·
Economia ·
Introdução ao Estudo do Direito
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
Texto de pré-visualização
115 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 guerra às Drogas e Letalidade do Sistema Penal Professor Eugenio Raúl Zaffaroni Ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina Queridos amigos e amigas Queridos membros da mesa Muito obrigado pelo convite Muito obrigado pelas palavras Eu acho que para não desiludir o público o melhor que eu poderia fazer agora seria ir em bora Isso cairia mal então não há outra solução a não ser ficar Sabendo no entanto que diante de tantos elogios de tudo que falaram aqui sobre mim fica difícil que eu mesmo me reconheça acho que convidaram outra pessoa confundiram a pessoa é um erro de identidade Falar sobre drogas é um tema que precisa ser sistematizado Dro ga é uma palavra criada pela proibição Na realidade o que existe são tóxicos Tóxicos alguns deles são proibidos e justamente esses que são proibidos se chamam drogas Temos tóxicos de uso comum O tóxico que causa mais mortes no mundo é o álcool não só pelo uso abuso ou de pendência mas também porque é o tóxico mais criminógeno Os outros tóxicos proibidos realmente causam mortes mas não tanto pelo uso pelo abuso ou pela dependência mas pela proibição A proibição causa mais mortes do que a cocaína Quantos anos te riam sidos necessários para que o México tivesse quarenta mil mortos por overdose de cocaína Acho que quase um século No entanto em quase cinco anos o México teve quarenta mil ou sessenta mil mortos decapita dos castrados Horrível A problemática criada pela proibição da droga está no centro da problemática do poder punitivo do sistema penal Está no centro e se espalha estoura em múltiplos subtemas subproblemas que no fundo são os grandes problemas existentes no sistema penal no poder punitivo Primeiro problema a discriminação A proibição na origem se deu nos Estados Unidos começou há um século dali se espalhando Sua origem por sinal é racista O primeiro tóxico proibido foi a maconha antes que o ópio sem dúvida o ópio é pior para a saúde muito mais perigoso A ma conha foi proibida antes por causa dos imigrantes mexicanos pela imigra R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 116 ção mexicana Aquele grupo republicano reacionário fundador que acha que eram descendentes do Mayflower os donos da cultura americana aquele grupo branco reafirmava a supremacia deles a hegemonia deles a hegemonia cultural rejeitando e punindo os grupos imigrantes primei ro os mexicanos depois foram os italianos os poloneses o grupo do sul da Europa da Europa católica da Europa luterana os alemães também a cultura do álcool as nossas culturas não são puritanas na nossa cultu ra a virtude está na moderação e não na abstinência Para os puritanos para aqueles do Mayflower é a abstinência Então ali temos um primeiro problema as proibições não baseadas em saúde pública baseadas em preconceito ou seja fundamentalmente raciais O segundo problema que temos é econômico isso não é brincadei ra Estamos falando em dois grandes tóxicos proibidos o ópio que não conheço muito bem e a cocaína que é nosso problema econômico sé rio Temos economias complementares temos uma divisão internacional do trabalho muito bem feita Os Estados Unidos tiveram a experiência da proibição do álcool que não foi uma lei foi uma reforma da Constitui ção que tiveram que fazer A proibição do álcool trouxe para eles grandes problemas Um dos maiores foi a criação de uma mistura de criminalida de violenta com criminalidade inteligente que eram as máfias criadas na luta daqueles anos doidos Todos nós sabemos que a proibição com uma demanda rígida é uma maneira econômica nova de fabricar ouro é uma alquimia nova Com uma demanda rígida qualquer porcaria que seja proi bida vai subir o preço criase ouro Se a distribuição do trabalho é feita com países subdesenvolvidos onde existe mão de obra barata logo disponível criase uma economia de sobrevivência violenta necessariamente Isso é o que está acontecendo dramaticamente com o nosso querido México A produção de cocaína não se faz no território dos Estados Unidos O tóxico é produzido fora do território A luta por atingir o mercado consumidor é feita fora do território norteamericano Os Estados Unidos vendem armas àque les que estão lutando fora do território para atingir o território Segundo negócio a renda do tráfico internacional não é sobre o preço da cocaína porque a cocaína é barata mas pelo preço dos serviços de distribuição É sobre o preço de um serviço não da coisa em si A maisvalia onde fica 40 ou menos ficam até chegar ao mercado consumidor e 60 da maisvalia da renda do tráfico desse serviço ilícito ficam no mercado consumidor na distribuição interna do mercado consumidor Então o negócio não poderia 117 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 ser melhor Só o que há no interior dos Estados Unidos é uma rede de distribuição muito bem abrigada fazendo com que 60 da renda fique no interior dos Estados Unidos O México fica com 40 que tem de distribuir também com a Colômbia e uns 40 a 50 mil mortos Os Estados Unidos completam o negócio com o monopólio da lavagem através de uma or ganização internacional que impõe leis contra o terrorismo Se você não impõe uma lei contra o terrorismo vou classificar você como um sujeito que não está lutando suficientemente contra o terrorismo então vou di ficultar todas as suas transações internacionais Tem um organismo inter nacional que faz isso sem atribuições mas faz isso Eis a grande distribuição do trabalho na cocaína que temos agora Esse é o grande drama que está vivendo o México Aquela frase atribuída ao ditador Porfírio Diaz Coitado do México tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos Qual é a situação da Argentina A Argentina felizmente não está perto dos Estados Unidos A história começou nos anos 1970 No final dos anos 1970 um grupo de ultradireita no poder um grupo que se chamou Aliança Anticomunista Argentina era liderado por um sujeito que acabou depois em um presídio e foi ministro da última administração da viúva de Perón Começou a modificação do subversivo para o tóxicodependente principalmente aquele que fumava maconha Porque o subversivo fuma ria maconha Nunca ficou claro Este estereótipo criado naquele tempo foi o estereótipo que durou ao longo da ditadura durante toda a nossa ditadura Tivemos várias leis que foram mudando as leis segundo a pressão que faziam os Estados Unidos Finalmente hoje temos uma lei bastante irracional como todas mas felizmente a punição do consumidor na lei atual é baixa e a Corte Suprema declarou que a punição do consumi dor que a punição da posse para o próprio consumo é inconstitucional De qualquer jeito isso é uma decisão da Corte Suprema mas como a lei continua vigente a polícia continua fazendo o que não deve fazer perse guindo os consumidores Então faz todo um trabalho burocrático que não tem importância nenhuma enchendo de papéis todas as varas criminais e depois esses papéis são jogados fora porque prescrevem as penas Quan do na Corte Suprema tivemos que escolher uma causa que não estivesse prescrita para discutir a inconstitucionalidade tivemos que escolher entre cinco porque todas as outras estavam prescritas Tudo que fazem não R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 118 serve para nada Prevenção de nada absolutamente de nada É um gasto público o orçamento está comprometido temos milhões e milhões de horas de trabalho de funcionários tudo isso para nada Na realidade o que temos é uma difusão da cocaína na qual temos usuários como acontece com todos os tóxicos Temos alguns que abusam do tóxico temos poucos dependentes mas temos alguns O grande pro blema para nós neste momento no país como problema de saúde é o álcool este é o grande problema de saúde não é a cocaína e muito menos a maconha Outro grande problema que temos é a droga genocida Eu não acre dito em grandes conspirações internacionais Se pensarmos que temos uma grande conspiração um grande poder calculando que façam isso que façam aquilo com poder de produzilo isso é falso Mas na reali dade produzemse fenômenos processos sociais e quando os processos sociais produzidos na realidade são funcionais a determinados interesses esse processos são fomentados e não são detidos Um desses processos é o uso da droga genocida A droga genocida é a última porcaria que não é entorpecente é sim veneno Nós chamamos de paco em nosso país aqui é chamado de crack Quando começamos a pesquisar o que é o paco e o que estava acontecendo observamos o seguinte ninguém sabia o que era o paco não se tinham análises sobre o paco Este é o último resultado da produção da cocaína Como vai ser o último resultado da produção da cocaína se não temos laboratórios no país Não porque a Argentina não seja um país grande Não temos laboratórios porque a matériaprima é muito volumosa Então não podemos ter laboratórios para produzirmos a matériaprima Temos alguns no norte talvez mas não suficientes Então de onde sai isso Por que isso Quando fizemos a análise descobrimos que com 1 kg de cocaína se fazem 1 milhão de doses de paco misturando com qualquer porcaria veneno de ratos as coisas mais horríveis isso é o paco É barato Vendese nas favelas nas nossas favelas para quem vive na miséria É usado pelos garotos mais novinhos com 13 a 18 anos Produz lesões neurológicas principalmente no lóbulo frontal lesões pulmonares os garotos perdem peso rapidamente e pro duz mortes em pouco tempo em um ou dois anos São banidos da própria favela É uma marginalização na marginalização Quando fomos procura 119 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 dos pelas mães dos garotos pensamos o que podemos fazer com isso Que centros de atenção nós temos Temos infraestrutura mas ninguém tinha pesquisado quais eram os centros de saúde para atenção a isso Necessitamos de internação compulsória de só uma semana em casos de crise Ninguém dava ordem de internação compulsória por uma semana em casos de crise nem os juízes de família porque não entendiam nada O médico forense não queria ir para a favela A polícia não sabia o que fazer Conseguimos os veículos concentramos os processos as de núncias numa vara federal Conseguimos sequestrar alguns milhões de doses através de uma brigada policial especializada nisso Imediatamen te houve uma reação dos donos da pequena caixa porque são máfias de bairro não são máfias internacionais não temos cartéis são máfias locais do bairro Contudo havia contribuição a certas caixas policiais e o resultado disso foi uma campanha contra mim depois internacional tam bém foi refletida num papelzinho sujo que vocês têm que se chama Re vista Veja acho que vocês usam no banheiro também O que observamos como resultado de tudo isso foi que nos hospi tais não existia protocolo de tratamento porque os garotos são pobres os garotos são miseráveis A morte desses garotos não seria parte de um genocídio Melhor ficam menos Estamos pesquisando homicídios O levantamento dos homicídios na cidade de Buenos aires é muito interessante Temos uma meialua vio lenta de favelas no sul Ali na favela o índice de homicídios é mais ou menos 17 por 100 mil pessoas No resto da cidade o índice é de 35 por 100 mil pessoas ou seja no resto da cidade temos um índice de homicídio semelhante à Europa ou ao Canadá Na favela temos dezessete a maio ria dos homicídios na favela não é investigado ninguém sabe quem foi ou seja estamos tendo mortos de primeira categoria e mortos de segunda categoria E os mortos de segunda não têm muita importância Os mortos de primeira saem nos jornais aqui seria a Rede globo e lá o clarín são notícia de primeiro plano O senhor que foi morto na garagem no carro não sei esses 35 saem no jornal temos um a cada mês Esse mês se re petiu a cada dia então parece que temos trinta a cada mês Quais são as causas das mortes na favela Pelo que temos estudado até agora é a concorrência entre grupos que lutam entre si Na grande Buenos aires temos mortes policiais Às vezes são fatos violentos da po lícia mas outras vezes não Se a polícia mata o outro criminalizado mata R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 120 o policial É a resposta E não mata policial porque esteja matando aquela pessoa do policial Mata policial porque o identifica com a repressão O policial é selecionado no mesmo bairro onde mora o criminalizado e tende a andar pelas mesmas ruas ou no mesmo ônibus Esse é outro fenôme no que estamos percebendo E o policial como o criminalizado também parece não ter importância Realmente quando percebemos isso temos que pensar um pouco no que está acontecendo Isso não é um problema do poder punitivo do sistema penal é um problema político geral Se isolarmos o problema da droga e o problema do poder punitivo parecerá que estamos todos doidos O que estamos fazendo com isso é irracional não tem jeito é um absurdo Levamos trinta anos de guerra contra a droga e qual é o resultado da guerra contra a droga Agora tudo é branco Temos difundido o uso da cocaína como jamais visto e não só temos difundido o uso da cocaína mas temos criado uma droga genocida um veneno que é o paco É um absurdo o que estamos fazendo Mas essa perspectiva naturalmente não tem racionalidade A ex plicação não é essa A coisa é bem diferente temos de percebêla em ter mos mais amplos Nós podemos ter uma política geral de redistribuição da renda ou uma política geral de concentração da renda No fundo é isso que estamos a discutir Parece que isso está longe do problema mas não está longe do problema é sim a parte medular do problema Se vamos fazer uma política de redistribuição da renda isso vai perturbar os setores que querem reter a concentração da renda Isso é claro Aqueles setores que querem reter a concentração da renda vão resistir a toda política de redistribuição e o grande instrumento para resistir a essa política é o apa relho punitivo que não é só policial é judiciário é doutrinário é o que falamos nas faculdades é o que fazem os juízes é o que faz o Ministério Público Todo aparelho punitivo é feito por um grupo hegemônico num momento histórico num certo momento e quando vem outro grupo que vai lesar os interesses desse grupo que detém a concentração da renda o aparelho punitivo é um obstáculo inevitavelmente É um obstáculo às vezes grande É um aparelho de concentração da renda É muito funcional para esse aparelho dificultar a redistribuição da renda através de uma po lítica de controle social muito cruel Não estamos no tempo dos czares não estamos no tempo de Marx não Hoje não temos os cossacos dos czares ao redor da favela Esse não é o jeito de controlar nesse momento O jeito de controlar a marginaliza 121 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 ção é fazêlos matar entre eles criando contradições O policial mata um bandido o bandido mata um policial Matamse entre eles Enquanto con tinuarmos sem redistribuir renda vamos ter mão de obra para toda essa economia violenta que tem uma função genocida E se além disso joga mos uma droga genocida muito melhor é funcional Não é que alguém esteja criando tudo isso não é que alguém está deixando isso acontecer porque é bom não pensem que existe alguém com poder de criar isso Não é possível Mas tem sim o poder de dizer Vamos deixar isso ir para frente porque é funcional está bem é útil Há um filósofo contemporâneo que está analisando desde a Europa bastante bem o que está acontecendo na nossa região Fala que os Esta dos Unidos têm uma política de guerra dupla uma guerra para fora e uma guerra para o interior A política reacionária aquela política do governo Bush essa política declarou uma guerra interna aos marginalizados das grandes cidades das grandes concentrações urbanas dos Estados Unidos Efetivamente os Estados Unidos foram um país normal com seu sistema penal com algumas dificuldades mas normal até os anos 80 do século passado O seu sistema penal e os índices de prisonização eram mais ou menos os correntes no mundo Desde 1980 no entanto disparou o índice de prisonização Os Estados Unidos são hoje os campeões da prisoniza ção Têm dois milhões e meio de presos uma coisa completamente doida absurda Passaram a Rússia que era a campeã histórica da prisonização E mais da metade dos presos são afroamericanos Está muito claro qual é o setor Tentaram definir nesses trinta anos de política repressiva tentaram conter a marginalização urbana pelo poder punitivo Ao mesmo tempo tentam conter os países subdesenvolvidos Isso não é novo na história O positivismo do século XIX fazia a mesma coisa O criminoso nato de Lombroso era comparado com o selvagem e o selvagem éramos nós os colonizados O próprio Lombroso falava claramente em O homem delin quente que o criminoso nato tem características africanas ou asiáticas ou seja mais ou menos parecido com os índios com os africanos os co lonizados os selvagens Aplicam a mesma política e concebem também uma instituição que foi trazida da Colônia que é a polícia Não a polícia como a polícia norteamericana não a polícia comunitária mas a polícia de ocupação territorial Nós na América Latina copiamos a Constituição dos Estados Unidos mas não copiamos a polícia dos Estados Unidos copiamos a R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 122 polícia dos Borbones da França polícia de ocupação territorial não a polícia comunitária essa não copiamos O que está acontecendo agora é a mesma coisa Para controlar a nós usam o poder punitivo Isso tem uma vantagem para eles Isso é fa vorecido imensamente por uma idolatria nova que foi difundida desde os Estados Unidos para o mundo todo É a idolatria do poder punitivo Há alguns anos antes da queda do muro eu estava em um congresso na Áustria já tinha ouvido o que tinha que ouvir na comissão da qual eu fazia parte e fui ouvir uma mesa em que estavam falando alguns americanos e soviéticos Estavam falando sobre prevenção de criminalidade nuclear Em determinado momento eu estava perto de uma socióloga canaden se e perguntei a ela Olha Estou certo do que estou ouvindo ou estou ouvindo mal Será que nenhum deles está pensando que se tivermos um crime nuclear não ficaria ninguém de nós para julgar qualquer um A criminóloga canadense era Ruth Morris uma mulher extraordinária sim pática expansiva coitada morreu de câncer ela dialogava com o câncer falava que o câncer se chamava Henry era muito religiosa e num certo momento falou Raúl para eles o sistema penal é Deus você não pen sou que o sistema penal tem capacidade de resolver o crime nuclear tem capacidade de resolver a droga tem capacidade de salvar a Amazônia É um deus é um ídolo um falso deus que tem fundamentalistas integristas fanáticos Isso é fanatismo não é de ouro como o ídolo da bíblia é feito de um material muito menos nobre e é até mal cheiroso por sinal Esse é o problema essa idolatria nova tudo vai ser resolvido pelo sistema penal É onipotente o sistema penal é um deus É uma nova di vindade Então é verdade temos uma idolatria mas essa idolatria atra vés de que é difundida Através de que se espalha Há alguns minutos ouvia que a sociedade brasileira é conservadora reacionária fascista É mentira Existem alguns mas não é a sociedade A sociedade pensa do modo que é informada A opinião pública é a opinião publicada e não é pelos jornais porque ninguém lê nada é pela caixa idiota pela televisão é a imagem Aqui tem a Revista Veja tem a Rede globo e nós temos a nossa coisa também Esse é o grande problema a comunicação a criação da realidade Se todo dia se diz que temos um inimigo e o inimigo é o garoto da favela o adolescente da favela nós vamos acreditar que temos um inimi 123 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 go que é o garoto da favela Sem dúvida E vamos acreditar que o único inimigo e o único problema que temos é o adolescente da favela E vamos acreditar que não temos mais nenhum outro problema E se vemos al guém bebendo cerveja na esquina que se assemelha àquele adolescente da favela achamos que ele é o criminoso acabamos acreditando nisso A luta de hoje é uma luta de comunicação é uma luta de informa ção Se não conseguirmos mudar a informação democratizar a informa ção pluralizar a informação estaremos perdidos Não é que uma socie dade seja conservadora não é que uma sociedade seja suicida Estamos agindo segundo uma criação de realidade e a criação da realidade se faz através da informação Nós não vivemos todas as coisas Temos alguma experiência direta de alguma coisa mas eu não vivo o que está aconte cendo na Síria não vivo o que está acontecendo na Europa Só sei porque sou informado mas essa informação é criação de realidade É uma janela mas não é exatamente uma janela é uma janela em que cada um escolhe o que vai mostrar e como vai mostrar Com todas as armadilhas da infor mação sabem como mostrar E a televisão tem a grande vantagem de mostrar a imagem Mostrando a imagem eu acredito que tenho o filme Mas não tenho o filme Estão me mostrando um pedacinho do filme o que eles escolheram para mostrar Não sei como se chama aqui mas no meu país se chama filme continuado Você estava chegando e o filme já tinha começado não tenho condições de ver como começa o filme ou como acaba o filme eles é que estão escolhendo a luta deve ser feita fundamentalmente no âmbito da comunica ção Nesse âmbito temos que destruir uma criação da realidade para nos aproximarmos mais da realidade Por enquanto o maior problema da droga continua a ser a proibição Muito obrigado Delegado Orlando Zaconne Estamos chegando ao final do 1º Seminário da LEAP BRASIL An tes de passar a palavra ao Des Sergio Verani que como DiretorGeral da Escola da Magistratura deve com certeza encerrar esse nosso primeiro encontro eu gostaria de fazer alguns agradecimentos rápidos mas im portantes dentro do espírito que nos norteou nesse primeiro seminário R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 124 Quero agradecer a presença de todos os policiais civis e militares que estiveram aqui não só nos trabalhos nas mesas mas também na plateia Aviso à plateia que para se filiar à LEAP não é necessário ser um agente da lei Temos colaboradores que são filiados que não são ope radores do sistema penal mas contribuem muito Hoje quero agradecer especialmente ao Lucas Sada e à Cecília Oliveira O Lucas é um jovem ad vogado e a Cecília jornalista Ambos contribuíram muito para o que acon teceu aqui hoje Não poderia deixar de agradecer à nossa Presidenta Maria Lucia Karam Foi através do seu esforço em 2009 quando você trouxe o Presi dente da LEaP Internacional Jack Cole ele esteve falando aqui na Escola da Magistratura e no Instituto Carioca de Criminologia que tudo come çou De lá para cá a gente tem tido encontros muito agradáveis com os policiais e a LEaP vem crescendo Eu gostaria ainda de cumprimentar os magistrados inicialmente os Desembargadores Siro Darlan que já se retirou mas esteve aqui o tem po todo ele é membro da LEaP Geraldo Prado que esteve mais cedo Muiños Piñeiro que está presente Dr Antonio Carlos dos Santos Bitten court vários magistrados como o Dr Rubens Casara que é membro da LEAP e esteve à mesa conosco o Dr Carlos Eduardo da VEP Dr Marcos Peixoto que estava aqui agora mas teve que se retirar Dr André Nicolitt Dr João Batista Damasceno o Dr Alcides da Fonseca e me perdoem se esqueci algum magistrado que esteja na plateia Tenho de mudar o grau dos óculos Quero agradecer também o apoio da sociedade especialmente ao Rodrigo Mac Niven da TVA2 o diretor do filme cortina de fumaça filme muito importante para divulgação da luta pela legalização das drogas e um agradecimento especial ao coletivo da Marcha da Maconha de Foz do Iguaçu Eu vou falar para vocês é muita disposição São cinco guerrilhei ros eu falei da política como prolongamento da guerra então ali é a seção guerrilha Agradecer novamente à Professora Vera Malaguti Batista ao Pro fessor Eugenio Raúl Zaffaroni e vou passar a palavra então ao Des Sergio Verani para encerrar os trabalhos do nosso seminário Muito obrigado 125 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 Desembargador Sérgio de Souza Verani Encerramento Mais uma vez agradeço a presença de todos principalmente da Maria Lucia Karam da Vera Malaguti Gilberta Acselrad E ao professor Eugenio Raúl Zaffaroni que é a nossa referência da luta contra essa pro dução falsa da verdade contra essa informação falsificada Então muito obrigado a todos e boa noite
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
Texto de pré-visualização
115 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 guerra às Drogas e Letalidade do Sistema Penal Professor Eugenio Raúl Zaffaroni Ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina Queridos amigos e amigas Queridos membros da mesa Muito obrigado pelo convite Muito obrigado pelas palavras Eu acho que para não desiludir o público o melhor que eu poderia fazer agora seria ir em bora Isso cairia mal então não há outra solução a não ser ficar Sabendo no entanto que diante de tantos elogios de tudo que falaram aqui sobre mim fica difícil que eu mesmo me reconheça acho que convidaram outra pessoa confundiram a pessoa é um erro de identidade Falar sobre drogas é um tema que precisa ser sistematizado Dro ga é uma palavra criada pela proibição Na realidade o que existe são tóxicos Tóxicos alguns deles são proibidos e justamente esses que são proibidos se chamam drogas Temos tóxicos de uso comum O tóxico que causa mais mortes no mundo é o álcool não só pelo uso abuso ou de pendência mas também porque é o tóxico mais criminógeno Os outros tóxicos proibidos realmente causam mortes mas não tanto pelo uso pelo abuso ou pela dependência mas pela proibição A proibição causa mais mortes do que a cocaína Quantos anos te riam sidos necessários para que o México tivesse quarenta mil mortos por overdose de cocaína Acho que quase um século No entanto em quase cinco anos o México teve quarenta mil ou sessenta mil mortos decapita dos castrados Horrível A problemática criada pela proibição da droga está no centro da problemática do poder punitivo do sistema penal Está no centro e se espalha estoura em múltiplos subtemas subproblemas que no fundo são os grandes problemas existentes no sistema penal no poder punitivo Primeiro problema a discriminação A proibição na origem se deu nos Estados Unidos começou há um século dali se espalhando Sua origem por sinal é racista O primeiro tóxico proibido foi a maconha antes que o ópio sem dúvida o ópio é pior para a saúde muito mais perigoso A ma conha foi proibida antes por causa dos imigrantes mexicanos pela imigra R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 116 ção mexicana Aquele grupo republicano reacionário fundador que acha que eram descendentes do Mayflower os donos da cultura americana aquele grupo branco reafirmava a supremacia deles a hegemonia deles a hegemonia cultural rejeitando e punindo os grupos imigrantes primei ro os mexicanos depois foram os italianos os poloneses o grupo do sul da Europa da Europa católica da Europa luterana os alemães também a cultura do álcool as nossas culturas não são puritanas na nossa cultu ra a virtude está na moderação e não na abstinência Para os puritanos para aqueles do Mayflower é a abstinência Então ali temos um primeiro problema as proibições não baseadas em saúde pública baseadas em preconceito ou seja fundamentalmente raciais O segundo problema que temos é econômico isso não é brincadei ra Estamos falando em dois grandes tóxicos proibidos o ópio que não conheço muito bem e a cocaína que é nosso problema econômico sé rio Temos economias complementares temos uma divisão internacional do trabalho muito bem feita Os Estados Unidos tiveram a experiência da proibição do álcool que não foi uma lei foi uma reforma da Constitui ção que tiveram que fazer A proibição do álcool trouxe para eles grandes problemas Um dos maiores foi a criação de uma mistura de criminalida de violenta com criminalidade inteligente que eram as máfias criadas na luta daqueles anos doidos Todos nós sabemos que a proibição com uma demanda rígida é uma maneira econômica nova de fabricar ouro é uma alquimia nova Com uma demanda rígida qualquer porcaria que seja proi bida vai subir o preço criase ouro Se a distribuição do trabalho é feita com países subdesenvolvidos onde existe mão de obra barata logo disponível criase uma economia de sobrevivência violenta necessariamente Isso é o que está acontecendo dramaticamente com o nosso querido México A produção de cocaína não se faz no território dos Estados Unidos O tóxico é produzido fora do território A luta por atingir o mercado consumidor é feita fora do território norteamericano Os Estados Unidos vendem armas àque les que estão lutando fora do território para atingir o território Segundo negócio a renda do tráfico internacional não é sobre o preço da cocaína porque a cocaína é barata mas pelo preço dos serviços de distribuição É sobre o preço de um serviço não da coisa em si A maisvalia onde fica 40 ou menos ficam até chegar ao mercado consumidor e 60 da maisvalia da renda do tráfico desse serviço ilícito ficam no mercado consumidor na distribuição interna do mercado consumidor Então o negócio não poderia 117 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 ser melhor Só o que há no interior dos Estados Unidos é uma rede de distribuição muito bem abrigada fazendo com que 60 da renda fique no interior dos Estados Unidos O México fica com 40 que tem de distribuir também com a Colômbia e uns 40 a 50 mil mortos Os Estados Unidos completam o negócio com o monopólio da lavagem através de uma or ganização internacional que impõe leis contra o terrorismo Se você não impõe uma lei contra o terrorismo vou classificar você como um sujeito que não está lutando suficientemente contra o terrorismo então vou di ficultar todas as suas transações internacionais Tem um organismo inter nacional que faz isso sem atribuições mas faz isso Eis a grande distribuição do trabalho na cocaína que temos agora Esse é o grande drama que está vivendo o México Aquela frase atribuída ao ditador Porfírio Diaz Coitado do México tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos Qual é a situação da Argentina A Argentina felizmente não está perto dos Estados Unidos A história começou nos anos 1970 No final dos anos 1970 um grupo de ultradireita no poder um grupo que se chamou Aliança Anticomunista Argentina era liderado por um sujeito que acabou depois em um presídio e foi ministro da última administração da viúva de Perón Começou a modificação do subversivo para o tóxicodependente principalmente aquele que fumava maconha Porque o subversivo fuma ria maconha Nunca ficou claro Este estereótipo criado naquele tempo foi o estereótipo que durou ao longo da ditadura durante toda a nossa ditadura Tivemos várias leis que foram mudando as leis segundo a pressão que faziam os Estados Unidos Finalmente hoje temos uma lei bastante irracional como todas mas felizmente a punição do consumidor na lei atual é baixa e a Corte Suprema declarou que a punição do consumi dor que a punição da posse para o próprio consumo é inconstitucional De qualquer jeito isso é uma decisão da Corte Suprema mas como a lei continua vigente a polícia continua fazendo o que não deve fazer perse guindo os consumidores Então faz todo um trabalho burocrático que não tem importância nenhuma enchendo de papéis todas as varas criminais e depois esses papéis são jogados fora porque prescrevem as penas Quan do na Corte Suprema tivemos que escolher uma causa que não estivesse prescrita para discutir a inconstitucionalidade tivemos que escolher entre cinco porque todas as outras estavam prescritas Tudo que fazem não R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 118 serve para nada Prevenção de nada absolutamente de nada É um gasto público o orçamento está comprometido temos milhões e milhões de horas de trabalho de funcionários tudo isso para nada Na realidade o que temos é uma difusão da cocaína na qual temos usuários como acontece com todos os tóxicos Temos alguns que abusam do tóxico temos poucos dependentes mas temos alguns O grande pro blema para nós neste momento no país como problema de saúde é o álcool este é o grande problema de saúde não é a cocaína e muito menos a maconha Outro grande problema que temos é a droga genocida Eu não acre dito em grandes conspirações internacionais Se pensarmos que temos uma grande conspiração um grande poder calculando que façam isso que façam aquilo com poder de produzilo isso é falso Mas na reali dade produzemse fenômenos processos sociais e quando os processos sociais produzidos na realidade são funcionais a determinados interesses esse processos são fomentados e não são detidos Um desses processos é o uso da droga genocida A droga genocida é a última porcaria que não é entorpecente é sim veneno Nós chamamos de paco em nosso país aqui é chamado de crack Quando começamos a pesquisar o que é o paco e o que estava acontecendo observamos o seguinte ninguém sabia o que era o paco não se tinham análises sobre o paco Este é o último resultado da produção da cocaína Como vai ser o último resultado da produção da cocaína se não temos laboratórios no país Não porque a Argentina não seja um país grande Não temos laboratórios porque a matériaprima é muito volumosa Então não podemos ter laboratórios para produzirmos a matériaprima Temos alguns no norte talvez mas não suficientes Então de onde sai isso Por que isso Quando fizemos a análise descobrimos que com 1 kg de cocaína se fazem 1 milhão de doses de paco misturando com qualquer porcaria veneno de ratos as coisas mais horríveis isso é o paco É barato Vendese nas favelas nas nossas favelas para quem vive na miséria É usado pelos garotos mais novinhos com 13 a 18 anos Produz lesões neurológicas principalmente no lóbulo frontal lesões pulmonares os garotos perdem peso rapidamente e pro duz mortes em pouco tempo em um ou dois anos São banidos da própria favela É uma marginalização na marginalização Quando fomos procura 119 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 dos pelas mães dos garotos pensamos o que podemos fazer com isso Que centros de atenção nós temos Temos infraestrutura mas ninguém tinha pesquisado quais eram os centros de saúde para atenção a isso Necessitamos de internação compulsória de só uma semana em casos de crise Ninguém dava ordem de internação compulsória por uma semana em casos de crise nem os juízes de família porque não entendiam nada O médico forense não queria ir para a favela A polícia não sabia o que fazer Conseguimos os veículos concentramos os processos as de núncias numa vara federal Conseguimos sequestrar alguns milhões de doses através de uma brigada policial especializada nisso Imediatamen te houve uma reação dos donos da pequena caixa porque são máfias de bairro não são máfias internacionais não temos cartéis são máfias locais do bairro Contudo havia contribuição a certas caixas policiais e o resultado disso foi uma campanha contra mim depois internacional tam bém foi refletida num papelzinho sujo que vocês têm que se chama Re vista Veja acho que vocês usam no banheiro também O que observamos como resultado de tudo isso foi que nos hospi tais não existia protocolo de tratamento porque os garotos são pobres os garotos são miseráveis A morte desses garotos não seria parte de um genocídio Melhor ficam menos Estamos pesquisando homicídios O levantamento dos homicídios na cidade de Buenos aires é muito interessante Temos uma meialua vio lenta de favelas no sul Ali na favela o índice de homicídios é mais ou menos 17 por 100 mil pessoas No resto da cidade o índice é de 35 por 100 mil pessoas ou seja no resto da cidade temos um índice de homicídio semelhante à Europa ou ao Canadá Na favela temos dezessete a maio ria dos homicídios na favela não é investigado ninguém sabe quem foi ou seja estamos tendo mortos de primeira categoria e mortos de segunda categoria E os mortos de segunda não têm muita importância Os mortos de primeira saem nos jornais aqui seria a Rede globo e lá o clarín são notícia de primeiro plano O senhor que foi morto na garagem no carro não sei esses 35 saem no jornal temos um a cada mês Esse mês se re petiu a cada dia então parece que temos trinta a cada mês Quais são as causas das mortes na favela Pelo que temos estudado até agora é a concorrência entre grupos que lutam entre si Na grande Buenos aires temos mortes policiais Às vezes são fatos violentos da po lícia mas outras vezes não Se a polícia mata o outro criminalizado mata R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 120 o policial É a resposta E não mata policial porque esteja matando aquela pessoa do policial Mata policial porque o identifica com a repressão O policial é selecionado no mesmo bairro onde mora o criminalizado e tende a andar pelas mesmas ruas ou no mesmo ônibus Esse é outro fenôme no que estamos percebendo E o policial como o criminalizado também parece não ter importância Realmente quando percebemos isso temos que pensar um pouco no que está acontecendo Isso não é um problema do poder punitivo do sistema penal é um problema político geral Se isolarmos o problema da droga e o problema do poder punitivo parecerá que estamos todos doidos O que estamos fazendo com isso é irracional não tem jeito é um absurdo Levamos trinta anos de guerra contra a droga e qual é o resultado da guerra contra a droga Agora tudo é branco Temos difundido o uso da cocaína como jamais visto e não só temos difundido o uso da cocaína mas temos criado uma droga genocida um veneno que é o paco É um absurdo o que estamos fazendo Mas essa perspectiva naturalmente não tem racionalidade A ex plicação não é essa A coisa é bem diferente temos de percebêla em ter mos mais amplos Nós podemos ter uma política geral de redistribuição da renda ou uma política geral de concentração da renda No fundo é isso que estamos a discutir Parece que isso está longe do problema mas não está longe do problema é sim a parte medular do problema Se vamos fazer uma política de redistribuição da renda isso vai perturbar os setores que querem reter a concentração da renda Isso é claro Aqueles setores que querem reter a concentração da renda vão resistir a toda política de redistribuição e o grande instrumento para resistir a essa política é o apa relho punitivo que não é só policial é judiciário é doutrinário é o que falamos nas faculdades é o que fazem os juízes é o que faz o Ministério Público Todo aparelho punitivo é feito por um grupo hegemônico num momento histórico num certo momento e quando vem outro grupo que vai lesar os interesses desse grupo que detém a concentração da renda o aparelho punitivo é um obstáculo inevitavelmente É um obstáculo às vezes grande É um aparelho de concentração da renda É muito funcional para esse aparelho dificultar a redistribuição da renda através de uma po lítica de controle social muito cruel Não estamos no tempo dos czares não estamos no tempo de Marx não Hoje não temos os cossacos dos czares ao redor da favela Esse não é o jeito de controlar nesse momento O jeito de controlar a marginaliza 121 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 ção é fazêlos matar entre eles criando contradições O policial mata um bandido o bandido mata um policial Matamse entre eles Enquanto con tinuarmos sem redistribuir renda vamos ter mão de obra para toda essa economia violenta que tem uma função genocida E se além disso joga mos uma droga genocida muito melhor é funcional Não é que alguém esteja criando tudo isso não é que alguém está deixando isso acontecer porque é bom não pensem que existe alguém com poder de criar isso Não é possível Mas tem sim o poder de dizer Vamos deixar isso ir para frente porque é funcional está bem é útil Há um filósofo contemporâneo que está analisando desde a Europa bastante bem o que está acontecendo na nossa região Fala que os Esta dos Unidos têm uma política de guerra dupla uma guerra para fora e uma guerra para o interior A política reacionária aquela política do governo Bush essa política declarou uma guerra interna aos marginalizados das grandes cidades das grandes concentrações urbanas dos Estados Unidos Efetivamente os Estados Unidos foram um país normal com seu sistema penal com algumas dificuldades mas normal até os anos 80 do século passado O seu sistema penal e os índices de prisonização eram mais ou menos os correntes no mundo Desde 1980 no entanto disparou o índice de prisonização Os Estados Unidos são hoje os campeões da prisoniza ção Têm dois milhões e meio de presos uma coisa completamente doida absurda Passaram a Rússia que era a campeã histórica da prisonização E mais da metade dos presos são afroamericanos Está muito claro qual é o setor Tentaram definir nesses trinta anos de política repressiva tentaram conter a marginalização urbana pelo poder punitivo Ao mesmo tempo tentam conter os países subdesenvolvidos Isso não é novo na história O positivismo do século XIX fazia a mesma coisa O criminoso nato de Lombroso era comparado com o selvagem e o selvagem éramos nós os colonizados O próprio Lombroso falava claramente em O homem delin quente que o criminoso nato tem características africanas ou asiáticas ou seja mais ou menos parecido com os índios com os africanos os co lonizados os selvagens Aplicam a mesma política e concebem também uma instituição que foi trazida da Colônia que é a polícia Não a polícia como a polícia norteamericana não a polícia comunitária mas a polícia de ocupação territorial Nós na América Latina copiamos a Constituição dos Estados Unidos mas não copiamos a polícia dos Estados Unidos copiamos a R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 122 polícia dos Borbones da França polícia de ocupação territorial não a polícia comunitária essa não copiamos O que está acontecendo agora é a mesma coisa Para controlar a nós usam o poder punitivo Isso tem uma vantagem para eles Isso é fa vorecido imensamente por uma idolatria nova que foi difundida desde os Estados Unidos para o mundo todo É a idolatria do poder punitivo Há alguns anos antes da queda do muro eu estava em um congresso na Áustria já tinha ouvido o que tinha que ouvir na comissão da qual eu fazia parte e fui ouvir uma mesa em que estavam falando alguns americanos e soviéticos Estavam falando sobre prevenção de criminalidade nuclear Em determinado momento eu estava perto de uma socióloga canaden se e perguntei a ela Olha Estou certo do que estou ouvindo ou estou ouvindo mal Será que nenhum deles está pensando que se tivermos um crime nuclear não ficaria ninguém de nós para julgar qualquer um A criminóloga canadense era Ruth Morris uma mulher extraordinária sim pática expansiva coitada morreu de câncer ela dialogava com o câncer falava que o câncer se chamava Henry era muito religiosa e num certo momento falou Raúl para eles o sistema penal é Deus você não pen sou que o sistema penal tem capacidade de resolver o crime nuclear tem capacidade de resolver a droga tem capacidade de salvar a Amazônia É um deus é um ídolo um falso deus que tem fundamentalistas integristas fanáticos Isso é fanatismo não é de ouro como o ídolo da bíblia é feito de um material muito menos nobre e é até mal cheiroso por sinal Esse é o problema essa idolatria nova tudo vai ser resolvido pelo sistema penal É onipotente o sistema penal é um deus É uma nova di vindade Então é verdade temos uma idolatria mas essa idolatria atra vés de que é difundida Através de que se espalha Há alguns minutos ouvia que a sociedade brasileira é conservadora reacionária fascista É mentira Existem alguns mas não é a sociedade A sociedade pensa do modo que é informada A opinião pública é a opinião publicada e não é pelos jornais porque ninguém lê nada é pela caixa idiota pela televisão é a imagem Aqui tem a Revista Veja tem a Rede globo e nós temos a nossa coisa também Esse é o grande problema a comunicação a criação da realidade Se todo dia se diz que temos um inimigo e o inimigo é o garoto da favela o adolescente da favela nós vamos acreditar que temos um inimi 123 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 go que é o garoto da favela Sem dúvida E vamos acreditar que o único inimigo e o único problema que temos é o adolescente da favela E vamos acreditar que não temos mais nenhum outro problema E se vemos al guém bebendo cerveja na esquina que se assemelha àquele adolescente da favela achamos que ele é o criminoso acabamos acreditando nisso A luta de hoje é uma luta de comunicação é uma luta de informa ção Se não conseguirmos mudar a informação democratizar a informa ção pluralizar a informação estaremos perdidos Não é que uma socie dade seja conservadora não é que uma sociedade seja suicida Estamos agindo segundo uma criação de realidade e a criação da realidade se faz através da informação Nós não vivemos todas as coisas Temos alguma experiência direta de alguma coisa mas eu não vivo o que está aconte cendo na Síria não vivo o que está acontecendo na Europa Só sei porque sou informado mas essa informação é criação de realidade É uma janela mas não é exatamente uma janela é uma janela em que cada um escolhe o que vai mostrar e como vai mostrar Com todas as armadilhas da infor mação sabem como mostrar E a televisão tem a grande vantagem de mostrar a imagem Mostrando a imagem eu acredito que tenho o filme Mas não tenho o filme Estão me mostrando um pedacinho do filme o que eles escolheram para mostrar Não sei como se chama aqui mas no meu país se chama filme continuado Você estava chegando e o filme já tinha começado não tenho condições de ver como começa o filme ou como acaba o filme eles é que estão escolhendo a luta deve ser feita fundamentalmente no âmbito da comunica ção Nesse âmbito temos que destruir uma criação da realidade para nos aproximarmos mais da realidade Por enquanto o maior problema da droga continua a ser a proibição Muito obrigado Delegado Orlando Zaconne Estamos chegando ao final do 1º Seminário da LEAP BRASIL An tes de passar a palavra ao Des Sergio Verani que como DiretorGeral da Escola da Magistratura deve com certeza encerrar esse nosso primeiro encontro eu gostaria de fazer alguns agradecimentos rápidos mas im portantes dentro do espírito que nos norteou nesse primeiro seminário R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 124 Quero agradecer a presença de todos os policiais civis e militares que estiveram aqui não só nos trabalhos nas mesas mas também na plateia Aviso à plateia que para se filiar à LEAP não é necessário ser um agente da lei Temos colaboradores que são filiados que não são ope radores do sistema penal mas contribuem muito Hoje quero agradecer especialmente ao Lucas Sada e à Cecília Oliveira O Lucas é um jovem ad vogado e a Cecília jornalista Ambos contribuíram muito para o que acon teceu aqui hoje Não poderia deixar de agradecer à nossa Presidenta Maria Lucia Karam Foi através do seu esforço em 2009 quando você trouxe o Presi dente da LEaP Internacional Jack Cole ele esteve falando aqui na Escola da Magistratura e no Instituto Carioca de Criminologia que tudo come çou De lá para cá a gente tem tido encontros muito agradáveis com os policiais e a LEaP vem crescendo Eu gostaria ainda de cumprimentar os magistrados inicialmente os Desembargadores Siro Darlan que já se retirou mas esteve aqui o tem po todo ele é membro da LEaP Geraldo Prado que esteve mais cedo Muiños Piñeiro que está presente Dr Antonio Carlos dos Santos Bitten court vários magistrados como o Dr Rubens Casara que é membro da LEAP e esteve à mesa conosco o Dr Carlos Eduardo da VEP Dr Marcos Peixoto que estava aqui agora mas teve que se retirar Dr André Nicolitt Dr João Batista Damasceno o Dr Alcides da Fonseca e me perdoem se esqueci algum magistrado que esteja na plateia Tenho de mudar o grau dos óculos Quero agradecer também o apoio da sociedade especialmente ao Rodrigo Mac Niven da TVA2 o diretor do filme cortina de fumaça filme muito importante para divulgação da luta pela legalização das drogas e um agradecimento especial ao coletivo da Marcha da Maconha de Foz do Iguaçu Eu vou falar para vocês é muita disposição São cinco guerrilhei ros eu falei da política como prolongamento da guerra então ali é a seção guerrilha Agradecer novamente à Professora Vera Malaguti Batista ao Pro fessor Eugenio Raúl Zaffaroni e vou passar a palavra então ao Des Sergio Verani para encerrar os trabalhos do nosso seminário Muito obrigado 125 R EMERJ Rio de Janeiro v 16 n 63 Edição Especial p 115 125 out dez 2013 Desembargador Sérgio de Souza Verani Encerramento Mais uma vez agradeço a presença de todos principalmente da Maria Lucia Karam da Vera Malaguti Gilberta Acselrad E ao professor Eugenio Raúl Zaffaroni que é a nossa referência da luta contra essa pro dução falsa da verdade contra essa informação falsificada Então muito obrigado a todos e boa noite