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A variação linguística Ronald Beline É justamente porque a língua é um tipo de comportamento estritamente social assim como tudo numa cultura e também porque ela revela em suas linhas gerais regularidades que só o cientista tem o hábito de formular que a Linguística é de estratégia importânica para a ciência social Por trás de uma aparente ausência de regras do fenômeno social existe uma regularidade na sua configuração que é tal real quanto ao processos físicos do mundo mecânico Uma língua é sobretudo um produto social e cultural e como tal deve ser entendida É peculiarmente importante que os linguistas que são frequentemente acusados e justamente acusados de falar em olhar mais além dos padrões de sua matéria de estudo tornemse mais conscientes do que a sua ciência pode significar para a interpretação da conduta humana em geral 1 As línguas variam Como assim pode perguntar o iniciante nos estudos linguísticos O que se quer dizer com as línguas variam Em sentido bastante amplo podemos de início pensar nas diferentes línguas que existem no mundo Falamos português no Brasil Praticamente em qualquer região da fronteira em que estejamos em nossos países sabemos que do outro lado falam outra língua o espanhol Sabemos também que dentro de nosso país ainda há indígenas que se comunicam quando estes em suas aldeias em suas línguas e não em português Para citar um exemplo temos uma aldeia no noroeste do Rio Grande do Sul na região de Ijui chamada caingangue mesmo nome dado à língua que falam seus habitantes estrangeira aj em todas as regiões dos Estados Unidos Essa é de fato a pronúncia considerada padrão e mais frequente naquele país Nos estados do sul entretanto sobretudo Mississippi e Alabama a pronúncia mais comum é um a elongatedo cujo símbolo fonético pode ser æ em que a semivogal do ditongo não é pronunciada Woods 2001 Nesse caso então as variantes seriam respectivamente aj e æ Essa hipótese por sua vez não parece tão óbvia quanto a anterior Ora podemos imaginar um falante de inequálido alto nível de escolaridade um professor universitário por exemplo que nunca ou quase nunca pronuncie o r do infinitivo Nesse caso nossa hipótese da proporcionalidade direta estaria equivocada Mais uma vez ainda não vamos nos aprofundar na questão mas devemos prestar atenção ao fato de que temos aqui um topo especial de variante possivelmente definida por mais de um fator de natureza extralinguística ou social a situação de fala e a escolaridade do falante Até aqui portanto vimos exemplos de variação linguística no léxico na fonética e na morfologia Haveria algum outro nível em que podemos constatar a presença de variantes ou seja diferentes elementos linguísticos veiculando um mesmo significado Até aqui de um modo ou de outro falamos de variação dentro dos limites da palavra Será que poderíamos estender esses limites e pensar em variação nos limites da frase de uma língua Continuando com exemplos do PB podemos pensar que há mais de uma forma para expressar a negação em nossa língua Vejamos as duas sentenças abaixo 1 Olha eu não vou sair agora 2 Olha eu não vou sair agora não Percebemos observando essas frases que em PB é indiferente colocar o advérbio de negação antes da forma verbal ou colocálo antes dele e repetílo no final da frase Podemos falar então em variação sintática Afirmar que é igual dizer 1 ou 2 significa afiançar que temos duas construções sintáticas diferentes que expressam o mesmo sentido em PB Terramos então na sintaxe de negação duas variantes Por outro lado se consideramos que o sentido da negação em 2 é de algum modo diferente do de 1 nossa primeira afirmação pode ficar um tanto comprometida podemos argumentar por exemplo que 2 é mais enfática e por isso teria seu uso restrito a alguns contextos não podendo ser usada exatamente nos mesmos contextos que 1 Ora se 1 e 2 não forem intercambiáveis por ter sentidos diferentes ainda que a diferença entre as duas formas seja sutil não teríamos um caso de variação sintática Em outras palavras não teríamos aqui um exemplo sintático paralelo ao exemplo morfológico que vimos anteriormente em que não parecia haver dúvida sobre o fato de que andar r final pronunciado e andá r final apagado significam exatamente a mesma coisa De fato a observação da variação na sintaxe não se dá de forma tão pacífica como no caso da morfologia e da fonética Se pensarmos bem tampouco é simples abordar a variação lexical jerimum pode fazer referência a um determinado tipo de abóbora e não necessariamente a qualquer tipo Nesse caso podese até discutir se os vocábulos são sinônimos perfeitos uns dos outros e portanto variantes de uma variável De todo modo muito embora já tenhamos começado a levantar questionamentos acerca da variação linguística parecemos estar cumprindo um primeiro passo de nossa tarefa verificar que as línguas variam É verdade que a maioria dos exemplos aqui apresentados vem do PB mas basta entrar em contato com outra língua para que o falante se dê conta de que a variação está presente nos diferentes níveis Ainda com relação à abordagem de variantes sintáticas também existem os casos em que o paralelo com a variação na fonética e na morfologia já sem grandes problemas Em português mesmo temos o caso dos pronomes relativos preferir o termo regras regras de combinação de fonemas sons regras de combinação de morfemas regras de combinação de palavras na frase regras de combinação de frases no texto Quando observamos que o espanhol e o português são línguas diferentes portanto podemos concluir que a primeira tem um conjunto de regras que nem todo a faz distinta da outra Nesse primeiro momento parece razoável considerar que a variedade se dá num nível mundial cada língua sendo um domínio sem variação Representando esquematicamente cada língua como um conjunto de quatro regras o português seria definido pelas regras A B C e D enquanto o espanhol seria definido pelas regras C D E e F Duas regras aparecem nas duas línguas simbolizando o fato de que há semelhanças gramaticais entre elas tais como a existência de morfemas flexionais para marcar número e pessoa verbais em concordância com o sujeito Aliás até mesmo sem interesse científico dizemos que as duas línguas são muito parecidas Entretanto o que importa aqui é notar que um conjunto de regras é diferente do outro como um todo Continuando na retomada de nossa exemplificação do item 1 contudo vamos fazer limpidamente julgar equivocados os esquemas aqui propostos para o português e o espanhol Como vimos uma mesma língua pode variar de acordo com a localização geográfica e com aspectos sociais Dando importância ao fato de que um mesmo indivíduo opera com regras variáveis parece natural optar por uma perspectiva a partir da qual vemos a língua como um sistema incessantemente variável Os linguistas que assim veem a língua são comumente chamados de socionlinguistas ou variacionistas O cientista mais conhecido dada a importância de seus estudos para o desenvolvimento da teoria variacionista é William Labov A opção científica de que a língua é um sistema incessantemente variável não exclui a possibilidade de ver a língua como um sistema homogêneo em que a variação ocupa um lugar não central Não vamos discutir nem mesmo apresentar aqui outras teorias além da variacionista mas não podemos deixar de mencionar que estudos diferentes são feitos a partir de concepções diversas a respeito da língua Feita a nossa opção temos de nos tornar conscientes das consequências que ela implica Se vamos entender que as línguas são incessantemente variáveis vamos ter de nos dar ao trabalho de responder às seguintes questões se cada indivíduo pode usar variantes no uso da língua por que não vivemos num caos linguístico se fizermos um trabalho descritivo das gravações de conversas de vinte falantes de português numa grande cidade do Brasil cada um com características sociais diversas vamos ter uma coleção de vinte tipos de português diferentes ou podemos dizer que temos um estudo do português de cidade onde habitam esses falantes O que define o português que reconhecemos como paulistano em relação ao que reconhecemos como cario ca ou como gaúcho como podemos definir uma comunidade linguística São essas as questões que vamos abordar nos itens seguintes 22 A comunidade de fala Admitimos que a variação linguística pode chegar até o nível do indivíduo Comecemos a estabelecer nossos limites e deparamos com um problema se cada pessoa pode fazer uso de variantes ora apresentando as regras A B C D ora apresentando as regras A B C D segundo nosso esquema de conjunto de regras por que não vivemos numa total anarquia linguística Esse é o limite que temos de estabelecer Embora o indivíduo possa utilizar variantes é no contato linguístico com outros falantes de sua comunidade que ele vai encontrar os limites para a sua variação individual Como o indivíduo vive inserido numa comunidade deverá haver semelhanças entre a língua que ele fala e a que os outros membros da comunidade falam Interessa para nós portanto identificar agrupamentos de falantes que têm características linguísticas comuns Em outras palavras interessa saber como se constitui uma comunidade de fala Vamos aqui usar a definição proposta por Guy 2001 para quem a comunidade de fala é formada por falantes que comunicamse relativamente mais entre si do que com outros compartilham normas e atitudes diante do uso da linguagem O primeiro dos quesitos evidencia a existência de fronteiras externas para as comunidades as variantes linguísticas que aparecem em uma só distintas seja na qualidade seja na quantidade das que aparecem em outras Os limites da fala cario Por outro lado mesmo o falante que é membro de uma comunidade caracterizada pelo alto nível escolar e econômico pode deixar de realizar a chamada concordância nominal em alguns casos Afinal de contas o indivíduo pode fazer uso de variantes dentro de sua comunidade Será que os falantes de tal comunidade que vez por outra deixam de marcar o plural no núcleo do sintagma nominal deveriam ser considerados membros de um subgroupo dentro dessa comunidade Seria conveniente fazer um novo argumento de indivíduos dentro de uma comunidade criando subcomunidades Tabela 1 Taxaslimites de apagamento do r pósvocálico no PB Tabela 2 Expressão do sujeito tú em espanhol falantes que compartilham os mesmos números pesos relativos quando aplicam uma regra de acordo com os contextos linguísticos ainda que possam apresentar números diferentes dentro do quadro geral e falantes que apresentam pesos diferentes com relação aos contextos linguísticos mas que têm um mesmo comportamento dentro do quadro geral No primeiro caso consideramos que os falantes envolvidos apresentam identidade de estrutural revelando uma mesma gramática apesar de os números do quadro geral poderem ser diferentes Já no segundo consideramos que os falantes estão usando gramáticas diferentes pois os efeitos de contexto linguístico são diferentes apesar de os números do quadro geral serem uniformes O estudo de Cameron portanto é um exemplo deste último caso pois a gramática do uso do pronome ní é diferente em San Juan e em Madri Na primeira expressase o pronome na frase quando se faz referência a uma pessoa uso genérico e na segunda expressase o pronome quando se faz referência a uma pessoa específica Há muitos casos contudo em que comunidades diferentes apresentam uma mesma gramática ou seja os pesos relativos são os mesmos ou muito próximos entre si quando se correlaciona o uso de formas variantes a um fator linguístico Podemos citar o estudo desenvolvido por Zilles 2000 sobre a posição do sujeito em relação ao verbo no português falado em quatro cidades do Rio Grande do Sul Porto Alegre São Borja Flores da Cunha e Panambi Nesse exemplo vamos considerar cada cidade uma comunidade de fala diferente mas devemos ter claro que numa mesma cidade pode ocorrer de haver mais de uma comunidade de fala de acordo com a definição de Guy 2001 Não se pode confundir comunidade de fala com cidade Em PB sabemos que a ordem mais comum é a sujeitoverbo ou ordem sv como na frase Ele chegou cedo Por isso a preocupação da linguista neste trabalho foi a de verificar em que contextos linguísticos seria favorecida a ordem verbosujeito ou ordem vs como nas frases a seguir Zilles 2000 Entrava uma pessoa idosa Aí foi construída uma ponte Após ter procurado os dados em conversas que foram gravadas e transcritas o chamado conjunto de dados ou corpus a autora organizou a seguinte tabela Tabela 3 Frequência de ordem sv e vs Porto Alegre São Borja Flores da Cunha Panambi Número Número Número Número de casos de casos de casos de casos sv 4585 95 5469 93 4550 93 4601 95 vs 256 5 407 7 344 7 223 5 Total 4841 100 5876 100 4894 100 4824 100 A Tabela 3 mostra então o óbvio a ordem sv é muitíssimo mais frequente do que a ordem vs Isso se repete nas diferentes cidades consideradas no estudo e provavelmente reflete o que ocorre em todo o Brasil ainda que em outros lugares possa haver uma distância não tão grande de valores Temos assim o quadro geral da variação ou seja uma primeira distribuição dos dados em valores absolutos e em porcentagens nas diferentes cidades Numa pesquisa como essa quando se observam os dados nas transcrições das entrevistas que foram usadas como material de análise várias hipóteses são levantadas a respeito da relação entre o uso de uma forma e um fator linguístico Zilles analisou quantitativamente esses dados com base nas seguintes relações tipo de verbo transitivo intransitivo e de ligação animacidade do sujeito animado cachorro animado mesa forma de expressão do sintagma nominal SN SN pleno uma pessoa idosa pronome reto ela pronome indefinido tudo pronome demonstrativo este extensão do SN SN pesado mais de três palavras e SN não pesado até três palavras status informacional do sujeito o referente foi mencionado pela primeira vez no discurso ou foi mencionado anteriormente e continuidade da referência do sujeito mesmo sujeito da oração anterior e sujeito diferente da oração anterior Para cada um desses fatores linguísticos a hipótese era sempre de natureza quantitativa os casos de ordem sv seriam mais frequentes em alguns casos e mais raros em outros Vamos verificar os resultados a que Zilles chegou apenas no que se refere à primeira das hipóteses acima Tabela 4 A ordem vs em relação ao tipo de verbo Porto Alegre São Borja Flores da Cunha Panambi Número Peso Número Peso Número Peso Número Peso de casos de casos de casos de casos Intransitivo 137906 15 086 2291210 19 082 188995 19 083 1491168 13 085 Ligação 89978 9 057 1101212 9 048 89909 10 043 50437 5 052 Transitivo 302955 1 035 683454 2 038 672990 2 031 242719 1 032 A ordem vs aparece predominantemente com verbos intransitivos pesos relativos entre 082 e 086 Verbos transitivos desfavorecem tal ordem nas quatro cidades pesos relativos entre 032 e 038 Quanto aos verbos de ligação Porto Alegre apresenta um peso relativo consideravelmente diferente dos outras cidades o peso 057 mostra que nesta cidade verbos de ligação favorecem um pouco a colocação do sujeito após o verbo Em São Borja e Panambi o peso relativo para os verbos de ligação está próximo do ponto neutro 050 do mesmo modo que o efeito do verbo de ligação é fracamente correlacionado ao uso da ordem vs naquela cidades Finalmente com relação a Flores da Cunha verbos de ligação desfavorecem o uso da ordem sv peso relativo abaixo de 050 Comparando os resultados obtidos no estudo desenvolvido por Zilles com aqueles a que chegou Cameron vemos que aqui não temos diferença de estrutura linguística entre as comunidades No caso de Cameron os pesos relativos em San Juan e Madri eram opostos no que dizia respeito à especificidade e genericidade do uso do pronome ní No estudo de Zilles os pesos relativos são praticamente os mesmos nas diferentes cidades Ou seja ao passo que Madri e San Juan mostraram ter gramáticas diferentes no uso do pronome ní Porto Alegre São Borja Flores da Cunha e Panambi apresentam identidade de gramática no uso da ordem vs Madri e San Juan portanto são duas cidades que constituem comunidade de fala diferentes ao passo que as quatro diferentes cidades gaúchas constituem uma mesma comunidade de fala Podemos então agora tendo em mãos esses dados responder com mais propriedade a algumas perguntas que apareceram quando fazíamos nossas constatações empíricas sobre a variação linguística Para a teoria variacionista diferenças entre comunidades de fala deverão corresponder a diferenças gramaticais ou seja diferenças nos efeitos dos contextos linguísticos sobre o uso das variantes Como foi dito para saber se tais efeitos são diferentes ou não devemos sempre considerar não os valores percentuais de distribuição de dados mas o peso relativo com que eles se distribuem nas diferentes comunidades em questão Voltando à questão da variação individual a conclusão a que se chega é de que as diferenças entre os indivíduos de uma mesma comunidade de fala não poderão ser de natureza gramatical ou seja os pesos relativos dos efeitos dos contextos linguísticos no uso de variante pelos diferentes falantes de uma comunidade deverão ser os mesmos ou muito próximos As diferenças que percebemos entre indivíduos de uma mesma comunidade portanto são diferenças no nível geral de usar um fenômeno variável Finalmente podemos responder a uma pergunta que enunciamos no final do item 21 podemos estudar a lingua de uma comunidade inteira partindo da fala de alguns de seus membros pois os pesos relativos que vão definir os usos de formas variantes pelos falantes são os mesmos pesos relativos que definem a comunidade inteira ainda que possa haver diferenças nas quantidades de dados de cada falante dentro do quadro geral da variação O fato de que dependendo do caso de variação que se quer estudar em muitas horas de gravação são obtidos uns poucos dados e não se podem fazer estudos estatísticos quando se tem em mãos pouca quantidade de dados Existem contudo várias bases de dados estabelecidos no Brasil e no mundo Com o desenvolvimento da Sociolinguistica desde os primeiros estudos efetuados por William Labov no nordeste dos Estados Unidos os centros de estudos linguísticos vêm coletando e armazenando dados em diferentes regiões Só no Brasil há vários Um dos mais conhecidos é o banco de dados estabelecido pelo Projeto NURC Norma Urbana Culta que durante a década de 1970 coletou dados da fala de pessoas com formação universitária de diferentes faixas etárias em cinco capitais brasileiras São Paulo Rio de Janeiro Porto Alegre Salvador e Recife Algumas das transcrições dessas entrevistas sociolinguísticas foram publicadas em livros como é o caso de Preti Castilho 1986 e 1987 em São Paulo Um outro projeto ainda em curso e de grande importância é o VARSUL Variação Linguística nos Estados do Sul que vem coletando dados em diferentes cidades do Rio Grande do Sul Santa Catarina e Paraná constituindo um imenso conjunto de dados O pesquisador interessado em analisar o português falado em algum desses lugares pode ter acesso aos corpora já estabelecidos Quanto a análise quantitativa existem programas estatísticos especialmente elaborados para o tratamento de dados linguísticos O mais conhecido e utilizado é um pacote de programas chamado VARBRUL Pintzuk 1988 Sankoff 1988 que tem hoje diferentes versões para uso em sistema dos e Windows em computadores do tipo pc e Macintosh Saber usar tal pacote estatístico é essencial num estudo variacionista quantitativo pois ele fornece os pesos relativos com que cada fator linguístico e extralinguístico está correlacionado ao uso de uma variante Para usar esse pacote de programas o pesquisador tem de primeiro isolar os dados em que está interessado separandoos das entrevistas que gravou e transcreveu ou obtive em algum banco de dados Após fazer uma análise qualitativa dos dados observando como as variantes são usadas nos diferentes contextos linguísticos que compõem as entrevistas o pesquisador levanta suas hipóteses a respeito da correlação do uso das variantes que está estudando com fatores de natureza social e linguística Devese então proceder a uma codificação dos dados antes de submetêlos ao tratamento estatístico Coleta e isolamento dos dados levantamento de hipóteses explicativas para a variação estabelecimento dos grupos de fatores sociais e linguísticos possivelmente relacionados ao uso das variantes codificação dos dados e uso do VARBRUL são itens de todo um curso de Sociolinguistica Variacionista Não seria possível pelo grande número de detalhes envolvidos nessa metodologia desenvolvêla num capítulo de um livro introdutório como este Se alguém estiver interessado nas questões relativas ao estudo da variação mais de um estudo introdutório pode ser citado como leitura paralela Um bastante conhecido é Introdução à Sociolingüística Variacionista elaborado pelo grupo de sociolinguistas da cidade do Rio de Janeiro e editado pela Universidade Federal daquela cidade Um outro volume bastante didático na abordagem dos problemas envolvidos na análise sociolinguística é A pesquisa sociolinguística de autoria do Fernando Tarallo publicado pela editora Ática Uma última questão que merece ser abordada aqui é a dos fatores sociais envolvidos na variação Também não poderemos desenvolver amplamente o modo como os usos linguísticos estão correlacionados a características sociais como o sexo do falante sua idade seu nível econômico e sua escolaridade As obras citadas desenvolvem mais longamente a questão Entretanto como o foco de nossa preocupação aqui foi o de demonstrar que diferenças entre comunidades são de natureza quantitativa é necessário que tenhamos ao menos alguma ideia de como os fatores sociais portanto extralinguísticos operam na variação VazzaçaDias 2000 em seu estudo sobre a marcação do plural em predicativos e em participios passivos na fala do sul do Brasil demonstrou como o nível de escolaridade é decisivo na escolha de variantes como as seguintes Eles são rebelde mesmo Os vizinho da gente é melhor que os parente Os preso foram mandado pra Ponta Grossa De acordo com o estudo por ela desenvolvido os pesos relativos para os diferentes níveis de escolaridade são os da tabela abaixo Tabela 5 Influência da variável escolaridade na escolha da variante presença de marca de plural nos predicativosparticipios passivos Escolaridade Número de casos Peso Relativo Primário 45217 21 027 Ginásio 90253 36 043 Colegial 192298 64 072 Conforme o que era esperado antes mesmo da análise qualitativa os resultados mostraram que há uma relação direta entre o aumento dos anos de escolarização e o favorecimento do emprego da marca de plural nos predicativosparticipios passivos Na verdade a correlação aqui demonstrada é um tanto fácil de vislumbrar uma vez que estamos tratando de um caso de variação em que uma das variantes a não marcação do plural é estigmatizada Portanto esperase que com um maior nível de escolaridade menor seja seu número de ocorrências Entretanto não é fácil prever o peso que a escolaridade tem no uso de uma forma como a gente utilizada em lugar de nós uma vez que nenhuma das formas é estigmatizada no uso diário Desse modo qual seria a relação entre nível escolar e escolha de uma das variantes Por outro lado podemos imaginar que nos textos escritos a frequência de uso de nós seja maior do que na fala Dai podemos perguntar qual a relação entre frequência de leitura por parte dos falantes de uma comunidade e frequência de uso dos pronomes nós e a gente Questões desse tipo são de grande interesse para o desenvolvimento da teoria sociolinguistica O estudo desse e de outros fatores de natureza social vem sendo amplamente discutido e revisto nos fenômenos de variação linguística E ainda há muito o que se pesquisar sobre as relações entre uso de variantes e fatores extralinguísticos tais como idade escolaridade e nível econômico do falante a fim de se entender melhor de que modo diferenças sociais contribuem para a formação de comunidades de fala diferentes Mais além constatar as variantes usadas por falantes de diferentes características sociais dentro de uma mesma comunidade é essencial para o entendimento de como uma língua se estabelece como tal permanece como tal ou muda através do tempo Mas essa já é uma outra história de que não trataremos aqui Conclusão Após a leitura deste texto o iniciante nos estudos linguísticos pode pensar que as grandes perguntas que nos fizemos a partir do momento em que começamos a constatar o fato da variação já estão respondidas De fato conseguimos dar conta de questões importantes sobretudo a possibilidade de estudar uma língua falada por uma comunidade a partir da análise da fala de alguns de seus membros Observando como se realiza a análise do uso das variantes poderseá pensar que o trabalho do sociolinguista seria um tanto bracal uma vez que ele teria a tarefa de estabelecer os limites de uma comunidade de fala estudando a proporção como que diferentes variantes linguísticas são usadas em diferentes comunidades e verificando que comunidades são linguisticamente mais próximas entre si e quais são mais distantes Não seria pouco trabalho Na verdade o Brasil não está muito adiantado na descrição dos seus dialetos e no traço de suas fronteiras Estudos dessa natureza reconhecida a perspectiva dialetológica da Sociolinguística constituem ainda um amplo campo de trabalho Por outro lado embora tenhamos respondido a algumas questões temos de reconhecer que a maioria delas era relacionada ao nosso próprio ponto de vista científico isto é em grande parte do texto estivemos às voltas com a delimitação do objeto de estudo para uma determinada teoria sobre língua Definimos limites e estabelecemos um método que concerne às relações entre uso de variantes e fatores sociais ainda existem muitas perguntas a serem respondidas E também perguntas cujas respostas precisam ser revistas de modo que a teoria lingüística seja cada vez mais refinada e o conhecimento da linguagem humana cada vez mais preciso Podemos voltar por exemplo a uma das dicotomias saussurianas Saussure opôs língua langue sistema abstrato homogêneo à fala parole execução momentânea e individual da língua O mesmo autor sugeriu que a Linguística deveria ocuparse sobretudo da língua uma vez que a fala não teria de acordo com ele qualquer caráter sistemático Saussure deixou claro em sua obra que língua e fala são universos distintos embora interrelacionados Levando isso em conta os estudos variationistas têm especial importância pois acabam sugerindo que língua e fala estão mais do que interrelacionadas uma vez que a relação entre elas parece ser de interdependência Em PB podemos usar as variantes beijo e beijo cheiro e cheiro queixo e queixo treino e treino mas não podemos fazer variações entre jeito e jeito peito e peito As variações individuais no momento da fala parecem então estar limitadas por regras sistemáticas que caracterizam o português Temos por outro lado a questão será que não podemos pensar em inovações que ocorrem na fala e que com o passar do tempo acabam sendo incorporadas ao sistema Mais uma vez não vamos nos aprofundar nessa questão mesmo porque se trata de uma questão a respeito da mudança linguística Entretanto a possibilidade de encaminhar uma resposta a tal pergunta está na continuidade dos estudos sobre variação bem como na realização de outros estudos feitos a partir de outras perspectivas No final das contas a rigor ainda temos muito a descobrir a respeito das línguas abordados na análise da variação linguística como sexo idade e escolaridade do falante bem como artigos sobre os diferentes tipos de condicionamentos linguísticos nos diferentes níveis linguísticos a fonética a morfologia a sintaxe e o discurso Esse singular manual também traz um artigo sobre como coletar dados linguísticos abordando os principais problemas envolvidos na constituição de um corpus e um artigo muito esclarecedor sobre o modelo matemático que caracteriza o pacote estatístico VARBRUL Tratase na verdade de um minicírio de Sociolinguística compilado na forma de livro o que faz dele uma leitura obrigatória