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UMA ABORDAGEM CONCEITUAL DAS NOÇÕES DE RACA RACISMO IDENTIDADE E ETNIA Prof Dr Kabengele Munanga USP Etmologicamente o conceito de raça veio do italiano razza que por sua vez veio do latim ratio que significa sorte categoria espécie Na história das ciências naturais o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais Foi neste sentido que o naturalista sueco Carl Von Linné conhecido em Português como Lineu 17071778 o uso para classificar as plantas em 24 raças ou classes classificação hoje inteiramente abandonada Como a maioria dos conceitos o de raça tem seu campo semântico e uma dimensão temporal e especial No latim medieval o conceito de raça passou a designar a descendência a linhagem ou seja um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que ipso facto possuem algumas características físicas em comum Em 1684 o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados denominados raças Nos séculos XVIXVII o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França da época pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos de origem germânica em oposição ao Gauleses população local identificada com a Plebe Não apenas os Francos se considerava como uma raça distinta dos Gauleses mais do que isso eles se consideravam dotados de sangue puro insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir administrar e dominar os Gauleses que segundo pensavam podiam até ser escravizados Percebese como o conceitos de raças puras foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais Nobreza e Plebe sem que houvessem diferenças morfobiológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes As descobertas do século XV colocam em dúvida o conceito de humanidade até então conhecida nos limites da civillização ocidental Que são esses recém descobertos ameríndios negros melanésios etc São bestas ou são seres humanos como nós Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e EducaçãoPENESBRJ 051103 europeus Até o fim do século XVII a explicação dos outros passava pela Teologia e pela Escritura que tinham o monopólio da razão e da explicação A península ibérica constitui nos séculos XVIXVII o palco principal dos debates sobre esse assunto Para aceitar a humanidade dos outros era preciso provar que são também descendentes do Adão prova parcialmente fornecida pelo mito dos Reis Magos cuja imagem exibe personagens representes das três raças sendo Baltazar o mais escuro de todos considerado como representante da raça negra Mas o índio permanecia ainda um incógnito pois não incluído entre os três personagens representando semitas brancos e negros até que os teólogos encontraram argumentos derivados da própria bíblia para demostrar que ele também era descendente do Adão No século XVIII batizado século das luzes isto é da racionalidade os filósofos iluministas contestam o monopólio do conhecimento e da explicação concentrado nas mãos da Igreja e os poderes dos príncipes Eles se recusam a aceitar uma explicação cíclica da história da humanidade fundamentada na idade de ouro para buscar uma explicação baseada na razão transparente e universal e na história cumulativa e linear Eles recolocam em debate a questão de saber que eram esses outros recém descobertos Assim laçam mão do conceito de raça já existente nas ciências naturais para nomear esses outros que se integram à antiga humanidade como raças diferentes abrindo o caminho ao nascimento de uma nova disciplina chamada História Natural da Humanidade transformada mais tarde em Biologia e Antropologia Física Por que então classificar a diversidade humana em raças diferentes A variabilidade humana é um fato empírico incontestável que como tal merece uma explicação científica Os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento É neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido Infelizmente desembocaram numa operação de hierarquização que pavimentou o caminho do racialismo A classificação é um dado da unidade do espírito humana Todos nós já brincamos um dia classificando nossos objetos em classes ou categorias de acordo com alguns critérios de semelhança e diferença Imaginese o que aconteceria numa biblioteca do tamanho da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Sem classificação por autor e ou por assunto seria muito complicado a busca de um documento Com a preocupação de facilitar a busca e a compreensão parece que o ser humano desde que começou a observar desenvolveu a aptidão cognitiva de classificação A primeira tentativa consiste em distinguir os seres animados dos inanimados os minerais dos vegetais e os vegetais dos animais Entre os animais não há como confundir um elefante com um leopardo uma cobra com uma tartaruga São todos animais mas porém diferentes Na história da ciência a classificação dos seres vivos começa na Zoologia e na Botânica Era importante encontrar categorias maiores por sua vez subdivididas em categorias menores e subcategorias e assim adiante Os termos para designar as categorias são como todos os fenômenos lingüísticos convencionais e arbitrários Assim as principais categorias foram as divisões filo e subfilo a classe a ordem e a espécie Como homens pertencemos ao filo dos cordados ao subfilo dos vertebrados como os peixes à classe dos mamíferos como as baleias à ordem dos primatas como os grandes símios e à espécie humana homo sapiens como todos os homens e todas as mulheres que habitam nossa galáxia Somos espécie humana porque formamos um conjunto de seres homens e mulheres capazes de constituir casais fecundos isto é capazes de procriar de gerar outros machos e outras fêmeas Sem a classificação não é possível falar de milhões de espécies de animais do universo conhecido Apenas no seio da espécie homosapiens homo sábio a que pertencemos somos hoje cerca de 6 bilhões de indivíduos Nessa enorme diversidade humana que somos da mesma maneira que distinguimos o babuíno do orangotango não podemos confundir o chinês com o pigmeu da África o norueguês com o senegalês etc Em qualquer operação de classificação é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança No século XVIII a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor dágua entre as chamadas raças Por isso que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica raça branca negra e amarela Ora a cor da pele é definida pela concentração da melanina É justamente o degrau dessa concentração que define a cor da pele dos olhos e do cabelo A chamada raça branca tem menos concentração de melanina o que define a sua cor branca cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais melanina e por isso tem pele cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é dita amarela Ora a cor da pele resultante do grau de concentração da melanina substância que possuímos todos é um critério relativamente artificial Apenas menos de 1 dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele dos olhos e cabelos Os negros da África e os autóctones da Austrália possuem pele escura por causa da concentração da melanina Porém nem por isso eles são geneticamente parentes próximos Da mesma maneira que os pigmeus da África e da Ásia não constituem o mesmo grupo biológico apesar da pequena estatura que eles têm em comum No século XIX acrescentouse ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz dos lábios do queixo do formato do crânio o angulo facial etc para aperfeiçoar a classificação O crânio alongado dito dolicocéfalo por exemplo era tido como característica dos brancos nórdicos enquanto o crânio arredondado braquicéfalo era considerado como característica física dos negros e amarelos Porém em 1912 o antropólogo Franz Boas observara nos Estados Unidos que o crânio dos filhos de imigrados não brancos por definição braquicéfalos apresentavam tendência em alongarse O que tornava a forma do crânio uma característica dependendo mais da influência do meio do que dos fatores raciais No século XX descobriuse graças aos progressos da Genética Humana que haviam no sangue critérios químicos mais determinantes par consagrar definitivamente a divisão da humanidade em raças estancas Grupos de sangue certas doenças hereditárias e outros fatores na hemoglobina eram encontrados com mais freqüência e incidência em algumas raças do que em outras podendo configurar o que os próprios geneticistas chamaram de marcadores genéticas O cruzamento de todos os critérios possíveis o critério da cor da pele os critérios morfológicos e químicos deu origem a dezenas de raças subraças e subsubraças As pesquisas comparativas levaram também à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes um marcador genético característico de uma raça pode embora com menos incidência ser encontrado em outra raça Assim um senegalês pode geneticamente ser mais próximo de um norueguês e mais distante de um congolês da mesma maneira que raros casos de anemia falciforme podem ser encontrados na Europa etc Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica genética humana biologia molecular bioquímica os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram a conclusão de que a raça não é uma realidade biológica mas sim apenas um conceito alias cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividila em raças estancas Ou seja biológica e cientificamente as raças não existem A invalidação científica do conceito de raça não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes Os patrimônios genéticos são diferentes mas essas diferenças não são suficientes para classificálas em raças O maior problema não está nem na classificação como tal nem na inoperacionalidade científica do conceito de raça Se os naturalistas dos séculos XVIIIXIX tivessem limitado seus trabalhos somente à classificação dos grupos humanos em função das características físicas eles não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento científico Infelizmente desde o início eles se deram o direito de hierarquizar isto é de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico cor da pele traços morfológicos e as qualidades psicológicas morais intelectuais e culturais Assim os indivíduos da raça branca foram decretados coletivamente superiores aos da raça negra e amarela em função de suas características físicas hereditárias tais como a cor clara da pele o formato do crânio dolicocefalia a forma dos lábios do nariz do queixo etc que segundo pensavam os tornam mais bonitos mais inteligentes mais honestos mais inventivos etc e conseqüentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças principalmente a negra mais escura de todas e conseqüentemente considerada como a mais estúpida mais emocional menos honesta menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação A classificação da humanidade em raças hierarquizadas desembocou numa teoria pseudocientífica a raciologia que ganhou muito espaço no início do século XX Na realidade apesar da máscara científica a raciologia tinha um conteúdo mais doutrinário do que científico pois seu discurso serviu mais para justificar e legitimar os sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana Gradativamente os conteúdos dessa doutrina chamada ciência começaram a sair dos círculos intelectuais e acadêmicos para se difundir no tecido social das populações ocidentais dominantes Depois foram recuperados pelos nacionalismos nascentes como o nazismo para legitimar as exterminações que causaram à humanidade durante a Segunda guerra mundial Podemos observa que o conceito de raça tal como o empregamos hoje nada tem de biológico É um conceito carregado de ideologia pois como todas as ideologias ele esconde uma coisa não proclamada a relação de poder e de dominação A raça sempre apresentada como categoria biológica isto é natural é de fato uma categoria etno semântica De outro modo o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam Os conceitos de negro branco e mestiço não significam a mesma coisa nos Estados Unidos no Brasil na África do Sul na Inglaterra etc Por isso que o conteúdo dessas palavras é etnosemântico políticoideológico e não biológico Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo molecular a raça não existe no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos É a partir dessas raças fictícias ou raças sociais que se reproduzem e se mantêm os racismos populares Alguns biólogos antiracistas chegaram até sugerir que o conceito de raça fosse banido dos dicionários e dos textos científicos No entanto o conceito persiste tanto no uso popular como em trabalhos e estudos produzidos na área das ciências sociais Estes embora concordem com as conclusões da atual Biologia Humana sobre a inexistência científica da raça e a inoperacionalidade do próprio conceito eles justificam o uso do conceito como realidade social e política considerando a raça como uma construção sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão A questão mais importante do ponto de vista científico não é apenas observar e estabelecer tipologias mas sim principalmente encontrar a explicação da diversidade humana Antes de Darwin e seus predecessores Lamarck a representação do mundo tido como criado era estática e imóvel As variações entre os organismos tinham uma explicação metafísica Mas Darwin demonstrou a partir dos princípios da seleção natural A Evolução da Espécie1859 que os organismos vivos evoluíram gradativamente a partir de uma origem comum e se diversificaram no tempo e no espaço adaptandose a meios hostis diversos e em perpétua transformação A variação dos caracteres genéticos fisiológicos morfológicos e comportamentais hoje observados tanto entre as populações vegetais e animais como humanas correspondem em grande medida a um fenômeno adaptativo Exemplos uma pele escura concentra mais melanina que uma pele clara pois protege contra a infiltração dos raios ultravioletas nos países tropicais uma pele clara é necessária nos países frios pois auxilia na síntese da vitamina D Graças aos progressos da ciência e da tecnologia a adaptação ao meio ambiente não precisa mais hoje de mutações genéticas necessárias no longínquo passado de nossos antepassados A diversidade genética é absolutamente indispensável à sobrevivência da espécie humana Cada indivíduo humano é o único e se distingue de todos os indivíduos passados presentes e futuros não apenas no plano morfológico imonológico e fisiológico mas também no plano dos comportamentos É absurdo pensar que os caracteres adaptativos sejam no absoluto melhores ou menos bons superiores ou inferiores que outros Uma sociedade que deseja maximizar as vantagens da diversidade genética de seus membros deve ser igualitária isto é oferecer aos diferentes indivíduos a possibilidade de escolher entre caminhos meios e modos de vida diversos de acordo com as disposições naturais de cada um A igualdade supõe também o respeito do indivíduo naquilo que tem de único como a diversidade étnica e cultural e o reconhecimento do direito que tem toda pessoa e toda cultura de cultivar sua especificidade pois fazendo isso elas contribuem a enriquecer a diversidade cultural geral da humanidade O CONCEITO DE RACISMO Criado por volta de 1920 o racismo enquanto conceito e realidade já foi objeto de diversas leituras e interpretações Já recebeu várias definições que nem sempre dizem a mesma coisa nem sempre têm um denominador comum Quando utilizamos esse conceito em nosso cotidiano não lhe atribuímos mesmos conteúdo e significado daí a falta do consenso até na busca de soluções contra o racismo Por razões lógicas e ideológicas o racismo é geralmente abordado a partir da raça dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as duas noções Com efeito com base nas relações entre raça e racismo o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns sendo estas últimas suportes das características psicológicas morais intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais Visto deste ponto de vista o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral o físico e o intelecto o físico e o cultural O racista cria a raça no sentido sociológico ou seja a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais lingüísticos religiosos etc que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence De outro modo o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo são conseqüências diretas de suas características físicas ou biológicas Mas o racismo e as teorias que o justificam não caíram do céu eles têm origens mítica e histórica conhecidas A primeira origem do racismo derive do mito bíblico de Noé do qual resulta a primeira classificação religiosa da diversidade humana entre os três filhos de Noé ancestrais das três raças Jafé ancestral da raça branca Sem ancestral da raça amarela e Cam ancestral da raça negra Segundo o nono capitulo da Gênese o patriarca Noé depois de conduzir por muito tempo sua arca nas águas do dilúvio encontrou finalmente um oásis Estendeu sua tenda para descansar com seus três filhos Depois de tomar algumas taças de vinho ele se deitara numa posição indecente Cam ao encontrar seu pai naquela postura fez junto aos seus irmãos Jafé e Sem comentários desrespeitosos sobre o pai Foi assim que Noé ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada não linzongeira de Cam amaldiçoou este último dizendo seus filhos serão os últimos a ser escravizados pelos filhos de seus irmãos Os calvinistas se baseiam sobre esse mito para justificar e legitimar o racismo antinegro A Segunda origem do racismo tem uma história conhecida e inventariada ligada ao modernismo ocidental Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação dos caracteres físicos cor da pele traços morfológicos Os caracteres físicos foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos Essa mudança de perspectiva foi considerada como um salto ideológico importante na construção da ideologia racista pois passouse de um tipo de explicação na qual o Deus e o livre arbítrio constituí o eixo central da divisão da história humana para um novo tipo no qual a Biologia sob sua forma simbólica se erige em determinismo racial e se torna a chave da história humana Insisto sobre o fato de que o racismo nasce quando fazse intervir caracteres biológicos como justificativa de tal ou tal comportamento É justamente o estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais psicológicas intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores Carl Von Linné o Lineu o mesmo naturalista sueco que fez a primeira classificação racial das plantas oferece também no século XVIII o melhor exemplo da classificação racial humana acompanhada de uma escala de valores que sugere a hierarquizaçãoCom efeito na sua classificação da diversidade humana Lineu divide o Homo Sapiens em quatro raças Americano que o próprio classificador descreve como moreno colérico cabeçudo amante da liberdade governado pelo hábito tem corpo pintado Asiático amarelo melancólico governado pela opinião e pelos preconceitos usa roupas largas Africano negro flegmático astucioso preguiçoso negligente governado pela vontade de seus chefesdespotismo unta o corpo com óleo ou gordura sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados Europeu branco sangüíneo musculoso engenhoso inventivo governado pelas leis usa roupas apertados Como Lineu conseguiu relacionar a cor da pele com a inteligência a cultura e as características psicológicas num esquema sem dúvida hierarquizante construindo uma escala de valores nitidamente tendenciosa O pior é que os elementos dessa hierarquização sobreviveram ao tempo a aos progressos da ciência e se mantêm ainda intactos no imaginário coletivo das novas gerações No entanto não foi até o ponto atual dos conhecimentos cientificamente comprovada a relação entre uma variável biológica e um caractere psicológico entre raça e aptidões intelectuais entre raça e cultura A concepção do racismo baseada na vertente biológica começa a mudar a partir dos anos 70 graças aos progressos realizados nas ciências biológicas genética humana bioquímica biologia molecular e que fizeram desacreditar na realidade científica da raça Assistese então ao deslocamento do eixo central do racismo e ao surgimento de formas derivadas tais como racismo contra mulheres contra jovens contra homossexuais contra pobres contra burgueses contra militares etc Tratase aqui de um racismo por analogia ou metaforização resultante da biologização de um conjunto de indivíduos pertencendo a uma mesma categoria social É como se essa categoria social racializada biologizada fosse portadora de um estigma corporal Temos nesse caso o uso popular do conceito de racismo qualificando de racismo qualquer atitude ou comportamento de rejeição e de injustiça social Esse uso generalizado do racismo pode constituir uma armadilha ideológica na medida em que pode levar à banalização dos efeitos do racismo ou seja a um esvaziamento da importância ou da gravidade dos efeitos nefastos do racismo no mundo Por que os negros se queixam tanto pois afinal não são as únicas vítimas do racismo indagariam os indivíduos motivados por essa lógica de banalização Em conseqüência o racismo com seus múltiplos usos e suas numerosas lógicas se torna tão banal que é usado para explicar tudo Mas o deslocamento mais importante do eixo central do racismo pode ser observado bem antes dos anos 70 a partir de 1948 com a implantação do apartheid na África do sul O apartheid palavra do Afrikans foi oficialmente definido como um projeto político de desenvolvimento separado baseado no respeito das diferenças étnicas ou culturais dos povos sul africanos Um projeto certamente fundamentado no multiculturalismo política e ideologicamente manipulado Observase também que é em nome do respeito das diferenças e da identidade cultural de cada povo que o racismo se reformula e se mantém nos países da Europa ocidental contra os imigrantes dos países árabes africanos e outros dos países do Terceiro mundo a partir dos anos 80 Já no fim do século passado e início deste século o racismo não precisa mais do conceito de raça no sentido biológico para decretar a existência das diferenças insuperáveis entre grupos estereótipos Além da essencialização somáticobiológica o estudo sobre o racismo hoje deve integrar outros tipos de essencialização em especial a essencialização histórico cultural Embora a raça não exista biologicamente isto é insuficiente para fazer desaparecer as categorias mentais que a sustentam O difícil é aniquilar as raças fictícias que rondam em nossas representações e imaginários coletivos Enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça o racismo novo se alimenta na noção de etnia definida como um grupo cultural categoria que constituí um lexical mais aceitável que a raçafalar politicamente correto Estamos entrando no terceiro milênio carregando o saldo negativo de um racismo elaborado no fim do séculos XVIII aos meados do século XIX A consciência política reivindicativa das vítimas do racismo nas sociedades contemporâneas está cada vez mais crescente o que comprova que as práticas racistas ainda não recuaram Estamos também entrando no novo milênio com a nova forma de racismo o racismo construído com base nas diferenças culturais e identitárias Devemos portanto observar um grande paradoxo a partir dessa novo forma de racismo racistas e antiracistas carregam a mesma bandeira baseada no respeito das diferenças culturais e na construção de uma política multiculturalista Se por um lado os movimentos negros exigem o reconhecimento público de sua identidade para a construção de uma nova imagem positiva que possa lhe devolver entre outro a sua autoestima rasgada pela alienação racial os partidos e movimentos de extrema direita na Europa reivindicam o mesmo respeito à cultura ocidental local como pretexto para viver separados dos imigrantes árabes africanos e outros dos países não ocidentais Depois da supressão das leis do apartheid na África do sul não existe mais em nenhuma parte do mundo um racismo institucionalizado e explícito O que significa que os Estados Unidos a África do Sul e os países da Europa ocidental se encontram todos hoje no mesmo pé de igualdade com o Brasil caracterizado por um racismo de fato e implícito as vezes sutil salvo a violência policial que nunca foi sutil Os americanos evoluíram relativamente em relação ao Brasil pois além da supressão das leis segregacionistas no Sul eles implantaram e incrementaram as políticas de ação afirmativa cujos resultados na ascensão sócioeconômica dos afroamericanos são inegáveis Os sul africanos evoluíram também pois colocaram fim às leis do apartheid e estão hoje no caminho de construção de sua democracia que eles definem como uma democracia não racial No Brasil o mito de democracia racial bloqueou durante muitos anos o debate nacional sobre as políticas de ação afirmativa e paralelamente o mito do sincretismo cultural ou da cultura mestiçanacional atrasou também o debate nacional sobre a implantação do multiculturalismo no sistema educacional brasileiro CONCEITO DE ETNIA O conteúdo da raça é morfobiológico e o da etnia é sóciocultural histórico e psicológico Um conjunto populacional dito raça branca negra e amarela pode conter em seu seio diversas etnias Uma etnia é um conjunto de indivíduos que histórica ou mitologicamente têm um ancestral comum têm uma língua em comum uma mesma religião ou cosmovisão uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território Algumas etnias constituíram sozinhas nações Assim o caso de várias sociedades indígenas brasileiras africanas asiáticas australianas etc que são ou foram etnias nações Os territórios geográficos da quase totalidade das etnias nações africanas foram desfeitos e redistribuídos entre territórios coloniais durante a conferência de Berlim 18841885 É por isso que o mapa geopolítico da África atual difere totalmente do mapa geopolítico pré colonial Os antigos territórios étnicos no sentido dos estados nações são hoje divididos entre diversos países africanos herdados da colonização O antigo território da etnia iorubá se encontra dividido hoje entre as Repúblicas de Nigéria Togo e Benin o antigo território da etnia Kongo é hoje dividido entre as Repúblicas de Angola Congo Kinshasa e Congo Brazaville etc para citar apenas dois exemplos entre dezenas A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na área das relações raciais e interétnicas recorrem com mais freqüências ao conceito de raça Eles empregam ainda este conceito não mais para afirmar sua realidade biológica mas sim para explicar o racismo na medida em que este fenômeno continua a se basear em crença na existência das raças hierarquizadas raças fictícias ainda resistentes nas representações mentais e no imaginário coletivo de todos os povos e sociedades contemporâneas Alguns fogem do conceito de raça e o substituem pelo conceito de etnia considerado como um lexical mais cômodo que o de raça em termos de fala politicamente correta Essa substituição não muda nada à realidade do racismo pois não destruí a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos componentes do racismo Ou seja o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica ele se reformula com base nos conceitos de etnia diferença cultural ou identidade cultural mas as vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje O que mudou na realidade são os termos ou conceitos mas o esquema ideológico que subentende a dominação e a exclusão ficou intato É por isso que os conceitos de etnia de identidade étnica ou cultural são de uso agradável para todos racistas e antiracistas Constituem uma bandeira carregada para todos embora cada um a manipule e a direcione de acordo com seus interesses Em meus trabalhos utilizo geralmente no lugar dos conceitos de raça negra e raça branca os conceitos de Negros e Brancos no sentido políticoideológico acima explicado ou os conceitos de População Negra e População Branca emprestados do biólogo e geneticista Jean Hiernaux que entende por população um conjunto de indivíduos que participam de um mesmo círculo de união ou de casamento e que ipso facto conservam em comum alguns traços do patrimônio genético hereditário Tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados É esse duplo uso que cria confusão na mente dos jovens pesquisadores ou iniciantes A confusão está justamente no uso não claramente definido dos conceitos de raça e etnia que se refletem bem nas expressões tais como as de identidade racial negra identidade étnica negra identidade étnicoracial negra etc Os povos que aqui se encontraram e construíram um país que podemos historicamente considerar como um encontro ou carrefour de culturas e civilizações não podem mais em nome da Ciência biológica atual ou da Genética humana ser considerados como raças mas sim como populações na medida em que eles continuam pelas regras culturais de endogamia a participarem dos mesmos círculos de união ou casamento embora esses círculos não estivessem totalmente fechados como ilustrado pelo crescimento da população mestiça Por outro lado todos esses povos foram oriundos de diversas etnias da Europa da África da Ásia da Arábia etc Aqui encontraram outros mosaicos indígenas formados por milhões de indivíduos que foram dizimados pelo contato com a civilização ocidental e cujos sobreviventes formam as chamadas tribos indígenas de hoje Podemos no plano empírico afirmar que todas essas diversidades oriundas da Europa da África da Ásia do Oriente Médio etc se aculturaram para formar novas etnias branca negra e amarela etc Não seria criar uma tremenda confusão na medida em que o uso de tais conceitos remeteria a uma certa biologização da cultura O que significaria então uma etnia negra branca ou amarela que por sua vez corresponde a uma unidade cultural branca negra e amarela Os chamados negros brancos e amarelos estariam como as laranjeiras mangueiras bananeiras etc que produzem respectivamente laranjas mangas e bananas produzindo também as culturas brancas negras e amarelas Sem dúvida a etnia não é ume entidade estática Ela tem uma história isto é uma origem e uma evolução no tempo e no espaço Se olharmos atentamente a história de todos os povos perceberemos que as etnias nascem e desaparecem na noite dos tempos Visto deste ângulo não seria errado falar de novas etnias ou etnias contemporâneas à condição que os que usam esses conceitos tomem o cuidado de definilos primeiramente para evitar confusões com outros conceitos etc Não é isso que geralmente acontece com os usos dos conceitos de cultura negra e branca ou de etnia negra Os idealizadores desses conceitos poderiam no mínimo definir os novos componentes e conteúdos desses conceitos no contexto da dinâmica contemporânea das relações raciais e interétnicas Sem dúvida por uma visão políticoideológica que colocou coletivamente os brancos no topo da pirâmide social do comando e do poder independentemente de suas raízes culturais de origem étnica temse tendência por vício da ideologia racista que estabelece uma relação intrínseca entre biologia e cultura ou raça e cultura a considerar a população branca independentemente de suas diferentes origens geográficos e culturais como pertencente a uma mesma cultura ou mesma etnia daí as expressões equívocas e equivocadas de cultura branca e etnia branca Pelo mesmo raciocínio baseado na visão políticoideológica que colocou coletivamente os negros na base da pirâmide como grupo Têmse culturas particulares que escapam da cultura globalizada e se posicionam até como resistência ao processo de globalização Essas culturas particulares se constróem diversamente tanto no conjunto da população negra como no da população branca e oriental É a partir da tomada de consciência dessas culturas de resistência que se constroem as identidades culturais enquanto processos e jamais produtos acabados São essas identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educaçãocidadã etc Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica percebese que não existe uma única cultura branca e uma única cultura negra e que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil Neste sentido os afrobaianos produzem no campo da religiosidade da música da culinária da dança das artes plásticas etc uma cultura diferente dos afro mineiros dos afromaranhenses e dos negros cariocas As comunidades quilombolas ou remanescentes dos quilombos apesar de terem alguns problemas comuns apresentam também histórias culturas e religiões diferentes Os descendentes de italianos em todo o Brasil preservaram alguns hábitos alimentares que os aproximam da terra mãe os gaúchos no Rio Grande do Sul têm também peculiaridades culturais na sua dança em seu traje e em seus hábitos alimentares e culinários que os diferenciam dos baianos etc Como a identidade cultural se construí com base na tomada de consciência das diferenças provindo das particularidades históricas culturais religiosas sociais regionais etc se delineiam assim no Brasil diversos processos de identidade cultural revelando um certo pluralismo tanto entre negros quanto entre brancos e entre amarelos todos tomados como sujeitos históricos e culturais e não como sujeitos biológicos ou raciais identidade étnicoracial negra A questão é saber se todos têm consciência do conteúdo político dessas expressões e evitam cair no biologismo pensando que os negros produzem cultura e identidade negras como as laranjeiras produzem laranjas e as mangueiras as mangas Esta identidade política é uma identidade unificadora em busca de propostas transformadoras da realidade do negro no Brasil Ela se opõe a uma outra identidade unificadora proposta pela ideologia dominante ou seja a identidade mestiça que além de buscar a unidade nacional visa também a legitimação da chamada democracia racial brasileira e a conservação do status quo SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS MUNANGA Kabengele Negritude Usos e Sentidos 2ª ed São Paulo Ática 1988 Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil Identidade nacional Versus Identidade Negra Petrópolis EdVozes 1999 A identidade negra no contexto da globalização IN Ethnos Brasil Ano I nº 1 março de 2002 pp1120 UNESP Teorias sobre o racismo In Estudos pesquisas 4 Racismo perspectivas para um estudo contextualizado da sociedade brasileira Niterói EDUFF 1998 pp 4365 JACQUARD Albert Elogio Da Diferença São Paulo Martins fontes 1988 JACQUARD Albert POSSENOT J M Todos Semelhantes Todos Diferentes São Paulo Editora Augustus 1993 SCHWARCZ Lilia Moritz QUEIROZ Renato da Silva orgs Raça e Diversidade São Paulo EduspEstação Ciência 1996 NASCIMENTO Elisa Larkin O Sortilégio Da Cor Identidade raça e gênero no Brasil São Paulo Summus 2003 NOGUEIRA Oracy Tanto Preto Quanto Branco Estudos De Relações Raciais São Paulo T A Queiroz Editor1985 TODOROV Tzvetan Nós e os Outros A Reflexão Francesa SOBRE a Diversidade Humana 1 Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1993 CAVALLI SFORZA Luca CAVALLI SFORZA Francesco Quem somos História da Diversidade Humana São Paulo Editora da UNESP 2002 VINCKE Edouard Géographes et Hommes dAilleurs Bruxelles Commission Française de la Culture de lAglomération de Bruxelles Collection Document nº 28 1985 Racial ou Raciste Racisme ou Racismes In Revue de lInstitut Supérieur de Pédagogie de Bruxelles nº 24 décembre 1987 pp2333 CASTELLS Manuel O Poder da Identidade Rio De Janeiro Paz e Terra 1999 MUNANGA K Uma abordagem conceitual das noções de raça racismo identidade e etnia 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação Rio de Janeiro 2003 O professor da USP Kabengele Munanga em sua palestra no Seminário Nacional de Relações Raciais e Educação dissertou sobre as noções conceituais a respeito de raça racismo identidade e etnia Para isso ele faz um resgate da definição de raça das ciências naturais utilizada na classificação de plantas trazendo um panorama histórico que vai desde a ancestralidade evidenciada no latim medieval até a diversidade humana contrastada na França ressaltando ideais de pureza chegando a questionar o conceito de humanidade para a civilização ocidental É no século XVIII que com a busca de uma conceituação que abarcasse os outros ameríndios negros melanésios etc a humanidade é classificada em raças diferentes tomando por base a prévia conceituação da História Natural da Humanidade Por sua vez a explicação científica para a variabilidade humana de acordo com o professor reforça uma ideia de hierarquização do racialismo tal qual a categorização utilizada em uma biblioteca para a busca de documentos No entanto foi essa classificação que diferenciou a espécie humana dos animais considerando as distinções e semelhanças e tornando possível discutir sobre as espécies conhecidas Munanga apresenta o fato de que ainda no mesmo século o critério de cor da pele foi utilizado como fundamental para distinguir a raça humana branca negra e amarela sendo que esse fator faz parte do imaginário coletivo nos dias atuais Essa hierarquização diz respeito à concentração de melanina na pele e à tonalidade dos cabelos e olhos e nos séculos seguintes incorporou também o formato do nariz dos lábios queixo crânio até mesmo critérios químicos presentes no sangue que deram origens à raças sub raças e subsubraças O professor no entanto questiona o argumento científico que explica a diversidade humana dividindoa em raças estancas enfatizando que não significa que todos são semelhantes No entanto o grande problema dessa classificação é o de que desde as primeiras classificações o conceito de raça sofreu uma hierarquização que decretou que os indivíduos brancos são superiores às outras raças seja por suas características físicas genéticas ou químicas culminando numa teoria raciologia que não é de fato científica e que agia muito mais como uma doutrina que posteriormente se espalhou pelo tecido social das classes dominantes Dessa forma Munanga apresenta o conceito de raça não como científico apesar de se postular de tal modo mas como etnosemântico definido através das relações de poder e portanto políticoideológico Nesse sentido o conceito de raça apesar de ser comprovado sua inoperacionalidade é discutido pelo professor como uma construção sociológica e categoria social que reforça a dominação e exclusão de uns em favor de outros A respeito disso ainda é constatado que o conceito de variabilidade genética e os caracteres adaptativos não devem ser distintivos de superioridade ou inferioridade pois só reforçam as desigualdades Tendo entendido essa historiografia da raça compreendese o racismo como uma ideologia essencialista a qual divide a humanidade em raças a partir de características físicas comuns que incorporam características psicológicas morais intelectuais entre outras Afirma a existência de raças hierarquizadas no sentido sociológico não apenas com traços físicos mas culturais religiosos etc Munanga a partir de então aponta as origens do racismo através do mito bíblico de Noé com a ancestralidade de raças de Jafé Sem e Cam e do determinismo racial histórico ligado aos caracteres físicos biológicos tidos como irreversíveis na influência do comportamento de um povo Além disso esses fatores biológicos são relacionados a valores que sugerem a hierarquização de raças superiores e inferiores como se pode observar na classificação do biólogo Lineu americano asiático africano e europeu cujo esquema é tendencioso e preserva o imaginário de hierarquia É apenas na década de 70 que essa concepção começa a mudar com os avanços nas ciências biológicas e o surgimento de formas de expressão racistas derivadas como o racismo contra mulheres homossexuais pobres entre outros mas ainda se percebe sua forte influência históricocultural no imaginário coletivo ainda mais quando se leva em conta a política de desenvolvimento separatista do apartheid na África do Sul que institucionalizava um racismo explícito tal qual o racismo implícito no Brasil onde as discussões para implementação de ações afirmativas ainda caminham a passos lentos Mas são essas discussões que nos encaminham para o conceito de etnia A etnia carrega um conteúdo muito mais sociocultural histórico e psicológico do que o conceito de raça Isto porque ela é um conjunto de indivíduos que carrega o mesmo ancestral em comum podendo existir dentro de uma mesma raça Munanga discute que muitos pesquisadores utilizam o termo etnia como eufemizador para o conceito de raça mas nem um nem outro deixa de lado a relação de hierarquia entre diferentes culturas apenas perpetua o esquema com que se subentende a exclusão e dominação Com isso ele sugere o uso de Negros e Brancos ou até mesmo População Negra e População Branca pois não manipulam ideologicamente o conceito etnia e raça Mas a discussão do uso do conceito de etnia ainda é comumente evocada com o uso de termos como identidade étnica que busca representar toda uma cultura que naturalmente é muito diversa tanto na população negra quanto na população branca e oriental Também a pluralidade de identidades é o que suscita a discussão de uma identidade nacional multicultural e política Com base nas discussões observadas é possível compreender que termos como raça e etnia corroboram a uma hierarquia social que reafirma a dominação tanto cultural quanto ideológica e por muito tempo também física de uma população que desde os primeiros estudos científicos era cunhada como inferior impura Ambos os termos carregam uma característica racista que é fixada através das relações de poder de modo que o professor explora como a semântica dos termos evidencia essa marca de uma ideologia racista que colabora para a inferiorização de toda uma população na sociedade que por sua vez é cultural social e historicamente muito diversa De uma maneira geral ele incentiva a reflexão acerca do uso dos termos como aspectos de reafirmação de uma política racista que expressa as desigualdades na sociedade sendo isso de muita importância sobretudo quando se trata das interrelações entre as diversas identidades históricoculturais
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UMA ABORDAGEM CONCEITUAL DAS NOÇÕES DE RACA RACISMO IDENTIDADE E ETNIA Prof Dr Kabengele Munanga USP Etmologicamente o conceito de raça veio do italiano razza que por sua vez veio do latim ratio que significa sorte categoria espécie Na história das ciências naturais o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais Foi neste sentido que o naturalista sueco Carl Von Linné conhecido em Português como Lineu 17071778 o uso para classificar as plantas em 24 raças ou classes classificação hoje inteiramente abandonada Como a maioria dos conceitos o de raça tem seu campo semântico e uma dimensão temporal e especial No latim medieval o conceito de raça passou a designar a descendência a linhagem ou seja um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que ipso facto possuem algumas características físicas em comum Em 1684 o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados denominados raças Nos séculos XVIXVII o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França da época pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos de origem germânica em oposição ao Gauleses população local identificada com a Plebe Não apenas os Francos se considerava como uma raça distinta dos Gauleses mais do que isso eles se consideravam dotados de sangue puro insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir administrar e dominar os Gauleses que segundo pensavam podiam até ser escravizados Percebese como o conceitos de raças puras foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais Nobreza e Plebe sem que houvessem diferenças morfobiológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes As descobertas do século XV colocam em dúvida o conceito de humanidade até então conhecida nos limites da civillização ocidental Que são esses recém descobertos ameríndios negros melanésios etc São bestas ou são seres humanos como nós Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e EducaçãoPENESBRJ 051103 europeus Até o fim do século XVII a explicação dos outros passava pela Teologia e pela Escritura que tinham o monopólio da razão e da explicação A península ibérica constitui nos séculos XVIXVII o palco principal dos debates sobre esse assunto Para aceitar a humanidade dos outros era preciso provar que são também descendentes do Adão prova parcialmente fornecida pelo mito dos Reis Magos cuja imagem exibe personagens representes das três raças sendo Baltazar o mais escuro de todos considerado como representante da raça negra Mas o índio permanecia ainda um incógnito pois não incluído entre os três personagens representando semitas brancos e negros até que os teólogos encontraram argumentos derivados da própria bíblia para demostrar que ele também era descendente do Adão No século XVIII batizado século das luzes isto é da racionalidade os filósofos iluministas contestam o monopólio do conhecimento e da explicação concentrado nas mãos da Igreja e os poderes dos príncipes Eles se recusam a aceitar uma explicação cíclica da história da humanidade fundamentada na idade de ouro para buscar uma explicação baseada na razão transparente e universal e na história cumulativa e linear Eles recolocam em debate a questão de saber que eram esses outros recém descobertos Assim laçam mão do conceito de raça já existente nas ciências naturais para nomear esses outros que se integram à antiga humanidade como raças diferentes abrindo o caminho ao nascimento de uma nova disciplina chamada História Natural da Humanidade transformada mais tarde em Biologia e Antropologia Física Por que então classificar a diversidade humana em raças diferentes A variabilidade humana é um fato empírico incontestável que como tal merece uma explicação científica Os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento É neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido Infelizmente desembocaram numa operação de hierarquização que pavimentou o caminho do racialismo A classificação é um dado da unidade do espírito humana Todos nós já brincamos um dia classificando nossos objetos em classes ou categorias de acordo com alguns critérios de semelhança e diferença Imaginese o que aconteceria numa biblioteca do tamanho da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Sem classificação por autor e ou por assunto seria muito complicado a busca de um documento Com a preocupação de facilitar a busca e a compreensão parece que o ser humano desde que começou a observar desenvolveu a aptidão cognitiva de classificação A primeira tentativa consiste em distinguir os seres animados dos inanimados os minerais dos vegetais e os vegetais dos animais Entre os animais não há como confundir um elefante com um leopardo uma cobra com uma tartaruga São todos animais mas porém diferentes Na história da ciência a classificação dos seres vivos começa na Zoologia e na Botânica Era importante encontrar categorias maiores por sua vez subdivididas em categorias menores e subcategorias e assim adiante Os termos para designar as categorias são como todos os fenômenos lingüísticos convencionais e arbitrários Assim as principais categorias foram as divisões filo e subfilo a classe a ordem e a espécie Como homens pertencemos ao filo dos cordados ao subfilo dos vertebrados como os peixes à classe dos mamíferos como as baleias à ordem dos primatas como os grandes símios e à espécie humana homo sapiens como todos os homens e todas as mulheres que habitam nossa galáxia Somos espécie humana porque formamos um conjunto de seres homens e mulheres capazes de constituir casais fecundos isto é capazes de procriar de gerar outros machos e outras fêmeas Sem a classificação não é possível falar de milhões de espécies de animais do universo conhecido Apenas no seio da espécie homosapiens homo sábio a que pertencemos somos hoje cerca de 6 bilhões de indivíduos Nessa enorme diversidade humana que somos da mesma maneira que distinguimos o babuíno do orangotango não podemos confundir o chinês com o pigmeu da África o norueguês com o senegalês etc Em qualquer operação de classificação é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança No século XVIII a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor dágua entre as chamadas raças Por isso que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica raça branca negra e amarela Ora a cor da pele é definida pela concentração da melanina É justamente o degrau dessa concentração que define a cor da pele dos olhos e do cabelo A chamada raça branca tem menos concentração de melanina o que define a sua cor branca cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais melanina e por isso tem pele cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é dita amarela Ora a cor da pele resultante do grau de concentração da melanina substância que possuímos todos é um critério relativamente artificial Apenas menos de 1 dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele dos olhos e cabelos Os negros da África e os autóctones da Austrália possuem pele escura por causa da concentração da melanina Porém nem por isso eles são geneticamente parentes próximos Da mesma maneira que os pigmeus da África e da Ásia não constituem o mesmo grupo biológico apesar da pequena estatura que eles têm em comum No século XIX acrescentouse ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz dos lábios do queixo do formato do crânio o angulo facial etc para aperfeiçoar a classificação O crânio alongado dito dolicocéfalo por exemplo era tido como característica dos brancos nórdicos enquanto o crânio arredondado braquicéfalo era considerado como característica física dos negros e amarelos Porém em 1912 o antropólogo Franz Boas observara nos Estados Unidos que o crânio dos filhos de imigrados não brancos por definição braquicéfalos apresentavam tendência em alongarse O que tornava a forma do crânio uma característica dependendo mais da influência do meio do que dos fatores raciais No século XX descobriuse graças aos progressos da Genética Humana que haviam no sangue critérios químicos mais determinantes par consagrar definitivamente a divisão da humanidade em raças estancas Grupos de sangue certas doenças hereditárias e outros fatores na hemoglobina eram encontrados com mais freqüência e incidência em algumas raças do que em outras podendo configurar o que os próprios geneticistas chamaram de marcadores genéticas O cruzamento de todos os critérios possíveis o critério da cor da pele os critérios morfológicos e químicos deu origem a dezenas de raças subraças e subsubraças As pesquisas comparativas levaram também à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes um marcador genético característico de uma raça pode embora com menos incidência ser encontrado em outra raça Assim um senegalês pode geneticamente ser mais próximo de um norueguês e mais distante de um congolês da mesma maneira que raros casos de anemia falciforme podem ser encontrados na Europa etc Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica genética humana biologia molecular bioquímica os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram a conclusão de que a raça não é uma realidade biológica mas sim apenas um conceito alias cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividila em raças estancas Ou seja biológica e cientificamente as raças não existem A invalidação científica do conceito de raça não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes Os patrimônios genéticos são diferentes mas essas diferenças não são suficientes para classificálas em raças O maior problema não está nem na classificação como tal nem na inoperacionalidade científica do conceito de raça Se os naturalistas dos séculos XVIIIXIX tivessem limitado seus trabalhos somente à classificação dos grupos humanos em função das características físicas eles não teriam certamente causado nenhum problema à humanidade Suas classificações teriam sido mantidas ou rejeitadas como sempre aconteceu na história do conhecimento científico Infelizmente desde o início eles se deram o direito de hierarquizar isto é de estabelecer uma escala de valores entre as chamadas raças O fizeram erigindo uma relação intrínseca entre o biológico cor da pele traços morfológicos e as qualidades psicológicas morais intelectuais e culturais Assim os indivíduos da raça branca foram decretados coletivamente superiores aos da raça negra e amarela em função de suas características físicas hereditárias tais como a cor clara da pele o formato do crânio dolicocefalia a forma dos lábios do nariz do queixo etc que segundo pensavam os tornam mais bonitos mais inteligentes mais honestos mais inventivos etc e conseqüentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças principalmente a negra mais escura de todas e conseqüentemente considerada como a mais estúpida mais emocional menos honesta menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação A classificação da humanidade em raças hierarquizadas desembocou numa teoria pseudocientífica a raciologia que ganhou muito espaço no início do século XX Na realidade apesar da máscara científica a raciologia tinha um conteúdo mais doutrinário do que científico pois seu discurso serviu mais para justificar e legitimar os sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana Gradativamente os conteúdos dessa doutrina chamada ciência começaram a sair dos círculos intelectuais e acadêmicos para se difundir no tecido social das populações ocidentais dominantes Depois foram recuperados pelos nacionalismos nascentes como o nazismo para legitimar as exterminações que causaram à humanidade durante a Segunda guerra mundial Podemos observa que o conceito de raça tal como o empregamos hoje nada tem de biológico É um conceito carregado de ideologia pois como todas as ideologias ele esconde uma coisa não proclamada a relação de poder e de dominação A raça sempre apresentada como categoria biológica isto é natural é de fato uma categoria etno semântica De outro modo o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam Os conceitos de negro branco e mestiço não significam a mesma coisa nos Estados Unidos no Brasil na África do Sul na Inglaterra etc Por isso que o conteúdo dessas palavras é etnosemântico políticoideológico e não biológico Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo molecular a raça não existe no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos É a partir dessas raças fictícias ou raças sociais que se reproduzem e se mantêm os racismos populares Alguns biólogos antiracistas chegaram até sugerir que o conceito de raça fosse banido dos dicionários e dos textos científicos No entanto o conceito persiste tanto no uso popular como em trabalhos e estudos produzidos na área das ciências sociais Estes embora concordem com as conclusões da atual Biologia Humana sobre a inexistência científica da raça e a inoperacionalidade do próprio conceito eles justificam o uso do conceito como realidade social e política considerando a raça como uma construção sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão A questão mais importante do ponto de vista científico não é apenas observar e estabelecer tipologias mas sim principalmente encontrar a explicação da diversidade humana Antes de Darwin e seus predecessores Lamarck a representação do mundo tido como criado era estática e imóvel As variações entre os organismos tinham uma explicação metafísica Mas Darwin demonstrou a partir dos princípios da seleção natural A Evolução da Espécie1859 que os organismos vivos evoluíram gradativamente a partir de uma origem comum e se diversificaram no tempo e no espaço adaptandose a meios hostis diversos e em perpétua transformação A variação dos caracteres genéticos fisiológicos morfológicos e comportamentais hoje observados tanto entre as populações vegetais e animais como humanas correspondem em grande medida a um fenômeno adaptativo Exemplos uma pele escura concentra mais melanina que uma pele clara pois protege contra a infiltração dos raios ultravioletas nos países tropicais uma pele clara é necessária nos países frios pois auxilia na síntese da vitamina D Graças aos progressos da ciência e da tecnologia a adaptação ao meio ambiente não precisa mais hoje de mutações genéticas necessárias no longínquo passado de nossos antepassados A diversidade genética é absolutamente indispensável à sobrevivência da espécie humana Cada indivíduo humano é o único e se distingue de todos os indivíduos passados presentes e futuros não apenas no plano morfológico imonológico e fisiológico mas também no plano dos comportamentos É absurdo pensar que os caracteres adaptativos sejam no absoluto melhores ou menos bons superiores ou inferiores que outros Uma sociedade que deseja maximizar as vantagens da diversidade genética de seus membros deve ser igualitária isto é oferecer aos diferentes indivíduos a possibilidade de escolher entre caminhos meios e modos de vida diversos de acordo com as disposições naturais de cada um A igualdade supõe também o respeito do indivíduo naquilo que tem de único como a diversidade étnica e cultural e o reconhecimento do direito que tem toda pessoa e toda cultura de cultivar sua especificidade pois fazendo isso elas contribuem a enriquecer a diversidade cultural geral da humanidade O CONCEITO DE RACISMO Criado por volta de 1920 o racismo enquanto conceito e realidade já foi objeto de diversas leituras e interpretações Já recebeu várias definições que nem sempre dizem a mesma coisa nem sempre têm um denominador comum Quando utilizamos esse conceito em nosso cotidiano não lhe atribuímos mesmos conteúdo e significado daí a falta do consenso até na busca de soluções contra o racismo Por razões lógicas e ideológicas o racismo é geralmente abordado a partir da raça dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as duas noções Com efeito com base nas relações entre raça e racismo o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns sendo estas últimas suportes das características psicológicas morais intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais Visto deste ponto de vista o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral o físico e o intelecto o físico e o cultural O racista cria a raça no sentido sociológico ou seja a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais lingüísticos religiosos etc que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence De outro modo o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo são conseqüências diretas de suas características físicas ou biológicas Mas o racismo e as teorias que o justificam não caíram do céu eles têm origens mítica e histórica conhecidas A primeira origem do racismo derive do mito bíblico de Noé do qual resulta a primeira classificação religiosa da diversidade humana entre os três filhos de Noé ancestrais das três raças Jafé ancestral da raça branca Sem ancestral da raça amarela e Cam ancestral da raça negra Segundo o nono capitulo da Gênese o patriarca Noé depois de conduzir por muito tempo sua arca nas águas do dilúvio encontrou finalmente um oásis Estendeu sua tenda para descansar com seus três filhos Depois de tomar algumas taças de vinho ele se deitara numa posição indecente Cam ao encontrar seu pai naquela postura fez junto aos seus irmãos Jafé e Sem comentários desrespeitosos sobre o pai Foi assim que Noé ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada não linzongeira de Cam amaldiçoou este último dizendo seus filhos serão os últimos a ser escravizados pelos filhos de seus irmãos Os calvinistas se baseiam sobre esse mito para justificar e legitimar o racismo antinegro A Segunda origem do racismo tem uma história conhecida e inventariada ligada ao modernismo ocidental Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação dos caracteres físicos cor da pele traços morfológicos Os caracteres físicos foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos Essa mudança de perspectiva foi considerada como um salto ideológico importante na construção da ideologia racista pois passouse de um tipo de explicação na qual o Deus e o livre arbítrio constituí o eixo central da divisão da história humana para um novo tipo no qual a Biologia sob sua forma simbólica se erige em determinismo racial e se torna a chave da história humana Insisto sobre o fato de que o racismo nasce quando fazse intervir caracteres biológicos como justificativa de tal ou tal comportamento É justamente o estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais psicológicas intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores Carl Von Linné o Lineu o mesmo naturalista sueco que fez a primeira classificação racial das plantas oferece também no século XVIII o melhor exemplo da classificação racial humana acompanhada de uma escala de valores que sugere a hierarquizaçãoCom efeito na sua classificação da diversidade humana Lineu divide o Homo Sapiens em quatro raças Americano que o próprio classificador descreve como moreno colérico cabeçudo amante da liberdade governado pelo hábito tem corpo pintado Asiático amarelo melancólico governado pela opinião e pelos preconceitos usa roupas largas Africano negro flegmático astucioso preguiçoso negligente governado pela vontade de seus chefesdespotismo unta o corpo com óleo ou gordura sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados Europeu branco sangüíneo musculoso engenhoso inventivo governado pelas leis usa roupas apertados Como Lineu conseguiu relacionar a cor da pele com a inteligência a cultura e as características psicológicas num esquema sem dúvida hierarquizante construindo uma escala de valores nitidamente tendenciosa O pior é que os elementos dessa hierarquização sobreviveram ao tempo a aos progressos da ciência e se mantêm ainda intactos no imaginário coletivo das novas gerações No entanto não foi até o ponto atual dos conhecimentos cientificamente comprovada a relação entre uma variável biológica e um caractere psicológico entre raça e aptidões intelectuais entre raça e cultura A concepção do racismo baseada na vertente biológica começa a mudar a partir dos anos 70 graças aos progressos realizados nas ciências biológicas genética humana bioquímica biologia molecular e que fizeram desacreditar na realidade científica da raça Assistese então ao deslocamento do eixo central do racismo e ao surgimento de formas derivadas tais como racismo contra mulheres contra jovens contra homossexuais contra pobres contra burgueses contra militares etc Tratase aqui de um racismo por analogia ou metaforização resultante da biologização de um conjunto de indivíduos pertencendo a uma mesma categoria social É como se essa categoria social racializada biologizada fosse portadora de um estigma corporal Temos nesse caso o uso popular do conceito de racismo qualificando de racismo qualquer atitude ou comportamento de rejeição e de injustiça social Esse uso generalizado do racismo pode constituir uma armadilha ideológica na medida em que pode levar à banalização dos efeitos do racismo ou seja a um esvaziamento da importância ou da gravidade dos efeitos nefastos do racismo no mundo Por que os negros se queixam tanto pois afinal não são as únicas vítimas do racismo indagariam os indivíduos motivados por essa lógica de banalização Em conseqüência o racismo com seus múltiplos usos e suas numerosas lógicas se torna tão banal que é usado para explicar tudo Mas o deslocamento mais importante do eixo central do racismo pode ser observado bem antes dos anos 70 a partir de 1948 com a implantação do apartheid na África do sul O apartheid palavra do Afrikans foi oficialmente definido como um projeto político de desenvolvimento separado baseado no respeito das diferenças étnicas ou culturais dos povos sul africanos Um projeto certamente fundamentado no multiculturalismo política e ideologicamente manipulado Observase também que é em nome do respeito das diferenças e da identidade cultural de cada povo que o racismo se reformula e se mantém nos países da Europa ocidental contra os imigrantes dos países árabes africanos e outros dos países do Terceiro mundo a partir dos anos 80 Já no fim do século passado e início deste século o racismo não precisa mais do conceito de raça no sentido biológico para decretar a existência das diferenças insuperáveis entre grupos estereótipos Além da essencialização somáticobiológica o estudo sobre o racismo hoje deve integrar outros tipos de essencialização em especial a essencialização histórico cultural Embora a raça não exista biologicamente isto é insuficiente para fazer desaparecer as categorias mentais que a sustentam O difícil é aniquilar as raças fictícias que rondam em nossas representações e imaginários coletivos Enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça o racismo novo se alimenta na noção de etnia definida como um grupo cultural categoria que constituí um lexical mais aceitável que a raçafalar politicamente correto Estamos entrando no terceiro milênio carregando o saldo negativo de um racismo elaborado no fim do séculos XVIII aos meados do século XIX A consciência política reivindicativa das vítimas do racismo nas sociedades contemporâneas está cada vez mais crescente o que comprova que as práticas racistas ainda não recuaram Estamos também entrando no novo milênio com a nova forma de racismo o racismo construído com base nas diferenças culturais e identitárias Devemos portanto observar um grande paradoxo a partir dessa novo forma de racismo racistas e antiracistas carregam a mesma bandeira baseada no respeito das diferenças culturais e na construção de uma política multiculturalista Se por um lado os movimentos negros exigem o reconhecimento público de sua identidade para a construção de uma nova imagem positiva que possa lhe devolver entre outro a sua autoestima rasgada pela alienação racial os partidos e movimentos de extrema direita na Europa reivindicam o mesmo respeito à cultura ocidental local como pretexto para viver separados dos imigrantes árabes africanos e outros dos países não ocidentais Depois da supressão das leis do apartheid na África do sul não existe mais em nenhuma parte do mundo um racismo institucionalizado e explícito O que significa que os Estados Unidos a África do Sul e os países da Europa ocidental se encontram todos hoje no mesmo pé de igualdade com o Brasil caracterizado por um racismo de fato e implícito as vezes sutil salvo a violência policial que nunca foi sutil Os americanos evoluíram relativamente em relação ao Brasil pois além da supressão das leis segregacionistas no Sul eles implantaram e incrementaram as políticas de ação afirmativa cujos resultados na ascensão sócioeconômica dos afroamericanos são inegáveis Os sul africanos evoluíram também pois colocaram fim às leis do apartheid e estão hoje no caminho de construção de sua democracia que eles definem como uma democracia não racial No Brasil o mito de democracia racial bloqueou durante muitos anos o debate nacional sobre as políticas de ação afirmativa e paralelamente o mito do sincretismo cultural ou da cultura mestiçanacional atrasou também o debate nacional sobre a implantação do multiculturalismo no sistema educacional brasileiro CONCEITO DE ETNIA O conteúdo da raça é morfobiológico e o da etnia é sóciocultural histórico e psicológico Um conjunto populacional dito raça branca negra e amarela pode conter em seu seio diversas etnias Uma etnia é um conjunto de indivíduos que histórica ou mitologicamente têm um ancestral comum têm uma língua em comum uma mesma religião ou cosmovisão uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território Algumas etnias constituíram sozinhas nações Assim o caso de várias sociedades indígenas brasileiras africanas asiáticas australianas etc que são ou foram etnias nações Os territórios geográficos da quase totalidade das etnias nações africanas foram desfeitos e redistribuídos entre territórios coloniais durante a conferência de Berlim 18841885 É por isso que o mapa geopolítico da África atual difere totalmente do mapa geopolítico pré colonial Os antigos territórios étnicos no sentido dos estados nações são hoje divididos entre diversos países africanos herdados da colonização O antigo território da etnia iorubá se encontra dividido hoje entre as Repúblicas de Nigéria Togo e Benin o antigo território da etnia Kongo é hoje dividido entre as Repúblicas de Angola Congo Kinshasa e Congo Brazaville etc para citar apenas dois exemplos entre dezenas A maioria dos pesquisadores brasileiros que atuam na área das relações raciais e interétnicas recorrem com mais freqüências ao conceito de raça Eles empregam ainda este conceito não mais para afirmar sua realidade biológica mas sim para explicar o racismo na medida em que este fenômeno continua a se basear em crença na existência das raças hierarquizadas raças fictícias ainda resistentes nas representações mentais e no imaginário coletivo de todos os povos e sociedades contemporâneas Alguns fogem do conceito de raça e o substituem pelo conceito de etnia considerado como um lexical mais cômodo que o de raça em termos de fala politicamente correta Essa substituição não muda nada à realidade do racismo pois não destruí a relação hierarquizada entre culturas diferentes que é um dos componentes do racismo Ou seja o racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica ele se reformula com base nos conceitos de etnia diferença cultural ou identidade cultural mas as vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje O que mudou na realidade são os termos ou conceitos mas o esquema ideológico que subentende a dominação e a exclusão ficou intato É por isso que os conceitos de etnia de identidade étnica ou cultural são de uso agradável para todos racistas e antiracistas Constituem uma bandeira carregada para todos embora cada um a manipule e a direcione de acordo com seus interesses Em meus trabalhos utilizo geralmente no lugar dos conceitos de raça negra e raça branca os conceitos de Negros e Brancos no sentido políticoideológico acima explicado ou os conceitos de População Negra e População Branca emprestados do biólogo e geneticista Jean Hiernaux que entende por população um conjunto de indivíduos que participam de um mesmo círculo de união ou de casamento e que ipso facto conservam em comum alguns traços do patrimônio genético hereditário Tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados É esse duplo uso que cria confusão na mente dos jovens pesquisadores ou iniciantes A confusão está justamente no uso não claramente definido dos conceitos de raça e etnia que se refletem bem nas expressões tais como as de identidade racial negra identidade étnica negra identidade étnicoracial negra etc Os povos que aqui se encontraram e construíram um país que podemos historicamente considerar como um encontro ou carrefour de culturas e civilizações não podem mais em nome da Ciência biológica atual ou da Genética humana ser considerados como raças mas sim como populações na medida em que eles continuam pelas regras culturais de endogamia a participarem dos mesmos círculos de união ou casamento embora esses círculos não estivessem totalmente fechados como ilustrado pelo crescimento da população mestiça Por outro lado todos esses povos foram oriundos de diversas etnias da Europa da África da Ásia da Arábia etc Aqui encontraram outros mosaicos indígenas formados por milhões de indivíduos que foram dizimados pelo contato com a civilização ocidental e cujos sobreviventes formam as chamadas tribos indígenas de hoje Podemos no plano empírico afirmar que todas essas diversidades oriundas da Europa da África da Ásia do Oriente Médio etc se aculturaram para formar novas etnias branca negra e amarela etc Não seria criar uma tremenda confusão na medida em que o uso de tais conceitos remeteria a uma certa biologização da cultura O que significaria então uma etnia negra branca ou amarela que por sua vez corresponde a uma unidade cultural branca negra e amarela Os chamados negros brancos e amarelos estariam como as laranjeiras mangueiras bananeiras etc que produzem respectivamente laranjas mangas e bananas produzindo também as culturas brancas negras e amarelas Sem dúvida a etnia não é ume entidade estática Ela tem uma história isto é uma origem e uma evolução no tempo e no espaço Se olharmos atentamente a história de todos os povos perceberemos que as etnias nascem e desaparecem na noite dos tempos Visto deste ângulo não seria errado falar de novas etnias ou etnias contemporâneas à condição que os que usam esses conceitos tomem o cuidado de definilos primeiramente para evitar confusões com outros conceitos etc Não é isso que geralmente acontece com os usos dos conceitos de cultura negra e branca ou de etnia negra Os idealizadores desses conceitos poderiam no mínimo definir os novos componentes e conteúdos desses conceitos no contexto da dinâmica contemporânea das relações raciais e interétnicas Sem dúvida por uma visão políticoideológica que colocou coletivamente os brancos no topo da pirâmide social do comando e do poder independentemente de suas raízes culturais de origem étnica temse tendência por vício da ideologia racista que estabelece uma relação intrínseca entre biologia e cultura ou raça e cultura a considerar a população branca independentemente de suas diferentes origens geográficos e culturais como pertencente a uma mesma cultura ou mesma etnia daí as expressões equívocas e equivocadas de cultura branca e etnia branca Pelo mesmo raciocínio baseado na visão políticoideológica que colocou coletivamente os negros na base da pirâmide como grupo Têmse culturas particulares que escapam da cultura globalizada e se posicionam até como resistência ao processo de globalização Essas culturas particulares se constróem diversamente tanto no conjunto da população negra como no da população branca e oriental É a partir da tomada de consciência dessas culturas de resistência que se constroem as identidades culturais enquanto processos e jamais produtos acabados São essas identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educaçãocidadã etc Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica percebese que não existe uma única cultura branca e uma única cultura negra e que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil Neste sentido os afrobaianos produzem no campo da religiosidade da música da culinária da dança das artes plásticas etc uma cultura diferente dos afro mineiros dos afromaranhenses e dos negros cariocas As comunidades quilombolas ou remanescentes dos quilombos apesar de terem alguns problemas comuns apresentam também histórias culturas e religiões diferentes Os descendentes de italianos em todo o Brasil preservaram alguns hábitos alimentares que os aproximam da terra mãe os gaúchos no Rio Grande do Sul têm também peculiaridades culturais na sua dança em seu traje e em seus hábitos alimentares e culinários que os diferenciam dos baianos etc Como a identidade cultural se construí com base na tomada de consciência das diferenças provindo das particularidades históricas culturais religiosas sociais regionais etc se delineiam assim no Brasil diversos processos de identidade cultural revelando um certo pluralismo tanto entre negros quanto entre brancos e entre amarelos todos tomados como sujeitos históricos e culturais e não como sujeitos biológicos ou raciais identidade étnicoracial negra A questão é saber se todos têm consciência do conteúdo político dessas expressões e evitam cair no biologismo pensando que os negros produzem cultura e identidade negras como as laranjeiras produzem laranjas e as mangueiras as mangas Esta identidade política é uma identidade unificadora em busca de propostas transformadoras da realidade do negro no Brasil Ela se opõe a uma outra identidade unificadora proposta pela ideologia dominante ou seja a identidade mestiça que além de buscar a unidade nacional visa também a legitimação da chamada democracia racial brasileira e a conservação do status quo SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS MUNANGA Kabengele Negritude Usos e Sentidos 2ª ed São Paulo Ática 1988 Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil Identidade nacional Versus Identidade Negra Petrópolis EdVozes 1999 A identidade negra no contexto da globalização IN Ethnos Brasil Ano I nº 1 março de 2002 pp1120 UNESP Teorias sobre o racismo In Estudos pesquisas 4 Racismo perspectivas para um estudo contextualizado da sociedade brasileira Niterói EDUFF 1998 pp 4365 JACQUARD Albert Elogio Da Diferença São Paulo Martins fontes 1988 JACQUARD Albert POSSENOT J M Todos Semelhantes Todos Diferentes São Paulo Editora Augustus 1993 SCHWARCZ Lilia Moritz QUEIROZ Renato da Silva orgs Raça e Diversidade São Paulo EduspEstação Ciência 1996 NASCIMENTO Elisa Larkin O Sortilégio Da Cor Identidade raça e gênero no Brasil São Paulo Summus 2003 NOGUEIRA Oracy Tanto Preto Quanto Branco Estudos De Relações Raciais São Paulo T A Queiroz Editor1985 TODOROV Tzvetan Nós e os Outros A Reflexão Francesa SOBRE a Diversidade Humana 1 Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1993 CAVALLI SFORZA Luca CAVALLI SFORZA Francesco Quem somos História da Diversidade Humana São Paulo Editora da UNESP 2002 VINCKE Edouard Géographes et Hommes dAilleurs Bruxelles Commission Française de la Culture de lAglomération de Bruxelles Collection Document nº 28 1985 Racial ou Raciste Racisme ou Racismes In Revue de lInstitut Supérieur de Pédagogie de Bruxelles nº 24 décembre 1987 pp2333 CASTELLS Manuel O Poder da Identidade Rio De Janeiro Paz e Terra 1999 MUNANGA K Uma abordagem conceitual das noções de raça racismo identidade e etnia 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação Rio de Janeiro 2003 O professor da USP Kabengele Munanga em sua palestra no Seminário Nacional de Relações Raciais e Educação dissertou sobre as noções conceituais a respeito de raça racismo identidade e etnia Para isso ele faz um resgate da definição de raça das ciências naturais utilizada na classificação de plantas trazendo um panorama histórico que vai desde a ancestralidade evidenciada no latim medieval até a diversidade humana contrastada na França ressaltando ideais de pureza chegando a questionar o conceito de humanidade para a civilização ocidental É no século XVIII que com a busca de uma conceituação que abarcasse os outros ameríndios negros melanésios etc a humanidade é classificada em raças diferentes tomando por base a prévia conceituação da História Natural da Humanidade Por sua vez a explicação científica para a variabilidade humana de acordo com o professor reforça uma ideia de hierarquização do racialismo tal qual a categorização utilizada em uma biblioteca para a busca de documentos No entanto foi essa classificação que diferenciou a espécie humana dos animais considerando as distinções e semelhanças e tornando possível discutir sobre as espécies conhecidas Munanga apresenta o fato de que ainda no mesmo século o critério de cor da pele foi utilizado como fundamental para distinguir a raça humana branca negra e amarela sendo que esse fator faz parte do imaginário coletivo nos dias atuais Essa hierarquização diz respeito à concentração de melanina na pele e à tonalidade dos cabelos e olhos e nos séculos seguintes incorporou também o formato do nariz dos lábios queixo crânio até mesmo critérios químicos presentes no sangue que deram origens à raças sub raças e subsubraças O professor no entanto questiona o argumento científico que explica a diversidade humana dividindoa em raças estancas enfatizando que não significa que todos são semelhantes No entanto o grande problema dessa classificação é o de que desde as primeiras classificações o conceito de raça sofreu uma hierarquização que decretou que os indivíduos brancos são superiores às outras raças seja por suas características físicas genéticas ou químicas culminando numa teoria raciologia que não é de fato científica e que agia muito mais como uma doutrina que posteriormente se espalhou pelo tecido social das classes dominantes Dessa forma Munanga apresenta o conceito de raça não como científico apesar de se postular de tal modo mas como etnosemântico definido através das relações de poder e portanto políticoideológico Nesse sentido o conceito de raça apesar de ser comprovado sua inoperacionalidade é discutido pelo professor como uma construção sociológica e categoria social que reforça a dominação e exclusão de uns em favor de outros A respeito disso ainda é constatado que o conceito de variabilidade genética e os caracteres adaptativos não devem ser distintivos de superioridade ou inferioridade pois só reforçam as desigualdades Tendo entendido essa historiografia da raça compreendese o racismo como uma ideologia essencialista a qual divide a humanidade em raças a partir de características físicas comuns que incorporam características psicológicas morais intelectuais entre outras Afirma a existência de raças hierarquizadas no sentido sociológico não apenas com traços físicos mas culturais religiosos etc Munanga a partir de então aponta as origens do racismo através do mito bíblico de Noé com a ancestralidade de raças de Jafé Sem e Cam e do determinismo racial histórico ligado aos caracteres físicos biológicos tidos como irreversíveis na influência do comportamento de um povo Além disso esses fatores biológicos são relacionados a valores que sugerem a hierarquização de raças superiores e inferiores como se pode observar na classificação do biólogo Lineu americano asiático africano e europeu cujo esquema é tendencioso e preserva o imaginário de hierarquia É apenas na década de 70 que essa concepção começa a mudar com os avanços nas ciências biológicas e o surgimento de formas de expressão racistas derivadas como o racismo contra mulheres homossexuais pobres entre outros mas ainda se percebe sua forte influência históricocultural no imaginário coletivo ainda mais quando se leva em conta a política de desenvolvimento separatista do apartheid na África do Sul que institucionalizava um racismo explícito tal qual o racismo implícito no Brasil onde as discussões para implementação de ações afirmativas ainda caminham a passos lentos Mas são essas discussões que nos encaminham para o conceito de etnia A etnia carrega um conteúdo muito mais sociocultural histórico e psicológico do que o conceito de raça Isto porque ela é um conjunto de indivíduos que carrega o mesmo ancestral em comum podendo existir dentro de uma mesma raça Munanga discute que muitos pesquisadores utilizam o termo etnia como eufemizador para o conceito de raça mas nem um nem outro deixa de lado a relação de hierarquia entre diferentes culturas apenas perpetua o esquema com que se subentende a exclusão e dominação Com isso ele sugere o uso de Negros e Brancos ou até mesmo População Negra e População Branca pois não manipulam ideologicamente o conceito etnia e raça Mas a discussão do uso do conceito de etnia ainda é comumente evocada com o uso de termos como identidade étnica que busca representar toda uma cultura que naturalmente é muito diversa tanto na população negra quanto na população branca e oriental Também a pluralidade de identidades é o que suscita a discussão de uma identidade nacional multicultural e política Com base nas discussões observadas é possível compreender que termos como raça e etnia corroboram a uma hierarquia social que reafirma a dominação tanto cultural quanto ideológica e por muito tempo também física de uma população que desde os primeiros estudos científicos era cunhada como inferior impura Ambos os termos carregam uma característica racista que é fixada através das relações de poder de modo que o professor explora como a semântica dos termos evidencia essa marca de uma ideologia racista que colabora para a inferiorização de toda uma população na sociedade que por sua vez é cultural social e historicamente muito diversa De uma maneira geral ele incentiva a reflexão acerca do uso dos termos como aspectos de reafirmação de uma política racista que expressa as desigualdades na sociedade sendo isso de muita importância sobretudo quando se trata das interrelações entre as diversas identidades históricoculturais