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Dissertação

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O DECÊNIO DECISIVO Propostas para uma política de sobrevivência Luiz Marques elefante conselho editorial Bianca Oliveira João Peres Tadeu Breda edição Tadeu Breda assistência de edição Luiza Brandino preparação Fábio Fujita revisão Laila Guilherme capa direção de arte Bianca Oliveira diagramação Victor Prado conversão para ebook cumbuca Studio Luiz Marques O DECÊNIO DECISIVO Propostas para uma política de sobrevivência Apresentação Antonio Donato Nobre Agradecimentos Abreviações frequentes Prefácio Introdução O destino das sociedades definese neste decênio 1 A especificidade do nosso tempo 2 O que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso 3 A dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração 4 Até 2030 o consenso científico sobre o caráter decisivo deste decênio 5 Um abismo separa o capitalismo das políticas de sobrevivência Parte I A ruptura impreterível no sistema alimentar 1 A aniquilação biológica 11 Extinções e contrações populacionais de espécies 12 Declínio da vida no meio aquático 13 Mortandade de animais por poluição incêndios e emergência climática 14 Eliminação e degradação das coberturas florestais 15 Florestas boreais 16 A destruição das florestas tropicais 17 A guerra de aniquilação biológica pelo sistema alimentar globalizado 18 Agrotóxicos 19 Declínio dos insetos e dos polinizadores 110 Conclusão 2 O sistema alimentar e a crise animal 21 O sistema alimentar e as emissões cumulativas de GEE 22 As emissões de carbono e a indústria de proteínas animais 23 Dieta com carne espaço implicado aumento do consumo e desmatamento tropical 24 Os rebanhos de ruminantes e as emissões de metano CH4 25 O transporte de commodities associado à indústria da carne 26 Ineficiência energética do consumo de carne 27 Insalubridade do consumo de carne 28 O sistema alimentar globalizado indutor de pandemias 29 O aumento da insegurança alimentar 210 Conclusão mudar o sistema alimentar globalizado 3 O decênio decisivo da Amazônia 31 As civilizações da floresta sob ataque 32 Imensidão conservação e diversidade biológica da Amazônia 33 Amazônia refrigerador do planeta e reservatório de carbono 34 A floresta amazônica de sumidouro a fonte de carbono 35 Diminuição das águas superficiais e da umidade atmosférica na Bacia Amazônica 36 Supressão da floresta histórico e situação atual 37 Degradação e fragmentação do tecido florestal 38 A interação entre secas e incêndios 39 Bolsonaro e a destruição da floresta como meta de governo 310 Amazônia elemento crítico do sistema Terra 311 Conclusão Amazônia santuário da biosfera Parte II A ruptura impreterível no sistema energético 4 A engrenagem físicofinanceira da emergência climática 41 A transição energética não está à vista neste decênio 42 O setor financeiro e os Estadoscorporações 43 A escalada das emissões de GEE e a baixa confiabilidade dos inventários nacionais 44 Concentrações atmosféricas de GEE sem precedentes nos últimos três milhões de anos 45 Conclusão desativar a engrenagem da emergência climática 5 A aceleração do aquecimento 51 Duas fases da aceleração e o crescente desequilíbrio energético da Terra DET 52 Aceleração do aquecimento marinho e a febre dos oceanos 53 Ondas de calor mais frequentes e mais intensas na atmosfera 54 Epidemiologia das ondas de calor nos dois últimos decênios e no futuro 55 Comparação entre os dois últimos decênios 56 Recordes de calor nos últimos sete anos 2015 janeiro de 2022 57 Ilhas de calor urbano e as regiões que se tornarão inabitáveis antes das demais 6 Quanto aquecimento é já inevitável 61 O aquecimento futuro de longo prazo determinado pelas emissões passadas 62 A datalimite para conter o aquecimento em 15C2C 63 O orçamento de carbono restante Três anos para salvaguardar nosso clima 64 Um aquecimento médio global igual ou maior que 15C até 2030 65 Conclusão uma impossibilidade sociofísica e o que realmente importa 7 Alças de retroalimentação do aquecimento 71 Desmascaramento do aquecimento pela diminuição dos aerossóis 72 Menor sequestro de carbono terrestre pela biomassa 73 Diminuição do albedo da Terra pela diminuição das superfícies cobertas de neve e gelo 74 Limite e diminuição da absorção de CO2 e de calor pelos oceanos 75 Crescente contribuição do metano CH4 ao aquecimento global 76 No Ártico liberação lenta ou explosão de uma bomba de metano e de CO2 77 Além de 15C cruzando múltiplos pontos críticos 78 Conclusão a diminuição do nicho climático humano Parte III Último decênio de sociedades organizadas ou governança global democrática 8 As regressões socioambientais em curso 81 O peso relativo dos fatores sociais e ambientais 82 Desigualdade socioeconômica sem precedentes 83 Um planeta entulhado 84 Intoxicação adoecimento e mortes prematuras as novas zonas de sacrifício 85 Poluição a ultrapassagem do quinto dos nove limites planetários 86 Conclusão 9 Superar o axioma da soberania nacional absoluta 91 A tese central deste capítulo 92 A guerra está inscrita no axioma da soberania nacional absoluta 93 A soberania nacional absoluta garante e impulsiona o processo de colapso ambiental 94 Do nacionalismo ao autoritarismo 95 O nacionalismo e o aumento das despesas militares no século XXI 96 O negócio da segurança nacional corporações estamento militar e ciência em simbiose 97 A intensificação das tensões geopolíticas e o peso crescente das crises ambientais 98 A cem segundos da meianoite e o retorno do cenário de guerra nuclear 99 Conclusão 10 Hesitações sobre a urgência de superar o capitalismo 101 Em direção a uma civilização da póseconomia 102 As hesitações da comunidade científica 103 O engajamento político necessário 104 As objeções de irrealismo político 11 Propostas para uma política de sobrevivência Notas Sobre o autor O alarmante estado da humanidade em sua marcha insensata em direção ao abismo é retratado nesta obra com um discurso irretorquível potente inescapável Com sua narrativa accessível e com um menu impressionante de soluções deve tornarse leitura obrigatória para quem quiser ter qualquer relevância nas campanhas de resgate que virão ainda neste decênio ANTONIO DONATO NOBRE é professor do programa de doutorado em Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe Agradecimentos Muitos são os colegas amigas e amigos a quem tenho a honra e a satisfação de agradecer por sua participação em todas as etapas de ideação e redação deste livro Antes de mais nada tenho uma grande dívida de gratidão com o Coletivo 660 que há quatro anos me acolheu em suas discussões e reflexões graças às quais tenho aprendido muitíssimo Esse aprendizado não é apenas intelectual mas também uma fonte de inspiração no âmbito da experiência política Ter incluído este livro em sua coleção editorial desenvolvida em parceria com a editora Elefante é motivo de grande honra e alegria para mim Este livro também deve muito aos colegas amigos e amigas da Universidade Estadual de Campinas Unicamp em especial do Departamento de História da minha linha de pesquisa e do grupo de professores de outros institutos com quem venho participando há quatro semestres consecutivos do curso interdisciplinar Antropoceno desafios da complexidade ambiental Uma menção especial cabe aqui à professora Gabriela Castellano do Instituto de Física que anima e coordena com imenso idealismo desprendimento e rigor intelectual o conjunto desse trabalho Aos alunos desse curso e aos do Programa de PósGraduação do Departamento de História que participaram com grande interesse de duas edições do curso O decênio decisivo fica aqui meu reconhecimento pelo incentivo e pelas contribuições Outro coletivo de cientistas com os quais iniciei um novo trabalho na Ilum Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais CNPEM tem confirmado minha convicção que atravessa este livro de que qualquer contribuição da universidade ao enfrentamento das crises socioambientais contemporâneas passa pelo esforço de intercâmbio de conhecimentos e de religação dos saberes Com esses novos colegas tive a satisfação de discutir em um seminário em julho de 2021 questões relacionadas à problemática da ultrapassagem de pontos críticos e das alças de retroalimentação da emergência climática abordadas ao longo 14 deste livro Também com os colegas da minha linha de pesquisa na Unicamp tive a satisfação de discutir os problemas relacionados às propostas para uma política de sobrevivência elencadas no último capítulo do livro Muitos foram os que leram uma primeira versão desta obra integralmente ou em parte e contribuíram com críticas sugestões e encorajamentos à sua versão final Minha gratidão vai como sempre em primeiro lugar à leitura rigorosíssima de Sabine Pompeia há 26 anos minha companheira de vida Sem ela este livro possivelmente nem existiria Antonio Donato Nobre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe conhecedor sem igual da Amazônia das florestas e de tantas outras dimensões de Gaia não apenas leu e criticou cada linha deste livro enriquecendoo com inestimáveis contribuições como também me concedeu a honra imensa de apresentálo Luciana Gatti também do Inpe outra grande cientista e militante pela Amazônia leu o Capítulo 3 e o enriqueceu de modo transformador com suas críticas e sugestões Minha gratidão se estende a outros amigos e amigas tanto os que me encorajaram ao longo dessa jornada quanto os que se dispuseram generosamente a ler alguns dos capítulos Entre eles não posso deixar de mencionar ao menos os nomes de Andreas Pavel Carlos Bocuhy Clóvis Cavalcanti Elizabeth Thielemann Enrique Ortega Galia Daniela Cabrera José Eustáquio Diniz Alves LizRejane Issberner Mario Novello Maristela Gaudio Martino LoBue Matthew Shirts Mauro de Almeida Miguel Juan Bacic Pedro Jacobi Philippe Léna Roberto Cenni e Rosie Mehoudar Francisco Foot Hardman e Armando Boito são amigos de cinquenta anos de jornada a quem devo muito do que aqui se propõe É claro que nenhum dos nomes mencionados tem qualquer responsabilidade pelos eventuais erros no texto aqui apresentado Ao longo da redação deste livro participei infelizmente com bem menos assiduidade do que gostaria de discussões e iniciativas empreendidas por coletivos de grande relevância entre os quais devo mencionar o Ecovirada o Chamado para uma Transição Ecossocial o Fórum Social PanAmazônico Fospa e a Assembleia Mundial pela Amazônia A convivência com esses quatro coletivos embora esporádica foi de grande proveito e inspiração para a elaboração das propostas que concluem esta obra Fernando Chaves deu uma contribuição fundamental a este livro elaborando e adaptando com grande talento e esmero seus numerosos gráficos Tadeu Breda editor da Elefante acolheu prontamente a proposta desta edição e com sua 11 Apresentação Antonio Donato Nobre Até recentemente a maioria das pessoas permaneceu alheia aos alertas que a comunidade científica vem há muitas décadas emitindo sobre as mudanças climáticas o declínio da biodiversidade e a intoxicação dos organismos pela poluição químicoindustrial Para muitos em posição de destaque nos governos e no poder econômico a inação seguiu uma trilha ideologicamente conveniente qual seja a de ignorar o que não favorece seus interesses menores Outros têm sido desestimulados pela linguagem dos comunicados científicos e pela complexidade dos temas O que poderia fazer tais posturas mudarem o que despertaria nas pessoas a consciência para a urgência da hora Durante décadas a única força aparentemente capaz de fazer as pessoas pensarem sobre seu comportamento tem sido a desencadeada por grandes desastres E os desastres naturais e humanos nos abalam com crescente e assustadora intensidade1 A tese principal deste livro é que o presente decênio é com toda a probabilidade o último em que ainda poderemos evitar a desorganização das sociedades sob o impacto da aceleração e da sinergia entre as diversas crises socioambientais capazes de levar ao aniquilamento das civilizações nascidas e desenvolvidas durante o Holoceno e à extinção de milhões de espécies inclusive e não por último a nossa A importantíssima narrativa do professor Luiz Marques sintetiza articula explica e amplifica com a força de argumentos muito bem construídos os extensos diagnósticos e prognósticos científicos Mas é muito mais que uma competente recapitulação da ciência O autor constrói e utiliza um macroscópio simplificador analítico2 para com este nos fazer compreender o tamanho da encrenca planetária em que nos metemos Diante de ameaças por todos os lados e de desastres múltiplos a busca de saídas tornase uma atividade quase sem esperança Na urgente demanda por ideias veremos mensagens como as deste livro ganharem destaque rapidamente transformandoo em um fantástico manual de sobrevivência para tempos difíceis flexibilidade e paciência foi de ajuda decisiva Devo muito ainda ao trabalho cuidadoso de Luiza Brandino assistente editorial da Elefante Como em empreitadas anteriores também este livro é dedicado à minha irmã Luiza Lago à Sabine minha companheira e aos meus filhos Elena e Leon Eles são cada um a seu modo a motivação primeira para escrevêlo Abreviações frequentes AGGI Annual Greenhouse Gas Index NOAA AIE Agência Internacional de Energia International Energy Agency IEA AP antes do presente marcação temporal utilizada por geólogos paleontólogos e arqueólogos que toma por referência o ano de 1950 dC AR Assessment Report Relatório de Avaliação Ch4 Metano CO2 Dióxido de carbono CO2e CO2equivalente ou seja todos os gases de efeito estufa GEE medidos pelo potencial de aquecimento do co2 COP Conferência das Partes Conference of the Parties da UNFCCC EDGAR Emission Database for Global Atmospheric Research GEE Gases de efeito estufa GISS Goddard Institute for Space Studies NASA Gt Gigatonelada GWP Potencial de Aquecimento Global Global Warming Potential IPBES Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos The Intergovernmental SciencePolicy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services IPCC Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas Intergovernmental Panel on Climate Change IUCN União Internacional para a Conservação da Natureza International Union for Conservation of Nature Mha Milhões de hectares Mkm2 Milhões de quilômetros quadrados Mt Milhões de toneladas N2O Óxido nitroso Noaa National Oceanic and Atmospheric Administration NPP Net Primary Productivity Produtividade primária líquida NSIDC National Snow and Ice Data Center OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCM Ondas de calor marinho ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável OMM Organização Meteorológica Mundial OMS Organização Mundial da Saúde Otan Organização do Tratado do Atlântico Norte Nato ppb e ppm partes por bilhão ou partes por milhão isto é o nível de concentração de certas moléculas CO2 CH4 N2O etc existentes em cada bilhão ou cada milhão de moléculas na atmosfera RCP Representative Concentration Pathways Trajetórias representativas de concentração utilizadas pelo IPCC para designar diferentes concentrações de GEE na atmosfera em 2100 Essas diferentes concentrações correlacionamse com diferentes forçamentos climáticos de 19 a 85 Wattsm2 no topo da atmosfera em 2100 de onde por exemplo RCP85 Wm2 ou simplesmente RCP85 Tratase neste caso em que estamos de uma trajetória sem mitigação futura das emissões de GEE Diferentes trajetórias de mitigação dessas emissões utilizadas pelo IPCC são RCP19 RCP26 RCP45 RCP6 RCP7 e RCP85 A partir de 2018 essas trajetórias foram avaliadas em associação com as SSP ver sigla SMP Summary for Policymakers Sumário para os governantes ou seja o resumo de um relatório do IPCC da IPBES etc destinado aos governantes eou aos formuladores de políticas públicas SSP Shared Socioeconomic Pathways Trajetórias socioeconômicas compartilhadas Cinco cenários utilizados pelo IPCC para quantificar as mudanças sociais até 2100 em particular os desenvolvimentos do uso de energia e da terra e incertezas associadas às emissões de gases de efeito estufa GEE e demais gases poluentes da atmosfera Cada um desses cinco cenários SSP1 a SSP5 do melhor ao pior postula trajetórias de menores ou maiores emissões de GEE ver essa sigla que redundarão em diferentes forçamentos climáticos em 2100 de 19 a 85 Wm2 no topo da atmosfera em 2100 Esses diferentes forçamentos climáticos projetados para 2100 são chamados Representative Concentration Pathways ou RCPs ver essa sigla Assim o melhor cenário socioeconômico e climático até 2100 é designado pelo IPCC como SSP119 e o pior como SSP585 sendo 85 o pior cenário entre os rcps UNFCCC ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas United Nations Framework Convention on Climate Change estabelecida em 1992 WG Working Group Prefácio As análises e propostas contidas neste livro basearamse em dados projeções e acontecimentos observados até setembro de 2022 quando texto gráficos e tabelas começaram a ser revistos e diagramados pela equipe da editora Elefante Os fatos transcorridos desde então apenas reforçam a tese central deste livro amplamente compartilhada de resto pela ciência e pelo simples bom senso vivemos o último decênio em que mudanças estruturais em nossas sociedades podem ainda atenuar significativamente os impactos do processo de colapso socioambiental em curso Vale ressaltar que ultrapassamos em 2016 uma bifurcação no sistema climático Segundo a Organização Meteorológica Mundial a temperatura média global superficial terrestre e marítima combinadas oscilou desde então em torno de 12C 01C acima do período préindustrial Essa temperatura é mais alta do que as mais altas da fase mais quente do Holoceno 02C a 1C cerca de 6500 anos atrás o chamado Ótimo Climático do Holoceno Médio Tratase portanto de uma bifurcação em relação ao estado de equilíbrio climático do Holoceno época geológica compreendida entre 11700 antes do presente AP e 1950 porque a temperatura média global não voltará mais à marca de 1C acima do período préindustrial ao menos em uma escala de tempo histórica Quando a temperatura média superficial do planeta ultrapassar irreversivelmente 15C acima do período pré industrial o que deve ocorrer pouco antes ou pouco depois de 2030 o planeta estará em média mais quente do que o foi no Eemiano o último período interglacial 130 mil a 115 mil anos atrás Diversos componentes de larga escala do sistema Terra os recifes de corais os glaciares dos cimos montanhosos as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental e mesmo possivelmente muitas florestas tropicais terão então ultrapassado ou estarão em vias de ultrapassar pontos de não retorno em direção a estados de equilíbrio mais hostis às sociedades humanas e à vida em geral na Terra tal como a conhecemos e dela pudemos desfrutar ao longo de toda a história das civilizações Nos últimos seis meses fatos extraordinários aconteceram no Brasil e no mundo que merecem ao menos uma rápida menção a começar pelo mais importante a eleição de Lula em 30 de outubro de 2022 que salvou nosso país do abismo socioambiental a que o teriam arremessado mais quatro anos de um genocida e ecocida no poder Se o mais hediondo criminoso da história recente do Brasil tivesse sido reeleito o título deste livro nem faria mais sentido pois o próximo quadriênio equivaleria a uma sentença de morte para o Brasil seu povo e sua natureza Em 2026 seu governo teria atingido plenamente enfim suas quatro metas prioritárias a o genocídio de diversas outras nações indígenas na continuidade das políticas de extermínio dos Yanomami b taxas de desmatamento e degradação da Amazônia iguais ou ainda maiores que as ocorridas entre agosto de 2018 e dezembro de 2022 Nesse período mais de 50 mil km2 de floresta foram eliminados por corte raso uma área maior que a do estado do Rio de Janeiro 43696 km² sendo que apenas 1 das propriedades rurais foram responsáveis por 83 desse desmatamento na Amazônia brasileira¹ A perda de pelo menos mais 50 mil km² em mais quatro anos de devastação aproximaria ainda mais a floresta de seu limiar de resiliência e de sua transição em direção a um bioma não florestal c a destruição continuada pelo agronegócio do Pantanal do Cerrado da Caatinga e da Mata Atlântica Segundo o Sistema de Alertas de Desmatamento SAD do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe que detecta desmatamentos a partir de 03 hectare apenas entre janeiro e outubro de 2022 a Mata Atlântica foi amputada em mais 48660 hectares 486 km² O desmatamento anual da Mata Atlântica quadruplicou no último ano da criminalidade bolsonarista em relação ao período compreendido entre agosto de 2017 e julho de 2018 11399 hectares o menor em toda a série histórica iniciada em 1985² E tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que aceleram a liquidação final da Mata Atlântica³ Em linhas gerais Bolsonaro entregou o país mais rico do mundo em biodiversidade ao agronegócio aos pesticidas aos incêndios criminosos ao garimpo e à mineração d o triunfo da casta militar do militarismo do obscurantismo e dos transtornos coletivos de personalidade induzidos pelas redes sociais bolsonaristas O rebaixamento das faculdades cognitivas de grande parte da sociedade brasileira vítima agora de alucinações anticomunistas antivacinas e outras é talvez o mais trágico e duradouro legado dessas redes bolsonaristas Essa quarta meta prioritária do governo de Bolsonaro visava fortalecer o império do crime organizado em uma sociedade armada para o assalto insurrecional à democracia Os atos de terrorismo de dezembro de 2022 que redundaram no 8 de janeiro de 2023 são a demonstração cabal da consecução dessa estratégia A maior imprudência em que poderíamos hoje incorrer seria considerar que esse perigo foi superado Malgrado a esperança e as imediatas ações benfazejas trazidas pelo governo de Lula acumulamse evidências de que o quadro nacional e global em março de 2023 se afigura em muitos aspectos ainda pior do que o que se vislumbrava até setembro de 2022 Isso não deve surpreender haja vista a aceleração vertiginosa de todos os principais indicadores de colapso socioambiental Mencionemos apenas quatro desses indicadores 1 Um preprint de autoria de Luciana Gatti e colegas e um artigo de David Lapola e colegas publicado na revista Science ambos divulgados após a redação deste livro mostram níveis inéditos de degradação na floresta amazônica O trabalho de Gatti e de sua equipe revela que o desequilíbrio entre fotossíntese e respiração ou entre absorção e liberação de dióxido de carbono CO₂ pela floresta amazônica brasileira saltou para níveis catastróficos em 2020 Estimamos que as emissões de carbono dobraram nos anos de 2019 e 2020 em comparação com o estudo anterior publicado em 2021 com foco no período 20102018 É importante entender que esse aumento recente das emissões de carbono foi observado em toda a floresta e não apenas no chamado arco do desmatamento Comparando a média de 20102014 com a de 20162020 para toda a Amazônia observamos aumento de 50 nas emissões totais de carbono redução de 31 no sumidouro de carbono e aumento de 16 nas emissões por incêndios⁴ O trabalho sublinha como essa piora se acelerou em 2019 e 2020 os dois primeiros anos do governo de Bolsonaro Por sua vez o trabalho coletivo coordenado por David Lapola quantificou e analisou os componentes maiores da degradação da floresta amazônica causada pela extração de madeira por incêndios secas extremas e fragmentação do habitat florestal Lapola e colegas mostram que entre 2001 e 2018 a degradação da floresta amazônica brasileira se estendia já por 25 milhões de km² ou 38 de sua área remanescente Hoje em 2023 após quatro anos de destruição avassaladora essa situação é por certo ainda pior Além dos impactos sobre a biodiversidade e sobre as chuvas as emissões de carbono provenientes dessa degradação florestal já equivaliam então ou eram ainda maiores do que as emissões decorrentes do desmatamento por corte raso⁵ Em suma a situação da floresta amazônica é hoje muito mais crítica do que se supunha até a divulgação desses dois trabalhos entre setembro de 2022 e janeiro de 2023 2 Em novembro de 2022 a 27ª Conferência das Partes COP27 ocorrida em Sharm El Sheikh no Egito terá sido possivelmente a gota dágua em um longo processo de perda de credibilidade da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas Ninguém mais em sã consciência consideraa capaz de cumprir sua missão e sua razão de ser a diminuição das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa GEE Se ainda resta algum resíduo de esperança nos Acordos Climáticos de 1992 e de 2015 o Acordo de Paris a COP28 que deve acontecer no final de 2023 nos Emirados Árabes Unidos e será presidida por Sultan Al Jaber ministro da Indústria desse país e CEO da Abu Dhabi National Oil Company Adnoc vai se encarregar de liquidálo Em suma a Convenção do Clima definitivamente morreu Ressuscitála será a missão hercúlea da COP30 a ser presidida pelo Brasil e realizada em 2025 em Belém pa⁶ 3 Um destino igualmente sombrio parece estar reservado à Convenção da Biodiversidade de 1992 Sua COP15 KunmingMontreal dezembro 2022 incorporou a COP10 do Protocolo de Cartagena CPMOP10 e a COP4 do Protocolo de Nagoya NPMOP4 Dela resultou o chamado KunmingMontreal Global Biodiversity Framework GBF um conjunto de resoluções virtuosas que se espera em todo caso ter melhor posteridade que as malfadadas vinte Metas de Aichi definidas em 2010 Mas as chances são próximas de zero pois tudo ainda depende da boa vontade dos governos e do sistema alimentar corporativo e globalizado que os controla Mais uma vez António Guterres secretáriogeral da Organização das Nações Unidas ONU e uma das personalidades mais lúcidas de nosso tempo disse o necessário na abertura do evento Corporações multinacionais estão enchendo suas contas bancárias enquanto esvaziam nosso mundo de suas riquezas naturais Os ecossistemas tornaramse brinquedos de lucro Com nosso apetite sem limites por crescimento econômico descontrolado e desigual a humanidade se tornou uma arma de extinção em massa Estamos tratando a natureza como uma privada E finalmente estamos cometendo suicídio por procuração⁷ 4 António Guterres luta quase sozinho numa ONU entrincheirada no axioma anacrônico da soberania nacional absoluta e mais distante que nunca da cultura de paz e da governança global democrática Além do estado falimentar dos Acordos do Clima e da Biodiversidade nascidos ambos em 1992 outro indicador importante da regressão dessa governança global foi publicado em janeiro de 2023 quando o Comitê de Ciência e Segurança do Bulletin of the Atomic Scientists formado por laureados com o Prêmio Nobel adiantou mais uma vez os ponteiros de seu Doomsday Clock ver Capítulo 9 Figura 95 p 407 sobretudo mas não exclusivamente por causa dos crescentes perigos da guerra na Ucrânia O relógio marca agora noventa segundos para a meianoite a mais próxima posição jamais registrada de uma catástrofe global Desde 2020 o relógio marcava cem segundos para a meianoite o que já representava a mais perigosa posição desde 1947 quando de sua criação⁸ A Rússia de Putin herdeira direta do stalinismo é um dos países mais ambientalmente destrutivos do mundo É também o país invasor e portanto obviamente o responsável primeiro por essa guerra Isso posto esta é fomentada agora pelos dois principais interessados em sua escalada a Organização do Tratado do Atlântico Norte Otan que fornece à Ucrânia armas cada vez mais ofensivas e de longo alcance e a indústria bélica dos países beligerantes Como afirma Connor Echols o mundo está lidando com muita incerteza Mas uma coisa é certa desde o início a indústria de defesa dos Estados Unidos vai lucrar inclusive por contratos de longo termo dessa indústria com o governo dos Estados Unidos contratos que transcendem em muito a guerra da Ucrânia e mesmo uma eventual guerra contra a China9 E essa escalada da guerra é aplaudida pela imprensa que irresponsavelmente descrente dos riscos cada vez maiores de uma guerra nuclear excita os espíritos à demência de uma guerra total contra a Rússia em nome como sempre de uma hipócrita defesa da democracia A Otan é composta por países tão democráticos quanto a Hungria e a Turquia e essa tão decantada democracia ocidental é aliada incondicional de países tão democráticos quanto Israel Arábia Saudita Emirados Árabes Unidos entre outros Os palestinos os curdos os iemenitas e muitos povos africanos talvez não subscrevam essa concepção ocidental de democracia A guerra da Ucrânia é já em certa medida uma guerra mundial e são cada vez mais recorrentes os alertas de que ela pode ser o estopim de uma guerra nuclear Ela é em todo caso a antessala de uma guerra dos Estados Unidos contra a China a partir de uma possível invasão chinesa de Taiwan ou de outro pretexto qualquer Os sinais dessa segunda guerra são cada vez mais claros Os Estados Unidos garantiram a partir de fevereiro de 2023 o controle de mais quatro bases militares nas Filipinas num total agora de nove bases nesse país A derrubada de um balão chinês sobre o espaço aéreo estadunidense em fevereiro de 2023 sabotou a viagem do secretário de Estado dos Estados Unidos a Pequim aumentando a tensão entre os dois países Democratas e republicanos opostos em tudo unemse agora numa crescente agressividade contra a China como bem o demonstra a declaração de Kevin McCarthy o novo presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos speaker of the House segundo a qual Há um consenso bipartidário de que a era da confiança na China comunista acabou10 Assim na sequência da visita a Taiwan da exspeaker do Congresso dos Estados Unidos Nancy Pelosi a próxima visita de McCarthy planejada pelo Pentágono acirrará ainda mais a escalada de provocações contra a China Enfim um memorando enviado em 27 de janeiro de 2023 pelo general Mike Minihan aos oficiais do Comando da Mobilidade Aérea dos Estados Unidos publicado pela NBC News afirma Espero estar errado Minha intuição me diz que combateremos contra a China em 202511 A questão da ameaça existencial Os fatos reportados acima revelam sempre mais inequivocamente que a questão da ameaça existencial à espécie humana não é mais apenas uma conjectura teórica situada em um futuro distante Essa ameaça se impõe hoje como algo real iminente e crescente no horizonte de tempo deste século mesmo na ausência de uma guerra nuclear A União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN publica regularmente a Lista Vermelha das espécies ameaçadas de extinção Como veremos no Capítulo 1 em 2021 a IUCN considerava que entre as 138300 espécies avaliadas mais de 38500 cerca de 28 encontravamse em diferentes graus de risco de extinção com 8722 espécies consideradas criticamente ameaçadas Curiosamente a IUCN não inclui a espécie humana nessa lista Se a incluísse seríamos contados malgrado nossa abundância populacional e nossa presença generalizada no planeta entre as espécies mais vulneráveis Se continuarmos pelo caminho em que estamos avançando teremos muito em breve de nos contar entre as espécies criticamente ameaçadas Em nosso caso específico o fator abundância populacional pode aumentar ao invés de diminuir as chances de extinção dependendo de como nos organizarmos socialmente Como bem explicita Paulo Saldiva da Universidade de São Paulo USP referindose aos impactos da emergência climática e da poluição sobre a saúde humana está mais do que na hora de fundar a sociedade protetora do ser humano12 A existência de instituições como o Future of Humanity Institute FHI de Oxford criado em 2005 e o Centre for the Study of Existential Risk CSER de Cambridge criado em 2012 atesta a amplitude da percepção de que o destino dos humanos e em todo caso do projeto humano está em risco crescente O conceito de risco existencial XRisk vale dizer o risco de extinção da espécie humana ou de aniquilação de seu potencial tornouse mais recorrente no universo das análises científicas ao menos desde 2002 com um artigo de Nick Bostrom do FHI no qual o autor procura definilo de modo mais rigoroso Risco existencial um risco em que um resultado adverso aniquilaria a vida inteligente originária da Terra ou reduziria permanente e drasticamente seu potencial Um risco existencial é aquele em que a humanidade como um todo está em perigo Os desastres existenciais têm consequências adversas importantes para o curso da civilização humana para sempre13 Em seu esforço de delimitar quase cirurgicamente esse conceito tanto Bostrom quanto Toby Ord14 do mesmo instituto procuram estabelecer uma linha divisória clara entre riscos existenciais e não existenciais Uma objeção possível a essa abordagem é o fato de que essa linha divisória não existe ou se existe não é claramente perceptível É óbvio que uma guerra nuclear total representa mais que um risco existencial extremo uma certeza de extinção de inúmeras espécies além da nossa Tal como mostra o Bulletin of Atomic Scientists e como se verá detidamente no Capítulo 9 seção 98 esse risco é real e possivelmente maior hoje do que nos piores momentos da Guerra Fria dada a ausência de uma governança global democrática capaz de superar o horizonte mental primitivo do nacionalismo Todavia não sempre nem mesmo na maioria das vezes um risco existencial se refere a um acontecimento extremo ou excepcional Um risco existencial pode emergir de um processo cumulativo resultante da combinação e da sinergia entre diversas crises e é exatamente esse o caso em nossos dias como procurei argumentar em outros textos15 Catherine Richards do CSER incorre no mesmo equívoco de entender o risco de extinção apenas como eventualidade de um cenário excepcional Em um importante artigo de 2021 ela e seus colegas afirmam que há uma crescente preocupação de que a mudança do clima estabeleça um risco existencial à humanidade16 Para os autores entretanto esse risco passa a ser considerável apenas em um cenário extremo a worstcase scenario Há uma emergente evidência de aceleração de alças de retroalimentação positiva e de desaceleração de alças de retroalimentação negativa Essas alças de retroalimentação positiva exacerbam a possibilidade de um aquecimento global desenfreado runaway global warming estimado em 8C ou ainda maior até 2100 Tais aumentos de temperatura representam perigos reais ao deslocar o estreito nicho climático no âmbito do qual os humanos viveram ao longo de milênios17 Para Richards e colegas um risco existencial se configura apenas no caso de um aquecimento desenfreado A conjectura runaway global warming temida por um número crescente de cientistas mas rejeitada pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas IPCC18 seria capaz de levar a Terra a condições que prevalecem hoje em Vênus Essa conjectura pode ser interessante do ponto de vista científico mas é ociosa do ponto de vista do destino dos organismos pluricelulares porque a grande maioria dos milhões de espécies hoje existentes cessaria de existir sob condições muito menos extremas Yangyang Xu e Veerabhadran Ramanathan assim categorizam os riscos implicados em três níveis de aquecimento global 15C como perigoso 3C como catastrófico e 5C como desconhecido implicando um nível além do catastrófico o que inclui ameaças existenciais Com emissões não controladas o aquecimento médio pode atingir o nível perigoso dentro de três décadas com BPAI baixa probabilidade 5 e alto impacto de que o aquecimento se torne catastrófico até 205019 É consensual que um aquecimento maior que 2C terá impactos desastrosos para a vida no planeta Sir Brian Hoskins diretor do Grantham Institute Climate Change and Environment do Imperial College de Londres resume esse consenso na frase Não temos evidência de que um aquecimento de 19C é algo com que podemos conviver facilmente e 21C é um desastre20 Mas como discutido no Capítulo 7 Tim Lenton David Armstrong Makay e colegas mostraram que mudanças abruptas e irreversíveis no sistema climático com desdobramentos potencialmente fatais para a humanidade e outras espécies podem ocorrer mesmo em níveis de aquecimento médio global inferiores a 2C em relação ao período préindustrial21 Essa condição foi tematizada em 2018 por Will Steffen e colegas22 e em 2020 por Chi Xu e colegas em um trabalho intitulado O futuro do nicho climático humano23 igualmente abordado no Capítulo 7 Um aquecimento superior a 3C foi como visto definido como catastrófico É decerto baixa 5 a probabilidade de que um aquecimento dessa magnitude ocorra até 2050 como afirmam Yangyang Xu e Veerabhadran Ramanathan Mas essa probabilidade já é razoavelmente alta no terceiro quarto do século dado o ritmo atual de aumento das concentrações atmosféricas de GEE Em 1958 as concentrações atmosféricas de CO2 estavam em 315 partes por milhão ppm Em 2013 elas atingiram pela primeira vez 400 ppm as mais altas dos últimos dois ou três milhões de anos Em 2020 elas romperam momentaneamente a barreira de 417 ppm Estavam então cerca de 50 mais altas do que em fins do século XVIII Entre 2022 e 2023 as concentrações atmosféricas de CO2 terão superado 420 ppm Elas vinham avançando nos anos 1960 à taxa média de cerca de 1 ppm por ano Agora avançam a uma taxa média de 25 a 3 ppm anualmente com um aumento de 284 ppm entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022 ver Capítulo 4 Figura 411 p 229 Isso significa que elas devem dobrar em relação ao período préindustrial 280 ppm antes de 2070 Muito provavelmente bem antes ainda de 2070 porque a aceleração desse aumento deve continuar mantidos os paradigmas suicidas que regem nossa sociedade Desde ao menos os anos 1990 modelos climáticos que vêm se complexificando mostram que a sensitividade climática de equilíbrio ou seja a resposta de longo prazo do clima à duplicação das concentrações atmosféricas de CO2 de 280 ppm para 560 ppm pode levar a um aquecimento médio global entre 15C e 45C Segundo os modelos mais recentes Coupled Model Intercomparison Project Phase 6 CMIP6 propostos em 2020 essa resposta do sistema climático estaria na faixa de 18C a 56C24 Steven Sherwood e colegas obtiveram um aquecimento médio global mais provável entre 3C a 4C sem excluir a possibilidade de que ele supere em 45C a média do período préindustrial até 210025 Em sua análise das divergências entre esses modelos Jeff Tollefson afirma que mesmo que o uso do carvão não aumente de forma catastrófica 5C de aquecimento médio global até 2100 pode ocorrer por outros meios incluindo o derretimento do pergelissolo permafrost26 pois este lançará quantidades crescentes de GEE na atmosfera Os dados apresentados em 2021 à COP26 pelo IPCC relativos à exposição e à vulnerabilidade a ondas de calor extremo segundo três níveis de aquecimento médio global acima do período préindustrial são igualmente alarmantes 15C exporá 396 bilhões de pessoas 119 bilhão mais vulneráveis 2C exporá 599 bilhões 158 bilhão mais vulneráveis e 3C exporá 791 bilhões 171 bilhão mais vulneráveis É possível em suma que essa exposição crescente ao calor extremo assim como cada uma das grandes crises socioambientais que nos defrontam não ofereça um risco existencial à humanidade como um todo quando examinadas isoladamente Mas a sinergia entre elas tem certamente potencial para tanto Não é possível em tais circunstâncias traçar uma linha divisória clara entre uma ameaça existencial e uma ameaça não existencial ou entre um planeta local e momentaneamente inabitável e um planeta largamente inabitável pela espécie humana e por tantas outras Para que uma região se torne inabitável basta que atinja sazonalmente picos de calor insuportáveis e esse será o caso de vários países já talvez nos próximos anos sobretudo na ocorrência de um forte El Niño ou ainda na melhor das hipóteses nas próximas décadas O importante é entender que estamos galgando uma curva de risco sem marcos divisórios claros e essa curva que nos leva de um planeta mais hostil a um planeta inabitável e portanto à nossa extinção ou ao fim de nossas possibilidades de desenvolvimento não apenas já está se desenhando como está se acelerando muito rapidamente Dadas essas constatações e projeções a motivação para escrever este livro nasce de duas apostas otimistas A primeira é que os anos decisivos para evitar esses cenários futuros extremos ainda estão diante de nós São os anos do decênio em curso razão do título deste livro Em outras palavras ainda não seria tarde demais para evitar o pior A segunda aposta não menos otimista é que seremos capazes de agir individual e politicamente ao longo deste decênio com a radicalidade requerida para reverter o que ainda pode ser revertido mitigar o que ainda pode ser mitigado e com isso aumentar significativamente nossas chances de adaptação aos impactos vindouros do aquecimento global do empobrecimento da biodiversidade e da intoxicação dos organismos pela poluição químicoindustrial Essas duas apostas baseiamse numa condição sine qua non a de que seremos capazes de construir um projeto social póscapitalista centrado na exigência do encontro da diminuição das desigualdades sociais com a diminuição das pressões antrópicas sobre o sistema Terra Um programa político baseado nessa exigência não é só factível mas é também o único possível se quisermos sobreviver como sociedades e no limite como espécie Esse é o sentido do subtítulo deste livro propostas para uma política de sobrevivência Estas páginas se pretendem portanto como um chamado à radicalidade da ação política socioambiental e sua ambição maior é suscitar ou enfatizar o senso de máxima urgência exigido por este decênio decisivo São Paulo fevereiro de 2023 Introdução O destino das sociedades definese neste decênio Estamos agora numa bifurcação Não teremos outra década para hesitar como fizemos na década passada Will Steffen1 É impossível fixar o momento em que o mundo começou a piorar Para as gerações nascidas até os anos 1950 a vitória sobre o nazifascismo era razão suficiente para fazer renascer a esperança de que tudo podia enfim acabar bem Por certo as luzes vermelhas da degradação ambiental já estavam se acendendo mas os impactos dessa degradação eram apenas episódicos e pareciam ainda um preço aceitável a pagar em face das promessas da tecnologia As consequências pareciam situadas num futuro longínquo e o próprio futuro se encarregaria de resolver seus problemas De resto ao longo dos dois decênios sucessivos a 1950 não faltavam indicadores genuínos em apoio à percepção de que o mundo estava de fato melhorando Abriase então para quase todas as sociedades uma era de maior consumo energético as economias cresciam à taxa média anual de 4 a 5 os baixos níveis de desemprego e o fortalecimento das organizações sindicais implicavam aumentos sucessivos do salário real e uma correlativa diminuição da desigualdade A abundância a baixo custo dos combustíveis fósseis dos Estados Unidos e do Oriente Médio e a estabilidade do sistema monetário e financeiro com baixas taxas de juros pareciam asseguradas A inovação tecnológica e o aumento da produtividade agrícola também faziam parte da festa assim como o aumento espetacular da longevidade e da esperança de vida ao nascer Em suma ao longo desses anos a Grande Aceleração2 esses sucessivos saltos de escala da interferência antrópica no sistema Terra desde o segundo pósguerra ainda era percebida pelas sociedades como algo benfazejo como um signo de progresso Claro que nem tudo era bonança Em grande parte a inovação tecnológica era impulsionada pela corrida armamentista da Guerra Fria Em 1952 em plena Guerra da Coreia já haviam ocorrido 38 explosões nucleares na atmosfera 34 promovidas pelos Estados Unidos três pela União Soviética e uma pelo Reino Unido Nesse mesmo ano de 1952 no atol de Enewetak no Pacífico os Estados Unidos testavam a Ivy Mike primeira bomba termonuclear bomba H seguida em 1953 e 1956 pelas bombas H soviética e britânica respectivamente Era impossível ignorar o risco crescente de um inverno nuclear e o Notice to the World o famoso Manifesto RussellEinstein de 1955 dá prova cabal dessa angústia Descortinase diante de nós se por ele optarmos um progresso contínuo em felicidade conhecimento e sabedoria Devemos em vez disso escolher a morte por não podermos esquecer nossos conflitos Como seres humanos apelamos aos seres humanos lembremse de sua humanidade e esqueçam o resto Se puderem fazer isso o caminho estará aberto para um novo paraíso se não puderem está diante de vocês o risco da morte universal3 A mera observação dos fatos justificava esses temores Em 1962 a crise dos mísseis de Cuba ameaçou como nunca antes a sobrevivência da humanidade 4 Nesse ano às vésperas da proibição de testes atômicos na atmosfera o planeta já sofrera o impacto de 552 detonações de bombas nucleares na atmosfera 302 dos Estados Unidos 221 da URSS 23 do Reino Unido e seis da França Apenas em 1962 houve 140 detonações nucleares na atmosfera em média uma a cada 26 dias5 A assinatura radioativa que tais detonações deixaram nas rochas bem como o aumento vertiginoso das emissões de gases de efeito estufa GEE e da poluição químicoindustrial a partir desses anos é um dos marcos inaugurais de nossa época geológica o Antropoceno6 Datam igualmente desses anos os primeiros grandes alertas sobre a letalidade dessa poluição industrial Em dezembro de 1952 por exemplo o Great Smog Grande nevoeiro na zona metropolitana de Londres causou um pico alarmante de mortalidade7 Dez anos depois os danos causados à biodiversidade pelos agrotóxicos foram postos em evidência por Rachel Carson cujo livro Primavera silenciosa inicia uma nova etapa na história da consciência ecológica no século XX Além das ameaças de uma guerra atômica e da poluição o advento da sociedade da afluência nos países do Norte começava a mostrar a face repugnante do consumismo A geração beat os movimentos hippies antinucleares e pacifistas culminando nas revoltas de 1968 mostravam a recusa dos jovens ao que então se designava pelo termo establishment8 Acumulavamse além disso também nos anos 1950 e 1960 os crimes cometidos contra a humanidade pela nova ordem liberal instituída pelos Estados Unidos As atrocidades perpetradas nas duas Grandes Guerras prolongavamse agora nas guerras da Coreia e do Vietnã nos assassinatos como o de Patrice Lumumba em 1961 e nos massacres nos países africanos contra seus processos de emancipação Prolongavamse também nos brutais golpes militares que varreram a América Latina a África e a Ásia do Irã em 1953 à Indonésia onde a polícia e as tropas do general Suharto com apoio direto dos Estados Unidos mataram cerca de um milhão de pessoas entre 1965 e 1966 O método Jacarta como bem documenta Vincent Bevins foi a culminância dos golpes de Estado urdidos mundo afora pelos Estados Unidos e o laboratório dos golpes sucessivos9 De seu lado as revoluções socialistas nascidas dos mais generosos ideais do Iluminismo e das lutas sociais do século XIX começavam a mostrar ao mundo sua face monstruosamente desfigurada A então URSS destroçada em todos os sentidos por sete anos contínuos de guerra e de guerra civil 19141921 pelas sucessivas lutas políticas intestinas e pela contínua beligerância ocidental havia dado ainda assim a mais decisiva e heroica contribuição à derrota do nazifascismo antes e durante a guerra Mas dessa sucessão de penúrias traumas catástrofes e ameaças existenciais resultou a montagem de um Estado policial e totalitário talvez sem precedentes mesmo durante os piores momentos da tirania tsarista O saldo de horrores de 26 anos de terror stalinista somado ao genocídio cometido por quatro anos de invasão nazista é certamente o mais atroz do século XX entre 27 milhões e 40 milhões de mortes de civis e militares apenas durante a Segunda Grande Guerra10 aos quais se somam cerca de vinte milhões de mortes por fome encarceramento em campos de concentração deslocamentos populacionais arbitrários e execuções sob o regime stalinista segundo estimativas de Roy Medvedev11 Somente após a morte de Stálin em 1953 a envergadura do desastre começou a ser conhecida ao menos fora da URSS Em 1956 durante o 20º Congresso do Partido Comunista da URSS a leitura do chamado relatório secreto de Kruschev sobre os crimes de Stálin e de Beria oficializava os primeiros tímidos ensaios de iconoclastia A distopia contudo permanecia12 Entre 1956 ano da invasão da Hungria e 1968 quando a então Tchecoslováquia foi invadida assistese sob Leonid Brejnev 19641982 à interrupção do processo de desestalinização e ao retorno da KGB em poder e prestígio em meio à repressão generalizada na URSS e nos países satélites Hoje a liquidação judicial da ONG International Memorial fundada em 1989 e a condenação a quinze anos de prisão de um de seus diretores o historiador Yuri Dmitriev evidenciam a longevidade e a plasticidade do stalinismo no sistema político russo13 Na China o Grande Salto Adiante 19581962 e a absurda mortandade de animais durante a grotesca Campanha das quatro pragas ratos moscas mosquitos e pardais redundaram como se sabe nos milhões de vítimas da Grande Fome de 19591961 um cataclisma de proporções ainda maiores que as do Holodomor russoucraniano de 19321933 E isso sem falar nas duas experiências históricas mais tardias que encerram com chave de ouro a experiência do socialismo real do século XX entre 1975 e 1979 o genocídio perpetrado pelo Khmer Vermelho no Camboja que resultou na morte de cerca de 20 da população desse país e as guerras resultantes da dissolução da Iugoslávia após a morte de Tito em 1980 Isso posto o traço mais importante desses anos é frequentemente esquecido e só ganha sua verdadeira dimensão à luz de uma visada retrospectiva Tratase da percepção de que acima de todos esses crimes abomináveis genocídios tragédias e antagonismos ideológicos pairava uma compreensão da história por todos compartilhada na qual o futuro permanecia fundamentalmente promissor Malgrado tudo evitada a guerra nuclear o projeto humano parecia assegurado Cedo ou tarde a tecnologia haveria de ser posta a serviço da razão e da justiça O tempo em suma contava a favor da humanidade A partir dos anos 1970 essa confiança na história começa contudo a vacilar Uma confluência impressionante de fatos incidentes já nos primeiros anos da década atesta e reforça uma clara mudança de perspectiva acerca do futuro Lembremos alguns deles Antes de mais nada o pânico demográfico Em 1971 a população mundial crescia à taxa de 213 ao ano14 o que explica o imenso sucesso do livro de Anne e Paul Ehrlich The Population Bomb 1968 O Greenpeace criado em 1971 por Robert Hunter Paul Watson e outros ativistas tornavase o portavoz da crise ecológica15 que em 1972 ganhava pela primeira vez centralidade diplomática na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano em Estocolmo Um livro intitulado Only One Earth The Care and Maintenance of a Small Planet preparado para essa conferência causou um grande choque Encomendado por Maurice Strong a Barbara Ward e René Dubos seu primeiro capítulo concluíase com estas palavras lapidares Os dois mundos do homem a biosfera de sua herança a tecnosfera de sua criação estão em desequilíbrio na realidade potencialmente em profundo conflito E o homem está no meio Esse é o ponto de inflexão da história no qual nos encontramos com a porta do futuro abrindose para uma crise mais súbita mais global mais inescapável e mais desconcertante que qualquer outra jamais confrontada pela espécie humana Uma crise que tomará sua forma decisiva no intervalo de vida das crianças já nascidas16 Os impactos causados por esse livro e pelo manifesto Blueprint for Survival17 escritos no mesmo ano só foram superados pelo choque mais duradouro de Limites do crescimento também de 1972 encomendado pelo Clube de Roma18 Entre 1971 e 1972 a hegemonia econômica absoluta dos Estados Unidos começava a ser abertamente desafiada Em 1971 a Alemanha deixa o tratado de Bretton Woods o dólar despenca 75 em relação ao marco alemão e Nixon é obrigado a decretar o fim da conversibilidade do dólar ao ouro Com uma inflação a 123 em 197419 o dólar passava a ser uma moeda fiduciária o que introduzia a primeira fissura no sistema monetário internacional instituído em 1944 Fora da esfera dos países industrializados 1972 marca a volta de crises de fome aguda em lugares como Bangladesh Índia Etiópia e diversas nações do Sahel Não se tratava mais de crises resultantes de guerras civis como a ocorrida na Nigéria entre 1966 e 1970 mas da primeira crise de estoques de grãos no período pósguerra em parte causada pela retomada das vendas de grãos dos Estados Unidos à URSS com consequente triplicação de seus preços20 O ano de 1973 trazia outros três eventos igualmente determinantes O primeiro foi o golpe de Estado no Chile que esmagava a mais importante experiência de um governo popular democrático na América do Sul reforçando o ciclo das ditaduras militares na região do Brasil e da Bolívia 1964 à Argentina 1966 e 1976 e ao Uruguai 1973 O segundo elemento foi a derrota militar dos Estados Unidos no Vietnã que obrigava Nixon a negociar em Paris naquele ano uma retirada honrosa de suas tropas do país invadido A ofensiva vietnamita do Tet iniciada em 1968 concluíase em abril de 1975 com a humilhante e caótica retirada norteamericana de Saigon pondo fim ao mito da invencibilidade militar estadunidense Esse evento traumático inaugurava nos Estados Unidos um período de ressentimento agravado pela invasão de sua embaixada no Irã em 1979 e por anos de estagflação estagnaçãorecessão econômica inflação Desse sentimento geral de desatino resultaria enfim o lema Make America Great Again Maga lançado por Ronald Reagan em 1980 retomado por Bill Clinton em 1992 e martelado em 2016 por Donald Trump21 no controle do Grand Old Party a mais perigosa organização em toda a história mundial segundo Noam Chomsky22 Ainda hoje a retirada caótica das tropas estadunidenses do Afeganistão em julho de 2021 tem sido chamada ainda que impropriamente de a Saigon de Joe Biden23 O terceiro evento determinante de 1973 foi o embargo dos doze membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo Opep aos Estados Unidos e demais nações que haviam apoiado Israel na guerra do Yom Kippur O embargo elevou subitamente o preço do barril que foi de 475 dólares até setembro de 1973 a 3742 dólares em 1980 o equivalente a um aumento de 2108 para 11130 dólares em preços ajustados pela inflação24 Inauguravase a primeira depressão econômica do segundo pósguerra O embargo imposto pela Opep coincidia com o declínio das reservas de petróleo convencional nos Estados Unidos em início dos anos 1970 tal como previsto por Marion King Hubbert em 1956 De fato a produção de petróleo convencional nos Estados Unidos que crescia à taxa de 79 ao ano desde os anos 1860 dobrando a cada período de 87 anos atingiu finalmente seu pico em 1970 102 milhões de barris de petróleo por dia25 vindo a declinar ao longo dos 35 anos subsequentes A confluência desses dois fatos embargo externo e declínio da abundância interna do petróleo convencional fez com que desde então o preço do petróleo tenha oscillado sempre muito acima dos patamares anteriores a 1973 pondo termo à breve era de energia barata e ilusoriamente ilimitada Os diversos milagres econômicos criados pelos chamados Trinta Anos Gloriosos26 do capitalismo chegavam ao fim Mais do que isso a identificação do capitalismo esse vendaval perene de destruição criadora27 com a ideia mesma de progresso professada por apólogos e críticos desse sistema econômico entrava pela primeira vez em crise Dessa crise de autoconfiança surgia uma nova interrogação sobre o destino humano que transparecia nas últimas páginas do livro de Arnold Toynbee Mankind and Mother Earth publicado postumamente em 1976 O conjunto de Estados soberanos locais de nossos dias não é capaz de manter a paz e também não é capaz de salvar a biosfera da poluição causada pelo homem ou de conservar os recursos naturais insubstituíveis da biosfera A humanidade assassinará a Mãe Terra ou a redimirá Essa é a questão enigmática que agora confronta o homem28 Os fatos sucessivos são bem conhecidos ao longo dos últimos cinquenta anos cada decênio criou um planeta mais retrógrado em direitos sociais e mais degradado em todos os indicadores ecológicos regressão acelerada desde os anos 1980 pelo avanço da globalização e da desregulação econômicofinanceira A percepção de recesso das agendas progressistas durante a chamada década ReaganThatcher não se afigura como algo evidente apenas retrospectivamente Tratase de um lugarcomum nas análises históricas no imaginário e na produção literária e artística do período29 e estava bem presente já na resposta contemporânea da Comissão Internacional sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento WCED30 que gerou em 1987 o relatório Nosso futuro comum Gro Harlem Brundtland apresentava nesse relatório o mais lúcido diagnóstico do estado e da tendência dominante das sociedades naqueles anos Houve uma época de otimismo e progresso na década de 1960 quando havia maior esperança para a construção de um mundo melhor e para ideias internacionais progressistas Colônias abençoadas com recursos naturais estavam se tornando nações Pareciase buscar seriamente espaços de cooperação e compartilhamento Paradoxalmente a década de 1970 derivou aos poucos para um clima de reação e isolamento enquanto ao mesmo tempo uma série de conferências da ONU oferecia esperança de mais cooperação em questões importantes A Conferência da ONU de 1972 sobre o Meio Ambiente Humano reuniu as nações industrializadas e em desenvolvimento para delinear os direitos da família humana a um ambiente saudável e produtivo Seguiuse uma série dessas reuniões sobre os direitos das pessoas a uma alimentação adequada a uma moradia bem construída à água potável e a ter acesso aos meios de escolher o tamanho de suas famílias A presente década temse caracterizado pelo recesso das preocupações sociais Os cientistas chamam a atenção para problemas urgentes mas complexos que tratam de nossa própria sobrevivência um planeta em aquecimento ameaças à camada de ozônio desertificação de terras agricultáveis31 O estado das sociedades que Brundtland revelava em 1987 ganharia nos dois anos seguintes cores ainda mais sombrias na Conferência de Toronto sobre a Mudança da Atmosfera com o depoimento de James Hansen ao Senado dos Estados Unidos acerca das mudanças climáticas e com o clássico The End of Nature 1989 de Bill McKibben 1 A especificidade do nosso tempo Ao longo do livro voltarei mais detidamente ao passado Essas considerações introdutórias eram necessárias apenas para propor um efeito de contraste entre aquele tempo e o nosso Hoje 35 anos após o Relatório Brundtland e trinta anos depois da Conferência Eco92 no Rio de Janeiro o estado do planeta mostrase incomparavelmente mais crítico e brutal Mas o que permite compreender a especificidade do nosso tempo não é apenas uma diferença de grau em relação às crises das décadas finais do século xx O estado atual das sociedades não é somente mais grave difere qualitativamente desse passado recente e é preciso entender bem em que consiste essa diferença Até o século xx todo presente dispunha de uma gama relativamente ampla de escolhas para criar seus futuros dentro naturalmente do universo de condicionantes que lhe impunha seu próprio passado Lembremos mais uma vez a célebre reflexão com que Marx abre sua mais brilhante análise política O 18 de brumário de Luís Bonaparte Os homens fazem a sua própria história mas não a fazem segundo a sua livre vontade não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado32 Isso era incontestavelmente verdadeiro até há pouco Hoje não mais Não porque a tensão entre o presente e a carga do passado histórico entre liberdade e necessidade tenha deixado de existir mas porque a relação entre esses dois termos se desequilibrou O que caracteriza o nosso tempo após setenta anos de crescentes emissões de GEE de poluição e destruição da natureza é a minimização dessa liberdade de escolhas de futuro em face da maximização das condicionantes passadas E isso por uma simples razão o sistema Terra vale dizer as leis da física e da biologia restringe hoje ao máximo o leque de possibilidades futuras da história humana As sociedades passadas sempre puderam criar em grande medida seus futuros porque ao longo dos últimos dez milênios Holoceno i não haviam destruído a biosfera numa intensidade capaz de interferir desastrosamente em seus equilíbrios em escala global ii puderam desfrutar da excepcional estabilidade do sistema climático durante toda essa época geológica que não por acaso coincide com o advento da agricultura com a produção de excedente e em suma com a história de todas as civilizações O sistema Terra era então apenas a moldura do drama histórico Ele era por assim dizer uma premissa um dado neutro quando não benigno e assim o percebiam as sociedades Catástrofes naturais decerto ocorriam e por vezes com poder decisório sobre o destino de tal ou qual sociedade Mas eram fatos excepcionais e justamente por isso o termo catástrofe designava um evento imprevisto e resolutivo no gênero específico da tragédia não da história Hoje ao contrário o sistema Terra em nada mais se assemelha a uma moldura Suas respostas à interferência antrópica excessiva em seus equilíbrios tornamno cada vez mais um ator incontornável da trama histórica A tendência atual mantida a trajetória em que estamos é de que essas respostas ganhem em breve mais relevância do que as decisões tomadas pelas sociedades sobre seu próprio destino E eis o mais crucial essa tendência já é em crescente medida irreversível Por irreversível entendase antes de mais nada que o sistema climático continuará a se aquecer os desvios das médias meteorológicas do passado e os eventos meteorológicos extremos secas inundações furacões etc continuarão a se intensificar as geleiras continuarão a se retrair e o nível do mar continuará a se elevar numa velocidade maior que a do século xx33 Na realidade muito maior porque estão em aceleração Também a degradação da biosfera apresenta agora sinais de irreversibilidade A fulminante antropização de mais de 70 dos habitats planetários34 condena agora um semnúmero de espécies à extinção a uma velocidade dezenas centenas ou milhares de vezes maior do que a indicada pelos registros fósseis A teia da vida de que dependemos existencialmente continuará portanto a se esgarçar No que se refere à poluição os bilhões de toneladas de plástico e demais substâncias tóxicas industriais de longa duração já despejadas na natureza continuarão a nos adoecer e a nos matar bem como a inúmeras outras espécies por muitos e muitos anos Corey Bradshaw e colegas sublinham a quase certeza de que esses problemas irão se agravar nas próximas décadas com impactos negativos nos próximos séculos35 Conclusão um futuro pior tornouse agora inevitável quaisquer que sejam as nossas escolhas É exatamente isso que define e de modo tão contrastante com o passado a especificidade de nosso tempo Tenhamos a honestidade de dizêlo sem rodeios nossas opções são entre um futuro pior e um futuro terminal Um futuro pior é agora inevitável mas ações políticas imediatas para atenuar a piora redundarão em possibilidades crescentes de reversão de tendências de atenuação dos impactos de adaptação e portanto de sobrevivência Se conseguirmos entender isso e agir coletivamente em sintonia com esse entendimento um futuro melhor pode se descortinar para nós e para a vida no planeta no outro lado desse gargalo Teremos aprendido com o erro e há uma chance ainda considerável de que isso ocorra porque somos uma espécie com uma singular capacidade de aprendizado Se por outro lado a presente trajetória não se alterar significativamente no presente decênio se continuarmos a viver na ilha da fantasia do crescimento sustentável o que teremos será o que a ciência há decênios vem predizendo com precisão um futuro no qual os impactos serão cada vez maiores e mais sistêmicos tornando nossas possibilidades de adaptação cada vez menores Para nós e para tantas outras espécies repitase um mundo terminal Nossa estreitíssima margem de escolhas neste decênio resumese a essa bifurcação e é ela que define nosso destino É ela que motiva e dá sentido não apenas a este livro mas a toda ação humana ciente de sua condição contemporânea Compenetrarse dessa nova realidade supõe compreender a dinâmica e as devidas implicações de quatro dossiês fundamentais que se reforçam reciprocamente e serão discutidos no decorrer deste livro i a aniquilação da biodiversidade ii a emergência climática iii os níveis pandêmicos de adoecimento físico e mental e de mortes prematuras pela poluição químicoindustrial e iv os níveis aberrantes e crescentes de desigualdade causa maior do agravamento dos três primeiros Oito dos onze capítulos deste livro tratarão desses dossiês O que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso O título do relatório de 2019 do Institute for Public Policy Research IPPR de Londres chama corajosamente nossa época pelo seu nome a idade do colapso ambiental the age of environmental breakdown36 Eis o que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso 1 o colapso ambiental não é um evento com data marcada para ocorrer Tratase do processo em que estamos37 Esse processo é sutilmente pontuado por sucessivos estágios de agravamento em intensidade amplitude e frequência de suas manifestações e impactos Mais importante que tudo embora gradual essa sucessão de estágios se caracteriza por sua aceleração e por evoluir de modo não linear e tendencialmente exponencial condicionada que é por inúmeras alças de retroalimentação Disso decorre a certeza de que mantida a atual trajetória a situação das sociedades ao final deste decênio será muito mais crítica do que em seu início 2 a principal consequência dessa aceleração é que o tempo se torna aos poucos a principal variável na avaliação dos riscos O tempo é hoje nosso maior inimigo Como afirmado na seção anterior a especificidade de nosso tempo reside justamente em nossa decrescente capacidade de mitigar os crescentes desequilíbrios dos sistemas físicos e biológicos Portanto na ausência de uma mudança de trajetória radical e imediata ou de curtíssimo prazo as ações humanas voltadas para a reversão desse processo precisarão ser cada vez mais radicais e serão cada vez menos efetivas até se tornarem caso continuem a ser retardadas quase irrelevantes 3 mudar nossa trajetória de colapso requer não apenas parar de destruir a natureza agora mas nos empenhar em reconstruir na medida do possível o que foi destruído desde ao menos a década de 1950 Se os últimos setenta anos foram os anos da Grande Aceleração ou seja da Grande Destruição os próximos decênios terão de ser os da Grande Restauração38 É preciso apostar que isso ainda é possível Essa aposta é contudo razoável se e somente se como indivíduos e como sociedade globalmente organizada reagirmos com presteza e à altura do que exige agora a emergência climática e demais emergências socioambientais Falase hoje muito mais que nunca em emergência climática e em outras emergências O problema é que à força de repetila a expressão perde seu significado Uma definição formalizada desse estado generalizado de emergências foi proposta por Timothy Lenton e colegas da seguinte maneira Definimos emergência E como o produto da multiplicação do risco pela urgência O risco R é definido pelas seguradoras como probabilidade p multiplicada pelo dano D A urgência U é definida em situações de emergência como o tempo de reação a um alerta τ dividido pelo tempo de intervenção restante para evitar um mau resultado T Assim E R U p D τ T A situação é uma emergência se o risco e a urgência forem altos E se o tempo de reação for maior que o tempo de intervenção ainda restante τ T 1 perdemos o controle39 O risco é altíssimo porque a probabilidade é crescente e o dano ainda maior O tempo de reação restante é exíguo já que estamos na iminência de ultrapassar perdas de biodiversidade e desequilíbrios climáticos irreversíveis O tempo de reação das sociedades não pode ser maior que o tempo requerido para uma intervenção robusta e à altura da gravidade da situação e é justamente por isso que o presente decênio é decisivo Ele o é porque nos próximos dez anos as sociedades têm ainda o potencial de determinar as condições em que os jovens de hoje e as gerações futuras poderão ou não viver neste planeta nosso único habitat possível40 Dito de modo ainda mais direto tudo depende agora da política Não mais da economia como se discutirá em detalhes no Capítulo 10 Tudo depende de entendermos que a esfera da economia perdeu a hegemonia que o mundo contemporâneo lhe conferiu O grau de radicalidade política das mudanças que as sociedades se mostrarem aptas a realizar nos próximos anos é o fator decisivo que moldará de forma duradoura seu destino e o de inúmeras outras espécies É preciso reconhecer o abismo intransponível entre as mutações civilizacionais exigidas ao longo deste decênio e os discursos verdes dos governantes dos gestores da economia globalizada e de seus acadêmicos Não se trata de reduzir esses discursos a retóricas hipócritas É óbvio que são hipócritas ao menos em sua maioria Mas o problema não reside na maior ou menor sinceridade dos que os enunciam O problema reside na incapacidade de se traduzir esses discursos em mudanças efetivas e isso por três razões i os Estados carecem de poder mandatório sobre a rede corporativa aliás não se distinguem mais dos interesses dessa rede ii a dinâmica inerentemente expansiva do sistema econômico globalizado é incompatível com uma economia da sobriedade a única capaz de transitar rapidamente para outro sistema energético e outro sistema alimentar e finalmente iii a ordem jurídica internacional baseada no axioma da soberania absoluta dos Estados nacionais perpetua a lógica concorrencial que predomina nas relações entre esses Estados A dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração Para entender melhor essa incapacidade de mudança ao menos nos prazos necessários para evitar o pior convém ainda uma palavra sobre as dinâmicas de aceleração Pensar que mudanças políticas radicais em uma década não são imprescindíveis ou não são factíveis revela incompreensão sobre a natureza da dinâmica de aceleração Na nova época geológica iniciada na segunda metade do século XX o Antropoceno41 a atividade humana tornouse a variável mais importante nas dinâmicas do sistema Terra não apenas por sua mudança de escala mas também e sobretudo pela velocidade crescente dessa mudança isto é por sua aceleração Antropoceno e aceleração passaram a ser termos praticamente intercambiáveis O programa de pesquisas dedicadas às mudanças globais Global Change International GeosphereBiosphere Programme IGBP42 demonstrou em sua síntese de 2004 a emergência de uma Grande Aceleração a partir de 1950 considerado o período 17502000 Eis um resumo de seus resultados A segunda metade do século XX é única em toda a história da existência humana na Terra Muitas atividades humanas alcançaram pontos de decolagem em algum momento desse século e se aceleraram fortemente no final dele Os últimos cinquenta anos testemunharam sem dúvida a mais rápida transformação da relação humana com o mundo natural na história da humanidade43 Essa transformação vertiginosa nas relações entre os humanos e o mundo encontrou seu ícone nos 24 indicadores em interação doze indicadores socioeconômicos e doze relativos a mudanças antropogênicas no sistema Terra atualizados em 2015 por Will Steffen e colegas44 até 2010 Como afirmam os autores desse trabalho seminal É difícil superestimar a escala e a velocidade das mudanças No intervalo de tempo de duas gerações ou o tempo de uma única vida a humanidade ou até pouco tempo uma pequena fração dela tornouse uma força geológica em escala planetária45 A dificuldade de apreender intuitivamente as implicações da Grande Aceleração em curso reside no hábito de prefigurar o futuro a partir das experiências e das métricas do passado Nada contudo pode ser mais enganoso para o senso comum do que uma dinâmica de aceleração em especial quando se levam em conta as respostas não lineares do sistema Terra ao aumento e ao acúmulo de perturbações antropogênicas Tomemos por exemplo a elevação do nível do mar No período de 1900 a 1930 a taxa média de elevação do nível do mar era de 06 mm por ano Entre 2014 e 2017 o nível do mar se elevou em média 5 mm por ano e em 2019 ele se elevou 61 mm em relação a 201846 Em apenas um século portanto a rapidez da elevação do nível do mar mais que decuplicou Isso significa que em média essa rapidez duplicou a cada 33 anos passando de 06 mm para 12 mm 24 mm e 48 mm E estamos em via de duplicála mais uma vez talvez antes dos próximos 33 anos Isso se chama crescimento exponencial um tipo de dinâmica que nossa intuição tem dificuldade de apreender em nossa experiência cotidiana Em 2011 James Hansen e Makiko Sato mostravam a magnitude assombrosa de um provável aumento exponencial do nível do mar neste século Conforme o aquecimento aumenta o número de rios de gelo a contribuir para a perda de massa aumentará favorecendo uma resposta não linear mais bem caracterizada por um aumento exponencial do que por um aumento linear Hansen 2007 sugeriu que um tempo de duplicação a cada dez anos era plausível e indicou que tal tempo de duplicação com uma contribuição do manto de gelo de 1 mm por ano para o nível do mar na década de 20052015 levaria a cumulativos cinco metros de aumento do nível do mar em 209547 Em 2016 os mesmos autores ao lado de outros colegas reafirmaram com mais dados os resultados de sua análise Nossa hipótese é de que a perda de massa do gelo mais vulnerável suficiente para aumentar o nível do mar em vários metros aproximase melhor de uma resposta exponencial do que de uma resposta linear Tempos de duplicação de dez vinte ou quarenta anos produzem aumentos de vários metros no nível do mar em cerca de cinquenta cem ou duzentos anos48 A elevação do nível do mar tornouse irreversível Já em seu Terceiro Relatório de Avaliação há pouco mais de vinte anos AR3 2001 o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas IPCC afirmava Projetase que o nível do mar continuará a se elevar por muitos séculos49 O IPCC é verdade não tem integrado a hipótese de aumento exponencial de Hansen e colegas em suas projeções de elevação do nível do mar No entanto em apoio a ela Mohsen Taherkhani e colegas mostram que as probabilidades de inundações extremas na linha costeira dobram aproximadamente a cada cinco anos no futuro50 Segundo as predições de Paul Voosen quando os níveis do mar atingirem 25 cm acima dos níveis de 2000 o que pode ser atingido já em 2040 inundações da linha costeira que ocorrem uma vez por século poderão ocorrer anualmente51 Scott Kulp e Benjamin Strauss do Climate Central projetam enfim que cerca de trezentos milhões de pessoas em seis países da Ásia vivem hoje em terrenos que serão inundados durante as marés altas em meados do século XXI algo impensável poucos anos atrás52 Como afirmam Robert DeConto e David Pollard Hoje estamos medindo a elevação do nível do mar em milímetros por ano Falamos de um potencial para medila em centímetros por ano apenas em decorrência do degelo da Antártida53 Apenas por causa do degelo da Antártida o nível médio do mar pode subir dezenas de centímetros ainda neste século A fratura do Thwaites o maior glaciar do mundo flutuante sobre o Mar de Amundsen na Antártida Ocidental é iminente Segundo os participantes de uma recente expedição à Antártida o Thwaites está realmente se segurando hoje pelas unhas e devemos esperar grandes mudanças em pequenas escalas de tempo no futuro mesmo de um ano para o outro54 Sua fratura desobstruirá o caminho para que imensas quantidades de gelo continental cheguem ao mar Segundo Erin Pettit se a plataforma de gelo oriental de Thwaites colapsar o gelo nesta região poderá fluir até três vezes mais rápido para o mar E se a geleira desabar completamente ela aumentará o nível do mar em 65 cm55 Na Antártida Oriental onde há pouco tempo não se detectava degelo e havia até mesmo aumento do gelo marítimo56 o colapso recente da plataforma de gelo Conger em meados de março de 2022 sob o impacto de temperaturas até 40ºC acima da média histórica marca o primeiro colapso de uma geleira nessa região mais fria do continente e é outro signo do que está por vir57 Tudo o que é possível fazer agora é desacelerar ao máximo esse processo antes que ele salinize deltas e aquíferos destrua as praias e em geral os ecossistemas costeiros torne inhabitável muitas cidades e ameace as usinas nucleares Isso só será possível se as sociedades priorizarem o desmatamento zero e a descarbonização da economia em suma se priorizarem a redução das concentrações atmosféricas de GEE Por ora porém essas concentrações estão aumentando aceleradamente A velocidade crescente do aumento das concentrações atmosféricas de dióxido de carbono CO2 é outro exemplo didático da dificuldade de compreender os desdobramentos das dinâmicas de aceleração Guy Stewart Callendar mal podia imaginar o alcance do que escreveu em 1939 É um lugarcomum a afirmação de que o homem é capaz de acelerar os processos da natureza O homem está agora mudando a composição da atmosfera a uma taxa que deve ser excepcional na escala do tempo geológico58 Isso repitase em 1939 Hoje como afirmava em 2017 Pieter Tans a taxa de crescimento das concentrações de CO2 na atmosfera na última década se deu entre cem e duzentas vezes mais rapidamente do que a Terra experimentou durante a transição da última idade do gelo cerca de 15 mil a 11700 anos antes do presente AP Esse é um choque real para a atmosfera59 Em 2020 uma declaração da Geological Society of London reconhece a singularidade dessa aceleração na escala do tempo geológico A velocidade atual do aquecimento e da mudança de CO2 induzida pelo homem é por assim dizer sem precedentes em todos os registros geológicos com a única exceção conhecida do evento meteorítico instantâneo que causou a extinção dos dinossauros não avíarios há 66 milhões de anos60 Matthias Aengenheyster e colegas expressam o mesmo consenso científico ao afirmar que o sistema Terra está atualmente em um estado de rápido aquecimento sem precedentes mesmo nos registros geológicos61 E mais uma vez estamos diante de uma dinâmica de aceleração entre 1960 e 1969 o aumento do CO2 atmosférico havia evoluído à taxa média anual de 085 partes por milhão ppm62 Nos seis anos entre 2015 e 2020 esse aumento ocorreu a uma taxa média anual de 255 ppm63 A velocidade do aumento dessas concentrações portanto triplicou em apenas meio século Já em 2013 quando as concentrações atmosféricas de CO2 haviam atingido 395 ppm sua taxa de aumento era considerada sem precedentes nos últimos 55 milhões de anos64 Em abril de 2021 elas atingiram 4212 ppm as mais altas dos últimos três milhões de anos sendo que as concentrações típicas do Holoceno 11700 AP até 1950 não excediam 280 ppm Como bem diz Ken Caldeira Estamos recriando o mundo dos dinossauros cinco mil vezes mais rápido65 Isso significa que a escala de tempo geológico colapsou na escala do tempo histórico de poucas décadas Em termos de nossa capacidade de perturbar coordenadas cruciais do sistema Terra dez anos de nossa história presente equivalem agora por assim dizer a séculos de nossa história pregressa 4 Até 2030 o consenso científico sobre o caráter decisivo deste decênio Tudo o que foi precedentemente afirmado sobre a especificidade do nosso tempo sobre a caracterização do processo de colapso em curso e sobre a dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração permite compreender melhor o alcance da frase de Will Steffen citada em epígrafe Ela resume a situação da humanidade hoje Estamos agora numa bifurcação Não teremos outra década para hesitar como fizemos na década passada Aos que ainda continuam a se fiar em mudanças incrementais em responsabilidade corporativa em mercados de carbono ou em balas de prata tecnológicas a afirmação precedente parecerá à primeira vista descabida pois não a vemos refletida na pauta das negociações diplomáticas nos programas partidários nos currículos escolares e universitários nas análises políticas e no receituário dos economistas Malgrado os esforços da coalizão jornalística Covering Climate Now criada em 201966 os jornais em geral não a estampam em suas manchetes ressaltese de resto que nenhum veículo da imprensa convencional brasileira aderiu a essa coalizão Os eleitores em sua esmagadora maioria desconhecem ou preferem ignorar a iminência do caos e em todo caso não orientam suas escolhas políticas pela percepção de que este decênio oferece a última oportunidade para se desviar da trajetória de um planeta crescentemente inabitável Escapa ainda às sociedades em geral a percepção da iminência de seu desastre Nem mesmo a maior parte dos atores engajados nas campanhas e debates em torno dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ODS ou da Convenção sobre Diversidade Biológica CDB se reconhece hoje num veredito tão extremo E no entanto ele exprime um consenso científico bem estabelecido O que se pretende mostrar a seguir é a força desse consenso bem como a resistência que lhe opõe a lógica do sistema econômico vigente defendida por seus ideólogos que poderíamos agrupar sob o termo de gradualistas Há mais de cinquenta anos a comunidade científica vem se mobilizando para comunicar às sociedades a inviabilidade crescente do regime energéticoalimentar vigente imposto pela economia da acumulação As primeiras manifestações da comunidade científica em 1972 os já citados Only One Earth Blueprint for Survival e Limites do crescimento assim como a World Cientists Warning to Humanity de 199267 eram apenas os primeiros passos dessa mobilização que dá um salto de radicalidade no segundo decênio do século XXI Em 2013 Anthony Barnosky e colegas publicaram o Scientific Consensus on Maintaining Humanitys Life Support Systems in the 21st Century Information for Policy Makers endossado por mais de 3700 assinaturas68 Em 2017 2020 e 2021 William Ripple e colegas publicaram três advertências sobre a emergência ambiental e climática subscritas por dezenas de milhares de cientistas de mais de 180 países69 Em 2021 seus signatários afirmaram Há um surto sem precedentes de desastres relacionados ao clima desde 2019 incluindo inundações devastadoras na América do Sul e no Sudeste Asiático recordes avassaladores de ondas de calor e incêndios florestais na Austrália e no oeste dos Estados Unidos uma temporada extraordinária de furacões no Atlântico e ciclones destruidores na África no Sul da Ásia e no Pacífico Ocidental Há também crescente evidência de que estamos nos aproximando ou já cruzamos pontos de inflexão associados a elementos críticos do sistema Terra incluindo as camadas de gelo da Antártida Ocidental e da Groenlândia recifes de coral tropicais e a floresta amazônica Diante desses desenvolvimentos alarmantes precisamos de atualizações rápidas frequentes e facilmente acessíveis sobre a emergência climática70 Os dois mais importantes coletivos científicos da atualidade a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos IPBES71 e o IPCC72 trabalham em conjunto para fornecer essas atualizações e ampliar a consciência do caráter decisivo do momento atual Em junho de 2021 um workshop conjunto dos dois órgãos ressalta um fato de importância transcendental Em cenários de aquecimento associados a pouco sucesso na mitigação do clima RCP 85 projetase uma ruptura abrupta da estrutura da função e dos serviços ecológicos nos sistemas marinhos tropicais até 2030 seguida pela ruptura das florestas tropicais e pelos sistemas de mais alta latitude até 205073 Analisando esse processo de fulminante degradação dos ecossistemas oceânicos Sylvia Earle excientistachefe da National Oceanic and Atmospheric Administration Noaa reitera o prognóstico desse workshop Eis onde estamos agora Eis os próximos dez anos com essa nova consciência dos problemas que criamos para nós mesmos e 2020 deveria ter sido o grande alerta Nós humanos temos de dar ouvidos às leis da natureza e enfrentar a realidade de que estamos causando nossa própria desgraça74 A ONU proclamou a Década da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável 20212030 Decade of Ocean Science for Sustainable Development numa tentativa de reverter o ciclo de declínio da saúde dos oceanos75 Para tanto outro coletivo científico a Intergovernmental Oceanographic Commission IOC criado em 1960 e coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura Unesco lançou o Plano de Implementação da Década do Oceano cuja função é propor a ciência que precisamos para o oceano que queremos À medida que o mundo enfrenta desafios globais como a pandemia de covid19 as mudanças climáticas e a erosão da biodiversidade há poucas dúvidas de que nossa saúde e bemestar dependem da saúde e da resiliência dos ecossistemas oceânicos Devemos tomar medidas para protegêlos agora76 Também para Johan Rockström diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research a perda atual de biodiversidade é tão fulminante que não se pode falar sequer de um prazo tão curto quanto um decênio para revertêla Estamos em um ponto tão perigoso no que se refere à perda de espécies e à destruição de ecossistemas na Terra que temos de deter a queda da biodiversidade o mais cedo possível É chegado o momento de estabelecer perda zero de biodiversidade como meta em 2021 ou 2022 em suma no início deste decênio Perda zero de natureza a partir de agora seria o equivalente a um 15ºC como aquecimento máximo permitido77 Essa avaliação ecoa a de Robert Watson Em uma conferência de imprensa em 2018 o exdiretor da IPBES denunciou as políticas dilatórias no combate à predação da biosfera O tempo para a ação era ontem ou anteontem Os governos reconhecem que temos um problema Agora precisamos de ação mas infelizmente a ação que temos não está no nível requerido Precisamos agir para deter e reverter o uso insustentável da natureza ou correr o risco não apenas de não termos o futuro que queremos mas de não termos a vida que levamos atualmente78 Em 2021 a International Coral Reef Society ICRS em colaboração com o Future Earth Coast o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Pnuma e o International Coral Reef Initiative lançou o relatório Rebuilding Coral Reefs A Decadal Grand Challenge A mensagem central desse documento é clara a sobrevivência dos corais depende claramente do que for feito neste decênio O próximo ano e a próxima década provavelmente oferecem a última chance para entidades internacionais regionais nacionais e locais para mudar a trajetória dos recifes de coral do colapso global a uma recuperação lenta mas constante79 É importante entender o que está em jogo aqui Embora cubram menos de 01 do leito oceânico os recifes de corais abrigam mais de um quarto de todas as espécies de peixes marinhos além de muitas outras espécies de animais marinhos afirma a União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN que adverte que 33 deles globalmente podem ser considerados ameaçados ou criticamente ameaçados80 Na abertura da 47ª reunião do G7 no Reino Unido em junho de 2021 foi a vez de David Attenborough soar o alarme sobre a última janela de oportunidade que o presente decênio ainda oferece O mundo natural hoje está muito diminuído Isso é inegável Nosso clima está esquentando rapidamente Não há dúvida a respeito Nossas sociedades e nações são desiguais e isso é tristemente notório Mas a questão que a ciência nos força a abordar especificamente em 2021 é se em decorrência da combinação desses fatos estamos prestes a desestabilizar todo o planeta Em caso afirmativo então as decisões que fizermos nesta década em particular as decisões feitas pelas nações economicamente mais avançadas são as mais importantes da história da humanidade81 Em 31 de outubro de 2021 em seu discurso proferido na seção de abertura da 26ª Conferência das Partes COP26 David Attenborough elevou ainda mais o tom É assim que nossa história deve terminar Uma história da espécie mais inteligente condenada por sua característica demasiado humana de não conseguir ver a realidade mais ampla na busca de objetivos de curto prazo Precisamos deter as emissões de carbono nesta década82 Se alguém ainda vê hipérboles nessas afirmações convém que preste atenção na linguagem empregada pelos cientistas do IPCC em seus relatórios e declarações recentes Ao apresentar em 2018 o relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global de 15C SR15 2018 Debra Roberts83 sublinhava a dimensão histórica transcendental dessa data As decisões que tomarmos hoje são críticas para assegurar um mundo seguro e sustentável para todos agora e no futuro Os próximos poucos anos serão provavelmente os mais importantes de nossa história84 No prefácio desse relatório Petteri Taalas secretáriogeral da Organização Meteorológica Mundial OMM e Joyce Msuya diretoraexecutiva do Pnuma afirmam Sem uma crescente e urgente ambição de mitigação nos próximos anos com uma queda acentuada nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 o aquecimento global ultrapassará 15C nas décadas seguintes levando à perda irreversível dos ecossistemas mais frágeis e a crises seguidas de crises para as pessoas e sociedades mais vulneráveis85 Como veremos nos capítulos 5 a 7 esse patamar de 15C será ultrapassado provavelmente já no presente decênio Uma pesquisa publicada por Will Steffen em 2018 à frente de uma equipe de outras quinze lideranças científicas enfatiza como a trajetória do sistema Terra pelos próximos milênios depende das decisões tomadas nos anos 2020 e 2030 As tendências e decisões sociais e tecnológicas que ocorrerão na próxima década 20212030 ou nas próximas duas décadas podem influenciar significativamente a trajetória do sistema Terra por dezenas a centenas de milhares de anos e potencialmente levar a condições que se assemelham a estados planetários vistos pela última vez há milhões de anos condições que seriam inóspitas para as sociedades humanas atuais e para muitas outras espécies contemporâneas86 Para Johan Rockström coautor do trabalho supracitado o presente decênio se tornou o tema central de um semnúmero de manifestações Em um TED Talk de 2020 intitulado justamente Dez anos para transformar o futuro da humanidade ou desestabilizar o planeta ele afirma Em outro TED Talk dez anos atrás falei sobre os limites planetários que mantinham o planeta num estado em que a humanidade podia prosperar Pensávamos realmente então ter mais tempo Os alertas estavam acesos claro mas ainda não se desencadeara nenhuma mudança irreversível Desde então há crescente evidência de estarmos rapidamente nos distanciando de uma zona de segurança para a humanidade na Terra O clima atingiu um ponto crítico global Corremos o risco de cruzar pontos de inflexão tipping points que levarão o planeta a deixar de ser nosso melhor amigo resiliente amortecendo nossos impactos para começar a trabalhar contra nós amplificando o aquecimento Pela primeira vez somos forçados a considerar que há um risco real de desestabilizar o planeta inteiro É preciso que os próximos dez anos até 2030 vejam a mais profunda transformação que o mundo jamais conheceu Essa é nossa missão Essa é a contagem regressiva87 Rockström voltou à carga em 2021 De acordo com a evidência que temos hoje minha conclusão é de que o que fizermos entre 2020 e 2030 será decisivo para o futuro da humanidade na Terra O futuro não está determinado O futuro está em nossas mãos O que acontecerá no próximo século será determinado pelo modo como jogarmos nossas cartas neste próximo decênio88 Acerca da necessidade de reduzir as emissões de GEE pela metade até 2030 em relação aos níveis de 2010 Alok Sharma presidente da COP26 adotou a mesma linguagem Este é nosso momento Esta é a década decisiva Se não conseguirmos isso exatamente agora receio que as coisas ficarão muito sombrias para as gerações futuras Não temos trinta anos temos na realidade menos de dez anos para acertar89 Sharma ecoava em junho de 2021 a advertência de sir David King que trabalhou para o governo britânico como conselheiro científicochefe 20002007 e como representante especial para as mudanças climáticas 20132017 Em outubro de 2018 por ocasião do Clean Growth Innovation Summit ele se referiu ao terceiro decênio do século como o momento divisor de águas em todo o arco da civilização humana A humanidade está diante do mais sério desafio de sua história O tempo não está mais do nosso lado O que continuarmos a fazer o que inovarmos e o que planejarmos fazer nos próximos dez ou doze anos determinará o futuro da humanidade nos próximos dez mil anos90 Dois artífices do Acordo de Paris Christiana Figueres e seu assessor político Tom RivettCarnac publicaram em 2020 um livro de grande impacto The Future We Choose Surviving the Climate Crisis cuja introdução tem por título como já esperado A década crítica Duas datas 2030 e 2050 resumem seu teor Até 2050 no mais tardar e idealmente até 2040 será necessário emitir apenas a quantidade de GEE que a Terra pode absorver naturalmente através de seus ecossistemas um equilíbrio conhecido como emissões líquidas zero ou neutralidade de carbono Para atingir essa meta cientificamente estabelecida nossas emissões globais de GEE devem estar claramente em declínio no início dos anos 2020 e reduzidas em ao menos 50 até 2030 A meta de reduzir as emissões pela metade até 2030 representa o mínimo absoluto a ser alcançado se quisermos ter pelo menos 50 de chances de proteger a humanidade dos piores impactos Estamos na década crítica Não é exagero dizer que o que fizermos em relação às reduções de emissões até 2030 determinará a qualidade da vida humana neste planeta por centenas de anos se não mais Se não reduzirmos nossas emissões pela metade até 2030 é altamente improvável que consigamos reduzir as emissões pela metade a cada década até chegarmos a zero líquido em 205091 O manifesto sobre a emergência climática lançado em 2018 por setecentos cientistas franceses reafirma quanto o longo prazo depende crucialmente do curto prazo Apenas mudanças imediatas e engajamentos em curto prazo no âmbito de objetivos claros e ambiciosos no horizonte de 2030 podem nos permitir enfrentar o desafio climático Este nos ensina que o longo prazo depende de decisões no curto prazo as quais permitirão às gerações futuras não precisar se resignar ao pior92 Toby Ord é igualmente certeiro ao observar que a ausência atual de radicalidade no combate à emergência climática pode implicar um círculo vicioso de aquecimentos futuros capazes de destruir o potencial da humanidade Contrariamente a muitos outros riscos avaliados a preocupação central aqui ie a emergência climática não é a possibilidade de encontrar nosso fim neste século e sim a possibilidade de que nossas ações agora possam tornar inevitável esse desastre no futuro Se for assim podemos já estar vivendo o tempo de nossa catástrofe existencial o tempo no qual o potencial da humanidade é destruído Se há uma séria chance de que isso ocorra então a ameaça das mudanças climáticas pode ser ainda mais importante do que lhe é tipicamente reconhecido93 Seria de pouco proveito alinhar ainda outras citações de cientistas e coletivos científicos pois a percepção de que estamos no decênio decisivo de nossa história é além de consensual na comunidade científica já largamente compartilhada ao menos em seus discursos por protagonistas do sistema político global e do mundo corporativo Particularmente atento à ciência António Guterres atual secretário geral da ONU adverte incessantemente sobre a necessidade de cessar a guerra contra a natureza Em seu discurso proferido na seção inaugural da COP26 ele denunciou o gradualismo prevalecente e martelou com força redobrada a necessidade de reduzir as emissões globais de GEE em 45 até 2030 no contexto de um discurso sobre a extinção dos humanos É hora de dizer basta Basta de brutalizar a biodiversidade Basta de nos matar com carbono basta de tratar a natureza como uma latrina basta de queimar perfurar e minerar para nos afundar ainda mais nesse caminho Estamos cavando nossas próprias sepulturas Os anúncios recentes de mitigação podem dar a impressão de estarmos a caminho de mudar as coisas Isso é uma ilusão94 5 Um abismo separa o capitalismo das políticas de sobrevivência Se alguém ainda tem dúvidas sobre o caráter decisivo deste decênio para o destino de nossas sociedades os dados coligidos e as análises propostas ao longo deste livro bastarão espero para dissipálas Isso posto meu propósito maior aqui não é apenas sublinhar o fato de estarmos vivendo o momento mais crucial da história da humanidade É também e sobretudo dar maior visibilidade e ressaltar a convergência entre esse ensinamento da ciência e o dos movimentos sociais sobretudo dos jovens dos povos originários dos pequenos e médios agricultores da agroecologia dos vegetarianos dos negros e das feministas pelo clima das periferias das grandes cidades e em geral dos setores mais espoliados estigmatizados e marginalizados das sociedades Esses não são setores sociais são a grande maioria da população humana mas são também os invisíveis os que os algoritmos dos mercados e das redes desconsideram por não existirem como consumidores São é claro as primeiras vítimas do mundo degradado pela mercadoria como tratado no Capítulo 8 seção 82 mas justamente por olharem de fora esse mundo que os ignora é que têm algo de único a ensinar Eis o núcleo desse ensinamento o capitalismo globalizado e isso inclui as sociedades que se qualificam como socialistas é incompatível i com a estabilidade do sistema climático ii com a salvaguarda da biodiversidade iii com um sistema produtivo e alimentar de baixo impacto ambiental iv com a saúde física e mental dos organismos v com a imprescindível minimização da geração de resíduos vi com a diminuição da desigualdade e vii com uma governança política global pacífica e democrática Demonstrar de todas as formas possíveis a incompatibilidade constitutiva entre o capitalismo e essas sete condições de possibilidade de nossa sobrevivência é o objetivo de cada página deste livro O que por ora importa sublinhar é que quanto mais amplos os dados e mais consolidado se torna o consenso científico sobre a aceleração dos desequilíbrios planetários mais o capitalismo globalizado revela a engrenagem exterminadora e a monstruosidade moral que se tornou Pois não é tanto a excepcionalidade da guerra mas o funcionamento normal e perfeitamente consciente de seus danos da economia globalizada que solapa as condições de existência dos seres vivos e isso de modo fulminante e em escala ainda maior do que as guerras tecnológicas dos séculos XX e XXI Se as sociedades pretendem conservar as condições socioambientais que permitem sua existência é chegado o momento de se empenharem na construção de outra civilização com todos os riscos e custos implicados nesse empenho O fim dos subsídios e a imposição de taxas relevantes aos combustíveis fósseis e os esforços diplomáticos para reduzir as emissões de GEE e para zerar o desmatamento são iniciativas obviamente necessárias Mas os que persistem em crer que negociações diplomáticas de gabinete e soluções de mercado ainda podem evitar o pior sabotam o bem comum ou no afã de se enganarem sua própria inteligência Os governantes nunca deixaram de mostrar sua determinação de governar para a elite econômica e para a manutenção dessa economia da destruição Em janeiro de 2021 Joe Biden declarou É chegado o momento de tratar com maior senso de urgência essa ameaça máxima que nos confronta a mudança climática Por isso estou assinando hoje uma ordem executiva para enfrentar a ameaça existencial das mudanças climáticas Essa é uma ameaça existencial95 O valor dessas palavras se mede pelo fato de que em janeiro de 2022 Biden já havia superado Trump na emissão de licenças de extração de petróleo em terras públicas96 em março de 2022 Biden abriu ao mercado as reservas estratégicas de petróleo de seu país à taxa sem precedente histórico de um milhão de barris por dia ao longo de seis meses censurando ademais a indústria de combustíveis fósseis dos Estados Unidos por não aproveitar as nove mil licenças já aprovadas de exploração desses combustíveis97 Em abril de 2022 enfim sua administração decidiu retomar os leilões de licenças para exploração de petróleo e gás em 58 mil hectares de terras públicas federais em nove estados contrariando uma de suas mais explícitas promessas de campanha Em um de seus comícios por exemplo em fevereiro de 2020 Biden exclamara E a propósito chega de exploração de petróleo e gás em terras federais pontofinal Pontofinal Pontofinal Pontofinal And by the way no more drilling on federal lands period Period period period98 A invasão da Ucrânia ofereceulhe uma oportunidade de ouro para tentar suplantar a Rússia no fornecimento global de combustíveis fósseis algo evidentemente mais importante para as elites e para a indústria de combustíveis fósseis do que qualquer ameaça à nossa existência A despeito da ferocidade de seus conflitos Biden Putin e os governos do G20 em geral responsáveis por 80 das emissões globais de GEE comandam em conjunto de resto bastante harmoniosamente o processo em curso de colapso socioambiental É preciso portanto deslegitimálos Isso implica para as sociedades para nós todos a necessidade impreterível de se insurgir contra o sistema político e econômico vigente que não nos representa pois não prioriza nosso direito elementar à simples existência nesse planeta Contribuir para essa insurreição é o papel de todos os cidadãos da grande República de Gaia a qual precisamos construir democraticamente sobre os escombros dos Estados nacionais É preciso abrirse ao ensinamento de Greta Thunberg por exemplo quando afirmava na COP24 em 2018 acerca do sistema econômico global Se é tão impossível achar soluções no interior deste sistema talvez devêssemos mudar o próprio sistema99 Mudálo em que sentido O socialismo do século XX fracassou Tratase de compreender a extensão e as razões desse fracasso aprender com elas e ir muito além dessa experiência pois os ideais de justiça social que suscitaram o socialismo permanecem mais vivos e legítimos que nunca Os que procuram confundir esses ideais com as atrocidades e infâmias cometidas em seu nome apenas se encastelam em pretextos para perpetuar seus próprios privilégios Esses ideais se renovam hoje na forma de um ecossocialismo ou de uma socialecologia em suma de uma ecodemocracia Ao longo do livro e em particular no Capítulo 11 tentarei sugerir alguns parâmetros das rupturas civilizacionais requeridas para a conquista de uma política e de uma sociedade da sobrevivência Mas convém desde logo repisar os oito princípios basilares sobre os quais ela se assenta 1 redução emergencial das diversas desigualdades entre os membros da espécie humana 2 diminuição do consumo humano de materiais e de energia 3 extensão da ideia de sujeito de direito às demais espécies à biosfera e às paisagens naturais 4 restauração e ampliação das reservas naturais e das reservas indígenas a serem consideradas como santuários inacessíveis aos mercados globais 5 desmantelamento da economia global e transição para uma civilização descarbonizada 6 desglobalização do sistema alimentar e sua transição para uma alimentação baseada em nutrientes vegetais 7 o arcabouço jurídico internacional vigente deve superar o axioma da soberania nacional absoluta em benefício de uma soberania nacional relativa 8 a aceleração da transição demográfica aumenta as chances de sucesso das rupturas acima enunciadas Esses oito princípios constituem a meu ver a moldura de referência de um programa de ação política concreta que caberá às sociedades coletivamente formular e desenvolver Ele não será realizado obviamente neste decênio crucial mas se até 2030 não tivermos avançado significativamente em sua direção teremos com toda a probabilidade perdido o último decênio para agir de modo a evitar o pior E o pior começa pela catástrofe de um aquecimento médio superficial global acima ou muito acima de 2C em relação ao período préindustrial que pode ser atingido antes de meados do século O que formos capazes de realizar nos próximos anos para criar uma democracia global apta a superar os padrões e as expectativas atuais de crescente consumo energético de aniquilação biológica e de unilateralismo nacionalista decidirá o potencial e mesmo o destino da civilização humana Mantida a atual trajetória não se exclui mais que esse destino seja o mesmo que o de milhares de outras formas de vida a que o sistema econômico globalizado está hoje condenando Parte I 3 A necessidade de preparar alimentos com técnicas que permitem o aumento do prazo de conservação das refeições e a criação de pratos diferenciados para a sobrevivência estimulou a criação de receitas culinárias utilizando processos e técnicas de conservação que resultaram nos alimentos enlatados A ruptura impreterível no sistema alimentar A aniquilação biológica A biodiversidade a diversidade nas espécies entre espécies e dos ecossistemas está diminuindo mais velozmente do que em qualquer outro momento da história humana IPBES1 O futuro da vida na Terra e do bemestar humano depende das ações que tomarmos para reduzir a extinção de populações e espécies nas próximas duas décadas Gerardo Ceballos Paul Ehrlich2 Tal como a emergência climática e de modo igualmente perigoso a aniquilação em curso da biodiversidade age de modo sistêmico na desestabilização do sistema Terra Esses dois fatores estão intimamente interligados e são as ameaças mais cruciais à habitabilidade do planeta seja por sua ação direta e suas sinergias seja por seus impactos irreversíveis Os sete capítulos iniciais deste livro dedicamse à análise dessas duas ameaças de suas interações e de seus impactos presentes e futuros a curto prazo No último meio milênio com forte ênfase nos últimos setenta anos vêm se desenvolvendo no planeta os estágios iniciais do sexto evento maior de extinção em massa de espécies desde o final do Ordoviciano3 Ao contrário das cinco anteriores a grande extinção em curso não foi deflagrada por um desastre natural cósmico ou tectônico Tratase da primeira grande extinção de caráter antropogênico na história da vida em nosso planeta4 Mantida a atual trajetória ela pode erradicar três quartos das espécies hoje existentes Ressurge aqui mais uma vez a questão do decênio decisivo pois como afirma Anthony Barnosky da Stanford University A melhor maneira de imaginar a sexta extinção em massa é olhar para fora e então imaginar que três em cada quatro espécies que eram comuns desapareceram Temos essa janela de oportunidade muito curta dez a vinte anos para fazer um progresso significativo Porque caso contrário teremos descido fundo demais nessa trajetória para que ainda seja possível revertêla5 A causa primeira dessas perdas de vida selvagem é a antropização de seus habitats vale dizer a supressão e a degradação de dezenas de milhões de quilômetros quadrados de florestas e de outros habitats selvagens em todas as latitudes do planeta Essa causa tem sido ressaltada de modo reiterado e mais recentemente pela mais importante avaliação do estado atual da biodiversidade proposta em maio de 2019 pela IPBES 75 da superfície da Terra não coberta de gelo está significativamente alterada 66 da área oceânica está sofrendo impactos crescentes e cumulativos e mais de 85 das áreas úmidas foram perdidas6 Como veremos adiante seção 14 são muitas as avaliações da envergadura e da velocidade crescente da eliminação e degradação das coberturas vegetais primárias em diversos períodos considerados desde o início do Holoceno 11700 anos antes do presente AP O que importa desde logo frisar antes da apresentação dos dados é que esse processo é em última instância uma aceleração da Terra em direção ao equilíbrio termodinâmico ou seja em direção a um planeta desprovido do potencial único de síntese e armazenamento energético das plantas Como afirmam John Schramski David Gattie e James Brown A Terra é uma bateria química onde ao longo do tempo evolutivo com uma carga lenta de fotossíntese usando energia solar bilhões de toneladas de biomassa viva foram armazenadas em florestas e outros ecossistemas e em vastas reservas de combustíveis fósseis As leis da termodinâmica que regem a carga residual e a descarga rápida da bateria da Terra são universais e absolutas Com o rápido esgotamento dessa energia química a Terra está voltando ao equilíbrio inóspito do espaço sideral com desdobramentos fundamentais para a biosfera e a humanidade7 Desde o Arqueano talvez mais precisamente entre 34 bilhões e 29 bilhões de anos atrás 8 organismos aptos a realizar fotossíntese começaram gradualmente a converter energia solar difusa de baixa qualidade em energia química de alta qualidade O sistema econômico vigente globalizado inerentemente expansivo e de alto e crescente dispêndio energético está descarregando essa bateria a uma velocidade vertiginosa No ano 1 dC estimam os autores a Terra continha cerca de um trilhão de toneladas de carbono em biomassa viva o equivalente a cerca de 35 zettajoules 1 zj 10²¹ joules de energia química principalmente na forma de árvores nas florestas Em 2000 os humanos reduziramna em 45 para cerca de 550 bilhões de toneladas 1 bilhão de toneladas 1 gigatonelada de carbono na biomassa ou 192 zj sendo 11 esgotados apenas desde 19009 Esses cálculos são coincidentes com os de Thomas Crowther e colegas segundo os quais o número de árvores desde o início das civilizações humanas caiu quase pela metade 46 e segue diminuindo rapidamente hoje mais de quinze bilhões de árvores são derrubadas anualmente10 A invasão e a destruição das florestas e demais biomas pelo sistema econômico globalizado levaram desde os anos 1970 ao atual estado de ultrapassagem overshoot Isso significa que o modelo econômico vigente opera agora como se pudesse dispor de uma área 73 maior do que a do nosso planeta com crescente contração e degradação da biosfera11 A destruição da natureza pelo sistema econômico é um processo ao mesmo tempo criminoso imoral e estúpido cujo absurdo foi posto em evidência por Edward O Wilson Destruir uma floresta tropical para obter ganho econômico é como queimar uma pintura do Renascimento para cozinhar uma refeição12 Não uma pintura mas museus inteiros da biosfera estão sendo queimados nesse processo Sobre suas cinzas objetos manufaturados já nascem como lixo ou se amontoam na antessala do lixo No Capítulo 8 seção 83 discutiremos um trabalho publicado por Emily Elhacham e colegas sobre a superação da biomassa do planeta pela massa antropogênica medidas ambas em unidades de teratoneladas Tt um trilhão de toneladas 10¹⁸ gramas de peso desidratado13 Há ao menos três pontos essenciais a reter desse trabalho no que se refere a essa prevalência do antropogênico sobre o natural 1 a massa antropogênica cresceu explosivamente no século XX duplicando recentemente a cada vinte anos Em 1900 ela era de menos de 01 Tt representando então apenas 3 da biomassa viva plantas animais e microrganismos Por volta de 2020 essa massa antropogênica superou ou está em vias de superar a biomassa viva do planeta 2 hoje todas as plantas da Terra pesam cerca de 1 Tt vale dizer metade de sua massa no início do Holoceno 11700 anos ap 3 mantida a trajetória atual em 2040 a massa antropogênica pesará o triplo da biomassa viva planetária Não por acaso Matthew Canfield e colegas qualificam como cataclísmica a perda em curso de biodiversidade14 Rodolfo Dirzo e colegas falam em defaunação15 James Watson e colegas falam em declínio catastrófico de áreas pouco ou não antropizadas wilderness16 Daniel Pauly fala em destruição ecológica referindose especificamente à biodiversidade marinha17 e ao menos três trabalhos publicados entre 2015 e 2020 por Gerardo Ceballos Anne H Ehrlich e Paul R Ehrlich Peter Raven e novamente Rodolfo Dirzo designam o processo em curso e em aceleração pelo termo adotado neste capítulo aniquilação biológica18 11 Extinções e contrações populacionais de espécies Essa contração da biomassa viva do planeta e da biodiversidade19 sob o peso das atividades econômicas e da proliferação poluidora da massa antropogênica refletese no já referido relatório de avaliação do estado atual da biodiversidade lançado em 2019 pela IPBES20 Ressoa nele um grito de alarme um milhão de espécies ou 125 dos cerca de oito milhões de espécies eucariotas existentes segundo as últimas estimativas estão hoje em trajetória de extinção e muitas podem se extinguir em décadas As ações humanas agora ameaçam de extinção global mais espécies do que nunca Em média cerca de 25 das espécies nos grupos de animais e plantas avaliados estão ameaçadas o que sugere que aproximadamente um milhão já correm risco de extinção e muitas podem desaparecer em décadas a menos que se tomem medidas para reduzir os fatores que impulsionam a perda de biodiversidade Sem essa ação haverá uma nova aceleração na taxa global de extinção de espécies que já é pelo menos dezenas a centenas de vezes maior do que a média nos últimos dez milhões de anos21 Outros modelos de avaliação dos registros fósseis sugerem que a taxa atual global de extinção de espécies em geral pode ser ainda maior que a reportada pela IPBES22 Nos anos 1990 as estimativas das taxas atuais de extinção oscilavam entre cem e mil vezes acima da taxa de base inferida por esses registros23 Em 2005 o Millennium Ecosystem Assessment24 estimava uma taxa de extinções de espécies mil vezes superior à taxa de base e projetava que em 2050 a taxa de extinção viria a ser mais de uma ordem de grandeza maior que as taxas atuais isto é uma taxa pelo menos dez mil vezes maior que a taxa de base Edward O Wilson e os cientistas do BirdLife International cujas estimativas não se restringem às aves admitiram taxas atuais de extinção até dez mil vezes acima da taxa de base25 Em 2014 Jurriaan de Vos e colegas propuseram um número nessa mesma ordem de grandeza baseados em estimativas de um número menor de extinções da taxa de base Uma medidachave do impacto global da humanidade é o quanto as taxas de extinção de espécies aumentaram Declarações usuais são de que essas taxas são cem a mil vezes maiores que as taxas de extinção préhumana ou taxas de base Pesquisadores anteriores optaram por uma referência aproximada de uma extinção por milhão de espécies por ano Concluímos que tipicamente as taxas de base de extinção podem ser próximas a 01 extinção por milhão de espécies por ano Assim as taxas de extinção atuais são mil vezes mais altas do que as taxas de base de extinção e as taxas futuras provavelmente serão dez mil vezes mais altas26 Mais importante talvez que essas diferenças entre as taxas atuais de extinção e as taxas de base sejam elas quais forem é a avaliação dos números absolutos proposta por Rodolfo Dirzo e coautores da mencionada revisão de 2014 Adotando uma estimativa conservadora de cinco milhões a nove milhões de espécies animais no planeta estamos provavelmente perdendo cerca de onze mil a 58 mil espécies anualmente No entanto essa hipótese não considera extirp ações populacionais e declínios na abundância animal dentro das populações27 Milhares ou dezenas de milhares de espécies extintas a cada ano mostram claro está apenas o começo pois sendo a biosfera composta por espécies interdependentes a cada espécie perdida mais frágil e esgarçada se torna a teia de sustentação da vida e mais o processo de extinções em massa pode se acelerar Segundo a IPBES mais de quinhentas mil ou seja cerca de 9 das 59 milhões de espécies terrestres não têm mais habitat suficiente para sobrevivência no longo prazo e estão portanto condenadas à extinção muitas delas no horizonte de décadas a menos que seus habitats sejam restaurados28 Também de acordo com a IPBES as ações humanas já levaram à extinção ao menos 680 espécies de vertebrados desde 150029 Isso significa que essas extinções registradas de vertebrados vêm ocorrendo à taxa média de 13 espécie por ano desde o século XVI o que segundo uma estimativa conservadora representa mais de quinze vezes a taxa de base desde o fim do Cretáceo30 A última atualização versão 20212022 da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN propõe que em torno de novecentas espécies já estão documentadamente extintas entre vertebrados e invertebrados31 Entre as espécies mais icônicas declaradas extintas nos últimos anos estão a tartarugagigantedegalápagos Chelonoidis niger o rinocerontenegroocidental Diceros bicornis o pássaro limpafolhadonordeste Philydor novaesi a focamongedocaribe Monachus tropicalis o golfinho Baiji do YangTsé Lipotes vexillifer a coruja caburédepernambuco Glaucidium mooreorum a ararinhaazul Spixs macaw ou Cyanopsitta spixii a rana venenosa Oophaga speciosa entre muitas outras Apenas em 2021 22 espécies de animais e uma espécie de planta foram declaradas extintas nos Estados Unidos entre as quais o picapaubicodemarfin ivorybilled woodpecker ou Campephilus principalis32 Como mencionado no Prefácio segundo a última avaliação da IUCN 28 das espécies mais de 38500 entre as 138300 avaliadas correm risco de extinção Essas espécies ameaçadas se distribuem nos grupos taxonômicos indicados na Tabela 11 Tabela 11 Lista Vermelha da IUCN das espécies ameaçadas de extinção entre as 138300 avaliadas Anfíbios Mamíferos Aves Tubarões e raias Recifes de corais Crustáceos selecionados Coníferas 41 26 13 37 33 28 34 Fonte IUCN The IUCN Red List of Threatened Species version 20221 Disponível em httpswwwiucnredlistorg Em nenhum grupo de animais a ameaça de extinção é tão grave e evidente quanto na classe dos Amphibia composta de cerca de sete mil espécies conhecidas 7273 em maio de 201433 6409 das quais avaliadas pela IUCN Embora tenham sobrevivido a múltiplas extinções em massa o declínio abrupto de sua população nos últimos vinte a quarenta anos ocorre em uma escala jamais vista afirmam Philip J Bishop e coautores de um trabalho publicado em 201234 Se hoje 26 das espécies de mamíferos correm risco de extinção até 2050 esse risco pode atingir um terço dessas espécies segundo o World Wide Fund for Nature WWF Quanto às aves das 11121 espécies catalogadas ao menos 40 3967 espécies mostram populações em declínio desde 1998 data da primeira avaliação global abrangente realizada pela BirdLife International Três espécies de aves foram declaradas extintas desde 200035 Entre os répteis Neil Cox e colegas seguindo os mesmos critérios da IUCN mostraram que pelo menos 1829 de 10196 espécies 211 estão ameaçadas Os répteis são ameaçados pelos mesmos fatores principais que ameaçam outros tetrápodes agropecuária extração de madeira desenvolvimento urbano e espécies invasoras embora a ameaça representada pelas mudanças climáticas permaneça incerta36 Segundo os autores desde 1500 31 espécies de répteis já foram extintas e quarenta espécies estão provavelmente extintas isto é têm ainda uma pequena chance de possuir indivíduos remanescentes Espécies criticamente ameaçadas As espécies consideradas pela IUCN como criticamente ameaçadas critically endangered são as que se encontram potencialmente na antessala da extinção A Tabela 12 p 72 mostra em termos absolutos a evolução do número dessas espécies segundo sua distribuição taxonômica em três momentos da Lista Vermelha da IUCN 1998 2018 e 2021 A comparação entre esses três períodos não deve ser considerada em si mesma um indicador seguro de uma tendência ao aumento das espécies em condição crítica pois reflete um aumento no número de espécies avaliadas e também eventuais aperfeiçoamentos da coleta de dados Isso posto ela mostra um aumento desproporcionalmente maior que o aumento do número de espécies avaliadas nesse período 19982021 e sobretudo um salto alarmante de 497 no número de espécies nessa condição crítica no pequeno intervalo de tempo entre 2018 e 2021 O número de espécies de insetos criticamente ameaçadas multiplicouse por 92 entre 1998 e 2021 e aumentou 36 apenas entre 2018 e 2021 Dos insetos trataremos adiante no âmbito dos impactos provocados pelos agrotóxicos seções 18 e 19 É importante desde já assinalar em todo caso que seu declínio atual é um dos aspectos centrais dos alarmes reiterados por diversos cientistas conseguiu crescer lentamente de 8 Mt em 1950 para 22 Mt em 2010 como mostra a Figura 12 p 80 4 os dados reportados à FAO incluem apenas a pesca efetivamente desembarcada nos portos landings e não os descartes em mar efetuados sobretudo pela pesca industrial estimados pelos autores em 27 Mt 10 Mt por ano 5 a indústria pesqueira vinha e vem avançando cada vez mais nos estoques de peixes das zonas marítimas dos países pobres A China por exemplo tem sido repetidamente acusada por diversos países africanos e recentemente por Serra Leoa de superexplorar os pescadores artesanais e de pesca ilegal não regulamentada e não declarada IUU illegal unregulated and unreported em suas águas66 Porém mesmo quando essa pesca é licenciada pelos países africanos em troca de pagamento de royalties mais da metade da pesca nas costas da África Ocidental realizada pelos países da União Europeia China e Rússia é considerada sobrepesca67 Figura 12 Reconstrução do volume global de pesca industrial e artesanal entre 1950 e 2010 em milhões de toneladas Mt Fonte Daniel Pauly Dirk Zeller Catch Reconstructions Reveal that Global Marine Fisheries Catches Are Higher than Reported and Declining Nature Communications v 7 19 jan 2016 fig 4 Ano Perdas em Mha 2002 266 2003 249 2004 34 2005 333 2006 281 2007 29 2008 271 2009 28 2010 33 2011 275 2012 36 2013 264 2014 359 2015 293 2016 613 2017 5 2018 365 2019 375 2020 421 Total 6465 Fonte Mikaela Weisse Elizabeth Goldman Forest Loss Remained Stubbornly High in 2021 World Resources Institute Global Forest Watch sd Disponível em httpsresearchwriorggfrforestpulse Figura 16 Perdas brutas anuais e médias trienais de cobertura arbórea primária nos Trópicos entre 2002 e 2020 em milhões de hectares Mha Fonte Our World in Data Pesticides Average Pesticide Application per Unit of Cropland Measured in Kilograms per Hectare sd Disponível em httpsourworldindataorggrapherpesticideuseperhectareofcroplandtimelatest Esses dados são consistentes com o relatório produzido em 2021 pelo Policy Department for External Relations do Parlamento Europeu segundo o qual o Brasil e a Argentina estão hoje na categoria dos países que utilizam entre 312 e 704 quilos de agrotóxicos por hectare de plantação149 Embora a China ainda use mais que o dobro de agrotóxicos por hectare plantado do que o Brasil nenhum país do mundo multiplicou o uso de agrotóxicos por um fator de 67 em apenas 28 anos 088 para 595 quiloshectare como ocorreu aqui A Figura 17 p 105 mostra a evolução do número de registros de agrotóxicos licenciados para comercialização pelo governo federal brasileiro Ministério da Agricultura Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa e Ibama entre 2005 e 2020 Como é possível observar entre 2005 e 2007 o número de novos registros de agrotóxicos mais que duplicou até se estabilizar entre cem e pouco mais de 150 novos produtos licenciados por ano A partir de 2015 consumada a capitulação do governo de Dilma Rousseff às pressões do agronegócio o número de novos registros explode e mais que triplica até 2020 Pedro Grigori mostra que quase um terço dos mais de três mil agrotóxicos comercializados no Brasil recebeu registro durante os dois anos de governo Bolsonaro e o segundo ano de seu mandato terminou com 493 novos agrotóxicos superando o recorde de 2019 Em 2020 foram licenciados cinco novos princípios ativos dinotefuram piroxasulfone tiencarbazona fenpirazamina e tolfenpirade usados na formulação de treze novos agrotóxicos sendo o tolfenpirade considerado altamente tóxico pela Anvisa Os agrotóxicos produzidos pela China foram os que mais receberam esses novos registros Figura 17 Evolução dos registros de agrotóxicos licenciados para comercialização no Brasil entre 2005 e 2020 Fonte Simon Evans Which Countries Are Historically Responsible for Climate Change Carbon Brief 5 out 2021 Disponível em httpscarbonbrieforganalysiswhichcountries arehistoricallyresponsibleforclimatechange Já em 1900 segundo o levantamento do Carbon Brief países agrários como Argentina Brasil e Índia ocupavam respectivamente a oitava nona e a décima posições entre os dez países com mais emissões cumulativas do planeta Em 1948 a industrialização do Brasil começava apenas a engatinhar Mas o avanço da fronteira agropecuária já havia destruído grande parte do 136 milhão de quilômetros quadrados Mkm2 de Mata Atlântica7 Tal é a razão pela qual o país ocupava a quinta posição entre os países que mais haviam emitido CO2 logo atrás de dois pioneiros da industrialização o Reino Unido e a Alemanha terceira e quarta posições respectivamente E em 2021 países agrários e industrializados competem pelas primeiras posições entre os vinte países com maiores emissões cumulativas desde 1850 O Brasil se apresenta em quarto lugar com 5 das emissões cumulativas totais desde 1850 A Indonésia ocupa a quinta posição com 4 dessas emissões Ambos os países somados respondem por quase metade da fatia de A Figura 26 mostra que as emissões causadas pela pecuária somam 30 das emissões totais de metano 27 provenientes da atividade entérica dos rebanhos Tratase de uma contribuição mais de quatro vezes superior que a das emissões provenientes dos arrozais e substancialmente equivalente à das fontes de emissão de metano provenientes dos combustíveis fósseis e da mineração de carvão 33 Em termos absolutos em 2020 as emissões totais de CH4 somaram 9390 Mt CO2e dos quais 2535 Mt CO2e provieram da atividade entérica dos rebanhos 27 e 281 Mt CO2e da gestão dos dejetos desses rebanhos 3 A Figura 27 p 129 compara as emissões totais de CH4 em 2020 com as emissões projetadas para 2030 em milhões de toneladas de CO2e Mt CO2e segundo suas diversas fontes Elas devem aumentar então cerca de 9 para 10220 Mt CO2e com aumento proporcional das emissões por atividade entérica dos rebanhos Figura 27 Estimativas de emissões totais de metano segundo suas diversas fontes em 2020 e projeções para 2030 em milhões de toneladas de CO2 equivalente Mt CO2e Fonte Environmental Protection Agency EPA Global Anthropogenic NonCO2 Greenhouse Gas Emitions 19902030 dez 2012 Conforme mostra a Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa Seeg de 2020 Em 2019 as emissões do setor de agropecuária brasileiro totalizaram 5987 milhões de toneladas de CO2 equivalente t CO2e um aumento de 11 em relação ao ano de 2018 O subsetor que mais contribuiu com as emissões totais 611 foi a fermentação entérica nome dado ao processo de digestão de celulose no rúmen de animais como bovinos que emitem metano o popular arroto do boi Bovinos de corte e leite respondem por 97 das emissões por fermentação entérica39 A Figura 28 p 129 mostra a contribuição das emissões de metano pelo gado bovino no cômputo das emissões totais da agropecuária no Brasil Figura 28 Emissões de GEE da agropecuária brasileira por subsetor entre 1970 e 2019 em milhões de toneladas de CO2e Fonte Igor Albuquerque et al Seeg 8 Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas de clima no Brasil 19702019 Brasília Observatório do Clima 2020 p 14 Figura 29 Trajetórias das exportações globais de soja Fonte Marcello De Maria et al Global Soybean Trade The Geopolitics of a Bean UK Research and Innovation Global Challenges Research Fund UKRI GCRF Trade Development and the Environment Hub 2020 Os portos dos países exportadores nas Américas e dos países importadores China Europa Oriente Médio estão situados a distâncias que atingem até vinte mil quilômetros Tratase portanto de um comércio superlativamente emissor de GEE em termos absolutos e por unidade de valor comercializado O comércio marítimo é hoje responsável por cerca de 3 das emissões globais de GEE mas as projeções indicam que na ausência de ação climática o setor marítimo internacional poderá representar 17 das emissões globais de CO2 em 205044 A única ação climática consequente nesse caso implica uma nova concepção de alimentação ao mesmo tempo local e baseada em nutrientes vegetais 26 Ineficiência energética do consumo de carne Um grupo de pesquisadores coordenado por Alice Rosa comparou os impactos ambientais entre as dietas onívoras vegetarianas e veganas em relação a emissões de carbono consumo de água e pegada ecológica Eles examinaram a alimentação de 153 italianos adultos 51 onívoros 51 ovolactovegetarianos e 51 veganos considerando a variabilidade interindividual no interior de cada grupo ao longo de sete dias num contexto de vida cotidiana46 Como mostra a Figura 210 p 133 a inclusão da carne em uma dieta onívora potencializa imensamente o impacto ambiental da alimentação humana Figura 210 Comparação entre as dietas onívora O ovolactovegetariana VG e vegana V em relação a 1 emissões de gramas de gases de efeito estufa por dia CO2e 2 consumo de água por dia e 3 m2 de terra global pegada ecológica usados por dia Os valores são médias o desviopadrão de 51 medidas independentes para cada grupo dietético Fonte Alice Rosi et al Environmental Impact of Omnivorous OvoLactoVegetarian and Vegan Diet Scientific Reports v 7 21 jul 2017 27 Insalubridade do consumo de carne encontram apenas nessa região do planeta No caso dos mamíferos concentramse na Amazônia 80 das espécies endêmicas da Terra Tratase da maior biodiversidade aquática em ecossistemas de água doce do mundo e suas espécies de peixes representam 13 a 15 das espécies de peixes de água doce até agora descritas24 Figura 32 Os dezessete países megadiversos por abundância de espécies endêmicas Fonte World Conservation Monitoring Centre Megadiverse Countries 24 dez 2020 Disponível em httpswwwbiodiversityazorgcontentmegadiversecountriespdf de seis relatórios gerais de avaliação 19902022 e de quatro relatórios especiais 2012 2018201915 Figura 41 Observação e projeção do aquecimento médio superficial global até 2019 em C segundo três cenários A B e C em relação ao período 19511980 O cenário A supõe uma taxa de aumento das emissões de CO2 típica dos vinte anos anteriores a 1987 isto é um crescimento a uma taxa de 15 ao ano O cenário B assume taxas estacionárias de aumento das emissões aproximadamente no nível de 1988 O cenário C é de drástica redução dessas emissões atmosféricas no período 19902000 A linha contínua descreve o aquecimento observado até 1987 A faixa cinza recobre o pico de aquecimento durante os períodos Altitermal 6 mil anos AP e Eemiano 120 mil anos AP Fonte J Hansen et al Global Climate Changes as Forecasted by the Goddard Institute for Space Studies Three Dimensional Model Journal of Geophysical Research v 93 n D8 p 934164 20 ago 1988 Fonte Hannah Ritchie Max Roser Our World in Data baseado em Vaclav Smil Energy Transitions Global and National Perspectives para os dados pré1965 e BP Statistical Review of World Energy até 2019 Figura 43 Demanda global de petróleo por produto observada e projetada entre 2019 e 2026 Fonte IEA Oil 2021 Analysis and Forecast to 2026 mar 2021 p 10 Disponível em httpstinyurlcomy85wbenv Figura 44 Produção global de carvão mineral entre 1978 e 2020 por países e regiões do mundo em milhões de toneladas Mt Fonte IEA World Total Coal Production 19712020 13 ago 2021 Disponível em httpswwwieaorgdataandstatisticschartsworldtotalcoalproduction19712019 provisional Em 2020 havia em operação no mundo mais de quatro mil usinas termelétricas movidas a carvão com uma capacidade de geração da ordem 2044 gigawatts GW27 responsáveis por um terço das emissões globais de carbono Em 2021 o número de unidades de geração de energia em operação movidas a carvão diminuiu 099 mas sua capacidade global de geração de energia aumentou 064 em termos líquidos28 Na China na Índia no Japão e nos dez países do Sudeste Asiático que compõem a Association of the South East Asian Nations Asean concentramse cerca de 75 da capacidade instalada e 80 dos investimentos globais em novas usinas termelétricas movidas a carvão29 Apenas na China que representa mais da metade da demanda de carvão do mundo a capacidade operacional das usinas termelétricas movidas a carvão era em 2020 da ordem de 1042 GW30 e havia nesse país em 2021 em fase de construção ou de projeto termelétricas movidas a carvão capazes de gerar um total suplementar de 247 GW Em 2020 o governo chinês aprovou a construção de 47 GW de usinas termelétricas a carvão mais que o triplo da capacidade legalmente permitida em 201931 Em dezembro de 2021 foi inaugurada a primeira de quatro unidades da maior usina termelétrica a carvão em construção na China a usina de Shanghaimiao na Mongólia Interior Entre 2021 e 2025 a China deve construir outras usinas termelétricas movidas a carvão capazes de gerar outros 150 GW levando a capacidade instalada total a 1230 GW32 Na Indonésia no Vietnã nas Filipinas e na Tailândia estão em fase de projeto ou de construção mais 71 GW gerados por usinas movidas a carvão no Japão mais 8 GW Ao lado da China a Europa é outro motor dessa regressão ao carvão sobretudo após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 dado que este país fornecia até há pouco 50 do consumo europeu de carvão A Alemanha e a Áustria estão reativando suas usinas termelétricas movidas a carvão e a Europa como um todo está importando carvão da Tanzânia Nigéria Cazaquistão Austrália África do Sul Colômbia e dos Estados Unidos com forte incentivo para um novo aumento da mineração de carvão nesses países exportadores Em 2022 a exportação de carvão pelos Estados Unidos está sendo a maior dos últimos três anos33 É preciso lembrar que cada nova usina termelétrica inclusive as movidas a carvão implica emissões de GEE por ao menos quarenta anos Figura 45 Participação percentual das diversas fontes na satisfação da demanda global por energia primária entre 2010 e 2019 Essas proporções evocadas por Ian Bremmer podem variar no tempo e segundo os diferentes critérios adotados Por exemplo se a data for 2019 e se o critério adotado for a receita e não reservas quatro das cinco maiores companhias de petróleo e gás do mundo são estatais Sinopec CNPC PetroChina e Saudi Aramco e somam receitas de mais de 15 trilhão de dólares60 Se o critério for volume de produção oito das dez maiores companhias de petróleo do mundo são estatais Saudi Aramco Rosneft KPC Nioc CNPC Petrobras Adnoc e Pemex e produzem mais de trinta milhões de barris de petróleo por dia cerca de um terço da produção global em 201861 Os diferentes critérios de avaliação não alteram contudo a centralidade das corporações estatais no sistema energético global razão pela qual é preciso entender muitos dos Estados nacionais inclusive o brasileiro como Estados corporações62 Richard Heede do Climate Accountability Institute mostrou que entre 1965 e 2017 as vinte maiores corporações de combustíveis fósseis contribuíram com 480 Gt CO2e ou 35 das emissões das mais de 1354 bilhões de toneladas de CO2 e metano CH4 diretamente relacionadas à produção de energia E as doze estatais desse setor contribuíram com 2627 Gt CO2e ou 546 das emissões desse grupo das vinte majors conforme discriminado na Figura 47 Figura 47 As vinte companhias que contribuíram com 480 Gt CO2e ou 35 das emissões globais de 1354 bilhões de CO2 e metano entre 1965 e 2012 doze das quais estatais com suas respectivas contribuições em bilhões de toneladas de CO2e pouco menos ou pouco mais de um quinto das emissões antropogênicas de CO2 ocorreu neste segundo decênio Figura 49 Emissões antropogênicas de CO2 entre 1750 e 2020 das quais 211 ocorreram entre 2011 e 2020 Fonte Engaging Data Cumulative CO2 Emissions Calculator sd Disponível em httpsengagingdatacomcumulativeco2calculator 44 Concentrações atmosféricas de GEE sem precedentes nos últimos três milhões de anos A consequência direta desse imenso aumento das emissões globais de CO2 nos últimos setenta anos é a correlativa aceleração da taxa de incremento das concentrações atmosféricas de CO2 e demais GEE As concentrações atmosféricas préindustriais 17501800 de CO2 eram tipicamente cerca de 280 ppm Seu valor médio anual em 2021 foi de aproximadamente 4143 ppm segundo a agência Copernicus83 Em abril de 2021 elas atingiram um pico de 4212 ppm o mais alto nível dessas mensurações iniciadas em Mauna Loa no Havaí em 195884 17501990 para que o AGGI aumentasse 100 mas somente trinta anos para aumentar outros 47 49 para o CO2 apenas A Figura 411 indica a aceleração da taxa de aumento das concentrações atmosféricas de CO2 desde 1960 Figura 411 Aumento das concentrações atmosféricas de CO2 curva de Keeling entre 1958 e 2021 Fonte Richard Betts et al Guest Post How the Keeling Curve Will Need to Bend to Limit Global Warming to 15C CarbonBrief 12 jan 2022 Disponível em httpstinyurlcom28fj5us8 Nos anos 1960 as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram em média cerca de 1 ppm por ano 088 ppm por ano segundo a National Oceanic and global para o quarto de século 20152040 seja cerca do dobro da taxa de aquecimento de 018C por década durante o período 19702015 a menos que sejam tomadas medidas apropriadas16 Figura 53 Temperatura média global entre 1970 e 2020 em relação à média do período 18801920 A linha reta indica a tendência linear do aquecimento nesse período a linha ligeiramente ondulada indica a média das temperaturas a cada sessenta meses a linha preta fortemente ondulada assinala as variações anuais Os dois cones fornecem o registro de duas erupções vulcânicas maiores El Chichón em 1982 no México e Pinatubo em 1991 nas Filipinas No registro inferior o gráfico apresenta as variações da temperatura superficial do oceano Sea Surface Temperature SST causadas por eventos de El Niño e La Niña em relação à média de 19812010 Observação O El Niño 34 é um índice comumente usado para definir os eventos de El Niño e La Niña Esse índice recorre tipicamente a uma média de cinco meses e esses eventos são definidos quando a temperatura oceânica excede 04C por um período de seis meses ou mais Fonte James Hansen Makiko Sato Global Warming Acceleration Columbia University 14 dez 2020 Disponível em httpstinyurlcommw77mw9j mais longo que em qualquer outro fevereiro103 Em 26 de dezembro de 2021 os termômetros marcaram 194C 67F na Ilha de Kodiak 577N no Alasca um salto de 7C acima do recorde de calor precedente104 Uma onda de calor no inverno europeu de 20212022 trouxe temperaturas absolutamente anômalas em Londres 162C105 em Roma 18C em Catânia na Sicília 22C no sul da França temperaturas acima de 20C em Bilbao na Espanha 247C Nos Alpes a altitudes de 1600 metros foram registradas temperaturas em torno de 15C sem quedas abaixo de 10C mesmo à noite e não há registros de zero grau abaixo de quatro mil metros de altitude Em Cortina dAmpezzo e em Courmayeur famosas estações de esqui situadas a mais de 1200 metros de altitude as temperaturas oscilaram em dezembro de 2021 entre 13C e 15C106 Tabela 53107 Temperaturas máximas entre 45C e 544C entre 2015 e janeiro de 2022 País Temperatura Ano ArgentinaI 45C 2022 Colômbia 45C 2015 Guiné Conakri 45C 2017 África do Sul Cidade do CaboII 452C 2022 Índia Nova DéliIII 454C 2020 França Vérargues Hérault 46C 2019 Estados Unidos Colorado 46C 2019 Chipre 462C 2020 Egito Kharga 47C 2021 Sudão Cartum 47C 2021 Grécia LangadasIV 471C 2021 Estados Unidos Las Vegas 472C 2021 Espanha 473C 2017 Catar Doha 48C 2021 Itália Siracusa SicíliaV 488C 2021 México GallinasVI 488C 2020 Turquia CizreVII 491C 2021 Estados Unidos Chino CalifórniaVIII 494C 2020 uma epidemia de malária e de outras doenças transmissíveis pela água de modo que o saldo de mortes nos próximos meses será muito maior O Paquistão jamais se recuperará por completo dessa catástrofe e tanto mais porque novas calamidades climáticas devem sobrevir em breve numa sequência cada vez mais feroz de eventos climáticos extremos Em visita emergencial ao Paquistão em 10 de setembro de 2022 António Guterres secretáriogeral da ONU declarou com sua habitual lucidez Estamos caminhando para um desastre Travamos uma guerra contra a natureza e a natureza está respondendo de forma devastadora Hoje no Paquistão amanhã em qualquer um de vossos países146 Exato O quinto país mais populoso do mundo ensina hoje à comunidade das nações o que é um colapso ambiental processo complexo e eventualmente abrupto que atingirá num futuro próximo um número crescente de países a começar por sua vizinha a Índia Como bem reitera Sophie Landrin a Índia e o Paquistão se incluem entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas Territórios como o Rajastão correm o risco de se tornar inabitáveis no curto prazo147 Outras regiões nesses dois países se tornarão igualmente inabitáveis Segundo Pangaluru Kishore e colegas Em um cenário de Trajetória de Concentração Representativa 45 RCP 45 Wm2 em 2100 o risco de ondas de calor na Índia deverá aumentar dez vezes durante o século XXI Simulações de modelos indicam a ocorrência de ondas de calor sem precedentes no futuro nunca vistas no período observacional148 As estimativas reportadas por Landrin são de que em cinquenta anos 12 bilhão de pessoas na Índia viverão em áreas tão quentes quanto o Saara se as emissões de GEE continuarem aumentando E elas devem continuar aumentando inclusive com a contribuição da própria Índia país no qual hoje mais de 60 da demanda de energia industrial é atendida pela queima de combustíveis fósseis mais da metade através da queima de carvão E esse aumento do consumo de carvão continuará de par com uma crescente escassez de recursos hídricos De fato a Agência Internacional de Energia AIE reporta projeções segundo as quais mantidas as tendências atuais metade da demanda de água da Índia não será atendida até 2030149 Em The Ministry for the Future 2020 Kim Stanley Robinson propõe uma narrativa cujo ponto de partida é uma onda de calor que extermina vinte milhões de indianos O autor imagina um quadro de traumas individuais e sociais daí de CO2 Gt CO2 com cenários de picos de emissões em 2016 2020 e 2025 A linha pontilhada mostra a trajetória de queda das emissões na hipótese de um orçamento de 800 Gt CO2 Fonte Christiana Figueres et al Three Years to Safeguard Our Climate Nature v 546 29 jun 2017 Nos três cenários por volta de 2030 as emissões deveriam cair cerca de 50 20 gigatoneladas Gt de CO2 em relação aos níveis de 2016 É algo inimaginável numa economia do crescimento pois em 2030 essas emissões precisariam ter regredido aos níveis de 1977 e aos níveis de 1955 em termos de emissões per capita51 Como alertam Christiana Figueres e demais autores desse trabalho atrasar o pico das emissões em uma década deixa demasiado pouco tempo para transformar a economia delaying the peak by a decade gives too little time to transform the economy Por outro lado se o orçamento de carbono for de 800 Gt CO2 sempre com pico das emissões em 2020 obtémse a data de 2050 para zerar as emissões líquidas linha pontilhada mas com um risco maior de exceder o limite de temperatura but at a greater risk of exceeding the temperature limit Por causa do forte El Niño de 20152016 a temperatura média global superou a do período préindustrial em fevereiro de 2016 foi 155C mais alta e em março 15C mais alta Tratase da primeira vez na história das mensurações instrumentais que a temperatura global na média mensal atingiu esse nível Médias mensais são obviamente muito sujeitas a variações naturais Também as médias anuais o são embora forneçam indicadores mais úteis para entender sobretudo quando agregadas em décadas as tendências do sistema climático E ainda assim no que se refere às médias anuais é preciso distinguir dois tipos diferentes de projeção uma diz respeito ao momento em que essa temperatura será atingida ou ultrapassada momentaneamente ao passo que a outra se refere ao momento de sua ultrapassagem consolidada e irreversível Entre as duas há um intervalo de tempo de poucos anos provavelmente de menos de um decênio A Organização Meteorológica Mundial OMM oferece previsões sobre a ultrapassagem momentânea e pela primeira vez do patamar de 15C na média anual Em 2020 ela estimava em 24 as chances de que o limiar de aquecimento médio global 15C viesse a ser ultrapassado em ao menos um ano entre 2020 e 2024 Em 2021 a OMM revisou para cima essa probabilidade Há quase uma chance sobre duas chance de 40 de que um dos próximos cinco anos 20212025 seja ao menos 15C mais quente que os níveis préindustriais e essa chance vem aumentando com o tempo65 A Figura 66 p 291 mostra essa projeção em datas e probabilidades Figura 65 Anomalias de temperatura entre abril de 2015 e março de 2016 em relação ao período de base 18811910 Fonte Climate Central Flirting with the 15C Threshold 20 abr 2016 Disponível em httpswwwclimatecentralorgnewsworldflirtswith15Cthreshold20260 Figura 66 Previsões plurianuais da temperatura média global próxima à superfície em relação a 19812010 eixo vertical esquerdo Eixo direito e colunas embaixo probabilidade de que a temperatura global exceda 15C em relação aos níveis préindustriais em ao menos um ano durante os cinco anos a partir de 2021 O sombreado indica o intervalo de confiança de 90 Abrangendo o período entre 1960 e 2017 o gráfico mostra as temperaturas médias mensais globais superficiais e o aquecimento antropogênico observados sendo o sombreado o intervalo de sua provável variação a partir de dados de HadCRUT4 Gistemp Cowtan Way e Noaa No lado direito do gráfico as faixas sombreadas projetam o aquecimento provável a partir de 2018 até 2100 segundo diversos cenários Em qualquer cenário a linha pontilhada em forma de flecha indica que o aquecimento cruza 15C por volta de 2040 com possibilidades de cruzálo entre 2030 e 2052 mantida a taxa de aquecimento atual Os três cenários projetados sinalizam ultrapassagem overshoot do aquecimento de 15C com maior ou menor probabilidade de retorno a 15C até 2100 O cenário de maior probabilidade de retorno requer que as emissões comecem a declinar em 2020 e que as emissões líquidas sejam zeradas até 2040 Os dois cenários sucessivos apontam emissões líquidas zero atingidas apenas em 2055 com redução dos forçamentos radiativos de outros GEE após 2030 e finalmente o pior cenário mostra não redução de forçamentos radiativos de outros GEE Fonte IPCC Summary for Policymakers In Global Warming of 15C An IPCC Special Report 2018 p 6 Disponível em httpswwwipccchsiteassetsuploadssites2201905SR15SPMversionreportLRpdf Reagindo a esse relatório de 2018 muitos cientistas consideraram o prazo entre 2030 e 2052 com média em 2040 excessivamente conservador A revista Science republicou um artigo de Scott Waldman contendo críticas de parte de climatologistas como Michael E Mann Bob Ward Kevin Trenberth Veerabhadran Ramanathan e Andrea Dunton70 As críticas de Michael Mann diretor do Earth System Science Center da Pennsylvania State University e participante de vários relatórios do IPCC foram incisivas 3 para deter e reverter esse processo em tempo hábil mantendo a habitabilidade de nosso planeta para a nossa espécie e para inúmeras outras é necessário romper com o sistema capitalista consubstanciado nos sistemas alimentar e energético vigentes ambos globalizados e agindo em sinergia Se não é politicamente factível consumar tal ruptura civilizacional neste decênio é preciso ao menos avançar o máximo possível em sua direção Todo o resto por importante que possa ser ou parecer não passa de ilusionismo climático Fonte Ed Dlugokencky Trends in Atmospheric Methane Noaa 5 abr 2022 Disponível em httpsgmlnoaagovccggtrendsch4 O CO2 é um gás de permanência multissecular na atmosfera com uma cauda longa de milênios56 Pieter Tans oferece um exemplo eloquente de seu efeito de longo prazo sobre as temperaturas planetárias Cerca de 40 das emissões do Ford Modelo T de 1911 ainda estão no ar hoje57 Ao contrário do CO2 o metano permanece na atmosfera por somente cerca de 84 a 124 anos No entanto seu potencial de aquecimento global GWP58 é muito maior do que o do CO2 No momento de sua emissão pulso o metano tem um GWP 120 vezes superior ao do CO259 Em 2013 o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC atualizou o GWP do metano em 20 tornandoo até cem vezes maior do que o CO2 em um horizonte de cinco anos Devemos lembrar e muitos cientistas infelizmente esquecem que somente desde 2005 existem quantidades substanciais de oceano aberto durante o verão nas plataformas do Ártico Vivemos portanto uma situação totalmente nova com um novo fenômeno de derretimento ocorrendo Chegamos ao ponto em que não devemos mais simplesmente dizer que adicionar CO2 à atmosfera aquece nosso planeta Em vez disso temos de dizer que o CO2 que adicionamos à atmosfera já aqueceu nosso planeta a tal ponto que os processos de feedback de geloneve vêm aumentando o efeito de aquecimento em mais de 50 Não estamos longe do momento em que os próprios feedbacks impulsionarão a mudança ou seja não precisaremos adicionar mais CO2 à atmosfera para obter aquecimento de qualquer maneira103 77 Além de 15C cruzando múltiplos pontos críticos Mesmo se atingida a meta de um aumento nas temperaturas de 15C a 2C estipulada pelo Acordo de Paris não se pode excluir o risco de que uma cascata de retroalimentações possa impelir o sistema Terra irreversivelmente em uma trajetória de Terra Estufa Will Steffen et al104 Em 1990 Frank Rijsberman e R Swart já entendiam que um aumento de 1C na temperatura média do planeta em relação ao período préindustrial se tornara inevitável e que a meta do aquecimento seria manter o planeta tão próximo quanto possível de 1C E avançavam a hipótese de que aumentos de temperatura além de 1C podem provocar respostas rápidas imprevisíveis e não lineares capazes de produzir extensos danos ecossistêmicos Um limite absoluto de temperatura de 2C pode ser visto como um limite superior além do qual se espera que os riscos de danos graves aos ecossistemas e de respostas não lineares aumentem rapidamente105 É exatamente essa a hipótese considerada no trabalho de grande repercussão publicado por Will Steffen e colegas citado em epígrafe Nos próximos dez ou doze anos as concentrações atmosféricas de CO2 devem crescer cerca de 30 partes por Figura 81 Porcentagens das populações adultas de dezessete países que pensam que o mundo está melhorando Fonte Max Roser Most of Us Are Wrong about How the World Has Changed Especially Those Who Are Pessimistic about the Future Our World in Data 27 jul 2018 Disponível em httpsourworldindataorgwrongabouttheworld A pesquisa em questão foi feita com 18235 adultos de dezessete países e partia da seguinte questão Tudo bem considerado você pensa que o mundo está melhorando piorando ou nem uma coisa nem outra Mesmo na China campeã do otimismo a ideia de que o mundo está melhorando não forma maioria Na outra ponta a dos países do assim chamado Ocidente apenas entre 3 e 10 dos indagados acreditam que o mundo vive hoje uma tendência positiva Outra pesquisa da Ipsos Global Trends de 2014 perguntava a cidadãos de vinte países Até que ponto você acha que sua geração terá tido uma vida melhor ou pior do que a da geração de seus pais ou será mais ou menos a mesma Os resultados apresentam uma percepção similar à da pesquisa de 2018 em especial no que tange às respostas dos jovens menos de trinta anos muito mais pessimistas que a média geral como mostra a Tabela 81 p 335 mantinha otimista pois o país colhia os frutos de políticas públicas postas em prática pelo PT a partir de 2003 que trouxeram até 2014 grande melhora na maioria dos índices socioeconômicos e notadamente na diminuição do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza como aponta a Figura 82 p 336 Figura 82 Milhões de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no Brasil entre 1992 e 2017 Fonte Francisco Menezes Pobreza e fome em ascensão Centro de Estudos Estratégicos CEE Fiocruz 29 ago 2019 baseado em IBGE Pnad Contínua 19922017 Disponível em httpsceefiocruzbrqPobrezaefomeemascensao Se a mesma questão fosse colocada aos brasileiros em 2022 após seis anos de crise econômica e de desmonte radical das políticas públicas essa pesquisa traria com toda a probabilidade resultados bem diferentes Em todo caso como indica a Tabela 81 os países de industrialização mais madura lideram o pessimismo sobretudo entre os jovens com resultados variando de 32 Suécia a 12 interligada desses dois dossiês é igualmente indissociável do aumento da poluição industrial e agroindustrial e sobretudo da involução do projeto democrático termo por certo abrangente mas que tem em seu núcleo duro o aumento da desigualdade socioeconômica Em outras palavras as relações dos homens com o sistema Terra estão inextricavelmente ligadas às relações dos homens com os homens Um exemplo imediatamente evidente da íntima interação entre problemas ambientais e sociais é a água O que está em jogo hoje não é só a quantidade decrescente dos recursos hídricos disponíveis ameaçada pelas secas e demais distúrbios antropogênicos no sistema Terra mas também a qualidade desses recursos ameaçada pela poluição e além disso a decrescente capacidade dos mais pobres de ter acesso a água abundante e potável e portanto também aos alimentos pelos quais se pagará cada vez mais Para dizêlo da maneira mais abrangente e concisa possível a ação combinada desses quatro dossiês maiores clima biodiversidade poluição e desigualdades constitui um quadro de progressiva degradação na capacidade das sociedades de fornecer a seus membros os padrões e as expectativas contemporâneas de bemestar e segurança existencial incluindo segurança física sanitária alimentar hídrica econômica e emocional Essa tendência regressiva afeta de modo muito mais dramático é claro os países mais pobres Para muitas nações da América Central da África e da Ásia já não seria mais apropriado falar em tendência regressiva e sim em um inequívoco colapso socioambiental O colapso provavelmente irreversível do Paquistão foi mencionado no Capítulo 5 seção 57 Mas o número de países em tais condições vem aumentando Em cada caso a tragédia resulta de uma determinada combinação de pesos relativos entre fatores sociais e ambientais A imensa desigualdade socioeconômica e a ausência de democracia que exacerbam fanatismos religiosos e rivalidades entre oligarquias e grupos étnicos provocam guerras e morticínios perpetrados por bandos armados obrigando populações famintas a deslocamentos maciços Nos países do Sahel por exemplo entre 2019 e 2021 em decorrência das secas e das guerras o número de pessoas em grave perigo de morrer de fome aumentou dez vezes e o número de migrantes e refugiados em quase 40011 Por sua vez a fome os deslocamentos forçados e o estado quase constante de beligerância entre senhores da guerra nessa região da África exacerbam ainda mais a desigualdade num círculo vicioso que nada tem de apenas conjuntural malgrado os estressores adicionais da pandemia de covid19 e da invasão da Ucrânia pela 1980 2020 Estados Unidos 105 188 França 86 98 Alemanha 98 128 China 66 14 África do Sul 109 219 Reino Unido 72 127 Mundo 175 193 Fonte World Inequality Database Top 1 National Income Share sd Disponível em httpstinyurlcom4eanb4x9 Figura 83 Desigualdade global de renda e de riqueza patrimonial aferida em termos de paridade de poder de compra purchasing power parity PPP Fonte World Inequality Report 2022 Executive Summary sd Disponível em httpswir2022widworldexecutivesummary Basicamente os 10 mais ricos da humanidade possuem mais do que o triplo 76 da riqueza patrimonial dos restantes 90 e 38 vezes mais do que os 50 milhões de adultos27 Segundo Luke Shaefer e Kathryn Edin o número de famílias vivendo com dois dólares ou menos por dia durante ao menos um mês por ano nos Estados Unidos mais que dobrou em quinze anos passando de 636 mil famílias em 1996 para 146 milhão de famílias em 201128 Os dados publicados por Philip Alston relator especial da ONU sobre a pobreza extrema e os direitos humanos nos Estados Unidos revelam alguns aspectos aberrantes da desigualdade e da crise sanitária nesse país29 os cidadãos dos Estados Unidos têm uma expectativa de vida cada vez menor Esta diminuiu de 788 anos em 2019 para 769 anos em 2020 e para 766 anos em 2021 uma perda líquida de 226 anos Em contraste conforme mostra um estudo recente os países com riqueza comparável tiveram uma redução média menor na expectativa de vida entre 2019 e 2020 057 ano e um aumento de 028 ano entre 2020 e 2021 ampliando a diferença na expectativa de vida entre os Estados Unidos e 19 países pares para mais de cinco anos30 os cidadãos desse país têm uma perspectiva de vida mais doentia em comparação com pessoas que vivem em qualquer outra democracia rica e a defasagem de saúde health gap entre os Estados Unidos e países correspondentes de alta renda continua a crescer A resistência ideológica à vacinação nos Estados Unidos é a segunda maior após a Rússia entre os quinze países investigados por um levantamento realizado em 202231 Por outro lado a hipermedicalização induzida pela Big Pharma causou mais de um milhão de mortes nos Estados Unidos apenas no século XXI mais de cem mil mortes apenas em 2021 sobretudo por overdose de analgésicos opiáceos com grande parte das vítimas em idades entre 10 e 24 anos Estimase que entre 2015 e 2019 perderamse 12 milhão de anos de vida apenas nessa faixa etária por overdose dessas drogas32 a taxa de pobreza na juventude é a maior dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE com um quarto dos jovens vivendo na pobreza comparados com 14 dos jovens nos países da ocde os Estados Unidos têm o mais alto Índice de Gini quanto maior maior a desigualdade dos países ocidentais as taxas de mortalidade infantil nos Estados Unidos em 2013 eram as mais altas entre as economias avançadas doenças tropicais negligenciadas incluindo a zika estão crescendo nos Estados Unidos com doze milhões de cidadãos desse país vivendo com infecções parasitárias os Estados Unidos são o país com os maiores índices em absoluto de encarceramento cinco vezes superiores aproximadamente aos demais países da ocde os Estados Unidos são o país com a maior prevalência de obesidade no mundo 307 da população adulta em 19992000 e 424 em 20172018 Na comparação entre esses dois Outra forma de abordar o mesmo problema é através da desigualdade nas emissões de gases de efeito estufa GEE Como mostrou Lucas Chancel do World Inequality Lab36 em 2019 as emissões globais de dióxido de carbono equivalente CO2e atingiram 524 bilhões de toneladas não computadas aqui as emissões provenientes da mudança do uso da terra sobretudo desmatamento ou seja cerca de 66 toneladas per capita Mas os 10 mais ricos da humanidade 771 milhões de indivíduos foram responsáveis por 48 dessas emissões ao passo que os 50 mais pobres da humanidade 38 bilhões de indivíduos respondiam então por apenas 12 delas ou quatro vezes menos do que a média global Enquanto os 10 mais ricos emitiram 31 toneladas de CO2e per capita os 50 mais pobres emitiram cerca de vinte vezes menos 16 t CO2e per capita Já o 1 mais rico da humanidade foi responsável por 17 do total dessas emissões em 2019 Além disso o 1 mais rico emitiu 110 t CO2e per capita ou seja 69 vezes mais que as emissões per capita dos 50 mais pobres da humanidade e cerca de 110 vezes mais que o bilhão de indivíduos mais pobres do planeta que emitiram menos de 1 t CO2e per capita A Figura 85 p 349 resume o essencial dessas desproporções Figura 85 Emissões de CO2e em 2019 segundo a distribuição da riqueza na população mundial forma mostramos que a massa global de plástico produzido é maior do que a massa total de todos os animais terrestres e marinhos combinados46 A United States Geological Society USGS calculou quantas libras 1 libra 0435 kg de minerais são necessárias para uma pessoa em um ano em média nos Estados Unidos Eis os resultados Para manter nosso padrão de vida cada pessoa nos Estados Unidos requer mais de 40630 libras 17674 kg de minerais cada ano Isso é quanto pesa em média um cidadão estadunidense por ano Pedras cascalho e areia compõem de longe os maiores itens Mas um cidadão dos Estados Unidos consome por ano em média 310 kg de cimento 154 kg de alumínio 54 kg de cobre 49 kg de chumbo 27 kg de zinco 23 kg de manganês 113 kg de outros metais e 2648 kg de outros não metais Além disso ele consome por ano em média 1629 kg de carvão 3618 litros de petróleo 956 galões e 101 mil pés cúbicos de gás natural47 Life in plastic its fantastic O plástico está no centro dessa proliferação obscena de massa antropogênica Tratase do material que mais profundamente moldou o mundo e o imaginário contemporâneos Im a Barbie girl in the Barbie world Life in plastic its fantastic Esse refrão de uma canção que faz referência à boneca Barbie48 é o signo da ubiquidade planetária do plástico49 De fato nenhum outro produto industrial cresceu na velocidade da produção do plástico nos últimos setenta anos e as perspectivas são de crescimento ininterrupto num futuro discernível Nesse período a produção de polímeros aumentou quase duzentas vezes passando de dois milhões de toneladas Mt em 1950 para 358 Mt em 2018 e 368 Mt em 201950 E há projeções segundo as quais essa produção pode crescer entre 35 e 4 ao ano vindo a atingir cerca de 550 Mt em 203551 Aceitamse em geral as estimativas de Roland Geyer Jenna Jambeck e Kara Lavender Law52 segundo as quais haviam sido produzidas até 2015 cumulativamente 83 bilhões de toneladas ou gigatoneladas Gt de plásticos virgens o que gerou 63 Gt de lixo plástico dos quais apenas 9 foram reciclados 12 haviam sido incinerados e 79 dispersos nos mais diversos ambientes Até 2050 sempre segundo esses autores 11 Gt de lixo plástico estarão entulhando e enfeiando o planeta Plásticos são encontrados hoje toneladas de substâncias tóxicas são lançadas anualmente no ar na água e no solo A produção de produtos químicos dobrou entre 2000 e 2017 e deve dobrar novamente até 2030 e triplicar até 2050 com a maior parte do crescimento em países não membros da ocde57 84 Intoxicação adoecimento e mortes prematuras as novas zonas de sacrifício David Boyd e Marcos Orellana sublinham a existência de novas zonas de sacrifício termo que designava durante a Guerra Fria áreas que os testes nucleares na atmosfera haviam tornado inabitáveis Hoje uma zona de sacrifício pode ser entendida como um lugar onde os moradores sofrem consequências devastadoras para a saúde física e mental e violações dos direitos humanos como resultado de viverem em focos de poluição e áreas altamente contaminadas58 Elas não se encontram apenas nos países pobres e nas comunidades mais pobres dos países ricos Estimase que haja 28 milhões de sítios contaminados na Europa59 Mais de 250 mil pessoas vivem hoje em zonas de sacrifício nos Estados Unidos onde o risco de câncer causado pela poluição atmosférica é considerado inaceitável pela EPA isto é pelo próprio governo desse país Muitos desses hot spots de poluição se encontram no corredor petroquímico do Texas e da Louisiana o chamado Cancer Alley mas vários outros se encontram na Pensilvânia no Novo México em Illinois no Kentucky e no Tennessee60 Isso no que diz respeito apenas aos riscos de câncer e somente nessas zonas de sacrifício São numerosos os danos à saúde muitos deles gravíssimos causados pela poluição dentro e fora dessas zonas de sacrifício como veremos em seguida Julian Cribb faz notar que além dessas zonas de sacrifício a Terra e toda a vida nela estão sendo saturadas com produtos químicos feitos pelo homem em um evento diferente de tudo o que ocorreu em todos os quatro bilhões de anos da história do nosso planeta61 Uma nova linha de pesquisa a exposômica Os cientistas categorizam agora a Terra como um planeta tóxico62 A letalidade e os danos para a saúde humana e de outras espécies de muitas das mais de 140 mil novas Figura 86 Estimativas de mortes globais em 2015 em milhões de pessoas segundo as principais causas e fatores de risco As linhas verticais nas colunas representam as margens de incerteza Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 p 473 figura 5 baseado em Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 n 10053 2016 p 1459544 Segundo dados da Organização Mundial de Saúde OMS já velhos de um decênio dos 43 milhões de mortes ocorridas em 2012 126 milhões são atribuíveis a alguma forma de poluição do meio ambiente Isso representa 227 de todas as mortes e 26 das mortes de crianças menores de cinco anos71 Nada há de surpreendente nisso pois segundo uma avaliação recente da OMS a quase totalidade da população mundial 99 respira um ar que excede os limites de qualidade estipulados pela OMS e ameaça sua saúde72 Segundo Jos Lelieveld e colegas o excesso de mortalidade global por causa da poluição do ar é estimado em 88 7111041 milhões por ano com uma perda de expectativa de vida de 29 2335 anos um fator duas vezes maior do que as estimativas anteriores superando a letalidade do tabagismo73 Em setembro de 2021 uma declaração de Tedros Adhanom Ghebreyesus diretorgeral da OMS ilustra o que está em jogo Por causa da poluição atmosférica o simples ato de respirar contribui para sete milhões de mortes por ano74 Figura 87 Estimativas de mortes globais por poluição em 2015 em milhões de pessoas segundo suas fontes ar água exposição ocupacional e chumbo As linhas verticais representam as margens de incerteza Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 figura 6 baseado em Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 2016 p 1459544 Poluição tradicional versus poluição industrial Outrora e mesmo durante todo o século XX as doenças e mortes causadas pela poluição decorriam sobretudo da falta ou da precariedade de infraestrutura sanitária Em outras palavras era em particular a contaminação da água e dos alimentos pelo esgoto pelos resíduos dos próprios organismos que adoecia e matava esses mesmos organismos Tratavase portanto de uma poluição orgânica A Figura 88 destaca o advento de algo radicalmente novo na estrutura da poluição no século XXI a partir aproximadamente de 2005 a poluição industrial ou por assim dizer moderna começa a matar mais que a tradicional Figura 88 Evolução das mortes globais causadas por poluição entre 1990 e 2015 em milhões de pessoas segundo as duas categorias de poluição tradicional e industrial Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 p 474 figura 7 Em Bangladesh Índia Nepal e Paquistão países que com a globalização do capitalismo receberam dos países ricos as indústrias mais poluentes há hoje um equilíbrio entre essas duas categorias de poluição No entanto mesmo em alguns países extremamente pobres da África destinos do lixo moderno dos países ricos as mortes por poluição industrial ganham espaço A Figura 89 mostra os dez países com maior proporção de mortes causadas por essas duas categorias de poluição Figura 89 Os dez países com as maiores porcentagens de mortes por poluição segundo duas categorias de poluição tradicional e moderna Fonte Roger Sathre Environmental Pollution Is a Threat to Global Sustainable Development Institute for Transformative Technologies 12 jun 2017 baseado em Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 com dados de Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 2016 p 1459544 6 Saudi Aramco 330 7 Volkswagen 283 8 British Petroleum 283 9 Amazon 280 10 Toyota Motor 275 11 Exxon Mobil 265 Corporações direta ou indiretamente ligadas à indústria de combustíveis fósseis Fonte Global 500 Fortune 2020 Disponível em httpsfortunecomglobal5002020search As receitas dessas oito maiores corporações privadas e estatais somam 26 trilhões de dólares Se fossem um país elas seriam o quinto PIB do mundo atrás de Estados Unidos China Japão e Alemanha Além disso das vinte maiores corporações do mundo também por receitas seis estão associadas ao Big Food34 grande responsável pela aniquilação da biosfera e pela intoxicação dos organismos por agrotóxicos Tudo empalidece contudo diante do poder dos grandes asset managers ou gestores de fundos de investimento BlackRock Vanguard e State Street que administram em conjunto mais de 21 trilhões de dólares valor equivalente ao PIB dos Estados Unidos Como visto no Capítulo 9 seção 95 esses famosos Big Three estão entre os maiores canalizadores de recursos para a indústria armamentista e para o comércio de armas do mundo São também os maiores investidores nas empresas que administram as prisões privatizadas e os centros de detenção de imigrantes nos Estados Unidos Para eles guerras prisões aquecimento global e desmatamento são parte dos negócios Enquanto lançam declarações pungentes sobre a necessidade de transição energética35 os Big Three administravam em conjunto em 2019 um portfólio de investimentos da ordem de trezentos bilhões de dólares em combustíveis fósseis com recursos da poupança da sociedade Além disso entre 2015 e 2019 a BlackRock e a Vanguard se opuseram a mais de 80 das moções dos acionistas das corporações de combustíveis fósseis relacionadas à emergência climática36 Os Big Three são ainda os proprietários diretos em conjunto de 27 das ações da Chevron da ExxonMobil e da ConocoPhillips e de 30 de gigantes do sistema alimentar globalizado como a como sonham tantos economistas Ela não é uma operação rentável e portanto racional do ponto de vista do Homo oeconomicus É uma decisão tomada contra os valores e a lógica de uma economia mortífera Essa decisão comporta sacrifícios consideráveis em padrões e expectativas de consumo dos 10 ou 20 mais ricos da humanidade que detêm mais de 90 dos ativos globais Tratase portanto de uma ruptura que enfrentará a oposição renhida dessa minoria que ainda se crê imune ao caos que se avizinha 6 Desglobalização do sistema alimentar e sua transição para uma alimentação baseada em nutrientes vegetais No Capítulo 2 desenvolvi o arrazoado em que se baseia essa proposta e não é necessário retomálo aqui Basta frisar dois pontos i não há avanço possível nessa direção sem uma reforma agrária com radical democratização da propriedade da terra sobretudo num país como o Brasil em que a aberrante concentração dessa propriedade é possivelmente uma das maiores do mundo Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra em 2014 86 dos imóveis rurais brasileiros com até cem hectares ocupavam apenas 15 da área do total dos imóveis rurais ao passo que apenas 3057 imóveis rurais com mais de dez mil hectares equivalente a 0046 do total desses imóveis ocupavam 38 dessa área e somente 365 desses imóveis com mais de cem mil hectares ocupavam 19 dessa área ii construir um sistema alimentar baseado em nutrientes vegetais produzidos por uma agricultura orgânica local variada e respeitosa dos habitats selvagens constitui uma ruptura civilizatória tão premente e crucial quanto a transição do sistema energético para fora dos combustíveis fósseis Não se trata aqui do consumo artesanal de carne das comunidades tradicionais Tratase do consumo baseado na indústria da carne insustentável atentatória à saúde humana aos direitos dos animais e em geral aos equilíbrios do sistema Terra O Brasil é uma peçachave nesse processo Com o maior rebanho bovino do mundo 143 do total mundial o país é também o maior exportador de carne bovina do planeta28 e apenas em 2021 essas exportações alcançaram 18 milhão de toneladas29 Tratase obviamente de uma atrocidade e de uma insanidade Isso posto 76 da carne bovina produzida no Brasil é consumida domesticamente A Figura 112 p 456 apresenta a proporção entre o consumo doméstico de carne bovina e o volume exportado entre 2000 e 2020 bem como os países que mais a importaram em 2019 É claro que esse consumo doméstico por majoritário que seja se restringe cada vez mais ao topo da pirâmide de renda30 mas um ponto central aqui já discutido no Capítulo 2 deve ser mais uma vez reiterado o consumo de carne nos níveis atuais não só não resolverá o problema da fome crescente no Brasil e no mundo como o agravará Figura 112 a Consumo doméstico e exportado de carne bovina entre 2000 e 2020 b principais destinos das exportações brasileiras de carne bovina China Hong Kong Egito Chile Estados Unidos União Europeia e outros por tipo de carne carne fresca inclusive congelada processada e miúdos em 2019 Fonte Barbara Kuepper Tim Steinweg Matt Piotrowski Brazilian Beef Supply Chain Under Pressure Amid Worsening ESG Impacts Chain Reaction Research ago 2020 baseado em dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Abiec e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos 7 O arcabouço jurídico internacional vigente deve superar o axioma da soberania nacional absoluta em benefício de uma soberania nacional relativa 15 Cf Luiz Marques O colapso socioambiental não é um evento é o processo em curso Revista Rosa v 1 n 1 2019 idem Pandemics Existential and NonExistential Risks to Humanity Ambiente Sociedade v 23 2020 16 Cf Catherine E Richards Richard C Lupton Julian M Allwood ReFraming the Threat of Global Warming An Empirical Causal Loop Diagram of Climate Change Food Insecurity and Societal Collapse Climatic Change v 164 n 34 19 fev 2021 There is increasing concern that climate change poses an existential risk to humanity 17 Ibidem There is emerging evidence of amplifying feedbacks accelerating and dampening feedbacks decelerating These feedbacks exacerbate the possibility of runaway global warming estimated at 8C or greater by 2100 Such temperature increases translate to a range of real dangers shifting the narrow climate niche within which humans have resided for millennia 18 Cf IPCC 31a Sessão Bali 2629 out 2009 p 90 A runaway greenhouse effect analogous to Venus appears to have virtually no chance of being induced by anthropogenic activities 19 Cf Yangyang Xu Veerabhadran Ramanathan Well Below 2C Mitigation Strategies for Avoiding Dangerous to Catastrophic Climate Changes PNAS 14 set 2017 15C as dangerous 3C as catastrophic and 5C as unknown implying beyond catastrophic including existential threats With unchecked emissions the central warming can reach the dangerous level within three decades with the LPHI low probability 5 of high impact warming becoming catastrophic by 2050 20 Cf sir Brian Hoskins apud Andrew Simms A Cat in Hells Chance Why Were Losing the Battle to Keep Global Warming below 2C The Guardian 19 jan 2017 We have no evidence that a 19C rise is something we can easily cope with and 21C is a disaster 21 Cf Timothy Lenton et al Climate Tipping Points Too Risky to Bet against Nature v 575 p 5925 28 nov 2019 David I Armstrong McKay et al Exceeding 15C Global Warming Could Trigger Multiple Climate Tipping Points Science v 377 n 6611 9 set 2022 22 Cf Will Steffen et al Trajectories of the Earth System in the Anthropocene Proceedings of the National Academy of Sciences v 115 n 33 p 82529 ago 2018 23 Cf Chi Xu et al Future of the Human Climate Niche PNAS v 117 n 21 p 113505 26 maio 2020 24 Cf Reto Knutti Gabriele C Hegerl The Equilibrium Sensitivity of the Earths Temperature to Radiation Changes Nature Geosciences v 1 p 73543 nov 2008 Reto Knutti Maria A A Rugenstein Gabriele C Hegerl Beyond Equilibrium Climate Sensitivity Nature Geosciences v 10 p 72736 4 nov 2017 Gerald A Meehl et al Context for Interpreting Equilibrium Climate Sensitivity and Transient Climate Response from the CMIP6 Earth System Models Science Advances v 6 n 26 jun 2020 25 Cf Steven C Sherwood et al An Assessment of Earths Climate Sensitivity Using Multiple Lines of Evidence Reviews of Geophysics v 58 n 4 dez 2020 We remain unable to rule out that the sensitivity could be above 45C per doubling of carbon dioxide levels although this is not likely 26 Cf Jeff Tollefson How Hot Will Earth Get by 2100 Nature 22 abr 2020 Even if coal use doesnt rise in a catastrophic way 5C of warming could occur by other means including thawing permafrost Introdução 1 Cf Will Steffen Hot House Earth Our Future in Crisis vídeo 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvwgEYfZDK1Qkt 1347s We are sitting at this fork on the road Were not gonna have another decade to dither like we did the last decade 2 Sobre o conceito de Grande Aceleração cf Will Steffen et al Global Change and the Earth System A Planet Under Pressure Berlim Springer 2004 John McNeil Peter Engelke The Great Acceleration An Environmental History of the Anthropocene since 1945 Cambridge Harvard University Press 2014 Ugo Bardi Extracted How the Quest for Mineral Wealth Is Plundering the Planet Vermont Chelsea Green Publisher 2014 Will Steffen et al The Trajectory of the Anthropocene The Great Acceleration The Anthropocene Review v 2 n 1 p 8198 2015 Richard Monastersky First Atomic Blast Proposed as Start of Anthropocene Nature 16 jan 2015 These radionuclides such as longlived plutonium 239 appeared at much the same time as many other largescale changes wrought by humans in the years immediately following the Second World War Fertilizer started to be mass produced for instance which doubled the amount of reactive nitrogen in the environment and the amount of carbon dioxide in the atmosphere started to surge New plastics spread around the globe and a rise in global commerce carried invasive animal and plant species between continents Furthermore people were increasingly migrating from rural areas to urban centres feeding the growth of megacities This time has been called the Great Acceleration Esses radionuclídeos como o plutônio239 de longa duração apareceram ao mesmo tempo que muitas outras mudanças em grande escala causadas por humanos nos anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial Fertilizantes começaram a ser produzidos maciçamente por exemplo o que dobrou a quantidade de nitrogênio reativo no meio ambiente e a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera começou a crescer Novos plásticos disseminaramse pelo globo e o crescimento do comércio mundial transportou de um continente a outro espécies invasivas animais e vegetais Além disso as pessoas migraram crescentemente das áreas rurais para os centros urbanos alimentando o crescimento das megacidades Esse tempo foi chamado A Grande Aceleração 3 O chamado Manifesto RussellEinstein Notice to the World foi redigido por Bertrand Russell e lançado em Londres em 9 de julho de 1955 com as assinaturas de Max Born Percy W Bridgman Leopold Infeld Frédéric JoliotCurie Hermann J Muller Linus therefore although production rates tend initially to increase exponentially physical limits prevent their continuing to do so 26 Cf Jean Fourastié Les Trente Glorieuses ou la révolution invisible de 1946 à 1975 Paris Fayard 1979 O título alude às Trois Glorieuses as três jornadas gloriosas de julho de 1830 que levaram à derrocada de Carlos X e à instituição de uma monarquia constitucional na França 27 Cf Joseph Schumpeter Capitalism Socialism and Democracy Nova York Routledge 2003 p 84 ed bras Capitalismo socialismo e democracia São Paulo Lebooks 2020 It must be seen in its role in the perennial gale of creative destruction 28 Cf Arnold J Toynbee Mankind and Mother Earth Oxford Oxford University Press 1976 p 5936 The presentday global set of local sovereign states is not capable of keeping the peace and it is also not capable of saving the biosphere from manmade pollution or of conserving the biospheres nonreplaceable natural resources Will mankind murder Mother Earth or will he redeem her This is the enigmatic question which now confronts Man 29 Cf Colin Hutchinson Reaganism Thatcherism and the Social Novel Londres Palgrave Macmillan 2008 30 A WCED foi criada em 1983 pela ONU por iniciativa de seu secretáriogeral Javier Pérez de Cuéllar que convidou Gro Harlem Brundtland para presidir essa comissão Vinculada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Pnuma logo passaria a ser conhecida como Comitê Brundtland Seu objetivo era estabelecer um relatório sobre o meio ambiente formulando ao mesmo tempo estratégias de governança global até 2000 e além capazes de compatibilizar o desenvolvimento econômico e a conservação ecológica 31 Cf Gro Harlem Brundtland Report of the World Commission on Environment and Development Our Common Future Chairmans Foreword 20 mar 1987 There was a time of optimism and progress in the 1960s when there was greater hope for a braver new world and for progressive international ideas Colonies blessed with natural resources were becoming nations The locals of cooperation and sharing seemed to be seriously pursued Paradoxically the 1970s slid slowly into moods of reaction and isolation while at the same time a series of UN conferences offered hope for greater cooperation on major issues The 1972 UN Conference on the Human Environment brought the industrialized and developing nations together to delineate the rights of the human family to a healthy and productive environment A string of such meetings followed on the rights of people to adequate food to sound housing to safe water to access to means of choosing the size of their families The present decade has been marked by a retreat from social concerns Scientists bring to our attention urgent but complex problems bearing on our very survival a warming globe threats to the Earths ozone layer deserts consuming agricultural land 32 Cf Karl Marx O 18 de brumário de Luís Bonaparte Disponível em httpswwwmarxistsorgportuguesmarx1852brumariocap01htm cem a mil vezes maiores do que as que antecediam o domínio terrestre da humanidade Ver também Smithsonian National Museum of Natural History Extinction Over Time sd Disponível em httpstinyurlcom492mpuny Scientists agree that todays extinction rate is hundreds or even thousands of times higher than the natural baseline rate Judging from the fossil record the baseline extinction rate is about one species per every one million species per year Os cientistas concordam que a atual taxa de extinção é centenas ou até mesmo milhares de vezes mais alta do que a taxa natural de base A julgar pelos registros fósseis a taxa natural de base de extinção é de cerca de uma extinção por milhão de espécies por ano Kenneth V Rosenberg et al Decline of the North American Avifauna Science v 366 n 6461 p 1204 4 out 2019 Habitat loss climate change unregulated harvest and other forms of humancaused mortality have contributed to a thousandfold increase in global extinctions in the Anthropocene compared to the presumed prehuman background rate Perda de habitat mudanças climáticas colheitas impróprias e outras formas de mortalidade causadas pelos humanos têm contribuído para aumentar milhares de vezes as extinções globais no Antropoceno em comparação com as taxas presumidas de base no período préhumano 23 Cf John Lawton Robert M May orgs Extinction Rates Oxford Oxford University Press 1995 24 Cf Millennium Ecosystem Assessment Ecosystems and Human WellBeing Synthesis Washington World Resources Institute 2005 p 38 Disponível em httpswwwmillenniumassessmentorgdocumentsdocument356aspxpdf 25 Cf James Randerson Science Weekly Extra E O Wilson on biodiversity Science Weekly podcast 30 nov 2009 26 Cf Jurriaan M de Vos et al Estimating the Normal Background Rate of Species Extinction Conservation Biology v 29 n 2 2014 A key measure of humanitys global impact is by how much it has increased species extinction rates Familiar statements are that these are 1001000 times prehuman or background extinction levels Previous researchers chose an approximate benchmark of 1 extinction per million species per year EMSY We concluded that typical rates of background extinction may be closer to 01 EMSY Thus current extinction rates are 1000 times higher than natural background rates of extinction and future rates are likely to be 10000 times higher 27 Cf Rodolfo Dirzo et al Defaunation in the Anthropocene op cit 2014 p 401 Of a conservatively estimated 5 million to 9 million animal species on the planet we are likely losing 11000 to 58000 species annually 1516 However this does not consider population extirpations and declines in animal abundance within populations 28 Cf Sandra Díaz et al IPBES Summary for Policymakers Advance Unedited Version op cit 2019 p 13 Habitat loss and deterioration largely caused by human actions have reduced global terrestrial habitat integrity by 30 per cent relative to an unimpacted baseline combining that with the longstanding relationship between habitat area and species numbers suggests that around 9 per cent of the worlds estimated 59 million terrestrial species more than 500000 species have insufficient habitat for longterm survival are committed to extinction many within decades unless their habitats are restored established but incomplete 29 Idem p 24 Human actions have already driven at least 680 vertebrate species to extinction since 1500 30 Cf Gerardo Ceballos et al Accelerated Modern HumanInduced Specieslosses Entering the Sixth Mass Extinction Science Advances v 1 n 5 jun 2015 Corey J A Bradshaw et al Underestimating the Challenges of Avoiding a Ghastly Future Frontiers of Conservation Science v 1 13 jan 2021 31 Cf Over 900 Species of Animals Have Become Extinct According to Latest IUCN Red List Down to Earth 5 set 2021 32 Cf Kate Nakamura 22 Animals That Went Extinct in the US in 2021 And How to Take Action for Biodiversity Global Citizen 14 dez 2021 33 Cf Amphibiaweb disponível em wwwamphibiaweborg 34 Cf Philip J Bishop et al The Amphibian Extinction Crisis What Will It Take to Put the Action into the Amphibian Conservation Action Plan Sapiens v 5 n 2 2012 Although amphibians have survived multiple previous global mass extinctions in the last 2040 years precipitous population declines have taken place on a scale not previously seen 35 Cf BirdLife International State of the Worlds Birds Taking the Pulse of the Planet Cambridge BirdLife International 2018 p 112 36 Cf Neil Cox et al A Global Reptile Assessment Highlights Shared Conservation Needs of Tetrapods Nature v 605 27 abr 2022 At least 1829 out of 10196 species 211 are threatened Reptiles are threatened by the same major factors that threaten other tetrapods agriculture logging urban development and invasive species although the threat posed by climate change remains uncertain 37 Cf Gerardo Ceballos Paul R Ehrlich Rodolfo Dirzo Biological Annihilation Via the Ongoing Sixth Mass Extinction Signaled by Vertebrate Population Losses and Declines op cit 2017 The strong focus on species extinctions a critical aspect of the contemporary pulse of biological extinction leads to a common misimpression that Earths biota is not immediately threatened just slowly entering an episode of major biodiversity loss This view overlooks the current trends of population declines and extinctions In the 177 mammals for which we have detailed data all have lost 30 or more of their geographic ranges and more than 40 of the species have experienced severe population declines 80 range shrinkage Our data indicate that beyond global species extinctions Earth is experiencing a huge episode of population declines and extirpations which will have negative cascading consequences on ecosystem functioning and services vital to sustaining civilization We describe this as a biological annihilation to highlight the current magnitude of Earths ongoing sixth major extinction event 71 Cf Nick Watts apud Damian Carrington Climate Change Already a Health Emergency Say Experts The Guardian 28 nov 2018 These are not things happening in 2050 but are things we are already seeing today 72 Cf Tord Kjellstrom et al Estimating Population Heat Exposure and Impacts on Working People in Conjunction with Climate Change International Journal of Biometeorology v 62 p 291306 mar 2018 73 Cf Qi Zhao et al Global Regional and National Burden of Mortality Associated with NonOptimal Ambient Temperatures from 2000 to 2019 op cit 2021 74 Cf Ana Maria VicedoCabrera et al The Burden of HeatRelated Mortality Attributable to Recent HumanInduced Climate Change Nature Climate Change v 11 p 492500 31 maio 2021 75 Ibidem p 498 Health burdens from anthropogenic climate change are occurring are geographically widespread and are nontrivial in many locations the attributable mortality is already on the order of dozens to hundreds of deaths each year 76 Cf Lisa R Leon Abderrezak Bouchama Heat Stroke Comprehensive Physiology v 5 n 2 p 61147 2015 77 Cf Yuming Guo et al Quantifying Excess Deaths Related to Heatwaves under Climate Change Scenarios A Multicountry Time Series Modelling Study Plos Medicine v 15 n 7 2018 78 Cf Juanita Constible Killer Summer Heat Paris Agreement Compliance Could Avert Hundreds of Thousands of Needless Deaths in Americas Cities Natural Resources Defense Council issue paper jun 2017 79 Cf Giovanni Forzieri et al Increasing Risk Over Time of WeatherRelated Hazards to Population A DataDriven Prognostic Study The Lancet Planetary Health v 1 n 1 ago 2017 Weatherrelated disasters could affect about twothirds of the European population annually by the year 2100 351 million people exposed per year uncertainty range 126 million to 523 million during the period 20712100 compared with 5 during the reference period 19812010 25 million people exposed per year 80 Cf After Covid Could the Next Big Killer Be Heatwaves France 24 23 jun 2021 81 Cf Jean Marie Robine et al Death Toll Exceeded 70000 in Europe During the Summer of 2003 Comptes Rendues Biologies v 331 n 2 fev 2008 82 Cf 500 Deaths in Hungary Blamed on European Heat Wave CBC News 24 jul 2007 e Europe Bakes in Summer Heatwave BBC 25 jul 2007 83 Cf Met Office The Russian Heatwave of Summer 2010 sd Disponível em httpswwwmetofficegovukweatherlearnaboutweathercasestudiesrussian heatwave 84 Cf Boris A Revich HeatWave Air Quality and Mortality in European Russia in Summer 2010 Preliminar Assessment Ekologiya ChelovekaHuman Ecology v 7 p 39 2011 121 Cf Marcos Pivetta Ilhas de calor na Amazônia Pesquisa Fapesp v 200 out 2012 Bruno Silva Oliveira Ilhas de calor em centros urbanos DSRInpe sd Disponível em httpsdocplayercombr53311068Ilhasdecaloremcentrosurbanosbrunosilva oliveirahtml 122 Cf IPCC Cities Settlements and Key Infrastructure In Climate Change 2022 Impacts Adaptation and Vulnerability op cit p 23 Globally urban heat stress is projected to reduce labour capacity by 20 in hot months by 49 2050 compared to a current 10 reduction 123 Cf Ban on Working in Sun Arab Times 2 jun 2016 124 Cf Kristina Dahl Rachel Licker Too Hot to Work Assessing the Threats Climate Change Poses to Outdoor Workers Union of Concerned Scientists ago 2021 Outdoor workers in the United States have up to 35 times the risk of dying from heat exposure than does the general population With slow or no action to reduce global emissions and assuming no change in the number of outdoor workers the exposure of the nations outdoor workers to days with a heat index above 100F would increase three or fourfold by midcentury 125 Cf Ethan D Coffel Terence R Thompson Radley M Horton The Impacts of Rising Temperatures on Aircraft Takeoff Performance Climatic Change 13 jul 2017 126 Cf Possible Issues with Flights at McCarran Airport Because of Extreme Heat KTNV Las Vegas 9 jul 2021 127 Cf Marjorie Cessac Jean Jouzel Face au changement climatique nous devons faire de la nature notre alliée Le Monde 5 mar 2022 128 Cf John Cannon Cradle of Transformation The Mediterranean and Climate Change Mongabay 28 abr 2022 129 Cf George Zittis et al BusinessAsUsual Will Lead to Super and UltraExtreme Heatwaves in the Middle East and North Africa Climate and Atmospheric Science v 4 23 mar 2021 Under high greenhouse gas emission and concentration pathways in parts of the Middle East eg near the Arabian Gulf the combined effect of high temperature and humidity is projected to reach or even exceed the thresholds for human adaptability Taking moderate Urban Heat Islands intensities into account we anticipate that the maximum temperature during superextreme and ultraextreme heatwaves in some urban centers and megacities in the Middle East and North Africa could reach or even exceed 60C which would be tremendously disruptive for society Humanity in such locations will depend on indoor and outdoor cooling or will be forced to migrate 130 Cf Renee Obringer et alImplications of Increasing Household Air Conditioning Use Across the United States Under a Warming Climate Earths Future v 10 n 1 29 dez 2021 131 Cf Nick Watt et al The 2018 Report of the Lancet Countdown on Health and Climate Change op cit 2018 Wenjia Kai et al The 2020 China Report of the Lancet Countdown on Health and Climate Change The Lancet Public Health v 6 n 1 jan 2021 22 Cf Andrew Simms A Cat in Hells Chance Why Were Losing the Battle to Keep Global Warming Below 2C The Guardian 19 jan 2017 23 Cf Robin McKie Scientists Warn World Will Miss Key Climate Target The Guardian 6 ago 2016 The 15C goal now looks impossible or at the very least a very very difficult task We should be under no illusions about the task we face 24 Cf Tatiana Schlossberg 2016 Already Shows Record Global Temperatures The New York Times 19 abr 2016 I dont see at all how were going to not go through the 15 degreenumber in the next decade or so 25 Cf Andrew Simms A Cat in Hells Chance op cit 2017 The inertia in the system oceans economies technologies people is substantial and so far the efforts are not commensurate with the goal 26 Ibidem There is no chance whatsoever at current levels of carbon emissions 27 Ibidem We have emitted too much already 28 Ibidem The open question for me is not whether we will breach the 2C target but how soon 29 Ibidem In short not a single one of the scientists polled thought the 2C target likely to be met 30 Cf Charlotta Lomas Schellnhuber Scientists Have to Take the Streets to Counter Climate Denial Deutsche Welle 15 mar 2017 Its quite mindboggling for example by 2030 we have to phase out the combustion engine And we have to completely phase out the use of coal for producing power 31 Cf Simon Evans Rosamund Pearce The Worlds Coal Power Plants CarbonBrief 26 mar 2020 Disponível em httpswwwcarbonbrieforgmappedworldscoalpower plants 32 Cf Jean Jouzel apud Pierre Le Hir Réchauffement climatique la bataille des 2C est presque perdue Le Monde 31 dez 2017 33 Cf James Hansen Makiko Sato Reto Ruedy Global Temperature in 2021 13 jan 2022 Disponível em httpstinyurlcomyp5yxe58 Three factors 1 accelerating greenhouse gas GHG emissions 2 decreasing aerosols 3 the solar irradiance cycle will add to an already recordhigh planetary energy imbalance and drive global temperature beyond the 15C limit likely during the 2020s 34 Cf ONU Conferência das Partes 21a seção Acordo de Paris 30 nov11 dez 2015 Artigo 2 a Holding the increase in the global average temperature to well below 2C above preindustrial levels and pursuing efforts to limit the temperature increase to 15C above preindustrial levels Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2C acima dos níveis préindustriais e envidar esforços para limitar o aumento da temperatura em 15C 35 Cf 2020 The Climate Turning Point 2017 Disponível em httpsmission2020globalwpcontentuploads2021042020TheClimateTurning Pointpdf In the landmark Paris Climate Agreement the worlds nations have committed LUIZ MARQUES é professor livredocente aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas IFCHUnicamp onde foi cofundador do curso de pósgraduação em História da Arte Foi pesquisador convidado no Institut Français de Florence e é autor de ensaios livros e catálogos sobre a tradição clássica sobretudo no âmbito da história da arte da Itália dos séculos XIII ao XVI Entre 1995 e 1997 foi curadorchefe do Museu de Arte de São Paulo Masp Nos últimos quinze anos tem se dedicado à docência e a pesquisas sobre as crises socioambientais contemporâneas Nessa qualidade foi professor convidado na Universidade de Leiden na Holanda e publicou artigos e livros entre os quais Capitalismo e colapso ambiental Editora da Unicamp 2015 publicado em inglês pela Springer 2020 que em 2016 obteve o Prêmio Jabuti e o segundo lugar no Prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias Abeu Entre 2017 e 2021 contribuiu regularmente com artigos para o Jornal da Unicamp É atualmente professor sênior da Ilum Escola de Ciência vinculada ao Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais CNPEM e membro do Coletivo 660 nascido do Fórum Social Mundial Diversos de seus artigos estão disponíveis em httpsunicampacademiaeduLuizMarques O financiamento desta publicação integra o Termo de Fomento cdrt n 012020 da Emenda parlamentar n 20204917615 Processo n 01342020 realizado pelo Coletivo660 representado pela Ação Educativa em convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Ciência Tecnologia e Inovação sdecti do Estado de São Paulo Chico Whitaker Dário Bossi Janaina Uemura Jorge Abrahão José Correa Leite Luiz Marques Mauri Cruz Moema Miranda Oded Grajew Salete Valesan Sérgio Haddad Stella Whitaker cc Editora Elefante 2023 cc Luiz Marques 2023 Esta obra pode ser livremente compartilhada copiada distribuída e transmitida desde que as autorias sejam citadas e não se faça uso comercial ou institucional não autorizado de seu conteúdo Primeira edição abril de 2023 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Angélica Ilacqua CRB87057 O decênio decisivo propostas para uma política de sobrevivência Luiz Marques São Paulo Elefante 2023 624 p ISBN 9788593115844 1 Meio ambiente 2 Problemas ambientais 3 Impactos ambientais I Título 230510 CDD 5775 Índices para catálogo sistemático 1 Meio ambiente editoraelefantecombr Aline Tieme vendas editoraelefantegmailcom Katlen Rodrigues mídia fbcomeditoraelefante Leandro Melito redes editoraelefante Samanta Marinho financeiro fontes GT Walsheim Pro Fournier MT Std papel Kraft 240 gm2 e Ivory Slim 65 gm2 impressão BMF Gráfica As fronteiras do neoextrativismo na América Latina Svampa Maristella 9788593115608 192 páginas Compre agora e leia Instigados pelo boom das commodities governos progressistas que chegavam ao poder na América Latina no início do século XXI enxergaram na intensificação da exploração de bens naturais com vistas à exportação uma forma eficaz de enfrentar a crise econômica e de enfim alcançar o sempre distante objetivo de desenvolvimento de suas respectivas nações Como nos mostra a socióloga argentina Maristella Svampa neste livro a consequente intensificação da espoliação da natureza demandada por esse modo de produção logo fez com que em nome do progresso e do desenvolvimento nacional esses mesmos governos não titubeassem em violar direitos humanos e em pôr em risco patrimônios ecológicos Contudo essa nova dinâmica das lutas socioambientais acabou servindo de caldo de cultura para uma nova matriz de resistência social cuja preocupação central é a defesa da terra e do território sustentada por valores ambientalistas autonomistas indígenas comunitários e feministas No começo do século XXI as economias latinoamericanas se viram enormemente favorecidas pelos altos preços internacionais dos produtos primários commodities e começaram a viver um período de crescimento econômico Essa nova conjuntura coincidiu com uma época caracterizada por intensas mobilizações sociais e pelo questionamento do consenso neoliberal e das formas mais tradicionais de representação política Posteriormente em diversos países da região o ciclo de protestos foi coroado pelo surgimento de governos progressistas de esquerda ou centroesquerda que apesar das diferenças combinaram políticas econômicas heterodoxas com a ampliação do gasto social e a inclusão por meio do consumo Teve início então o que foi denominado de ciclo progressista latinoamericano que se estendeu pelo menos até 20152016 Durante esse período de lucro extraordinário para além de referências ideológicas os governos latinoamericanos tenderam a dar ênfase às vantagens comparativas do boom das commodities negando ou minimizando as novas desigualdades e assimetrias econômicas sociais ambientais ou territoriais proporcionadas pela exportação de matériasprimas em grande escala Com o passar dos anos todos os governos latinoamericanos sem exceção possibilitaram a volta com força de uma visão produtivista do desenvolvimento e buscaram negar ou encobrir as discussões acerca das implicações impactos consequências danos do modelo extrativista exportador Mais ainda de modo deliberado multiplicaram os grandes empreendimentos mineradores e as megarrepresas ao mesmo tempo que ampliaram a fronteira petrolífera e agrária a última por meio de monoculturas como soja biocombustíveis e coqueirodedendê Maristella Svampa na introdução Compre agora e leia Tudo sobre o amor hooks bell 9786587235301 272 páginas Compre agora e leia O que é o amor afinal Será esta uma pergunta tão subjetiva tão opaca Para bell hooks quando pulverizamos seu significado ficamos cada vez mais distantes de entendêlo Neste livro primeiro volume de sua Trilogia do Amor a autora procura elucidar o que é de fato o amor seja nas relações familiares românticas e de amizade ou na vivência religiosa Na contramão do pensamento corrente que tantas vezes entende o amor como sinal de fraqueza e irracionalidade bell hooks defende que o amor é mais do que um sentimento é uma ação capaz de transformar o niilismo a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura É através da construção de uma ética amorosa que seremos capazes de edificar uma sociedade verdadeiramente igualitária fundamentada na justiça e no compromisso com o bemestar coletivo Em uma sociedade que considera falar de amor algo naïf a proposta apresentada por bell hooks ao escrever sobre o tema é corajosa e desafiadora E o desafio é colocarmos o amor na centralidade da vida Ao afirmar que começou a pensar e a escrever sobre o amor quando encontrou cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos e que o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa bell hooks faz a defesa da prática transformadora do amor que manda embora o medo e liberta nossa alma Assim ela nos convoca a regressar ao amor Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo falar de amor pode ser revolucionário Silvane Silva no Prefácio à edição brasileira De bala em prosa Vários autores 9786599014109 148 páginas Compre agora e leia O que dizer diante do permanente genocídio negro cometido pelo Estado brasileiro Como descrevêlo De que maneira expressar a justa revolta pelo rastro de sangue que os projéteis oficiais deixam nas periferias das grandes cidades De bala em prosa reúne textos de autores e autoras negras São pessoas diretamente impactadas pela escalada da violência fardada no país A gota dágua que os levou a escrever mais uma dentre tantas que historicamente já transbordaram qualquer nível mínimo de civilidade foi a morte de um músico e um catador de materiais recicláveis no Rio de Janeiro em abril de 2019 Negros ambos foram assassinados pelo Exército que disparou por engano o que no momento foi divulgado como oitenta tiros mas que na verdade eram 257 contra um carro que os militares acharam que tinha sido roubado Os soldados mentiram os governantes desconversaram a imensa maioria da população permaneceu indiferente Pipocos contra gente preta já viraram rotina não causam a comoção que deveriam nem quando chegam à casa das centenas A quem minimamente resolveu se perguntar por quê afinal as autoridades fariam tamanha barbaridade contra cidadãos a caminho de um chá de bebê em um domingo à tarde os textos desta coletânea respondem de diversas maneiras em diversos estilos e sob diversos pontos de vista mas sempre com o peso da experiência de quem sabe que pela cor que indelevelmente carrega na pele está na mira do fuzil e pode ser o próximo a engrossar as estatísticas Eis o grito que ressoa em cada uma destas linhas Quem escreve aqui escreve a partir de um cotidiano claustrofóbico de violência e preconceito com raízes bem fincadas na escravidão Angústia e sensação de impotência escorrem pelas vírgulas e pontos finais Mesmo os textos mais otimistas estão empapados de sangue Boa parte deles se direciona não apenas ao poder estatal que controla reprime encarcera e mata mas aos poucos brancos que conseguem enxergar o racismo estrutural brasileiro mesmo sem sentilo ou compreendêlo Respire fundo Destilado nas próximas páginas está o apelo de quem com a garganta entalada quis transmitir aos vivos a voz dos mortos e dos sobreviventes O genocídio precisa acabar Compre agora e leia O desafio poliamoroso Vasallo Brigitte 9786587235783 238 páginas Compre agora e leia O desafio poliamoroso é uma investigação histórica sobre a centralidade da monogamia em nossas construções amorosas e seus mecanismos de imposição Com o livro Brigitte Vasallo nos convida a uma conceitualização do pensamento monogâmico introduzindo o tema a partir de uma perspectiva feminista antirracista e antilgbtfóbica Ao mesmo tempo oferece um passeio encarnado em sua própria história marcada por experiências e fracassos amorosos em um texto afetivo que estende a mão a quem já tem intimidade com a discussão mas por vezes encontra desamparo no momento de vivenciála Compre agora e leia Calibã e a bruxa Federici Silvia 9788593115301 460 páginas Compre agora e leia As acadêmicas feministas desenvolveram um esquema interpretativo que lança bastante luz sobre duas questões históricas muito importantes como explicar a execução de centenas de milhares de bruxas no começo da Era Moderna e por que o surgimento do capitalismo coincide com essa guerra contra as mulheres Segundo esse esquema a caça às bruxas buscou destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre sua própria função reprodutiva e preparou o terreno para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor Essa interpretação também defende que a caça às bruxas tinha raízes nas transformações sociais que acompanharam o surgimento do capitalismo No entanto as circunstâncias históricas específicas em que a perseguição às bruxas se desenvolveu e as razões pelas quais o surgimento do capitalismo exigiu um ataque genocida contra as mulheres ainda não tinham sido investigadas Essa é a tarefa que empreendo em Calibã e a bruxa começando pela análise da caça às bruxas no contexto das crises demográfica e econômica europeias dos séculos XVI e XVII e das políticas de terra e trabalho da época mercantilista Meu esforço aqui é apenas um esboço da pesquisa que seria necessária para esclarecer as conexões mencionadas e especialmente a relação entre a caça às bruxas e o desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo No entanto convém demonstrar que a perseguição às bruxas assim como o tráfico de escravos e os cercamentos constituiu um aspecto central da acumulação e da formação do proletariado moderno tanto na Europa como no Novo Mundo Silvia Federici Compre agora e leia

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O DECÊNIO DECISIVO Propostas para uma política de sobrevivência Luiz Marques elefante conselho editorial Bianca Oliveira João Peres Tadeu Breda edição Tadeu Breda assistência de edição Luiza Brandino preparação Fábio Fujita revisão Laila Guilherme capa direção de arte Bianca Oliveira diagramação Victor Prado conversão para ebook cumbuca Studio Luiz Marques O DECÊNIO DECISIVO Propostas para uma política de sobrevivência Apresentação Antonio Donato Nobre Agradecimentos Abreviações frequentes Prefácio Introdução O destino das sociedades definese neste decênio 1 A especificidade do nosso tempo 2 O que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso 3 A dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração 4 Até 2030 o consenso científico sobre o caráter decisivo deste decênio 5 Um abismo separa o capitalismo das políticas de sobrevivência Parte I A ruptura impreterível no sistema alimentar 1 A aniquilação biológica 11 Extinções e contrações populacionais de espécies 12 Declínio da vida no meio aquático 13 Mortandade de animais por poluição incêndios e emergência climática 14 Eliminação e degradação das coberturas florestais 15 Florestas boreais 16 A destruição das florestas tropicais 17 A guerra de aniquilação biológica pelo sistema alimentar globalizado 18 Agrotóxicos 19 Declínio dos insetos e dos polinizadores 110 Conclusão 2 O sistema alimentar e a crise animal 21 O sistema alimentar e as emissões cumulativas de GEE 22 As emissões de carbono e a indústria de proteínas animais 23 Dieta com carne espaço implicado aumento do consumo e desmatamento tropical 24 Os rebanhos de ruminantes e as emissões de metano CH4 25 O transporte de commodities associado à indústria da carne 26 Ineficiência energética do consumo de carne 27 Insalubridade do consumo de carne 28 O sistema alimentar globalizado indutor de pandemias 29 O aumento da insegurança alimentar 210 Conclusão mudar o sistema alimentar globalizado 3 O decênio decisivo da Amazônia 31 As civilizações da floresta sob ataque 32 Imensidão conservação e diversidade biológica da Amazônia 33 Amazônia refrigerador do planeta e reservatório de carbono 34 A floresta amazônica de sumidouro a fonte de carbono 35 Diminuição das águas superficiais e da umidade atmosférica na Bacia Amazônica 36 Supressão da floresta histórico e situação atual 37 Degradação e fragmentação do tecido florestal 38 A interação entre secas e incêndios 39 Bolsonaro e a destruição da floresta como meta de governo 310 Amazônia elemento crítico do sistema Terra 311 Conclusão Amazônia santuário da biosfera Parte II A ruptura impreterível no sistema energético 4 A engrenagem físicofinanceira da emergência climática 41 A transição energética não está à vista neste decênio 42 O setor financeiro e os Estadoscorporações 43 A escalada das emissões de GEE e a baixa confiabilidade dos inventários nacionais 44 Concentrações atmosféricas de GEE sem precedentes nos últimos três milhões de anos 45 Conclusão desativar a engrenagem da emergência climática 5 A aceleração do aquecimento 51 Duas fases da aceleração e o crescente desequilíbrio energético da Terra DET 52 Aceleração do aquecimento marinho e a febre dos oceanos 53 Ondas de calor mais frequentes e mais intensas na atmosfera 54 Epidemiologia das ondas de calor nos dois últimos decênios e no futuro 55 Comparação entre os dois últimos decênios 56 Recordes de calor nos últimos sete anos 2015 janeiro de 2022 57 Ilhas de calor urbano e as regiões que se tornarão inabitáveis antes das demais 6 Quanto aquecimento é já inevitável 61 O aquecimento futuro de longo prazo determinado pelas emissões passadas 62 A datalimite para conter o aquecimento em 15C2C 63 O orçamento de carbono restante Três anos para salvaguardar nosso clima 64 Um aquecimento médio global igual ou maior que 15C até 2030 65 Conclusão uma impossibilidade sociofísica e o que realmente importa 7 Alças de retroalimentação do aquecimento 71 Desmascaramento do aquecimento pela diminuição dos aerossóis 72 Menor sequestro de carbono terrestre pela biomassa 73 Diminuição do albedo da Terra pela diminuição das superfícies cobertas de neve e gelo 74 Limite e diminuição da absorção de CO2 e de calor pelos oceanos 75 Crescente contribuição do metano CH4 ao aquecimento global 76 No Ártico liberação lenta ou explosão de uma bomba de metano e de CO2 77 Além de 15C cruzando múltiplos pontos críticos 78 Conclusão a diminuição do nicho climático humano Parte III Último decênio de sociedades organizadas ou governança global democrática 8 As regressões socioambientais em curso 81 O peso relativo dos fatores sociais e ambientais 82 Desigualdade socioeconômica sem precedentes 83 Um planeta entulhado 84 Intoxicação adoecimento e mortes prematuras as novas zonas de sacrifício 85 Poluição a ultrapassagem do quinto dos nove limites planetários 86 Conclusão 9 Superar o axioma da soberania nacional absoluta 91 A tese central deste capítulo 92 A guerra está inscrita no axioma da soberania nacional absoluta 93 A soberania nacional absoluta garante e impulsiona o processo de colapso ambiental 94 Do nacionalismo ao autoritarismo 95 O nacionalismo e o aumento das despesas militares no século XXI 96 O negócio da segurança nacional corporações estamento militar e ciência em simbiose 97 A intensificação das tensões geopolíticas e o peso crescente das crises ambientais 98 A cem segundos da meianoite e o retorno do cenário de guerra nuclear 99 Conclusão 10 Hesitações sobre a urgência de superar o capitalismo 101 Em direção a uma civilização da póseconomia 102 As hesitações da comunidade científica 103 O engajamento político necessário 104 As objeções de irrealismo político 11 Propostas para uma política de sobrevivência Notas Sobre o autor O alarmante estado da humanidade em sua marcha insensata em direção ao abismo é retratado nesta obra com um discurso irretorquível potente inescapável Com sua narrativa accessível e com um menu impressionante de soluções deve tornarse leitura obrigatória para quem quiser ter qualquer relevância nas campanhas de resgate que virão ainda neste decênio ANTONIO DONATO NOBRE é professor do programa de doutorado em Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe Agradecimentos Muitos são os colegas amigas e amigos a quem tenho a honra e a satisfação de agradecer por sua participação em todas as etapas de ideação e redação deste livro Antes de mais nada tenho uma grande dívida de gratidão com o Coletivo 660 que há quatro anos me acolheu em suas discussões e reflexões graças às quais tenho aprendido muitíssimo Esse aprendizado não é apenas intelectual mas também uma fonte de inspiração no âmbito da experiência política Ter incluído este livro em sua coleção editorial desenvolvida em parceria com a editora Elefante é motivo de grande honra e alegria para mim Este livro também deve muito aos colegas amigos e amigas da Universidade Estadual de Campinas Unicamp em especial do Departamento de História da minha linha de pesquisa e do grupo de professores de outros institutos com quem venho participando há quatro semestres consecutivos do curso interdisciplinar Antropoceno desafios da complexidade ambiental Uma menção especial cabe aqui à professora Gabriela Castellano do Instituto de Física que anima e coordena com imenso idealismo desprendimento e rigor intelectual o conjunto desse trabalho Aos alunos desse curso e aos do Programa de PósGraduação do Departamento de História que participaram com grande interesse de duas edições do curso O decênio decisivo fica aqui meu reconhecimento pelo incentivo e pelas contribuições Outro coletivo de cientistas com os quais iniciei um novo trabalho na Ilum Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais CNPEM tem confirmado minha convicção que atravessa este livro de que qualquer contribuição da universidade ao enfrentamento das crises socioambientais contemporâneas passa pelo esforço de intercâmbio de conhecimentos e de religação dos saberes Com esses novos colegas tive a satisfação de discutir em um seminário em julho de 2021 questões relacionadas à problemática da ultrapassagem de pontos críticos e das alças de retroalimentação da emergência climática abordadas ao longo 14 deste livro Também com os colegas da minha linha de pesquisa na Unicamp tive a satisfação de discutir os problemas relacionados às propostas para uma política de sobrevivência elencadas no último capítulo do livro Muitos foram os que leram uma primeira versão desta obra integralmente ou em parte e contribuíram com críticas sugestões e encorajamentos à sua versão final Minha gratidão vai como sempre em primeiro lugar à leitura rigorosíssima de Sabine Pompeia há 26 anos minha companheira de vida Sem ela este livro possivelmente nem existiria Antonio Donato Nobre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe conhecedor sem igual da Amazônia das florestas e de tantas outras dimensões de Gaia não apenas leu e criticou cada linha deste livro enriquecendoo com inestimáveis contribuições como também me concedeu a honra imensa de apresentálo Luciana Gatti também do Inpe outra grande cientista e militante pela Amazônia leu o Capítulo 3 e o enriqueceu de modo transformador com suas críticas e sugestões Minha gratidão se estende a outros amigos e amigas tanto os que me encorajaram ao longo dessa jornada quanto os que se dispuseram generosamente a ler alguns dos capítulos Entre eles não posso deixar de mencionar ao menos os nomes de Andreas Pavel Carlos Bocuhy Clóvis Cavalcanti Elizabeth Thielemann Enrique Ortega Galia Daniela Cabrera José Eustáquio Diniz Alves LizRejane Issberner Mario Novello Maristela Gaudio Martino LoBue Matthew Shirts Mauro de Almeida Miguel Juan Bacic Pedro Jacobi Philippe Léna Roberto Cenni e Rosie Mehoudar Francisco Foot Hardman e Armando Boito são amigos de cinquenta anos de jornada a quem devo muito do que aqui se propõe É claro que nenhum dos nomes mencionados tem qualquer responsabilidade pelos eventuais erros no texto aqui apresentado Ao longo da redação deste livro participei infelizmente com bem menos assiduidade do que gostaria de discussões e iniciativas empreendidas por coletivos de grande relevância entre os quais devo mencionar o Ecovirada o Chamado para uma Transição Ecossocial o Fórum Social PanAmazônico Fospa e a Assembleia Mundial pela Amazônia A convivência com esses quatro coletivos embora esporádica foi de grande proveito e inspiração para a elaboração das propostas que concluem esta obra Fernando Chaves deu uma contribuição fundamental a este livro elaborando e adaptando com grande talento e esmero seus numerosos gráficos Tadeu Breda editor da Elefante acolheu prontamente a proposta desta edição e com sua 11 Apresentação Antonio Donato Nobre Até recentemente a maioria das pessoas permaneceu alheia aos alertas que a comunidade científica vem há muitas décadas emitindo sobre as mudanças climáticas o declínio da biodiversidade e a intoxicação dos organismos pela poluição químicoindustrial Para muitos em posição de destaque nos governos e no poder econômico a inação seguiu uma trilha ideologicamente conveniente qual seja a de ignorar o que não favorece seus interesses menores Outros têm sido desestimulados pela linguagem dos comunicados científicos e pela complexidade dos temas O que poderia fazer tais posturas mudarem o que despertaria nas pessoas a consciência para a urgência da hora Durante décadas a única força aparentemente capaz de fazer as pessoas pensarem sobre seu comportamento tem sido a desencadeada por grandes desastres E os desastres naturais e humanos nos abalam com crescente e assustadora intensidade1 A tese principal deste livro é que o presente decênio é com toda a probabilidade o último em que ainda poderemos evitar a desorganização das sociedades sob o impacto da aceleração e da sinergia entre as diversas crises socioambientais capazes de levar ao aniquilamento das civilizações nascidas e desenvolvidas durante o Holoceno e à extinção de milhões de espécies inclusive e não por último a nossa A importantíssima narrativa do professor Luiz Marques sintetiza articula explica e amplifica com a força de argumentos muito bem construídos os extensos diagnósticos e prognósticos científicos Mas é muito mais que uma competente recapitulação da ciência O autor constrói e utiliza um macroscópio simplificador analítico2 para com este nos fazer compreender o tamanho da encrenca planetária em que nos metemos Diante de ameaças por todos os lados e de desastres múltiplos a busca de saídas tornase uma atividade quase sem esperança Na urgente demanda por ideias veremos mensagens como as deste livro ganharem destaque rapidamente transformandoo em um fantástico manual de sobrevivência para tempos difíceis flexibilidade e paciência foi de ajuda decisiva Devo muito ainda ao trabalho cuidadoso de Luiza Brandino assistente editorial da Elefante Como em empreitadas anteriores também este livro é dedicado à minha irmã Luiza Lago à Sabine minha companheira e aos meus filhos Elena e Leon Eles são cada um a seu modo a motivação primeira para escrevêlo Abreviações frequentes AGGI Annual Greenhouse Gas Index NOAA AIE Agência Internacional de Energia International Energy Agency IEA AP antes do presente marcação temporal utilizada por geólogos paleontólogos e arqueólogos que toma por referência o ano de 1950 dC AR Assessment Report Relatório de Avaliação Ch4 Metano CO2 Dióxido de carbono CO2e CO2equivalente ou seja todos os gases de efeito estufa GEE medidos pelo potencial de aquecimento do co2 COP Conferência das Partes Conference of the Parties da UNFCCC EDGAR Emission Database for Global Atmospheric Research GEE Gases de efeito estufa GISS Goddard Institute for Space Studies NASA Gt Gigatonelada GWP Potencial de Aquecimento Global Global Warming Potential IPBES Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos The Intergovernmental SciencePolicy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services IPCC Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas Intergovernmental Panel on Climate Change IUCN União Internacional para a Conservação da Natureza International Union for Conservation of Nature Mha Milhões de hectares Mkm2 Milhões de quilômetros quadrados Mt Milhões de toneladas N2O Óxido nitroso Noaa National Oceanic and Atmospheric Administration NPP Net Primary Productivity Produtividade primária líquida NSIDC National Snow and Ice Data Center OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCM Ondas de calor marinho ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável OMM Organização Meteorológica Mundial OMS Organização Mundial da Saúde Otan Organização do Tratado do Atlântico Norte Nato ppb e ppm partes por bilhão ou partes por milhão isto é o nível de concentração de certas moléculas CO2 CH4 N2O etc existentes em cada bilhão ou cada milhão de moléculas na atmosfera RCP Representative Concentration Pathways Trajetórias representativas de concentração utilizadas pelo IPCC para designar diferentes concentrações de GEE na atmosfera em 2100 Essas diferentes concentrações correlacionamse com diferentes forçamentos climáticos de 19 a 85 Wattsm2 no topo da atmosfera em 2100 de onde por exemplo RCP85 Wm2 ou simplesmente RCP85 Tratase neste caso em que estamos de uma trajetória sem mitigação futura das emissões de GEE Diferentes trajetórias de mitigação dessas emissões utilizadas pelo IPCC são RCP19 RCP26 RCP45 RCP6 RCP7 e RCP85 A partir de 2018 essas trajetórias foram avaliadas em associação com as SSP ver sigla SMP Summary for Policymakers Sumário para os governantes ou seja o resumo de um relatório do IPCC da IPBES etc destinado aos governantes eou aos formuladores de políticas públicas SSP Shared Socioeconomic Pathways Trajetórias socioeconômicas compartilhadas Cinco cenários utilizados pelo IPCC para quantificar as mudanças sociais até 2100 em particular os desenvolvimentos do uso de energia e da terra e incertezas associadas às emissões de gases de efeito estufa GEE e demais gases poluentes da atmosfera Cada um desses cinco cenários SSP1 a SSP5 do melhor ao pior postula trajetórias de menores ou maiores emissões de GEE ver essa sigla que redundarão em diferentes forçamentos climáticos em 2100 de 19 a 85 Wm2 no topo da atmosfera em 2100 Esses diferentes forçamentos climáticos projetados para 2100 são chamados Representative Concentration Pathways ou RCPs ver essa sigla Assim o melhor cenário socioeconômico e climático até 2100 é designado pelo IPCC como SSP119 e o pior como SSP585 sendo 85 o pior cenário entre os rcps UNFCCC ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas United Nations Framework Convention on Climate Change estabelecida em 1992 WG Working Group Prefácio As análises e propostas contidas neste livro basearamse em dados projeções e acontecimentos observados até setembro de 2022 quando texto gráficos e tabelas começaram a ser revistos e diagramados pela equipe da editora Elefante Os fatos transcorridos desde então apenas reforçam a tese central deste livro amplamente compartilhada de resto pela ciência e pelo simples bom senso vivemos o último decênio em que mudanças estruturais em nossas sociedades podem ainda atenuar significativamente os impactos do processo de colapso socioambiental em curso Vale ressaltar que ultrapassamos em 2016 uma bifurcação no sistema climático Segundo a Organização Meteorológica Mundial a temperatura média global superficial terrestre e marítima combinadas oscilou desde então em torno de 12C 01C acima do período préindustrial Essa temperatura é mais alta do que as mais altas da fase mais quente do Holoceno 02C a 1C cerca de 6500 anos atrás o chamado Ótimo Climático do Holoceno Médio Tratase portanto de uma bifurcação em relação ao estado de equilíbrio climático do Holoceno época geológica compreendida entre 11700 antes do presente AP e 1950 porque a temperatura média global não voltará mais à marca de 1C acima do período préindustrial ao menos em uma escala de tempo histórica Quando a temperatura média superficial do planeta ultrapassar irreversivelmente 15C acima do período pré industrial o que deve ocorrer pouco antes ou pouco depois de 2030 o planeta estará em média mais quente do que o foi no Eemiano o último período interglacial 130 mil a 115 mil anos atrás Diversos componentes de larga escala do sistema Terra os recifes de corais os glaciares dos cimos montanhosos as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental e mesmo possivelmente muitas florestas tropicais terão então ultrapassado ou estarão em vias de ultrapassar pontos de não retorno em direção a estados de equilíbrio mais hostis às sociedades humanas e à vida em geral na Terra tal como a conhecemos e dela pudemos desfrutar ao longo de toda a história das civilizações Nos últimos seis meses fatos extraordinários aconteceram no Brasil e no mundo que merecem ao menos uma rápida menção a começar pelo mais importante a eleição de Lula em 30 de outubro de 2022 que salvou nosso país do abismo socioambiental a que o teriam arremessado mais quatro anos de um genocida e ecocida no poder Se o mais hediondo criminoso da história recente do Brasil tivesse sido reeleito o título deste livro nem faria mais sentido pois o próximo quadriênio equivaleria a uma sentença de morte para o Brasil seu povo e sua natureza Em 2026 seu governo teria atingido plenamente enfim suas quatro metas prioritárias a o genocídio de diversas outras nações indígenas na continuidade das políticas de extermínio dos Yanomami b taxas de desmatamento e degradação da Amazônia iguais ou ainda maiores que as ocorridas entre agosto de 2018 e dezembro de 2022 Nesse período mais de 50 mil km2 de floresta foram eliminados por corte raso uma área maior que a do estado do Rio de Janeiro 43696 km² sendo que apenas 1 das propriedades rurais foram responsáveis por 83 desse desmatamento na Amazônia brasileira¹ A perda de pelo menos mais 50 mil km² em mais quatro anos de devastação aproximaria ainda mais a floresta de seu limiar de resiliência e de sua transição em direção a um bioma não florestal c a destruição continuada pelo agronegócio do Pantanal do Cerrado da Caatinga e da Mata Atlântica Segundo o Sistema de Alertas de Desmatamento SAD do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe que detecta desmatamentos a partir de 03 hectare apenas entre janeiro e outubro de 2022 a Mata Atlântica foi amputada em mais 48660 hectares 486 km² O desmatamento anual da Mata Atlântica quadruplicou no último ano da criminalidade bolsonarista em relação ao período compreendido entre agosto de 2017 e julho de 2018 11399 hectares o menor em toda a série histórica iniciada em 1985² E tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que aceleram a liquidação final da Mata Atlântica³ Em linhas gerais Bolsonaro entregou o país mais rico do mundo em biodiversidade ao agronegócio aos pesticidas aos incêndios criminosos ao garimpo e à mineração d o triunfo da casta militar do militarismo do obscurantismo e dos transtornos coletivos de personalidade induzidos pelas redes sociais bolsonaristas O rebaixamento das faculdades cognitivas de grande parte da sociedade brasileira vítima agora de alucinações anticomunistas antivacinas e outras é talvez o mais trágico e duradouro legado dessas redes bolsonaristas Essa quarta meta prioritária do governo de Bolsonaro visava fortalecer o império do crime organizado em uma sociedade armada para o assalto insurrecional à democracia Os atos de terrorismo de dezembro de 2022 que redundaram no 8 de janeiro de 2023 são a demonstração cabal da consecução dessa estratégia A maior imprudência em que poderíamos hoje incorrer seria considerar que esse perigo foi superado Malgrado a esperança e as imediatas ações benfazejas trazidas pelo governo de Lula acumulamse evidências de que o quadro nacional e global em março de 2023 se afigura em muitos aspectos ainda pior do que o que se vislumbrava até setembro de 2022 Isso não deve surpreender haja vista a aceleração vertiginosa de todos os principais indicadores de colapso socioambiental Mencionemos apenas quatro desses indicadores 1 Um preprint de autoria de Luciana Gatti e colegas e um artigo de David Lapola e colegas publicado na revista Science ambos divulgados após a redação deste livro mostram níveis inéditos de degradação na floresta amazônica O trabalho de Gatti e de sua equipe revela que o desequilíbrio entre fotossíntese e respiração ou entre absorção e liberação de dióxido de carbono CO₂ pela floresta amazônica brasileira saltou para níveis catastróficos em 2020 Estimamos que as emissões de carbono dobraram nos anos de 2019 e 2020 em comparação com o estudo anterior publicado em 2021 com foco no período 20102018 É importante entender que esse aumento recente das emissões de carbono foi observado em toda a floresta e não apenas no chamado arco do desmatamento Comparando a média de 20102014 com a de 20162020 para toda a Amazônia observamos aumento de 50 nas emissões totais de carbono redução de 31 no sumidouro de carbono e aumento de 16 nas emissões por incêndios⁴ O trabalho sublinha como essa piora se acelerou em 2019 e 2020 os dois primeiros anos do governo de Bolsonaro Por sua vez o trabalho coletivo coordenado por David Lapola quantificou e analisou os componentes maiores da degradação da floresta amazônica causada pela extração de madeira por incêndios secas extremas e fragmentação do habitat florestal Lapola e colegas mostram que entre 2001 e 2018 a degradação da floresta amazônica brasileira se estendia já por 25 milhões de km² ou 38 de sua área remanescente Hoje em 2023 após quatro anos de destruição avassaladora essa situação é por certo ainda pior Além dos impactos sobre a biodiversidade e sobre as chuvas as emissões de carbono provenientes dessa degradação florestal já equivaliam então ou eram ainda maiores do que as emissões decorrentes do desmatamento por corte raso⁵ Em suma a situação da floresta amazônica é hoje muito mais crítica do que se supunha até a divulgação desses dois trabalhos entre setembro de 2022 e janeiro de 2023 2 Em novembro de 2022 a 27ª Conferência das Partes COP27 ocorrida em Sharm El Sheikh no Egito terá sido possivelmente a gota dágua em um longo processo de perda de credibilidade da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas Ninguém mais em sã consciência consideraa capaz de cumprir sua missão e sua razão de ser a diminuição das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa GEE Se ainda resta algum resíduo de esperança nos Acordos Climáticos de 1992 e de 2015 o Acordo de Paris a COP28 que deve acontecer no final de 2023 nos Emirados Árabes Unidos e será presidida por Sultan Al Jaber ministro da Indústria desse país e CEO da Abu Dhabi National Oil Company Adnoc vai se encarregar de liquidálo Em suma a Convenção do Clima definitivamente morreu Ressuscitála será a missão hercúlea da COP30 a ser presidida pelo Brasil e realizada em 2025 em Belém pa⁶ 3 Um destino igualmente sombrio parece estar reservado à Convenção da Biodiversidade de 1992 Sua COP15 KunmingMontreal dezembro 2022 incorporou a COP10 do Protocolo de Cartagena CPMOP10 e a COP4 do Protocolo de Nagoya NPMOP4 Dela resultou o chamado KunmingMontreal Global Biodiversity Framework GBF um conjunto de resoluções virtuosas que se espera em todo caso ter melhor posteridade que as malfadadas vinte Metas de Aichi definidas em 2010 Mas as chances são próximas de zero pois tudo ainda depende da boa vontade dos governos e do sistema alimentar corporativo e globalizado que os controla Mais uma vez António Guterres secretáriogeral da Organização das Nações Unidas ONU e uma das personalidades mais lúcidas de nosso tempo disse o necessário na abertura do evento Corporações multinacionais estão enchendo suas contas bancárias enquanto esvaziam nosso mundo de suas riquezas naturais Os ecossistemas tornaramse brinquedos de lucro Com nosso apetite sem limites por crescimento econômico descontrolado e desigual a humanidade se tornou uma arma de extinção em massa Estamos tratando a natureza como uma privada E finalmente estamos cometendo suicídio por procuração⁷ 4 António Guterres luta quase sozinho numa ONU entrincheirada no axioma anacrônico da soberania nacional absoluta e mais distante que nunca da cultura de paz e da governança global democrática Além do estado falimentar dos Acordos do Clima e da Biodiversidade nascidos ambos em 1992 outro indicador importante da regressão dessa governança global foi publicado em janeiro de 2023 quando o Comitê de Ciência e Segurança do Bulletin of the Atomic Scientists formado por laureados com o Prêmio Nobel adiantou mais uma vez os ponteiros de seu Doomsday Clock ver Capítulo 9 Figura 95 p 407 sobretudo mas não exclusivamente por causa dos crescentes perigos da guerra na Ucrânia O relógio marca agora noventa segundos para a meianoite a mais próxima posição jamais registrada de uma catástrofe global Desde 2020 o relógio marcava cem segundos para a meianoite o que já representava a mais perigosa posição desde 1947 quando de sua criação⁸ A Rússia de Putin herdeira direta do stalinismo é um dos países mais ambientalmente destrutivos do mundo É também o país invasor e portanto obviamente o responsável primeiro por essa guerra Isso posto esta é fomentada agora pelos dois principais interessados em sua escalada a Organização do Tratado do Atlântico Norte Otan que fornece à Ucrânia armas cada vez mais ofensivas e de longo alcance e a indústria bélica dos países beligerantes Como afirma Connor Echols o mundo está lidando com muita incerteza Mas uma coisa é certa desde o início a indústria de defesa dos Estados Unidos vai lucrar inclusive por contratos de longo termo dessa indústria com o governo dos Estados Unidos contratos que transcendem em muito a guerra da Ucrânia e mesmo uma eventual guerra contra a China9 E essa escalada da guerra é aplaudida pela imprensa que irresponsavelmente descrente dos riscos cada vez maiores de uma guerra nuclear excita os espíritos à demência de uma guerra total contra a Rússia em nome como sempre de uma hipócrita defesa da democracia A Otan é composta por países tão democráticos quanto a Hungria e a Turquia e essa tão decantada democracia ocidental é aliada incondicional de países tão democráticos quanto Israel Arábia Saudita Emirados Árabes Unidos entre outros Os palestinos os curdos os iemenitas e muitos povos africanos talvez não subscrevam essa concepção ocidental de democracia A guerra da Ucrânia é já em certa medida uma guerra mundial e são cada vez mais recorrentes os alertas de que ela pode ser o estopim de uma guerra nuclear Ela é em todo caso a antessala de uma guerra dos Estados Unidos contra a China a partir de uma possível invasão chinesa de Taiwan ou de outro pretexto qualquer Os sinais dessa segunda guerra são cada vez mais claros Os Estados Unidos garantiram a partir de fevereiro de 2023 o controle de mais quatro bases militares nas Filipinas num total agora de nove bases nesse país A derrubada de um balão chinês sobre o espaço aéreo estadunidense em fevereiro de 2023 sabotou a viagem do secretário de Estado dos Estados Unidos a Pequim aumentando a tensão entre os dois países Democratas e republicanos opostos em tudo unemse agora numa crescente agressividade contra a China como bem o demonstra a declaração de Kevin McCarthy o novo presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos speaker of the House segundo a qual Há um consenso bipartidário de que a era da confiança na China comunista acabou10 Assim na sequência da visita a Taiwan da exspeaker do Congresso dos Estados Unidos Nancy Pelosi a próxima visita de McCarthy planejada pelo Pentágono acirrará ainda mais a escalada de provocações contra a China Enfim um memorando enviado em 27 de janeiro de 2023 pelo general Mike Minihan aos oficiais do Comando da Mobilidade Aérea dos Estados Unidos publicado pela NBC News afirma Espero estar errado Minha intuição me diz que combateremos contra a China em 202511 A questão da ameaça existencial Os fatos reportados acima revelam sempre mais inequivocamente que a questão da ameaça existencial à espécie humana não é mais apenas uma conjectura teórica situada em um futuro distante Essa ameaça se impõe hoje como algo real iminente e crescente no horizonte de tempo deste século mesmo na ausência de uma guerra nuclear A União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN publica regularmente a Lista Vermelha das espécies ameaçadas de extinção Como veremos no Capítulo 1 em 2021 a IUCN considerava que entre as 138300 espécies avaliadas mais de 38500 cerca de 28 encontravamse em diferentes graus de risco de extinção com 8722 espécies consideradas criticamente ameaçadas Curiosamente a IUCN não inclui a espécie humana nessa lista Se a incluísse seríamos contados malgrado nossa abundância populacional e nossa presença generalizada no planeta entre as espécies mais vulneráveis Se continuarmos pelo caminho em que estamos avançando teremos muito em breve de nos contar entre as espécies criticamente ameaçadas Em nosso caso específico o fator abundância populacional pode aumentar ao invés de diminuir as chances de extinção dependendo de como nos organizarmos socialmente Como bem explicita Paulo Saldiva da Universidade de São Paulo USP referindose aos impactos da emergência climática e da poluição sobre a saúde humana está mais do que na hora de fundar a sociedade protetora do ser humano12 A existência de instituições como o Future of Humanity Institute FHI de Oxford criado em 2005 e o Centre for the Study of Existential Risk CSER de Cambridge criado em 2012 atesta a amplitude da percepção de que o destino dos humanos e em todo caso do projeto humano está em risco crescente O conceito de risco existencial XRisk vale dizer o risco de extinção da espécie humana ou de aniquilação de seu potencial tornouse mais recorrente no universo das análises científicas ao menos desde 2002 com um artigo de Nick Bostrom do FHI no qual o autor procura definilo de modo mais rigoroso Risco existencial um risco em que um resultado adverso aniquilaria a vida inteligente originária da Terra ou reduziria permanente e drasticamente seu potencial Um risco existencial é aquele em que a humanidade como um todo está em perigo Os desastres existenciais têm consequências adversas importantes para o curso da civilização humana para sempre13 Em seu esforço de delimitar quase cirurgicamente esse conceito tanto Bostrom quanto Toby Ord14 do mesmo instituto procuram estabelecer uma linha divisória clara entre riscos existenciais e não existenciais Uma objeção possível a essa abordagem é o fato de que essa linha divisória não existe ou se existe não é claramente perceptível É óbvio que uma guerra nuclear total representa mais que um risco existencial extremo uma certeza de extinção de inúmeras espécies além da nossa Tal como mostra o Bulletin of Atomic Scientists e como se verá detidamente no Capítulo 9 seção 98 esse risco é real e possivelmente maior hoje do que nos piores momentos da Guerra Fria dada a ausência de uma governança global democrática capaz de superar o horizonte mental primitivo do nacionalismo Todavia não sempre nem mesmo na maioria das vezes um risco existencial se refere a um acontecimento extremo ou excepcional Um risco existencial pode emergir de um processo cumulativo resultante da combinação e da sinergia entre diversas crises e é exatamente esse o caso em nossos dias como procurei argumentar em outros textos15 Catherine Richards do CSER incorre no mesmo equívoco de entender o risco de extinção apenas como eventualidade de um cenário excepcional Em um importante artigo de 2021 ela e seus colegas afirmam que há uma crescente preocupação de que a mudança do clima estabeleça um risco existencial à humanidade16 Para os autores entretanto esse risco passa a ser considerável apenas em um cenário extremo a worstcase scenario Há uma emergente evidência de aceleração de alças de retroalimentação positiva e de desaceleração de alças de retroalimentação negativa Essas alças de retroalimentação positiva exacerbam a possibilidade de um aquecimento global desenfreado runaway global warming estimado em 8C ou ainda maior até 2100 Tais aumentos de temperatura representam perigos reais ao deslocar o estreito nicho climático no âmbito do qual os humanos viveram ao longo de milênios17 Para Richards e colegas um risco existencial se configura apenas no caso de um aquecimento desenfreado A conjectura runaway global warming temida por um número crescente de cientistas mas rejeitada pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas IPCC18 seria capaz de levar a Terra a condições que prevalecem hoje em Vênus Essa conjectura pode ser interessante do ponto de vista científico mas é ociosa do ponto de vista do destino dos organismos pluricelulares porque a grande maioria dos milhões de espécies hoje existentes cessaria de existir sob condições muito menos extremas Yangyang Xu e Veerabhadran Ramanathan assim categorizam os riscos implicados em três níveis de aquecimento global 15C como perigoso 3C como catastrófico e 5C como desconhecido implicando um nível além do catastrófico o que inclui ameaças existenciais Com emissões não controladas o aquecimento médio pode atingir o nível perigoso dentro de três décadas com BPAI baixa probabilidade 5 e alto impacto de que o aquecimento se torne catastrófico até 205019 É consensual que um aquecimento maior que 2C terá impactos desastrosos para a vida no planeta Sir Brian Hoskins diretor do Grantham Institute Climate Change and Environment do Imperial College de Londres resume esse consenso na frase Não temos evidência de que um aquecimento de 19C é algo com que podemos conviver facilmente e 21C é um desastre20 Mas como discutido no Capítulo 7 Tim Lenton David Armstrong Makay e colegas mostraram que mudanças abruptas e irreversíveis no sistema climático com desdobramentos potencialmente fatais para a humanidade e outras espécies podem ocorrer mesmo em níveis de aquecimento médio global inferiores a 2C em relação ao período préindustrial21 Essa condição foi tematizada em 2018 por Will Steffen e colegas22 e em 2020 por Chi Xu e colegas em um trabalho intitulado O futuro do nicho climático humano23 igualmente abordado no Capítulo 7 Um aquecimento superior a 3C foi como visto definido como catastrófico É decerto baixa 5 a probabilidade de que um aquecimento dessa magnitude ocorra até 2050 como afirmam Yangyang Xu e Veerabhadran Ramanathan Mas essa probabilidade já é razoavelmente alta no terceiro quarto do século dado o ritmo atual de aumento das concentrações atmosféricas de GEE Em 1958 as concentrações atmosféricas de CO2 estavam em 315 partes por milhão ppm Em 2013 elas atingiram pela primeira vez 400 ppm as mais altas dos últimos dois ou três milhões de anos Em 2020 elas romperam momentaneamente a barreira de 417 ppm Estavam então cerca de 50 mais altas do que em fins do século XVIII Entre 2022 e 2023 as concentrações atmosféricas de CO2 terão superado 420 ppm Elas vinham avançando nos anos 1960 à taxa média de cerca de 1 ppm por ano Agora avançam a uma taxa média de 25 a 3 ppm anualmente com um aumento de 284 ppm entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022 ver Capítulo 4 Figura 411 p 229 Isso significa que elas devem dobrar em relação ao período préindustrial 280 ppm antes de 2070 Muito provavelmente bem antes ainda de 2070 porque a aceleração desse aumento deve continuar mantidos os paradigmas suicidas que regem nossa sociedade Desde ao menos os anos 1990 modelos climáticos que vêm se complexificando mostram que a sensitividade climática de equilíbrio ou seja a resposta de longo prazo do clima à duplicação das concentrações atmosféricas de CO2 de 280 ppm para 560 ppm pode levar a um aquecimento médio global entre 15C e 45C Segundo os modelos mais recentes Coupled Model Intercomparison Project Phase 6 CMIP6 propostos em 2020 essa resposta do sistema climático estaria na faixa de 18C a 56C24 Steven Sherwood e colegas obtiveram um aquecimento médio global mais provável entre 3C a 4C sem excluir a possibilidade de que ele supere em 45C a média do período préindustrial até 210025 Em sua análise das divergências entre esses modelos Jeff Tollefson afirma que mesmo que o uso do carvão não aumente de forma catastrófica 5C de aquecimento médio global até 2100 pode ocorrer por outros meios incluindo o derretimento do pergelissolo permafrost26 pois este lançará quantidades crescentes de GEE na atmosfera Os dados apresentados em 2021 à COP26 pelo IPCC relativos à exposição e à vulnerabilidade a ondas de calor extremo segundo três níveis de aquecimento médio global acima do período préindustrial são igualmente alarmantes 15C exporá 396 bilhões de pessoas 119 bilhão mais vulneráveis 2C exporá 599 bilhões 158 bilhão mais vulneráveis e 3C exporá 791 bilhões 171 bilhão mais vulneráveis É possível em suma que essa exposição crescente ao calor extremo assim como cada uma das grandes crises socioambientais que nos defrontam não ofereça um risco existencial à humanidade como um todo quando examinadas isoladamente Mas a sinergia entre elas tem certamente potencial para tanto Não é possível em tais circunstâncias traçar uma linha divisória clara entre uma ameaça existencial e uma ameaça não existencial ou entre um planeta local e momentaneamente inabitável e um planeta largamente inabitável pela espécie humana e por tantas outras Para que uma região se torne inabitável basta que atinja sazonalmente picos de calor insuportáveis e esse será o caso de vários países já talvez nos próximos anos sobretudo na ocorrência de um forte El Niño ou ainda na melhor das hipóteses nas próximas décadas O importante é entender que estamos galgando uma curva de risco sem marcos divisórios claros e essa curva que nos leva de um planeta mais hostil a um planeta inabitável e portanto à nossa extinção ou ao fim de nossas possibilidades de desenvolvimento não apenas já está se desenhando como está se acelerando muito rapidamente Dadas essas constatações e projeções a motivação para escrever este livro nasce de duas apostas otimistas A primeira é que os anos decisivos para evitar esses cenários futuros extremos ainda estão diante de nós São os anos do decênio em curso razão do título deste livro Em outras palavras ainda não seria tarde demais para evitar o pior A segunda aposta não menos otimista é que seremos capazes de agir individual e politicamente ao longo deste decênio com a radicalidade requerida para reverter o que ainda pode ser revertido mitigar o que ainda pode ser mitigado e com isso aumentar significativamente nossas chances de adaptação aos impactos vindouros do aquecimento global do empobrecimento da biodiversidade e da intoxicação dos organismos pela poluição químicoindustrial Essas duas apostas baseiamse numa condição sine qua non a de que seremos capazes de construir um projeto social póscapitalista centrado na exigência do encontro da diminuição das desigualdades sociais com a diminuição das pressões antrópicas sobre o sistema Terra Um programa político baseado nessa exigência não é só factível mas é também o único possível se quisermos sobreviver como sociedades e no limite como espécie Esse é o sentido do subtítulo deste livro propostas para uma política de sobrevivência Estas páginas se pretendem portanto como um chamado à radicalidade da ação política socioambiental e sua ambição maior é suscitar ou enfatizar o senso de máxima urgência exigido por este decênio decisivo São Paulo fevereiro de 2023 Introdução O destino das sociedades definese neste decênio Estamos agora numa bifurcação Não teremos outra década para hesitar como fizemos na década passada Will Steffen1 É impossível fixar o momento em que o mundo começou a piorar Para as gerações nascidas até os anos 1950 a vitória sobre o nazifascismo era razão suficiente para fazer renascer a esperança de que tudo podia enfim acabar bem Por certo as luzes vermelhas da degradação ambiental já estavam se acendendo mas os impactos dessa degradação eram apenas episódicos e pareciam ainda um preço aceitável a pagar em face das promessas da tecnologia As consequências pareciam situadas num futuro longínquo e o próprio futuro se encarregaria de resolver seus problemas De resto ao longo dos dois decênios sucessivos a 1950 não faltavam indicadores genuínos em apoio à percepção de que o mundo estava de fato melhorando Abriase então para quase todas as sociedades uma era de maior consumo energético as economias cresciam à taxa média anual de 4 a 5 os baixos níveis de desemprego e o fortalecimento das organizações sindicais implicavam aumentos sucessivos do salário real e uma correlativa diminuição da desigualdade A abundância a baixo custo dos combustíveis fósseis dos Estados Unidos e do Oriente Médio e a estabilidade do sistema monetário e financeiro com baixas taxas de juros pareciam asseguradas A inovação tecnológica e o aumento da produtividade agrícola também faziam parte da festa assim como o aumento espetacular da longevidade e da esperança de vida ao nascer Em suma ao longo desses anos a Grande Aceleração2 esses sucessivos saltos de escala da interferência antrópica no sistema Terra desde o segundo pósguerra ainda era percebida pelas sociedades como algo benfazejo como um signo de progresso Claro que nem tudo era bonança Em grande parte a inovação tecnológica era impulsionada pela corrida armamentista da Guerra Fria Em 1952 em plena Guerra da Coreia já haviam ocorrido 38 explosões nucleares na atmosfera 34 promovidas pelos Estados Unidos três pela União Soviética e uma pelo Reino Unido Nesse mesmo ano de 1952 no atol de Enewetak no Pacífico os Estados Unidos testavam a Ivy Mike primeira bomba termonuclear bomba H seguida em 1953 e 1956 pelas bombas H soviética e britânica respectivamente Era impossível ignorar o risco crescente de um inverno nuclear e o Notice to the World o famoso Manifesto RussellEinstein de 1955 dá prova cabal dessa angústia Descortinase diante de nós se por ele optarmos um progresso contínuo em felicidade conhecimento e sabedoria Devemos em vez disso escolher a morte por não podermos esquecer nossos conflitos Como seres humanos apelamos aos seres humanos lembremse de sua humanidade e esqueçam o resto Se puderem fazer isso o caminho estará aberto para um novo paraíso se não puderem está diante de vocês o risco da morte universal3 A mera observação dos fatos justificava esses temores Em 1962 a crise dos mísseis de Cuba ameaçou como nunca antes a sobrevivência da humanidade 4 Nesse ano às vésperas da proibição de testes atômicos na atmosfera o planeta já sofrera o impacto de 552 detonações de bombas nucleares na atmosfera 302 dos Estados Unidos 221 da URSS 23 do Reino Unido e seis da França Apenas em 1962 houve 140 detonações nucleares na atmosfera em média uma a cada 26 dias5 A assinatura radioativa que tais detonações deixaram nas rochas bem como o aumento vertiginoso das emissões de gases de efeito estufa GEE e da poluição químicoindustrial a partir desses anos é um dos marcos inaugurais de nossa época geológica o Antropoceno6 Datam igualmente desses anos os primeiros grandes alertas sobre a letalidade dessa poluição industrial Em dezembro de 1952 por exemplo o Great Smog Grande nevoeiro na zona metropolitana de Londres causou um pico alarmante de mortalidade7 Dez anos depois os danos causados à biodiversidade pelos agrotóxicos foram postos em evidência por Rachel Carson cujo livro Primavera silenciosa inicia uma nova etapa na história da consciência ecológica no século XX Além das ameaças de uma guerra atômica e da poluição o advento da sociedade da afluência nos países do Norte começava a mostrar a face repugnante do consumismo A geração beat os movimentos hippies antinucleares e pacifistas culminando nas revoltas de 1968 mostravam a recusa dos jovens ao que então se designava pelo termo establishment8 Acumulavamse além disso também nos anos 1950 e 1960 os crimes cometidos contra a humanidade pela nova ordem liberal instituída pelos Estados Unidos As atrocidades perpetradas nas duas Grandes Guerras prolongavamse agora nas guerras da Coreia e do Vietnã nos assassinatos como o de Patrice Lumumba em 1961 e nos massacres nos países africanos contra seus processos de emancipação Prolongavamse também nos brutais golpes militares que varreram a América Latina a África e a Ásia do Irã em 1953 à Indonésia onde a polícia e as tropas do general Suharto com apoio direto dos Estados Unidos mataram cerca de um milhão de pessoas entre 1965 e 1966 O método Jacarta como bem documenta Vincent Bevins foi a culminância dos golpes de Estado urdidos mundo afora pelos Estados Unidos e o laboratório dos golpes sucessivos9 De seu lado as revoluções socialistas nascidas dos mais generosos ideais do Iluminismo e das lutas sociais do século XIX começavam a mostrar ao mundo sua face monstruosamente desfigurada A então URSS destroçada em todos os sentidos por sete anos contínuos de guerra e de guerra civil 19141921 pelas sucessivas lutas políticas intestinas e pela contínua beligerância ocidental havia dado ainda assim a mais decisiva e heroica contribuição à derrota do nazifascismo antes e durante a guerra Mas dessa sucessão de penúrias traumas catástrofes e ameaças existenciais resultou a montagem de um Estado policial e totalitário talvez sem precedentes mesmo durante os piores momentos da tirania tsarista O saldo de horrores de 26 anos de terror stalinista somado ao genocídio cometido por quatro anos de invasão nazista é certamente o mais atroz do século XX entre 27 milhões e 40 milhões de mortes de civis e militares apenas durante a Segunda Grande Guerra10 aos quais se somam cerca de vinte milhões de mortes por fome encarceramento em campos de concentração deslocamentos populacionais arbitrários e execuções sob o regime stalinista segundo estimativas de Roy Medvedev11 Somente após a morte de Stálin em 1953 a envergadura do desastre começou a ser conhecida ao menos fora da URSS Em 1956 durante o 20º Congresso do Partido Comunista da URSS a leitura do chamado relatório secreto de Kruschev sobre os crimes de Stálin e de Beria oficializava os primeiros tímidos ensaios de iconoclastia A distopia contudo permanecia12 Entre 1956 ano da invasão da Hungria e 1968 quando a então Tchecoslováquia foi invadida assistese sob Leonid Brejnev 19641982 à interrupção do processo de desestalinização e ao retorno da KGB em poder e prestígio em meio à repressão generalizada na URSS e nos países satélites Hoje a liquidação judicial da ONG International Memorial fundada em 1989 e a condenação a quinze anos de prisão de um de seus diretores o historiador Yuri Dmitriev evidenciam a longevidade e a plasticidade do stalinismo no sistema político russo13 Na China o Grande Salto Adiante 19581962 e a absurda mortandade de animais durante a grotesca Campanha das quatro pragas ratos moscas mosquitos e pardais redundaram como se sabe nos milhões de vítimas da Grande Fome de 19591961 um cataclisma de proporções ainda maiores que as do Holodomor russoucraniano de 19321933 E isso sem falar nas duas experiências históricas mais tardias que encerram com chave de ouro a experiência do socialismo real do século XX entre 1975 e 1979 o genocídio perpetrado pelo Khmer Vermelho no Camboja que resultou na morte de cerca de 20 da população desse país e as guerras resultantes da dissolução da Iugoslávia após a morte de Tito em 1980 Isso posto o traço mais importante desses anos é frequentemente esquecido e só ganha sua verdadeira dimensão à luz de uma visada retrospectiva Tratase da percepção de que acima de todos esses crimes abomináveis genocídios tragédias e antagonismos ideológicos pairava uma compreensão da história por todos compartilhada na qual o futuro permanecia fundamentalmente promissor Malgrado tudo evitada a guerra nuclear o projeto humano parecia assegurado Cedo ou tarde a tecnologia haveria de ser posta a serviço da razão e da justiça O tempo em suma contava a favor da humanidade A partir dos anos 1970 essa confiança na história começa contudo a vacilar Uma confluência impressionante de fatos incidentes já nos primeiros anos da década atesta e reforça uma clara mudança de perspectiva acerca do futuro Lembremos alguns deles Antes de mais nada o pânico demográfico Em 1971 a população mundial crescia à taxa de 213 ao ano14 o que explica o imenso sucesso do livro de Anne e Paul Ehrlich The Population Bomb 1968 O Greenpeace criado em 1971 por Robert Hunter Paul Watson e outros ativistas tornavase o portavoz da crise ecológica15 que em 1972 ganhava pela primeira vez centralidade diplomática na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano em Estocolmo Um livro intitulado Only One Earth The Care and Maintenance of a Small Planet preparado para essa conferência causou um grande choque Encomendado por Maurice Strong a Barbara Ward e René Dubos seu primeiro capítulo concluíase com estas palavras lapidares Os dois mundos do homem a biosfera de sua herança a tecnosfera de sua criação estão em desequilíbrio na realidade potencialmente em profundo conflito E o homem está no meio Esse é o ponto de inflexão da história no qual nos encontramos com a porta do futuro abrindose para uma crise mais súbita mais global mais inescapável e mais desconcertante que qualquer outra jamais confrontada pela espécie humana Uma crise que tomará sua forma decisiva no intervalo de vida das crianças já nascidas16 Os impactos causados por esse livro e pelo manifesto Blueprint for Survival17 escritos no mesmo ano só foram superados pelo choque mais duradouro de Limites do crescimento também de 1972 encomendado pelo Clube de Roma18 Entre 1971 e 1972 a hegemonia econômica absoluta dos Estados Unidos começava a ser abertamente desafiada Em 1971 a Alemanha deixa o tratado de Bretton Woods o dólar despenca 75 em relação ao marco alemão e Nixon é obrigado a decretar o fim da conversibilidade do dólar ao ouro Com uma inflação a 123 em 197419 o dólar passava a ser uma moeda fiduciária o que introduzia a primeira fissura no sistema monetário internacional instituído em 1944 Fora da esfera dos países industrializados 1972 marca a volta de crises de fome aguda em lugares como Bangladesh Índia Etiópia e diversas nações do Sahel Não se tratava mais de crises resultantes de guerras civis como a ocorrida na Nigéria entre 1966 e 1970 mas da primeira crise de estoques de grãos no período pósguerra em parte causada pela retomada das vendas de grãos dos Estados Unidos à URSS com consequente triplicação de seus preços20 O ano de 1973 trazia outros três eventos igualmente determinantes O primeiro foi o golpe de Estado no Chile que esmagava a mais importante experiência de um governo popular democrático na América do Sul reforçando o ciclo das ditaduras militares na região do Brasil e da Bolívia 1964 à Argentina 1966 e 1976 e ao Uruguai 1973 O segundo elemento foi a derrota militar dos Estados Unidos no Vietnã que obrigava Nixon a negociar em Paris naquele ano uma retirada honrosa de suas tropas do país invadido A ofensiva vietnamita do Tet iniciada em 1968 concluíase em abril de 1975 com a humilhante e caótica retirada norteamericana de Saigon pondo fim ao mito da invencibilidade militar estadunidense Esse evento traumático inaugurava nos Estados Unidos um período de ressentimento agravado pela invasão de sua embaixada no Irã em 1979 e por anos de estagflação estagnaçãorecessão econômica inflação Desse sentimento geral de desatino resultaria enfim o lema Make America Great Again Maga lançado por Ronald Reagan em 1980 retomado por Bill Clinton em 1992 e martelado em 2016 por Donald Trump21 no controle do Grand Old Party a mais perigosa organização em toda a história mundial segundo Noam Chomsky22 Ainda hoje a retirada caótica das tropas estadunidenses do Afeganistão em julho de 2021 tem sido chamada ainda que impropriamente de a Saigon de Joe Biden23 O terceiro evento determinante de 1973 foi o embargo dos doze membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo Opep aos Estados Unidos e demais nações que haviam apoiado Israel na guerra do Yom Kippur O embargo elevou subitamente o preço do barril que foi de 475 dólares até setembro de 1973 a 3742 dólares em 1980 o equivalente a um aumento de 2108 para 11130 dólares em preços ajustados pela inflação24 Inauguravase a primeira depressão econômica do segundo pósguerra O embargo imposto pela Opep coincidia com o declínio das reservas de petróleo convencional nos Estados Unidos em início dos anos 1970 tal como previsto por Marion King Hubbert em 1956 De fato a produção de petróleo convencional nos Estados Unidos que crescia à taxa de 79 ao ano desde os anos 1860 dobrando a cada período de 87 anos atingiu finalmente seu pico em 1970 102 milhões de barris de petróleo por dia25 vindo a declinar ao longo dos 35 anos subsequentes A confluência desses dois fatos embargo externo e declínio da abundância interna do petróleo convencional fez com que desde então o preço do petróleo tenha oscillado sempre muito acima dos patamares anteriores a 1973 pondo termo à breve era de energia barata e ilusoriamente ilimitada Os diversos milagres econômicos criados pelos chamados Trinta Anos Gloriosos26 do capitalismo chegavam ao fim Mais do que isso a identificação do capitalismo esse vendaval perene de destruição criadora27 com a ideia mesma de progresso professada por apólogos e críticos desse sistema econômico entrava pela primeira vez em crise Dessa crise de autoconfiança surgia uma nova interrogação sobre o destino humano que transparecia nas últimas páginas do livro de Arnold Toynbee Mankind and Mother Earth publicado postumamente em 1976 O conjunto de Estados soberanos locais de nossos dias não é capaz de manter a paz e também não é capaz de salvar a biosfera da poluição causada pelo homem ou de conservar os recursos naturais insubstituíveis da biosfera A humanidade assassinará a Mãe Terra ou a redimirá Essa é a questão enigmática que agora confronta o homem28 Os fatos sucessivos são bem conhecidos ao longo dos últimos cinquenta anos cada decênio criou um planeta mais retrógrado em direitos sociais e mais degradado em todos os indicadores ecológicos regressão acelerada desde os anos 1980 pelo avanço da globalização e da desregulação econômicofinanceira A percepção de recesso das agendas progressistas durante a chamada década ReaganThatcher não se afigura como algo evidente apenas retrospectivamente Tratase de um lugarcomum nas análises históricas no imaginário e na produção literária e artística do período29 e estava bem presente já na resposta contemporânea da Comissão Internacional sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento WCED30 que gerou em 1987 o relatório Nosso futuro comum Gro Harlem Brundtland apresentava nesse relatório o mais lúcido diagnóstico do estado e da tendência dominante das sociedades naqueles anos Houve uma época de otimismo e progresso na década de 1960 quando havia maior esperança para a construção de um mundo melhor e para ideias internacionais progressistas Colônias abençoadas com recursos naturais estavam se tornando nações Pareciase buscar seriamente espaços de cooperação e compartilhamento Paradoxalmente a década de 1970 derivou aos poucos para um clima de reação e isolamento enquanto ao mesmo tempo uma série de conferências da ONU oferecia esperança de mais cooperação em questões importantes A Conferência da ONU de 1972 sobre o Meio Ambiente Humano reuniu as nações industrializadas e em desenvolvimento para delinear os direitos da família humana a um ambiente saudável e produtivo Seguiuse uma série dessas reuniões sobre os direitos das pessoas a uma alimentação adequada a uma moradia bem construída à água potável e a ter acesso aos meios de escolher o tamanho de suas famílias A presente década temse caracterizado pelo recesso das preocupações sociais Os cientistas chamam a atenção para problemas urgentes mas complexos que tratam de nossa própria sobrevivência um planeta em aquecimento ameaças à camada de ozônio desertificação de terras agricultáveis31 O estado das sociedades que Brundtland revelava em 1987 ganharia nos dois anos seguintes cores ainda mais sombrias na Conferência de Toronto sobre a Mudança da Atmosfera com o depoimento de James Hansen ao Senado dos Estados Unidos acerca das mudanças climáticas e com o clássico The End of Nature 1989 de Bill McKibben 1 A especificidade do nosso tempo Ao longo do livro voltarei mais detidamente ao passado Essas considerações introdutórias eram necessárias apenas para propor um efeito de contraste entre aquele tempo e o nosso Hoje 35 anos após o Relatório Brundtland e trinta anos depois da Conferência Eco92 no Rio de Janeiro o estado do planeta mostrase incomparavelmente mais crítico e brutal Mas o que permite compreender a especificidade do nosso tempo não é apenas uma diferença de grau em relação às crises das décadas finais do século xx O estado atual das sociedades não é somente mais grave difere qualitativamente desse passado recente e é preciso entender bem em que consiste essa diferença Até o século xx todo presente dispunha de uma gama relativamente ampla de escolhas para criar seus futuros dentro naturalmente do universo de condicionantes que lhe impunha seu próprio passado Lembremos mais uma vez a célebre reflexão com que Marx abre sua mais brilhante análise política O 18 de brumário de Luís Bonaparte Os homens fazem a sua própria história mas não a fazem segundo a sua livre vontade não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado32 Isso era incontestavelmente verdadeiro até há pouco Hoje não mais Não porque a tensão entre o presente e a carga do passado histórico entre liberdade e necessidade tenha deixado de existir mas porque a relação entre esses dois termos se desequilibrou O que caracteriza o nosso tempo após setenta anos de crescentes emissões de GEE de poluição e destruição da natureza é a minimização dessa liberdade de escolhas de futuro em face da maximização das condicionantes passadas E isso por uma simples razão o sistema Terra vale dizer as leis da física e da biologia restringe hoje ao máximo o leque de possibilidades futuras da história humana As sociedades passadas sempre puderam criar em grande medida seus futuros porque ao longo dos últimos dez milênios Holoceno i não haviam destruído a biosfera numa intensidade capaz de interferir desastrosamente em seus equilíbrios em escala global ii puderam desfrutar da excepcional estabilidade do sistema climático durante toda essa época geológica que não por acaso coincide com o advento da agricultura com a produção de excedente e em suma com a história de todas as civilizações O sistema Terra era então apenas a moldura do drama histórico Ele era por assim dizer uma premissa um dado neutro quando não benigno e assim o percebiam as sociedades Catástrofes naturais decerto ocorriam e por vezes com poder decisório sobre o destino de tal ou qual sociedade Mas eram fatos excepcionais e justamente por isso o termo catástrofe designava um evento imprevisto e resolutivo no gênero específico da tragédia não da história Hoje ao contrário o sistema Terra em nada mais se assemelha a uma moldura Suas respostas à interferência antrópica excessiva em seus equilíbrios tornamno cada vez mais um ator incontornável da trama histórica A tendência atual mantida a trajetória em que estamos é de que essas respostas ganhem em breve mais relevância do que as decisões tomadas pelas sociedades sobre seu próprio destino E eis o mais crucial essa tendência já é em crescente medida irreversível Por irreversível entendase antes de mais nada que o sistema climático continuará a se aquecer os desvios das médias meteorológicas do passado e os eventos meteorológicos extremos secas inundações furacões etc continuarão a se intensificar as geleiras continuarão a se retrair e o nível do mar continuará a se elevar numa velocidade maior que a do século xx33 Na realidade muito maior porque estão em aceleração Também a degradação da biosfera apresenta agora sinais de irreversibilidade A fulminante antropização de mais de 70 dos habitats planetários34 condena agora um semnúmero de espécies à extinção a uma velocidade dezenas centenas ou milhares de vezes maior do que a indicada pelos registros fósseis A teia da vida de que dependemos existencialmente continuará portanto a se esgarçar No que se refere à poluição os bilhões de toneladas de plástico e demais substâncias tóxicas industriais de longa duração já despejadas na natureza continuarão a nos adoecer e a nos matar bem como a inúmeras outras espécies por muitos e muitos anos Corey Bradshaw e colegas sublinham a quase certeza de que esses problemas irão se agravar nas próximas décadas com impactos negativos nos próximos séculos35 Conclusão um futuro pior tornouse agora inevitável quaisquer que sejam as nossas escolhas É exatamente isso que define e de modo tão contrastante com o passado a especificidade de nosso tempo Tenhamos a honestidade de dizêlo sem rodeios nossas opções são entre um futuro pior e um futuro terminal Um futuro pior é agora inevitável mas ações políticas imediatas para atenuar a piora redundarão em possibilidades crescentes de reversão de tendências de atenuação dos impactos de adaptação e portanto de sobrevivência Se conseguirmos entender isso e agir coletivamente em sintonia com esse entendimento um futuro melhor pode se descortinar para nós e para a vida no planeta no outro lado desse gargalo Teremos aprendido com o erro e há uma chance ainda considerável de que isso ocorra porque somos uma espécie com uma singular capacidade de aprendizado Se por outro lado a presente trajetória não se alterar significativamente no presente decênio se continuarmos a viver na ilha da fantasia do crescimento sustentável o que teremos será o que a ciência há decênios vem predizendo com precisão um futuro no qual os impactos serão cada vez maiores e mais sistêmicos tornando nossas possibilidades de adaptação cada vez menores Para nós e para tantas outras espécies repitase um mundo terminal Nossa estreitíssima margem de escolhas neste decênio resumese a essa bifurcação e é ela que define nosso destino É ela que motiva e dá sentido não apenas a este livro mas a toda ação humana ciente de sua condição contemporânea Compenetrarse dessa nova realidade supõe compreender a dinâmica e as devidas implicações de quatro dossiês fundamentais que se reforçam reciprocamente e serão discutidos no decorrer deste livro i a aniquilação da biodiversidade ii a emergência climática iii os níveis pandêmicos de adoecimento físico e mental e de mortes prematuras pela poluição químicoindustrial e iv os níveis aberrantes e crescentes de desigualdade causa maior do agravamento dos três primeiros Oito dos onze capítulos deste livro tratarão desses dossiês O que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso O título do relatório de 2019 do Institute for Public Policy Research IPPR de Londres chama corajosamente nossa época pelo seu nome a idade do colapso ambiental the age of environmental breakdown36 Eis o que é essencial compreender sobre o colapso socioambiental em curso 1 o colapso ambiental não é um evento com data marcada para ocorrer Tratase do processo em que estamos37 Esse processo é sutilmente pontuado por sucessivos estágios de agravamento em intensidade amplitude e frequência de suas manifestações e impactos Mais importante que tudo embora gradual essa sucessão de estágios se caracteriza por sua aceleração e por evoluir de modo não linear e tendencialmente exponencial condicionada que é por inúmeras alças de retroalimentação Disso decorre a certeza de que mantida a atual trajetória a situação das sociedades ao final deste decênio será muito mais crítica do que em seu início 2 a principal consequência dessa aceleração é que o tempo se torna aos poucos a principal variável na avaliação dos riscos O tempo é hoje nosso maior inimigo Como afirmado na seção anterior a especificidade de nosso tempo reside justamente em nossa decrescente capacidade de mitigar os crescentes desequilíbrios dos sistemas físicos e biológicos Portanto na ausência de uma mudança de trajetória radical e imediata ou de curtíssimo prazo as ações humanas voltadas para a reversão desse processo precisarão ser cada vez mais radicais e serão cada vez menos efetivas até se tornarem caso continuem a ser retardadas quase irrelevantes 3 mudar nossa trajetória de colapso requer não apenas parar de destruir a natureza agora mas nos empenhar em reconstruir na medida do possível o que foi destruído desde ao menos a década de 1950 Se os últimos setenta anos foram os anos da Grande Aceleração ou seja da Grande Destruição os próximos decênios terão de ser os da Grande Restauração38 É preciso apostar que isso ainda é possível Essa aposta é contudo razoável se e somente se como indivíduos e como sociedade globalmente organizada reagirmos com presteza e à altura do que exige agora a emergência climática e demais emergências socioambientais Falase hoje muito mais que nunca em emergência climática e em outras emergências O problema é que à força de repetila a expressão perde seu significado Uma definição formalizada desse estado generalizado de emergências foi proposta por Timothy Lenton e colegas da seguinte maneira Definimos emergência E como o produto da multiplicação do risco pela urgência O risco R é definido pelas seguradoras como probabilidade p multiplicada pelo dano D A urgência U é definida em situações de emergência como o tempo de reação a um alerta τ dividido pelo tempo de intervenção restante para evitar um mau resultado T Assim E R U p D τ T A situação é uma emergência se o risco e a urgência forem altos E se o tempo de reação for maior que o tempo de intervenção ainda restante τ T 1 perdemos o controle39 O risco é altíssimo porque a probabilidade é crescente e o dano ainda maior O tempo de reação restante é exíguo já que estamos na iminência de ultrapassar perdas de biodiversidade e desequilíbrios climáticos irreversíveis O tempo de reação das sociedades não pode ser maior que o tempo requerido para uma intervenção robusta e à altura da gravidade da situação e é justamente por isso que o presente decênio é decisivo Ele o é porque nos próximos dez anos as sociedades têm ainda o potencial de determinar as condições em que os jovens de hoje e as gerações futuras poderão ou não viver neste planeta nosso único habitat possível40 Dito de modo ainda mais direto tudo depende agora da política Não mais da economia como se discutirá em detalhes no Capítulo 10 Tudo depende de entendermos que a esfera da economia perdeu a hegemonia que o mundo contemporâneo lhe conferiu O grau de radicalidade política das mudanças que as sociedades se mostrarem aptas a realizar nos próximos anos é o fator decisivo que moldará de forma duradoura seu destino e o de inúmeras outras espécies É preciso reconhecer o abismo intransponível entre as mutações civilizacionais exigidas ao longo deste decênio e os discursos verdes dos governantes dos gestores da economia globalizada e de seus acadêmicos Não se trata de reduzir esses discursos a retóricas hipócritas É óbvio que são hipócritas ao menos em sua maioria Mas o problema não reside na maior ou menor sinceridade dos que os enunciam O problema reside na incapacidade de se traduzir esses discursos em mudanças efetivas e isso por três razões i os Estados carecem de poder mandatório sobre a rede corporativa aliás não se distinguem mais dos interesses dessa rede ii a dinâmica inerentemente expansiva do sistema econômico globalizado é incompatível com uma economia da sobriedade a única capaz de transitar rapidamente para outro sistema energético e outro sistema alimentar e finalmente iii a ordem jurídica internacional baseada no axioma da soberania absoluta dos Estados nacionais perpetua a lógica concorrencial que predomina nas relações entre esses Estados A dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração Para entender melhor essa incapacidade de mudança ao menos nos prazos necessários para evitar o pior convém ainda uma palavra sobre as dinâmicas de aceleração Pensar que mudanças políticas radicais em uma década não são imprescindíveis ou não são factíveis revela incompreensão sobre a natureza da dinâmica de aceleração Na nova época geológica iniciada na segunda metade do século XX o Antropoceno41 a atividade humana tornouse a variável mais importante nas dinâmicas do sistema Terra não apenas por sua mudança de escala mas também e sobretudo pela velocidade crescente dessa mudança isto é por sua aceleração Antropoceno e aceleração passaram a ser termos praticamente intercambiáveis O programa de pesquisas dedicadas às mudanças globais Global Change International GeosphereBiosphere Programme IGBP42 demonstrou em sua síntese de 2004 a emergência de uma Grande Aceleração a partir de 1950 considerado o período 17502000 Eis um resumo de seus resultados A segunda metade do século XX é única em toda a história da existência humana na Terra Muitas atividades humanas alcançaram pontos de decolagem em algum momento desse século e se aceleraram fortemente no final dele Os últimos cinquenta anos testemunharam sem dúvida a mais rápida transformação da relação humana com o mundo natural na história da humanidade43 Essa transformação vertiginosa nas relações entre os humanos e o mundo encontrou seu ícone nos 24 indicadores em interação doze indicadores socioeconômicos e doze relativos a mudanças antropogênicas no sistema Terra atualizados em 2015 por Will Steffen e colegas44 até 2010 Como afirmam os autores desse trabalho seminal É difícil superestimar a escala e a velocidade das mudanças No intervalo de tempo de duas gerações ou o tempo de uma única vida a humanidade ou até pouco tempo uma pequena fração dela tornouse uma força geológica em escala planetária45 A dificuldade de apreender intuitivamente as implicações da Grande Aceleração em curso reside no hábito de prefigurar o futuro a partir das experiências e das métricas do passado Nada contudo pode ser mais enganoso para o senso comum do que uma dinâmica de aceleração em especial quando se levam em conta as respostas não lineares do sistema Terra ao aumento e ao acúmulo de perturbações antropogênicas Tomemos por exemplo a elevação do nível do mar No período de 1900 a 1930 a taxa média de elevação do nível do mar era de 06 mm por ano Entre 2014 e 2017 o nível do mar se elevou em média 5 mm por ano e em 2019 ele se elevou 61 mm em relação a 201846 Em apenas um século portanto a rapidez da elevação do nível do mar mais que decuplicou Isso significa que em média essa rapidez duplicou a cada 33 anos passando de 06 mm para 12 mm 24 mm e 48 mm E estamos em via de duplicála mais uma vez talvez antes dos próximos 33 anos Isso se chama crescimento exponencial um tipo de dinâmica que nossa intuição tem dificuldade de apreender em nossa experiência cotidiana Em 2011 James Hansen e Makiko Sato mostravam a magnitude assombrosa de um provável aumento exponencial do nível do mar neste século Conforme o aquecimento aumenta o número de rios de gelo a contribuir para a perda de massa aumentará favorecendo uma resposta não linear mais bem caracterizada por um aumento exponencial do que por um aumento linear Hansen 2007 sugeriu que um tempo de duplicação a cada dez anos era plausível e indicou que tal tempo de duplicação com uma contribuição do manto de gelo de 1 mm por ano para o nível do mar na década de 20052015 levaria a cumulativos cinco metros de aumento do nível do mar em 209547 Em 2016 os mesmos autores ao lado de outros colegas reafirmaram com mais dados os resultados de sua análise Nossa hipótese é de que a perda de massa do gelo mais vulnerável suficiente para aumentar o nível do mar em vários metros aproximase melhor de uma resposta exponencial do que de uma resposta linear Tempos de duplicação de dez vinte ou quarenta anos produzem aumentos de vários metros no nível do mar em cerca de cinquenta cem ou duzentos anos48 A elevação do nível do mar tornouse irreversível Já em seu Terceiro Relatório de Avaliação há pouco mais de vinte anos AR3 2001 o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas IPCC afirmava Projetase que o nível do mar continuará a se elevar por muitos séculos49 O IPCC é verdade não tem integrado a hipótese de aumento exponencial de Hansen e colegas em suas projeções de elevação do nível do mar No entanto em apoio a ela Mohsen Taherkhani e colegas mostram que as probabilidades de inundações extremas na linha costeira dobram aproximadamente a cada cinco anos no futuro50 Segundo as predições de Paul Voosen quando os níveis do mar atingirem 25 cm acima dos níveis de 2000 o que pode ser atingido já em 2040 inundações da linha costeira que ocorrem uma vez por século poderão ocorrer anualmente51 Scott Kulp e Benjamin Strauss do Climate Central projetam enfim que cerca de trezentos milhões de pessoas em seis países da Ásia vivem hoje em terrenos que serão inundados durante as marés altas em meados do século XXI algo impensável poucos anos atrás52 Como afirmam Robert DeConto e David Pollard Hoje estamos medindo a elevação do nível do mar em milímetros por ano Falamos de um potencial para medila em centímetros por ano apenas em decorrência do degelo da Antártida53 Apenas por causa do degelo da Antártida o nível médio do mar pode subir dezenas de centímetros ainda neste século A fratura do Thwaites o maior glaciar do mundo flutuante sobre o Mar de Amundsen na Antártida Ocidental é iminente Segundo os participantes de uma recente expedição à Antártida o Thwaites está realmente se segurando hoje pelas unhas e devemos esperar grandes mudanças em pequenas escalas de tempo no futuro mesmo de um ano para o outro54 Sua fratura desobstruirá o caminho para que imensas quantidades de gelo continental cheguem ao mar Segundo Erin Pettit se a plataforma de gelo oriental de Thwaites colapsar o gelo nesta região poderá fluir até três vezes mais rápido para o mar E se a geleira desabar completamente ela aumentará o nível do mar em 65 cm55 Na Antártida Oriental onde há pouco tempo não se detectava degelo e havia até mesmo aumento do gelo marítimo56 o colapso recente da plataforma de gelo Conger em meados de março de 2022 sob o impacto de temperaturas até 40ºC acima da média histórica marca o primeiro colapso de uma geleira nessa região mais fria do continente e é outro signo do que está por vir57 Tudo o que é possível fazer agora é desacelerar ao máximo esse processo antes que ele salinize deltas e aquíferos destrua as praias e em geral os ecossistemas costeiros torne inhabitável muitas cidades e ameace as usinas nucleares Isso só será possível se as sociedades priorizarem o desmatamento zero e a descarbonização da economia em suma se priorizarem a redução das concentrações atmosféricas de GEE Por ora porém essas concentrações estão aumentando aceleradamente A velocidade crescente do aumento das concentrações atmosféricas de dióxido de carbono CO2 é outro exemplo didático da dificuldade de compreender os desdobramentos das dinâmicas de aceleração Guy Stewart Callendar mal podia imaginar o alcance do que escreveu em 1939 É um lugarcomum a afirmação de que o homem é capaz de acelerar os processos da natureza O homem está agora mudando a composição da atmosfera a uma taxa que deve ser excepcional na escala do tempo geológico58 Isso repitase em 1939 Hoje como afirmava em 2017 Pieter Tans a taxa de crescimento das concentrações de CO2 na atmosfera na última década se deu entre cem e duzentas vezes mais rapidamente do que a Terra experimentou durante a transição da última idade do gelo cerca de 15 mil a 11700 anos antes do presente AP Esse é um choque real para a atmosfera59 Em 2020 uma declaração da Geological Society of London reconhece a singularidade dessa aceleração na escala do tempo geológico A velocidade atual do aquecimento e da mudança de CO2 induzida pelo homem é por assim dizer sem precedentes em todos os registros geológicos com a única exceção conhecida do evento meteorítico instantâneo que causou a extinção dos dinossauros não avíarios há 66 milhões de anos60 Matthias Aengenheyster e colegas expressam o mesmo consenso científico ao afirmar que o sistema Terra está atualmente em um estado de rápido aquecimento sem precedentes mesmo nos registros geológicos61 E mais uma vez estamos diante de uma dinâmica de aceleração entre 1960 e 1969 o aumento do CO2 atmosférico havia evoluído à taxa média anual de 085 partes por milhão ppm62 Nos seis anos entre 2015 e 2020 esse aumento ocorreu a uma taxa média anual de 255 ppm63 A velocidade do aumento dessas concentrações portanto triplicou em apenas meio século Já em 2013 quando as concentrações atmosféricas de CO2 haviam atingido 395 ppm sua taxa de aumento era considerada sem precedentes nos últimos 55 milhões de anos64 Em abril de 2021 elas atingiram 4212 ppm as mais altas dos últimos três milhões de anos sendo que as concentrações típicas do Holoceno 11700 AP até 1950 não excediam 280 ppm Como bem diz Ken Caldeira Estamos recriando o mundo dos dinossauros cinco mil vezes mais rápido65 Isso significa que a escala de tempo geológico colapsou na escala do tempo histórico de poucas décadas Em termos de nossa capacidade de perturbar coordenadas cruciais do sistema Terra dez anos de nossa história presente equivalem agora por assim dizer a séculos de nossa história pregressa 4 Até 2030 o consenso científico sobre o caráter decisivo deste decênio Tudo o que foi precedentemente afirmado sobre a especificidade do nosso tempo sobre a caracterização do processo de colapso em curso e sobre a dificuldade de apreender intuitivamente as dinâmicas de aceleração permite compreender melhor o alcance da frase de Will Steffen citada em epígrafe Ela resume a situação da humanidade hoje Estamos agora numa bifurcação Não teremos outra década para hesitar como fizemos na década passada Aos que ainda continuam a se fiar em mudanças incrementais em responsabilidade corporativa em mercados de carbono ou em balas de prata tecnológicas a afirmação precedente parecerá à primeira vista descabida pois não a vemos refletida na pauta das negociações diplomáticas nos programas partidários nos currículos escolares e universitários nas análises políticas e no receituário dos economistas Malgrado os esforços da coalizão jornalística Covering Climate Now criada em 201966 os jornais em geral não a estampam em suas manchetes ressaltese de resto que nenhum veículo da imprensa convencional brasileira aderiu a essa coalizão Os eleitores em sua esmagadora maioria desconhecem ou preferem ignorar a iminência do caos e em todo caso não orientam suas escolhas políticas pela percepção de que este decênio oferece a última oportunidade para se desviar da trajetória de um planeta crescentemente inabitável Escapa ainda às sociedades em geral a percepção da iminência de seu desastre Nem mesmo a maior parte dos atores engajados nas campanhas e debates em torno dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ODS ou da Convenção sobre Diversidade Biológica CDB se reconhece hoje num veredito tão extremo E no entanto ele exprime um consenso científico bem estabelecido O que se pretende mostrar a seguir é a força desse consenso bem como a resistência que lhe opõe a lógica do sistema econômico vigente defendida por seus ideólogos que poderíamos agrupar sob o termo de gradualistas Há mais de cinquenta anos a comunidade científica vem se mobilizando para comunicar às sociedades a inviabilidade crescente do regime energéticoalimentar vigente imposto pela economia da acumulação As primeiras manifestações da comunidade científica em 1972 os já citados Only One Earth Blueprint for Survival e Limites do crescimento assim como a World Cientists Warning to Humanity de 199267 eram apenas os primeiros passos dessa mobilização que dá um salto de radicalidade no segundo decênio do século XXI Em 2013 Anthony Barnosky e colegas publicaram o Scientific Consensus on Maintaining Humanitys Life Support Systems in the 21st Century Information for Policy Makers endossado por mais de 3700 assinaturas68 Em 2017 2020 e 2021 William Ripple e colegas publicaram três advertências sobre a emergência ambiental e climática subscritas por dezenas de milhares de cientistas de mais de 180 países69 Em 2021 seus signatários afirmaram Há um surto sem precedentes de desastres relacionados ao clima desde 2019 incluindo inundações devastadoras na América do Sul e no Sudeste Asiático recordes avassaladores de ondas de calor e incêndios florestais na Austrália e no oeste dos Estados Unidos uma temporada extraordinária de furacões no Atlântico e ciclones destruidores na África no Sul da Ásia e no Pacífico Ocidental Há também crescente evidência de que estamos nos aproximando ou já cruzamos pontos de inflexão associados a elementos críticos do sistema Terra incluindo as camadas de gelo da Antártida Ocidental e da Groenlândia recifes de coral tropicais e a floresta amazônica Diante desses desenvolvimentos alarmantes precisamos de atualizações rápidas frequentes e facilmente acessíveis sobre a emergência climática70 Os dois mais importantes coletivos científicos da atualidade a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos IPBES71 e o IPCC72 trabalham em conjunto para fornecer essas atualizações e ampliar a consciência do caráter decisivo do momento atual Em junho de 2021 um workshop conjunto dos dois órgãos ressalta um fato de importância transcendental Em cenários de aquecimento associados a pouco sucesso na mitigação do clima RCP 85 projetase uma ruptura abrupta da estrutura da função e dos serviços ecológicos nos sistemas marinhos tropicais até 2030 seguida pela ruptura das florestas tropicais e pelos sistemas de mais alta latitude até 205073 Analisando esse processo de fulminante degradação dos ecossistemas oceânicos Sylvia Earle excientistachefe da National Oceanic and Atmospheric Administration Noaa reitera o prognóstico desse workshop Eis onde estamos agora Eis os próximos dez anos com essa nova consciência dos problemas que criamos para nós mesmos e 2020 deveria ter sido o grande alerta Nós humanos temos de dar ouvidos às leis da natureza e enfrentar a realidade de que estamos causando nossa própria desgraça74 A ONU proclamou a Década da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável 20212030 Decade of Ocean Science for Sustainable Development numa tentativa de reverter o ciclo de declínio da saúde dos oceanos75 Para tanto outro coletivo científico a Intergovernmental Oceanographic Commission IOC criado em 1960 e coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura Unesco lançou o Plano de Implementação da Década do Oceano cuja função é propor a ciência que precisamos para o oceano que queremos À medida que o mundo enfrenta desafios globais como a pandemia de covid19 as mudanças climáticas e a erosão da biodiversidade há poucas dúvidas de que nossa saúde e bemestar dependem da saúde e da resiliência dos ecossistemas oceânicos Devemos tomar medidas para protegêlos agora76 Também para Johan Rockström diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research a perda atual de biodiversidade é tão fulminante que não se pode falar sequer de um prazo tão curto quanto um decênio para revertêla Estamos em um ponto tão perigoso no que se refere à perda de espécies e à destruição de ecossistemas na Terra que temos de deter a queda da biodiversidade o mais cedo possível É chegado o momento de estabelecer perda zero de biodiversidade como meta em 2021 ou 2022 em suma no início deste decênio Perda zero de natureza a partir de agora seria o equivalente a um 15ºC como aquecimento máximo permitido77 Essa avaliação ecoa a de Robert Watson Em uma conferência de imprensa em 2018 o exdiretor da IPBES denunciou as políticas dilatórias no combate à predação da biosfera O tempo para a ação era ontem ou anteontem Os governos reconhecem que temos um problema Agora precisamos de ação mas infelizmente a ação que temos não está no nível requerido Precisamos agir para deter e reverter o uso insustentável da natureza ou correr o risco não apenas de não termos o futuro que queremos mas de não termos a vida que levamos atualmente78 Em 2021 a International Coral Reef Society ICRS em colaboração com o Future Earth Coast o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Pnuma e o International Coral Reef Initiative lançou o relatório Rebuilding Coral Reefs A Decadal Grand Challenge A mensagem central desse documento é clara a sobrevivência dos corais depende claramente do que for feito neste decênio O próximo ano e a próxima década provavelmente oferecem a última chance para entidades internacionais regionais nacionais e locais para mudar a trajetória dos recifes de coral do colapso global a uma recuperação lenta mas constante79 É importante entender o que está em jogo aqui Embora cubram menos de 01 do leito oceânico os recifes de corais abrigam mais de um quarto de todas as espécies de peixes marinhos além de muitas outras espécies de animais marinhos afirma a União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN que adverte que 33 deles globalmente podem ser considerados ameaçados ou criticamente ameaçados80 Na abertura da 47ª reunião do G7 no Reino Unido em junho de 2021 foi a vez de David Attenborough soar o alarme sobre a última janela de oportunidade que o presente decênio ainda oferece O mundo natural hoje está muito diminuído Isso é inegável Nosso clima está esquentando rapidamente Não há dúvida a respeito Nossas sociedades e nações são desiguais e isso é tristemente notório Mas a questão que a ciência nos força a abordar especificamente em 2021 é se em decorrência da combinação desses fatos estamos prestes a desestabilizar todo o planeta Em caso afirmativo então as decisões que fizermos nesta década em particular as decisões feitas pelas nações economicamente mais avançadas são as mais importantes da história da humanidade81 Em 31 de outubro de 2021 em seu discurso proferido na seção de abertura da 26ª Conferência das Partes COP26 David Attenborough elevou ainda mais o tom É assim que nossa história deve terminar Uma história da espécie mais inteligente condenada por sua característica demasiado humana de não conseguir ver a realidade mais ampla na busca de objetivos de curto prazo Precisamos deter as emissões de carbono nesta década82 Se alguém ainda vê hipérboles nessas afirmações convém que preste atenção na linguagem empregada pelos cientistas do IPCC em seus relatórios e declarações recentes Ao apresentar em 2018 o relatório especial do IPCC sobre o aquecimento global de 15C SR15 2018 Debra Roberts83 sublinhava a dimensão histórica transcendental dessa data As decisões que tomarmos hoje são críticas para assegurar um mundo seguro e sustentável para todos agora e no futuro Os próximos poucos anos serão provavelmente os mais importantes de nossa história84 No prefácio desse relatório Petteri Taalas secretáriogeral da Organização Meteorológica Mundial OMM e Joyce Msuya diretoraexecutiva do Pnuma afirmam Sem uma crescente e urgente ambição de mitigação nos próximos anos com uma queda acentuada nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 o aquecimento global ultrapassará 15C nas décadas seguintes levando à perda irreversível dos ecossistemas mais frágeis e a crises seguidas de crises para as pessoas e sociedades mais vulneráveis85 Como veremos nos capítulos 5 a 7 esse patamar de 15C será ultrapassado provavelmente já no presente decênio Uma pesquisa publicada por Will Steffen em 2018 à frente de uma equipe de outras quinze lideranças científicas enfatiza como a trajetória do sistema Terra pelos próximos milênios depende das decisões tomadas nos anos 2020 e 2030 As tendências e decisões sociais e tecnológicas que ocorrerão na próxima década 20212030 ou nas próximas duas décadas podem influenciar significativamente a trajetória do sistema Terra por dezenas a centenas de milhares de anos e potencialmente levar a condições que se assemelham a estados planetários vistos pela última vez há milhões de anos condições que seriam inóspitas para as sociedades humanas atuais e para muitas outras espécies contemporâneas86 Para Johan Rockström coautor do trabalho supracitado o presente decênio se tornou o tema central de um semnúmero de manifestações Em um TED Talk de 2020 intitulado justamente Dez anos para transformar o futuro da humanidade ou desestabilizar o planeta ele afirma Em outro TED Talk dez anos atrás falei sobre os limites planetários que mantinham o planeta num estado em que a humanidade podia prosperar Pensávamos realmente então ter mais tempo Os alertas estavam acesos claro mas ainda não se desencadeara nenhuma mudança irreversível Desde então há crescente evidência de estarmos rapidamente nos distanciando de uma zona de segurança para a humanidade na Terra O clima atingiu um ponto crítico global Corremos o risco de cruzar pontos de inflexão tipping points que levarão o planeta a deixar de ser nosso melhor amigo resiliente amortecendo nossos impactos para começar a trabalhar contra nós amplificando o aquecimento Pela primeira vez somos forçados a considerar que há um risco real de desestabilizar o planeta inteiro É preciso que os próximos dez anos até 2030 vejam a mais profunda transformação que o mundo jamais conheceu Essa é nossa missão Essa é a contagem regressiva87 Rockström voltou à carga em 2021 De acordo com a evidência que temos hoje minha conclusão é de que o que fizermos entre 2020 e 2030 será decisivo para o futuro da humanidade na Terra O futuro não está determinado O futuro está em nossas mãos O que acontecerá no próximo século será determinado pelo modo como jogarmos nossas cartas neste próximo decênio88 Acerca da necessidade de reduzir as emissões de GEE pela metade até 2030 em relação aos níveis de 2010 Alok Sharma presidente da COP26 adotou a mesma linguagem Este é nosso momento Esta é a década decisiva Se não conseguirmos isso exatamente agora receio que as coisas ficarão muito sombrias para as gerações futuras Não temos trinta anos temos na realidade menos de dez anos para acertar89 Sharma ecoava em junho de 2021 a advertência de sir David King que trabalhou para o governo britânico como conselheiro científicochefe 20002007 e como representante especial para as mudanças climáticas 20132017 Em outubro de 2018 por ocasião do Clean Growth Innovation Summit ele se referiu ao terceiro decênio do século como o momento divisor de águas em todo o arco da civilização humana A humanidade está diante do mais sério desafio de sua história O tempo não está mais do nosso lado O que continuarmos a fazer o que inovarmos e o que planejarmos fazer nos próximos dez ou doze anos determinará o futuro da humanidade nos próximos dez mil anos90 Dois artífices do Acordo de Paris Christiana Figueres e seu assessor político Tom RivettCarnac publicaram em 2020 um livro de grande impacto The Future We Choose Surviving the Climate Crisis cuja introdução tem por título como já esperado A década crítica Duas datas 2030 e 2050 resumem seu teor Até 2050 no mais tardar e idealmente até 2040 será necessário emitir apenas a quantidade de GEE que a Terra pode absorver naturalmente através de seus ecossistemas um equilíbrio conhecido como emissões líquidas zero ou neutralidade de carbono Para atingir essa meta cientificamente estabelecida nossas emissões globais de GEE devem estar claramente em declínio no início dos anos 2020 e reduzidas em ao menos 50 até 2030 A meta de reduzir as emissões pela metade até 2030 representa o mínimo absoluto a ser alcançado se quisermos ter pelo menos 50 de chances de proteger a humanidade dos piores impactos Estamos na década crítica Não é exagero dizer que o que fizermos em relação às reduções de emissões até 2030 determinará a qualidade da vida humana neste planeta por centenas de anos se não mais Se não reduzirmos nossas emissões pela metade até 2030 é altamente improvável que consigamos reduzir as emissões pela metade a cada década até chegarmos a zero líquido em 205091 O manifesto sobre a emergência climática lançado em 2018 por setecentos cientistas franceses reafirma quanto o longo prazo depende crucialmente do curto prazo Apenas mudanças imediatas e engajamentos em curto prazo no âmbito de objetivos claros e ambiciosos no horizonte de 2030 podem nos permitir enfrentar o desafio climático Este nos ensina que o longo prazo depende de decisões no curto prazo as quais permitirão às gerações futuras não precisar se resignar ao pior92 Toby Ord é igualmente certeiro ao observar que a ausência atual de radicalidade no combate à emergência climática pode implicar um círculo vicioso de aquecimentos futuros capazes de destruir o potencial da humanidade Contrariamente a muitos outros riscos avaliados a preocupação central aqui ie a emergência climática não é a possibilidade de encontrar nosso fim neste século e sim a possibilidade de que nossas ações agora possam tornar inevitável esse desastre no futuro Se for assim podemos já estar vivendo o tempo de nossa catástrofe existencial o tempo no qual o potencial da humanidade é destruído Se há uma séria chance de que isso ocorra então a ameaça das mudanças climáticas pode ser ainda mais importante do que lhe é tipicamente reconhecido93 Seria de pouco proveito alinhar ainda outras citações de cientistas e coletivos científicos pois a percepção de que estamos no decênio decisivo de nossa história é além de consensual na comunidade científica já largamente compartilhada ao menos em seus discursos por protagonistas do sistema político global e do mundo corporativo Particularmente atento à ciência António Guterres atual secretário geral da ONU adverte incessantemente sobre a necessidade de cessar a guerra contra a natureza Em seu discurso proferido na seção inaugural da COP26 ele denunciou o gradualismo prevalecente e martelou com força redobrada a necessidade de reduzir as emissões globais de GEE em 45 até 2030 no contexto de um discurso sobre a extinção dos humanos É hora de dizer basta Basta de brutalizar a biodiversidade Basta de nos matar com carbono basta de tratar a natureza como uma latrina basta de queimar perfurar e minerar para nos afundar ainda mais nesse caminho Estamos cavando nossas próprias sepulturas Os anúncios recentes de mitigação podem dar a impressão de estarmos a caminho de mudar as coisas Isso é uma ilusão94 5 Um abismo separa o capitalismo das políticas de sobrevivência Se alguém ainda tem dúvidas sobre o caráter decisivo deste decênio para o destino de nossas sociedades os dados coligidos e as análises propostas ao longo deste livro bastarão espero para dissipálas Isso posto meu propósito maior aqui não é apenas sublinhar o fato de estarmos vivendo o momento mais crucial da história da humanidade É também e sobretudo dar maior visibilidade e ressaltar a convergência entre esse ensinamento da ciência e o dos movimentos sociais sobretudo dos jovens dos povos originários dos pequenos e médios agricultores da agroecologia dos vegetarianos dos negros e das feministas pelo clima das periferias das grandes cidades e em geral dos setores mais espoliados estigmatizados e marginalizados das sociedades Esses não são setores sociais são a grande maioria da população humana mas são também os invisíveis os que os algoritmos dos mercados e das redes desconsideram por não existirem como consumidores São é claro as primeiras vítimas do mundo degradado pela mercadoria como tratado no Capítulo 8 seção 82 mas justamente por olharem de fora esse mundo que os ignora é que têm algo de único a ensinar Eis o núcleo desse ensinamento o capitalismo globalizado e isso inclui as sociedades que se qualificam como socialistas é incompatível i com a estabilidade do sistema climático ii com a salvaguarda da biodiversidade iii com um sistema produtivo e alimentar de baixo impacto ambiental iv com a saúde física e mental dos organismos v com a imprescindível minimização da geração de resíduos vi com a diminuição da desigualdade e vii com uma governança política global pacífica e democrática Demonstrar de todas as formas possíveis a incompatibilidade constitutiva entre o capitalismo e essas sete condições de possibilidade de nossa sobrevivência é o objetivo de cada página deste livro O que por ora importa sublinhar é que quanto mais amplos os dados e mais consolidado se torna o consenso científico sobre a aceleração dos desequilíbrios planetários mais o capitalismo globalizado revela a engrenagem exterminadora e a monstruosidade moral que se tornou Pois não é tanto a excepcionalidade da guerra mas o funcionamento normal e perfeitamente consciente de seus danos da economia globalizada que solapa as condições de existência dos seres vivos e isso de modo fulminante e em escala ainda maior do que as guerras tecnológicas dos séculos XX e XXI Se as sociedades pretendem conservar as condições socioambientais que permitem sua existência é chegado o momento de se empenharem na construção de outra civilização com todos os riscos e custos implicados nesse empenho O fim dos subsídios e a imposição de taxas relevantes aos combustíveis fósseis e os esforços diplomáticos para reduzir as emissões de GEE e para zerar o desmatamento são iniciativas obviamente necessárias Mas os que persistem em crer que negociações diplomáticas de gabinete e soluções de mercado ainda podem evitar o pior sabotam o bem comum ou no afã de se enganarem sua própria inteligência Os governantes nunca deixaram de mostrar sua determinação de governar para a elite econômica e para a manutenção dessa economia da destruição Em janeiro de 2021 Joe Biden declarou É chegado o momento de tratar com maior senso de urgência essa ameaça máxima que nos confronta a mudança climática Por isso estou assinando hoje uma ordem executiva para enfrentar a ameaça existencial das mudanças climáticas Essa é uma ameaça existencial95 O valor dessas palavras se mede pelo fato de que em janeiro de 2022 Biden já havia superado Trump na emissão de licenças de extração de petróleo em terras públicas96 em março de 2022 Biden abriu ao mercado as reservas estratégicas de petróleo de seu país à taxa sem precedente histórico de um milhão de barris por dia ao longo de seis meses censurando ademais a indústria de combustíveis fósseis dos Estados Unidos por não aproveitar as nove mil licenças já aprovadas de exploração desses combustíveis97 Em abril de 2022 enfim sua administração decidiu retomar os leilões de licenças para exploração de petróleo e gás em 58 mil hectares de terras públicas federais em nove estados contrariando uma de suas mais explícitas promessas de campanha Em um de seus comícios por exemplo em fevereiro de 2020 Biden exclamara E a propósito chega de exploração de petróleo e gás em terras federais pontofinal Pontofinal Pontofinal Pontofinal And by the way no more drilling on federal lands period Period period period98 A invasão da Ucrânia ofereceulhe uma oportunidade de ouro para tentar suplantar a Rússia no fornecimento global de combustíveis fósseis algo evidentemente mais importante para as elites e para a indústria de combustíveis fósseis do que qualquer ameaça à nossa existência A despeito da ferocidade de seus conflitos Biden Putin e os governos do G20 em geral responsáveis por 80 das emissões globais de GEE comandam em conjunto de resto bastante harmoniosamente o processo em curso de colapso socioambiental É preciso portanto deslegitimálos Isso implica para as sociedades para nós todos a necessidade impreterível de se insurgir contra o sistema político e econômico vigente que não nos representa pois não prioriza nosso direito elementar à simples existência nesse planeta Contribuir para essa insurreição é o papel de todos os cidadãos da grande República de Gaia a qual precisamos construir democraticamente sobre os escombros dos Estados nacionais É preciso abrirse ao ensinamento de Greta Thunberg por exemplo quando afirmava na COP24 em 2018 acerca do sistema econômico global Se é tão impossível achar soluções no interior deste sistema talvez devêssemos mudar o próprio sistema99 Mudálo em que sentido O socialismo do século XX fracassou Tratase de compreender a extensão e as razões desse fracasso aprender com elas e ir muito além dessa experiência pois os ideais de justiça social que suscitaram o socialismo permanecem mais vivos e legítimos que nunca Os que procuram confundir esses ideais com as atrocidades e infâmias cometidas em seu nome apenas se encastelam em pretextos para perpetuar seus próprios privilégios Esses ideais se renovam hoje na forma de um ecossocialismo ou de uma socialecologia em suma de uma ecodemocracia Ao longo do livro e em particular no Capítulo 11 tentarei sugerir alguns parâmetros das rupturas civilizacionais requeridas para a conquista de uma política e de uma sociedade da sobrevivência Mas convém desde logo repisar os oito princípios basilares sobre os quais ela se assenta 1 redução emergencial das diversas desigualdades entre os membros da espécie humana 2 diminuição do consumo humano de materiais e de energia 3 extensão da ideia de sujeito de direito às demais espécies à biosfera e às paisagens naturais 4 restauração e ampliação das reservas naturais e das reservas indígenas a serem consideradas como santuários inacessíveis aos mercados globais 5 desmantelamento da economia global e transição para uma civilização descarbonizada 6 desglobalização do sistema alimentar e sua transição para uma alimentação baseada em nutrientes vegetais 7 o arcabouço jurídico internacional vigente deve superar o axioma da soberania nacional absoluta em benefício de uma soberania nacional relativa 8 a aceleração da transição demográfica aumenta as chances de sucesso das rupturas acima enunciadas Esses oito princípios constituem a meu ver a moldura de referência de um programa de ação política concreta que caberá às sociedades coletivamente formular e desenvolver Ele não será realizado obviamente neste decênio crucial mas se até 2030 não tivermos avançado significativamente em sua direção teremos com toda a probabilidade perdido o último decênio para agir de modo a evitar o pior E o pior começa pela catástrofe de um aquecimento médio superficial global acima ou muito acima de 2C em relação ao período préindustrial que pode ser atingido antes de meados do século O que formos capazes de realizar nos próximos anos para criar uma democracia global apta a superar os padrões e as expectativas atuais de crescente consumo energético de aniquilação biológica e de unilateralismo nacionalista decidirá o potencial e mesmo o destino da civilização humana Mantida a atual trajetória não se exclui mais que esse destino seja o mesmo que o de milhares de outras formas de vida a que o sistema econômico globalizado está hoje condenando Parte I 3 A necessidade de preparar alimentos com técnicas que permitem o aumento do prazo de conservação das refeições e a criação de pratos diferenciados para a sobrevivência estimulou a criação de receitas culinárias utilizando processos e técnicas de conservação que resultaram nos alimentos enlatados A ruptura impreterível no sistema alimentar A aniquilação biológica A biodiversidade a diversidade nas espécies entre espécies e dos ecossistemas está diminuindo mais velozmente do que em qualquer outro momento da história humana IPBES1 O futuro da vida na Terra e do bemestar humano depende das ações que tomarmos para reduzir a extinção de populações e espécies nas próximas duas décadas Gerardo Ceballos Paul Ehrlich2 Tal como a emergência climática e de modo igualmente perigoso a aniquilação em curso da biodiversidade age de modo sistêmico na desestabilização do sistema Terra Esses dois fatores estão intimamente interligados e são as ameaças mais cruciais à habitabilidade do planeta seja por sua ação direta e suas sinergias seja por seus impactos irreversíveis Os sete capítulos iniciais deste livro dedicamse à análise dessas duas ameaças de suas interações e de seus impactos presentes e futuros a curto prazo No último meio milênio com forte ênfase nos últimos setenta anos vêm se desenvolvendo no planeta os estágios iniciais do sexto evento maior de extinção em massa de espécies desde o final do Ordoviciano3 Ao contrário das cinco anteriores a grande extinção em curso não foi deflagrada por um desastre natural cósmico ou tectônico Tratase da primeira grande extinção de caráter antropogênico na história da vida em nosso planeta4 Mantida a atual trajetória ela pode erradicar três quartos das espécies hoje existentes Ressurge aqui mais uma vez a questão do decênio decisivo pois como afirma Anthony Barnosky da Stanford University A melhor maneira de imaginar a sexta extinção em massa é olhar para fora e então imaginar que três em cada quatro espécies que eram comuns desapareceram Temos essa janela de oportunidade muito curta dez a vinte anos para fazer um progresso significativo Porque caso contrário teremos descido fundo demais nessa trajetória para que ainda seja possível revertêla5 A causa primeira dessas perdas de vida selvagem é a antropização de seus habitats vale dizer a supressão e a degradação de dezenas de milhões de quilômetros quadrados de florestas e de outros habitats selvagens em todas as latitudes do planeta Essa causa tem sido ressaltada de modo reiterado e mais recentemente pela mais importante avaliação do estado atual da biodiversidade proposta em maio de 2019 pela IPBES 75 da superfície da Terra não coberta de gelo está significativamente alterada 66 da área oceânica está sofrendo impactos crescentes e cumulativos e mais de 85 das áreas úmidas foram perdidas6 Como veremos adiante seção 14 são muitas as avaliações da envergadura e da velocidade crescente da eliminação e degradação das coberturas vegetais primárias em diversos períodos considerados desde o início do Holoceno 11700 anos antes do presente AP O que importa desde logo frisar antes da apresentação dos dados é que esse processo é em última instância uma aceleração da Terra em direção ao equilíbrio termodinâmico ou seja em direção a um planeta desprovido do potencial único de síntese e armazenamento energético das plantas Como afirmam John Schramski David Gattie e James Brown A Terra é uma bateria química onde ao longo do tempo evolutivo com uma carga lenta de fotossíntese usando energia solar bilhões de toneladas de biomassa viva foram armazenadas em florestas e outros ecossistemas e em vastas reservas de combustíveis fósseis As leis da termodinâmica que regem a carga residual e a descarga rápida da bateria da Terra são universais e absolutas Com o rápido esgotamento dessa energia química a Terra está voltando ao equilíbrio inóspito do espaço sideral com desdobramentos fundamentais para a biosfera e a humanidade7 Desde o Arqueano talvez mais precisamente entre 34 bilhões e 29 bilhões de anos atrás 8 organismos aptos a realizar fotossíntese começaram gradualmente a converter energia solar difusa de baixa qualidade em energia química de alta qualidade O sistema econômico vigente globalizado inerentemente expansivo e de alto e crescente dispêndio energético está descarregando essa bateria a uma velocidade vertiginosa No ano 1 dC estimam os autores a Terra continha cerca de um trilhão de toneladas de carbono em biomassa viva o equivalente a cerca de 35 zettajoules 1 zj 10²¹ joules de energia química principalmente na forma de árvores nas florestas Em 2000 os humanos reduziramna em 45 para cerca de 550 bilhões de toneladas 1 bilhão de toneladas 1 gigatonelada de carbono na biomassa ou 192 zj sendo 11 esgotados apenas desde 19009 Esses cálculos são coincidentes com os de Thomas Crowther e colegas segundo os quais o número de árvores desde o início das civilizações humanas caiu quase pela metade 46 e segue diminuindo rapidamente hoje mais de quinze bilhões de árvores são derrubadas anualmente10 A invasão e a destruição das florestas e demais biomas pelo sistema econômico globalizado levaram desde os anos 1970 ao atual estado de ultrapassagem overshoot Isso significa que o modelo econômico vigente opera agora como se pudesse dispor de uma área 73 maior do que a do nosso planeta com crescente contração e degradação da biosfera11 A destruição da natureza pelo sistema econômico é um processo ao mesmo tempo criminoso imoral e estúpido cujo absurdo foi posto em evidência por Edward O Wilson Destruir uma floresta tropical para obter ganho econômico é como queimar uma pintura do Renascimento para cozinhar uma refeição12 Não uma pintura mas museus inteiros da biosfera estão sendo queimados nesse processo Sobre suas cinzas objetos manufaturados já nascem como lixo ou se amontoam na antessala do lixo No Capítulo 8 seção 83 discutiremos um trabalho publicado por Emily Elhacham e colegas sobre a superação da biomassa do planeta pela massa antropogênica medidas ambas em unidades de teratoneladas Tt um trilhão de toneladas 10¹⁸ gramas de peso desidratado13 Há ao menos três pontos essenciais a reter desse trabalho no que se refere a essa prevalência do antropogênico sobre o natural 1 a massa antropogênica cresceu explosivamente no século XX duplicando recentemente a cada vinte anos Em 1900 ela era de menos de 01 Tt representando então apenas 3 da biomassa viva plantas animais e microrganismos Por volta de 2020 essa massa antropogênica superou ou está em vias de superar a biomassa viva do planeta 2 hoje todas as plantas da Terra pesam cerca de 1 Tt vale dizer metade de sua massa no início do Holoceno 11700 anos ap 3 mantida a trajetória atual em 2040 a massa antropogênica pesará o triplo da biomassa viva planetária Não por acaso Matthew Canfield e colegas qualificam como cataclísmica a perda em curso de biodiversidade14 Rodolfo Dirzo e colegas falam em defaunação15 James Watson e colegas falam em declínio catastrófico de áreas pouco ou não antropizadas wilderness16 Daniel Pauly fala em destruição ecológica referindose especificamente à biodiversidade marinha17 e ao menos três trabalhos publicados entre 2015 e 2020 por Gerardo Ceballos Anne H Ehrlich e Paul R Ehrlich Peter Raven e novamente Rodolfo Dirzo designam o processo em curso e em aceleração pelo termo adotado neste capítulo aniquilação biológica18 11 Extinções e contrações populacionais de espécies Essa contração da biomassa viva do planeta e da biodiversidade19 sob o peso das atividades econômicas e da proliferação poluidora da massa antropogênica refletese no já referido relatório de avaliação do estado atual da biodiversidade lançado em 2019 pela IPBES20 Ressoa nele um grito de alarme um milhão de espécies ou 125 dos cerca de oito milhões de espécies eucariotas existentes segundo as últimas estimativas estão hoje em trajetória de extinção e muitas podem se extinguir em décadas As ações humanas agora ameaçam de extinção global mais espécies do que nunca Em média cerca de 25 das espécies nos grupos de animais e plantas avaliados estão ameaçadas o que sugere que aproximadamente um milhão já correm risco de extinção e muitas podem desaparecer em décadas a menos que se tomem medidas para reduzir os fatores que impulsionam a perda de biodiversidade Sem essa ação haverá uma nova aceleração na taxa global de extinção de espécies que já é pelo menos dezenas a centenas de vezes maior do que a média nos últimos dez milhões de anos21 Outros modelos de avaliação dos registros fósseis sugerem que a taxa atual global de extinção de espécies em geral pode ser ainda maior que a reportada pela IPBES22 Nos anos 1990 as estimativas das taxas atuais de extinção oscilavam entre cem e mil vezes acima da taxa de base inferida por esses registros23 Em 2005 o Millennium Ecosystem Assessment24 estimava uma taxa de extinções de espécies mil vezes superior à taxa de base e projetava que em 2050 a taxa de extinção viria a ser mais de uma ordem de grandeza maior que as taxas atuais isto é uma taxa pelo menos dez mil vezes maior que a taxa de base Edward O Wilson e os cientistas do BirdLife International cujas estimativas não se restringem às aves admitiram taxas atuais de extinção até dez mil vezes acima da taxa de base25 Em 2014 Jurriaan de Vos e colegas propuseram um número nessa mesma ordem de grandeza baseados em estimativas de um número menor de extinções da taxa de base Uma medidachave do impacto global da humanidade é o quanto as taxas de extinção de espécies aumentaram Declarações usuais são de que essas taxas são cem a mil vezes maiores que as taxas de extinção préhumana ou taxas de base Pesquisadores anteriores optaram por uma referência aproximada de uma extinção por milhão de espécies por ano Concluímos que tipicamente as taxas de base de extinção podem ser próximas a 01 extinção por milhão de espécies por ano Assim as taxas de extinção atuais são mil vezes mais altas do que as taxas de base de extinção e as taxas futuras provavelmente serão dez mil vezes mais altas26 Mais importante talvez que essas diferenças entre as taxas atuais de extinção e as taxas de base sejam elas quais forem é a avaliação dos números absolutos proposta por Rodolfo Dirzo e coautores da mencionada revisão de 2014 Adotando uma estimativa conservadora de cinco milhões a nove milhões de espécies animais no planeta estamos provavelmente perdendo cerca de onze mil a 58 mil espécies anualmente No entanto essa hipótese não considera extirp ações populacionais e declínios na abundância animal dentro das populações27 Milhares ou dezenas de milhares de espécies extintas a cada ano mostram claro está apenas o começo pois sendo a biosfera composta por espécies interdependentes a cada espécie perdida mais frágil e esgarçada se torna a teia de sustentação da vida e mais o processo de extinções em massa pode se acelerar Segundo a IPBES mais de quinhentas mil ou seja cerca de 9 das 59 milhões de espécies terrestres não têm mais habitat suficiente para sobrevivência no longo prazo e estão portanto condenadas à extinção muitas delas no horizonte de décadas a menos que seus habitats sejam restaurados28 Também de acordo com a IPBES as ações humanas já levaram à extinção ao menos 680 espécies de vertebrados desde 150029 Isso significa que essas extinções registradas de vertebrados vêm ocorrendo à taxa média de 13 espécie por ano desde o século XVI o que segundo uma estimativa conservadora representa mais de quinze vezes a taxa de base desde o fim do Cretáceo30 A última atualização versão 20212022 da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza IUCN propõe que em torno de novecentas espécies já estão documentadamente extintas entre vertebrados e invertebrados31 Entre as espécies mais icônicas declaradas extintas nos últimos anos estão a tartarugagigantedegalápagos Chelonoidis niger o rinocerontenegroocidental Diceros bicornis o pássaro limpafolhadonordeste Philydor novaesi a focamongedocaribe Monachus tropicalis o golfinho Baiji do YangTsé Lipotes vexillifer a coruja caburédepernambuco Glaucidium mooreorum a ararinhaazul Spixs macaw ou Cyanopsitta spixii a rana venenosa Oophaga speciosa entre muitas outras Apenas em 2021 22 espécies de animais e uma espécie de planta foram declaradas extintas nos Estados Unidos entre as quais o picapaubicodemarfin ivorybilled woodpecker ou Campephilus principalis32 Como mencionado no Prefácio segundo a última avaliação da IUCN 28 das espécies mais de 38500 entre as 138300 avaliadas correm risco de extinção Essas espécies ameaçadas se distribuem nos grupos taxonômicos indicados na Tabela 11 Tabela 11 Lista Vermelha da IUCN das espécies ameaçadas de extinção entre as 138300 avaliadas Anfíbios Mamíferos Aves Tubarões e raias Recifes de corais Crustáceos selecionados Coníferas 41 26 13 37 33 28 34 Fonte IUCN The IUCN Red List of Threatened Species version 20221 Disponível em httpswwwiucnredlistorg Em nenhum grupo de animais a ameaça de extinção é tão grave e evidente quanto na classe dos Amphibia composta de cerca de sete mil espécies conhecidas 7273 em maio de 201433 6409 das quais avaliadas pela IUCN Embora tenham sobrevivido a múltiplas extinções em massa o declínio abrupto de sua população nos últimos vinte a quarenta anos ocorre em uma escala jamais vista afirmam Philip J Bishop e coautores de um trabalho publicado em 201234 Se hoje 26 das espécies de mamíferos correm risco de extinção até 2050 esse risco pode atingir um terço dessas espécies segundo o World Wide Fund for Nature WWF Quanto às aves das 11121 espécies catalogadas ao menos 40 3967 espécies mostram populações em declínio desde 1998 data da primeira avaliação global abrangente realizada pela BirdLife International Três espécies de aves foram declaradas extintas desde 200035 Entre os répteis Neil Cox e colegas seguindo os mesmos critérios da IUCN mostraram que pelo menos 1829 de 10196 espécies 211 estão ameaçadas Os répteis são ameaçados pelos mesmos fatores principais que ameaçam outros tetrápodes agropecuária extração de madeira desenvolvimento urbano e espécies invasoras embora a ameaça representada pelas mudanças climáticas permaneça incerta36 Segundo os autores desde 1500 31 espécies de répteis já foram extintas e quarenta espécies estão provavelmente extintas isto é têm ainda uma pequena chance de possuir indivíduos remanescentes Espécies criticamente ameaçadas As espécies consideradas pela IUCN como criticamente ameaçadas critically endangered são as que se encontram potencialmente na antessala da extinção A Tabela 12 p 72 mostra em termos absolutos a evolução do número dessas espécies segundo sua distribuição taxonômica em três momentos da Lista Vermelha da IUCN 1998 2018 e 2021 A comparação entre esses três períodos não deve ser considerada em si mesma um indicador seguro de uma tendência ao aumento das espécies em condição crítica pois reflete um aumento no número de espécies avaliadas e também eventuais aperfeiçoamentos da coleta de dados Isso posto ela mostra um aumento desproporcionalmente maior que o aumento do número de espécies avaliadas nesse período 19982021 e sobretudo um salto alarmante de 497 no número de espécies nessa condição crítica no pequeno intervalo de tempo entre 2018 e 2021 O número de espécies de insetos criticamente ameaçadas multiplicouse por 92 entre 1998 e 2021 e aumentou 36 apenas entre 2018 e 2021 Dos insetos trataremos adiante no âmbito dos impactos provocados pelos agrotóxicos seções 18 e 19 É importante desde já assinalar em todo caso que seu declínio atual é um dos aspectos centrais dos alarmes reiterados por diversos cientistas conseguiu crescer lentamente de 8 Mt em 1950 para 22 Mt em 2010 como mostra a Figura 12 p 80 4 os dados reportados à FAO incluem apenas a pesca efetivamente desembarcada nos portos landings e não os descartes em mar efetuados sobretudo pela pesca industrial estimados pelos autores em 27 Mt 10 Mt por ano 5 a indústria pesqueira vinha e vem avançando cada vez mais nos estoques de peixes das zonas marítimas dos países pobres A China por exemplo tem sido repetidamente acusada por diversos países africanos e recentemente por Serra Leoa de superexplorar os pescadores artesanais e de pesca ilegal não regulamentada e não declarada IUU illegal unregulated and unreported em suas águas66 Porém mesmo quando essa pesca é licenciada pelos países africanos em troca de pagamento de royalties mais da metade da pesca nas costas da África Ocidental realizada pelos países da União Europeia China e Rússia é considerada sobrepesca67 Figura 12 Reconstrução do volume global de pesca industrial e artesanal entre 1950 e 2010 em milhões de toneladas Mt Fonte Daniel Pauly Dirk Zeller Catch Reconstructions Reveal that Global Marine Fisheries Catches Are Higher than Reported and Declining Nature Communications v 7 19 jan 2016 fig 4 Ano Perdas em Mha 2002 266 2003 249 2004 34 2005 333 2006 281 2007 29 2008 271 2009 28 2010 33 2011 275 2012 36 2013 264 2014 359 2015 293 2016 613 2017 5 2018 365 2019 375 2020 421 Total 6465 Fonte Mikaela Weisse Elizabeth Goldman Forest Loss Remained Stubbornly High in 2021 World Resources Institute Global Forest Watch sd Disponível em httpsresearchwriorggfrforestpulse Figura 16 Perdas brutas anuais e médias trienais de cobertura arbórea primária nos Trópicos entre 2002 e 2020 em milhões de hectares Mha Fonte Our World in Data Pesticides Average Pesticide Application per Unit of Cropland Measured in Kilograms per Hectare sd Disponível em httpsourworldindataorggrapherpesticideuseperhectareofcroplandtimelatest Esses dados são consistentes com o relatório produzido em 2021 pelo Policy Department for External Relations do Parlamento Europeu segundo o qual o Brasil e a Argentina estão hoje na categoria dos países que utilizam entre 312 e 704 quilos de agrotóxicos por hectare de plantação149 Embora a China ainda use mais que o dobro de agrotóxicos por hectare plantado do que o Brasil nenhum país do mundo multiplicou o uso de agrotóxicos por um fator de 67 em apenas 28 anos 088 para 595 quiloshectare como ocorreu aqui A Figura 17 p 105 mostra a evolução do número de registros de agrotóxicos licenciados para comercialização pelo governo federal brasileiro Ministério da Agricultura Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa e Ibama entre 2005 e 2020 Como é possível observar entre 2005 e 2007 o número de novos registros de agrotóxicos mais que duplicou até se estabilizar entre cem e pouco mais de 150 novos produtos licenciados por ano A partir de 2015 consumada a capitulação do governo de Dilma Rousseff às pressões do agronegócio o número de novos registros explode e mais que triplica até 2020 Pedro Grigori mostra que quase um terço dos mais de três mil agrotóxicos comercializados no Brasil recebeu registro durante os dois anos de governo Bolsonaro e o segundo ano de seu mandato terminou com 493 novos agrotóxicos superando o recorde de 2019 Em 2020 foram licenciados cinco novos princípios ativos dinotefuram piroxasulfone tiencarbazona fenpirazamina e tolfenpirade usados na formulação de treze novos agrotóxicos sendo o tolfenpirade considerado altamente tóxico pela Anvisa Os agrotóxicos produzidos pela China foram os que mais receberam esses novos registros Figura 17 Evolução dos registros de agrotóxicos licenciados para comercialização no Brasil entre 2005 e 2020 Fonte Simon Evans Which Countries Are Historically Responsible for Climate Change Carbon Brief 5 out 2021 Disponível em httpscarbonbrieforganalysiswhichcountries arehistoricallyresponsibleforclimatechange Já em 1900 segundo o levantamento do Carbon Brief países agrários como Argentina Brasil e Índia ocupavam respectivamente a oitava nona e a décima posições entre os dez países com mais emissões cumulativas do planeta Em 1948 a industrialização do Brasil começava apenas a engatinhar Mas o avanço da fronteira agropecuária já havia destruído grande parte do 136 milhão de quilômetros quadrados Mkm2 de Mata Atlântica7 Tal é a razão pela qual o país ocupava a quinta posição entre os países que mais haviam emitido CO2 logo atrás de dois pioneiros da industrialização o Reino Unido e a Alemanha terceira e quarta posições respectivamente E em 2021 países agrários e industrializados competem pelas primeiras posições entre os vinte países com maiores emissões cumulativas desde 1850 O Brasil se apresenta em quarto lugar com 5 das emissões cumulativas totais desde 1850 A Indonésia ocupa a quinta posição com 4 dessas emissões Ambos os países somados respondem por quase metade da fatia de A Figura 26 mostra que as emissões causadas pela pecuária somam 30 das emissões totais de metano 27 provenientes da atividade entérica dos rebanhos Tratase de uma contribuição mais de quatro vezes superior que a das emissões provenientes dos arrozais e substancialmente equivalente à das fontes de emissão de metano provenientes dos combustíveis fósseis e da mineração de carvão 33 Em termos absolutos em 2020 as emissões totais de CH4 somaram 9390 Mt CO2e dos quais 2535 Mt CO2e provieram da atividade entérica dos rebanhos 27 e 281 Mt CO2e da gestão dos dejetos desses rebanhos 3 A Figura 27 p 129 compara as emissões totais de CH4 em 2020 com as emissões projetadas para 2030 em milhões de toneladas de CO2e Mt CO2e segundo suas diversas fontes Elas devem aumentar então cerca de 9 para 10220 Mt CO2e com aumento proporcional das emissões por atividade entérica dos rebanhos Figura 27 Estimativas de emissões totais de metano segundo suas diversas fontes em 2020 e projeções para 2030 em milhões de toneladas de CO2 equivalente Mt CO2e Fonte Environmental Protection Agency EPA Global Anthropogenic NonCO2 Greenhouse Gas Emitions 19902030 dez 2012 Conforme mostra a Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa Seeg de 2020 Em 2019 as emissões do setor de agropecuária brasileiro totalizaram 5987 milhões de toneladas de CO2 equivalente t CO2e um aumento de 11 em relação ao ano de 2018 O subsetor que mais contribuiu com as emissões totais 611 foi a fermentação entérica nome dado ao processo de digestão de celulose no rúmen de animais como bovinos que emitem metano o popular arroto do boi Bovinos de corte e leite respondem por 97 das emissões por fermentação entérica39 A Figura 28 p 129 mostra a contribuição das emissões de metano pelo gado bovino no cômputo das emissões totais da agropecuária no Brasil Figura 28 Emissões de GEE da agropecuária brasileira por subsetor entre 1970 e 2019 em milhões de toneladas de CO2e Fonte Igor Albuquerque et al Seeg 8 Análise das emissões brasileiras de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas de clima no Brasil 19702019 Brasília Observatório do Clima 2020 p 14 Figura 29 Trajetórias das exportações globais de soja Fonte Marcello De Maria et al Global Soybean Trade The Geopolitics of a Bean UK Research and Innovation Global Challenges Research Fund UKRI GCRF Trade Development and the Environment Hub 2020 Os portos dos países exportadores nas Américas e dos países importadores China Europa Oriente Médio estão situados a distâncias que atingem até vinte mil quilômetros Tratase portanto de um comércio superlativamente emissor de GEE em termos absolutos e por unidade de valor comercializado O comércio marítimo é hoje responsável por cerca de 3 das emissões globais de GEE mas as projeções indicam que na ausência de ação climática o setor marítimo internacional poderá representar 17 das emissões globais de CO2 em 205044 A única ação climática consequente nesse caso implica uma nova concepção de alimentação ao mesmo tempo local e baseada em nutrientes vegetais 26 Ineficiência energética do consumo de carne Um grupo de pesquisadores coordenado por Alice Rosa comparou os impactos ambientais entre as dietas onívoras vegetarianas e veganas em relação a emissões de carbono consumo de água e pegada ecológica Eles examinaram a alimentação de 153 italianos adultos 51 onívoros 51 ovolactovegetarianos e 51 veganos considerando a variabilidade interindividual no interior de cada grupo ao longo de sete dias num contexto de vida cotidiana46 Como mostra a Figura 210 p 133 a inclusão da carne em uma dieta onívora potencializa imensamente o impacto ambiental da alimentação humana Figura 210 Comparação entre as dietas onívora O ovolactovegetariana VG e vegana V em relação a 1 emissões de gramas de gases de efeito estufa por dia CO2e 2 consumo de água por dia e 3 m2 de terra global pegada ecológica usados por dia Os valores são médias o desviopadrão de 51 medidas independentes para cada grupo dietético Fonte Alice Rosi et al Environmental Impact of Omnivorous OvoLactoVegetarian and Vegan Diet Scientific Reports v 7 21 jul 2017 27 Insalubridade do consumo de carne encontram apenas nessa região do planeta No caso dos mamíferos concentramse na Amazônia 80 das espécies endêmicas da Terra Tratase da maior biodiversidade aquática em ecossistemas de água doce do mundo e suas espécies de peixes representam 13 a 15 das espécies de peixes de água doce até agora descritas24 Figura 32 Os dezessete países megadiversos por abundância de espécies endêmicas Fonte World Conservation Monitoring Centre Megadiverse Countries 24 dez 2020 Disponível em httpswwwbiodiversityazorgcontentmegadiversecountriespdf de seis relatórios gerais de avaliação 19902022 e de quatro relatórios especiais 2012 2018201915 Figura 41 Observação e projeção do aquecimento médio superficial global até 2019 em C segundo três cenários A B e C em relação ao período 19511980 O cenário A supõe uma taxa de aumento das emissões de CO2 típica dos vinte anos anteriores a 1987 isto é um crescimento a uma taxa de 15 ao ano O cenário B assume taxas estacionárias de aumento das emissões aproximadamente no nível de 1988 O cenário C é de drástica redução dessas emissões atmosféricas no período 19902000 A linha contínua descreve o aquecimento observado até 1987 A faixa cinza recobre o pico de aquecimento durante os períodos Altitermal 6 mil anos AP e Eemiano 120 mil anos AP Fonte J Hansen et al Global Climate Changes as Forecasted by the Goddard Institute for Space Studies Three Dimensional Model Journal of Geophysical Research v 93 n D8 p 934164 20 ago 1988 Fonte Hannah Ritchie Max Roser Our World in Data baseado em Vaclav Smil Energy Transitions Global and National Perspectives para os dados pré1965 e BP Statistical Review of World Energy até 2019 Figura 43 Demanda global de petróleo por produto observada e projetada entre 2019 e 2026 Fonte IEA Oil 2021 Analysis and Forecast to 2026 mar 2021 p 10 Disponível em httpstinyurlcomy85wbenv Figura 44 Produção global de carvão mineral entre 1978 e 2020 por países e regiões do mundo em milhões de toneladas Mt Fonte IEA World Total Coal Production 19712020 13 ago 2021 Disponível em httpswwwieaorgdataandstatisticschartsworldtotalcoalproduction19712019 provisional Em 2020 havia em operação no mundo mais de quatro mil usinas termelétricas movidas a carvão com uma capacidade de geração da ordem 2044 gigawatts GW27 responsáveis por um terço das emissões globais de carbono Em 2021 o número de unidades de geração de energia em operação movidas a carvão diminuiu 099 mas sua capacidade global de geração de energia aumentou 064 em termos líquidos28 Na China na Índia no Japão e nos dez países do Sudeste Asiático que compõem a Association of the South East Asian Nations Asean concentramse cerca de 75 da capacidade instalada e 80 dos investimentos globais em novas usinas termelétricas movidas a carvão29 Apenas na China que representa mais da metade da demanda de carvão do mundo a capacidade operacional das usinas termelétricas movidas a carvão era em 2020 da ordem de 1042 GW30 e havia nesse país em 2021 em fase de construção ou de projeto termelétricas movidas a carvão capazes de gerar um total suplementar de 247 GW Em 2020 o governo chinês aprovou a construção de 47 GW de usinas termelétricas a carvão mais que o triplo da capacidade legalmente permitida em 201931 Em dezembro de 2021 foi inaugurada a primeira de quatro unidades da maior usina termelétrica a carvão em construção na China a usina de Shanghaimiao na Mongólia Interior Entre 2021 e 2025 a China deve construir outras usinas termelétricas movidas a carvão capazes de gerar outros 150 GW levando a capacidade instalada total a 1230 GW32 Na Indonésia no Vietnã nas Filipinas e na Tailândia estão em fase de projeto ou de construção mais 71 GW gerados por usinas movidas a carvão no Japão mais 8 GW Ao lado da China a Europa é outro motor dessa regressão ao carvão sobretudo após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 dado que este país fornecia até há pouco 50 do consumo europeu de carvão A Alemanha e a Áustria estão reativando suas usinas termelétricas movidas a carvão e a Europa como um todo está importando carvão da Tanzânia Nigéria Cazaquistão Austrália África do Sul Colômbia e dos Estados Unidos com forte incentivo para um novo aumento da mineração de carvão nesses países exportadores Em 2022 a exportação de carvão pelos Estados Unidos está sendo a maior dos últimos três anos33 É preciso lembrar que cada nova usina termelétrica inclusive as movidas a carvão implica emissões de GEE por ao menos quarenta anos Figura 45 Participação percentual das diversas fontes na satisfação da demanda global por energia primária entre 2010 e 2019 Essas proporções evocadas por Ian Bremmer podem variar no tempo e segundo os diferentes critérios adotados Por exemplo se a data for 2019 e se o critério adotado for a receita e não reservas quatro das cinco maiores companhias de petróleo e gás do mundo são estatais Sinopec CNPC PetroChina e Saudi Aramco e somam receitas de mais de 15 trilhão de dólares60 Se o critério for volume de produção oito das dez maiores companhias de petróleo do mundo são estatais Saudi Aramco Rosneft KPC Nioc CNPC Petrobras Adnoc e Pemex e produzem mais de trinta milhões de barris de petróleo por dia cerca de um terço da produção global em 201861 Os diferentes critérios de avaliação não alteram contudo a centralidade das corporações estatais no sistema energético global razão pela qual é preciso entender muitos dos Estados nacionais inclusive o brasileiro como Estados corporações62 Richard Heede do Climate Accountability Institute mostrou que entre 1965 e 2017 as vinte maiores corporações de combustíveis fósseis contribuíram com 480 Gt CO2e ou 35 das emissões das mais de 1354 bilhões de toneladas de CO2 e metano CH4 diretamente relacionadas à produção de energia E as doze estatais desse setor contribuíram com 2627 Gt CO2e ou 546 das emissões desse grupo das vinte majors conforme discriminado na Figura 47 Figura 47 As vinte companhias que contribuíram com 480 Gt CO2e ou 35 das emissões globais de 1354 bilhões de CO2 e metano entre 1965 e 2012 doze das quais estatais com suas respectivas contribuições em bilhões de toneladas de CO2e pouco menos ou pouco mais de um quinto das emissões antropogênicas de CO2 ocorreu neste segundo decênio Figura 49 Emissões antropogênicas de CO2 entre 1750 e 2020 das quais 211 ocorreram entre 2011 e 2020 Fonte Engaging Data Cumulative CO2 Emissions Calculator sd Disponível em httpsengagingdatacomcumulativeco2calculator 44 Concentrações atmosféricas de GEE sem precedentes nos últimos três milhões de anos A consequência direta desse imenso aumento das emissões globais de CO2 nos últimos setenta anos é a correlativa aceleração da taxa de incremento das concentrações atmosféricas de CO2 e demais GEE As concentrações atmosféricas préindustriais 17501800 de CO2 eram tipicamente cerca de 280 ppm Seu valor médio anual em 2021 foi de aproximadamente 4143 ppm segundo a agência Copernicus83 Em abril de 2021 elas atingiram um pico de 4212 ppm o mais alto nível dessas mensurações iniciadas em Mauna Loa no Havaí em 195884 17501990 para que o AGGI aumentasse 100 mas somente trinta anos para aumentar outros 47 49 para o CO2 apenas A Figura 411 indica a aceleração da taxa de aumento das concentrações atmosféricas de CO2 desde 1960 Figura 411 Aumento das concentrações atmosféricas de CO2 curva de Keeling entre 1958 e 2021 Fonte Richard Betts et al Guest Post How the Keeling Curve Will Need to Bend to Limit Global Warming to 15C CarbonBrief 12 jan 2022 Disponível em httpstinyurlcom28fj5us8 Nos anos 1960 as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram em média cerca de 1 ppm por ano 088 ppm por ano segundo a National Oceanic and global para o quarto de século 20152040 seja cerca do dobro da taxa de aquecimento de 018C por década durante o período 19702015 a menos que sejam tomadas medidas apropriadas16 Figura 53 Temperatura média global entre 1970 e 2020 em relação à média do período 18801920 A linha reta indica a tendência linear do aquecimento nesse período a linha ligeiramente ondulada indica a média das temperaturas a cada sessenta meses a linha preta fortemente ondulada assinala as variações anuais Os dois cones fornecem o registro de duas erupções vulcânicas maiores El Chichón em 1982 no México e Pinatubo em 1991 nas Filipinas No registro inferior o gráfico apresenta as variações da temperatura superficial do oceano Sea Surface Temperature SST causadas por eventos de El Niño e La Niña em relação à média de 19812010 Observação O El Niño 34 é um índice comumente usado para definir os eventos de El Niño e La Niña Esse índice recorre tipicamente a uma média de cinco meses e esses eventos são definidos quando a temperatura oceânica excede 04C por um período de seis meses ou mais Fonte James Hansen Makiko Sato Global Warming Acceleration Columbia University 14 dez 2020 Disponível em httpstinyurlcommw77mw9j mais longo que em qualquer outro fevereiro103 Em 26 de dezembro de 2021 os termômetros marcaram 194C 67F na Ilha de Kodiak 577N no Alasca um salto de 7C acima do recorde de calor precedente104 Uma onda de calor no inverno europeu de 20212022 trouxe temperaturas absolutamente anômalas em Londres 162C105 em Roma 18C em Catânia na Sicília 22C no sul da França temperaturas acima de 20C em Bilbao na Espanha 247C Nos Alpes a altitudes de 1600 metros foram registradas temperaturas em torno de 15C sem quedas abaixo de 10C mesmo à noite e não há registros de zero grau abaixo de quatro mil metros de altitude Em Cortina dAmpezzo e em Courmayeur famosas estações de esqui situadas a mais de 1200 metros de altitude as temperaturas oscilaram em dezembro de 2021 entre 13C e 15C106 Tabela 53107 Temperaturas máximas entre 45C e 544C entre 2015 e janeiro de 2022 País Temperatura Ano ArgentinaI 45C 2022 Colômbia 45C 2015 Guiné Conakri 45C 2017 África do Sul Cidade do CaboII 452C 2022 Índia Nova DéliIII 454C 2020 França Vérargues Hérault 46C 2019 Estados Unidos Colorado 46C 2019 Chipre 462C 2020 Egito Kharga 47C 2021 Sudão Cartum 47C 2021 Grécia LangadasIV 471C 2021 Estados Unidos Las Vegas 472C 2021 Espanha 473C 2017 Catar Doha 48C 2021 Itália Siracusa SicíliaV 488C 2021 México GallinasVI 488C 2020 Turquia CizreVII 491C 2021 Estados Unidos Chino CalifórniaVIII 494C 2020 uma epidemia de malária e de outras doenças transmissíveis pela água de modo que o saldo de mortes nos próximos meses será muito maior O Paquistão jamais se recuperará por completo dessa catástrofe e tanto mais porque novas calamidades climáticas devem sobrevir em breve numa sequência cada vez mais feroz de eventos climáticos extremos Em visita emergencial ao Paquistão em 10 de setembro de 2022 António Guterres secretáriogeral da ONU declarou com sua habitual lucidez Estamos caminhando para um desastre Travamos uma guerra contra a natureza e a natureza está respondendo de forma devastadora Hoje no Paquistão amanhã em qualquer um de vossos países146 Exato O quinto país mais populoso do mundo ensina hoje à comunidade das nações o que é um colapso ambiental processo complexo e eventualmente abrupto que atingirá num futuro próximo um número crescente de países a começar por sua vizinha a Índia Como bem reitera Sophie Landrin a Índia e o Paquistão se incluem entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas Territórios como o Rajastão correm o risco de se tornar inabitáveis no curto prazo147 Outras regiões nesses dois países se tornarão igualmente inabitáveis Segundo Pangaluru Kishore e colegas Em um cenário de Trajetória de Concentração Representativa 45 RCP 45 Wm2 em 2100 o risco de ondas de calor na Índia deverá aumentar dez vezes durante o século XXI Simulações de modelos indicam a ocorrência de ondas de calor sem precedentes no futuro nunca vistas no período observacional148 As estimativas reportadas por Landrin são de que em cinquenta anos 12 bilhão de pessoas na Índia viverão em áreas tão quentes quanto o Saara se as emissões de GEE continuarem aumentando E elas devem continuar aumentando inclusive com a contribuição da própria Índia país no qual hoje mais de 60 da demanda de energia industrial é atendida pela queima de combustíveis fósseis mais da metade através da queima de carvão E esse aumento do consumo de carvão continuará de par com uma crescente escassez de recursos hídricos De fato a Agência Internacional de Energia AIE reporta projeções segundo as quais mantidas as tendências atuais metade da demanda de água da Índia não será atendida até 2030149 Em The Ministry for the Future 2020 Kim Stanley Robinson propõe uma narrativa cujo ponto de partida é uma onda de calor que extermina vinte milhões de indianos O autor imagina um quadro de traumas individuais e sociais daí de CO2 Gt CO2 com cenários de picos de emissões em 2016 2020 e 2025 A linha pontilhada mostra a trajetória de queda das emissões na hipótese de um orçamento de 800 Gt CO2 Fonte Christiana Figueres et al Three Years to Safeguard Our Climate Nature v 546 29 jun 2017 Nos três cenários por volta de 2030 as emissões deveriam cair cerca de 50 20 gigatoneladas Gt de CO2 em relação aos níveis de 2016 É algo inimaginável numa economia do crescimento pois em 2030 essas emissões precisariam ter regredido aos níveis de 1977 e aos níveis de 1955 em termos de emissões per capita51 Como alertam Christiana Figueres e demais autores desse trabalho atrasar o pico das emissões em uma década deixa demasiado pouco tempo para transformar a economia delaying the peak by a decade gives too little time to transform the economy Por outro lado se o orçamento de carbono for de 800 Gt CO2 sempre com pico das emissões em 2020 obtémse a data de 2050 para zerar as emissões líquidas linha pontilhada mas com um risco maior de exceder o limite de temperatura but at a greater risk of exceeding the temperature limit Por causa do forte El Niño de 20152016 a temperatura média global superou a do período préindustrial em fevereiro de 2016 foi 155C mais alta e em março 15C mais alta Tratase da primeira vez na história das mensurações instrumentais que a temperatura global na média mensal atingiu esse nível Médias mensais são obviamente muito sujeitas a variações naturais Também as médias anuais o são embora forneçam indicadores mais úteis para entender sobretudo quando agregadas em décadas as tendências do sistema climático E ainda assim no que se refere às médias anuais é preciso distinguir dois tipos diferentes de projeção uma diz respeito ao momento em que essa temperatura será atingida ou ultrapassada momentaneamente ao passo que a outra se refere ao momento de sua ultrapassagem consolidada e irreversível Entre as duas há um intervalo de tempo de poucos anos provavelmente de menos de um decênio A Organização Meteorológica Mundial OMM oferece previsões sobre a ultrapassagem momentânea e pela primeira vez do patamar de 15C na média anual Em 2020 ela estimava em 24 as chances de que o limiar de aquecimento médio global 15C viesse a ser ultrapassado em ao menos um ano entre 2020 e 2024 Em 2021 a OMM revisou para cima essa probabilidade Há quase uma chance sobre duas chance de 40 de que um dos próximos cinco anos 20212025 seja ao menos 15C mais quente que os níveis préindustriais e essa chance vem aumentando com o tempo65 A Figura 66 p 291 mostra essa projeção em datas e probabilidades Figura 65 Anomalias de temperatura entre abril de 2015 e março de 2016 em relação ao período de base 18811910 Fonte Climate Central Flirting with the 15C Threshold 20 abr 2016 Disponível em httpswwwclimatecentralorgnewsworldflirtswith15Cthreshold20260 Figura 66 Previsões plurianuais da temperatura média global próxima à superfície em relação a 19812010 eixo vertical esquerdo Eixo direito e colunas embaixo probabilidade de que a temperatura global exceda 15C em relação aos níveis préindustriais em ao menos um ano durante os cinco anos a partir de 2021 O sombreado indica o intervalo de confiança de 90 Abrangendo o período entre 1960 e 2017 o gráfico mostra as temperaturas médias mensais globais superficiais e o aquecimento antropogênico observados sendo o sombreado o intervalo de sua provável variação a partir de dados de HadCRUT4 Gistemp Cowtan Way e Noaa No lado direito do gráfico as faixas sombreadas projetam o aquecimento provável a partir de 2018 até 2100 segundo diversos cenários Em qualquer cenário a linha pontilhada em forma de flecha indica que o aquecimento cruza 15C por volta de 2040 com possibilidades de cruzálo entre 2030 e 2052 mantida a taxa de aquecimento atual Os três cenários projetados sinalizam ultrapassagem overshoot do aquecimento de 15C com maior ou menor probabilidade de retorno a 15C até 2100 O cenário de maior probabilidade de retorno requer que as emissões comecem a declinar em 2020 e que as emissões líquidas sejam zeradas até 2040 Os dois cenários sucessivos apontam emissões líquidas zero atingidas apenas em 2055 com redução dos forçamentos radiativos de outros GEE após 2030 e finalmente o pior cenário mostra não redução de forçamentos radiativos de outros GEE Fonte IPCC Summary for Policymakers In Global Warming of 15C An IPCC Special Report 2018 p 6 Disponível em httpswwwipccchsiteassetsuploadssites2201905SR15SPMversionreportLRpdf Reagindo a esse relatório de 2018 muitos cientistas consideraram o prazo entre 2030 e 2052 com média em 2040 excessivamente conservador A revista Science republicou um artigo de Scott Waldman contendo críticas de parte de climatologistas como Michael E Mann Bob Ward Kevin Trenberth Veerabhadran Ramanathan e Andrea Dunton70 As críticas de Michael Mann diretor do Earth System Science Center da Pennsylvania State University e participante de vários relatórios do IPCC foram incisivas 3 para deter e reverter esse processo em tempo hábil mantendo a habitabilidade de nosso planeta para a nossa espécie e para inúmeras outras é necessário romper com o sistema capitalista consubstanciado nos sistemas alimentar e energético vigentes ambos globalizados e agindo em sinergia Se não é politicamente factível consumar tal ruptura civilizacional neste decênio é preciso ao menos avançar o máximo possível em sua direção Todo o resto por importante que possa ser ou parecer não passa de ilusionismo climático Fonte Ed Dlugokencky Trends in Atmospheric Methane Noaa 5 abr 2022 Disponível em httpsgmlnoaagovccggtrendsch4 O CO2 é um gás de permanência multissecular na atmosfera com uma cauda longa de milênios56 Pieter Tans oferece um exemplo eloquente de seu efeito de longo prazo sobre as temperaturas planetárias Cerca de 40 das emissões do Ford Modelo T de 1911 ainda estão no ar hoje57 Ao contrário do CO2 o metano permanece na atmosfera por somente cerca de 84 a 124 anos No entanto seu potencial de aquecimento global GWP58 é muito maior do que o do CO2 No momento de sua emissão pulso o metano tem um GWP 120 vezes superior ao do CO259 Em 2013 o Quinto Relatório de Avaliação do IPCC atualizou o GWP do metano em 20 tornandoo até cem vezes maior do que o CO2 em um horizonte de cinco anos Devemos lembrar e muitos cientistas infelizmente esquecem que somente desde 2005 existem quantidades substanciais de oceano aberto durante o verão nas plataformas do Ártico Vivemos portanto uma situação totalmente nova com um novo fenômeno de derretimento ocorrendo Chegamos ao ponto em que não devemos mais simplesmente dizer que adicionar CO2 à atmosfera aquece nosso planeta Em vez disso temos de dizer que o CO2 que adicionamos à atmosfera já aqueceu nosso planeta a tal ponto que os processos de feedback de geloneve vêm aumentando o efeito de aquecimento em mais de 50 Não estamos longe do momento em que os próprios feedbacks impulsionarão a mudança ou seja não precisaremos adicionar mais CO2 à atmosfera para obter aquecimento de qualquer maneira103 77 Além de 15C cruzando múltiplos pontos críticos Mesmo se atingida a meta de um aumento nas temperaturas de 15C a 2C estipulada pelo Acordo de Paris não se pode excluir o risco de que uma cascata de retroalimentações possa impelir o sistema Terra irreversivelmente em uma trajetória de Terra Estufa Will Steffen et al104 Em 1990 Frank Rijsberman e R Swart já entendiam que um aumento de 1C na temperatura média do planeta em relação ao período préindustrial se tornara inevitável e que a meta do aquecimento seria manter o planeta tão próximo quanto possível de 1C E avançavam a hipótese de que aumentos de temperatura além de 1C podem provocar respostas rápidas imprevisíveis e não lineares capazes de produzir extensos danos ecossistêmicos Um limite absoluto de temperatura de 2C pode ser visto como um limite superior além do qual se espera que os riscos de danos graves aos ecossistemas e de respostas não lineares aumentem rapidamente105 É exatamente essa a hipótese considerada no trabalho de grande repercussão publicado por Will Steffen e colegas citado em epígrafe Nos próximos dez ou doze anos as concentrações atmosféricas de CO2 devem crescer cerca de 30 partes por Figura 81 Porcentagens das populações adultas de dezessete países que pensam que o mundo está melhorando Fonte Max Roser Most of Us Are Wrong about How the World Has Changed Especially Those Who Are Pessimistic about the Future Our World in Data 27 jul 2018 Disponível em httpsourworldindataorgwrongabouttheworld A pesquisa em questão foi feita com 18235 adultos de dezessete países e partia da seguinte questão Tudo bem considerado você pensa que o mundo está melhorando piorando ou nem uma coisa nem outra Mesmo na China campeã do otimismo a ideia de que o mundo está melhorando não forma maioria Na outra ponta a dos países do assim chamado Ocidente apenas entre 3 e 10 dos indagados acreditam que o mundo vive hoje uma tendência positiva Outra pesquisa da Ipsos Global Trends de 2014 perguntava a cidadãos de vinte países Até que ponto você acha que sua geração terá tido uma vida melhor ou pior do que a da geração de seus pais ou será mais ou menos a mesma Os resultados apresentam uma percepção similar à da pesquisa de 2018 em especial no que tange às respostas dos jovens menos de trinta anos muito mais pessimistas que a média geral como mostra a Tabela 81 p 335 mantinha otimista pois o país colhia os frutos de políticas públicas postas em prática pelo PT a partir de 2003 que trouxeram até 2014 grande melhora na maioria dos índices socioeconômicos e notadamente na diminuição do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza como aponta a Figura 82 p 336 Figura 82 Milhões de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no Brasil entre 1992 e 2017 Fonte Francisco Menezes Pobreza e fome em ascensão Centro de Estudos Estratégicos CEE Fiocruz 29 ago 2019 baseado em IBGE Pnad Contínua 19922017 Disponível em httpsceefiocruzbrqPobrezaefomeemascensao Se a mesma questão fosse colocada aos brasileiros em 2022 após seis anos de crise econômica e de desmonte radical das políticas públicas essa pesquisa traria com toda a probabilidade resultados bem diferentes Em todo caso como indica a Tabela 81 os países de industrialização mais madura lideram o pessimismo sobretudo entre os jovens com resultados variando de 32 Suécia a 12 interligada desses dois dossiês é igualmente indissociável do aumento da poluição industrial e agroindustrial e sobretudo da involução do projeto democrático termo por certo abrangente mas que tem em seu núcleo duro o aumento da desigualdade socioeconômica Em outras palavras as relações dos homens com o sistema Terra estão inextricavelmente ligadas às relações dos homens com os homens Um exemplo imediatamente evidente da íntima interação entre problemas ambientais e sociais é a água O que está em jogo hoje não é só a quantidade decrescente dos recursos hídricos disponíveis ameaçada pelas secas e demais distúrbios antropogênicos no sistema Terra mas também a qualidade desses recursos ameaçada pela poluição e além disso a decrescente capacidade dos mais pobres de ter acesso a água abundante e potável e portanto também aos alimentos pelos quais se pagará cada vez mais Para dizêlo da maneira mais abrangente e concisa possível a ação combinada desses quatro dossiês maiores clima biodiversidade poluição e desigualdades constitui um quadro de progressiva degradação na capacidade das sociedades de fornecer a seus membros os padrões e as expectativas contemporâneas de bemestar e segurança existencial incluindo segurança física sanitária alimentar hídrica econômica e emocional Essa tendência regressiva afeta de modo muito mais dramático é claro os países mais pobres Para muitas nações da América Central da África e da Ásia já não seria mais apropriado falar em tendência regressiva e sim em um inequívoco colapso socioambiental O colapso provavelmente irreversível do Paquistão foi mencionado no Capítulo 5 seção 57 Mas o número de países em tais condições vem aumentando Em cada caso a tragédia resulta de uma determinada combinação de pesos relativos entre fatores sociais e ambientais A imensa desigualdade socioeconômica e a ausência de democracia que exacerbam fanatismos religiosos e rivalidades entre oligarquias e grupos étnicos provocam guerras e morticínios perpetrados por bandos armados obrigando populações famintas a deslocamentos maciços Nos países do Sahel por exemplo entre 2019 e 2021 em decorrência das secas e das guerras o número de pessoas em grave perigo de morrer de fome aumentou dez vezes e o número de migrantes e refugiados em quase 40011 Por sua vez a fome os deslocamentos forçados e o estado quase constante de beligerância entre senhores da guerra nessa região da África exacerbam ainda mais a desigualdade num círculo vicioso que nada tem de apenas conjuntural malgrado os estressores adicionais da pandemia de covid19 e da invasão da Ucrânia pela 1980 2020 Estados Unidos 105 188 França 86 98 Alemanha 98 128 China 66 14 África do Sul 109 219 Reino Unido 72 127 Mundo 175 193 Fonte World Inequality Database Top 1 National Income Share sd Disponível em httpstinyurlcom4eanb4x9 Figura 83 Desigualdade global de renda e de riqueza patrimonial aferida em termos de paridade de poder de compra purchasing power parity PPP Fonte World Inequality Report 2022 Executive Summary sd Disponível em httpswir2022widworldexecutivesummary Basicamente os 10 mais ricos da humanidade possuem mais do que o triplo 76 da riqueza patrimonial dos restantes 90 e 38 vezes mais do que os 50 milhões de adultos27 Segundo Luke Shaefer e Kathryn Edin o número de famílias vivendo com dois dólares ou menos por dia durante ao menos um mês por ano nos Estados Unidos mais que dobrou em quinze anos passando de 636 mil famílias em 1996 para 146 milhão de famílias em 201128 Os dados publicados por Philip Alston relator especial da ONU sobre a pobreza extrema e os direitos humanos nos Estados Unidos revelam alguns aspectos aberrantes da desigualdade e da crise sanitária nesse país29 os cidadãos dos Estados Unidos têm uma expectativa de vida cada vez menor Esta diminuiu de 788 anos em 2019 para 769 anos em 2020 e para 766 anos em 2021 uma perda líquida de 226 anos Em contraste conforme mostra um estudo recente os países com riqueza comparável tiveram uma redução média menor na expectativa de vida entre 2019 e 2020 057 ano e um aumento de 028 ano entre 2020 e 2021 ampliando a diferença na expectativa de vida entre os Estados Unidos e 19 países pares para mais de cinco anos30 os cidadãos desse país têm uma perspectiva de vida mais doentia em comparação com pessoas que vivem em qualquer outra democracia rica e a defasagem de saúde health gap entre os Estados Unidos e países correspondentes de alta renda continua a crescer A resistência ideológica à vacinação nos Estados Unidos é a segunda maior após a Rússia entre os quinze países investigados por um levantamento realizado em 202231 Por outro lado a hipermedicalização induzida pela Big Pharma causou mais de um milhão de mortes nos Estados Unidos apenas no século XXI mais de cem mil mortes apenas em 2021 sobretudo por overdose de analgésicos opiáceos com grande parte das vítimas em idades entre 10 e 24 anos Estimase que entre 2015 e 2019 perderamse 12 milhão de anos de vida apenas nessa faixa etária por overdose dessas drogas32 a taxa de pobreza na juventude é a maior dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE com um quarto dos jovens vivendo na pobreza comparados com 14 dos jovens nos países da ocde os Estados Unidos têm o mais alto Índice de Gini quanto maior maior a desigualdade dos países ocidentais as taxas de mortalidade infantil nos Estados Unidos em 2013 eram as mais altas entre as economias avançadas doenças tropicais negligenciadas incluindo a zika estão crescendo nos Estados Unidos com doze milhões de cidadãos desse país vivendo com infecções parasitárias os Estados Unidos são o país com os maiores índices em absoluto de encarceramento cinco vezes superiores aproximadamente aos demais países da ocde os Estados Unidos são o país com a maior prevalência de obesidade no mundo 307 da população adulta em 19992000 e 424 em 20172018 Na comparação entre esses dois Outra forma de abordar o mesmo problema é através da desigualdade nas emissões de gases de efeito estufa GEE Como mostrou Lucas Chancel do World Inequality Lab36 em 2019 as emissões globais de dióxido de carbono equivalente CO2e atingiram 524 bilhões de toneladas não computadas aqui as emissões provenientes da mudança do uso da terra sobretudo desmatamento ou seja cerca de 66 toneladas per capita Mas os 10 mais ricos da humanidade 771 milhões de indivíduos foram responsáveis por 48 dessas emissões ao passo que os 50 mais pobres da humanidade 38 bilhões de indivíduos respondiam então por apenas 12 delas ou quatro vezes menos do que a média global Enquanto os 10 mais ricos emitiram 31 toneladas de CO2e per capita os 50 mais pobres emitiram cerca de vinte vezes menos 16 t CO2e per capita Já o 1 mais rico da humanidade foi responsável por 17 do total dessas emissões em 2019 Além disso o 1 mais rico emitiu 110 t CO2e per capita ou seja 69 vezes mais que as emissões per capita dos 50 mais pobres da humanidade e cerca de 110 vezes mais que o bilhão de indivíduos mais pobres do planeta que emitiram menos de 1 t CO2e per capita A Figura 85 p 349 resume o essencial dessas desproporções Figura 85 Emissões de CO2e em 2019 segundo a distribuição da riqueza na população mundial forma mostramos que a massa global de plástico produzido é maior do que a massa total de todos os animais terrestres e marinhos combinados46 A United States Geological Society USGS calculou quantas libras 1 libra 0435 kg de minerais são necessárias para uma pessoa em um ano em média nos Estados Unidos Eis os resultados Para manter nosso padrão de vida cada pessoa nos Estados Unidos requer mais de 40630 libras 17674 kg de minerais cada ano Isso é quanto pesa em média um cidadão estadunidense por ano Pedras cascalho e areia compõem de longe os maiores itens Mas um cidadão dos Estados Unidos consome por ano em média 310 kg de cimento 154 kg de alumínio 54 kg de cobre 49 kg de chumbo 27 kg de zinco 23 kg de manganês 113 kg de outros metais e 2648 kg de outros não metais Além disso ele consome por ano em média 1629 kg de carvão 3618 litros de petróleo 956 galões e 101 mil pés cúbicos de gás natural47 Life in plastic its fantastic O plástico está no centro dessa proliferação obscena de massa antropogênica Tratase do material que mais profundamente moldou o mundo e o imaginário contemporâneos Im a Barbie girl in the Barbie world Life in plastic its fantastic Esse refrão de uma canção que faz referência à boneca Barbie48 é o signo da ubiquidade planetária do plástico49 De fato nenhum outro produto industrial cresceu na velocidade da produção do plástico nos últimos setenta anos e as perspectivas são de crescimento ininterrupto num futuro discernível Nesse período a produção de polímeros aumentou quase duzentas vezes passando de dois milhões de toneladas Mt em 1950 para 358 Mt em 2018 e 368 Mt em 201950 E há projeções segundo as quais essa produção pode crescer entre 35 e 4 ao ano vindo a atingir cerca de 550 Mt em 203551 Aceitamse em geral as estimativas de Roland Geyer Jenna Jambeck e Kara Lavender Law52 segundo as quais haviam sido produzidas até 2015 cumulativamente 83 bilhões de toneladas ou gigatoneladas Gt de plásticos virgens o que gerou 63 Gt de lixo plástico dos quais apenas 9 foram reciclados 12 haviam sido incinerados e 79 dispersos nos mais diversos ambientes Até 2050 sempre segundo esses autores 11 Gt de lixo plástico estarão entulhando e enfeiando o planeta Plásticos são encontrados hoje toneladas de substâncias tóxicas são lançadas anualmente no ar na água e no solo A produção de produtos químicos dobrou entre 2000 e 2017 e deve dobrar novamente até 2030 e triplicar até 2050 com a maior parte do crescimento em países não membros da ocde57 84 Intoxicação adoecimento e mortes prematuras as novas zonas de sacrifício David Boyd e Marcos Orellana sublinham a existência de novas zonas de sacrifício termo que designava durante a Guerra Fria áreas que os testes nucleares na atmosfera haviam tornado inabitáveis Hoje uma zona de sacrifício pode ser entendida como um lugar onde os moradores sofrem consequências devastadoras para a saúde física e mental e violações dos direitos humanos como resultado de viverem em focos de poluição e áreas altamente contaminadas58 Elas não se encontram apenas nos países pobres e nas comunidades mais pobres dos países ricos Estimase que haja 28 milhões de sítios contaminados na Europa59 Mais de 250 mil pessoas vivem hoje em zonas de sacrifício nos Estados Unidos onde o risco de câncer causado pela poluição atmosférica é considerado inaceitável pela EPA isto é pelo próprio governo desse país Muitos desses hot spots de poluição se encontram no corredor petroquímico do Texas e da Louisiana o chamado Cancer Alley mas vários outros se encontram na Pensilvânia no Novo México em Illinois no Kentucky e no Tennessee60 Isso no que diz respeito apenas aos riscos de câncer e somente nessas zonas de sacrifício São numerosos os danos à saúde muitos deles gravíssimos causados pela poluição dentro e fora dessas zonas de sacrifício como veremos em seguida Julian Cribb faz notar que além dessas zonas de sacrifício a Terra e toda a vida nela estão sendo saturadas com produtos químicos feitos pelo homem em um evento diferente de tudo o que ocorreu em todos os quatro bilhões de anos da história do nosso planeta61 Uma nova linha de pesquisa a exposômica Os cientistas categorizam agora a Terra como um planeta tóxico62 A letalidade e os danos para a saúde humana e de outras espécies de muitas das mais de 140 mil novas Figura 86 Estimativas de mortes globais em 2015 em milhões de pessoas segundo as principais causas e fatores de risco As linhas verticais nas colunas representam as margens de incerteza Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 p 473 figura 5 baseado em Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 n 10053 2016 p 1459544 Segundo dados da Organização Mundial de Saúde OMS já velhos de um decênio dos 43 milhões de mortes ocorridas em 2012 126 milhões são atribuíveis a alguma forma de poluição do meio ambiente Isso representa 227 de todas as mortes e 26 das mortes de crianças menores de cinco anos71 Nada há de surpreendente nisso pois segundo uma avaliação recente da OMS a quase totalidade da população mundial 99 respira um ar que excede os limites de qualidade estipulados pela OMS e ameaça sua saúde72 Segundo Jos Lelieveld e colegas o excesso de mortalidade global por causa da poluição do ar é estimado em 88 7111041 milhões por ano com uma perda de expectativa de vida de 29 2335 anos um fator duas vezes maior do que as estimativas anteriores superando a letalidade do tabagismo73 Em setembro de 2021 uma declaração de Tedros Adhanom Ghebreyesus diretorgeral da OMS ilustra o que está em jogo Por causa da poluição atmosférica o simples ato de respirar contribui para sete milhões de mortes por ano74 Figura 87 Estimativas de mortes globais por poluição em 2015 em milhões de pessoas segundo suas fontes ar água exposição ocupacional e chumbo As linhas verticais representam as margens de incerteza Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 figura 6 baseado em Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 2016 p 1459544 Poluição tradicional versus poluição industrial Outrora e mesmo durante todo o século XX as doenças e mortes causadas pela poluição decorriam sobretudo da falta ou da precariedade de infraestrutura sanitária Em outras palavras era em particular a contaminação da água e dos alimentos pelo esgoto pelos resíduos dos próprios organismos que adoecia e matava esses mesmos organismos Tratavase portanto de uma poluição orgânica A Figura 88 destaca o advento de algo radicalmente novo na estrutura da poluição no século XXI a partir aproximadamente de 2005 a poluição industrial ou por assim dizer moderna começa a matar mais que a tradicional Figura 88 Evolução das mortes globais causadas por poluição entre 1990 e 2015 em milhões de pessoas segundo as duas categorias de poluição tradicional e industrial Fonte Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 p 474 figura 7 Em Bangladesh Índia Nepal e Paquistão países que com a globalização do capitalismo receberam dos países ricos as indústrias mais poluentes há hoje um equilíbrio entre essas duas categorias de poluição No entanto mesmo em alguns países extremamente pobres da África destinos do lixo moderno dos países ricos as mortes por poluição industrial ganham espaço A Figura 89 mostra os dez países com maior proporção de mortes causadas por essas duas categorias de poluição Figura 89 Os dez países com as maiores porcentagens de mortes por poluição segundo duas categorias de poluição tradicional e moderna Fonte Roger Sathre Environmental Pollution Is a Threat to Global Sustainable Development Institute for Transformative Technologies 12 jun 2017 baseado em Philip J Landrigan et al The Lancet Commission on Pollution and Health The Lancet v 391 n 10119 fev 2018 com dados de Global Burden of Disease 2015 Mortality and Causes of Death Collaborators Global Regional and National Life Expectancy AllCause Mortality and CauseSpecific Mortality for 249 Causes of Death 19802015 A Systematic Analysis for the Global Burden of Disease Study 2015 The Lancet v 388 2016 p 1459544 6 Saudi Aramco 330 7 Volkswagen 283 8 British Petroleum 283 9 Amazon 280 10 Toyota Motor 275 11 Exxon Mobil 265 Corporações direta ou indiretamente ligadas à indústria de combustíveis fósseis Fonte Global 500 Fortune 2020 Disponível em httpsfortunecomglobal5002020search As receitas dessas oito maiores corporações privadas e estatais somam 26 trilhões de dólares Se fossem um país elas seriam o quinto PIB do mundo atrás de Estados Unidos China Japão e Alemanha Além disso das vinte maiores corporações do mundo também por receitas seis estão associadas ao Big Food34 grande responsável pela aniquilação da biosfera e pela intoxicação dos organismos por agrotóxicos Tudo empalidece contudo diante do poder dos grandes asset managers ou gestores de fundos de investimento BlackRock Vanguard e State Street que administram em conjunto mais de 21 trilhões de dólares valor equivalente ao PIB dos Estados Unidos Como visto no Capítulo 9 seção 95 esses famosos Big Three estão entre os maiores canalizadores de recursos para a indústria armamentista e para o comércio de armas do mundo São também os maiores investidores nas empresas que administram as prisões privatizadas e os centros de detenção de imigrantes nos Estados Unidos Para eles guerras prisões aquecimento global e desmatamento são parte dos negócios Enquanto lançam declarações pungentes sobre a necessidade de transição energética35 os Big Three administravam em conjunto em 2019 um portfólio de investimentos da ordem de trezentos bilhões de dólares em combustíveis fósseis com recursos da poupança da sociedade Além disso entre 2015 e 2019 a BlackRock e a Vanguard se opuseram a mais de 80 das moções dos acionistas das corporações de combustíveis fósseis relacionadas à emergência climática36 Os Big Three são ainda os proprietários diretos em conjunto de 27 das ações da Chevron da ExxonMobil e da ConocoPhillips e de 30 de gigantes do sistema alimentar globalizado como a como sonham tantos economistas Ela não é uma operação rentável e portanto racional do ponto de vista do Homo oeconomicus É uma decisão tomada contra os valores e a lógica de uma economia mortífera Essa decisão comporta sacrifícios consideráveis em padrões e expectativas de consumo dos 10 ou 20 mais ricos da humanidade que detêm mais de 90 dos ativos globais Tratase portanto de uma ruptura que enfrentará a oposição renhida dessa minoria que ainda se crê imune ao caos que se avizinha 6 Desglobalização do sistema alimentar e sua transição para uma alimentação baseada em nutrientes vegetais No Capítulo 2 desenvolvi o arrazoado em que se baseia essa proposta e não é necessário retomálo aqui Basta frisar dois pontos i não há avanço possível nessa direção sem uma reforma agrária com radical democratização da propriedade da terra sobretudo num país como o Brasil em que a aberrante concentração dessa propriedade é possivelmente uma das maiores do mundo Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra em 2014 86 dos imóveis rurais brasileiros com até cem hectares ocupavam apenas 15 da área do total dos imóveis rurais ao passo que apenas 3057 imóveis rurais com mais de dez mil hectares equivalente a 0046 do total desses imóveis ocupavam 38 dessa área e somente 365 desses imóveis com mais de cem mil hectares ocupavam 19 dessa área ii construir um sistema alimentar baseado em nutrientes vegetais produzidos por uma agricultura orgânica local variada e respeitosa dos habitats selvagens constitui uma ruptura civilizatória tão premente e crucial quanto a transição do sistema energético para fora dos combustíveis fósseis Não se trata aqui do consumo artesanal de carne das comunidades tradicionais Tratase do consumo baseado na indústria da carne insustentável atentatória à saúde humana aos direitos dos animais e em geral aos equilíbrios do sistema Terra O Brasil é uma peçachave nesse processo Com o maior rebanho bovino do mundo 143 do total mundial o país é também o maior exportador de carne bovina do planeta28 e apenas em 2021 essas exportações alcançaram 18 milhão de toneladas29 Tratase obviamente de uma atrocidade e de uma insanidade Isso posto 76 da carne bovina produzida no Brasil é consumida domesticamente A Figura 112 p 456 apresenta a proporção entre o consumo doméstico de carne bovina e o volume exportado entre 2000 e 2020 bem como os países que mais a importaram em 2019 É claro que esse consumo doméstico por majoritário que seja se restringe cada vez mais ao topo da pirâmide de renda30 mas um ponto central aqui já discutido no Capítulo 2 deve ser mais uma vez reiterado o consumo de carne nos níveis atuais não só não resolverá o problema da fome crescente no Brasil e no mundo como o agravará Figura 112 a Consumo doméstico e exportado de carne bovina entre 2000 e 2020 b principais destinos das exportações brasileiras de carne bovina China Hong Kong Egito Chile Estados Unidos União Europeia e outros por tipo de carne carne fresca inclusive congelada processada e miúdos em 2019 Fonte Barbara Kuepper Tim Steinweg Matt Piotrowski Brazilian Beef Supply Chain Under Pressure Amid Worsening ESG Impacts Chain Reaction Research ago 2020 baseado em dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Abiec e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos 7 O arcabouço jurídico internacional vigente deve superar o axioma da soberania nacional absoluta em benefício de uma soberania nacional relativa 15 Cf Luiz Marques O colapso socioambiental não é um evento é o processo em curso Revista Rosa v 1 n 1 2019 idem Pandemics Existential and NonExistential Risks to Humanity Ambiente Sociedade v 23 2020 16 Cf Catherine E Richards Richard C Lupton Julian M Allwood ReFraming the Threat of Global Warming An Empirical Causal Loop Diagram of Climate Change Food Insecurity and Societal Collapse Climatic Change v 164 n 34 19 fev 2021 There is increasing concern that climate change poses an existential risk to humanity 17 Ibidem There is emerging evidence of amplifying feedbacks accelerating and dampening feedbacks decelerating These feedbacks exacerbate the possibility of runaway global warming estimated at 8C or greater by 2100 Such temperature increases translate to a range of real dangers shifting the narrow climate niche within which humans have resided for millennia 18 Cf IPCC 31a Sessão Bali 2629 out 2009 p 90 A runaway greenhouse effect analogous to Venus appears to have virtually no chance of being induced by anthropogenic activities 19 Cf Yangyang Xu Veerabhadran Ramanathan Well Below 2C Mitigation Strategies for Avoiding Dangerous to Catastrophic Climate Changes PNAS 14 set 2017 15C as dangerous 3C as catastrophic and 5C as unknown implying beyond catastrophic including existential threats With unchecked emissions the central warming can reach the dangerous level within three decades with the LPHI low probability 5 of high impact warming becoming catastrophic by 2050 20 Cf sir Brian Hoskins apud Andrew Simms A Cat in Hells Chance Why Were Losing the Battle to Keep Global Warming below 2C The Guardian 19 jan 2017 We have no evidence that a 19C rise is something we can easily cope with and 21C is a disaster 21 Cf Timothy Lenton et al Climate Tipping Points Too Risky to Bet against Nature v 575 p 5925 28 nov 2019 David I Armstrong McKay et al Exceeding 15C Global Warming Could Trigger Multiple Climate Tipping Points Science v 377 n 6611 9 set 2022 22 Cf Will Steffen et al Trajectories of the Earth System in the Anthropocene Proceedings of the National Academy of Sciences v 115 n 33 p 82529 ago 2018 23 Cf Chi Xu et al Future of the Human Climate Niche PNAS v 117 n 21 p 113505 26 maio 2020 24 Cf Reto Knutti Gabriele C Hegerl The Equilibrium Sensitivity of the Earths Temperature to Radiation Changes Nature Geosciences v 1 p 73543 nov 2008 Reto Knutti Maria A A Rugenstein Gabriele C Hegerl Beyond Equilibrium Climate Sensitivity Nature Geosciences v 10 p 72736 4 nov 2017 Gerald A Meehl et al Context for Interpreting Equilibrium Climate Sensitivity and Transient Climate Response from the CMIP6 Earth System Models Science Advances v 6 n 26 jun 2020 25 Cf Steven C Sherwood et al An Assessment of Earths Climate Sensitivity Using Multiple Lines of Evidence Reviews of Geophysics v 58 n 4 dez 2020 We remain unable to rule out that the sensitivity could be above 45C per doubling of carbon dioxide levels although this is not likely 26 Cf Jeff Tollefson How Hot Will Earth Get by 2100 Nature 22 abr 2020 Even if coal use doesnt rise in a catastrophic way 5C of warming could occur by other means including thawing permafrost Introdução 1 Cf Will Steffen Hot House Earth Our Future in Crisis vídeo 2021 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvwgEYfZDK1Qkt 1347s We are sitting at this fork on the road Were not gonna have another decade to dither like we did the last decade 2 Sobre o conceito de Grande Aceleração cf Will Steffen et al Global Change and the Earth System A Planet Under Pressure Berlim Springer 2004 John McNeil Peter Engelke The Great Acceleration An Environmental History of the Anthropocene since 1945 Cambridge Harvard University Press 2014 Ugo Bardi Extracted How the Quest for Mineral Wealth Is Plundering the Planet Vermont Chelsea Green Publisher 2014 Will Steffen et al The Trajectory of the Anthropocene The Great Acceleration The Anthropocene Review v 2 n 1 p 8198 2015 Richard Monastersky First Atomic Blast Proposed as Start of Anthropocene Nature 16 jan 2015 These radionuclides such as longlived plutonium 239 appeared at much the same time as many other largescale changes wrought by humans in the years immediately following the Second World War Fertilizer started to be mass produced for instance which doubled the amount of reactive nitrogen in the environment and the amount of carbon dioxide in the atmosphere started to surge New plastics spread around the globe and a rise in global commerce carried invasive animal and plant species between continents Furthermore people were increasingly migrating from rural areas to urban centres feeding the growth of megacities This time has been called the Great Acceleration Esses radionuclídeos como o plutônio239 de longa duração apareceram ao mesmo tempo que muitas outras mudanças em grande escala causadas por humanos nos anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial Fertilizantes começaram a ser produzidos maciçamente por exemplo o que dobrou a quantidade de nitrogênio reativo no meio ambiente e a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera começou a crescer Novos plásticos disseminaramse pelo globo e o crescimento do comércio mundial transportou de um continente a outro espécies invasivas animais e vegetais Além disso as pessoas migraram crescentemente das áreas rurais para os centros urbanos alimentando o crescimento das megacidades Esse tempo foi chamado A Grande Aceleração 3 O chamado Manifesto RussellEinstein Notice to the World foi redigido por Bertrand Russell e lançado em Londres em 9 de julho de 1955 com as assinaturas de Max Born Percy W Bridgman Leopold Infeld Frédéric JoliotCurie Hermann J Muller Linus therefore although production rates tend initially to increase exponentially physical limits prevent their continuing to do so 26 Cf Jean Fourastié Les Trente Glorieuses ou la révolution invisible de 1946 à 1975 Paris Fayard 1979 O título alude às Trois Glorieuses as três jornadas gloriosas de julho de 1830 que levaram à derrocada de Carlos X e à instituição de uma monarquia constitucional na França 27 Cf Joseph Schumpeter Capitalism Socialism and Democracy Nova York Routledge 2003 p 84 ed bras Capitalismo socialismo e democracia São Paulo Lebooks 2020 It must be seen in its role in the perennial gale of creative destruction 28 Cf Arnold J Toynbee Mankind and Mother Earth Oxford Oxford University Press 1976 p 5936 The presentday global set of local sovereign states is not capable of keeping the peace and it is also not capable of saving the biosphere from manmade pollution or of conserving the biospheres nonreplaceable natural resources Will mankind murder Mother Earth or will he redeem her This is the enigmatic question which now confronts Man 29 Cf Colin Hutchinson Reaganism Thatcherism and the Social Novel Londres Palgrave Macmillan 2008 30 A WCED foi criada em 1983 pela ONU por iniciativa de seu secretáriogeral Javier Pérez de Cuéllar que convidou Gro Harlem Brundtland para presidir essa comissão Vinculada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Pnuma logo passaria a ser conhecida como Comitê Brundtland Seu objetivo era estabelecer um relatório sobre o meio ambiente formulando ao mesmo tempo estratégias de governança global até 2000 e além capazes de compatibilizar o desenvolvimento econômico e a conservação ecológica 31 Cf Gro Harlem Brundtland Report of the World Commission on Environment and Development Our Common Future Chairmans Foreword 20 mar 1987 There was a time of optimism and progress in the 1960s when there was greater hope for a braver new world and for progressive international ideas Colonies blessed with natural resources were becoming nations The locals of cooperation and sharing seemed to be seriously pursued Paradoxically the 1970s slid slowly into moods of reaction and isolation while at the same time a series of UN conferences offered hope for greater cooperation on major issues The 1972 UN Conference on the Human Environment brought the industrialized and developing nations together to delineate the rights of the human family to a healthy and productive environment A string of such meetings followed on the rights of people to adequate food to sound housing to safe water to access to means of choosing the size of their families The present decade has been marked by a retreat from social concerns Scientists bring to our attention urgent but complex problems bearing on our very survival a warming globe threats to the Earths ozone layer deserts consuming agricultural land 32 Cf Karl Marx O 18 de brumário de Luís Bonaparte Disponível em httpswwwmarxistsorgportuguesmarx1852brumariocap01htm cem a mil vezes maiores do que as que antecediam o domínio terrestre da humanidade Ver também Smithsonian National Museum of Natural History Extinction Over Time sd Disponível em httpstinyurlcom492mpuny Scientists agree that todays extinction rate is hundreds or even thousands of times higher than the natural baseline rate Judging from the fossil record the baseline extinction rate is about one species per every one million species per year Os cientistas concordam que a atual taxa de extinção é centenas ou até mesmo milhares de vezes mais alta do que a taxa natural de base A julgar pelos registros fósseis a taxa natural de base de extinção é de cerca de uma extinção por milhão de espécies por ano Kenneth V Rosenberg et al Decline of the North American Avifauna Science v 366 n 6461 p 1204 4 out 2019 Habitat loss climate change unregulated harvest and other forms of humancaused mortality have contributed to a thousandfold increase in global extinctions in the Anthropocene compared to the presumed prehuman background rate Perda de habitat mudanças climáticas colheitas impróprias e outras formas de mortalidade causadas pelos humanos têm contribuído para aumentar milhares de vezes as extinções globais no Antropoceno em comparação com as taxas presumidas de base no período préhumano 23 Cf John Lawton Robert M May orgs Extinction Rates Oxford Oxford University Press 1995 24 Cf Millennium Ecosystem Assessment Ecosystems and Human WellBeing Synthesis Washington World Resources Institute 2005 p 38 Disponível em httpswwwmillenniumassessmentorgdocumentsdocument356aspxpdf 25 Cf James Randerson Science Weekly Extra E O Wilson on biodiversity Science Weekly podcast 30 nov 2009 26 Cf Jurriaan M de Vos et al Estimating the Normal Background Rate of Species Extinction Conservation Biology v 29 n 2 2014 A key measure of humanitys global impact is by how much it has increased species extinction rates Familiar statements are that these are 1001000 times prehuman or background extinction levels Previous researchers chose an approximate benchmark of 1 extinction per million species per year EMSY We concluded that typical rates of background extinction may be closer to 01 EMSY Thus current extinction rates are 1000 times higher than natural background rates of extinction and future rates are likely to be 10000 times higher 27 Cf Rodolfo Dirzo et al Defaunation in the Anthropocene op cit 2014 p 401 Of a conservatively estimated 5 million to 9 million animal species on the planet we are likely losing 11000 to 58000 species annually 1516 However this does not consider population extirpations and declines in animal abundance within populations 28 Cf Sandra Díaz et al IPBES Summary for Policymakers Advance Unedited Version op cit 2019 p 13 Habitat loss and deterioration largely caused by human actions have reduced global terrestrial habitat integrity by 30 per cent relative to an unimpacted baseline combining that with the longstanding relationship between habitat area and species numbers suggests that around 9 per cent of the worlds estimated 59 million terrestrial species more than 500000 species have insufficient habitat for longterm survival are committed to extinction many within decades unless their habitats are restored established but incomplete 29 Idem p 24 Human actions have already driven at least 680 vertebrate species to extinction since 1500 30 Cf Gerardo Ceballos et al Accelerated Modern HumanInduced Specieslosses Entering the Sixth Mass Extinction Science Advances v 1 n 5 jun 2015 Corey J A Bradshaw et al Underestimating the Challenges of Avoiding a Ghastly Future Frontiers of Conservation Science v 1 13 jan 2021 31 Cf Over 900 Species of Animals Have Become Extinct According to Latest IUCN Red List Down to Earth 5 set 2021 32 Cf Kate Nakamura 22 Animals That Went Extinct in the US in 2021 And How to Take Action for Biodiversity Global Citizen 14 dez 2021 33 Cf Amphibiaweb disponível em wwwamphibiaweborg 34 Cf Philip J Bishop et al The Amphibian Extinction Crisis What Will It Take to Put the Action into the Amphibian Conservation Action Plan Sapiens v 5 n 2 2012 Although amphibians have survived multiple previous global mass extinctions in the last 2040 years precipitous population declines have taken place on a scale not previously seen 35 Cf BirdLife International State of the Worlds Birds Taking the Pulse of the Planet Cambridge BirdLife International 2018 p 112 36 Cf Neil Cox et al A Global Reptile Assessment Highlights Shared Conservation Needs of Tetrapods Nature v 605 27 abr 2022 At least 1829 out of 10196 species 211 are threatened Reptiles are threatened by the same major factors that threaten other tetrapods agriculture logging urban development and invasive species although the threat posed by climate change remains uncertain 37 Cf Gerardo Ceballos Paul R Ehrlich Rodolfo Dirzo Biological Annihilation Via the Ongoing Sixth Mass Extinction Signaled by Vertebrate Population Losses and Declines op cit 2017 The strong focus on species extinctions a critical aspect of the contemporary pulse of biological extinction leads to a common misimpression that Earths biota is not immediately threatened just slowly entering an episode of major biodiversity loss This view overlooks the current trends of population declines and extinctions In the 177 mammals for which we have detailed data all have lost 30 or more of their geographic ranges and more than 40 of the species have experienced severe population declines 80 range shrinkage Our data indicate that beyond global species extinctions Earth is experiencing a huge episode of population declines and extirpations which will have negative cascading consequences on ecosystem functioning and services vital to sustaining civilization We describe this as a biological annihilation to highlight the current magnitude of Earths ongoing sixth major extinction event 71 Cf Nick Watts apud Damian Carrington Climate Change Already a Health Emergency Say Experts The Guardian 28 nov 2018 These are not things happening in 2050 but are things we are already seeing today 72 Cf Tord Kjellstrom et al Estimating Population Heat Exposure and Impacts on Working People in Conjunction with Climate Change International Journal of Biometeorology v 62 p 291306 mar 2018 73 Cf Qi Zhao et al Global Regional and National Burden of Mortality Associated with NonOptimal Ambient Temperatures from 2000 to 2019 op cit 2021 74 Cf Ana Maria VicedoCabrera et al The Burden of HeatRelated Mortality Attributable to Recent HumanInduced Climate Change Nature Climate Change v 11 p 492500 31 maio 2021 75 Ibidem p 498 Health burdens from anthropogenic climate change are occurring are geographically widespread and are nontrivial in many locations the attributable mortality is already on the order of dozens to hundreds of deaths each year 76 Cf Lisa R Leon Abderrezak Bouchama Heat Stroke Comprehensive Physiology v 5 n 2 p 61147 2015 77 Cf Yuming Guo et al Quantifying Excess Deaths Related to Heatwaves under Climate Change Scenarios A Multicountry Time Series Modelling Study Plos Medicine v 15 n 7 2018 78 Cf Juanita Constible Killer Summer Heat Paris Agreement Compliance Could Avert Hundreds of Thousands of Needless Deaths in Americas Cities Natural Resources Defense Council issue paper jun 2017 79 Cf Giovanni Forzieri et al Increasing Risk Over Time of WeatherRelated Hazards to Population A DataDriven Prognostic Study The Lancet Planetary Health v 1 n 1 ago 2017 Weatherrelated disasters could affect about twothirds of the European population annually by the year 2100 351 million people exposed per year uncertainty range 126 million to 523 million during the period 20712100 compared with 5 during the reference period 19812010 25 million people exposed per year 80 Cf After Covid Could the Next Big Killer Be Heatwaves France 24 23 jun 2021 81 Cf Jean Marie Robine et al Death Toll Exceeded 70000 in Europe During the Summer of 2003 Comptes Rendues Biologies v 331 n 2 fev 2008 82 Cf 500 Deaths in Hungary Blamed on European Heat Wave CBC News 24 jul 2007 e Europe Bakes in Summer Heatwave BBC 25 jul 2007 83 Cf Met Office The Russian Heatwave of Summer 2010 sd Disponível em httpswwwmetofficegovukweatherlearnaboutweathercasestudiesrussian heatwave 84 Cf Boris A Revich HeatWave Air Quality and Mortality in European Russia in Summer 2010 Preliminar Assessment Ekologiya ChelovekaHuman Ecology v 7 p 39 2011 121 Cf Marcos Pivetta Ilhas de calor na Amazônia Pesquisa Fapesp v 200 out 2012 Bruno Silva Oliveira Ilhas de calor em centros urbanos DSRInpe sd Disponível em httpsdocplayercombr53311068Ilhasdecaloremcentrosurbanosbrunosilva oliveirahtml 122 Cf IPCC Cities Settlements and Key Infrastructure In Climate Change 2022 Impacts Adaptation and Vulnerability op cit p 23 Globally urban heat stress is projected to reduce labour capacity by 20 in hot months by 49 2050 compared to a current 10 reduction 123 Cf Ban on Working in Sun Arab Times 2 jun 2016 124 Cf Kristina Dahl Rachel Licker Too Hot to Work Assessing the Threats Climate Change Poses to Outdoor Workers Union of Concerned Scientists ago 2021 Outdoor workers in the United States have up to 35 times the risk of dying from heat exposure than does the general population With slow or no action to reduce global emissions and assuming no change in the number of outdoor workers the exposure of the nations outdoor workers to days with a heat index above 100F would increase three or fourfold by midcentury 125 Cf Ethan D Coffel Terence R Thompson Radley M Horton The Impacts of Rising Temperatures on Aircraft Takeoff Performance Climatic Change 13 jul 2017 126 Cf Possible Issues with Flights at McCarran Airport Because of Extreme Heat KTNV Las Vegas 9 jul 2021 127 Cf Marjorie Cessac Jean Jouzel Face au changement climatique nous devons faire de la nature notre alliée Le Monde 5 mar 2022 128 Cf John Cannon Cradle of Transformation The Mediterranean and Climate Change Mongabay 28 abr 2022 129 Cf George Zittis et al BusinessAsUsual Will Lead to Super and UltraExtreme Heatwaves in the Middle East and North Africa Climate and Atmospheric Science v 4 23 mar 2021 Under high greenhouse gas emission and concentration pathways in parts of the Middle East eg near the Arabian Gulf the combined effect of high temperature and humidity is projected to reach or even exceed the thresholds for human adaptability Taking moderate Urban Heat Islands intensities into account we anticipate that the maximum temperature during superextreme and ultraextreme heatwaves in some urban centers and megacities in the Middle East and North Africa could reach or even exceed 60C which would be tremendously disruptive for society Humanity in such locations will depend on indoor and outdoor cooling or will be forced to migrate 130 Cf Renee Obringer et alImplications of Increasing Household Air Conditioning Use Across the United States Under a Warming Climate Earths Future v 10 n 1 29 dez 2021 131 Cf Nick Watt et al The 2018 Report of the Lancet Countdown on Health and Climate Change op cit 2018 Wenjia Kai et al The 2020 China Report of the Lancet Countdown on Health and Climate Change The Lancet Public Health v 6 n 1 jan 2021 22 Cf Andrew Simms A Cat in Hells Chance Why Were Losing the Battle to Keep Global Warming Below 2C The Guardian 19 jan 2017 23 Cf Robin McKie Scientists Warn World Will Miss Key Climate Target The Guardian 6 ago 2016 The 15C goal now looks impossible or at the very least a very very difficult task We should be under no illusions about the task we face 24 Cf Tatiana Schlossberg 2016 Already Shows Record Global Temperatures The New York Times 19 abr 2016 I dont see at all how were going to not go through the 15 degreenumber in the next decade or so 25 Cf Andrew Simms A Cat in Hells Chance op cit 2017 The inertia in the system oceans economies technologies people is substantial and so far the efforts are not commensurate with the goal 26 Ibidem There is no chance whatsoever at current levels of carbon emissions 27 Ibidem We have emitted too much already 28 Ibidem The open question for me is not whether we will breach the 2C target but how soon 29 Ibidem In short not a single one of the scientists polled thought the 2C target likely to be met 30 Cf Charlotta Lomas Schellnhuber Scientists Have to Take the Streets to Counter Climate Denial Deutsche Welle 15 mar 2017 Its quite mindboggling for example by 2030 we have to phase out the combustion engine And we have to completely phase out the use of coal for producing power 31 Cf Simon Evans Rosamund Pearce The Worlds Coal Power Plants CarbonBrief 26 mar 2020 Disponível em httpswwwcarbonbrieforgmappedworldscoalpower plants 32 Cf Jean Jouzel apud Pierre Le Hir Réchauffement climatique la bataille des 2C est presque perdue Le Monde 31 dez 2017 33 Cf James Hansen Makiko Sato Reto Ruedy Global Temperature in 2021 13 jan 2022 Disponível em httpstinyurlcomyp5yxe58 Three factors 1 accelerating greenhouse gas GHG emissions 2 decreasing aerosols 3 the solar irradiance cycle will add to an already recordhigh planetary energy imbalance and drive global temperature beyond the 15C limit likely during the 2020s 34 Cf ONU Conferência das Partes 21a seção Acordo de Paris 30 nov11 dez 2015 Artigo 2 a Holding the increase in the global average temperature to well below 2C above preindustrial levels and pursuing efforts to limit the temperature increase to 15C above preindustrial levels Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2C acima dos níveis préindustriais e envidar esforços para limitar o aumento da temperatura em 15C 35 Cf 2020 The Climate Turning Point 2017 Disponível em httpsmission2020globalwpcontentuploads2021042020TheClimateTurning Pointpdf In the landmark Paris Climate Agreement the worlds nations have committed LUIZ MARQUES é professor livredocente aposentado e colaborador do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas IFCHUnicamp onde foi cofundador do curso de pósgraduação em História da Arte Foi pesquisador convidado no Institut Français de Florence e é autor de ensaios livros e catálogos sobre a tradição clássica sobretudo no âmbito da história da arte da Itália dos séculos XIII ao XVI Entre 1995 e 1997 foi curadorchefe do Museu de Arte de São Paulo Masp Nos últimos quinze anos tem se dedicado à docência e a pesquisas sobre as crises socioambientais contemporâneas Nessa qualidade foi professor convidado na Universidade de Leiden na Holanda e publicou artigos e livros entre os quais Capitalismo e colapso ambiental Editora da Unicamp 2015 publicado em inglês pela Springer 2020 que em 2016 obteve o Prêmio Jabuti e o segundo lugar no Prêmio da Associação Brasileira de Editoras Universitárias Abeu Entre 2017 e 2021 contribuiu regularmente com artigos para o Jornal da Unicamp É atualmente professor sênior da Ilum Escola de Ciência vinculada ao Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais CNPEM e membro do Coletivo 660 nascido do Fórum Social Mundial Diversos de seus artigos estão disponíveis em httpsunicampacademiaeduLuizMarques O financiamento desta publicação integra o Termo de Fomento cdrt n 012020 da Emenda parlamentar n 20204917615 Processo n 01342020 realizado pelo Coletivo660 representado pela Ação Educativa em convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Ciência Tecnologia e Inovação sdecti do Estado de São Paulo Chico Whitaker Dário Bossi Janaina Uemura Jorge Abrahão José Correa Leite Luiz Marques Mauri Cruz Moema Miranda Oded Grajew Salete Valesan Sérgio Haddad Stella Whitaker cc Editora Elefante 2023 cc Luiz Marques 2023 Esta obra pode ser livremente compartilhada copiada distribuída e transmitida desde que as autorias sejam citadas e não se faça uso comercial ou institucional não autorizado de seu conteúdo Primeira edição abril de 2023 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Angélica Ilacqua CRB87057 O decênio decisivo propostas para uma política de sobrevivência Luiz Marques São Paulo Elefante 2023 624 p ISBN 9788593115844 1 Meio ambiente 2 Problemas ambientais 3 Impactos ambientais I Título 230510 CDD 5775 Índices para catálogo sistemático 1 Meio ambiente editoraelefantecombr Aline Tieme vendas editoraelefantegmailcom Katlen Rodrigues mídia fbcomeditoraelefante Leandro Melito redes editoraelefante Samanta Marinho financeiro fontes GT Walsheim Pro Fournier MT Std papel Kraft 240 gm2 e Ivory Slim 65 gm2 impressão BMF Gráfica As fronteiras do neoextrativismo na América Latina Svampa Maristella 9788593115608 192 páginas Compre agora e leia Instigados pelo boom das commodities governos progressistas que chegavam ao poder na América Latina no início do século XXI enxergaram na intensificação da exploração de bens naturais com vistas à exportação uma forma eficaz de enfrentar a crise econômica e de enfim alcançar o sempre distante objetivo de desenvolvimento de suas respectivas nações Como nos mostra a socióloga argentina Maristella Svampa neste livro a consequente intensificação da espoliação da natureza demandada por esse modo de produção logo fez com que em nome do progresso e do desenvolvimento nacional esses mesmos governos não titubeassem em violar direitos humanos e em pôr em risco patrimônios ecológicos Contudo essa nova dinâmica das lutas socioambientais acabou servindo de caldo de cultura para uma nova matriz de resistência social cuja preocupação central é a defesa da terra e do território sustentada por valores ambientalistas autonomistas indígenas comunitários e feministas No começo do século XXI as economias latinoamericanas se viram enormemente favorecidas pelos altos preços internacionais dos produtos primários commodities e começaram a viver um período de crescimento econômico Essa nova conjuntura coincidiu com uma época caracterizada por intensas mobilizações sociais e pelo questionamento do consenso neoliberal e das formas mais tradicionais de representação política Posteriormente em diversos países da região o ciclo de protestos foi coroado pelo surgimento de governos progressistas de esquerda ou centroesquerda que apesar das diferenças combinaram políticas econômicas heterodoxas com a ampliação do gasto social e a inclusão por meio do consumo Teve início então o que foi denominado de ciclo progressista latinoamericano que se estendeu pelo menos até 20152016 Durante esse período de lucro extraordinário para além de referências ideológicas os governos latinoamericanos tenderam a dar ênfase às vantagens comparativas do boom das commodities negando ou minimizando as novas desigualdades e assimetrias econômicas sociais ambientais ou territoriais proporcionadas pela exportação de matériasprimas em grande escala Com o passar dos anos todos os governos latinoamericanos sem exceção possibilitaram a volta com força de uma visão produtivista do desenvolvimento e buscaram negar ou encobrir as discussões acerca das implicações impactos consequências danos do modelo extrativista exportador Mais ainda de modo deliberado multiplicaram os grandes empreendimentos mineradores e as megarrepresas ao mesmo tempo que ampliaram a fronteira petrolífera e agrária a última por meio de monoculturas como soja biocombustíveis e coqueirodedendê Maristella Svampa na introdução Compre agora e leia Tudo sobre o amor hooks bell 9786587235301 272 páginas Compre agora e leia O que é o amor afinal Será esta uma pergunta tão subjetiva tão opaca Para bell hooks quando pulverizamos seu significado ficamos cada vez mais distantes de entendêlo Neste livro primeiro volume de sua Trilogia do Amor a autora procura elucidar o que é de fato o amor seja nas relações familiares românticas e de amizade ou na vivência religiosa Na contramão do pensamento corrente que tantas vezes entende o amor como sinal de fraqueza e irracionalidade bell hooks defende que o amor é mais do que um sentimento é uma ação capaz de transformar o niilismo a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura É através da construção de uma ética amorosa que seremos capazes de edificar uma sociedade verdadeiramente igualitária fundamentada na justiça e no compromisso com o bemestar coletivo Em uma sociedade que considera falar de amor algo naïf a proposta apresentada por bell hooks ao escrever sobre o tema é corajosa e desafiadora E o desafio é colocarmos o amor na centralidade da vida Ao afirmar que começou a pensar e a escrever sobre o amor quando encontrou cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos e que o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa bell hooks faz a defesa da prática transformadora do amor que manda embora o medo e liberta nossa alma Assim ela nos convoca a regressar ao amor Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo falar de amor pode ser revolucionário Silvane Silva no Prefácio à edição brasileira De bala em prosa Vários autores 9786599014109 148 páginas Compre agora e leia O que dizer diante do permanente genocídio negro cometido pelo Estado brasileiro Como descrevêlo De que maneira expressar a justa revolta pelo rastro de sangue que os projéteis oficiais deixam nas periferias das grandes cidades De bala em prosa reúne textos de autores e autoras negras São pessoas diretamente impactadas pela escalada da violência fardada no país A gota dágua que os levou a escrever mais uma dentre tantas que historicamente já transbordaram qualquer nível mínimo de civilidade foi a morte de um músico e um catador de materiais recicláveis no Rio de Janeiro em abril de 2019 Negros ambos foram assassinados pelo Exército que disparou por engano o que no momento foi divulgado como oitenta tiros mas que na verdade eram 257 contra um carro que os militares acharam que tinha sido roubado Os soldados mentiram os governantes desconversaram a imensa maioria da população permaneceu indiferente Pipocos contra gente preta já viraram rotina não causam a comoção que deveriam nem quando chegam à casa das centenas A quem minimamente resolveu se perguntar por quê afinal as autoridades fariam tamanha barbaridade contra cidadãos a caminho de um chá de bebê em um domingo à tarde os textos desta coletânea respondem de diversas maneiras em diversos estilos e sob diversos pontos de vista mas sempre com o peso da experiência de quem sabe que pela cor que indelevelmente carrega na pele está na mira do fuzil e pode ser o próximo a engrossar as estatísticas Eis o grito que ressoa em cada uma destas linhas Quem escreve aqui escreve a partir de um cotidiano claustrofóbico de violência e preconceito com raízes bem fincadas na escravidão Angústia e sensação de impotência escorrem pelas vírgulas e pontos finais Mesmo os textos mais otimistas estão empapados de sangue Boa parte deles se direciona não apenas ao poder estatal que controla reprime encarcera e mata mas aos poucos brancos que conseguem enxergar o racismo estrutural brasileiro mesmo sem sentilo ou compreendêlo Respire fundo Destilado nas próximas páginas está o apelo de quem com a garganta entalada quis transmitir aos vivos a voz dos mortos e dos sobreviventes O genocídio precisa acabar Compre agora e leia O desafio poliamoroso Vasallo Brigitte 9786587235783 238 páginas Compre agora e leia O desafio poliamoroso é uma investigação histórica sobre a centralidade da monogamia em nossas construções amorosas e seus mecanismos de imposição Com o livro Brigitte Vasallo nos convida a uma conceitualização do pensamento monogâmico introduzindo o tema a partir de uma perspectiva feminista antirracista e antilgbtfóbica Ao mesmo tempo oferece um passeio encarnado em sua própria história marcada por experiências e fracassos amorosos em um texto afetivo que estende a mão a quem já tem intimidade com a discussão mas por vezes encontra desamparo no momento de vivenciála Compre agora e leia Calibã e a bruxa Federici Silvia 9788593115301 460 páginas Compre agora e leia As acadêmicas feministas desenvolveram um esquema interpretativo que lança bastante luz sobre duas questões históricas muito importantes como explicar a execução de centenas de milhares de bruxas no começo da Era Moderna e por que o surgimento do capitalismo coincide com essa guerra contra as mulheres Segundo esse esquema a caça às bruxas buscou destruir o controle que as mulheres haviam exercido sobre sua própria função reprodutiva e preparou o terreno para o desenvolvimento de um regime patriarcal mais opressor Essa interpretação também defende que a caça às bruxas tinha raízes nas transformações sociais que acompanharam o surgimento do capitalismo No entanto as circunstâncias históricas específicas em que a perseguição às bruxas se desenvolveu e as razões pelas quais o surgimento do capitalismo exigiu um ataque genocida contra as mulheres ainda não tinham sido investigadas Essa é a tarefa que empreendo em Calibã e a bruxa começando pela análise da caça às bruxas no contexto das crises demográfica e econômica europeias dos séculos XVI e XVII e das políticas de terra e trabalho da época mercantilista Meu esforço aqui é apenas um esboço da pesquisa que seria necessária para esclarecer as conexões mencionadas e especialmente a relação entre a caça às bruxas e o desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que confinou as mulheres ao trabalho reprodutivo No entanto convém demonstrar que a perseguição às bruxas assim como o tráfico de escravos e os cercamentos constituiu um aspecto central da acumulação e da formação do proletariado moderno tanto na Europa como no Novo Mundo Silvia Federici Compre agora e leia

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