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1 DE QUEM É O ALUNO DA CLASSE ESPECIAL Célia Ratusniak Em que lugar devem ser discutidas as condições escolares em que vivem os alunos da Classe Especial A Classe Especial ainda existe sim mas não deveria existir E como não deveria existir fica no campo do nãodito na obscuridade nas sombras na última sala da escola É o lugar dos incorrigíveis1 O lugar daqueles que por sua condição comportamental intelectual física ou cultural não podem frequentar as salas regulares com os outros alunos As outras técnicas de correção que buscavam trazêlos à norma falharam Como pesquisar um lugar que na normatização escolar não era para existir mais Por isso é fundamental darmos existência para eles aqui nesse lugar A escolha de inscrever esse trabalho no GT de Educação Fundamental é uma tentativa de trazer esses alunos para o ensino regular pelo menos no campo do discurso científico E que os fez sair de suas turmas regulares Por que ainda as Classes Especiais persistem na região onde esse trabalho de pesquisa e intervenção se desenvolveu Esse texto traz algumas problematizações sobre aquilo que foi denominado pelos pesquisadores envolvidos como asilinho por se assemelhar muito aos asilos para onde eram encaminhados os incorrigíveis no século XVIII e aos asiloescola do século XIX Esse artigo é resultado de um trabalho realizado por estudantes de Psicologia e afetados pelos alunos da Classe Especial Durante o ano de 2014 semanalmente eles passavam 4 horas em companhia deles Também conversaram com os profissionais da escola e algumas vezes com seus familiares perfazendo um total de 210 horas de trabalho Conviveram muito com esses alunos e com sua professora E nessas conversas foram descobrindo saberes sobre esse lugar Descobriram também que nem os alunos nem seus pais e nem os profissionais da escola sabiam exatamente o que era a Classe Especial e porque estavam lá E será que nós sabemos Classe especial que lugar é esse 1Para Foucault O que define o indivíduo a ser corrigido portanto é que ele é incorrigível E no entanto paradoxalmente o incorrigível na medida em que é corrigível requer um certo número de intervenções específicas em torno de si de sobreintervenções em relação às técnicas familiares e corriqueiras de educação e correção isto é uma nova tecnologia da reeducação da sobrecorreção FOUCAULT 2001 p 73 2 Alguns documentos oficiais normatizam a organização das Classes Especiais no âmbito da Educação Especial e podem nos fazer compreender o surgimento desse espaço Para eles a Classe Especial é um espaço de inclusão e sua existência resolve o problema da obrigatoriedade de ensino para os alunos fora da norma pois respeitase a lei a com a oferta de matrícula Esses documentos frutos de saberes produzidos pelos especialistas produzem políticas públicas de controle da população estabelecendo práticas recomendando técnicas criando espaços e discursos que objetivam e subjetivam os alunos São políticas de controle da vida da população São tecnologias de poder chamadas biopolítica Foucault 1999 Existem muitos documentos resultados de acordos que fundamentaram a legislação específica e que estruturam organizam e produzem mudanças no funcionamento da Educação Especial na escola regular Skliar denominou essas mudanças como mudanças textuais eou legais ou seja são originadas nos textos oficiais e devem ser seguidas pelas instituições colocando os sujeitos da educação como operários da mudança Skliar 2001 Vamos no deter apenas em alguns deles que são determinantes para entendermos a configuração da Classe Especial pesquisada O primeiro deles é a Constituição Federal que determina em seu artigo 208 inciso III o atendimento especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino BRASIL 1988 O termo preferencialmente abre uma brecha para determinar graus de afetação das deficiências subjetivos e variáveis balizados por classificações realizadas a partir de exames de especialistas que avaliam se os anormais podem ser matriculados nas escolas regulares misturados com os normais e quais devem ir para as escolas especiais criando assim numerosas categorias para a anormalidade Veiga Neto 2001 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 939496 em seu artigo 58 conceitua Educação Especial como a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 19962 O parágrafo segundo do mesmo artigo diz que esse atendimento educacional poderá ser feito em classes escolas ou serviços especializados sempre que em função das condições específicas dos alunos não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular BRASIL 1996 A lei segue discorrendo uma série de condições necessárias para oferecer esse atendimento especializado baseado em saberes científicos sobre o sujeito a ser 2 Redação dada pela lei 12796 de 2013 3 corrigido Saberes esses que compõe as técnicas de disciplinamento necessárias para fazêlo se comportar como aluno As Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Especial na Educação Básica DNEEEB do MEC publicadas em 2001 apontam para a possibilidade de que em caráter extraordinário as escolas possam criar Classes Especiais de caráter transitório referenciadas pela LDBEN e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica O documento define Classe Especial como uma sala de aula em escola de ensino regular em espaço físico e modulação adequada Nesse tipo de sala o professor de educação especial utiliza métodos técnicas procedimentos didáticos e recursos pedagógicos especializados e quando necessário equipamentos e materiais didáticos específicos conforme sériecicloetapa da educação básica para que o aluno tenho acesso ao currículo da base comum BRASIL 2001 p53 Definem como alunos das Classes Especiais os cegos surdos de condutas típicas características de síndromes ou transtornos e casos graves de deficiência intelectual ou múltiplas sendo encaminhados quando se detectar nesses alunos grandes defasagens idadesérie quando faltarem aos alunos experiências escolares anteriores dificultando o desenvolvimento do currículo em classe comum BRASIL 2001 p 53 Ou seja com critérios tão amplos e subjetivos cabe muitos alunos Classe Especial ficando a critério daqueles que examinam professores pedagogos psicopedagogos psicólogos psiquiatras neurologistas médicos a decisão de encaminhar A resolução nº 0409 do Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica modalidade Educação Especial Nela não há mais a menção ao termo Classe Especial Em seu lugar ele determina que os alunos com deficiências transtornos do desenvolvimento ou altas habilidadessuperdotação sejam matriculados nas Salas de Recursos Multifuncionais que funcionam em contraturno escolar ou encaminhados para Centros de Atendimentos Especializados AEE devendo TODOS3 serem matriculados em classes comuns do Ensino Regular BRASIL 2009 O aluno de Classe Especial passa a ser nomeado como aluno de AEE Por essa resolução eles devem estar nas salas de aula com outros alunos Ocupar um espaço físico diferente não significa que as representações sobre esse sujeito modifiquem o espaço simbólico para ele destinado pois continua ocupando a identidade aluno especial só que com o complemento necessita de atendimento educacional especializado 3 Esse termo está grafado em letras maiúsculas para chamar a atenção de que o funcionamento de Classes Especiais é contraditório ao que está determinado pelo Conselho Nacional de Educação 4 No Paraná onde está situado o município onde este trabalho foi realizado dois documentos da Secretaria Estadual de Educação SEED que normatizam a Classe Especial merecem atenção O primeiro é a instrução 0304 que estabelece critérios para o funcionamento da Classe Especial para alunos de 1ª a 4ª séries4 O perfil do aluno não difere muito daquele apresentado nas DNEEEB Alunos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem e quadros graves de deficiência mental ou múltipla que demandem ajuda e apoio intensos e contínuos SEED 2004 sp Para determinar a graduação das dificuldades e deficiências que caberia na Classe Especial é recomendada a avaliação psicoeducacional preferencialmente no contexto escolar delegando aos pedagogos e psicólogos o encaminhamento dos alunos Os alunos egressos de Escola Especial também deverão ser matriculados nessa modalidade bastando para isso o encaminhamento e o relatório pedagógico sobre eles Os saberes científicos são utilizados para examinar classificar intervir e colocar cada um no seu devido lugar Continuam cabendo na Classe Especial muitas categorizações daquilo que foge à norma A segunda instrução que regulamenta o funcionamento da Classe Especial é a nº 1408 que estabelece o funcionamento das Classes Especiais para alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento nas séries iniciais A definição do que é a Classe Especial é a mesma das DNEEEB e da Instrução 0304 Porém ela traz outra categorização do quem é o seu alunado Alunos regularmente matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental com Transtornos Globais do Desenvolvimento que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas na comunicação um repertório restrito de interesses a atividades estereotipado e repetitivo Incluemse neste grupo alunos com Autismo Síndromes do Espectro do Autismo e Psicose Infantil que apresentam dificuldades de adaptação escolar e de aprendizagem associadas ou não a limitações no processo do desenvolvimento biopsicossocial com dificuldades de acompanhar as atividades curriculares em classe comum que requeiram apoio e atendimento especializado intensos e contínuos SEED 2008 sp As dificuldades de aprendizagem acentuadas precisam estar presentes em transtornos necessitando do poder medical para diagnosticálas e encaminhar os alunos que as portampossuem para os lugares a que têm direito na escola Para que a aluno que não aprende possa ser encaminhado à Classe Especial ele precisa ser transformado oficialmente em doente diagnosticado e laudado5 Chama a atenção que a pedagogia toma para si o poder de definir quem está nesse lugar a partir da avaliação psicoeducacional que segundo o documento deve ser realizada no contexto escolar pelo professor da classe comum com apoio do professor especializado e ou equipe pedagógica da escola e complementada se 4 Utilizouse aqui a mesma nomenclatura usada no documento pois em 2004 o Ensino Fundamental não estava composto de anos 5Expressão utilizado por professores em pesquisa realizada por Peixoto 2013 para alunos com laudos médicos e medicalizados na rede estadual de ensino 5 necessário por outros profissionais neurologista psiquiatra e equipe do Núcleo Regional de Educação SEED 2008 sp Para obter a autorização de funcionamento junto ao Núcleo Regional de Ensino que analisa os processos de abertura de Classe Especial é necessário apresentar laudo psiquiátrico ou neurológico onde conste a patologia Ou seja o atestado é um prérequisito para abrir a Classe Especial na escola mas não para encaminhar os alunos É preciso um aluno laudado para abrir esse espaço e abrir caminho para os demais encaminhamentos Na lista de instruções disponíveis no site da Secretaria Estadual de Educação não foi encontrada nenhuma normativa específica que tratasse da extinção das Classes Especiais Em 2011 aparece a instrução nº 16 que estabelece critérios para o Atendimento Educacional Especializado AEE em Sala de Recursos Multifuncional SRM tipo I Esse novo espaço constituído por alunos laudados tem como objetivo Apoiar o sistema de ensino com vistas a complementar a escolarização de alunos com deficiência intelectual deficiência física neuromotora transtornos globais do desenvolvimento e transtornos funcionais específicos matriculados na Rede Pública SEED 2011 sp Na esteira das outras normatizações o objetivo dessa instrução também é normalizar os alunos Não mais num espaço exclusivo Classe Especial mas agora no espaço das turmas regulares e nas Salas de Recursos Multifuncionais SRM A nota técnica nº 0414 da Diretoria de Políticas de Educação Especial do MEC dá orientações quanto aos documentos comprobatórios no Censo Escolar e esclarece que não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico diagnóstico clínico por parte do aluno com deficiência transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidadessuperdotação uma vez que o AEE caracterizase por ser um atendimento pedagógico e não clínico BRASIL 2014 sp O documento afirma que exigir os laudos seriar cercear o direito à acessibilidade a que o aluno tenha direito pois é pelo censo escolar que os materiais necessários são enviados criando assim barreiras que prejudicariam os alunos Assim os laudos que seriam condições para o registro de alunos não devem ser exigidos Ter um espaço físico disponibilizado não significa garantir um espaço de aprendizagem Mesmo que os alunos deixem de ser da Classe Especial passarão a ser os de SRM ou os do AEE Ou seja continuam carregando em si a identidade deficientetranstornado continuam tendo espaços demarcados nas salas de aula com seus auxiliares Continuam não aprendendo na escola 6 Quem vai para a Classe Especial é anormal idiota deficiente transtornado ou aluno No curso Os Anormais Foucault discute a genealogia da anomalia apresentando três figuras por onde ela se desloca e vai se delineando nos séculos XVIII e XIX o monstro humano o indivíduo a ser corrigido e o onanista Foucault 2001 Esse trabalho tem interesse especial pela figura do indivíduo a ser corrigido e as tecnologias biopolíticas que são utilizadas para essa correção Quando as estruturas asilares se estabeleceram no começo do século XIX foram pensadas com dois propósitos proteger a sociedade dos loucos e estabelecer uma terapêutica adequadas para eles Esquirol enumerava cinco motivos para manter os loucos no asilo garantir a segurança deles e de suas famílias protegêlos de influências externas vencer as resistências pessoais submetêlos a um regime médico imporlhes novos hábitos intelectuais e morais Foucault 2008 A figura do incorrigível também é estudada por Pessotti mas a partir de outras nomeações os idiotas e imbecis No final do século XIX o idiota era visto como uma expressão da degenerescência da raça humana tendo como características básicas a parada no desenvolvimento das funções orgânicas e psíquicas sendo mais evidente o bloqueio da evolução das funções intelectuais mantidas num nível baixíssimo e único PESSOTTI 1984 p 163 Se o sujeito herdava a idiotia a imbecilidade era adquirida A imbecilidade é um grau intermediário entre a idiotia e a debilidade mental de agenesia psíquica que pode ser devido a acidentes prénatais e pósnatais portanto acidental e constitucional PESSOTTI 1984 p 166 Os imbecis deveriam ser vigiados constantemente eram um perigo à sociedade pois tinham uma tendência para a criminalidade para a perversidade para a preguiça para a promiscuidade e para a prostituição Para eles o tratamento era reclusão em asilos casas de detenção e prisões Já os idiotas eram educáveis graças a um conjunto de recursos higiênicos e pedagógicos que não podem ser aplicados senão em estabelecimentos especiais PESSOTTI 1984 p 164 Esses estabelecimentos eram chamados de asilo escola No início do século XX a Psicologia Científica expandia sua atuação na Europa num crescente interesse pela deficiência mental leve interesse esse compartilhado pelos médicos na busca de tratamentos que melhorassem as capacidades mentais afetadas na construção daquilo que se denominou educação especial Para a pedagogia a medicina e a psicologia novos dilemas se apresentavam A primeira se preocupava em como tratar esses sujeitos que não poderiam ser confinados A segunda se ocupava de formas de estender o ensino a esses 7 alunos A terceira pesquisava estratégias e técnicas para medir as capacidades dos débeis mentais em comparação aos sujeitos normais Pessotti 1984 A Psicologia e a Medicina se prestam a determinar quem será o deficiente ou o transtornado Não se utilizam mais apenas a descrição das características físicas medições heredogramas mas de técnicas muito mais refinadas onde o menor sinal de anormalidade pode ser detectado Os testes observações exames entrevistas escalas check lists relatórios observações exames neurológicos avaliações nos mostram a norma em ação classificando e reclassificando os alunos a partir de aptidões níveis cognitivos idades Separando o normal do anormal também marcase a distinção entre normalidade e anormalidade O conceito de nível cognitivo foi inventado ele próprio como um operador a serviço desse movimento de marcar aquela distinção VEIGANETO 2001 p 25 Dessa forma cabe muito mais gente na categoria anormal Foucault ao analisar as práticas judiciárias como constituintes de subjetividades nomeia instituições como escolas hospitais e prisões instituições de sequestro que têm a propriedade muito curiosa de implicarem o controle a responsabilidade sobre a totalidade ou quase a totalidade do tempo dos indivíduos são portanto instituições que de certa forma se encarregam de toda a dimensão temporal da vida dos indivíduos FOUCAULT 2003 p 116 Para o autor As pessoas que dirigem essas instituições se delegam o direito de dar ordens de estabelecer regulamentos de tomar medidas de expulsar indivíduos de aceitar outros etc FOUCAULT 2003 p 120 E no caso da Classe Especial o sequestro é duplo inicialmente capturam as crianças e as transformam em alunos para posteriormente sequestrarem os alunos e os transformam em doentes ou deficientes Convivendo com os alunos da Classe Especial e dando existência a outras identidades desses sujeitos A escolha da Classe Especial como lugar do estágio de Psicologia Escolar não se deu aleatoriamente Deuse pela afetação de saber que os alunos estão neste espaço À medida que iam convivendo com os alunos dessa sala conversando participando de seu cotidiano os estagiários entendiam cada vez menos porque esses alunos permaneciam nessa sala Quando foram questionar a pedagoga da escola ela disse que muitos haviam sido herdados da Classe Especial de outra escola e nessa permaneceram Outros foram avaliados e encaminhados A maioria das avaliações e encaminhamentos foram feitos por psicólogos determinadas quase que exclusivamente por testagem e anamneses numa prática de exame e 8 classificação desses sujeitos Práticas essas muito criticadas pela Psicologia Escolar mas que assim como as Classes Especiais persistem a prática psicológica continua a mesma de quando crianças e jovens com deficiência eram encaminhados para as escolas especiais consistindo na realização de anamnese com os responsáveis e a avaliação do nível intelectual e emocional A partir dessas avaliações laudos psicológicos são elaborados dizendo apenas aquilo que as crianças e jovens não possuem em função de suas deficiências não constando informações que possam auxiliar os professores em sua prática pedagógica Dessa forma ajudam o preconceito a se perpetuar nas relações estabelecidas entre professores estudantes equipe técnica endossando práticas de exclusão CRP 2013 p 59 Vários fragmentos provenientes do discurso dos profissionais da escola dos documentos escolares e da disposição geográfica desses sujeitos na escola nos levam a pensar no lugar que eles ocupam Podemos começar por uma declaração emblemática da pedagoga que afirma que se não houvesse a Classe Especial a escola seria uma escola modelo Várias problematizações podem ser tecidas a partir dessa declaração Qual é o ideal de escola presente nessa profissional que faz com que os alunos da Classe Especial sejam responsabilizados pela meta de eficiência não atingida Modelo de quê Esse lugar destinado a esses alunos faz com que eles não sejam bem vindos mas tolerados A tolerância com a diferença pode ser tão cruel quando a intolerância pois os inclui excluindo dentro da própria escola O segundo fragmento vem de uma professora da escola de classe regular Quando os estagiários se apresentaram na escola contando quem eram e o que fariam essa professora disse a eles Então vocês vão cuidar de nossos problemas Problemas esses que persistem nessa escola por um longo tempo desde sua inauguração em 2010 Problemas insolúveis que a convivência naturalizou nas práticas escolares Que subjetividades são produzidas nesses alunos quando lhes é dado este lugar O que faz com que estas oito crianças e adolescentes não sejam enxergados como alunos mas como problemas Como se resiste a isso diaadia permanecendo nesse espaço de confinamento que os impede de estar com outros alunos outras professoras fazendo outras coisas que não aquelas que ano a ano passam fazendo coordenação motora hábitos de higiene jogos pedagógicos dramatizações atividades diferenciadas independente de possuírem de 7 a 16 anos de idade É como se para esses alunos fosse mais importante a convivência com os colegas normais do que a própria aquisição do conhecimento mínimo necessário para a sua possibilidade de inserção social SKLIAR 2001 p 20 Os documentos oficiais falam em trabalhar componentes curriculares mas na prática o que se vê são adestramentos treinamentos disciplinamentos na tentativa de tornálos o mais parecido possível com alunos apagando as suas diferenças 9 Quando o aluno de Classe Especial se parece com um aluno de Classe Regular ele pode ser reclassificado retornando para o ano que estava antes de sair Em três anos 12 alunos foram reclassificados e retornaram ao ensino regular Assim como os asiloescola corrigiriam o idiota no século XIX a Classe Especial corrige parte dos incorrigíveis É eficiente Sabese que as características da deficiência intelectual e os transtornos globais dos desenvolvimentos acompanham o sujeito pela sua vida Não curam São formas de existência que configuram identidades diferentes O retorno desses alunos para as salas regulares nos faz pensar pelo menos em dois aspectos O primeiro é que talvez eles nem se enquadrassem nessas categorias O segundo é que eles poderiam aprender em qualquer lugar e não precisariam estar segregados Como são alunos menores de 18 anos qualquer processo avaliativo deve ser informado aos seus responsáveis para que autorizem Os encaminhamentos também dever ser comunicados e matricular na Classe Especial deve ser uma opção e não uma obrigação Porém quando os estagiários construíram um espaço para que os responsáveis pudessem contar como significam o fato de seus filhos frequentarem essa sala nos surpreendeu o fato de eles mencionarem que não sabiam o que era a Classe Especial e que lhes foi informado que eles deveriam ir para lá porque tinham dificuldade para aprender Eram pais de um nível socioeconômico desfavorável e talvez por isso achouse que eles não compreenderiam Porém aqueles que compareceram aos encontros demonstraram preocupação com seus filhosfilhasnetosnetas Também possuíam uma crença muito grande de que realmente nessa sala eles aprenderiam mesmo com a promessa de ensino não sendo cumprida ano a ano para alguns Alguns suspeitavam dos diagnósticos dados pois em casa não percebiam nada de diferente neles Mas mesmo com essa suspeita não questionavam o saber pedagógico Narrativas sobre os alunos Como produzir discursos sobre esses alunos que escapem à identidade que lhes foi dada como aluno de Classe Especial e os coloquem em outro lugar Esse foi o nosso desafio durante a realização desse trabalho A convivência com os alunos nos fez suspeitar cada vez mais dos discursos produzidos sobre eles Começamos a trabalhar com registros de imagens Tiravam fotos de si dos outros dos lugares que gostavam Combinamos com eles que iríamos construir um documentário para que as outras pessoas soubessem quem eles eram o que gostavam de fazer o que pensavam Durante várias situações planejadas ou espontâneas formas de ser deles foram capturadas pelas imagens Havia aquele que agradecia abertamente à professora suas aprendizagens dizendo obrigado tudo que eu sei aprendi com ela Outros 10 que criticavam a mesmice do diaadia lá na Classe Especial tem pouca gente e sempre gente igual Também havia aqueles que se achavam responsáveis pela sua não aprendizagem pegando para si uma responsabilidade que é coletiva Se eu estudar ano que vem vou pra uma sala diferente também E havia uma professora adorada pelos alunos que também suspeitava da necessidade de muitos estarem ali mas se sentia impotente frente à pressão dos demais professores a maioria poderia também estar em Sala de Recursos mas assim é como está Todas essas experiências estabeleciam outras relações entre estagiários alunos e professora onde apareciam os sujeitos por detrás dos alunos especiais e construíram discursos que colocavam as crianças adolescentes em outro lugar daquele que é capaz de falar de si de um outro modo Esse material gerou biografias desses alunos e um documentário que afetou a todos principalmente os professores da escola que nunca haviam percebido que haviam outras identidades além da do aluno com deficiência Apresentarei fragmentos das histórias desses 8 alunos escritos a partir do relatório de estágio Nesse trabalho essa pequena biografia escolar é uma tática para afetar os pesquisadores da educação no sentido de se indignar com a existência de asilinhos escondidos nas últimas salas das escolas públicas de municípios paranaenses distantes Os nomes são fictícios mas as histórias são reais Neber Neber chegou à Classe Especial sem saber porque Foi colocado Muito carismático gosta de querer saber o porquê das coisas Não sabe escrever e não sabem perceber como ele pensa a escrita Suas escolhas de letras são um mistério para as professoras Sua mãe aposta muito na educação como uma forma de melhorar de vida Não foi consultada sobre a permissão do menino ser avaliado e nem sobre a possibilidade de ir para Classe Especial Um dia comunicaram a ela que ele mudaria de sala Suspeitando da normalidade do filho está buscando uma consulta médica que lhe diga se realmente seu filho tem alguma coisa na cabeça Nei Nei foi uma criança doente que tomava medicamentos até os dois anos de idade Essa condição já é motivo de suspeita que justificam a realização de exames psicológicos que 11 buscam causas orgânicas para o não aprender Deu azar de ir mal no teste WISC III6 na Escala Verbal que ratificou aquilo que todos sabiam Nei tem dificuldades de aprendizagem Não gosta muito de falar com os outros Fora da escola sua mãe chama isso de timidez Na escola chamam de deficiência Contou aos estagiários que brinca em casa com seus cachorros Está atento a tudo que acontece em sala de aula Fica muito feliz quando acaba a atividade e corre mostrar para os adultos num desejo muito grande de mostrar que sabe fazer contradizendo aquilo que falam dele Zezé Está na Classe Especial faz um ano e tem atualmente sete anos Isso significa que foi encaminhado com 6 anos provavelmente quando entrou na escola Menino do interior usa o transporte escolar e sonha em ser motorista de ônibus Segundo a avaliação realizada um ano antes tem dificuldade na motricidade fina e ampla não consegue diferenciar letras e números realiza movimentos corporais com dificuldade e desenha de forma estranha e estereotipada Contraditoriamente os seus caminhões desenhados no quadro da Classe Especial eram muito bonitos Como exigir de um aluno que veio do interior que saiba coisas que deveria aprender quando entrasse na escola Para Zezé todas as pessoas são bonitas principalmente sua professora Nando Morador do interior da cidade Nando foi à escola falando polonês que aprendeu em casa Os seus pareceres relatam uma dificuldade em compreender informações armazenar conteúdos e reconhecer as letras O teste WISC III é realizado na língua portuguesa O menino dito deficiente intelectual conseguiu explicar para os estagiários os procedimentos que usou para resolver uma continha e percebeu que havia feito de maneira inadequada corrigindoa Nando trabalha na lavoura e reclama de dores nas mãos Tanto sua mãe como o aluno relatam a facilidade que ele tem em construir carrinhos e inventar brinquedos com sucatas e pedaços de madeira em casa Gosta de desenhar carros caminhões e motocicletas Desenha muito bem e ganhou primeiro lugar num concurso municipal Eliéli 6 Teste recomendado para avaliação psicológica de alunos para encaminhamento para educação especial 12 Com 16 anos Eliéli sempre chora quando conta que sua mãe a abandonou Mora com a avó e encontra o pai esporadicamente porque ele mora em outra cidade mostrando muita alegria quando falava dessas visitas Veio encaminhada da APAE Quer ser professora para ensinar quem não aprende e fala com muito carinho das suas professoras Grande tamanho de adulto destoa do grupo de alunos crianças Tenta buscar incessantemente um lugar para suas necessidades de adolescente nessa sala Superprotege os colegas cuidando deles como cuidaria de seus alunos Mas por causa da idade Eliéli voltará para a APAE esse ano Eliéli é incorrigível Naomi Durante as filmagens do documentário Naomi queria mostrar que sabia ler E leu Leu o poema e as frases escritas no muro da escola Foi encaminhada para a Classe Especial com 7 anos De tempos em tempos ela vai morar na Casa Lar por conta da falta de cuidados dos pais e em seu parecer está escrito que passou por desnutrição Sempre que pode estoca comida na mala nos bolsos e constantemente está comendo A ligação entre desnutrição e deficiência intelectual é direta nem se suspeita que uma coisa não é condição da outra Sua mãe acha que ela está na Classe Especial porque ela não é muito boa da cabeça Na avaliação psicológica está escrito que ela tem dificuldade na área verbal e de execução dificuldade motora fina e está abaixo da média no estágio préoperatório A professora conta que Naomi não tem interesse em fazer as atividades que ela já sabe fazer e que ela conta muita mentira por isso os colegas não gostam dela Mas que verdades ela poderia contar Que mora na Casa Abrigo Que passou fome Que apanha de todos Não gosta da Classe Especial porque todos batem nela e acredita que nas outras salas isso não vai acontecer Gu Gu adora prosear7 de qualquer coisa que não seja a escola Diagnosticado com TDAH8 mesmo que esse não seja um critério presente nos documentos oficiais para frequentar a Classe Especial foi mandado para lá Mora no interior da cidade e adora alimentar os animais e brincar com seu vizinho No segundo ano de escolaridade foi mandado para a Classe Especial sem saber porque e para quê Sua mãe também não recebeu maiores explicações e acha que seu filho está lá porque não aprende Ela percebia que seu filho não sabia ler e escrever no 1º ano e tentava ensinálo a desenhar a pintar mas ele 7 Optouse por esse termo por ele ser muito recorrente no discurso do aluno 8 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade 13 insiste em fazer tudo feio e a rabiscar tudo Na avaliação psicológica está escrito que ele apresenta ansiedade e que seu desempenho intelectual está abaixo da média A mãe já o levava em uma Psicóloga antes mas o atendimento foi suspenso e ela não sabe o porquê Foi avaliado por médicos que não encontraram nada de alterado em seus exames mas mesmo assim receitaram Ritalina e Fluoxetina Segundo mãe o primeiro é para aprender e o segundo para acalmar As doses estão diminuindo e logo não precisará mais dos remédios Fica ansioso quando não consegue fazer a tarefa e adequar o nível de dificuldade aos seus saberes poderia ser melhor que medicálo Mas o que a mãe acha mesmo é que ele não aprende porque não enxerga direito Recentemente consultou um oftalmologista e continuará usando seus óculos de lentes grossas Serafim De todos os alunos da Classe Especial Serafim foi um dos que mais nos tocou Foi por causa dele que o decidimos fazer esse trabalho nessa escola Serafim é um menino de 11 anos que frequenta a Classe Especial desde que se lembra De acordo com os documentos da escola ele foi incluso na Classe Especial em outubro de 2011 quando estava na 2ª série sendo considerado um dos alunos mais antigos desta sala Serafim é um menino muito agitado e agressivo em situações que o frustram Mas também é um garoto extremamente inteligente criativo e astuto Seu comportamento instável é a justificativa da escola para a permanência de Serafim na Classe Especial visto que ele sabe fazer todas as atividades propostas Perguntada da possibilidade de saída de algum aluno da Classe Especial a pedagoga responde Serafim Com certeza o Serafim O menino sonha em ser cantor sertanejo e mostrou seu talento no documentário Com 11 anos já foi internado em clínicas psiquiátricas e abrigos Segundo a escola a mãe é grande causadora dos problemas de Serafim Nomeado como esquizofrênico desde os 6 anos de idade não há nenhum laudo que comprovasse isso em seus documentos Faz uso de Risperidona que segundo a escola sua mãe dá quando quer No documentário Serafim afirma que pode se controlar para não ficar nervoso e por isso não precisa tomar remédio Durante os 8 meses em que se realizou o estágio o aluno perdeu o controle uma única vez Quem lhe acalma nesses episódios é a sua professora Os documentos avaliativos falam de uma criança com dificuldades motoras que corria pela escola e brincava com os colegas Quando queria fazia todos os seus deveres gostando muito de ser elogiado O menino narrado como violento gostava de se aproximar dos 14 estagiários sentar no colo deles contar histórias beijar os rostos deles com a boca babada e dar abraços apertados Capturado pela doença mental ele resiste mostrando sua normalidade Buscando aliados para o exercício da indignação e da mobilização Machado 1994 já problematizava a Classe Especial nos anos 90 Assim como nela a vontade de saber sobre esses alunos nos mobilizou e permitiu apresentar outras formas de ser para o aluno de classe especial Todos os professores da escola os conheceram de uma outra forma por esse novo discurso produzido sobre eles e por eles No documentário eles contaram quem eram o que gostavam o que os incomodava Também denunciaram a arbitrariedade que foi sua transferência da sala regular para a Classe Especial No fechamento do trabalho reunimos esses professores para problematizar a Classe Especial Descobrimos que nem os próprios professores sabiam exatamente o que é esse lugar e quais são os critérios de encaminhamento As fronteiras entre quem deve ser encaminhado para a Sala de Recursos Multifuncional para o contraturno e quem deve ir para a Classe Especial são borradas dependendo do entendimento dos avaliadores e da disposição da escola em tolerar esses alunos em salas regulares Durante a apresentação do documentário o silêncio se fez presente substituído por vezes pelo choro dos profissionais Quando Eliéli contou que queria ser professora para ensinar quem não sabe lembraram que a estão encaminhando para a APAE Quando Naomi relata que quer sair da Classe Especial porque está cansada de apanhar lembraram que ela é constantemente abrigada por causa das agressões que sofre em seu meio familiar Quando Nando aparece como aluno dessa sala todos lembram que ele ganhou o 1º lugar no concurso de desenhos Esse texto tem a pretensão de figurar no universo acadêmico denunciando uma das muitas formas de exclusão num espaço supostamente inclusor Nosso trabalho permitiu a afetação dos professores dessa escola que se tornaram sensíveis às condições destes alunos provocando a reinserção de alguns deles no ensino regular Mas sabemos que entrarão outros em seus lugares É preciso que a escola duvide da eficácia da Classe Especial como espaço de aprendizagem Não somos nós que devemos dizer se ela deve continuar ou não São os profissionais da escola os pais os alunos Nossa função é construir espaços de reflexão e de construção de outras possibilidades que permitam outras identidades para esses alunos Produzir estranhamentos sobre as formas de fazer que provoquem reinvenções Esperamos mudanças nos textos oficiais resultados das pequenas revoltas como a que está subtendida no presente texto 15 REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Diário Oficial da União Poder Legislativo Brasília DF 05 jan 1988 Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação Básica Secretaria de Educação Especial MEC SEESP 2001 Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na educação Básica MECCNE Disponível em httpportalmecgovbrdmdocumentsrceb00409pdf Acessado em 21 março de 2015 Nota Técnica 042014 MECSECADI FOUCAULT Michel Os anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 2009 Microfísica do Poder Organização e tradução de Roberto Machado 26ª edição Rio de Janeiro Graal 2008 A verdade e as formas jurídicas Rio de Janeiro Nau Editora 2003 MACHADO Adriana Marcondes Crianças de Classe Especial Efeitos do encontro entre saúde e educação Casa do Psicólogo São Paulo 1994 PARANÁ SEED Instrução 0304 Disponível em httpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesInstrucao032004CESIDIpdf Acessado em 21 de março de 2015 SEED Instrução 1408 Disponível em httpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesinstrucao142008suedpdf Acessado em 21 de março de 2015 16 SEED Instrução 1611 Disponível emhttpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesInstrucao162011pdf Acessado em 21 de março de 2015 PEIXOTO Carina Adolescentes encapsulados medicalização da educação 2013 54pTrabalho de conclusão de curso Universidade do Contestado Porto União 2013 SKLIAR Carlos Seis perguntas sobre a questão da inclusão ou de como acabar de uma vez com por todas com as velhas e novas fronteiras da educação Proposições Dossiê Educação Especial e Políticas Inclusivas Campinas SP v13 n23 julnov2001 VEIGANETO Alfredo Incluir para saber Saber para excluir Proposições Dossiê Educação Especial e Políticas Inclusivas Campinas SP v13 n23 julnov2001 PESSOTTI Isaias Deficiência mental da superstição à ciência São Paulo T A Queiroz Editora da Universidade de São Paulo 1984 Conselho Federal Psicologia Referências Técnicas para Atuação de Psicólogos na Educação Básica Brasília 2013
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1 DE QUEM É O ALUNO DA CLASSE ESPECIAL Célia Ratusniak Em que lugar devem ser discutidas as condições escolares em que vivem os alunos da Classe Especial A Classe Especial ainda existe sim mas não deveria existir E como não deveria existir fica no campo do nãodito na obscuridade nas sombras na última sala da escola É o lugar dos incorrigíveis1 O lugar daqueles que por sua condição comportamental intelectual física ou cultural não podem frequentar as salas regulares com os outros alunos As outras técnicas de correção que buscavam trazêlos à norma falharam Como pesquisar um lugar que na normatização escolar não era para existir mais Por isso é fundamental darmos existência para eles aqui nesse lugar A escolha de inscrever esse trabalho no GT de Educação Fundamental é uma tentativa de trazer esses alunos para o ensino regular pelo menos no campo do discurso científico E que os fez sair de suas turmas regulares Por que ainda as Classes Especiais persistem na região onde esse trabalho de pesquisa e intervenção se desenvolveu Esse texto traz algumas problematizações sobre aquilo que foi denominado pelos pesquisadores envolvidos como asilinho por se assemelhar muito aos asilos para onde eram encaminhados os incorrigíveis no século XVIII e aos asiloescola do século XIX Esse artigo é resultado de um trabalho realizado por estudantes de Psicologia e afetados pelos alunos da Classe Especial Durante o ano de 2014 semanalmente eles passavam 4 horas em companhia deles Também conversaram com os profissionais da escola e algumas vezes com seus familiares perfazendo um total de 210 horas de trabalho Conviveram muito com esses alunos e com sua professora E nessas conversas foram descobrindo saberes sobre esse lugar Descobriram também que nem os alunos nem seus pais e nem os profissionais da escola sabiam exatamente o que era a Classe Especial e porque estavam lá E será que nós sabemos Classe especial que lugar é esse 1Para Foucault O que define o indivíduo a ser corrigido portanto é que ele é incorrigível E no entanto paradoxalmente o incorrigível na medida em que é corrigível requer um certo número de intervenções específicas em torno de si de sobreintervenções em relação às técnicas familiares e corriqueiras de educação e correção isto é uma nova tecnologia da reeducação da sobrecorreção FOUCAULT 2001 p 73 2 Alguns documentos oficiais normatizam a organização das Classes Especiais no âmbito da Educação Especial e podem nos fazer compreender o surgimento desse espaço Para eles a Classe Especial é um espaço de inclusão e sua existência resolve o problema da obrigatoriedade de ensino para os alunos fora da norma pois respeitase a lei a com a oferta de matrícula Esses documentos frutos de saberes produzidos pelos especialistas produzem políticas públicas de controle da população estabelecendo práticas recomendando técnicas criando espaços e discursos que objetivam e subjetivam os alunos São políticas de controle da vida da população São tecnologias de poder chamadas biopolítica Foucault 1999 Existem muitos documentos resultados de acordos que fundamentaram a legislação específica e que estruturam organizam e produzem mudanças no funcionamento da Educação Especial na escola regular Skliar denominou essas mudanças como mudanças textuais eou legais ou seja são originadas nos textos oficiais e devem ser seguidas pelas instituições colocando os sujeitos da educação como operários da mudança Skliar 2001 Vamos no deter apenas em alguns deles que são determinantes para entendermos a configuração da Classe Especial pesquisada O primeiro deles é a Constituição Federal que determina em seu artigo 208 inciso III o atendimento especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino BRASIL 1988 O termo preferencialmente abre uma brecha para determinar graus de afetação das deficiências subjetivos e variáveis balizados por classificações realizadas a partir de exames de especialistas que avaliam se os anormais podem ser matriculados nas escolas regulares misturados com os normais e quais devem ir para as escolas especiais criando assim numerosas categorias para a anormalidade Veiga Neto 2001 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 939496 em seu artigo 58 conceitua Educação Especial como a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com deficiência transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação BRASIL 19962 O parágrafo segundo do mesmo artigo diz que esse atendimento educacional poderá ser feito em classes escolas ou serviços especializados sempre que em função das condições específicas dos alunos não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular BRASIL 1996 A lei segue discorrendo uma série de condições necessárias para oferecer esse atendimento especializado baseado em saberes científicos sobre o sujeito a ser 2 Redação dada pela lei 12796 de 2013 3 corrigido Saberes esses que compõe as técnicas de disciplinamento necessárias para fazêlo se comportar como aluno As Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Especial na Educação Básica DNEEEB do MEC publicadas em 2001 apontam para a possibilidade de que em caráter extraordinário as escolas possam criar Classes Especiais de caráter transitório referenciadas pela LDBEN e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica O documento define Classe Especial como uma sala de aula em escola de ensino regular em espaço físico e modulação adequada Nesse tipo de sala o professor de educação especial utiliza métodos técnicas procedimentos didáticos e recursos pedagógicos especializados e quando necessário equipamentos e materiais didáticos específicos conforme sériecicloetapa da educação básica para que o aluno tenho acesso ao currículo da base comum BRASIL 2001 p53 Definem como alunos das Classes Especiais os cegos surdos de condutas típicas características de síndromes ou transtornos e casos graves de deficiência intelectual ou múltiplas sendo encaminhados quando se detectar nesses alunos grandes defasagens idadesérie quando faltarem aos alunos experiências escolares anteriores dificultando o desenvolvimento do currículo em classe comum BRASIL 2001 p 53 Ou seja com critérios tão amplos e subjetivos cabe muitos alunos Classe Especial ficando a critério daqueles que examinam professores pedagogos psicopedagogos psicólogos psiquiatras neurologistas médicos a decisão de encaminhar A resolução nº 0409 do Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica modalidade Educação Especial Nela não há mais a menção ao termo Classe Especial Em seu lugar ele determina que os alunos com deficiências transtornos do desenvolvimento ou altas habilidadessuperdotação sejam matriculados nas Salas de Recursos Multifuncionais que funcionam em contraturno escolar ou encaminhados para Centros de Atendimentos Especializados AEE devendo TODOS3 serem matriculados em classes comuns do Ensino Regular BRASIL 2009 O aluno de Classe Especial passa a ser nomeado como aluno de AEE Por essa resolução eles devem estar nas salas de aula com outros alunos Ocupar um espaço físico diferente não significa que as representações sobre esse sujeito modifiquem o espaço simbólico para ele destinado pois continua ocupando a identidade aluno especial só que com o complemento necessita de atendimento educacional especializado 3 Esse termo está grafado em letras maiúsculas para chamar a atenção de que o funcionamento de Classes Especiais é contraditório ao que está determinado pelo Conselho Nacional de Educação 4 No Paraná onde está situado o município onde este trabalho foi realizado dois documentos da Secretaria Estadual de Educação SEED que normatizam a Classe Especial merecem atenção O primeiro é a instrução 0304 que estabelece critérios para o funcionamento da Classe Especial para alunos de 1ª a 4ª séries4 O perfil do aluno não difere muito daquele apresentado nas DNEEEB Alunos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem e quadros graves de deficiência mental ou múltipla que demandem ajuda e apoio intensos e contínuos SEED 2004 sp Para determinar a graduação das dificuldades e deficiências que caberia na Classe Especial é recomendada a avaliação psicoeducacional preferencialmente no contexto escolar delegando aos pedagogos e psicólogos o encaminhamento dos alunos Os alunos egressos de Escola Especial também deverão ser matriculados nessa modalidade bastando para isso o encaminhamento e o relatório pedagógico sobre eles Os saberes científicos são utilizados para examinar classificar intervir e colocar cada um no seu devido lugar Continuam cabendo na Classe Especial muitas categorizações daquilo que foge à norma A segunda instrução que regulamenta o funcionamento da Classe Especial é a nº 1408 que estabelece o funcionamento das Classes Especiais para alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento nas séries iniciais A definição do que é a Classe Especial é a mesma das DNEEEB e da Instrução 0304 Porém ela traz outra categorização do quem é o seu alunado Alunos regularmente matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental com Transtornos Globais do Desenvolvimento que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas na comunicação um repertório restrito de interesses a atividades estereotipado e repetitivo Incluemse neste grupo alunos com Autismo Síndromes do Espectro do Autismo e Psicose Infantil que apresentam dificuldades de adaptação escolar e de aprendizagem associadas ou não a limitações no processo do desenvolvimento biopsicossocial com dificuldades de acompanhar as atividades curriculares em classe comum que requeiram apoio e atendimento especializado intensos e contínuos SEED 2008 sp As dificuldades de aprendizagem acentuadas precisam estar presentes em transtornos necessitando do poder medical para diagnosticálas e encaminhar os alunos que as portampossuem para os lugares a que têm direito na escola Para que a aluno que não aprende possa ser encaminhado à Classe Especial ele precisa ser transformado oficialmente em doente diagnosticado e laudado5 Chama a atenção que a pedagogia toma para si o poder de definir quem está nesse lugar a partir da avaliação psicoeducacional que segundo o documento deve ser realizada no contexto escolar pelo professor da classe comum com apoio do professor especializado e ou equipe pedagógica da escola e complementada se 4 Utilizouse aqui a mesma nomenclatura usada no documento pois em 2004 o Ensino Fundamental não estava composto de anos 5Expressão utilizado por professores em pesquisa realizada por Peixoto 2013 para alunos com laudos médicos e medicalizados na rede estadual de ensino 5 necessário por outros profissionais neurologista psiquiatra e equipe do Núcleo Regional de Educação SEED 2008 sp Para obter a autorização de funcionamento junto ao Núcleo Regional de Ensino que analisa os processos de abertura de Classe Especial é necessário apresentar laudo psiquiátrico ou neurológico onde conste a patologia Ou seja o atestado é um prérequisito para abrir a Classe Especial na escola mas não para encaminhar os alunos É preciso um aluno laudado para abrir esse espaço e abrir caminho para os demais encaminhamentos Na lista de instruções disponíveis no site da Secretaria Estadual de Educação não foi encontrada nenhuma normativa específica que tratasse da extinção das Classes Especiais Em 2011 aparece a instrução nº 16 que estabelece critérios para o Atendimento Educacional Especializado AEE em Sala de Recursos Multifuncional SRM tipo I Esse novo espaço constituído por alunos laudados tem como objetivo Apoiar o sistema de ensino com vistas a complementar a escolarização de alunos com deficiência intelectual deficiência física neuromotora transtornos globais do desenvolvimento e transtornos funcionais específicos matriculados na Rede Pública SEED 2011 sp Na esteira das outras normatizações o objetivo dessa instrução também é normalizar os alunos Não mais num espaço exclusivo Classe Especial mas agora no espaço das turmas regulares e nas Salas de Recursos Multifuncionais SRM A nota técnica nº 0414 da Diretoria de Políticas de Educação Especial do MEC dá orientações quanto aos documentos comprobatórios no Censo Escolar e esclarece que não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico diagnóstico clínico por parte do aluno com deficiência transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidadessuperdotação uma vez que o AEE caracterizase por ser um atendimento pedagógico e não clínico BRASIL 2014 sp O documento afirma que exigir os laudos seriar cercear o direito à acessibilidade a que o aluno tenha direito pois é pelo censo escolar que os materiais necessários são enviados criando assim barreiras que prejudicariam os alunos Assim os laudos que seriam condições para o registro de alunos não devem ser exigidos Ter um espaço físico disponibilizado não significa garantir um espaço de aprendizagem Mesmo que os alunos deixem de ser da Classe Especial passarão a ser os de SRM ou os do AEE Ou seja continuam carregando em si a identidade deficientetranstornado continuam tendo espaços demarcados nas salas de aula com seus auxiliares Continuam não aprendendo na escola 6 Quem vai para a Classe Especial é anormal idiota deficiente transtornado ou aluno No curso Os Anormais Foucault discute a genealogia da anomalia apresentando três figuras por onde ela se desloca e vai se delineando nos séculos XVIII e XIX o monstro humano o indivíduo a ser corrigido e o onanista Foucault 2001 Esse trabalho tem interesse especial pela figura do indivíduo a ser corrigido e as tecnologias biopolíticas que são utilizadas para essa correção Quando as estruturas asilares se estabeleceram no começo do século XIX foram pensadas com dois propósitos proteger a sociedade dos loucos e estabelecer uma terapêutica adequadas para eles Esquirol enumerava cinco motivos para manter os loucos no asilo garantir a segurança deles e de suas famílias protegêlos de influências externas vencer as resistências pessoais submetêlos a um regime médico imporlhes novos hábitos intelectuais e morais Foucault 2008 A figura do incorrigível também é estudada por Pessotti mas a partir de outras nomeações os idiotas e imbecis No final do século XIX o idiota era visto como uma expressão da degenerescência da raça humana tendo como características básicas a parada no desenvolvimento das funções orgânicas e psíquicas sendo mais evidente o bloqueio da evolução das funções intelectuais mantidas num nível baixíssimo e único PESSOTTI 1984 p 163 Se o sujeito herdava a idiotia a imbecilidade era adquirida A imbecilidade é um grau intermediário entre a idiotia e a debilidade mental de agenesia psíquica que pode ser devido a acidentes prénatais e pósnatais portanto acidental e constitucional PESSOTTI 1984 p 166 Os imbecis deveriam ser vigiados constantemente eram um perigo à sociedade pois tinham uma tendência para a criminalidade para a perversidade para a preguiça para a promiscuidade e para a prostituição Para eles o tratamento era reclusão em asilos casas de detenção e prisões Já os idiotas eram educáveis graças a um conjunto de recursos higiênicos e pedagógicos que não podem ser aplicados senão em estabelecimentos especiais PESSOTTI 1984 p 164 Esses estabelecimentos eram chamados de asilo escola No início do século XX a Psicologia Científica expandia sua atuação na Europa num crescente interesse pela deficiência mental leve interesse esse compartilhado pelos médicos na busca de tratamentos que melhorassem as capacidades mentais afetadas na construção daquilo que se denominou educação especial Para a pedagogia a medicina e a psicologia novos dilemas se apresentavam A primeira se preocupava em como tratar esses sujeitos que não poderiam ser confinados A segunda se ocupava de formas de estender o ensino a esses 7 alunos A terceira pesquisava estratégias e técnicas para medir as capacidades dos débeis mentais em comparação aos sujeitos normais Pessotti 1984 A Psicologia e a Medicina se prestam a determinar quem será o deficiente ou o transtornado Não se utilizam mais apenas a descrição das características físicas medições heredogramas mas de técnicas muito mais refinadas onde o menor sinal de anormalidade pode ser detectado Os testes observações exames entrevistas escalas check lists relatórios observações exames neurológicos avaliações nos mostram a norma em ação classificando e reclassificando os alunos a partir de aptidões níveis cognitivos idades Separando o normal do anormal também marcase a distinção entre normalidade e anormalidade O conceito de nível cognitivo foi inventado ele próprio como um operador a serviço desse movimento de marcar aquela distinção VEIGANETO 2001 p 25 Dessa forma cabe muito mais gente na categoria anormal Foucault ao analisar as práticas judiciárias como constituintes de subjetividades nomeia instituições como escolas hospitais e prisões instituições de sequestro que têm a propriedade muito curiosa de implicarem o controle a responsabilidade sobre a totalidade ou quase a totalidade do tempo dos indivíduos são portanto instituições que de certa forma se encarregam de toda a dimensão temporal da vida dos indivíduos FOUCAULT 2003 p 116 Para o autor As pessoas que dirigem essas instituições se delegam o direito de dar ordens de estabelecer regulamentos de tomar medidas de expulsar indivíduos de aceitar outros etc FOUCAULT 2003 p 120 E no caso da Classe Especial o sequestro é duplo inicialmente capturam as crianças e as transformam em alunos para posteriormente sequestrarem os alunos e os transformam em doentes ou deficientes Convivendo com os alunos da Classe Especial e dando existência a outras identidades desses sujeitos A escolha da Classe Especial como lugar do estágio de Psicologia Escolar não se deu aleatoriamente Deuse pela afetação de saber que os alunos estão neste espaço À medida que iam convivendo com os alunos dessa sala conversando participando de seu cotidiano os estagiários entendiam cada vez menos porque esses alunos permaneciam nessa sala Quando foram questionar a pedagoga da escola ela disse que muitos haviam sido herdados da Classe Especial de outra escola e nessa permaneceram Outros foram avaliados e encaminhados A maioria das avaliações e encaminhamentos foram feitos por psicólogos determinadas quase que exclusivamente por testagem e anamneses numa prática de exame e 8 classificação desses sujeitos Práticas essas muito criticadas pela Psicologia Escolar mas que assim como as Classes Especiais persistem a prática psicológica continua a mesma de quando crianças e jovens com deficiência eram encaminhados para as escolas especiais consistindo na realização de anamnese com os responsáveis e a avaliação do nível intelectual e emocional A partir dessas avaliações laudos psicológicos são elaborados dizendo apenas aquilo que as crianças e jovens não possuem em função de suas deficiências não constando informações que possam auxiliar os professores em sua prática pedagógica Dessa forma ajudam o preconceito a se perpetuar nas relações estabelecidas entre professores estudantes equipe técnica endossando práticas de exclusão CRP 2013 p 59 Vários fragmentos provenientes do discurso dos profissionais da escola dos documentos escolares e da disposição geográfica desses sujeitos na escola nos levam a pensar no lugar que eles ocupam Podemos começar por uma declaração emblemática da pedagoga que afirma que se não houvesse a Classe Especial a escola seria uma escola modelo Várias problematizações podem ser tecidas a partir dessa declaração Qual é o ideal de escola presente nessa profissional que faz com que os alunos da Classe Especial sejam responsabilizados pela meta de eficiência não atingida Modelo de quê Esse lugar destinado a esses alunos faz com que eles não sejam bem vindos mas tolerados A tolerância com a diferença pode ser tão cruel quando a intolerância pois os inclui excluindo dentro da própria escola O segundo fragmento vem de uma professora da escola de classe regular Quando os estagiários se apresentaram na escola contando quem eram e o que fariam essa professora disse a eles Então vocês vão cuidar de nossos problemas Problemas esses que persistem nessa escola por um longo tempo desde sua inauguração em 2010 Problemas insolúveis que a convivência naturalizou nas práticas escolares Que subjetividades são produzidas nesses alunos quando lhes é dado este lugar O que faz com que estas oito crianças e adolescentes não sejam enxergados como alunos mas como problemas Como se resiste a isso diaadia permanecendo nesse espaço de confinamento que os impede de estar com outros alunos outras professoras fazendo outras coisas que não aquelas que ano a ano passam fazendo coordenação motora hábitos de higiene jogos pedagógicos dramatizações atividades diferenciadas independente de possuírem de 7 a 16 anos de idade É como se para esses alunos fosse mais importante a convivência com os colegas normais do que a própria aquisição do conhecimento mínimo necessário para a sua possibilidade de inserção social SKLIAR 2001 p 20 Os documentos oficiais falam em trabalhar componentes curriculares mas na prática o que se vê são adestramentos treinamentos disciplinamentos na tentativa de tornálos o mais parecido possível com alunos apagando as suas diferenças 9 Quando o aluno de Classe Especial se parece com um aluno de Classe Regular ele pode ser reclassificado retornando para o ano que estava antes de sair Em três anos 12 alunos foram reclassificados e retornaram ao ensino regular Assim como os asiloescola corrigiriam o idiota no século XIX a Classe Especial corrige parte dos incorrigíveis É eficiente Sabese que as características da deficiência intelectual e os transtornos globais dos desenvolvimentos acompanham o sujeito pela sua vida Não curam São formas de existência que configuram identidades diferentes O retorno desses alunos para as salas regulares nos faz pensar pelo menos em dois aspectos O primeiro é que talvez eles nem se enquadrassem nessas categorias O segundo é que eles poderiam aprender em qualquer lugar e não precisariam estar segregados Como são alunos menores de 18 anos qualquer processo avaliativo deve ser informado aos seus responsáveis para que autorizem Os encaminhamentos também dever ser comunicados e matricular na Classe Especial deve ser uma opção e não uma obrigação Porém quando os estagiários construíram um espaço para que os responsáveis pudessem contar como significam o fato de seus filhos frequentarem essa sala nos surpreendeu o fato de eles mencionarem que não sabiam o que era a Classe Especial e que lhes foi informado que eles deveriam ir para lá porque tinham dificuldade para aprender Eram pais de um nível socioeconômico desfavorável e talvez por isso achouse que eles não compreenderiam Porém aqueles que compareceram aos encontros demonstraram preocupação com seus filhosfilhasnetosnetas Também possuíam uma crença muito grande de que realmente nessa sala eles aprenderiam mesmo com a promessa de ensino não sendo cumprida ano a ano para alguns Alguns suspeitavam dos diagnósticos dados pois em casa não percebiam nada de diferente neles Mas mesmo com essa suspeita não questionavam o saber pedagógico Narrativas sobre os alunos Como produzir discursos sobre esses alunos que escapem à identidade que lhes foi dada como aluno de Classe Especial e os coloquem em outro lugar Esse foi o nosso desafio durante a realização desse trabalho A convivência com os alunos nos fez suspeitar cada vez mais dos discursos produzidos sobre eles Começamos a trabalhar com registros de imagens Tiravam fotos de si dos outros dos lugares que gostavam Combinamos com eles que iríamos construir um documentário para que as outras pessoas soubessem quem eles eram o que gostavam de fazer o que pensavam Durante várias situações planejadas ou espontâneas formas de ser deles foram capturadas pelas imagens Havia aquele que agradecia abertamente à professora suas aprendizagens dizendo obrigado tudo que eu sei aprendi com ela Outros 10 que criticavam a mesmice do diaadia lá na Classe Especial tem pouca gente e sempre gente igual Também havia aqueles que se achavam responsáveis pela sua não aprendizagem pegando para si uma responsabilidade que é coletiva Se eu estudar ano que vem vou pra uma sala diferente também E havia uma professora adorada pelos alunos que também suspeitava da necessidade de muitos estarem ali mas se sentia impotente frente à pressão dos demais professores a maioria poderia também estar em Sala de Recursos mas assim é como está Todas essas experiências estabeleciam outras relações entre estagiários alunos e professora onde apareciam os sujeitos por detrás dos alunos especiais e construíram discursos que colocavam as crianças adolescentes em outro lugar daquele que é capaz de falar de si de um outro modo Esse material gerou biografias desses alunos e um documentário que afetou a todos principalmente os professores da escola que nunca haviam percebido que haviam outras identidades além da do aluno com deficiência Apresentarei fragmentos das histórias desses 8 alunos escritos a partir do relatório de estágio Nesse trabalho essa pequena biografia escolar é uma tática para afetar os pesquisadores da educação no sentido de se indignar com a existência de asilinhos escondidos nas últimas salas das escolas públicas de municípios paranaenses distantes Os nomes são fictícios mas as histórias são reais Neber Neber chegou à Classe Especial sem saber porque Foi colocado Muito carismático gosta de querer saber o porquê das coisas Não sabe escrever e não sabem perceber como ele pensa a escrita Suas escolhas de letras são um mistério para as professoras Sua mãe aposta muito na educação como uma forma de melhorar de vida Não foi consultada sobre a permissão do menino ser avaliado e nem sobre a possibilidade de ir para Classe Especial Um dia comunicaram a ela que ele mudaria de sala Suspeitando da normalidade do filho está buscando uma consulta médica que lhe diga se realmente seu filho tem alguma coisa na cabeça Nei Nei foi uma criança doente que tomava medicamentos até os dois anos de idade Essa condição já é motivo de suspeita que justificam a realização de exames psicológicos que 11 buscam causas orgânicas para o não aprender Deu azar de ir mal no teste WISC III6 na Escala Verbal que ratificou aquilo que todos sabiam Nei tem dificuldades de aprendizagem Não gosta muito de falar com os outros Fora da escola sua mãe chama isso de timidez Na escola chamam de deficiência Contou aos estagiários que brinca em casa com seus cachorros Está atento a tudo que acontece em sala de aula Fica muito feliz quando acaba a atividade e corre mostrar para os adultos num desejo muito grande de mostrar que sabe fazer contradizendo aquilo que falam dele Zezé Está na Classe Especial faz um ano e tem atualmente sete anos Isso significa que foi encaminhado com 6 anos provavelmente quando entrou na escola Menino do interior usa o transporte escolar e sonha em ser motorista de ônibus Segundo a avaliação realizada um ano antes tem dificuldade na motricidade fina e ampla não consegue diferenciar letras e números realiza movimentos corporais com dificuldade e desenha de forma estranha e estereotipada Contraditoriamente os seus caminhões desenhados no quadro da Classe Especial eram muito bonitos Como exigir de um aluno que veio do interior que saiba coisas que deveria aprender quando entrasse na escola Para Zezé todas as pessoas são bonitas principalmente sua professora Nando Morador do interior da cidade Nando foi à escola falando polonês que aprendeu em casa Os seus pareceres relatam uma dificuldade em compreender informações armazenar conteúdos e reconhecer as letras O teste WISC III é realizado na língua portuguesa O menino dito deficiente intelectual conseguiu explicar para os estagiários os procedimentos que usou para resolver uma continha e percebeu que havia feito de maneira inadequada corrigindoa Nando trabalha na lavoura e reclama de dores nas mãos Tanto sua mãe como o aluno relatam a facilidade que ele tem em construir carrinhos e inventar brinquedos com sucatas e pedaços de madeira em casa Gosta de desenhar carros caminhões e motocicletas Desenha muito bem e ganhou primeiro lugar num concurso municipal Eliéli 6 Teste recomendado para avaliação psicológica de alunos para encaminhamento para educação especial 12 Com 16 anos Eliéli sempre chora quando conta que sua mãe a abandonou Mora com a avó e encontra o pai esporadicamente porque ele mora em outra cidade mostrando muita alegria quando falava dessas visitas Veio encaminhada da APAE Quer ser professora para ensinar quem não aprende e fala com muito carinho das suas professoras Grande tamanho de adulto destoa do grupo de alunos crianças Tenta buscar incessantemente um lugar para suas necessidades de adolescente nessa sala Superprotege os colegas cuidando deles como cuidaria de seus alunos Mas por causa da idade Eliéli voltará para a APAE esse ano Eliéli é incorrigível Naomi Durante as filmagens do documentário Naomi queria mostrar que sabia ler E leu Leu o poema e as frases escritas no muro da escola Foi encaminhada para a Classe Especial com 7 anos De tempos em tempos ela vai morar na Casa Lar por conta da falta de cuidados dos pais e em seu parecer está escrito que passou por desnutrição Sempre que pode estoca comida na mala nos bolsos e constantemente está comendo A ligação entre desnutrição e deficiência intelectual é direta nem se suspeita que uma coisa não é condição da outra Sua mãe acha que ela está na Classe Especial porque ela não é muito boa da cabeça Na avaliação psicológica está escrito que ela tem dificuldade na área verbal e de execução dificuldade motora fina e está abaixo da média no estágio préoperatório A professora conta que Naomi não tem interesse em fazer as atividades que ela já sabe fazer e que ela conta muita mentira por isso os colegas não gostam dela Mas que verdades ela poderia contar Que mora na Casa Abrigo Que passou fome Que apanha de todos Não gosta da Classe Especial porque todos batem nela e acredita que nas outras salas isso não vai acontecer Gu Gu adora prosear7 de qualquer coisa que não seja a escola Diagnosticado com TDAH8 mesmo que esse não seja um critério presente nos documentos oficiais para frequentar a Classe Especial foi mandado para lá Mora no interior da cidade e adora alimentar os animais e brincar com seu vizinho No segundo ano de escolaridade foi mandado para a Classe Especial sem saber porque e para quê Sua mãe também não recebeu maiores explicações e acha que seu filho está lá porque não aprende Ela percebia que seu filho não sabia ler e escrever no 1º ano e tentava ensinálo a desenhar a pintar mas ele 7 Optouse por esse termo por ele ser muito recorrente no discurso do aluno 8 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade 13 insiste em fazer tudo feio e a rabiscar tudo Na avaliação psicológica está escrito que ele apresenta ansiedade e que seu desempenho intelectual está abaixo da média A mãe já o levava em uma Psicóloga antes mas o atendimento foi suspenso e ela não sabe o porquê Foi avaliado por médicos que não encontraram nada de alterado em seus exames mas mesmo assim receitaram Ritalina e Fluoxetina Segundo mãe o primeiro é para aprender e o segundo para acalmar As doses estão diminuindo e logo não precisará mais dos remédios Fica ansioso quando não consegue fazer a tarefa e adequar o nível de dificuldade aos seus saberes poderia ser melhor que medicálo Mas o que a mãe acha mesmo é que ele não aprende porque não enxerga direito Recentemente consultou um oftalmologista e continuará usando seus óculos de lentes grossas Serafim De todos os alunos da Classe Especial Serafim foi um dos que mais nos tocou Foi por causa dele que o decidimos fazer esse trabalho nessa escola Serafim é um menino de 11 anos que frequenta a Classe Especial desde que se lembra De acordo com os documentos da escola ele foi incluso na Classe Especial em outubro de 2011 quando estava na 2ª série sendo considerado um dos alunos mais antigos desta sala Serafim é um menino muito agitado e agressivo em situações que o frustram Mas também é um garoto extremamente inteligente criativo e astuto Seu comportamento instável é a justificativa da escola para a permanência de Serafim na Classe Especial visto que ele sabe fazer todas as atividades propostas Perguntada da possibilidade de saída de algum aluno da Classe Especial a pedagoga responde Serafim Com certeza o Serafim O menino sonha em ser cantor sertanejo e mostrou seu talento no documentário Com 11 anos já foi internado em clínicas psiquiátricas e abrigos Segundo a escola a mãe é grande causadora dos problemas de Serafim Nomeado como esquizofrênico desde os 6 anos de idade não há nenhum laudo que comprovasse isso em seus documentos Faz uso de Risperidona que segundo a escola sua mãe dá quando quer No documentário Serafim afirma que pode se controlar para não ficar nervoso e por isso não precisa tomar remédio Durante os 8 meses em que se realizou o estágio o aluno perdeu o controle uma única vez Quem lhe acalma nesses episódios é a sua professora Os documentos avaliativos falam de uma criança com dificuldades motoras que corria pela escola e brincava com os colegas Quando queria fazia todos os seus deveres gostando muito de ser elogiado O menino narrado como violento gostava de se aproximar dos 14 estagiários sentar no colo deles contar histórias beijar os rostos deles com a boca babada e dar abraços apertados Capturado pela doença mental ele resiste mostrando sua normalidade Buscando aliados para o exercício da indignação e da mobilização Machado 1994 já problematizava a Classe Especial nos anos 90 Assim como nela a vontade de saber sobre esses alunos nos mobilizou e permitiu apresentar outras formas de ser para o aluno de classe especial Todos os professores da escola os conheceram de uma outra forma por esse novo discurso produzido sobre eles e por eles No documentário eles contaram quem eram o que gostavam o que os incomodava Também denunciaram a arbitrariedade que foi sua transferência da sala regular para a Classe Especial No fechamento do trabalho reunimos esses professores para problematizar a Classe Especial Descobrimos que nem os próprios professores sabiam exatamente o que é esse lugar e quais são os critérios de encaminhamento As fronteiras entre quem deve ser encaminhado para a Sala de Recursos Multifuncional para o contraturno e quem deve ir para a Classe Especial são borradas dependendo do entendimento dos avaliadores e da disposição da escola em tolerar esses alunos em salas regulares Durante a apresentação do documentário o silêncio se fez presente substituído por vezes pelo choro dos profissionais Quando Eliéli contou que queria ser professora para ensinar quem não sabe lembraram que a estão encaminhando para a APAE Quando Naomi relata que quer sair da Classe Especial porque está cansada de apanhar lembraram que ela é constantemente abrigada por causa das agressões que sofre em seu meio familiar Quando Nando aparece como aluno dessa sala todos lembram que ele ganhou o 1º lugar no concurso de desenhos Esse texto tem a pretensão de figurar no universo acadêmico denunciando uma das muitas formas de exclusão num espaço supostamente inclusor Nosso trabalho permitiu a afetação dos professores dessa escola que se tornaram sensíveis às condições destes alunos provocando a reinserção de alguns deles no ensino regular Mas sabemos que entrarão outros em seus lugares É preciso que a escola duvide da eficácia da Classe Especial como espaço de aprendizagem Não somos nós que devemos dizer se ela deve continuar ou não São os profissionais da escola os pais os alunos Nossa função é construir espaços de reflexão e de construção de outras possibilidades que permitam outras identidades para esses alunos Produzir estranhamentos sobre as formas de fazer que provoquem reinvenções Esperamos mudanças nos textos oficiais resultados das pequenas revoltas como a que está subtendida no presente texto 15 REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Diário Oficial da União Poder Legislativo Brasília DF 05 jan 1988 Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação Básica Secretaria de Educação Especial MEC SEESP 2001 Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na educação Básica MECCNE Disponível em httpportalmecgovbrdmdocumentsrceb00409pdf Acessado em 21 março de 2015 Nota Técnica 042014 MECSECADI FOUCAULT Michel Os anormais São Paulo Martins Fontes 2001 Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 2009 Microfísica do Poder Organização e tradução de Roberto Machado 26ª edição Rio de Janeiro Graal 2008 A verdade e as formas jurídicas Rio de Janeiro Nau Editora 2003 MACHADO Adriana Marcondes Crianças de Classe Especial Efeitos do encontro entre saúde e educação Casa do Psicólogo São Paulo 1994 PARANÁ SEED Instrução 0304 Disponível em httpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesInstrucao032004CESIDIpdf Acessado em 21 de março de 2015 SEED Instrução 1408 Disponível em httpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesinstrucao142008suedpdf Acessado em 21 de março de 2015 16 SEED Instrução 1611 Disponível emhttpwwweducacaoprgovbrarquivosFileinstrucoesInstrucao162011pdf Acessado em 21 de março de 2015 PEIXOTO Carina Adolescentes encapsulados medicalização da educação 2013 54pTrabalho de conclusão de curso Universidade do Contestado Porto União 2013 SKLIAR Carlos Seis perguntas sobre a questão da inclusão ou de como acabar de uma vez com por todas com as velhas e novas fronteiras da educação Proposições Dossiê Educação Especial e Políticas Inclusivas Campinas SP v13 n23 julnov2001 VEIGANETO Alfredo Incluir para saber Saber para excluir Proposições Dossiê Educação Especial e Políticas Inclusivas Campinas SP v13 n23 julnov2001 PESSOTTI Isaias Deficiência mental da superstição à ciência São Paulo T A Queiroz Editora da Universidade de São Paulo 1984 Conselho Federal Psicologia Referências Técnicas para Atuação de Psicólogos na Educação Básica Brasília 2013