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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Belo HorizonteMG 2023 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Projeto de Pesquisa apresentado à Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Linha de Pesquisa Estado Razão e História Área de Estudo Teoria da Justiça Orientador Marcelo Campos Galuppo Belo HorizonteMG 2023 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Projeto de Pesquisa apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Prof Dr Marcelo Campos Galuppo Universidade Federal de Minas Gerais Orientador Prof Dr Marco Antônio Sousa Alves Universidade Federal de Minas Gerais Prof Dr Vítor Amaral Medrado Universidade do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte 11 de outubro de 2023 RESUMO O discurso de ódio é um dos temas centrais na discussão sobre a proteção da liberdade de expressão Ele se apresenta como um discurso direcionado aos grupos minoritários em virtude de suas características específicas com o intuito de ofendêlos Dentre esses grupos se encontram as mulheres que sofrem o discurso de ódio notadamente em relação aos seus corpos Por isso a relação entre discurso de ódio e pornografia é de suma relevância para o enfrentamento do problema dentro de uma perspectiva de efetivação de direitos fundamentais O problema de investigação da presente pesquisa é saber se a restrição do discurso de ódio é eficaz para a produção do chilling effect que é a possibilidade de resfriamento do discurso de ódio por meio da censura coibindo o discurso de ódio em face das mulheres ou se o contradiscurso se apresenta como medida mais adequada para combater o discurso de ódio e possibilitar o empoderamento feminino Buscase investigar com a contribuição da filosofia da linguagem e da ideia de performatividade do discurso a relação do efeito silenciador do discurso e o movimento feminista para perquirir se a pornografia silencia as mulheres relegandoas a uma posição de desigualdade na sociedade ou se o próprio movimento feminista aliado à sua posição de empoderamento dos discursos das mulheres pode contribuir para a construção da igualdade de gênero sem a necessidade do cerceamento da fala Tudo isso aponta um cenário importante para a investigação no contexto da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais essenciais para a ideia de justiça no mundo contemporâneo Palavraschaves Liberdade de Expressão Discurso de Ódio Pornografia Feminismo ABSTRACT Hate speech is one of the central themes in the discussion about the protection of freedom of expression It presents itself as a speech directed at minority groups due to their specific characteristics with the intention of offending them Among these groups are women who suffer hate speech notably in relation to their bodies Therefore the relationship between hate speech and pornography is of paramount importance for tackling the problem within a perspective of realizing fundamental rights The research problem of this research is to know if the restriction of hate speech is effective for the production of the chilling effect which is the possibility of cooling hate speech through censorship curbing hate speech in the face of women or if counterdiscourse is presented as the most appropriate measure to combat hate speech and enable female empowerment It seeks to investigate with the contribution of the philosophy of language and the idea of discourse performativity the relationship between the silencing effect of discourse and the feminist movement to inquire whether pornography silences women relegating them to a position of inequality in society society or if the feminist movement itself allied to its position of empowerment of womens discourses can contribute to the construction of gender equality without the need to restrict speech All this points to an important scenario for research in the context of freedom of expression and fundamental rights essential for the idea of justice in the contemporary world Keywords Freedom of Expression Hate Speech Pornography Feminism SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 6 2 TEMAPROBLEMA 9 3 HIPÓTESES 10 4 JUSTIFICATIVA 12 5 REFERENCIAL TEÓRICO 14 51 Liberdade de expressão e discurso de ódio 14 52 Pornografia discurso de ódio e a política do performativo 24 53 O chilling effect e a proposta de Suneal Bedi 29 54 A contribuição do Movimento Feminista 30 6 OBJETIVOS 32 61 Objetivo Geral 32 62 Objetivos específicos 32 7 ESTRUTURA PRELIMINAR DA TESE 33 8 METODOLOGIA 34 81 Estratégias de uso de bibliografia em idioma estrangeiro 35 82 Estratégias de inserção do projeto nas metas de internacionalização do Programa nas atividades dos cursos de Graduação da Faculdade de Direito e para difusão dos resultados parciais e finais 36 9 RECURSOS 37 10 CRONOGRAMA 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 39 6 1 INTRODUÇÃO A representação da sexualidade não é tema recente remonta aos primórdios da humanidade À exemplo citase a figura feminina da Vênus de Willendorf encontrada na Áustria cuja criação é atribuída aos anos de 2500 a 2000 aC uma estatueta de pedra que surge sem rosto com as formas corporais avantajadas para indicar atributos eróticos boa saúde e capacidade reprodutiva Stearns 2010 FIGURA 1 Vênus de Willendorf Fonte Steven Zucker CC BYNCSA 20 Um aspecto que chama a atenção na imagem é a ausência de rosto e a representação de uma testa saliente o que indica o sinal de grande inteligência e astúcia feminina que era capaz de controlar a família e até mesmo o grupo social Santos 2019 Ou seja ao mesmo tempo que se retrata uma representação erótica do feminino ressaltase características importantes do seu papel social O que se quer demonstrar com a análise da ilustração é que a temática sexualidade pornografia e feminismo encontrase intimamente relacionada e que os temas ganham novos contornos na atualidade com a inclusão na tríade da discussão sobre o discurso de ódio Sexualidade é o conjunto de sentimentos percepções e fatos que se vinculam ao sexo ou à vida sexual envolvendo a manifestação do desejo em busca de um objeto que se realiza com a influência da cultura da sociedade da moral da religião da família da repressão Ribeiro 2005 Já a pornografia é o discurso sobre a sexualidade que veicula o obsceno aquilo que deveria estar nos bastidores que deveria ser escondido que se encontra no espaço do proibido e que é expresso pela pornografia Moraes Lapeiz 1985 p 9 7 O feminismo se encontra com os dois temas Isso porque a pornografia é socialmente construída sob a ideia de uma arquitetura de cultura do lixo isto é uma imagem ofensiva das mulheres Dyer 1992 buscando demonstrar um discurso de perversão nas sociedades contemporâneas que relega a mulher a uma posição de inferioridade frente ao homem E é justamente isso que o feminismo busca romper Por isso questionar a pornografia como um discurso da sexualidade que afeta o feminino é um papel importante que este movimento desempenha Durante o século XX o movimento feminista levantou a bandeira de que a pornografia seria uma representação da sexualidade como uma das formas mais degradantes de violência contra as mulheres uma expressão da opressão masculina que deveria ser veementemente combatida Nesse contexto surge um movimento de defesa da regulação estatal para a censura da pornografia enquadrandoo como uma forma de discurso de ódio contra as mulheres Isso pode ser constatado na argumentação de feministas como Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas antipornografia que sustentam um argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento O potencial da violência da pornografia estaria ligado principalmente à violência sexual pois a exposição do corpo feminino levaria à transposição da autonomia da mulher em traçar um limite daquilo que permite que seja feito com seu corpo já que a pornografia é vista como uma espécie de dominação para usar as palavras de MacKinnon 1989 p xiii tratase de uma erotização da dominação já que o sexo é uma forma de poder generificada um poder que os homens exercem sobre as mulheres O que essa perspectiva do feminismo argumenta é que a pornografia representa a sexualidade em uma perspectiva heterossexista porém parecem ignorar que a estrutura social é pautada nessa construção já que a política a economia a cultura permanecem pautadas em uma construção machista da sociedade não sendo a pornografia o único problema Ademais parecem ignorar que a pornografia também apresenta outros sentidos como a própria representação da sexualidade que também pode demonstrar um papel de empoderamento do feminino Diante desse cenário dentro da própria teoria feminista ao lado de movimentos sociais e políticos vem surgindo uma nova vertente que interpreta a sexualidade relacionandoa à pluralidade de identidades existentes na sociedade e contrapondoa à heteronormatividade mas ao mesmo tempo apresentando os perigos existentes na censura das ideias Tratase da contribuição da teoria queer Buscase compreender o potencial discursivo da pornografia 8 questionando esse papel que fora atribuído a mesma ao longo dos anos em busca de um projeto feminista transformador Dentro desta perspectiva Butler 2021 questiona o poder do discurso de ódio para violar os corpos femininos com a ideia da pornografia trazendo a filosofia da linguagem como sustentáculo da ideia de que o discurso de ódio pode ser combatido com uma solução linguística diferente da censura A presente pesquisa buscase investigar com a contribuição da filosofia da linguagem e da ideia de performatividade do discurso a relação do efeito silenciador do discurso e o movimento feminista para perquirir se a pornografia silencia as mulheres relegandoas a uma posição de desigualdade na sociedade ou se o próprio movimento feminista aliado à sua posição de empoderamento dos discursos das mulheres pode contribuir para a construção da igualdade de gênero sem a necessidade do cerceamento da fala 9 2 TEMAPROBLEMA O problema do discurso de ódio é enfrentando em diversas vertentes uma dela é o chamado chilling effect ou efeito de resfriamento do discurso que surgiu por volta do ano de 1952 no caso Wieman v Updegraff julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos Sua ideia é dissuadir o discurso de ódio pela temeridade da censura ou de uma sanção Então ele é utilizado como um efeito que busca coibir discursos odiosos e que tem ganhado ascensão nos últimos anos sobretudo com sua utilização nas redes sociais Essa é uma das principais bandeiras do movimento feminista para se combater o discurso de ódio a sua regulamentação já que a criação de leis antidiscurso de ódio implica em aplicações de sanções e isso levaria os indivíduos a dissuadirem sua fala odiosa pela temeridade de uma punição Tal movimento ganhou força nos Estados Unidos nos anos de 1980 utilizandose de campanhas nos veículos de comunicação para demonstrar como a pornografia era uma forma de discurso de ódio degradante para as mulheres As já citadas autoras Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas anti pornografia sustentam o argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento Ocorre que nos últimos anos surgiu no próprio movimento feminista autores que reinterpretam a pornografia atribuindo a mesma maior caráter discursivo considerando a pluralidade de identidades em contraposição à heteronormatividade reinante na sociedade É o caso de Butler 2021 Essa corrente advoga que a pornografia é discursiva e pode carregar consigo um sentido não intencional ou não intencionado ou seja nem sempre a fala do sujeito será materializada em uma ação Dizer não significa fazer Com isso tornase pernicioso a proibição de um discurso apenas pela sua capacidade de ação como defendem as autoras antipornografia A análise precisa seguir linguisticamente o que não significa que o discurso de ódio deixará de ser danoso mas poderá ser ressignificado Surge então a seguinte problemática que se pretende investigar nessa pesquisa a restrição do discurso de ódio apresentase como medida adequada para a produção do chilling effect dissuadindo a fala odiosa no âmbito da pornografia por causar o efeito de resfriamento do discurso de ódio contra as mulheres Ou o contradiscurso apresentase como medida mais adequada de combate ao discurso de ódio por possibilitar a educação em igualdade de gênero 10 3 HIPÓTESES A restrição da liberdade de expressão deve ser cuidadosamente pensada Isso porque ela é o coração da democracia mantendoa funcionando de maneira saudável Por isso mesmo diante do discurso de ódio restringir a fala de outrem é assunto polêmico Muitos são os defensores da proibição do discurso de ódio seja porque ele ataca a dignidade das minorias seja porque ele possui um efeito silenciador das próprias minorias seja porque ele causa danos à sociedade Por isso levantam a bandeira de que o mesmo deve ser proibido por meio de uma regulamentação que impeça a existência de discursos odiosos e ofensivos no debate público tal argumento também ganha a denominação de chilling effect A hipótese defendida neste projeto é a de que a mera restrição do discurso de ódio não é capaz de produzir o chilling effect que por sua vez não é eficaz na sua proposta de resfriar o ódio e impedir que os discursos ofensivos circulem na arena pública Na verdade a censura e a proibição do discurso de ódio apenas fazem com que o mesmo mude de roupagem e a ideia principal da proibição que seria a proteção dos grupos minoritários e a busca pela a igualdade dos mesmos não é alcançada Hipótese fundamentada na tese de Suneal Bedi 2021 que por meio de um estudo empírico analisou a efetividade do efeito de resfriamento do discurso com base na censura do discurso de ódio Ao considerar que quando proibido ou censurado o discurso de ódio não é resfriado ou impedido de circular o teórico atestou que tal manifestação representa apenas a comunicação de uma mesma ideia de forma diferente Consequentemente como segunda hipótese da pesquisa temse que a mera proibição do discurso de ódio não representa o meio adequado ao seu combate haja vista não impedir que a ideia ofensiva circule e tampouco possibilita que os grupos atingidos assumam sua voz na arena pública alcançando a pretendida igualdade Tal ocorrerá mas não com a proibição do discurso e sim com o uso do contradiscurso que ao proporcionar o fortalecimento da esfera pública promove o alcance do respeito à fala de todos Hipótese que sustentada por Butler 2021 apoiase na ideia de performatividade1 do discurso ao considerar que o discurso de ódio pode ser devolvido ao falante de uma forma diferente a saber contra o seu próprio efeito original através de uma performatividade discursiva que representa uma cadeia de ressignificações da fala abrindo espaço para o contradiscurso que seria a alternativa adequada para se combater o discurso de ódio 1 A performatividade nesta pesquisa será analisada dentro de uma compreensão dos atos de fala com uma concepção de ressignificação do discurso 11 Compreendese inicialmente que apontar o discurso de ódio como sendo aquele que age ofende e fere sem fazer as distinções necessárias levará à proibição do mesmo já que os danos advindos daí serão incalculáveis o que por via de consequência acarretará um cerceamento absoluto da liberdade de expressão Por isso através da teoria dos atos de fala e do performativo é possível traçar parâmetros para se compreender os critérios do dano efetivo do discurso de ódio e aí sim determinar o que está ou não abrangido pela possibilidade de censura e proibição sem a violação do supradireito da liberdade de expressão O movimento feminista contribui para a compreensão de tais ideias Primeiro através da análise da proibição do discurso de ódio pela faceta da pornografia é possível compreender a influência da performatividade do discurso para se traçar mecanismos tanto de proteção dos grupos minoritários quanto de defesa da liberdade de expressão Segundo porque o movimento feminista demonstra nos últimos anos que o discurso de ódio se combate com mais discurso através de sua luta por direitos que alcançou grandes conquistas para as mulheres usandose da linguagem para mudar a realidade do grupo no caminho pela busca da igualdade Assim a ideia a ser desenvolvida nesta pesquisa é a de que a restrição da fala por si só não resolve os problemas do discurso de ódio Ao contrário poderá trazer problemas maiores para a democracia Por isso é preciso buscar alternativas dentro da própria linguagem para lidar com os efeitos do discurso de ódio e possibilitar tanto a defesa de liberdade de expressão como a proteção dos demais direitos fundamentais 12 4 JUSTIFICATIVA A ideia de justiça no mundo contemporâneo é pautada pela efetivação de direitos fundamentais Salgado 2006 A liberdade de expressão é um direito fundamental que vem sofrendo sérias violações no contexto brasileiro nos últimos anos Por isso investigar sobre possibilidades de tutela desse direito em diferentes contextos se tornou uma necessidade da sociedade atual o que ressalta a relevância de se estudar o tema A proposta da pesquisa em questão é investigar um dos aspectos da liberdade de expressão o discurso de ódio que está em evidência no cenário contemporâneo e que tem surgido como um dos principais motivos para a restrição da liberdade de expressão Por meio de uma análise da proibição do discurso de ódio na faceta da pornografia buscarseá ressaltar os problemas da adoção da censura do discurso sob o argumento de que ele possui um arcabouço danoso Investigase como o chamado chilling effect é pernicioso para a democracia por silenciar ideias que são importantes para a formação da razão pública Assim pretenderseá apresentar por meio da contribuição da filosofia da linguagem e performatividade do discurso como o movimento feminista é capaz de demonstrar a efetividade do argumento de que discurso de ódio se combate com mais discurso e que somente com o debate amplo na arena pública é que há o fortalecimento da democracia e a efetividade de direitos fundamentais Ressaltase que a liberdade de expressão constitui o arcabouço substancial da democracia e contribui para o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos Compreender as implicações da restrição do discurso de ódio é importante para que não haja restrições arbitrárias da liberdade de expressão e consequentemente se mine a democracia Por isso é importante desenvolver a problemática proposta na pesquisa em questão Pois se a proibição ao discurso de ódio não atinge sua finalidade não pode ser utilizada para a restrição da liberdade de expressão O motivo que justifica a realização da pesquisa é o fato de que a análise do discurso de ódio através do feminismo pode contribuir diretamente para verificar o seu impacto nas minorias e investigar alternativas para possibilitar tanto a proteção da fala como a proteção dos direitos fundamentais destes A pesquisa proposta é guiada por razões intelectuais e pessoais Entende a pesquisadora que a fala é o mecanismo fundamental para a autonomia dos sujeitos e consequentemente para o arcabouço da democracia e que sua restrição pode trazer efeitos sociais danosos Acreditase 13 que o silêncio é sintomático e negativo para os indivíduos e que a fala liberta o sujeito de suas adversidades com o outro é um processo de construção não apenas individual mas social A relevância social da pesquisa se expressa na necessidade do estudo da liberdade de expressão e do discurso de ódio pois eles são o substrato necessário para a discussão pública na democracia constituindo a política e o direito propiciando o desenvolvimento dos planos traçados pelos indivíduos sejam eles odiosos ou odiados Academicamente a pesquisa é relevante pois busca trazer as ideias sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio defendidas por Butler 2021 com as ideias da filosofia da linguagem de Austin 1990 para analisar a relação entre liberdade de expressão discurso de ódio pornografia e feminismo proporcionando elementos que contribuam para a compreensão que o discurso de ódio se combate na arena pública com mais discurso e que é a linguagem que permite a ressignificação das minorias com a consequente efetividade de seus direitos A proposta apresentada mantém relação com o Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais cuja área de concentração é Direito e Justiça pois o que se pretende é realizar uma reflexão históricacrítica acerca da relação entre a ideia de justiça do mundo contemporâneo a efetividade de direitos fundamentais com a necessidade de proteção da liberdade de expressão Por isso buscase apresentar argumentos e dados que possam contribuir para desmistificar a ideia de que a mera restrição do discurso de ódio pode propiciar a proteção dos grupos minoritários Pretendese compreender como a linguagem impacta na comunicação e como a própria linguagem pode ser utilizada para tornar o discurso de ódio menos danoso 14 5 REFERENCIAL TEÓRICO A liberdade de expressão é crucial para a saúde da democracia Sem ela a livre circulação de ideias corre sério perigo e consequentemente abrese espaço para a tirania Ocorre que a liberdade de expressão carrega consigo a possibilidade do discurso de ódio aquele que é direcionado aos grupos minoritários com o intuito de atacar os mesmos em virtude de suas características como raça cor gênero orientação sexual procedência nacional Muito se discute sobre a restrição da liberdade de expressão diante dessa vertente odiosa Encontramos de um lado os defensores da proibição do discurso de ódio que sustentam a existência de um bem comum que precisa ser tutelado pelo Estado e que isso autorizaria a restrição da liberdade de expressão com vistas à proteção da dignidade dos indivíduos quando se tem presente o discurso de ódio Mas há de outro lado quem defenda que o discurso de ódio também merece proteção e que a fala dos indivíduos não deve ser restringida em virtude de seu conteúdo Defendese que a liberdade de expressão não pode ser restringida com base em seu conteúdo pois todos os sujeitos devem ser considerados indivíduos morais responsáveis capazes de deliberar e expor suas ideias sem temer a aplicação de uma punição Buscase neste trabalho perquirir sobre a proibição do discurso de ódio no âmbito da pornografia relacionando com a questão da efetividade do silenciamento do discurso de um lado e a performatividade do discurso de outro Assim para o desenvolvimento da presente pesquisa é crucial retomar alguns pontos como a proteção da liberdade de expressão o discurso de ódio a pornografia o chilling effect e o movimento feminista 51 Liberdade de expressão e discurso de ódio A Constituição da República de 1988 inaugurou um novo estágio da proteção da liberdade de expressão no Brasil consagrandoa como um direito fundamental previsto no artigo 5º incisos IV VI IX XIV2 da Constituição Federal de 1988 assegurando a liberdade 2 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença XIV é 15 para a manifestação do pensamento para a escolha de uma crença para desenvolver atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura e licença e o direito ao acesso à informação Brasil 1988 Podese dizer então que a liberdade de expressão possui dupla acepção é a liberdade para manifestar pensamento opiniões crenças e artes bem como o direito a ter acesso a informação Marmor 2018 defende que a liberdade de expressão é um direito com dupla face de um lado o direito de falar do outro lado o direito de ouvir O primeiro se relaciona ao direito de o indivíduo expressar livremente o que deseja comunicar a outra pessoa ou ao público em geral Já o segundo se refere ao direito de ter acesso irrestrito a qualquer tipo de conteúdo que tenha sido comunicado por outra pessoa Normativamente embora haja menção do nascimento da liberdade de expressão no Bill of Rights inglês no ano de 1689 sua positivação se dá com a Declaração da Virgínia em 12 de outubro de 1776 que dispõe em seu artigo 1º sobre a liberdade de expressão Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos dos quais quando entram em estado de sociedade não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança Estados Unidos 1776 A proteção da liberdade de imprensa também foi protegida na Declaração ao dispor Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade não podendo ser restringida jamais a não ser por governos despóticos Estados Unidos 1776 Outro documento relevante é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 que assim dispõe Art 10º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões incluindo opiniões religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11º A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem Todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livremente respondendo todavia pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei França 1789 Porém apenas com a Constituição dos Estados Unidos essencialmente sua Primeira Emenda é que a liberdade de expressão ganhou proteção constitucional assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional BRASIL 1988 16 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião ou proibindo o livre exercício dos cultos ou cerceando a liberdade de palavra ou de imprensa ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos Estados Unidos 1791 A partir de então na concepção de Farias 2004 a liberdade de expressão possui uma concepção dualista a proteção da dignidade humana e do desenvolvimento de sua personalidade e a defesa do regime democrático garantindo a participação dos cidadãos no debate público e na vida política Essas duas concepções encontram reflexões de importantes teóricos John Milton 1999 John Stuart Mill 1991 Oliver Wendell Holmes 1919 Ronald Dworkin 2006 onde a liberdade de expressão tem por fundamento a defesa da autonomia privada sua livre expressão e a busca da verdade e Madison 1789 Brandeis 1927 Sunstein 1995 Waldron 2012 onde a liberdade de expressão se ajusta aos ideais democráticos e igualitários A primeira corrente defende que coletividade deve absterse de intervir na liberdade de expressão e comunicação para que não haja agressão à dignidade da pessoa humana Farias 2004 p 64 Assim é necessário a proteção contra a intervenção do Estado na seara da liberdade de expressão não cabendo a este regulamentar tal direito mas simplesmente garantir a sua existência livre de interferências Retomando as principais ideias de tais autores iniciase com John Milton 1999 um parlamentar inglês defendeu a liberdade de expressão frente à censura prévia instaurada pelo Parlamento no que tange à publicação de livros Para ele a liberdade de expressão é a liberdade primária que deve ser garantida antes de todas as outras Assim quando as reclamações são ouvidas livremente consideradas profundamente e rapidamente reformuladas então é o limite extremo da liberdade civil alcançada que os sábios procuram3 Milton 1999 p 52 Milton 1999 estrutura seu argumento contra a censura em quatro partes 1º considera que a censura é uma herança da Inquisição Católica e por isso contrária à Inglaterra Protestante 2º a censura é inútil e o sistema de licença prévia é falível 3º a coerção externa não torna as pessoas virtuosas mas sim se combate a corrupção com escolhas racionais 4º bem e mal são noções interligadas o conhecimento da verdade surge da interligação dos mesmos isto é entre o que existe de bom e de mau nos livros cabendo ao leitor buscar o que neles mais lhe agradar Milton 1999 p 17 3 Tradução nossa No original when complaints are freely heard deeply considerd and speedily reformd then is the utmost bound of civil liberty attaind that wise men looke for 17 Tais reflexões de Milton 1999 contribuem para o desenvolvimento das ideias de Mill 1991 que considera que cada indivíduo deve ter a liberdade de expressão assegurada desde que não prejudique outra pessoa Além disso os sujeitos possuem o direito de comungar ideias e opiniões e se unirem em torno deles A liberdade de exprimir e publicar opiniões pode parecer que cai sob um princípio diferente uma vez que pertence àquela parte da conduta individual que concerne às outras pessoas Mas sendo quase de tanta importância como a própria liberdade de pensamento e repousando em grande parte sobre as mesmas razões é praticamente inseparável dela Em segundo lugar o princípio requer a liberdade de gostos e de ocupações de dispor o plano de nossa vida para seguirmos nosso próprio caráter de agir como preferirmos sujeitos às consequências que possam resultar sem impedimento da parte dos nossos semelhantes enquanto o que fazemos não os prejudica ainda que considerem a nossa conduta louca perversa e errada Em terceiro lugar dessa liberdade de cada indivíduo seguese a liberdade dentro dos mesmos limites de associação entre os indivíduos liberdade de se unirem para qualquer propósito que não envolva dano suposto que as pessoas associadas sejam emancipadas e não tenham sido constrangidas nem iludidas Mill 1991 56 Assim a liberdade de expressão se assenta em três pontos a a liberdade de expressão pertence a parte da conduta individual que se relaciona às outras pessoas b a liberdade de expressão é ampla e sua barreira é o dano ao outro c a liberdade de expressão inclui a liberdade de associação Em Mill 1991 não apenas a verdade se insere na liberdade de expressão a mentira também é um meio para que o indivíduo delibere e encontre a melhor solução Fosse uma opinião um bem pessoal sem valor exceto para o dono se ser impedido no gozo desse bem constituísse simplesmente uma injúria privada faria diferença que o dano fosse infligido a poucos ou a muitos Mas o mal específico de impedir a expressão de uma opinião está em que se rouba o gênero humano a posteridade tanto quanto as gerações presentes aqueles que dissentem da opinião ainda mais que os que a sustentam Se a opinião é certa aquele foi privado da oportunidade de trocar o erro pela verdade se errônea perdeu o que constitui um bem de quase tanto valor a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade produzidas pela sua colisão com o erro Mill 1991 p 60 Ambas a mentira e a verdade mesmo que incompletas possuem valor pois é conhecendo a mentira que se desvenda a verdade por isso a liberdade de expressão é útil para o indivíduo seja ela constituída de uma ideia verdadeira ou falsa O silenciamento do discurso pode significar o silenciamento da verdade isso porque se uma opinião é silenciada notadamente porque é tida como errônea admitese a faliabilidade do homem e assim aquilo que pode ser verdade é silenciado prejudicando a construção da ideia 18 Destacase também que para Mill 1991 a individualidade possui mais valor que a coletividade já que a ideia emerge de uma pessoa que ao conseguir apoiadores a torna uma ideia coletiva Não é fazendo desvaneceremse na uniformidade tudo o que existe de individual dentro de nós e sim cultivandoo e estimulandoo dentro dos limites impostos pelos direitos e interesses alheios que os seres humanos vêm a ser um belo e nobre objeto de contemplação Mill 1991 p 104 Podese dizer então que sua teoria da liberdade de expressão centrase na autonomia de forma subjetiva influenciando consideravelmente a doutrina e a jurisprudência norte americana tendo como um dos marcos dessa influência o voto dissidente do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Oliver Wendell Holmes proferido no caso Abrams v United States Tal caso foi decidido em 1919 onde a Suprema Corte dos Estados Unidos analisou a Lei de Espionagem de 1917 um diploma legal que definia como crime a divulgação e reprodução de material com a intenção de impedir o progresso na guerra contra a Alemanha Os réus do processo foram condenados pelo ato de propagação de folhetos de uma janela de um prédio cujo teor atrapalharia o bom andamento da guerra Por isso a ação em questão discutia se a manifestação dos réus estava protegida pela liberdade de expressão Em conclusão a Suprema Corte entendeu que a condenação dos réus não configurava violação ao direito à liberdade de expressão com fundamento na opinião emitida pelo justice John Hessin Clarke Porém o justice Holmes discordou de tal conclusão proferindo voto dissidente que se transformou em um marco da liberdade de expressão Estados Unidos 1919 Holmes 1919 considerou que os folhetos dos acusados não traziam consigo o chamado perigo claro e presente uma vez que não havia a intenção específica de interferir na guerra além de estarse condenando os acusados não por suas falas mas sim por suas crenças Assim surge o importante termo mercado livre de ideais associado à perspectiva milliana da liberdade de expressão que busca defender a ideia de que a liberdade de expressão é associada à busca pela verdade e desse modo todas as ideias possuem a proteção para serem expressas no mercado concorrendo para a busca da verdade Eis as palavras de Holmes 1919 Quando os homens perceberem que o tempo já desapontou muitas das crenças pelas quais se lutou eles poderão acreditar até mais do que eles acreditam nas bases de suas próprias condutas que o bem final a que desejam será melhor alcançado através de um mercado livre de ideias que o melhor teste para a verdade é o poder do pensamento 19 de se fazer aceito em uma competição no mercado e que a verdade é a única base sobre a qual os seus desejos podem ser conduzidos com segurança Holmes 19194 Como o mercado livre de ideias tem por finalidade a busca pela verdade Baker 1992 atribui a concepção de mercado livre de ideias a Mill 1991 Ambas as vertentes teóricas se fundamentam na busca racional da verdade através da livre circulação de ideias Essa é a principal contribuição de Holmes 1919 para a perspectiva subjetivista da liberdade de expressão Contemporaneamente essa corrente é defendida principalmente por Ronald Dworkin 2006 Considerando a liberdade de expressão como uma questão de princípio o autor defende uma concepção moral da liberdade de expressão onde os indivíduos são capazes de manifestar suas preferências morais sendo a liberdade de expressão um instrumento para a busca da verdade da justiça e do bem comum não sendo a intervenção estatal nesse direito legítima Dworkin 2006 Em contraposição a segunda corrente denominada madisoniana advoga uma perspectiva democráticacoletivista o que significa que a liberdade de expressão é um direito individual mas que necessita da ingerência do Estado para sua efetivação Por isso o principal escopo da liberdade de expressão e comunicação era servir de instrumento para a soberania popular construir e manter um autogoverno democrático Farias 2004 p 6869 Para Lewis 2011 p 34 Madison era defensor do argumento de que as liberdades de expressão e de imprensa são os guardiões essenciais do sistema político republicano Assim a premissa de Madison se assenta na defesa da ideia de que é perigoso quando o Estado impede o exercício da liberdade de expressão para evitar críticas à sua gestão O argumento de Madison foi central para a discussão sobre a Lei de Sedição de 1798 dos Estados Unidos Tal diploma legal criminalizava a publicação de textos falsos escandalosos e maldosos contra o país sendo questionado por Madison por ser uma violação à liberdade de expressão que inclui a possibilidade de livre apreciação e expressão acerca do Estado e suas instituições Aguiar 2013 A Lei de Sedição acabou dando uma contribuição significativa à liberdade americana Ela fez com que grande número de americanos valorizasse a importância da liberdade de expressão e de imprensa em uma república a premissa de Madison Fosse ou não a intenção dos autores da Primeira Emenda eliminar o crime de difamação sediciosa 4 Tradução nossa No original When men have realized that time has upset many fighting faiths they may come to believe even more than they believe the very foundations of their own conduct that the ultimate good desired is better reached by free trade in ideas that the best test of truth is the power of the thought to get itself accepted in the competition of the market and that truth is the only ground upon which their wishes safely can be carried out 20 dez anos depois de ela ter sido adicionada à Constituição a opinião dos americanos era que tal crime era incoerente com os valores constitucionais Lewis 2011 p 37 Madison foi fundamental para a criação das premissas centrais de um sistema político livre sustentando a liberdade de expressão como fundamento do autogoverno democrático e da soberania popular o que é de suma importância para a teoria da liberdade de expressão Sunstein 1995 também se insere na corrente madisoniana da defesa da liberdade de expressão defendendo uma concepção de liberdade de expressão que reconhece a soberania das pessoas facilitando o equilíbrio de interesses na sociedade e a articulação democrática Para o autor a liberdade de expressão possui dois pontos principais a dizer o valor da expressão e a neutralidade da regulação Por isso defende fundamentos para delimitar a regulação da liberdade de expressão Sunstein 1995 Para Sunstein 1995 existem expressões de alto valor que merecem plena proteção constitucional e expressões de baixo valor cuja proteção detém menor efetividade Eis a discussão sobre o valor da expressão Ocorre que a diferença entre as mesmas é tênue mas a proteção prática é de suma relevância uma vez que as expressões de alto valor não pode ser reguladas ou restringidas apenas em caso de danos expressivos de forma contrária as expressões de baixo valor podem de forma razoável e plausível serem reguladas Já no que se refere à neutralidade da regulação ela se aplica quanto ao conteúdo ou ao ponto de vista Ou seja a interferência na liberdade de expressão deve se pautar em restrições neutras já que se maculadas pelo ponto de vista ou pelo conteúdo padecem de inconstitucionalidade Sunstein 1995 Também inserido na perspectiva madisoniana Waldron 2012 defende premissas para a limitação da liberdade de expressão Sua argumentação parte do pressuposto de que as limitações à liberdade de expressão podem tornar o discurso menos livre porém não há autonomia ilimitada para liberdade sendo sua baliza a potencialidade de causar danos tanto aos indivíduos como à ordem social É nesse contexto que surge ideia de a liberdade de expressão comportar a possibilidade de seu conteúdo ter um arcabouço odioso isto é ideias que possuam acepção de violência de preconceito de discriminação de intolerância Surge então a ideia de discurso de ódio como uma possível limitação à liberdade de expressão O discurso de ódio ou hate speech se manifesta como uma prática que busca atacar indivíduos ou grupos em virtude de características específicas como raça etnia nacionalidade religião orientação sexual sexo gênero condição física Sá 2021 21 Brugger 2007 p 151 define o discurso do ódio como aquele que utiliza palavras que visam insultar intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça cor etnicidade nacionalidade sexo ou religião instigando a violência o ódio ou a discriminação contra tais grupos Para Lewis 2011 p 187 discurso de ódio é assim que ele é chamado ataques virulentos a judeus negros mulçumanos homossexuais ou membros de qualquer outro grupo É ódio puro não baseado em algum erro praticado por um indivíduo Podese dizer então que a ideia central do discurso de ódio é se manifestar como um ataque aos grupos minoritários em razão de suas características peculiares com a simples intenção de manifestar o ódio propriamente o desprezo o não reconhecimento de status igual Proibir ou permitir o discurso de ódio é um problema inato à liberdade de expressão Há argumentos que sustentam a necessidade de proibição do discurso de ódio e argumentos que defendem a proteção do discurso de ódio Dentre os argumentos que defendem a proibição do discurso de ódio destacase o fundamento da existência de um bem comum que deve ser tutelado pelo Estado e que a violação desse bem comum autoriza a restrição da liberdade de expressão de modo a proteger a autonomia e dignidade dos indivíduos Jeremy Waldron 2012 é um dos defensores da proibição do discurso de ódio com base na ideia de dano à dignidade dos sujeitos e de bem público Assim se coloca o autor Cada grupo deve aceitar que a sociedade não é apenas para eles mas é para eles também junto com todos os outros E cada pessoa cada membro de cada grupo deve ser capaz de cuidar do seu negócio com a garantia de que não haverá necessidade de enfrentar hostilidade violência discriminação ou exclusão por outros Quando essa garantia é transmitida de forma eficaz dificilmente é perceptível é algo em que todos podem confiar como a limpeza do ar que respiram ou a qualidade da água que bebem de uma fonte Essa sensação de segurança no espaço que todos habitamos é um bem público e numa boa sociedade é algo que todos nós contribuímos e ajudamos a sustentar de forma instintiva e quase imperceptível Waldron 2012 p 45 Sua ideia se assenta na premissa de que a sociedade é um empreendimento coletivo sendo assim todos os indivíduos devem promover o bem comum reprimindo a violência e a discriminação buscando a garantia da segurança para todos Assim o discurso de ódio que se 5 Tradução nossa No original Each group must accept that society is not just for them but it is for them too along with all of the others And each person each member of each group should be able to go about his or her business with the assurance that there will be no need to face hostility violence discrimination or exclusion by others When this assurance is conveyed effectively it is hardly noticeable it is something on which everyone can rely like the cleanness of the air they breathe or the quality of the water they drink from a fountain This sense of security in the space we all inhabit is a public good and in a good society it is something that we all contribute to and help sustain in na instinctive and almost unnoticeable way 22 apresenta como uma afronta ao bem comum deve ser proibido pois viola a dignidade dos sujeitos não mais reconhecidos em igualdade de posição com os demais membros da coletividade Waldron 2012 p 9495 defende que a proibição ao discurso de ódio é necessária pois protege o bem público da segurança baseada na dignidade e também coíbe o surgimento de uma versão sombria do bem público inspirada pelo ódio e não pelo respeito mútuo O Estado deve tratar os indivíduos como iguais em dignidade e esse status deve ser reconhecido e sustentado pelos outros cidadãos Para Waldron 2012 tal garantia busca possibilitar que os indivíduos possam participar da vida pública sem temor sendo o discurso de ódio uma violação da segurança para a efetivação da dignidade e um dano ao discurso público Ao negar publicamente o status de seus alvos como iguais sociais o discurso de ódio afeta o modo como a sociedade se parece de modo a minar a segurança pública de que seu status é seguro Além disso o discurso público de ódio alcança outras pessoas odiosas para assegurarlhes que não estão sozinhos Ao fazêlo substitui a segurança da dignidade pela certeza do ódio Como exatamente o discurso de ódio se relaciona com esse mal Relatos dignitários do dano no discurso do ódio comumente argumentam que o discurso de ódio causa danos dignitários Nesse entendimento a fala de ódio influencia causalmente a forma como outros membros da sociedade veem e agem em relação ao grupoalvo de modo que eles deixam de manter seu status como iguais Embora a conta de Waldron seja consistente com a alegação causal ele se concentra em grande parte em como a fala de ódio constitui um ataque à dignidade Isso conclui Waldron é o motivo pelo qual as proibições coercitivas ao discurso de ódio são necessárias Ao excluir com vigor o discurso de ódio as proibições impedem que tal discurso crie um ambiente de medo e alienação Lepoutre 2017 p 8578586 O argumento de Waldron 2012 para a proibição do discurso de ódio se assenta notadamente no dano à dignidade e ao bem público Porém seu argumento é alvo de várias críticas Newman 2017 p 685 sustenta que a ideia de Waldron desconsidera a capacidade dos indivíduos de autodefesa além de nem sempre ser possível contar com o Estado ou o grupo social para coibir o discurso de ódio Waldron 2012 constrói uma teoria avulsa aos argumentos liberais de proteção da liberdade de expressão defendendo a regulação do discurso de ódio com fundamento na restrição da liberdade individual por seu conteúdo 6 Tradução nossa No original In publicly denying the status of its targets as social equals hate speech affects the way the society looks in such a way as to undermine the public assuranc that their status is secure Moreover public hate speech reaches out to other hateful persons to assure them that they are not alone14 In doing so it replaces the assurance of dignity with the assurance of hatred How exactly does hate speech relate to this harm Dignitarian accounts of the harm in hate speech commonly argue that hate speech causes dignitary harms On this understanding hate speech causally influences how other members of society view and act towards the target group so that they stop upholding their status as equals 23 Do lado contrário à proibição do discurso de ódio Dworkin 2006 defende que a proteção da liberdade de expressão se justifica por duas categorias essenciais a instrumentalidade da liberdade de expressão ou seja tratase do meio mais eficaz para se alcançar a verdade um argumento consequencialista a autonomia moral dos sujeitos isto é todos os indivíduos devem ser considerados moralmente responsáveis sendo capazes de deliberar e expor suas ideias sem temer a aplicação de uma punição um argumento constitutivo Dworkin 2006 De acordo com Sarmento 2007 p 27 a ideia central de Dworkin é o reconhecimento da capacidade do indivíduo que pode decidir o que irá ouvir falar manifestar não sendo lícito ao Estado impedir o acesso a conteúdos considerados errados uma forma de paternalismo que viola a autonomia dos sujeitos Assim para Dworkin 2006 um discurso apenas pode ser restringido se manifestar perigo evidente e imediato para outrem e não apenas o conteúdo da fala pode levar à sua proibição Assim como ninguém pode ser proibido de votar porque suas opiniões são desprezíveis também não se pode negar a ninguém o direito de falar escrever ou manifestarse pelo rádio ou pela televisão pelo simples fato de as opiniões dessas pessoas serem insultuosas demais para ser levadas em consideração Dworkin 2006 p 379 Dentro dessa perspectiva a liberdade de expressão protege o direito de expor ideias desprezíveis e odiosas já que é preciso a construção de uma arena ampla de debate onde os agentes morais responsáveis são capazes de expor seus pontos de vista para alcançarem o status de igualdade A igualdade exige que todos por mais excêntricos ou desprezíveis que sejam tenham a oportunidade de exercer sua influência não só nas eleições mas na política em geral Dworkin 2006 p 380 Por isso a proibição ao discurso de ódio não seria alternativa eficaz pois ao invés de fortalecer a dignidade dos indivíduos ela mina a autonomia dos mesmos no lugar de propiciar a igualdade propicia a ideia de incapacidade moral Ocorre que ainda dentro da celeuma da restrição do discurso de ódio surge o movimento feminista com a ideia da proibição da pornografia ponto essencial e norte da presente pesquisa que será desenvolvido a seguir 24 52 Pornografia discurso de ódio e a política do performativo A temática discurso de ódio e pornografia encontrase intimamente relacionada já que o movimento feminista tem argumentado que a pornografia seria uma forma de discurso de ódio em face das mulheres devendo ser coibida Tal discussão emerge notadamente no século XX sendo nesse período bastante comum nos Estados Unidos a censura de obras literárias que possuem certo caráter obsceno como as obras O amante de Lady Chatterly Ulisses e obras de Balzac SILVA 2013 utilizandose como critério de censura o denominado teste Hicklin importado do direito britânico erigido da seguinte forma se a tendência do material acusado de obscenidade é corromper aqueles cujas mentes estão abertas a tais influências imorais e em cujas mãos uma publicação deste tipo pode cair OBrien 1995 p 431 Tal critério buscava impedir a circulação de material obsceno para que o mesmo não chegasse a pessoas consideradas incapazes de analisálos criticamente no entanto sua interpretação foi sendo cada vez mais estendida tendo como um dos casos emblemáticos a decisão de Roth v United States no ano de 1957 onde se discutiu a proteção da primeira emenda para a produção e circulação de material obsceno Nessa decisão buscouse delinear o que seria a obscenidade tema retomado no caso Jacobellis v Ohio7 no ano de 1964 cuja conclusão fora a de que a proibição da obscenidade somente se aplicava à pornografia hard core mas não chegando a um conceito para ela apenas consignando que a mesma era identificada quando analisada Certo é que a Suprema Corte dos Estados Unidos após longas discussões sobre a pornografia chegou a criar requisitos para a aplicação do critério de Roth quais sejam 1 apelar a interesses lascivos 2 de modo patentemente ofensivo e 3 carecer de qualquer valor social capaz de o redimir Silva 2013 p 145146 Observase que há falta objetividade na definição da pornografia e não se chegou ao fim do problema da obscenidade Buscando resolver tal problema no caso Miller v California no ano de 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos redefiniu o critério de interesse lascivo nos seguintes termos o material que mostra ou descreve de um modo patentemente ofensivo conduta sexual tal como definida em lei estadual e mais o material deveria carecer de valor literário artístico político ou científico Silva 2013 p 146 7 Segundo Ronald Dworkin 2006 esse é um dos casos mais citados no estudo da pornografia 25 Chegouse a um critério de proteção da liberdade de expressão onde o material de caráter sexual tornouse mais permissivo já que para sua proibição deveria conter uma conduta sexual ofensiva e sem valor literário artístico político ou científico Diante de tal cenário surge um movimento de defesa da regulação estatal para a censura da pornografia enquanto discurso de ódio notadamente na argumentação de autoras feministas como Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas antipornografia que sustentam um argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento Tais autoras fazem parte do grupo que na década de 1980 começou a luta anti pornografia nos Estados Unidos utilizandose de campanhas com imagens de violência social nos meios de comunicação Andrea Dworkin 1981 remonta para o significado da palavra pornografia em sua raiz etimológica chegando à conclusão que porne significa prostituta e graphos todo tipo escrito desenho ou gravura Então a pornografia utilizaria de corpos femininos para objetifica los ao masculino levandoos à dominação Robin Morgan 1980 cunhou a frase que se tornou um dos emblemas do movimento Pornography is the theory and rape the practice MORGAN 1980 p 139 A ideia da autora é que a representação obscena do corpo feminino contribui para a violência à mulher por isso a pornografia deve ser proibida Diana Russell 1998 analisa a relação entre pornografia misoginia e estupro defendendo como os relacionamentos podem ser perigosos para as mulheres A autora analisa a pornografia em diversos contextos concluindo que o ódio às mulheres é predominante na pornografia e que a mesma é causa direta dos estupros apresentando estatísticas para a comprovação de sua hipótese Andrea Dworkin e Catherine MacKinnon 1989 apresentam os argumentos para a proibição da pornografia com base na ideia de que a mesma é a fundamental na manutenção da desigualdade de gênero perpetuando a ideia de que as mulheres são submissas aos homens Tito Ferreira 2020 MacKinnon 1993 defende por exemplo que a pornografia é um ferimento ao feminino porque proclama o status de subordinação das mulheres por isso constitui uma forma de tratamento desigual e deve ser rechaçada pelo Estado Até porque na visão da autora a pornografia priva as mulheres do poder de falar8 Além disso a pornografia teria a capacidade 8 Austin 1990 entende que esse poder da fala é sua força ilocucionária por isso feministas como MacKinnon defendem que o discurso de ódio é um ato ilocucionário o que Butler 2021 tenta desconstruir 26 de recontextualizar o ato de fala o dizer não é considerado e interpretado como um dizer sim abrindo permissivos para o abuso sexual e o estupro MacKinnon 1993 foi a defensora da criação de uma lei antipornografia na cidade de Indianapólis definindo a pornografia como a subordinação sexualmente explícita da mulher de forma realista e sugestiva quer por meio de imagens quer de palavras DWORKIN 2006 p 349 Segundo ela a pornografia causa além de violência física uma subordinação generalizada das mulheres gerando desigualdade Para a autora A pornografia institucionaliza a sexualidade da supremacia masculina fundindo a erotização do domínio e da submissão com as figuras sociais do homem e da mulher Os homens tratam as mulheres segundo a imagem que têm delas É a pornografia que constrói essa imagem O poder dos homens sobre as mulheres faz com que as mulheres só possam ser aquilo que os homens veem que elas podem ser Mackinnon 1992 apud Dworkin 2006 p 353 Ronald Dworkin 2006 busca argumentos para descontruir a defesa da proibição do discurso de ódio elaborada por MacKinnon 1993 afirmando que a liberdade de expressão deve incluir o discurso de ódio em seu âmbito de proteção mesmo o discurso pornográfico O autor considera que a liberdade de expressão possui a finalidade de disseminar ideias independente de seu conteúdo e consequências de sua circulação A liberdade de expressão é o âmago da democracia por isso não deveria ser restringida em face da pornografia No entanto é necessário buscar outras formas para eliminar as desigualdades entre homens e mulheres Diante dos argumentos de MacKinnon 1993 podese constar que a pornografia além da violência e da subordinação significa violação da igualdade entre os indivíduos da sociedade Sendo assim é necessário a restrição de sua divulgação Ademais considerando que a pornografia silencia as mulheres ela acaba por diminuir seu status de cidadão igual levando mais uma vez à necessidade de restringir a liberdade de expressão já que todos os indivíduos possuem o direito de viver em uma sociedade onde há o encorajamento da fala seja de homens ou mulheres Ronald Dworkin 2006 rebate esses argumentos considerando que a proibição da pornografia enfrenta a restrição da liberdade de expressão sob dois aspectos o silêncio e a igualdade O argumento do silêncio parte do princípio de que todos sem exceção desde os moralistas dogmáticos e criacionistas até os reformadores sociais têm o direito a uma atenção respeitosa por parte dos outros o direito à atenção necessária para que se sintam dispostos a dizer o que pensam e para garantir que serão bem compreendidos e isso é absurdo O argumento igualitário por outro lado supõe que somente determinados grupos os que são vítimas de desvantagens que se perpetuam em nossa 27 sociedade não podem estar sujeitos às ofensas à descriminalização e ao abuso que contribuíram para construir essa desvantagem Dworkin 2006 p 377 É importante destacar que todos os indivíduos têm direito à voz para se expressar da forma que lhe aprouver Ocorre que não há a garantia de que todos serão compreendidos ou que seus argumentos sejam aceitos Por isso é preciso pensar cuidadosamente a restrição da liberdade de expressão pois o silenciamento do discurso traz efeitos drásticos para a democracia Diante desse cenário dentro da própria teoria feminista ao lado de movimentos sociais e políticos vem surgindo uma nova vertente que interpreta a sexualidade relacionandoa à pluralidade de identidades existentes na sociedade e contrapondoa à heteronormatividade mas ao mesmo tempo apresentando os perigos existentes na censura das ideias Tratase da contribuição da teoria queer Buscase compreender o potencial discursivo da pornografia questionando esse papel que fora atribuído a mesma ao longo dos anos em busca de um projeto feminista transformador Dentro desta perspectiva Butler 2021 questiona o poder do discurso de ódio para violar os corpos femininos com a ideia da pornografia trazendo a filosofia da linguagem como sustentáculo da ideia de que o discurso de ódio pode ser combatido com uma solução linguística diferente da censura A ideia central do feminismo para a proibição do discurso de ódio é lançar mão da filosofia da linguagem para questionar a causa e o efeito dos discursos discriminatórios utilizandose da performatividade linguística compreendese o discurso através da ação que o discurso performatiza isto é entendese que o discurso de ódio não apenas comunica uma ideia ou um conjunto de ideias ofensivas mas também coloca em ação a própria mensagem que ele comunica a comunicação é em si mesma uma forma de conduta Butler 2021 p 124 A teoria de Butler 2021 é desenvolvida com base na teoria dos atos de fala de Austin 1990 principalmente na diferença entre ideia e ação e na classificação do ato locucionário ilocucionário ou perlocucionário A começar pelo ato locucionário o mesmo significa o ato de dizer a fala propriamente dita Já o ato ilocucionário é o ato executado na fala aquele que realiza uma ação Por fim o ato perlocucionário é o ato que produz efeito em outrem através do ato de dizer Austin 1990 Através de tais conceitos Butler 2021 traça distinções para o enfrentamento do discurso de ódio ofensadano ideiaação agirferir e por meio delas tenta auferir os efeitos do discurso de ódio para se buscar formas de lidar com o mesmo 28 Butler 2021 considera que a proposta antipornografia não compreende que um enunciado do discurso pode ter um sentido não intencional ou não intencionado Nem sempre as intenções do falante são materializadas adequadamente em enunciados e muitos enunciados também não se materializam em feitos É possível não dizer o que se quer dizer não fazer o que se diz não fazer o que se pretendia Por isso ao contrário de se proibir um discurso simplesmente por sua capacidade de ação é preciso exibilo linguisticamente o que não anulará seus significados degradantes mas os reproduzirá em um espaço público sendo o mesmo passível de ressignificação Butler 2021 p 169 Se admitirmos que o discurso de ódio é ilocucionário nós aceitamos igualmente que as palavras causam danos imediata e automaticamente que a cartografia social do poder é a sua e que não somos obrigados a precisar os efeitos concretos que o discurso de ódio produz O dizer não é ele próprio o fazer mas pode levar ao fazer um dano e é isso que deve ser combatido Manter a distância entre o dizer e o fazer por mais difícil que isso seja significa que sempre haverá algo a dizer sobre como e por que o discurso causa o dano que ele causa Butler 2021 p 171 Como então ressignificar o discurso para que o mesmo seja menos danoso às mulheres Pode o movimento feminista contribuir para essa análise O movimento feminista surgiu no final do século XIX nos Estados Unidos tendo por principal objetivo a luta pelos direitos jurídicos e políticos das mulheres onde elas reivindicavam o direito ao voto participação política e ter uma vida fora do lar que elas pudessem trabalhar e ocupar cargos importantes nas empresas que majoritariamente eram preenchidos por homens a fim de batalhar pela igualdade de gênero Entre as principais conquistas do movimento destacamse o direito de participação política e o de votar a inserção das mulheres no mercado de trabalho o acesso à educação a elaboração de leis e políticas públicas que visam combater a violência doméstica estabelecendo penas mais graves aos agressores como a Lei Maria da Penha a garantia da saúde das mulheres alavancando pautas importantes para debate como a legalização do aborto e a permanência da luta pela igualdade de gênero Todo esse movimento é uma forma de ressignificar o discurso de desigualdade de gênero o próprio movimento feminista ressignifica o discurso machista na luta por direitos e igualdade traz emancipação aos corpos femininos e aponta novos caminhos para a compreensão e expressão da pornografia 29 53 O chilling effect Diante da circulação do discurso de ódio surge importante questão o efeito silenciador do discurso Owen Fiss 2005 ao tratar da liberdade de expressão identifica que a mesma carrega com sigo o efeito silenciador ou seja o discurso de alguns é capaz de abafar as vozes de outro De um modo mais claro o autor considera que nas sociedades liberais o acesso privilegiado aos meios de comunicação em massa por determinados grupos hegemônicos ou ainda a pressão e influência exercida pelo governo sobre os meios de comunicação ou até mesmo o preconceito difundido na sociedade contra determinada minoria acabam por silenciar as vozes de grupos menos favorecidos levandoos à invisibilidade Fiss 2005 sustenta que as ideias dos grupos minoritários diante do efeito silenciador do discurso não chegam na arena pública em iguais condições o que coloca em risco a formação da razão pública Portanto seria necessária uma regulação estatal dos discursos odiosos e ofensivos capazes de tolher ou desiquilibrar o debate público Nesse contexto de regulamentação da fala para se pensar no combate ao discurso de ódio a restrição do conteúdo odioso ganha notoriedade com o chilling effect cuja ideia central que ganhou notoriedade nos Estados Unidos nos anos 70 é a de que a possibilidade de regulamentação e de censura do discurso indesejado pode dissuadilo ou resfriálo A premissa em que se assenta o chilling effect é a de que a existência de um efeito inibidor por meio da regulamentação dos discursos pode indiretamente dissuadir o orador a expressar sua fala por temer a aplicação de determinada sanção Analisando o chilling effect e a restrição do discurso de ódio Suneal Bedi 2021 por meio de um estudo empírico estudou o resfriamento do discurso de ódio pela censura O estudo analisou o efeito do resfriamento do discurso por meio da análise de avaliações de restaurante simulando um ambiente onde a fala odiosa era totalmente censurada um ambiente em que algumas palavras eram proibidas mas havia a possibilidade de ofensa e um ambiente totalmente livre A conclusão foi de que as formas de proibição do discurso de ódio apenas fazem com que o mesmo ódio seja propagado de forma diferente não havendo o resfriamento da ideia Bedi 2021 A presente pesquisa buscará demonstrar que o discurso de ódio não é resfriado ou tem sua circulação evitada quando o mesmo é proibido ou censurado O que acontece é a expressão da ideia de uma forma diferente com outras palavras em outros meios de outros modos Entra em cena então a já apresentada ideia de performatividade do discurso apresentada por Butler 2021 sob a premissa de que o discurso de ódio pode ser ressignificado 30 alterando seus efeitos iniciais O contradiscurso se apresenta como a ferramenta mais eficaz para se combater o discurso de ódio Através dos conceitos e ideias aqui apresentados a presente pesquisa busca desenvolver o argumento de que a mera proibição do discurso de ódio não resolve o problema da desigualdade e violação dos direitos das minorias Por isso a alternativa é buscar caminhos para o enfrentamento do mesmo através da própria linguagem 54 A contribuição do Movimento Feminista O movimento feminista como um todo surge como uma necessidade de tomada de consciência das mulheres de um espaço dentro da sociedade onde seus corpos não fossem objeto da comercialização do patriarcado de modo subserviente e passivo que levou a presença de um machismo estrutural e institucional É preciso destacar que tanto a história como a política e até mesmo o direito são espaços com pouca representatividade feminina o que leva cada vez mais à subjugação dos corpos femininos em uma estrutura de submissão e violação de direitos O movimento feminista parte de uma tomada de consciência dos indivíduos em que a mulher passa a aceitar suas feições e faz do corpo em si uma arma de protagonização que busca combater a dominação masculina por uma lógica performativa de acolhimento que evidencia a constatação de que é necessário pensar além do lugarcomum Nesse diapasão é importante destacar as ideias de Angela Davis 2016 que nos ensina a repensar a história da luta das mulheres de forma a incluir as contradições dos contextos políticos e de modo interseccional isto é compreendendo como os conceitos de gênero raça e classe se alinham para a manutenção das opressões em face das mulheres reduzindo suas possibilidades de emancipação Chimamanda Ngozi Adiche 2014 clama para que sejamos todos feministas Isso porque o feminismo é importante não só para a libertação dos corpos femininos mas para planejar um mundo diferente mais justo e igualitário Conforme defende a autora não é condizente com a ideia de igualdade que as mulheres anulem suas personalidades para se enquadrar em estereótipos de feminilidade enquanto os homens são livres para expressar toda sua masculinidade excludente Djamila Ribeiro 2017 demonstra através do silenciamento e da invisibilidade histórica da mulher negra que é preciso dar maior visibilidade para a fala feminina que seu corpo não pode ser invisibilizado sendo necessário traçar as intersecções necessárias para que todas as 31 mulheres sejam ouvidas sem distinção de raça ou classe A mulher não pode ser utilizada enquanto um objeto que possui uma função ela é uma sujeita de direitos dotada de personalidade e subjetividade portanto é imperioso que seja respeitada Defender a liberdade é essencial para que se garanta o acesso aos direitos pelas mulheres e é pressuposto para a efetivação da própria igualdade Deve ser garantido à mulher a liberdade de escolha e de seu próprio corpo como expressão de suas vontades e potencialidades É possível que as mulheres se apoderem de seus próprios corpos e se manifestem contrários as políticas machistas e sexistas da sociedade em busca da defesa de sua autonomia liberdade e igualdade sem que isso seja uma forma de fomentar o discurso de ódio contra as mulheres Ao contrário é a oportunidade de se combater na arena pública o argumento de que a mulher merece ser estuprada em virtude de seu comportamento ou de sua vestimenta É preciso romper com o silêncio para libertar os corpos femininos das amarras do machismo possibilitandoas expressar livremente seus corpos como manifestação de suas subjetividades E é tarefa do feminismo possibilitar esse empoderamento para que as mulheres reivindiquem seus espaços na sociedade e assumam o protagonismo na defesa de seus direitos ferramentas para se alcançar a igualdade de gênero e defender a objetificação do corpo feminino como manifestação de poder do patriarcado A mulher é livre para se manifestar para utilizar seu corpo para levantar suas próprias pautas Nenhuma política pode limitar sua autonomia sob pena de violação do Estado Democrático de Direito 32 6 OBJETIVOS 61 Objetivo Geral Estudar a relação entre o chilling effect e a dissuasão do discurso de ódio frente as mulheres por meio do aspecto da pornografia para verificar como o movimento feminista pode contribuir para a ideia da performatividade do discurso ou seja de se combater o discurso ódio na arena pública com o empoderamento feminista e a consagração de direitos por meio da linguagem e dos movimentos sociais 62 Objetivos específicos a Investigar sobre a relação entre a pornografia e o discurso de ódio b Analisar a relação entre discurso de ódio e chilling effect para compreender a probabilidade de o discurso de ódio mudar em face da ameaça de censura c Demonstrar como a filosofia da linguagem contribui para a análise do fenômeno do discurso de ódio d Investigar sobre o movimento feminista e seu papel de empoderamento das mulheres e efetivação de direitos 33 7 ESTRUTURA PRELIMINAR DA TESE 1 INTRODUÇÃO 2 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO O DISCURSO DE ÓDIO E O EFEITO SILENCIADOR 21 A defesa da liberdade de expressão na Antiguidade e no Mundo Contemporâneo 22 O discurso de ódio tentativas de conceituação 23 As teorias sobre a regulação do discurso de ódio 24 O chilling effect 3 FEMINISMO PORNOGRAFIA E DISCURSO DE ÓDIO 31 O surgimento do feminismo e as teorias contemporâneas 32 Sexualidade pornografia e obscenidade 33 Discurso de ódio e pornografia 4 CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM PARA LIDAR COM O DISCURSO DE ÓDIO 41 A teoria dos atos de fala 42 A política do performativo no discurso de ódio 43 Como combater o discurso de ódio com mais discurso contribuição do movimento feminista 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 34 8 METODOLOGIA Propõese com a presente pesquisa compreender a possibilidade de uma relação entre o chilling effect e a dissuasão do discurso de ódio frente as mulheres valendose da pornografia para verificar como o movimento feminista pode contribuir para a ideia de se combater o discurso ódio na arena pública via empoderamento feminista pela consagração de direitos através do uso da linguagem e da ação dos movimentos sociais Estabeleceuse como marco teórico da pesquisa a ideia de performatividade do discurso segundo as teorias de Butler 2021 e Austin 1990 cujos princípios possibilitam a compreensão da importância da linguagem para lidar com o discurso de ódio na arena pública Ademais o amparo na teoria feminista permitirá compreender o valor do contradiscurso à pornografia para entender a relação entre o empoderamento feminino e o uso da linguagem e dos movimentos sociais no enfrentamento do discurso de ódio Para o desenvolvimento deste estudo visando a confirmação da hipótese proposta sugerese a realização de uma pesquisa bibliográfica com dados coletados na doutrina legislação e jurisprudência Importante ressaltar sua condição de pesquisa descritiva voltada à compreensão da forma como o movimento feminista e o discurso de ódio se relacionam na perspectiva de compreensão e enfrentamento do referido fenômeno a partir da adoção de abordagem de teor qualitativo Como procedimento de coleta de dados optouse pelo levantamento bibliográfico Os dados serão coletados em fontes distintas notadamente periódicos revistas e jornais científicos livros e documentos eletrônicos para posterior análise descritiva e crítica voltada ao alcance da resposta ao problema proposto Como plano de prova a pesquisa em tela será constituída das seguintes etapas a Inicialmente farseá uma abordagem sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio buscando alternativas para lidar com o discurso de ódio e sua restrição Utilizarseá de obras centrais para a teoria da liberdade de expressão e do discurso de ódio como Dworkin 2006 e Waldron 2012 bem como o aporte da filosofia da linguagem para a compreensão do discurso de ódio dentro da perspectiva da teoria dos atos de fala Austin 1990 Butler 2021 o que possibilitará traçar os argumentos para o enfrentamento do discurso de ódio como via alternativa à pura e simples restrição b Em um segundo momento analisarseá a relação entre o discurso de ódio e a pornografia para compreender como é possível fazer uma relação entre a teoria da liberdade de expressão e o feminismo buscando alternativas para lidar com o discurso de ódio e sua 35 restrição por meio de um debate em torno das teorias feministas utilizando de autoras como Andrea Dworkin 1981 e Catharine Mackinnon 1993 c Posteriormente será realizada a análise da relação entre discurso de ódio e chilling effect para entender a possibilidade de mudança do discurso de ódio face à ameaça de censura compreendendo a ideia do chilling effect na obra de Owen Fiss 2005 utilizandose como suporte bibliográfico também a pesquisa realizada por Suneal Bedi 2021 confrontando os resultados encontrados pelo autor com bancos de dados sobre a pornografia como o site PornHub para demonstrar como a censura influencia ou não o consumo da pornografia por meio da comparação entre países detentores de leis antipornografia do grau de censura dessas legislações do nível de consumo da pornografia em tais países9 bem como os índices de violência contra a mulher nos países selecionados por meio do levantamento em questão de modo a testar o argumento central da teoria feminista para a censura à pornografia seu potencial de aumentar a violência em face às mulheres d Por último será realizada uma investigação do movimento feminista e seu papel de empoderamento das mulheres e efetivação de direitos de modo a compreender como o discurso de ódio pode e deve ser enfrentado com outros discursos que atentem para ressignificação da fala para a defesa de direitos e educação em igualdade de gênero 81 Estratégias de uso de bibliografia em idioma estrangeiro Quanto ao tópico é preciso destacar que as obras que guiarão o desenvolvimento da pesquisa e que serviram de norte para o desenvolvimento do presente projeto foram escritas no idioma inglês o que demonstra o preenchimento do uso de bibliografia estrangeira na pesquisa Ressaltase que tal utilização é imprescindível pois os principais estudos sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio são publicados em idioma estrangeiro e as obras que servem de bibliografia básica para a pesquisa também se encontram no inglês 9 Em um levantamento preliminar os bancos de dados sugerem como países que podem ser objeto da presente pesquisa Estados Unidos Reino Unido Austrália Brasil China África do Sul México Argentina Espanha Itália e Índia Disponível em httpswwwpornhubcominsights2018yearinreview Acesso em 28 jun 2023 36 82 Estratégias de inserção do projeto nas metas de internacionalização do Programa nas atividades dos cursos de Graduação da Faculdade de Direito e para difusão dos resultados parciais e finais A pesquisa em questão possui um tema de grande relevância para o cenário acadêmico e social já que busca refletir sobre a liberdade de expressão e sua restrição quanto ao discurso de ódio Por alinhar perspectivas desenvolvidas em outros países como as pesquisas de Suneal Bedi poderá ser importante ferramenta para as metas de internacionalização do PPGD seja com a realização de atividades colaborativas de pesquisa com outros estudantes e professores que estudam a temática em outros países seja com a possibilidade de realização de intercâmbio para melhor desenvolvimento das ideias e troca dos resultados encontrados podendo ainda contribuir para a realização de eventos internacionais sobre o tema que encontrase em evidência atualmente Lado outro o projeto também poderá inserir diretamente nas atividades dos cursos de Graduação seja no âmbito do ensino da pesquisa ou da extensão Poderá haver a interlocução do trabalho com a Clínica de Direitos Humanos com os grupos de pesquisa existentes na Faculdade bem como poderão ser criados eventos para a integração dos alunos da graduação com a temática estudada Por fim ressaltase que as estratégias para a difusão dos resultados parciais e finais da pesquisa incluem participação em Congressos e Seminários publicação de artigos científicos em revistas reconhecidas organização de eventos sobre a temática e as demais atividades que o orientador entender pertinente para a consecução dos objetivos 37 9 RECURSOS Os recursos para o desenvolvimento da presente pesquisa se dividem em Recursos humanos e Recursos materiais e financeiros A começar pelos primeiros as pessoas envolvidas na pesquisa são a pesquisadora e seu orientador não havendo custos extras com pessoal Já quanto aos recursos materiais e financeiros não há previsão de despesas com material permanente material de consumo serviços com terceiros e serviços com pessoal já que serão utilizados computadores próprios softwares gratuitos livros da biblioteca portal de periódicos 38 10 CRONOGRAMA EtapasAtividades 1º2023 2º2023 1º2024 2º2024 Término do Curso das Disciplinas Conhecimento do objeto de estudo a levantamento bibliográfico b aprofundamento da pesquisa bibliográfica c redação parcial e discussão com o orientador d apresentação do projeto de tese Investigação e interpretação do marco teórico a organização dos dados levantados b aprofundamento do marco teórico c redação parcial e discussão com o orientador Redação da tese e estruturação dos resultados a análise crítica dos dados levantados b confirmação ou refutação das hipóteses c redação preliminar da tese d discussão com o orientador e segunda qualificação Defesa a apresentação dos resultados obtidos b redação final da tese c discussão com o orientador d depósito da tese e defesa da tese 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDICHIE Chimamanda Ngozi Sejamos todos feministas São Paulo Companhia das Letras 2014 AGUIAR Ricardo Schinaider de Uma trajetória legal da liberdade Com Ciência 2013 Disponível em httpswwwcomcienciabrcomcienciahandlerphpsection8tiporesenhaedicao86 Acesso em 24 ago 2023 AUSTIN John Langshaw Quando dizer é fazer Porto Alegre Artes Médicas 1990 BAKER C Edwin Autonomy and hate speech In HARE Weinstein Extreme speech and democracy New York Oxford University Press 2009 p139157 BAKER C Edwin Human liberty and freedom of speech New York Oxford University Press 1992 BEDI 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DANIEL PINTO DA CRUZ MARCUS HENRIQUE CARDOZO GOMES MARCUS VINICIUS DA COSTA SOARES E YASMIN SANTOS MELO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO PILAR DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO LIMITES DESAFIOS E A ERA DIGITAL Trabalho acadêmico avaliado em 200 pontos e apresentado como requisito de avaliação parcial da disciplina Metodologia da Pesquisa Científica oferecida e ministrada pela Profa Me Mariana Oliveira de Sá durante o 2º semestre de 2025 na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG unidade de DiamantinaMG DIAMANTINA 2025 SUMÁRIO 1 Introdução1 2Fundamentos Filosóficos da Liberdade de Expressão2 3Evolução Histórica da Liberdade de Expressão3 4 O Contexto da Liberdade de Expressão no Brasil5 5 Limites Jurídicos e Constitucionais6 6 Liberdade de Expressão na Era Digital7 7 A Função das Plataformas Digitais e do Estado 8 9 Reflexões Finais 9 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO PILAR DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO LIMITES DESAFIOS E A ERA DIGITAL 1Introdução A liberdade de expressão se destaca como um dos elementos essenciais do Estado Democrático de Direito servindo não apenas como um direito pessoal mas como uma condição fundamental para o exercício da cidadania e a solidificação da democracia Ter o direito de expressar livremente opiniões ideias e pensamentos assegura o pluralismo e a ativa participação da sociedade nos âmbitos político cultural e social Contudo apesar de ser um direito central ele não é ilimitado pois precisa ser restringido para proteger outros direitos como a honra a imagem a privacidade e a ordem pública A Constituição Federal de 1988 afirma em seu artigo 5º inciso IV a liberdade de manifestar pensamentos e no inciso IX a expressão livre da atividade intelectual artística científica e comunicativa sem necessidade de censura ou autorização Estas normas representam uma mudança decisiva em relação aos períodos de repressão e censura que tiveram impacto na história política do Brasil como durante o Estado Novo e a Ditadura Militar No entanto o progresso tecnológico e a emergência da era digital impõem novos obstáculos à realização desse direito A propagação rápida de informações a influência de algoritmos e o surgimento de fake news ampliaram o alcance da comunicação mas geraram também dilemas éticos e legais O discurso de ódio a disseminação de desinformação e a manipulação online revelam que exercer a liberdade de expressão no ambiente digital demanda uma reflexão contínua sobre suas limitações e responsabilidades Portanto este trabalho se propõe a analisar a liberdade de expressão como base do Estado Democrático de Direito examinando seus fundamentos filosóficos seu percurso histórico o cenário jurídico brasileiro e as dificuldades apresentadas pela era digital Quando entendida em sua amplitude a liberdade de expressão vai além da simples capacidade de falar ou escrever abrangendo o direito de buscar receber e compartilhar informações Assim ela representa uma ferramenta de emancipação tanto individual quanto coletiva permitindo que os cidadãos desenvolvam opiniões independentes e participem criticamente da esfera pública Sem essa liberdade o conceito de democracia perde sua essência tornandose apenas uma formalidade desprovida de um verdadeiro envolvimento participativo Além disso é crucial reconhecer que a liberdade de expressão não serve apenas como uma proteção contra o Estado mas também como um escudo contra o poder econômico e tecnológico Na atualidade na era da comunicação em massa e das plataformas digitais a concentração de poder em um número restrito de grupos pode restringir a variedade de vozes e controlar a narrativa social Portanto a discussão sobre a liberdade de expressão atualmente envolve também o debate sobre a democratização dos canais de comunicação e o acesso justo à informação Finalmente este estudo visa não apenas a compreender o aspecto legal da liberdade de expressão mas também a refletir sobre sua dimensão ética social e política A análise proposta tem como objetivo contribuir para a percepção de que o pleno exercício desse direito é uma condição fundamental para o fortalecimento das instituições democráticas e para a construção de uma sociedade plural crítica e inclusiva capaz de lidar com as diferenças e fomentar o diálogo 2 Fundamentos Filosóficos da Liberdade de Expressão A ideia de liberdade de expressão como um direito fundamental tem raízes na filosofia tanto clássica quanto moderna emergindo de um longo processo teórico sobre a função do indivíduo na sociedade e a importância de assegurar espaços para a manifestação do pensamento Voltaire um filósofo do Iluminismo se tornou um ícone dessa luta ao declarar Posso não estar de acordo com o que dizes mas defenderei até à morte o teu direito de dizêlo VOLTAIRE 2014 Essa declaração encapsula a essência da tolerância e da liberdade dentro de um convívio democrático sugerindo que o verdadeiro compromisso com a liberdade inclui a proteção de opiniões divergentes John Locke em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil 1974 argumenta que a liberdade é um direito inato indissociável da razão e da vida em comunidade Segundo Locke a função do governo é proteger os direitos naturais do ser humano como vida liberdade e propriedade e não restringilos de forma arbitrária Nesse cenário a liberdade de expressão se torna um aspecto crucial para a existência de um governo legítimo e restrito John Stuart Mill em sua obra Sobre a Liberdade 2000 aprofunda essa análise ao apresentar o princípio do dano que estabelece que o único limite aceitável à liberdade de um indivíduo ocorre quando essa liberdade começa a prejudicar outros Mill defende que a troca livre de ideias é vital para o avanço da humanidade uma vez que permite o embate de opiniões e a busca pela verdade Portanto a censura não só oprime o indivíduo mas também empobrece o debate público e o progresso do conhecimento Essas ideias filosóficas formaram as fundações para a consideração da liberdade de expressão como um direito essencial para o desenvolvimento humano e o fortalecimento das democracias contemporâneas Contudo a própria filosofia admite que o exercício desse direito deve estar em consonância com as responsabilidades individuais e coletivas evitando a utilização da liberdade para propósitos destrutivos A análise da liberdade de expressão também toca na ética pois envolve a obrigação de conviver com opiniões diversas A verdadeira liberdade não reside na ausência de limites mas sim na habilidade de coexistir com as diferenças Dessa forma os filósofos clássicos ao enfatizarem a importância do debate já indicavam que o diálogo é o espaço primordial da democracia Com isso entendese que o pensamento livre requer uma maturidade social que permita ouvir visões opostas sem considerar a diferença como inimiga Outra dimensão significativa é a conexão entre liberdade e verdade Para Mill 2000 o entendimento humano é resultado da troca entre ideias e é nesse confronto que se chega ao aprimoramento moral e intelectual da sociedade Assim a liberdade de expressão também possui um valor epistemológico pois evita o monopólio da verdade e promove o progresso científico e cultural Quando um grupo ou governo tenta eliminar o pensamento divergente não se perde apenas uma opinião mas a própria capacidade de evoluir Por fim cabe destacar que a liberdade de expressão é o alicerce sobre o qual se constrói o espírito público Voltaire e Locke não enxergavam a liberdade apenas como uma conquista individual mas como um dever cívico de participar do destino coletivo Em uma sociedade democrática o silêncio imposto seja pela censura pela intimidação ou pela manipulação é tão perigoso quanto o discurso irresponsável A filosofia da liberdade nesse sentido ensina que falar é um ato político e ouvir o outro é um gesto de respeito à própria humanidade 3 Evolução Histórica da Liberdade de Expressão A trajetória da liberdade de expressão é marcada por avanços e retrocessos ao longo dos séculos Na Grécia Antiga o diálogo e a retórica eram elementos centrais da vida pública especialmente nas ágoras espaços de debate e deliberação Sócrates e Platão por exemplo defendiam o valor do questionamento e da reflexão como caminho para a verdade A Apologia de Sócrates PLATÃO 2002 ilustra o conflito entre liberdade de pensamento e poder político demonstrando que a repressão às ideias sempre esteve presente nas sociedades Durante a Idade Média a hegemonia da Igreja Católica e o sistema feudal restringiram o pensamento livre A Inquisição impôs censura perseguições e punições severas a quem divergisse da doutrina oficial Somente com o Iluminismo no século XVIII é que a liberdade de expressão ganhou reconhecimento jurídico e político Os filósofos iluministas como Rousseau Montesquieu e o próprio Voltaire defenderam o uso da razão e o direito de cada indivíduo manifestar suas convicções Do ponto de vista jurídico marcos fundamentais consolidaram esse direito A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 em seu artigo 11 reconheceu que a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem O mesmo ocorreu na Constituição dos Estados Unidos 1789 com a Primeira Emenda que garantiu a liberdade de expressão e de imprensa No século XX a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 reforçou o caráter universal desse direito afirmando em seu artigo 19 que todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão Esse reconhecimento internacional transformou a liberdade de expressão em um valor civilizatório associado à dignidade e à igualdade humanas O desenvolvimento histórico da liberdade de expressão também revela que cada conquista foi resultado de intensos conflitos sociais e políticos Nenhuma sociedade concedeu esse direito de forma espontânea ele sempre foi fruto de lutas contra o poder concentrado contra a intolerância e contra o medo As revoluções liberais do século XVIII por exemplo foram impulsionadas por intelectuais e cidadãos que arriscaram a própria vida em defesa da palavra livre transformando o discurso em arma de resistência No século XX com o avanço dos regimes totalitários o valor da liberdade de expressão foi novamente colocado à prova Nazismo fascismo e stalinismo demonstraram como a supressão da crítica e o controle da informação são instrumentos fundamentais de dominação Após a Segunda Guerra Mundial a comunidade internacional compreendeu que garantir o direito à livre manifestação não é apenas uma questão jurídica mas um compromisso ético com a dignidade humana A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consolidou esse entendimento como um marco global de civilização Nos tempos atuais a liberdade de expressão continua em constante reconstrução especialmente diante dos desafios tecnológicos A história demonstra que cada nova forma de comunicação da prensa de Gutenberg às redes digitais trouxe avanços mas também novas formas de censura e manipulação A evolução do direito à liberdade de expressão portanto é inseparável da evolução da própria sociedade e sua defesa deve ser permanente pois onde o silêncio é imposto a tirania se fortalece 4 O Contexto da Liberdade de Expressão no Brasil No Brasil a trajetória da liberdade de expressão foi marcada por períodos de censura e repressão A Constituição de 1824 de caráter monárquico já previa a liberdade de expressão mas com limitações impostas pela censura prévia Somente com a Constituição Republicana de 1891 é que se reconheceu formalmente a livre manifestação do pensamento sem censura Durante o Estado Novo 19371945 o governo de Getúlio Vargas instaurou rígido controle sobre os meios de comunicação instaurando a censura política e cultural Essa prática se repetiu em escala ainda mais intensa durante o Regime Militar 19641985 quando jornais artistas e intelectuais foram perseguidos e silenciados A redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988 representaram um marco na consolidação da liberdade de expressão como valor inegociável O artigo 5º inciso IX assegura a livre manifestação da atividade intelectual e de comunicação e o artigo 220 reforça que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística Como observa Alexandre de Moraes 2022 a liberdade de expressão é condição essencial para a formação da opinião pública e consequentemente para o exercício pleno da democracia participativa Assim ela transcende o aspecto individual assumindo dimensão coletiva e social indispensável ao funcionamento das instituições democráticas A experiência brasileira mostra que a liberdade de expressão sempre esteve intimamente ligada à luta pela democracia Desde o período imperial até a Constituição de 1988 o país viveu ciclos de abertura e repressão nos quais a palavra foi alternadamente exaltada e sufocada A imprensa os movimentos sociais e os artistas desempenharam papel decisivo nesse processo utilizando a comunicação como instrumento de resistência e de reconstrução da memória nacional Durante o Regime Militar a censura atingiu não apenas os veículos de imprensa mas também a literatura o teatro a música e o cinema Mesmo sob o risco da repressão diversos intelectuais e jornalistas mantiveram o compromisso com a verdade denunciando abusos e registrando os horrores do autoritarismo Essa resistência cultural foi fundamental para a redemocratização e para o fortalecimento do ideal de liberdade como valor inegociável da sociedade brasileira Atualmente embora a censura institucional tenha sido abolida novas formas de controle simbólico e social surgem especialmente no ambiente digital O combate à desinformação à manipulação e ao discurso de ódio deve ser conduzido com cautela para que não se confunda a defesa da democracia com a imposição de uma nova censura O verdadeiro desafio do Brasil contemporâneo é garantir a liberdade de expressão com responsabilidade sem permitir que o medo ou a intolerância limitem o debate público 5 Limites Jurídicos e Constitucionais Embora seja um direito fundamental a liberdade de expressão não possui caráter absoluto A Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro impõem limites que visam proteger outros direitos igualmente relevantes como a honra a imagem a privacidade e a dignidade humana O Código Penal tipifica crimes contra a honra calúnia art 138 difamação art 139 e injúria art 140 estabelecendo que o exercício da liberdade de expressão não pode servir como justificativa para ofensas pessoais Da mesma forma o Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 e a Lei Geral de Proteção de Dados Lei nº 137092018 estabelecem mecanismos de responsabilização para conteúdos que violem direitos de terceiros Além disso o discurso de ódio caracterizado pela incitação à violência discriminação ou perseguição contra grupos sociais raciais religiosos ou políticos é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico O Supremo Tribunal Federal tem reafirmado em diversas decisões que a liberdade de expressão não protege manifestações ilícitas que atentem contra a democracia ou incentivem a intolerância Bobbio 2004 destaca que o verdadeiro desafio das democracias modernas não está em reconhecer direitos mas em garantilos de forma equilibrada preservando tanto a liberdade quanto a igualdade Assim o Estado deve atuar como mediador entre a livre expressão e a proteção de outros valores fundamentais assegurando o convívio harmonioso entre os cidadãos Os limites à liberdade de expressão não devem ser vistos como uma forma de cerceamento mas como mecanismos de equilíbrio social O direito à palavra precisa conviver com outros direitos fundamentais e essa convivência demanda prudência O princípio da proporcionalidade amplamente utilizado pelo Supremo Tribunal Federal orienta que qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser estritamente necessária e justificada pela proteção de bens jurídicos igualmente relevantes O discurso de ódio por exemplo tem sido um dos grandes desafios contemporâneos Ele não é apenas uma opinião divergente mas uma prática que visa desumanizar e excluir Por isso a jurisprudência brasileira tem entendido que manifestações discriminatórias não estão amparadas pela liberdade de expressão Essa compreensão reforça o compromisso constitucional com a dignidade humana e com o combate a toda forma de intolerância Ao mesmo tempo é fundamental evitar que a noção de limites seja utilizada como pretexto para restringir críticas legítimas ao poder público A liberdade de expressão é o oxigênio da democracia e sem ela o controle social e a transparência das instituições ficam comprometidos Assim o papel do Direito é garantir que o exercício da palavra seja livre mas também responsável de modo que a justiça e o respeito mútuo sejam preservados 6 Liberdade de Expressão na Era Digital A revolução digital transformou profundamente as formas de comunicação e a dinâmica social Com a popularização da internet e das redes sociais qualquer indivíduo passou a ter voz e alcance potencialmente global Essa democratização do discurso representa um avanço inegável pois amplia o acesso à informação e permite a diversidade de perspectivas Contudo o ambiente digital também trouxe riscos e distorções A velocidade da circulação de conteúdos favorece a propagação de fake news discursos de ódio e manipulações ideológicas Plataformas como Twitter Facebook Instagram e TikTok tornaramse arenas públicas onde se misturam liberdade desinformação e polarização Segundo Moraes 2022 a liberdade de expressão na era digital enfrenta o desafio de equilibrar o acesso à informação com a necessidade de preservar a veracidade e a responsabilidade social O anonimato os algoritmos de recomendação e o uso de robôs automatizados intensificam o impacto das narrativas falsas exigindo respostas jurídicas e éticas adequadas Assim surge o dilema contemporâneo como garantir a liberdade de expressão sem permitir que ela seja usada como instrumento de destruição da democracia O combate à desinformação e à incitação ao ódio deve ser feito sem recorrer à censura preservando o núcleo essencial do direito à livre manifestação A era digital trouxe consigo uma nova concepção de esfera pública As redes sociais se tornaram o principal espaço de formação de opinião substituindo em parte o papel antes ocupado pelos jornais e pela televisão Essa mudança ampliou o acesso à informação e democratizou o debate mas também fragmentou o espaço público criando bolhas de pensamento e dificultando o diálogo entre visões diferentes A comunicação em rede ao mesmo tempo que liberta também isola Outro ponto de reflexão é o papel dos algoritmos na filtragem das informações As plataformas digitais não são neutras seus sistemas de recomendação priorizam conteúdos que geram engajamento muitas vezes reforçando discursos extremados ou falsos Assim a liberdade de expressão passa a ser mediada por mecanismos tecnológicos e interesses comerciais A defesa desse direito portanto exige repensar a transparência e a responsabilidade das grandes corporações que controlam o fluxo de informações Por fim a liberdade de expressão digital impõe desafios éticos e jurídicos inéditos A disseminação de notícias falsas o discurso de ódio online e a manipulação política exigem uma atuação coordenada entre o Estado as empresas e a sociedade civil É necessário criar instrumentos eficazes de responsabilização sem recorrer à censura A defesa da liberdade no mundo virtual requer maturidade democrática e senso crítico para que o avanço tecnológico não se transforme em ameaça à própria democracia 7 A Função das Plataformas Digitais e do Estado As plataformas digitais desempenham um papel fundamental nesse novo contexto A moderação de conteúdo realizada por algoritmos e por equipes de pessoas gerou um conflito entre a defesa da liberdade e o combate à desinformação Companhias como Meta Google e X antigo Twitter enfrentam pressão para implementar políticas de transparência eliminar conteúdos prejudiciais e colaborar com autoridades governamentais No Brasil o Supremo Tribunal Federal tem tomado iniciativas em decisões relacionadas ao bloqueio de contas exclusão de perfis e enfrentamento de campanhas enganosas O equilíbrio entre liberdade e regulamentação entretanto é sensível Um excesso de intervenção governamental pode resultar em censura enquanto a negligência das plataformas pode favorecer a propagação de discursos prejudiciais Como menciona Bobbio 2004 a democracia é um modelo que existe por meio da constante tensão entre liberdade e ordem e é nessa tensão que reside sua vitalidade Assim a função do Estado deve ser a de assegurar a liberdade mas ao mesmo tempo regular com responsabilidade através de legislações claras e proporcionais As plataformas por sua vez precisam agir com ética e transparência aplicando critérios objetivos na moderação de conteúdos e respeitando os direitos fundamentais dos usuários Com a função de mediadoras da comunicação as plataformas digitais adquiriram uma responsabilidade sem precedentes na história da informação Elas têm o poder de controlar o alcance das vozes e em muitas situações decidem quais conteúdos permanecem ou são eliminados Essa quase função reguladora exercida por empresas privadas gerou discussões sobre soberania transparência e legitimidade É crucial que essas plataformas operem com base em critérios objetivos e honrem os direitos fundamentais dos usuários Por seu lado o Estado deve buscar um equilíbrio entre a regulamentação necessária e o respeito à liberdade individual A intervenção do governo deve seguir princípios democráticos evitando tanto a falta de ação quanto o autoritarismo O confronto à desinformação e ao discurso de ódio não pode ser confundido com perseguição política ou censura ideológica O papel do poder público deve se concentrar em assegurar a pluralidade e a segurança do ambiente digital em vez de determinar o conteúdo das ideias Em uma sociedade altamente conectada a proteção da liberdade de expressão depende da corresponsabilidade entre governo empresas e cidadãos As plataformas necessitam de políticas justas e claras o Estado de legislações equilibradas e a sociedade de um senso crítico Apenas com essa colaboração mútua será possível criar um ambiente digital que preserve o diálogo o respeito e o valor essencial da democracia o direito de cada indivíduo se expressar pensar e ser ouvido 8 Reflexões Finais A liberdade de expressão é um dos maiores legados da humanidade e a base de qualquer sociedade democrática No Brasil sua consolidação foi resultado de séculos de luta contra a censura e a repressão culminando com seu reconhecimento na Constituição de 1988 Entretanto os desafios atuais requerem uma reinterpretação contínua desse direito A era digital expandiu as formas de expressão mas também revelou fragilidades especialmente em relação à desinformação ao discurso de ódio e à manipulação nas redes sociais Defender a liberdade de expressão nos dias de hoje implica reconhecer que esta deve coexistir com responsabilidade e respeito por outros direitos fundamentais É essencial assegurar que o debate público permaneça livre diverso e responsável evitando que essa liberdade se transforme em uma justificativa para a violência simbólica ou a erosão da democracia Conforme ensina Norberto Bobbio em 2004 a democracia não é um estado perfeito mas sim um processo em constante desenvolvimento e a liberdade de expressão atua como o cimento que sustenta esse edifício À luz das reflexões apresentadas tornase claro que a promoção da liberdade de expressão deve ocorrer em paralelo ao incentivo da responsabilidade na comunicação Um discurso público guiado pela ética e pelo respeito enriquece a discussão social e favorece o amadurecimento da cidadania Por outro lado quando empregado para manipular desinformar ou atacar transforma se em um meio de exclusão e intolerância Assim o verdadeiro desafio para o Estado e a sociedade contemporânea é encontrar um ponto de equilíbrio entre liberdade e proteção Nesse cenário a educação para a cidadania digital desponta como um componente crucial É imprescindível formar indivíduos cientes de seus direitos e conscientes de suas obrigações comunicacionais O uso responsável das redes sociais assim como a análise crítica das informações são passos fundamentais para frear a disseminação de conteúdos prejudiciais e manter a integridade do debate público Portanto a liberdade deve ser acompanhada de discernimento e um senso de responsabilidade coletiva Concluise portanto que a liberdade de expressão longe de ser um conceito fixo é um processo que está em constante transformação Sua realização depende do esforço colaborativo entre o Estado a sociedade civil as instituições e os cidadãos Apenas por meio de um diálogo constante e do respeito mútuo será possível proteger esse direito fundamental como um verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito garantindo que a palavra continue sendo um instrumento de mudança e não de destruição Referências BOBBIO Norberto A era dos direitos 17 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 out 1988 DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO Paris Assembleia Nacional Constituinte 1789 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Assembleia Geral das Nações Unidas 1948 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil Trad Magda Lopes São Paulo Abril Cultural 1974 MILL John Stuart Sobre a liberdade Trad Luiz João Baraúna São Paulo Martins Fontes 2000 MORAES Alexandre de Direito Constitucional 37 ed São Paulo Atlas 2022 PLATÃO Apologia de Sócrates Trad Carlos Alberto Nunes Belém EDUFPA 2002 VOLTAIRE Tratado sobre a tolerância Trad Ivone Castilho Benedetti Porto Alegre LPM Pocket 2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Belo HorizonteMG 2023 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Projeto de Pesquisa apresentado à Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Linha de Pesquisa Estado Razão e História Área de Estudo Teoria da Justiça Orientador Marcelo Campos Galuppo Belo HorizonteMG 2023 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de PósGraduação em Direito Mariana Oliveira de Sá DISCURSO DE ÓDIO FEMINISMO E PORNOGRAFIA Uma análise da performatividade do discurso em contraponto ao chilling effect Projeto de Pesquisa apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Prof Dr Marcelo Campos Galuppo Universidade Federal de Minas Gerais Orientador Prof Dr Marco Antônio Sousa Alves Universidade Federal de Minas Gerais Prof Dr Vítor Amaral Medrado Universidade do Estado de Minas Gerais Belo Horizonte 11 de outubro de 2023 RESUMO O discurso de ódio é um dos temas centrais na discussão sobre a proteção da liberdade de expressão Ele se apresenta como um discurso direcionado aos grupos minoritários em virtude de suas características específicas com o intuito de ofendêlos Dentre esses grupos se encontram as mulheres que sofrem o discurso de ódio notadamente em relação aos seus corpos Por isso a relação entre discurso de ódio e pornografia é de suma relevância para o enfrentamento do problema dentro de uma perspectiva de efetivação de direitos fundamentais O problema de investigação da presente pesquisa é saber se a restrição do discurso de ódio é eficaz para a produção do chilling effect que é a possibilidade de resfriamento do discurso de ódio por meio da censura coibindo o discurso de ódio em face das mulheres ou se o contradiscurso se apresenta como medida mais adequada para combater o discurso de ódio e possibilitar o empoderamento feminino Buscase investigar com a contribuição da filosofia da linguagem e da ideia de performatividade do discurso a relação do efeito silenciador do discurso e o movimento feminista para perquirir se a pornografia silencia as mulheres relegandoas a uma posição de desigualdade na sociedade ou se o próprio movimento feminista aliado à sua posição de empoderamento dos discursos das mulheres pode contribuir para a construção da igualdade de gênero sem a necessidade do cerceamento da fala Tudo isso aponta um cenário importante para a investigação no contexto da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais essenciais para a ideia de justiça no mundo contemporâneo Palavraschaves Liberdade de Expressão Discurso de Ódio Pornografia Feminismo ABSTRACT Hate speech is one of the central themes in the discussion about the protection of freedom of expression It presents itself as a speech directed at minority groups due to their specific characteristics with the intention of offending them Among these groups are women who suffer hate speech notably in relation to their bodies Therefore the relationship between hate speech and pornography is of paramount importance for tackling the problem within a perspective of realizing fundamental rights The research problem of this research is to know if the restriction of hate speech is effective for the production of the chilling effect which is the possibility of cooling hate speech through censorship curbing hate speech in the face of women or if counterdiscourse is presented as the most appropriate measure to combat hate speech and enable female empowerment It seeks to investigate with the contribution of the philosophy of language and the idea of discourse performativity the relationship between the silencing effect of discourse and the feminist movement to inquire whether pornography silences women relegating them to a position of inequality in society society or if the feminist movement itself allied to its position of empowerment of womens discourses can contribute to the construction of gender equality without the need to restrict speech All this points to an important scenario for research in the context of freedom of expression and fundamental rights essential for the idea of justice in the contemporary world Keywords Freedom of Expression Hate Speech Pornography Feminism SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 6 2 TEMAPROBLEMA 9 3 HIPÓTESES 10 4 JUSTIFICATIVA 12 5 REFERENCIAL TEÓRICO 14 51 Liberdade de expressão e discurso de ódio 14 52 Pornografia discurso de ódio e a política do performativo 24 53 O chilling effect e a proposta de Suneal Bedi 29 54 A contribuição do Movimento Feminista 30 6 OBJETIVOS 32 61 Objetivo Geral 32 62 Objetivos específicos 32 7 ESTRUTURA PRELIMINAR DA TESE 33 8 METODOLOGIA 34 81 Estratégias de uso de bibliografia em idioma estrangeiro 35 82 Estratégias de inserção do projeto nas metas de internacionalização do Programa nas atividades dos cursos de Graduação da Faculdade de Direito e para difusão dos resultados parciais e finais 36 9 RECURSOS 37 10 CRONOGRAMA 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 39 6 1 INTRODUÇÃO A representação da sexualidade não é tema recente remonta aos primórdios da humanidade À exemplo citase a figura feminina da Vênus de Willendorf encontrada na Áustria cuja criação é atribuída aos anos de 2500 a 2000 aC uma estatueta de pedra que surge sem rosto com as formas corporais avantajadas para indicar atributos eróticos boa saúde e capacidade reprodutiva Stearns 2010 FIGURA 1 Vênus de Willendorf Fonte Steven Zucker CC BYNCSA 20 Um aspecto que chama a atenção na imagem é a ausência de rosto e a representação de uma testa saliente o que indica o sinal de grande inteligência e astúcia feminina que era capaz de controlar a família e até mesmo o grupo social Santos 2019 Ou seja ao mesmo tempo que se retrata uma representação erótica do feminino ressaltase características importantes do seu papel social O que se quer demonstrar com a análise da ilustração é que a temática sexualidade pornografia e feminismo encontrase intimamente relacionada e que os temas ganham novos contornos na atualidade com a inclusão na tríade da discussão sobre o discurso de ódio Sexualidade é o conjunto de sentimentos percepções e fatos que se vinculam ao sexo ou à vida sexual envolvendo a manifestação do desejo em busca de um objeto que se realiza com a influência da cultura da sociedade da moral da religião da família da repressão Ribeiro 2005 Já a pornografia é o discurso sobre a sexualidade que veicula o obsceno aquilo que deveria estar nos bastidores que deveria ser escondido que se encontra no espaço do proibido e que é expresso pela pornografia Moraes Lapeiz 1985 p 9 7 O feminismo se encontra com os dois temas Isso porque a pornografia é socialmente construída sob a ideia de uma arquitetura de cultura do lixo isto é uma imagem ofensiva das mulheres Dyer 1992 buscando demonstrar um discurso de perversão nas sociedades contemporâneas que relega a mulher a uma posição de inferioridade frente ao homem E é justamente isso que o feminismo busca romper Por isso questionar a pornografia como um discurso da sexualidade que afeta o feminino é um papel importante que este movimento desempenha Durante o século XX o movimento feminista levantou a bandeira de que a pornografia seria uma representação da sexualidade como uma das formas mais degradantes de violência contra as mulheres uma expressão da opressão masculina que deveria ser veementemente combatida Nesse contexto surge um movimento de defesa da regulação estatal para a censura da pornografia enquadrandoo como uma forma de discurso de ódio contra as mulheres Isso pode ser constatado na argumentação de feministas como Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas antipornografia que sustentam um argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento O potencial da violência da pornografia estaria ligado principalmente à violência sexual pois a exposição do corpo feminino levaria à transposição da autonomia da mulher em traçar um limite daquilo que permite que seja feito com seu corpo já que a pornografia é vista como uma espécie de dominação para usar as palavras de MacKinnon 1989 p xiii tratase de uma erotização da dominação já que o sexo é uma forma de poder generificada um poder que os homens exercem sobre as mulheres O que essa perspectiva do feminismo argumenta é que a pornografia representa a sexualidade em uma perspectiva heterossexista porém parecem ignorar que a estrutura social é pautada nessa construção já que a política a economia a cultura permanecem pautadas em uma construção machista da sociedade não sendo a pornografia o único problema Ademais parecem ignorar que a pornografia também apresenta outros sentidos como a própria representação da sexualidade que também pode demonstrar um papel de empoderamento do feminino Diante desse cenário dentro da própria teoria feminista ao lado de movimentos sociais e políticos vem surgindo uma nova vertente que interpreta a sexualidade relacionandoa à pluralidade de identidades existentes na sociedade e contrapondoa à heteronormatividade mas ao mesmo tempo apresentando os perigos existentes na censura das ideias Tratase da contribuição da teoria queer Buscase compreender o potencial discursivo da pornografia 8 questionando esse papel que fora atribuído a mesma ao longo dos anos em busca de um projeto feminista transformador Dentro desta perspectiva Butler 2021 questiona o poder do discurso de ódio para violar os corpos femininos com a ideia da pornografia trazendo a filosofia da linguagem como sustentáculo da ideia de que o discurso de ódio pode ser combatido com uma solução linguística diferente da censura A presente pesquisa buscase investigar com a contribuição da filosofia da linguagem e da ideia de performatividade do discurso a relação do efeito silenciador do discurso e o movimento feminista para perquirir se a pornografia silencia as mulheres relegandoas a uma posição de desigualdade na sociedade ou se o próprio movimento feminista aliado à sua posição de empoderamento dos discursos das mulheres pode contribuir para a construção da igualdade de gênero sem a necessidade do cerceamento da fala 9 2 TEMAPROBLEMA O problema do discurso de ódio é enfrentando em diversas vertentes uma dela é o chamado chilling effect ou efeito de resfriamento do discurso que surgiu por volta do ano de 1952 no caso Wieman v Updegraff julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos Sua ideia é dissuadir o discurso de ódio pela temeridade da censura ou de uma sanção Então ele é utilizado como um efeito que busca coibir discursos odiosos e que tem ganhado ascensão nos últimos anos sobretudo com sua utilização nas redes sociais Essa é uma das principais bandeiras do movimento feminista para se combater o discurso de ódio a sua regulamentação já que a criação de leis antidiscurso de ódio implica em aplicações de sanções e isso levaria os indivíduos a dissuadirem sua fala odiosa pela temeridade de uma punição Tal movimento ganhou força nos Estados Unidos nos anos de 1980 utilizandose de campanhas nos veículos de comunicação para demonstrar como a pornografia era uma forma de discurso de ódio degradante para as mulheres As já citadas autoras Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas anti pornografia sustentam o argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento Ocorre que nos últimos anos surgiu no próprio movimento feminista autores que reinterpretam a pornografia atribuindo a mesma maior caráter discursivo considerando a pluralidade de identidades em contraposição à heteronormatividade reinante na sociedade É o caso de Butler 2021 Essa corrente advoga que a pornografia é discursiva e pode carregar consigo um sentido não intencional ou não intencionado ou seja nem sempre a fala do sujeito será materializada em uma ação Dizer não significa fazer Com isso tornase pernicioso a proibição de um discurso apenas pela sua capacidade de ação como defendem as autoras antipornografia A análise precisa seguir linguisticamente o que não significa que o discurso de ódio deixará de ser danoso mas poderá ser ressignificado Surge então a seguinte problemática que se pretende investigar nessa pesquisa a restrição do discurso de ódio apresentase como medida adequada para a produção do chilling effect dissuadindo a fala odiosa no âmbito da pornografia por causar o efeito de resfriamento do discurso de ódio contra as mulheres Ou o contradiscurso apresentase como medida mais adequada de combate ao discurso de ódio por possibilitar a educação em igualdade de gênero 10 3 HIPÓTESES A restrição da liberdade de expressão deve ser cuidadosamente pensada Isso porque ela é o coração da democracia mantendoa funcionando de maneira saudável Por isso mesmo diante do discurso de ódio restringir a fala de outrem é assunto polêmico Muitos são os defensores da proibição do discurso de ódio seja porque ele ataca a dignidade das minorias seja porque ele possui um efeito silenciador das próprias minorias seja porque ele causa danos à sociedade Por isso levantam a bandeira de que o mesmo deve ser proibido por meio de uma regulamentação que impeça a existência de discursos odiosos e ofensivos no debate público tal argumento também ganha a denominação de chilling effect A hipótese defendida neste projeto é a de que a mera restrição do discurso de ódio não é capaz de produzir o chilling effect que por sua vez não é eficaz na sua proposta de resfriar o ódio e impedir que os discursos ofensivos circulem na arena pública Na verdade a censura e a proibição do discurso de ódio apenas fazem com que o mesmo mude de roupagem e a ideia principal da proibição que seria a proteção dos grupos minoritários e a busca pela a igualdade dos mesmos não é alcançada Hipótese fundamentada na tese de Suneal Bedi 2021 que por meio de um estudo empírico analisou a efetividade do efeito de resfriamento do discurso com base na censura do discurso de ódio Ao considerar que quando proibido ou censurado o discurso de ódio não é resfriado ou impedido de circular o teórico atestou que tal manifestação representa apenas a comunicação de uma mesma ideia de forma diferente Consequentemente como segunda hipótese da pesquisa temse que a mera proibição do discurso de ódio não representa o meio adequado ao seu combate haja vista não impedir que a ideia ofensiva circule e tampouco possibilita que os grupos atingidos assumam sua voz na arena pública alcançando a pretendida igualdade Tal ocorrerá mas não com a proibição do discurso e sim com o uso do contradiscurso que ao proporcionar o fortalecimento da esfera pública promove o alcance do respeito à fala de todos Hipótese que sustentada por Butler 2021 apoiase na ideia de performatividade1 do discurso ao considerar que o discurso de ódio pode ser devolvido ao falante de uma forma diferente a saber contra o seu próprio efeito original através de uma performatividade discursiva que representa uma cadeia de ressignificações da fala abrindo espaço para o contradiscurso que seria a alternativa adequada para se combater o discurso de ódio 1 A performatividade nesta pesquisa será analisada dentro de uma compreensão dos atos de fala com uma concepção de ressignificação do discurso 11 Compreendese inicialmente que apontar o discurso de ódio como sendo aquele que age ofende e fere sem fazer as distinções necessárias levará à proibição do mesmo já que os danos advindos daí serão incalculáveis o que por via de consequência acarretará um cerceamento absoluto da liberdade de expressão Por isso através da teoria dos atos de fala e do performativo é possível traçar parâmetros para se compreender os critérios do dano efetivo do discurso de ódio e aí sim determinar o que está ou não abrangido pela possibilidade de censura e proibição sem a violação do supradireito da liberdade de expressão O movimento feminista contribui para a compreensão de tais ideias Primeiro através da análise da proibição do discurso de ódio pela faceta da pornografia é possível compreender a influência da performatividade do discurso para se traçar mecanismos tanto de proteção dos grupos minoritários quanto de defesa da liberdade de expressão Segundo porque o movimento feminista demonstra nos últimos anos que o discurso de ódio se combate com mais discurso através de sua luta por direitos que alcançou grandes conquistas para as mulheres usandose da linguagem para mudar a realidade do grupo no caminho pela busca da igualdade Assim a ideia a ser desenvolvida nesta pesquisa é a de que a restrição da fala por si só não resolve os problemas do discurso de ódio Ao contrário poderá trazer problemas maiores para a democracia Por isso é preciso buscar alternativas dentro da própria linguagem para lidar com os efeitos do discurso de ódio e possibilitar tanto a defesa de liberdade de expressão como a proteção dos demais direitos fundamentais 12 4 JUSTIFICATIVA A ideia de justiça no mundo contemporâneo é pautada pela efetivação de direitos fundamentais Salgado 2006 A liberdade de expressão é um direito fundamental que vem sofrendo sérias violações no contexto brasileiro nos últimos anos Por isso investigar sobre possibilidades de tutela desse direito em diferentes contextos se tornou uma necessidade da sociedade atual o que ressalta a relevância de se estudar o tema A proposta da pesquisa em questão é investigar um dos aspectos da liberdade de expressão o discurso de ódio que está em evidência no cenário contemporâneo e que tem surgido como um dos principais motivos para a restrição da liberdade de expressão Por meio de uma análise da proibição do discurso de ódio na faceta da pornografia buscarseá ressaltar os problemas da adoção da censura do discurso sob o argumento de que ele possui um arcabouço danoso Investigase como o chamado chilling effect é pernicioso para a democracia por silenciar ideias que são importantes para a formação da razão pública Assim pretenderseá apresentar por meio da contribuição da filosofia da linguagem e performatividade do discurso como o movimento feminista é capaz de demonstrar a efetividade do argumento de que discurso de ódio se combate com mais discurso e que somente com o debate amplo na arena pública é que há o fortalecimento da democracia e a efetividade de direitos fundamentais Ressaltase que a liberdade de expressão constitui o arcabouço substancial da democracia e contribui para o desenvolvimento da autonomia dos indivíduos Compreender as implicações da restrição do discurso de ódio é importante para que não haja restrições arbitrárias da liberdade de expressão e consequentemente se mine a democracia Por isso é importante desenvolver a problemática proposta na pesquisa em questão Pois se a proibição ao discurso de ódio não atinge sua finalidade não pode ser utilizada para a restrição da liberdade de expressão O motivo que justifica a realização da pesquisa é o fato de que a análise do discurso de ódio através do feminismo pode contribuir diretamente para verificar o seu impacto nas minorias e investigar alternativas para possibilitar tanto a proteção da fala como a proteção dos direitos fundamentais destes A pesquisa proposta é guiada por razões intelectuais e pessoais Entende a pesquisadora que a fala é o mecanismo fundamental para a autonomia dos sujeitos e consequentemente para o arcabouço da democracia e que sua restrição pode trazer efeitos sociais danosos Acreditase 13 que o silêncio é sintomático e negativo para os indivíduos e que a fala liberta o sujeito de suas adversidades com o outro é um processo de construção não apenas individual mas social A relevância social da pesquisa se expressa na necessidade do estudo da liberdade de expressão e do discurso de ódio pois eles são o substrato necessário para a discussão pública na democracia constituindo a política e o direito propiciando o desenvolvimento dos planos traçados pelos indivíduos sejam eles odiosos ou odiados Academicamente a pesquisa é relevante pois busca trazer as ideias sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio defendidas por Butler 2021 com as ideias da filosofia da linguagem de Austin 1990 para analisar a relação entre liberdade de expressão discurso de ódio pornografia e feminismo proporcionando elementos que contribuam para a compreensão que o discurso de ódio se combate na arena pública com mais discurso e que é a linguagem que permite a ressignificação das minorias com a consequente efetividade de seus direitos A proposta apresentada mantém relação com o Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais cuja área de concentração é Direito e Justiça pois o que se pretende é realizar uma reflexão históricacrítica acerca da relação entre a ideia de justiça do mundo contemporâneo a efetividade de direitos fundamentais com a necessidade de proteção da liberdade de expressão Por isso buscase apresentar argumentos e dados que possam contribuir para desmistificar a ideia de que a mera restrição do discurso de ódio pode propiciar a proteção dos grupos minoritários Pretendese compreender como a linguagem impacta na comunicação e como a própria linguagem pode ser utilizada para tornar o discurso de ódio menos danoso 14 5 REFERENCIAL TEÓRICO A liberdade de expressão é crucial para a saúde da democracia Sem ela a livre circulação de ideias corre sério perigo e consequentemente abrese espaço para a tirania Ocorre que a liberdade de expressão carrega consigo a possibilidade do discurso de ódio aquele que é direcionado aos grupos minoritários com o intuito de atacar os mesmos em virtude de suas características como raça cor gênero orientação sexual procedência nacional Muito se discute sobre a restrição da liberdade de expressão diante dessa vertente odiosa Encontramos de um lado os defensores da proibição do discurso de ódio que sustentam a existência de um bem comum que precisa ser tutelado pelo Estado e que isso autorizaria a restrição da liberdade de expressão com vistas à proteção da dignidade dos indivíduos quando se tem presente o discurso de ódio Mas há de outro lado quem defenda que o discurso de ódio também merece proteção e que a fala dos indivíduos não deve ser restringida em virtude de seu conteúdo Defendese que a liberdade de expressão não pode ser restringida com base em seu conteúdo pois todos os sujeitos devem ser considerados indivíduos morais responsáveis capazes de deliberar e expor suas ideias sem temer a aplicação de uma punição Buscase neste trabalho perquirir sobre a proibição do discurso de ódio no âmbito da pornografia relacionando com a questão da efetividade do silenciamento do discurso de um lado e a performatividade do discurso de outro Assim para o desenvolvimento da presente pesquisa é crucial retomar alguns pontos como a proteção da liberdade de expressão o discurso de ódio a pornografia o chilling effect e o movimento feminista 51 Liberdade de expressão e discurso de ódio A Constituição da República de 1988 inaugurou um novo estágio da proteção da liberdade de expressão no Brasil consagrandoa como um direito fundamental previsto no artigo 5º incisos IV VI IX XIV2 da Constituição Federal de 1988 assegurando a liberdade 2 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença XIV é 15 para a manifestação do pensamento para a escolha de uma crença para desenvolver atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura e licença e o direito ao acesso à informação Brasil 1988 Podese dizer então que a liberdade de expressão possui dupla acepção é a liberdade para manifestar pensamento opiniões crenças e artes bem como o direito a ter acesso a informação Marmor 2018 defende que a liberdade de expressão é um direito com dupla face de um lado o direito de falar do outro lado o direito de ouvir O primeiro se relaciona ao direito de o indivíduo expressar livremente o que deseja comunicar a outra pessoa ou ao público em geral Já o segundo se refere ao direito de ter acesso irrestrito a qualquer tipo de conteúdo que tenha sido comunicado por outra pessoa Normativamente embora haja menção do nascimento da liberdade de expressão no Bill of Rights inglês no ano de 1689 sua positivação se dá com a Declaração da Virgínia em 12 de outubro de 1776 que dispõe em seu artigo 1º sobre a liberdade de expressão Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos dos quais quando entram em estado de sociedade não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança Estados Unidos 1776 A proteção da liberdade de imprensa também foi protegida na Declaração ao dispor Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade não podendo ser restringida jamais a não ser por governos despóticos Estados Unidos 1776 Outro documento relevante é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 que assim dispõe Art 10º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões incluindo opiniões religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11º A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem Todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livremente respondendo todavia pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei França 1789 Porém apenas com a Constituição dos Estados Unidos essencialmente sua Primeira Emenda é que a liberdade de expressão ganhou proteção constitucional assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional BRASIL 1988 16 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião ou proibindo o livre exercício dos cultos ou cerceando a liberdade de palavra ou de imprensa ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos Estados Unidos 1791 A partir de então na concepção de Farias 2004 a liberdade de expressão possui uma concepção dualista a proteção da dignidade humana e do desenvolvimento de sua personalidade e a defesa do regime democrático garantindo a participação dos cidadãos no debate público e na vida política Essas duas concepções encontram reflexões de importantes teóricos John Milton 1999 John Stuart Mill 1991 Oliver Wendell Holmes 1919 Ronald Dworkin 2006 onde a liberdade de expressão tem por fundamento a defesa da autonomia privada sua livre expressão e a busca da verdade e Madison 1789 Brandeis 1927 Sunstein 1995 Waldron 2012 onde a liberdade de expressão se ajusta aos ideais democráticos e igualitários A primeira corrente defende que coletividade deve absterse de intervir na liberdade de expressão e comunicação para que não haja agressão à dignidade da pessoa humana Farias 2004 p 64 Assim é necessário a proteção contra a intervenção do Estado na seara da liberdade de expressão não cabendo a este regulamentar tal direito mas simplesmente garantir a sua existência livre de interferências Retomando as principais ideias de tais autores iniciase com John Milton 1999 um parlamentar inglês defendeu a liberdade de expressão frente à censura prévia instaurada pelo Parlamento no que tange à publicação de livros Para ele a liberdade de expressão é a liberdade primária que deve ser garantida antes de todas as outras Assim quando as reclamações são ouvidas livremente consideradas profundamente e rapidamente reformuladas então é o limite extremo da liberdade civil alcançada que os sábios procuram3 Milton 1999 p 52 Milton 1999 estrutura seu argumento contra a censura em quatro partes 1º considera que a censura é uma herança da Inquisição Católica e por isso contrária à Inglaterra Protestante 2º a censura é inútil e o sistema de licença prévia é falível 3º a coerção externa não torna as pessoas virtuosas mas sim se combate a corrupção com escolhas racionais 4º bem e mal são noções interligadas o conhecimento da verdade surge da interligação dos mesmos isto é entre o que existe de bom e de mau nos livros cabendo ao leitor buscar o que neles mais lhe agradar Milton 1999 p 17 3 Tradução nossa No original when complaints are freely heard deeply considerd and speedily reformd then is the utmost bound of civil liberty attaind that wise men looke for 17 Tais reflexões de Milton 1999 contribuem para o desenvolvimento das ideias de Mill 1991 que considera que cada indivíduo deve ter a liberdade de expressão assegurada desde que não prejudique outra pessoa Além disso os sujeitos possuem o direito de comungar ideias e opiniões e se unirem em torno deles A liberdade de exprimir e publicar opiniões pode parecer que cai sob um princípio diferente uma vez que pertence àquela parte da conduta individual que concerne às outras pessoas Mas sendo quase de tanta importância como a própria liberdade de pensamento e repousando em grande parte sobre as mesmas razões é praticamente inseparável dela Em segundo lugar o princípio requer a liberdade de gostos e de ocupações de dispor o plano de nossa vida para seguirmos nosso próprio caráter de agir como preferirmos sujeitos às consequências que possam resultar sem impedimento da parte dos nossos semelhantes enquanto o que fazemos não os prejudica ainda que considerem a nossa conduta louca perversa e errada Em terceiro lugar dessa liberdade de cada indivíduo seguese a liberdade dentro dos mesmos limites de associação entre os indivíduos liberdade de se unirem para qualquer propósito que não envolva dano suposto que as pessoas associadas sejam emancipadas e não tenham sido constrangidas nem iludidas Mill 1991 56 Assim a liberdade de expressão se assenta em três pontos a a liberdade de expressão pertence a parte da conduta individual que se relaciona às outras pessoas b a liberdade de expressão é ampla e sua barreira é o dano ao outro c a liberdade de expressão inclui a liberdade de associação Em Mill 1991 não apenas a verdade se insere na liberdade de expressão a mentira também é um meio para que o indivíduo delibere e encontre a melhor solução Fosse uma opinião um bem pessoal sem valor exceto para o dono se ser impedido no gozo desse bem constituísse simplesmente uma injúria privada faria diferença que o dano fosse infligido a poucos ou a muitos Mas o mal específico de impedir a expressão de uma opinião está em que se rouba o gênero humano a posteridade tanto quanto as gerações presentes aqueles que dissentem da opinião ainda mais que os que a sustentam Se a opinião é certa aquele foi privado da oportunidade de trocar o erro pela verdade se errônea perdeu o que constitui um bem de quase tanto valor a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade produzidas pela sua colisão com o erro Mill 1991 p 60 Ambas a mentira e a verdade mesmo que incompletas possuem valor pois é conhecendo a mentira que se desvenda a verdade por isso a liberdade de expressão é útil para o indivíduo seja ela constituída de uma ideia verdadeira ou falsa O silenciamento do discurso pode significar o silenciamento da verdade isso porque se uma opinião é silenciada notadamente porque é tida como errônea admitese a faliabilidade do homem e assim aquilo que pode ser verdade é silenciado prejudicando a construção da ideia 18 Destacase também que para Mill 1991 a individualidade possui mais valor que a coletividade já que a ideia emerge de uma pessoa que ao conseguir apoiadores a torna uma ideia coletiva Não é fazendo desvaneceremse na uniformidade tudo o que existe de individual dentro de nós e sim cultivandoo e estimulandoo dentro dos limites impostos pelos direitos e interesses alheios que os seres humanos vêm a ser um belo e nobre objeto de contemplação Mill 1991 p 104 Podese dizer então que sua teoria da liberdade de expressão centrase na autonomia de forma subjetiva influenciando consideravelmente a doutrina e a jurisprudência norte americana tendo como um dos marcos dessa influência o voto dissidente do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Oliver Wendell Holmes proferido no caso Abrams v United States Tal caso foi decidido em 1919 onde a Suprema Corte dos Estados Unidos analisou a Lei de Espionagem de 1917 um diploma legal que definia como crime a divulgação e reprodução de material com a intenção de impedir o progresso na guerra contra a Alemanha Os réus do processo foram condenados pelo ato de propagação de folhetos de uma janela de um prédio cujo teor atrapalharia o bom andamento da guerra Por isso a ação em questão discutia se a manifestação dos réus estava protegida pela liberdade de expressão Em conclusão a Suprema Corte entendeu que a condenação dos réus não configurava violação ao direito à liberdade de expressão com fundamento na opinião emitida pelo justice John Hessin Clarke Porém o justice Holmes discordou de tal conclusão proferindo voto dissidente que se transformou em um marco da liberdade de expressão Estados Unidos 1919 Holmes 1919 considerou que os folhetos dos acusados não traziam consigo o chamado perigo claro e presente uma vez que não havia a intenção específica de interferir na guerra além de estarse condenando os acusados não por suas falas mas sim por suas crenças Assim surge o importante termo mercado livre de ideais associado à perspectiva milliana da liberdade de expressão que busca defender a ideia de que a liberdade de expressão é associada à busca pela verdade e desse modo todas as ideias possuem a proteção para serem expressas no mercado concorrendo para a busca da verdade Eis as palavras de Holmes 1919 Quando os homens perceberem que o tempo já desapontou muitas das crenças pelas quais se lutou eles poderão acreditar até mais do que eles acreditam nas bases de suas próprias condutas que o bem final a que desejam será melhor alcançado através de um mercado livre de ideias que o melhor teste para a verdade é o poder do pensamento 19 de se fazer aceito em uma competição no mercado e que a verdade é a única base sobre a qual os seus desejos podem ser conduzidos com segurança Holmes 19194 Como o mercado livre de ideias tem por finalidade a busca pela verdade Baker 1992 atribui a concepção de mercado livre de ideias a Mill 1991 Ambas as vertentes teóricas se fundamentam na busca racional da verdade através da livre circulação de ideias Essa é a principal contribuição de Holmes 1919 para a perspectiva subjetivista da liberdade de expressão Contemporaneamente essa corrente é defendida principalmente por Ronald Dworkin 2006 Considerando a liberdade de expressão como uma questão de princípio o autor defende uma concepção moral da liberdade de expressão onde os indivíduos são capazes de manifestar suas preferências morais sendo a liberdade de expressão um instrumento para a busca da verdade da justiça e do bem comum não sendo a intervenção estatal nesse direito legítima Dworkin 2006 Em contraposição a segunda corrente denominada madisoniana advoga uma perspectiva democráticacoletivista o que significa que a liberdade de expressão é um direito individual mas que necessita da ingerência do Estado para sua efetivação Por isso o principal escopo da liberdade de expressão e comunicação era servir de instrumento para a soberania popular construir e manter um autogoverno democrático Farias 2004 p 6869 Para Lewis 2011 p 34 Madison era defensor do argumento de que as liberdades de expressão e de imprensa são os guardiões essenciais do sistema político republicano Assim a premissa de Madison se assenta na defesa da ideia de que é perigoso quando o Estado impede o exercício da liberdade de expressão para evitar críticas à sua gestão O argumento de Madison foi central para a discussão sobre a Lei de Sedição de 1798 dos Estados Unidos Tal diploma legal criminalizava a publicação de textos falsos escandalosos e maldosos contra o país sendo questionado por Madison por ser uma violação à liberdade de expressão que inclui a possibilidade de livre apreciação e expressão acerca do Estado e suas instituições Aguiar 2013 A Lei de Sedição acabou dando uma contribuição significativa à liberdade americana Ela fez com que grande número de americanos valorizasse a importância da liberdade de expressão e de imprensa em uma república a premissa de Madison Fosse ou não a intenção dos autores da Primeira Emenda eliminar o crime de difamação sediciosa 4 Tradução nossa No original When men have realized that time has upset many fighting faiths they may come to believe even more than they believe the very foundations of their own conduct that the ultimate good desired is better reached by free trade in ideas that the best test of truth is the power of the thought to get itself accepted in the competition of the market and that truth is the only ground upon which their wishes safely can be carried out 20 dez anos depois de ela ter sido adicionada à Constituição a opinião dos americanos era que tal crime era incoerente com os valores constitucionais Lewis 2011 p 37 Madison foi fundamental para a criação das premissas centrais de um sistema político livre sustentando a liberdade de expressão como fundamento do autogoverno democrático e da soberania popular o que é de suma importância para a teoria da liberdade de expressão Sunstein 1995 também se insere na corrente madisoniana da defesa da liberdade de expressão defendendo uma concepção de liberdade de expressão que reconhece a soberania das pessoas facilitando o equilíbrio de interesses na sociedade e a articulação democrática Para o autor a liberdade de expressão possui dois pontos principais a dizer o valor da expressão e a neutralidade da regulação Por isso defende fundamentos para delimitar a regulação da liberdade de expressão Sunstein 1995 Para Sunstein 1995 existem expressões de alto valor que merecem plena proteção constitucional e expressões de baixo valor cuja proteção detém menor efetividade Eis a discussão sobre o valor da expressão Ocorre que a diferença entre as mesmas é tênue mas a proteção prática é de suma relevância uma vez que as expressões de alto valor não pode ser reguladas ou restringidas apenas em caso de danos expressivos de forma contrária as expressões de baixo valor podem de forma razoável e plausível serem reguladas Já no que se refere à neutralidade da regulação ela se aplica quanto ao conteúdo ou ao ponto de vista Ou seja a interferência na liberdade de expressão deve se pautar em restrições neutras já que se maculadas pelo ponto de vista ou pelo conteúdo padecem de inconstitucionalidade Sunstein 1995 Também inserido na perspectiva madisoniana Waldron 2012 defende premissas para a limitação da liberdade de expressão Sua argumentação parte do pressuposto de que as limitações à liberdade de expressão podem tornar o discurso menos livre porém não há autonomia ilimitada para liberdade sendo sua baliza a potencialidade de causar danos tanto aos indivíduos como à ordem social É nesse contexto que surge ideia de a liberdade de expressão comportar a possibilidade de seu conteúdo ter um arcabouço odioso isto é ideias que possuam acepção de violência de preconceito de discriminação de intolerância Surge então a ideia de discurso de ódio como uma possível limitação à liberdade de expressão O discurso de ódio ou hate speech se manifesta como uma prática que busca atacar indivíduos ou grupos em virtude de características específicas como raça etnia nacionalidade religião orientação sexual sexo gênero condição física Sá 2021 21 Brugger 2007 p 151 define o discurso do ódio como aquele que utiliza palavras que visam insultar intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça cor etnicidade nacionalidade sexo ou religião instigando a violência o ódio ou a discriminação contra tais grupos Para Lewis 2011 p 187 discurso de ódio é assim que ele é chamado ataques virulentos a judeus negros mulçumanos homossexuais ou membros de qualquer outro grupo É ódio puro não baseado em algum erro praticado por um indivíduo Podese dizer então que a ideia central do discurso de ódio é se manifestar como um ataque aos grupos minoritários em razão de suas características peculiares com a simples intenção de manifestar o ódio propriamente o desprezo o não reconhecimento de status igual Proibir ou permitir o discurso de ódio é um problema inato à liberdade de expressão Há argumentos que sustentam a necessidade de proibição do discurso de ódio e argumentos que defendem a proteção do discurso de ódio Dentre os argumentos que defendem a proibição do discurso de ódio destacase o fundamento da existência de um bem comum que deve ser tutelado pelo Estado e que a violação desse bem comum autoriza a restrição da liberdade de expressão de modo a proteger a autonomia e dignidade dos indivíduos Jeremy Waldron 2012 é um dos defensores da proibição do discurso de ódio com base na ideia de dano à dignidade dos sujeitos e de bem público Assim se coloca o autor Cada grupo deve aceitar que a sociedade não é apenas para eles mas é para eles também junto com todos os outros E cada pessoa cada membro de cada grupo deve ser capaz de cuidar do seu negócio com a garantia de que não haverá necessidade de enfrentar hostilidade violência discriminação ou exclusão por outros Quando essa garantia é transmitida de forma eficaz dificilmente é perceptível é algo em que todos podem confiar como a limpeza do ar que respiram ou a qualidade da água que bebem de uma fonte Essa sensação de segurança no espaço que todos habitamos é um bem público e numa boa sociedade é algo que todos nós contribuímos e ajudamos a sustentar de forma instintiva e quase imperceptível Waldron 2012 p 45 Sua ideia se assenta na premissa de que a sociedade é um empreendimento coletivo sendo assim todos os indivíduos devem promover o bem comum reprimindo a violência e a discriminação buscando a garantia da segurança para todos Assim o discurso de ódio que se 5 Tradução nossa No original Each group must accept that society is not just for them but it is for them too along with all of the others And each person each member of each group should be able to go about his or her business with the assurance that there will be no need to face hostility violence discrimination or exclusion by others When this assurance is conveyed effectively it is hardly noticeable it is something on which everyone can rely like the cleanness of the air they breathe or the quality of the water they drink from a fountain This sense of security in the space we all inhabit is a public good and in a good society it is something that we all contribute to and help sustain in na instinctive and almost unnoticeable way 22 apresenta como uma afronta ao bem comum deve ser proibido pois viola a dignidade dos sujeitos não mais reconhecidos em igualdade de posição com os demais membros da coletividade Waldron 2012 p 9495 defende que a proibição ao discurso de ódio é necessária pois protege o bem público da segurança baseada na dignidade e também coíbe o surgimento de uma versão sombria do bem público inspirada pelo ódio e não pelo respeito mútuo O Estado deve tratar os indivíduos como iguais em dignidade e esse status deve ser reconhecido e sustentado pelos outros cidadãos Para Waldron 2012 tal garantia busca possibilitar que os indivíduos possam participar da vida pública sem temor sendo o discurso de ódio uma violação da segurança para a efetivação da dignidade e um dano ao discurso público Ao negar publicamente o status de seus alvos como iguais sociais o discurso de ódio afeta o modo como a sociedade se parece de modo a minar a segurança pública de que seu status é seguro Além disso o discurso público de ódio alcança outras pessoas odiosas para assegurarlhes que não estão sozinhos Ao fazêlo substitui a segurança da dignidade pela certeza do ódio Como exatamente o discurso de ódio se relaciona com esse mal Relatos dignitários do dano no discurso do ódio comumente argumentam que o discurso de ódio causa danos dignitários Nesse entendimento a fala de ódio influencia causalmente a forma como outros membros da sociedade veem e agem em relação ao grupoalvo de modo que eles deixam de manter seu status como iguais Embora a conta de Waldron seja consistente com a alegação causal ele se concentra em grande parte em como a fala de ódio constitui um ataque à dignidade Isso conclui Waldron é o motivo pelo qual as proibições coercitivas ao discurso de ódio são necessárias Ao excluir com vigor o discurso de ódio as proibições impedem que tal discurso crie um ambiente de medo e alienação Lepoutre 2017 p 8578586 O argumento de Waldron 2012 para a proibição do discurso de ódio se assenta notadamente no dano à dignidade e ao bem público Porém seu argumento é alvo de várias críticas Newman 2017 p 685 sustenta que a ideia de Waldron desconsidera a capacidade dos indivíduos de autodefesa além de nem sempre ser possível contar com o Estado ou o grupo social para coibir o discurso de ódio Waldron 2012 constrói uma teoria avulsa aos argumentos liberais de proteção da liberdade de expressão defendendo a regulação do discurso de ódio com fundamento na restrição da liberdade individual por seu conteúdo 6 Tradução nossa No original In publicly denying the status of its targets as social equals hate speech affects the way the society looks in such a way as to undermine the public assuranc that their status is secure Moreover public hate speech reaches out to other hateful persons to assure them that they are not alone14 In doing so it replaces the assurance of dignity with the assurance of hatred How exactly does hate speech relate to this harm Dignitarian accounts of the harm in hate speech commonly argue that hate speech causes dignitary harms On this understanding hate speech causally influences how other members of society view and act towards the target group so that they stop upholding their status as equals 23 Do lado contrário à proibição do discurso de ódio Dworkin 2006 defende que a proteção da liberdade de expressão se justifica por duas categorias essenciais a instrumentalidade da liberdade de expressão ou seja tratase do meio mais eficaz para se alcançar a verdade um argumento consequencialista a autonomia moral dos sujeitos isto é todos os indivíduos devem ser considerados moralmente responsáveis sendo capazes de deliberar e expor suas ideias sem temer a aplicação de uma punição um argumento constitutivo Dworkin 2006 De acordo com Sarmento 2007 p 27 a ideia central de Dworkin é o reconhecimento da capacidade do indivíduo que pode decidir o que irá ouvir falar manifestar não sendo lícito ao Estado impedir o acesso a conteúdos considerados errados uma forma de paternalismo que viola a autonomia dos sujeitos Assim para Dworkin 2006 um discurso apenas pode ser restringido se manifestar perigo evidente e imediato para outrem e não apenas o conteúdo da fala pode levar à sua proibição Assim como ninguém pode ser proibido de votar porque suas opiniões são desprezíveis também não se pode negar a ninguém o direito de falar escrever ou manifestarse pelo rádio ou pela televisão pelo simples fato de as opiniões dessas pessoas serem insultuosas demais para ser levadas em consideração Dworkin 2006 p 379 Dentro dessa perspectiva a liberdade de expressão protege o direito de expor ideias desprezíveis e odiosas já que é preciso a construção de uma arena ampla de debate onde os agentes morais responsáveis são capazes de expor seus pontos de vista para alcançarem o status de igualdade A igualdade exige que todos por mais excêntricos ou desprezíveis que sejam tenham a oportunidade de exercer sua influência não só nas eleições mas na política em geral Dworkin 2006 p 380 Por isso a proibição ao discurso de ódio não seria alternativa eficaz pois ao invés de fortalecer a dignidade dos indivíduos ela mina a autonomia dos mesmos no lugar de propiciar a igualdade propicia a ideia de incapacidade moral Ocorre que ainda dentro da celeuma da restrição do discurso de ódio surge o movimento feminista com a ideia da proibição da pornografia ponto essencial e norte da presente pesquisa que será desenvolvido a seguir 24 52 Pornografia discurso de ódio e a política do performativo A temática discurso de ódio e pornografia encontrase intimamente relacionada já que o movimento feminista tem argumentado que a pornografia seria uma forma de discurso de ódio em face das mulheres devendo ser coibida Tal discussão emerge notadamente no século XX sendo nesse período bastante comum nos Estados Unidos a censura de obras literárias que possuem certo caráter obsceno como as obras O amante de Lady Chatterly Ulisses e obras de Balzac SILVA 2013 utilizandose como critério de censura o denominado teste Hicklin importado do direito britânico erigido da seguinte forma se a tendência do material acusado de obscenidade é corromper aqueles cujas mentes estão abertas a tais influências imorais e em cujas mãos uma publicação deste tipo pode cair OBrien 1995 p 431 Tal critério buscava impedir a circulação de material obsceno para que o mesmo não chegasse a pessoas consideradas incapazes de analisálos criticamente no entanto sua interpretação foi sendo cada vez mais estendida tendo como um dos casos emblemáticos a decisão de Roth v United States no ano de 1957 onde se discutiu a proteção da primeira emenda para a produção e circulação de material obsceno Nessa decisão buscouse delinear o que seria a obscenidade tema retomado no caso Jacobellis v Ohio7 no ano de 1964 cuja conclusão fora a de que a proibição da obscenidade somente se aplicava à pornografia hard core mas não chegando a um conceito para ela apenas consignando que a mesma era identificada quando analisada Certo é que a Suprema Corte dos Estados Unidos após longas discussões sobre a pornografia chegou a criar requisitos para a aplicação do critério de Roth quais sejam 1 apelar a interesses lascivos 2 de modo patentemente ofensivo e 3 carecer de qualquer valor social capaz de o redimir Silva 2013 p 145146 Observase que há falta objetividade na definição da pornografia e não se chegou ao fim do problema da obscenidade Buscando resolver tal problema no caso Miller v California no ano de 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos redefiniu o critério de interesse lascivo nos seguintes termos o material que mostra ou descreve de um modo patentemente ofensivo conduta sexual tal como definida em lei estadual e mais o material deveria carecer de valor literário artístico político ou científico Silva 2013 p 146 7 Segundo Ronald Dworkin 2006 esse é um dos casos mais citados no estudo da pornografia 25 Chegouse a um critério de proteção da liberdade de expressão onde o material de caráter sexual tornouse mais permissivo já que para sua proibição deveria conter uma conduta sexual ofensiva e sem valor literário artístico político ou científico Diante de tal cenário surge um movimento de defesa da regulação estatal para a censura da pornografia enquanto discurso de ódio notadamente na argumentação de autoras feministas como Andrea Dworkin 1981 Robin Morgan 1980 Diana Russell 1998 e Catherine MacKinnon 1993 todas antipornografia que sustentam um argumento de que ela seria uma forma de discurso opressivo obsceno e violento Tais autoras fazem parte do grupo que na década de 1980 começou a luta anti pornografia nos Estados Unidos utilizandose de campanhas com imagens de violência social nos meios de comunicação Andrea Dworkin 1981 remonta para o significado da palavra pornografia em sua raiz etimológica chegando à conclusão que porne significa prostituta e graphos todo tipo escrito desenho ou gravura Então a pornografia utilizaria de corpos femininos para objetifica los ao masculino levandoos à dominação Robin Morgan 1980 cunhou a frase que se tornou um dos emblemas do movimento Pornography is the theory and rape the practice MORGAN 1980 p 139 A ideia da autora é que a representação obscena do corpo feminino contribui para a violência à mulher por isso a pornografia deve ser proibida Diana Russell 1998 analisa a relação entre pornografia misoginia e estupro defendendo como os relacionamentos podem ser perigosos para as mulheres A autora analisa a pornografia em diversos contextos concluindo que o ódio às mulheres é predominante na pornografia e que a mesma é causa direta dos estupros apresentando estatísticas para a comprovação de sua hipótese Andrea Dworkin e Catherine MacKinnon 1989 apresentam os argumentos para a proibição da pornografia com base na ideia de que a mesma é a fundamental na manutenção da desigualdade de gênero perpetuando a ideia de que as mulheres são submissas aos homens Tito Ferreira 2020 MacKinnon 1993 defende por exemplo que a pornografia é um ferimento ao feminino porque proclama o status de subordinação das mulheres por isso constitui uma forma de tratamento desigual e deve ser rechaçada pelo Estado Até porque na visão da autora a pornografia priva as mulheres do poder de falar8 Além disso a pornografia teria a capacidade 8 Austin 1990 entende que esse poder da fala é sua força ilocucionária por isso feministas como MacKinnon defendem que o discurso de ódio é um ato ilocucionário o que Butler 2021 tenta desconstruir 26 de recontextualizar o ato de fala o dizer não é considerado e interpretado como um dizer sim abrindo permissivos para o abuso sexual e o estupro MacKinnon 1993 foi a defensora da criação de uma lei antipornografia na cidade de Indianapólis definindo a pornografia como a subordinação sexualmente explícita da mulher de forma realista e sugestiva quer por meio de imagens quer de palavras DWORKIN 2006 p 349 Segundo ela a pornografia causa além de violência física uma subordinação generalizada das mulheres gerando desigualdade Para a autora A pornografia institucionaliza a sexualidade da supremacia masculina fundindo a erotização do domínio e da submissão com as figuras sociais do homem e da mulher Os homens tratam as mulheres segundo a imagem que têm delas É a pornografia que constrói essa imagem O poder dos homens sobre as mulheres faz com que as mulheres só possam ser aquilo que os homens veem que elas podem ser Mackinnon 1992 apud Dworkin 2006 p 353 Ronald Dworkin 2006 busca argumentos para descontruir a defesa da proibição do discurso de ódio elaborada por MacKinnon 1993 afirmando que a liberdade de expressão deve incluir o discurso de ódio em seu âmbito de proteção mesmo o discurso pornográfico O autor considera que a liberdade de expressão possui a finalidade de disseminar ideias independente de seu conteúdo e consequências de sua circulação A liberdade de expressão é o âmago da democracia por isso não deveria ser restringida em face da pornografia No entanto é necessário buscar outras formas para eliminar as desigualdades entre homens e mulheres Diante dos argumentos de MacKinnon 1993 podese constar que a pornografia além da violência e da subordinação significa violação da igualdade entre os indivíduos da sociedade Sendo assim é necessário a restrição de sua divulgação Ademais considerando que a pornografia silencia as mulheres ela acaba por diminuir seu status de cidadão igual levando mais uma vez à necessidade de restringir a liberdade de expressão já que todos os indivíduos possuem o direito de viver em uma sociedade onde há o encorajamento da fala seja de homens ou mulheres Ronald Dworkin 2006 rebate esses argumentos considerando que a proibição da pornografia enfrenta a restrição da liberdade de expressão sob dois aspectos o silêncio e a igualdade O argumento do silêncio parte do princípio de que todos sem exceção desde os moralistas dogmáticos e criacionistas até os reformadores sociais têm o direito a uma atenção respeitosa por parte dos outros o direito à atenção necessária para que se sintam dispostos a dizer o que pensam e para garantir que serão bem compreendidos e isso é absurdo O argumento igualitário por outro lado supõe que somente determinados grupos os que são vítimas de desvantagens que se perpetuam em nossa 27 sociedade não podem estar sujeitos às ofensas à descriminalização e ao abuso que contribuíram para construir essa desvantagem Dworkin 2006 p 377 É importante destacar que todos os indivíduos têm direito à voz para se expressar da forma que lhe aprouver Ocorre que não há a garantia de que todos serão compreendidos ou que seus argumentos sejam aceitos Por isso é preciso pensar cuidadosamente a restrição da liberdade de expressão pois o silenciamento do discurso traz efeitos drásticos para a democracia Diante desse cenário dentro da própria teoria feminista ao lado de movimentos sociais e políticos vem surgindo uma nova vertente que interpreta a sexualidade relacionandoa à pluralidade de identidades existentes na sociedade e contrapondoa à heteronormatividade mas ao mesmo tempo apresentando os perigos existentes na censura das ideias Tratase da contribuição da teoria queer Buscase compreender o potencial discursivo da pornografia questionando esse papel que fora atribuído a mesma ao longo dos anos em busca de um projeto feminista transformador Dentro desta perspectiva Butler 2021 questiona o poder do discurso de ódio para violar os corpos femininos com a ideia da pornografia trazendo a filosofia da linguagem como sustentáculo da ideia de que o discurso de ódio pode ser combatido com uma solução linguística diferente da censura A ideia central do feminismo para a proibição do discurso de ódio é lançar mão da filosofia da linguagem para questionar a causa e o efeito dos discursos discriminatórios utilizandose da performatividade linguística compreendese o discurso através da ação que o discurso performatiza isto é entendese que o discurso de ódio não apenas comunica uma ideia ou um conjunto de ideias ofensivas mas também coloca em ação a própria mensagem que ele comunica a comunicação é em si mesma uma forma de conduta Butler 2021 p 124 A teoria de Butler 2021 é desenvolvida com base na teoria dos atos de fala de Austin 1990 principalmente na diferença entre ideia e ação e na classificação do ato locucionário ilocucionário ou perlocucionário A começar pelo ato locucionário o mesmo significa o ato de dizer a fala propriamente dita Já o ato ilocucionário é o ato executado na fala aquele que realiza uma ação Por fim o ato perlocucionário é o ato que produz efeito em outrem através do ato de dizer Austin 1990 Através de tais conceitos Butler 2021 traça distinções para o enfrentamento do discurso de ódio ofensadano ideiaação agirferir e por meio delas tenta auferir os efeitos do discurso de ódio para se buscar formas de lidar com o mesmo 28 Butler 2021 considera que a proposta antipornografia não compreende que um enunciado do discurso pode ter um sentido não intencional ou não intencionado Nem sempre as intenções do falante são materializadas adequadamente em enunciados e muitos enunciados também não se materializam em feitos É possível não dizer o que se quer dizer não fazer o que se diz não fazer o que se pretendia Por isso ao contrário de se proibir um discurso simplesmente por sua capacidade de ação é preciso exibilo linguisticamente o que não anulará seus significados degradantes mas os reproduzirá em um espaço público sendo o mesmo passível de ressignificação Butler 2021 p 169 Se admitirmos que o discurso de ódio é ilocucionário nós aceitamos igualmente que as palavras causam danos imediata e automaticamente que a cartografia social do poder é a sua e que não somos obrigados a precisar os efeitos concretos que o discurso de ódio produz O dizer não é ele próprio o fazer mas pode levar ao fazer um dano e é isso que deve ser combatido Manter a distância entre o dizer e o fazer por mais difícil que isso seja significa que sempre haverá algo a dizer sobre como e por que o discurso causa o dano que ele causa Butler 2021 p 171 Como então ressignificar o discurso para que o mesmo seja menos danoso às mulheres Pode o movimento feminista contribuir para essa análise O movimento feminista surgiu no final do século XIX nos Estados Unidos tendo por principal objetivo a luta pelos direitos jurídicos e políticos das mulheres onde elas reivindicavam o direito ao voto participação política e ter uma vida fora do lar que elas pudessem trabalhar e ocupar cargos importantes nas empresas que majoritariamente eram preenchidos por homens a fim de batalhar pela igualdade de gênero Entre as principais conquistas do movimento destacamse o direito de participação política e o de votar a inserção das mulheres no mercado de trabalho o acesso à educação a elaboração de leis e políticas públicas que visam combater a violência doméstica estabelecendo penas mais graves aos agressores como a Lei Maria da Penha a garantia da saúde das mulheres alavancando pautas importantes para debate como a legalização do aborto e a permanência da luta pela igualdade de gênero Todo esse movimento é uma forma de ressignificar o discurso de desigualdade de gênero o próprio movimento feminista ressignifica o discurso machista na luta por direitos e igualdade traz emancipação aos corpos femininos e aponta novos caminhos para a compreensão e expressão da pornografia 29 53 O chilling effect Diante da circulação do discurso de ódio surge importante questão o efeito silenciador do discurso Owen Fiss 2005 ao tratar da liberdade de expressão identifica que a mesma carrega com sigo o efeito silenciador ou seja o discurso de alguns é capaz de abafar as vozes de outro De um modo mais claro o autor considera que nas sociedades liberais o acesso privilegiado aos meios de comunicação em massa por determinados grupos hegemônicos ou ainda a pressão e influência exercida pelo governo sobre os meios de comunicação ou até mesmo o preconceito difundido na sociedade contra determinada minoria acabam por silenciar as vozes de grupos menos favorecidos levandoos à invisibilidade Fiss 2005 sustenta que as ideias dos grupos minoritários diante do efeito silenciador do discurso não chegam na arena pública em iguais condições o que coloca em risco a formação da razão pública Portanto seria necessária uma regulação estatal dos discursos odiosos e ofensivos capazes de tolher ou desiquilibrar o debate público Nesse contexto de regulamentação da fala para se pensar no combate ao discurso de ódio a restrição do conteúdo odioso ganha notoriedade com o chilling effect cuja ideia central que ganhou notoriedade nos Estados Unidos nos anos 70 é a de que a possibilidade de regulamentação e de censura do discurso indesejado pode dissuadilo ou resfriálo A premissa em que se assenta o chilling effect é a de que a existência de um efeito inibidor por meio da regulamentação dos discursos pode indiretamente dissuadir o orador a expressar sua fala por temer a aplicação de determinada sanção Analisando o chilling effect e a restrição do discurso de ódio Suneal Bedi 2021 por meio de um estudo empírico estudou o resfriamento do discurso de ódio pela censura O estudo analisou o efeito do resfriamento do discurso por meio da análise de avaliações de restaurante simulando um ambiente onde a fala odiosa era totalmente censurada um ambiente em que algumas palavras eram proibidas mas havia a possibilidade de ofensa e um ambiente totalmente livre A conclusão foi de que as formas de proibição do discurso de ódio apenas fazem com que o mesmo ódio seja propagado de forma diferente não havendo o resfriamento da ideia Bedi 2021 A presente pesquisa buscará demonstrar que o discurso de ódio não é resfriado ou tem sua circulação evitada quando o mesmo é proibido ou censurado O que acontece é a expressão da ideia de uma forma diferente com outras palavras em outros meios de outros modos Entra em cena então a já apresentada ideia de performatividade do discurso apresentada por Butler 2021 sob a premissa de que o discurso de ódio pode ser ressignificado 30 alterando seus efeitos iniciais O contradiscurso se apresenta como a ferramenta mais eficaz para se combater o discurso de ódio Através dos conceitos e ideias aqui apresentados a presente pesquisa busca desenvolver o argumento de que a mera proibição do discurso de ódio não resolve o problema da desigualdade e violação dos direitos das minorias Por isso a alternativa é buscar caminhos para o enfrentamento do mesmo através da própria linguagem 54 A contribuição do Movimento Feminista O movimento feminista como um todo surge como uma necessidade de tomada de consciência das mulheres de um espaço dentro da sociedade onde seus corpos não fossem objeto da comercialização do patriarcado de modo subserviente e passivo que levou a presença de um machismo estrutural e institucional É preciso destacar que tanto a história como a política e até mesmo o direito são espaços com pouca representatividade feminina o que leva cada vez mais à subjugação dos corpos femininos em uma estrutura de submissão e violação de direitos O movimento feminista parte de uma tomada de consciência dos indivíduos em que a mulher passa a aceitar suas feições e faz do corpo em si uma arma de protagonização que busca combater a dominação masculina por uma lógica performativa de acolhimento que evidencia a constatação de que é necessário pensar além do lugarcomum Nesse diapasão é importante destacar as ideias de Angela Davis 2016 que nos ensina a repensar a história da luta das mulheres de forma a incluir as contradições dos contextos políticos e de modo interseccional isto é compreendendo como os conceitos de gênero raça e classe se alinham para a manutenção das opressões em face das mulheres reduzindo suas possibilidades de emancipação Chimamanda Ngozi Adiche 2014 clama para que sejamos todos feministas Isso porque o feminismo é importante não só para a libertação dos corpos femininos mas para planejar um mundo diferente mais justo e igualitário Conforme defende a autora não é condizente com a ideia de igualdade que as mulheres anulem suas personalidades para se enquadrar em estereótipos de feminilidade enquanto os homens são livres para expressar toda sua masculinidade excludente Djamila Ribeiro 2017 demonstra através do silenciamento e da invisibilidade histórica da mulher negra que é preciso dar maior visibilidade para a fala feminina que seu corpo não pode ser invisibilizado sendo necessário traçar as intersecções necessárias para que todas as 31 mulheres sejam ouvidas sem distinção de raça ou classe A mulher não pode ser utilizada enquanto um objeto que possui uma função ela é uma sujeita de direitos dotada de personalidade e subjetividade portanto é imperioso que seja respeitada Defender a liberdade é essencial para que se garanta o acesso aos direitos pelas mulheres e é pressuposto para a efetivação da própria igualdade Deve ser garantido à mulher a liberdade de escolha e de seu próprio corpo como expressão de suas vontades e potencialidades É possível que as mulheres se apoderem de seus próprios corpos e se manifestem contrários as políticas machistas e sexistas da sociedade em busca da defesa de sua autonomia liberdade e igualdade sem que isso seja uma forma de fomentar o discurso de ódio contra as mulheres Ao contrário é a oportunidade de se combater na arena pública o argumento de que a mulher merece ser estuprada em virtude de seu comportamento ou de sua vestimenta É preciso romper com o silêncio para libertar os corpos femininos das amarras do machismo possibilitandoas expressar livremente seus corpos como manifestação de suas subjetividades E é tarefa do feminismo possibilitar esse empoderamento para que as mulheres reivindiquem seus espaços na sociedade e assumam o protagonismo na defesa de seus direitos ferramentas para se alcançar a igualdade de gênero e defender a objetificação do corpo feminino como manifestação de poder do patriarcado A mulher é livre para se manifestar para utilizar seu corpo para levantar suas próprias pautas Nenhuma política pode limitar sua autonomia sob pena de violação do Estado Democrático de Direito 32 6 OBJETIVOS 61 Objetivo Geral Estudar a relação entre o chilling effect e a dissuasão do discurso de ódio frente as mulheres por meio do aspecto da pornografia para verificar como o movimento feminista pode contribuir para a ideia da performatividade do discurso ou seja de se combater o discurso ódio na arena pública com o empoderamento feminista e a consagração de direitos por meio da linguagem e dos movimentos sociais 62 Objetivos específicos a Investigar sobre a relação entre a pornografia e o discurso de ódio b Analisar a relação entre discurso de ódio e chilling effect para compreender a probabilidade de o discurso de ódio mudar em face da ameaça de censura c Demonstrar como a filosofia da linguagem contribui para a análise do fenômeno do discurso de ódio d Investigar sobre o movimento feminista e seu papel de empoderamento das mulheres e efetivação de direitos 33 7 ESTRUTURA PRELIMINAR DA TESE 1 INTRODUÇÃO 2 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO O DISCURSO DE ÓDIO E O EFEITO SILENCIADOR 21 A defesa da liberdade de expressão na Antiguidade e no Mundo Contemporâneo 22 O discurso de ódio tentativas de conceituação 23 As teorias sobre a regulação do discurso de ódio 24 O chilling effect 3 FEMINISMO PORNOGRAFIA E DISCURSO DE ÓDIO 31 O surgimento do feminismo e as teorias contemporâneas 32 Sexualidade pornografia e obscenidade 33 Discurso de ódio e pornografia 4 CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM PARA LIDAR COM O DISCURSO DE ÓDIO 41 A teoria dos atos de fala 42 A política do performativo no discurso de ódio 43 Como combater o discurso de ódio com mais discurso contribuição do movimento feminista 5 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 34 8 METODOLOGIA Propõese com a presente pesquisa compreender a possibilidade de uma relação entre o chilling effect e a dissuasão do discurso de ódio frente as mulheres valendose da pornografia para verificar como o movimento feminista pode contribuir para a ideia de se combater o discurso ódio na arena pública via empoderamento feminista pela consagração de direitos através do uso da linguagem e da ação dos movimentos sociais Estabeleceuse como marco teórico da pesquisa a ideia de performatividade do discurso segundo as teorias de Butler 2021 e Austin 1990 cujos princípios possibilitam a compreensão da importância da linguagem para lidar com o discurso de ódio na arena pública Ademais o amparo na teoria feminista permitirá compreender o valor do contradiscurso à pornografia para entender a relação entre o empoderamento feminino e o uso da linguagem e dos movimentos sociais no enfrentamento do discurso de ódio Para o desenvolvimento deste estudo visando a confirmação da hipótese proposta sugerese a realização de uma pesquisa bibliográfica com dados coletados na doutrina legislação e jurisprudência Importante ressaltar sua condição de pesquisa descritiva voltada à compreensão da forma como o movimento feminista e o discurso de ódio se relacionam na perspectiva de compreensão e enfrentamento do referido fenômeno a partir da adoção de abordagem de teor qualitativo Como procedimento de coleta de dados optouse pelo levantamento bibliográfico Os dados serão coletados em fontes distintas notadamente periódicos revistas e jornais científicos livros e documentos eletrônicos para posterior análise descritiva e crítica voltada ao alcance da resposta ao problema proposto Como plano de prova a pesquisa em tela será constituída das seguintes etapas a Inicialmente farseá uma abordagem sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio buscando alternativas para lidar com o discurso de ódio e sua restrição Utilizarseá de obras centrais para a teoria da liberdade de expressão e do discurso de ódio como Dworkin 2006 e Waldron 2012 bem como o aporte da filosofia da linguagem para a compreensão do discurso de ódio dentro da perspectiva da teoria dos atos de fala Austin 1990 Butler 2021 o que possibilitará traçar os argumentos para o enfrentamento do discurso de ódio como via alternativa à pura e simples restrição b Em um segundo momento analisarseá a relação entre o discurso de ódio e a pornografia para compreender como é possível fazer uma relação entre a teoria da liberdade de expressão e o feminismo buscando alternativas para lidar com o discurso de ódio e sua 35 restrição por meio de um debate em torno das teorias feministas utilizando de autoras como Andrea Dworkin 1981 e Catharine Mackinnon 1993 c Posteriormente será realizada a análise da relação entre discurso de ódio e chilling effect para entender a possibilidade de mudança do discurso de ódio face à ameaça de censura compreendendo a ideia do chilling effect na obra de Owen Fiss 2005 utilizandose como suporte bibliográfico também a pesquisa realizada por Suneal Bedi 2021 confrontando os resultados encontrados pelo autor com bancos de dados sobre a pornografia como o site PornHub para demonstrar como a censura influencia ou não o consumo da pornografia por meio da comparação entre países detentores de leis antipornografia do grau de censura dessas legislações do nível de consumo da pornografia em tais países9 bem como os índices de violência contra a mulher nos países selecionados por meio do levantamento em questão de modo a testar o argumento central da teoria feminista para a censura à pornografia seu potencial de aumentar a violência em face às mulheres d Por último será realizada uma investigação do movimento feminista e seu papel de empoderamento das mulheres e efetivação de direitos de modo a compreender como o discurso de ódio pode e deve ser enfrentado com outros discursos que atentem para ressignificação da fala para a defesa de direitos e educação em igualdade de gênero 81 Estratégias de uso de bibliografia em idioma estrangeiro Quanto ao tópico é preciso destacar que as obras que guiarão o desenvolvimento da pesquisa e que serviram de norte para o desenvolvimento do presente projeto foram escritas no idioma inglês o que demonstra o preenchimento do uso de bibliografia estrangeira na pesquisa Ressaltase que tal utilização é imprescindível pois os principais estudos sobre a liberdade de expressão e o discurso de ódio são publicados em idioma estrangeiro e as obras que servem de bibliografia básica para a pesquisa também se encontram no inglês 9 Em um levantamento preliminar os bancos de dados sugerem como países que podem ser objeto da presente pesquisa Estados Unidos Reino Unido Austrália Brasil China África do Sul México Argentina Espanha Itália e Índia Disponível em httpswwwpornhubcominsights2018yearinreview Acesso em 28 jun 2023 36 82 Estratégias de inserção do projeto nas metas de internacionalização do Programa nas atividades dos cursos de Graduação da Faculdade de Direito e para difusão dos resultados parciais e finais A pesquisa em questão possui um tema de grande relevância para o cenário acadêmico e social já que busca refletir sobre a liberdade de expressão e sua restrição quanto ao discurso de ódio Por alinhar perspectivas desenvolvidas em outros países como as pesquisas de Suneal Bedi poderá ser importante ferramenta para as metas de internacionalização do PPGD seja com a realização de atividades colaborativas de pesquisa com outros estudantes e professores que estudam a temática em outros países seja com a possibilidade de realização de intercâmbio para melhor desenvolvimento das ideias e troca dos resultados encontrados podendo ainda contribuir para a realização de eventos internacionais sobre o tema que encontrase em evidência atualmente Lado outro o projeto também poderá inserir diretamente nas atividades dos cursos de Graduação seja no âmbito do ensino da pesquisa ou da extensão Poderá haver a interlocução do trabalho com a Clínica de Direitos Humanos com os grupos de pesquisa existentes na Faculdade bem como poderão ser criados eventos para a integração dos alunos da graduação com a temática estudada Por fim ressaltase que as estratégias para a difusão dos resultados parciais e finais da pesquisa incluem participação em Congressos e Seminários publicação de artigos científicos em revistas reconhecidas organização de eventos sobre a temática e as demais atividades que o orientador entender pertinente para a consecução dos objetivos 37 9 RECURSOS Os recursos para o desenvolvimento da presente pesquisa se dividem em Recursos humanos e Recursos materiais e financeiros A começar pelos primeiros as pessoas envolvidas na pesquisa são a pesquisadora e seu orientador não havendo custos extras com pessoal Já quanto aos recursos materiais e financeiros não há previsão de despesas com material permanente material de consumo serviços com terceiros e serviços com pessoal já que serão utilizados computadores próprios softwares gratuitos livros da biblioteca portal de periódicos 38 10 CRONOGRAMA EtapasAtividades 1º2023 2º2023 1º2024 2º2024 Término do Curso das Disciplinas Conhecimento do objeto de estudo a levantamento bibliográfico b aprofundamento da pesquisa bibliográfica c redação parcial e discussão com o orientador d apresentação do projeto de tese Investigação e interpretação do marco teórico a organização dos dados levantados b aprofundamento do marco teórico c redação parcial e discussão com o orientador Redação da tese e estruturação dos resultados a análise crítica dos dados levantados b confirmação ou refutação das hipóteses c redação preliminar da tese d discussão com o orientador e segunda qualificação Defesa a apresentação dos resultados obtidos b redação final da tese c discussão com o orientador d depósito da tese e defesa da tese 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDICHIE Chimamanda Ngozi Sejamos todos feministas São Paulo Companhia das Letras 2014 AGUIAR Ricardo Schinaider de Uma trajetória legal da liberdade Com Ciência 2013 Disponível em httpswwwcomcienciabrcomcienciahandlerphpsection8tiporesenhaedicao86 Acesso em 24 ago 2023 AUSTIN John Langshaw Quando dizer é fazer Porto Alegre Artes Médicas 1990 BAKER C Edwin Autonomy and hate speech In HARE Weinstein Extreme speech and democracy New York Oxford University Press 2009 p139157 BAKER C Edwin Human liberty and freedom of speech New York Oxford University Press 1992 BEDI 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DANIEL PINTO DA CRUZ MARCUS HENRIQUE CARDOZO GOMES MARCUS VINICIUS DA COSTA SOARES E YASMIN SANTOS MELO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO PILAR DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO LIMITES DESAFIOS E A ERA DIGITAL Trabalho acadêmico avaliado em 200 pontos e apresentado como requisito de avaliação parcial da disciplina Metodologia da Pesquisa Científica oferecida e ministrada pela Profa Me Mariana Oliveira de Sá durante o 2º semestre de 2025 na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG unidade de DiamantinaMG DIAMANTINA 2025 SUMÁRIO 1 Introdução1 2Fundamentos Filosóficos da Liberdade de Expressão2 3Evolução Histórica da Liberdade de Expressão3 4 O Contexto da Liberdade de Expressão no Brasil5 5 Limites Jurídicos e Constitucionais6 6 Liberdade de Expressão na Era Digital7 7 A Função das Plataformas Digitais e do Estado 8 9 Reflexões Finais 9 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO PILAR DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO LIMITES DESAFIOS E A ERA DIGITAL 1Introdução A liberdade de expressão se destaca como um dos elementos essenciais do Estado Democrático de Direito servindo não apenas como um direito pessoal mas como uma condição fundamental para o exercício da cidadania e a solidificação da democracia Ter o direito de expressar livremente opiniões ideias e pensamentos assegura o pluralismo e a ativa participação da sociedade nos âmbitos político cultural e social Contudo apesar de ser um direito central ele não é ilimitado pois precisa ser restringido para proteger outros direitos como a honra a imagem a privacidade e a ordem pública A Constituição Federal de 1988 afirma em seu artigo 5º inciso IV a liberdade de manifestar pensamentos e no inciso IX a expressão livre da atividade intelectual artística científica e comunicativa sem necessidade de censura ou autorização Estas normas representam uma mudança decisiva em relação aos períodos de repressão e censura que tiveram impacto na história política do Brasil como durante o Estado Novo e a Ditadura Militar No entanto o progresso tecnológico e a emergência da era digital impõem novos obstáculos à realização desse direito A propagação rápida de informações a influência de algoritmos e o surgimento de fake news ampliaram o alcance da comunicação mas geraram também dilemas éticos e legais O discurso de ódio a disseminação de desinformação e a manipulação online revelam que exercer a liberdade de expressão no ambiente digital demanda uma reflexão contínua sobre suas limitações e responsabilidades Portanto este trabalho se propõe a analisar a liberdade de expressão como base do Estado Democrático de Direito examinando seus fundamentos filosóficos seu percurso histórico o cenário jurídico brasileiro e as dificuldades apresentadas pela era digital Quando entendida em sua amplitude a liberdade de expressão vai além da simples capacidade de falar ou escrever abrangendo o direito de buscar receber e compartilhar informações Assim ela representa uma ferramenta de emancipação tanto individual quanto coletiva permitindo que os cidadãos desenvolvam opiniões independentes e participem criticamente da esfera pública Sem essa liberdade o conceito de democracia perde sua essência tornandose apenas uma formalidade desprovida de um verdadeiro envolvimento participativo Além disso é crucial reconhecer que a liberdade de expressão não serve apenas como uma proteção contra o Estado mas também como um escudo contra o poder econômico e tecnológico Na atualidade na era da comunicação em massa e das plataformas digitais a concentração de poder em um número restrito de grupos pode restringir a variedade de vozes e controlar a narrativa social Portanto a discussão sobre a liberdade de expressão atualmente envolve também o debate sobre a democratização dos canais de comunicação e o acesso justo à informação Finalmente este estudo visa não apenas a compreender o aspecto legal da liberdade de expressão mas também a refletir sobre sua dimensão ética social e política A análise proposta tem como objetivo contribuir para a percepção de que o pleno exercício desse direito é uma condição fundamental para o fortalecimento das instituições democráticas e para a construção de uma sociedade plural crítica e inclusiva capaz de lidar com as diferenças e fomentar o diálogo 2 Fundamentos Filosóficos da Liberdade de Expressão A ideia de liberdade de expressão como um direito fundamental tem raízes na filosofia tanto clássica quanto moderna emergindo de um longo processo teórico sobre a função do indivíduo na sociedade e a importância de assegurar espaços para a manifestação do pensamento Voltaire um filósofo do Iluminismo se tornou um ícone dessa luta ao declarar Posso não estar de acordo com o que dizes mas defenderei até à morte o teu direito de dizêlo VOLTAIRE 2014 Essa declaração encapsula a essência da tolerância e da liberdade dentro de um convívio democrático sugerindo que o verdadeiro compromisso com a liberdade inclui a proteção de opiniões divergentes John Locke em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil 1974 argumenta que a liberdade é um direito inato indissociável da razão e da vida em comunidade Segundo Locke a função do governo é proteger os direitos naturais do ser humano como vida liberdade e propriedade e não restringilos de forma arbitrária Nesse cenário a liberdade de expressão se torna um aspecto crucial para a existência de um governo legítimo e restrito John Stuart Mill em sua obra Sobre a Liberdade 2000 aprofunda essa análise ao apresentar o princípio do dano que estabelece que o único limite aceitável à liberdade de um indivíduo ocorre quando essa liberdade começa a prejudicar outros Mill defende que a troca livre de ideias é vital para o avanço da humanidade uma vez que permite o embate de opiniões e a busca pela verdade Portanto a censura não só oprime o indivíduo mas também empobrece o debate público e o progresso do conhecimento Essas ideias filosóficas formaram as fundações para a consideração da liberdade de expressão como um direito essencial para o desenvolvimento humano e o fortalecimento das democracias contemporâneas Contudo a própria filosofia admite que o exercício desse direito deve estar em consonância com as responsabilidades individuais e coletivas evitando a utilização da liberdade para propósitos destrutivos A análise da liberdade de expressão também toca na ética pois envolve a obrigação de conviver com opiniões diversas A verdadeira liberdade não reside na ausência de limites mas sim na habilidade de coexistir com as diferenças Dessa forma os filósofos clássicos ao enfatizarem a importância do debate já indicavam que o diálogo é o espaço primordial da democracia Com isso entendese que o pensamento livre requer uma maturidade social que permita ouvir visões opostas sem considerar a diferença como inimiga Outra dimensão significativa é a conexão entre liberdade e verdade Para Mill 2000 o entendimento humano é resultado da troca entre ideias e é nesse confronto que se chega ao aprimoramento moral e intelectual da sociedade Assim a liberdade de expressão também possui um valor epistemológico pois evita o monopólio da verdade e promove o progresso científico e cultural Quando um grupo ou governo tenta eliminar o pensamento divergente não se perde apenas uma opinião mas a própria capacidade de evoluir Por fim cabe destacar que a liberdade de expressão é o alicerce sobre o qual se constrói o espírito público Voltaire e Locke não enxergavam a liberdade apenas como uma conquista individual mas como um dever cívico de participar do destino coletivo Em uma sociedade democrática o silêncio imposto seja pela censura pela intimidação ou pela manipulação é tão perigoso quanto o discurso irresponsável A filosofia da liberdade nesse sentido ensina que falar é um ato político e ouvir o outro é um gesto de respeito à própria humanidade 3 Evolução Histórica da Liberdade de Expressão A trajetória da liberdade de expressão é marcada por avanços e retrocessos ao longo dos séculos Na Grécia Antiga o diálogo e a retórica eram elementos centrais da vida pública especialmente nas ágoras espaços de debate e deliberação Sócrates e Platão por exemplo defendiam o valor do questionamento e da reflexão como caminho para a verdade A Apologia de Sócrates PLATÃO 2002 ilustra o conflito entre liberdade de pensamento e poder político demonstrando que a repressão às ideias sempre esteve presente nas sociedades Durante a Idade Média a hegemonia da Igreja Católica e o sistema feudal restringiram o pensamento livre A Inquisição impôs censura perseguições e punições severas a quem divergisse da doutrina oficial Somente com o Iluminismo no século XVIII é que a liberdade de expressão ganhou reconhecimento jurídico e político Os filósofos iluministas como Rousseau Montesquieu e o próprio Voltaire defenderam o uso da razão e o direito de cada indivíduo manifestar suas convicções Do ponto de vista jurídico marcos fundamentais consolidaram esse direito A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 em seu artigo 11 reconheceu que a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem O mesmo ocorreu na Constituição dos Estados Unidos 1789 com a Primeira Emenda que garantiu a liberdade de expressão e de imprensa No século XX a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 reforçou o caráter universal desse direito afirmando em seu artigo 19 que todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão Esse reconhecimento internacional transformou a liberdade de expressão em um valor civilizatório associado à dignidade e à igualdade humanas O desenvolvimento histórico da liberdade de expressão também revela que cada conquista foi resultado de intensos conflitos sociais e políticos Nenhuma sociedade concedeu esse direito de forma espontânea ele sempre foi fruto de lutas contra o poder concentrado contra a intolerância e contra o medo As revoluções liberais do século XVIII por exemplo foram impulsionadas por intelectuais e cidadãos que arriscaram a própria vida em defesa da palavra livre transformando o discurso em arma de resistência No século XX com o avanço dos regimes totalitários o valor da liberdade de expressão foi novamente colocado à prova Nazismo fascismo e stalinismo demonstraram como a supressão da crítica e o controle da informação são instrumentos fundamentais de dominação Após a Segunda Guerra Mundial a comunidade internacional compreendeu que garantir o direito à livre manifestação não é apenas uma questão jurídica mas um compromisso ético com a dignidade humana A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consolidou esse entendimento como um marco global de civilização Nos tempos atuais a liberdade de expressão continua em constante reconstrução especialmente diante dos desafios tecnológicos A história demonstra que cada nova forma de comunicação da prensa de Gutenberg às redes digitais trouxe avanços mas também novas formas de censura e manipulação A evolução do direito à liberdade de expressão portanto é inseparável da evolução da própria sociedade e sua defesa deve ser permanente pois onde o silêncio é imposto a tirania se fortalece 4 O Contexto da Liberdade de Expressão no Brasil No Brasil a trajetória da liberdade de expressão foi marcada por períodos de censura e repressão A Constituição de 1824 de caráter monárquico já previa a liberdade de expressão mas com limitações impostas pela censura prévia Somente com a Constituição Republicana de 1891 é que se reconheceu formalmente a livre manifestação do pensamento sem censura Durante o Estado Novo 19371945 o governo de Getúlio Vargas instaurou rígido controle sobre os meios de comunicação instaurando a censura política e cultural Essa prática se repetiu em escala ainda mais intensa durante o Regime Militar 19641985 quando jornais artistas e intelectuais foram perseguidos e silenciados A redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988 representaram um marco na consolidação da liberdade de expressão como valor inegociável O artigo 5º inciso IX assegura a livre manifestação da atividade intelectual e de comunicação e o artigo 220 reforça que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística Como observa Alexandre de Moraes 2022 a liberdade de expressão é condição essencial para a formação da opinião pública e consequentemente para o exercício pleno da democracia participativa Assim ela transcende o aspecto individual assumindo dimensão coletiva e social indispensável ao funcionamento das instituições democráticas A experiência brasileira mostra que a liberdade de expressão sempre esteve intimamente ligada à luta pela democracia Desde o período imperial até a Constituição de 1988 o país viveu ciclos de abertura e repressão nos quais a palavra foi alternadamente exaltada e sufocada A imprensa os movimentos sociais e os artistas desempenharam papel decisivo nesse processo utilizando a comunicação como instrumento de resistência e de reconstrução da memória nacional Durante o Regime Militar a censura atingiu não apenas os veículos de imprensa mas também a literatura o teatro a música e o cinema Mesmo sob o risco da repressão diversos intelectuais e jornalistas mantiveram o compromisso com a verdade denunciando abusos e registrando os horrores do autoritarismo Essa resistência cultural foi fundamental para a redemocratização e para o fortalecimento do ideal de liberdade como valor inegociável da sociedade brasileira Atualmente embora a censura institucional tenha sido abolida novas formas de controle simbólico e social surgem especialmente no ambiente digital O combate à desinformação à manipulação e ao discurso de ódio deve ser conduzido com cautela para que não se confunda a defesa da democracia com a imposição de uma nova censura O verdadeiro desafio do Brasil contemporâneo é garantir a liberdade de expressão com responsabilidade sem permitir que o medo ou a intolerância limitem o debate público 5 Limites Jurídicos e Constitucionais Embora seja um direito fundamental a liberdade de expressão não possui caráter absoluto A Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro impõem limites que visam proteger outros direitos igualmente relevantes como a honra a imagem a privacidade e a dignidade humana O Código Penal tipifica crimes contra a honra calúnia art 138 difamação art 139 e injúria art 140 estabelecendo que o exercício da liberdade de expressão não pode servir como justificativa para ofensas pessoais Da mesma forma o Marco Civil da Internet Lei nº 129652014 e a Lei Geral de Proteção de Dados Lei nº 137092018 estabelecem mecanismos de responsabilização para conteúdos que violem direitos de terceiros Além disso o discurso de ódio caracterizado pela incitação à violência discriminação ou perseguição contra grupos sociais raciais religiosos ou políticos é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico O Supremo Tribunal Federal tem reafirmado em diversas decisões que a liberdade de expressão não protege manifestações ilícitas que atentem contra a democracia ou incentivem a intolerância Bobbio 2004 destaca que o verdadeiro desafio das democracias modernas não está em reconhecer direitos mas em garantilos de forma equilibrada preservando tanto a liberdade quanto a igualdade Assim o Estado deve atuar como mediador entre a livre expressão e a proteção de outros valores fundamentais assegurando o convívio harmonioso entre os cidadãos Os limites à liberdade de expressão não devem ser vistos como uma forma de cerceamento mas como mecanismos de equilíbrio social O direito à palavra precisa conviver com outros direitos fundamentais e essa convivência demanda prudência O princípio da proporcionalidade amplamente utilizado pelo Supremo Tribunal Federal orienta que qualquer restrição à liberdade de expressão deve ser estritamente necessária e justificada pela proteção de bens jurídicos igualmente relevantes O discurso de ódio por exemplo tem sido um dos grandes desafios contemporâneos Ele não é apenas uma opinião divergente mas uma prática que visa desumanizar e excluir Por isso a jurisprudência brasileira tem entendido que manifestações discriminatórias não estão amparadas pela liberdade de expressão Essa compreensão reforça o compromisso constitucional com a dignidade humana e com o combate a toda forma de intolerância Ao mesmo tempo é fundamental evitar que a noção de limites seja utilizada como pretexto para restringir críticas legítimas ao poder público A liberdade de expressão é o oxigênio da democracia e sem ela o controle social e a transparência das instituições ficam comprometidos Assim o papel do Direito é garantir que o exercício da palavra seja livre mas também responsável de modo que a justiça e o respeito mútuo sejam preservados 6 Liberdade de Expressão na Era Digital A revolução digital transformou profundamente as formas de comunicação e a dinâmica social Com a popularização da internet e das redes sociais qualquer indivíduo passou a ter voz e alcance potencialmente global Essa democratização do discurso representa um avanço inegável pois amplia o acesso à informação e permite a diversidade de perspectivas Contudo o ambiente digital também trouxe riscos e distorções A velocidade da circulação de conteúdos favorece a propagação de fake news discursos de ódio e manipulações ideológicas Plataformas como Twitter Facebook Instagram e TikTok tornaramse arenas públicas onde se misturam liberdade desinformação e polarização Segundo Moraes 2022 a liberdade de expressão na era digital enfrenta o desafio de equilibrar o acesso à informação com a necessidade de preservar a veracidade e a responsabilidade social O anonimato os algoritmos de recomendação e o uso de robôs automatizados intensificam o impacto das narrativas falsas exigindo respostas jurídicas e éticas adequadas Assim surge o dilema contemporâneo como garantir a liberdade de expressão sem permitir que ela seja usada como instrumento de destruição da democracia O combate à desinformação e à incitação ao ódio deve ser feito sem recorrer à censura preservando o núcleo essencial do direito à livre manifestação A era digital trouxe consigo uma nova concepção de esfera pública As redes sociais se tornaram o principal espaço de formação de opinião substituindo em parte o papel antes ocupado pelos jornais e pela televisão Essa mudança ampliou o acesso à informação e democratizou o debate mas também fragmentou o espaço público criando bolhas de pensamento e dificultando o diálogo entre visões diferentes A comunicação em rede ao mesmo tempo que liberta também isola Outro ponto de reflexão é o papel dos algoritmos na filtragem das informações As plataformas digitais não são neutras seus sistemas de recomendação priorizam conteúdos que geram engajamento muitas vezes reforçando discursos extremados ou falsos Assim a liberdade de expressão passa a ser mediada por mecanismos tecnológicos e interesses comerciais A defesa desse direito portanto exige repensar a transparência e a responsabilidade das grandes corporações que controlam o fluxo de informações Por fim a liberdade de expressão digital impõe desafios éticos e jurídicos inéditos A disseminação de notícias falsas o discurso de ódio online e a manipulação política exigem uma atuação coordenada entre o Estado as empresas e a sociedade civil É necessário criar instrumentos eficazes de responsabilização sem recorrer à censura A defesa da liberdade no mundo virtual requer maturidade democrática e senso crítico para que o avanço tecnológico não se transforme em ameaça à própria democracia 7 A Função das Plataformas Digitais e do Estado As plataformas digitais desempenham um papel fundamental nesse novo contexto A moderação de conteúdo realizada por algoritmos e por equipes de pessoas gerou um conflito entre a defesa da liberdade e o combate à desinformação Companhias como Meta Google e X antigo Twitter enfrentam pressão para implementar políticas de transparência eliminar conteúdos prejudiciais e colaborar com autoridades governamentais No Brasil o Supremo Tribunal Federal tem tomado iniciativas em decisões relacionadas ao bloqueio de contas exclusão de perfis e enfrentamento de campanhas enganosas O equilíbrio entre liberdade e regulamentação entretanto é sensível Um excesso de intervenção governamental pode resultar em censura enquanto a negligência das plataformas pode favorecer a propagação de discursos prejudiciais Como menciona Bobbio 2004 a democracia é um modelo que existe por meio da constante tensão entre liberdade e ordem e é nessa tensão que reside sua vitalidade Assim a função do Estado deve ser a de assegurar a liberdade mas ao mesmo tempo regular com responsabilidade através de legislações claras e proporcionais As plataformas por sua vez precisam agir com ética e transparência aplicando critérios objetivos na moderação de conteúdos e respeitando os direitos fundamentais dos usuários Com a função de mediadoras da comunicação as plataformas digitais adquiriram uma responsabilidade sem precedentes na história da informação Elas têm o poder de controlar o alcance das vozes e em muitas situações decidem quais conteúdos permanecem ou são eliminados Essa quase função reguladora exercida por empresas privadas gerou discussões sobre soberania transparência e legitimidade É crucial que essas plataformas operem com base em critérios objetivos e honrem os direitos fundamentais dos usuários Por seu lado o Estado deve buscar um equilíbrio entre a regulamentação necessária e o respeito à liberdade individual A intervenção do governo deve seguir princípios democráticos evitando tanto a falta de ação quanto o autoritarismo O confronto à desinformação e ao discurso de ódio não pode ser confundido com perseguição política ou censura ideológica O papel do poder público deve se concentrar em assegurar a pluralidade e a segurança do ambiente digital em vez de determinar o conteúdo das ideias Em uma sociedade altamente conectada a proteção da liberdade de expressão depende da corresponsabilidade entre governo empresas e cidadãos As plataformas necessitam de políticas justas e claras o Estado de legislações equilibradas e a sociedade de um senso crítico Apenas com essa colaboração mútua será possível criar um ambiente digital que preserve o diálogo o respeito e o valor essencial da democracia o direito de cada indivíduo se expressar pensar e ser ouvido 8 Reflexões Finais A liberdade de expressão é um dos maiores legados da humanidade e a base de qualquer sociedade democrática No Brasil sua consolidação foi resultado de séculos de luta contra a censura e a repressão culminando com seu reconhecimento na Constituição de 1988 Entretanto os desafios atuais requerem uma reinterpretação contínua desse direito A era digital expandiu as formas de expressão mas também revelou fragilidades especialmente em relação à desinformação ao discurso de ódio e à manipulação nas redes sociais Defender a liberdade de expressão nos dias de hoje implica reconhecer que esta deve coexistir com responsabilidade e respeito por outros direitos fundamentais É essencial assegurar que o debate público permaneça livre diverso e responsável evitando que essa liberdade se transforme em uma justificativa para a violência simbólica ou a erosão da democracia Conforme ensina Norberto Bobbio em 2004 a democracia não é um estado perfeito mas sim um processo em constante desenvolvimento e a liberdade de expressão atua como o cimento que sustenta esse edifício À luz das reflexões apresentadas tornase claro que a promoção da liberdade de expressão deve ocorrer em paralelo ao incentivo da responsabilidade na comunicação Um discurso público guiado pela ética e pelo respeito enriquece a discussão social e favorece o amadurecimento da cidadania Por outro lado quando empregado para manipular desinformar ou atacar transforma se em um meio de exclusão e intolerância Assim o verdadeiro desafio para o Estado e a sociedade contemporânea é encontrar um ponto de equilíbrio entre liberdade e proteção Nesse cenário a educação para a cidadania digital desponta como um componente crucial É imprescindível formar indivíduos cientes de seus direitos e conscientes de suas obrigações comunicacionais O uso responsável das redes sociais assim como a análise crítica das informações são passos fundamentais para frear a disseminação de conteúdos prejudiciais e manter a integridade do debate público Portanto a liberdade deve ser acompanhada de discernimento e um senso de responsabilidade coletiva Concluise portanto que a liberdade de expressão longe de ser um conceito fixo é um processo que está em constante transformação Sua realização depende do esforço colaborativo entre o Estado a sociedade civil as instituições e os cidadãos Apenas por meio de um diálogo constante e do respeito mútuo será possível proteger esse direito fundamental como um verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito garantindo que a palavra continue sendo um instrumento de mudança e não de destruição Referências BOBBIO Norberto A era dos direitos 17 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 out 1988 DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO Paris Assembleia Nacional Constituinte 1789 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Assembleia Geral das Nações Unidas 1948 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil Trad Magda Lopes São Paulo Abril Cultural 1974 MILL John Stuart Sobre a liberdade Trad Luiz João Baraúna São Paulo Martins Fontes 2000 MORAES Alexandre de Direito Constitucional 37 ed São Paulo Atlas 2022 PLATÃO Apologia de Sócrates Trad Carlos Alberto Nunes Belém EDUFPA 2002 VOLTAIRE Tratado sobre a tolerância Trad Ivone Castilho Benedetti Porto Alegre LPM Pocket 2014