponível em httpsblogsodancacombrterapiada dancatextAprimora20a20capacidade20cognitiva20e20estimula20a 20memC3B3riatextComo20consequC3AAncia2C20al C3A9m20de20vocC3AAferramenta20poderosa20de 20crescimento20pessoal Acesso em 24 nov 2022 BEZERRA Juliana História da Dança origem evolução tipos e no Brasil Toda matéria s l 2011 Disponível em httpswwwtodamateriacombrhistoriada danca Acesso em 17 nov 2022 CURSO de Capacitação em Dançaterapia Oficial 2015 S l s n 2015 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvfPmMCVwavI Acesso em 17 nov 2022 CARRANO Eveline A Dança e o movimento Corporal no Trabalho Arteterapêutico Ateliê de Artes e Terapias S l p 11 6 jul 2017 Disponível em httpswwwarteseterapiascomsinglepost20170706adanC3A7aeo movimentocorporalnotrabalhoarteterapC3AAutico Acesso em 22 nov 2022 DANÇA Terapia faz sucesso entre a terceira idade S l s n 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv49NhaWMEoLU Acesso em 17 nov 2022 95 SAMPAIO Thiago Oliveira da Motta Os animais têm linguagem Parte 01 Introdução e principais conceitos Linguística S l p 11 21 jan 2021 Disponível em httpswwwblogsunicampbrlinguistica20190121quais primatastemlinguagemumpouquinhodebiolinguistica Acesso em 22 nov 2022 REFERENCIAL FÍLMICO MARIA MONTESSORI UMA VIDA DEDICADA AS CRIANÇAS Direção Gianluca Maria Tavarelli 2007 Disponível em httpswwwfilmesdetvcommaria montessori2007html Acesso em 7 mar 2022 ENTRE A MARGEM E O DELÍRIO AURORA CURSINO E A PRODUÇÃO ARTÍSTICA NO CONTEXTO DA PSIQUIATRIA BRASILEIRA SOBRENOME nome do acadêmico Resumo a pesquisa desenvolvida tem como intuito discutir a relação entre a expressão artística produzida em instituições psiquiátricas e seus significados sociais tomando como estudo de caso a obra de Aurora Cursino dos Santos Assim como diversas manifestações artísticas marginalizadas a produção de Aurora emergiu em um contexto marcado por exclusão desigualdade e silenciamento revelando críticas à sociedade brasileira por meio de imagens textos e memórias Por muito tempo obras produzidas por internos de hospitais psiquiátricos foram discriminadas pelos discursos médicos e pelas instituições oficiais da arte classificadas apenas como delírios ou sintomas No entanto pesquisas recentes têm reconhecido o valor histórico estético e político dessas produções evidenciando que a arte de Aurora constitui importante testemunho das violências de gênero e das dinâmicas de patologização que atravessaram o período manicomial Desta forma o presente trabalho tem como objetivo discutir a inserção da obra de Aurora Cursino no campo da história da arte e analisar como sua produção contribui para compreender experiências femininas subjetivas e sociais em um contexto de opressão A metodologia adotada baseiase em levantamento bibliográfico em artigos científicos livros e documentos que abordam a trajetória da artista a arte produzida em hospitais psiquiátricos e os debates sobre arte marginal buscando por meio da análise crítica apontar caminhos para o reconhecimento dessas obras como patrimônio cultural e histórico Palavraschaves Expressão Artística Arte Marginal Psiquiatria Gênero Aurora Cursino ABSTRACT the present research aims to discuss the relationship between artistic expression produced within psychiatric institutions and its social meanings using the work of Aurora Cursino dos Santos as a case study Like many marginalized artistic manifestations Auroras production emerged in a context marked by exclusion inequality and silencing revealing critical reflections on Brazilian society through images texts and fragmented memories For a long time artworks created by psychiatric patients were discriminated against by medical discourse and official art institutions being classified merely as symptoms or delirious expressions However recent studies have recognized the historical aesthetic and political value of these creations highlighting that Auroras work constitutes an important testimony of gender violence and the mechanisms of pathologization present during the Brazilian manicomial period Thus this study aims to discuss the inclusion of Aurora Cursinos artistic production in the field of art history and to analyze how her work contributes to understanding feminine subjective and social experiences within a context of institutional oppression The methodology is based on a bibliographic review of scientific articles books and documents that address the artists trajectory art produced in psychiatric hospitals and debates on outsider and marginal art seeking through critical analysis to propose pathways for recognizing these works as cultural and historical heritage Keywords Artistic Expression Marginal Art Psychiatry Gender Aurora Cursino 1 INTRODUÇÃO Neste mundo tecnológico a sociedade encontrase rodeada por obras de artes e sem se dar conta em alguns casos As obras de artes fazem parte da história contada no passado estão juntas de cada indivíduo no presente e por meio delas será possível construir futuro Como diz Prosser 2014 p727 Ela está em rochas e cavernas em estruturas arquitetônicas dentro de museus galerias e casas nos imensos painéis existentes em muitas cidades nas praças nas igrejas nas calçadas nos muros no gibi na revista na publicidade e em outros espaços Por meio dos artefatos encontrados podese escrever a história dos povos que aqui habitaram descobrindo o seu estilo de vida religião e atividades econômicas As primeiras pinturas encontradas que datam do período da préhistória do Brasil eram realizadas em cavernas nas cores marrom e vermelha predominantemente Nas pinturas ditas rupestres eram retratados animais imagens que lembram o sol várias atividades humanas e rituais religiosos Cada desenho encontrado possui uma infinidade de características e significados das estruturas sociais de seus períodos Algumas características da arte do período da préhistória são retratadas por Parellada e Liccardo si apud PROSSER 2014 p4 por meio de seus estudos o autor pode perceber que as pinturas que datam do período das cavernas geralmente possuem as cores marrons e vermelhas sendo raramente de cor preta Os desenhos que predominam são os de animais perfil de cervídeos pássaros lagartos cobras e peixes As representações de humanos aparecem atreladas a outros animais ou a formas geométricas Outro vestígio importante da arte visual em nossa sociedade são as construções de Sambaquis que foram construídos há milhares de anos por meio de restos de conchas de moluscos espinhos de peixes das antigas civilizações que habitavam o litoral Encontramse vestígios de fósseis das pessoas que ali viviam suas ferramentas utilizadas Segundo Prosser 2014 p731 Tudo isso sugere uma aproximação entre as concepções de vida e morte nesses agrupamentos humanos um longo período para a construção de um sambaqui cujo término poderia constituir o fechamento de um ciclo para aquela comunidade e grupos humanos relativamente sedentários Devese preservar todo o tipo de manifestação artística presente em nosso espaço de convívio datada dos primórdios das primeiras sociedades tendo a consciência de sua importância perante aos adventos sociais que estamos vivendo pois por meio de estudos desses patrimônios culturais conseguiremos entender nossa história e desenvolvimento até o momento É nesse ponto que o debate sobre a arte e a história social se encontra com o tema central deste artigo a produção artística de sujeitos internados especialmente mulheres submetidas a processos de patologização e silenciamento dentro da psiquiatria brasileira A arte produzida por essas pessoas muitas vezes rotulada como loucas delirantes ou insanas registra não apenas estados psíquicos individuais mas também estruturas de opressão que atravessam gênero classe e moralidade O caso de Aurora Cursino dos Santos é emblemático Assim como os artefatos préhistóricos revelam práticas culturais de povos ancestrais as pinturas de Aurora realizadas dentro do Hospital do Juquery durante a década de 1940 e 1950 constituem testemunhos preciosos sobre a realidade de mulheres marginalizadas no Brasil do século XX Suas obras mesclam texto cor e narrativa produzindo aquilo que Jeha e Birman chamam de pictografias registros visuais que contam memórias violências críticas sociais e subjetividades silenciadas pelo manicômio Assim da mesma forma que as pinturas rupestres ajudam a reconstituir sociedades antigas as criações de Aurora permitem compreender as estruturas de exclusão e os mecanismos de controle que atravessaram a psiquiatria histórica brasileira além de revelarem experiências pessoais de dor resistência e imaginação Preservar essas obras e reconhecêlas como patrimônio cultural é portanto tão essencial quanto proteger sítios arqueológicos ou produções artísticas canônicas pois ambas as formas de expressão integram a narrativa ampliada da humanidade Dessa perspectiva compreender a obra de Aurora Cursino significa ampliar o próprio conceito de arte na sociedade da arte préhistórica à arte marginal das cavernas aos manicômios dos registros coletivos aos delírios narrativos de mulheres silenciadas A história da arte ao incorporar essas produções tornase mais diversa crítica e sensível às vozes que por tanto tempo foram excluídas 2 REFERENCIAL TEÓRICO A relação entre arte e psicanálise oferece um eixo interpretativo importante para compreender a produção de Aurora Cursino no interior do Hospital Psiquiátrico do Juquery A articulação entre essas duas esferas não é casual desde Freud a psicanálise reconhece na techné entendida como o fazer nascer fazer brotar um princípio comum à criação artística e ao trabalho analítico Assim como o escultor libera a forma latente aprisionada no bloco de pedra o analista conduz o sujeito a desvelar conteúdos que permaneciam silenciados adormecidos ou soterrados pela experiência traumática Criar nesse sentido tornase um gesto de sobrevivência psíquica No caso de Aurora essa fronteira entre arte e psicanálise adquire contornos ainda mais intensos Internada em um ambiente de violência institucional marcada pela exclusão de gênero e pela patologização de sua história de vida a artista utiliza a tela como espaço de extração e elaboração subjetiva Se para a pintura o vazio da tela exige a criação de partículas de cor onde nada existia a produção de Aurora parece operar em sentido duplo de um lado a necessidade de inscrever imagens que organizem o caos interno de outro a tarefa de retirar da própria matéria psíquica carregada de memórias corporais erotismo violência e religiosidade formas latentes que precisavam emergir para não adoecer ainda mais Assim como na metáfora freudiana da escultura Aurora remove camadas expõe fissuras e revela a substância oculta que seus diagnósticos psiquiátricos jamais alcançaram Suas obras não são apenas criações pictóricas mas processos de subjetivação nos quais aquilo que estava soterrado dor culpa desejo delírio encontra uma possibilidade de expressão A pintura nesse caso não replica a realidade ela extrai o nãodito o irrepresentável E é justamente nesse ponto que a arte outsider produzida por Aurora encontra sua força ela nasce como gesto de existência num contexto que buscava silenciála Portanto ao aproximar arte e psicanálise compreendemos que a produção de Aurora Cursino não se limita ao campo da arte de loucos ou à estética da marginalidade Sua obra funciona como dispositivo de ressignificação como método de acesso a conteúdos que o manicômio tentava apagar e como exercício de criatividade que na acepção freudiana permite criar para não sucumbir Ao trazer para a superfície a forma que habitava sua experiência traumática Aurora afirmase mesmo no silêncio do manicômio como sujeito e artista 21 Arte e psiquiatria a produção artística como linguagem do sujeito A relação entre arte e saúde mental tem sido amplamente analisada por diversos autores especialmente a partir das experiências pioneiras de Nise da Silveira que defendeu a criação artística como uma forma de expressão simbólica e reorganização do mundo interno De acordo com Borges 2023 a produção artística em ambientes psiquiátricos permite ao indivíduo expressar conteúdos subjetivos comunicar sensações e romper barreiras impostas pela institucionalização constituindo um importante recurso terapêutico Essa perspectiva rejeita a leitura reducionista da arte produzida por internos como sintoma ou delírio Em vez disso considera que ela constitui uma linguagem própria capaz de construir narrativas sobre o sujeito e o mundo ao seu redor É nessa direção que se insere a obra de Aurora Cursino cuja produção ultrapassa o registro patológico e adquire dimensão estética simbólica e histórica 22 Arte produzida em instituições psiquiátricas A história da produção artística em hospitais psiquiátricos revela tensões entre práticas de repressão e espaços de expressão criativa Segundo Andriolo 2006 a arte realizada nesses ambientes foi durante décadas categorizadas como ingênua ou onírica classificações que limitaram seu reconhecimento e serviram para reforçar a leitura médica da loucura Para o autor essa rotulação contribuiu para reduzir a potência estética dessas produções e manteve os artistas psiquiatrizados à margem dos circuitos oficiais da arte No Hospital do Juquery onde Aurora Cursino produziu mais de 200 obras oficinas de pintura coordenadas por Osório César e Mário Yahn permitiram que internos realizassem experimentações pictóricas embora essas práticas coexistissem com tratamentos violentos como eletrochoque contenções e lobotomia Assim a arte emergiu como espaço de respiro resistência e subjetivação em meio ao ambiente opressivo do manicômio A obra de Aurora Cursino apresentada por meio da figura 1 é um exemplar para compreender como sua produção visual emerge como forma de expressão psíquica em um contexto de extrema violência institucional A composição irregular a presença de formas fragmentadas e a sobreposição de símbolos denotam a tentativa de elaborar experiências traumáticas através da pintura Assim como outros artistas produzidos dentro de instituições psiquiátricas Aurora construiu um vocabulário próprio marcado por repetições rupturas e escolhas cromáticas que revelam uma subjetividade tensionada pela medicalização pelo estigma e pelas dinâmicas de exclusão que atravessam sua trajetória enquanto mulher pobre e patologizada A imagem contribui de maneira decisiva para entender como arte delírio e resistência se entrecruzam em sua produção Figura 1 Obra de Aurora Cursino Fonte Fundação Bienal de São Paulo 2023 A obra de Aurora composta por pictografias repletas de texto narrativa e crítica social desafia as classificações tradicionais da arte psiquiátrica De acordo com Berti 2023 seus quadros são marcados por um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências combinando memórias pessoais experiências traumáticas e leitura crítica da sociedade brasileira Figura 2 Obra de Aurora Cursino Fonte Fundação Bienal de São Paulo 2023 23 Gênero patologização e silenciamento de mulheres A análise da obra de Aurora requer a compreensão de como a psiquiatria histórica atuou sobre mulheres especialmente aquelas que se desviavam de normas de comportamento Conforme demonstra Saisse 2023 mulheres internadas entre as décadas de 1930 e 1990 foram submetidas a um processo de psiquiatrização que combinava moralidade misoginia e controle social Muitas delas como Aurora Adelina Gomes e Stella do Patrocínio eram classificadas como loucas não por apresentarem necessariamente quadros clínicos graves mas por ocuparem posições sociais desvalorizadas prostitutas mulheres pobres negras consideradas indisciplinadas ou sexualmente desviantes Esse processo contribuiu para apagamentos históricos e para a deslegitimação das produções culturais dessas mulheres A trajetória de Aurora prostituta internada compulsoriamente e posteriormente lobotomizada evidencia a interseção entre gênero e violência institucional Sua arte denuncia diretamente esse contexto como mostra Berti 2023 que apresenta trechos em que Aurora questiona a condição feminina no Brasil e as violências sofridas em sua vida Assim estudar sua obra implica também compreender como sistemas de poder operam na construção do sofrimento psíquico e na produção social da loucura feminina 24 Arte marginal e outsider debates contemporâneos A arte produzida por sujeitos marginalizados como pacientes psiquiátricos populações periféricas artistas autodidatas ou grupos excluídos vem sendo discutida no âmbito da História da Arte sob as categorias de arte marginal arte bruta ou outsider art Tais categorias embora úteis também carregam tensões pois podem reforçar estigmas ao separar essa produção do cânone artístico No caso de Aurora Cursino sua obra foi por muito tempo invisibilizada e reduzida ao campo da arte dos loucos como aponta Berti 2023 Contudo pesquisas recentes como as de Jeha e Birman 2022 defendem que sua produção deve ser entendida como documento histórico e estético operando como uma verdadeira narrativa sobre a violência institucional o cotidiano urbano e a condição feminina no século XX Aurora portanto atravessa e tensiona os limites das categorias tradicionais da arte sua produção é ao mesmo tempo artística autobiográfica política e histórica Reconhecêla como parte do patrimônio cultural brasileiro é passo fundamental para reposicionar a arte marginal dentro das discussões contemporâneas sobre diversidade e inclusão na História da Arte 3 METODOLOGIA A presente pesquisa caracterizase como um estudo qualitativo desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica Segundo Lakatos e Marconi 2010 a pesquisa bibliográfica consiste no levantamento seleção e análise de materiais já publicados como livros artigos científicos documentos e trabalhos acadêmicos que fornecem subsídios teóricos para compreender determinado fenômeno Dessa forma este estudo fundamentase em obras que discutem arte marginal psiquiatria gênero e a trajetória de Aurora Cursino dos Santos A escolha pela abordagem qualitativa justificase pelo fato de que conforme afirmam Lakatos e Marconi 2010 esse tipo de investigação busca interpretar significados ideias e construções simbólicas permitindo compreender fenômenos sociais em profundidade Assim a análise prioriza a interpretação das produções artísticas de Aurora à luz de seu contexto histórico social e institucional Foram consultados artigos científicos livros trabalhos de conclusão de curso e documentos que abordam a obra de Aurora Cursino a história da psiquiatria no Brasil a arte produzida em hospitais psiquiátricos e discussões sobre gênero e exclusão social A técnica utilizada para tratamento dos dados foi a análise de conteúdo que permite identificar categorias temáticas e interpretar informações relevantes presentes nas fontes estudadas A metodologia adotada portanto possibilita compreender a produção artística de Aurora Cursino não apenas como expressão individual mas como documento histórico e social alinhado aos objetivos do estudo 4 ANÁLISES E DISCUSSÕES A análise da produção artística de Aurora Cursino dos Santos realizada durante sua internação no Hospital Psiquiátrico do Juquery revela não apenas uma expressão individual atravessada por sofrimento mas também um conjunto de narrativas visuais que dialogam com gênero violência institucional e memória As obras recuperadas e discutidas por diversos autores apontam a força simbólica e crítica de sua produção Diversos pesquisadores ressaltam que Aurora utilizou a pintura como uma forma de registrar suas vivências e denunciar as opressões sofridas Segundo o artigo de Berti 2023 as obras de Aurora constituem um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências e eventualmente algumas belezas Suas pinturas com textos classificadas como pictografias combinam imaginação fatos autobiográficos fragmentos de memória e crítica ao contexto social sobretudo à violência patriarcal que marcou sua trajetória O mesmo autor destaca que Aurora protestava contra o papel imposto às mulheres e denunciava explicitamente a dificuldade da experiência feminina ser puta mãe esposa e filha enfim ser mulher foi e ainda é uma experiência trágica Esse testemunho artístico produzido dentro de um manicômio revela que a arte se tornou um meio de resistência frente ao silenciamento institucional A partir da análise das obras notase que Aurora confronta visualmente e textualmente as estruturas de poder que atravessaram sua vida como juízes médicos e autoridades ela protesta contra homens que dirigem a vida e a genitália juízes médicos militares A produção artística de Aurora só pode ser compreendida plenamente a partir da perspectiva de gênero As pesquisas de Saisse 2023 mostram que mulheres internadas em instituições psiquiátricas foram historicamente silenciadas patologizadas e invisibilizadas como produtoras de cultura Aurora Adelina Gomes e Stella do Patrocínio formam assim um trio de mulheres cuja obra desafia a lógica manicomial ainda que tenham sido relegadas à categoria de loucas pelo discurso médico e social Esse apagamento é ressaltado no próprio artigo de Berti ao afirmar que Aurora não está incluída na história da arte nem na das mulheres somente na dos artistas loucos Essas evidências reforçam a crítica de que a trajetória de Aurora foi moldada não apenas pelo sofrimento psíquico mas pela interseção entre classe gênero e moralidade Sua condição de prostituta mencionada reiteradamente nos documentos influenciou sua captura institucional e as interpretações moralizantes sobre sua vida A internação e posterior lobotomia realizada em 1955 representam o ápice da violência institucional que conforme Saisse 2023 atingia de maneira desproporcional mulheres consideradas desviantes ou insubmissas A partir desse ponto de vista a análise das obras de Aurora dá visibilidade àquilo que a psiquiatria procurou ocultar subjetividades femininas que afirmavam pela arte sua própria história O TCC Arte e Terapia Poéticas da Psique 2023 destaca que práticas de expressão artística dentro de instituições psiquiátricas permitem a construção de sentidos e o resgate da subjetividade dos internos funcionando como ferramenta terapêutica e comunicativa Esse entendimento aproxima a produção de Aurora das abordagens desenvolvidas por Nise da Silveira no Engenho de Dentro ainda que Aurora estivesse inserida no ateliê do Juquery O autor Andriolo 2006 argumenta que a produção artística em hospitais psiquiátricos foi historicamente dividida entre obras vistas como oníricas ou ingênuas classificações que reduziram seu valor e complexidade Essas leituras reforçaram o silenciamento de artistas como Aurora e impediram que suas obras fossem analisadas como produções culturais significativas Contudo as obras de Aurora escapam a essas classificações Suas pictografias repletas de textos e narrativas operam como registros autobiográficos documentos sociais críticas políticas testemunhos históricos além de expressões simbólicas do trauma e da resistência As manifestações artísticas produzidas no contexto manicomial foram frequentemente classificadas como arte marginal ou arte dos loucos o que contribuiu para o afastamento desses trabalhos do circuito oficial da arte Contudo autores como Jeha Birman e Berti 2023 argumentam que Aurora foi além de artista uma verdadeira historiadora do Brasil pois sua obra registra e interpreta criticamente a cena social brasileira expondo violências desigualdades e tensões de sua época Ao trazer à tona sua obra o debate atual corrige apagamentos historiográficos e amplia o conceito de arte no Brasil incluindo produções que por muito tempo foram silenciadas pela própria estrutura manicomial A singularidade da obra de Aurora reside em sua capacidade de transformar memória delírio e crítica social em uma linguagem híbrida Suas pinturas não deixam espaços vazios como afirma Berti 2023 e misturam textos densos com imagens de forte carga simbólica Essa característica confere caráter literário e documental à sua produção Ao analisar suas obras percebese que Aurora constrói um mundo próprio mas intimamente relacionado ao mundo social cenas de prostituição referências políticas denúncias de violência sexual críticas a autoridades e reflexões sobre maternidade e religiosidade são recorrentes 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa buscou discutir a produção artística de Aurora Cursino dos Santos a partir de sua inserção no campo da arte marginal articulando os eixos da psiquiatria do gênero e da violência institucional Ao reunir contribuições teóricas de estudos sobre arte em ambientes manicomiais outsider art patologização de mulheres e memória social foi possível compreender que a obra de Aurora ultrapassa o âmbito estético para se constituir como documento histórico e político A análise das pictografias evidencia que a artista transformou experiências de sofrimento silenciamento e opressão em narrativa visual crítica denunciando práticas violentas que marcaram a história da psiquiatria brasileira A presença de textos fragmentos corporais símbolos e alusões diretas à eletroconvulsoterapia demonstra que suas obras são construídas como testemunhos de um sistema que disciplinava medicalizava e normatizava corpos considerados desviantes Nesse sentido Aurora não apenas produziu arte mas elaborou uma forma de resistência simbólica recuperando sua voz por meio da pintura Os estudos utilizados dos autores como os de Berti Saisse Andriolo Jeha e Birman revelam que as mulheres internadas em instituições psiquiátricas enfrentaram duplos processos de exclusão a condição de pacientes em um modelo manicomial violento e a condição de mulheres submetidas a moralidades rígidas à pobreza e ao estigma A trajetória de Aurora reflete exatamente esse entrecruzamento e sua obra permite iluminar aspectos pouco debatidos da história social brasileira especialmente no que diz respeito ao controle institucional sobre corpos femininos Além disso a pesquisa reafirma a importância da revisão crítica do lugar da arte marginal e da arte produzida em instituições psiquiátricas O reconhecimento tardio da obra de Aurora demonstra como o sistema da arte invisibilizou por décadas produções que não se encaixavam nos parâmetros formais do cânone Entretanto como apontam autores contemporâneos essas obras constituem patrimônios simbólicos fundamentais para a compreensão da diversidade de experiências humanas e para a desconstrução das hierarquias que estruturaram a História da Arte tradicional Assim concluise que a obra de Aurora Cursino representa não apenas uma expressão singular de criatividade mas também um arquivo sensível das violências institucionais e das resistências possíveis em contextos de extrema vulnerabilidade Sua produção reafirma que a arte é capaz de transcender limites impostos reconstruir subjetividades e denunciar estruturas sociais opressoras Ao resgatar e analisar sua trajetória este trabalho contribui para ampliar a visibilidade de artistas marginalizados e reforça a necessidade de preservar estudar e valorizar tais produções dentro dos debates contemporâneos sobre arte saúde mental gênero e memória histórica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRIOLO Arley O silêncio da pintura ingênua nos ateliês psiquiátricos Psicologia Teoria e Pesquisa Brasília v 22 n 2 p 227232 2006 BBC NEWS BRASIL A história de Aurora Cursino e os delírios que se tornaram arte Disponível em httpswwwbbccomportuguesegeral63669678 Acesso em 16 nov 2024 BERTI Guilherme Franzon A sinfonia noturna de Aurora Cursino dos Santos Stylus Revista de Psicanálise São Paulo n 46 p 217219 jun 2023 BORGES Beatriz Pedrosa Arte e terapia poéticas da psique 2023 Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Artes Visuais Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará Marabá 2023 EDITORA INTERSABERES Por dentro da arte 1 ed Curitiba Intersaberes 2013 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 JEHA Silvana BIRMAN Joel Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida São Paulo Veneta 2022 LAKATOS Eva Maria MARCONI Marina de Andrade Fundamentos de metodologia científica 7 ed São Paulo Atlas 2010 MOLINARI Gilson Expressão vital O resgate do ser através da psicologia e da arte 1 ed São Paulo Labrador 2024 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 PROSSER Elisabeth Seraphim A arte em todo lugar os caminhos do cotidiano e a história das artes visuais no paraná os caminhos do cotidiano e a história das artes visuais no Paraná Coleção Agrinho p 727780 jan 2014 Disponível em httpwwwagrinhocombrsitewpcontentuploads20140943Arteemtodo lugarpdf Acesso em 17 nov 2025 PROSSER R A arte na préhistória brasileira Revista do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais v X n X p 727731 2014 ROCHA Fernando Janelas da psicanálise transmissão clínica paternidade mitos arte 1 ed São Paulo Blucher 2019 Ebook Disponível em httpsplataformabvirtualcombr Acesso em 17 nov 2025 SAISSE Clarice Fonseca Mulheres artistas psiquiatrizadas 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio 2023 Trabalho de Conclusão de Curso História da Arte Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2023 227 Psicologia Teoria e Pesquisa MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 O Silêncio da Pintura Ingênua nos Ateliês Psiquiátricos Arley Andriolo1 Universidade de São Paulo RESUMO As pinturas produzidas nos ateliês psiquiátricos que representam paisagens lugares e outros temas do mundo exterior não receberam grande atenção dos pesquisadores O problema está numa idéia acerca da criação artística na qual as referências ao mundo material e às imagens do inconsciente representam dois tipos distintos de obras de arte Este artigo analisa esse problema por meio de uma abordagem fenomenológica por meio da qual concluise a indistinção da separação entre o mundo exterior e a criação interior na produção da obra de arte A obra de arte está enraizada entre o artista e o mundo Palavraschave psicologia da arte arte bruta recepção estética percepção The Silence of Naïve Painting in the Psychiatric Artists Workshops ABSTRACT The paintings produced in the psychiatric artists workshops that represent landscapes places and other themes of the exterior world did not receive great attention from the researchers The problem lies on an idea about the artistic creation in which the references to the material world and the unconscious images represent two distinct types of works of art This article analyses this problem by means of a phenomenological approach through which one can conclude the undistinguished separation of the external world and the interior creation in the production of a work of art The work of art is rooted between the artist and the world Key words psychology of art raw art esthetic reception perception campestres revelando particularidades da vida rural brasi leira festas populares vilarejos animais etc Essas duas variedades foram reconhecidas pela crítica de arte e pelos psicólogos como referentes a dois campos de saberes dis tintos O primeiro configuravase como objeto privilegia do de psiquiatras e psicólogos enquanto o segundo entra va para o campo propriamente artístico de obras nomeadas ingênuas Com base no termo oitocentista naïveté fixado sobre tudo pelo escritor realista francês Champfleury a noção de ingenuidade em arte passou a designar um esquema técni co notável na produção plástica de pessoas pobres e sem educação formal Qual seja a pintura de cavalete realiza da em cores primárias sobre tela representando cenas de vida campestre com festas populares casarios fazendas entre outros temas provincianos Não será necessário de monstrar aqui os problemas pertinentes ao campo da arte ingênua Para a compreensão da questão basta considerar a acepção romântica do termo por exemplo observável na síntese escrita por Pedro Manuel 1979 p 821 inti tulada Os primitivos no livro Arte no Brasil Ali lêse a seguinte epígrafe Nas criações plásticas espontâneas a visão otimista e ingênua de um mundo ideal pleno de felicidade Desse modo a delimitação temática e técnica da arte primitiva nesse contexto equivalente de arte ingênua ocultava os conflitos de classe social manifestos na pro dução plástica popular Em primeiro lugar devido a sua recepção a partir do olhar romântico do conhecedor de arte delimitavamse as obras por uma determinada repre sentação de um Brasil imaginário sem tensões e lutas so ciais Em segundo lugar nos anos 1970 o campo da arte ingênua abriase à participação de outros interessados que não apenas o restrito círculo de artistas populares dedica dos à pintura Andriolo 2004 Falas do tipo colorismo primitivo e ingenuidade subordinavam o problema de Averiguando a coleção de pinturas e desenhos do acer vo do Museu Osório Cesar no Complexo Hospitalar de Juquery salta aos olhos a grande quantidade de obras que se enquadram dentro daquilo que os estudiosos convencio naram chamar de art naïf ou arte ingênua No entan to elas ali estão silenciadas Examinando os intérpretes das obras produzidas no contexto asilar entre psiquiatras psicólogos e críticos de arte nada ou pouco se diz a seu respeito Diante dessa dupla constatação este texto pretende apontar o porquê desse silêncio Basicamente por meio de uma revisão dos discursos produzidos acerca da produção artística daquele hospital podese identificar a presença de um pressuposto teórico da Psicologia da Arte que distin guia duas categorias de obras de arte uma considerava as representações de imagens exteriores ao criador por isso pouco interessantes ao exame psicológico outra reconhe cia as imagens provenientes do interior por conseguinte sugerindo o objeto privilegiado da Psicologia A pintura ingênua nos asilos Pelo menos desde a década de 1930 as produções plás ticas do Hospital de Juquery foram expostas fora dos mu ros da instituição Em todas as mostras dois conjuntos de obras apresentavamse bem distintos Um grupo era forma do por pinturas densas carregadas de tintas em pinceladas fortes repletas de imagens oníricas desenhos sobrepos tos e escrituras enigmáticas Outro vertia cenas bucólicas 1 Endereço Laboratório de Estudos em Psicologia da Arte Departamento de Psicologia Social e do Trabalho IPUSP Av Prof Mello Moraes 1721 Bloco A Cidade Universitária São Paulo SP Brasil 05508900 Email arleyuspbr 228 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Andriolo classes produzindo a ilusão de harmonia campestre do ser brasileiro muito de acordo com a visão européia de nossa arte ao que se pode deduzir do sucesso de nossos primiti vos noutros países Podese afirmar portanto que embora os pintores pro venientes dos hospícios sejam representados pelo drama evocado em suas obras procedimento que adjudica a in ternação foram eles também criadores incessantes de um imaginário alegre e ingênuo O mesmo médico que chama va a atenção para o sofrimento psíquico de Aurora projeta do em parte de suas obras comparava as pinturas de Farid com as de Heitor dos Prazeres Fraletti 1954 Farid Geber nascido por volta de 1918 foi internado no Juquery sob o julgamento de ser catatônico ou esquizo frênico Os pareceres médicos acerca de suas pinturas não deixavam de procurar as estereotipias de sua expressão plás tica Yahn 1951 No entanto a rica produção iconográfica de Farid realizada na década de 1950 passa por cenas ru rais e religiosas atingindo mesmo o detalhamento poético numa gravura onde pássaros de frente e de lado dispõemse sobre um telhado sd gravura em linóleo sobre papel 324 x 404 cm col MOC2 A temática dos pássaros aparece de maneira genial num desenho sd grafite e lápis de cor so bre papel 034 x 0415 cm col MOC no qual está riscada uma árvore sobre um fundo vermelho a ocupar exatamente o centro da composição sobre ela pousam vários pássaros todos iguais na cor amarela e peito vermelho Noutra obra uma representação típica dos ingênuos 4 fev 1954 lápis de cor e grafite sobre papel 037 x 041 cm col MOC uma festa popular nos revela dois grupos de personagens um vestido de azul e verde e outro de vermelho preparados para tocar seus instrumentos O marcante bucolismo dessa produção fez ilustração de um suplemento do Correio Paulistano 19 fev 1956 pp 4 5 quando apresentou quatro imagens de Farid Geber e uma de Shara Campos também ela interna do Juquery dedicada a retratar jardins flores e árvores As expressões plásticas que podem ser enquadradas nessa visão ingênua não são uma exceção em meio ao conjunto de obras remanescen tes dos ateliês psiquiátricos Baseandose na coleção do Hospital de Juquery podese encontrar nomes como Braz Navas 19191968 Sabado Quinterni c 1923 Francis ca Baron c 1925 Ioitiro Akaba 1968 Masayo Seta 19271990 e Toski Todo 19201971 Navas realizou entre outras uma série de pequenos desenhos cujo tema condutor é a natureza sejam árvores alinhadas no primeiro plano em meio às quais aparecem animais cavalos bois às vezes um galo ou casas chou panas e igrejinhas Mostra seu domínio na distribuição dos elementos pelo plano por meio de riscos rápidos formando a vegetação esparsa um carro e uma carroça uma igreja e outras edificações Sem título década de 1950 lápis de cera e grafite sobre papel 15 x 12 cm col MOC Sabado por sua vez embora mais esquemático em seus traços retrata a imagem da paisagem em cores primárias como num dese nho em que um homem de chapéu toca sua flauta diante de uma casa cercada de grama e árvores Sem título 27 jan 1950 guache sobre cartão 57 x 49 cm col CEE Por sua vez Francisca Baron Ribeiro com suas cores vivas pintou uma paisagem lacustre onde um pescador e sua rede estão acompanhados por duas garças deixando ao fundo as casi nhas a mata e as montanhas Sem título c 1949 guache sobre cartão 50 x 62 cm col CEE Entre os imigrantes japoneses conduzidos ao Juquery encontramse pintores de paisagens e cenas cotidianas que relembram sua terra natal dandolhes um colorido forte e onírico Dentre eles Ioitiro Akaba assinou uma vasta co leção de obras que remontam a 1934 na qual estão cenas de porto altamente detalhadas com barcos casas pesca pessoas algumas vezes o porto que parece ser composto aos moldes de uma construção oriental personagens por tando sombrinhas e belas vestimentas além de flores em vasos entre elas Sem título sd guache sobre papel 335 x 484 cm col MOC O tema portuário nele longe de ser uma representação estática e estereotipada é extremamente variado tem suas construções à margem ou nos barcos e personagens há aqueles que são evidentemente brasileiros Masayo Seta também inscreve pessoas trajando quimonos em seus desenhos delimitando as áreas de cor em verme lho amarelo e azul por formas geométricas da arquitetu ra Sem título sd aquarela sobre papel 323 x 472 cm col MOC A imigrante Toski Todo completa essa breve descrição com suas cenas do cotidiano japonês paisagens sintéticas bem como casas montanhas e árvores nas quais a fluidez da pintura torna o campo mais imaginário mais fabuloso como se vê em sua paisagem onde nuvens verme lhas e pretas avançam por trás da graciosa luminária para estenderse além da montanha e das casas Sem título sd aquarela e guache sobre papel 35 x 465 cm col MOC Parece óbvia essa enumeração da pintura simples e bu cólica produzida no hospício desenvolvendo uma lingua gem que refaz as imagens dos primitivos ou ingênuos pintores populares No entanto a recepção dessas obras como representantes do campo da arte ingênua interdita valhes a leitura psicológica O relativo silêncio conferido a essas pinturas evidencia um problema nuclear da Psicologia da Arte sobretudo quando voltada aos habitantes do asilo Uma conexão para o silêncio Uma conexão importante entre a recepção e o silêncio dessas pinturas pode ser localizada no início do século XX Particularmente esse problema é notável na interpretação divulgada originalmente por Osório Thaumaturgo Cesar médico psiquiatra atuante no Hospital de Juquery desde a segunda década daquele século autor de um conhecido artigo intitulado A arte primitiva nos alienados em 1925 Pouco tempo depois em 1929 lançou sua principal obra dedicada às produções plásticas no hospital A expressão artística nos alienados contribuição ao estudo dos symbo los na arte Entre as proposições contidas nesse livro está um mo delo classificatório que foi referido ao lado do esquema de Prinzhorn na breve história das idéias de arte e loucura es crita por Robert Volmat 1955 Tal método dividia as obras em quatro grupos conforme resumiu Andriolo 2003 1 arte do primitivo desenho e música 2 arte primitiva ou arcaica desenho escultura decoração poesia música dança 3 arte clássica ou acadêmica desenho pintura escultura decoração poesia música dança 4 arte de vanguarda desenho pintura escultura decoração poesia música dança Para o encaminhamento deste texto é suficiente dizer que as produções agrupadas sob a designação de aca dêmicas ou clássicas eram reconhecidas devido a sua objetividade e referência ao mundo exterior São pinturas consideradas pouco simbólicas que por isso não interes saram ao médico do Juquery Nas palavras de Osório Cesar 1929 p 24 2 As siglas das coleções citadas referemse aos seguintes acervos CEE Centre dÉtude de lExpression Centre Hospitalier SainteAnne Paris Fr MACUSP Museu de Arte Contemporânea da Universi dade de São Paulo SP Br MOC Museu Osório Cesar Complexo Hospitalar do Juquery Franco da Rocha SP Br 229 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Pintura Ingênua nos Ateliês Psiquiátricos muitas vezes a arte dos alienados é uma arte normal bem equilibrada e por isto mesmo sem grande interesse para o nos so estudo a não ser no tocante a um ou outro ponto de con cepção original que ela possa ter Por isso comparamos as manifestações artísticas dos alienados que pertencem a esse grupo com a arte comum à arte acadêmica Ao reduzir todas as pinturas que representavam de al guma forma o mundo exterior à arte acadêmica o Dr Cesar interditava a leitura psicológica dessas imagens por julgar que ali não se manifestavam as componentes sub jetivas Por outro lado interessavase pela arte moderna porque segundo ele aproximase das obras primitivas neste caso relativo a aborígines e dos loucos Dife rentemente da arte ingênua das pinturas de paisagem de naturezas mortas ou outros objetos reconhecidos no mundo exterior a arte moderna tornava visíveis os sím bolos necessários para a decifração da subjetividade do criador A afirmação do Dr Cesar permite compreender porque aquelas obras consideradas ingênuas eram ao mesmo tempo expostas e silenciadas A noção que opõe subjeti vidade e objetividade em correlação à representação das imagens mentais e do mundo exterior desconsidera os pro cessos próprios da produção plástica Esta é uma questão fundamental a ser enfrentada pelos psicólogos dedicados às artes visuais Ao reduzir a questão a um jogo de proje ções esquecese tanto do que há de mundo no trabalho do artista quanto do que há de matéria na própria obra de arte A seguir apresentarei o problema da oposição entre inte rior e exterior na produção artística do qual desdobrase o problema da oposição entre alegria e sofrimento na obra de arte para concluir que o silêncio da pintura ingênua decorrente dessas falsas oposições devese basicamente à desconsideração da própria obra de arte O problema da oposição entre interior e exterior na produção artística A abordagem estética orientada pela fenomenologia fornece uma contribuição decisiva Particularmente Mer leauPonty não deixa de apontar o equívoco do psicologis mo que supõe uma projeção direta dos conteúdos incons cientes nas imagens artísticas Para esse filósofo o trabalho artístico não é somente metamorfose do imaginário mas também resposta ao que o mundo o passado as obras fei tas pediam cumprimento fraternidade MerleauPonty 19521989 p 104 Em seu Conversas de 1948 o filósofo lembra que a arte e o pensamento modernos são difíceis não porque se baseiam unicamente em conteúdos subje tivos mas porque invertem o senso comum Os objetos não se insinuam ao olhar como objetos bem conhecidos mas detêm o olhar colocamlhe questões comunicam lhe estranhamente sua substância secreta o próprio modo de sua materialidade e por assim dizer sangram diante de nós MerleauPonty 19482004 p 55 Quatro anos depois em A linguagem indireta e as vozes do silêncio MerleauPonty insiste na inadequação da distinção entre a pintura clássica e a pintura moderna guiada pela maior ou menor ancoragem no mundo Não se pode definir a primeira pela representação da natureza e a segunda pela referência ao subjetivo Não se trata de escolher entre o mundo e a arte entre os sentidos e a pintura absoluta ambos imbricamse mutuamente MerleauPonty 19521989 p 96 A experiência perceptiva anterior à atividade artística projeta o artista por meio de seu corpo numa experiência essencial do mundo Nos cursos ministrados na Sorbonne MerleauPonty apóia sua reflexão no historiador da arte Erwin Panofsky notadamente no livro A perspectiva como forma simbólica de 1924 para demarcar a histori cidade da experiência perceptiva em relação à experiência do mundo Dizia então Um quadro é o traço manifesto de uma certa relação cultural com o mundo aquele que o percebe percebe ao mesmo tempo um certo tipo de civilização Nos casos em que a arte procurou fazerse o menos subjetiva possível essa arte é a expressão de uma certa maneira de ser do homem Merleau Ponty 19681990 p 293 Às tensões interiores que orientam o trabalho do artis ta aliase um sentimento do mundo um engajamento que viesse completar seu sistema de expressão do espaço Daí o vínculo fundamental entre a História da Arte e a Psico logia da Arte como mostrou FrayzePereira 1994 Por exemplo Gombrich 1977 concluiu que a Kunstwollen a vontade de formar é sobretudo uma vontade de conformar ou seja de realizar uma síntese plástica entre o esquema mental e a experiência do mundo Nesse sentido perceber não se reduz a constituir diante de si um conjunto de objetos Com JeanPierre Charcosset 1982 podese compreender que toda obra de arte baseia se numa certa descoberta do mundo Mundo que não se pode mais considerar como vitrine Gegenwelt ou como ambiente Unwelt mas como Lebenswelt no dizer de Husserl este mundo da vida é entendido não apenas conforme a tra dução habitual como mundo vivido porque ele é para nós não apenas o mundo onde nós vivemos ou que nós vivemos mas este mundo do qual nós vivemos como ele vive de nós Charcosset 1982 p 58 Eis o ponto nodal da estética merleaupontyana tanto o conhecimento quanto a obra de arte dependem da explora ção do mundo pelo corpo e da sua relação com as coisas Conceitualmente tratase da fórmula carnal Merleau Ponty 1964 Dufrenne 1982 FrayzePereira 1995a An driolo 2005 Ao ser considerada uma obra de arte e não apenas um documento clínico restrito à análise psicopatológica a pin tura dos habitantes do asilo revelanos um trabalho de cria ção fundado na percepção e na experiência do mundo As sim considerase o processo perceptivo como um encontro com significados No mundo notou Paul Crowther 1982 as coisas imprimemse sobre nosso corpo como presenças sensoriais emblemas não apenas como imagens men tais ou construção mental sobre dados Daí resultam duas noções 1 a percepção é criativa porque o corpo ao articu lar o mundo conforme significados remete o sujeito a sua vida passada e futura 2 o corpo opera entre as coisas e as pessoas de modo préreflexivo Conforme a Fenomenologia da percepção a vida consciente e perceptiva é sustentada por um arco intencional que projeta em torno de nós nos so passado nosso futuro nosso meio humano nossa situ ação física nossa situação ideológica MerleauPonty 19451999 p 190 A partir daí a pintura desperta o delírio da própria visão o pintor pratica uma teoria mágica da visão como escreveu MerleauPonty 1964 p 26 em O olho e o espírito o espírito sai pelos olhos para ir passear nas coisas Quan do a percepção encontra um significado imediatamente incompreensível mas que exige sua preservação e articu 230 Psic Teor e Pesq Brasília MaiAgo 2006 Vol 22 n 2 pp 227232 A Andriolo lação estáse diante de um ponto de decolagem da cria ção artística Crowther 1982 p 141 Diz MerleauPonty 19521989 p 100 é necessário que haja ocorrido este momento fecundo em que germina à superfície de sua experiência em que um sentido operante e latente assume os emblemas que vão liberálo e tornálo maneável para o artista e ao mesmo tempo que aces sível aos outros O pintor em ação desconhece a antítese do homem e do mundo O problema da oposição entre alegria e sofrimento na produção artística O problema do sofrimento na criação artística abre um outro campo de reflexões que não será abordado aqui ver p ex FrayzePereira 1995b Sumariamente a questão da leitura que distingue os campos da arte ingênua e da psi copatologia da arte desdobra um outro equívoco a opo sição entre uma pintura orientada pela alegria e outra pelo sofrimento Ao considerar um artista como primitivo ou ingênuo a crítica acompanhava a leitura psicopatológica de arte que supunha dois campos artísticos definidos pela maior ou menor aderência ao mundo Mesmo resguardan do um sentido psicológico para as produções ditas naïves subliminarmente prolongavase o problema de distinguir as obras que apresentavam cenas campestres paisagens rurais festas populares daquelas imagens de cores densas de ce nas fantásticas e perturbadoras o primeiro grupo associa do à felicidade pueril e o segundo ao sofrimento do drama subjetivo As considerações feitas até aqui acerca da criação ar tística com base no processo perceptivo e numa operação expressiva que não abandona jamais o mundo demonstram a inviabilidade tanto da distinção entre mundo exterior e mundo interior quanto de uma pintura devotada à alegria e outra fundada no sofrimento Todo artista em operação dentro ou fora do asilo experimenta seus momentos de feli cidade e de sofrimento Ainda que seus pincéis registrem as agruras das condições de isolamento ou representem uma fuga idílica sua obra plástica não deixará de reviver sua própria experiência Apenas a título de exemplo não será difícil notar a fra gilidade da noção de felicidade aplicada aos pintores ingê nuos Tomando como base as quatro fases da trajetória de José Antônio da Silva notadas por SantAnna assim como fizera Spanudis encontraríamos a primeira delas girando em torno de 1946 e 1948 ou seja entre o dia de sua descoberta e o contato direto com o museu paulista do contato com a crítica de arte e seu autoreconhecimento como primitivo Predominavam então as telas de colori dos escuros um torpor angustiante e sufocado pintando paisagens muitas vezes associadas por um contorno que vai do escuro no plano inferior do espaço pictórico ao acin zentado no horizonte As margens laterais apresentamse constantemente fechadas por formas de colorido escuro ou opaco SantAnna 1993 p 166 O reconhecimento de Silva pelos três intelectuais paulis tas deuse num momento em que sua obra relatava o drama de sua vida e não em cenas idílicas definidas como naïves SantAnna 1993 p 166 é categórico ao afirmar que as pinturas de José Antônio no início de sua carreira como artista apresentavam desenhos de traços mais rústicos na maioria tristes sufocados por soluções cromáticas pouco iluminadas nostálgicos e quase sempre fechados em todas as extremidades simbolizando a ausência do vislumbre de saída da situação existencial em que o autor se encontra va Seu Cavalo indomável de 1949 óleo sobre tela 35 x 50 cm col MACUSP composto de tons de marrom e verdeescuro é exemplar desse momento no qual o céu ne buloso sombreia o campo tornando ainda mais impressio nantes as árvores secas ao fundo da cena O cavalo negro enfurecido destacase no primeiro plano reservando o can to inferior direito para o pobre cavaleiro estirado ao chão sob as patas traseiras do animal Assim colocada a questão não se poderá separar dois campos da pintura nos hospitais psiquiátricos por sua maior ou menor aderência ao mundo bem como não se poderá distinguilos pela temática dos sentimentos evocados Pode se concluir pois que a instituição psiquiátrica não encerra o drama psíquico da mesma maneira que a prática pictórica ingênua não o ausenta Conclusão Para concluir convém notar que a leitura psicológica estreita além de desdobrar os problemas da oposição entre exterior e interior alegria e sofrimento desconsidera por decorrência a própria materialidade da obra de arte Mesmo no sentido catártico dizia Dufrenne 1982 p 102 diferen temente do sonho o trabalho da obra obriga o criador a afrontar a resistência da matéria E no dizer de Frayze Pereira 1995b p 103 uma obra não é um fato nem mate rial nem ideal mas trabalho entendendose por trabalho a negação do dado imediato enquanto imediato e ao mesmo tempo construção de um novo objeto Nesse sentido a obra de arte é dotada de uma dimensão fundamental de re flexão acerca da experiência do mundo uma operação de interiorização e exteriorização que entrega ao mundo uma obra expressiva As pinturas de Farid Gerber de Braz Navas de Sabado Quinterni de Francisca Baron de Ioitiro Akaba de Masayo Seta de Toski Todo bem como as paisagens sombrias de Aurora Cursino todos habitantes do Juquery na década de 1950 não são apenas representações do mundo exterior objetos e construções do asilo como também não são pro jeções diretas das imagens do inconsciente Todas elas são operações expressivas que exigem do espectador um retor no à experiência da obra numa leitura particular que nos coloca diante da experiência do outro O problema da materialidade da obra nas produções de internos tem uma significação específica porque seus auto res estão em grande parte desprovidos de materiais neces sários à prática artística Considerese o fato desses artistas não possuírem outra coisa senão o seu próprio corpo Thé voz sd O pedaço de carvão a tinta o papel o barro os retalhos de pano o miolo de pão ou outros materiais tornamse extensão do próprio corpo do artista Corpo que é condição decisiva da percepção e da criação corpo que não é objeto mas que é mediação ou seja carne na concepção merleaupontyana Aqueles artistas mesmo quando entre gues às mais fantásticas imagens refazem meticulosamente a exploração do mundo como foi exemplar a difícil traje tória do desenhista Rubens Garcia inventando imagens tão fabulosas ao mesmo tempo que concretamente enraizadas no mundo visível Corporalmente situado no mundo o artista internado ou não realiza uma operação expressiva cuja síntese mes cla definitivamente o mundo interior e o mundo exterior O resultado dessa operação é um entredois materializado na obra de arte seja qual for o tema tratado Ao silêncio historicamente imposto à pintura ingênua dos ateliês psi quiátricos a própria materialidade das obras responde de maneira eloqüente Apresentandose como objeto estético para novos espectadores no longo percurso da recepção 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Letras e Artes Escola de Belas Artes CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Rio de Janeiro 2023 2 CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História da Arte Orientador Prof Dr Ivair Junior Reinaldim Rio de Janeiro 2023 CIP Catalogação na Publicação Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos peloa autora sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto CRB76283 S158m Saisse Clarice MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 AURORA CURSINO DOS SANTOS ADELINA GOMES E STELLA DO PATROCÍNIO Clarice Saisse Rio de Janeiro 2023 166 f Orientador Ivair Reinaldim Trabalho de conclusão de curso graduação Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Belas Artes Bacharel em História da Arte 2023 1 mulheres 2 artistas 3 psiquiatria 4 narrativa 5 arte moderna I Reinaldim Ivair orient II Título 4 CLARICE FONSECA SAISSE MULHERES ARTISTAS PSIQUIATRIZADAS 19371992 Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História da Arte Orientador Prof Dr Ivair Junior Reinaldim Aprovado em BANCA EXAMINADORA Prof Dr Ivair Junior Reinaldim EBAUFRJ Orientador Profa Dra Dinah de Oliveira EBAUFRJ Membro interno Prof Dr Marcelo Campos UERJ Membro externo 6 Para a minha mãe e para as mulheres da minha família por terem me tornado a mulher que sou 7 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe por tudo seu amor me protege e nunca me deixa esquecer que a felicidade não é um sonho tão distante Mãe é uma frase cheia completa À minha avó Orlanda e meu avô Humberto por tudo mas também pelo apoio ao estudo de artes sempre separando reportagens de jornal livros folhetos e revistas com meu nome escrito identificando seu pensamento carinhoso À minha tia Valéria por ser muito mais do que uma tia precisaria ser meu alicerce Às que me deram família até quando achei que não tinha mais Aline Débora Flavia Isis Karine Linck Phellipe Rebecca Thamiris Thayná Vitória e Yasmin Eu amo vocês Às Rainhas do Micão nossas festas de aniversário surpresa que todas já sabíamos que iam acontecer trocas e risadas Sem vocês a história da arte não teria sido tão divertida e leve Agradeço às minhas orientadoras do projeto Laboratório Poético que ao longo de três anos incríveis nunca me deixaram esquecer e me mostraram meu amor pela pesquisa que pode ser poética e artística O convívio com vocês me deu tanto que passei a vêlas não somente como minhas orientadoras mas como parceiras de pesquisa artística nesse país Anna Thereza Menezes e Marilane Abreu Agradeço ao meu orientador que esteve presente na minha trajetória acadêmica desde o meu primeiro período até o último tendo sido a pessoa que escolhi a dedo para estar me orientando ao longo do processo de pesquisa e escrita para concluir o curso Sua orientação foi tudo que sonhei ser e até mais obrigada Encerro esse ciclo cheia de boas saudades 8 Gostaríamos de iniciar pondo um intervalo no domínio da visibilidade Gostaríamos de iniciar traçando uma cartografia que não depende da ideia de localização Gostaríamos de iniciar propondo uma prática composicional indisciplinar e fugitiva Gostaríamos de iniciar pensando a destruição do mundo como conhecemos como uma forma de cuidado Gostaríamos de iniciar pela descolonização da matéria colonizada Gostaríamos de iniciar com uma espada a cortar o mundoferida Gostaríamos de iniciar com uma convulsão na gramática Gostaríamos de iniciar com um acidente na percepção Musa Michelle Mattiuzzi e Jota Mombaça Já não temos tempo mas sabemos bem que o tempo não anda só para a frente Não vim aqui para cantar a esperança Não temo a negatividade desta época porque aprendi com os cálculos de Denise Ferreira da Silva que menos com menos dá mais e portanto nossas vidas negativadas se somam e se multiplicam à revelia Então eu vim para cantar à revelia Jota Mombaça 9 RESUMO essa pesquisa se dedica ao estudo de três mulheres artistas que foram psiquiatrizadas e internadas em instituições psiquiátricas durante o período manicomial brasileiro compondo também a arte moderna brasileira também se dedica a entender como foi criado o estereótipo da loucura nas mulheres ao longo da história e da história da arte a partir disso foi trabalhada a imagem clássica da mulher louca em relação com a imagem humanizada construída através da narrativa dessa monografia a partir das três artistas escolhidas Aurora Cursino dos Santos interna do hospital psiquiátrico do juquery Adelina Gomes interna do antigo centro psiquiátrico hoje instituto municipal nise da silveira e Stella do Patrocínio interna da colônia juliano moreira a pesquisa começou por meu interesse em estudar a produção artística de internos que também foram artistas e ganhou corpo para se desenvolver no presente estudo depois de ter me perguntado sobre o pouco destaque que as artistas internas mulheres tiveram na história dos ateliês da Dra Nise da Silveira desde então adotei o recorte de gênero como direcionamento de pesquisa com o objetivo de encontrar essas mulheres pesquisálas e trazêlas para o campo da história da arte de onde também foram silenciadas e apagadas mas escolhi não me ater somente às artistas do ateliês da Dra Nise da Silveira abrangendo outras instituições psiquiátricas palavraschave mulheres artistas psiquiatria narrativa arte moderna 10 ABSTRACT this research is dedicated to study three women in arts who have been psichiatrized and psychiatric hospital intern during the asylum period being as well an important part of brazilian modern art the research is also dedicated to understanding how madness stereotype in women was developed through history and art history from that i put some effort to work on the classic image of madwoman in a relational dynamic to the humanized image developed through the narrative in this monography along side with the three women the author choose Aurora Cursino dos Santos intern at psychiatric hospital of juquery Adelina Gomes intern at the old psychiatric center today nise da silveira municipal institute and Stella do Patrocínio intern at juliano moreira colony the research started when i took interest in study the artistic production of interns who also have been artists and has gained body to develop into the present study after i asked myself about how little representation and visibility women in history of the Dra Nise da Silveira9s ateliers has received ever since i9ve assumed a gender focus as my research posture establishing the goal of finding those women develope research about them and bring them to the art history field where they have been silenced and suffered erasure but i choose not to research only the artists of Dra Nise da Silveira9s ateliers embracing other psychiatric institutions keywords women artists psychiatry narrative modern art 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO12 CAPÍTULO 1 imaginários brutais encontram Aurora Adelina e Stella17 11 a criação da imagem da mulher louca na história da arte21 CAPÍTULO 2 Aurora Cursino dos Santos31 21 biografia possível31 22 sequestros ao corpo da mulher e a lobotomia41 23 questão historiográfica sobre Aurora51 24 metodologia para enxergar Aurora e Aurora enquanto artista52 25 Aurora no juquery59 26 a maternidade a memória e a exigência pelo discurso da verdade71 27 eu Aurora Cursino reafirmação de vida84 CAPÍTULO 3 Adelina Gomes92 31 biografia possível93 32 a metodologia para Adelina o gesto e a fuga103 33 os gestos de Adelina como comunicação108 34 Adelina de corpo em barro peito aberto as esculturas115 CAPÍTULO 4 Stella do Patrocínio136 41 biografia possível137 42 metodologia para Stella sua voz a oralidade144 43 malezinho prazeres o falatório147 CONSIDERAÇÕES FINAIS157 REFERÊNCIAS160 ANEXO 1 Lista de mulheres artistas psiquiatrizadas ou com diagnósticos psiquiátricos166 12 introdução fazer história da arte como quem olha para o objeto e com palavras de comer reolhar tudo até abandonar a nomeação objeto e utilizar alguma outra que ainda não conheço Trecho de caderno de pesquisa 2021 pintar o que eu quero que exista Pri Barbosa você me diz eu vi que você faz muitas coisas mas qual delas é a sua coisa mesmo a que você realmente faz te respondo escrever porque é como aprendi a me mover nesse mundo o que me dá teto emocional e onde amolo a faca trecho de caderno de pesquisa 2021 espera estou inventando uma língua para dizer o que preciso Ana Martins Marques a minha pesquisa é trabalho de dedicação funda na vida de mulheres que foram silenciadas e violentadas de formas diversas o meu tema é sobre mulheres artistas que foram institucionalizadas durante o período manicomial brasileiro de dentro desse tema tive que escolher quantas mulheres pesquisaria e quais seriam tendo optado por três de modo que esse trabalho se desenvolve sobre quatro capítulos o primeiro se aprofunda na questão da loucura a partir do recorte de gênero de mulheres buscando explicar como foi criada a imagem estereotipada da mulher louca ao longo da história e também da história da arte o segundo é dedicado inteiramente à Aurora Cursino dos Santos que foi tornada interna do hospital psiquiátrico do juquery em franco da rocha são paulo o terceiro também é dedicado somente à Adelina Gomes que foi internada no antigo centro psiquiátrico nacional hoje em dia instituto municipal nise da silveira no engenho de dentro rio de janeiro o quarto e último capítulo dedicado inteiramente à Stella do Patrocínio que foi interna da colônia juliano moreira em jacarepaguá rio de janeiro as três 13 foram internadas e faleceram dentro da instituição psiquiátrica de modo que ao entrarem nunca mais saíram as três também em algum momento de sua trajetória enquanto carcerárias tiveram meio por onde se expressar o que foi compreendido como arte Aurora foi pintora Adelina foi pintora e escultora e Stella do Patrocínio contava histórias através de sua oralidade que como ela mesma chamava ficou conhecida por falatório a escolha por três mulheres em instituições psiquiátricas diferentes foi intencional pois assim poderia pesquisar três contextos diversos e mostrar que a tortura os maus tratos e tratamentos desumanos eram uma prática comum do período manicomial práticas essas que não deveriam jamais ter sido permitidas ou aclamadas pelo corpo médico que na época enxergava as psicocirurgias por exemplo como procedimento de alta tecnologia essa alta tecnologia foi instrumento de tortura feito sem o consentimento das pessoas a criação do primeiro capítulo foi uma escolha metodológica que aconteceu no processo na verdade ele foi o último capítulo a ser construído porque eu ia trabalhar somente com três capítulos para três mulheres mas começando a escrever o capítulo de Aurora Cursino dos Santos ele surgiu da extrema necessidade de falar primeiro sobre a imagem da mulher louca eu entendi que escrevendo sobre mulheres tidas como loucas eu precisava fazer uma escolha com esse trabalho eu poderia reforçar a imagemestereótipo da loucura nas mulheres ou poderia trabalhar em cima de uma ruptura sobre essa imagem a minha escolha foi a de trabalhar com a ruptura visando criar espaço de fôlego sobre uma tradição que subalternizou e invalidou muitas mulheres sobre uma tradição imagética de estereótipo solidificada através da história a minha escolha sobre escrever capítulos para Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio foi por identificar muitas lacunas em suas histórias Aurora Cursino dos Santos não tinha uma publicação sequer que a estudasse quando comecei a pesquisar somente algumas poucas páginas em um catálogo de arte Adelina Gomes é reconhecida no campo entre arte e loucura mas tudo que vi escrito sobre seu trabalho foi a partir das pinturas que fez não encontrei um trabalho que se aprofundasse em suas esculturas além do que foi escrito pela Dra Nise da Silveira que também estudou mais as pinturas Stella do Patrocínio teve felizmente nos últimos anos incríveis trabalhos feitos sobre ela mas quando 14 comecei a pesquisar seus áudios sua voz ainda eram propriedade privada de Carla Guagliardi diante da escolha que fiz de não reproduzir a imagem da mulher louca tomei um outro cuidado com as nomeações que fiz ao longo dos capítulos você poderá perceber que usei a expressão mulheres que foram psiquiatrizadas em vez de mulheres que tiveram diagnóstico psiquiátrico isso porque as três foram diagnosticadas como esquizofrênicas mas muitas pessoas receberam diagnósticos ou foram internadas mesmo estando plenamente saudáveis e muitas outras adoeceram por estarem dentro da instituição por quase toda a vida então entendendo isso ponho em dúvida seus diagnósticos e independente de terem sido reais ou não digo que foram psiquiatrizadas ou seja para além de alguém ter um diagnóstico essas mulheres foram enquadradas como malucas e doidas como loucas o que fez suas falas e expressão serem postas em dúvida somente por terem um diagnóstico psiquiátrico foram silenciadas e não puderam escolher tantas coisas sobre suas próprias vidas porque foram psiquiatrizadas no que diz respeito à maneira que escrevo você já deve ter percebido que meu texto está quase inteiramente em letra minúscula o que também foi uma escolha metodológica escolhi escrever tudo em letra minúscula exceto o nome de mulheres fossem cis ou trans e pessoas não binárias fiz essa escolha por entender a palavra como imagem e como símbolo por entender a palavra e o texto como lugar de estruturação política e de poder não segui a norma gramatical da língua portuguesa não segui sua estrutura de poder nem reproduzi seus símbolos de poder assumi uma postura em que me recusei a escrever o nome de homens que embasados pelo pensamento científico colonialista se sentiram no direito de fazer aplicações de eletrochoque ou lobotomia no corpo de seres humanos em condição de fragilidade me recusei a dar destaque a nomes repetidamente utilizados na história da arte me recusei a escrever a partir de referências majoritariamente de homens brancos porque não é o lugar de discurso que quero agenciar meu pensamento e a minha escrita escrevi o nome dos homens e seus poucos trabalhos aos quais fiz referência com letra minúscula para não colocálos em um lugar de poder mais uma vez é uma postura política de hierarquia no texto demarco então um território de cuidado com a escrita e escrevendo com afeto busquei não reproduzir ciclos de sofrimento de onde estou no texto na pesquisa busquei ao fazer isso agenciar outras relações na escrita alterando a 15 relação de poder patriarcal a escrita pode velar e reproduzir violências e não quis fazer isso com esse trabalho a última questão metodológica do trabalho diz respeito a como me posicionei para escrever os capítulos 2 3 e 4 não adotei uma única abordagem metodológica para desenvolver a pesquisa sobre as artistas porque percebi a necessidade de observar o que cada uma precisava por não adotar uma abordagem para as três o texto talvez não tenha ficado com aparência uniforme mas essa foi a pesquisa dissonante que busquei fazer desde o princípio não era do meu interesse seguir todas as regras ou diretrizes academicistas mas sim fazer o trabalho que me parecia necessário ser feito expliquei nos próprios capítulos quais métodos utilizei para desenvolvêlos e espero que não estejam de fato tão uniformes isso não significa que o texto como um todo não possua coerência de pesquisa um dos meus objetivos com esse tema foi o de alargar o pouco que fosse o campo de pesquisa da história da arte arte e loucura não são estudados na graduação a não ser que algum professor opte por trabalhar o tema para minha sorte isso aconteceu comigo e por fim se tornou meu tema de pesquisa frequentemente a graduação em história da arte na ufrj única que posso citar pois foi onde estudei teve o posicionamento de que alguns temas não faziam parte do campo vi isso acontecer com as pesquisas das minhas amigas e senti eu mesma dificuldade com o meu próprio tema pelo posicionamento e lacunas do curso que mesmo lacunar tem tanto a oferecer meu outro objetivo com meu tema que é o principal foi o que alimentou meu desejo pela pesquisa e pelo tema foi o de partilhar a existência dessas mulheres artistas e ressignificar o pouco que eu pudesse suas imagens para além do eixo das minhas amigas e da minha família queria que elas fossem cada vez mais vistas mais estudadas e mais conhecidas como parte da história da arte moderna brasileira o corpo a história de vida e história enquanto artistas foi tirada dessas mulheres através das violências e dos apagamentos às vezes é muito difícil sequer ouvir seus nomes se não fizermos esforços para encontrálas então vamos ouvilas de novo e de novo celebro suas vidas tudo o que de maravilhoso fizeram e criaram ao longo de suas vidas espero ter conseguido fazer isso com o texto e as imagens que disponibilizo foi um trabalho que fiz com amor amor ao meu tema e amor à pesquisa em arte e em história da arte nesse país pode parecer que elas 16 não tiveram espaço na história da arte mas o que não tem espaço está em todo lugar Jota Mombaça 17 capítulo 1 imaginários brutais encontram Aurora Adelina e Stella você não sabe o que é ter as pessoas olhando para você como se fosse louco anônimo proponho a seguir um exercício de deslocamento para se fazer com o corpo e com a imaginação quem é você e o que oa assegura disso quando leio as palavras escritas de alguém não existe voz na verdade a única coisa que existe são as palavras da pessoa e a leitura que faço dentro da minha mente ao ler as palavras dançam na minha pele e nesse espaço que é meu corpo fluem isentas da ação da gravidade flutuam livres de peso a única coisa que garante serem reais sou eu mesma escolhi o exemplo da leitura porque é nesse lugar que você se encontra agora dentro do meu texto realizando uma leitura mas o que te assegura de que isso é real você é o suficiente para atestar essa realidade o que a impede de que se desmonte e se todas as pessoas ao seu redor te afirmassem que nada disso é real você teria tanta certeza então a esquizofrenia é um diagnóstico psiquiátrico que tem como um dos sintomas o delírio isso quer dizer que pessoas diagnosticadas com esquizofrenia são atravessadas por episódios de alucinação distorcendo eou inserindo elementos irreais na realidade mas como separar um do outro não ficamos constantemente questionando se nossas percepções sensoriais são reais ou não as pessoas que vivenciam sintomas de psicose também não se eu escuto alguém dizer alguma coisa se eu vejo algo essas não são partes concretas da realidade eu ouvi eu senti e não são realidade penso que esse estranhamento pode ser bem vindo para quem não experiencia os sintomas uma vez que somos nós que perpetuamos o conceito de alteridade frequentemente sem tomarmos consciência disso a alteridade é o conceito que determina como absorvemos a nós mesmas no mundo e as outras pessoas no entanto o referencial é sempre o homem universal sendo este um conjunto de homens brancos auto entendidos como racionais pessoas lidas como 18 loucas escapam do conceito do homem universal sendo perpetuamente atravessadas pelo olhar de estranheza deslocamento e não pertencimento que a alteridade instaura e legitima tudo que foge da concepção de homem universal se torna o outro bell hooks em seu livro Ensinando a transgredir divide conosco como a teoria pode ser um lugar de cura e acolhimento de onde estruturamos o mundo e nossas questões afirma que quando nossa experiência vivida da teorização está fundamentalmente ligada a processos de autorrecuperação de libertação coletiva não existe brecha entre a teoria e a prática hooks 2017 pp 8586 dizer isso significa articular teoria e prática em um território comum a vida atravessa e preenche a teoria de modo que se espelha nas nossas atitudes e posturas cotidianas entrar em contato com o conceito de alteridade não nos traz reverberações na prática se não entendermos que ela está enraizada estruturalmente nas nossas percepções e leitura de mundodas pessoas ou seja nas nossas vidas a teoria como um espaço preenchido por nossas vidas é uma forma de fazer ruir a ideia de que vida e teoria pertencem a campos diferentes e até mesmo opostos da mesma forma que frequentemente separamos o conhecimento do nosso lado emocional a teoria quando se declara abertamente articulada à vida se torna então honesta e capaz de gerar movimento de conectar efetivamente teoria e prática não existe teoria que não esteja vinculada à vida de quem a escreve porque não existe um sujeito oculto não existe neutralidade todas e todos partimos de algum lugar que está relacionado a quem somos o que pensamos e como pensamos como sentimos de onde somos desse modo me proponho escrever a partir da vida e escrever um texto que possa ser pensado como texto prática ou seja escrever já no exercício consciente de cuidado sobre a não reprodução de violência e visando uma escrita acadêmica que seja humanizada em detrimento de um texto despessoalizado ao entendermos essas questões podemos então destruir nossos comportamentos que perpetuam essa violência e reconstruir posturas que sejam empáticas para a subjetividade e a vida das pessoas agora dando maior enfoque para o tema dessa monografia entrelaçar teoria e prática nos auxilia também na responsabilidade de não reproduzir o ciclo de violência manicomial dizer isso significa que os manicômios não deixaram de existir eles são reatualizados 19 diariamente em nossas mentes comportamentos e na medicalização da vida o pensamento manicomial é tutela controle de vida é ferramenta para identificar e determinar que corpos são normais e quais são anormais que corpos são aceitos e quais são rejeitados pela sociedade representando a falência do estado por fim o pensamento manicomial funcionou e continua a funcionar como máquina reprodutora de sofrimento psíquico separando quais corpos têm direito a vida e quais não esse lugar da rejeição exclusão social produção de sofrimentos e vulnerabilidades se trata novamente do conceito de alteridade que atravessa o pensamento manicomial e que perpetua a inserção de pessoas em sofrimento psíquico no lugar do outro escrevo que existe uma atualização dos manicômios porque em vez de a sociedade produzir condições de isolamento em cárcere físico prisão internação psiquiátrica como ocorria no período manicomial o isolamento social passa por uma mudança principal apontada pela Dra Nise da Silveira no documentário Posfácio Imagens do Inconsciente agora se os manicômios estão sendo desmontados aos poucos como foram conhecidos a nova camisa de força é a camisa química a superdose de medicamento que além de ser uma ferramenta de isolamento faz com que esses corpos rejeitados pelo sistema fiquem dopados dóceis sonolentos um paralelo distante com a situação do cárcere manicomial mas que ainda assim me parece possível de ser estabelecido é o isolamento social que a pandemia de COVID19 provocou no mundo ao mesmo tempo em que temos diferenças gritantes nessa relação como o fato de que não ficamos encarcerados em nossas casas não vivenciamos tratamentos violentos eletroconvulsoterapia lobotomia cela forte lençol de contenção camisa de força não utilizamos uniformes entre outros apesar de tantas diferenças as pessoas que puderam ficar em casa durante o ano de 2020 vivenciaram um tipo de isolamento o distanciamento social a solidão e para muitas mulheres vulnerabilidades e violências inúmeras porque o espaço da casa nem sempre é um espaço seguro muitas vezes não foi mais possível ver as pessoas que amamos ou nos locomover na cidade como antes e apesar de todas as diferenças se o isolamento social provocou efeitos tão violentos como depressão ansiedade pânico e fobia social não há como dimensionar o trauma causado às pessoas encarceradas pelo modelo manicomial 20 até então estruturei e articulei algumas questões no texto o delírio em pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas o deslocamento da percepção entre real e irreal a importância de olharmos a teoria como um espaço preenchido por nossas vidas e o conceito de alteridade acredito serem questões importantes para começarmos a falar sobre Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio sim esse é um texto sobre história da arte porque a partir das narrativas dessas mulheres restauramos um fluxo de narrativa histórica que também foi interrompido pelo conceito de homem universal o homem universal não é só o homem branco é também a heteronormatividade a cisgeneridade a razãopensamento unicamente racional sem ativação do corpo são as formas padronizadas de existir a distância que se fabrica entre o homem universal e o resto da humanidade não é somente uma distância é um lugar de poder em que se fabricam as noções de superioridade e subalternidade a vida a história e a arte dessas mulheres desestabilizam todos esses conceitos de universalidade desafiando portanto a posição subalterna em que foram encarceradas a estrutura de poder no plano do presente e do futuro queimam simbolicamente nossas concepções de mundo porque apesar da movimentação que fizeram infelizmente nada impediu que passassem suas vidas encarceradas vivenciando violência institucional e tendo todas elas falecido inseridas nesse contexto o mundo em que vivemos está acabando morrendo de maneira simbólica pela forma como nos relacionamos como nos percebemos de dentro dessa morte precisamos ter a sabedoria de olhar dentro da boca do que está morto e fazer nascer vida os ciclos de vida são essencialmente entrelaçados aos ciclos de morte se entendemos isso podemos articular que ao mesmo tempo em que a sociedade produz vida também produz morte produz racismo lgbtqiafobia machismos desigualdade social todos esses são dispositivos de fazer morrer de aniquilar de matar sendo portanto características de um mundo que está morrendo quando articulamos teoriaspráticas de vida que desestabilizam essas violências estruturais manifestamos uma recusa diante de modos de vida violentos sufocamos essas políticas que nos matam não somente de corpo matado as mortes físicas mas também as do plano do simbólico é a morte de um projeto de sociedade são mortes imateriais é a morte de estruturas colonizadoras e patriarcais compulsoriamente heterossexuais o que Aurora Adelina e Stella produziram 21 matam essas concepções de mundo nós enterramos as concepções de aniquilamento para daqui em diante fazer nascer coisas que fazem nascer mais coisas nós plantamos e cultivamos vida eu gostaria que existisse uma forma de quantificar em realidade qual é a parcela da população mundial que corresponde ao conceito do homem universal mas não preciso eu e você sabemos que o que existe em detrimento é simbolicamente a humanidade inteira é desse lugar que estou é desse lugar que esse texto está e daqui partimos para reconstruir esse mundo falido Aurora Cursino dos Santos 18961959 Adelina Gomes 19161984 e Stella do Patrocínio 19411992 são mulheres que foram enquadradas como loucas quase em um sentido criminal porque foram encarceradas por quase a vida inteira vivenciando violência manicomial foram psiquiatrizadas e inseridas no espaço institucional de internação nesse espaço essas mulheres tiveram contato com a criação artística e passaram elas mesmas a criarem esse capítulo se debruça em como ao longo da história certas imagens foram responsáveis por criar o estereótipo da mulher louca que se perpetua e produz violências 11 a criação da imagem da mulher louca na história da arte armas contra tudo o que não te deixa livre revolta contra tudo que te acorrenta KAHLO 2017 p 216 através da repetição de imagens são criados imaginários na sociedade o imaginário social da loucura pode ser consultado se pesquisarmos a palavra louco no dicionário um exemplo são as definições do dicionário michaelis de atitudes alteradas excessivamente extravagante no comportamento desprovido de juízo contrário de bom senso fora da normalidade que age de forma irracional louco de pedra doido varrido doido manso entre outras no entanto é preciso entender que a loucura traz questões para as mulheres que não traz para os homens mesmo existindo pontos de encruza como são os conceitos oferecidos pelo dicionário michaelis estereótipos vivenciados por homens e mulheres no contexto da loucura a mulher com diagnóstico psiquiátrico está 22 vulnerável a violências que os homens não estão de forma tão recorrente suas questões de gênero serão outras no livro Luta Antimanicomial e Feminismos discussões de gênero raça e classe para a reforma psiquiátrica brasileira com a organização de Melissa de Oliveira Pereira e Rachel Gouveia Passos as autoras e organizadoras afirmam que ao fazerem uma pesquisa acerca dos diagnósticos das mulheres encontraram recorrentemente uma associação com a sexualidade critérios como a beleza e a 8feiura9 das mulheres o não desejo pelo matrimônio ou pela maternidade se tornaram centrais nas avaliações médicas tanto para a internação quanto para a permanência das mulheres nas instituições do século xx PEREIRA PASSOS 2017 p 38 a historiadora Magali Engel em um momento de sua tese de doutorado chamada A loucura na cidade do Rio de Janeiro ideias e vivências 18301930 discute a percepção da loucura por psiquiatras no início da literatura sobre a saúde mental e aponta que era comum os alienistas terem fatores sociais como causa para o adoecimento psíquico mesmo depois da comprovação de que um dos principais gatilhos para o desenvolvimento das doenças era a hereditariedade muitos alienistas continuaram a ter a desordem social como fator e cita um trecho falando sobre a má conduta das mulheres como um desses fatores além das mulheres muitas vezes terem sido institucionalizadas pelos delírios do patriarcado como não terem desejo pelo casamento e por terem filhos Melissa Pereira e Rachel Gouveia discutem como os sofrimentos psíquicos das mulheres são invisibilizados por serem lidos como frescura quando interseccionamos raça e gênero os sofrimentos gerados pelo racismo não são levados em consideração e permanecem invisíveis PEREIRA PASSOS 2017 p 38 não é incomum que mulheres institucionalizadas em hospícios tenham vivenciado assédio e abuso sexual sem jamais serem sequer escutadas sem terem tido a chance de contarem suas histórias e serem acolhidas em 1887 a jornalista estadunidense Nellie Bly finge ser louca1 para ser internada em um manicômio e poder relatar as condições das mulheres institucionalizadas durante o período 1 o que demonstra que no século xix a imagem acerca do que é uma mulher louca já estava bem estabelecida ao ponto da jornalista saber que atitudes ter para ser lida socialmente como louca mesmo que não fosse e que a imagem criada por ela fosse o suficiente para fazer ser institucionalizada 23 manicomial em seu livro a autora relata a presença de uma mulher grávida que já estava na instituição por tempo demais para ter sido internada já grávida ela relata também ter escutado o som de um bebê chorando não há como a mulher em questão não ter sido abusada entrelaçado ao imaginário de loucura as mulheres com diagnósticos psiquiátricos são postas como corpos sem controle sem razão exageradas histéricas e portanto silenciadas através da consulta ao dicionário acessamos algumas palavras que dão nome a esse imaginário de corpos psiquiatrizados em adoecimento mental a autora Tatiana Fecchio da Cunha Gonçalves com sua tese A Representação do louco e da loucura nas imagens de quatro fotógrafos brasileiros do século XX Alice Brill leonid streliaev cláudio edinger Claudia Martins nos fornece as imagens desse estereótipo a tese da autora estuda a representação do louco e da loucura na história da arte e na fotografia e identifica nessas imagens a pretensão de terem cunho documental atestarem uma verdade um fato assim como as palavras as imagens são discursos e Tatiana se dedica a essas imagens investigando os elementos que nelas constroem a imagem naturalizada que fazemos das pessoas com diagnósticos psiquiátricos bem como da própria loucura ou seja estudando as imagens a autora identifica estereótipos da loucura que são postos como fatos a autora teve outro objetivo com sua tese além de realizar um estudo quase arqueológico de significações presentes nas imagens ao desdobrar camadas de significações impressas nas fotografiasesculturaspinturas ao longo do tempo Tatiana também desejava ampliar as possibilidades de análise em função do confrontamento junto a formas de apreender e descrever o 8louco9 como diverso excluído e estigmatizado ao longo dos tempos GONÇALVES 2010 pp 3 esse embate é fundamental para deslocarmos do eixo a visão tradicional e violenta que pessoas sem diagnóstico psiquiátrico estruturam e repetem sobre a loucura e sobre as pessoas em situação de sofrimento psíquico Aurora Adelina e Stella não são a imagem que fizemos delas ao escutarmos que eram loucas esquizofrênicas ao longo da história a figura do louco teve diversas representações e interpretações do que seria a loucura como alguns traços da expressão da fisionomia a aparência física traços de caráter a gestualidade e posturas do corpo esses são alguns exemplos do que poderia ser considerado ao olhar médico como estados alterados indicativos de loucura uma das teorias no entanto interpreta a 24 loucura como emoções intensas de acordo com Kromm 1984 p 55 apud GONÇALVES 2010 p 25 a insanidade é generalizada como qualquer emoção ou gesto exagerado que pode dar o aspecto visual de caos e por isto implicando em pensamento desordenado essa teoria fundamentou que a imagem da loucura estaria atrelada aos exageros emocionais em parte essa caracterização do que seria uma pessoa louca está relacionada com a contrarreforma e o barroco por causa da época em que se populariza a teoria século xvii mas mesmo antes do século xvii a gestualidade intensa já era configurada como loucura e especificamente atrelada à imagem da mulher com diagnóstico psiquiátrico aqui então encontramos com uma das prováveis origens da mulher que é controlada a partir do argumento do exagero do estado histérico lendo a pesquisa de Tatiana me perguntei qual seria a leitura da sociedade perante uma mulher dessa época que estivesse enfurecida com raiva que tentasse falar o que pensa que discordasse de um homem também me perguntei se essa mulher seria uma mulher branca ou uma mulher não branca também me perguntei se alguma mulher desse período se deu o direito à raiva e se alguma dessas mulheres sentisse vontade de gritar eu sou uma mulher branca vivendo no rio de janeiro do século xxi e às vezes sinto vontade de gritar o que provavelmente faz com que elas tivessem muito mais motivos do que eu eu me irrito e sinto raiva e expresso essa raiva por vezes existem inúmeros casos documentados que comprovam quantas mulheres foram institucionalizadas no manicômio contra sua vontade por apresentarem desvios do comportamento feminino exigido pela sociedade isso quer dizer que elas não tinham condições psiquiátricas mas sim eram mulheres lidas como rebeldes para seu tempo inconvenientes e consequentemente perigosas a resposta do poder patriarcal foi o encarceramento em manicômios chego a me perguntar se Aurora Adelina e Stella realmente tinham algum diagnóstico psiquiátrico ou não na época em que foram internadas contra sua vontade acho difícil que exista alguma mulher que já não tenha escutado hoje em dia que está exagerando ou que está maluca desequilibrada olha seu estado como está afetada melhor ir dormir para esfriar a cabeça por que está tão nervosa ou você está sendo muito irresponsável se eu sentir que devo vou gritar com você de novo sim essa sou eu vestindo meu corpo nesse texto e os exemplos infelizmente não acabam porque o patriarcado é uma máquina de fazer distorções que os 25 homens não se dão ao trabalho de entender eles mesmos fazem as distorções cotidianamente e sentem revolta quando confrontados sobre nossas inquietações e protestos no livro Irmã Outsider ensaios e conferências de Audre Lorde a autora escreve no capítulo Machismo uma doença americana de blackface que homens se esquivam do que é apontado pelas mulheres por nos considerarem 8viscerais9 demais a dor é muito visceral particularmente para pessoas que estão feridas LORDE 2020 p 80 a raiva aos poucos se torna tecnologia de sobrevivência para mulheres que querem continuar vivas emocionalmente fisicamente psicologicamente a questão com a raiva é que ela pode te engolir então também precisamos ter cuidado as redes de apoio também são tecnologia de sobrevivência Tatiana também aponta que se tornou comum ao representar a loucura e a mulher o ato de puxar os cabelos combinado com esse exagero emocional dois exemplos que seguiram essa maneira de criação de imagem são um detalhe da lamentação de cristo feita por donatello e a obra louca da casa dos loucos de geraert lambertsz figura 1 à esquerda detalhe da lamentação de cristo donatello victoria and albert museum c 145859 relevo em bronze figura 2 à direita louca da casa dos loucos geraert lambertsz museu rijksmuseum em pesthuis c 1615 escultura 26 depois de olhar essas imagens eu espero despir seus olhos com o que tenho para mostrar a seguir são imagens que não precisam que eu diga algo por elas porque são dotadas de potência tão vibradora que retomam a ideia da imagem como discurso com outra força com outras coisas a serem ditas é verdadeiramente um susto para o olhar para os preconceitos as barreiras são imagens sinceras atravessam meu corpo de um lugar que ainda não compreendo por inteiro provavelmente não tenho as palavras voltando mais uma vez para a dificuldade de articular o dizer expressa por Gloria Anzaldúa provavelmente é porque a alteridade coisifica o ser humano até que ele seja desumanizado por completo é quando o corpo social permite a violência e a tortura mas essas são imagens humanas sem coisificações uma delas é um autorretrato feito por Aurora Cursino dos Santos a outra uma pintura feita por Adelina Gomes que apesar de não ser um autorretrato declarado pela artista assim o enxergo a última imagem é uma fotografia de Stella do Patrocínio antes de ser encarcerada pela instituição psiquiátrica 27 figura 3 Adonei Aurora ExCaipirinha Aurora Cursino dos Santos museu de arte osório cesar são paulo 50 x 325cm sem data óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 28 figura 4 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 613 x 505cm 12021968 óleo sobre tela fonte retirada do site mii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml 29 figura 5 Stella do Patrocínio em liberdade antes da internação acervo pessoal da família sd fotografia fonte retirada do site quatrocincoumfolhauolcombrbrartigosliteraturabrasileiraanaopoetamaispoet aquejali essas três imagens operam na lógica de representação das próprias artistas sobre elas mesmas até mesmo a fotografia de Stella do Patrocínio por ter sido feita a partir de um contexto que não a anula essa imagem também representa como ela 30 teve agência sobre si mesma então as três fogem2 do estereótipo da loucura ao qual não correspondem por serem vidas e não estereótipos e a partir daqui nesse texto finalmente caminhamos junto com elas Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio buscando ouvir o que suas palavras e imagens acionam e movimentam me emociono mais uma vez abram os caminhos 2 o conceito de fuga de Jota Mombaça que articulo ao longo do texto fala sobre a fuga como a criação de um lugar que cada pessoa faz onde não exista brutalidade onde podemos ser quem somos longe das violências que a sociedade produz como racismo patriarcado entre outras 31 capítulo 2 Aurora Cursino dos Santos acabei de encontrar outra artista mulher seu nome é Masayo Seta e estou emocionada quantas outras mulheres podem estar por aí eu confio no direcionamento que minhas perguntas criam para a arte Trecho de caderno de pesquisa 11 de maio de 2021 eu tateei o chão com as mãos durante muito tempo até chegar a esse tema de pesquisa não tinha coragem ainda para ficar em pé e olhar o horizonte em parte porque não sabia o que encontraria mas o maior receio de todos era o de não encontrar nenhuma outra mulher o patriarcado nos faz acreditar todos os dias que nossas vozes não são o bastante e que não teremos semelhantes a nós para olhar nos olhos e seguir para onde quer que pensemos ir ainda bem que no caminho eu encontrei semelhantes e nos olhamos para juntas olharmos mais longe e encontrar mais de nós ao longo da pesquisa desenvolvi uma ação em paralelo a de começar uma lista com todos os nomes de mulheres artistas que como Aurora Adelina e Stella foram psiquiatrizadas ou tiveram diagnóstico psiquiátrico a lista está disponível no anexo 1 e para a minha surpresa fui capaz de reunir nomes em quantidade que seus nomes e histórias abram caminhos também 21 biografia possível figura 6 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel assinatura da própria Aurora Cursino dos Santos fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 32 figura 7 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel a Caipirinha era como a própria Aurora se chamava parecendo um apelido carinhoso fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório césar eu vi Aurora Cursino dos Santos 18961959 pela primeira vez através do catálogo da mostra do redescobrimento imagens do inconsciente o catálogo possui 255 páginas com doze artistas apresentados em que somente duas são mulheres Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes somando as duas um total de 15 páginas das 255 do catálogo inteiro talvez para entender melhor o que isso significa elas ocupam aproximadamente 588 do catálogo inteiro e Adelina Gomes é a única mulher negra presente nas páginas se incluirmos o fato de que a maioria da população internada em manicômios era negra incluindo as mulheres Adelina ser a única mulher negra se torna ainda mais sintomático o racismo e a invisibilização não são um delírio são fatos concretos nas 8 páginas sobre Aurora há uma fotografia da artista fazendo uma pintura ao consultar o livro Arte e Loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz pude encontrar a mesma imagem e percebi então a fotografia do catálogo está cortada dando enfoque para Aurora mas a foto inteira revela outras cinco mulheres apagadas no recorte da foto não consegui encontrar seus nomes a imagem retrata a escola livre de artes plásticas elap criada pelo dr osório cesar no hospital psiquiátrico do juquery de modo que todas essas cinco mulheres possivelmente são artistas ou trabalhavam na escola todas omitidas do catálogo na ação de cortar a fotografia criando mais uma fissura ao optar pelo apagamento3 3 tentei encontrar o nome dessas mulheres através da comissão de ensino e pesquisa do complexo hospitalar do juquery e da consulta no arquivo público do estado de são paulo mas devido a uma mudança de prédios no complexo hospitalar e a minha indisponibilidade de fazer uma visita física ao arquivo público não pude consultar as fontes observo também que quando o catálogo se propõe a falar sobre Aurora ela é o foco do capítulo e possivelmente por essa razão as outras mulheres não apareceram mas considerando a lacuna de registros acerca de mulheres institucionalizadas nesse contexto continua me parecendo mais interessante que a escolha na construção de narrativa fosse a de que a fotografia não tivesse sido cortada assim quem sabe em algum momento poderemos dar nome aos rostos 33 figura 8 escola livre arquivo museu osório césar são paulo sd fotografia fonte Arte e loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz p 77 Aurora foi fotografada também pela fotógrafa pintora e crítica de arte Alice Brill no hospital psiquiátrico do juquery em 1950 imagem essa que reproduzo abaixo 34 figura 9 interna do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu antes de dar continuidade ao texto trago uma pergunta para Alice Brill o título da fotografia feita por ela realmente é interna do hospital psiquiátrico do juquery o que muito me doeu transcrever porque essa interna do hospital possui nome as pessoas têm nomes por que dar esse título genérico uniformizado desumanizante e despessoalizado à fotografia se Alice Brill tinha acesso ao seu nome Aurora Cursino dos Santos no mais se não soubesse seu nome inteiro a própria imagem traz identificado em meio às pinturas de Aurora seu nome escrito AURORA está difícil a leitura através da fotografia mas não teria como Alice não ter visto 35 figura 10 detalhe de interna do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu através da pesquisa feita pela historiadora Silvana Jeha sobre a artista Aurora Cursino dos Santos pude acessar mais informações sobre sua vida Aurora nasceu no interior de são paulo em são josé dos campos no ano de 1896 a artista veio de uma família com alguma condição financeira seu pai chamado pedro cursino dos santos tinha um pequeno armazém e a mãe de Aurora não se sabe o nome apesar de Silvana mencionar a aparição de uma mulher chamada Benedita em suas pinturas que pelo que pude observar aconteceu mais de uma vez mas em uma delas Aurora escreve sou filha de pedro e Ligia Aurora Cursino Zantos naça caipirinha figura 11 de modo que não há como ter certeza sobre quem foi sua mãe não se sabe se Aurora teve irmãos ou irmãs estudou até o terceiro ano primário que atualmente corresponderia ao 4º ano do ensino fundamental não se sabe por que parou de estudar 36 figura 11 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 58 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar o catálogo da mostra do redescobrimento aponta que Aurora cresceu em casa sob influência do pai ocupandose de prendas domésticas4 e por imposição deste foi obrigada a casarse com um homem de quem não gostava ficando apenas um dia com o marido e completa diz que seu sofrimento começou com o casamento entregouse a uma vida mundana cheia de prazeres prostituindose p 68 não sei ao certo que parte de se casar com um homem contra a vontade e precisar abandonálo tem relação com uma vida cheia de prazeres 4 aproveito para corrigir por trabalho doméstico não remunerado 37 o texto do catálogo afirma também que Aurora viajou para portugal e que posteriormente desiste de trabalhar como prostituta trabalhando como empregada doméstica em diversas casas sem conseguir se estabilizar em nenhum emprego sem emprego não existe a possibilidade de moradia o texto do catálogo então afirma que Aurora passa a viver em albergues noturnos mas a versão em inglês os chama de shelters for the homeless em tradução livre abrigo para pessoas em situação de rua o percurso do que se conhece sobre a biografia de Aurora é cenário de atitudes patriarcais criando interferências ao longo de sua vida ao ponto de se tornar uma mulher em situação de rua uma mulher psiquiatrizada carcerária do serviço de saúde não é de conhecimento quando Aurora se casou para podermos estimar quando se separa de seu exmarido e sai da casa mas o primeiro endereço encontrado dela fora da sua cidade natal foi rua dos inválidos 84 na lapa rio de janeiro esse dado tem data de 1919 de modo que devia ter entre 23 24 anos e ao que tudo indica já atuava como prostituta JEHA birman 2022 p 45 de acordo com a pesquisa de Jeha Aurora foi prostituta de luxo estando relacionada a pessoas poderosas como o aristocrata carioca josé eduardo macedo soares extenente da marinha dono dos jornais o imparcial e diário carioca e pai da arquiteta Lota de Macedo Soares que se tornou conhecida por ser uma das responsáveis pela construção do parque do flamengo no rio de janeiro isso se deu a convite de carlos lacerda na época deputado federal em 1932 Aurora morou novamente em são paulo informação que pôde ser acessada devido à artista ter se inscrito em um curso emergencial de enfermagem da cruz azul o hospital cruz azul foi fundado para abrigar os feridos e familiares da força pública de são paulo da revolta de 1924 JEHA birman 2022 p 49 e o curso de enfermagem emergencial foi montado visando que as enfermeiras pudessem atender os soldados que estavam entrincheirados na revolução constitucionalista de 1932 que foi um movimento armado formado pela elite e classe média de são paulo contra o governo de getúlio vargas Aurora foi uma das 140 mulheres inscritas no curso de enfermagem e através do site da biblioteca nacional digital pude encontrar listagem respectiva à três turmas de 1932 que iam iniciar os exames para habilitação de enfermeiras naquela data 27 de julho de 1932 seus nomes eram 38 primeira turma Augusta Vale Teresa Coelho Carmen de Freitas Aida Fraise Alice Monteiro Fieori Cleobe Figueiredo Isabel Wilken Nair Monteiro Maria José Monteiro Maria de Campos Moura Elisa Colli Julieta Colli Naika P e Gallo Helena Zirk Zoé Gallo Afonsina Bueno Edeitrudes Gomes Pereira Izilia de Azevedo Pinheiro Elvira Mafel Alice Lernes segunda turma Alice Rebouças da Silva Beatriz Gartine Penteado Gloria Breswer Moura Abreu Maria Aparecida de Castro Maria Luiza Brito Inés Fontenho Eglantina Amaro Dirole Garcia Nina Graça Martins Julieta F da Graça Martins Lea de Morais Maria Monteiro Jandira Chinachi Brisa Nobre Elisita Nobre Lina Barales Odenia Damazio Olga Damazio terceira turma Natalina Colli Ilda de Toledo Zaira Lee Sarah Campos Sales Ofelia de Oliveira Borges Agar Medeiros de Queiroga Violeta de Andrade Laura Simões e Silva Matilde de Divittis Elvira de Divittis Jean J de Divittis Noemia Siqueira Campos Carolina Siqueira Campos Arminda Soares Franco Valdemira Mariana Maria de Barros Iracema Rocha de Almeida Ofelia da Fonseca a partir desses nomes me parece que Aurora não chegou a cursar a formação de enfermeira o jornal correio de s paulo possui 61 resultados se buscarmos cruz azul e entre eles há um chamamento de algumas alunas para comparecerem à cruz azul surgindo nomes que não estão na listagem da prova isso mostra que nem todas as mulheres cursando estão nessa lista das provas mas em nenhum dos nomes que apareceram na pesquisa pude encontrar Aurora os 61 resultados vão de 1932 até 1935 em 1935 há registro de um novo endereço Aurora morava na pensãohotel avenida na avenida mem de sá também na lapa no rio de janeiro em uma de suas pinturas a artista retratou o hotel avenida imagem que traz elementos católicos através da presença de uma freira mostrando um dos temas comuns na produção de Aurora Cursino além da sexualidade com cenas que retratam a prostituição e o corpo feminino também a presença da religiosidade na vida da artista pela observação de suas obras parece que Aurora pode ter sido devota da Nossa Senhora Aparecida ela repetiu muito o nome da santa em seus textos que estão presentes nas pinturas 39 figura 12 Hotel Avenida Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 50 x 405cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida pelo acervo do museu de arte osório cesar não é de conhecimento até quando Aurora foi prostituta mas sabendo que começou a trabalhar cedo e que não conseguiu se sustentar como empregada doméstica tendo sido tornada interna somente em 1941 é muito provável que tenha exercido durante muitos anos se fizer a suposição de que começou em 1919 40 e parou em 1941 são 22 anos como sabemos infelizmente Aurora vivenciou diversas camadas de violência ao longo da vida e entre elas há registro documental de uma tentativa de abuso sexual em 1919 justamente época em que morava na rua dos inválidos existe documentação do ocorrido porque a artista prestou queixa abrindo um processo contra o agressor em que relata a agressão de um jornalista de cor preta que a agride porque não quis fazer atos libidinosos com ele Aurora o denunciou por agressão depois dela não consentir uma relação sexual ele puxou seus cabelos arrancou sua blusa mordeu seus lábios e tentou violentála ela gritou e a vizinha e um amigo dela apareceram no dia seguinte foi à delegacia denunciálo fazendo um exame de corpo de delito que confirmou a agressão tinha escoriações na mão e hematoma no braço arquivo nacional 19191936 a violência contra qualquer mulher foi silenciada por muito tempo sendo naturalizada pelas normas sociais vigentes e contra a prostituta era muitas vezes negligenciada até 1940 a pena para o estupro de prostituta era menor do que o de outras mulheres5 Aurora denunciou seu agressor de quem não sabia o nome indicou macedo soares como testemunha mas ele não prestou depoimento foi um ato corajoso à medida que denunciar um homem por violência poderia prejudicála no métier uma puta não deveria reivindicar direitos muito menos sobre o seu corpo enfim sem provas sem testemunhas e sem o nome do agressor o processo foi arquivado JEHA birman 2022 p 47 por mais infeliz que seja a descoberta desse dado sobre a sua vida achei importante trazer para o texto porque pode oferecer um pouco mais de compreensão sobre as temáticas tratadas em suas obras pois entre elas está a de violência e o abuso mostrando que Aurora também estava pintando a partir de suas memórias como será possível ver ao longo dessa monografia infelizmente é comum que a biografia dessas mulheres esteja cheia de lacunas pouco se sabe sobre suas vidas e família antes de serem internadas e pouco se sabe sobre elas após a internação a artista selecionada que mais possui dados biográficos é Stella do Patrocínio devido a um trabalho muito recente feito por Anna Carolina Vicentini Zacharias dentre as diversas camadas de violência que todas vivenciaram ao longo de suas vidas o apagamento de suas histórias é mais uma delas de modo que meu 5 no artigo 268 do código penal de 1890 vigente até 1940 a pena para o estupro de 8mulher honesta9 era de um a seis anos se a estuprada fosse 8mulher pública ou prostituta9 a pena diminuía para seis meses a dois anos JEHA birman 2022 p 47 41 esforço em trazêlas se dá a partir do desejo de que sejam tão humanizadas quanto possível a violência racista patriarcal e institucional as desumanizou até onde pôde 22 sequestros ao corpo da mulher e a lobotomia quem poderia ter sido Aurora sem tantas marcas de violência quem eu seria hoje e quem você seria hoje sem o histórico de violência patriarcal o que esses assaltos cotidianos levam da vida das mulheres pergunto com a raiva de quem deseja ter mais do que um corpo cuja imagem possibilita saqueamentos inestimáveis em 1941 aos 45 anos Aurora passa pelo que foi sua primeira internação psiquiátrica no hospital psiquiátrico de perdizes três anos depois com 48 anos é internada no hospital psiquiátrico do juquery em são paulo até a sua morte em outubro de 1959 com 63 anos em 1949 é criada a seção de artes plásticas do juquery depois chamada de escola livre de artes plásticas do juquery elap dirigida pelo dr osório cesar a qual Aurora passa a fazer parte criando suas pinturas infelizmente não se sabe como Aurora foi internada como chegou à instituição psiquiátrica foi a polícia alguém que a conhecesse uma denúncia no caso de Adelina Gomes há uma suposição e com Stella do Patrocínio ela mesma narra o episódio da internação mas com Aurora não se sabe nada é como se nunca tivesse sequer acontecido além da violência manicomial da internação em si também não é de conhecimento que tipo de tratamento Aurora recebeu enquanto interna mas esse é um período que as opções de tratamento oferecidas eram muito violentas de modo que com certeza ela passou por pelo menos um deles ao longo de sua internação além disso ela possui uma pintura que reproduzo abaixo que retrata o que seria uma máquina de eletrochoque além de ser uma palavra presente em suas pinturas não duvido nem por um segundo que tenha passado por esse aparelho de tortura ou que tenha estado próxima o suficiente além da máquina de eletrochoque nessa pintura Aurora retrata ela e o músico compositor zequinha de abreu em uma cama no hotel são paulo próximo da estação sorocabana o músico escreveu uma composição em homenagem à Aurora Cursino dos Santos 42 figura 13 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 60 x 78cm 12031950 óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar apesar de não sabermos muita coisa sobre sua vida e sobre a internação em si é de conhecimento que Aurora sofreu uma lobotomia em 1955 atentar ao ano para seguimento da leitura e mesmo que 1959 seja a data de sua morte física não consigo deixar de ver essa situação como um outro tipo de morte física antes de seu corpo inteiro morrer de fato através da pesquisa de Eliza Toledo chamada Circulação e aplicação da psicocirurgia no hospital psiquiátrico do juquery São Paulo Uma questão de gênero 19361956 se obteve o dado de que 95 das psicocirurgias realizadas no juquery entre 1941 e 1956 foram feitas em mulheres são 15 anos de psicocirurgias feitas preferencialmente nas mulheres internas e Aurora está dentro desse dado sua lobotomia foi em 1955 o juquery foi como um laboratório de estudo de psicocirurgia no país aplicado preferencialmente em mulheres procedimento que hoje é proibido no estado de são paulo 43 a justificativa médica mais comum para a realização de psicocirurgias foi a das pacientes serem violentas ou agressivas como se já não fosse uma justificativa absurda o bastante e que não justifica nada me parece quase um sarcasmo o corpo médico chamar uma paciente de violenta quando o tratamento que oferecem é eletrochoque coma insulínico injeções de insulina cela forte e medicação dopante como se todo o aparato médico institucional para cuidar das pessoas não fosse agressivo e violento a níveis alarmantes então surpresos de que esse tipo de tratamento não promovesse cura a coisa mais lógica a ser feita era entrar na cabeça das pessoas e remover uma parte de seu cérebro claro por que não principalmente se fosse uma mulher a lobotomia durante o tempo que Aurora Cursino esteve internada no juquery pelo que pude reunir da literatura me parece que os psiquiatras que cuidaram dela foram o dr osório cesar e o dr mário yahn Aurora não é descrita como violenta ou agressiva em momento algum o que me fez chegar em duas perguntas gostaria de saber quem deu a ordem da lobotomia de Aurora e gostaria de saber o porquê então pesquisei muito e apesar de não ter encontrado o responsável encontrei a justificativa médica para a sua lobotomia apresento aqui a minha justificativa para trazer essas informações para a monografia em momento algum deixei de denunciar as violências brutais que essas mulheres foram forçadas a viver isso não resume suas vidas mas não pode ser esquecido é preciso manter o passado vivo para não repetirmos os mesmos erros frase que é tão forte e ao mesmo tempo parece representar principalmente os erros de homens brancos apesar de ser enunciada de modo geral se referindo a humanidade então não posso fazer silêncio sobre essa parte da pesquisa esse silêncio passou a me ferir porque se me calo me coloco conivente e ferir mais ainda à Aurora que foi quem sofreu lobotomia injustamente não deixarei de fora essa parte de sua história que somente protege os psiquiatras e o psiquiatra que decidiu pela lobotomia não tive acesso ao seu prontuário médico de modo que as vias institucionais não me permitem afirmar que as informações que encontrei são de fato sobre a Aurora mas em meu íntimo e como pesquisadora não tenho dúvida e isso me basta por enquanto 44 dentre as referências que li cheguei na pesquisa de Eliza Toledo acerca das psicocirurgias no juquery Eliza realizou a pesquisa a partir dos prontuários que eu não acessei de modo que ela por medida de proteção aos pacientes não revela seus nomes mas em determinado momento do texto ela traz informações de maneira anônima sobre uma interna do juquery comparando o que ela traz de informação sobre essa interna anônima com outras informações contidas no catálogo da mostra do redescobrimento entendo mesmo que não possa afirmar por não ter tido acesso aos prontuários que se trata de Aurora Cursino dos Santos reproduzo agora o texto do catálogo e em sequência a parte da tese de Eliza que vocês verão repete o que está escrito do catálogo cresceu em casa sob influência do pai ocupandose de prendas domésticas e por imposição deste foi obrigada a casarse com um homem de quem não gostava ficando apenas um dia com o marido diz que seu sofrimento começou com o casamento entregouse a uma vida mundana cheia de prazeres prostituindose acumulou dinheiro e viajou para portugal a passeio com o passar dos anos começou a desiludirse com esse tipo de vida e procurou outra atividade para sustentarse trabalhou como doméstica em diversas casas mas não se fixava em nenhum emprego por último começou a viver em albergues noturnos a partir daí foi internada no hospital psiquiátrico de perdizes onde permaneceu por três anos em 1944 com 48 anos de idade foi internada no hospital do juqueri catálogo mostra do redescobrimento 2000 p 68 agora a tese de Eliza que teve acesso ao prontuário outra paciente branca casada doméstica e de instrução primária foi internada no hospital de perdizes em 1941 ocasião sobre a qual consta o seguinte registro médico vida de vagabunda mora no albergue noturno a sua internação é necessária no exame no ato da entrada naquele hospital o médico responsável afirmava a sensível baixa de senso crítico e moral da paciente o que provavelmente a fazia cometer atos de desatino ou de revolta no mesmo exame em relato sobre o estado psíquico detalhado as informações narradas pela paciente segundo o relato médico merecem aqui ser citadas contanos que o seu sofrimento começou com o casamento foi obrigada pelos pais a casarse contra sua vontade com um homem por quem não sentia a menor afeição ficou somente um dia com o marido e depois separouse algum tempo após prostituiuse começando então a levar uma vida cheia de prazeres era moça bonita e todos a procuravam chegou a ganhar algum dinheiro e já esteve em portugal a passeio com o correr do tempo os anos iam se passando e então começou a desiludirse da vida que vivia já 45 não era procurada com tanta assiduidade sendo preciso procurar um emprego para poder sustentarse rg 29298 no decurso de sua internação o médico constatou em 1944 que seu estado caminhava progressivamente para o pior e em dezembro daquele ano ela foi transferida para o hospital central de juquery aos 48 anos de idade TOLEDO 2019 p 224 grifos meus as partes que grifei são informações sobre quando foi internada e onde em 1941 no hospital de perdizes e em 1944 transferida para o juquery exatamente como Aurora grifei também a estruturação narrativa dos psiquiatras que fazem uso de palavras como vagabunda e reclamam sobre não ter senso crítico nem moral além de cometer atos de desatino ou de revolta o que para a época era mais do que suficiente para enquadrar uma mulher como louca e trancála pelo resto de sua vida o que mostra o tipo de psiquiatra que a atendeu mas o que torna os dois trechos alarmantes quando vistos juntos é o relato feito pela própria Aurora é a mesma narrativa os mesmos acontecimentos as mesmas palavras assumo nesse texto que se trata dela e de agora em diante escreverei diretamente assumindo que é Aurora entendendo e deixando claro que não vi os prontuários chamo a atenção também para como o discurso é lúcido e me pergunto como Aurora chegou ao hospital de perdizes informação que não é de conhecimento agora cito as outras informações escritas na tese de Eliza que será visto como os próprios médicos reforçam o que afirmei sobre a lucidez de seu discurso em relação ao seu estado mental a descrição médica é de que a moça estava deprimida mas orientada em relação ao meio e lugar vinha com diagnóstico de neurolues atribuído no hospital psiquiátrico de perdizes mas essa hipótese foi afastada na internação no juquery onde atestaram que a paciente sofria de personalidade psicótica amoral os médicos alegavam que ela prostituiuse vivendo uma vida irregular cheia de prazeres a qual contava com certa ênfase ao analisar seu histórico os médicos informavam que após prostituirse começou a trabalhar como arrumadeira em várias casas mas os patrões não gostavam de seu serviço assim desgostosa dessa forma de trabalho foi para um albergue noturno esteve ainda internada duas vezes no ambulatório de higiene mental durante sua passagem pelo juquery apresentavase obediente dormia e alimentavase regularmente distraíase com serviços leves de costura no entanto mostravase às vezes revoltada contra tudo e todos além de denotar certa indiferença e deixar transparecer em suas explanações visível baixa do senso crítico e moral rg 29298 TOLEDO 2019 p 224 46 Aurora estava orientada em relação ao meio e lugar isso não é característica de uma pessoa esquizofrênica no que diz respeito ao diagnóstico psiquiátrico podemos ver só nesse trecho como ela teve diferentes diagnósticos o que somente reforça para mim como Aurora foi psiquiatrizada e não que realmente tinha esquizofrenia depois vemos novamente a informação de que os médicos alegavam que era se prostituía tendo vivido uma vida de prazeres e que contava com certa ênfase ela trabalhou assim durante anos e anos de sua vida não é comum então que narrasse situações que viveu mas com essa citação podemos perceber incômodo meu grifo em seguida reforça o que me levou a questionar porquê Aurora foi lobotomizada se não era descrita como agressiva pelo contrário a chamaram de obediente o que faz um psiquiatra lobotomizar uma mulher que é descrita como obediente e depois novamente podemos perceber o tom de incômodo quando os médicos falam sobre sua revolta indiferença e suas falas que para eles representavam baixa de senso moral e crítico é de revirar os olhos e o estômago a próxima parte que cito é a última da escrita de Eliza sobre Aurora de modo que reproduzo na íntegra o que há em sua tese sobre a artista é a parte que me fez supor o responsável pela lobotomia e concluir o motivo que os psiquiatras encontraram para lobotomizála ao longo de cinco anos de internação os médicos consideraram que seu quadro configurava um caso de típica síndrome de esquizofrenia paranoide que transparecia no contraste entre seu aspecto de senhora já idosa e a coquetterie exagerada apesar da mudança de diagnóstico para um quadro esquizofrênico foi mantido o caráter de personalidade prépsicótica de psicopata amoral o cunho sexual sintomático foi assim conservado por meio da ideia de que em toda a conversação há sempre um fundo sexual velado não sendo entretanto pornográfica rg 29298 em julho de 1953 ano da operação reafirmouse o diagnóstico de personalidade psicótica amoral até o momento da indicação da psicocirurgia ela já havia passado por tratamentos com tônicos reconstituintes insulinoterapia sintomáticos e laborterapia em setembro daquele ano foi realizada a leucotomia transorbitória bilateral sem que conste na ficha da cirurgia qualquer relato sobre o pósoperatório calma trabalhava ainda na seção de pintura e em 1956 o médico responsável afirmava que a paciente sofria de delírio persecutório erótico que traduzia em conversas solilóquios e numa intensa produção pictórica uma vez que seus quadros eram quase sempre de tonalidade sombria e com 47 motivos sexuais rg 29298 notamos ainda que no quadro clínico dessa paciente como no da paciente anterior não sobressaíam atitudes consideradas agressivas prevalecendo apenas comportamentos desviantes de ordem sexual de maneira diferente da paciente citada anteriormente e de Angelina N cujo tratamento com a psicocirurgia foi relatado na obra tratamento cirúrgico das moléstias mentais leucotomia yahn et al 1951 segundo os relatos dos técnicos os sintomas de cunho sexual não cederam com a operação ela faleceu no hospital em 1959 TOLEDO 2019 p 225 pelo que leio desses trechos os médicos saíram de manifestar incômodo sobre seu discurso imoral até o patologizarem o cunho sexual era realmente sintomático ou eles queriam que fosse e como assim cunho sexual velado o que Aurora falava que eles entendiam dessa maneira não confio em suas análises e julgamentos como eu disse nada em Aurora a descreveu como agressiva e mesmo assim a compreensão desse ou desses psiquiatras foi a de que havia comportamento desviante de ordem sexual esse era o grande incômodo que Aurora causou a eles tão grande que justificou uma lobotomia que sequer teve relato de pós operatório nada nenhum registro o que fizeram com o registro de toda maneira segundo os relatos dos técnicos os sintomas de cunho sexual não cederam com a operação ela foi lobotomizada por sua fala de cunho sexual pelos incômodos que causou e morreu apenas poucos anos depois da brutalidade desse procedimento para mim é tortura no que diz respeito ao médico responsável essa última citação me gera suspeitas de que tenha sido o dr osório cesar devido a descrição presente o médico responsável afirmava que a paciente sofria de delírio persecutório erótico que traduzia em conversas solilóquios e numa intensa produção pictórica uma vez que seus quadros eram quase sempre de tonalidade sombria e com motivos sexuais TOLEDO 2019 p 225 o psiquiatra que escreveu sobre esse aspecto de Aurora suas longas conversas durante sua intensa produção pictórica em monólogos conversando consigo mesma intensamente a chamando de verborréica foi o próprio repito aqui um trecho que já trouxe outras duas vezes no capítulo mais a frente somente para fins de comparação com esse trecho específico Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido 48 muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 deixo então aqui a minha suspeita sobre o médico responsável pela lobotomia de Aurora ter sido o dr osório cesar uma informação que não condiz com a de Aurora é a data da lobotomia na literatura fora do prontuário se afirma que a lobotomia ocorreu em 1955 e no trabalho de Eliza ela afirma que a lobotomia foi feita em 1953 diante de tantas informações compatíveis levando aqui a hipótese de que a data de 1955 esteja incorreta por razões que desconheço assumindo em meu texto que Aurora foi lobotomizada em julho de 1953 ao longo do pouco que se sabe sobre a vida da artista antes de ser internada observo também uma sequência de mortes simbólicas emocionais psicológicas a violência do casamento forçado a provável dificuldade de se manter viva no cotidiano a inexistência de uma moradia um emprego estável a internação provavelmente compulsória a violência do espaço manicomial essa foi uma mulher em situação de vulnerabilidade social e de gênero que esperança de vida poderia existir nesse contexto é inevitável pontuar como seu corpo foi atravessado por violências essa não pode ser a única narrativa de sua vida mas é uma parte importante que a maioria da população feminina vivencia cotidianamente mesmo que os tipos de dor sejam diversos essa forma de pensamento me acompanhará durante toda a escrita uma vez que se aplica não só a Aurora mas também a Adelina Gomes e Stella do Patrocínio na sua primeira internação no hospital psiquiátrico de perdizes Aurora teve o diagnóstico de personalidade psicopática amoral mas em 1944 com a internação no juquery foi diagnosticada com esquizofrenia parafrênica a mudança de diagnóstico me remete novamente ao fato de que muitas mulheres eram internadas sem nem mesmo terem alguma condição psiquiátrica como é o caso da jornalista Nellie Bly que se internou em um manicômio feminino em nova iorque no século xix sem ter nenhuma questão psiquiátrica a autora relatou o ocorrido em seu livro Dez 49 dias no manicômio destacando que foi examinada por médicos e nenhum deles identificou que era uma mulher saudável no espaço da instituição psiquiátrica o livro também relata a situação de diversas mulheres que foram levadas contra sua vontade levadas sem sequer saber para onde estavam indo por amigos sobrinhos maridos filhos todas abandonadas mulheres que falavam outra língua e jamais puderam compreender o ocorrido ou se expressar por não terem seu direito ao intérprete assegurado mulheres a quem os psiquiatras não deram ouvidos além do silenciamento internação compulsória Nellie Bly registra por exemplo o nascimento de um bebê dentro da instituição esse bebê jamais poderia ter sido concebido como fruto de um relacionamento saudável entre um homem e uma mulher essa mulher era interna subalternizada dentro do espaço manicomial refém dessa relação de poder essa mulher foi abusada sexualmente e infelizmente se no pouco tempo que Nellie permanece na instituição foi possível registrar um caso de estupro é porque isso era uma prática Tillie Mayard Anne Neville Louise Schanz Louise Josephine Despreau Sarah Fishbaum sra McCartney Mary Hughes Margaret sra Turney esses são alguns dos nomes que a jornalista consegue coletar no tempo como interna entre inúmeros casos há também o de uma companheira de Nellie no espaço do manicômio que afirma estar bem e que começou a ter questões psiquiátricas pela forma violenta pela qual foi tratada não há como saber se seria o caso de Aurora ou não um relato do dr osório cesar pontua características que reforçam o discurso da loucura no entanto o relato é de 1972 o que significa que foi escrito após a morte de Aurora se estivesse viva estaria internada há 31 anos mas de toda maneira ficou 18 anos de sua vida internada essa informação somente me assegura mais de que talvez o espaço manicomial e as violências cotidianas possam ter vindo a ser os causadores de sua condição psiquiátrica Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 50 lendo com atenção a narrativa proposta pelo dr embasa a loucura em Aurora além disso a fonte ser um doutor faz o discurso ganhar o peso de quem entende do profissional é um argumento de autoridade no entanto gostaria de revisitar esse trecho pensando nele não apenas como um relato de sintomas de uma paciente que é o que demonstra ser mas repensálo a partir do seguinte trecho de Nellie Bly nunca estive tão cansada quanto sentada naquele banco várias pacientes se sentavam sobre um dos pés ou de lado para variar mas eram sempre instruídas a ficar eretas se falavam eram repreendidas com ordens de calar a boca se queriam andar por aí a fim de tirar a rigidez do corpo eram instruídas a se sentar e ficar quietas o que exceto a tortura produziria insanidade mais rápido que esse tratamento aqui está um grupo de mulheres enviadas para serem curadas eu gostaria que os médicos especialistas me condenando por minha ação a qual provou a capacidade deles pegassem uma mulher perfeitamente sã e saudável trancafiassemna e a fizessem ficar sentada das 6 às 20 horas em bancos retos não permitissem conversar ou se mexer durante essas horas não dessem a ela nada para ler e não a deixassem saber nada do mundo ou o que ocorre lá fora dessem a ela comida ruim e tratamento severo e observassem quanto tempo levaria para deixála louca dois meses a tornariam uma ruína mental e fisicamente BLY 2020 p 66 grifos meus o relato de Nellie Bly não parece descrever a vida que Aurora Cursino dos Santos teve como interna no juquery tendo acesso a uma oficina da artes que se tornou uma escola dentro da instituição no entanto por mais positiva que tenha vindo a ser a presença dos ateliês os traços da tortura continuam presentes o encarceramento os eletrochoques e posteriormente a lobotomia de modo que somente a existência de uma oficina artística não é suficiente para dizer que o juquery era um espaço de tratamento mais humanizado pois não era quando o dr osório cesar escreve sobre Aurora ela estaria presa há 31 anos mas em vida ficou 18 anos internada não 18 meses 18 anos seria esse um relato de uma paciente que chega ao espaço psiquiátrico adoecida mentalmente ou das condições que a adoeceram sua fala médica empalidece como argumento independente dela ter chegado à instituição psiquiátrica saudável ou não o modelo manicomial é uma instituição falida que provocou e provoca6 profunda 6 apesar do modelo manicomial perante a lei ter sido extinguido utilizo ainda o tempo presente na provocação de que a lógica manicomial permanece de que os manicômios também permanecem 51 violência e sofrimento para as pessoas que estiveram nesse espaço pessoas como a Dra Nise da Silveira a Doutora Enfermeira7 Ivone Lara conhecida como dona Ivone Lara Margarida Trindade como Terapeuta Ocupacional são algumas que podemos dar nome para dizer que tornaram esse espaço menos violento com certeza existem muitos outros nomes que merecem o reconhecimento 23 questão historiográfica sobre Aurora quando comecei a pesquisar sobre Aurora o caminho era um o meu desejo de reunir informações sobre a artista e compartilhálas na escrita com o objetivo de que aos poucos pudesse criar um compilado de informações sobre ela que antes não existiam as informações divulgadas sobre ela eram quase inexistentes o único material que eu tinha era o do catálogo da mostra do redescobrimento a narrativa sobre ela se restringia ao discurso da narrativa oficial artista prostituta louca institucionalizada em manicômios e lobotomizada uma vez que me percebia como já sendo capaz de fazer alterações na maneira como se escreveu sobre ela e como foi construída a narrativa de percepção sobre ela decidi incluíla em minha pesquisa o primeiro escrito que li sobre Aurora se referiu ao modo como ela se entregou à uma vida de prazeres eu já escrevi sobre essa expressão antes mas sinceramente me gera raiva toda vez é um absurdo entendo algumas limitações perante à elaboração de conhecimento devido a questões históricas no entanto não deixa de ser absurdo eu já era capaz de escrever sobre ela de forma mais humana do que a fonte que havia encontrado um catálogo de arte com certo renome no meio depois descobri a pesquisadora da história Silvana Jeha a quem muito agradeço por estar passos à frente com um propósito similar ela também estava pesquisando sobre Aurora e reunindo informações sobre a vida da artista depois descobri que estava escrevendo um livro e fiz a escolha de interromper momentaneamente meu processo de pesquisa tendo escrito então sobre Adelina Gomes e Stella do Patrocínio eu queria esperar o livro lêlo e então voltar a escrever sobre Aurora Cursino dos Santos aqui estou e tudo mudou 7 o conselho federal de enfermagem cofen autorizou às Enfermeiras e enfermeiros o uso do título de doutor através do artigo 6º incisos i ii iii iv da lei 749886 52 não desejo que minha escrita seja um eco uma repetição isso significa que tendo saído o livro e tendo começado a leitura precisei mudar meu olhar e reelaborar a escrita desse capítulo a mim mesma e o processo na escrita o corpo assume direções e focos de observação optei por manter os dados biográficos possíveis sobre Aurora porque apesar da pesquisa preciosa de Silvana já conter essas informações ainda como historiadora da arte observo a importância de que nesse sentido minha escrita seja um eco porque desejo que Aurora alcance mais esteja registrada em mais espaços esse texto nesse sentido também se torna um espaço físico e imaterial então repeti tudo quanto pude de sua biografia aqui neste capítulo informações que em sua maioria já estão no livro de Silvana pontuando que não é possível ser exatamente igual ao livro dela somos pessoas diferentes com enfoques diferentes para além da biografia alterei então o sentido de meu corpo e da escrita já deixando como referência para a continuidade da minha pesquisa o livro Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida de Silvana Jeha e joel birman meu objetivo continua sendo o de compartilhar mais informações sobre Aurora e trabalhar em como é vista tendo cuidado e atenção com as minhas palavras e desenvolvimento ao longo do texto somente buscarei não repetir tanto algumas questões que iria trabalhar na artista por isso já ter sido feito por Silvana anteriormente havia separado como temas do capítulo a maternidade a violência e a prostituição em Aurora Cursino dos Santos mas agora não mais aproveito também para destacar outra diferença sobre nossas áreas de conhecimento uma vez que Silvana escreveu a partir de sua formação como historiadora e que eu escrevo a partir de minha formação enquanto historiadora da arte 24 metodologia para enxergar Aurora e Aurora enquanto artista para me sentir capaz de me aprofundar nas obras de Aurora Cursino dos Santos e desenvolver uma leitura sobre elas precisei estabelecer algumas questões metodológicas que também foram necessárias para desenvolver a pesquisa sobre Adelina Gomes e Stella do Patrocínio em cada capítulo a abordagem metodológica tomou forma específica e própria pois busquei tentar perceber o que era a necessidade de cada artista 53 no caso específico de Aurora sua produção artística envolve somente pinturas mas suas obras misturam imagem e escrita característica que não está presente em nenhum outro capítulo então para acessar as narrativas de Aurora busquei desenvolver relação de contato íntimo com suas imagens as vendo em repetição lendo também seus escritos e observando os silêncios quando a imagem quase não traz a escrita os silêncios ficam tão marcantes quanto quando há escrita porque assim como a escrita sua ausência fica evidente assumi a postura de sua escrita também como imagem entendendo que em seu trabalho há imagem escrita e imagem compreendendo o texto como imagem outra característica de suas pinturas é que um elemento está profundamente entrelaçado imagem escrita e imagem no outro ao longo de sua vasta produção não podem ser separados ou lidos separadamente outra postura metodológica que para mim é muito importante e acredito ser onde me diferencio principalmente do trabalho feito por Silvana Jeha foi que não trouxe dúvidas acerca das narrativas de Aurora ou seja não desenvolvi o trabalho pontuando que determinado elemento de sua expressão poderia não ser real justamente por ser a postura que adotei desde o primeiro capítulo assim fiz também com os capítulos 3 e 4 muito me incomoda o quão frequente a palavra e comunicação dessas mulheres esteja facilmente posta à dúvida com a justificativa psiquiátrica então não fiz dessa maneira não levantei dúvidas além do incômodo que me leva a tomar tal postura mulheres brancas e mulheres não brancas são constantemente postas em posição de delírio até quando não foram psiquiatrizadas sendo desde já um território complexo e movediço no sentido de que facilmente a comunicação das mulheres é levada a um outro lugar deslocando a narrativa de onde foi posta pela comunicadora pela mulher em questão para outro lugar distorcendo sua expressão outra justificativa para não pôr em dúvida a expressão de nenhuma das três artistas escolhidas por mim foi que em grande parte suas produções pertencem ao território da memória me soa injusta e absurda a busca por um discurso de verdade se tratando de memória até quem não foi psiquiatrizada passa para um outro lugar de discurso que não traz consigo o compromisso duro da verdade pura não sei por que isso poderia ser cobrado então de qualquer mulher inclusive as que foram psiquiatrizadas Conceição Evaristo diz na memória realidade e ficção se 54 misturam também já afirmei que invento sim e sem o menor pudor as histórias são inventadas mesmo as reais quando são contadas EVARISTO 2013 p 11 essas foram as posturas metodológicas que adotei e defendo a partir delas dedico meu olhar para Aurora Cursino dos Santos para o que ela mesma comunica através das imagens e do que é sabido de sua história antes de situar Aurora no contexto do juquery trago alguns desenvolvimentos sobre o hospital e como seus internos começam a produzir arte o juquery enquanto espaço manicomial em que os internos estavam produzindo algum tipo de arte é relatado por osório cesar desde a década de 1920 quando começou a trabalhar no hospital o prédio do maoc cujo projeto arquitetônico foi criado pelo escritório de arquitetura ramos de azevedo já foi residência do dr francisco franco da rocha fundador do hospital psiquiátrico do juquery e leva o nome de um dos principais expoentes da arteterapia no Brasil o médico osório thaumaturgo cesar que também foi músico e crítico de arte casado com a pintora tarsila do amaral seus estudos sobre a expressão artística dos alienados tiveram influência no circuito intelectual e artístico paulistano osório ingressou no hospital na década de 1920 e após observar as criações dos internos fundou a escola livre de artes plásticas elap do juquery onde os pacientes produziam diversas atividades artísticas como desenho pintura escultura e modelagens em argila e cerâmica FRANCO DA ROCHA 76 ANOS 2020 grifo meu antes mesmo de Aurora ter sido transferida para o juquery o dr osório cesar já registrava a presença de internos produzindo alguma forma de arte em suas publicações sobre o assunto faz referência à várias manifestações expressivas dos internos inclusive desenhos executados nos muros e terreiros dos pavilhões feitos com carvão ou instrumentos pontiagudos convém ressaltar que em 1927 existiam setores de bordados e outros tipos de artesanato em todos os pavilhões e colônias do hospital FERRAZ 1998 p 52 mas o que osório repara é que mesmo fora desses setores de produção artística os internos estavam criando não se restringindo às artes plásticas alguns internos formaram também um conjunto musical chamado de charanga hebefrênica com cerca de 15 pessoas no entanto essas aparições de manifestações artísticas dos internos sofreu mudança a partir de 1939 quando foram transferidos para lá todos os deficientes 55 mentais que estavam em cadeias públicas desde 1920 FERRAZ 1998 p 56 e com essa ação feita por ademar de barros as condições do hospital se tornaram desumanas de acordo com Heloisa Toledo Ferraz em 1928 o número de internos somava 1900 mais 129 pensionistas mas no início dos anos 1970 o número de pacientes chegou a 13000 com relação às atividades artísticas e artesanais junto aos internados só foi possível uma continuidade com a criação de um organismo paraestatal a instituição de assistência social aos psicopatas FERRAZ 1998 p 56 e que dentre os objetivos principais dessa instituição estava o desenvolvimento de atividades artísticas como música pintura escultura e cerâmica a instituição ficou na responsabilidade do dr osório cesar durante muitos anos que além de atuar como médico psiquiatra do juquery foi orientador artístico voluntariamente depois o outro médico psiquiatra que começa a acompanhar a produção artística dos internos foi o dr mário yahn a partir de 1948 desse modo quando Aurora é tornada interna do juquery em 1944 ainda não existia a seção de artes plásticas que somente passou a existir oficialmente em 1949 a primeira diretoria da seção foi do dr mário yahn e a partir de 1950 fica sob a orientação do dr osório cesar que começa a definir diretrizes futuramente aplicadas também à elap não sei a partir de quando mas Aurora começou a participar dos ateliês ainda na época da seção de artes plásticas provavelmente desde o seu início de modo que podemos começar a pensar suas produções tendo início entre meados dos anos 1940 e início dos anos 1950 trabalho semelhante ao do dr osório cesar e mário yahn foi o que começou a ser feito pela Dra Nise da Silveira no rio de janeiro que também cria ateliês para a produção artística e expressão dos internos no entanto o trabalho feito no juquery tinha algumas diferenças do que foi feito pela Dra Nise no engenho de dentro os artistas do juquery recebiam orientação durante as atividades dos ateliês oa orientadora seria responsável não por um ensino de arte mas por cuidar para que os trabalhos tivessem uma organização e guardálos FERRAZ 1998 p 66 um exemplo foi a artista Maria Leontina que foi a primeira orientadora das oficinas ela verificava os trabalhos e selecionava os de melhor qualidade estética dentre os trabalhos escolhidos organizavase na seção uma exposição permanente FERRAZ 1998 p 66 56 figura 14 escola livre arquivo museu osório césar são paulo sd fotografia fonte Arte e loucura limites do imprevisível de Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz p 67 na imagem podemos ver Maria Leontina e o dr mário yahn em pé ao fundo já no engenho de dentro não havia esse tipo de orientação como no juquery e a Dra Nise em determinado momento do seu trabalho percebeu a importância que um acompanhante tinha no desenvolvimento expressivo dos artistas que não deveria fazer qualquer interferência apenas se colocar próximo aos seus clientes com fins de que pudessem sentir que alguém tomava interesse pela sua comunicação esse gesto afetivo os incentivava no juquery não havia um trabalho pautado por afeto como o desenvolvido pela Dra por exemplo que também lutava 57 contra a prática terapêutica vigente na época isso também não ocorria no juquery pois como podemos lembrar há o exemplo infeliz de Aurora que foi lobotomizada outra diferença importante que me gera a sensação de que no juquery o interesse pela produção dos internos era mais voltada para o cunho artístico do que para utilizar essas imagens visando compreender melhor o mundo interno dos pacientes como era feito pela Dra Nise foi que na transição da seção de artes plásticas para a escola livre de artes plásticas os artistas que estavam sendo atendidos por osório cesar como Aurora foram incorporados à nova seção sendo os demais selecionados por intermédio de testes em que eram solicitados para desenhar FERRAZ 1998 p 66 grifo meu jamais na história do trabalho feito pela Dra Nise no engenho de dentro houve testes para que os internos pudessem se expressar quem demonstrasse interesse ou quisesse estar naturalmente poderia começar a frequentar os ateliês o trabalho da escola livre de artes plásticas do juquery possibilitou a expressão criativa artística e comunicação dos internos participantes o trabalho feito pelo dr osório cesar e pelo dr mário yahn sem dúvida foi muito importante mas em um espaço tão marcado pela brutalidade como eram os manicômios não me parece ter sido a melhor escolha a implementação de testes muito menos me parece que o dr osório cesar realmente se dedicou a ouvir Aurora Cursino tanto pela citação que trouxe anteriormente quando ele fala sobre seu processo criativo quanto pelo direcionamento ser a busca por trabalhos de qualidade estética em vez de utilizar as imagens criadas pelos artistas para entenderem melhor suas questões promovendo tratamento humanizado outro indicativo que encontrei foi no próprio livro de Ferraz ao mostrar como osório cesar observava e classificava as obras de sua coleção a classificação era dividida em quatro desenhos rudimentares e automáticos arte simbólica e decorativa neoprimitivismo e produções de caráter acadêmico como veremos mais à frente observando as obras de Aurora ao meu ver nenhuma dessas classificações a inclui Aurora Cursino dos Santos produziu somente pinturas que como falei acima misturavam escrita e imagem seu período de produção se deu a partir de meados dos anos 1940 e acredito eu que tenha produzido até próximo de sua morte que se deu em 1959 com 63 anos não há como dizer como a lobotomia afetou sua criação os principais temas que apareceram em suas pinturas foram 58 a condição da mulher clérigos autoridades policiais políticos personagens literários familiares e paisagens de são josé dos campos sp prostituição boemia crimes principalmente cometidos com facadas além de roubos retratos com vestimentas de uma certa época cidades europeias que dão a entender que ela possivelmente viajou para em algum período de sua atuação profissional religiosidade cenas de sexo em geral eivadas de malestar sugerindo estupros talvez um aborto e profusão de pênis ânus vaginas partos além disso para concluir esse recenseamento sumário cenas dela hospitalizada e do próprio juquery o repertório de Aurora é um jorro de gritos e sussurros sobre opressões e violências e eventualmente algumas belezas JEHA birman 2022 p 33 ainda enquanto carcerária na instituição psiquiátrica do juquery participou de exposições como a 1ª exposição de arte do hospital do juquery no museu de arte moderna de são paulo 1948 e a exposição internacional de arte psicopatológica em paris na frança 1950 após seu falecimento suas obras continuaram a integrar exposições como a 16ª bienal internacional de são paulo 1981 e a mostra do redescobrimento na exposição imagens do inconsciente 2000 em nenhuma delas Aurora pôde estar presente para ver suas obras sendo expostas reflexão que a própria Dra Nise da Silveira fez ao visitar a 16ª bienal internacional de são paulo dizendo estou me sentindo humilhada enquanto nós estamos na bienal curtindo a chamada arte incomum os autores dessas obras estão dentro de cárceres psiquiátricos recebendo tratamentos desumanos eles são infelizes eles são os verdadeiros pacientes de paciência mesmo porque lhes é negado o direito de serem livres de estarem aqui junto conosco na bienal discutindo sua própria arte ou de seus colegas SILVEIRA apud mello 2015 p 212 para falar sobre o processo criativo de Aurora acho importante nos atentarmos novamente à citação que trouxe do dr osório cesar quando diz que Aurora foi uma autodidata começou a pintar depois de sua internação no juquery o seu progresso foi lento interrompido muitas vezes por suas alucinações auditivas verborréica desagregada completamente na sua conversação criava interessantes neologismos sonoros e onomatopaicos ela própria gostava de descrever os seus quadros cada composição refletia um certo 59 período de sua vida anterior de mistura com alucinações auditivas cesar 1972 p 63 apud FERRAZ 1998 pp 6263 chamo a atenção de novo aqui pois o que para o médico psiquiatra foi tido como apenas um relato sobre os sintomas psiquiátricos de Aurora para mim mostra uma imagem inédita de Aurora deixa registrado um dado sobre seu processo criativo enquanto artista se parar de escrever agora posso tirar um momento e imaginála pintando graças a esse escrito a vejo com uma cartolina um pincel na mão pintando em um diálogo cíclico com as próprias imagens que criou escrevendo e pintando por cima da escrita para voltar a escrever mais alguma coisa vinda de seus pensamentos ou de sua fala não sei e essa é uma imagem muito bonita nós nunca teremos esse vislumbre real não deve existir fotografia ou imagem que tenha registrado Aurora durante esse processo é uma imagem que só poderemos acessar através desse relato e do cuidado com a leitura utilizandoa para imaginar eu imagino Aurora você também posso dizer com certeza que para o dr quando escreveu isso se tratava de relato de sintomas porque ele usa a palavra interromper afirmando que seu processo criativo foi interrompido pelas alucinações auditivas outra questão que me chama a atenção é que ele afirma Aurora como autodidata na criação de suas pinturas mas no catálogo da mostra do redescobrimento está escrito que a própria Aurora afirmou que na mocidade teria tido aulas de pintura 2000 p 68 dentre tantos temas tratados por Aurora em suas pinturas selecionei três para desenvolver a pesquisa divididos nos subitens 25 26 e 27 através de suas pinturas abordei como a própria Aurora percebia e retratou sua experiência enquanto interna do juquery depois falei sobre o tema da maternidade e por fim minha percepção sobre como a repetição de Aurora em escrever seu nome nas suas pinturas pode ser configurado como reafirmação de sua vida reunindo obras em que isso ocorreu daqui começo finalmente a olhála olhar de verdade 25 Aurora no juquery assim como não temos muitas informações sobre a vida de Aurora Cursino dos Santos antes da internação não temos muitas após ter sido institucionalizada o que existe de mais volumoso a seu respeito foi o que ela mesma criou através de 60 suas pinturas que hoje em dia estão no acervo do museu de arte osório cesar em franco da rocha são paulo e outras obras em acervo particular Aurora foi tornada interna em 1941 no hospital de perdizes onde não há qualquer pesquisa feita eou divulgada referente ao seu tempo de interna enquanto esteve lá em 1944 é transferida para o juquery por razões que não se conhecem que por sua vez era chamado por seus internos de habitação do diabo casa infernal desterro bastilha estabelecimento de vingança espelho do mundo CUNHA 1986 p13 apud JEHA birman 2022 p 67 essas adjetivações servem fielmente para demonstrar como o juquery não oferecia tratamento digno aos internos mesmo com a oficina de arte tendo proporcionado a expressão de seus participantes o horror manicomial atravessou a vida desses internos assim como atravessou a de Aurora figura 15 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 576 x 498cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 61 esse subcapítulo se pretende a falar do juquery do ponto de vista da Aurora a partir do que suas pinturas mostram sobre esse espaço como se a partir de certos detalhes das obras eu pudesse reunir um diário dela onde se expressou e escreveu sobre sua experiência enquanto interna na obra acima figura 15 podemos ver uma mulher de nome desconhecido que veste um jaleco podendo ser uma médica ou enfermeira e dentre os escritos ao seu redor seleciono um em específico amparando os bens dispostos ao bem proceder pesso ao chefe da cabeca eletricista devolver a ella zitentar consta projectar matar eu Aurora Cursino dos Santos nos pateos enlouquessendo e depois o zegredo é a concsiençia della e depois desprezando Aurora Cursino por ter capa da policia melhor é repetitiva a aparição da palavra eletricista que combinada a chefe da cabeca eletricista me remete aos eletrochoques e talvez à pessoa que administrava eletrochoques o chefe da cabeça eletricista e depois a narrativa de Aurora ao dizer que consta projetar mataremna ela ficando nos pátios enlouquecendo além de narrar o desprezo sobre ela Aurora também escreve sobre o chefe da cabela eletricista devolver algo a ela o que me deixa com a forte sensação dos saques ao seu corpo físicos e emocionais e os saques ocorridos durante seu tempo enquanto interna do juquery de toda maneira Aurora parece guardar consigo um segredo a concsiençia della esse parece ser o porto de ancoragem diante da narrativa presente nessa imagem além do desprezo além dos saques desconhecidos feitos a uma Aurora subalterna além da tortura de pátios ociosos que levam a enloquecer o segredo é a consciência dela é onde ela subverte a subalternidade é onde o chefe da cabeça eletricista não pode acessar seus segredos é onde nem ele nem ninguém podem roubar algo dela relendo suas palavras nessa pintura esses trechos me fizeram lembrar orações preces como alguém que entoa um pedido amparando os bens dispostos a bem proceder peço às vezes os prontuários serem documentos sigilosos parece ser mais sobre proteger os torturadores do que a proteção aos dados dos internos o silêncio não me parece ter protegido Aurora Cursino dos Santos de nada na verdade parece o aval perfeito para manter tantos silêncios acerca de seus tratamentos buscarei além desse diário com as narrativas de Aurora caminhos por onde mostrar sua agência sobre si mesma e esse é um posicionamento de olhar e leitura 62 sobre as obras de Aurora que adotei também com Adelina e Stella apesar do triste cenário de cárcere manicomial que as três vivenciaram todas foram capazes de exercer agência sobre elas próprias de maneiras que parecem sutis mas conseguiram a maneira que observo a agência de Aurora sobre ela mesma nessa imagem é através do segredo que guarda e de mostrar o quão atenta estava a essa máquina de enlouquecer que foram os hospícios ela sabia que estava nos pátios a enlouquecer sabia que esse tipo de espaço provocava esse tipo de adoecimento às pessoas e diante disso ela guarda um tesouro sua consciência sua narrativa a expressão de sua história através das imagens e textos em outra pintura a figura 16 Aurora retrata outra cena no hospital do juquery 63 figura 16 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo do museu de arte osório cesar são paulo 537 x 355cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar essa imagem diferente da figura 15 quase não traz consigo a escrita de Aurora sua presença se dá sem palavras que parecem ter sido engolidas as 64 únicas coisas escritas são noturno no juqueri palavras que dizem pouco mas o suficiente para entrarmos na pintura demarcando seu corpo circunscrito no hospício a cena representada parece ser retratada dentro de um quarto muito vazio onde ficam destacadas a cama e uma aparente janela que pela rajada de tinta branca parece ter barras duas mulheres estão destacadas por seu tamanho vestindo jaleco e um chapéu característico dos uniformes de enfermeiras da década de 1950 o que me faz questionar se a mulher da figura 15 era realmente uma enfermeira as duas partilham um entreolhar comum e deitada na cama está possivelmente Aurora Cursino dos Santos com uma proporção minúscula ao ser comparada com as enfermeiras miúda com o corpo inteiro coberto na cama as palavras não explodem na imagem como outras pinturas que já vimos e veremos à frente por isso disse que parecem ter sido engolidas parecem ter ficado todas dentro de Aurora dessa vez o que escapou foi a observação que Aurora fez da cena a construindo na pintura a cena parece carregada pelos olhares e linguagem corporal das figuras uma das enfermeiras está de braços cruzados como insatisfeita apesar de não parecer impaciente a mais próxima da cama segura algo vermelho enquanto Aurora desvia o olhar para o outro lado seu olhar protesta recusa e as enfermeiras se olham como quem indaga e agora com o quarto tão vazio à noite no juqueri Aurora pequenininha quase sumindo na cama mas com alguma agência de si protestando contra a vontade de duas enfermeiras enormes mesmo tão pequena mas a pergunta ecoa em minha cabeça e agora um certo medo pairando sobre essa pergunta talvez exatamente o momento que Aurora capturou através das imagens palavras talvez não teriam sido tão expressivas 65 figura 17 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 58 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 66 figura 18 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 75x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 67 as figuras 17 e 18 apesar de bem diferentes trazem consigo temáticas semelhantes e que se relacionam com a figura 16 as duas falam sobre o temor de Aurora com as enfermeiras no momento do banho no juquery de modo que o que as relaciona com a figura 16 é justamente o temor sobre a figura das enfermeiras na imagem da figura 17 parece que as palavras engolem a mulher que está no centro delas fica alguma dúvida se ela está vestindo um jaleco branco mas parece que sim de modo que pode ser a representação de uma enfermeira as palavras de Aurora a rodeiam deixandoa sem ter por onde escapar e dizem deus me livre zenhor jesus também me livrem desae eu menina ate a poucos annos enfermeiras dos misteas me asphnisiaram nas aguas e me apunhalaram nas aguas derramei sangue muitas vezes cahi no chão quasi morta tanto fazia eu vir rotunda ou de baixo senhor jesus do pastres prolestantes me livre de eu tomar a calir em mãos calir em mãos de enfermeiras em banho ou em facadas dentro ou fora das aguas me livrae já na figura 18 temos uma pessoa em específico médica ou enfermeira que é nomeada Clélia na pintura Aurora se direciona diretamente a ela afirmando de modo imperativo que a Clélia fique longe dela Clélia afaste executarme no banho é uma mensagem clara através da pintura Aurora manifesta sua vontade e a direciona a uma pessoa se provavelmente essa fala não era o suficiente para que Aurora pudesse de fato realizar sua vontade de ficar longe dessa mulher ela faz isso através da pintura dizendolhe que se mantenha longe afirmando claramente sua vontade em um espaço de controle que não privilegia ou escuta a voz das internas Aurora encontra mais um jeito de dizer o que pensa através dessa repetição entre o tema das enfermeiras do juquery e o quão violento é o banho mencionado por Aurora podemos ter mais uma faceta sobre sua vivência enquanto interna o momento do banho como uma violência que de acordo com Jeha poderiam ser em banheiras ou em jatos muito fortes p 69 Aurora descreve que se machucou e compara os banhos com facadas afirmando que ficou asfixiada além disso Silvana Jeha também explica em seu livro que Aurora se refere à rotunda onde havia celas e doentes considerados pela equipe asilar como mais 8descontrolados9 correspondia às chamadas casas ou quartosfortes dos manicômios JEHA birman 2022 p 69 68 além dessas imagens Silvana Jeha trabalha mais uma em seu livro que também adiciono a esse texto pois se relaciona novamente com a temática do eletrochoque que citei anteriormente figura 19 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 655cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar nessa imagem podemos ver novamente a característica da pintura de Aurora quando está misturando escrita e imagem as palavras vão em um crescendo ocupando o papel e compondo o espaço em conjunto com as figurações que a artista faz nesta em específico há uma mulher e ao redor dela está escrito pesso sua magestade e rei da belgica pelo meu zacrificio nas macas para elle auxiliar a l yspetoria nacional a exterminar a acção indigna de enfermeiras ladronas que trabalham encabecam e sao do bloco ladrões casas de familias a impedir me perseguindo calumniando e azujando para desviar a invest do lado das ladronas e assim roubando aqui no juqueri e aorrivelo mal que me fazem com o electricista quero sahir e ter zocego e meu trabalho eu Aurora cursino dos Zantos 69 aqui novamente além da repetição sobre o incômodo acerca das enfermeiras Aurora torna a repetir o assunto do eletricista afirmando que aqui no juquery é horrível o mal que me fazem com o eletricista quero sair e ter sossego e meu trabalho eu Aurora Cursino dos Santos ela denuncia novamente o mal que o eletrochoque faz a ela e manifesta seu desejo de sair do juquery de não mais ficar lá de ir embora e ser livre ter sossego outro elemento que aparece agora pela primeira vez no capítulo porque é recorrente nas obras de Aurora Cursino dos Santos é o brasão da república que aparece no canto superior direito dessa mesma imagem ficando destacado porque parece que Aurora evita escrever muito próximo dele dando um espaço o brasão da república é um dos símbolos responsáveis por representar a própria república e é curioso que apareça frequentemente nas pinturas como é possível saber com o pouco de sua biografia Aurora Cursino teve envolvimento com pessoas de destaque na sociedade e havia nela algum engajamento político pois além de ter se inscrito para trabalhar como enfermeira na revolta contra o governo de vargas em 1932 questões políticas e figuras políticas aparecem em suas pinturas como a menção a reis e rainhas presidentes e príncipes oficiais e política bustos de pessoas que parecem nobres camponeses trabalhando no campo e em plantações menção a nomes da política brasileira como floriano peixoto e nilo peçanha acredito que tudo isso é capaz de mostrar seu envolvimento com questões políticas ao longo de sua vida outro detalhe que posso reforçar é relembrar que Aurora nasceu em 1896 e a proclamação da república foi em 1889 tinham passado somente 7 anos apesar de esse não ser o tema do subcapítulo acho importante abrir um parentesis pois em uma de suas pinturas retratando a cidade onde nasceu são josé dos campos ela representa uma grande casa com um milharal e pessoas negras que com certeza ainda estavam trabalhando em situação análoga à escravidão a abolição jurídica da escravatura com a lei áurea no brasil data de 13 de maio de 1888 a pintura retrata um homem branco vestindo um terno e chapéu na frente da casa que se põe em pé para observar as duas pessoas negras que estão no campo a casa cercada poderiam essas pessoas sair o homem branco impõe atitude semelhante ao feitor que fiscaliza e observa tudo dentre as duas pessoas negras há um homem que parece estar de costas usando chapéu a mulher negra 70 carrega algo em suas mãos como se estivesse saindo da casa e indo para algum outro lugar a terceira pessoa está de costas e parece usar um vestido vermelho figura 20 são josé dos campos Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 40cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar tudo isso para reforçar a aparição de assuntos políticos em suas imagens mesmo que essa última não pareça nada com uma percepção crítica acerca da escravidão parecendo mais um retrato de sua memória mas nessa lembrança aparece essa questão voltando ao brasão na pintura da figura 19 algumas imagens com temática política estão com ele e outras que parecem narrar apenas episódios da história de Aurora também recebem o brasão o que me chama a atenção é que esse símbolo quando em papel é comum em documentos oficiais mas Aurora Cursino dos Santos o reproduz em suas próprias narrativas uma mulher que não seria vista em nada como símbolo oficial da república psiquiatrizada vista como esquizofrênica internada em um manicômio até morrer e prostituta uma mulher que provavelmente fez abortos teve filhos e os perdeu e fala sobre isso mas que poderia ser parte integrante do símbolo se o país tivesse o 71 compromisso de se mostrar como realmente é de forma independente ao inserir o brasão em suas imagens me parece que Aurora se insere na história oficial narrando através de suas obras o abuso e a violência manicomial o controle institucional sobre um corpo que não interessa ao estado a violência patriarcal sobre o corpo de uma mulher cis e a prostituição no início do século xx mais uma vez exercendo agência sobre si própria 26 a maternidade a memória e a exigência pelo discurso da verdade um dos temas mais abordados ao longo de anos e anos da produção artística feita por Aurora Cursino dos Santos foi a maternidade não qualquer maternidade mas a afirmação dela própria enquanto mãe inúmeras vezes justamente por ser um assunto tão repetido por ela é um dos principais quando pensamos em Aurora mas na mesma medida em que é um dos principais por ser tão retratado pela artista é um dos temas mais postos em questão Aurora foi realmente mãe ou não não importa quantas vezes a artista tenha reafirmado esse lugar esse mesmo número de vezes recebeu a dúvida de quem se dedicou pouco que fosse a estudar sobre ela e isso me gera um incômodo sem tamanho porque essa pergunta se tornou pautável pelo fato de que Aurora foi psiquiatrizada e psiquiatrizada de uma maneira que há relatos de seus delírios feitos até pelo dr osório cesar somente isso foi o suficiente para questionála e questionála de maneira incessante não há material sobre Aurora que eu tenha lido que conseguiu escrever sobre sua maternidade sem inserir logo antes ou depois a dúvida sua voz não importou dedico esse subcapítulo à sua voz à importância de sua voz à minha fúria diante da não escuta e principalmente à poder finalmente criar um espaço que não a questione em suas afirmações tão contundentes pretendo demonstrar o quão contundentes foram através da repetição do tema de modo que deixarei disponibilizado para consulta todas as obras de Aurora que pude acessar e trazem consigo a afirmação dela em seu lugar de mãe para esse subcapítulo selecionei algumas entre as várias pinturas que retratam o tema não me importará aqui identificar seus filhos filhas ou seuseus pais somente darei enfoque à sua história à sua narrativa às suas afirmações fui mãe 72 as obras que pude ter acesso foram as do incrível acervo do museu de arte osório cesar que gentilmente me foram disponibilizadas por elielton ribeiro a quem agradeço diretamente aproveito para agradecer também a todos do museu que contribuíram e contribuem para o cuidado e disponibilização do acervo não teria sido capaz de escrever esse capítulo sem o acesso que me foi dado às obras pois não teria como ir até franco da rocha no momento dentre as obras do acervo pude contar um total de 29 pinturas que trazem consigo o tema dos filhos de Aurora algumas abordam principalmente esse assunto outras não o abordam de maneira principal falando também de outras questões da artista ainda assim são 29 pinturas isso sem contar as que apenas mencionam filhos ou reproduzem imagens de mães com crianças essas não contabilizei por não trazerem consigo a afirmação direta como ocorre nessas 29 dentre as 29 em momentos Aurora fala sobre ter filhas e em momentos fala sobre ter filhos frequentemente falando no plural destaca sua experiência de ter sido mãe mais de uma vez selecionei 8 obras de Aurora para desenvolver esse subcapítulo e as dividi em quatro categorias a afirmação sobre ser mãe a dor de mãe a espera pelos filhos e por fim a candura de mãe essa primeira obra abre a pesquisa sobre maternidade e Aurora justamente por ela própria trazer o questionamento que por mais de 29 vezes foi levado até ela e continua sendo Aurora Cursino Santos é mãe 73 figura 21 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 33cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 74 na pintura podemos ver uma parte do corpo de uma mulher que assumo ser Aurora despida com sua vagina aparecendo é possível ver o rosto de um bebê representando o nascimento de um de seus filhos na frente dela há um homem de terno que assumo ser dr virgílio do nascimento como é narrado na imagem e está escrito Aurora Cursino dos Santos é mãe dr virgílio do nazcimento viu nascer meu filho mostre ele a zua mãe diante da pergunta Aurora Cursino dos Santos é mãe a artista responde com uma testemunha alguém que teria visto um de seus filhos nascer e essa pessoa seria o dr virgílio achei importante começar com essa imagem porque parece ter encaixado perfeitamente com o que buscava dizer a própria Aurora trabalhou esse questionamento em uma de suas pinturas e ela mesma respondeu me fez pensar se em vida ela ouviu alguém a questionar sobre o assunto para que a dúvida tenha vindo a fazer parte de suas obras acredito que a resposta dela deveria ser o bastante as duas pinturas a seguir são as últimas que estão inseridas na classificação da afirmação sobre ser mãe 75 figura 22 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 43 x 54cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 23 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 65 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar eu as escolhi porque além de falarem diretamente sobre a maternidade de Aurora ela mesma trouxe para essas imagens novas afirmações sobre o assunto dizendo dei a luz um filho e este tenente é meu filho são afirmativas muito 76 diretas que não deixam espaço algum para o questionamento ela deu à luz a um bebê o tenente da imagem é filho de Aurora lendo as imagens separadamente na figura 22 Aurora escreveu Cursino dei a luz um filho do dr altino arantes e um chefe gerente do mesmo na imagem podemos ver Aurora sentada em uma cama fazendo o parto desse filho e podemos ver nitidamente a representação de sua vagina o que demonstra um conhecimento de Aurora sobre seu próprio corpo mas também sobre seu corpo durante o momento do parto ao seu lado um tanto distante está um homem de pé vestindo terno provavelmente o pai da criança chamado por Aurora de dr altino arantes na figura 23 Aurora escreveu eu Aurora Cursino Santos e casodo com filha de um coronel este tenente e meu filho com um coronel do exercito 1º regimento de artilharia p vermelha e de um chefe azteca índio indios na imagem podemos ver um homem fardado e uma mulher vestindo roupas que denotam classe social elevada para a classificação a dor de mãe escolhi apenas uma imagem pois não desejo focar no sofrimento de Aurora mas como ela retrata temas que também fazem parte de sua tristeza trouxe a imagem abaixo 77 figura 24 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 50 x 33cm sd óleo sobre papel 78 nessa imagem podemos ver um homem que parece vestir um uniforme oficial na cintura algum tipo de arma e em seu colo um bebê ao redor dos dois Aurora escreveu zenhor brasil conde director das prizões da zibéria e moscou meu filho nosso filho feito de trahicão porque tomou de mim não foi amor zexesuual meu nem vosso foi pur injeções p zerioga e cheiros electricos para mim dentre alguns assuntos trazidos por Aurora para essa imagem ela pode representar a dor de uma mãe porque em determinado momento da escrita Aurora pergunta ao homem por que tomou o filho dela sugerindo que o bebê tenha sido levado embora e ela então não pôde mais o ver foi mais um de seus filhos que perdeu e digo mais um pois em uma outra pintura Aurora fala sobre adoção não me parece lógico Aurora reclamar a dor de mãe de ter seu filho levado de alguma maneira sem ter sentido isso na pele as próximas duas imagens são representativas da classificação a espera pelos filhos 79 figura 25 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar entre as representações de seus filhos Aurora pintou também a vinda desses filhos para visitála as duas imagens que trouxe são frente e verso do mesmo eucatex que ela usou para pintar e aproveito para destacar suas dimensões são pinturas bem grandes e em geral as pinturas de Aurora possuem grandes dimensões que podem ser acompanhadas na legenda de cada imagem que está nessa pesquisa 80 na figura 25 podemos ver um filho loiro e na figura 27 um filho moreno o que me faz dizer que essas pinturas representam dois filhos diferentes que vão até Aurora visitála na figura 25 um dos filhos está indo ao encontro de Aurora em um barco no mar à noite o barco do rapaz é muito bem iluminado criando um clarão na pintura e iluminando também a água a luz nessa imagem me faz pensar sobre algo especial para Aurora que se ilumina através da noite escura ao lado do filho Aurora escreveu de chopin veio me ver especiador eu Aurora Cursino Santos zer a zua mãe com essa imagem tão forte reproduzo novamente apenas um pedaço dela abaixo é a espera da mãe por um filho que a vem ver iluminando tudo figura 26 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fragmento da obra reproduzida na figura 24 fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 81 figura 27 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 72 x 505cm sd óleo sobre eucatex fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar na figura 27 podemos ver agora um outro filho que também vai ao seu encontro para fazer uma visita esse diferente da imagem anterior já chegou mas Aurora não se pinta junto com o filho podemos apenas ver um pedaço de um móvel com uma luminária que também ilumina a pintura e seu filho vestindo um terno ao lado dele ela escreveu um filho veio ver zua mãe dormindo eu Aurora Cursino Zantos zua mãe mesmo que o filho tenha ido até ela ela mesma não o vê por estar dormindo ou talvez a imagem seja justamente a representação de um sonho que ela pode ter tido durante o sono onde encontra um de seus filhos 82 as próximas imagens são representativas da categoria a candura de mãe figura 28 a zombra nacional e Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 65 x 50cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 83 figura 29 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 62 x 505cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar essas duas imagens apesar de diferentes trazem algo em comum caso tenham sido pintadas em dias diferentes o que não é possível saber seria como se Aurora tivesse retomando o tema pois escreve exatamente a mesma coisa nas duas na figura 28 Aurora parece pintar um ambiente doméstico à noite como se estivesse em um quarto ela e sua filha novamente uma luminária parece que Aurora está tecendo alguma coisa e ao seu lado a filha observa na mesa em que 84 estão parece ter um grande papel que apesar de difícil consegui ler o que está escrito mãe e desdobrar fibra por fibra e coração na figura 29 agora sem a presença de Aurora somente a filha que parece ser a mesma da figura 28 até a roupa pois ambas vestem roupa cor de rosa com uma vela que ilumina a pintura mesmo o ambiente parecendo mais claro a filha está em frente a mesa e agora podemos vêla com mais detalhes sobre a mesa está o mesmo texto da pintura anterior ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração disse alguem as duas pinturas me parecem complementares como se fossem representadas em momentos diferentes mas revisitando a mesma situação a filha a presença da luz e o texto com a definição do que é ser mãe escrita por Aurora na segunda pintura com Aurora ausente a filha fica com o escrito da mãe deixando para ela o que para mim soa como um bilhete de amor escolhi encerrar este subcapítulo com essas imagens justamente por me parecerem as mais fortes entre as representações de Aurora Cursino sobre o tema dos filhos tanto pelas cenas que ela pintou quanto pelo que escreveu que demonstram em profundidade o afeto de uma mãe por seus filhos a candura e sinceridade com as quais falou sobre ser mãe nessas duas imagens comove e me faz questionar mais uma vez como a incerteza sobre Aurora Cursino dos Santos ter sido mãe pode ser tão grande 29 pinturas gritam mais alto do que um diagnóstico psiquiátrico que por uma vez já foi atestado de forma errada mas ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração 27 eu Aurora Cursino reafirmação de vida 85 figura 30 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel assinatura da própria Aurora Cursino dos Santos a pintura está reproduzida inteira na figura 19 esse subcapítulo é o que encerra por enquanto minha pesquisa sobre Aurora Cursino dos Santos e esse tema dentre tantos que eu poderia escolher me pareceu ser o melhor a reafirmação da vida ele não está escrito em nenhum lugar em momento algum vi alguma pintura de Aurora que ela mesma expressasse diretamente com suas palavras uma afirmação sobre sua própria vida mas repetidamente ela escreveu o próprio nome fosse somente Aurora fosse Aurora Cursino fosse Aurora Cursino dos Santos ou a capirinha como se chamava quase como uma criança que quando aprende seu nome por inteiro o escreve várias vezes mas Aurora era uma mulher adulta encarcerada contra sua vontade durante 18 anos de sua vida vivenciando inúmeros episódios de violência manicomial de dentro desse contexto se expressando através das pinturas ela repetiu seu nome é essa repetição vista do contexto em que viveu que enxergo uma pulsão de reafirmação da sua existência e de desejo pela vida dela mesma pretendo embasar esse pensamento da mesma forma que fiz para falar sobre a maternidade contabilizando todas as vezes que pude encontrar seu nome repetido em suas pinturas e escolhendo algumas dessas imagens para deixálas aqui diferente do subcapítulo sobre a maternidade não terei muito no que me aprofundar nas 86 imagens em si uma vez que são somente a repetição do nome de Aurora meu fôlego maior será trazer essa perspectiva e demonstrála através do número de vezes que Aurora escreve o próprio nome em suas imagens seria muito interessante se as imagens estivessem datadas assim poderia demonstrar a repetição ao longo dos anos mas infelizmente estão sem data de toda maneira Aurora Cursino dos Santos escreveu seu nome por 79 vezes dentre as mais de 200 pinturas que estão no acervo do museu de arte osório cesar setenta e nove vezes ela escreveu seu nome por vezes mais de uma vez em uma mesma pintura a repetição ocorre nas histórias que conta sobre sua vida tendo me gerado dúvida em algumas vezes se seu nome está escrito porque foi assinado ou se ela realmente não assinava só escrevia o nome até quando tive dúvida contabilizei também mas em maioria foram as vezes que não tive dúvida trago abaixo alguns fragmentos de imagem reproduzindo a escrita de seu nome feita por ela mesma figura 31 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 32 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar figura 33 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 87 encerro o capítulo com cinco imagens uma delas traz também o nome de Aurora escrito por ela mas as outras quatro não no entanto as reproduzo aqui por entender que representaram os desejos de Aurora para ela mesma em sua vida infelizmente não foram desejos respeitados ou honrados e me parece difícil que tenham ocorrido mas seus sonhos são maiores do que qualquer violência que tenham infligido a ela por maiores que tenham sido e foram para além da brutalidade da qual seu corpo e ela mesma não tiveram escapatória passo à frente a expressão dos seus sonhos uma vez que já dei ciência das violências que Aurora viveu que enxerguemos também seus desejos 88 figura 34 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 505 x 498cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar EU AURORA ESTAVA AQUI e Aurora Cursino dos Santos esta imagem mostra também um homem que parece estar indo embora na escuridão enquanto há uma figura santa que parece guardar a porta me gerando a sensação de que repele o homem a mesma porta que traz escrito EU AURORA ESTAVA AQUI não pude deixar de notar que o homem pintado se assemelha muito com o dr osório cesar figuras 35 e 36 fotografia do dr osório cesar e fragmento de pintura de Aurora Cursino dos Santos a da figura 34 sd óleo sobre papel fonte retirado do site aventurasnahistoriauolcombrnoticiasreportagemosoriocesartentouestimularpr oducaoartisticadospacientesdojuqueryphtml e imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 89 figura 37 fragmento de sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar mas eu Aurora tenho esperança figura 38 fragmento de sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar e por preverme feliz no futuro figura 39 fragmento de obra sem título Aurora Cursino dos Santos arquivo museu de arte osório césar são paulo sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar 16071 90 agradecida agora abramse as portas figura 40 sem título Aurora Cursino dos Santos acervo museu de arte osório césar são paulo 51 x 66cm sd óleo sobre papel fonte imagem cedida do acervo do museu de arte osório cesar pedido a santa visitar a n senhora apparesçida pessoas de boa vomtade com os outros ou mulher da vida e trabalhar 91 figura 41 internos do hospital psiquiátrico do juquery Alice Brill coleção Alice Brill no instituto moreira salles 6 x 6cm 1950 fotografia grifo meu 92 Capítulo 3 Adelina Gomes onde nossas vidas impossíveis se manifestam umas nas outras e manifestam com sua dissonância dimensões e modalidades de mundo que nos recusamos a entregar ao poder aqui aqui ainda Jota Mombaça as imagens que nunca vimos nos dando a impressão que de fato não existem eu beijo a palma das minhas mãos e depois as apoio no solo elas são minhas ferramentas extensões da minha voz e do meu corpo com o que quero dizer com o corpo tomo fôlego e então começo a escavar não como quem cria buracos mas na intenção de evidenciar os vazios e alterar nossa forma de fazer ver na verdade os vazios estão cheios do não escutado Trecho de caderno de pesquisa 2021 a criação artística dessas mulheres é o trabalho da intimidade profunda fazer brotar para o lado externo do corpo o que estava tão por dentro é a expressão emocional e o emocional é sempre político quando sentido na pele de uma mulher não apenas por ser mulher mas também porque somos sempre interseccionadas e atravessadas por diversas outras questões como raça e classe Grada Kilomba fala sobre a dimensão política do pessoal em sua palestra performance chamada Descolonizando o conhecimento ao dizer que para descolonizar o conhecimento temos que entender que todos nós falamos de tempos e de lugares específicos a partir de realidades e histórias específicas não existem discursos neutros ao escrever sobre Aurora Cursino dos Santos me pareceu um erro não passar por sua biografia pelo fato de ainda existirem vazios tão grandes pouco preenchidos sobre sua história a biografia também se tornou parte fundamental da minha pesquisa por compreendêla como um fator que humaniza essas mulheres que foram colocadas no lugar do exótico do diferente um produto a ser explorado pelo mercado de arte e um corpo a ser excluído e apagado da sociedade pelo sistema quando comecei a pesquisar sobre Aurora ainda não existia a obra da pesquisadora Silvana Jeha Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida que foi capaz de aprofundar a biografia da artista mesmo que nossos enfoques de pesquisa sejam diferentes ela historiadora e eu historiadora da arte 93 com Adelina Gomes 19161984 tive a impressão inicial de que o vazio era menor porque eu não tinha material algum sobre a vida de Aurora e porque a Dra Nise da Silveira psiquiatra que fez o acompanhamento médico de Adelina Gomes a partir de 1946 se ocupou também de trazer informações sobre a biografia de Adelina mas ao me aproximar da contribuição de Silveira ficou ainda mais evidente para mim que seu enfoque era a análise dos trabalhos de Adelina do ponto de vista psiquiátrico da médica em busca de compreender sua paciente visando contribuir da maneira que fosse possível para a melhora de sua saúde mental ou seja a dedicação à biografia da artista somente teve espaço em seus escritos por esse conhecimento ter relevância no tratamento e na análise dos trabalhos de Adelina compreendidos pela psiquiatra como documentos plásticos eu tinha errado errei ao pensar que a biografia de Adelina estivesse mais completa ao tentar me aprofundar um pouco mais que fosse em sua vida não consegui não há material ou pesquisas feitas que falem mais sobre a artista infelizmente esse é um vazio comum a essas mulheres que pesquiso Aurora e Stella do Patrocínio que deu fôlego ao quarto capítulo somente possuem mais informações biográficas devido a trabalhos muito recentes feitos por pesquisadoras brasileiras Adelina ainda não tem quem tenha feito isso por ela então reúno aqui o que pude encontrar mesmo que ainda tão vazio 31 biografia possível Adelina Gomes foi uma mulher negra vinda de uma família humilde e filha de pais ditos camponeses os quais não se sabe o nome há relato da presença de uma irmã feito pela Dra Nise da Silveira em seu livro Imagens do Inconsciente mas também não encontrei seu nome ou qualquer fonte que mostrasse existirem mais irmãsirmãos também não encontrei nada que me tenha feito concluir ser sua única irmã apesar de eu não ter encontrado seus nomes a Dra Nise fala de um apego muito grande de Adelina em relação à mãe mencionando também como sua mãe exercia grande influência sobre ela enquanto isso a única informação que a Dra Nise disponibiliza sobre a irmã de Adelina foi para relatar que em 1961 ela faz uma visita para Adelina e assim a Dra Nise é capaz de ter antecedentes ou seja informações sobre sua vida antes 94 da internação informações essas que possibilitaram em conjunto com a pesquisa da médica compreender um pouco melhor o mundo interno da artista quando soube da existência de uma irmã e que essa irmã fez uma visita foi um momento empolgante para mim mas que logo deu lugar a muitas perguntas sem resposta qual era seu nome por que essa irmã fez a visita e por que fez a visita após 24 anos de internação por que somente após esse tempo todo em que contexto a irmã forneceu informações para a Dra Nise ela voltou a visitar Adelina depois de 1961 ao que parece talvez tenha sido a única visita que Adelina recebeu da irmã fico com essa impressão porque a Dra Nise não escreveu sobre outras caso realmente tenha sido a única por que nunca mais voltou espero poder responder essas perguntas seguindo minha pesquisa para além desta monografia no futuro pois não pude respondêlas agora e espero poder formular novas perguntas a partir do site do cinquentenário do museu de imagens do inconsciente informase que Adelina nasceu em campos dos goytacazes no rio de janeiro em 1916 e faleceu em 1984 no centro psiquiátrico pedro ii onde passou 47 anos de sua vida como carcerária do sistema manicomial quase sua vida inteira Adelina foi internada em 17 de março de 1937 tendo sido diagnosticada com esquizofrenia não se sabe o dia em que ela nasceu mas sabemos que dia foi internada essa informação sim é possível ser achada facilmente mas seu aniversário não penso sobre como os processos de institucionalização podem ser violentos de maneira tão sutil Adelina foi internada muito jovem podemos perceber comparando o ano de nascimento com o de internação foi tornada interna aos 21 anos e faleceu aos 68 anos faço questão de escrever foi tornada interna em vez de tornouse interna para frisar uma demarcação de lugares e relação de poder entre uma mulher negra e o sistema institucional sua internação ocorreu no instituto municipal nise da silveira no engenho de dentro rio de janeiro na época chamavase centro psiquiátrico nacional mas quando foi criado 1911 esse terreno do engenho de dentro era uma colônia agrícola para as alienadas8 do hospício nacional de alienados ao longo da década de 1940 o hospício nacional de alienados é transferido para o engenho de dentro e 8 alienado e alienada era a palavra utilizada na época para nomear a pessoa em situação de sofrimento mental interna das instituições manicomiais 95 com a transferência é renomeado como centro psiquiátrico nacional que depois é nomeado centro psiquiátrico pedro ii e somente nos anos 2000 após se tornar uma instituição municipal passa a ter o nome que hoje conhecemos instituto municipal nise da silveira assim como Adelina Stella do Patrocínio foi institucionalizada aos 21 anos mas diferente de Stella que narra como foi levada ao manicômio não sabemos como ocorreu o processo de institucionalização de Adelina alguém a levou os pais a polícia duvido da hipótese de que a própria Adelina optasse pela internação e fossei voluntariamente até uma instituição então não escrevo tornouse interna escrevo que alguém a impôs esse lugar institucionalizado que é o cárcere manicomial não escrevo que Adelina ela mesma se internou não apago a violência que é uma institucionalização manicomial não apago o provável contexto de que alguémalgo teve mais poder de agência sobre Adelina do que ela mesma teve sobre si como uma internação compulsória em um site do museu de imagens do inconsciente9 que se propõe a oferecer uma biografia sobre Adelina está escrito que a família a interna na instituição o que parece fazer sentido porque pessoas que têm o diagnóstico de esquizofrenia costumam ter um episódio de surto depois do surto são levadas até médicos que atestam a condição de saúde mental da pessoa com Adelina foi assim falase que a artista teve um surto dentro de casa então parece fazer sentido que a própria família a tenha levado no entanto tive dificuldade de confirmar que a própria família a internou porque encontrei uma inconsistência no site lá está informado que Adelina Gomes começou sua produção artística a partir do trabalho em barro mas de acordo com o livro Imagens do Inconsciente a Dra Nise da Silveira afirma que seu primeiro contato não foi com o barro ela escreve que Adelina começou a trabalhar com esse material somente em 1948 além da afirmação da Dra no livro é possível encontrar também um trabalho de 1946 ano que começou a participar das oficinas de criação de Silveira que é um guache em papel por essa razão não pude confirmar a internação feita pela família por mais coerente que me tenha parecido com a idade que Adelina Gomes foi institucionalizada aos 21 anos partilho que eu estava no 6º período da graduação em história da arte divido essa 9 miiorgbradelinabio 96 informação a título de comparação entre as oportunidades oferecidas a mulheres brancas e negras levando em consideração também que quando Adelina tinha 21 anos era 1937 e quando eu tinha 21 anos era 2019 essa demarcação histórica é relevante porque nos anos 19301940 época em que Adelina foi presa a formação de uma mulher com acesso à educação ainda era em sua maioria a formação de professora me pergunto se Adelina poderia ter sido professora se poderia ter sido o que quisesse ser mãe esposa médica pesquisadora o que fosse mas a partir do trabalho humanizado feito pela Dra Nise da Silveira que explicarei mais à frente Adelina teve oportunidade de se expressar e se tornou artista visual enquanto interna institucionalizada com trabalhos que integram o acervo do museu não pontuo isso como uma espécie de redenção como se todo o percurso de sofrimento dela valesse porque no final ela se tornou uma artista com visibilidade e importância não essa não é uma história que começa bem passa por um drama e no final ganha um final feliz que dá sentido ao sofrimento da protagonista não há redenção ou perdão possível ao sofrimento infligido a Adelina Gomes essa é uma dívida impagável10 então escrevo sobre seu lugar de artista não como redenção mas como um lugar que deve ser reconhecido com a criação de imagens Adelina pôde encontrar espaço para exercer agência sobre si em todos os capítulos busquei adicionar pelo menos uma imagem que traga a assinatura com o nome das artistas feitas por elas mesmas infelizmente não pude fazer isso com Adelina Gomes pois de acordo com a pesquisa que fiz não encontrei trabalhos assinados e de acordo com o museu de imagens do inconsciente não há obra de Adelina que esteja assinada por ela trago ainda outra reflexão acerca de sua escolaridade pois de acordo com o documentário de leon hirszman chamado imagens do inconsciente 1982 Adelina estudou somente até o curso primário de modo que completou o que seria atualmente o 5º ano do ensino fundamental I o site do cinquentenário do museu de imagens do inconsciente informa também que Adelina Gomes aprendeu variados trabalhos manuais numa escola profissional mas pergunto para essa informação genérica que tipo de trabalhos manuais qual era o objetivo dessa escola profissional que habilitação profissional proporcionava o que a caracterizava por 10 referência à obra de Denise Ferreira da Silva o livro chamado A Dívida Impagável 97 profissional e qual era seu tempo de duração Adelina concluiu essa formação e sim quando e quando começou a formação ela teve tempo de exercer uma profissão se sim qual e se não por que não teve tempo novamente perguntas sem resposta e também por isso não pude compreender se sua escolaridade se estendeu para além do curso primário se levarmos em consideração a faixa etária comum a cada momento da vida escolar podemos estimar que Adelina pode ter estudado até por volta dos 911 anos11 caso tenha ingressado no sistema de ensino na faixa etária padrão então se Adelina Gomes deixou a escola com 11 anos quando foi internada estava sem estudar há 10 anos o site do cinquentenário também fornece outras informações que adjetivam Adelina as quais opto por não reproduzir aqui por entender que criam uma imagem sobre quem ela foi não é essa a imagem que desejo transmitir com essa pesquisa quando adjetivamos alguém caracterizamos essa pessoa e não estou dizendo que essas não eram características de Adelina estou dizendo que faço aqui um esforço para não reproduzir aspectos gerais sobre Adelina fugindo da imagem criada sobre ela com as poucas informações que se tem aqui nesse espaço busco humanizar Adelina enxergar uma vida para além das violências vividas por ela sem as apagar e apresentála na medida do possível como uma mulher negra que sobreviveu a diversas camadas de violência ao racismo ao patriarcado à violência manicomial e institucional como alguém inteligente portadora de suas vulnerabilidades uma artista que criou trabalhos articulando visualidades potentes que tencionaram o sistema e o mercado de arte mas principalmente e fundamentalmente uma mulher que apesar de ter sido posta como subalterna pelo sistema institucional conseguiu fugir e ter agência sobre si mesma quando escrevo fugir estou articulando e conversando diretamente com um texto de Jota Mombaça que usarei ao longo do capítulo chamado Carta às que vivem e vibram apesar do Brasil retirado do livro Ñ vão nos matar agora12 12 indico que desenvolvi o conceito de fuga e a minha percepção do que significa Adelina Gomes ter tido agência sobre si mesma no subcapítulo 32 11 com essa informação sabemos que Adelina ainda teve 1 ano a mais de estudo do que Aurora Cursino dos Santos e que é provável que as duas tenham parado de estudar com idades similares entre 9 10 ou 11 anos 98 figura 42 Adelina Gomes12021968 óleo sobre tela 644 x 535 cm coleção museu de imagens do inconsciente rio de janeiro fonte retirado do site mii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml apesar de a minha pesquisa não se concentrar nas pinturas feitas pela artista trouxe essa imagem justamente porque dialoga com o que venho escrevendo Adelina Gomes teve agência sobre si mesma criando imagens que permitissem se expressar os temas comuns às pinturas dela foram a representação da mulher do gato e das flores de modo que esse trabalho condensa em si os temas principais das obras da artista escolhi essa imagem para esse momento da escrita porque apesar de não ser um fato sempre pensei nela como um autorretrato a mulher que ali está me remete a como vejo Adelina o formato do 99 rosto o cabelo como um pequeno afro a linha fina da boca mas que na pintura parece repuxar em um sorriso e principalmente os olhos um pouco caídos e sempre penetrantes posicionados fixamente como se quem olhasse a mulher na pintura tivesse a certeza de que também está sendo visto por ela o rosto me transmite certa serenidade mas se me demorar o pouco que seja parece que a mulherAdelina está comunicando algo não diria que parece que ela iria abrir a boca para dizer algo diria que com seu olhar ela já está comunicando algo confiante algo altiva algo dona de si que justamente me remete à camada em que Adelina tem poder sobre ela mesma trago abaixo algumas fotografias da artista visando mostrar as semelhanças que enxergo com a mulher da pintura figura 43 fotografia de Adelina Gomes em seu prontuário sd fonte frame retirado do documentário de leon hirszman imagens do inconsciente 100 figura 44 fotografia de Adelina Gomes sd fonte miiorgbradelinabio figura 45 comparação entre o olhar na pintura e o olhar na fotografia até aqui foi possível compreender que pouco se sabe sobre a vida de Adelina Gomes até sua internação mesmo com as informações coletadas pela Dra Nise da Silveira percebo que infelizmente também há pouca informação sobre como foi sua vida a partir dos 21 anos quando foi encarcerada no manicômio esse vácuo permanece até setembro de 1946 quando passa a fazer parte do setor de terapêutica ocupacional do hospital de modo que há um vazio de informação sobre Adelina durante 9 anos quem coordenava o setor de terapêutica ocupacional era a Dra Nise da Silveira de modo que a partir de setembro de 1946 Adelina Gomes passa a ficar aos seus cuidados a médica se tornou mundialmente reconhecida por proporcionar 101 um tratamento que rejeitava completamente a psiquiatria tradicional fazendo com que seus pacientes que ela chamava de clientes não mais fossem torturados com os tratamentos tradicionais que envolviam eletrochoque sem estudo suficiente dos parâmetros de aplicação em humanos como compreensão de voltagem e duração dos choques entre outras opções que sequer são legalizadas atualmente quando Adelina Gomes deu entrada no hospital e foi internada o tratamento prescrito para ela com o diagnóstico de esquizofrenia foi o de eletrochoque e injeções de insulina A Dra Nise relata ao consultar os dados de Adelina antes de assumir seu tratamento que ela teve constante piora de seu quadro percebida pela psiquiatria tradicional como alguém que não demonstrava sinais para a possibilidade de cura se por um lado o tratamento que recebeu da psiquiatria tradicional foi eletrochoque e injeção de insulina o tratamento oferecido pela Dra Nise era fundamentado por uma conduta de afeto e livre expressão de seus clientes no setor de terapêutica ocupacional ala do hospital que foi dada à médica quando se opôs a seguir a psiquiatria tradicional esse espaço lhe foi dado como espécie de punição da equipe médica do hospital por ser afastado hoje a médica é venerada por seu belo trabalho mas na época enfrentou muitas dificuldades que envolviam desde o desrespeito do corpo médico com o qual trabalhava até a falta de material para conduzir o tratamento de seus pacientes nada disso a impediu de seguir transformando a vida de muitas pessoas é nesse contexto que Adelina começou seu trabalho com imagens que mais tarde fez com que fosse vista como artista o trabalho com a livre expressão que a Dra Nise da Silveira conduzia no setor de terapêutica ocupacional logo o transforma em ateliês de criação plurais onde os pacientes tinham possibilidade de fazer pintura modelagem entre outros a médica começou a fazer uso das imagens para acessar o mundo interno dos pacientes pois ao perceber que frequentemente a esquizofrenia dificultava a expressão verbal começou a prezar por um caminho de comunicação através das imagens criadas pelos pacientes a Dra Nise via essas imagens como documentos plásticos e as analisava em sequência de produção cronológica logo devido ao volume imenso de imagens e seu contínuo crescimento a psiquiatra cria o museu de imagens do inconsciente 1952 visando armazenar as obras feitas pelos pacientes 102 nos ateliês Adelina Gomes começou a criar suas próprias imagens em 1946 corto para um novo parágrafo visando dar destaque a essa frase pois aqui começo o desfecho do subcapítulo sobre a biografia e inauguro um novo momento do texto Adelina começou a criar suas próprias imagens depois de 9 anos vivenciando tratamentos inadequados ela começa a poder se expressar livremente depois de 9 anos de brutalidade manicomial ela começa a usar imagens para se comunicar esse marco guarda grande potência em si pois mesmo que não tenha podido ficar livre fisicamente da instituição manicomial tornouse possível estar nesse espaço de maneira um pouco mais humanizada levando em consideração que a própria Dra Nise da Silveira afirmava que dentro do hospital psiquiátrico não havia ambiente adequado para proporcionar o tratamento figura 46 Adelina Gomes modelando barro nos ateliês sd museu de imagens do inconsciente fonte frame do documentário de leon hirszman imagens do inconsciente de 1946 até o falecimento de Adelina em 1984 a artista criou cerca de 17500 obras dentre elas estão pinturas modelagens flores de papel e desenhos de dimensões variadas que encontramse no acervo do museu de imagens do inconsciente o maior fôlego empreendido na análise das suas imagens até hoje foi feito pela Dra Nise da Silveira principalmente investigando os desenhos e pinturas com o objetivo de acessar e compreender dentro do possível o mundo interno da 103 artista ao informar isso já demarco a minha diferença de abordagem com o trabalho visto que a Dra atuou com olhar clínico ao ver essas imagens e eu as olharei como historiadora da arte também destaco outra diferença pois as obras que escolhi me aproximar foram as modelagens enquanto a Dra Nise desenvolveu mais seu trabalho com os desenhos e pinturas ela também desenvolveu uma análise acerca das modelagens mas irei tratar somente delas delas e do conceito de gesto 32 a metodologia para Adelina Gomes o gesto e a fuga conheci Adelina Gomes de um jeito diferente de como conheci Aurora Cursino dos Santos porque foi muito mais imediato quando encontrei com Aurora já estava fazendo minha pesquisa procurando por artistas mulheres que tivessem tido diagnósticos psiquiátricos com Adelina eu sequer tinha decidido pesquisar mais a fundo sobre o tema muito menos pensei que seria o da minha monografia para o curso de história da arte mas já tinha escutado seu nome quando decidi escrever sobre Adelina não sabia sobre o que falaria que obras iria escolher mas então revi as imagens dela modelando o barro no documentário de leon hirszman e me comoveram profundamente foi o gesto de suas mãos que me cativou posteriormente a Dra Nise da Silveira deu nome ao que senti vendo essas imagens era sobre dar corpo a uma imagem com as próprias mãos e era sobre fazer isso intimamente a fala da Dra Nise me ofereceu além de compreensão sobre o que senti uma chave metodológica para acessar o trabalho que irei desenvolver a partir de agora sobre as esculturas de Adelina Gomes articulo o conceito de gesto utilizando sua definição de senso comum ou seja o gesto como um movimento do corpo objetivando a expressão mas também penso o gesto como imagem como meio de comunicação que não articula a oralidade desse modo minhas abordagens metodológicas são completamente diferentes para desenvolver a pesquisa com cada artista com Aurora Cursino dos Santos capítulo 2 articulei sua fala em conjunto com a escrita e a produção de imagens e com Stella do Patrocínio capítulo 4 a abordagem foi inteiramente pautada pela oralidade da artista de modo que trabalhei a partir de escuta ativa em 104 repetição olhando por esse viés Adelina me pede o contrário nem uma multiplicidade de linguagens nem somente a oralidade com ela apenas as imagens com o gesto e com as modelagens a diferença de metodologias não me torna fragmentária em minha pesquisa como todo não penso o texto como desagregado todas as artistas partilham o lugar comum de terem sido mulheres institucionalizadas no período manicomial brasileiro a partir da década de 19401950 a partir de seus lugares em comum me dediquei profundamente a enxergar suas particularidades suas necessidades de expressão me pus como canal visando fazer o que pudesse para ampliar suas próprias vozes não tanto a minha essa é a pesquisa essa é a dedicação a partir disso assumo e gosto do meu texto com caráter dual aqui a escrita se bifurca se trifurca e conflui na mesma medida dito isso o que significa pensar o gesto como imagem o que significa articular o conceito de gesto como metodologia em Adelina Gomes o que significa perceber o gesto como expressão não oral após o diagnóstico Adelina Gomes verbalizou muito pouco em vida quase não falava com o tratamento proporcionado pela Dra Nise da Silveira a médica relata uma melhora de comportamento a artista se torna mais positiva mais bem humorada e por vezes passou a falar algumas frases mas mesmo assim falava pouco essa não era sua principal forma de comunicação seu meio de se expressar se tornou uma comunicação através das imagens que criava com o documentário de leon hirszman além de perceber sua comunicação a partir da criação de imagens encontrei com a expressão através do gesto enquanto Adelina modelava seus gestos também eram comunicativos e expressavam sobre ela então pelo gesto também ser uma linguagem que não é oral comunicação não verbal o adoto como método no que diz respeito ao gesto como imagem por ser não verbal e pela comunicação via gesto ser algo que depende do olhar atento dos olhos passei a percebêlos também como imagens o gesto como uma imagem que se comunica de forma tão própria que por vezes se torna difícil explicar um gesto com palavras o gesto quando comunicação cristalina quando as palavras falham mas quem olha de maneira atenta é capaz de entender o que exprime então para mim além das obras que Adelina pintou e modelou o gesto se tornou também uma das maneiras pelas quais observo sua expressão 105 ao dizer isso a leitora e o leitor poderão perceber que ao longo do capítulo fiz uso de frases que carregam as seguintes palavras Adelina elaborou Adelina se debruçou atentamente Adelina articulou as questões de Adelina as questões trabalhadas pela artista entre outras as frases estão com essa formulação porque essas foram as conclusões que fiz a partir de sua expressão gestual aqui está uma introdução sobre como eu mesma escolhi como posicionamento político articular a pessoa que foi Adelina uma vez que devido à artista ser atravessada pelo diagnóstico de esquizofrenia verbos como elaborar e articular se tornam problemas do ponto de vista da psicanálise isso acontece porque são verbos que expressam funções desempenhadas pelo consciente e como Adelina era atravessada por episódios de delírio estaria sobre a influência do inconsciente logo ela não poderia elaborar ou articular questões de maneira consciente como as pessoas não esquizofrênicas mas eu não sou da área da saúde eu sou da história da arte e desse lugar de pesquisa possuo autonomia para dizer que sim Adelina articulava que Adelina elaborava da mesma forma que uma pessoa não esquizofrênica não mas isso não significa que ela também não possa elaborar aqui além de demarcar meu lugar de fala em termos de áreas de conhecimento busco aporte teórico também na própria Dra Nise da Silveira e no psicanalista Carl Jung reforçando que uma pessoa em situação de adoecimento mental atravessada por episódios de delírio atravessada pelo inconsciente também traz consigo a ação do consciente Adelina não viveu em episódio de delírio durante sua vida inteira o consciente também esteve presente cito abaixo a Dra Nise a imagem não é simples cópia psíquica de objetos externos mas uma representação imediata produto da função imaginativa do inconsciente que se manifesta de maneira súbita mas sem possuir necessariamente caráter patológico desde que o indivíduo a distinga do real sensorial percebendoa como imagens internas na qualidade de experiência psíquica a imagem interna será mesmo em muitos casos mais importante que as imagens das coisas externas acentuamos que a imagem interna não é um simples conglomerado de conteúdos do inconsciente constitui uma unidade e contém um sentido particular expressão da situação do consciente e do inconsciente constelados por experiências vividas pelo indivíduo SILVEIRA 2001 p 82 grifo meu e carl jung a partir da Dra Nise 106 a psicopatologia junguiana é uma ciência que mostra aquilo que está acontecendo na psique durante a psicose notese entretanto que jung nunca usa a expressão psicopatologia da esquizofrenia mas escreve constantemente psicologia da esquizofrenia já seu primeiro livro 1907 tem o título de psicologia da demência precoce nas memórias jung diz que ao escrever aquele livro seu objetivo era mostrar que os delírios e alucinações não eram sintomas específicos da doença mas também tinham uma significação humana nos escritos posteriores continua empregando a expressão psicologia da esquizofrenia em conteúdo das psicoses demonstra que todas as manifestações da esquizofrenia delírios estereotipias etc são suscetíveis de compreensão psicológica do mesmo modo que os sonhos de neuróticos ou de pessoas normais o que varia é a complexidade da trama de elementos e a dificuldade de separar fios condutores dentro do emaranhado de fragmentos de dramas arcaicos sobre os quais somos de uma ignorância lamentavelmente quase total em resumo segundo jung será necessário para compreender a natureza das perturbações psíquicas situálas dentro do contexto da psique humana como um todo jung apud SILVEIRA 2015 p 148 grifo meu tudo isso pra dizer e posicionar Adelina Gomes como alguém que apesar da influência do inconsciente também tinha consigo a influência do consciente tudo isso pra dizer que ela também elaborava e articulava que ela teve agência sobre si essa é a imagem de Adelina Gomes que eu desejo fazer nascer não a Adelina da psicanálise que não elabora não a Adelina como alguém que somente foi carcerária não a Adelina consagrada pela arte moderna brasileira quase como cota a única mulher entre uma seleção de artistas homens do museu de imagens do inconsciente que tiveram destaque13 não a Adelina de mário pedrosa então não usei mário pedrosa não usei os textos de mário pedrosa e não os li não seriam suficientes para essa pesquisa mas a Adelina que se expressa via gesto e via imagem a Adelina que ao criar realiza uma fuga muito potente a fuga de Jota Mombaça a Adelina que nasce com a cura das teorias textos e conceitos feitos pela arte contemporânea pelo pensamento de classe racial feminista e decolonial 13 no período da arte moderna brasileira as obras dos artistas do museu de imagens do inconsciente mii começaram a ganhar destaque no circuito de arte isso aconteceu porque a arte moderna buscava produzir um novo tipo de arte que fosse contra a arte tradicional rejeitando moldes de criação acadêmicos que na época seguiam o estilo neoclássico as obras dos artistas do mii não buscavam criar imagens a partir do que era possível ver com os olhos mas seus mundos internos de modo que seus trabalhos eram exatamente o que a arte moderna estava buscando obras de arte que proporcionariam a ruptura com o tradicional então alguns artistas do mii se tornaram destaque e entre esses nomes somente um era de mulher o de Adelina Gomes todos os outros eram homens fernando diniz isaac liberato emygdio de barros carlos pertuis 107 no livro Ñ vão nos matar agora Jota recebe quem a lê com o texto Carta às que vivem e vibram apesar do Brasil onde conheci o conceito de fuga a fuga de Jota eu vejo em Adelina Gomes e vejo que ela fez sem o objetivo consciente de fazêla não era sobre querer ser subversiva de lutar contra os controles estabelecidos sobre seu corpo assim como a agência que exerceu sobre si mesma não foi desejante de sair do lugar de subalternidade e lutar pelo seu poder interno esses conceitos e essas articulações teóricas sequer chegaram até ela e justamente por isso quando Adelina começa a ter agência de si se expressando eu o vejo como um desejo tão latente e forte um desejo genuíno sim um desejo de Adelina mesmo que não fosse consciente esse desejo de exercer poder sobre si mesma de tomar as rédeas é de onde nasceram as teorias é o que fez com que existissem quando nada desse pensamento existia ou era divulgado Adelina estava fazendo isso sem a consciência mas era genuíno ela queria poder se expressar não há como negar isso afirmo porque conforme teve oportunidade ela começou a fazêlo e olho essa expressão também a partir da fuga de Jota a fuga de Jota é onde a gente se encontra é onde a mira não alcança é o apesar o terreno de força que contradiz toda brutalidade é onde há beleza a fuga não é sobre fugir fisicamente a artista não fugiu do controle manicomial não fugiu da instituição seu corpo não se tornou livre em vida mas ela fez a fuga ali com ela mesma criando suas imagens uma vez que a meta da fuga não é tanto o outro lado mas o aqui esse aqui para onde estamos indo e onde já estamos o aqui de onde viemos ela foi capaz de exercer agência sobre si e estruturar partes dela mesma ao longo da vida tanto no sentido de estar com elamesma14 quanto no sentido médico de demonstrar melhora no seu quadro clínico a fuga de Jota é sobre uma dimensão que não é física é onde se nega a brutalidade onde nos recusamos a entregar o poder ao fazer a fuga negamos aspectos de subalternidade onde Adelina pôde construir partes de si longe da submissão fazendo a fuga Adelina agencia sobre si mesma fazendo a fuga nos ateliês Adelina Gomes começou a criar suas próprias imagens em 1946 me cito 14 elamesma tudo junto pensando em uma tradução livre da palavra herself do inglês como se a tradução entre o português ela mesma não fosse capaz de dar conta do que herself expressa um sentido ainda mais interno do feminino que é importante no contexto da minha pesquisa 108 esse foram os conceitos que usei para enxergar Adelina para buscar entender o pouco que fosse o que ela queria comunicar e para criar a imagem que acredito ser a dela sem omitir as violências que vivenciou e sem romantizar sua vida tendo explicado minha abordagem metodológica agora posso me dedicar a mostrar o que entendo que Adelina Gomes expressava através de seus gestos e meu olhar para suas esculturas 33 os gestos de Adelina como comunicação durante 1948 1949 e 195015 a Dra Nise da Silveira relatou como modelar era a atividade que absorvia Adelina Gomes por horas nos ateliês e podemos ver um pouco dessas imagens no documentário de leon hirzsman onde veremos também seus gestos ao modelar a minha premissa com o gesto como forma de comunicação é a de que a partir do gestual Adelina Gomes também estava expressando seu mundo interno de modo que estava acessando seus afetos ao esculpir além disso também desenvolvi o pensamento acerca do gesto como forma de criar caminhos e como Adelina Gomes criou caminhos internos para si através dos gestos que fizeram nascer as esculturas Fayga Ostrower escreve sobre as mãos como ferramentas a partir da evolução dos seres humanos dizendo que como se fossem uma extensão física da mente as mãos se tornaram órgão executor do pensamento OSTROWER 1983 p 296 apesar de não estar abordando aqui o conceito de evolução desenvolvido pelos homens brancos o que Fayga diz sobre as mãos como ferramentas do corpo me interessa para ler Adelina Gomes podemos a partir disso pensar no corpo como extensão física dos afetos de modo que as mãos se tornam para Adelina órgãos executores do seu coração de suas questões emocionais é como afirma o trabalho de Alyson Provax com as palavras feelings live in the body em tradução livre os sentimentos moram no corpo 15 além desse período de produção de esculturas no livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise há uma peça que data 1954 o que mostra que Adelina Gomes produziu esculturas não só durante os anos citados pela médica 109 figura 47 trabalho sem título Alyson Provax sd fonte retirado da página do instagram da artista se parto do princípio que Adelina esculpia a partir de seus afetos vejo sua produção artística como expressão e também como um trabalho emocional que Adelina desenvolveu sobre si mesma de novo mesmo que esse desenvolvimento não seja da mesma maneira que uma pessoa não esquizofrênica desenvolve suas questões ao esculpir enxergo nas mãos de Adelina os gestos de intimidade cuidado curiosidade e novos conhecimentos ali ela bate na porta limpa os pés no tapete e entra entra nelamesma observando as imagens de Adelina modelando é possível ver o gestual das mãos da artista como se o movimento estivesse perpetuamente gravado vestígio de vida de mulheres que já morreram fisicamente desse lugar de pensamento suas esculturas se tornam memórias gestuais memórias vivas concretas e materiais de seus gestos e tudo que carregaram em cada movimento 110 figura 48 Adelina Gomes modelando o barro nas oficinas de terapêutica ocupacional sd fonte frames retirados do documentário de leon hirszman são obras matéricas que funcionam como receptáculos da imaterialidade de toda e qualquer questão que Adelina tenha tido enquanto as criava o que permaneceu de suas obras não são somente os elementos materiais a matéria das esculturas é também o que de imaterial Adelina pôs no barro que afetos motivaram a movimentação de suas mãos e de seu corpo no gesto escultórico quais foram seus sentimentos ao esculpir seus pensamentos seus desejos todas essas afetações e atravessamentos também estão nas esculturas e ao ficarem no passado porém registradas na matéria se tornam memórias no entanto estando gravadas pelo seu toque no barro se presentificam e nunca morrem são memórias vivas receptáculo viagem no tempo beijo entre passado presente e futuro a memória é uma ação política como afirma o trabalho de francisco mallmann de modo que mais uma vez insiro Adelina seu corpo suas questões no entendimento de que o pessoal também é político que suas emoções são políticas suas questões ao serem ligadas ao fato de ser mulher negra com um diagnóstico psiquiátrico seu corpo institucionalizado pelo modelo manicomial de onde veio sua história familiar estruturalmente patriarcal e seu direito ao espaço da cidade negado pelo encarceramento do manicômio todas essas são questões 111 políticas que estão articuladas em sua produção octavio ignácio que também foi interno no engenho de dentro diz que o muro é muito bonito para quem passa do lado de fora é bem feito bem arrumado mas para quem está aqui dentro é horrível o muro não deveria ser assim deveria ter algumas aberturas você vê a entrada do hospital é enorme mas se um de nós quiser passar por ela para ir lá fora não deixam olha é verdade que do lado de dentro deste muro que pega de esquina a esquina tem banquinhos árvores pra nos dias de visita os doentes ficarem lá mas mesmo assim todos nós somos controlados este muro serve para fechar a nossa vista para o lado de fora nós nunca podemos ser considerados gente com um muro deste tapando a nossa visão ignácio apud SILVEIRA 2015 p 32 é fundamental o olhar atento para o gesto de Adelina Gomes como ponto de costura para a trama de todo o fazer das esculturas olhar de lupa para esse detalhe em específico entendendo que ao propor atenção sobre Adelina no ato de modelagem também articulo as esculturas em si a partir de um lugar que mescla materialidade e imaterialidade acima falei sobre as mãos da artista como ferramentas para a materialização de suas questões emocionais porque de fato é um momento de corpo importante ali se funda o ponto de transição que transforma coisas imateriais e invisíveis em materiais é onde ambas as esferas se roçam se esbarram se tocam se fundem mas olhar para as mãos é novamente uma forma de afetação em detalhe porque a ação de modelar envolve uma disposição de corpo inteiro investindo tempo energia direcionamento foco abstração disponibilidade emocional afetiva para se permitir afundar nas questões conforme foram sendo trabalhadas principalmente se levarmos em consideração que as questões emocionais que a artista trabalhou na sua criação foram em maioria a expressão de situações de trauma vivenciados ao longo de sua vida como mulher negra dessa forma expressando seu mundo interno percebo em seu processo de criação as movimentações imateriais que motivam o gesto escultórico de Adelina Gomes suas memórias e afetos 113 figuras 49 50 e 51 Adelina Gomes modelando o barro nas oficinas de terapêutica ocupacional sd fonte frames retirados do documentário de leon hirszman ainda com o pensamento absorvido nos frames aqui dispostos de Adelina modelando a argila no documentário de leon hirszman me precipito em nova reflexão a da gestualidade como caminho entendendo o gesto como uma ação que une o corpo em impulsos materiais o gesto sendo operado e imateriais como as emoções desejos reflexões compreendo também que o gesto nunca pode ser uma ação solitária ou seja faz parte de uma cadeia de ações e reações de um ciclo orgânico que não acaba encontrei pensamento semelhante nas palavras de Gloria Anzaldúa Gloria está falando sobre a escrita que não é a forma como Adelina se expressa uma vez que a artista articula a criação de imagens com seu corpo mesmo com a diferença de linguagens uma escrita e uma através de imagens o que Anzaldúa expressa vai de encontro com Adelina Gomes Anzaldúa diz que a escrita me possui e me impulsiona a saltar num nãolugar fora do tempo fora do espaço onde eu me esqueço de mim mesma e sinto que sou o universo isso é poder não é no papel que você cria mas em suas entranhas em suas vísceras e da sua matéria viva a isso eu chamo de escrita orgânica ANZALDÚA 2021 p 59 114 ou seja para Gloria a criação vem de um ciclo orgânico que parte de suas entranhas de dentro de modo que a criação é matéria viva primeiro as entranhas o mundo interno depois a disposição do corpo em externar para Gloria a maneira de externar é através do papel da escrita para Adelina Gomes o corpo se dispõe e aí começam os gestos sobre o barro aí começa a modelagem que dá origem às esculturas o que Anzaldúa escreve nesse trecho é sobre seu processo de criação e o que ele proporciona para ela poder sobre si mesma e essa dinâmica é como enxergo o processo de criação de Adelina também ambas produzem a partir de si mesmas a partir das suas questões e ao fazerem isso podem ir de encontro a outras mulheres que se identifiquem com o que expressam com a maneira pela qual expressam ou seus processos que foi o que tornou possível o paralelo que fiz entre Gomes e Anzaldúa ao criarem a partir de si mesmas com tanta honestidade as ressonâncias de seus trabalhos comunicam e afetam quem possui questões que se esbarram isso também é poder dessa maneira com esse tipo de processo que é orgânico Adelina Gomes é um exemplo de como o gesto é algo contínuo imaterial emocional assim como Anzaldúa fala sobre a escrita isso porque além do processo criativo ser algo que vem de dentro também não há como dizer em que momento começa o gesto de modelar desde antes de estar de fato esculpindo com o barro o gesto já estava sendo feito em seu corpo mente coração em suas vísceras matéria viva para começar a esculpir a artista precisou decidir que iria e para decidir que iria esculpir precisou de uma motivação de um desejo que a impulsionasse nesse sentido em meu entendimento não é possível que o gesto de esculpir comece somente quando Adelina toca o barro e vemos que ela está esculpindo o gesto começaria antes na parte imaterial que não acessamos completamente tudo isso possui relação com o entendimento do gesto como caminho porque existiria um movimento dos desejos de Adelina a guiando passo a passo até que se tornou possível se expressar através de sua criação artística Nellie Wong é uma poeta e ativista de causas feministas e socialistas e é citada por Gloria Anzaldúa em A Vulva é uma ferida aberta outros ensaios ao falar sobre como é importante que nós mulheres que escrevemos entremos em contato com nossos desejos sonhos e fantasias porque essas são peças fundamentais da vida criativa Nellie diz como os desejos sonhos e fantasias que temos são recursos para chegarmos ao coração das coisas o que logo me fez encontrar com Adelina e com a arte dela 115 apesar de Nellie estar falando sobre uma possibilidade de caminho para mulheres escritoras assim como Gloria eu vejo suas palavras espelhadas na criação artística de Adelina ainda que em seu caso não exista uma mediação apenas do consciente ocorrendo no seu processo criativo mas sim também do inconsciente profundo como disse Dra Nise da Silveira no entanto o inconsciente não se isola das camadas dos desejos sonhos e fantasias de modo que estes continuaram fazendo parte ativa da vida de Adelina não lobotomizada articulando racional e emocional conectada com seus afetos e afetações o que em Adelina me abriu para esse olhar foi perceber sua arte como forma de chegar ao coração das coisas no caso o coração das suas coisas as coisas de sua vida suas emoções traumas memórias acredito que através da expressão criativa e da arte como ferramenta Adelina teve a possibilidade de chegar ao coração das suas coisas suas questões o que Nellie escreve sobre essa questão é que os desejos sonhos e fantasias são partes importantes de nossas vidas criativas eles são os passos que uma escritora avança para construir seu ofício eles são os espectros de recursos para chegarmos à verdade das coisas à iminência e ao impacto do conflito humano NELLIE apud ANZALDÚA 2021 p 61 e é exatamente o que Adelina Gomes faz com suas imagens lidando com suas questões e conflitos internos estruturando verdades sobre seu emocional diante das situações de vida que experienciou estar genuinamente conectada e com possibilidade expressiva acerca de seus sentimentos Adelina chega ao coração cerne articulando assuntos que foram caros em sua vida é como a Dra Nise da Silveira escreveu em seu livro Imagens do inconsciente o mundo interno do psicótico permanece com riquezas mesmo depois de longos anos com a mente adoecida existe um caminho de cuidado para a melhora existe esperança 34 Adelina de corpo em barro peito aberto as esculturas imagens maravilhosas inundam a ação iansanegrao 7 de outubro de 2021 116 mudei para o mundo das imagens mudou a alma para outra coisa as imagens tomam a alma da pessoa DINIZ apud SILVEIRA 1981 p 13 ao pensar o processo do gesto de Adelina Gomes como um caminho guiado por seus desejos sonhos e fantasias me surgem algumas questões como é esse caminho e o que o caracteriza de que maneira se estrutura não tenho a pretensão de responder tudo alguns questionamentos existem para abrir caminhos não encerrálos e ao mesmo tempo existem perguntas às quais não possuímos direito de resposta algumas coisas são reservadas ao íntimo ou outras esferas ao passo que Aurora Cursino dos Santos e Stella do Patrocínio trazem consigo muito forte a fala e a palavra escrita me parece concreto o bastante afirmar que os caminhos de Adelina são caminhos principalmente visuais antes de aprofundar na escrita sobre os caminhos visuais é preciso entender que o sentido de desejo e fantasia trabalhados em minha escrita tocam profundamente com o conceito de erótico escrito por Audre Lorde o erótico é um recurso intrínseco a cada uma de nós localizado em um plano profundamente feminino e espiritual e que tem firmes raízes no poder de nossos sentimentos reprimidos e desconsiderados para se perpetuar toda opressão precisa corromper ou deturpar as várias fontes de poder na cultura do oprimido que podem fornecer a energia necessária à mudança no caso das mulheres isso significou a supressão do erótico como fonte considerável de poder e de informações ao longo de nossas vidas LORDE 2020 p 67 para a autora o erótico é uma fonte de poder e informações que encoraja a buscar uma vida de excelência errôneamente atitudes patriarcais fizeram com que o conceito fosse compreendido como o oposto de pornográfico quando em verdade se trata de fazer florescer os verdadeiros sentimentos de uma pessoa funcionando como afirmação da força vital das mulheres segundo Audre Lorde a pornografia é uma forma de enfatizar sensações sem sentimento não se relacionando com o que enche a palavra erótico de significado as palavras são 117 imagens simbólicas cheias preenchidas quando as dotamos de seus significados tenho buscado fazer isso com respeito o erótico é o encanto pela vida e pela realização a busca por satisfação genuína em qualquer plano da nossa vida porque não é sobre o que fazemos mas sobre a intensidade e completude do que sentimos em qualquer coisa que decidamos fazer ao conhecermos a extensão do que somos capazes de experimentar podemos constatar quais dos nossos vários esforços de vida nos colocam mais perto dessa plenitude LORDE 2020 p 69 refletindo sobre a criação de imagens de Adelina Gomes seu caminhopercurso visual através de seus gestos permitiu com que ela transformasse o silêncio em linguagem como aponta um outro texto de Audre Lorde poder se expressar foi uma maneira de exercer seu potencial erótico que foi silenciado durante 9 anos de internação manicomial até começar a ser tratada pela Dra Nise da Silveira pensando o erótico o desejo e os afetos de Adelina Gomes no processo de criar imagens como direcionamentos imateriais presentes nas esculturas encontro com as palavras da Dra Nise ao afirmar que era surpreendente verificar a existência de uma pulsão configuradora de imagens SILVEIRA 1981 p 13 nas pessoas que tratou ao escrever isso ela confirma que antes mesmo da feitura visual das imagens precisa existir o desejo inicial de configurar e formular imagens isso estrutura e guia minha direção de olhar para Adelina como uma mulher com desejos movimentantes ou seja a artista não somente sentia e decodificava suas vontades de alguma forma mas também criava movimento a partir deles suas imagens são seu dizer são a quebra do silêncio são possibilidade de movimentação o poder contido no ato da expressão através de seus gestos me leva ao trabalho da artista Laís Amaral com sua pesquisa sobre vazantes nascentes onde silêncios começaram a virar esculturas e desenhos no momento do fala ou do vazar quando vi a imagem desse trabalho de Laís foi através da pesquisadora independente Nathalia Grilo que articula sua pesquisa como tecnologia de terra muito molhada que a primeira deusa velha lenta escura macerou obrigada 118 Nathalia obrigada Laís essa imagem me permitiu um sentir e um conversar com Adelina em meu texto não só através das minhas palavras mas conversar através de imagens em meu entendimento isso configura como potência uma vez que Adelina estabelece diálogo principalmente por imagem não por palavra figura 52 sem título Laís Amaral 2017 escultura em argila fonte imagem retirada do instagram da artista como historiadora da arte nesse ponto do texto já deve estar evidente que não pretendi nem tinha como objetivo olhar e conversar com Adelina articulando questões que envolvessem quais os afetos ela buscou expressar em suas esculturas não me pareceu possível inflar minhas palavras de significados que desconheço então optei pelo caminho que acompanharam até então a partir da escultura de Laís Amaral sinto os afetos de Adelina como um inchaço e a expressão em seu caminho de imagens não como um esvaziamento mas como algo que vaza e inunda ela transforma o silêncio através de seu corpo seu gesto afetos e do barro talvez a imagem que meu texto pode ter transmitido é a de Adelina como alguém que quando finalmente pôde se expressar esvaziouse no entanto não enxergo expressão como um esvaziamento como se criasse um espaço não preenchido desocupado a expressão artística de Adelina Gomes criou 119 as esculturas que produziu durante tanto tempo sua expressão um vazante aberto inundando tudo ao redor e também a ela mesma por dentro expressar carrega também suas reverberações internas reorganizações movimenta tudo me movimenta a escrever preenchida também por esses desejos movimentantes mergulho nas imagens da artista desse capítulo Adelina Gomes começou a modelar as figuras em barro em 1948 e se dedicou inteiramente a elas até 1950 passando horas de seus dias na feitura das peças depois de dois anos após ter sido ingressada na seção de terapêutica ocupacional a artista que vinha produzindo principalmente desenhos e pinturas começa a criar imagens tridimensionais a partir do barro o que já me gera uma questão por quê o que motivou sua escolha por interromper a criação no papel para começar com a argila com o barro Adelina Gomes produziu uma série de peças que foram vistas pela Dra Nise da Silveira como grandes mães ou terríveis mães também foi uma questão para mim pensar se Adelina usou o barro somente para fazer essas peças e depois voltou ao papel que foi a impressão que tive ao ler o capítulo 7 do livro Imagens do Inconsciente chamado O tema mítico de Dafne que foi onde a Dra se debruçou para escrever sobre Adelina sua produção de imagens e o que ela compreendeu que queriam dizer a partir de muitos anos de pesquisa não tendo a resposta para nenhuma dessas perguntas me limitei a trabalhar sem as respostas deixandoas para outro momento as peças em barro foram um dos primeiros lugares de expressão emocional de Adelina um dos primeiros encontros com a possibilidade de escoamento de si própria para outro lugar que não fosse dentro delamesma16 Dra Nise pensava essas esculturas como grandes mães pela semelhança com esculturas feitas no período da pré história as pequenas vênus como a de willendorf e a vênus de lespugue desse modo estava presente no pensamento da Dra Nise que todas as modelagens eram representações de mulheres pensamento que adotei para a minha pesquisa também Adelina fez todas as suas esculturas em barro mas posteriormente foram feitos moldes em gesso sendo essas as imagens que se tem acesso atualmente a passagem do barro para gesso não foi feito por Adelina na verdade nunca pude 16 a mesma mudança que fiz ao escrever elamesma 120 ver o aspecto de suas esculturas originais a passagem para o gesso pode ter sido uma escolha museal ou de conservação imagino eu não é de meu conhecimento se a Dra Nise dispunha de um forno para que as peças de Adelina pudessem ser queimadas quando a argila não passa pelo processo de queima começa a esfarelar com o tempo então por isso imagino que a escolha pelo gesso possa ter sido feita visando a conservação e permanência de seus trabalhos através do tempo além disso quando uma peça é feita pensando na queima existem algumas etapas que devem ser cumpridas visando diminuir o risco de que quebrem ao irem para o forno como bater a argila antes da modelagem depois cortar ao meio para verificar se não ficou com alguma bolha de ar se tiver ficado quando o barro esquentar a bolha iria dilatar e quebrar a peça por exemplo existem poucos trabalhos que se voltaram para estudar as esculturas de Adelina Gomes então a fonte de pesquisa principal que tive foi a própria Dra Nise e seu olhar para essas peças das quais também não pude encontrar muitos registros fotográficos utilizarei os do livro Imagens do Inconsciente que mostram algumas peças todas já em gesso nenhuma imagem sequer das originais em barro17 apesar de ter como base o trabalho da Dra Nise já deixo aqui com a ousadia que me cabe que trarei uma leitura um pouco diferente da dela de maneira geral o que Silveira informa sobre essas peças é processo de uma pesquisa que já vem em conjunto com os desenhos de Adelina a médica psiquiatra lê a expressão de Adelina a partir do mito grego de Dafne uma ninfa filha de dois deuses no mito apolo se apaixona por ela que sempre foge dele buscando refúgio em sua mãe a deusa Terra que sempre a transforma em uma árvore o loureiro o mito de Dafne exemplifica a condição da filha que se identifica tão estreitamente com a mãe a ponto dos próprios instintos não lograrem desenvolverse SILVEIRA 2022 p181 a Dra Nise se apoia nesse mito para ler Adelina porque um tempo antes de a artista ter o episódio de surto ela havia se apaixonado por um homem que a mãe não aprovou e por esse motivo Adelina não se casa depois do surto as imagens constantes que a artista produz são sempre flores plantas mulheres mulheres que se transformam em plantas e gatas 17 pude agendar uma visita técnica ao museu de imagens do inconsciente onde espero poder tirar minhas dúvidas no entanto essa parte da minha pesquisa não poderá ser inserida na monografia devido ao prazo de entrega 121 quando começou a modelar as esculturas Dra Nise as enxerga como matriarcas que provocavam medo em Adelina uma representação do arquétipo da mãe possessiva e imponente tempo depois de produzir tais imagens começa a conseguir criar desenhos de mulheres que não mais se transformam em plantas e de mulheres próximas a homens um deles depois se entende que era um dos pacientes da Dra Nise com quem Adelina Gomes partilhou afeição a partir da leitura da Dra Nise sobre essas esculturas como matriarcas é que desenvolvo alguns aspectos de reflexão diferentes dos dela classifiquei as esculturas que aparecem no livro em quatro categorias diferentes começando pelas primeiras peças que Adelina fez e indo até as últimas18 1 mães terríveis 2 mães com cetro tridente 3 mães com aspecto compassivo e amoroso 4 mães com o coração fora do peito de acordo com a Dra Nise conforme Adelina foi criando as peças foi capaz de aos poucos despotencializar as grandes mães de seu aspecto terrível de sua força rigor possessividade p 186 e no íntimo contato que é dar corpo a uma imagem com as próprias mãos a modeladora foi devagar descobrindo o outro lado das deusas mães seu aspecto compassivo e amoroso p 186 isso porque as últimas esculturas começaram a aparecer com o coração do lado de fora diferentemente do que eu tinha imaginado as modelagens possuem grandes dimensões não são pequenas como as vênus da pré história trago duas imagens retiradas do site rede humaniza sus para que se possa ter noção e além disso as dimensões das esculturas estão identificadas nas imagens ao longo do capítulo 18 deixo primeiras e útlimas entre aspas porque trabalharei apenas as esculturas que aparecem no livro totalizando 9 das 9 trabalharei 8 Adelina Gomes trabalhou com essas peças em 1948 1949 e 1950 de modo que essas não podem ser as únicas que ela fez por isso não posso afirmar que alguma delas é a primeira e que alguma foi a última assim pensarei primeiras e últimas a partir das 9 que estão no livro somente 122 figura 53 esculturas de Adelina Gomes década de 1950 fonte redehumanizasusnet67373adelinagomesmuseudeimagensdoinconscienteeng enhodedentro figura 54 esculturas de Adelina Gomes década de 1950 123 fonte redehumanizasusnet67373adelinagomesmuseudeimagensdoinconscienteeng enhodedentro a primeira escultura apresentada em um primeiro momento me fez pensar que trazia consigo as mãos para trás como quem as esconde sendo a única entre as analisadas com essa característica todas as outras trazem as mãos à frente ou não há a presença das mãos figura 55 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 41x63x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 124 figura 56 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 41x63x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 no entanto observandoa minha percepção mudou e fez mais sentido perceber a escultura em duas faces o corpo inteiro em uma direção e somente a cabeça virada no sentido contrário o corpo está para frente e somente a cabeça virada para trás o que me deu essa leitura foi justamente a comparação entre os braços os ombros e a cabeça da peça essa última posicionada completamente diferente do resto da peça as mãos parecem pousadas no próprio corpo da escultura como se fosse alguém sentado com as mãos sobre as pernas seus dedos muito longos e afiados 125 percebendo isso a escultura de Adelina acabou me remetendo à imagem do adinkra iorubá do sankofa que além de ser representado como um pássaro com a cabeça virada para trás também pode ser um coração o que de novo me remete à Adelina tanto pelo meu olhar sobre como a artista aborda assuntos do seu íntimo quanto por uma outra questão que desenvolvi mais à frente o adinkra sankofa pode ser explicado a partir do ditado exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje ou seja a importância do passado na construção do presente e do futuro em uma perspectiva de que o tempo é cíclico e não linear figura 57 representação do adinkra sankofa em suas duas formas fonte valkiriascombramarelooamanhaeancestral a perspectiva de tempo também me parece se conectar com Adelina uma vez que seus trabalhos também são feitos a partir de suas memórias na construção do presente que ela estava vivenciando no ateliê da Dra Nise da Silveira outro detalhe que amarro nessa reflexão é o de que a cabeça da escultura está virada para trás assim como no sankofa e que a cabeça é justamente o ôrí o que conecta uma pessoa ao seu orixá o que permite também que a pessoa se conecte com ela mesma enxergando o processo de criação de Adelina como parte fundamental da sua reestruturação e expressão delamesma mais uma vez olhar para a escultura a partir dessas chaves de leitura parece fazer ainda mais sentido a segunda escultura já representa a cabeça voltada para a frente do corpo as mãos ainda apoiadas mas agora não mais afiadas mas completamente arredondadas enxergo as duas como processo de abertura de caminhos para as esculturas seguintes 126 figura 58 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 a partir da terceira escultura começo a enxergálas não mais com a predominância da mãe terrível como foi a leitura da Dra Nise ao mesmo tempo que Adelina Gomes se protege na sombra da mãe começam a surgir elementos que me remetem à fuga como no conceito de Jota Mombaça que desenvolvi anteriormente esses elementos me parecem ser mais sobre a presença da própria Adelina nas esculturas do que somente o arquétipo da mãe terrível enxergo isso até na primeira escultura quando a cabeça da peça aparece virada para trás mas a partir de agora me soa mais aparente 127 figura 59 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 128 figura 60 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 nessa peça a Dra Nise destaca a presença de chifres e um cetro tripartido relacionando os chifres como símbolos de força poder e fertilidade já o cetro a médica relaciona com a deusa Hécate mas não consigo deixar de associar também a exu pois essa é também uma das maneiras pela qual é representado assim como Hécate é a deusa dos caminhos exu é orixá das encruzilhadas dos encontros da comunicação dos caminhos da vida e do viver a força dinâmica que possibilita a ação CARVALHO 2019 p10 essa imagem com esse cetro parece um trabalho de abertura de caminho para as esculturas que viriam à frente além de pensar as próprias esculturas em si como força de movimentação como caminhos portais abertos à mão através do corpo por Adelina depois dessas primeiras peças a artista começou a produzir mães que começam a ter as mãos no peito como se em um esforço de abrilo é comovente 129 para mim observar essas mãos indo ao peito para abrir esse espaço do corpo dessas mulheres através do barro porque parecem símbolo do que Adelina faz com elamesma para se expressar suas mãos indo ao barro para esculpir mãos em mulheres que abrem o peito também isso também é o que olho como não somente a representação da mãe terrível as mãos eu vejo como da própria Adelina figura 61 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 64x48x38cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 130 figura 62 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 48x30x29cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 em seguida aparecem as esculturas com o coração para o lado de fora o peito aberto esses corações que escapam do corpo das peças depois do peito ter sido aberto em um esforço das mãos dessas esculturas também vejo como Adelina mesmo que a artista se esconda na imagem da mãe as mãos ao peito o coração que sai do peito esses são elementos das esculturas que para mim mostram a Adelina aparecendo por trás da grande mãe vejo como a parte dela que escapa que foge que faz a fuga através das modelagens criando na própria modelagem portais de passagem essa abertura de peito é um caminho que Adelina Gomes cria ela abre caminhos vejo o coração como os instintos e os 131 afetos de Adelina em fuga que começam a escapar da mãe indo de encontro consigomesma figura 63 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 52x38x34cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 132 figura 64 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 47x30x29cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 133 figura 65 sem título Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente rio de janeiro 52x265x24cm década de 1950 modelagem em barro transposta para gesso escultura fonte Imagens do Inconsciente 2022 por que o peito e por que o coração saindo do peito Adelina poderia ter aberto as esculturas em qualquer lugar no entanto ela abre é o peito e do peito ela faz corações vazantes a Dra Nise diz que o coração é o órgão símbolo da vida afetiva p 196 o peito da mãe é um caminho que ela abre e modela por onde elamesma pode fazer a fuga e criar o mundo dela própria é uma rota de escape e uma rota de escape jamais poderia ser forjada por quem oprime quem cria esses caminhos é quem precisa são as pessoas postas como subordinadas diante dessa perspectiva a imagem das esculturas começa a parecer como uma imagem partida que expõe mais de uma perspectiva ali está presente a mãe mas também a adição de detalhes íntimos que caracterizam a própria Adelina as esculturas se tornam imagens múltiplas assim como exu é portal de caminhos as esculturas possuem mais de uma chave de leitura 134 apesar do trabalho belíssimo feito pela Dra Nise da Silveira com a leitura das imagens não consigo deixar de ver a cabeça as mãos ao peito o coração o cetro e os chifres das esculturas também como um espaço pelo qual Adelina Gomes permitiu seus instintos escaparem afinal mesmo com a presença do trauma da mãe o processo de cura é da Adelina essas imagens também são elamesma A Dra Nise vê as grandes mães somente como a representação da mãe e do arquétipo de mãe suas duas faces eu vejo também Adelina vejo também a agência dela sobre ela própria até trabalhar seus traumas ao ponto de conseguir criar pinturas que representassem uma imagem de uma noiva junto com um noivo e de também conseguir criar desenhos com imagens de Maria com o sagrado coração a presença forte e marcante da mãe arquetípica que é a representação do amor19 figuras 66 e 67 sem título Adelina Gomes à esquerda 09061975 485x335cm óleo sobre papel à direita 24051978 552x364cm óleo sobre cartolina pintura fonte Imagens do Inconsciente 2022 do corpo em barro Adelina Gomes abre o peito com o gesto com suas mãos com seu corpo com seus afetos e memórias ela volta para elamesma fugindo da brutalidade fazendo a fuga para um mundo em que ela retorna para si de encontro ao seu erótico onde há beleza mesclando inconsciente e consciente 19 trouxe essas imagens para a monografia somente para que o trabalho faça mais sentido uma vez que as pinturas não foram meu enfoque de pesquisa 135 136 capítulo 4 Stella do Patrocínio 0508 0538 CD 01 áudio 02 Carla que que cê vê Stella eu vejo o mundo a família silêncio curto mundo e a família silêncio curto a família que vive no mundo e vive na casa que tá sempre no mundo que tá sempre na casa silêncio médio e a dra elizabeth disse assim pra mim e você queria ver mais do que isso pra que silêncio médio e você queria ver mais do que isso pra que Carla você queria Stella ver mais do que isso queria 2843 2852 CD 01 áudio 02 Carla Stella você sonha Stella sonho quando tô dormindo silêncio médio acordada não sonho não tô na realidade diálogo entre Stella do Patrocínio e Carla Guagliardi comecei o primeiro capítulo me perguntando depois de tudo que li e escutei sobre essas três artistas por que a invalidação de seus discursos era legitimada a partir do adoecimento mental do sofrimento que vivenciaram por que estivemos assegurados em colocar suas falas em questionamento sem que isso gerasse incômodo por que nenhuma das vezes o questionamento se voltou para nós supostamente mentalmente saudáveis me perguntei se não éramos nós os responsáveis por tantas dúvidas sobre suas vidas embasados por um discurso psicopatoligizante que legitima a dúvida e as encarcerou no local do delírio a esquizofrenia não consiste em uma desconexão com o real o tempo inteiro então quando escutei Stella do Patrocínio dizendo acordada não sonho não tô na realidade não pude deixar de ver a possibilidade de um movimento cíclico na escrita começar o primeiro e o último capítulo com o mesmo questionamento e dessa vez ecoado pela voz de Stella a quem dedico minha escrita agora 137 figura 68 fragmento de página do caderno de desenhos de Stella do Patrocínio entregue por Mônica Ribeiro de Souza em 20 de janeiro de 1990 fonte acervo de Mônica Ribeiro de Souza apud Anna Carolina Vicentini Zacharias o fragmento acima está apresentado por inteiro no decorrer do capítulo e mostra o nome de Stella do Patrocínio escrito por ela própria escolher começar com essa imagem é uma escolha pensada uma postura manifesto a agência de Stella sobre si mesma contida no ato de alguém que afirma seu próprio nome mas principalmente uma mulher negra que faz isso encarcerada contra a vontade Stella do Patrocínio é seu nome sua identidade sua voz 41 biografia possível Stella do Patrocínio foi uma mulher negra nascida em 9 de janeiro de 1941 na cidade do rio de janeiro filha de Zilda Francisca do Patrocínio e manoel do patrocínio seus pais tiveram seis filhos na ordem de nascimento germiniano do patrocínio 12 de maio de 1934 Olívia do Patrocínio da Conceição 21 de junho de 1935 antônio do patrocínio 10 de janeiro de 1938 carlos chagas do patrocínio 21 de novembro de 1938 Stella do Patrocínio e Ruth do Patrocínio 25 de junho de 1942 apesar dessa apresentação inicial espelho a escrita de Anna Carolina Vicentini Zacharias em sua dissertação chamada Stella do Patrocínio da internação involuntária à poesia brasileira e a fala de Diane Lima na palestra Lançamento do Programa Stella do Patrocínio a história que fala no canal do youtube do museu bispo do rosário ao afirmarem que esses dados apesar de serem importantes não respondem quem foi Stella isso é o que a história de sua psiquiatrização deixou dela essa afirmativa vale também para os dados apresentados sobre as vidas de Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes nos capítulos anteriores o meu papel ao escrever com essas mulheres não é o de dar conta de quem são acredito que somente elas poderiam fazer isso mas estando no lugar de historiadora da arte sinto que o que posso fazer é ressoar o que elas falaram expressaram e junto disso trazer as questões que observei em suas falas nada pode dar conta do vazio gigante que se faz a partir do silenciamento dessas e de várias outras mulheres no entanto esses dados carregam uma importância que diz respeito à humanização essa que foi tomada à força de Aurora Adelina e Stella a partir do momento que foram institucionalizadas e pelo que sabemos de suas histórias 138 desde antes disso também a falta de informações sobre suas famílias sobre suas vidas a violência do espaço manicomial dos tratamentos das fichas as fotografias 3x4 o uniforme essas mulheres foram pessoas os dados as humanizam Stella afirma em um dos áudios que estudou o ginasial e fez curso normal antes de ser institucionalizada pela internação psiquiátrica com 21 anos trabalhava como doméstica e um de seus sobrinhos relatou para Anna Carolina Vicentini que tem lembrança da tia sempre carregando cadernos e escrevendo que Stella efetivamente buscou trabalhar com outros empregos para deixar de atuar como doméstica mas não conseguia de acordo com ele Stella do Patrocínio era uma mulher bastante inteligente e dedicada a autora escrevia assiduamente em um caderno mas ele não se recorda se suas anotações eram estudos processos criativos ou se eram cartas de todo modo segundo ele a tia escrevia com bastante frequência e muito bem ele ainda se lembra que a tia tentava através dos estudos ocupar outras funções empregatícias além daquela que exercia como doméstica o que nunca chegou a acontecer as portas estavam fechadas para Stella do Patrocínio quando ela tentava outra fonte de renda segundo ele essa dificuldade de mesmo estudando conseguir se desvencilhar dos serviços domésticos em casa de família pode ter sido um fator desencadeador do que ele denominou surto racismo né perguntei a ele olhando meio de esguio ele acenou com a cabeça que sim em resposta ZACHARIAS 2020 p 180 depois da internação em 1962 não voltou a sair do cárcere manicomial tendo falecido em 1992 aos 51 anos na colônia juliano moreira de modo que passou 30 anos de sua vida internada no manicômio o diagnóstico que consta na ficha médica é o de esquizofrenia hebefrênica evoluindo sob reações psicóticas e a primeira internação foi no hospício pedro ii no entanto passou a maior parte do tempo que esteve institucionalizada na colônia juliano moreira durante 26 anos o episódio da primeira internação no hospício pedro ii foi narrado por Stella a transcrição abaixo foi feita por Mônica Ribeiro de Souza que atuou como estagiária de psicologia na colônia juliano moreira apesar de ser grande me pareceu importante que o relato da própria Stella estivesse aqui não somente o compilado de dados sobre a internação como a data e o diagnóstico da ficha 139 principalmente se tratando de uma internação compulsória como foi tendo sido roubada a opção de Stella tomar decisões sobre seu corpo e como você veio pra colônia p eu tava andando na rua voluntários da pátria ao lado do luiz com um óculos vestido azul sapato preto com uma bolsa branca com um dinheirinho dentro porque eu ia pegar o ônibus e ia saltar na central do brasil na central do brasil eu ia tomar uma refeição ia tomar um ônibus na central do brasil que ia pra copacabana ia chegar a copacabana e aí eu peguei o que você me perguntou mesmo hein e perguntei por que você veio pra colônia p ah é aí eu peguei o carro ainda na rua voluntários da pátria com o luiz ao lado do luiz o luiz foi ao bar eu estava ao lado do luiz caminhando ao lado do luiz na rua voluntários da pátria caminhando na rua voluntários da pátria ao lado do luiz o luiz entrou no bar sentou na cadeira tocou na mesa falou com o dono do bar pra aprontar pra ele uma cocacola e um pão de sal com salsicha ele tomou a refeição sozinho não pagou pra mim nem eu pedi nem eu disse nada nem tomei dele nem eu pedi a ele pra pagar pra mim aí ele tomou quando ele acabou que nós saímos eu perdi o óculos perdi o óculos perdi o óculos que tava comigo um óculos escuro parecia que ele tinha me dado um bofetão na cara pra mim perder o óculos o óculos pulou no chão eu caí o óculos pulou no chão na rua voluntários da pátria eu caí por cima do óculos e o óculos e eu ficamos no chão aí veio aí veio uma velhinha na porta do apartamento dela me levantou disse que não tinha sido nada pra mim parar de ficar chorando aí veio uma dona me botou pra dentro do posto do pronto socorro perto da praia de botafogo e lá eu dentro do pronto socorro ela me aplicou uma injeção me deu um remédio me fez um eletrochoque me mandou tomar um banho de chuveiro mandou procurar mesa cadeira cadeira mesa me deu uma bandeja com arroz chuchu carne feijão e aí chamou uma ambulância uma ambulância assistência e disse carreguem ela mas não disse pra onde carreguem ela ela achou que tinha o direito de me governar na hora né me viu sozinha e luiz não tava mais na hora que o óculos caiu eu não sei pra onde ele foi porque eu fiquei de repente mais mas aqui depois que eu estou aqui ele já veio aqui já veio aqui já foi embora tornou a vir tornou a ir embora o luiz o luiz é meu amigo aí me trouxeram pra cá mandou carreguem ela deu ordem carreguem ela na ambulância carreguem ela carregaram me trouxeram pra cá como indigente sem família vim pra cá estou aqui como indigente sem ter família nenhuma morando no hospital estou aqui como indigente sem ter ninguém por mim sem ter família e morando no hospital e o luiz foi pra onde p eu não sei pra onde ele foi porque de repente eu fiquei sozinha ele sumiu de repente desapareceu e não apareceu mais mas aqui depois que eu estou aqui ele já veio aqui já foi embora tornou a vier tornou a ir embora o luiz e o que o luiz é seu p o luiz é meu amigo 140 eu vim pra Colônia porque eu fui governada né RIBEIRO apud ZACHARIAS 2020 p 335336 através da pesquisa de Carolina Zacharias por meio da qual consultei a maior parte das informações biográficas acerca de Stella a pesquisadora descobriu que Stella estava internada na colônia juliano moreira no mesmo período que a mãe Zilda Francisca do Patrocínio o sobrinho de Stella com quem Anna Carolina conversou tinha uma fotografia das duas juntas na colônia que reproduzo abaixo figura 68 Stella do Patrocínio e Zilda Francisca do Patrocínio na colônia juliano moreira sd fonte acervo pessoal do sobrinho de Stella apud Zacharias 141 diferente dos capítulos anteriores estou me estendendo mais na escrita sobre a biografia de Stella mas isso se deu exclusivamente porque devido à pesquisa recente de Anna Carolina pude encontrar mais informações biográficas sobre ela do que pude fazer com Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes caso seja do interesse recomendo profundamente a leitura da tese de Carolina lá será possível encontrar ainda mais informações além das que dispus aqui como também refletir sobre as questões propostas pela pesquisa da autora fiz questão de adicionar mais dados neste item do capítulo uma vez que era possível a chegada de Do Patrocínio na colônia data de 1966 tendo sido alocada no núcleo teixeira brandão destinado às mulheres internas alguns anos depois duas psicólogas chamadas Denise Correia e Marlene Sá Freire começam a ter interesse em inserir atividades artísticas no núcleo e para isso convidam a artista plástica e professora do parque lage Nelly Gutmacher para que planejasse e orientasse as atividades no núcleo para isso Gutmacher convidou dois dos seus alunos Carla Guagliardi e marcio rolo às psicólogas competiam a coordenação administrativa e a monitoria dos encontros para que o galpão pudesse ser ativado as idealizadoras do projeto as psicólogas Denise Correa e Marlene Sá Freire precisaram reformálo e o fizeram junto da equipe de artistas contratados para a sua realização para que o projeto pudesse funcionar Denise e Marlene visitaram a escola do parque lage em especial uma oficina de materiais e viram que Nelly Gutmacher trabalhava com os materiais mais diversos assim elas escreveram um projeto e o submeteram para a análise da direção da cjm que o aprovou o projeto de livre criação artística começou no dia 05 de setembro de 1986 marcado para terminar depois de exatos seis meses ele foi prorrogado por mais três as atividades eram realizadas todas as sextasfeiras das 8h às 12h e delas participaram mais de 50 mulheres20 ZACHARIAS 2020 p 98 grifo meu apesar de o projeto de livre criação artística unir arte e psiquiatria como ocorreu com a iniciativa da Dra Nise da Silveira no setor de terapêutica ocupacional as atividades no núcleo teixeira brandão não tiveram o objetivo de promover o uso da arte como terapia o objetivo principal do projeto era promover 20 até então pude reunir cerca de 11 nomes de mulheres incluindo Stella do Patrocínio que participaram do projeto na colônia juliano moreira no entanto o relato é o de mais de 50 mulheres terem participado grifei essa parte da citação para dar ênfase ao fato de que existem muito mais mulheres artistas para ainda serem reencontradas do que as que pude reunir os nomes nessa monografia 142 momentos de distração às mulheres do núcleo teixeira brandão ou deixar que se o a priori artístico e conceitual existisse as frequentadoras o dissessem ZACHARIAS 2020 pp 107108 o material que utilizei neste capítulo para refletir a expressão de Stella do Patrocínio foram áudios gravados pela artista plástica Carla Guagliardi durante o acontecimento do projeto de livre criação artística esse não é o único material criado por Stella do Patrocínio uma vez que a partir do trabalho de Mônica Ribeiro junto com Stella há também a produção de um caderno de onde retirei o fragmento que Do Patrocínio escreve seu próprio nome disponho a imagem inteira abaixo figura 69 sem título Stella do Patrocínio página do caderno de desenhos de Stella entregue por Ribeiro de Souza em 20 de jan de 1990 Fonte acervo de Mônica Ribeiro de Souza apud Zacharias não tratarei das imagens do caderno porque em um primeiro momento que abordo Stella do Patrocínio na minha escrita pareceu mais importante entrar em 143 contato com o que foi dito por ela seu falatório os cadernos viriam depois mas devido à disponibilidade de espaço que a monografia oferece não se mostrou viável nesse momento escrever sobre ambos o falatório e o caderno os áudios consistem em conversas entre Carla Guagliardi na época estagiária de arte e Stella do Patrocínio relato essas informações para começar a dar às leitoras e leitores o contexto de existência desse material Stella do Patrocínio foi alocada no lugar artístico de poeta no entanto em uma das conversas com Carla Guagliardi ela afirma que o que fala são histórias que conta anedotas e chama seu ato de falar de falatório a citação abaixo as falas em itálico são as de Stella fala uma poesia pra gente também não não tenho mais lembrança de poesia mais nenhuma faz uma poesia pra mim eu não tenho mais lembrança de poesia mas tudo o que você fala é poesia Stella é só história que eu tô contando anedota conversa entre Stella do Patrocínio e Carla Guagliardi gravada pela artista plástica durante o projeto oficina de livre criação artística colônia juliano moreira rio de janeiro 19861988 acervo da artista dessa maneira pontuo que não escuto Stella e penso seu falatório como poesia neste trabalho sigo sua fala e estarei tratando do falatório como contação de histórias contação de anedotas como falatório mesmo como oralidade desenvolvi melhor essa questão no item 43 malezinho prazeres o falatório aproveito para deixar comentado aqui que em todas as transcrições de falas da Stella irei colocar suas falas em itálico e deixarei as de suas interlocutoras sem itálico como foi feito na citação acima acho importante destacar que o trecho acima possui um erro na transcrição em uma das falas de Stella uma vez que escutando os áudios percebi que ela em vez de afirmar que é só história que eu tô contando anedota na verdade ela apenas respondeu que é história que eu tô contando anedota Stella não diz só história esse é um detalhe que pode soar sem importância no entanto não penso dessa maneira como não foi o que de fato ela disse optei por trazer isso para a escrita e também porque em uma primeira leitura com a transcrição só história comecei a desenvolver uma reflexão sobre como por vezes colocase a poesia em uma instância superior da mesma forma que historicamente é feito com a relação 144 dos conceitos arte e artesanato nessa relação conceitual a arte ganha espaço do que se é produzido por pessoas brancas ou o que passa a ser legitimado no circuito artístico que também opera em lógica branca colonial já o conceito de artesanato frequentemente abrange trabalhadores populares populações indígenas tidas como à margem percebi erro em minha reflexão quando escutei Stella e em verdade ela afirma somente que é história que eu to contando ela conta histórias ponto final descartei minha primeira reflexão 42 metodologia para Stella sua voz a oralidade o exercício que tenho feito para poder me aproximar de Aurora Adelina e de Stella e então desenvolver pensamentos e emoções para conversarmos a partir de e com elas é um exercício que se divide em talvez duas frentes ciente das distâncias simbólicas e de experiências de vida que eu tenho em relação a essas três mulheres no primeiro momento busquei absorver uma carga de leitura crítica que falasse sobre cárcere luta antimanicomial machismos feminismo interseccional racismo sobre a experiência do cárcere manicomial tanto por pessoas que vivenciaram esse espaço como as próprias artistas no lugar de encarceramento como também fazendo a leitura de relatos de profissionais da enfermagem de médicos assumindo sempre uma postura de reflexão cuidadosa a segunda frente por outro lado foi que para poder realizar a escrita desse texto precisei colocar meu corpo à disposição de uma escuta ativa para o que essas mulheres comunicaram através da expressão no texto chamado escuta de andré mesquita presente no livro vocabulário político para processos estéticos o autor aponta que escutar requer um momento crítico de abertura de não ação como aprendizado em outro momento da escrita fala sobre a figura do ritmanalista como alguém que não se enxerga como superior estando atento a ouvir os diferentes ritmos produzidos pelas pessoas pelos silêncios o corpo que dança o corpo que se movimenta pela rua o corpo que luta o corpo que colide com outro corpo todos esses corpos criam ritmos são focos de experiência e de sons a escuta e a execução de diferentes partituras mesquita apud vocabulários políticos 2014 p 135 145 apesar das metáforas muito ligadas ao universo musical essa foi a entrega que busquei fazer no meu momento de não ação de escuta entendendo isso pontuo agora uma diferença específica na criação artística entre Aurora e Adelina em relação à Stella para depois começar a tratar de sua oralidade chamada por ela mesma de falatório meu exercício de escuta se deteve nas obras de Aurora nas de Adelina e no caso de Stella o material com o qual busquei estabelecer proximidade foram os áudios sendo esse o material que registra seu falatório dessa maneira acentuo que diferente da expressão de Aurora Cursino dos Santos e Adelina Gomes o falatório registrado de Stella do Patrocínio não foi uma forma de expressão espontâneaindividual como são as pinturas e modelagens de Aurora e Adelina respectivamente como bem aponta Anna Carolina Vicentini Zacharias em sua tese os áudios são um diálogo com Aurora tratei de suas pinturas e com Adelina de suas modelagens que não deixam de ser uma forma de comunicação mas não são um diálogo são formas de expressão numa dinâmica que envolvem somente elas próprias suas criações não foram feitas em conjunto com mais alguém21 além disso a característica de diálogo estabelecido nos áudios de Carla Guagliardi com Stella do Patrocínio se dá entre duas mulheres em posições extremamente díspares naquele contexto que trocavam afeto e conversavam em um mesmo espaço e como dissemos no tópico anterior dividir o mesmo espaço geográfico não é o mesmo que ocupar o mesmo lugar simbólico não eram duas mulheres conversando em pé de igualdade isto seria impossível visto que poderes maiores as separavam então as vivências de Guagliardi e Do Patrocínio embora fossem compartilhadas nos momentos de conversa poderiam ser entendidas de diferentes maneiras por uma e pela outra ZACHARIAS 2020 p 103 esse apontamento é importante para que entendamos as camadas de dinâmica no relacionamento entre as duas uma vez que estando fora da relação como ouvinte externa essas nuances são importantes para o exercício de escuta e reflexão certamente a conversa entre duas pessoas que ocupam o mesmo território simbólico e físico por exemplo uma conversa entre duas internas da colônia juliano 21 entendo que o momento da criação de uma pintura ou de uma modelagem diversas são as interferências e afetações de outras pessoas mas reforço a perspectiva da autoria 146 moreira poderia vir a ter outras nuances outros assuntos e direcionamentos que não existiriam na conversa entre uma mulher encarcerada e uma com seu direito de ir e vir garantido outra camada de análise sobre esse material antes de abordálo especificamente é a maneira como o diálogo entre as duas ocorre Carolina Zacharias destaca que as conversas ora se assemelham a entrevistas jornalísticas ora parecem ser produções a duas vozes conversando e se completando ZACHARIAS 2020 p 103 tive a possibilidade de entrar em contato com Carla Guagliardi e escutar as gravações repetidamente de modo que entro em concordância com o que a autora escreve em sua tese é importante que esses fatores de análise sejam destacados porque quando escrevo sobre Aurora Cursino e Adelina Gomes não existe essa diferença nas fontes que fiz consulta ambas trabalharam em uma esfera subjetiva de expressão que não envolveu diretamente outras pessoas foi o desenvolvimento de um trabalho pessoal e íntimo sem interferências diretas quando digo diretas é porque a possibilidade de expressão para ambas se deu devido a um trabalho anterior e contínuo realizado no caso de Adelina pela Dra Nise da Silveira e a equipe de terapêutica ocupacional e no caso de Aurora pelo dr osório cesar e a equipe da escola livre de artes plásticas pensando essas formas de intervenção como indiretas no sentido de que não pintaram junto com Aurora Cursino ou modelaram junto com Adelina Gomes não existe nenhum registro do falatório de Stella do Patrocínio que traga consigo essa carga de espontaneidade de ter sido feito de forma individual e de um trabalho sem interferências no entanto o que diz respeito à questão das interferências me parece incomum que existam fontes orais constituídas por somente uma pessoa ao passo que me parece mais comum que uma fonte visualplásticamatérica seja feita por uma única pessoa escrever dessa maneira pode gerar a sensação de que deixo em evidência a interferência nas gravações de Stella do Patrocínio como algo que atrapalharia o falatório no entanto não é de forma alguma o que procuro dividir com vocês é importante entender que a interferência ou seja as falas de Carla existem porque as falas de Stella não foram ditas a partir somente de um processo subjetivo apenas dela mas não é um fator negativo a oralidade é possível sem interferências 147 a dinâmica da fala frequentemente ocorre em conjunto com a dinâmica da escuta e da troca o que constitui o diálogo na palestra performance de Grada Kilomba Descolonizando o conhecimento a relação entre fala e escuta fica explícita durante o momento em que realiza um experimento com a platéia ela pede para que as pessoas comecem a conversar entre si e enquanto isso ela começa a falar sua voz se torna inaudível ela não atinge não transmite as outras vozes abafam sua fala que fica silenciada no documentário cuidado como método a artista Carla Guagliardi é entrevistada e fala sobre Stella do Patrocínio afirmando que na época em que o projeto ocorria no núcleo teixeira brandão a Stella se recusava ou não sentia nenhuma atração especial em trabalhar com nenhuma atividade plástica mas ela aparecia com frequência para conversar essa fala é fundamental porque demonstra que o desejo de diálogo alimentava em alguma dimensão e em alguma proporção o falatório e viceversa esse movimento de aparecer com frequência para conversar denota um desejo de Stella que independente de qual seja coloca o diálogo a interferência em um lugar de suprir e preencher seus desejos o falatório não era uma criação unicamente individual mas algo que partiu do desejo de troca no livro Afrografias da Memória de Leda Maria Martins a autora discorre sobre essa questão dinâmica que a oralidade demanda cada palavra proferida é única a expressão oral renasce constantemente é produto de uma interação em dois níveis o nível individual e o nível social porque a palavra é proferida para ser ouvida ela emana de uma pessoa para atingir uma ou muitas coisas SANTOS apud MARTINS 1997 p 147 43 malezinho prazeres o falatório ao afirmar que não escuto nem penso o falatório de Stella do Patrocínio como poesia aponto em uma direção diferente da que foi dada ao seu falatório após sua morte se você pesquisar por Stella do Patrocínio na internet é possível encontrar facilmente descrições que a caracterizam como poeta esse título somente foi dado a Stella após sua morte principalmente devido ao trabalho feito por Viviane Mosé no livro Reino dos Bichos e dos animais é meu nome em que a autora transcreveu as falas de Stella em formato versificado como poesia Viviane também optou por retirar as falas de Carla Guagliardi o que gera a falsa impressão 148 da fala espontânea e individual à leitoraleitor que entra em contato com a obra sem saber muito mais sobre Stella do Patrocínio por fim o livro foi finalista do prêmio jabuti em 2002 o que mais uma vez legitimou Stella no lugar de poeta o livro viabilizou grande destaque e reconhecimento para Stella do Patrocínio que até então não havia tido visibilidade foi através desse livro que ouvi falar de Stella pela primeira vez e outras pesquisadoras como a própria Anna Carolina Vicentini relatam o mesmo de modo que penso que o trabalho de Viviane teve e ainda tem sua importância uma vez que outres pesquisadores de Stella ainda por nascerem também podem ter sua primeira via de contato através da obra de Viviane no entanto não foi como Stella se posicionou sobre o assunto de fato ela nega falar poesia e afirmou que seu fazer era contar histórias anedotas o falatório a criação artística de Stella era prática de enunciação de forma que seu trabalho era com as palavras seguirei nesse caminho pensando Stella como contadora de histórias e anedotas como quem cria falatório nesse sentido penso o falatório de Stella do Patrocínio como um lugar de possibilidade de agência sobre si mesma e sobre sua história é um momento em que não falam por ela pelo contrário Carla oferece o diálogo e a escuta importante não esquecer no entanto que Stella permaneceu encarcerada mesmo durante esses momentos em que teve alguma agência sobre si tomo emprestada a orelha do livro de Leda Maria Martins em Afrografias da Memória novamente escrita pela pesquisadora e escritora Lúcia Castello Branco que discorre rapidamente sobre como a oralidade é aquilo que é da ordem do corpo das pulsações e da voz ainda nesse livro a autora discorre sobre a enunciação da fala na congada no item A Palavra Proferida que utilizo para estabelecer relação com o falatório de Stella do Patrocínio a congada é uma manifestação artístico cultural de raiz africana que celebra a devoção à Nossa Senhora do Rosário a congada envolve consigo a memória rituais de linguagem encenação dança cantares rituais gestos música com uma importância em torno da performance oral durante a escrita Leda Maria Martins cita MariaJosé Hourantier ao falar de uma estética teatral negroafricana afirmando que na África tudo começa a termina pela palavra e tudo dela procede HOURANTIER apud MARTINS 1997 pp 148 a escrita de Leda sobre a oralidade na congada muito me remeteu ao falatório de 149 Stella do Patrocínio com sua criação partindo das palavras mas principalmente da oralidade de seu falatório Leda afirma que a palavra dita é sopro hálito dicção acontecimento e performance índice de sabedoria MARTINS 1997 p 146 destacando também que a palavra combinada aos outros elementos que configuram a congada como a performance é carregada de poder sendo um poder de ação que movimenta e guia durante seus momentos de realização se a palavra adquire tal poder de ação é porque ela está impregnada de àse pronunciada com o hálito veículo existencial com a saliva a temperatura é a palavra soprada vivida acompanhada das modulações da carga emocional da história pessoal e do poder daquele que a profere SANTOS apud MARTINS 1997 p146 no falatório de Stella do Patrocínio enxergo todas essas características abordadas por Juliana Elbein dos Santos a pronúncia com hálito com saliva com temperatura o som de palavras vividas uma vez que Stella estava falando sobre suas experiências de vida impressões do mundo suas observações sua história suas questões emocionais em suas palavras nesses dois seguintes diálogos ela mesma aponta como está atenta ao mundo observando sentindo absorvendo conectada mesmo contra sua vontade se tratando de um cárcere com o que acontece ao seu redor no seu cotidiano e também com seus desejos de mundo o diálogo seguinte foi entre Stella do Patrocínio e a interlocutora que não reconheço a voz como de Carla o que que ce tá botando pra dentro agora o chocolate que eu botei pra dentro você que tô botando pra dentro a família toda que tô botando pra dentro o mundo que eu to botando pra dentro de tanto olhar de tanto olhar hmm isso mesmo enxergar olhar ver espiar silêncio curto sentir e notar to botando tudo pra dentro porque boto pra dentro eu tô botando eu botei pra fora através dos olhos né é sabe que os olhos são as janelas do espírito da alma são mesmo as janelas da alma é mesmo eu não sabia não sabia 150 tô aprendendo agora e queria ver mais diálogo entre Carla e Stella que que ce vê eu vejo o mundo a família silêncio curto mundo e a família silêncio curto a família que vive no mundo e vive na casa que tá sempre no mundo que tá sempre na casa silêncio médio e a dra elizabeth disse assim pra mim e você queria ver mais do que isso pra que silêncio médio e você queria ver mais do que isso pra que você queria ver mais do que isso queria foi com essa fala que comecei o capítulo de Stella com um desejo ela queria ver mais mais talvez na escrita não esteja evidente o peso que essa fala carrega pois leia em voz alta para você mesma que Stella do Patrocínio queria mais e dê uma pausa para sentir o que isso significa e representa o desejo interrompido de Stella não é algo pontual isolado é um problema estrutural do sistema carcerário manicomial é um problema estruturalmente racista patriarcal capitalista quantas pessoas queriam e querem mais até hoje e são interrompidas impedidas nas diversas esferas de viver em sociedade demorar três horas para chegar ao trabalho é um impedimento a perspectiva da passagem de trem aumentar para sete reais é um impedimento depender de três conduções no transporte público para chegar a algum destino é um impedimento a revista policial nos ônibus da cidade são impedimentos eu estou dando exemplos da locomoção na cidade porque foi nesse espaço que Stella do Patrocínio foi interrompida e encarcerada no hospício ela estava andando na rua ela estava indo para algum lugar e nunca chegou ela e sua mãe faleceram e foram enterradas como indigentes elas eram donas de uma identidade os desejos interrompidos de Stella do Patrocínio são responsabilidade do estado que foi e todos os dias é incapaz de garantir direitos seu corpo foi impedido preso fiscalizado e a todo momento ela observava e denunciava o fato eles quem os fiscais os vigia mas onde eles estão tão no mundo e na casa me vigiando e me fiscalizando 151 depois em outro áudio eu sou seguida acompanhada imitada assemelhada tomada conta fiscalizada examinada revistada silêncio curto tem as que são igualzinho a mim tem as que se veste se calça igual a mim as que são diferente22 da diferença entre nós silêncio médio é tudo bom e nada presta em diversos momentos durante a escuta percebi falas muito doloridas vindo de Stella sobre ela mesma o cotidiano o espaço manicomial hospitalar foram esses um dos assuntos mais repetidos por ela talvez a mais dolorida de todas foi em um momento que a interlocutora pergunta o que ela acha do amor que que cê acha do amor eu não gosto de amar por que porque sou indigente indiferente não não é verdade indiferente cê não é isso não é verdade você é muito afetiva muito afetuosa muito carinhosa muito especial você não é indiferente é muito bonita tem uma luz linda cê sabe disso silêncio médio não sabe a solidão e o abandono são característicos dos espaços de cárcere esse especificamente manicomial historicamente utilizados como forma de realizar uma limpeza social nas cidades afastados dos centros isolados portanto também espaços que falham em assegurar saúde emocional colaborando para que os pacientes presidiários e presidiárias carreguem o sentimento relatado por Stella de ser indigente indiferente dessa forma não consigo deixar de pensar nos manicômios também como atualizações coloniais instituições de controle de corpos que não querem ser vistos pela sociedade racista patriarcal de uma dessas falas doídas de Stella do Patrocínio surge a música da Linn da Quebrada chamada medrosa ode à Stella do Patrocínio em que a artista musicaliza o falatório de Stella como diz o nome da música de fato uma ode que consiste em poema destinado ao canto com a voz a oralidade o canto de Linn da Quebrada sinto que Stella é acolhida em sua tristeza como se de alguma forma no momento em que Stella começa esse pedaço de seu falatório Linn a encontrasse e 22 escutando Stella do Patrocínio nesse momento do áudio tive dúvida se ela disse diferente ou indiferente 152 falasse junto com ela como se seu canto fosse abraço mãos dadas descanso achei semelhante até o ritmo que foi dada à música de Linn ao ritmo do falatório de Stella no trecho utilizado na música o que acredito não ser obra do acaso a meu ver todas essas questões estão atravessadas no falatório de Stella do Patrocínio Leda Maria Martins se refere à oralidade também como forma de sabedoria quando se pensa em contação de histórias frequentemente o fazer é associado também à transmissão de conhecimento aos que escutam e fazem parte da dinâmica da contação Stella do Patrocínio reúne oralidade e conhecimento sabedoria em seu falatório como mencionado anteriormente depois de ouvir os áudios comecei a identificar alguns assuntos se repetindo como a questão de ser doente mental ou sobre a dinâmica do espaço manicomial em que estava inserida seu encarceramento seu desejo por mais por terem sido esses um dos assuntos mais repetidos optei por abordálos neste capítulo não há como saber se Stella do Patrocínio considerava seu falatório como forma de transmitir conhecimento mas ao compartilhálo com Carla Guagliardi com a outra interlocutora conversando com ela que talvez seja Nelly Gutmacher e por fim com as pessoas dentro do gravador23 que entendo como eu e quem mais a escute pelos áudios Stella dividiu também conhecimento sobre a vivência no espaço manicomial sobre racismo e machismo sobre a própria oralidade o que me faz pensar em sua oralidade também como denúncia e novamente um espaço para ter agência sobre si mesma e sobre sua história tão atravessada por controles impostos durante as gravações alguns diálogos não me parecem ter sido feitos por Carla Guagliardi porque identifiquei uma diferença de voz no entanto Anna Carolina Vicentini Zacharias ao topar com a mesma questão afirma que 23 que que ce perguntou pra mim aquela hora eu perguntei se tem gente aí dentro cê acha que tem porque transmite voz é sinal que tem fica ouvindo a gente fica falando a mesma coisa e essa voz é a voz de nós mesmos é a voz da gente transmitindo pra eles e eles imitando a gente eles quem são os moradores que moram aí dentro pra gravar a voz na hora de gravar nunca tinha pensado nisso será que eles são pequenos são pequenos do tamanho do rádio de pilha não dá pra nós enxergar 153 entrevistei tanto Carla Guagliardi quanto Nelly Gutmacher as entrevistadas contudo divergem em relação às gravações Guagliardi afirma que às vezes Nelly era a interlocutora de Stella mas Gutmacher nega as suas participações em conversas com Do Patrocínio afirmando que essa tinha sido uma ideia de Carla e executada somente por ela ZACHARIAS 2020 p 102 dessa forma não sendo possível para mim nesse momento pesquisar mais a fundo deixo a questão em aberta e aponto que conforme abordo o falatório estou dizendo se o diálogo ocorre com Carla Guagliardi ou com essa voz que identifiquei como diferente da dela uma vez que além de identificar diferença em determinado momento dos áudios CD 02 áudio 01 há uma conversa que comprova minha suspeita a conversa se deu entre Stella e a pessoa que não reconheço elas conversam sobre quem estaria no teixeira brandão na semana seguinte e a pessoa afirma que ela Carla marcio rolo e algumas outras pessoas continuariam visitando o teixeira brandão de modo que ela mesma que falava não era a Carla mencionei como Stella do Patrocínio realizou denúncias do manicômio e da lógica manicomial no falatório de forma repetitiva em diferentes áudios no próprio relato de Stella sobre o momento em que é sequestrada e levada para o hospício há crítica ali sobre o controle de seu corpo aí veio uma dona me botou pra dentro do posto do pronto socorro perto da praia de botafogo e lá eu dentro do pronto socorro ela me aplicou uma injeção me deu um remédio me fez um eletrochoque me mandou tomar um banho de chuveiro mandou procurar mesa cadeira cadeira mesa me deu uma bandeja com arroz chuchu carne feijão e aí chamou uma ambulância uma ambulância assistência e disse carreguem ela mas não disse pra onde carreguem ela ela achou que tinha o direito de me governar na hora né a forma que Stella relata a sequência atropelada de acontecimentos um atrás do outro todos relatados com ela em posição de passividade deram a ela a levaram fizeram injeção e eletrochoque nela mandaram chamaram carregaram e por fim sua afirmação lúcida ela achou que tinha o direito de me governar a pessoa achou mas não tinha iam levar Stella para algum lugar e ninguém a disse que lugar era esse é o relato de alguém que entende o peso do controle e o critica não tinham o direito de ter feito isso volto para o sistema falido do estado volto para o abraço que Linn da Quebrada dá a Stella 154 em outros momentos Stella do Patrocínio denuncia o controle no dia que você parar de tomar essas injeções você fica curada fico completamente curada se eu não tomar remédio não tomar injeção não tomar eletrochoque silêncio curto eu não fico carregada de veneno envenenada você toma eletrochoque eu tomei no pronto socorro do rio de janeiro e continuo tomando aqui aqui é e disseram que não dá mais mas dá sim dá dá quem é que dá eletrochoque os que trabalham com a falange falanginha falangeta os que trabalham com a voz ativa médio reflexiva refletindo bem no que está falando um dos significados de falange é o sentido militar remonta ao tempo antigo dos gregos são tropas armadas além disso é interessante que Stella do Patrocínio afirma que são as pessoas que trabalham com voz ativa e vozes que são reflexivas refletindo bem isso denuncia duas questões a relação de poder e essa fala que reflete pensa o poder está presente quando Stella demarca que existe uma voz ativa é a mesma voz que dá as ordens toma as decisões decisões estas que se tratam sobre o corpo de Stella e que não são as que ela quer a outra questão que Stella traz nesse momento do falatório é a da reflexão a loucura carrega consigo o estereótipo do delírio mas eles da falange que usam voz ativa são também os que fazem uso consciente da razão eles refletem bem e essas são as pessoas que controlam seu corpo que dão a ordem do eletrochoque que o permitem e portanto fazem com que a violência ocorra repetidamente quem me dera tivessem trabalhado só com o delírio Stella do Patrocínio também aborda frequentemente no falatório a dinâmica do cotidiano borrado do manicômio e aqui que que cê faz na colônia como que é seu dia a dia aqui na colônia cê acorda de manhã faz o que segunda terça quarta quinta sexta sábado domingo janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro toma fôlego dia tarde e noite eu fico eu fico pastando à vontade fico pastando à vontade que nem cavalo 155 é é e em outro momento pensar pra que pra passar o tempo será que o tempo passa quem passa somos nós e a gente passa pra onde passa da vida pra morte ao responder Stella opta novamente por esse falatório sem pausas enunciando as palavras junto às outras em somente um fôlego relatando que segunda terça quarta quinta sexta e assim vai também com os meses com os momentos do dia dia tarde noite como se todos fossem um borrão algo sem muita nitidez todos os dias da semana momentos do dia e meses do ano são a resposta para como é o cotidiano dela todos a mesma coisa em um só fôlego os dias passam as semanas passam e os anos passam ao mesmo tempo no entanto parece existir um esforço para que os dias e os meses não se misturem em algo que não há mais como identificar perdendo a noção de tempo porque mesmo sem nitidez Stella responde informando quais são os dias da semana quais são os meses que compõem o ano quais são os momentos do dia quase como um relógio dia tarde e noite ela faz a contagem está atenta ao tempo e principalmente atenta à passagem do tempo em outro momento do falatório que não cito ela novamente repete a sequência dos dias da semana os meses e ainda em outro áudio Stella pergunta que dia era aquele foram muitos dias de escuta dedicada à Stella do Patrocínio para enfim poder suturar minha escrita mesmo assim não foi o bastante mesmo assim esse capítulo é lacunar porque estive trabalhando em torno de sua oralidade de seu falatório e depois precisei transcrever Stella quando queria ter podido anexar de alguma forma seu falatório não precisei transcrever Aurora ou Adelina e esse foi um momento de alguma tristeza a transcrição não dá conta da voz de Stella dos áudios feitos através do aparelho de gravação gravando voz que tá sendo palavras ao vento 1591399 1591899 CD 02 áudio 01 então buscando plantar algo dentro 156 dessa lacuna deixo aqui expresso que esse capítulo incompleto somente se enche de hálito através do falatório Sara Ramos é mestranda em literatura comparada pela UNILA e escreveu sobre Stella também além de indicar sua dissertação Stella do Patrocínio entre a letra e a negra garganta de carne incentivo que busquem os arquivos de áudio das conversas entre Carla Guagliardi e Stella do Patrocínio que foram anexados junto à tese na plataforma digital da UNILA assim poderão ouvila celebro de maneira vibrante a voz de Stella do Patrocínio seu falatório compondo o acesso público tendo em vista que sua voz nunca devia ter sido propriedade privada de ninguém 157 considerações finais faz escuro mas eu canto essa monografia e essa conclusão são uma prece um movimento um desejo dançante uma oração uma reza forte uma fé bem plantada uma batida forte do meu coração são sobre algo do espírito de cuidado com a espiritualidade esse é um sonho é o sonho da Clarice de quatro anos atrás quando teve medo de não encontrar informações suficientes pra fazer esse trabalho de pesquisa é o que eu sonho oferecer à essas mulheres uma imagem mais fiel à quem foram e ao que produziram é o que me impede de dormir mesmo com sono às 3 da manhã de uma quintafeira qualquer do cotidiano porque acredito com tanta força nesse trabalho que quando deito começo a pensar sobre e me cria euforia a euforia interrompe o sono e sinto desejo de escrever é o que me faz escrever no metrô e no ônibus quando não posso estar em casa essa monografia e essa conclusão são um manifesto escrito a muitas mãos mesmo que ecoando somente através das minhas palavras porque reúne tudo que li até aqui tudo que conversei as terapias tudo que minhas amigas dividiram comigo os acolhimentos as palavras de motivação as incansáveis horas de pesquisa e os cansaços também eu tenho esperança de que cada vez mais a teoria possa ser um lugar de cura que o texto possa ser um lugar espaço território que moldemos com nossos corpos desejos e que ele siga o caminho do que precisa ser feito como precisa ser feito e de que modo e formato precisa ser feito que as regras se dobrem frente o que nós escritoras e escritores quando precisemos delas diferentes em nossas palavras que o peso do que está estabelecido não seja maior do que a necessidade que o fazer da escrita pede por isso fiz tantas modificações por isso abordagens metodológicas diferentes para cada capítulo por isso a recusa das normas de língua portuguesa e até algumas da abnt para as feridas as machucadas as que sofreram abuso e violência as que não puderam ter agência sobre seus corpos em vida ou que nesse momento não podem ter agência sobre si mas sabem que terão as que tiveram os desejos contrariados as falidas as que sentem dor e não encontram conforto e alívio as 158 que não puderam descansar e que mesmo após suas mortes e principalmente depois disso tiveram seus nomes usados sem cuidado por aqueles que se perderam no que significa curadoria de que peso é revestido o entendimento histórico que a teoria possa lhes dar um lugar em que descansem que haja acalento e colo que o choro seja respeitado e acolhido não desrespeitado que a ferida aberta que esse sofrimento do qual não houve escape que tudo vaze no espaço vazio entre as minhas palavras e o meu texto que tudo vaze pelas minhas mãos pelos meus olhos que as minhas palavras possam ser carinho no meio disso tudo espaço de descanso e refazimento afetivo que esse trabalho gire chaves outras que não as do desrespeito que esse esforço seja mais um tijolo por onde mais pessoas construam que venham os caminhos eu busquei me doar a vocês de colo e de cuidado porque colo e cuidado são o que a escrita sempre me deu essa monografia foi para vocês porque também foi pra mim meu trabalho se pretendeu à curar mesmo que pouco a história a narrativa e a produção artística dessas mulheres e modéstia parte sinto que cumpri o trabalho agora você pode conhecer um pouco mais sobre essas artistas se as conhecia se não conhecia agora sabe seus nomes e pôde ler sobre suas vidas de maneira humanizada agora esses nomes estão inseridos no circuito de pesquisa da história da arte dentro da própria história da arte não conheço outro trabalho do campo teórico do qual parto que tenha se dedicado a isso eu era estudante e a partir dessa pesquisa me torno historiadora da arte essa pesquisa começou com o meu desejo de dividir a existência de mulheres artistas que foram psiquiatrizadas com mais pessoas do que só as minhas amigas ou a minha família o corpo dessas mulheres foi censurado violentado e posto recluso ao espaço da instituição psiquiátrica durante o período manicomial a área da história da arte quando não excluiu romantizou a ideia do artista gênio e do artista louco quantas foram as vezes que no campo da arte foi feita a associação da criatividade do artista com seu sofrimento até hoje isso acontece e eu não precisei ler em um artigo acadêmico eu vi diante dos meus olhos uma professora que tive dizer em sala de aula que se fosse para produzir coisas incríveis como van gogh então ela queria ter tido depressão 159 o estereótipo e a romantização do artista gêniolouco deve cessar em vez de romantizar pessoas com diagnósticos psiquiátricos e pessoas que foram psiquiatrizadas que são artistas nós devíamos efetivamente tentar criar possibilidade de inserção social real porque nós excluímos essas pessoas nós enquanto indivíduos e nós enquanto instituição de ensino e nós enquanto campo da história da arte no que diz respeito ao campo da história da arte onde atuo e movimento acredito que esse trabalho foi capaz de dar mais um passo na direção da inclusão de mulheres artistas psiquiatrizadas aqui você foi capaz de ler sobre a biografia e produção artística dessas três mulheres Aurora Cursino dos Santos Adelina Gomes e Stella do Patrocínio que esse trabalho seja capaz de inspirar mais pessoas a pesquisarem mais mulheres como elas foram que ele mostre que é possível sim mesmo que pareça que essas mulheres não existem ou que pareça não existirem informações o bastante às vezes não vai ser o bastante mas é possível contar suas histórias obrigada 160 REFERÊNCIAS Adelina Gomes bio museu de imagens do inconsciente sem ano disponível em httpswwwmiiorgbradelinabio último acesso em 2023 Adelina Gomes museu de imagens do inconsciente na 11ª bienal de berlim sem ano disponível em httpmii2hospedagemdesiteswsberlimadelinagomeshtml último acesso em 2023 ANZALDÚA Gloria A vulva é uma ferida aberta outros ensaios tradução tatiana nascimento 1 ed rio de Janeiro a bolha editora 2021 ANZALDÚA Gloria Como domar uma língua selvagem tradução PINTO Joana Plaza SANTOS Karla Cristina dos VERAS Viviana cadernos de letras da uff dossiê difusão da língua portuguesa nº 39 p 297309 2009 Blackouts instagram rio de janeiro 7 de outubro de 2021 disponível em instagramcompCUvXmTxl9TpigshidMzRlODBiNWFlZA3D3D último acesso em 2023 BLY Nellie Dez dias em um hospício tradução Karine Ribeiro 1 ed são caetano do sul são paulo wish 2020 CARVALHO Priscila Roberta Exu nas escolas cosmovisões epistemologias e valores civilizatórios iorubanos como caminho para uma educação decolonial orientador professor especialista arthur josé baptista 2019 41 f trabalho de conclusão de curso especialista pósgraduação em educação das relações étnicoraciais no ensino básico do programa de pósgraduação pesquisa extensão e cultura do colégio pedro ii rio de janeiro 2019 cinquentenário museu imagens do inconsciente centro cultural do ministério de saúde sem ano disponível em 161 wwwccmssaudegovbrcinquentenariodomuseuadelinagomesphp último acesso em 2023 cuidado como método arte política clínica daniel leão e Jessica Gogan sl sn 2018 1 vídeo 13143 disponível em institutomesaorgrevistamesaedicoes5portfoliocuidadocomometodoartepolitic aeclinicaem4territoriosnoriodejaneiro último acesso em 7 de janeiro de 2022 DA SILVA Denise Ferreira A Dívida Impagável são paulo 2019 Descolonizando o Conhecimento Grada Kilomba mitsp e olhares instituto cultural sl sn 2021 1 vídeo 10151 disponível em wwwyoutubecomwatchviLYGbXewyxs último acesso em 2023 ENGEL Magali Gouveia A loucura na cidade do rio de janeiro ideias e vivências 18301930 orientadora Profª Dra Maria Clementina Pereira Cunha março1995 624 f tese doutorado em história pósgraduação em história da universidade estadual de campinas campinas 1995 EVARISTO Conceição Becos da memória 3 ed Rio de Janeiro Pallas 2018 FERRAZ Maria Heloisa Corrêa de Toledo Arte e Loucura limites do imprevisível São Paulo Lemos Editorial 1998 franco da rocha 76 anos prefeitura de franco da rocha 2020 disponível em wwwfrancodarochaspgovbrfrancoartigonoticia9966textOsC3B3rio2 0ingressou20no20hospital20namodelagens20em20argila20e20cer C3A2mica último acesso em 2023 GONÇALVES Tatiana Fecchio da Cunha A Representação do louco e da loucura nas imagens de quatro fotógrafos brasileiros do século XX Alice Brill leonid streliaev cláudio edinger Claudia Martins orientadora Profª Dra Claudia Valladão de Mattos coorientação Profª Dra Lucia Helena Reil 2010 319 f tese 162 doutorado pósgraduação do programa do instituto de artes da universidade estadual de campinas campinas 2010 HOOKS bell Ensinando a transgredir educação como prática da liberdade tradução marcelo brandão cipolla 2 ed são paulo editora wmf martins fontes 2017 p 83104 imagens do inconsciente leon hirszman sl sn 1982 1 vídeo 55 minutos imasns instituto municipal de assistência à saúde nise da silveira base de dados história e loucura sem ano disponível em historiaeloucuragovbrindexphpinstitutomunicipaldeassistenciasaudeniseda silveira último acesso em 2023 JEHA Silvana birman joel Aurora memórias e delírios de uma mulher da vida são paulo veneta 2022 KAHLO Frida O diário de Frida Kahlo um autorretrato íntimo tradução mário pontes 5 ed rio de janeiro josé olympio editora 2017 o diário de frida kahlo KAHLO 2017 p 216 lançamento do programa Stella do Patrocínio a história que fala museu bispo do rosário e Diane Lima sl sn 2021 1 vídeo 12855 disponível em wwwyoutubecomwatchvev10K1JEmg último acesso em 2023 LINN DA QUEBRADA medrosa ode à Stella do Patrocínio rio de janeiro 2021 291499 LORDE Audre Irmã outsider ensaios e conferências tradução Stephanie Borges 1 ed Belo Horizonte Autêntica Editora 2020 capítulos Machismo uma doença americana de blackface o erótico transformar o silencio em linguagem 163 louco no dicionário michaelis michaelis online 2021 disponível em michaelisuolcombrmodernoportuguesbuscaportuguesbrasileirolouco último acesso em 2021 MARTINS Leda Afrografias da memória O Reinado do Rosário no Jatobá são paulo perspectiva belo horizonte mazza edições 1997 MARQUES Ana Maria Linha de Rebentação lisboa edição douda correria 2019 mello l c nise da Silveira caminhos de uma psiquiatra rebelde rio de janeiro automática edições 2ª ed 2015 p 212 MENEGHEL Stela Nazareth BARBIANI Rosangela BRITO Sarita KORNDORFER Carla ROTERMUND Juliana ROZA Marisa Dalla STEFFEN Helenita WUNDER Ana Paula Impacto de grupos de mulheres em situação de vulnerabilidade de gênero cad de saúde pública rio de janeiro vol 194 p 955963 julago 2003 disponível em doiorg101590S0102311X2003000400018 último acesso em 13 de junho de 2023 na encruzilhada com Stella do Patrocínio podcast 451 mhz ano visto em 2022 disponível em 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Antimanicomial e Feminismos discussões de gênero raça e classe para a reforma psiquiátrica brasileira 1 ed rio de janeiro autografia 2017 SILVEIRA Nise da Posfácio Imagens do Inconsciente sl sn 2014 1 vídeo 11900 disponível em wwwyoutubecomwatchvEDg0zjMe4nA último acesso 13 de junho de 2023 SILVEIRA Nise da Imagens do Inconsciente 6ª reimpressão petrópolis rio de janeiro vozes 2015 SILVEIRA Nise da O mundo das imagens 1 ed 2ª reimpressão rio de janeiro editora ática 2001 p 82 TOLEDO Eliza Teixeira de Circulação e aplicação da psicocirurgia no hospital psiquiátrico do juquery orientadora Profª Dra Cristiana Facchinetti coorientadora Profª Dra Ilana Löwy 2019 296 f tese doutorado em história das ciências e da saúde Fundação Oswaldo Cruz Casa de Oswaldo Cruz 2019 165 ZACHARIAS Anna Vicentini Stella do Patrocínio da internação involuntária à poesia brasileira orientadora Profª Dra Daniela Birman 2020 364 f dissertação mestrado em teoria e história literária instituto de estudos da linguagem da universidade estadual de campinas campinas 2020 ZACHARIAS Anna Carolina Vicentini Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui revista cult 2020 disponível em revistacultuolcombrhomestelladopatrocinioretornosempreesteveaqui último acesso em 2023 2º seminário cultura e saúde l dia 4 palestra de Silvana Jeha sl sn 2020 1 vídeo 32510 disponível em youtubecomwatchv33On1Ub42g8 último acesso em 13 de maio de 2023 166 ANEXO 1 lista de mulheres artistas psiquiatrizadas ou com diagnósticos psiquiátricos museu de imagens do inconsciente 1 Adelina Gomes 2 Beta d9Rocha livro foi publicado sobre ela pela Editoria Ministério da Saúde chamado A História de Beta e livro chamado Meu convívio com a esquizofrenia seu nome completo era Albertina Borges D9Rocha 3 Anna Letycia 4 Rizza Conde as artistas entre os números 5 e 21 são da época da Dra Nise da Silveira no período manicomial 5 Carmine Noceto 6 Everaldine Santana 7 Maria Tereza J C Castro 8 Marie Kollandjieva 9 Ively Domingues Kanss 10 Maria Nunes Valle 11 Aurora Castro Fonseca 12 Alda Mescalda 13 Djanira B Brito 14 Helena Davidson 15 Sônia dos Santos 167 16 Faiedna 17 Valentine Belokamen 18 Jandira de Oliveira 19 Alemã 20 Doralice Vilela 21 Sonia Ivenicki 22 Laura Ramos encontrei seu nome na página 142 do livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise da Silveira 23 Norma Nascimento encontrei seu nome na página 143 do livro Imagens do Inconsciente da Dra Nise da Silveira colônia juliano moreira 24 Stella do Patrocínio 25 Iracema Conceição dos Santos realizava instalações 26 Maria Hortênsia Bandeira da Costa confeccionava bonecas o trabalho de Mônica aponta que apresentou desenhos e que Maria José de Almeida da Costa que fazia bonecas essas duas encontrei na tese de Ana Carolina Vicentini Zacharias na página 108 artistas participantes de exposição ar subterrâneo no paço imperial além de Iracema e Maria Hortênsia importante destacar que o encarte da exposição apresentava o nome dessas mulheres sem nenhum de seus sobrenomes e que não tinha o nome de Stella do Patrocínio pude encontrar os sobrenomes através do trabalho de estágio de Mônica Ribeiro de Souza através da tese de Anna Carolina Vicentini Zacharias 27 Carolina Vieira Machado desenhos 168 28 Januária Marta de Souza desenhos 29 Maria José de Almeida Costa 30 Maria Jovem desenhos na tese de Monica está Maria Jove mas no encarte Maria Jovem 31 Nilsa 32 Simone Faria Maciel desenhos 33 Tereza de Jesus desenhos 34 Neusa Ferreira Gomes essa não estava no encarte da exposição roupas hospital psiquiátrico do juquery 35 Aurora Cursino dos Santos 36 Maria Aparecida Dias tem obra datada de 1989 1990 1991 1994 1995 1997 1998 37 Claudinha D9Onofrio 38 Marianinha Guimarães 39 Masayo Seta 40 Lourdes da Costa Justino 41 Alcina Teixeira Gandini 42 Aline Ferreira Luz 43 Alzira Louveiro 44 Ana Câmara 45 Ana David Silva 169 46 Edna Maria Lessa Novaes sem data 47 Fátima Ferreira tem obras datadas de 1990 e 1992 48 Haydée 49 Helena 50 Luciene 51 Maria das Graças Caetano tem obra datada de 2015 52 Maria Leite 53 Rosângela 54 Cacilda de Souza e Silva 55 Cleusa 56 Conceição Uzaio Ferreira 57 Eliza Ribeiro 58 Francisca Baron Ribeiro 59 Helena Gadia 60 Leina trabalhos com data de 2006 61 Locene 62 Lydia Mendonça 63 Maria Iozina 65 Nivalda Maria das Dores 66 Regina Irene Simões 67 Reiko Watanabe 170 68 Maria L M 69 Sarah Amonsin Oliveira 70 Shara Serinna Campos 71 Tamara 72 Conceição 73 Irene Faustino Da Silva

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