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DERMEVAL SAVIANI escola e democracia EDIÇÃO COMEMORATIVA AUTORES ASSOCIADOS Este livro pode ser considerado o ma nifesto de lançamento da pedagogia históricocrítica O primeiro capítulo apresenta o diagnóstico das principais teorias pedagógicas Mostra as contri buições e os limites de cada uma delas E termina com o anuncio da necessida de de uma nova teoria O capítulo segundo é o momento da denúncia Pela via da polêmica procurase des montar as visões que se acreditavam progressistas de modo que se abra ca minho para a formulação de uma alternativa superadora O capítulo ter ceiro apresenta as características básicas e o encaminhamento metodo lógico da nova teoria que passou a se chamar de pedagogia históricocrítica Finalmente no capítulo quarto são esclarecidas as condições de produção e operação da pedagogia em socieda des como a nossa marcadas pelo primado da política sobre a educação EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira Av Albino J B de Oliveira 901 Barão Geraldo CEP 13084008 CampinasSP PabxFax 55 19 32492800 32895930 Email editoraautoresassociadoscombr Catálogo online wwwautoresassociadoscombr Conselho Editorial Prof Casemiro dos Reis Filho Bernardete A Gatti Carlos Roberto Jamil Cury Dermeval Saviani Gilberta S de M Jannuzzi Maria Aparecida Motta Walter E Garcia Diretor Executivo Flávio Baldy dos Reis Coordenadora Editorial Erica Bombardi Revisão Aline Marques Rodrigo Nascimento Diagramação e Composição DPG Editora Capa Dafne a Sibila Délfica Michelangelo afresco na Capela Sistina c 1510 Artefinal Erica Bombardi Impressão e Acabamento Prol Editora Gráfica DERMEVAL SAVIANI escola e democracia EDIÇÃO COMEMORATIVA AUTORES ASSOCIADOS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Saviani Dermeval Escola e democracia Dermeval Saviani Campinas SP Autores Associados 2008 Coleção educação contemporânea Edição comemorativa Bibliografia ISBN 9788574962191 1 Democracia 2 Educação Filosofia 3 Política e educação I Título II Série 0804723 CDD379 índices para catálogo sistemático 1 Política e educação 379 Impresso no Brasil julho de 2008 Copyright 2008 by Editora Autores Associados LTDA Para Benjamim esperando que os filhos de sua geração alcancem estudar numa escola verdadeiramente democrática Sumário PREFÁCIO À EDIÇÃO COMEMORATIVA IX PREFÁCIO À EDIÇÃO URUGUAIA XI PREFÁCIO À 36ª EDIÇÃO XXIII PREFÁCIO À 35ª EDIÇÃO XXV PREFÁCIO À 34ª EDIÇÃO XXIX PREFÁCIO À 33ª EDIÇÃO XXXIII PREFÁCIO À 30ª EDIÇÃO XXXV PREFÁCIO À 20ª EDIÇÃO XXXVII APRESENTAÇÃO 1 CAPÍTULO 1 As TEORIAS DA EDUCAÇÃO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE 3 1 O Problema 3 2 As Teorias NÃOCRÍTICAS 5 3 As Teorias CRÍTICOREPRODUTIVISTAS 13 4 Para uma TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO 24 5 PostScriptum 26 CAPÍTULO 2 ESCOLA E DEMOCRACIA I A TEORIA DA CURVATURA DA VARA 29 1 O Homem Livre 31 2 A Mudança de Interesses 33 3 A Falsa Crença da Escola Nova 34 4 Ensino Não É Pesquisa 37 5 A Escola Nova Não É Democrática 39 6 Escola Nova a Hegemonia da Classe Dominante 40 CAPÍTULO 3 ESCOLA E DEMOCRACIA II PARA ALÉM DA TEORIA DA CURVATURA DA VARA 47 1 Pedagogia Nova e Pedagogia da Existência 49 2 Para Além das Pedagogias da Essência e da Existência 50 3 Para Além dos Métodos Novos e Tradicionais 53 4 Para Além da Relação Autoritária ou Democrática na Sala de Aula 61 5 Conclusão a Contribuição do Professor 63 CAPÍTULO 4 ONZE TESES SOBRE EDUCAÇÃO E POLÍTICA 65 APÊNDICE SETENTA ANOS DO MANIFESTO E VINTE ANOS DE ESCOLA E DEMOCRACIA BALANÇO DE UMA POLÊMICA 75 1 A Temática Central do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 77 2 O Contexto em que Surgiu Escola e Democracia 78 3 A Manipulação de Conceitos e do Processo Histórico no livro Escola e Democracia segundo Clarice Nunes 82 4 Paschoal Lemme no Manifesto um Estranho no Ninho dos Pioneiros 90 5 A Escola Nova Exercitando a Teoria da Curvatura da Vara 95 ANEXO CARTA DE ZAIA BRANDÃO 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 105 SOBRE O AUTOR 109 Prefácio à edição comemorativa ano de 2008 é particularmente signifi cativo para o livro Escola e democracia Ao mesmo tempo em que se comemo ram os 25 anos de seu lançamento a obra atinge a quadragésima edição Diante dessas circunstâncias a Editora Autores Associados decidiu preparar um lança mento especial comemorativo desses dois importantes marcos editoriais O livro recebe um novo tratamento gráfico sendo apresentado em formato maior Aproveitei então o ensejo para ampliar seu conteú do incluindo o prólogo à edição uruguaia que a profes sora Ema Julia Massera Garayalde da Universidad de la República elaborou em março de 1988 para apresentar o autor e a obra aos leitores de língua espanhola Além do mencionado prólogo acrescentei também um apêndice constituído pelo texto Setenta anos do Manifesto e vinte anos de Escola e democracia ba lanço de uma polêmica que apresentei no Colóquio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado X DERMEVAL SAVIANI educacional em debate realizado em Belo Horizonte de 19 a 21 de agosto de 2002 Tomei a decisão de incluir esse texto pois ele traz esclarecimentos im portantes sobre os aspectos polêmicos levantados pelo livro que acredito são de interesse dos leitores O texto em referência dirigido aos historiadores da educação tem como fio condutor a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Considerando o debate travado tomei a iniciativa de enviar aos principais interlocutores nomeados no texto a primeira versão para a apreciação dos colegas Respondendo a essa iniciativa a professora Zaia Brandão após ler a versão que lhe enviei encaminhou uma bela e simpática carta Gratificado com esse retorno registrei em nota ao pé da primeira página Agradeço também a Zaia Brandão a simpática carta redigida imediatamente após a atenta leitura deste trabalho em que considera o debate entre pares como a via áurea da produção acadêmica Lamentavelmente os organizadores da coletânea que reuniu os trabalhos apresentados no colóquio por um lapso não utilizaram a última versão que lhes enviei não tendo sido publicado esse meu registro Aproveito então esta oportunidade para reparar essa injustiça estampando no anexo a íntegra da carta de Zaia Brandão Ao ensejo dessa edição comemorativa cabeme agradecer à Aline Marques pela revisão cuidadosa dos originais e à Erica Bombardi pelo esmero com que vem cuidando da produção editorial dos meus textos em seus vários aspectos Um agradecimento especialíssimo é dirigido à minha esposa Maria Aparecida não apenas pelo apoio de todas as horas mas também pelo empenho em apresentar preciosas sugestões em particular na escolha das capas primando pela beleza estética do visual de meus livros Nesse aspecto estético venho contando também com o olhar apurado de meu filho Benjamim Finalmente aos pedagogos educadores professores em suma a todos os leitores minha gratidão pela generosa acolhida e pelo estímulo constante que tenho recebido para prosseguir em meu esforço de socializar o mais amplamente possível os resultados de minhas pesquisas e reflexões Campinas 2 de maio de 2008 Dermeval Saviani Prefácio à edição uruguaia a obra del pedagogo brasileño Derme val Saviani ha despertado vivo inte rés entre los educadores latinoameri canos por la fecundidad y vigencia de sus planteamientos La primera edición en lengua espa ñola de Escola e democracia1 se realiza en momentos propicios cuando los pueblos del Sur del Continente realizan esfuerzos por encontrar las pautas de la recons trucción nacional Para el Uruguay esto resulta particularmente de safiante Durante más de una década el país vivió una feroz represión y se acentuaron dramaticamente los índices de deterioro económico y social El Uruguay que fuera abanderado del desarrollo educativo del continen 1 Dermeval Saviani Escola e democracia São Paulo Cortez Autores Associados 1 ed 1983 14 ed 1986 el libro ha sido parcialmente reproducido en revistas latinoamericanas de lengua española En Uruguay la Revista de la Educación del Pueblo reprodujo tres de las cuatro partes que integran el libro DERMEVAL SAVIANI te se transformo en un país anómalo el único país de América Latina con crecimiento negativo de su índice de escolaridad en enseñanza primaria Hoy en día los uruguayos en general y los educadores particularmente nos formulamos grandes interrogantes sobre el pasado más reciente sobre la validez y vigencia de nuestras tradiciones artiguistas y varelianas sobre las propuestas modernizadoras y desnacionalizadoras En este libro de autor brasileño los educadores uruguayos podemos ver reflejadas nuestras preocupaciones y perplejidades nuestras frustraciones y dificultades para encontrar salida a la profunda crisis que sufre el país y su educación En el trabajo de Saviani encontramos un ejemplo de metodo logía de análisis y un avance concreto en la formulación de soluciones que puede ser extremamente valioso para el análisis de nuestra realidad Dermeval Saviani nace en 1944 en el seno de una familia campesina del interior del Estado de São Paulo En 1948 forzada por las dificultades de sobrevivencia la familia emigra a la capital su padre y sus hermanos mayores son entonces obreros en las fábricas Dermeval se destaca en la escuela y es becado para continuar estudios en diversos Seminarios católicos donde adquiere su primera formación filosófica En 1964 después de abandonar el Seminario prosigue sus estudios de Filosofía en la Pontíficia Universidad Católica de São Paulo PUCSP Posteriormente se forma como profesor e investigador en Filosofía de la Educación Desde 1978 es Coordinador del Programa de Doctorado en Educación de la PUCSP2 La formación teórica inicial de Saviani se realiza dentro de las orientaciones del neotomismo y la fenomenología pero transitando rápidamente hacia la perspectiva dialéctica A esta fase de transición pertenece la tesis O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional elaborada a partir de 1968 defendida en 1971 y publicada en 1973 bajo el título de Educação brasileira estrutura e sistema3 En esta investigación Saviani se plantea la crítica de las concepciones pedagógicas que se implantaron sucesivamente en Brasil Destaca la inexistencia de una teoría 2 Dermeval Saviani Memorial presentado al Concurso de LibreDocencia Campinas 1986 mimeografado 3 Dermeval Saviani Educação brasileira estrutura e sistema São Paulo Saraiva 4 ed 1980 y5 ed 1983 ESCOLA E DEMOCRACIA Xlll coherente de la educación nacional y la necesidad de laborar una Teoría de la Educación Brasileña que contribuya a la promoción del hombre brasileño y a la transformación de la realidad social Entre 1974 y 1979 Saviani elabora un nuevo nivel marcado por la presencia del marxismo en su obra tanto la crítica a la pedagogía burguesa como una teoría educativa que busca responder a los intereses de los trabajadores El libro Educação do senso comum à consciência filosófica4 reúne los textos producidos entre 1971 y 1979 y constituye un material valioso para la comprensión de la evolución del autor Los textos de 1979 ya continen una formulación madura de las principales categorías teóricas de Escuela y democracia A partir de 1978 desde la coordinación del Programa de Doctorado Saviani promovió la implantación de las Actividades Programadas A través de este programa se desarrolló un rico proceso de discusión colectiva de los proyectos y elaboración de tesis sin precedentes en la historia de los cursos de posgrado en educación en Brasil5 El curso de posgrado se transformó en un lugar de búsqueda de soluciones para los problemas educativos del país en un momento en que la sociedad civil comenzaba a estructurarse reclamando el fin del proceso dictatorial En este ámbito se genera un verdadero equipo de trabajo Junto a Saviani estudiam un grupo de profesores e investigadores entre los que se destacan Guiomar Namo de Mello Carlos Jamil Cury y José Carlos Libâneo Los trabajos de este conjunto de profesores originan la corriente de pensamiento educativo que recibe el nombre de Teoría HistóricoCrítica Esta corriente se ubica hoy junto a otras tendencias en el centro del debate educativo brasileño Escuela y democracia que reúne textos producidos entre 1981 y 1983 y cuya primera edición en castellano presentamos aquí puede ser considerada como la síntesis del pensamiento del autor y de los principales aportes rea lizados por la Teoría HistóricoCrítica hasta ese momento concebido en la coyuntura de la transición de la dictadura militar a la democracia iniciada hacia fines de la década de 1970 Durante los años de dictadura militar inaugurada con el golpe de 1964 el Brasil sufrió modificaciones significativas transformándose en el país 4 Dermeval Saviani Educação do senso comum à consciência filosófica São Paulo Cortez Autores Associados 1982 5 Dermeval Saviani Memorial op cit xiv DERMEVAL SAVIANI capitalista de mayor crecimiento económico de América Latina ocupando el 9º lugar en el ordenamiento mundial según su Producto Bruto Interno Sin embargo este desarrollo se da bajo la forma de modelo económico ca pitalista monopolista multinacional y asociado dependiente instalado en el país a mediados de la década de 1950 La producción crece utilizando tecnologías cada vez más avanzadas pero esto se hace estableciendo rela ciones de producción que rebajan el papel de la fuerza de trabajo cualitativa y cuantitativamente y sobre la base del autoritarismo En este período el sistema educativo se extiende de manera significati va ingresando a la enseñanza primaria importantes contingentes de niños oriundos de familias de trabajadores hecho nuevo en la historia nacional Sin embargo en el mismo momento en que nuevas capas populares presio nan y consiguen ingresar a la escuela el estado reduce porcentualmente el presupuesto de la educación a la mitad6 y realiza reformas de estructura y contenidos del sistema de enseñanza inspiradas en formas tardías de la Pedagogía Nueva y en la Pedagogía Tecnicista La enseñanza pública se ve limitada entonces en sus posibilidades de crecimiento y sufre una radical descalificación Paralelamente se promueve mercantilización de la enseñan za y se desarrollan programas de formación y entrenamiento de mano de obra no formales paralelos al sistema educativo formal En los años 70 se realizan estudios críticos de la política educativa dominante que enfatizan la existencia de dificultades prácticamente insuperables para modificar la situación Muchos proponen la búsqueda de soluciones fuera del sistema de enseñanza formal en los movimientos de educación popular De ese modo la política educativa dominante y las propuestas de los críticos se orientan en direcciones diversas y discordantes con la presión y lucha popular por más y mejor escuela Esta lucha ha sufrido en Brasil sucesivas frustraciones pero posee una tradición histórica En las décadas de 1929 y 19491950 la bandera de enseñanza pública gratuita obligatoria y laica era parte sustan cial del programa de las organizaciones obreras y de docentes y es retomada nuevamente en momentos en que el país comienza a organizarse para exigir el fin de la dictadura 6 Prácticamente en el mismo período en que se duplica la produción nacional el porcentaje de la enseñanza en el presupuesto nacional se reduce a la mitad Luiz Antonio Cunha Rodaviva em Luiz Antonio Cunha y Moacyr de Goes O golpe na educação Rio de Janeiro Zahar 1985 p 56 ESCOLA E DEMOCRACIA XV En este contexto de desarrollo del capitalismo en Brasil de modificación del sistema educativo y de lucha social para poner fin al proceso dictatorial abriendo paso a la democratización del país se constituye la Teoría Histó ricoCrítica de la Educación Esta corriente recoge las mejores tradiciones de lucha por la escuela pública y se propone generar una teoría que permita superar las históricas frustraciones de ese movimiento en Brasil Escuela y democracia constituye una síntesis de ese proceso histórico reuniendo cuatro textos Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad Escuela y democracia I La teoría de la curvatura de la vara Escuela y democracia II Superando la teoría de la curvatura de la vara y Once tesis sobre educación y política7 Los cuatro textos tienen una profunda unidad Responden a la preocu pación que atraviesa todo el pensamiento educativo de Saviani desde sus primeros pasos teóricos generar una teoría educativa capaz de contribuir a la transformación de la sociedad brasileña Esto se traduce en la necesidad de precisar científicamente la especificidad del fenómeno educativo es decir definir cómo la educación cumple su función política en las sociedades lati noamericanas La unidad del libro se va dando por sucesivos enriquecimientos y avan ces de un texto sobre el anterior En este Prólogo sólo destacaremos el hilo conductor que los unifica En su análisis el autor parte de un problema real y concreto la margi nación de la escuela de la mayoría de los niños latinoamericanos Muestra cómo ese problema no ha sido resuelto por las teorías liberales ni por los críticos de las teorías liberales y cómo a pesar de la frustración escolar de sus hijos los trabajadores tienen en la escuela pública una de sus más preciadas reivindicaciones históricas A continuación sobre la base de sus hipótesis y guiado por ellas el autor orienta su trabajo en dos direcciones por un lado realiza la crítica de las propuestas educativas existentes explicando su fracaso e insuficiencia y por otro formula su propuesta Comienza diciendo Saviani que en 1970 cerca del 50 de los alumnos de las escuelas primarias desertaban en condiciones de analfabetismo o de analfabetismo potencial en la mayoría de los países de América Latina 7 El segundo texto es de 1981 el primero y el tercero de 1982 y el cuarto fue escrito especial mente para integrar la primera edición de Escola e democracia en 1983 xvi DERMEVAL SAVIANI Esto sin tener en cuenta el contingente de niños en edad escolar que ni siquiera tienen acceso a la escuela y que por lo tanto se encuentran a priori marginados de ella Las teorías liberales de la educación dominantes en América Latina dentro de su concepción de la educación como camino para la igualdad social se han planteado la solución de este problema pero han fracasado Más recientemente en la década de 1970 los críticos de la escuela liberal se preocupan por mostrar que el fracaso de la escuela era en realidad su objetivo La educación dicen es dependiente de la estructura social y cumple la función de reproducirla de ahí que estos críticos sean llamados críticoreproductivistas Sin embargo si la escuela tuviera como única función producir el fracaso escolar de sus alumnos como mecanismo de reproducción de las desigualdades sociales cómo entender que los traba jadores inscribieran el reclamo de más y mejor escuela entre sus principales reivindicaciones desde el origen mismo de sus luchas Saviani plantea que para entender el problema y la posición de los di versos actores sociales en torno a él es necesario en primer lugar concebir la escuela como lugar de lucha hegemónica entre las dos clases fundamentales de la sociedad capitalista la burguesía y el proletariado en segundo lugar es imprescindible definir la especificidad del fenómeno educativo como lucha hegemónica La educación sería una mediación de carácter contradictorio en el seno de la práctica social global Expresaría las contradicciones sociales de una manera específicamente educativa y al servir a la reproducción de relaciones sociales contradictorias poseería al mismo tiempo un carácter reproductor y cuestionador En la escuela la lucha hegemónica toma la forma de la extensión o no de los servicios a todos los niños y jóvenes y una vez que estos empiezan a ingresar masivamente esa lucha ocurre en torno al carácter y tipo del saber escolar distribuido El proletariado para transformarse en clase hegemónica y dirigente de la sociedad necesita construir una concepción del mundo suficientemente unitaria coherente original y elevada Va a luchar para que la escuela sirva e esta perspectiva enfrentando al proyecto educativo burgués con el suyo propio Sobre la base de esta hipótesis se trata entonces de dar sustancia con creta al proyecto educativo de los trabajadores En el trabajo de Saviani esto tiene dos aspectos interrelacionados ESCOLA E DEMOCRACIA Por un lado es necesario hacer la crítica de las concepciones educativas burguesas y de las teorías críticas que han demonstrado no interpretar ni atender adecuadamente los intereses de los trabajadores aspecto que Saviani también formula al decir que es necesario hacer una lectura de la historia de la escuela y de las luchas populares a partir de la perspectiva de clase dominada por otro lado debe elaborarse una teoría crítica que no sea reproductivista y responda a los intereses de las clases subalternas que explique al mecanismo contradictorio según el cual funciona la educación y la escuela en la sociedad capitalista y permita ver cómo a partir de esas contradiciones es posible articular la escuela con los movimientos concretos tendientes a transformar la sociedad8 Del rico y esclarecedor análisis que realiza Saviani de las teorías liberales y críticoreproductivistas de la educación queremos destacar dos aspectos particularmente valiosos para el estudio de las realidades educativas con cretas de nuestros países El primero se refiere al método de análisis que por otra parte es el mis mo que el autor utiliza para formular su propia teoría Según este método en primer lugar las teorías de la educación deben ser comprendidas en el contexto histórico de su producción a partir de las contradicciones presen tes en las relaciones sociales En segundo lugar la educación del futuro la educación que contribuya a la transformación de la sociedad surge de las contradiciones del presente se constituye a partir de ellas En tercer lugar no alcanza con establecer la relación de pertenencia o coexistencia formal entre propuesta educativa y social Es necesario explicar el fenómeno edu cativo en su particularidad bajo la forma específica en que se presenta El segundo aspecto que queremos resaltar se refiere al planteamiento particularmente radical y polémico por el que Saviani contrapone la pe dagogía tradicional basada en una concepción filosófica esencialista con la pedagogía nueva en sus diversas variantes fundada en una concepción filosófica que privilegia la existencia sobre la esencia Desafiando las con cepciones dominantes entre maestros y profesores Saviani defiende la tesis de que la pedagogía tradicional es revolucionaria científica y democrática y que la pedagogía nueva es conservadora pseudocientífica y no tiene nada 8 En este parágrafo hemos utilizado formulaciones contenidas en el libro de Saviani Edu cação do senso comum à consciência filosófica op cit p 180 xvii xviii DERMEVAL SAVIANI de democrática Y esto lo hace desde al punto de vista de los intereses de los trabajadores La pedagogía tradicional dice Saviani al poner énfasis en la extensión de la enseñanza en los contenidos lógicamente sistematizados en la razón en el papel del profesor de la disciplina y el esfuerzo del alumno estuvo al servicio del proyecto social revolucionario burgués en la transición del feudalismo al capitalismo Constituyó la expresión educativa específica de la lucha por la transformación del hombre en esa época La pedagogía nueva al centrar su atención en la calidad de la enseñanza restó importancia a la lucha por la extensión y propuso una calidad que al estar preocupada por los métodos el aspecto psicológico las relaciones intersubjetivas formalmente democráticas y equitativas y la espontaneidad del alumno sirvió a la per manencia de las formas de existencia de la sociedad capitalista cuando ésta se encontraba ya amenazada por las luchas obreras y populares Saviani inclusive va más allá No solamente muestra el carácter revolucionario científico y democrático de la pedagogía tradicional en sus orígenes sino que sugiere que esta pedagogía contiene los elementos potencialmente cuestionadores de la hegemonía burguesa en la fase de la constitución de la clase obrera en clase revolucionaria Estos elementos pueden ser tomados por una pedagogía que exprese los intereses del proletariado y los rearticule dentro de una concepción que contribuya ahora a la transformación revolucionaria de la sociedad capitalista Toda esta operación de análisis de la pedagogía tradicional y de la pedagogía nueva consiste en la aplicación de la teoría de la curvatura de la vara sugerida por Lenin En este caso la vara estaba torcida para el lado de la pedagogía nueva y Saviani se esfuerza por rectificarla curvando la vara para el lado de la pedagogía tradicional Pero una vez aplicada esta teoría llega el momento de superarla Esa superación se realiza por la incorpo ración de elementos presentes en las propuestas pedagógicas anteriores a una nueva concepción correspondiente a las nuevas condiciones sociales buscando descubrir la propuesta educativa que exprese los intereses de los trabajadores Se trata de encontrar en las contradicciones de la práctica educativa pasada y presente las bases para una lucha realmente eficiente contra la marginación de la cultura de interpretar con precisión que contenido ESCOLA E DEMOCRACIA xix tiene hoy la bandera por la escuela pública levantada sin descanso por el movimiento popular Entendemos que Saviani centra su propuesta en tres aspectos presentes en la pedagogía tradicional y que hoy ganan nueva significación y se articu lan constituyendo una propuesta cualitativamente nueva Esos elementos son la lucha por la extensión de la enseñanza pública formal la valorización de los contenidos y del papel del profesor en una nueva relación con los alumnos Ele centro del problema concreto que encabeza Escuela y democracia es la marginación cultural de la mayoría de los niños y jóvenes latinoamericanos Por lo tanto la extensión de la escuela pública es el tema prioritario Sin embargo si no se acompaña esta reivindicación con un proyecto definido de qué escuela queremos aquella consigna queda vacía de contenido Para Saviani es entonces fundamental definir el carácter de los contenidos es colares Al hacer la crítica de la escuela nueva y realizar una valoración crítica de la escuela tradicional Saviani establece que todo conocimiento nuevo sólo puede surgir de la crítica del conocimiento anterior La pedagogía tradicional entregaba a los alumnos el conocimiento histórico acumulado la pedagogía nueva no Esta se preocupa de partir del educando y no tiene como condi ción prioritaria traer al aula un conocimiento social Saviani considera que el dominado no se libera si no domina aquello que los dominantes dominan y que es absolutamente necesario llevar al aula la cultura históricamente producida bajo la actual forma burguesa como condición de superación crítica de la misma Pero el fenómeno educativo es un fenómeno contradictorio e histórica mente determinado Esta concepción es absolutamente ajena tanto a la pedagogía tradicional como a la nueva De allí que cuando Saviani habla de llevar el conocimiento burgués al aula no lo hace desde el punto de vista de la pedagogía tradicional y cuando habla de la actividad crítica del alumno no lo hace desde el punto de vista de la pedagogía nueva El profesor y el alumno son considerados agentes sociales portadores de determinadas relaciones sociales y determinada práctica social Esta práctica social es el punto de partida del proceso educativo e ella guía la problemati zación de los contenidos científicos y culturales Estos deben ser expuestos de manera sistematizada y lógica por el profesor Pero la apropiación de los XX DERMEVAL SAVIANI contenidos científicos y culturales por parte del alumno operación que Saviani llama instrumentación no es un fin en sí mismo fuera de contexto En la instrumentación en primer lugar el alumno se apropia de informacio nes y categorías teóricas abstractas necesarias para el análisis y manejo de la realidad Es solamente a partir de esa apropiación que el alumno puede plantarse la crítica esto es entender la producción y vigencia históricamente determinada de los instrumentos En segundo lugar esta apropiación se realiza en contraste y contradicción con su sentido común inicial con su práctica social y los problemas y exigencias que ella plantea De ello resulta al mismo tiempo una superación del sentido común del saber popular y del saber erudito A este nuevo tipo de contenidos corresponde un nuevo método didác tico una valorización del papel y la formación del profesor y una nueva relación de éste con los alumnos y de la clase en su conjunto El alumno no podrá elevarse al nivel del profesor si no es por medio del esfuerzo y de una tenaz disciplina a través de una lucha por su propia coherencia que le permita incorporar nuevas armas de análisis de la realidad que le son ajenas sin perder de vista su situación de clase Así es que según Saviani la educación cumple su función política desde el punto de vista de las capas populares realizándose en la función que les es propia permitiendo la apropiación de la cultura históricamente acumu lada por la humanidad la educación cumple su función política La función política de la educación se realiza por la mediación de la función docente Esta permite poner en manos de los trabajadores las armas intelectuales y abstractas que éstos necesitan para elaborar su propia concepción del mundo autónoma unitaria coherente y elaborada una concepción capaz de ser hegemónica de orientar la transformación de la sociedad Tales son en síntesis algunos de los planteamientos fundamentales de Escuela y democracia Es posible decir que esta obra es un aporte significativo al pensamiento pedagógico latinoamericano que expresa las transformacio nes que ha sufrido nuestro continente en las últimas décadas y que recoge tradiciones de análisis del fenómeno educativo Para los educadores uruguayos este libro tal vez posee contornos espe ciales En el sutil y profundo análisis del autor se siente un aire familiar que por momentos nos hace ver en Saviani un vareliano en el Brasil de hoy Percibimos eso en su enfoque positivo y efectivamente revolucionario en su ESCOLA E DEMOCRACIA xxi voluntad de poner la educación al servicio de la transformación de la socie dad de incorporar a todo el pueblo al conocimiento de la cultura universal en su esfuerzo por buscar el camino concreto de avance sobre la base de la crítica radical de las concepciones dominantes y de la elaboración de solu ciones que partan de las contradicciones y necesidades sociales presentes De ese modo Escuela y democracia constituye para nosotros una valiosa fuente de reflexión Es un desafío Nos incita a valorar y repensar criticamen te nuestro proceso histórico Estamos seguros que la divulgación y discusión de este libro nos ayudará a elaborar nuestro propio camino educativo Montevideo marzo de 1988 Ema Julia Massera Garayalde Profesora del Centro de Estudios Latinoamericanos de la Facultad de Humanidades y Ciencias Prefácio à 36a edição sem dúvida um fato auspicioso o lançamento de mais uma edição deste livro exatamente no momento em que se completam 20 anos da publicação da primeira edição em setembro de 1983 Vivíamos naquela época uma situação de grande efervescência com ampla mobilização dos educadores intensos debates pedagógicos e acalentadas esperanças de mudanças substantivas na sociedade brasileira e em sua educação No plano político nacional havíamos conquistado a anistia as eleições diretas para governadores dos esta dos e estávamos às vésperas da campanha das diretas já para a Presidência da República e do fim formal da Ditadura Militar Nesse contexto Escola e democracia se inseriu no debate pelo seu conteúdo polêmico e além da denúncia das nossas mazelas educacionais trouxe também não apenas o anúncio de novas perspectivas mas contri xxiv DERMEVAL SAVIANI buiu igualmente para uma melhor compreensão das questões pedagógicas propiciando aos leitores uma sistematização sucinta das principais teorias educacionais A grande mobilização e às esperanças da década de 1980 seguiuse na década seguinte uma reversão de expectativas marcada pelo refluxo na militância por um certo descrédito na política associado a um cansaço da luta em decorrência da crescente precarização das condições de trabalho e de remuneração dos docentes de todos os níveis no país inteiro É gratificante constatar que resistindo a essas flutuações de conjuntura este livro continuou sendo um valioso auxiliar no trabalho dos professores como o atestam as suas sucessivas reedições É ainda estimulante perceber que nos dias atuais a perspectiva teórica inaugurada com Escola e democracia e que prosseguiu com Pedagogia histórico crítica recobra novo fôlego sendo enriquecida com novas contribuições teó ricas e retomando um certo protagonismo na formulação e implementação de políticas educativas neste ou naquele estado da federação brasileira o que pode ser ilustrado pelos casos do Mato Grosso e do Paraná Ao ensejo desta 36ª edição que marca os 20 anos de publicação inin terrupta desta obra só me resta agradecer aos leitores a calorosa acolhida assegurandolhes que o trabalho prossegue com o mesmo espírito de luta o mesmo grau de exigência quanto ao rigor analítico e a mesma coerência política e honestidade de propósitos que impregnaram a produção e conse qüente divulgação em 1983 dos textos que compõem o presente livro Campinas 21 de setembro de 2003 Dermeval Saviani Prefácio à 35a edição onforme anunciei no prefácio à 34ª edição comemorase neste ano de 2002 os 70 anos do Manifesto dos Pio neiros da Educação Nova Para marcar esse fato o Grupo de Estudos e Pesqui sa em História da Educação GEPHE da Universidade Federal de Minas Gerais organizou em Belo Horizonte nos dias 19 20 e 21 de agosto o Coló quio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado educacional em debate Convidado para o even to apresentei o texto 70 anos do Manifesto e 20 anos de Escola e democracia balanço de uma polêmica Como assinalei na introdução do trabalho apresenta do no Colóquio a pertinência dessa discussão ao ensejo das comemorações dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova devese ao fato de que por efeito de um deslocamento da análise do âmbito da abordagem polêmica para a abordagem historiográfica as teses enun ciadas no livro Escola e democracia foram lidas por uma certa corrente da historiografia da educação brasileira xxvi DERMEVAL SAVIANI nos anos de 1990 como uma espécie de Manifesto contra a Escola Nova e portanto como uma espécie de antiManifesto dos Pioneiros da Educação Nova um antiManifesto de 1932 No entanto como já afirmei e reiterei várias vezes este não é um livro contra o movimento da Escola Nova Se sua leitura ensejou essa interpre tação tal ocorreu por se ter considerado uma abordagem com claro intuito polêmico como se fosse uma abordagem gnosiológica Eis porque no caso particular da história da educação o livro foi lido como se fosse um estudo de caráter historiográfico Por isso no referido evento procurei esclarecer a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Assim após estabelecer interlocução com as leituras de Escola e democracia feitas por duas historiadoras da educação mostro que a teoria da curvatura da vara metáfora a partir da qual instaurei a polêmica é uma prática bastante comum no âmbito do trabalho intelectual sendo que a própria Escola Nova dela lançou mão de forma recorrente Esse procedimento pode ser ilustrado pelos vários lemas cunhados pelo movimento da Escola Nova com o intuito de facilitar sua difusão junto aos professores No texto apresentado no referido Colóquio exemplifiquei esse fenômeno com o lema escolanovista ensinamos crianças não matérias O que que remos dizer com essa expressão Do ponto de vista gramatical ela não se sustenta uma vez que o verbo ensinar é bitransitivo comportando pois tanto o objeto direto como o indireto Na verdade não é possível gramaticalmente dizer que se ensina nada a alguém nem que se ensina algo a ninguém De fato a ação de ensinar implica que algo seja ensinado a alguém Portanto deveríamos dizer que ensinamos matérias às crianças não fazendo sentido a afirmação de que ensinamos crianças não matérias do mesmo modo que não faria sentido afirmar que ensinamos matérias não crianças Então qual seria a razão pela qual o movimento da Escola Nova formulou e difundiu com tanta convicção esse lema Ora um enunciado como esse se justifica exatamente na medida em que não se trata de uma definição mas de um slogan E enquanto slogan tem o caráter de um símbolo agluti nador de adeptos em torno da idéia da centralidade da criança no processo educativo Em outros termos partindo da consideração de que as atenções dos educadores haviam se voltado excessivamente para as matérias para o conteúdo da aprendizagem deixando em segundo plano as crianças que são ao fim e ao cabo a razão de ser do processo educativo cunhouse o lema ESCOLA E DEMOCRACIA xxvii ensinamos crianças não matérias visando a alertar os professores para o fato de que sua preocupação principal deve girar em torno dos educandos cujos interesses devem servir de base para se organizar o currículo isto é os conteúdos do ensino Impõese pois a conclusão ensinamos crianças não matérias é um slogan que a Escola Nova lançou contra a Escola Tradicional Em outros ter mos considerando que com a predominância da Escola Tradicional a vara foi entortada para o lado das matérias a Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara buscou curvar a vara para o lado da criança Ao fazêlo entretanto por aquele mecanismo descrito por Scheffler 1974 pp 4647 segundo o qual os slogans passam a ser defendidos como afirmações literais o enunciado difundiuse como se fosse a pura expressão de uma verdade pedagógica Seguese pois que a Escola Nova tem se utilizado amplamente da teoria da curvatura da vara de forma porém bastante diferente do uso feito por mim neste livro Com efeito enquanto para mim a metáfora da curvatura da vara se apresentou tãosomente com o caráter de exercício intelectual questionador das verdades instaladas o movimento da Escola Nova a tem tomado como um dispositivo instaurador da própria verdade Fica claro portanto que o livro Escola e democracia não se propôs a ser um antiManifesto de 1932 Se for lido como manifesto tratarseá no caso do manifesto de lançamento de uma nova teoria pedagógica uma teoria crítica nãoreprodutivista ou como foi nomeada no ano seguinte após seu lançamento pedagogia históricocrítica proposta em 1984 Sim Este livro pode ser considerado o manifesto de lançamento da pedagogia histórico crítica Lido como manifesto eis sua estrutura O primeiro capítulo apresenta o diagnóstico das principais teorias pedagógicas Mostra as contribuições e os limites de cada uma delas E termina com o anúncio da necessidade de uma nova teoria O capítulo segundo é o momento da denúncia Pela via da polêmica procurase desmontar as visões que se acreditavam progressistas de modo a que se abra caminho para a formulação de uma alternativa superadora Por isso afirmei no texto do Coloquio que o que estava em causa na virada da década de 1970 para a de 1980 era tornar o grupo social dos professores autônomo em relação a um ideário que ele havia acolhido sem crítica e sem benefício de inventário xxviii DERMEVAL SAVIANI Não estava em jogo desvelar uma suposta verdadeira história dos pioneiros da Educação Nova nem a fixação de uma outra memória O contexto do discurso era pois a polêmica e não a historiografia O capítulo terceiro apresenta as características básicas e o encami nhamento metodológico da nova teoria que passou a se chamar de pedagogia históricocrítica esclarecendose no capítulo quarto as condições de sua produção e operação em sociedades como a nossa marcadas pelo primado da política sobre a educação Os comentários feitos neste prefácio tiveram a intenção de ajudar os leitores no entendimento do contexto em que surgiu esse livro e das razões que levaram à sua publicação Espero que por esse caminho se possa des locar um pouco o foco das atenções da polêmica com a Escola Nova para a construção da pedagogia históricocrítica em cujo ponto de partida se encontra a presente obra Campinas 29 de agosto de 2002 Dermeval Saviani Prefácio à 34a edição o ano de 2002 estaremos comemo rando os 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova marco do desenvolvimento do Escolanovismo no Brasil Paralelamente os textos que com põem este livro giram ao redor dos 20 anos Com efeito embora a publicação do livro date de setembro de 1983 o primeiro capítulo foi escrito e publicado originalmente em 1982 como artigo no número 42 de Cadernos de Pesquisa revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos Chagas O segundo capítulo resultou da exposição oral ocorrida no simpósio Abordagem política do funcionamento interno da escola de 1o grau que integrou a programação da I Conferência Brasileira de Educação realizada em São Paulo de 31 de março a 3 de abril de 1980 A referida exposição uma vez transcrita foi pu blicada como artigo no número 1 de Ande Revista da Associação Nacional de Educação em 1981 O terceiro capítulo foi escrito e publicado em 1982 no número 3 XXX DERMEVAL SAVIANI também da revista da Ande Finalmente o quarto capítulo foi escrito em 1983 especialmente para integrar o presente livro Portanto o conteúdo desta obra foi produzido e divulgado entre 1980 e 1983 Ao longo dos aproximadamente 20 anos de circulação deste livro os trabalhos que o integram foram objeto de muitas discussões em especial o capítulo dois Escola e democracia I A teoria da curvatura da vara que inten cionalmente abriu uma polêmica com a corrente da Escola Nova Olhando à distância posso considerar que o impacto gerado pela radi calidade da crítica que formulei provocou reações com forte teor de emoti vidade o que não deixou de suscitar alguns equívocos interpretativos Penso que o ensejo das comemorações dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e dos 20 anos dessa crítica contundente constitui uma boa oportunidade para um balanço dos acertos e desacertos das interpretações que se construíram em torno dessa questão Espero poder em 2002 proceder ao mencionado balanço num seminá rio que está sendo programado para comemorar os 70 anos do documento conhecido como Manifesto de 1932 Para efeitos desse prefácio quero apenas registrar o fato recordando o que enunciei no VII Encontro da Associação SulRioGrandense de Pesquisadores em História da Educação ASPHE realiza do em Pelotas nos dias 3 e 4 de maio de 2001 ao tratar do tema História Comparada da Educação Nesse texto assinalo em nota de rodapé Aliás parece que o único tema que no Brasil tem atraído o interesse para estudos de história comparada da educação é aquele relativo à Escola Nova A julgar pelas referências ainda que depreciativas a mim feitas no texto introdutório de autoria de Ovide Menin pp 78 e no texto de Clarice Nunes pp 2327 que integram o livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil a polêmica que abri em 1980 em torno do modo como o escolanovismo se difundiu e se tornou hegemônico no ideário dos professores exerceu um efeito provocativo cujo resultado foi a realização de estudos específicos e detalhados sobre as características da Escola Nova Fico feliz por esse resultado embora lamente que a uma investida polêmica seja atribuída a característica de pesquisa historiográfica que é criticada mais com imputações do que com a análise do conteúdo dos argumentos apresentados D Saviani História Comparada da Educação algumas aproximações História da Educação vol 5 n10 setembro de 2001 pp 1011 ESCOLA E DEMOCRACIA xxxi Como já havia me manifestado no Prefácio à 20a edição deste livro datado de janeiro de 1988 embora a Escola Nova tenha sido posta no centro da polêmica este não é um livro contra a Escola Nova como tal A denúncia da Escola Nova foi apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia dominante então caracterizada como a pedagogia burguesa de inspiração liberal em contraposição ao âmbito de uma pedago gia emancipatória então identificada com uma pedagogia socialista de ins piração marxista Portanto não há nenhuma contradição entre o conteúdo deste livro e o reconhecimento do caráter progressista do movimento da Escola Nova em especial na formulação contida no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que sob alguns aspectos chegou mesmo a ultrapassar a concepção liberal burguesa de educação incorporando propostas que se inse rem na tradição pedagógica socialista Além do mais como assinalei algumas vezes em minhas aulas considero que o Manifesto de 1932 mais do que um documento em defesa da Escola Nova configurase como um programa de política educacional cujo vetor é a instituição de um sistema completo de educação pública destinado a abarcar todas as crianças e jovens integrantes da população brasileira Foi pois antes de tudo um manifesto em defesa da escola pública diferentemente da maioria das experiências de Escola Nova que no contexto europeu traziam a marca da iniciativa privada Assim na ocasião do lançamento de mais uma edição deste livro manifesto a esperança de que as comemorações dos 70 anos do Manifesto galvanizem o conjunto dos educadores e toda a população do nosso país num pujante movimento em defesa da educação pública de modo a instaurar uma política educativa em âmbito nacional capaz de reverter os efeitos negativos decorrentes da orientação e das ações implementadas no campo escolar pelos governos nos últimos dez anos Campinas 16 de outubro de 2001 Dermeval Saviani Prefácio à 33a edição ara esta nova edição não houve altera ção no conteúdo Entretanto o texto foi refeito integralmente por nova di gitação o que implicou portanto uma revisão completa de todo o livro O lançamento desta 33ª edição coincide com as comemorações do centenário do nas cimento de Anísio Teixeira do qual podemos dizer que o grande tema de toda a sua obra pedagógica teórica e prática é a relação entre educação e democracia convergindo portanto para o assunto central deste livro À semelhança de Marx que apesar de crítico de Hegel proclamouo grande pensador rendo aqui minha homenagem ao grande educador Anísio Teixeira que se empenhou por todos os meios na luta em defesa de uma escola pública de qualidade aberta a todos os brasileiros indistintamente Somos pois herdeiros de Anísio Teixeira Dizia ele em 1947 por ocasião da discussão do capítulo de Educação e Cultura da Constituição do Estado da Bahia xxxiv DERMEVAL SAVIANI Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e em nenhum outro tão pouco se realizou Não há assim como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir E exatamente porque tão pouco se realizou somos forçados a continuar insistindo nos pontos que Anísio segundo seu próprio testemunho se cansara de repetir Sua luta de ontem é ainda a nossa luta de hoje Campinas 27 de agosto de 2000 Dermeval Saviani Prefácio à 30a edição uando essa obra foi lançada a socie dade brasileira passava por uma fase de grande mobilização Estávamos no início da década de 1980 e os primei ros frutos das lutas pela democratiza ção começavam a ser colhidos Em 1983 tomavam posse os governadores de estado eleitos diretamente após quase 20 anos de eleições indiretas controladas pelo regime militar instalado no poder em conseqüência do golpe de 1964 Escola e Democracia vinha a público em setembro de 1983 e começavam as articulações em torno da campanha pelas eleições diretas para presidente da República campanha esta que seria o fato político mais saliente de 1984 No contexto indicado era intensa a mobilização dos educadores carregada de expectativas favoráveis Esperavase que no quadro das transformações políticas a educação encontraria canais adequados para se desen volver no sentido da universalização da escola pública garantindo um ensino de qualidade a toda a população xxxvi DERMEVAL SAVIANI brasileira Ensaios nessa direção foram tentados por alguns governos estaduais e municipais mas os desdobramentos da transição democrática no âmbito da chamada Nova República não corresponderam àquelas expectativas educacionais Em verdade o referido processo de transição acabou sendo dominado pela conciliação das elites mantendose a descontinuidade da política educacional os vícios da máquina administrativa a escassez de recursos e a conseqüente precariedade da educação pública A década de 1990 surge assim marcada por um clima de perplexidade e descrença A orientação dita neoliberal assumida por Fernando Collor e agora pelo governo Fernando Henrique Cardoso vem se caracterizando por políticas educacionais claudicantes combinam um discurso que reconhece a importância da educação com a redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e organizações nãogovernamentais como se a responsabilidade do Estado em matéria de educação pudesse ser transferida para uma etérea boa vontade pública Nesse contexto não deixa de ser reconfortante o fato de que este livro que se constitui ao mesmo tempo como denúncia das formas disfarçadas de discriminação educacional e anúncio de uma pedagogia superadora das desigualdades tenha atingido 30 edições quase um terço delas já nessa difícil década de 1990 Efetivamente se as condições se tornaram adversas esse fato em lugar de nos levar ao desânimo como infelizmente tende a acontecer deve nos conduzir a ampliar a nossa capacidade de luta organizandonos mais for temente e atuando decisivamente no interior das escolas e junto ao Estado no sentido de transformar em verdade prática a consciência já consensual da importância estratégica da educação e da urgência da resolução de seus problemas Que esse livro continue a auxiliar os educadores de todos os níveis e de todas as regiões deste país em sua luta tenaz por uma educação de qua lidade acessível a todos os brasileiros é a única recompensa que almeja o seu autor Campinas 19 de março de 1996 Dermeval Saviani Prefácio à 20a edição primeira edição deste livro data de setembro de 1983 Portanto em pouco mais de quatro anos se esgotaram 19 edições cada uma delas com tiragem de cinco mil exemplares A acolhida vem sendo pois calorosa chegando mesmo alguns leitores a revelar grande entusiasmo por este trabalho A par da grande acolhida e talvez mesmo por causa dela surgiram também algumas críticas Obviamente esta obra não está isenta de limitações e defeitos A julgar pelos depoimentos dos leitores o reconhecimento de limi tações não obscurece os méritos que o trabalho contém Assim o primeiro texto se não esgota a temática que aborda constitui uma síntese clara e didática das principais teorias da educação o que tem sido sobrema neira útil aos educadores ajudandoos na compreensão de sua prática e permitindolhes situaremse mais cla ramente no universo pedagógico Os próprios críticos têm se beneficiado dessa síntese já que nela se apóiam xxxviii DERMEVAL SAVIANI o que implica um endosso da classificação e análise das teorias pedagógicas aí apresentadas O segundo texto tem um caráter preparatório para a teoria crítica da educação que fora apenas anunciada no texto anterior e cujo esboço é objeto da exposição efetuada no terceiro texto Tratase de uma abordagem centrada mais no aspecto polêmico do que no aspecto gnosiológico Por isso mutatis mutandis vale para ele a observação feita por Gramsci a propósito da crítica de Croce à concepção marxista de superestrutura ideológica Quando por razões políticas práticas para tornar um grupo social indepen dente da hegemonia de um outro grupo falase de ilusão como é possível de boafé confundir uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Gramsci 1978 p 261 A par dos limites ligados ao caráter polêmico a exposição contém também defeitos de estilo derivados do fato de ser transcrição direta de uma fala não baseada em texto escrito Daí o tom oral de que está impregnada O mérito do texto é antes heurístico do que analítico Não se trata de uma exposição exaustiva e sistemática mas da indicação de caminhos para a crítica do existen te e para a descoberta da verdade histórica O leitor encontra aí um estímulo para um ajuste de contas consigo mesmo ante tendências pedagógicas com as quais tem se envolvido Se na polêmica avulta a questão da Escola Nova isto não deve induzir a equívocos Este não é um livro contra a Escola Nova como tal E antes um livro contra a pedagogia liberal burguesa Por isso enganamse aqueles que imaginam que por efetuar a crítica à Escola Nova o autor desta obra estaria de algum modo reabilitando a pedagogia burguesa Ora não se nega à Escola Nova o seu caráter progressista em relação à Escola Tradicional Aliás isso está formalmente explícito no terceiro texto Entretanto como proposta burguesa a Escola Nova articula em torno dos interesses da burguesia os elementos progressistas que obviamente não são intrinsecamente burgueses È dessa forma que a burguesia trava a luta pela hegemonia procurando subordinar aos seus interesses os interesses das demais classes Do ponto de vista do proletariado a luta hegemônica implica o processo inverso Tratase de de sarticular dos interesses dominantes aqueles elementos que estão articulados em torno deles mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulálos em torno dos interesses dominados Saviani 1980 pp 1011 ESCOLA E DEMOCRACIA xxxix Dessa forma a denúncia da Escola Nova é apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia burguesa de inspiração liberal e o âmbito da pedagogia socialista de inspiração marxista Aliás não foi outro o comportamento do próprio Marx que em 1848 ao se engajar na luta política dos trabalhadores na Alemanha não se negou a participar do Movimento Democrático sob a condição porém de deixar sempre explícita a diferença entre a perspectiva proletária e aquela dos burgueses e pequeno burgueses progressistas cf Fedosseiev et al 1983 p 190 De minha parte tenho procurado sistematicamente estabelecer essa diferenciação como pode ser comprovado de forma recorrente em meus diferentes trabalhos Dentre eles cito como exemplo o texto A Defesa da Escola Pública que deveria integrar este livro o que não ocorreu por falta de espaço e esta é outra limitação da presente obra No referido texto me empenho em demarcar a perspectiva burguesa da perspectiva socialista explicitando os limites da concepção liberal na defesa da escola pública e registrando como o próprio movimento popular acabou por cair na armadilha da ilusão liberal Saviani 1984 pp 1025 É esse e não outro o sentido que assume neste livro a crítica à Escola Nova Nesse contexto chegam a soar um tanto deslocadas as abordagens que provocadas por este trabalho pretendem reabilitar a Escola Nova a partir da perspectiva proletária Demarcadas as perspectivas feita a crítica da visão liberal burguesa os elementos progressistas desarticulados da concepção dominante são no terceiro texto articulados no âmbito da perspectiva pedagógica correspon dente aos interesses da classe trabalhadora Ainda que não se tenha podido explorar e aprofundar suas diversas implicações avançase aí decididamente na formulação de uma teoria crítica nãoreprodutivista da educação a qual como foi assinalado no final do primeiro texto só pode ser formulada do ponto de vista dos interesses dominados cf pp 3031 O último texto Onze Teses sobre Educação e Política procura situar o debate pedagógico muito além dos acanhados limites geralmente marcados pela repetição de slogans esvaziados de conteúdo Com efeito sem perder de vista a realidade concreta da sociedade de classes projetouse a reflexão para o horizonte de possibilidades isto é para o momento da passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade o momento da constituição da sociedade sem classes momento catártico por excelência em que toda a DERMEVAL SAVIANI sociedade humana se reencontra consigo mesma A alguns leitores parece ter escapado tal intento talvez em razão do caráter lapidar das teses formu ladas e da economia das explicações apresentadas seria este outro defeito do livro A questão do desaparecimento do Estado permite ilustrar esse ponto No texto afirmo Sabese que não se trata de destruir o Estado ele simplesmente desaparecerá por não ser mais necessário cf p 86 Obvia mente o contexto aí é o da passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade portanto a passagem do socialismo ao comunismo que significa o advento da sociedade sem classes Conseqüentemente o Estado que fora utilizado pelo proletariado como instrumento de transição para a sociedade sem classes ao ser esta consolidada perde a razão de ser e desaparece Que dizer então da interpretação que considera a colocação supra como indicadora de que o Estado burguês não é destruído mas consente no seu desaparecimento Antes de qualquer outra consideração cabe registrar que tal interpretação não corresponde ao que foi registrado no texto Com efeito lá está escrito Sabese que não se trata de destruir o Estado e não Sabese que não se trata de destruir o Estado burguês Nesse ponto da reflexão supõese já superada a sociedade burguesa Ora a revolução socia lista proletária não destrói o Estado em si mesmo Ao conquistar o poder o proletariado por meio do mesmo ato revolucionário destitui destrói o Estado burguês e constitui o Estado proletário Como falar nessa nova situa ção de destruição do Estado Quem destruirá o Estado proletário Não será uma outra classe pois com a conquista do poder pelo proletariado que é a classe cujo domínio consiste na superação das classes já não há outra classe que a ele se possa contrapor como historicamente progressista Seria então o próprio proletariado Na verdade não se trata já da destruição do Estado Uma vez cumprido o papel de instrumento coercitivo para inviabilizar as tentativas de restauração do poder burguês o Estado sociedade política não sendo mais necessário desaparecerá A concepção acima exposta é encontrada reiterativamente nos escritos de Marx resultando assim um contrasenso invocar esse autor para desautorizar a linha de reflexão por mim desenvolvida cf Marx s d p 38 1974 pp 80 e 90 1968 pp 4748 1984 pp 6268 Para economia deste prefácio cito apenas o final de A Miséria da Filosofia Somente numa ordem de coisas em que não existem mais classes e antagonismos entre classes as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas Marx 1985 p 160 xl ESCOLA E DEMOCRACIA xli O mesmo se diga de Gramsci O fim do Estado sublinhado por Marx e Lênin é concebido por Gramsci como a absorção pela sociedade civil da sociedade política que numa socieda de sem classes está destinada à extinção na proporção e na medida em que se harmonizam os interesses do proletariado e os interesses do conjunto do corpo social Grisoni Maggiori 1973 pp 177178 Nas palavras do próprio Gramsci A classe burguesa está saturada não só não se amplia mas se desagrega não só não assimila novos elementos mas desassimila uma parte de si mesma ou pelo menos as desassimilações são muitíssimo mais numerosas do que as assimilações Uma classe que se considere capaz de assimilar toda a sociedade e ao mesmo tempo seja realmente capaz de exprimir este processo leva à perfeição esta concepção do Estado e do direito de tal modo a conceber o fim do Estado e do direito em virtude de terem eles completado a sua missão e de terem sido absorvidos pela Sociedade Civil Gramsci 1976 p 147 E mais adiante O elemento Estadocoerção pode ser imaginado em processo de desapareci mento à medida que se afirmam elementos cada vez mais conspícuos de sociedade regulada ou Estado ético ou sociedade civil idem p 149 Para esta edição foi feita uma revisão de todo o trabalho corrigindose algumas falhas de impressão ao mesmo tempo em que se procurou minorar os defeitos de estilo do segundo texto Agradecendo a confiança dos leitores espero que os esclarecimentos deste prefácio os ajudem a melhor compreender as posições assumidas pelo autor Os comentários feitos tiveram apenas essa intenção não cabendo pois interpretá los como resposta às objeções dos críticos Pelo respeito que merecem os colegas que valorizaram este trabalho com suas apreciações cabe considerálas uma a uma de forma detida Como não é possível fazer isso num simples prefácio tais considerações são remetidas para outro momento e outro lugar São Sepé RS 26 de janeiro de 1988 Dermeval Saviani Apresentação ste pequeno livro foi organizado da seguinte maneira o primeiro texto reproduz o artigo As Teorias da Edu cação e o Problema da Marginalidade na América Latina publicado origi nalmente em Cadernos de Pesquisa nº 42 agosto82 da Fundação Carlos Chagas Os textos seguintes Escola e Democracia I e Escola e Democracia II reproduzem respectivamente os artigos Escola e democracia ou a Teoria da Curvatura da Vara Ande 1981 e Escola e Democracia para além da Teoria da Curvatura da Vara Ande 1982 O último texto Onze Teses sobre Educação e Política foi escrito especialmente para integrar a presente publicação Seu objetivo é encaminhar de modo explícito a discussão das relações entre educação e política já que aí reside a questão central que atravessa de ponta a ponta o conteúdo deste livro Dada a estreita conexão entre os artigos acima mencionados tem havido uma tendência a estudálos DERMEVAL SAVIANI conjuntamente o que entretanto tem sido obstado pelas dificuldades em encontrálos disponíveis nas livrarias A decisão de reunilos numa mesma publicação atende assim à solicitação de diversos leitores no sentido de contornar aquelas dificuldades Esperamos que este livro a exemplo dos artigos que lhe deram origem continue a auxiliar professores e alunos na busca de uma compreensão mais sistemática e crítica das diferentes teorias da educação Finalmente aproveitamos a oportunidade para agradecer a Cadernos de Pesquisa revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos Chagas e Ande revista da Associação Nacional de Educação pela anuência à inclusão dos artigos na presente obra São Paulo setembro de 1983 Dermeval Saviani 2 Capítulo 1 As teorias da educação e o problema da marginalidade 1 O PROBLEMA e acordo com estimativas relativas a 1970 cerca de 50 dos alunos das escolas primárias desertavam em con dições de semianalfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos países da América Latina Tedesco 1981 p 67 Isto sem levar em conta o contingente de crianças em idade escolar que sequer têm acesso à escola e que portanto já se encontram a priori marginalizadas dela O simples dado acima indicado lança de imediato em nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fenômeno da escolarização Como interpretar esse dado Como explicálo Como as teorias da educação se posicionam diante dessa situação Grosso modo podemos dizer que no que diz respeito à questão da marginalidade as teorias educacionais po dem ser classificadas em dois grupos No primeiro temos 4 DERMEVAL SAVIANI aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social portanto de superação da marginalidade No segundo estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social logo um fator de marginalização Ora percebese facilmente que ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a partir de determinada maneira de entender as relações entre educação e sociedade Assim para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa tendendo à integração de seus membros A marginalidade é pois um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros o que no entanto constitui um desvio uma distorção que não só pode como deve ser corrigida A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções Constitui pois uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social Sua função coincide no limite com a superação do fenômeno da marginalidade Enquanto esta ainda existir devem se intensificar os esforços educativos quando for superada cumpre manter os serviços educativos num nível pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade Como se vê no que respeita às relações entre educação e sociedade concebese a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e mais do que isso garantindo a construção de uma sociedade igualitária Já o segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essen cialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material Nesse quadro a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da socieda de Isso porque o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante se apropriando dos resultados da produção social tendendo em conseqüência a relegar os demais à condição de marginalizados Nesse contexto a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalização Nesse sentido a educação longe de ser um instrumento de superação da marginalidade convertese num fator de marginalização já que sua forma específica de ESCOLA E DEMOCRACIA 5 reproduzir a marginalidade social é a produção da marginalidade cultural e especificamente escolar Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos denominarei as teorias do primeiro grupo de teorias nãocríticas já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendêla a partir dela mesma Inversamente aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendoa sempre a seus condicionantes objetivos isto é à estrutura socioeconômica que determina a forma de manifestação do fenômeno educativo Como porém entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade serão por mim denominadas de teorias críticoreprodutivistas 2 AS TEORIAS NÃOCRÍTICAS 21 A Pedagogia Tradicional A constituição dos chamados sistemas nacionais de ensino data de meados do século XIX Sua organização inspirouse no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder a burguesia Tratavase pois de construir uma sociedade democrática de consolidar a democracia burguesa Para superar a situação de opressão própria do Antigo Regime e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado livremente entre os indivíduos era necessário vencer a barreira da ignorância Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos isto é em indivíduos livres por que esclarecidos ilustrados Como realizar essa tarefa Por meio do ensino A escola é erigida no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos redimindo os homens de seu duplo pecado histórico a ignorância miséria moral e a opressão miséria política Zanotti 1972 pp 2223 Nesse quadro a causa da marginalidade é identificada com a ignorância É marginalizado da nova sociedade quem não é esclarecido A escola surge como um antídoto à ignorância logo um instrumento para equacionar o problema da marginalidade Seu papel é difundir a instrução transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente 6 DERMEVAL SAVIANI O mestreescola será o artífice dessa grande obra A escola organizase como uma agência centrada no professor o qual transmite segundo uma gradação lógica o acervo cultural aos alunos A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos À teoria pedagógica acima indicada correspondia determinada maneira de organizar a escola Como as iniciativas cabiam ao professor o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado Assim as escolas eram organizadas na forma de classes cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola anteriormente descrito de forma simplificada sucedeu progressivamente uma crescente decepção A referida escola além de não conseguir realizar seu desiderato de universalização nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bemsucedidos ainda teve de curvar se ante o fato de que nem todos os bemsucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar Começaram então a se avolumar as críticas a essa teoria da educação e a essa escola que passa a ser chamada de Escola Tradicional 22 A Pedagogia Nova As críticas à pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século XIX foram aos poucos dando origem a uma outra teoria da edu cação Esta teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalização social Portanto as esperanças de que se pudesse corrigir a distorção expressa no fenômeno da marginalidade por meio da escola ficaram de pé Se a escola não vinha cumprindo essa função tal fato se devia a que o tipo de escola implantado a Escola Tradicional se revelara inadequado Toma corpo então um amplo movimento de reforma cuja expressão mais típica ficou conhecida sob o nome de escolanovismo Tal movimento tem como ponto de partida a Escola Tradicional já implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educação que ficou conhecida como pedagogia tradicional A pedagogia nova começa pois por efetuar a crítica da pedagogia tradicional esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantála primeiro por intermédio ESCOLA E DEMOCRACIA 7 de experiências restritas depois advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares Segundo essa nova teoria a marginalidade deixa de ser vista predominan temente sob o ângulo da ignorância isto é o não domínio de conhecimentos O marginalizado já não é propriamente o ignorante mas o rejeitado Alguém está integrado não quando é ilustrado mas quando se sente aceito pelo grupo e por meio dele pela sociedade em seu conjunto É interessante notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram à pedagogia a partir da preocupação com os anormais ver por exemplo De croly e Montessori A partir das experiências levadas a efeito com crianças anormais é que se pretendeu generalizar procedimentos pedagógicos para o conjunto do sistema escolar Notase então uma espécie de biopsicologi zação da sociedade da educação e da escola Ao conceito de anormalidade biológica construído a partir da constatação de deficiências neurofisiológicas se acrescenta o conceito de anormalidade psíquica detectada por testes de inteligência de personalidade etc que começam a se multiplicar Forjase então uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da des coberta das diferenças individuais Eis a grande descoberta os homens são essencialmente diferentes não se repetem cada indivíduo é único Portanto a marginalidade não pode ser explicada pelas diferenças entre os homens quaisquer que elas sejam não apenas diferenças de cor de raça de credo ou de classe o que já era defendido pela pedagogia tradicional mas também diferenças no domínio do conhecimento na participação do saber no desem penho cognitivo Marginalizados são os anormais isto é os desajustados e inadaptados de todos os matizes Mas a anormalidade não é algo em si negativo ela é simplesmente uma diferença Portanto podemos concluir ainda que isto pareça paradoxal que a anormalidade é um fenômeno normal Não é pois suficiente para caracterizar a marginalidade a qual está marcada pela inadaptação ou desajustamento fenômenos associados ao sentimento de rejeição A educação como fator de equalização social será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que cumprir a função de ajustar de adaptar os indivíduos à sociedade incutindo neles o sentimento de aceita ção dos demais e pelos demais A educação será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que contribuir para a constituição de uma sociedade cujos membros não importam as diferenças de quaisquer tipos aceitemse mutuamente e respeitemse na sua individualidade específica 8 DERMEVAL SAVIANI Compreendese então que essa maneira de entender a educação por referência à pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento do aspecto lógico para o psico lógico dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos do professor para o aluno do esforço para o interesse da disciplina para a espontaneidade do diretivismo para o nãodiretivismo da quantidade para a qualidade de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada princi palmente nas contribuições da biologia e da psicologia Em suma tratase de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender mas aprender a aprender Para funcionar de acordo com a concepção anteriormente exposta obviamente a organização escolar teria que passar por uma sensível reformu lação Assim em lugar de classes confiadas a professores que dominavam as grandes áreas do conhecimento revelandose capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a se rem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos a escola deveria agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos Tal aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes e o professor Para tanto cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos sem o que a relação interpessoal essência da atividade educativa ficaria dificultada e num ambiente estimulante portanto dotado de materiais didáticos ricos biblioteca de classe etc Em suma a feição das escolas mudaria seu aspecto sombrio disciplinado silencioso e de paredes opacas assumindo um ar alegre movimentado barulhento e multicolorido O tipo de escola acima descrito não conseguiu entretanto alterar significativamente o panorama organizacional dos sistemas escolares Isso porque além de outras razões implicava custos bem mais elevados do que aqueles da Escola Tradicional Com isso a Escola Nova organizouse ba sicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite No entanto o ideário escolanovista tendo sido amplamente difundido penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas ESCOLA E DEMOCRACIA 9 amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional Cumpre assinalar que tais conseqüências foram mais negativas que positivas uma vez que provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos acabou a absorção do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado Em contrapartida a Escola Nova aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites Vêse assim que paradoxalmente em lugar de resolver o problema da marginalidade a Escola Nova o agravou Com efeito ao enfatizar a qua lidade do ensino ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político relativo à sociedade em seu conjunto para o âmbito técnicopedagógico relativo ao interior da escola cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses É a esse fenômeno que denominei de mecanismo de recomposição da hege monia da classe dominante Saviani 1980 Cabe assinalar que o papel da Escola Nova previamente descrito manifestouse mais nitidamente no caso da América Latina Em verdade na maioria dos países dessa região os sistemas de ensino começaram a as sumir feição mais nítida já no século XX quando o escolanovismo estava largamente disseminado na Europa e principalmente nos Estados Unidos não deixando em conseqüência de influenciar o pensamento pedagógico latinoamericano Portanto a disseminação das escolas efetuada segundo os moldes tradicionais não deixou de ser de alguma forma perturbada pela propagação do ideário da pedagogia nova já que esse ideário ao mesmo tempo que procurava evidenciar as deficiências da escola tradicional dava força à idéia segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos 23 A Pedagogia Tecnicista Ao findar a primeira metade do século XX o escolanovismo apresentava sinais visíveis de exaustão As esperanças depositadas na reforma da escola resultaram frustadas Um sentimento de desilusão começava a se alastrar nos meios educacionais A pedagogia nova ao mesmo tempo que se tornava 10 DERMEVAL SAVIANI dominante como concepção teórica a tal ponto que se tornou senso comum o entendimento segundo o qual a pedagogia nova é portadora de todas as virtudes e de nenhum vício ao passo que a pedagogia tradicional é portadora de todos os vícios e de nenhuma virtude na prática revelouse ineficaz em face da questão da marginalidade Assim de um lado surgiam tentati vas de desenvolver uma espécie de Escola Nova Popular cujos exemplos mais significativos são as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire de outro lado radicalizavase a preocupação com os métodos pedagógicos presentes no escolanovismo que acaba por desembocar na eficiência instrumental Articulase aqui uma nova teoria educacional a pedagogia tecnicista A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos prin cípios de racionalidade eficiência e produtividade essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a tornálo objetivo e opera cional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretende se a objetivação do trabalho pedagógico Com efeito se no artesanato o trabalho era subjetivo isto é os instrumentos de trabalho eram dispostos em função do trabalhador e este dispunha deles segundo seus desígnios na produção fabril essa relação é invertida Aqui é o trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho já que este foi objetivado e organizado na forma parcelada Nessas condições o trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessário para produzir determinados objetos O produto é pois uma decorrência da forma como é organizado o processo O concurso das ações de diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que ao contrário lhes é estranho O fenômeno acima mencionado ajudanos a entender a tendência que se esboçou com o advento daquilo que estou chamando de pedagogia tecni cista Buscouse planejar a educação de modo a dotála de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência Para tanto era mister operacionalizar os objetivos e pelo menos em certos aspectos mecanizar o processo Daí a proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico o microensino o telensino a instrução programada as máquinas de ensinar etc Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções postulandose a introdução no sistema de ensino de técnicos dos mais di ferentes matizes Daí enfim a padronização do sistema de ensino a partir ESCOLA E DEMOCRACIA I I de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era ao mesmo tempo o sujeito do processo o elemento decisivo e decisório e se na pedagogia nova a iniciativa deslocase para o aluno situandose o nervo da ação educativa na relação professoraluno portanto relação interpessoal intersubjetiva na pedagogia tecnicista o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios ocupando o professor e o aluno posição secundária relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção planejamento coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados neutros objetivos imparciais A organização do processo convertese na garantia da eficiência compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção Cumpre notar que embora a pedagogia nova também dê grande im portância aos meios há porém uma diferença fundamental enquanto na pedagogia nova os meios são dispostos em função da relação professoraluno estando pois a serviço dessa relação na pedagogia tecnicista a situação invertese Enquanto na pedagogia nova são os professores e alunos que decidem se utilizam ou não determinados meios bem como quando e como o farão na pedagogia tecnicista dirseia que é o processo que define o que pro fessores e alunos devem fazer e assim também quando e como o farão Compreendese então que para a pedagogia tecnicista a marginalidade não será identificada com a ignorância nem será detectada a partir do senti mento de rejeição Marginalizado será o incompetente no sentido técnico da palavra isto é o ineficiente e improdutivo A educação estará contri buindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes isto é aptos a dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade da sociedade Assim estará ela cumprindo sua função de equalização social Nesse contexto teórico a equalização social é identificada com o equilíbrio do sistema no sentido do enfoque sistêmico A marginalidade isto é a ineficiência e improdutividade constituise numa ameaça à estabilidade do sistema Como este comporta múltiplas funções às quais correspondem determinadas ocupações e como essas diferentes funções são interdependentes de tal modo que a ineficiência no desem penho de uma delas afeta as demais e em conseqüência todo o sistema 12 DERMEVAL SAVIANI cabe à educação proporcionar um eficiente treinamento para a execução das múltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social A educação será concebida pois como um subsistema cujo funcionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte Sua base de sustentação teórica deslocase para a psicologia behaviorista a engenharia comportamental a ergonomia informática cibernética que têm em comum a inspiração filosófica neopositivista e o método funcionalista Do ponto de vista pedagógico concluise que se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender e para a pedagogia nova aprender a aprender para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer À teoria pedagógica acima exposta corresponde uma reorganização das escolas que passam por um crescente processo de burocratização Com efeito acreditavase que o processo se racionalizava na medida em que se agisse planificadamente Para tanto era mister baixar instruções minuciosas sobre como proceder com vistas a que os diferentes agentes cumprissem cada qual as tarefas específicas acometidas a cada um no amplo espectro em que se fragmentou o ato pedagógico O controle seria feito basicamente pelo preenchimento de formulários O magistério passou então a ser submetido a um pesado e sufocante ritual com resultados visivelmente negativos Na verdade a pedagogia tecnicista ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril perdeu de vista a especificidade da educação ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações Além do mais na prática educativa a orientação tecnicista cruzou com as condições tradicio nais predominantes nas escolas bem como com a influência da pedagogia nova que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores Nessas condições a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo gerando tal nível de descontinuidade de heterogeneidade e de fragmentação que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico Com isso o problema da marginalidade só tendeu a se agravar o conteúdo do ensino tornouse ainda mais rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornouse irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência A situação descrita afetou particularmente a América Latina já que desviou das atividadesfim para as atividadesmeio parcela considerável dos recursos sabidamente escassos destinados à educação Sabese ainda que boa parte dos programas internacionais de implantação de tecnologias de ESCOLA E DEMOCRACIA 13 ensino nesses países tinham por detrás outros interesses como por exemplo a venda de artefatos tecnológicos obsoletos aos países subdesenvolvidos cf Mattelart 1976 e sd 3 AS TEORIAS CRÍTICOREPRODUTIVISTAS Como já assinalei o primeiro grupo de teorias concebe a marginalidade como um desvio tendo a educação por função a correção desse desvio A marginalidade é vista como um problema social e a educação que dispõe de autonomia em relação à sociedade estaria por esta razão capacitada a intervir eficazmente na sociedade transformandoa tornandoa melhor corrigindo as injustiças em suma promovendo a equalização social Essas teorias consideram pois apenas a ação da educação sobre a sociedade Porque desconhecem as determinações sociais do fenômeno educativo eu as denominei de teorias nãocríticas Inversamente as teorias do segundo grupo que passarei a examinar são críticas uma vez que postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais Há pois nessas teorias uma cabal percepção da dependência da educação em relação à sociedade Entretanto como na análise que desen volvem chegam invariavelmente à conclusão de que a função própria da educação consiste na reprodução da sociedade em que ela se insere bem merecem a denominação de teorias críticoreprodutivistas Tais teorias contam com um razoável número de representantes e manifestamse em diferentes versões Há por exemplo os chamados radicais americanos cujos principais representantes são Bowles e Gintis com o livro Schooling in Capitalist America 1976 que podem ser classificados nesse grupo de teorias Tais autores consideram que a escola tinha nas origens uma função equalizadora mas que atualmente se torna cada vez mais discriminadora e repressiva Todas as reformas escolares fracassaram tornando cada vez mais evidente o papel que a escola desempenha reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de produção capitalista Em que pesem as diferentes manifestações considero que no âmbito desse grupo as teorias que tiveram maior repercussão e que alcançaram um maior nível de elaboração são as seguintes 14 DERMEVAL SAVIANI a teoria do sistema de ensino como violência simbólica b teoria da escola como aparelho ideológico de Estado AIE c teoria da escola dualista A seguir comentarei brevemente cada uma delas 31 Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica Esta teoria está desenvolvida na obra A Reprodução elementos para uma teoria do sistema de ensino de p Bourdieu e J C Passeron 1975 A obra é constituída de dois livros No livro I Fundamentos de uma teoria da violência simbólica a teoria é sistematizada num corpo de proposições logicamente articuladas segundo um esquema analíticodedutivo O livro II expõe os resultados de uma pesquisa empírica levada a cabo pelos autores no sistema escolar francês em um de seus segmentos qual seja a Faculdade de Letras Como as análises do livro II podem ser consideradas como aplicações a um caso historicamente determinado dos princípios gerais enunciados no livro I ainda que tenham servido ao mesmo tempo como ponto de partida para a construção dos princípios do livro I minha exposição se limitará ao conteúdo do livro I O arcabouço do livro I constitui mais do que uma sociologia da educa ção uma sóciológica da educação Isto porque não se trata de uma análise da educação como fato social mas da explicitação das condições lógicas de possibilidade de toda e qualquer educação para toda e qualquer sociedade de toda e qualquer época ou lugar Tratase de uma teoria axiomática que se desdobra dedutivamente dos princípios universais para os enunciados analíticos de suas conseqüências particulares Por isso cada grupo de pro posições começa sempre por um enunciado universal todo poder de vio lência simbólica toda ação pedagógica etc e termina por uma aplicação particular expressa pela fórmula uma formação social determinada Vale notar que no intuito de preservar a validade universal da teoria os autores têm o cuidado de utilizar sempre a expressão grupos ou classes jamais se referindo apenas às classes simplesmente o que indica que a validade da teoria não pretende se circunscrever apenas às sociedades de classes mas se estende também às sociedades sem classes que porventura tenham existido ou venham a existir Em suma o axioma fundamental proposição ESCOLA E DEMOCRACIA 15 zero que enuncia a teoria geral da violência simbólica aplicase ao siste ma de ensino que é definido como uma modalidade específica de violência simbólica proposições de grau 4 por meio de proposições intermediárias que tratam sucessivamente da ação pedagógica proposições de grau 1 da autoridade pedagógica proposições de grau 2 e do trabalho pedagógico proposições de grau 3 Por que violência simbólica Os autores tomam como ponto de partida que toda e qualquer sociedade estruturase como um sistema de relações de força material entre grupos ou classes Sobre a base da força material e sob sua determinação erigese um sistema de relações de força simbólica cujo papel é reforçar por dissimulação as relações de força material É essa a idéia central contida no axioma fundamental da teoria Senão vejamos o seu enunciado Todo poder de violência simbólica isto é todo poder que chega a impor significações e a impôlas como legítimas dissimulando as relações de força que estão na base de sua força acrescenta sua própria força isto é propriamente simbólica a essas relações de força Bourdieu Passeron 1975 p 19 Vêse que o reforço da violência material se dá pela sua conversão ao pla no simbólico em que se produz e reproduz o reconhecimento da dominação e de sua legitimidade pelo desconhecimento dissimulação de seu caráter de violência explícita Assim à violência material dominação econômica exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre os grupos ou classes dominados corresponde a violência simbólica dominação cultural A violência simbólica manifestase de múltiplas formas formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa jornais etc prega ção religiosa atividade artística e literária propaganda e moda educação familiar etc No entanto na obra em questão o objetivo de Bourdieu e Passeron é a ação pedagógica institucionalizada isto é o sistema escolar Daí o subtítulo da obra elementos para uma teoria do sistema de ensino Para isso partindo como já disse da teoria geral da violência simbólica buscam explicitar a ação pedagógica AP como imposição arbitrária da cultura também arbitrária dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados Essa imposição para se exercer implica necessariamente a autoridade pedagógica AuP isto é um poder arbitrário de imposição que só pelo fato de ser desconhecido como tal se encontra objetivamente reconhecido como autoridade legítima idem p 27 16 DERMEVAL SAVIANI A referida ação pedagógica que se exerce pela autoridade pedagógica AuP realizase pelo trabalho pedagógico TP entendido como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável isto é um habitus como produto da interiorização dos prin cípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuarse após a cessação da ação pedagógica AP e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado idem p 44 Para a compreensão do sistema de ensino é de fundamental importância a distinção entre trabalho pedagógico TP primário educação familiar e trabalho pedagógico secundário cuja forma institucionalizada é o trabalho escolar TE Como os autores indicam no escolio da proposição 1 reservouse a seu momento lógico proposições de grau 4 a especificação das formas e dos efeitos de uma ação pedagógica que se exerce no quadro de uma instituição escolar é somente na última proposição 43 que se encontra caracterizada expressamente a AP escolar que reproduz a cultura dominante contribuindo desse modo para reproduzir a estrutura das relações de força numa formação social onde o sistema de ensino dominante tende a assegurarse do monopólio da violência simbólica legítima idem pp 2021 A proposição 43 sintetiza de modo exaustivo o conjunto da teoria do sistema de ensino como violência simbólica Vale a pena então apesar de sua extensão transcrevêla integralmente Numa formação social determinada o SE sistema de ensino dominante pode constituir o TP dominante como TE sem que os que o exercem como os que a ele se submetem cessem de desconhecer sua dependência relativa às rela ções de força constitutivas da formação social em que ele se exerce porque ele produz e reproduz pelos meios próprios da instituição as condições necessárias ao exercício de sua função interna de inculcação que são ao mesmo tempo as condições suficientes da realização de sua função externa de reprodução da cultura legítima e de sua contribuição correlativa à reprodução das relações de força e porque só pelo fato de que existe e subsiste como instituição ele ESCOLA E DEMOCRACIA 17 implica as condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que exerce isto é porque os meios institucionais dos quais dispõe enquanto ins tituição relativamente autônoma detentora do monopólio do exercício legítimo da violência simbólica estão predispostos a servir também sob a aparência da neutralidade os grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbitrário cultural dependência pela independência idem p 75 Portanto a teoria não deixa margem a dúvidas A função da educação é a de reprodução das desigualdades sociais Pela reprodução cultural ela contribui especificamente para a reprodução social Como interpretar nesse quadro o fenômeno da marginalidade De acordo com essa teoria marginalizados são os grupos ou classes dominados Marginalizados socialmente porque não possuem força material capital econômico e marginalizados culturalmente porque não possuem força sim bólica capital cultural E a educação longe de ser um fator de superação da marginalidade constitui um elemento reforçador da mesma Eis a função logicamente necessária da educação Não há outra al ternativa Toda tentativa de utilizála como instrumento de superação da marginalidade não é apenas uma ilusão É a forma pela qual ela dissimula e por isso cumpre eficazmente a sua função de marginalização Todos os esforços ainda que oriundos dos grupos ou classes dominados reverte sempre no reforço dos interesses dominantes É pela mediação desse efeito de dominação da AP dominante que as dife rentes AP que se exercem nos diferentes grupos ou classes colaboram objetiva e indiretamente na dominação das classes dominantes inculcação pelas AP dominadas de conhecimentos ou de maneiras dos quais a AP dominante define o valor sobre o mercado econômico ou simbólico idem p 22 Eis por que Snyders resumiu sua crítica a essa teoria na seguinte frase BourdieuPasseron ou a luta de classes impossível Snyders 1977 p 287 De fato à luz da teoria da violência simbólica a classe dominante exerce um poder de tal modo absoluto que se torna inviável qualquer reação por parte da classe dominada A luta de classes resulta pois impossível 18 DERMEVAL SAVIANI 32 Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado AIE Ao analisar a reprodução das condições de produção que implica a reprodução das forças produtivas e das relações de produção existentes Althusser é levado a distinguir no Estado os Aparelhos Repressivos de Estado o governo a administração o exército a polícia os tribunais as prisões etc e os Aparelhos Ideológicos de Estado AIE que ele enumera provisoriamente da seguinte forma AIE religioso o sistema das diferentes Igrejas AIE escolar o sistema das diferentes escolas públicas e particulares AIE familiar AIE jurídico AIE político o sistema político de que fazem parte os diferentes parti dos AIE sindical AIE da informação imprensa rádiotelevisão etc AIE cultural Letras BelasArtes desportos etc Althusser sd pp 4344 A distinção entre ambos assenta no fato de que o Aparelho Repressivo de Estado funciona massivamente pela violência e secundariamente pela ideologia enquanto inversamente os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam massivamente pela ideologia e secundariamente pela repressão idem pp 4647 O conceito Aparelho Ideológico de Estado deriva da tese segundo a qual a ideologia tem uma existência material Isto significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por instituições materiais idem pp 8889 Em suma a ideologia materializase em aparelhos os aparelhos ideoló gicos de Estado A partir desses instrumentos conceituais Althusser idem p 60 avança a tese segundo a qual o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras após uma violenta luta de classes política ESCOLA E DEMOCRACIA 19 e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante é o Aparelho Ideológico Escolar Como AIE dominante vale dizer que a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista Para isso ela toma a si todas as crianças de todas as classes sociais e inculcalhes durante anos a fio de audiência obrigatória saberes práticos envolvidos na ideologia dominante idem p 64 Uma grande parte operários e camponeses cumpre a escolaridade bá sica e é introduzida no processo produtivo Outros avançam no processo de escolarização mas acabam por interrompêlo passando a integrar os quadros médios os pequenoburgueses de toda a espécie idem p 65 Uma pequena parte enfim atinge o vértice da pirâmide escolar Estes vão ocupar os postos próprios dos agentes da exploração no sistema pro dutivo dos agentes da repressão nos Aparelhos Repressivos de Estado e dos profissionais da ideologia nos Aparelhos Ideológicos de Estado idem ibidem Em todos os casos tratase de reproduzir as relações de exploração capitalista Nas palavras de Althusser idem p 66 é através da aprendizagem de alguns saberes práticos savoirfaire envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista isto é as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados Nesse contexto como se coloca o problema da marginalidade O fenô meno da marginalidade inscrevese no próprio seio das relações de produção capitalista que se funda na expropriação dos trabalhadores pelos capitalistas Marginalizada é pois a classe trabalhadora O AIE escolar em lugar de instrumento de equalização social constitui um mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses Se as teorias do primeiro grupo por isso elas bem merecem ser chamadas de nãocríticas desconhe cem essas determinações objetivas e imaginam que a escola possa cumprir o papel de correção da marginalidade isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teorias são ideológicas isto é dissimulam para reproduzilas as condições de marginalidade em que vivem as camadas trabalhadoras 20 DERMEVAL SAVIANI No entanto diferentemente de Bourdieu e Passeron Althusser idem p 49 não nega a luta de classes Ao contrário chega mesmo a afirmar que os AIE podem ser não só o alvo mas também o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes Entretanto quando descreve o funcionamento do AIE escolar a luta de classes fica praticamente diluída tal o peso que adquire aí a dominação burguesa Eu diria então que a luta de classes resulta nesse caso heróica mas inglória já que sem nenhuma chance de êxito O parágrafo um tanto longo que me permito transcrever fundamenta essa conclusão Peço desculpas aos professores que em condições terríveis tentam voltar contra a ideologia contra o sistema e contra as práticas em que este os encerra as armas que podem encontrar na história e no saber que ensinam Em certa medida são heróis Mas são raros e quantos a maioria não têm sequer um vislumbre de dúvida quanto ao trabalho que o sistema que os ultrapassa e esmaga os obriga a fazer pior dedicamse inteiramente e em toda a consciên cia à realização desse trabalho os famosos métodos novos Têm tão poucas dúvidas que contribuem até pelo seu devotamente a manter e a alimentar a representação ideológica da Escola que a torna hoje tão natural indispensável útil e até benfazeja aos nossos contemporâneos quanto a Igreja era natural indispensável e generosa para os nossos antepassados de há séculos idem pp 6768 33 Teoria da Escola Dualista Essa teoria foi elaborada por C Baudelot e R Establet e exposta no livro LÉcole Capitaliste en France 1971 Chamo de teoria da escola dualista porque os autores se empenham em mostrar que a escola em que pese a aparência unitária e unificadora é uma escola dividida em duas e não mais do que duas grandes redes as quais correspondem à divisão da sociedade capitalista em duas classes fundamentais a burguesia e o proletariado Os autores procedem de modo didático enunciando preliminarmente as teses básicas que sucessivamente passam a demonstrar Assim na primeira parte após dissipar as ilusões da unidade da escola formulam seis proposi ções fundamentais que passarão a demonstrar ao longo da obra ESCOLA E DEMOCRACIA 21 1 Existe uma rede de escolarização que chamaremos rede secundária superior rede SS 2 Existe uma rede de escolarização que chamaremos rede primária profissional rede PP 3 Não existe terceira rede 4 Estas duas redes constituem pelas relações que as definem o aparelho escolar capitalista Este aparelho é um aparelho ideológico do Estado capitalista 5 Enquanto tal este aparelho contribui pela parte que lhe cabe a reproduzir as relações de produção capitalistas quer dizer em definitivo a divisão da sociedade em classes em proveito da classe dominante 6 È a divisão da sociedade em classes antagonistas que explica em última instância não somente a existência das duas redes mas ainda o que as define como tais os mecanismos de seu funcionamento suas causas e seus efeitos Baudelot Establet 1971 p 42 Por meio de minuciosa análise estatística os autores empenhamse em demonstrar na segunda parte as três primeiras proposições isto é a exis tência de apenas duas redes de escolarização as redes PP e SS A quarta proposição é objeto das terceira e quarta partes na terceira parte procura se pôr em evidência que é a mesma ideologia dominante que é imposta a todos os alunos sob formas necessariamente incompatíveis na quarta parte demonstrase que a divisão em duas redes atravessa o aparelho escolar em seu conjunto portanto desde a escola primária contrariamente às aparências de unidade da escola primária Mais do que isso afirmam os autores que é na escola primária que o essencial de tudo o que concerne ao aparelho escolar capitalista se realiza Finalmente a quinta parte é dedicada à demonstração das duas últimas proposições evidenciando então que o aparelho escolar com suas duas redes opostas contribui para reproduzir as relações sociais de produção capitalista idem p 47 Importa reter que nesta teoria é retomado o conceito de Althusser Aparelho Ideológico de Estado definindose o aparelho escolar como unidade contraditória de duas redes de escolarização idem p 281 Como aparelho ideológico a escola cumpre duas funções básicas contribui para a formação da força de trabalho e para a inculcação da ide ologia burguesa Cumpre assinalar porém que não se trata de duas funções 22 DERMEVAL SAVIANI separadas Pelo mecanismo das práticas escolares a formação da força de trabalho dáse no próprio processo de inculcação ideológica Mais do que isso todas as práticas escolares ainda que contenham elementos que im plicam um saber objetivo e não poderia deixar de conter já que sem isso a escola não contribuiria para a reprodução das relações de produção são práticas de inculcação ideológica A escola é pois um aparelho ideológico isto é o aspecto ideológico é dominante e comanda o funcionamento do aparelho escolar em seu conjunto Conseqüentemente a função precípua da escola é a inculcação da ideologia burguesa Isto é feito de duas formas concomitantes em primeiro lugar a inculcação explícita da ideologia burguesa em segundo lugar o recalcamento a sujeição e o disfarce da ideologia proletária Vêse assim a especificidade dessa teoria Ela admite a existência da ideologia do proletariado Considera porém que tal ideologia tem origem e existência fora da escola isto é nas massas operárias e em suas organizações A escola é um aparelho ideológico da burguesia e a serviço de seus interesses O parágrafo abaixo transcrito é extremamente esclarecedor a respeito A contradição principal existe brutalmente fora da escola sob a forma de uma luta que opõe a burguesia ao proletariado ela se trava nas relações de produção que são relações de exploração Como aparelho ideológico de Estado a escola é um instrumento da luta de classes ideológica do Estado burguês onde o Estado burguês persegue objetivos exteriores à escola ela não é senão um instrumento destinado a esses fins A luta ideológica conduzida pelo Estado burguês na escola visa à ideologia proletária que existe fora da escola nas massas operárias e suas organizações A ideologia proletária não está presente em pessoa na escola mas apenas sob a forma de alguns de seus efeitos que se apresentam como resistências entretanto inclusive por meio dessas resistências é ela própria que é visada no horizonte pelas práticas de inculcação ideológica burguesa e pequenoburguesa idem p 280 No quadro da teoria da escola dualista o papel da escola não é então o de simplesmente reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida social mente Considerandose que o proletariado dispõe de uma força autônoma e forja na prática da luta de classes suas próprias organizações e sua própria ideologia a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia ESCOLA E DEMOCRACIA 23 do proletariado e a luta revolucionária Para isso ela é organizada pela bur guesia como um aparelho separado da produção Conseqüentemente não cabe dizer que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual Cabe isto sim dizer que ela qualifica o trabalho intelec tual e desqualifica o trabalho manual sujeitando o proletariado à ideologia burguesa sob um disfarce pequenoburguês Assim podese concluir que a escola é ao mesmo tempo um fator de marginalização relativamente à cultura burguesa assim como em relação à cultura proletária Em face da cultura burguesa pelo fato de inculcar à massa de operários que tem acesso à rede PP apenas os subprodutos da própria cultura burguesa Em relação à cultura proletária pelo fato de recalcála forçando os operários a representarem sua condição nas categorias da ideologia burguesa Conseqüentemente a escola longe de ser um instrumento de equalização social é duplamente um fator de marginalização converte os trabalhadores em marginais não apenas por referência à cultura burguesa mas também em relação ao próprio movimento proletário buscando arrancar do seio desse movimento colocar à margem dele todos aqueles que ingressam no sistema de ensino Podese concluir que se Baudelot e Establet se empenham em compre ender a escola no quadro da luta de classes eles não a encaram porém como palco e alvo da luta de classes Com efeito entendem que a escola vista como aparelho ideológico é um instrumento da burguesia na luta ideológica contra o proletariado A possibilidade de que a escola se constitua num instrumento de luta do proletariado fica descartada Uma vez que a ideologia proletária adquire sua forma acabada no seio das massas e organizações operárias não se cogita de utilizar a escola como meio de elaborar e difundir a referida ideologia Se o proletariado se revela capaz de elaborar independentemente da escola sua própria ideologia de um modo tão consistente quanto o faz a burguesia com o auxílio da escola então por referência ao aparelho escolar a luta de classes revelase inútil Eis por que Snyders 1977 pp 338344 resume sua crítica à teoria da escola dualista com a expressão Baudelot Establet ou a luta de classe inútil Ao terminar esse rápido esboço relativo às teorias críticoreprodutivistas cumpre assinalar que obviamente tais teorias não deixaram de exercer in fluência na América Latina tendo alimentado ao longo da década de 1970 uma razoável quantidade de estudos críticos sobre o sistema de ensino Se tais estudos tiveram o mérito de pôr em evidência o comprometimento da 24 DERMEVAL SAVIANI educação com os interesses dominantes também é certo que contribuíram para disseminar entre os educadores um clima de pessimismo e de desânimo que evidentemente só poderia tornar ainda mais remota a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os esforços de superação do problema da marginalidade nos países da região 4 PARA UMA TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO O leitor terá notado que quando me referi às teorias nãocríticas após expor brevemente o conteúdo de cada uma procurei mostrar a forma de organização e funcionamento da escola decorrente da proposta pedagógica veiculada pela teoria Já em relação às teorias críticoreprodutivas isto não foi feito Na verdade essas teorias não contêm uma proposta pedagógica Elas empenhamse tãosomente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como está constituída Em outros termos pelo seu caráter repro dutivista estas teorias consideram que a escola não poderia ser diferente do que é Empenhamse pois em mostrar a necessidade lógica social e histórica da escola existente na sociedade capitalista pondo em evidência aquilo que ela desconhece e mascara seus determinantes materiais Em relação à questão da marginalidade ficamos com o seguinte resul tado enquanto as teorias nãocríticas pretendem ingenuamente resolver o problema da marginalidade por meio da escola sem jamais conseguir êxito as teorias críticoreprodutivistas explicam a razão do suposto fra casso Segundo a concepção críticoreprodutivista o aparente fracasso é na verdade o êxito da escola aquilo que se julga ser uma disfunção é antes a função própria da escola Com efeito sendo um instrumento de reprodução das relações de produção a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a dominação e exploração Daí seu caráter segregador e marginalizador Daí sua natureza seletiva A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência Em ambos os casos a história é sacrificada No primeiro caso sacrificase a história na idéia em cuja harmonia se pretende anular as contradições do real No segundo caso a história é sacrificada na reificação da estrutura social em que as contradições ficam aprisionadas ESCOLA E DEMOCRACIA 25 O problema permanece em aberto E pode ser recolocado nos seguintes termos é possível encarar a escola como uma realidade histórica isto é suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana Evite mos escorregar para uma posição idealista e voluntarista Retenhamos da concepção críticoreprodutivista a importante lição que nos trouxe a escola é determinada socialmente a sociedade em que vivemos fundada no modo de produção capitalista é dividida em classes com interesses opostos por tanto a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade Considerandose que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola ela está empenhada na preservação de seu domínio portanto apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação seguese que uma teoria crítica que não seja reprodutivista só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados O nosso problema pode então ser enunciado da seguinte maneira é possível articular a escola com os interesses dos dominados Da perspectiva do tema deste artigo a questão recebe a seguinte formulação é possível uma teoria da educação que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da marginalidade Limitome aqui a afirmar a possibilidade dessa teoria já que escapa aos objetivos desse artigo o desenvolvimento da mesma Uma teoria do tipo acima enunciado impõese a tarefa de superar tanto o poder ilusório que caracteriza as teorias nãocríticas como a impotência decorrente das teorias críticoreprodutivistas colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitirlhes o exercício de um poder real ainda que limitado No entanto o caminho é repleto de armadilhas já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com os anseios da classe dominada Para evitar esse risco é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista É nessa direção que começa a se desenvolver um promissor esforço de elaboração teórica O leitor encontrará um esboço dessa teoria no texto Escola e Democracia II para além da teoria da curvatura da vara neste livro Do ponto de vista prático tratase de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade a discriminação e o rebaixamento do ensino das ca 26 DERMEVAL SAVIANI madas populares Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajarse no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes 5 POSTSCRIPTUM Os leitores certamente terão estranhado que ao longo de um texto versando sobre as teorias da educação e o problema da marginalidade não apareceu uma palavra sequer sobre teoria da educação compensatória Tal estranheza parece procedente já que se há alguma proposta educativa intimamente ligada à questão da marginalidade esta é a chamada educação compensatória Com efeito não é exatamente a situação de marginalidade vivida pelas assim chamadas crianças carentes que constitui a razão de ser da educação compensatória Não é a educação compensatória a estratégia acionada para superar o problema da marginalidade na medida em que propõe nivelar as precondições de aprendizagem pela via da compensação das desvantagens das crianças carentes Entretanto devo dizer que não considero a educação compensatória uma teoria educacional seja no sentido de uma interpretação do fenômeno educativo que acarreta determinada proposta pedagógica como é o caso das teorias nãocríticas seja no sentido de explicitar os mecanismos que regem a organização e funcionamento da educação explicando em conseqüência as suas funções como é o caso das teorias críticoreprodutivistas seja ainda no sentido de um esforço para equacionar pela via da compreensão teórica a questão prática da contribuição específica da educação no processo de transformação estrutural da sociedade como será o caso de uma teoria crítica da educação A meu ver a educação compensatória configura uma resposta não crítica às dificuldades educacionais postas em evidência pelas teorias crítico reprodutivistas Assim uma vez que se acumulavam as evidências de que o fracasso escolar incidindo predominantemente sobre os alunos socioecono micamente desfavorecidos se devia a fatores externos ao funcionamento da ESCOLA E DEMOCRACIA 27 escola tratavase então de agir sobre esses fatores Educação compensatória significa pois o seguinte a função básica da educação continua sendo in terpretada em termos da equalização social Entretanto para que a escola cumpra sua função equalizadora é necessário compensar as deficiências cuja persistência acaba sistematicamente por neutralizar a eficácia da ação pedagógica Vêse que não se formula uma nova interpretação da ação peda gógica Esta continua sendo entendida em termos da pedagogia tradicional da pedagogia nova ou da pedagogia tecnicista encaradas de forma isolada ou de forma combinada O caráter de compensação de deficiências prévias ao processo de esco larização permitenos compreender a estreita ligação entre educação com pensatória e préescola Daí porque a educação compensatória compreende um conjunto de programas destinados a compensar deficiências de diferentes ordens de saúde e nutrição familiares emotivas cognitivas motoras lin güísticas etc Tais programas acabam colocando sob a responsabilidade da educação uma série de problemas que não são especificamente educacionais o que significa na verdade a persistência da crença ingênua no poder re dentor da educação em relação à sociedade Assim se a educação se revelou incapaz de redimir a humanidade por meio da ação pedagógica não se trata de reconhecer seus limites mas alargálos atribuise à educação um conjunto de papéis que no limite abarcam as diferentes modalidades de política social A conseqüência é a pulverização de esforços e de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista propriamente educacional Essas constatações levaramme à conclusão de que a própria expressão educação compensatória coloca o problema em termos invertidos isto é o termo que aparece como substantivo deveria ser o adjetivo e viceversa Portanto se se quer compensar as carências que caracterizariam a situação de marginalidade das crianças das camadas populares é preciso considerar que há diferentes modalidades de compensação compensação alimentar compensação sanitária compensação afetiva compensação familiar etc Nesse quadro constatada a existência de deficiências especificamente educacionais caberia falar não em educação compensatória atribuindose à educação a responsabilidade de compensar todo tipo de deficiência mas em compensação educacional E aqui fica finalmente evidenciada a não autonomia teórica da educação compensatória uma vez que a exigência de tratamento diferenciado de respeito às diferenças individuais e aos diferentes 28 DERMEVAL SAVIANI ritmos de aprendizagem bem como a ênfase na diversificação metodológica e técnica no sentido de suprir as carências dos educandos são preocupações próprias do tipo de teoria denominada neste texto de pedagogia nova No contexto da América Latina a tendência atualmente em curso freqüentemente reforçada pelo patrocínio de organismos internacionais de difusão da educação compensatória com a conseqüente valorização da préescola entendida como mecanismo de solução do problema do fracas so escolar das crianças das camadas trabalhadoras no ensino de primeiro grau deve ser submetida à crítica Com efeito tal tendência acaba por se configurar numa nova forma de contornar o problema em lugar de atacálo de frente Exemplo eloqüente desse desvio é o caso da cidade de São Paulo onde após dez anos de merenda escolar os índices de fracasso escolar na passagem da primeira para a segunda série do primeiro grau em lugar de diminuir aumentaram1 em 6 Cumpre não tergiversar Não se trata de negar a importância dos diferen tes programas de ação compensatória Considerálos porém como programas educativos implica um afastamento ainda maior em lugar da aproximação que se faz necessária em direção à compreensão da natureza específica do fenômeno educativo 1 Depoimento da secretária de Educação do município de São Paulo em 1983 Capítulo 2 Escola e democracia I A teoria da Curvatura da Vara tema desta exposição1 é a abordagem política do funcionamento interno da escola de 1º grau Pareceme à primeira vista que poderíamos fazê lo de duas maneiras abordarmos a questão da organização da escola de lº grau e aí então colocaríamos ênfase nas atividades meio focalizando o papel do diretor suas relações com os técnicos intermediários orientadores supervisores assim por diante chegando em seguida ao professor e aos alunos Neste caso o enfoque estaria nas atividades meio ou seja na organização A outra forma de abordar seria enfatizar as atividadesfim e nesse sentido examinar mais propriamente como se desenvolve o ensino que finalidades ele busca atingir que procedimentos ele adota para atingir suas finalidades em que medida existe coe 1 Exposição oral apresentada no Simpósio Abordagem Política do Funcionamento Interno da Escola de 1º Grau 1ª Conferência Brasileira de Educação São Paulo 3131980 30 DERMEVAL SAVIANI rência entre finalidades e procedimentos Bem é melhor me preocupar com as atividadesfim e deixar à margem a questão da organização da escola de lº grau Enfatizarei justamente a problemática do ensino que se desenvolve no interior da escola de 1º grau pensando que funções políticas esse ensino desempenha Já que a abordagem é política vou logo me colocar no coração do político Nesse sentido farei uma exposição centrada em três teses Enunciarei para vocês as três teses que vou apenas comentar rapidamente em seguida extrairei delas algumas conseqüências para a educação brasileira e comple mentarei com um apêndice Para retirar o suspense sobre a forma da minha exposição eu já antecipo quais são as teses e também qual é o apêndice Vejam bem todas elas são teses políticas no entanto a primeira por ser mais geral eu a considero uma tese filosóficohistórica Poderíamos enunciála da seguinte maneira do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência Uma segunda tese que se articula com essa é uma tese que eu chamaria pedagógicometodológica e a enuncio assim do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos Vejam então que estou me colocando diretamente no coração do po lítico Estou enunciando teses isso significa posições e posições polêmicas Dessas duas teses eu obtenho uma terceira que portanto opera como uma conclusão das duas primeiras As duas primeiras funcionam como premissas para extrair uma terceira tese conclusiva especificamente política de política educacional Eu a enuncio da seguinte maneira de como quando mais se falou em democracia no interior da escola menos democrática foi a escola e de como quando menos se falou em democracia mais a escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Bem essa terceira tese é derivada das duas primeiras Em seguida exa minaremos as conseqüências disso na educação brasileira e por último farei referência a um apêndice Nesse apêndice farei uma pequena consideração sobre a teoria da curvatura da vara Eu não sei se a teoria da curvatura da vara é conhecida Conforme Althusser 1977 pp 136138 ela foi enunciada por Lênin ao ser criticado por assumir posições extremistas e radicais Lênin responde o seguinte quando a vara está torta ela fica curva de um lado e se você quiser endireitála não basta colocála na posição correta É preciso curvála para o lado oposto ESCOLA E DEMOCRACIA 31 Com essa teoria da curvatura da vara compietarei minha exposição A impossibilidade de desenvolver todas as teses acima colocadas faz com que eu apenas as enuncie para em seguida mencionar algumas conseqüên cias e a partir delas provocar um debate e mais do que isso deixálas para serem exploradas mais profundamente em outros trabalhos Entre parênteses eu acrescentaria apenas que essas teses derivam de uma reflexão relativamente amadurecida que venho desenvolvendo há algum tempo Alguma coisa já expus em textos ou palestras Quanto à primeira tese do caráter revolucionário da pedagogia da es sência e do caráter reacionário da pedagogia da existência o que eu quero dizer com isso é basicamente o seguinte nós estamos hoje no âmbito da política educacional e no âmbito do interior da escola na verdade nos digladiando com duas posições antitéticas que geralmente são traduzidas em termos do novo e do velho da pedagogia nova e da pedagogia tradicional Essa pedagogia tradicional é uma pedagogia que se funda numa concep ção filosófica essencialista ao passo que a pedagogia nova se funda numa concepção filosófica que privilegia a existência sobre a essência O que isso significa do ponto de vista históricofilosófico 1 0 HOMEM LIVRE Se nós voltarmos à antigüidade grega vamos verificar que em verdade a filosofia da essência não implicava maiores problemas lá e a pedagogia que decorria dessa filosofia por sua vez não implicava problemas políticos muito sérios na medida em que o homem o ser humano era identificado com o homem livre o escravo não era considerado ser humano conseqüentemente a essência humana só era realizada nos homens livres Então o problema do escravismo sobre o qual se assentava a produção da sociedade grega fica des cartado e nem era um problema do ponto de vista filosóficopedagógico Durante a Idade Média essa concepção essencialista recebe uma ino vação que diz respeito justamente à articulação da essência humana com a criação divina portanto ao serem criados os homens segundo uma essên cia predeterminada também já seus destinos eram definidos previamente conseqüentemente a diferenciação da sociedade entre senhores e servos já 32 DERMEVAL SAVIANI estava marcada pela própria concepção que se tinha da essência humana Então a essência humana justificava as diferenças Ora coisa diversa vem a ocorrer na época moderna com a ruptura do modo de produção feudal e a gestação do modo de produção capitalista Nesse momento a burguesia classe em ascensão vai se manifestar como uma classe revolucionária e enquanto classe revolucionária vai advogar a filosofia da essência como um suporte para a defesa da igualdade dos homens como um todo e é justamente a partir daí que ela aciona as críticas à nobreza e ao clero Em outros termos a dominação da nobreza e do clero era uma dominação nãonatural nãoessencial mas social e acidental portanto histórica Vejam que toda postura revolucionária é uma postura essencialmente histórica é uma postura que se coloca na direção do desenvolvimento da história Naquele momento a burguesia colocavase na direção do desenvolvimento da história e seus interesses coincidiam com os interesses do novo com os interesses da transformação e é nesse sentido que a filosofia da essência que vai ter depois como conseqüência a pedagogia da essência vai fazer uma defesa intransigente da igualdade essencial dos homens Sobre essa base da igualdade dos homens de todos os homens é que se funda então a liberdade e é sobre justamente a liberdade que se vai postular a reforma da socie dade Lembremse de passagem de Rousseau O que defendia Rousseau Que tudo é bom enquanto sai do autor das coisas Tudo degenera quando passa às mãos dos homens Em outros termos a natureza é justa é boa e no âmbito natural a igualdade está preservada As desigualdades vejam o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens são geradas pela sociedade Esse raciocínio não significa outra coisa senão colocar diante da nobreza e do clero a idéia de que as diferenças os privilégios de que eles usufruíam não eram naturais e muito menos divinos mas eram sociais E enquanto diferenças sociais configuravam injustiça enquanto injustiça não poderiam continuar existindo Logo aquela sociedade fundada em senhores e servos não poderia persistir Ela teria que ser substituída por uma sociedade igualitária É nesse sentido então que a burguesia vai reformar a sociedade substituindo uma sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual Vejam como é que se tece todo o raciocínio Os homens são essencialmen te livres essa liberdade fundase na igualdade natural ou melhor essencial dos homens e se eles são livres então podem dispor de sua liberdade e na ESCOLA E DEMOCRACIA 33 relação com os outros homens mediante contrato fazer ou não concessões É sobre essa base da sociedade contratual que as relações de produção vão se alterar do trabalhador servo vinculado à terra para o trabalhador não mais vinculado à terra mas livre para vender a sua força de trabalho e ele a vende mediante contrato Então quem possui os meios de produção é livre para aceitar ou não a oferta de mãodeobra e viceversa quem possui a força de trabalho é livre para vendêla ou não para vendêla a este ou aquele para vender a quem quiser Esse é o fundamento jurídico da sociedade burguesa Fundamento como veremos formalista de uma igualdade formal No en tanto é sobre essa base de igualdade que vai se estruturar a pedagogia da essência e assim que a burguesia se torna a classe dominante ela vai a partir de meados do século XIX estruturar os sistemas nacionais de ensino e vai advogar a escolarização para todos Escolarizar todos os homens era condição para converter os servos em cidadãos era condição para que esses cidadãos participassem do processo político e participando do processo político eles consolidariam a ordem democrática democracia burguesa é óbvio mas o papel político da escola estava aí muito claro A escola era proposta como condição para a consolidação da ordem democrática 2 A MUDANÇA DE INTERESSES Ocorre que a história vai evoluindo e a participação política das massas entra em contradição com os interesses da própria burguesia Na medida em que a burguesia de classe em ascensão portanto de classe revolucionária se transforma em classe consolidada no poder os interesses dela não caminham mais em direção à transformação da sociedade ao contrário os interesses dela coincidem com a perpetuação da sociedade É nesse sentido que ela já não está mais na linha do desenvolvimento histórico mas está contra a história A história voltase contra os interesses da burguesia Então para a burguesia defender seus interesses ela não tem outra saída senão negar a história passando a reagir contra o movimento da história É nesse mo mento que a escola tradicional a pedagogia da essência já não vai servir e a burguesia vai propor a pedagogia da existência Ora vejam vocês o que é a pedagogia da existência senão diferentemente da pedagogia da essência que 34 DERMEVAL SAVIANI é uma pedagogia que se fundava no igualitarismo uma pedagogia da legiti mação das desigualdades Com base neste tipo de pedagogia considerase que os homens não são essencialmente iguais os homens são essencialmente diferentes e nós temos que respeitar as diferenças entre os homens Então há aqueles que têm mais capacidade e aqueles que têm menos capacidade há aqueles que aprendem mais devagar há aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo Eis em síntese o que eu quis dizer com a minha primeira tese tese filosóficohistórica do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência Com efeito a pedagogia da existência vai ter esse caráter reacionário isto é vai contraporse ao movimento de libertação da humanidade em seu conjunto vai legitimar as desigualdades legitimar a dominação legitimar a sujeição legitimar os privilégios Nesse contexto a pedagogia da essência não deixa de ter um papel revolucionário pois ao defender a igualdade essencial entre os homens continua sendo uma bandeira que caminha na direção da eliminação daqueles privilégios que impedem a realização de parcela considerável dos homens Entretanto neste momento não é a burguesia que assume o papel revolucionário como assumira no início dos tempos modernos Nesse momento a classe revolucionária é outra não é mais a burguesia é exatamente aquela classe que a burguesia explora 3 A FALSA CRENÇA DA ESCOLA NOVA A segunda tese eu enunciei da seguinte forma do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos Vejam que no fundo as minhas teses estão indo contra a tendência corrente contra a tendência dominante E por que isso Porque vejam bem tanto na primeira tese como veremos agora na segunda o que em verdade a burguesia faz ao defender a posição que corresponde aos seus interesses é contrapôla ao momento anterior Assim no caso da pe dagogia da existência e da essência a burguesia constrói os argumentos que defendem a pedagogia da existência contra a pedagogia da essência pintando essa última como algo tipicamente medieval Nesse sentido ESCOLA E DEMOCRACIA 35 ela deixa de assumir a pedagogia da essência como uma construção dela própria Veremos agora em relação ao método como essa questão se co loca de modo também bastante claro Eu vou especificar um pouco mais a questão do método porque diz respeito justamente ao modo como a gente trabalha no interior da própria escola no interior da sala de aula E aqui nós poderíamos nos lembrar já diretamente do movimento da Escola Nova que pintou o método tradicional como um método précientífico como um método dogmático e como um método medieval Basta nós nos lembrarmos por exemplo de Kilpatrick Educação para uma Civilização em Mudança em que caracteriza a civilização que foi se construindo com base no surgimento da ciência moderna a partir do Renascimento como sendo a civilização em mudança Nesse sentido os métodos tradicionais são remetidos para a Idade Média e portanto para um caráter précientífico e mesmo anticientífico ou seja dogmático Ora no entanto essa crença que a Escola Nova propaga é uma crença totalmente falsa Com efeito o chamado ensino tradicional não é précientífico e muito menos medieval Esse ensino tradicional que predomina ainda hoje nas escolas constituiuse após a Revolução Industrial e implantouse nos chamados sistemas nacionais de ensino configurando amplas redes oficiais criadas a partir de meados do século XIX no momento em que consolidado o poder burguês acionase a escola redentora da humanidade universal gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação da ordem democrática O que estou querendo enfatizar com isto é que esse método tradicional foi constituído após a Revolução Industrial contrariamente portanto ao argumento que os escolanovistas comumente levantam de que a Revolução Industrial transformou a sociedade determinou uma sociedade não mais estática em mudança contínua que essa Revolução Industrial que tem seu fundamento na ciência não teve sua contrapartida na educação que conti nuou sendo précientífica seguindo lemas medievais Daí a razão do método novo proclamarse científico proclamarse instrumento de introdução da ciência na atividade educativa e em conseqüência colocar a educação à altura do século à altura da época No entanto esse ensino dito tradicional estruturouse por meio de um método pedagógico que é o método expositivo que todos conhecem todos passaram por ele e muitos estão passando ainda cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart Esses passos que são o passo da preparação da apresentação da comparação 36 DERMEVAL SAVIANI e assimilação da generalização e por último da aplicação correspondem ao esquema do método científico indutivo tal como fora formulado por Bacon método que podemos esquematizar em três momentos fundamentais a observação a generalização e a confirmação Tratase portanto daquele mesmo método formulado no interior do movimento filosófico do empirismo que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna Eu acho que esse ponto precisa ser explicitado um pouco melhor No ensino herbartiano o passo da preparação significa basicamente a recordação da lição anterior logo do já conhecido através do passo da apre sentação é colocado diante do aluno um novo conhecimento que lhe cabe assimilar a assimilação portanto o terceiro passo ocorre por comparação daí por que eu o denominei assimilaçãocomparação a assimilação ocorre por comparação do novo com o velho o novo é assimilado pois a partir do velho Esses três passos correspondem no método científico indutivo ao momento da observação Tratase de identificar e destacar o diferente entre os elementos já conhecidos O passo seguinte o da generalização significa que se o aluno já assimilou o novo conhecimento ele é capaz de identificar todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido Ora no método indutivo o momento da generalização não é outra coisa senão a subsunção sob uma lei extraída dos elementos observados pertencentes a determinada classe de fenômenos de todos os elementos observados ou não que integram a mesma classe de fenômenos O passo da aplicação que é o quinto passo do método herbartiano coincide de forma geral com as lições para casa Fazendo os exercícios o aluno vai demonstrar se ele aprendeu se assimilou ou não o conhecimento Tratase de verificar por meio de exemplos novos não manipulados ainda pelo aluno se ele efeti vamente assimilou o que foi ensinado Corresponde pois ao momento da confirmação no caso do método científico uma vez que se o aluno aplicou corretamente os conhecimentos adquiridos se ele acertou os exercícios a assimilação está confirmada Podese afirmar que ao ensino correspondeu uma aprendizagem Por isso a preparação da lição seguinte começa com a recapitulação da anterior o que é feito normalmente mediante a correção da lição de casa Eis pois a estrutura do método tradicional na lição seguinte começase corrigindo os exercícios porque essa correção é o passo da pre paração Se os alunos fizeram corretamente os exercícios eles assimilaram o conhecimento anterior então eu posso passar para o novo Se eles não ESCOLA E DEMOCRACIA 37 fizeram corretamente então eu preciso dar novos exercícios é preciso que a aprendizagem se prolongue um pouco mais que o ensino atente para as razões dessa demora de tal modo que finalmente aquele conhecimento anterior seja de fato assimilado o que será a condição para se passar para um novo conhecimento Cabe aqui perguntar por que o movimento da Escola Nova tendeu a classificar como précientífico e até mesmo como anticientífico dogmático o método aqui citado Acredito que demonstrei a sua cientificidade Mas vamos tentar agora responder a essa pergunta A Escola Nova deve ter suas razões 4 ENSINO NÃO É PESQUISA Na verdade o que o movimento da Escola Nova fez foi tentar articular o ensino com o processo de desenvolvimento da ciência ao passo que o chamado método tradicional o articulava com o produto da ciência Em outros termos a Escola Nova buscou considerar o ensino como um processo de pesquisa daí por que ela se assenta no pressuposto de que os assuntos de que trata o ensino são problemas isto é são assuntos desconhecidos não apenas pelo aluno como também pelo professor Nesse sentido o ensino seria o desenvolvimento de uma espécie de projeto de pesquisa quer dizer uma atividade vamos aos cinco passos do ensino novo que se contrapõem simetricamente aos passos do ensino tradicional então o ensino seria uma atividade lº passo que suscitando determinado problema 2º passo provocaria o levantamento dos dados 3º passo a partir dos quais seriam formuladas as hipóteses 4º passo explicativas do problema em questão empreendendo alunos e professores conjuntamente a experimentação 5º passo que permitiria confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas Vêse pois que o ensino novo basicamente se funda nessa estrutura ele começa por uma atividade na medida em que a atividade não pode prosse guir por algum obstáculo alguma dificuldade algum problema que surgiu é preciso resolver esse problema Como se vai resolver esse problema Então todos alunos e professores saem à cata de dados dados dos mais diferentes tipos dados documentais bibliográficos dados de campo etc Esses dados uma vez levantados permitirão acionar uma ou mais hipóteses explicativas 38 DERMEVAL SAVIANI do problema Formulada a hipótese é preciso passar à experimentação é preciso testar essa hipótese São esses os cinco passos do método novo Diferentemente disso o ensino tradicional propunhase a transmitir os conhecimentos obtidos pela ciência portanto já compendiados sistema tizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade Eis por que esse tipo de ensino o ensino tradicional centrase no professor nos conteúdos e no aspecto lógico isto é centrase no professor o adulto que domina os conteúdos logicamente estruturados organizados enquanto os métodos novos centramse no aluno nas crianças nos procedimentos e no aspecto psicológico isto é centramse nas motivações e interesses da criança em desenvolver os procedimentos que a conduzam à posse dos conhecimentos capazes de responder às suas dúvidas e indagações Em suma aqui nos métodos novos privilegiamse os processos de obtenção dos conhecimentos enquanto lá nos métodos tradicionais privilegiamse os métodos de trans missão dos conhecimentos já obtidos Bem acho que isto posto um e outro método uma e outra pedagogia estão indicadas também as razões de cientificidade de uma e de outra Mas que conseqüências isso tem Vejam que com essa maneira de interpretar a educação a Escola Nova acabou por dissolver a diferença entre pesquisa e ensino sem se dar con ta de que assim fazendo ao mesmo tempo que o ensino era empobrecido inviabilizavase também a pesquisa O ensino não é um processo de pesquisa Querer transformálo num processo de pesquisa é artificializálo Daí o meu prefixo pseudo ao científico dos métodos novos Eu vou tentar explicar um pouquinho ainda isso Por que o ensino era empobrecido e ao mesmo tempo se inviabilizava a pesquisa Vejam bem que se a pesquisa é incursão no desconhecido e por isso ela não pode estar atrelada a esquemas rigidamente lógicos e preconcebidos também é verdade que primeiro o desconhecido só se define por confronto com o conhecido isto é se não se domina o já conhecido não é possível detectar o ainda não conhecido a fim de incorporálo mediante a pesqui sa ao domínio do já conhecido Aí pareceme que esta é uma das grandes fraquezas dos métodos novos Sem o domínio do conhecido não é possível incursionar no desconhecido E aí está também a grande força do ensino tradicional a incursão no desconhecido faziase sempre por meio do conhe cido e isso é muito simples qualquer aprendiz de pesquisador passou por ESCOLA E DEMOCRACIA 39 isso ou está passando e qualquer pesquisador sabe muito bem que ninguém chega a ser pesquisador a ser cientista se ele não domina os conhecimentos já existentes na área em que ele se propõe a ser investigador a ser cientista Em segundo lugar o desconhecido não pode ser definido em termos indivi duais mas em termos sociais isto é tratase daquilo que a sociedade e no limite a humanidade em seu conjunto desconhece Só assim seria possível encontrarse um critério aceitável para distinguir as pesquisas relevantes das que não o são isto é para se distinguir a pesquisa da pseudopesquisa da pesquisa de mentirinha da pesquisa de brincadeira que em boa parte me parece constitui o manancial dos processos novos de ensino Em suma só assim será possível encetar investigações que efetivamente contribuam para o enriquecimento cultural da humanidade Creio que está demonstrada a minha segunda tese isto é o caráter científico do método tradicional e o caráter pseudocientífico dos métodos novos 5 A ESCOLA NOVA NÃO É DEMOCRÁTICA Destas duas teses extraise a terceira que é a conclusão segundo a qual quando mais se falou em democracia no interior da escola menos demo crática foi a escola e quando menos se falou em democracia mais a escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Pareceme que como diziam os escolásticos conclusio patet isto é essa tese é evidente depois do que foi explicitado em relação às duas primeiras porque obviamente nós sabemos que em relação à pedagogia nova um elemento que está muito presente nela é a proclamação democrática a proclamação da democracia Aliás inclusive o próprio tratamento dife rencial portanto o abandono da busca de igualdade é justificado em nome da democracia e é nesse sentido também que se introduzem no interior da escola procedimentos ditos democráticos E hoje nós sabemos com certa tranqüilidade já a quem serviu essa democracia e quem se beneficiou dela quem vivenciou esses procedimentos democráticos no interior das escolas novas Não foi o povo não foram os operários não foi o proletariado Essas experiências ficaram restritas a pequenos grupos e nesse sentido elas se constituíram em geral em privilégios para os já privilegiados legitiman do as diferenças Em contrapartida os homens do povo o povão como 40 DERMEVAL SAVIANI se costuma dizer continuaram a ser educados basicamente segundo o método tradicional e mais que isso não só continuaram a ser educados à revelia dos métodos novos como também jamais reivindicaram tais pro cedimentos Os pais das crianças pobres têm uma consciência muito clara de que a aprendizagem implica a aquisição de conteúdos mais ricos têm uma consciência muito clara de que a aquisição desses conteúdos não se dá sem esforço não se dá de modo espontâneo conseqüentemente têm uma consciência muito clara de que para se aprender é preciso disciplina e em função disso eles exigem mesmo dos professores a disciplina É comum a gente encontrar esta reação nos pais das crianças das classes trabalhadoras se o meu filho não quer aprender vocês têm que fazer com que ele queira E o papel do professor é o de garantir que o conhecimento seja adquirido às vezes mesmo contra a vontade imediata da criança que espontaneamente não tem condições de enveredar para a realização dos esforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e sem os quais ela não terá vez não terá chance de participar da sociedade É nesse sentido que digo que quando mais se falou em democracia no interior da escola menos democrática ela foi e quando menos se falou em democracia mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Ora na explicação da minha primeira tese eu tinha indicado que a burguesia ao formular a pedagogia da essência ao criar os sistemas nacionais de ensino colocou a escolarização como uma das condições para a consolidação da ordem democrática Conseqüentemente a própria mon tagem do aparelho escolar estava aí a serviço da participação democrática embora no interior da escola não se falasse muito em democracia embora no interior da escola nós tivéssemos aqueles professores que assumiam não abdicavam não abriam mão da sua autoridade e usavam essa autoridade para fazer com que os alunos ascendessem a um nível elevado de assimilação da cultura da humanidade 6 ESCOLA NOVA A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE Passemos enfim às conseqüências para a situação educacional brasileira Vou tomar dois momentos para ilustrar o primeiro momento seria em torno ESCOLA E DEMOCRACIA 41 da década de 1930 e o segundo seria na década de 1970 mais exatamente uma referência à reforma do ensino instituída pela Lei n 5692 para verificar como ela se enquadra nesse esquema mais amplo de compreensão e como ela interferiu no interior da escola do ponto de vista político determinando que interiormente as escolas cumprissem certas funções políticas Em relação ao momento de 1930 eu o tomo justamente porque o mo vimento da Escola Nova toma força no Brasil exatamente a partir daí A Associação Brasileira de Educação ABE foi fundada em 1924 e num certo sentido aglutinou os educadores novos os pioneiros da educação nova que vão depois lançar seu manifesto em 1932 e vão travar em seguida uma po lêmica com os católicos em torno do capítulo da educação da Constituição de 1934 Esse momento 1924 com a criação da ABE 1927 com a I Con ferência Nacional de Educação 1932 com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros é marco da ascendência escolanovista no Brasil movimento este que atingiu o seu auge por volta de 1960 quando em seguida entra em refluxo em função de uma nova tendência da política educacional que a gente poderia chamar de os meios de comunicação de massa e as tecno logias de ensino Eu não vou poder entrar nesse detalhe Já tratei disso em algumas palestras que estão publicadas no livro Educação do senso comum à consciência filosófica O que queria destacar em relação ao momento de 1930 é basicamente o seguinte o contraste entre o entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico J Nagle analisa isso com razoável detalhe na sua tese de livredocência que versou sobre a década de 1920 e foi publicada sob o título Educação e Sociedade na 1ª República Ali Nagle faz referência a duas categorias uma que ele chama o entusiasmo pela educação marca carac terística do início do século e também da década de 1920 que no entanto entra em refluxo no final dessa década cedendo lugar àquilo que ele chama otimismo pedagógico que é uma característica do escolanovismo Ora o importante do ponto de vista político a salientar aqui é que nessa fase do entusiasmo pela educação se pensava a escola como instrumento de parti cipação política isto é pensavase a escola com uma função explicitamente política a primeira década desse século a segunda a década de 1910 e a terceira a década de 1920 foram muito ricas em movimentos populares que reivindicavam uma participação maior na sociedade e faziam reivindicações também do ponto de vista escolar Nós sabemos que a década de 1920 foi 42 DERMEVAL SAVIANI uma década de grande tensão de grande agitação de crise de hegemonia das oligarquias até então dominantes Essa crise de hegemonia foi de certo modo aguçada pela organização dos trabalhadores várias greves operárias surgiram nesse período e vários movimentos organizacionais também se deram Com o escolanovismo o que ocorreu foi que a preocupação políti ca em relação à escola refluiu De uma preocupação em articular a escola como um instrumento de participação política de participação democrática passouse para o plano técnicopedagógico Daí essa expressão de Jorge Nagle otimismo pedagógico Passouse do entusiasmo pela educação quando se acreditava que a educação poderia ser um instrumento de par ticipação das massas no processo político para o otimismo pedagógico em que se acredita que as coisas vão bem e resolvemse nesse plano interno das técnicas pedagógicas Num outro texto faço referência à Escola Nova como desempenhando a função de recompor os mecanismos de hegemonia da classe dominante Com efeito se na fase do entusiasmo pela educação o lema era escola para todos essa era a bandeira de luta agora a Escola Nova vem transferir a preocupação dos objetivos e dos conteúdos para os métodos e da quantidade para a qualidade Ora vocês não sabem o que existe de significado político por detrás dessa metamorfose Em verdade o significado político basicamente é o seguinte é que quando a burguesia acenava com a escola para todos por isso era instrumento de hegemonia ela estava num período capaz de expressar os seus interesses abarcando também os interesses das demais classes Nesse sentido advogar escola para todos correspondia ao interesse da burguesia porque era importante uma ordem democrática consolidada e correspondia também ao interesse do operariado do proletariado porque para ele era importante participar do processo político participar das decisões Ocorre que na medida em que tem início essa participação as contra dições de interesses que estavam submersas sob aquele objetivo comum vêm à tona e fazem submergir o comum o que sobressai agora é a contradição de interesses ou seja o proletariado o operariado as camadas dominadas na medida em que participavam das eleições não votavam bem segundo a perspectiva das camadas dominantes quer dizer não escolhiam os melhores a burguesia acreditava que o povo instruído iria escolher os melhores gover nantes Mas o povo instruído não estava escolhendo os melhores Observese que não escolhiam os melhores do ponto de vista dominante Ocorre que os ESCOLA E DEMOCRACIA 43 melhores do ponto de vista dominante não eram os melhores do ponto de vista dominado Na verdade o povo escolhia os menos piores porque é claro que os melhores ele não podia escolher uma vez que o esquema partidário não permitia que seus representantes autênticos se candidatassem Então ele tinha que escolher entre as facções em luta no próprio campo burguês as opções menos piores só que as menos piores do ponto de vista dos interesses dos dominados eram as piores do ponto de vista dominante Ora então essa escola não está funcionando bem foi o raciocínio das elites das camadas dominantes e se essa escola não está funcionando bem é preciso reformar a escola Não basta a quantidade não adianta dar a escola para todo mundo desse jeito E surgiu a Escola Nova que tornou possível ao mesmo tempo o aprimoramento do ensino destinado às elites e o rebaixamento do nível de ensino destinado às camadas populares É nesse sentido que a hegemonia pôde ser recomposta Sobre isso haveria coisas interessantíssimas para a gente discutir em relação ao que está ocorrendo no Brasil hoje a contradição da política educacional atual em que a proposta de base referente ao ensino fundamental é no meu modo de ver populista e a proposta de cúpula em relação à pósgraduação é elitista Em suma o movimento de 1930 no Brasil devido à ascensão do escola novismo correspondeu a um refluxo e até a um desaparecimento daqueles movimentos populares que advogavam uma escola mais adequada aos seus interesses E por que isso A partir de 1930 ser progressista passou a significar ser escolanovista E aqueles movimentos sociais de origem por exemplo anarquista socialista marxista que conclamavam o povo a se organizar e reivindicar a criação de escolas para os trabalhadores perderam a vez e todos os progressistas em educação tenderam a endossar o credo escolanovista Bem eu poderia me estender puxar o fio da história de 1930 até agora mas vamos fazer um corte e vou tomar a reforma de 1971 como uma outra indicação prática da tese que enunciei O que fez a Lei n 5692 Tomemos por exemplo o princípio de flexibili dade que é a chave da lei que é a grande descoberta dessa lei a sua grande inovação Ela é tão flexível que pode até não ser implantada E mais ainda é tão flexível que pode até ser revogada sem ser revogada e eu não estou inven tando não Peguem o Parecer n 4572 da profissionalização em confronto com o Parecer n 7675 também da profissionalização O primeiro parecer regulamentou o artigo 5º da lei o segundo revogou o primeiro e com ele 44 DERMEVAL SAVIANI revogou também o artigo 5º só que mediante o princípio da flexibilidade ele não revogou mas o reinterpretou e o artigo 5º permanece nela Devido a essa flexibilidade instituiuse por exemplo aquela diferen ciação entre terminalidade real e terminalidade legal ou ideal Ora o que é a terminalidade real senão admitir que quem tem pouco continua tendo menos ainda Às vezes eu digo brincando que nesse sentido o capitalismo é bem evangélico Ele aplica ao pé da letra a máxima evangélica enunciada na parábola dos talentos ao que tem se lhe dará e ao que não tem até o pouco que tem lhe será tirado Em relação a essa diferenciação entre terminalidade ideal e terminalidade real dizse comumente o seguinte todo o conteúdo de aprendizagem do lº grau será dado em oito anos eis o legal ou seja o ideal Mas naqueles lugares em que não há condições de se ter escola de oito anos então que se organize esse conteúdo para seis anos em outros para quatro ou para dois e assim por diante e numa mesma região a escola que não tem condição de dar oito que dê seis e assim por diante e numa mesma classe para aqueles alunos que não têm condições de chegar lá no oitavo você dá uma formação geral em quatro anos que é quase só o que eles vão ter mesmo em seguida sondagem de aptidão e encaminhase para o mercado de trabalho Ora vejam vocês como está aqui de modo bem caracterizado aquilo que eu chamo o aligeiramento do ensino destinado às camadas populares Dessa maneira o ensino das camadas populares pode ser aligeirado até o nada até se desfazer em mera formalidade Outro ponto apenas e eu já passo para a teoria da curvatura da vara porque acho que estão todos curiosos em relação a ela Então uma ob servação só sobre a reformulação curricular Outra descoberta da Lei n 5692 foi a reformulação curricular por meio de atividades áreas de estudos e disciplinas determinando que o ensino nas primeiras oito séries se desenvolvesse predominantemente sob a forma de atividades e áreas de estudo Ora essas atividades e áreas de estudos são outra maneira de diluir o conteúdo da aprendizagem das camadas populares e todos sabem que isso efetivamente ocorreu e vem ocorrendo Vou dispensar outras ilustrações vinculadas à Lei n 5692 apenas gostaria de enfatizar isso que contra essa tendência de aligeiramento do ensino destinado às camadas populares nós precisaríamos defender o apri moramento exatamente do ensino destinado às camadas populares Essa ESCOLA E DEMOCRACIA 45 defesa implica a prioridade de conteúdo Os conteúdos são fundamentais e sem conteúdos relevantes conteúdos significativos a aprendizagem deixa de existir ela transformase num arremedo ela transformase numa farsa Pareceme pois fundamental que se entenda isso e que no interior da es cola nós atuemos segundo essa máxima a prioridade de conteúdos que é a única forma de lutar contra a farsa do ensino Por que esses conteúdos são prioritários Justamente porque o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das massas Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais eles não podem fazer valer os seus interesses porque ficam desarmados contra os domina dores que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação Eu costumo às vezes enunciar isso da seguinte forma o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam Então dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação Nesse sentido eu posso ser profundamente político na minha ação peda gógica mesmo sem falar diretamente de política porque mesmo veiculando a própria cultura burguesa e instrumentalizando os elementos das camadas populares no sentido da assimilação desses conteúdos eles ganham condições de fazer valer os seus interesses e é nesse sentido então que se fortalecem politicamente Não adianta nada eu ficar sempre repetindo o refrão de que a sociedade é dividida em duas classes fundamentais burguesia e proletariado que a burguesia explora o proletariado e que quem é proletário está sendo explorado se o que está sendo explorado não assimila os instrumentos pelos quais ele possa se organizar para se libertar dessa exploração Associada a essa prioridade de conteúdo que eu já antecipei pareceme fundamental que se esteja atento para a importância da disciplina quer dizer sem disci plina esses conteúdos relevantes não são assimilados Então eu acho que nós conseguiríamos fazer uma profunda reforma na escola a partir de seu interior se passássemos a atuar segundo esses pressupostos e mantivéssemos uma preocupação constante com o conteúdo e desenvolvêssemos aquelas fórmulas disciplinares aqueles procedimentos que garantissem que esses conteúdos fossem realmente assimilados Por exemplo o problema dos alu nos das camadas populares nas salas de aula implica redobrados esforços por parte dos responsáveis pelo ensino por parte dos professores mais direta mente O que ocorre geralmente é que as condições de trabalho o próprio 46 DERMEVAL SAVIANI modelo que impregna a atividade de ensino as exigências e expectativas a que são submetidos professores e alunos tudo isso faz com que o próprio professor tenda a cuidar mais daqueles que têm mais facilidade deixando à margem aqueles que têm mais dificuldade E é assim que nós acabamos como professores no interior da sala de aula reforçando a discriminação e sendo politicamente reacionários Quanto ao apêndice relativo à teoria da curvatura da vara faço apenas um comentário rápido e encerro Na verdade introduzi esse apêndice sim plesmente pelo seguinte a ênfase que dei invertendo a tendência corrente decorre da consideração de que na tendência corrente a vara está torta está torta para o lado da pedagogia da existência para o lado dos movimentos da Escola Nova E é nesse sentido que o raciocínio habitual tende a ser o seguinte as pedagogias novas são portadoras de todas as virtudes enquanto a pedagogia tradicional é portadora de todos os defeitos e de nenhuma virtude O que se evidencia pelas minhas teses é justamente o inverso Creio ter conseguido fazer curvar a vara para o outro lado A minha expectativa é justamente que com essa inflexão a vara atinja o seu ponto correto o qual não está também na pedagogia tradicional mas na valorização dos conteúdos que apontam para uma pedagogia revolucionária Esta identi fica as propostas burguesas como elementos de recomposição de mecanismos hegemônicos e dispõese a lutar concretamente contra a recomposição desses mecanismos de hegemonia no sentido de abrir espaço para as forças emergentes da sociedade para as forças populares para que a escola se insira no processo mais amplo de construção de uma nova sociedade Capítulo 3 Escola e democracia II Para além da teoria da Curvatura da Vara o texto anterior partindo da suposição de que o ideário escolanovista logrou converterse em senso comum para os educadores isto é tornouse a forma dominante de se conceber a educação enunciei teses polêmicas visando a contestar as crenças que acabaram por tomar conta das cabeças dos educadores Meu objetivo era reverter a tendência dominante Uma vez que a concepção corrente na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o tradicionalismo tende a considerar a pedagogia nova como portadora de todas as virtudes e de nenhum vício atribuindo inversamente à pedagogia tradicional todos os vícios e nenhuma virtude empenheime no texto citado em demonstrar exatamente o inverso E o fiz por meio de três teses que enunciei e explicitei de modo sucinto as quais constituíram o arcabouço daquilo que denominei utilizando uma expressão tomada de empréstimo a Lênin de teoria da curvatura da vara Althusser 1977 pp 136138 48 DERMEVAL SAVIANI Para comodidade dos leitores penso ser útil reproduzir aqui as teses referidas Primeira tese filosóficohistórica Do caráter revolucionário da pedagogia da essência pedagogia tradicional e do caráter reacionário da pedagogia da existência pedagogia nova Segunda tese pedagógicometodológica Do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocien tífico dos métodos novos Terceira tese especificamente política De como quando menos se falou em democracia no interior da escola mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática e quando mais se falou em democracia no interior da escola menos ela foi democrática Como se percebe de imediato o próprio enunciado dessas proposições evidencia que mais do que teses elas funcionam como antíteses por referên cia às idéias dominantes nos meios educacionais É este sentido de negação frontal das teses correntes que se traduz metaforicamente na expressão teoria da curvatura da vara Com efeito assim como para se endireitar uma vara que se encontra torta não basta colocála na posição correta mas é necessário curvála do lado oposto assim também no embate ideológico não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos é necessário abalar as certezas desautorizar o senso comum E para isso nada melhor do que demonstrar a falsidade daquilo que é tido como obviamente verdadeiro demonstrando ao mesmo tempo a verdade daquilo que é tido como obviamente falso1 Meu objetivo pois ao introduzir no debate educa cional a teoria da curvatura da vara foi o de polemizar abalar desinstalar inquietar fazer pensar E creio ter conseguido ao menos em parte uma vez 1 E interessante assinalar que o procedimento acima indicado pode até certo ponto ser considerado uma característica da filosofia Com efeito ele é encontrado nos diálogos platônicos na expressão maior da filosofia medieval a Summa Theologica de Tomás de Aquino pela expressão videtur quod non em Descartes com a dúvida metódica e assim por diante Com a filosofia dialética tal procedimento adquire sua máxima expressão teórica ESCOLA E DEMOCRACIA 49 que as reações não tardaram tendo alguns ainda que com certa ponta de ironia insinuado que eu seria conservador em matéria de educação Entre tanto no final daquele texto afirmei textualmente 1 PEDAGOGIA NOVA E PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA Entendidas em sentido amplo as expressões pedagogia nova e pe dagogia da existência equivalemse Isto porque ambas são tributárias daquilo que poderíamos chamar de concepção humanista moderna de Filosofia da Educação Tal concepção centrase na vida na existência na atividade por oposição à concepção tradicional que se centrava no intelecto na essência no conhecimento Nesta acepção estamos nos referindo a um amplo movimento filosófico que abrange correntes tais como o pragmatismo o vitalismo o historicismo o existencialismo e a fenomenologia com im portantes repercussões no campo educacional Obviamente assim como não se ignora a diversidade de correntes filosóficas também não se perde de vista a existência de diferentes nuanças pedagógicas no bojo do que de nominamos concepção humanista moderna de filosofia da educação Em outros termos as expressões pedagogia nova e pedagogia da existência equivalemse sob a condição de não reduzir a primeira à pedagogia escola novista e a segunda à pedagogia existencialista Esse esclarecimento fazse necessário uma vez que a concepção humanista moderna se manifesta na Neste texto pretendo prosseguir o debate tentando ultrapassar o mo mento da antítese na direção do momento da síntese Por isso a estrutura deste texto parte do arcabouço do anterior Assim após esclarecer a razão do emprego indiferenciado das expressões pedagogia da existência e pedagogia nova serão retomadas consecutivamente com intento de superação cada uma das três teses anteriormente enunciadas com intento negador Creio ter conseguido fazer curvar a vara para o outro lado A minha expec tativa é justamente que com essa inflexão a vara atinja o seu ponto correto o qual não está também na pedagogia tradicional mas justamente na valorização dos conteúdos que apontam para uma pedagogia revolucionária 50 DERMEVAL SAVIANI educação predominantemente sob a forma do movimento escolanovista cuja inspiração filosófica principal situase na corrente do pragmatismo Atual mente alguns educadores buscam rever suas posições pedagógicas à luz da fenomenologia e do existencialismo Husserl MerleauPonty Heidegger A esses educadores soou estranho o fato de eu ter utilizado a expressão pe dagogia da existência como equivalente à pedagogia nova Entretanto quando em outro texto caracterizei a concepção humanista moderna de filosofia da educação registrei de modo explícito essa diferença de matiz ao afirmar que a referida concepção admite a existência de formas descontínuas na educação entendidas porém em dois sentidos num primeiro sentido mais amplo na medida em que em vez de se con siderar a educação como um processo continuado obedecendo a esquemas predefinidos seguindo uma ordem lógica considerase que a educação segue o ritmo vital que é variado determinado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos admite idas e vindas com predominância do psicológico sobre o lógico num segundo sentido mais restrito e especificamente existencialista na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos São momentos de plenitude porém fugazes e gratuitos Acontecem independentemente da vontade ou de preparação Tudo o que se pode fazer é estar predisposto e atento a esta possibilidade Saviani 1980 pp 1819 É nesse segundo sentido que se desenvolve o trabalho de O F Bollnow 1971 Já Suchodolski 1978 entende a pedagogia da existência no primeiro sentido Cabe observar por fim que o primeiro sentido abrange o segundo e que a rigor não se pode falar numa pedagogia existencialista uma vez que esta não chegou a se configurar havendo mesmo controvérsias no que diz respeito à compatibilidade entre pedagogia e existencialismo BOLLNOW 1971 pp1135 2 PARA ALÉM DAS PEDAGOGIAS DA ESSÊNCIA E DA EXISTÊNCIA Na primeira tese do texto anterior empenheime em demonstrar ao mesmo tempo o caráter revolucionário da pedagogia tradicional e o caráter ESCOLA E DEMOCRACIA 51 reacionário da pedagogia nova Isto foi feito por meio da historicização de ambas as pedagogias Em outros termos evidenciouse como se deu histo ricamente a passagem de uma concepção pedagógica igualitarista para uma pedagogia das diferenças com sua conseqüência política a justificação de privilégios Ora ao proceder desta maneira eu já estava naquele mesmo texto situandome para além das pedagogias da essência e da existência Com efeito nessas pedagogias está ausente a perspectiva historicizadora Faltalhes a consciência dos condicionantes históricosociais da educação São pois ingênuas e não críticas já que é próprio da consciência crítica saberse condicionada determinada objetivamente materialmente ao passo que a consciência ingênua é aquela que não se sabe condicionada mas ao contrário acreditase superior aos fatos imaginandose mesmo capaz de determinálos e alterálos por si mesma Eis por que tanto a pedagogia tradicional como a pedagogia nova entendiam a escola como redentora da humanidade Acreditavam que era possível modificar a sociedade por meio da educação Nesse sentido podemos afirmar que ambas são ingênuas e idealistas Caem na armadilha da inversão idealista já que de elemento determinado pela estrutura social a educação é convertida em elemento determinante reduzindose o elemento determinante à condição de determi nado A relação entre educação e estrutura social é portanto representada de modo invertido Foi destacado que o caráter revolucionário da pedagogia da essência centrase na defesa intransigente da igualdade essencial entre os homens É preciso insistir em que tal posição tinha um caráter revolucionário na fase de constituição do poder burguês e não o deixa de ter agora No entanto é preciso acrescentar que seu conteúdo revolucionário é histórico isto é modificase historicamente Assim o acesso das camadas trabalhadoras à escola implica a pressão no sentido de que a igualdade formal todos são iguais perante a lei própria da sociedade contratual instaurada com a revolução burguesa se transforme em igualdade real Nesse sentido a importância da transmissão de conhecimentos de conteúdos culturais marca distintiva da pedagogia da essência não perde seu caráter revolucionário A pressão em direção à igualdade real implica a igualdade de acesso ao saber portanto a distribuição igualitária dos conhecimentos disponíveis Mas aqui também é preciso levar em conta que os conteúdos culturais são históricos e o seu caráter revolucionário está intimamente associado à sua historicidade As DERMEVAL SAVIANI sim a transformação da igualdade formal em igualdade real está associada à transformação dos conteúdos formais fixos e abstratos em conteúdos reais dinâmicos e concretos Ao conjunto de pressões decorrentes do acesso das camadas trabalhadoras à escola a burguesia responde denunciando pela Escola Nova o caráter mecânico artificial desatualizado dos conteúdos próprios da escola tradicional Obviamente tal denúncia é procedente e pode ser contabilizada como um dos méritos da Escola Nova Entretanto ao reconhecer e absorver as pressões contra o caráter formalista e estático dos conhecimentos transmitidos pela escola o movimento da Escola Nova funcionou como mecanismo de recomposição da hegemonia burguesa Isto porque subordinou as aspirações populares aos interesses burgueses tornando possível à classe dominante apresentarse como a principal interessada na reforma da escola reforma esta que viria finalmente a atender aos interesses de toda a sociedade contemplando ao mesmo tempo suas diferentes aspira ções capacidades e possibilidades Com isso a importância da transmissão de conhecimentos foi secundarizada e subordinada a uma pedagogia das diferenças centrada nos métodos e processos a pedagogia da existência ou pedagogia nova Uma pedagogia revolucionária centrase pois na igualdade essencial entre os homens Entende porém a igualdade em termos reais e não ape nas formais Busca converterse articulandose com as forças emergentes da sociedade em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária Para isso a pedagogia revolucionária longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão considera a difusão de conteúdos vivos e atualizados uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular Em suma a pedagogia revolucionária não vê necessidade de negar a essência para admitir o caráter dinâmico da realidade como o faz a pedagogia da existência inspirada na concepção humanista moderna de filosofia da educação Também não vê necessidade de negar o movimento para captar a essência do processo histórico como o faz a pedagogia da essência inspirada na concepção humanista tradicional de filosofia da educação A pedagogia revolucionária é crítica E por ser crítica sabese con dicionada Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais reconhece ser ela elemento secundário e de terminado Entretanto longe de pensar como o faz a concepção crítico 52 ESCOLA E DEMOCRACIA 53 reprodutivista2 que a educação é determinada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendose a sua especificidade entende que a educa ção se relaciona dialeticamente com a sociedade Nesse sentido ainda que elemento determinado não deixa de influenciar o elemento determinante Ainda que secundário nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade A pedagogia revolucionária situase além das pedagogias da essência e da existência Superaas incorporando suas críticas recíprocas numa proposta radicalmente nova O cerne dessa novidade radical consiste na superação da crença na autonomia ou na dependência absolutas da educação em face das condições sociais vigentes 3 PARA ALÉM DOS MÉTODOS NOVOS E TRADICIONAIS Na segunda tese do texto anterior afirmei o caráter científico do método tradicional e o caráter pseudocientífico dos métodos novos Questionei com isso o principal argumento da crítica escolanovista ao método tradicional de ensino Isto significa que a referida crítica é inteiramente infundada Eu diria que não se trata disso A crítica escolanovista atingiu não tanto o método tradicional mas a forma como esse método se cristalizou na prática pedagógica tornandose mecânico repetitivo desvinculado das razões e finalidades que o justificavam Essa defasagem entre a proposta original e suas aplicações subseqüentes me faz lembrar da afirmação de Goldmann 1976 p 37 segundo a qual Durkheim foi suficientemente inteligente para não tomar ao pé da letra o seu lema tratar os fatos sociais como coisas Com isto trouxe contribuições decisivas à constituição da ciência sociológica Já os sociólogos quantitativistas de modo especial os americanos tomando ao pé da letra o lema de Durkheim acabaram por desenvolver uma tendência esterilizadora da ciência sociológica Aplicando o mesmo raciocínio à situação educacional cabe observar que as críticas da Escola Nova atingiram o método tradicional não em si 2 Para um entendimento do que está sendo denominado de concepção críticoreprodu tivista ver neste livro pp 1328 54 DERMEVAL SAVIANI mesmo mas em sua aplicação mecânica cristalizada na rotina burocrática do funcionamento das escolas A procedência das críticas decorre do fato de que uma teoria um método uma proposta devem ser avaliados não em si mesmos mas nas conseqüências que produziram historicamente Essa regra porém deve ser aplicada também à própria Escola Nova Nesse sentido cumpre constatar que as críticas ainda que procedentes tiveram como assinalamos no texto anterior o efeito de aprimorar a educação das elites e esvaziar ainda mais a educação das massas Isto porque realizandose em algumas poucas escolas exatamente naquelas freqüentadas pelas elites a proposta escolanovista contribuiu para o aprimoramento do nível educacio nal da classe dominante Entretanto ao estender sua influência em termos de ideário pedagógico às escolas da rede oficial que continuaram funcio nando de acordo com as condições tradicionais a Escola Nova contribuiu pelo afrouxamento da disciplina e pela secundarização da transmissão de conhecimentos para desorganizar o ensino nas referidas escolas Daí entre outros fatores o rebaixamento do nível da educação destinada às camadas populares Ora se o principal problema da pedagogia nova está no seu efeito discriminatório surge então a questão os métodos novos não seriam generalizáveis Assim como esses métodos foram capazes de aprimorar a educação das elites não seriam eles úteis também para aprimorar a educação das massas E nessa direção que surgem tentativas de constituição de uma espécie de Escola Nova Popular Exemplos dessas tentativas são a Pedagogia Freinet na França e o Movimento Paulo Freire de Educação no Brasil Com efeito de modo especial no caso de Paulo Freire é nítida a inspiração da concepção humanista moderna de filosofia da educação por meio da corrente personalista existencialismo cristão Na fase de constituição e im plantação de sua pedagogia no Brasil 19591964 suas fontes de referência são principalmente Mounier G Marcel Jaspers Freire 1967 Partese da crítica à pedagogia tradicional pedagogia bancária caracte rizada pela passividade transmissão de conteúdos memorização verbalismo etc e advogase uma pedagogia ativa centrada na iniciativa dos alunos no diálogo relação dialógica na troca de conhecimentos A diferença entretanto em relação à Escola Nova propriamente dita consiste no fato de que Paulo Freire se empenhou em colocar essa concepção pedagógica a ESCOLA E DEMOCRACIA 55 serviço dos interesses populares Seu alvo inicial foi com efeito os adultos analfabetos Esse fenômeno histórico do surgimento daquilo que chamei de Escola Nova Popular põe em evidência que a questão escolar na sociedade ca pitalista dada a sua divisão em classes com interesses opostos é objeto de disputa Assim como a escola tradicional proposta pela burguesia voltase contra seus interesses obrigando a uma recomposição de hegemonia por intermédio da Escola Nova assim também a Escola Nova não fica imune à luta que se trava no seio da sociedade Se o credo escolanovista se torna predominante e toma conta das cabeças dos professores é inevitável o surgimento de pressões no sentido de que a Escola Nova se generalize Se o escolanovismo pressupõe métodos sofisticados escolas mais bem equipadas menor número de alunos em classe maior duração da jornada escolar se se trata de uma escola mais agradável capaz de despertar o interesse dos alunos de estimulálos à iniciativa de permitirlhes assumir ativamente o trabalho escolar por que não implantar esse tipo de escola exatamente para as camadas populares nas quais supostamente a passividade o desinteresse as dificuldades de aprendizagem são maiores Não é por acaso que justamente quando esse tipo de questionamento vai se tornando mais agudo quando surgem propostas de renovação pedagógica articuladas com os interesses populares quando aparecem críticas à Escola Nova que visam incorporar suas contribuições no esforço de formulação duma pedagogia popular exatamente nesse momento novos mecanismos de recomposição de hegemonia são acionados os meios de comunicação de massa e as tecnologias de ensino Passase então a minimizar a importância da escola e a se falar em educação permanente educação informal etc No limite chegase mesmo a defender a destruição da escola Ora nós sabe mos que o povo não está interessado na desescolarização ao contrário ele reivindica o acesso às escolas Quem defende a desescolarização são os já es colarizados portanto também já desescolarizados Conseqüentemente para eles a escola não tem mais importância uma vez que eles já se beneficiaram dela Os ainda não escolarizados estes estão interessados na escolarização e não na desescolarização Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará pois a escola não será indiferente ao que ocorre em seu interior estará empenhada em que a escola funcione bem portanto estará interessada em métodos de 56 DERMEVAL SAVIANI ensino eficazes Tais métodos situarseão para além dos métodos tradicionais e novos superando por incorporação as contribuições de uns e de outros Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão porém da iniciativa do professor favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acu mulada historicamente levarão em conta os interesses dos alunos os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissãoassimilação dos conteúdos cognitivos Não se deve pensar porém que os métodos indicados terão um caráter eclético isto é constituirão uma somatória dos métodos tradicionais e novos Não Os métodos tradicionais assim como os novos implicam uma autonomização da pedagogia em relação à sociedade Os métodos que preconizo mantêm continuamente presente a vinculação entre educação e sociedade Enquanto no primeiro caso professor e alunos são sempre considerados em termos individuais no segundo caso professor e alunos são tomados como agentes sociais Assim se fosse possível traduzir os mé todos de ensino que estou propondo na forma de passos à semelhança dos esquemas de Herbart e de Dewey eu diria que o ponto de partida do ensino não é a preparação dos alunos cuja iniciativa é do professor pedagogia tradicional nem a atividade que é de iniciativa dos alunos pedagogia nova O ponto de partida seria a prática social primeiro passo que é comum a professor e alunos Entretanto em relação a essa prática comum o professor assim como os alunos podem se posicionar diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados E do ponto de vista pedagógico há uma diferença essencial que não pode ser perdida de vista o professor de um lado e os alunos de outro encontramse em níveis diferentes de compreensão conhecimento e experiência da prática social Enquanto o professor tem uma compreensão que poderíamos denominar de síntese precária a compreensão dos alunos é de caráter sincrético A compreensão do professor é sintética porque implica uma certa articulação dos conhe cimentos e das experiências que detém relativamente à prática social Tal síntese porém é precária uma vez que por mais articulados que sejam os conhecimentos e as experiências a inserção de sua própria prática peda gógica como uma dimensão da prática social envolve uma antecipação do que lhe será possível fazer com alunos cujos níveis de compreensão ele não ESCOLA E DEMOCRACIA 57 pode conhecer no ponto de partida senão de forma precaria Por seu lado a compreensão dos alunos é sincrética uma vez que por mais conhecimen tos e experiências que detenham sua própria condição de alunos implica uma impossibilidade no ponto de partida de articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam O segundo passo não seria a apresentação de novos conhecimentos por parte do professor pedagogia tradicional nem o problema como um obs táculo que interrompe a atividade dos alunos pedagogia nova Caberia neste momento a identificação dos principais problemas postos pela prática social Chamemos a este segundo passo de Problematização Tratase de de tectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e em conseqüência que conhecimento é necessário dominar Seguese o terceiro passo que não coincide com a assimilação de conteú dos transmitidos pelo professor por comparação com conhecimentos ante riores pedagogia tradicional nem com a coleta de dados pedagogia nova ainda que por certo envolva transmissão e assimilação de conhecimentos podendo eventualmente envolver levantamento de dados Tratase de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamen to dos problemas detectados na prática social Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente a sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou indireta por parte do professor Digo transmissão direta ou indireta porque o professor tanto pode transmitilos diretamente como pode indicar os meios pelos quais a transmissão venha a se efetivar Chamemos pois este terceiro passo de instru mentalização Obviamente não cabe entender a referida instrumentalização em sentido tecnicista Tratase da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem O quarto passo não será a generalização pedagogia tradicional nem a hipótese pedagogia nova Adquiridos os instrumentos básicos ainda que parcialmente é chegado o momento da expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu Chamemos este quarto passo de catarse entendida na acepção gramsciana de elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens Gramsci 1978 p 53 Tratase da efetiva incorporação dos instrumentos culturais trans formados agora em elementos ativos de transformação social 58 DERMEVAL SAVIANI O quinto passo finalmente também não será a aplicação pedagogia tradicional nem a experimentação pedagogia nova O ponto de chegada é a própria prática social compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos alunos Neste ponto ao mesmo tempo que os alunos ascendem ao nível sintético em que por suposto já se encontrava o professor no ponto de partida reduzse a precariedade da síntese do professor cuja compreensão se torna mais e mais orgânica Essa elevação dos alunos ao nível do professor é essencial para se compreender a especificidade da relação pedagógica Daí por que o momento catártico pode ser considerado o ponto culminante do processo educativo já que é aí que se realiza pela mediação da análise levada a cabo no processo de ensino a passagem da síncrese à síntese em conseqüência manifestase nos alunos a capacidade de expressarem uma compreensão da prática em termos tão elaborados quanto era possível ao professor É a esse fenômeno que eu me referia quando dizia em outro traba lho que a educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada Saviani 1980a Ora pelo processo já indicado a compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa Conseqüentemente a prática social referida no ponto de partida primeiro passo e no ponto de chegada quinto passo é e não é a mesma É a mesma uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto o pressuposto e o alvo o fundamento e a finalidade da prática pedagógica E não é a mesma se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica e já que somos enquanto agentes sociais elementos objetivamente constitutivos da prática social é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente É preciso no entanto ressalvar que a alteração objetiva da prática só pode se dar a partir da nossa condição de agentes sociais ativos reais A educação portanto não trans forma de modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato isto é agindo sobre os sujeitos da prática Como diz Sánchez Vázquez 1968 pp 206207 A teoria em si não transforma o mundo Pode contribuir para a sua transformação mas para isso tem que sair de si mesma e em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar com seus atos reais efetivos tal ESCOLA E DEMOCRACIA 59 transformação Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências de organização dos meios materiais e planos concretos de ação tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais efetivas Nesse sentido uma teoria é prática na medida em que materia liza através de uma série de mediações o que antes só existia idealmente como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação As reflexões desenvolvidas podem ser consideradas uma tentativa de aduzir elementos para a explicitação de uma definição de educação na qual venho insistindo há alguns anos3 Tratase da conceituação de educação como uma atividade mediadora no seio da prática social global Saviani 1980a p 129 Daí porque a prática social foi tomada como ponto de partida e ponto de chegada na caracterização dos momentos do método de ensino por mim preconizado É fácil identificar aí o entendimento da educação como mediação no seio da prática social Também é fácil perceber de onde retiro o critério de cientificidade do método proposto Não é do esquema indutivo tal como o formulara Bacon nem é do modelo experimentalista ao qual se filiava Dewey É sim da concepção dialética de ciência tal como a explicitou Marx no método da economia política Marx 1973 pp 228240 Isto não quer dizer porém que eu esteja incidindo na mesma falha que denunciara na Escola Nova confundir o ensino com a pesquisa científica Simplesmente estou querendo dizer que o movimento que vai da síncrese a visão caótica do todo à síntese uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas pela mediação da análise as abstrações e determinações mais simples constitui uma orientação segura tanto para o processo de desco berta de novos conhecimentos o método científico como para o processo de transmissãoassimilação de conhecimentos o método de ensino Cabe por fim levar em conta que o empenho em apresentar simetrica mente aos cinco passos de Herbart e de Dewey as características do método pedagógico que no meu entendimento se situa para além dos métodos novos 3 Não cheguei a elaborar por escrito a referida definição Entretanto minha insistência em diferentes oportunidades já produziu seus frutos Assim Carlos Roberto Jamil Cury tomou a si a tarefa de desenvolver o conceito de mediação como uma das categorias chaves de compreensão do fenômeno educativo Cury 1985 Algo semelhante ocorreu com Guiomar N Mello que construiu uma visão da escola a partir do conceito de mediação Mello 1982 DERMEVAL SAVIANI e tradicionais correspondeu a um esforço heurístico e didático cuja função era facilitar aos leitores a compreensão do meu posicionamento Em lugar de passos que se ordenam numa seqüência cronológica é mais apropriado falar aí de momentos articulados num mesmo movimento único e orgânico O peso e a duração de cada momento obviamente irão variar de acordo com as situações específicas em que se desenvolve a prática pedagógica Assim nos inícios da escolarização a Problematização é diretamente dependente da instrumentalização uma vez que a própria capacidade de problematizar depende da posse de certos instrumentos A necessidade da alfabetização por exemplo é um problema posto diretamente pela prática social não sendo necessária a mediação da escola para detectálo No entanto é fácil perceber que as crianças captam de modo sincrético isto é de modo confuso caótico a relação entre a alfabetização e a prática social já o professor capta essa relação de modo sintético ainda que em termos de uma síntese precária A instrumentalização no sentido de se passar da condição de analfabeto para alfabetizado se impõe E aqui o momento catártico é fixado com nitidez e em bora metaforicamente por referência ao sentido contido na frase de Gramsci dáse de fato uma elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens isto é a assimilação subjetiva da estrutura objetiva da língua E o alfabetizado adquire condições de se expressar em nível tão elaborado quanto o era capaz o professor no ponto de partida isto é ele se expressa agora não apenas oralmente mas também por escrito Em contrapartida se as pedagogias tradicional e nova podiam alimentar a expectativa de que os métodos por elas propostos poderiam ter aceitação universal isto deviase ao fato de que dissociavam a educação da sociedade concebendo esta como harmoniosa nãocontraditória Já o método que preconizo deriva de uma concepção que articula educação e sociedade e parte da consideração de que a sociedade em que vivemos é dividida em classes com interesses opostos Conseqüentemente a pedagogia proposta uma vez que se pretende a serviço dos interesses populares terá contra si os interesses até agora dominantes Tratase portanto de lutar também no campo pedagógico para fazer prevalecer os interesses até agora não domi nantes E esta luta não parte do consenso mas do dissenso O consenso é vislumbrado no ponto de chegada Para se chegar lá porém é necessário pela prática social transformar as relações de produção que impedem a construção de uma sociedade igualitária A pedagogia por mim denominada 60 ESCOLA E DEMOCRACIA 61 ao longo deste texto na falta de uma expressão mais adequada de pedago gia revolucionária não é outra coisa senão aquela pedagogia empenhada decididamente em colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de produção 4 PARA ALÉM DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA OU DEMOCRÁTICA NA SALA DE AULA Com o enunciado da terceira tese procurei evidenciar como a Escola Nova a despeito de considerar a pedagogia tradicional como intrinsecamente autoritária proclamandose por seu lado democrática e estimulando a livre iniciativa dos alunos reforçou as desigualdades tendo portanto um efeito socialmente antidemocrático Ora assim como aquela terceira tese derivava diretamente das duas anteriores de tal modo que uma vez demonstradas as duas primeiras a ter ceira ficava evidente penso também que neste artigo após a superação das antinomias contidas nas duas teses iniciais fica também superada a antinomia própria da terceira tese Assim após as considerações anteriores resulta óbvio que ao denunciar os efeitos socialmente antidemocráticos da Escola Nova nem por isso estava eu defendendo que a relação pedagógica no interior da sala de aula devesse assumir um caráter autoritário Simplesmente importa reter que o critério para se aferir o grau em que a prática pedagógica contribui para a instauração de relações democráticas não é interno mas tem suas raízes para além da prática pedagógica propriamente dita Se a educação é mediação isto significa que ela não se justifica por si mesma mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica Considerandose como já se explicitou que dado o caráter da educação como mediação no seio da prática social global a relação pedagógica tem na prática social o seu ponto de partida e seu ponto de chegada resulta inevitável concluir que o critério para se aferir o grau de democratização atingido no interior das escolas deve ser buscado na prática social Se é razoável supor que não se ensina democracia através de práticas pe dagógicas antidemocráticas nem por isso se deve inferir que a democratização 62 DERMEVAL SAVIANI das relações internas à escola é condição suficiente de democratização da sociedade Mais do que isso se a democracia supõe condições de igualdade entre os diferentes agentes sociais como a prática pedagógica pode ser de mocrática já no ponto de partida Com efeito se como procurei esclarecer a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada agir como se as condições de igualdade estivessem instauradas desde o início não significa então assumir uma atitude de fato pseudodemo crática Não resulta em suma num engodo Acrescentese ainda que essa maneira de encarar o problema educacional acaba por desnaturar o próprio sentido do projeto pedagógico Isto porque se as condições de igualdade es tão dadas desde o início então já não se põe a questão de sua realização no ponto de chegada Com isto o processo educativo fica sem sentido Vejase o paradoxo em que desemboca a Escola Nova a contradição interna que atravessa de ponta a ponta a sua proposta pedagógica de tanto endeusar o processo de tanto valorizálo em si e por si acabou por transformálo em algo místico uma entidade metafísica uma abstração esvaziada de conteú do e sentido Ora com isso perdeuse de vista que o processo jamais pode ser justificado por si mesmo Ele é sempre algum tipo de passagem de um ponto a outro uma certa transformação de algo em outra coisa É enfim a própria catarse elaboraçãotransformação da estrutura em superestrutura na consciência dos homens Entendo pois que o processo educativo é passagem da desigualdade à igualdade Portanto só é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como democrático sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada Conseqüentemente aqui também vale o aforismo democracia é uma conquista não um dado Este ponto porém é de funda mental importância Com efeito assim como a afirmação das condições de igualdade como uma realidade no ponto de partida torna inútil o processo educativo também a negação dessas condições como uma possibilidade no ponto de chegada inviabiliza o trabalho pedagógico Isto porque se eu não admito que a desigualdade é uma igualdade possível ou seja se não acre dito que a desigualdade pode ser convertida em igualdade pela mediação da educação obviamente não em termos isolados mas articulada com as demais modalidades que configuram a prática social global então não vale a pena desencadear a ação pedagógica Neste ponto vale lembrar que ESCOLA E DEMOCRACIA 63 se para os alunos a percepção dessa possibilidade é sincrética o professor deve compreendêla em termos sintéticos O professor deve antever com uma certa clareza a diferença entre o ponto de partida e o ponto de chega da sem o que não será possível organizar e implementar os procedimentos necessários para se transformar a possibilidade em realidade Digase de passagem que esta capacidade de antecipar mentalmente os resultados da ação é a nota distintiva da atividade especificamente humana Não sendo preenchida essa exigência caise no espontaneísmo E a especificidade da ação educativa se esboroa Em síntese não se trata de optar entre relações autoritárias ou demo cráticas no interior da sala de aula mas de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de democratização da sociedade A prática peda gógica contribui de modo específico isto é propriamente pedagógico para a democratização da sociedade na medida em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico Foi isso o que tentei indicar ao insistir em que a natureza da prática pedagógica implica uma desigualdade real e uma igualdade possível Conseqüentemente uma relação pedagógica identificada como supostamen te autoritária quando vista pelo ângulo do seu ponto de partida pode ser ao contrário democrática se analisada a partir do ponto de chegada ou seja pelos efeitos que acarreta no âmbito da prática social global Inversamente uma relação pedagógica vista como democrática pelo ângulo de seu ponto de partida não só poderá como tenderá dada a própria natureza do fenômeno educativo nas condições em que vigora o modo de produção capitalista a produzir efeitos socialmente antidemocráticos 5 CONCLUSÃO A CONTRIBUIÇÃO DO PROFESSOR Como assinalei na introdução o objetivo deste texto era prosseguir o debate iniciado em Escola e Democracia 1 a teoria da curvatura da vara Para isso lancei uma série de idéias que obviamente necessitam ser mais desenvolvidas e detalhadas Eventualmente poderá ser o caso de que elas necessitem ser retificadas Daí a importância de que se dê prosseguimento ao debate 64 DERMEVAL SAVIANI Entretanto penso não ser demais lembrar que o desenvolvimento o detalhamento e a eventual retificação das idéias expostas passam pela sua confrontação com a prática pedagógica em curso na sociedade brasileira atual Daí o interesse em que os professores as submetam a uma crítica impiedosa à luz da prática que desenvolvem Com isso espero também contribuir para que os professores revejam sua própria ação pedagógica auxiliados eou provocados pelas minhas posições Evidentemente a proposição pedagógica apresentada aponta na dire ção de uma sociedade em que esteja superado o problema da divisão do saber Entretanto ela foi pensada para ser implementada nas condições da sociedade brasileira atual na qual predomina a divisão do saber Entendo pois que um maior detalhamento dessa proposta implicaria a verificação de como ela se aplica ou não se aplica às diferentes modalidades de trabalho pedagógico em que se reparte a educação nas condições brasileiras atuais Exemplificando um professor de história ou de matemática de ciências ou estudos sociais de comunicação e expressão ou de literatura brasileira etc têm cada um uma contribuição específica a dar em vista da democratização da sociedade brasileira do atendimento aos interesses das camadas populares da transformação estrutural da sociedade Tal contribuição consubstanciase na instrumentalização isto é nas ferramentas de caráter histórico mate mático científico literário etc cuja apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos Ora em meu modo de entender tal contribuição será tanto mais eficaz quanto mais o professor for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global Assim a instrumenta lização desenvolverseá como decorrência da Problematização da prática social atingindo o momento catártico que concorrerá na especificidade da matemática da literatura etc para alterar qualitativamente a prática de seus alunos como agentes sociais Insisto neste ponto porque em geral há a tendência a desvincular os conteúdos específicos de cada disciplina das finalidades sociais mais amplas Então ou se pensa que os conteúdos va lem por si mesmos sem necessidade de referilos à prática social em que se inserem ou se acredita que os conteúdos específicos não têm importância colocandose todo o peso na luta política mais ampla Com isso dissolvese a especificidade da contribuição pedagógica anulandose em conseqüência a sua importância política Capítulo 4 Onze teses sobre educação e política oncluí o texto anterior sugerindo que a importância política da educação está condicionada à garantia de que a especificidade da prática educativa não seja dissolvida A compreensão do que foi dito requer delimitar mais precisamente as relações entre política e educação De uns tempos para cá tornouse lugarcomum a afirmação de que a educação é sempre um ato políti co Mas o que significa essa afirmação Obviamente tratase de um slogan que tinha por objetivo combater a idéia anteriormente dominante segundo a qual a edu cação era entendida como um fenômeno estritamente técnicopedagógico portanto inteiramente autônomo e independente da questão política Nesse sentido o slogan cumpriu uma função cuja validade se inscreve nos limites da teoria da curvatura da vara Com efeito se a vara havia sido curvada para o lado técnicopedagógico o referido slogan forçoua em direção ao pólo político Com DERMEVAL SAVIANI isto entretanto correse o risco de se identificar educação com política a prática pedagógica com a prática política dissolvendose em conseqüência a especificidade do fenômeno educativo Cabe pois indagar educação e política se equivalem se identificam Se são diferentes em que consiste a diferença Entendo que educação e política embora inseparáveis não são idênticas Tratase de práticas distintas dotadas cada uma de especificidade própria Em que consiste a especificidade de cada uma dessas práticas O problema de se determinar a especificidade da educação coincide com o problema do desvendamento da natureza própria do fenômeno educativo Tratase de uma questão nodal que vem ocupando o centro de minhas refle xões nos últimos anos Penso que é necessário enfrentála e acredito dispor já de algumas evidências que me indicam a direção que deverei seguir para elucidar tal questão Tal tarefa implica porém um projeto mais ambicioso impossível de ser desenvolvido a curto prazo Neste texto pretendo apenas adiantar alguns elementos relativos à natureza da prática educativa por confronto com a especificidade da prática política Uma análise ainda que superficial do fenômeno educativo nos revela que diferentemente da prática política a educação configura uma relação que se trava entre nãoantagônicos É pressuposto de toda e qualquer re lação educativa que o educador está a serviço dos interesses do educando Nenhuma prática educativa pode se instaurar sem este suposto Em se tratando da política ocorre o inverso A mais superficial das aná lises põe em evidência que a relação política se trava fundamentalmente entre antagônicos No jogo político defrontamse interesses e perspectivas mutuamente excludentes Por isso em política o objetivo é vencer e não convencer Inversamente em educação o objetivo é convencer e não vencer O educador seja na família na escola ou em qualquer outro lugar ou cir cunstância acredita estar sempre agindo para o bem dos educandos Os educandos por sua vez também não vêem o educador como adversário Acreditam antes que o educador está aí para ajudálos para possibilitar o seu desenvolvimento para abrirlhes perspectivas iniciálos em domínios desconhecidos Ainda quando tais características são negadas pelos fatos da superfície elas permanecem como suporte como a estrutura como o substrato que permite à relação manterse educativa Assim a rebeldia 66 ESCOLA E DEMOCRACIA 67 dos educandos tende a ser encarada pelo educador como um desafio que lhe cumpre superar conduzindoos à percepção de que eles próprios são os maiores prejudicados com tal comportamento Já no plano político a rebeldia da classe dominada tende a ser interpretada pela classe dominante como rebelião e como tal reprimida pela força As diferenças anteriormente assinaladas permitemnos entender por que em política seria ingenuidade acreditar que o adversário está na posi ção oposta porque está equivocado porque não compreendeu o seu erro e a validade da proposta contrária compreensão essa que uma vez atingida o levará a aderir à proposta que atualmente combate Por isso em geral o fato de um partido perder uma batalha eleições propostas etc não o demove de sua posição ao contrário ele passa para a oposição e continua fustigando o partido contrário buscando alterar a correlação de forças para na oportunidade seguinte reverter a situação Em suma ele pode ser ven cido mas não convencido Parece claro que em educação o comportamento é claramente diferente do anteriormente descrito Um professor por exemplo acredita que se ele fundamentar adequadamente os assuntos em torno dos quais se trava sua relação com os alunos se ele os expuser de modo claro se suas posições fo rem consistentes e os alunos chegarem ao entendimento de seu significado eles tenderão a concordar com ele Se isso não ocorrer é normal atribuir o desentendimento a uma insuficiente compreensão a algum tipo de equívoco Por isso é comum na relação pedagógica expressões do tipo se eu não estiver enganado se vocês me convencerem que estou errado etc compor tamento no mínimo inusitado numa assembléia ou num palanque Com as considerações anteriores espero ter esclarecido a nãoidentidade e em conseqüência a distinção entre política e educação Tratase pois de práticas diferentes cada uma com suas características próprias Cumpre portanto não confundilas o que redundaria em dissolver uma na outra a dissolução da educação na política configuraria o politicismo pedagógico do mesmo modo que a dissolução da política na educação implicaria o viés do pedagogismo político Entretanto se se trata de práticas distintas isso não significa que sejam inteiramente independentes dotadas de autonomia absoluta Ao contrário elas são inseparáveis e mantêm íntima relação Como se configuram as relações entre educação e política 68 DERMEVAL SAVIANI Primeiramente é preciso considerar a existência de uma relação interna isto é toda prática educativa como tal possui uma dimensão política assim como toda prática política possui em si mesma uma dimensão educativa A dimensão política da educação consiste em que dirigindose aos não antagônicos a educação os fortalece ou enfraquece por referência aos anta gônicos e desse modo potencializa ou despotencializa a sua prática política E a dimensão educativa da política consiste em que tendo como alvo os antagônicos a prática política se fortalece ou enfraquece na medida em que pela sua capacidade de luta ela convence os nãoantagônicos de sua validade ou nãovalidade levandoos a se engajarem ou não na mesma luta A dimensão pedagógica da política envolve pois a articulação a aliança entre os nãoantagônicos visando à derrota dos antagônicos E a dimensão política da educação envolve por sua vez a apropriação dos instrumentos culturais que serão acionados na luta contra os antagônicos Em segundo lugar cabe considerar que existe também uma relação externa entre educação e política ou seja o desenvolvimento da prática especificamente política pode abrir novas perspectivas para o desenvol vimento da prática especificamente educativa e viceversa Configurase aí uma dependência recíproca a educação depende da política no que diz respeito a determinadas condições objetivas como a definição de priorida des orçamentárias que se reflete na constituiçãoconsolidaçãoexpansão da infraestrutura dos serviços educacionais etc e a política depende da educação no que diz respeito a certas condições subjetivas como a aquisição de determinados elementos básicos que possibilitem o acesso à informação a difusão das propostas políticas a formação de quadros para os partidos e organizações políticas de diferentes tipos etc Por fim é de fundamental importância levar em conta que as relações entre educação e política cuja descrição esbocei conceitualmente têm existência histórica logo só podem ser adequadamente compreendidas enquanto manifestações sociais determinadas E aqui evidenciase por um outro ângulo a inseparabilidade entre educação e política Com efeito trata se de práticas distintas mas que ao mesmo tempo não são outra coisa senão modalidades específicas de uma mesma prática a prática social Integram assim um mesmo conjunto uma mesma totalidade Em sua existência histórica nas condições atuais educação e política de vem ser entendidas como manifestações da prática social própria da sociedade ESCOLA E DEMOCRACIA 69 de classes Tratase de uma sociedade cindida entre interesses antagônicos Está aí a raiz do primado da política Com efeito já que a relação política se trava fundamentalmente entre antagônicos nas sociedades de classes ela é erigida em prática social fundamental Percebese por aí que a autonomia relativa da educação em face da política e viceversa assim como a dependência recíproca anteriormente referida não têm um mesmo peso não são equivalentes Em outros termos se se trata de dependência recíproca é preciso levar em conta que o grau de dependência da educação em relação à política é maior do que o desta em relação àquela Poderíamos pois dizer que existe uma subordinação relativa mas real da educação diante da política Tratase porém de uma subordinação histórica e como tal não somente pode como deve ser superada Isto porque se as con dições de exercício da prática política estão inscritas na essência da sociedade capitalista as condições de exercício da prática educativa estão inscritas na essência da realidade humana mas são negadas pela sociedade capitalista não podendo se realizar aí senão de forma subordinada secundária Por aí penso podese entender o realismo da política e o idealismo da educação Com efeito acreditar que estão dadas nesta sociedade as condições para o exercício pleno da prática educativa é assumir uma atitude idealista Entretanto em relação às condições da prática política tal atitude resulta realista As reflexões supra estão em consonância com a posição segundo a qual a superação da sociedade de classes conduz ao desaparecimento do Estado Sabese que não se trata de destruir o Estado ele simplesmente desaparecerá por não ser mais necessário Ora o que significa isso senão a afirmação de que cessou o primado da política Essa questão fica ainda mais clara na formulação de Gramsci Sabemos que Gramsci alargou o conceito de Estado incluindo aí além da sociedade política aspecto coercitivo a sociedade civil aspecto persuasivo Nessa perspectiva o Estado não desaparece mas é identificado com a sociedade civil a qual absorve a sociedade política Quer dizer superada a sociedade de classes chegado o momento histórico em que prevalecem os interesses comuns a dominação cede lugar à hegemonia a coerção à persuasão a repressão se desfaz prevalecendo a compreensão Aí sim estarão dadas historicamente as condições para o pleno exercício da prática educativa Falei antes em exercício pleno da prática educativa como algo só possível num tipo de sociedade que se delineia no horizonte de possibilidades das 70 DERMEVAL SAVIANI condições atuais mas que não chegou ainda a se concretizar Isto porque a plenitude da educação como no limite a plenitude humana está condicio nada à superação dos antagonismos sociais Ser idealista em educação significa justamente agir como se esse tipo de sociedade já fosse realidade Ser realista inversamente significa reconhecêla como um ideal que buscamos atingir No processo histórico que implica o desenvolvimento e transformação da sociedade isto é a substituição de determinadas formas por outras educação e política se articulam cumprindo entretanto cada uma funções específicas e inconfundíveis Por ser uma relação que se trava fundamentalmente entre antagônicos a política supõe a divisão da sociedade em partes inconciliáveis Por isso a prática política não pode não ser partidária Em contrapartida a educação sendo uma relação que se trava fundamentalmente entre não antagônicos supõe a união e tende a se situar na perspectiva da universali dade Por isso ela não pode ser partidária Em outros termos a prática política apóiase na verdade do poder a prática educativa no poder da verdade Ora a verdade o conhecimento nós sabemos não é desinteressada Mas nós sabemos também que numa sociedade dividida em classes a classe dominante não tem interesse na ma nifestação da verdade já que isto colocaria em evidência a dominação que exerce sobre as outras classes Já a classe dominada tem todo interesse em que a verdade se manifeste porque isso só viria a patentear a exploração a que é submetida instandoa a se engajar na luta de libertação Eis aí o sentido da frase a verdade é sempre revolucionária Eis aí tam bém por que a classe efetivamente capaz de exercer a função educativa em cada etapa histórica é aquela que está na vanguarda a classe historicamente revolucionária Daí o caráter progressista da educação É este o sentido da afirmação de Gramsci segundo a qual a burguesia não consegue educar os seus jovens os quais se deixam atrair culturalmente pelos operários os jovens da classe dirigente se rebelam e passam para a classe progressista que se tornou historicamente capaz de tomar o poder Gramsci 1968 p 52 De tudo o que foi dito concluise que a importância política da educação reside na sua função de socialização do conhecimento É realizandose na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre sua função política Daí ter eu afirmado que ao se dissolver a especificidade da contribuição pedagógica anulase em conseqüência a sua importância política ESCOLA E DEMOCRACIA 71 As reflexões expostas podem ser ordenadas e sintetizadas nas teses seguintes Tese 1 Não existe identidade entre educação e política COROLÁRIO educação e política são fenômenos inseparáveis porém efetivamente distintos entre si Tese 2 Toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política Tese 3 Toda prática política contém por sua vez inevitavelmente uma dimensão educativa OBS As teses 2 e 3 decorrem necessariamente da inseparabilidade entre educação e política afirmada no corolário da tese 1 Tese 4 A explicitação da dimensão política da prática educativa está con dicionada à explicitação da especificidade da prática educativa Tese 5 A explicitação da dimensão educativa da prática política está por sua vez condicionada à explicitação da especificidade da prática política OBS As teses 4 e 5 decorrem necessariamente da efetiva distinção entre educação e política afirmada no corolário da tese 1 Com efeito só é possível captar a dimensão política da prática educativa assim como a dimensão educativa da prática política na medida em que essas práticas forem captadas como efetivamente distintas uma da outra Tese 6 A especificidade da prática educativa definese pelo caráter de uma relação que se trava entre contrários nãoantagônicos COROLÁRIO a educação é assim uma relação de hegemonia alicer çada na persuasão consenso compreensão Tese 7 A especificidade da prática política definese pelo caráter de uma relação que se trava entre contrários antagônicos COROLÁRIO a política é então uma relação de dominação alicerçada na dissuasão dissenso repressão Tese 8 As relações entre educação e política dãose na forma de auto nomia relativa e dependência recíproca Tese 9 As sociedades de classe caracterizamse pelo primado da política o que determina a subordinação real da educação à prática política Tese 10 Superada a sociedade de classes cessa o primado da política e em conseqüência a subordinação da educação 72 DERMEVAL SAVIANI OBS Nas sociedades de classes a subordinação real da educação reduz sua margem de autonomia mas não a exclui As teses 9 e 10 apontam para as variações históricas das formas de realização da tese 8 Tese 11 A função política da educação cumprese na medida em que ela se realiza como prática especificamente pedagógica OBS A tese 11 põese como conclusão necessária das teses anterio res que operam como suas premissas Tratase de um enunciado analítico uma vez que apenas explicita o que já está contido nas premissas Esta tese afirma a autonomia relativa da educação em face da política como condição mesma da realização de sua contribuição política Isto é óbvio uma vez que se a educação for dissolvida na política já não cabe mais falar de prática pedagógica restando apenas a prática política Desaparecendo a educação como falar de sua função política À luz das teses apresentadas como interpretar o slogan expresso na frase a educação é sempre um ato político Obviamente se se quer com isso afir mar a identidade entre educação e política tal slogan deve ser rejeitado Há porém duas situações em que essa afirmação pode ser levada em conta a tomandose o adjetivo político em sentido amplo em que a política se identifica com a prática social global como ocorre na afirmação de Aristóteles o homem é um animal político Mas nesse caso todo ato humano é político e caise com isso na tautologia e na indiferenciação No limite isso se expressa em frases do tipo tudo é tudo tudo é nada nada é tudo nada é nada Com efeito nesse âmbito podemos afirmar que tudo é político como tudo é educativo ou outra coisa qualquer Assim comer vestir amar brincar e cantar são atos políticos assim como são atos educativos etc b na medida em que se pretende evidenciar a dimensão política da educação Nesse sentido dizer que a educação é sempre um ato político não significaria outra coisa senão sublinhar que a educação possui sempre uma dimensão política independentemente de se ter ou não consciência disso conforme o enunciado da tese 2 E aqui vale lembrar que a recíproca também é verdadeira e que esse sentido não pode ser evidenciado senão quando se preserva a espe ESCOLA E DEMOCRACIA 73 cificidade de cada uma dessas práticas conforme os enunciados das teses 3 4 e 5 Com efeito eu só posso afirmar que a educação é um ato político contém uma dimensão política na medida em que eu capto determinada prática como sendo primordialmente educativa e secundariamente política Por fim cumpre lembrar que o exercício lógicoconceitual feito neste texto sobre as relações entre educação e política pode tanto auxiliar análises de situações concretas como pode ser aplicado a outros domínios como as relações entre educação e religião educação e arte educação e ciência Apêndice Setenta anos do Manifesto e vinte anos de Escola e democracia balanço de uma polêmica tema deste texto gira em torno da diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Prelimi narmente penso ser relevante registrar que ao revisitar as teses provocativas do livro Escola e democracia não se está pretendendo reabrir a polêmica instaurada no início da década de 1980 Como toda produção humana tratase de um evento datado O que se procura é lançar sobre ele um olhar histórico buscando esclarecer os seus móveis e o seu significado No exercício desse olhar retrospectivo pretendo sugerir que por efeito de um deslocamento da análise do âmbito da abordagem polêmica para a abordagem historiográfica as teses enunciadas no livro Trabalho apresentado no Coloquio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado educacional em debate realizado em Belo Horizonte de 19 a 21 de agosto de 2002 e publicado em Maria do Carmo Xavier org Manifesto dos pioneiros da educação um legado educacional em debate Rio de Janeiro Ed FGV 2004 pp 183204 76 DERMEVAL SAVIANI Escola e democracia foram lidas por uma certa corrente da historiografia da educação brasileira nos anos de 1990 como uma espécie de Manifesto contra a Escola Nova e portanto como uma espécie de antiManifesto dos Pio neiros da Educação Nova um antiManifesto de 1932 Daí a pertinência dessa discussão ao ensejo da realização do coloquio comemorativo dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Esclareço ainda que essa iniciativa não quer significar a desautorização das leituras com as quais se vai estabelecer interlocução Um texto quando publicado sai do controle de seu autor ficando disponível para diferentes tipos de leitura não fazendo sentido portanto pensarse em leituras au torizadas e leituras nãoautorizadas O juiz soberano de cada leitura é o próprio leitor não sendo admissível qualquer forma de interdição ao menos no que concerne às regras que se convencionou adotar numa comunidade de intelectuais no contexto histórico em que nos encontramos É claro que essas mesmas regras implicam o respeito à fala do outro o que significa que deverão ser observados os requisitos técnicos de leitura e citação que evitem o máximo possível eventuais distorções dos textos lidos o que se impõe exa tamente para garantir a plena liberdade de leitura não devendo em hipótese alguma servir de pretexto para qualquer tipo de interdição Assim o que se apresenta a seguir é apenas um esforço no intuito de explicitar o significado do evento que se expressou na polêmica então levantada partindo de suas próprias motivações à luz das quais são avaliadas as leituras interpeladas Para os que compreendem a historiografia como intento de captar o signi ficado objetivo dos fenômenos históricos dirseia que o esforço em pauta consistiria em repor o sentido próprio do objeto analisado Para aqueles que entendem a historiografia como sendo constituída por diferentes maneiras de abordar os objetos históricos expressando portanto diferentes pontos de vista nenhum deles capaz de apreender o sentido próprio dos fenômenos investigados caberá dizer que o presente texto expressa a leitura do autor do livro Escola e democracia sobre seu próprio trabalho em interlocução com determinado tipo de leitura que sobre ele se produziu Vindo a público ele fica à disposição dos estudiosos da história da educação brasileira como mais um elemento a ser considerado na busca de compreensão desse objeto Assim sendo temse consciência de que na condição de um novo texto publicado também ele escapará ao controle de seu autor e estará sujeito a diferentes leituras ESCOLA E DEMOCRACIA 77 Para tratar do tema proposto o texto foi construído em cinco tópicos No primeiro enuncio de forma breve qual é para mim a temática central do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova No segundo tópico indico que o livro E scola e democracia surgiu num contexto marcado cinqüenta anos depois por uma motivação comum àquela que conduziu ao lançamento do Manifesto de 1932 a defesa da escola pública No terceiro tópico abordo a leitura da referida polêmica feita por Clarice Nunes O quarto tópico denominado Paschoal Lemme no Manifesto um estranho no ninho dos pioneiros discute a leitura feita por Zaia Brandão Finalmente no tópico quinto A Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara procuro esclarecer a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historio gráfica eixo articulador de todo o texto 1 A TEMÁTICA CENTRAL DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA Dado o caráter abrangente do coloquio que contou com a presença de diversos estudiosos da questão os temas básicos do Manifesto são abordados e discutidos de forma pertinente em outras sessões do evento Não é pois meu objetivo tratar de forma sistemática das questões centrais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Apenas farei uma breve referência àquilo que para mim constitui a sua temática central Em minha leitura do Manifesto a idéia central que sempre vem à tona é a de que se trata de um documento de política educacional em que mais do que a defesa da Escola Nova está em causa a defesa da escola pública Nesse sentido o Manifesto emerge como uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes intelectuais pelo ensino universitário E esta me parece ser uma originalidade do caso brasileiro Com efeito na Europa o caso dos Estados Unidos deve ser considerado à parte as iniciativas que integraram o Movimento da Escola Nova via de regra se deram no âmbito das escolas privadas ficando à margem do sistema público de ensino Mesmo nos casos em que se pretendeu atuar no âmbito do ensino público a tentativa fracassou como foi o caso de Freinet na França que 78 DERMEVAL SAVIANI acabou sendo demitido de seu cargo como professor público no município de Vence Em conseqüência fundou sua própria escola onde desenvolveu suas experiências pedagógicas Como documento de política educacional o Manifesto expressa a posição de uma corrente de educadores que busca firmarse pela coesão interna e pela conquista da hegemonia educacional diante do conjunto da sociedade capacitandose conseqüentemente ao exercício dos cargos de direção da educação pública tanto no âmbito do governo central como dos estados federados O Manifesto apresentase pois como um instrumento político como é próprio aliás desse gênero literário Expressa a posição do grupo de educa dores que se aglutinou na década de 1920 especialmente a partir da fundação da Associação Brasileira de Educação ABE em 1924 e que vislumbrou na Revolução de 1930 a oportunidade de vir a exercer o controle da educação no país O ensejo para isso se manifestou por ocasião da IV Conferência Na cional de Educação realizada em dezembro de 1931 quando Getúlio Vargas chefe do governo provisório presente na abertura dos trabalhos ao lado de Francisco Campos que se encontrava à testa do recémcriado Ministério da Educação e Saúde Pública solicitou aos presentes que colaborassem na definição da política educacional do novo governo O impacto gerado pela solicitação de Vargas que tumultuou a Conferência Nacional de Educação seguido da resposta objetivada no texto do Manifesto divulgado em março de 1932 provocou o rompimento entre o grupo dos renovadores e o grupo católico que decidiu retirarse da ABE e fundar em 1933 sua própria asso ciação materializada na Confederação Católica Brasileira de Educação que realizou em 1934 o I Congresso Nacional Católico de Educação 2 O CONTEXTO EM QUE SURGIU ESCOLA E DEMOCRACIA A segunda metade da década de 1970 foi palco de um amplo processo de reorganização do campo educacional que assistiu à fundação de diversas entidades em âmbito nacional A par das associações de docentes da educação básica e de nível superior surgiu em 1977 a Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd em 1978 articulouse a criação ESCOLA E DEMOCRACIA 79 do Centro de Estudos Educação e Sociedade Cedes cuja ata de fundação data de 5 de março de 1979 e em 1979 foi criada a Associação Nacional de Educação Ande Recordome que por ocasião da fundação da Ande discutimos a idéia de refundar a ABE caso ela tivesse sido extinta ou reanimá la caso formalmente ainda continuasse existindo À vista da constatação de que ela ainda existia e verificando não ser possível reativála pela filiação maciça do grupo que discutia a criação dessa nova entidade decidiuse pela fundação da Ande Assim em lugar da Associação Brasileira de Educação surgiu a Associação Nacional de Educação que juntamente com a ANPEd e o Cedes organizou a partir de 1980 a série das Conferências Brasileiras de Educação as CBEs Curiosamente enquanto na década de 1920 surgia a Associação Brasileira de Educação que organizou as Conferências Nacionais de Educação no final da década de 1970 surgiu a Associação Nacional de Educação que foi uma das organizadoras das Conferências Brasileiras de Educação Ressaltese que à semelhança do Manifesto de 1932 o vetor dessa mobilização do final da década de 1970 era também a reorganização da educação pública como o ilustra o Decálogo em defesa do ensino público editado em 1982 no número 5 da revista da Ande por Guiomar Namo de Mello sob o pseudônimo de Kloé Isto porém sem a pretensão explícita de hegemonia que caracterizou o Manifesto como registram as cartas de Fernando de Azevedo a Anísio Teixeira a exemplo daquela de 12 de março de 1932 em que afirma é preciso estarmos vigilantes para obtermos desse Manifesto todo o efeito que procuramos já de irradiação de idéias já de consolidação do bloco ou do grupo que se vai lançar Xavier 2002 p 29 De fato a aspiração da Ande era elevar a qualidade do ensino público Para isso buscou estreitar os laços entre os intelectuais da educação e os profes sores da educação básica o que foi definido como o objetivo prioritário da revista fundada pela entidade A programação da I CBE realizada nos dias 31 de março e 1o e 2 de abril de 1980 previu um simpósio denominado Abordagem política do funciona mento interno da escola de primeiro grau localizado no primeiro dia logo após a abertura oficial do evento Como um dos três participantes da mesa e o último a falar diante do tema e das circunstâncias em que foi realizado o simpósio decidi imprimir um tom polêmico à minha exposição lançando mão da metáfora da teoria da curvatura da vara Partindo da suposição de que o ideário da Escola Nova havia se tornado hegemônico e nessa condição havia 80 DERMEVAL SAVIANI ganhado a cabeça dos professores imaginei que a esmagadora maioria das mais de mil cabeças que compunham a platéia do simpósio havia aderido ao esco lanovismo Defini então a linha de minha exposição que não estava baseada em texto escrito servindome da imagem da curvatura da vara propusme a inverter a posição dominante que considerava a Escola Nova portadora de todas as virtudes e de nenhum vício em contraposição à Escola Tradicional considerada portadora de todos os vícios e de nenhuma virtude Em minha exposição empenheime em destacar os vícios da Escola Nova exaltando em contrapartida as virtudes da Escola Tradicional A referida exposição foi gravada e depois de transcrita publicada no número 1 da revista da Ande lançada em 1981 Posteriormente esse artigo ao lado de outros três textos veio a compor o livro Escola e democracia cuja 1ª edição data de 1983 Assim embora a publicação do livro date de setembro de 1983 o primeiro capítulo denominado As teorias da educação e o problema da marginalida de foi escrito e publicado originalmente em 1982 como artigo no número 42 de Cadernos de Pesquisa Revista de Estudos e Pesquisas em Educação da Fundação Carlos Chagas O segundo capítulo Escola e democracia I a teoria da curvatura da vara resultou da exposição oral ocorrida no sim pósio Abordagem política do funcionamento interno da escola de primeiro grau que integrou a programação da I CBE O terceiro capítulo Escola e democracia II para além da teoria da curvatura da vara foi escrito e publicado em 1982 no número 3 da revista da Ande E o último capítulo Onze teses sobre educação e política foi escrito em 1983 especialmente para integrar essa publicação Portanto o conteúdo do livro Escola e demo cracia foi produzido e divulgado entre 1980 e 1983 Assim quando em 2002 comemoramos os 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova o livro Escola e democracia chegava ao vigésimo ano de circulação Ao longo desses 20 anos este livro foi objeto de muitas discussões especialmente o capítulo dois que intencionalmente abriu uma polêmica com a Escola Nova Num primeiro momento ocorrido ainda na década de 1980 as objeções vieram do interior das próprias teorias críticas da educação em especial na sua vertente marxista tendo alguns adeptos dessa tendência considerado o livro não suficientemente alinhado com as teses do marxismo Em atenção a essas interpretações no prefácio à 20ª edição Saviani 1988a redigido em janeiro de 1988 procurei esclarecer a relação entre as idéias aí expostas e a visão marxista O segundo momento situase já na década de ESCOLA E DEMOCRACIA 81 1990 quando as objeções são formuladas no âmbito da história da educação mais especificamente dirigidas ao suposto viés historiográfico que atravessa ria as análises apresentadas no livro Sobre essas objeções mantiveme até agora em silêncio Como assinalei no prefácio à 34ª edição Saviani 2001 redigido em outubro de 2001 olhando à distância posso considerar que o impacto pro vocado pela radicalidade da crítica que formulei suscitou reações com forte teor de emotividade o que não deixou de resultar em alguns equívocos interpretativos Assim diante do convite formulado pelo professor Luciano Mendes de Faria Filho ao propor a realização do coloquio entendi que esse evento comemorativo dos 70 anos do Manifesto aliado aos 20 anos da crítica contundente divulgada no livro Escola e democracia constituía uma boa oportunidade para um balanço dos acertos e desacertos das interpretações que se construíram em torno dessa questão Preliminarmente caberia assinalar como já o fiz nos prefácios mencio nados que embora a Escola Nova tenha sido posta no centro da polêmica Escola e democracia não é um livro contra a Escola Nova como tal A de núncia da Escola Nova foi apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia dominante então caracterizada como a pedagogia burguesa de inspiração liberal em contraposição ao âmbito de uma pedagogia emancipatória então identificada com uma pedagogia socialista de inspiração marxista Portanto não há nenhuma contradição entre o conteúdo do livro e o reconhecimento do caráter progressista do movimento da Escola Nova em especial na formulação contida no Mani festo dos Pioneiros da Educação Nova que sob alguns aspectos chegou mesmo a ultrapassar a concepção liberal burguesa de educação incorporando propostas que se inserem na tradição pedagógica socialista Ao longo da década de 1990 depareime diversas vezes com textos cujos autores declaravam pertencer a uma nova geração de pesquisadores em história da educação dos anos noventa que por oposição à geração dos anos oitenta estavam empenhados em resgatar a importância da Escola Nova na história da educação brasileira ou desvelar com base em pesquisa de fontes o papel de seus protagonistas considerandoos nem como heróis nem como vilões E obviamente entre os trabalhos citados da dita geração dos oitenta lá se encontrava E scola e democracia Ao ler esses textos dos novos autores constatava que em geral se tratava de trabalhos de boa qualidade conten 82 DERMEVAL SAVIANI do considerações pertinentes e relevantes sobre o objeto analisado Assim ficava com a impressão de que a menção aos anos de 1980 era desnecessária porque não interferia no caráter da análise apresentada além de por vezes não fazer justiça aos autores citados Por não me ter preocupado em colecionar todas as referências ao livro Escola e democracia constantes nos textos produzidos por essa autodenomi nada geração dos noventa e levando em conta também os limites dessa exposição vou restringirme aos trabalhos de Clarice Nunes e de Zaia Brandão que a meu ver são não apenas paradigmáticos mas além disso em especial aquele de Clarice Nunes constituem referências para os demais Com efeito via de regra os textos a que tive acesso e que invocam essa condição de pertencimento à geração de novos pesquisadores em história da educação ao se reportar a Escola e democracia geralmente tendem a se apoiar nas críticas formuladas por Clarice Nunes Um exemplo é o trabalho de Marcus Vinicius Cunha 1995 que na página 24 propõe explicitamente o recurso a Clarice Nunes Seguindo a mesma linha interpretativa dessa autora ele considera que em Escola e democracia que já se tornou também um clássico o próprio Saviani parece não dar muita atenção aos cuidados que cercaram seu trabalho anterior há pouco comentado Declara em seguida que eu no livro indicado estaria afirmando categoricamente que os princípios escolanovistas eram psicologistas idem ibidem No entanto no trecho que ele transcreve para documentar essa afirmação fica claro que com a Escola Nova teria havido um deslocamento de ênfase do lógico para o psicológico o que não significa a adoção do psicologismo e muito menos a sua afirmação categórica 3 A MANIPULAÇÃO DE CONCEITOS E DO PROCESSO HISTÓRICO NO LIVRO ESCOLA E DEMOCRACIA SEGUNDO CLARICE NUNES As críticas de Clarice Nunes foram formuladas no contexto da produção de sua tese de doutoramento Anísio Teixeira a poesia da ação defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio e repetiram se em diferentes publicações Aparecem no texto da tese Nunes 1991 pp 1418 e são mantidas na publicação da tese em livro em 2000 com o ESCOLA E DEMOCRACIA 83 mesmo título Anísio Teixeira a poesia da ação Nunes 2000 pp 2024 Uma referência mais condensada é feita também no artigo História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos publicada no número 6 da revista Teoria Educação Nunes 1992 pp 157 e 180 notas 11 e 13 Observo que na nota 11 se afirma Para uma revisão detalhada da obra de Nagle e da trajetória de apropriação de sua matriz por autores como Vanilda Paiva Dermeval Saviani Guiomar Namo de Mello e Paulo Ghiraldelli Jr ver nosso projeto de tese de doutorado A República Educadora Os intelectuais e a constituição da hegemonia nos anos vinte e trinta RJ Departamento de Educação da PUCRio 1988 Dado que esse projeto é mencionado também na própria tese assim como no livro que dela resultou e no texto que vou comentar abaixo Nunes 1996 p 38 nota 6 confesso que fiquei curioso e desejoso de examinar esse trabalho no qual como informado na nota se encontraria uma análise detalhada da questão que me envolve No entanto como ter acesso a uma fonte desse tipo Será que o Departamento de Educação da PUCRio arquiva os projetos dos alunos e assim mesmo aqueles que não resultam nas teses defendidas poderiam ser consultados Para efeitos desta exposição vou tomar como referência o texto publicado no livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil organizado por Silvina Gvirtz e publicado por Miño y Dávila Editores de Buenos Aires em 1996 Todas as observações que farei valem igualmente para as outras publicações já que os enunciados são idênticos em todas elas Faço essa escolha porque o livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil traz os textos apresentados no Primeiro Seminário Binacional Escola Nova na Argentina e no Brasil Estado da arte e perspectiva da investigação realizado no Instituto de Investigações em Ciências da Educação da Universidade de Buenos Aires nos dias 22 23 e 24 de agosto de 1995 Como tal ensejou a manifestação de Ovide Menin diretor do instituto que sediava o evento Tratase de um respeitável investigador já de idade avançada e que por isso se pode dar à liberdade de expressar suas opiniões sem se preocupar com a diplomacia acadêmica Nessa condição não obstante se declarar não especialista no tema após destacar a importância do evento à vista da relevante contribuição trazida pela Escola Nova afirma 84 DERMEVAL SAVIANI Por eso me ha llamado la atención que hombres como Dermeval Saviani condenaran con notable desparpajo hace más o menos una década esta filoso fía educacional Critica que a mi juicio sea por sectarismo sea por apresurado análisis no aportó nada o muy poco a la historia epistemológica de la pedagogía contemporánea Es que los marxistas también suelen producir estas piezas his tóricas ligeramente dogmáticas Menin 1996 pp 78 Ignoro se Ovide Menin teve oportunidade de analisar o meu livro seja em português seja na versão em espanhol publicada pela Editorial Monte Sexto de Montevidéu Saviani 1988b seja ainda nos artigos publicados pela Revista Argentina de Educación Saviani 1983 a e 1987a e na Revista de la Educación del Pueblo do Uruguai Saviani 1986a 1986b e 1987b O fato é que independentemente de têlo feito ou não a espontaneidade de sua manifestação e o caráter incisivo de sua afirmação segundo a qual minha crí tica não trouxe nada ou muito pouco à história epistemológica da pedagogia contemporânea são indícios da tendência a considerar as teses enunciadas em Escola e democracia como formulações de caráter historiográfico em lugar de simples afirmações de caráter polêmico E a meu ver é essa tendência que marca a análise de Clarice Nunes que integra a mesma obra Passemos então ao exame das objeções formuladas No livro em questão o texto de Clarice Nunes denominado A escola nova no Brasil do estado da arte à arte do estudo encontrase entre as páginas 13 e 39 e contém três tópicos as representações instituídas pp 1420 a apropriação de Jorge Nagle e a defesa da tecnificação do campo educacional pp 2028 e as representações instituintes pp 2837 O enquadramento de meu trabalho encontrase no segundo tópico entre as páginas 23 e 27 Preliminarmente se faz necessário observar que Clarice Nunes tem um modo um tanto problemático de se apropriar das passagens dos textos a que se reporta Com efeito não utilizando aspas nem itálico ela produz no leitor o efeito de considerar que está parafraseando os autores referidos No entanto freqüentemente se trata de transcrições literais entremeadas com alguns conectivos ou palavras intercaladas no texto citado É assim que Clarice me insere em seu texto Diz ela O Movimento da Escola Nova teria em sua base a concepção humanista moderna através da qual a visão de homem está centrada na existência na vida ESCOLA E DEMOCRACIA 85 na atividade a existência precederia a essência e a natureza humana é mutável A educação passa a centrarse na criança no educando na vida na atividade Há formas descontínuas na educação já que o ritmo vital é variado determi nado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos e na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos 1980 pp 1819 apud Nunes 1996 p 23 Vejamos agora como está redigida a fonte dessa passagem citada Para facilitar a compreensão do leitor colocarei em negrito os trechos transcritos anteriormente por Clarice Nunes A concepção humanista moderna abrange correntes tais como o Pragma tismo Vitalismo Historicismo Existencialismo e Fenomenologia Diferentemente da concepção tradicional esboçase uma visão de homem centrada na existên cia na vida na atividade Não se trata mais de se encarar a existência como mera atualização das potencialidades contidas a priori e definitivamente na essência Ao contrário aqui a existência precede a essência Já não há uma natureza humana ou dito de outra forma a natureza humana é mutável determinada pela existência Na visão tradicional dáse um privilégio do adulto considerado o homem acabado completo por oposição à criança ser imaturo incompleto Daí que a educação se centra no educador no intelecto no conhecimento Na visão moderna sendo o homem considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer o adulto não pode se constituir em modelo Daí que a educação passa a centrarse na criança no educando na vida na atividade Admitese a existência de formas descontínuas na educação E isso em dois sentidos num primeiro sentido mais amplo na medida em que em vez de se considerar a educação como um processo continuado obedecendo a esquemas prédefinidos seguindo uma ordem lógica considerase que a educação segue o ritmo vital que é variado determinado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos admite idas e vindas com predominância do psicológico sobre o lógico num segundo sentido mais restrito e especificamente existencialista na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos Saviani 1980 pp 1819 Comparandose os dois trechos citados vêse que a fonte foi truncada Retiraramse passagens que transcritas literalmente foram postas fora DERMEVAL SAVIANI do contexto em que se encontravam mudando o seu sentido Assim a concepção humanista moderna deixou de ser uma tendência ampla que engloba diversas correntes como o pragmatismo o vitalismo o historicismo o existencialismo e a fenomenologia ficando reduzida ao Movimento da Escola Nova No entanto o movimento da Escola Nova identificase mais propriamente do ponto de vista filosófico com a corrente do pragmatismo não cobrindo portanto o amplo espectro da concepção humanista moderna É o que se passou também com as formas descontínuas da educação Na fonte fazse referência a dois sentidos distintos um amplo e o outro restrito e especificamente existencialista Na transcrição os dois sentidos viraram um só Ora o segundo sentido estando referido especificamente à corrente existencialista não se aplica à Escola Nova que embora admita de modo geral a precedência da existência sobre a essência conforme o significado amplo que aparece no livro de Suchodolski 1960 La pédagogie et les grands courants philosophiques que cito em nota de rodapé nada tem a ver com o existencialismo como fica evidente no livro de Bollnow 1971 Pedagogia e filosofia da existência que também cito em nota de rodapé Indício da rele vância desse aspecto está no fato de que no início do terceiro capítulo de Escola e democracia introduzi um tópico específico com o título Pedagogia nova e pedagogia da existência Saviani 1983a pp 6466 em que escla reço que as expressões pedagogia nova e pedagogia da existência podem ser consideradas sinônimos com a condição porém de não se confundir pedagogia nova com escolanovismo e nem pedagogia da existência com pedagogia existencialista Na página seguinte Clarice afirma Para o autor ao enfatizar a qualidade do ensino a escola nova deslocou o eixo das preocupações do âmbito político relativo à sociedade em seu conjunto para o âmbito técnicopedagógico relativo ao interior da escola cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função manter a expansão da escola nos limites supor táveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses Com isso a escola nova ao mesmo tempo que sic aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites forçou a baixa da qualidade do ensino destinado às camadas populares já que sua influência provocou o afrouxamento da disciplina e das exigências de qualificação nas escolas convencionais 1980 pp 2425 apud Nunes 1996 p 24 86 ESCOLA E DEMOCRACIA 87 Todo esse parágrafo com exceção da expressão para o autor é trans crição literal embora não apareça entre aspas nem em itálico Esse mesmo trecho é também transcrito da mesma maneira no artigo História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos p 157 sendo que nesse caso como aparece logo após uma referência a Jorge Nagle o leitor concluirá que se trata de uma passagem de autoria de Nagle Confor me Clarice esclareceu em email a mim enviado ocorreu aí um problema técnico não detectado na revisão do texto da tese que se reproduziu quando do aproveitamento do mesmo material no artigo citado Voltando ao texto que estou comentando na seqüência Clarice afirma que tendo incorporado a tese de Nagle relativa à tecnificação do campo pedagógico Saviani não se dá ao trabalho de explorar a vislumbrada com plexidade em particular quando analisa o processo histórico concreto e mais especificamente o caso da sociedade brasileira E não o faz porque suas teses assim o exigem idem p 25 E menciona na seqüência as três teses que aparecem no texto Escola e democracia a teoria da curvatura da vara que figura como segundo capítulo do livro Escola e democracia a do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência b do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocien tífico dos métodos novos c de como quando menos se falou em democracia no interior da escola mais ela foi democrática e quando mais se falou em democracia menos ela foi democrática Clarice toma portanto essas teses como se eu pretendesse que elas fossem resultado de uma investigação historiográfica No entanto essas teses foram enunciadas explicitamente no exercício de um procedimento expresso na metáfora da teoria da curvatura da vara conforme se encontra registrado no texto do capítulo dois sendo reiterado no início do capítulo três nos seguintes termos No texto anterior partindo da suposição de que o ideário escolanovista logrou converterse em senso comum para os educadores isto é tornouse a forma dominante de se conceber a educação enunciei teses polêmicas visando a 88 DERMEVAL SAVIANI contestar as crenças que acabaram por tomar conta das cabeças dos educadores Meu objetivo era reverter a tendência dominante Uma vez que a concepção corrente na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o tradicionalismo tende a considerar a pedagogia nova como portadora de todas as virtudes e de nenhum vício atribuindo inversamente à pedagogia tradicional todos os vícios e nenhuma virtude empenheime no texto citado em demonstrar exatamente o inverso E o fiz por meio de três teses que enunciei e explicitei de modo sucinto Saviani 1983a p 62 E após reproduzir as três teses acrescento Como se percebe de imediato o próprio enunciado dessas proposições evi dencia que mais do que teses elas funcionam como antíteses por referência às idéias dominantes nos meios educacionais É este sentido de negação frontal das teses correntes que se traduz metaforicamente na expressão teoria da curvatura da vara Com efeito assim como para se endireitar uma vara que se encontra torta não basta colocála na posição correta mas é necessário curvála do lado oposto assim também no embate ideológico não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos é necessário abalar as certezas desautorizar o senso comum E para isso nada melhor do que demonstrar a falsi dade daquilo que é tido como obviamente verdadeiro demonstrando ao mesmo tempo a verdade daquilo que é tido como obviamente falso Meu objetivo pois ao introduzir no debate educacional a teoria da curvatura da vara foi o de polemizar abalar desinstalar inquietar fazer pensar idem p 63 É evidente portanto que eu me situava nesse texto no âmbito do debate ideológico e não no plano da discussão historiográfica Esse ponto pareceme central para se compreender o viés interpretativo da maior parte das leitu ras que se produziram a respeito do livro Escola e democracia em especial no campo da história da educação Por isso voltarei a essa questão no final deste texto Espero então deixar claro que o procedimento denominado de teoria da curvatura da vara é bastante usual no trabalho intelectual tendo a própria Escola Nova dele se utilizado amplamente com a diferença de que para ela esse procedimento seria instaurador da verdade ao passo que para mim se apresenta tãosomente com o caráter de exercício intelectual questionador das verdades instaladas ESCOLA E DEMOCRACIA 89 Para não me alongar em excesso abordo um último ponto relativo ao papel da burguesia que Clarice considera ser o que lhe interessa em meus ar gumentos Diz ela Aproximamonos de Saviani quando visualiza a escola nova como mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante mas nos distanciamos dele quando manipula conceitos e o próprio processo histórico para defender suas teses Nunes 1996 p 25 De fato se há alguma tese que eu defenda a respeito do papel da Escola Nova no âmbito da sociedade burguesa é esta relativa ao mecanismo de re composição da hegemonia da classe dominante As teses que segundo ela eu estaria defendendo por meio da manipulação de conceitos e do próprio processo histórico são como se mostrou anteriormente apenas antíteses introduzidas com o objetivo de polemizar E onde está a manipulação de conceitos e do processo histórico Clarice não mostra quando onde em que passagens dos meus textos se encontraria tal manipulação Ao fim e ao cabo ficamos pois com a seguinte conclusão No funda mental Clarice aproximase de minha posição As discordâncias expressas de forma tão contundente e tão bem traduzidas por Ovide Menin com a palavra desparpajo não passariam de um viés de interpretação decorrente do fato de se ter tomado como conclusões de pesquisa historiográfica enunciados que modestamente não pretendiam outra coisa senão questionar conceitos que supus tivessem se imposto ao senso comum dos educadores colocandome portanto no terreno da polêmica ideológica É evidente que o referido viés interpretativo em nada desmerece o imen so trabalho baseado em pesquisa de fôlego que Clarice Nunes desenvolveu para sua tese de doutoramento e que se materializou no belo profundo e abrangente texto denominado sugestivamente Anísio Teixeira a poesia da ação Simplesmente entendo que os comentários a meu respeito incluídos no primeiro tópico do texto denominado A educação do educador que fun ciona como uma espécie de introdução ao tema específico da tese que versa sobre Anísio Teixeira não eram exigidos pela pesquisa realizada Portanto suas críticas formuladas ao meu trabalho nenhum influxo exerceram sobre o caráter a consistência e a qualidade de sua investigação A menos que ela considere que meu trabalho serviu como uma provocação e pois como uma motivação para que ela mergulhasse a fundo nos arquivos e retornasse à superfície com um Anísio Teixeira reconstituído em toda a sua riqueza como homem intelectual político e educador dos mais brilhantes que nosso 90 DERMEVAL SAVIANI país já produziu Nesse caso eu me daria por feliz em ter contribuído ainda que pelo avesso para esse resultado O que então estaria mostrando que a polêmica instaurada não foi tão inócua ou tão negativa como sua crítica pretendeu mostrar 4 PASCHOAL LEMME NO MANIFESTO UM ESTRANHO NO NINHO DOS PIONEIROS Na pesquisa desenvolvida em função de sua tese de doutoramento Zaia Brandão retoma a abordagem de Escola e democracia limitandose ao texto Escola e democracia a teoria da curvatura da vara que como já foi informado veio a compor o segundo capítulo do livro Neste texto tomo como referência a publicação da tese sob a forma do livro A intelligentsia educacional Um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil Brandão 1999 O texto é construído de forma instigante procurando conduzir o leitor não apenas aos resultados da investigação mas também aos caminhos percorridos para se chegar às conclusões apresentadas Do ponto de vista técnicoformal apenas obser vo que ao efetuar as transcrições com a conseqüente remissão às páginas correspondentes Zaia tomou por base a publicação dos Anais da I CBE enquanto na bibliografia do livro não aparecem os Anais e sim a 1 edição do livro Escola e democracia Isso dificulta ao leitor a identificação da fonte utilizada e sua consulta para um eventual confronto A análise de meu trabalho localizase no item 13 da primeira parte denominada A desconstrução da memóriamonumento Dermeval Saviani e a fixação de uma nova memória Em princípio não tenho objeção a esse enunciado uma vez que de fato no texto referido eu me propus pelo pro cedimento da teoria da curvatura da vara já comentado no item anterior a desconstruir a memória instalada que certamente resultou da construção operada pelos Pioneiros de modo especial por Fernando de Azevedo aliás muito bem analisada na tese de Marta de Carvalho Molde nacional e forma cívica defendida em 1986 e publicada como livro em 1998 No entanto é bom que se frise eu não tinha em mira propriamente efetuar a crítica do trabalho dos Pioneiros mas desmontar o modo como o ideário da Escola Nova se fixou na cabeça dos professores ESCOLA E DEMOCRACIA 91 Em sua explanação Zaia Brandão revela ter feito uma leitura atenta do texto citando adequadamente e mantendo quando parafraseia o sentido captado na fonte utilizada Sua interpretação porém participa do mesmo viés de considerar as idéias por mim expostas como expressão de uma pesquisa historiográfica como o ilustra a seguinte passagem O problema deste tipo de análise é o de trabalhar no horizonte da substituição da memórialegada pelo seu avesso uma espécie de memórianegada A despositivação da memória dos pioneiros acabou positivando uma nova memória como a verdadeira Apesar da lógica dessa análise ela é bem pouco histórica em minha concepção de fazer história idem pp 4243 A essa passagem eu retrucaria o problema desse tipo de interpretação é que no caso em tela não estava em causa o fazer história Logo como diria Gramsci 1978 p 261 não se deve confundir uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Mas como já assinalei no próximo item penso esclarecer essa questão Antes porém me parece necessário abordar um outro aspecto da tese de Zaia Brandão que se refere à própria motivação que a levou a tomar Paschoal Lemme como objeto de estudo Zaia relata que seu interesse pelo estudo do pioneiro Paschoal Lemme decorreu da constatação de que se tratava de um marxista que como tal estaria pouco à vontade entre os signatários do Manifesto tendo em vista o silenciamento da matriz marxista pelo pensamento liberal hegemônico no campo da educação Brandão 1999 p 11 Em termos mais explícitos diz Zaia Minha pesquisa ao recuperar a reflexão de inspiração marxista entre os Pioneiros poderia contribuir ainda para comprovar uma outra face da desmobilização dos movimentos populares pelo escolanovismo a que marginalizava do debate educacional aquela reflexão idem ibidem Mas Paschoal Lemme ao ser abordado por Zaia Brandão longe de se considerar um estranho no ninho dos Pioneiros sentiase plenamente integrado no meio deles E recomendava à pesquisadora que revisse seu ponto de partida Procure eliminar de seu trabalho a idéia de que eu tenha sofrido restrições ou silenciamento por parte dos Cardeais depois que passei a trilhar um caminho independente em relação às concepções que eles adotavam sobre o fenômeno da educação idem p 12 aconselhou ele a Zaia Brandão 92 DERMEVAL SAVIANI E Zaia prossegue seu relato descrevendo as vicissitudes de sua aproxi mação com Paschoal Lemme em que se foi firmando a convicção contrária àquela corrente historiográfica basicamente de inspiração marxista que vinha transmutando os Pioneiros de heróis em vilões idem p 13 corrente esta em que obviamente fui enquadrado enquanto responsável pela desconstrução da memòriamonumento e a fixação de uma outra memória a do escolanovismo idem p 23 Nesse movimento ela enfim libertouse do hábito maniqueísta que não a deixava entrever a possibi lidade de haver um mínimo de compatibilidade entre liberais e marxistas na formulação de um projeto educacional àquela época e naquelas circuns tâncias idem p 15 Penso ser necessário registrar neste ponto que aquilo de que se trata no relato previamente sumariado diz respeito à leitura que Zaia estava fazendo do movimento da Escola Nova e da historiografia desse movimento o que não quer dizer que os representantes dessa historiografia coincidissem com essa leitura De minha parte pelo menos não me reconheço nessa leitura Com efeito não só não via incompatibilidade entre liberais e marxistas na formulação de um projeto educacional àquela época e naquelas circunstâncias como ao contrário me manifestei pela efetiva existência dessa compatibilidade Isto está explícito no próprio texto citado por Zaia como se pode verificar exatamente na passagem em que sou acusado de apagar todas as diferenças ambigüidades e contradições que atravessaram a história do movimento de escola nova entre nós idem p 45 Tratase da passagem em que afirmo que aqueles movimentos sociais de origem por exemplo anarquista socialista maximalista que conclamavam o povo a se organizar e reivindicavam a criação de escolas para os trabalhadores esses perderam a vez e todos os progressistas em educação tenderam a endossar o credo escolanovista idem pp 4445 Ora se todos os progressistas inclusive os marxistas tenderam a endossar o credo escolanovista então havia compatibilidade entre marxistas e liberais É certo que aí em razão do objetivo polêmico o discurso é radicalizado permitindo a interpretação de que o escolanovismo teria absorvido todas as tendências e anulado as diferenças No entanto o que está em causa é a percepção de que o objetivo modernizador colocou lado a lado liberais e marxistas compatibilizandoos portanto Referime a essa questão no texto O pensamento de esquerda e a educação na República brasileira ESCOLA E DEMOCRACIA 93 Saviani 1991 que correspondeu à conferência proferida no evento Um século de educação republicana realizado na Faculdade de Educação da Unicamp em novembro de 1989 Aí eu me reporto ao refluxo do movimento anarquista e ao surgimento do Partido Comunista que passa a se tornar predominante no pensamento de esquerda registro ainda a tese abraçada pelo Partido Comunista de que era necessário primeiro realizar a revolução democráticoburguesa como condição para se colocar posteriormente a questão da revolução socialista E faço a seguinte observação Nesse sentido talvez e essa é mais uma hipótese a ser estudada passamos a entender melhor por que do ponto de vista educacional não se chegou a uma formulação mais clara de uma proposta educacional de esquerda de uma pro posta educacional marxista de uma proposta educacional específica do Partido Comunista idem p 63 E reforço esse enunciado à guisa de conclusão Isso fica como hipótese a ser melhor investigada no sentido de se verificar em que grau essa perspectiva de uma revolução democráticoburguesa posta para as forças de esquerda permitia que elas se sentissem sintonizadas com o ideário escolanovista enquanto um ideário pedagógico que visava traduzir do ponto de vista educacional essa perspectiva e esse objetivo da chamada revolução democráticoburguesa idem ibidem Ora parece claro nessas citações em um texto que embora não sendo um estudo de caráter estritamente historiográfico tem um certo caráter analítico e não foi construído com o objetivo de polemizar que não há um empenho em se apagar as diferenças ambigüidades e contradições mas se está ao contrário procurando compreender o processo histórico e fora de qualquer perspectiva teleologica da história e de qualquer dogmatismo cautelosamente apresenta um enunciado na condição de hipótese a ser mais bem investigada Em suma o que estou querendo mostrar é que o ponto de partida da pesquisa de Zaia Brandão o silenciamento do marxismo de modo geral e de Paschoal Lemme em particular pelo pensamento liberal hegemônico não coincide com a minha visão dessa questão e portanto não poderia ser DERMEVAL SAVIANI tributada à fixação de uma outra memória o escolanovismo da qual eu teria sido o principal mentor Brandão 1999 pp 23 e 4046 Para mim foi ficando claro desde as primeiras leituras do Manifesto que não se tratava de um texto homogêneo o mesmo ocorrendo com o grupo dos Pioneiros E se essa leitura não fosse suficiente eu estava sendo alertado para o problema na interlocução com Luiz Antônio Cunha por meio de suas intervenções incidentais sobre o tema no decorrer dos debates que travamos entre 1978 e 1981 no grupo de doutoramento em educação da PUC de São Paulo lembrando que além de Paschoal Lemme entre os signatários do Manifesto podem ser tidos como socialistas Roldão Lopes de Barros Hermes Lima Edgard Sussekind de Mendonça Cunha 1994 p 146 O próprio Fernando de Azevedo em seu esboço autobiográ fico escrito na terceira pessoa e publicado no livro Figuras de meu convívio declarase socialista Suas idéias socialistas não resultaram apenas de leituras a que se atirou com sofreguidão quando se rompeu o seu isolamento nem só de meditação e de re flexões teóricas Elas tinham fundas raízes na observação das coisas e do mundo em que mergulhou por um encontro inesperado com as classes pobres em cuja intimidade lhe permitiu entrar um emprego obtido e com que dificuldades para cuidar de sua subsistência e poder prosseguir em seus estudos de direito Era o de um modesto auxiliar no escritório de conferentes no Loide Brasileiro Azevedo 1973 p 227 Sobre as leituras mencionadas de passagem ele informanos em outra obra História de minha vida Eu vinha lendo desde que deixei a Ordem Religiosa duas obras quase in teiramente desconhecidas entre nós as de Karl Marx e de Engels de um lado e a de Émile Durkheim de outro Aquelas sobre o Socialismo e esta sobre a Sociologia Rigorosamente fiel ao princípio que impõe distinção fundamental entre ciência e ideologia eu acabei tornandome sob a inspiração de Karl Marx um socialista e sob outras influências as de Durkheim sociólogo e um dos fundadores da Sociologia no Brasil Azevedo 1971 p 210 ESCOLA E DEMOCRACIA 95 No esboço autobiográfico Azevedo informa que a idéia e a aspiração de uma nova era clássica anunciada por Lunatscharsky lhe eram muito caras concorrendo para suas idéias socialistas E declarase socialista homem de esquerda como se diria depois Azevedo 1973 p 225 Esses depoimentos de Fernando de Azevedo mostram que efetiva mente o contexto em que surgiu o Manifesto com as características das subjetividades de seus protagonistas precisa ser compreendido na sua es pecificidade não sendo redutível a esquemas simplificados e muito menos maniqueístas Isso por outro lado não significa desconhecer que havia sim para o grupo hegemônico do movimento da Escola Nova no Brasil da época do Manifesto à testa o próprio Fernando de Azevedo uma desconfiança em relação ao pensamento de esquerda em especial ao marxismo Disso dá conta o texto de Marta de Carvalho O novo o velho o perigoso re lendo a Cultura Brasileira publicado em 1989 no número 71 de Cadernos de Pesquisa e citado por Zaia Brandão em sua tese de doutoramento Não deixa de ser surpreendente e também curioso o enquadramento do socialismo na sociologia positivista operado pelo pioneiro considerado por Luiz Antônio Cunha o líder da tendência liberal elitista Ganha todo o sentido portanto o enunciado de Antonio Candido em entrevista a Maria Luiza Penna se não aceitarmos a contradição não entenderemos Fernando de Azevedo Todo ele é contraditório Cunha 1994 p 140 5 A ESCOLA NOVA EXERCITANDO A TEORIA DA CURVATURA DA VARA No início do segundo capítulo de Escola e democracia inseri uma nota em que lembro que o procedimento nomeado pela metáfora da teoria da curvatura da vara é de certo modo uma característica da filosofia podendo ser encontrado nos diálogos platônicos na expressão maior da filosofia medieval a Summa Theologica de Tomás de Aquino por meio da expressão videtur quod non e em Descartes com a dúvida metódica adquirindo sua máxima expressão teórica com o advento da filosofia especificamente dialé tica inaugurada por Hegel Saviani 1983 p 63 Poderíamos no entanto considerar que se trata de uma atitude que se estende para além do campo 96 DERMEVAL SAVIANI estritamente filosófico manifestandose como uma característica bastante comum no âmbito do trabalho intelectual Enquanto metáfora a teoria da curvatura da vara é uma figura de linguagem A corrente da filosofia analítica da educação entendendo que a filosofia diz respeito à clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenômenos e não aos fenômenos propriamente ditos considera que o papel da filosofia da educação é fazer a assepsia da linguagem educacional depu randoa de suas inconsistências e ambigüidades Como tal essa corrente tem operado análises de diferentes tipos sobre a lógica do discurso pedagógico Israel Scheffler no livro A linguagem da educação examina além das metáforas educacionais as definições em educação os slogans educacionais e explora mais detidamente os vários contextos de uso do verbo ensinar em correlação com o verbo dizer No capítulo dois tratando dos slogans educacionais Scheffler começa por mostrar a diferença entre eles e as definições enquanto estas são consi deradas esclarecedoras aqueles são estimulantes tendo por função unificar as idéias e atitudes dos movimentos educacionais exprimem e promovem ao mesmo tempo a comunidade de espírito atraindo novos aderentes e fornecendo confiança e firmeza aos veteranos Scheffler 1974 p 46 Do mesmo modo que os slogans religiosos e políticos os slogans educacionais resultam de espírito partidário Diante disso Scheffler considera ocioso criticar um slogan por inadequação formal ou por inexatidão na transcrição do uso p 46 mas entende haver uma importante analogia entre eles e as definições Assim embora os slogans sejam símbolos unificadores de idéias e atitudes com o correr do tempo entretanto muitas vezes os slogans passam progressivamente a ser interpretados de maneira mais literal tanto pelos aderentes como pelos críticos dos movimentos que eles representam idem pp 4647 Por esse caminho eles tendem a ser considerados como argumentos ou doutrinas literais e não mais simplesmente como símbolos unificantes idem p 47 No caso da educação sublinha Scheffler diferentemente do âmbito político e religioso os seus agentes não estão sob o controle de uma doutrina oficial nem se encontram organizados em grupos confessionais Nessas circunstâncias as idéias educacionais formuladas primeiramente em textos cuidadosamente elaborados e muitas vezes difíceis cedo tornamse influentes em versões popularizadas entre os professores idem ibidem ESCOLA E DEMOCRACIA 97 E não há como controlar esse processo submetendoo a uma disciplina ou liderança que preserve a concepção em sua formulação original Scheffler resume suas considerações afirmando ser necessária uma crítica dos slogans tanto pelo aspecto literal quanto pelo aspecto prático devendo as doutrinas originárias ser objeto de uma avaliação independente À luz dessa análise considero relevante registrar que a crítica que for mulei ao ideário escolanovista por meio da teoria da curvatura da vara incidiu sobre as versões popularizadas isto é como se disse sobre o modo como esse ideário se fixou na cabeça dos professores Em nenhum momento esteve em causa as elaborações dos Pioneiros Eis por que considerei não pertinentes as referências ao meu trabalho na tese de Clarice Nunes já que Anísio Teixeira nunca esteve em pauta nas críticas que enderecei ao referido ideário Igualmente agora no caso da tese de Zaia Brandão nunca pus em questão no texto por ela citado os trabalhos de Paschoal Lemme Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira Mas voltando ao livro de Scheffler na seqüência ele vai tomar justa mente o exemplo da influência de Dewey observando que suas afirmações sistemáticas cuidadosamente formuladas e bem especificadas logo se traduziram em fragmentos de impacto que serviriam como slogans para as novas tendências progressistas da educação americana idem ibidem E apesar da reação de Dewey criticando essa forma de utilização de suas idéias o que não deixou de ser levado em conta dada a sua condição de líder inte lectual inconteste do movimento renovador os slogans progressistas foram cada vez mais assumindo uma vida própria passando a ser defendidos como afirmações literais e atacados como tais idem p 48 Após esses esclarecimentos Scheffler passa a analisar detidamente os slogans ensinamos crianças não matérias e não pode haver ensino sem aprendizado os quais se inserem no processo de difusão da Escola Nova Para efeitos desta minha exposição me limitarei a uma breve referência ao enunciado ensinamos crianças não matérias O que queremos dizer com essa expressão Do ponto de vista gramatical ela não se sustenta uma vez que o verbo ensinar é bitransitivo comportando pois tanto o objeto direto como o indireto Na verdade não é possível gramaticalmente dizer que se ensina nada a alguém nem que se ensina algo a ninguém De fato a ação de ensinar implica que algo seja ensinado a alguém Portanto deveríamos dizer que ensinamos matérias às crianças não fazendo sentido a afirmação 98 DERMEVAL SAVIANI de que ensinamos crianças não matérias do mesmo modo que não faria sentido afirmar que ensinamos matérias não crianças Então qual é a razão do enunciado Ora ele justificase exatamente na medida em que não se trata de uma definição mas de um slogan E enquanto slogan tem o caráter de um símbolo aglutinador de adeptos em torno da idéia da centralidade da criança no processo educativo Em outros termos partindo da consideração de que as atenções dos educadores se haviam voltado excessivamente para as matérias para o conteúdo da aprendizagem deixando em segundo plano as crianças que são ao fim e ao cabo a razão de ser do processo educativo cunhouse o lema ensinamos crianças e não matérias visando a alertar os professores para o fato de que sua preocupação principal deve girar em torno dos educandos a partir de cujos interesses o currículo e portanto o conteúdo devem ser organizados Impõese pois a conclusão ensinamos crianças não matérias é um slogan que a Escola Nova lançou contra a Escola Tradicional Em outros termos considerando que com a predominância da Escola Tradicional a vara foi entortada para o lado das matérias a Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara buscou curvar a vara para o lado da criança Ao fazêlo entretanto por aquele mecanismo descrito por Scheffler segundo o qual os slogans passam a ser defendidos como afirmações literais o enunciado difundiuse como se fosse a pura expressão de uma verdade pedagógica Eis por que afirmei anteriormente que a Escola Nova se tem utilizado ampla mente da teoria da curvatura da vara considerandoa diferentemente do uso feito por mim como um dispositivo instaurador da própria verdade Pergunto então por que ao lançar mão da teoria da curvatura da vara acabei sendo acusado de manipular conceitos e o próprio processo histórico com o intuito de impor minhas teses sobre base empírica capenga Nunes 1996 p 26 utilizando esquemas analíticos globais prévios para o desenvolvimento das interpretações desejadas Brandão 1999 p 43 beirando à acusação de desonestidade conforme o significado de manipula ção aí implicado isto é manobra oculta ou suspeita que visa à falsificação da realidade Houaiss 2001 p 1838 Ora como já observei a teoria da curvatura da vara é utilizada com bastante freqüência nos debates in telectuais mas principalmente nas disputas desportivas religiosas políticas e ideológicas E como regra geral esse uso tende a tomar os enunciados correspondentes à figura de linguagem dos slogans como se fossem afirmações ESCOLA E DEMOCRACIA 99 literais vale dizer expressões verdadeiras A esse uso entretanto não se imputa o epíteto da manipulação ou da desonestidade Em contrapartida o uso que fiz foi de uma honestidade a toda prova Com efeito em nenhum momento deixei pairar no ar a suspeita de que eu tivesse a pretensão de enunciar alguma verdade ao me servir da teoria da curvatura da vara Ao contrário declarei em alto e bom som deixei explícito com todas as letras que eu estava curvando a vara para o outro lado que eu estava portanto forçando a barra estava invertendo o modo corrente de pensar E justamente esse uso que nada ocultou que pôs às claras o dispositivo que estava sendo acionado exatamente esse uso veio a ser taxado de manipulador Em suma como ensina a filosofia analítica é necessário distinguir os contextos de uso dos enunciados que compõem um discurso Ou como assinalou Gramsci a propósito da crítica de Croce à concepção marxista de superestrutura ideológica Algumas questões postas por Croce são puramente verbais Quando ele escreve que as superestruturas são concebidas como aparências não pensa que isso pode significar simplesmente alguma coisa de similar à sua afirmação da não definitividade ou seja da historicidade de toda filosofia Quando por razões políticas práticas para tornar um grupo social independente da hegemonia de um outro grupo falase de ilusão como é possível confundir de boafé uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Gramsci 1975 pp 12981299 negritos meus E era isso o que estava em causa na virada da década de 1970 para a de 1980 tornar o grupo social dos professores autônomo em relação a um ideário que ele havia acolhido sem crítica e sem benefício de inventário Não estava em jogo desvelar uma suposta verdadeira história dos Pionei ros da Educação Nova nem a fixação de uma outra memória Por isso o contexto do discurso era a polêmica e não a historiografia Concluindo espero pela discussão que procurei fazer do tema relativo à controvérsia instaurada com a introdução da metáfora da teoria da curvatura da vara e dos usos que dela se fizeram na pesquisa historiográfica ter contribuído ao estabelecer a distinção entre os planos da polêmica e da historiografia para o debate em torno do legado educacional dos Pioneiros Um legado rico que como assinalou Libânia Nacif Xavier representa 100 DERMEVAL SAVIANI um divisor de águas na historia da educação brasileira interferiu na periodização de nossa história educacional estabelecendo novos marcos e fornecendo novas valorações a determinados princípios e idéias e a certas realizações no campo educacional Xavier 2002 p 71 Gostaria assim que minha crítica aos trabalhos que examinei neste texto fossem tomadas no sentido positivo de ajudar a refinar melhor nossas categorias teóricas e o móvel de nossas investigações alertarnos para o uso adequado das fontes em relação ao objeto de que tratamos evitando desfocálas do âmbito em que foram produzidas e dos alvos que buscaram atingir e advertirnos da importância dos procedimentos relativos à forma da exposição dos resultados a que chegamos de modo que possibilite sua compreensão clara por parte dos leitores Espero enfim ter contribuído na busca da superação dos equívocos interpretativos que a circulação dos nossos trabalhos acaba inevitavelmente por provocar Foi tãosomente o espírito de somar esforços no fortalecimento de nossa área de investigação que me moveu a enfrentar esse debate rompendo o silêncio em torno das interpretações produzidas no âmbito da historiografia da educação brasileira sobre o meu trabalho Anexo Carta de Zaia Brandão Rio de Janeiro 17 de setembro de 2002 Caro Saviani Somente hoje com muito interesse e grande respeito consegui ler o artigo que você me enviou há dias Conti nuar um diálogo compatível com o cuidado com que o texto foi desenvolvido exigiria certamente muito mais tempo do que disponho pela sua demanda Entretanto não gostaria de interromper o que julgo a via áurea da produção acadêmica o debate entre pares Esta é a razão porque optei pela carta Escrevo no mesmo dia em que fiz a leitura Tratarei diretamente da parte em que dialoga com a minha leitura a respeito do texto que você apresentou na lª CBE e que foi publicado em Escola e democracia 1983 Ele foi um dos seis textos que utilizei na primeira parte de minha tese que versava sobre a desconstrução da memóriamonumento de Fernando de Azevedo sobre o Movimento da Escola Nova no Brasil 102 DERMEVAL SAVIANI Você começa seu artigo mais recente explicitando o contexto e as intenções do autor você do texto apresentado oralmente na 1ª CBE e posteriormente publicado como Escola e democracia I a teoria da curva tura da vara Assinala o seu caráter polêmico e caracteriza a transposição indevida deste texto por alguns dos seus leitores incluindome entre eles para o campo da historiografia Neste sentido cita Gramsci como é possível confundir de boafé uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico p 22 Embora sua argumentação me tenha alertado sobre a impropriedade de tomar seu texto como historiográfica explicito abaixo o contexto e a intenção de meu texto pelo menos no que consigo recuperar dela por meio de um retomo reflexivo sobre a minha tese de doutorado na expectativa de evidenciar que apesar do equívoco no tratamento que dei a seu texto não houve máfé na utilização que fiz dele Do meu ponto de vista aquele texto desempenhou um importante papel na constituição de uma nova interpretação sobre a Escola Nova no Brasil ainda que a intenção do autor não tenha sido produzir historiografia Na época em que comecei a pesquisa sobre a presença de Paschoal Lemme entre os Pioneiros final da década de 1980 dominava na área da educação um imaginário bastante negativo sobre o protagonismo político da Escola Nova no Brasil Minha intenção objetivo da pesquisa então era construir uma interpretação do mesmo movimento tomando como material empírico o testemunhodepoimento de Paschoal Lemme e as fontes históricas que o percurso por entre essas memórias fossem me sugerindo ou oferecendo Na introdução do meu texto que você conhece explicito detalhadamente esse percurso inclusive indicando a suposição inicial de que a Escola Nova no Brasil tivesse contribuído para inviabilizar uma efetiva democratização do ensino fundamentada em boa parte na sua apresentação na 1ª CBE Do que consigo me lembrar neste esforço de retorno reflexivo o diálogo com o seu texto não estava claramente previsto ao iniciar a pesquisa embora a sua análise da Escola Nova estivesse conforme assinalei anteriormente subjacente ao problema que suscitou a pesquisa a importância do autor daquele texto no cenário educacional e muito especialmente a polêmica que levantara sobre o papel da Escola Nova não teriam como estar de fora do idioma geral do campo acadêmico à época em que comecei a desenvolver a minha pesquisa ESCOLA E DEMOCRACIA 103 Na medida em que prosseguia no percurso com Lemme por entre as memórias dos Pioneiros a interlocução com a memória de Fernando de Azevedo foi se tornando central para o entendimento de como se forjara um imaginário sobre o Movimento da Escola Nova no Brasil Foi portanto a força da memóriamonumento de Azevedo que me levou no contexto de um outro imaginário sobre a Escola Nova à metáfora heróisvilões O contraste portanto entre o imaginário sobre a Escola Nova nos dois momentos década de 1930 e década de 1980 decorreu do próprio processo de construção do meu objeto de pesquisa O processo de desconstrução da memóriamonumento de Azevedo foi um desdobramento necessário ao entendimento de como e por que se estaria fixando uma memória oposta àquela tão cuidadosamente urdida por Azevedo Com este objetivo recorri aos textos e autores mais citados sobre o tema Pioneiros e Escola Nova na tentativa de reconstruir o itinerário de leituras que teriam contribuído para a construção de uma outra e emblemá tica leitura do movimento da Escola Nova no Brasil Em meio a inúmeras hipóteses formuladas então selecionei quatro autores e textos que me pa receram constituir os pilares mais importantes desta nova leitura do campo da educação sobre o significado histórico e político da Escola Nova que se contrapunha marcadamente à leitura construída pelos Pioneiros Paschoal Lemme inclusive sobre aquele movimento No item 13 de minha tese explicito a minha leitura do seu texto à época Reafirmo hoje a minha convicção sobre a pertinência da correção que você faz àquela minha análise de seu texto de 1983 eu o questionava ali pela ótica da historiografia desconhecendo portanto os desdobramentos do tratamento esquemático e polêmico que você explicitamente conferiu ao texto A minha leitura portanto distorcia involuntariamente reafir mo a intenção do autor você apesar de a intenção do leitor eu ter sido explicitar as bases textuais da construção de uma contramemória à memóriamonumento de Azevedo Entretanto ainda agora nesta nova leitura que faço da minha tese 1992 e do seu texto de 1983 provocada por você continuo convencida de que mesmo não tendo sido a intenção do autor você desenvolver uma análise historiográfica o seu texto impactou fortemente a historiografia sobre o tema Com Eco 1993 partilho da opinião de que entre a intenção do autor 104 DERMEVAL SAVIANI e o propósito do intérprete leitor existe a intenção do texto servindo este o texto em última análise como elemento controlador da superinter pretação dos textos Espero que estes rápidos comentários motivados pelo seu paper venham a contribuir para motivar o debate sobre as condições e os desafios do processo de produção do conhecimento e sobretudo sobre a importância da escuta e do debate acadêmico no processo de aperfeiçoamento da pesquisa Receba um grande e afetuoso abraço de quem sempre admirou a seriedade e a competência que têm marcado a sua presença no meio acadêmico Zaia Brandão Referências bibliográficas Althusser Louis sd Ideologias e aparelhos ideológicos de Estado Lisboa Presença Azevedo Fernando de 1971 História de minha vida Rio de Janeiro José Olympio 1973 Figuras de meu convívio São Paulo Duas Cidades Baudelot Christian Establet Roger 1971 LÉcole Capitaliste en France Paris François Maspero Bollnow Otto F 1971 Pedagogia e filosofia da existência Petrópolis Vozes Bourdieu Pierre Passeron JeanClaude 1975 A repro dução elementos para uma teoria do sistema de ensino Rio de Janeiro Francisco Alves Bowles Samuel Gintis Herbert 1976 Scholing in Capitalist America New York Routlege Kegan Paul Brandão Zaia 1999 A intelligentsia educacional um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil Bragança Paulista Edusf Carvalho Marta Maria Chagas de 1989 O novo o velho o perigoso relendo a Cultura Brasileira Cadernos de Pesquisa São Paulo n 71 pp 2325 nov 106 DERMEVAL SAVIANI 1998 Molde nacional e fôrma cívica higiene moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação 19241931 Bragança Paulista Edusf Cunha Luiz Antônio 1994 Educação e classes sociais no Manifesto de 32 perguntas sem respostas Revista da Faculdade de Educação da USP vol 20 n12 pp 132150 jandez Cunha Marcus Vinicius 1995 A educação dos educadores da Escola Nova à escola de hoje Campinas Mercado de Letras Cury Carlos Roberto Jamil 1985 Educação e contradição elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo São Paulo Cortez Autores Associados Fedossiev P N dir 1983 Karl Marx biografia Lisboa AvanteMoscou Pro gresso Freire Paulo 1967 Educação como prática da liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra Goldmann Lucien 1976 Ciências humanas e filosofia São Paulo Difel Gramsci Antonio 1968 Os intelectuais e a organização da cultura Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1975 Quaderni del carcere Torino Einaudi vol II 1976 Maquiavel a politica e o Estado moderno Rio de Janeiro Civili zação Brasileira 1978 Concepção dialética da história 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira Grisoni Dominique Maggiori Robert 1973 Lire Gramsci Paris Editions Universitaires Houaiss Antonio 2001 Dicionário Houaiss da lingua poutuguesa Rio de Janeiro Objetiva KloÉ pseudônimo de Mello Guiomar Namo 1982 Decálogo em defesa do ensino público Ande Revista da Associação Nacional de Educação n 5 p 3 Marx Karl 1968 Manifesto do Partido Comunista 2 ed São Paulo Escriba 1973 Contribuição para a Crítica da Economia Política Lisboa Estampa 1974 La ideología alemana Montevideo Pueblos UnidosBarcelona Grijalbo 1985 A miséria da filosofia São Paulo Global sd A questão judaica Rio de Janeiro Achiamé ESCOLA E DEMOCRACIA 107 Mattelart Armand 1976 As multinacionais da cultura Rio de Janeiro Civilização Brasileira sd Multinacionais e sistemas de comunicação São Paulo Ciências Humanas Mello Guiomar Namo 1982 Magistério de 1º grau da competência técnica ao compromisso político São Paulo Cortez Autores Associados Menin Ovide 1996 Encuentro Binacional Escuela Nueva en Argentina y Brasil estado del arte y perspectivas de investigación In Gvirtz Silvina comp Escuela Nueva en Argentina y Brasil visiones comparadas Buenos Aires Miño y Dávila Ed Nunes Clarice 1991 Anísio Teixeira a poesia da ação Tese Doutorado PUC Rio Rio de Janeiro 1992 História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos Teoria Educação n 6 pp 151182 1996 A Escola Nova no Brasil do estado da arte à arte do estudo In Gvirtz Silvina comp Escuela Nueva en Argentina y Brasil visiones comparadas Buenos Aires Miño y Dávila Ed 2000 Anísio Teixeira a poesia da ação Bragança Paulista Edusf Sánchez Vázquez Adolfo 1968 Filosofia da práxis Rio de Janeiro Paz e Terra Saviani Dermeval 1980 A filosofia da educação e o problema da inovação em educação In Garcia Walter org Inovação educacional no Brasil problemas e perspectivas São Paulo Cortez Autores Asssociados 1980a Educação do senso comum à consciência filosófica São Paulo Cortez Autores Associados 1983a Escola e democracia São Paulo Cortez Autores Associados 1983b Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad en América Latina Revista Argentina de Educación n 3 pp 729 1984 Ensino público e algunas falas sobre universidade São Paulo Cortez Autores Associados 1986a Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad en América Latina Revista de la Educación del Pueblo n 32 pp 2434 1986b La teoría de la curvatura de la vara Revista de la Educación del Pueblo n 34 pp 614 1987a Escuela y democracia o la teoría de la curvatura de la vara Revista Argentina de Educación n 8 pp 923 108 DERMEVAL SAVIANI 1987b Más allá de la curvatura de la vara Revista de la Educación del Pueblo n 36 pp 2433 1988a Prefácio à 20ª edição In Saviani D Escola e democracia 20 ed São Paulo Cortez Autores Associados 1988b Escuela y democracia Montevideo Monte Sexto 1991 Educação e questões da atualidade São Paulo Cortez Livros do Tatu 2001 Prefácio à 34ª edição In Saviani D Escola e democracia 34 ed Campinas Autores Associados Scheffler Israel 1974 A linguagem da educação São Paulo Saraiva Snyders George 1977 Escola classe e luta de classes Lisboa Moraes Suchodolski Bogdan 1960 La pédagogie et les grands courants philosophiques Paris Les Ed du Scarabée Tradução portuguesa 1978 A pedagogia e as grandes correntes filosóficas pedagogia da essência e pedagogia da existência Lisboa Livros Horizonte Tedesco Juan Carlos 1981 Elementos para un diagnóstico del sistema educa tivo tradicional en América Latina In UnescoCepalPnud El cambio educativo situación y condiciones Informes Finales 2 Xavier Libânia Nacif 2002 Para além do campo educacional um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 1932 Bragança Paulista Edusf Zanotti Luís Jorge 1972 Etapas históricas de la política educativa Buenos Aires Eudeba Sobre o autor Dermeval Saviani nasceu em Santo Antônio de Posse no estado de São Paulo em 25 de dezembro de 1943 Sua Certidão de Nascimento porém registra a data de 3 de fevereiro de 1944 Cursou o primário no Grupo Escolar de Vila Invernada então periferia da cidade de São Paulo entre 1951 e 1954 e o curso de admissão ao ginásio em 1955 na Paróquia de São Pio X e Santa Luzia na Vila Diva também na periferia de São Paulo Em 27 de setembro de 1955 foi para Cuiabá em Mato Grosso tendo sido aprovado nos exames de admissão ao ginásio no Liceu Salesiano São Gonçalo De 1956 a 1959 cursou o ginásio no Seminário Nossa Senhora da Conceição de Cuiabá transferindose em 1960 para o Seminário do Coração Eucarístico de Campo Grande hoje capital do estado de Mato Grosso do Sul onde iniciou o curso colegial que teve prosseguimento em 1961 de novo no Seminário Nossa Senhora da Conceição de Cuiabá MT Iniciou os estudos filosóficos no Seminário Central de Aparecida do Norte no estado de São Paulo em 1962 tendo ingressado no curso de filosofia da Faculdade Salesiana de Filosofia 110 DERMEVAL SAVIANI Ciências e Letras de Lorena SP em 1963 Transferindose em 1964 para a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Bento da PUC de São Paulo aí se graduou bacharel e licenciado em filosofia em 1966 De 1967 a 1969 lecionou filosofia história e história da arte no Colégio Estadual Prof Ataliba de Oliveira no bairro de São João Clímaco na periferia de São Paulo Também em 1967 lecionou história e filosofia da educação no Curso Normal do Colégio Sion em São Paulo Em 1970 foi aprovado em Concurso Público de Ingresso ao Magistério Médio Oficial do Estado de São Paulo para provimento do cargo de professor secundário de ciências humanas III filosofia sociologia história da ciência e cultura brasileira contemporânea Em conseqüência assumiu a cadeira de filosofia no Colégio Estadual Plínio Barreto no bairro da Mooca na capital paulista E em 1971 foi aprovado em Concurso Público para Provimento do Cargo de Diretor do Ensino Secundário do Estado de São Paulo cargo que entretanto não chegou a assumir porque na ocasião da escolha das escolas já se encontrava na condição de professor em tempo integral na PUC de São Paulo Antes mesmo da experiência como professor no ensino médio foi convi dado para lecionar na própria PUCSP onde atuou no segundo semestre de 1966 como monitor da disciplina filosofia da educação no curso de pedagogia tornandose professor contratado em 1967 Em conseqüência inscreveuse para desenvolver estudos pósgraduados em nível de doutorado e obteve o título de doutor em filosofia da educação pela PUCSP em 1971 mediante defesa da tese O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n 4024 de 20121961 publicada na forma de livro em 1973 com o título Educação brasileira estrutura e sistema Entre agosto de 1975 e março de 1978 atuou como professor titular da Ufscar quando presidiu a comissão que planejou o Programa de PósGraduação em Educação instalado em março de 1976 sob sua coordenação Em 1980 permanecendo como professor da PUCSP passou a atuar também na Unicamp onde em 1986 obteve o título de livredocente em história da educação ocasião em que defendeu a tese O Congresso Nacional e a educação brasileira análise do significado político da ação do Congresso Nacional na discussão e aprovação dos projetos que se converteram nas leis 402461 554068 e 569271 cuja publicação na forma de livro se deu em 1987 com o título Política e edu cação no Brasil o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino A partir de 1989 ingressou no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa RDIDP na Unicamp onde em 1990 foi aprovado no Concurso de Professor Adjunto na disciplina história da educação E em 1993 mediante aprovação ESCOLA E DEMOCRACIA 111 em Concurso Público de Provas e Títulos ascendeu ao cargo de professor titular de história da educação da Unicamp Entre 2002 e 2004 atuou como professor titular colaborador da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP campus de Ribeirão Preto colaborando na implantação do curso de pedagogia Sua experiência internacional iniciouse em dezembro de 1977 com um estágio de pesquisa no Institut dEtude du Développement Économique et Social Iedes Université de Paris I Sorbonne seguido em janeiro de 1978 de um estágio no Istituto Gramsci em Roma Em setembro de 1979 realizou intercâmbio acadêmico nas seguintes instituições da Alemanha Pädagogische HochschuleUniversidade de Colônia Pädagogische Hochschule Universidade de Münster Lateinamerica Institut de Berlim e Deutsches Institut für Pädagogische Forschung de Frankfurt Em 1982 1983 e 1985 ministrou como professor visitante no Programa de Mestrado em Educação da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales Flacso de Buenos Aires a disciplina teoría de la educación Em agosto de 1986 participou a convite da OEA do Seminário Interamericano sobre Educação Desenvolvimento e Democracia realizado em Washington DC USA Em fevereiro de 1987 a convite da Universidad de la República ministrou em Montevidéu dois cursos intensivos sobre correntes pedagógicas contemporâneas e principais correntes pedagógicas e sua aplicabilidade à realidade nacional e proferiu conferência sobre o tema Realidade e Perspectiva da Educação no Contexto LatinoAmericano A convite da Universidad Nacional de Luján participou do Encuentro de Departamentos Escuelas y Facultades de Ciencias de la Educación de Universidades Nacionales fazendo uma exposição sobre Los Postgrados en Brasil Ainda na Argentina proferiu conferência sobre o tema A pedagogia e os interesses da classe trabalhadora na casa Universitária Anibal Ponce em Buenos Aires De julho de 1994 a março de 1995 realizou estágio sênior pósdoutorado nas universidades italianas de Pádua Bolonha Ferrara e Florença Autor de grande número de trabalhos publicados na forma de livros 24 capítulos de livros 57 prefácios de livros 62 e de artigos 145 em revistas nacionais e internacionais concluiu 18 projetos de pesquisa e orientou 37 dis sertações de mestrado 48 teses de doutorado seis projetos de pósdoutorado e oito projetos de iniciação científica Ministrou cursos de pósgraduação como professor visitante em várias universidades federais na USP onde lecionou a disciplina filosofia da ciência no Programa de Doutorado em Enfermagem nas Universidades Estaduais de Maringá e Guarapuava no Paraná no Programa de PósGraduação da Flacso 112 DERMEVAL SAVIANI em Buenos Aires e na Universidade do Centro da Província de Buenos Aires em Tandil Argentina Integrou o Comitê Assessor do CNPq bem como os corpos de assessores da Fapesp Capes Inep e FaepUnicamp emitindo pareceres técnicos no campo da educação Fez parte do Conselho Editorial e do Conselho de Colaboradores da Revista Ande Revista de Educação AEC e revista Educação Brasileira É membro do Conselho Editorial dos seguintes periódicos revista Alpha da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas Revista Brasileira de Educação da ANPEd Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do Inep Revista Brasileira de História da Educação da SBHE revista Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas revista Comunicações do Programa de PósGraduação em Educação da Unimep revista Diálogo Educacional do Programa de Mestrado em Educação da PUCPR revista Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria revista Educação e Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia revista Educação Linguagem da Universidade Metodista de São Paulo revista Educação e Pesquisa da Faculdade de Educação da USP revista Educação em Revista da Faculdade de Educação da UFMG revista Educação Sociedade do Cedes revista Espaço Pedagógico da Faculdade de Educação da UPF revista História da Educação da Associação SulRioGrandense de Pesquisadores em História da Educação revista Linhas da Universidade do Estado de Santa Cata rina revista Nuances da UNESPPresidente Prudente revista Perfiles Educativos do México Revista Práxis Educacional da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB revista ProPosições da Faculdade de Educação da Unicamp Revista Semina da Universidade Estadual de Londrina UEL Revista Trabalho Educação e Saúde da Fiocruz Participou ativamente da dinamização da comunidade científica dos edu cadores sendo sóciofundador da Anped Cedes Ande e Cedec e mais recente mente da SBHE De agosto de 1984 a julho de 1987 foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo onde relatou mais de cem processos emitindo os respectivos pareceres Foi coordenador do Comitê de Educação do CNPq coordenador de pósgraduação na Ufscar PUCSP e Unicamp diretor associado da Faculdade de Educação da Unicamp e primeiro presidente da SBHE Emitiu grande número de pareceres científicos para agências de apoio à pesquisa uni versidades associações científicas revistas e congressos da área de educação Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da Unicamp o Prêmio Zeferino Vaz de Produção Científica Atualmente é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do HISTEDBR Formado em filosofia pela PUCSP 1966 é doutor em filosofia da educação PUCSP 1971 e livredocente em história da educação Unicamp 1986 tendo realizado estágio sênior na Itália em 19941995 De 1967 a 1970 lecionou nos cursos colegial e normal Desde 1967 é professor no ensino superior Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo coordenador do Comitê de Educação do CNPq coordenador de pósgraduação na UFSCAR PUCSP e Unicamp diretor associado da Faculdade de Educação da Unicamp professor titular colaborador da USP campus de Ribeirão Preto e sóciofundador da ANPED CEDES ANDE CEDEC e SBHE Sociedade Brasileira de História da Educação da qual foi o primeiro presidente Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da Unicamp o prêmio Zeferino Vaz de produção científica Autor de grande número de trabalhos publicados atualmente é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas História Sociedade e Educação no Brasil HISTEDBR Esta edição especial comemora os 25 anos de lançamento do livro Escola e democracia que atingiu também em 2008 a quadragésima edição Como está indicado no título o eixo em torno do qual gira o conteúdo desta obra são as relações entre educação e democracia Se é razoável supor que não se ensina democracia por meio de práticas antidemocráticas nem por isso devese inferir que a democratização das relações internas à escola é condição suficiente de preparação dos jovens para participação ativa na democratização da sociedade Não se trata simplesmente de optar entre relações autoritárias ou democráticas no interior da sala de aula mas de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de democratização da sociedade A prática pedagógica contribui de modo específico isto é propriamente pedagógico para a democratização da sociedade na medida em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico Este implica uma desigualdade real no ponto de partida e uma igualdade possível no ponto de chegada UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CECA CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA 1 ANO MATUTINO Componente Curricular Filosofia Docente Prof Dr Lourivaldo do Nascimento Aparecida Favoreto Discente REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SAVIANI Dermeval Escola e democracia Campinas SP Autores Associados 2008 CITAÇÕES REFERENCIADAS CAPÍTULOS 1 E 2 A questão do ensino público deve ser colocada com objetividade ensinar a todos indistintamente o saber sistematizado pela humanidade tratar desigualmente os desiguais para garantirlhes igualdade de condições SAVIANI 2008 p 5 Saviani já anuncia uma de suas grandes preocupações a escola pública deve ser capaz de fornecer o conhecimento sistematizado a todos superando o assistencialismo ou propostas que apenas reproduzem a desigualdade de origem Constatase por conseguinte que a crise da escola é ao mesmo tempo reflexo da crise social mais ampla e expressão de uma crise particular da educação SAVIANI 2008 p 7 O autor relaciona o debate educacional com a conjuntura histórica a crise da escola não é isolada mas acompanha crises políticas sociais e econômicas No fundo o problema está em definir claramente o objetivo da escola transmitir cultura acumulada pela humanidade de forma sistemática e intencional para que todos possam apropriarse desse saber e transformálo em instrumento de intervenção social SAVIANI 2008 p 9 Saviani defende a concepção de escola como instituição mediadora do conhecimento Não basta socializar as crianças é preciso que elas se apropriem da cultura sistematizada tradicionalmente reservada às elites O debate pedagógico contemporâneo tem girado em torno da contraposição entre pedagogia liberal e pedagogia progressista SAVIANI 2008 p 12 Aqui Saviani apresenta o quadro das principais correntes da pedagogia caracterizandoas para em seguida analisálas criticamente A pedagogia tradicional tem por base a transmissão de conhecimentos sendo o professor detentor do saber e o aluno recipiente passivo o que leva a uma situação de reprodução social pois só alguns conseguem atingir os conteúdos propostos SAVIANI 2008 p 15 Ao analisar a pedagogia tradicional o autor destaca seu caráter meritocrático e sua limitação em promover a democratização efetiva do saber Comentário Saviani mostra que ao partir do pressuposto da igualdade formal a pedagogia tradicional acaba por legitimar e reproduzir as desigualdades sociais pois não dá conta da diversidade dos alunos Na linha oposta a pedagogia nova inspirada em Rousseau e Dewey valoriza a experiência do aluno o interesse e a atividade mas ignora o valor objetivo dos conteúdos e pode mascarar o abandono dos mais necessitados SAVIANI 2008 p 18 O autor aponta que a Escola Nova embora revolucionária ao assumir as diferenças individuais falha por não garantir o acesso ao conhecimento socialmente elaborado que é justamente instrumento de emancipação De um lado prescrevese uma educação voltada ao trabalho o que na prática destinase aos pobres de outro destinase às elites um saber mais elaborado e propedêutico SAVIANI 2008 p 22 Saviani ressalta o caráter dualista e excludente da escola brasileira a divisão entre uma escola de massa prática tecnicista e outra para as elites comprometida com a cultura abstrata e científica A pedagogia tecnicista instaurouse em função das necessidades do sistema produtivo capitalista enfatizando a eficiência a produtividade e a adaptação dos sujeitos negando o papel formador dos conteúdos culturais SAVIANI 2008 p 26 O tecnicismo adotado amplamente na ditadura militar é criticado por reduzir o aluno a objeto de adestramento sem lugar para reflexão crítica ou emancipação Comentário Para Saviani apenas transmitir técnicas ou habilidades é insuficiente para formar sujeitos autônomos e críticos capazes de intervir na sociedade A pedagogia progressista sobretudo na vertente críticosocial dos conteúdos busca combinar a transmissão sistemática do saber com a análise crítica da realidade formando sujeitos históricos e sociais SAVIANI 2008 p 28 Aqui Saviani aponta a direção de sua proposta e destaca a importância de um ensino que articule o domínio do conhecimento rigoroso e o compromisso com a transformação da realidade O saber escolar não é espontâneo nem produto natural das experiências cotidianas ele é resultado de um processo histórico de elaboração coletiva e seu acesso precisa ser garantido pela escola SAVIANI 2008 p 31 O autor recusa o espontaneísmo e defende a relevância do currículo escolar como caminho para superar desvantagens de origem especialmente para as camadas populares Ao recusar o papel central do professor as pedagogias nãodiretivas transferem para o aluno a responsabilidade pelo próprio fracasso escolar colaborando assim para a perpetuação das desigualdades SAVIANI 2008 p 34 Comentário Saviani mostra que a escola que desvaloriza o papel do professor ao não orientar de modo sistemático o acesso ao saber reforça a exclusão são os alunos já favorecidos que tendem a se apropriar do conhecimento enquanto os outros permanecem à margem A igualdade formal proposta pela pedagogia tradicional não é suficiente é preciso garantir condições diferenciadas para que todos alcancem de fato o domínio do saber SAVIANI 2008 p 36 O autor reafirma que a justiça escolar exige tratar desigualmente os desiguais para buscar efetiva igualdade de resultados Cabe à escola portanto propiciar a todos o acesso aos instrumentos de leitura crítica da realidade condição essencial à cidadania ativa e à transformação social SAVIANI 2008 p 38 Aqui Saviani conecta a função da escola à formação do cidadão capaz de compreender criticar e transformar o mundo em que vive e não apenas nele se adaptar O compromisso fundamental da pedagogia históricocrítica é com a universalização do acesso ao saber elaborado superando dualismos e fragmentações herdados das tradições anteriores SAVIANI 2008 p 39 Comentário A pedagogia históricocrítica de Saviani propõe uma síntese superadora dos limites das pedagogias precedentes integrando rigor intelectual compromisso social e universalização do saber A democratização da escola está na contramão da lógica do sistema capitalista pois pressupõe a universalização da cultura científica histórica e artística e isso vai de encontro ao processo de manutenção das elites SAVIANI 2008 p 40 Saviani encerra os dois primeiros capítulos afirmando que numa ordem social desigual a escola só cumprirá verdadeiro papel democrático se garantir acesso ao saber sistematizado promovendo assim a formação de sujeitos críticos e agentes da transformação social
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DERMEVAL SAVIANI escola e democracia EDIÇÃO COMEMORATIVA AUTORES ASSOCIADOS Este livro pode ser considerado o ma nifesto de lançamento da pedagogia históricocrítica O primeiro capítulo apresenta o diagnóstico das principais teorias pedagógicas Mostra as contri buições e os limites de cada uma delas E termina com o anuncio da necessida de de uma nova teoria O capítulo segundo é o momento da denúncia Pela via da polêmica procurase des montar as visões que se acreditavam progressistas de modo que se abra ca minho para a formulação de uma alternativa superadora O capítulo ter ceiro apresenta as características básicas e o encaminhamento metodo lógico da nova teoria que passou a se chamar de pedagogia históricocrítica Finalmente no capítulo quarto são esclarecidas as condições de produção e operação da pedagogia em socieda des como a nossa marcadas pelo primado da política sobre a educação EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira Av Albino J B de Oliveira 901 Barão Geraldo CEP 13084008 CampinasSP PabxFax 55 19 32492800 32895930 Email editoraautoresassociadoscombr Catálogo online wwwautoresassociadoscombr Conselho Editorial Prof Casemiro dos Reis Filho Bernardete A Gatti Carlos Roberto Jamil Cury Dermeval Saviani Gilberta S de M Jannuzzi Maria Aparecida Motta Walter E Garcia Diretor Executivo Flávio Baldy dos Reis Coordenadora Editorial Erica Bombardi Revisão Aline Marques Rodrigo Nascimento Diagramação e Composição DPG Editora Capa Dafne a Sibila Délfica Michelangelo afresco na Capela Sistina c 1510 Artefinal Erica Bombardi Impressão e Acabamento Prol Editora Gráfica DERMEVAL SAVIANI escola e democracia EDIÇÃO COMEMORATIVA AUTORES ASSOCIADOS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Saviani Dermeval Escola e democracia Dermeval Saviani Campinas SP Autores Associados 2008 Coleção educação contemporânea Edição comemorativa Bibliografia ISBN 9788574962191 1 Democracia 2 Educação Filosofia 3 Política e educação I Título II Série 0804723 CDD379 índices para catálogo sistemático 1 Política e educação 379 Impresso no Brasil julho de 2008 Copyright 2008 by Editora Autores Associados LTDA Para Benjamim esperando que os filhos de sua geração alcancem estudar numa escola verdadeiramente democrática Sumário PREFÁCIO À EDIÇÃO COMEMORATIVA IX PREFÁCIO À EDIÇÃO URUGUAIA XI PREFÁCIO À 36ª EDIÇÃO XXIII PREFÁCIO À 35ª EDIÇÃO XXV PREFÁCIO À 34ª EDIÇÃO XXIX PREFÁCIO À 33ª EDIÇÃO XXXIII PREFÁCIO À 30ª EDIÇÃO XXXV PREFÁCIO À 20ª EDIÇÃO XXXVII APRESENTAÇÃO 1 CAPÍTULO 1 As TEORIAS DA EDUCAÇÃO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE 3 1 O Problema 3 2 As Teorias NÃOCRÍTICAS 5 3 As Teorias CRÍTICOREPRODUTIVISTAS 13 4 Para uma TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO 24 5 PostScriptum 26 CAPÍTULO 2 ESCOLA E DEMOCRACIA I A TEORIA DA CURVATURA DA VARA 29 1 O Homem Livre 31 2 A Mudança de Interesses 33 3 A Falsa Crença da Escola Nova 34 4 Ensino Não É Pesquisa 37 5 A Escola Nova Não É Democrática 39 6 Escola Nova a Hegemonia da Classe Dominante 40 CAPÍTULO 3 ESCOLA E DEMOCRACIA II PARA ALÉM DA TEORIA DA CURVATURA DA VARA 47 1 Pedagogia Nova e Pedagogia da Existência 49 2 Para Além das Pedagogias da Essência e da Existência 50 3 Para Além dos Métodos Novos e Tradicionais 53 4 Para Além da Relação Autoritária ou Democrática na Sala de Aula 61 5 Conclusão a Contribuição do Professor 63 CAPÍTULO 4 ONZE TESES SOBRE EDUCAÇÃO E POLÍTICA 65 APÊNDICE SETENTA ANOS DO MANIFESTO E VINTE ANOS DE ESCOLA E DEMOCRACIA BALANÇO DE UMA POLÊMICA 75 1 A Temática Central do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 77 2 O Contexto em que Surgiu Escola e Democracia 78 3 A Manipulação de Conceitos e do Processo Histórico no livro Escola e Democracia segundo Clarice Nunes 82 4 Paschoal Lemme no Manifesto um Estranho no Ninho dos Pioneiros 90 5 A Escola Nova Exercitando a Teoria da Curvatura da Vara 95 ANEXO CARTA DE ZAIA BRANDÃO 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 105 SOBRE O AUTOR 109 Prefácio à edição comemorativa ano de 2008 é particularmente signifi cativo para o livro Escola e democracia Ao mesmo tempo em que se comemo ram os 25 anos de seu lançamento a obra atinge a quadragésima edição Diante dessas circunstâncias a Editora Autores Associados decidiu preparar um lança mento especial comemorativo desses dois importantes marcos editoriais O livro recebe um novo tratamento gráfico sendo apresentado em formato maior Aproveitei então o ensejo para ampliar seu conteú do incluindo o prólogo à edição uruguaia que a profes sora Ema Julia Massera Garayalde da Universidad de la República elaborou em março de 1988 para apresentar o autor e a obra aos leitores de língua espanhola Além do mencionado prólogo acrescentei também um apêndice constituído pelo texto Setenta anos do Manifesto e vinte anos de Escola e democracia ba lanço de uma polêmica que apresentei no Colóquio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado X DERMEVAL SAVIANI educacional em debate realizado em Belo Horizonte de 19 a 21 de agosto de 2002 Tomei a decisão de incluir esse texto pois ele traz esclarecimentos im portantes sobre os aspectos polêmicos levantados pelo livro que acredito são de interesse dos leitores O texto em referência dirigido aos historiadores da educação tem como fio condutor a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Considerando o debate travado tomei a iniciativa de enviar aos principais interlocutores nomeados no texto a primeira versão para a apreciação dos colegas Respondendo a essa iniciativa a professora Zaia Brandão após ler a versão que lhe enviei encaminhou uma bela e simpática carta Gratificado com esse retorno registrei em nota ao pé da primeira página Agradeço também a Zaia Brandão a simpática carta redigida imediatamente após a atenta leitura deste trabalho em que considera o debate entre pares como a via áurea da produção acadêmica Lamentavelmente os organizadores da coletânea que reuniu os trabalhos apresentados no colóquio por um lapso não utilizaram a última versão que lhes enviei não tendo sido publicado esse meu registro Aproveito então esta oportunidade para reparar essa injustiça estampando no anexo a íntegra da carta de Zaia Brandão Ao ensejo dessa edição comemorativa cabeme agradecer à Aline Marques pela revisão cuidadosa dos originais e à Erica Bombardi pelo esmero com que vem cuidando da produção editorial dos meus textos em seus vários aspectos Um agradecimento especialíssimo é dirigido à minha esposa Maria Aparecida não apenas pelo apoio de todas as horas mas também pelo empenho em apresentar preciosas sugestões em particular na escolha das capas primando pela beleza estética do visual de meus livros Nesse aspecto estético venho contando também com o olhar apurado de meu filho Benjamim Finalmente aos pedagogos educadores professores em suma a todos os leitores minha gratidão pela generosa acolhida e pelo estímulo constante que tenho recebido para prosseguir em meu esforço de socializar o mais amplamente possível os resultados de minhas pesquisas e reflexões Campinas 2 de maio de 2008 Dermeval Saviani Prefácio à edição uruguaia a obra del pedagogo brasileño Derme val Saviani ha despertado vivo inte rés entre los educadores latinoameri canos por la fecundidad y vigencia de sus planteamientos La primera edición en lengua espa ñola de Escola e democracia1 se realiza en momentos propicios cuando los pueblos del Sur del Continente realizan esfuerzos por encontrar las pautas de la recons trucción nacional Para el Uruguay esto resulta particularmente de safiante Durante más de una década el país vivió una feroz represión y se acentuaron dramaticamente los índices de deterioro económico y social El Uruguay que fuera abanderado del desarrollo educativo del continen 1 Dermeval Saviani Escola e democracia São Paulo Cortez Autores Associados 1 ed 1983 14 ed 1986 el libro ha sido parcialmente reproducido en revistas latinoamericanas de lengua española En Uruguay la Revista de la Educación del Pueblo reprodujo tres de las cuatro partes que integran el libro DERMEVAL SAVIANI te se transformo en un país anómalo el único país de América Latina con crecimiento negativo de su índice de escolaridad en enseñanza primaria Hoy en día los uruguayos en general y los educadores particularmente nos formulamos grandes interrogantes sobre el pasado más reciente sobre la validez y vigencia de nuestras tradiciones artiguistas y varelianas sobre las propuestas modernizadoras y desnacionalizadoras En este libro de autor brasileño los educadores uruguayos podemos ver reflejadas nuestras preocupaciones y perplejidades nuestras frustraciones y dificultades para encontrar salida a la profunda crisis que sufre el país y su educación En el trabajo de Saviani encontramos un ejemplo de metodo logía de análisis y un avance concreto en la formulación de soluciones que puede ser extremamente valioso para el análisis de nuestra realidad Dermeval Saviani nace en 1944 en el seno de una familia campesina del interior del Estado de São Paulo En 1948 forzada por las dificultades de sobrevivencia la familia emigra a la capital su padre y sus hermanos mayores son entonces obreros en las fábricas Dermeval se destaca en la escuela y es becado para continuar estudios en diversos Seminarios católicos donde adquiere su primera formación filosófica En 1964 después de abandonar el Seminario prosigue sus estudios de Filosofía en la Pontíficia Universidad Católica de São Paulo PUCSP Posteriormente se forma como profesor e investigador en Filosofía de la Educación Desde 1978 es Coordinador del Programa de Doctorado en Educación de la PUCSP2 La formación teórica inicial de Saviani se realiza dentro de las orientaciones del neotomismo y la fenomenología pero transitando rápidamente hacia la perspectiva dialéctica A esta fase de transición pertenece la tesis O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional elaborada a partir de 1968 defendida en 1971 y publicada en 1973 bajo el título de Educação brasileira estrutura e sistema3 En esta investigación Saviani se plantea la crítica de las concepciones pedagógicas que se implantaron sucesivamente en Brasil Destaca la inexistencia de una teoría 2 Dermeval Saviani Memorial presentado al Concurso de LibreDocencia Campinas 1986 mimeografado 3 Dermeval Saviani Educação brasileira estrutura e sistema São Paulo Saraiva 4 ed 1980 y5 ed 1983 ESCOLA E DEMOCRACIA Xlll coherente de la educación nacional y la necesidad de laborar una Teoría de la Educación Brasileña que contribuya a la promoción del hombre brasileño y a la transformación de la realidad social Entre 1974 y 1979 Saviani elabora un nuevo nivel marcado por la presencia del marxismo en su obra tanto la crítica a la pedagogía burguesa como una teoría educativa que busca responder a los intereses de los trabajadores El libro Educação do senso comum à consciência filosófica4 reúne los textos producidos entre 1971 y 1979 y constituye un material valioso para la comprensión de la evolución del autor Los textos de 1979 ya continen una formulación madura de las principales categorías teóricas de Escuela y democracia A partir de 1978 desde la coordinación del Programa de Doctorado Saviani promovió la implantación de las Actividades Programadas A través de este programa se desarrolló un rico proceso de discusión colectiva de los proyectos y elaboración de tesis sin precedentes en la historia de los cursos de posgrado en educación en Brasil5 El curso de posgrado se transformó en un lugar de búsqueda de soluciones para los problemas educativos del país en un momento en que la sociedad civil comenzaba a estructurarse reclamando el fin del proceso dictatorial En este ámbito se genera un verdadero equipo de trabajo Junto a Saviani estudiam un grupo de profesores e investigadores entre los que se destacan Guiomar Namo de Mello Carlos Jamil Cury y José Carlos Libâneo Los trabajos de este conjunto de profesores originan la corriente de pensamiento educativo que recibe el nombre de Teoría HistóricoCrítica Esta corriente se ubica hoy junto a otras tendencias en el centro del debate educativo brasileño Escuela y democracia que reúne textos producidos entre 1981 y 1983 y cuya primera edición en castellano presentamos aquí puede ser considerada como la síntesis del pensamiento del autor y de los principales aportes rea lizados por la Teoría HistóricoCrítica hasta ese momento concebido en la coyuntura de la transición de la dictadura militar a la democracia iniciada hacia fines de la década de 1970 Durante los años de dictadura militar inaugurada con el golpe de 1964 el Brasil sufrió modificaciones significativas transformándose en el país 4 Dermeval Saviani Educação do senso comum à consciência filosófica São Paulo Cortez Autores Associados 1982 5 Dermeval Saviani Memorial op cit xiv DERMEVAL SAVIANI capitalista de mayor crecimiento económico de América Latina ocupando el 9º lugar en el ordenamiento mundial según su Producto Bruto Interno Sin embargo este desarrollo se da bajo la forma de modelo económico ca pitalista monopolista multinacional y asociado dependiente instalado en el país a mediados de la década de 1950 La producción crece utilizando tecnologías cada vez más avanzadas pero esto se hace estableciendo rela ciones de producción que rebajan el papel de la fuerza de trabajo cualitativa y cuantitativamente y sobre la base del autoritarismo En este período el sistema educativo se extiende de manera significati va ingresando a la enseñanza primaria importantes contingentes de niños oriundos de familias de trabajadores hecho nuevo en la historia nacional Sin embargo en el mismo momento en que nuevas capas populares presio nan y consiguen ingresar a la escuela el estado reduce porcentualmente el presupuesto de la educación a la mitad6 y realiza reformas de estructura y contenidos del sistema de enseñanza inspiradas en formas tardías de la Pedagogía Nueva y en la Pedagogía Tecnicista La enseñanza pública se ve limitada entonces en sus posibilidades de crecimiento y sufre una radical descalificación Paralelamente se promueve mercantilización de la enseñan za y se desarrollan programas de formación y entrenamiento de mano de obra no formales paralelos al sistema educativo formal En los años 70 se realizan estudios críticos de la política educativa dominante que enfatizan la existencia de dificultades prácticamente insuperables para modificar la situación Muchos proponen la búsqueda de soluciones fuera del sistema de enseñanza formal en los movimientos de educación popular De ese modo la política educativa dominante y las propuestas de los críticos se orientan en direcciones diversas y discordantes con la presión y lucha popular por más y mejor escuela Esta lucha ha sufrido en Brasil sucesivas frustraciones pero posee una tradición histórica En las décadas de 1929 y 19491950 la bandera de enseñanza pública gratuita obligatoria y laica era parte sustan cial del programa de las organizaciones obreras y de docentes y es retomada nuevamente en momentos en que el país comienza a organizarse para exigir el fin de la dictadura 6 Prácticamente en el mismo período en que se duplica la produción nacional el porcentaje de la enseñanza en el presupuesto nacional se reduce a la mitad Luiz Antonio Cunha Rodaviva em Luiz Antonio Cunha y Moacyr de Goes O golpe na educação Rio de Janeiro Zahar 1985 p 56 ESCOLA E DEMOCRACIA XV En este contexto de desarrollo del capitalismo en Brasil de modificación del sistema educativo y de lucha social para poner fin al proceso dictatorial abriendo paso a la democratización del país se constituye la Teoría Histó ricoCrítica de la Educación Esta corriente recoge las mejores tradiciones de lucha por la escuela pública y se propone generar una teoría que permita superar las históricas frustraciones de ese movimiento en Brasil Escuela y democracia constituye una síntesis de ese proceso histórico reuniendo cuatro textos Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad Escuela y democracia I La teoría de la curvatura de la vara Escuela y democracia II Superando la teoría de la curvatura de la vara y Once tesis sobre educación y política7 Los cuatro textos tienen una profunda unidad Responden a la preocu pación que atraviesa todo el pensamiento educativo de Saviani desde sus primeros pasos teóricos generar una teoría educativa capaz de contribuir a la transformación de la sociedad brasileña Esto se traduce en la necesidad de precisar científicamente la especificidad del fenómeno educativo es decir definir cómo la educación cumple su función política en las sociedades lati noamericanas La unidad del libro se va dando por sucesivos enriquecimientos y avan ces de un texto sobre el anterior En este Prólogo sólo destacaremos el hilo conductor que los unifica En su análisis el autor parte de un problema real y concreto la margi nación de la escuela de la mayoría de los niños latinoamericanos Muestra cómo ese problema no ha sido resuelto por las teorías liberales ni por los críticos de las teorías liberales y cómo a pesar de la frustración escolar de sus hijos los trabajadores tienen en la escuela pública una de sus más preciadas reivindicaciones históricas A continuación sobre la base de sus hipótesis y guiado por ellas el autor orienta su trabajo en dos direcciones por un lado realiza la crítica de las propuestas educativas existentes explicando su fracaso e insuficiencia y por otro formula su propuesta Comienza diciendo Saviani que en 1970 cerca del 50 de los alumnos de las escuelas primarias desertaban en condiciones de analfabetismo o de analfabetismo potencial en la mayoría de los países de América Latina 7 El segundo texto es de 1981 el primero y el tercero de 1982 y el cuarto fue escrito especial mente para integrar la primera edición de Escola e democracia en 1983 xvi DERMEVAL SAVIANI Esto sin tener en cuenta el contingente de niños en edad escolar que ni siquiera tienen acceso a la escuela y que por lo tanto se encuentran a priori marginados de ella Las teorías liberales de la educación dominantes en América Latina dentro de su concepción de la educación como camino para la igualdad social se han planteado la solución de este problema pero han fracasado Más recientemente en la década de 1970 los críticos de la escuela liberal se preocupan por mostrar que el fracaso de la escuela era en realidad su objetivo La educación dicen es dependiente de la estructura social y cumple la función de reproducirla de ahí que estos críticos sean llamados críticoreproductivistas Sin embargo si la escuela tuviera como única función producir el fracaso escolar de sus alumnos como mecanismo de reproducción de las desigualdades sociales cómo entender que los traba jadores inscribieran el reclamo de más y mejor escuela entre sus principales reivindicaciones desde el origen mismo de sus luchas Saviani plantea que para entender el problema y la posición de los di versos actores sociales en torno a él es necesario en primer lugar concebir la escuela como lugar de lucha hegemónica entre las dos clases fundamentales de la sociedad capitalista la burguesía y el proletariado en segundo lugar es imprescindible definir la especificidad del fenómeno educativo como lucha hegemónica La educación sería una mediación de carácter contradictorio en el seno de la práctica social global Expresaría las contradicciones sociales de una manera específicamente educativa y al servir a la reproducción de relaciones sociales contradictorias poseería al mismo tiempo un carácter reproductor y cuestionador En la escuela la lucha hegemónica toma la forma de la extensión o no de los servicios a todos los niños y jóvenes y una vez que estos empiezan a ingresar masivamente esa lucha ocurre en torno al carácter y tipo del saber escolar distribuido El proletariado para transformarse en clase hegemónica y dirigente de la sociedad necesita construir una concepción del mundo suficientemente unitaria coherente original y elevada Va a luchar para que la escuela sirva e esta perspectiva enfrentando al proyecto educativo burgués con el suyo propio Sobre la base de esta hipótesis se trata entonces de dar sustancia con creta al proyecto educativo de los trabajadores En el trabajo de Saviani esto tiene dos aspectos interrelacionados ESCOLA E DEMOCRACIA Por un lado es necesario hacer la crítica de las concepciones educativas burguesas y de las teorías críticas que han demonstrado no interpretar ni atender adecuadamente los intereses de los trabajadores aspecto que Saviani también formula al decir que es necesario hacer una lectura de la historia de la escuela y de las luchas populares a partir de la perspectiva de clase dominada por otro lado debe elaborarse una teoría crítica que no sea reproductivista y responda a los intereses de las clases subalternas que explique al mecanismo contradictorio según el cual funciona la educación y la escuela en la sociedad capitalista y permita ver cómo a partir de esas contradiciones es posible articular la escuela con los movimientos concretos tendientes a transformar la sociedad8 Del rico y esclarecedor análisis que realiza Saviani de las teorías liberales y críticoreproductivistas de la educación queremos destacar dos aspectos particularmente valiosos para el estudio de las realidades educativas con cretas de nuestros países El primero se refiere al método de análisis que por otra parte es el mis mo que el autor utiliza para formular su propia teoría Según este método en primer lugar las teorías de la educación deben ser comprendidas en el contexto histórico de su producción a partir de las contradicciones presen tes en las relaciones sociales En segundo lugar la educación del futuro la educación que contribuya a la transformación de la sociedad surge de las contradiciones del presente se constituye a partir de ellas En tercer lugar no alcanza con establecer la relación de pertenencia o coexistencia formal entre propuesta educativa y social Es necesario explicar el fenómeno edu cativo en su particularidad bajo la forma específica en que se presenta El segundo aspecto que queremos resaltar se refiere al planteamiento particularmente radical y polémico por el que Saviani contrapone la pe dagogía tradicional basada en una concepción filosófica esencialista con la pedagogía nueva en sus diversas variantes fundada en una concepción filosófica que privilegia la existencia sobre la esencia Desafiando las con cepciones dominantes entre maestros y profesores Saviani defiende la tesis de que la pedagogía tradicional es revolucionaria científica y democrática y que la pedagogía nueva es conservadora pseudocientífica y no tiene nada 8 En este parágrafo hemos utilizado formulaciones contenidas en el libro de Saviani Edu cação do senso comum à consciência filosófica op cit p 180 xvii xviii DERMEVAL SAVIANI de democrática Y esto lo hace desde al punto de vista de los intereses de los trabajadores La pedagogía tradicional dice Saviani al poner énfasis en la extensión de la enseñanza en los contenidos lógicamente sistematizados en la razón en el papel del profesor de la disciplina y el esfuerzo del alumno estuvo al servicio del proyecto social revolucionario burgués en la transición del feudalismo al capitalismo Constituyó la expresión educativa específica de la lucha por la transformación del hombre en esa época La pedagogía nueva al centrar su atención en la calidad de la enseñanza restó importancia a la lucha por la extensión y propuso una calidad que al estar preocupada por los métodos el aspecto psicológico las relaciones intersubjetivas formalmente democráticas y equitativas y la espontaneidad del alumno sirvió a la per manencia de las formas de existencia de la sociedad capitalista cuando ésta se encontraba ya amenazada por las luchas obreras y populares Saviani inclusive va más allá No solamente muestra el carácter revolucionario científico y democrático de la pedagogía tradicional en sus orígenes sino que sugiere que esta pedagogía contiene los elementos potencialmente cuestionadores de la hegemonía burguesa en la fase de la constitución de la clase obrera en clase revolucionaria Estos elementos pueden ser tomados por una pedagogía que exprese los intereses del proletariado y los rearticule dentro de una concepción que contribuya ahora a la transformación revolucionaria de la sociedad capitalista Toda esta operación de análisis de la pedagogía tradicional y de la pedagogía nueva consiste en la aplicación de la teoría de la curvatura de la vara sugerida por Lenin En este caso la vara estaba torcida para el lado de la pedagogía nueva y Saviani se esfuerza por rectificarla curvando la vara para el lado de la pedagogía tradicional Pero una vez aplicada esta teoría llega el momento de superarla Esa superación se realiza por la incorpo ración de elementos presentes en las propuestas pedagógicas anteriores a una nueva concepción correspondiente a las nuevas condiciones sociales buscando descubrir la propuesta educativa que exprese los intereses de los trabajadores Se trata de encontrar en las contradicciones de la práctica educativa pasada y presente las bases para una lucha realmente eficiente contra la marginación de la cultura de interpretar con precisión que contenido ESCOLA E DEMOCRACIA xix tiene hoy la bandera por la escuela pública levantada sin descanso por el movimiento popular Entendemos que Saviani centra su propuesta en tres aspectos presentes en la pedagogía tradicional y que hoy ganan nueva significación y se articu lan constituyendo una propuesta cualitativamente nueva Esos elementos son la lucha por la extensión de la enseñanza pública formal la valorización de los contenidos y del papel del profesor en una nueva relación con los alumnos Ele centro del problema concreto que encabeza Escuela y democracia es la marginación cultural de la mayoría de los niños y jóvenes latinoamericanos Por lo tanto la extensión de la escuela pública es el tema prioritario Sin embargo si no se acompaña esta reivindicación con un proyecto definido de qué escuela queremos aquella consigna queda vacía de contenido Para Saviani es entonces fundamental definir el carácter de los contenidos es colares Al hacer la crítica de la escuela nueva y realizar una valoración crítica de la escuela tradicional Saviani establece que todo conocimiento nuevo sólo puede surgir de la crítica del conocimiento anterior La pedagogía tradicional entregaba a los alumnos el conocimiento histórico acumulado la pedagogía nueva no Esta se preocupa de partir del educando y no tiene como condi ción prioritaria traer al aula un conocimiento social Saviani considera que el dominado no se libera si no domina aquello que los dominantes dominan y que es absolutamente necesario llevar al aula la cultura históricamente producida bajo la actual forma burguesa como condición de superación crítica de la misma Pero el fenómeno educativo es un fenómeno contradictorio e histórica mente determinado Esta concepción es absolutamente ajena tanto a la pedagogía tradicional como a la nueva De allí que cuando Saviani habla de llevar el conocimiento burgués al aula no lo hace desde el punto de vista de la pedagogía tradicional y cuando habla de la actividad crítica del alumno no lo hace desde el punto de vista de la pedagogía nueva El profesor y el alumno son considerados agentes sociales portadores de determinadas relaciones sociales y determinada práctica social Esta práctica social es el punto de partida del proceso educativo e ella guía la problemati zación de los contenidos científicos y culturales Estos deben ser expuestos de manera sistematizada y lógica por el profesor Pero la apropiación de los XX DERMEVAL SAVIANI contenidos científicos y culturales por parte del alumno operación que Saviani llama instrumentación no es un fin en sí mismo fuera de contexto En la instrumentación en primer lugar el alumno se apropia de informacio nes y categorías teóricas abstractas necesarias para el análisis y manejo de la realidad Es solamente a partir de esa apropiación que el alumno puede plantarse la crítica esto es entender la producción y vigencia históricamente determinada de los instrumentos En segundo lugar esta apropiación se realiza en contraste y contradicción con su sentido común inicial con su práctica social y los problemas y exigencias que ella plantea De ello resulta al mismo tiempo una superación del sentido común del saber popular y del saber erudito A este nuevo tipo de contenidos corresponde un nuevo método didác tico una valorización del papel y la formación del profesor y una nueva relación de éste con los alumnos y de la clase en su conjunto El alumno no podrá elevarse al nivel del profesor si no es por medio del esfuerzo y de una tenaz disciplina a través de una lucha por su propia coherencia que le permita incorporar nuevas armas de análisis de la realidad que le son ajenas sin perder de vista su situación de clase Así es que según Saviani la educación cumple su función política desde el punto de vista de las capas populares realizándose en la función que les es propia permitiendo la apropiación de la cultura históricamente acumu lada por la humanidad la educación cumple su función política La función política de la educación se realiza por la mediación de la función docente Esta permite poner en manos de los trabajadores las armas intelectuales y abstractas que éstos necesitan para elaborar su propia concepción del mundo autónoma unitaria coherente y elaborada una concepción capaz de ser hegemónica de orientar la transformación de la sociedad Tales son en síntesis algunos de los planteamientos fundamentales de Escuela y democracia Es posible decir que esta obra es un aporte significativo al pensamiento pedagógico latinoamericano que expresa las transformacio nes que ha sufrido nuestro continente en las últimas décadas y que recoge tradiciones de análisis del fenómeno educativo Para los educadores uruguayos este libro tal vez posee contornos espe ciales En el sutil y profundo análisis del autor se siente un aire familiar que por momentos nos hace ver en Saviani un vareliano en el Brasil de hoy Percibimos eso en su enfoque positivo y efectivamente revolucionario en su ESCOLA E DEMOCRACIA xxi voluntad de poner la educación al servicio de la transformación de la socie dad de incorporar a todo el pueblo al conocimiento de la cultura universal en su esfuerzo por buscar el camino concreto de avance sobre la base de la crítica radical de las concepciones dominantes y de la elaboración de solu ciones que partan de las contradicciones y necesidades sociales presentes De ese modo Escuela y democracia constituye para nosotros una valiosa fuente de reflexión Es un desafío Nos incita a valorar y repensar criticamen te nuestro proceso histórico Estamos seguros que la divulgación y discusión de este libro nos ayudará a elaborar nuestro propio camino educativo Montevideo marzo de 1988 Ema Julia Massera Garayalde Profesora del Centro de Estudios Latinoamericanos de la Facultad de Humanidades y Ciencias Prefácio à 36a edição sem dúvida um fato auspicioso o lançamento de mais uma edição deste livro exatamente no momento em que se completam 20 anos da publicação da primeira edição em setembro de 1983 Vivíamos naquela época uma situação de grande efervescência com ampla mobilização dos educadores intensos debates pedagógicos e acalentadas esperanças de mudanças substantivas na sociedade brasileira e em sua educação No plano político nacional havíamos conquistado a anistia as eleições diretas para governadores dos esta dos e estávamos às vésperas da campanha das diretas já para a Presidência da República e do fim formal da Ditadura Militar Nesse contexto Escola e democracia se inseriu no debate pelo seu conteúdo polêmico e além da denúncia das nossas mazelas educacionais trouxe também não apenas o anúncio de novas perspectivas mas contri xxiv DERMEVAL SAVIANI buiu igualmente para uma melhor compreensão das questões pedagógicas propiciando aos leitores uma sistematização sucinta das principais teorias educacionais A grande mobilização e às esperanças da década de 1980 seguiuse na década seguinte uma reversão de expectativas marcada pelo refluxo na militância por um certo descrédito na política associado a um cansaço da luta em decorrência da crescente precarização das condições de trabalho e de remuneração dos docentes de todos os níveis no país inteiro É gratificante constatar que resistindo a essas flutuações de conjuntura este livro continuou sendo um valioso auxiliar no trabalho dos professores como o atestam as suas sucessivas reedições É ainda estimulante perceber que nos dias atuais a perspectiva teórica inaugurada com Escola e democracia e que prosseguiu com Pedagogia histórico crítica recobra novo fôlego sendo enriquecida com novas contribuições teó ricas e retomando um certo protagonismo na formulação e implementação de políticas educativas neste ou naquele estado da federação brasileira o que pode ser ilustrado pelos casos do Mato Grosso e do Paraná Ao ensejo desta 36ª edição que marca os 20 anos de publicação inin terrupta desta obra só me resta agradecer aos leitores a calorosa acolhida assegurandolhes que o trabalho prossegue com o mesmo espírito de luta o mesmo grau de exigência quanto ao rigor analítico e a mesma coerência política e honestidade de propósitos que impregnaram a produção e conse qüente divulgação em 1983 dos textos que compõem o presente livro Campinas 21 de setembro de 2003 Dermeval Saviani Prefácio à 35a edição onforme anunciei no prefácio à 34ª edição comemorase neste ano de 2002 os 70 anos do Manifesto dos Pio neiros da Educação Nova Para marcar esse fato o Grupo de Estudos e Pesqui sa em História da Educação GEPHE da Universidade Federal de Minas Gerais organizou em Belo Horizonte nos dias 19 20 e 21 de agosto o Coló quio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado educacional em debate Convidado para o even to apresentei o texto 70 anos do Manifesto e 20 anos de Escola e democracia balanço de uma polêmica Como assinalei na introdução do trabalho apresenta do no Colóquio a pertinência dessa discussão ao ensejo das comemorações dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova devese ao fato de que por efeito de um deslocamento da análise do âmbito da abordagem polêmica para a abordagem historiográfica as teses enun ciadas no livro Escola e democracia foram lidas por uma certa corrente da historiografia da educação brasileira xxvi DERMEVAL SAVIANI nos anos de 1990 como uma espécie de Manifesto contra a Escola Nova e portanto como uma espécie de antiManifesto dos Pioneiros da Educação Nova um antiManifesto de 1932 No entanto como já afirmei e reiterei várias vezes este não é um livro contra o movimento da Escola Nova Se sua leitura ensejou essa interpre tação tal ocorreu por se ter considerado uma abordagem com claro intuito polêmico como se fosse uma abordagem gnosiológica Eis porque no caso particular da história da educação o livro foi lido como se fosse um estudo de caráter historiográfico Por isso no referido evento procurei esclarecer a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Assim após estabelecer interlocução com as leituras de Escola e democracia feitas por duas historiadoras da educação mostro que a teoria da curvatura da vara metáfora a partir da qual instaurei a polêmica é uma prática bastante comum no âmbito do trabalho intelectual sendo que a própria Escola Nova dela lançou mão de forma recorrente Esse procedimento pode ser ilustrado pelos vários lemas cunhados pelo movimento da Escola Nova com o intuito de facilitar sua difusão junto aos professores No texto apresentado no referido Colóquio exemplifiquei esse fenômeno com o lema escolanovista ensinamos crianças não matérias O que que remos dizer com essa expressão Do ponto de vista gramatical ela não se sustenta uma vez que o verbo ensinar é bitransitivo comportando pois tanto o objeto direto como o indireto Na verdade não é possível gramaticalmente dizer que se ensina nada a alguém nem que se ensina algo a ninguém De fato a ação de ensinar implica que algo seja ensinado a alguém Portanto deveríamos dizer que ensinamos matérias às crianças não fazendo sentido a afirmação de que ensinamos crianças não matérias do mesmo modo que não faria sentido afirmar que ensinamos matérias não crianças Então qual seria a razão pela qual o movimento da Escola Nova formulou e difundiu com tanta convicção esse lema Ora um enunciado como esse se justifica exatamente na medida em que não se trata de uma definição mas de um slogan E enquanto slogan tem o caráter de um símbolo agluti nador de adeptos em torno da idéia da centralidade da criança no processo educativo Em outros termos partindo da consideração de que as atenções dos educadores haviam se voltado excessivamente para as matérias para o conteúdo da aprendizagem deixando em segundo plano as crianças que são ao fim e ao cabo a razão de ser do processo educativo cunhouse o lema ESCOLA E DEMOCRACIA xxvii ensinamos crianças não matérias visando a alertar os professores para o fato de que sua preocupação principal deve girar em torno dos educandos cujos interesses devem servir de base para se organizar o currículo isto é os conteúdos do ensino Impõese pois a conclusão ensinamos crianças não matérias é um slogan que a Escola Nova lançou contra a Escola Tradicional Em outros ter mos considerando que com a predominância da Escola Tradicional a vara foi entortada para o lado das matérias a Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara buscou curvar a vara para o lado da criança Ao fazêlo entretanto por aquele mecanismo descrito por Scheffler 1974 pp 4647 segundo o qual os slogans passam a ser defendidos como afirmações literais o enunciado difundiuse como se fosse a pura expressão de uma verdade pedagógica Seguese pois que a Escola Nova tem se utilizado amplamente da teoria da curvatura da vara de forma porém bastante diferente do uso feito por mim neste livro Com efeito enquanto para mim a metáfora da curvatura da vara se apresentou tãosomente com o caráter de exercício intelectual questionador das verdades instaladas o movimento da Escola Nova a tem tomado como um dispositivo instaurador da própria verdade Fica claro portanto que o livro Escola e democracia não se propôs a ser um antiManifesto de 1932 Se for lido como manifesto tratarseá no caso do manifesto de lançamento de uma nova teoria pedagógica uma teoria crítica nãoreprodutivista ou como foi nomeada no ano seguinte após seu lançamento pedagogia históricocrítica proposta em 1984 Sim Este livro pode ser considerado o manifesto de lançamento da pedagogia histórico crítica Lido como manifesto eis sua estrutura O primeiro capítulo apresenta o diagnóstico das principais teorias pedagógicas Mostra as contribuições e os limites de cada uma delas E termina com o anúncio da necessidade de uma nova teoria O capítulo segundo é o momento da denúncia Pela via da polêmica procurase desmontar as visões que se acreditavam progressistas de modo a que se abra caminho para a formulação de uma alternativa superadora Por isso afirmei no texto do Coloquio que o que estava em causa na virada da década de 1970 para a de 1980 era tornar o grupo social dos professores autônomo em relação a um ideário que ele havia acolhido sem crítica e sem benefício de inventário xxviii DERMEVAL SAVIANI Não estava em jogo desvelar uma suposta verdadeira história dos pioneiros da Educação Nova nem a fixação de uma outra memória O contexto do discurso era pois a polêmica e não a historiografia O capítulo terceiro apresenta as características básicas e o encami nhamento metodológico da nova teoria que passou a se chamar de pedagogia históricocrítica esclarecendose no capítulo quarto as condições de sua produção e operação em sociedades como a nossa marcadas pelo primado da política sobre a educação Os comentários feitos neste prefácio tiveram a intenção de ajudar os leitores no entendimento do contexto em que surgiu esse livro e das razões que levaram à sua publicação Espero que por esse caminho se possa des locar um pouco o foco das atenções da polêmica com a Escola Nova para a construção da pedagogia históricocrítica em cujo ponto de partida se encontra a presente obra Campinas 29 de agosto de 2002 Dermeval Saviani Prefácio à 34a edição o ano de 2002 estaremos comemo rando os 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova marco do desenvolvimento do Escolanovismo no Brasil Paralelamente os textos que com põem este livro giram ao redor dos 20 anos Com efeito embora a publicação do livro date de setembro de 1983 o primeiro capítulo foi escrito e publicado originalmente em 1982 como artigo no número 42 de Cadernos de Pesquisa revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos Chagas O segundo capítulo resultou da exposição oral ocorrida no simpósio Abordagem política do funcionamento interno da escola de 1o grau que integrou a programação da I Conferência Brasileira de Educação realizada em São Paulo de 31 de março a 3 de abril de 1980 A referida exposição uma vez transcrita foi pu blicada como artigo no número 1 de Ande Revista da Associação Nacional de Educação em 1981 O terceiro capítulo foi escrito e publicado em 1982 no número 3 XXX DERMEVAL SAVIANI também da revista da Ande Finalmente o quarto capítulo foi escrito em 1983 especialmente para integrar o presente livro Portanto o conteúdo desta obra foi produzido e divulgado entre 1980 e 1983 Ao longo dos aproximadamente 20 anos de circulação deste livro os trabalhos que o integram foram objeto de muitas discussões em especial o capítulo dois Escola e democracia I A teoria da curvatura da vara que inten cionalmente abriu uma polêmica com a corrente da Escola Nova Olhando à distância posso considerar que o impacto gerado pela radi calidade da crítica que formulei provocou reações com forte teor de emoti vidade o que não deixou de suscitar alguns equívocos interpretativos Penso que o ensejo das comemorações dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e dos 20 anos dessa crítica contundente constitui uma boa oportunidade para um balanço dos acertos e desacertos das interpretações que se construíram em torno dessa questão Espero poder em 2002 proceder ao mencionado balanço num seminá rio que está sendo programado para comemorar os 70 anos do documento conhecido como Manifesto de 1932 Para efeitos desse prefácio quero apenas registrar o fato recordando o que enunciei no VII Encontro da Associação SulRioGrandense de Pesquisadores em História da Educação ASPHE realiza do em Pelotas nos dias 3 e 4 de maio de 2001 ao tratar do tema História Comparada da Educação Nesse texto assinalo em nota de rodapé Aliás parece que o único tema que no Brasil tem atraído o interesse para estudos de história comparada da educação é aquele relativo à Escola Nova A julgar pelas referências ainda que depreciativas a mim feitas no texto introdutório de autoria de Ovide Menin pp 78 e no texto de Clarice Nunes pp 2327 que integram o livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil a polêmica que abri em 1980 em torno do modo como o escolanovismo se difundiu e se tornou hegemônico no ideário dos professores exerceu um efeito provocativo cujo resultado foi a realização de estudos específicos e detalhados sobre as características da Escola Nova Fico feliz por esse resultado embora lamente que a uma investida polêmica seja atribuída a característica de pesquisa historiográfica que é criticada mais com imputações do que com a análise do conteúdo dos argumentos apresentados D Saviani História Comparada da Educação algumas aproximações História da Educação vol 5 n10 setembro de 2001 pp 1011 ESCOLA E DEMOCRACIA xxxi Como já havia me manifestado no Prefácio à 20a edição deste livro datado de janeiro de 1988 embora a Escola Nova tenha sido posta no centro da polêmica este não é um livro contra a Escola Nova como tal A denúncia da Escola Nova foi apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia dominante então caracterizada como a pedagogia burguesa de inspiração liberal em contraposição ao âmbito de uma pedago gia emancipatória então identificada com uma pedagogia socialista de ins piração marxista Portanto não há nenhuma contradição entre o conteúdo deste livro e o reconhecimento do caráter progressista do movimento da Escola Nova em especial na formulação contida no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que sob alguns aspectos chegou mesmo a ultrapassar a concepção liberal burguesa de educação incorporando propostas que se inse rem na tradição pedagógica socialista Além do mais como assinalei algumas vezes em minhas aulas considero que o Manifesto de 1932 mais do que um documento em defesa da Escola Nova configurase como um programa de política educacional cujo vetor é a instituição de um sistema completo de educação pública destinado a abarcar todas as crianças e jovens integrantes da população brasileira Foi pois antes de tudo um manifesto em defesa da escola pública diferentemente da maioria das experiências de Escola Nova que no contexto europeu traziam a marca da iniciativa privada Assim na ocasião do lançamento de mais uma edição deste livro manifesto a esperança de que as comemorações dos 70 anos do Manifesto galvanizem o conjunto dos educadores e toda a população do nosso país num pujante movimento em defesa da educação pública de modo a instaurar uma política educativa em âmbito nacional capaz de reverter os efeitos negativos decorrentes da orientação e das ações implementadas no campo escolar pelos governos nos últimos dez anos Campinas 16 de outubro de 2001 Dermeval Saviani Prefácio à 33a edição ara esta nova edição não houve altera ção no conteúdo Entretanto o texto foi refeito integralmente por nova di gitação o que implicou portanto uma revisão completa de todo o livro O lançamento desta 33ª edição coincide com as comemorações do centenário do nas cimento de Anísio Teixeira do qual podemos dizer que o grande tema de toda a sua obra pedagógica teórica e prática é a relação entre educação e democracia convergindo portanto para o assunto central deste livro À semelhança de Marx que apesar de crítico de Hegel proclamouo grande pensador rendo aqui minha homenagem ao grande educador Anísio Teixeira que se empenhou por todos os meios na luta em defesa de uma escola pública de qualidade aberta a todos os brasileiros indistintamente Somos pois herdeiros de Anísio Teixeira Dizia ele em 1947 por ocasião da discussão do capítulo de Educação e Cultura da Constituição do Estado da Bahia xxxiv DERMEVAL SAVIANI Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e em nenhum outro tão pouco se realizou Não há assim como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir E exatamente porque tão pouco se realizou somos forçados a continuar insistindo nos pontos que Anísio segundo seu próprio testemunho se cansara de repetir Sua luta de ontem é ainda a nossa luta de hoje Campinas 27 de agosto de 2000 Dermeval Saviani Prefácio à 30a edição uando essa obra foi lançada a socie dade brasileira passava por uma fase de grande mobilização Estávamos no início da década de 1980 e os primei ros frutos das lutas pela democratiza ção começavam a ser colhidos Em 1983 tomavam posse os governadores de estado eleitos diretamente após quase 20 anos de eleições indiretas controladas pelo regime militar instalado no poder em conseqüência do golpe de 1964 Escola e Democracia vinha a público em setembro de 1983 e começavam as articulações em torno da campanha pelas eleições diretas para presidente da República campanha esta que seria o fato político mais saliente de 1984 No contexto indicado era intensa a mobilização dos educadores carregada de expectativas favoráveis Esperavase que no quadro das transformações políticas a educação encontraria canais adequados para se desen volver no sentido da universalização da escola pública garantindo um ensino de qualidade a toda a população xxxvi DERMEVAL SAVIANI brasileira Ensaios nessa direção foram tentados por alguns governos estaduais e municipais mas os desdobramentos da transição democrática no âmbito da chamada Nova República não corresponderam àquelas expectativas educacionais Em verdade o referido processo de transição acabou sendo dominado pela conciliação das elites mantendose a descontinuidade da política educacional os vícios da máquina administrativa a escassez de recursos e a conseqüente precariedade da educação pública A década de 1990 surge assim marcada por um clima de perplexidade e descrença A orientação dita neoliberal assumida por Fernando Collor e agora pelo governo Fernando Henrique Cardoso vem se caracterizando por políticas educacionais claudicantes combinam um discurso que reconhece a importância da educação com a redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e organizações nãogovernamentais como se a responsabilidade do Estado em matéria de educação pudesse ser transferida para uma etérea boa vontade pública Nesse contexto não deixa de ser reconfortante o fato de que este livro que se constitui ao mesmo tempo como denúncia das formas disfarçadas de discriminação educacional e anúncio de uma pedagogia superadora das desigualdades tenha atingido 30 edições quase um terço delas já nessa difícil década de 1990 Efetivamente se as condições se tornaram adversas esse fato em lugar de nos levar ao desânimo como infelizmente tende a acontecer deve nos conduzir a ampliar a nossa capacidade de luta organizandonos mais for temente e atuando decisivamente no interior das escolas e junto ao Estado no sentido de transformar em verdade prática a consciência já consensual da importância estratégica da educação e da urgência da resolução de seus problemas Que esse livro continue a auxiliar os educadores de todos os níveis e de todas as regiões deste país em sua luta tenaz por uma educação de qua lidade acessível a todos os brasileiros é a única recompensa que almeja o seu autor Campinas 19 de março de 1996 Dermeval Saviani Prefácio à 20a edição primeira edição deste livro data de setembro de 1983 Portanto em pouco mais de quatro anos se esgotaram 19 edições cada uma delas com tiragem de cinco mil exemplares A acolhida vem sendo pois calorosa chegando mesmo alguns leitores a revelar grande entusiasmo por este trabalho A par da grande acolhida e talvez mesmo por causa dela surgiram também algumas críticas Obviamente esta obra não está isenta de limitações e defeitos A julgar pelos depoimentos dos leitores o reconhecimento de limi tações não obscurece os méritos que o trabalho contém Assim o primeiro texto se não esgota a temática que aborda constitui uma síntese clara e didática das principais teorias da educação o que tem sido sobrema neira útil aos educadores ajudandoos na compreensão de sua prática e permitindolhes situaremse mais cla ramente no universo pedagógico Os próprios críticos têm se beneficiado dessa síntese já que nela se apóiam xxxviii DERMEVAL SAVIANI o que implica um endosso da classificação e análise das teorias pedagógicas aí apresentadas O segundo texto tem um caráter preparatório para a teoria crítica da educação que fora apenas anunciada no texto anterior e cujo esboço é objeto da exposição efetuada no terceiro texto Tratase de uma abordagem centrada mais no aspecto polêmico do que no aspecto gnosiológico Por isso mutatis mutandis vale para ele a observação feita por Gramsci a propósito da crítica de Croce à concepção marxista de superestrutura ideológica Quando por razões políticas práticas para tornar um grupo social indepen dente da hegemonia de um outro grupo falase de ilusão como é possível de boafé confundir uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Gramsci 1978 p 261 A par dos limites ligados ao caráter polêmico a exposição contém também defeitos de estilo derivados do fato de ser transcrição direta de uma fala não baseada em texto escrito Daí o tom oral de que está impregnada O mérito do texto é antes heurístico do que analítico Não se trata de uma exposição exaustiva e sistemática mas da indicação de caminhos para a crítica do existen te e para a descoberta da verdade histórica O leitor encontra aí um estímulo para um ajuste de contas consigo mesmo ante tendências pedagógicas com as quais tem se envolvido Se na polêmica avulta a questão da Escola Nova isto não deve induzir a equívocos Este não é um livro contra a Escola Nova como tal E antes um livro contra a pedagogia liberal burguesa Por isso enganamse aqueles que imaginam que por efetuar a crítica à Escola Nova o autor desta obra estaria de algum modo reabilitando a pedagogia burguesa Ora não se nega à Escola Nova o seu caráter progressista em relação à Escola Tradicional Aliás isso está formalmente explícito no terceiro texto Entretanto como proposta burguesa a Escola Nova articula em torno dos interesses da burguesia os elementos progressistas que obviamente não são intrinsecamente burgueses È dessa forma que a burguesia trava a luta pela hegemonia procurando subordinar aos seus interesses os interesses das demais classes Do ponto de vista do proletariado a luta hegemônica implica o processo inverso Tratase de de sarticular dos interesses dominantes aqueles elementos que estão articulados em torno deles mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulálos em torno dos interesses dominados Saviani 1980 pp 1011 ESCOLA E DEMOCRACIA xxxix Dessa forma a denúncia da Escola Nova é apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia burguesa de inspiração liberal e o âmbito da pedagogia socialista de inspiração marxista Aliás não foi outro o comportamento do próprio Marx que em 1848 ao se engajar na luta política dos trabalhadores na Alemanha não se negou a participar do Movimento Democrático sob a condição porém de deixar sempre explícita a diferença entre a perspectiva proletária e aquela dos burgueses e pequeno burgueses progressistas cf Fedosseiev et al 1983 p 190 De minha parte tenho procurado sistematicamente estabelecer essa diferenciação como pode ser comprovado de forma recorrente em meus diferentes trabalhos Dentre eles cito como exemplo o texto A Defesa da Escola Pública que deveria integrar este livro o que não ocorreu por falta de espaço e esta é outra limitação da presente obra No referido texto me empenho em demarcar a perspectiva burguesa da perspectiva socialista explicitando os limites da concepção liberal na defesa da escola pública e registrando como o próprio movimento popular acabou por cair na armadilha da ilusão liberal Saviani 1984 pp 1025 É esse e não outro o sentido que assume neste livro a crítica à Escola Nova Nesse contexto chegam a soar um tanto deslocadas as abordagens que provocadas por este trabalho pretendem reabilitar a Escola Nova a partir da perspectiva proletária Demarcadas as perspectivas feita a crítica da visão liberal burguesa os elementos progressistas desarticulados da concepção dominante são no terceiro texto articulados no âmbito da perspectiva pedagógica correspon dente aos interesses da classe trabalhadora Ainda que não se tenha podido explorar e aprofundar suas diversas implicações avançase aí decididamente na formulação de uma teoria crítica nãoreprodutivista da educação a qual como foi assinalado no final do primeiro texto só pode ser formulada do ponto de vista dos interesses dominados cf pp 3031 O último texto Onze Teses sobre Educação e Política procura situar o debate pedagógico muito além dos acanhados limites geralmente marcados pela repetição de slogans esvaziados de conteúdo Com efeito sem perder de vista a realidade concreta da sociedade de classes projetouse a reflexão para o horizonte de possibilidades isto é para o momento da passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade o momento da constituição da sociedade sem classes momento catártico por excelência em que toda a DERMEVAL SAVIANI sociedade humana se reencontra consigo mesma A alguns leitores parece ter escapado tal intento talvez em razão do caráter lapidar das teses formu ladas e da economia das explicações apresentadas seria este outro defeito do livro A questão do desaparecimento do Estado permite ilustrar esse ponto No texto afirmo Sabese que não se trata de destruir o Estado ele simplesmente desaparecerá por não ser mais necessário cf p 86 Obvia mente o contexto aí é o da passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade portanto a passagem do socialismo ao comunismo que significa o advento da sociedade sem classes Conseqüentemente o Estado que fora utilizado pelo proletariado como instrumento de transição para a sociedade sem classes ao ser esta consolidada perde a razão de ser e desaparece Que dizer então da interpretação que considera a colocação supra como indicadora de que o Estado burguês não é destruído mas consente no seu desaparecimento Antes de qualquer outra consideração cabe registrar que tal interpretação não corresponde ao que foi registrado no texto Com efeito lá está escrito Sabese que não se trata de destruir o Estado e não Sabese que não se trata de destruir o Estado burguês Nesse ponto da reflexão supõese já superada a sociedade burguesa Ora a revolução socia lista proletária não destrói o Estado em si mesmo Ao conquistar o poder o proletariado por meio do mesmo ato revolucionário destitui destrói o Estado burguês e constitui o Estado proletário Como falar nessa nova situa ção de destruição do Estado Quem destruirá o Estado proletário Não será uma outra classe pois com a conquista do poder pelo proletariado que é a classe cujo domínio consiste na superação das classes já não há outra classe que a ele se possa contrapor como historicamente progressista Seria então o próprio proletariado Na verdade não se trata já da destruição do Estado Uma vez cumprido o papel de instrumento coercitivo para inviabilizar as tentativas de restauração do poder burguês o Estado sociedade política não sendo mais necessário desaparecerá A concepção acima exposta é encontrada reiterativamente nos escritos de Marx resultando assim um contrasenso invocar esse autor para desautorizar a linha de reflexão por mim desenvolvida cf Marx s d p 38 1974 pp 80 e 90 1968 pp 4748 1984 pp 6268 Para economia deste prefácio cito apenas o final de A Miséria da Filosofia Somente numa ordem de coisas em que não existem mais classes e antagonismos entre classes as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas Marx 1985 p 160 xl ESCOLA E DEMOCRACIA xli O mesmo se diga de Gramsci O fim do Estado sublinhado por Marx e Lênin é concebido por Gramsci como a absorção pela sociedade civil da sociedade política que numa socieda de sem classes está destinada à extinção na proporção e na medida em que se harmonizam os interesses do proletariado e os interesses do conjunto do corpo social Grisoni Maggiori 1973 pp 177178 Nas palavras do próprio Gramsci A classe burguesa está saturada não só não se amplia mas se desagrega não só não assimila novos elementos mas desassimila uma parte de si mesma ou pelo menos as desassimilações são muitíssimo mais numerosas do que as assimilações Uma classe que se considere capaz de assimilar toda a sociedade e ao mesmo tempo seja realmente capaz de exprimir este processo leva à perfeição esta concepção do Estado e do direito de tal modo a conceber o fim do Estado e do direito em virtude de terem eles completado a sua missão e de terem sido absorvidos pela Sociedade Civil Gramsci 1976 p 147 E mais adiante O elemento Estadocoerção pode ser imaginado em processo de desapareci mento à medida que se afirmam elementos cada vez mais conspícuos de sociedade regulada ou Estado ético ou sociedade civil idem p 149 Para esta edição foi feita uma revisão de todo o trabalho corrigindose algumas falhas de impressão ao mesmo tempo em que se procurou minorar os defeitos de estilo do segundo texto Agradecendo a confiança dos leitores espero que os esclarecimentos deste prefácio os ajudem a melhor compreender as posições assumidas pelo autor Os comentários feitos tiveram apenas essa intenção não cabendo pois interpretá los como resposta às objeções dos críticos Pelo respeito que merecem os colegas que valorizaram este trabalho com suas apreciações cabe considerálas uma a uma de forma detida Como não é possível fazer isso num simples prefácio tais considerações são remetidas para outro momento e outro lugar São Sepé RS 26 de janeiro de 1988 Dermeval Saviani Apresentação ste pequeno livro foi organizado da seguinte maneira o primeiro texto reproduz o artigo As Teorias da Edu cação e o Problema da Marginalidade na América Latina publicado origi nalmente em Cadernos de Pesquisa nº 42 agosto82 da Fundação Carlos Chagas Os textos seguintes Escola e Democracia I e Escola e Democracia II reproduzem respectivamente os artigos Escola e democracia ou a Teoria da Curvatura da Vara Ande 1981 e Escola e Democracia para além da Teoria da Curvatura da Vara Ande 1982 O último texto Onze Teses sobre Educação e Política foi escrito especialmente para integrar a presente publicação Seu objetivo é encaminhar de modo explícito a discussão das relações entre educação e política já que aí reside a questão central que atravessa de ponta a ponta o conteúdo deste livro Dada a estreita conexão entre os artigos acima mencionados tem havido uma tendência a estudálos DERMEVAL SAVIANI conjuntamente o que entretanto tem sido obstado pelas dificuldades em encontrálos disponíveis nas livrarias A decisão de reunilos numa mesma publicação atende assim à solicitação de diversos leitores no sentido de contornar aquelas dificuldades Esperamos que este livro a exemplo dos artigos que lhe deram origem continue a auxiliar professores e alunos na busca de uma compreensão mais sistemática e crítica das diferentes teorias da educação Finalmente aproveitamos a oportunidade para agradecer a Cadernos de Pesquisa revista de estudos e pesquisas em educação da Fundação Carlos Chagas e Ande revista da Associação Nacional de Educação pela anuência à inclusão dos artigos na presente obra São Paulo setembro de 1983 Dermeval Saviani 2 Capítulo 1 As teorias da educação e o problema da marginalidade 1 O PROBLEMA e acordo com estimativas relativas a 1970 cerca de 50 dos alunos das escolas primárias desertavam em con dições de semianalfabetismo ou de analfabetismo potencial na maioria dos países da América Latina Tedesco 1981 p 67 Isto sem levar em conta o contingente de crianças em idade escolar que sequer têm acesso à escola e que portanto já se encontram a priori marginalizadas dela O simples dado acima indicado lança de imediato em nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fenômeno da escolarização Como interpretar esse dado Como explicálo Como as teorias da educação se posicionam diante dessa situação Grosso modo podemos dizer que no que diz respeito à questão da marginalidade as teorias educacionais po dem ser classificadas em dois grupos No primeiro temos 4 DERMEVAL SAVIANI aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de equalização social portanto de superação da marginalidade No segundo estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social logo um fator de marginalização Ora percebese facilmente que ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a partir de determinada maneira de entender as relações entre educação e sociedade Assim para o primeiro grupo a sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa tendendo à integração de seus membros A marginalidade é pois um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros o que no entanto constitui um desvio uma distorção que não só pode como deve ser corrigida A educação emerge aí como um instrumento de correção dessas distorções Constitui pois uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social Sua função coincide no limite com a superação do fenômeno da marginalidade Enquanto esta ainda existir devem se intensificar os esforços educativos quando for superada cumpre manter os serviços educativos num nível pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade Como se vê no que respeita às relações entre educação e sociedade concebese a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e mais do que isso garantindo a construção de uma sociedade igualitária Já o segundo grupo de teorias concebe a sociedade como sendo essen cialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material Nesse quadro a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da socieda de Isso porque o grupo ou classe que detém maior força se converte em dominante se apropriando dos resultados da produção social tendendo em conseqüência a relegar os demais à condição de marginalizados Nesse contexto a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalização Nesse sentido a educação longe de ser um instrumento de superação da marginalidade convertese num fator de marginalização já que sua forma específica de ESCOLA E DEMOCRACIA 5 reproduzir a marginalidade social é a produção da marginalidade cultural e especificamente escolar Tomando como critério de criticidade a percepção dos condicionantes objetivos denominarei as teorias do primeiro grupo de teorias nãocríticas já que encaram a educação como autônoma e buscam compreendêla a partir dela mesma Inversamente aquelas do segundo grupo são críticas uma vez que se empenham em compreender a educação remetendoa sempre a seus condicionantes objetivos isto é à estrutura socioeconômica que determina a forma de manifestação do fenômeno educativo Como porém entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade serão por mim denominadas de teorias críticoreprodutivistas 2 AS TEORIAS NÃOCRÍTICAS 21 A Pedagogia Tradicional A constituição dos chamados sistemas nacionais de ensino data de meados do século XIX Sua organização inspirouse no princípio de que a educação é direito de todos e dever do Estado O direito de todos à educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos interesses da nova classe que se consolidara no poder a burguesia Tratavase pois de construir uma sociedade democrática de consolidar a democracia burguesa Para superar a situação de opressão própria do Antigo Regime e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado livremente entre os indivíduos era necessário vencer a barreira da ignorância Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos isto é em indivíduos livres por que esclarecidos ilustrados Como realizar essa tarefa Por meio do ensino A escola é erigida no grande instrumento para converter os súditos em cidadãos redimindo os homens de seu duplo pecado histórico a ignorância miséria moral e a opressão miséria política Zanotti 1972 pp 2223 Nesse quadro a causa da marginalidade é identificada com a ignorância É marginalizado da nova sociedade quem não é esclarecido A escola surge como um antídoto à ignorância logo um instrumento para equacionar o problema da marginalidade Seu papel é difundir a instrução transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente 6 DERMEVAL SAVIANI O mestreescola será o artífice dessa grande obra A escola organizase como uma agência centrada no professor o qual transmite segundo uma gradação lógica o acervo cultural aos alunos A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos À teoria pedagógica acima indicada correspondia determinada maneira de organizar a escola Como as iniciativas cabiam ao professor o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado Assim as escolas eram organizadas na forma de classes cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente Ao entusiasmo dos primeiros tempos suscitado pelo tipo de escola anteriormente descrito de forma simplificada sucedeu progressivamente uma crescente decepção A referida escola além de não conseguir realizar seu desiderato de universalização nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bemsucedidos ainda teve de curvar se ante o fato de que nem todos os bemsucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar Começaram então a se avolumar as críticas a essa teoria da educação e a essa escola que passa a ser chamada de Escola Tradicional 22 A Pedagogia Nova As críticas à pedagogia tradicional formuladas a partir do final do século XIX foram aos poucos dando origem a uma outra teoria da edu cação Esta teoria mantinha a crença no poder da escola e em sua função de equalização social Portanto as esperanças de que se pudesse corrigir a distorção expressa no fenômeno da marginalidade por meio da escola ficaram de pé Se a escola não vinha cumprindo essa função tal fato se devia a que o tipo de escola implantado a Escola Tradicional se revelara inadequado Toma corpo então um amplo movimento de reforma cuja expressão mais típica ficou conhecida sob o nome de escolanovismo Tal movimento tem como ponto de partida a Escola Tradicional já implantada segundo as diretrizes consubstanciadas na teoria da educação que ficou conhecida como pedagogia tradicional A pedagogia nova começa pois por efetuar a crítica da pedagogia tradicional esboçando uma nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantála primeiro por intermédio ESCOLA E DEMOCRACIA 7 de experiências restritas depois advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares Segundo essa nova teoria a marginalidade deixa de ser vista predominan temente sob o ângulo da ignorância isto é o não domínio de conhecimentos O marginalizado já não é propriamente o ignorante mas o rejeitado Alguém está integrado não quando é ilustrado mas quando se sente aceito pelo grupo e por meio dele pela sociedade em seu conjunto É interessante notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram à pedagogia a partir da preocupação com os anormais ver por exemplo De croly e Montessori A partir das experiências levadas a efeito com crianças anormais é que se pretendeu generalizar procedimentos pedagógicos para o conjunto do sistema escolar Notase então uma espécie de biopsicologi zação da sociedade da educação e da escola Ao conceito de anormalidade biológica construído a partir da constatação de deficiências neurofisiológicas se acrescenta o conceito de anormalidade psíquica detectada por testes de inteligência de personalidade etc que começam a se multiplicar Forjase então uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da des coberta das diferenças individuais Eis a grande descoberta os homens são essencialmente diferentes não se repetem cada indivíduo é único Portanto a marginalidade não pode ser explicada pelas diferenças entre os homens quaisquer que elas sejam não apenas diferenças de cor de raça de credo ou de classe o que já era defendido pela pedagogia tradicional mas também diferenças no domínio do conhecimento na participação do saber no desem penho cognitivo Marginalizados são os anormais isto é os desajustados e inadaptados de todos os matizes Mas a anormalidade não é algo em si negativo ela é simplesmente uma diferença Portanto podemos concluir ainda que isto pareça paradoxal que a anormalidade é um fenômeno normal Não é pois suficiente para caracterizar a marginalidade a qual está marcada pela inadaptação ou desajustamento fenômenos associados ao sentimento de rejeição A educação como fator de equalização social será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que cumprir a função de ajustar de adaptar os indivíduos à sociedade incutindo neles o sentimento de aceita ção dos demais e pelos demais A educação será um instrumento de correção da marginalidade na medida em que contribuir para a constituição de uma sociedade cujos membros não importam as diferenças de quaisquer tipos aceitemse mutuamente e respeitemse na sua individualidade específica 8 DERMEVAL SAVIANI Compreendese então que essa maneira de entender a educação por referência à pedagogia tradicional tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento do aspecto lógico para o psico lógico dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos do professor para o aluno do esforço para o interesse da disciplina para a espontaneidade do diretivismo para o nãodiretivismo da quantidade para a qualidade de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada princi palmente nas contribuições da biologia e da psicologia Em suma tratase de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender mas aprender a aprender Para funcionar de acordo com a concepção anteriormente exposta obviamente a organização escolar teria que passar por uma sensível reformu lação Assim em lugar de classes confiadas a professores que dominavam as grandes áreas do conhecimento revelandose capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a se rem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos a escola deveria agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre O professor agiria como um estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos Tal aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimulante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes e o professor Para tanto cada professor teria de trabalhar com pequenos grupos de alunos sem o que a relação interpessoal essência da atividade educativa ficaria dificultada e num ambiente estimulante portanto dotado de materiais didáticos ricos biblioteca de classe etc Em suma a feição das escolas mudaria seu aspecto sombrio disciplinado silencioso e de paredes opacas assumindo um ar alegre movimentado barulhento e multicolorido O tipo de escola acima descrito não conseguiu entretanto alterar significativamente o panorama organizacional dos sistemas escolares Isso porque além de outras razões implicava custos bem mais elevados do que aqueles da Escola Tradicional Com isso a Escola Nova organizouse ba sicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite No entanto o ideário escolanovista tendo sido amplamente difundido penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas ESCOLA E DEMOCRACIA 9 amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional Cumpre assinalar que tais conseqüências foram mais negativas que positivas uma vez que provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos acabou a absorção do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais muito freqüentemente têm na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado Em contrapartida a Escola Nova aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites Vêse assim que paradoxalmente em lugar de resolver o problema da marginalidade a Escola Nova o agravou Com efeito ao enfatizar a qua lidade do ensino ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político relativo à sociedade em seu conjunto para o âmbito técnicopedagógico relativo ao interior da escola cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses É a esse fenômeno que denominei de mecanismo de recomposição da hege monia da classe dominante Saviani 1980 Cabe assinalar que o papel da Escola Nova previamente descrito manifestouse mais nitidamente no caso da América Latina Em verdade na maioria dos países dessa região os sistemas de ensino começaram a as sumir feição mais nítida já no século XX quando o escolanovismo estava largamente disseminado na Europa e principalmente nos Estados Unidos não deixando em conseqüência de influenciar o pensamento pedagógico latinoamericano Portanto a disseminação das escolas efetuada segundo os moldes tradicionais não deixou de ser de alguma forma perturbada pela propagação do ideário da pedagogia nova já que esse ideário ao mesmo tempo que procurava evidenciar as deficiências da escola tradicional dava força à idéia segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos 23 A Pedagogia Tecnicista Ao findar a primeira metade do século XX o escolanovismo apresentava sinais visíveis de exaustão As esperanças depositadas na reforma da escola resultaram frustadas Um sentimento de desilusão começava a se alastrar nos meios educacionais A pedagogia nova ao mesmo tempo que se tornava 10 DERMEVAL SAVIANI dominante como concepção teórica a tal ponto que se tornou senso comum o entendimento segundo o qual a pedagogia nova é portadora de todas as virtudes e de nenhum vício ao passo que a pedagogia tradicional é portadora de todos os vícios e de nenhuma virtude na prática revelouse ineficaz em face da questão da marginalidade Assim de um lado surgiam tentati vas de desenvolver uma espécie de Escola Nova Popular cujos exemplos mais significativos são as pedagogias de Freinet e de Paulo Freire de outro lado radicalizavase a preocupação com os métodos pedagógicos presentes no escolanovismo que acaba por desembocar na eficiência instrumental Articulase aqui uma nova teoria educacional a pedagogia tecnicista A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos prin cípios de racionalidade eficiência e produtividade essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a tornálo objetivo e opera cional De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril pretende se a objetivação do trabalho pedagógico Com efeito se no artesanato o trabalho era subjetivo isto é os instrumentos de trabalho eram dispostos em função do trabalhador e este dispunha deles segundo seus desígnios na produção fabril essa relação é invertida Aqui é o trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho já que este foi objetivado e organizado na forma parcelada Nessas condições o trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela do trabalho necessário para produzir determinados objetos O produto é pois uma decorrência da forma como é organizado o processo O concurso das ações de diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se identifica e que ao contrário lhes é estranho O fenômeno acima mencionado ajudanos a entender a tendência que se esboçou com o advento daquilo que estou chamando de pedagogia tecni cista Buscouse planejar a educação de modo a dotála de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência Para tanto era mister operacionalizar os objetivos e pelo menos em certos aspectos mecanizar o processo Daí a proliferação de propostas pedagógicas tais como o enfoque sistêmico o microensino o telensino a instrução programada as máquinas de ensinar etc Daí também o parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções postulandose a introdução no sistema de ensino de técnicos dos mais di ferentes matizes Daí enfim a padronização do sistema de ensino a partir ESCOLA E DEMOCRACIA I I de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era ao mesmo tempo o sujeito do processo o elemento decisivo e decisório e se na pedagogia nova a iniciativa deslocase para o aluno situandose o nervo da ação educativa na relação professoraluno portanto relação interpessoal intersubjetiva na pedagogia tecnicista o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios ocupando o professor e o aluno posição secundária relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção planejamento coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados neutros objetivos imparciais A organização do processo convertese na garantia da eficiência compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção Cumpre notar que embora a pedagogia nova também dê grande im portância aos meios há porém uma diferença fundamental enquanto na pedagogia nova os meios são dispostos em função da relação professoraluno estando pois a serviço dessa relação na pedagogia tecnicista a situação invertese Enquanto na pedagogia nova são os professores e alunos que decidem se utilizam ou não determinados meios bem como quando e como o farão na pedagogia tecnicista dirseia que é o processo que define o que pro fessores e alunos devem fazer e assim também quando e como o farão Compreendese então que para a pedagogia tecnicista a marginalidade não será identificada com a ignorância nem será detectada a partir do senti mento de rejeição Marginalizado será o incompetente no sentido técnico da palavra isto é o ineficiente e improdutivo A educação estará contri buindo para superar o problema da marginalidade na medida em que formar indivíduos eficientes isto é aptos a dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade da sociedade Assim estará ela cumprindo sua função de equalização social Nesse contexto teórico a equalização social é identificada com o equilíbrio do sistema no sentido do enfoque sistêmico A marginalidade isto é a ineficiência e improdutividade constituise numa ameaça à estabilidade do sistema Como este comporta múltiplas funções às quais correspondem determinadas ocupações e como essas diferentes funções são interdependentes de tal modo que a ineficiência no desem penho de uma delas afeta as demais e em conseqüência todo o sistema 12 DERMEVAL SAVIANI cabe à educação proporcionar um eficiente treinamento para a execução das múltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social A educação será concebida pois como um subsistema cujo funcionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte Sua base de sustentação teórica deslocase para a psicologia behaviorista a engenharia comportamental a ergonomia informática cibernética que têm em comum a inspiração filosófica neopositivista e o método funcionalista Do ponto de vista pedagógico concluise que se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender e para a pedagogia nova aprender a aprender para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer À teoria pedagógica acima exposta corresponde uma reorganização das escolas que passam por um crescente processo de burocratização Com efeito acreditavase que o processo se racionalizava na medida em que se agisse planificadamente Para tanto era mister baixar instruções minuciosas sobre como proceder com vistas a que os diferentes agentes cumprissem cada qual as tarefas específicas acometidas a cada um no amplo espectro em que se fragmentou o ato pedagógico O controle seria feito basicamente pelo preenchimento de formulários O magistério passou então a ser submetido a um pesado e sufocante ritual com resultados visivelmente negativos Na verdade a pedagogia tecnicista ao ensaiar transpor para a escola a forma de funcionamento do sistema fabril perdeu de vista a especificidade da educação ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e por meio de complexas mediações Além do mais na prática educativa a orientação tecnicista cruzou com as condições tradicio nais predominantes nas escolas bem como com a influência da pedagogia nova que exerceu poderoso atrativo sobre os educadores Nessas condições a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo gerando tal nível de descontinuidade de heterogeneidade e de fragmentação que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico Com isso o problema da marginalidade só tendeu a se agravar o conteúdo do ensino tornouse ainda mais rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornouse irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência A situação descrita afetou particularmente a América Latina já que desviou das atividadesfim para as atividadesmeio parcela considerável dos recursos sabidamente escassos destinados à educação Sabese ainda que boa parte dos programas internacionais de implantação de tecnologias de ESCOLA E DEMOCRACIA 13 ensino nesses países tinham por detrás outros interesses como por exemplo a venda de artefatos tecnológicos obsoletos aos países subdesenvolvidos cf Mattelart 1976 e sd 3 AS TEORIAS CRÍTICOREPRODUTIVISTAS Como já assinalei o primeiro grupo de teorias concebe a marginalidade como um desvio tendo a educação por função a correção desse desvio A marginalidade é vista como um problema social e a educação que dispõe de autonomia em relação à sociedade estaria por esta razão capacitada a intervir eficazmente na sociedade transformandoa tornandoa melhor corrigindo as injustiças em suma promovendo a equalização social Essas teorias consideram pois apenas a ação da educação sobre a sociedade Porque desconhecem as determinações sociais do fenômeno educativo eu as denominei de teorias nãocríticas Inversamente as teorias do segundo grupo que passarei a examinar são críticas uma vez que postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos seus condicionantes sociais Há pois nessas teorias uma cabal percepção da dependência da educação em relação à sociedade Entretanto como na análise que desen volvem chegam invariavelmente à conclusão de que a função própria da educação consiste na reprodução da sociedade em que ela se insere bem merecem a denominação de teorias críticoreprodutivistas Tais teorias contam com um razoável número de representantes e manifestamse em diferentes versões Há por exemplo os chamados radicais americanos cujos principais representantes são Bowles e Gintis com o livro Schooling in Capitalist America 1976 que podem ser classificados nesse grupo de teorias Tais autores consideram que a escola tinha nas origens uma função equalizadora mas que atualmente se torna cada vez mais discriminadora e repressiva Todas as reformas escolares fracassaram tornando cada vez mais evidente o papel que a escola desempenha reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de produção capitalista Em que pesem as diferentes manifestações considero que no âmbito desse grupo as teorias que tiveram maior repercussão e que alcançaram um maior nível de elaboração são as seguintes 14 DERMEVAL SAVIANI a teoria do sistema de ensino como violência simbólica b teoria da escola como aparelho ideológico de Estado AIE c teoria da escola dualista A seguir comentarei brevemente cada uma delas 31 Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica Esta teoria está desenvolvida na obra A Reprodução elementos para uma teoria do sistema de ensino de p Bourdieu e J C Passeron 1975 A obra é constituída de dois livros No livro I Fundamentos de uma teoria da violência simbólica a teoria é sistematizada num corpo de proposições logicamente articuladas segundo um esquema analíticodedutivo O livro II expõe os resultados de uma pesquisa empírica levada a cabo pelos autores no sistema escolar francês em um de seus segmentos qual seja a Faculdade de Letras Como as análises do livro II podem ser consideradas como aplicações a um caso historicamente determinado dos princípios gerais enunciados no livro I ainda que tenham servido ao mesmo tempo como ponto de partida para a construção dos princípios do livro I minha exposição se limitará ao conteúdo do livro I O arcabouço do livro I constitui mais do que uma sociologia da educa ção uma sóciológica da educação Isto porque não se trata de uma análise da educação como fato social mas da explicitação das condições lógicas de possibilidade de toda e qualquer educação para toda e qualquer sociedade de toda e qualquer época ou lugar Tratase de uma teoria axiomática que se desdobra dedutivamente dos princípios universais para os enunciados analíticos de suas conseqüências particulares Por isso cada grupo de pro posições começa sempre por um enunciado universal todo poder de vio lência simbólica toda ação pedagógica etc e termina por uma aplicação particular expressa pela fórmula uma formação social determinada Vale notar que no intuito de preservar a validade universal da teoria os autores têm o cuidado de utilizar sempre a expressão grupos ou classes jamais se referindo apenas às classes simplesmente o que indica que a validade da teoria não pretende se circunscrever apenas às sociedades de classes mas se estende também às sociedades sem classes que porventura tenham existido ou venham a existir Em suma o axioma fundamental proposição ESCOLA E DEMOCRACIA 15 zero que enuncia a teoria geral da violência simbólica aplicase ao siste ma de ensino que é definido como uma modalidade específica de violência simbólica proposições de grau 4 por meio de proposições intermediárias que tratam sucessivamente da ação pedagógica proposições de grau 1 da autoridade pedagógica proposições de grau 2 e do trabalho pedagógico proposições de grau 3 Por que violência simbólica Os autores tomam como ponto de partida que toda e qualquer sociedade estruturase como um sistema de relações de força material entre grupos ou classes Sobre a base da força material e sob sua determinação erigese um sistema de relações de força simbólica cujo papel é reforçar por dissimulação as relações de força material É essa a idéia central contida no axioma fundamental da teoria Senão vejamos o seu enunciado Todo poder de violência simbólica isto é todo poder que chega a impor significações e a impôlas como legítimas dissimulando as relações de força que estão na base de sua força acrescenta sua própria força isto é propriamente simbólica a essas relações de força Bourdieu Passeron 1975 p 19 Vêse que o reforço da violência material se dá pela sua conversão ao pla no simbólico em que se produz e reproduz o reconhecimento da dominação e de sua legitimidade pelo desconhecimento dissimulação de seu caráter de violência explícita Assim à violência material dominação econômica exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre os grupos ou classes dominados corresponde a violência simbólica dominação cultural A violência simbólica manifestase de múltiplas formas formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa jornais etc prega ção religiosa atividade artística e literária propaganda e moda educação familiar etc No entanto na obra em questão o objetivo de Bourdieu e Passeron é a ação pedagógica institucionalizada isto é o sistema escolar Daí o subtítulo da obra elementos para uma teoria do sistema de ensino Para isso partindo como já disse da teoria geral da violência simbólica buscam explicitar a ação pedagógica AP como imposição arbitrária da cultura também arbitrária dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados Essa imposição para se exercer implica necessariamente a autoridade pedagógica AuP isto é um poder arbitrário de imposição que só pelo fato de ser desconhecido como tal se encontra objetivamente reconhecido como autoridade legítima idem p 27 16 DERMEVAL SAVIANI A referida ação pedagógica que se exerce pela autoridade pedagógica AuP realizase pelo trabalho pedagógico TP entendido como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável isto é um habitus como produto da interiorização dos prin cípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuarse após a cessação da ação pedagógica AP e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado idem p 44 Para a compreensão do sistema de ensino é de fundamental importância a distinção entre trabalho pedagógico TP primário educação familiar e trabalho pedagógico secundário cuja forma institucionalizada é o trabalho escolar TE Como os autores indicam no escolio da proposição 1 reservouse a seu momento lógico proposições de grau 4 a especificação das formas e dos efeitos de uma ação pedagógica que se exerce no quadro de uma instituição escolar é somente na última proposição 43 que se encontra caracterizada expressamente a AP escolar que reproduz a cultura dominante contribuindo desse modo para reproduzir a estrutura das relações de força numa formação social onde o sistema de ensino dominante tende a assegurarse do monopólio da violência simbólica legítima idem pp 2021 A proposição 43 sintetiza de modo exaustivo o conjunto da teoria do sistema de ensino como violência simbólica Vale a pena então apesar de sua extensão transcrevêla integralmente Numa formação social determinada o SE sistema de ensino dominante pode constituir o TP dominante como TE sem que os que o exercem como os que a ele se submetem cessem de desconhecer sua dependência relativa às rela ções de força constitutivas da formação social em que ele se exerce porque ele produz e reproduz pelos meios próprios da instituição as condições necessárias ao exercício de sua função interna de inculcação que são ao mesmo tempo as condições suficientes da realização de sua função externa de reprodução da cultura legítima e de sua contribuição correlativa à reprodução das relações de força e porque só pelo fato de que existe e subsiste como instituição ele ESCOLA E DEMOCRACIA 17 implica as condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que exerce isto é porque os meios institucionais dos quais dispõe enquanto ins tituição relativamente autônoma detentora do monopólio do exercício legítimo da violência simbólica estão predispostos a servir também sob a aparência da neutralidade os grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbitrário cultural dependência pela independência idem p 75 Portanto a teoria não deixa margem a dúvidas A função da educação é a de reprodução das desigualdades sociais Pela reprodução cultural ela contribui especificamente para a reprodução social Como interpretar nesse quadro o fenômeno da marginalidade De acordo com essa teoria marginalizados são os grupos ou classes dominados Marginalizados socialmente porque não possuem força material capital econômico e marginalizados culturalmente porque não possuem força sim bólica capital cultural E a educação longe de ser um fator de superação da marginalidade constitui um elemento reforçador da mesma Eis a função logicamente necessária da educação Não há outra al ternativa Toda tentativa de utilizála como instrumento de superação da marginalidade não é apenas uma ilusão É a forma pela qual ela dissimula e por isso cumpre eficazmente a sua função de marginalização Todos os esforços ainda que oriundos dos grupos ou classes dominados reverte sempre no reforço dos interesses dominantes É pela mediação desse efeito de dominação da AP dominante que as dife rentes AP que se exercem nos diferentes grupos ou classes colaboram objetiva e indiretamente na dominação das classes dominantes inculcação pelas AP dominadas de conhecimentos ou de maneiras dos quais a AP dominante define o valor sobre o mercado econômico ou simbólico idem p 22 Eis por que Snyders resumiu sua crítica a essa teoria na seguinte frase BourdieuPasseron ou a luta de classes impossível Snyders 1977 p 287 De fato à luz da teoria da violência simbólica a classe dominante exerce um poder de tal modo absoluto que se torna inviável qualquer reação por parte da classe dominada A luta de classes resulta pois impossível 18 DERMEVAL SAVIANI 32 Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado AIE Ao analisar a reprodução das condições de produção que implica a reprodução das forças produtivas e das relações de produção existentes Althusser é levado a distinguir no Estado os Aparelhos Repressivos de Estado o governo a administração o exército a polícia os tribunais as prisões etc e os Aparelhos Ideológicos de Estado AIE que ele enumera provisoriamente da seguinte forma AIE religioso o sistema das diferentes Igrejas AIE escolar o sistema das diferentes escolas públicas e particulares AIE familiar AIE jurídico AIE político o sistema político de que fazem parte os diferentes parti dos AIE sindical AIE da informação imprensa rádiotelevisão etc AIE cultural Letras BelasArtes desportos etc Althusser sd pp 4344 A distinção entre ambos assenta no fato de que o Aparelho Repressivo de Estado funciona massivamente pela violência e secundariamente pela ideologia enquanto inversamente os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam massivamente pela ideologia e secundariamente pela repressão idem pp 4647 O conceito Aparelho Ideológico de Estado deriva da tese segundo a qual a ideologia tem uma existência material Isto significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por instituições materiais idem pp 8889 Em suma a ideologia materializase em aparelhos os aparelhos ideoló gicos de Estado A partir desses instrumentos conceituais Althusser idem p 60 avança a tese segundo a qual o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras após uma violenta luta de classes política ESCOLA E DEMOCRACIA 19 e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante é o Aparelho Ideológico Escolar Como AIE dominante vale dizer que a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista Para isso ela toma a si todas as crianças de todas as classes sociais e inculcalhes durante anos a fio de audiência obrigatória saberes práticos envolvidos na ideologia dominante idem p 64 Uma grande parte operários e camponeses cumpre a escolaridade bá sica e é introduzida no processo produtivo Outros avançam no processo de escolarização mas acabam por interrompêlo passando a integrar os quadros médios os pequenoburgueses de toda a espécie idem p 65 Uma pequena parte enfim atinge o vértice da pirâmide escolar Estes vão ocupar os postos próprios dos agentes da exploração no sistema pro dutivo dos agentes da repressão nos Aparelhos Repressivos de Estado e dos profissionais da ideologia nos Aparelhos Ideológicos de Estado idem ibidem Em todos os casos tratase de reproduzir as relações de exploração capitalista Nas palavras de Althusser idem p 66 é através da aprendizagem de alguns saberes práticos savoirfaire envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista isto é as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados Nesse contexto como se coloca o problema da marginalidade O fenô meno da marginalidade inscrevese no próprio seio das relações de produção capitalista que se funda na expropriação dos trabalhadores pelos capitalistas Marginalizada é pois a classe trabalhadora O AIE escolar em lugar de instrumento de equalização social constitui um mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses Se as teorias do primeiro grupo por isso elas bem merecem ser chamadas de nãocríticas desconhe cem essas determinações objetivas e imaginam que a escola possa cumprir o papel de correção da marginalidade isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teorias são ideológicas isto é dissimulam para reproduzilas as condições de marginalidade em que vivem as camadas trabalhadoras 20 DERMEVAL SAVIANI No entanto diferentemente de Bourdieu e Passeron Althusser idem p 49 não nega a luta de classes Ao contrário chega mesmo a afirmar que os AIE podem ser não só o alvo mas também o local da luta de classes e por vezes de formas renhidas da luta de classes Entretanto quando descreve o funcionamento do AIE escolar a luta de classes fica praticamente diluída tal o peso que adquire aí a dominação burguesa Eu diria então que a luta de classes resulta nesse caso heróica mas inglória já que sem nenhuma chance de êxito O parágrafo um tanto longo que me permito transcrever fundamenta essa conclusão Peço desculpas aos professores que em condições terríveis tentam voltar contra a ideologia contra o sistema e contra as práticas em que este os encerra as armas que podem encontrar na história e no saber que ensinam Em certa medida são heróis Mas são raros e quantos a maioria não têm sequer um vislumbre de dúvida quanto ao trabalho que o sistema que os ultrapassa e esmaga os obriga a fazer pior dedicamse inteiramente e em toda a consciên cia à realização desse trabalho os famosos métodos novos Têm tão poucas dúvidas que contribuem até pelo seu devotamente a manter e a alimentar a representação ideológica da Escola que a torna hoje tão natural indispensável útil e até benfazeja aos nossos contemporâneos quanto a Igreja era natural indispensável e generosa para os nossos antepassados de há séculos idem pp 6768 33 Teoria da Escola Dualista Essa teoria foi elaborada por C Baudelot e R Establet e exposta no livro LÉcole Capitaliste en France 1971 Chamo de teoria da escola dualista porque os autores se empenham em mostrar que a escola em que pese a aparência unitária e unificadora é uma escola dividida em duas e não mais do que duas grandes redes as quais correspondem à divisão da sociedade capitalista em duas classes fundamentais a burguesia e o proletariado Os autores procedem de modo didático enunciando preliminarmente as teses básicas que sucessivamente passam a demonstrar Assim na primeira parte após dissipar as ilusões da unidade da escola formulam seis proposi ções fundamentais que passarão a demonstrar ao longo da obra ESCOLA E DEMOCRACIA 21 1 Existe uma rede de escolarização que chamaremos rede secundária superior rede SS 2 Existe uma rede de escolarização que chamaremos rede primária profissional rede PP 3 Não existe terceira rede 4 Estas duas redes constituem pelas relações que as definem o aparelho escolar capitalista Este aparelho é um aparelho ideológico do Estado capitalista 5 Enquanto tal este aparelho contribui pela parte que lhe cabe a reproduzir as relações de produção capitalistas quer dizer em definitivo a divisão da sociedade em classes em proveito da classe dominante 6 È a divisão da sociedade em classes antagonistas que explica em última instância não somente a existência das duas redes mas ainda o que as define como tais os mecanismos de seu funcionamento suas causas e seus efeitos Baudelot Establet 1971 p 42 Por meio de minuciosa análise estatística os autores empenhamse em demonstrar na segunda parte as três primeiras proposições isto é a exis tência de apenas duas redes de escolarização as redes PP e SS A quarta proposição é objeto das terceira e quarta partes na terceira parte procura se pôr em evidência que é a mesma ideologia dominante que é imposta a todos os alunos sob formas necessariamente incompatíveis na quarta parte demonstrase que a divisão em duas redes atravessa o aparelho escolar em seu conjunto portanto desde a escola primária contrariamente às aparências de unidade da escola primária Mais do que isso afirmam os autores que é na escola primária que o essencial de tudo o que concerne ao aparelho escolar capitalista se realiza Finalmente a quinta parte é dedicada à demonstração das duas últimas proposições evidenciando então que o aparelho escolar com suas duas redes opostas contribui para reproduzir as relações sociais de produção capitalista idem p 47 Importa reter que nesta teoria é retomado o conceito de Althusser Aparelho Ideológico de Estado definindose o aparelho escolar como unidade contraditória de duas redes de escolarização idem p 281 Como aparelho ideológico a escola cumpre duas funções básicas contribui para a formação da força de trabalho e para a inculcação da ide ologia burguesa Cumpre assinalar porém que não se trata de duas funções 22 DERMEVAL SAVIANI separadas Pelo mecanismo das práticas escolares a formação da força de trabalho dáse no próprio processo de inculcação ideológica Mais do que isso todas as práticas escolares ainda que contenham elementos que im plicam um saber objetivo e não poderia deixar de conter já que sem isso a escola não contribuiria para a reprodução das relações de produção são práticas de inculcação ideológica A escola é pois um aparelho ideológico isto é o aspecto ideológico é dominante e comanda o funcionamento do aparelho escolar em seu conjunto Conseqüentemente a função precípua da escola é a inculcação da ideologia burguesa Isto é feito de duas formas concomitantes em primeiro lugar a inculcação explícita da ideologia burguesa em segundo lugar o recalcamento a sujeição e o disfarce da ideologia proletária Vêse assim a especificidade dessa teoria Ela admite a existência da ideologia do proletariado Considera porém que tal ideologia tem origem e existência fora da escola isto é nas massas operárias e em suas organizações A escola é um aparelho ideológico da burguesia e a serviço de seus interesses O parágrafo abaixo transcrito é extremamente esclarecedor a respeito A contradição principal existe brutalmente fora da escola sob a forma de uma luta que opõe a burguesia ao proletariado ela se trava nas relações de produção que são relações de exploração Como aparelho ideológico de Estado a escola é um instrumento da luta de classes ideológica do Estado burguês onde o Estado burguês persegue objetivos exteriores à escola ela não é senão um instrumento destinado a esses fins A luta ideológica conduzida pelo Estado burguês na escola visa à ideologia proletária que existe fora da escola nas massas operárias e suas organizações A ideologia proletária não está presente em pessoa na escola mas apenas sob a forma de alguns de seus efeitos que se apresentam como resistências entretanto inclusive por meio dessas resistências é ela própria que é visada no horizonte pelas práticas de inculcação ideológica burguesa e pequenoburguesa idem p 280 No quadro da teoria da escola dualista o papel da escola não é então o de simplesmente reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida social mente Considerandose que o proletariado dispõe de uma força autônoma e forja na prática da luta de classes suas próprias organizações e sua própria ideologia a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia ESCOLA E DEMOCRACIA 23 do proletariado e a luta revolucionária Para isso ela é organizada pela bur guesia como um aparelho separado da produção Conseqüentemente não cabe dizer que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual Cabe isto sim dizer que ela qualifica o trabalho intelec tual e desqualifica o trabalho manual sujeitando o proletariado à ideologia burguesa sob um disfarce pequenoburguês Assim podese concluir que a escola é ao mesmo tempo um fator de marginalização relativamente à cultura burguesa assim como em relação à cultura proletária Em face da cultura burguesa pelo fato de inculcar à massa de operários que tem acesso à rede PP apenas os subprodutos da própria cultura burguesa Em relação à cultura proletária pelo fato de recalcála forçando os operários a representarem sua condição nas categorias da ideologia burguesa Conseqüentemente a escola longe de ser um instrumento de equalização social é duplamente um fator de marginalização converte os trabalhadores em marginais não apenas por referência à cultura burguesa mas também em relação ao próprio movimento proletário buscando arrancar do seio desse movimento colocar à margem dele todos aqueles que ingressam no sistema de ensino Podese concluir que se Baudelot e Establet se empenham em compre ender a escola no quadro da luta de classes eles não a encaram porém como palco e alvo da luta de classes Com efeito entendem que a escola vista como aparelho ideológico é um instrumento da burguesia na luta ideológica contra o proletariado A possibilidade de que a escola se constitua num instrumento de luta do proletariado fica descartada Uma vez que a ideologia proletária adquire sua forma acabada no seio das massas e organizações operárias não se cogita de utilizar a escola como meio de elaborar e difundir a referida ideologia Se o proletariado se revela capaz de elaborar independentemente da escola sua própria ideologia de um modo tão consistente quanto o faz a burguesia com o auxílio da escola então por referência ao aparelho escolar a luta de classes revelase inútil Eis por que Snyders 1977 pp 338344 resume sua crítica à teoria da escola dualista com a expressão Baudelot Establet ou a luta de classe inútil Ao terminar esse rápido esboço relativo às teorias críticoreprodutivistas cumpre assinalar que obviamente tais teorias não deixaram de exercer in fluência na América Latina tendo alimentado ao longo da década de 1970 uma razoável quantidade de estudos críticos sobre o sistema de ensino Se tais estudos tiveram o mérito de pôr em evidência o comprometimento da 24 DERMEVAL SAVIANI educação com os interesses dominantes também é certo que contribuíram para disseminar entre os educadores um clima de pessimismo e de desânimo que evidentemente só poderia tornar ainda mais remota a possibilidade de articular os sistemas de ensino com os esforços de superação do problema da marginalidade nos países da região 4 PARA UMA TEORIA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO O leitor terá notado que quando me referi às teorias nãocríticas após expor brevemente o conteúdo de cada uma procurei mostrar a forma de organização e funcionamento da escola decorrente da proposta pedagógica veiculada pela teoria Já em relação às teorias críticoreprodutivas isto não foi feito Na verdade essas teorias não contêm uma proposta pedagógica Elas empenhamse tãosomente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como está constituída Em outros termos pelo seu caráter repro dutivista estas teorias consideram que a escola não poderia ser diferente do que é Empenhamse pois em mostrar a necessidade lógica social e histórica da escola existente na sociedade capitalista pondo em evidência aquilo que ela desconhece e mascara seus determinantes materiais Em relação à questão da marginalidade ficamos com o seguinte resul tado enquanto as teorias nãocríticas pretendem ingenuamente resolver o problema da marginalidade por meio da escola sem jamais conseguir êxito as teorias críticoreprodutivistas explicam a razão do suposto fra casso Segundo a concepção críticoreprodutivista o aparente fracasso é na verdade o êxito da escola aquilo que se julga ser uma disfunção é antes a função própria da escola Com efeito sendo um instrumento de reprodução das relações de produção a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a dominação e exploração Daí seu caráter segregador e marginalizador Daí sua natureza seletiva A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência Em ambos os casos a história é sacrificada No primeiro caso sacrificase a história na idéia em cuja harmonia se pretende anular as contradições do real No segundo caso a história é sacrificada na reificação da estrutura social em que as contradições ficam aprisionadas ESCOLA E DEMOCRACIA 25 O problema permanece em aberto E pode ser recolocado nos seguintes termos é possível encarar a escola como uma realidade histórica isto é suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação humana Evite mos escorregar para uma posição idealista e voluntarista Retenhamos da concepção críticoreprodutivista a importante lição que nos trouxe a escola é determinada socialmente a sociedade em que vivemos fundada no modo de produção capitalista é dividida em classes com interesses opostos por tanto a escola sofre a determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade Considerandose que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola ela está empenhada na preservação de seu domínio portanto apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação seguese que uma teoria crítica que não seja reprodutivista só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados O nosso problema pode então ser enunciado da seguinte maneira é possível articular a escola com os interesses dos dominados Da perspectiva do tema deste artigo a questão recebe a seguinte formulação é possível uma teoria da educação que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da marginalidade Limitome aqui a afirmar a possibilidade dessa teoria já que escapa aos objetivos desse artigo o desenvolvimento da mesma Uma teoria do tipo acima enunciado impõese a tarefa de superar tanto o poder ilusório que caracteriza as teorias nãocríticas como a impotência decorrente das teorias críticoreprodutivistas colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitirlhes o exercício de um poder real ainda que limitado No entanto o caminho é repleto de armadilhas já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com os anseios da classe dominada Para evitar esse risco é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalista É nessa direção que começa a se desenvolver um promissor esforço de elaboração teórica O leitor encontrará um esboço dessa teoria no texto Escola e Democracia II para além da teoria da curvatura da vara neste livro Do ponto de vista prático tratase de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade a discriminação e o rebaixamento do ensino das ca 26 DERMEVAL SAVIANI madas populares Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajarse no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes 5 POSTSCRIPTUM Os leitores certamente terão estranhado que ao longo de um texto versando sobre as teorias da educação e o problema da marginalidade não apareceu uma palavra sequer sobre teoria da educação compensatória Tal estranheza parece procedente já que se há alguma proposta educativa intimamente ligada à questão da marginalidade esta é a chamada educação compensatória Com efeito não é exatamente a situação de marginalidade vivida pelas assim chamadas crianças carentes que constitui a razão de ser da educação compensatória Não é a educação compensatória a estratégia acionada para superar o problema da marginalidade na medida em que propõe nivelar as precondições de aprendizagem pela via da compensação das desvantagens das crianças carentes Entretanto devo dizer que não considero a educação compensatória uma teoria educacional seja no sentido de uma interpretação do fenômeno educativo que acarreta determinada proposta pedagógica como é o caso das teorias nãocríticas seja no sentido de explicitar os mecanismos que regem a organização e funcionamento da educação explicando em conseqüência as suas funções como é o caso das teorias críticoreprodutivistas seja ainda no sentido de um esforço para equacionar pela via da compreensão teórica a questão prática da contribuição específica da educação no processo de transformação estrutural da sociedade como será o caso de uma teoria crítica da educação A meu ver a educação compensatória configura uma resposta não crítica às dificuldades educacionais postas em evidência pelas teorias crítico reprodutivistas Assim uma vez que se acumulavam as evidências de que o fracasso escolar incidindo predominantemente sobre os alunos socioecono micamente desfavorecidos se devia a fatores externos ao funcionamento da ESCOLA E DEMOCRACIA 27 escola tratavase então de agir sobre esses fatores Educação compensatória significa pois o seguinte a função básica da educação continua sendo in terpretada em termos da equalização social Entretanto para que a escola cumpra sua função equalizadora é necessário compensar as deficiências cuja persistência acaba sistematicamente por neutralizar a eficácia da ação pedagógica Vêse que não se formula uma nova interpretação da ação peda gógica Esta continua sendo entendida em termos da pedagogia tradicional da pedagogia nova ou da pedagogia tecnicista encaradas de forma isolada ou de forma combinada O caráter de compensação de deficiências prévias ao processo de esco larização permitenos compreender a estreita ligação entre educação com pensatória e préescola Daí porque a educação compensatória compreende um conjunto de programas destinados a compensar deficiências de diferentes ordens de saúde e nutrição familiares emotivas cognitivas motoras lin güísticas etc Tais programas acabam colocando sob a responsabilidade da educação uma série de problemas que não são especificamente educacionais o que significa na verdade a persistência da crença ingênua no poder re dentor da educação em relação à sociedade Assim se a educação se revelou incapaz de redimir a humanidade por meio da ação pedagógica não se trata de reconhecer seus limites mas alargálos atribuise à educação um conjunto de papéis que no limite abarcam as diferentes modalidades de política social A conseqüência é a pulverização de esforços e de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista propriamente educacional Essas constatações levaramme à conclusão de que a própria expressão educação compensatória coloca o problema em termos invertidos isto é o termo que aparece como substantivo deveria ser o adjetivo e viceversa Portanto se se quer compensar as carências que caracterizariam a situação de marginalidade das crianças das camadas populares é preciso considerar que há diferentes modalidades de compensação compensação alimentar compensação sanitária compensação afetiva compensação familiar etc Nesse quadro constatada a existência de deficiências especificamente educacionais caberia falar não em educação compensatória atribuindose à educação a responsabilidade de compensar todo tipo de deficiência mas em compensação educacional E aqui fica finalmente evidenciada a não autonomia teórica da educação compensatória uma vez que a exigência de tratamento diferenciado de respeito às diferenças individuais e aos diferentes 28 DERMEVAL SAVIANI ritmos de aprendizagem bem como a ênfase na diversificação metodológica e técnica no sentido de suprir as carências dos educandos são preocupações próprias do tipo de teoria denominada neste texto de pedagogia nova No contexto da América Latina a tendência atualmente em curso freqüentemente reforçada pelo patrocínio de organismos internacionais de difusão da educação compensatória com a conseqüente valorização da préescola entendida como mecanismo de solução do problema do fracas so escolar das crianças das camadas trabalhadoras no ensino de primeiro grau deve ser submetida à crítica Com efeito tal tendência acaba por se configurar numa nova forma de contornar o problema em lugar de atacálo de frente Exemplo eloqüente desse desvio é o caso da cidade de São Paulo onde após dez anos de merenda escolar os índices de fracasso escolar na passagem da primeira para a segunda série do primeiro grau em lugar de diminuir aumentaram1 em 6 Cumpre não tergiversar Não se trata de negar a importância dos diferen tes programas de ação compensatória Considerálos porém como programas educativos implica um afastamento ainda maior em lugar da aproximação que se faz necessária em direção à compreensão da natureza específica do fenômeno educativo 1 Depoimento da secretária de Educação do município de São Paulo em 1983 Capítulo 2 Escola e democracia I A teoria da Curvatura da Vara tema desta exposição1 é a abordagem política do funcionamento interno da escola de 1º grau Pareceme à primeira vista que poderíamos fazê lo de duas maneiras abordarmos a questão da organização da escola de lº grau e aí então colocaríamos ênfase nas atividades meio focalizando o papel do diretor suas relações com os técnicos intermediários orientadores supervisores assim por diante chegando em seguida ao professor e aos alunos Neste caso o enfoque estaria nas atividades meio ou seja na organização A outra forma de abordar seria enfatizar as atividadesfim e nesse sentido examinar mais propriamente como se desenvolve o ensino que finalidades ele busca atingir que procedimentos ele adota para atingir suas finalidades em que medida existe coe 1 Exposição oral apresentada no Simpósio Abordagem Política do Funcionamento Interno da Escola de 1º Grau 1ª Conferência Brasileira de Educação São Paulo 3131980 30 DERMEVAL SAVIANI rência entre finalidades e procedimentos Bem é melhor me preocupar com as atividadesfim e deixar à margem a questão da organização da escola de lº grau Enfatizarei justamente a problemática do ensino que se desenvolve no interior da escola de 1º grau pensando que funções políticas esse ensino desempenha Já que a abordagem é política vou logo me colocar no coração do político Nesse sentido farei uma exposição centrada em três teses Enunciarei para vocês as três teses que vou apenas comentar rapidamente em seguida extrairei delas algumas conseqüências para a educação brasileira e comple mentarei com um apêndice Para retirar o suspense sobre a forma da minha exposição eu já antecipo quais são as teses e também qual é o apêndice Vejam bem todas elas são teses políticas no entanto a primeira por ser mais geral eu a considero uma tese filosóficohistórica Poderíamos enunciála da seguinte maneira do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência Uma segunda tese que se articula com essa é uma tese que eu chamaria pedagógicometodológica e a enuncio assim do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos Vejam então que estou me colocando diretamente no coração do po lítico Estou enunciando teses isso significa posições e posições polêmicas Dessas duas teses eu obtenho uma terceira que portanto opera como uma conclusão das duas primeiras As duas primeiras funcionam como premissas para extrair uma terceira tese conclusiva especificamente política de política educacional Eu a enuncio da seguinte maneira de como quando mais se falou em democracia no interior da escola menos democrática foi a escola e de como quando menos se falou em democracia mais a escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Bem essa terceira tese é derivada das duas primeiras Em seguida exa minaremos as conseqüências disso na educação brasileira e por último farei referência a um apêndice Nesse apêndice farei uma pequena consideração sobre a teoria da curvatura da vara Eu não sei se a teoria da curvatura da vara é conhecida Conforme Althusser 1977 pp 136138 ela foi enunciada por Lênin ao ser criticado por assumir posições extremistas e radicais Lênin responde o seguinte quando a vara está torta ela fica curva de um lado e se você quiser endireitála não basta colocála na posição correta É preciso curvála para o lado oposto ESCOLA E DEMOCRACIA 31 Com essa teoria da curvatura da vara compietarei minha exposição A impossibilidade de desenvolver todas as teses acima colocadas faz com que eu apenas as enuncie para em seguida mencionar algumas conseqüên cias e a partir delas provocar um debate e mais do que isso deixálas para serem exploradas mais profundamente em outros trabalhos Entre parênteses eu acrescentaria apenas que essas teses derivam de uma reflexão relativamente amadurecida que venho desenvolvendo há algum tempo Alguma coisa já expus em textos ou palestras Quanto à primeira tese do caráter revolucionário da pedagogia da es sência e do caráter reacionário da pedagogia da existência o que eu quero dizer com isso é basicamente o seguinte nós estamos hoje no âmbito da política educacional e no âmbito do interior da escola na verdade nos digladiando com duas posições antitéticas que geralmente são traduzidas em termos do novo e do velho da pedagogia nova e da pedagogia tradicional Essa pedagogia tradicional é uma pedagogia que se funda numa concep ção filosófica essencialista ao passo que a pedagogia nova se funda numa concepção filosófica que privilegia a existência sobre a essência O que isso significa do ponto de vista históricofilosófico 1 0 HOMEM LIVRE Se nós voltarmos à antigüidade grega vamos verificar que em verdade a filosofia da essência não implicava maiores problemas lá e a pedagogia que decorria dessa filosofia por sua vez não implicava problemas políticos muito sérios na medida em que o homem o ser humano era identificado com o homem livre o escravo não era considerado ser humano conseqüentemente a essência humana só era realizada nos homens livres Então o problema do escravismo sobre o qual se assentava a produção da sociedade grega fica des cartado e nem era um problema do ponto de vista filosóficopedagógico Durante a Idade Média essa concepção essencialista recebe uma ino vação que diz respeito justamente à articulação da essência humana com a criação divina portanto ao serem criados os homens segundo uma essên cia predeterminada também já seus destinos eram definidos previamente conseqüentemente a diferenciação da sociedade entre senhores e servos já 32 DERMEVAL SAVIANI estava marcada pela própria concepção que se tinha da essência humana Então a essência humana justificava as diferenças Ora coisa diversa vem a ocorrer na época moderna com a ruptura do modo de produção feudal e a gestação do modo de produção capitalista Nesse momento a burguesia classe em ascensão vai se manifestar como uma classe revolucionária e enquanto classe revolucionária vai advogar a filosofia da essência como um suporte para a defesa da igualdade dos homens como um todo e é justamente a partir daí que ela aciona as críticas à nobreza e ao clero Em outros termos a dominação da nobreza e do clero era uma dominação nãonatural nãoessencial mas social e acidental portanto histórica Vejam que toda postura revolucionária é uma postura essencialmente histórica é uma postura que se coloca na direção do desenvolvimento da história Naquele momento a burguesia colocavase na direção do desenvolvimento da história e seus interesses coincidiam com os interesses do novo com os interesses da transformação e é nesse sentido que a filosofia da essência que vai ter depois como conseqüência a pedagogia da essência vai fazer uma defesa intransigente da igualdade essencial dos homens Sobre essa base da igualdade dos homens de todos os homens é que se funda então a liberdade e é sobre justamente a liberdade que se vai postular a reforma da socie dade Lembremse de passagem de Rousseau O que defendia Rousseau Que tudo é bom enquanto sai do autor das coisas Tudo degenera quando passa às mãos dos homens Em outros termos a natureza é justa é boa e no âmbito natural a igualdade está preservada As desigualdades vejam o Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens são geradas pela sociedade Esse raciocínio não significa outra coisa senão colocar diante da nobreza e do clero a idéia de que as diferenças os privilégios de que eles usufruíam não eram naturais e muito menos divinos mas eram sociais E enquanto diferenças sociais configuravam injustiça enquanto injustiça não poderiam continuar existindo Logo aquela sociedade fundada em senhores e servos não poderia persistir Ela teria que ser substituída por uma sociedade igualitária É nesse sentido então que a burguesia vai reformar a sociedade substituindo uma sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual Vejam como é que se tece todo o raciocínio Os homens são essencialmen te livres essa liberdade fundase na igualdade natural ou melhor essencial dos homens e se eles são livres então podem dispor de sua liberdade e na ESCOLA E DEMOCRACIA 33 relação com os outros homens mediante contrato fazer ou não concessões É sobre essa base da sociedade contratual que as relações de produção vão se alterar do trabalhador servo vinculado à terra para o trabalhador não mais vinculado à terra mas livre para vender a sua força de trabalho e ele a vende mediante contrato Então quem possui os meios de produção é livre para aceitar ou não a oferta de mãodeobra e viceversa quem possui a força de trabalho é livre para vendêla ou não para vendêla a este ou aquele para vender a quem quiser Esse é o fundamento jurídico da sociedade burguesa Fundamento como veremos formalista de uma igualdade formal No en tanto é sobre essa base de igualdade que vai se estruturar a pedagogia da essência e assim que a burguesia se torna a classe dominante ela vai a partir de meados do século XIX estruturar os sistemas nacionais de ensino e vai advogar a escolarização para todos Escolarizar todos os homens era condição para converter os servos em cidadãos era condição para que esses cidadãos participassem do processo político e participando do processo político eles consolidariam a ordem democrática democracia burguesa é óbvio mas o papel político da escola estava aí muito claro A escola era proposta como condição para a consolidação da ordem democrática 2 A MUDANÇA DE INTERESSES Ocorre que a história vai evoluindo e a participação política das massas entra em contradição com os interesses da própria burguesia Na medida em que a burguesia de classe em ascensão portanto de classe revolucionária se transforma em classe consolidada no poder os interesses dela não caminham mais em direção à transformação da sociedade ao contrário os interesses dela coincidem com a perpetuação da sociedade É nesse sentido que ela já não está mais na linha do desenvolvimento histórico mas está contra a história A história voltase contra os interesses da burguesia Então para a burguesia defender seus interesses ela não tem outra saída senão negar a história passando a reagir contra o movimento da história É nesse mo mento que a escola tradicional a pedagogia da essência já não vai servir e a burguesia vai propor a pedagogia da existência Ora vejam vocês o que é a pedagogia da existência senão diferentemente da pedagogia da essência que 34 DERMEVAL SAVIANI é uma pedagogia que se fundava no igualitarismo uma pedagogia da legiti mação das desigualdades Com base neste tipo de pedagogia considerase que os homens não são essencialmente iguais os homens são essencialmente diferentes e nós temos que respeitar as diferenças entre os homens Então há aqueles que têm mais capacidade e aqueles que têm menos capacidade há aqueles que aprendem mais devagar há aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo Eis em síntese o que eu quis dizer com a minha primeira tese tese filosóficohistórica do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência Com efeito a pedagogia da existência vai ter esse caráter reacionário isto é vai contraporse ao movimento de libertação da humanidade em seu conjunto vai legitimar as desigualdades legitimar a dominação legitimar a sujeição legitimar os privilégios Nesse contexto a pedagogia da essência não deixa de ter um papel revolucionário pois ao defender a igualdade essencial entre os homens continua sendo uma bandeira que caminha na direção da eliminação daqueles privilégios que impedem a realização de parcela considerável dos homens Entretanto neste momento não é a burguesia que assume o papel revolucionário como assumira no início dos tempos modernos Nesse momento a classe revolucionária é outra não é mais a burguesia é exatamente aquela classe que a burguesia explora 3 A FALSA CRENÇA DA ESCOLA NOVA A segunda tese eu enunciei da seguinte forma do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocientífico dos métodos novos Vejam que no fundo as minhas teses estão indo contra a tendência corrente contra a tendência dominante E por que isso Porque vejam bem tanto na primeira tese como veremos agora na segunda o que em verdade a burguesia faz ao defender a posição que corresponde aos seus interesses é contrapôla ao momento anterior Assim no caso da pe dagogia da existência e da essência a burguesia constrói os argumentos que defendem a pedagogia da existência contra a pedagogia da essência pintando essa última como algo tipicamente medieval Nesse sentido ESCOLA E DEMOCRACIA 35 ela deixa de assumir a pedagogia da essência como uma construção dela própria Veremos agora em relação ao método como essa questão se co loca de modo também bastante claro Eu vou especificar um pouco mais a questão do método porque diz respeito justamente ao modo como a gente trabalha no interior da própria escola no interior da sala de aula E aqui nós poderíamos nos lembrar já diretamente do movimento da Escola Nova que pintou o método tradicional como um método précientífico como um método dogmático e como um método medieval Basta nós nos lembrarmos por exemplo de Kilpatrick Educação para uma Civilização em Mudança em que caracteriza a civilização que foi se construindo com base no surgimento da ciência moderna a partir do Renascimento como sendo a civilização em mudança Nesse sentido os métodos tradicionais são remetidos para a Idade Média e portanto para um caráter précientífico e mesmo anticientífico ou seja dogmático Ora no entanto essa crença que a Escola Nova propaga é uma crença totalmente falsa Com efeito o chamado ensino tradicional não é précientífico e muito menos medieval Esse ensino tradicional que predomina ainda hoje nas escolas constituiuse após a Revolução Industrial e implantouse nos chamados sistemas nacionais de ensino configurando amplas redes oficiais criadas a partir de meados do século XIX no momento em que consolidado o poder burguês acionase a escola redentora da humanidade universal gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação da ordem democrática O que estou querendo enfatizar com isto é que esse método tradicional foi constituído após a Revolução Industrial contrariamente portanto ao argumento que os escolanovistas comumente levantam de que a Revolução Industrial transformou a sociedade determinou uma sociedade não mais estática em mudança contínua que essa Revolução Industrial que tem seu fundamento na ciência não teve sua contrapartida na educação que conti nuou sendo précientífica seguindo lemas medievais Daí a razão do método novo proclamarse científico proclamarse instrumento de introdução da ciência na atividade educativa e em conseqüência colocar a educação à altura do século à altura da época No entanto esse ensino dito tradicional estruturouse por meio de um método pedagógico que é o método expositivo que todos conhecem todos passaram por ele e muitos estão passando ainda cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco passos formais de Herbart Esses passos que são o passo da preparação da apresentação da comparação 36 DERMEVAL SAVIANI e assimilação da generalização e por último da aplicação correspondem ao esquema do método científico indutivo tal como fora formulado por Bacon método que podemos esquematizar em três momentos fundamentais a observação a generalização e a confirmação Tratase portanto daquele mesmo método formulado no interior do movimento filosófico do empirismo que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna Eu acho que esse ponto precisa ser explicitado um pouco melhor No ensino herbartiano o passo da preparação significa basicamente a recordação da lição anterior logo do já conhecido através do passo da apre sentação é colocado diante do aluno um novo conhecimento que lhe cabe assimilar a assimilação portanto o terceiro passo ocorre por comparação daí por que eu o denominei assimilaçãocomparação a assimilação ocorre por comparação do novo com o velho o novo é assimilado pois a partir do velho Esses três passos correspondem no método científico indutivo ao momento da observação Tratase de identificar e destacar o diferente entre os elementos já conhecidos O passo seguinte o da generalização significa que se o aluno já assimilou o novo conhecimento ele é capaz de identificar todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido Ora no método indutivo o momento da generalização não é outra coisa senão a subsunção sob uma lei extraída dos elementos observados pertencentes a determinada classe de fenômenos de todos os elementos observados ou não que integram a mesma classe de fenômenos O passo da aplicação que é o quinto passo do método herbartiano coincide de forma geral com as lições para casa Fazendo os exercícios o aluno vai demonstrar se ele aprendeu se assimilou ou não o conhecimento Tratase de verificar por meio de exemplos novos não manipulados ainda pelo aluno se ele efeti vamente assimilou o que foi ensinado Corresponde pois ao momento da confirmação no caso do método científico uma vez que se o aluno aplicou corretamente os conhecimentos adquiridos se ele acertou os exercícios a assimilação está confirmada Podese afirmar que ao ensino correspondeu uma aprendizagem Por isso a preparação da lição seguinte começa com a recapitulação da anterior o que é feito normalmente mediante a correção da lição de casa Eis pois a estrutura do método tradicional na lição seguinte começase corrigindo os exercícios porque essa correção é o passo da pre paração Se os alunos fizeram corretamente os exercícios eles assimilaram o conhecimento anterior então eu posso passar para o novo Se eles não ESCOLA E DEMOCRACIA 37 fizeram corretamente então eu preciso dar novos exercícios é preciso que a aprendizagem se prolongue um pouco mais que o ensino atente para as razões dessa demora de tal modo que finalmente aquele conhecimento anterior seja de fato assimilado o que será a condição para se passar para um novo conhecimento Cabe aqui perguntar por que o movimento da Escola Nova tendeu a classificar como précientífico e até mesmo como anticientífico dogmático o método aqui citado Acredito que demonstrei a sua cientificidade Mas vamos tentar agora responder a essa pergunta A Escola Nova deve ter suas razões 4 ENSINO NÃO É PESQUISA Na verdade o que o movimento da Escola Nova fez foi tentar articular o ensino com o processo de desenvolvimento da ciência ao passo que o chamado método tradicional o articulava com o produto da ciência Em outros termos a Escola Nova buscou considerar o ensino como um processo de pesquisa daí por que ela se assenta no pressuposto de que os assuntos de que trata o ensino são problemas isto é são assuntos desconhecidos não apenas pelo aluno como também pelo professor Nesse sentido o ensino seria o desenvolvimento de uma espécie de projeto de pesquisa quer dizer uma atividade vamos aos cinco passos do ensino novo que se contrapõem simetricamente aos passos do ensino tradicional então o ensino seria uma atividade lº passo que suscitando determinado problema 2º passo provocaria o levantamento dos dados 3º passo a partir dos quais seriam formuladas as hipóteses 4º passo explicativas do problema em questão empreendendo alunos e professores conjuntamente a experimentação 5º passo que permitiria confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas Vêse pois que o ensino novo basicamente se funda nessa estrutura ele começa por uma atividade na medida em que a atividade não pode prosse guir por algum obstáculo alguma dificuldade algum problema que surgiu é preciso resolver esse problema Como se vai resolver esse problema Então todos alunos e professores saem à cata de dados dados dos mais diferentes tipos dados documentais bibliográficos dados de campo etc Esses dados uma vez levantados permitirão acionar uma ou mais hipóteses explicativas 38 DERMEVAL SAVIANI do problema Formulada a hipótese é preciso passar à experimentação é preciso testar essa hipótese São esses os cinco passos do método novo Diferentemente disso o ensino tradicional propunhase a transmitir os conhecimentos obtidos pela ciência portanto já compendiados sistema tizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade Eis por que esse tipo de ensino o ensino tradicional centrase no professor nos conteúdos e no aspecto lógico isto é centrase no professor o adulto que domina os conteúdos logicamente estruturados organizados enquanto os métodos novos centramse no aluno nas crianças nos procedimentos e no aspecto psicológico isto é centramse nas motivações e interesses da criança em desenvolver os procedimentos que a conduzam à posse dos conhecimentos capazes de responder às suas dúvidas e indagações Em suma aqui nos métodos novos privilegiamse os processos de obtenção dos conhecimentos enquanto lá nos métodos tradicionais privilegiamse os métodos de trans missão dos conhecimentos já obtidos Bem acho que isto posto um e outro método uma e outra pedagogia estão indicadas também as razões de cientificidade de uma e de outra Mas que conseqüências isso tem Vejam que com essa maneira de interpretar a educação a Escola Nova acabou por dissolver a diferença entre pesquisa e ensino sem se dar con ta de que assim fazendo ao mesmo tempo que o ensino era empobrecido inviabilizavase também a pesquisa O ensino não é um processo de pesquisa Querer transformálo num processo de pesquisa é artificializálo Daí o meu prefixo pseudo ao científico dos métodos novos Eu vou tentar explicar um pouquinho ainda isso Por que o ensino era empobrecido e ao mesmo tempo se inviabilizava a pesquisa Vejam bem que se a pesquisa é incursão no desconhecido e por isso ela não pode estar atrelada a esquemas rigidamente lógicos e preconcebidos também é verdade que primeiro o desconhecido só se define por confronto com o conhecido isto é se não se domina o já conhecido não é possível detectar o ainda não conhecido a fim de incorporálo mediante a pesqui sa ao domínio do já conhecido Aí pareceme que esta é uma das grandes fraquezas dos métodos novos Sem o domínio do conhecido não é possível incursionar no desconhecido E aí está também a grande força do ensino tradicional a incursão no desconhecido faziase sempre por meio do conhe cido e isso é muito simples qualquer aprendiz de pesquisador passou por ESCOLA E DEMOCRACIA 39 isso ou está passando e qualquer pesquisador sabe muito bem que ninguém chega a ser pesquisador a ser cientista se ele não domina os conhecimentos já existentes na área em que ele se propõe a ser investigador a ser cientista Em segundo lugar o desconhecido não pode ser definido em termos indivi duais mas em termos sociais isto é tratase daquilo que a sociedade e no limite a humanidade em seu conjunto desconhece Só assim seria possível encontrarse um critério aceitável para distinguir as pesquisas relevantes das que não o são isto é para se distinguir a pesquisa da pseudopesquisa da pesquisa de mentirinha da pesquisa de brincadeira que em boa parte me parece constitui o manancial dos processos novos de ensino Em suma só assim será possível encetar investigações que efetivamente contribuam para o enriquecimento cultural da humanidade Creio que está demonstrada a minha segunda tese isto é o caráter científico do método tradicional e o caráter pseudocientífico dos métodos novos 5 A ESCOLA NOVA NÃO É DEMOCRÁTICA Destas duas teses extraise a terceira que é a conclusão segundo a qual quando mais se falou em democracia no interior da escola menos demo crática foi a escola e quando menos se falou em democracia mais a escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Pareceme que como diziam os escolásticos conclusio patet isto é essa tese é evidente depois do que foi explicitado em relação às duas primeiras porque obviamente nós sabemos que em relação à pedagogia nova um elemento que está muito presente nela é a proclamação democrática a proclamação da democracia Aliás inclusive o próprio tratamento dife rencial portanto o abandono da busca de igualdade é justificado em nome da democracia e é nesse sentido também que se introduzem no interior da escola procedimentos ditos democráticos E hoje nós sabemos com certa tranqüilidade já a quem serviu essa democracia e quem se beneficiou dela quem vivenciou esses procedimentos democráticos no interior das escolas novas Não foi o povo não foram os operários não foi o proletariado Essas experiências ficaram restritas a pequenos grupos e nesse sentido elas se constituíram em geral em privilégios para os já privilegiados legitiman do as diferenças Em contrapartida os homens do povo o povão como 40 DERMEVAL SAVIANI se costuma dizer continuaram a ser educados basicamente segundo o método tradicional e mais que isso não só continuaram a ser educados à revelia dos métodos novos como também jamais reivindicaram tais pro cedimentos Os pais das crianças pobres têm uma consciência muito clara de que a aprendizagem implica a aquisição de conteúdos mais ricos têm uma consciência muito clara de que a aquisição desses conteúdos não se dá sem esforço não se dá de modo espontâneo conseqüentemente têm uma consciência muito clara de que para se aprender é preciso disciplina e em função disso eles exigem mesmo dos professores a disciplina É comum a gente encontrar esta reação nos pais das crianças das classes trabalhadoras se o meu filho não quer aprender vocês têm que fazer com que ele queira E o papel do professor é o de garantir que o conhecimento seja adquirido às vezes mesmo contra a vontade imediata da criança que espontaneamente não tem condições de enveredar para a realização dos esforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e sem os quais ela não terá vez não terá chance de participar da sociedade É nesse sentido que digo que quando mais se falou em democracia no interior da escola menos democrática ela foi e quando menos se falou em democracia mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática Ora na explicação da minha primeira tese eu tinha indicado que a burguesia ao formular a pedagogia da essência ao criar os sistemas nacionais de ensino colocou a escolarização como uma das condições para a consolidação da ordem democrática Conseqüentemente a própria mon tagem do aparelho escolar estava aí a serviço da participação democrática embora no interior da escola não se falasse muito em democracia embora no interior da escola nós tivéssemos aqueles professores que assumiam não abdicavam não abriam mão da sua autoridade e usavam essa autoridade para fazer com que os alunos ascendessem a um nível elevado de assimilação da cultura da humanidade 6 ESCOLA NOVA A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE Passemos enfim às conseqüências para a situação educacional brasileira Vou tomar dois momentos para ilustrar o primeiro momento seria em torno ESCOLA E DEMOCRACIA 41 da década de 1930 e o segundo seria na década de 1970 mais exatamente uma referência à reforma do ensino instituída pela Lei n 5692 para verificar como ela se enquadra nesse esquema mais amplo de compreensão e como ela interferiu no interior da escola do ponto de vista político determinando que interiormente as escolas cumprissem certas funções políticas Em relação ao momento de 1930 eu o tomo justamente porque o mo vimento da Escola Nova toma força no Brasil exatamente a partir daí A Associação Brasileira de Educação ABE foi fundada em 1924 e num certo sentido aglutinou os educadores novos os pioneiros da educação nova que vão depois lançar seu manifesto em 1932 e vão travar em seguida uma po lêmica com os católicos em torno do capítulo da educação da Constituição de 1934 Esse momento 1924 com a criação da ABE 1927 com a I Con ferência Nacional de Educação 1932 com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros é marco da ascendência escolanovista no Brasil movimento este que atingiu o seu auge por volta de 1960 quando em seguida entra em refluxo em função de uma nova tendência da política educacional que a gente poderia chamar de os meios de comunicação de massa e as tecno logias de ensino Eu não vou poder entrar nesse detalhe Já tratei disso em algumas palestras que estão publicadas no livro Educação do senso comum à consciência filosófica O que queria destacar em relação ao momento de 1930 é basicamente o seguinte o contraste entre o entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico J Nagle analisa isso com razoável detalhe na sua tese de livredocência que versou sobre a década de 1920 e foi publicada sob o título Educação e Sociedade na 1ª República Ali Nagle faz referência a duas categorias uma que ele chama o entusiasmo pela educação marca carac terística do início do século e também da década de 1920 que no entanto entra em refluxo no final dessa década cedendo lugar àquilo que ele chama otimismo pedagógico que é uma característica do escolanovismo Ora o importante do ponto de vista político a salientar aqui é que nessa fase do entusiasmo pela educação se pensava a escola como instrumento de parti cipação política isto é pensavase a escola com uma função explicitamente política a primeira década desse século a segunda a década de 1910 e a terceira a década de 1920 foram muito ricas em movimentos populares que reivindicavam uma participação maior na sociedade e faziam reivindicações também do ponto de vista escolar Nós sabemos que a década de 1920 foi 42 DERMEVAL SAVIANI uma década de grande tensão de grande agitação de crise de hegemonia das oligarquias até então dominantes Essa crise de hegemonia foi de certo modo aguçada pela organização dos trabalhadores várias greves operárias surgiram nesse período e vários movimentos organizacionais também se deram Com o escolanovismo o que ocorreu foi que a preocupação políti ca em relação à escola refluiu De uma preocupação em articular a escola como um instrumento de participação política de participação democrática passouse para o plano técnicopedagógico Daí essa expressão de Jorge Nagle otimismo pedagógico Passouse do entusiasmo pela educação quando se acreditava que a educação poderia ser um instrumento de par ticipação das massas no processo político para o otimismo pedagógico em que se acredita que as coisas vão bem e resolvemse nesse plano interno das técnicas pedagógicas Num outro texto faço referência à Escola Nova como desempenhando a função de recompor os mecanismos de hegemonia da classe dominante Com efeito se na fase do entusiasmo pela educação o lema era escola para todos essa era a bandeira de luta agora a Escola Nova vem transferir a preocupação dos objetivos e dos conteúdos para os métodos e da quantidade para a qualidade Ora vocês não sabem o que existe de significado político por detrás dessa metamorfose Em verdade o significado político basicamente é o seguinte é que quando a burguesia acenava com a escola para todos por isso era instrumento de hegemonia ela estava num período capaz de expressar os seus interesses abarcando também os interesses das demais classes Nesse sentido advogar escola para todos correspondia ao interesse da burguesia porque era importante uma ordem democrática consolidada e correspondia também ao interesse do operariado do proletariado porque para ele era importante participar do processo político participar das decisões Ocorre que na medida em que tem início essa participação as contra dições de interesses que estavam submersas sob aquele objetivo comum vêm à tona e fazem submergir o comum o que sobressai agora é a contradição de interesses ou seja o proletariado o operariado as camadas dominadas na medida em que participavam das eleições não votavam bem segundo a perspectiva das camadas dominantes quer dizer não escolhiam os melhores a burguesia acreditava que o povo instruído iria escolher os melhores gover nantes Mas o povo instruído não estava escolhendo os melhores Observese que não escolhiam os melhores do ponto de vista dominante Ocorre que os ESCOLA E DEMOCRACIA 43 melhores do ponto de vista dominante não eram os melhores do ponto de vista dominado Na verdade o povo escolhia os menos piores porque é claro que os melhores ele não podia escolher uma vez que o esquema partidário não permitia que seus representantes autênticos se candidatassem Então ele tinha que escolher entre as facções em luta no próprio campo burguês as opções menos piores só que as menos piores do ponto de vista dos interesses dos dominados eram as piores do ponto de vista dominante Ora então essa escola não está funcionando bem foi o raciocínio das elites das camadas dominantes e se essa escola não está funcionando bem é preciso reformar a escola Não basta a quantidade não adianta dar a escola para todo mundo desse jeito E surgiu a Escola Nova que tornou possível ao mesmo tempo o aprimoramento do ensino destinado às elites e o rebaixamento do nível de ensino destinado às camadas populares É nesse sentido que a hegemonia pôde ser recomposta Sobre isso haveria coisas interessantíssimas para a gente discutir em relação ao que está ocorrendo no Brasil hoje a contradição da política educacional atual em que a proposta de base referente ao ensino fundamental é no meu modo de ver populista e a proposta de cúpula em relação à pósgraduação é elitista Em suma o movimento de 1930 no Brasil devido à ascensão do escola novismo correspondeu a um refluxo e até a um desaparecimento daqueles movimentos populares que advogavam uma escola mais adequada aos seus interesses E por que isso A partir de 1930 ser progressista passou a significar ser escolanovista E aqueles movimentos sociais de origem por exemplo anarquista socialista marxista que conclamavam o povo a se organizar e reivindicar a criação de escolas para os trabalhadores perderam a vez e todos os progressistas em educação tenderam a endossar o credo escolanovista Bem eu poderia me estender puxar o fio da história de 1930 até agora mas vamos fazer um corte e vou tomar a reforma de 1971 como uma outra indicação prática da tese que enunciei O que fez a Lei n 5692 Tomemos por exemplo o princípio de flexibili dade que é a chave da lei que é a grande descoberta dessa lei a sua grande inovação Ela é tão flexível que pode até não ser implantada E mais ainda é tão flexível que pode até ser revogada sem ser revogada e eu não estou inven tando não Peguem o Parecer n 4572 da profissionalização em confronto com o Parecer n 7675 também da profissionalização O primeiro parecer regulamentou o artigo 5º da lei o segundo revogou o primeiro e com ele 44 DERMEVAL SAVIANI revogou também o artigo 5º só que mediante o princípio da flexibilidade ele não revogou mas o reinterpretou e o artigo 5º permanece nela Devido a essa flexibilidade instituiuse por exemplo aquela diferen ciação entre terminalidade real e terminalidade legal ou ideal Ora o que é a terminalidade real senão admitir que quem tem pouco continua tendo menos ainda Às vezes eu digo brincando que nesse sentido o capitalismo é bem evangélico Ele aplica ao pé da letra a máxima evangélica enunciada na parábola dos talentos ao que tem se lhe dará e ao que não tem até o pouco que tem lhe será tirado Em relação a essa diferenciação entre terminalidade ideal e terminalidade real dizse comumente o seguinte todo o conteúdo de aprendizagem do lº grau será dado em oito anos eis o legal ou seja o ideal Mas naqueles lugares em que não há condições de se ter escola de oito anos então que se organize esse conteúdo para seis anos em outros para quatro ou para dois e assim por diante e numa mesma região a escola que não tem condição de dar oito que dê seis e assim por diante e numa mesma classe para aqueles alunos que não têm condições de chegar lá no oitavo você dá uma formação geral em quatro anos que é quase só o que eles vão ter mesmo em seguida sondagem de aptidão e encaminhase para o mercado de trabalho Ora vejam vocês como está aqui de modo bem caracterizado aquilo que eu chamo o aligeiramento do ensino destinado às camadas populares Dessa maneira o ensino das camadas populares pode ser aligeirado até o nada até se desfazer em mera formalidade Outro ponto apenas e eu já passo para a teoria da curvatura da vara porque acho que estão todos curiosos em relação a ela Então uma ob servação só sobre a reformulação curricular Outra descoberta da Lei n 5692 foi a reformulação curricular por meio de atividades áreas de estudos e disciplinas determinando que o ensino nas primeiras oito séries se desenvolvesse predominantemente sob a forma de atividades e áreas de estudo Ora essas atividades e áreas de estudos são outra maneira de diluir o conteúdo da aprendizagem das camadas populares e todos sabem que isso efetivamente ocorreu e vem ocorrendo Vou dispensar outras ilustrações vinculadas à Lei n 5692 apenas gostaria de enfatizar isso que contra essa tendência de aligeiramento do ensino destinado às camadas populares nós precisaríamos defender o apri moramento exatamente do ensino destinado às camadas populares Essa ESCOLA E DEMOCRACIA 45 defesa implica a prioridade de conteúdo Os conteúdos são fundamentais e sem conteúdos relevantes conteúdos significativos a aprendizagem deixa de existir ela transformase num arremedo ela transformase numa farsa Pareceme pois fundamental que se entenda isso e que no interior da es cola nós atuemos segundo essa máxima a prioridade de conteúdos que é a única forma de lutar contra a farsa do ensino Por que esses conteúdos são prioritários Justamente porque o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das massas Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais eles não podem fazer valer os seus interesses porque ficam desarmados contra os domina dores que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação Eu costumo às vezes enunciar isso da seguinte forma o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam Então dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação Nesse sentido eu posso ser profundamente político na minha ação peda gógica mesmo sem falar diretamente de política porque mesmo veiculando a própria cultura burguesa e instrumentalizando os elementos das camadas populares no sentido da assimilação desses conteúdos eles ganham condições de fazer valer os seus interesses e é nesse sentido então que se fortalecem politicamente Não adianta nada eu ficar sempre repetindo o refrão de que a sociedade é dividida em duas classes fundamentais burguesia e proletariado que a burguesia explora o proletariado e que quem é proletário está sendo explorado se o que está sendo explorado não assimila os instrumentos pelos quais ele possa se organizar para se libertar dessa exploração Associada a essa prioridade de conteúdo que eu já antecipei pareceme fundamental que se esteja atento para a importância da disciplina quer dizer sem disci plina esses conteúdos relevantes não são assimilados Então eu acho que nós conseguiríamos fazer uma profunda reforma na escola a partir de seu interior se passássemos a atuar segundo esses pressupostos e mantivéssemos uma preocupação constante com o conteúdo e desenvolvêssemos aquelas fórmulas disciplinares aqueles procedimentos que garantissem que esses conteúdos fossem realmente assimilados Por exemplo o problema dos alu nos das camadas populares nas salas de aula implica redobrados esforços por parte dos responsáveis pelo ensino por parte dos professores mais direta mente O que ocorre geralmente é que as condições de trabalho o próprio 46 DERMEVAL SAVIANI modelo que impregna a atividade de ensino as exigências e expectativas a que são submetidos professores e alunos tudo isso faz com que o próprio professor tenda a cuidar mais daqueles que têm mais facilidade deixando à margem aqueles que têm mais dificuldade E é assim que nós acabamos como professores no interior da sala de aula reforçando a discriminação e sendo politicamente reacionários Quanto ao apêndice relativo à teoria da curvatura da vara faço apenas um comentário rápido e encerro Na verdade introduzi esse apêndice sim plesmente pelo seguinte a ênfase que dei invertendo a tendência corrente decorre da consideração de que na tendência corrente a vara está torta está torta para o lado da pedagogia da existência para o lado dos movimentos da Escola Nova E é nesse sentido que o raciocínio habitual tende a ser o seguinte as pedagogias novas são portadoras de todas as virtudes enquanto a pedagogia tradicional é portadora de todos os defeitos e de nenhuma virtude O que se evidencia pelas minhas teses é justamente o inverso Creio ter conseguido fazer curvar a vara para o outro lado A minha expectativa é justamente que com essa inflexão a vara atinja o seu ponto correto o qual não está também na pedagogia tradicional mas na valorização dos conteúdos que apontam para uma pedagogia revolucionária Esta identi fica as propostas burguesas como elementos de recomposição de mecanismos hegemônicos e dispõese a lutar concretamente contra a recomposição desses mecanismos de hegemonia no sentido de abrir espaço para as forças emergentes da sociedade para as forças populares para que a escola se insira no processo mais amplo de construção de uma nova sociedade Capítulo 3 Escola e democracia II Para além da teoria da Curvatura da Vara o texto anterior partindo da suposição de que o ideário escolanovista logrou converterse em senso comum para os educadores isto é tornouse a forma dominante de se conceber a educação enunciei teses polêmicas visando a contestar as crenças que acabaram por tomar conta das cabeças dos educadores Meu objetivo era reverter a tendência dominante Uma vez que a concepção corrente na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o tradicionalismo tende a considerar a pedagogia nova como portadora de todas as virtudes e de nenhum vício atribuindo inversamente à pedagogia tradicional todos os vícios e nenhuma virtude empenheime no texto citado em demonstrar exatamente o inverso E o fiz por meio de três teses que enunciei e explicitei de modo sucinto as quais constituíram o arcabouço daquilo que denominei utilizando uma expressão tomada de empréstimo a Lênin de teoria da curvatura da vara Althusser 1977 pp 136138 48 DERMEVAL SAVIANI Para comodidade dos leitores penso ser útil reproduzir aqui as teses referidas Primeira tese filosóficohistórica Do caráter revolucionário da pedagogia da essência pedagogia tradicional e do caráter reacionário da pedagogia da existência pedagogia nova Segunda tese pedagógicometodológica Do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocien tífico dos métodos novos Terceira tese especificamente política De como quando menos se falou em democracia no interior da escola mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática e quando mais se falou em democracia no interior da escola menos ela foi democrática Como se percebe de imediato o próprio enunciado dessas proposições evidencia que mais do que teses elas funcionam como antíteses por referên cia às idéias dominantes nos meios educacionais É este sentido de negação frontal das teses correntes que se traduz metaforicamente na expressão teoria da curvatura da vara Com efeito assim como para se endireitar uma vara que se encontra torta não basta colocála na posição correta mas é necessário curvála do lado oposto assim também no embate ideológico não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos é necessário abalar as certezas desautorizar o senso comum E para isso nada melhor do que demonstrar a falsidade daquilo que é tido como obviamente verdadeiro demonstrando ao mesmo tempo a verdade daquilo que é tido como obviamente falso1 Meu objetivo pois ao introduzir no debate educa cional a teoria da curvatura da vara foi o de polemizar abalar desinstalar inquietar fazer pensar E creio ter conseguido ao menos em parte uma vez 1 E interessante assinalar que o procedimento acima indicado pode até certo ponto ser considerado uma característica da filosofia Com efeito ele é encontrado nos diálogos platônicos na expressão maior da filosofia medieval a Summa Theologica de Tomás de Aquino pela expressão videtur quod non em Descartes com a dúvida metódica e assim por diante Com a filosofia dialética tal procedimento adquire sua máxima expressão teórica ESCOLA E DEMOCRACIA 49 que as reações não tardaram tendo alguns ainda que com certa ponta de ironia insinuado que eu seria conservador em matéria de educação Entre tanto no final daquele texto afirmei textualmente 1 PEDAGOGIA NOVA E PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA Entendidas em sentido amplo as expressões pedagogia nova e pe dagogia da existência equivalemse Isto porque ambas são tributárias daquilo que poderíamos chamar de concepção humanista moderna de Filosofia da Educação Tal concepção centrase na vida na existência na atividade por oposição à concepção tradicional que se centrava no intelecto na essência no conhecimento Nesta acepção estamos nos referindo a um amplo movimento filosófico que abrange correntes tais como o pragmatismo o vitalismo o historicismo o existencialismo e a fenomenologia com im portantes repercussões no campo educacional Obviamente assim como não se ignora a diversidade de correntes filosóficas também não se perde de vista a existência de diferentes nuanças pedagógicas no bojo do que de nominamos concepção humanista moderna de filosofia da educação Em outros termos as expressões pedagogia nova e pedagogia da existência equivalemse sob a condição de não reduzir a primeira à pedagogia escola novista e a segunda à pedagogia existencialista Esse esclarecimento fazse necessário uma vez que a concepção humanista moderna se manifesta na Neste texto pretendo prosseguir o debate tentando ultrapassar o mo mento da antítese na direção do momento da síntese Por isso a estrutura deste texto parte do arcabouço do anterior Assim após esclarecer a razão do emprego indiferenciado das expressões pedagogia da existência e pedagogia nova serão retomadas consecutivamente com intento de superação cada uma das três teses anteriormente enunciadas com intento negador Creio ter conseguido fazer curvar a vara para o outro lado A minha expec tativa é justamente que com essa inflexão a vara atinja o seu ponto correto o qual não está também na pedagogia tradicional mas justamente na valorização dos conteúdos que apontam para uma pedagogia revolucionária 50 DERMEVAL SAVIANI educação predominantemente sob a forma do movimento escolanovista cuja inspiração filosófica principal situase na corrente do pragmatismo Atual mente alguns educadores buscam rever suas posições pedagógicas à luz da fenomenologia e do existencialismo Husserl MerleauPonty Heidegger A esses educadores soou estranho o fato de eu ter utilizado a expressão pe dagogia da existência como equivalente à pedagogia nova Entretanto quando em outro texto caracterizei a concepção humanista moderna de filosofia da educação registrei de modo explícito essa diferença de matiz ao afirmar que a referida concepção admite a existência de formas descontínuas na educação entendidas porém em dois sentidos num primeiro sentido mais amplo na medida em que em vez de se con siderar a educação como um processo continuado obedecendo a esquemas predefinidos seguindo uma ordem lógica considerase que a educação segue o ritmo vital que é variado determinado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos admite idas e vindas com predominância do psicológico sobre o lógico num segundo sentido mais restrito e especificamente existencialista na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos São momentos de plenitude porém fugazes e gratuitos Acontecem independentemente da vontade ou de preparação Tudo o que se pode fazer é estar predisposto e atento a esta possibilidade Saviani 1980 pp 1819 É nesse segundo sentido que se desenvolve o trabalho de O F Bollnow 1971 Já Suchodolski 1978 entende a pedagogia da existência no primeiro sentido Cabe observar por fim que o primeiro sentido abrange o segundo e que a rigor não se pode falar numa pedagogia existencialista uma vez que esta não chegou a se configurar havendo mesmo controvérsias no que diz respeito à compatibilidade entre pedagogia e existencialismo BOLLNOW 1971 pp1135 2 PARA ALÉM DAS PEDAGOGIAS DA ESSÊNCIA E DA EXISTÊNCIA Na primeira tese do texto anterior empenheime em demonstrar ao mesmo tempo o caráter revolucionário da pedagogia tradicional e o caráter ESCOLA E DEMOCRACIA 51 reacionário da pedagogia nova Isto foi feito por meio da historicização de ambas as pedagogias Em outros termos evidenciouse como se deu histo ricamente a passagem de uma concepção pedagógica igualitarista para uma pedagogia das diferenças com sua conseqüência política a justificação de privilégios Ora ao proceder desta maneira eu já estava naquele mesmo texto situandome para além das pedagogias da essência e da existência Com efeito nessas pedagogias está ausente a perspectiva historicizadora Faltalhes a consciência dos condicionantes históricosociais da educação São pois ingênuas e não críticas já que é próprio da consciência crítica saberse condicionada determinada objetivamente materialmente ao passo que a consciência ingênua é aquela que não se sabe condicionada mas ao contrário acreditase superior aos fatos imaginandose mesmo capaz de determinálos e alterálos por si mesma Eis por que tanto a pedagogia tradicional como a pedagogia nova entendiam a escola como redentora da humanidade Acreditavam que era possível modificar a sociedade por meio da educação Nesse sentido podemos afirmar que ambas são ingênuas e idealistas Caem na armadilha da inversão idealista já que de elemento determinado pela estrutura social a educação é convertida em elemento determinante reduzindose o elemento determinante à condição de determi nado A relação entre educação e estrutura social é portanto representada de modo invertido Foi destacado que o caráter revolucionário da pedagogia da essência centrase na defesa intransigente da igualdade essencial entre os homens É preciso insistir em que tal posição tinha um caráter revolucionário na fase de constituição do poder burguês e não o deixa de ter agora No entanto é preciso acrescentar que seu conteúdo revolucionário é histórico isto é modificase historicamente Assim o acesso das camadas trabalhadoras à escola implica a pressão no sentido de que a igualdade formal todos são iguais perante a lei própria da sociedade contratual instaurada com a revolução burguesa se transforme em igualdade real Nesse sentido a importância da transmissão de conhecimentos de conteúdos culturais marca distintiva da pedagogia da essência não perde seu caráter revolucionário A pressão em direção à igualdade real implica a igualdade de acesso ao saber portanto a distribuição igualitária dos conhecimentos disponíveis Mas aqui também é preciso levar em conta que os conteúdos culturais são históricos e o seu caráter revolucionário está intimamente associado à sua historicidade As DERMEVAL SAVIANI sim a transformação da igualdade formal em igualdade real está associada à transformação dos conteúdos formais fixos e abstratos em conteúdos reais dinâmicos e concretos Ao conjunto de pressões decorrentes do acesso das camadas trabalhadoras à escola a burguesia responde denunciando pela Escola Nova o caráter mecânico artificial desatualizado dos conteúdos próprios da escola tradicional Obviamente tal denúncia é procedente e pode ser contabilizada como um dos méritos da Escola Nova Entretanto ao reconhecer e absorver as pressões contra o caráter formalista e estático dos conhecimentos transmitidos pela escola o movimento da Escola Nova funcionou como mecanismo de recomposição da hegemonia burguesa Isto porque subordinou as aspirações populares aos interesses burgueses tornando possível à classe dominante apresentarse como a principal interessada na reforma da escola reforma esta que viria finalmente a atender aos interesses de toda a sociedade contemplando ao mesmo tempo suas diferentes aspira ções capacidades e possibilidades Com isso a importância da transmissão de conhecimentos foi secundarizada e subordinada a uma pedagogia das diferenças centrada nos métodos e processos a pedagogia da existência ou pedagogia nova Uma pedagogia revolucionária centrase pois na igualdade essencial entre os homens Entende porém a igualdade em termos reais e não ape nas formais Busca converterse articulandose com as forças emergentes da sociedade em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária Para isso a pedagogia revolucionária longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão considera a difusão de conteúdos vivos e atualizados uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular Em suma a pedagogia revolucionária não vê necessidade de negar a essência para admitir o caráter dinâmico da realidade como o faz a pedagogia da existência inspirada na concepção humanista moderna de filosofia da educação Também não vê necessidade de negar o movimento para captar a essência do processo histórico como o faz a pedagogia da essência inspirada na concepção humanista tradicional de filosofia da educação A pedagogia revolucionária é crítica E por ser crítica sabese con dicionada Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais reconhece ser ela elemento secundário e de terminado Entretanto longe de pensar como o faz a concepção crítico 52 ESCOLA E DEMOCRACIA 53 reprodutivista2 que a educação é determinada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendose a sua especificidade entende que a educa ção se relaciona dialeticamente com a sociedade Nesse sentido ainda que elemento determinado não deixa de influenciar o elemento determinante Ainda que secundário nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade A pedagogia revolucionária situase além das pedagogias da essência e da existência Superaas incorporando suas críticas recíprocas numa proposta radicalmente nova O cerne dessa novidade radical consiste na superação da crença na autonomia ou na dependência absolutas da educação em face das condições sociais vigentes 3 PARA ALÉM DOS MÉTODOS NOVOS E TRADICIONAIS Na segunda tese do texto anterior afirmei o caráter científico do método tradicional e o caráter pseudocientífico dos métodos novos Questionei com isso o principal argumento da crítica escolanovista ao método tradicional de ensino Isto significa que a referida crítica é inteiramente infundada Eu diria que não se trata disso A crítica escolanovista atingiu não tanto o método tradicional mas a forma como esse método se cristalizou na prática pedagógica tornandose mecânico repetitivo desvinculado das razões e finalidades que o justificavam Essa defasagem entre a proposta original e suas aplicações subseqüentes me faz lembrar da afirmação de Goldmann 1976 p 37 segundo a qual Durkheim foi suficientemente inteligente para não tomar ao pé da letra o seu lema tratar os fatos sociais como coisas Com isto trouxe contribuições decisivas à constituição da ciência sociológica Já os sociólogos quantitativistas de modo especial os americanos tomando ao pé da letra o lema de Durkheim acabaram por desenvolver uma tendência esterilizadora da ciência sociológica Aplicando o mesmo raciocínio à situação educacional cabe observar que as críticas da Escola Nova atingiram o método tradicional não em si 2 Para um entendimento do que está sendo denominado de concepção críticoreprodu tivista ver neste livro pp 1328 54 DERMEVAL SAVIANI mesmo mas em sua aplicação mecânica cristalizada na rotina burocrática do funcionamento das escolas A procedência das críticas decorre do fato de que uma teoria um método uma proposta devem ser avaliados não em si mesmos mas nas conseqüências que produziram historicamente Essa regra porém deve ser aplicada também à própria Escola Nova Nesse sentido cumpre constatar que as críticas ainda que procedentes tiveram como assinalamos no texto anterior o efeito de aprimorar a educação das elites e esvaziar ainda mais a educação das massas Isto porque realizandose em algumas poucas escolas exatamente naquelas freqüentadas pelas elites a proposta escolanovista contribuiu para o aprimoramento do nível educacio nal da classe dominante Entretanto ao estender sua influência em termos de ideário pedagógico às escolas da rede oficial que continuaram funcio nando de acordo com as condições tradicionais a Escola Nova contribuiu pelo afrouxamento da disciplina e pela secundarização da transmissão de conhecimentos para desorganizar o ensino nas referidas escolas Daí entre outros fatores o rebaixamento do nível da educação destinada às camadas populares Ora se o principal problema da pedagogia nova está no seu efeito discriminatório surge então a questão os métodos novos não seriam generalizáveis Assim como esses métodos foram capazes de aprimorar a educação das elites não seriam eles úteis também para aprimorar a educação das massas E nessa direção que surgem tentativas de constituição de uma espécie de Escola Nova Popular Exemplos dessas tentativas são a Pedagogia Freinet na França e o Movimento Paulo Freire de Educação no Brasil Com efeito de modo especial no caso de Paulo Freire é nítida a inspiração da concepção humanista moderna de filosofia da educação por meio da corrente personalista existencialismo cristão Na fase de constituição e im plantação de sua pedagogia no Brasil 19591964 suas fontes de referência são principalmente Mounier G Marcel Jaspers Freire 1967 Partese da crítica à pedagogia tradicional pedagogia bancária caracte rizada pela passividade transmissão de conteúdos memorização verbalismo etc e advogase uma pedagogia ativa centrada na iniciativa dos alunos no diálogo relação dialógica na troca de conhecimentos A diferença entretanto em relação à Escola Nova propriamente dita consiste no fato de que Paulo Freire se empenhou em colocar essa concepção pedagógica a ESCOLA E DEMOCRACIA 55 serviço dos interesses populares Seu alvo inicial foi com efeito os adultos analfabetos Esse fenômeno histórico do surgimento daquilo que chamei de Escola Nova Popular põe em evidência que a questão escolar na sociedade ca pitalista dada a sua divisão em classes com interesses opostos é objeto de disputa Assim como a escola tradicional proposta pela burguesia voltase contra seus interesses obrigando a uma recomposição de hegemonia por intermédio da Escola Nova assim também a Escola Nova não fica imune à luta que se trava no seio da sociedade Se o credo escolanovista se torna predominante e toma conta das cabeças dos professores é inevitável o surgimento de pressões no sentido de que a Escola Nova se generalize Se o escolanovismo pressupõe métodos sofisticados escolas mais bem equipadas menor número de alunos em classe maior duração da jornada escolar se se trata de uma escola mais agradável capaz de despertar o interesse dos alunos de estimulálos à iniciativa de permitirlhes assumir ativamente o trabalho escolar por que não implantar esse tipo de escola exatamente para as camadas populares nas quais supostamente a passividade o desinteresse as dificuldades de aprendizagem são maiores Não é por acaso que justamente quando esse tipo de questionamento vai se tornando mais agudo quando surgem propostas de renovação pedagógica articuladas com os interesses populares quando aparecem críticas à Escola Nova que visam incorporar suas contribuições no esforço de formulação duma pedagogia popular exatamente nesse momento novos mecanismos de recomposição de hegemonia são acionados os meios de comunicação de massa e as tecnologias de ensino Passase então a minimizar a importância da escola e a se falar em educação permanente educação informal etc No limite chegase mesmo a defender a destruição da escola Ora nós sabe mos que o povo não está interessado na desescolarização ao contrário ele reivindica o acesso às escolas Quem defende a desescolarização são os já es colarizados portanto também já desescolarizados Conseqüentemente para eles a escola não tem mais importância uma vez que eles já se beneficiaram dela Os ainda não escolarizados estes estão interessados na escolarização e não na desescolarização Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará pois a escola não será indiferente ao que ocorre em seu interior estará empenhada em que a escola funcione bem portanto estará interessada em métodos de 56 DERMEVAL SAVIANI ensino eficazes Tais métodos situarseão para além dos métodos tradicionais e novos superando por incorporação as contribuições de uns e de outros Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão porém da iniciativa do professor favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura acu mulada historicamente levarão em conta os interesses dos alunos os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos sua ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissãoassimilação dos conteúdos cognitivos Não se deve pensar porém que os métodos indicados terão um caráter eclético isto é constituirão uma somatória dos métodos tradicionais e novos Não Os métodos tradicionais assim como os novos implicam uma autonomização da pedagogia em relação à sociedade Os métodos que preconizo mantêm continuamente presente a vinculação entre educação e sociedade Enquanto no primeiro caso professor e alunos são sempre considerados em termos individuais no segundo caso professor e alunos são tomados como agentes sociais Assim se fosse possível traduzir os mé todos de ensino que estou propondo na forma de passos à semelhança dos esquemas de Herbart e de Dewey eu diria que o ponto de partida do ensino não é a preparação dos alunos cuja iniciativa é do professor pedagogia tradicional nem a atividade que é de iniciativa dos alunos pedagogia nova O ponto de partida seria a prática social primeiro passo que é comum a professor e alunos Entretanto em relação a essa prática comum o professor assim como os alunos podem se posicionar diferentemente enquanto agentes sociais diferenciados E do ponto de vista pedagógico há uma diferença essencial que não pode ser perdida de vista o professor de um lado e os alunos de outro encontramse em níveis diferentes de compreensão conhecimento e experiência da prática social Enquanto o professor tem uma compreensão que poderíamos denominar de síntese precária a compreensão dos alunos é de caráter sincrético A compreensão do professor é sintética porque implica uma certa articulação dos conhe cimentos e das experiências que detém relativamente à prática social Tal síntese porém é precária uma vez que por mais articulados que sejam os conhecimentos e as experiências a inserção de sua própria prática peda gógica como uma dimensão da prática social envolve uma antecipação do que lhe será possível fazer com alunos cujos níveis de compreensão ele não ESCOLA E DEMOCRACIA 57 pode conhecer no ponto de partida senão de forma precaria Por seu lado a compreensão dos alunos é sincrética uma vez que por mais conhecimen tos e experiências que detenham sua própria condição de alunos implica uma impossibilidade no ponto de partida de articulação da experiência pedagógica na prática social de que participam O segundo passo não seria a apresentação de novos conhecimentos por parte do professor pedagogia tradicional nem o problema como um obs táculo que interrompe a atividade dos alunos pedagogia nova Caberia neste momento a identificação dos principais problemas postos pela prática social Chamemos a este segundo passo de Problematização Tratase de de tectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e em conseqüência que conhecimento é necessário dominar Seguese o terceiro passo que não coincide com a assimilação de conteú dos transmitidos pelo professor por comparação com conhecimentos ante riores pedagogia tradicional nem com a coleta de dados pedagogia nova ainda que por certo envolva transmissão e assimilação de conhecimentos podendo eventualmente envolver levantamento de dados Tratase de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamen to dos problemas detectados na prática social Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente a sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou indireta por parte do professor Digo transmissão direta ou indireta porque o professor tanto pode transmitilos diretamente como pode indicar os meios pelos quais a transmissão venha a se efetivar Chamemos pois este terceiro passo de instru mentalização Obviamente não cabe entender a referida instrumentalização em sentido tecnicista Tratase da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem O quarto passo não será a generalização pedagogia tradicional nem a hipótese pedagogia nova Adquiridos os instrumentos básicos ainda que parcialmente é chegado o momento da expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu Chamemos este quarto passo de catarse entendida na acepção gramsciana de elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens Gramsci 1978 p 53 Tratase da efetiva incorporação dos instrumentos culturais trans formados agora em elementos ativos de transformação social 58 DERMEVAL SAVIANI O quinto passo finalmente também não será a aplicação pedagogia tradicional nem a experimentação pedagogia nova O ponto de chegada é a própria prática social compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos alunos Neste ponto ao mesmo tempo que os alunos ascendem ao nível sintético em que por suposto já se encontrava o professor no ponto de partida reduzse a precariedade da síntese do professor cuja compreensão se torna mais e mais orgânica Essa elevação dos alunos ao nível do professor é essencial para se compreender a especificidade da relação pedagógica Daí por que o momento catártico pode ser considerado o ponto culminante do processo educativo já que é aí que se realiza pela mediação da análise levada a cabo no processo de ensino a passagem da síncrese à síntese em conseqüência manifestase nos alunos a capacidade de expressarem uma compreensão da prática em termos tão elaborados quanto era possível ao professor É a esse fenômeno que eu me referia quando dizia em outro traba lho que a educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no ponto de chegada Saviani 1980a Ora pelo processo já indicado a compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa Conseqüentemente a prática social referida no ponto de partida primeiro passo e no ponto de chegada quinto passo é e não é a mesma É a mesma uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto o pressuposto e o alvo o fundamento e a finalidade da prática pedagógica E não é a mesma se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica e já que somos enquanto agentes sociais elementos objetivamente constitutivos da prática social é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente É preciso no entanto ressalvar que a alteração objetiva da prática só pode se dar a partir da nossa condição de agentes sociais ativos reais A educação portanto não trans forma de modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato isto é agindo sobre os sujeitos da prática Como diz Sánchez Vázquez 1968 pp 206207 A teoria em si não transforma o mundo Pode contribuir para a sua transformação mas para isso tem que sair de si mesma e em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar com seus atos reais efetivos tal ESCOLA E DEMOCRACIA 59 transformação Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências de organização dos meios materiais e planos concretos de ação tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais efetivas Nesse sentido uma teoria é prática na medida em que materia liza através de uma série de mediações o que antes só existia idealmente como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação As reflexões desenvolvidas podem ser consideradas uma tentativa de aduzir elementos para a explicitação de uma definição de educação na qual venho insistindo há alguns anos3 Tratase da conceituação de educação como uma atividade mediadora no seio da prática social global Saviani 1980a p 129 Daí porque a prática social foi tomada como ponto de partida e ponto de chegada na caracterização dos momentos do método de ensino por mim preconizado É fácil identificar aí o entendimento da educação como mediação no seio da prática social Também é fácil perceber de onde retiro o critério de cientificidade do método proposto Não é do esquema indutivo tal como o formulara Bacon nem é do modelo experimentalista ao qual se filiava Dewey É sim da concepção dialética de ciência tal como a explicitou Marx no método da economia política Marx 1973 pp 228240 Isto não quer dizer porém que eu esteja incidindo na mesma falha que denunciara na Escola Nova confundir o ensino com a pesquisa científica Simplesmente estou querendo dizer que o movimento que vai da síncrese a visão caótica do todo à síntese uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas pela mediação da análise as abstrações e determinações mais simples constitui uma orientação segura tanto para o processo de desco berta de novos conhecimentos o método científico como para o processo de transmissãoassimilação de conhecimentos o método de ensino Cabe por fim levar em conta que o empenho em apresentar simetrica mente aos cinco passos de Herbart e de Dewey as características do método pedagógico que no meu entendimento se situa para além dos métodos novos 3 Não cheguei a elaborar por escrito a referida definição Entretanto minha insistência em diferentes oportunidades já produziu seus frutos Assim Carlos Roberto Jamil Cury tomou a si a tarefa de desenvolver o conceito de mediação como uma das categorias chaves de compreensão do fenômeno educativo Cury 1985 Algo semelhante ocorreu com Guiomar N Mello que construiu uma visão da escola a partir do conceito de mediação Mello 1982 DERMEVAL SAVIANI e tradicionais correspondeu a um esforço heurístico e didático cuja função era facilitar aos leitores a compreensão do meu posicionamento Em lugar de passos que se ordenam numa seqüência cronológica é mais apropriado falar aí de momentos articulados num mesmo movimento único e orgânico O peso e a duração de cada momento obviamente irão variar de acordo com as situações específicas em que se desenvolve a prática pedagógica Assim nos inícios da escolarização a Problematização é diretamente dependente da instrumentalização uma vez que a própria capacidade de problematizar depende da posse de certos instrumentos A necessidade da alfabetização por exemplo é um problema posto diretamente pela prática social não sendo necessária a mediação da escola para detectálo No entanto é fácil perceber que as crianças captam de modo sincrético isto é de modo confuso caótico a relação entre a alfabetização e a prática social já o professor capta essa relação de modo sintético ainda que em termos de uma síntese precária A instrumentalização no sentido de se passar da condição de analfabeto para alfabetizado se impõe E aqui o momento catártico é fixado com nitidez e em bora metaforicamente por referência ao sentido contido na frase de Gramsci dáse de fato uma elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens isto é a assimilação subjetiva da estrutura objetiva da língua E o alfabetizado adquire condições de se expressar em nível tão elaborado quanto o era capaz o professor no ponto de partida isto é ele se expressa agora não apenas oralmente mas também por escrito Em contrapartida se as pedagogias tradicional e nova podiam alimentar a expectativa de que os métodos por elas propostos poderiam ter aceitação universal isto deviase ao fato de que dissociavam a educação da sociedade concebendo esta como harmoniosa nãocontraditória Já o método que preconizo deriva de uma concepção que articula educação e sociedade e parte da consideração de que a sociedade em que vivemos é dividida em classes com interesses opostos Conseqüentemente a pedagogia proposta uma vez que se pretende a serviço dos interesses populares terá contra si os interesses até agora dominantes Tratase portanto de lutar também no campo pedagógico para fazer prevalecer os interesses até agora não domi nantes E esta luta não parte do consenso mas do dissenso O consenso é vislumbrado no ponto de chegada Para se chegar lá porém é necessário pela prática social transformar as relações de produção que impedem a construção de uma sociedade igualitária A pedagogia por mim denominada 60 ESCOLA E DEMOCRACIA 61 ao longo deste texto na falta de uma expressão mais adequada de pedago gia revolucionária não é outra coisa senão aquela pedagogia empenhada decididamente em colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de produção 4 PARA ALÉM DA RELAÇÃO AUTORITÁRIA OU DEMOCRÁTICA NA SALA DE AULA Com o enunciado da terceira tese procurei evidenciar como a Escola Nova a despeito de considerar a pedagogia tradicional como intrinsecamente autoritária proclamandose por seu lado democrática e estimulando a livre iniciativa dos alunos reforçou as desigualdades tendo portanto um efeito socialmente antidemocrático Ora assim como aquela terceira tese derivava diretamente das duas anteriores de tal modo que uma vez demonstradas as duas primeiras a ter ceira ficava evidente penso também que neste artigo após a superação das antinomias contidas nas duas teses iniciais fica também superada a antinomia própria da terceira tese Assim após as considerações anteriores resulta óbvio que ao denunciar os efeitos socialmente antidemocráticos da Escola Nova nem por isso estava eu defendendo que a relação pedagógica no interior da sala de aula devesse assumir um caráter autoritário Simplesmente importa reter que o critério para se aferir o grau em que a prática pedagógica contribui para a instauração de relações democráticas não é interno mas tem suas raízes para além da prática pedagógica propriamente dita Se a educação é mediação isto significa que ela não se justifica por si mesma mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação da ação pedagógica Considerandose como já se explicitou que dado o caráter da educação como mediação no seio da prática social global a relação pedagógica tem na prática social o seu ponto de partida e seu ponto de chegada resulta inevitável concluir que o critério para se aferir o grau de democratização atingido no interior das escolas deve ser buscado na prática social Se é razoável supor que não se ensina democracia através de práticas pe dagógicas antidemocráticas nem por isso se deve inferir que a democratização 62 DERMEVAL SAVIANI das relações internas à escola é condição suficiente de democratização da sociedade Mais do que isso se a democracia supõe condições de igualdade entre os diferentes agentes sociais como a prática pedagógica pode ser de mocrática já no ponto de partida Com efeito se como procurei esclarecer a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada agir como se as condições de igualdade estivessem instauradas desde o início não significa então assumir uma atitude de fato pseudodemo crática Não resulta em suma num engodo Acrescentese ainda que essa maneira de encarar o problema educacional acaba por desnaturar o próprio sentido do projeto pedagógico Isto porque se as condições de igualdade es tão dadas desde o início então já não se põe a questão de sua realização no ponto de chegada Com isto o processo educativo fica sem sentido Vejase o paradoxo em que desemboca a Escola Nova a contradição interna que atravessa de ponta a ponta a sua proposta pedagógica de tanto endeusar o processo de tanto valorizálo em si e por si acabou por transformálo em algo místico uma entidade metafísica uma abstração esvaziada de conteú do e sentido Ora com isso perdeuse de vista que o processo jamais pode ser justificado por si mesmo Ele é sempre algum tipo de passagem de um ponto a outro uma certa transformação de algo em outra coisa É enfim a própria catarse elaboraçãotransformação da estrutura em superestrutura na consciência dos homens Entendo pois que o processo educativo é passagem da desigualdade à igualdade Portanto só é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como democrático sob a condição de se distinguir a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada Conseqüentemente aqui também vale o aforismo democracia é uma conquista não um dado Este ponto porém é de funda mental importância Com efeito assim como a afirmação das condições de igualdade como uma realidade no ponto de partida torna inútil o processo educativo também a negação dessas condições como uma possibilidade no ponto de chegada inviabiliza o trabalho pedagógico Isto porque se eu não admito que a desigualdade é uma igualdade possível ou seja se não acre dito que a desigualdade pode ser convertida em igualdade pela mediação da educação obviamente não em termos isolados mas articulada com as demais modalidades que configuram a prática social global então não vale a pena desencadear a ação pedagógica Neste ponto vale lembrar que ESCOLA E DEMOCRACIA 63 se para os alunos a percepção dessa possibilidade é sincrética o professor deve compreendêla em termos sintéticos O professor deve antever com uma certa clareza a diferença entre o ponto de partida e o ponto de chega da sem o que não será possível organizar e implementar os procedimentos necessários para se transformar a possibilidade em realidade Digase de passagem que esta capacidade de antecipar mentalmente os resultados da ação é a nota distintiva da atividade especificamente humana Não sendo preenchida essa exigência caise no espontaneísmo E a especificidade da ação educativa se esboroa Em síntese não se trata de optar entre relações autoritárias ou demo cráticas no interior da sala de aula mas de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de democratização da sociedade A prática peda gógica contribui de modo específico isto é propriamente pedagógico para a democratização da sociedade na medida em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico Foi isso o que tentei indicar ao insistir em que a natureza da prática pedagógica implica uma desigualdade real e uma igualdade possível Conseqüentemente uma relação pedagógica identificada como supostamen te autoritária quando vista pelo ângulo do seu ponto de partida pode ser ao contrário democrática se analisada a partir do ponto de chegada ou seja pelos efeitos que acarreta no âmbito da prática social global Inversamente uma relação pedagógica vista como democrática pelo ângulo de seu ponto de partida não só poderá como tenderá dada a própria natureza do fenômeno educativo nas condições em que vigora o modo de produção capitalista a produzir efeitos socialmente antidemocráticos 5 CONCLUSÃO A CONTRIBUIÇÃO DO PROFESSOR Como assinalei na introdução o objetivo deste texto era prosseguir o debate iniciado em Escola e Democracia 1 a teoria da curvatura da vara Para isso lancei uma série de idéias que obviamente necessitam ser mais desenvolvidas e detalhadas Eventualmente poderá ser o caso de que elas necessitem ser retificadas Daí a importância de que se dê prosseguimento ao debate 64 DERMEVAL SAVIANI Entretanto penso não ser demais lembrar que o desenvolvimento o detalhamento e a eventual retificação das idéias expostas passam pela sua confrontação com a prática pedagógica em curso na sociedade brasileira atual Daí o interesse em que os professores as submetam a uma crítica impiedosa à luz da prática que desenvolvem Com isso espero também contribuir para que os professores revejam sua própria ação pedagógica auxiliados eou provocados pelas minhas posições Evidentemente a proposição pedagógica apresentada aponta na dire ção de uma sociedade em que esteja superado o problema da divisão do saber Entretanto ela foi pensada para ser implementada nas condições da sociedade brasileira atual na qual predomina a divisão do saber Entendo pois que um maior detalhamento dessa proposta implicaria a verificação de como ela se aplica ou não se aplica às diferentes modalidades de trabalho pedagógico em que se reparte a educação nas condições brasileiras atuais Exemplificando um professor de história ou de matemática de ciências ou estudos sociais de comunicação e expressão ou de literatura brasileira etc têm cada um uma contribuição específica a dar em vista da democratização da sociedade brasileira do atendimento aos interesses das camadas populares da transformação estrutural da sociedade Tal contribuição consubstanciase na instrumentalização isto é nas ferramentas de caráter histórico mate mático científico literário etc cuja apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos Ora em meu modo de entender tal contribuição será tanto mais eficaz quanto mais o professor for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global Assim a instrumenta lização desenvolverseá como decorrência da Problematização da prática social atingindo o momento catártico que concorrerá na especificidade da matemática da literatura etc para alterar qualitativamente a prática de seus alunos como agentes sociais Insisto neste ponto porque em geral há a tendência a desvincular os conteúdos específicos de cada disciplina das finalidades sociais mais amplas Então ou se pensa que os conteúdos va lem por si mesmos sem necessidade de referilos à prática social em que se inserem ou se acredita que os conteúdos específicos não têm importância colocandose todo o peso na luta política mais ampla Com isso dissolvese a especificidade da contribuição pedagógica anulandose em conseqüência a sua importância política Capítulo 4 Onze teses sobre educação e política oncluí o texto anterior sugerindo que a importância política da educação está condicionada à garantia de que a especificidade da prática educativa não seja dissolvida A compreensão do que foi dito requer delimitar mais precisamente as relações entre política e educação De uns tempos para cá tornouse lugarcomum a afirmação de que a educação é sempre um ato políti co Mas o que significa essa afirmação Obviamente tratase de um slogan que tinha por objetivo combater a idéia anteriormente dominante segundo a qual a edu cação era entendida como um fenômeno estritamente técnicopedagógico portanto inteiramente autônomo e independente da questão política Nesse sentido o slogan cumpriu uma função cuja validade se inscreve nos limites da teoria da curvatura da vara Com efeito se a vara havia sido curvada para o lado técnicopedagógico o referido slogan forçoua em direção ao pólo político Com DERMEVAL SAVIANI isto entretanto correse o risco de se identificar educação com política a prática pedagógica com a prática política dissolvendose em conseqüência a especificidade do fenômeno educativo Cabe pois indagar educação e política se equivalem se identificam Se são diferentes em que consiste a diferença Entendo que educação e política embora inseparáveis não são idênticas Tratase de práticas distintas dotadas cada uma de especificidade própria Em que consiste a especificidade de cada uma dessas práticas O problema de se determinar a especificidade da educação coincide com o problema do desvendamento da natureza própria do fenômeno educativo Tratase de uma questão nodal que vem ocupando o centro de minhas refle xões nos últimos anos Penso que é necessário enfrentála e acredito dispor já de algumas evidências que me indicam a direção que deverei seguir para elucidar tal questão Tal tarefa implica porém um projeto mais ambicioso impossível de ser desenvolvido a curto prazo Neste texto pretendo apenas adiantar alguns elementos relativos à natureza da prática educativa por confronto com a especificidade da prática política Uma análise ainda que superficial do fenômeno educativo nos revela que diferentemente da prática política a educação configura uma relação que se trava entre nãoantagônicos É pressuposto de toda e qualquer re lação educativa que o educador está a serviço dos interesses do educando Nenhuma prática educativa pode se instaurar sem este suposto Em se tratando da política ocorre o inverso A mais superficial das aná lises põe em evidência que a relação política se trava fundamentalmente entre antagônicos No jogo político defrontamse interesses e perspectivas mutuamente excludentes Por isso em política o objetivo é vencer e não convencer Inversamente em educação o objetivo é convencer e não vencer O educador seja na família na escola ou em qualquer outro lugar ou cir cunstância acredita estar sempre agindo para o bem dos educandos Os educandos por sua vez também não vêem o educador como adversário Acreditam antes que o educador está aí para ajudálos para possibilitar o seu desenvolvimento para abrirlhes perspectivas iniciálos em domínios desconhecidos Ainda quando tais características são negadas pelos fatos da superfície elas permanecem como suporte como a estrutura como o substrato que permite à relação manterse educativa Assim a rebeldia 66 ESCOLA E DEMOCRACIA 67 dos educandos tende a ser encarada pelo educador como um desafio que lhe cumpre superar conduzindoos à percepção de que eles próprios são os maiores prejudicados com tal comportamento Já no plano político a rebeldia da classe dominada tende a ser interpretada pela classe dominante como rebelião e como tal reprimida pela força As diferenças anteriormente assinaladas permitemnos entender por que em política seria ingenuidade acreditar que o adversário está na posi ção oposta porque está equivocado porque não compreendeu o seu erro e a validade da proposta contrária compreensão essa que uma vez atingida o levará a aderir à proposta que atualmente combate Por isso em geral o fato de um partido perder uma batalha eleições propostas etc não o demove de sua posição ao contrário ele passa para a oposição e continua fustigando o partido contrário buscando alterar a correlação de forças para na oportunidade seguinte reverter a situação Em suma ele pode ser ven cido mas não convencido Parece claro que em educação o comportamento é claramente diferente do anteriormente descrito Um professor por exemplo acredita que se ele fundamentar adequadamente os assuntos em torno dos quais se trava sua relação com os alunos se ele os expuser de modo claro se suas posições fo rem consistentes e os alunos chegarem ao entendimento de seu significado eles tenderão a concordar com ele Se isso não ocorrer é normal atribuir o desentendimento a uma insuficiente compreensão a algum tipo de equívoco Por isso é comum na relação pedagógica expressões do tipo se eu não estiver enganado se vocês me convencerem que estou errado etc compor tamento no mínimo inusitado numa assembléia ou num palanque Com as considerações anteriores espero ter esclarecido a nãoidentidade e em conseqüência a distinção entre política e educação Tratase pois de práticas diferentes cada uma com suas características próprias Cumpre portanto não confundilas o que redundaria em dissolver uma na outra a dissolução da educação na política configuraria o politicismo pedagógico do mesmo modo que a dissolução da política na educação implicaria o viés do pedagogismo político Entretanto se se trata de práticas distintas isso não significa que sejam inteiramente independentes dotadas de autonomia absoluta Ao contrário elas são inseparáveis e mantêm íntima relação Como se configuram as relações entre educação e política 68 DERMEVAL SAVIANI Primeiramente é preciso considerar a existência de uma relação interna isto é toda prática educativa como tal possui uma dimensão política assim como toda prática política possui em si mesma uma dimensão educativa A dimensão política da educação consiste em que dirigindose aos não antagônicos a educação os fortalece ou enfraquece por referência aos anta gônicos e desse modo potencializa ou despotencializa a sua prática política E a dimensão educativa da política consiste em que tendo como alvo os antagônicos a prática política se fortalece ou enfraquece na medida em que pela sua capacidade de luta ela convence os nãoantagônicos de sua validade ou nãovalidade levandoos a se engajarem ou não na mesma luta A dimensão pedagógica da política envolve pois a articulação a aliança entre os nãoantagônicos visando à derrota dos antagônicos E a dimensão política da educação envolve por sua vez a apropriação dos instrumentos culturais que serão acionados na luta contra os antagônicos Em segundo lugar cabe considerar que existe também uma relação externa entre educação e política ou seja o desenvolvimento da prática especificamente política pode abrir novas perspectivas para o desenvol vimento da prática especificamente educativa e viceversa Configurase aí uma dependência recíproca a educação depende da política no que diz respeito a determinadas condições objetivas como a definição de priorida des orçamentárias que se reflete na constituiçãoconsolidaçãoexpansão da infraestrutura dos serviços educacionais etc e a política depende da educação no que diz respeito a certas condições subjetivas como a aquisição de determinados elementos básicos que possibilitem o acesso à informação a difusão das propostas políticas a formação de quadros para os partidos e organizações políticas de diferentes tipos etc Por fim é de fundamental importância levar em conta que as relações entre educação e política cuja descrição esbocei conceitualmente têm existência histórica logo só podem ser adequadamente compreendidas enquanto manifestações sociais determinadas E aqui evidenciase por um outro ângulo a inseparabilidade entre educação e política Com efeito trata se de práticas distintas mas que ao mesmo tempo não são outra coisa senão modalidades específicas de uma mesma prática a prática social Integram assim um mesmo conjunto uma mesma totalidade Em sua existência histórica nas condições atuais educação e política de vem ser entendidas como manifestações da prática social própria da sociedade ESCOLA E DEMOCRACIA 69 de classes Tratase de uma sociedade cindida entre interesses antagônicos Está aí a raiz do primado da política Com efeito já que a relação política se trava fundamentalmente entre antagônicos nas sociedades de classes ela é erigida em prática social fundamental Percebese por aí que a autonomia relativa da educação em face da política e viceversa assim como a dependência recíproca anteriormente referida não têm um mesmo peso não são equivalentes Em outros termos se se trata de dependência recíproca é preciso levar em conta que o grau de dependência da educação em relação à política é maior do que o desta em relação àquela Poderíamos pois dizer que existe uma subordinação relativa mas real da educação diante da política Tratase porém de uma subordinação histórica e como tal não somente pode como deve ser superada Isto porque se as con dições de exercício da prática política estão inscritas na essência da sociedade capitalista as condições de exercício da prática educativa estão inscritas na essência da realidade humana mas são negadas pela sociedade capitalista não podendo se realizar aí senão de forma subordinada secundária Por aí penso podese entender o realismo da política e o idealismo da educação Com efeito acreditar que estão dadas nesta sociedade as condições para o exercício pleno da prática educativa é assumir uma atitude idealista Entretanto em relação às condições da prática política tal atitude resulta realista As reflexões supra estão em consonância com a posição segundo a qual a superação da sociedade de classes conduz ao desaparecimento do Estado Sabese que não se trata de destruir o Estado ele simplesmente desaparecerá por não ser mais necessário Ora o que significa isso senão a afirmação de que cessou o primado da política Essa questão fica ainda mais clara na formulação de Gramsci Sabemos que Gramsci alargou o conceito de Estado incluindo aí além da sociedade política aspecto coercitivo a sociedade civil aspecto persuasivo Nessa perspectiva o Estado não desaparece mas é identificado com a sociedade civil a qual absorve a sociedade política Quer dizer superada a sociedade de classes chegado o momento histórico em que prevalecem os interesses comuns a dominação cede lugar à hegemonia a coerção à persuasão a repressão se desfaz prevalecendo a compreensão Aí sim estarão dadas historicamente as condições para o pleno exercício da prática educativa Falei antes em exercício pleno da prática educativa como algo só possível num tipo de sociedade que se delineia no horizonte de possibilidades das 70 DERMEVAL SAVIANI condições atuais mas que não chegou ainda a se concretizar Isto porque a plenitude da educação como no limite a plenitude humana está condicio nada à superação dos antagonismos sociais Ser idealista em educação significa justamente agir como se esse tipo de sociedade já fosse realidade Ser realista inversamente significa reconhecêla como um ideal que buscamos atingir No processo histórico que implica o desenvolvimento e transformação da sociedade isto é a substituição de determinadas formas por outras educação e política se articulam cumprindo entretanto cada uma funções específicas e inconfundíveis Por ser uma relação que se trava fundamentalmente entre antagônicos a política supõe a divisão da sociedade em partes inconciliáveis Por isso a prática política não pode não ser partidária Em contrapartida a educação sendo uma relação que se trava fundamentalmente entre não antagônicos supõe a união e tende a se situar na perspectiva da universali dade Por isso ela não pode ser partidária Em outros termos a prática política apóiase na verdade do poder a prática educativa no poder da verdade Ora a verdade o conhecimento nós sabemos não é desinteressada Mas nós sabemos também que numa sociedade dividida em classes a classe dominante não tem interesse na ma nifestação da verdade já que isto colocaria em evidência a dominação que exerce sobre as outras classes Já a classe dominada tem todo interesse em que a verdade se manifeste porque isso só viria a patentear a exploração a que é submetida instandoa a se engajar na luta de libertação Eis aí o sentido da frase a verdade é sempre revolucionária Eis aí tam bém por que a classe efetivamente capaz de exercer a função educativa em cada etapa histórica é aquela que está na vanguarda a classe historicamente revolucionária Daí o caráter progressista da educação É este o sentido da afirmação de Gramsci segundo a qual a burguesia não consegue educar os seus jovens os quais se deixam atrair culturalmente pelos operários os jovens da classe dirigente se rebelam e passam para a classe progressista que se tornou historicamente capaz de tomar o poder Gramsci 1968 p 52 De tudo o que foi dito concluise que a importância política da educação reside na sua função de socialização do conhecimento É realizandose na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre sua função política Daí ter eu afirmado que ao se dissolver a especificidade da contribuição pedagógica anulase em conseqüência a sua importância política ESCOLA E DEMOCRACIA 71 As reflexões expostas podem ser ordenadas e sintetizadas nas teses seguintes Tese 1 Não existe identidade entre educação e política COROLÁRIO educação e política são fenômenos inseparáveis porém efetivamente distintos entre si Tese 2 Toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política Tese 3 Toda prática política contém por sua vez inevitavelmente uma dimensão educativa OBS As teses 2 e 3 decorrem necessariamente da inseparabilidade entre educação e política afirmada no corolário da tese 1 Tese 4 A explicitação da dimensão política da prática educativa está con dicionada à explicitação da especificidade da prática educativa Tese 5 A explicitação da dimensão educativa da prática política está por sua vez condicionada à explicitação da especificidade da prática política OBS As teses 4 e 5 decorrem necessariamente da efetiva distinção entre educação e política afirmada no corolário da tese 1 Com efeito só é possível captar a dimensão política da prática educativa assim como a dimensão educativa da prática política na medida em que essas práticas forem captadas como efetivamente distintas uma da outra Tese 6 A especificidade da prática educativa definese pelo caráter de uma relação que se trava entre contrários nãoantagônicos COROLÁRIO a educação é assim uma relação de hegemonia alicer çada na persuasão consenso compreensão Tese 7 A especificidade da prática política definese pelo caráter de uma relação que se trava entre contrários antagônicos COROLÁRIO a política é então uma relação de dominação alicerçada na dissuasão dissenso repressão Tese 8 As relações entre educação e política dãose na forma de auto nomia relativa e dependência recíproca Tese 9 As sociedades de classe caracterizamse pelo primado da política o que determina a subordinação real da educação à prática política Tese 10 Superada a sociedade de classes cessa o primado da política e em conseqüência a subordinação da educação 72 DERMEVAL SAVIANI OBS Nas sociedades de classes a subordinação real da educação reduz sua margem de autonomia mas não a exclui As teses 9 e 10 apontam para as variações históricas das formas de realização da tese 8 Tese 11 A função política da educação cumprese na medida em que ela se realiza como prática especificamente pedagógica OBS A tese 11 põese como conclusão necessária das teses anterio res que operam como suas premissas Tratase de um enunciado analítico uma vez que apenas explicita o que já está contido nas premissas Esta tese afirma a autonomia relativa da educação em face da política como condição mesma da realização de sua contribuição política Isto é óbvio uma vez que se a educação for dissolvida na política já não cabe mais falar de prática pedagógica restando apenas a prática política Desaparecendo a educação como falar de sua função política À luz das teses apresentadas como interpretar o slogan expresso na frase a educação é sempre um ato político Obviamente se se quer com isso afir mar a identidade entre educação e política tal slogan deve ser rejeitado Há porém duas situações em que essa afirmação pode ser levada em conta a tomandose o adjetivo político em sentido amplo em que a política se identifica com a prática social global como ocorre na afirmação de Aristóteles o homem é um animal político Mas nesse caso todo ato humano é político e caise com isso na tautologia e na indiferenciação No limite isso se expressa em frases do tipo tudo é tudo tudo é nada nada é tudo nada é nada Com efeito nesse âmbito podemos afirmar que tudo é político como tudo é educativo ou outra coisa qualquer Assim comer vestir amar brincar e cantar são atos políticos assim como são atos educativos etc b na medida em que se pretende evidenciar a dimensão política da educação Nesse sentido dizer que a educação é sempre um ato político não significaria outra coisa senão sublinhar que a educação possui sempre uma dimensão política independentemente de se ter ou não consciência disso conforme o enunciado da tese 2 E aqui vale lembrar que a recíproca também é verdadeira e que esse sentido não pode ser evidenciado senão quando se preserva a espe ESCOLA E DEMOCRACIA 73 cificidade de cada uma dessas práticas conforme os enunciados das teses 3 4 e 5 Com efeito eu só posso afirmar que a educação é um ato político contém uma dimensão política na medida em que eu capto determinada prática como sendo primordialmente educativa e secundariamente política Por fim cumpre lembrar que o exercício lógicoconceitual feito neste texto sobre as relações entre educação e política pode tanto auxiliar análises de situações concretas como pode ser aplicado a outros domínios como as relações entre educação e religião educação e arte educação e ciência Apêndice Setenta anos do Manifesto e vinte anos de Escola e democracia balanço de uma polêmica tema deste texto gira em torno da diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historiográfica Prelimi narmente penso ser relevante registrar que ao revisitar as teses provocativas do livro Escola e democracia não se está pretendendo reabrir a polêmica instaurada no início da década de 1980 Como toda produção humana tratase de um evento datado O que se procura é lançar sobre ele um olhar histórico buscando esclarecer os seus móveis e o seu significado No exercício desse olhar retrospectivo pretendo sugerir que por efeito de um deslocamento da análise do âmbito da abordagem polêmica para a abordagem historiográfica as teses enunciadas no livro Trabalho apresentado no Coloquio Nacional 70 anos do Manifesto dos Pioneiros um legado educacional em debate realizado em Belo Horizonte de 19 a 21 de agosto de 2002 e publicado em Maria do Carmo Xavier org Manifesto dos pioneiros da educação um legado educacional em debate Rio de Janeiro Ed FGV 2004 pp 183204 76 DERMEVAL SAVIANI Escola e democracia foram lidas por uma certa corrente da historiografia da educação brasileira nos anos de 1990 como uma espécie de Manifesto contra a Escola Nova e portanto como uma espécie de antiManifesto dos Pio neiros da Educação Nova um antiManifesto de 1932 Daí a pertinência dessa discussão ao ensejo da realização do coloquio comemorativo dos 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Esclareço ainda que essa iniciativa não quer significar a desautorização das leituras com as quais se vai estabelecer interlocução Um texto quando publicado sai do controle de seu autor ficando disponível para diferentes tipos de leitura não fazendo sentido portanto pensarse em leituras au torizadas e leituras nãoautorizadas O juiz soberano de cada leitura é o próprio leitor não sendo admissível qualquer forma de interdição ao menos no que concerne às regras que se convencionou adotar numa comunidade de intelectuais no contexto histórico em que nos encontramos É claro que essas mesmas regras implicam o respeito à fala do outro o que significa que deverão ser observados os requisitos técnicos de leitura e citação que evitem o máximo possível eventuais distorções dos textos lidos o que se impõe exa tamente para garantir a plena liberdade de leitura não devendo em hipótese alguma servir de pretexto para qualquer tipo de interdição Assim o que se apresenta a seguir é apenas um esforço no intuito de explicitar o significado do evento que se expressou na polêmica então levantada partindo de suas próprias motivações à luz das quais são avaliadas as leituras interpeladas Para os que compreendem a historiografia como intento de captar o signi ficado objetivo dos fenômenos históricos dirseia que o esforço em pauta consistiria em repor o sentido próprio do objeto analisado Para aqueles que entendem a historiografia como sendo constituída por diferentes maneiras de abordar os objetos históricos expressando portanto diferentes pontos de vista nenhum deles capaz de apreender o sentido próprio dos fenômenos investigados caberá dizer que o presente texto expressa a leitura do autor do livro Escola e democracia sobre seu próprio trabalho em interlocução com determinado tipo de leitura que sobre ele se produziu Vindo a público ele fica à disposição dos estudiosos da história da educação brasileira como mais um elemento a ser considerado na busca de compreensão desse objeto Assim sendo temse consciência de que na condição de um novo texto publicado também ele escapará ao controle de seu autor e estará sujeito a diferentes leituras ESCOLA E DEMOCRACIA 77 Para tratar do tema proposto o texto foi construído em cinco tópicos No primeiro enuncio de forma breve qual é para mim a temática central do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova No segundo tópico indico que o livro E scola e democracia surgiu num contexto marcado cinqüenta anos depois por uma motivação comum àquela que conduziu ao lançamento do Manifesto de 1932 a defesa da escola pública No terceiro tópico abordo a leitura da referida polêmica feita por Clarice Nunes O quarto tópico denominado Paschoal Lemme no Manifesto um estranho no ninho dos pioneiros discute a leitura feita por Zaia Brandão Finalmente no tópico quinto A Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara procuro esclarecer a diferença entre a abordagem polêmica e a abordagem historio gráfica eixo articulador de todo o texto 1 A TEMÁTICA CENTRAL DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA Dado o caráter abrangente do coloquio que contou com a presença de diversos estudiosos da questão os temas básicos do Manifesto são abordados e discutidos de forma pertinente em outras sessões do evento Não é pois meu objetivo tratar de forma sistemática das questões centrais do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova Apenas farei uma breve referência àquilo que para mim constitui a sua temática central Em minha leitura do Manifesto a idéia central que sempre vem à tona é a de que se trata de um documento de política educacional em que mais do que a defesa da Escola Nova está em causa a defesa da escola pública Nesse sentido o Manifesto emerge como uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes intelectuais pelo ensino universitário E esta me parece ser uma originalidade do caso brasileiro Com efeito na Europa o caso dos Estados Unidos deve ser considerado à parte as iniciativas que integraram o Movimento da Escola Nova via de regra se deram no âmbito das escolas privadas ficando à margem do sistema público de ensino Mesmo nos casos em que se pretendeu atuar no âmbito do ensino público a tentativa fracassou como foi o caso de Freinet na França que 78 DERMEVAL SAVIANI acabou sendo demitido de seu cargo como professor público no município de Vence Em conseqüência fundou sua própria escola onde desenvolveu suas experiências pedagógicas Como documento de política educacional o Manifesto expressa a posição de uma corrente de educadores que busca firmarse pela coesão interna e pela conquista da hegemonia educacional diante do conjunto da sociedade capacitandose conseqüentemente ao exercício dos cargos de direção da educação pública tanto no âmbito do governo central como dos estados federados O Manifesto apresentase pois como um instrumento político como é próprio aliás desse gênero literário Expressa a posição do grupo de educa dores que se aglutinou na década de 1920 especialmente a partir da fundação da Associação Brasileira de Educação ABE em 1924 e que vislumbrou na Revolução de 1930 a oportunidade de vir a exercer o controle da educação no país O ensejo para isso se manifestou por ocasião da IV Conferência Na cional de Educação realizada em dezembro de 1931 quando Getúlio Vargas chefe do governo provisório presente na abertura dos trabalhos ao lado de Francisco Campos que se encontrava à testa do recémcriado Ministério da Educação e Saúde Pública solicitou aos presentes que colaborassem na definição da política educacional do novo governo O impacto gerado pela solicitação de Vargas que tumultuou a Conferência Nacional de Educação seguido da resposta objetivada no texto do Manifesto divulgado em março de 1932 provocou o rompimento entre o grupo dos renovadores e o grupo católico que decidiu retirarse da ABE e fundar em 1933 sua própria asso ciação materializada na Confederação Católica Brasileira de Educação que realizou em 1934 o I Congresso Nacional Católico de Educação 2 O CONTEXTO EM QUE SURGIU ESCOLA E DEMOCRACIA A segunda metade da década de 1970 foi palco de um amplo processo de reorganização do campo educacional que assistiu à fundação de diversas entidades em âmbito nacional A par das associações de docentes da educação básica e de nível superior surgiu em 1977 a Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd em 1978 articulouse a criação ESCOLA E DEMOCRACIA 79 do Centro de Estudos Educação e Sociedade Cedes cuja ata de fundação data de 5 de março de 1979 e em 1979 foi criada a Associação Nacional de Educação Ande Recordome que por ocasião da fundação da Ande discutimos a idéia de refundar a ABE caso ela tivesse sido extinta ou reanimá la caso formalmente ainda continuasse existindo À vista da constatação de que ela ainda existia e verificando não ser possível reativála pela filiação maciça do grupo que discutia a criação dessa nova entidade decidiuse pela fundação da Ande Assim em lugar da Associação Brasileira de Educação surgiu a Associação Nacional de Educação que juntamente com a ANPEd e o Cedes organizou a partir de 1980 a série das Conferências Brasileiras de Educação as CBEs Curiosamente enquanto na década de 1920 surgia a Associação Brasileira de Educação que organizou as Conferências Nacionais de Educação no final da década de 1970 surgiu a Associação Nacional de Educação que foi uma das organizadoras das Conferências Brasileiras de Educação Ressaltese que à semelhança do Manifesto de 1932 o vetor dessa mobilização do final da década de 1970 era também a reorganização da educação pública como o ilustra o Decálogo em defesa do ensino público editado em 1982 no número 5 da revista da Ande por Guiomar Namo de Mello sob o pseudônimo de Kloé Isto porém sem a pretensão explícita de hegemonia que caracterizou o Manifesto como registram as cartas de Fernando de Azevedo a Anísio Teixeira a exemplo daquela de 12 de março de 1932 em que afirma é preciso estarmos vigilantes para obtermos desse Manifesto todo o efeito que procuramos já de irradiação de idéias já de consolidação do bloco ou do grupo que se vai lançar Xavier 2002 p 29 De fato a aspiração da Ande era elevar a qualidade do ensino público Para isso buscou estreitar os laços entre os intelectuais da educação e os profes sores da educação básica o que foi definido como o objetivo prioritário da revista fundada pela entidade A programação da I CBE realizada nos dias 31 de março e 1o e 2 de abril de 1980 previu um simpósio denominado Abordagem política do funciona mento interno da escola de primeiro grau localizado no primeiro dia logo após a abertura oficial do evento Como um dos três participantes da mesa e o último a falar diante do tema e das circunstâncias em que foi realizado o simpósio decidi imprimir um tom polêmico à minha exposição lançando mão da metáfora da teoria da curvatura da vara Partindo da suposição de que o ideário da Escola Nova havia se tornado hegemônico e nessa condição havia 80 DERMEVAL SAVIANI ganhado a cabeça dos professores imaginei que a esmagadora maioria das mais de mil cabeças que compunham a platéia do simpósio havia aderido ao esco lanovismo Defini então a linha de minha exposição que não estava baseada em texto escrito servindome da imagem da curvatura da vara propusme a inverter a posição dominante que considerava a Escola Nova portadora de todas as virtudes e de nenhum vício em contraposição à Escola Tradicional considerada portadora de todos os vícios e de nenhuma virtude Em minha exposição empenheime em destacar os vícios da Escola Nova exaltando em contrapartida as virtudes da Escola Tradicional A referida exposição foi gravada e depois de transcrita publicada no número 1 da revista da Ande lançada em 1981 Posteriormente esse artigo ao lado de outros três textos veio a compor o livro Escola e democracia cuja 1ª edição data de 1983 Assim embora a publicação do livro date de setembro de 1983 o primeiro capítulo denominado As teorias da educação e o problema da marginalida de foi escrito e publicado originalmente em 1982 como artigo no número 42 de Cadernos de Pesquisa Revista de Estudos e Pesquisas em Educação da Fundação Carlos Chagas O segundo capítulo Escola e democracia I a teoria da curvatura da vara resultou da exposição oral ocorrida no sim pósio Abordagem política do funcionamento interno da escola de primeiro grau que integrou a programação da I CBE O terceiro capítulo Escola e democracia II para além da teoria da curvatura da vara foi escrito e publicado em 1982 no número 3 da revista da Ande E o último capítulo Onze teses sobre educação e política foi escrito em 1983 especialmente para integrar essa publicação Portanto o conteúdo do livro Escola e demo cracia foi produzido e divulgado entre 1980 e 1983 Assim quando em 2002 comemoramos os 70 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova o livro Escola e democracia chegava ao vigésimo ano de circulação Ao longo desses 20 anos este livro foi objeto de muitas discussões especialmente o capítulo dois que intencionalmente abriu uma polêmica com a Escola Nova Num primeiro momento ocorrido ainda na década de 1980 as objeções vieram do interior das próprias teorias críticas da educação em especial na sua vertente marxista tendo alguns adeptos dessa tendência considerado o livro não suficientemente alinhado com as teses do marxismo Em atenção a essas interpretações no prefácio à 20ª edição Saviani 1988a redigido em janeiro de 1988 procurei esclarecer a relação entre as idéias aí expostas e a visão marxista O segundo momento situase já na década de ESCOLA E DEMOCRACIA 81 1990 quando as objeções são formuladas no âmbito da história da educação mais especificamente dirigidas ao suposto viés historiográfico que atravessa ria as análises apresentadas no livro Sobre essas objeções mantiveme até agora em silêncio Como assinalei no prefácio à 34ª edição Saviani 2001 redigido em outubro de 2001 olhando à distância posso considerar que o impacto pro vocado pela radicalidade da crítica que formulei suscitou reações com forte teor de emotividade o que não deixou de resultar em alguns equívocos interpretativos Assim diante do convite formulado pelo professor Luciano Mendes de Faria Filho ao propor a realização do coloquio entendi que esse evento comemorativo dos 70 anos do Manifesto aliado aos 20 anos da crítica contundente divulgada no livro Escola e democracia constituía uma boa oportunidade para um balanço dos acertos e desacertos das interpretações que se construíram em torno dessa questão Preliminarmente caberia assinalar como já o fiz nos prefácios mencio nados que embora a Escola Nova tenha sido posta no centro da polêmica Escola e democracia não é um livro contra a Escola Nova como tal A de núncia da Escola Nova foi apenas uma estratégia visando a demarcar mais precisamente o âmbito da pedagogia dominante então caracterizada como a pedagogia burguesa de inspiração liberal em contraposição ao âmbito de uma pedagogia emancipatória então identificada com uma pedagogia socialista de inspiração marxista Portanto não há nenhuma contradição entre o conteúdo do livro e o reconhecimento do caráter progressista do movimento da Escola Nova em especial na formulação contida no Mani festo dos Pioneiros da Educação Nova que sob alguns aspectos chegou mesmo a ultrapassar a concepção liberal burguesa de educação incorporando propostas que se inserem na tradição pedagógica socialista Ao longo da década de 1990 depareime diversas vezes com textos cujos autores declaravam pertencer a uma nova geração de pesquisadores em história da educação dos anos noventa que por oposição à geração dos anos oitenta estavam empenhados em resgatar a importância da Escola Nova na história da educação brasileira ou desvelar com base em pesquisa de fontes o papel de seus protagonistas considerandoos nem como heróis nem como vilões E obviamente entre os trabalhos citados da dita geração dos oitenta lá se encontrava E scola e democracia Ao ler esses textos dos novos autores constatava que em geral se tratava de trabalhos de boa qualidade conten 82 DERMEVAL SAVIANI do considerações pertinentes e relevantes sobre o objeto analisado Assim ficava com a impressão de que a menção aos anos de 1980 era desnecessária porque não interferia no caráter da análise apresentada além de por vezes não fazer justiça aos autores citados Por não me ter preocupado em colecionar todas as referências ao livro Escola e democracia constantes nos textos produzidos por essa autodenomi nada geração dos noventa e levando em conta também os limites dessa exposição vou restringirme aos trabalhos de Clarice Nunes e de Zaia Brandão que a meu ver são não apenas paradigmáticos mas além disso em especial aquele de Clarice Nunes constituem referências para os demais Com efeito via de regra os textos a que tive acesso e que invocam essa condição de pertencimento à geração de novos pesquisadores em história da educação ao se reportar a Escola e democracia geralmente tendem a se apoiar nas críticas formuladas por Clarice Nunes Um exemplo é o trabalho de Marcus Vinicius Cunha 1995 que na página 24 propõe explicitamente o recurso a Clarice Nunes Seguindo a mesma linha interpretativa dessa autora ele considera que em Escola e democracia que já se tornou também um clássico o próprio Saviani parece não dar muita atenção aos cuidados que cercaram seu trabalho anterior há pouco comentado Declara em seguida que eu no livro indicado estaria afirmando categoricamente que os princípios escolanovistas eram psicologistas idem ibidem No entanto no trecho que ele transcreve para documentar essa afirmação fica claro que com a Escola Nova teria havido um deslocamento de ênfase do lógico para o psicológico o que não significa a adoção do psicologismo e muito menos a sua afirmação categórica 3 A MANIPULAÇÃO DE CONCEITOS E DO PROCESSO HISTÓRICO NO LIVRO ESCOLA E DEMOCRACIA SEGUNDO CLARICE NUNES As críticas de Clarice Nunes foram formuladas no contexto da produção de sua tese de doutoramento Anísio Teixeira a poesia da ação defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio e repetiram se em diferentes publicações Aparecem no texto da tese Nunes 1991 pp 1418 e são mantidas na publicação da tese em livro em 2000 com o ESCOLA E DEMOCRACIA 83 mesmo título Anísio Teixeira a poesia da ação Nunes 2000 pp 2024 Uma referência mais condensada é feita também no artigo História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos publicada no número 6 da revista Teoria Educação Nunes 1992 pp 157 e 180 notas 11 e 13 Observo que na nota 11 se afirma Para uma revisão detalhada da obra de Nagle e da trajetória de apropriação de sua matriz por autores como Vanilda Paiva Dermeval Saviani Guiomar Namo de Mello e Paulo Ghiraldelli Jr ver nosso projeto de tese de doutorado A República Educadora Os intelectuais e a constituição da hegemonia nos anos vinte e trinta RJ Departamento de Educação da PUCRio 1988 Dado que esse projeto é mencionado também na própria tese assim como no livro que dela resultou e no texto que vou comentar abaixo Nunes 1996 p 38 nota 6 confesso que fiquei curioso e desejoso de examinar esse trabalho no qual como informado na nota se encontraria uma análise detalhada da questão que me envolve No entanto como ter acesso a uma fonte desse tipo Será que o Departamento de Educação da PUCRio arquiva os projetos dos alunos e assim mesmo aqueles que não resultam nas teses defendidas poderiam ser consultados Para efeitos desta exposição vou tomar como referência o texto publicado no livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil organizado por Silvina Gvirtz e publicado por Miño y Dávila Editores de Buenos Aires em 1996 Todas as observações que farei valem igualmente para as outras publicações já que os enunciados são idênticos em todas elas Faço essa escolha porque o livro Escuela Nueva en Argentina y Brasil traz os textos apresentados no Primeiro Seminário Binacional Escola Nova na Argentina e no Brasil Estado da arte e perspectiva da investigação realizado no Instituto de Investigações em Ciências da Educação da Universidade de Buenos Aires nos dias 22 23 e 24 de agosto de 1995 Como tal ensejou a manifestação de Ovide Menin diretor do instituto que sediava o evento Tratase de um respeitável investigador já de idade avançada e que por isso se pode dar à liberdade de expressar suas opiniões sem se preocupar com a diplomacia acadêmica Nessa condição não obstante se declarar não especialista no tema após destacar a importância do evento à vista da relevante contribuição trazida pela Escola Nova afirma 84 DERMEVAL SAVIANI Por eso me ha llamado la atención que hombres como Dermeval Saviani condenaran con notable desparpajo hace más o menos una década esta filoso fía educacional Critica que a mi juicio sea por sectarismo sea por apresurado análisis no aportó nada o muy poco a la historia epistemológica de la pedagogía contemporánea Es que los marxistas también suelen producir estas piezas his tóricas ligeramente dogmáticas Menin 1996 pp 78 Ignoro se Ovide Menin teve oportunidade de analisar o meu livro seja em português seja na versão em espanhol publicada pela Editorial Monte Sexto de Montevidéu Saviani 1988b seja ainda nos artigos publicados pela Revista Argentina de Educación Saviani 1983 a e 1987a e na Revista de la Educación del Pueblo do Uruguai Saviani 1986a 1986b e 1987b O fato é que independentemente de têlo feito ou não a espontaneidade de sua manifestação e o caráter incisivo de sua afirmação segundo a qual minha crí tica não trouxe nada ou muito pouco à história epistemológica da pedagogia contemporânea são indícios da tendência a considerar as teses enunciadas em Escola e democracia como formulações de caráter historiográfico em lugar de simples afirmações de caráter polêmico E a meu ver é essa tendência que marca a análise de Clarice Nunes que integra a mesma obra Passemos então ao exame das objeções formuladas No livro em questão o texto de Clarice Nunes denominado A escola nova no Brasil do estado da arte à arte do estudo encontrase entre as páginas 13 e 39 e contém três tópicos as representações instituídas pp 1420 a apropriação de Jorge Nagle e a defesa da tecnificação do campo educacional pp 2028 e as representações instituintes pp 2837 O enquadramento de meu trabalho encontrase no segundo tópico entre as páginas 23 e 27 Preliminarmente se faz necessário observar que Clarice Nunes tem um modo um tanto problemático de se apropriar das passagens dos textos a que se reporta Com efeito não utilizando aspas nem itálico ela produz no leitor o efeito de considerar que está parafraseando os autores referidos No entanto freqüentemente se trata de transcrições literais entremeadas com alguns conectivos ou palavras intercaladas no texto citado É assim que Clarice me insere em seu texto Diz ela O Movimento da Escola Nova teria em sua base a concepção humanista moderna através da qual a visão de homem está centrada na existência na vida ESCOLA E DEMOCRACIA 85 na atividade a existência precederia a essência e a natureza humana é mutável A educação passa a centrarse na criança no educando na vida na atividade Há formas descontínuas na educação já que o ritmo vital é variado determi nado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos e na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos 1980 pp 1819 apud Nunes 1996 p 23 Vejamos agora como está redigida a fonte dessa passagem citada Para facilitar a compreensão do leitor colocarei em negrito os trechos transcritos anteriormente por Clarice Nunes A concepção humanista moderna abrange correntes tais como o Pragma tismo Vitalismo Historicismo Existencialismo e Fenomenologia Diferentemente da concepção tradicional esboçase uma visão de homem centrada na existên cia na vida na atividade Não se trata mais de se encarar a existência como mera atualização das potencialidades contidas a priori e definitivamente na essência Ao contrário aqui a existência precede a essência Já não há uma natureza humana ou dito de outra forma a natureza humana é mutável determinada pela existência Na visão tradicional dáse um privilégio do adulto considerado o homem acabado completo por oposição à criança ser imaturo incompleto Daí que a educação se centra no educador no intelecto no conhecimento Na visão moderna sendo o homem considerado completo desde o nascimento e inacabado até morrer o adulto não pode se constituir em modelo Daí que a educação passa a centrarse na criança no educando na vida na atividade Admitese a existência de formas descontínuas na educação E isso em dois sentidos num primeiro sentido mais amplo na medida em que em vez de se considerar a educação como um processo continuado obedecendo a esquemas prédefinidos seguindo uma ordem lógica considerase que a educação segue o ritmo vital que é variado determinado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos admite idas e vindas com predominância do psicológico sobre o lógico num segundo sentido mais restrito e especificamente existencialista na medida em que os momentos verdadeiramente educativos são considerados raros passageiros instantâneos Saviani 1980 pp 1819 Comparandose os dois trechos citados vêse que a fonte foi truncada Retiraramse passagens que transcritas literalmente foram postas fora DERMEVAL SAVIANI do contexto em que se encontravam mudando o seu sentido Assim a concepção humanista moderna deixou de ser uma tendência ampla que engloba diversas correntes como o pragmatismo o vitalismo o historicismo o existencialismo e a fenomenologia ficando reduzida ao Movimento da Escola Nova No entanto o movimento da Escola Nova identificase mais propriamente do ponto de vista filosófico com a corrente do pragmatismo não cobrindo portanto o amplo espectro da concepção humanista moderna É o que se passou também com as formas descontínuas da educação Na fonte fazse referência a dois sentidos distintos um amplo e o outro restrito e especificamente existencialista Na transcrição os dois sentidos viraram um só Ora o segundo sentido estando referido especificamente à corrente existencialista não se aplica à Escola Nova que embora admita de modo geral a precedência da existência sobre a essência conforme o significado amplo que aparece no livro de Suchodolski 1960 La pédagogie et les grands courants philosophiques que cito em nota de rodapé nada tem a ver com o existencialismo como fica evidente no livro de Bollnow 1971 Pedagogia e filosofia da existência que também cito em nota de rodapé Indício da rele vância desse aspecto está no fato de que no início do terceiro capítulo de Escola e democracia introduzi um tópico específico com o título Pedagogia nova e pedagogia da existência Saviani 1983a pp 6466 em que escla reço que as expressões pedagogia nova e pedagogia da existência podem ser consideradas sinônimos com a condição porém de não se confundir pedagogia nova com escolanovismo e nem pedagogia da existência com pedagogia existencialista Na página seguinte Clarice afirma Para o autor ao enfatizar a qualidade do ensino a escola nova deslocou o eixo das preocupações do âmbito político relativo à sociedade em seu conjunto para o âmbito técnicopedagógico relativo ao interior da escola cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função manter a expansão da escola nos limites supor táveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses Com isso a escola nova ao mesmo tempo que sic aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites forçou a baixa da qualidade do ensino destinado às camadas populares já que sua influência provocou o afrouxamento da disciplina e das exigências de qualificação nas escolas convencionais 1980 pp 2425 apud Nunes 1996 p 24 86 ESCOLA E DEMOCRACIA 87 Todo esse parágrafo com exceção da expressão para o autor é trans crição literal embora não apareça entre aspas nem em itálico Esse mesmo trecho é também transcrito da mesma maneira no artigo História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos p 157 sendo que nesse caso como aparece logo após uma referência a Jorge Nagle o leitor concluirá que se trata de uma passagem de autoria de Nagle Confor me Clarice esclareceu em email a mim enviado ocorreu aí um problema técnico não detectado na revisão do texto da tese que se reproduziu quando do aproveitamento do mesmo material no artigo citado Voltando ao texto que estou comentando na seqüência Clarice afirma que tendo incorporado a tese de Nagle relativa à tecnificação do campo pedagógico Saviani não se dá ao trabalho de explorar a vislumbrada com plexidade em particular quando analisa o processo histórico concreto e mais especificamente o caso da sociedade brasileira E não o faz porque suas teses assim o exigem idem p 25 E menciona na seqüência as três teses que aparecem no texto Escola e democracia a teoria da curvatura da vara que figura como segundo capítulo do livro Escola e democracia a do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência b do caráter científico do método tradicional e do caráter pseudocien tífico dos métodos novos c de como quando menos se falou em democracia no interior da escola mais ela foi democrática e quando mais se falou em democracia menos ela foi democrática Clarice toma portanto essas teses como se eu pretendesse que elas fossem resultado de uma investigação historiográfica No entanto essas teses foram enunciadas explicitamente no exercício de um procedimento expresso na metáfora da teoria da curvatura da vara conforme se encontra registrado no texto do capítulo dois sendo reiterado no início do capítulo três nos seguintes termos No texto anterior partindo da suposição de que o ideário escolanovista logrou converterse em senso comum para os educadores isto é tornouse a forma dominante de se conceber a educação enunciei teses polêmicas visando a 88 DERMEVAL SAVIANI contestar as crenças que acabaram por tomar conta das cabeças dos educadores Meu objetivo era reverter a tendência dominante Uma vez que a concepção corrente na qual o reformismo acabou por prevalecer sobre o tradicionalismo tende a considerar a pedagogia nova como portadora de todas as virtudes e de nenhum vício atribuindo inversamente à pedagogia tradicional todos os vícios e nenhuma virtude empenheime no texto citado em demonstrar exatamente o inverso E o fiz por meio de três teses que enunciei e explicitei de modo sucinto Saviani 1983a p 62 E após reproduzir as três teses acrescento Como se percebe de imediato o próprio enunciado dessas proposições evi dencia que mais do que teses elas funcionam como antíteses por referência às idéias dominantes nos meios educacionais É este sentido de negação frontal das teses correntes que se traduz metaforicamente na expressão teoria da curvatura da vara Com efeito assim como para se endireitar uma vara que se encontra torta não basta colocála na posição correta mas é necessário curvála do lado oposto assim também no embate ideológico não basta enunciar a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos é necessário abalar as certezas desautorizar o senso comum E para isso nada melhor do que demonstrar a falsi dade daquilo que é tido como obviamente verdadeiro demonstrando ao mesmo tempo a verdade daquilo que é tido como obviamente falso Meu objetivo pois ao introduzir no debate educacional a teoria da curvatura da vara foi o de polemizar abalar desinstalar inquietar fazer pensar idem p 63 É evidente portanto que eu me situava nesse texto no âmbito do debate ideológico e não no plano da discussão historiográfica Esse ponto pareceme central para se compreender o viés interpretativo da maior parte das leitu ras que se produziram a respeito do livro Escola e democracia em especial no campo da história da educação Por isso voltarei a essa questão no final deste texto Espero então deixar claro que o procedimento denominado de teoria da curvatura da vara é bastante usual no trabalho intelectual tendo a própria Escola Nova dele se utilizado amplamente com a diferença de que para ela esse procedimento seria instaurador da verdade ao passo que para mim se apresenta tãosomente com o caráter de exercício intelectual questionador das verdades instaladas ESCOLA E DEMOCRACIA 89 Para não me alongar em excesso abordo um último ponto relativo ao papel da burguesia que Clarice considera ser o que lhe interessa em meus ar gumentos Diz ela Aproximamonos de Saviani quando visualiza a escola nova como mecanismo de recomposição da hegemonia da classe dominante mas nos distanciamos dele quando manipula conceitos e o próprio processo histórico para defender suas teses Nunes 1996 p 25 De fato se há alguma tese que eu defenda a respeito do papel da Escola Nova no âmbito da sociedade burguesa é esta relativa ao mecanismo de re composição da hegemonia da classe dominante As teses que segundo ela eu estaria defendendo por meio da manipulação de conceitos e do próprio processo histórico são como se mostrou anteriormente apenas antíteses introduzidas com o objetivo de polemizar E onde está a manipulação de conceitos e do processo histórico Clarice não mostra quando onde em que passagens dos meus textos se encontraria tal manipulação Ao fim e ao cabo ficamos pois com a seguinte conclusão No funda mental Clarice aproximase de minha posição As discordâncias expressas de forma tão contundente e tão bem traduzidas por Ovide Menin com a palavra desparpajo não passariam de um viés de interpretação decorrente do fato de se ter tomado como conclusões de pesquisa historiográfica enunciados que modestamente não pretendiam outra coisa senão questionar conceitos que supus tivessem se imposto ao senso comum dos educadores colocandome portanto no terreno da polêmica ideológica É evidente que o referido viés interpretativo em nada desmerece o imen so trabalho baseado em pesquisa de fôlego que Clarice Nunes desenvolveu para sua tese de doutoramento e que se materializou no belo profundo e abrangente texto denominado sugestivamente Anísio Teixeira a poesia da ação Simplesmente entendo que os comentários a meu respeito incluídos no primeiro tópico do texto denominado A educação do educador que fun ciona como uma espécie de introdução ao tema específico da tese que versa sobre Anísio Teixeira não eram exigidos pela pesquisa realizada Portanto suas críticas formuladas ao meu trabalho nenhum influxo exerceram sobre o caráter a consistência e a qualidade de sua investigação A menos que ela considere que meu trabalho serviu como uma provocação e pois como uma motivação para que ela mergulhasse a fundo nos arquivos e retornasse à superfície com um Anísio Teixeira reconstituído em toda a sua riqueza como homem intelectual político e educador dos mais brilhantes que nosso 90 DERMEVAL SAVIANI país já produziu Nesse caso eu me daria por feliz em ter contribuído ainda que pelo avesso para esse resultado O que então estaria mostrando que a polêmica instaurada não foi tão inócua ou tão negativa como sua crítica pretendeu mostrar 4 PASCHOAL LEMME NO MANIFESTO UM ESTRANHO NO NINHO DOS PIONEIROS Na pesquisa desenvolvida em função de sua tese de doutoramento Zaia Brandão retoma a abordagem de Escola e democracia limitandose ao texto Escola e democracia a teoria da curvatura da vara que como já foi informado veio a compor o segundo capítulo do livro Neste texto tomo como referência a publicação da tese sob a forma do livro A intelligentsia educacional Um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil Brandão 1999 O texto é construído de forma instigante procurando conduzir o leitor não apenas aos resultados da investigação mas também aos caminhos percorridos para se chegar às conclusões apresentadas Do ponto de vista técnicoformal apenas obser vo que ao efetuar as transcrições com a conseqüente remissão às páginas correspondentes Zaia tomou por base a publicação dos Anais da I CBE enquanto na bibliografia do livro não aparecem os Anais e sim a 1 edição do livro Escola e democracia Isso dificulta ao leitor a identificação da fonte utilizada e sua consulta para um eventual confronto A análise de meu trabalho localizase no item 13 da primeira parte denominada A desconstrução da memóriamonumento Dermeval Saviani e a fixação de uma nova memória Em princípio não tenho objeção a esse enunciado uma vez que de fato no texto referido eu me propus pelo pro cedimento da teoria da curvatura da vara já comentado no item anterior a desconstruir a memória instalada que certamente resultou da construção operada pelos Pioneiros de modo especial por Fernando de Azevedo aliás muito bem analisada na tese de Marta de Carvalho Molde nacional e forma cívica defendida em 1986 e publicada como livro em 1998 No entanto é bom que se frise eu não tinha em mira propriamente efetuar a crítica do trabalho dos Pioneiros mas desmontar o modo como o ideário da Escola Nova se fixou na cabeça dos professores ESCOLA E DEMOCRACIA 91 Em sua explanação Zaia Brandão revela ter feito uma leitura atenta do texto citando adequadamente e mantendo quando parafraseia o sentido captado na fonte utilizada Sua interpretação porém participa do mesmo viés de considerar as idéias por mim expostas como expressão de uma pesquisa historiográfica como o ilustra a seguinte passagem O problema deste tipo de análise é o de trabalhar no horizonte da substituição da memórialegada pelo seu avesso uma espécie de memórianegada A despositivação da memória dos pioneiros acabou positivando uma nova memória como a verdadeira Apesar da lógica dessa análise ela é bem pouco histórica em minha concepção de fazer história idem pp 4243 A essa passagem eu retrucaria o problema desse tipo de interpretação é que no caso em tela não estava em causa o fazer história Logo como diria Gramsci 1978 p 261 não se deve confundir uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Mas como já assinalei no próximo item penso esclarecer essa questão Antes porém me parece necessário abordar um outro aspecto da tese de Zaia Brandão que se refere à própria motivação que a levou a tomar Paschoal Lemme como objeto de estudo Zaia relata que seu interesse pelo estudo do pioneiro Paschoal Lemme decorreu da constatação de que se tratava de um marxista que como tal estaria pouco à vontade entre os signatários do Manifesto tendo em vista o silenciamento da matriz marxista pelo pensamento liberal hegemônico no campo da educação Brandão 1999 p 11 Em termos mais explícitos diz Zaia Minha pesquisa ao recuperar a reflexão de inspiração marxista entre os Pioneiros poderia contribuir ainda para comprovar uma outra face da desmobilização dos movimentos populares pelo escolanovismo a que marginalizava do debate educacional aquela reflexão idem ibidem Mas Paschoal Lemme ao ser abordado por Zaia Brandão longe de se considerar um estranho no ninho dos Pioneiros sentiase plenamente integrado no meio deles E recomendava à pesquisadora que revisse seu ponto de partida Procure eliminar de seu trabalho a idéia de que eu tenha sofrido restrições ou silenciamento por parte dos Cardeais depois que passei a trilhar um caminho independente em relação às concepções que eles adotavam sobre o fenômeno da educação idem p 12 aconselhou ele a Zaia Brandão 92 DERMEVAL SAVIANI E Zaia prossegue seu relato descrevendo as vicissitudes de sua aproxi mação com Paschoal Lemme em que se foi firmando a convicção contrária àquela corrente historiográfica basicamente de inspiração marxista que vinha transmutando os Pioneiros de heróis em vilões idem p 13 corrente esta em que obviamente fui enquadrado enquanto responsável pela desconstrução da memòriamonumento e a fixação de uma outra memória a do escolanovismo idem p 23 Nesse movimento ela enfim libertouse do hábito maniqueísta que não a deixava entrever a possibi lidade de haver um mínimo de compatibilidade entre liberais e marxistas na formulação de um projeto educacional àquela época e naquelas circuns tâncias idem p 15 Penso ser necessário registrar neste ponto que aquilo de que se trata no relato previamente sumariado diz respeito à leitura que Zaia estava fazendo do movimento da Escola Nova e da historiografia desse movimento o que não quer dizer que os representantes dessa historiografia coincidissem com essa leitura De minha parte pelo menos não me reconheço nessa leitura Com efeito não só não via incompatibilidade entre liberais e marxistas na formulação de um projeto educacional àquela época e naquelas circunstâncias como ao contrário me manifestei pela efetiva existência dessa compatibilidade Isto está explícito no próprio texto citado por Zaia como se pode verificar exatamente na passagem em que sou acusado de apagar todas as diferenças ambigüidades e contradições que atravessaram a história do movimento de escola nova entre nós idem p 45 Tratase da passagem em que afirmo que aqueles movimentos sociais de origem por exemplo anarquista socialista maximalista que conclamavam o povo a se organizar e reivindicavam a criação de escolas para os trabalhadores esses perderam a vez e todos os progressistas em educação tenderam a endossar o credo escolanovista idem pp 4445 Ora se todos os progressistas inclusive os marxistas tenderam a endossar o credo escolanovista então havia compatibilidade entre marxistas e liberais É certo que aí em razão do objetivo polêmico o discurso é radicalizado permitindo a interpretação de que o escolanovismo teria absorvido todas as tendências e anulado as diferenças No entanto o que está em causa é a percepção de que o objetivo modernizador colocou lado a lado liberais e marxistas compatibilizandoos portanto Referime a essa questão no texto O pensamento de esquerda e a educação na República brasileira ESCOLA E DEMOCRACIA 93 Saviani 1991 que correspondeu à conferência proferida no evento Um século de educação republicana realizado na Faculdade de Educação da Unicamp em novembro de 1989 Aí eu me reporto ao refluxo do movimento anarquista e ao surgimento do Partido Comunista que passa a se tornar predominante no pensamento de esquerda registro ainda a tese abraçada pelo Partido Comunista de que era necessário primeiro realizar a revolução democráticoburguesa como condição para se colocar posteriormente a questão da revolução socialista E faço a seguinte observação Nesse sentido talvez e essa é mais uma hipótese a ser estudada passamos a entender melhor por que do ponto de vista educacional não se chegou a uma formulação mais clara de uma proposta educacional de esquerda de uma pro posta educacional marxista de uma proposta educacional específica do Partido Comunista idem p 63 E reforço esse enunciado à guisa de conclusão Isso fica como hipótese a ser melhor investigada no sentido de se verificar em que grau essa perspectiva de uma revolução democráticoburguesa posta para as forças de esquerda permitia que elas se sentissem sintonizadas com o ideário escolanovista enquanto um ideário pedagógico que visava traduzir do ponto de vista educacional essa perspectiva e esse objetivo da chamada revolução democráticoburguesa idem ibidem Ora parece claro nessas citações em um texto que embora não sendo um estudo de caráter estritamente historiográfico tem um certo caráter analítico e não foi construído com o objetivo de polemizar que não há um empenho em se apagar as diferenças ambigüidades e contradições mas se está ao contrário procurando compreender o processo histórico e fora de qualquer perspectiva teleologica da história e de qualquer dogmatismo cautelosamente apresenta um enunciado na condição de hipótese a ser mais bem investigada Em suma o que estou querendo mostrar é que o ponto de partida da pesquisa de Zaia Brandão o silenciamento do marxismo de modo geral e de Paschoal Lemme em particular pelo pensamento liberal hegemônico não coincide com a minha visão dessa questão e portanto não poderia ser DERMEVAL SAVIANI tributada à fixação de uma outra memória o escolanovismo da qual eu teria sido o principal mentor Brandão 1999 pp 23 e 4046 Para mim foi ficando claro desde as primeiras leituras do Manifesto que não se tratava de um texto homogêneo o mesmo ocorrendo com o grupo dos Pioneiros E se essa leitura não fosse suficiente eu estava sendo alertado para o problema na interlocução com Luiz Antônio Cunha por meio de suas intervenções incidentais sobre o tema no decorrer dos debates que travamos entre 1978 e 1981 no grupo de doutoramento em educação da PUC de São Paulo lembrando que além de Paschoal Lemme entre os signatários do Manifesto podem ser tidos como socialistas Roldão Lopes de Barros Hermes Lima Edgard Sussekind de Mendonça Cunha 1994 p 146 O próprio Fernando de Azevedo em seu esboço autobiográ fico escrito na terceira pessoa e publicado no livro Figuras de meu convívio declarase socialista Suas idéias socialistas não resultaram apenas de leituras a que se atirou com sofreguidão quando se rompeu o seu isolamento nem só de meditação e de re flexões teóricas Elas tinham fundas raízes na observação das coisas e do mundo em que mergulhou por um encontro inesperado com as classes pobres em cuja intimidade lhe permitiu entrar um emprego obtido e com que dificuldades para cuidar de sua subsistência e poder prosseguir em seus estudos de direito Era o de um modesto auxiliar no escritório de conferentes no Loide Brasileiro Azevedo 1973 p 227 Sobre as leituras mencionadas de passagem ele informanos em outra obra História de minha vida Eu vinha lendo desde que deixei a Ordem Religiosa duas obras quase in teiramente desconhecidas entre nós as de Karl Marx e de Engels de um lado e a de Émile Durkheim de outro Aquelas sobre o Socialismo e esta sobre a Sociologia Rigorosamente fiel ao princípio que impõe distinção fundamental entre ciência e ideologia eu acabei tornandome sob a inspiração de Karl Marx um socialista e sob outras influências as de Durkheim sociólogo e um dos fundadores da Sociologia no Brasil Azevedo 1971 p 210 ESCOLA E DEMOCRACIA 95 No esboço autobiográfico Azevedo informa que a idéia e a aspiração de uma nova era clássica anunciada por Lunatscharsky lhe eram muito caras concorrendo para suas idéias socialistas E declarase socialista homem de esquerda como se diria depois Azevedo 1973 p 225 Esses depoimentos de Fernando de Azevedo mostram que efetiva mente o contexto em que surgiu o Manifesto com as características das subjetividades de seus protagonistas precisa ser compreendido na sua es pecificidade não sendo redutível a esquemas simplificados e muito menos maniqueístas Isso por outro lado não significa desconhecer que havia sim para o grupo hegemônico do movimento da Escola Nova no Brasil da época do Manifesto à testa o próprio Fernando de Azevedo uma desconfiança em relação ao pensamento de esquerda em especial ao marxismo Disso dá conta o texto de Marta de Carvalho O novo o velho o perigoso re lendo a Cultura Brasileira publicado em 1989 no número 71 de Cadernos de Pesquisa e citado por Zaia Brandão em sua tese de doutoramento Não deixa de ser surpreendente e também curioso o enquadramento do socialismo na sociologia positivista operado pelo pioneiro considerado por Luiz Antônio Cunha o líder da tendência liberal elitista Ganha todo o sentido portanto o enunciado de Antonio Candido em entrevista a Maria Luiza Penna se não aceitarmos a contradição não entenderemos Fernando de Azevedo Todo ele é contraditório Cunha 1994 p 140 5 A ESCOLA NOVA EXERCITANDO A TEORIA DA CURVATURA DA VARA No início do segundo capítulo de Escola e democracia inseri uma nota em que lembro que o procedimento nomeado pela metáfora da teoria da curvatura da vara é de certo modo uma característica da filosofia podendo ser encontrado nos diálogos platônicos na expressão maior da filosofia medieval a Summa Theologica de Tomás de Aquino por meio da expressão videtur quod non e em Descartes com a dúvida metódica adquirindo sua máxima expressão teórica com o advento da filosofia especificamente dialé tica inaugurada por Hegel Saviani 1983 p 63 Poderíamos no entanto considerar que se trata de uma atitude que se estende para além do campo 96 DERMEVAL SAVIANI estritamente filosófico manifestandose como uma característica bastante comum no âmbito do trabalho intelectual Enquanto metáfora a teoria da curvatura da vara é uma figura de linguagem A corrente da filosofia analítica da educação entendendo que a filosofia diz respeito à clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenômenos e não aos fenômenos propriamente ditos considera que o papel da filosofia da educação é fazer a assepsia da linguagem educacional depu randoa de suas inconsistências e ambigüidades Como tal essa corrente tem operado análises de diferentes tipos sobre a lógica do discurso pedagógico Israel Scheffler no livro A linguagem da educação examina além das metáforas educacionais as definições em educação os slogans educacionais e explora mais detidamente os vários contextos de uso do verbo ensinar em correlação com o verbo dizer No capítulo dois tratando dos slogans educacionais Scheffler começa por mostrar a diferença entre eles e as definições enquanto estas são consi deradas esclarecedoras aqueles são estimulantes tendo por função unificar as idéias e atitudes dos movimentos educacionais exprimem e promovem ao mesmo tempo a comunidade de espírito atraindo novos aderentes e fornecendo confiança e firmeza aos veteranos Scheffler 1974 p 46 Do mesmo modo que os slogans religiosos e políticos os slogans educacionais resultam de espírito partidário Diante disso Scheffler considera ocioso criticar um slogan por inadequação formal ou por inexatidão na transcrição do uso p 46 mas entende haver uma importante analogia entre eles e as definições Assim embora os slogans sejam símbolos unificadores de idéias e atitudes com o correr do tempo entretanto muitas vezes os slogans passam progressivamente a ser interpretados de maneira mais literal tanto pelos aderentes como pelos críticos dos movimentos que eles representam idem pp 4647 Por esse caminho eles tendem a ser considerados como argumentos ou doutrinas literais e não mais simplesmente como símbolos unificantes idem p 47 No caso da educação sublinha Scheffler diferentemente do âmbito político e religioso os seus agentes não estão sob o controle de uma doutrina oficial nem se encontram organizados em grupos confessionais Nessas circunstâncias as idéias educacionais formuladas primeiramente em textos cuidadosamente elaborados e muitas vezes difíceis cedo tornamse influentes em versões popularizadas entre os professores idem ibidem ESCOLA E DEMOCRACIA 97 E não há como controlar esse processo submetendoo a uma disciplina ou liderança que preserve a concepção em sua formulação original Scheffler resume suas considerações afirmando ser necessária uma crítica dos slogans tanto pelo aspecto literal quanto pelo aspecto prático devendo as doutrinas originárias ser objeto de uma avaliação independente À luz dessa análise considero relevante registrar que a crítica que for mulei ao ideário escolanovista por meio da teoria da curvatura da vara incidiu sobre as versões popularizadas isto é como se disse sobre o modo como esse ideário se fixou na cabeça dos professores Em nenhum momento esteve em causa as elaborações dos Pioneiros Eis por que considerei não pertinentes as referências ao meu trabalho na tese de Clarice Nunes já que Anísio Teixeira nunca esteve em pauta nas críticas que enderecei ao referido ideário Igualmente agora no caso da tese de Zaia Brandão nunca pus em questão no texto por ela citado os trabalhos de Paschoal Lemme Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira Mas voltando ao livro de Scheffler na seqüência ele vai tomar justa mente o exemplo da influência de Dewey observando que suas afirmações sistemáticas cuidadosamente formuladas e bem especificadas logo se traduziram em fragmentos de impacto que serviriam como slogans para as novas tendências progressistas da educação americana idem ibidem E apesar da reação de Dewey criticando essa forma de utilização de suas idéias o que não deixou de ser levado em conta dada a sua condição de líder inte lectual inconteste do movimento renovador os slogans progressistas foram cada vez mais assumindo uma vida própria passando a ser defendidos como afirmações literais e atacados como tais idem p 48 Após esses esclarecimentos Scheffler passa a analisar detidamente os slogans ensinamos crianças não matérias e não pode haver ensino sem aprendizado os quais se inserem no processo de difusão da Escola Nova Para efeitos desta minha exposição me limitarei a uma breve referência ao enunciado ensinamos crianças não matérias O que queremos dizer com essa expressão Do ponto de vista gramatical ela não se sustenta uma vez que o verbo ensinar é bitransitivo comportando pois tanto o objeto direto como o indireto Na verdade não é possível gramaticalmente dizer que se ensina nada a alguém nem que se ensina algo a ninguém De fato a ação de ensinar implica que algo seja ensinado a alguém Portanto deveríamos dizer que ensinamos matérias às crianças não fazendo sentido a afirmação 98 DERMEVAL SAVIANI de que ensinamos crianças não matérias do mesmo modo que não faria sentido afirmar que ensinamos matérias não crianças Então qual é a razão do enunciado Ora ele justificase exatamente na medida em que não se trata de uma definição mas de um slogan E enquanto slogan tem o caráter de um símbolo aglutinador de adeptos em torno da idéia da centralidade da criança no processo educativo Em outros termos partindo da consideração de que as atenções dos educadores se haviam voltado excessivamente para as matérias para o conteúdo da aprendizagem deixando em segundo plano as crianças que são ao fim e ao cabo a razão de ser do processo educativo cunhouse o lema ensinamos crianças e não matérias visando a alertar os professores para o fato de que sua preocupação principal deve girar em torno dos educandos a partir de cujos interesses o currículo e portanto o conteúdo devem ser organizados Impõese pois a conclusão ensinamos crianças não matérias é um slogan que a Escola Nova lançou contra a Escola Tradicional Em outros termos considerando que com a predominância da Escola Tradicional a vara foi entortada para o lado das matérias a Escola Nova exercitando a teoria da curvatura da vara buscou curvar a vara para o lado da criança Ao fazêlo entretanto por aquele mecanismo descrito por Scheffler segundo o qual os slogans passam a ser defendidos como afirmações literais o enunciado difundiuse como se fosse a pura expressão de uma verdade pedagógica Eis por que afirmei anteriormente que a Escola Nova se tem utilizado ampla mente da teoria da curvatura da vara considerandoa diferentemente do uso feito por mim como um dispositivo instaurador da própria verdade Pergunto então por que ao lançar mão da teoria da curvatura da vara acabei sendo acusado de manipular conceitos e o próprio processo histórico com o intuito de impor minhas teses sobre base empírica capenga Nunes 1996 p 26 utilizando esquemas analíticos globais prévios para o desenvolvimento das interpretações desejadas Brandão 1999 p 43 beirando à acusação de desonestidade conforme o significado de manipula ção aí implicado isto é manobra oculta ou suspeita que visa à falsificação da realidade Houaiss 2001 p 1838 Ora como já observei a teoria da curvatura da vara é utilizada com bastante freqüência nos debates in telectuais mas principalmente nas disputas desportivas religiosas políticas e ideológicas E como regra geral esse uso tende a tomar os enunciados correspondentes à figura de linguagem dos slogans como se fossem afirmações ESCOLA E DEMOCRACIA 99 literais vale dizer expressões verdadeiras A esse uso entretanto não se imputa o epíteto da manipulação ou da desonestidade Em contrapartida o uso que fiz foi de uma honestidade a toda prova Com efeito em nenhum momento deixei pairar no ar a suspeita de que eu tivesse a pretensão de enunciar alguma verdade ao me servir da teoria da curvatura da vara Ao contrário declarei em alto e bom som deixei explícito com todas as letras que eu estava curvando a vara para o outro lado que eu estava portanto forçando a barra estava invertendo o modo corrente de pensar E justamente esse uso que nada ocultou que pôs às claras o dispositivo que estava sendo acionado exatamente esse uso veio a ser taxado de manipulador Em suma como ensina a filosofia analítica é necessário distinguir os contextos de uso dos enunciados que compõem um discurso Ou como assinalou Gramsci a propósito da crítica de Croce à concepção marxista de superestrutura ideológica Algumas questões postas por Croce são puramente verbais Quando ele escreve que as superestruturas são concebidas como aparências não pensa que isso pode significar simplesmente alguma coisa de similar à sua afirmação da não definitividade ou seja da historicidade de toda filosofia Quando por razões políticas práticas para tornar um grupo social independente da hegemonia de um outro grupo falase de ilusão como é possível confundir de boafé uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico Gramsci 1975 pp 12981299 negritos meus E era isso o que estava em causa na virada da década de 1970 para a de 1980 tornar o grupo social dos professores autônomo em relação a um ideário que ele havia acolhido sem crítica e sem benefício de inventário Não estava em jogo desvelar uma suposta verdadeira história dos Pionei ros da Educação Nova nem a fixação de uma outra memória Por isso o contexto do discurso era a polêmica e não a historiografia Concluindo espero pela discussão que procurei fazer do tema relativo à controvérsia instaurada com a introdução da metáfora da teoria da curvatura da vara e dos usos que dela se fizeram na pesquisa historiográfica ter contribuído ao estabelecer a distinção entre os planos da polêmica e da historiografia para o debate em torno do legado educacional dos Pioneiros Um legado rico que como assinalou Libânia Nacif Xavier representa 100 DERMEVAL SAVIANI um divisor de águas na historia da educação brasileira interferiu na periodização de nossa história educacional estabelecendo novos marcos e fornecendo novas valorações a determinados princípios e idéias e a certas realizações no campo educacional Xavier 2002 p 71 Gostaria assim que minha crítica aos trabalhos que examinei neste texto fossem tomadas no sentido positivo de ajudar a refinar melhor nossas categorias teóricas e o móvel de nossas investigações alertarnos para o uso adequado das fontes em relação ao objeto de que tratamos evitando desfocálas do âmbito em que foram produzidas e dos alvos que buscaram atingir e advertirnos da importância dos procedimentos relativos à forma da exposição dos resultados a que chegamos de modo que possibilite sua compreensão clara por parte dos leitores Espero enfim ter contribuído na busca da superação dos equívocos interpretativos que a circulação dos nossos trabalhos acaba inevitavelmente por provocar Foi tãosomente o espírito de somar esforços no fortalecimento de nossa área de investigação que me moveu a enfrentar esse debate rompendo o silêncio em torno das interpretações produzidas no âmbito da historiografia da educação brasileira sobre o meu trabalho Anexo Carta de Zaia Brandão Rio de Janeiro 17 de setembro de 2002 Caro Saviani Somente hoje com muito interesse e grande respeito consegui ler o artigo que você me enviou há dias Conti nuar um diálogo compatível com o cuidado com que o texto foi desenvolvido exigiria certamente muito mais tempo do que disponho pela sua demanda Entretanto não gostaria de interromper o que julgo a via áurea da produção acadêmica o debate entre pares Esta é a razão porque optei pela carta Escrevo no mesmo dia em que fiz a leitura Tratarei diretamente da parte em que dialoga com a minha leitura a respeito do texto que você apresentou na lª CBE e que foi publicado em Escola e democracia 1983 Ele foi um dos seis textos que utilizei na primeira parte de minha tese que versava sobre a desconstrução da memóriamonumento de Fernando de Azevedo sobre o Movimento da Escola Nova no Brasil 102 DERMEVAL SAVIANI Você começa seu artigo mais recente explicitando o contexto e as intenções do autor você do texto apresentado oralmente na 1ª CBE e posteriormente publicado como Escola e democracia I a teoria da curva tura da vara Assinala o seu caráter polêmico e caracteriza a transposição indevida deste texto por alguns dos seus leitores incluindome entre eles para o campo da historiografia Neste sentido cita Gramsci como é possível confundir de boafé uma linguagem polêmica com um princípio gnosiológico p 22 Embora sua argumentação me tenha alertado sobre a impropriedade de tomar seu texto como historiográfica explicito abaixo o contexto e a intenção de meu texto pelo menos no que consigo recuperar dela por meio de um retomo reflexivo sobre a minha tese de doutorado na expectativa de evidenciar que apesar do equívoco no tratamento que dei a seu texto não houve máfé na utilização que fiz dele Do meu ponto de vista aquele texto desempenhou um importante papel na constituição de uma nova interpretação sobre a Escola Nova no Brasil ainda que a intenção do autor não tenha sido produzir historiografia Na época em que comecei a pesquisa sobre a presença de Paschoal Lemme entre os Pioneiros final da década de 1980 dominava na área da educação um imaginário bastante negativo sobre o protagonismo político da Escola Nova no Brasil Minha intenção objetivo da pesquisa então era construir uma interpretação do mesmo movimento tomando como material empírico o testemunhodepoimento de Paschoal Lemme e as fontes históricas que o percurso por entre essas memórias fossem me sugerindo ou oferecendo Na introdução do meu texto que você conhece explicito detalhadamente esse percurso inclusive indicando a suposição inicial de que a Escola Nova no Brasil tivesse contribuído para inviabilizar uma efetiva democratização do ensino fundamentada em boa parte na sua apresentação na 1ª CBE Do que consigo me lembrar neste esforço de retorno reflexivo o diálogo com o seu texto não estava claramente previsto ao iniciar a pesquisa embora a sua análise da Escola Nova estivesse conforme assinalei anteriormente subjacente ao problema que suscitou a pesquisa a importância do autor daquele texto no cenário educacional e muito especialmente a polêmica que levantara sobre o papel da Escola Nova não teriam como estar de fora do idioma geral do campo acadêmico à época em que comecei a desenvolver a minha pesquisa ESCOLA E DEMOCRACIA 103 Na medida em que prosseguia no percurso com Lemme por entre as memórias dos Pioneiros a interlocução com a memória de Fernando de Azevedo foi se tornando central para o entendimento de como se forjara um imaginário sobre o Movimento da Escola Nova no Brasil Foi portanto a força da memóriamonumento de Azevedo que me levou no contexto de um outro imaginário sobre a Escola Nova à metáfora heróisvilões O contraste portanto entre o imaginário sobre a Escola Nova nos dois momentos década de 1930 e década de 1980 decorreu do próprio processo de construção do meu objeto de pesquisa O processo de desconstrução da memóriamonumento de Azevedo foi um desdobramento necessário ao entendimento de como e por que se estaria fixando uma memória oposta àquela tão cuidadosamente urdida por Azevedo Com este objetivo recorri aos textos e autores mais citados sobre o tema Pioneiros e Escola Nova na tentativa de reconstruir o itinerário de leituras que teriam contribuído para a construção de uma outra e emblemá tica leitura do movimento da Escola Nova no Brasil Em meio a inúmeras hipóteses formuladas então selecionei quatro autores e textos que me pa receram constituir os pilares mais importantes desta nova leitura do campo da educação sobre o significado histórico e político da Escola Nova que se contrapunha marcadamente à leitura construída pelos Pioneiros Paschoal Lemme inclusive sobre aquele movimento No item 13 de minha tese explicito a minha leitura do seu texto à época Reafirmo hoje a minha convicção sobre a pertinência da correção que você faz àquela minha análise de seu texto de 1983 eu o questionava ali pela ótica da historiografia desconhecendo portanto os desdobramentos do tratamento esquemático e polêmico que você explicitamente conferiu ao texto A minha leitura portanto distorcia involuntariamente reafir mo a intenção do autor você apesar de a intenção do leitor eu ter sido explicitar as bases textuais da construção de uma contramemória à memóriamonumento de Azevedo Entretanto ainda agora nesta nova leitura que faço da minha tese 1992 e do seu texto de 1983 provocada por você continuo convencida de que mesmo não tendo sido a intenção do autor você desenvolver uma análise historiográfica o seu texto impactou fortemente a historiografia sobre o tema Com Eco 1993 partilho da opinião de que entre a intenção do autor 104 DERMEVAL SAVIANI e o propósito do intérprete leitor existe a intenção do texto servindo este o texto em última análise como elemento controlador da superinter pretação dos textos Espero que estes rápidos comentários motivados pelo seu paper venham a contribuir para motivar o debate sobre as condições e os desafios do processo de produção do conhecimento e sobretudo sobre a importância da escuta e do debate acadêmico no processo de aperfeiçoamento da pesquisa Receba um grande e afetuoso abraço de quem sempre admirou a seriedade e a competência que têm marcado a sua presença no meio acadêmico Zaia Brandão Referências bibliográficas Althusser Louis sd Ideologias e aparelhos ideológicos de Estado Lisboa Presença Azevedo Fernando de 1971 História de minha vida Rio de Janeiro José Olympio 1973 Figuras de meu convívio São Paulo Duas Cidades Baudelot Christian Establet Roger 1971 LÉcole Capitaliste en France Paris François Maspero Bollnow Otto F 1971 Pedagogia e filosofia da existência Petrópolis Vozes Bourdieu Pierre Passeron JeanClaude 1975 A repro dução elementos para uma teoria do sistema de ensino Rio de Janeiro Francisco Alves Bowles Samuel Gintis Herbert 1976 Scholing in Capitalist America New York Routlege Kegan Paul Brandão Zaia 1999 A intelligentsia educacional um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil Bragança Paulista Edusf Carvalho Marta Maria Chagas de 1989 O novo o velho o perigoso relendo a Cultura Brasileira Cadernos de Pesquisa São Paulo n 71 pp 2325 nov 106 DERMEVAL SAVIANI 1998 Molde nacional e fôrma cívica higiene moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação 19241931 Bragança Paulista Edusf Cunha Luiz Antônio 1994 Educação e classes sociais no Manifesto de 32 perguntas sem respostas Revista da Faculdade de Educação da USP vol 20 n12 pp 132150 jandez Cunha Marcus Vinicius 1995 A educação dos educadores da Escola Nova à escola de hoje Campinas Mercado de Letras Cury Carlos Roberto Jamil 1985 Educação e contradição elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo São Paulo Cortez Autores Associados Fedossiev P N dir 1983 Karl Marx biografia Lisboa AvanteMoscou Pro gresso Freire Paulo 1967 Educação como prática da liberdade Rio de Janeiro Paz e Terra Goldmann Lucien 1976 Ciências humanas e filosofia São Paulo Difel Gramsci Antonio 1968 Os intelectuais e a organização da cultura Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1975 Quaderni del carcere Torino Einaudi vol II 1976 Maquiavel a politica e o Estado moderno Rio de Janeiro Civili zação Brasileira 1978 Concepção dialética da história 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira Grisoni Dominique Maggiori Robert 1973 Lire Gramsci Paris Editions Universitaires Houaiss Antonio 2001 Dicionário Houaiss da lingua poutuguesa Rio de Janeiro Objetiva KloÉ pseudônimo de Mello Guiomar Namo 1982 Decálogo em defesa do ensino público Ande Revista da Associação Nacional de Educação n 5 p 3 Marx Karl 1968 Manifesto do Partido Comunista 2 ed São Paulo Escriba 1973 Contribuição para a Crítica da Economia Política Lisboa Estampa 1974 La ideología alemana Montevideo Pueblos UnidosBarcelona Grijalbo 1985 A miséria da filosofia São Paulo Global sd A questão judaica Rio de Janeiro Achiamé ESCOLA E DEMOCRACIA 107 Mattelart Armand 1976 As multinacionais da cultura Rio de Janeiro Civilização Brasileira sd Multinacionais e sistemas de comunicação São Paulo Ciências Humanas Mello Guiomar Namo 1982 Magistério de 1º grau da competência técnica ao compromisso político São Paulo Cortez Autores Associados Menin Ovide 1996 Encuentro Binacional Escuela Nueva en Argentina y Brasil estado del arte y perspectivas de investigación In Gvirtz Silvina comp Escuela Nueva en Argentina y Brasil visiones comparadas Buenos Aires Miño y Dávila Ed Nunes Clarice 1991 Anísio Teixeira a poesia da ação Tese Doutorado PUC Rio Rio de Janeiro 1992 História da educação brasileira novas abordagens de velhos objetos Teoria Educação n 6 pp 151182 1996 A Escola Nova no Brasil do estado da arte à arte do estudo In Gvirtz Silvina comp Escuela Nueva en Argentina y Brasil visiones comparadas Buenos Aires Miño y Dávila Ed 2000 Anísio Teixeira a poesia da ação Bragança Paulista Edusf Sánchez Vázquez Adolfo 1968 Filosofia da práxis Rio de Janeiro Paz e Terra Saviani Dermeval 1980 A filosofia da educação e o problema da inovação em educação In Garcia Walter org Inovação educacional no Brasil problemas e perspectivas São Paulo Cortez Autores Asssociados 1980a Educação do senso comum à consciência filosófica São Paulo Cortez Autores Associados 1983a Escola e democracia São Paulo Cortez Autores Associados 1983b Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad en América Latina Revista Argentina de Educación n 3 pp 729 1984 Ensino público e algunas falas sobre universidade São Paulo Cortez Autores Associados 1986a Las teorías de la educación y el problema de la marginalidad en América Latina Revista de la Educación del Pueblo n 32 pp 2434 1986b La teoría de la curvatura de la vara Revista de la Educación del Pueblo n 34 pp 614 1987a Escuela y democracia o la teoría de la curvatura de la vara Revista Argentina de Educación n 8 pp 923 108 DERMEVAL SAVIANI 1987b Más allá de la curvatura de la vara Revista de la Educación del Pueblo n 36 pp 2433 1988a Prefácio à 20ª edição In Saviani D Escola e democracia 20 ed São Paulo Cortez Autores Associados 1988b Escuela y democracia Montevideo Monte Sexto 1991 Educação e questões da atualidade São Paulo Cortez Livros do Tatu 2001 Prefácio à 34ª edição In Saviani D Escola e democracia 34 ed Campinas Autores Associados Scheffler Israel 1974 A linguagem da educação São Paulo Saraiva Snyders George 1977 Escola classe e luta de classes Lisboa Moraes Suchodolski Bogdan 1960 La pédagogie et les grands courants philosophiques Paris Les Ed du Scarabée Tradução portuguesa 1978 A pedagogia e as grandes correntes filosóficas pedagogia da essência e pedagogia da existência Lisboa Livros Horizonte Tedesco Juan Carlos 1981 Elementos para un diagnóstico del sistema educa tivo tradicional en América Latina In UnescoCepalPnud El cambio educativo situación y condiciones Informes Finales 2 Xavier Libânia Nacif 2002 Para além do campo educacional um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 1932 Bragança Paulista Edusf Zanotti Luís Jorge 1972 Etapas históricas de la política educativa Buenos Aires Eudeba Sobre o autor Dermeval Saviani nasceu em Santo Antônio de Posse no estado de São Paulo em 25 de dezembro de 1943 Sua Certidão de Nascimento porém registra a data de 3 de fevereiro de 1944 Cursou o primário no Grupo Escolar de Vila Invernada então periferia da cidade de São Paulo entre 1951 e 1954 e o curso de admissão ao ginásio em 1955 na Paróquia de São Pio X e Santa Luzia na Vila Diva também na periferia de São Paulo Em 27 de setembro de 1955 foi para Cuiabá em Mato Grosso tendo sido aprovado nos exames de admissão ao ginásio no Liceu Salesiano São Gonçalo De 1956 a 1959 cursou o ginásio no Seminário Nossa Senhora da Conceição de Cuiabá transferindose em 1960 para o Seminário do Coração Eucarístico de Campo Grande hoje capital do estado de Mato Grosso do Sul onde iniciou o curso colegial que teve prosseguimento em 1961 de novo no Seminário Nossa Senhora da Conceição de Cuiabá MT Iniciou os estudos filosóficos no Seminário Central de Aparecida do Norte no estado de São Paulo em 1962 tendo ingressado no curso de filosofia da Faculdade Salesiana de Filosofia 110 DERMEVAL SAVIANI Ciências e Letras de Lorena SP em 1963 Transferindose em 1964 para a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Bento da PUC de São Paulo aí se graduou bacharel e licenciado em filosofia em 1966 De 1967 a 1969 lecionou filosofia história e história da arte no Colégio Estadual Prof Ataliba de Oliveira no bairro de São João Clímaco na periferia de São Paulo Também em 1967 lecionou história e filosofia da educação no Curso Normal do Colégio Sion em São Paulo Em 1970 foi aprovado em Concurso Público de Ingresso ao Magistério Médio Oficial do Estado de São Paulo para provimento do cargo de professor secundário de ciências humanas III filosofia sociologia história da ciência e cultura brasileira contemporânea Em conseqüência assumiu a cadeira de filosofia no Colégio Estadual Plínio Barreto no bairro da Mooca na capital paulista E em 1971 foi aprovado em Concurso Público para Provimento do Cargo de Diretor do Ensino Secundário do Estado de São Paulo cargo que entretanto não chegou a assumir porque na ocasião da escolha das escolas já se encontrava na condição de professor em tempo integral na PUC de São Paulo Antes mesmo da experiência como professor no ensino médio foi convi dado para lecionar na própria PUCSP onde atuou no segundo semestre de 1966 como monitor da disciplina filosofia da educação no curso de pedagogia tornandose professor contratado em 1967 Em conseqüência inscreveuse para desenvolver estudos pósgraduados em nível de doutorado e obteve o título de doutor em filosofia da educação pela PUCSP em 1971 mediante defesa da tese O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei n 4024 de 20121961 publicada na forma de livro em 1973 com o título Educação brasileira estrutura e sistema Entre agosto de 1975 e março de 1978 atuou como professor titular da Ufscar quando presidiu a comissão que planejou o Programa de PósGraduação em Educação instalado em março de 1976 sob sua coordenação Em 1980 permanecendo como professor da PUCSP passou a atuar também na Unicamp onde em 1986 obteve o título de livredocente em história da educação ocasião em que defendeu a tese O Congresso Nacional e a educação brasileira análise do significado político da ação do Congresso Nacional na discussão e aprovação dos projetos que se converteram nas leis 402461 554068 e 569271 cuja publicação na forma de livro se deu em 1987 com o título Política e edu cação no Brasil o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino A partir de 1989 ingressou no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa RDIDP na Unicamp onde em 1990 foi aprovado no Concurso de Professor Adjunto na disciplina história da educação E em 1993 mediante aprovação ESCOLA E DEMOCRACIA 111 em Concurso Público de Provas e Títulos ascendeu ao cargo de professor titular de história da educação da Unicamp Entre 2002 e 2004 atuou como professor titular colaborador da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP campus de Ribeirão Preto colaborando na implantação do curso de pedagogia Sua experiência internacional iniciouse em dezembro de 1977 com um estágio de pesquisa no Institut dEtude du Développement Économique et Social Iedes Université de Paris I Sorbonne seguido em janeiro de 1978 de um estágio no Istituto Gramsci em Roma Em setembro de 1979 realizou intercâmbio acadêmico nas seguintes instituições da Alemanha Pädagogische HochschuleUniversidade de Colônia Pädagogische Hochschule Universidade de Münster Lateinamerica Institut de Berlim e Deutsches Institut für Pädagogische Forschung de Frankfurt Em 1982 1983 e 1985 ministrou como professor visitante no Programa de Mestrado em Educação da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales Flacso de Buenos Aires a disciplina teoría de la educación Em agosto de 1986 participou a convite da OEA do Seminário Interamericano sobre Educação Desenvolvimento e Democracia realizado em Washington DC USA Em fevereiro de 1987 a convite da Universidad de la República ministrou em Montevidéu dois cursos intensivos sobre correntes pedagógicas contemporâneas e principais correntes pedagógicas e sua aplicabilidade à realidade nacional e proferiu conferência sobre o tema Realidade e Perspectiva da Educação no Contexto LatinoAmericano A convite da Universidad Nacional de Luján participou do Encuentro de Departamentos Escuelas y Facultades de Ciencias de la Educación de Universidades Nacionales fazendo uma exposição sobre Los Postgrados en Brasil Ainda na Argentina proferiu conferência sobre o tema A pedagogia e os interesses da classe trabalhadora na casa Universitária Anibal Ponce em Buenos Aires De julho de 1994 a março de 1995 realizou estágio sênior pósdoutorado nas universidades italianas de Pádua Bolonha Ferrara e Florença Autor de grande número de trabalhos publicados na forma de livros 24 capítulos de livros 57 prefácios de livros 62 e de artigos 145 em revistas nacionais e internacionais concluiu 18 projetos de pesquisa e orientou 37 dis sertações de mestrado 48 teses de doutorado seis projetos de pósdoutorado e oito projetos de iniciação científica Ministrou cursos de pósgraduação como professor visitante em várias universidades federais na USP onde lecionou a disciplina filosofia da ciência no Programa de Doutorado em Enfermagem nas Universidades Estaduais de Maringá e Guarapuava no Paraná no Programa de PósGraduação da Flacso 112 DERMEVAL SAVIANI em Buenos Aires e na Universidade do Centro da Província de Buenos Aires em Tandil Argentina Integrou o Comitê Assessor do CNPq bem como os corpos de assessores da Fapesp Capes Inep e FaepUnicamp emitindo pareceres técnicos no campo da educação Fez parte do Conselho Editorial e do Conselho de Colaboradores da Revista Ande Revista de Educação AEC e revista Educação Brasileira É membro do Conselho Editorial dos seguintes periódicos revista Alpha da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Patos de Minas Revista Brasileira de Educação da ANPEd Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos do Inep Revista Brasileira de História da Educação da SBHE revista Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas revista Comunicações do Programa de PósGraduação em Educação da Unimep revista Diálogo Educacional do Programa de Mestrado em Educação da PUCPR revista Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria revista Educação e Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia revista Educação Linguagem da Universidade Metodista de São Paulo revista Educação e Pesquisa da Faculdade de Educação da USP revista Educação em Revista da Faculdade de Educação da UFMG revista Educação Sociedade do Cedes revista Espaço Pedagógico da Faculdade de Educação da UPF revista História da Educação da Associação SulRioGrandense de Pesquisadores em História da Educação revista Linhas da Universidade do Estado de Santa Cata rina revista Nuances da UNESPPresidente Prudente revista Perfiles Educativos do México Revista Práxis Educacional da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB revista ProPosições da Faculdade de Educação da Unicamp Revista Semina da Universidade Estadual de Londrina UEL Revista Trabalho Educação e Saúde da Fiocruz Participou ativamente da dinamização da comunidade científica dos edu cadores sendo sóciofundador da Anped Cedes Ande e Cedec e mais recente mente da SBHE De agosto de 1984 a julho de 1987 foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo onde relatou mais de cem processos emitindo os respectivos pareceres Foi coordenador do Comitê de Educação do CNPq coordenador de pósgraduação na Ufscar PUCSP e Unicamp diretor associado da Faculdade de Educação da Unicamp e primeiro presidente da SBHE Emitiu grande número de pareceres científicos para agências de apoio à pesquisa uni versidades associações científicas revistas e congressos da área de educação Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da Unicamp o Prêmio Zeferino Vaz de Produção Científica Atualmente é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do HISTEDBR Formado em filosofia pela PUCSP 1966 é doutor em filosofia da educação PUCSP 1971 e livredocente em história da educação Unicamp 1986 tendo realizado estágio sênior na Itália em 19941995 De 1967 a 1970 lecionou nos cursos colegial e normal Desde 1967 é professor no ensino superior Foi membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo coordenador do Comitê de Educação do CNPq coordenador de pósgraduação na UFSCAR PUCSP e Unicamp diretor associado da Faculdade de Educação da Unicamp professor titular colaborador da USP campus de Ribeirão Preto e sóciofundador da ANPED CEDES ANDE CEDEC e SBHE Sociedade Brasileira de História da Educação da qual foi o primeiro presidente Foi condecorado com a medalha do mérito educacional do Ministério da Educação e recebeu da Unicamp o prêmio Zeferino Vaz de produção científica Autor de grande número de trabalhos publicados atualmente é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas História Sociedade e Educação no Brasil HISTEDBR Esta edição especial comemora os 25 anos de lançamento do livro Escola e democracia que atingiu também em 2008 a quadragésima edição Como está indicado no título o eixo em torno do qual gira o conteúdo desta obra são as relações entre educação e democracia Se é razoável supor que não se ensina democracia por meio de práticas antidemocráticas nem por isso devese inferir que a democratização das relações internas à escola é condição suficiente de preparação dos jovens para participação ativa na democratização da sociedade Não se trata simplesmente de optar entre relações autoritárias ou democráticas no interior da sala de aula mas de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de democratização da sociedade A prática pedagógica contribui de modo específico isto é propriamente pedagógico para a democratização da sociedade na medida em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico Este implica uma desigualdade real no ponto de partida e uma igualdade possível no ponto de chegada UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CECA CENTRO DE EDUCAÇÃO COMUNICAÇÃO E ARTE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA 1 ANO MATUTINO Componente Curricular Filosofia Docente Prof Dr Lourivaldo do Nascimento Aparecida Favoreto Discente REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SAVIANI Dermeval Escola e democracia Campinas SP Autores Associados 2008 CITAÇÕES REFERENCIADAS CAPÍTULOS 1 E 2 A questão do ensino público deve ser colocada com objetividade ensinar a todos indistintamente o saber sistematizado pela humanidade tratar desigualmente os desiguais para garantirlhes igualdade de condições SAVIANI 2008 p 5 Saviani já anuncia uma de suas grandes preocupações a escola pública deve ser capaz de fornecer o conhecimento sistematizado a todos superando o assistencialismo ou propostas que apenas reproduzem a desigualdade de origem Constatase por conseguinte que a crise da escola é ao mesmo tempo reflexo da crise social mais ampla e expressão de uma crise particular da educação SAVIANI 2008 p 7 O autor relaciona o debate educacional com a conjuntura histórica a crise da escola não é isolada mas acompanha crises políticas sociais e econômicas No fundo o problema está em definir claramente o objetivo da escola transmitir cultura acumulada pela humanidade de forma sistemática e intencional para que todos possam apropriarse desse saber e transformálo em instrumento de intervenção social SAVIANI 2008 p 9 Saviani defende a concepção de escola como instituição mediadora do conhecimento Não basta socializar as crianças é preciso que elas se apropriem da cultura sistematizada tradicionalmente reservada às elites O debate pedagógico contemporâneo tem girado em torno da contraposição entre pedagogia liberal e pedagogia progressista SAVIANI 2008 p 12 Aqui Saviani apresenta o quadro das principais correntes da pedagogia caracterizandoas para em seguida analisálas criticamente A pedagogia tradicional tem por base a transmissão de conhecimentos sendo o professor detentor do saber e o aluno recipiente passivo o que leva a uma situação de reprodução social pois só alguns conseguem atingir os conteúdos propostos SAVIANI 2008 p 15 Ao analisar a pedagogia tradicional o autor destaca seu caráter meritocrático e sua limitação em promover a democratização efetiva do saber Comentário Saviani mostra que ao partir do pressuposto da igualdade formal a pedagogia tradicional acaba por legitimar e reproduzir as desigualdades sociais pois não dá conta da diversidade dos alunos Na linha oposta a pedagogia nova inspirada em Rousseau e Dewey valoriza a experiência do aluno o interesse e a atividade mas ignora o valor objetivo dos conteúdos e pode mascarar o abandono dos mais necessitados SAVIANI 2008 p 18 O autor aponta que a Escola Nova embora revolucionária ao assumir as diferenças individuais falha por não garantir o acesso ao conhecimento socialmente elaborado que é justamente instrumento de emancipação De um lado prescrevese uma educação voltada ao trabalho o que na prática destinase aos pobres de outro destinase às elites um saber mais elaborado e propedêutico SAVIANI 2008 p 22 Saviani ressalta o caráter dualista e excludente da escola brasileira a divisão entre uma escola de massa prática tecnicista e outra para as elites comprometida com a cultura abstrata e científica A pedagogia tecnicista instaurouse em função das necessidades do sistema produtivo capitalista enfatizando a eficiência a produtividade e a adaptação dos sujeitos negando o papel formador dos conteúdos culturais SAVIANI 2008 p 26 O tecnicismo adotado amplamente na ditadura militar é criticado por reduzir o aluno a objeto de adestramento sem lugar para reflexão crítica ou emancipação Comentário Para Saviani apenas transmitir técnicas ou habilidades é insuficiente para formar sujeitos autônomos e críticos capazes de intervir na sociedade A pedagogia progressista sobretudo na vertente críticosocial dos conteúdos busca combinar a transmissão sistemática do saber com a análise crítica da realidade formando sujeitos históricos e sociais SAVIANI 2008 p 28 Aqui Saviani aponta a direção de sua proposta e destaca a importância de um ensino que articule o domínio do conhecimento rigoroso e o compromisso com a transformação da realidade O saber escolar não é espontâneo nem produto natural das experiências cotidianas ele é resultado de um processo histórico de elaboração coletiva e seu acesso precisa ser garantido pela escola SAVIANI 2008 p 31 O autor recusa o espontaneísmo e defende a relevância do currículo escolar como caminho para superar desvantagens de origem especialmente para as camadas populares Ao recusar o papel central do professor as pedagogias nãodiretivas transferem para o aluno a responsabilidade pelo próprio fracasso escolar colaborando assim para a perpetuação das desigualdades SAVIANI 2008 p 34 Comentário Saviani mostra que a escola que desvaloriza o papel do professor ao não orientar de modo sistemático o acesso ao saber reforça a exclusão são os alunos já favorecidos que tendem a se apropriar do conhecimento enquanto os outros permanecem à margem A igualdade formal proposta pela pedagogia tradicional não é suficiente é preciso garantir condições diferenciadas para que todos alcancem de fato o domínio do saber SAVIANI 2008 p 36 O autor reafirma que a justiça escolar exige tratar desigualmente os desiguais para buscar efetiva igualdade de resultados Cabe à escola portanto propiciar a todos o acesso aos instrumentos de leitura crítica da realidade condição essencial à cidadania ativa e à transformação social SAVIANI 2008 p 38 Aqui Saviani conecta a função da escola à formação do cidadão capaz de compreender criticar e transformar o mundo em que vive e não apenas nele se adaptar O compromisso fundamental da pedagogia históricocrítica é com a universalização do acesso ao saber elaborado superando dualismos e fragmentações herdados das tradições anteriores SAVIANI 2008 p 39 Comentário A pedagogia históricocrítica de Saviani propõe uma síntese superadora dos limites das pedagogias precedentes integrando rigor intelectual compromisso social e universalização do saber A democratização da escola está na contramão da lógica do sistema capitalista pois pressupõe a universalização da cultura científica histórica e artística e isso vai de encontro ao processo de manutenção das elites SAVIANI 2008 p 40 Saviani encerra os dois primeiros capítulos afirmando que numa ordem social desigual a escola só cumprirá verdadeiro papel democrático se garantir acesso ao saber sistematizado promovendo assim a formação de sujeitos críticos e agentes da transformação social