·
História ·
História
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
358
A Escrita da História: Novas Perspectivas
História
UFAL
20
Pachukanis - Fascismo - Prefácio de Alysson Leandro Mascaro - Análise e Caracterização
História
UFAL
10
Narrativa e Narradores no Ensino de História - Análise e Reflexões
História
UFAL
18
Fundamentação Teórico-Metodológica do Projeto Político-Pedagógico
História
UFAL
1
Resenha Crítica sobre Dimensões da Participação Política Indígena na Formação do Estado Nacional Brasileiro
História
UFAL
26
As Mulheres Sem Nome: Desenvolvimento de Argumentos Jurídicos Baseados no Estatuto Feminino
História
UFAL
30
Fascismo e Fatos: Uma Análise de George Seldes
História
UFAL
5
O Método Comparativo na História: Vantagens e Aplicações
História
UFAL
9
Avaliação Bimestral de Didática - Curso de História
História
UFAL
9
A Civilização Feudal do Ano 1000 à Colonização da América
História
UFAL
Preview text
j J 3 1t CARLOS GUILHERME MOTA BIBLIOTECA DA EDUCAÇÃO Série 4 HISTÓRIA Volume 1 Dados de Catalogação na Publicação CIP Internacional Câmara Brasileira do Livro SP Brasil IDÉIA DE REVOLUÇÃO NO BRASIL 17891801 Mota Carlos Guilherme 1941 Idéia de revolução no Brasil 1789101 estudo das for mas de pensamento Carlos Guilherme Mota 2 ed São Paulo Cortez 1989 Bibliografia ISBN 852491926 1 Brasil História 17891801 2 Revoluções Bra sil 3 Revoluções Brasil Filosofia L Título 89989 CDD981012 32050981 321090981 Estudo das formas de pensamento 3 edição índices para catálogo sistemático 1 Brasil História até 1821 981012 2 Brasil Idéias revolucionárias Ciência política 321090981 3 Brasil Pensamento politico Ciência politica 32050981 4 Brasil Revoluções Ciência política 321090981 eJÇj67O Impresso no Brasil 1989 IDÉIA DE REVOLUÇÃO NO BRASIL Carlos Guilherme Mota Capa Edição de arte Roberto Yukio MalUo Foto Escada Eduardo Ayrosa col do Autor artefinal Maria Regina Da Silva Composição Linoarr Coordenação editorial Ana Cândida Costa Editoração Danilo A Q Morales Revisõo Maria Aparecida Amaral Ana Maria Barbosa Supervisõo editorial Antonio de Paulo Silva ti li bli C3WlZ61ff Aí1 g Afji UNIVERSIDRDE FEDERRL DE JUIZ DE FORR 1111111111111111111111111111111111 0020000020277 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autWização expressa do autor e do editor 1989 by Carlos Guilherme Mota Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Banira 387 Tel 011 8640111 05009 São Paulo SP CDClIPIFj lnvelldo 2003 r UE virá a companhia Inglesa e por sua vez comprará tudo e por sua vez perderá tudo e tudo volverá a nada e secado o ouro escorrerá o ferro e secos morros de ferro tapa rão o vale sinistro onde não mais haverá privilégios e se irão os últi mos escravOSe virão os primeiros camaradas Carlos Drul11mond de Andrade j 1 III IDÉIA DE REVOLUÇÃO FORMAS DE PENSAMENTO REVOLUCIONARIAS a A estabilidade perdida Modos de pensar Urbanização opinião pública e revolução A difusão de idéias A principal preocupação na colônia no fim do século XVIII está relacionada com fi ordem das coisas O ritmo da vida que se acentua extraordinariamente no Brasil nos últimos tempos do pe ríodo colonial provoca a angústia que se insinua em todas as esfe ras Reintroduzir o equilíbrio é o problema com o qual se defron tam nesse momento Se a atmosfera em que vivem é revolucionária o ideal é voltar à antiga situação As idéias revolucionárias são contrapostas às idéias de quietação como se observa em Tomás Antônio Gonzaga O pr6prio Tiradentes não estará preocupado senão em restaurar o ambiente Guiados pelos exemplos externos especialmente da América Inglesa 44 os coloniais brasileiros são homens inquietos que dis 42 ADIM IV 252 nos Autos de perguntas feitas a Tomás AntÔnio Gonzaga 43 Não é levantar dizia de 56 que para tal para restaurarmos a nossa terra nas suas palavras tornavase imprescindível uma reorganização do poder ver ADIM I 185 também por certo o caso de Domingos de Abreu Vidra Tenente Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas que não consentia que o seu nome interviesse em semelhante desordem ADIM I 94 44 Jô de se notar como tantos historiadores já chamaram a atenção que a revolução nas colônias inglesas funcionou como importante estímulo e exem plo aos coloniais brasileiros Importante é constatar porém que o termo revolução surge muito raramente nos documentos oficiais l especialmente raro para designar O movimento aqui intentado em 1789 Mesmo pata desig 36 cutem agressivamente sobre a situação dos negócios públicos da administração e que integrados às vezes apenas formalmente na vida social de uma monarquia absolutista colonizadora são alcan çados pelas transformações da mentalidade européia Possuem em alguns casos a consciência de que todos os homens são fiéis mui tos anos ao menos nas suas ações exteriores enquanto não chega o ponto e ocasião de deixarem de ser fiéis l É o regime absolu tista que começa a entrar em crise ao nível das consciências Nessa crise que expressa a desagregação de todo um regime e de urna colonização é gerado o espírito revolucionário Espírito revolucionário que de resto não é alimentado apenas por leituras importadas da Europa ou da América Inglesa Na verdade nesta margem do Atlântico encontramos toda uma problemática de raízes populares para pensar e entender o comportamento revolucionário Para perceberse a idéia que os coloniais faziam da Revo lução não basta um simples levantamento das ocorrências do ter mo Revolução Até pelo contrário encontrase com relativa dificuldade tal conceito O pesquisador que estiver preocupado com a análise de palavraschave deve lembrarse que para essa época conceitos como os de Revolução nem sempre aparecem saturados historicamente isto é claramente elaborados e explíci tos As dificuldades para os contemporâneos apreenderem o pro cesso por eles vivido começavam quase sempre pela inexistência de um equipamento conceitual adequado que de alguma forma já estava melhor estruturado em áreas de ocorrência de Revoluções burguesas como na França e na Inglaterra O conceito aparece freqüentemente implícito encoberto no Brasil Colônia É o caso em Minas Gerais do delator Inácio Corrêa Pamplona preocupado em achar urna justa idéia que bem pudesse mostrar ao Visconde de Barbacena o importante peso desta tão árdua como interes sante ação A justa idéia é evidentemente a idéia de Revolu ção Também para o representante do poder central Visconde ds W nar a revolução cm outras áreas o termo surge discretamente Vejas nuõ1 dos poucos exemplos ADIM I 168 em relação a revolução na América Inglesa J 45 ADIM V 136 Auto de continuação de perguntas feitas a Faustino Soa res de Araújo a 12 de outubro de 1791 YL 46 ADIM I 39 na denúncia do Mestre de Campo Inácio Corrê Pamplona 37 Barbacena o conceito de Revolução não surge explícito é quase sempre um grave negócio O padre mineiro Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas por sua vez nunca ouviu formar geralmen te conceito lixo nesta matéria18Grave matéria ou negócio não importa por trás de tais expressões escondese uma realidade complexa a Revolução Mais importante será observar que o levante era esperado em todas as Minas em toda Capitania 49 e em alguns casos em todo o Brasilê Nos ajuntamentos urbanos muitas vezes a opi nião pública se manifestou favorável aos sediciosos Se de um lado eram estimados pela mentalidade oficial como facinorosos mui tos tinham consciência por outro lado que sem eles não se fazem cousas grandes 51 É muito expressiva a posição do poder central na menciona da crise Suas medidas não eram imediatistas Dizia por exemplo Luis de Vasconcelos e Souza a Martinho de Melo e Castro em julho de 1789 referindose à atmosfera revolucionária das Minas que não havia pelo que recear quanto ao presente mas sim que prevenir para o futuro E a consciência revolucionária inquieta provocava a preocupação do ViceRei justamente porque o modo de pensar na Capitania de Minas começava a agravar o mau com portamento dos súditos o que era tanto pior quando o mesmo ViceRei sabia que tal modo de pensar naquela Capitania era quase o mesmo em todos os que de algum modo nela figuram Portanto é o modo de pensar que deve ser posto em discussão Já não se vive mais no momento em que as preocupações do poder central português estavam voltadas para questões como a do equilíbrio populacional entre Metr6pole e Colônia Agora nas últi mas décadas do século XVIII é a população colonial que está in quietá E nas Minas a inquietação será maior a partir da década 47 ADIM I 238 ofício do Visconde de Barbacena ao Desembargador Coelho Torres 48 ADIM I 200 grifo nosso 49 ADIM I 116 na inquirição da 7 testemunha Bacharel Soares de Castro 50 ADIM IV 266 nos Autos de perguntas a Gonzaga 51 ADIM IV 357 nos Autos de perguntas ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes 52 Carta datada de 17 de julho de 1789 do ruo de Janeiro Grifos nossos I dos 70 exatamente quando a produção aurífera já está diminuídaP Se antes as preocupações estavam voltadas para o controle dos movimentos de população em direção às minas 54 agora crescerão tanto os povos que fundarão as grandes vilas colocando em dis cussão a obediência devida ao monarca O estabelecimento de novos núcleos de interesse o enfraque cimento dos laços sociais existentes na Metrópole e de bases tra dicionais propiciaram o surgimento de novas visões do mundo que nem sempre eram percebidas pelas autoridades colonizadoras imersas nos valores da velha ordem55 Nos novos tempos com a diversificação dos interesses com a existência de núdeos urbanos recémconstituidos como o comportamento arrivista próprio de áreas recentemente colonizadas o dinheiro vencia tudo Vencia inclusive uma possível austeridade dos administradores As novas realidades escapavam por entre as peças de um aparelho adminis trativo ineficaz e que não se atualizara paralelamente aos avanços da colonização A indefinição e atropelo das funções administrati vas tão bem caracterizados por Caio Prado Júnior 51 acentuavam se nas Minas onde aos problemas da lavoura e da mineração ajun tavamse os oriundos de um processo de urbanização acelerado Os problemas postos pela colonização até aqui não apre sentavam características excepcionais até porque estavam circuns critos às zonas ribeirinhas ao Atlântico e voltados para a agricultu 53 A queda da produção já vinha de muito antes talvez mesmo da década dos quarenta mas foi nos sessenta e setenta quando o pagamento do quinto não atinge o vulto esperado é que se evidencia a decadência Daí tomarse freqüentemente esse período como sendo o marco do declínio de atividade em atitude que vem sendo corrigida por modernos pesquisadores que evi denciam que o declínio começou muito cedo 54 Triunfo Eucarístico Prévia Alocutória p 18 55 cujas idéias não perceberam os ditos Ministros ADIM VI 179 Há porém casos mais dolorosos de desajustamento ao mesmo tempo religio so político e militar como é o de Manoe1 de Santa Anna soldado do 2 Re gimento de Salvador que foi castigado com pauladas por causa dessas idéias sobre o dogma da Imaculada Conceição sobre Dona Maria I e sobre o regime francês Não parece ter dado resultado a tentativa de ajustamento a pauladas pois Santa Anoa desertou e participou posteriormente da Inconfi dência de 1798 dita dos Alfaiates 56 ADIM IV 178 57 Caio Prado Júnior Formação do Brasil Contemporâneo cap Adminis tração São Paulo Brasiliense 7 ed 1963 especialmente p 298 e 299 39 ra Ademais até o século XVIII há dificuldades em encontrar no Brasil e mesmo em outras áreas de colonização portuguesa centros ou cidades expressivas O controle da vida económica e a possibilidade de repressão aos eventuais distúrbios eram em grande parte facilitados pelo caráter litorâneo da colonização Mas a partir das três primeiras décadas do século XVIII a situação fora fundamentalmente alterada A definição de uma eco nomia diferente da que dominara a vida colonial distanciada das zonas portuárias criara um novo tipo de horizonte mental nova possibilidade de concepção das coisas e do mundo onde a Metró pole contava menos58 Nos recentes núdeos de povoamento fervilhavam outras idéias Fenômeno novo advinhase na vida da sociedade brasileira especialmente nas Minas as movimentações de opinião pública Já se vive de maneira menos estática sabese o que se dizia geral mente por todos 59 ouvese publicamente dizer 60 o que vogava pela Villa 61 as notícias vão se espalhando pela estrada 62 che gase em outra cidade e percebese vulgarizada a mesma novidade em que publicamente se falava63 A opinião pública já se torna influenciável fácil de ser orientada no sentido de incompatibilidade com os governos Em Minas Cláudio Manuel da Costa e o cônego Luís Vieira da Silva entre outros parecem ter espalhado notícias sobre instruções que teriam os governadores não s6 para limitar as riquezas dos colonos como também caso não lograssem êxito na limitação de suas posses para prendêlos por serem inconfi dentes e extraditálos para Portugal Como dizia o delator ao 58 Já se tem a idéia em 1734 em Minas por exemplo que Portugal deve ao Brasil grandiosos auxilios e quantiosos reddimentos sem duvida os rnayores a Coroa do Monarcha a America a gloria a afluencia das riquezas que lhe reparte todo Mundo o copioso e fino ouro que recebe em seus Reynos in Triunfo Eucarístico p 27 Em 1789 Tiradentes julgará escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de Iora ADIM I 109 contraditando uma das características básicas da colonização 59 ADIM V 187 nos Autos de perguntas a José de Sá Bittencourt 60 ADIM I 270 na inquirição do Cabo de Esquadra do Regimento de Cavalaria Regular Pedro de Oliveira e Silva 61 ADIM I 158 na inquirição do Padre José Lopes de Oliveira 62 ADIM I 270 inquirição de Pedro de Oliveira e Silva 63 ADIM I 275 Rio de Janeiro no caso O comentário de tudo seja a vida particular ou 0 procedimento das autoridades é também constantemen te referido em passagens das Cartas Chilenas 40 j 1 governador eram sementes qqe têm espalhado para fazer a Vossa Excelência odioso para com o povo 64 Neste final do século XVIII vivese em inquietação no Brasil As comunicações já de si difíceis tornamse apertadas à propaga ção do pensamento revolucionário 65 dado o maior controle da opinião pública e dos grupos inquietos A correspondência em es pecial é dificultosa e mesmo um autopoliciamento se insinua nas mentes sediciosas era preciso que se visse bem não levasse algu ma carta ou papel que lhe examinassem Afinal actualmente estavam as cousas melindrosas 66 murmuravase É assim que se cristalizam algumas posições de espírito na colônia Chegam as notícias por vezes a funcionar como verdadei ros catalisadores de opinião Boatos são captados e transmitidos não só nas altas camadas nos pequenos grupos ilustrados mas também nos homens rústicos e até nos últimos elementos da plebe São Ireqüentes nas Minas notícias de violências no Rio de Janeiro68 A turbulência dá às vezes a sensação de que se um gritasse todos o seguiriam 69 Nesta atmosfera de agitação fortalecemse opiniões como aquela segundo a qual tudo o que fosse homem do Reino havia de morrer E não há que excluir o elemento escravo de tal comportamento A presença dele se faz sentir não apenas na vida cotidiana na utilização de sua mãodeobra mas também nas ima gens que se construíram os nacionais e portugueses São muitos os episódios em que o negro é utilizado como portavoz afinal 64 ADIM I 3031 Denúncia do TenenteCoronel Basílio de Brito Ma Iheiro do Lago 65 Mesmo para áreas urbanizadas como em Minas Gerais constatase que os elementos responsáveis pela revolta os inconfidentes moravam em fazendas em grande distância um dos outros e nellas se demoravam por muitos mezes ADIM VII 70 66 Padre Bento Cortês de Toledo vigário de São José ver ADIM I 223 Observese também à p 226 no mesmo sentido 67 ADIM VII 118 Para Pernambuco em 1801 as formulações prove nientes da baixa plebe eram carregadas de insensatez Dessa forma é possível entrever também o earáter elassista de certas formas de pensa mento Consultese por exemplo D H Cx 64 68 ADIM r 179 6 Idem ibidem 70 ADIM r 106 TenenteCoronel do na inquirição de Basilio de Brito Malheiro do Lago 10 Regimento de Cavalaria Auxiliar de Paraearu 41 o perigo constante do escravo pesava de alguma forma nas cons ciências dos brancos escravizadores 1 nessa medida que os negros surgem como os responsáveis por pasquins subversivos que lhes são atribuidos 71quase sempre artificiosamente Sensível ao século o clero participava intensamente da in quietação Em todos os pontos da colônia encontramse religiosos voltados menos para os problemas de suas ordens que para os que incandesciam as almas de suas freguesias Desde o Rio de Ja neiro na Candelária 72 com alocuções inflamadas e prisões inespe radas até a alimentação de correspondência suspeita nas Minas 73 sem falar nos elementos dispersos pelo território que aproveitavam a oportunidade de uma oração fúnebre para imiscuirse em proble mas políticos 74 os elementos eclesiásticos funcionaram em núme ro expressivo de casos como verdadeiros agentes da Revolução contribuindo não raras vezes para o retorno das dissenções entre Igreja e Estado As idéias do século penetravam também as consciências da queles que seriam os esteios formais da ordem estabelecida os setores militares Não se suponha Com isso no entanto que sua totalidade estivesse anestesiada por tais novidades Mas aqui e ali eram encontradiços setores mais frágeis mais propensos a criticar a velha ordem Havia como é o caso de Minas justo receio de estar algum tanto contaminada das mesmas idéias a tropa regu 1ar75Não se deve esquecer e esta talvez não seja uma lembran ça banal que o próprio Tiradentes era militar Vivemse nas Minas no final do século XVIII momentos de insatisfação a lembrança de um passado perdido que propiciam novas atitudes e novos laços de solidariedade entre os homens Era nas tavernas que publicamente se formavam dis 71 Idem ibidem 72 Ver ADIM VI p 422 e 423 73 ADIM I 150 74 de alguma forma o caso de D Luís Antônio Carlos Furtado de Mendonça em sua Oração unebre recitada na capella Real da Corte do Rio de Janeiro nas solenes exequias da senhora D Maria I rainha lideiissim do reino unido de Portugal do Brasil e dos Algarves Rio de Janeiro Impressão Régia 1816 Coleção Lamego 75 ADIM VI 190 Carta do ViceRei D Luís de Vasconcelos e Souza para Martinho de Melo e Casrro dizendo da projetada Revolução de Minas 42 cursos sediciosos 76E mais não era necessário ser amigo antigo para beberse à saúde dos novos Governadores 77 numa crítica hostil aos atuais O ambiente de crise aproxima os elementos co loniais criando um vínculo diverso dos que caracterizavam a so ciedade até então Vêse o drama de um colonial envolvido na Devassa da Inconfidência Mineira preocupado em mostrar que não tinha amizade com o Tiradentes7S muito embora houvesse num brinde participado da crítica à ordem estabelecida Seria errôneo pensar entretanto que é um fenômeno urbano a revolta em Minas Não só se encontram referências na documen tação oficial às fazendas e áreas de faiscação também participam da inquietação simples viandantes como aquele encontrado na Serra denominada do Azevedo que tinha consciência de estarem as Minas em grande desordem79 Ainda aqui distante de centros urbanos voltase ao ponto central da inquietação que consiste na procura da ordem perdida Ordem que é procurada num mo mento em que o regime e o sistema estavam sendo postos em dúvida e discussão Por outro lado esses núcleos urbanos não eram isolados A necessidade de abastecimento abria canais de difusão de idéias Idéias que nem sempre eram adequadas ao ambiente aos quais chegavam Disso tinhase consciência em Minas O comércio ativi dade vital servia de via de cornunicaçâo para os pensamentos perigosos e as autoridades não raro com ele se inquietaramf 76 ADIM VII 154 Acórdão definitivo 77 ADIM VII 260 Ver também ADIM I 132 e 133 um delles e que era o mais fracaroupa em um copo de vinho proferira estas palavras La vae á saude de quem ainda dentre deste anno de oitenta e nove ha de ver novos governadores ao que o dito Costa lhe disse como novo Governador se ainda outro dia veiu o Senhor Visconde General e o refe rido fracaroupa lhe respondeu isto é cá outra cousa Em todo o caso sempre era mais grave fazer ceias de carne na quintafeira da Paixão com vivas a Bonaparte como aconteceu em Salvador em 1798 cf Braz do Amaral Conspiração Republicana da Bahia de 1798 in Fatos da Vida do Brasil Bahia 1941 p 11 78 ADIM VII 261 nos embargos apresentados pelo advogado José de Oliveira Fagundes 79 ADIM I 144 Grifo nosso 80 é bem perigoso que pela vizinhança e relação continua do COmIDer cio se possa communicar á esta Capitania tão grande mal que apenas pressentido devo procurar destruir ADIM VI 355 A formulação de 43 Não é razoável pensar porém na facilidade de tais veicula ções de idéias Até pelo contrário se não é a concentração urbana apenas que explica o revolucionarismo e sua difusão tornamse avultadas as dificuldades das comunicações Basta que se faça um levantamento das propriedades de alguns dos participantes da In confidência Mineira e logo se percebem problemas colocados pela distância dificultando a polarização dos interesses comuns É o caso por exemplo do sobrinho do vigário Carlos Corre a de To ledo que utilizou como álibi na Devassa o fato de estar isento de comunicações por trabalhar na Fazendal Em suma viviase num ambiente de opressão e incerteza de comunicação difícil mas onde a sensação de decadência invadia a todos Dadas as precárias condições econôrnicas dos tempos 82 as autoridades iam apertando tanto o povo com seus impostos e sua vigilância que ainda este desesperado havia de fazer algum levante e estabelecer a República 83 A procura de uma nova ordem inquietava os espíritos coloniais mais sensíveis Em tal ambiente de intranqüilidade e suspeita aos olhos das autoridades haveria de parecer subversivo até mesmo o compor tamento de um Gonzaga sempre tão meticuloso com seus bor dados seus tratados e suas odes ao não observar uso de luto pela morte do Infante Incorrerá em grave erro de perspectiva quem considerar as transformações brasileiras dos fins do século XVIII ausentes das indagações européias Sobre o Atlântico correram muitas informa ções muitas cartas dando conta aconselhando ou criticando a par ticipação brasileira na trama revolucionária Um bom exemplo de Ernest Labrousse ganha concreção ao mesmo tempo em que ilumina a rea lidade que intentamos explicar Or sur léconomique retarde le social quand limpulsion vient de léconomique Inversement le social retarde léconomique quand il a luimême linitiative Autrement dit la structure sociale est une résistence Mais sur le social le mental retarde à son touro Et le freinage du mental est plus fort de tous ta mentalité du milieu chan ge plus lenrernent que ce milieu luimême Introdução a LHistoire Sociale Sources et Méthodes Paris P U F 1967 p 5 81 ADIM II 177 no Auto de perguntas a Félix Corrêa de Toledo 82 Celso Furtado Formação Econ6mica do Brasil Rio de Janeiro 1959 p 114 83 ADIM IV 65 Palavras de Joaquim José da Silva Xavier o Tiradenres 84 ADIM IV 260 nos Autos de perguntas ao Desembargador Gonzaga 44 como na Europa se reagiu a tal participação pode ser colhido em José Álvares Maciel Deixou Maciel registrada em sua passagem pela Devassa a impressão que lhe causou a surpresa das Cortes européias pelas quais andou em relação à moleza e indolência com que o Brasil se tinha portado sem fazer o menor movimento nem a vista das Américas Inglesas85 A possibilidade de revolução foi sem dúvida pressentida por Maciel As conversas sediciosas eram triviais até em Lisboa e Coimbra 86 e delas com certeza participaram outros brasileiros A idéia de revolução ocidental e integração do Brasil em tal processo é enriquecida quando se percebe que realmente em Coimbra havia consciência de que se intentava levante no Brasil 87 e sobretudo quando se constata que posteriormente na própria sede da monarquia portuguesa após a sufocação da Revolução premeditada se tinha levado muito a mal esta acção das prisões 38 Se há inquietação nas colônias 89 também na metrópole ela se faz sentir O colonialismo é um sistema e alteração numa peça provoca modificações no conjunto b Projeção da Revolução no mundo das palavras Bem observadas as transformações dos fins do século XVIII no Brasil uma questão salta à vista os movimentos subterrâneos da sociedade se fazem sentir no universo das palavras À medida em que se avança na crise do sistema há mudança de atitude de espírito da descrição passase à interpretação e crítica das realida 85 ADIM IV 138 nos Autos de perguntas ao Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto 86 e que estando elle em Londres se publicara que no Rio de Janeiro tinham matado ao Ilmo e Exmo ViceRei cuja noticia até na Gazeta sahira e logo os Negociantes quizeram armar em defesa à3 cidade ADIM IV 138 e 139 Tal jornal parece ter sido recolhido depois pelas autoridades 87 ADIM III 370 testemunha 21 Provavelmente a carta referida é de estudantes e não de freira 88 ADIM III 187 89 Incluindose a de Goa em 1789 evidentemente e r 45 des Tal mudança de atitude pode ser observada através de alguns documentos expressivos Já se tem uma certa noção neste fim de século que os actos externos são demonstrativos dos internos 91 Os acontecimentos de superfície são regidos pelas transformações de profundidade é todo um sistema que está sendo posto em questão Também nas expressões encontrase tal mudança as palavras são conscientiza das ganham conteúdos novos e já se percebe que nem sempre são suficientes É preciso ir mais longe da palavra à obra do abs trato ao concreto 92 da quietação à Revolução O vassalo integrado no sistema já não funciona como carac terística indiscutível Por vezes ainda permanece apenas exterior mente enquadrado no sistema com um comportamento que não deixa dúvidas quanto à sua fidelidade à Coroa e à religião Suas formas de expressão são as típicas do regime Mas dadas as con dições desse fim de século ainda que seja occulro o animo com que se proferem as palavras não deixa contudo muitas vezes de conhecerse a intenção dellas pela pessoa que as profere segundo as circunstâncias de tempo lugar e modo 93 A inquietação freqüentemente é subterrânea as formas de exteriorização são apenas as consentidas pela ordem estabelecida e pelo ambiente As palavras consideradas isoladamente entretanto não cons tituem critério para medir a revolução e discutir as origens do pen samento revolucionário no Brasil Mesmo pelos contemporâneos como se observa no caso antecedente Até porque se há algo que preocupa largos setores colonizadores é o sentido das palavras Sabem já que por trás das mesmas podem estar ocultas realidades nem sempre agradáveis aos seus interessesP Este é um comporta 90 Antônio Cândido já notara que a veia poética cede lugar à politica Panfletos tratados de economia ensaios etc substituem a poesia que perde qualidade tomam o seu lugar no espírito dos melhores e contribuem para criar a atmosfera de cujo adensameoto sairiam as iniciativas de independência literária ln Formação da Literatura Brasileira São Paulo 1964 2 ed p73 91 ADIM VII 76 nos embargos apresentados a favor do réu Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade 92 ADIM VII 72 Grito nosso 93 ADIM VII 261 Grifos nossos 94 Está o regime num processo de crise em que é essencial para conservar ileza a Monarquia uma maior energia no Governo Vejase a carta de 46 mente encontradiço em todas as devassas realizadas na crise do sistema colonial português O esforço em pressentir realidades em levantar acontecimentos possíveis apura a utilização do vocabu lário favorece a elaboração de conceitos Por vezes são discutidas nesse ambiente de crise formulações que estão próximas daquelas sediciosas sem que no sentido de tais palavras indicassem pre cisamente a rebelião 95 É no ambiente de suspeita que as idéias de Cláudio Manuel da Costa podem exteriorizarse através de mysteriosas palavras 96 ou que se chega à conclusão que formu lações nãosediciosas expressas através das referidas palavras te nham algum sentido diverso do que ellas mesmas significam Há que perceberse que tais ocorrências ganham sentido na medida em que surgem num mundo de palavras sem malícia alguma 9 palavras que contêm comportamentos e expressões perfeitamente ajustadas ao sistema O estabelecimento de uma regra para se compreender a men talidade colonial é tarefa muito arriscada entretanto A coexistên cia de formas diversas de expressão e de compreensão do tempo dificulta sobremaneira tal pesquisa O perigo de cair num esque matismo que nada tenha a ver com a realidade deve ser evitado especialmente quando se verifica que nem sempre há relação direta 28 de setembro de 1798 datada do Palácio de Queluz de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal texto integral em Braz do Amaral op cit p 19 De um ponto de vista teôrico Mannheim já deixou claro no seu célebre ensaio sobre o Pensamento conservador que words never signify the sarne thing when used by different groups even in the sarne counrry and sligbt variations of meaning provide the best clues to the diffcrent trends of thought in a cornmunity in Essays on Socigy and Social Psychology 2 ed London Routledge and Kegan Paul 1959 p 77 95 ADIM VII 183 Acórdão definitivo Grifo nosso Por vezes não obs tante a palavra vem explicitamente referida à Revolução tal como aquele pardo do Sêrro que applicando disfarçadamente o ouvido percebeu a palavra levante in ADIM I 101 96 ADIM I 105 grifo nosso na inquirição do TenenteCoronel Basilio de Brito Malheiro do Lago 97 ADIM II 20 Grifo nosso Confrontar com ADIM II 27 a propósito de palavra e conceito 98 ADIM 371 II Grifo nosso Maliciosas são as palavras que indicam um comportamento divergente dentro do sistema Há que vislumbrar as media ções e entender a projeção ao nível das expressões das formações econômi cesociais concretas À ordem estabelecida colonizadora é que tais palavras surgem com ou sem malícia 47 e eficaz entre pensamento e ação fato aliás que alguns setores da população colonial já percebiam Considerados certos setores de Minas por exemplo há que observar que o ponderar que poderia o Brasil seguir a um Príncipe da Casa Real que cá viesse não tem nada com a Sublevação presente porque são discursos que muitas vezes occorrem em uma conversação sem que dahi se sigam idéias de sublevação99 No universo das palavras no Brasil dos fins do século XVIII há que distinguir porém as palavras faladas daquelas escritas De fato os pensamentos perigosos como os outros se espalham de maneiras diferentes e conforme o meio considerado Em Salvador por exemplo uma das maneiras de medir seus efeitos é analisar a indisciplina falta de subordinação máo estado em que se acha a Tropa dessa cidade Neste ambiente as palavras faladas ga nham importância pois chegase aqui a dizer que se ahi appare cessem algumas Tropas Francezas nem a Tropa resistiriatP Ainda em Salvador Agostinho Gomes homem Rico não fora acusado não apenas como uma das pessoas mais afeiçoadas aos princípios Francezes mas também como alguém de quem se diz que em SextaFeira da Paixão dera hum Banquete de carne 101 De fato o dizer assume imensa importância num momento em que a comunicação escrita não pontua as relações entre os homens Nessa medida é mais grave e excepcional a atuação de Ci priano Barata que associado a um músico não teve dúvida de publicar as suas depravadas paixões entre os rústicos povos já 99 ADIM IV 316 Notese que a fidelidade à Coroa permaneceria de algu ma forma O que importa ressaltar entretanto é que o poder central não é compreendido em termos absolutos e que uma atmosfera de crítica pode ser entrevista em tais formulações São idéias que muitas vezes ocorrem em uma conversação Por outro lado vale notar que neste trecho dos Autos é sugerida uma hipótese que antecipa de certa forma aquilo que de fato aconteceu na Independência algumas décadas mais tarde O Brasil realmen te veio a seguir um Príncipe da Casa Real Na problemática do tempo já era cabível nos espíri tos dos coloniais uma solução que de fato se concreti zou graças a uma alteração no equilíbrio europeu devida a Napoleão com a invasão da Península Ibérica que provocou a transmigração para o Brasil da familia real portuguesa Vale lembrar que outra solução era aventada em Salvador em 1798 quando brindes eram levantados a Napoleão 100 Ofício de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal 4 de outubro de 1798 integra in Braz do Amaral op cit p 1213 101 Idem ibidem 48 com palavras já com escriptos feitos huns novos legisladoresU Este talvez seja um aprofundamento significativo da inconfidência baiana em relação à mineira a agitação que é feita também por escrito 103 e sempre com uma sólida marca popular Seria sem sentido pensar que o aparelho administrativo por tuguês funcionou como uma s6 peça fria e radicalmente intole rante Também para ele as palavras devem ser discutidas pensadas e julgadas Embora nem sempre possam ser encontrados nesse apa relho elementos ponderados como o ilustrado D Fernando José de Portugal percebese que não se devia dar crédito indiscrimina damente às acusações que nascessem do simples ouvir dizer de voz vaga diria D Fernando por não terem os acusados pro nunciado factos ou palavras que dessem a conhecer o seu mau pensarIOolNessa linha de raciocínio é que se pode bem avaliar a importância de testemunhas e de delatores para os acontecimentos que não se enquadrassem nas coordenadas do sistema a palavra oral assumia grande importância uma vez que a escrita não se disseminara c Do abstracto ao concreto A sistematização da Revolução falhada a passagem do abs trato ao concreto o caminho da palavra à obra foi melhor realizado pela repressão De fato nas Devassas encontramos o denominador comum num certo tipo de mentalidade que informa o poder central em crise poder central colonizador lOs Talvez im precisamente vamos denominála mentalidade oficial 102 Denúncia do Padre José da Fonseca Neves datada de Nossa Senhora do Monte a 3 de maio de 1798 íntegra in Braz do Amaral op cit p 13 Grifo nosso 103 Braz do Amaral diz que vários escritos foram afixados nas esquinas de Salvador além daqueles que foram introduzidos no hospício da Palma dos frades agostinhos na igreja dos frades capuchinhos à Piedade e na da Lapa op cit p 20 104 Carta de Fernando José de Portugal a Rodrigo de Souza Coutinho datada da Bahia de 13 de fevereiro de 1799 íntegra in Braz do Amaral op cit p 15 a 18 O trecho citado é da p 16 105 Uma das expres5Óesmais acabadas da mencionada crise está num trecho da áspera carta de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal 49 Melhor que os revolucionários de 1789 e 1798 perceberam os repressores que há fases diversas no processo revolucionário É bem verdade que mais uma vez as palavras funcionaram como elementos de indicação de revolta e ao mesmo tempo de resistência à Devassa Especialmente em Minas as diligências tornaramse dificulto sas por ser a conjuração só tratada de palavrasl06 Era difícil estabelecer precisamente o número de vassalos infiéis 107 e não tendo havido factos 108 como estipular a punição Como saber daqueles que como diria Gonzaga foram tomados pelas idéias e paixões de uma Sedição d A idéia de Revolução e seus problemas Não parece haver muitas dúvidas de que o conceito de revo lução foi melhor elaborado pela reação É nela que encontramos a consciência nítida de que movimentos de tal natureza têm diver sos instantes sucessivos quais sejam cogitação intenção as sociação e conjuração plano e modo de executarem Tais são as fases colocadas de maneira extremamente didática no Acór dão definitivo das Devassas da Inconfidência em Minas109 E um tanto desolador verificarse que apesar da atmosfera altamente revolucionária não houvesse nenhum plano claro estabelecido de 4 de outubro de 1798 já citada Repito novamente a V Ex de ordem de Sua Magestade que premio e castigo são os dois Polos sobre que estriba se toda a Machina Politica e que no momento presente toda a uigilancia contra os máos be indispensavel e absolutamente necessaria e que V Sa sera responsável de ioda a frouxidão que houver na execução destas Reaes Ordens Grifos nossos 106 ADIM VI 377 no oflcio do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres ao ViceRei 107 ADIM VI 379 idem 108 ADIM VI 377 idem 109 ADIM VU 190 A propósito sempre vale lembrar para um período mais avançado em relação àquele em que situamos esta análise as posições de Silvestre Pinheiro em sua Mem6ria Política sobre os Abusos Geraes e modo de os Reformar e Prevenir a Revolução Popular de 1814 e 1815 in RlHCB LI p 239 a 378 e especialmente Sierra y Mariscal Tdeas Ceraes sobre a Revolução no Brasil e suas conseçuencies 1823 ABN n 4344 50 pelos sediciosos das diversas áreas com passos bem marcados com articulações bem ponderáveis Em Minas por exemplo falase do levante mas nem sempre se fala nos projectos porque estes ainda não haviam 110 São raras e desconexas as informações res peitantes a um Planot Não obstante observase certa noção do fenômeno em elemento como o TenenteCoronel Domingos de Abreu Vieira que ouvia as conversas sediciosas com o intento unicamente de observar o estado e progressos daquelle negocio e os sujeitos que nelle interessavam para ver o rumo que tomava semelhante desordernL Em Salvador perguntavase em alguns setores Que fazem estes malditos Povos que se não levantão Para quando se guardão m e falavase de maneira vaga em dignissima revolução fruição da dita revolução e liberdade Il liberdade igualdade e fraternidade do Povo bem como Liber dade Popular 115 Já no Rio de Janeiro baseavamse os indiciados em idéias da Sagrada Escritura que assim como dá poder aos Reis para castigar os Vassalos o dá aos Vassalos para castigar os Reis 116 Se a discussão realizada até aqui balizada na ocorrência de palavras não ganha concreção de maneira facilmente perceptível poderseia apelar para um recurso que por certo tornaria mais ponderáveis os resultados obtidos em tal discussão Partamos do que é mais visível a verificação pura e simples de que conceitos como o de Revolução são mais freqüentes na Bahia que em Minas Gerais Talvez não ganhe tanto sentido se não nas lembrarmos que os setores em que ocorrem não só são mais populares como também compostos de população mais jovem 117 110 ADIM VII 133 no embargo a favor do réu Faustino Soares 111 ADIM I 94 112 ADIM II 26 Grifo nosso Ver ainda sobre sua recusa à participação em ADIM I 93 e 94 113 Denúncia do capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos Joa quim José de Santa Anna também cabeleireiro Integra in Braz do Amaral op cit p 4953 Trecho cit p 50 114 5 aviso ao Povo Bahiense in Braz do Amaral op cit p 42 115 8 aviso ao Povo Bahiense in Braz do Amaral op cit p 43 116 Abertura da Devassa Ordenada pelo ViceRei Conde de Resende 1794 ABN 61 1939 117 Os revolucionários bahianos de 1798 diz Braz do Amaral estavam quase todos entre os 17 e os 30 anos op cit p 10 51 Ig Jf Por outro lado neste final de século XVIII há uma certa noção no Brasil que as notícias e idéias podem ser associadas à condição socialP Assim é que certa vez o SargentoMor das Or denanças de Minas Novas Manoel Antônio de Moraes não deu importância a uma informação do levante que estaria por estourar em todas as Minas simplesmente porque tal informação provinha de grupos de baixa posição social As informações e o valor das idéias são avaliados através de uma concepção hierárquica da sociedade Ilustrativo também é o caso do revolucionário Luís Gon zaga em 1798 em Salvador que além de tudo tem implicações de ordem racial fizera ele requerimento ao Governador da Bahia pedindo para ser indicado para o regimento de milícias dos homens pardos dizendo que estes deveriam ser tratados como brancosl Não é de se desprezar ainda o caso de Tiradentes que por ter sido preterido quatro vezes 121 nas promoções militares acabou l sendo engrenado violentamente no processo revolucionário Pois bem por baixo de cada uma das formulações indicadas está a base social e racial comandando e explicando a ação dos agentes Estudar as formas de pensamento sem considerar suas origens sociais bem corno as camadas da sociedade em que tais formas ganham sentido pode redundar em perda de visão do pro blema central É a análise da base social que torna possível a compreensão do surgimento veiculação ou adaptação de conceitos e expressões Para a compreensão da idéia de Revolução no Brasil no pe ríodo considerado é necessário observar que os elementos colo niais já tinham certa consciência do que era ser rico ou ser 118 E também à situação racial COmose verá 119 ADIM I 233 Entrevêse aqui a possibilidade ou não de difusão de idéias condicionada à situação na escala social dos grupos considerados 120 Cf Braz do Amaral op cit p 21 121 Ver ADIM IV 45 Tal indicação é preciosa uma vez que contém boa medida para avaliarse o problema da ascensão social através da ativi dade militar O ressentimento e a atitude crítica em relação ao sistema provém daqueles setores que não foram bem integrados digno notar no caso de Tiradentes o preconceito racial em relação aos negros várias vezes perceptível nas suas manifestações Vejase por exemplo sua idéia de que é necessário restaurarmos a nossa terra que fazem de nós Negros ín ADIM I 185 nos Autos de perguntas a Tiradentes 52 pobre 122 e de que como estas condições faziam com que parti cipassem de maneiras diversas e por vezes antagônicas no processo em curso É nessa perspectiva que se pode entender a perplexidade de alguns cidadãos coloniais que foram convidados para participar da sublevação em Minas como aquele 123 que não era rico Se não o era por que fora convidado Ou a desculpa daquele outro que era pobre e totalmente sem meios de poder servir cousa alguma na dita sublevação124 A noção de que deve haver meios para a açâo é dado seguro para avaliar quais as ligações entre propriedade e Revolução no Brasil no final do século XVIII12S Especialmente quando se observa que no Rio de Janeiro por exemplo esboçavase uma tendência revolucionária da qual de resto os mineiros tinham notícias tendência que possuía como elementos dinamizadores alguns comerciantes que eram suportes de consciência de interesses bem defiriida desejavam que a revo lução principiasse por lá C6 Da mesma forma em Minas são os 122 Não encontramos entretanto como para a Inglaterra de um século anterior a estes acontecimentos certas condições sociais associadas a estados de espírito ver por exemplo a canção da época de Guilherme de Orange As Delícias dos Fabricantes de Tecidos de Lã ou A Alegria dos Ricos e as Tristezas do Pobre analisadas por nós no artigo citado nas Observa ções Preliminares 123 ADIM III 335 124 ADIM V 129 Comparemse tais ocorrências com as idéias de alguma forma ingênuas sobre a sociedade e a colonização contidas num dos princi pais documentos para compreender Minas da primeira metade do século XVIII que é o Triunfo Eucarístico especialmente p 7 15 19 e 23 da Prévia A1ocutória À página 15 percebese de maneira muito clara como os problemas sociais eram entendidos Embora haja referências àqueles de cabedaes inferiores e aos opprimidos ainda não temos indicação nítida ao nível dos conceitos das condições sociais tal como acontecerá no período de crise aproximadamente a partir de 1770 125 Tais ligações serão analisadas com vagar no capitulo VI 126 Ver ADIM II 423 na Carta de Domingos Vidal Barbosa ao Viscon de de Barbacena haviam 5 ou 7 negociantes no Rio de Janeiro que queriam que a revolução principiasse por lá também em ADIM III 368 era desejo de negociantes do Rio que a revolução principiasse por lá aliás como em Gibraltar ainda em ADIM IV 340 onde se fala em cinco Negociantes e em revolução Ê muito importante observar que para Minas Gerais são essas três as principais ocorrências do conceito de Revolução nos Autos de Devassa e é evidente que não é por acaso que o conceito é referido a uma categoria social das mais ntidas na vida social 53 Grandes os principais que estão na base das cogitações sedi ciosas Há sérios indícios de que proprietários não só polarizaram o processo em relação a pequenas clientelas próximas como tam bém aspiraram a partir de sua condição de proprietários a um lugar de destaque na nova ordernF Não é por acaso que ele mentos mais subversivos como o Padre José da Silva de Oliveira Rolim exerciam sua ação revolucionária em relação à base con creta fornecida pelos bens dos proprietários que já passam de 60 dos principais destas MinasI1 Ao que parece o problema pode ser colocado exatamente nos mesmos termos para a Bahia modos de pensar podem ser vinculados à condição social Ou em outras palavras não se pode pensar em expressões e comportamentos dissociados dos meios sociais em que foram produzidos e pelos quais se difundem Basta que se observe a conclusão a que chegam os representantes do poder central na Devassa do levantamento de 1798 para se verificar que neste caso as distâncias entre o social e o mental são nítidas e bem delimitadas Os principais autores dos papéis sediciosos não eram pessoas de consideração nem de entendimento ou que ti vessem conhecimento e luzes eram isto sim pardos de péssima conduta e faltos de Religião Sua ineficácia revolucionária aliás parece refletirse no contexto dos Papéis sediciosos tão mal orga nizados e na ausência de planos formados de revoluçãol29 Seria errôneo entender as camadas inferiores da cidade de Salvador como um bloco coeso nesse clima de agitação Relativamente aos grupos das camadas inferiores que não eram brancos observarseã que existiam oposições entre pardos e pretos até porque e aqui volta novamente o problema da ascensão social ligado à diversifi cação racial os pardos como bem nota D Fernando José da Colônia o fenômeno Revolução s6 se torna claro se referido a grupos sociais concretos 127 ADIM I 8 procurauão O meu partido por saberem que eu deuia a S M coantia a Vultada e q estta logo me seria perdoada e q como tinha rnas fazendas e duzentos e tantos Escravos me cigurauão fazer hum dos Grandes 128 ADIM r 7 na Denúncia por Joaquim Silvério dos Reis Coronel de Cavalaria dos Campos Gerais 129 Carta de Fernando José de Portugal a Rodrigo de Souza Coutinho datada da Bahia a 20 de outubro de 1798 íntegra in Braz do Amaral op cit p 56 a 61 54 são reputados como mais astutos e sagazes para qualquer em preza lO É claro que os portadores da mentalidade oficial têm sua maneira própria de compreender os problemas sociais da época E não é só No caso citado de D Fernando há consciência de certa oposição entre mulatos e pretos mas sobretudo há consciência que os revolucionários eram em sua esmagadora maioria de baixa esfera E não fica aqui apenas a visão da sociedade de D Fer nando é preciso cortar o mal em sua raiz porque não se pode esquecer apesar da notada oposição entre negros e mulatos que o processo implica contagio o que é extremamente pe rigoso em hum Paiz de escravatura13I Feita a análise por outro ângulo vamos verificar que também os sediciosos baianos tinham sua visão especíHca da organização da sociedade e já vislumbravam algumas categorias como desejáveis na nova ordem que se queria implantar É o caso por exemplo do mulato alfaiate João de Deus que achava que não mais erão pre cisos ministros para a governança dos Povos e por isso devião ser logo mortos à faca Como se vê representantes da velha ordem No nova ordem porém deviam permanecer intactos os negocian tes à bem do pilblico1J2 E mais o que nos dá preciosa medida do equipamento conceitual do mencionado revolucionário acha va João de Deus que existiriam tropas de linha com comandantes brancos pardos e pretos e sem distinção de qualidade e sim de capacidade Não parece impossível apesar de tudo e especialmente apesar da mencionada crise do sistema que o interlocutor de João de Deus um Capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos que além de militar era cabeleireiro estivesse mais próximo da realidade e melhor integrado no sistema não só entendia bem o que dizia João de Deus como também tal eventualidade lhe 130 Idem Ibidem 131 Doe cit p 61 Configurase o colonizador estamos num Paiz de conquista p 60 132 Denúncia do Capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos Joa quim José de Santa Anna integra in Brsz do Amaral op cit p 49 a 53 Trecho cito p 51 e curioso que desejavam um systema de liberdade com destruição de todos os Membros da Administração Publica e Economica que rege este continente p 50 55 parecia ímpossíveltP Revolução alteração violenta nos postos quebra de hierarquia inclusive com a idéia sedutora de sua pas sagem para coronel do Segundo Regimento de Tropa de Linha era coisa de que este homem do sistema não podia capacitarset Por aí se observa em suma como há certas formas de pensamento que não são absorvidas facilmente quando inseridas em meios di versos daqueles em que foram elaborados ainda que seus conteú dos venham no sentido dos interesses dos agentes considerados Há todo um problema de maturação e que depende das condições sociais sem a qual não é possível a compreensão de certos con ceitos que permitirão aos agentes atuar nos processos em curso Após essas verificações chegase aos seguintes problemas que idéia se fazia de uma Revolução no Brasil no final do período considerado pelos seus contemporâneos Que tipos de consciência revolucionária podiam ser encontrados Quais os limites de tais tomadas de consciência Quais estímulos estão na base da expli cação de tais comportamentos Em primeiro lugar é necessário deixar claro que não é pos sível estabelecer uma única e inflexível resposta válida para as diversas regiões da Colônia Esta seria uma forma de empobrecer a realidade que é rica e matizada É necessário levar em conside raçâo as variantes regionais do conceito de revolução aqui apenas indicaremos algumas daquelas que nos parecem mais significativas Em segundo lugar tal análise implica no trato de idéias e comportamentos que só ganham sentido quando inseridos nos meios sociais concretos em que OCorreram estudálos desvincula dos dos seus meios seria critério esvaziador dos conteúdos dessas ocorrências É fundamental perceberse finalmente que tais idéias e com portamentos contrastavam agudamente com a mentalidade do 133 Doe cit p 50 Vêse que o interlocutor de João de Deus aspirava ser completo official e de servir com satisfação á frequentar por repetidas vezes os quartéis dos Regimentos de linha para aperfeiçoarse em tudo quanto pertence ás funcçoens militares Como se vê um homem esforçando se por ajustamento ao sistema Ainda assim ele é atingido por um dos problemas mais agudos da crise que se revela no racismo sentia a sua desconsolação por ouvir dizer que 5 nomeava hum sargento mór branco para seu Regimento e que sendo isso verdade desistiria em duvida das suas maiores aplicaçoens grifo nosso 134 Idem ibidem 56 I rninante que até então não fora posta em dúvida de maneira expressiva só então estaremos sintonizados com o momento em discussão entendendo por que as idéias revolucionárias faziam tremer e estremecer 135 àqueles que por estarem bem ajustados no sistema não possuíam inquietação e Para uma tipologia do pensamento revolucionário Um dos espíritos mais críticos que podem ser encontrados neste ambiente colonial é sem dúvida Tomás Antônio Gonzaga Não era propriamente indivíduo que estivesse disposto a fazer revolução fosse como fosse comportamento que encontramos em alguns de seus contemporâneosl36 Pelo contrário tinha uma sensibilidade especial que o capacitava a perceber a história sub terrânea a história de fundo Se julgava que era possível levantar os Povos do Brasil e nele temos uma das raras ocorrências de idéia nãoregional de revolução tal era apenas hipótese e não uma realidade concreta Mas seria injusto julgálo apenas um ho mem que freqüentasse vagamente e sem inquietações grupos em que alguma vez se podia falar em se poderem levantar os Povos do Brasil Nada disso Tomás Antônio foi mais longe por ser mais lúcido atuou junto a uma das molas da Revolução em Minas Quando percebeu que a inquietação poderia ser sistematizada o ponto de partida para a Revolução com o estabelecimento da Derrama faz tudo para que ela realmente se efetivasse E cumpre não esquecer que esse foi o argumento que mais pesou contra ele na Devassal38 Tomás Antônio aliás tinha sólidas bases 135 ADIM III 182 136 Ver ADIM II 52 e 53 por exemplo 137 não podia ser senão em uma hypothese de potencia e não de acto Ver ADIM IV 266 nos Autos de perguntas a Gonzaga 138 Ver em especial ADIM VII 169 Acórdão definitivo e ADIM VII 245 Embargo apresentado pelo advogado José de Oliveira Fagundes O que era tanto mais grave quando se observa que Gonzaga sabia exatamente que o tributo era grande e que temia alguma revolução no Povo ADIM IV 252 Do ponto de vista da utilização de conceitos é digno de nota o ato de aparecer em Gonzaga a ocorrência do termo revolução Em outros encontramos simplesmente em sua grande maioria levante sublevação ou sedição O texto do acórdão definitivo datado do Rio de Janeiro a 18 de 57 para entender o processo em curso Não apenas pelos seus contatos com os livros e com o cônego Luís Vieira da Silva mas também com seu mestre Cláudio que cultivou de maneira refinada o es tudo do passado Era a partir de tais bases que podia entender o seu momento e perceber o que significavam as idéias de revolu ção em oposição às idéias de quietação 139 Evidentemente Gonzaga não esteve a salvo das transforma ções de sua sociedade Pelo contrário foi atingido com violência por tais mutações Apenas soube como nenhum outro exteriori zar os sentimentos e interesses do grupo social a que pertencia Classisra não era algum vaqueiro que vivesse de guardar alheio gado de tosco trato de expressões grosseiro 140 Nesse momento de agitação e de inquietação o poeta revo lucionário sentese relativamente emancipado da propriedade dos bens e nem lhe cega a paixão que o mundo arrasta Sabe que pode emendar a ventura ganhando astuto a riqueza mas prefere deixar os bens que aos homens cegam142É nessa pers pectiva que se distancia provisoriamente dos valores de seu tempo que se descola da tendência geral de seu momento é nessa pers pectiva também que se deve entender seu revolucionarismo Não há dúvida que não está ainda bem ajustado ao sistema tanto do abril de 1792 é bem daro Mostrase que sendo a base do levante ajustado entre os Réus o Jançamento da derrama pelo descontentamento que suppu nham que causaria no povo este Réu foi um acerrimo perseguidor do Inten dente Procurador da Fazenda para que requeresse a dita derrama e parecen dolhe talvez que não bastaria para inquietar o povo o lançamento pela divida de um anno instava ao mesmo Intendente para que a requeresse por toda a divida dos annos atrasados seria evidente que ella não podia pagar se ADIM VII p 169 A stuação de Tomás Antônio Gonzaga já foi objeto de lúcida análise do Prof Rodrigues Lapa no prefácio às Obras Completas de Tomás Ant6nio Gonzaga São Paulo CEN 1942 Ver espe cialmente p XXIX e XXX 139 ADIM IV 252 nos Autos de perguntas a Gonzaga 140 Lira L ln Obras Completas de T A Gomaga Edição crítica de Rodrigues Lapa Rio de Janeiro 1942 p 3 141 Lira r ln op cit p 5 Ver à p 4 louvando o agrado de Marília Dirceu dizendo como é bom ser dono de rebanho que cubra monte e prado grifo nosso 142 Gonzaga Obras completas p 38 Ver ainda a pertinente nota de Rodrigues Lapa à p 13 onde Gonzaga se incumbe da administração dos bens de Alvarenga Peixoto ponto de vista político como do ponto de vista familiar 1O Seu ajustamento só se dará após o exílio para Moçambique em 1792 onde casou com a filha da casa mais próspera local ligada aos negócios de escravos Ainda propalou várias idéias relativas à revo lução mas tais manifestações eram amortecidas num ambiente já trabalhado pelas infiltrações de idéias da Revolução Francesa Outro tipo de consciência revolucionária digna de referência é a que pode ser observada no Capitão João Dias da Motta Quan do diz que o levante não tinha fundamentos 144 está apenas ten tando eximirse de qualquer culpa e justificarse na Devassa Mas tal formulação permite inferir que nessa época é possível fazerse levante desde que tenha fundamento Em outras palavras um levante pode ser explicável ter seus motivos É claro que supor essa possibilidade já implica posição que se opõe à ordem abso lutista e colonialista Tal tipo de consciência é sem dúvida menos ingênuo que o daquele padre que referindose à revolução nas colônias inglesas achava que quem começou a urdir o levante na América Ingleza foi um Indivíduo que nada valia e do seu falatório se originou 145 143 Já em 1787 Gonzaga num de seus conflitos com o Governador Cunha e Menezes enviara à Rainha Maria I uma acusação violenta Nem me atrevo a representar coisa alguma a êste Exmo General por conhecer o seu notório despotismo Êle tira os padecentes do patibulo ele açoita com instrUmentos de castigar os escravos as pessoas livres sem mais culpa ou processo do que uma simples informação dos comandantes ele mete os advogados e homens graves a ferros êle dá portarias aos contratadores para prenderem a todos os que êles querem que lhes devam êle suspende a outros credores o pedirem pelos meios competentes as suas dívidas êle revoga os julgados ainda o mesmo das Relações Enfim Senhora ele não tem outra lei e razão mais que o ditame de sua vontade e dos seus criados Exposição à Rainha em 21 de março de 1787 cit por Rodrigues Lapa op cit p XXI e XXII Curioso Dotar que não se confunde com algum vaqueiro que viva de guardar alheio gado e que acha que não se deve castigar as pessoas livres com instrumentos de castigar escravos Há um certo classismo na atitude geral de Gonzaga um aristocrata com o gosto do popular já disse Rodrigues Lapa que o identifica mas não o integra com seu momento e que demonstra que algumas determinações gerais do sistema podem ser captadas nas suas formulações inclusive as poéticas Do ponto de vista familiar sabese que Gonzaga já era homem maduro solteiro que a família de Mar1lia tudo fez para impedir o casamento 144 ADIM V 146 nos Autos de perguntas ao Capitão João Dias da Motta 145 Padre Assis ADIM II 67 59 I II I 1 60 Não s6 se encontra implícita aí uma explicação para o fenômeno Revolução indivíduo faz O levante que tem Sua origem no fa lat6rio como também um julgamento do fenômeno o pro cesso é personificado no agente que nada vale e portanto as qua lidades e defeitos do agente são transpostas para o processo Fazer a revolução fosse como fosse é outra maneira de situarse em face do problema Esse comportamento que revela um tipo de consciência é encontradiço no Vigário de São José o radical Carlos Corrêa de Toledo e Melo Conhecido o projeto do levante em Minas pelas autoridades portuguesas achava o Vi gário que embora devesse estar chegando Tropa de Baixo Rio de Janeiro urgia que a revolução se fizesse antes de a Tro pa chegrl46 Este mesmo Vigário nos coloca em face de um comporta mento expressivo e que se constitui em ponto de desencontro cru cial entre os revolucionários o problema do escravo base do siste ma e ao mesmo tempo propriedade e mãodeobra Quando per cebeu que o movimento foi descoberto o Padre Carlos sugeriu ao Coronel Francisco António de Oliveira Lopes que os désse que bem podia apromptar vinte e que um Negro com a carta de Alfor ria na testa se deitava a morrer Tal espírito revolucionário en trevê a nova ordem embora sua ação emancipadora pareça decorrer mais de uma emergência Mais expressivo é o comportamento do Coronel que em face da nova ordem implícita na sugestão do Vigário diz que se libertasse vinte Negros ficava sem ter com quem trabalhar Não parece ter adiantado a disposição do Padre Carlos em alforriar todos os que pudessem ir 148 sua ação esta va delimitada pela noção de propriedade e trabalho do Coronel segundo os padrões da velha ordem isto é do sisterna 146 ADIM II 52 e 53 147 ADIM II 53 148 Idem ibidem 149 Através do depoimento do padre José Lopes de Oliveira podese constatar que o padre Carlos tinha objetivos bem concretos e possuía clara visão das possibilidades do movimento intentado Sua idéia de Revolução estava referida à implantação de uma República ainda que fosse necessário eliminar todos os europeus daqui ADIM II 250 Quando soube da denúncia e da descoberta do movimento prematuramente chegou a dizer que estavam acabadas as suas idéias porque se não podia fazer uma Re pública ADIM IV 449 Outro tipo de comportamento observado nesta crise do sis tema e que merece destaque é o de José Aires Gomes ainda em Minas Gerais Para ele a Revolução não tinha sentido em prin cípio Era uma asneira o projeto porque na nova ordem também haveria organização do poder embora com roupagens diferentes De qualquer maneira para ele haveria sempre governadores e governados ISO Não há neste caso mera acomodação ao sistema Há na base um desajustamento que não se dá apenas em relação à reali dade vivida mas também às outras possibilidades além daquelas permitidas pelo absolutismo e pelo colonialismo portugueses Por tanto não estamos apenas diante de uma crítica ao regime 151 mas também aos outros regimes Vale lembrar que a simples possibili dade de negação do Governo já representava ruptura violenta no pensamento de um vassalo e sintoma de crise da colonização Afi nal o colonizador que não se submete às regras do sistema que não acredita no governo pode provocar damno imminente ao Es tado 152 A idéia da Revolução mais nitidamente classista pertence sem dúvida a José Alvares Maciel Em suas formulações percebem se nitidamente as distâncias entre os objetívos do movimento e o perigo representado pela participação escrava além do problema representado pelos europeus Este revolucionário de formação uni versitária e viajado leitor de histórias da América Inglesa e co nhecedor das Leis Constitutivas dos Estados Unidos percebeu muito bem que envolver os escravos na Revolução constituía arbítrio diametralmente oposto ao fim que se propu nha 153 Revolução e escravatura não podiam resolverse por um mesmo caminho uma vez que o número dos homens pretos e Escravatura dos Paiz era muito superior ao dos brancos 154 E 150 ADIM VII 253 o projecto era uma asneira por que sempre havia de haver um que os governasse 151 Pelo visto esta foi considerada devidamente tanto que Aires Gomes acabou condenado para o degredo por toda a vida nos presídios de Embaqua 152 ADIM VII 254 nos embargos apresentados pelo advogado José de Oliveira Fagundes 153 ADIM II 250 no Auto de perguntas a Maciel 154 Por isso prossegue Maciel toda e qualquer revolução que aquelles pressentissem nestes seria certo motivo de elles mesmos se rebd1arem e 61 o problema era analisado de maneira muito clara por Maciel que via na mãodeobra escrava a base da economia agrícola e minera dora Suas referências parecem ultrapassar os limites das Minas quando declara que se libertasse grandíssimo número de Escra vos que ha no Paiz eis ahi ficavam sem haver quem trabalhasse nas terras tanto na mineração como na cultura A base classista entretanto é dada quando lembra que tal liberdade implica diminuição dos bens dos proprietários de escravos que ficam sem haver de que subsistirtP Quanto à morte dos europeus no Brasil que tanto entusias mou o vigário Carlos Corrêa de Toledo Maciel é mais ponderado e baseia seu comportamento na idéia de que tanto os Ame ricanos muitos dos seus Progenitores e Parentes nestas terras não era possível que vissem o sangue frio e até mesmo que concor ressem para se dar morte a seus Paes e Parentest A propriedade atinge e envolve Álvares Maciel e o que é mais expressivo atingeo em seu futuro Era ele que por seus conhecimentos e viagens pela sua instrucção nestas matérias estava incumbido de dar início às manufaturas no BrasiV57 Portan to não apenas a propriedade de escravos símbolo dos velhos tempos como também a propriedade baseada nas rnanufaturas símbolo dos novos tempos se projetavam na ação de Maciel Se discutimos aqueles que viram a Revolução mais como hypothese de potencia e não de acto como diria Gonzaga é imprescindível realizar a análise do que provavelmente esteve mais próximo da ação que da teoria em Minas Gerais o alferes Joa quim José da Silva Xavier o Tiradentes por consequencia ficaria frustrada toda e qualquer acção intentada e as cousas inda em peor estado ADIM II 249 Os revolucionários baianos tinham consciência desse fato mas para eles este dado positivo vejamse adiante as posições do mulato Lucas Dantas 155 ADIM II 250 156 Idem ibidem 157 Ver ADIM II 247 Esta questão ganha significado quando se recorda que em 1785 foi expedido o Alvará de proibição das manufaturas no Brasil oficializando uma situação de fato Vejase a mais recente análise do men cionado alvará no artigo de Fernando A Navais A proibição das manu faturas no Brasil e a politica econômica portuguesa do fim do século XVIII ín Revista de Histôria São Paulo n 67 1966 62 I Não era Tiradentes um homem ilustrado como Gonzaga ou viajado como Maciel Reunia entretanto uma série de condições para que se pudesse tomálo como o homem revoltado típico desse final de século nas Minas Cheio de intuições não se introverteu antes pelo contrário difundiu mais que qualquer contemporâneo brasileiro a idéia de RevoluçãoP Para os homens bem ajustados de sua época suas idéias e afirmações não eram racionsesU Os seus contemporâneos que viviam no mundo da sã consciên cia 160 viamno como elemento tomado pela loucurat Essa idéia que tinham de Tiradentes serviu até para eximir um seu contemporâneo de delaçãor Suas palavras soavam como próprias de um homem perigo SO163Já avançado nos quarenta anos 164 grisalho 165preterido por quatro vezes nas promoções militares 166mascate anteriormente 167 e tendo sido preso 168tinha consciência que não era pessoa que tivesse figura nem valimento nem riquezaI69 Com efeito nesta elite de proprietários doutores e clérigos que constituíam efer vescente grupo de opinião 170 Tiradentes aparece como elemento dos menos bem dotados quer do ponto de vista de formação inte lectual quer do ponto de vista econôrnico Sua açâo não obstante é informada pela visão de mundo daquele grupo e por ela tem seus horizontes definidos17I Rigorosamente não o encontramos 158 Vamos notar que era o único a possuir um rnethodo de conversação ADIM IV 47 159 ADIM I 179 na inquirição de Pedro Affonso de São Martinho Sar gentornor do Regimento de Cavalaria Paga de Minas Gerais 160 Ver a título de exemplo ADIM I 156 161 Ver especialmente ADIM VII 129 Neste documento ocorre pelo menos quatro vezes a idéia E não se trata de uma posição oficial Até trapeiras formaram tal imagem ver ADIM III 261 162 ADIM III 260 163 ADIM I 108 e 109 na inquirição do Capitão Vicente Vieira da Motta 164 ADIM IV 29 nos Autos de perguntas ao Alferes 165 ADIM I 184 e II 414 166 ADIM IV 45 já citado 167 ADIM II 460 168 ADIM II 461 169 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 170 Consultese o trabalho de Célia Galvão Quirino dos Santos A In confidência Mineira in Anais do Museu Paulista tomo XX 171 Observese a título de exemplo seu comportamento preconceiruoso em relação aos negros ADIM I 185 63 com lugar de destaque nos encontros para trama da sublevação é mais eficaz nas ruas lojas estalagens e estradas Tiradentes tem algumas noções da necessidade de um míni mo de condições para o êxito da Revolução Nele não encontramos o refinamento de Gonzaga que baliza sutilmente sua ação na declaração da derrama mas constatamos que não achava ele propí cia a atitude de Barbacena 172 antes elle fosse um Diabo peor que Luís da Cunha 17 dizia Tiradentes Facilitaria a Revolução Encontrase em tal personagem nítida idéia da atmosfera re volucionária que se instalou nas Minas nas duas últimas décadas do século XVIII Vendo de maneira muito obscura o corpo social e suas separações sabia que pessoas da maior até a mais pequena diziam que se puzesse a derrama a não pagavam e que sahiam da Capitania 17 sabia também das dimensões do contingente po pulacional do Povo tão grande 175 das Minas Não era por acaso que era um curioso de rnappas que se preocupava em saber quantas almas teria a Capitania de Minas Geraes Mas o que é mais de se surpreender no Alferes é sua reflexão baseada no problema quantitativo de que as ditas almas poderiam ser melhor governadas passando a América a ser Repúblicat Em outras palavras seria a quantidade de população que imporia o tipo de governo Mas nenhuma crítica aos poderosos à opu lência como o fizeram os artesãos baianos Vê pessoas da maior até a mais pequena mas não enxerga os antagonismos Certa consciência de sua própria atuação Tiradentes com cer teza possuía Tinha a noção e isto sempre proclamava que haveria de armar uma meada tal que em dez vinte ou cem annos se não havia de desembaraçart Menos satisfatórias entretanto eram suas posições em relação a certas críticas que lhe faziam seus eventuais interlocutores como aquela que lhe fez o PortaEs tandarte Francisco Xavier Machado dizendo que a revolução nun 172 muito agradavel e muito attencioso para todos como disse um seu contemporâneo ADIM V 85 173 ADIM V 85 Ver também no mesmo sentido ADIM III 319320 174 ADIM IV 38 nos Autos de perguntas ao Alferes 175 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 176 ADIM IV 53 nos Autos de perguntas ao Alferes 177 ADIM V 11 Ver também no mesmo sentido ADIM I 108 e ADIM III 335 64 ca poderia succeder porque Minas não tinha forças para se con servarem nem marinha para se defender como tinha a América Ingleza 118 respondia sempre com formulações excessivamente amplas Quando recorria ao auxílio de argumentos para melhor persuadir seus conterrâneos utilizava a imagem vaga do auxilio do Rio de Janeiro e do soccorro das Nações EstrangeirasF Não há que se imaginar finalmente um revolucionário au sente dos problemas sociais de seu tempo Pelo contrário Joaquim José não só trazia as marcas das preterições na carreira militar como na nova ordem aspirava a ganhar de renda mais de cin coenta mil cruzadosI80 Ideal de proprietário até porque já sabia que para a Revolução que se propunha era preciso ter figura valimento e riqueza para poder persuadir um Povo tão grande 181 A elaboração de uma tipologia do pensamento revolucionário no Brasil nos fins do século XVIII esbarra em dificuldade pratica mente insuperável os revolucionários geralmente não deixaram es critas suas formulações a respeito dos movimentos em curso Será mais fácil encontrar cópias de teorias elaboradas fora do sistema colonial português nos cadernos de anotações dos sediciosos como é o caso das idéias de Volney traduzidas no caderno do baiano Luís Gonzaga das Virgens que idéias próprias de tais agentes Nessa medida muito melhor sistematizadas e explícitas surgem as visões dos denunciantes e dos representantes da ordem estabelecidal Freqüentfmnete o pesquisador é obrigado a entre ver as formas do pensamento revolucionário a partir da reaçáo por elas provocada nas formas ajustadas ao regime Outra dificuldade não menos ponderável reside no fato de tais manifestações de inquietação e desajustamento surgirem numa 178 ADIM I 143 na inquirição de Francisco Xavier Machado 179 Ver por exemplo ADIM IV 56 nos Autos de perguntas ao Alferes 180 ADIM I 139 na inquirição de Simplício Maria de Moura 181 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 182 E digno de observação que no caso da Inconfidência Mineira o pro cesso revolucionário é analisado em todas suas fases pela reaçào De fato no Acórdão definitivo encontramos como já foi referido anteriormente cogitação intenção associação e conjuração plano e modo de executarem ADIM Vil p 190 São etapas melhor encadeadas na cons ciência contrarevolucionária Assim em certa medida o conceito de Revo lução também é elaborado na ConreaRevolução 65 rzl lJ sociedade de base religiosa A sociedade colonial é religiosa como bem indicou José Honório Rodrigues lAJ e não será difícil encon trarmos o comportamento revolucionário brotando em atmosfera decididamente religiosa Não se deve estranhar pois a ocorrência de cópias de textos revolucionários europeus como os do men cionado Volney num caderno onde predominam as orações de cunho religioso No caderno de Luís Gonzaga das Virgens apreen dido na Devassa do levantamento intentado em 1798 impressiona o número e a riqueza de orações que regulam praticamente todas as atividades cotidianas do cristão há orações para antes da con fissão para o ato de contrição e para depois da confissão há sú plicas a Nossa Senhora para antes e depois da confissão há orações para antes da Sagrada Comunhão bem como para antes e para depois da missa há longos trechos de acompanhamento de missa em latim oração a vários santos e à Santíssima Trindade bem como para certos dias da semana Curioso notar que não falta no caderno do revolucionário em foco uma oração para se rezar a Deos N Senhor por nossos inimigosI84 A vida estava regulada pela religião e uma oração especifica para cada atitude e momento se fazia necessãria Tal religiosidade desmedida dá bem o sentido da insegurança dos vassalos na colônia era a variação religiosa de Orna crise mais ampla Em tal ambiente impregnado de religião deveria provocar um vigoroso impacto a noção de que a idea da Divindade não foi nunca hua revelação miraculosa de antes inviziveis mas hua produção natural do intendim to hua opiniçâo do espirito huma no cuja ide a mesma tem seguido os seos progressos experimen tado immensas revoluçoens no conhecim to do mundo86 183 José Honório Rodrigues Conciliação e Reforma no Brasil Um Desa fio Hist6ricoPoUtico Rio de Janeiro Civilização Brasileira p 113 Os Ponuguezes erão fanáticos dizia o revolucionário baiano Lucas Dantas pouco mais de um ano antes da tentativa de levante de 1798 ADLSIB XXXV p 14 184 ADLSIB XXXVI p 539 185 Assim é que se observa oração para quando nos lançamos a dormir diversa daquela quando entramos na Igreja ou quando tomamos Agua Benta ou Para ajudar ao Batismo solernne ou para proteger durante uma grande tempestade ou uma outra em estando doente ou em alguma tribulação Ver loc cit p 540 e 544 186 Trecho de Volney traduzido no caderno do revolucionário Luís Gon zaga das Virgens Ioc cit p 553 66 A ideologia da Revolução Francesa atingia as consciências dos elementos coloniais brasileiros dando como resultado aquilo que arguto observador contemporâneo não deixara de notar um con fuzo encon tro de ideas 187 Ainda aqui não há que isolar tais formas de consciência do corpo social a que pertenciam porque é exatarnente em relação a ele que adquirem sua plena significação No mencionado exem plo e no mesmo caderno de anotações religiosas e filosóficas en contrase o documento que sugere a base social e racial do desa justamento que conduz à compreensão do comportamento revol tado de Luís Gonzaga sofre ele porque não he digno deser accéssivel na graduação dos postos por ser homem pardo Não há que se falar em problema individual no caso O exemplo mostra bem que já se pensa em termos de grupo social ocupando uma posição relativa no conjunto da sociedade já se pensa em termos de classe mesmo Por pensar assim é que a Luís Gonzaga parece ser justo que elle e todos os individues de sua desgraçada classe sejão estrabidos de uma compatibilidade todo penoza desgraçada e ordenada de caluniasI83 Provavelmente é o desajustamento na sociedade que torna Luís Gonzaga das Virgens tão sensível aos problemas da natureza religiosa corno aos de natureza políticofilosófica Se o sistema que é de direito divino não propicia suas realizações Pessoais e as de seus social e racialmente semelhantes por que não pensar que a idéia de Divindade não foi nunca uma revelação miraculosa de entes invisíveis mas sim uma produção natural do entendi mento humano Caso expressivo de desajustamento precoce é o do baiano Manoel Faustino dos Santos Lira alfaiate pardo forro de apenas 22 anos de idade 189 que sabia ler e escrever Ao que parece par 187 É Luís dos Santos Vilhena professor na Bahia quem o nota embora se referindo à ação dos seminários Recopilação de Notícias Soteropolita nas vol I p 141 188 ADLSIB vol XXXVI p 522 Grifo nosso É importante notar que o conceito de classe aqui não é quantitativo ex classe dos indivíduos de 15 a 20 anos já se pensa em termos de camada social 189 Braz do Amaral exagerou tal precocidade apontando a idade de 16 anos para Faustino à época da Devassa op cit p 25 A melhor hipótese 22 anos é a de Alfonso Rui A Primeira Revolução Social Brasileira São Paulo CEN 1942 p 167 67 n ncipou com desenvoltura de confabulações sediciosas a propósito de Revolução formas de governo e problemas raciais A Revolu ção para Manoel Faustino tinha objetivos bem claros e o que é mais importante deveria abranger todo ô continente do Bra sil19OO critério adotado por Faustino superava os problemas raciais entrariam num Governo de igualdade os brancos par dos epretos semdistinção de cores A nova ordem estaria basea da apenas na capacidade para mandar egovernar Do ponto de vista econômico as soluções viriam quando fossem saqueados os cofres públicos ereduzido todos ahum so para delle se pagar as Tropas eassistir as necessarias despezas do Estado 191 Diferentemente de alguns contemporâneos revolucionários Faustino optava pela manutenção do atual Governador que seria o Presidente do novo Governo Seu comportamento era como ele mesmo dizia político Era de opinião que sedevia conservar as Pessoas deLetras etudo pertencente a Religião por Politica De outra maneira seria impossível evitar huma guerra civil192 Como se vê um jovem nãoradical Com tal solução de acomodação entendese por que Faustino não era como muitos dos revolucionários seus contemporâneos voltado para as possíveis soluções francesas Em relação aos fran ceses sim era radical para de os Franceses erão huns ladroens que o viviam de piratarem roubando os naviosl9J Já Lucas Dentas de 23 anos soldado pardo era posrtiva mente pela Revolução através do auxilio da França No ambiente religioso do Recôncavo irritavase com o catolicismo fanático dos portugueses O modelo para o movimento era o dos france ses que não tiveram dúvidas em abandonar a Religião Católi caI91É curioso notar que se impacientava nas suas próprias pa lavras com a fraqueza de espirito que domina nos rapazes dest continente Para ele um revolucionário como Faustino pensa mal A Revolução pode ser feita de maneira bem mais profunda somente de possíveis revolucionários conhece Dantas mais de 190 ADLSIB voL XXXV p 13 191 Idem ibidem 192 Idem ibidem grifo nosso 193 Idem p 14 194 ADLSIB voL XXXV p 14 68 cem comcapacidade para entrarem em hum Levante nestaCidade E mais uma vez o fundo racial vem à tona uma vez que tem consciência que o número de Regimentos de brancos era inferior aos de pretos e pardos E então seestes quizerern quem lhe hade rezistir 19S O problema religioso perpassa muitos dos revolucionários baianos É o caso de José Raimundo Barata de Almeida irmão de Cipriano Barata Em suas sondagens a religião era o ponto de partida para discussões sobre Revolução Para ele as coisas iam bem uma vez que já atres annos havião nestaCidade muitas pessoas dezabuzadas que não criam em carapetoens da Re ligião 196 Um dos mais conhecidos revolucionários brasileiros começa va então a se manifestar Cipriano Barata Nele já se encontra neste findar de século o observador atento dos processos em de senvolvimento da época Sua atenção está voltada no momento para os movimentos franceses na Europa ou seja para os desdo bramentos da Grande Revolução Desaconselha seus conterrâneos a fazerem o levante Tinha consciência que arnaior parte dos habitantes deste continente vivião debaixo da disciplina dehum cativeiro enão tinhão capacidade para tal acção Os franceses é que contavam nesse momento para a possibilidade de realização da Revolução no Brasil Porisso dizia Barata o melhor era espe rar que viessem os Francezes os quaisandavão nessa mesma dili gencia pela Europa elogo cá chegarãoI97 Parecia seguir aflito os principais acontecimentos europeus a grande política o interes sava desde a situação da Santa Sé até a possibilidade de invasão da Inglaterra pela França Já para as questões internas Barata era um homem relativamente menos aflito não havia mal que a revolução demorasse uma vez que tal demora propiciaria maior e melhor arrebanhamento de sediciososl Portanto se era de t I t 195 Idem ibidem sic 196 Idem ibidem 197 ADLSIB vol XXXV p 16 198 Idem ibidem 199 Idem p 178 Dizia ele que era melhor quehouvesse essa demora porque quanto mais fosse maior numero degente se adquiria ao fim dese realizar 69 to opimao que se deveria esperar os desdobramentos da Revolução Francesa aqui tal espera se coadunava com a articulação dos ele mentos revolucionários brasileiros Todavia incorrerá o analista em grave erro se considerar Ci priano Barata como um revolucionário emancipado dos problemas sociais e raciais de seu momento Este homem formado em Filoso fia pela Universidade de Coimbra cirurgião era também proprie tário proprietário de lavoura de cana 200 e proprietário de escra VOS201 Aliás como proprietário de lavoura de cana parece ter arrendado parte de suas terras102 Não deve ter sido bemsucedido em sua empresa uma vez que o encontramos pouco antes da De vassa passando delavrador decanas pa de mandioca Ele mes mo já se considera em carta dirigida a outro senhor de engenho um lavrador decanas defunto 203 Como se vê não é homem bem ajustado no sistema está perdendo posições num ambiente em que o ser senhor de enge nho permanece sendo qualidade a que muitos aspiram como diria Antonil um século antes A propriedade está na base da compreensão de sua atitude da sua revolta 204 bem como de seu classismo O sentimento de interesses idênticos de mesma camada social se revela na mencionada carta de Barata a seu amigo e tam bém proprietário Luís Gercent cautela comesa canalha Africa na e q o tempo pede circunspeçamtê Afinal a rebelião intentada na Bahia não era ainda aquela dos sonhos dos proprietários era intentada dizia Barata 200 ADLSIB vol XXXV p 184 201 Idem p 183 202 ADLSIB vol XXXV p 184 203 Idem ibidem 204 Sua revolta e inquietação comparáveis à de um JeanPaul Marat po dem ser entrevistas nos ferimentos que se infligiu nas prisões o que tinha ja de costume porque tendo alguma paixão mais forte Jogo se feria ou fazia emsi cousa que lhe cauzasse dor pois com esta alliviava alguma parte da mesma paixão o que comprovou mostrando na mesma parte do peito quatro secatrizes que mostravão ser de feridas feitas com instrumento perfurante dizendo tinhão sido feitas porelle proprio emsi em semelhantes occasions de paixão epara ofim ja expressado ADLSlB vol XXXV p 186 205 Idem ibidem 70 por escravos detoda a casta emesrno dos pretos epardos libertos emque tentavão matar tosos os brancos206 Observase que o revolucionário em questão Bacharel em Filosofia embaraçava seus interlocutores de mais baixas ca madas da sociedade Quando por exemplo o alfaiate mulato Manoel Faustino lhe participava os projetos do levante em Sal vador Barata atalhava sua exposição falando do temperamento dos habitantes deste continente e dos grandes lances da política européia 207 causando constrangimento e embaraço 208 ao inter locutor Isto acontece porque falavam linguagens revolucionárias diferentes Outro traço classista de Cipriano Barata que aliás não lhe é peculiar mas sim àqueles que ocupavam social e racialmente posições análogas às suas pode ser surpreendido no momento da acareação entre ele e o revolucionário Manoel Faustino Quando se pergunta na Devassa a Faustino acareante se conhece a Barata acareado diz aquele quesim ehe o Cirurgião Cipriano Joze Ba rata de Almeida Quando se pergunta ao acareado se conhecia ao acareante diz Barata que sim ehe Faustino pardo alfaiate209 Como se vê a marca racial vem explícita nas relações não apenas entre hmens do sistema e revolucionários mas também nos revolucionários entre si Para Barata Manoel Faustino antes de revolucionário é pardo Portanto há que entender Cipriano Barata como revolucio nário sim mas impregnado dos valores e preconceitos do grupo social e racial a que pertencia Manteve contatos sediciosos com vários elementos de baixas camadas mas permaneceu com os va lores de seu grupo bem rígidos e inviolados Quando foi envol vido na Devassa por causa de algúas palavras e discursos que elle declarante costumava com facilidade formar sobre o Estado 206 Idem p 176 Não é por aCRSO que escreveu ao seu amigo que tinham escapado degrandisimo dezastre da rebeliam dos escravos mulatos enegros ainda osangue detodo senãm aqueceo visto operigo aq temos andado ex postos íntegra da carta às p 184 e 185 Notar que é uma das raras ocorrências do conceito de casta não é por acaso que surge nos lábios de um proprietário 207 Idem p 179 208 Idem p 182 209 Idem p 181 grifo nosso 71 Políríco da Europa fazia questão de frisar que não tinham apli cação ao continente do Brasil2lo Se de suas intenções então pode mos desconfiar seriamente não se pode duvidar entretanto quando diz que seus discursos eram mal ouvidos e peior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revolução Por aí podese observar a dificuldade de difusão de idéias e conceitos pelos meios sociais dos quais eles não são frutos dificuldade que já era pressentida com outras preocupações pelo revolucio nário em questão Revolucionário que antes de tudo era proprie tário e branco Comportamento mais radical é encontrado em Manoel de San ta Anna pardo soldado do Segundo Regimento de Linha em Salvador Filho de pardo com mulher branca de destino igno rado tinha cerca de trinta anos quando da Devassa de 1798 Há em Santa Anna um comportamento que ultrapassa de muito o comportamento de Cipriano Barata devese para ele em Sal vador matar atodas dasua Governança do ponto de vista das relações sociais a revolução se fará saqueando os cabedais das pessoas opulentas Portanto não há dúvida que além da revolu ção dos proprietários há outra mais profunda em suma como diria o próprio Santa Anna huma formal einteira sublevação212 Observase que no caso presente o problema religioso volta à tona não só é acusado o revolucionário em foco de fazer críti cas ao Estado mas também à religião Aliás verificase claramen te através de suas formulações que os dois problemas vêm juntos nessa época Negar a subordinação eobediencia ao Rei esuas Leys 213 é não respeitar o Estado que é de direito divino Disso já se dava conta um amigo de Santa Anna o já analisado Lucas Dantas Para ele Isso de Religião he peta devemos todos ser humanos iguaes eliores de subordinaçãoíP Liberdade religiosa i II 210 Idem p 180 21l Queixase no caso de Antônio Simões da Cunha pardo oficial de pedreiro com o qual tinha conversaçoens politicas discorrendo sobre as revoluçoens do Mundo prezentes e preteritas e sobre o estado actual da Europa visto não serem prohibido estes discursos ADLSIB XXXV p 180 212 ADLSffi XXXVI p 294 213 Idem ibidem 214 ADLSffi XXXV p 105 Grifo nosso 72 andava associada à liberdade política como se pode bem perceber nessas formulações rústicas Para Manoel de Santa Anna o systhema Frances era o mo delo era melhor aregencia demuitos do que de hum só Demais não apenas devia se saquear as propriedades das pessoas opulen tas e os cofres daarrecadação publica mas também era im precindível a liberdade atodos os creados estabelecendo huma Republica deigualdadeV Do ponto de vista religioso seriam considerados dezabuzados todos os que estavão fixos nestas per niciozas maximas 216 Vale notar que a idéia que Santa Anna fazia da Revolução não era própria Apesar de ser contra a hierarquia vigente a Re volução foilhe ensinada pelo seu Tenente 217 que lhe falou do miserável estado da Tropa Portugueza o pouco soldo que perci biâo os soldados e agrande sujeseção ernque vivião o que não sentia aMilicia Franceza218 É o caso em que a inquietação e sub versão vem das camadas mais altas para as mais baixas Não há que pensar em falta de resistência à idéia de Revo lução No caso presente temos exemplo de reação à insubordina ção Diz Santa Anna a seu Tenente Que havemos de fazer se o Rei o quer assim Força o Tenente a tornada de consciência de Santa Anna respondendo do alto de sua posição que vocês são faltos de espírito ede sentimentos não são homens livres219 O radicalismo do revolucionário Santa Anna deve ser assim entendido dentro de seus próprios limites Não é por exemplo homem que tenha muita consciência do tempo Não pode fixar otempo certo em que se iniciou com o Tenente nas práticas sub versivas Quando é envolvido pela Devassa e é exigida explicação para a sublevação intentada sabe dizer que era o embaraço que tinhão os pardos de irem aos Postos Maiores eesta huma das cauzas principais que os incitava mas não consegue localizar no tempo as articulações que tinham em vista a Revolução220 215 ADLSffi XXXVI p 294 216 Idem ibidem 217 Tenente Hermógenes de Aguillar 218 ADLSIB XXXVI p 295 sic 219 Idem ibidem 220 ADLSIB XXXVI p 297 73
Send your question to AI and receive an answer instantly
Recommended for you
358
A Escrita da História: Novas Perspectivas
História
UFAL
20
Pachukanis - Fascismo - Prefácio de Alysson Leandro Mascaro - Análise e Caracterização
História
UFAL
10
Narrativa e Narradores no Ensino de História - Análise e Reflexões
História
UFAL
18
Fundamentação Teórico-Metodológica do Projeto Político-Pedagógico
História
UFAL
1
Resenha Crítica sobre Dimensões da Participação Política Indígena na Formação do Estado Nacional Brasileiro
História
UFAL
26
As Mulheres Sem Nome: Desenvolvimento de Argumentos Jurídicos Baseados no Estatuto Feminino
História
UFAL
30
Fascismo e Fatos: Uma Análise de George Seldes
História
UFAL
5
O Método Comparativo na História: Vantagens e Aplicações
História
UFAL
9
Avaliação Bimestral de Didática - Curso de História
História
UFAL
9
A Civilização Feudal do Ano 1000 à Colonização da América
História
UFAL
Preview text
j J 3 1t CARLOS GUILHERME MOTA BIBLIOTECA DA EDUCAÇÃO Série 4 HISTÓRIA Volume 1 Dados de Catalogação na Publicação CIP Internacional Câmara Brasileira do Livro SP Brasil IDÉIA DE REVOLUÇÃO NO BRASIL 17891801 Mota Carlos Guilherme 1941 Idéia de revolução no Brasil 1789101 estudo das for mas de pensamento Carlos Guilherme Mota 2 ed São Paulo Cortez 1989 Bibliografia ISBN 852491926 1 Brasil História 17891801 2 Revoluções Bra sil 3 Revoluções Brasil Filosofia L Título 89989 CDD981012 32050981 321090981 Estudo das formas de pensamento 3 edição índices para catálogo sistemático 1 Brasil História até 1821 981012 2 Brasil Idéias revolucionárias Ciência política 321090981 3 Brasil Pensamento politico Ciência politica 32050981 4 Brasil Revoluções Ciência política 321090981 eJÇj67O Impresso no Brasil 1989 IDÉIA DE REVOLUÇÃO NO BRASIL Carlos Guilherme Mota Capa Edição de arte Roberto Yukio MalUo Foto Escada Eduardo Ayrosa col do Autor artefinal Maria Regina Da Silva Composição Linoarr Coordenação editorial Ana Cândida Costa Editoração Danilo A Q Morales Revisõo Maria Aparecida Amaral Ana Maria Barbosa Supervisõo editorial Antonio de Paulo Silva ti li bli C3WlZ61ff Aí1 g Afji UNIVERSIDRDE FEDERRL DE JUIZ DE FORR 1111111111111111111111111111111111 0020000020277 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autWização expressa do autor e do editor 1989 by Carlos Guilherme Mota Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Banira 387 Tel 011 8640111 05009 São Paulo SP CDClIPIFj lnvelldo 2003 r UE virá a companhia Inglesa e por sua vez comprará tudo e por sua vez perderá tudo e tudo volverá a nada e secado o ouro escorrerá o ferro e secos morros de ferro tapa rão o vale sinistro onde não mais haverá privilégios e se irão os últi mos escravOSe virão os primeiros camaradas Carlos Drul11mond de Andrade j 1 III IDÉIA DE REVOLUÇÃO FORMAS DE PENSAMENTO REVOLUCIONARIAS a A estabilidade perdida Modos de pensar Urbanização opinião pública e revolução A difusão de idéias A principal preocupação na colônia no fim do século XVIII está relacionada com fi ordem das coisas O ritmo da vida que se acentua extraordinariamente no Brasil nos últimos tempos do pe ríodo colonial provoca a angústia que se insinua em todas as esfe ras Reintroduzir o equilíbrio é o problema com o qual se defron tam nesse momento Se a atmosfera em que vivem é revolucionária o ideal é voltar à antiga situação As idéias revolucionárias são contrapostas às idéias de quietação como se observa em Tomás Antônio Gonzaga O pr6prio Tiradentes não estará preocupado senão em restaurar o ambiente Guiados pelos exemplos externos especialmente da América Inglesa 44 os coloniais brasileiros são homens inquietos que dis 42 ADIM IV 252 nos Autos de perguntas feitas a Tomás AntÔnio Gonzaga 43 Não é levantar dizia de 56 que para tal para restaurarmos a nossa terra nas suas palavras tornavase imprescindível uma reorganização do poder ver ADIM I 185 também por certo o caso de Domingos de Abreu Vidra Tenente Coronel do Regimento de Cavalaria Auxiliar de Minas Novas que não consentia que o seu nome interviesse em semelhante desordem ADIM I 94 44 Jô de se notar como tantos historiadores já chamaram a atenção que a revolução nas colônias inglesas funcionou como importante estímulo e exem plo aos coloniais brasileiros Importante é constatar porém que o termo revolução surge muito raramente nos documentos oficiais l especialmente raro para designar O movimento aqui intentado em 1789 Mesmo pata desig 36 cutem agressivamente sobre a situação dos negócios públicos da administração e que integrados às vezes apenas formalmente na vida social de uma monarquia absolutista colonizadora são alcan çados pelas transformações da mentalidade européia Possuem em alguns casos a consciência de que todos os homens são fiéis mui tos anos ao menos nas suas ações exteriores enquanto não chega o ponto e ocasião de deixarem de ser fiéis l É o regime absolu tista que começa a entrar em crise ao nível das consciências Nessa crise que expressa a desagregação de todo um regime e de urna colonização é gerado o espírito revolucionário Espírito revolucionário que de resto não é alimentado apenas por leituras importadas da Europa ou da América Inglesa Na verdade nesta margem do Atlântico encontramos toda uma problemática de raízes populares para pensar e entender o comportamento revolucionário Para perceberse a idéia que os coloniais faziam da Revo lução não basta um simples levantamento das ocorrências do ter mo Revolução Até pelo contrário encontrase com relativa dificuldade tal conceito O pesquisador que estiver preocupado com a análise de palavraschave deve lembrarse que para essa época conceitos como os de Revolução nem sempre aparecem saturados historicamente isto é claramente elaborados e explíci tos As dificuldades para os contemporâneos apreenderem o pro cesso por eles vivido começavam quase sempre pela inexistência de um equipamento conceitual adequado que de alguma forma já estava melhor estruturado em áreas de ocorrência de Revoluções burguesas como na França e na Inglaterra O conceito aparece freqüentemente implícito encoberto no Brasil Colônia É o caso em Minas Gerais do delator Inácio Corrêa Pamplona preocupado em achar urna justa idéia que bem pudesse mostrar ao Visconde de Barbacena o importante peso desta tão árdua como interes sante ação A justa idéia é evidentemente a idéia de Revolu ção Também para o representante do poder central Visconde ds W nar a revolução cm outras áreas o termo surge discretamente Vejas nuõ1 dos poucos exemplos ADIM I 168 em relação a revolução na América Inglesa J 45 ADIM V 136 Auto de continuação de perguntas feitas a Faustino Soa res de Araújo a 12 de outubro de 1791 YL 46 ADIM I 39 na denúncia do Mestre de Campo Inácio Corrê Pamplona 37 Barbacena o conceito de Revolução não surge explícito é quase sempre um grave negócio O padre mineiro Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas por sua vez nunca ouviu formar geralmen te conceito lixo nesta matéria18Grave matéria ou negócio não importa por trás de tais expressões escondese uma realidade complexa a Revolução Mais importante será observar que o levante era esperado em todas as Minas em toda Capitania 49 e em alguns casos em todo o Brasilê Nos ajuntamentos urbanos muitas vezes a opi nião pública se manifestou favorável aos sediciosos Se de um lado eram estimados pela mentalidade oficial como facinorosos mui tos tinham consciência por outro lado que sem eles não se fazem cousas grandes 51 É muito expressiva a posição do poder central na menciona da crise Suas medidas não eram imediatistas Dizia por exemplo Luis de Vasconcelos e Souza a Martinho de Melo e Castro em julho de 1789 referindose à atmosfera revolucionária das Minas que não havia pelo que recear quanto ao presente mas sim que prevenir para o futuro E a consciência revolucionária inquieta provocava a preocupação do ViceRei justamente porque o modo de pensar na Capitania de Minas começava a agravar o mau com portamento dos súditos o que era tanto pior quando o mesmo ViceRei sabia que tal modo de pensar naquela Capitania era quase o mesmo em todos os que de algum modo nela figuram Portanto é o modo de pensar que deve ser posto em discussão Já não se vive mais no momento em que as preocupações do poder central português estavam voltadas para questões como a do equilíbrio populacional entre Metr6pole e Colônia Agora nas últi mas décadas do século XVIII é a população colonial que está in quietá E nas Minas a inquietação será maior a partir da década 47 ADIM I 238 ofício do Visconde de Barbacena ao Desembargador Coelho Torres 48 ADIM I 200 grifo nosso 49 ADIM I 116 na inquirição da 7 testemunha Bacharel Soares de Castro 50 ADIM IV 266 nos Autos de perguntas a Gonzaga 51 ADIM IV 357 nos Autos de perguntas ao Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes 52 Carta datada de 17 de julho de 1789 do ruo de Janeiro Grifos nossos I dos 70 exatamente quando a produção aurífera já está diminuídaP Se antes as preocupações estavam voltadas para o controle dos movimentos de população em direção às minas 54 agora crescerão tanto os povos que fundarão as grandes vilas colocando em dis cussão a obediência devida ao monarca O estabelecimento de novos núcleos de interesse o enfraque cimento dos laços sociais existentes na Metrópole e de bases tra dicionais propiciaram o surgimento de novas visões do mundo que nem sempre eram percebidas pelas autoridades colonizadoras imersas nos valores da velha ordem55 Nos novos tempos com a diversificação dos interesses com a existência de núdeos urbanos recémconstituidos como o comportamento arrivista próprio de áreas recentemente colonizadas o dinheiro vencia tudo Vencia inclusive uma possível austeridade dos administradores As novas realidades escapavam por entre as peças de um aparelho adminis trativo ineficaz e que não se atualizara paralelamente aos avanços da colonização A indefinição e atropelo das funções administrati vas tão bem caracterizados por Caio Prado Júnior 51 acentuavam se nas Minas onde aos problemas da lavoura e da mineração ajun tavamse os oriundos de um processo de urbanização acelerado Os problemas postos pela colonização até aqui não apre sentavam características excepcionais até porque estavam circuns critos às zonas ribeirinhas ao Atlântico e voltados para a agricultu 53 A queda da produção já vinha de muito antes talvez mesmo da década dos quarenta mas foi nos sessenta e setenta quando o pagamento do quinto não atinge o vulto esperado é que se evidencia a decadência Daí tomarse freqüentemente esse período como sendo o marco do declínio de atividade em atitude que vem sendo corrigida por modernos pesquisadores que evi denciam que o declínio começou muito cedo 54 Triunfo Eucarístico Prévia Alocutória p 18 55 cujas idéias não perceberam os ditos Ministros ADIM VI 179 Há porém casos mais dolorosos de desajustamento ao mesmo tempo religio so político e militar como é o de Manoe1 de Santa Anna soldado do 2 Re gimento de Salvador que foi castigado com pauladas por causa dessas idéias sobre o dogma da Imaculada Conceição sobre Dona Maria I e sobre o regime francês Não parece ter dado resultado a tentativa de ajustamento a pauladas pois Santa Anoa desertou e participou posteriormente da Inconfi dência de 1798 dita dos Alfaiates 56 ADIM IV 178 57 Caio Prado Júnior Formação do Brasil Contemporâneo cap Adminis tração São Paulo Brasiliense 7 ed 1963 especialmente p 298 e 299 39 ra Ademais até o século XVIII há dificuldades em encontrar no Brasil e mesmo em outras áreas de colonização portuguesa centros ou cidades expressivas O controle da vida económica e a possibilidade de repressão aos eventuais distúrbios eram em grande parte facilitados pelo caráter litorâneo da colonização Mas a partir das três primeiras décadas do século XVIII a situação fora fundamentalmente alterada A definição de uma eco nomia diferente da que dominara a vida colonial distanciada das zonas portuárias criara um novo tipo de horizonte mental nova possibilidade de concepção das coisas e do mundo onde a Metró pole contava menos58 Nos recentes núdeos de povoamento fervilhavam outras idéias Fenômeno novo advinhase na vida da sociedade brasileira especialmente nas Minas as movimentações de opinião pública Já se vive de maneira menos estática sabese o que se dizia geral mente por todos 59 ouvese publicamente dizer 60 o que vogava pela Villa 61 as notícias vão se espalhando pela estrada 62 che gase em outra cidade e percebese vulgarizada a mesma novidade em que publicamente se falava63 A opinião pública já se torna influenciável fácil de ser orientada no sentido de incompatibilidade com os governos Em Minas Cláudio Manuel da Costa e o cônego Luís Vieira da Silva entre outros parecem ter espalhado notícias sobre instruções que teriam os governadores não s6 para limitar as riquezas dos colonos como também caso não lograssem êxito na limitação de suas posses para prendêlos por serem inconfi dentes e extraditálos para Portugal Como dizia o delator ao 58 Já se tem a idéia em 1734 em Minas por exemplo que Portugal deve ao Brasil grandiosos auxilios e quantiosos reddimentos sem duvida os rnayores a Coroa do Monarcha a America a gloria a afluencia das riquezas que lhe reparte todo Mundo o copioso e fino ouro que recebe em seus Reynos in Triunfo Eucarístico p 27 Em 1789 Tiradentes julgará escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de Iora ADIM I 109 contraditando uma das características básicas da colonização 59 ADIM V 187 nos Autos de perguntas a José de Sá Bittencourt 60 ADIM I 270 na inquirição do Cabo de Esquadra do Regimento de Cavalaria Regular Pedro de Oliveira e Silva 61 ADIM I 158 na inquirição do Padre José Lopes de Oliveira 62 ADIM I 270 inquirição de Pedro de Oliveira e Silva 63 ADIM I 275 Rio de Janeiro no caso O comentário de tudo seja a vida particular ou 0 procedimento das autoridades é também constantemen te referido em passagens das Cartas Chilenas 40 j 1 governador eram sementes qqe têm espalhado para fazer a Vossa Excelência odioso para com o povo 64 Neste final do século XVIII vivese em inquietação no Brasil As comunicações já de si difíceis tornamse apertadas à propaga ção do pensamento revolucionário 65 dado o maior controle da opinião pública e dos grupos inquietos A correspondência em es pecial é dificultosa e mesmo um autopoliciamento se insinua nas mentes sediciosas era preciso que se visse bem não levasse algu ma carta ou papel que lhe examinassem Afinal actualmente estavam as cousas melindrosas 66 murmuravase É assim que se cristalizam algumas posições de espírito na colônia Chegam as notícias por vezes a funcionar como verdadei ros catalisadores de opinião Boatos são captados e transmitidos não só nas altas camadas nos pequenos grupos ilustrados mas também nos homens rústicos e até nos últimos elementos da plebe São Ireqüentes nas Minas notícias de violências no Rio de Janeiro68 A turbulência dá às vezes a sensação de que se um gritasse todos o seguiriam 69 Nesta atmosfera de agitação fortalecemse opiniões como aquela segundo a qual tudo o que fosse homem do Reino havia de morrer E não há que excluir o elemento escravo de tal comportamento A presença dele se faz sentir não apenas na vida cotidiana na utilização de sua mãodeobra mas também nas ima gens que se construíram os nacionais e portugueses São muitos os episódios em que o negro é utilizado como portavoz afinal 64 ADIM I 3031 Denúncia do TenenteCoronel Basílio de Brito Ma Iheiro do Lago 65 Mesmo para áreas urbanizadas como em Minas Gerais constatase que os elementos responsáveis pela revolta os inconfidentes moravam em fazendas em grande distância um dos outros e nellas se demoravam por muitos mezes ADIM VII 70 66 Padre Bento Cortês de Toledo vigário de São José ver ADIM I 223 Observese também à p 226 no mesmo sentido 67 ADIM VII 118 Para Pernambuco em 1801 as formulações prove nientes da baixa plebe eram carregadas de insensatez Dessa forma é possível entrever também o earáter elassista de certas formas de pensa mento Consultese por exemplo D H Cx 64 68 ADIM r 179 6 Idem ibidem 70 ADIM r 106 TenenteCoronel do na inquirição de Basilio de Brito Malheiro do Lago 10 Regimento de Cavalaria Auxiliar de Paraearu 41 o perigo constante do escravo pesava de alguma forma nas cons ciências dos brancos escravizadores 1 nessa medida que os negros surgem como os responsáveis por pasquins subversivos que lhes são atribuidos 71quase sempre artificiosamente Sensível ao século o clero participava intensamente da in quietação Em todos os pontos da colônia encontramse religiosos voltados menos para os problemas de suas ordens que para os que incandesciam as almas de suas freguesias Desde o Rio de Ja neiro na Candelária 72 com alocuções inflamadas e prisões inespe radas até a alimentação de correspondência suspeita nas Minas 73 sem falar nos elementos dispersos pelo território que aproveitavam a oportunidade de uma oração fúnebre para imiscuirse em proble mas políticos 74 os elementos eclesiásticos funcionaram em núme ro expressivo de casos como verdadeiros agentes da Revolução contribuindo não raras vezes para o retorno das dissenções entre Igreja e Estado As idéias do século penetravam também as consciências da queles que seriam os esteios formais da ordem estabelecida os setores militares Não se suponha Com isso no entanto que sua totalidade estivesse anestesiada por tais novidades Mas aqui e ali eram encontradiços setores mais frágeis mais propensos a criticar a velha ordem Havia como é o caso de Minas justo receio de estar algum tanto contaminada das mesmas idéias a tropa regu 1ar75Não se deve esquecer e esta talvez não seja uma lembran ça banal que o próprio Tiradentes era militar Vivemse nas Minas no final do século XVIII momentos de insatisfação a lembrança de um passado perdido que propiciam novas atitudes e novos laços de solidariedade entre os homens Era nas tavernas que publicamente se formavam dis 71 Idem ibidem 72 Ver ADIM VI p 422 e 423 73 ADIM I 150 74 de alguma forma o caso de D Luís Antônio Carlos Furtado de Mendonça em sua Oração unebre recitada na capella Real da Corte do Rio de Janeiro nas solenes exequias da senhora D Maria I rainha lideiissim do reino unido de Portugal do Brasil e dos Algarves Rio de Janeiro Impressão Régia 1816 Coleção Lamego 75 ADIM VI 190 Carta do ViceRei D Luís de Vasconcelos e Souza para Martinho de Melo e Casrro dizendo da projetada Revolução de Minas 42 cursos sediciosos 76E mais não era necessário ser amigo antigo para beberse à saúde dos novos Governadores 77 numa crítica hostil aos atuais O ambiente de crise aproxima os elementos co loniais criando um vínculo diverso dos que caracterizavam a so ciedade até então Vêse o drama de um colonial envolvido na Devassa da Inconfidência Mineira preocupado em mostrar que não tinha amizade com o Tiradentes7S muito embora houvesse num brinde participado da crítica à ordem estabelecida Seria errôneo pensar entretanto que é um fenômeno urbano a revolta em Minas Não só se encontram referências na documen tação oficial às fazendas e áreas de faiscação também participam da inquietação simples viandantes como aquele encontrado na Serra denominada do Azevedo que tinha consciência de estarem as Minas em grande desordem79 Ainda aqui distante de centros urbanos voltase ao ponto central da inquietação que consiste na procura da ordem perdida Ordem que é procurada num mo mento em que o regime e o sistema estavam sendo postos em dúvida e discussão Por outro lado esses núcleos urbanos não eram isolados A necessidade de abastecimento abria canais de difusão de idéias Idéias que nem sempre eram adequadas ao ambiente aos quais chegavam Disso tinhase consciência em Minas O comércio ativi dade vital servia de via de cornunicaçâo para os pensamentos perigosos e as autoridades não raro com ele se inquietaramf 76 ADIM VII 154 Acórdão definitivo 77 ADIM VII 260 Ver também ADIM I 132 e 133 um delles e que era o mais fracaroupa em um copo de vinho proferira estas palavras La vae á saude de quem ainda dentre deste anno de oitenta e nove ha de ver novos governadores ao que o dito Costa lhe disse como novo Governador se ainda outro dia veiu o Senhor Visconde General e o refe rido fracaroupa lhe respondeu isto é cá outra cousa Em todo o caso sempre era mais grave fazer ceias de carne na quintafeira da Paixão com vivas a Bonaparte como aconteceu em Salvador em 1798 cf Braz do Amaral Conspiração Republicana da Bahia de 1798 in Fatos da Vida do Brasil Bahia 1941 p 11 78 ADIM VII 261 nos embargos apresentados pelo advogado José de Oliveira Fagundes 79 ADIM I 144 Grifo nosso 80 é bem perigoso que pela vizinhança e relação continua do COmIDer cio se possa communicar á esta Capitania tão grande mal que apenas pressentido devo procurar destruir ADIM VI 355 A formulação de 43 Não é razoável pensar porém na facilidade de tais veicula ções de idéias Até pelo contrário se não é a concentração urbana apenas que explica o revolucionarismo e sua difusão tornamse avultadas as dificuldades das comunicações Basta que se faça um levantamento das propriedades de alguns dos participantes da In confidência Mineira e logo se percebem problemas colocados pela distância dificultando a polarização dos interesses comuns É o caso por exemplo do sobrinho do vigário Carlos Corre a de To ledo que utilizou como álibi na Devassa o fato de estar isento de comunicações por trabalhar na Fazendal Em suma viviase num ambiente de opressão e incerteza de comunicação difícil mas onde a sensação de decadência invadia a todos Dadas as precárias condições econôrnicas dos tempos 82 as autoridades iam apertando tanto o povo com seus impostos e sua vigilância que ainda este desesperado havia de fazer algum levante e estabelecer a República 83 A procura de uma nova ordem inquietava os espíritos coloniais mais sensíveis Em tal ambiente de intranqüilidade e suspeita aos olhos das autoridades haveria de parecer subversivo até mesmo o compor tamento de um Gonzaga sempre tão meticuloso com seus bor dados seus tratados e suas odes ao não observar uso de luto pela morte do Infante Incorrerá em grave erro de perspectiva quem considerar as transformações brasileiras dos fins do século XVIII ausentes das indagações européias Sobre o Atlântico correram muitas informa ções muitas cartas dando conta aconselhando ou criticando a par ticipação brasileira na trama revolucionária Um bom exemplo de Ernest Labrousse ganha concreção ao mesmo tempo em que ilumina a rea lidade que intentamos explicar Or sur léconomique retarde le social quand limpulsion vient de léconomique Inversement le social retarde léconomique quand il a luimême linitiative Autrement dit la structure sociale est une résistence Mais sur le social le mental retarde à son touro Et le freinage du mental est plus fort de tous ta mentalité du milieu chan ge plus lenrernent que ce milieu luimême Introdução a LHistoire Sociale Sources et Méthodes Paris P U F 1967 p 5 81 ADIM II 177 no Auto de perguntas a Félix Corrêa de Toledo 82 Celso Furtado Formação Econ6mica do Brasil Rio de Janeiro 1959 p 114 83 ADIM IV 65 Palavras de Joaquim José da Silva Xavier o Tiradenres 84 ADIM IV 260 nos Autos de perguntas ao Desembargador Gonzaga 44 como na Europa se reagiu a tal participação pode ser colhido em José Álvares Maciel Deixou Maciel registrada em sua passagem pela Devassa a impressão que lhe causou a surpresa das Cortes européias pelas quais andou em relação à moleza e indolência com que o Brasil se tinha portado sem fazer o menor movimento nem a vista das Américas Inglesas85 A possibilidade de revolução foi sem dúvida pressentida por Maciel As conversas sediciosas eram triviais até em Lisboa e Coimbra 86 e delas com certeza participaram outros brasileiros A idéia de revolução ocidental e integração do Brasil em tal processo é enriquecida quando se percebe que realmente em Coimbra havia consciência de que se intentava levante no Brasil 87 e sobretudo quando se constata que posteriormente na própria sede da monarquia portuguesa após a sufocação da Revolução premeditada se tinha levado muito a mal esta acção das prisões 38 Se há inquietação nas colônias 89 também na metrópole ela se faz sentir O colonialismo é um sistema e alteração numa peça provoca modificações no conjunto b Projeção da Revolução no mundo das palavras Bem observadas as transformações dos fins do século XVIII no Brasil uma questão salta à vista os movimentos subterrâneos da sociedade se fazem sentir no universo das palavras À medida em que se avança na crise do sistema há mudança de atitude de espírito da descrição passase à interpretação e crítica das realida 85 ADIM IV 138 nos Autos de perguntas ao Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto 86 e que estando elle em Londres se publicara que no Rio de Janeiro tinham matado ao Ilmo e Exmo ViceRei cuja noticia até na Gazeta sahira e logo os Negociantes quizeram armar em defesa à3 cidade ADIM IV 138 e 139 Tal jornal parece ter sido recolhido depois pelas autoridades 87 ADIM III 370 testemunha 21 Provavelmente a carta referida é de estudantes e não de freira 88 ADIM III 187 89 Incluindose a de Goa em 1789 evidentemente e r 45 des Tal mudança de atitude pode ser observada através de alguns documentos expressivos Já se tem uma certa noção neste fim de século que os actos externos são demonstrativos dos internos 91 Os acontecimentos de superfície são regidos pelas transformações de profundidade é todo um sistema que está sendo posto em questão Também nas expressões encontrase tal mudança as palavras são conscientiza das ganham conteúdos novos e já se percebe que nem sempre são suficientes É preciso ir mais longe da palavra à obra do abs trato ao concreto 92 da quietação à Revolução O vassalo integrado no sistema já não funciona como carac terística indiscutível Por vezes ainda permanece apenas exterior mente enquadrado no sistema com um comportamento que não deixa dúvidas quanto à sua fidelidade à Coroa e à religião Suas formas de expressão são as típicas do regime Mas dadas as con dições desse fim de século ainda que seja occulro o animo com que se proferem as palavras não deixa contudo muitas vezes de conhecerse a intenção dellas pela pessoa que as profere segundo as circunstâncias de tempo lugar e modo 93 A inquietação freqüentemente é subterrânea as formas de exteriorização são apenas as consentidas pela ordem estabelecida e pelo ambiente As palavras consideradas isoladamente entretanto não cons tituem critério para medir a revolução e discutir as origens do pen samento revolucionário no Brasil Mesmo pelos contemporâneos como se observa no caso antecedente Até porque se há algo que preocupa largos setores colonizadores é o sentido das palavras Sabem já que por trás das mesmas podem estar ocultas realidades nem sempre agradáveis aos seus interessesP Este é um comporta 90 Antônio Cândido já notara que a veia poética cede lugar à politica Panfletos tratados de economia ensaios etc substituem a poesia que perde qualidade tomam o seu lugar no espírito dos melhores e contribuem para criar a atmosfera de cujo adensameoto sairiam as iniciativas de independência literária ln Formação da Literatura Brasileira São Paulo 1964 2 ed p73 91 ADIM VII 76 nos embargos apresentados a favor do réu Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade 92 ADIM VII 72 Grito nosso 93 ADIM VII 261 Grifos nossos 94 Está o regime num processo de crise em que é essencial para conservar ileza a Monarquia uma maior energia no Governo Vejase a carta de 46 mente encontradiço em todas as devassas realizadas na crise do sistema colonial português O esforço em pressentir realidades em levantar acontecimentos possíveis apura a utilização do vocabu lário favorece a elaboração de conceitos Por vezes são discutidas nesse ambiente de crise formulações que estão próximas daquelas sediciosas sem que no sentido de tais palavras indicassem pre cisamente a rebelião 95 É no ambiente de suspeita que as idéias de Cláudio Manuel da Costa podem exteriorizarse através de mysteriosas palavras 96 ou que se chega à conclusão que formu lações nãosediciosas expressas através das referidas palavras te nham algum sentido diverso do que ellas mesmas significam Há que perceberse que tais ocorrências ganham sentido na medida em que surgem num mundo de palavras sem malícia alguma 9 palavras que contêm comportamentos e expressões perfeitamente ajustadas ao sistema O estabelecimento de uma regra para se compreender a men talidade colonial é tarefa muito arriscada entretanto A coexistên cia de formas diversas de expressão e de compreensão do tempo dificulta sobremaneira tal pesquisa O perigo de cair num esque matismo que nada tenha a ver com a realidade deve ser evitado especialmente quando se verifica que nem sempre há relação direta 28 de setembro de 1798 datada do Palácio de Queluz de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal texto integral em Braz do Amaral op cit p 19 De um ponto de vista teôrico Mannheim já deixou claro no seu célebre ensaio sobre o Pensamento conservador que words never signify the sarne thing when used by different groups even in the sarne counrry and sligbt variations of meaning provide the best clues to the diffcrent trends of thought in a cornmunity in Essays on Socigy and Social Psychology 2 ed London Routledge and Kegan Paul 1959 p 77 95 ADIM VII 183 Acórdão definitivo Grifo nosso Por vezes não obs tante a palavra vem explicitamente referida à Revolução tal como aquele pardo do Sêrro que applicando disfarçadamente o ouvido percebeu a palavra levante in ADIM I 101 96 ADIM I 105 grifo nosso na inquirição do TenenteCoronel Basilio de Brito Malheiro do Lago 97 ADIM II 20 Grifo nosso Confrontar com ADIM II 27 a propósito de palavra e conceito 98 ADIM 371 II Grifo nosso Maliciosas são as palavras que indicam um comportamento divergente dentro do sistema Há que vislumbrar as media ções e entender a projeção ao nível das expressões das formações econômi cesociais concretas À ordem estabelecida colonizadora é que tais palavras surgem com ou sem malícia 47 e eficaz entre pensamento e ação fato aliás que alguns setores da população colonial já percebiam Considerados certos setores de Minas por exemplo há que observar que o ponderar que poderia o Brasil seguir a um Príncipe da Casa Real que cá viesse não tem nada com a Sublevação presente porque são discursos que muitas vezes occorrem em uma conversação sem que dahi se sigam idéias de sublevação99 No universo das palavras no Brasil dos fins do século XVIII há que distinguir porém as palavras faladas daquelas escritas De fato os pensamentos perigosos como os outros se espalham de maneiras diferentes e conforme o meio considerado Em Salvador por exemplo uma das maneiras de medir seus efeitos é analisar a indisciplina falta de subordinação máo estado em que se acha a Tropa dessa cidade Neste ambiente as palavras faladas ga nham importância pois chegase aqui a dizer que se ahi appare cessem algumas Tropas Francezas nem a Tropa resistiriatP Ainda em Salvador Agostinho Gomes homem Rico não fora acusado não apenas como uma das pessoas mais afeiçoadas aos princípios Francezes mas também como alguém de quem se diz que em SextaFeira da Paixão dera hum Banquete de carne 101 De fato o dizer assume imensa importância num momento em que a comunicação escrita não pontua as relações entre os homens Nessa medida é mais grave e excepcional a atuação de Ci priano Barata que associado a um músico não teve dúvida de publicar as suas depravadas paixões entre os rústicos povos já 99 ADIM IV 316 Notese que a fidelidade à Coroa permaneceria de algu ma forma O que importa ressaltar entretanto é que o poder central não é compreendido em termos absolutos e que uma atmosfera de crítica pode ser entrevista em tais formulações São idéias que muitas vezes ocorrem em uma conversação Por outro lado vale notar que neste trecho dos Autos é sugerida uma hipótese que antecipa de certa forma aquilo que de fato aconteceu na Independência algumas décadas mais tarde O Brasil realmen te veio a seguir um Príncipe da Casa Real Na problemática do tempo já era cabível nos espíri tos dos coloniais uma solução que de fato se concreti zou graças a uma alteração no equilíbrio europeu devida a Napoleão com a invasão da Península Ibérica que provocou a transmigração para o Brasil da familia real portuguesa Vale lembrar que outra solução era aventada em Salvador em 1798 quando brindes eram levantados a Napoleão 100 Ofício de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal 4 de outubro de 1798 integra in Braz do Amaral op cit p 1213 101 Idem ibidem 48 com palavras já com escriptos feitos huns novos legisladoresU Este talvez seja um aprofundamento significativo da inconfidência baiana em relação à mineira a agitação que é feita também por escrito 103 e sempre com uma sólida marca popular Seria sem sentido pensar que o aparelho administrativo por tuguês funcionou como uma s6 peça fria e radicalmente intole rante Também para ele as palavras devem ser discutidas pensadas e julgadas Embora nem sempre possam ser encontrados nesse apa relho elementos ponderados como o ilustrado D Fernando José de Portugal percebese que não se devia dar crédito indiscrimina damente às acusações que nascessem do simples ouvir dizer de voz vaga diria D Fernando por não terem os acusados pro nunciado factos ou palavras que dessem a conhecer o seu mau pensarIOolNessa linha de raciocínio é que se pode bem avaliar a importância de testemunhas e de delatores para os acontecimentos que não se enquadrassem nas coordenadas do sistema a palavra oral assumia grande importância uma vez que a escrita não se disseminara c Do abstracto ao concreto A sistematização da Revolução falhada a passagem do abs trato ao concreto o caminho da palavra à obra foi melhor realizado pela repressão De fato nas Devassas encontramos o denominador comum num certo tipo de mentalidade que informa o poder central em crise poder central colonizador lOs Talvez im precisamente vamos denominála mentalidade oficial 102 Denúncia do Padre José da Fonseca Neves datada de Nossa Senhora do Monte a 3 de maio de 1798 íntegra in Braz do Amaral op cit p 13 Grifo nosso 103 Braz do Amaral diz que vários escritos foram afixados nas esquinas de Salvador além daqueles que foram introduzidos no hospício da Palma dos frades agostinhos na igreja dos frades capuchinhos à Piedade e na da Lapa op cit p 20 104 Carta de Fernando José de Portugal a Rodrigo de Souza Coutinho datada da Bahia de 13 de fevereiro de 1799 íntegra in Braz do Amaral op cit p 15 a 18 O trecho citado é da p 16 105 Uma das expres5Óesmais acabadas da mencionada crise está num trecho da áspera carta de Rodrigo de Souza Coutinho a Fernando José de Portugal 49 Melhor que os revolucionários de 1789 e 1798 perceberam os repressores que há fases diversas no processo revolucionário É bem verdade que mais uma vez as palavras funcionaram como elementos de indicação de revolta e ao mesmo tempo de resistência à Devassa Especialmente em Minas as diligências tornaramse dificulto sas por ser a conjuração só tratada de palavrasl06 Era difícil estabelecer precisamente o número de vassalos infiéis 107 e não tendo havido factos 108 como estipular a punição Como saber daqueles que como diria Gonzaga foram tomados pelas idéias e paixões de uma Sedição d A idéia de Revolução e seus problemas Não parece haver muitas dúvidas de que o conceito de revo lução foi melhor elaborado pela reação É nela que encontramos a consciência nítida de que movimentos de tal natureza têm diver sos instantes sucessivos quais sejam cogitação intenção as sociação e conjuração plano e modo de executarem Tais são as fases colocadas de maneira extremamente didática no Acór dão definitivo das Devassas da Inconfidência em Minas109 E um tanto desolador verificarse que apesar da atmosfera altamente revolucionária não houvesse nenhum plano claro estabelecido de 4 de outubro de 1798 já citada Repito novamente a V Ex de ordem de Sua Magestade que premio e castigo são os dois Polos sobre que estriba se toda a Machina Politica e que no momento presente toda a uigilancia contra os máos be indispensavel e absolutamente necessaria e que V Sa sera responsável de ioda a frouxidão que houver na execução destas Reaes Ordens Grifos nossos 106 ADIM VI 377 no oflcio do Desembargador José Pedro Machado Coelho Torres ao ViceRei 107 ADIM VI 379 idem 108 ADIM VI 377 idem 109 ADIM VU 190 A propósito sempre vale lembrar para um período mais avançado em relação àquele em que situamos esta análise as posições de Silvestre Pinheiro em sua Mem6ria Política sobre os Abusos Geraes e modo de os Reformar e Prevenir a Revolução Popular de 1814 e 1815 in RlHCB LI p 239 a 378 e especialmente Sierra y Mariscal Tdeas Ceraes sobre a Revolução no Brasil e suas conseçuencies 1823 ABN n 4344 50 pelos sediciosos das diversas áreas com passos bem marcados com articulações bem ponderáveis Em Minas por exemplo falase do levante mas nem sempre se fala nos projectos porque estes ainda não haviam 110 São raras e desconexas as informações res peitantes a um Planot Não obstante observase certa noção do fenômeno em elemento como o TenenteCoronel Domingos de Abreu Vieira que ouvia as conversas sediciosas com o intento unicamente de observar o estado e progressos daquelle negocio e os sujeitos que nelle interessavam para ver o rumo que tomava semelhante desordernL Em Salvador perguntavase em alguns setores Que fazem estes malditos Povos que se não levantão Para quando se guardão m e falavase de maneira vaga em dignissima revolução fruição da dita revolução e liberdade Il liberdade igualdade e fraternidade do Povo bem como Liber dade Popular 115 Já no Rio de Janeiro baseavamse os indiciados em idéias da Sagrada Escritura que assim como dá poder aos Reis para castigar os Vassalos o dá aos Vassalos para castigar os Reis 116 Se a discussão realizada até aqui balizada na ocorrência de palavras não ganha concreção de maneira facilmente perceptível poderseia apelar para um recurso que por certo tornaria mais ponderáveis os resultados obtidos em tal discussão Partamos do que é mais visível a verificação pura e simples de que conceitos como o de Revolução são mais freqüentes na Bahia que em Minas Gerais Talvez não ganhe tanto sentido se não nas lembrarmos que os setores em que ocorrem não só são mais populares como também compostos de população mais jovem 117 110 ADIM VII 133 no embargo a favor do réu Faustino Soares 111 ADIM I 94 112 ADIM II 26 Grifo nosso Ver ainda sobre sua recusa à participação em ADIM I 93 e 94 113 Denúncia do capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos Joa quim José de Santa Anna também cabeleireiro Integra in Braz do Amaral op cit p 4953 Trecho cit p 50 114 5 aviso ao Povo Bahiense in Braz do Amaral op cit p 42 115 8 aviso ao Povo Bahiense in Braz do Amaral op cit p 43 116 Abertura da Devassa Ordenada pelo ViceRei Conde de Resende 1794 ABN 61 1939 117 Os revolucionários bahianos de 1798 diz Braz do Amaral estavam quase todos entre os 17 e os 30 anos op cit p 10 51 Ig Jf Por outro lado neste final de século XVIII há uma certa noção no Brasil que as notícias e idéias podem ser associadas à condição socialP Assim é que certa vez o SargentoMor das Or denanças de Minas Novas Manoel Antônio de Moraes não deu importância a uma informação do levante que estaria por estourar em todas as Minas simplesmente porque tal informação provinha de grupos de baixa posição social As informações e o valor das idéias são avaliados através de uma concepção hierárquica da sociedade Ilustrativo também é o caso do revolucionário Luís Gon zaga em 1798 em Salvador que além de tudo tem implicações de ordem racial fizera ele requerimento ao Governador da Bahia pedindo para ser indicado para o regimento de milícias dos homens pardos dizendo que estes deveriam ser tratados como brancosl Não é de se desprezar ainda o caso de Tiradentes que por ter sido preterido quatro vezes 121 nas promoções militares acabou l sendo engrenado violentamente no processo revolucionário Pois bem por baixo de cada uma das formulações indicadas está a base social e racial comandando e explicando a ação dos agentes Estudar as formas de pensamento sem considerar suas origens sociais bem corno as camadas da sociedade em que tais formas ganham sentido pode redundar em perda de visão do pro blema central É a análise da base social que torna possível a compreensão do surgimento veiculação ou adaptação de conceitos e expressões Para a compreensão da idéia de Revolução no Brasil no pe ríodo considerado é necessário observar que os elementos colo niais já tinham certa consciência do que era ser rico ou ser 118 E também à situação racial COmose verá 119 ADIM I 233 Entrevêse aqui a possibilidade ou não de difusão de idéias condicionada à situação na escala social dos grupos considerados 120 Cf Braz do Amaral op cit p 21 121 Ver ADIM IV 45 Tal indicação é preciosa uma vez que contém boa medida para avaliarse o problema da ascensão social através da ativi dade militar O ressentimento e a atitude crítica em relação ao sistema provém daqueles setores que não foram bem integrados digno notar no caso de Tiradentes o preconceito racial em relação aos negros várias vezes perceptível nas suas manifestações Vejase por exemplo sua idéia de que é necessário restaurarmos a nossa terra que fazem de nós Negros ín ADIM I 185 nos Autos de perguntas a Tiradentes 52 pobre 122 e de que como estas condições faziam com que parti cipassem de maneiras diversas e por vezes antagônicas no processo em curso É nessa perspectiva que se pode entender a perplexidade de alguns cidadãos coloniais que foram convidados para participar da sublevação em Minas como aquele 123 que não era rico Se não o era por que fora convidado Ou a desculpa daquele outro que era pobre e totalmente sem meios de poder servir cousa alguma na dita sublevação124 A noção de que deve haver meios para a açâo é dado seguro para avaliar quais as ligações entre propriedade e Revolução no Brasil no final do século XVIII12S Especialmente quando se observa que no Rio de Janeiro por exemplo esboçavase uma tendência revolucionária da qual de resto os mineiros tinham notícias tendência que possuía como elementos dinamizadores alguns comerciantes que eram suportes de consciência de interesses bem defiriida desejavam que a revo lução principiasse por lá C6 Da mesma forma em Minas são os 122 Não encontramos entretanto como para a Inglaterra de um século anterior a estes acontecimentos certas condições sociais associadas a estados de espírito ver por exemplo a canção da época de Guilherme de Orange As Delícias dos Fabricantes de Tecidos de Lã ou A Alegria dos Ricos e as Tristezas do Pobre analisadas por nós no artigo citado nas Observa ções Preliminares 123 ADIM III 335 124 ADIM V 129 Comparemse tais ocorrências com as idéias de alguma forma ingênuas sobre a sociedade e a colonização contidas num dos princi pais documentos para compreender Minas da primeira metade do século XVIII que é o Triunfo Eucarístico especialmente p 7 15 19 e 23 da Prévia A1ocutória À página 15 percebese de maneira muito clara como os problemas sociais eram entendidos Embora haja referências àqueles de cabedaes inferiores e aos opprimidos ainda não temos indicação nítida ao nível dos conceitos das condições sociais tal como acontecerá no período de crise aproximadamente a partir de 1770 125 Tais ligações serão analisadas com vagar no capitulo VI 126 Ver ADIM II 423 na Carta de Domingos Vidal Barbosa ao Viscon de de Barbacena haviam 5 ou 7 negociantes no Rio de Janeiro que queriam que a revolução principiasse por lá também em ADIM III 368 era desejo de negociantes do Rio que a revolução principiasse por lá aliás como em Gibraltar ainda em ADIM IV 340 onde se fala em cinco Negociantes e em revolução Ê muito importante observar que para Minas Gerais são essas três as principais ocorrências do conceito de Revolução nos Autos de Devassa e é evidente que não é por acaso que o conceito é referido a uma categoria social das mais ntidas na vida social 53 Grandes os principais que estão na base das cogitações sedi ciosas Há sérios indícios de que proprietários não só polarizaram o processo em relação a pequenas clientelas próximas como tam bém aspiraram a partir de sua condição de proprietários a um lugar de destaque na nova ordernF Não é por acaso que ele mentos mais subversivos como o Padre José da Silva de Oliveira Rolim exerciam sua ação revolucionária em relação à base con creta fornecida pelos bens dos proprietários que já passam de 60 dos principais destas MinasI1 Ao que parece o problema pode ser colocado exatamente nos mesmos termos para a Bahia modos de pensar podem ser vinculados à condição social Ou em outras palavras não se pode pensar em expressões e comportamentos dissociados dos meios sociais em que foram produzidos e pelos quais se difundem Basta que se observe a conclusão a que chegam os representantes do poder central na Devassa do levantamento de 1798 para se verificar que neste caso as distâncias entre o social e o mental são nítidas e bem delimitadas Os principais autores dos papéis sediciosos não eram pessoas de consideração nem de entendimento ou que ti vessem conhecimento e luzes eram isto sim pardos de péssima conduta e faltos de Religião Sua ineficácia revolucionária aliás parece refletirse no contexto dos Papéis sediciosos tão mal orga nizados e na ausência de planos formados de revoluçãol29 Seria errôneo entender as camadas inferiores da cidade de Salvador como um bloco coeso nesse clima de agitação Relativamente aos grupos das camadas inferiores que não eram brancos observarseã que existiam oposições entre pardos e pretos até porque e aqui volta novamente o problema da ascensão social ligado à diversifi cação racial os pardos como bem nota D Fernando José da Colônia o fenômeno Revolução s6 se torna claro se referido a grupos sociais concretos 127 ADIM I 8 procurauão O meu partido por saberem que eu deuia a S M coantia a Vultada e q estta logo me seria perdoada e q como tinha rnas fazendas e duzentos e tantos Escravos me cigurauão fazer hum dos Grandes 128 ADIM r 7 na Denúncia por Joaquim Silvério dos Reis Coronel de Cavalaria dos Campos Gerais 129 Carta de Fernando José de Portugal a Rodrigo de Souza Coutinho datada da Bahia a 20 de outubro de 1798 íntegra in Braz do Amaral op cit p 56 a 61 54 são reputados como mais astutos e sagazes para qualquer em preza lO É claro que os portadores da mentalidade oficial têm sua maneira própria de compreender os problemas sociais da época E não é só No caso citado de D Fernando há consciência de certa oposição entre mulatos e pretos mas sobretudo há consciência que os revolucionários eram em sua esmagadora maioria de baixa esfera E não fica aqui apenas a visão da sociedade de D Fer nando é preciso cortar o mal em sua raiz porque não se pode esquecer apesar da notada oposição entre negros e mulatos que o processo implica contagio o que é extremamente pe rigoso em hum Paiz de escravatura13I Feita a análise por outro ângulo vamos verificar que também os sediciosos baianos tinham sua visão especíHca da organização da sociedade e já vislumbravam algumas categorias como desejáveis na nova ordem que se queria implantar É o caso por exemplo do mulato alfaiate João de Deus que achava que não mais erão pre cisos ministros para a governança dos Povos e por isso devião ser logo mortos à faca Como se vê representantes da velha ordem No nova ordem porém deviam permanecer intactos os negocian tes à bem do pilblico1J2 E mais o que nos dá preciosa medida do equipamento conceitual do mencionado revolucionário acha va João de Deus que existiriam tropas de linha com comandantes brancos pardos e pretos e sem distinção de qualidade e sim de capacidade Não parece impossível apesar de tudo e especialmente apesar da mencionada crise do sistema que o interlocutor de João de Deus um Capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos que além de militar era cabeleireiro estivesse mais próximo da realidade e melhor integrado no sistema não só entendia bem o que dizia João de Deus como também tal eventualidade lhe 130 Idem Ibidem 131 Doe cit p 61 Configurase o colonizador estamos num Paiz de conquista p 60 132 Denúncia do Capitão do Regimento Auxiliar dos Homens Pretos Joa quim José de Santa Anna integra in Brsz do Amaral op cit p 49 a 53 Trecho cito p 51 e curioso que desejavam um systema de liberdade com destruição de todos os Membros da Administração Publica e Economica que rege este continente p 50 55 parecia ímpossíveltP Revolução alteração violenta nos postos quebra de hierarquia inclusive com a idéia sedutora de sua pas sagem para coronel do Segundo Regimento de Tropa de Linha era coisa de que este homem do sistema não podia capacitarset Por aí se observa em suma como há certas formas de pensamento que não são absorvidas facilmente quando inseridas em meios di versos daqueles em que foram elaborados ainda que seus conteú dos venham no sentido dos interesses dos agentes considerados Há todo um problema de maturação e que depende das condições sociais sem a qual não é possível a compreensão de certos con ceitos que permitirão aos agentes atuar nos processos em curso Após essas verificações chegase aos seguintes problemas que idéia se fazia de uma Revolução no Brasil no final do período considerado pelos seus contemporâneos Que tipos de consciência revolucionária podiam ser encontrados Quais os limites de tais tomadas de consciência Quais estímulos estão na base da expli cação de tais comportamentos Em primeiro lugar é necessário deixar claro que não é pos sível estabelecer uma única e inflexível resposta válida para as diversas regiões da Colônia Esta seria uma forma de empobrecer a realidade que é rica e matizada É necessário levar em conside raçâo as variantes regionais do conceito de revolução aqui apenas indicaremos algumas daquelas que nos parecem mais significativas Em segundo lugar tal análise implica no trato de idéias e comportamentos que só ganham sentido quando inseridos nos meios sociais concretos em que OCorreram estudálos desvincula dos dos seus meios seria critério esvaziador dos conteúdos dessas ocorrências É fundamental perceberse finalmente que tais idéias e com portamentos contrastavam agudamente com a mentalidade do 133 Doe cit p 50 Vêse que o interlocutor de João de Deus aspirava ser completo official e de servir com satisfação á frequentar por repetidas vezes os quartéis dos Regimentos de linha para aperfeiçoarse em tudo quanto pertence ás funcçoens militares Como se vê um homem esforçando se por ajustamento ao sistema Ainda assim ele é atingido por um dos problemas mais agudos da crise que se revela no racismo sentia a sua desconsolação por ouvir dizer que 5 nomeava hum sargento mór branco para seu Regimento e que sendo isso verdade desistiria em duvida das suas maiores aplicaçoens grifo nosso 134 Idem ibidem 56 I rninante que até então não fora posta em dúvida de maneira expressiva só então estaremos sintonizados com o momento em discussão entendendo por que as idéias revolucionárias faziam tremer e estremecer 135 àqueles que por estarem bem ajustados no sistema não possuíam inquietação e Para uma tipologia do pensamento revolucionário Um dos espíritos mais críticos que podem ser encontrados neste ambiente colonial é sem dúvida Tomás Antônio Gonzaga Não era propriamente indivíduo que estivesse disposto a fazer revolução fosse como fosse comportamento que encontramos em alguns de seus contemporâneosl36 Pelo contrário tinha uma sensibilidade especial que o capacitava a perceber a história sub terrânea a história de fundo Se julgava que era possível levantar os Povos do Brasil e nele temos uma das raras ocorrências de idéia nãoregional de revolução tal era apenas hipótese e não uma realidade concreta Mas seria injusto julgálo apenas um ho mem que freqüentasse vagamente e sem inquietações grupos em que alguma vez se podia falar em se poderem levantar os Povos do Brasil Nada disso Tomás Antônio foi mais longe por ser mais lúcido atuou junto a uma das molas da Revolução em Minas Quando percebeu que a inquietação poderia ser sistematizada o ponto de partida para a Revolução com o estabelecimento da Derrama faz tudo para que ela realmente se efetivasse E cumpre não esquecer que esse foi o argumento que mais pesou contra ele na Devassal38 Tomás Antônio aliás tinha sólidas bases 135 ADIM III 182 136 Ver ADIM II 52 e 53 por exemplo 137 não podia ser senão em uma hypothese de potencia e não de acto Ver ADIM IV 266 nos Autos de perguntas a Gonzaga 138 Ver em especial ADIM VII 169 Acórdão definitivo e ADIM VII 245 Embargo apresentado pelo advogado José de Oliveira Fagundes O que era tanto mais grave quando se observa que Gonzaga sabia exatamente que o tributo era grande e que temia alguma revolução no Povo ADIM IV 252 Do ponto de vista da utilização de conceitos é digno de nota o ato de aparecer em Gonzaga a ocorrência do termo revolução Em outros encontramos simplesmente em sua grande maioria levante sublevação ou sedição O texto do acórdão definitivo datado do Rio de Janeiro a 18 de 57 para entender o processo em curso Não apenas pelos seus contatos com os livros e com o cônego Luís Vieira da Silva mas também com seu mestre Cláudio que cultivou de maneira refinada o es tudo do passado Era a partir de tais bases que podia entender o seu momento e perceber o que significavam as idéias de revolu ção em oposição às idéias de quietação 139 Evidentemente Gonzaga não esteve a salvo das transforma ções de sua sociedade Pelo contrário foi atingido com violência por tais mutações Apenas soube como nenhum outro exteriori zar os sentimentos e interesses do grupo social a que pertencia Classisra não era algum vaqueiro que vivesse de guardar alheio gado de tosco trato de expressões grosseiro 140 Nesse momento de agitação e de inquietação o poeta revo lucionário sentese relativamente emancipado da propriedade dos bens e nem lhe cega a paixão que o mundo arrasta Sabe que pode emendar a ventura ganhando astuto a riqueza mas prefere deixar os bens que aos homens cegam142É nessa pers pectiva que se distancia provisoriamente dos valores de seu tempo que se descola da tendência geral de seu momento é nessa pers pectiva também que se deve entender seu revolucionarismo Não há dúvida que não está ainda bem ajustado ao sistema tanto do abril de 1792 é bem daro Mostrase que sendo a base do levante ajustado entre os Réus o Jançamento da derrama pelo descontentamento que suppu nham que causaria no povo este Réu foi um acerrimo perseguidor do Inten dente Procurador da Fazenda para que requeresse a dita derrama e parecen dolhe talvez que não bastaria para inquietar o povo o lançamento pela divida de um anno instava ao mesmo Intendente para que a requeresse por toda a divida dos annos atrasados seria evidente que ella não podia pagar se ADIM VII p 169 A stuação de Tomás Antônio Gonzaga já foi objeto de lúcida análise do Prof Rodrigues Lapa no prefácio às Obras Completas de Tomás Ant6nio Gonzaga São Paulo CEN 1942 Ver espe cialmente p XXIX e XXX 139 ADIM IV 252 nos Autos de perguntas a Gonzaga 140 Lira L ln Obras Completas de T A Gomaga Edição crítica de Rodrigues Lapa Rio de Janeiro 1942 p 3 141 Lira r ln op cit p 5 Ver à p 4 louvando o agrado de Marília Dirceu dizendo como é bom ser dono de rebanho que cubra monte e prado grifo nosso 142 Gonzaga Obras completas p 38 Ver ainda a pertinente nota de Rodrigues Lapa à p 13 onde Gonzaga se incumbe da administração dos bens de Alvarenga Peixoto ponto de vista político como do ponto de vista familiar 1O Seu ajustamento só se dará após o exílio para Moçambique em 1792 onde casou com a filha da casa mais próspera local ligada aos negócios de escravos Ainda propalou várias idéias relativas à revo lução mas tais manifestações eram amortecidas num ambiente já trabalhado pelas infiltrações de idéias da Revolução Francesa Outro tipo de consciência revolucionária digna de referência é a que pode ser observada no Capitão João Dias da Motta Quan do diz que o levante não tinha fundamentos 144 está apenas ten tando eximirse de qualquer culpa e justificarse na Devassa Mas tal formulação permite inferir que nessa época é possível fazerse levante desde que tenha fundamento Em outras palavras um levante pode ser explicável ter seus motivos É claro que supor essa possibilidade já implica posição que se opõe à ordem abso lutista e colonialista Tal tipo de consciência é sem dúvida menos ingênuo que o daquele padre que referindose à revolução nas colônias inglesas achava que quem começou a urdir o levante na América Ingleza foi um Indivíduo que nada valia e do seu falatório se originou 145 143 Já em 1787 Gonzaga num de seus conflitos com o Governador Cunha e Menezes enviara à Rainha Maria I uma acusação violenta Nem me atrevo a representar coisa alguma a êste Exmo General por conhecer o seu notório despotismo Êle tira os padecentes do patibulo ele açoita com instrUmentos de castigar os escravos as pessoas livres sem mais culpa ou processo do que uma simples informação dos comandantes ele mete os advogados e homens graves a ferros êle dá portarias aos contratadores para prenderem a todos os que êles querem que lhes devam êle suspende a outros credores o pedirem pelos meios competentes as suas dívidas êle revoga os julgados ainda o mesmo das Relações Enfim Senhora ele não tem outra lei e razão mais que o ditame de sua vontade e dos seus criados Exposição à Rainha em 21 de março de 1787 cit por Rodrigues Lapa op cit p XXI e XXII Curioso Dotar que não se confunde com algum vaqueiro que viva de guardar alheio gado e que acha que não se deve castigar as pessoas livres com instrumentos de castigar escravos Há um certo classismo na atitude geral de Gonzaga um aristocrata com o gosto do popular já disse Rodrigues Lapa que o identifica mas não o integra com seu momento e que demonstra que algumas determinações gerais do sistema podem ser captadas nas suas formulações inclusive as poéticas Do ponto de vista familiar sabese que Gonzaga já era homem maduro solteiro que a família de Mar1lia tudo fez para impedir o casamento 144 ADIM V 146 nos Autos de perguntas ao Capitão João Dias da Motta 145 Padre Assis ADIM II 67 59 I II I 1 60 Não s6 se encontra implícita aí uma explicação para o fenômeno Revolução indivíduo faz O levante que tem Sua origem no fa lat6rio como também um julgamento do fenômeno o pro cesso é personificado no agente que nada vale e portanto as qua lidades e defeitos do agente são transpostas para o processo Fazer a revolução fosse como fosse é outra maneira de situarse em face do problema Esse comportamento que revela um tipo de consciência é encontradiço no Vigário de São José o radical Carlos Corrêa de Toledo e Melo Conhecido o projeto do levante em Minas pelas autoridades portuguesas achava o Vi gário que embora devesse estar chegando Tropa de Baixo Rio de Janeiro urgia que a revolução se fizesse antes de a Tro pa chegrl46 Este mesmo Vigário nos coloca em face de um comporta mento expressivo e que se constitui em ponto de desencontro cru cial entre os revolucionários o problema do escravo base do siste ma e ao mesmo tempo propriedade e mãodeobra Quando per cebeu que o movimento foi descoberto o Padre Carlos sugeriu ao Coronel Francisco António de Oliveira Lopes que os désse que bem podia apromptar vinte e que um Negro com a carta de Alfor ria na testa se deitava a morrer Tal espírito revolucionário en trevê a nova ordem embora sua ação emancipadora pareça decorrer mais de uma emergência Mais expressivo é o comportamento do Coronel que em face da nova ordem implícita na sugestão do Vigário diz que se libertasse vinte Negros ficava sem ter com quem trabalhar Não parece ter adiantado a disposição do Padre Carlos em alforriar todos os que pudessem ir 148 sua ação esta va delimitada pela noção de propriedade e trabalho do Coronel segundo os padrões da velha ordem isto é do sisterna 146 ADIM II 52 e 53 147 ADIM II 53 148 Idem ibidem 149 Através do depoimento do padre José Lopes de Oliveira podese constatar que o padre Carlos tinha objetivos bem concretos e possuía clara visão das possibilidades do movimento intentado Sua idéia de Revolução estava referida à implantação de uma República ainda que fosse necessário eliminar todos os europeus daqui ADIM II 250 Quando soube da denúncia e da descoberta do movimento prematuramente chegou a dizer que estavam acabadas as suas idéias porque se não podia fazer uma Re pública ADIM IV 449 Outro tipo de comportamento observado nesta crise do sis tema e que merece destaque é o de José Aires Gomes ainda em Minas Gerais Para ele a Revolução não tinha sentido em prin cípio Era uma asneira o projeto porque na nova ordem também haveria organização do poder embora com roupagens diferentes De qualquer maneira para ele haveria sempre governadores e governados ISO Não há neste caso mera acomodação ao sistema Há na base um desajustamento que não se dá apenas em relação à reali dade vivida mas também às outras possibilidades além daquelas permitidas pelo absolutismo e pelo colonialismo portugueses Por tanto não estamos apenas diante de uma crítica ao regime 151 mas também aos outros regimes Vale lembrar que a simples possibili dade de negação do Governo já representava ruptura violenta no pensamento de um vassalo e sintoma de crise da colonização Afi nal o colonizador que não se submete às regras do sistema que não acredita no governo pode provocar damno imminente ao Es tado 152 A idéia da Revolução mais nitidamente classista pertence sem dúvida a José Alvares Maciel Em suas formulações percebem se nitidamente as distâncias entre os objetívos do movimento e o perigo representado pela participação escrava além do problema representado pelos europeus Este revolucionário de formação uni versitária e viajado leitor de histórias da América Inglesa e co nhecedor das Leis Constitutivas dos Estados Unidos percebeu muito bem que envolver os escravos na Revolução constituía arbítrio diametralmente oposto ao fim que se propu nha 153 Revolução e escravatura não podiam resolverse por um mesmo caminho uma vez que o número dos homens pretos e Escravatura dos Paiz era muito superior ao dos brancos 154 E 150 ADIM VII 253 o projecto era uma asneira por que sempre havia de haver um que os governasse 151 Pelo visto esta foi considerada devidamente tanto que Aires Gomes acabou condenado para o degredo por toda a vida nos presídios de Embaqua 152 ADIM VII 254 nos embargos apresentados pelo advogado José de Oliveira Fagundes 153 ADIM II 250 no Auto de perguntas a Maciel 154 Por isso prossegue Maciel toda e qualquer revolução que aquelles pressentissem nestes seria certo motivo de elles mesmos se rebd1arem e 61 o problema era analisado de maneira muito clara por Maciel que via na mãodeobra escrava a base da economia agrícola e minera dora Suas referências parecem ultrapassar os limites das Minas quando declara que se libertasse grandíssimo número de Escra vos que ha no Paiz eis ahi ficavam sem haver quem trabalhasse nas terras tanto na mineração como na cultura A base classista entretanto é dada quando lembra que tal liberdade implica diminuição dos bens dos proprietários de escravos que ficam sem haver de que subsistirtP Quanto à morte dos europeus no Brasil que tanto entusias mou o vigário Carlos Corrêa de Toledo Maciel é mais ponderado e baseia seu comportamento na idéia de que tanto os Ame ricanos muitos dos seus Progenitores e Parentes nestas terras não era possível que vissem o sangue frio e até mesmo que concor ressem para se dar morte a seus Paes e Parentest A propriedade atinge e envolve Álvares Maciel e o que é mais expressivo atingeo em seu futuro Era ele que por seus conhecimentos e viagens pela sua instrucção nestas matérias estava incumbido de dar início às manufaturas no BrasiV57 Portan to não apenas a propriedade de escravos símbolo dos velhos tempos como também a propriedade baseada nas rnanufaturas símbolo dos novos tempos se projetavam na ação de Maciel Se discutimos aqueles que viram a Revolução mais como hypothese de potencia e não de acto como diria Gonzaga é imprescindível realizar a análise do que provavelmente esteve mais próximo da ação que da teoria em Minas Gerais o alferes Joa quim José da Silva Xavier o Tiradentes por consequencia ficaria frustrada toda e qualquer acção intentada e as cousas inda em peor estado ADIM II 249 Os revolucionários baianos tinham consciência desse fato mas para eles este dado positivo vejamse adiante as posições do mulato Lucas Dantas 155 ADIM II 250 156 Idem ibidem 157 Ver ADIM II 247 Esta questão ganha significado quando se recorda que em 1785 foi expedido o Alvará de proibição das manufaturas no Brasil oficializando uma situação de fato Vejase a mais recente análise do men cionado alvará no artigo de Fernando A Navais A proibição das manu faturas no Brasil e a politica econômica portuguesa do fim do século XVIII ín Revista de Histôria São Paulo n 67 1966 62 I Não era Tiradentes um homem ilustrado como Gonzaga ou viajado como Maciel Reunia entretanto uma série de condições para que se pudesse tomálo como o homem revoltado típico desse final de século nas Minas Cheio de intuições não se introverteu antes pelo contrário difundiu mais que qualquer contemporâneo brasileiro a idéia de RevoluçãoP Para os homens bem ajustados de sua época suas idéias e afirmações não eram racionsesU Os seus contemporâneos que viviam no mundo da sã consciên cia 160 viamno como elemento tomado pela loucurat Essa idéia que tinham de Tiradentes serviu até para eximir um seu contemporâneo de delaçãor Suas palavras soavam como próprias de um homem perigo SO163Já avançado nos quarenta anos 164 grisalho 165preterido por quatro vezes nas promoções militares 166mascate anteriormente 167 e tendo sido preso 168tinha consciência que não era pessoa que tivesse figura nem valimento nem riquezaI69 Com efeito nesta elite de proprietários doutores e clérigos que constituíam efer vescente grupo de opinião 170 Tiradentes aparece como elemento dos menos bem dotados quer do ponto de vista de formação inte lectual quer do ponto de vista econôrnico Sua açâo não obstante é informada pela visão de mundo daquele grupo e por ela tem seus horizontes definidos17I Rigorosamente não o encontramos 158 Vamos notar que era o único a possuir um rnethodo de conversação ADIM IV 47 159 ADIM I 179 na inquirição de Pedro Affonso de São Martinho Sar gentornor do Regimento de Cavalaria Paga de Minas Gerais 160 Ver a título de exemplo ADIM I 156 161 Ver especialmente ADIM VII 129 Neste documento ocorre pelo menos quatro vezes a idéia E não se trata de uma posição oficial Até trapeiras formaram tal imagem ver ADIM III 261 162 ADIM III 260 163 ADIM I 108 e 109 na inquirição do Capitão Vicente Vieira da Motta 164 ADIM IV 29 nos Autos de perguntas ao Alferes 165 ADIM I 184 e II 414 166 ADIM IV 45 já citado 167 ADIM II 460 168 ADIM II 461 169 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 170 Consultese o trabalho de Célia Galvão Quirino dos Santos A In confidência Mineira in Anais do Museu Paulista tomo XX 171 Observese a título de exemplo seu comportamento preconceiruoso em relação aos negros ADIM I 185 63 com lugar de destaque nos encontros para trama da sublevação é mais eficaz nas ruas lojas estalagens e estradas Tiradentes tem algumas noções da necessidade de um míni mo de condições para o êxito da Revolução Nele não encontramos o refinamento de Gonzaga que baliza sutilmente sua ação na declaração da derrama mas constatamos que não achava ele propí cia a atitude de Barbacena 172 antes elle fosse um Diabo peor que Luís da Cunha 17 dizia Tiradentes Facilitaria a Revolução Encontrase em tal personagem nítida idéia da atmosfera re volucionária que se instalou nas Minas nas duas últimas décadas do século XVIII Vendo de maneira muito obscura o corpo social e suas separações sabia que pessoas da maior até a mais pequena diziam que se puzesse a derrama a não pagavam e que sahiam da Capitania 17 sabia também das dimensões do contingente po pulacional do Povo tão grande 175 das Minas Não era por acaso que era um curioso de rnappas que se preocupava em saber quantas almas teria a Capitania de Minas Geraes Mas o que é mais de se surpreender no Alferes é sua reflexão baseada no problema quantitativo de que as ditas almas poderiam ser melhor governadas passando a América a ser Repúblicat Em outras palavras seria a quantidade de população que imporia o tipo de governo Mas nenhuma crítica aos poderosos à opu lência como o fizeram os artesãos baianos Vê pessoas da maior até a mais pequena mas não enxerga os antagonismos Certa consciência de sua própria atuação Tiradentes com cer teza possuía Tinha a noção e isto sempre proclamava que haveria de armar uma meada tal que em dez vinte ou cem annos se não havia de desembaraçart Menos satisfatórias entretanto eram suas posições em relação a certas críticas que lhe faziam seus eventuais interlocutores como aquela que lhe fez o PortaEs tandarte Francisco Xavier Machado dizendo que a revolução nun 172 muito agradavel e muito attencioso para todos como disse um seu contemporâneo ADIM V 85 173 ADIM V 85 Ver também no mesmo sentido ADIM III 319320 174 ADIM IV 38 nos Autos de perguntas ao Alferes 175 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 176 ADIM IV 53 nos Autos de perguntas ao Alferes 177 ADIM V 11 Ver também no mesmo sentido ADIM I 108 e ADIM III 335 64 ca poderia succeder porque Minas não tinha forças para se con servarem nem marinha para se defender como tinha a América Ingleza 118 respondia sempre com formulações excessivamente amplas Quando recorria ao auxílio de argumentos para melhor persuadir seus conterrâneos utilizava a imagem vaga do auxilio do Rio de Janeiro e do soccorro das Nações EstrangeirasF Não há que se imaginar finalmente um revolucionário au sente dos problemas sociais de seu tempo Pelo contrário Joaquim José não só trazia as marcas das preterições na carreira militar como na nova ordem aspirava a ganhar de renda mais de cin coenta mil cruzadosI80 Ideal de proprietário até porque já sabia que para a Revolução que se propunha era preciso ter figura valimento e riqueza para poder persuadir um Povo tão grande 181 A elaboração de uma tipologia do pensamento revolucionário no Brasil nos fins do século XVIII esbarra em dificuldade pratica mente insuperável os revolucionários geralmente não deixaram es critas suas formulações a respeito dos movimentos em curso Será mais fácil encontrar cópias de teorias elaboradas fora do sistema colonial português nos cadernos de anotações dos sediciosos como é o caso das idéias de Volney traduzidas no caderno do baiano Luís Gonzaga das Virgens que idéias próprias de tais agentes Nessa medida muito melhor sistematizadas e explícitas surgem as visões dos denunciantes e dos representantes da ordem estabelecidal Freqüentfmnete o pesquisador é obrigado a entre ver as formas do pensamento revolucionário a partir da reaçáo por elas provocada nas formas ajustadas ao regime Outra dificuldade não menos ponderável reside no fato de tais manifestações de inquietação e desajustamento surgirem numa 178 ADIM I 143 na inquirição de Francisco Xavier Machado 179 Ver por exemplo ADIM IV 56 nos Autos de perguntas ao Alferes 180 ADIM I 139 na inquirição de Simplício Maria de Moura 181 ADIM IV 35 nos Autos de perguntas ao Alferes 182 E digno de observação que no caso da Inconfidência Mineira o pro cesso revolucionário é analisado em todas suas fases pela reaçào De fato no Acórdão definitivo encontramos como já foi referido anteriormente cogitação intenção associação e conjuração plano e modo de executarem ADIM Vil p 190 São etapas melhor encadeadas na cons ciência contrarevolucionária Assim em certa medida o conceito de Revo lução também é elaborado na ConreaRevolução 65 rzl lJ sociedade de base religiosa A sociedade colonial é religiosa como bem indicou José Honório Rodrigues lAJ e não será difícil encon trarmos o comportamento revolucionário brotando em atmosfera decididamente religiosa Não se deve estranhar pois a ocorrência de cópias de textos revolucionários europeus como os do men cionado Volney num caderno onde predominam as orações de cunho religioso No caderno de Luís Gonzaga das Virgens apreen dido na Devassa do levantamento intentado em 1798 impressiona o número e a riqueza de orações que regulam praticamente todas as atividades cotidianas do cristão há orações para antes da con fissão para o ato de contrição e para depois da confissão há sú plicas a Nossa Senhora para antes e depois da confissão há orações para antes da Sagrada Comunhão bem como para antes e para depois da missa há longos trechos de acompanhamento de missa em latim oração a vários santos e à Santíssima Trindade bem como para certos dias da semana Curioso notar que não falta no caderno do revolucionário em foco uma oração para se rezar a Deos N Senhor por nossos inimigosI84 A vida estava regulada pela religião e uma oração especifica para cada atitude e momento se fazia necessãria Tal religiosidade desmedida dá bem o sentido da insegurança dos vassalos na colônia era a variação religiosa de Orna crise mais ampla Em tal ambiente impregnado de religião deveria provocar um vigoroso impacto a noção de que a idea da Divindade não foi nunca hua revelação miraculosa de antes inviziveis mas hua produção natural do intendim to hua opiniçâo do espirito huma no cuja ide a mesma tem seguido os seos progressos experimen tado immensas revoluçoens no conhecim to do mundo86 183 José Honório Rodrigues Conciliação e Reforma no Brasil Um Desa fio Hist6ricoPoUtico Rio de Janeiro Civilização Brasileira p 113 Os Ponuguezes erão fanáticos dizia o revolucionário baiano Lucas Dantas pouco mais de um ano antes da tentativa de levante de 1798 ADLSIB XXXV p 14 184 ADLSIB XXXVI p 539 185 Assim é que se observa oração para quando nos lançamos a dormir diversa daquela quando entramos na Igreja ou quando tomamos Agua Benta ou Para ajudar ao Batismo solernne ou para proteger durante uma grande tempestade ou uma outra em estando doente ou em alguma tribulação Ver loc cit p 540 e 544 186 Trecho de Volney traduzido no caderno do revolucionário Luís Gon zaga das Virgens Ioc cit p 553 66 A ideologia da Revolução Francesa atingia as consciências dos elementos coloniais brasileiros dando como resultado aquilo que arguto observador contemporâneo não deixara de notar um con fuzo encon tro de ideas 187 Ainda aqui não há que isolar tais formas de consciência do corpo social a que pertenciam porque é exatarnente em relação a ele que adquirem sua plena significação No mencionado exem plo e no mesmo caderno de anotações religiosas e filosóficas en contrase o documento que sugere a base social e racial do desa justamento que conduz à compreensão do comportamento revol tado de Luís Gonzaga sofre ele porque não he digno deser accéssivel na graduação dos postos por ser homem pardo Não há que se falar em problema individual no caso O exemplo mostra bem que já se pensa em termos de grupo social ocupando uma posição relativa no conjunto da sociedade já se pensa em termos de classe mesmo Por pensar assim é que a Luís Gonzaga parece ser justo que elle e todos os individues de sua desgraçada classe sejão estrabidos de uma compatibilidade todo penoza desgraçada e ordenada de caluniasI83 Provavelmente é o desajustamento na sociedade que torna Luís Gonzaga das Virgens tão sensível aos problemas da natureza religiosa corno aos de natureza políticofilosófica Se o sistema que é de direito divino não propicia suas realizações Pessoais e as de seus social e racialmente semelhantes por que não pensar que a idéia de Divindade não foi nunca uma revelação miraculosa de entes invisíveis mas sim uma produção natural do entendi mento humano Caso expressivo de desajustamento precoce é o do baiano Manoel Faustino dos Santos Lira alfaiate pardo forro de apenas 22 anos de idade 189 que sabia ler e escrever Ao que parece par 187 É Luís dos Santos Vilhena professor na Bahia quem o nota embora se referindo à ação dos seminários Recopilação de Notícias Soteropolita nas vol I p 141 188 ADLSIB vol XXXVI p 522 Grifo nosso É importante notar que o conceito de classe aqui não é quantitativo ex classe dos indivíduos de 15 a 20 anos já se pensa em termos de camada social 189 Braz do Amaral exagerou tal precocidade apontando a idade de 16 anos para Faustino à época da Devassa op cit p 25 A melhor hipótese 22 anos é a de Alfonso Rui A Primeira Revolução Social Brasileira São Paulo CEN 1942 p 167 67 n ncipou com desenvoltura de confabulações sediciosas a propósito de Revolução formas de governo e problemas raciais A Revolu ção para Manoel Faustino tinha objetivos bem claros e o que é mais importante deveria abranger todo ô continente do Bra sil19OO critério adotado por Faustino superava os problemas raciais entrariam num Governo de igualdade os brancos par dos epretos semdistinção de cores A nova ordem estaria basea da apenas na capacidade para mandar egovernar Do ponto de vista econômico as soluções viriam quando fossem saqueados os cofres públicos ereduzido todos ahum so para delle se pagar as Tropas eassistir as necessarias despezas do Estado 191 Diferentemente de alguns contemporâneos revolucionários Faustino optava pela manutenção do atual Governador que seria o Presidente do novo Governo Seu comportamento era como ele mesmo dizia político Era de opinião que sedevia conservar as Pessoas deLetras etudo pertencente a Religião por Politica De outra maneira seria impossível evitar huma guerra civil192 Como se vê um jovem nãoradical Com tal solução de acomodação entendese por que Faustino não era como muitos dos revolucionários seus contemporâneos voltado para as possíveis soluções francesas Em relação aos fran ceses sim era radical para de os Franceses erão huns ladroens que o viviam de piratarem roubando os naviosl9J Já Lucas Dentas de 23 anos soldado pardo era posrtiva mente pela Revolução através do auxilio da França No ambiente religioso do Recôncavo irritavase com o catolicismo fanático dos portugueses O modelo para o movimento era o dos france ses que não tiveram dúvidas em abandonar a Religião Católi caI91É curioso notar que se impacientava nas suas próprias pa lavras com a fraqueza de espirito que domina nos rapazes dest continente Para ele um revolucionário como Faustino pensa mal A Revolução pode ser feita de maneira bem mais profunda somente de possíveis revolucionários conhece Dantas mais de 190 ADLSIB voL XXXV p 13 191 Idem ibidem 192 Idem ibidem grifo nosso 193 Idem p 14 194 ADLSIB voL XXXV p 14 68 cem comcapacidade para entrarem em hum Levante nestaCidade E mais uma vez o fundo racial vem à tona uma vez que tem consciência que o número de Regimentos de brancos era inferior aos de pretos e pardos E então seestes quizerern quem lhe hade rezistir 19S O problema religioso perpassa muitos dos revolucionários baianos É o caso de José Raimundo Barata de Almeida irmão de Cipriano Barata Em suas sondagens a religião era o ponto de partida para discussões sobre Revolução Para ele as coisas iam bem uma vez que já atres annos havião nestaCidade muitas pessoas dezabuzadas que não criam em carapetoens da Re ligião 196 Um dos mais conhecidos revolucionários brasileiros começa va então a se manifestar Cipriano Barata Nele já se encontra neste findar de século o observador atento dos processos em de senvolvimento da época Sua atenção está voltada no momento para os movimentos franceses na Europa ou seja para os desdo bramentos da Grande Revolução Desaconselha seus conterrâneos a fazerem o levante Tinha consciência que arnaior parte dos habitantes deste continente vivião debaixo da disciplina dehum cativeiro enão tinhão capacidade para tal acção Os franceses é que contavam nesse momento para a possibilidade de realização da Revolução no Brasil Porisso dizia Barata o melhor era espe rar que viessem os Francezes os quaisandavão nessa mesma dili gencia pela Europa elogo cá chegarãoI97 Parecia seguir aflito os principais acontecimentos europeus a grande política o interes sava desde a situação da Santa Sé até a possibilidade de invasão da Inglaterra pela França Já para as questões internas Barata era um homem relativamente menos aflito não havia mal que a revolução demorasse uma vez que tal demora propiciaria maior e melhor arrebanhamento de sediciososl Portanto se era de t I t 195 Idem ibidem sic 196 Idem ibidem 197 ADLSIB vol XXXV p 16 198 Idem ibidem 199 Idem p 178 Dizia ele que era melhor quehouvesse essa demora porque quanto mais fosse maior numero degente se adquiria ao fim dese realizar 69 to opimao que se deveria esperar os desdobramentos da Revolução Francesa aqui tal espera se coadunava com a articulação dos ele mentos revolucionários brasileiros Todavia incorrerá o analista em grave erro se considerar Ci priano Barata como um revolucionário emancipado dos problemas sociais e raciais de seu momento Este homem formado em Filoso fia pela Universidade de Coimbra cirurgião era também proprie tário proprietário de lavoura de cana 200 e proprietário de escra VOS201 Aliás como proprietário de lavoura de cana parece ter arrendado parte de suas terras102 Não deve ter sido bemsucedido em sua empresa uma vez que o encontramos pouco antes da De vassa passando delavrador decanas pa de mandioca Ele mes mo já se considera em carta dirigida a outro senhor de engenho um lavrador decanas defunto 203 Como se vê não é homem bem ajustado no sistema está perdendo posições num ambiente em que o ser senhor de enge nho permanece sendo qualidade a que muitos aspiram como diria Antonil um século antes A propriedade está na base da compreensão de sua atitude da sua revolta 204 bem como de seu classismo O sentimento de interesses idênticos de mesma camada social se revela na mencionada carta de Barata a seu amigo e tam bém proprietário Luís Gercent cautela comesa canalha Africa na e q o tempo pede circunspeçamtê Afinal a rebelião intentada na Bahia não era ainda aquela dos sonhos dos proprietários era intentada dizia Barata 200 ADLSIB vol XXXV p 184 201 Idem p 183 202 ADLSIB vol XXXV p 184 203 Idem ibidem 204 Sua revolta e inquietação comparáveis à de um JeanPaul Marat po dem ser entrevistas nos ferimentos que se infligiu nas prisões o que tinha ja de costume porque tendo alguma paixão mais forte Jogo se feria ou fazia emsi cousa que lhe cauzasse dor pois com esta alliviava alguma parte da mesma paixão o que comprovou mostrando na mesma parte do peito quatro secatrizes que mostravão ser de feridas feitas com instrumento perfurante dizendo tinhão sido feitas porelle proprio emsi em semelhantes occasions de paixão epara ofim ja expressado ADLSlB vol XXXV p 186 205 Idem ibidem 70 por escravos detoda a casta emesrno dos pretos epardos libertos emque tentavão matar tosos os brancos206 Observase que o revolucionário em questão Bacharel em Filosofia embaraçava seus interlocutores de mais baixas ca madas da sociedade Quando por exemplo o alfaiate mulato Manoel Faustino lhe participava os projetos do levante em Sal vador Barata atalhava sua exposição falando do temperamento dos habitantes deste continente e dos grandes lances da política européia 207 causando constrangimento e embaraço 208 ao inter locutor Isto acontece porque falavam linguagens revolucionárias diferentes Outro traço classista de Cipriano Barata que aliás não lhe é peculiar mas sim àqueles que ocupavam social e racialmente posições análogas às suas pode ser surpreendido no momento da acareação entre ele e o revolucionário Manoel Faustino Quando se pergunta na Devassa a Faustino acareante se conhece a Barata acareado diz aquele quesim ehe o Cirurgião Cipriano Joze Ba rata de Almeida Quando se pergunta ao acareado se conhecia ao acareante diz Barata que sim ehe Faustino pardo alfaiate209 Como se vê a marca racial vem explícita nas relações não apenas entre hmens do sistema e revolucionários mas também nos revolucionários entre si Para Barata Manoel Faustino antes de revolucionário é pardo Portanto há que entender Cipriano Barata como revolucio nário sim mas impregnado dos valores e preconceitos do grupo social e racial a que pertencia Manteve contatos sediciosos com vários elementos de baixas camadas mas permaneceu com os va lores de seu grupo bem rígidos e inviolados Quando foi envol vido na Devassa por causa de algúas palavras e discursos que elle declarante costumava com facilidade formar sobre o Estado 206 Idem p 176 Não é por aCRSO que escreveu ao seu amigo que tinham escapado degrandisimo dezastre da rebeliam dos escravos mulatos enegros ainda osangue detodo senãm aqueceo visto operigo aq temos andado ex postos íntegra da carta às p 184 e 185 Notar que é uma das raras ocorrências do conceito de casta não é por acaso que surge nos lábios de um proprietário 207 Idem p 179 208 Idem p 182 209 Idem p 181 grifo nosso 71 Políríco da Europa fazia questão de frisar que não tinham apli cação ao continente do Brasil2lo Se de suas intenções então pode mos desconfiar seriamente não se pode duvidar entretanto quando diz que seus discursos eram mal ouvidos e peior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revolução Por aí podese observar a dificuldade de difusão de idéias e conceitos pelos meios sociais dos quais eles não são frutos dificuldade que já era pressentida com outras preocupações pelo revolucio nário em questão Revolucionário que antes de tudo era proprie tário e branco Comportamento mais radical é encontrado em Manoel de San ta Anna pardo soldado do Segundo Regimento de Linha em Salvador Filho de pardo com mulher branca de destino igno rado tinha cerca de trinta anos quando da Devassa de 1798 Há em Santa Anna um comportamento que ultrapassa de muito o comportamento de Cipriano Barata devese para ele em Sal vador matar atodas dasua Governança do ponto de vista das relações sociais a revolução se fará saqueando os cabedais das pessoas opulentas Portanto não há dúvida que além da revolu ção dos proprietários há outra mais profunda em suma como diria o próprio Santa Anna huma formal einteira sublevação212 Observase que no caso presente o problema religioso volta à tona não só é acusado o revolucionário em foco de fazer críti cas ao Estado mas também à religião Aliás verificase claramen te através de suas formulações que os dois problemas vêm juntos nessa época Negar a subordinação eobediencia ao Rei esuas Leys 213 é não respeitar o Estado que é de direito divino Disso já se dava conta um amigo de Santa Anna o já analisado Lucas Dantas Para ele Isso de Religião he peta devemos todos ser humanos iguaes eliores de subordinaçãoíP Liberdade religiosa i II 210 Idem p 180 21l Queixase no caso de Antônio Simões da Cunha pardo oficial de pedreiro com o qual tinha conversaçoens politicas discorrendo sobre as revoluçoens do Mundo prezentes e preteritas e sobre o estado actual da Europa visto não serem prohibido estes discursos ADLSIB XXXV p 180 212 ADLSffi XXXVI p 294 213 Idem ibidem 214 ADLSffi XXXV p 105 Grifo nosso 72 andava associada à liberdade política como se pode bem perceber nessas formulações rústicas Para Manoel de Santa Anna o systhema Frances era o mo delo era melhor aregencia demuitos do que de hum só Demais não apenas devia se saquear as propriedades das pessoas opulen tas e os cofres daarrecadação publica mas também era im precindível a liberdade atodos os creados estabelecendo huma Republica deigualdadeV Do ponto de vista religioso seriam considerados dezabuzados todos os que estavão fixos nestas per niciozas maximas 216 Vale notar que a idéia que Santa Anna fazia da Revolução não era própria Apesar de ser contra a hierarquia vigente a Re volução foilhe ensinada pelo seu Tenente 217 que lhe falou do miserável estado da Tropa Portugueza o pouco soldo que perci biâo os soldados e agrande sujeseção ernque vivião o que não sentia aMilicia Franceza218 É o caso em que a inquietação e sub versão vem das camadas mais altas para as mais baixas Não há que pensar em falta de resistência à idéia de Revo lução No caso presente temos exemplo de reação à insubordina ção Diz Santa Anna a seu Tenente Que havemos de fazer se o Rei o quer assim Força o Tenente a tornada de consciência de Santa Anna respondendo do alto de sua posição que vocês são faltos de espírito ede sentimentos não são homens livres219 O radicalismo do revolucionário Santa Anna deve ser assim entendido dentro de seus próprios limites Não é por exemplo homem que tenha muita consciência do tempo Não pode fixar otempo certo em que se iniciou com o Tenente nas práticas sub versivas Quando é envolvido pela Devassa e é exigida explicação para a sublevação intentada sabe dizer que era o embaraço que tinhão os pardos de irem aos Postos Maiores eesta huma das cauzas principais que os incitava mas não consegue localizar no tempo as articulações que tinham em vista a Revolução220 215 ADLSffi XXXVI p 294 216 Idem ibidem 217 Tenente Hermógenes de Aguillar 218 ADLSIB XXXVI p 295 sic 219 Idem ibidem 220 ADLSIB XXXVI p 297 73