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Macroeconomia 1

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O C O N C E I T O D E D I N H E I R O E M K E Y N E S Carlos Aguedo Nagel Paiva O observador deve já possuir o conceito daquilo que há de procurar nas manifestações duma coisa para ver dadeiramente a compreender G F Hegel Introdução à História da Filosofia 1 À guisa de introdução a questão do conceito de dinheiro na tradição póskeynesiana Aparentemente não haveria motivos para se tomar a categoria dinheiro como particularmente polêmica na obra de Keynes De fato dentre o semnúmero de controvérsias que a obra deste autor abriu e que se reproduzem tanto no mterior do póskeynesianismo como nos embates dessa corrente com o mainstream a questão da caracterização mesma do dinheiro tem pouca ou nenhuma expressão E um tal acordo mterpretativo não parece infundado Afmal as duas obras teóricas mais expressivas de Keynes o Treatise on Money e a Teoria Geral do Emprego do Juro e do Dinheiro têm essa categoria ainda que de forma distinta em seu centro A primeira dentre essas obras pretende ser justamente um tratado exaustivo sobre o dmheiro Dividido em dois grossos volumes The Pure Theory of Money e The Applied Theory of Money o Treatise abarca todo um leque de questões que avançam da caracterização mais geral da natureza do dinheiro apanhada a parth do resgate de suas formas lógica e historicamente consideradas até a tentativa de detenninação empfrica da participação relativa no volume total e das velocidades de Contrariando uma das normas da revista que toda citação de original de autor estrangeiro deve vir acompanhada de tradução em português este artigo trabalha diretamente com os textos em inglês dada a peculiaridade do que está em exame A excepcional idade da abordagem e os méritos do conteúdo fornecemnos os argumentos para flexibilizarmos a referida norma Nota do Editor Professor da UFU e doutorando em Economia da UNICAMP Como aparece apenas para citar dois exemplos clássicos em Davidson 1972 em especial caps 7 e 8 e Hicks 1967 particularmente no primeiro conjunto de ensaios intitulado The two triads Vale observar que ambos os autores convergem em resgatar a importância da demanda precauclonal de dinheiro visàvis à demanda especulativa que teria sido sobrevalorizada na literatura keynesiana e divergem no tratamento da demanda transacional que ganha relevância em Davidson enquanto para Hicks it is not ademand for money in the way that the other is There ip no a Transaction Motive bebindit HICKS 1967 p 16 Como consta resgatando uma expressão recente desse debate entre nós em Costa 1993 p 61 e segs e Carvalho 1993 p 114 e segs Para Costa 1993 p 62 o postulado das propriedades da moeda é negligenciável na teoria monetária póskeynesiana o que será duramente criticado por Carvalho a partir da inconsistência das hipóteses horizontalistas que pretensamente sustentariam a posição daquele primeiro É de se notar contudo que para além das diferenças entre os autores ambos tratam equivocadamente do nosso ponto de vista as categorias dinheiro e moeda como absolutamente equivalentes Foi a constatação da recorrência desse equívoco entre autores de reconhecida competência como intérpretes de Keynes que nos estimulou a produzir e a trazer à luz este pequeno trabalho circulação específicas do dinheiro empregado nos circuitos da produção industrial do consumo de bens finais e da circulação financeua na Inglaterra do início do século Por outro lado se na Teoria Geral o dinheiro deixa de ser o objeto por excelência da investigação de Keynes ele vai aparecer como o elemento mediador do processo mais geral de valorização capitalista em sua bifurcação no jogo conflitivo da especu lação e do investimento produtivo E dentro desse quadro o dinheiro será igualmente objeto de investigação e teorização ao longo de toda a obra recebendo tratamento conceituai acurado no mui justamente famoso Capítulo 17 da mesma intitulado As Propriedades Essenciais do Juro e do Dinheiro Ora sujeito a tratamento tão exaustivo não é de se estranhar que a maior parte dos intérpretes de Keynes tome o dmheiro como uma categoria clara e solidamente definida nesse autor O que por sua vez sem conduzir à conclusão de que a teoria monetária keynesiana seja carente de pontos polêmicos o que seria um completo absurdo tende a circunscrever essa polêmica à avaliação crítica da correção e da atualidade dos determinantes da demanda e propriedade do dinheiro Infelizmente porém quer nos parecer que a questão não seja tão simples e que um tal padrão de circunscrição do debate seja responsável por todo um conjunto de incompreensões e desvios interpretativos Desde logo há uma confiisão metodológica séria na pretensão de que se pudesse discutir as funções em sentido mais geral e as propriedades de uma dada categoria sem colocar em discussão o seu próprio conceito Uma tal leitura é prisioneira de uma apreensão materialista vulgar das categorias científicas como se elas fossem coisas portadoras de uma realidade empírica não apenas insuspeita como por si só suficiente para sustentar sua caracterizaçãode finição Só assim a questão de se cabe ao dinheiro uma demanda transacional ou a propriedade de baixa elasticidade de produção não colocaria em xeque o conceito mesmo dessa categoria Afinal dentro dessa perspectiva dinheiro é dinheiro nada mais do que isto Brunner expressa com a máxima nitidez essa leitura ao dizer Money is still best defined in the classical tradition to reter to any object generally accepted and used as a médium of exchange Financial innovation associated with technological or institucional changes do not modify this defmition BRUNNER 1991 p 527 É digno de nota que essa definição tão sucinta quanto equivocada se encontra em um dicionário tomado por muitos como heterodoxo mas que sintomaticamente não comporta o verbete money como se de alguma forma o seu conceito não fosse objeto de polêmica Sintetizada por Minsky1975 p 10 no fato de que A Treatise on Money rests upon the determination of system behavior by a theoretical apparatus based upon production fiinctions and simple preference systems In The General Theory this analytical apparatus is discarded or at least placed in a subordinate position In The General Theory the speculative nature ofasset holding and financing choices dominates productionfünction characteristics in determining investmentoutput De fato há toda uma tradição teórica que se satisfaz com uma tal definição para o mainstream o dinheiro é um pouco essa planitude essa categoria óbvia autoreférida carente de qualquer complexidade ou significação teórica Mas isso só é assim na exata medida em que ao se tomar aí o dinheiro como algo essencialmente uniflincional o meio de troca ele pode ser rigorosamente coisificado identifi candose imediata e impositivarnente com a moeda Ora nada poderia estar mais distante da perspectiva de Keynes Na realidade e ao contrário do que pretenderiam aqueles que tomam essas obras como suficientes para dirimir qualquer polêmica conceimal já no projeto de trabalho que resultará no Tratado sobre o Dinheiro e na Teoria Geral do Emprego do Juro e do Dinheiro fica evidente a insatisfação de Keynes com a pretensão de se tomar essa categoria como óbvia e autoexplicativa Em oposição a tal leitura Keynes vai buscar aí dentre outros movimentos determinar o conceito de dinheiro o que envolve toda uma batalha á máscara de obviedade com que o maisníream asfixiava aquele conceito num jogo contraditório de coisificação e indeterminação abstração Não deixa de ser interessante que um tal movimento tenha escapado a boa parte dos intérpretes mais abalizados de Keynes aparentemente satisfeitos com a redução por assim dizer monetarista do dinlieiro Contudo uma tal confiisão é até certo ponto bastante compreensível Desde logo há que se entender que a obra de Keynes não é um todo homogêneo e contínuo mas uma obra complexa e dinâmica permeada de mpturas que circunscrevem os limites dentro dos quais se pode querer integrar seus distintos desenvolvimentos sobre um mesmo tema Em particular há toda uma distância entie o Treatise e a Teoria Geral que se já foi suficientemente apreendida ao nível mais geral dos determmantes do processo de reprodução econômica ainda não o foi naquilo que diz respeito à leitura do dinheiro que ambas carregam Para ii ao ponto e antecipando desenvolvimentos posteriores a despeito de todos os avanços que o Treatise comporta Keynes não alcançou formular nessa obra um novo conceito de dinheiro E isso na medida mesmo em que sua teoria monetáriofmanceira da produção apenas começava a ser gestada nesse momento o que circunscrevia sua própria leitura das funções do dinheiro bem como a hierarquia destas que é o ftindamento do novo conceito que emergirá na Teoria Geral a uma apropriação crítica da leitiuB clássica Não será preciso dizer contudo que esse ofuscamento acaba por cobrar o seu preço E o preço é a incompreensão de todo um conjunto de desenvolvimentos de Keynes tomados como contraditórios e carentes de concertos e enxertos Na realidade o problema está em que se cash ou currency expressam exclusivamente a idéia de moeda o substantivo money não tem sua acepção restrita à idéia de dinheiro Antes pelo contrário o adjetivo monetary monetário que se deriva de money não só revela a ambigüidade desse substantivo como reforça sua interpretação em um determinado sentido Foi para escapar a essas ambigüi dades terminológicas e para garantir autonomia ao leitor deste artigo na avaliação de nossa própria interpretação do conceito de dinheiro em Keynes que optamos por reproduzir em sua forma original todas as citações extraídas de textos escritos em inglês Em respeito àquele leitor que não tem acesso à edição inglesa da Teoria Geral indicamos com anotação EB apáginaem que as passagens citadas seencontram na edição brasileira da coleção Os Economistas da Abril Cultural KEYNES 1983 É isso que explica o fato de Marx que sem padecer da limitação léxica keynesiana explicitamente diferencia as duas categorias poder ser tão mal interpretado nesse particular que se toma possível a ampla divulgação de um texto pautado exatamente no apagamento da distinção entre dinheiro e moeda como o é A Moeda em Marx de Suzanne de Brunhoff como uma das melhores apresentações da teoria monetária sic marxista Diante disso qualquer limitação no debate póskeynesiano em tomo do conceito de dinheiro em Keynes parece mais do que trivial parece quase natural Como o são para dar apenas dois exemplos tão conspícuos quanto populares os nearmoneys e os Ms 1 2 3 n Como veremos adiante Keynes desenvolverá um sistema analítico próprio para a classificação do dinheiro tão distante da indeterminação da pseudo categoria nearmoney quanto do empirismo vulgar dos Ms numerados Como se isso não bastasse para gerar a incompreensão aludida acima Keynes só vai atingir uma formulação radicalmente nova sobre o dinheiro na medida em que passar a referenciar essa categoria a uma dinâmica mais geral do processo de valorização capitalista Vale dizer sua nova formulação emerge justamente quando o dinheiro enquanto tal deixa de ocupar o epicentro de suas investigações O resultado desse processo é que essa nova determinação conceituai acaba sendo como que ofiiscada pelo conjunto absolutamente revolucionário de desenvolvimentos teóricos que a Teoria Geral comporta Finalmente a contribuir com esse movimento de ofuscamento está toda a força do hábito a força de se pensar nos termos mais tradicionais Força que nesse caso ganha uma impulsão particular a partir de um fato tão prosaico quanto significativo o fato de que a língua inglesa que não é apenas a língua em que Keynes escreve mas a língua da economia política por excelência não comporta duas expressões distintas para as idéias de dinheiro e moeda É bem verdade que essa limitação léxica da língua inglesa não é gratuita mas devese à própria sutileza da distinção entre essas categorias Há de fato uma intersecção estrutural entre as duas que inúmeras vezes se impõe de forma a tornar qualquer distinção teórica ociosa em termos práticos Contudo essa situação limite não corresponde à regra do funcionamento da economia E o reconhecimento desse fato já se expressa particularmente ao nível da tradição anglosaxã da ciência econômicana recorrência dos esforços de qualificação do substantivo money com vistas a explicitar os significados distintos que esse significante comporta 2 A construção do conceito de dinheiro em Keynes 21 A natureza do dinheiro no Treatise on Money Sem sombra de dúvida a despeito das limitações teóricas a que já nos referimos acima o Treatise on Money é um marco no desenvolvimento do conceito de dinheiro em nosso autor De foima particular e considerandoa estritamente no plano dessa questão conceimal essa é a obra onde Keynes leva mais longe o esforço de resgatar a complexidade do objeto dinheiro a partir da análise e da explicitação da multiplici dade de formas e dimensões inerentes a essa categoria Na realidade todo o Livro I The Nature of Money do Treatise de Keynes pode ser lido como uma batalha contra a camisadeforça léxica que aprisiona ao significante money um conjunto multifácetado de significados Money money of account money proper bank money representative money commodity money fiat money managed money state money cwrent money income money business money saving money demand deposit cash deposit cash facüities são expressões que emergem e se alternam ao longo dos três capítulos desse livro na busca de resgatar e de expressar teoricamente as diferenças mais ou menos sutis mais ou menos sistematizadas nesse contexto entre distintas dimensões do dinheiro Dentre as inúmeras distinções levantadas por Keynes vale a pena resgatar sua caracterização de money of account e de money ou money itself tal como aparecem na abertura do primeiro capítulo do Treatise Segundo Keynes Money of account namely that in which debts and prices and general purchasing power are expressed is the primary concept of a theory of money A money of account comes into existence along with debts which are contracts for deferred payment and prices lists which are offers of contracts for sale or purchase Money itself namely that by delivery of which debt contracts and price contracts are discharged and in the shape of which a store of general purchasing power is held derives its character from its relationship to the money of account since the debts and prices must first have been expressed in terais of the latter Something which is merely used as a convenient médium of exchange on the spot may approach to being money inasmuch as it may represent a means of holding general purchasing power But if this is ali we have Como veremos adiante Keynes foi um dos autores que levou mais longe o esforço de caracterização e qualificação das distintas formas e dimensões do dinheiro Infelizmente porém seus esforços não foram suficientes para driblar o complexo jogo de determinantes que alimentou o ofuscamento do caráter revolucionário de sua obra nesse plano particular Os quais por sua vez como é bastante evidente extraímos de Marx em particular do capítulo terceiro do Livro I de O Capital scarcely emerged from the stage of barter Money proper in the fiill sense of the term can only exist in relation to a money of account KEYNES 1979 p3 Desde logo é mais ou menos evidente que em Keynes a categoria money of account é aquela que responde pela fimção medida do valor da economia E isso em um sentido rigoroso como uma função do dinheiro que se diferencia da mera unidade de conta pelo fato de não se referir tãosomente a um instrumento para apreçar tomando comparáveis mercadorias que estão postas já e inexoravelmente em processo de intercâmbio Ao definir o money of account explicitamente como a referência que viabiliza os confratos de débito e crédito Keynes busca tornar clara sua prevalência como instrumento de avaliação do valor e de sua estabilidade para a realização de transações que sg projetam no tempo Por oufro lado Keynes vai caracterizar money como a coisa capaz de cumprir a dupla fimção de médium of exchange on the spot e the shape of which a store of general purchasing power is held Pareceria então que se se resgatam as três funções clássicas do dinheiro a categoria money cumprfria em Keynes a dupla função de meio de froca e reserva de valor o que permitiria interpretar o padrão analítico proposto por esse autor como uma forma particular do critério funcional mais fradicional Feliz ou infelizmente porém a questão é mais complexa do que paiece à primeira vista E isso na medida mesmo em que a opção de Keynes por operar com as categorias money e money of account ao invés de trabalhar com as fimções clássicas diz respeito à preocupação com a possibiüdade de diferenciação objetiva daquelas duas dimensões do dinheiro É o que o autor explicitamente coloca na continuidade da passagem reproduzida acima Perhaps we may elucidate the distinction between money and money of account by sayng that the money of account is the description or title and the money is the thing which answers to the description Now if the same thing always answered to the interest But if the thing can change whilst tlie description remains the same then the distmction can be highly significant KEYNES 1979 p3 Ora o que fica claro aqui é que a dimensão conceitualfimcional do dinheiro cabe em Keynes antes ao money of account do que àquilo que esse autor chama de money E é por isso que money proper in the fitll sense of the term can only exist in relation to a money of accovmt é porque se a coisa money se distingue do money of account ela perde o afributo de ser instmmento de avaliação Ê portanto ÜÊ preservação do valor ao longo do tempo Ela vira pura moeda puro meio de froca Traduzidas as categorias acima nos nossos próprios termos diríamos que para o Keynes do Treatise money proper corresponde ao dinheiro enquanto o money itself ou money the thing corresponde ao ativo monetário portador de fonna Evidentemente para que essa dialética entre sustentação e preservação não se torne um jogo de palavras é preciso que a variação de poder de compra a que está submetida a moeda não seja tão pronunciada a ponto de significar um risco permanente de nãorealização dos planos de compra de agentes que a mantêm consigo por motivos meramente transacionais É interessante observar desde já que a despeito do que pretenderam intérpretes abalizados da obra de Keynes como Hicks 1967 p 18 esse autor não rompeu com a perspectiva do Treatise de tomar o dinheiro como um ativo capaz de proporcionar rendimentos financeiros Os que pretendem o contrário fázemno por não entenderem que a teoria do juro como remuneração pela cedência de liquidez dinheiro busca resgatar os determinantes da taxa de juros relevante da economia aquela que confiontada com a eficiência marginal do capital impõe um freio à acumulação produtiva e nãO de qualquer remuneração monetáriofinanceira que toma a forma de juro Quando se alcança superar essa conftisão fica fácil entender porque para o Keynes da Teoria Geral we can treat as m o n e y any command over general purchasing power which the owner has not parted with for a period in excess of three months It is often convenient in practice to include in money timedeposits with banks and occasionally even such instruments as e g treasury bills As a rule ishall as in my Treatise on money assume that money is coextensive witii bank deposits KEYNES 1978 pl67 EB 122 inalienável ainda que não exclusiva da função meio circulante Se à moeda assim defmida caberá plenamente ou não a função dinheiro é algo que está em ftinção de sua relação com o money of account da economia Mas se a leitura acima está correta porque haveria Keynes caracterizado a moeda o money itself como the shape of which a store of general purchasing power is held Quer nos parecer que a resposta se encontra no fato de que mesmo reconhe cendo a possibilidade de a moeda não cumprh a partir da instabilização de seu poder de compra a função dinheiro da economia Keynes vai pensála rigorosamente como um ativo vale dizer como coisa que se preserva no tempo e que intervém particu larmente em transações onde o intervalo que medeia a decisão e a conclusão de uma compra é não desprezível Assim por ser a moeda o poder de compra coisificado ela é também e conceitualmente a forma em que este poder de compra é susten tado ainda que esta sustentação não implique preservação plena do mesmo Que esta seja a melhor interpretação das intenções de Keynes na passagem considerada acima é algo que fica mais claro no capítulo terceiro do Treatise quando nosso autor introduz uma nova categoria a de cash facilities que sem se identificar com o ativo monetário o money itself corresponde a uma forma particular e tendencialmente hegemônica do meio circulante da economia O ponto de partida dessa nova categoria encontrase no capítulo segundo Bank Money do Treatise Havendo demonshado aí que já no período considerado paia as economias capitalistas mais desenvolvidas current money is predominantly bank money KEYNES 1979 p27 Keynes vai tratar de definir este último a partir da caracterização de cash e savings deposits O primeiro dentre estes segundo o autor roughly corresponds to what Amei icans call demand deposits and we call current accounts com a ressalva de que the oldfasliioned distinction between deposit accounts and cuirent accounts namely that the former eam interest but the latter do not is fást becoming blurred E isso na exata medida em que na concepção de Keynes shortperiod savings deposits are liable to be classified amongst the current accounts rather than the deposit accounts KEYNES 1979 p32 É só por se colocar nessa perspectiva mais ampla que Keynes pode afirmar no bojo mesmo dessa discussão que in the case of large and wellorganised firms the tendency is for their cash accounts to tend on the average reckoning cash deposits pius and overdrafts minus towards zero or at any rate a very low figure partiy by the use of the overdraft and partiy hy investing t e m p o r a r y surpius balances in M l s ar in loans to í M m o n e y market If the minimum balances maintained in pursuance of an agreement for the remuneration of the bank be subhacted í M average cash accounts flf big business reckoned as abovel bear a very small proportion to the v o l u m e of the cheques passing through the accounts But private individuais also are making an everincreasing use of overdraft facilities grifo nosso KEYNES 1979 p 37 Mas se os cash deposits assim definidos correspondem ao conjunto dos ativos monetários bancários eles não correspondem ao conjunto do meio circulante de origem bancária E isso na medida em que os saldos disponíveis em cash deposif não coirespondem ao único meio de prover the ready comand over money which is required fir the convenient transaction of current payments It is provided equally well by the overdraft ie by an arrangement with the bank that an accoimt may be in debit at any time up to an amount not exceeding an agreed figure interest bemg paid not on the agreed maximum debit but on the acüial average debit KEYNES 1979 p36 Só quando associamos os cash deposits ao conjunto dos modernos mecanismos bancários de crédito automático sintetizados por Keynes no termo overdrafts é que alcançamos dimensionar efetivamente os instrumentos monetários ou cash facilities da economia É para esse fato que Keynes chama atenção ao dizer The reader must notice that it is not the amoimt of the customers used overdraft appearing on the asseis side of the banks balance sheet but the amount of bis unesed overdraft which does not at present appear anywhere at ali in a banks statement of its assets and liabilities which corresponds to a cash deposit as a disposable mean of payment so that it is the total of the cash deposits and the unused overdraft facilities outstanding which together make up the total of cash facilities KEYNES 1979 p37 E a relevância dada por Keynes ao fato de que não sendo rigorosamente um ativo there exists in imused overdraft facilities a form of bank money of growing importance of which we have no statistical record whatever grifo nosso KEYNES 1979 p37 Prendese ao fato de que para esse autor the cash facilities are truly cash for the purposes ofthe theory ofthe value of money grifo nosso KEYNES 1979 p38 Ora não nos importa discutir aqui a correção ou incorreção da teoria proposta por Keynes no Treatise em tomo do poder de compra da moeda O que importa isto sim é resgatar o significado da categoria cash facüities na leitura desse autor do desen volvimento das formas monetárias no capitalismo avançado Nesse sentido é preciso ver que Keynes subsume ao que ele chama de overdraft facilities todo um conjunto de movações financeiras onde rigorosamente se incluem movimentos de agilização dos processos de compensação bancária e de ampliação da liquidez de aplicações financeiras formalmente ilíquidas cujo sentido maior é o de maximizar a autonomia do sistema bancário na sustentação e na criação do meio circulante da economia 22 Dinheiro e liquidez na Teoria Geral A transformação imposta por Keynes no eixo do tratamento do dinheiro do Treatise para a Teoria Geral é algo que salta aos olhos do leitor mais desavisado A manifestação mais evidente dessa transformação é justamente o abandono de todo o sofisticado aparato categorial da obra anterior voltado à classificaçãodiferenciação de suas distintas formas E isso não por qualquer pretensa irrelevância das mesmas É que do nosso ponto de vista ao alcançar efetivamente formular o ou se se quiser um conceito de dinheiro em sua obra maior Keynes luta para firmar esse conceito em suas determinações teóricas mais gerais o que implica justamente abstrair a por assim dizer excessiva multiplicidade de formas que o mesmo pode assumir Podem ser identificadas inúmeras passagens na Teoria Geral onde esse conceito de dinheiro sob pressões mais ou menos equivalentes é apresentado mas é no Capítulo 21 intitulado The Theory of Prices que esse conceito aparece em sua expressão mais sucinta ao mesmo tempo em que é explicitamente dissociado de suas foimas especificamente monetárias De quebra com essa tradução livre da expressão cunhada por Keynes alcançamos uma certa simetria entre os dois conjuntos de instrumentos monetários casti facilities os dispositivos propriamente monetários caslí deposits e os dispositivos paramonetários overdraftfacilities O estudo dessas formas seria assim deslocado para o que se poderia chamar de teoria monetáriofi nanceira que se distingue da teoria geral do dinheiro pelo recorte históricoinstitucional que lhe é inerente Longe de ser irrelevante esse estudo está para a teoria geral do dinheiro como o estudo da dinâmica concreta de uma economia concreta está para a teoria geral do emprego e do investimento financeiras foimalmente ilíquidas cujo sentido maior é o de maximizar a autonomia do sistema bancário na sustentação e na criação do meio circulante da economia Só que e este é o ponto realmente crucial essa crescente autonomização do sistema bancário não se refere à criação de dinheiro em sentido rigoroso As overdraft facilities que traduzimos resgatando o seu sentido mais geral por dis positivos paramonetários da economia podem até ser contabilizadas na unidade do money of account medida do valor da economia Mas elas não são nem definem essa medida Tão pouco são rigorosamente money itself na acepção de ativos monetários E por isso mesmo não são moneyproper vale dizer não servem como reserva de valor não sendo portanto dinheiro em sentido rigoroso É bem verdade que essas conclusões não estão perfeitamente claras no Treatise E isso não é gratuito Ousaríamos pretender que elas não se encontrain perfeitamente claras no Keynes do Treatise Mas a despeito disso elas estão lá E o seu resgate é a condição para se entender o Keynes maduro da Teoria Geral o asterisco nessa passagem conduz a uma nota de pé de página que por sua vez remete ao Capítulo 17 da Teoria Geral Entraremos nessa discussão mais adiante Na seqüência imediata dessa passagem Keynes deixa claro que a segunda função do dinheiro aí levantada é a que realmente importa Segundo o autor our desire to hold money as a store of wealth is a barometer of the degree of our distrust of our own calculations and conventions concerning the future The possession of actual money lulls our disquietude and the premium which we require to make us part with money is the measure ofthe degree of our disquietude KEYNES 1973 p 116 Money in its significant attributes is above ali a subtle device for linking the present to the future and we cannot even begin to discuss the effect of changing expectations on current activities except in monetary terms We cannot get rid of money even by abolishing gold and silver and legal tender mstruments So long as there exists any durable asset it is capable of possessing monetary atributes and therefore of giving rise to the characteristic problems of a monetary economy KEYNES 1978 p294 EB p204 Dois elementos definidores emergem nessa passagem que são de absoluta cen tralidade para a compreensão do conceito de dinheiro da Teoria Geral Em primeiro lugar na tão curta quanto precisa caracterização de money como a subtle device for linking the present to the future o que se depreende desde logo é a expressão que a dimensão temporal do dinheiro enquanto um ativo que se preserva e preserva o seu poder de compra no tempo assume para o Keynes maduro Há aqui uma transição que está longe de ser inconseqüente e que poderia ser sintetizada como um movimento de identificação da categoria money sem qualifi cativos com aquilo que no Treatise Keynes chama de money proper e que nós traduzíamos em um sentido teórico rigoroso por dinheiro Expresso nos termos da teoria monetária convencional e com todos os limites que uma tal expressão necessariamente comporta poderseia dizer que o Keynes da Teoria Geral impõe um certo privilegiamento das ftmções medida e reserva de valor do dinheiro visàvis à função meio de troca na determinação do conceito deste De fato em uma passagem bastante conhecida de um de seus mais famosos artigos posteriores à publicação da Teoria Geral The General Theory of Employment Keynes diznos Money it is well known serves two principal puiposes By acting as a money of account it facilitates exchange without picture as a substantive object In this respect it is a convenience which is devoid of signifícance or real influence In the second place it is a store of wealth KEYNES 1973 pl 15 A radicalidade dessa passagem chega a surpreender e impõe que nos peiguntemos por que a fiinção meio de troca do dinheiro não é sequer citada aqui Evidentemente a hipótese de que Keynes houvesse deixado de considerála uma função do dinheiro em sua maturidade sequer pode entrar em consideração O mero resgate de suas análises em tomo do motivo transacional de demanda de dinheiro na Teoria Geral é mais do que suficiente para patentear o absurdo de semelhante argumento Mas se é assim só se pode entender sua nãoexplicitação na passagem considerada dentro da perspectiva de que esta fimção se encontre subsumida às outras duas Que no limite se reduzem a uma unidade de conta e de algum tipo de sistema bancário de compensação E a demanda transacional de dinheiro só se manifesta nesse segundo caso Não é preciso dizer que isso implica o reconhecimento de que mesmo as decisões de produção com as compras que lhes são associadas estão submetidas a condições de incerteza É por isso que Keynes afirma no Capítulo 15 da Teoria Geral T h e Psychological a n d Business Incentives to Liquidity que money held for each ofthe three purposes forms nevertheles a single pool which the holder is under no necessity to segregate into three watertight compartments for they need not be sharply divided even in his own mind and the same sum can be held primarily for one purpose and secondarily for another Thus we can equally well and perhaps better consider the individuars aggregate demand for money in given circumstances as a single decision though the composite result of a number of different motives KEYNES 1978 P195 EB pl39 Ora uma tal interpretação é absolutamente coerente com a leitura do Treatise que propusemos acima e implica o reconhecimento de que para Keynes o processo de hansferência da propriedade de bens e ativos da economia é um processo no qual oa compras e vendas são previsíveis e tendem à simuhaneidade para os agentes relevan tes e nesse caso não se solicita a interveniência de dinheiro propriamente dito mas tãosomente de dispositivos paramonetários as overdraft facilities para a sua r e a l i z a ç ã o o u elas não são perfeitamente previsíveis mas envolvem fricções e processamse no tempo com compras e vendas diferidas o que impõe a interveniência de um instrumento que sirva de elo entre esses dois momentos de forma a preservar o valor do bem vendido até o mesmo se transfomiar em um novo valor de uso de valor equivalente Neste segundo caso e só neste rigorosamente há interveniência de dinheiro como um instrumento que liga o presente transpoitandoo ao futuro Evidentemente uma tal inteipretação reafmna a nossa hipótese de diferenciação entre dmheho e instrumentos monetários na análise keynesiana Mas isso não é tudo essa diferenciação ganha novas determinações na Teoria Geral na medida em que aí se aproflinda a cisão conceituai enfre dinheiro e ativo monetário Afmal se no Treatise já ficava claro que a moeda poderia não ser dinheiro moneyproper agora vai ficar claio que o dinheiro enquanto elo temporal fínanceiro pode não ser moeda Keynes já sinaliza esse fato na passagem que abre esta seção ao afirmar que so long as there exists any durable asset it is capable of possessing monetary afributes É este justamente o segundo elemento definidor do dinheiro a que fizemos referência anteriormente elemento que tanto se deriva da expressão mais sucinta de seu conceito enquanto elo temporal como determina e dá sustentação a esse conceito Por isso mesmo é no Capítulo 17 da Teoria Geral que encontramos o tratamento mais acurado dessa dimensão conceituai do dinheiro É lá que Keynes nos diz que it is an essential difference between money and ali ormost other assets that in the case of money its liquidityprenrium much exceeds its carrying cost whereas in the case of other assets their carrying cost much exceeds thefr liquiditypremiurn KEYNES 1978 p227 EB pl60 Digase de passagem é assim que Hiclcs interpreta o atributo de liquidez do dinheiro em Keynes e deriva daí uma contradição Para esse autor liquidity cannot be defined except in terms of exchangeability for money So to define money as an asset with perfect liquiditv is to argue in a circle HICKS 1989 p42 O que desde logo se deriva da caracterização do dinheiro como elo temporal Afinal na medida em que opera como tal o dinheiro n ã o é mais do que u m instrumento da transição mais ou menos duradoura d e u m a poiç3o econômica relativamente ilíquida a outra Esse movimento de transição se inaugura com uma venda MD e se conclui com uma compra DM o que implica dizer que os extremos do processo pressupõem a dimensão especificamente monetária do dinheiro Ou de forma ainda mais enfática em outro momento desse mesmo capítulo diz Consider an economy in which there is no asset for which the liqui ditypremium is always in excess of the carryingcosts which is the best defmition I can give of a socalled nonmonetary economy KEYNES 1978 p239 EB pl66 É interessante observar a sutileza dessas duas passagens onde o dinhefro é definido não a partir de sua função meio de troca mas como um ativo cuja característica primordial é a liquidez Aparentemente esse movhnento confundiu muitos intérpretes que tomando a moeda como o ativo líquido por excelência entenderam a carac terização acúna como expressando de uma forma algo desajeitada a virtual identi dade do dinheiro com o ativo monetário Diferentemente interpretamos as passagens achna como a expressão da exigência de que o ativo que funciona como dinheho seja não apenas um ativo líquido mas um ativo particularmente líquido vale dizer um ativo que ou Já meio circulante mi pode se transformar em meio circulante em um período desprezível e sem perdas Isso evidentemente não nega a existência de uma dimensão especificamente monetária do dinheiro Só que essa dmiensão monetária emerge aqui como um atributo de liquidez o que vem colocar a possibilidade de que entre dinheiro e moeda não haja uma identidade absoluta mas tãosomente uma relação de conversibilidade garantida de um em outro Que esta última interpretação corresponda à leitura de Keynes é algo que fica claro a partn do momento em que entendemos o significado de prêmio de liquidez e de liquidez desse autor Segundo Keynes the power of disposal over an asset during a period may offer a potential convenience or security which is not equal for assets of different kmds though the asset themselves are of equal initial value The amount measured in terms of itself which they are willúig to pay for the potential convenience or security given by this power of disposal exclusive of yeld or carrying cost attaching to the asset we shall call its liquiditypremium KEYNES 1978 p226 EB pl59 Ora não pode deixar de ciiarnar atenção a forma como Keynes associa o prêmio de liquidez e portanto o próprio atributo de liquidez à segurança que a manutenção de um ativo proporciona Evidentemente ao fazer essa associação Keynes não está preten dendo subverter o sentido tradicional do termo liquidez mas tãosomente chamar atenção para o fato de que um ativo só é líquido na medida em que podemos dispor deste a qualquer momento para enfrentar qualquer eventualidade eou aproveitar qualquer oportunidade de negócio com um risco mínimo de perda de valor Por mais que essa caracterização de liquidez em Keynes pareça algo inusual ela corresponde contudo à noção mais corriqueira que se faz desse atributo Afinal o próprio senso comum reconhece que um ativo não é líquido apenas por ser vendável imediatamente Nesse grau de generalidade todo e qualquer ativo deveria ser considerado líquido na medida mesmo em que em mercados organizados e desenvolvidos sempre haverá xm preço suficientemente baixo em relação aos custos de produção de um attigo de qualidade similar para estimular a emergência de algum proprietário de dinheiro apto e disposto a comprar o ativo ofertado Se admitirmos contudo que o atiibuto de liquidez é restrito a determinados ativos isso nos obriga a admitir que um ativo só é líquido na medida em que sua venda imediata possa se realizar com pouca ou nenhuma perda do valor associado aos custos de reprodução ou a um valor médio esperado do mesmo É por isso que para Keynes There is clearly no absolute standard of iiquidity but merely a scale of liquidity a varying premium of which account has to be taken in addition to the yeld of use and the carryingcosts in estimating the comparative attractions of holding different forms of weahh The conception of what contributes to liquidity is a paitly vague one changing from time to time and depending on social practices and institutions The order of prefèrence in the minds of owners of wealth in which at any given time they express their feelings about liquidity is however definite and is ali we require for our analysis of the behaviour of the economic system KEYNES 1978 p240EBpl67 Quer nos parecer que da passagem acima e das observações anteriores possamos extrair três idéias básicas que sintetizariam a contribuição original de Keynes à determinação da categoria liquidez a o atributo de liquidez é um atributo sócioex pectacional indissociável das características que fazem de um ativo uma boa reserva de valor b esse atributo não é determinado pura e simplesmente pela amplitude e pela organização do mercado onde são transacionados bens e ativos financeiros e finalmente c esse atributo não é imanente à moeda mesmo quando portadora de curso forçado pelo Estado Sêm sombra de dijvida esta liltima conclusão é a mais irrusual e a mais difícil de ser admitida Contudo é justamente isso que Keynes vai defender na seqüência Asshn é que após afimrar que in ceitain historie environments the possession of land has been characterised by a high liquiditypremium in the mind of owners of wealth Keynes 1978 p241 EB pl67 acrescenta Como aliás em diversas outras passagens da Teoria Geral o que não deixa de alimentar uma certa confusão É de notarmos contudo que nesse mesmo Capítulo 17 Keynes apresenta uma explicação para sua relativa displicência terminológica Discutindo a inflexibilidade para baixa da taxa de juros ele diz If by money we mean the standard of value it is clearthat it is not necessarily the moneyrate of interest which makes the trouble the same difficulties will ensue if there continues to exist any asset of which the ownrate of interest is reluctant to decline as output increases In attributing therefore a peculiar significance to the moneyrate of interest JSÊ have been tacitiy assuming that the kind of money to which we are accostumed has some characteristics grifos com sublinha nossos KEYNES 1978 p229 EB p 161 As características a que Keynes se refere aqui são as propriedades essenciais do dinheiro que passamos a analisar acima it is unlikely that an asset of which the supply can be easily increased or the deèüe for which can be easily diverted by a change in relative price will possess the attribute of liquidity in the mmds of owners of wealth Money itself rapidly leses the attribute of liquidity if its future supply is expected to undergo sharp changes grifo nosso KEYNES 1978 p241EBp 167 Em suma a moeda pois é rigorosamente à moeda que Keynes se refere na passagem acima pode perder o seu atributo de liquidez E a condição para que não o faça é a de que sua produção e de forma derivada ou secundária sua oferta e demanda se processem de acordo com padrões bastante definidos e rígidos Especificamente ao nível da produção Keynes acredita que a condição de sustentação da função dinheiro que se confunde com a liquidez da moeda é that money has both in the long and in the short period a zero or at any rate a very small elasticity of production so far as the power of private enterprise is concerned distinct from the monetary authority grifo nosso KEYNES 1978 p229230 EB pl61 Ora se tomarmos essa passagem no contexto dos desenvolvimentos anteriores o que fica claro é que Keynes está buscando resgatar os determinantes objetivos produ tivos capazes de garantir a atribuição social e expectacional da característica de liquidez à moeda ou a outro ativo qualquer E a sua conclusão é a de que para que se generalize a confiança na estabilidade relativa do valor de um ativo financeiro qualquer monetário ou não a ponto de essa crença se tornar um instrumento efetivo de estabilização de sen valor de troca é necessário que se acredite que a escassez relativa do mesmo não será fruto de variações significativas a curto ou a longo prazo Isso significa dizer desde logo que ele não pode ser um ativo repro duzido dentio de padrões especificamente industrialcapitalistas o que subordinaria sua disponibilidade relativa à contraditória e dinâmica lógica da concorrência inter capitalista mas isto sim deve ter sua produção limitada pelo menos a princípio por circunscrições técnicas eou institucionais tais que sejam capazes de viabilizar o movhnento inicial de outorga do atributo de liquidez ao mesmo Dentre as quais apenas a primeira aparece formalmente em Keynes como uma outra propriedade do dinheiro É de se notar que a exigência de custos de manutenção desprezíveis indubitavelmente uma determi nação genética do dinheiro apenas sustenta sem se identificar com a propriedade do dinheiro aqui considerada Evidentemente porém do exposto acima não se deve depreender que a produção do ativo dinheiro deva ser absolutamente melástica a variações em sua demanda Uma tal exigência estaria ern total contradição com a sustentação do atributo de liquidez enquanto definidor do dinheho E isto porque um ativo com tais característi cas é tun ativo raro via de regra irreprodutível como os quadros dos grandes mestres marcado pelo fato de que variações significativas em sua demanda instabili zam fortemente seu valor de troca Diferentemente o exercício adequado da função dúrheho hnpõe aos ativos a sustentálatal como a reconência da opção social pelos metais preciosos e pelas moedas fiduciárias nacionais o comprova algum grau de flexibilidade em sua produção e oferta Isso significa que o ativo dinheho tem de ser simultaneamente reprodutível em um sentido mais geral e hreprodutível em termos mdushiais capitalistas Keynes procura resolver e moshar como efetivamente se resolve essa contradição mtema à primeira propriedade do dinheiro a parth da definição de duas outras condições necessárias à afumação do atributo de liquidez desse atívo É neste sentído que Keynes afirma que the second differentia of money is that it has an elasticity of substitution equal or nearly equal to zero This follows from the peculiarity of money that its utility is solely derived from its exchange value so that the two rise and fali pari passu with the result that as the exchange value of money rises there is no motive or tendency as in the case of rentfactors to substitute some other factor for it KEYNES 1978 p231 EB pl62 E adiante diz Thhdly we come to what is the most fimdamental consideration in this context namely the characteristics of money which satisfy liquiditypreference beyond a certain point moneys yeld from liquidity does not fali m response to an increase in its quantity to anythmg approachmg the extent to which the yeld from other types of assets falls when their quantity is compárably increased In this cormection the low or negligible carryingcosts of money play an essential part KEYNES 1978 p233 EB p 163 Ora desde logo é preciso recorrhecer que essas duas novas condições não são suficientes para resolver a contradição identificada até certo ponto por Keynes A primeira delas só é rigorosamente válida para flutuações relativamente pequenas do valor de troca do dinheuo vale dizer que se processam em torno do valor médio ou normal desse ativo Afinal e a partir dos termos mesmos em que Keynes coloca a questão da elasticidade de substituição do dmheiro para variações mais significa tivas do poder de compra desse ativo essa elasticidade deveria ser negativa o que se expressaria em uma corrida para o dinheiro em períodos deflacionários e contra o dmheiro que se transformaria assrni em mera moeda em períodos inflacionários Por outro lado tanto a característica de uma elasticidade de substituição próxhna de zero ou negativa quanto a de uma demanda perfeitamente elástica a variações na produçãooferta sá SÊ sustentam na medida em OUÊ Q ativo que cumpre a função dinheiro na economia já tenha sido definido Elas não cumprem qualquer papel na definição mesma desse ativo não são determinações genéticas não explicam a emergência de um ativo como dinheho Elas tãosomente explicam como uma vez eleito e definido o dmheiro sustenta seu atributo de liquidez em sentido keynesiano mesmo fiente a variações relativamente abruptas em seu processo de produçãooferta Reconhecer isso é reconhecer que sobrevive uma contradição no processo de outorga da fimção dinheiro a lun ativo qualquer É isso justamente o que Keynes quer expressar ao dizer Unemployment develops that is to say because people want the moon men cannot be employed when the object of desire ie money is somethmg which cannot be produced and the demand for which cannot be readily choked off There is no remedy but to persuade the public that green cheese is pratically the same thing and to have a green cheese factory ie a central bank under public control KEYNES 1978 p235 EB pl64 Se contudo a fábrica de queijo verde deliberadamente ou não transpõe os limites dentro dos quais o queijo verde monetário pode passar por um substituto eficaz da lua seu produto perde a fimção de dinheiro na medida mesmo em que perde seu atributo de liquidez e seus custos de manutenção se elevam com a perda de poder de compra da moeda e outros queijos terão de ser encontrados para cumprirem tal função O que digase de passagem não é difícil pois como Keynes bem lembra em sua polêmica com Gessel money was not unique in having a liquiditypremium attached to it but differed only in degree from many other articles deriving its importance from having a greater liquiditypremium than any other article Thus if currency notes were to be deprived of their liquidity premium by stamping system a long series of substitutes would step into their shoesbankmoney debts at call foreign money jewellery and the precious metais generally and so forth KEYNES 1978 p357358 EB p242243 Não há porque se pretender assim que uma política monetária expansionista levada até os limites da perda da confiança na moeda seja efícaz para enfrentar os problemas postos pelo alto prêmio de liquidez fornecido pelo ativo que cumpre a função dinhefro E isso pura e simplesmente porque no caso de uma tal política ser efícaz ela só o será no sentido de retirar da moeda o exercício da função dinheiro o que é o mesmo que dizer que sua eficácia se reduz a afastar o Estado como qualquer confrole sobre a taxa de juros relevante do sistema bem como sobre a dinâmica do jogo especulativofinanceiro de valorização capitalista Hic Rhodus hic salta r mBmímh 587 3 À guisa de conclusão d a atualidade d a teoria keynesiana d o dinheiro Se entendemos por atualidade da teoria keynesiana do dinlieiro a relevância prática dessa teoria em termos contemporâneos é preciso reconhecer que este ensaio não comporta elementos suficientes para uma avaliação mais conclusiva da mesma E isso na medida em que já em Keynes a teoria do dmheho está totahnente hnbricada com uma dada leitura do processo especulativo de valorização capitalista Com o que avaliar a atualidade da teoria keynesiana do dmheiro em seu sentido mais amplo envolveria a avaliar o papel da equação fmancehoespeculativa na dmâmica mais geral da valorização capitalista contemporaneamente e b avaliar que papel cabe ao dinheiro enquanto ativo líquido no sentido keynesiano no mterior dessa equação Não é difícil se entender que esse movmiento está muito além de nossas possibilidades aqui Por outro lado em um sentido por assim dizer mais lógicoteórico do que propriamente empúicohistórico quer nos parecer que a atualidade da leitura keyne siana seja msofismável Os prmcipais argumentos em defesa desse ponto de vista encontramse no bojo do próprio texto e seria ocioso reproduzilos aqui exausti vamente Contudo há duas dimensões da atualidade teórica da leitura keynesiana que apenas apontadas achna mereceriam alguma atenção nessas considerações fmais Em prhneiro lugar parecenos que a teoria financeira do dmheho em Keynes abre espaço para mna mterpretação da questão da endogenia da oferta monetária que é absolutamente subversiva dos termos em que a mesma é tradicionahnente posta Desde logo é preciso que se tenha clareza que tuna dada teoria é tanto mais totalizante e endogeneísta quanto menos restrito o campo objetalparadigrnático em que se estrutura Ora Keynes é um renitente solapador dos aitificiosos limites da economia pura o que o faz como a todo e qualquer autor do campo da economia política apriori um endogeneísta Essa determinação a priori contudo é essencialmente vazia e tem de ser preenchida teoricamente A contribuição origmal de Keynes para esse movimento se deriva do próprio tratamento analítico das distintas esferas monetárias e financeiras do dinheiro em sentido mais geral E isso na medida em que o resultado natiual desse tratamento analítico é a diferenciação das diversas instituições que respondem pela e endogeneízamna produção eou determmação do dmheho em sentido estrito da moeda e dos disposhivos paramonetários da economia Digase de passagem esse segundo movimento tem de levar em consideração que a inflação a instabilidade cambial e a intemacionalização financeira se tomaram dados estruturais do capitalismo contemporâneo o que desde logo implica que se pense o dinbeiro como um ativo que se diferencia crescentemente de suas formas monetárias ou não estritamente nacionais Que aqui assume um sentido algo distinto incorporando tanto a eleição quanto a cedência em contrapartida da incorporação de posições financeiras relativamente ilíquidas do ativo que cumpre o papel de dinheiro na economia De uma forma mais clara e resgatando o conjunto dos desenvolvimentos anteriores diríamos que uma leitura rigorosamente keynesiana da oferta de dinheiro deve se pautar no reconhecimento de que a a oferta de dispositivos para monetários é ÊSSÊUdalniÊnlÊ endógena ao sistema bancário em sua articulação financeira mais geral que transcende a esfera das relações de débito e crédito com o setor produtivo capitalista da economia b a oferta de moeda enquanto ativo é essencialmente endógena aflsistema paraestatal ds regniação bancária repre sentado por um Banco Central formahnente independente ou não e pelo conjunto dos bancosmembros do sistema que usufruem sob restrições do atributo de emprestador em última instância daquele primeno e c a oferta dfi dinheiro em sentido estrito é endógena ao sistema econômico como nm todo referida que é a todo um conjunto de avaliações e expectativas de liquidez e de rentabilidade relativa de ativos que são irredutíveis ao campo estreito da regulação estatal Fínahnente uma segunda derivação importante do tratamento analíticoconceitual do dmheuo em Keynes diz respeito a uma questão ainda mais controversa que a anterior a questão da inflação Nesse particular quer nos parecer que a leitura de Keynes implique a recusa dos próprios termos da disputa tradicional entre monetaris tas que pretendem reduzir a questão da inflação a um excedente de oferta de moeda determinado pelo Estado visàvis a uma demanda essencialmente estável e estru turalistas que pretendem ser possível reduzir a inflação a uma questão de formação dos preços industriais e dos fatores de produção Evidentemente isso não significa ignorar a maior sofisticação analítica e a con tribuição teórica dos últimos em relação aos primeiros Tal como Marx Keynes sabe que nem as mercadorias formam um angu que chega ao mercado sem preços nem o dinheiro chega ao mercado sem valor A crítica imanente de Keynes às leituras especificamente estruturalistas diz respeito apenas ao fato de que estas não alcançam pensar o próprio processo de produção e formação de preços como um processo eminentemente monetáriofinanceiro Com isso não se alcança perceber que todos os processos inflacionários sejam eles de custo de demanda inerciais etc resuham de decisões de produção e investimento em sentido mais geral articuladas dentro de um quadro onde as expectativas de variação do prêmio de liquidez da moeda e da sustentação por parte desta da função dinheiro da economia adquirem absoluta centralidade Ora já vimos anteriomente que para Keynes a política monetária govemamental é não só capaz de interferir sobre a magnitude desse prêmio como no limite coloca em risco a própria sustentação do atributo de liquidez por parte da moeda Só que é preciso entender que a admissão desse casolúnite não implica absolutameiite cair em Bibliografia BRUNNER K 1991 Money supply In EATWELL J et al ed The new Palgrave Londres Macmillan CARVALHO F C1993 Sobre a endogenia da oferta de moeda réplica ao professor Nogueira da Costa Revista de Economia Política São Paulo vl3 n3 pl 14 121julset COSTA F N 1993 Impropriedades da moeda Revista de Economia Política São Paulo V13 n2 abrjun DAVIDSON P 1972 Money and real world New York Halsted HICKS J R 1967 Criticai essays in monetary theory Oxford Claredon HICKS J R 1989 A market theory of money Oxford University KEYNES J M 1978 The general theory of employment interest and money Londres Macmillan The collected writings of John Maynard Keynes KEYNES J M 1979 A treatise on money the pure theory of money Londres Macmillan The collected writings of J M Keynes v5 KEYNES John Maynard 1973 The general theory and after defence and development Londres Macmillan The collected writings of John Maynard Keynes JCEYNES Jolm Maynard 1983 A teoria geral do emprego do juro e da moeda São Paulo Abril Cultural MINSKY H 1975 John Maynard Keynes New York Columbia University posições monetaristas Significa isto sim admitir mais uma vez em consonância com Marx que a política monetária ativa é não apenas limitada como extremamente perigosa Desconhecer esses limites e perigos fazendo a fábrica de queijo verde operar de acordo com postulados horizontalistas significa destruir a Irágil base fiduciária que sustenta a liquidez desse ativo alavancando a corrida especulativa contra a moeda capaz de gerar uma depreciação de seu valor em dimensões absolu tamente desproporcionais à ampliação da oferta original Evidentemente desenvolver as hipóteses teóricas levantadas nesta conclusão é uma tarefa para outros trabalhos eventualmente até para outros pesquisadores que tão reticentes quanto nós próprios com a nouvelle vague revisionista e iconoclasta de modernistas e pósraodemos ainda acreditam que a releitura atenta de autores como Keynes e Marx seja uma fonte particularmente rica de aprendizagem Abstract The aim of this paper is to discuss the evolution of Keynes concept of money from A Treatise an Money ía lh Ggngral Thcory It tries to demonstrate this movement is marked by the development of Keynes criticism to orthodox identífi cation of money currency and cash facilities It also proves that the distinction of these three categories in Keynes must be clear to permit a good comprehension of a the authors criticism of monetary policy b the amplitude of his view about the determinants of inflation and c the absolute validity of Keynes theory of liquiditypreference under inflationary conditions