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Pedagogia ·
Psicologia Social
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Como citar este artigo Número completo Mais informações do artigo Site da revista em redalycorg Sistema de Informação Científica Redalyc Rede de Revistas Científicas da América Latina e do Caribe Espanha e Portugal Sem fins lucrativos acadêmica projeto desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Estudos e Pesquisas em Psicologia ISSN 18084281 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Psicologia Martins Anna Luiza Barbosa Zamora Maria Helena Rodrigues Navas Branquitude e Educação Um Estudo com Professoras de Escolas Públicas Estudos e Pesquisas em Psicologia vol 21 núm 2 2021 MaioAgosto pp 396415 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Psicologia DOI httpsdoiorg1012957epp202161048 Disponível em httpswwwredalycorgarticulooaid451870599002 ISSN 18084281 Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 Maio a Agosto de 2021 Estudos e Pesquisas em Psicologia 2021 Vol 02 doi1012957epp202161048 ISSN 18084281 online version PSICOLOGIA SOCIAL Branquitude e Educação Um Estudo com Professoras de Escolas Públicas Anna Luiza Barbosa Martins Universidade Federal Fluminense UFF Niterói RJ Brasil ORCID httpsorcidorg0000000185203015 Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRJ Rio de Janeiro RJ Brasil ORCID httpsorcidorg0000000329293268 RESUMO O artigo está baseado em uma pesquisa concluída em 2018 que estudou a identidade racial branca tal como é percebida por professoras atuantes em escolas do município do Rio de Janeiro selecionadas por amostra de conveniência O objetivo foi investigar como essas educadoras autodeclaradas brancas percebem sua própria branquitude em relação a seu público na escola em sua maioria alunos negros e o impacto dessa diferença racial em sua prática profissional O trabalho considera o racismo estrutural no Brasil e consiste em um diálogo entre referenciais teóricos dos Estudos Críticos da Branquitude da Psicologia Social Crítica e da Educação Libertadora usando como técnica entrevistas individuais devidamente analisadas pelo método da Análise de Conteúdo Percebeuse tanto a necessidade de que os educadores brancos se vejam como racializados quanto a relevância de um aprofundamento das discussões sobre relações raciais na escola Evidenciouse também a importância de ações coletivas e políticas públicas adequadas para lidar com as reverberações provocadas pela desigualdade racial no âmbito escolar Palavraschave branquitude educação raça escola pública psicologia social Whiteness and Education A Study with Teachers of Public Schools ABSTRACT The article is based on a survey completed in 2018 which had studied white racial identity as perceived by teachers working in schools in the city of Rio de Janeiro selected by convenience sample The objective was to investigate how these educators selfdeclared white perceive their own whiteness in relation to their audience at school mostly black students and the impact of this racial difference on their professional practice The work considers structural racism in Brazil and consists of a dialogue between theoretical references of Critical Studies on Whiteness Critical Social Psychology and Liberating Education using as technique individual interviews properly analyzed by the Content Analysis method It was perceived both the need for white educators to see themselves as racialized as well as the relevance of deepening discussions about race relations at school The importance of Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 397 collective actions and appropriate public policies to deal with the reverberations caused by racial inequality in the school environment was also evident Keywords whiteness education race public school social psychology Blanquitud y Educación Un Estudio con Docentes de Escuelas Públicas RESUMEN El artículo se basa en una investigación completada en 2018 que estudió la identidad racial blanca según la perciben los maestros que trabajan en las escuelas de la ciudad de Río de Janeiro seleccionados por muestra de conveniencia El objetivo era investigar cómo estos educadores autodeclarados blancos perciben su propia blanquitud en relación con su audiencia en la escuela en su mayoría estudiantes negros y el impacto de esta diferencia racial en su práctica profesional El trabajo considera el racismo estructural en Brasil y consiste en un diálogo entre referencias teóricas de Estudios Críticos sobre Blancura Psicología Social Crítica y Educación Liberadora utilizando como técnica entrevistas individuales debidamente analizadas por el método de Análisis de Contenido Se percibió tanto la necesidad de que los educadores blancos se vean a sí mismos como racializados como la relevancia de profundizar las discusiones sobre las relaciones raciales en la escuela También se evidenció la importancia de acciones colectivas y políticas públicas adecuadas para enfrentar las repercusiones que la desigualdad racial genera en el ámbito escolar Palabras clave blanquitud educación raza escuela pública psicología social Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado feita entre 2017 e 2018 cujo objetivo foi investigar como a identidade racial branca é percebida e vivenciada por professoras autodeclaradas brancas que atuam no Ensino Fundamental em escolas municipais do Rio de Janeiro A busca pelos sujeitos não impôs nenhuma restrição em termos de gênero no entanto apenas docentes mulheres se voluntariaram para as entrevistas Historicamente estigmatizada como a escola dos filhos dos pobres a escola pública tem maioria de alunos negros Veiga 2008 Sendo assim a relevância da pesquisa reside em explorar como docentes brancas se percebem diante de um públicoalvo de maioria não branca e quais as implicações decorrentes dessa relação Assumemse como referenciais teóricos os Estudos Críticos da Branquitude Cardoso 2011 2017 Carone Bento 2002 Schucman 2014 a Psicologia da Libertação e a Psicologia SócioHistórica Bock Gonçalves Furtado 2015 bem como a Educação Libertadora de Paulo Freire Freire 1999 2005 2015 Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 398 O artigo conjuga o saber com a demanda social latente de uma resposta às persistentes desigualdades raciais e ao sofrimento psíquico por elas causado A partir de um enfoque que compreende a escola como instituição social capaz tanto de reproduzir quanto de romper com discursos ideológicos em prol das classes dominantes Guzzo Ribeiro 2019 abordase a questão das relações raciais por um ângulo diferente da mais tradicional problematização ou seja do negro posto como objeto Bento 2002 Oliveira 2007 Piza 2002 Raça é uma categoria injustificável em termos biológicos mas permanece operante no meio social legitimando desigualdades materiais e simbólicas Carone Bento 2002 Schucman Mandelbaum Fachim 2017 Schucman 2014 Por racismo compreendese uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos a depender do grupo racial ao qual pertençam Almeida 2018 p 25 A realidade brasileira é fortemente marcada pelo racismo reproduzindo a ilógica das hierarquias raciais O negro continua sendo representado pelo estereótipo do bandido e constitui a maior parte da população carcerária brasileira Ainda é visto como perigoso e é o que mais morre assassinado em geral jovem Waiselfisz 2016 Já a mulher negra tem sido hipersexualizada é a mais violentada e também a mais matável das mulheres Waiselfisz 2015 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP 2017 No tocante às contribuições da Psicologia conforme apontam Santos Schucman e Martins 2012 durante todo o século XX o saber psicológico se viu diante da necessidade de pensar e produzir teorias sobre as relações raciais em âmbito nacional Nos anos 90 começaram a ganhar força no campo psi as discussões sobre os sujeitos brancos e suas implicações nas relações étnicoraciais O que se propõe é o reconhecimento do protagonismo do branco nos processos de enrijecimento de hierarquias raciais e de omissão diante dos seus privilégios Devido ao legado colonizador não é comum que o branco reflita sobre si enquanto grupo racializado Tratase então de falar do lugar do branco do status que ocupa na sociedade do processo que o torna modelo e referência universal de beleza inteligência moralidade e outras características positivas Carone Bento 2002 Esta é a base do conceito de branquitude Não há consenso sobre a definição de branquitude Diz respeito a um fenômeno diverso mutável e complexo Assim não é possível falar de algo tal como uma identidade racial branca que atravessa contextos históricos e sociais Contudo com base no que parece Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 399 comum nas produções dos variados estudiosos Cardoso 2017 Carone Bento 2002 Jesus 2014 2017 Oliveira 2007 Schucman 2014 assumese a concepção de branquitude como um lugar de privilégios tanto simbólicos quanto materiais que influencia diretamente o modo de o sujeito se reconhecer estar e agir no mundo Tratase da identidade racial branca que se reconstrói no tempo e nas sociedades conforme recebe influências mas que permanece sendo um lugar estrutural ocupado pelo branco que se situa acima dos demais alcançando o status de ideal e norma Posto isso o artigo propõe investigar como a branquitude de docentes é percebida por elas como atravessa suas práticas profissionais e quais as suas implicações na formação É na escola que o indivíduo amplia a socialização e especificamente na escola pública onde tem a oportunidade de conhecer a realidade de sujeitos diferentes entre si Também é na escola que a criança e o adolescente têm a oportunidade de se apropriar do conhecimento diminuindo os riscos de alienação futura quando a educação é libertadora Freire 2005 2015 Uma das questões exploradas pela pesquisa foi a possibilidade de docentes de perspectiva crítica questionarem a estrutura racista É nesse sentido que se utiliza o referencial freiriano para pensar a educação e o papel do professor Freire 2005 2015 Para o autor sua ação pode contribuir para a desconstrução de ideias naturalizadas inclusive o racismo Metodologia Foi desenvolvida uma pesquisa exploratória por meio de revisão bibliográfica e de estudo de campo constituído por escolas públicas municipais de diferentes Coordenadorias Regionais de Educação CREs nome adotado na Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro Das dez CREs em que a cidade está dividida quatro foram contempladas pela amostra estudada Foram realizadas entrevistas individuais de roteiro semiestruturado com dez professoras que se autodeclaram brancas e que lecionam na rede mencionada atendendo estudantes do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental As entrevistas tiveram duração média de 35 minutos foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas e analisadas O grupo de entrevistadas é formado por duas professoras de História duas de Artes uma professora de Português uma de Português e Inglês uma de Inglês uma professora de Matemática uma de Ciências Naturais e uma de Espanhol O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio sob o Parecer Nº 032018 Ademais as participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 400 TCLE ficando uma via com a pesquisadora e outra com a entrevistada O material produzido na pesquisa os TCLEs e as gravações transcritas das entrevistas será armazenado por cinco anos pelo Departamento de Psicologia da universidade PUCRio Os nomes das entrevistadas foram trocados por nomes fictícios para manter o sigilo A técnica escolhida para a análise dos dados foi a Análise de Conteúdo proposta por Bardin 2011 Com as entrevistas já transcritas os dados foram distribuídos em categorias temáticas obedecendo ao critério semântico para sua codificação Deste processo surgiram as seguintes categorias Autorreflexão Relação ProfessorAluno e Práticas Escolares O artigo tratará apenas das categorias Autorreflexão e Relação ProfessorAluno Após a categorização foi realizada uma descrição do material coletado seguido de inferências dos resultados Bardin 2011 Por fim os resultados obtidos foram interpretados com respaldo na fundamentação teórica adotada Resultados Grande parte das entrevistadas mostrou estranhamento desde o primeiro contato ao compreender que o objeto de estudo era a identidade racial branca Elas foram convidadas por contato telefônico ou email O objetivo da pesquisa foi então apresentado de forma sucinta O roteiro de entrevista continha perguntas sobre a percepção delas acerca de sua pertença racial e da dos alunos sobre a experiência pessoal e profissional enquanto alguém da raça branca sobre privilégios da brancura e sobre as formas como o tema das relações raciais é tratado no ambiente de atuação profissional A tendência percebida foi que mesmo diante de perguntas direcionadas para sua própria raça e para o lugar do branco educador as entrevistadas evitavam o assunto para mencionar situações de racismo na escola para falar da negritude dos alunos ou reafirmar a importância da herança africana na cultura brasileira Outro ponto a ser destacado foi a recorrente sugestão de que se entrevistassem os professores negros Foi necessário reafirmar que o interesse era fugir do tradicional negro tema e implicar o branco nas reflexões acerca das desigualdades raciais Apesar do estranhamento inicial a maior parte das educadoras compreendeu aos poucos a proposta No entanto pensar a respeito de si enquanto pessoas racializadas não pareceu fácil para elas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 401 Autorreflexão Três das dez entrevistadas reconheceramse brancas prontamente quando perguntadas sobre sua identidade racial Uma delas atrelou as vantagens experimentadas ao longo da vida diretamente à sua brancura eu me reconheço como branca e percebo que durante toda a minha vida eu tive privilégios Bianca Por outro lado falar de sua pertença racial foi um exercício difícil para as demais entrevistadas Um aspecto importante em relação a essa declaração de pertença é que embora se reconhecessem como brancas fenotipicamente algumas afirmaram que se identificavam com os alunos nãobrancos seja no sentido de um exercício de empatia seja no sentido de uma afirmação política Essas participantes chegaram a mencionar sentir constrangimento ao se perceberem brancas diante de situações de opressão vividas e relatadas por seus alunos ou diante de reflexões sobre as desigualdades sociais estruturais presentes em nossa sociedade Um fragmento pode mostrar essa vergonha ao perceber seus privilégios advindos da cor de sua pele diante de alguém que não poderia têlos Aí essa mãe chegou pra ele aluno e falou assim Olha você já é preto pobre Você tem que estudar pra ser alguma coisa na vida O menino abaixou a cabeça se sentindo tão humilhado E eu me senti tão humilhada quanto ele mas por eu ser branca entendeu Flávia O sentimento de Flávia de humilhação aponta para a percepção de que o estudante precisaria se esforçar muito mais caso desejasse ser alguma coisa na vida Ela própria sendo branca não enfrentou essa mesma pressão em sua vida e naquele momento foi inevitável encarar e reconhecer seu lugar privilegiado Três das dez participantes mostraram pouca reflexão em torno de sua pertença racial Afirmaram que não pensam a respeito ou que julgam a classificação racial como algo desnecessário Para uma delas a diferenciação racial é um dos fatores que fomentam a discriminação As outras duas afirmaram não compreender qualquer diferenciação já que no Brasil a mistura de raças se faria presente O argumento da miscigenação se articula com a exposição de Bento 2002 que ao denunciar a ideologia do branqueamento e a falácia da harmonia racial no Brasil aponta para a tendência do branco de esquivarse da discussão e isentarse das responsabilidades das práticas racistas históricas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 402 As três professoras que entenderam a classificação racial como algo sem sentido utilizaram o argumento da miscigenação para defender que não seriam realmente brancas apesar do fenótipo As outras sete também mencionaram indiretamente a mistura étnica como algo de que são fruto mas chama atenção o fato de que estas são capazes de localizar sua origem étnicageográfica A maioria delas consegue dizer algo de seus antepassados sua origem e qual cultura predomina em suas tradições familiares o que para afrodescendentes tornase praticamente impossível diante do apagamento de suas origens pela escravidão Outro tema presente no discurso da maior parte das participantes foi a menção ao que elas chamaram de choques de realidade Usaram essa expressão para se referir a momentos em que se deram conta de que sua brancura gerava privilégios e que as oportunidades que tiveram e a forma como foram tratadas na vida não eram comuns aos de outros fenótipos Houve Uma cena que me marcou essa menina ainda tá estudando comigo agora Aí ela sentou comigo e falou assim tia eu adoro a sua cor eu queria tanto ter a sua cor Ai que dó que me deu Eu falei assim Que isso sua cor é linda É linda eu quero ter uma filhinha igual a você eu brinquei com ela Mas ela Ah mas você é tão bonita PAUSA Que é isso Quem foi que introjetou na cabeça de uma criança que uma cor é melhor que outra Helena Ao se relacionarem com pessoas de outras raças foi possível para elas se aproximar de problemas desconhecidos e questões não consideradas anteriormente Tais experiências lhes deram a oportunidade de refletir sobre os significados de ser branco em seu exercício docente A gente tá ali pra qualquer coisa Então assim ser educador branco eu eu eu não pensei nisso por muito tempo Não pensei que isso fosse necessário Mas com a forma com que determinadas coisas vão tomando rumo a gente tem que pensar nisso o tempo todo Você tem que se reconhecer o tempo todo você tem que saber exatamente qual é o teu lugar qual é a tua posição até mesmo pra não ficar num passeando por uma área assim ou hipócrita né ou preconceituosa Daniele A entrevistada segue falando sobre o trabalho do professor como exige reflexão e autocrítica É possível que ao falar de hipocrisia Daniele queira dizer que é necessário que a prática seja condizente com o discurso antirracista Uma vez percebido seu lugar de Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 403 privilégios é preciso questionálo continuamente e não supor que seus alunos nãobrancos possam usufruir das mesmas vantagens As entrevistadas consideraram que a maioria de seus alunos são pretos ou pardos Atuar como professora branca diante de alunos nãobrancos implica questões importantes Por fim também foram mencionadas as responsabilidades e as potências inerentes a esse lugar de educador No que concerne a responsabilidades uma das entrevistadas apontou Eu acho que independente de qual raça e cor o professor seja ele tem que entender buscar pesquisar essa história africana independente também da matéria que ele leciona Não é só o professor de História e no máximo Geografia que tem que entender isso Porque a gente sabe quem é o público a maioria é negra e vinda de favela ou comunidade pobre Alice Quanto às possibilidades é comum no universo acadêmico especialmente entre os estudos e indivíduos críticos que a educação seja concebida como um campo de rompimento de lógicas e de estímulo de novas formas de compreender e se relacionar com o mundo No entanto para o profissional imerso no cotidiano escolar muitas vezes desgastante a percepção dessa potência pode ir se desvanecendo com o tempo Apesar disso cinco entrevistadas expressaram enfaticamente o quanto acreditam no potencial de transformação do professor da educação básica na rede pública Mas eu acho que a gente tem que pensar compreender entender as engrenagens do sistema e desconstruir Eu tento desenvolver nos meus alunos consciência social É isso que faz eu me sentir menos mal Eu tento né Podia estar ali só reproduzindo conteúdo Cecília Eu acho que o nosso lugar de educador é um lugar muito potente né é um lugar cheio de possibilidades um lugar que a gente não pode dizer que é desimportante né Apesar da gente ser levado a acreditar nisso Esse é um lugar de muita potência porque os nossos alunos escutam a gente Eles podem até fingir que não estão escutando mas escutando eles estão Bianca Considerando o lugar de educador como espaço de potência essas entrevistadas falaram de seus esforços para ocupálo de forma antirracista Não mencionaram discussões ou Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 404 práticas que trabalhassem a identidade branca e seus privilégios mas destacaram o esforço de abordar o conteúdo de forma que consideram crítica Falaram também de atividades como rodas de conversa sobre racismo desfiles de moda negra e trabalhos literários baseados em autores negros Relação ProfessorAluno As entrevistadas em sua maioria apontaram seus alunos como sujeitos portadores de conhecimentos preciosos que lhes ensinam constantemente O estudante é visto como alguém ativo sujeito de direitos e de desejos que pode ensinar o professor tanto quanto por ele é ensinado Apesar disso várias professoras falaram da possibilidade de o educador não ter essa perspectiva A maior parte falou do racismo no cotidiano escolar a partir do posicionamento do professor que naturaliza as desigualdades e também do quanto a relação desse tipo de professor com os estudantes pode ser geradora de sofrimento psíquico As professoras dizem que a instituição escola pública não é racista que o sistema de ensino público não discrimina alunos por serem brancos negros orientais ou indígenas Mas reconhecem que existem colegas racistas e que essas práticas embora não sejam institucionalizadas podem acontecer dependendo de cada professor No sistema em si não acho que tenha diferença Agora questão pessoal de profissionais de professores aí eu não sei entendeu Mas aí eu acho que isso é de cada um da pessoa do professor e não do sistema público de ensino entendeu Íris Também foi afirmado que frequentemente a relação professor brancoaluno negro é marcada pela distância tanto simbólica quanto corporal Foi possível observar que a linguagem do aluno ilustra esse distanciamento especialmente por meio dos pronomes de tratamento mesmo para se referir a professoras muito jovens os estudantes usam dona senhora etc É possível considerar que isso se dá não apenas por respeito Tais termos remetem à cultura escravocrata do país em que brancos têm ocupado historicamente o lugar de donos e senhores que devem ser tratados com deferência sobretudo pela população negra Referemse ao status do branco como superior o ideal e a norma são efeitos da branquitude em ação Cardoso 2017 Carone Bento 2002 Schucman 2014 Ademais existe a fantasia de que o professor ocupa um lugar de saber que é quase inalcançável Para além disso o ser branco aparece ainda carregado de muitas idealizações Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 405 para os alunos como estar diretamente atrelado a possuir recursos financeiros a gostar de produções culturais específicas sofisticadas elitistas e até mesmo ser considerado bonito Talvez por ser branca por ter olhos claros o cabelo liso as crianças principalmente o sexto ano eles vinham até a mim e eles queriam mexer no meu cabelo sabe Ficava assim Professora o seu olho é verde E eu acho engraçado que esse ano uma aluna falou pra mim assim Professora a senhora parece rica Eliana Esse achar engraçado pode ser compreendido tanto como surpresa curiosidade e estranhamento como também como uma postura de neutralidade ou de nãoimplicação diante do apontamento de um privilégio característico da branquitude Além disso as professoras também falaram sobre um aspecto fundamental da relação professoraluno a identificação Elas afirmaram que os lugares de poder na escola costumam ser ocupados por pessoas brancas os professores os diretores os representantes da Secretaria de Educação Em contrapartida as funções de merendeira auxiliar de serviços gerais porteiros são ocupadas por pessoas negras Não há nada de errado nestas profissões mas as entrevistadas afirmaram que os alunos apenas naturalizam esses lugares sendo as primeiras ocupações mais reconhecidas socialmente e melhor remuneradas do que as segundas De acordo com as professoras é como se o lugar do branco fosse naturalmente superior em salários e prestígio e o do negro naturalmente subalterno de modo que as crianças e adolescentes não aprendem a questionar E ao se identificarem apenas com as merendeiras porteiros e serventes os estudantes não conseguem acreditar que podem ser professores diretores técnicos As entrevistadas apontaram para a necessidade de que haja cada vez mais professores negros nos espaços escolares especialmente nos ambientes da educação básica Segundo elas esse convívio a existência desses sujeitos nesses espaços possibilitaria o sentimento de representatividade e consequentemente de identificação reconhecimento com o professor à primeira vista O aluno perceber que consegue chegar em algum lugar Por exemplo o professor negro pode servir de espelho para ele aluno olha onde é que está esse professor olha o conhecimento que esse professor tem estudou muito pra estar ali Já com o professor branco ele não vai ter esse espelho num primeiro momento De repente nem nunca não sei Alice Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 406 Discussão O primeiro ponto a ser considerado é a própria dificuldade do sujeito branco em se reconhecer racializado já que não pensar sobre si e não reconhecerse nesse lugar é a regra Bento 2002 Miranda 2017 Piza 2002 Um dos privilégios da brancura como foi dito é o de ser colocado em posição de norma de ideal de universal Neste sentido o que ocorre é a racialização do outro do nãobranco o que se pronuncia como consequência de processos históricos como políticas higienistas e eugenistas que influenciam diretamente a autopercepção racial dos sujeitos Serra Schucman 2012 A maior parte das entrevistadas teve dificuldade em falar do lugar de pessoa branca seja por posicionamento político por apelar ao argumento da miscigenação ou por julgar que a classificação racial não é algo que faça sentido nesses dois últimos casos desresponsabilizandose frente a lógicas racistas históricas Bento 2002 e desconsiderando o conceito de raça operante no nível social Schucman Mandelbaum Fachim 2017 Schucman 2014 O tema da identidade racial branca tem sido cada vez mais discutido nos últimos anos Cardoso 2011 podendo ser classificado como uma emergência no campo acadêmico No entanto na prática essa compreensão está muito distante do imaginário das pessoas inclusive dos brancos tenham eles uma perspectiva crítica ou não quanto às desigualdades raciais Assim o estranhamento era algo esperado de forma que a própria pesquisa no campo pode ser entendida como uma estratégia de intervenção no sentido de fomentar essa reflexão nas entrevistadas fazendoas olhar para si mesmas e para sua condição de educadoras e brancas De acordo com Carone e Bento 2002 o branco chega a reconhecer que existe desigualdade racial pode mesmo denunciar o racismo mas raramente se implica como parte do problema Segundo as autoras é como se houvesse um acordo subliminar entre os brancos de não se reconhecerem como integrantes desse todo que se reproduz ao longo da história tornando o racismo apenas um problema do negro eles reconhecem as desigualdades raciais só não associam essas desigualdades raciais à discriminação e isto é um dos primeiros sintomas da branquitude Há desigualdades raciais Há Há uma carência negra Há Isso tem alguma coisa a ver com o branco Não Bento 2002 p 27 grifos das autoras Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 407 No caso das entrevistadas apenas duas dentre as dez falaram ser possível que o branco encontre desvantagens simplesmente por sua cor de pele dando o exemplo das cotas raciais Sete das dez educadoras mostraram compreender a importância da questão Dentre estas não foi difícil perceber que já se começou a reconhecer o papel do branco no problema especialmente quando mencionam o branco como colonizador e opressor A maior dificuldade foi reconhecerse racializado fazendo parte de um grupo que usufrui de privilégios historicamente construídos Para Miranda 2017 é possível e comum que o sujeito branco passe por um período de inconsciência de sua situação de privilégios e de ausência de autocrítica o que ele denomina de invisibilidade por outro lado depois que o sujeito se dá conta de que possui vantagens é possível que ele assuma uma posição dissimulada de omissão diante dessa percepção chamada por Miranda de neutralidade Essa neutralidade é uma das interpretações possíveis para a fala de Eliana sobre achar engraçado os estudantes dizerem que ela parece rica por conta do cabelo liso e dos olhos claros Além disso os choques de realidade mencionados por Cecília e Helena parecem ilustrar exatamente o período de invisibilidade teorizado por Miranda 2017 quando o sujeito passa para a consciência podendo se enquadrar na neutralidade ou assumir uma postura antirracista Esse processo corresponde à metáfora do choque com a porta de vidro descrito por Piza 2002 quando o sujeito que passa a se reconhecer como racializado parece sofrer o impacto com uma porta de vidro nunca vista Os significados de ser branco no discurso de todas as entrevistadas aparecem diretamente atrelados a vantagens e privilégios Esse é o único ponto de consenso Nenhuma professora negou o fato de sujeitos brancos serem privilegiados nas mais diversas atividades de seu dia a dia e nos mais diferentes ambientes Algumas professoras também incluíram nesse espectro a figura do branco colonizador o que não é uma representação positiva mas opressora Apesar disso as falas em geral aproximaram o branco a características como acesso à educação e à saúde melhores condições financeiras liberdade de ir e vir e até mesmo ao simples fato de ser alguém A branquitude portanto ainda é apresentada como lugar de superioridade Carone Bento 2002 Conforme aponta Bianca Pro senso comum branco é alguém basta ser branco Segundo Jesus 2017 a brancura confere status para além dos corpos O acesso a educação oportunidades de emprego e realização pessoal é mais difícil para a população negra do que para a população branca E isso também deve ser visto como um problema do Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 408 branco Bento 2002 Quando Flávia diz ter se sentido humilhada diante de um aluno negro que precisa multiplicar esforços ela parece ter sido confrontada com esse fato E como compreender o lugar desse sujeito branco ocupando a posição de educador no ambiente escolar A escola pública na medida em que agrega diferenças pode ser compreendida como importante espaço de resistência Guzzo Ribeiro 2019 É o lugar onde os professores podem desconstruir ideias tidas como inquestionáveis para si e para os alunos A relação professoraluno pode representar o espaço de confiança para uma efetiva troca de saberes e construção de outras realidades no campo das relações raciais Conforme pontua Bianca Eu acho que a escola é um lugar perfeito pra se discutir isso né As crianças estão lá todos os dias quatro horas por dia vamos começar a mudar daí Nesse sentido a potência do professor ganha destaque pois é a partir da reflexão e da autocrítica que o rompimento com a educação bancária denunciada por Freire 2005 pode se dar Sobre isso quando Daniele fala sobre a necessidade de refletir constante e criticamente como educadora branca para não agir de forma hipócrita ela remonta ao conceito de branquitude crítica de Cardoso 2017 O branco crítico para o autor desaprova publicamente o racismo mas muitas vezes convive com o Outro por precisar e de forma geral não desaprova o privilégio branco O que Daniele parece dizer é que é necessário questionar se em relação a isso também Além de se dizer antirracista é necessário interpelarse sobre os efeitos que o racismo estrutural gera no branco sobre as próprias contradições e as consequências disso como educador Assim a prática deixa de ser alienada e alienante Poucas instituições têm importância tão fundamental na formação de um sujeito quanto a instituição escolar Sobretudo na infância essas instituições possuem autoridade e legitimidade tais que facilmente podem lançar bases profundamente arraigadas em termos de conceitos sobre si e sobre o outro Daí advém a responsabilidade que o ambiente escolar e seus agentes têm na formação das crianças e dos adolescentes Esse espaço e esses agentes são atravessados pela lógica que rege a instituição escolar gerando diferentes consequências na formação oferecida aos estudantes Guzzo Ribeiro 2019 É possível afirmar que a escola pública representa determinados interesses e projetos que não necessariamente estão de acordo com os interesses da classe pela qual é composta Segundo as entrevistadas a maior parte dos frequentadores da escola pública são advindos da classe trabalhadora composta por alunos pretos e pardos Portanto as desigualdades social e racial passam a figurar como duas faces de uma mesma moeda Crianças vindas de famílias pobres são frequentemente as que encontram menos êxito no mundo acadêmico São as menos consideradas nos planejamentos políticos das escolas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 409 menos compreendidas em suas especificidades por professores preocupados com o cumprimento de programas e o alcance de metas institucionais Por outro lado são as que mais dependem da escola para obter sua educação Connell 1995 Assim a escola brasileira funciona como instrumento de dominação sobretudo a escola pública que se dirige direta ou indiretamente à classe trabalhadora Conceição Zamora 2015 Penteado Guzzo 2010 A serviço do capital o espaço escolar acaba por reproduzir desigualdades sociais promovendo uma educação para a alienação que não apenas concorda como também defende a falácia do merecimento e da possibilidade sempre presente de superação de limites e dificuldades externas ao indivíduo Um dispositivo fundamental para a formação dos sujeitos como é o sistema educacional certamente é atravessado pelo racismo e pelo pacto inconsciente da branquitude Bento 2002 que paira não só na sociedade consumistacapitalista mas também na práxis de muitos educadores Além disso considerandose que os estudantes da educação básica estão em situação peculiar de desenvolvimento os efeitos de práticas discriminatórias podem ser mais significativos Se alienante e acrítica a escola pública exerce a função ideológica de reprodução do capitalismo Isso é por meio de um mascaramento da realidade dado por um corpus de representações úteis para a classe dominante a população é convencida por meio da educação de que se houver mérito e esforço pessoal é possível construir uma sociedade justa economicamente e ter sucesso Contudo os brancos acreditam nisso desfrutando de privilégios relativos à cor de sua pele Assim racismo e capitalismo se retroalimentam numa relação em que o branco sua suposta superioridade e os privilégios daí decorrentes permanecem intocados invisíveis ou na melhor das hipóteses nãoproblematizados Se por um lado a educação pode ser alienante também é possível compreendêla como prática emancipadora Penteado Guzzo 2010 e a maioria das entrevistadas parece acreditar nisso É possível pensar um modelo de educação que conscientize o homem de sua intervenção sobre os processos sociais que fale sobre a historicidade dos fenômenos e das possibilidades de mudança É possível uma prática educadora que não dissocie e hierarquize trabalho manual e intelectual assim como não o faça com as diferentes raças e que promova reflexão crítica e autocrítica A educação pode ser voltada para a construção da consciência e da autonomia do sujeito sobre seu lugar ativo nos processos que o engendram Freire 1999 Tendo afirmado portanto um panorama acerca da educação a pergunta que emerge é e o que a Psicologia tem a ver com tudo isso A fala de uma das entrevistadas responde bem a educação pública ela precisa de uma equipe integrada trabalhando com a gente Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 410 porque nós não somos especialistas assim nessas áreas de psicologia das emoções Então a escola falta à escola à rede como um todo esse apoio Íris Íris dá subsídios para uma discussão fundamental apesar do crescente interesse da Psicologia no campo das políticas públicas nas últimas décadas é indispensável que na prática cotidiana esses profissionais estejam presentes e acessíveis A Psicologia ao longo de sua história brasileira é um saber que tem se comprometido com as elites Bock 2009 A profissão se estabeleceu num molde clínicoindividual que ainda atende majoritariamente um perfil específico pessoas de classe média ou médiaalta com demandas geralmente individuais É claro que em se tratando de sofrimento psíquico tudo deve ser acolhido e cuidado pelo psicólogo com respeito O que se questiona é a tendência a se permanecer restrito a essas populações e a demandas individualizadas Existem demandas sociais e sofrimento psíquico advindos de estruturas societárias discriminatórias Conforme Bock 2009 a Psicologia tem criado ideologia ocultando a produção social do ser humano e de seu mundo psicológico Com explicações mecanicistas e psicologizantes temse ignorado elementos sóciohistóricos como o racismo estrutural que interferem diretamente no psiquismo dos indivíduos e em sua organização social Romper com isso exige uma reflexão crítica sobre a realidade e levandose em consideração a configuração da população a necessidade do estudo das relações de classe e raça De acordo com a PNAD 2017 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2017 a desigualdade de renda atinge a população de maneiras diferentes de acordo com sua composição por cor ou raça Os dados da PNAD apontam que entre as pessoas com os 10 menores rendimentos pretos e pardos compunham 785 contra 208 de brancos Já entre os 10 maiores rendimentos pretos e pardos eram somente 248 A pobreza no Brasil tem cor E a escola pública também Não é possível pensar em formação subjetiva da classe trabalhadora que não passe pelo equipamento escolar E a classe trabalhadora é em sua maioria negra o que torna a discussão sobre as relações raciais no âmbito escolar necessária e urgente Sendo assim é papel da Psicologia Social compreender como se dão esses processos de configuração da desigualdade bem como apontar para a existência de sofrimento psíquico advindo dessa condição sociopolítica Ser negro no Brasil é um processo de muito custo emocional geralmente ignorado pelos saberes tradicionais pela academia pelos consultórios psicológicos e pela educação Apesar de propostas ultraconservadoras crescentes no campo da educação existe grande força nos professores em sua atuação cotidiana A desconstrução de paradigmas o Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 411 questionamento de conceitos naturalizados e da visão reprodutora de práticas racistas são tarefas possíveis O rompimento com essa lógica passa pelo aprofundamento das discussões sobre raça pelo questionamento da persistência do negrotema nas práticas escolares e pelo confronto do privilégio branco Uma importante alternativa aos esforços apenas individuais nesse sentido é a atuação em rede em forma coletiva Assim aos poucos ganhase força para a construção de novas políticas Considerações Finais A pesquisa mostrou que na relação entre professoras e alunos a diferença racial marcada fenotipicamente reverbera não só na formação subjetiva dos estudantes mas também afeta as docentes pessoal e profissionalmente Percebeuse que todas as entrevistadas concordam que a brancura traz consigo privilégios embora algumas se mostrem mais críticas em relação a isso que outras A pesquisa mostrou ainda que o tema da identidade racial branca soou como novidade para as entrevistadas As reações diante desse estranhamento como também as reflexões advindas das provocações da pesquisa foram variadas Tais fatos corroboram a visão de que a identidade branca não é una nem estática nem universal daí a premente necessidade de mais investigações a respeito Também foi possível perceber que as entrevistadas demonstraram acreditar na escola pública como um espaço potente de transformação social A maioria exemplificou como busca fomentar a discussão antirracista por meio de atividades didáticas e paradidáticas Algumas limitações da pesquisa foram o curto tempo diante do desafio do campo e a burocracia enfrentada para o acesso às escolas Também o fato de o fenótipo da entrevistadora ser diferente do das entrevistadas é algo a ser considerado Se a pesquisadora também fosse branca possivelmente o pacto narcísico inconsciente da branquitude Bento 2002 poderia ser um fator determinante na facilidade para expressar umas ou outras opiniões Os presentes resultados ficam como reflexões para futuros trabalhos Esperase que a discussão sobre relações raciais no campo estratégico que é a escola pública não se limite ao dia da consciência negra à integração da história africana ao conteúdo geral ou ao reconhecimento da identidade negra Assim como o racismo é estruturante é importante que a discussão também penetre a estrutura escolarcurricular Nesse exercício o branco será também estimulado a questionar seus privilégios a tomar consciência de seu lugar de atuação e de como contribuir com a luta antirracista Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 412 Referências Almeida S 2018 O que é racismo estrutural Belo Horizonte Letramento Bardin L 2011 Análise de conteúdo São Paulo Edições 70 Bento M A S 2002 Branqueamento e Branquitude no Brasil In I Carone M A S Bento Orgs Psicologia social do racismo Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil pp 2557 Petrópolis Vozes Bock A Gonçalves M Furtado O Orgs 2015 Psicologia sóciohistórica Uma perspectiva crítica em psicologia São Paulo Cortez Bock A M B 2009 Psicologia e sua ideologia 40 anos de compromisso com as elites In A M B Bock Org Psicologia e o compromisso social 2a ed pp 1528 São Paulo Cortez Cardoso L 2011 O brancoobjeto O movimento negro situando a branquitude Instrumento Revista de Estudo e Pesquisa em Educação 131 8193 Recuperado de httpsinstrumentoufjfemnuvenscombrrevistainstrumentoarticleview1176 Cardoso L 2017 A branquitude acrítica revisitada e as críticas In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 3352 Curitiba Appris Carone I Bento M Orgs 2002 Psicologia social do racismo Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil Petrópolis Vozes Conceição V Zamora M 2015 Desigualdade social na escola Estudos de Psicologia Campinas 324 705714 doi 1015900103166X2015000400013 Connell R W 1995 Pobreza e Educação In P Gentili Org Pedagogia da exclusão Neoliberalismo e a crise da escola pública pp 1142 Petrópolis Vozes Freire P 1999 Educação como prática da liberdade 23a ed Rio de Janeiro Paz e Terra Freire P 2005 Pedagogia do oprimido São Paulo Paz e Terra Freire P 2015 Pedagogia da autonomia São Paulo Paz e Terra Guzzo R S L Ribeiro F M 2019 Psicologia na Escola Construção de um horizonte libertador para o desenvolvimento de crianças e jovens Estudos e Pesquisas em Psicologia 191 298312 doi 1012957epp201943021 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2017 Síntese de Indicadores Sociais Uma análise das condições de vida da população brasileira 2017 Rio de Janeiro IBGE Recuperado de httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv101459pdf Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 413 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP 2017 Atlas da Violência 2017 Rio de Janeiro Ipea FBSP Recuperado de httpwwwipeagovbrportalimages170609atlasdaviolencia2017pdf Jesus C M 2014 O privilégio da brancura na escola pública Uma etnografia no colégio estadual Edvaldo Brandão Correia em Cachoeira BA Dissertação de Mestrado Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Cachoeira BA Brasil Recuperado de httpswww1ufrbedubrpgcienciassociaisdissertacoesdemestradocategory18 2014 Jesus C M 2017 A persistência do privilégio da brancura Notas sobre os desafios na construção da luta antirracista In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 6989 Curitiba Appris Miranda J 2017 Branquitude invisível pessoas brancas e a não percepção dos privilégios verdade ou hipocrisia In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 5570 Curitiba Appris Oliveira L 2007 Expressões de vivência da dimensão racial de pessoas brancas Representações de branquitude entre indivíduos brancos Dissertação de Mestrado Universidade Federal da Bahia Salvador BA Brasil Recuperado de httpspospsiufbabrsitespospsiufbabrfilesluciooliveirapdf Penteado T C Z Guzzo R S L 2010 Educação e psicologia A construção de um projeto políticopedagógico emancipador Psicologia Sociedade 223 569577 doi 101590S010271822010000300017 Piza E 2002 Porta de vidro uma entrada para branquitude In I Carone M Bento Orgs Psicologia Social do racismo estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil pp 5990 Petrópolis Vozes Santos A Schucman L Martins H 2012 Breve histórico do pensamento psicológico brasileiro sobre relações étnicoraciais Psicologia Ciência e Profissão 32spe 166 175 doi 101590S141498932012000500012 Schucman L 2014 Sim nós somos racistas estudo psicossocial da branquitude paulistana Psicologia Sociedade 261 8394 doi 101590S010271822014000100010 Schucman L Mandelbaum B Fachim F 2017 Minha mãe pintou meu pai de branco Afetos e negação da raça em famílias interraciais Revista de Ciências Humanas 512 439455 doi 105007217845822017v51n2p439 Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 414 Serra L N Schucman L V 2012 Branquitude e progresso A Liga Paulista de Higiene Mental e os discursos paulistanos na contemporaneidade Estudos e Pesquisas em Psicologia 121 288311 doi 1012957epp20128321 Veiga C 2008 Escola pública para os negros e os pobres no Brasil Uma invenção imperial Revista Brasileira De Educação 1339 502516 doi 101590S1413 24782008000300007 Waiselfisz J J 2015 Mapa da Violência 2015 Homicídios de mulheres no Brasil Brasília FLACSO Recuperado de httpwwwonumulheresorgbrwp contentuploads201604MapaViolencia2015mulherespdf Waiselfisz J J 2016 Mapa da Violência 2016 Homicídios por arma de fogo no Brasil Brasília FLACSO Recuperado de httpflacsoorgbrfiles201608Mapa2016armasweb1pdf Endereço para correspondência Anna Luiza Barbosa Martins Universidade Federal Fluminense Coordenação de Pessoal TécnicoAdministrativo Divisão de Gestão de Lotação Rua Miguel de Frias 09 Reitoria Icaraí Niterói RJ Brasil CEP 24220900 Endereço eletrônico annaluizabmgmailcom Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Centro de Teologia e Ciências Humanas Departamento de Psicologia Rua Marquês de São Vicente 225 Edifício Cardeal Leme Gávea Rio de Janeiro RJ Brasil CEP 22451900 Endereço eletrônico zamoramhgmailcom Recebido em 08102019 Reformulado em 06112020 Aceito em 30112020 Notas Mestra em Psicologia Clínica pelo Departamento de Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Doutora 1999 em Psicologia Clínica pela PUCRio Docente da graduação e da pósgraduação em Psicologia da PUCRio Financiamento os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES pela concessão de apoio financeiro à Anna Luiza Barbosa Martins durante todo o percurso do mestrado do qual se originou este artigo Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 415 Este artigo de revista Estudos e Pesquisas em Psicologia é licenciado sob uma Licença Creative Commons AtribuiçãoNão Comercial 30 Não Adaptada
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Como citar este artigo Número completo Mais informações do artigo Site da revista em redalycorg Sistema de Informação Científica Redalyc Rede de Revistas Científicas da América Latina e do Caribe Espanha e Portugal Sem fins lucrativos acadêmica projeto desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Estudos e Pesquisas em Psicologia ISSN 18084281 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Psicologia Martins Anna Luiza Barbosa Zamora Maria Helena Rodrigues Navas Branquitude e Educação Um Estudo com Professoras de Escolas Públicas Estudos e Pesquisas em Psicologia vol 21 núm 2 2021 MaioAgosto pp 396415 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Psicologia DOI httpsdoiorg1012957epp202161048 Disponível em httpswwwredalycorgarticulooaid451870599002 ISSN 18084281 Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 Maio a Agosto de 2021 Estudos e Pesquisas em Psicologia 2021 Vol 02 doi1012957epp202161048 ISSN 18084281 online version PSICOLOGIA SOCIAL Branquitude e Educação Um Estudo com Professoras de Escolas Públicas Anna Luiza Barbosa Martins Universidade Federal Fluminense UFF Niterói RJ Brasil ORCID httpsorcidorg0000000185203015 Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRJ Rio de Janeiro RJ Brasil ORCID httpsorcidorg0000000329293268 RESUMO O artigo está baseado em uma pesquisa concluída em 2018 que estudou a identidade racial branca tal como é percebida por professoras atuantes em escolas do município do Rio de Janeiro selecionadas por amostra de conveniência O objetivo foi investigar como essas educadoras autodeclaradas brancas percebem sua própria branquitude em relação a seu público na escola em sua maioria alunos negros e o impacto dessa diferença racial em sua prática profissional O trabalho considera o racismo estrutural no Brasil e consiste em um diálogo entre referenciais teóricos dos Estudos Críticos da Branquitude da Psicologia Social Crítica e da Educação Libertadora usando como técnica entrevistas individuais devidamente analisadas pelo método da Análise de Conteúdo Percebeuse tanto a necessidade de que os educadores brancos se vejam como racializados quanto a relevância de um aprofundamento das discussões sobre relações raciais na escola Evidenciouse também a importância de ações coletivas e políticas públicas adequadas para lidar com as reverberações provocadas pela desigualdade racial no âmbito escolar Palavraschave branquitude educação raça escola pública psicologia social Whiteness and Education A Study with Teachers of Public Schools ABSTRACT The article is based on a survey completed in 2018 which had studied white racial identity as perceived by teachers working in schools in the city of Rio de Janeiro selected by convenience sample The objective was to investigate how these educators selfdeclared white perceive their own whiteness in relation to their audience at school mostly black students and the impact of this racial difference on their professional practice The work considers structural racism in Brazil and consists of a dialogue between theoretical references of Critical Studies on Whiteness Critical Social Psychology and Liberating Education using as technique individual interviews properly analyzed by the Content Analysis method It was perceived both the need for white educators to see themselves as racialized as well as the relevance of deepening discussions about race relations at school The importance of Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 397 collective actions and appropriate public policies to deal with the reverberations caused by racial inequality in the school environment was also evident Keywords whiteness education race public school social psychology Blanquitud y Educación Un Estudio con Docentes de Escuelas Públicas RESUMEN El artículo se basa en una investigación completada en 2018 que estudió la identidad racial blanca según la perciben los maestros que trabajan en las escuelas de la ciudad de Río de Janeiro seleccionados por muestra de conveniencia El objetivo era investigar cómo estos educadores autodeclarados blancos perciben su propia blanquitud en relación con su audiencia en la escuela en su mayoría estudiantes negros y el impacto de esta diferencia racial en su práctica profesional El trabajo considera el racismo estructural en Brasil y consiste en un diálogo entre referencias teóricas de Estudios Críticos sobre Blancura Psicología Social Crítica y Educación Liberadora utilizando como técnica entrevistas individuales debidamente analizadas por el método de Análisis de Contenido Se percibió tanto la necesidad de que los educadores blancos se vean a sí mismos como racializados como la relevancia de profundizar las discusiones sobre las relaciones raciales en la escuela También se evidenció la importancia de acciones colectivas y políticas públicas adecuadas para enfrentar las repercusiones que la desigualdad racial genera en el ámbito escolar Palabras clave blanquitud educación raza escuela pública psicología social Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado feita entre 2017 e 2018 cujo objetivo foi investigar como a identidade racial branca é percebida e vivenciada por professoras autodeclaradas brancas que atuam no Ensino Fundamental em escolas municipais do Rio de Janeiro A busca pelos sujeitos não impôs nenhuma restrição em termos de gênero no entanto apenas docentes mulheres se voluntariaram para as entrevistas Historicamente estigmatizada como a escola dos filhos dos pobres a escola pública tem maioria de alunos negros Veiga 2008 Sendo assim a relevância da pesquisa reside em explorar como docentes brancas se percebem diante de um públicoalvo de maioria não branca e quais as implicações decorrentes dessa relação Assumemse como referenciais teóricos os Estudos Críticos da Branquitude Cardoso 2011 2017 Carone Bento 2002 Schucman 2014 a Psicologia da Libertação e a Psicologia SócioHistórica Bock Gonçalves Furtado 2015 bem como a Educação Libertadora de Paulo Freire Freire 1999 2005 2015 Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 398 O artigo conjuga o saber com a demanda social latente de uma resposta às persistentes desigualdades raciais e ao sofrimento psíquico por elas causado A partir de um enfoque que compreende a escola como instituição social capaz tanto de reproduzir quanto de romper com discursos ideológicos em prol das classes dominantes Guzzo Ribeiro 2019 abordase a questão das relações raciais por um ângulo diferente da mais tradicional problematização ou seja do negro posto como objeto Bento 2002 Oliveira 2007 Piza 2002 Raça é uma categoria injustificável em termos biológicos mas permanece operante no meio social legitimando desigualdades materiais e simbólicas Carone Bento 2002 Schucman Mandelbaum Fachim 2017 Schucman 2014 Por racismo compreendese uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos a depender do grupo racial ao qual pertençam Almeida 2018 p 25 A realidade brasileira é fortemente marcada pelo racismo reproduzindo a ilógica das hierarquias raciais O negro continua sendo representado pelo estereótipo do bandido e constitui a maior parte da população carcerária brasileira Ainda é visto como perigoso e é o que mais morre assassinado em geral jovem Waiselfisz 2016 Já a mulher negra tem sido hipersexualizada é a mais violentada e também a mais matável das mulheres Waiselfisz 2015 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP 2017 No tocante às contribuições da Psicologia conforme apontam Santos Schucman e Martins 2012 durante todo o século XX o saber psicológico se viu diante da necessidade de pensar e produzir teorias sobre as relações raciais em âmbito nacional Nos anos 90 começaram a ganhar força no campo psi as discussões sobre os sujeitos brancos e suas implicações nas relações étnicoraciais O que se propõe é o reconhecimento do protagonismo do branco nos processos de enrijecimento de hierarquias raciais e de omissão diante dos seus privilégios Devido ao legado colonizador não é comum que o branco reflita sobre si enquanto grupo racializado Tratase então de falar do lugar do branco do status que ocupa na sociedade do processo que o torna modelo e referência universal de beleza inteligência moralidade e outras características positivas Carone Bento 2002 Esta é a base do conceito de branquitude Não há consenso sobre a definição de branquitude Diz respeito a um fenômeno diverso mutável e complexo Assim não é possível falar de algo tal como uma identidade racial branca que atravessa contextos históricos e sociais Contudo com base no que parece Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 399 comum nas produções dos variados estudiosos Cardoso 2017 Carone Bento 2002 Jesus 2014 2017 Oliveira 2007 Schucman 2014 assumese a concepção de branquitude como um lugar de privilégios tanto simbólicos quanto materiais que influencia diretamente o modo de o sujeito se reconhecer estar e agir no mundo Tratase da identidade racial branca que se reconstrói no tempo e nas sociedades conforme recebe influências mas que permanece sendo um lugar estrutural ocupado pelo branco que se situa acima dos demais alcançando o status de ideal e norma Posto isso o artigo propõe investigar como a branquitude de docentes é percebida por elas como atravessa suas práticas profissionais e quais as suas implicações na formação É na escola que o indivíduo amplia a socialização e especificamente na escola pública onde tem a oportunidade de conhecer a realidade de sujeitos diferentes entre si Também é na escola que a criança e o adolescente têm a oportunidade de se apropriar do conhecimento diminuindo os riscos de alienação futura quando a educação é libertadora Freire 2005 2015 Uma das questões exploradas pela pesquisa foi a possibilidade de docentes de perspectiva crítica questionarem a estrutura racista É nesse sentido que se utiliza o referencial freiriano para pensar a educação e o papel do professor Freire 2005 2015 Para o autor sua ação pode contribuir para a desconstrução de ideias naturalizadas inclusive o racismo Metodologia Foi desenvolvida uma pesquisa exploratória por meio de revisão bibliográfica e de estudo de campo constituído por escolas públicas municipais de diferentes Coordenadorias Regionais de Educação CREs nome adotado na Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro Das dez CREs em que a cidade está dividida quatro foram contempladas pela amostra estudada Foram realizadas entrevistas individuais de roteiro semiestruturado com dez professoras que se autodeclaram brancas e que lecionam na rede mencionada atendendo estudantes do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental As entrevistas tiveram duração média de 35 minutos foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas e analisadas O grupo de entrevistadas é formado por duas professoras de História duas de Artes uma professora de Português uma de Português e Inglês uma de Inglês uma professora de Matemática uma de Ciências Naturais e uma de Espanhol O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio sob o Parecer Nº 032018 Ademais as participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 400 TCLE ficando uma via com a pesquisadora e outra com a entrevistada O material produzido na pesquisa os TCLEs e as gravações transcritas das entrevistas será armazenado por cinco anos pelo Departamento de Psicologia da universidade PUCRio Os nomes das entrevistadas foram trocados por nomes fictícios para manter o sigilo A técnica escolhida para a análise dos dados foi a Análise de Conteúdo proposta por Bardin 2011 Com as entrevistas já transcritas os dados foram distribuídos em categorias temáticas obedecendo ao critério semântico para sua codificação Deste processo surgiram as seguintes categorias Autorreflexão Relação ProfessorAluno e Práticas Escolares O artigo tratará apenas das categorias Autorreflexão e Relação ProfessorAluno Após a categorização foi realizada uma descrição do material coletado seguido de inferências dos resultados Bardin 2011 Por fim os resultados obtidos foram interpretados com respaldo na fundamentação teórica adotada Resultados Grande parte das entrevistadas mostrou estranhamento desde o primeiro contato ao compreender que o objeto de estudo era a identidade racial branca Elas foram convidadas por contato telefônico ou email O objetivo da pesquisa foi então apresentado de forma sucinta O roteiro de entrevista continha perguntas sobre a percepção delas acerca de sua pertença racial e da dos alunos sobre a experiência pessoal e profissional enquanto alguém da raça branca sobre privilégios da brancura e sobre as formas como o tema das relações raciais é tratado no ambiente de atuação profissional A tendência percebida foi que mesmo diante de perguntas direcionadas para sua própria raça e para o lugar do branco educador as entrevistadas evitavam o assunto para mencionar situações de racismo na escola para falar da negritude dos alunos ou reafirmar a importância da herança africana na cultura brasileira Outro ponto a ser destacado foi a recorrente sugestão de que se entrevistassem os professores negros Foi necessário reafirmar que o interesse era fugir do tradicional negro tema e implicar o branco nas reflexões acerca das desigualdades raciais Apesar do estranhamento inicial a maior parte das educadoras compreendeu aos poucos a proposta No entanto pensar a respeito de si enquanto pessoas racializadas não pareceu fácil para elas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 401 Autorreflexão Três das dez entrevistadas reconheceramse brancas prontamente quando perguntadas sobre sua identidade racial Uma delas atrelou as vantagens experimentadas ao longo da vida diretamente à sua brancura eu me reconheço como branca e percebo que durante toda a minha vida eu tive privilégios Bianca Por outro lado falar de sua pertença racial foi um exercício difícil para as demais entrevistadas Um aspecto importante em relação a essa declaração de pertença é que embora se reconhecessem como brancas fenotipicamente algumas afirmaram que se identificavam com os alunos nãobrancos seja no sentido de um exercício de empatia seja no sentido de uma afirmação política Essas participantes chegaram a mencionar sentir constrangimento ao se perceberem brancas diante de situações de opressão vividas e relatadas por seus alunos ou diante de reflexões sobre as desigualdades sociais estruturais presentes em nossa sociedade Um fragmento pode mostrar essa vergonha ao perceber seus privilégios advindos da cor de sua pele diante de alguém que não poderia têlos Aí essa mãe chegou pra ele aluno e falou assim Olha você já é preto pobre Você tem que estudar pra ser alguma coisa na vida O menino abaixou a cabeça se sentindo tão humilhado E eu me senti tão humilhada quanto ele mas por eu ser branca entendeu Flávia O sentimento de Flávia de humilhação aponta para a percepção de que o estudante precisaria se esforçar muito mais caso desejasse ser alguma coisa na vida Ela própria sendo branca não enfrentou essa mesma pressão em sua vida e naquele momento foi inevitável encarar e reconhecer seu lugar privilegiado Três das dez participantes mostraram pouca reflexão em torno de sua pertença racial Afirmaram que não pensam a respeito ou que julgam a classificação racial como algo desnecessário Para uma delas a diferenciação racial é um dos fatores que fomentam a discriminação As outras duas afirmaram não compreender qualquer diferenciação já que no Brasil a mistura de raças se faria presente O argumento da miscigenação se articula com a exposição de Bento 2002 que ao denunciar a ideologia do branqueamento e a falácia da harmonia racial no Brasil aponta para a tendência do branco de esquivarse da discussão e isentarse das responsabilidades das práticas racistas históricas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 402 As três professoras que entenderam a classificação racial como algo sem sentido utilizaram o argumento da miscigenação para defender que não seriam realmente brancas apesar do fenótipo As outras sete também mencionaram indiretamente a mistura étnica como algo de que são fruto mas chama atenção o fato de que estas são capazes de localizar sua origem étnicageográfica A maioria delas consegue dizer algo de seus antepassados sua origem e qual cultura predomina em suas tradições familiares o que para afrodescendentes tornase praticamente impossível diante do apagamento de suas origens pela escravidão Outro tema presente no discurso da maior parte das participantes foi a menção ao que elas chamaram de choques de realidade Usaram essa expressão para se referir a momentos em que se deram conta de que sua brancura gerava privilégios e que as oportunidades que tiveram e a forma como foram tratadas na vida não eram comuns aos de outros fenótipos Houve Uma cena que me marcou essa menina ainda tá estudando comigo agora Aí ela sentou comigo e falou assim tia eu adoro a sua cor eu queria tanto ter a sua cor Ai que dó que me deu Eu falei assim Que isso sua cor é linda É linda eu quero ter uma filhinha igual a você eu brinquei com ela Mas ela Ah mas você é tão bonita PAUSA Que é isso Quem foi que introjetou na cabeça de uma criança que uma cor é melhor que outra Helena Ao se relacionarem com pessoas de outras raças foi possível para elas se aproximar de problemas desconhecidos e questões não consideradas anteriormente Tais experiências lhes deram a oportunidade de refletir sobre os significados de ser branco em seu exercício docente A gente tá ali pra qualquer coisa Então assim ser educador branco eu eu eu não pensei nisso por muito tempo Não pensei que isso fosse necessário Mas com a forma com que determinadas coisas vão tomando rumo a gente tem que pensar nisso o tempo todo Você tem que se reconhecer o tempo todo você tem que saber exatamente qual é o teu lugar qual é a tua posição até mesmo pra não ficar num passeando por uma área assim ou hipócrita né ou preconceituosa Daniele A entrevistada segue falando sobre o trabalho do professor como exige reflexão e autocrítica É possível que ao falar de hipocrisia Daniele queira dizer que é necessário que a prática seja condizente com o discurso antirracista Uma vez percebido seu lugar de Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 403 privilégios é preciso questionálo continuamente e não supor que seus alunos nãobrancos possam usufruir das mesmas vantagens As entrevistadas consideraram que a maioria de seus alunos são pretos ou pardos Atuar como professora branca diante de alunos nãobrancos implica questões importantes Por fim também foram mencionadas as responsabilidades e as potências inerentes a esse lugar de educador No que concerne a responsabilidades uma das entrevistadas apontou Eu acho que independente de qual raça e cor o professor seja ele tem que entender buscar pesquisar essa história africana independente também da matéria que ele leciona Não é só o professor de História e no máximo Geografia que tem que entender isso Porque a gente sabe quem é o público a maioria é negra e vinda de favela ou comunidade pobre Alice Quanto às possibilidades é comum no universo acadêmico especialmente entre os estudos e indivíduos críticos que a educação seja concebida como um campo de rompimento de lógicas e de estímulo de novas formas de compreender e se relacionar com o mundo No entanto para o profissional imerso no cotidiano escolar muitas vezes desgastante a percepção dessa potência pode ir se desvanecendo com o tempo Apesar disso cinco entrevistadas expressaram enfaticamente o quanto acreditam no potencial de transformação do professor da educação básica na rede pública Mas eu acho que a gente tem que pensar compreender entender as engrenagens do sistema e desconstruir Eu tento desenvolver nos meus alunos consciência social É isso que faz eu me sentir menos mal Eu tento né Podia estar ali só reproduzindo conteúdo Cecília Eu acho que o nosso lugar de educador é um lugar muito potente né é um lugar cheio de possibilidades um lugar que a gente não pode dizer que é desimportante né Apesar da gente ser levado a acreditar nisso Esse é um lugar de muita potência porque os nossos alunos escutam a gente Eles podem até fingir que não estão escutando mas escutando eles estão Bianca Considerando o lugar de educador como espaço de potência essas entrevistadas falaram de seus esforços para ocupálo de forma antirracista Não mencionaram discussões ou Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 404 práticas que trabalhassem a identidade branca e seus privilégios mas destacaram o esforço de abordar o conteúdo de forma que consideram crítica Falaram também de atividades como rodas de conversa sobre racismo desfiles de moda negra e trabalhos literários baseados em autores negros Relação ProfessorAluno As entrevistadas em sua maioria apontaram seus alunos como sujeitos portadores de conhecimentos preciosos que lhes ensinam constantemente O estudante é visto como alguém ativo sujeito de direitos e de desejos que pode ensinar o professor tanto quanto por ele é ensinado Apesar disso várias professoras falaram da possibilidade de o educador não ter essa perspectiva A maior parte falou do racismo no cotidiano escolar a partir do posicionamento do professor que naturaliza as desigualdades e também do quanto a relação desse tipo de professor com os estudantes pode ser geradora de sofrimento psíquico As professoras dizem que a instituição escola pública não é racista que o sistema de ensino público não discrimina alunos por serem brancos negros orientais ou indígenas Mas reconhecem que existem colegas racistas e que essas práticas embora não sejam institucionalizadas podem acontecer dependendo de cada professor No sistema em si não acho que tenha diferença Agora questão pessoal de profissionais de professores aí eu não sei entendeu Mas aí eu acho que isso é de cada um da pessoa do professor e não do sistema público de ensino entendeu Íris Também foi afirmado que frequentemente a relação professor brancoaluno negro é marcada pela distância tanto simbólica quanto corporal Foi possível observar que a linguagem do aluno ilustra esse distanciamento especialmente por meio dos pronomes de tratamento mesmo para se referir a professoras muito jovens os estudantes usam dona senhora etc É possível considerar que isso se dá não apenas por respeito Tais termos remetem à cultura escravocrata do país em que brancos têm ocupado historicamente o lugar de donos e senhores que devem ser tratados com deferência sobretudo pela população negra Referemse ao status do branco como superior o ideal e a norma são efeitos da branquitude em ação Cardoso 2017 Carone Bento 2002 Schucman 2014 Ademais existe a fantasia de que o professor ocupa um lugar de saber que é quase inalcançável Para além disso o ser branco aparece ainda carregado de muitas idealizações Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 405 para os alunos como estar diretamente atrelado a possuir recursos financeiros a gostar de produções culturais específicas sofisticadas elitistas e até mesmo ser considerado bonito Talvez por ser branca por ter olhos claros o cabelo liso as crianças principalmente o sexto ano eles vinham até a mim e eles queriam mexer no meu cabelo sabe Ficava assim Professora o seu olho é verde E eu acho engraçado que esse ano uma aluna falou pra mim assim Professora a senhora parece rica Eliana Esse achar engraçado pode ser compreendido tanto como surpresa curiosidade e estranhamento como também como uma postura de neutralidade ou de nãoimplicação diante do apontamento de um privilégio característico da branquitude Além disso as professoras também falaram sobre um aspecto fundamental da relação professoraluno a identificação Elas afirmaram que os lugares de poder na escola costumam ser ocupados por pessoas brancas os professores os diretores os representantes da Secretaria de Educação Em contrapartida as funções de merendeira auxiliar de serviços gerais porteiros são ocupadas por pessoas negras Não há nada de errado nestas profissões mas as entrevistadas afirmaram que os alunos apenas naturalizam esses lugares sendo as primeiras ocupações mais reconhecidas socialmente e melhor remuneradas do que as segundas De acordo com as professoras é como se o lugar do branco fosse naturalmente superior em salários e prestígio e o do negro naturalmente subalterno de modo que as crianças e adolescentes não aprendem a questionar E ao se identificarem apenas com as merendeiras porteiros e serventes os estudantes não conseguem acreditar que podem ser professores diretores técnicos As entrevistadas apontaram para a necessidade de que haja cada vez mais professores negros nos espaços escolares especialmente nos ambientes da educação básica Segundo elas esse convívio a existência desses sujeitos nesses espaços possibilitaria o sentimento de representatividade e consequentemente de identificação reconhecimento com o professor à primeira vista O aluno perceber que consegue chegar em algum lugar Por exemplo o professor negro pode servir de espelho para ele aluno olha onde é que está esse professor olha o conhecimento que esse professor tem estudou muito pra estar ali Já com o professor branco ele não vai ter esse espelho num primeiro momento De repente nem nunca não sei Alice Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 406 Discussão O primeiro ponto a ser considerado é a própria dificuldade do sujeito branco em se reconhecer racializado já que não pensar sobre si e não reconhecerse nesse lugar é a regra Bento 2002 Miranda 2017 Piza 2002 Um dos privilégios da brancura como foi dito é o de ser colocado em posição de norma de ideal de universal Neste sentido o que ocorre é a racialização do outro do nãobranco o que se pronuncia como consequência de processos históricos como políticas higienistas e eugenistas que influenciam diretamente a autopercepção racial dos sujeitos Serra Schucman 2012 A maior parte das entrevistadas teve dificuldade em falar do lugar de pessoa branca seja por posicionamento político por apelar ao argumento da miscigenação ou por julgar que a classificação racial não é algo que faça sentido nesses dois últimos casos desresponsabilizandose frente a lógicas racistas históricas Bento 2002 e desconsiderando o conceito de raça operante no nível social Schucman Mandelbaum Fachim 2017 Schucman 2014 O tema da identidade racial branca tem sido cada vez mais discutido nos últimos anos Cardoso 2011 podendo ser classificado como uma emergência no campo acadêmico No entanto na prática essa compreensão está muito distante do imaginário das pessoas inclusive dos brancos tenham eles uma perspectiva crítica ou não quanto às desigualdades raciais Assim o estranhamento era algo esperado de forma que a própria pesquisa no campo pode ser entendida como uma estratégia de intervenção no sentido de fomentar essa reflexão nas entrevistadas fazendoas olhar para si mesmas e para sua condição de educadoras e brancas De acordo com Carone e Bento 2002 o branco chega a reconhecer que existe desigualdade racial pode mesmo denunciar o racismo mas raramente se implica como parte do problema Segundo as autoras é como se houvesse um acordo subliminar entre os brancos de não se reconhecerem como integrantes desse todo que se reproduz ao longo da história tornando o racismo apenas um problema do negro eles reconhecem as desigualdades raciais só não associam essas desigualdades raciais à discriminação e isto é um dos primeiros sintomas da branquitude Há desigualdades raciais Há Há uma carência negra Há Isso tem alguma coisa a ver com o branco Não Bento 2002 p 27 grifos das autoras Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 407 No caso das entrevistadas apenas duas dentre as dez falaram ser possível que o branco encontre desvantagens simplesmente por sua cor de pele dando o exemplo das cotas raciais Sete das dez educadoras mostraram compreender a importância da questão Dentre estas não foi difícil perceber que já se começou a reconhecer o papel do branco no problema especialmente quando mencionam o branco como colonizador e opressor A maior dificuldade foi reconhecerse racializado fazendo parte de um grupo que usufrui de privilégios historicamente construídos Para Miranda 2017 é possível e comum que o sujeito branco passe por um período de inconsciência de sua situação de privilégios e de ausência de autocrítica o que ele denomina de invisibilidade por outro lado depois que o sujeito se dá conta de que possui vantagens é possível que ele assuma uma posição dissimulada de omissão diante dessa percepção chamada por Miranda de neutralidade Essa neutralidade é uma das interpretações possíveis para a fala de Eliana sobre achar engraçado os estudantes dizerem que ela parece rica por conta do cabelo liso e dos olhos claros Além disso os choques de realidade mencionados por Cecília e Helena parecem ilustrar exatamente o período de invisibilidade teorizado por Miranda 2017 quando o sujeito passa para a consciência podendo se enquadrar na neutralidade ou assumir uma postura antirracista Esse processo corresponde à metáfora do choque com a porta de vidro descrito por Piza 2002 quando o sujeito que passa a se reconhecer como racializado parece sofrer o impacto com uma porta de vidro nunca vista Os significados de ser branco no discurso de todas as entrevistadas aparecem diretamente atrelados a vantagens e privilégios Esse é o único ponto de consenso Nenhuma professora negou o fato de sujeitos brancos serem privilegiados nas mais diversas atividades de seu dia a dia e nos mais diferentes ambientes Algumas professoras também incluíram nesse espectro a figura do branco colonizador o que não é uma representação positiva mas opressora Apesar disso as falas em geral aproximaram o branco a características como acesso à educação e à saúde melhores condições financeiras liberdade de ir e vir e até mesmo ao simples fato de ser alguém A branquitude portanto ainda é apresentada como lugar de superioridade Carone Bento 2002 Conforme aponta Bianca Pro senso comum branco é alguém basta ser branco Segundo Jesus 2017 a brancura confere status para além dos corpos O acesso a educação oportunidades de emprego e realização pessoal é mais difícil para a população negra do que para a população branca E isso também deve ser visto como um problema do Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 408 branco Bento 2002 Quando Flávia diz ter se sentido humilhada diante de um aluno negro que precisa multiplicar esforços ela parece ter sido confrontada com esse fato E como compreender o lugar desse sujeito branco ocupando a posição de educador no ambiente escolar A escola pública na medida em que agrega diferenças pode ser compreendida como importante espaço de resistência Guzzo Ribeiro 2019 É o lugar onde os professores podem desconstruir ideias tidas como inquestionáveis para si e para os alunos A relação professoraluno pode representar o espaço de confiança para uma efetiva troca de saberes e construção de outras realidades no campo das relações raciais Conforme pontua Bianca Eu acho que a escola é um lugar perfeito pra se discutir isso né As crianças estão lá todos os dias quatro horas por dia vamos começar a mudar daí Nesse sentido a potência do professor ganha destaque pois é a partir da reflexão e da autocrítica que o rompimento com a educação bancária denunciada por Freire 2005 pode se dar Sobre isso quando Daniele fala sobre a necessidade de refletir constante e criticamente como educadora branca para não agir de forma hipócrita ela remonta ao conceito de branquitude crítica de Cardoso 2017 O branco crítico para o autor desaprova publicamente o racismo mas muitas vezes convive com o Outro por precisar e de forma geral não desaprova o privilégio branco O que Daniele parece dizer é que é necessário questionar se em relação a isso também Além de se dizer antirracista é necessário interpelarse sobre os efeitos que o racismo estrutural gera no branco sobre as próprias contradições e as consequências disso como educador Assim a prática deixa de ser alienada e alienante Poucas instituições têm importância tão fundamental na formação de um sujeito quanto a instituição escolar Sobretudo na infância essas instituições possuem autoridade e legitimidade tais que facilmente podem lançar bases profundamente arraigadas em termos de conceitos sobre si e sobre o outro Daí advém a responsabilidade que o ambiente escolar e seus agentes têm na formação das crianças e dos adolescentes Esse espaço e esses agentes são atravessados pela lógica que rege a instituição escolar gerando diferentes consequências na formação oferecida aos estudantes Guzzo Ribeiro 2019 É possível afirmar que a escola pública representa determinados interesses e projetos que não necessariamente estão de acordo com os interesses da classe pela qual é composta Segundo as entrevistadas a maior parte dos frequentadores da escola pública são advindos da classe trabalhadora composta por alunos pretos e pardos Portanto as desigualdades social e racial passam a figurar como duas faces de uma mesma moeda Crianças vindas de famílias pobres são frequentemente as que encontram menos êxito no mundo acadêmico São as menos consideradas nos planejamentos políticos das escolas Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 409 menos compreendidas em suas especificidades por professores preocupados com o cumprimento de programas e o alcance de metas institucionais Por outro lado são as que mais dependem da escola para obter sua educação Connell 1995 Assim a escola brasileira funciona como instrumento de dominação sobretudo a escola pública que se dirige direta ou indiretamente à classe trabalhadora Conceição Zamora 2015 Penteado Guzzo 2010 A serviço do capital o espaço escolar acaba por reproduzir desigualdades sociais promovendo uma educação para a alienação que não apenas concorda como também defende a falácia do merecimento e da possibilidade sempre presente de superação de limites e dificuldades externas ao indivíduo Um dispositivo fundamental para a formação dos sujeitos como é o sistema educacional certamente é atravessado pelo racismo e pelo pacto inconsciente da branquitude Bento 2002 que paira não só na sociedade consumistacapitalista mas também na práxis de muitos educadores Além disso considerandose que os estudantes da educação básica estão em situação peculiar de desenvolvimento os efeitos de práticas discriminatórias podem ser mais significativos Se alienante e acrítica a escola pública exerce a função ideológica de reprodução do capitalismo Isso é por meio de um mascaramento da realidade dado por um corpus de representações úteis para a classe dominante a população é convencida por meio da educação de que se houver mérito e esforço pessoal é possível construir uma sociedade justa economicamente e ter sucesso Contudo os brancos acreditam nisso desfrutando de privilégios relativos à cor de sua pele Assim racismo e capitalismo se retroalimentam numa relação em que o branco sua suposta superioridade e os privilégios daí decorrentes permanecem intocados invisíveis ou na melhor das hipóteses nãoproblematizados Se por um lado a educação pode ser alienante também é possível compreendêla como prática emancipadora Penteado Guzzo 2010 e a maioria das entrevistadas parece acreditar nisso É possível pensar um modelo de educação que conscientize o homem de sua intervenção sobre os processos sociais que fale sobre a historicidade dos fenômenos e das possibilidades de mudança É possível uma prática educadora que não dissocie e hierarquize trabalho manual e intelectual assim como não o faça com as diferentes raças e que promova reflexão crítica e autocrítica A educação pode ser voltada para a construção da consciência e da autonomia do sujeito sobre seu lugar ativo nos processos que o engendram Freire 1999 Tendo afirmado portanto um panorama acerca da educação a pergunta que emerge é e o que a Psicologia tem a ver com tudo isso A fala de uma das entrevistadas responde bem a educação pública ela precisa de uma equipe integrada trabalhando com a gente Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 410 porque nós não somos especialistas assim nessas áreas de psicologia das emoções Então a escola falta à escola à rede como um todo esse apoio Íris Íris dá subsídios para uma discussão fundamental apesar do crescente interesse da Psicologia no campo das políticas públicas nas últimas décadas é indispensável que na prática cotidiana esses profissionais estejam presentes e acessíveis A Psicologia ao longo de sua história brasileira é um saber que tem se comprometido com as elites Bock 2009 A profissão se estabeleceu num molde clínicoindividual que ainda atende majoritariamente um perfil específico pessoas de classe média ou médiaalta com demandas geralmente individuais É claro que em se tratando de sofrimento psíquico tudo deve ser acolhido e cuidado pelo psicólogo com respeito O que se questiona é a tendência a se permanecer restrito a essas populações e a demandas individualizadas Existem demandas sociais e sofrimento psíquico advindos de estruturas societárias discriminatórias Conforme Bock 2009 a Psicologia tem criado ideologia ocultando a produção social do ser humano e de seu mundo psicológico Com explicações mecanicistas e psicologizantes temse ignorado elementos sóciohistóricos como o racismo estrutural que interferem diretamente no psiquismo dos indivíduos e em sua organização social Romper com isso exige uma reflexão crítica sobre a realidade e levandose em consideração a configuração da população a necessidade do estudo das relações de classe e raça De acordo com a PNAD 2017 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE 2017 a desigualdade de renda atinge a população de maneiras diferentes de acordo com sua composição por cor ou raça Os dados da PNAD apontam que entre as pessoas com os 10 menores rendimentos pretos e pardos compunham 785 contra 208 de brancos Já entre os 10 maiores rendimentos pretos e pardos eram somente 248 A pobreza no Brasil tem cor E a escola pública também Não é possível pensar em formação subjetiva da classe trabalhadora que não passe pelo equipamento escolar E a classe trabalhadora é em sua maioria negra o que torna a discussão sobre as relações raciais no âmbito escolar necessária e urgente Sendo assim é papel da Psicologia Social compreender como se dão esses processos de configuração da desigualdade bem como apontar para a existência de sofrimento psíquico advindo dessa condição sociopolítica Ser negro no Brasil é um processo de muito custo emocional geralmente ignorado pelos saberes tradicionais pela academia pelos consultórios psicológicos e pela educação Apesar de propostas ultraconservadoras crescentes no campo da educação existe grande força nos professores em sua atuação cotidiana A desconstrução de paradigmas o Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 411 questionamento de conceitos naturalizados e da visão reprodutora de práticas racistas são tarefas possíveis O rompimento com essa lógica passa pelo aprofundamento das discussões sobre raça pelo questionamento da persistência do negrotema nas práticas escolares e pelo confronto do privilégio branco Uma importante alternativa aos esforços apenas individuais nesse sentido é a atuação em rede em forma coletiva Assim aos poucos ganhase força para a construção de novas políticas Considerações Finais A pesquisa mostrou que na relação entre professoras e alunos a diferença racial marcada fenotipicamente reverbera não só na formação subjetiva dos estudantes mas também afeta as docentes pessoal e profissionalmente Percebeuse que todas as entrevistadas concordam que a brancura traz consigo privilégios embora algumas se mostrem mais críticas em relação a isso que outras A pesquisa mostrou ainda que o tema da identidade racial branca soou como novidade para as entrevistadas As reações diante desse estranhamento como também as reflexões advindas das provocações da pesquisa foram variadas Tais fatos corroboram a visão de que a identidade branca não é una nem estática nem universal daí a premente necessidade de mais investigações a respeito Também foi possível perceber que as entrevistadas demonstraram acreditar na escola pública como um espaço potente de transformação social A maioria exemplificou como busca fomentar a discussão antirracista por meio de atividades didáticas e paradidáticas Algumas limitações da pesquisa foram o curto tempo diante do desafio do campo e a burocracia enfrentada para o acesso às escolas Também o fato de o fenótipo da entrevistadora ser diferente do das entrevistadas é algo a ser considerado Se a pesquisadora também fosse branca possivelmente o pacto narcísico inconsciente da branquitude Bento 2002 poderia ser um fator determinante na facilidade para expressar umas ou outras opiniões Os presentes resultados ficam como reflexões para futuros trabalhos Esperase que a discussão sobre relações raciais no campo estratégico que é a escola pública não se limite ao dia da consciência negra à integração da história africana ao conteúdo geral ou ao reconhecimento da identidade negra Assim como o racismo é estruturante é importante que a discussão também penetre a estrutura escolarcurricular Nesse exercício o branco será também estimulado a questionar seus privilégios a tomar consciência de seu lugar de atuação e de como contribuir com a luta antirracista Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 412 Referências Almeida S 2018 O que é racismo estrutural Belo Horizonte Letramento Bardin L 2011 Análise de conteúdo São Paulo Edições 70 Bento M A S 2002 Branqueamento e Branquitude no Brasil In I Carone M A S Bento Orgs Psicologia social do racismo Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil pp 2557 Petrópolis Vozes Bock A Gonçalves M Furtado O Orgs 2015 Psicologia sóciohistórica Uma perspectiva crítica em psicologia São Paulo Cortez Bock A M B 2009 Psicologia e sua ideologia 40 anos de compromisso com as elites In A M B Bock Org Psicologia e o compromisso social 2a ed pp 1528 São Paulo Cortez Cardoso L 2011 O brancoobjeto O movimento negro situando a branquitude Instrumento Revista de Estudo e Pesquisa em Educação 131 8193 Recuperado de httpsinstrumentoufjfemnuvenscombrrevistainstrumentoarticleview1176 Cardoso L 2017 A branquitude acrítica revisitada e as críticas In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 3352 Curitiba Appris Carone I Bento M Orgs 2002 Psicologia social do racismo Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil Petrópolis Vozes Conceição V Zamora M 2015 Desigualdade social na escola Estudos de Psicologia Campinas 324 705714 doi 1015900103166X2015000400013 Connell R W 1995 Pobreza e Educação In P Gentili Org Pedagogia da exclusão Neoliberalismo e a crise da escola pública pp 1142 Petrópolis Vozes Freire P 1999 Educação como prática da liberdade 23a ed Rio de Janeiro Paz e Terra Freire P 2005 Pedagogia do oprimido São Paulo Paz e Terra Freire P 2015 Pedagogia da autonomia São Paulo Paz e Terra Guzzo R S L Ribeiro F M 2019 Psicologia na Escola Construção de um horizonte libertador para o desenvolvimento de crianças e jovens Estudos e Pesquisas em Psicologia 191 298312 doi 1012957epp201943021 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2017 Síntese de Indicadores Sociais Uma análise das condições de vida da população brasileira 2017 Rio de Janeiro IBGE Recuperado de httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv101459pdf Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 413 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea Fórum Brasileiro de Segurança Pública FBSP 2017 Atlas da Violência 2017 Rio de Janeiro Ipea FBSP Recuperado de httpwwwipeagovbrportalimages170609atlasdaviolencia2017pdf Jesus C M 2014 O privilégio da brancura na escola pública Uma etnografia no colégio estadual Edvaldo Brandão Correia em Cachoeira BA Dissertação de Mestrado Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Cachoeira BA Brasil Recuperado de httpswww1ufrbedubrpgcienciassociaisdissertacoesdemestradocategory18 2014 Jesus C M 2017 A persistência do privilégio da brancura Notas sobre os desafios na construção da luta antirracista In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 6989 Curitiba Appris Miranda J 2017 Branquitude invisível pessoas brancas e a não percepção dos privilégios verdade ou hipocrisia In T Müller L Cardoso Orgs Branquitude Estudos sobre a identidade branca no Brasil pp 5570 Curitiba Appris Oliveira L 2007 Expressões de vivência da dimensão racial de pessoas brancas Representações de branquitude entre indivíduos brancos Dissertação de Mestrado Universidade Federal da Bahia Salvador BA Brasil Recuperado de httpspospsiufbabrsitespospsiufbabrfilesluciooliveirapdf Penteado T C Z Guzzo R S L 2010 Educação e psicologia A construção de um projeto políticopedagógico emancipador Psicologia Sociedade 223 569577 doi 101590S010271822010000300017 Piza E 2002 Porta de vidro uma entrada para branquitude In I Carone M Bento Orgs Psicologia Social do racismo estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil pp 5990 Petrópolis Vozes Santos A Schucman L Martins H 2012 Breve histórico do pensamento psicológico brasileiro sobre relações étnicoraciais Psicologia Ciência e Profissão 32spe 166 175 doi 101590S141498932012000500012 Schucman L 2014 Sim nós somos racistas estudo psicossocial da branquitude paulistana Psicologia Sociedade 261 8394 doi 101590S010271822014000100010 Schucman L Mandelbaum B Fachim F 2017 Minha mãe pintou meu pai de branco Afetos e negação da raça em famílias interraciais Revista de Ciências Humanas 512 439455 doi 105007217845822017v51n2p439 Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 414 Serra L N Schucman L V 2012 Branquitude e progresso A Liga Paulista de Higiene Mental e os discursos paulistanos na contemporaneidade Estudos e Pesquisas em Psicologia 121 288311 doi 1012957epp20128321 Veiga C 2008 Escola pública para os negros e os pobres no Brasil Uma invenção imperial Revista Brasileira De Educação 1339 502516 doi 101590S1413 24782008000300007 Waiselfisz J J 2015 Mapa da Violência 2015 Homicídios de mulheres no Brasil Brasília FLACSO Recuperado de httpwwwonumulheresorgbrwp contentuploads201604MapaViolencia2015mulherespdf Waiselfisz J J 2016 Mapa da Violência 2016 Homicídios por arma de fogo no Brasil Brasília FLACSO Recuperado de httpflacsoorgbrfiles201608Mapa2016armasweb1pdf Endereço para correspondência Anna Luiza Barbosa Martins Universidade Federal Fluminense Coordenação de Pessoal TécnicoAdministrativo Divisão de Gestão de Lotação Rua Miguel de Frias 09 Reitoria Icaraí Niterói RJ Brasil CEP 24220900 Endereço eletrônico annaluizabmgmailcom Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Centro de Teologia e Ciências Humanas Departamento de Psicologia Rua Marquês de São Vicente 225 Edifício Cardeal Leme Gávea Rio de Janeiro RJ Brasil CEP 22451900 Endereço eletrônico zamoramhgmailcom Recebido em 08102019 Reformulado em 06112020 Aceito em 30112020 Notas Mestra em Psicologia Clínica pelo Departamento de Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Doutora 1999 em Psicologia Clínica pela PUCRio Docente da graduação e da pósgraduação em Psicologia da PUCRio Financiamento os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES pela concessão de apoio financeiro à Anna Luiza Barbosa Martins durante todo o percurso do mestrado do qual se originou este artigo Anna Luiza Barbosa Martins Maria Helena Rodrigues Navas Zamora Estud pesqui psicol Rio de Janeiro v 21 n 2 p 396415 2021 415 Este artigo de revista Estudos e Pesquisas em Psicologia é licenciado sob uma Licença Creative Commons AtribuiçãoNão Comercial 30 Não Adaptada